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História e Fundamentos

da Literatura Surda
Professora Esp. Mariana Alves Carnelozzi
2021 by Editora Edufatecie
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação - CIP


C289c Carnelozzi, Mariana Alves
História e fundamentos da literatura surda / Mariana Alves
Carnelozzi. Paranavaí: EduFatecie, 2021.

98 p.: il. Color.

1. Surdos. 2. Surdos - Educação. 3. Lingua brasileira de sinais.


I. Centro Universitário UniFatecie. II. Núcleo de Educação a Distância.
III Título.

CDD: 23 ed. 371.912

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Revisão Textual
Beatriz Longen Rohling
Carolayne Beatriz da Silva Cavalcante
Kauê Berto

Projeto Gráfico, Design e


Diagramação
André Dudatt
AUTORA

Professora Mariana Alves Carnelozzi

● Graduada em Pedagogia pela UENP (Universidade Estadual do Norte


do Paraná);
● Especialista em Língua Brasileira de Sinais pela UNIASSELVI;
● Formação em curso de tradução e interpretação pelo curso - LIBRAS -
profissional intérprete;
● Formação em língua Brasileira de sinais pelo curso Libras Aqui;
● Profissional tradutora de LIBRAS;
● Professora de LIBRAS - modalidade online;
● Produtora de conteúdo em @tils.comunicacao.

CURRÍCULO LATTES: http://lattes.cnpq.br/2984503877654712


APRESENTAÇÃO DO MATERIAL

Seja muito bem-vindo(a)!

Prezado aluno (a),

Se você se interessou pelo assunto desta disciplina, isso já é o início de uma


grande jornada que vamos trilhar juntos a partir de agora. Em seus estudos, trabalhe seu
pensamento crítico-construtivo, realizando suas indagações acerca dos diferentes temas
que serão apresentados.
Neste material iremos abordar a Literatura Surda em seus âmbitos mais gerais, bem
como adentrar em discussões específicas no que concerne cada gênero literário nas suas
diversas possibilidades de tradução e registro, além de abordarmos as questões referentes
à cultura e identidade da Comunidade Surda.
Na unidade I, iniciaremos nossa jornada de conhecimento com um apanhado his-
tórico geral da Comunidade Surda, em seguida abordamos as questões conceituais, bem
como as características e a história da Literatura Surda, discorrendo também sobre os
diferentes tipos de obras, como narrativas, humor, poesias, etc.
Já na unidade II trataremos sobre o gênero infantil na Literatura Surda, as possibilida-
des para o processo de tradução, entendendo especificamente os gêneros poesia e humor.
Em nossa III unidade, iremos compreender de que forma ocorre o letramento literário
do povo surdo, abordando as diferenças entre os processos de alfabetização e letramento,
e também iremos abordar a imprescindível importância da Literatura Surda para que esses
indivíduos possam se posicionar como contadores de histórias, que narram suas próprias
vivências e se empoderam por meios desses diferentes gêneros literários. Processo este
que deve ser incentivado e abordado desde a infância, para tanto compreenderemos al-
gumas possibilidades de práticas pedagógicas para se utilizar com crianças e ensiná-las a
contarem histórias.
A nossa IV unidade estará pautada em autores e autoras surdos (as) para o de-
senvolvimento de tal disciplina, em que iremos discorrer acercas da Cultura e Identidade
Surda, compreendendo a visualidade e imagética presentes na Língua de Sinais, e de que
forma tais sujeitos se constroem a partir dessas experiências visuais, e por fim trataremos
da importância do reconhecimento da Língua de Sinais como artefato Cultural.
Aproveito para reforçar o convite a você, para juntos percorrermos esta jornada de
conhecimento e multiplicar os conhecimentos sobre tantos assuntos abordados em nosso
material. Esperamos contribuir para seu crescimento pessoal e profissional.

Muito obrigado e bom estudo!


SUMÁRIO

UNIDADE I....................................................................................................... 3
História e Fundamentos da Literatura Surda

UNIDADE II.................................................................................................... 27
Produção da Literatura Surda

UNIDADE III................................................................................................... 56
Letramento Literário

UNIDADE IV................................................................................................... 75
Literatura Surda: Produções Culturais em Língua de Sinais
UNIDADE I
História e Fundamentos
da Literatura Surda
Professora Esp. Mariana Alves Carnelozzi

Plano de Estudo:
● Um breve resgate histórico da Comunidade Surda numa perspectiva
socioantropológica;
● Conceito da Literatura Surda;
● Características da Literatura Surda;
● História da Literatura Surda;
● Tipos de obras (narrativas, poesias, humor, autobiografias).

Objetivos da Aprendizagem:
● Identificar os diferentes tipos de produção literária em sinais;
● Conhecer os diferentes tipos de produção literária escrita e visual;
● Entender e identificar as características das produções do povo surdo;
● Diferenciar uma produção cultural do povo surdo de produção sobre o Surdo.

3
INTRODUÇÃO

Prezado(a) aluno(a), a partir de agora vamos embarcar em uma viagem pelo


conhecimento.
Nesta unidade vamos realizar um resgate histórico de alguns acontecimentos
importantes para a comunidade surda, e discorrer acerca dos conceitos de norma
e normatização, no intuito de estimular discussões e nos fazer repensar alguns dos
comportamentos naturalizados socialmente, mas que geram discursos capacitistas.
Ao pensar em Literatura Surda, precisamos compreender e diferenciar o conceito de
uma literatura construída baseada em uma cultura ouvinte. Neste processo de aprendizagem
iremos percorrer alguns caminhos que nos trarão esse entendimento, assim como, também
iremos discorrer acerca das variadas possibilidades de produções literárias.
A LIBRAS, a língua materna da pessoa surda, é uma língua muito completa e
fascinante. Vamos juntos (as) conhecer e pensar esses caminhos que ela nos dispõe.

Que este material contribua com seu processo de aprendizagem, bons estudos!

UNIDADE I Literatura Surda 4


1. UM BREVE RESGATE HISTÓRICO DA COMUNIDADE SURDA NUMA
PERSPECTIVA SOCIOANTROPOLÓGICA

Antes de adentrarmos as questões referentes à literatura surda, é imprescindível


realizar um apanhado histórico sob uma perspectiva sócio antropológica acerca dos pro-
cessos no âmbito educacional oportunizados a esse sujeito, bem como as metodologias de
ensino utilizadas.
Perante a compreensão da escola enquanto instituição social que visa a formação
do sujeito para a cidadania, estando estes processos intrínsecos, se faz oportuno men-
cionar o conceito de indivíduo que o modelo social e político atual e histórico visa formar.
Cabe-nos a indagação: quem são as pessoas que criam as normatizações que possibilitam
o reconhecimento do indivíduo enquanto sujeito social de direito? Em prol de quais discur-
sos, políticas ou modelos sociais que tais normas são propícias?
Perante a assertiva que visamos a formação de sujeitos críticos e emancipados, se
faz fundamental a identificação dessas normas sob a ótica histórica de luta que a comunida-
de surda tem traçado para o reconhecimento da Língua de Sinais como a língua de direito
da pessoa surda, a valorização e acesso aos meios de educação, cultura, reconhecimento
enquanto cidadão de direito, etc.
Para uma melhor assimilação no que se refere ao debate aqui posto em questão,
discorro acerca dos significados de norma e normatização, segundo o dicionário:

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Define-se “norma” em âmbito social como “Aquilo que determina um compor-
tamento, conduta, ação; regra.” E em âmbito gramatical - “Quaisquer aspec-
tos que, numa língua, são determinados por regras sociais, pelo uso corren-
te.” (NORMA, 2021).

E a normatização,
Define-se “normatização” como “Ato de estabelecer padrões ou inserir algo
num modelo ou padrão a ser seguido pelos demais: normatização das regras
de higiene.” (NORMATIZAÇÃO, 2021).

Sabemos que a formação da sociedade se constitui e se baseia num conjunto de


normas e regras comportamentais, essas que são apresentadas para serem seguidas de
forma passiva, sem questionamentos, em moldes discursivos que as apresentam como
imprescindíveis para um bom funcionamento dessa estrutura e de todos os outros âmbitos
que a constrói.
No sentido da normatização, na esfera político-social, temos um padrão, um modelo
de indivíduo, cidadão ideal. A normatização se baseia em um conjunto de comportamentos
que cada cidadão deve internalizar para que a norma possa ser seguida sem contrarieda-
des, e assim, construir a sociedade de controle1.
Na tentativa de elucidar as duas questões anteriores, nos deparamos com uma
nova indagação: Que normas são essas que determinam o espaço, o acesso e os direitos
que cada pessoa terá, a tudo que o identifica enquanto cidadão?
Para Foucault, a norma corresponde à construção de um paradigma que em-
basará a distinção entre o normal e o anormal. Ao anormal, isto é, ao que se
situa à margem da norma, são destinados instrumentos de correção, os quais
se pautam, sobretudo, em mecanismos de exclusão. Vale dizer, é preciso
excluir para tratar, consertar, normalizar a anormalidade do indivíduo. Tais
procedimentos normalizadores objetivam a transformação dos sujeitos em
corpos dóceis, o que é demasiado interessante às pretensões de governa-
mentalidade dos indivíduos. (ESTEVES, 2016, p. 01).

Nessa perspectiva anátomo-política dos corpos, a pessoa surda tem suas capaci-
dades interpretadas sob a ótica do audismo e do capacitismo.
Tal conceito do “audismo” baseia-se na ideia de “colonialismo”, sob a ótica
das relações de poder, desiguais, que se estabelecem entre dois ou mais
grupos em que “um não só controla e domina o outro, como ainda tenta im-
por sua ordem cultural ao(s) grupo(s) dominado(s)” (MERY, 1991 apud WRI-
GLEY, 1996, p. 72).

A sua surdez o precede, justifica e delimita suas capacidades de desenvolvimento e


aprendizagem psíquico, cognitivo e motor, na concepção patológica sua surdez o limitaria a
atender as necessidades e especificidades das demandas do capital, ou seja: utiliza-se da

1 Nas sociedades de controle, que cada vez mais parecem materializar-se diante de nossos olhos,
a tônica dominante é, portanto, o controle permanente sobre os fluxos de informação, sobre os padrões de
comportamento dos indivíduos, gerando relações de poder mais difusas e descentradas, mas, mesmo por
isso, mais abrangentes e mais eficientes nos processos de regulação social. (ASPIS; GALLO, 2010. p. 11)

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sua surdez como argumento para que haja consentimento acerca do conceito de que este
corpo não consegue oferecer a subserviência e produtividades básicas e necessárias des-
se modelo sócio-político. A norma apresentada nesse conceito se baseia na audição como
o sentido mais importante. Entretanto, não deveria ser esse próprio sujeito, o dirigente de
sua vida, a pessoa propícia a delegar suas limitações? Mediante moldes capacitistas, assu-
mimos tais identidades, como se tivéssemos experienciado tais vivências, e num processo
nada dócil, delimitamos os espaços que esses corpos estão aptos para transcorrer.
Nesse sentido, o conceito de capacitismo pode ser definido como toda ação e/
ou pensamento referente a uma pessoa que não atende aos padrões sociais de corpos
denominados como “normais”. Pessoas estas denominadas como deficientes. Tais atitudes
subestimam as capacidades desse sujeito, partindo da premissa da limitação.
Tais suposições implicam diretamente nos recursos que o Estado disponibilizará
para a formação desse sujeito, na lógica do questionamento realizado: quais os retornos
que este sujeito me trará, constituirá o valor que demandará sua formação – na lógica que,
a pessoa surda enquanto corpo deficiente, pouco contribui e retribui, dessa forma, não se
torna viável o desenvolvimento do mesmo. Processo que reincide nas instituições escolares
e pode ser explicado por meio da teoria do biopoder, desenvolvida por Foucault (2006).
O capitalismo, desenvolvendo-se em fins do século XVIII e início do século
XIX, socializou um primeiro objeto que foi o corpo enquanto força de pro-
dução, força de trabalho. O controle da sociedade sobre os indivíduos não
se opera simplesmente pela consciência ou pela ideologia, mas começa no
corpo, com o corpo. Foi no biológico, no somático, no corporal que, antes de
tudo, investiu a sociedade capitalista. O corpo é uma realidade biopolítica. A
medicina é uma estratégia biopolítica. (FOUCAULT, 2006, p. 80 apud BAAL-
BAKI; CALDAS, 2011. p 03).

Percebam como os diferentes segmentos que formam a sociedade se interligam.


Para compreendermos a Literatura Surda, os moldes, o acesso, o incentivo à leitura, e a
estrutura disponibilizada para formação, capacitação e criação de profissionais surdos(as)
e ouvintes bilíngues para atuar nessa área, precisamos desvendar esse maquinário, que é
um resultado direto da histórica de como esse sujeito é visto e percebido pelos dispositivos
de poder, que seguem a lógica da disciplinarização.
Sob uma perspectiva clínica de olhar a surdez, se constrói a deficiência como
patologia, como falta, esta que deveria ser tratada e preenchida. Na pessoa que não ouve,
seu desacerto se encontra na audição. Poderia citar aqui muitos dos processos de corre-
ção da surdez que foram instituídos, no entanto o enfoque dessa disciplina se encontra
em outro campo teórico. Posto isto, vamos delinear algumas metodologias empregues no
processo educacional da comunidade surda. Para esta compreensão, vamos demarcar
uma breve linha histórica, pontuando alguns dos acontecimentos marcantes que norteiam
a composição e elaboração da Literatura Surda.

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Em um movimento de normalização e normatização, a Literatura adentra esferas
de “ouvintização”, estas que não respeitam e consideram as diferenças.
Como já exposto nesse material, a pessoa surda, desde os primórdios foi vista como
incapaz, como não passível de aprendizagem, como um corpo defeituoso, era marginali-
zado social e politicamente. Vamos discorrer acerca de algumas políticas que viabilizaram
o reconhecimento dessas pessoas enquanto sujeitos de direito, principalmente no que diz
respeito ao direito à educação.
Somente em 1994, com a Declaração de Salamanca, foi constituído o direito de
todas as crianças que possuem necessidades educacionais especiais, ou não, estarem
inseridas em escolas regulares de ensino. Tal documento trata de princípios, políticas e
práticas na área das necessidades educativas especiais, no intuito de assegurar que todas
as crianças, jovens e adultos estejam inseridos dentro do sistema regular de ensino, de ma-
neira que as instituições escolares e seus projetos pedagógicos se ajustem às demandas
desses sujeitos, e não o contrário.
A Declaração de Salamanca (1994) aborda os Direitos humanos e a Declaração Mun-
dial sobre a Educação para Todos e aponta os princípios de uma educação especial e de uma
pedagogia centrada na criança. Em seguida apresenta propostas, direções e recomendações
da Estrutura de Ação em Educação Especial, um novo pensar em educação especial, com
orientações para ações em nível nacional e em níveis regionais e internacionais.
Se a educação deve ser inclusiva, o seu processo de aquisição deve ser norteado
por metodologias que respeitem e valorizem as especificidades de cada discente, bem
como busque incentivar o desenvolvimento de suas múltiplas potencialidades.
Outros acontecimentos importantes que podemos citar, decorrem acerca das
primeiras experiências educacionais referentes a educação de surdos no Brasil, com a
fundação do primeiro instituto de educação de Surdos – atual INES- Instituto Nacional de
Educação de Surdos, advinda da presença do surdo Eduardo Huet e do imperador Dom
Pedro II se inicia a introdução de novos sinais na terra brasileira.
Outro marco histórico importante que influenciou diretamente na metodologia edu-
cacional da comunidade surda, foi o Congresso de Milão, ocorrido em 1880, que instituiu
por meio de votação de pessoas ouvintes, a modalidade oral como a mais adequada para o
processo de aprendizagem da comunidade surda. Conhecido como o século do holocausto,
pois foram proibidos de utilizar a Língua de Sinais, na tentativa de assemelha-los cultural e
linguisticamente aos ouvintes.

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Todo esse segmento histórico influencia diretamente na forma como a literatura
surda é abordada e conduzida nos mais diversos setores que um cidadão permeia. (Social,
político, educacional, de lazer, etc).
No tópico a seguir, iremos compreender o conceito de Literatura Surda. Que possa-
mos construir esse conhecimento sob uma perspectiva socioantropológica, que compreen-
de, respeita e valoriza a comunidade surda e toda sua histórica.

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2. CONCEITUANDO A LITERATURA SURDA

É importante realizarmos inicialmente, o conceito de literatura, conforme o dicionário:


1.Arte de escrever trabalhos artísticos em prosa ou verso.
2. Conjunto das produções literárias de um país, de uma época.
3. Conjunto de obras sobre um determinado assunto; bibliografia: literatura
sobre o câncer. (LITERATURA, 2009).

Numa perspectiva da Literatura para a comunidade surda, percebemos a face de


um arcabouço diverso de metodologias e atividades que podem ser propostas e trabalhadas
em sala de aula. Nas próximas unidades vamos compreender esses caminhos para que a
prática seja estabelecida.
Literatura não se refere somente ao passar dos olhos ou das mãos (leitura em
braile para surdo cegos ou cegos), esta produção não se especifica somente com o ato de
escrever, como a definição do dicionário exposta na citação acima nos apresenta. Quem
escreve, lê, e diante das palavras, ser um leitor vai muito além da capacidade de leitura,
lidamos com a decodificação de códigos literários, compreendendo a mensagem que o
autor ou autora intenciona o conjunto dessas palavras, ressignificando seus conceitos.
Ao ler, adentramos em um novo mundo, experiências, diferentes vivências, tais
quais são percebidas de maneira individual, tendo influência das práticas e particularida-
des de cada sujeito. Essa disciplina se apresenta em uma perspectiva de produção da
comunidade surda. Quem produz e consome a literatura em âmbitos que não permeiam
a oralização, mas apresenta corpos e vivências de pessoas que, muitas vezes, tem suas
capacidades pré-determinadas pela sua língua.

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Iremos compreender a teorização do conceito de comunidade como um conjunto
de pessoas que se encontram em concordância com determinados conceitos. Quando nos
referimos à Comunidade Surda, podemos estabelecer que esse conjunto de pessoas se
baseia no modo de comunicação bem como a identidade e cultura em comum.
A construção e a práxis de leitura do sujeito surdo, deve partir de uma interculturalida-
de, considerando que a pessoa surda, em sua maioria, tem sua identidade e cultura permea-
das e construídas por complexidades de um ambiente multicultural e bilíngue. Por um lado,
se encontram em um grupo visual, e por outro, estão inseridas em uma sociedade ouvinte.
Essa biculturalidade requer dinamismo no desenvolvimento de metodologias que levem em
consideração essa diversidade, metodológicas que apresentem e valorizem as diferenças e
as lutas contra todas as possíveis formas de discriminação e desigualdade social.
De modo prático, devemos buscar promover relações dialógicas e igualitárias
que respeitem e transitam entre diferentes grupos e indivíduos pertencentes a culturas
antagônicas, em que tais singularidades possam vir a acrescentar e estimular novas apren-
dizagens, promovendo uma sistemática que reconheça e valorize não somente as culturas
normativas e naturalizadas, mas principalmente as advindas de lutas, treinando nosso olhar
sobre essas pessoas não em uma perspectiva da deficiência, mas sim, da diferença.
Perante essa histórica exposta, adentramos de forma direta, a temática central
desta disciplina: A Literatura Surda.
A Literatura Surda, permeia caminhos de língua, identidade e cultura para sua
conceituação. Considerando também que os estudos sobre, são recentes e em pouco vo-
lume no âmbito acadêmico-cientifico, não traremos uma definição, mais sensato é discorrer
acerca das possibilidades que constroem esse conceito.
Com a fundação e disseminação do curso de letras/LIBRAS, bem como o acesso
e formação da pessoa surda ao ensino superior, tem sido gerado novas discussões e pes-
quisas sobre essa nova disciplina, trazendo a temática da surdez, como citamos em alguns
parágrafos anteriores, o olhar na perspectiva da diferença, e não da deficiência. De acordo
com Karnopp (2008, p. 14-15 apud SANTOS e LIMA, 2017. p. 03):
A literatura surda está relacionada com a cultura surda. A literatura da cultura
surda, contada na língua de sinais de determinada comunidade lingüística, é
constituída pelas histórias produzidas em língua de sinais pelas pessoas sur-
das, pelas histórias de vida que são frequentemente relatadas, pelos contos,
lendas, fábulas, piadas, poemas sinalizados, anedotas, jogos de linguagem e
muito mais. (KARNOPP, 2008, p. 14-15 apud SANTOS e LIMA, 2017, p. 03).

Quando esta se propõe a produção literária, podendo-se utilizar das mais diferen-
ciadas modalidades: autobiografia, história de contos, narrativa, poesia, teatro, fábulas,

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humor, etc., o gênero literário se converte em instrumento de empoderamento, que comu-
nica e registra uma narrativa histórica – no sentido da vivência, dos acontecimentos que
produzem a história de cada sujeito - , desse modo, para podermos conceituar Literatura
Surda, precisamos nos conscientizar que a criação e formação deste conceito, advém dos
usuários da LIBRAS como sua L1, língua materna, ou seja, da comunidade surda.
Sendo assim, esta temática abrange competências que devem ser analisadas e
contempladas sob diferentes enfoques e olhares. Há a comunidade, a pessoa surda que
vive a situação exposta e abordada nas produções literárias da comunidade surda, há re-
presentatividade, empoderamento, reconhecimento. Temos as pessoas codas – filhos(as)
de pais surdos(as), as quais, se os pais sabem e se utilizam da língua de sinais, também
nascem inseridas em um ambiente bilíngue. Outra perspectiva de olhar, adentra os moldes
de uma pessoa ouvinte, a qual sabe ou está no processo de aprendizagem da LIBRAS, ou
apenas e uma contempladora das produções literárias.
Por conseguinte, cada pessoa irá produzir e/ou receber as produções, baseadas
em suas experiências anteriores, a visão de mundo e sociedade pessoal de cada indivíduo,
irá refletir diretamente nesta contemplação. Neste sentido, trago a citação de Skliar (1998,
p. 28 apud KARNOPP, 2008, p. 03) para detalhar as considerações que devem ser realiza-
das no momento de leitura, recepção dessas produções:
Como realizar a leitura de uma produção surda - Talvez seja fácil definir e
localizar, no tempo e no espaço, um grupo de pessoas; mas quando se trata
de refletir sobre o fato de que nessa comunidade surgem – ou podem sur-
gir – processos culturais específicos, é comum a rejeição à ideia da “cultura
surda”, trazendo como argumento a concepção da cultura universal, a cultura
monolítica. Não me parece possível compreender ou aceitar o conceito de
cultura surda senão através de uma leitura multicultural, ou seja, a partir de
um olhar de cada cultura em sua própria lógica, em sua própria historicidade,
em seus próprios processos e produções. Nesse contexto, a cultura surda
não é uma imagem velada de uma hipotética cultura ouvinte. Não é seu re-
vés. Não é uma cultura patológica. (SKLIAR 1998, p. 28 apud KARNOPP,
2008, p. 03).

É muito comum ultrapassarmos a linha tênue entre as diferentes culturas, ainda


mais quando estas, se encontram geograficamente, em um único país. Talvez seja por este
contexto que grande parte das pessoas enxergam a Língua de Sinais como uma cópia lexi-
cal do português, ou conceituam a comunidade surda sem considerar suas especificidades
culturais e identitárias. Ou talvez, possamos permear a construção desse pensamento pela
escassez do acesso à informação e formação da sociedade, em um âmbito geral, acerca
da conscientização no que tange os grupos e culturas não normatizadas.
Não vamos nos aprofundar nesta questão, ainda assim nos importa entender que
as diferenças não são consideradas tanto no planejamento do currículo escolar e nem

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abordadas nos veículos de comunicação. Consequentemente, equívocos acerca das cul-
turas e identidades não normatizadas são cada vez mais recorrentes e comuns, sendo
naturalizadas. Neste processo que surgem os discursos capacitistas e as ideias errôneas
acerca desses grupos, especificando o âmbito desta disciplina, da comunidade surda e sua
língua, e sob esta lógica a leitura da literatura surda acontece, muitas das vezes de ma-
neira inadequada e imprecisa. Como evidenciado na citação acima, muitas vezes ocorrem
processos de rejeição.

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3. CARACTERÍSTICAS DA LITERATURA SURDA – CAMINHOS PARA ESSA
PRODUÇÃO

No primeiro tópico, traçamos uma linha histórica com alguns acontecimentos


marcantes e importantes para a comunidade surda, que resultaram na valorização e reco-
nhecimento da pessoa surda enquanto cidadão, bem como a conquista ao direito de uso
da Língua de sinais como sua língua materna. São vários os processos e as lutas vividas
pela comunidade, através destes diferentes contextos históricos, podemos estabelecer que
o movimento literário perpassa e se constrói em estreita relação com o contexto histórico e
político de cada época.
Temos disponíveis três formas de materiais de produção na literatura surda: cria-
ções, adaptações e traduções.
● Criações – São textos, vídeos, produções originais, criados e produzidos par-
tindo dos aspectos culturais, históricos e identitários específicos da comunidade
surda.
● Traduções – Processo de tradução de clássicos da literatura, produzidos ori-
ginalmente em Língua Portuguesa, ou outras línguas orais, que são traduzidas
para a língua de sinais, especificamente para a nossa nacionalidade – LIBRAS,
favorecendo o acesso e conhecimento de um acervo literário variado, criados
em tempos e espaços diversos.

UNIDADE I Literatura Surda 14


● Adaptações – Esta forma literária se baseia na realização de releituras, onde
ocorrem adaptações e/ou modificações de roteiro e/ou personagens, no intuito
de promover representatividade e pertencimento.
Independente do recurso escolhido para ser trabalhado e desenvolvido, sua motiva-
ção deve partir de uma assertiva política de disseminação e acesso amplo das produções li-
terárias para e da comunidade surda, bem como a criação de um espaço onde suas vivências
possam ser apresentadas e validadas, construindo e registrando a cultura da comunidade e
de todos os indivíduos que com suas singularidades e coletividades, a compõem.

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4. HISTÓRIA DA LITERATURA SURDA

Pertencente a todas as comunidades, sem distinção cultural, demográfica, geo-


gráfica ou temporal, a contação de histórias é um hábito que existe desde a criação da
civilização. Tal atividade ocorria e era registrada utilizando-se de dinâmicas de contação e
registros próprios de cada época.
Um sistema muito visual utilizado nos primórdios da pré-história são as pinturas
realizadas nos internos das cavernas, representações que possibilitaram estudiosos da
área de realizarem grandes e importantes descobertas, tanto como datar a história, as
religiosidades, costumes, culturas e simbolismos desses povos. Esta será uma irrefutável
prova da multiculturalidade existente, e da possibilidade de registro eficiente utilizando-se
de sistemas visuais, que não sejam apenas a escrita de uma língua oral.
Os registros das produções literárias da comunidade surda, noutro tempo, antes do
surgimento e difusão dos meios tecnológicos de comunicação e registro (documentação,
vídeos, etc), a literatura era transmitida de forma oral e presencial, apresentadas por inter-
médio das histórias narradas por sinalização. Processo este, que biologicamente, pelas leis
do tempo e da física do corpo humano, possuem perdas, devido a memória, das gerações
que se modificam, enfim, pelo simples e inevitável ciclo da vida.

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Com a disponibilização dos recursos tecnológicos, e o reconhecimento da LIBRAS
como língua na Lei nº 10.436 de 24 de abril de 2002, a literatura surda começa a traçar
caminhos com novas possibilidades de registro, podendo-se realizar a gravação das mais
diversas produções dos diferentes gêneros literários por meio de fitas VHS, CD, DVD, e
mais do que nunca, têm-se utilizado as redes sociais, como Instagram, Facebook, Youtube,
plataformas digitais, blogs, etc. tanto para a divulgação, quanto para o registro dessas
criações. (BRASIL, 2002)
A escrita de sinais (Sign Writing) também é um ótimo recurso de produção e registro
da literatura surda, pois, além de se utilizar de uma escrita própria da comunidade, possi-
bilita que esses textos circulem e resistam ao tempo. No entanto, esse recurso de registro
encontra algumas complicações, como o público usuário desse sistema, pois são poucas
as pessoas que conhecem e se capacitam nessa escrita e leitura. Esta realidade poderia
ser modificada conforme a inserção da escrita de sinais como disciplina do currículo escolar
e as produções literárias se utilizarem mais deste recurso.

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5. TIPOS DE OBRAS

5.1 Narrativas
As narrativas trazem representações e concepções na qual a pessoa narradora
comunica e argumenta a respeito de si mesmo (a), desde a forma que se enxerga, quanto
do modo que o mundo lhe vê. Nessas narrações, podemos perceber a cultura, os valores,
as qualidades, as características e identidade desses indivíduos ou grupos.
Refere-se a descrição da vida, podendo-a reinventar sob diferentes óticas ou dis-
correr acerca da sua realidade, tanto do ponto de vista de quem narra, de quem a vive, ou
de quem a vislumbra sob outros âmbitos.
Anteriormente, as narrativas eram conhecidas pela nomenclatura ‘épico’. Como
exposto acima, este gênero trata-se da narração de uma história com personagens que se
encontram em um tempo e espaço específicos.
Para que um texto seja considerado narrativo, deve conter esses elementos:
● Enredo – história que narra uma progressão de acontecimentos.
● Narrador – aquele (a) que apresenta, conta a história.
● Personagens – pessoas que compõem e estão presentes na história.
● Tempo – a época em que ocorre.
● Espaço – local onde acontece.

UNIDADE I Literatura Surda 18


Esses elementos vão constituir a produção desse gênero literário conceituado como
narrativa. Podemos considerar também, alguns subgêneros de textos narrativos, como:
Epopeia, romance, conto, crônica e fábula.

5.2 Poesias
Tal como nas outras línguas, a poesia em língua de sinais também investiga e se
utiliza dos mais variados recursos linguísticos com o objetivo de realizar tais produções
com efeitos estéticos, este é um dos fatores que diferenciam a poesia da comunicação que
é estabelecida cotidianamente entre as pessoas que se utilizam de determinada língua.
Especificamente, abordamos nessa temática, a língua de sinais e as produções literárias
da comunidade surda.
Neste módulo não iremos abordar a gramática da Língua de Sinais, contudo, va-
mos discorrer acerca do conceito de um, dos cinco parâmetros que compõem a estrutura
gramatical da LIBRAS: as configurações de mãos. Podemos conceituá-la como as variadas
formas que a mão se apresenta ao executar cada sinal ou expressão, ou seja, são os
formatos que as mãos experienciam e tomam conforme a sinalização é realizada.
Posto este significado, e conforme os estudos já realizados, compreendemos que
as configurações de mão fazem parte da estruturalização necessária para a criação e/ou
realização de um sinal, que, com um conjunto de outros sinais vai se estabelecendo frases,
textos, práticas de conversação, enfim, comunicação. Nesse sentido, e sob uma ótica da
literatura surda, podemos caracterizar o uso criativo deste parâmetro, metodológica tradu-
tória que possibilita que o poema, assim como toda a literatura surda, se apresente e entre
em contato com múltiplas interpretações, corporeidades e construções de sentidos.
Cabe citar que este dinamismo também pode ser aplicado para os outros parâ-
metros, e até muitas das vezes ocorrem de maneira indireta, pois ambos constituem a
estrutura da língua de sinais de maneira intrínseca.
A Língua de Sinais nos apresenta diferentes possibilidades de escolhas tradutórias.
Ao realizar a adaptação, tradução ou interpretação de uma frase, texto, criação de uma
literatura surda, etc. nos deparamos com essas escolhas. Claro, estas não são livres e
sem sentido, mas sim, permeadas por regras gramaticais, estruturas, parâmetros, e com
esse dinamismo que a língua de sinais, aqui em nosso pais - a LIBRAS - se compõe, com
a formação, a aprendizagem e contato com a comunidade surda adequados, percorremos
diferentes caminhos.

UNIDADE I Literatura Surda 19


Ao realizar um desses processos, podemos passar uma frase do português, para a
LIBRAS, escolhendo diferentes estruturas, desde que cheguemos ao destino final comum,
que neste âmbito, nos referimos a mensagem que deve ser passada sem que haja modi-
ficações em seu sentido e significado. Vamos exemplificar esta conceituação utilizando-se
de uma frase simples, a qual será retratada inicialmente através da estrutura gramatical da
língua portuguesa.
Ex. A minha amiga não gosta de ir para a escola.
● Possibilidade de tradução 01 - AMIGA MINHA ESCOLA IR NÃO GOSTAR
● Possibilidade de tradução 02 - ESCOLA IR AMIGA MINHA NÃO GOSTAR
● Possibilidade de tradução 03 - ESCOLA AMIGA MINHA NÃO GOSTAR
Este processo não é transitório, perdura e dele nos utilizamos sempre que nos pro-
pomos a comunicação por meio da língua de sinais, seja em âmbitos formais ou informais,
em um simples diálogo, traduções ou criações mais amplas.
Neste processo de criação e/ou tradução de uma literatura surda, é imprescindível
que tenhamos conhecimento e utilizemos da Língua de Sinais, seja como L1 ou L2. De
modo evidente, nessas produções, há uma linha limite que deve ser posta em questão e
respeitada. Tal consonância diz respeito ao lugar de fala e de direito da pessoa surda.

5.3 Fábulas
A fábula se determina como um texto de ficção. Estas, são narrativas que podem
apresentar os personagens como animais personificados em que a vida humana é repre-
sentada por eles, estes animais possuem e representam características que o ser humano
experiência em sua vida, podendo ser como a preguiça, a inveja, a ganancia, a sabedoria,
a coragem, etc.
Neste enredo a histórica se desenvolvem com o objetivo final de realizar um ensi-
namento utilizando-se de uma lição de moral que habitualmente é passada no final de cada
produção.

5.4 Contos de Fadas


Ao contrário do que se pensa, os contos de fadas não foram criados originalmente
para um público infantil, ainda menos para transmitir instruções de âmbitos morais, como
ocorre com as fábulas. Suas obras originais possuem narrativas de histórias bem diferentes
das que contamos para as crianças, as clássicas histórias de ‘Chapeuzinho Vermelho’,
‘Cinderela’, ‘’Bela Adormecida’, etc. são adaptações dos contos de fadas originais em que
continham históricas de adultérios, mortes, canibalismo e incestos em que serviam de
entretenimento para adultos.

UNIDADE I Literatura Surda 20


Esses primeiros contos de fadas foram produzidos em meados de 1812, evidente
que nesta época a tecnologia não se encontrava em ascensão como nos dias atuais, por-
tanto, cabe-nos pontuar que esses contos originalmente produzidos para um público adulto,
eram utilizados para entretenimento em reuniões sociais, nos campos, e nos mais diversos
ambientes em que se reuniam, e não em creches, como ocorrem nos dias de hoje.
Estruturalmente, caracteriza-se como uma variação do conto popular ou fábula,
são narrativas curtas que geralmente são transmitidas oralmente, em que o personagem
herói/heroína tem como missão enfrentar o mal e superar grandes obstáculos.
Conceituamos os diferentes gêneros literários que permeiam as construções lite-
rárias. Nas próximas unidades, iremos abordar mais especificamente, os caminhos e as
particularidades que compõem a literatura surda, bem como exemplificar algumas obras
existentes e metodologias possíveis de leitura e produção.

SAIBA MAIS

Em uma definição mais simples, ao se referir a surdez, caracterizamos as pessoas surdas


como aquelas que não ouvem. Tal definição remete-se à identidade da comunidade surda em
um âmbito mais generalizado.
No entanto, a identidade de cada indivíduo se constrói de maneira multifatorial, tendo inclusive,
influência direta do meio em que a pessoa vive, aos espaços e culturas em que foi inserida
enquanto criança, toda sua história resulta em sua identidade. Em um contexto social, grupos
de pessoas possuem características em comum que demarcam suas personalidades.
Referente ao sujeito surdo(a), tais características vão muito além da especificidade bio-
lógica e integram experiências sociais, estas que formam diversas identidades. A seguir,
vamos delinear algumas identidades
Identidade surda: Concerne aos sujeitos surdos(as) que são inseridos e convivem na co-
munidade surda e se reconhecem na mesma. Se comunicam somente por meio da língua
de sinais, e apresentam características culturais, formas de ver e estar no mundo basea-
dos no sentido visual. Lutam pelo direito de ser diferente e de construir sua identidade e
suas vivências a partir da cultura surda.
Identidade híbrida: Diz respeito às pessoas que adquiriram a surdez, independente do
motivo que o tornou surdo (a). Deste modo, tais indivíduos construíram sua identidade
partindo inicialmente de um pensamento e cultura ouvinte, utilizando-se da oralização
para se comunicar. E ao tornar-se surdo (a), se inserem na cultura da comunidade surda.

UNIDADE I Literatura Surda 21


Identidade de transição: A maioria das pessoas surdas nascem em famílias de ouvintes,
tais sujeitos se formam e convivem sob a perspectiva da oralização. Sem o acesso a lín-
gua de sinais, seu desenvolvimento na linguagem e em outros âmbitos, pode ser com-
prometido. Tais indivíduos vão ter um contato e convivência com a comunidade surda e
a língua de sinais tardia e vivem nesta biculturalidade.
Identidade flutuante: Se refere aos sujeitos surdos que não foram inseridos na comu-
nidade surda, dessa forma, comumente apresentam dificuldades de auto aceitação e
reconhecimento enquanto pessoa surda, buscando referências na cultura ouvinte. Esta
falta de representatividade e contato com sua cultura pode trazer certa rejeição a comu-
nidade surda e as características que a constrói. Muitos (as) se utilizam de aparelhos
auriculares e se orgulham quando se apropriam de algum elemento da cultura ouvinte,
como se tal conquista os viabilizasse em tal grupo.
Identidade embaraçada: Tais pessoas não possuem referências nem da cultura sur-
da, nem da ouvinte. Possuem dificuldades de comunicação, e quando a estabelecem,
muitas vezes são incompreendidos (as). Não conhecem a língua de sinais e têm seus
comportamentos determinados sob uma perspectiva ouvintista.
Tais identidades trazem um esboço conceitual acerca das diferentes possibilidades de
construção da identidade surda. Isto nos mostra a pluralidade de indivíduos e persona-
lidades. No entanto, não podemos e nem nos cabe demarcar tais indivíduos somente
sob essa ótica identitária. Cada pessoa se constrói e tem o direito de se reconhecer sob
aquilo que lhe faz mais sentido.

Fonte: a autora (2021).

REFLITA

‘As mãos rompem o silêncio e fazem a comunicação de quem não ouve, mas vê, sente
e se emociona’.

Autor desconhecido.

UNIDADE I Literatura Surda 22


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta primeira unidade delineamos alguns acontecimentos importantes para a co-


munidade surda, bem como alguns conceitos que nos apresentam um olhar para a surdez
sob uma perspectiva da diferença.
Tratamos de introduzir as questões referentes à literatura surda e os gêneros literá-
rios que a compõem, com a percepção de quem o produz e quem o consome, delineamos
as diferenças que devem ser consideradas.
Ainda há muito conhecimento para adquirirmos, e nas próximas unidades iremos
conhecer algumas dessas produções!
Espero que esse material tenha lhe proporcionado um bom tempo de estudos e
aprendizagem! Seguiremos juntos (as) nas próximas unidades!

UNIDADE I Literatura Surda 23


LEITURA COMPLEMENTAR

A cultura surda engloba possibilidades e elementos próprios da vida dos sujeitos que
se reconhecem como surdos, abrangendo não apenas aspectos mais corriqueiros da vida de
cada um, mas também o grupo social que constituem. A privação do sentido da audição não
inviabiliza a interação linguística, a participação social ou a produção cultural das pessoas
surdas. Na verdade, abre possibilidades alternativas para a sua atuação nessas áreas. Ao
nos aproximarmos mais da realidade surda, pela vivência e pelo estudo, descobrimos que ela
comporta um rico, complexo e instigante conjunto de elementos culturais caracterizados pelas
formas alternativas de produção e interação dessas pessoas, alimentados e enriquecidos nas
comunidades surdas e, infelizmente, ainda pouco conhecidos entre os ouvintes.
A seguir, procuramos referir e descrever sucintamente alguns elementos que fazem
parte da cultura surda.
Visualidade: a vivência surda é muito visual. A visão é possivelmente o principal
sentido de contato com o mundo, de apreensão e significação das informações. Na visua-
lidade se centram, certamente, a maior parte das alternativas planejadas para a pessoa
surda, como se observará mais adiante.
Linguístico: as línguas de sinais, de características visuoespaciais, são as línguas
naturais para as pessoas surdas. A língua de sinais é tão complexa quanto qualquer outra.
Não se trata de uma versão em sinais de uma língua oral como o português, nem de
simples gestos ou mímica, embora estes possam ser usados quando ainda não se sabe
a língua de sinais, mas de um sistema complexo, com regras próprias. Em salas de aula,
eventos públicos ou mesmo na televisão, deve ser feita a tradução entre a língua oral e a
de sinais por um intérprete.
Família: ligada ao nascimento de filhos surdos em lares ouvintes e de filhos ou-
vintes em lares surdos, ou mesmo de filhos surdos em lares surdos. Nesse âmbito, muitas
questões ligadas à aceitação, à superproteção, à concepção sobre a surdez são discutidas.
Comunidade surda: composta por surdos e por ouvintes militantes da causa, como
professores, familiares, intérpretes, amigos, entre outros.
Associações e organizações: centros cuja importância se manifesta, por exemplo,
na possibilidade de o surdo interagir com outras pessoas surdas, o que favorece a constru-
ção da sua identidade, a possibilidade de aprender a língua de sinais, as lutas sociais do
segmento, por vezes, abraçadas nessas organizações, etc.

UNIDADE I Literatura Surda 24


Literatura surda: arte que abarca produções literárias em língua de sinais e pro-
duzidas por pessoas surdas.
Artes visuais: que englobam o teatro surdo e as artes plásticas.
Criações e transformações materiais: exemplificadas pelas soluções alternati-
vas para as pessoas surdas, como campainhas luminosas, telefones adaptados (Telecom-
munications device for the deaf - TDDs), dispositivos de vibração (relógios, celulares) em
substituição ao despertador, etc.

Fonte: IFPB (Instituto Federal da Paraíba). O que é a Cultura Surda. Ministério da Educação, 2018.

Disponível em: https://www.ifpb.edu.br/assuntos/fique-por-dentro/o-que-e-cultura-surda. Acesso em: 20 jun. 2021.

UNIDADE I Literatura Surda 25


MATERIAL COMPLEMENTAR

LIVRO
Título: Fiquei surdo, e agora? Como eu me tornei referência em
uma comunidade de dança ouvindo pouco (ou quase nada)
Autor: Jhonny Surdinho.
Ano: 2020.
Sinopse: Neste e-book, eu conto como foi ficar surdo aos 10 anos
de idade, graças a uma caxumba, e, quase 30 anos depois, me
tornar referência em uma comunidade de dança.

FILME/VÍDEO
Título: A Linguagem do Coração
Ano: 2016.
Sinopse: Final do século XIX, França. Marie Heurtin (Ariana Rivoi-
re) é uma moça que nasceu cega e surda. Vivendo em seu próprio
mundo, sem conseguir se comunicar, o pai dela a manda para um
convento que cuida de crianças surdas. Entretanto, devido à falta
de condições para tratá-la, a madre superiora (Brigitte Catillon) a
recusa. Graças à insistência da freira Marie Marguerite (Isabelle
Carré), que diz que pode cuidar dela apesar de seu problema de
saúde, a madre superiora volta atrás em sua decisão. Só que fazer
com que Marie aprenda questões básicas de higiene e convívio
com outras pessoas não é uma tarefa nem um pouco fácil.

UNIDADE I Literatura Surda 26


UNIDADE II
Produção da Literatura Surda
Professora Esp. Mariana Alves Carnelozzi

Plano de Estudo:
● Gênero Infantil na Literatura Surda;
● Traduções e suas variações (Contos de Fadas e Fábulas);
● Poesia em Sinais;
● Humor na Literatura Surda.

Objetivos da Aprendizagem:
● Apresentar algumas produções do gênero infantil na Literatura Surda;
● Compreender as possibilidades de tradução nos contos de fadas e fábulas ;
● Entender como são construídas as poesias em sinais;
● Conhecer o gênero literário humor da Literatura Surda.

27
INTRODUÇÃO

Queridos alunos (as) continuamos nosso enriquecedor processo de aprendizagem!


Nesta unidade iremos compreender a literatura surda infantil e as produções dos e
para a comunidade surda referentes aos contos de fadas, fábulas e humor, bem como as
possibilidade de abordagem desses materiais para as crianças ainda não alfabetizadas.
Em relação às traduções e suas variações neste material iremos conhecer os
diferentes caminhos e metodologias que podem ser utilizadas neste processo, e de que
forma se estruturaliza, como a tradução intralingual, intersemiótica e interlingual, conside-
rando sempre a importância do processo de tradução para que a Comunidade Surda tenha
acesso às diversas produções, dos mais variados temas.
Trataremos também especificamente sobre o gênero literário poesias, principal-
mente no que tange a reformulação do conceito desse gênero literário, o qual antes se tra-
tava de algo elitista, atualmente temos os eventos de slams que trazem representatividade
e espaço para que a Comunidade possa realizar suas produções e ter seu lugar de fala,
para tal construímos nossa aprendizagem acerca dessa produção no sentido também de
compreender de que forma as rimas que são realizadas na poesia da língua portuguesa,
serão realizadas na Língua de Sinais, respeitando a estrutura linguística da mesma.
E por fim abordaremos o gênero humor da Literatura Surda, exemplificando alguns
materiais existentes nas plataformas de vídeo, ilustrando algumas das possibilidades de
produção o qual são pautados primordialmente na questão da incompreensão da surdez
por parte da pessoa ouvinte. Questões culturais das quais se faz imprescindível o conheci-
mento da Língua de Sinais para que tal gênero cumpra com sua proposta: fazer rir.
Que possamos aprender e evoluir cada vez mais nesse caminho de aprendizagem
que estamos trilhando !

Vamos iniciar, bons estudos!

UNIDADE III Produção


Literatura na
Surda
Literatura Surda 28
1. GÊNERO INFANTIL NA LITERATURA SURDA

Vamos iniciar este novo módulo com uma indagação, e para respondê-la analise a
sua realidade: Você têm o hábito de ler? Independente do gênero literário, do formato do livro
(físico ou digital), ler faz parte da sua rotina, das atividades que te satisfazem?. Pare por um
instante, e responda a si mesmo esta pergunta, perceba como o processo de leitura ocorre
em sua vida, de quais maneiras, e ainda, traga a memória sua infância e seu contexto neste
âmbito. Você foi uma criança leitora, os adultos lhe incentivaram ao hábito da leitura?
Essas mesmas perguntas terão respostas diferentes a depender de cada pessoa,
a criação e acesso à educação e cultura que cada indivíduo teve. Nesta perspectiva, não
nos cabe discorrer acerca das desigualdades sociais que permeiam nosso país, nem como
idealizar uma educação. Levantei tais questões para compreendermos algumas assertivas
que permeiam o acesso e incentivo à leitura, estas que estão diretamente relacionadas ao
meio e ao ambiente em que cada pessoa se desenvolveu e vive atualmente.
Pensando no tema central desta disciplina – Literatura Surda – sempre delineamos
alguns conceitos e apresentamos algumas históricas necessárias para a compreensão
do tema. Neste caminho, vamos abordar a questão da leitura. Como apresentado na
unidade anterior, a pessoa surda se organiza em um ambiente multicultural e muitas
vezes se integra no processo de ensino-aprendizagem, bem como a formação de sua
identidade em esferas bilíngues. Não podemos colocar a formação das pessoas surdas
de uma maneira geral, assim como a das ouvintes, pois há diversos fatores que influenciam

UNIDADE III Produção


Literatura na
Surda
Literatura Surda 29
direta ou indiretamente neste processo, a problemática que desejo abordar com vocês
neste momento, refere-se a produção, publicação e acesso aos livros e aos diferentes
gêneros literários, ou seja, a leitura.
Em um momento inicial de alfabetização, uma criança não compreende a formação
das palavras, sua sintaxe e a gramática da língua portuguesa. Ela vê as palavras como letras
aleatórias pois não as entende. Ao pegar um livro, a criança tem em mãos conhecimento,
oportunidades, aprendizagem, mas muitas pessoas possuem um pensamento equivocado
de que se a criança não é alfabetizada, está não precisa ter contato com livros e textos, no
entanto, quanto mais acesso a criança tem com esses materiais, mais ela se desenvolve.
Eis que surge então, o seguinte questionamento: como uma criança não alfabetiza-
da realiza a leitura de um livro? Sob uma perspectiva da leitura como interação entre texto
e leitor, a criança tem esse contato sob uma narrativa verbo-visual, ou seja, o entendimento
se dá por meio da decodificação das imagens, principalmente no que diz respeito aos livros
infantis que são compostos por uma diversidade de ilustrações. Uma pessoa adulta pode
mediar essa leitura e conduzi-la por meio desta interação, peça para uma criança ler para
você, se atente aos detalhes desse processo e perceba como ela descreveu as imagens
e lhe passará um entendimento de acordo com as ilustrações, e as riquezas de detalhes
serão percebidas de acordo com a interação das imagens.
Sob essa perspectiva, constatamos que a criança ainda não alfabetizada, não só
pode, como necessita desse contato e interação com variados objetos de leituras de ma-
neira variada. Todavia, pouco se aproveita possuir um arcabouço extenso de livros, revistas
e materiais de leituras, se o ambiente em que ela vive não lhe incentiva a essa atividade.
A criança aprende por exemplo, ao ver um adulto leitor, ela despertará a prática da leitura.
Neste âmbito, não estamos diferenciando a criança surda da criança ouvinte, nem
a língua materna de cada uma ou as metodologias e os processos de alfabetização e
aprendizagens que cada uma percorre, pois, toda criança ainda não alfabetizada, ao ter
contato com os livros irá realizar essa leitura de maneira visual, se atentando as ilustrações
e seus detalhes. Esta é uma característica natural da pessoa surda, a língua de sinais como
uma língua gesto-visual se baseia nesta visualidade, não como a falta de um sentido que
compensa o outro, mas sim como uma característica inata desta língua.
O processo de leitura adentra em diversas implicações, não se define simples-
mente pelo fato de passar os olhos entre as letras e entender o que está escrito. Assim
como apontamos algumas características desse processo no parágrafo acima, quando
nos referimos a decodificação e compreensão, mesmo que em níveis mais básicos da
mensagem por meio das ilustrações, o dinamismo que compõe o ato de ler inclui diversas
movimentações. Vamos discorrer acerca deste conceito para que possamos entender
melhor esse caminho percorrido.

UNIDADE III Produção


Literatura na
Surda
Literatura Surda 30
Durante a infância que o indivíduo constrói sua identidade, esta que tem influência
direta com o meio. Seja no ambiente familiar, escolar, recreativo, etc. ao ter contato com um
livro ou lê-lo de fato, seja uma situação induzida ou não por um adulto, pelo simples ato de
pegar um livro há várias situações que podem ser analisadas e devem ser consideradas.
Cada pessoa se constrói em uma realidade, a identidade é algo muito individual e tratamos
aqui numa perspectiva sócio antropológica no que concerne o respeito a essas diferenças.
Como assim? Podemos nos indagar nesse momento. Pois bem:
Percebam, o que parece ser um simples ato de leitura, constitui caminhos forma-
tivos dessa identidade. Há muitas características que uma pessoa ainda não alfabetizada
pode perceber em um livro, a capa, a ilustração, a cor, o tamanho, as cores, etc. Tudo isso
apresentará um pouco sobre o que o livro trata, livros infantis devem ser especialmente
coloridos, compostos por desenhos, lúdicos. Isto tudo chama a atenção da criança e lhe
desperta, ou não, o interesse em pegar tal livro e realizar a leitura mesmo que visual, e o
material que cada pessoa irá escolher diz muito sobre esses traços de personalidade que
cada indivíduo está construindo.
Este movimento se desenvolve e acontece de maneira natural, no entanto quando
paramos e nos dispomos a analisá-lo, se torna, ouso definir desta forma, até mágico! Não
somente a leitura, mas o ato de ler é uma viagem fascinante, toda criança independente de
sua língua, de sua cultura, identidade, região, merece ter acesso a tudo que este processo
nos permite experienciar. Essa prática deve ocorrer de forma variada, oportunizando ao
sujeito o acesso aos diferentes gêneros literários e suas produções.
Nesse cenário se faz oportuno uma verificação dos dados referentes à produção
literária. Conseguimos delinear e compreender em um âmbito geral, as variedades e sin-
gularidades da comunidade surda, bem como da multiculturalidade e do bilinguismo que
muitos desses indivíduos se formam. Tanto a identidade, quanto a cultura e todos os outros
aspectos e âmbitos que um sujeito permeia, são traçados por essas diferenças que devem
ser abordadas com respeito. Perante o exposto de tal afirmativa, concluímos que a literatura
surda se constrói em processos diferentes da literatura da cultura ouvinte. O que muda? O
que deve ser considerado nessa produção?
Ao decorrer desta e das outras unidades, iremos com frequência traçar esse resgate
dos textos anteriores, pois há muitos conceitos importantes que se referem ao modo que tais
literaturas são produzidas. Tal metodologia é utilizada não para parecer redundante nessa
nossa prática de aprendizagem, mas justamente para facilitar esse nosso caminho. Pois bem,
você se recorda quando tratamos da literatura como um instrumento de empoderamento que

UNIDADE III Produção


Literatura na
Surda
Literatura Surda 31
retrata e recria as vivências, bem como traz representatividade para os corpos não padrões
da sociedade, deste modo, vamos analisar como a comunidade surda vem construindo e
apresentando a Literatura Surda através do uso da língua de Sinais e da escrita de sinais no
âmbito da Literatura, como relacionam a identidade com as produções literárias.
Nos habituamos a olhar a diferença em uma perspectiva negativa, como falta, como se
o diferente pudesse vir a apresentar algum risco para a sociedade, conceitos que foram aborda-
dos na unidade anterior também por meio dos estudos de Foucault. Se buscarmos compreender
a vivência da pessoa surda, seja em trocas de diálogos, convivência, ou por meio de estudos
e produções científico-acadêmicas, a questão colocada, pela maior parte refere-se a questão
de pertencimento, representatividade e compreensão do modo de estar e ser no mundo, vejam
bem, não estou tomando as falas de tais personas, apenas expondo tal premissa. Nesta lógica,
a Literatura infantil exerce papel imprescindível na formação desse sujeito.
Não considero conveniente trazer uma única definição acerca da Literatura Surda,
bem como discorrer de suas características e instituir como esta deve ser. Primeiro por uma
questão de lugar de fala, de espaço, bem como pela imensidão que permeia a existência
da Literatura – seus diversos gêneros, possibilidades, capacidades, vivências, bem como
tudo o que constrói um livro em si (capa, ilustrações, palavras, cores, formato, tamanho,
espessura do papel e da capa, material físico ou digital, etc). Quando nos referimos a Lite-
ratura Surda então, este infinito de possibilidades em que poderíamos trabalhar o conceito
de Literatura se torna ainda mais abrangente. Podemos trazer esta definição sob um olhar
técnico, social, político, entre outros.
Percebam, cada literatura apresenta um contexto histórico diferente, um tema, as
fábulas se constroem com o objetivo final de passar uma moral, cada personagem traça
uma linha de acontecimentos, possui uma personalidade que vai formando a história em si.
A Literatura não é neutra ou apartidária, é produzida por indivíduos, sujeitos sociais, cada
qual com suas ideias, conceitos, valores, construções – a literatura é um fragmento social.
Fragmento que forma e retrata vivências fantasiosas e/ou reais.
Neste momento, você pode se indagar: ‘O que isso tem a ver com a Literatura Sur-
da?’, em uma resposta simplificada, no entanto nada didática poderia registrar ‘em tudo se
relaciona tais indagações’. No entanto, decido-me por ser mais proveitoso, que tracemos
juntos (as) as possibilidades de analogias que interligam tais conceituações. Sob tal lógica,
pensemos, quem produz, quem escreve, sinaliza, registra tais Literaturas para o público infan-
til? A resposta - Pessoas, adultos, indivíduos com vivências, crenças ou descrenças, ideias,
pensamentos, etc. E neste sentido que delineamos a Literatura como uma produção que não
se apresenta com neutralidade, muito pelo contrário, está cercada de objetivos, finalidades,
entendimentos, e estes são ainda mais diversos e com propósitos únicos ou plurais.

UNIDADE III Produção


Literatura na
Surda
Literatura Surda 32
Quando nos referimos a Literatura Surda Infantil, podemos nos referir ao objeto
de leitura para recreação, para a ludicidade, bem como para a manifestação de sua in-
conformidade que a falta de acessibilidade causa, bem como no intuito de trazer mais
representatividade e pertencimento, apontar caminhos para a construção da identidade de
uma criança surda que se reconheça na sua comunidade com orgulho, como também já
dialogamos sobre, numa perspectiva da diferença, e não da deficiência. Tais experiências
no contato com a literatura - seja nas experiências livres ou mediadas por adultos - vai
formando e indicando caminhos para a construção da identidade de cada pessoa, estas
que crescem, se desenvolvem e podem vir a ser indivíduos que produzem tais literaturas.
Esse processo se articula como um ciclo e se interliga por múltiplos processos. De acordo
com Mourão (2011):
As comunidades surdas manifestam traços de sua cultura no território local,
onde habitam ou se encontram os surdos, no convívio dos sujeitos surdos
e através de processos sociais e discursivos da cultura surda. Os adultos
contam as narrativas para as crianças surdas como poemas surdos, piadas
surdas, e outros. (MOURÃO, 2011 p. 45).

Sob essa perspectiva da produção, divulgação e registro da cultura surda que são
criados os gêneros infantis.
● A seguir gostaria de apresentar algumas dessas literaturas existentes:

FIGURA 1 - CINDERELA SURDA

Fonte: KARNOPP, Lodenir Becker. Literatura Surda. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis,
2008. Disponível em: http://www.libras.ufsc.br/colecaoLetrasLibras/eixoFormacaoEspecifica/literaturaVisual/
assets/369/Literatura_Surda_Texto-Base.pdf. Acesso em: 13 set. 2021.

UNIDADE III Produção


Literatura na
Surda
Literatura Surda 33
Sinopse: A Cinderela e o príncipe são surdos, e ao invés de ter o sapato de cristal,
a personagem principal (a cinderela) perde seus pares de luvas. Esta escolha se caracte-
riza pela referência que faz as mãos – instrumento de comunicação da língua de sinais de
modalidade gesto-visual.

FIGURA 2 - RAPUNZEL SURDA

Fonte: KARNOPP, Lodenir Becker. Literatura Surda. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis,
2008. Disponível em: http://www.libras.ufsc.br/colecaoLetrasLibras/eixoFormacaoEspecifica/literaturaVisual/
assets/369/Literatura_Surda_Texto-Base.pdf. Acesso em: 13 set. 2021.

Sinopse: Quando Rapunzel foi raptada pela bruxa, ela percebeu que Rapunzel não
realizava, no entanto possuía uma grande atenção visual. Para se comunicar, ela apontava
para as coisas que desejava e fazia gestos. A bruxa então descobriu que ela era surda e
começou a se comunicar por sinais com ela.
Como resultado da pesquisa “Letramento e surdez: uma abordagem lingüística e
cultural”, desenvolvida por Lodenir Becker Karnopp e Caroline Hessel Silveira (2021), os
livros Cinderela Surda e Rapunzel surda foram os primeiros livros de literatura infantil do
Brasil a serem publicados com a escrita em língua de sinais (SignWiriting), como apresen-
tados nas sinopses acima, e que também podemos perceber pelo título e capa da história,
estes são releituras dos contos tradicionais, com elementos específicos que remetem a cul-
tura e identidade da comunidade surda. Tais produções se efetivaram sob o intuito principal
de divulgação da escrita de sinais, bem como para incentivar as escolas a implementação
da LIBRAS como disciplina no currículo escolar comum.

UNIDADE III Produção


Literatura na
Surda
Literatura Surda 34
Algumas outras produções da literatura surda para crianças:

FIGURA 3 - TIBI E JOCA

Fonte: KARNOPP, Lodenir Becker. Literatura Surda. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis,
2008. Disponível em: http://www.libras.ufsc.br/colecaoLetrasLibras/eixoFormacaoEspecifica/literaturaVisual/
assets/369/Literatura_Surda_Texto-Base.pdf. Acesso em: 13 set. 2021.

Sinopse: O livro “Tibi e Joca – uma história de dois mundos” (Bisol 2001), narra a
história de Tibiriçá Maineri. Na apresentação do livro consta: “Esta história de um menino
surdo é parecida com a de muitas outras crianças que nasceram ou ficaram surdas. Dúvi-
das, desespero, culpa, acusações, sofrem os pais. Solidão, um imenso sem-sentido, um
mundo que teima em não se organizar, sobre a criança. O que fazer?” (Bisol, 2001).
No decorrer da história nos deparamos com um menino surdo filho de pais ouvintes.
A comunicação é estabelecida com dificuldade e com muitos limites, até que eles começam
a utilizar a língua de sinais. Em contato com o material, podemos observar a riqueza de
ilustrações. Tal narrativa é registrada na língua portuguesa e possui um boneco-tradutor
que sinaliza as palavras-chave de cada página, permitindo assim, que a pessoa usuária da
LIBRAS consiga acompanhar a histórica.

UNIDADE III Produção


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FIGURA 4 - UM MISTÉRIO A RESOLVER: O MUNDO DAS BOCAS MEXEDEIRAS

Fonte: KARNOPP, Lodenir Becker. Literatura Surda. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis,
2008.Disponível em: http://www.libras.ufsc.br/colecaoLetrasLibras/eixoFormacaoEspecifica/literaturaVisual/
assets/369/Literatura_Surda_Texto-Base.pdf. Acesso em: 13 set. 2021.

Sinopse: Este livro conta a história de Ana, o mistério que ela precisa resolver, e que
quando todas as outras crianças e adultos ao seu redor mexem a boca, estes conseguem
sempre o que desejam – na escola, no mercado, na padaria, na rua, etc., mas quando Ana
mexe sua boca, as pessoas não a compreendem. O livro também possui sua versão em
DVD com tradução em LIBRAS.

FIGURA 5 - PATINHO SURDO

Fonte: KARNOPP, Lodenir Becker. Literatura Surda. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis,
2008. Disponível em: http://www.libras.ufsc.br/colecaoLetrasLibras/eixoFormacaoEspecifica/literaturaVisual/
assets/369/Literatura_Surda_Texto-Base.pdf. Acesso em: 13 set. 2021.

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Sinopse: Este livro conta a história de um patinho surdo que nasceu em um ninho
de ouvintes. Ao encontrar os outros patinhos surdos, ele aprende a Língua de Sinais da
Lagoa e descobre sua história de vida. O livro aborda as diferenças linguísticas existentes
na família e na sociedade, além de abordar a importância do intérprete na comunicação
entre surdos e ouvintes. As ilustrações são apresentadas em preto e branco e ao final do
livro há um glossário para guiar melhor o leitor na compreensão de alguns conceitos.
Há muitos outros livros infantis referentes à Literatura surda que nós podemos
procurar conhecer. Evidentemente, tais materiais não precisam ser utilizados somente por
e para as pessoas, crianças surdas. Seja na prática docente ou em outros ambientes,
podem ser apresentados e mediados em momentos de contação de história para trazer
mais acessibilidade e conhecimento acerca das diferenças.
Há diversas formas de produzir esses livros, na qual independente do caminho
escolhido, deve-se pensar e considerar o público alvo – a pessoa, criança surda. Se utili-
zando da língua escrita de sinais, de bonecos de tradução, ou até a disseminação de tais
literaturas por meio de DVDs e vídeos com tradutor, em alguns dos livros apresentados,
podemos observar algumas das formas escolhidas, no entanto não precisa necessaria-
mente apresentá-lo com uma única forma, o livro além de ser rico em ilustrações como
já mencionamos, também pode abordar a língua portuguesa e a língua de sinais, dessa
forma conseguimos apresentar a história para diferentes públicos. Este processo pode se
enriquecer ainda mais mediante a forma como o adulto irá mediar e apresentar tal histórica.
A contação de histórias para crianças em língua de sinais, por si só já é arte!

UNIDADE III Produção


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2. TRADUÇÕES E SUAS VARIAÇÕES

Quando nos referirmos ao processo de tradução e interpretação, seja pessoal-


mente, de maneira remota, ou tradução de materiais – livros, artigos, histórias – devemos
considerar as diferenças da estrutura gramatical de cada língua, bem como suas multi-
culturalidades. Se definirmos tradução conforme o dicionário, iremos delimitar de maneira
muito rasa todo o seu significado, como se isto se tratasse apenas ao ‘passar para outra
língua’, como se a língua fosse algo isolado dentro da sociedade. No entanto, precisamos
considerar a diversidade de fatores que a constrói e a compõe.
Conceituando esse processo de maneira mais técnica, podemos compreender
esse conceito pelo próprio nome – tradução – diz respeito ao ato de traduzir tais materiais,
nesse âmbito não nos cabe modificar os conceitos ou ideias, nos colocamos como um
instrumento de comunicação que faz essa ponte entre uma língua ou outra, independen-
temente de serem oral-auditiva ou gesto-visual. A tradução deve percorrer os caminhos do
autor-autora, se basear na produção original e tornar possível que outras pessoas que se
utilizam de outras línguas, também compreendam tal material. Como aqui nos referimos a
LIBRAS, língua utilizada pela comunidade surda, este trabalho concerne a possibilidade de
tais pessoas terem acesso aos materiais produzidos originalmente em língua portuguesa.
Neste sentido, são inúmeras as possibilidades de trabalho que um profissional
tradutor-intérprete pode atuar, no entanto vamos delinear o âmbito foco desta disciplina
para a Literatura Surda, e juntos iremos entender as possibilidades desse processo para os
contos de fadas e fábulas.

UNIDADE III Produção


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Ao decorrer de nossa leitura, já abordamos nesta e na unidade anterior a impres-
cindível importância da literatura e do ato de ler na formação do sujeito, principalmente no
que concerne a formação da identidade e reconhecimento da criança surda. Sabemos que
os livros são um recurso metodológico lúdico que aborda questões sociais importantes e
que tal processo facilita a comunicação e transmissão de informações.
No entanto, tais informações são recebidas e compreendidas quando estão em
nossa língua. Se uma criança brasileira tentar ler um livro em inglês, ela pode ter acesso
ao material, ver as ilustrações e até tentar uma leitura, mas ela não irá conseguir realizar a
decodificação pois não é a língua dela. O mesmo ocorre quando tentamos passar um livro
escrito em língua portuguesa para uma criança surda, considerando os direitos linguísticos
da pessoa surda. Sabemos que a L1 – língua materna – da pessoa surda é a LIBRAS, a
criança tem direito de ser alfabetizada com sua L1 para posteriormente ou concomitante,
aprender a escrita da L2 – língua portuguesa. Neste sentido, a tradução dos livros infantis
possibilita à comunidade surda, (são cerca de 10 milhões de pessoas surdas no Brasil) o
acesso a essas produções.
O processo de tradução em si, é construído por diversos caminhos e percorrê-los
exige-se conhecimento sobre as duas línguas – a qual o material foi criado, registrado ori-
ginalmente, e a língua para a qual será realizada a tradução – neste âmbito, nos referimos
a Língua Portuguesa e a LIBRAS. Necessita-se de técnica e conhecimento.
[...] é necessário minimamente o desejo de conhecimento e o envolvimento
na cultura da língua fonte e da língua alvo, aprofundamento do vernáculo,
pesquisas terminológicas, conhecimento de expressões idiomáticas, treino e
o domínio dos tipos de traduções. (MELO, 2018, p. 20).

O que define um tradutor - tradutora? Obviamente o conhecimento da língua, das


técnicas, dos próprios processos, contudo, a qualidade de uma tradução não será definida
apenas pelo conhecimento e formação da pessoa que realiza este trabalho. Necessitamos
de uma delicadeza para abordar em nosso método a semântica e a cultura da comunidade,
de forma que o trabalho não seja realizado de maneira aleatória.
Considerando tudo isso, iremos conhecer os três tipos principais de tradução:

1. Tradução Intralingual
Esta tradução não precisa de uma segunda língua para ocorrer. Ela acontece
dentro de uma mesma língua e pode ser também definida como reformulação.
Quando transcrevemos nosso entendimento acerca de uma leitura que realiza-
mos, ou quando explicamos para uma criança algum conceito que ela não entendeu
ocorre a tradução intralingual. Estamos sempre realizando essa tradução em processos
formais ou informais.

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2. Tradução Intersemiótica
Esse tipo de tradução é considerado como um dos mais variados e profundos,
ocorre quando há mais de um meio de comunicação sendo utilizado, é como transferir uma
mensagem verbal para outra não verbal, como por exemplo: um texto traduzido para uma
pintura, um desenho, entre outros.

3. Tradução Interlingual
Definição da tradução em seu mais direto significado. Ocorre entre dois idiomas ou
línguas, sendo necessário o conhecimento de ambas para que o processo de tradução não
seja comprometido e possa ser exercido com qualidade. Tal conhecimento da língua não se
limita apenas a ela, diz respeito também à cultura, às vivências de cada povo, etc.
Quando tratamos do processo de tradução, podemos nos utilizar de diferentes recur-
sos e estratégias, e como citado acima, indiferente do caminho percorrido, indispensável é ter
conhecimento da língua e da cultura. Principalmente no que tange uma língua de modalidade
gesto-visual, uma pessoa alfabetizada é formada em uma língua oral-auditiva deve ter bem
trabalhado em si os conceitos que compõem e diferenciam tais línguas. Se traduzirmos pa-
lavra-por-palavra, do português para a LIBRAS ou vice-versa, teremos como resultado uma
tradução sem estrutura, e muitas vezes até sem sentido. Precisamos respeitar e nos utilizar
da estrutura e modalidade linguística que compõe cada língua, bem como a forma de cada
indivíduo se comunicar para caminharmos na aquisição de uma LIBRAS natural.
Vamos conduzir esta leitura ao delineamento de alguns traços gerais para tal pro-
cesso. Vamos supor que seja realizada a tradução do livro – “Chapeuzinho Vermelho’ – uma
história de conto de fadas clássica e conhecida ouso afirmar, pela maioria das pessoas.
Em primeiro lugar, é indispensável que se conheça a história, que se realize a leitura do
material, esta leitura irá ocorrer uma, duas, três, inúmeras vezes, e cada qual com um
objetivo diferente.
Inicialmente se trata de um conhecimento mais generalizado acerca da literatura.
Leio Chapeuzinho Vermelho para conhecer a história, leio novamente para dar início ao
processo de estruturalização da tradução. Neste momento, posso percorrer por diferentes
caminhos, cada qual vai criando e montando as estratégias que melhor funcionam para cada
pessoa. A partir daí nós utilizamos do conhecimento da língua, das escolhas tradutórias, do
uso dos classificadores, expressões faciais, entre outros. Uma mesma história, terá tradu-
ções diferentes a depender de cada indivíduo que realiza tal procedimento. Tais diferenças
se caracterizam pela liberdade que a língua de sinais nos propõe. As estratégias, os sinais

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e classificadores escolhidos podem se diferenciar, mas o ‘produto final’ – vamos nos utilizar
desse termo – deve ser o mesmo. A história ‘Chapeuzinho Vermelho’, tem o mesmo roteiro.
Essa liberdade que ao mesmo tempo nos encanta, deve ocorrer sempre com téc-
nica e conhecimento para que não venhamos a traduzir e passar uma mensagem errônea
ao receptor.
As fábulas são um gênero literário que perpassa um período histórico de mais
de dois mil anos, este período conta com modificações, adaptações e reformulações das
fábulas, no entanto o que permitiu tal gênero permanecer vivo durante tanto tempo, mesmo
com infinitas variações, se deve a essência da mesma que é sempre vinculada a sabedoria
popular, e traz como intuito final, a lição moral.
Nos contextos greco-latinos, a fábula nasceu para se fazer ouvir a voz dos
fracos em oposição aos poderosos, com fortes elementos políticos e sociais,
vinculados à crítica e a sátira de uma sociedade com morais próprias de suas
épocas e culturas. (GOMES, 2014 apud SILVA, 2017, p. 64).

Algumas das fábulas mais conhecidas e utilizadas por crianças ou adultos como
material metodológico de ensino são: ‘A Cigarra e a Formiga’, ‘A Raposa e o Lobo’ e ‘A
Lebre e a Tartaruga’.
Ao realizar o processo de tradução de um determinado material, aqui especificamos
as fábulas, deve-se considerar a historicidade e as especificidades que formam tal gênero,
bem como o público alvo para qual a tradução está sendo realizada. As fábulas traduzidas
do português para a Língua de Sinais, serão retratadas em uma visualidade específica.
Perante a compreensão da estrutura de uma fábula, e do conceito primordial da
moral, iremos agora analisar como tal gênero se constitui em Língua de Sinais. Sob a
óptica tecnológica, e das infinitas possibilidades que seu uso nos permite, vamos abordar
tais metodológicas mediante o uso de tais recursos - câmeras, gravações – mecanismos
tecnológicos que permitem a comunidade surda a visualidade e registro de tais produções.
Se compararmos os vídeos sobre ou em LIBRAS no youtube, iremos encontrar um
extenso e rico arcabouço de produções, no entanto, podemos observar em busca pessoal
ou por meio de pesquisas científicas que a quantidade existente referente às traduções de
fábulas nos meios digitais ainda são poucos em comparativo com os demais gêneros.
Em esfera técnica, podemos utilizar de fundos lúdicos onde apresentamos os ani-
mais, os personagens, bem como se utilizar de edições que enriqueçam a visualidade da
tradução. Estruturalizar a apresentação dos vídeos com o sujeito A, sujeito B, em que cada
pessoa representa um personagem. A contação de histórias se constrói em um processo
que exige múltiplas capacidades. Vai muito além do conhecimento da língua de sinais, pois,

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independente do gênero escolhido deve-se absorver as características dos personagens,
suas expressões e corporeidades. Um bom tradutor conta tais histórias como se vivenciasse
cada personagem. E como a entonação - as mudanças de vozes que utilizamos nas línguas
orais - na LIBRAS temos as expressões faciais, a corporeidade, as mãos comunicam, mas
o corpo e o seu conjunto também expressam e narra.
Para exemplificar melhor, a seguir veremos algumas imagens de vídeos de tra-
dução da fábula ‘A Cigarra e a Formiga’ encontrados na plataforma digital Youtube. Que
neste momento, possamos nos propor a uma leitura visual e analítica das imagens no que
concerne às possibilidades de produção tecnológica. A forma como o intérprete se posicio-
na e em qual local do vídeo, a cor de sua roupa, sua corporeidade, e ludicidade utilizada
para apresentar os personagens, as cores, enfim, tudo o que compõe a imagética do vídeo.

FIGURA 6 - A CIGARRA E A FORMIGA EM LIBRAS

Fonte: AMIGUINHOS, os. A Cigarra e a Formiga | Fábula em Língua Brasileira de Sinais (Libras) | com
legendas. Youtube. Disponível em: (77) A Cigarra e a Formiga | Fábula em Língua Brasileira de Sinais (Libras)
| com legendas - YouTube. Acesso em: 13 set. 2021.

FIGURA 7 - A CIGARRA E A FORMIGA – EM LIBRAS

Fonte: PHALA, Instituto. A Cigarra e a Formiga – Em LIBRAS. Youtube. Disponível em: (79) A Cigarra e a
formiga - Em LIBRAS - YouTube. Acesso em: 13 set. 2021.

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FIGURA 8 - HISTÓRIA EM LIBRAS ‘A CIGARRA E A FORMIGA LIBRAS’

Fonte: LINO, Pollyanna. História em LIBRAS – A Cigarra e a Formiga LIBRAS. Youtube. Disponível em:
(79) HISTÓRIA EM LIBRAS “A Cigarra e a formiga LIBRAS” - YouTube. Acesso em: 13 set. 2021.

FIGURA 9 - FÁBULAS EM LIBRAS – A CIGARRA E A FORMIGA

Fonte: TODOS, Fundamental para. Fábulas em Libras - A cigarra e a formiga - Esopo #narrativasemlibras.
Youtube.Disponível em: (80) Fábulas em Libras - A cigarra e a formiga - Esopo #narrativasemlibras - YouTube.
Acesso em: 13 set. 2021.

Imaginemos este mesmo conto “A Cigarra e a Formiga’’ no processo de tradução.


Como poderíamos representar o grupo de formigas trabalhadoras – pelo sinal de formiga e
trabalho, pelos classificadores, etc. Representaremos a Cigarra cantarolante, cantando? A
pessoa surda não iria te ouvir, e dessa forma o entendimento da história e da moral poderia
ser comprometida.
Traduções de fábulas do português para a língua de sinais possibilitará a for-
mação de significados na narrativa pelos surdos, cumprindo então o objetivo
das fábulas na formação do conjunto de valores que vão contribuir os indiví-
duos como sujeitos inseridos em uma cultura. (CASTRO, 2012, p. 60 apud
SCHLEMPER, 2017, p. 03 apud MELO, 2018, p. 17).

A história está posta, encontramos o desafio nessa adaptação de sentidos para


que o significado não passe por alterações. Esses processos irão permear nosso trabalho
de tradução, as possibilidades são infinitas e os caminhos diversos, que não percamos a
coragem para ousar e experienciar todas as possibilidades construindo mais acessibilidade
a essas produções.

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3. POESIA EM SINAIS

A expressão poética foi delimitada durante muito tempo para uma pequena par-
cela da sociedade. Quando nos referimos a poesia, automaticamente nos referimos a um
conjunto de palavras ‘complicadas’ que rimam, a enxergamos como um gênero elitista. No
entanto, a poesia abrange um conceito muito mais diversificado, ainda mais quando nos
referimos às produções de poesias em língua de sinais as possibilidades são infinitas.
Inicialmente precisamos compreender a poesia como um gênero literário que se
constitui pela arte de compor, escrever versos. Novamente iremos adentrar em uma dis-
cussão de âmbito político, social e de representatividade. Pois, esses versos não surgem
do nada, não se criam sozinhos, as palavras não aparecem combinadas de repente. Há
uma persona que o cria, que estabelece o tema, que pesquisa as possibilidades de rimas
de acordo com a mensagem que deseja transmitir.
Antigamente poderíamos trazer uma definição tradicional de poesia, no entanto, nos
dias atuais reconfiguramos tal conceito. Você conhece, já se encontrou com o conceito de
‘Slam’? De maneira mais simplificada, vamos conceituar slams ou poetry slams como os en-
contros de poesia falada (spoken word) e performática. Tal modalidade ocorre geralmente em
modo de competição composto por um júri popular em que uma pessoa é escolhida espontânea
e aleatoriamente entre o público, esta define a nota aos slammers (os poetas), em que devem
ser considerados principalmente a poesia e o desempenho como critérios avaliativos.

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Pois bem, o termo poesia, pode ser adaptado para a atualidade como slams. Origi-
nalmente surgiu em modalidade oral, e a comunidade surda em sua construção, passaram
a se utilizar e construir esse gênero literário em uma modalidade gesto-visual, ou seja
– utilizando-se da língua de sinais para sua produção.
Tal gênero literário é utilizado e produzido sob uma perspectiva de empoderamento
e representatividade, bem como para tratar sobre a falta de acessibilidade e políticas que
pensem e respeitem a comunidade surda. De acordo com Sutton-Spence (2006, p. 329
apud POKORSKI, DEMIANCZUK, SCHULZ, 2018, p. 04): “O empoderamento pode ocorrer
ou simplesmente por se usar a língua, ou pela mensagem por ela transmitida.”
O reconhecimento da língua de sinais e a difusão das tecnologias possibilita a
esses sujeitos uma maior utilidade e propagação da língua, bem como de sua cultura, suas
histórias e especificidades. Da poesia se utilizam como recurso de transmissão.
Tratando-se de um roteiro técnico de criação, a formação da poesia em língua
portuguesa sabemos que os conceitos que as estruturaliza dizem respeito a sintaxe, a fo-
nética, a combinação das sílabas que rimam e compõem o corpo do texto. Tal mensagem é
utilizada com fins estéticos ou críticos. Mas em língua de sinais, quais as regras gramaticais
que permeiam tal produção? Os fins são os mesmos – uma estética que aborda e expressa
questões políticas e sociais, cada grupo com suas considerações e reivindicações. Contu-
do, em língua de sinais, ao ritmo, a combinação, a rima não se atribui pelas palavras, mas
sim pelos sinais, pela visualidade do conjunto.
Tal elaboração segue regras gramaticais próprias da língua de sinais, em sua
construção o indivíduo vai formando, construindo e modificando esse conjunto de sinais
conforme a mensagem que ele deseja transmitir, é um processo permeado por tentativas,
experimentação, até que se tenha por completo a produção. Essas regras gramaticais são
os classificadores, as expressões corporais, faciais, os conjuntos de sinais, a técnica, a
movimentação, não é somente traduzir ou sinalizar sinal-por-sinal que temos uma poesia
em língua de sinais. Os elementos norteadores dessa produção se constituem por múltiplos
elementos linguísticos que devem ser considerados.
Outra questão muito importante que deve ser considerada neste gênero literário é
a questão do lugar de fala, das vivências. Cada poesia tem uma história a ser contada ou
algo a ser exposto. Vejam, uma pessoa ouvinte não pode criar uma poesia sobre como é
ser surdo em uma sociedade ouvintista, pois ele (a) não é visto e não ocupa o lugar de uma
pessoa surda na sociedade. Podemos ter uma noção das dificuldades e implicações que
uma pessoa surda vive, no entanto não precisamos lidar com tais limitações, este é um fato
que deve ser olhado e considerado com muita cautela.

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Neste sentido, uma pessoa ouvinte pode contribuir e participar da produção de
poesias, slams em língua de sinais por meio de uma dinâmica muito interessante. Está
novamente se apresentando de maneira plural. Gostaria de apresentar algumas imagens
de produções de poesias em língua de sinais, esses vídeos podem ser encontrados no
youtube, e explicam por si, as dinâmicas possíveis entre surdos e ouvintes.

FIGURA 10 - SLAM EM LIBRAS – CCBB EDUCATIVO SÃO PAULO

Fonte: CULTURAIS, Sapoti Projetos. SLAM em Libras - CCBB EDUCATIVO SÃO PAULO. Youtube. Dis-
ponível em: (80) SLAM em Libras - CCBB EDUCATIVO SÃO PAULO - YouTube. Acesso em: 13 set. 2021.

FIGURA 11 - SLAM DO CORPO NO MANOS E MINAS - EMPATIA

Fonte: Reis, Samid. Slam do Corpo no Manos e Minas – Empatia. Youtube. Disponível em: (80) Slam do
Corpo no Manos e Minas - Empatia - YouTube. Acesso em: 13 set. 2021.

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FIGURA 12 - O SILÊNCIO E A FÚRIA – POETAS DO CORPO

Fonte: TV, Trip. O silêncio e a fúria – poetas do corpo. Youtube. Disponível em:
(80) O silêncio e a fúria - poetas do corpo - YouTube. Acesso em: 13 set. 2021.

FIGURA 13 - SLAM DO CORPO – VOZ

Fonte: CÂMARA, Nilton. Slam do Corpo – Voz. Youtube. Youtube. Disponível em: (80) Slam do Corpo - Voz
- YouTube. Acesso em:13 set. 2021.

Ao assistir cada vídeo (todos se encontram no youtube conforme o título), podemos


observar e compreender nitidamente esta dinâmica que comentamos sobre a pessoa surda
e ouvinte, respeitando o lugar de fala. A pessoa ouvinte se coloca como tradutora e intérprete
da poesia, no entanto percebemos um posicionamento corporal artístico que se diferencia
dos demais processos de tradução. Tais corporeidades podem ser estabelecidas conforme
o objetivo visual que o poeta, a poeta deseja transmitir. Não é um simples traduzir os sinais,
ambos devem se compor das corporeidades abordadas na produção, neste sentido, não se
lê a escrita, não se traduz a poesia previamente decorada, realizamos a leitura do sujeito,
de sua história, de suas lutas, suas dores. E mais do que nunca, podemos contemplar a
poesia como arte e luta!

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4. HUMOR NA LITERATURA SURDA

O ato de achar graça das coisas ao se colocar e analisar o mundo é uma caracte-
rística própria do ser humano a qual faz parte do seu dia-a-dia. Em um instante estamos
concentrados e de repente estamos rindo, gargalhando.
O que irá diferenciar o humor de uma cultura ouvinte da cultura surda é justamente
as características e identidades que os compõem. O humor surdo retrata prioritariamente a
problemática da incompreensão da surdez por parte da pessoa ouvinte.
Para que possamos compreender os sentidos humorísticos desse gênero na litera-
tura surda, é fundamental a fluência em língua de sinais, pois há muitas sutilezas que sem
conhecimento, passam despercebidas, e incompreendidas, se perde o sentido humorístico
do gênero.
Podemos definir o gênero humor na literatura surda em cinco conceitos:
A primeira viria das imitações de pessoas, animais, filmes e objetos. O se-
gundo tipo abrange “brincadeiras com as configurações do alfabeto ou dos
números, em que o contador pode criar uma história a partir delas”. O terceiro
tipo são “brincadeiras com o movimento”, em que os sinais produzidos reali-
zam movimentos que remetem à piada/anedota que está sendo contada. O
quarto tipo envolve “brincadeiras com temas tabu, como sexo ou cocô”, que
são também muito frequentes entre os ouvintes. A autora afirma que “estas
produções não são produzidas em contextos formais, mas são antes prefe-
ridas em convívios informais, em grupos pequenos [...]”. O quinto tipo inclui
“anedotas que vão passando de mão em mão e de país para país, entre os
surdos”. (MORGADO apud KARNOPP e SILVEIRA, 2014, p. 09).

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Independentemente do tipo de humor praticado, algo que precisamos sempre ter
cautela e responsabilidade, refere-se ao tipo de humor que estamos produzindo e disse-
minando. Quando nos referimos a humor, diferentes ideias conceituais podem passar pela
nossa mente, a classificamos sob diferentes âmbitos, no entanto precisamos especificar
que os humores advindos de características físicas ou jeitos de uma pessoa, pontos que
rebaixam ou colocam em evidências características pessoais que incomodam ou não esses
sujeitos, não devem ser caracterizados neste gênero. Humor é algo engraçado, que pro-
voca risadas ou que também pode ser utilizado como recurso de resistência, provocando
indagações de maneira mais ‘leve’, no entanto este nunca deve ser construído sob a dor ou
o incômodo de alguém.
Vejamos a seguir algumas produções de humor surdo presentes no youtube:

FIGURA 14 - SLAM DO CORPO – TV CES – PIADA EM LIBRAS – ‘ O LEÃO E O SURDO’

Fonte: BRANCO, Colégio Rio. |TV CES| Piada em Libras - “O leão e o surdo”. Youtube. Disponível em: (80)
|TV CES| Piada em Libras - “O leão e o surdo” - YouTube. Acesso em: 13 set. 2021.

FIGURA 15 - CES – PIADAS EM LIBRAS

Fonte: BRANCO, Colégio Rio. |TV CES| Piada em Libras. Youtube. Disponível em:
(80) CES - Piadas em Libras - YouTube. Acesso em: 13 set. 2021.

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FIGURA 16 - PIADA EM LIBRAS – 1 – O LENHADOR E A ÁRVORE SURDA

Fonte: UFRJ, Letras- Libras. Piada em Libras - 01 - O Lenhador e a Árvore Surda. Youtube. Disponível em:
(80) Piada em Libras - 01 - O Lenhador e a Árvore Surda - YouTube. Acesso em: 13 set. 2021.

Estas são apenas algumas das diversas produções de humor surdo que há nos
meios digitais de comunicação. Assistindo os vídeos acima expostos, podemos também
verificar as diferentes performatividades utilizadas pelos humoristas. Neste sentido, pode-
mos considerar que:
Para ser um bom contador de histórias de humor, para além de ser surdo e
de possuir a identidade surda, tem necessariamente de ser fluente em língua
gestual”. Além de fundamentalmente ter talento artístico e dramático, expri-
mir com desenvoltura o movimento e as expressões, faciais e corporais; ser
criativo; e ser observador. (MORGADO, 2011, p. 56 apud SILVA, 2018, p. 03).

Fazer rir, por vezes é um desafio, as piadas, o humor também carrega históricas e
conceitos específicos de cada cultura. Rir das piadas em Libras pode significar o partilhar
desses aspectos culturais próprios de um grupo social, se constitui em uma troca.

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SAIBA MAIS

Sobre a importância da criança surda ter contato com sua língua materna - a LIBRAS

A criança surda tem o potencial para a aprendizagem da língua de sinais, mas só poderá
adquiri-la se tiver contatos interacionais com usuários efetivos da mesma. Neste senti-
do, a sua língua materna (a língua da mãe e familiares) não favorece a sua constituição
como sujeito. Ela depende de uma língua estrangeira à família (a língua de sinais) e de
oportunidades de contato com a mesma para seu desenvolvimento. A família então tem
papel determinante em oferecer estas oportunidades e em constituir-se ela mesma em
usuária desta língua ou não (MOURA, 2013, p. 14).
É pela linguagem que o indivíduo estabelece sua identidade e se configura como único
nas suas particularidades. É pela linguagem que ele pode compreender o mundo a sua
volta e estabelecer relações de causa-efeito, de temporalidade, de espaço, etc. para
construir seu próprio universo e poder estar no mundo com os outros que o representa-
rão a partir do que eles percebem dele. E a partir do que os outros percebem dele, o in-
divíduo irá reconstruindo o seu próprio processo de identidade, realizando-se enquanto
sujeito social e da linguagem. Quando essa constituição é bem realizada, temos como
somatória um indivíduo bem adaptado à sociedade em suas diferentes esferas, usando
a linguagem para se colocar e para se tornar cidadão. Pode-se imaginar o efeito que a
língua de sinais tem na organização do indivíduo surdo. Será pela língua de sinais que o
surdo poderá compreender o mundo, localizar-se com relação a ele mesmo e aos outros
e ter as suas referências, inclusive aquela que o coloca de forma diferente no mundo
como surdo que percebe o mundo visualmente, que tem direitos e que deve ser respei-
tado na sua forma de ser (MOURA, 2000, p. 7).
Notas da autora: Neste sentido, podemos perceber a imprescindível importância da
criança surda ter contato e se formar por meio da sua língua de direito. É por meio dela
que esses indivíduos irão perceber o mundo, a sociedade e tudo que os cerca, bem
como formar suas identidades. Infelizmente, muitas das crianças surdas que nascem
em famílias ouvintes, vão se desenvolver com a língua portuguesa como sua primeira
língua, tendo contato tardiamente com a língua de sinais. Isso não compromete somen-
te seu desenvolvimento linguístico como também trata de questões referentes à identi-
dade e representatividade desses sujeitos.

Fontes: MOURA, M.C. Surdez e Linguagem. In: LACERDA, C.B.F.; SANTOS, L.F. (Org.). Tenho um alu-

no surdo e agora? São Carlos: Edufscar. 2013. p.13-26.

MOURA, M. C. O Surdo: Caminhos para uma Nova Identidade. Rio de Janeiro: Revinter, 2000.

UNIDADE III Produção


Literatura na
Surda
Literatura Surda 51
REFLITA

Apesar de mudanças significativas na legislação e de iniciativas de algumas propostas


educacionais em instituições de ensino, o fato é que, há muito tempo, temos, por parte
dos surdos, uma luta histórica tentando fazer valer a diferença linguística e cultural que
lhes é devida, não somente nos espaços escolares, mas em outros espaços, como na
mídia e nos diferentes artefatos culturais. Sabe-se que há a predominância de uma úni-
ca forma linguística, de uma cultura universal, silenciado as manifestações linguísticas
tecidas em outras línguas, como é o caso, inclusive, das narrativas em Libras. Em con-
sequência, circulam representações de surdos atreladas a modelos exóticos, deficien-
tes, “especiais” e, além disso, é “emudecida a trova, são silenciadas as histórias antes
contadas nas quermesses, põe-se para adormecer a memória popular, imobilizam-se as
mãos e as narrativas que os sinais tecem” (SOUZA, 2000, p. 87).

Fonte: SOUZA, Regina Maria de. Práticas alfabetizadoras e subjetividade. In: LACERDA, Cristina. &

GOÉS, Maria Cristina Rafael de (Orgs.). Surdez: processos educativos e subjetividade. São Paulo: Lovi-

se, 2000.

UNIDADE III Produção


Literatura na
Surda
Literatura Surda 52
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste momento concluímos mais uma unidade. Caminhamos juntos nesse processo
de aprendizagem e formação. Neste módulo, pudemos compreender como ocorre a leitura
de livros por crianças ainda não alfabetizadas. Delineamos também alguns processos de
traduções e foram apresentados alguns livros de contos de fadas, e vídeos de fábulas e
poesias em língua de sinais. Espero que tenha sido um produtivo e enriquecedor momento
de estudos.

Até mais!

UNIDADE III Produção


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Surda
Literatura Surda 53
LEITURA COMPLEMENTAR

Diferença entre Língua e Linguagem.

A língua pertence a todos os membros de uma comunidade, por isso faz parte do
patrimônio social e cultural de cada coletividade. A língua geograficamente é distinta, como
por exemplo, no Brasil a língua falada é a Portuguesa, na Inglaterra é o Inglês, na França é o
francês e assim por diante. As línguas podem se manifestar de forma oral ou gestual, como
a Língua Brasileira de Sinais (Libras) Já a linguagem é a capacidade que os homens têm
para produzir, desenvolver e compreender a língua falada e outras manifestações, como
a pintura, a música e a dança. A linguagem é uma forma de ação interindividual orientada
por uma finalidade específica; um processo de interlocução que se realiza nas práticas
sociais existentes nos diferentes grupos de uma sociedade, nos distintos momentos da sua
história. (BRASIL, 2001, p.23-24)

Fonte: BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Fundamental. Parâmetros curri-

culares nacionais: língua portuguesa. Brasília: A Secretaria, 2001.

UNIDADE III Produção


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Surda
Literatura Surda 54
MATERIAL COMPLEMENTAR

LIVRO
Título: Língua de Sinais Brasileira – Estudos linguísticos
Autor: Ronice Muller de Quadros, Lodenir Becker Karnopp.
Ano: 2009.
Sinopse: Neste livro, Ronice Muller de Quadros e Lodenir Becker
Karnopp descrevem e analisam a língua de sinais brasileira, apon-
tando, de modo competente, seus aspectos fonológicos, morfoló-
gicos e sintáticos. Superando a dificuldade inerente à tradução e à
transcrição dos sinais, as autoras oferecem uma fonte imprescin-
dível para aprendizagem, compreensão, análise e uso da língua
de sinais brasileira, ricamente ilustrada por fotos realizadas com
rigoroso cuidado técnico, com o objetivo de que o leitor pudesse
ter idéia dos rápidos movimentos de corpo e mãos envolvidos em
cada sinal.

FILME/VÍDEO
Título: A Família Bélier
Ano: 2014.
Sinopse: Paula (Louane Emera) é uma adolescente francesa que
enfrenta todas as questões comuns de sua idade: o primeiro amor,
os problemas na escola, as brigas com os pais... Mas a sua família
tem algo diferente: seu pai (François Damiens), sua mãe (Karin
Viard) e o irmão são surdos e mudos. É Paula quem administra
a fazenda familiar, e que traduz a língua de sinais nas conversas
com os vizinhos. Um dia, ela descobre ter o talento para o canto,
podendo integrar uma prestigiosa escola em Paris. Mas como
abandonar os pais e os irmãos?

UNIDADE III Produção


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Surda
Literatura Surda 55
UNIDADE III
Letramento Literário
Professora Esp. Mariana Alves Carnelozzi

Plano de Estudo:
● Letramento Literário do Povo Surdo;
● O Surdo Contador de História;
● Práticas pedagógicas para ensinar crianças surdas a contarem histórias.

Objetivos da Aprendizagem:
● Compreender a diferença entre alfabetização e letramento;
● Conhecer as possibilidades do letramento literário do Povo Surdo;
● Entender a importância do Surdo ser um contador de história;
● Aprender práticas pedagógicas para ensinar as crianças surdas a contarem histórias;
● Contextualizar a teoria com a prática nesses processos.

56
INTRODUÇÃO

Prezados alunos (as) iniciamos agora na terceira unidade, vamos dar continuidade
as nossas aprendizagens!
Neste texto delinearemos alguns caminhos, no entanto nenhuma abordagem se
apresenta de maneira pronta. A proposta é levá-los a refletir e construir essas possibilidades.
Sob esta ótica, conheceremos alguns caminhos possíveis para o letramento do
povo surdo, entender o que torna a pessoa surda uma contadora de histórias e de que
maneiras podemos incentivar as crianças surdas a se tornarem contadoras também.
Lembrem-se, o conhecimento é um caminho que se constrói.

Bons estudos!

UNIDADE III Letramento Literário 57


1. LETRAMENTO LITERÁRIO DO POVO SURDO

1.1 Letramento Literário do Povo Surdo


Inicialmente, precisamos diferenciar o conceito de letramento e alfabetização. Pode-
mos nos confundir entre essas definições e mencioná-las como se não houvesse dissocia-
ções entre elas, no entanto cada palavra carrega um significado diferente. Podemos entender
a alfabetização como o processo de aprendizagem em que estimulamos o desenvolvimento
da capacidade da pessoa ler e escrever, como função básica. O letramento diz respeito a
competência da leitura e da escrita nas práticas sociais – ou seja é o uso social da leitura.
Neste sentido, quando no referimos ao letramento literário do povo surdo, iremos
compreender nesta unidade as possibilidades e os caminhos possíveis acerca da utilização
dos gêneros literários como ferramenta metodológica para desenvolver esta capacidade de
letramento, de criticidade e formação de ideias, pensamentos, conceitos da comunidade surda.
O letramento literário, conforme o conhecemos, possui uma configuração es-
pecial. (...), o processo de letramento literário que se faz via textos literários
compreende não apenas uma dimensão diferenciada do uso social da escri-
ta, mas também, e, sobretudo, uma forma de assegurar seu efetivo domínio.
Daí sua importância na escola, ou melhor, sua importância em qualquer pro-
cesso de letramento seja aquele oferecido pela escola, seja aquele que se
encontra difuso na sociedade. (COSSON, 2006, p. 12).

Sabemos que a Língua materna da comunidade surda é a língua de sinais, por


meio dela que o sujeito deve se formar, conhecer e entender o mundo que o cerca e se
expressar. Como visto nas unidades anteriores, também temos a escrita de sinais e no que
concerne a Língua Portuguesa, a pessoa surda deve aprender a escrita desta.

UNIDADE III Letramento Literário 58


Sob esta perspectiva, iremos abordar esse letramento sob os diferentes âmbitos e
possibilidades de comunicação, pois, independente do meio utilizado pela pessoa surda,
este processo deve ocorrer cumprindo os objetivos do letramento.
Neste processo de aprendizagem o aluno(a) surdo pode se deparar com grandes
dificuldades, devido a não proficiência dos professores e da equipe pedagógica acerca
da língua de sinais, bem como a falta de conhecimento e formação da pessoa surda na
segunda língua. Neste espaço encontramos docentes e discentes que não conseguem
estabelecer uma comunicação efetiva, pois ambos se utilizam de línguas diferentes. Não
nos cabe culpabilizar os envolvidos nesse processo, essas discrepâncias linguísticas são
consequências de processos formativos muito mais profundos e que percorrem espaços
que vão além do ambiente da sala de aula.
Em um ambiente formal de aprendizagem – a escola – o professor ou professora
precisa levar em consideração no momento da formulação do plano de aula e ao pensar as
estratégias metodológicas de aprendizagem e incentivo a esse letramento, na diversidade e
multiculturalidades presentes no ambiente, pois em uma sala de trinta alunos, por exemplo,
temos ouvintes, surdos, alunos (as) com diferentes vivências e diversos caminhos de apren-
dizagem. Esta multiplicidade não deve ser algo que atrapalhe o professor ou professora em
sala de aula, mas pelo contrário, que possam ser exploradas e abordadas essas diferenças
em foco metodológico. De tal modo, este processo literário é enriquecido e acontece de
maneira lúdica e prazerosa. Neste sentido, podemos citar Pontes e Romano (2015):
Por isso, a relevância de profissionais utilizarem abordagens diferenciadas na
educação de surdos, sobretudo na área do letramento literário, é significativa,
pois esses profissionais estão considerando e respeitando a especificidade
linguística e cultural destes alunos na sua diferença. (PONTES; ROMANO,
2015, p. 02).

Desta forma, uma das possibilidades para conduzir esse processo de letramento
pode ser permeada por quatro passos básicos: motivação, introdução, leitura e interpreta-
ção. Vamos compreender melhor essa metodologia:
a) Motivação – pelo próprio nome já podemos compreender o significado do
conceito. Esse primeiro momento diz respeito ao incentivo que traremos ao
aluno (a) ter contato com a literatura. Os caminhos para que essa motivação
ocorra são ainda mais diversos e devem abranger as diversidades culturais e
linguísticas dos sujeitos envolvidos.

UNIDADE III Letramento Literário 59


b) Introdução – Momento em que o professor ou professora irá apresentar a ativi-
dade proposta, explicará a sala o que será feito e de que maneiras eles podem e
devem participar do processo. Tal introdução pode-se referir tanto às atividades
tanto ao livro, quanto ao gênero literário em si que será utilizado, ou ambos.
c) Leitura – Este é o instante em que o aluno (a) terá contato de fato com o material
para a leitura. Esse momento pode ser estruturalizado em uma infinidade de pos-
sibilidades e se utilizar dos mais diferentes gêneros literários existentes. Cabe-
-nos pontuar que tal processo também pode ocorrer não somente com leitura de
livros tradicionais escritos em língua portuguesa. Esse é o momento de explorar
a língua de sinais também, e a leitura pode ser realizada por meio de materiais
escritos em língua de sinais ou produzidos em DVD, vídeos, entre outros.
d) Interpretação – Nesta etapa iremos dialogar com os alunos(as) acerca de
seus entendimentos e conclusões delineadas pelo contato com o material.
Importante considerar que a leitura previamente realizada será permeada por
individualidades de identidade e formação tanto culturais quanto linguísticas de
cada indivíduo, o que resultará nessa interpretação. Neste sentido, devemos
considerar todas as vivências.
A interpretação é feita com o que somos no momento da leitura. Por isso,
por mais pessoal e íntimo que esse momento interno possa parecer a cada
leitor, ele continua sendo um ato social. (COSSON, 2006, p. 65 apud PON-
TES; ROMANO, 2015, p. 08).

Neste processo, devemos considerar que a visualidade é uma singularidade ine-


rente da pessoa surda que se utiliza da língua de sinais – uma língua visuo gestual – deste
modo, se utilizar desses elementos visuais pode enriquecer a aula e contribuir para a com-
preensão e construção de sentidos e significados.
Devemos salientar a importância do respeito à individualidade referente ao proces-
so de aprendizagem e aquisição literária de cada pessoa. O desenvolvimento de cada indi-
víduo ocorre de maneira multifatorial, e no que tange a pessoa surda, devemos considerar
principalmente o ambiente em que ela se encontra inserida. Esta inserção enquanto sujeito
social ocorre em diferentes ambientes, no entanto, iremos focalizar no ambiente familiar,
que é o primeiro contato informal em grupo que a criança surda tem antes de iniciar seu
processo de aprendizagem em um ambiente formal – a escola.
Na família, cada pessoa se encontra inserida em uma realidade diferente, há
uma infinidade de formulações familiares que podemos analisar, no entanto vamos
delimitar a questão do acesso e incentivo aos gêneros literários para a formação do
letramento da criança surda.

UNIDADE III Letramento Literário 60


Salientamos na unidade anterior a importância do incentivo à prática da leitura no
ambiente familiar. Percebemos que uma criança surda nascida em uma família surda irá se
utilizar da língua de sinais de maneira natural e espontânea. A comunicação do dia-a-dia
ocorrerá por meio desta língua, dessa forma ela irá se desenvolver em sua língua materna
bem como entender e construir sua identidade pautada na comunidade surda. Agora, uma
criança surda nascida em um ambiente familiar onde o restante de sua família são ouvintes,
as implicações serão outras. Em sua maioria, esta criança se encontra em uma família que
se utiliza da oralização para estabelecer a comunicação e pouco ou nada têm de contato
com a comunidade surda, conhecendo seus iguais muitas vezes, tardiamente.
Estas são realidades que irão refletir diretamente no processo educacional da
pessoa surda, e nesta conjuntura o mais ideal é que o corpo docente e pedagógico da
instituição escolar se atente as especificidades de cada aluno(a) e promova um ambiente
acolhedor e favorável ao letramento, promovendo o acesso e o incentivo a prática literária.

UNIDADE III Letramento Literário 61


2. O SURDO CONTADOR DE HISTÓRIA

A pessoa surda contadora de história permeia âmbitos que vão muito além da narrati-
va. A história de tais indivíduos se construiu e ainda se estruturaliza por meio de lutas, perdas
e conquistas na busca pelo direito de uso e reconhecimento de sua língua materna – língua
de sinais – bem como de políticas de acessibilidade e equidade para melhores condições
comunicacionais e de inclusão na sociedade e no sistema educacional de ensino.
Quando nos referimos a comunidade surda ou ao indivíduo surdo, precisamos
delinear diferenças históricas que definiram e ainda estabelecem os espaços e lugares
que essas pessoas podem ou devem ocupar na sociedade, como se a surdez fosse um
fator determinante da capacidade, e é por este olhar clínico da surdez que essas pessoas
sempre precisaram lutar para alcançar espaços que já são disponibilizados de maneira
natural para os ouvintes.
Há pessoas surdas por todo o Brasil, com diversas identidades e interesses, e que
produzem e consomem diferentes conteúdos, que habitam múltiplos espaços. A pessoa
surda não conversa somente sobre surdez, no entanto são invisibilizados. Neste sentido,
iremos compreender as implicações necessárias que permeiam essas vivências da pessoa
surda enquanto contadora de histórias.
Ao contar histórias podemos personificar personagens novos e transmutar em
diferentes roteiros sob diferentes pontos de vista. Temos a possibilidade de abordar uma
vivência, lutas, pautas que consideramos importantes, ou fatos que nos indignam, ou de
criar e apresentar as realidades que almejamos.

UNIDADE III Letramento Literário 62


Pois bem, já explicamos nas outras unidades as possíveis formas e os variados
gêneros para construção e abordagem informal ou educacional da literatura surda, bem
como os benefícios da ascensão da tecnologia para a produção e disseminação de tais
produções. Neste momento, iremos compreender algumas e abordar este lugar de fala, e
discorrer acerca do que há de material neste âmbito.
Por entender a Língua de Sinais como gestuo-visual e termos atualmente, a con-
tribuição das tecnologias e redes sociais para registro tanto de literaturas produzidas em
língua de sinais, quanto traduções da escrita de sinais ou da língua portuguesa, iremos
focalizar nas produções realizadas em vídeo, e para que esta aprendizagem seja ainda
mais enriquecedora, indico que ao término da mesma, que nos encaminhemos aos mate-
riais aqui expostos. Feito esse movimento, poderemos entender melhor as exemplificações
aqui expostas, bem como valorizar as produções da comunidade surda. Válido destacar
que todos os vídeos aqui apresentados são de fácil acesso e podem ser encontrados na
plataforma YouTube por meio do título composto em cada imagem.
A seguir, iremos conhecer algumas histórias contadas por surdos, tais históricas
podem seguir e se utilizar dos diferentes gêneros literários, bem como se apresentar sob
múltiplas perspectivas. Vejam bem, quando nos referimos ao surdo(a) contador de histórias,
tal narrativa se direciona e se constrói acerca da realidade ou não de uma ou várias perso-
nas. As possibilidades são inúmeras, e a literatura se dispõe desta usabilidade e liberdade,
podendo ser construída de maneira ficcional ou verídica, única e diversificada em relação
às históricas, aos personagens, ao objetivo e a mensagem que se deseja transmitir, bem
quanto ao público que se almeja alcançar. Tais indagações podem ser realizadas, e os
caminhos para tal produção são ainda mais diversos.
A primeira história que desejo trazer para nós foi realizado em formato de vídeo
com diversas pessoas da comunidade surda, na qual tem como intuito mostrar que a pes-
soa surda também é um indivíduo de direito e que a comunidade possui sua língua e sua
cultura, e que ambos têm o direito de registrá-la e disseminá-la ao restante da sociedade,
bem como de ter acesso a cultura ouvinte. O vídeo todo é muito interessante e apresen-
ta questões muito importantes nas quais poderíamos discorrer por páginas, no entanto,
gostaria de destacar um momento que narra com exatidão esta abordagem – da pessoa
surda contadora de histórias – no sentido da personificação da sua vivência. Importante
perceber os relatos individuais, bem como os coletivos e a forma como ambos se interligam
e transcrevem de maneira visual os acontecimentos concernentes ao ser surdo e suas
implicações históricas, políticas e sociais dentro de uma sociedade ouvintista.

UNIDADE III Letramento Literário 63


FIGURA 1 - SOMOS DIFERENTES DE VOCÊ?

Fonte: ISFLOCOS. Somos diferentes de você? Youtube. Disponível em:


(87) Somos diferentes de você? - YouTube. Acesso em: 13 set. 2021.

Várias pessoas com diferentes histórias, mas com algo em comum – a surdez. E as
semelhanças que eles compartilham são abordadas e expostas no vídeo. As indagações
e provocações nos levam a repensar algumas questões básicas – que as pessoas surdas
são seres humanos – que sorriem, se entristecem, sentem dor, se divertem, tem história
e cultura, e principalmente, assim como qualquer ser humano que convive em sociedade,
tem seus direitos.
A imagem acima representa o momento que eles abordam a Língua de Sinais e a
Comunidade Surda, a história contada refere-se às lutas enfrentadas neste âmbito, quando
as pessoas surdas tinha suas mãos amarradas e eram proibidas de sinalizar por conse-
quência dos acontecimentos do Congresso de Milão, o qual já conhecemos na primeira
unidade desta disciplina. Ao decorrer do vídeo cada indivíduo menciona um sentimento,
um desejo ou indagação. As individualidades e coletividades se mesclam e compõem a
totalização dessa construção.

FIGURA 2 - SLAM DO CORPO NO MANOS E MINAS – DEFICIÊNCIA

Fonte: REI, Samid. Slam do Corpo no Manos e Minas – Deficiência. Youtube.Disponível em:
(87) Slam do Corpo no Manos e Minas - Deficiência - YouTube. Acesso em: 13 set. 2021.

UNIDADE III Letramento Literário 64


Esse vídeo é composto por duas histórias diferentes, na primeira, a pessoa surda
se apresenta como um personagem que estava olhando de fora o acontecimento, a segun-
da história já é contada sob a ótica da vivência da pessoa surda, na qual ela é a própria
personagem. São expostos os preconceitos e situações capacitistas que ela enfrentou por
ser surda. Tal abordagem de narrativa nos conscientiza e nos ensina sobre o ser surdo(a)
nesta sociedade, e de que formas podemos lutar e contribuir para que tais situações não
se repitam. Bem como, oportunizam espaço e empoderamento a essas pessoas antes
invisibilizadas e marginalizadas. Nesta perspectiva, compreendemos a literatura como um
espaço de construção e luta.
A seguir, trarei algumas outras histórias apresentadas em formato de vídeo para que
possamos conhecer e compreender tanto as possibilidades de estruturalizar tais produções,
bem como a análise das narrativas e o conteúdo e personagens que a compõem. Assistindo
aos materiais, podemos compreender as diferenças da literatura ouvinte e da literatura surda,
bem como as possibilidades e corporeidades experienciadas pelos contadores.

FIGURA 3 - SLAM DO CORPO: GRUPO PARO E OBSERVO - VI (18/06/2014)

Fonte: MARTINS, Jessika. Slam do Corpo: Grupo Paro e Observo - VI (18/06/2014). Youtube.
Disponível em: (87) Slam do Corpo: Grupo Paro e Observo - VI (18/06/2014) - YouTube. Acesso em: 13 set. 2021.

FIGURA 4 - LITERASURDA – SLAM DO CORPO

Fonte: CUSTÓDIO, Rickinho. LiteraSurda – SLAM DO CORPO. Youtube.Disponível em:


(87) LiteraSurda - SLAM DO CORPO - YouTube. Acesso em: 13 set. 2021.

UNIDADE III Letramento Literário 65


FIGURA 5 - POESIA SURDA PARA SEMPRE (LIBRAS)

Fonte: SILVA, Rodrigo Custódio da. Poesia Surda para Sempre. Youtube. Disponível em:
(87) Poesia Surda pra Sempre (Libras) - YouTube. Acesso em: 13 set. 2021.

FIGURA 6 - VERSÃO EM LIBRAS DO POEMA ‘’QUANDO ELA FALA ‘’ – (MACHADO DE ASSIS)

Fonte: SILVA, Heron Ferreira da. Versão em Libras do Poema ‘’Quando Ela Fala ‘’ – (Machado de Assis).
Youtube. Disponível em: (87) Versão em Libras do poema “Quando ela fala” de Machado de Assis - YouTube.

Nesses vídeos indicados, podemos também verificar as possibilidades de tradução.


Os primeiros referem-se aos acontecimentos narrados pelos sujeitos surdos concernentes
às suas próprias vivências. Já este último refere-se a uma tradução de um poema escrito
originalmente em língua portuguesa. A diferença, é que a pessoa surda, enquanto conta-
dora de histórias, irá realizar a narrativa utilizando-se da sua língua e realizará adaptações
convenientes para um melhor entendimento da mesma. Esta exemplificação pode ser
observada quando traduzem o trecho da poesia ‘quando ela fala’ por ‘quando ela começa a
sinalizar’, apresentando a comunicação por meio da língua de sinais.
As possibilidades e os caminhos para a usualidade da literatura surda e o posi-
cionamento do sujeito surdo enquanto contador de histórias são infinitas. Que possamos,
ao assistir e ter contato com os variados gêneros, valorizar, compreender e aprender mais
sobre a comunidade e as individualidades que a compõem. Sempre sob o olhar da surdez
como diferença e da literatura como mecanismo de empoderamento, arte e luta.

UNIDADE III Letramento Literário 66


3. PRÁTICAS PEDAGÓGICAS PARA ENSINAR CRIANÇAS SURDAS
A CONTAREM HISTÓRIAS

Todas práxis se permeiam por teóricas ou partem delas – ambas não se dissociam,
são construídas e encaminhadas em uma dualidade que se constitui por múltiplas persona-
lidades. Como assim?
O tema central deste subtítulo se baseia nas práticas pedagógicas para ensinar
as crianças surdas a contarem histórias. Para compreendermos e conseguirmos de fato,
aplicar tais práticas em nossa realidade, é necessário levar em consideração diversas con-
junturas de diferentes âmbitos.
Cada fator possui um circunstancial que deve ser analisado e considerado com
humanidade. Vamos entender com mais clareza essas questões:
Quando nos referimos às práticas pedagógicas, especificamos as metodologias
que podem conduzir as abordagens do processo de ensino-aprendizagem, bem como as
atividades que o professor(a) irá utilizar para ensinar e/ou avaliar as crianças. As escolhas
dessas atividades são resultadas de um plano de aula e do arcabouço de conteúdos que o
professor deve ensinar naquela faixa etária, em determinada escolaridade.
Tal prática de ensino voltada para as crianças surdas já possui outras implicações.
Precisamos considerar a diferença linguística, identitária e cultural da criança surda. A
forma de se comunicar e de acessar as histórias são diferentes das das crianças ouvintes,
portanto não podem ser utilizadas das mesmas abordagens. E pontuamos, não estamos a
definir qual é melhor ou pior, nenhuma língua, cultura ou comunidade se encontra superior
ou em grau de inferioridade, é justamente tal multiplicidade que compõe a sociedade. A sala
de aula é a representação em menor escala de toda esta incorporação social.

UNIDADE III Letramento Literário 67


Podemos considerar que as salas de aula são compostas por grupos de vinte a trin-
ta crianças, às vezes menos ou mais, mas sempre grupos. Nestes grupos, temos diferentes
histórias, diferentes criações e constituições familiares. A escola não é um ambiente neutro
separado do restante da sociedade, pelo contrário, ela reproduz tais comportamentos e
formas de ver, compreender e estar no mundo. Nas escolhas das práticas pedagógicas o
professor(a) deve levar todo esse conjunto em consideração, e isso requer certo cuidado e
conhecimento acerca de cada aluno(a). Dentro destas individualidades há também o ritmo
de aprendizagem que se diferencia a cada criança, de forma que o ambiente em que se
encontram inseridos, também possui influência direta nas práxis abordadas pelo docente.
Percebemos que a prática docente não é simples e se constituiu de maneira mul-
tifacetada. E a escola como um ambiente de reprodução dos pensamentos e pensadores
também se utiliza da literatura em seus mais variados gêneros de acordo com esses obje-
tivos. A Literatura é utilizada como ferramenta metodológica de ensino e formação desses
sujeitos, bem como a prática da criticidade e construção de pensamentos.
Assim, o professor(a) deve ser um mediador para a criança surda ser capacitada
para se construir e se formar um contador de histórias, cada qual com suas singularidades.
A formação da criança contadora de histórias vai além da alfabetização e letramento, além
da aprendizagem da LIBRAS ou escrita de sinais, a mediação desta aprendizagem deve
ter como objetivos principais a capacitação das crianças surdas em compreenderem e
contarem histórias. Fazer entender que contar histórias não é a simples exposição dos
personagens, mas sim a personificação dessa histórica.
Neste sentido, a criança surda contadora de histórias pode apresentá-la partindo
de suas próprias vivências, bem como aventurar-se na construção de novos personagens.
Inicialmente não iremos fazer o aluno(a) se indagar acerca dos objetivos e metodolo-
gias a serem utilizados e alcançados. Podemos abordar e trabalhar com os diferentes gêneros
literários, no entanto essa contação de histórias, para ou por crianças ocorre de maneira mais
livre e lúdica. Vejam, quando colocamos esta liberdade, não significa sem planejamento,
refere-se ao respeito e observação do ritmo e interesse de cada aluno(a). A depender da faixa
etária, o objetivo inicial é o incentivo ao contato com os materiais literários.
Mais apropriado é que as práticas de contação de histórias ocorram na língua ma-
terna da criança surda – o que geralmente é a língua de sinais. Há crianças, nascidas em
famílias ouvintes que ainda não conhecem e não possuem contato com a LIBRAS, nesse
âmbito cabe ao professor analisar, construir e adaptar seus processos de ensino-aprendi-
zagem conforme a realidade de cada aluno(a).

UNIDADE III Letramento Literário 68


Sempre que nos referimos às práticas pedagógicas, ou esperamos planos de aulas
como ‘receitas de bolo’ em que as atividades são descritas e especificadas com o passo-a-
-passo que devemos seguir, ou, já desacreditados iniciamos a leitura do tema sabendo que
as atividades ali apresentadas, ou são difíceis demais de serem aplicadas, ou requerem
recursos não disponíveis na escola onde atuamos, ou ainda, desanimados com a estrutura
de ensino focamos apenas no básico e não nos aventuramos com os alunos (a) em novas
práticas, novos caminhos.
Diante de tal realidade, considerei oportuno expor tais considerações nos parágra-
fos acima. Feito tais apontamentos podemos refletir acerca das possibilidades de atividades
a serem desenvolvidas.
Sem parecer redundante, devemos começar do início. Neste âmbito a abordagem
do professor a) deve-se partir do contato com a língua materna da criança surda. A apre-
sentação da língua de sinais – desse modo é imprescindível que o docente saiba a língua.
A criança aprende por repetição e por exemplos, ao ver um adulto exercendo a prática da
leitura, nele despertará o desejo de entender e experienciar tal processo também. Neste
sentido, a realidade do sujeito também tem relação direta com essas escolhas.
Em sala de aula, o professor(a) e a equipe pedagógica podem disponibilizar um
ambiente acolhedor e incentivador, com um ‘cantinho da leitura e contações de histórias’,
por exemplo. Algo convidativo que estimula na criança o desejo por tal prática. Dentro
desse ambiente podem ser exploradas diferentes atividades e participações dos alunos em
criação e narrativa de histórias, utilizando-se dos gêneros literários.
A pessoa surda é visual e se utiliza de uma língua gesto-visual, este é um ótimo
recurso linguístico que deve ser utilizado e explorado nas práticas educativas. Em uma sala
composta por diferentes crianças e realidades, não se deve separá-las e conduzi-las às
formações de grupos excludentes, mas permear o contato e a socialização entre ambos.
Não é adequado separar os ouvintes dos surdos, as contações de histórias e por-
tuguês das contações de histórias em LIBRAS, pelo contrário, o conhecimento e respeito
acerca das diferenças se dá nesse processo. Esta é uma oportunidade de o professor
explorar as vivências dos alunos (as). Podemos propor que cada aluno(a) conte um pouco
sobre sua família, sobre o que mais gosta na escola, o que fez nas férias ou sobre as brin-
cadeiras que mais o divertem. As possibilidades são inúmeras e não são difíceis de serem
estabelecidas, é que tentamos delinear e conceituar tantas coisas que perdemos o básico.

UNIDADE III Letramento Literário 69


Quando uma criança chega na sala de aula contando o que fez no final de semana,
ou que foi seu aniversário e ela encontrou seus amigos e ambos brincaram bastante, ou
até mesmo que ela viu uma linda borboleta amarela enquanto passeava no parque, nestes
simples e corriqueiros momentos, a criança se posiciona como uma contadora de histórias.
No entanto, muitas das vezes o adulto não para e presta atenção nas histórias, e ao invés
de incentivar, acaba cortando a experiência.
O professor também pode trabalhar com projetos multidisciplinares envolvendo
as diferentes ementas. Montar peças teatrais, explorar as possibilidades de contação de
histórias e de leituras e acesso também aos materiais produzidos pela comunidade surda.
Pois, não se forma um contador de histórias sem antes ser um leitor.
Independente da metodologia utilizada, toda prática pedagógica deve considerar a
língua materna da criança surda, respeitar a especificidade e o processo de aprendizagem
de cada aluno, bem como incluí-lo de fato ao sistema escolar em que este se encontra
inserido. Suas histórias e ideias devem ser consideradas.
A formação de uma criança surda contadora de histórias não ocorre por meio de
receitas prontas ou planos de aulas que devem ser seguidos. Há individualidades e simila-
ridades que podem ser consideradas e abordadas nesse processo educativo, no entanto,
cada pessoa apresenta um potencial, cabe ao professor(a) o incentivo a tais práticas.
Neste processo, a criança surda se reconhece, se empodera e se constrói como
sujeito de sua própria história.

UNIDADE III Letramento Literário 70


SAIBA MAIS

Para um ensino de qualidade, é necessário

Na escola, o aluno surdo alcança um nível de desempenho satisfatório quando há preo-


cupação com o resgate de sua história, compreensão de sua singularidade linguística e
uma educação que valorize suas capacidades e potencialidades, além de uma atenção
às formas de organização social das comunidades surdas e à importância da Libras no
processo educativo e nas demais instâncias cotidianas. Acrescenta-se a isso a relevân-
cia da disposição de recursos - sejam eles humanos, materiais, metodológicos ou outros
- importantes para um ensino de qualidade no espaço escolar (LODI; LACERDA, 2009).

Fonte: LODI, Ana Claudia Balieiro; LACERDA, Cristina Broglia Feitosa. A inclusão escolar bilíngue de

alunos surdos no ensino infantil e fundamental: princípios, breve histórico e perspectivas. In: LODI, Ana

Claudia Balieiro; LACERDA, Cristina Broglia Feitosa. Uma escola duas línguas: letramento em língua

portuguesa e língua de sinais nas etapas iniciais de escolarização. Porto Alegre: Editora Mediação,

2009. p. 7-32.

REFLITA

Uma sociedade acessível, justa e igualitária deve propiciar à todos os indivíduos


(sem excluir ninguém) a acessibilidade, isto é, a “[...] inclusão e acesso a locais, produ-
tos, serviços e informação [...] independentemente de capacidades físicas, perceptivas,
motoras, culturais e sociais [...].” (SOUZA et al., 2013, p.08).

Fonte: SOUZA, M. S. de; COSTA, M. de F. O.; TABOSA, H. R.; ARARIPE, F. M. A. Acessibilidade e in-

clusão informacional. Informação & Informação, Londrina, v. 18, n. 1, p. 01-16 jan./abr. 2013. Disponí-

vel em: https://www.researchgate.net/publication/264496127_Acessibilidade_e_inclusao_informacional.

Acesso em: 13 set. 2021.

UNIDADE III Letramento Literário 71


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Chegamos ao término de mais um momento de aprendizagem. Nesse caminho


entendemos a definição de letramento e alfabetização e sob tais conclusões conseguimos
delinear as possibilidades de letramento da pessoa surda, e entender o que isso significa
sob uma perspectiva crítica.
Também conhecemos várias produções literárias da comunidade surda, as quais
podemos nos encaminhar neste momento para o acesso destes, vendo-os sob esta
perspectiva de empoderamento e representatividade, a qual também será construída a
identidade da criança surda contadora de histórias.
Que este material possa ter contribuído para o processo de aprendizagem e com-
preensão desses conceitos, há sempre espaço para novos aprendizados!

UNIDADE III Letramento Literário 72


LEITURA COMPLEMENTAR

Em relação às práticas de inclusão que ocorrem no ambiente escolar: As dinâmicas


educacionais da sala de aula e da escola estão focalizadas na língua oral e na escrita
da mesma. O aluno surdo, inserido no espaço educacional de alunos ouvintes, sem os
suportes adequados, tenta se comportar como ouvinte. Sua Língua de Sinais aparece
pouco e, desfigurada de sua cultura, não há sinais. Como esse aluno terá acesso aos
conhecimentos, se sua questão linguística não está sendo observada e, menos ainda, seu
pertencimento cultural? Como o surdo desenvolverá conhecimentos, se a escola apenas
faz mínimas concessões e, em seu imaginário, ainda se vê como um deficiente que, por
força da lei, a escola é obrigada a recebê-lo? As diretrizes para a educação dos surdos
apontadas pelo MEC não chegaram na maioria das escolas que recebem surdos. Estas di-
zem não ter suficientes condições estruturais e o surdo fica mal atendido sem que ninguém
se responsabilize (Stumpf 2008, p. 23).

Fonte: STUMPF, M. R. Mudanças estruturais para uma inclusão ética. In: R. M. Quadros, Estudos

Surdos III. p. 14-29. Petrópolis: Arara Azul. 2008.

UNIDADE III Letramento Literário 73


MATERIAL COMPLEMENTAR

LIVRO
Título: Teorias da Aquisição da Linguagem
Autor: Ingrid Finger, Ronice Muller de Quadros
Ano: 2008
Sinopse: A obra apresenta diferentes abordagens teóricas que
investigam o desenvolvimento linguístico da criança. O livro traz
as principais características das mais importantes abordagens
teóricas que norteiam as pesquisas relacionadas com a aquisi-
ção da linguagem. Os leitores terão contato com a perspectiva
behaviorista, o paradigma gerativista, a epistemologia genética, o
interacionismo, a abordagem conexionista e a abordagem psico-
linguística. Ao final, é apresentada a evolução das pesquisas em
aquisição da linguagem no Brasil.

FILME/VÍDEO
Título: Adorável Professor
Ano: 1995
Sinopse: Em 1964 um músico (Richard Dreyfuss) decide começar
a lecionar, para ter mais dinheiro e assim se dedicar a compor uma
sinfonia. Inicialmente ele sente grande dificuldade em fazer com
que seus alunos se interessem pela música e as coisas se com-
plicam ainda mais quando sua mulher (Glenne Headly) dá a luz a
um filho, que o casal vem a descobrir mais tarde que é surdo. Para
poder financiar os estudos especiais e o tratamento do filho, ele
se envolve cada vez mais com a escola e seus alunos, deixando
de lado seu sonho de tornar-se um grande compositor. Passados
trinta anos lecionando no mesmo colégio, após todo este tempo
uma grande decepção o aguarda.

UNIDADE III Letramento Literário 74


UNIDADE IV
Literatura Surda: Produções Culturais
em Língua de Sinais
Professora Esp. Mariana Alves Carnelozzi

Plano de Estudo:
● Cultura e Identidade Surda;
● Experiências Visuais;
● Língua de Sinais como artefato cultural.

Objetivos da Aprendizagem:
● Conhecer as especificidades da cultura e Identidade Surda;
● Entender a visualidade da Comunidade Surda;
● Identificar as características das produções do povo surdo;
● Perceber maneiras de construir essa visualidade;
● Estabelecer a importância de ter a Língua de Sinais como artefato cultural.

75
INTRODUÇÃO

Queridos alunos(as), nesta unidade iremos aprender sobre a cultura e identidade


Surda, sempre sob uma perspectiva de olhar do sujeito Surdo sobre si mesmo, não delinea-
remos os olhares da sociedade sobre esses indivíduos, mas das espaço e discorrer sobre
as produções e conceitos da própria comunidade, neste primeiro tópico entenderemos a
questão da Cultura e Identidade em moldes mais gerais e em âmbitos específicos que
permeiam cada grupo, aqui em específico, a visualidade que constitui a língua de sinais e
permeia as produções e construções dos sujeitos Surdos.
Em seguida é abordado a importância das experiências visuais na formação das
pessoas surdas, concomitante com a questão da identidade, fator imprescindível e a Lín-
gua de Sinais como artefato cultural. Todos esses temas se relacionam entre si pois tratam
diretamente do sujeito surdo.
Espero que este material possa enriquecer ainda mais seu processo de aprendiza-
gem e provocar indagações necessárias para uma formação crítica e construtiva.

Vamos iniciar!

UNIDADE IV Literatura Surda: Produções Culturais em Língua de Sinais 76


1. CULTURA E IDENTIDADE SURDA

Cultura e identidade são temas que não devem ser conceituadas em apenas um
significado. Muito além de termos científicos delineados em produções acadêmicas, a
questão da cultura e identidade permeiam termos muito mais intrínsecos e que se referem
às questões humanas.
Não é algo que pode ser criado, elaborado e estudado em laboratório. Se deseja-
mos compreender a identidade e cultura de um determinado povo, há um campo específico
onde devem ser realizadas tais pesquisas – a sociedade. Diz Perlin (1998) que:
Toda cultura e identidade são permeadas e construídas sob a influência dire-
ta das práticas e interações sociais estabelecidas pelos sujeitos que formam
tais grupos. Tendo como conceito de identidade cultural um conjunto de ca-
racterísticas que definem um grupo e que incidem na construção do sujeito,
sejam elas as que identificam ou as que excluem (PERLIN, 1998, p. 53)

Nesse sentido, vamos delinear esse olhar sob um âmbito mais geral, as pessoas
formam a sociedade e constituem os conceitos de cidadania, espaços e direitos políticos.
Cada ser humano, cada vida que há no brasil, a totalização de todos esses indivíduos, a
depender de região, estado, cor, gênero, entre outros, formam um grupo mais geral com
necessidades e capacidades múltiplas.
Vamos compreender melhor:
Todo ser humano possui a necessidade básica de alimentação, de saúde, seguran-
ça, educação, acesso ao mercado de trabalho e comunicação. Este é o molde geral que
constitui a humanidade e nestas necessidades, devemos tratar sobre políticas de equidade.

UNIDADE IV Literatura Surda: Produções Culturais em Língua de Sinais 77


A nos referir a cultura e identidade de grupos específicos, há diversos outros
fatores que devem ser considerados, pois cada grupo ocupa um espaço diferente na
sociedade, cada qual com seus privilégios ou necessidades diferentes, por isso nos refe-
rimos ao conceito de equidade.
Não vamos tratar sobre as desigualdades sociais que permeiam os diferentes
grupos sociais do nosso país, este não é o tema da disciplina, estamos apenas traçando
alguns movimentos para que possamos compreender as especificidades de cada grupo.
Cultura e identidade se constroem em uma história de narrativas e acontecimentos,
não é algo pronto e imutável ou separado, são um reflexo direto da sociedade.
Percebam, se formos discorrer acerca da cultura e identidade ouvinte, veremos que
a comunicação nunca foi uma pauta necessária, pois ouvintes já nascem com seus direitos
linguísticos garantidos, aprendendo e se formando por meio da Língua Portuguesa de
maneira natural desde o nascimento. Já a comunidade surda, tem sua cultura e identidade
constituídas, principalmente pela luta do direito e reconhecimento da Língua Brasileira de
Sinais como língua materna e natural da pessoa surda. Nesse sentido, devemos considerar
as especificidades da Língua de Sinais, bem como a forma como esses indivíduos se per-
cebem e se constroem no mundo, para que todos possam desenvolver suas capacidades
algumas questões devem ser pensadas:
Pelo fato de os surdos viverem em um mundo completamente visual-gestual,
seu cognitivo se desenvolve de um modo totalmente visual, ao contrário dos
ouvintes que utilizam a audição para se comunicarem, o que instiga reflexões
sobre a constituição do sujeito. Por viverem em uma comunidade onde são
minoria, as chances de ocorrer uma comunicação imprópria são grandes e,
caso isso ocorra, haverá consequências para o crescimento intelectual, so-
cial e emocional dessa pessoa. A aquisição de uma linguagem, no caso a de
sinais, é de extrema importância para o desenvolvimento de uma identidade
pessoal surda. Somos seres sociais e, por isso, precisamos identificar-nos
com uma comunidade social específica e, com ela, interagir de modo pleno,
ou seja, precisamos de uma identidade cultural, e, para isso, não basta uma
língua é uma forma de alfabetização, mas, sim, um conjunto de crenças, co-
nhecimentos comuns a todos. (CROMACK, 2004, p. 02).

Abordamos alguns assuntos concernentes a este tema nas unidades anteriores,


bem como apresentamos alguns acontecimentos marcantes que constituem a cultura e
a identidade da Comunidade Surda. Vamos abordar aqui a lei da LIBRAS nº 10.436, que
embora tenha sido aprovada muito recentemente no ano de 2002, a mesma começou a ser
desenvolvida desde 1993, com o intuito de trazer o reconhecimento da Língua Brasileira de
Sinais como língua oficial da Comunidade Surda no Brasil, pois tal reconhecimento propicia
o direito de acesso e formação em língua de sinais. Importante pontuar que, a lei trata da
língua de sinais como direito das pessoas Surdas de se alfabetizarem e se formarem como
sua L1 (língua materna). Ao contrário do que muitos pensam, ela ainda não é a língua oficial

UNIDADE IV Literatura Surda: Produções Culturais em Língua de Sinais 78


do Brasil, como a língua portuguesa, a lei a oficializa somente para a comunidade surda. As
pessoas ouvintes aprendem por serem codas - filhos(as) de pais surdos – ou pelo interesse
particular de cada indivíduo. (BRASIL, 2002)
Com a lei em vigor, a comunidade alcançou alguns direitos, no entanto, ainda há
empecilhos sendo enfrentados diariamente, como a falta de intérpretes e tradutores qualifi-
cados(as), isso quando se pensa em acessibilidade e se contratar tais profissionais. A falta
de formação de professores bilíngues e um sistema educacional que atenda as demandas
e especificidades da surdez também é uma luta ainda enfrentada. Quando nos referimos a
equidade e as equivalentes diferenças, podemos citar também a luta pela inserção da LI-
BRAS como disciplina no currículo escolar comum, pois, infelizmente o sujeito surdo ainda
vive como estrangeiro em seu próprio país.
Temos a Identidade Surda composta sob duas perspectivas, a definição histórica
dos ouvintes sobre a pessoa surda que está pautada em uma visão clínica capacitista da
surdez que coloca este indivíduo como deficiente e incapaz. E a Identidade Surda definida
pelos próprios sujeitos surdos que a vivenciam.
Neste material iremos abordar o que consideramos ser a abordagem mais correta,
o surdo(a) narrando sua própria história.
Para encontrar as respostas sobre as perguntas relacionadas à surdez e à pes-
soa surda, devemos buscá-las na própria comunidade. Por um longo período os ouvintes
tentaram delimitar as capacidades dos surdos(as), um exemplo claro que encontramos na
história é o Congresso de Milão ocorrido de 1880 onde participaram das votações apenas
ouvintes, sendo que se tratavam de implicações específicas da comunidade surda, como o
meio de comunicação e metodologia de aprendizagem mais adequados. Ouso afirmar que
infelizmente isto ainda é algo corriqueiro nos dias atuais.
Abordar a cultura implica discorrer acerca dos costumes, valores, ideias e
comportamentos essenciais de uma sociedade ou de um determinado grupo, a Comu-
nidade Surda também possui sua cultura própria e lutam para que tal seja mantida,
valorizada e disseminada.
Podemos pensar a cultura como o conjunto de todas as identidades, de inúmeras
pessoas que formam grupos e consequentemente constroem os conceitos específicos de
cada cultura. Percebam, temos a cultura e identidade da comunidade surda, desses varia-
dos indivíduos, no entanto, ainda cada pessoa carrega consigo e vai modificando de acordo
com suas vivências, suas percepções e definições acerca de suas identidades individuais.

UNIDADE IV Literatura Surda: Produções Culturais em Língua de Sinais 79


O que caracteriza, em âmbito geral, a cultura e identidade da Comunidade Surda,
são primordialmente a luta para ter a LIBRAS reconhecida, a luta por acessibilidade, espaço,
comunicação e o orgulho de ser surdo(a), em que ambos se formam a partir de experiências
visuais. As pessoas surdas lutam para poder expressar suas identidades e para ocupar os
espaços que já são seus por direito, mas que a sociedade insiste afirmar que não.
Em um contexto mais geral e de produções em âmbito cientifico-acadêmico, trare-
mos algumas definições da identidade surda, veremos aqui cinto tipos:
● Identidade de transição – Ocorre quando a pessoa surda deixa de exercer
alguns hábitos ouvintes e começam a perceber o mundo e as coisas que os
cercam com mais visualidade, utilizando-se da língua de sinais, e ao entrar em
contato e se tornar um hábito o contato com a Comunidade Surda, o sujeito
passa a se reconhecer e aceitar cada vez mais esta transição.
● Identidade Inconformada – O indivíduo surdo não internaliza a hegemônica
representação da identidade ouvinte, mas também não se coloca na Comuni-
dade Surda. É visto como deficiente e se encontra representado (a) em uma
identidade subalterna.
● Identidade Flutuante – Pode-se definir que nesta identidade a pessoa surda
transita entre a cultura ouvinte e a surda, no entanto permanece mais e se
constrói a partir da cultura ouvinte, aceitando a comunicação oral imposta.
● Identidade híbrida – Este refere-se às pessoas que nasceram ouvintes e que
por algum motivo perderam a audição ao longo da vida. Desta forma, o indivíduo
de identidade híbrida pode se utilizar de mais de um meio de comunicação, por
exemplo, podem se utilizar da oralização e da LIBRAS.
● Identidade Incompleta – Optam por frequentar e se socializar somente nos am-
bientes ouvintes, mas não se sentem ouvintes. Se comunicam por meio das articu-
lações de palavras e da leitura labial e, em sua maioria, usam aparelhos auditivos.

Estas são definições apresentadas sob uma perspectiva clínica da surdez a qual
pode nos nortear acerca de alguns entendimentos necessários, no entanto, não devemos
buscar categorizar todas as pessoas surdas dentro de tais definições identitárias, há ques-
tões muito mais profundas que influenciam direta ou indiretamente na formação de cada
indivíduo. O ser surdo(a) não pode ser classificado como a pessoa que não houve, esta é
uma definição extremamente rasa da multiplicidade que forma e caracteriza a comunidade
e as pessoas que a compõem.

UNIDADE IV Literatura Surda: Produções Culturais em Língua de Sinais 80


Neste sentido, como podemos então conhecer e compreender toda esta diversida-
de? São diversos os caminhos, é imprescindível o contato com a comunidade, a participa-
ção nos eventos promovidos, a aprendizagem da LIBRAS, estar sempre estudando e se
atualizando também é muito importante. Infelizmente com a questão da pandemia, muitas
instituições precisaram fechar suas portas temporariamente, tendo seus eventos parados,
algo que dificulta o contato direto com a comunidade, em controvérsia a este momento,
houve um aumento significativo dos eventos on-line e das produções deste âmbito. Pode-
mos acompanhar o dia-a-dia das pessoas surdas nas redes sociais, bem como participar
desses eventos e consumir os conteúdos produzidos pela comunidade, assim podemos
aprender, valorizar e prestigiar o trabalho desses profissionais.
A seguir vou apresentar algumas indicações de vídeos que correspondem a esta
questão da cultura e identidade, ao assisti-los que busquemos direcionar nosso olhar às
questões gerais e particulares que compõem cada pessoa.

FIGURA 1 - POR QUE SOU SURDO?

Fonte: FLOCOS, Is. POR QUE SOU SURDO?. Youtube. Disponível em:
(98) POR QUE SOU SURDO? - YouTube. Acesso em: 13 set. 2021.

FIGURA 2 - COMO É SER SURDO?

Fonte: VISURDO, Como é ser surdo?. Youtube. Disponível em:


(98) Como é ser surdo? - YouTube. Acesso em: 13 set. 2021.

UNIDADE IV Literatura Surda: Produções Culturais em Língua de Sinais 81


FIGURA 3 - OS SURDOS TÊM VOZ? LEONARDO CASTILHO – CABINE #11

Fonte: VARELLA, Drauzio, Os surdos têm voz? Leonardo Castilho – Cabine #11. Youtube. Disponível em:
(98) Os surdos têm voz | Leonardo Castilho | Cabine #11 - YouTube. Acesso em: 13 set. 2021.

A surdez se apresenta obviamente como característica eminente, no entanto não


é apenas isto que forma a Comunidade Surda, cada pessoa carrega consigo momentos e
experiências individuais, assim como também nascem e se formam em diferentes consti-
tuições e ambientes familiares. Estas questões, bem como o acesso à escolaridade e as
metodologias utilizadas no processo educacional, irão refletir diretamente na forma como
esse sujeito se apresenta socialmente.
Com esses vídeos conseguiremos ter um panorama mais geral acerca das dife-
rentes identidades surdas, no entanto, sabemos que há mais de 10 milhões de pessoas
Surdas no Brasil, então pensemos nos inúmeros processos que cada sujeito perpassa e
nas diferenças que constituem suas identidades.

UNIDADE IV Literatura Surda: Produções Culturais em Língua de Sinais 82


2. EXPERIÊNCIAS VISUAIS

A Língua de Sinais se estrutura em pontuais diferenças. Enquanto a Língua Portu-


guesa se constitui como uma língua oral e auditiva, as línguas de sinais, e aqui abordamos
a LIBRAS, são de modalidade gestual-visual. Este conceito já foi apresentado em outros
momentos da nossa leitura e produção de conhecimento, no entanto, o que isto significa, e
quais as implicações que devem ser consideradas?
Podemos delinear que a língua de sinais se apresenta como uma língua gestual-
-visual pois no momento da troca de informações ou quando o diálogo é estabelecido, ou
até mesmo a mais simples ideia ou mensagem é transmitida, a informação linguística é
recebida pelos olhos e reproduzida pelas mãos. Mãos que comunicam, que rompem o
silêncio, que lutam, que passam informação e conhecimento. A LIBRAS é uma língua viva
e por meio dela podemos expressar toda e qualquer ideia ou informação.
Quando nos referimos a pessoa Surda mediante a essas experiências visuais,
significamos que estes indivíduos se formam por meio da visualidade.
Vamos entender melhor - os ouvintes são seres auditivos, os quais percebem
o mundo e as situações por meio da audição. Quando uma pessoa demonstra algum
sentimento em sua fala entendemos a intensidade da sensação por meio da entonação
da voz. A pessoa surda que se utiliza da Língua de Sinais terá esse entendimento por
meio das expressões faciais. Na cultura ouvinte, apresentamos as intenções por meio do
som, das entonações. Gritamos quando estamos bravos, em produções de cinema como

UNIDADE IV Literatura Surda: Produções Culturais em Língua de Sinais 83


por exemplo em filmes de suspense, sabemos que algo irá acontecer pelas mudanças de
musicalidades. Cada gênero de filme possui uma trilha sonora característica que leva aos
telespectadores o contato com a sensação que cada momento, cada cena externaliza.
A pessoa surda, se forma, experiência, compreende e ocupa seu espaço no mundo de
maneira visual, ela compreende as intenções por meio das expressões faciais e corporei-
dades que a acompanham, e como no exemplo citado acima dos filmes, que infelizmente
são poucas as produções específicas para a Comunidade Surda, ou que acompanham
tradução em LIBRAS, estes irão entender a temática e a narrativa dos filmes por meio de
legendas, e sem as músicas de fundo, compreenderão essas trocas pelas questões visuais
que muitas das vezes, passam despercebidas pelos ouvintes.
No entanto, assim como as definições de identidade e cultura, a questão da visua-
lidade não deve ser reduzida a um único conceito. Conforme Lebedeff (2017):
Muitas vezes a caracterização dos surdos enquanto sujeitos visuais fica res-
trita a uma capacidade cognitiva e/ou linguística de compreender e produzir
informação em língua de sinais. A experiência visual dos surdos envolve, para
além das questões linguísticas, todo tipo de significações comunitárias e cultu-
rais, exemplificando: os surdos utilizam apelidos ou nomes visuais; metáforas
visuais; imagens visuais, humor visual; definição das marcas do tempo a partir
de figuras visuais, entre tantas outras formas de significações. Ou seja, des-
loca-se o significado da surdez enquanto perda auditiva para a compreensão
da surdez a partir de suas marcas idiossincrásicas: a surdez significada como
experiência visual, a presença da Língua de Sinais, a produção de uma cultura
que prescinde do som, entre outras. (LEBEDEFF, 2017, p. 2-3).

A relação da visualidade não diz respeito somente à língua, trata de muitas outras
subjetividades que permeiam a construção da cultura e identidade. A pessoa surda entra
em contato com o mundo que a cerca e vai descobrindo suas particularidades por meio
dessas experiências visuais, buscando também respostas a perguntas importantes, como:
De onde viemos? O que somos? Para onde queremos ir? Qual é a nossa identidade? Estes
são alguns exemplos de situações e indagações, no entanto pense em você pessoa ouvin-
te, em todas as dúvidas, curiosidades e descobertas que você já teve desde sua infância,
a pessoa Surda também passa por esse processo, e as respostas serão encontradas e
formadas mediante esta visualidade. A cultura surda retrata a formação desses indivíduos,
o qual parte da visualidade, portanto, caracterizamos de maneira geral, o ser surdo como:
Se vocês nos perguntarem aqui: o que é ser surdo? Temos uma resposta:
ser surdo é uma questão de vida. Não se trata de uma deficiência, mas de
uma experiência visual. Experiência visual significa a utilização da visão, (em
substituição total a audição), como meio de comunicação. Desta experiência
visual surge a cultura surda representada pela língua de sinais, pelo modo
diferente de ser, de se expressar, de conhecer o mundo, de entrar nas artes,
no conhecimento científico e acadêmico. (PERLIN, MIRANDA, 2003, p. 218).

UNIDADE IV Literatura Surda: Produções Culturais em Língua de Sinais 84


Pensemos um pouco no ambiente escolar, a Língua de Sinais por si só já se estrutu-
raliza de forma visual, em sala, na construção dos planos de aulas e nas escolhas metodo-
lógicas o professor(a) deve pensar na utilização dos recursos visuais, independentemente
de ser no ensino regular comum, em escolas bilíngues ou salas especiais - sabemos que a
Comunidade Surda luta para o acesso do ensino bilíngue, mas não vamos discorrer sobre
essas questões neste momento.
Voltemos aos conceitos de visualidades, e neste sentido precisamos pontuar as
diferenças entre ouvintes e surdos, nesta questão da visualidade, o significado e a forma
como a imagética é compreendida serão distintas. Isto não é um conteúdo que aprendemos
em cursos, podemos delinear algumas conceituações, exemplificar alguns contextos, no
entanto o mais imprescindível para o desenvolvimento dessas funções é o contato e a con-
vivência com as pessoas Surdas, dessa maneira, o professor(a) deve estimular aos demais
colegas de classe a interação entre toda a turma, e promover ambientes e atividades para
que a compreensão seja clara e efetiva.
Pois bem, independente do ambiente ao qual a pessoa surda esteja inserida e fre-
quente, ou a situação na qual podemos vir a nos referir neste material, a formação do indiví-
duo Surdo a partir da visualidade deve ser respeitada, e para ser compreendida e vivenciada,
devemos estar em contato com a Comunidade Surda. Essas experiências visuais possuem
valor imprescindível na formação e aprendizagem das pessoas Surdas, que carregam abran-
gentes conhecimentos, concepções, olhares e formas de perceber o mundo.
Nós podemos praticar nossa visualidade de maneiras muito simples, em nosso
dia-a-dia mesmo, vivemos em realidades tão corridas, dias cheios com agendas lotadas,
estamos sempre com pressa vivendo em disputa com o relógio, no entanto, se permita parar
por alguns instantes, preste atenção e aprecie os detalhes das coisas e dos momentos que
lhe cercam. Veja as árvores que constroem o caminho do seu trabalho, como uma fruta cai
do pé, ou como a folha se desloca pelo espaço com o vento. Parece simplificado demais, e
alguns podem até considerar bobo, mas este é um recurso visual de aprendizagem que nos
auxilia a compreender e traduzir, interpretar muitos contextos e ainda se utilizar de maneira
mais fluida dos classificadores e dos demais recursos linguísticos presentes na Língua de
Sinais, a qual é construída e permeada por essas experiências visuais.

UNIDADE IV Literatura Surda: Produções Culturais em Língua de Sinais 85


3. LÍNGUA DE SINAIS COMO ARTEFATO CULTURAL

Para uma melhor compreensão deste tema, iremos abordar a questão da cultura
em âmbitos mais gerais, para depois definirmos as questões referentes à cultura Surda.
Podemos ter um entendimento baseado nas percepções do senso comum sobre
cultura, como aquela produzida com o tempo, os costumes, as ações, as tradições que
constituem determinado país ou região. Pensemos em questões culturais do Brasil e em
questões culturais mais específicas de cada região, uma definição básica e imprescindível
da cultura retrata o comportamento de grupos sociais. Podemos nos utilizar aqui como
exemplo, o folclore brasileiro como uma questão cultural, pois ocupa-se das históricas que
retratam um conjunto de costumes de maneira fantasiosa. E quando entramos em contato
com o tema, mesmo que de maneiras mais gerais, entendemos o conceito, do que se trata,
e a depender do nível de conhecimento, acesso e contato, temos mais ideias de referenciais
e histórias que dizem respeito ao folclore brasileiro.
No entanto, outra questão que deve ser considerada – o regionalismo – a depender
do estado, cada cultura terá uma importância e uma maneira diferente de ser abordada.
Não é um conceito ou conhecimento linear, sua construção tem influência de inúmeros
fatores sociais, históricos, políticos, educacionais, entre outros.
A cultura é um patrimônio social que forma parte da história do país e dos seus
cidadãos. Aquilo que eu considero e reconheço como cultura, pode ser algo desconhecido
por você, ou vice-versa. Se não encontramos um significado ou importância que justifique

UNIDADE IV Literatura Surda: Produções Culturais em Língua de Sinais 86


tais acontecimentos, tal tradição, não as apropriamos, não as consideramos cultura. Por isso, a
importância de separar a cultura ouvinte da cultura Surda, não para separar os grupos sociais,
mas pela questão simples, de que muitos artefatos e a forma de ver, perceber e ser no mundo
da pessoa ouvinte, é diferente da pessoa surda, portanto suas culturas serão diferentes.
Suas percepções e histórias são antagônicas, a Comunidade Surda tem um re-
gistro de lutas, na busca pelo direito de serem reconhecidos como pessoas passíveis de
aprendizagem e a luta pelo reconhecimento e acesso a língua de Sinais como sua língua
materna, enquanto os ouvintes sempre tiveram ao dispor a formação em língua portuguesa.
Essas diferenças estão no centro da configuração dos conceitos que formam a cultura. E
devemos pensar novamente sobre neutralidade.
Neste sentido, teremos diferentes olhares e perspectivas para conceituar a Cultura
Surda, aqui abordaremos o olhar da pessoa Surda sobre sua cultura, nos debruçando em
alguns estudiosos da área também.
Nesta perspectiva, da cultura como um jogo de poder, algo que já delineamos na
unidade I desta disciplina com os embasamentos das pesquisas realizadas por Foucault,
dessa forma a cultura é utilizada como mecanismo de luta e empoderamento pelos grupos
minoritários e marginalizados. Parece estranho colocar a Comunidade Surda como um
grupo minoritário sendo que são mais de 10 milhões de pessoas Surdas no Brasil, mas aos
olhos do restante da sociedade, muitas das vezes esses indivíduos não são sequer vistos,
portanto, se utilizam da cultura para ocupar seus espaços de direito.
Vimos nas unidades anteriores, a riqueza de produções literárias da comunidade
Surda, mas que infelizmente muitas dessas literaturas não foram registradas e se perderam
ao decorrer do tempo. Essa histórica cultural narra a vivência de surdos protagonistas,
autores, professores, pensadores, artistas, diversos profissionais qualificados, indivíduos
com suas singularidades e qualidades que não são valorizadas, devido ao processo de
apagamento social, de marginalização, de esquecimento que esses indivíduos passaram e
ainda enfrentam nos dias atuais, o que não significa a falta dessas trajetórias.
Os artefatos culturais surdos são produzidos seguindo a visualidade que constitui
naturalmente a Língua de Sinais, a LIBRAS aqui em nosso país é um artefato cultural
importantíssimo da cultura Surda, a qual foi constituída num histórico de lutas, e a partir ou
em conjunto com ela, são realizadas as demais produções, muitas delas classificadas nos
diversos gêneros literários que abordamos ao decorrer da disciplina, neste sentido:
O conceito de artefatos não se refere apenas a materialismos culturais, mas
àquilo que na cultura constitui produções do sujeito que tem seu próprio modo
de ser, ver, entender e transformar o mundo. Traço comum em todos os seres
humanos seria o fato de que somos todos artefatos culturais e, assim, os ar-
tefatos ilustram uma cultura. (STROBEL, 2013, p. 43, 44).

UNIDADE IV Literatura Surda: Produções Culturais em Língua de Sinais 87


A culturalidade da comunidade Surda pode ser abordada é apresentada sob diferen-
tes aspectos, os quais cabem a criatividade, as estratégias e produções que os indivíduos
Surdos(as) realizam. Evidentemente estas não são as únicas implicações que influenciam
na cultura, a língua de sinais como artefato cultural se baseia nas produções realizadas a
partir do uso da língua de sinais, podendo explorar as narrativas sobre a luta do reconheci-
mento da língua, ou se utilizar dela para expressar e comunicar outros tópicos, de qualquer
modo a LIBRAS deve ser reconhecida, valorizada e disseminada a toda população, numa
busca por mais acessibilidade e valorização da LIBRAS.
A cultura, se não valorizada se perde, se esquece, se diminui, lutamos para que a
Língua de Sinais alcance cada vez mais grupos sociais e culturais e com isto, não somente
o acesso e a aprendizagem de uma nova língua, mas a compreensão e o respeito a pessoa
Surda, de modo que:
Olhar a surdez de outro lugar que não o da deficiência, mas o da diferença
cultural. Não nego a falta de audição do corpo surdo, porém desloco meu
olhar para o que os próprios surdos dizem de si quando articulados e enga-
jados na luta por seus direitos de se verem e de quererem ser vistos como
sujeitos surdos, e não como sujeitos com surdez (LOPES, 2007, p. 09).

Isto posto, independente da disciplina que estudamos ou do tema sobre o qual discor-
remos, que possamos agir com mais respeito e empatia ao olhar e nos relacionar com a Co-
munidade Surda, bem como buscar antes de promover qualquer discussão ou discorrer acerca
de conceitos que dizem respeito às pessoas Surdas, ter o olhar na perspectiva da diferença e
respeitar o lugar de fala de tais indivíduos. Quando nos referimos à questão da surdez, este
indivíduo deve-se fazer presente, seja fisicamente ou de maneiras indiretas, como as citações
e os autores dos quais buscamos abordar nesse processo de aprendizagem.
As indagações são inúmeras, e a cultura como algo produzido pela sociedade,
sempre passará por modificações, estará em constante evolução. Nosso maior anseio é o
que por muitas das vezes justificam nosso trabalho, ainda é a busca pelo reconhecimento
do sujeito Surdo como cidadão de direito.

UNIDADE IV Literatura Surda: Produções Culturais em Língua de Sinais 88


SAIBA MAIS

Lei 10.436, de 24 de abril de 2002, dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras e
dá outras providências:
“Art. 1o - É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasilei-
ra de Sinais - Libras e outros recursos de expressão a ela associados. Parágrafo único.
Entende-se como Língua Brasileira de Sinais - Libras a forma de comunicação e expres-
são, em que o sistema lingüístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical
própria, constituem um sistema lingüístico de transmissão de idéias e fatos, oriundos de
comunidades de pessoas surdas do Brasil.
Art. 2o - Deve ser garantido, por parte do poder público em geral e empresas conces-
sionárias de serviços públicos, formas institucionalizadas de apoiar o uso e difusão da
Língua Brasileira de Sinais - Libras como meio de comunicação objetiva e de utilização
corrente das comunidades surdas do Brasil.
Art. 3o - As instituições públicas e empresas concessionárias de serviços públicos de
assistência à saúde devem garantir atendimento e tratamento adequado aos portadores
de deficiência auditiva, de acordo com as normas legais em vigor.
Art. 4o - O sistema educacional federal e os sistemas educacionais estaduais, munici-
pais e do Distrito Federal devem garantir a inclusão nos cursos de formação de Educa-
ção Especial, de Fonoaudiologia e de Magistério, em seus níveis médio e superior, do
ensino da Língua Brasileira de Sinais - Libras, como parte integrante dos Parâmetros
Curriculares Nacionais - PCNs, conforme legislação vigente. Parágrafo único. A Língua
Brasileira de Sinais - Libras não poderá substituir a modalidade escrita da língua portu-
guesa.
Art. 5o - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.”

Fonte: BRASIL. Lei nº 10.436 de 24 de abril de 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/

leis/2002/l10436.htm. Acesso em: 13 set. 2021.

UNIDADE IV Literatura Surda: Produções Culturais em Língua de Sinais 89


REFLITA

É preciso que a escola e todas as demais instituições voltadas para a educação e a cul-
tura abandonem esse mito da “unidade” do português no Brasil e passem a reconhecer
a verdadeira diversidade lingüística de nosso país para melhor planejarem suas políti-
cas de ação junto à população amplamente marginalizada dos falantes das variedades
não-padrão. O reconhecimento da existência de muitas normas lingüísticas diferentes é
fundamental para que o ensino em nossas escolas seja conseqüente com o fato com-
provado de que a norma lingüística ensinada em sala de aula é, em muitas situações,
uma verdadeira “língua estrangeira” para o aluno que chega à escola proveniente de
ambientes sociais onde a norma lingüística empregada no quotidiano é uma variedade
de português não padrão. (BAGNO, p. 18, 2002).

Fonte: BAGNO, M. Preconceito linguístico. O que é, como se faz. 17. ed. São Paulo: Loyola, 2002.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste momento, concluímos mais uma unidade da nossa disciplina – Literatura


Surda. Neste material pudemos esclarecer alguns conceitos acerca da cultura e identidade
Surda, bem como delinear alguns caminhos para essa formação.
Pautados em uma visualidade, compreendemos a importância deste conceito e de
que formas ela ocorre na prática. Também discorremos acerca da Língua de Sinais como
artefato cultural, embasados nos conceitos de pensadores, e com a clareza de que tais
construções não são neutras, produzimos e nos reconstruímos acerca desses conceitos.
Espero que este tenha sido um momento agradável de leitura e que tal material
possa ter acrescentado conhecimento neste processo de formação. Obrigado pela oportu-
nidade de construirmos juntos(as) essa aprendizagem!

Até a próxima!

UNIDADE IV Literatura Surda: Produções Culturais em Língua de Sinais 91


LEITURA COMPLEMENTAR

O Surdo é um sujeito participante de uma comunidade que integra a sociedade


como um todo e, assim, vive regido por normas comuns aos demais, esforçando-se para
obter recursos para a consecução de um fim comum que congregue os sujeitos desta
comunidade em particular. O objetivo da consecução desse fim comum é a obtenção dos
mesmos direitos que os demais em contextos diversos como escolas, trabalho, vida social,
lazer e outros, sem que sejam vistos como alguém portador de uma patologia. Sem dúvida,
não é por má fé, mas por despreparo de uma parte importante da sociedade que a surdez é
vista como patologia e não apenas como uma diferença. A palavra surdez pode ser difícil de
ser “ingerida” por causa da complexidade que traz em si (como é o caso de outras minorias)
tanto no âmbito escolar como no do público em geral. Prevalecem muitas vezes os pontos
de vista pautados no princípio da normalidade, produzidos pela sociedade que também é
produzida por eles. Normalidade compreendida na perspectiva daquilo que é socialmente
esperado dos sujeitos, enquanto padrão de comportamento instituído de acordo com o pen-
samento hegemônico de uma época histórica. É possível, assim, afirmar que os conceitos
de patologia ou normalidade são socialmente talhados.
O conceito de diferença, hoje amplamente discutido, vem substituir essa dicotomia que
atribui pesados rótulos excludentes àqueles sujeitos que não se enquadram perfeitamente ao
padrão estabelecido para aquilo que se chama de normalidade. (CAMPELLO, 2008, p. 86).

Fonte: CAMPELLO, Ana Regina S. Aspectos da Visualidade na Educação de Surdos. Universi-

dade Federal de Santa Catarina: Florianópolis, 2008.

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MATERIAL COMPLEMENTAR

LIVRO
Título: As Imagens do Outro Sobre a Cultura Surda
Autor: Karin Strobel.
Ano: 2016.
Sinopse: O livro se organiza para desconstruir o estranhamento do
outro e construir outros olhares sobre o ser surdo. Nesse sentido,
convida o leitor a entrar na jornada dos surdos. Com propriedade,
Karin Strobel pega o leitor pela mão e o conduz de modo a perse-
guir as trilhas dos surdos de um jeito surdo.

FILME/VÍDEO
Título: Crisálida
Autor: Reed Hastings e Marc Randolph.
Ano: 2019.
Sinopse: “Num universo onde o som não existe, jovens surdos
enfrentam os desafios de uma sociedade desenhada apenas para
ouvintes”.

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UNIDADE IV Literatura Surda: Produções Culturais em Língua de Sinais 97


CONCLUSÃO GERAL

Prezado(a) aluno(a),

Neste material abordamos os principais gêneros literários, os caminhos para sua


produção, bem como as variadas possibilidades de tradução. Compreendemos também
que a Literatura Surda advém da cultura e identidade desses indivíduos, o qual se utilizam
como mecanismo de empoderamento e representatividade para os corpos que são margi-
nalizados e passam por um processo de apagamento, consequência de um olhar clínico da
surdez, considerando a pessoa surda na perspectiva do audismo e do capacitismo, como
menos capazes de ocuparem os espaços que são direito de qualquer cidadão.
Por meio de um resgate histórico destacamos também alguns acontecimentos que
marcaram positiva ou negativamente a histórica da comunidade, e a imprescindível impor-
tância de ressignificar o conceito naturalizado do corpo com surdez como deficiente, para
uma perspectiva socioantropológica o qual percebe a surdez, não como falta e deficiência,
mas sim como uma forma diversa de se comunicar e se colocar no mundo.
Percebemos que os variados gêneros literários da Literatura Surda são produzidos a
partir da visualidade, e se utilizam em sua estruturalização dos diferentes recursos que a
Língua de Sinais apresenta, como a imagética, as configurações de mãos, o uso de classi-
ficadores, tendo com enfoque central a vivência e resistência da Comunidade Surda e sua
luta pelo reconhecimento da LIBRAS e o acesso aos direitos e políticas de acessibilidade.
Neste material, buscamos abordar alguns caminhos teóricos para a produção dessas
Literaturas, possibilitando entender as possibilidades para registrá-las, uma prática que se
enriqueceu com a disseminação das tecnologias, as quais podemos utilizar sob diferentes
metodologias para conduzir o processo de letramento e alfabetização da criança surda,
estabelecendo um olhar crítico acerca desses conteúdos.

Até uma próxima oportunidade. Muito Obrigado!

98
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