Você está na página 1de 97

Diretor Geral

Gilmar de Oliveira

Diretor de Ensino e Pós-graduação


Daniel de Lima

Diretor Administrativo
Eduardo Santini

Coordenador NEAD - Núcleo


de Educação a Distância
Jorge Van Dal

Coordenador do Núcleo de Pesquisa UNIFATECIE Unidade 1


Victor Biazon Rua Getúlio Vargas, 333,
Centro, Paranavaí-PR
Secretário Acadêmico (44) 3045 9898
Tiago Pereira da Silva
UNIFATECIE Unidade 2
Rua Candido Berthier
Projeto Gráfico e Editoração Fortes, 2177, Centro
André Oliveira Vaz Paranavaí-PR
(44) 3045 9898
Revisão Textual
Leandro Vieira UNIFATECIE Unidade 3
Rua Pernambuco, 1.169,
Web Designer Centro, Paranavaí-PR
Thiago Azenha (44) 3045 9898

UNIFATECIE Unidade 4
FICHA CATALOGRÁFICA BR-376 , km 102,
Saída para Nova Londrina
FACULDADE DE TECNOLOGIA E
Paranavaí-PR
CIÊNCIAS DO NORTE DO PARANÁ.
Núcleo de Educação a Distância; (44) 3045 9898
KOJO, Cléber Henrique Sanitá.
PERES, Paulino Augusto.
www.fatecie.edu.br
Formação Sóciocultural e Ética. Cléber Henrique Sanitá. Kojo.
Paulino Agusto. Peres
Paranavaí - PR.: Fatecie, 2019. 97 p.
As imagens utilizadas neste
Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária livro foram obtidas a partir
Zineide Pereira da Silva. do site ShutterStock
AUTORES

Professor Esp. Cleber Henrique Sanitá Kojo.

• Especialista em História e Geografia pela Faculdade Integrada do Vale do Ivaí.


• Especialista em Gestão Escolar, Supervisão e Orientação pela ESAP - Faculda-
des Integradas do Vale do Ivaí.
• Especialista em Educação de Jovens e Adultos pela ESAP – Faculdades Inte-
gradas do Vale do Ivaí.
• Licenciatura Plena em História pela UNESPAR – FAFIPA, Paranavaí.
• Licenciatura Plena em Sociologia pela UNAR - Centro Universitário de Araras
“Dr. Edmundo Ulson”.
• Docente da educação básica (Fundamental e Médio) da SEED, PR.
• Docente da educação básica (Médio) do Colégio Fatecie Premium.
• Docente do ensino superior, nos cursos de Arquitetura, Administração e Ciências
Contábeis na UniFatecie.
• Supervisor de tutoria e Tutor da EAD UniFatecie.

Ampla experiência como docente da educação básica (Fundamental e Médio),


Professor de cursinhos pré-vestibulares e prática docente na educação à distância.

Professor Esp. Paulino Augusto Peres


• Graduado em História pela UNESPAR (Universidade Estadual do Paraná) cam-
pus de Paranavaí/PR.
• Especialista em Didática e Tecnologia na Educação pela FATECIE (Faculdade
de Ciências e Tecnologia do Norte do Paraná).
• Mestrando em Ensino Profissionalizante de História pela UNESPAR - Campo
Mourão/PR.
• Professor na Escola Fatecie Max (séries finais do Ensino Fundamental).
• Professor no Colégio Fatecie Premium (Ensino Médio).
• Professor de Sociedade e Cultura na UniFatecie no curso de Ciências Contá-
beis.
• Professor formador e conteudista no EAD UniFatecie
• Tutor do EAD UniFatecie.
APRESENTAÇÃO DO MATERIAL

Seja muito bem-vindo(a)!


Sejam bem-vindos ao nosso curso de Formação Sociocultural e Ética. A partir de
agora partimos para uma viagem ao tempo para buscar nas nossas experiências históricas
algumas explicações para o que ocorre no Brasil contemporâneo e claro, olhar para um
horizonte futurístico e depositar nele nossa aprendizagem como uma forma de expectativa.
Em nossa viagem ao passado em busca desses espaços de experiências do Brasil
e consequentemente, de nós mesmos, primeiro iremos compreender que durante toda a
nossa história os detentores do poder no nosso país criaram mecanismos para manutenção
de seu próprio poder, mantendo nas camadas mais baixas a população indígena, a branca
mais empobrecida e claro, a população negra. Em seguida, você entenderá como funcio-
nou a escravidão no mundo em vários períodos históricos para após compreender como
foi a escravidão moderna no Oceano Atlântico. Também compreenderá como era a vida
do africano no Brasil através da biografia de um ex-escravizado chamado Mohammah G.
Baquaqua e por fim, entenderá como esses escravizados no Brasil resistiam à escravidão
para então ter contato com o maior exemplo de resistência negra no Brasil, o quilombo dos
Palmares.
Nas Unidades III e IV retomaremos o fascínio sobre o assunto desta disciplina,
observando, lendo ou estudando as unidades I e II, pois é o início de um grande desafio
que vamos triunfar juntos. Proponho, uma construção conjunta sobre a História e Cultura
dos primeiros moradores desse “Gigante pela própria natureza”, nossa querida terra, uma
terra próspera, cheia de riquezas naturais e tão diversificada culturalmente, fazendo assim
uma viagem temporal, desde a descoberta do Brasil até a atualidade. Vamos explorar a Lei
11.645/2008, complementando a Lei 10.639/2003 apresentadas nos capítulos anteriores.
Vale ressaltar que iremos verificar a visão eurocêntrica e os desafios de desmistificar essa
ideia retrógrada, devemos assim elevar a história e a cultura indígena ao patamar que a
mesma merece.
Dentro desse desafio, iremos conhecer muito além da lei 11.645/2008, pois obser-
vamos os seus impactos na sociedade, conhecendo assim um pouco da história e da cultura
indígena. Temos que exaltar os desafios de superar o etnocentrismo e mostrar o conceito
de “Índio” na sociedade atual. Vale destacar que vamos reconhecer a sociodiversidade indí-
gena, ou seja, reconhecer os direitos e as diferenças entre os povos os troncos linguísticos.
Ressalta-se ainda que não se deve desprezar o Índio na historiografia brasileira, fazendo
assim uma comparação entre passado e presente, semelhanças e diferenças, entre várias
culturas que compõem esse povo, sobretudo seus aspectos religiosos.
Ao fim dessa viagem espero que seu horizonte de expectativas seja modificado,
uma vez que todos nós, brasileiros, somos fruto de uma herança multiétnica de vários
povos, desta forma, a humanização das relações entre esses povos só é possível quando
os conhecemos melhor e possamos ver que o outro é igualzinho a mim.

Muito obrigado e bom estudo!


SUMÁRIO

UNIDADE I....................................................................................................... 7
História e Cultura Africana

UNIDADE II.................................................................................................... 33
O Negro no Brasil: Abolição e seu Legado

UNIDADE III................................................................................................... 52
História e Cultura Indígena

UNIDADE IV................................................................................................... 72
Relações Étnico-Raciais e Direitos Humanos
UNIDADE I
História e Cultura Africana
Professor Especialista Paulino Augusto Peres

Plano de Estudo:
• O ainda mal compreendido negro no Brasil
• Africanos são todos iguais? De onde veio a população negra no Brasil?
• O que foi a escravização?
• O africano no Brasil
• A Resistência Negra
• Os quilombos como sinônimo de resistência negra

Objetivos de Aprendizagem:
• Contextualizar a história do africano no Brasil a fim de perceber que sua existência hoje
se dá através de muita luta, e que sua cultura está presente no nosso dia a dia.
• Compreender que a africanidade no Brasil é composta de diversas etnias africanas e
não de apenas um povo chamado africano, pois não existe um povo africano, mas povos
africanos.
• Estabelecer a importância da compreensão da escravização negra no Brasil como ponto
de partida para entender a existência do próprio negro no Brasil contemporâneo.
• Entender que os escravizados não aceitavam passivamente sua escravidão, mas resis-
tiam de diversas formas, sobretudo na forma de concentração quilombolas.

7
INTRODUÇÃO

Sejam bem-vindos ao nosso curso de Formação Sociocultural e Ética. A partir de


agora, partimos para uma viagem no tempo em busca das nossas experiências históricas,
algumas explicações para o que ocorre no Brasil contemporâneo e, claro, olhar para um ho-
rizonte futurístico, depositando nele nossa aprendizagem como uma forma de expectativa.
Em nossa viagem ao passado, em busca desses espaços de experiências do Brasil
e, consequentemente, de nós mesmos, primeiro iremos compreender que, durante toda a
nossa história, os detentores do poder no nosso país criaram mecanismos para manutenção
de seu próprio poder, mantendo nas camadas mais baixas a população indígena, a branca
mais empobrecida e, claro, a população negra. Em seguida, você entenderá como funcionou
a escravidão no mundo em vários períodos históricos para logo após compreender como
foi a escravidão moderna no Oceano Atlântico. Também compreenderá como era a vida
do africano no Brasil através da biografia de um ex-escravizado chamado Mohammah G.
Baquaqua e, por fim, entenderá como esses escravizados no Brasil resistiam à escravidão
para então ter contato com o maior exemplo de resistência negra no Brasil, o quilombo dos
Palmares.
Ao fim dessa viagemm espero que seu horizonte de expectativas seja modificado,
uma vez que todos nós, brasileiros, somos fruto de uma herança multiétnica de vários
povos; desta forma, a humanização das relações entre esses povos só é possível quando
os conhecemos melhor e possamos ver que o outro é igualzinho a mim.

UNIDADE I História e Cultura Africana 8


1. O AINDA MAL COMPREENDIDO NEGRO NO BRASIL

A história do africano no Brasil confunde-se com a própria história do país. Foram


trazidos ao Brasil como solução de um problema, quando os indígenas resistiam à escravi-
dão ou eram protegidos pelos padres jesuítas e com a falta de mão-de-obra nas lavouras
de cana, e depois no trabalho nas minas criou-se um mercado escravocrata entre a colônia
brasileira e o continente africano. Cinquenta anos após a chegada dos portugueses no
nordeste brasileiro, o tráfico negreiro iniciou-se e foi ganhando força com o passar dos
decênios.
Diante de um crescente número de africanos trazidos à revelia ao Brasil, esse
povo misturou-se aos indígenas que aqui já viviam e aos portugueses que ocupavam aos
poucos essas terras. O povo africano traz consigo, evidentemente, sua carga cultural, como
linguagem, religião, práticas artísticas, etc. Isto é, o povo africano não pode ser pensado
sem levar em consideração suas práticas culturais.
O tempo teve o trabalho de enraizar no nosso país a cultura africana e misturá-la
com as culturas indígenas e europeia. A miscigenação cultural é característica desta terra e,
ao mesmo tempo, pouco compreendida. É nesse ponto que devemos nos atentar ao fato da
cultura dos povos africanos vindos ao Brasil ser pouco compreendida. Sabe-se da capoeira,
samba e candomblé serem de origem africana, mas de qual parte da África? Seria a África
um lugar tão sem significado e importância que podemos decretar todos os povos trazidos
para serem escravizados aqui sem levar em consideração o lugar de origem desses muitos

UNIDADE I História e Cultura Africana 9


que foram enviados para cá? Qual o significado da capoeira: dança ou luta? Se dança, o
que ela representa, se luta, contra que lutavam? E o samba, por que sambavam? Por ser
um elemento ritualístico de uma religião ou por alegria? Por que João Gilberto afirmou que
“Madame não gosta de samba”? Teria o cantor interpretado tal música apenas pela beleza
da mesma ou o fato de Madame não gostar de samba nos apresenta uma desigualdade
social que envolve elementos étnico-raciais?
Durante toda a história do Brasil, é realizada a manutenção de mecanismos que
impediram a ascensão social do negro no Brasil. Durante todo o período colonial (1500-
1522) e imperial (1822-1889) a escravidão imperou de tal forma que até mesmo pressões
estrangerias de potências mundiais criaram leis internacionais para forçar o Brasil a decla-
rar o fim de sua escravidão. Nenhum país no mundo teve uma escravidão tão duradoura
quanto a nossa. O Brasil foi o último país no mundo a abolir sua escravidão. Decretos como
o nº 1.331, de 17 de fevereiro de 1854[1], estabelecia que nas escolas públicas do país
não seriam admitidos escravos e o Decreto nº 7.031-A, de 6 de setembro de 1878[2], esta-
belecia que os negros só podiam estudar no período noturno e diversas estratégias foram
montadas no sentido de impedir o acesso pleno dessa população aos bancos escolares.
Sendo a educação um meio de ascensão econômica e social, o impedimento aos negros
de estudarem consolidou a manutenção destes nas camadas mais pobres.
Após o fim da escravatura, a teoria do embranquecimento da raça impede o negro,
agora livre, de conseguir emprego, de alcançar cargos públicos de ser cidadão de fato. O
imigrante europeu foi trazido ao país para fazer crescer o número de brancos no país e
assim, embranquecer a população brasileira. O negro fora considerado, durante a primeira
república, como um ser humano de segunda categoria, menos capaz, menos inteligente.
A história do povo africano no Brasil e sua cultura não pode ser contada sem com-
preender de onde esses povos vieram, porque foram escravizados e porque, mesmo após
a escravidão, continuaram sendo colocados como cidadãos de segunda classe.

UNIDADE I História e Cultura Africana 10


2. AFRICANOS SÃO TODOS IGUAIS? DE ONDE VEIO A POPULAÇÃO NEGRA NO
BRASIL?

Segundo Alencastro, entre 1551 e 1575, cerca de 25 mil africanos tinham sido
trazidos ao Brasil. Entre 1576 e 1600, houve um salto considerável para quase 200 mil afri-
canos. Entre 1676 e 1700 houve um pequeno recuo para cerca de 175 mil pessoas trazidas
da África e mais de 350 mil entre 1741 e 1760[3]. A maior parte dos africanos trazidos ao
nosso país era da costa oeste africana, sobretudo dos povos sudaneses e banto.
Da África Setentrional, no norte do continente, vieram ao Brasil povos de Castelo
da Mina, Costa da Mina, povos Ajudá, Bissau, Oorin, Calabar e Cameron. Calcula-se que
entre 1812 a 1820 17.691 escravizados tenham sido trazidos em 68 navios. Já da África
Meridional ao sul do continente, 20.841 africanos foram trazidos em 69 navios negreiros ao
país do Congo, Zaire, Cabinda, Angola, Moçambique, Quillemani, Cabo Lopes, Malambo,
Rio Ambris e Zanzibar. Esta estatística não nos diz a nacionalidade dos negros trazidos ao
Brasil, mas nos apresenta que os navios negreiros vinham da costa oeste africana, entre
povos bantos e sudaneses.
Os dados, ainda que limitados, nos mostram a procedência dessas pessoas trazi-
das para o trabalho escravo no Brasil. O governo inglês proibira o comércio de escravos,
tornando, assim, a atividade portuguesa em tráfico negreiro, e para despistar os ingleses,
muitos documentos foram destruídos, outros nunca chegaram a existir com a intenção de
enganar os britânicos.
O contingente de pessoas trazidas do Oeste da África fora chamado de “ouro negro”
pelos mercantilistas europeus. Portugueses, franceses, holandeses e ingleses disputavam
o comércio de escravos bantos e sudaneses no Oceano Atlântico. Reginaldo Brandi diz o
seguinte sobre esses povos:

‘[...] os sudaneses constituem os povos situados nas regiões que hoje vão
da Etiópia ao Chade e do sul do Egito a Uganda mais ao norte da Tanzânia’.
Quanto aos bantos, eram povos da ‘África Meridional, estão representados
por povos que falam entre 700 e duas mil línguas e dialetos aparentados,
estendendo-se para o sul, logo abaixo dos limites sudaneses, compreenden-
do as terras que vão do Atlântico ao Índico até o cabo da Boa Esperança. O
termo ‘banto’ foi criado em 1862 pelo filólogo alemão Willelm Bleek e significa
‘o povo’, não existindo propriamente uma unidade banto na África’.[4]

Brandi afirma que bantos e sudaneses são definições genéricas e imprecisas, pro-
duzidas no contexto da apropriação europeia do continente e dos povos da África. Sendo
assim, afirmações sobre a origem dos africanos no Brasil são quase sempre imprecisas.

UNIDADE I História e Cultura Africana 11


Os bantos dividiam-se em dois grupos, os angola-congoleses e os moçambiques e
tinham como destino o Maranhão, Pará, Pernambuco, Alagoas, Rio de Janeiro e São Paulo.
Os sudaneses também se dividiam em três subgrupos: yorubás, jejes e fanti-ashantis e seu
destino principal era a Bahia. E, ao contrário do imaginário popular, esses povos falavam
línguas diferentes, muitas vezes dentro de uma mesma fazenda, existiam escravizados de
várias etnias e, desta forma, não conseguiam se organizar devido a impossibilidade trazida
pela linguagem.

UNIDADE I História e Cultura Africana 12


3. O QUE FOI A ESCRAVIZAÇÃO?

Para compreender a história do nosso país é essencial entender o que foi a ampla
escravidão de pessoas no Brasil.
Os primeiros registros de escravidão de pessoas são de mais de cinco mil anos
atrás, na região da Mesopotâmia, basicamente no mesmo tempo das primeiras civilizações
sedentárias. O Código de Hamurabi estabelecia os parâmetros da escravização de pessoas,
incluindo condições de vida e origem daquele escravizado da seguinte forma: a compra de
um escravizado em mercados portuários; a escravização de prisioneiros de guerra e pes-
soas endividadas livres que poderiam ser levadas à escravidão. Essas motivações para a
escravidão levavam as sociedades a terem múltiplos estratos sociais e estiveram presentes
em diversas civilizações em diferentes regiões e diferentes períodos de tempo como na
Grécia e Roma antiga.
No Império Romano, a escravidão estava presente nas mesmas possibilidades,
incluindo o cenário em que um escravizado poderia conquistar ou comprar, não apenas a
sua liberdade, mas também sua cidadania, por exemplo, pelo serviço militar. É importante
notar que esses mecanismos eram universais, sem restrições étnicas e geográficas. Em
Roma, as pessoas escravizadas poderiam ser romanas, germânicas, cartagineses, celtas,
trácias, etíopes, basicamente todas as etnias dentro das fronteiras da República ou do
Império. Entre os povos indígenas americanos, a escravidão pela guerra ou por dívidas era
praticada, dentre outros, pelos povos mesoamericanos, pelos caribe, pelos comanches e

UNIDADE I História e Cultura Africana 13


os tupinambás. Sociedades chinesas, nórdicas, mongóis e japonesas também mantinham
a prática da escravidão. Na África, praticamente todas as culturas e sociedades tinham o
costume da escravidão por guerras ou por dívidas, como no Reino do Congo.
O tema escravidão também está presente nas religiões com séculos de debates
internos de tradições religiosas, tanto a favor como contra a escravização de pessoas. Por
exemplo, a ideia de que Noé amaldiçoou os africanos, descendentes de seu filho Cam,
foi defendida por pessoas que aprovavam a escravização de africanos negros. Na bíblia
existem regulamentos e menções sobre a escravidão, tanto no Antigo, quanto no Novo
Testamento e diversos patriarcas bíblicos eram donos de pessoas escravizadas. Além
disso, os textos regulavam e valorizavam quando uma pessoa libertava outras pessoas da
escravidão, especialmente pela dedicação religiosa. No islã a escravização era autorizada
para não muçulmanos que fossem tomados como prisioneiros de guerra ou comprados de
mercadores de não muçulmanos e a alforria de escravizados que se convertessem ao islã
era incentivada. Nas sociedades árabes a presença de pessoas escravizadas era bastante
comum e, assim como no caso do Império Romano, não existiam restrições étnicas ou
geográficas com a possibilidade de ascensão social de pessoas escravizadas[5].
Pode-se afirmar que até a virada do século XIX para o século XX a escravização
de pessoas era tragicamente comum em diversas culturas, lugares e períodos históricos.
Também é importante destacar que a crítica da escravidão também é antiga, por exemplo,
a realizada pelo legislador ateniense, Sólon.
Em algumas discussões atuais, por vezes evocam a escravidão na antiguidade ou
a realizada por muçulmanos como uma forma de contrapor ou até minimizar a escravidão
que aconteceu nas américas entre os séculos XVI e XIX e os seus efeitos que duram
até hoje. É importante compreender os motivos que fazem com que essa comparação
seja infundada: a escravidão implantada na América pelos europeus tem origem na Idade
Média, especialmente com as Cruzadas. Ao leste europeu, as Cruzadas resultaram na
escravização de bálticos eslavos pelos reinos europeus. A palavra “escravo”, assim como
a palavra em inglês “slave”[6], ambas vêm de referência aos povos eslavos. Nas Cruzadas
no mar Mediterrâneo, ocorreram escravização, tanto de muçulmanos quanto de cristãos
mutuamente.
Movidos pelo espírito chamado “cruzadístico”, inicia-se a expansão ultramarina
portuguesa com a conquista de povos africanos, que acompanhada em 1452 da Bula Papal
Dum diversas[7] do Pala Nicolau V que autoriza o rei português, Afonso V, o direito de
aplicar a escravidão perpétua a sarracenos, pagãos e quaisquer descrentes como parte de
uma escravidão pela guerra, assim como os casos anteriores.

UNIDADE I História e Cultura Africana 14


[...] outorgamos por estes documentos presentes, com a nossa Autoridade
Apostólica, permissão plena e livre para invadir, buscar, capturar e subjugar
sarracenos e pagãos e outros infiéis e inimigos de Cristo onde quer que se
encontrem, assim como os seus reinos, ducados, condados, principados, e
outros bens [...] e para reduzir as suas pessoas à escravidão perpétua. [...][8]

O papa era a maior autoridade política na Europa naquele período, por isso, uma
bula papal tinha importância não somente na Europa, mas nos novos territórios que esses
países conquistavam. Nesta Bula os portugueses eram autorizados a conquistar territórios
não cristianizados e consignar a escravatura perpétua aos sarracenos e pagãos que cap-
turassem como forma de defesa, uma vez que estes vinham perseguindo e ameaçando
cristãos da época. Esse documento é considerado frequentemente como o advento do
comércio e tráfico europeu de escravos na África Ocidental.
Nesse contexto de guerra, entre os séculos XVI e XIX até um milhão de europeus
foram escravizados por reinos muçulmanos, especialmente para servirem como remadores
em galés, foram escravizados espanhóis, gregos, italianos e até islandeses. É importante
notar, entretanto, que esse caráter de guerra religiosa com escravização foi restrito ao
mediterrâneo e à Europa, não afetando o Brasil e nossa sociedade. Nenhuma expedição
para captura de pessoas foi realizada por muçulmanos ao solo do continente americano.
Esse é o primeiro motivo que invalidade a comparação entre a escravização realizada aos
africanos com as demais escravizações.
Foi a África a região que mais sofreu com a escravização de pessoas de diferentes
regiões e etnias. Até treze milhões de africanos foram escravizados por reinos muçulmanos,
outros quatro milhões foram escravizados por povos ocidentais e árabes pelo Oceano Índi-
co e outros vinte milhões escravizados pelo Atlântico, destes, entre 11 e 12 milhões foram
trazidos para as américas, principalmente para territórios onde hoje são Brasil, Estados
Unidos da América, além do Caribe e destes, algo entre dois e quatro milhões morreram
durante o tráfico antes de chegar ao destino final. No Brasil, os primeiros africanos escra-
vizados chegaram em 1538. No total, quatro milhões e oitocentos mil africanos chegaram
ao litoral brasileiro, fora os que, propositadamente, não foram contabilizados no século XIX.
Com a cada vez maior presença portuguesa no continente africano e sua posição
geográfica privilegiada, Portugal se torna no maior centro mercador de escravizados da
Europa. No século XVI, mesmo indo além dos territórios muçulmanos, Portugal já está
totalmente comprometido com o comércio de africanos escravizados. Outras potências
europeias também investem nesse comércio de pessoas formado por escravos africanos
negros.

UNIDADE I História e Cultura Africana 15


Esse processo da escravização pelo Atlântico será um fenômeno próprio, diferente
da escravidão que existia até o momento que já citamos aqui. O comércio de pessoas era
realizado não mais como consequência de uma guerra justa, mas realizado no Atlântico
como um processo mercantil. O africano era um produto em si mesmo, para ser lucrati-
vo. Também não era uma escravidão por dívida ou como pena criminal. A escravidão era
uma atividade ampla, de larga escala, extremamente organizada, lucrativa e base para a
economia dessas regiões do continente americano na produção de tabaco e açúcar, por
exemplo. A escravidão do Atlântico é a única que é específica etnicamente, voltada contra
pessoas negras, mesmo que adotassem o cristianismo. Esse é o segundo motivo que inva-
lida a comparação entre a escravidão do Atlântico e a Antiguidade. Ao contrário da antiga
sociedade romana, por exemplo, o componente étnico que o tráfico atlântico adiciona ao
comércio de escravos cria uma estrutura racial, ou seja, existe um povo que, por causa da
sua cor de pele, é considerado escravo e isso é herdado pelos filhos perpetuamente.
Essa particularidade étnica cria uma estrutura racial. No nosso país, a cor da pele
era prova suficiente da escravização, ser negro no Brasil e em outros territórios do conti-
nente americano era sinônimo de escravizado. Uma inversão sem o ônus de prova, isto é,
a pessoa, por ser negra, tinha que provar sua inocência. Essa estrutura dura oficialmente
mais de trezentos anos. Esse componente étnico da escravidão cria uma série de barreiras
e efeitos nocivos vistos até hoje em todos os países americanos onde ocorreu a escravidão.
É importante frisar que não se trata de justificar ou amenizar a escravização de
pessoas em outros lugares, mas enfatizar a importância de compreender que a escravidão
do Atlântico é um fenômeno próprio que não pode ser comparado a uma estrutura, pois é
uma estrutura econômica voltada especificamente para o comércio de seres humanos e
exclusivamente porque é voltada para um típico específico de pessoa, o negro africano. E
isso gerou e ainda gera problemas que afetam nossa sociedade e a compreensão disso é
também essencial para superação e conserto desses problemas.

UNIDADE I História e Cultura Africana 16


4. O AFRICANO NO BRASIL

A história do africano no Brasil é uma história de resistência. Entre 1500 e 1850,


mais ou menos doze milhões de africanos foram raptados, escravizados e transportados
para venda como mercadoria do outro lado do oceano. Cerca de um terço veio para o Brasil,
que é, de longe, o país que mais recebeu escravos na Idade Moderna. Mas a história dos
africanos na formação do Brasil vai muito do tráfico negreiro e da escravidão. Resistindo
à toda violência, do rapto, do tráfico, do cativeiro e da imposição da cultura europeia, os
africanos reconstruíram suas tradições e criaram diferentes alternativas para sobreviver ao
escravismo e ao colonialismo.
Por muito tempo a história nos livros apenas falava dos africanos no Brasil como
mão-de-obra, uma vez que era assim que os europeus os viam. A história dos africanos na
formação do Brasil começa com o rapto praticado na África, seguido por longas viagens a
pé até chegar nos navios e, após, a compra por algum fazendeiro no Brasil. E essa história
prossegue na resistência e na construção de alternativas para buscar a liberdade em solo
brasileiro.
Na época do descobrimento do Brasil por Portugal, o tráfico de pessoas escravi-
zadas existia em diversas partes da Europa, da África e da Ásia, sendo que os maiores
praticantes desse comércio eram mercadores árabes. Estima-se que ao longo do século
XVI, eles traficaram quatro vezes mais pessoas que os europeus. Mas isso foi mudando
no decorrer do século, quando os portugueses passaram a controlar cada vez mais as

UNIDADE I História e Cultura Africana 17


rotas de comércio no interior da África, ampliando o acesso aos locais onde pessoas eram
capturadas, criando novas guerras e expedições para escravizar mais pessoas. Eles não
só conquistaram e ampliaram as rotas africanas, como colocaram essas rotas a serviço de
um novo tipo de exploração econômica, a agricultura escravista.
Esse tipo de agricultura aconteceu primeiro nas ilhas que Portugal e Espanha
tinham encontrado no início da expansão marítima, como as ilhas Canárias e Cabo Verde.
Foi lá que a empresa colonial europeia criou as primeiras áreas de produção que usavam
mão-de-obra escravizada para produzir mercadorias de grande valor, como o açúcar, que
na época não era produzido na Europa. A Espanha também passou a comprar africanos
escravizados para explorar nas ilhas do Caribe, onde as populações indígenas desapare-
ceram completamente.
Apesar da escravização realizada pelos espanhóis, eles não se estabeleceram na
África, e assim, concederam a Portugal o monopólio desse comércio em acordos conhe-
cidos como asientos. Depois das ilhas atlânticas e do Caribe espanhol, o terceiro território
que se tornou comprador de pessoas escravizadas foi o Brasil.
Os portugueses se especializaram no negócio escravista, um pioneirismo que
garantiu a liderança mesmo depois da concorrência holandesa e inglesa entrar na disputa.
E não só os portugueses, mas também a elite colonial nascida no Brasil que, a partir do
século XVII, passou a controlar diretamente os portos africanos. Isso contribuiu para que
um terço dos doze milhões de indivíduos que sobreviveram às travessias ao longo de 350
anos vieram para o continente americano em navios de bandeira portuguesa ou brasileira.
Estima-se que dos quatro milhões de africanos trazidos para cá em navios ne-
greiros, cerca de 700 mil não sobreviveram à viagem. Para que se tenha uma base, esse
número é dez vezes o total em toda a história dos Estados Unidos da América.
A história das travessias mudou ao longo do tempo, até porque no começo elas
eram muito menos frequentes. No primeiro século vieram 34 mil escravos. No segundo sé-
culo foram mais de 900 mil. No terceiro século foram quase 2 milhões. E o auge aconteceu
no século XIX, na mesma época em que o Brasil se formou como um país independente.
Entre 1790 e 1830 o Brasil recebeu uma média de 17 mil escravizados por ano.
A história da escravização e da migração forçada geralmente começava com algu-
ma guerra entre diferentes povos da África, com ou sem a participação direta dos poderes
europeus. Nessas guerras eram feitos prisioneiros, que ao longo da época das navegações
começaram a ser vendidos para comerciantes e militares europeus. Também poderiam ser
escravizadas por dívidas ou crimes e ainda existiam os que eram simplesmente raptados
por comerciantes e militares europeus, sem qualquer tipo de acordo com os poderes locais.

UNIDADE I História e Cultura Africana 18


O sucesso da empresa colonial no Brasil, no Caribe e em outras regiões da América
fez com que mais investidores europeus se envolvessem no negócio, com apoio dos reis
e da Igreja Católica, aumentando a demanda de escravos. O aumento da demanda e a
concorrência entre as potências europeias fez com que a escravização se tornasse uma
prática de dimensões muito maiores em qualquer momento na história da humanidade.
Existem poucas fontes publicadas mostrando o ponto de vista dos escravizados.
Uma dessas fontes é a autobiografia de Mahommah Gardo Baquaqua, publicada em inglês
em 1854 e traduzida para o português em 1988. Baquaqua nasceu na África Ocidental, hoje
Genin, e pertenceu a uma família muçulmana poderosa. Graças a isso, ele foi alfabetizado
em árabe e em ajami, que é uma escrita árabe praticada ao sul do Saara, e teve menor
dificuldade para aprender sobre as línguas e culturas dos dominadores ao longo de sua
vida.
O relato de Baquaqua mostra como era a experiência de se tornar escravo. Ele
descreve desde a surpresa quando viu um homem branco pela primeira vez, ao chegar
num grande porto do litoral africano, e conta que lá reencontrou por acaso um conhecido
vindo de sua região. Também descreve como foi a viagem dentro do tumbeiro – navio
negreiro – e como resistia à escravidão todos os dias no Brasil.
Uma característica do tráfico negreiro era que ele misturava gente das mais varia-
das origens, etnias e línguas, quebrando os vínculos familiares, comunitários e religiosos. A
pessoa era vendida como uma unidade, que pode ser separada dos pais, dos filhos e dos
cônjuges, e uma vez separados, os reencontros eram raros. Isso fazia com que as pessoas
que pertenciam a povos diferentes dividissem espaços nos navios e nas senzalas, o que
era útil para os traficantes de escravos, pois evitava a união de todos contra eles.
Baquaqua também relatou que os europeus se esforçavam para apagar as identi-
dades das pessoas que eles escravizavam. Por exemplo, ao chegarem na feitoria comercial
as pessoas tinham os cabelos cortados iguais para destruir suas identidades, já que, nas
palavras de Baquaqua: “Na África, as nações das distintas partes do território têm seus
modos diferentes de cortar o cabelo e são conhecidas por essa marca, a que parte do ter-
ritório pertencem[9]”. O que Baquaqua descreve é a tentativa europeia de transformar cada
indivíduo escravizado numa “peça’ que pode ser vendida como qualquer outra mercadoria.
Mas ele descreve também a resistência que é a grande marca de sua biografia.
Mohammah Baquaqua tinha sido feito prisioneiro numa guerra, depois foi escra-
vizado e embarcado num navio negreiro com destino ao Brasil, e em todo esse percurso
ele narra a violência das correntes, das jaulas e das tentativas de destruir sua identidade.
Quando viu uma grande embarcação pela primeira vez, a achou tão grandiosa que pensou

UNIDADE I História e Cultura Africana 19


se tratar de um objeto de adoração dos brancos. Já no embarque, trinta pessoas morreram
afogadas quando afundou um dos barcos que os levava ao navio. A viagem foi um grande
tormento. Muitos morreram. Baquaqua jamais esqueceu os horrores da travessia. A única
comida que ele recebeu foi milho velho cozido, e um pouco de água. Segundo ele: “quando
qualquer um de nós se tornava rebelde, sua carne era cortada com uma faca e o corte
esfregado com pimenta e vinagre, para torna-lo pacífico”[10].
Os sobreviventes foram vendidos em Pernambuco, num mercado que funcionava
na casa de um fazendeiro. Ele ficou dois dias esperando um comprador, que foi um comer-
ciante que o revendeu a um padeiro. O livro relata a experiência de trabalhar para este e
outros proprietários e como sua liberdade foi conquistada de forma excepcional. Depois de
trabalhar com o padeiro que o comprou, ele sofre castigos terríveis e tentou suicídio.
As coisas iam de mal a pior e estava muito ansioso para trocar de senhor,
então tentei fugir, mas logo fui apanhado, atado e restituído a ele. [...] fui mui
severamente espancado. Eu disse a ele que não deveria mais me açoitar e
fiquei com tanta raiva que me veio à cabeça a ideia de matá-lo e, em seguida,
suicidar-me. [...]. [11]

Diante da tentativa de suicídio foi vendido a outro proprietário, que fazia viagens
marítimas pelo litoral brasileiro. Numa viagem a nova York, em 1847, ele conseguiu fugir com
ajuda de religiosos abolicionistas dos Estados Unidos. Ele já sabia falar diversas línguas,
incluindo o árabe, o português e o francês e aprendeu a escrever em inglês. Mudou-se
para o Canadá, onde escreveu seu livro, depois foi para o Haiti, que era o único país do
continente onde os negros chegaram ao poder. O final de sua vida não é conhecido, mas
seus planos eram de retornar ao continente africano.
Essa história tem algo em comum com as demais histórias dos sobreviventes do
tráfico negreiro, seja pela fuga, pela revolta ou pela negociação e busca de alforria: a resis-
tência.

UNIDADE I História e Cultura Africana 20


5. A RESISTÊNCIA NEGRA

A resistência à escravização começava na África onde os capturados frequente-


mente tentavam fugas e revoltas e continuava nos navios negreiros, exemplo disso foi o
navio La Amistad[12], quem em 1839 transportava clandestinamente pessoas para vender
em Cuba, mas que foram frustrados por uma rebelião. Eles acabaram chegando ao sul dos
Estados Unidos, onde a escravidão era legal, mas não o tráfico internacional de escraviza-
dos, o que levou essa situação a um tribunal. Segundo Baquaqua, os navios eram a pior
parte da experiência, mas também era apenas o começo.
Mohammah Baquaqua relatou que o padeiro que o comprou em Pernambuco tinha
tentado convertê-lo ao catolicismo à base de ameaças e açoites. Assim como aconteceu
no caso das culturas e religiosidades indígenas os africanos eram submetidos às leis e
instituições europeias que agiam em nome da conversão dos pagãos ao cristianismo[13].
Muitas tradições com origens africanas e indígenas se mantiveram e se mantêm
vivas, além de terem se incorporado ao sincretismo religioso brasileiro. A sobrevivência
de tradições, línguas e religiões e formas de expressão corporal e artística ao longo dos
séculos foi o resultado de esforços imensos de muitas gerações para resistir às estratégias
da elite escravista brasileira.
A imposição violenta também era uma das estratégias dos senhores para obter seu
domínio sobre os escravizados. Torturas, marcas à ferro, correntes e troncos foram usa-
dos consistentemente no período escravagista. É algo próprio da natureza da escravidão.
Enquanto no trabalho assalariado trabalha-se para não ficar sem dinheiro, na sociedade
escravista trabalha-se para não ser torturado ou mesmo assassinado. A violência era a
base do funcionamento do sistema escravista. A violência não era a única forma de con-
trole do sistema escravocrata, ela convivia com estratégias, negociações e promessas de
liberdade.
Baquaqua conta que se esforçou ao máximo para mostrar serviço aos seus se-
nhores e também para aprender coisas que tornavam seu trabalho melhor, tipo a língua
portuguesa. Quando aprendeu a contar até 100 em português, foi encarregado de vender
pão na vila onde vivia e também nos campos e no mercado local, mas como ele conta no
seu relato essas melhorias não significavam o fim da violência. Quando ele não conseguia
vender todos os pães era açoitado no fim do dia.
Negociações entre senhores de escravos também aconteciam nas fazendas, sendo
que neste caso as melhorias podiam incluir um pedaço de terra e um dia de folga por sema-
na. Alguns até mesmo conseguiam vender uma parte do que plantavam e juntar pequenas

UNIDADE I História e Cultura Africana 21


economias que podiam ser usadas para comprar alforria para si ou para os filhos. Era muito
comum que pais e mães passassem a vida dedicados a livrar os filhos da escravidão. Para
os senhores conceder melhorias e alforriar algumas pessoas era vantajoso, pois diminuía
as chances de rebeliões.
Ainda em seu relato, Baquaqua conta alguns episódios que cogitou a possibilidade
de atacar seus agressores, mesmo sabendo que suas chances eram muito pequenas e
que sofreria as piores consequências possíveis. Além disso, muitos buscavam o suicídio e
o desespero de saber que os filhos também sofreriam com a escravidão fazia com que as
grávidas provocassem abortos. Os escravizados também manifestavam sua insatisfação
prejudicando os lucros do senhor de escravos. Quebravam peças do engenho que demo-
ravam para serem substituídas, incendiavam plantações, escondiam e contrabandeavam
ouro e diamante dentre outras coisas.
Baquaqua tentou o caminho da lealdade ao seu senhor, mas acabou desiludido.
Segundo ele, o padeiro não oferecia qualquer retorno a seus esforços por se mostrar
prestativo e obediente. Sem o reconhecimento de seu senhor, abandonou a estratégia da
obediência. Ao ser vendido pelo padeiro a um traficante, foi levado para ser comercializado
no Rio de Janeiro e quase foi comprado por um senhor de escravos também negro. O que
acontecia no Brasil, não chegava a ter uma relevância tão expressiva quanto o número de
senhores de escravos brancos, porém, a escravização de negros por outros negros no Bra-
sil era frequente e bem mais comum no nosso país do que em outras regiões escravistas
do continente.
Negociantes de Portugal e do Brasil controlavam o grande negócio do tráfico ne-
greiro por meio dos domínios de regiões estratégicas. Esse controle garantia baixos custos
e estabilidade no fornecimento de pessoas escravizadas para as lavouras brasileiras, ao
contrário dos Estados Unidos, por exemplo. Como era barato e fácil comprar escravos
recém-chegados não era mal negócio para os senhores alforriar alguns escravizados.
Desta forma os senhores podiam contar com aliados no controle dos escravos. Além de
a promessa de alforria de alguns estimulava outros a serem leais em busca de liberdade.
As chances reais de alcançar a alforria eram muito pequenas. No caso baiano, por
exemplo, apesar da maioria dos escravizados terem vindo da África, 69% dos alforriados
eram negros nascidos escravos no Brasil. Quanto mais se distanciavam de suas origens,
mais tinham acesso às brechas do sistema. Os nascidos no Brasil tinham mais chances
que os nascidos na África, assim como os que falavam bem o português e seguiam a Igreja
Católica. Os referidos como pardos também tinham mais chances que os referidos como
pretos, isto é, quanto mais escura era a pele, menores eram as chances de conseguir a

UNIDADE I História e Cultura Africana 22


carta de alforria. Os escravizados que trabalhavam na Casa Grande tinham mais chances
de alforria que os trabalhadores nas plantações e apenas da grande maioria das pessoas
trazidas serem homens, libertavam duas vezes mais mulheres. Isso não representa um me-
lhor trato à mulher negra em relação ao homem negro. Muitas alforrias dadas às mulheres
e crianças eram na verdade consequência da violência sexual realizada pelos senhores.
De acordo com as leis escravistas o que definia se uma criança era livre ou escrava era a
condição da mãe, sendo assim, se a mãe fosse livre, a criança era livre, se fosse escraviza-
da, a criança também era. Desta forma, mesmo os filhos bastardos dos senhores com uma
escravizada, também nascia escravo.
Os senhores tratavam alguns escravizados melhores que os outros, por ter a pele
menos escura, por trabalhar na Casa Grande, por ter nascido no Brasil, etc. Essas dife-
renças de tratamento por parte dos senhores criavam hierarquias e rivalidades entre os
escravizados, sobretudo entre nascidos no Brasil e os nascidos na África e também entre
os trabalhadores do campo e os que trabalhavam na Casa Grande.
Como já vimos no relato de Baquaqua, o tráfico negreiro separava pessoas que
tinham origens e culturas em comum exatamente para dificultar a união entre os escravi-
zados e no interior dos engenhos o tratamento desigual também servia para reforçar essa
desunião, dificultando a resistência. Os escravizados não eram geralmente um grupo uni-
forme e unido, mas sim pessoas muito diferentes entre si, se preocupando com sua própria
sobrevivência, e apesar de todos os esforços dos senhores, continuaram resistindo, fosse
através da lealdade conquistando pequenas melhorias no dia-a-dia, fosse pela obtenção
do documento de alforria, fosse pelo boicote à produção da cana-de-açúcar, fosse pelo
assassinato do feitor, fosse pela fuga para um quilombo.

UNIDADE I História e Cultura Africana 23


6. OS QUILOMBOS COMO SINÔNIMO DE RESISTÊNCIA NEGRA

A palavra quilombo existe no Brasil a quase 450 anos e já esteva presente em


textos escritos pelos colonizadores portugueses desde 1559. Nos textos escritos pelos
portugueses a palavra quilombo tinha um significado muito simples: “um grupo de escravos
fugidos que cabia às autoridades capturar ou exterminar” de acordo com as leis da época.
Para os que viviam em quilombos, a palavra tinha um significado muito mais profundo,
era uma forma de organização social para a defesa da liberdade. Na formação do Brasil
a escravidão estava por toda a parte, nos engenhos, nas vilas e cidades criadas pela co-
lonização europeia e os quilombos eram uma negação deste mundo em uma busca pela
emancipação.
Em cartas, relatórios, leis e outras fontes portuguesas temos acesso a diversas
informações sobre como eram os quilombos e quem eram seus habitantes. Nessas fontes
são descritas as habitações, as roças plantadas, o tempo de permanência da comunidade
no local, as tecnologias que elas dominavam e as pessoas capturadas ou mortas. Nem sem-
pre os portugueses destacavam o nome dos escravizados, costumavam anotar as idades,
sexo, locais de origem, etc. Essas informações eram importantes para as estratégias dos
colonizadores que buscavam entender a resistência dos negros para melhor combatê-la e
hoje servem para que conheçamos suas histórias, lutas e como era viver em um quilombo.
Para a historiadora, Maria Beatriz Nascimento, pioneira nos estudos dos quilombos,
brasileira, trabalhou em Angola onde investigou o que significa quilombo na época em que
essa palavra atravessou o oceano e chegou ao Brasil. Sua pesquisa concluiu que quilombo
é um conceito que tem origem nos povos bantos, habitantes da África Centro-Ocidental e
Leste.
Precisamente, a palavra é usada durante os séculos XVI e XVII para definir os
acampamentos dos guerreiros jaga que resistiram por muito tempo aos colonizadores gra-
ças à sua forma de organização guerreira, mas acabaram se aliando aos europeus como
forma de sobrevivência. Resistir à colonização era defender a própria liberdade, já que os
europeus vinham realizando guerras para transformar o tráfico de pessoas escravizadas
em um grande negócio. No Brasil, essa forma de organização serviu para que esses es-
cravizados continuassem resistindo à violência da escravização nos engenhos e em outras
atividades.
Os primeiros quilombos da América surgiram em meados do século XVI e isso
aconteceu não somente no Brasil, mas em todo o continente. “Onde houve escravidão,
houve resistência”[14]. Segundo os historiadores João José Reis e Flávio dos Santos Go-

UNIDADE I História e Cultura Africana 24


mes, de todas as formas de resistência à escravidão que existiram no Brasil, a mais típica
foi a fuga para formação de quilombos. Esses quilombos existiram do Rio Grande do Sul ao
Amazonas e se formaram em todas as épocas da história do Brasil, desde o século XVI ao
final do século XIX, quando foi abolida a escravidão.
O mais importante e conhecido quilombo do Brasil foi Palmares, também conhecido
por seus habitantes por Angola Janga. O quilombo surgiu na Serra da Barriga entre os
estados de Alagoas e Pernambuco por volta de 1580. A Serra da Barriga era uma região
afastada das áreas ocupadas pelos portugueses e o acesso que já era difícil, passou a ser
cada vez mais vigiado pelos quilombolas permitindo que a população dos Palmares cres-
cesse e um pequeno agrupamento se tornasse em um grande complexo de povoações.
Sua produção incluía o plantio de milho, batata-doce, feijão, banana, criação de porcos e
galinhas, a pesca, a caça, a fabricação de utensílios e instrumentos musicais e armar, in-
clusive de metal. Toda essa produção estava voltada para objetivos da própria comunidade,
sendo o primeiro deles a proteção contra ameaças de escravização.
Ao longo de mais de um século, Palmares acolheu diferentes gerações de pessoas
que conseguiam escapar das senzalas e dos canaviais. O quilombo dos Palmares não só
cresceu como se tornou um Reino, Angola Janga, era provavelmente o fruto de uma união
de duas linhagens de guerreiros africanos, a linhagem do reino fundada por Mbundu N’Go-
la, que também é a origem do nome do país africano, Angola e a linhagem dos guerreiros
jagas[15], que utilizavam a denominação quilombo para seus acampamentos. É possível
que o Reino Angola Janga (Palmares) tenha origem na liderança de uma princesa que já
havia comandado batalhas contra os europeus na África antes de ser escravizada. Seu
nome era Aqualtune e seu caso não foi o único, pois muitos herdeiros de linhagens reais
africanas foram trazidos para a América para serem escravizados, além de chefes políticos,
militares e religiosos.
A existência desses líderes as vezes se tornava uma ameaça séria para a escravi-
dão, já que podiam reorganizar as estruturas de poder que existiam na África. A história do
Quilombo dos Palmares está cheia de exemplos dessa reinvenção das tradições africanas.
O primeiro Rei de Angola Janga que teve contato com os europeus foi Ganga Zumba,
mesmo nome que era dado aos reis Imbangala no Leste da África. Além do nome, Ganga
Zumba também usava o cabelo em tranças longas e adornadas de conchas que, de acordo
com sua tradição, representava autoridade, exatamente como os reis Imbangala. Como
já expresso por Baquaqua, a primeira coisa que os colonizadores faziam ao capturar ou
traficar um africano para ser escravizado, era cortar seus cabelos para tentar eliminar suas
tradições.

UNIDADE I História e Cultura Africana 25


O estilo de guerra praticado em Palmares ou Angola Janga, também eram inspira-
dos em tradições africanas. O quilombo se organizava em torno de povoados que recebiam
o nome de mocambos e que mesmo sendo distantes entre si estavam ligados por uma
rede mito eficaz de comunicação e mobilização de guerreiros. Uma estrutura pensada para
defesa contra investida dos colonizadores que atacavam sempre de surpresa e que tornava
necessária uma vigilância constante.
A estratégia de defesa foi tão bem-sucedida que ao longo do século XVII Palmares
derrotou inúmeras tentativas portuguesas e holandesas de destruição. A primeira expedi-
ção conhecida ocorreu em 1655 quando o governo português conseguiu capturar alguns
quilombolas e descobrir mais ou menos como se organizavam os mocambos. Nesta época,
Pernambuco vivia o pior momento de uma grave crise de fome que atingiu principalmente
as vilas e cidades portuguesas, como Olinda e Recife.
A fome era uma consequência do tipo de economia que os portugueses se estabe-
leceram na região com o foco total na produção de açúcar, deixando pouco espaço para a
produção de artigos de primeira necessidade. Com a fome, as fugas para Palmares aumen-
taram, pois chegavam as notícias de que por lá havia comida. Com as fugas, os quilombos
aumentavam sua população e sua capacidade de resistência a cada dia, levando senhores
de engenho e autoridades portuguesas a concentrarem suas forças na sua destruição.
Destruir Palmares não era fácil, tanto pela distância e dificuldade do caminho quanto
pelas técnicas de guerra que iam de postos de observação a armadilhas. Também ajudavam
na defesa habitantes da região que dependiam dos alimentos do quilombo e o apoiavam.
Pequenos proprietários de terras de origem portuguesa compravam comida de Palmares
em troca de pólvora e armas de fogo, já que em Palmares não faltava comida, mas faltavam
armas e munições para fazer frente às expedições portuguesas. Os quilombolas também
trocavam seus alimentos por informações sobre os movimentos das tropas inimigas, além
de manterem uma rede de informantes.
Apesar de todas as estratégias, as expedições dos portugueses e holandeses
fizeram muitos estragos com a destruição de plantações, o incêndio de casas e a morte ou
captura de muitos habitantes. Com as perdas dos Palmares, o rei Ganga Zumba aceitou
fazer um acordo de paz com o capitão-general de Pernambuco, que representava o rei de
Portugal. Esse acordo reconhecia a liberdade das pessoas nascidas em Palmares, mas
não das pessoas que continuavam fugindo dos engenhos e das cidades. O acordo de paci-
ficação já havia sido proposto em 1663. O governador de Pernambuco enviara intérpretes
de línguas africanas para negociações, mas foram assassinados pelos quilombolas.
Para quem tinha nascido em Palmares, aceitar um acordo poderia ser uma forma

UNIDADE I História e Cultura Africana 26


de tentar garantir sua liberdade sem precisar viver em constante ameaça, mas ao mesmo
tempo o acordo enfraquecia Palmares, pois se fechava a novos membros em busca de
emancipação. Depois de aceitar o acordo, o Rei Ganga Zumba acabou desacreditado e
foi envenenado por seus próprios súditos, dando lugar ao último e mais importante líder
de Palmares, Zumbi, que havia nascido em Palmares e teria sido um dos beneficiários do
acordo de Ganga Zumba, mas entendia que a liberdade não poderia ser apenas para os
que haviam nascido em Angola Janga (Palmares), mas sim para todos os negros, africanos
ou não.
Zumbi nasceu livre, na Serra da Barriga, mas a liberdade durou pouco, quando
ele ainda era bebê foi capturado por uma expedição e dado de presente a um padre que
o rebatizou com um nome europeu, Francisco, em homenagem ao padre católico protetor
dos pobres. Aos 15 anos o jovem se recusou a continuar sendo o escravo Francisco e
retornou à sua terra natal para se tornar Zumbi[16]. Aos 17 anos comandou os guerreiros
que venceram a maior expedição que já tinha sido montada para destruir Palmares.
Zumbi se tornou rei quando já era um guerreiro famoso depois de liderar uma rebe-
lião contra Ganga Zumba e contra a aliança de paz com os portugueses. Em seu reinado
Palmares virou uma fortaleza e o mocambo principal chamado Macaco chegou a contar
com uma muralha de cerca de cinco quilômetros de extensão.
A cada expedição portuguesa, Zumbi reagia com ataques aos engenhos que re-
sultavam na libertação de mais pessoas escravizadas, na aquisição de novas áreas para o
quilombo e no incêndio dos canaviais que destruía a fonte de riquezas das forças inimigas.
Zumbi usava verdadeiras táticas de guerra contra os colonizadores.
Os portugueses tentaram um novo acordo de paz rejeitado por Zumbi. Então, o
governador de Pernambuco decidiu chamar um exército de bandeirantes paulistas para
tentar destruir Palmares. Os bandeirantes eram comandados por Domingos Jorge Velho
que tinha uma longa experiência nas guerras por escravização de povos indígenas em São
Paulo.
Os Bandeirantes chegaram em 1691 em Pernambuco e foram derrotados na pri-
meira investida contra Palmares. Em 1693 voltaram com um exército de nove mil homens e
continuaram avançando. No dia 20 de novembro de 1695 Zumbi foi morto numa emboscada
armada pelos bandeirantes.
Depois de mais de um século de resistência o quilombo dos Palmares teve seus
últimos habitantes degolados. Era o fim do maior quilombo que já existiu no Brasil, mas
era apenas um capítulo da longa história da resistência quilombola que se reinventou e se
espalhou por todas as regiões do país por muitos anos que viriam.

UNIDADE I História e Cultura Africana 27


SAIBA MAIS
Mahommah Gardo Baquaqua foi um homem africano, sequestrado escravizado por tra-
ficantes. Nativo de Zooggoo na África Central (atual municipalidade de Djougou, no
Benim), um reino tributário do reino de Bergoo, trabalhou no Brasil como cativo, contudo
conseguiu fugir para Nova York em 1847 garantindo sua liberdade. O navio, que chegou
a Nova Iorque em junho, foi abordado por abolicionistas locais, que o incentivaram a fugir
do navio. Após a fuga, no entanto, foi preso na cadeia local, e apenas a colaboração dos
abolicionistas (que facilitaram a fuga da prisão) impediu que fosse restituído ao navio.
Foi então enviado ao Haiti, onde passou a viver com o reverendo Judd, um missionário
batista. Convertido e batizado, em 1848, Baquaqua retornou aos Estados Unidos devido
à instabilidade política que o Haiti vivia então; estudou no New York Central College,
em McGrawville, por quase três anos. Em 1854 foi para o Canadá e sua bibliografia foi
publicada no mesmo ano por Samuel Downing Moore em Detroit.

Não se sabe o que acontece com Baquaqua depois de 1857. Ele estava então na Ingla-
terra e havia recorrido à Sociedade da Missão Livre Batista Americana para ser enviado
como missionário à África.

Em 2018, a biografia de Mahommah Baquaqua foi apresentada como enredo no carna-


val virtual, pelo G.R.E.S.V. Recanto do Beija-flor.

Sua biografia foi publicada pelo abolicionista estadunidense Samuel Moore em 1854,
seu relato foi fundamental pois revelou detalhes das operações do tráfico negreiro da
época.

REFLITA
“Oh! a repugnância e a imundície daquele lugar horrível (navio negreiro) nunca serão
apagadas de minha memória. Não: enquanto a memória mantiver seu posto nesse cé-
rebro distraído, lembrarei daquilo. Meu coração até hoje adoece ao pensar nisto.”
Baquaqua. Mohammah Gardon. Biografia. p. 272.

UNIDADE I História e Cultura Africana 28


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nossa viagem chega ao fim. O espaço de experiência contemplado nos apresentou


um negro no Brasil que fora trazido à revelia ao país. Não foi uma bela viagem, porém,
humanizante.
Conforme vimos, o negro no Brasil fora colocado sob um trabalho compulsório.
Uma vez aqui, teve de resistir das mais diversas formas. Uns optaram pela estratégia da
obediência e lealdade. Era a melhor forma, para alguns, de se apegarem às suas próprias
vidas. Outros, boicotaram a produção, quebraram peças dos mecanismos do engenho ou
queimaram as lavouras podendo garantir algum tempo de descanso. Ou isso ou continuar
trabalhando dezesseis horas por dia cortando cana-de-açúcar. Alguns, em total desespero,
ou tiravam as vidas de seus senhores ou até mesmo tiravam suas próprias vidas, pois para
estes, a morte era a única saída de tal situação. E ainda tiveram aqueles que braviamente
fugiram das fazendas e construíram vilas chamadas de concentrações quilombolas.
Aprendemos que o africano no Brasil tem sua própria história e que essa história
é a história do próprio Brasil. Ela nos construiu e continua nos construindo, sendo assim,
não podemos deixar que ela seja esquecida, não apenas porque a escravidão é um crime
contra a humanidade, mas porque a cultura africana está presente no nosso dia-a-dia e
muitas vezes nem percebemos.

UNIDADE I História e Cultura Africana 29


Leitura Complementar

LARA, Silvia Hunold. Biografia de Mohammah Gardon Baquaqua. Revista História Brasilei-
ra, São Paulo, v. 8, n. 16, p. 269-284, 1988.

Material Complementar

LIVRO
Título: O Trato dos Viventes: Formação do Brasil no Atlântico Sul
– Séculos XVI e XVII.
Autor(a): Luiz Felipe de Alencastro.
Editora: Companhia das Letras
Sinopse: O padre Antônio Vieira escrevia: “Angola... de cujo triste
sangue, negras e infelizes almas se nutre, anima, sustenta, serve
e conserva o Brasil”. Em O trato dos viventes, o historiador Luiz
Felipe de Alencastro mostra que a colonização portuguesa, ba-
seada no escravismo, deu lugar a um espaço econômico e social
bipolar, englobando uma zona de produção escravista situada no
litoral da América do Sul e uma zona de reprodução de escravos
centrada em Angola.

FILME/VÍDEO
Título: Amistad
Diretor: Steven Spielberg
Ano: 1997
Sinopse. Costa de Cuba, 1839. Dezenas de escravos negros se li-
bertam das correntes e assumem o comando do navio negreiro La
Amistad. Eles sonham retornar para a África, mas desconhecem
navegação e se vêem obrigados a confiar em dois tripulantes so-
breviventes, que os enganam e fazem com que, após dois meses,
sejam capturados por um navio americano, quando desordenada-
mente navegaram até a costa de Connecticut. Os africanos são
inicialmente julgados pelo assassinato da tripulação, mas o caso
toma vulto e o presidente americano Martin Van Buren (Nigel Haw-
thorn), que sonha ser reeleito, tenta a condenação dos escravos,
pois agradaria aos estados do Sul e também fortaleceria os laços
com a Espanha, pois a jovem Rainha Isabella II (Anna Paquin)
alega que tanto os escravos quanto o navio são seus e devem ser
devolvidos. Mas os abolicionistas vencem, e no entanto o governo
apela e a causa chega a Suprema Corte Americana. Este quadro
faz o ex-presidente John Quincy Adams (Anthony Hopkins), um
abolicionista não-assumido, sair da sua aposentadoria voluntária,
para defender os africanos.

UNIDADE I História e Cultura Africana 30


WEB

Apresentação do link: Canal Revisão. Tráfico Negreiro. Apresentação de Pirula.


Tópicos abordados: Os africanos na formação do Brasil, para além da escravidão; História
do tráfico de pessoas escravizadas na África, e da África para a América; O predomínio
português e brasileiro no mercado atlântico de escravos; O processo de escravização da
perspectiva de um africano (Mahommah Gardo Baquaqua); As experiências e as estraté-
gias para a conquista da liberdade.
Link do site: https://www.youtube.com/watch?v=TjcQTVLQDF0

Apresentação do link: Canal Nerdologia. A Origem da Escravidão no Brasil. Apre-


sentação e Roteiro de Felipe Figueiredo. Tópicos abordados: A origem da escravidão nas
sociedades agricultoras; As primeiras sociedades escravagistas na antiguidade; A escravi-
dão como prática durante a Idade Média; A escravidão árabe e europeia; A escravidão no
continente africano; A escravidão moderna no Oceano Atlântico e seu caráter econômico e
racial; A escravidão do Atlântico como fenômeno novo e incomparável aos demais tipos de
escravidão.
Link do site: https://www.youtube.com/watch?v=qXBmkswwRfw

UNIDADE I História e Cultura Africana 31


[1] Vide link na referência bibliográfica.
[2] Idem 1.
[3] ALENCASTRO: 2000.
[4] BRANDI: 2000.
[5] Importante destacar que árabes e muçulmanos não são a mesma coisa. Árabe se refere a um povo que
surgiu na península arábica, onde hoje está a Arábia Saudita e muçulmano é o seguidor da religião islâmica.
[6] Palavra inglesa referente a escravo.
[7] Bula papal redigida no dia 18 de Junho de 1492 pelo Papa Nicolau V.
[8] Assunção: 2004.
[9] LARA: 1988.
[10] Idem 9.
[11] LARA: 1988.
[12] Esse acontecimento inspirou o cineasta Steven Spielberg a produzir o filme Amistad.
[13] Entenda-se aqui cristianismo como catolicismo, uma vez que o cristianismo protestante não era permitido
no Brasil até o início do século XIX, mesmo assim, após a permissão de culto protestante no Brasil, o mesmo
não poderia ser realizado em locais públicos estando limitados a celebrações domésticas.
[14] GOMES, Flávio dos Santos; REIS, João José. Liberdade por um fio. São Paulo. Companhia das Letras.
1996.
[15] Designação genérica para grupos étnicos nômades guerreiros da África de origem ainda incerta.
[16] Fantasma ou espectro no idioma quimbundo.

UNIDADE I História e Cultura Africana 32


UNIDADE II
O Negro no Brasil: Abolição
e seu Legado
Professor Especialista Paulino Augusto Peres

Plano de Estudo:
1. OS AGENTES DA ABOLIÇÃO DA ESCRAVIDÃO NO BRASIL
2. O MAIOR LEGADO DA ESCRAVIDÃO: O RACISMO

Objetivos de Aprendizagem:
● Compreender o processo de abolição no Brasil e evidenciar o movimento abolicionista
para destacar que foram os negros que lideraram esse processo e não uma princesa
branca ou grupos brancos como se está no imaginário popular.
● Contextualizar o racismo no Brasil como um fenômeno que surge com a escravidão e não
acaba com o fim da mesma, pois vários mecanismos de desprezo a população negra no
Brasil ocorre durante a nossa história pós fim da escravatura.
● Compreender os dois tipos de preconceitos categorizados por Oracy Nogueira, o de
marca e o de origem para que o aluno possa compreender que o racismo se apresenta de
diversas formas em diversos locais do mundo
● Estabelecer a importância de entendermos que o Brasil é um país racista e que esse
racismo é camuflado, escondido e que se torna evidente em momentos de conflito de
forma cruel.

33
INTRODUÇÃO

Olá, caros estudantes. Iniciamos no módulo anterior nossa viagem ao passado para
compreendermos como foi a escravidão no Brasil. Neste módulo essa viagem continua. A
iniciamos com a abolição da escravatura no nosso país.
Em uma de nossas paradas perceberemos que a abolição da escravidão no Bra-
sil pouco tem a ver com movimentos brancos. O abolicionismo foi liderado por negros.
A princesa Isabel, abolicionista, era apenas uma personagem na abolição, os principais
protagonistas eram negros.
Em nossa última parada você terá contato com uma comparação realizada pelo
sociólogo Oracy Nogueira sobre o preconceito nos Estados Unidos e Brasil, sendo a versão
americana nomeada preconceito de origem e no Brasil, preconceito de marca.
Espero que você compreenda o racismo como legado da escravidão negra no
Brasil durante mais de 300 anos.

UNIDADE II O Negro no Brasil: Abolição e seu Legado 34


1. OS AGENTES DA ABOLIÇÃO DA ESCRAVIDÃO NO BRASIL

https://www.infoescola.com/wp-content/uploads/2010/05/carta-lei-aurea.jpg

Em 2018 tivemos o aniversário de 130 anos da assinatura da lei áurea que encer-
rou escravidão de pessoas negras no Brasil. Costumamos ver essa lei nas escolas como
se tivesse acontecido de repente com uma assinatura e fim. A Lei Imperial nº 3.353, nome

UNIDADE II O Negro no Brasil: Abolição e seu Legado 35


oficial da Lei Áurea, foi apresentada à Câmara Geral, atual Câmara dos Deputados, pelo
então ministro da agricultura no dia 8 de maio de 1888. Foi aprovada e levada ao Senado
que também a aprovou no dia 13 de maio e após foi assinada pela princesa Isabel como
regente do Brasil.
A luta pela abolição, entretanto, tinha começado bem antes. Os primeiros movimen-
tos abolicionistas no Brasil foram sociedades religiosas como os jesuítas que protestavam
contra a escravidão de indígenas ainda no século XVII. O modelo de escravidão indígena já
estava em declínio, substituído pela escravidão negra africana, mais lucrativa e geralmente
aceita.
Oficialmente a escravidão indígena foi proibida em 1757 por meio de um decreto
do Marquês de Pombal, então Secretário de Estado do Reino de Portugal. Alguns anos
depois em 1761 o mesmo Marquês de Pombal decretou o fim da escravidão negra, porém,
isso foi implementado apenas na metrópole europeia, territórios na Índia e depois à ilha de
madeira.
Para a Coroa abolir a escravidão negra na América seria um grande impacto eco-
nômico tanto na queda de produção nos territórios quanto no fim do tráfico de pessoas.
Em 1822 o Brasil quase foi fundado como um país sem escravidão e teria sido o
primeiro país da América do Sul, mas foi a do Chile que aboliu toda forma de escravidão
em 1823 logo após a sua independência. Nessa época o abolicionismo já era discutido
mundialmente por movimentos abolicionistas ingleses e estados que já haviam abolido a
escravidão nos Estados Unidos.
Uma das principais figuras da independência e da institucionalização do Brasil foi
José Bonifácio que classificava a escravidão como um câncer que destruiu as bases de uma
sociedade. Seu desejo, entretanto, não se tornou realidade com as oligarquias defendendo
seus interesses de manutenção do regime escravista. No fim das contas o Brasil foi o último
país de todo o continente americano a abolir a escravidão.
No período regencial o Brasil sofreu pressões do Reino Unido para abolir o tráfico
de pessoas. Nesse período surge a expressão “para inglês ver” quando algo é prometido
sem intenção de ser cumprido, no caso, “para inglês ver” foram as primeiras leis brasileiras
contra o comércio de africanos, como as leis do Sexagenário e Ventre-livre. Na verdade,
o efeito foi contrário, os fazendeiros brasileiros passaram a investir cada vez mais nesse
comércio e ocorreu um aumento de preços pois temiam que o tráfico poderia acabar a
qualquer momento.
O comércio atlântico de pessoas negras é progressivamente combatido com forte
pressão britânica, incluindo o uso da força contra navios e chega ao fim em 1856. Ele foi

UNIDADE II O Negro no Brasil: Abolição e seu Legado 36


substituído, porém, pelo comércio interno entre diferentes regiões do Brasil que transforma
o comércio de pessoas em um fenômeno nacional. A isso soma-se a Guerra do Paraguai,
quando milhares de soldados negros retornaram vitoriosos corriam o risco de voltar à condi-
ção de escravidão. O movimento abolicionista brasileiro vai ter grande impulso com a soma
desses dois contextos.
A professora Ângela Alonso no livro flores votos e balas, o movimento abolicionista
foi essencial para exercer pressão para exigir pressão e exigir o fim da escravidão no Brasil.
A coroa não podia se indispor com as principais oligarquias promovendo a escravidão.
Essas por sua vez, tinham interesse na manutenção do escravismo e dominavam políticos
marcada pelo voto censitário. Já a revolta contra a escravidão levava repressão com o uso
da força, com pouca simpatia popular. Desta forma, o movimento abolicionista, sabendo da
falta de popularidade das repressões aumentava sua pressão ao Governo.
Algumas figuras abolicionistas são bem conhecidas, como o poeta Castro Alves, a
maestrina Chiquinha Gonzaga e o diplomata Joaquim Nabuco, dentre outros. De grande
importância para a época foram os abolicionistas negros, que eram usados de exemplo na
prática de como as políticas do país não os beneficiavam.
Um abolicionista negro famoso foi Luiz Gama, filho de uma negra livre e pai branco.
Mesmo tendo nascido livre foi escravizado aos 10 anos de idade, situação que durou até os
seus 17. Após ter passado pela escravidão, Luiz Gama conseguiu se alfabetizar e se tornou
advogado, defendendo outros negros gratuitamente. Outro exemplo foi José do Patrocínio,
filho de um clérigo branco com uma negra escravizada. Patrocínio cresceu como liberto,
protegido pelo pai e formou-se em farmácia. Outro abolicionista negro foi André Rebouças,
engenheiro que hoje é homenageado com o nome de locais em diversas cidades brasilei-
ras. Em comum os três atuaram como jornalistas, escrevendo panfletos e sátiras e criando
jornais abolicionistas para colocar a sociedade brasileira contra a escravidão.
O fim da escravidão no Brasil foi um processo demorado que sofreu resistência e foi
consequência de pressão popular com diversos movimentos organizados e manifestações
culturais e sociais contra o escravismo.
Os Estados Unidos têm uma história particular em que a escravidão era legalizada no
sul do país e ao norte fora abolida logo após a independência ou era pouco presente e abolida
na primeira metade do século XIX. Isso permite compararmos hoje, mais de 150 anos depois
do fim da escravidão nos Estados Unidos os contrastes entre as regiões livres e as com escra-
vidão. O IDH (índice de desenvolvimento humano) é uma medida comparativa para classificar
diferentes regiões pelos critérios de expectativa de vida, escolaridade e renda por pessoa. O
IDH nos fornece um parâmetro objetivo sobre o desenvolvimento de cada sociedade.

UNIDADE II O Negro no Brasil: Abolição e seu Legado 37


No primeiro mapa dos Estados Unidos quanto mais clara a cor do mapa menor o
IDH. No segundo mapa vemos onde era e não era legal a escravidão nos Estados Unidos
em 1861. Perceba que os antigos estados escravistas são hoje os estados com menor IDH.
Também esses estados são os que possuem o menor índice de mobilidade social, onde
a chance de alguém melhorar sua condição de vida por seus próprios esforços é menor.
Estes estados também estão entre os com maior índice de pobreza nos Estados Unidos.
Esse exemplo americano é para percebermos que a escravidão gerou o seu legado
na sociedade contemporânea, não só nos EUA, mas também em todos os países que
tiveram a escravidão como instrumento de mão-de-obra em seu território, entre ele o Brasil.
Esse legado da escravidão e seus modelos de sociedade autoritária e de economia pouco
liberal dura até hoje, inclusive no Brasil.

UNIDADE II O Negro no Brasil: Abolição e seu Legado 38


2. O MAIOR LEGADO DA ESCRAVIDÃO: O RACISMO

“Não é de bom tom puxar o assunto da cor”, pois, afinal de contas, “em casa de
enforcado não se fala em corda”.
Oracy Nogueira

A desigualdade social é um fenômeno mundial na sociedade contemporânea e é


reflexo da má distribuição de renda. Não é novidade para ninguém que o Brasil é um país
onde muitos têm muito pouco e poucos têm muito. Hoje estamos entre os dez países entre
os mais desiguais do mundo. Metade da população é negra, mas mesmo assim, o negro
tem cinco vezes mais chances de ser analfabeto que um branco.
Oracy Nogueira, em sua obra “Preconceito racial de marca e preconceito racial
de origem” analisa o racismo através de um olhar sociológico e se orienta no sentido de
desvendar o estado das relações entre os componentes brancos e negros da população
brasileira[1].
O autor faz uma análise entre o racismo no Brasil e nos Estados Unidos da América
a partir de análises sociológicas e antropológicas e utiliza como método os tipos ideias de
Weber. Ele apresenta em seus estudos que Estados Unidos e Brasil representam dois tipos
de situações raciais, o de origem e o de marca.
Analisando as obras brasileiras sobre o assunto, percebe-se que muitos tentaram
negar ou subestimar o preconceito racial existente no nosso país. Até mesmo hoje em dia
é possível ver essa ideia. Nas redes sociais existe uma enxurrada de argumentos racistas,

UNIDADE II O Negro no Brasil: Abolição e seu Legado 39


mas, também é possível ver a negação do racismo em livros como é o caso do livro “Não
somos racistas” de Ali Kamel, atual diretor geral de jornalismo da Rede Globo. Essa ideia
de Kamel não é novidade na intelectualidade brasileira.
Voltando a Nogueira, sua obra aponta também para a intensidade do racismo, onde
nos Estados Unidos o racismo era explícito havendo, inclusive, diversas leis que separa-
vam brancos e negros na sociedade, já no Brasil, leis racistas também existiram, em menor
quantidade e o racismo se apresentou de forma implícita. Desta forma, Nogueira chamou
o racismo explícito norte-americano de racismo de origem, e sua versão brasileira, mais
implícita de racismo de marca.
Entende-se racismo de marca como preconceito de cor, uma vez que está associa-
do ao fenótipo[2] do indivíduo, já o de origem está relacionado a um preconceito ligado à
genealogia do indivíduo.
Primeiro é necessário compreender o preconceito racial como uma disposi-
ção (ou atitude) desfavorável, culturalmente condicionada, em relação aos
membros de uma população, aos quais se têm como estigmatizados, seja
devido à aparência, seja devido a toda ou parte da ascendência étnica que
se lhes atribui ou reconhece. (NOGUEIRA: 1998).

Sendo o racismo uma disposição desfavorável a alguém ou pela aparência ou pela


etnia, ou pela cultura, explicaremos esse racismo de duas formas, já anunciadas aqui: 01)
quando o preconceito de raça se apresenta em relação à aparência da pessoa, quando
toma os traços físicos do indivíduo, a fisionomia, os gestos, o sotaque, é nomeado como
racismo de marca, mas; 02) quando apenas a suposição de que este indivíduo descende de
certo grupo étnico para que sofra as consequências do preconceito, denomina-se, racismo
de origem.
A atuação entre essas duas formas de racismo é diferente. O preconceito de marca
se apresenta com o desprezo direcionado àquele que sofre o preconceito, enquanto que
o de origem é marcado pela exclusão total dos membros do grupo atingido, no caso aqui
especificado, dos negros. Isto é, no Brasil, cujo preconceito é o de marca, conforme Oracy
Nogueira, um negro teria dificuldades em participar de certo grupo, como por exemplo,
um clube recreativo. Os representantes do clube, normalmente de classe média, brancos
se manifestam contrários à sua admissão, entretanto, se esse indivíduo de pele negra
contrabalançar a suposta desvantagem da cor da pele apresentando vantagens inegáveis
como superioridade intelectual, diploma de curso superior, boa profissão e boa condição
econômica, além de outras qualidades, pode ser aceito mais facilmente, abrindo-lhe uma
exceção.

UNIDADE II O Negro no Brasil: Abolição e seu Legado 40


Já nos Estados Unidos, ocorre o oposto, as restrições que são impostas aos negros
são mais amplas e aceitas, independentemente das condições pessoais como nível esco-
lar, econômico e cultural. O preconceito racial nos Estados Unidos se apresenta da mesma
forma a um operário e a um doutor. O negro naquele país será escanteado para bairros
exclusivos para negros, mesmo que hoje não haja uma lei que determine isso, é cultural
aceitar que a população negra não deva morar no bairro de brancos. Até há algumas déca-
das os negros não poderiam frequentar as mesmas escolas, faculdades, hospitais, ônibus,
que os brancos. Também não poderiam aguardar na mesma sala de espera que os brancos
e aeroportos, não poderiam beber no mesmo bebedouro ou utilizar o mesmo banheiro. Até
mesmo igrejas que não aceitavam negros era comum por lá.
O preconceito de marca varia subjetivamente, a relação entre quem pratica e sofre
preconceito é sempre subjetiva. O brasileiro olha o indivíduo negro e através da tonalidade
de sua pele exerce seu preconceito. Pessoas de pele mais escura sofre mais preconceito
que as pessoas de pele menos escura, desta forma, frases como “você não é negro, mas
sim moreno” são comuns, pois, tenta-se clarear a pessoa, como se ser negro com uma pele
mais escura não fosse bom. É bom lembrarmos que isso acontece largamente no Brasil de
forma inconsciente, pois as pessoas que dizem tais frases não se percebem como racistas,
e, portanto, não percebem que tal frase apresenta a tonalidade da pele do negro como algo
que prioriza tons de pele mais claros.
Quando o preconceito é de marca podemos perceber que quando alguém que se
gosta é negro (amigo ou familiar) o julgamento sobre essa pessoa sofre variação e frases
como “ele é negro, mas é um cara legal”, “é negro, mas é inteligente” ou ainda “é negro de
alma branca” mostram subjetividade do julgamento. Talvez a frase mais emblemática seja
“negro de alma branca”, pois a palavra “negro” foi há muito utilizada como sinônimo para
algo ruim: “peste negra”, “alma negra”, “livro negro”, etc., logo, o negro que se tem afeição
teria “alma branca”, pois a cor branca é associada a coisas boas, mas, negro não.
Com o racismo de origem isso não ocorre, pois, não importa ao preconceituoso
a tonalidade da pele do mesmo, frases como “ele não é negro, ele é moreno” não fazem
sentido, pois o que importa é a ascendência do indivíduo. Nos Estados Unidos o grupo
sofre preconceito por questões hereditárias.
Nos Estados Unidos [...] o branqueamento, pela miscigenação, por mais com-
pleto que seja, não implica incorporação do mestiço ao grupo branco. Mesmo
de cabelos sedosos e loiros, pele [branca], nariz afilado, lábios finos, olhos
verdes, sem nenhum [traço] característico que se possa considerar como ne-
groide e, mesmo, lhe sendo impossível, biologicamente, produzir uma des-
cendência negroide, ‘por mais esforço que faça, para todos os efeitos sociais,
o mestiço continuará sendo um ‘negro’. (NOGUEIRA: 1998).

UNIDADE II O Negro no Brasil: Abolição e seu Legado 41


Se você for descendente de negros, você sofrerá preconceito. Se você for filho
de um pai negro e uma mãe branca e nascer com a pele branca, sofrerá com o racismo,
pois, o que importa ao racismo de origem é, como o nome sugere, sua origem negra, e não
somente a cor de sua pele. É assim que, nos Estados Unidos, o negro é definido.
No Brasil essa ideia é inconcebível, pois, mesmo sendo filho de negros, se a pessoa
é branca, se os traços são de pessoas brancas, essa pessoa não passa por preconceitos
referentes à sua cor. O racismo no brasil está ligado à cor da pele, nos Estados Unidos, à
sua origem.
Nogueira cita uma situação de uma mulher branca de ascendência negra que foi,
através de um anúncio, empregada como secretária. Durante seis meses trabalhou e havia
sido considerada uma funcionária eficiente, então, resolveu revelar sua verdadeira identi-
dade como descendente de negros, acreditando que seria aceita por sua eficiência. Sua
confissão poderia contribuir para que o patrão redefinisse, favoravelmente, sua atitude em
relação aos negros. Foi, porém, despedida.
Da parte do grupo branco, as sanções podem ir desde a simples perda de
emprego e o rompimento das relações que, como branco, o indivíduo teve
ensejo de estabelecer, até a depredação de bens, a agressão física e o lin-
chamento; da parte do grupo negro, o indivíduo estará exposto à censura
moral, por falta de lealdade, ao ridículo e ao boicote. (NOGUEIRA: 1998).

Essa realidade do racismo de origem é inexplicável para o brasileiro. Se um brasi-


leiro completamente branco e que, como branco, sempre viveu no Brasil, indo aos Estados
Unidos, terá a surpresa de ser considerado e tratado como negro. Nogueira cita ainda um
intelectual brasileiro, seu amigo, que mora em Chicago, mestiço, pele clara, cuja identifi-
cação como branco nunca fora posta em dúvida no Brasil, mas estava passando por uma
crise emocional por ter sofrido discriminação no hotel a que fora recomendado. No outro
extremo, um negro norte-americano, em viagem ao Brasil, com poucos traços negroides,
pode ser visto e tratado como branco, mulato claro, mulato escuro. O simples fato de ser
norte-americano e falar inglês faz com que muitos brasileiros não o discriminem como faria
com um negro brasileiro de classe baixa.
Mais inconcebível ainda aos brasileiros a respeito do racismo de origem pode
ser visto em um caso onde estudantes universitários frequentavam uma instituição que
proibia a discriminação racial e estudantes brasileiros se irritaram com a atitude de uma
garota americana, loira, que, provavelmente namorava o rapaz negro com quem andava,
se apresentava como sendo negra. Todos se assustaram com a informação de que nos
Estados Unidos, devido à definição de “negro”, há indivíduos completamente brancos que
são considerados “negros” por se envolverem com pessoas negras, ou por amizade ou por

UNIDADE II O Negro no Brasil: Abolição e seu Legado 42


relações afetivas. São chamados de nigger-lover, isto é, os que amam ou gostam de negros
e sofrem preconceito racial igualmente.
No Brasil o racismo de marca faz com que se tenha preconceito com o negro
desconhecido, mas afetividade com os negros próximos. Entretanto, Isso não reduz as
brincadeiras sobre o negro que “quando não suja na entrada, suja na saída”, “negro urubu”
ou “negro macaco”. As crianças fazem isso com frequência. Reproduzem o que vivenciam
no dia-a-dia. Reproduzem inconscientemente a falta de negros nos desenhos, nos filmes,
novelas, jornais, etc. Os adultos transmitem o que lhes foi passado também de forma in-
consciente. Isso não elimina o racismo, ele continua latente e implícito. Desta forma, como
o racismo de marca é implícito, disfarçado, mascarado de tolerância, pois, se tem um amigo
negro, um vizinho negro que se gosta muito, etc., acredita-se que no Brasil o racismo fora
eliminado, entretanto, além de existir camuflado, o racismo de marca contribui para a não
união da população negra no Brasil contra o preconceito de raça. Um brasileiro nos EUA
sofreria com o estranhamento dos negros de lá, uma vez que o negro brasileiro não se
organiza para lutar contra o preconceito, assim como ocorre nos Estados Unidos. O negro
norte-americano o consideraria um párea, uma vez que o racismo de origem, uma vez
que ele decreta como inimigo a população branca que o escravizou e limitou seus direitos.
Por isso mesmo, por lá, existem grupos organizados de negros, suas manifestações são
organizadas e realizam uma segregação intencional de sua população em relação aos
brancos. Acreditam que como foram segregados pelos brancos, não devem se aproximar
deles. Os negros nos Estados Unidos não lutam para serem aceitos pelos brancos, pelo
fim do racismo, lutam para terem direitos iguais. O ódio destilado aos negros nos Estados
Unidos, levou ao ódio do negro aos brancos naquele país. Uma situação bem complexa.
Também é possível destacar que no preconceito de marca, a ideologia é, ao mes-
mo tempo, assimilacionista e miscigenascionista e onde o preconceito é de origem, ela é
segregacionista e racista.
No Brasil, espera-se um embranquecimento da raça como resultado inevitável
da miscigenação racial, é largamente difundido no Brasil a teoria da miscigenação das
três raças: indígenas, brancos e negros. Não é uma mentira, entretanto muito se reduziu
a discussão étnica a miscigenação desses grupos. A noção geral é de que o processo
de branqueamento constituirá a melhor solução possível para a heterogeneidade étnica
do povo brasileiro. Exemplo é que diante do casamento entre uma pessoa branca e uma
negra, não são poucos que afirmam que a pessoa negra teve sorte por ter se casado com
uma pessoa branca, já para a pessoa branca afirmarão que a pessoa “teve azar” ou que os
dois não combinam. Quando o filho de um casal misto nasce branco, também se diz que o

UNIDADE II O Negro no Brasil: Abolição e seu Legado 43


casal “teve sorte”, mas quando nasce negro, a impressão é de pesar. Cada vez mais esse
pensamento é deixado de lado no Brasil, existindo, porém, com maior força entre os mais
velhos, mas ainda existindo entre os mais jovens, entretanto, com menor força, é verdade.
O brasileiro é miscigenascionista, não despreza a miscigenação racial, na verdade
a vê como algo inevitável nessa terra. Também é assimilacionista, pois assimila os traços
culturais nas relações étnico-raciais. Assimila no sentido incorpora os traços culturais de
outra cultura aos traços culturais brasileiros. Em geral, espera-se que o indivíduo de uma
determinada cultura africana, por exemplo, abandone, aos poucos, sua herança cultural,
em proveito da “cultura nacional”. Basta ver as religiões africanas que foram assimiladas,
incorporadas pela cultura brasileira, como o candomblé e a umbanda, o mesmo pode-se
afirmar a respeito do samba e capoeira, que, criados por negros, hoje é algo considerado
totalmente brasileiro, ou seja, assimilado. Isso acontece não somente com a cultura africana
no Brasil, mas também com a indígena e até mesmo com a cultura do imigrante europeu.
No Brasil, a ideologia de relações inter-raciais, como parte do modo de ser nacio-
nal, envolve uma valorização do igualitarismo racial e condena a manifestação intencional
de preconceito. Isso acoberta um racismo velado por aqui. Essa ideia é disseminada pela
teoria do sociólogo da “Democracia Racial” de Gilberto Freire, que afirma boa convivência
entre negros, brancos e indígenas. Teoria, a propósito bastante combatida na academia.
Nos Estados Unidos os brancos querem se ver longe dos negros mantendo-os em
seus núcleos separados com seu modo de vida à parte. Também essa realidade americana
vem diminuindo bem lentamente. Pelo menos as leis proíbem qualquer tipo de segregação
racial, mas a cultura norte-americana continua discriminando o afro-americano.
No Brasil ainda, onde o preconceito é de marca, a etiqueta de relações inter-raciais
põe ênfase no controle do comportamento de indivíduos do grupo discriminador, de modo
a evitar a humilhação dos membros do grupo discriminado. Assim, por aqui, não é bem
visto puxar assunto sobre cor de pele diante de uma pessoa negra. Evita-se referência
à cor, da mesma maneira que se evitaria a referência a qualquer outro assunto capaz de
ferir o interlocutor. Em contrapartida, em uma briga com uma pessoa negra, a ofensa é
direcionada à sua origem étnica, isto é, ofende-se a pessoa destacando a sua cor de pele.
Por exemplo em uma “fechada” no trânsito, se a pessoa que “fechou” for negra pode-se
esperar do indivíduo no automóvel que foi “fechado” que, a perder a paciência com a situa-
ção e resolver ofendê-la o faça destacando a cor de sua pele, e não sua pouca habilidade
em dirigir, em outras palavras, a pessoa não irá ofender dizendo “comprou a carteira”, ou
“volta para autoescola”, aquele que ofende, ao ver que o motorista é negro, é provável que
diga “tinha que ser negro” ou “negros deveriam ser proibidos de dirigir”, como se a cor da

UNIDADE II O Negro no Brasil: Abolição e seu Legado 44


pessoa tivesse algum tipo de relação com sua pouca habilidade no trânsito. Desta forma, o
negro no Brasil, toma consciência da própria negritude em momentos de conflito, quando
o adversário procura humilhá-lo lembrando-lhe a cor da pele. Assim funciona a etiqueta no
preconceito de marca.
As coisas são diferentes nos Estados unidos, pois, tendo lá um preconceito de
origem a etiqueta expressa a diferença entre negros e brancos. Assim, o branco exige
que o negro o chame de mister e a ele se dirija mencionando-lhe o sobrenome. Todavia, o
negro deve se conformar em ser chamado pelo branco pelo primeiro nome, sem o uso da
expressão mister. Em alguns lugares ainda no século XXI, sobretudo nos estados do sul do
país somente atendem pessoas negras após atender todas as brancas antes, e em alguns
lugares, os negros não são atendidos. Esse tipo de comportamento vem diminuído nos
Estados Unidos, mas ainda vive. E, ao contrário do Brasil, a consciência da própria identifi-
cação racial, por parte do negro, é contínua envolvendo uma preocupação permanente de
autoafirmação e uma constante atitude ofensiva.
Quanto à estrutura social, onde o preconceito é de marca, a probabilidade de
ascensão social diminui, ficando o preconceito de raça disfarçado sobre o preconceito de
classe. Isso é usado para negar o preconceito racial no Brasil. Já nos Estados Unidos,
onde o preconceito é de origem, brancos e negros vivem separados, como se fossem duas
sociedades paralelas.
No Brasil, onde o preconceito é de marca, a luta do discriminado tende a se
confundir com a lutas que envolvem a classe social. Muitos negros no Brasil não lutam
para conquistar direitos negados aos negros, mas lutam por direitos sociais e, assim, sem
perceber confundem os dois direitos e negam que os negros tiveram seus direitos negados
em privilégio dos brancos. Mas, onde o preconceito é de origem, o grupo discriminado atua
politicamente como minoria[1] organizada, coesa e, portanto, capaz e propensa à ação
política.
O branco e o negro no Brasil convivem, se admitem, o preconceito por aqui está
disfarçado, não se discrimina explicitamente no Brasil, a etiqueta não permite. Seus pares
irão achar estranho que fale sobre cor na presença de um negro. O racismo de marca é
camuflado. Aparece somente nos momentos de conflito. Aparece da forma mais cruel. O
negro ofendido até aquele momento não percebia que era discriminado, mas no conflito
percebe o desprezo que parte da sociedade branco nutre por ele. Ser negro, no racismo de
marca é o problema. Quanto mais negro se é, mais racismo sofrerá. Já o branco e o negro
nos Estados Unidos não se admitem, não convivem, não dialogam, sendo um racismo
explícito, na etiqueta por lá é normal se desprezar alguém pela cor da pele. O racismo de

UNIDADE II O Negro no Brasil: Abolição e seu Legado 45


origem é evidente e se faz questão que seja evidente. Aparece em todos os momentos.
Não importa ao racismo ao racismo de origem sua cor da pele somente, ser negro é um
problema, mas se relacionar com negros também é.

Conceito sociológico que se refere à um grupo que possui minoria de direitos e


não minoria numérica, em alguns casos, por exemplo, uma maioria numérica pode ser
considerada “minoria”, por possuir menos direitos, é o caso das mulheres no Brasil que
representam 52% da população, porém, não possuem os privilégio masculinos. [1]

[1] NOGUEIRA, Oracy. 1998.


[2] Características observáveis de um organismo ou população.

UNIDADE II O Negro no Brasil: Abolição e seu Legado 46


SAIBA MAIS
De 1890 a 1937 a Capoeira foi “proibida” por lei por ser uma manifestação de resistência
negra.

Seguem os dados da lei de proibição:

Lei de Proibição da Capoeira

Código Penal da República dos Estados Unidos do Brasil


(Decreto número 847, de 11 de outubro de 1890)

Capítulo XIII -- Dos vadios e capoeiras

Art. 402. Fazer nas ruas e praças públicas exercício de agilidade e destreza corporal co-
nhecida pela denominação Capoeiragem: andar em carreiras, com armas ou instrumen-
tos capazes de produzir lesão corporal, provocando tumulto ou desordens, ameaçando
pessoa certa ou incerta, ou incutindo temor de algum mal;

[...]

Art. 403. No caso de reincidência será aplicada à capoeira, no grau máximo, a pena do
art. 400. Com a pena de um a três anos.

Parágrafo único. Se for estrangeiro, será deportado depois de cumprida a pena.

Em 1935 a capoeira deixou de constar como arte proibida com a queda do Decreto de
11 de outubro de 1890. Posteriormente, em l937, a então Secretaria da Educação con-
seguia um registro oficial que qualificava seu curso de capoeira como Curso de Educa-
ção Física. Em 26 de dezembro de 1972 a capoeira foi homologada pelo Ministério da
Educação e Cultura como modalidade desportiva.

UNIDADE II O Negro no Brasil: Abolição e seu Legado 47


REFLITA
“Não sou descendente de escravos. Eu descendo de seres humanos que foram escra-
vizados” (Makota Valdina).
Fonte: MATA, Lídice. Pronunciamento de Lídice da Mata em 24/11/2016. Discponível
em: <https://www25.senado.leg.br/web/atividade/pronunciamentos/-/p/texto/427635>.
Acesso em 19 jun. 2019.

“O quilombo [...] constituía-se ‘em polo de resistência que fazia convergir para o seu
centro os diversos níveis de descontentamento e opressão de uma sociedade que tinha
como forma de trabalho fundamental a escravidão’ e por estar ‘dentro da situação de
negação à ordem escravista, tinha de se defender constantemente da repressão dos
senhores’ (Moura, 1987, p.44).

Fonte: MOURA, Clóvis. Os quilombos e a rebelião negra. São Paulo, Brasiliense, 1987.

UNIDADE II O Negro no Brasil: Abolição e seu Legado 48


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mais uma Unidade chega ao fim. A abolição fora contemplada não pelos olhos
de princesas, mas a partir dos olhos dos negros brasileiros que foram escravizados ou
tiveram ancestrais escravizados para que através dessa abolição percebêssemos que
nossos espíritos não haviam sido emancipados junto com os negros. A abolição deu fim à
escravatura, mas, não ao racismo.
O racismo existe e está presente entre nós brasileiros. Herança da escravidão. Ele
permanece sorrateiro no Brasil. Se esconde, se camufla, se espreita, dentro da mentalidade
do Brasileiro que acredita que racismo é o que existe nos Estados Unidos, um racismo
explícito. O brasileiro não vê o preconceito racial explícito, portanto, considera-o não
existente ou de pouca relevância por aqui. Engana-se.
Para mostrar o equívoco do brasileiro à respeito das questões raciais, Oracy
Nogueira fora evocado para apresentar a diferença do preconceito racial nos EUA e Brasil
para que venhamos perceber, que, não importa se o racismo é de marca ou origem, é tudo
racismo.

UNIDADE II O Negro no Brasil: Abolição e seu Legado 49


Leitura Complementar

ANJOS, Rafael Sanzio Araújo dos. “As geografias oficial e invisível do Brasil: algumas refe-
rências”. Geousp – Espaço e Tempo (Online), v. 19, n. 2, p. 375-391, 2015. Disponível em:
http://www.revistas.usp.br/geousp/article/viewFile/102810/105686

Material Complementar

LIVRO
Título: Nem preto nem branco, muito pelo contrário: cor e raça na
sociabilidade brasileira
Autora: Lilia Moritz Schwarcz
Editora: Claro Enigma
Ano: 2013
Sinopse: No Brasil, a questão do preconceito racial é tão complexa que
parece desafiar a própria objetividade dos números. Em uma pesquisa
realizada em 1988, 97% dos entrevistados afirmaram não serem racistas,
mas 98% deles declararam conhecer alguém que fosse. E nem mesmo
as análises mais biológicas, que apostam num DNA fixo para a nossa
pele parecem resistir à ambiguidade das relações sociais brasileiras, já
que, como se diz popularmente, “preto rico no Brasil é branco, assim
como branco pobre é preto”. Nesse contexto, a determinação da própria
cor se torna critério tão subjetivo que em questionário recente do IBGE,
pautado na autoavaliação, foram detectadas mais de uma centena de
colorações diferentes de pele. Em “Nem preto nem branco, muito pelo
contrário”, a antropóloga Lilia Moritz Schwarcz revela um país marcado
por um tipo de racismo muito peculiar - negado publicamente, praticado
na intimidade. Para isso, volta às origens de um Brasil recém-descoberto
e apresenta ao leitor os primeiros relatos dos viajantes e as principais
teorias a respeito dos “bárbaros gentis”, desse povo sem “F, sem L e
sem R: sem fé, sem lei, sem rei”, teorias estas fundamentais para o leitor
moderno entender a complexidade de uma nação miscigenada e com
tantas nuances. Passando pelos modelos deterministas raciais de finais
do XIX, pelas teorias de branqueamento do início do século XX, depois
pelas ideias da mestiçagem dos anos 1930, ou de estudos que datam
da década de 1950, que queriam usar o “caso brasileiro” como propa-
ganda, pois acreditava-se que o Brasil seria um exemplo de democracia
racial, a autora nos mostra que, por trás do mito da convivência pacífica
e da exaltação da miscigenação como fator determinante para a cons-
trução da identidade nacional, na prática, a velha máxima do “quanto
mais branco melhor” nunca foi totalmente deixada de lado. Se por um
lado a autora traça um panorama histórico, por outro joga luz sobre as
sutilezas perversas do cotidiano. Seja na literatura, como no conto de
fadas “A princesa negrina”, em que os pais desejam ver a sua filha negra
transformada em garota branca, seja na boneca loira como modelo de
beleza, é também nos detalhes que a ideia de uma nação destituída de
preconceitos raciais cai por terra. Com um texto engenhoso e claro, este
ensaio, mais do que propor análises conclusivas, convida o leitor para
uma grande reflexão sobre a questão racial no país.

UNIDADE II O Negro no Brasil: Abolição e seu Legado 50


FILME/VÍDEO

Título: Ó pai ó.
Ano: 2007
Sinopse: O filme conta a história dos moradores de um animado
cortiço do centro histórico do Pelourinho em Salvador. Tudo se
passa no último dia do Carnaval, em meio a muita música, dança
e alegria. Até que Dona Joana, uma evangélica, incomodada com
a farra dos condôminos, decide acabar com a festa, fechando o
registro de água do prédio.
Embora contenha um tom de comédia, este filme revela um lado
desconhecido da cidade de Salvador, do seu carnaval e o con-
traste social. Toca em assuntos como violência, drogas, mídia,
preconceito e racismo.

WEB

Abolicionismo e fim da escravidão:


<https://www.youtube.com/watch?v=wgwM-5b6q5U&t=464s>

O Canal do Youtube Nerdologia apresenta o vídeo Abolicionismo e fim da escravidão em


que apresenta o movimento abolicionismo através do olhar nos negros abolicionistas, pois
pouco se sabe sobre os mesmos, uma vez que ao pensarmos em abolição, pensamos
imediatamente na Princesa Isabel e a Lei Áurea, sem pensar no abolicionismo como um
processo que durou várias décadas.

UNIDADE II O Negro no Brasil: Abolição e seu Legado 51


UNIDADE III
História e Cultura Indígena
Professor Especialista Cleber Henrique Sanitá Kojo

Plano de Estudo:
• Conceitos e Definições da história e cultura Indígena desde o início na visão eurocêntrica
e a lei 11.645/08.
• A cultura e a atividade socioeconômica das tribos indígenas.
• Breve histórico da religiosidade indígena e a aculturação imposta pelos portugueses, além
de sua influência ontem e hoje.
• Atualidade dos povos indígenas e de sua Cultura.

Objetivos de Aprendizagem:
• Conhecer a cultura indígena e sua influência na formação da sociedade brasileira.
• Conhecer a lei 11.645 de 11 de março de 2008 e sua importância para manutenção da
cultura indígena.
• Contextualizar todo o processo de colonização reconhecendo o etnocentrismo existente
ontem e hoje.
• Estabelecer a importância da cultura e da historiografia indígena na construção das iden-
tidades do povo brasileiro.
• Compreender os desafios da cultura indígena na sociedade atual.

52
INTRODUÇÃO

Seja muito bem-vindo(a)!

Prezado(a) educando(a), preste muita atenção. Pois se em você ocorreu um des-


pertar ou um fascínio sobre assunto desta disciplina, observando, lendo ou estudando as
unidades I e II, é o início de um grande desafio que vamos triunfar juntos. Proponho uma
construção conjunta sobre a História e Cultura dos primeiros moradores desse “Gigante
pela própria natureza”, nossa querida terra, uma terra próspera, cheia de riquezas naturais
e tão diversificada culturalmente, fazendo assim uma viajem temporal, desde a descoberta
do Brasil até a atualidade. Vamos explorar a lei 11.645 de 11 de março de 2008, comple-
mentando a lei 10.639 apresentadas nos capítulos anteriores. Vale ressaltar que iremos
verificar a visão eurocêntrica e os desafios de desmistificar essa ideia retrógada, devemos
assim elevar a história e a cultura indígena ao patamar que a mesma merece.
Dentro desse desafio, iremos conhecer muito além da lei 11.645, pois observare-
mos os seus impactos na sociedade, conhecendo assim um pouco da história e da cultura
indígena. Temos que exaltar os desafios de superar o etnocentrismo e mostrar o conceito
de “Índio” na sociedade atual. Vale destacar que vamos reconhecer a sociodiversidade indí-
gena, ou seja, reconhecer os direitos e as diferenças entre os povos os troncos linguísticos.
Ressalta-se ainda que não se deve desprezar o índio na historiografia brasileira, fazendo
assim uma comparação entre passado e presente, semelhanças e diferenças, entre várias
culturas que compõem esse povo.
Por fim, vamos conhecer a religiosidade indígena, descortinando toda beleza mís-
tica de sua fé, além da realidade atual de sua cultura.

Muito obrigado e bom estudo!

UNIDADE III História e Cultura Indígena 53


1. HISTÓRIA E CULTURA INDÍGENA

História e cultura indígena: o início na visão eurocêntrica e a lei 11.645

A Europa passou pelo processo de transição do período medieval para a idade


moderna e assim percebemos uma sociedade que estava se desenvolvendo e aprendendo
a incrível arte de acúmulo de capital, onde os homens transbordavam ideais modernos e
um espírito aventureiro, que foi repleto de inspirações renascentistas do antropocentrismo
(o homem como centro do universo), abandonando a ideia Teocêntrica (Deus no centro do
universo) e assim ocorre o desenvolvimento de técnicas surpreendentes no processo de
expansão da navegação, nascendo a “Navegação Ultramarina” (que atravessa o Oceano)
e abandonando a “Navegação de Cabotagem” (que contornava o continente). Vale ressal-
tar que esse desenvolvimento cultural levou em 12 de Outubro de 1492, a descoberta da
América pelo explorador Genovês Cristóvão Colombo que navegava representando os reis
Fernando de Aragão e Isabel de Castela, região que posteriormente passa a se intitular
“Espanha”, esse patrocínio dos reis, ajudou Colombo iniciar a exploração do território que
passou a se chamar São Salvador e posteriormente América, uma visão eurocêntrica,
desprezando assim os povos e culturas existentes nessas terras. Vale ressaltar que esse
desprezo pelo povo aqui existente se reflete no próprio nome que foi adotado e que repe-
timos até hoje, ou seja, os chamamos de índios, mesmo não sendo moradores das Índias.
O Reino de Portugal e Algarves que já dominava o continente africano através da

UNIDADE III História e Cultura Indígena 54


navegação de cabotagem e foi inspirado por Colombo que na viajem de volta errou o cami-
nho e passou em Portugal antes de seguir para a Espanha. Os portugueses possuíam um
espírito empreendedor e aventureiro, e assim parte para navegação ultramarina com uma
grande aventura que foi liderada por Pedro Alvares Cabral, chegando ao nosso território
em 22 de abril de 1500. Agora pense você que na América existia um número de aproxi-
madamente 100 milhões de índios, e, no Brasil existia cerca de cinco milhões de nativos
de várias tribos e de um variado tronco linguístico, como os tupi-guaranis que estavam na
região litorânea, macro-jê ou tapuias que se situavam na região do Planalto Central, os
aruaques ou aruak que se concentravam em sua grande maioria na região amazônica,
e, por fim os caraíbas ou karib que também estavam situados na mesma região. Quero
que você imagine esses povos indígenas. Será que possuíam cultura? Você acredita que
possuíam religião? Acredita que foi Justo o tratamento dispensado aos índios e a tudo
que construíram na sua terra? Espero que sua conclusão esteja em consonância com a
realidade que foi uma visão eurocêntrica onde ocorreu o desprezo da cultura existente dos
índios.
Quando os portugueses aqui chegaram, trouxeram consigo uma cultura própria
que os estabeleceram como descobridores, termo bastante debatido por estudiosos na
atualidade, pois como descobrir um local e um povo que ali já morava, tinha língua e cultura
própria. Vale ressaltar que na esquadra de Cabral havia um escrivão chamado Pero Vaz de
Caminha que redigiu uma carta ao Rei de Portugal relatando as novas terras descobertas,
suas impressões sobre esse território, e, o episódio marcante do desembarque e do primei-
ro contato entre índios e portugueses. Quero destacar a você a visão que os portugueses
tiveram dos índios, e para isso quero que observe abaixo um trecho da carta de Pero Vaz
de Caminha.
Ali veríeis galantes, pintados de preto e vermelho, e quartejados, assim pelos
corpos como pelas pernas, que, certo, assim pareciam bem. Também anda-
vam entre eles quatro ou cinco mulheres, novas, que assim nuas, não pare-
ciam mal. Entre elas andava uma, com uma coxa, do joelho até o quadril e a
nádega, toda tingida daquela tintura preta; e todo o resto da sua cor natural.
Outra trazia ambos os joelhos com as curvas assim tintas, e também os colos
dos pés; e suas vergonhas tão nuas, e com tanta inocência assim descober-
tas, que não havia nisso desvergonha nenhuma (BERUTTI, F.; FARIA, R.;
MARQUES, A., 2001).

Você pode perceber na carta aspectos importantes da cultura indígena, como a


pintura corporal e a nudez que para Caminha é algo chamado por ele de “inocência”. Além
de elencar aspectos culturais como o andar com suas “vergonhas” de fora, tão nuas. Vale
ressaltar que para os índios a nudez é algo tão natural como as próprias roupas para o co-

UNIDADE III História e Cultura Indígena 55


lonizador, que busca o ouro baseado no ideal do metalismo monárquico, onde se privilegia
o acúmulo de capital. Pode-se observar em outro trecho essa ideia essa nova ideia.

Nela, até agora, não pudemos saber que haja ouro, nem prata, nem coisa
alguma de metal ou ferro; nem lho vimos. Porém a terra em si é de muito bons
ares [...]. Porém o melhor fruto que dela se pode tirar me parece que será
salvar esta gente (BERUTTI, F.; FARIA, R.; MARQUES, A., 2001).

O ponto que você pode observar é o desprezo da cultura do povo “descoberto”, pois
não se preocupa em verificar se existe religião ou religiosidade entre os índios e aponta que
a salvação religiosa é necessária, ou seja, catequizar os índios, trazer a cristandade aos
“bárbaros de vergonhas de fora”.
Vale ressaltar que quero que você entenda o ponto onde os portugueses de-
monstram seu interesse econômico na nova terra e não se preocupa com os moradores
desse território. Vale destacar ainda que os índios são extremamente importantes para a
historiografia brasileira, ajudando assim a produzir essa miscigenação cultural que forma o
povo brasileiro, pois podemos entender melhor essa mistura cultural quando nós brasileiros
adotamos o hábito do banho diário, herdados dos Guaranis e não do colonizador. Outro
ponto destacado é que a carta do escrivão Pero Vaz de Caminha pode ajudar a desvendar
o processo aculturação indígena/colonizador.
Acredite na importância da carta de Caminha, pois assim podemos entender todo
o processo de colonização e a relação entre dominados e dominadores. Vale ressaltar que
no ano de 2005, a UNESCO, Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência
e a Cultura, reconheceu a importância da Carta de Pero Vaz de Caminha para memória,
isso dentro de um programa recente que tem como grande objetivo o reconhecimento de
documentos adotados como verdadeiros patrimônios em âmbito nacional e internacional,
facilitando assim a preservação e o acesso para narrar os povos e sua cultura, podendo
assim desenvolver em você um interesse e uma análise com semelhanças e diferenças
entre índios e portugueses, colonizados e colonizador.
Recentemente, em nosso país ocorreu a homologação da lei 11.645, para ser mais
exato, foi promulgada no dia 11 de março de 2008, alterando a Lei 9.394/1996 e por fim
complementando a Lei 10.639/2003, estabelecendo a partir dessa data nas diretrizes e
bases da educação nacional, a inclusão no currículo nacional, a obrigatoriedade do estudo
do tema “História e cultura afro-brasileira e indígena”. Assim, passamos a olhar e debater
outra visão do índio, e claro que é por isso que estamos debatendo esse conteúdo maravi-
lhoso e conhecendo nossas raízes.

UNIDADE III História e Cultura Indígena 56


Agora se mesmo assim você se perguntar se a lei 11.645/08 tem oportunizado e
funcionado o estudo da cultura indígena além da afro-brasileira?
A resposta seria um “SIM”, pois as instituições de ensino, a mídia, pessoas pas-
saram a observar e olhar de forma diferente as questões que envolvem o índio e sua
cultura. Se você parar para pensar, o meio acadêmico está repleto de estudos, seminários
e congressos sobre o tema, transbordando assim para a sociedade através de mídias e das
relações com essa cultura. Vale ressaltar que mesmo com desprezo e preconceito gerados
pela falta de conhecimento da cultura nativa em nossa sociedade, a lei acaba promovendo
uma interação cultural e assim evitando conflitos que possam acontecer, isso deve ocorrer
ao longo prazo, pois o processo ainda é lento e esses povos precisam ser conhecidos e
respeitados pela sociedade.
Em um contexto atual onde o governo propõe o corte de verbas aos cursos da área
humanas, a lei 11.645 afirma no artigo 26-A que:

Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio,


públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-
-brasileira e indígena.

§ 1º O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos


aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população
brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história
da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil,
a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da so-
ciedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econô-
mica e política, pertinentes à história do Brasil.

§ 2º Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos


indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar,
em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasi-
leiras.

Assim podemos afirmar que a discussão nas instituições educacionais sobre essas
duas culturas, principalmente a indígena, tem resgatado as grandes contribuições que
formaram nossa história, promovendo um pensamento crítico sobre esses povos, evitando
preconceitos e discriminação com um material didático renovado e com tolerância em sua
essência.

UNIDADE III História e Cultura Indígena 57


REFLITA
“Aqui, nesta Conferência, analisamos a sociedade brasileira nestes 500 anos de his-
tória de sua construção sobre os nossos territórios. Confirmamos, mais do que nunca,
que esta sociedade, fundada na invasão e no extermínio dos povos que aqui viviam, foi
construída na escravidão e na exploração dos negros e dos setores populares. É uma
história infame, é uma história indigna.”

Fonte: Documento final da Conferência dos Povos e Organizações Indígenas do


Brasil. Coroa Vermelha, Bahia, 21 de abril de 2000.

SAIBA MAIS
Nosso território foi chamado pelos europeus como Ilha de Vera Cruz, Terra de Santa
Cruz e por fim de Brasil. Vale ressaltar que o nome atual é devido à primeira riqueza en-
contrada para exploração em nosso país, o chamado Pau-Brasil, uma árvore que servia
para os portugueses construir móveis, embarcações e principalmente para tingir roupas,
pois o mesmo solta uma coloração avermelhada como brasa de fogo.
No entanto, muito antes desses nomes escolhidos pelo explorador, esse território tinha
um nome adotado pelos moradores (índios) que era PINDORAMA, que em tupi-guarani
era: “ou pindó-retama”, “terra/lugar/região das palmeiras”, ou seja, o primeiro nome
do Brasil foi Pindorama devido a suas riquezas naturais.

UNIDADE III História e Cultura Indígena 58


2. História e cultura indígena: a cultura e a atividade socioeconômica das
tribos

A grande aventura histórica que estamos vivendo nessa disciplina inicia-se quando
você percebe aos poucos que estamos conhecendo e retomando a vida e cultura indígena
no Brasil do antes e depois, do passado e do presente, ou seja, vamos relacionando os
acontecimentos e a cultura com a atualidade dos mesmos. Vale ressaltar que agora você
vai conhecer a vida em sociedade do índio, pois assim que ocorreu a chegada do Portu-
guês, percebemos que nossos índios viviam em uma sociedade quase que pré-histórica,
pois os mesmos viviam basicamente da caça, da pesca e da agricultura de milho, feijão,
amendoim, batata-doce e principalmente a chamada de mandioca. Vale ressaltar que, para
que ocorresse a prática dessa agricultura, os índios faziam a técnica da “Coivara”, que era
basicamente a derrubada de mata e queimada para limpar o solo para o plantio, fazendo
assim uma limpeza no território para que se pudesse produzir e trabalhar na terra. Vale
destacar ainda que os índios também praticavam o chamado “Couvade”, onde o homem
acompanhava sua esposa durante todo o período do resguardo dentro da “Oca” (casa)
ajudando e auxiliando nos cuidados do recém-nascido.
Nas tribos indígenas existia uma divisão de trabalho por sexo, ou seja, trabalho
dividido entre homens e mulheres. A caça, a pesca, as habitações, o preparo da terra para o
plantio e a proteção da aldeia ficavam a cargo dos homens, já coleta de frutos, a agricultura,
o cuidado das crianças ficava a cargo das mulheres.
Além disso, os índios domesticavam pequenos animais como capivaras e porco
do mato. Servia tanto para convivência tribal como para a alimentação. Talvez você se
pergunte o porquê de não domesticar animais como cavalos e galinhas, e, a resposta é
simples: O cavalo e a galinha vieram para cá com a chegada dos europeus. Vale destacar
que na Carta de Pero Vaz Caminha (1500) é descrito o espanto que os índios ficaram ao
entrar em contato com uma galinha pela primeira vez, sem dúvidas foi o mesmo espanto
que o europeu teve ao ver as Araras coloridas.
Nas tribos indígenas a propriedade tribal é de uso coletivo e o trabalho tem um papel
sagrado, onde os mesmos produzem arcos, flechas, redes de pesca entre outros, e esses
mesmo sendo de propriedade de cada indivíduo servem para suprir as necessidades de
todos os membros da tribo, e, o mais importante que não existia uma competição entre os
mesmos, pois se sabe da coletividade e da união dos membros tribais. O trabalho indígena
gira em torno da sua subsistência e o mesmo entra no aspecto sagrado da natureza, onde
os mesmos retiram a quantidade necessária sem destruir o seu ser maior onde começa sua

UNIDADE III História e Cultura Indígena 59


religiosidade.
Mas como será essa religiosidade? Você conhece alguma cerimônia indígena?
Será que os índios mantem sua religiosidade ou sofreram com o processo de aculturação?
Iremos ver conhecer e desfrutar no próximo tópico.

SAIBA MAIS
“Nós, povos indígenas do Brasil, percorremos um longo caminho de reconstrução dos
nossos territórios e das nossas comunidades. Com essa história firmemente agarrada
por nossas mãos coletivas, temos a certeza de que rompemos com o triste passado e
nos lançamos, com confiança, em direção ao futuro.”
Fonte: Documento final da Conferência dos Povos e Organizações Indígenas do
Brasil. Coroa Vermelha, Bahia, 21 de Abril de 2000.

UNIDADE III História e Cultura Indígena 60


3. História e cultura indígena: a religiosidade indígena e a aculturação imposta
pelos portugueses

A religiosidade indígena está presente a milhares de anos atrás, pois foi encontrado
vestígios arqueológicos de rituais e cerimônias de sepultamento ou uma espécie de mumi-
ficação / defumação de corpos na América, além de sacrifícios humanos na américa central
acima. Vale ressaltar que no Brasil atual existe uma religião intitulada de Santo Daime,
que absorve, que tem uma miscigenação de várias religiões, do espiritismo ao catolicismo,
mas o que chama a atenção de seus seguidores é o chamado “Ayahuasca”, que na língua
quéchua, “aya” significa “espírito ou ancestral” e “huasca” significa “vinho ou chá, ou seja,
“chá dos espíritos”, uma bebida indígena das tribos amazônicas que provoca alucinações.
Vale ressaltar que a primeira descrição histórica sobre o consumo desse chá
no ano de 1855, por Richard Spruce, onde percebe-se uma formação interessante para
produção desse chá, que é realizado pela folha de uma planta chamada Chacrona que
possui a propriedade alucinógena, no entanto, se a consumirmos pura não ocorre o efeito,
pois é provado cientificamente que o corpo humano tem uma enzima que destrói essa
propriedade, mas não se sabe como os índios descobriram que se misturassem a folha da
Chacrona com o cipó chamado Jagube chegariam a um chá alucinógeno, pois cientistas
provaram que o cipó tem propriedades que destroem as enzimas e com isso temos esse
chá comercializado na atualidade, seja em folhas, cipó e mudas das plantas que podem ser
encontradas facilmente na internet, pois se for para fins religiosos é permitido a venda e o
consumo no Brasil. Outro ponto a ser ressaltado que existem estudos iniciais que apontam
que o consumo do chá do Ayahuasca pode ser utilizado para tratamentos de depressão,
pois o mesmo ativa áreas do cérebro que estão relacionados a atividade e ação do indivíduo.
Outra cerimônia religiosa realizada pelos índios brasileiros e apresentada para gru-
pos de visitantes em aldeias Kaingang, é a cerimônia do Kikikói, onde os índios recebem os
turistas e explicam todo o processo, desde o funcionamento até o consumo do Kiki ao tér-
mino. A cerimônia começa com a divisão dos Kingang em dois grupos que representará os
seus ancestrais intitulados Kamé e Kayrucré. Vale destacar que após a divisão ocorre uma
sequência de rituais com cantos, danças, rezas representando os espíritos dos ancestrais
mortos e expondo o caminho que seguiram, além de pedirem proteção para a aldeia contra
as doenças, pois os mesmos acreditam que os ancestrais os protegem, assim como os
católicos acreditam na proteção dos anjos e santos. Vale ressaltar que durante os dias da
cerimônia do Kikikói, os índios adentram na mata, escolhem uma árvore passando a cantar,

UNIDADE III História e Cultura Indígena 61


dançar em torno da mesma, além de rezar para somente depois cortá-la e arrastá-la para o
centro da aldeia, passando a cavar o meio da árvore, produzindo uma espécie de “cocho”
onde colocam folhas de plantas nativas, além de milho, água e mel, passando assim a socar
os mesmos no cocho como em um pilão, sempre cantando, dançando, rezando com uma
beleza incomparável até que a bebida do cocho passe a se fermentar, assim tornando-se
uma bebida alcoólica intitulada de Kiki, e, por fim a bebida é consumida entre todos no
último dia de cerimônia. Vale ressaltar que o consumo do Kiki representa o encontro entre
dois mundos, o humano e o espiritual.
A religiosidade indígena também gira em torno da natureza, assim como explica o
índio Kaká Werá Jacupé em seu livro A terra dos mil povos de 1998:
Em essência, o índio é um ser humano que teceu e desenvolveu sua cultura e
civilização intimamente ligado a natureza. A partir dela elaborou suas tecnolo-
gias, teologias, cosmologias, sociedades que nasceram e se desenvolveram
de experiências, vivências e interações com a floresta, cerrado, rios, monta-
nhas e as respectivas vidas dos reinos animais, mineral e vegetal.

Mesmo com sua religiosidade demonstrada em toda sua história, gestos, pinturas
corporais, o índio passou por um processo de aculturação onde ocorre o desprezo de sua
ligação com a natureza e impõe a religião europeia herdada do período medieval. Sabemos
que o Catecismo e Ordem jesuíta liderada por Inácio de Loyola, nasceram no contexto da
contrarreforma e refletiu-se no Brasil, pois de sua descoberta a esquadra de Cabral já era
acompanhada pelo “exército de cristo”, que por sua vez começou o processo de evan-
gelização dos índios, liderado por José de Anchieta os Jesuítas passaram a aculturar os
nativos, ensinando-lhes também a cultura europeia com a intenção de aproximar o território
brasileiro do território português, pois assim facilitariam o processo colonial e criariam um
abismo entre a fé católica e a crescente fé protestante.
Os Jesuítas procuravam ensinar aos nativos o hábito do trabalho diário, ensinava
também a língua portuguesa, a religião, trocando assim experiências, e, por fim os pa-
dres conheciam a cultura e a religião do nativo, que mesmo a desprezando a utilizava
na aculturação religiosa e política, pois com essa estreita relação os padres conheciam
o território e suas riquezas, facilitando assim a exploração portuguesa. Vale ressaltar que
com esse processo de aculturação dos índios temos o nascimento de uma cultura nacional,
ou seja, graças a isso nasceu à chamada “cultura brasileira”. Vale destacar que com o
nascimento da cultura brasileira a cultura indígena praticamente desaparece, nascendo o
que nós chamamos de folclore, além da absorção de hábitos alimentares que se reproduz
na atualidade, ou seja, a cultura indígena e uma parte integrante da identidade brasileira.

UNIDADE III História e Cultura Indígena 62


REFLITA
A Religiosidade indígena mesmo com tanta riqueza acaba sendo miscigenada com a
cristandade que foi absorvida pelos nativos que chegaram a morrer de doenças oriun-
das do homem Branco:

“Os índios Paranaobí, que foram buscados por tantos anos (…) desceram para a igreja.
Viviam 130 léguas metidos pelo sertão (…). Postos a caminho, começaram a sentir os
trabalhos rigorosos e os perigos deles [os rios encachoeirados). Até que enfim chega-
ram todos com saúde e alegria na Aldeia dos Reis Magos. Mas como acharam esta
aldeia infestada de bexigas, ateou a peste delas nos novamente chegados e pouco a
pouco começaram a morrer.”
Fonte: Padre Antônio Vieira, missionário jesuíta, 1624-1625

UNIDADE III História e Cultura Indígena 63


4. História e cultura Indígena: atualidade dos povos indígenas e de sua cultura

Após séculos de exploração dos nativos brasileiros pelos portugueses, além do


genocídio praticado pelo colonizador e posteriormente pelos brasileiros que aqui nasceram
oriundos da Europa, os indígenas lutam diariamente para manter sua cultura viva, pois
discriminamos os mesmos desde a nomenclatura que damos aos mesmos, ou seja, os cha-
mamos de índios mesmo não sendo nativos da índia, até mesmo quando declaramos que
a língua oficial do Brasil é o Português e a deles é um simples dialeto. Vale ressaltar que a
cultura indígena é rica mesmo sendo considerada atualmente como folclore, onde a grande
maioria da população brasileira a despreza, pois erroneamente dizemos que os índios são
preguiçosos, sem considerar que o mesmo cultua a terra como sagrado e não se preocupa
em desenvolver a agricultura, pois ela retira o necessário da mesma. Vele destacar que a
luta indígena pela terra ocorre diariamente, pois em vários pontos do país existe intenso
conflito com produtores rurais que avançam sobre a terra demarcada, sem falar na bancada
ruralista que defende no congresso nacional uma nova demarcação diminuindo o território
indígena e aumentando a área agricultável do país com a derrubada de parte da floresta.
O erro em declarar que o índio é indolente e preguiçoso não é tão atual, pois
desde a colonização alguns historiadores afirmaram isso analisando simplesmente o ato do
índio se suicidar, preferindo a morte que a escravidão, pois vale destacar que isso é uma
característica cultural e que deveria ser respeitada e até contemplada em uma sociedade
exploradora e genocida como a colonizadora portuguesa.

UNIDADE III História e Cultura Indígena 64


Na atualidade algumas pessoas ainda classificam o índio como indolente e pre-
guiçoso como o próprio vice-presidente da república, General Hamilton Mourão, na época
em campanha eleitoral, para ser mais exato sua fala ocorreu em uma segunda feira, dia
06 de agosto de 20018. Vale destacar que essa declaração foi realizada em uma reunião
na Câmara de Indústria e Comércio de Caxias do Sul, na serra gaúcha. As palavras foram:

E o nosso Brasil? Já citei nosso porte estratégico. Mas tem uma dificuldade
para transformar isso em poder. Ainda existe o famoso ‘complexo de vira-lata’
aqui no nosso país, infelizmente”, disse Mourão. “Essa herança do privilégio
é uma herança ibérica. Temos uma certa herança da indolência, que vem da
cultura indígena. Eu sou indígena. Meu pai é amazonense. E a malandragem.
Nada contra, mas a malandragem é oriunda do africano. Então, esse é o
nosso ‘cadinho’ cultural.”
Fonte: REVISTA VEJA / GLOBO.COM, agosto de 2018.

Como apresentado acima é uma declaração errônea, pois contraria inclusive a es-
sência das leis 10.639/03 e 11.645/08 que abordamos em todo nosso processo de ensino/
aprendizagem da disciplina. Vale ressaltar que esse pensamento faz parte do senso comum
de um grande número de brasileiros, podendo ser até mesmo você antes de conhecer e
estudar essas leis e essa disciplina. Outro ponto ressaltado é que esse pensamento de
senso comum se faz presente até mesmo por desconhecimento que o índio dedica grande
parte do seu tempo a atividades consideradas sem importância como o cuidado com o
corpo, o convívio familiar e as atividades na floresta. Vale ressaltar que o documentário
Índio Presente de foi ao ar no dia 27/04/2008 ás 05:30 na TV Brasil, com produção: Amazon
Picture e dirigido por Bruno Villela e Sérgio Lobato afirma:
Em Mato Grosso do Sul, os Guarani-Kaiowa refletem sobre a importância do
Bem Viver, ou teko porã, que exprime uma vida pautada pela reciprocidade,
benevolência e a generosidade. Em Rondônia, os Suruí apresentam as dinâ-
micas de manejo do território que emergem no diálogo entre o modo de vida
tradicional e as novas estratégias de gestão do seu território.

Atualmente, os índios brasileiros são tão desprezados culturalmente com suas


terras tomadas por ruralistas que com apoio de ONGs (organizações não governamentais),
criaram a Plataforma “Caci”, que promove levantamentos do número de assassinatos de
indígenas ocorridos no Brasil nas últimas décadas em conflitos por terra. Vale ressaltar que
a palavra Caci para o homem branco tem o significado de “Cartografia de Ataques Contra
Indígenas”, já na língua Guarani significa “DOR”, ou seja, a dor de perder irmãos na disputa
por terras que por direito e por lei pertencem aos índios.
Uma das críticas atuais sobre o índio é sua presença nas cidades praticando a
venda de seus artesanatos, onde os pais adultos ficam produzindo na calçada e as crian-
ças vendendo nos sinais de trânsito. Você já presenciou isso? Provavelmente sim. Para

UNIDADE III História e Cultura Indígena 65


compreendermos esse fato temos que pensar um pouco e responder a perguntas abaixo:

Então pergunto a você para uma reflexão:

• Será que é a maioria dos índios que estão vendendo seu artesanato nos sinais?
• Será que querem estar naquele local, passando por humilhações, fome, sede e
exposição ao perigo eminente do trânsito e do roubo e assaltos?
• O que você fez quando presenciou ou quando presenciar a cena?
• Onde está sua cultura se está inserido no processo de aquisição de capital,
dinheiro?

Pois é! Perguntas que mexem com nosso conhecimento prévio, ou conhecimento


preconceituoso, em relação a essa crítica. Vale ressaltar que acredito que essa reflexão
ocorreu em você devido ao estudo desse componente curricular. A mente vai abrindo e
vamos abrindo os olhos para um problema que vai além do simples fato da venda cidades,
em sinais de trânsito.
O índio atual tem a necessidade de se adaptar à sociedade capitalista para que
consiga sobreviver na selva de pedra, onde uma grande parte não retorna a suas aldeias
e outros que retornam totalmente dependente do uso de álcool, provocando discórdia e
conflitos entre os nativos que tentam resguardar o que restou de sua cultura.
Outro ponto muito criticado em relação aos povos indígenas na atualidade é quando
os mesmos abordam motoristas cobrando pedágios para que ocorra o trânsito em rodovias
que cortam as terras indígenas. Vale ressaltar que assim como o caso do artesanato o
assunto é complexo, pois precisamos compreender a vida dos indígenas e o próprio papel
exercido pela FUNAI, que tenta proteger os índios mesmo quando essas rodovias cortam
territórios demarcados como terra indígena, pois nesse caso o que precisa realmente é
uma discussão de políticas públicas e politicas indígenas, para evitar o conflito e para que
o homem branco possa ir e vir de acordo com a rodovias que não deveriam cortar terras
indígenas.
Alguns índios afirmam que a venda de artesanato nas cidades pode disseminar a
cultura indígena que anda repreendida e adormecida no pequeno espaço que restou, mas
pode-se afirmar que a tentativa de vender seu artesanato nas cidades não é uma boa ideia,
pois estudos afirmam que quanto maior é a convivência com os homens brancos, maior o
risco de se perder suas tradições, e, isso ocorre desde o início da colonização.

UNIDADE III História e Cultura Indígena 66


REFLITA

“Enquanto o Brasil real não assumir, com a devida lucidez e honestidade, sua trajetória
indígena e indigenista-antindígena secularmente, na política oficial-este país, pluricul-
tural, pluriétnico, plurinacional, não estará em paz com sua consciência, ignorará sua
identidade e carregará a maldição de ser oficialmente-etnocida, genocida, suicida.”
Dom Pedro Casaldáliga, bispo de São Félix do Araguaia

UNIDADE III História e Cultura Indígena 67


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Caro acadêmico(a), chegamos ao final dessa unidade e, no decorrer dela, con-


templamos diversas temáticas sobre a relação cultural colonizador/colonizado, ou seja,
Português/Índio/nativo desde o início de nossa história até a atualidade. Você consegue
se lembrar? Espero que nesse momento do processo de ensino/aprendizagem você esteja
encantado ou fascinado pela cultura indígena, pois tivemos uma construção conjunta sobre
a História e Cultura dos nativos brasileiros, podendo assim compreender a construção da
identidade brasileira com a influência indígena em todo o processo de evolução de nosso
povo. Vale ressaltar que assim entendemos a importância da lei 11.645 de 11 de março
de 2008 para a compreensão e manutenção da cultura indígena em um país que ainda
despreza a cultura e a influência dos nativos em nosso processo civilizatório e principal-
mente na sociedade moderna, onde um grande número de cidadãos de bem os veem com
preguiçosos e indolentes.
Você conheceu e entendeu que vamos enfrentar um desafio cotidiano na supera-
ção do etnocentrismo que vem de longa data. Demonstramos que a religiosidade indígena
está presente em cerimônias atuais e que essa mesma religiosidade, por muitas vezes, é
considerada indolência por brasileiros desinformados de sua cultura.
Acredito que ao ver e ler trechos de documentos históricos sobre o índio acarretou
em você uma compreensão do papel fundamental dos nativos na formação de nossa so-
ciedade.
Por fim, quero agradecer você por esse tempo de estudos que passamos juntos e
com a certeza que o conhecimento adquirido da sociedade e cultura indígena vai promover
em você uma corrente de expansão dessa cultura, pois durante o processo foi descortinado
toda beleza e riqueza desse povo.
Enfim, sucesso e nos vemos no próximo capítulo.
Obrigado!

UNIDADE III História e Cultura Indígena 68


Leitura Complementar (WEB)

MUNANGA, Kabengele (Org.). Superando o Racismo na Escola. Brasília: Ministério da


Educação.Secretaria de Ensino Fundamental. 2000.Disponível em: http://portal.mec.gov.
br/secad/arquivos/pdf/racismo_escola.pdf

Material Complementar

LIVRO
• Título: “A carta de Pero Vaz de Caminha” – Comentado por
Douglas Tufano.
• Autor: TUFANO, Douglas.
• Editora. Moderna; Edição: 1 (1 de janeiro de 1999)
• Sinopse: Edição comentada e ilustrada da carta de Pero Vaz
de Caminha ao rei de Portugal por ocasião do “achamento” do
Brasil. Texto integral reescrito em português contemporâneo. O
projeto objetiva comemorar os quinhentos anos do descobrimento
oferecendo ao aluno de primeiro grau cujo currículo prevê a
leitura da carta e ao público em geral um texto de compreensão
acessível. Informações subsidiárias como fotos mapas e ilustrações
complementarão as notas ao texto.

LIVRO
• Título: ADORADORES do SOL : Reflexões sobre a Religiosidade
indígena. Coleção: Subsídios Pedagógicos.
• Autor: Lucio Paiva Flores.
• Editora. Vozes, 2003.
• Sinopse: O livro descortina a riqueza, beleza e magia da
religiosidade indígena, misteriosa e milagrosamente preservadas
ao longo desses 500 anos. São experiências vivenciadas dentro
de aldeias, entre diversos povos, participando de diferentes rituais,
com o olhar, a alma e o sangue de um índio.

UNIDADE III História e Cultura Indígena 69


LIVRO
• Título: “BRASIL: Terra a vista”.
• Autor: BUENO, Eduardo.
• Editora. L&PM EDITORES.
• Sinopse: BUENO, EDUARDO, especialista em história colonial
brasileira, inova o modo de contar o passado do nosso país neste
Brasil: Terra à vista! A aventura ilustrada do Descobrimento. A
expedição de Pedro Álvares Cabral, a carta de Pero Vaz Caminha,
o primeiro contato com os indígenas da costa litorânea brasileira,
a importância do legado de Bartolomeu Dias, Américo Vespúcio e
Vasco da Gama para esta empreitada, a relevância que o Brasil
adquiriu para a coroa portuguesa após sua descoberta e todo
o contexto histórico do Descobrimento são abordados de modo
atrativo nesta narrativa. Seguro de que conhecer a História é uma
viagem emocionante, o escritor e jornalista domina o leitor com
uma prosa tão instigante quanto direta e informativa, destrinchando
detalhes técnicos como informações geográficas, de navegação,
etc. e explicando causas e conexões que fizeram história, mas que
muitas vezes passam batido nos livros de história. Em Brasil: Terra
à vista!, datas, personagens e acontecimentos são humanizados,
para que possamos nos colocar no lugar daquelas pessoas que, no
porto de Lisboa, entravam em um navio sem saber se retornariam:
o autor perscruta a mente do grumete que primeiro avistou a costa
brasileira e pergunta-se o que passou na cabeça do indígena
que avisou aos seus companheiros da aproximação de uma
fortaleza flutuante. O leitor sairá desse livro totalmente ilustrado
com desenhos de VASQUES, EDGAR , mapas, infográficos
explicativos e retratos históricos entendendo questões cruciais
da nossa história, como por quê a busca por especiarias orientais
foi um móvel tão importante e a razão da supremacia portuguesa
nos mares dos séculos XV e XVI. BUENO, EDUARDO é autor,
entre outros, dos livros A viagem do Descobrimento, Náufragos,
traficantes e degredados e Capitães do Brasil.

FILME/VÍDEO
• Título. O Descobrimento do Brasil.
• Ano. (1937).
• Diretor: Humberto Mauro.
• Roteirista: Humberto Mauro.
• Sinopse. Clássico do cinema nacional que narra a chegada do
navegador português Pedro Alvares Cabral ao Brasil. Uma das
características do filme foi a reconstituição, em tamanho natural, da
nau capitânia de Cabral, construída dentro dos estúdios da Cinédia.
Já as miniaturas foram feitas por José Queiroz, que anteriormente
desenvolveu o mesmo trabalho técnico em ‘Bonequinha de Seda’.

UNIDADE III História e Cultura Indígena 70


FILME/VÍDEO
• Título. 1492 A Conquista do Paraíso.
• Ano. (1992).
• Diretor: Ridley Scott.
• Sinopse. Vinte anos da vida de Colombo, desde quando se
convenceu de que o mundo era redondo, passando pelo empenho
em conseguir apoio financeiro da Coroa Espanhola para sua
expedição, o descobrimento em si da América, o desastroso
comportamento que os europeus tiveram com os habitantes do
Novo Mundo e a luta de Colombo para colonizar um continente
que ele descobriu por acaso, além de sua decadência na velhice.

FILME/VÍDEO
• Título. THE MISSION: A Missão.
• Ano. (1986).
• Diretor: Rolland Joffé.
• Roteiro: Robert Bolt.
• Sinopse. No final do século XVIII Mendoza (Robert De Niro), um
mercador de escravos, fica com crise de consciência por ter ma-
tado Felipe (Aidan Quinn), seu irmão, num duelo, pois Felipe se
envolveu com Carlotta (Cherie Lunghi). Ela havia se apaixonado
por Felipe e Mendoza não aceitou isto, pois ela tinha um relacio-
namento com ele. Para tentar se penitenciar Mendoza se torna
um padre e se une a Gabriel (Jeremy Irons), um jesuíta bem in-
tencionado que luta para defender os índios, mas se depara com
interesses econômicos.

UNIDADE III História e Cultura Indígena 71


UNIDADE IV
Relações Étnico-Raciais e
Direitos Humanos
Professor Especialista Cleber Henrique Sanitá Kojo

Plano de Estudo:
• Conceitos de raça-etnia, cultura e inclusão.
• Formas / Desenvolvimento de socialização no mundo moderno e na sociedade brasileira.
• As perspectivas da inclusão na atualidade.
• A minoria na sociedade e formas de inserção social.
• Direitos humanos e a exclusão social.

Objetivos de Aprendizagem:
• Conhecer a definição dos conceitos de raça, étnico e etnia;
• Definir cultura em suas diferentes possibilidades de conceituação.
• Relacionar o conceito de cultura com sua função na constituição das identidades.
• Compreender o processo etimológico que deu origem a palavra cultura e como se deu a
transformação de seus significados durante a história.
• Perceber os sentidos que a ideia de cultura adquiriu e sua relação com as teorias evolucionistas
do século XIX, que procuravam identificar e estabelecer critérios de classificação para os
diferentes grupos humanos;
• Conhecer o determinismo como uma corrente de pensamento destinada a pensar as raças
humanas, sua origem e evolução, além de compreender suas derivações geográfica e
biológica;
• Perceber o processo histórico de “estranhamento” entre os povos de diferentes origens
étnicas;
• Compreender o surgimento e difusão do conceito de raça durante o século XIX. Analisar as
implicações dessas teorias sobre a vida das pessoas.
• Entender os princípios básicos de algumas dessas teorias e suas possíveis aplicações
sociais;
• Compreensão de duas correntes de pensamento fundamentadas na Biologia, mas que
tiveram desdobramentos políticos, administrativos e sociais: a eugenia e o darwinismo social;
• Analisar a composição étnica da sociedade brasileira, tendo como referência o estudo
produzido por Von Martius sobre a contribuição das três grandes raças fundadoras na
nacionalidade brasileira;
• Perceber a mudança de paradigma sobre o conceito de raça durante o século XX, com
atenção às mudanças científicas que colaboraram para essa reorientação sobre os estudos
étnico-raciais;
• Apresentar alguns grupos minoritários e ações que são realizadas para a inclusão e
cidadania.

72
INTRODUÇÃO

Seja muito bem-vindo (a)!

Prezado (a) educando (a), nos encontramos em unidades anteriores e realizamos


uma viajem sobre as leis 10.639 e 11.645. Agora preste muita atenção, pois acredito que
estamos seguindo o caminho correto para que você compreenda o capitulo a seguir.
No mundo atual ocorre um debate constante em torno de um tema conhecido como
“raça e etnia”, e é uma das discussões que envolve toda sociedade contemporânea. So-
bretudo porque este assunto está no centro dos conflitos internos e externos de diferentes
países. Vale ressaltar que isso pode ocorrer por conflitos étnicos, por exclusão social ou
simplesmente por questões étnicas ou discriminatórias de grupos que ainda tem a ideia
retrógada do etnocentrismo.
Aqui em nosso país, negros e índios, povos andinos entre outros, já nos EUA, tanto
negros como latinos enfrentam o mesmo problema. Mas para que a compreensão do tema
ocorra você precisa conhecer esses conceitos e procure entender esse problema para
iniciarmos uma discussão sobre o tema.
Para iniciarmos o debate você tem que saber que o conceito de raça está intima-
mente relacionado a questão biológica, ou seja, estão ligadas as diferenças de caracterís-
ticas físicas que existe entre determinados grupos de um determinado povo. Você pode
compreender melhor quando falo de raça a questão da cor da pele, tipo de cabelo, ou
ancestralidade. Já o conceito de Etnia está relacionado a uma determinada cultura, ou
seja, os costumes, a língua pertencente a um determinado povo, assim temos um despertar
nos indivíduos de um sentimento de pertencimento aquela determinada área ou determi-
nada etnia. Agora se você quer compreender melhor as questões étnicas é só realizar
uma pequena viagem ao mundo cibernético, noticiários televisivos e acompanhar inúmeros
exemplos que de conflitos entre grupos étnicos que vivem em disputa política por territórios
ou por questões religiosas. Você pode se lembrar de um caso recente em um reality show
de nosso país (B.B.B) que um dos participantes era refugiado em nosso território devido a
uma guerra em seu país.
Usando esses conceitos como um caminho norteador você pode analisar a situa-
ção de alguns setores de nossa sociedade como negros e índios e começar a compreender

UNIDADE IV Relações Étnico-Raciais e Direitos Humanos 73


a disputa étnica e todo seu processo discriminatório. Assim você perceberá que vivemos
em uma sociedade com muitas raças e etnias e que buscamos se adequar e valorizar as
diferenças desse território cheio de riquezas naturais e de um povo e de uma cultura tão
miscigenada, pois em nosso país temos loiros, pardos, morenos, pessoas altas e baixas,
com estatura baixa, outros com estatura alta, assim uma parte da sociedade veem essas
diferenças com curiosidade ou preconceito.
Mas podemos estender esse debate também sobre discriminação e direitos as
pessoas que possuem deficiência física, pois as mesmas enfrentam uma sociedade des-
preparada e em parte preconceituosa, por isso precisamos falar de diversidade e inclusão.
Então vamos iniciar uma viagem bem critica nesse capitulo onde ao final você vai
possuir uma visão ampla sobre Raça, Etnia, Discriminação, Diversidade e Inclusão.

Muito obrigado e bom estudo!

UNIDADE IV Relações Étnico-Raciais e Direitos Humanos 74


1. O QUE É ETNIA E CONCEITO DE CULTURA.

Podemos afirmar que a humanidade evoluiu e superou alguns conceitos ou precon-


ceitos existentes em diferentes povos, assim você deve analisar o passado e compreender
o futuro, pois sabemos que por muito tempo os tipos físicos humanos representavam raças
específicas, com características próprias, pois olhávamos os brancos, negros, amarelos
e pensávamos que não era só um tipo físico e sim um todo, com culturas especificas e
associávamos ao que chamamos de “raças”.
No entanto, esse processo de evolução nos proporcionou o aparecimento das
ciências humanas e sociais, como a Sociologia e a Antropologia e assim começamos a
estudar toda a humanidade e compreendemos que tudo nasce de seus indivíduos e de
grupos sociais que a formaram, e, com isso, temos o aparecimento do conceito de “etnia”.
Vale ressaltar que esses estudos iniciam um debate sobre as lutas sociais e políticas de
uma determinada raça, como por exemplo, a luta do movimento negro que culmina nas
cotas raciais. Vale destacar que até hoje se discute a validade dessa conquista sem viajar
nos conceitos e nas ciências que levaram as lutas e as vitórias de movimentos raciais.
Vamos começar conhecendo a palavra etnia, que tem sua origem na palavra grega
“éthnos” que significa “povo”, e por sua vez era utilizada para apontar os povos estrangei-
ros, os povos que não pertencia à cultura grega. Muito tempo depois, temos essa palavra
no vocabulário do latim, onde seu significado levava as pessoas que não praticavam o
cristianismo, ou seja, era associada aos “pagãos”. Assim podemos afirmar que etnia está

UNIDADE IV Relações Étnico-Raciais e Direitos Humanos 75


relacionada ao diferente, ao estrangeiro, aos povos diferentes.
Agora leia abaixo a definição de Raça e Etnia retirada do dicionário Aurélio:

Raça: s.f. Categorização que pretende classificar os seres humanos, pautan-


do-se em caracteres físicos e hereditários. Grupo de...
Etnia: Substantivo feminino. Coletividade que se diferencia por suas especifi-
cidades (cultura, religião, língua, modos de agir etc.), e que possui a mesma
origem e história; grupo étnico: etnia cigana.
[Pejorativo] Termo comumente usado para se referir à semelhança biológica,
às pessoas que compartilham a mesma raça.

Se você ler com atenção as definições, perceberá que as mesmas apresentam a


ideia de um grupo que compartilha alguns códigos sociais como exemplo a cultura. Mas
você conhece o conceito de cultura? Ou seja, para completar o conhecimento de Raça e
etnia temos que conhecer o conceito de cultura. Assim podemos afirmar sociologicamente
que o conceito de cultura é tudo que os homens aprendem em contato social, e absorvem
ao longo de sua convivência, além de refletir nessa relação todo o aprendizado que tem
como característica a linguagem, as roupas entre outros.
Podemos entender melhor a definição de cultura em Willian Raymond, 2000.

No uso mais geral, houve grande desenvolvimento do sentido de “cultura”


como cultivo ativo da mente. Podemos distinguir uma gama de significados
desde (i) um estado mental desenvolvido - como em “pessoa de cultura”,
passando por (ii) os processos desse desenvolvimento - como em “interesses
culturais”, “atividades culturais”, até (iii) os meios desses processos - como em
cultura considerada como “as artes” e “o trabalho intelectual do homem”. Em
nossa época (iii) é o sentido mais comum, embora todos eles sejam usuais.
Ele coexiste, muitas vezes desconfortavelmente, com o uso antropológico e
o amplo uso sociológico para indicar “modo de vida global” de determinado
povo ou de algum outro grupo social. (RAYMOND, 2000, p. 11).

Assim podemos afirmar que cultura é adquirida também através de demonstrações


de um povo como por exemplo, as artes, a literatura, o cinema ou qualquer trabalho intelec-
tual. Enfim, tudo é e pode ser associado à ideia de cultura.
Mas como surgiu a palavra cultura? Assim como a palavra etnia tem sua raiz, a
palavra cultura também tem, mas como uma diferença, pois ela é a junção de dois termos
da atualidade. Vale ressaltar que o primeiro é Kultur, de origem germânica, que tem o signi-
ficado de “reunião de todos os aspectos espirituais de uma determinada comunidade”. Vale
destacar ainda que essa definição é baseada no romantismo, que foi movimento cultural
que teve em intelectuais alemães seus principais expoentes. O outro termo vem do francês,
civilization, que se refere às conquistas materiais de um povo, ou desenvolvimento social
de um determinado grupo ou comunidade.

UNIDADE IV Relações Étnico-Raciais e Direitos Humanos 76


O termo cultura foi utilizado pela primeira vez em 1871 pelo antropólogo Eduard
Taylor que escreveu o livro: Evolucionismo Cultural. Contendo uma relação básica entre
cultura e civilização, dividindo-a em graus de desenvolvimento tornando a ideia do evo-
lucionismo cultural bem popular em todo o século XIX, pois trazia explicações sobre a
diversidade humana, ou seja, existiam diferentes tipos humanos racialmente constituídos e
isso motivava a desigualdade nos estágios da evolução, ou seja, era uma explicação para o
desenvolvimento cultural europeu e o atraso dos grupos indígenas, por exemplo, a diferen-
ça entre eles estaria nos graus evolutivos. Mas poderíamos comparar essas culturas? Sim.
Desde que ocorresse uma evolução nos graus culturais. Vale ressaltar que isso hoje pode
ser considerado um etnocentrismo, pois sabemos que não existe cultura maior ou melhor
que outra e simplesmente diferenças culturais.
Taylor ainda diz que “a uniformidade que tão amplamente permeia a civilização
pode ser atribuída, em grande medida, à ação uniforme de causas uniformes”, ou seja,
existia, por parte dele, uma preocupação com a explicação evolucionista unilinear da his-
tória humana.
Por fim quero destacar que o evolucionismo cultural foi confirmado por várias
correntes cientificas que por sua vez justificou barbáries como a escravização de povos
considerados inferiores culturalmente como no imperialismo/neocolonialismo.

1.1 ODETERMINISMO E A FORMAÇÃO DO SUJEITO NA MODERNIDADE

Estamos abordando conceitos básicos para depois entendermos as relações étnicos


raciais e os direitos humanos, por isso temos que conhecer o conceito de determinismo,
seja ele geográfico ou biológico. Você precisa entender que muito antes de identificarmos
as pessoas por uma determinada raça, existiram algumas teorias tentando fazer compara-
ções e estabelecer padrões para que ocorresse uma forma de reconhecer os homens, e,
isso foi chamado de “determinismos”. Atente-se as duas formas que podemos classificar o
determinismo:

Determinismo geográfico

Podemos dizer que o determinismo geográfico é uma teoria que apresenta as


diferenças físicas e culturais entre os homens, tomando por base os meios geográficos,
ou seja, local de nascimento, meio ambiente em que vive determinado grupo entre outros.
Vale ressaltar que com essas características podemos identificar o ambiente, classificar

UNIDADE IV Relações Étnico-Raciais e Direitos Humanos 77


como um território e constituir uma “raça” e vincular a região apontada, a um território fixo,
ou seja, vincular a um espaço geográfico.
O determinismo geográfico está apoiado também na corrente chamada de geopolí-
tica, onde podemos identificar um determinado povo com um espaço definido onde se exer-
ce o poder sobre esse território. No entanto dentro de um território pode haver diferenças
regionais que formam esse povo culturalmente, como por exemplo, o sertão do Nordeste
e o pampa gaúcho em nosso país, ou seja, temos um território bem definido através da
geopolítica, mas com diferenças culturais dentro de um mesmo território. Com isso o deter-
minismo geográfico perdeu espaço, por considerar apenas as diferenças geográficas sem
considerar a diversidade geográfica e cultural de um território.
Observe abaixo as diferenças entre o sertanejo do Nordeste e Gaúcho do sul,
provando que o determinismo geográfico não é o suficiente para definir uma “raça”.

O Sertanejo
O sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não tem o raquitismo exaustivo dos
mestiços neurasténicos do litoral. A sua aparência, entretanto, ao primeiro
lance de vista, revela o contrário. Falta-lhe a plástica impecável, o desem-
penho, a estrutura corretíssima das organizações atléticas. É desgracioso,
desengonçado, torto. Hércules quasímodo, reflete o aspecto, a lealdade típi-
ca dos fracos. Agrava-o a postura normalmente abatida, num manifestar de
displicência que lhe dá um caráter de humildade deprimente. (...) É o homem
permanentemente fatigado”. (CUNHA, Euclides da. Os Sertões, 2002, p. 47).

O Gaúcho
“Como são melancólicas e solenes, ao pino do sol, as vastas campinas que
cingem as margens do Uruguai e seus afluentes!
A savana se desfralda a perder de vista, ondulando pelas sangas e coxilhas
que figuram as flutuações das vagas nesse verde oceano. Mais profunda
parece aqui a solidão, e mais pavorosa, do que na imensidade dos mares.
É o mesmo ermo, porém selado pela imobilidade, e como que estupefato
ante a majestade do firmamento.
Raro corta o espaço, cheio de luz, um pássaro erradio, demandando a som-
bra, longe na restinga de mato que borda as orlas de algum arroio. A trecho
passa o poldro bravio, desgarrado do magote; ei-lo que se vai retouçando
alegremente babujar a grama do próximo banhado”. (ALENCAR, José. O
Gaúcho, 1870.).

Especificamente no trecho do “Os sertões”, podemos considerar dois pontos im-


portantes.
Há implícito no discurso de Euclides da Cunha um certo determinismo geográfico.
Há uma contradição entre a aparência física e a capacidade de adaptação ao meio
que é característica do sertanejo.

Percebemos então que o determinismo geográfico foi superado pelas diferenças


culturais dentro de um mesmo território, assim temos abertura de espaço para o chamado
determinismo biológico.

UNIDADE IV Relações Étnico-Raciais e Direitos Humanos 78


Determinismo Biológico:

O determinismo biológico segue um princípio semelhante ao determinismo geo-


gráfico, pois tem sua fundamentação e suas explicações em argumentos da biologia. Vale
ressaltar que é uma teoria bem antiga e um dos fatores principais e da mesma é afirmar
que existem determinadas “raças” que possuem capacidades ou habilidades superiores a
outra. Essa afirmação é bem debatida, principalmente por existir uma evolução constante
na área da genética que desmentem essa ideia. Vale ressaltar que esse determinismo é
base para o surgimento da xenofobia, ou seja, aversão ao estrangeiro, provocando ainda
fatos e atitudes extremas como a praticada por Adolf Hitler e o partido Nazista com os
Judeus, ciganos entre outros. Vale destacar ainda que existe o que o antropólogo Roque
Laraia passa a chamar de Senso Comum do Determinismo.
Para exemplificar melhor o conhecimento de senso comum do determinismo, segue
alguns exemplos abaixo:

1. Os Nórdicos têm uma superioridade intelectual em relação aos negros.


2. Os judeus são os melhores negociantes do planeta.
3. Os norte-americanos são os melhores empreendedores do mundo.
4. Os portugueses são burros em relação aos brasileiros.
5. Os índios não tinham religião e o português tem que levar a cristandade ao
gentio.

UNIDADE IV Relações Étnico-Raciais e Direitos Humanos 79


2. ORIGENS ÉTINICAS E A FORMAÇÂO DAS IDENTIDADES

Até o momento nessa disciplina, você conheceu os conceitos básicos que são in-
terligados as relações étnico-raciais. Agora vamos iniciar uma viagem aos discursos sobre
raça, desde a evolução histórica até a formação das identidades humanas. Vale ressaltar
que uma das questões que engloba o ser humano é a curiosidade para explicar de onde
veio, sua origem, e, para responder essa questão partimos do princípio da origem humana
na terra, que pode-se confrontar entre ciência e religião, ou seja, teoria evolucionista e a
divina. Você acompanha na atualidade esse conflito na vida cotidiana, e o impressionante
é que grande da humanidade apresenta sua existência através de Deus, Javé, Alá entre
outros. Logo a criação divina foi um desafio antropológico de superação, pois os estudio-
sos precisaram elaborar uma explicação para a diversidade existente no mundo, sejam
diferenças culturais, étnico-raciais e até mesmo comportamentais. Vale destacar que muito
antes da ciência se preocupar e começar a questionar esse tema, alguns povos produziam
conhecimento sobre outros povos, sua vida, seu cotidiano, sempre usando o método de
comparação entre si, e, assim pode iniciar uma análise evolutiva da sociedade.
Para entender melhor como acontecia essa comparação podemos relembrar a
origem da palavra “bárbaro”, ou “Barbarói”, criada pelos romanos para descrever todos
aqueles que viviam fora das fronteiras ou da cultura romana. Será possível essa divisão?
Vale destacar que os romanos dominavam todo o mediterrâneo criando o chamado “Mare
Nostrum”, ou nosso mar. No entanto não conseguiram dominar os Gauleses, os Germanos

UNIDADE IV Relações Étnico-Raciais e Direitos Humanos 80


que se apresentaram com caraterísticas culturais fortes como o “comitatus” (agrupamento
de guerreiros) e que influenciaram o mundo medieval, ou seja, não podemos afirmar essa
separação étnica.
Um outro exemplo seria o surgimento da cristandade, onde os seguidores de Jesus
chamavam os não cristãos de “Pagãos”. Vale ressaltar que essa denominação é um equí-
voco, pois é impossível usar como único critério para divisão humana o caráter religioso.
As comparações realizadas entre os povos nos levam a perceber que mesmo em
diferentes momentos históricos, a percepção das diferenças foi uma referência para a
própria construção das identidades, pois podemos falar da sociedade medieval totalmente
teocêntrica (Deus no centro do universo) sendo substituída por uma sociedade antropo-
cêntrica (O homem no centro do universo).
Com o passar do tempo temos o chamado “Iluminismo”, teoria que veio para iluminar
as trevas das sociedades, fazendo com que o homem passasse a buscar o individualismo e
entendesse seu papel na sociedade, ou seja, passou a compreender seu papel como uma
peça de uma engrenagem social.
A passagem abaixo ilustra como se deu o embate entre as ideias iluministas e as
primeiras concepções raciais:

O Iluminismo e as Primeiras Teorias Raciais


Delineia-se a partir de então certa reorientação intelectual, uma reação ao
Iluminismo em sua visão unitária da humanidade. Tratava-se de uma investi-
da contra os pressupostos igualitários das revoluções burguesas, cujo novo
suporte intelectual concentrava-se na ideia de raça, que em tal contexto cada
vez mais se aproximava da noção de povo. O discurso racial surgia, dessa
maneira, como variante do debate sobre cidadania, já que no interior desses
novos modelos discorria-se mais sobre as determinações do grupo biológi-
co do que sobre o arbítrio do indivíduo entendido como “um resultado, uma
retificação dos atributos específicos de sua raça” (Francis Galton, Hereditary
Genius,1869, p. 86). SCHWARCZ, L M. O espetáculo das roças. São Paulo:
Ga das Letras, 1993,47.

Conforme temos a expansão do iluminismo e a busca constante pela razão, te-


mos o aparecimento de novos pensamentos científico sobre o tema, como por exemplo, o
chamado monogenismo e poligenismo, duas grandes tendências do pensamento científico
europeu do século XIX.
Segundo Schwarcz (1993):

O monogenismo e poligenismo foram duas grandes vertentes que aglutina-


vam os diferentes autores que na época enfrentaram o desafio de pensar a
origem do homem. De um lado, a visão monogenista, dominante até mea-
dos do século XIX, congregou a maior parte dos pensadores que, conforme
as escrituras bíblicas, acreditavam que a humanidade era uma. O homem,
segundo essa versão, teria se originado de uma fonte comum, sendo os di-

UNIDADE IV Relações Étnico-Raciais e Direitos Humanos 81


ferentes tipos humanos apenas um produto “da maior degeneração ou perfei-
ção do Éden”. Neste tipo de argumentação vinha embutida, por outro lado, a
noção de virtualidade, pois a origem uniforme garantiria um desenvolvimento
(mais ou menos) retardado, mas de toda a forma semelhante. Pensava-se
na humanidade como um gradiente que iria do mais perfeito (mais próximo
do Éden) ao menos perfeito (mediante a degeneração) sem pressupor, num
primeiro momento, uma noção única de evolução.
Esse mesmo contexto propicia o surgimento de uma interpretação divergen-
te. A partir de meados do século XIX, a hipótese poligenista transformava-se
em uma alternativa plausível, em vista da crescente sofisticação das ciên-
cias biológicas e, sobretudo diante da contestação ao dogma monogenista
da Igreja. Partiam esses autores da crença na existência de vários centros de
criação, que corresponderiam, por sua vez, às diferenças raciais observadas.
(SCHWARCZ, 1993).

Percebemos então que enquanto o monogenismo ainda estava ligado às con-


cepções religiosas que explicam a origem comum humana, o poligenismo se atrelava ao
avanço científico e propunha diferentes núcleos geradores das raças observadas como
componentes do género humano.
No Brasil desde o ano de 1991 o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística vem
se utilizando das seguintes opções de classificação racial para identificar seus entrevista-
dos: branco, pardo, preto, amarelo e indígena, baseado na característica de Raça e Cor.
No mundo moderno o conceito de raça, já não é tão usado, pois foi substituído pelo
conceito de etnia (mais complexo e abrangente), retomando a ideia de uma humanidade
única, com uma origem comum. No entanto, diferentemente dos períodos anteriores, o que
confirma nossa origem comum e com algumas diferenças genéticas como a cor da pele,
cor dos olhos, cabelos, etc.

2.1. DARWINISMO SOCIAL E EUGENIA

Darwinismo é o nome dado ao conjunto de estudos e teorias de Charles Darwin


(1809 - 1882), o criador da “Teoria da Evolução” ou também chamado de “Evolucionismo”,
uma teoria totalmente contrária a ideia cristão do Criacionismo. Já o Darwinismo social
nasce com o intuito de explicar a evolução das sociedades modernas, pois com a evolução
da burguesia temos o aparecimento do capitalismo que estabelece as bases para a evo-
lução industrial que faz uma mudança consistente em toda sociedade, desde alimentação
até mesmo na questão cultural. Vale ressaltar que com o capitalismo ocorre também a
necessidade de matéria prima abundante e principalmente de mercado consumidor para os

UNIDADE IV Relações Étnico-Raciais e Direitos Humanos 82


produtos industrializados. Então o mundo europeu se voltou para a conquista de impérios,
tendo como principais alvos, a Ásia e a África, ou seja, temos o chamado neocolonialismo.
Nesses continentes, as empresas podiam obter matéria-prima, mercado consumi-
dor e principalmente mão de obra barata para produção industrial. Vale destacar que esse
imperialismo europeu na Ásia e na África promoveu uma espécie de resistência dos povos
em se adequar aos moldes do capitalismo. Essa resistência se dava pelo fato de ambos os
povos terem costumes diferentes, religiões diferentes entre outros pontos. Com isso temos a
necessidade de promover uma organização aos povos dominados para que ocorresse todo
o processo exploratório. Como explorar sem promover o ódio entre os povos? A resposta
é simples. Promover a ideia humanitária e civilizatória ocultando a violência dominadora e
esmagadora sobre os asiáticos e africanos.
A ideia do Darwinismo é utilizada para explicar a seleção natural das coisas e a
adequação ao meio ambiente, tornando-se possível todo o processo capitalista / imperia-
lista. Partindo desse princípio, podemos afirmar que as sociedades se modificam e se de-
senvolvem de forma semelhante, e que as passagens sempre representam a saída de um
estágio inferior para um superior, sendo a missão dos “superiores” ajudarem os “inferiores”.

SAIBA MAIS

A complexidade da cultura humana tem limitado cada vez mais a seleção natural como
princípio de compreensão da realidade. A adaptação do homem nos mais variados am-
bientes denuncia o grau de relatividade das teorias evolutivas. A teoria da evolução
natural trouxe fundamentos para teorias sociais, como por exemplo, as evoluções das
sociedades.

Fonte: STRAUSS, André e WAIZBORT, Ricardo. Sob o signo de Darwin? Sobre o


mau uso de uma quimera. Rev. bras. Ci. Soc. [online]. 2008, vol.23, n.68, pp.125-134.
ISSN 0102-6909.

UNIDADE IV Relações Étnico-Raciais e Direitos Humanos 83


3. A QUESTÃO RACIAL NO BRASIL: SÉCULO XIX E AS TEORIAS RACIAIS DO
SÉCULO XX

O Brasil é um totalmente acolhedor, hospitaleiro como todas as culturas, crenças


e raças. Será? Estudos atuais mostram que nosso país enfrenta cada vez mais o proble-
ma racial de frente, e isso ocorre há muito tempo, pois ao analisarmos a questão racial
de nossa federação podemos afirmar que temos uma preocupação que aparece desde
o século XIX. Vale ressaltar que temos uma formação onde ocorreu toda miscigenação
racial e cultural, onde deveríamos ter uma tolerância interna. Vale destacar que esse papel
de controle e adaptação cultural começou pela criação do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro (IHGB), em 1838. Já em 1845, foi lançado um concurso destinado a premiar
a melhor e mais original monografia escrita sobre a história do Brasil, onde apareceu o
pensador Carl Friedrich Philipp Von Martius, que apresentou a cultura do Brasil, o folclore e
as manifestações populares.
No entanto a afirmação que você precisa saber sobre Von Martius é que o Brasil
é formado por portugueses, negros e índios, onde temos exatamente essa sequência em
graus de participação para o mesmo, ou seja, para ele temos três papeis importantes.

1. O Português: “O descobridor”.
2. O Negro: “O motor, a força motriz”.
3. O Índio: “O nascer, a inocência motora”.

UNIDADE IV Relações Étnico-Raciais e Direitos Humanos 84


Enfim, Von Martius restringe a contribuição indígena e negra para a identidade
brasileira a questões como o idioma, pois o português brasileiro já havia incorporado várias
palavras destes povos, além da culinária, musicalidade e outros aspectos culturais que
seriam muito mais adereços da grande cultura nacional, esta sim herdada diretamente
da influência europeia, iniciando assim a ideia eugênica que já existia. Você sabe o que é
“Eugenia” ou “Eugênico”? Segundo o dicionário Aurélio é:

• Eugenia: “Teoria que tenta criar uma seleção com o que está presente na es-
pécie humana”.
• Eugênico: “Que diz respeito à eugenia, processo que pretende aprimorar a
genética humana”. “Diz-se do indivíduo apropriado para a reprodução, que vai
gerar filhos fortes e saudáveis”. “Que visa o melhoramento da raça”.

A ideia eugênica é expressada em todo período imperial passando para o período


republicano que incentivaram a imigração europeia para o Brasil. Pois havia uma forte
corrente eugenista nas administrações públicas que via na imigração de europeus a pos-
sibilidade de se iniciar uma política de “branqueamento” da nação brasileira, evitando a
“degeneração racial” que a miscigenação traria. Essa política imigratória foi refreada na Era
Vargas (1939-45), quando Getúlio Vargas expressou algumas medidas protecionistas para
preservar nossa nacionalidade, sem deixar de lado a necessidade do “branqueamento”
observado na famosa lei 7967 que você vai ler em parte logo abaixo:
Decreto-lei n° 7,967 de 18 de setembro de 1945
Dispõe sobre a Imigração e Colonização, e dá outras providências.
O Presidente da República; usando da atribuição que lhe confere o artigo
180 da Constituição e considerando que se faz necessário, cessada a guerra
mundial, imprimir à política imigratória do Brasil uma orientação racional e
definitiva, que atenda à dupla finalidade de proteger os interesses do traba-
lhador nacional e de desenvolver a imigração que for fator de progresso para
o país, DECRETA:
Art. 2o - Atender-se-á, na admissão dos imigrantes, à necessidade de pre-
servar e desenvolver, na composição étnica da população, as características
mais convenientes da sua ascendência europeia, assim como a defesa do
trabalhador nacional.
Rio de Janeiro, 18 de setembro de 1945,124° da Independência e 57° da
República. GETÚLIO VARGAS.
Fonte: http://wwwjusbrasiLcom.br/legislacao/126587/decreto-lei-7967-45.

Enfim, podemos afirmar que anos após ocorreu a chamada II Guerra Mundial,
repleta de xenofobia e de eugenia, e, somente ao seu término com os horrores dos campos
de concentração que foram conhecidos por todos e que estão no imaginário das pessoas
até hoje, que ocorreu o início de uma onda de trabalhos que vieram a questionar a ideia de
raça ou mesmo afirmar a sua inexistência.

UNIDADE IV Relações Étnico-Raciais e Direitos Humanos 85


3.1. Legislação e Políticas Públicas para as Relações Étnico-Raciais

“Os direitos humanos garantem aos indivíduos o direito à vida, à integridade


física, à liberdade, à igualdade, à dignidade e à educação”.
Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Na sociedade atual e globalizada ocorre o trânsito de pessoas constantemente


promovendo uma absorção cultural e uma completa convivência entre as pessoas, promo-
vendo assim a construção de múltiplas identidades criando um grande desafio de se identi-
ficar cada um de sua forma. Vale ressaltar que hoje ocorre um processo de conscientização
sobre a importância da compreensão do outro, o que ainda não excluí manifestações de
preconceito racial ou xenofobia, como as observadas diariamente.
Essa conscientização é manifestada por alguns movimentos sociais que se encar-
regam de defender os direitos das chamadas “minorias”, criando até mesmo polêmicas e
debates na sociedade. Vale ressaltar que uma das mais importantes e polêmicas de políticas
raciais são as cotas para vestibulares. Iniciativa de alguns governos estaduais, pleiteada
historicamente pelos movimentos sociais negros, foi regulamentada recentemente pelo
governo federal, o que abriu o debate para toda a sociedade brasileira. Vale destacar ainda
que isso é uma das formas encontradas para que ocorra a inclusão racial na educação
superior na sociedade. Imagine você. Quantos negros você conhece com profissões como
médicos, dentistas ou advogados? Isso comparado ao número de brancos. Eles não são
capazes? Aprendemos em todo o processo até aqui que não existe raça superior e em
nosso país, pois a exclusão racial na sociedade ocorre desde o término da escravidão onde
os negros foram abandonados a marginalização da sociedade e nunca conseguiram se
incluir na mesma, mesmo em uma sociedade atual onde negros, pardos e mulatos são a
maioria segundo o IBGE, instituto brasileiro de geografia e estatística.

UNIDADE IV Relações Étnico-Raciais e Direitos Humanos 86


4. GRUPOS MINORITÁRIOS E DIREITOS HUMANOS

“Ninguém deve ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer


direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território
de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação econômica ou
condição social.”

Fonte: Artigo 13 da Constituição Federal – Princípio da Igualdade.

Vamos começar esse tema com a seguinte afirmação: “Todos somos iguais” pe-
rante a lei! Porém, a discriminação e o preconceito existem e estão disfarçados de várias
formas. O conceito de atitude está relacionado com questões sociais. Podemos começar
com o preconceito com relação ao poder ou riqueza que divide a sociedade em classes
A, B, C..., em seguida o preconceito contra negros, homossexuais, judeus, portadores de
necessidades. Falamos que não temos preconceito, porém muitas vezes nossas atitudes
nos desmentem:
• Contar piadas de negros, de portugueses, de loiras.
• Falar mal de mulheres que trabalham fora de casa.
• Ser amigo de homossexuais, “diga-me com quem andas e te direi quem és”.
• Falar: “Todos os negros são atléticos”.
• Falar: “É preto mais é gente boa”. (Cor define caráter?).

UNIDADE IV Relações Étnico-Raciais e Direitos Humanos 87


Vale destacar que o preconceito é uma atitude com três componentes principais:
1 – Afetiva: Sentimentos preconceituosos em relação a grupos específicos.
2 – Cognitiva: Refere-se às crenças dos membros desses grupos e aos modos
como são processadas as informações sobre esses membros.
3 – Comportamental: São as tendências ou atitudes que se tomam em relação a
esses grupos.

“Se houver a ação, esta se caracteriza em discriminação, já a discriminação é a


manifestação do preconceito”.
Não demonstramos isso por meio de atitudes, porém pensamos desta forma. Afinal,
de onde vem os preconceitos contra os grupos minoritários?

Por meio da análise histórica, podemos dizer que o preconceito contra os negros
começou no tempo da escravatura, que durou até finais do século XIX em alguns países.
O preconceito contra as mulheres, no mercado de trabalho, iniciou- se, quando os homens
tiveram que ir para a guerra e dependia delas o sustento da família, porém ainda hoje a
mulher é vista por muitos como progenitora e dona do lar. Então, cada caso, merece um
estudo aprofundado.

O processo de preconceito nas crianças se forma, por meio da modelagem, ou


seja, por meio de exemplos dos pais ou de outros colegas. Existe a assimilação da atitude
e ela passa a reproduzir a fala ou comportamento. Estudos demonstram que pessoas com
menos instrução possuem mais preconceitos. Podemos dizer então que pessoas que estão
no interior possuem mais preconceitos.

Muitas teorias foram apresentadas com o passar do tempo e, mais recentemente, a


abordagem cognitiva teve predomínio na compreensão e explicação do preconceito e das
relações intergrupais.

A forma do preconceito mudou. Hoje, não se nega emprego a um negro assumindo


que o foi por preconceito, mas dizemos que ele, por exemplo, não possui experiência ou
algo parecido. Os homens com o preconceito sexista dizem que as mulheres não são tão
capazes quanto eles, que ficam de licença maternidade, que se têm filhos pequenos é
problema na certa para contratar, porque se ele ficar doente elas faltarão. Aqui a família é
a desculpa para a discriminação.

UNIDADE IV Relações Étnico-Raciais e Direitos Humanos 88


Então chegamos ao final deste tema destacando que durante anos foram pesquisa-
das as causas do racismo e hoje as teorias se resumem em duas correntes:

1. Racismo Universal: O homem é racista por natureza e que a nossa estrutura


mental se baseia no etnocentrismo, uma tendência emocional que nos leva a
julgar outras sociedades tomando como norma os costumes e valores da nossa
comunidade.
2. Racismo Moderno: Baseia-se na crença de que o racismo é uma característica
aprendida culturalmente pelo homem.

REFLITA

“A cultura traz para o processo de inclusão vários benefícios, dentre eles a aceitação do
diferente como integrante da comunidade, bem como sua formação como cidadão”. Dia
a dia educação / seed Paraná.

UNIDADE IV Relações Étnico-Raciais e Direitos Humanos 89


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Caro Educando(a), chegamos ao final dessa unidade e no decorrer dela visualiza-


mos diversas temáticas sobre a relação étnico-racial e a inclusão proposta pelos direitos
humanos. Vale ressaltar que fizemos uma análise sobre as questões étnicos e raciais
partindo da definição de cultura e etnia para identificarmos as diferenças e saber como
determinar a origem de um povo. Vale ressaltar que passamos pela definição de determi-
nismo geográfico e determinismo biológico para compreender a formação das identidades
humanas e todo o seu processo complexo. Você consegue se lembrar? Espero que nesse
momento do processo de ensino/aprendizagem você esteja entendendo todo o caminho
de superação humana com a abertura das mentes teocêntricas medievais para a antropo-
cêntrica moderna, valorizando assim as etnias ou as raças, superando também o chamado
Darwinismo social e a teoria evolucionista que justificou o desprezo e a dominação dos
asiáticos e africanos pelos europeus, ou seja, o chamado imperialismo. Vale destacar que
assim superamos a ideia retrógada de “Eugenia”.
Você conheceu um pouco da evolução histórica do Brasil e a formação humana do
nosso povo, entendendo os desafios que enfrentamos e que vamos enfrentar em nosso
cotidiano.
Demonstramos um pouco das políticas públicas que norteiam a questão racial no
Brasil, abordando assim conquistas conflituosas na sociedade como a política de cotas em
universidades públicas e os debates que ocorrem até hoje.
Conhecemos ainda um pouco dos grupos minoritários que lutam dia a dia por di-
reitos humanos e do homem e do cidadão. Vale ressaltar que a partir dessa ideia e dessa
formação você pode conhecer ainda mais sobre as lutas de outros minoritários como o
LGBT em nossa sociedade.
Por fim, quero agradecer você por esse tempo de estudos que passamos juntos e
com a certeza que o conhecimento adquirido nessa unidade pode desencadear um homem
ou mulher tolerante e com princípios básicos de direitos humanos na sociedade moderna.
Enfim, todo sucesso do mundo.
Atenciosamente,

Professor Cleber Henrique Sanitá Kojo.

UNIDADE IV Relações Étnico-Raciais e Direitos Humanos 90


Material Complementar

LIVRO
• Título: “Nós Do Brasil. Estudo Das Relações Étnico-Raciais”.
• Autor: RODRIGUES, Roseane.
• Editora: Moderna; Janeiro de 2003).
• Sinopse: O livro “Nós do Brasil” fala de integridade negra,
identidade africana, identidade indígena. Fala de ciganos, de
judeus, de muçulmanos, das diversas Áfricas que existem dentro da
África, suas diferenças culturais, povos e religiões, e fala do Brasil.
Este livro proporciona viagens, buscando possibilitar conexões
históricas para a compreensão de quem somos nós. Ele busca
mostrar que há saídas para a aplicação da temática das Relações
Raciais sem incorrer em dogmas, estereótipos ou folclorizações.

LIVRO
• Título: “Relações étnico-raciais para o ensino da identidade e
da diversidade cultural brasileira”.
• Autor: MICHALISZYN, Mario Sergio.
• Editora: INTERSABERES, 2014.
• Sinopse: A pluralidade de crenças, costumes e conhecimentos no
Brasil exige um constante aprendizado de respeito às diferenças
e de percepção da riqueza cultural. Por isso, é indispensável que
os profissionais envolvidos com a educação discutam as relações
étnicas e raciais. Com o propósito de oferecer subsídios para o
acompanhamento e a compreensão dos conteúdos acerca das
relações étnico-raciais, esta obra aborda os aspectos relacionados
à cultura, ao imaginário social e à construção de representações
sociais.

LIVRO
• Título: “Identidade racial”.
• Autor: BISPO, Luane; OLIVEIRA, Jéssica; FERRARI, Mônica.
• Editora: Adonis; Edição: 1 (23 de novembro de 2017).
• Sinopse: As relações étnicas são temas complexos e por isso,
faz-se necessário que os profissionais envolvidos na formação
das crianças sejam sensibilizados acerca da importância de seu
papel, compreendendo também que o respeito aos negros e sua
cultura deve ser trabalhado diariamente e não apenas no dia da
consciência negra. Espera-se, ainda, contribuir para desmistificar
o racismo implícito existente no cotidiano escolar, muitas vezes
presente de maneira simbólica. Pois esse conjunto de fatores pode
desencadear nas crianças negras e não negras um ego branco,
descaracterizando suas identidades desde a primeira infância,
percorrendo o ensino fundamental e seguir pela vida toda.

UNIDADE IV Relações Étnico-Raciais e Direitos Humanos 91


FILME/VÍDEO
• Título: “A Massai Branca”
• Ano: (2005).
• Diretor: Hermine Huntgeburth.
• Sinopse: Carola Lehmann (Nina Hoss) está em férias no
Quênia. Quando faltam poucos dias para retornar ela conhece
Samburu (Jacky Ido), um guerreiro Lemalian que usa armas e
roupas tradicionais. Fascinada, ela logo se apaixona. Carola
decide cancelar o vôo de volta e mandar Stefan (Janek Rieke),
seu namorado, retornar sozinho, enquanto ela própria percorre o
Quênia tentando reencontrar Samburu.

FILME/VÍDEO
• Título. “Cores e Botas”.
• Ano. São Paulo, (2010).
• Diretor: Juliana Vicente.
• Sinopse. Joana tem um sonho comum a muitas meninas dos
anos 80: ser Paquita. Sua família é bem sucedida e a apoia em
seu sonho. Porém, Joana é negra, e nunca se viu uma paquita
negra no programa da Xuxa.

FILME/VÍDEO
• Título. Vista Minha Pele.
• Ano. (2003).
• Diretor: Joel Zito Araújo.
• Sinopse. O filme coloca a realidade dos negros em evidência
ao propor uma inversão: narra a história de brancos e negros, em
papéis trocados. A empregada da família negra rica é branca, os
padrões de beleza são pautados na beleza negra etc. Nesse con-
texto, ele retrata a trajetória de uma aluna branca que tenta se
adaptar nesse universo.

UNIDADE IV Relações Étnico-Raciais e Direitos Humanos 92


REFERÊNCIAS

_______. Plano nacional de implementação das diretrizes curriculares nacionais para


a educação das relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-bra-
sileira e africana/ Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial.
Brasília, 2009.

ALENCAR, José de. O guarani. 3 ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2014.

ALENCASTRO, Luiz Felipe de Alencastro. O trato dos viventes. Companhia das Letras.
São Paulo. 2000.

ALMEIDA, Rita Heloisa de. O Diretório dos Índios: um projeto de civilização no século
XVII. Brasilia. Editora: Universidade de Brasilia. 1997.

ALONSO, Angela. Flores, votos e balas: o movimento abolicionista brasileiro (1868-


88). Companhia das Letras: São Paulo. 2015.

ANJOS, Rafael Sanzio Araújo dos. “As geografias oficial e invisível do Brasil: algumas
referências”. Geousp – Espaço e Tempo (Online), v. 19, n. 2, p. 375-391, 2015. Disponível
em: http://www.revistas.usp.br/geousp/article/viewFile/102810/105686

ASSUNÇÃO, Paulo. Negócios jesuíticos: o cotidiano da administração dos bens divinos.


EdUSP. 2004. p. 94.

BÁ, A. Hamapaté. A tradição viva. In: KI-ZERBO, Joseph. História Geral da África, I: Me-
todologia e pré-história. 2ºed. rev. Brasília: Unesco, 2010. pp.167-212.

BARBOSA, Muryatan Santana. “A construção da perspectiva africana: uma história do


projeto História Geral da África (UNESCO)”. Revista Brasileira de História (ANPUH), vol. 32
nº 64, 2012, pp. 211-230. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbh/v32n64/12.pdf

BORGES, E.; MEDEIROS, C. A; D’ADESKY, J. Racismo, Preconceito e intolerância. São


Paulo: Atual, 2002.

BRANDI, Reginaldo. De africano a afro-brasileiro: etnia, identidade, religião. Revista USP,


São Paulo, nº 46, pp. 52-65, jun./ago. 2000.

BRASIL. Decreto-lei nº 1.331-A, de 17 de fevereiro de 1854. Legislação informatizada. Pu-


blicação Original. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/
decreto-7031-a-6-setembro-1878-548011-publicacaooriginal-62957-pe.html> Acesso em:
31 mai. 2019.

BRASIL. Decreto-lei nº 7.031-A, de 6 de setembro de 1878. Legislação informatizada. Pu-


blicação Original. Disponível em: < https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/
decreto-1331-a-17-fevereiro-1854-590146-publicacaooriginal-115292-pe.html> Acesso em:
02 jun. 2019.

BRASIL. Diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações étnico-ra-


ciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana/ Ministério da
Educação. Brasília, 2004.

BUENO, Eduardo. Brasil: Uma história: cinco séculos de um país em construção. Rio
de Janeiro. LEYA, 2012.

UNIDADE IV Relações Étnico-Raciais e Direitos Humanos 93


CAMINHA, Pero Vaz de. Carta a el-rei d. Manuel. Lisboa: Imprensa nacional – Casa da
Moeda, 1974.

Carta de Pero Vaz de Caminha. In: BERUTTI, F.; FARIA, R.; MARQUES, A. História mo-
derna através de textos. São Paulo: Contexto, 2001.

CLASTRES, Hélène. Terra Sem Mal. São Paulo. Editora Brasiliense, 1978

COMPARATO, F.K. Ética: direito, moral e religião no mundo moderno. 3.ed. São Paulo:
Companhia das Letras, 2011

FANON, Franz. Pele negra, máscaras brancas. Salvador: EDUFBA, 2008.

FLORES, Lúcio Paiva. Adoradores do Sol: Reflexões sobre a Religiosidade Indígena.


Rio de Janeiro. Editora VOZES, 2003.

GEERTZ, Clifford. A intepretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008.

GOMES, Flávio dos Santos; REIS, João José. Liberdade por um fio. São Paulo. Companhia
das Letras. 1996.

GRUNEWALD, R. A. Os índios do descobrimento: tradição e turismo. Rio de Janeiro:


Contra Capa, 2001.

HAAL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. 11ª Ed. São Paulo. DP&A, 2006.
MAIO, M. C.; SANTOS, R. V. (orgs.). Raça, ciência e sociedade. São Paulo: Contexto,
1998.

HOLANDA, Sérgio Buarque. Caminhos e Fronteiras. São Paulo: Companhia das Letras,
1994.

JAKUPÉ, Kaka Werá. A terra dos mil povos: história indígena brasileira contada por
um índio. São Paulo: Petrópolis. 1998 – Série Educação para a Paz.

LAPLANTINE, François. Aprender Antropologia. Tradução de Marie-Agnes Chauvel. São


Paulo: Brasiliense, 2000.

LEVI-STRAUSS, C. Raça e História. In Antropologia Estrutural II. São Paulo: Saraiva,


1998.

MATA, Lídice. Pronunciamento de Lídice da Mata em 24/11/2016. Discponível em: <ht-


tps://www25.senado.leg.br/web/atividade/pronunciamentos/-/p/texto/427635>. Acesso em
19 jun. 2019.

MILANEZ, Felipe. Memórias sertanistas: cem anos de indigenismo no Brasil. (Edições


Sesc São Paulo. 2015).

MORIN, Edgar, KERN, Anne-Brigitte. Terra Pátria. Porto Alegre: Sulina, 2002.

MUNANGA, Kabengele (Org.). Superando o Racismo na Escola. Brasília: Ministério da


Educação.Secretaria de Ensino Fundamental. 2000.Disponível em: http://portal.mec.gov.
br/secad/arquivos/pdf/racismo_escola.pdf

MUNANGA, Kabengele. Negritude: usos e sentidos. 3ªed. Belo Horizonte: Autêntica,


2012.

MUNANGA, Kabengele. Rediscutindo a mestiçagem. São Paulo: Vozes, 1999.

UNIDADE IV Relações Étnico-Raciais e Direitos Humanos 94


NÓBREGA, Padre Manuel da. Diálogo sobre conversão do gentio. Texto disponível
em:<http://www.ibiblio.org/ml/libri/n/NobregaM_ConversaoGentio_p.pdf>. Acesso em: 15
junho 2019.

NOGUEIRA, Oracy. (1985 [1954]), “Preconceito racial de marca e preconceito racial


de origem — sugestão de um quadro de referência para a interpretação do material sobre
relações raciais no Brasil”, in O. Nogueira (org.), Tanto preto quanto branco: estudos de
relações raciais, São Paulo, T.A. Queiroz.

PEREIRA, João Baptista Borges. Religiosidade no Brasil. EDIUSP. São Paulo, 2012.

RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Com-
panhia das Letras, 1995.

RIBEIRO, Darcy. Os índios e a civilização: a integração das populações indígenas no


Brasil moderno. 4ª ed. Petrópolis, Vozes, 1982.

RICARDO, Beto e RICARDO, Fany. Povos Indígenas no Brasil 2001-2005. (Instituto


Socioambiental).

SANCHEZ, V.A. Ética. 33.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.

SANTOS, Joel Rufino. Saber do negro. Rio de Janeiro: Pallas, 2015.

SCHWARCZ, L. M. O espetáculo das raças. São Paulo: Cia das Letras, 1993.

SCHWARCZ, Lilia Moritz. Nem preto nem branco, muito pelo contrário: cor e raça na socia-
bilidade brasileira. São Paulo: Claro Enigma, 2013.

SOUZA, Ana Lúcia S et. al. (orgs.). Orientações a Ações Para a Educação das Relações
Étnico-Raciais. Ensino Médio. Brasília, MEC/ SECAD, 2006.

SOUZA, Neuza Santos. Tornar-se negro (ou as vicissitudes da identidade do negro


brasileiro em ascensão social). 2ªed. Rio de Janeiro: Graal, 1983.

TUFANO, Douglas. A carta de Pero Vaz de Caminha. Rio de Janeiro: Editora. Moderna;
Edição: 1 (1 de janeiro de 1999).

VANSINA, J. A tradição oral e sua metodologia. . In: KI-ZERBO, Joseph. História Geral
da África, I: Metodologia e pré-história. 2ºed. rev. Brasília: Unesco, 2010. pp.139-166.

VIEIRA, Antônio. Cartas do Brasil. HANSEN, Adolfo (Org.). Sermões. vol. 1. São Paulo:
Hedra, 2003. São Paulo: Hedra, 2001.

WEBER, Max. Ensaios de Sociologia. 5 ed. Rio de Janeiro: LTC, 1982.

UNIDADE IV Relações Étnico-Raciais e Direitos Humanos 95


CONCLUSÃO

Chegamos ao fim do nosso curso de Formação Sociocultural e Ética. Nossa via-


gem ao passado terminou e conseguimos alcançar nosso objetivo de ao olhar para nosso
espaço de experiência (o passado) conseguindo perceber nosso presente e, quem sabe,
projetar um horizonte de expectativa (futuro) mais humanizado.
Em nosso espaço de experiência compreendemos que, nos dois primeiros módulos
da apostila, durante nossa história os detentores do poder criaram mecanismos para ma-
nutenção de seu próprio poder, mantendo nas camadas mais baixas a população indígena,
branca empobrecida e a população negra. Em seguida, entendemos como funcionou a
escravidão no Brasil em vários períodos histórico para que, só assim, pudéssemos com-
preender como foi a escravidão moderna no Oceano Atlântico. Também compreendemos
como foi a vida do africano no Brasil através da biografia de um ex-escravizado chamado
Mohammah G. Baquaqua e por fim, entendemos como esses escravizados resistiram à
escravidão e como foi o maior exemplo de resistência negra no Brasil, o Quilombo dos
Palmares.
Verificamos nas Unidades III e IV, durante o processo histórico brasileiro, vários
fatos historiográficos sobre a cultura indígena no Brasil. Desde o século XV quando os
africanos ainda não eram trazidos às Américas até o século XIX e XX onde africanos e seus
descendentes são libertos e indígenas, mesmo livres legalmente, eram sequestrados de
suas tribos para serem utilizados como mão de obra escrava nos seringais do norte do país.
Usamos a Lei 11.645/2008 para complementar a Lei 10.639/2003 que trata de
grupos minoritários no Brasil, como negros e indígenas. Para essa análise foi necessário
combater um olhar eurocêntrico e promover uma desmistificação do eurocentrismo com o
objetivo de destacar a história e cultura indígena no país.
Mostramos o conceito de índio e indígena na sociedade atual através da reflexão
da sociodiversidade indígena, seus direitos e suas diferenças entre seus troncos étnico-lin-
guísticos. E claro, ressaltamos que não é possível desprezar o indígena na historiografia
brasileira e para isso comparamos passado e presente, semelhanças e diferenças, inclusive
religiosas, entre as várias culturas que compõem esses povos.
Portanto, ao fim dessa viagem espero que seu horizonte de expectativa tenha sido
alterado, pois somos fruto de uma herança multiétnica e, desta forma, a humanização das
relações entre esses povos se torna possível quando os conhecemos melhor e possamos
ver que o outro é igualzinho a mim.

UNIDADE IV Relações Étnico-Raciais e Direitos Humanos 96

Você também pode gostar