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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

FACULDADE DE EDUCAÇÃO – FACED


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
BRASILEIRA

SILVIA MARIA VIEIRA DOS SANTOS

AFRICANIDADES E JUVENTUDES: TECENDO CONFETOS


NUMA PESQUISA SOCIOPOÉTICA

FORTALEZA
Janeiro de 2011 
SILVIA MARIA VIEIRA DOS SANTOS

AFRICANIDADES E JUVENTUDES: TECENDO CONFETOS


NUMA PESQUISA SOCIOPOÉTICA

Dissertação submetida à Coordenação do


Curso de Pós- Graduação em Educação, da
Universidade Federal do Ceará, como
requisito parcial para a obtenção de título
de Mestre em Educação.

Área de concentração: Educação

Orientadora: Profª. Drª. Sandra Haydeé


Petit

FORTALEZA
Janeiro de 2011 
“Lecturis salutem”
Ficha Catalográfica elaborada por
Telma Regina Abreu Camboim – Bibliotecária – CRB-3/593
tregina@ufc.br
Biblioteca de Ciências Humanas – UFC

S238a Santos, Silvia Maria Vieira dos.


Africanidades e juventudes [manuscrito] :tecendo confetos
numa pesquisa sociopoética / por Silvia Maria Vieira dos Santos.
– 2011.
151f. : il. ; 31 cm.
Cópia de computador (printout(s)).
Dissertação(Mestrado) – Universidade Federal do Ceará,
Faculdade de Educação,Programa de Pós-Graduação em
Educação Brasileira,Fortaleza(CE),28/01/2011.
Orientação: Profª. Drª. Sandra Haydeé Petit.
Inclui bibliografia.

1-EDUCAÇÃO – FORTALEZA(CE) – INFLUÊNCIAS AFRICANAS.


2-EDUCAÇÃO MULTICULTURAL – FORTALEZA(CE).3-EDUCAÇÃO –
FORTALEZA(CE) – ESTUDOS INTERCULTURAIS.4-NEGROS – EDUCAÇÃO
– FORTALEZA(CE).5-JOVENS – EDUCAÇÃO – FORTALEZA(CE).
6-PESQUISA-AÇÃO EM EDUCAÇÃO - FORTALEZA(CE).I- Petit, Sandra
Haydeé, orientador. II-Universidade Federal do Ceará. Programa de Pós-Graduação
em Educação Brasileira. III-Título.

CDD(22ª ed.) 370.117098131


46/11
SILVIA MARIA VIEIRA DOS SANTOS

AFRICANIDADES E JUVENTUDES: TECENDO CONFETOS


NUMA PESQUISA SOCIOPOÉTICA

Dissertação submetida à Coordenação do Curso de Pós- Graduação em


Educação, da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para a
obtenção de título de Mestre em Educação.

Área de concentração: Educação.

Aprovada em 28 de janeiro de 2011

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Sandra Haydeé Petit
Universidade Federal do Ceará- UFC

____________________________________________________________
Prof.º Dr.º Henrique Antunes Cunha Júnior
Universidade Federal do Ceará- UFC

____________________________________________________________
Prof.º Dr.º Eduardo David de Oliveira
Universidade Federal da Bahia – UFBA
A todos/as os/as jovens negros/as que estão em busca de
Mombaça e que ressignificam as africanidades através de seu
corpo.
A minha avó Mãezinha, meu avô Francisco Vieira e meu
tio João Vieira e a todos meus ancestrais que sofreram na
diáspora, mas que também resistiram diante da opressão e que
me inspiram na minha caminhada de mulher, negra, educadora.
AGRADECIMENTO

Existe um ditado malinês que diz: “Tudo o que somos e tudo que temos, devemos
somente uma vez a nosso pai, mas duas vezes a nossa mãe. O homem, dizemos, nada mais é
que um semeador distraído, enquanto a mãe é considerada a oficina divina onde o criador
trabalha diretamente, sem intermediário para formar e levar à maturidade uma nova vida”.
Com estas palavras quero agradecer a minha mãe Zenaide Vieira Nascimento, mulher forte e
carinhosa que me ensinou a ser quem sou e que me ama com a corda de seu coração.

Ao grupo-pesquisador de jovens: Dione, Cristina, Romários, Felipes, Lindemberg,


Daniel Paulo, Tacicleudo, Lucas, pois sem eles os confetos não existiriam.

As minhas irmãs Cláudia, Luciana e Lívia, a minha sobrinha Julie, meu pai e toda a
minha família pela paciência de me aturar nos momentos bons e ruins da pesquisa

Aos meus e minhas amores e amigos/as que foram importantes direta ou indiretamente
para a finalização desse trabalho.

As minhas companheiras e meus companheiros, amigos/as desta linha de pesquisa tão


importante para a população negra brasileira Juliana, Kássia, Raissa, Mazinho, Jon, Cecília.

A minha orientadora Sandra Petit que me seduziu para a sociopoética, as professoras


Celecina e Joselina e ao professor João Figueiredo agradeço muito pelas contribuições.

A Jacques Gauthier que antes da realização desta pesquisa já acreditava em mim e eu


nele, meu amor intelectual.

Ao professor Henrique Cunha que admiro e gosto, pela sua paciência e ajuda diante da
angústia da escrita.

Ao terreiro Ilê Axê Olodujolá e ao pai Aluisio por ter cedido com generosidade sua
casa para a realização da pesquisa.

Ao Instituto de Juventude Contemporânea que caminha comigo e com as juventudes


na esperança de um outro mundo possível.

E ao meu Deus de todos os nomes e aos orixás que me protegeram e me guiaram nesta
busca pelas africanidades.
A palavra pode curar como pode matar, porque é carregada de uma força vital importante.
O uso da palavra e do gesto dá outra idéia de africanidade. Com eles, o [ser humano]
deseja se apropriar de parte importante da força que irriga o universo.
Kabengele Munanga
RESUMO

A sociedade brasileira, racista e colonialista utiliza a educação como um mecanismo de


naturalização da cosmovisão eurocêntrica, tratando-a como única possível. Desse modo, a
contribuição dos africanos e afrobrasileiros na história do Brasil é invisibilizada. A ausência e
as distorções desta história nos levam ao desconhecimento e desvalorização de nossas raízes
africanas, contribuindo diretamente para o enraizamento das idéias racistas em nosso país. Em
contraposição a esses pensamentos estão as africanidades, elementos e manifestações da
diversidade cultural africana ressignificadas na cultura brasileira. Diante deste fato, realizei
uma pesquisa sociopoética que teve como objetivo entender que conceitos os jovens teciam
sobre as africanidades a partir da realidade na qual estão inseridos. Desta feita, pude constatar
que a sociopoética foi potencializadora de uma maior diversidade de conceitos sobre as
africanidades, sugerindo algumas alternativas metodológicas para o ensino da história africana
e afrobrasileira na escola. Percebi que a ancestralidade estava na experiência daqueles
adolescentes e jovens que compartilhavam suas idéias e reflexões acerca das africanidades e
que - apesar de apresentarem um conhecimento restrito sobre a África e as culturas
afrodescendentes - produziram conceitos bastante diferenciados dos estereótipos comumente
veiculados, apresentando até muitos pontos de convergência com as concepções dos
estudiosos da área. Para eles as africanidades devem ser apresentadas e vivenciadas na escola
a partir de atividades lúdicas que utilizem o corpo em sua integralidade através de
apresentações teatrais, danças, semanas culturais e do meio ambiente. E que estas, só serão
trabalhadas de fato, quando professores e funcionários forem tolerantes com as religiões de
matriz africana e com os/as jovens que as praticam, reconhecendo a importância da cultura
africana e afrodescendente como referenciais de brasilidade.

Palavras-chave: Africanidades, Juventudes, Sociopoética, Confetos, Ensino de História


Africana e Afrodescendente.
RESUME

La société brésilienne, raciste et colonialiste, utilise l´éducation comme mécanisme de


naturalisation de la cosmovision eurocentrique, faisant comme si elle était la seule possible.
En conséquence, la contribution des africains et afrobrésiliens à l´histoire du Brésil est rendue
invisible. L´absence de cette histoire et sa distorsion nous conduisent à la méconnaissance et à
la dévalorisation de nos racines africaines, et cela contribue directement à l´enracinement des
idées racistes en notre pays. En contraste avec ces pensées, nous rencontrons les africanités,
éléments et manifestations de la diversité culturelle africaine, re-signifiés dans la culture
brésilienne. Devant ce fait, j´ai réalisé une recherche sociopoétique avec pour objectif la
compréhension des concepts que les jeunes tissent sur les africanités à partir de la réalité dans
laquelle ils sont insérés. Ainsi ai-je pu constater que la sociopoétique joue le rôle de
potentialiseur d´une plus grande diversité de concepts sur les africanités, et qu´elle permet de
suggérer certaines alternatives méthodologiques pour l´enseignement de l´histoire africaine et
afrobrésilienne à l´école. J´ai perçu que l´ancestralité était présente dans l´expérience des
adolescents et des jeunes quand ils échangeaient idées et réflexions à propos des africanités et
que, malgré leur connaissance restreinte sur l´Afrique et les cultures afrodescendantes, ils
produisaient des concepts assez différenciés par rapport aux stéréotypes communément reçus,
au point de présenter de nombreux points de convergence avec les conceptions des
spécialistes de ce domaine. Pour eux, les africanités doivent être présentées et vécues à l´école
à partir d´activités ludiques qui utilisent le corps dans son intégralité, au travers de
représentations théâtrales, danses, semaines culturelles et du milieu ambiant. Et que celles-ci
ne pourront être travaillées réellement que quand les professeurs et agents seront tolérants
envers les religions de matrice africaine et les jeunes qui les pratiquent, reconnaissant ainsi
l´importance des cultures africaine et afrodescendante comme référents pour la brésilianité.

Mots-clés: Africanités, Jeunesses, Sociopoétique, Confect, Enseignement de l´histoire


africaine et afrodescendante.
LISTA DE IMAGENS

Foto 01 – Fogueira construída na técnica “Territórios das Africanidades” (Raissa) .............. 44


Foto 02 – Relaxamento em dupla (Raissa) ............................................................................. 45
Foto 03 – Dança dos elementos da natureza – fogo (Raissa)................................................... 45
Foto 04 – Dança dos elementos da natureza – terra (Raissa) .................................................. 45
Foto 05 – Ifé - território das africanidades (Raissa) ................................................................ 46
Foto 06 – Cidade proibida – território das africanidades (Raissa) .......................................... 46
Foto 07 – Ketu – território das africanidades (Raissa) ........................................................... 46
Foto 08 – Espaço sagrado/Ketu – território das africanidades (Raissa) ................................. 47
Foto 09 – Elemento saco-bolha (Raissa) ................................................................................. 91
Foto 10 – Elemento água gelada (Daniela).............................................................................. 92
Foto 11 – Elemento grude (Daniela) ....................................................................................... 92
Foto 12 – Elemento esponja (Daniela)..................................................................................... 92
Foto 13 – Africanidades Hoje (Raissa) ................................................................................... 92
Foto 14 – Africanidades Brasileiras (Daniela) ........................................................................ 95
Foto 15 – Africanidades fora da África (Daniela).................................................................. 99
Foto 16 – Relaxamento – Contra-Análise (Silvia Maria)...................................................... 118
Foto 17 – Relaxamento – Contra-Análise (Silvia Maria) ..................................................... 118
Foto 18 – Contando a História em quadrinhos – parte I (Mazinho)..................................... 119
Foto 19 – Contando a História em quadrinhos – parte II (Mazinho) .................................... 119
Foto 20 – Representação das diversas africanidades (Silvia Maria) ..................................... 121
Foto 21 – Representação da receita - A vivência das Africanidades a Milanesa (Silvia Maria)
............................................................................................................................................... 122
GLOSSÁRIO

1. Iabas – Mulheres negras orixás

2. Iemanjá – Patrona das águas do rio e no Brasil, também das águas do mar, seu nome, Iye-
omo-eja, significa mãe dos filhos peixes. Seus emblemas são o abebe, feito de metal branco e
uma pequena espada.

3. Ketu – Nome de um antigo reino da África, a região agora ocupada pela República Popular
do Benin e pela Nigéria. Também indica o nome do povo dessa região. Os povos de ketu são
responsáveis por boa parte dos terreiros no Brasil.

4. Obaluaiê – Orixá filho de Nanã, rei dos espíritos contidos na terra. Está relacionado às
doenças epidêmicas como a varíola e que provocam febres altas. É representado pelo xaxará
que se caracteriza por ter a forma de uma vassoura.

5. Odoiá – Odó Yiá - Saudação a Iemanjá nos candomblés

6. Ogun – Orixá filho de Oxalá, patrono dos ferreiros, guerreiro e caçador, habitante da
floresta e conhecedor dos mistérios das ervas. Suas cores são o verde-claro e o azul marinho.

7. Oxossi – É considerado o irmão mais novo de Ogun. É patrono da caça e dos caçadores.
Representado pelo ofá, o arco e a flecha.

8. Xangô – Orixá da justiça, patrono do fogo. Ele está ligado ao axé do vermelho, que
caracteriza expansão ininterrupta de vida no aiyê. Seu emblema característico é o oxê, o
machado duplo de madeira ou bronze.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 11

CAPÍTULO I - REFERÊNCIAS PESSOAIS, TEÓRICAS E METODOLÓGICAS .... 14

A menina que busca as africanidades ..................................................................................... 15


Problematizando no mundo das Africanidades ...................................................................... 21
Porque pesquisar com jovens negos/as ? ................................................................................ 29
O caminho se faz ao caminhar ................................................................................................ 35
Perfil do grupo-pesquisador .................................................................................................... 40

CAPÍTULO II - NAS TRILHAS DO DIÁRIO DE CAMPO ........................................... 43

Técnica I – Construindo os Territórios das Africanidades ..................................................... 44

CAPÍTULO III - NA DINÂMICA DAS AFRICANIDADES: OLHARES, SABORES,


ODORES ................................................................................................................................ 90

Técnica II - Tocando nas Africanidades ................................................................................. 92


Técnica III - Quadro Dinâmico das Africanidades ............................................................... 107

CAPÍTULO IV - DE VOLTA AO GRUPO – CONTRA-ANÁLISE ............................ 117

Escurecendo os confetos e estudos transversais ................................................................... 122

CAPÍTULO V - FILOSOFANDO COM AS AFRICANIDADES ................................ 126

PENSAMENTOS CONCLUSIVOS ................................................................................. 138

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 142

ANEXOS .............................................................................................................................. 146


11

INTRODUÇÃO

PARA INÍCIO DE CONVERSA

Peço atenção agora meus senhores


Pros tambores os tambores
Pois o que bate agora meus senhores
são os tambores os tambores
Mais forte que o açoite dos feitores
São tambores os tambores
Seu toque é o toque de espinhos e flores
São tambores os tambores
Cura a dor de amor com mais amores
São os tambores os tambores
Soam onde eu for onde tu fores
São os tambores os tambores
Brasa do mais quente dos calores
São os tambores os tambores
Som dos viveres tinta das cores incolores
São os tambores os tambores
Chico César

Djembedom1, o tambor me chamou, insistentemente, ele gritava em meus ouvidos


para eu escutá-lo, não somente com os ouvidos, mas com todo corpo, com o coração e com a
minha memória ancestral. Ainda hoje eu escuto os sons dos tambores, demorei muito para
não ter medo de reconhecer o som dos meus antepassados e entender o que queria me dizer
esse batuque.
Nas diversas sociedades africanas os tambores também falam e possibilitam uma
linguagem de comunicação sonora que tem o mesmo poder e qualidade da fala humana, pois a
“palavra ativa o desprendimento de forças vitais. Ela interfere na existência, sendo que seu
uso provoca reações no ambiente. Esta interferência tem um sentido de fertilização e de
criação”. (CUNHA, 2005, p. 161)
Desse modo, o tambor tem um poder de fala, e esse falar pode ser entendido no
sentido mais amplo, pois dentro da cosmovisão africana a “fala do tambor não leva somente a
uma degustação auditiva, não basta somente se ouvir a fala do tambor ou do conjunto de

1
Em língua mandiga significa a fala do tambor. Essa palavra se relaciona com o Djembê, um instrumento
musical, um tambor milenar originário da Etnia Malinkê (Guiné/Mali), confeccionado em forma de taça a partir
do tronco de uma árvore sagrada.
12

tambores. Esse som, através das vibrações das batidas, deve ser sentido pelo corpo e dessa
forma finalmente ser transformado em movimento” (Lühnig apud Silva, s/d, p. 05).
Descobri que o batuque dos tambores não provocava apenas a dança em mim, mas me
instigavam a denunciar que a nossa história, a história da África e dos afrodescendentes no
Brasil, é negada e invibilizada em detrimento de uma cosmovisão eurocêntrica. Os manuais e
livros escolares desconhecem a participação dos africanos e seus descendentes na construção
intelectual e material do país.
Constatando a ausência de referenciais históricos africanos e afrodescendentes na
escola devido a essas visões distorcidas da África e do negro comumente veiculadas, fiquei
curiosa em saber que conceitos os/as jovens negros/as produzem sobre as Africanidades. Será
que a diversidade de jovens negros tem nas africanidades a expressão de sua cor ?
O soar dos tambores me levaram ao movimento de tecer o emaranhado de fios das
Africanidades utilizando as coloridas linhas dos/das jovens negros e negras do terreiro de
candomblé Ilê Axê Olodujolá e do grupo que participa do movimento negro Juventude Negra
Kalunga. Estes dois grupos formaram o grupo-pesquisador desta investigação. Um ser
coletivo que se comporta como grupo-sujeito da pesquisa, como se fosse um único pensador,
percorrendo vários caminhos que, às vezes são contrários, ou que se encontram.
Meu objetivo era entender que conceitos os jovens negros teciam sobre as
africanidades a partir da realidade no qual estão inseridos.
Como objetivo específico queria perceber também a diversidade desses conceitos,
levando em consideração a pluralidade da juventude negra.
Finalizando, pretendia discutir com os jovens, ações de transformação da realidade do
ensino a partir da aplicabilidade efetiva da lei 10.639/03.
A sociopoética foi o método que me acompanhou neste movimento circular de
produção de confetos (conceitos perpassados de afetos). Através de técnicas estranhas, às
vezes prazerosas e outras vezes não tão agradáveis, construímos territórios na certeza de que
era Mombaça: o território das africanidades.
Como atores/atrizes e autores/autoras de nossa história e utilizando o nosso corpo,
criatividade e a porção de memória ancestral, pintamos quadros vivos de Africanidades
brasileiras, Africanidades hoje e Africanidades fora da África.
E como se isso não bastasse tocamos, de olhos vendados e com os pés, os elementos
das africanidades. A curiosidade era tão grande que não conseguíamos discernir qual dos
sentidos estavam mais aguçados, deu fome, sede, calor, fadiga, cócegas, um certo
13

relaxamento e até nojo. Decidimos então com estas sensações produzir receitas saborosas e
relaxantes repletas de africanidades.
Por fim, no movimento sonoro dos tambores, filosofamos com as africanidades num
encontro intempestivo de corpos e desejos, entre os confetos produzidos pelo grupo-
pesquisador e as referências teóricas sobre a temática.
A realização desta pesquisa foi a minha resposta ao som do tambor. Descobrir novos
conceitos sobre as africanidades a partir do olhar dos/das jovens foi também procurar as
africanidades dentro de mim, encontrar a ancestralidade em meu corpo, na minha postura
diante do mundo, nas minhas opções de vida, na minha espiritualidade, em meu encontro com
Deus e com a natureza.
A configuração dos capítulos desta dissertação divide-se em sete partes:
Capítulo I: Nesta primeira parte apresento minhas motivações pessoais e sociais para a
escrita deste trabalho, bem como a problematização e metodologia utilizada para a execução
da pesquisa.
Capítulo II: Apresento a primeira parte do diário de campo da pesquisa. Aqui estão os
conceitos do grupo-pesquisador a partir da técnica Os territórios das Africanidades.
Capítulo III: As técnicas Quadro Dinâmico das Africanidades e Tocando nas
Africanidades estão nesta seção, bem como os confetos produzidos pelo grupo expostos nos
estudos transversais Africanidades Diversas e Receitas das Africanidades.
Capítulo IV: Nesta parte do texto destaco a Contra-análise desta pesquisa, momento
onde são apresentadas as análises dos dados para um diálogo democrático com o grupo-
pesquisador.
Capítulo V: A Análise Filosófica da diversidade de confetos produzidos pelos/as
jovens estão neste capítulo. Destaco os confetos e o diálogo com os/as autores/as levando em
consideração a pluralidade dessa juventude e as realidades espaciais que estão inseridos.
Considerações Finais: Nos pensamentos conclusivos deste trabalho apresento as
contribuições dos confetos produzidos para a implementação da lei 10639/2003. E a indicação
dos/as jovens de alternativas de aplicação efetiva e afetiva da mesma.
Anexos: Composto de imagens que mostram o processo da produção dos confetos.
Portanto, para entender a tessitura de confetos das Africanidades na ótica juvenil,
convido você a percorrer os sons deste ensaio, com a paciência de quem tece uma colcha de
retalhos, tiras de memórias que fazem parte da história do povo negro, que ressignifica sua
história repleta de brasilidade.
14

CAPÍTULO I

REFERÊNCIAS PESSOAIS, TEÓRICAS E METODOLÓGICAS

Laroiê2

Com esta saudação peço licença a Exu, senhor dos caminhos, do movimento e do
corpo para iniciar a minha trajetória, o meu caminhar em busca das africanidades.

De acordo com Soares (2008, p. 37) Exu3, na visão nagô4 dos tradicionais
candomblés da Bahia:

é a principal entidade, não só do culto aos Orixás em que ele é a força dinâmica que
move o sistema mítico ancestral, como também na vida, no dia-a-dia que, segundo a
crença do povo de santo, é a energia que vitaliza as pessoas e de tudo o que existe.
Em resumo, sem Exu não tem movimento, logo sem ele não teríamos culto aos
orixás, nem vida para os seres.

Esse orixá que é um dos mais importantes do panteão africano tem uma característica
importante que é a polifonia, pois além de ser o responsável pela comunicação entre os orixás
é também o responsável pela comunicação entre os orixás e os seres humanos. “O Orixá das
portas e dos caminhos das múltiplas falas, é quem dá as senhas para que as portas cósmicas
sejam abertas e que assim possa haver uma comunicação entre os mundos, entre a realidade e
a magia.” (Soares, 2008, p. 85)

Neste sentido recorro a Exu e suas diversas faces de educador que abre caminhos para
me ajudar a utilizar a “boca coletiva” para pronunciar as palavras que significam e
ressignificam as africanidades e não repetir a linguagem dos opressores racistas. Estas
palavras, prenhes de significados, irão ecoar em todo o trabalho de diversas maneiras, pois
como diz um provérbio banto: A palavra fere e corta. Ela deforma e modula. Ela irrita,

2
Laroiê é uma saudação pertinente ao orixá Exu nos candomblés. Significa o bem falante e comunicador; Salve,
Exu!
3
Existem outros povos africanos que vieram para o Brasil e cultuavam Exu como os povos bantos que foram
trazidos para várias regiões do país e povos Fons do sul do Benin e da Nigéria.
4
Os povos nagôs também são chamados de iorubanos e vieram escravizados da África Ocidental para o Brasil,
inventando aqui o candomblé, religião de matriz africana que se espalhou por todo país, porém o candomblé não
é apenas de origem nagô. Tem muitas versões mesmo de
origem Iorubana, candomblés de origem Jeje por exemplo. Tem também o Vodu no Maranhão.
15

amplifica, apazigua, ressalta e rebaixa. Ela perturba, cura, torna doente e dependendo de sua
carga pode matar instantaneamente. Uma vez emitida não podemos mais segurá-la. Ela liberta
ou termina com tudo.
As palavras iniciais deste capítulo referem-se à minha trajetória de menina-mulher-
pesquisadora negra e minhas motivações para tecer esta pesquisa, seguindo da
problematização acerca das africanidades, da escolha dos co-pesquisadores (jovens negros/as)
a metodologia utilizada nesta investigação e o perfil do grupo-pesquisador.

A MENINA QUE BUSCA AS AFRICANIDADES

Nas vidas, o que nos interessa são as trajetórias, os percursos.


José Machado Pais

Desde criança as africanidades estão presentes na minha vida. Eu sou a mais escura
das minhas quatro irmãs. Posso lembrar de um dos insultos que faziam-me quando tinha uns
seis anos mais ou menos, “a neguinha do pajeú”. Isto por conta da figura de uma negra que
aparecia na propaganda de um óleo comestível da marca Pajeú, onde ela dançava em cima de
uma frigideira. E eu adorava esse apelido, mas eu não entendia por que a neguinha estava
dançando sobre a frigideira e porque ela era negra. Em casa, por mais que a minha mãe
proibisse, quando a minha irmã estava com raiva de mim, me “xingava de neguinha”, porque
para minha mãe isso era um apelido ruim.
Não me incomodava o fato de ser diferente, eu até gostava porque me identificava
com o cabelo e a cor da “neguinha” e dançava como ela, diferente das chacretes do programa
do Chacrinha, que também dançava como elas, mas que não tinha nenhuma parecida comigo.
O meu cabelo era o motivo de briga com minha mãe, pois ela queria pentear até ficar
bem comportado, segundo ela, lambido na cabeça. Eram vários penteados, todos com o cabelo
bem preso e cheio de creme para esconder como ele era realmente. Odiava pentear o cabelo
por causa disto.
Eu adorava escutar as histórias da minha avó e do meu tio João. Histórias sobre o
sertão, o Brejo, Quixeramobim, Primavera e até do Riacho do Tenente, lugares que se
localizam na região do sertão central do Ceará . Aquela que mais me marcou foi quando a
16

minha bisavó (Francisca da Conceição Nascimento) casou com o meu bisavô (João Cândido
Nascimento) e foi deserdada porque ele era preto e que na época do cangaço, o danado a
deixou e foi se juntar aos bandos que ali existiam, porém algumas pessoas dizem que ele era
branco.
Ele era preto ! Da mesma cor da Isabel, minha vizinha que sempre estava com o
cabelo seco e cheio de tranças que a mãe dela fazia. Como aqui no Ceará tem a história de que
o cabelo crespo não molha, eu queria saber porque o cabelo dela “não molhava”. Até tentei
deixá-lo molhado jogando um balde cheio de água nela, mas não consegui. Mesmo assim, eu
queria que a minha mãe fizesse aquelas trancinhas em mim, mas creio que ela não sabia fazer
aquele penteado. A família dessa menina era o alvo das brincadeiras racistas, na rua em que
eu morava.
Outra história interessante que até hoje me provoca, por ser recente em minha vida, é a
do meu avô materno, Francisco Vieira Nascimento. Reza a história que a família da mãe dele
(Clarinda Vieira Nascimento) era negra, cabocla como diz a minha mãe, e originária da
cidade de Mombaça. O nome do município tem uma ligação ancestral com o continente
africano, pois é o mesmo nome de uma das maiores cidades do Quênia - África. Fico
pensando, será que existe alguma relação entre a presença de negros nesta cidade e seu nome?
De onde vieram seus moradores negros ?
Segundo Benevides (1980) no fim do século XVII, o primeiro português que chegou
ao centro da Capitania do Seará Grande estivera antes em Mombaça, na África. Notando
grande semelhança entre aquela porção do território africano e a região cearense, deu a esta o
nome que até hoje é conhecida.
É oportuno também lembrar que esse território teve seu nome original substituído em
1851 quando os legisladores resolveram batizar o lugar por Maria Pereira, nome da sesmeira
proprietária destas terras na época das capitanias, e somente em 1942 retornou ao nome
original.
Na escola não tive muitos apelidos, geralmente estavam relacionados à minha
gargalhada estridente, mas percebia que existiam diferenças e preconceitos, fossem raciais,
econômicos, estéticos. Todas as colegas que faziam o papel principal nas encenações
escolares que retratavam os/as grandes personagens dos livros de história eram brancas. Este
traço forte de preconceito evidencia-se até hoje nos estabelecimentos de ensino.
Foi na 7ª série do ensino fundamental que descobri Moçambique, através de uma irmã
vicentina que foi visitar a escola em que eu estudava. Esta irmã tinha vivido numa missão
17

católica em Moçambique e relatava com entusiasmo como vivia e quem era aquele povo
distante que parecia ser diferente, mas que era tão semelhante a nós.
A escola também foi o espaço onde me apaixonei pela história e decidi ser
historiadora. Nesse lugar, conhecia os fatos e discutia a história, queria saber “o porquê” das
coisas, das realidades e das verdades construídas. A análise da história não era à toa, servia
para a mudança ou perpetuação da lógica vigente.
A Pastoral da Juventude me apresentou a condição juvenil, o mundo dos/as jovens. As
atividades e projetos realizados por esta pastoral extrapolam o meio eclesial. Na PJ comecei a
discutir os sonhos das juventudes e seus problemas, tais como: a falta de educação, saúde,
emprego e lazer, as relações de preconceito, o racismo e a violência. Conheci também os
movimentos sociais e juvenis que reivindicam políticas públicas para a juventude.
Foi nesse momento que fui seduzida para o trabalho com a juventude, no sentido de
contribuir para sua formação e construção do seu projeto de vida. Organizar os pequenos
grupos de discussão e vivência sobre os mais variados temas pertinentes a esta fase da vida é
o meu trabalho, tanto na escola como no Instituto de Juventude Contemporânea5, uma
organização não governamental de jovens que acompanho.
No curso de História da Universidade Estadual do Ceará - UECE estudei várias
disciplinas de História do Brasil e nenhuma delas aprofundava os temas étnico-raciais ou a
falácia da democracia racial, não havia uma disciplina que abordasse o continente africano e
sua contribuição na história da humanidade. A preocupação com a ancestralidade não fazia
parte do universo acadêmico.
A única experiência de trabalho que tive com os/as afrodescendentes na universidade
foi no final do curso, quando conheci a comunidade de pescadores do Balbino, Cascavel – Ce,
que lutou contra a especulação imobiliária e resistiu para continuar em sua terra, usando para
isso a arte, suas histórias e sua cultura.
Quando me tornei professora de história fui surpreendida com olhares e brincadeiras
por causa do meu jeito diferente de vestir, de usar alguns adornos mais artesanais. Os/as
alunos/as e professores/as intitulavam-me de cigana, macumbeira, índia, baiana, afinal uma
mulher com essa cor, estas roupas e balangandans não poderia ser cearense. Mesmo assim
os/as mais jovens se identificavam com o meu jeito e minha postura de professora gerando
uma boa relação dentro da sala de aula.

5
O Instituto de Juventude Contemporânea, mais conhecido como IJC é uma instituição criada em 15 de agosto
de 1999 por jovens oriundos das pastorais populares, que decidiram entre si ter um instrumento de ação direta
junto à juventude.
18

Na escola em que trabalho sou professora de história do ensino médio e acompanho


diariamente os/as adolescentes e jovens da periferia. Convivendo com os alunos e alunas
percebo nessa juventude algumas diferenças da apresentada pela mídia que trata esse grupo
como alienado, consumista, egoísta e violento. Essas diferenças estão nas diversas formas
como esses grupos juvenis se organizam e ressignificam seus espaços de cultura e lazer.
Neste sentido a história, a juventude e a minha relação com a ancestralidade são os três
pilares que estão presentes na minha vida e que me inquietam constantemente. Prova disso é
que nas celebrações que realizávamos no Dia Nacional da Juventude6 ou nas atividades dos
grupos de jovens, os sons dos tambores e atabaques despertava-me a vontade de dançar e
querer saber mais sobre meus ancestrais, fazer memória da vida e da luta do povo negro.
Antes da sanção da lei 10.639/20037, já realizava trabalhos pedagógicos, tanto
referentes aos indígenas e africanos. A referida lei altera a LDB, e estabelece as diretrizes e
bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a
obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, de forma transversal, com
ênfase na história, literatura e educação artística,
Os trabalhos pedagógicos referentes a essa temática eram: pesquisas de campo através
de visitas aos museus e ao território dos Tapebas, e bibliográficas, leituras de textos e
exibições de vídeos. Porém em relação à África ficava a desejar, principalmente por falta de
material. Perguntava-me se podia mudar ou pelo menos iniciar a discussão para a mudança
da visão que os/as alunos/as do ensino médio tinham em relação à África, pois para eles e elas
o continente era visto como pobre, cheio de doenças e como continente do qual só veio a
escravidão para o Brasil.
Em 2005 realizei um trabalho pedagógico com os/as alunos/as do 2º ano do ensino
médio sobre as religiões do mundo. Deparei-me com a rejeição maciça dos/das alunos/as ao
se negarem apresentar as religiões de matriz africana. Todas as outras religiões foram
apresentadas, menos aquelas ligadas à cultura africana. Fiquei muito decepcionada por achar
que o meu trabalho ao discutir tolerância, respeito e cultura tinha sido em vão, que essa
rejeição poderia ser devido à grande clientela de evangélicos no bairro ou porque não tiveram
a base no ensino fundamental. Aprendi que esse tipo de trabalho escolar não pode ser pontual,
deve ser contínuo para se alcançar o objetivo desejado.

6
O Dia Nacional da Juventude – DNJ é um a atividade permanente da Pastoral da Juventude no Brasil que
acontece sempre no último domingo do mês de outubro.
7
Em 10 de março de 2008 essa lei foi ampliada por outra, a 11.465/08 que mantém o mesmo teor,
acrescentando, porém o ensino também da cultura e história indígena no currículo escolar.
19

No mesmo ano, por conta da lei 10.693/2003, a Secretaria de Educação do Estado do


Ceará realizou um ciclo de palestras sobre as Africanidades, o qual participei e que
proporcionou a minha inscrição no Curso de Extensão em Educação – Africanidades Brasil8,
realizado pela Universidade de Brasília - UNB.
No curso, discutimos não só o texto da lei, mas aprofundamos questões como a
formação dos profissionais, as formas de implementação do ensino de história da África, que
disciplinas poderiam trabalhar a temática e também que material didático estava disponível
para o trabalho. Vimos que nós, professores, somos carentes de material didático que aborde
a temática, que não temos formação na área e que não sabemos como implementar essa lei
mas que já temos algumas iniciativas isoladas de trabalho nas escolas públicas envolvendo o
assunto.
Abordamos também os problemas do currículo, o racismo no ambiente escolar, o
continente africano em vários aspectos geográfico, histórico, cultural, político. Discutimos
saídas para que haja de forma efetiva e afetiva o ensino de história da África e cultura
afrobrasileira, fizemos também algumas tarefas que foram propostas para a ação direta na
escola.
A impressão que tive ao participar desses debates era de que estava esperando por eles
há muito tempo e enfim chegou o momento. Não poderia deixar passar a oportunidade.
A partir dessas atividades e discussões construímos na escola um projeto de uma
semana cultural com o tema Africanidades que foi realizada em 2006. Este projeto foi
elaborado por mim e aprovado pelo núcleo gestor juntamente com os demais professores. O
objetivo deste projeto era iniciar a discussão sobre o racismo na escola. A temática foi
trabalhada através de exposições nas salas de aula e apresentadas pelos alunos em forma de
maquetes, murais, painéis, cartazes, instrumentos musicais, produções escritas, dentre outras.
Realizamos também o desfile da moda africana com apresentação de cabelo, maquiagem e
vestimenta. Tivemos também apresentação de danças africanas e afrodescendentes, assim
como um desfile da beleza afrodescendente e sessão de cinema.
Eu sabia que existia racismo na escola e outras formas de preconceito, mas com a
atividade ficou nítida a reprodução desse preconceito com as piadas e reclamações de alguns
membros da comunidade escolar. Acredito que o objetivo inicial de começar a discussão
sobre o racismo foi alcançado. No ano seguinte realizamos a Semana da Consciência Negra,

8
Este curso integra o conjunto de ações do Programa de Ações de Educação Continuada de Ensino de História e
Culturas afro-brasileiras e Africanas. Tem como objetivo formar professores – multiplicadores (as) em
conhecimentos sobre a História da África e do negro no Brasil sendo capazes de formar cidadãos livres para
pensar o país na perspectiva da afirmação de sua identidade nacional.
20

com apresentação de painéis, concurso de redação, sessão de cinema, apresentação de danças


africanas e afrodescendentes e o desfile da beleza afrodescendente, em seu segundo ano.
Uma dificuldade encontrada durante esses dois anos de trabalho com a temática foi a
não adesão das chamadas matérias exatas, como Matemática, Física, Química e Biologia à
proposta, ficando apenas a cargo das disciplinas de História, Geografia, Língua Portuguesa,
Artes, Filosofia, e Sociologia o protagonismo da discussão. O problema se agrava quando
íamos fazer atividades com o ensino médio devido à mobilidade dos professores que não são
exclusivos da escola impossibilitando o acompanhamento aos alunos.
O grande sucesso da Semana Cultural de 2006 não impediu que ainda se ouvissem
depois, expressões de professores dizendo: “tinha que ser negro pra ser tão danado”. E de
frases do tipo “a bela atriz negra fulana de tal ...”, se fosse branca não falariam assim. É o que
Sodré (1999) considera da idéia de raça ser sempre o outro (negro) no processo de
miscigenação9.
Em 2007 conclui as aulas do curso de especialização em metodologias do ensino de
história. Envolvida com a temática das africanidades e diante das situações de racismo
vivenciadas na escola, fiquei curiosa em saber que conceitos os professores de história e de
outras disciplinas do ensino fundamental e médio teciam sobre as Africanidades quando
estimulados por linguagens não apenas verbais que aguçam o imaginário.
Nesse sentido decidi realizar uma pesquisa sociopoética como trabalho monográfico,
na expectativa de que através do método eu pudesse obter respostas significativas acerca da
temática favorecendo a participação de todos os saberes e considerando as questões do corpo,
emoção, razão e imaginação.
A Sociopoética é uma nova perspectiva teórico-metodológica que tem como objetivo a
construção de confetos - conceitos perpassados de afetos - a partir de um tema gerador e
utilizando técnicas artísticas pouco convencionais.
Meu interesse nesta pesquisa era descobrir até que ponto os/as professores/as podiam
produzir uma visão diferenciada dos estereótipos ou preconceitos acerca do que sejam as
africanidades, na expectativa de que essa conceituação os/as levassem a desejar apropriar-se
da história e da cultura africana e afro-brasileira no cotidiano da escola, como conteúdo não
apenas decretado por lei, mas necessário e instigante para eles e elas. Outro interesse era

9
Segundo Sodré em seu livro Claros e Escuros (1988), não se designa mestiço a filhos de franceses com
italianas, mas com certeza a filhos de africanos com francesas. Mostrando que essa palavra taxa o indivíduo a
um ser de segunda classe.
21

confrontar os conceitos que os/as professores/as produziram com as conceituações


estabelecidas de autores/as que vêm se aprofundando acerca da temática das africanidades.
As idéias produzidas pelos/as professores/as me levaram a refletir sobre a
possibilidade de dar continuidade à pesquisa sociopoética acerca das africanidades, tendo
como grupo-pesquisador os/as jovens negros/as.

PROBLEMATIZANDO NO MUNDO DAS AFRICANIDADES

Vê bem em que mato tu vais lenhar


Provérbio10

A História do Brasil está intimamente ligada à História da África, desde o início do


processo da colonização. Esta ligação deu-se por diversos fatores: a importação de produtos
comerciais africanos, o uso da tecnologia e pela vinda de um imenso contingente
populacional. A própria fauna e flora brasileiras também receberam muitos elementos
comerciais transplantados para cá. Todavia, esta relação ampla foi ignorada pela historiografia
devido à visão do negro como escravo, força de trabalho e inferior e pelos estereótipos
negativos atribuídos à África como exótica, primitiva, miserável, ignorante, violenta.
É comum ouvir expressões de pessoas afirmando gostar de artistas/escritores de
Londres, Paris, Lisboa e da África, reduzindo o continente a uma cidade ou país. Esse
discurso revela, segundo Zamparoni (2004, p. 40): “uma homogeneização da África e dos
africanos que reduz todo o continente, suas múltiplas culturas a um ‘tipo’ africano (...). Uma
homogeneização desumanizadora.”
Trajano faz a crítica às abordagens distorcidas da África que a apresentam como um
continente naturalizado, homogêneo e a-histórico. Segundo o autor, essas idéias foram
construídas pelo pensamento europeu a fim de “estabelecer diferenças entre os europeus
‘civilizados’ e os africanos ‘primitivos’, criando uma escala evolutiva entre o mais e o menos
primitivo, de modo à melhor governá-las.” (2004, p. 25).

10
De acordo com a profª Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva este é um dos provérbios ditos pelos mais velhos
da comunidade negra brasileira.
22

As idéias racistas já se evidenciam no discurso de alguns iluministas do séc XVIII,


como Voltaire, que compara o negro a um animal preto, que possui lã sobre a cabeça. O
próprio Hegel (apud Pereira, 2006, p. 09), no início do séc. XIX, ao escrever o seu clássico, A
Filosofia da História, afirma que a “África não é um continente histórico, não demonstra
nenhuma mudança, nem desenvolvimento”.
Concordo com Sodré, quando diz que Hegel ao afirmar que os negros não eram
capazes de promover o desenvolvimento, estava tão somente reproduzindo ideologicamente
“uma tradição de clichês identitários”.

Na verdade, o racismo tem a ver com o cerne cristão e imperial da cultura do


Ocidente – não é, portanto, de se estranhar que sejam racistas grandes figuras do
pensamento ocidental em épocas variadas, como Kant, Hegel, T.S. Eliot, Ezra
Pound e muitos outros. A equação racismo = colonialismo é perfeita. (SODRÉ,
1999, p. 150)

Essas teorias, ditas científicas, que proclamavam a inferioridade biológica dos negros
e de outros povos não brancos eram fielmente reproduzidas pelas elites européias e
brasileiras. A eurocentrização justificava a exploração e extermínio desses povos.

A construção eurocêntrica pensa e organiza a totalidade do tempo e do espaço para toda


a humanidade do ponto de vista de sua própria experiência, colocando sua
especificidade histórica e cultural como padrão de referência superior e universal. [...].
As outras formas de ser, as outras formas de organização da sociedade, as outras formas
de conhecimento, são transformadas não só em diferentes, mas em carentes, arcaicas,
primitivas, tradicionais, pré-modernas, o que, no imaginário do progresso, enfatiza sua
inferioridade. (LANDER, 2005, p.34)

A naturalização da sociedade liberal como a mais avançada, universal, científica,


inscrita dentro da normalidade humana não é uma construção recente, e está intimamente
ligada à idéia de modernidade européia construída ao longo da história e legitimada pelo
conjunto de saberes aparentemente neutros que estão no escopo das ciências sociais.
Lander (2005) afirma que é possível identificar duas dimensões explicativas dos
saberes modernos que contribuem para a sua eficácia neutralizadora. A primeira trata das
sucessivas separações ou partições do mundo real que ocorrem historicamente na sociedade
ocidental, e a segunda se situa na articulação saber-poder, especialmente nas relações
coloniais/imperiais de poder constitutivas do mundo moderno.
Estas fraturas do mundo subsidiam o pensamento colonial para a consolidação do
eurocentrismo, ou seja, a confirmação da Europa como centro do mundo desde a expansão
23

colonial do século XVI. Porém devemos salientar que esta idéia é errônea, pois o império
mais importante até os séc. XV e XVI foi o mulçumano. Como afirma Dussel (2005, p. 58):

Se algum império foi o centro da história regional euro-asiática antes do mundo


mulçumano, só podemos referir-nos aos impérios helenistas, desde os Seleusidas,
Ptolomaicos, Antíocos, etc. Mas, de qualquer modo, o helenismo não é Europa, e
não alcançou uma “universalidade” tão ampla como a mulçumana no século XV.

Desse modo, a diacronia unilinear Grécia-Roma-Europa é um invento ideológico de


fins do século XVIII romântico alemão. Dussel nos alerta que a África e a Ásia, usurpadas
pelo Império romano, eram culturas mais desenvolvidas que a grega que tinha clara
consciência disto.

Ninguém pensa que se trata de uma “invenção ideológica (que “rapta” a cultura
grega como exclusivamente “européia” e “ocidental”) e que pretende que desde as
épocas grega e romana tais culturas foram o “centro” da história mundial. Esta visão
é duplamente falsa: em primeiro lugar, porque, como veremos, faticamente ainda
não há uma história mundial (mas histórias justapostas e isoladas: a romana, persa,
dos reinos hindus, de Sião, da China, do mundo meso-americano ou inca na
América, etc). Em segundo lugar, porque o lugar geopolítico impede-o de ser o
“centro” (o Mar Vermelho ou Antiorquia, lugar de término do comércio do Oriente,
não são o “centro”, mas o limite ocidental do mercado euro-afro-asiático. (DUSSEL,
2005, p. 59)

Nesta concepção eurocêntrica colonizadora a negação do direito do/a colonizado/a é


diretamente proporcional à afirmação do direito do/a colonizador/a. A exploração destes/as
colonizados/as é baseada também nas práticas colonializadoras, que são diferentes de
colonialistas, pois colonizar é se apropriar compulsoriamente de um espaço pertencente a
outras pessoas, dominar política, econômica e socialmente esse lugar e aqueles que o habitam.
Colonializar “implica na imposição de um padrão cultural, epistemológico, de crenças,
valores e normas, com o intuito de dominar acima de tudo em seu aspecto cultural, simbólico,
imaginário, cognitivo-afetivo” (FIGUEIREDO, 2009, p.03) e porque não dizer corporal.
Neste sentido, dentro das colonialidades destacamos a colonialidade do poder que traz
a idéia de raça como categoria fundamental de classificação dos seres humanos, onde o
europeu seria a raça por excelência privilegiada.
De acordo com Quijano (2005) a idéia de raça na América foi forjada para legitimar as
relações de dominação impostas pela conquista colonial e converteu-se no principal critério
de classificação e distribuição da população mundial.
24

a posterior constituição da Europa como nova id-entidade depois da América e a


expansão do colonialismo europeu ao resto do mundo conduziram à elaboração da
perspectiva eurocêntrica do conhecimento e com ela à naturalização dessas relações
coloniais de dominação entre europeus e não-europeus. (Id, 2005, p.02)

Mecanismos como evangelização, modernização, desenvolvimento, globalização têm


como sustento a falsa concepção de que o padrão “epistemo-civilizatório europeu” é universal,
desenvolvido, superior e normal, sendo inevitável a modernização dos povos ditos atrasados,
subalternos, racialmente inferiores.
Segundo Figueiredo (2009, p. 03), “a colonialidade do poder se inscreve no escopo da
colonialidade do saber, com a qual se retroalimenta”. A colonialidade do saber considera o
referencial europeu como único modelo de civilidade e vida possível e nega aos povos
afrodescendentes e de outras descendências o conhecimento de suas histórias, culturas,
civilizações, modos de organização política, econômica e social, invisibilizando, desse modo, a
participação dessas populações na construção desse país.
Neste sentido, a educação na sociedade neoliberal capitalista está a serviço de quem?
Ou parafraseando Figueiredo (2009), em que medida a educação corrobora com estes
processos colonializantes ao favorecer a naturalização da cosmovisão eurocêntrica, como a
única válida?
Tratada como a única possível, a cosmovisão eurocêntrica reduz “as outras formas de
ser, as outras formas de organização da sociedade, as outras formas de conhecimento, não só
em diferentes, mas em carentes, arcaicas, primitivas, tradicionais, pré-modernas, o que, no
imaginário do progresso, enfatiza sua inferioridade.” (LANDER, 2005, p.34)
A visão da África como um continente a-histórico é reproduzido em nossas salas de
aula à medida que trabalhamos o continente apenas a partir do colonialismo do século XV e
XVI, sendo “apresentada aos alunos separada em duas ou três faixas étnico-geográficas-
linguísticas de onde sairiam os escravos.” (OLIVA, 2004, p. 31).
Soma-se ao problema dos livros didáticos, a falta de formação dos professores. A
maioria dos profissionais de história e áreas afins não teve contato com disciplinas específicas
sobre a História da África. Há uma carência imensa de conhecimentos sobre a cultura e a
história da África e dos afrodescendentes.
Permanece a falsa idéia de democracia racial, esta narrativa ideológica nega a
desigualdade racial, conseqüentemente o racismo, afirmando que entre negros e brancos
existe uma igualdade de oportunidade.
25

A falácia da democracia racial nos impõe uma representação romântica da mestiçagem


e reforça a idéia de um negro passivo, doce, maternal e subserviente, minimizando a violência
do sistema escravocrata, como se a escravidão fosse um fato suportável e a resistência
inexistente. Nega séculos de conflitos, lutas, estupros e assassinatos. O contraditório dessa
idéia é afirmar que o povo brasileiro é formado por três “raças”, mas apenas uma, a dos
brancos, é claro, se apresenta como detentora do processo civilizatório, utilizando assim, esse
falso discurso democrático para obter o controle étnico, sexual e social do povo, a fim de
eliminar as lutas dos negros e índios.

Permanece a confusão implantada que mistura os fatos biológicos, a mestiçagem,


com os fatos políticos, a práticas de racismo. Dizemos que a mestiçagem não
mestiçou as contas bancárias e nem as posses de terras e, portanto, não resultou em
melhorias efetivas para a população negra. Os filhos nascidos da relação entre as
escravizadas e os escravizadores continuaram escravizados. Esta é uma das marcas
do conservadorismo brasileiro. A mestiçagem não deu motivo para o acesso à
liberdade e à propriedade. Muito menos à dignidade humana roubada pelo
escravismo criminoso. (CUNHA, 2008, p. 08)

A contribuição dos africanos e afrodescendentes na história do Brasil é invisibilizada. A


ausência e as distorções desta história nos leva ao desconhecimento e desvalorização de nossas
raízes africanas, contribuindo diretamente para o enraizamento das idéias racistas em nosso país.
A situação no Ceará ainda é mais grave, pois em nome da miscigenação afirma-se que
não existem negros no estado. Outras justificativas são apresentadas, tais como: a primazia na
abolição da escravatura e a pequena porcentagem de negros devido o Ceará ter-se dedicado
mais à pecuária do que à indústria açucareira durante o período do sistema escravista. Assim,
não se leva em consideração que os africanos e seus descendentes trabalhavam numa maior
diversidade de setores da economia, inclusive como libertos. Só recentemente é que alguns
historiadores como Funes e Ribard (2008) vêm desconstruindo a versão de que o Ceará teve
pouca mão de obra negra. Esclarece Funes (2004 P. 104):

Na medida em que as fazendas de criar vão sendo estabelecidas ao longo dos rios,
que se configuram como caminhos naturais para a ocupação do sertão, os negros
também foram ocupando estes espaços, não só como cativos mas como
trabalhadores livres, como proprietários (...) No início do século XIX, a presença de
afro-brasileiros por estas terras cearenses já era significativa por estas terras
cearenses, onde negros e pardos libertos somavam 60,7% de uma população total de
77.375 habitantes. Neste universo, a população negra e parda cativa, somava 12.254;
ou seja, 15,8% da população.
26

Na historiografia cearense a abolição da escravatura foi um dos grandes marcos


enaltecido pelas elites, que tratavam o fato como negócio de branco, visto que os negros eram
considerados incapazes de tal feito.
A libertação dos escravos se configura como um avanço político e econômico para as
próprias elites enquanto para os cativos restava-lhes uma liberdade com sérias restrições.
Segundo Funes (2004. p. 132), “a abolição nos moldes em que foi realizada, permitiu a
passagem de uma coerção predominantemente física do trabalhador para uma coerção
predominantemente ideológica.”
De acordo com Nyamien (1999, p. 119):

O não reconhecimento das afrodecendências e o discurso ideológico fundado na


história oficial, contada sob a óptica do dominador, reforçam a visão eurocêntrica e
podem induzir determinados pressupostos a respeito da inferioridade de grupos
étnicos.

Existe uma invisilibidade da presença e contribuição das culturas africanas no Ceará,


havendo uma estreita relação entre a negação da importância cultural africana e o racismo.
Em contraposição as essas visões da África e dos afrodescendentes estão as idéias de
autores importantes (Kabengele Munanga, Henrique Cunha e Petronilha Silva) que utilizam o
conceito de africanidades como elementos e manifestações da diversidade cultural africana
ressignificadas na cultura brasileira.
De acordo com Cunha (2001) as africanidades são reelaborações sistêmicas e
dinâmicas da diversidade cultural africana, produzidas num diálogo com as culturas de outras
etnias presentes no Brasil.
Outra autora importante é Gomes (2003), ao afirmar que a produção cultural oriunda
dos africanos escravizados e posteriormente dos afrodescendentes - que é resultado da
recriação das africanidades no Brasil, - influencia efetivamente na construção das identidades
dos sujeitos socialmente classificados como negros.
A autora intitula de cultura negra,

uma particularidade cultural construída historicamente por um grupo étnico/racial


específico, não de maneira isolada, mas no contato com outros grupos e povos. Essa
cultura faz-se presente no modo de vida do brasileiro, seja qual for o seu
pertencimento étnico. Todavia, a sua predominância se dá entre os descendentes de
africanos escravizados no Brasil, ou seja, o segmento negro da população. (Id, 2003,
p.77)
27

Concordo com Gomes que a cultura negra está impregnada de elementos das
africanidades, tais como: a estética, a consciência cultural, a corporeidade, à musicalidade, a
religiosidade e a vivência da negritude e que esta possibilita aos negros a construção de um
“nós”, de sua história e identidade.

A herança ancestral africana recriada no Brasil – e que chamamos de cultura negra –


orienta e traz inspiração para os negros da diáspora. Sempre sob formas diferentes,
essa herança está entre nós (e em nós) e se objetiva na história, nos costumes, nas
ondas musicais, nas crenças, nas narrativas, nas histórias contadas pelas mães e
pais/griôts, nas lendas, nos mitos, nos saberes acumulados, na medicina, na arte
afro-brasileira, na estética, nos corpo. Muito desse processo acontece de forma
inconsciente. (Ibid, p. 79)

Esta cultura só pode ser entendida na relação com as outras culturas brasileiras. É
nesse movimento que se materializam as trocas, as significações e ressignificações que
impregnam a vida de todos nós, negros e não negros.
Souza (2006) afirma que parte da juventude negra vem ressignificando espaços de
tradição e de cultura negra em suas diversas formas de preservação e manifestação,
expressando com o corpo essa ancestralidade.
Considero o corpo negro, um veículo performático dessa pluralidade de expressões,
elementos e territórios próprios das africanidades brasileiras. E nesses corpos que são
educados em signos africanos/afrodecendentes, enfatizo o cabelo como ícone identitário.
Minha mãe sempre diz que o cabelo é a moldura do rosto. Concordo que o cabelo é
“um veículo capaz de transmitir diferentes mensagens, por isso possibilita as mais diferentes
leituras e interpretações” (GOMES, 2002a, p. 15) que extrapolam a esfera individual e se
transformam em representações coletivas.
O cabelo é um dos elementos mais visíveis do corpo. Como ícone identitário,
apresenta variadas formas de tratamento, manipulação e simbologia que diferem de cultura
para cultura.
Para Gomes (2006) o cabelo crespo e o corpo são símbolos que possibilitam uma
construção social, política, cultural e ideológica da beleza negra, sendo a sua intervenção uma
questão de identidade, pois:

o cabelo do negro, visto como ‘ruim’, é expressão do racismo e da desigualdade racial


que recai sobre esse sujeito.(...) Por isso, mudar o cabelo pode significar a tentativa
do negro de sair do lugar da inferioridade ou a introjeção deste. Pode ainda
representar um sentimento de autonomia, expresso nas formas ousadas e criativas de
usar o cabelo. (Ibid, p.21)
28

O cabelo é um tema muito presente para as/os jovens negras/os que gastam muito
dinheiro para ter um “cabelo bonito” que agrade seus olhos e os olhos dos outros. Por isso
nessa moda de interculturalidade funcional11, são constantes os anúncios de revistas negras ou
não sobre produtos para o cabelo.
Dessa forma, a branquitude tenta colocar a mão na nossa cabeça e nos transformar em
negros desbotados, porém, se depara com a expressão estética do nosso ori, símbolo de
identidade negra.
O Ori na tradição Yoruba significa literalmente cabeça, a mais importante divindade
na constituição do ser. Único que vem do Òrun para o Àiyé12 junto com o ser e com ele fará a
viagem de volta. E orixá, Ori (sa), significa a coroação da nossa cabeça.

A cabeça, chamada de ori, é uma das partes mais importantes do corpo. Ela é a
primeira que se vê dentro da bolsa de água durante a gestação. Não se pode esquecer
que é dentro dela que se encontram todas as condições e possibilidades para o
desenvolvimento da pessoa, o odu. A cabeça significa começo, remete aos
primórdios (...). Possui um significado tão grande que é comum ouvir-se dizer:
“antes mesmo do orixá nascer, a cabeça já era”. Essa seria a razão pela qual ori é
adorado por cada pessoa como um elemento fundante. (SOUSA JUNIOR, 2002, p.
130)

O cabelo como representação do Ori simboliza um complexo sistema estético da


identidade negra se configurando tanto como técnica corporal, como comportamento social e
religioso, pois a coroação da nossa cabeça tem uma forma e um jeito de ser próprio dos
nossos ancestrais, mas que é também ressignificado pela juventude.
Os corpos e a manipulação dos cabelos são depósitos de memória. Por mais que as
raízes africanas tenham sido abafadas, invisibilizadas e desqualificadas, carregamos em nossa
memória ancestral corporal as marcas simbólicas que nos remetem à ascendência africana.
Portanto, a corporalidade negra, inter-relacionada com a estética, o cabelo, o
movimento e a musicalidade representa, através da sua performance, um jeito jovem de
resistir ao racismo banalizado, denunciando a falsa democracia racial e de ressignificar a
cultura ancestral africana e afrobrasileira.

11
De acordo com Catherine Walsh a interculturalidade funcional busca promover o diálogo da convivência e
tolerância como objetivo de inclusão sem discutir as causas dessas assimetrias culturais e políticas, ou seja,
reconhece as diferenças sem atingir, é claro, seus conflitos, mas como forma de manter a estrutura capitalista e
neoliberal de consumo, daí os produtos para grupos subaltenizados, mas potencialmente (em alguns casos)
consumidor.
12
Como escreve Kuisam Regina de Oliveira (2008), Òrun é o céu, mundo sobrenatural, mundo dos orixás, cada
um dos nove mundo paralelos da concepção yorubá, dimensão do supra-sensível e Àiyé significa terra, mundo
dos homens, dimensão da matéria física.
29

PORQUE PESQUISAR COM JOVENS NEGROS/AS ?

Que bloco é esse? Eu quero saber


É o mundo negro que viemos mostrar pra você.
Que bloco é esse? Eu quero saber?
É o mundo negro que viemos mostrar pra você.
Ilê Ayê - O Rappa

Por que estudar as Africanidades a partir da juventude negra ? Esta é uma pergunta
pertinente. Trato aqui dos/as jovens negros e negras, em especial os de Fortaleza, suas
diversas realidades.
Entendo juventude como conceito construído histórica e culturalmente que precisa ser
estudado no contexto da dinâmica das relações sociais em um tempo e espaço determinado. É
uma categoria social diferenciada em suas ações, condição social, sexual, de gênero, de
valores, localização geográfica, de classe, entre outras.
Segundo Dayrell apud Silva (2008, p. 24) a juventude, “não se reduz a um momento
de transição, a um tempo de prazer e de uma fase de crise dominada por conflito com a auto-
estima e/ou personalidade. (...) embora não seja fácil construir uma definição da juventude
enquanto categoria, podemos entendê-la, ao mesmo tempo, como uma condição e um tipo de
representação”
A pesquisa acerca da juventude negra é um desafio, pois há poucas experiências de
pesquisa sobre esse assunto, quanto mais a sua relação com as africanidades, fato constatado
na especialização em juventude13 que terminei em 2008. Existe uma diversidade de
juventudes e uma realidade diferenciada dos jovens negros. Não sabemos se essa diversidade
influencia na visão de africanidades ou como são construídas as identidades desses jovens,
muito menos qual sentido fazem as africanidades para essa geração de negros, que expressões
da ancestralidade marcam as identidades da juventude ou se a diversidade de jovens negros
tem nas africanidades a expressão de sua cor.
De acordo com Passos (2005, p.55):

A ausência da variável racial em pesquisas que têm as desigualdades sociais e


populações como foco indica alguns fatores já conhecidos para quem se dispõe a

13
O curso de pós-graduação em adolescência e juventude contemporânea é uma ação coordenada pela Casa da
Juventude Pe. Burnier (CAJU) em convênio com a Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), do Centro
de Estudos Superiores da Companhia de Jesus. Seu objetivo é aprofundar o conhecimento teórico, prático e
científico sobre a adolescência e juventude contemporânea.
30

estudar relações raciais no Brasil. Em primeiro lugar, está colocado o “mito da


democracia racial”, (...) aceito e assimilado tanto pela sociedade civil quanto pelo
meio acadêmico. Um outro fator é a leitura clássica de que somente as relações de
classe explicam as desigualdades existentes na realidade brasileira, impedindo uma
visão que identifique os sujeitos pesquisados como sujeitos raciais ou de gênero,
como se esses dois elementos fossem desnecessários para a interpretação da
realidade ou não fossem constituídos da realidade social que está sendo investigada.

Nesse sentido, abordar essa temática se torna necessário, na tentativa de reconhecer a


juventude negra como protagonista da construção de uma sociedade que valorize os/as
negros/as e a matriz africana como referenciais de brasilidade.
Segundo Santos, Borges e P. Santos (2005), a pesquisa “Perfil da Juventude
Brasileira” constatou que dos 34,1 milhões de jovens brasileiros, 47% são negros14, ou seja,
16 milhões de jovens pretos e pardos.
A referida pesquisa evidenciou também uma característica no mínimo interessante,
que “as camadas sociais vão embranquecendo na medida em que sobem a pirâmide social”
(Id, p.292).
Esse fato não é de se estranhar, pois a sociedade do espetáculo ideologizada pela mídia
impõe um modelo estético e sinalizador de um status social almejado. Um modelo idealizado
com uma figura branca, de cabelo liso, magra e com roupas de marca, esta é a visão da beleza.
Concordo com Abramo ao dizer que a roupa é um símbolo do ingresso do jovem nos
espaços sociais das cidades sendo essa também, uma das questões centrais para os/as jovens
negros/as. De acordo com a autora, “a busca de exibir sinais seguros e visíveis de
pertencimento a um determinado grupo faz parte do processo de definição de identidade
característico dessa fase”. (1994, p.71)
A ideologia racial branca faz da brancura algo universal. Quem não está no padrão
branco de ser é inferiorizado e invisibilizado, neste sentido uma parte dos/as jovens
negros/negras passam a desejar uma realidade contrária a que vivem, repudiando sua própria
cor, seus ancestrais e sua existência.
Souza (2005, p. 06) esclarece que:

Tudo aquilo que lembra sofrimento precisa ser apagado e se o corpo for visto como
objeto de sofrimento e não como fonte e local de prazer, ele acabará sendo
repudiado. A amargura, o desespero e revolta pelas diferenças em relação ao branco
acabam se transformando em ódio pelo próprio corpo. E então, o negro adota para
si os valores do branco e esquece sua própria história.

14
De acordo com os autores deste artigo o movimento Negro ressignificou a palavra “negro” por meio da ação
política-cultural e estética da negritude, um movimento da década de 1970, que valorizou os traços da cultura
africana que se manifestam na música, na religião de matriz africana, na dança, na culinária, na rejeição e
protesto contra a preponderância da cultura e matriz européias.
31

Outro dado revelador da pesquisa acima citada é que os/as jovens brasileiros/as
reconhecem as desigualdades sociais e entre elas as decorrentes do racismo. Neste sentido
podemos elencar algumas questões para esta categoria social.
A primeira, tratando a juventude negra como um problema social para a elite branca.
Essa idéia de juventude como problema surge nos estudos da Escola de Chicago e se
desenvolve a partir da Teoria do Rótulo.
Como afirma Zaluar (2003, p.178), essa corrente:

tomou por objeto de estudo o processo de rotulação dos jovens que moravam em
guetos ou bairros pobres, focalizando principalmente as práticas governamentais,
policiais e judiciais que classificavam os jovens de etnias inferiorizadas ou de
camadas pobres como ‘delinqüentes’, embora fossem apenas adolescentes ou jovens
vivendo conflitos próprios de sua idade naquilo que Matza (1969) chamou de drift
(estar à deriva).

Essas idéias explicam as formas de repressão e detenção que a sociedade impõe aos
jovens empobrecidos que em sua maioria são negros/as, evidenciando o racismo arraigado nas
pessoas. De acordo com Santos et al (2005, p. 301):

A segurança pública no Brasil é uma atribuição do Estado, porém diante da juventude


negra e pobre ela exerce um papel mais repressivo e menos de seguridade social. A
abordagem policial na periferia das grandes cidades está em grande parte
comprometida com a situação de extermínio da juventude negra.

Em 2002, segundo os dados do Ministério da Saúde, morreram no Brasil 28 mil jovens


de 20 a 24 anos, sendo que 80,5% deles eram do sexo masculino. E como afirma Bento e
Beghin (2005) isso se justifica por uma combinação de fatores tais como: racismo, pobreza,
discriminação institucional e impunidade.

Essa relação não é fruto do acaso; distorções como a “presunção de culpabilidade”


em relação aos negros resultam em ações que promovem a eliminação pura e
simples dos suspeitos, violando os direitos humanos e constitucionais desses
jovens. Ações que de tão recorrentes e banalizadas denunciam um processo
silencioso de eliminação desse grupo da população. (Id, p. 02)

É fato que ao abrirmos os jornais, as manchetes mostrem a violência cometida pela


juventude ligada ao perfil étnico e socioeconômico. Para Kehl, a violência não é sintoma
apenas da classe oprimida, mas é um reflexo do conjunto da sociedade. “O adolescente ‘sem
lei’, ou à margem da lei, é efeito de uma sociedade em que ninguém quer ocupar o lugar do
32

adulto, cuja principal função é ser representante da lei diante das novas gerações,” (2004, p.
96)
Uma segunda questão é retratada pela pesquisa, afirmando que a juventude negra é
suscetível a falácia da democracia racial que nega as desigualdades raciais e afirma que a
mestiçagem resolveu os problemas das relações étnicas no Brasil. Todavia, ao negar o
racismo, ele perpetua os estereótipos e preconceitos sobre os grupos étnicos marginalizados,
pois somos levados a pensar que se existe igualdade de tratamento, as desiguais posições
socioeconômicas são resultado da incapacidade de negros e índios que possuem culturas
subalternas.
De acordo com Machado (2000, p. 54):

A análise da realidade exige um adequado e ilustrativo marco histórico. Em geral,


atribui-se a situação de exclusão dos afrodescendentes unicamente ao seu passado
histórico de escravizados, o qual sem dúvida tem uma influência profunda e
determinante, mas existe um processo de construção da ideologia racista que sustenta
os instrumentos causadores dessa exclusão”

No Ceará ainda insistem em dizer que não existem negros em nome da falsa
democracia racial e da miscigenação. O ideal de morenice paira sobre os jovens cearenses.
“Será preciso que a juventude negra grite, cante, denuncie para que a sociedade brasileira
compreenda que o recorte racial nos possibilita a enxergar que os condicionamentos sociais e
políticos incidem de maneira diferente sobre os jovens negros e brancos ?” (GOMES, 2002b,
p.73)
Contradizendo a idéia errônea acima citada, apresento a pesquisa Retratos da Fortaleza
Jovem. Esta ação foi uma iniciativa do Instituto de Juventude Contemporânea (IJC),
desenvolvida em parceria com a Prefeitura Municipal de Fortaleza (Assessoria de Juventude
do Gabinete da Prefeitura de Fortaleza) que visava conhecer, identificar e mapear as
juventudes da cidade, suas demandas e anseios, a fim de subsidiar o poder público e a
sociedade civil na construção de políticas públicas voltadas para os segmentos juvenis. A
população objeto da pesquisa foi constituída por 636.425 jovens do sexo masculino e
feminino com idade variando de 15 anos a 29 anos, residentes no município de Fortaleza. Os
dados relativos à distribuição da idade na faixa etária de 15 a 29 anos foram obtidos nos
registros do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. A amostra é de 1.734
sujeitos foi distribuída pelos bairros em função da proporção de jovens do sexo masculino e
feminino, nas faixas de idade de 15 a 19 anos, de 20 a 24 anos e de 25 a 29 anos.
33

Esta pesquisa evidenciou que mais da metade dos jovens fortalezenses são negros15 e
pardos (65% dos entrevistados). Porém é interessante notar que aqueles autodeclarados negros
são 13,7%, pardos 51,3% e brancos 28,6%. E ao serem indagados sobre sua ascendência
étnica, considerando as combinações de cor e etnia dos avós e dos pais, os mesmos
responderam que ascendência somente negra eram apenas 4,1% e só branca 14,4%, enquanto
a combinação negros e brancos foi de 58,9%.
Se por um lado devemos estranhar que a ascendência negra seja menor do que o
número de entrevistados de origem negra, da mesma forma é confuso que o número de
brancos seja inversamente proporcional a sua ascendência. O fato é que uma boa parte dos
jovens fortalezenses reconhece os traços negros em sua identidade.
Em relação ao procedimento da pesquisa, acredito que o uso do termo negro em vez de
preto como é comumente utilizado pelo IBGE contribuiu para a confusão dos jovens ao
declararem sua cor/etnia. Para o movimento negro e comungo com essa idéia, pardos e pretos
são considerados negros. Desse modo pergunto: Como analisar uma pesquisa que reduz o
conceito de negro a uma cor específica ? Seria muita ingenuidade dos organizadores ou mais
uma vez a falácia da democracia racial e o branqueamento estão sendo reafirmados ?
Sobre o censo brasileiro, Andrews (2007, p. 191) afirma que:

A pesquisa nos dados dos censos brasileiros sugere que, dos indivíduos que se
identificaram como pretos nos censo nacional de 1950, 38% se reclassificaram como
pardos no censo de 1980, o que ajuda a explicar o aumento marcante da população
parda durante esses anos e o declínio relativo da população preta.

Santos (2006) também constata que ao compararmos os censos demográficos, do


período de 1940 a 1980, há uma tendência de “pardização” da população, notando-se uma
diminuição proporcional tanto de pretos como de brancos, sendo esta distribuição feita de
forma heterogênea pelo território nacional.
O amorenamento demográfico eleva a cor parda a uma categoria assumida pela
maioria dos afrodescendentes no decorrer do tempo. Esta categoria racial/social intermediária
entre pretos e brancos se torna uma válvula de escape para os que têm dificuldades em afirmar
a sua negritude. Esse fato pode ser uma das explicações para que os/as jovens fortalezenses
fiquem confusos ao declarar sua origem étnica, afinal um estado que afirma a invisibilidade
dos negros, só poderia ter no máximo pardos entre a população juvenil.

15
A pesquisa Retratos da Fortaleza Jovem optou ao fazer o questionário de usar o termo negro contrariando as
pesquisas do IBGE que utilizam preto como categoria.
34

Ainda de acordo com esta pesquisa, apenas 9,9% dos jovens negros estão cursando a
universidade e em sua maioria estudam em escola pública (entre o ensino fundamental e
médio). Muitos dos jovens param de estudar no ensino médio, 54,5% dos pardos e 14,4% dos
negros Do total destes jovens 65,6% estão desempregados, sendo apenas 34,4% os que estão
trabalhando.
De acordo com Souza, os “atuais indicadores sociais sobre a educação demonstram a
existência de uma estreita relação entre a realidade sócio-histórica e a exclusão escolar dos(as)
alunos(as) negros(as), agravada à medida que aumentam os anos de escolarização” (2006, p.
85)
No mundo do trabalho a pesquisa revela que a discriminação cotidiana também se faz
presente, pois na competição por uma vaga no mercado de trabalho a juventude negra
defronta-se com um mecanismo racista e discriminatório, que vulgarmente chamamos de
processo seletivo no qual ter “boa aparência” e um “bom currículo” são os requisitos
fundamentais para a admissão ao emprego.
É alarmante a constatação da pesquisa acima citada que pergunta “o que é melhor
como jovem: ser homem ou ser mulher ?” e 75% dos jovens negros (entre meninos e
meninas) afirmam que é melhor ser homem, evidenciando um profundo desequilíbrio entre a
participação feminina na sociedade fortalezense e o seu reconhecimento enquanto categoria
social.
Estas estatísticas me levam a pensar que se as mulheres são subalternizadas, a situação
da mulher negra é pior ainda. A invisibilidade das mulheres negras forcluiu de nossa história a
luta e a resistência dessas guerreiras bem como sua contribuição cultural.
De acordo com Carneiro (2000, p. 01) a idéia de democracia racial no Brasil:

mantém as mulheres negras prisioneiras dos estereótipos construídos no período


colonial pelo gênero dominante: historiadores, romancistas, poetas, retrataram, no
mais das vezes, as mulheres negras ora como trabalhadoras adequadas a serviços
desumanizantes, ora como mulheres lascivas e promíscuas. Imagens reproduzidas
ad nauseaun no imaginário social: a bestialização da mãe-preta, por exemplo, e a
exacerbação da sexualidade da “mulata” são imagens fartamente exploradas nas
representações sociais da mulher negra. Oposto da mulher branca deificada como
musa, santa para ser exaltada e adorada.

Nesse sentido, posso dizer que os jovens evidenciaram através da sua reposta saber
que nesta sociedade ser homem, mesmo sendo negro, é menos ruim do que ser mulher e negra
ou seja as negras vivenciam triplamente a opressão: de gênero, de raça e de classe. Afinal, a
diferença entre negros e brancos impressa no corpo serviu para encobrir intencionalidades
35

econômicas e políticas e também na formulação de um padrão de “boniteza” e de “feiura” que


nos persegue até os dias atuais.
Em relação à questão da violência já abordada neste texto, é no mínimo interessante
notar que mesmo a temática sendo uma das maiores preocupações para os jovens (50,7% para
pardos e 11,1% para negros), a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos é também
aprovada pela maioria dos jovens pardos e negros (50,3% e 14,4% respectivamente). O fato
de que com a redução da maioridade se terá um agravamento da violência juvenil não foi
suscitado nas respostas dos entrevistados, ou pelo menos não se observou qualquer brecha na
pesquisa.
Esta informação é relevante à medida que as respostas dos entrevistados podem ser
consideradas internalizações de representações sociais. Como afirma Pais (1996, p. 102) “a
informação que nos é dada através das entrevistas não nos dá a realidade (...). O que obtemos
são produtos lingüísticos – o que se diz. Mas o que se diz pode não corresponder ao que se
pensa ou ao que se faz.”
Ainda sobre violência a pesquisa municipal verificou que são os jovens negros (36%)
que em sua maioria são abordados de forma violenta (moral ou física) por policiais.
Confirmando o diagnóstico do início do texto que estabelece uma estreita ligação entre
violência – juventude – racismo.

O CAMINHO SE FAZ AO CAMINHAR16

É um jeito de pesquisar
Que não despreza a prédica
Busca bem mais que a razão
Isto é sociopoética.

Pesquisar que não se perde


Em uma trama hipotética:
Quer todo o saber sensível.
Isto é sociopoética.

Tudo o que o corpo sabe


Em pulsação energética
E que não cabe na fala
Isto é sociopoética.

16
A inspiração para este título veio do livro “O caminho se faz ao caminhar: elementos teóricos e práticas na
pesquisa qualitativa, organizado pelas profªs Maria Nobre Damasceno e Celecina de Maria Vera Sales.
36

Uma pesquisa que mergulha


Numa procura estratégica
Dos saberes reprimidos
Isto é sociopoética.

Pesquisar onde a temática


É de abrangência eclética
Mas um tema é gerador
Isto é sociopoética.

Pesquisar onde os conceitos


Têm uma leitura anti-hermética
Atravessada de afetos
Isto é sociopoética.

Pesquisar onde a escuta


Não se permite cosmética:
Mergulha no ser pensante
Isto é sociopoética.

Use a criatividade
Com exuberância atlética
Mas se não der, não desista
Isto é sociopoética.

Para saber que conceitos os/as jovens negros/as tecem sobre as africanidades a partir
da realidade que estão inseridos/as recorri a Sociopoética por ser um método que propicia a
produção de novos conceitos chamados confetos, que são misturas de conceito e afeto, a partir
de um tema gerador e que potencializa o grupo como elaborador de conhecimentos,
constituindo-se co-participante da pesquisa.
A Sociopoética é um método de pesquisa criado por Jacques Gauthier17, filósofo e
pedagogo francês, tendo como base sua experiência com os Kanak, povo indígena de Nova-
Caledônia, no Pacífico.
Como afirma Gauthier e Petit, “A pesquisa sociopoética é um novo método de
construção coletiva do conhecimento que tem como pressupostos básicos que todos os saberes
são iguais em direito e que é possível fazer da pesquisa um acontecimento poiético” (2005,
p.1).
A pesquisa sociopoética é uma alternativa aos engessados métodos institucionais que
privilegiam apenas a objetividade científica em detrimento dos saberes coletivos e populares,

17
Jacques Gauthier criou o método sociopoético a partir de suas experiências sindicais com os povos Kanak na
luta pela independência contra o colonialismo francês e instituindo escolas próprias com pedagogias que
integram os saberes ancestrais aos conhecimentos científicos.
37

pois o público alvo não é apenas objeto de pesquisa, mas também um “grupo-sujeito, autor e
ator do conhecimento” (Id, 2005, p. 04).
O diferencial deste método está no fato de propiciar a produção do pensamento do
grupo-pesquisador através da produção de confetos, pois o grupo alvo é convidado a se
transformar em co-pesquisador, participando de oficinas organizadas pelo/a pesquisador/a
oficial. Nessas oficinas os/as co-pesquisadores/as são levados/as a produzirem seus conceitos
acerca do tema gerador (aqui africanidades) mediante linguagens artísticas e/ou simbólicas. O
resultado são conceitos perpassados pelos afetos suscitados pelo estranhamento gerado pelas
técnicas pouco convencionais.
O motivo da escolha do método se dá também porque já realizei uma pesquisa anterior
com professores/as. E com a sociopoética estes produziram uma diversidade de conceitos
sobre as africanidades, diferentes, até, dos autores peritos no assunto. Eles também
reconheceram que a pesquisa sociopoética proporcionou um sentimento de auto-estima e de
valorização do que foi construído ao se reconhecerem nos confetos. E de que para o trabalho
com os/as alunos/as o método é importante para a percepção e formulação de novos conceitos
diferentes de textos e conceitos já existentes.
Este método é formado por cinco princípios norteadores sendo o grupo-
pesquisador o mais importante deles, co-responsável pela produção do conhecimento coletivo.
O segundo princípio tem como finalidade favorecer a participação das culturas de resistência,
seguido pelo terceiro, que considera o corpo, a emoção, a razão e a imaginação como fontes
de conhecimento.
O quarto princípio é a utilização de técnicas artísticas que propiciam a produção
dos dados pelo grupo. “Se espera que elas façam emergir os não ditos do grupo-pesquisador,
que elas favoreçam a análise coletiva e crítica de dimensões pouco aparentes ou totalmente
recalcadas na vida instituída” (Ibid, 2005, p. 02).
Finalmente, o último princípio destaca a responsabilidade política, ética e
espiritual do grupo em toda sua pesquisa.

Pensamos que, a fim de atingir tal intento, os cinco princípios da Sociopoética


convergem simultaneamente para o objetivo de potencializar o grupo-pesquisador
enquanto filósofo ou intelectual coletivo que cria pensamento mediante confetos
(conceitos perpassados de afetos), realizando assim uma produção que o singulariza
perante outras práticas grupais, notadamente com relação à pesquisa participante e
pesquisa-ação. (ADAD e PETIT, 2009, p 01)
38

Uma pesquisa sociopoética se realiza através de alguns momentos que são etapas
do trabalho de investigação. O primeiro é o da elaboração das oficinas de produção de
conceitos, em seguida o facilitador faz a análise classificatória dos dados, o estudo transversal
e a análise filosófica. Após essas etapas volta-se para o grupo pesquisador, num momento
chamado de contra-análise e finalmente deve-se realizar a socialização da pesquisa
juntamente com o grupo co-pesquisador. Todos esses elementos serão abordados no decorrer
da dissertação.
A princípio eu iria pesquisar os conceitos que os/as jovens negros/as produzem sobre
africanidades utilizando dois grupos juvenis, um inserido na escola e outro que está nos
movimentos sociais, em especial o movimento negro. O motivo seria levar em consideração a
realidade dos dois grupos, pois um se encontrava numa instituição formal de ensino e o outro
estava no movimento social que pressupõe uma maior ligação com a ancestralidade.
Porém ao fazer a disciplina de Cosmovisão Africana e visitar o terreiro de candomblé
Ilê Axê Olodujolá18 tive a oportunidade de observar a presença marcante de adolescentes e
jovens no espaço religioso, alguns iniciados19 no candomblé há mais de três anos e outros
com funções importantes na religião, tais como babalaxé20.
Acredito que as comunidades religiosas desempenharam ao longo da história e ainda
desempenham papel importante de resistência cultural e “a tentativa de ressuscitar
miticamente a África acabou por criar um modo de ser genuinamente brasileiro” (AUGRAS,
2008, p. 34)
Para a autora o candomblé não representa uma cristalização das religiões africanas,
mas uma reinterpretação dessas tradições – reelaborações da tradição ancestral.
Santos (2003) afirma que a religião, a ancestralidade e a vida comunitária influenciam
significativamente o quadro referencial de princípios e valores presentes nas identidades dos
jovens.
Por estas razões decidi fazer a pesquisa também no terreiro, formando dois grupos
pesquisadores, o primeiro composto pelos jovens, do terreiro de candomblé e do movimento
negro e o segundo sendo formado por alunos/as de uma escola estadual.
O grupo juvenil terreiro/movimento negro foi constituído de forma espontânea e ao
mesmo tempo seguindo alguns critérios. Inicialmente fui ao terreiro na quarta-feira, dia de

18
Ver anexo A
19
Ser iniciado no candomblé significa que a pessoa foi preparada para receber seu orixá que habitará sua cabeça
até sua morte. A iniciação é muito importante, pois o noviço irá passar por vários rituais de limpeza,
recolhimento e renascimento durante um período de 07 a 21 dias.
20
Função que está logo abaixo do pai de santo e que prepara para a sucessão.
39

Amalá, que é um encontro semanal da comunidade do terreiro onde os mesmos aprendem


sobre a religião, realizam seu culto e conversam sobre assuntos da casa. Neste dia tive a
oportunidade de conversar com o Babalorixá (Pai de Santo) e os/as jovens que ali estavam,
dessa forma o grupo foi formado por adesão. A indicação da idade entre 12 e 29 anos foi o
critério mais importante para a configuração desse grupo.
Quanto à galera do movimento negro, convidei um grupo que acompanhei sua
formação, chamado Juventude Negra Kalunga21. A razão do convite deu-se por ser este grupo
formado por jovens negros e negras que tem entre 14 e 29 anos22, de orientação sexual
diversificada, bem como o nível de escolaridade.
A idéia de juntar a juventude do terreiro com o do movimento social surgiu pela
dificuldade que a galera do terreiro tinha de se locomover para outros espaços e diferente
deste, a facilidade que o grupo da Juventude Negra Kalunga possuía de fazê-lo. Outro motivo
foi o calendário dos três grupos (terreiro, movimento e escola) que proporcionou a união dos
jovens do candomblé com os do movimento negro, pois naquele momento era impossível
facilitar qualquer oficina na escola devido seu calendário de provas bimestrais e semana
cultural e finalmente pela hipótese de que esses dois grupos (jovens do terreiro e do
movimento negro) teriam maior ligação ancestral e conhecimento sobre as africanidades.
O grupo da escola foi composto por alunos e alunas negros/as da E.E.F.M. Fernando
Cavalcante Mota. Participaram das oficinas de produção de confetos jovens do grêmio e o
ensino médio, de 14 a 18 anos. Porém neste trabalho privilegiei apenas os dados do primeiro
grupo. O motivo desta opção foi à quantidade de dados a serem analisados e o pouco tempo
para a análise da pesquisa.
A minha intenção não era fazer uma comparação do que é semelhante nos dois grupos,
mas realizar uma pesquisa contrastiva, percebendo a diversidade de conceitos que podiam ser
produzidos em cada grupo, destacando as pequenas diferenças que a abordagem sociopoética
permite valorizar.
Através de técnicas que aguçaram a criatividade e o imaginário, o grupo pode suscitar
a criação de novas idéias que favoreceram uma análise coletiva e crítica de dimensões até
então desconhecidas do cotidiano dos co-participantes.

21
Pode-se contactar este grupo através do blog juventudenegrakalunga.blogspot.com e do Twiter
@juvenegrakalunga.
22
Faixa etária indicada pelo governo federal para construção de políticas públicas de juventude.
40

Senti a receptividade dos/das jovens durante as oficinas de produção e o desejo de


estar juntos num grupo etário, que tem os mesmos problemas, alegrias, expectativas próprios
desta geração.
Vale ressaltar que a maioria do grupo era do candomblé, fato que causou certo
desequilíbrio quanto à participação da juventude do movimento negro. Esta conformação do
grupo influenciou diretamente nos dados da pesquisa, como iremos observar adiante.

O PERFIL DO GRUPO-PESQUISADOR

O grupo-alvo desta pesquisa conforme anteriormente mencionado foi composto por


adolescentes e jovens do terreiro de candomblé Ilê Axê Olodujolá e do grupo Juventude
Negra Kalunga.
No percurso das negociações para a realização das oficinas de produção percebi a
necessidade de traçar um perfil destes dois grupos. Observei algumas particularidades no
interior de cada grupo que acredito ser interessante mencionar.

- A galera do terreiro

Os/as adolescentes do terreiro que participaram da pesquisa eram em sua maioria


meninos, sete no total, participando apenas uma menina. Ao fazer visitas ao terreiro observei
que existem mais meninos nessa faixa etária do que meninas, sendo este o provável motivo
desta disparidade na participação.
A maioria frequenta a escola e estava entre o final do ensino fundamental e o início do
ensino médio. Alguns estudam e trabalham.
O Mondubim não é o bairro residencial desses adolescentes, muitos moram em bairros
bem distantes deste, tais como: Álvaro Weyne, Conjunto Ceará e João Paulo II (próximo ao
Jangurussu).
Neste sentido fiquei curiosa em saber por que os mesmos foram procurar uma casa de
candomblé tão distante de suas residências. Alguns afirmaram terem sido levados pelos pais
que por sua vez já tinham sido apresentados a casa por outras pessoas. Porém o que mais me
chamou atenção foi o fato de uma boa parcela destes meninos terem conhecido o terreiro a
partir do grupo folclórico que participam em seu bairro. Dez jovens do grupo folclórico já se
iniciaram nesta casa de candomblé.
41

Eu também moro lá no João Paulo também fazia parte do grupo e vim para cá
através de um amigo do professor de dança que era percussionista, o Emanuel.
Presta atenção como foi à história, o cunhado dele já tinha feito santo na casa e
trouxe ele, ele se confirmou e trouxe meu professor de dança e o professor de dança
trouxe a gente e a gente já trouxe mais gente, e foi assim que a gente chegou aqui.
(fala de um co-participante - Romário)

O grupo folclórico ensaia no ABC do Jangurussu e participam dele apenas jovens. As


danças de salão e dança folclórica são seus principais estilos e se apresentam em escolas e
espaços culturais.
Sabemos que o grupo de jovens é um espaço de socialização e aprendizagem dos
mesmos. Em grupo os/as adolescentes e jovens partilham suas experiências próprias desta
fase da vida e constroem suas identidades. Seria também o grupo, um espaço de convocação
para a prática da religião ? E religião de matriz africana ?
A propaganda de convocação à prática do candomblé não se configura como algo
comum aos terreiros. Costuma-se dizer que as pessoas entram na religião pela dor ou pelo
amor, porém esses/as jovens estão conhecendo e se confirmando filhos e filhas de santo
através de um grupo de dança folclórica do qual participam apenas jovens.
Para os rapazes e a moça que estão no terreiro a vivência em comunidade deve ser
realizada não apenas com jovens mas de forma mista, jovens, adultos, crianças, idosos.
Percebo que mesmo o grupo folclórico sendo um espaço de divulgação da religião, os/as
adolescentes e jovens que são iniciados no candomblé não se fecham em grupos etários e
valorizam o elemento da ancestralidade.
Como não era o foco de minha pesquisa não me aprofundei nestas questões, mas
penso que essa informação é interessante para pesquisas futuras.

- A galera da Juventude Negra Kalunga

O grupo Juventude Negra Kalunga surgiu em 2007, fruto do I Encontro Nacional de


Juventude Negra, ENJUNE, realizado em julho de 2007. Este grupo foi criado com o objetivo
de aprofundar a discussão em torno das políticas públicas de promoção da igualdade racial e
de juventude, dando ênfase a emancipação de jovens negros/as, exigindo do Estado Ações
Afirmativas que reparem e corrijam a situação de desigualdade e vulnerabilidade em que vive
esse segmento da sociedade brasileira. Os jovens da Kalunga realizam oficinas, debates, rodas
de conversa e jornadas de formação acerca das temáticas de gênero e relações étnico-raciais.
42

Participaram da pesquisa quatro jovens, três rapazes e uma moça deste grupo. Todos
trabalham e apenas dois estudam. Reunem-se nos fins de semana e participam das
conferências de juventude e de promoção da igualdade racial promovidas pela prefeitura e
pelo governo do estado do Ceará.
Percebo este grupo como um espaço de militância da juventude negra, porém com
pouco conhecimento sobre a África e cultura afrodescendente. Estes jovens ao participarem
das oficinas de produção da pesquisa, demonstraram ter pouco conhecimento sobre o
candomblé se admirando da desenvoltura dos adolescentes praticantes da religião.
Observei também um encantamento da Kalunga com a galera do terreiro, pois todos
que eram de santo tinham menos de 22 anos enquanto o mais novo do grupo do movimento
social tinha 19 anos.
Senti que os kalunguinhas, como são chamados pelos grupos do movimento negro,
ficaram intimidados e pouco falavam durante as oficinas. Penso que o número reduzido da
galera do movimento negro também favoreceu para esta reação, pois do terreiro participaram
nove pessoas enquanto da Kalunga havia apenas quatro.
Na avaliação da pesquisa os jovens do movimento negro expressaram ter aprendido
muito com os adolescentes do terreiro e revelaram que a militância não é a única estratégia
para lutar contra as desigualdades raciais.
43

CAPÍTULO II

NAS TRILHAS DO DIÁRIO DE CAMPO

Produzir um Diário de Campo é um processo um tanto quanto doloroso,


na medida em que nos ‘obrigamos’ a fazê-lo mesmo quando nos falta
inspiração.
Compor o diário implica em inspiração, mas também em transpiração…
Sandro Soares de Souza

Este diário de campo é a expressão da produção coletiva do grupo-pesquisador, dos


meus sentimentos e desejos aflorados na pesquisa, reflexões sobre o tema gerador, minhas
impressões, experiências existenciais, angústias e alegrias. Portanto, é um texto descritivo,
narrativo e acima de tudo reflexivo.
O diário de campo ou diário de intinerância é uma ferramenta metodológica utilizada
por vários pesquisadores: etnólogos, historiadores, antropólogos, sociólogos, ente outros.
Contudo na perspectiva sociopoética que considera a pesquisa como algo vivo, o diário de
intinerância é visto como um caminho a se construir e “tem por função revelar a trajetória da
pesquisa, os caminhos trilhados na tentativa de apreensão do objeto-tema investigado”.
(SOUZA, 2008, p. 02)
Neste sentido apresento as atividades/oficinas realizadas com os/as jovens que
denominei de pesquisa de campo.
13 de abril de 2009. Dirigi-me ao bairro do Mondubim, em Fortaleza, onde se localiza
o terreiro Ilê Axê Olodujolá23. Esta casa religiosa é dirigida e cuidada pelo Senhor Aluisio
Rocha de Souza que como pai de Santo do Terreiro,
recebe dos participantes da religião o título de babalorixá.
Estava muito ansiosa e nervosa, pois apesar do convite e das confirmações não sabia
ao certo quantas pessoas iriam participar deste momento. O horário marcado para iniciar a
pesquisa era 14 horas, porém com o atraso dos/das jovens da Juventude Negra Kalunga
começamos meia hora depois.

23
O terreiro localiza-se na Rua Jorge Raupp, 422, Mondubim, Fortaleza- Ceará
44

Para que este momento acontecesse fiz uma negociação com o babalorixá (pai de
santo) da casa e com seus filhos24 a partir de visitas e conversas preliminares. Também
conversei com o grupo do movimento negro chamado Juventude Negra Kalunga que aceitou
com entusiasmo a proposta.
Neste dia o grupo-pesquisador foi formado por adolescentes e jovens do terreiro de
candomblé, 7 meninos e 1 menina e do grupo do movimento negro, 3 meninos e 1 menina,
que participaram de forma integral dessa fase25.
Para a realização das oficinas de produção tive a ajuda de Raissa e Eleomar dos Santos
(Mazinho), companheiros sociopoetas, que me ajudaram no registro de fotografia, filmagem e
na organização dessa etapa da pesquisa26.
As oficinas de produção de conceitos fazem parte da primeira etapa da pesquisa
sociopoética. São constituídas de técnicas preparadas para causar estranhamento, aguçando os
diferentes sentidos corporais, e a criatividade do grupo, pois “o efeito de estranhamento torna-
se ainda mais necessário quando impera a ilusão grupal, isto é, a tendência a manter uma
visão idealizada de harmonia no grupo e de criação de um sentimento de onipotência, que
mascara as contradições e cega às análises”. (Petit e Gauthier, 2005). As técnicas de pesquisa
foram iniciadas com um alongamento e um trabalho de respiração para conseguir obter a
concentração do grupo.

Técnica I – Construindo os Territórios das Africanidades

Foto 01: Fogueira construída na técnica


“Territórios das Africanidades” (Raissa)

24
Me refiro aqui aos membros do terreiro, que são chamados de filhos pelo sacerdote.
25
Ver anexo B
26
Não posso deixar de agradecer a Daniela (Dani) e a Sandra Petit (minha orientadora) pela ajuda que me deram
durante estes dias de pesquisa.
45

A primeira técnica, intitulada de “Os Territórios das Africanidades”, foi idealizada e


adaptada a partir de uma atividade realizada na disciplina de Cosmovisão Africana27 relatada
por Raissa, monitora da disciplina na época. Nesta técnica as pessoas eram convidadas a
construírem territórios através de elementos como a circularidade, territorialidade e
religiosidade africana, utilizando a argila como matéria prima dessa construção.
Percebemos que se adaptássemos esta atividade podíamos conseguir construir uma
técnica que aguçasse o imaginário, provocasse estranhamento no grupo e, de forma lúdica,
agradável ou não, favorecesse a produção de confetos acerca das africanidades.
Iniciamos na tarde do dia 13 de abril, com uma apresentação do grupo e das
facilitadoras, bem como da proposta da pesquisa. Em seguida dividi o grupo em duplas e trios
a partir dos elementos da natureza (água, fogo, terra e ar), vendei os co-participantes e pedi
para que os mesmos dançassem ao som de uma música africana e que a dança fosse
relacionada ao elemento da natureza que a pessoa escolheu ou foi indicado para a formação
do grupo (dupla ou trio). A dança foi realizada nos três planos baixo, médio e alto.

Da esquerda para a direita – Foto 02: Relaxamento em dupla; Foto 03: Dança dos elementos da
natureza - fogo; Foto 04: Dança dos elementos da natureza – terra (Raissa)

A princípio senti que os jovens estavam inseguros e tímidos para dançar, mas aos
poucos com a concentração e o som da música eles foram se soltando, sendo levados pelos
diversos movimentos que criaram retratando os quatro elementos. Outro ponto que facilitou o
momento foi o uso da venda nos participantes, pois como não podiam ver o/a outro/a não
tinham como se preocupar com o julgamento dos seus movimentos, todos dançavam para o
seu próprio deleite.

27
Disciplina ministrada pela professora Sandra Petit e sua monitora Raissa no curso de graduação em Pedagogia
da UFC no ano de 2009.
46

Após a dança os/as jovens foram lentamente sendo desvendados/s e aqueles grupos
iniciais se sentaram em círculo diante de argila e alguns elementos da natureza como folhas,
galhos e flores, nesse momento pedi para que construíssem os territórios das africanidades.
Cada grupo tinha um tempo, que não era totalmente determinado, para realizar a
produção, porém ao escutarem o som do atabaque eles tinham que se deslocar para outro
território dando continuidade à produção do grupo vizinho, realizando uma construção
coletiva dos territórios das africanidades. Essa produção intinerante teria todas as mãos e
contribuições. O deslocamento se dava de forma circular até que o grupo voltasse para o seu
território inicial.
A metodologia do deslocamento e da disposição dos grupos em círculo foi pensada
para que os mesmos posteriormente as relacionassem com os territórios construídos e com as
africanidades.
Após o momento de produção, pedi para que os grupos dessem nomes aos territórios e
em seguida falassem sobre a produção, os seus elementos e a relação desses territórios com as
africanidades. Foram partilhados os sentimentos aflorados na técnica desde a dança inicial dos
elementos até a produção final dos territórios. A relação do círculo com as africanidades
também foi explicitada pelo grupo. Todo o momento foi registrado com fotografias e
gravação de voz.

Foto 05: Ifé - Foto 07: Ketu –


território das território das
africanidades africanidades
(Raissa) (Raissa

Foto 06: Cidade proibida – território das


africanidades (Raissa)
47

Esses dados, por sua vez, passaram primeiramente por uma leitura atenta sendo
agrupados em categorias para um melhor entendimento dos relatos. A Análise Classificatória,
como é chamada esse momento, procura categorias no conjunto dos relatos. O objetivo é
perceber a estrutura do pensamento do grupo em meio às falas e dados escritos pelo grupo.
Isso não quer dizer que não exista uma interrelação entre as idéias expostas, contudo é
importante fazer a categorização para um bom entendimento das idéias do grupo. É necessário
ressaltar que nesse momento, todas as categorias foram constituídas de palavras do próprio
grupo-pesquisador sem interpretações ou interferências.
A partir do agrupamento das vozes do grupo-pesquisador estabelecemos também
relações de convergências, divergências, oposições e até paradoxos dentre as falas de todas as
categorias encontradas
Desta técnica descobrimos as seguintes categorias: I. Sentimentos da dança dos
elementos; II. Relação da dança dos elementos com as africanidades; III. Os movimentos
das africanidades; IV. Nome-Território das africanidades; V. Elementos dos territórios
das africanidades; VI. Relação dos territórios com as africanidades; VII. Sentidos do
círculo/roda; VIII. Sentimentos, sensações e lembranças.
Após a análise das categorias, realizei o Estudo Transversal, um texto literário que
destaca as ligações, convergências e divergências dos conceitos tecidos entre as categorias.
Escolhi, para tanto a forma literária de História em Quadrinhos, intitulada: Procura-se
Mombaça - território das africanidades, destacando os confetos encontrados e a relação entre
os mesmos.

Análise Classificatória

Foto 08: Espaço sagrado/Ketu – território


das africanidades (Raissa)
48

Categorias:

I. Sentimentos da dança dos elementos

1- Eu senti, no começo eu fiquei com vergonha, só que aí depois que eu pensei assim, não, tá
todo mundo olho vendado, aí eu comecei a me soltar, comecei a me expressar melhor e foi
isso o sentimento que eu senti é como se fosse, eu tava tentando me transformar no ar, no
elemento que eu tava representado, aí eu me senti assim livre por alguns instantes;

2 - Com a venda tava até fácil, mas as vezes ela descia um pouquinho e aí eu via o, a silueta,
o vulto das pessoas, parecia que tinha muito mais gente, aí dava mais insegurança e aí
perceber tinha outras pessoas e algumas até se movimentando mais que você dava medo de
se movimentar e tal, essa história dos três planos que você sempre pediu muito pra gente
tentar fazer. De sentir limitações mesmo;

3 - Eu senti, foi Iemanjá (ele dançou), que é dona das águas, foi não (difícil) já sou muito
acostumado a dançar essas coisas de candomblé;

4 - Eu também tava no elemento água, a princípio tem a timidez de você se soltar, duas
dificuldades, de você descobrir qual é o movimento que você deve, que você mais parece
com o seu elemento e outra que se concentrar e tentar executar e as vezes também tem o
medo de esbarrar em alguém;

5 - Que no começo eu senti insegurança porque, eu senti que dava pra ver só os pés, aí tinha
muita gente que eu vi;

6 - Eu fiz o elemento fogo também, tava inseguro e só q depois eu me soltei, depois eu vi


também que todo mundo tava se soltando, só que eu fiquei um pouco mais inseguro por
causa do espaço que tinha muita gente e acabava me batendo nos outros;

7 - Primeiro, porque eu escolhi fogo, porque eu tenho medo de água, tenho medo do mar,
mexe muito comigo aquele monte de água, o ar, eu acho que é muito do cotidiano e terra,
geralmente quando fala de elementos eu me identifico mais com a terra, só eu quis ir pro
fogo, eu não sabia que a gente ia fazer, então eu fui lá no fogo. E eu acho, como todo mundo
eu fiquei insegura, fiquei sem saber o que tava acontecendo em minha volta, eu queria saber
como era que as pessoas tava se expressando, aí eu comecei a ouvir a música e fechei o olho
mesmo, não tentei mais olhar, já que a gente tinha que envolver africanidades e África eu
comecei a pensar nos nossos antepassados, sempre muito (os nossos antepassados) ligados a
essa questão da natureza mesma, dos elementos;

8 - Como todo mundo fiquei inseguro no começo, com vergonha, com o pensamento será que
tem alguém olhando pra mim, muita gente. Eu fiquei inseguro mais aí eu fechei os olhos
também;

9 - A gente na dança, a gente sente o corpo muito leve, muito sensível, senti o corpo muito
sensível e a gente com olho vendado sente só o ar, a consciência da terra, aí eu fiquei muito
leve, sei lá, não sei explicar;

10 - Quando eu fui vendado, eu fiquei com vergonha e não consegui me expressar muito,
49

mas quando eu senti que tava se afastando de mim, e se expressando, aí eu fechei o olho e a
pensar no dono da terra, na religião é Obaluaiê, comecei a pensar nele, pelo jeito dele, como
ele se importava com a terra, o que ele fazia, aí comecei a tentar agir como ele, não
incorporar o tal, mas agir como ele, fui me soltando, me soltando até que eu consegui, um
pouco ficar ligado com ele;

CRUZAMENTOS

- 1, 8, 10 convergem por apresentar a vergonha como sentimento inicial, sendo que 8


acrescenta a insegurança como sentimento, enquanto 1 e 10 evoluem para outro sentimento.

- 2, 4, 5, 6, 7, 8, convergem por afirmar o medo e a insegurança como sentimentos, porém


apresentam diversos motivos; 2, 4 e 6 alegaram a quantidade de pessoas (medo de esbarrar
em alguém) e o espaço como causa desse sentimento; 5 e 8 tinham medo de serem vistos,
porém 6 e 7 evoluem de sentimento, ao ver que os outros estavam se soltando (6) e ao se
concentrar nos antepassados (7).

- 3 e 10 relacionam o sentimento com os orixás Iemanjá (dona das águas) e Obaluaiê (dono
da terra), sendo que 10 ressalta a ligação com o orixá através dos movimentos da dança (agir
com orixá, sem ser incorporado por ele) e 3 o costume e o hábito de dançar para o orixá.

- 9 destaca os sentimentos de leveza e sensibilidade adquiridos com olho vendado e gerados


pela dança.

II - Relação da dança dos elementos com as africanidades

1 - Acho que ela tava querendo colocar é que a dança é uma das essências, que tem a ver com
essa africanidade toda, é expressão, é se abrir, é se jogar, acho que é isso;

2 - (a relação com as africanidades) Porque ela (Iemanjá) é a dona das águas, dona do ori, só;

3 - Eu acho que tem a ver com a africanidade, pelo pouco que eu conheço de africanidade de
tá sempre ligada a natureza né, a arte, a música, de tá sempre buscando referência na
natureza, na forma de dançar, às vezes tentando pegar, puxar desses elementos;

4 - A energia do fogo ela tá envolvida muito com a África, porque na África, tem muitas
energias quentes na África;

5 - Então o que mexeu mais assim com a questão de africanidade foi mesmo de ter
imaginado os meus antepassados assim;

6 - Tem muito a ver, eu acho que a dança tem tudo a ver ;

7 - É que da dança dos movimentos agressivos, a dança em si já tem a ver com o povo
africano, porque a dança contém todos os elementos, e contato com eles e isso é muito
herdado pelos africanos porque, eu acho que os europeus, nada contra, mas os movimentos
deles até as danças são diferentes e não contem tanto o contato com os elementos quanto
contem a dança africana;
50

8 - Tudo a ver com eles, os tipo de danças que eles fazem;

9 - Porque mostra muitos como o povo convive, a maioria deles não usa calçado, é sempre de
pé no chão, ele não tem, as vestimentas não tem iguais como a nossa, são panos por cima de
panos, amarrados enrolados, mas tá sempre encoberto;
CRUZAMENTOS

- 1, 6 e 8 tratam da dança como elementos próprios das africanidades, sendo que 1 destaca
ser uma das essências e expressões das africanidades (é expressão, é se abrir, é se jogar) e 8
os tipos de dança.

- 2, 3 e 4 destacam a relação entre os elementos da natureza-africanidades-corpo, sendo que 2


enfoca Iemanjá como dona das águas e do ori; 3 a arte, música e 4 o fogo como energia
quente da África.

- 5, 7 e 9 explicita a ligação ancestral que temos com a África; com 5 destacando os


antepassados, 7 herança da dança que contém todos os elementos e o contato com eles
(africanos) e 9 o cotidiano, a forma de viver e conviver.

III – Os movimentos da africanidades

1 - Eu fiz o elemento fogo também. Na verdade não fiz passos de fogo, fiz passos que eu
conheço, passos tipo africano, acho que não era de fogo. Expressava tipo africano mesmo,
mas pra mim não expressava fogo não;

2 - Eu comecei a pensar como é que eu podia me expressar, o meu corpo podia expressar o
fogo, eu comecei a fazer movimento pro lado, é eu senti na hora que a gente tinha que ir pro
plano mais baixo, que a gente precisa realmente exercitar mais essa história do corpo, porque
eu me senti enferrujada quando chegava embaixo eu não conseguia porque no dia-a-dia a
gente não para pra exercitar mais o corpo, junto com a mente;

3 - Puxei muito passos africanos, que ta representando pra mim a terra;

4- Como eu tava aqui no elemento terra eu procurei manter bastante contato com a terra,
assim movimentos leves, mas agressivos que eu acho que é um jeito de ser da terra. A terra
mostra muita inofensividade quando ela é muito né! Agressiva, foi isso que eu senti;

5 - Tentava fazer movimentos que fossem . . . com a mão (que eu tava meio capenga). Queria
expressar o movimento da água, do mar, de ir, voltar, de movimento, enfim;

CRUZAMENTOS

- 3 e 4 convergem por tratarem a terra enquanto movimento da dança, sendo que 3 destaca a
origem dos passos - africana e 4 o tipo de movimento, enfatizando a dualidade da terra
(inofensiva e agressiva).

- 1 e 2 referem-se ao elemento fogo, 1 porém enfatiza que os passos não representam o fogo
51

enquanto 2 expressa o fogo com movimentos para o lado apesar das dificuldades de se
exercitar o corpo junto com a mente.

- 1 e 3 identificam a origem africana para os passos da dança.

- 5 difere dos demais por apresentar movimentos que expressem a água, a água do mar, de ir,
voltar, o movimento.

IV- Nome-Território das africanidades

1 - Nós colocamos o nome do nosso território Ifé, porque nós tentamos fazer aqui a imagem
de Ogun e como Ifé a cidade de ogum nós nomeamos como Ifé. Porque a gente foi fazendo,
aí começou, fizeram um boneco, aí depois botaram um Oxé pensando que era Xangô, (um
machado de dois gumes que é oxê, pra nós aqui na religião é oxé) mas era Ogun aí quando
nós cheguemos nós consertamos aqui, damos um jeito aqui bem rápido, tinha uma coroa,
tiremos e botemos um capacete, quase, mais ou menos, mas foi nomeado como Ifé que é a
cidade de OGUN;

2 - O nome da nossa terra é morada proibida. A gente tava falando assim que outros reinos
não poderiam entrar dentro do nosso. Aqui é o reino aqui dentro, aqui o muro. E outras
nações, outros povos não poderiam entrar no reino. Porque o rei, ele era aquela pessoa
assim, ele não queria que ninguém entrasse, ai ele batizou o nome da terra de morada
proibida;

3 - Primeiro o nome que a gente escolheu, do nosso território, que não é só nosso, a gente
começou, mas tem menos coisa do que a gente começou. A gente vindo no final, a gente
achou que tava muito e também pelo nosso próprio elemento a gente achou que deveria
colocar mais água, aí caiu onde o pano caiu, aí a gente pensou na Iemanjá que é dona das
águas. Aí o nome disso aqui é Odoiá28. Porque Iemanjá que é dona das águas que é a
saudação de Iemanjá;

4 - A gente tava representando o Ar, mas o nosso nome não tem nada a ver com ar, a gente
botou o nome da nossa nação de Ketu, porque tem um pouco de tudo, abriga um pouco de
tudo, tem coisas aqui que a gente não entendeu, mas dá pra dizer mais ou menos. Aí a gente,
porque também a gente viu esse bonequinho que fizeram aqui e a gente se lembrou muito de
um caçador, de Oxossi que é o dono da nação;

5 - Na verdade, como ela falou, o Ketu, Oxossi, o rei, toda nação ela tem que ter uma rei, e
esse rei ele abrigou o povo dentro de sua nação, ele abrigou povos de diferentes raças;

CRUZAMENTOS

- 1, 3 e 4 convergem por batizar os territórios com nomes (Ifé, Odoiá, Ketu) ligados aos
orixás destacando-os (Ogum, Iemanjá, Oxossi) como protetores desses locais.

- 4 e 5 tratam do mesmo território (Ketu) como espaço que abriga um pouco de tudo e Oxossi
que é o dono da nação abriga povos de diferentes raças.

28
Ver anexo C
52

- 2 se contrapõe a 4 e 5 por destacar que o território “Morada Proibida” é um espaço onde


outros reinos, povos e nações não podem entrar porque o rei não permite. - 3 difere dos
demais por considerar a água com elementos importante de seu território pois é protegida por
Iemanjá, a dona das águas.
V – Elementos dos territórios das africanidades

1 - Aqui tem um rio passado ao lado da cidade com um barco, tem um pirulito que caiu de
cabeça pra baixo, aqui a gente tentou montar o chão, espalhou a argila, tentou fazer o aiyé, a
terra, já que a nossa equipe era a terra, nós tentamos fazer uma réplica diante da terra, ficou
muito bem não, mas deu certo, uma árvore, uma placa aqui indicando que aqui é Ifé e a
imagem de Ogun e um barco chegando do rio e só;

2 - Aqui disseram que e uma igreja, ali era uma fogueira, ali outra pessoa fez só que a gente
colocou como se fosse uma caverna, tipo as pessoas que errassem dentro do reino levavam
pra lá e ficavam tipo sendo castigadas por lá, aqui é uma das árvores sagradas, aqui é uma
planta com uma tartaruga em baixo;

3 - Árvore, dinossauro, ovo do dinossauro, uma cobra, tambores, tigela, esses troncos aqui e
só;

4 - Isso aqui parece um santuário;

5 - A gente quis, todos quiseram mostrar um pouco, sei lá, do convívio de tudo, a natureza
com ser humano nessa época que hoje em dia a gente não vê mais isso. – Como é que você
vê que eles estão convivendo com a natureza ? Deu pra perceber que eles têm um bom
convívio, porque a gente vê muita árvore, alguns animais perdidos por aqui e alguns
bonequinhos e por isso que a gente associou uma coisa com a outra;

6 - Cada pedaço desse é como se fosse um povo diferente e ele como senhor da caça, isso
daqui é como se fosse um tipo de santuário, até porque a África cada local tem a sua crença,
tem o seu deus na qual eles vão fazer o seu culto, e aqui é quando ele vem pra oferecer, pra
abençoar sua oferenda, pra distribuir a caça pra cada povo, pra cada nação pra poder ela ser
sempre próspera. Aqui nós tamo vendo ali, como se fosse a caça, ali dentro desse negocinho
ali; é como se fosse uma caça, e aqui nós temos a natureza, a árvore aqui;

7 - E até representando este rio que passa por detrás da cidade que ninguém sabe de onde ele
vem e ninguém sabe pra onde ele vai, então não tem como limitar a cidade porque ele vem de
um lugar, passa por aqui e vai pra algum lugar. Então não tem limite, a cidade quem vier aqui
se faz bem vindo e quem quiser descobrir novos horizontes, o rio tem pra onde levar, então o
por isso dessa nossa escolha;

8 - Então isso é uma coisa importante, pra gente ta modelando aqui, ta fazendo alguma coisa,
é tanto que ali, eu tentei fazer uma coisa que foi interpretado como uma caverna, mas era pra
ser uma tipo de entidade, uma deusa que tava sendo protegida e ali era pra ser como se fosse
a defesa da cidade, mas tudo bem, como se fosse a deusa, uma mulher sentada com uma
criança sentada;

9 - Isso aí é uma mulher com uma criança, segurando uma criança e apoiando a cabeça nela,
como se fosse esquentando, protegendo, acalentando;
53

10 - E a gente ali não quis mostrar aquela coisa assim, eu mato se me provocarem, mas
aquela coisa de aconchego, só que eles fecharam tudo, tiraram a nossa meiguice e botaram a
bruxa;

11 - Porque como ta se tratando, aqui é uma representação simples, como se mostra, mas que
teve uma explicação, teve um fundo de verdade, é uma coisa importante, quem chegasse
agora e olhasse ia dizer assim, olha uma ruma de terra modelada, o que isso ? O que é aquilo
? mas não sabe que aqui tem um fundo de história de cada um povo, ali é um povo diferente,
aqui já é outro, aqui já é outro, ali é um povo proibido, ali já é um povo guerreiro, ali já é um
povo distante e aqui é um povo de todo mundo, pode vir;

12 - Como ela disse, essa nação que a gente tentou explicar, é porque muitas pessoas
tentavam invadir, essa nação muita gente queria saber o que se passava por dentro delas, que
muita coisa acontecia não só nessa parte, mas sim dentro mais dessa parte que era onde
viviam as rainhas e os príncipes que eles eram punidos por besteiras que eles faziam, mas por
fora pessoas que faziam besteiras eram castigadas nessa caverna.- Por exemplo que tipo de
castigos?- Tipo apanhava, morria. Se eles roubassem alguma coisa, se eles não trabalhassem.
E tinha sempre uma igreja pras pessoas se confessarem, mas nunca tinha um padre;

CRUZAMENTOS

- 1 e 7 destacam o rio como elemento do território, sendo que 1 traz também a terra como
outro elemento e 7 amplia a idéia do rio como algo que pode nos levar a descobrir novos
horizontes.

- 2 e 12 convergem por destacar a caverna - espaço de castigo – e a igreja como elementos do


território, porém 12 enfatiza que a igreja não tem padre.

- 4 e 6 destacam o santuário como elemento do território das africanidades, sendo que 6


amplia a idéia afirmando ser um local de crença (como na África) onde são feitos cultos e
oferendas, distribuição da caça para que a nação seja próspera.

- 8 e 9 convergem por destacar uma mulher com uma criança como parte do território
simbolizando proteção, sendo que 8 ressalta que é uma deusa.

- 1, 2, 3, 5 e 6 ressaltam elementos da natureza no território das africanidades tais como: rio,


terra, árvore, animais, pessoas; sendo que 2 especifica que as árvores são sagradas, 3
identifica outros objetos (tigelas, tambores) e 5 destaca o convívio dessa natureza com o ser
humano.

- 11 difere dos demais por explicitar os diferentes povos dos territórios das africanidades, a
saber: povo diferente, povo proibido, povo guerreiro, povo distante, povo de todo mundo.

VI – Relação dos territórios com as africanidades

1 - Eu achei muito bacana essa história de chamar de Ketu, depois que ela me explicou
porque, e aí me fez ainda mais entender, essa história de território livre, território das
africanidades, mas um território livre, por conta que lá a porta ta aberta o tempo todo, é de
54

livre acesso;

2 - A gente tentou fazer o orixá que já tem a ligação com as africanidades até porque são
africanos, o material qual foi feito que lembra muito africanos que é argila e foi isso;

3 - A humildade que tem aqui na aldeia que tem, lembra muito a africanidade. (porque a
humildade lembra africanidade?) Quando você fala em África você lembra logo de negro e
negro traz esse, por mais que ele seja uma pessoa da alta sociedade, você vê que ele traz a
humildade na expressão, onde anda, com quem convive, traz a humildade e eu acho que é por
isso que a humildade representa tanto os africanos, e você pode ver em matérias, tudo que é
feito na África você vê aquele povo que, como o Guilherme disse aqui, é pé no chão, não se
importa com nada, tem também seu lado rico, os africanos é mais humildade, eu acho;

4 - O que a gente tentou mostrar como se fosse a terra deles, como eles vivem, o que tem
dentro da terra deles, pra mostrar, tentar mostrar como eles falam, convivem, é o cotidiano;

5 - Que esse território é “pobre” (entre aspas), assim como o Romário falou, não é só em
negros, quando a gente pensa quando fala África, quando fala África a gente pensa em
pobreza, porque a África é um dos países mais pobres do planeta né! E que o “território” é
pobre;

6 - O que lembra a África é que os animais e essas pessoas aqui em torno dessa fogueira
também, é como aqui tivesse total liberdade entre esses povos e aqui já é restrito. É como se
fosse outra nação dentro de uma nação, isso lembra as africanidades. Porque acredito que na
África é muito disso, tiveram várias nações, algumas que eram reis, rainhas, outras nações já
eram mais pobres. Na África também existia rei e rainha. Então aqui é como se fosse essa
nação de reis e rainhas, e aqui outras nações, mas que tem total liberdade e não
necessariamente é de pobreza e tal eles tem a liberdade e a riqueza ao modo deles, é como se
fosse aqui uma nação dentro de outra;

7 - Mas aqui tem muito esse negócio de natureza. De até o que tem a ver com África, eu acho
que além da natureza tem essa coisa maternal, dos bichos cuidando dos ovos aqui, da árvore,
do poço que eu acho que era uma tigela. Mas o que tem a ver, que no final das contas fica
esse afeto que pelo menos eu tenho de África assim, uma coisa mais afetiva;

8 - Aqui a região, é tudo isso aqui que a gente acabou de falar é em relação à África, o
terreno africano, o terreno africano é isso, o povo africano é isso, onde todos convivem numa
nação, onde todos têm uma cultura, onde todos sobrevivem da caça, e tem muitos ainda que
só comem e for caçar alguma coisa, que se não for não tem o que comer. Então devido a isso,
é isso aqui que a gente acabou de falar. Então é isso é que tem a ver com as africanidades,
tem a ver com o africano em si, tudo isso que nós acabamos de explicar, de nação, de um
todo é representado para todos;

9 - Defesa, a família;

10 - Porque como ela falou desta questão da família, o africano ele tem aquela, como ali o
deus de minha cidade é Ogun, então ele é o guerreiro, então se acontecer alguma coisa eu
vou pedir proteção a Ogun, que é o meu senhor, o senhor de minha cidade. Aqui no caso, nós
falamos do orixá Oxossi, então se alguma coisa acontecesse aqui eles viriam pra cá, pra esse
templo, pra vir pra cá, pra rogar pro orixá Oxossi, meu pai me ajude pelo amor de deus. Ali
55

foi falado da orixá Iemanjá, da Iabá, senhora das águas, então se acontecesse alguma coisa ali
é uma templo, aonde eu fui tentei deixar um templo, só não ali que já tinha, mas ali é um
templo e ali era onde eles iam lá e evocar a Iemanjá e iam dizer minha mãe ta acontecendo
alguma coisa, me proteja. Então o africano em si ele tem cada terra, como a terra de Fon, a
terra de Ifé, a terra de Oió. Cada qual tem a sua terra, cada terra tem o seu orixá, tem o seu
defensor, tem o seu senhor. Foi isso que me lembrou;

CRUZAMENTOS

- 1 e 6 trazem a idéia de liberdade para os territórios das africanidades, sendo que 1 ressalta o
livre acesso das pessoas (Ketu-território livre), enquanto 6 destaca a liberdade e riqueza,
acrescentando também a idéia de diversidade de nações (com reis, rainhas, outras nações
mais pobres) dentro de um mesmo território (África) como se fosse uma nação dentro de
outra.

- 2 e 10 convergem por associarem os territórios aos orixás, sendo que 2 acrescenta a argila
como material que lembra os africanos e 10 destaca a proteção dos orixás (Ogum, Oxossi,
Iemanjá) representados pelo templo em cada território (cidade).

- 4, 7 e 8 tratam do cotidiano e da convivência das pessoas no território, sendo que 7 ressalta


a relação com a natureza-maternal (dos bichos cuidando dos ovos) e o afeto, enquanto 8
explicita a cultura, a solidariedade e a comunhão como idéia de nação (terreno africano).

- 6 se opõe a 5 por afirmar que o território não é pobre mas de total liberdade e riqueza ao
modo africano.

- 9 traz a idéia de família para os territórios das africanidades destacando a defesa como
característica dessa família.

- 3 difere dos demais por apresentar a humildade como elemento da aldeia (território) e
expressão característica dos negros africanos.

VII – Sentido do círculo/roda

1 - Ao meu ver o terreno, o que tem a ver é porque o africano em si, ele teve que sair de uma
forma ou de outra de sua terra pra ir pra uma outra terra, e lá ele teve que fazer parte daquela
terra, ele apenas se agregou ali, ele foi levado pra lá ou por livre espontânea pressão ou por
precisão, mas de uma forma de outra ele teve que sair de sua terra para ir pra outra e lá ele
passou a fazer parte daquela cultura ou levar um pouco de sua cultura, para unificar, não é,
atrás de sempre somar e multiplicar. Então o africano é isso, ele sair de um canto, como ele
saiu daqui e foi pra ali e de lá ele fez a sua morada, dali ele foi ter a sua família pra nascer
uma nova raça, uma nova espécie, que a geração de um fruto de uma nação com outra nasceu
aquilo ali e dali ele vai atrás de novos horizontes pra poder fazer outras coisas. Então foi isso
que nós tivemos, foi esse o presente que nós tivemos, que foram os africanos, porque as
águas trouxeram o negros pra cá, eles acabaram trazendo tudo, a sua cultura, a sua história e
acabaram fazendo parte de nossa vida. Hoje o negro já está “livre” (entre aspas), faz o que
quer, tem a sua defesa, hoje eles entra nos locais, faz jus ao nome pessoa, não é, porque antes
ele não era considerado uma pessoa, ele era uma coisa, um objeto de uso, pra não aí ta
faltando um animal pois pega ali um negro e vai e faz. Mas agora ele passou a ser um ser
56

humano que faz parte assim como nós de uma sociedade, de uma civilização, onde ele tem os
mesmo direitos que qualquer outra pessoa tem;

2 - Quando saiu de um canto pra outro, ele passou e deixou um pouco da sua vivência, do seu
conteúdo, ele deixou um pouquinho de cada o seu conteúdo, em cada canto onde ele foi, ele
não buscou modificar o canto onde ele estava, ele tentou aprimorar pra poder as duas forças
não combater se unir;

3 - Quando o negro sai de uma aldeia para outra, ele sai na intenção de deixar o que ele tem
de melhor, de construir, aquela coisa: se você não pode somar, então também não subtraia.
Quando um sai dessa aldeia pra aquela, ele foi deixar o que ele tinha de melhor lá, foi usar a
criatividade dele lá, deixar para os próximos que chegarem também possam somar, fazer o
que pode, no tempo necessário, no tempo que pode ser feito alguma coisa e continuar seu
caminho, porque na frente teriam outras aldeias pra ele parar, construir e deixar para os
próximos vierem construírem assim sucessivamente. Eu acho que nessa rotação aqui, você
pode ver que todos construíram coisas antigas, em ruínas, não foi aquela civilização tão
avançada. É o que um deixava pro outro fazer, nos passava deixava a coisa inacabada pro
outro terminar e assim sucessivamente;

4 - Os povos aqui, como a gente fez aqui, todo mundo deixou sua opinião como deveria ser, e
na África, eles fazem essa roda pra deixar tipos de cultura na terra e pegar outros tipos de
cultura;

5 - Mas voltando a questão da construção, uma coisa que eu senti, é da nossa cultura ser bem
possessiva, bem individualista a cultura que a gente vive, então você construía aquela coisa
que você tava fazendo e ia pra outro continuar uma coisa, dava meio que você, então surgia
comentário: - pô não acaba com o meu não, dessa coisa de você, as vezes pensar em não
saber construir em coletivo, e a imagem que eu tenho de África e de tribos que convivem
mais com natureza é de ter sua divisão mas também de saber trabalhar mais esse coletivo e
até também principalmente disso de conseguir trabalhar com o outro, com a construção do
outro, saber que o mais importante é o trabalho final, acho que isso foi um sentimento que a
gente teve;

6 - Cada um deu o seu palpite e acabou formando alguma coisa;

7 - A própria dinâmica da construção disso aqui, foi essa história da entrada livre, todo
mundo mexeu, todo mundo construiu e acabou tendo um pedacinho de todo mundo;

8 - Eu acho que mais uma vez lembra nossos antepassados, eles sempre estavam em roda,
capoeira sempre em roda, eu não sei exatamente o significado disso, mas deve ser alguma
coisa relacionada a energia, quando você ta em círculo, você ta de frente, ou do lado ou você
de frente, sempre do outro e os nosso antepassados geralmente trabalhavam em roda;

9 - A roda dá uma idéia de círculo, de ir, voltar, transformação;

10 - Eu tava pensando nessa história de todo mundo na hora de construir o território acabou
construindo, centralizou em algum ponto, e esse centro também dá uma idéia de roda, de
proteção, eu acho que o círculo ele acaba centralizando um pouco, ou na maioria das vezes
talvez, até demais. Essa idéia de círculo com centralidade.
– Centraliza o que exatamente? Forças, energias, ações, poder, . . . e essas coisas quando
57

estão centralizadas, e juntas, acabam se fortalecendo;


CRUZAMENTOS

- 1, 2, 3, 6 e 7 tratam da idéia de contribuição, de somar e multiplicar (sem subtrair),


deixando a cultura se espalhar e aprimorar, não combater, se unir, pois os africanos deixaram
o que tinha de melhor nos vários deslocamentos que fizeram e na construção do território. 1,
2 e 3 destacam a cultura, a vivência, conteúdo e criatividade como elementos dessa
contribuição, sendo que o primeiro enfatiza que o povo africano saiu de sua terra para outra,
teve que fazer parte deste lugar levando sua cultura e contribuindo para o nascimento de uma
nova raça, uma nova espécie, sendo estes um presente. O círculo representa também a
evolução/mudança sobre (ou da imagem) negro que deixou de ser uma coisa/animal e
transformou-se em ser humano e a sua cultura e história faz parte da nossa vida. Enquanto o
último ressalta a herança que os povos (negros) deixaram como se fosse algo inacabado para
o outro terminar; 7 enfatiza a entrada livre como dinâmica da construção tendo um pedacinho
de todo mundo no território.

- 4 destaca que a roda é um espaço para as trocas entre as culturas, pois na África eles fazem
essa roda para deixar tipos de culturas na terra e pegar outros tipos de cultura.

- 5 difere dos demais por apresentar diferenças entre a nossa cultura e a dos africanos, pois é
da nossa cultura ser bem individualista e possessivo enquanto na África as tribos sabem
trabalhar o coletivo, com a construção do outros, sabem que o mais importante é o trabalho
final.

- 8 enfatiza a experiência dos antepassados ao trabalhar em roda, destacando a energia que é


sentida quando se está em círculo.

- 9 ressalta o movimento da roda, a idéia de ir, voltar, transformação.

- 10 apresenta um paradoxo, a idéia do círculo com centralidade, o centro do território dá


uma idéia de roda, de proteção. O círculo centraliza forças, energias, ações, poder e juntas
acabam se fortalecendo.

VIII – Sentimentos, sensações e lembranças

1 - Pra mim foi uma experiência nova, amizade nova, e poder conhecer mais um pouco de
cada um;

2 - Pra mim foi uma sensação nova, eu nunca tinha feito isso, eu hoje conheci assim mais
algumas coisas da África, não achei difícil as tarefas, muito legal;

3 - Foi bom conhecer vocês, a dança foi legal, nunca teve aqui, argila foi muito boa, trabalhar
com ela, trocando, adorei;

4 - A gente acaba conhecendo as pessoas de uma forma diferente, a opinião, com um assunto
que a gente tá ligado, o Kalunga militando por uma causa e as pessoas aqui por causa de uma
crença, de uma religião, a gente tá se conhecendo de uma forma diferente, foi interessante ter
esse conhecimentos das pessoas por conta de um assunto;
58

5 - É bom, fazer isso, apesar de ser uma experiência que não deixa de ter um fundo técnico,
mas a vivência hoje passa muito por cima disso, a gente acaba percebendo várias outras
coisas, até mesmo da gente se voltar pra outros momentos (...) E essa união de todo mundo,
acaba sendo troca mesmo de experiência, de energia, de conhecimentos, por exemplo, os
meninos têm um conhecimento que eu mesmo não tenho, eles ficavam falando em várias,
nos próprios orixás, nas casas deles, nas armas, que eu não tenho propriedade pra falar, e me
dá muito mais interesse de ta junto pra aprender;

6 - Nós aqui somos uma comunidade, e como comunidade é isso, é a convivência, o


conhecimento de novas pessoas, então é isso, nós daqui na religião nós somos uma
comunidade, nós somos uma família, eu acho que família não é só aquela de sangue, até
porque todos nós temos o mesmo sangue, e nós estamos falando de uma única raça que é o
povo africano e o sangue dele corre em nossas veias também, então somos todos irmãos.
Então independente de grupo, independente de estudo ou de religião, todos nós estivemos
aqui com a mesma intenção e vivemos todos, o mesmo momento, então foi uma coisa
agradável, é uma coisa agradável viver sempre em comunidade, é uma coisa que nós fazemos
aqui no dia-a-dia e trazer comunidades de fora pra participar daqui, então mais ainda, então é
só gratificante, ta os nossos irmãos, a gente ta assim perto, unido, falando o que a gente acha
dentro da nossa religião, o que nós entendemos daquele povo na qual nós representamos,
então eu achei muito importante que dentro da roça tivesse momentos como esse, embora pra
muitos possa parecer nada, mas é uma coisa muito importante;

7 - Foi legal, eu já conhecia a primeira atividade, que era dançar com os olhos vendados.
Achei muito bom, que possa acontecer outras vezes, que eu acho que a gente precisa também
desse convívio só de adolescentes;

8 - E não só ficar restrito aquele portão pra dentro, ter acesso do portão pra fora, de buscar
pessoas de fora pra dentro, pra mostrar como a gente vive;

9 - Achei uma experiência nova, muito bom, novas amizades, foi bom fazer uma arte com a
argila, eu gostei porque eu fiz uma obra de arte com a argila;

10 - A gente vive num mundo diferente do que os meninos aqui vivem, essa história de ser
ativista do movimento negro, a gente já chega nos espaços carregados dos vícios que a gente
vem por conta de ser uma pauta de ter muita resistência pras pessoas se apropriarem. Eu
acho que o exercício de ouvir hoje foi muito interessante pra gente porque geralmente a gente
ta lá falando e falando, e por ser juventude negra, a gente ta no movimento de juventude
fazendo o recorte racial o tempo todo e colocando que a questão racial não cabe no guarda-
chuva das minorias e que sempre o movimento de juventude quer colocar isso e no
movimento negro a gente ta colocando a importância do protagonismo juvenil e tal e sempre
a gente ta discutindo e hoje a gente praticou um pouco do exercício de ficar mais caladinho,
de ouvir os meninos, que massa esse meninos mais novos que a gente e que já tem um
conteúdo massa que a gente pode aprender com eles e a gente também. É massa essa história
de troca de experiência E todo momento da hora que eu cheguei aqui até agora a gente fica
lembrando do povo da Kalunga que vivem a mesma realidade que a gente que com certeza
iriam gostar de ver a realidade de outros jovens;

11 - Eu achei legal, eu nunca tinha passado por esses exercícios assim, eu já tinha feito uma
coisa assim, mas nunca em grupo e ainda mais um grupo só de jovens, eu achei interessante a
pesquisa que posto pra cá pra dentro da roça;
59

12 - De ta mais próximo com o povo africano, e fechar os olhos e pensar no povo africano e
como de estivesse lá
- Fechar os olhos ajuda porque eu acho que a gente fechando os olhos a gente pode enxergar
o que a gente quiser, eu acho que a gente fechava os olhos por um instante, até num piscar de
olhos, a gente vê alguma coisa e tentava modelar aqui e ali, eu acho que todo mundo fez isso.
Eu acho que facilitou esse negócio de fechar os olhos;

13 - De lembranças, como essa história de brincar com o barro que é uma coisa bem
ancestral, que todo mundo já fez isso, que tem momentos bem interessantes;

14 - Aqui a gente lembrou muito dos baras, que é o Exu que agente faz, com argila que a
gente tem que modelar;

15 - Então é isso, e conforme a argila em si, foi falado como ela disse a questão dos baras,
que é uma coisa importante, é um fundamento, um orixá, Exu que se é feito, se é modelado,
assim como cada santo tem sua representação, ele é feito na terra, na argila, exu, terra, terra;

CRUZAMENTOS

- 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 9 concordam que a vivência foi boa e proporcionou experiências,


sensações, conhecimentos e amizades novas, sendo que 2 especifica a África como local de
conhecimento; 3 e 9 destacam a importância de trabalhar com argila; 4 destaca as diferentes
maneiras de lutar por uma mesma causa (Kalunga e terreiro lutam pela mesma causa); 5 e 6
ressaltam a troca de experiências (energias e conhecimentos) como algo positivo, sendo que
5 acrescenta o fato de aprender algo que não se tem propriedade (os orixás) e reforça o
sentimento de comunidade, pois todos estão interligados pelo sangue africano, unidos pelo
sangue, pelo mesmo sentimento e temos a oportunidade de falar da sua religião para os
outros.

- 7 e 11 convergem por considerar interessante vivência de grupo etários, como adolescentes


e jovens.

- 8 difere dos demais por ressaltar a importância de mostrar a religião para outras pessoas.

- 10 difere dos demais por destacar a riqueza de se ouvir e aprender com os mais novos a
partir da troca de experiências.

- 13, 14 e 15 trazem idéias semelhantes sobre as lembranças que a vivência proporcionou; 13


destaca a brincadeira com o barro algo ancestral, enquanto 14 e 15 enfatizam a modelagem
de Exu (os baras feitos de argila, da terra).

- 12 destaca que a ação de fechar os olhos levou a uma ligação/aproximação com o povo
africano, pois fechando os olhos “a gente pode enxergar o que a gente quiser”.
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CAPÍTULO III

NA DINÂMICA DAS AFRICANIDADES: OLHARES, SABORES, ODORES

No dia 14 de abril de 2009 voltei ao terreiro para realizar a segunda oficina. Trabalhei
com o grupo duas técnicas, a primeira chama-se Quadro Dinâmico das Africanidades e a
segunda Tocando nas Africanidades. A escolha das mesmas foi feita por proporcionar uma
movimentação corporal dos participantes, nos ajudando, facilitadores e grupo-pesquisador, a
perceber os conceitos a partir do corpo.
Percebi que no primeiro dia o grupo enfatizou a África enquanto continente ao
relacionar os territórios com as africanidades, o tema gerador desta pesquisa. A análise do
grupo pareceu-me restrita a idéia de uma África antiga, romântica, distante do Brasil. Desse
modo optei por essas duas técnicas no segundo dia afim de que o grupo pudesse produzir
outros olhares, falas e gestos acerca das africanidades utilizando o corpo como um meio e fim
na produção de confetos
A primeira, o quadro dinâmico das africanidades, é uma técnica muito conhecida
pelos/as sociopoetas. O diferencial aplicado nesta pesquisa foram as variações de
africanidades perguntadas e apresentadas, tais como africanidades brasileiras, africanidades
hoje e africanidades fora da África.
A segunda técnica foi gestada na intenção de que o grupo tocasse os elementos com os
pés gerando dessa forma estranhamento e levando o mesmo a produzir conceitos
diferenciados de africanidades. A seguir segue uma descrição mais detalhada do momento.
Iniciamos com um relaxamento29 conduzido por Mazinho, utilizando uma música que
remetia à natureza e seus elementos. Foram feitos vários movimentos com os braços, pernas,
todo o corpo, de forma a reverenciar a natureza. A performance levou o grupo a respirar o ar
do terreiro bem como sentir a energia que emanava dos corpos em movimento, criando
figuras geométricas circulares.
Senti que havia uma tranqüilidade e uma entrega do grupo proporcionada pela música
e pelos movimentos que eram lentos e profundos. As imagens feitas pelo movimento do
grupo foram fotografadas e registradas.

29
Ver anexo D
91

Após o relaxamento foi proposto ao grupo a Técnica do Quadro Dinâmico, que


consiste em produção de cenas estáticas a partir do tema gerador. Foram feitos três grupos, o
primeiro fez uma cena das “Africanidades Hoje” e o restante do grupo analisou a relação da
imagem com as africanidades e batizaram-na. Em seguida o segundo grupo fez uma cena das
“Africanidades Brasileiras”, modificaram a cena anterior e utilizaram os participantes do
primeiro grupo conforme sugestão. Os co-pesquisadores que estavam observando, analisaram
a cena e a sua relação com as africanidades brasileiras dando nome a mesma e por fim o
último grupo, que modificou a cena anterior, fez um quadro das “Africanidades fora da
África” e nós, os facilitadores (eu, Mazinho, Raissa e Dani), fizemos a análise da cena e
demos um nome a ela.
Cada grupo foi orientado que deveria utilizar os vários planos, baixo, médio e alto,
sendo recomendando não repetir o plano da cena anterior.
Realizamos um partilha do grupo-pesquisador e das facilitadoras e facilitador. Pedi
para que falassem de seus sentimentos ao realizar a técnica, bem como a relação dos quadros
Dinâmicos com as africanidades.
Após análise da técnica do Quadro Dinâmico das Africanidades feita pelos co-
pesquisadores realizamos uma nova técnica, a “Tocando nas Africanidades”
Nesta técnica cada co-participante foi vendado/a e levado/a para alguns lugares do
terreiro onde as pessoas tocavam com os pés em alguns elementos e descreviam suas
sensações, sentimentos e a relação dessa sensação e dos elementos com as africanidades, esses
elementos foram água gelada com pedrinhas arredondadas no fundo da bacia; esponja de
almofada, uvas de plástico enroladas em saco bolha (plástico) e grude.
Em seguida, ainda vendados, eles/elas lavavam os pés
e, alguns, relatavam os seus sentimentos. Finalmente quando
todos/as passaram por este processo foi feita partilha das
sensações, avaliação do momento e dos dois dias de oficinas.
Vale ressaltar que todos os momentos foram fotografados e
gravados.

Foto 09: Elemento saco-bolha


(Raissa)
92

Foto 10: Elemento água


gelada (Daniela)
Foto 11: Elemento grude
(Daniela)
Foto 12: Elemento esponja
(Daniela)

Após várias leituras atentas dos relatos, encontrei as seguintes categorias e


subcategorias de cada técnica. Quadro Dinâmico das Africanidades: Dança-Defesa
(Africanidades Hoje), Representações dos orixás-guerra (Africanidades Brasileiras),
Africanidades Invisíveis-Controlada (Africanidades fora da África). Tocando nas
Africanidades: Elementos da Africanidades, Africanidades Sensações e Lembranças,
Relações com as Africanidades.
Após a análise classificatória destas categorias com cruzamentos de idéias
convergentes, divergentes e paradoxais, produzi como estudo transversal um debate entre as
Africanidades a partir da técnica do Quadro Dinâmico.
A técnica Tocando nas Africanidades proporcionou como estudo transversal a
produção de receitas comestíveis e estéticas. Vale ressaltar que os estudos transversais das
duas técnicas são destacam as ligações, convergências e divergências dos conceitos tecidos
entre as categorias, bem como os confetos encontrados e a relação entre os mesmos.

Técnica II - Quadro Dinâmico das Africanidades

Foto 13: Africanidades Hoje (Raissa)


93

Categorias:
I. Dança-Defesa (Africanidades Hoje)

1 - Eu vejo passo de afro. Pra mim africanidades lembra guerra, fome, mas aí tô lembrando
afro;

2 - Parece um passo de dança, parece que eles fotografaram uma dança africana;

3 - A gente pode ver um orixá também. Aí os três da frente pode ser digamos uma pedreira e
atrás pode ser Xangô e as mãos não tão muito como Xangô, então pode ser Obaluaiê o da
terra, assim mais contato com a terra, eu acho que pode ser Obaluaiê, assim representando;

4 - Eu acho que os dois de cá parece mais com um passo de dança, mas o dele parece mais
com uma questão de defesa e não um passo de dança, o dele ta muito em contato com o chão,
pode ser um passo de dança, o da Dione ta diferente de uma questão de dança, percebe
diferente pelo pé dela, tem um pé na frente outro atrás que ela ta com a mão assim, ta mais
não sei acho que tava mais, não seria uma imagem assim, seria mais uma coisa mais
centrada, o dele parece mais com um passo de dança, mas ele ta fosse defesa, pelo estado
assim, ta se defendendo de algo, agora o dele ta mais complicado de saber;

5 - Pra mim é dança, não consigo me recordar de nada não;

6 - Acho que eles tão defendendo de alguma coisa;

7 - Agora ta parecendo que o Lindemberg é tipo alguma coisa importante que os três tão
defendendo pela frente e pelo lado e atrás ninguém consegue pegar ele, sei lá, assim, eu
olhando daqui;

8 - Ele deve ta fazendo alguma coisa importante pra proteger, assim, proteger pra uma
suposta batalha ou então só pra que os de fora não veja o que ele ta fazendo dentro;

9 - Como foi falado por todos, eu também concordo, o primeiro grupo, eu acho que não
tentou mostrar nada concedente ao orixá, até porque esses três da frente não parecem orixá,
como foi citado logo no início lá ele ta parecendo que ta com medo de alguma coisa, ela ta
como se fosse um passo de dança e ele eu não sei o que é aquilo, parece que ta com medo
assustado com alguma coisa;

10 - A gente rapidamente pensou assim que africanidade hoje não deixa de ter um pouco do
resgate da ancestralidade, africanidade hoje era um passo de dança realmente, e pra gente
africanidade hoje não tem como fugir da ancestralidade e o passo de dança quis representar
um pouco da cultura africana. Ancestralidade são os nossos ancestrais, africanidade é a
própria África e a gente quis resgatar um pouco da cultura naquela dança;

11 - Foi o Lindenger e disse, vamos fazer um passo de dança, não sei explicar porque
africanidade hoje, não sei, mas foi um passo de dança só;

12 - Uma dança africana. Eu já tinha passado pelo que o menino ta passado agora, que ele faz
parte do mesmo grupo que ele ta dançando agora aí, logo em seguida eu pensei fazer essa
94

parte de dança em câmara lenta só que foi uma estátua, aí o nome da dança é afro;

13 - Tem coisas que a gente não sabe explicar, é só você vivenciando aqui dentro da roça que
a gente vivencia, assim não tem como explicar;

14 - Eu acho que eles não quiseram bem exemplificar que a dança tem tudo a ver com a
África, acho que a dança afro tinha a ver com a África, porque afro vem da África, a afro e o
axé;

15 – Dança;

16 – Afroaxé;

17 - Pra mim eu não percebi aquilo tanto quanto dança, a dança, a gente vai representar a
dança africana, tem muito a questão da alegria, do exagero das cores das roupas, a gente
pensa logo nisso, mas é que um tava sério, a outra tava séria, outro tava pra baixo, outra tava
segurando alguma coisa, tava com medo. Pra gente imaginar, a gente imaginou que assim era
realmente uma dança, mas o gesto que eles tavam fazendo na hora, no sentindo que tavam,
não dava pra entender muito bem que na cabeça da gente era uma dança. Não tinha um
sorriso. Eu como já fiz teatro, na questão de dança, no dia que eu dizia, numa dança sua mão
vai ta lá por ta lá, ela ta lá, mas tem um significado de estar lá você não ta assim, por estar
assim, você tá pegando algo ou a expressão de medo por alguma coisa. Mas se eu fosse dá
um nome no sentido da dança deles, seria um sentido de apreensão, pela fisionomia que eles
tavam fazendo, vocês não tavam muito alegre num contexto pra ser uma dança, não tinha
uma expressão de sorriso, pelo menos eu daria um nome de apreensão de alguma coisa;

18 - Tem várias danças, não só essa, muitas dessas de..., que significa guerra, de proteção de
marcação de território, não necessariamente uma dança pra comemorar;

19 - E até porque a dança afro não significa tanto a questão do sorriso, a questão do rosto,
porque a dança afro é o corpo, é os ombros, são os braços, são as pernas, são as mãos, porque
não é obrigado ele ta dançando e ta... . Porque isso é mais nosso aqui, nosso aqui, daqui, de
nossa terra, de nossa realidade daqui e não deles lá. Porque o escravo acabou de apanhar, no
momento de uma coisa ele ia rir do que ele iria rir, ele teria motivo pra que, ele poderia ir
atrás de um sorriso, de uma coisa, pra tentar passar por cima daquela dor, então a dança afro
como se representa aqui mais é na, se você prestar atenção em DVDs que a gente vê os
próprios africanos lá na África dançando, eles representam demais o corpo, a questão do
corpo, eles se soltam muito, muitos estão muito sério dançando, mas o corpo, até as orelhas
abanam, mas se soltam demais, é muito ombro, é muito braço, é muita perna. É muito isso, é
a questão do corpo. Foi isso que eu prestei muita atenção na primeira cena, foi isso, que eles
tavam representando o corpo, um tava de uma forma, outro tava de outra, então africanidades
tem a ver com o corpo;

20 - Eu penso um pouco diferente disso, eu acho que eles dançavam exatamente pra isso, pra
alegrar, assim a gente trabalhou a gente tem direito, digamos assim, de fazer uma festa, de se
alegrar, se divertir com todo mundo, entendeu eu acho que a dança nesse sentindo é como ele
falou, ta faltando um pouco de alegria, expressão, alegria, alguma coisa assim, porque tava
muito sério mesmo. Tá como se eles tivessem defendendo alguma coisa, defendendo
Obaluaiê digamos assim, porque o ato que eles tavam fazendo e é isso que eu acho;
95

CRUZAMENTOS
Convergente:

- 1, 2, 5, 9, 10, 11, 12, 14, 15, 18, 19, 20 apontam a dança como um elemento das
africanidades hoje, sendo que 1, 2, 12, e 14 ressaltam a origem africana da dança. Já 2, 4, 9,
10 e 11 limitam essa dança a apenas um passo e 10 acrescenta que a dança resgata a
ancestralidade, a cultura africana, pois “ancestralidade são nossos ancestrais, africanidade é a
própria África”. E 18 e 2 fazem referências aos diversos sentidos para as danças africanas:a
guerra, a proteção, marcação de território e a alegria.

- 9 e 17 ressaltam que a imagem transmite o medo como uma expressão das pessoas, sendo
que 17 destaca a apreensão através da fisionomia das pessoas, a apreensão de alguma coisa,
não representando uma dança africana.

-19 e 20 caracterizam dança africana como, expressão do corpo (ombros, braços, pernas,
mãos,orelha), diversão, alegria, sendo que 19 ressalta que as africanidades tem a ver com o
corpo; e divergindo quanto ao sentido e local da dança afro, sendo que o primeiro afirma que
a dança não significa sorriso, mas corpo sendo um dos motivos a forma como eram tratados
(apanhavam) e só se vê esse tipo de dança na África enquanto o elemento alegria só se vê
aqui. Já o segundo ressalta exatamente a alegria como motivo da dança enquanto direito pelo
trabalho realizado.

- 4 apresenta o duplo significado da cena (dança e defesa).


Divergente:

- 06, 07, 08 divergem dos demais por afirmar que as africanidades hoje seria defesa, sendo
que 07 e 08 identifica que alguém importante está sendo protegido e a proteção é para uma
suposta batalha.

- 3 diverge dos demais por afirmar que as africanidades hoje são representações de orixás
como Xangô e Obaluaiê.

- 9 diverge de 3 e 20 ao apontar que a cena não mostra nada concernente ao orixá.

Foto 14: Africanidades Brasileiras (Daniela)


96

II. Representação dos orixás-guerra (Africanidades Brasileiras)

1 - Tá parecendo mais uma guerra protegendo a orixá Oxum, eu acho que tem Ogun também,
Oxossi, uma guerra de orixás, Oxum tá sendo a Cristina, Oxossi o Lein (Guilherme), eu acho
que o babá tá sendo Xangô pela mão dele, e ele ta sendo Ogun e o Lindenberg ta parecendo
Obaluaiê, os outros não lembram muito orixá não;

2 - Pela maneira que eles ficarem parado, por Oxun no meio e os outros se espalharem ta
dando impressão que ela ta sendo protegida por eles, africanidades brasileiras seriam orixás
bem representados;

3 - Eu não tenho também tanto conhecimento de orixá, mas com o pouco que eu tenho, acho
que esse segundo grupo já tentou ir pra essa idéia que o Romário tava falando, de alguma
coisa relacionada a guerra e que os orixás tão preparados pra lutar, e aí já consigo identificar
mesmo Xangô, aquele não consigo identificar porque não conheço, mas eu também tive essa
impressão que a segunda formação que é alguma coisa com relação proteção;

4 - Acho que com a própria religião, com o candomblé, conhecido do Brasil, acho que essa é
a relação, o próprio conhecimento que o pessoal aqui tem de orixá, acho que isso é
africanidades brasileira;

5 - Pelas histórias que eu conheço, que tem sempre essa relação de guerra, dos orixás, de luta,
o orixá sempre tem um conflito muito grande, eu acho que remete a essas histórias;

6 - Mas o outro grupo que veio ta representando os orixás, cada um ta em forma de defesa.
Ogun ta posicionado pra guerra, Oxossi ta posicionado pra guerra e Xangô também, e eles
estão defendendo uma que se posicionou ao meio, que é como uma princesa, uma rainha que
ta dizendo assim: olha me protege, eu to aqui. Aí entrou no grupo que foi olha: eu entrei aqui
no meio desse que já tão com medo, me protejam, e ela veio para o meio deles e os orixás
veio, cercou eles pra defender. E trazendo pro lado da africanidades brasileira o próprio orixá
ele veio pra cá, então foi um presente que a África nos deu, porque aqui no Brasil não existia
orixá, não existia o candomblé, e nós estamos representando aqui justamente devido a isso,
desse presente que veio da África pra cá, nós podemos conhecer os orixás e deles passarem a
nos defender, defender nossas vidas, nossos ideais. Africanidades brasileira é isso, da defesa,
desse todo que eu acabei de comentar;

7 - A gente tava,vamos dizer assim, Oxum que tava sendo representada pela Cristina, tava no
meio e os orixás tavam protegendo ela porque Oxum é tipo dona da vida, se não tiver Oxum
não tem reprodução, aí a gente tava tipo protegendo Oxum, a imagem de Oxum;

8 - Eu sou um pouco leigo na questão dos orixás, mas pela vista da gente, quando a gente fez
a nossa cena foi na intenção mesmo de proteger, era uma visão já minha, a impressão tava
protegendo ela que tava no meio, eu entendi os outros não como meros mortais, mas como
mortais, sabiam que tinha alguma coisa no meio, mas tem os orixás protegendo aquele, sabe
uma visão mais futurista, assim como se fosse os orixás ali, o ser humano ali no meio ao
redor e os orixás tavam protegendo os humanos e aquele que tava no meio, foi uma visão
bem futurista que eu tive da situação;

9 - Eu vou quase no mesmo sistema, mas com os orixás por fora, Oxum como ela, produz
fertilidade, como dona da fertilidade, ela ficaria no meio, os três da frente como se fosse os
97

filhos, Obaluaiê atrás, e os outros orixás protegendo a dona da fertilidade, isso que eu
consegui identificar;

10 – [Os orixás são] Ogum de frente, os três da frente, atrás de Ogun, tava como se fosse
filhos da Oxum, sem ser o orixá, humano, aí onde eu estava representando Oxossi,
Lindemberg tava representando Obaluaiê, como se estivesse pegando no chão e Mateus tava
representando Xangô, como se fosse um guarda-costa, pra qualquer ocasião, porque se
nenhum dos três da frente fizesse alguma coisa ele tava pra destroçar o resto;

11 - Mas é interessante quando ele diz que protege Oxum que é a fertilidade, na verdade os
orixás estão se auto protegendo, para dar continuidade a eles próprios;

12 - Na minha opinião a gente escolheu esses orixás porque, vamos dizer Oxossi foi o
principal marido de Oxum, Xangô também, Oxum já teve com Ogun, então eles três
protegem Oxum;

13 - Eu acho assim, pela visão, eles colocaram Xangô, Oxossi por ser, são orixás guerreiros
(todos três são) pra defender Oxum;

14 - E acrescentaram o Lindemberg como Obaluaiê, aproveitaram ele pra defender também,


não sei;
- Pra guardar mais o centro;

15 - Eu senti um pouco diferente disso, eu também vou discordar um pouco, eu entendi que
ela tava no meio, tava sendo protegida, mas eu não concordei muito do fato dos três filhos tá
na frente, eu acho assim, por aquela coisa de mãe, há ! Meu filho fica aqui porque eu vou
proteger ele. Então assim, eu acho que eu os três podiam ser guerreiros, naquela época não
tinha só orixás, tinham pessoas normais, aí eles foram ajudar na guerra. Não muito contente
com esses três filhos de Oxum, eu acabei de me lembrar aqui. Ogun tava na frente, atrás de
Ogun vinham guerreiros deles, quem é? Exu, pode ser três exus, ao redor. É isso que até que
enfim eu fiquei mais aliviada;

16 - - Porque o que a gente mais tem de africanidades brasileira são os orixás, que é a
principal coisa que veio da África é o Candomblé, são os orixás;

17 – A maior parte é o nosso cotidiano, é o que a gente vive. Alguns têm acesso à internet,
mas africanidade pra gente é a vivência da gente, a gente procura em DVD, documentário pra
saber mais sobre a nossa religião, da onde ela veio;

18 - - Mas só que a gente tenta buscar mais de onde veio a nossa religião, o idioma, buscar
mais aprender o idioma, ter mais acesso a nossa religião. O social da gente, a gente vive
como todo mundo, mas pra mim, - Você não encontra nenhum resquício de africanidade –
no social. Por isso eu gosto de ficar mais aqui dentro. O meu social a gente eu saio, faço
alguma coisa, mais;

19 - Quando a gente começou a conversar, o que seria africanidade brasileira, do Brasil? Se


você falar de África, você só lembra da Bahia, se você só lembrar da Bahia, de rastafari,
pelourinho, Olodum, então são coisa chave, ou então você se lembra orixás, orixás. Seria
muito fácil agente representar orixás, porque liga Bahia – Brasil - a cultura afro só é Bahia ,
porque a gente tem mais facilidade de encontrar na Bahia, no Ceará não se houve, nos outros
98

estados, na Amazônia nem se fala. Então a gente puxou muito pro lado dos orixás pra
questão daquela cena, aí eu volto pra o que seria questão da África no Brasil ? Seria uma
questão de proteção, de tentar proteger a religião que se mantém aqui, da cultura q agente
criou, é bem diferente que chegou aqui, a gente deu um jeitinho brasileiro, mas com o tempo
a cultura afro que veio de lá pra cá mudou, se tornou uma cultura brasileira afro, então com o
tempo ele vem modificando, eu acho no meu entender da nossa cena seria uma questão de
proteção a cultura afro no Brasil, a nossa cultura, a cultura que veio, a cultura que nós
juntamos e montamos numa só, pela questão da miscigenação;

20 - No Ceará, tem africanidades ?- Tem, mas não como na Bahia, a Bahia foi onde se tudo
se concentrou e começou a se espalhar;

21 - Uma coisa que tem muito no Ceará é o Maracatu, que é outra representação de
africanidade, mas o pessoal acabou representando orixás, não por falta de opção, mas pelo
próprio espaço, pela própria experiência, por ta mais ligado aos orixás;

22 - E aqui também no ceará não tem somente o Candomblé falando sobre a questão da
africanidade que foi trazido pelos africanos, temos o candomblé e quando a gente sai do
barracão a fora, no cotidiano normal, existem coisas que nos lembra, a própria capoeira, que
muitos usam, há! eu vou brincar, eu vou jogar a capoeira. É uma forma de fazer um
exercício, mas o que foi a capoeira ? Ali era uma forma que eles usavam se fazendo que
tavam brincando, mas ali eles estavam praticando pra se defender, na própria defesa, e não só
isso, como uma das coisas que tem muito no Ceará, que em outros locais, em outras cidades
não tem é a questão da religião afrodescendente, que é a questão da Umbanda, que é uma
coisa onde qualquer subúrbio que você for daqui da cidade de Fortaleza você vai achar uma
terreiro de macumba, que é uma religião afrodescendente, lá não baixa orixá nenhum, lá
baixa entidade que louvam os orixás, então é uma coisa que também lembra as africanidades,
lembram os africanos, porque existem negros, existem os caboclos que são de correntes
africanas. O Candomblé em si eles lidam com as divindades, ou seja, com os reis, a
Umbanda são com os súditos, então eles vem louvando a alguém, então cada linha tem seu
rei, cada linha tem o orixá que rege, orixá não baixa, mas quem baixa são os súditos que vem
louvam a eles. Então isso lembra africanidade aqui no Ceará, principalmente isso é o que a
mim, particularmente é o que lembra mais. Porque qualquer local onde eu chegar, eu vou
aqui no Mondubim tem um terreiro,lá vou lembrar dos africanos, lá na Maraponga tem um
terreiro, mais aqui na frente, aqui no José Walter tem outro, aonde eu for vai ter um eu jamais
eu vou ta, há! Quem são os africanos ? O que é isso ? Não, não existe. Aonde você chegar vai
ter um batuque, que esse batuque vai lhe lembrar. O próprio nome o que é Macumba ?
Macumba é um tambor que foi trazido pelos africanos pra cá pro Brasil, por isso que a gente
diz ha! Vamos bater macumba, vamos bater o tambor, que é usado no culto, por isso ficou
conhecida como Macumba a religião Umbanda. Então por isso é conhecida a africanidade
aqui no Ceará;

23 - Ebi – família iorubana;

CRUZAMENTOS

- 1, 3, 5 referem-se a guerra onde os orixás estão posicionados e prontos para a luta, sendo
que 1.
99

- 2, 6, 7, 8, 9, 11, 12, 15, 19 ressaltam a proteção como um elemento das africanidades


brasileiras, sendo que 2, 7, 9, 11 revelam que Oxum está sendo protegida por vários motivos:
por ser a dona da vida, da reprodução (7), a dona da fertilidade (9), e 11 enfatiza que proteger
Oxum que é a fertilidade é se auto proteger, para dar continuidade a eles próprios; enquanto 6
por terem se relacionado afetivamente com Oxum (12),por serem guerreiros e 8 (numa visão
futurista) ressalta que os orixás, que são um presente da África, estão nos protegendo, nossas
vidas e ideais 19 afirma que a proteção é para a religião que faz parte da cultura afro que
veio.

- 13,15 ressaltam a característica de guerreiros dos orixás e seres humanos.

- 4, 16, 17, 18 referem-se à religião (candomblé 4 e 16) e os orixás como elementos das
africanidades brasileiras, 17 acrescenta o cotidiano e a vivência da religião, a busca por sua
origem o que define as africanidades, 16 afirma ser a religião a principal coisa que veio da
África e 18 ressalta que não encontra nenhum resquício de africanidade no social
(sociedade).

- 23 diverge dos demais por afirmar que as africanidades brasileira é a família iorubana- Ebi.

- 19 e 20 destacam que a Bahia é o local de nascimento das africanidades, onde se encontra


as coisas chaves, pois “cultura afro é Bahia”.

- 21 e 23 convergem por tratarem das africanidades cearenses, sendo que a primeira afirma
que existe, mas não como na Bahia, a segunda ressalta o Maracatu como elemento dessa
africanidade e a terceira lembra que além do candomblé e da capoeira que tem muito aqui e
que foi trazida pelos africanos, a Umbanda (Macumba) que é uma religião afrodescendente
pode ser encontrada em qualquer subúrbio de Fortaleza através dos batuques.

Foto 15: Africanidades fora da África (Daniela)

III. Africanidades Invisíveis-Controlada (Africanidades fora da África)

1 – Eu to vendo que tem uns rezando, africanidades fora da África é religiosidade;


100

2 - Eu achei que alguns não se renderam;

3 - É como se alguns não quisessem aderir a essa africanidade;

4 - Eu vejo o sincretismo com a religião católica. Essa religiosidade fora da África, essa
religiosidade se misturou com outras tradições religiosas e houve uma influência dessas
tradições. Você pode notar com a menina ali numa posição cristã, eles dois aqui numa
posição do Cristianismo. Essa coisa é muito da Igreja Católica, essa coisa de juntar as mãos
e, quando vai rezar sempre tem essa coisa de juntar as mãos. Eu acho que o pé pra mim, esse
em pé numa posição bem de soldado, eu acho que é o afastamento da terra mesmo assim,
esse distanciamento que fora da África se perdeu esse contato maior com a terra, no sentido
de uma postura vertical, que alguns chamam de evolução, mas eu acho que não é evolução,
porque quando você se afasta da terra você perde essa questão do sagrado. E a disposição
também, tá muito linear, tá filas, tá enfileirado, como se estivesse, esse enfileiramento pra
mim traz repressão, aprisionamento, traz opressão, tem alguém comandando aí, tem alguém
comandando porque, essa pessoa que ta comandando, ela dispôs num formato no que ela quis
pra melhor vigiar, porque quando eu coloco em fila, quando eu enfileiro eu tenho condição
de ver as filas, então eu vigio mais. Então essa questão do distanciamento permitiu também
que perdendo essa cultura a pessoa se oprimisse de alguma forma, por uma idéia que eu não
sei de onde veio, mas uma idéia maior que tendo um controle maior dos corpos;

5 - Eu fico imaginando os países, os lugares, então, por exemplo, tem alguns lugares que se
apropriaram, pegaram a cultura africana e transformaram nessas africanidades, que o
sincretismo não é uma coisa totalmente ruim, mas que é essa coisa da mistura mesmo, da
cultura, mas por outro lado outros lugares, e outros países, não quiseram essa mistura e não
aderiram essa cultura, pelo contrário quiseram foi expurgar mesmo, tirar, desvencilhar essa
cultura, não querer pra si porque achavam que era inferior, por outro lado outras culturas,
outros lugares quiseram e se transformaram e transformaram aquilo que foi trazido;

6 - Mas me parece também, assim , olhando as expressões corporais, as expressões do rosto,


eu acho que perdeu a alegria, porque todos os rostos estão sérios, você não vê nenhum rosto
um sorriso, rostos presos, rostos maltratados, que de alguma forma isso contribui pra trazer,
pra tirar um pouco dessa alegria que é comum da África, essa alegria que traz no corpo todo,
eu acho que esse afastamento e essa posição também muito sisuda, muito fechada, fechou
todo corpo, fechou tanto a expressão do rosto como o restante do corpo, perdeu a soltura, a
maleabilidade, a malemolência da africanidades, quando se afastou da África;

7 - E realmente me causa um estranhamento, porque toda a imagem que eu faço de


africanidades, desapareceu aqui, eu encontrei realmente muita seriedade nos rostos de vocês,
um certo enrijecimento, e alguns poucos dando a idéia de crença em algo. Eu imagino que
de repente eles tivessem querendo interpretar aqui a ausência das africanidades fora da
África, eu vejo essa ausência como uma coisa meio negativa, meio fragmentada, as pessoas
ficam muitos isoladas no seu quadrado, acho que é mais ou menos isso;

8 - Engraçado que Oxum que tava sendo protegida naquela imagem (anterior), Oxum tava
sendo protegida, agora me parece que Oxum virou uma santa que tá sendo carregada pelo
cortejo, o cortejo tem essa disposição de botar uma imagem no centro, uma imagem de uma
santa e ela vai sendo carregada. O que era uma imagem de proteção agora é uma imagem de
adoração, de condução;
101

9 - Aí eu fiquei pensando assim, africanidades fora da África é isso, mas africanidades


brasileira que não é na África foi Orixá, então como é que pode, porque o Brasil não está na
África, o Brasil está fora da África, mas por outro lado também está na África;

10 - Porque os orixás também estão bem presentes no Brasil, de alguma forma é muito forte
ainda essa questão do orixá dentro Brasil, em alguns estados principalmente do Brasil;

11 - Pra mim seria tipo tensão, relacionando a rigidez;

12 - Pra mim lembrou procissão;

13 - Repressão cultural;

14 - Eu vejo como se eles tivessem servindo a alguém;

15 - Repressão religiosa;

16 - O que foi passado, na hora que agente foi pra ali, o tema foi africanidades fora da África
e o que nós sugerimos aqui que trouxe, quando ele falou foi mesmo em cima do que foi
pedido, o que a gente tentou representar aqui, a neutralização da africanidade, os africanos
foi povo escravizado, foi exportado pra fora de sua origem, de sua cultura, de sua crença e
teve que se adaptar a outro povo, então ele chegou, por exemplo, na Europa, lá ele não
poderia praticar o Candomblé, então ele teve que aderir ao catolicismo, então é um povo tudo
neutro, os guerreiros, os que tavam representando orixás e tudo se neutralizaram pra não
lembrar nada de africanidade e os outros, pobres dos escravos, pra não ficar sem nada
tiveram que se ajoelhar e aderir a religião pra não ficar sem cultura, pra não ficar sem uma
crença. Assim como aconteceu quando eles vieram pra cá, como aconteceu também quando
logo no início de tudo, como conta a história do que aconteceu com os índios, que já tinham
a sua cultura, sua crença, sua pajelança, seu deus tupã, sol, lua como ele acreditava e teve que
acreditar no catolicismo, então da mesma forma aconteceu com o negro fora da África;

17 - Rola muita dissimulação também, dos escravizados. Essa imagem também, além de
procissão, que eu tinha dado, de opressão também, ela também podia significar resistência,
porque dentro dessa imagem oprimida houve uma manutenção da cultura, era enganar pra
poder sobreviver. Então você tinha que fazer de conta que tava bebendo na cultura do outro,
mas por trás você tava também nos espaços, digamos assim, no cambio negro, você tava
fazendo sua história juntamente com sua comunidade, é tanto que ela resistiu e ainda existe
muita coisa, as irmandades, por exemplo, o próprio candomblé que resistiu;

18 - Eu tive uma visão, foi também nesse sentido por conta assim que eu não vi quem tava
atrás, eu acho que não foi de propósito deixar as pessoas alinhadas, eu acho que foi o acaso,
do acaso mesmo. O Lucas ficou na minha frente de joelho como se tivesse rezando, orando, e
eu fiquei neutro assim, na frente do Lucas, então dava pra entender que as pessoas estão
fingindo a situação de estar orando fora da África por imposição dos católicos, do
catolicismo e os orixás tavam ali só olhando, mas talvez não poderiam fazer nada por conta
que a quem eles tanto prezam, quem zelariam por eles, não estão zelando por eles, não estão
fazendo os trabalhos dos orixás, não estão assim, tava ali mas eu tava só olhando, dava
entender que eu tava só vigiando, só olhando mas não poderia fazer nada já que ele não tava
também, a questão da retribuição, eu entendi que os orixás tavam ali, como se tivesse assim
de mãos atadas, que não podiam fazer já que eles não estavam, não sei dizer assim uma
102

palavra;

19 - Nem eu sei assim, por conta lembrando uma história, que dizia antigamente que as
pessoas ligam os nomes de certas imagens católicos aos orixás, eu acho que são orixás, que
diziam que na época os negros tavam, vou usar o termo louvar, a imagem do orixá eles
colocavam atrás de uma imagem santa católica, o povo ligam a isso aí davam os nomes de
pai de santo por conta dessa historiazinha, mas eu não sei o nome que se dá. Farsa, vamos
dizer assim, é a farsa. Vou fazer, adorar o que tu faz hoje porque enfim eu to sozinho neste
mundo e se eu tentar fazer alguma coisa diferente é complicado. Eu ia até cantar a música, “o
Ceará tem disso ?” No Ceará não tem disso não, não tem disso não. Porque a gente não vê
assim, pouco tempo eu descobri que tinha um quilombo aqui perto de Fortaleza, eu nunca
ouvi falar nisso, eu digo que não sei, porque é uma coisa, que não passa dali, não é
divulgado, não faz bem divulgar isso porque o Brasil é um país hipócrita, ele é adepto a qual
quer cultura. Hoje a gente fala da cultura indiana ninguém fala nada, mas se falar da cultura
afro, da África, sobre orixás a história totalmente muda, porque será ? ninguém sabe, ou
todo mundo sabe. Se discute qualquer coisa, mas só não se discute a questão afro, a questão
da religião, se discutir é uma coisa muito irrelevante, Xica da Silva da novela, mas fora isso
não se discute em TV aberta;

20 - É engraçado as interpretações que surgem. A primeira idéia da gente foi anular,


imaginar, porque já tinha sido demonstrado outras, as formas, africanidades no Brasil,
africanidade, tudo muito ligado ao orixá. Então a gente quis mostrar um outro lado, que
também existe, que é esse receio de exercer a sua religiosidade e aí tiraram outras
interpretações que na hora a gente não tinha pensando. Que essa de ta os orixás, por exemplo,
não podendo ajudar aos fiéis porque eles não tavam sendo correspondidos, ou então uma
forma de resistência, mas eu acho que foi interessante por isso, porque também é uma coisa
que existiu, o catolicismo pela força e pela força da cultura européia que impôs com toda
força em cima da cultura africana, mas principalmente essa era a idéia inicial, mas que todas
essas interpretações se encaixam não só a de força, um sobre o outros, mas também a forma
de resistência, todas essas idéias se encaixaram também;

CRUZAMENTOS

- 1, 8, 12, 19 convergem por apresentar a religiosidade e o sincretismo como elementos das


africanidades fora da África, sendo que 1 e 12 lembram reza e procissão, enquanto 4, 8 e 19
explicam que a religiosidade fora da África se misturou com outras tradições religiosas em
especial a católica ligando os orixás aos santos, como Oxum que virou uma santa carregada
pelo cortejo e ao virar santa deixa de ter uma imagem de proteção e torna-se imagem de
adoração, de condução; (8), ou quando as imagens dos orixás eram colocadas atrás de uma
imagem de santa católica (19).

- 4, 6, 7, 13, 15 enfatizam a repressão (cultural 13, religiosa 15) como elemento das
africanidades fora da África, sendo que 4, 6 e 7 tratam especificamente das repressão dos
corpos como algo negativo, que isola e fragmenta levando os corpos a posições verticais e
lineares, enrijecendo os rostos, transformando-os em sérios e maltratados, perdendo a soltura,
a maleabilidade, a malemolência das africanidades, 4 aponta o afastamento da terra, a perda
do contato com o sagrado e com a cultura e o distanciamento da África como motivo desse
controle dos corpos.
103

- 2, 17, 18 enfatizam a resistência como elemento das africanidades fora da África, não se
rendendo (2), dissimulando como faziam os escravizados, mantendo sua cultura, enganando
para sobreviver, fazendo de conta que estavam bebendo da cultura do outro, mas por trás
estavam nos espaços, cambio negro, fazendo sua história juntamente com a comunidade,
como as irmandades e o candomblé(17).

- 18 diverge de 17 por afirmar que esse fingimento ao orar para os santos católicos fazia com
que as pessoas não fizessem suas obrigações aos orixás levando a um afastamento dos
mesmos que ficavam só olhando sem ajudá-las.

- 5 difere dos demais por afirmar que apesar de ter países que não aderiram as africanidades e
quiseram expurgar porque achavam inferiores, existiram lugares que se apropriaram da
cultura africana e transformaram essa africanidades confirmando que o sincretismo não é
uma coisa totalmente ruim.

- 9 e 10 tratam dos orixás como imagens bem presentes no Brasil.

- 3 e 14 diferem dos demais por afirmar que algumas pessoas não quiseram aderir a essas
africanidades (3) e que a disposição das pessoas parece com servidão.

Estudo Transversal

AFRICANIDADES DIVERSAS

Era um dia de sábado, eu estava em casa, sentindo aquela brisa do mar e fazendo o
almoço quando de repente escuto o tambor tocar avisando da assembléia das africanidades.
A africanidades viviam disputando quem era a melhor e qual a mais popular entre as
pessoas. Por isso resolveram fazer um debate para provar qual delas era a mais querida e
chamaram todo mundo por essas bandas para ouvir suas propostas e depois escolher qual
delas é que está em nossas vidas. Eu como sou muito curiosa não perdi esse babado.
A primeira a falar foi as Africanidades Hoje:
____ Eu tenho a dança- elemento das africanidades. Tenho uma variação desses
elementos. A origem da dança; a dança resgate ancestral afinal vocês sabem né
“ancestralidade são nossos ancestrais, africanidades é a própria África”, e tenho também a
dança africana afrodiverso tais como a guerra, a proteção, marcação de território, alegria.
____ Enquanto você é dança querida, eu sou representação dos orixás saltou as
Africanidades Brasileiras, tenho as africandades-proteção como um elemento, como por
exemplo, a proteção a Oxum porque é dona da vida, da reprodução, da fertilidade, afinal
proteger a fertilidade é também se auto proteger. E além do mais os orixás que são um
104

presente da África para nós estão nos protegendo, nossas vidas e ideais. Posso dizer também
que a religião está sendo protegida porque faz parte da nossa cultura.
____Hahahahahah Essa eu ganhei. Meninas, a resistência é o meu elemento, bradou as
Africanidades Fora da África. As africanidades-resistência não se rendem, dissimulam
como faziam os escravizados, mantendo sua cultura, enganando para sobreviver, fazendo de
conta que estavam bebendo da cultura do outro, mas por trás estavam nos espaços, fazendo
sua história juntamente com a comunidade, como as irmandades e o candomblé.
_____ Há divergências minha cara, gritou as Africanidades Hoje, eu sei também que
esse fingimento ao orar para os santos católicos fazia com que as pessoas não fizessem suas
obrigações aos orixás levando a um afastamento dos mesmos que ficavam só olhando sem
ajudá-las.
E não faça essa cara feia pra mim, porque cara feia pra mim é fome. E digo mais, eu
também tenho a proteção como elemento, não é a toa que meu apelido é Africanidades
dança-defesa por causa do meu duplo significado. A dança vocês já sabem, quanto à defesa
se diferencia dos meus demais elementos porque identifica que alguém importante está sendo
protegido e a proteção é para uma suposta batalha. Eu costumo chamar esse meu lado de
Africanidades defesa-proteção hoje.
_____ Conclua companheira seu tempo esgotou, resmungou o cronometrista do
debate.
_____ Calma filhinho só quero dizer mais um tiquinho eu também simbolizo a
representação dos orixás.
_____Você é uma cena que não mostra nada concernente a orixá sua Africanidades
Hoje atualizada, retrucou as Africanidades Fora da África.
_____ Vamos parar de intrigas colegas e apresentar nossas propostas. . . Eu como sou
a mais brasileira das africanidades posso dizer que tenho como característica além dos orixás
a representação da guerra, onde os orixás estão posicionados e prontos para a luta, sendo que
o motivo da guerra possa ser a proteção a um orixá. Também posso ressaltar a característica
de guerreiros dos orixás e seres humanos.
_____ Eu, como Africanidades Fora da África tenho também orixás como imagens
bem presentes no Brasil. E a religiosidade sincrética como elemento de mim, lembrando reza
e procissão, porque a religiosidade fora da África se misturou com outras tradições religiosas,
em especial a católica, ligando orixás aos santos, como Oxum que virou uma santa carregada
pelo cortejo, e ao virar santa deixa de ter uma imagem de proteção e torna-se imagem de
105

adoração, de condução ou quando as imagens dos orixás eram colocadas atrás de uma imagem
de santa católica.
_____ Mas sei que você tem outro lado, envenenou as Africanidades Hoje, o da
repressão cultural-religiosa, Africanidades repressão, africanidades repressão, repressão,
repressão... repressão dos corpos como algo negativo, que isola e fragmenta levando os corpos
a posições verticais e lineares, enrijecendo os rostos, transformando-os em sérios e
maltratados, perdendo a soltura, a maleabilidade, a malemolência das africanidades. E alem
do mais, esta repressão aponta para o afastamento da terra, a perda do contato com o sagrado
e com a cultura e o distanciamento da África como motivo desse controle dos corpos.
______ Tenho direito a uma réplica.
_____ Direito concedido disse o comentarista do debate.
_____ Eu tenho uma carta na manga, um elemento que difere dos demais, apesar de
ter países que não aderiram as africanidades e quiseram expurgar porque achavam inferiores,
existiram lugares, e só eu sei, que se apropriaram da cultura africana e transformaram essas
africanidades, confirmando que o sincretismo não é uma coisa totalmente ruim.
____ Calma gente, olha os ânimos, vamos debater propostas, propostas, disse o
comentarista do debate.
____ Como brasileira que eu sou já havia falado anteriormente que estou ligada as
africanidades candomblé. Represento o cotidiano e a vivência da religião, pois a busca da
sua origem é o que define as africanidades. Ouso dizer que a religião é a principal coisa que
veio da África e que não encontro nenhum resquício de africanidades na sociedade.
_____ Há divergências em você mesma querida, susurrou as Africanidades Fora da
África. Como você diz uma coisa dessas, que não tem africanidades no social, se você
também afirma que africanidades brasileiras é a família iorubana – Ebi ?
_____ Divergente e contraditória é você que está mais para africanidades invisível -
controlada, pensa que eu não sei que algumas pessoas não quiseram aderir a essas
africanidades aí e que a disposição das pessoas parece com servidão !
Exaltando sua diplomacia de campanha falou as Africanidades Hoje:
____ Gente, eu caracterizo a dança africanidades corpo (ombros, braços, pernas,
mãos, orelha), a diversão e a alegria, afinal africanidades tem a ver com o corpo, mas as vezes
eu caio em divergência em duas posições, vocês sabem que sou um pouco bipolar, né!.
Quanto ao sentido e local da dança afro penso na dança corpo que não significa sorriso, mas
corpo, é só ver como os negros eram tratados, apanhavam e também só se vê esse tipo de
106

dança na África por que aqui a alegria está presente na dança. O meu outro lado já pensa na
dança alegria, motivo da dança enquanto direito pelo trabalho realizado.
____ Engraçado, o que eu tô sabendo é que a imagem que você transmite não é de
dança africana não, é de medo como uma expressão das pessoas, apreensão através da
fisionomia das pessoas, apreensão de alguma coisa.
____ Vossa excelência tá mesmo por fora, dona Africanidades Fora da África, Eu me
chamo Africanidades hoje, africanidades dança-defesa, não africanidades invisíveis-
controlada.
____ Senhoras posso continuar com minhas propostas ? Perguntou as Africanidades
Brasileiras
____ Claro!!!(todas educadas)
____Quero destacar que o local de nascimento das africanidades foi a Bahia, lá se
encontra as coisas chaves, pois “cultura afro é na Bahia”.
_____ E as africanidades cearenses? questionou a representante das africanidades
hoje.
_____ Minha querida, é claro que existem as africanidades cearenses, não como na
Bahia, mas posso ressaltar o Maracatu como elemento dessas africanidades, além do
candomblé e da capoeira que foi trazida pelos africanos temos também a Umbanda
(Macumba) que é uma religião afrodescendente e pode ser encontrada em qualquer subúrbio
de Fortaleza através dos batuques.
E não teve jeito elas passaram o resto da tarde mostrando suas características e
brigando entre si. O que elas não compreendiam é que todo mundo sabe que estamos nadando
contra a correnteza do preconceito e do etnocentrismo e que constantemente ressignificamos
nossas africanidades.
Portanto não dá para escolher um tipo de africanidade, carregamos no sangue de
nossas veias, na roupa que vestimos, na comida que comemos, nos costumes, crenças,
desejos, sonhos emaranhados na grande teia das africanidades.
107

Técnica III - Tocando nas Africanidades

Categorias:

I. Elementos da africanidades

1 - Com os outros materiais que passou antes, o pé fica grudando um pouquinho. É uma coisa
que você pode pisar assim, pelos menos é uma coisa firme;

2 - É um molejo, assim às vezes a gente coloca o pé e fica;

3 - Quando eu senti tipo um grude, uma coisa melequenta e agora tá ficando mais melequenta
ainda, tipo um saco, mas a gente pisa faz um estralo e do lado tem umas bolinhas, acho que
não tem nada a ver com o saco;

4 - Liguento, pregando, grudento;

5 - Esse daqui chega ser mais estranho porque eu não consigo nem imaginar o que é;

6 - É macio, suave;

7 - agora eu não sei exatamente que eu to pisando, ali eu tinha idéia e agora eu não to tendo
idéia do que eu to pisando;

8 - É estranho, um terreno diferente

9 - Parece uma sacola com esponja, como se a gente tivesse pisando numa uva pra fazer uma
bebida;

10 - O que dá a entender que seria a junção da primeira experiência que era com a água, da
segunda eu acho que era uma esponja, dá a entender como se pegasse os dois e juntasse, a
esponja com água que dá a sensação, como a esponja absorve, dá a entender que é uma coisa
mais firme, você pisa e sente seguro também, apesar da estranheza;

11 - Parece grude. É grudento, pegajoso;

12 - Ele é macio e grudento;

13 - A isso aqui eu sei o que é, é grude;

14 - Aqui que é mais esquisito mesmo. Diferente do outro terreno que era uma coisa cheia de
elevados, aqui é uma coisa mais lisa, sei lá. E gruda também;

15 - Esse negócio aqui grudento;

16 - Parece cola, eu não sei, eu não sei;

17 - Porque a gente fica paralisado, nosso pé pode grudar no chão, dá uma frieza nos pés,
108

parecido pasta;

18 - Eu acho tipo aquelas areias que puxam pessoas, isso aqui não é bem uma areia, mas que
prega no pé também e é ruim. Uma coisa que prende, tipo uma armadilha;

CRUZAMENTOS

- 1, 3, 4, 11, 12, 13, 14, 15, concordam quanto ao aspecto pegajoso, liguento, preguento,
grudento do elemento, sendo que 1 ressalta a firmeza como outra característica, 3 realça o
aspecto melequento como se fosse um saco com bolinhas que estrala, 14 afirma que é um
elemento diferente e 17 destaca a paralisia e a frieza dos pés como aspecto complementar ao
grude.

- 6 e 12 convergem por entenderem o elemento como macio, porém divergem quanto a


textura do material, para 6 é suave enquanto para 12 é grudento.

- 5, 8, 10 e 16 revelam a estranheza e o desconhecimento do elemento, sendo que 8 ressalta a


diferença, 10 supõe que seja a junção de dois elementos água e a esponja e 16 acredita ser um
a espécie de cola.

2, 9 e 18 diferem dos demais por não apresentar relação com outro elemento dessa categoria.

II. Africanidades Sensações e Lembranças

1 - É bom porque é macio;

2 - A sensação é chata, essa coisa pregando, a gente levanta o pé e não para;

3 - Tenho uma sensação de limpar os pés. Essa primeira parte do caminho eu senti nojo e
agora eu to tentando limpar meu pé;

4 - Não é muito boa não;

5 - É desagradável porque eu não sei onde eu to pisando, mas é agradável, porque é diferente.
Parece contraditório, mas consegue ser agradável e desagradável;

6 - É macio, suave, bom, gostoso de pisar porque é macio;

7 - É como se você tivesse o corpo mais leve, relaxa apesar de ser grudento. Dá um pouco
assim, de nojo porque é grudento, mas também ao mesmo tempo faz você se lembrar como
se tivesse assim, com o orixá em você;

8 - Relaxa, mas eu tô um pouco insegura, relaxa um pouco. Insegurança;

9 – Acho que o sentimento é de curiosidade;

10 - Como se eu tivesse pisando no mato, numa floresta;


109

11 - Só lama por causa de rios se formam através de uma nascente e sempre quando secam
ficam tipo uma lama, pra lembrar do rio, que teve um rio lá;

12 - Olha é uma sensação estranha mas gostosinha, apesar de ser grudenda, pise e gruda;

13 - É legal, porque a gente pisa e gruda. Eu acho bom. É entre aspas é confortante;

14 - Pior porque segura o pé tipo puxando, é ruim, porque é uma coisa que incomoda, eu
nunca senti isso;

15 - Que lama. De nojo de novo, nojenta. Se bem que é legal ficando melando os pés com
esse negócio aqui que eu não sei o que é. É até relaxante, dá até pra fazer massagem,
relaxante. No início é nojento, depois você imagina que não uma coisa muito nojenta aí você
não marca;

16 - Que coisa ruim, eu não gosto de nada preguento. Mal ando descalço;

17 - É nojento, grudento, a sensação é de nojo e curiosidade;

18 - Eu to sentindo liso, bom;

19 - Esse dá a sensação de um mangue. Porque lembra muito a lama, quando pisa na lama;

20 - A sensação, sei lá um pouco de nojo, não sei, mas uma coisa interessante. Legal, eu to
achando legal, mas nojenta ao mesmo tempo;

21 - Também eu entro na questão do receio, eu to pisando numa coisa esquisita;

22 - Esse elemento não me lembra nada, só como se fosse sujeira, eu não consigo me lembrar
outra coisa. A sensação é essa, de curiosidade mesmo;

23 - Eu só tô curiosa e tô com nojo desse negócio;

CRUZAMENTOS

- 1, 6, 13 e 18 concordam que o elemento traz uma sensação boa, sendo que 1 e 6 indicam
que é um elemento macio, suave e gostoso de pisar, 13 ressalta também que é um elemento
confortante entre aspas e 18 destaca o aspecto liso do mesmo.

- 2, 4, 14, 16 destacam uma sensação ruim, não muito boa, chata, incômoda ao tocar o
elemento, sendo que 2, 14 e 16 apontam a causa para essa sensação: ser algo grudento,
preguento e que segura o pé.

- 3, 15, 17, 20, 23 apresentam a sensação de nojo ao pisar no elemento, sendo que 3 destaca a
sensação de limpar os pés; 17 e 23 a curiosidade; e 15 ressalta a mudança de sensação - de
nojo para relaxante.

- 9, 22, e 23 destacam a sensação de curiosidade com relação ao elemento, sendo que 22


110

destaca também a sujeira como lembrança.

- 5, 7, e 20 apresentam um paradoxo por afirmar que a sensação é agradável e desagradável


ao mesmo tempo; legal, interessante e nojenta ao mesmo tempo; 7 ressalta que ao passo que
é nojento e grudento também pode ser ao mesmo tempo relaxante como se o corpo estivesse
mais leve, com o orixá, lembrando o transe.

- 2 e 16 se opõem a 13 por destacar a sensação ruim ao pisar num elemento grudento e


preguento enquanto o último indica ser legal pelo mesmo motivo.

- 8 e 21 tratam da insegurança e do receio como sensação ao pisar o elemento, sendo que 8


afirma que apesar da insegurança também traz um pouco de relaxamento.

- 10 difere dos demais por trazer a sensação de pisar no mato, numa floresta.

III. Relações com as africanidades

1 - Como se fosse assim uma confusão na cabeça do ser humano, que tem a incerteza, que se
sente seguro, mas não tem a certeza de pisar naquela chão, de conhecer aquilo. Seria a
incerteza de conhecer totalmente o conteúdo, a cultura afro. Queria estar lá, mas tenho medo
de estar lá;

2 - Eu digo que é bom, por causa da cultura, a cultura africana não é rica, mas também não é
pobre. Vamos dizer o Candomblé é uma religião, faz parte da cultura, a gente sendo do
candomblé e a gente sente bom, confortável pelos orixás que protegem a gente e a gente
sente confortável, seguro;

3 - Eu acho que em rios, quando eles iam pra guerra, acho que rios assim, lamas, eles deviam
acabar passando por cantos sem escolha, acho que eles acabam pisando numa terra que não
faziam muito bem o gosto deles, tipo lama;

4 - Que é a relação com terra, que é outra imagem que a gente tem é a terra, tá bem latente.
Eu acho que principalmente desde de criança, a gente vive, a nossa sociedade, a nossa mãe
coloca, menino veste a chinela e tal. A gente ta sempre sendo colocado pra fora desse contato
com a natureza, pelo menos o que eu vivi. Eu brincava no morro, mas quando a minha mãe
tava perto era sempre, vai se arrumar, vai tomar banho, vai calçar a chinela. Eu acho que a
imagem de africanidade que eu tenho é uma coisa mais livre, mais natureza que eu tenho,
que talvez não tenha essa coisa assim de nojo, essa relação com africanidade;

5 - Não encontro uma relação entre o que eu to sentindo e africanidade agora;

6 - Quando a gente fala em relação a africanidade. Qual é a relação? É uma sensação


agradável de me sentir bem em relação a isso e às vezes desagradável, desconfortável
exatamente por não saber o que é, mas é bom que eu posso descobrir. É como se fosse um
universo novo que a vida inteira isso foi tirado de mim e agora eu posso descobrir o que é,
por isso é que é agradável;

7 - Quando a gente ta num ebó, ai fica macio, suave, maneiro, leve, essas coisas;
111

8 - Porque eu acho assim, como eu disse que lembra um pouco como se a gente tivesse com
o orixá, e o orixá já lembra muito africanidade. Eu acho que é isso, o fato da gente pensar
que, se lembrar de como é quando a gente tá em transe. Porque quando a gente incorpora o
chão fica assim, mais macio, não tão grudento, mas macio;

9 - Assim, porque a gente entra aqui no candomblé sem saber o caminho certo, você vai
naquela insegurança, será que eu vou por aqui? Será que eu vou por aqui ? E com o passar
do tempo você vai descobrindo, que nem eu to fazendo aqui, eu to tentando descobrir o que
eu to pisando. E você no candomblé você tenta se descobrir, seguir uma meta, tentar
descobrir o que é o candomblé;

10 – Esse terreno é como eu falei, uma coisa estranha e pro povo africano, eles tiveram que ir
pra diversos locais, aonde lá, em terras onde eles chegavam, eles estranhavam, nossa aqui a
terra é mais macia do que de onde eu tava, nossa aqui a terra é pior de onde eu tava. Então é
isso a questão da curiosidade, descobrindo novas terras e um certo receio também, de onde ir,
eu posso por o pé aqui, mas ali eu já não posso devido ao terreno e tudo. É isso um pouco da
mistura do receio com a curiosidade;

11 - Pra eles tomarem em dia de festa, quando eles forem festejar, pisar uva pra eles
tomarem, servir como bebida. Porque nós é de candomblé entra dentro do mato pra pegar
folha, pra fazer banho pra o orixá. Porque toda vida que a gente sai pra caçar folhas, é o
mesmo sentindo quando a gente pisa nas folhas, outras tão velhas, tão tudo embolada junto
com outras, uma bolhazinhas grande, bola de folha;

12 - Eu disse uma coisa grudenda, mas não tem anda a ver. Intensa, porque eu acho, porque
eu digo pela cultura ser intensa, porque a partir do momento que você está disponível a
conhecer, percebe que ela é intensa, literalmente intensa, pelo conteúdo, pelas vivências.
Quem tem pelo menos se permitir a algum momento ter uma vivência com a questão afro,
percebe da intensidade da cultura e que dá mais vontade ainda de ir mais ao fundo, pela
sensação dá vontade de você ir ao fundo, mas, você percebe que é intensa. É uma sensação
boa, mas não vou dizer que, não é que seja inseguro, se você cair pra se levantar disso daqui
é, se fosse uma cosa maior é mais complicado. Mas pronto a questão de se adequar, num
primeiro instante é desagradável, porque você não tem a certeza do que seja, mas quando
você vai se acostumando, vivenciando com a situação aqui, você percebe que não é nada
demais, é só uma questão mesmo de conviver e se adequar. Eu acho que tem (a ver com as
africanidades) por conta do medo, de conhecer a cultura, de entrar na cultura, de não der
certo, de cair e de não conseguir se levantar ou de não conseguir sair e primeiro vamos
conhecer o espaço, vamos tentar nos adequar a situação pra ir convivendo, a medida do
possível você vai pisando assim, mais intenso sim ou não;

13 - Eu acho, entre aspas, confortável, porque como é um espaço muito grande dá pra vários
lugares orar, mas também é ruim por causa de morte que tem lá, violência, exploração
sexual, brigas. A parte confortante é parte do espaço, da cultura e as tradições;

14 - Acho que não, mas deve fazer parte, nessas horas de guerra, não por eu pensar que
africanidades só existe guerra. Pra mim africanidades lembra guerra. É ruim, assim, é ruim
por um lado, pra eles, eles lutam por algum motivo, território, caça;

15 - Vixe eu acho que tem muito, porque a princípio, tem muito essa questão da cultura, da
112

religião, a princípio tem uma coisa, uma repulsa até, de um preconceito, e depois você vai
embarcando, se permitindo mais e vendo que tem outras coisas, é uma coisa comum, tem
outras coisas interessantes. Isso aconteceu comigo com relação à religião também, e com
outros assuntos também, eu lembro que eu tava na primeira série, eu fui pro museu do
maracatu, ali no São José e eu falava: Vixe, é coisa de macumba! A professora me deu uns
carão. Mas era realmente a visão que eu tinha e aí depois eu passei por lá e eu vi que era uma
cultura e é bem essa sensação, de medo por desconhecimento e até por provocação,
preconceito das pessoas, dizendo que é ruim, do demônio, essas coisas e aí depois você vai
conhecendo e vê que não, é uma cultura como outras;

16 - Eu não vejo uma coisa pegajosa sendo relacionada à africanidade. Não pode ser
grudenta ele tem que ser mais solta mais aberta;

17 - Acho que a única coisa, agora o momento me lembra africanidade é que eu to muito
curiosa pra saber mais, o que é isso também. A relação do meu sentimento com africanidade
é que eu to curiosa, despertou a minha curiosidade. Esse elemento, não sei, eu não consigo
fazer nenhuma ligação. Esse elemento ta me trazendo uma sensação que eu nunca senti
quando fala de africandades, ta me deixando grudada, não sei. Talvez seja um elemento que
já foi usado pelos africanos, não sei. Nunca africanidade representou coisa negativa pra mim,
apesar de não saber o que é, eu sempre soube que não era uma coisa ruim, e agora isso daqui
eu imagino que não seja uma coisa ruim, mas ta parecendo ruim;

18 - Não tem relação com africanidade porque é da gente, é de si próprio;

19 - O mangue lembra pesca de caranguejos que os negros pescavam muito nos mangueirais
(manguezais);

20 - Eu não sei, eu sei só que eu não to sabendo explicar. Assim, você entra no candomblé, aí
você digamos, você briga, acontece alguma coisa, aí você sai, mas você ta saindo do
candomblé, mas o candomblé grudou em você e nunca mais vai sair. Aí você há, eu não to
mais, eu posso comer isso, posso comer aquilo, mas não pode porque o candomblé ficou em
você, foi plantado, grudou literalmente;

21 - Eu volto naquilo q eu havia falado. O povo negro é um povo muito sofrido, devido já
onde estavam, já tinham debaixo de seus pés um terreno não tão bom. Devido da donde
saíram pra ir pra outros locais, aí sim, muitos ainda sofreram porque foram pra terrenos
piores ainda, como esse que eu to pisando agora, que eu não tenho noção do que é isso, coisa
assim grudenta, uma coisa sei lá. Como eu venho batendo na mesma tecla, o povo africano
ele tem que entrar em qualquer terreno seja na brasa, seja por cima de gelo, mas a onde
tivesse e dissesse assim, vá e ele tinha que ir e pronto;

22 - Significa que eles vão na lagoa onde tem muita lama, junta lama todinha pra fazer um
rosto, uma arte, uma cultura deles, um rosto de orixás, fazer tipo uma estátua, pra enfeitar e
sair vendendo pra eles arrecadar dinheiro pra eles cuidar da família deles;

CRUZAMENTOS

- 2, 12, destacam a relação com a cultura, sendo que 2 ressalta o candomblé e a proteção dos
orixás como parte da cultura e 12 enfatiza a intensidade da cultura através do conteúdo e das
113

vivências.

- 1, 6, 9, 12, 15 convergem por trazerem o medo, a insegurança de conhecer, descobrir e se


relacionar com a cultura afro e o candomblé, sendo que 6 e 12 enfatizam sensações
antagônicas desagradável pelo medo de descobrir o que é e agradável pela possibilidade de
conhecer um universo novo que foi tirado, 15 enfatiza que o medo também está ligado ao
preconceito (idéias ruins preconcebidas sobre a cultura e religião).

- 10 e 17 tratam de maneira diferente a idéia de curiosidade, enquanto o primeiro destaca a


curiosidade de descobrir novas terras, o segundo enfatiza a curiosidade em saber o que é o
elemento que supõe ser algo usado pelos africanos.

- 4, 10, 13 e 21 tratam a terra, terreno (território), o espaço de maneira diferente, 4 relaciona a


terra com a natureza e a liberdade, 13 aponta os vários aspectos dos lugares (de oração, de
tradição, de morte, violência, brigas). Já 10 e 21 de abordam o terreno de maneira divergente,
pois 10 traz a idéia de novas terras descobertas e a diversidade de locais (macio, não tão
bom), enquanto 21 ressalta o sofrimento que o povo africano passou por ter saído de onde
saíram(de sua terra natal) para outros locais (terreno não tão bom, brasa, gelo, terrenos
piores ainda).

- 5, 16 e 18 convergem por não encontrarem relação com as africanidades, sendo que 16


afirma não ter relação porque as africanidades tem que ser mais solta e 18 porque é da gente.

- 3, 19 e 22 referem-se a rios, lama mangue, sendo que 3 relaciona a lama com a guerra e 19
e 22 ressalta a sobrevivência (pesca, estátuas para vender e arrecadar dinheiro para cuidar da
família).

- 7, 8, 11 e 20 explicitam a relação do candomblé e seus elementos com as africanidades, tais


como: o ebó, o transe, o uso das folhas (caçar folhas para fazer banho para o orixá), as
obrigações, sendo que 20 enfatiza a ligação eterna entre o candomblé e quem o pratica
(porque o candomblé fica, foi plantado, grudou literalmente).
114

Estudo Transversal

Africanidades ao molho de elementos

Ingredientes:

- Meio quilo de elementos de aspecto pegajoso, liguento, preguento, grudento; duas colheres
de elementos macios e uma pitada de estranheza e desconhecimento.

Modo de fazer:

Separe as africanidades grudentas em porções iguais de firmeza, diferença, paralisia


e frieza dos pés, e esquente-os. Observe atentamente o ponto, pois pode se transformar
também em bolinhas que estralam. Junte numa vasilha as colheres de africanidades macias
com a pitada de africanidades-estranheza, mas cuidado com a textura do material, que pode
divergir entre suave e grudento. Leve tudo ao forno por quarenta minutos em chama branda
para dourar.

Para o molho:

Bata no liquidificador um copo de água com esponja, uma pitada de africanidades


desconhecimento e um elemento diferente que pode ser uma espécie de africanidades cola.

Observação : Fique de olho no ponto da massa. Nem sempre os elementos se relacionam entre
si. Ideal para 4 pessoas.
115

Banho das Africanidades Sensações e Lembranças

Ingredientes:

Um ramo de africanidades-sensação boa, um punhado de folhas de africanidades-sensação


ruim, dez gotas de africanidades-nojo, meio litro de africanidades-curiosidade, duas
pitadas de insegurança e receio das africanidades.

No primeiro dia de lua cheia, ferva as africanidades-sensação boa de um elemento


macio, suave e gostoso de pisar, que pode também ser confortante e liso, juntamente com as
africanidades-curiosidade, tomando cuidado com a lembrança de sujeira que ela traz,
adicionando as pitadas de africanidades insegurança e o receio das africanidades que
podem ser úteis porque estas duas podem trazer também um pouco de relaxamento. Numa
tigela de barro massere as africanidades-sensação ruim, não muito boa, chata, incômoda de
tocar num elemento grudento e preguento (mas lembre-se que esta sensação ruim, pode
também ser legal pelo mesmo motivo) com as gostas de africanidades-nojo, deixe na cor de
curiosidade e no cheiro de limpeza dos pés. Com certeza chegará a uma mudança de sensação,
de nojo para relaxante. Misture tudo e banhe-se do pescoço para baixo, vista a roupa sem
enxugar.

Observação: Recomenda-se fazer o banho no dia em que estiver com uma sensação que se
diferencia das demais: a de sensação de pisar no mato ou numa floresta.
116

Óleo de africanidades-relações

Ingredientes:

- Uma xícara de africanidades – cultura relação trazendo a energia do candomblé, a


proteção dos orixás como parte da cultura e sua intensidade através do conteúdo e das
vivências;
- duas xícaras de africanidades-candomblé elementos, tais como: o ebó, o transe, o uso das
folhas, as obrigações e africanidades candomblé grudento lembrando a ligação eterna entre
o candomblé e quem o pratica, porque o candomblé fica, foi plantado, gruda literalmente.
- uma colher de chá de africanidades medo-preconceito que está ligada a cultura e a religião;
mas cuidado, que podem surgir as africanidades desagradáveis-agradáveis, sensações
antagônicas, desagradável pelo medo de descobrir o que é, e agradável pela possibilidade de
conhecer um universo novo que nos foi tirado.
- uma colher de sopa de africanidades-insegurança de conhecer/ relação com a cultura afro
e o candomblé;
- uma colher de sopa de diferentes africanidades-curiosidades, sendo a primeira a
curiosidade de descobrir novas terras e a segunda a curiosidade em saber o que é o elemento
supondo ser algo de uso dos africanos;
- diferentes punhados de africanidades terra-terreno-território, podendo ser terra-
natureza e liberdade; terra-lugar de oração/ tradição/violência; e aspectos divergentes da
terra, tais como africanidades novas terras descobertas, trazendo a idéia de que o povo
africano foi em busca de novas e diversas terras, em contraposição as africanidades terra-
sofrimento, que ressalta o sofrimento que o povo africano passou por ter saído (tirado) de sua
terra natal para outros locais.

Numa grande panela de barro junte todos os ingredientes adicionando um pouco de


africanidades rios/lama/manguezais e misture bem até dar o ponto de africanidades
estátua-arte da sobrevivência, cuidado para não perder ponto, não encontrando assim a
relação com as africanidades. Afinal a soltura das africanidades é uma das características
deste preparo. Coe tudo e passe no corpo sempre que desejar estar grudado/a com as
africanidades.
117

CAPÍTULO IV

DE VOLTA AO GRUPO – CONTRA-ANÁLISE

Nunca é tarde para voltar e apanhar o que ficou atrás.


Provérbio africano

No dia 28 de novembro de 2010 aconteceu no terreiro Ilê Axê Olodujolá a contra-


análise da pesquisa. Estavam presentes seis jovens sendo cinco do terreiro e um do grupo
Juventude Negra Kalunga.
A contra-análise é o momento da pesquisa em que a pesquisadora facilitadora leva
suas análises para o grupo pesquisador. É nesta etapa que avaliamos e refletimos acerca dos
confetos produzidos, fazemos perguntas de esclarecimento acerca de alguns elementos que
sejam necessários podendo até aparecer novos conceitos-confetos.
Este momento também é:

fundamental para que o/a pesquisador(a) oficial retifique, re-examine e torne mais
precisas suas reflexões. (...) Nesta fase pode ser interessante ele/a trazer seus
estudos, geralmente muito extensos, de forma mais sintética e comunicativa. (...)
podem surgir desencontros, divergências. Não há obrigação nenhuma dos/as co-
pesquisadores/as aceitarem as conclusões dos/as facilitadores/as, nem vice-versa.
(GAUTHIER e PETIT, 2001, pág.23)

Para realizar este momento tive dificuldade de reunir todas as pessoas. O principal
motivo do número reduzido de jovens na contra-análise foi a falta de tempo dos co-
participantes que costumam participar de muitas atividades, tais como as festas do calendário
litúrgico do terreiro que ocorreram nos meses de outubro e novembro ou no caso do jovens do
Kalunga a organização de atividades durante o mês de novembro em referência ao dia da
Consciência Negra.
Apesar das dificuldades, o grupo foi bastante receptivo e atencioso ao participar de
todas as atividades propostas. Estavam curiosos e ansiosos para saber o que iria acontecer,
pois tinham boas lembranças do momento das oficinas de produção realizadas no ano
anterior.
Iniciamos com um breve relaxamento conduzido por Eleomar dos Santos (Mazinho),
companheiro sociopoeta. Este momento teve o objetivo de proporcionar a livre circulação das
118

energias e a flexibilização do pensamento, a fim de favorecer a emergência de dados não


conscientes. Neste estado de relaxamento os co-pesquisadores deixam fluir imagens em
resposta às perguntas do/a facilitador/a. (GUATHIER, 2009)
Este era um exercício de respiração que ao comando de um som de apito artesanal os
co-pesquisadores fechavam os olhos e entravam em sintonia com a música que o objeto
sonoro emanava, expiravam e inspiravam até relaxaram seus corpos.

Foto 16: Relaxamento – Contra-


Análise (Silvia Maria)

Foto 17: Relaxamento – Contra-Análise (Silvia Maria)

Em seguida dividi o grupo em dois onde cada um iria ler uma parte do primeiro estudo
transversal que foi a história em quadrinhos – Procura-se Mombaça: Territórios das
Africanidades. Este texto foi produzido a partir da técnica Os territórios das Africanidades
realizada no dia 13 de abril de 2009. Os grupos tinham que contar de forma espontânea e
119

criativa uma parte da história e pensar em outros nomes para a história e para os personagens
principais.
Cada dupla contou, espontaneamente, sua parte da história, se divertiram ao encontrar
os diversos territórios das africanidades, se viram nos confetos apresentados e lembraram do
que disseram naquele dia da oficina de produção. Eles aprovaram a história e teceram
algumas contribuições aos quadrinhos.

Foto 18: Contando a História em


quadrinhos – parte I (Mazinho)

Foto 19: Contando a História em quadrinhos – parte II


(Mazinho)

O grupo ficou entusiasmado e surpreso ao encontrar um Exu jovem que falava a


linguagem dos jovens. Para eles Exu não perdeu a sua característica, contudo pareceu menos
sério, pois no dia-a-dia este orixá é bem sério. Eles também citaram que os desenhos
proporcionaram a história um certo movimento evitando que a mesma não se tornasse “chata
de ler”.
A consideração que mais me chamou a atenção foi o fato dos co-participantes não
acharem interessante como detalhei o tipo de oferenda a Exu. Na versão original30 da história,
eu havia destacado os ingredientes desta oferenda, a sugestão dada pelos jovens foi suprimir
os ingredientes colocar apenas a palavra oferenda. O motivo desta sugestão se deve a ligação

30
“Exu pediu algo em troca de ensinar esse caminho: um galo preto assado na brasa com farofa de dendê” –
trecho original da história em quadrinhos.
120

que as pessoas fazem do candomblé à matança de animais e como o texto irá para as escolas
os co-participantes entenderam que o mais viável seria deixar apenas a palavra oferenda. A
partir desta sugestão modifiquei esta parte do texto, pois entendi que os co-participantes como
alunos e praticantes do candomblé poderiam ter razão.
Em busca da história da África foi o outro título que deram ao texto, bem como
Juventudes e Africanidades e Dúvida sobre os antepassados. A personagem Luanda recebeu
o nome de Fabiana, pois a menina dos quadrinhos se parece com uma jovem iniciada na casa
e também de Cristina co-pesquisadora e Dandara por ser a mulher de Zumbi, líder do
Quilombo dos Palmares.
Para o grupo é interessante que o texto seja divulgado e trabalhado nas escolas, na
tentativa de desmistificar a religião e outros aspectos da cosmovisão africana. Para eles a
história em quadrinhos tem uma linguagem clara e divertida e poderia até ser transformado
num material audiovisual.
Após esse momento dividi o grupo novamente para que os grupos pudessem se
diversificar. Cada grupo ficou com um estudo transversal produzido a partir dos dados do
segundo dia das oficinas de produção realizadas em 14 de abril. Os textos foram: O debate
entre as Africanidades e as Receitas das Africanidades.
Os grupos deveriam apresentar os textos e suas considerações em forma de desenhos e
pinturas. Pedi para o grupo que ficou com o Debate entre as Africanidades batizassem o texto
que ainda não tinha título e tecessem algumas considerações no sentido de concordarem,
discordarem ou elaborarem sugestões ao mesmo. Quanto ao grupo das Receitas das
Africanidades pedi para que lessem e avaliassem os ingredientes das mesmas acrescentando
ou retirando aqueles que achassem necessário.
A apresentação de cada dupla foi retratada a partir dos desenhos produzidos. O
primeiro grupo apresentou o estudo transversal Debate entre as Africanidades que foi
intitulado pelo grupo de Diversas Africanidades ou Africanidades Diversas. Esse estudo foi
produzido a partir da técnica Quadro Dinâmico das Africanidades.
Este desenho mostrou:

- (...) Uma briga, uma discussão entre os três tipos de africanidades, a do Brasil a da
África e a de fora da África as três discutindo quem é que tinha mais... quem era melhor, a
gente concluiu que cada uma tinha a ver com a outra, a gente dividiu as três e acho que cada
um podia falar do desenho, o Mateus fez a África na África, as Africanidades na África cada
um tem sua opinião, mas mesmo que cada um tenha a sua opinião completamente diferente,
121

todos são unidos. Nas Africanidades no


Brasil eu quis representar mais a
religiosidade aqui é Oxum dançando, a
energia da Oxum e aqui é o Ogan tocando
aqui. E as Africanidades fora da África eu
tentei representar a questão do círculo, da
roda que a gente tinha conversado da troca
de saberes, eu tentei fazer uma pessoa de
cada cor para mostrar pessoas diferentes,
aí a gente definiu que o centro seria o
círculo que é a representação das
africanidades.
Foto 20: Representação das diversas africanidades
(Silvia Maria)

O segundo grupo apresentou um desenho sobre as Receitas das Africanidades, estudo


transversal da técnica Tocando nas Africanidades. As reflexões deste grupo geraram a
produção de uma nova receita: “A vivência das Africanidades a Milanesa”.

Vejamos o que o desenho apresenta:

- A gente tá falando de duas receitas: africanidades ao molho de elementos e banho


das africanidades sensações e lembranças. Aqui vem falando nas africanidades ao molho de
elementos meio quilo de aspecto pegajoso, africanidades grudentas e o fogo. A gente quis
colocar mais sobre a questão da história em quadrinhos, sobre as dúvidas as respostas,
adição das coisas e aqui também eu misturei da outra receita também, o pão de sensações,
um pouco do nojo, acrescentei duas coisas que eu não vi no texto, que é a dedicação e o
amor.
A gente acrescentou a dedicação e o amor porque lendo as receitas a gente não
encontrou esses ingredientes que são dois ingredientes fundamentais que a gente encontra em
nosso dia a dia, dentro da gente, basta querer e são um dos ingredientes mais importantes,
dois ingredientes bem africanos, vamos dizer assim, que o povo africano é aquele povo bem
122

batalhador e quando a gente pensa em


africano é aquele negro trabalhador que
rala para ter suas coisas, que se esforça
para ter tudo e o amor que é uma coisa
essencial que dispensa comentários, o
amor acaba puxando a dedicação porque
sem amor a gente não tem dedicação, a
mistura dessas duas receitas acabou
formando uma nova, que é exatamente o
que a gente convive aqui dentro, um
pouco de nojo a certas coisas, novas
sensações, aquela coisa da mudança
também como tem aqui.
Foto 21: Representação da receita - A vivência das
Africanidades a Milanesa (Silvia Maria)

ESCURECENDO OS CONFETOS E ESTUDOS TRANSVERSAIS

Após as apresentações dos grupos distribuí algumas perguntas referentes aos estudos
transversais que eu achava necessário que fossem esclarecidos ou debatidos e também sobre a
lei 10639/03, pois um dos objetivos desta pesquisa é saber que idéias tem os jovens a respeito
da implementação da referida lei nas escolas, o que pensam sobre a lei e como vêem a atuação
da comunidade escolar neste debate. As perguntas eram tiradas de uma caixa e aqueles que
quisessem, incluindo a pessoa que tirou a pergunta, respondiam oralmente.
A finalidade deste momento era através das respostas do grupo entender a construção
dos confetos observando através de suas falas o possível surgimento de novos confetos.
Também queria saber o pensamento dos jovens sobre a forma a ser trabalhada as
africanidades nas escolas.

01) Você usaria o óleo das africanidades relações?

- Eu acho que sim porque o óleo das africanidades relações, o que a gente entende por
relações ? É relação de irmandade, relação de amigo, relação de pai e filho, tudo que é relação
está abordado nessa receita e a gente tem sim que usar essa receita para se relacionar melhor
123

em casa, no trabalho, no colégio em todo o canto. Se relacionar com a cultura, na nossa


religião, se relacionar em tudo.

- E com essas relação a gente acabou meio que virando uma família, tem discussão, tudo mas
a nossa relação aqui dentro da roda é bem interessante.

02) Você comeria as africanidades ao molho dos elementos?

- Assim, é que os ingredientes são meio.... Imagine você comer uma coisa grudenta, macia,
estranha, de aspecto pegajoso, desconhecida e tudo isso misturado com cola, com gude-grude
de beiju. Tem aqui uma observação, nem sempre os elementos relacionam entre si, eu acho
que eu não comeria não, pelos ingredientes a gente poderia imaginar o gosto.

03) Que outras características das africanidades você acrescentaria ao banho, ao óleo e a
comida?

- Nós falamos quando a gente criou a nova receita com o amor e a dedicação.

04) Vocês concordam com o debate que as africanidades fizeram, concordam com o que
elas falam?

- Por um lado eu concordo sim porque cada um tem sua opinião, tem direito de falar. Por
outro lado não, por que assim esse texto dá uma idéia de preconceito nesse debate, não
deveria ser assim.

- Eu não concordo, porque eu acho que as africanidades é uma coisa só, nesse texto da
impressão de que com o passar do tempo foram se dividindo, como o que realmente talvez
tenha acontecido, eu acho que se você ver por um outro lado a africanidade é em si a religião,
o orixá, a dança e a proteção, que é o que eles mais estavam dividindo e protegendo um por
um, acho que não deveria existir esse debate e sim eles se juntar e ver que tudo daria no
mesmo.

- No final do texto fala que eles não sabiam que estava acontecendo o preconceito, que
acontecia e acaba perdendo o sentido dessa briga deles, essa briga de egos.
124

05) Você tomaria o banho das africanidades sensações e lembranças?

- Sim, com a esperança de que ele me trouxesse boas lembranças, eu gostaria de sentir novas
sensações na esperança de que ele me trouxesse boas lembranças.

- Tomaria porque assim não é que nem esse outro que tem a maioria dos ingredientes aquelas
coisas que não tem nada a ver, essa aqui já é... sim, mistura as sensações boas com as
sensações ruins, o nojo a curiosidade, essa aqui já está mais para o que a gente vive no dia-a-
dia aquela coisa de conhecer, de ver coisas boas, coisas ruins, tomaria sim sem problemas.

06) Como vocês acham que as africanidades deveriam ser trabalhadas dentro da
escola? O que poderia ser feito para trabalhar as africanidades? O que os professores
deveriam fazer abordar as africanidades na sala de aula?

- Eu acho que através de livros que não fosse mito, pois quando se trata de africanidades o
pessoal ainda tem uma imagem muito mitológica, extremista, deveria ser tratado com mais
delicadeza, pois todo mundo aqui, quem foi que nunca estudou história européia, quem foi
que nunca estudou história do Egito, as histórias... e quem dentro das salas de aula estudou a
história de uma cidade africana pouco conhecida mas que teve acontecimentos históricos.

- Eu acho esse termo de apresentar mais a África, os orixás no colégio acho que em livro não
cairia bem, em palestra não cairia bem, eu sinceramente não gosto de palestra, mas eu acho
que cairia bem, se a professora chegasse na gente, e falasse: - hoje vocês não vão assistir
aula, muita gente não gosta de aula, hoje vocês vão assistir uma peça sobre os orixás. E fazer
uma feira cultural para vai ganhar ponto e a professora exigir um laboratório de cada orixá,
mas que realmente sirva, que realmente aprendam, aí sim estaremos aprendendo mais sobre as
africanidades.

- Na minha opinião tem que se mudar o pensamento dos professores pois muitos são católicos
ou evangélicos e que tem muito preconceito que aí na minha opinião eles poderiam mudar o
conceito deles e também fazer a publicação de livros sobre candomblé, isso poderia
influenciar muito no convívio em sala de aula a respeito do preconceito.
125

- No ano passado a gente experimentou de você sair do livro, do que está escrito e passar a
utilizar seu corpo na dança, na... enfim usar seu corpo, conhecer seu corpo e descobrir as
africanidades, dessa forma eu acho que é a melhor forma de assimilação assim para todos.

- Na minha escola onde eu estudei o ano passado, a gente teve um projeto sobre a África, a
gente passou um mês trabalhando sobre a África e a gente fez uma coreografia, e até levei o
Romário para ensinar, só que não deu certo ensinar lá. A gente fez uma coreografia com
passos africanos, com batuque, eu vesti as meninas de “baiana”. Melhorou alguma coisa,
melhorou. Mas o pessoal mesmo estando estudando, vestindo aquelas roupas, eu tentei levar
bastante informação daqui para lá e as meninas ficavam, vixi, num sei o quê, macumba, beber
sangue, mesmo assim tinha certa discriminação, mas eu acho que pra poder trabalhar com
africanidades na escola, a gente tem que começar a trabalhar temas leves, como meio
ambiente, coisa assim que a gente já estuda no dia-dia, pra depois poder começar explicar,
porque não vai poder chegar falando a porque Oxossi se come num sei o que, sabe! Até
porque estas questões não se estudam na escola é exatamente aquelas coisas meio de verdade.
Acho que têm que ser abordado coisas que você usa, que você faz no dia-dia, que é
exatamente da África.

A contra-análise me confirmou que para os jovens as práticas pedagógicas utilizadas


nas escolas estão paradas no tempo, invisibilizando e ignorando os educandos negros/as e
seus conhecimentos. As metodologias e estratégias propostas pelo grupo-pesquisador
valorizam os elementos da cosmovisão africana, quebram o paradigma da separação
corpo/mente e reconhecem saberes ancestrais.
126

CAPÍTULO V

FILOSOFANDO COM AS AFRICANIDADES

É sábio quem desta o nó da sabedoria.31

Confetos, misturas íntimas de conceito e afeto criadas por um grupo-pesquisador. Uma


palavra que é a ressignificação de outras duas. Conceito como algo heterogêneo, ligado a
elementos incorporais, desterritorializantes e a formas de tempo32. E Afeto que não é um
sentimento, e sim uma “potencialização do corpo, uma energização diferente do ser (...), é
zona de indeterminação, indiscernibilidade entre os reinos, minerais, animais, pessoas, coisas
e forças da natureza”. (Gauthier, 2009, p. 129)

Os conceitos criados na Sociopoética são sempre perpassados de afetos, resultado


das intensidades que percorrem os corpos e da fusão entre arte e filosofia. São,
portanto, um misto de emoção, razão, sensação, intuição, não consciente (não nos
arriscamos muito à palavra inconsciente pela conotação psicoanalítica). Dessa
forma, os confetos são mais do que enunciados intelectuais, são a expressão de
experiências coletivas que implicam o corpo sensível, portanto, uma forma potente
de pensamento que não se limita à razão. Os conceitos, portanto, podem ser poéticos
e/ou metafóricos, miscigenados, interferenciais. Geralmente, anarquizam referências
prévias. (ADAD e PETIT, 2009, p. 05)

Em regra geral, os confetos aparecem no momento em que os/as facilitadores/as, como


eu, estudam o pensamento do grupo-pesquisador como se fossem filósofos coletivos a fim de
realizar oposições e ligações na elaboração desse pensamento diferente.
De acordo com Adad e Petit (2009), quando o grupo-pesquisador cria um conceito-
confeto, sendo ele inédito ou não, este já não depende mais de seu contexto de nascimento,
não é mais referido a um corpo, a um ambiente e passa a relacionar-se com outros conceitos.
Em consonância a este pensamento apresento este capítulo, que intitulei de
Filosofando com as Africanidades, que é um encontro intempestivo entre os confetos
produzidos pelo grupo-pesquisador e as referências teóricas que abordam a questão proposta,
neste caso, as Africanidades.

31
Nyansapow – nó da sabedoria. Símbolo Adinkra que expressa sabedoria, engenhosidade, inteligência e
paciência.
32
Ver texto de Gauthier “A sociopoética, ou quando grupos-pesquisadores se tornam filósofos coletivos”
Revista Sul-americana de Filosofia e Educação – RESAFE, Número 12: maio-outubro/2009 .
127

Para isto convido pessoas que tenho como grande referência nesta temática. São
Kabengele Munanga (2007), Henrique Cunha (2001) e Petronilha Silva (2005, 2009). Para
eles e ela, as africanidades referem-se à diversidade cultural africana dentro de uma matriz
comum. Dessa forma não podemos falar africanidade, mas africanidades devido à
complexidade dos elementos africanos existentes.
Esses autores ressaltam os seguintes aspectos como constituindo a matriz comum:
todas as tradições africanas têm a ancestralidade como referência, o que envolve o
reconhecimento da origem da comunidade, a valorização da tradição, a relação entre a vida
material e imaterial, a concepção da morte como excedente de vida e mudança para outro
ciclo, a importância dos laços de linhagem, de parentesco e de família estendida, onde os
anciãos desempenham um papel de destaque na educação e no convívio social; o corpo
enquanto ligação ancestral, valor simbólico e função social, sendo que não há separação entre
corpo físico e espiritualidade; a origem divina da palavra que se manifesta na oralidade
expressa pelo ser humano e pelo tambor; a terra como bem comum sagrado, mãe de todos os
seres humanos; o axé enquanto circulação da força vital e energia dos elementos animais,
vegetais e minerais, entre outros.
Os dois últimos autores ressaltam que existem as africanidades brasileiras, elementos
tipicamente brasileiros, mas que nem por isso deixam de ter a África como referência
primordial.
Silva (2005) considera ainda as africanidades como um modo de ser, de viver, de
organizar suas lutas próprias dos negros brasileiros, bem como o jeito de conviver, de ver a
vida, o mundo e o trabalho. Para ela as africanidades também são as formas de construção da
nação brasileira das quais os negros tiveram participação predominante.
A autora também enfatiza que as africanidades brasileiras são elaboradas à medida que
os africanos e afrodescendentes participam da construção da nação brasileira, influenciando
outros grupos-étnicos e também sendo influenciados por eles.

As africanidades fortalecem o pertencimento étnico-racial dos negros e também dos


não-negros, lhes dão informações e energia para lutar contra desigualdades e
opressões, para promover reconhecimento da história e da cultura dos africanos e
afrodescendentes. (Id, 2009, p. 47.)

Munanga (2007) inclui ainda aspectos políticos como a afirmação da negritude e do


pan-africanismo que reconhece o compartilhamento de uma civilização comum e a
necessidade de união entre os africanos.
128

Segundo Cunha33 (2001) O uso sistematizado do conceito africanidades brasileiras


ocorreu em 1993, quando ele juntamente com um grupo de professores, composto pela Profª
Drª Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, o Prof. Dr. Álvaro Risoli e o Prof. Válter Silvério,
da Universidade Federal de São Carlos, apresentaram uma disciplina em educação como
curso de extensão e com validade de créditos para pós-graduação. Anteriormente a esta época,
em 1991, o mesmo escreveu um texto denominado "Não mais base zero para o estudo das
Africanidades Brasileiras", para um curso de formação de professores da Rede Municipal de
São Paulo, no quadro de trabalhos da ABREVIDA34.
O conceito de africanidades brasileiras tem como elemento constitutivo a idéia de
“(re)elaboração”. “As africanidades brasileiras são reprocessamentos pensados, produzidos
no coletivo e nas individualidades, que deram novo teor às culturas de origem”. (CUNHA,
2001, p. 12)
A idéia de (re)elaboração explica construções inexistentes nas culturas africanas e
presentes nas africanidades brasileiras, tai como o candomblé, a capoeira, os quilombos, o
samba. Porém, as bases destas novas construções brasileiras estão na diversidade cultural
africana.
Os afrodescendentes (re)elaboram o pensamento de origem africana e produzem algo
novo, realidades novas, novos olhares, transformando assim em africanidades. Isso significa
pensar que a base material e intelectual da cultura brasileira é fruto da (re)elaboração dos
africanos escravizados e afrodescendentes que batizamos de africanidades.

As africanidades brasileiras são um paradigma para revisão dos conceitos e


preconceitos vigentes sobre a cultura brasileira. Têm marca de um discurso
produzido a partir da camada "racisada" e escravizada da população brasileira.
Devem destruir, portanto, as idealizações da cultura do dominador. Deverão
produzir um espaço de liberdade intelectual, livre dos racismos e dos conceitos
produzidos a partir dos processos de dominação historicamente vigentes na cultura
brasileira. (CUNHA, 2001, p. 14)

Daí estudar as africanidades brasileiras significa conhecer, compreender e valorizar a


história e cultura dos africanos (um jeito peculiar de ver a vida), estabelecendo vínculos com a
ancestralidade através de lugares de constituição de identidades, tais como os espaços de
cultura tradicional africana e afrodescendente; comunidades de terreiros, folias de reis,
maracatu, samba, roda de capoeira, etc.

33
Para o professor Henrique Cunha Junior são fontes imprescindíveis para a elaboração deste conceito os
trabalhos de Muniz Sodré, Marco Aurélio Luz, Clóvis Moura, René Depestre, Cheikh Anta Diop, Edouard
Glissant entre outros.
34
Entidade educativa do movimento negro de São Paulo
129

Analisando os conceitos formulados pelo grupo pesquisador percebo algumas


convergências com as noções atribuídas pelos autores acima citados.
Destacando o aspecto da ancestralidade, os co-pesquisadores produziram o confeto
Africanidades – energia da roda experiência enfatizando as experiências dos antepassados,
a contribuição dos mais velhos ao contar histórias utilizando a roda como espaço mítico,
destacando a energia que é sentida quando se está em círculo, o movimento da roda, a idéia de
ir, voltar, transformação.
Este confeto me traz algumas idéias, primeiro, com relação à experiência dos mais
velhos lembro as palavras de Hampaté Bâ, “Na África, cada ancião que morre é uma
biblioteca que se queima”, se referindo à contribuição e partilha dos sabores e saberes desses
nossos ancestrais, pois o saber “é a herança de tudo aquilo que nossos ancestrais puderam
conhecer e que se encontra latente em tudo o que nos transmitiram, assim como o baobá já
existe em potencial em sua semente” (2003, p. 175)
Para Cunha, a ancestralidade é marca de permanência do ser sobre o tempo. É a partir
dela que se combinam os processos de conhecimento e de evolução do mundo, sendo esta
idéia convergente com o confeto anterior que utiliza a roda, o movimento, a transformação
como espaço mítico de materialização da ancestralidade. A partir do movimento da roda essa
ancestralidade se transforma num elo de continuidade renovável.
“No conceito de ancestralidade e do respeito a ela se fundam os princípios da
organização social e da interação do ser humano coletivo com os demais seres da natureza”
(Id, 2005, p. 262)
Depois penso que a energia da roda-movimento que tem poder de transformação é o
AXÉ. Essa força circulante capaz de engendrar a criação e a expansão da vida é o elemento
mais importante do patrimônio simbólico preservado e transmitido pelos africanos
escravizados e afrodescendentes. Afinal, os seres humanos, a terra, os bichos, as plantas, os
minerais, e todo o universo é repleto de axé.
Ainda com relação à ancestralidade apresento os confetos africanidades-origem da
dança, africanidades-dança resgate ancestral e africanidades-dança de todos os
elementos, as duas primeiras por afirmarem a origem africana da dança e o resgate da cultura
africana a partir da dança. O último confeto ressalta a herança da dança que contempla todos
os elementos herdados pelos africanos. A dança como elemento de unidade diante da
diversidade cultural africana.
Comungando com os confetos que tratam da ancestralidade, peço licença aos autores
referenciais para trazer presente as idéias de Eduardo Oliveira ao dizer que:
130

A ancestralidade é a principal componente da cosmovisão africana como também


orquestra o funcionamento dos outros elementos. Sejam elementos ligados ao
sagrado, como a “força vital” e os “ritos funerários”, ou elementos relacionados com
o profano, como a “produção” e a “socialização”. (2007a, p. 182)

Os modos de ser, de viver e conviver e de ver a vida estão presentes nos confetos
africanidades-dança da vida e da convivência, destacando o cotidiano, as vestimentas e
calçados (ou a falta deles); africanidades-território natureza, que retrata a convivência do
ser humano com a natureza, plantas, animais, água, terra; africanidades-natureza maternal,
revelando que o cotidiano das pessoas é baseado no afeto, “os bichos cuidando dos ovos, as
mães cuidando dos filhos”; africanidades riqueza ao nosso modo desconstruindo o
pensamento de que a riqueza é uma dádiva do ocidente com seus bens materiais e
instrumentos tecnológicos, esse confeto traz a liberdade como símbolo de riqueza.
Animada com a idéia de “riqueza ao modo africano-afrodescendene” parafraseio o
cacique Luther em Urso em Pé apud Sodré (1988, p. 29), dos Oglala Sioux que se opôs
radicalmente a concepção ocidental de natureza como algo oposto à cultura (território
selvagem # território civilizado).

Não se nos afiguravam como “selvagens” as grandes planícies abertas, as belas


colinas onduladas e os rios serpenteando através do emaranhado da vegetação. Só
para o homem branco a Natureza não passava de selvagens e somente para ele o país
estava “infestado” de animais ferozes e de gente “selvagem”. Para nós, tudo era
mansidão.

No confeto africanidades-terreno africano nação a forma de se comportar e ver o


mundo tipicamente afroancestral destaca-se através da cultura, da solidariedade e da
comunhão pensadas no grupo-pesquisador como marca do território-nação. Já os confetos
africanidades-evolução mudança negreira e africanidades-novos horizontes apontam para
a capacidade dos africanos e afrodescendentes manterem-se num constante movimento de
reatualização e de construção de algo novo.
Outra característica dos/as escravizados/as e seus/suas descendentes seriam a sua
capacidade de persistência e luta, destacadas pelos autores, sendo produzida no confeto
africanidades-resistência, o qual aponta que os/as negros/as não se rendiam, mesmo que
para isso tivessem que enganar e dissimular para sobreviver. Mantinham sua cultura fazendo
sua história juntamente com a comunidade, com as irmandades e o candomblé.
131

Sabemos que os/a negras durante a escravidão (e posterior a ela também)


desenvolveram formas paralelas de reorganização territorial (terreiros) e aglutinação, tais
como os folguedos, as danças, os batuques, entre outros. A maioria desses espaços eram
permitidos por aguçarem as diferenças entre as diversas nações, pois a intenção dos senhores
de escravos era estimular as rivalidades étnicas e desfavorecer a constituição das famílias.
Entretanto, de acordo com Sodré, eram nesses espaços que os negros e as negras:

reviviam clandestinamente os ritos, cultuavam deuses e retomavam a linha do


relacionamento comunitário. Já se evidencia aí estratégia africana de jogar com as
ambigüidades do sistema, de agir nos interstícios da coerência ideológica. A cultura
negro-brasileira emergia tanto de formas originárias quanto dos vazios suscitados
pelos limites da ordem ideológica vigente. (1983, p. 123)

A ênfase na terra como bem sagrado primordial apareceu nos confetos africanidades-
terra terreno território; africanidades-terra lugar de oração/tradição/violência,
lembrando as diferentes maneiras de se relacionar com a terra e vários aspectos dos lugares
tais como: de oração, de tradição, de morte, violência. A diversidade de territórios (macio, não
tão bom) também é enfatizada no confeto africanidades-novas terras descobertas dando
uma conotação de que o africano (afrodescendente) foi em busca de novas terras para viver.
Em contraposição ao confeto anterior destaco africanidades-terra sofrimento que ressalta o
sofrimento que o povo africano passou por ter saído de sua terra natal para outros locais
(terreno não tão bom, brasa, gelo, terrenos piores ainda). Essa idéia revela os estereótipos
acerca dos escravizados que afirma apenas o sofrimento destes povos e não desvelando a sua
contribuição na formação deste país.
Outro confeto que se refere ao aspecto da terra como elemento das africanidades é o
africanidades dualidade da terra que remete a terra enquanto movimento da dança,
movimentos leves, mas agressivos (inofensiva e agressiva). Movimento de reatualização e
constante de fertilização como também o confeto africanidades círculo centralidade que
paradoxalmente relaciona o centro do território á uma idéia de proteção, contribuição, porém
se reatualiza em centralização de forças, energias, ações, poder que juntas acabam se
fortalecendo.
O confeto africanidades-terra natureza e liberdade se relaciona com a imagem de
“africanidade mais livre, mais natureza” rementendo ao anseio por liberdade e a relação que
temos com a natureza. Isto me lembra outros dois confetos Keto-território livre onde existe
um território de livre acesso das pessoas, um território livre “onde a porta tá aberta o tempo
todo”, Ketu – cujo rei é Oxossi o caçador, que proporciona a riqueza, fartura e abundancia; e
132

africanidades-liberdade e riqueza que destaca a diversidade de nações “(com reis, rainhas,


outras nações mais pobres) dentro de um mesmo território (África) como se fosse uma nação
dentro de outra”.
Esta imagem de uma nação dentro de outra nação é semelhante ao pensamento de
Munanga (2007) ao afirmar que as semelhanças entre as diversas culturas existentes no
continente africano apresentam certa unidade de caracteres que conferem ao continente uma
fisionomia própria, comum às culturas e civilizações africanas.
As idéias que relacionam terra e território, transmitidas nos confetos, destacam o
território como elemento importante para a formação de identidades grupais/individuais, pois
ele é o ‘espaço exclusivo e ordenado das trocas que a comunidade realiza na direção de uma
identidade grupal”.
A diversidade desses territórios e suas diferentes maneiras de se relacionar, bem como
o movimento de organização e reorganização espacial me levam a pensar no espaço do
terreiro enquanto guardião do axé e dispositivo espacial de preservação da cultura africana e
afrodescendente.

O terreiro implica, ao mesmo tempo (a) num continuum cultural, isto é, na


persistência de uma forma de relacionamento com o real, mas reposta na História e,
portanto, com elementos reformulados e transformados com relação ao ser posto
pela ordem mítica original, e (b) num impulso de resistência à ideologia dominante,
na medida em que a ordem originária aqui reposta comporta um projeto de ordem
humana, alternativa à lógica vigente de poder. (SODRÉ, 1983, p. 120)

A grande diversidade de origens da diáspora foi evocada através dos confetos


Keto-terra de todas as raças que ressalta um território (Keto) protegido por Oxossi que
abriga um pouco de tudo e povos de todas as raças como no processo de diáspora africana e
africanidades entrada livre como dinâmica da construção tendo um pedacinho de todo
mundo no território. Estes pensamentos convergem com a opinião dos autores peritos que
reconhecem que não se pode homogeneizar a África como se se tratasse de um país.
De certa maneira este último confeto se relaciona muito bem com o pensamento dos
autores acerca da contribuição dos/as negros/as escravizados/as e afrodescendentes com a
formação da economia, cidadania e da nação. Em consonância a esta idéia estão também os
confetos africanidades-contribuição na construção que apresenta o pensamento de
contribuição, de soma e multiplicação, e não subtração diferente dos colonizadores que para
imporem o seu domínio tentaram exterminar povos e culturas. O confeto círculo-roda das
africanidades destaca a contribuição dos povos africanos e afrodescendentes a partir da
133

cultura e da vivência, do conteúdo e criatividade destes povos. A economia informal, a


criatividade e a utilização da terra/natureza são destacadas no confeto africanidades-estátua
arte da sobrevivência. Neste confeto a arte é utilizada para arrecadar dinheiro em função da
sobrevivência da família e não como abordam os autores ao relacionarem a arte africana com
a religiosidade e às práticas rituais.
A relação com a natureza estabelecida através de uma interdependência entre mundo
material e imaterial é vislumbrada nos confetos africanidades árvores sagradas do
território, destacando as árvores como objetos de culto dos mais antigos, símbolos de
espíritos. As árvores aparecem em todos os territórios das africanidades indicando uma
estreita relação entre o sagrado e a natureza, como se as árvores se tornassem parceiras do ser
humano num “jogo em que cosmos e mundo se encontram”.
De acordo com Sodré (1988, p. 152)

As plantas têm um estatuto muito especial para os africanos e seus descendentes.


Andando na mata, o babalossain (zelador de Ossain, orixá que acolhe o mistério das
folhas) (...) preocupa-se, antes de tudo, com o respeito à distribuição simbólica da
vegetação. Ele está convicto de que se “sem folha não há deus” (aforismo nagô) e
também de que é preciso dirigir-se as plantas na linguagem dos deuses – palavras e
cânticos apropriados. A mata é, assim um lugar de encantamento.

Os confetos santuário-africanidades, que traz a idéia de um local de crença onde se


fazem os cultos e oferendas além da “distribuição da caça para que toda a nação seja
próspera”; africanidades religiosidade sincrética, que lembra reza e procissão e mistura o
catolicismo às religiões de matriz africana, ligando os orixás aos santos católicos (quando
imagens de orixás eram colocadas atrás de uma imagem de santa católica); africanidades-
território dos orixás, o qual associa os territórios aos orixás que representados pelos templos
protegem as pessoas. O corpo é templo do Orixá; africanidades-candomblé e seus
desdobramentos africanidades-candomblé grudentos e africanidades candomblé
elementos tais como: o ebó, o transe, o uso das folhas (caçar folhas para fazer banho para o
orixá), as obrigações; remetem a experiência com o sagrado e a espiritualidade.
Os confetos que abordam o candomblé são considerados pelos autores (SILVA,
MUNANGA, CUNHA) manifestações especificamente brasileiras que resultam de
reelaborações de elementos da cosmovisão africana. Ressalto no confeto africanidades
candomblé grudentos a ligação eterna entre o candomblé e quem o pratica “porque o
candomblé fica, foi plantado, grudou literalmente”.
134

Silva (2005) ainda ressalta que estas reelaborações tais como o candomblé são o
retrato da busca de soluções para manutenção da vida física, dos sentimentos e lembranças
dos sabores e saberes da terra de origem.
O confeto africanidades-território família desvela a ligação entre o território
ancestral e a família destacando a proteção, entre os núcleos familiares, como uma
característica importante nesta relação.
Em sintonia com o confeto acima estão os seguintes confetos: africanidades defesa-
proteção hoje; africanidades dança-defesa e africanidades proteção, destacando que
alguém está sendo protegida como Oxum por ser dona da vida, da fertilidade, da reprodução,
pois proteger Oxum é, de certa forma, se auto proteger. Os mesmos tratam também a proteção
e a defesa como elementos típicos das africanidades e revelam que os orixás nos protegem,
nossas vidas e ideais e também a própria religião que faz parte da cultura afro que veio.
A idéia de contribuição da cultura imaterial, a partir da religião, das trocas entre as
culturas, partilhas culturais e vivências foram produzidas nos confetos africanidades-cultura
relação, ressaltando o candomblé e a proteção dos orixás como parte da cultura e a
intensidade da cultura através do conteúdo e das vivências; roda espaço das africanidades
considerando a roda como espaço de trocas culturais onde os africanos deixaram tipos de
culturas e pegaram outros tipos de cultura; e africanidades roda que espalha as culturas
deixando a cultura se espalhar e se aprimorar, porque os africanos deixaram o que tem de
melhor nos vários deslocamentos que fizeram e na construção de seus territórios.
Estes confetos comungam com o pensamento de Silva (2005) ao afirmar que as
africanidades brasileiras ultrapassam os eventos materiais (as religiões de matriz africana, um
prato de sarapatel ou feijoada, uma apresentação de capoeira, uma congada) e se constituem
nos processos que geraram tais eventos os quais são incorporados pela sociedade. É nessas
elaborações que os africanos escravizados e afrodescendentes vão deixando nos outros grupos
étnicos suas influências e, ao mesmo tempo, recebem e incorporam as destes num movimento
de troca, significação e ressignificação impregnando a vida de todos nós, negros/as e não-
negros/as.
O corpo como veículo performático da ancestralidade, valor simbólico e função social
é evocado nos confetos dança africana-afrodiverso, referindo-se aos diversos sentidos da
dança africana tais como: a guerra, a proteção, marcação de território e a alegria; dança-
elemento das africanidades; dança-essência das africanidades; africanidades-dança
expressões remetendo-se a expressão do corpo, de se abrir e se jogar; natureza-
africanidades corpo que destaca a arte, a música a forma de dançar, a relação entre a
135

natureza (água e fogo), o tratamento do corpo e a religião (Iemanjá que é dona do ori-cabeça);
dança- africanidades corpo e seus desdobramentos africanidades corpo e africanidades
alegria como expressão do corpo (ombros, braços, pernas, mãos, orelha), diversão, alegria
divergindo quanto ao sentido e local da dança, pois o primeiro afirma que a dança significa
apenas corpo e só se vê esse tipo de dança na África enquanto o elemento alegria só se vê aqui
no Brasil. Já o segundo ressalta exatamente a alegria como motivo da dança enquanto direito
pelo trabalho realizado.
Para Sodré (1988) O corpo ao relacionar-se festivamente com o espaço pela dança,
pela liberação dos sentidos, o indivíduo modifica sua energia, a sua força pessoal, e seduz a
diferença étnica para uma maior sensibilização em face do mundo.
Os confetos acima me lembram que a história dos nossos ancestrais africanos está
inscrita em nossos corpos. De acordo com Oliveira:

É preciso ler o texto do corpo para vislumbrar nele a cosmovisão que dá sentido à
história dos africanos e afrodescendentes espalhados no planeta. Como o corpo é
um texto dinâmico e a tradição de matriz africana é um dinâmico movimento, é no
movimento do corpo que vislumbro a possibilidade de uma leitura do mundo a partir
da matriz africana. (2007b, p. 101)

Para Petit et al. (2006) o corpo possui um vínculo com o território, com o lugar. E é
nele que estão as marcas de identidade do parentesco religioso, social, étnico e político, ou
seja, o corpo mostra quem somos e como nos relacionamos com o cosmos. A ligação entre o
corpo e o território está expressa nos confetos dança africana-afrodiverso, natureza-
africanidades corpo, dança- africanidades corpo citados acima.
Neste sentido:

O corpo na cultura de matriz afrodescendente pode ser compreendido a partir de três


princípios fundamentais da cosmovisão africana: diversidade, integração e
ancestralidade. O corpo é diverso desde sua constituição biológica quanto em seus
múltiplos significados culturais. É integração posto que é a condição de qualquer
relação; é a base da interação dos seres e da interação entre eles. É ancestral, pois o
corpo é uma anterioridade. O corpo ao mesmo tempo é ancestralidade como é por
ela regido. Ancestralidade é a tradição, e não se pode entender o corpo sem tradição,
uma vez que esta é um baluarte de signos e, dessa forma, a produtora da semiótica
que significa os corpos. (OLIVEIRA, 2007b, p. 100)

A ancestralidade se materializa a partir das diversas manifestações culturais de matriz


africana visualizadas nos confetos acima. Estas manifestação são caracterizadas pelas práticas
136

musicais e corporais, como a capoeira, a congada, o samba, o maracatu, o hip hop, as danças
dos orixás, e que tem como público, em sua maioria, adolescentes e jovens.

Na capoeira as variações de movimentos criaram um sentido não-verbal que na


maioria das vezes, por não ser entendido pelo opressor, acabou tornando-se uma
forma de resistência muito eficaz. Já no caso das religiões afro-brasileiras, este
sentido não-verbal significa um processo de subjetivação e de aproximação com os
antepassados, fruto este de uma relação simbólica entre corporalidade e território.
(PETIT et al., 2006, p. 03)

O confeto natureza-africanidades corpo vai confirmar que o corpo vincula-se ao


sagrado como uma experiência de apreensão da herança ancestral. A corporalidade se define
em termos grupais, ritualísticos, numa coesão comunitária. “Por meio da corporalidade,
resolve-se o problema da dicotomia entre o singular e o coletivo, equilibrando-se o
desenvolvimento da singularidade com a pressão do grupo”. (Sodré, 1999, p. 181)
Segundo Marcel Mauss apud Gomes (2003) as técnicas corporais são transmitidas de
geração em geração por meio da educação, sendo esta feita através da linguagem.
Desta forma posso pensar numa pedagogia corporal afrodescendente que valorize a
cultura negra presente no corpo, nos seus estilos estéticos de vestimentas, penteados,
utilizando a oralidade e ressignificando a imagem do corpo negro como símbolo de beleza,
resistência e cultura.
Através desta pedagogia o/a jovem negro/a pode inverter o discurso do opressor
resistindo e ressignificando seu modelo estético, onde o corpo negro possa sair do lugar de
inferioridade e ocupar o lugar de beleza negra, assumindo um sentido político. Exemplo disso
é o desfile da beleza negra que acontece em algumas escolas que conheço35, pois posso
testemunhar a elevação da auto-estima das meninas negras que participam do evento. A
beleza que é silenciada e ocultada no dia-a-dia da sala de aula, aflora na passarela da quadra
da escola abalando o silenciado racismo erigido durante anos na história do Brasil.
Além dessas convergências mais diretas, a tendência do grupo foi de apresentar outras
ênfases e sutilezas, vejamos alguns exemplos:
- Conotações que revelam a situação desfavorável do/a negro/a e de sua cultura na
sociedade também foram colocadas mediante os confetos: africanidades-estranheza,
africanidades-desconhecimento denotando uma falta de conhecimento acerca das
africanidades e seus elementos e estranhando por achá-los diferentes; africanidades-

35
Na escola que trabalho Escola de Ensino Fundamental e Médio Fernando Cavalcante Mota realizamos o
desfile por dois anos seguidos (2006 e 2007), a Escola Estadual Lions Jangada está também em seu segundo ano
realizando o desfile
137

insegurança; receio das africanidades; africanidades medo e preconceito; africanidades


insegurança de conhecer relação; africanidades agradáveis-desagradáveis, ressaltando o
medo de descobrir e se relacionar com a cultura afro e o candomblé, medo que também está
ligado ao preconceito, “idéias preconcebidas sobre a cultura e a religião”. Estes confetos
revelam também segundo o grupo-pesquisador sensações antagônicas como o medo, sensação
ruim em descobrir o que é (são as africanidades) e ao mesmo tempo sensação agradável pela
possibilidade de conhecer um universo novo que foi tirado. Sensação que pode ser ao mesmo
tempo nojenta e relaxante “como se o corpo estivesse mais leve, com o orixá, lembrando o
transe”.
Ainda conforme este pensamento o grupo pesquisador produziu os confetos
africanidades repressão e africanidades invisíveis-controladas, indicando a repressão
cultural e religiosa, a repressão dos corpos como algo negativo, que isola e fragmenta,
levando os corpos a posições verticais e lineares, enrijecendo os rostos, transformando-os em
sérios e maltratados, perdendo a soltura, maleabilidade, malemolência das africanidades.
Estes confetos ressaltam também que o controle dos corpos tem como causa o afastamento da
terra, a perda do contato com o sagrado, com a cultura e o distanciamento da África.
De acordo com Lander (2005), a sociedade ocidental criou sucessivas separações ou
partições do mundo real, sendo a primeira a separação judaico-cristã entre Deus, o ser
humano e a natureza. Um marco histórico destas separações é a ruptura ontológica entre corpo
e mente, entre razão e mundo. Nestes “apartamentos/separações” ser humano/natureza,
sensível/inteligível, corpo/mente, há uma hierarquização, onde tudo que é natureza é
inferiorizado, por isto deve ser dominado e controlado pelos seres humanos. Portanto, o
racionalismo ocidental dominante, nesta parte do hemisfério depois do século XVIII, concebe
que as culturas que têm uma maior aproximação com a natureza são inferiores e têm menos
valor, sendo assim passíveis de dominação pelas civilizações eurocêntricas, é o caso das
sociedades indígenas e africanas.
Na cosmovisão africana o ser humano, as árvores, as casas, os animais, as águas, terras
e ar compõe uma totalidade possuindo uma dimensão sagrada. Diferentemente da cosmovisão
eurocêntrica que impõe um distanciamento entre mente e corpo, razão e experiência, a
produção de idéias e o físico.
Portanto as africanidades afirmam a inclusão, a harmonia com o meio ambiente e a
circulação da força vital como expressões impregnadas de brasilidade.
138

PENSAMENTOS CONCLUSIVOS

Ando devagar, porque já tive pressa


E levo esse sorriso, porque já chorei demais
Hoje me sinto mais forte, mais feliz, quem sabe
Eu só levo a certeza,
De que muito pouco sei, ou nada sei
Conhecer as manhas, e as manhãs
O sabor das massas, e das maçãs
É preciso amor, pra poder pulsar
É preciso paz pra poder sorrir
É preciso a chuva para florir

Almir Sater e Renato Teixeira

As músicas me inspiram para escrever esta conclusão. Ficam tocando em meus


ouvidos, na minha cabeça, na minha memória. Pressionam meu corpo para que eu possa
sistematizar o que estou sentindo nesta reta final ou seria curva inicial?
Gostaria de ter colocado na epígrafe um trecho da música da Ana Carolina que diz: Já
sei olhar o rio por onde a vida passa, sem me precipitar e nem perder a hora, mas este ainda
não é momento em que estou, é o que desejo para o caminho que vem vindo.
Como diz também a música que eu cantava nos encontros da PJ: “Eu vim de longe pra
encontrar o meu caminho, tinham um sorriso e o sorriso ainda valia, achei difícil a viagem até
aqui, mas eu cheguei, mas eu cheguei”. E mesmo aqui nessa chegada o tambor não para de
tocar e a música não me deixa parada, preciso sacudir o corpo, me mexer, gritar, me esbaldar
neste mar das africanidades.
Nestes últimos meses, enquanto escrevia o texto, me indagava diversas vezes. Para
que a gente realiza uma pesquisa? Para ter status de pesquisadora? Para ganhar mais dinheiro,
aumentar o salário, subir de nível? Para ter conhecimento? Para se descobrir? Construir,
desconstruir idéias e ideais? Quem foi que disse que a pesquisa é prazerosa? De certa forma
existe prazer em pesquisar, mas ele está atrelado à dor da preocupação de se produzir um
trabalho que contribua com a humanidade, com a terra, com os animais, as plantas, com o
cosmos. Isto me inquietava.
Nesta pesquisa me descobri frágil e forte, menina e mulher, amada e amante, devota
de Nossa Senhora Aparecida e filha de Iansã, gente, negra, arrupiada, medrosa, pesquisadora,
contadora de histórias, cozinheira, pessoa que tem a capacidade de recomeçar mesmo diante
das adversidades, persistente.
139

A pesquisa sociopoética me proporcionou novos olhares, tanto a respeito das


africanidades como em relação ao grupo-pesquisador, pois me ajudou a olhar o grupo como
agente potencial do pensamento e de produção de conceitos, desconstruindo a idéia de que o
grupo a ser pesquisado é aquele que serve apenas para sugarmos suas experiências ou salvá-
los de uma situação de opressão.
Percebi que a ancestralidade estava na experiência daqueles adolescentes e jovens que
compartilhavam suas idéias e reflexões acerca das africanidades. Observei também que a
galera do terreiro se manifestou mais do que o pessoal do grupo Juventude Negra Kalunga,
talvez o local, por ter sido no terreiro, intimidou os jovens militantes, ou porque os mesmos
não tinham uma experiência religiosa semelhante a dos irmãos de santo. Porém a admiração
dos kalunguinhas pelos adolescentes da casa foi externada de várias maneiras. Para os/as
militantes do movimento negro aquela galera tinha muito a ensinar, este foi o momento de
ouvir mais do que fazer discursos políticos.
Apesar de os jovens apresentarem um conhecimento restrito sobre a África e as
culturas afrodescendentes, produziram conceitos bastante diferenciados dos estereótipos
comumente veiculados, apresentando inclusive pontos de convergência com as concepções
dos estudiosos da área.
Notei que a sociopoética foi potencializadora de uma maior multiplicidade e
diversidade de visões sobre as africanidades, o grupo apresentou alguns aspectos que os
autores não apontam ou não frisam, tais como a relação da arte com a sobrevivência da
família, apresentada no confeto africanidades-estátua arte da sobrevivência; o controle dos
corpos sendo a causa do afastamento da terra, a perda do contato com o sagrado, com a
cultura e o distanciamento da África expostos nos confetos africanidades repressão e
africanidades invisíveis-controladas; sensações antagônicas expressas no confeto
africanidades agradáveis-desagradáveis que demonstrava o medo de descobrir o que são as
africanidades e ao mesmo tempo um prazer pela possibilidade de conhecer um universo que
nos foi tirado.
Durante a Contra-Análise o grupo se reconheceu nos confetos, o que
proporcionou um sentimento de auto-estima e de valorização do que foi construído. Os
estudos transversais foram recomendados pelos/as jovens como material didático a ser
trabalhado nas escolas em vista da desmistificação das religiões de matriz africana e de outros
aspectos da cosmovisão africana.
Para os jovens as africanidades devem ser apresentadas e vivenciadas na escola a partir
de atividades lúdicas que utilizem o corpo todo, tais como apresentações teatrais, danças,
140

semanas culturais, desfiles da beleza negra. Também devem ser utilizados temas como o meio
ambiente para se conhecer os orixás e seus mitos.
De acordo com o grupo-pesquisador, as africanidades só serão trabalhadas de fato,
quando professores e funcionários respeitarem as religiões de matriz africana e os/as jovens
que as praticam, reconhecendo a importância da cultura africana e afrodescendente como
referenciais de brasilidade.
Em sintonia com o grupo está o pensamento de Gomes (2002b, p. 86), ao afirmar que
“é preciso que a instituição escolar se compreenda enquanto espaço da diversidade étnico-
cultural e entenda que o respeito ao diferente deve ser uma postura político-profissional a ser
assumida pelo profissional da educação.”
Para que a escola seja um território alternativo para a os alunos negros e negras,
devemos pensá-la na perspectiva de um lugar de trocas e experiências de negros e não-negros,
onde a valorização da diversidade e da igualdade sejam pilares de mudança de uma história de
discriminação e exclusão a que crianças e jovens negros/a estão submetidos no interior do
ambiente escolar.
Como defende Souza (2006, p. 89):

A escola deve desenvolver ações para que todos(as) negros(as) e não negros(as)
construam suas identidades individuais e coletivas, garantindo o direito de aprender
e de ampliar seus conhecimentos, sem serem obrigados a negar a si próprios ou ao
grupo étnico-racial a que pertencem.

Nós educadores/as devemos levar em consideração ao pensar o processo educativo


dos/as educandos/as, o lugar em que esses sujeitos estão inseridos e o contexto histórico-
social em que vivem. Assim como valorizar suas experiências de vida, que podem contribuir
para a troca de saberes tão importantes para a educação.

No processo de descolonializar o saber, a escola se insere como espaço onde o


imaginário é fortalecido em todo o corpo, a mente é mais uma parte importante do corpo. O
imaginário está entrançado com o que a gente come, com que a gente olha, com que a gente
deseja, com que a gente acredita.
Tenho certeza que o sistema mundial racista não acabará da noite para o dia, porém
acredito que o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana é uma ferramenta de
resistência das populações negras e afrodescendentes, as quais durante anos foram relegadas a
uma condição de subalternidade.
141

Todavia, devo lembrar que essas ações não podem ser efetivadas como algo imposto a
ser repassado com força de lei, mas vivenciado através das diversas expressões da
ancestralidade.
De acordo com Silva (2006, p. 172) devemos estar atentos às africanidades
brasileiras, o legado africano, uma herança que mulheres e homens escravizados nos
deixaram, pois, “nós, brasileiros, não unicamente os afro-brasileiros, herdamos ritmos,
quitutes, jeitos de viver e de trabalhar, as religiões”, além dos modos de organizar as lutas e a
resistência próprios dos negros/as”.
Neste sentido é condição sine qua non, para entender a história e cultura
brasileira, conhecer e reconhecer a importância da história e cultura africana e
afrodescendente, percebendo as lógicas por meio das quais os negros/negras, em especial
os/as jovens, atribuem sentidos ao mundo, destacando aspectos pouco explorados de sua
cultura.
Os tambores me dizem que cumpri uma parte da minha missão de
pesquisadora/mulher negra. Alguns sons soaram despercebidos, outros foram profundamente
internalizados, mas todos foram sentidos e guardados no meu corpo e na minha memória
ancestral.
142

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146

ANEXOS
147

ANEXO A- FOTOS DA ESTRUTURA DO TERREIRO

Entrada do terreiro – frente/nome da casa (Silvia Maria)

Barração – local dos cultos do terreiro (Silvia Maria)


148

ANEXO B- FOTOS DO GRUPO-PESQUISADOR

Partilha do grupo (Silvia Maria) Partilha do grupo (Silvia Maria)

Grupo pesquisador (Silvia Maria)


149

ANEXO C- FOTOS DOS TERRITÓRIOS DAS AFRICANIDADES – 1º DIA DE


PESQUISA

Território: A Cidade Proibida. Território Odoiá (Raissa)


Da esquerda para a direita Mateus, Romário e
Dione (Raissa)

Território de Ifé . Da esquerda para a direita Romário, Lindemberg e


Guilherme (Raissa)
150

ANEXO D- FOTOS 2º DIA DE PESQUISA

Relaxamento (Raissa) Relaxamento (Raissa)

Relaxamento (Raissa) Relaxamento (Raissa)

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