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Diretor Geral

Gilmar de Oliveira

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CIÊNCIAS DO NORTE DO PARANÁ.
Núcleo de Educação a Distância;
MONTEIRO, Lucimari de Campos. www.fatecie.edu.br
Linguística I. Lucimari. de Campos Monteiro.
Paranavaí - PR.: Fatecie, 2020. 78 p.
As imagens utilizadas neste
Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária livro foram obtidas a partir
Zineide Pereira dos Santos. do site ShutterStock
AUTORA

Professora Esp. Lucimari de Campos Monteiro

● Pós-graduada em Docência do Ensino Superior (Faveni – ES)


● Especialista em Marketing, Novas Mídias e Redes Sociais (UNIARA - SP)
● Licenciada em Letras Português-Inglês (FIRA – SP)
● Professora Conteudista – UniFatecie
● http://lattes.cnpq.br/3060516310351242

Possui experiência como docente no Ensino Fundamental II e Médio nas disciplinas


de Gramática, Literatura e Redação. No ensino superior atuou como docente nos cursos
de Letras, Agronomia, Engenharia Civil, Jornalismo, Publicidade e Administração, nas
disciplinas de Comunicação Empresarial, Linguística, Mídia, Análise e Produção de texto,
e outras da área da comunicação e educação, no interior de São Paulo. Atuou, ainda,
em Agências de Publicidade no Paraná como redatora de peças publicitárias. Possui
experiência com correção das Redações do ENEM, revisão de textos acadêmicos em geral
e Trabalhos de Conclusão de Curso.
APRESENTAÇÃO DO MATERIAL

Seja muito bem-vindo(a)!


Prezado(a) aluno(a), este material é recheado de informações e conceitos acerca
dos estudos da Linguística, e se você é um apaixonado pelo estudo da Língua precisa
conhecê-la em seus mais variados aspectos. Proponho, junto com você, construir nosso
conhecimento sobre a Linguística e suas atuais pesquisas, visto que trata-se de uma ciência
teoricamente nova, em comparação com o que já conhecemos hoje.
Na unidade I vamos iniciar os estudos de linguística conceituando a ciência e
o senso comum, depois o objeto de estudo da Linguística e ela como ciência de fato.
Passaremos por algumas etapas do estudo até encontrar Ferdinand de Saussure e sua
teoria da Linguística saussureana e paradigma saussureano.
Já na unidade II vamos ampliar nossos conhecimentos sobre a temática e vamos
conhecer a Gramática, Forma e o Processo de Significação, bem como o significado
das palavras (significado e significante). Ainda na unidade II vamos estudar a Forma e
significação: o significado e a estrutura linguística.
Já na unidade III teremos acesso aos fatos, dados e hipóteses na análise linguística,
bem como na Coleta de dados e a construção do corpus de análise e os fatos e preconceitos
linguísticos
Para finalizar nosso material, na unidade IV, conheceremos os Princípios de análise:
regras das línguas e regras linguísticas na descrição dos fatos linguísticos, a Análise
Linguística e suas ferramentas de análise na Linguística Descritiva: Palavras, lexemas e
sintagmas, bem como as construções gramaticais de sujeito e predicado.
Aproveito para reforçar o convite a você, para junto conosco percorrer esta jornada
de conhecimento e multiplicar os conhecimentos sobre tantos assuntos abordados em
nosso material. Esperamos contribuir para seu crescimento pessoal e profissional.

Muito obrigada e bom estudo!


SUMÁRIO

UNIDADE I....................................................................................................... 6
A Definição de Ciência

UNIDADE II.................................................................................................... 25
Gramática, Forma e o Processo de Significação

UNIDADE III................................................................................................... 40
Fundamentos da Linguística Descritiva

UNIDADE IV................................................................................................... 59
Princípios de Análise Linguística
UNIDADE I
A Definição de Ciência
Professora Esp. Lucimari de Campos Monteiro

Plano de Estudo:
● A ciência e o senso comum
● O problema da Teoria
● O objeto de estudo da Linguística e a Linguística como ciência
● A exigência do caráter explícito, sistemático, objetivo
● O objeto da Linguística saussuriana e paradigma saussureano
● As características do signo linguístico

Objetivos de Aprendizagem:
● Conceituar a Linguística como ciência
● Conhecer as características do signo linguístico

6
INTRODUÇÃO

Prezado(a) aluno(a), nesta unidade vamos conhecer a teoria de Ferdinand de


Saussure, considerado o pai da linguística moderna, que deu início aos estudos que se tem
hoje sobre a temática.
Antes, porém, serão tecidas considerações relevantes ao conceito de ciência e
senso comum, fatores importantes no que diz respeito ao conceito de tipos de conhecimento
para que pudéssemos chegar ao entendimento, hoje, de Linguística enquanto ciência e
ciência viva.
Por se tratar de um campo de estudo relativamente recente, os apontamentos
aqui apresentados são baseados em sua origem, em Saussure, mas com pinceladas de
correntes linguísticas mais recentes e que vieram para somar às ideias do linguista suíço.
Vamos também identificar os fundamentos relevantes para o caráter científico dos
estudos linguísticos, definir os conceitos estabelecidos e como eles se aplicam na prática.
Aos amantes do estudo da língua, nossa sugestão é: atente-se aos conceitos,
ideias e informações aqui apresentadas para que seja possível compreender a Linguística
como ciência. A ciência que estuda a Linguagem.

UNIDADE I A Definição de Ciência 7


1 A CIÊNCIA E O SENSO COMUM

Falar em ciência nos remete sempre a algo que está provado, quantificado e
registrado, mas antes de tomarmos essas características como base, vamos analisar qual
ou quais seriam as diferenças entre o senso comum e a ciência.
Podemos definir o conceito de senso comum como algo que é de conhecimento
e domínio popular, ou seja, algo que surge com a necessidade de resolver um problema
imediato ou mesmo para dar sentido a alguma situação.
O senso comum como objeto de reflexão existe desde a origem dos escritos
filosóficos. Aristóteles é tido como o primeiro pensador de que temos registro
como articulador das primeiras definições de senso comum (senso comunis).
Antes dele, Platão, metaforicamente explicou a vida na caverna como uma
condição que nos aprisiona no mundo sensível, fazendo-nos crer que a reali-
dade estaria nas sombras projetadas no fundo de uma caverna. (DOURADO,
2018, online).

Logo, fica evidente que o senso comum existe desde que a humanidade existe, o
Mito da Caverna de Platão, tão conhecida e discutida até hoje, é um dos maiores exemplos
que temos do que é o senso comum.
Na alegoria platônica existiam, de um lado, homens presos na caverna, re-
presentando o homem comum e o seu “conhecimento” equivocado e oriundo
dos sentidos. Eles construíam, por consequência, falsas imagens para enten-
der e explicar a realidade (imersos no senso comum). Do outro, a figura que
se tornará o filósofo, ou seja, um dos poucos homens que conseguiu alcançar
outras formas de conhecimento, saindo das sombras e caminhando em dire-
ção à luz. (DOURADO, 2018, online).

UNIDADE I A Definição de Ciência 8


Enquanto podemos definir o senso comum como cultura popular, ou algo que não
foi comprovado cientificamente, nossos conhecimentos empíricos se resguardam ao senso
comum, o que não se deve ser menosprezado, afinal é um tipo de conhecimento.
Mas, o que nos interessa de fato em relação à linguística, é entender que esta é um
tipo de conhecimento, mas que está bem longe de ser senso comum. A ciência, portanto, é
a parte do conhecimento que foi, de fato, comprovado, estudado.
Trata-se do conhecimento criteriosos e analisado, daquilo que foi, de alguma
maneira, comprovado e testado.
Veja a definição:
A ciência, tanto por sua necessidade de coroamento como por princípio,
opõe-se absolutamente à opinião. Se, em determinada questão, ela legiti-
mar a opinião, é por motivos diversos daqueles que dão origem à opinião;
de modo que a opinião está, de direito, sempre errada. A opinião pensa mal;
não pensa: traduz necessidades em conhecimentos. Ao designar os objetos
pela utilidade, ela se impede de conhecê-los. Não se pode basear nada na
opinião: antes de tudo, é preciso destruí-la. Ela é o primeiro obstáculo a ser
superado. Não basta, por exemplo, corrigi-la em determinados pontos, man-
tendo, como uma espécie de moral provisória, um conhecimento vulgar provi-
sório. O espírito científico proíbe que tenhamos uma opinião sobre questões
que não compreendemos, sobre questões que não sabemos formular com
clareza (BACHELARD, 1996, p. 18).

Portanto, fica evidente que dentre os tipos de conhecimentos, o conhecimento


científico é o que nos interessa enquanto estudantes da língua e acadêmicos, afinal é o
conhecimento que não deixa dúvidas e não se gera contradição.
Podemos definir, ainda, ciência como “saber produzido através do raciocínio lógico
associado à experimentação prática” e que nos leva à certeza daquilo que se busca, é o
conhecimento baseado na certeza e não na dúvida. É exata e indiscutível.

UNIDADE I A Definição de Ciência 9


2 O PROBLEMA DA TEORIA

No tópico anterior conhecemos a diferença entre senso comum e ciência, conceitos


que foram estabelecidos, mas que no início do século XX foi questionado por um filósofo
chamado Karl Raimund Popper (1902-1994), suas indagações trazem dois apontamentos
sobre o problema da Teoria. A saber:

O problema da indução

Para Popper (2007), há um problema referente à validade ou à justificação das


proposições universais das ciências empíricas, ele questiona: “Enunciados factuais, que se
baseiam na experiência, podem ser válidos universalmente? É possível saber mais do que
se sabe?”

Fato é que o “problema da indução” traz a luz algumas refutações:


A indução consiste em construir um discurso da ciência a partir de fatos obser-
vados (experiência). Esse tipo de raciocínio pretende anunciar leis universais
baseadas em alguns fatos observados, ou seja, a partir de certo número de ob-
servações, chega-se a uma conclusão generalizada. Essa passagem do par-
ticular para o universal é o que chamamos de indução. (BRITO, 2014, p. 10).

Outro questionamento de Popper está em torno da demarcação. Veja:

UNIDADE I A Definição de Ciência 10


O problema da demarcação

Para o filósofo, a visão dos positivistas deixava lacunas no conceito estabelecido


como ciência, ou seja, não se pode considerar conhecimento algo apenas por não ser
provado cientificamente?
Os positivistas normalmente interpretam o problema da demarcação de ma-
neira naturalista; interpretam-no como se ele fosse um problema da ciência
natural. Em vez de torná-lo como razão que os leve a empenhar-se em pro-
por uma convenção adequada, acreditam estar obrigados a descobrir uma
diferença decorrente da natureza das coisas, por assim dizer, entre ciência
empírica, de um lado, e metafísica de outro. Estão constantemente procu-
rando mostrar que a metafísica, por sua própria natureza, nada mais é que
tagarelice vazia — “ilusão”, como diz Hume, que devemos lançar ao fogo.
(POPPER, 2007, p. 54).

Os problemas apresentados por Popper (2007) podem ser encontrados com


precisão no livro “Os dois problemas fundamentais da teoria do conhecimento” e avaliados
sob várias perspectivas apresentadas pelo autor. Vale a pena a leitura!

UNIDADE I A Definição de Ciência 11


3 O OBJETO DE ESTUDO DA LINGUÍSTICA E A LINGUÍSTICA COMO CIÊNCIA

Vamos a partir de agora entrar, de fato no campo de estudo da Linguística, mas


para isso é preciso compreender o seu objeto de estudo e entendê-la como ciência.

O estudo da linguagem humana sempre esteve inserido em outras ciências e não


era considerada autônoma, somente com a publicação de Curso de Linguística Geral, de
Ferdinand de Saussure, que ela passou a ser entendida e estudada como ciência de fato:
A linguística é o estudo científico da linguagem humana. Desde a antiguidade
clássica até o início do século XIX a pesquisa linguística estava inserida em
outras ciências, tais como a lógica, psicologia e filosofia, não sendo reconhe-
cida como ciência autônoma. Em 1916 Ferdinand Saussure publica seu Cur-
so de Linguística Geral e a linguística passa a ser estudada como ciência
autônoma, tendo como objeto de estudo a langue. Identificamos, assim, que
ao proporem novos parâmetros os estudiosos permitem a evolução científica,
como ocorreu com a linguística, e que a “proliferação de versões teóricas e
de paradigmas concorrentes” se faz necessária no cenário científico, visto
que “é a comunidade científica que propõe os parâmetros, que escolhe e
determina se uma teoria ou experiência é válida ou não” (ARAÚJO apud CO-
RACINI, 2007)

Fica evidente, portanto, que o objeto de estudo da Linguística é o funcionamento


da linguagem verbal humana, das línguas naturais, e como tal deve ser analisada de vários
âmbitos. Fiorin (2015) aponta que a Linguística tem por finalidade elucidar o funcionamento
da linguagem humana, descrevendo e explicando a estrutura e o uso das diferentes línguas
faladas no mundo.

UNIDADE I A Definição de Ciência 12


Ferdinand de Saussure

Ferdinand de Saussure nasceu em Genebra, Suíça, em 26 de novembro de 1857.


Foi um estudioso da língua e filósofo que propiciou, através das suas elaborações teóricas,
o desenvolvimento da linguística enquanto ciência autônoma.
Saussure tem até hoje influência nos estudos da teoria da literatura e nos estudos
culturais, e definiu os signos linguísticos e seus estudos, chamados de Semiologia (ou
semiótica). Seus conceitos serviram de base para o desenvolvimento de uma corrente
teórica chamada Estruturalismo, no século XX. Para o linguista suíço, a linguística pretende:
Fazer a descrição e a história de todas as línguas que puder abranger, o que
quer dizer: fazer a história das famílias de línguas e reconstituir, na medida do
possível, as línguas-mães de cada família; procurar as forças que estão em
jogo, de modo permanente e universal, em todas as línguas e deduzir as leis
gerais às quais se possam referir todos os fenômenos peculiares da histórias;
delimitar-se e definir-se a si própria.” (SAUSSURE, 1995, p.13)

É notável que a Linguística é uma ciência relativamente nova e como tal está em
constante aperfeiçoamento. Novos estudos vêm surgindo sobre essa ciência e, obviamente,
novos conceitos podem ser apontados, aperfeiçoando as teorias de Saussure.

ESTRUTURALISMO

O Estruturalismo foi uma corrente de pensamentos que agregou não somente


a linguística, mas também a sociologia, antropologia e demais áreas do conhecimento,
podendo ser entendida como uma metodologia em que os elementos da cultura humana
devem ser relacionados com um sistema maior, mais abrangente.
O estruturalismo de Ferdinand Saussure ocupou-se do estudo sincrônico da
língua, e, mesmo não tendo usado a nomenclatura, Estruturalismo, deixou
valioso estudo sobre a estrutura da língua a que chamou de sistema. A publi-
cação de seu trabalho intitulado “Cours de linguistique général” só se deu em
1916, três anos depois de sua morte. Este trabalho serviu de modelo e ins-
piração da corrente estruturalista, pós-saussuriana, em abordagens social,
cultural e psicológicas, entre outras. (LIMA, 2013, online).

É fato que Saussure foi o precursor da Linguística e é considerado o pai da ciência,


pois estava à frente de seu tempo e conseguiu estruturar a língua para que fosse possível
estudá-la de maneira diferente do que havia até então.
Após os estudos de Saussure e o lançamento do seu Curso de Linguística Geral,
em 1916, novos apontamentos foram surgindo e novas teorias surgiram para fomentar
ainda mais os estudos na área.

UNIDADE I A Definição de Ciência 13


FUNCIONALISMO

Posteriores a Saussure, duas tendências teóricas se estabeleceram para que os


estudos do estruturalismo fossem aprimorados, o funcionalismo e o formalismo:

Em tese, funcionalismo é a área da Linguística que busca estudar a relação que há


entre a estrutura gramatical das diversas línguas existentes e os contextos comunicativos
em que elas acontecem.
Os estudiosos desta corrente apontam a linguagem como uma ferramenta de
interação social, ou seja, não há como analisá-la isoladamente, mas sim através da relação
entre linguagem e sociedade, na prática das interações do cotidiano. Em termos gerais, os
funcionalistas buscam analisar dados reais da fala e escrita, extraídos do contexto real da
comunicação.

GERATIVISMO/FORMALISMO

Além do funcionalismo, outra corrente que estabelece relações com a linguística é


a gerativista ou formalista de Noam Chomsky.
O formalismo tem como principal teórico e primeiro representante o linguista
norte-americano Noam Chomsky, que desenvolveu a teoria gerativa, a partir
do final da década de 1950. Sua proposta era analisar, mais do que o de-
sempenho dos falantes (seu uso), a sua competência, o seu conhecimento
linguístico subjacente. Assim, “o papel do gerativismo no seio da linguística
constituir um modelo teórico capaz de descrever e explicar a natureza e o
funcionamento da faculdade da linguagem”, característica mental da espécie
humana (Kenedy In: Martelo-te, 2008, p. 129). Logo, sua visão de língua é a
de uma entidade autônoma, que não depende do uso, da comunicação na
situação social. (MARTINS, 2009, p. 15).

Vale lembrar que teceremos aqui considerações relevantes ao que diz respeito do
estudo da Linguística, no entanto, as dicas de livros e leituras complementares que faremos
ao final de cada unidade serão importantes para a compreensão integral da temática, afinal
trata-se de uma ciência complexa e relativamente nova, como já dito anteriormente.
Nos tópicos seguintes vamos conhecer com mais detalhes a teoria de Saussure para
que seja possível identificar as concepções de signo e todas as características linguísticas
que foram fomentadas pelo suíço.
É importante, ainda, ressaltar que as informações das unidades seguintes
deste material serão baseadas apenas na teoria de Ferdinand de Saussure, portanto,
conheceremos a origem da ciência.

UNIDADE I A Definição de Ciência 14


4 A EXIGÊNCIA DO CARÁTER EXPLÍCITO, SISTEMÁTICO, OBJETIVO

A teoria de Ferdinand de Saussure é, como já dito, a primeira para entender a


linguística como ciência. Portanto, vamos ver a partir de agora e nos tópicos que seguem a
divisão que ele faz para que fosse possível estudar a língua.

Entendamos algumas concepções de Saussure:

● Língua: a língua é um sistema supra-individual utilizado como meio de


comunicação entre os membros de uma comunidade;
● Fala: ato individual de vontade e inteligência;
● Linguagem: fusão da língua e da fala, é social e individual;
● Diacronia: estuda os fenômenos da língua e sua evolução;
● Sincronia: os fenômenos da língua de uma determinada época;
● Sintagma: a combinação de formas mínimas numa unidade linguística superior;
● Paradigma: banco de reservas da língua;
● Signo: associação de um conceito com imagem acústica;
● Significado: é o conceito e reside no plano do conteúdo.
● Significante: é uma “imagem acústica” (cadeia de sons) e reside no plano da
forma;
● Semiologia: a ciência que estuda os signos linguísticos.

UNIDADE I A Definição de Ciência 15


Vamos agora ver como todas essas concepções se relacionam na teoria de
Saussure e como se aplica sua teoria no estudo da língua, e até mesmo nas concepções
de linguagem.
Para tanto, vamos analisar cada definição com um olhar mais crítico e acadêmico
para que seja possível compreender o que Saussure nos deixou como legado, levando-
se em consideração que os estudos aqui apresentados são a base, a origem do estudo
linguístico e que a partir deles novos conceitos foram estabelecidos nos anos posteriores.

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5 O OBJETO DA LINGUÍSTICA SAUSSURIANA E PARADIGMA SAUSSUREANO

O objeto da Linguística, de fato, é a linguagem. Entenda-se linguagem como a


soma de Língua e Fala chamada por Saussure de Langue e Parole.

Temos aqui o que se chama de Dicotomia de Saussure:

Quadro 1: Dicotomia de Saussure

LANGUE PAROLE
Social Individual
Constante Variável
Realidade mental Realidade física
Homogênea Heterogênea
Conservadora Inovadora
Fonte: a autora

A dicotomia nos mostra que essa oposição do social versus o individual se mostra
útil, afinal, uma completa a outra, mas, o linguista alerta: ‘a linguagem tem um lado individual
(parole) e um lado social (langue), sendo impossível conceber um sem o outro’.
Logo, podemos dizer que a langue é necessária para que a parole seja clara e
compreensível e a parole estabelece as futuras mudanças da langue.

Sintagma vs. Paradigma

Outra concepção - ou eixos - de Saussure é a do sintagma e do paradigma, estas são


definidas pelo linguista como “a combinação de formas mínimas numa unidade linguística
superior”.
O eixo paradigmático é o eixo das escolhas, e o eixo sintagmático é o das
combinações. Em termos gerais podemos dizer que o paradigmático são as opções que
temos de fazer combinações, enquanto o sintagmático são as combinações de fato.
[...] a Sintagmática, centrada no eixo das combinações dos sintagmas, esta-
belece relações baseadas no caráter linear da língua que, exclui a possibi-
lidade de pronunciar dois elementos ao mesmo tempo, ou seja, regras que
limitam os falares, privilegiando o uso coletivo em oposição ao individual.
(SAUSSURE, 1995, p. 142).

O que Saussure diz é que há uma infinidade de opções na construção de uma frase
ou fala.

UNIDADE I A Definição de Ciência 17


Por exemplo, se eu for falar algo que se refira ao dia, dando uma característica para
ele, tenho inúmeras opções. Veja:

Quadro 2: opções de escolha de construção

Hoje uma noite estivera lindo


Ontem o dia esteve bonito
Amanhã a manhã está linda

Agora um tarde estará bonita

Fonte: a autora

“Hoje o dia está lindo”

Para que a frase fosse construída foram combinadas alternativas até que se
chegasse ao resultado. Essa relação de opções e escolhas é o que chamamos de eixos
sintagmáticos e paradigmáticos.
No discurso, os termos estabelecem entre si, em virtude de seu encadea-
mento, relações baseadas no caráter linear da língua, que exclui a possibili-
dade de pronunciar dois elementos ao mesmo tempo. Estes se alinham um
após outro na cadeia da fala. Tais combinações, que se apoiam na extensão,
podem ser chamadas de sintagmas.” (SAUSSURE, 1995, p. 142).

Figura 2: Sintagma e paradigma

Fonte: Chom’SkyPédia

Conclui-se que, “as relações sintagmáticas e as relações paradigmáticas ocorrem


concomitantemente.” (COSTA, 2008, p.122).

UNIDADE I A Definição de Ciência 18


6 AS CARACTERÍSTICAS DO SIGNO LINGUÍSTICO

“A língua é um sistema cujas partes podem e devem ser consideradas em sua solida-
riedade sincrônica” (Saussure, 1975).

Entender o signo linguístico é requisito básico para compreendermos um pouco


mais a teoria de Saussure. Valendo-se do que já foi até aqui explanado sobre língua e fala,
temos o conceito de que a primeira é social, enquanto a segunda é individual.

O signo, pode ser entendido e definido como uma unidade constituinte do sistema
linguístico é formado por duas partes: a do significado e a do significante.

Significante vs. significado



O signo linguístico constitui-se, basicamente, numa mistura desses dois elementos,
mas não anula um ou outro.

● O significante é uma “imagem acústica” (cadeia de sons) e reside no plano da


forma;
● O significado é o conceito e reside no plano do conteúdo.

UNIDADE I A Definição de Ciência 19


Figura 3: significado e significante

Fonte: Chom’SkyPédia

O signo linguístico é, portanto, o resultado de uma combinação entre os membros


de um determinado grupo, ou seja, para haja sentido é preciso ter significado para todos,
o som em si não tem significado, mas quando é contextualizado e faz sentido para esse
grupo passa a ser entendido como signo.
Então, “afirmar que o signo linguístico é arbitrário, como fez Saussure, significa
reconhecer que não existe uma reação necessária, natural, entre a sua imagem acústica (seu
significante) e o sentido a que ela nos remete (seu significante).” (COSTA, 2008, p.119).

Linguística Sincrônica e Linguística Diacrônica

O linguista determinou os fenômenos da língua através da sincronia e diacronia. É


sincrônico o que estuda os fenômenos da língua de uma determinada época através de um
recorte de uma fase, o diacrônico estuda os fenômenos da língua e sua evolução, tendo
como fator primordial o tempo.
Para Saussure: 
É sincrônico tudo quanto se relacione com o aspecto estático da nossa ciên-
cia, diacrônico tudo que diz respeito às evoluções. Do mesmo modo, sincro-
nia e diacronia designarão respectivamente um estado de língua e uma fase
de evolução. (SAUSSURE, 1995, p. 96).

Para entendermos melhor esses dois conceitos estabelecidos por Saussure, vamos
a um exemplo prático:
Vamos utilizar para análise a palavra VOCÊ:

Sincrônico:
● 4 letras: v-o-c-ê
● 2 sílabas: vo-cê

UNIDADE I A Definição de Ciência 20


Diacrônico:
É chamada também de linguística histórica, portanto se utiliza das mudanças
ocorridas na língua para sua análise.
● Pronome de tratamento
● Expressão originária: vossa mercê
● Variações da expressão: “vossemecê“, “vosmecê“, “vancê“ e você
● Uso na segunda pessoa no singular (no lugar de Tu, principalmente na oralidade)
“Vossa mercê” (mercê significa graça, concessão) era um tratamento dado a
pessoas às quais não era possível se dirigir pelo pronome tu, era o elevado
tratamento dado na terceira pessoa primeiramente aos reis de Portugal. No
século XV, quando os soberanos portugueses adotaram o chamamento de al-
teza (vossa alteza, e sua alteza) foi o título de mercê começado a ser dado às
principais figuras do Reino, nas principais casas fora da Família Real, gene-
ralizando-se a dado passo como forma de tratamento adotada pelos fidalgos
entre si. Este processo foi lento e gradual. “Mercê“, do latim Merces, sig-
nifica  benefício, presente, dignidade ,recompensa, pagamento, relacionado
a MERX, que quer dizer “mercadoria, objetos para compra e venda”.(LIMA,
2013, online).

Portanto, é possível notar como a sincronia e a diacronia são aplicadas na teoria,


enquanto a primeira se interessa pelo estudo em um recorte de tempo, a segunda analisa
os fatos históricos, a evolução e tudo o que está em torno.

SAIBA MAIS

A linguística não se afirma como uma ciência isolada, haja vista que se relaciona com
outras áreas do conhecimento humano, tendo por base os conceitos dessas. Por essa
razão, pode-se dizer que ela assim subdivide:
* Psicolinguística – trata-se da parte da linguística que compreende as relações entre
linguagem e pensamentos humanos.
* Linguística aplicada – revela-se como a parte dessa ciência que aplica os conceitos
linguísticos no aperfeiçoamento da comunicação humana, como é o caso do ensino das
diferentes línguas.
* Sociolinguística – considerada a parte da linguística que trata das relações existentes
entre fatos linguísticos e fatos sociais.

Fonte: DUARTE, Vânia Maria do Nascimento. “Linguística”; Brasil Escola. Disponível em: https://brasiles-
cola.uol.com.br/portugues/linguistica.htm. Acesso em 27 de Janeiro de 2020.

UNIDADE I A Definição de Ciência 21


Biografia de Ferdinand de Saussure

Ferdinand de Saussure (1857-1913) foi um importante linguista suíço, estudioso das


línguas indo-europeias, foi considerado o fundador da linguística como ciência moderna.

Para conhecer a vida e carreira de Saussure na íntegra acesse:


https://www.ebiografia.com/ferdinand_de_saussure/

REFLITA

“O tempo altera todas as coisas; não há razão para que a língua escape a esta lei
universal.”

Ferdinand de Saussure

UNIDADE I A Definição de Ciência 22


CONSIDERAÇÕES FINAIS

As informações até aqui apontadas são importantes para que possamos


compreender o estudo da Linguística enquanto ciência. Os conceitos de Ferdinand de
Saussure são extremamente relevantes para as pesquisas e as descobertas que se tem
hoje sobre o estudo da linguagem.
Os conceitos estabelecidos pelo linguista foram essenciais para que se pudesse
estudam a língua sob uma perspectiva mais profunda e não apenas baseada na escrita e
em todo o formalismo que até então havia estabelecido.
Fato é que Saussure deixou um importante legado conceitual para que os estudos
fossem ainda mais aprimorados nos anos e décadas posteriores.
Vale lembrar que a o livro que deu início na Linguística como ciência só foi publicado
alguns anos após a morte de Saussure e ele está no nosso material complementar como
dica – importante e indispensável – de leitura.
Afinal, não há como falar de linguística sem falar de Ferdinand de Saussure, e nem
há como falar de Saussure sem citar sua obra primeira e fundamental “Curso de Linguística
Geral”. Boa leitura e bons estudos.

UNIDADE I A Definição de Ciência 23


MATERIAL COMPLEMENTAR

LIVRO
Título: Curso de Linguística Geral
Autor: Ferdinand de Saussure
Editora: Cultrix
Ano: 1995
Sinopse: Obra póstuma do autor, este livro inaugura a fase
estruturalista dos estudos da linguagem. Traz os pressupostos
teórico-metodológicos dessa escola que acabaram influenciando
outras ciências sociais. Embasada por Ferdinand de Saussure, um
dos maiores estudiosos nessa área, este livro foi lançado em 1916,
postumamente pelos alunos de Saussure. Esses colaboradores
fizeram uma compilação das obras de seu mestre a fim de
construir, em um único volume, uma síntese que internalizasse as
ideias geniais desse que foi um dos maiores responsáveis pela
estruturação da linguística como ciência. Os temas e conceitos
abordados por esse livro dizem respeito ao trabalho realizado
por Ferdinand de Saussure em estudar a língua como elemento
fundamental da comunicação humana.

FILME/VÍDEO
• Título: O enigma de Kaspar Hauser
• Ano: 1974
• Sinopse: Um homem jovem chamado Kaspar Hauser (Bruno
S.) aparece de repente na cidade de Nuremberg em 1828, e mal
consegue falar ou andar, além de portar um estranho bilhete. Logo
é descoberto que sua aparição misteriosa se deve ao fato de que
ele ficou trancado toda sua vida em um cativeiro, desconhecendo
toda a existência exterior. Quando ele é solto nas ruas sem motivo,
muitas pessoas decidem ajudá-lo a se integrar na sociedade, mas
rapidamente Kaspar se transforma em uma atração popular.
• Link: https://www.youtube.com/watch?v=xBBK7CAtlXs

WEB
•   Olimpíada Brasileira de Linguística: desde 2011, instigando
seus participantes a ampliar suas habilidades lógico-analíticas e
sua visão sobre os povos do mundo a partir de uma abordagem
interdisciplinar. A olimpíada firmou-se como um fascinante
instrumento de imersão multicultural, trazendo à luz diversos temas
do mundo das línguas, da linguagem, dos códigos e da cognição
humana.
• Link: http://www.obling.org/#home

UNIDADE I A Definição de Ciência 24


UNIDADE II
Gramática, Forma e o Processo de
Significação
Professora Esp. Lucimari de Campos Monteiro

Plano de Estudo:
● Gramática, Forma e o Processo de Significação
● Significação, referência e contexto: o significado das palavras
● Forma e significação: o significado e a estrutura linguística

Objetivos de Aprendizagem:
● Conceituar Forma e significação
● Compreender o significado e a estrutura linguística

25
INTRODUÇÃO

Prezado(a) aluno (a), nesta unidade vamos conhecer o processo de significação


dos signos linguísticos completando ainda mais o que foi visto da unidade I.
Além disso, a gramática normativa e a definição de forma baseada na teoria de
Saussure serão nosso corpus de análise.
Vale lembrar que as definições apontadas aqui serão de grande importância para
a continuidade do material nas unidades que virão, por isso, é imprescindível que as
características de significado e significante sejam bem absorvidas por você aqui para que
haja compreensão posteriormente.
Outra questão – não menos importante – está relacionada ao referente, ou seja, ao
contexto em que algo é dito ou escrito, por isso, faremos uma análise de uma situação em
que determinada palavra será empregada em contexto completamente diferentes.
Fique atento às nomenclaturas e características que serão aqui apresentadas.

Bons estudos!

UNIDADE II Gramática, Forma e o Processo de Significação 26


1 GRAMÁTICA, FORMA E O PROCESSO DE SIGNIFICAÇÃO

Quando se fala em gramática e forma logo nos vem à mente o conceito que temos
de gramática normativa, afinal é ela a responsável por nomear a formalizar as regras
estabelecidas para a fala e a escrita da Língua Portuguesa.

Antes, porém, vale lembrar que vimos na unidade I deste material que há correntes
teóricas da Linguística: a estruturalista, a funcionalista e a gerativista, e que cada uma delas
traz um conceito diferente sobre o estudo da Língua.

A eterna ‘briga’ entre gramáticos e linguistas está exatamente nesse ponto, enquanto
os gramáticos buscam a perfeição da forma escrita e falada, defendendo as normas, os
linguistas se preocupam em estabelecer uma comunicação que seja entendida por emissor
e receptor, desde que haja um contexto em que una entendimento entre os dois.

Como diria Sírio Possenti, professor do Departamento de Linguística da Universidade


Estadual de Campinas:
Quanto a teorias e métodos: para os gramáticos, a autoridade dos escritores
é um critério para aceitar construções (e até exceções); para os linguistas, o
critério para aceitar construções são os dados: se um fato ocorre sistemati-
camente, pertence à língua e deve ser descrito pela gramática. Pronúncias
como “paiaço” e “muié”; concordâncias como “tu vai” e “os menino”, regências
como “assistir o jogo” e “obedecer às regras” etc. são exemplos de pontos de
discordância. (POSSENTI, 2012, online).

UNIDADE II Gramática, Forma e o Processo de Significação 27


Vamos, então nos valer de alguns conceitos:

Gramática

A gramática é a nossa principal ferramenta de estudo da língua no que diz respeito


a sua estrutura, sua forma, suas regras e afins:
A gramática normativa estabelece a norma culta, ou seja, o padrão linguístico
que socialmente é considerado modelar e é adotado para ensino nas escolas
e para a redação dos documentos oficiais. [...] Nas línguas que têm forma es-
crita, como é o caso do português, o papel da gramática normativa é apontar
o que configura a existência de um padrão linguístico uniforme [...] (CIPRO
NETO; INFANTE, 2008, p. 14-15).

Logo, é possível compreender que o papel principal da gramática é nortear a maneira


como se usará o padrão das palavras, é o direcionamento do que é “certo e errado”.
Vale lembrar, ainda, que há diversos tipos de gramáticas (que veremos na unidade
III deste material), mas nos atentaremos, a priori, pela gramática normativa.

Forma

Falar em forma, na Linguística, nos remete ao conceito de Saussure:


Segundo Saussure, forma designa toda a organização linguística ou estru-
tura da fala ou da escrita. Opõe-se a substância, que designa a realização
física da língua como substância fônica ou gráfica. Saussure diz que a língua
é uma forma e não uma substância (ROCHA, 2001, online).

Portanto, o conceito saussuriano de forma se estabelece na organização e estrutura


da língua como um todo, enquanto a substância está relacionada à expressão:
É fato que a substancialidade sonora e até mesmo a escrita é relevante para
a composição poética, visto que possibilitam efeitos estéticos diversos, como
rimas (internas ou externas), entonação, musicalidade e até mesmo efeitos
visuais. Entretanto, é fato que o pensamento saussuriano a partir do CLG
(Curso de Linguística Geral) é pautado sob a formalidade relegada ao obje-
to língua, pela definição de língua enquanto forma, enquanto sistema cujos
elementos estão em relação diferencial e opositiva. (SOUZA, 2011, online).

Veja um exemplo em que há a aplicação de forma e substância:

Nós conseguiu

Segundo Saussure, há aqui defeito na substância, pois é notório seu equívoco. Já


em relação aos elementos sujeito e predicado, há coerência, pois estão relacionados de
forma correta. Saussure, atribui à substância a função de fazer a ligação com a forma, é

UNIDADE II Gramática, Forma e o Processo de Significação 28


como se, em um comparativo, a língua está para a forma, assim como a fala está para a
substância, não sendo possível imaginar uma sem a outra.

Processo de significação

Na linguística, falar em processo de significação é remeter aos signos, o que


vimos na unidade anterior. Portanto, o processo de significação das palavras deve ser
compreendido desde os seus primórdios, quando a criança começa a balbuciar as primeiras
sílabas e tenta se comunicar através de gestos, expressões e demonstrações de objetos e
o que ela conseguir para mostrar o que deseja.
[...] Falando do “jogo simbólico” (jogo do faz-de-conta), ele mostra, com rara
habilidade, como o signo linguístico (a palavra) se organiza na criança. No
começo, o significado está subordinado ao objeto; depois, o objeto subordi-
na-se ao significado. No brinquedo, a criança opera com significados desli-
gados dos objetos e ações aos quais estão habitualmente vinculados. Entre-
tanto, por encontrar-se ainda presa à materialidade dos objetos e das ações,
fenômeno próprio do período que prepara o pensamento operatório segundo
Piaget, a criança não pode ignorar as características dos objetos com os
quais estrutura a situação lúdica. O que ocorre é um deslocamento semânti-
co de um objeto a outro. Trata-se, diz Vygotsky, de um movimento no campo
do significado, o qual subordina a ele todos os objetos e situações reais.
Em “pensamento e fala”, Vygotsky (1987) mostra como o aspecto fonético
e o aspecto semântico seguem, nos primeiros anos da criança, movimentos
opostos: o primeiro da parte ao todo (da palavra à frase), o segundo do todo
à parte (da frase à palavra). (PINO, 1993, p. 17).

Portanto, falar em processo de significação das palavras é entender que:


● Significante: É o tangível, perceptível, material do signo.
● Significado: É o conceito, a parte abstrata do signo.

Exemplo:
Figura 1:Exemplo de significado e significante

Fonte: Slide Share

UNIDADE II Gramática, Forma e o Processo de Significação 29


2 SIGNIFICAÇÃO, REFERÊNCIA E CONTEXTO: O SIGNIFICADO DAS PALAVRAS

No tópico anterior vimos a respeito do conceito de significado e significante, mas


é evidente que tal conceito foi estabelecido fora de uma situação contextualizada, ou seja,
quando se pensa em significado de uma palavra logo recorremos ao referente.
Em outras palavras, só há como afirmar seu significado quando esta estiver
contextualizada. Mas, pensando linguisticamente, vale lembrar que a criança é um bom
exemplo de como funciona esse “jogo de sentido”, para ela uma palavra tem aquele
significado e pronto, pois a criança é objetiva. Conforme ganha maturidade entende que a
mesma palavra pode contemplar vários sentidos.
Falando ainda no que diz respeito à criança enquanto processo de descoberta de
significados e significantes, é possível notar como a relação de contexto e referência é cada
vez mais necessária.

Referência e contexto
Se você disser a uma criança a palavra BARATA, temos:
● Significante: BA-RA-TA (a palavra de fato – oral -, como ela ainda não sabe
escrever, ela apenas ouve)
● Significado: um animal pequeno e nojento

Imagem 2: barata

UNIDADE II Gramática, Forma e o Processo de Significação 30


Mas, e se você disser:
“Passei em frente a uma loja e vi que a toalha de banho estava barata”

Imagem 3: etiquetas de promoção

É evidente que a diferença entre os significados é completamente distinta, mas o


significante continua sendo o mesmo. Na primeira situação o termo “barata” se referia, de
fato, ao “Gênero de insetos da ordem dos ortópteros, de hábitos noturnos, cujas principais
espécies se encontram nos armazéns e nas cozinhas”, como afirma o Dicio.com. Já na
segunda situação, a palavra tem seu significado completamente em outro referente.

Logo, percebemos que o contexto situacional é importante para que haja


entendimento correto e não ambíguo da mensagem que se deseja transmitir.

Muitas vezes as crianças não são capazes de estabelecer essa diferença de


significados por serem ensinadas apenas através do significante. A diferenciação se dará
com o passar dos anos e com o amadurecimento da língua no contexto em que a criança
está inserida e à medida que será estimulada para perceber as multiformas de aplicabilidade
de uma mesma palavra.

No plano dos elementos essenciais do processo de comunicação, proposto por


Roman Osipovich Jakobson, o elemento “referente” é aquele que traz todo o contexto
situacional, ou seja, é a partir dele que será possível entender com propriedade o que se
pretende dizer.

UNIDADE II Gramática, Forma e o Processo de Significação 31


Os elementos propostos por Jakobson são, ainda, aqueles que fazem relação com
as funções da linguagem, a saber:
● Emissor → Função Emotiva ou Expressiva
● Receptor → Função Conativa ou Apelativa
● Código → Função Metalinguística
● Mensagem → Função Poética
● Canal → Função Fática
● Referente → Função Referencial ou Denotativa

Portanto, é importante lembrar que, para a linguística, verificar toda referência, todo
contexto da situação é necessário para estabelecer a relação de significado e significante.
Quando se emprega uma palavra em um determinado contexto há possibilidades de que o
seu significado também seja flexível.

UNIDADE II Gramática, Forma e o Processo de Significação 32


3 FORMA E SIGNIFICAÇÃO: O SIGNIFICADO E A ESTRUTURA LINGUÍSTICA

Como já visto até aqui na unidade II deste material, a forma e a significação das
palavras estão diretamente conectadas em seu contexto.

Para elucidar ainda mais a teoria saussureana podemos conceituar como as


unidades da língua que são chamadas de signos linguísticos, estes são organizados e
divididos de duas formas: o significado (conceito, plano de conteúdo) e o significante
(imagem acústica, plano de expressão).

Há entre esses dois elementos um vínculo natural com o conteúdo, por isso dizemos
que o signo é arbitrário absoluto, quando analisado sozinho, isoladamente, mas dizemos
que é arbitrário relativo, quando analisado em conjunto.

Após estabelecer o entendimento sobre significado e significante, é agora o


momento de falarmos um pouco sobre a estrutura linguística nos seguintes quesitos:

● Modalidade oral e escrita


● Registro formal e informal
● Variedade padrão e não-padrão

UNIDADE II Gramática, Forma e o Processo de Significação 33


As estruturas linguísticas se modificam não somente através dos referentes, como
já vimos, mas também através das modalidades:
● Oral: linguagem falada (espontânea)
● Escrita: linguagem que se utiliza de signos (planejada)

Já quando falamos sobre registros estamos nos referindo ao:


● Formal: normalmente utilizado na escrita, mas há casos em que se utiliza a
formalidade, como um discurso presidencial, por exemplo;
● Informal: a conversa do dia a dia, a troca de informações com pessoas que você
convive e que não há exigência de formalidade.

Já sobre a variedade, temos:


● Padrão: que é aquele estabelecido pela gramática e chamado também de norma
culta e possui maior prestígio social;
● Não padrão: que é a linguagem do dia a dia e que não se remete à gramática
para as construções.

Portanto, quando pensamos em processo de significação (levando-se em


consideração o que vimos até aqui sobre significado e significante) é preciso estabelecer
alguns critérios para o entendimento correto, o primeiro deles o referencial, ou seja,
o contexto em que se está dizendo. Depois, no que diz respeito à estrutura linguística,
podemos definir a diferença que há entre a oralidade e a escrita, a variedade e o padrão.

REFLITA

“Sem a linguagem, o pensamento é uma nebulosa vaga, inexplorada.”

Ferdinand de Saussure

UNIDADE II Gramática, Forma e o Processo de Significação 34


SAIBA MAIS

LITERATURA E LINGUÍSTICA LIMITES INTERDISCIPLINARES

As investigações sobre o texto literário, realizadas conforme as linhas de orientação do


método estruturalista, desenvolveram discussões acerca da literatura e de metodologias
analíticas, pela apropriação de conceitos que já faziam parte do quadro categorial da
Linguística. Na tentativa de detectarem os princípios reguladores do discurso literário,
especialmente quando da abordagem das múltiplas narrativas, as propostas dos teóri-
cos da literatura, elaboradas nas primeiras décadas do século XX, tiveram por base o
legado do pensamento estrutural de Saussure. A Linguística que ele inaugura desenvol-
veu-se de modo dedutivo, por ter se constituído em uma ciência capaz de prescrever um
princípio geral de classificação diante do heteróclito da linguagem. E se tal fato ocorreu,
foi porque Saussure sabia bem da impossibilidade de se partir do estudo de cada uma
das inúmeras línguas que teria que abarcar.

Fonte: Maria Antonieta Jordão de Oliveira Borba (UERJ)


http://www.filologia.org.br/vicnlf/anais/caderno04-08.html

UNIDADE II Gramática, Forma e o Processo de Significação 35


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta unidade pudemos entender algumas características abordadas pela


linguística, especialmente no que tange ao processo de significação das palavras, bem
como sua aplicação referencial e contextualizada.
Falar em forma, na linguística, é apontar as evidências abordadas por Saussure e
entender como, de fato, ela funciona no dia a dia e no estudo da Língua.
A linguística é uma ciência viva que estuda a língua em suas mais variadas vertentes,
e mesmo que haja descobertas recentes e maneiras distintas de aplica-la, fica evidente que
não há uma norma fechada e uma verdade absoluta quando se trata do estudo de algo que
é social.
E como tal não pode ser restrito, se o mundo se modifica ano após ano e a sociedade
também, como podemos achar que a língua permaneceria intacta?
Os amantes da língua sabem como trata-se de um organismo vivo e eficaz e que é
completamente flexível e requer sempre possibilidades para se transformar.

UNIDADE II Gramática, Forma e o Processo de Significação 36


LEITURA COMPLEMENTAR

Variação linguística e ensino de gramática


Edair Maria GÖRSKI e Izete Lehmkuhl Coelho
A variação social
Essa variação (também conhecida como variação diastrática) está relacionada a
fatores concernentes à organização socioeconômica e cultural da comunidade. Entram em
jogo fatores como a classe social, o sexo, a idade, o grau de escolaridade, a profissão do
indivíduo. São exemplos típicos de variação social: a vocalização do -lh- > -i- como em
mulher/muié; a rotacização do -l- > -r- em encontros consonantais como em blusa/brusa;
a assimilação do –nd- > -n> como em cantando/cantano; a concordância nominal e verbal
como em os meninos saíram cedo/ os menino saiu cedo. Em relação à concordância verbal
de terceira pessoa do plural, por exemplo, Monguilhott (2009), ao investigar a fala da região
de Florianópolis, mostra uma correlação entre marcação de concordância e escolaridade.
Os resultados apontam que os informantes mais escolarizados, independentemente da
idade, preservam mais as marcas de concordância verbal. Velhos e jovens apresentam
um aumento da marcação de concordância, de 67% para 88% e de 72% para 89%,
respectivamente, com o aumento da escolaridade de fundamental para superior. Esses
percentuais correspondem aos resultados de outros estudos que controlaram a escolaridade
em amostras de outras regiões do Brasil (SCHERRE; NARO, 1997 e MONGUILHOTT, 2001).
No entanto, a frequência de marcação da concordância cai consideravelmente quando o
sujeito está posposto ao verbo, independentemente da escolaridade do informante. Tanto
a variação geográfica como a variação social estão intimamente associadas às forças
internas que promovem ou impedem a variação e a mudança e à identidade do falante.
É como se o indivíduo, ao manifestar-se oralmente, já revelasse a sua origem regional e
social. É como se ele, pela sua forma de falar, se identificasse como pertencente ou não
a determinada comunidade e a determinado grupo social. É nesse sentido que se diz que
as regras variáveis podem ser motivadas extra-linguisticamente, além de linguisticamente.

A variação estilística
Também chamada de variação contextual ou de registro, essa variação se manifesta
nas diferentes situações comunicativas no nosso dia-a-dia. Em contextos socioculturais que
exigem maior formalidade, usamos uma linguagem mais cuidada e elaborada – o registro

UNIDADE II Gramática, Forma e o Processo de Significação 37


formal; em situações familiares e informais, usamos uma linguagem coloquial – o registro
informal. Mas, o que observamos na prática é que as situações cotidianas de interação são
permeadas por diferentes graus de formalidade, mais do que por uma oposição polarizada.
A variação estilística é regulada pelos domínios em que se dão as práticas sociais (escola,
igreja, lar, trabalho, clube, etc), pelos papéis sociais envolvidos (professor-aluno, pai-
filho, patrão-empregado, etc), pelo tópico (religião, esporte, brincadeiras, etc). O grau de
variação será maior ou menor dependendo desses fatores. Na sala de aula, por exemplo,
os professores tendem a usar uma linguagem mais monitorada do que os alunos. Esse
monitoramento também está associado aos tipos de eventos. Encontramos maior ou menor
monitoramento entre eventos que são mediados pela língua escrita e eventos mediados
pela língua oral; entre eventos de explicação de um conteúdo e eventos de motivação; entre
eventos de sala de aula e eventos dos corredores, e assim sucessivamente (BORTONI-
RICARDO, 2004). Um exemplo de variação estilística é encontrado no trabalho de Arduin
(2005). Ao estudar a variação entre os pronomes possessivos teu(s) e seu(s), a partir de
amostras de fala da região Sul (projeto VARSUL), ela mostra que nas relações assimétricas
de inferior para superior a forma teu é desfavorecida (apenas 44%) e a forma seu é a mais
frequente, indicando um maior distanciamento entre os interlocutores, como se fosse uma
forma de respeito. Nas relações assimétricas de superior para inferior a forma teu é a
preferida (91%) e, nas relações simétricas, a forma próxima e solidária mais frequente é teu
(91%). Esses resultados corroboram estudos de Loregian-Penkal (2004) sobre a variação
estilisticamente marcada dos pronomes tu e você em Santa Catarina: tu usado geralmente
em relações simétricas ou nas relações assimétricas de superior para inferior, enquanto
você em relações assimétricas de inferior para superior, marcando relações de poder e
solidariedade. Nas várias formas de interação, a língua que utilizamos muda, de alguma
maneira, para adaptar-se ao interlocutor e ao contexto de situação. A variação, portanto,
é inerente à fala e à própria comunidade de fala e está relacionada aos diferentes papéis
sociais exercidos por cada um dos participantes.

Fonte: http://www.uel.br/pos/ppgel/pages/arquivos/10749-39705-1-PB.pdf

UNIDADE II Gramática, Forma e o Processo de Significação 38


MATERIAL COMPLEMENTAR

LIVRO
Título: Linguística? - Que É Isso?
Autor: José Luiz Fiorin
Editora: Contexto
Ano: 2013
Sinopse: A Linguística é uma ciência pouco conhecida ou
completamente desconhecida pelas pessoas em geral. E, como é
comum acontecer com aquilo ou com aqueles que desconhecemos,
ela é constantemente alvo de prejulgamentos – tendo sido
acusada inclusive de renegar a norma culta e de contribuir para
a destruição da língua portuguesa por defender modos “errados”
de falar. Ou seja: o preconceito não atinge somente os diferentes
falares. A própria Linguística que os estuda é objeto de atribuições
e rótulos infundados. Este livro, que reúne grandes especialistas
da área, surge para explicar o que é, afinal, a Linguística. Para
isso, trata das funções e características da linguagem humana,
para depois discorrer sobre os cinco grandes objetos teóricos
criados pela Linguística dos séculos XIX e XX: a língua, a
competência, a variação, a mudança e o uso. Com um texto fácil
e agradável, esta obra torna acessíveis questões complexas da
ciência da linguagem – sem, entretanto, simplificá-las – tanto para
estudantes e professores de línguas como para interessados em
geral. Autores: Norma Discini, Ronalda Beline.

FILME/VÍDEO
• Título: Nell
• Ano: 1994
• Sinopse: Uma jovem (Jodie Foster) é encontrada em uma casa
na floresta, onde vivia com sua mãe eremita, mas o médico (Liam
Neeson) que a encontra após a morte da mãe constata que ela
se expressa em um dialeto próprio, evidenciando que até aquele
momento ela não havia tido contado com outras pessoas. Intrigado
com a descoberta e ao mesmo tempo encantado com a inocência
e a pureza da moça, ele tenta ajudá-la a se integrar na sociedade.

WEB
• Sistema VOLP: O sistema de busca do Vocabulário Ortográfico
da Língua Portuguesa, quinta edição, 2009, contém 381.000
verbetes, as respectivas classificações gramaticais e outras
informações conforme descrito no Acordo Ortográfico. 
• Link do site: http://www.academia.org.br/nossa-lingua/busca-no-
vocabulario

UNIDADE II Gramática, Forma e o Processo de Significação 39


UNIDADE III
Fundamentos da Linguística Descritiva
Professora Esp. Lucimari de Campos Monteiro

Plano de Estudo:
● Descrição e prescrição
● Conceito de “gramática”
● Fatos, dados e hipóteses na análise linguística
● Coleta de dados e a construção do corpus de análise
● Fatos e preconceitos linguísticos

Objetivos de Aprendizagem:
● Conceituar a gramática na perspectiva linguística
● Compreender as características das análises linguísticas

40
INTRODUÇÃO

Prezado(a) aluno(a), nesta unidade vamos estudar as características da gramática


prescritiva, chamada mais comumente de gramática normativa e também da gramática
descritiva que, como o próprio nome diz, descreve as características da língua.
Diferente da prescritiva, a descritiva se preocupa mais com o modo de como a
língua é construída e não com o certo e o errado que a normativa traz em suas normas e
regras rígidas.
Depois, vamos conhecer ainda alguns outros tipos de gramáticas, além das duas
que foram citadas no primeiro tópico. É importante saber que essa diferença entre as
gramáticas se faz necessário para que haja um estudo completo e profundo da língua em
sua totalidade, seja na escrita, na fala e nos seus contextos.
No tópico 4 deste material, você encontrará ainda um plano de aula elaborado com
o foco em análise linguística no gênero textual resenha crítica. O plano foi desenvolvido
para o sexto ano do ensino fundamental 2, mas pode ser adaptado e reconstruído para as
demais séries.
Veremos, ainda, o que é e como acontecem os preconceitos linguísticos, tão comuns
e muitas vezes feito sem que haja percepção, afinal esse comportamento do brasileiro tem
suas origens de anos e anos atrás. Aproveite e desfrute das informações aqui apresentadas,
bons estudos!

UNIDADE III Fundamentos da Linguística Descritiva 41


1 DESCRIÇÃO E PRESCRIÇÃO

Ao estudar linguística sabemos que muitos conceitos aparecem e que,


inevitavelmente, recorremos a Saussure para identificar as características dessa ciência. O
pai da Linguística foi, de fato, o precursor dos estudos na área, mas anos após suas teorias
novos conceitos foram aparecendo e novas perspectivas de se estudar a língua.

Gramática prescritiva ou normativa

O que estudamos na escola é o que a gramática prescritiva, ou seja, a normativa


diz que é o “certo e o errado”.

Ela é repleta de regras do que se deve ou não fazer, classificações, análises


profundas e difíceis e que, na maioria das vezes, deixa os alunos com certa aversão ao
estudo da língua (e não é para menos!).

O que acontece, é que todos nós carregamos uma bagagem social, costumes,
cultura, tradições e que refletem diretamente na nossa forma de comunicar.

A comunicação pessoal ou familiar está diretamente ligada à nossa forma de agir


em sociedade, e seria um grande equívoco dizer que aquilo que você aprendeu desde
criança é certo ou errado se comparado à realidade comunicativa de outra pessoa.

UNIDADE III Fundamentos da Linguística Descritiva 42


Veja o poema de Oswald de Andrade que trata bem essa questão do que é “certo e
errado” segundo a gramática prescritiva/normativa e o modo de dizer:

Pronominais
Dê-me um cigarro
Diz a gramática
do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro.

Fonte: ANDRADE, Oswald. Obras completas, Volumes 6-7. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972.

Gramática descritiva

A linguística descritiva é a prova de que essa forma diferente de analisar o estudo


da linguagem se deu e é eficaz e, consequentemente, surge a gramática descritiva.
Vamos analisar o nosso país: rico em cultura, regiões completamente distintas em
costumes, repleto de sotaques e uso recorrente de palavras diferentes. Ora, se a língua é
viva como poderíamos analisá-la em uma única perspectiva em um país tão diversificado?
Apontar o certo e o errado em questões de linguagem é como ensinar uma mãe a educar
seu próprio filho.
A linguística descritiva tem como objetivo estudar o sistema linguístico funcional
como as classes de palavras e suas unidades, mas além disso ela preocupa-se também
com os sons que compõem as palavras e as regras relacionadas a sintaxe. Em termos
gerais ela está cada vez mais disposta a estudar a classificação e a análise do objeto de
fato, mas sem “julgar certo e errado”.

A linguística descritiva traz na gramática descritiva duas divisões:


● Descrição formal: morfologia, fonologia e a sintaxe.
● Descrição semântica: regras de interpretação semântica e as relações entre a
língua e o mundo extralinguístico.

UNIDADE III Fundamentos da Linguística Descritiva 43


A Gramática Descritiva - é a descrição de como a língua funciona, do con-
junto de regras que são usadas pelos falantes. Ao contrário da normativa, a
gramática descritiva leva em consideração tudo aquilo que possa estabele-
cer uma comunicação, de acordo com determinada variedade linguística, ou
seja, tudo o que está incluído no sistema. (FRAGA, 2011, online)

Portanto, fica evidente que a gramática descritiva não está interessada em dizer a
ninguém como usar a língua, o que poderíamos entender até mesmo como um abuso de
poder, mas sim está preocupada em descrever os modos como ela é usada na vida real. A
primeira turma ergue muros entre certo e errado; a segunda dedica-se a demoli-los.

UNIDADE III Fundamentos da Linguística Descritiva 44


2 CONCEITO DE “GRAMÁTICA”

É importante sempre lembrar que quando falamos de gramática o primeiro


pensamento se remete à gramática normativa. E não está errado, afinal é essa gramática
que aprendemos a vida toda na escola.

Mas, agora como estudantes da língua e da linguagem, não há como continuar


afirmando que a normativa (ou a prescritiva) é uma verdade absoluta, não é mesmo?!

Para isso, separei a sinopse (entenda-se como uma dica de leitura também) de um
livro do Professor Sírio Possenti, chamado “Por que (não) ensinar gramática na escola”:

Sinopse: O livro expõe questões relativas à natureza e ao aprendizado das


línguas, destacando os fatores internos e externos da variação linguística, a natureza das
gramáticas “naturais”, dos “erros” dos aprendizes ou falantes, e aspectos do funcionamento
da língua ligados aos contextos e valores sociais. Expõe e exemplifica, ainda, os conceitos
de gramática normativa, descritiva e internalizada, e apresenta algumas sugestões práticas
de como trabalhar em sala de aula a partir da produção do aluno.

Na unidade anterior vimos como se divide a gramática descritiva da tão conhecida


prescritiva, mas qual seria a definição ou o conceito de gramática?

UNIDADE III Fundamentos da Linguística Descritiva 45


Vamos recorrer ao dicionário:
Significado de Gramática
s.f.: Conjunto de princípios que regem o funcionamento de uma língua, determinando
o uso considerado correto de uma língua.

Mas, há ainda a definição segundo a linguística:

[Linguística] Estudo sistemático, descritivo e analítico do que compõe uma língua,


suas frases, palavras, fonemas, processos de derivação, de flexão etc.

É notório que a definição de gramática se estabelece de maneiras diferentes em


determinados aspectos, para o conceito geral trata-se das regras da normativa, mas sob
a perspectiva linguística, vai muito além de imposições entre certo e errado e abrange
descrições, processos de construções, etc.
Vamos ver cinco concepções e tipos de gramáticas que podemos encontrar:

Quadro 1: Tipos de Gramáticas

Gramática Normativa: Utilizada em sala de aula, ela busca a padronização da


língua, indicando através de suas regras como devemos falar e escrever corretamente. Sua
abordagem privilegia a prescrição de regras que devem ser seguidas, desconsiderando
os fatores sociais, culturais e históricos aos quais estão sujeitos os falantes da língua.
Gramática Descritiva: Analisa um conjunto de regras que são seguidas,
considerando as variações linguísticas da língua ao investigar seus fatos, extrapolando
os conceitos que definem o que é certo e errado em nosso sistema linguístico.
Gramática Histórica: Investiga a origem e a evolução de uma língua, representando
os estudos diacrônicos.
Gramática Comparativa: Estabelece comparação da língua com outras línguas
de uma mesma família. No caso de nossa língua portuguesa, as análises comparativas
são feitas com as línguas românicas.
Gramática internalizada: Conjunto de regras que o falante domina e utiliza na
comunicação, de maneira que as frases e sequências das palavras são compreensíveis
e reconhecidas como pertencendo a uma língua e não é ensinada de forma convencional.
Para se provar a existência da gramática internalizada, há dois fatores linguísticos:
a aprendizagem por repetição, ouve-se a fala de outrem e se reproduz o que ouviu,
aplicando as “regras”, que são observadas por comparações; outro fator é a hipercorreção
gramatical.

Fonte: https://www.portugues.com.br/gramatica

UNIDADE III Fundamentos da Linguística Descritiva 46


É relevante, ainda, ressaltar, que o uso das gramáticas é importante, mas apenas
o seu manuseio não fará de você “um senhor da verdade absoluta”:
É importante também ter a consciência de que “saber gramática” não implica
necessariamente em “falar bem” ou “escrever corretamente”. Isso é só mais
um dos muitos mitos que compõem o preconceito linguístico tão vigoroso em
nossa sociedade. Se o conhecimento da gramática normativa garantisse o
“escrever bem”, todos os professores de língua seriam excelentes escritores,
prosadores criativos... Isso não acontece, não é? Os gramáticos, então se-
riam os maiores artistas da língua! Ora, sabemos que não é bem assim. Aliás,
muito pelo contrário: a maioria dos gramáticos escrevem num estilo rebusca-
do, empolado, pouco ágil, usando recursos retóricos antiquados, justamente
porque se apegam demais à tradição (Bagno, 2004, p. 160).

E você, já tinha ouvido falar nas outras formas de gramática?!

UNIDADE III Fundamentos da Linguística Descritiva 47


3 FATOS, DADOS E HIPÓTESES NA ANÁLISE LINGUÍSTICA

Quando se fala em análise linguística estamos nos referindo ao estudo da língua,


ou seja, estamos dizendo que determinada língua poderá ser analisada de vários níveis, a
saber:

Níveis de análise linguística


● Fonética/ Fonologia: fonética estuda os sons produzidos pela fala e a fonologia
é o sistema sonoro de um idioma;
● Morfologia: estudo da estrutura e formação das palavras;
● Sintaxe: estuda a disposição das palavras nas frases;
● Semântica: é o estudo dos significados

A partir dos conceitos definidos dos níveis da análise linguística, fica mais fácil
entender como podemos fazer essa análise. Há, portanto, algumas maneiras de analisar
algo linguisticamente:
● Através de enunciados da fala: se optarmos por analisar a fala é importante
observar o grupo de falantes que escolhermos, bem como suas características.
Lembre-se de que na análise linguística não há o certo e o errado, mas sim
há modos diferentes de se comunicar e se expressar, principalmente se nossa
análise for verbal/oral;

UNIDADE III Fundamentos da Linguística Descritiva 48


● Através de textos escritos: já ao analisar os textos escritos é preciso ficar atento
ao gênero textual, as escolhas de vocabulário, o estilo da escrita, o contexto
situacional, bem como todos os fatores que possam interferir nessa análise.

Critérios para uma análise linguística

Antes de escolhermos, de fato, nosso corpus de análise, ou seja, nosso objeto de


estudo, é importante ficar atento aos critérios que nos norteará para o estudo.
Na unidade I deste material abordamos os conceitos estabelecidos entre senso
comum e ciência, até chegarmos à concepção de que a linguística é uma ciência nova e
viva.
Como tal precisa ser analisada de foram coerentes e para que as nossas análises
sejam compreendidas e eficaz vamos dividir em três partes: fatos, dados e hipóteses:

● Fatos
Podemos entender como fato tudo o que é verídico, ou seja, o que aconteceu no nível
real, o que não é inventado. Por isso, um dos critérios de análise linguística deve se
basear em fatos, e não estamos nos referindo somente a acontecimentos, mas sim
em algo concreto. Por exemplo, um diálogo é um fato, bem como um poema também
é. Desde que seja algo que exista, de fato, já pode entrar para nossa análise;

● Dados:
Outro critério não menos importante é a dos dados. Quando temos informações
baseadas em dados e registros tudo fica ainda mais fácil de se analisar. Como toda e
qualquer ciência necessita de registros e dados, na linguística também é importante
que haja, ainda mais se sua análise se tratar de algum evento ou acontecimento
histórico;

● Hipóteses:
As hipóteses são importantes para que possamos organizar nossa análise. O
levantamento de hipóteses é fundamental para que essas “perguntas” sejam
respondidas ao longo da análise. Toda pesquisa requer hipóteses, afinal, se há
perguntas sobre o assunto deverá haver respostas ou, ao menos, sugestões para
que haja soluções do que nos propomos a analisar.

UNIDADE III Fundamentos da Linguística Descritiva 49


4 COLETA DE DADOS E A CONSTRUÇÃO DO CORPUS DE ANÁLISE

Neste tópico vamos nos atentar a um exemplo prático de análise linguística. Antes,
porém, vamos apenas conceituar o que seria o nosso corpus de análise:

Corpus de análise: podemos dizer que são os materiais mais importantes e de


fontes confiáveis para que o pesquisador fundamente seu texto, adequado, portanto, ao
que se pede no caráter científico

Logo, podemos entender que o corpus em qualquer pesquisa é a parte fundamental,


ou seja, o material selecionado para análise efetiva do que nos propomos a fazer. Mas,
na linguística há o que chamamos de Linguística de corpus. Veja a definição do Instituto
Brasileiro de Pesquisa e Análise de Dados (IBPAD):
Linguística de Corpus é a área da Linguística utilizada para coleta e análi-
se de bases com dados textuais produzidos por falantes reais, a exemplo
de discursos, debates em mídias digitais, textos históricos, e outras formas
de produção, como as transcrições de entrevistas para análises posteriores.
Em Linguística de Corpus, estas bases de dados textuais são objetos de
pesquisa chamadas de Corpus. Corpora é o plural de corpus – conjunto de
dados linguísticos pertencentes ao uso oral ou escrito da língua e que po-
dem ser processados por computador. Contamos com suporte da tecnologia
na Linguística de Corpus para potencializar as análises, usando ferramentas
como concordanciadores, corpora online, programas de análise e compara-
ção, dentre outros. O entendimento deste método de pesquisa tem sido cada
vez mais observado com atenção no mercado, assim como na academia,
em pesquisas sociais, sociolinguísticas, educacionais, etc., que utilizem as
metodologias da Linguística de Corpus para sustentar análises e resultados
de suas respectivas áreas. (IBPAD, 2018, online).

UNIDADE III Fundamentos da Linguística Descritiva 50


Portanto, o que de fato nos interessa aqui é o que a linguística de corpus nos
propõe, e para tal criamos um plano de aula que poderá ser adaptado de acordo com a
temática trabalhada em sala e a realidade da sua turma:

Quadro 2: Plano de Aula com Análise Linguística

PLANO DE AULA

Título da aula: Resenha crítica – Análise Linguística/Semiótica

Finalidade da aula: Identificar os recursos linguísticos que compõem o gênero resenha


crítica e incentivar a criticidade do aluno na produção do gênero

Ano: 6º ano do ensino fundamental 2

Gênero: Resenha crítica

Objeto de conhecimento: Forma de composição do texto

Prática de linguagem: Análise Linguística/ Semiótica

Fonte: a autora

A análise linguística proposta aborda os critérios estabelecidos pela semiótica, esta


que é:
A semiótica provém da raiz grega “semeion”, que denota signo. Assim, desta
mesma fonte, temos “semeiotiké”, “a arte dos sinais”. Esta esfera do conhe-
cimento existe há um longo tempo, e revela as formas como o indivíduo dá
significado a tudo que o cerca. Ela é, portanto, a ciência que estuda os signos
e todas as linguagens e acontecimentos culturais como se fossem fenôme-
nos produtores de significado, neste sentido define a semiose. Ela lida com
os conceitos, as ideias, estuda como estes mecanismos de significação se
processam natural e culturalmente. Ao contrário da linguística, a semiótica
não reduz suas pesquisas ao campo verbal, expandindo-o para qualquer sis-
tema de signos – Artes visuais, Música, Fotografia, Cinema, Moda, Gestos,
Religião, entre outros. (SANTANA, 2018, online).

Portanto, nossa análise linguística baseada no plano de aula para uma turma de
sexto ano do ensino fundamental 2 deve ser aplicada buscando todos os contextos que o
texto, imagem, gesto ou qualquer que seja o objeto analisado, traz.

● Primeira parte: reconhecer as características de uma resenha crítica, se preferir


anote em tópicos para facilitar o entendimento junto ao aluno;
● Segunda parte: ler o texto que será analisado (ou, se for o caso, assistir ao
vídeo ou filme) mais de uma vez para que haja fixação das informações. No
caso do texto escrito é fundamental destacar os pontos importantes, o que
pode ser feito através de canetas coloridas ou algo que chame a atenção

UNIDADE III Fundamentos da Linguística Descritiva 51


para tais informações. Aqui é que serão levantadas características quanto ao
comportamento das personagens, personalidades, gestos, cenários, cores,
intenções, contextos, enfim, tudo o que for importante para relacionar as ações
devem ser anotadas e/ou destacas;
● Terceira parte: fechamento das ideias levantadas. Após realizar as anotações
importantes sobre o gênero resenha, bem como das informações relevantes
do objeto analisado, é hora de produzir. O professor será o mediador nessa
construção, o aluno deverá analisar as ideias apontadas na primeira parte e
correlacionar com as da segunda parte, para que assim seja construído o texto
de acordo com as análises linguísticas que foram apontadas.

UNIDADE III Fundamentos da Linguística Descritiva 52


5 FATOS E PRECONCEITOS LINGUÍSTICOS

Segundo o Professor Marcos Bagno (1999) o preconceito linguístico pode ser


definido como todo juízo de valor negativo (de reprovação, de repulsa ou mesmo de
desrespeito) às variedades linguísticas de menor prestígio social.
Um país tão diversificado como o Brasil possui, obviamente, uma enorme variação
linguística, seja ela regional ou até mesmo variações ligadas à religião.
Vamos conhecer alguns tipos de preconceitos linguísticos:

● Preconceito socioeconômico
Um dos tipos de preconceitos linguísticos mais comuns, mas que não deveria existir
é o que está relacionado às pessoas de classes sociais mais pobres que, pelo seu contexto
de vida, não tiveram acesso à educação ou não tiveram chances de estudar adequadamente.
Seu conhecimento é limitado e sua forma de comunicação acaba refletindo essa lacuna
social, na prática, essas pessoas se tornam marginalizadas e não conseguem ingressar em
determinadas profissões com bons postos no mercado de trabalho.

● Preconceito regional
Assim como o preconceito socioeconômico, o regional também acarreta inúmeros
problemas na relação com o mercado de trabalho. Os indivíduos que residem em regiões
menos favorecidas acabam sendo marginalizados por aqueles que residem em regiões de
maior ascensão econômica do país.

UNIDADE III Fundamentos da Linguística Descritiva 53


● Preconceito cultural
Outro tipo de demonstração medíocre do preconceito linguístico é através
do “julgamento” de determinados gêneros musicais ou grupos sociais considerados
marginalizados. Essa aversão acontece por parte da elite intelectual que normatiza o que
é e o que não é bom “culturalmente”. Estilos como o sertanejo e o rap sempre foram alvo
de preconceito por trazer marcas da oralidade e, muitas vezes, até com gírias e jargões
específicos.

● Racismo
Palavras de origem africana ainda trazem essa herança racista que há no Brasil.
Termos como “macumba”, por exemplo, é um instrumento musical utilizado em cerimônias
religiosas, mas no Brasil está ligada à magia negra, satanismo ou feitiçaria. Prova viva de
que há, sim, preconceito com alguns termos da cultura afro.
Fica evidente, portanto, que o preconceito linguístico acontece quando há
intolerância das mais variadas áreas, sejam elas sociais ou culturais, e esse costume está
enraizado no Brasil desde que algumas classes sociais julgavam os costumes de outras
como certas ou erradas.
Em tempos em que a diversidade é cultuada e as pessoas estão cada dia mais
confortáveis para se expor, não há como nós, estudantes da língua e amantes da diversidade
de possibilidades criar um critério de juízo ou de verdade absoluta para o que deve ou não
deve ser feito.

REFLITA

“O papel característico da linguagem com relação ao pensamento não é criar um meio


fônico material para expressar ideias, mas servir como um elo entre pensamento e som.”

Ferdinand de Saussure

UNIDADE III Fundamentos da Linguística Descritiva 54


SAIBA MAIS
Leia o texto de Drummond e veja os exemplos de variações linguísticas no âmbito histórico:

ANTIGAMENTE

Antigamente, as moças chamavam-se mademoiselles e eram todas mimosas e muito


prendadas. Não faziam anos: completavam primaveras, em geral dezoito. Os janotas,
mesmo não sendo rapagões, faziam-lhes pé-de-alferes, arrastando a asa, mas ficavam
longos meses debaixo do balaio. E se levavam tábua, o remédio era tirar o cavalo da
chuva e ir pregar em outra freguesia. (...) Os mais idosos, depois da janta, faziam o quilo,
saindo para tomar fresca; e também tomavam cautela de não apanhar sereno. Os mais
jovens, esses iam ao animatógrafo, e mais tarde ao cinematógrafo, chupando balas de
altéia. Ou sonhavam em andar de aeroplano; os quais, de pouco siso, se metiam em
camisa de onze varas, e até em calças pardas; não admira que dessem com os burros
n’água. (...) Embora sem saber da missa a metade, os presunçosos queriam ensinar pa-
dre-nosso ao vigário, e com isso metiam a mão em cumbuca. Era natural que com eles
se perdesse a tramontana. A pessoa cheia de melindres ficava sentida com a desfeita
que lhe faziam, quando, por exemplo, insinuavam que seu filho era artioso. Verdade
seja que às vezes os meninos eram mesmo encapetados; chegavam a pitar escondido,
atrás da igreja. As meninas, não: verdadeiros cromos, umas tetéias. (...) Antigamente,
os sobrados tinham assombração, os meninos lombrigas, asthma os gatos, os homens
portavam ceroulas, botinas e capa-de-gato (...) não havia fotógrafos, mas retratista, e
os cristãos não morriam: descansavam. Mas tudo isso era antigamente, isto é, outrora. “

Carlos Drummond de Andrade

UNIDADE III Fundamentos da Linguística Descritiva 55


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta unidade pudemos conhecer os tipos de gramáticas que temos à disposição


sobre o estudo da língua. Desde a normativa, que é a que mais conhecemos e estudamos
na escola até mesmo as características da histórica que analisa fatos e acontecimentos.
O conceito que temos de gramática é, na maioria das vezes, superficial e levamos
em consideração somente o que aprendemos na normativa. Consequentemente, esse
ensinamento somente através da gramática normativa nos leva a um grande equívoco, na
maioria das vezes inconsciente, que é do preconceito linguístico.
Essa definição de certo e errado que aprendemos na gramática normativa é
transpassado para a oralidade e ficamos cada vez mais presos a essas normais, deixando
de lado o que a língua realmente é: VIVA!
Diante disso, é evidente que tais preconceitos linguísticos devem ser aniquilados
do nosso cotidiano, passando a ser um exercício diário o aprendizado de que a diversidade
linguística existe e precisa ser respeitada.

UNIDADE III Fundamentos da Linguística Descritiva 56


LEITURA COMPLEMENTAR

A variação linguística e o preconceito linguístico no âmbito escolar

Samuel Santos
Joice Lima Santana
André Luiz Ferreira Santana

O trabalho com o ato comunicativo e, sobretudo, com variantes e variáveis na


perspectiva da sociolinguística busca amenizar essa problemática, que, intoleravelmente,
está embutida na esfera social, uma vez que a hegemonia da norma gramatical atrelada
ao certo e errado é uma das grandes responsáveis por esse problema social. Assim, afirma
Bagno (1999):
O preconceito linguístico está ligado, em boa medida à confusão que foi criada,
no curso de história, entre língua e gramática normativa. Nossa tarefa mais
urgente é desfazer essa confusão. Uma receita de bolo não é um bolo, o molde
de um vestido não é um vestido, um mapa-múndi não é o mundo...Também
a gramática não é a língua. A língua é u enorme iceberg flutuando no mar do
tempo, e a gramática normativa é a tentativa de descrever apenas uma parcela
mais visível dele, a chamada norma Culta. Essa descrição, é claro, tem seu va-
lor e seus méritos , mas é parcial( no sentido literal e figurado do termo) e não
pode ser autoritariamente aplicada a todo resto da língua – afinal, a ponta do
iceberg que emerge representa apenas um quinto de do seu volume total. Mas
é essa aplicação autoritária, intolerante e repressiva que impera na ideologia
gerada pelo preconceito linguístico. (BAGNO, 1999, p. 9-10).

Notoriamente, a tônica do preconceito linguístico está alicerçada nas entranhas da


gramática normativa, logo, a ciência linguística busca uma diminuição nessa problemática,
mas é perceptível grande resistência por parte dos profissionais de língua portuguesa, que
encaram a normatividade gramatical como a perfeição da linguagem. Com esse fato, se
concretiza o desmerecimento da diversidade linguística, que é plural na esfera brasileira.

Fonte: https://eventos.set.edu.br/index.php/enfope/article/viewFile/1238/279

UNIDADE III Fundamentos da Linguística Descritiva 57


MATERIAL COMPLEMENTAR

LIVRO
Título: Linguística Textual - Introdução
Autor: Leonor Lopes Fávero e Ingedore G. Villaça Koch
Editora: Cortez
Ano: 2015
Sinopse: O objetivo desta obra é apresentar ao leitor brasileiro,
de hoje, uma visão panorâmica da Linguística Textual, nos seus
primórdios, ramo da ciência da linguagem que vinha tomando
grande impulso na Europa, mas cuja divulgação em nosso país era
ainda incipiente, em razão de existirem poucas obras traduzidas
para o português. O livro das professoras Leonor Lopes Fávero
e Ingedore G. Villaça Koch, resultado de cuidadoso trabalho de
pesquisa, em obras publicadas em diversos idiomas, constitui
contribuição significativa para o conhecimento reflexivo sobre
a origem da “Linguística Textual”, as causas de seu surgimento,
primeiros momentos e principais pesquisadores.

FILME/VÍDEO
Título: Língua - vidas em português
Ano: 2002
Sinopse: Todo dia duzentas milhões de pessoas levam suas
vidas em português. Fazem negócios e escrevem poemas.
Brigam no trânsito, contam piadas e declaram amor. Todo dia a
língua portuguesa renasce em bocas brasileiras, moçambicanas,
goesas, angolanas, japonesas, cabo-verdianas, portuguesas,
guineenses. Novas línguas mestiças, temperadas por melodias
de todos os continentes, habitadas por deuses muito mais antigos
e que ela acolhe como filhos. Língua da qual povos colonizados
se apropriaram e que devolvem agora, reinventada. Língua que
novos e velhos imigrantes levam consigo para dizer certas coisas
que nas outras não cabe.
• Link: https://www.youtube.com/watch?v=JBmLzbjmhhg&t=2s

WEB
Museu da Língua Portuguesa: Valorizar a diversidade da língua
portuguesa, celebrá-la como elemento fundamental e fundador da
cultura e aproximá-la dos falantes do idioma em todo o mundo. Foi
com esses objetivos que nasceu o Museu da Língua Portuguesa.

• Link: http://museudalinguaportuguesa.org.br/

UNIDADE III Fundamentos da Linguística Descritiva 58


UNIDADE IV
Princípios de Análise Linguística
Professora Esp. Lucimari de Campos Monteiro

Plano de Estudo:
● Princípios de análise: regras das línguas e regras linguísticas na descrição
dos fatos linguísticos
● Língua e significação: aspectos formais e de conteúdo (sintaxe e semântica)
● Análise Linguística e suas ferramentas de análise na Linguística Descritiva:
● Palavras, lexemas e sintagmas
● Funções e categorias gramaticais: a importância do processo de classificação
● Funções semânticas, léxico e gramática
● Construções gramaticais: sujeito-predicado

Objetivos de Aprendizagem:
● Conceituar e contextualizar Língua e significação.
● Compreender as funções e categorias gramaticais: a importância do processo
de classificação.

59
INTRODUÇÃO

Prezado(a) aluno(a), nesta unidade vamos conhecer algumas características das


regras das línguas e como analisar linguisticamente alguns termos. Os aspectos formais
e de conteúdo da língua analisados sob a perspectiva sintática e semântica também são
relevantes para uma boa análise de conteúdo.
Outro fator importante, é que nessa unidade veremos com mais detalhes as
características da Linguística Descritiva e como ela se opõe à gramática normativa,
mostrando que não há certo e errado nas construções comunicativas.
Os conceitos de palavras, lexemas e sintagmas também serão explanados sob a
teoria de Noam Chomsky e o sistema arbóreo que nos mostra a divisão sintagmática.
Sujeito e predicado é o nosso assunto no último tópico, apresentando os tipos de
sujeito, bem como os tipos de predicado. Essas concepções são importantes para que seja
possível realizar a análise linguística de forma adequada e entender que enquanto ciência,
a Linguística é indispensável para o estudo da língua em seus mais variados aspectos.

UNIDADE IV Princípios de Análise Linguística 60


1 PRINCÍPIOS DE ANÁLISE: REGRAS DAS LÍNGUAS E REGRAS LINGUÍSTICAS NA
DESCRIÇÃO DOS FATOS LINGUÍSTICOS

Vimos até agora os conceitos e características da linguística enquanto ciência e


de como ela pode ser entendida sob vários pontos de análise e estudo da língua. Nesta
unidade vamos finalizar o assunto de forma mais prática, apontando alguns conceitos, mas
evidenciando também exemplos para que seja possível identificar a maneira de se fazer
uma análise linguística.

Para isso, dividimos a linguística em partes. A saber:

● Linguística Geral: Como o próprio nome diz, é a área que estabelece os


conceitos gerais dessa ciência, ela estuda de maneira global as análises e foca
nos primeiros conceitos da temática. Como não poderia deixar de ser, Ferdinand
de Saussure é o principal nome da linguística geral e os conceitos que temos
dela veio dele a partir da obra Curso de Linguística Geral”. Nesse livro Saussure
nos traz os conceitos de: língua, fala, signo linguístico, significante, significado,
sintagma, sincronia e diacronia. Essa é a base de todo o conhecimento que
temos sobre a ciência.

UNIDADE IV Princípios de Análise Linguística 61


● Linguística Aplicada: Aqui nessa categoria da linguística ela se preocupa mais
com as traduções dos textos e com os problemas que possam surgir no que diz
respeito ao ensino de línguas de modo geral.

● Linguística Sincrônica: É aquela também chamada de linguística descritiva (e


vamos vê-la com mais profundidade nos próximos tópicos), aqui observa-se as
falas e as analisa ao mesmo tempo.

● Linguística Diacrônica: Pode ser encontrada também como linguística


histórica, a análise aqui é feita através das manifestações linguísticas que são
recolhidas ao longo do tempo e através dos fatos.

● Linguística Textual: Como o próprio nome sugere, ela é a contempla as


análises dos textos com o foco no processo comunicativo que há entre o escritor
e o leitor do texto. Aqui nesse tipo de análise linguística é evidenciado aspectos
de coesão textual, como intertextualidade, contexto e informações.

UNIDADE IV Princípios de Análise Linguística 62


2 LÍNGUA E SIGNIFICAÇÃO: ASPECTOS FORMAIS E DE CONTEÚDO (SINTAXE E
SEMÂNTICA)

Quando passamos a estudar a língua em seus vários aspectos tomamos conheci-


mento das várias formas que esta pode se apresentar, ou até mesmo ser analisada. Vamos
entender aqui como essa divisão do estudo da língua acontece:

Quadro 1: Divisão do Estudo da Língua

Divisão do Estudo da Língua


Fonética: na parte da fonética podemos conhecer o conceito de fonema, aparelho
fonador e classificação dos fonemas. Aqui também estudamos os encontros vocálicos
(ditongo, tritongo e hiato) e consonantais (perfeitos e imperfeitos), etc.
Morfologia: é parte da língua que se atenta a estudar os morfemas e estrutura das
palavras (raiz, radical, tema, afixos, desinência, vogais temáticas) e traz as características
das classes gramaticais (substantivo, artigo, adjetivo, numeral, pronome, verbo, adverbio,
conjunção, preposição, interjeição).
Sintaxe: é a porção da língua que estuda a maneira com que se organizam e relacionam
as palavras em uma oração. Temos aqui os termos essenciais (sujeito, predicado, tipos
de sujeito, classificação dos verbos [VTD, VTI, VTDI] entre outras características.)
Semântica: é a parte da língua que se atem ao estudo dos significados, ou seja, os
sentidos que elas podem se apropriar de acordo com o contexto que estão inseridas
(sinônimos, antônimos, parônimos, denotação e conotação, etc.).
Fonte: a autora

UNIDADE IV Princípios de Análise Linguística 63


3 ANÁLISE LINGUÍSTICA E SUAS FERRAMENTAS DE ANÁLISE NA LINGUÍSTICA
DESCRITIVA

A gramática descritiva é diferente da que conhecemos da gramática normativa por


se preocupar mais com questões de interpretação do que com regras e normas e o que é
“certo e errado”.
É o estudo do mecanismo pelo qual uma dada língua funciona, como meio
de comunicação entre seus falantes. Diferente da Gramática Normativa que
analisa as regras da língua, a Gramática Descritiva estuda a língua escrita
e falada, independente da formalidade. A Gramática Descritiva nada mais é
do que a descrição da estrutura e funcionamento da língua, desde sua forma
e função até estabelecer suas regras de uso, ou seja, o que é gramatical e o
que não é gramatical. (MATTOSO, 2004, p. 11).

Ela se divide em formal e semântica:


● Descrição formal: que é aquela que apresenta a morfologia, fonologia e a sintaxe
da língua;
● Descrição semântica: regras de interpretação semântica e a relação entre a
língua e o mundo extralinguístico. Mostra ainda o léxico, que é o estudo das
classes de palavras ( que na gramática normativa seria a morfologia, mas aqui
é diferente).

A sintaxe estuda a formação interna das frases e os fatos sintáticos:


1. Posição linear: é a posição que uma unidade ocupa dentro de uma frase em
relação às outras unidades.
Exemplo:
João entregou o relatório atrasado para seu chefe.
João entregou o relatório para seu chefe atrasado.

Essa mudança de posição traz também mudança de sentido, e é isso que a posição
linear estuda.
2. Correspondência: é a propriedade que demonstra uma afinidade formal entre
frases e palavras.
Aqui vamos encontrar grupos de correspondências, e um deles é o topicalizado.
Que é quando o tópico é o assunto principal dentro de uma mensagem. Veja o
exemplo:
A mãe levou o filho ao cinema hoje.
Hoje, a mãe levou o filho ao cinema.

UNIDADE IV Princípios de Análise Linguística 64


A evidência dada na palavra “hoje” faz dele o tópico principal e destacado, ou
seja, ele está topicalizado, evidenciado, e sempre haverá um motivo para essa ênfase. Na
prática, a GD (gramática descritiva) analisa de forma mais abrangente os elementos da
mensagem. Veja:

Quadro 2: exemplo de análise descritiva

Lucas consertou o computador

sintático Sujeito objeto direto

semântico Agente paciente

Fonte: a autora

A gramática descritiva é importante para a análise mais prática da linguagem,


mas apesar de ser uma boa ferramenta para desenvolver capacidades interpretativas, é
importante que se faça uma transposição didática caso deseje fazer o uso da GD no ensino
fundamental ou médio.

UNIDADE IV Princípios de Análise Linguística 65


4 PALAVRAS, LEXEMAS E SINTAGMAS

Para a linguística a definição de alguns conceitos são extremamente importantes


para que seja possível fazer uma análise mais detalhada, portanto temos:

● Palavra: para a linguística o conceito de palavra se encontra sob os critérios:


semântico, fonológico e sintático
Semântica: significado
Fonológico: sons
Sintático: combinação

● Lexema: unidade mínima de natureza não gramatical, ou seja, são palavras que
recebem sufixos flexivos e pertencem a mesma classe gramatical. Exemplo:
Cantor, Cantora, Cantores, Cantoras fazem parte do mesmo lexema, pois são
de mesma classe (verbos) e se diferem apenas por sufixos

● Sintagma: para a gramática tradicional, a sintaxe é a parte que estuda os


vocábulos classificando-os em sujeito, predicado, objeto (direto e indireto),
complemento nominal, aposto, vocativo, adjunto adnominal, adverbial, entre
outros. Se analisarmos os mesmos aspectos sob a ótica da Linguística, vamos
encontrar a Gramática Sintagmática, que tem como objetivo estudar tais
características de forma mais simples

UNIDADE IV Princípios de Análise Linguística 66


Vale lembrar que a características do sintagma depende do seu núcleo, portanto
temos o sintagma nominal, quando o núcleo for um nome; sintagma verbal, quando o núcleo
for um verbo; sintagma adjetival, quando o núcleo for um adjetivo.
Mas há ainda aqueles chamados de sintagmas preposicionados, geralmente
constituídos de uma preposição + um sintagma nominal.
Uma das teorias da Linguística é a de Avram Noam Chomsky (1965), um professor
e filósofo estadunidense, chamada de “diagrama arbóreo”, nesse sistema os sintagmas
aparecem da seguinte maneira:
* Sintagma nominal (SN);
* Sintagma adjetival (SA);
* Sintagma verbal (SV);
* Sintagma preposicional (SP);
* Nome (N);
* Pronome (pro);
* Determinante (Det);
* Modificador nominal (MOD)
* Oração (O)

Figura 1:sistema arbóreo

Fonte: https://letraseinglesunip.blogspot.com/

O sistema arbóreo, como ficou conhecido, é utilizado para uma análise mais
profunda das frases e orações. Ele determina de forma mais detalhada a classificação de
cada um dos elementos dispostos nos termos.

UNIDADE IV Princípios de Análise Linguística 67


5 FUNÇÕES E CATEGORIAS GRAMATICAIS: A IMPORTÂNCIA DO PROCESSO DE
CLASSIFICAÇÃO

Sabe-se que a Gramática normativa segue as regras da NGB - Nomenclatura


Gramatical Brasileira – definindo as classes gramaticais em 10 partes. Sendo:
● Variáveis: que variam em gênero e número:
1) Substantivo
2) Verbo
3) Adjetivo
4) Pronome
5) Artigo
6) Numeral

● Palavras invariáveis: que não variam:


1) Preposição
2) Conjunção
3) Interjeição
4) Advérbio

Já a linguística ou as demais gramáticas tratam dessa divisão de maneira um tanto


equivocada, dividindo em classe e função:
Se o vocábulo apresenta forma, função e sentido, é lógico que os critérios
mórficos, sintáticos e semânticos se conflitam nessa tentativa de classifica-
ção. Contudo, não se pode confundir classe com função, como é o caso da
NGB. O nome, o pronome e o verbo são classes. O substantivo, adjetivo e
advérbio são funções. As classes são estudadas na morfologia. As funções
são estudadas na sintaxe. A diferença entre classe e função, linguisticamente
falando, é que a “classe” é identificada por critérios mórficos e semânticos; a
“função” possui natureza estritamente sintática e varia de acordo com o con-
texto. (SANTOS, 2018, online).

Logo, o que chamamos de nome não se trata apenas do substantivo, mas também
das funções básicas como o adjetivo ou o advérbio, e além dessa divisão, toda palavra
será:
== Um nome: se a representação for estática, sem variações temporais.
== Um verbo: se sofrer variações temporais, ou seja, se expressar uma
representação dinâmica ou indicar um processo da realidade, ou
== Um pronome: se apenas situar uma representação no espaço/tempo.

UNIDADE IV Princípios de Análise Linguística 68


1. Funções semânticas, léxico e gramática
As Figuras de Linguagem são responsáveis pela construção de sentido (semântica)
na hora da escolha do vocabulário e do contexto, são elas também as responsáveis pela
linguagem conotativa, ou seja, aquela que não é representada no seu sentido real, mas sim
no seu sentido figurado e contextualizado.
Já a denotação é a linguagem real e literal, costuma-se dizer que é a linguagem
dos dicionários, é a palavra no seu real significado, enquanto a conotação é o “querer dizer”
algo de maneira diferente.
As figuras de linguagem se subdividem em três tipos: figuras de palavras, figuras
de sintaxe (ou de construção) e figuras de pensamento.

Figuras de palavras
● Metáfora: transferência de significados: A Amazônia é o pulmão do mundo;
● Comparação: bem parecido com a metáfora, mas a diferença é que sempre vai
existir um comparativo expresso pelo “como, tal qual”: Você é alto como o seu
pai era.
● Metonímia: uso de uma palavra pela outra: Eu amo ler Machado de Assis.
● Sinestesia: mistura dos sentidos: Sua voz é doce e aveludada.

Figuras de Sintaxe (ou de construção)


● Zeugma: uma palavra que foi omitida para evitar a repetição. Eu adoro calor, e
você frio.
● Polissíndeto: repetição intencional de um conectivo: Eu amo ler, e escrever, e
cantar, e correr.
● Anáfora: repetição intencional de uma palavra ou termo no início da frase:
Todos os dias ela vai ao mercado, todos os dias ela sai com seu cachorro, todos
os dias ela tenta viver um novo dia.
● Pleonasmo: emprego redundante das palavras: Cheguei em casa e havia uma
surpresa inesperada.

Figuras de Pensamento
● Antítese: palavras opostas na mesma construção: Ela estava entre a vida e a
morte.
● Paradoxo: ideias opostas na mesma construção: Estou sonhando acordado com
o dia da minha formatura.

UNIDADE IV Princípios de Análise Linguística 69


● Eufemismo: amenizar uma notícia triste: Ele partiu para junto de Deus.
● Ironia: quando se diz algo querendo dizer o oposto: eu achei linda roupa, amiga.
● Hipérbole: exagero exacerbado: Eu morri de tanto comer naquele rodízio.
● Personificação: dar vida a seres inanimados: O mar está calmo hoje.
● Gradação: sentido de sequência de acontecimentos: O sentimento foi mudando,
diminuindo, desaparecendo

Já o conceito que temos de gramática pode ser entendido como:


● Gramática Normativa: Utilizada em sala de aula, ela busca a padronização
da língua, indicando através de suas regras como devemos falar e escrever
corretamente. Sua abordagem privilegia a prescrição de regras que devem ser
seguidas, desconsiderando os fatores sociais, culturais e históricos aos quais
estão sujeitos os falantes da língua.
● Gramática Descritiva: Analisa um conjunto de regras que são seguidas,
considerando as variações linguísticas da língua ao investigar seus fatos,
extrapolando os conceitos que definem o que é certo e errado em nosso sistema
linguístico.
● Gramática Histórica: Investiga a origem e a evolução de uma língua,
representando os estudos diacrônicos.
● Gramática Comparativa: Estabelece comparação da língua com outras línguas
de uma mesma família. No caso de nossa língua portuguesa, as análises
comparativas são feitas com as línguas românicas.
● Gramática internalizada: Conjunto de regras que o falante domina e utiliza
na comunicação, de maneira que as frases e sequências das palavras são
compreensíveis e reconhecidas como pertencendo a uma língua e não é
ensinada de forma convencional. Para se provar a existência da gramática
internalizada, há dois fatores linguísticos: a aprendizagem por repetição, ouve-
se a fala de outrem e se reproduz o que ouviu, aplicando as “regras”, que são
observadas por comparações; outro fator é a hipercorreção gramatical.

E o léxico nada mais é do que o conjunto de palavras de uma determinada língua,


que estão explanados em ordem alfabética e possui significações. Te parece familiar?
Talvez sim, afinal estamos falando do dicionário. Ele é o melhor exemplo do que seria um
léxico, um livro com as palavras da língua e suas significações.

UNIDADE IV Princípios de Análise Linguística 70


6 CONSTRUÇÕES GRAMATICAIS: SUJEITO-PREDICADO

Quando estudamos os termos essenciais da oração na sintaxe, o primeiro conceito


que nos vem à mente é o Sujeito e Predicado. Eles podem se dividir:

Sujeito:
● Determinado: quando ele é percebido na oração e se subdividem em:
== Sujeito simples: possui só um núcleo;
== Sujeito composto: possui mais do que um núcleo;
== Sujeito oculto: é identificado pela desinência verbal (terminação);
== Sujeito indeterminado: quando não dá pra saber quem fez a ação;
== Sujeito inexistente: não existe, normalmente fenômenos da natureza.

● Indeterminado: quando não é identificado;


● Inexistente: quando as orações possuem verbos impessoais.

Predicados:
● Verbal: quando o verbo indica ação;
● Nominal: quando o verbo indica estado;
● Verbo-Nominal: quando o verbo indica ação e estado ao mesmo tempo.

UNIDADE IV Princípios de Análise Linguística 71


SAIBA MAIS

Curiosidades Linguísticas - O sufixo de nossa nacionalidade

O sufixo da nossa nacionalidade, “brasileiros”, foge a qualquer padrão que indique país


de procedência. “-Es” (japonês, francês, polonês) e “-ano” (italiano, americano, colom-
biano), são os sufixos mais comuns na língua portuguesa, e -eiro, exceto no caso de
“brasileiro”, é um sufixo formador de substantivos relativos a profissão (bombeiro, pe-
dreiro), e não de adjetivo referentes à origem ou nacionalidade. Segundo Márcio Pi-
menta, os primeiros brasileiros sequer haviam nascido no Brasil. Eram portugueses que
levavam o pau-brasil daqui para Portugal, um ofício, portanto. Com o tempo, a palavra
passou a designar todos aqueles que daqui provinham, e depois os que aqui nasciam.
Interessante, não?

Fonte: http://lavilifeevale.blogspot.com/2011/08/curiosidades-linguisticas-o-sufixo-de.html

REFLITA

“A linguagem é um sistema de sinais que expressam ideias.”

Ferdinand de Saussure

UNIDADE IV Princípios de Análise Linguística 72


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta unidade pudemos conhecer um pouco mais sobre as características das


regras das línguas e como analisar linguisticamente alguns termos. Vimos ainda os aspectos
formais e de conteúdo da língua analisados sob a perspectiva sintática e semântica.
Foi possível também identificar as características da Linguística Descritiva e como
ela se opõe à gramática normativa, mostrando que não há certo e errado nas construções
comunicativas.
Os conceitos de palavras, lexemas e sintagmas também foram apontados,
principalmente sob a teoria de Noam Chomsky e o sistema arbóreo que nos mostra a
divisão sintagmática.
O conceito de sujeito e predicado também foi estabelecido, mostrando os tipos de
sujeito, bem como os tipos de predicado. Essas concepções são importantes para que seja
possível realizar a análise linguística de forma adequada e entender que enquanto ciência,
a Linguística é indispensável para o estudo da língua em seus mais variados aspectos.

UNIDADE IV Princípios de Análise Linguística 73


MATERIAL COMPLEMENTAR

LIVRO
• Título: Estudos E Pesquisas Em Linguística Sistêmicofuncional
• Autor: Leila Bárbara, Adail Sebastião Rodrigues Júnior e
Giovanna Marcella Verdessi Hoy.
Editora: Mercado de Letras
Ano: 2017
Sinopse: Ao longo da década passada e desta, vários têm sido
os diálogos com pesquisadores renomados de muitos países do
Ocidente e Oriente cujo compromisso é desenvolver, fundamentar
e avançar os estudos e pesquisas em Linguística Sistêmico-Funcio-
nal. Este livro pretende ser mais uma contribuição, embora diminuta,
ao conjunto de publicações nesta área, sobretudo porque mostra
resultados de pesquisas de docentes e alunos latino-americanos
em diálogo direto com duas subáreas de conhecimento dentro do
escopo da própria teoria: a perspectiva linguístico-textual de Chris-
tian Matthiessen e a semântico-discursiva de Jim Martin. A partir
destes estudos, os demais capítulos demonstram interseções entre
essas subáreas, ora privilegiando a perspectiva textual da teoria, ora
enfatizando possibilidades mais amplas no âmbito dos discursos.

FILME/VÍDEO
• Título: O garoto selvagem
• Ano: 1969
• Sinopse: Cantão de São Sernin, França, 1798. Três caçadores
acham uma criança selvagem, que possui 11 ou 12 anos. Ele é
apelidado de Selvagem de Aveyron (Jean-Pierre Cargol), sendo que
se alimenta de grãos e raízes, não anda como um bípede nem fala, lê
ou escreve. O professor Jean Itard (François Truffaut) se interessa pelo
menino, que é levado a Paris para determinar seu grau de inteligência
e ver como se comporta a mentalidade de um menino que desde cedo
foi privado da educação, por não conviver com ninguém da espécie.
Itard começa a educá-lo. Todos pensam que ele vai fracassar, mas
com amor e paciência aos poucos obtém resultados.
• Link:
https://www.youtube.com/watch?v=b5CKltq3Uf4&feature=emb_title

WEB
•Manual de Linguística: subsídios para a formação de
professores indígenas na área de linguagem – Série Vias
dos Saberes: Vias dos Saberes é uma série de livros destinada
a fornecer subsídios à formação dos estudantes indígenas em
cursos de nível superior. Os textos visam agregar à experiência de
cada um pontos de partida para a composição dos instrumentos
necessários para aguçar a percepção quanto aos amplos desafios
à sua frente, diante de metas que têm sido formuladas pelos seus
povos, suas organizações e comunidades

• Link do site: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_


docman&view=download&alias=646-vol15vias04web-
pdf&Itemid=30192

UNIDADE IV Princípios de Análise Linguística 74


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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UNIDADE IV Princípios de Análise Linguística 76


CONCLUSÃO

Prezado(a) aluno(a),
Neste material, busquei trazer para você as definições de Linguística baseada na
teoria de Ferdinand de Saussure, um dos principais linguistas e estudiosos da língua que
já existiu.
Os conceitos estabelecidos por ele foram essenciais para que se pudesse estudam
a língua sob uma perspectiva mais profunda e não apenas baseada na escrita e em todo o
formalismo que até então havia estabelecido.
Fato é que Saussure deixou um importante legado conceitual para que os estudos
fossem ainda mais aprimorados nos anos e décadas posteriores.
A linguística é uma ciência viva que estuda a língua em suas mais variadas vertentes,
e mesmo que haja descobertas recentes e maneiras distintas de aplicá-la, fica evidente que
não há uma norma fechada e uma verdade absoluta quando se trata do estudo de algo que
é social.
Foram tecidas também considerações sobre os tipos de gramáticas, evidenciando
os quesitos da gramática descritiva e sua oposição à normativa, o que faz do estudo da
língua um aspecto ainda mais completo.
Espero que as dúvidas tenham sido sanadas e que todas as informações tenham
chegado até você de maneira didática e possível de compreensão.
A partir de agora acreditamos que você já está preparado para seguir em frente e
aplicar a gramática de forma eficiente e real, que é o que podemos chamar de semantização
da gramática na prática.

Até uma próxima oportunidade. Muito Obrigada!

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