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TEORIAS DA

COMUNICAÇÃO

autora
ARCÂNGELA AUXILIADORA GUEDES DE SENA

1ª edição
SESES
rio de janeiro 2017
Conselho editorial roberto paes e luciana varga

Autora do original arcângela auxiliadora guedes de sena

Projeto editorial roberto paes

Coordenação de produção luciana varga, paula r. de a. machado e aline karina


rabello

Projeto gráfico paulo vitor bastos

Diagramação bfs media

Revisão linguística bfs media

Revisão de conteúdo wilson de oliveira da silva filho

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)

Sena, Arcângela Auxiliadora Guedes de


Teorias da comunicação. / Arcângela Auxiliadora Guedes de Sena.
Rio de Janeiro: SESES, 2017.
104 p: il.

isbn: 978-85-5548-417-9

1.Teorias. 2. Comunicação. 3. Campo. 4.Saber. I. SESES. II. Estácio.

cdd 302.2

Diretoria de Ensino — Fábrica de Conhecimento


Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa
Rio Comprido — Rio de Janeiro — rj — cep 20261-063
Sumário
Prefácio 5

1. Origem e história: Uma perspectiva científica da


Comunicação Social 7
Fenômeno, objeto de análise e investigação científica – Falamos de
qual comunicação? 8
Interdisciplinaridade e a busca pelo objeto da comunicação 12

2. Modelos e escolas: A comunicação e


o paradigma 27
Paradigmas para os estudos da comunicação 28

As escolas de pensamento comunicacional 31


Escolas norte-americanas 33

3. Discussões clássicas e contemporâneas das


teorias da comunicação 53
Apocalípticos e Integrados – Cultura de Massa X Umberto Eco 55

O Espírito do Tempo e os “Olimpianos” – Edgar Morin 57

O agir comunicacional – Jürgen Habermas 60

Teoria das Materialidades – Hans Ulrich Gumbrecht 62

4. Estudos culturais 69
Formação dos Estudos Culturais 70
Estudos Culturais na América Latina 72

Williams, Hoggart, Thompson – Trabalhos fundadores 74

Stuart Hall – Uma questão de identidade 77

John Fiske – Estratégias para ler televisão 79


5. Mediações e estudos de recepção 85
A pesquisa em comunicação na América Latina 86
Um pouco da história nas pegadas da pesquisa comunicacional
na América Latina 87
Teoria das Mediações 90
Prefácio

Prezados(as) alunos(as),

A proposta deste livro é servir de instrumento de consulta aos que pretendem


entender ou aprimorar questões norteadoras para o campo da comunicação.
Hoje, a comunicação posiciona-se num lugar tão central na nossa sociedade, o
que justiica a expressão de que vivemos em plena “Sociedade da Comunicação”.
Entender os caminhos para que se chegue a essa condição de possibilidade
histórica requer mergulhar na genealogia dos saberes que trilharam os caminhos
da comunicação.
Algumas das principais teorias do campo comunicacional são apresentadas
neste livro, que tem a pretensão de servir de diálogo para as pesquisas de estudan-
tes e pesquisadores.
É um trabalho polissêmico, pois foi construído a partir das vozes que cons-
truíram e ainda hoje constroem as possibilidades de se estabelecer um saber pro-
priamente comunicacional.
É um trabalho de leitura e deslocamentos de proposições desenvolvidas por
autores consagrados e que entenderam e compreenderam e ainda se debruçam
sobre as empirias dos processos comunicacionais.
Na tentativa de sistematizar os pensamentos teóricos, optou-se por dividir o
livro em cinco capítulos. Cada capítulo inicia-se com uma introdução ao tema
proposto. Esse mecanismo permite uma leitura independente, contudo os diálo-
gos e as intersecções entre teorias e conceitos não são interditados nos capítulos.
No inal dos capítulos, são apresentados exercícios para relexão e memoriza-
ção do conteúdo apresentado.
É importante percebermos, com essas obras, que as pesquisas, principalmente
as recentes, sugerem que a Teoria da Comunicação é um espaço de fronteiras indei-
nidas, ou seja, não há consenso entre as proposições e os diálogos comunicacionais.
Espera-se, portanto, que a proposta apresentada possa ajudar a compreensão
dos sujeitos com a sociedade da informação.

Bons estudos!

5
1
Origem e história:
Uma perspectiva
científica da
Comunicação Social
Origem e história: Uma perspectiva científica
da Comunicação Social

Para começarmos a falar de teorias da comunicação, faz-se necessário o en-


tendimento do que é comunicação. Essa é uma pergunta pertinente, na medida
em que se inserem neste campo sujeitos com o objetivo proissional, acadêmico
e científico.
Para Martino (2010, p. 11), se não sabemos o que é comunicação, o que fa-
zemos neste campo? Entendemos que tal deinição não é tarefa fácil, e isso poderá
ser identiicado nos diversos saberes que serão apresentados neste livro, a partir da
origem do termo, como tentativa de se chegar a um conceito mais coeso e uniforme.
A ideia deste capítulo é subsidiar o leitor/aluno sobre a deinição epistemoló-
gica e paradigmática que alimentou e alimenta a produção de conhecimento sobre
o campo da comunicação, a partir do surgimento do fenômeno, que vem cada vez
mais se transformando em objeto de análise e, consequentemente, de investigação
científica.
Deslocaremos os pesquisadores contemporâneos do campo comunicacional –
Luiz C. Martino (2010) e Vera Veiga França (2010), que ajudarão a sistematizar o
entendimento da origem e conceito do termo comunicação a partir das pesquisas
desenvolvidas nas diversas empirias que se apresentam como objeto de estudo na
e da área.
Esperamos, com isso, fornecer bases sustentáveis para o fortalecimento do
campo e para um conhecimento enriquecido em condições de possibilidades his-
tóricas, pautado pela própria empiria que o termo oferece.

Fenômeno, objeto de análise e investigação científica – Falamos de


qual comunicação?

Communicatio é um termo que vem do latim. Segundo Martino (2010), dis-


tinguem-se três elementos: uma raiz munis, que signiica “estar encarregado de”,
que, acrescido do preixo que expressa reunião, completada pela terminação tio,
reforça a ideia de atividade.
Enquanto sentido de prática social, a comunicação pode ser entendida a partir
do cristianismo antigo. A vida eclesiástica era marcada pela contemplação e iso-
lamento, este último podendo ser compreendido como um espaço onde se vive
em comum.

capítulo 1 •8
No mosteiro apareceu uma prática que recebeu o nome de communicatio, que é o ato
de “tomar a refeição da noite em comum”, cuja peculiaridade evidentemente não recai
sobre a banalidade do ato de “comer”, mas de fazê-lo “juntamente com outros”, reunin-
do, então, aqueles que se encontravam isolados. A originalidade dessa prática fica por
conta dessa ideia de “romper o isolamento” e nisto reside a diferença entre commu-
nicatio eclesiástica e o simples jantar da comunidade primitiva. (Martino, 2010, p.13)

É importante entendermos que o termo comunicação não pode ser estabele-


cido como todo e qualquer tipo de relação, e sim de elementos que componham
uma prática social, a partir da ideia do tornar comum.
O termo comunicação não pode ser aplicado às propriedades ou ao modo de
ser das coisas nem exprime uma ação que reúne os membros de uma comunidade.
É uma espécie de ação intencional exercido sobre outro sujeito.
Para Martino (2010, p. 15), o termo comunicação refere-se ao processo
de compartilhar um mesmo objeto de consciência; ele exprime a relação en-
tre consciências.

As diversas formas de significação

A dispersão dos sentidos do termo comunicação ganha a contribuição dos


dicionários, uma vez que estes se encarregam de mapear o que recolhem dos sen-
tidos em uso por uma certa comunidade linguística, em condições de possibilida-
des históricas.
Algumas signiicações se classiicam de acordo com a etimologia do termo, tais
como (Martino, 2010, p. 15):
1. Fato de comunicar, de estabelecer uma relação com alguém, com algu-
ma coisa ou entre coisas;
2. Transmissão de signos através de um código (natural ou convencional);
3. Capacidade ou processo de troca de pensamentos, sentimentos, ideias
ou informações através de fala, gestos, imagens, ou seja, de forma direta ou
através de meios técnicos;
4. Ação de utilizar meios tecnológicos (comunicação telefônica).

Outras signiicações trafegam de maneira mais interacional sobre o que real-


mente se pretende estudar:
5. Mensagem, informação (a coisa que se comunica: anúncio, novidade,
informação, aviso);

capítulo 1 •9
6. Comunicação de espaços (passagem de um lugar a outro), circulação,
transporte de coisas;
7. Disciplina, saber, ciência.

A comunicação enquanto informação, mensagem deve ser entendida na or-


dem do simbólico, ou seja, “não se pode confundir a mensagem com o papel e
a tinta. Ambos permanecem no nível do empírico, no nível da materialidade das
coisas e não das palavras” (Martino, 2010, p.17).
O exemplo acima possibilita condições de suporte para que haja comunica-
ção, mas também não se deinem por si só como meios, já que para tal deve-se
levar em consideração o emprego, a utilização do papel.

Para que a página de um livro se transforme em mensagem é preciso reunir tanto


a atividade do leitor, quanto o produto da atividade do escritor. Consequentemente,
um livro na estante não é comunicação, senão a partir do momento dessa interação.
Digo relação. {...} Isto é, pode ser tornar comunicação, a partir do momento que for lido.
(Martino, 2010, p.16)

A decodiicação e interpretação dos traços materiais que reconstitui uma men-


sagem ativa a informação enquanto comunicação. É preciso, portanto, que se te-
nha a completa relação entre duas ou mais consciências para que haja comunica-
ção. “Toda informação pressupõe um suporte, certo traços materiais e um código
com o qual é elaborada a informação” (Martino, 2010, p.17).
Ou seja, a informação constitui-se como uma parte do processo de comuni-
cação. Pode-se tornar uma comunicação em potencial, podendo ser codiicada
(estocada por meio de um suporte – quando faço uma emissão radiofônica, re-
produzo vibrações com certa frequência, ondas sonoras, tendo o ar como suporte)
e também revertida num segundo momento, ou seja, interpretada, decodificada.
Enquanto circulação, comunicação de espaços, transporte de coisas, estreita-
se à atividade econômica. Voltada ao sentido de convencimento, fala, persuasão.
Martino (2010 p.19) cita Hermes, o mensageiro dos deuses, que tinha os atributos
da comunicação, patrono dos oradores, escritores e mercadores. Transportar mer-
cadorias e falar bem era visto como atividades correlatas, uma vez que não bastava
simplesmente transportar; era preciso saber negociar, persuadir. Nesse sentido, a
comunicação deixa de ser uma prática social natural para se tornar um exercício
coletivo, enquanto estratégia de poder, em que o que está em ação é a superação
das diferenças, tornando, assim, viável a comunicação.

capítulo 1 • 10
Ao pensarmos a signiicação da comunicação no sentido de disciplina, saber,
ciência ou grupo de ciências, referimo-nos não a uma prática, e sim a um determi-
nado saber, que pode ser ou não cientíico. O processo comunicativo, portanto, é
objeto desse saber, o que torna signiicativa e vital a importância da comunicação
para a vida humana.
Martino (2010, p.20) nos faz perceber, portanto, o quanto que essa análise
das signiicações do dicionário sobre o termo comunicação nos traz, em condições
históricas outras, diferentes vozes e conceitos, a que ele chama de polissemia.

Em condições históricas polissêmicas

Para Martino (2010), o primeiro momento do campo de estudo da comuni-


cação coincide com o próprio estudo do Ser, ou seja, relete-se sobre um campo
de extensão máxima. Com isso, o pesquisador salienta o domínio da comunicação
em três grandes domínios:
•  Seres brutos;
•  Seres orgânicos;
•  Homem (com o mundo, com o outro, consigo mesmo).

Na dimensão dos seres brutos, a comunicação assume a acepção etimológica,


ou seja, comunicação enquanto relação. O termo assume, nesta dimensão, o sen-
tido de “transmissão”.

Todos os sistemas de troca de força ou de energia podem ser descritos como pro-
cessos comunicativos: emissor (1ª bola), receptor (2ª bola), mensagem (força/calor)
e efeito (deslocamento/dilatação). Temos aí, por analogia, todos os elementos que
tradicionalmente são utilizados na descrição do processo de comunicação humana.
(Martino, 2010, p.21)

Ou seja, trata-se de uma Ação/Reação.


Na dimensão dos seres orgânicos, Martino (2010, p. 22) nos alerta de que
“as Reações não podem mais ser descritas como processos mecânicos, visto que o
organismo, em sua idiossincrasia, seleciona as respostas”. Ou seja, a relação Ação/
Reação passa a ter uma gama de possibilidades, deixando, portanto, de ser binária.
O processo da comunicação ocorre pela interpretação e seleção. Exemplo: na rela-
ção sexual, o animal seleciona e interage com suas espécies.

capítulo 1 • 11
No domínio do Homem, a comunicação assume forma simbólica, implican-
do intervenções de cultura no processo seletivo. E, nesse ponto, o pesquisador nos
aponta para a necessidade de entendermos que, ao trabalharmos a cultura, esta-
mos falando de uma transmissão de um patrimônio através das gerações. Até mes-
mo a noção de Homem está na ordem do simbólico, em oposição ao ser biológico
(animal homem). A representação do mundo não é apresentada ao homem sem se
levar em consideração a mediação do desejo, o conhecimento e o reconhecimen-
to de outrem. A comunicação, neste domínio, toma sentido de similaridade, de
simultaneidade às afecções presentes em duas ou mais consciências. “Comunicar
é simular a consciência de outrem, tornar comum (participar) um mesmo objeto
mental (sensação, pensamento, desejo, afeto). (Martino, 2010,p.23)
Essa polissemia sobre as diversas signiicações do termo comunicação reve-
lam taxionomias que afetam sobremaneira os diferentes tipos de saberes da área.
Portanto, faz-se necessária a busca do sentido que se pretende empregar sobre o
signiicado da comunicação, o que para Martino (2010) somente será possível le-
vando-se em conta as diferenças de abordagem em relação ao fenômeno humano
da comunicação.

Interdisciplinaridade e a busca pelo objeto da comunicação

A sucessão de modelos epistemológicos, no século XX, proporcionou o nas-


cimento de diversas disciplinas cientíicas. Martino (2010) aponta as diversas
ciências que organizaram seus saberes em torno dos processos comunicativos,
tais como as ciências humanas (Sociologia, Filosoia...). De forma paralela surge
um novo saber especializado, uma nova disciplina cientíica, cujo objeto seriam
os processos de comunicação. Mas qual a deinição do objeto de estudo dessa
ciência/disciplina?
Martino (2010, p.28) airma que seria um engano primário achar que a na-
tureza interdisciplinar de certo estudo pudesse dispensar o trabalho de deinição
de seu objeto. Esse trabalho de deinição/conceituação sobre qual espaço a comu-
nicação ocupa e onde reside sua materialidade é fundamental, na medida em que
um objeto comunicacional pode ser confundido com o objeto de outras ciências.
É importante compreendermos que essa confusão em torno do objeto co-
municacional se revela, sobretudo, pelo fato de que os processos comunicativos
atravessam praticamente toda a extensão das Ciências Humanas.

capítulo 1 • 12
... a natureza dos estudos em Ciências Humanas, que tem no homem, um ser essen-
cialmente comunicativo, seu objeto comum – faz com que a análise dos processos
comunicativos seja um ponto de passagem quase que obrigatório, o que dificulta a
delimitação mais precisa do objeto da comunicação, uma vez que ele se encontra
misturado às análises de outras disciplinas. (Martino, 2010,p.28)

Para o pesquisador, a questão está em estabelecer particularidades de um cam-


po de análise de um saber que aparece como fundamento das ciências do homem e
também como síntese do produto dessas ciências. Portanto, é preciso que a comu-
nicação seja mais que uma interseção passiva ou efeito de diferentes signiicações
de saberes. “Trata-se então de pensar uma interdisciplinaridade que seja o fruto de
uma exigência do próprio objeto...” (idem, p. 28)
Entender o objeto da comunicação entre os meios de comunicação e a cultura
de massa nos parece simpliicar um problema de maneira generalista, sem enten-
der as subjetividades que a área compõe.
Ao deslocarmos, mais uma vez, Martino (2010), comungamos duas observa-
ções sobre o caráter reducionista da questão do objeto comunicacional, a partir da
percepção enquanto meios e cultura de massa:
•  É preciso entender o que as grandes escolas chamam de meios de comunica-
ção e cultura de massa. O funcionalismo americano está longe de ter um conceito
na matéria; o esquema de Lasswell e a busca dos efeitos da comunicação estabele-
cem uma análise que não privilegia o estudo dos meios de comunicação, e sim a
persuasão, o controle social, os usos e gratiicações, os processos de produção da
notícia, mas onde está a teoria e conceituação sobre o que são os meios de comuni-
cação? Há um negligenciamento dos instrumentos tecnológicos envolvidos nesses
processos e da dimensão histórica desses instrumentos.
De outro lado, a Escola de Frankfurt, marcada pela orientação marxista, vol-
ta-se para uma abordagem político-econômica dos processos de comunicação de
massa. Falta uma integração na análise dos meios de comunicação identiicando a
cultura com os processos comunicativos, a partir de uma base positiva. É preciso
que os estudos da comunicação mantenham laços com os dispositivos tecnológi-
cos na base do processo.
•  Por conta do caráter artiicial da oposição entre meios de comunicação e
cultura de massa, é preciso entender os processos comunicativos no interior da
cultura de massa, a partir de um quadro teórico dos meios de comunicação. É uma
leitura social, em que se diz que os meios de comunicação e a cultura de massa não

capítulo 1 • 13
se opõem nem se reduzem um ao outro. Eles exigem uma relação de reciprocidade
e complementação.

Para Martino (2010), isso já seria suiciente para caracterizar o objeto da co-
municação. Devendo, contudo, levar em consideração o caráter pertinente deste
objeto, ou seja, as questões de necessidade de se comunicar, de natureza correlata
ao processo comunicativo.
A principal diiculdade, então, colocada à fundamentação de um saber co-
municativa está no estabelecimento de “fronteiras” para guiar um objeto próprio
à nossa disciplina. O processo comunicativo também é psicológico, sociológi-
co, ilosóico, político, mas isso não inviabiliza o estabelecimento da disciplina
Comunicação. “Todo problema reside então em se deinir um interesse e um ob-
jeto que possam caracterizar os estudos de comunicação” (Martino, 2010, p.36)
A emergência da nossa disciplina reside na compreensão das condições de pos-
sibilidades históricas dos processos comunicativos e das práticas que envolvem a
utilização dos meios de comunicação e o seu objeto de estudo, o que para Martino
caracteriza o objeto dos estudos em comunicação.
Para França (2010, p. 39), não se trata apenas de “um objeto que está à nossa
frente disponível aos nossos sentidos, materializado em objetos e práticas que po-
demos ver, ouvir e tocar”.
Para a pesquisadora, seria reducionista ou simplista demais estabelecer o obje-
to da comunicação como algo que se compreende das possíveis formas exploradas
pela sociedade contemporânea, desde os meios até as trocas simbólicas (da produ-
ção dos corpos às marcas de linguagem).

Ora, é óbvio que os homens sempre se comunicaram, que os primeiros agrupamentos


humanos, aquilo que podemos intuir como o embrião da vida social, apenas se cons-
tituíram sobre a base das trocas simbólicas, da expressividade dos homens. É óbvio
que a comunicação – processo social básico de produção e partilhamento do sentido
através da materialização de formas simbólicas – existiu desde sempre na história dos
homens, e não foi inventada pela imprensa, pela TV, pela Internet. A modernização não
descobriu a comunicação, apenas a problematizou e complexificou seu desenvolvi-
mento, promovendo o surgimento de múltiplas formas e modulações na sua realização.
(França, 2010, p.41)

A pesquisadora lembra que mesmo a palavra “comunicação” é recente, dita à


exaustão a partir da segunda metade do século XX. Antes se nomeavam as práti-
cas, os procedimentos, os objetos: era a linguagem, a retórica, os arautos.

capítulo 1 • 14
Portanto, ao voltarmos nosso olhar sobre o objeto da comunicação e tomando
as proposições de França (2010), nós o percebemos como a forma de identiicar,
de falar ou de construir conceitualmente os objetos comunicativos do mundo.
Construções construídas pelo próprio processo de conhecimento, a partir de suas
ferramentas e de seu grau de experimentação disponível.

Conhecimento x Objeto

Para França (2010), a identiicação do objeto dá início ao trabalho


do conhecimento.

Conhecer é atividade especificamente humana. Ultrapassa o mero “dar-se conta de”, e


significa a apreensão, a interpretação. Conhecer supõe a presença de sujeitos; supõe
um objeto ou problema que suscita sua atenção compreensiva; o uso de instrumentos
de apreensão, um trabalho de debruçar-se sobre. (França, 2010, p. 43)

Todo esse processo resulta na representação do conhecido, diferentemente da


primeira perspectiva do objeto, agora uma construção do sujeito. Modelos de
apreensão que constroem conhecimentos futuros.
Entender os processos de construção do conhecimento é importante para es-
tabelecer as relações que se formam entre os saberes. França (2010) nos aponta,
inicialmente, o conhecimento como resultado de nossa vivência, o cotidiano, nos-
sas ações no e para o mundo. Em seguida, nos apresenta outra forma do conhecer,
através de vários processos mediadores, como o acesso à informação, do trabalho
sistemático de pesquisa e estudo e a utilização de métodos especíicos, o que cha-
mamos de conhecimento científico.
O conhecimento da comunicação começa como uma forma básica da vida
social. O aprendizado do homem se dá nos primeiros momentos da vida. Somos
inseridos nas formas comunicacionais de nossa cultura e passamos a reconhecer
os modelos comunicativos defrontados cotidianamente. “A exposição e o uso per-
manente dos meios de comunicação fazem deles práticas e objeto familiares e
amplamente conhecidos pelos membros da sociedade” (França, 2010,p.44). É um
conhecimento experimentado, espontâneo, vivo, intuitivo, que transita no dia a
dia dos sujeitos, conforme assinala a pesquisadora.
No entanto, é um conhecimento que apresenta limites, ultrapassados pelo
conhecimento cientíico, através de métodos e técnicas de pesquisa, categorias

capítulo 1 • 15
analíticas, objetiva, cuidadosa e disciplinar, portanto menos imediatista que o co-
nhecimento do senso comum.
Vale salientar que Vera França também chama a atenção para o conhecimento
como um fenômeno social e histórico, ou seja, sujeito a condicionamentos e in-
luências. “O que signiica: é também parcial e sujeita a erros” (França, 2010, p.44).
Ou melhor, o conhecimento cientíico por vezes não ultrapassa o senso co-
mum e, portanto, pode ser atravessado pelo viés dos interesses de posições de
poder. A diferença, porém, reside na constante tentativa da objetividade, pela au-
tocrítica de métodos e resultados, pela constante validação.

Essa vinculação com a realidade não é – ou não pode ser – uma retórica vazia na dis-
cussão sobre o conhecimento. Vinculada às outras formas de conhecimento, a ciência
pretende alcançar um maior refinamento, um maior alcance. Outras diferentes formas
de conhecimento atendem a diferentes objetivos (sobreviver, viver bem, experimentar,
melhorar nossa posição etc.) num processo em que o conhecimento é apenas fator
subsidiário ou decorrente. (França, 2010, p.45)

O conhecimento cientíico vem da realidade e retorna a ela, numa relação de


proximidade e afastamento.
França indica um duplo movimento na relação entre a ciência e a prática.
Uma teoria sem prática é abstração, uma vez que é a partir da prática que surgem
as questões, a problemática. “O homem teoriza não apenas porque pensa, mas
porque sente, age, se relaciona” (França, 2010,p.45).
A pesquisadora lembra que cabe à teoria produzir relexões sobre o mundo.
Esse movimento do conhecimento ajuda a entender por que os estudos da comu-
nicação são recentes.
Na modernidade, o homem se vê às voltas com a palavra. A época transfor-
mou a comunicação em problema, uma prática natural que passou a ser questio-
nada e precisa ser melhorada.
Um desaio que, para Vera França, tem como resposta a apreensão e a con-
formação desses estímulos na forma de um “objeto” recortado. O problema
sentido se transforma em problema formulado, de onde se constrói um objeto
de conhecimento.

capítulo 1 • 16
Teoria ou Teorias da Comunicação: surgimento e dificuldades

O esforço de conhecer a comunicação faz surgir estudos e teorias, esse sistema


de enunciados sobre a realidade ou sobre um aspecto da realidade, um recorte.
O sentido etimológico da palavra é contemplação, abstração intelectual... é o
resultado da vinculação com a realidade e autonomia da reflexão.
Engana-se quem acredita que só o conhecimento cientíico produz teorias. O
processo do cotidiano, as relações estabelecidas no terreno da comunicação pro-
duzem conhecimento sobre ela.

Mas ao lado desse conhecimento, no entanto, um outro esforço compreensivo vem


sendo desenvolvido no campo da ciência, através do desenvolvimento de inúmeros
estudos sobre os meios de comunicação e a realidade comunicativa. A teoria ou teo-
rias da comunicação são o resultado e a sistematização dessas inúmeras e distintas
iniciativas, com pretensão científica, de conhecer a comunicação. (França, 2010, p. 47)

Entretanto, o campo de estudo da comunicação caracteriza-se por tensões,


contradições e diiculdades da natureza do objeto ou por relações conlituosas
entre o campo da teoria e o campo da prática.
França (2010) aponta uma primeira diiculdade no campo de estudo da co-
municação que diz respeito ao protagonismo da prática com relação ao desenvol-
vimento acadêmico da temática, ou a uma “dinâmica” invertida, em que se situa
a origem das ciências sociais, resultado de uma intervenção e de um trabalho
recorte, “no domínio de uma totalidade, que é a realidade social, dando origem ás
diferentes disciplinas”.
Esse esforço teórico precedeu e construiu objetos de conhecimentos distintos.
Ao pensarmos a comunicação, devemos entender que, a partir do desenvolvimen-
to das práticas e da invenção dos meios de comunicação, impulsionaram-se os
estudos e provocaram-se relexões, indagações, questionamento e tensionamentos.
Mesmo na academia instaurou-se uma ordem pragmática de ativação do conheci-
mento objetivo, pese, por exemplo, o estímulo a cursos proissionalizantes na área
de comunicação, em que o jornalismo foi o maior expoente.
Essas práticas antecederam as proposições teóricas, que chegaram a posteriori
abrindo para a formação técnica a dimensão humanística e social. A consequên-
cia dessa ordem invertida pela prática trouxe alguns inconvenientes e distorções,
como aponta França.

capítulo 1 • 17
Uma delas é a natureza instrumental da demanda. Enquanto atividade essencialmente.
Enquanto atividade essencialmente envolvida com o processo produtivo da sociedade,
a comunicação está sempre às voltas com a qualidade de seu desempenho- confi-
gurando uma demanda operacional e consequente orientação pragmática de muitas
pesquisas empreendidas. Com frequência o estudo da comunicação se desenvolve
voltado para a obtenção de determinados resultados, guiado por finalidades específi-
cas – o que certamente compromete o distanciamento crítico necessário ao conheci-
mento (França, 2010, p. 48).

França ressalta também o poder que a comunicação exerce na sociedade con-


temporânea, presente de maneira atuante nas relações políticas, econômicas e so-
ciais, ou seja, existe um arcabouço ideológico e de condicionamento de toda a
ordem que reveste o saber da comunicação.
A relação exagerada com a prática provoca, no terreno da comunicação, o
deslocamento. Esse fenômeno tem uma série de implicações, inclusive o desprezo
pela empiria. Isso pode acarretar a perda do papel explicativo e de sua razão de ser.
Outra diiculdade apontada pela pesquisadora refere-se à extensão e diversi-
dade da dimensão empírica que a comunicação recobre, bem como a diversidade
dos fatos e das práticas que constituem seu objeto.
A variação de atividades do campo comunicacional e os diversos veículos as-
sumem aspectos e rotinas particulares, o que torna quase inviável “pensar na utili-
zação e construção de esquemas conceituais capazes de abraçar e dar conta de uma
tal diversidade”.
Não podemos esquecer que a mobilidade do objeto empírico da comunica-
ção, principalmente no que tange à verdadeira revolução tecnológica, dá-se no
ritmo que supera a relexão acadêmica.

São distintos o tempo da reflexão e o tempo da prática; mais ainda essa distinção se
faz sentir num campo onde a prática se renova quase anualmente. O que impossibilita
o acompanhamento mais próximo e torna rapidamente ultrapassados muitos esforços
investigativos (França, 2010, p. 49).

Outra proposição das pesquisas de França aponta também a diiculdade no


que se refere à heterogeneidade dos aportes teóricos acionados para a compreen-
são dos processos comunicativos. A comunicação implica múltiplos olhares, quer
pela diversidade das atividades movidas pelas relações sociais e humanísticas, quer
pela multiplicidade evocada pela evolução dos meios. “É um objeto complexo que

capítulo 1 • 18
apresenta recortes possíveis de serem investigados por várias disciplinas” (França,
2010, p.49). Daí a heterogeneidade inicial das teorias da comunicação, resultado
de proposições descontínuas, insipientes, e de enunciados advindos de saberes
debruçados na sociologia, antropologia, psicologia, entre outros, que reletiam um
olhar conceitual e metodológico da disciplina de origem.
Esse processo, segundo França, tanto enriquece os olhares quanto diiculta a
integração teórica e metodológica do campo.
Por im, além do panorama apresentado até aqui, os estudos sobre a comuni-
cação apresentam uma forte tendência ao modismo, sem, contudo, o aprofunda-
mento e maturação necessários para o campo.
Para França, o corpo das teorias da comunicação ainda apresenta um quadro
fragmentado, muito em função da falta de uma tradição de estudo cientíico na
área. O campo da comunicação ainda não constitui claramente o seu objeto e
metodologia. Para a pesquisadora, ainda hoje o campo da comunicação encon-
tra-se espalhado em outros campos. Por conta disso, ela propõe pensar o campo
da comunicação enquanto domínio ou espaço interdisciplinar. Isso possibilita a
composição de referências, estabilidades que geram um estoque de conhecimento
maior e “robusto”, e assim o surgimento de um domínio novo.

Uma síntese dos primeiros estudos da comunicação: Movimentos introdutórios

Não podemos fugir da ideia da ciência enquanto oriunda socialmente e his-


toricamente, implementada por sujeitos em condições de possiblidades históricas.
Se partirmos desse pensamento e desenvolvermos, mesmo que de forma sucinta,
as unidades históricas que o estudo da comunicação percorreu, ica mais fácil
entender o alcance e a evolução de um saber que quer se irmar como um campo
cientíico independente e com história.
Como já mencionado, estudos especíicos sobre o fazer comunicacional ou
sobre os meios de comunicação datam do século XX. Foram implementados a
partir de necessidades de entendimento e domínio das técnicas, padronização e
institucionalização das práticas, além das novas conigurações espaço-temporais
estabelecidas no âmbito da nova realidade comunicacional.
A primeira metade do século XX foi marcada pelo desenvolvimento dos meios
de comunicação e do estudo sobre estes e das necessidades que as sociedades oci-
dentais formularam à comunicação.

capítulo 1 • 19
Os estudos sobre a comunicação tanto foram provocados pela chegada dos novos
meios, como foram também e sobretudo demandados por uma sociedade que ne-
cessitava usar melhor a comunicação para a consecução de seus projetos. O conhe-
cimento da comunicação surge marcado pelas questões colocadas pela urbanização
crescente do mundo, pela fase de consolidação do capitalismo industrial e pela ins-
talação da sociedade de consumo, pela expansão do imperialismo (notadamente o
imperialismo norte-americano), pela divisão política do globo entre capitalismo e co-
munismo (França, 2010, p.53).

Os primeiros trabalhos surgiram nesse cenário. Para muitos pesquisadores, o


pontapé foi dado pelo alemão Otto Groth, que, já nas primeiras décadas do século
XX, se dedicou a escrever uma espécie de enciclopédia sobre o jornalismo, conhe-
cida como “teoria do diário”.
A partir de 1930, os Estados Unidos desenvolveram uma pesquisa voltada
para os meios de comunicação de massa, determinando seus efeitos e funções.
Esses trabalhos, conhecidos como mass comunication reseach, teriam inaugura-
do a teoria das comunicações.
Segundo França, quatro pesquisadores são apontados como “pais” da pesquisa
em comunicação: Paul Lazarsfeld, Harold Lasswell, Kurt Lewin e Carl Hovland.
Durante esse período, surgiram vários institutos e centros de pesquisas, conse-
quentemente a formulação das primeiras teorizações sobre o papel dos meios e o
processo de influência.
Esses estudos eram motivados por questões da ordem política e econômica,
expansão da produção industrial e necessidade de alcançar novos mercados e se-
guidores. Com isso, surgiram cada vez mais pesquisas voltadas para o estudo da
audiência e para o aperfeiçoamento das técnicas de intervenção e persuasão, con-
forme assinala França. “Mas, por outro lado, a reacomodação do mundo sob o
impacto da fase monopolista do capitalismo, bem como a ascensão dos Estados
Unidos como grande potência imperialista, atribuem à comunicação um papel
estratégico. ” (França 2010, p.54)
Na Primeira Guerra Mundial, na Europa, os meios de comunicação desem-
penharam um papel de persuasores da população civil na sustentação da econo-
mia e no fortalecimento do sentimento nacional. Em 1929, nos Estados Unidos,
a comunicação assumiu moldes no projeto de planiicação e racionalização da
sociedade. Contudo, foi na Segunda Guerra Mundial que a potencialidade e o
alcance da comunicação tiveram maior expressão, por meio de programas de-
senvolvidos pela Alemanha nazista, com a inalidade de controle e manipulação

capítulo 1 • 20
político-ideológica e combinação de formas interpessoais e massivas, pela utiliza-
ção máxima dos meios disponíveis.
No contexto da Guerra Fria e na política intervencionista americana havia um
aperfeiçoamento e maior análise na utilização dos meios que têm papel de infor-
mação à difusão de produtos culturais.

...passando pela criação de agências de desenvolvimento e Institutos de pesquisa nos


países do Terceiro Mundo, toda uma política de intervenção, centrada nas manipula-
ções ideológicas (no domínio das mentes e corações) vem incentivar e exigir o de-
senvolvimento das pesquisas e o maior domínio das técnicas e do fazer comunicativo
(França, 2010, p.55).

A pesquisadora enfatiza ainda que, mesmo nos EUA, há o desenvolvimento


de outras pesquisas voltadas para a comunicação humana e social que se desenvol-
veram em caminhos opostos, como a Escola de Chicago, a perspectiva conhecida
como interacionismo simbólico e a Escola de Palo Alto. Eram estudos apartados
do que se chamam teorias da comunicação, pois não estavam alinhados com a
problemática, formulada em condições de possibilidades históricas, voltadas para
o conhecimento e para a obtenção dos efeitos.
Na Europa, os estudos de comunicação do século XX não tiveram um desen-
volvimento expressivo e seguiram uma orientação mais especulativa e intelectual,
com uma orientação menos pragmática que a norte-americana.
O início dos anos 1930 marcou o surgimento dos estudos sobre a cultura da
sociedade industrial, inluenciando estudos futuros sobre os meios de comunica-
ção – Teoria Crítica ou Escola de Frankfurt. Esta se desenvolveu em contraposição
à perspectiva pragmática e positivista americana, “promovendo uma crítica severa
à mercantilização da cultura e ao que chamam de manipulação ideológica empre-
gada pelos meios de comunicação de massa”.
Na França, foram criados o Instituto francês de imprensa e a perspectiva das
análises morfológicas dos jornais. Mais tarde, sob a inspiração estruturalista, sur-
giram trabalhos de relexão sobre a cultura de massa, bem como uma semiologia
dos produtos culturais, conforme assinala França.
Já na Inglaterra, os estudos sobre os meios se deram de maneira diferente
do estruturalismo francês, pensando no âmbito das análises sobre a dinâmica de
produção cultural na sociedade contemporânea, analisando, assim, a produção
cultural inserida no contexto das práticas sociais cotidianas e da experiência.

capítulo 1 • 21
França lembra que, na América Latina, na primeira metade do século XX,
foram desenvolvidos alguns estudos esporádicos sobre a história e a legislação dos
meios de comunicação, contudo os trabalhos tinham inluência americana, con-
tundente, tanto pelo modelo teórico como pela formulação de temas a serem
investigados. Somente a partir da década de 1970 “o pensamento no campo das
ciências sociais é atravessado por um profundo sentimento crítico e anti-imperia-
lista” (França, 2010, p.57).

Intelectuais de formação marxista desenvolvem uma chamada “teoria da independên-


cia”. No seio dos estudos da comunicação surge o conceito do imperialismo cultural,
bem como a proposição de um novo modelo e uma nova prática comunicativa – a
comunicação horizontal ou participativa. Propõe-se uma nova ordem internacional da
comunicação; nos vários países luta-se pela constituição de políticas nacionais de co-
municação pela democratização dos meios (França, 2010, p.57).

É fato que, ainda hoje, novas proposições e temáticas surgem, na perspectiva


da pesquisa, já com uma reconiguração no quadro das teorias e numa perspec-
tiva evidentemente mais comunicativa, ou seja, há um tratamento natural dos
modelos de estudos que acompanham as possibilidades históricas e os discursos
delineados de forma diferente e evoluída no inal do século XX e que percebem
novos paradigmas de estudo.
Essa breve síntese, como já mencionado, será nos próximos capítulos deta-
lhada de maneira mais profunda, porém é importante já percebermos o quanto o
estudo da comunicação relete a dinâmica e as diferentes fases vividas pela socie-
dade em momentos históricos, ou seja, como airma Vera França, a constituição
da teoria da comunicação é um processo histórico que relete experiências e ten-
dências da vida social.

Correntes de estudo da comunicação

Com tanta diversidade e heterogeneidade das correntes e concepções, o pa-


norama geral das teorias da comunicação se defronta com a problemática de sis-
tematização, por conta da fragmentação e da descontinuidade de suas pesquisas.
A professora Vera França, em seus estudos sobre a pesquisa em comunicação,
aponta as diferenças de paradigmas de visão dos pesquisadores. Segundo ela,

capítulo 1 • 22
Há 30 anos, quando o mundo ainda era dividido em dois grandes blocos e os con-
ceitos de “direita” e “esquerda” encontravam referentes mais nítidos, adotou-se uma
classificação mais global e ainda bastante grosseira que dividia e agrupava os estudos
e correntes teóricas de acordo com dois grandes paradigmas: o da ordem (nomeando
a chamada pesquisa administrativa, desenvolvida pelos americanos) e o paradigma do
conflito (perspectiva crítica, de viés marxista) (França 2010, p. 58).

Também já se tentou uma ordenação do discurso dos trabalhos, a partir do


caráter disciplinas, por exemplo psicologia da comunicação, sociologia da comu-
nicação, entre outros, o que ainda hoje, apesar da menor recorrência, se emprega
nas faculdades e universidades de comunicação.
Em outros momentos, essa ordenação veio pelo caráter de agrupamento dos
estudos segundo sua iliação às diversas e distintas correntes de pensamento – por
exemplo, corrente funcionalista (ou positivista), corrente marxista, entre outras.
Essa tentativa esbarra, segundo França, nas diversas concepções e pseudoilia-
ções da maioria dos estudos, além das variadas tendências em que “se desdobram
cada grande corrente”.
Ainda existe outra forma de apresentação das correntes de estudo da comu-
nicação, por meio da referência de base geográica: Escola Americana, Francesa,
Latino-Americana. Apresenta a vantagem de contextualização sócio-histórica dos
estudos, mas encobre tendências distintas e, às vezes, cria uma falsa uniicação.
Isso deixa de subjetivar as Escolas. Por exemplo, a Escola Americana remete mais
à funcionalista e deixa de fora outras tendências.
O trabalho dessas correntes, a partir da identiicação das universidades, insti-
tutos ou centros de pesquisa, atenta mais para as especiicidades de algumas tradi-
ções, mas também, assim como as outras tentativas de identiicação, deixa pontos
importantes de fora. Neste caso, as perspectivas desenvolvidas pulverizadamente
ou descentralizadamente.

Uma outra tentativa é o agrupamento temático, conforme a abordagem e a ênfase


específica dada ao objeto (ou processo) da comunicação. Tomando, por exemplo, os
diferentes elementos ou instâncias da produção (para o lugar do emissor); para a ins-
tância da recepção; para a técnica, meio ou suporte; para a mensagem (ou produção
discursiva) (França, 2010, p.59).

O que Martino e França apontam de maneira comum é a forma heterogê-


nea, descontínua e fragmentada como os estudos no campo das ciências e em
especial da comunicação se apresentam e como isso relete no amadurecimento e

capítulo 1 • 23
na percepção de um objeto que converse de maneira uniforme num pensamento
homogêneo sobre a comunicação.

RESUMO
Neste capítulo, você pôde acompanhar, a partir da perspectiva acadêmico-científica, que
deslocou os teóricos Luiz C. Martino e Vera França a epistemologia e origem histórica do
fenômeno comunicação , entendendo o lugar de onde se fala, bem como o caráter interdis-
ciplinar de um campo e a forma de modelagem do objeto de estudo desse campo, primeiro
sob a égide hegemônica de outros saberes e depois se constituindo de um caráter mais
independente, mas que ainda está construindo as subjetividades teórico-metodológico para
o estudo de sua empiria.
Num primeiro momento do capítulo, trabalhamos o pensamento de Martino (2010),
acompanhando a evolução do termo “comunicação” e entendendo a partir de que momento
essa comunicação se cristaliza a partir de uma prática social e as diferenças que embasam
as significações dessa comunicação, a partir das relações estabelecidas em diferentes uti-
lizações e efeitos e como esse caráter polissêmico tem no estudo do Ser, as ações do pro-
cesso comunicacional, a partir de três grandes domínios: seres brutos, orgânicos e o homem.
Em outro momento do capítulo, deslocamos as teorizações de Martino sobre a interdis-
ciplinaridade e novamente falamos do objeto de estudo da comunicação, que ainda carece,
na visão do pesquisador, de definições conceituais mais elaboradas e da possibilidade de se
identificar, no estudo dos meios de comunicação, um fio condutor que permitiria ao pesquisa-
dor da comunicação atravessar os vários níveis de uma problemática complexa, utilizando-se
de uma gama bastante variada de saberes, sem, no entanto, perder de vista a integralidade
de um objeto próprio.
Com outras formas de olhar o objeto, o capítulo expressa o pensamento e as proposi-
ções da pesquisadora Vera França, que trabalha na perspectiva do objeto da comunicação
e da própria comunicação como objeto, entendendo-a inicialmente como uma construção
histórica e social e que precisa ser entendida sob a égide e reflexão do próprio processo de
conhecer para, assim, perceber, no ato do conhecimento, a tensão entre o objeto empírico do
mundo e a modelagem de apreensão.
Vimos, com o pensamento da pesquisadora, que a construção das teorias, e em especial
da comunicação, ainda tem no seu alicerce bases heterogêneas, descontínuas e complexas,
mas que começa a ganhar corpo e estoques de conhecimento que podem levar à tradição,
tão necessária à fala legitimada da ciência no reconhecimento dos campos de saberes.

capítulo 1 • 24
REFLEXÃO
• Luiz Claudio Martino – Professor Titular em Teorias e Epistemologia da Comunicação da
Universidade de Brasília e Pesquisador 1C do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimen-
to Científico e Tecnológico - Ministério da Ciência e Tecnologia). Chercheur invité au GRICIS,
l?UQÀM, Montréal. Tem graduação em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Ja-
neiro (1989), Especialização em Filosofia pela UFRJ-Universidade Federal do Rio de Janeiro
(1991), Mestrado em Escola de Comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
(1992), Mestrado em Psicologia pela Fundação Getúlio Vargas e Universidade Federal do
Rio de Janeiro (1992), DEA En Sciences Sociales: Cultures et Comportaments - Université
de Paris V (René Descartes) (1993) e Doutorado em Sociologia - Université de Paris V
(René Descartes) (1997). Membro de Comitê de Assessoramento CAPES (2000 a 2009).
Consultor ad hoc CAPES e CNPq. Tem experiência na área de Comunicação, com ênfase
em Estudo de Meios, atuando principalmente nos seguintes temas: teoria da comunicação,
epistemologia da comunicação, história da comunicação, meios de comunicação, tecnologia
da comunicação.
• Vera Regina Veiga França – Professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação
da UFMG; coordenadora do GRIS (Grupo de Pesquisa em Imagem e Sociabilidade da FAFI-
CH/UFMG). Atua nas áreas de Teorias da Comunicação, Comunicação e Cultura Midiática,
Metodologia de Pesquisa em Comunicação. É formada em Comunicação Social / Jornalismo
pela PUC-MG, com mestrado em Comunicação pela UnB, DEA e doutorado em Ciências So-
ciais na Université René Descartes - Paris V (1989-1993). Fez estágio de pós-doutorado em
Sociologia junto ao CEMS (Centre d'Etudes des Mouvements Sociaux) da Ecole des Hautes
Etudes en Sciences Sociales (EHESS), na França (2005-2006). Foi presidente da Asso-
ciação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação (COMPÓS) no biênio
2001-2003. Pesquisadora 1-B do CNPq, tem desenvolvido e orientado projetos em torno
dos processos interativos midiáticos, com ênfase na televisão; na relação popular/midiático;
na construção do acontecimento e no conceito de público enquanto forma e experiência.

ATIVIDADES
01. Em equipe de até cinco pessoas, reflita e apresente para a turma três diferenças e três
semelhanças do pensamento sobre o objeto da comunicação presentes nas proposições dos
pesquisadores Luiz C. Martino e Vera França.

capítulo 1 • 25
02. Em equipe de até três pessoas, escolha um tema/objeto que poderia ser alvo de estudo
e apresente para a turma as condições que o levariam a ser um estudo da comunicação e
identifique qual saber interdisciplinar trafegaria na pesquisa.

03. Explique, a partir dos pressupostos do professor Luiz C. Martino, a evolução conceitual
do termo comunicação.

04. Identifique e justifique, de acordo com as proposições da professora Vera França, a dife-
rença entre o conhecimento do senso comum e o conhecimento científico.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MARTINO,L. C. De qual comunicação estamos falando? In: HOLFELDT, Antonio e outros (orgs). Teoria
da Comunicação: Conceitos, Escolas e Tendências. 9 ed. Petrópolis: Ed. Vozes, 2010.
_________, Interdisciplinaridade Objeto de estudo da comunicação. In: HOLFELDT, Antonio e outros
(orgs). Teoria da Comunicação: Conceitos, Escolas e Tendências. 9ª edição. Petrópolis: Ed. Vozes,
2010.
FRANÇA, Vera V. O objeto da comunicação/A comunicação como objeto. In: HOLFELDT, Antonio e
outros (orgs). Teoria da Comunicação: Conceitos, Escolas e Tendências. 9 ed. Petrópolis: Ed. Vozes,
2010.
WOLF, Mauro. Teorias da Comunicação. Lisboa: Editorial Presença, 1995.

capítulo 1 • 26
2
Modelos e escolas:
A comunicação e o
paradigma
Modelos e escolas: A comunicação e o
paradigma

A deinição de comunicação e de teoria, bem como os critérios para estabele-


cer qual teoria é da comunicação e por quê, ainda é objeto de discussão de muitos
pesquisadores, mesmo que de maneira interdisciplinar, sem a preocupação em
ixar o campo.
Neste capítulo, discutiremos as formulações, as proposições e as rupturas do
pensamento comunicacional para uma teoria das comunicações.
A ideia do capítulo é apresentar ao leitor, a partir dos paradigmas para os
estudos da comunicação, o pensamento que norteia, ainda hoje, as pesquisas
acadêmico-científicas.
Apresentam-se modelos teóricos e escolas que de alguma forma transitaram
no debate sobre as formas de comunicar na sociedade, em condições de possibili-
dades históricas e em diferentes campos de saber.
Vários autores são deslocados, ao longo do capítulo, para mostrar a multipli-
cidade de visões e saberes que trafegam ou interpelam o campo da comunicação.
Esperamos que as proposições expostas sirvam de ferramentas eicazes para
desdobramentos teóricos debruçados nos objetos de estudos de acadêmicos
e pesquisadores.

Paradigmas para os estudos da comunicação

Para Polistchuk e Trinta (2003, p.55), “em plano ilosóico, paradigma serve à
airmação de uma identidade, a qual, sem renegar diferenças possíveis, opõe-se e
contrasta, por ser unitária e uniforme, a toda dispersão pela multiplicidade”.
No entanto, um paradigma também pode dar conta da redução efetiva de
uma complexidade manifesta, traduzido, assim, como um conjunto de normas
que, pela interposição ativa de teorias, resultam na elaboração de modelos.
Sá Martino (2014, p.26) diz que “um modelo é uma representação visual do
relacionamento entre os elementos de um determinado processo”. Portanto, os
modelos de comunicação são criados com base em dados especíicos, atuando,
assim, como retrato analítico de uma situação. Permite, então, ao pesquisador ter
uma visão nítida dos dados e variáveis observados.

capítulo 2 • 28
Para muitos teóricos, a utilização de modelos limita o alcance teórico das pes-
quisas. A justiicativa é a retratação restrita no tempo e espaço. Ao tentar ampliá-
-los, corre-se o risco de engessar as pesquisas futuras.
Contudo, entre as questões que norteiam o campo comunicacional, uma tal-
vez encabece todas as dúvidas e complexidades de pensamentos dos pesquisadores
da área: há realmente teorias da comunicação?
A resposta à questão requer relexões que permeiam o estado da arte das cha-
madas teorias da comunicação.
Optamos por iniciar com as relexões dos pesquisadores norte-americanos
Charles R. Berger e Robert T. Craig sobre o estado da arte das chamadas teorias
da comunicação.
No texto Por que existem tão poucas teorias da comunicação?, Charles R. Berger
busca explicações que passam, principalmente, pela tentativa muitas vezes equi-
vocada e egocêntrica de pesquisadores na formulação do que propõem chamar de
teorias da comunicação. Para Berger, a tentativa e erro de estabelecer teorias da
comunicação limita o campo epistemologicamente, por isso convoca os estudio-
sos da área a produzir teorias que verdadeiramente respondam a questões sobre a
comunicação humana e assim incentivar o mesmo aos estudantes1.
Berger, ao discutir as possíveis razões para o estágio de limitado desenvol-
vimento teórico das chamadas teorias da comunicação, aponta quatro questões
que contribuem para a proposição: heranças históricas, obsessão metodológica,
aversão ao risco e autoinclusão.
De heranças históricas, podemos falar de duas inluências presentes no campo
de estudos: uma relacionada ao ato dos estudantes serem encorajados a desenvol-
ver seus trabalhos de pesquisa em áreas ains à da comunicação; a segunda refere-se
ao desenvolvimento da ideia de que a pesquisa em comunicação é uma ciência
social aplicada e, dessa forma, sugere aos pesquisadores da área que a pesquisa é
meramente a aplicação de teorias de outras disciplinas nos estudos de área e que,
portanto, não há necessidade de desenvolvimento de teorias próprias do campo.
Pela obsessão metodológica, Berger (2007) explica que os pesquisadores em
comunicação são treinados com competência para a utilização de técnicas de cole-
ta e análise de informações nos programas de pós-graduação e não há espaço para
cursos úteis que proponham o aprendizado de princípios de construção de teorias.
Na aversão ao risco, há uma preocupação de pesquisadores e estudiosos em
apresentar estudos mais teóricos e que, após a apresentação da teoria, haja a
1 Ler: <www.insite.pro.br/2010/fevereiro/resenha_teoriasdacomunicacao_raquel.pdf>

capítulo 2 • 29
possibilidade de haver refutação. Isso gera um grande desconforto ao pesquisador,
ao perceber que cometeu erros.
Na autoinclusão, alguns pesquisadores e alunos cursam os cursos de pós-gra-
duação como uma tentativa de se inserirem no meio acadêmico, não tendo o
menor interesse em desenvolver teorias – apenas querem ser capacitados como
pesquisadores.
Para Berger, as quatro questões são os pontos que diicultam a criação e o
desenvolvimento de novas teorias da comunicação. Há ainda a falta de motivação
de alunos e pesquisadores em seguir a pesquisa e a produção de elementos teóricos
que contribuam com a evolução da área da comunicação.
Já Robert T. Craig indica dois pontos de relexão para entender o porquê de
existirem tantas teorias: os gêneros misturados, o que signiica dizer que a área da
comunicação, diante de proposições interdisciplinares com áreas ains, consegue
produzir cada vez mais conhecimentos teóricos; e o segundo, o binômio teoria
-prática, indica que os estudos práticos embasados na sua teoria promovem novos
resultados cientíicos e acrescentam mais interpretações. Craig acredita que a teo-
ria “é um objeto de um grande número de interpretações” (2007, p.93).
Em resumo, Berger aponta a diiculdade na promoção de estudos mais teóri-
cos focados na construção de teorias, isso porque a interdisciplinaridade e a falta
de embasamento sobre o que é uma teoria e suas bases de estruturação não são
apresentadas aos pesquisadores. Craig airma que todos os estudos produzidos na
área aumentam a massa crítica e faz com que sejam possíveis teorias que contri-
buam com o seu desenvolvimento.
Para o pesquisador brasileiro Luiz C. Martino (2007, p.15-20), existem dois
motivos que facilitam a ideia de teorias da comunicação entre pesquisadores, es-
tudantes e professores da comunicação. Refere-se ao aparecimento dos primeiros
cursos de pós-graduação no início da década de 1970 cuja proposta é a produção
sistemática de conhecimentos teóricos e práticos, e o segundo é a literatura que se
formou em torno das teorias da comunicação por manuais, livros introdutórios,
artigos, que oferecem visibilidade e a formação da ideia de teorias da comunica-
ção. Isso gera a crença na existência.
A discussão levantada pelos teóricos reforça a diiculdade em identiicar as teo-
rias da comunicação, talvez em função da falta de uma deinição elaborada sobre
o que são comunicação e teorias, assim como deinir os critérios que estabelecem
uma teoria como sendo da comunicação e por quais motivos.

capítulo 2 • 30
Contudo, partindo do pressuposto de que a comunicação se conigura a partir
de uma troca de mensagens e deslocando o pensamento de Hohlfeldt (2010), tra-
ta-se de um processo comunicacional, constituído de uma práxis objetiva.

As escolas de pensamento comunicacional

O ser humano é eminentemente social. Decorre daí o fato de ser o fenômeno


da comunicação também um fenômeno social. Hohlfedlt (2010, p. 461) airma
que “este aspecto social não está restrito, contudo, como muitas vezes se pode
imaginar, graças à imagem popular tantas vezes reiterada, apenas à perspectiva da
comunicação de massas”,
O pesquisador pontua que, além da intracomunicação proposta pela psicolo-
gia, que ocorre no indivíduo internamente, há a comunicação interpessoal (entre
duas pessoas), a comunicação grupal (entre uma pessoa e um grupo ou vice-versa)
e, por im, o que chamamos de comunicação de massa ou media.

A comunicação de massa pressupõe a urbanização massiva, fenômeno que ocorre, em


especial, ao longo do século XIX, graças à segunda Revolução Industrial dificultando
ou mesmo impedindo que as pessoas possam se comunicar diretamente entre si ou
atingir a todo e qualquer tipo de informação de maneira pessoal, passando a depender
de intermediários para tal (Hohlfedlt , 2010, p. 62).

Nesse sentido, para o pesquisador, esse intermediário tanto pode tratar-se do


jornalista (que busca e trata a informação) quanto das tecnologias que se encarre-
gam da distribuição dessa informação.
Se pensarmos, pois, a comunicação como um fenômeno social, a partir do en-
tendimento de que ela se produz a partir da linguagem, entendemos, então, a im-
plicação de um número de elementos maior do que uma só pessoa. Para Hohlfeldt
(2010), embora estudada como uma disciplina especíica, é, na verdade, campo de
estudos e análises de múltiplas disciplinas. Para o pesquisador, o que precisa icar
claro é a existência de uma íntima relação entre os processos comunicacionais e
os desenvolvimentos sociais, já que a comunicação, ao permitir a troca de men-
sagens, estabelece várias funções, tais como informar, criar consenso de opiniões,
persuadir, convencer, prevenir acontecimentos, constituir identidades, entreter.
Se tomarmos como parâmetro a civilização ocidental para uma aborda-
gem do fenômeno comunicacional em sua relação com o desenvolvimento das

capítulo 2 • 31
tecnologias, dos avanços culturais e fenômenos sociais, Hohlfeldt aponta cinco
diferentes momentos.
1. Grécia, século V a.C. – Foram os gregos que reletiram no Ocidente,
pela primeira vez, a respeito da civilização humana, a partir dos chamados
ilósofos pré-socráticos, ou soistas, que exerciam a comunicação como prá-
tica de poder. Destacam-se, nesse período, as iguras de Aristóteles e Platão.
2. Roma, entre o século I a.C. e o século I d.C. – Os processos de comu-
nicação, durante o Império Romano, serviram, essencialmente, para con-
trole social, para garantia de poder, para o exercício político. Para Antonio
Hohlfeldt, os governantes romanos salientaram que uma das funções bási-
cas da comunicação é garantir a informação e também a opinião consen-
sual. Destacam-se, nesse período, Júlio César e César Augusto.
3. Itália, entre os séculos XV e XVI – A fase em que os processos comu-
nicacionais tornaram-se enriquecidos com a invenção do tipo móvel (ou
prensa móvel – dispositivo que aplica pressão numa superfície com tinta,
transferindo-a para uma superfície de impressão, que pode ser papel ou
tecido) e a conquista do papel. Conquistas que permitiam a difusão das
novidades num ritmo veloz. Essa, portanto, foi a nova função dos processos
comunicacionais desse período, a popularização de novidades. Destaca-se o
alemão Johanes Guttenberg.
4.' França, a partir do inal do século XVIII e primeira metade do
século XX – Período de nascimento, desenvolvimento e implementação de
um novo patamar de funcionamento da comunicação, a chamada massii-
cação. Fenômeno que se deve às conquistas industriais e ao imenso alarga-
mento dos públicos, que aos poucos se desdobravam e especializavam. A
imprensa torna-se mercadoria no sistema capitalista de produção.
5. Europa e Estados Unidos, a partir da segunda década do século XX até
o momento – Condições de possibilidades históricas que se apresentam
pelas conquistas tecnológicas. Há um retorno, de certo modo, como enfa-
tiza Hohlfeldt (2010), à condição da comunidade grega e à mesma função
comunicacional. A característica e a função da comunicação entre nós é,
uma vez mais, a de concretização da comunidade.

capítulo 2 • 32
Esses momentos mencionados acima têm subjetividades e paradigmas que
atravessam os fenômenos comunicacionais, conforme veremos nas escolas a seguir.

Escolas norte-americanas

As pesquisas norte-americanas levaram à criação de vários modelos teóricos


desenvolvidos, principalmente ao longo do século XX, na tentativa de compreen-
der as relações entre a comunicação e a sociedade.
Para Araújo (2010), é atribuído aos Estados Unidos o abrigo de diferentes
tradições de estudo da comunicação. Pesquisadores como Park, Burgess e Cooley,
no início do século XX e através da Escola de Chicago, desenvolviam estudos com
enfoque microssociológico de processos comunicativos, e a “cidade” e suas intera-
ções é o local de observação. Nessa mesma época, Charles Peirce propôs a semió-
tica, campo de estudo preocupado com os processos de formação de signiicados a
partir de uma perspectiva pragmática.
Com os anos 1930, H. Blumer, um dos membros da Escola de Chicago, a
partir das ideias de G.H. Mead, inaugurou o termo “internacionalismo simbóli-
co”, que entende a vida social por meio da interação social realizada pelos indiví-
duos entre si, mas esse interagir acontece por causa da observação dos processos
comunicacionais. Isso iniciou um novo campo de pesquisa na área e a possibili-
dade de teóricos próprios. Por im, na década de 1940, autores da Escola de Palo
Alto, de áreas diferentes, como Antropologia, Linguística, Sociologia, Matemática
e Psiquiatria, propuseram outra tradição de estudos em comunicação. Bateson,
Gofman e Watzlawick, entre outros, acreditam que a compreensão da comunica-
ção se dá por um processo social permanente e que deve ser estudado a partir de
um modelo circular.
Essas correntes, segundo Araújo (2010), desenvolveram-se de forma marginal
nos EUA, o que acabou por constituir campos de pesquisa restritos às áreas em
que se originaram, com mínima inluência em outros países, até a década de 1960,
quando izeram sentir sua inluência sobre o conjunto de estudos em comunicação
em todo o País, conforme veremos nos tópicos a seguir.

capítulo 2 • 33
Escola de Chicago

De tradição sociológica, desenvolveu-se entre o im do século XIX e as pri-


meiras décadas do século XX nos Estados Unidos. Dentro dessas condições de
possiblidades históricas, os estudos dessa escola contribuíram para reletir para a
constituição dos grupos na cidade e as relações interpessoais configuradas.
Ainda hoje, as proposições da Escola de Chicago para análise de fenômenos
sociais vêm sendo resgatadas em diferentes campos e trazem contribuições aos
processos comunicacionais.
Um de seus principais teóricos é Robert Park. Em seus estudos, diante das
comunidades étnicas, questionou-se sobre a função assimiladora dos jornais, a
natureza da informação e a diferença entre jornalismo e propaganda social.
Vale ressaltar que, de acordo com França (2014, p.144), no caso da Escola de
Chicago, sua hegemonia se manteve na sociologia americana até meados de 1930,
quando se consolidou outra tradição sociológica nos EUA, conhecida por Mass
Communication Research.
Composto por autores que vão desde a engenharia das comunicações até ou-
tros saberes, os estudos da Mass Communication Research contribuíram com re-
sultados teóricos e mesmo resultados distintos e em muitos casos inconciliáveis.

Contudo, o que permite dar unidade a esse conjunto de estudos são quatro caracte-
rísticas comuns. A primeira delas é a orientação empiricista dos estudos, tendendo, na
maioria das vezes, para enfoques que privilegiam a dimensão quantitativa. A segunda é
a orientação pragmática, mais política do que científica, que determinou a problemática
de estudos. As pesquisas de comunicação dessa tradição de estudos têm origem em
demandas instrumentais do Estado, das Forças Armadas ou dos grandes monopólios
da área da comunicação de massa e tem por objetivo compreender como funcionam
os processos comunicativos com o objetivo de otimizar os resultados. A terceira ca-
racterística é o objeto de estudos: Tratam-se de estudos voltados, prioritariamente, a
comunicação mediática. Por fim, a quarta diz respeito ao modelo comunicativo que
fundamenta todos os estudos (Araújo, 2010, p.120).

Para Araújo (2010), mesmo com toda a variedade de correntes que este grande
campo de estudos abriga, podemos dividi-los em três grandes grupos:
1. O primeiro deles é a Teoria Matemática da Comunicação, também co-
nhecida como Teoria da Informação, elaborada por dois engenheiros ma-
temáticos, Shannon e Weaver, em 1949. Uma teoria que se destaca por ser
uma sistematização do processo comunicativo, a partir de uma perspectiva
técnica, com ênfase nos aspectos quantitativos.

capítulo 2 • 34
O trabalho realizado por Claude Shannon e descrito por Weaver apresenta a
seguinte representação de um sistema de comunicação:

Fonte de informação → Transmissor → Canal → Receptor → Destino


Sinal Ruído Sinal

Nesse sentido, a comunicação se apresenta como um sistema no qual uma


fonte de informação seleciona uma mensagem desejada a partir de um conjunto
de mensagens possíveis e codiica esta mensagem, transformando-a num sinal pas-
sível de ser enviada por um canal ao receptor, que fará o trabalho do emissor ao
inverso. A comunicação, portanto, passa a ser compreendida como um processo
de transmissão de mensagens por uma fonte de informação, através de um canal,
a um destinatário.
Não há uma preocupação com a inserção social da comunicação. É apenas um
modelo de fenômeno comunicativo que servirá de suporte para as pesquisas que
compõem a Mass Communication Research. Ao longo do estudo, voltaremos a falar
um pouco mais dessa Teoria.
2. O segundo grande grupo, segundo Araújo (2010), é a corrente fun-
cionalista, originada, a partir dos estudos de Lasswell. A motivação de pes-
quisa dessa corrente se constitui nas funções exercidas pela comunicação de
massa na sociedade. Aborda hipóteses sobre as relações entre os indivíduos,
a sociedade e os meios de comunicação de massa. O centro de sua preo-
cupação é o equilíbrio da sociedade, na perspectiva do funcionamento do
sistema social no seu conjunto e seus componentes.

Não é apenas a dinâmica interna dos processos comunicativos que deine o


campo de interesse de uma teoria dos meios de comunicação de massa, mas, sim,
a dinâmica do sistema social.
Araújo (2010, p.123) lembra que a teoria sociológica de referência para es-
tes estudos é o estrutural-funcionalismo. “O sistema social na sua globalidade é
entendido como um organismo cujas diferentes partes desempenham funções de
integração e de manutenção do sistema.” É importante entender também que a
abordagem funcionalista toma o organismo do ser vivo como estrutura, composto
de partes, em que cada uma cumpre um papel e gera o todo, tornando ou não esse
todo funcional.

capítulo 2 • 35
Uma das principais contribuições da corrente funcionalista para a consolida-
ção dos Mass Communication Reasearch é a formalização do processo comunica-
tivo, a partir do estudo proposto em 1948 por Lasswell. O texto “A estrutura e a
função da comunicação da sociedade” se mantém como um dos clássicos da co-
municação. O modelo de Lasswell problematiza e soluciona o processo comunica-
tivo, apontando que a maneira conveniente para descrever o ato da comunicação
consiste em responder às seguintes perguntas:
•  Quem? •  Para quem?
•  Diz o quê? •  Com que efeito?
•  Em que canal?

Tal modelo teve grande inluência em toda a pesquisa americana, servindo de


paradigma para as diferentes tendências de pesquisa e tornando-se, durante anos,
uma verdadeira teoria da comunicação.
O estudo de Lasswell aponta como centro do problema os efeitos provoca-
dos pelas mensagens (ou pelos meios de comunicação), e a ênfase sobre a técnica
é menor.
3. O terceiro e talvez principal grupo que compõe a Mass Communication
Research é a corrente voltada para os estudos da comunicação. Evidenciado
principalmente na década de 1920, este grupo é composto por diversos
estudos pontuais com características comuns. Araújo (2010, p.124) pontua
que a maior parte destes estudos sobre audiências, efeitos de campanha
política e propaganda era encomendada e inanciada por entidades interes-
sadas diretamente na otimização desses efeitos. A diferença da abordagem
funcionalista está no eixo das preocupações, o indivíduo.

As pesquisas desenvolvidas nessa época e nas duas décadas seguintes têm um


modelo teórico comum, denominado por vários autores “Teoria Hipodérmica”,
numa referência ao termo “agulha hipodérmica”, desenvolvido por Lasswell para
explicar a ação dos meios de comunicação nos ou junto aos indivíduos.
Outros autores, no entanto, adotam diferentes denominações, como: Teoria
da Bala Mágica ou Teoria da Correia de Transmissão. Contudo, é importante
salientar que os primeiros anos da evolução teórica desta corrente foram desor-
denados e mesmo caóticos, segundo os estudos de Araújo (2010). Não houve a
preocupação da ordenação e precisão de uma ciência em desenvolvimento. Assim,

capítulo 2 • 36
muitas das teorias/denominações citadas acima são, em muitos casos, criações “re-
trospectivas”, ou seja, alguns nem encontrados na bibliograia do período inicial.
As principais características da Teoria Hipodérmica:
•  Estudos ancorados nas teorias da sociedade de massa, onde se via a so-
ciedade industrial do século XX como multidão de indivíduos isolados física
e psicologicamente;
•  Nas teorias behavioristas, que entendiam a ação humana como resposta a
um estímulo externo.

A partir dessas proposições implementa-se o modelo comunicativo da Teoria


Hipodérmica, ou seja, a de um processo iniciado nos meios de comunicação, que
atingem os indivíduos, provocando determinados efeitos. Por essa teoria, a igura
do indivíduo é totalmente passiva, exposta ao estímulo vindo dos meios.

O máximo que os primeiros estudos distinguiram, em termos de diferenciações entre o


público, foi dividi-lo de acordo com grades categorias como idade, sexo e classe social
econômica. Por fim, os efeitos eram entendidos como sendo diretos, isto é, se dão sem
a interferência de outros fatores. Daí a concepção de que os meios agiam sobre a
sociedade à maneira de uma “agulha hipodérmica” (Araújo, 2010, p.126).

Araújo (2010) destaca, ainda, que os estudos mais numerosos dessa época
são aqueles que procuraram relacionar a quantidade de mensagens de violência
nos meios a atitudes violentas por parte do público, principalmente o público
infanto-juvenil.
Os estudos subsequentes no âmbito da Escola Americana dos Efeitos, a partir
da década de 1940, apresentaram proposições distintas, intercaladas em alguns
aspectos ou sobrepostas. No entanto, todas trouxeram contribuições ao modelo
comunicativo da Teoria Hipodérmica.
O primeiro movimento de estudo a promover a superação do modelo hipo-
dérmico foi a investigação empírico-experimental, conhecida como “abordagem
da persuasão” – entre a ação dos meios e os efeitos, atuava uma série de processos
psicológicos, tais como o interesse em obter determinada informação, a prefe-
rência por determinado tipo de meio, a predisposição a determinados assuntos,
as diferentes capacidades de memorização. Os estudos de Carls Hovland sobre a
eiciência da propaganda junto a soldados americanos se destacam nesse ramo de
estudo. Isso quebra a ideia de linearidade do processo.

capítulo 2 • 37
Ainda nesse movimento de estudo, outra proposição procurou estabelecer fa-
tores que garantissem uma organização otimizada das mensagens para atender às
inalidades persuasivas. Entre os fatores, podemos destacar como exemplos: cre-
dibilidade do comunicador, a ordem da argumentação, a integralidade das argu-
mentações e a explicitação de conclusões. Exemplos que interferem na eiciência
do processo e na natureza dos efeitos obtidos.
Outro movimento de estudos denomina-se Teoria dos Efeitos Limitados.
Abriga diferentes abordagens, tanto psicológicas quanto sociológicas.
Pela abordagem psicológica, o principal representante é Kurt Lewin e seus
estudos sobre as relações dos indivíduos dentro de grupos e seus processos de de-
cisão, nos efeitos das pressões, normas e atribuições do grupo no comportamento
e nas atitudes de seus membros. Leon Festinger, discípulo de Lewin, desenvolveu
em 1957 a Teoria da Dissonância Cognitiva – conjunto de pressupostos envolven-
do a natureza do comportamento humano, suas motivações em relação ao mundo
que é experienciado por cada indivíduo.
Pela abordagem sociológica, temos os estudos desenvolvidos por Paul Lazarsfeld,
pesquisador de enorme inluência nos Estados Unidos. O estudioso iniciou os es-
tudos preocupado com as reações imediatas da audiência dos conteúdos da comu-
nicação de massa. Anos mais tarde, desenvolveu estudos de abordagem empírica
do campo, com o im de estudar fatores de mediação existentes entre os indivíduos
e os meios de comunicação de massa. Dois deles foram decisivos para a evolução
da teorização norte-americana: he People´s Choice, em 1944, e Personal Influence:
he part Played by People in the Flow of Mass Communication, em 1955.

Os resultados levaram à descoberta do “líder de opinião”, indivíduo que, no meio da


malha social, influencia outros indivíduos na tomada de decisão. Implementa-se o mo-
delo “two-step flow communication” – comunicação que acontece num fluxo em dois
níveis: dos meios aos líderes e dos líderes às demais pessoas (Araújo, 2010, p. 128).

Araújo (2010) pondera que a inclusão das condições de possibilidades his-


tóricas, em que vivem os indivíduos, nos estudos da comunicação, implementa
o primeiro momento em que se percebe a inluência das relações interpessoais
na coniguração dos efeitos da comunicação. É o início da ideia de um processo
indireto de influência.
Destaca-se, ainda, outro enfoque importante desse movimento, desenvolvi-
do por Klapper (aluno de Lazarsfeld), um modelo teórico em que os meios de

capítulo 2 • 38
comunicação não são causa única dos efeitos, mas se acham envolvidos no meio
de muitos outros fatores, o que obriga a incorporação de mais fatores extramedia
nos estudos e também da vivência das pessoas, da rede de relações interpessoais em
que cada indivíduo está envolvido.
Percebe-se que a evolução por que passa a investigação sobre os efeitos, nos
Estados Unidos, até os anos 1960, deve-se principalmente aos resultados contradi-
tórios e complexos encontrados nas pesquisas empíricas, que levavam a reformula-
ções dos quadros teóricos utilizados pelos pesquisadores da época.
Somente a partir da década de 1960 é que esse movimento de estudo começa
a dialogar de forma mais consistente com diversos outros movimentos de estudo,
tanto norte-americanos (interacionismo simbólico, semiótica, Escola de Palo Alto
e outras como a sociologia do conhecimento) como europeus (corrente culturoló-
gica francesa, semiologia, Cultural Studies de Birmingham), o que resulta em no-
vas abordagens problemáticas dos efeitos, apontando para um quadro explicativo
diferente do primeiro modelo que orienta os estudos da década de 1930.
Uma dessas abordagens é a corrente dos “Usos e Gratiicações”, em que se des-
taca Katz, discípulo de Lazarsfeld, nos anos 1970. Além dele, outros pesquisadores
izeram parte desse movimento, como Blummer e Elliott. Os estudos giravam em
torno do questionamento “o que os meios fazem com as pessoas” – ou seja, pensar
o uso que as pessoas fazem do meio – e se aperfeiçoaram com as pesquisas dos anos
1990. É trabalhada a ideia de uma “leitura negociada”. Investiga-se a atividade de
apropriação promovida pelos receptores das mensagens mediáticas. A partir de
então, o receptor é um sujeito agente, com práticas de processos de interpretação
e satisfação de necessidades.
Outra abordagem a se destacar é a hipótese do agenda setting, também
conhecida como “Teoria dos efeitos a longo prazo”. Deslocando os estudos de
Araújo (2010, p.129), essa abordagem “parte da construção teórica que pensa a
ação dos meios não como formadores de opinião, causadores de efeitos diretos,
mas como alteradores da estrutura cognitiva das pessoas”. Para os pesquisadores
desse movimento, o modo dos indivíduos de conhecer o mundo é modiicado a
partir da ação dos meios de comunicação de massa, é o agendamento de temas e
assuntos na sociedade. Essa corrente substitui, portanto, a ideia dos efeitos ime-
diatos por efeitos percebidos num período maior de tempo.
Em suma, podemos dizer que o movimento evolutivo da pesquisa
norte-americana, segundo Araújo (2010), é marcado pela consolidação de
uma grande perspectiva teórica informalizada pela teoria matemática e pela

capítulo 2 • 39
questão-programa de Lasswell, estudos preocupados com as funções da comu-
nicação e, sobretudo, com as questões dos efeitos, que têm origem no modelo
hipodérmico e alcançam sua superação.
Correntes de estudos exteriores à Mass Communication Research possibilitaram
que as pesquisas norte-americanas desconstruíssem o paradigma hipodérmico,
reabilitando correntes de estudos com pressupostos diversos (Escola de Chicago e
Palo Alto) e inaugurando novas frentes de estudo (proposições do agenda setting
e dos usos e gratificações).

Modelo Cibernético e a Escola de Palo Alto – Interações sociais

O matemático e ex-professor de Shannon, Nobert Wiener, publicou, em 1949,


o livro Cybernetics or Control and Communication in the Animal and Machine, em
que percebe que a organização da sociedade deverá ser feita a partir de uma nova
matéria-prima, a informação. O pesquisador defende a tese de que a sociedade
só poderá ser entendida por meio dos estudos das mensagens e das facilidades
promovidas pela comunicação, ressaltando que as mensagens entre os homens e as
máquinas têm um papel importante naquelas condições históricas.
Wiener entendeu a cibernética para além da teoria da transmissão das mensa-
gens da engenharia elétrica e, assim, a deiniu como um vasto campo que contem-
plava não apenas o estudo da linguagem, mas o das mensagens.

como meios de dirigir a maquinaria e a sociedade, o desenvolvimento de máquinas


computadoras e outros autômatos [...], certas reflexões acerca da psicologia e do siste-
ma nervoso, e uma nova teoria conjetural do método científico” (WIENER, 2000, p. 15).

Wiener airma que a cibernética tem como objetivo desenvolver a linguagem


acessível a uma série de técnicas para enfrentar o controle das comunicações em
geral, ou seja, os meios de comunicação controlam as informações e são uma
ameaça à ordem social, porque ele visualiza a informação livre como uma forma
de organização da sociedade de maneira muito mais eicaz. A informação deve
circular, livremente, sem nenhuma barreira.
Quanto à Escola de Palo Alto, ela surge nos anos 1940, nos Estados Unidos.
É formada por um grupo distinto de pesquisadores com diferentes formações
(antropologia, linguística, matemática, psicologia). Vale ressaltar que esse grupo
de estudiosos adota uma posição contrária à teoria matemática da comunicação

capítulo 2 • 40
proposta por Shannon Weaver, e o modelo comunicacional de forma linear. Para
eles, a teoria da informação deve ser deixada de lado, e a comunicação deve ser
vista e observada a partir de um modelo circular.
Para os pesquisadores de Palo Alto, o receptor é tão importante quanto o
emissor dentro do processo comunicativo.
Santos (2008, p.63) apresenta três hipóteses formuladas por esses estudiosos:
•  A essência da comunicação reside em processos relacionais e interacionais, o
que implica dizer que a comunicação acontece na relação com o outro, e por meio
da interação entre ambos;
•  Todo comportamento humano tem valor comunicativo, ou seja, tanto a
comunicação verbal quanto a não verbal geram uma possibilidade comunicativa;
•  As perturbações psíquicas remetem a perturbações da comunicação do indi-
víduo com o seu meio, logo o comportamento humano é inluenciado e pode ser
uma indicação do meio social em que está inserido.

Esses estudiosos acreditam na impossibilidade de não haver comunicação, já


que entende que os indivíduos estão se comunicando a todo momento, mas todos
obedecem a regras da comunicação, mesmo que de forma inconsciente.

Adorno e Horkheimer – Escola de Frankfurt e a indústria cultural

Em 1923, Max Horkheimer e outros pensadores e cientistas sociais alemães


fundaram o Instituto de Psicologia Social, vinculado à Universidade de Frankfurt,
primeira instituição de pesquisa da Alemanha sob orientação marxista.
O foco dos primeiros estudos, desenvolvidos no Instituto, tinha a análise da
economia capitalista e a história do movimento operário.
Horkheimer tornou-se diretor do Instituto em 1930 e, junto com heodor
Adorno, redeiniu a orientação teórica das pesquisas. Ambos foram responsáveis
pela criação de um conceito, que se tornou central para os estudos culturais e as
análises de mídia, o conceito de indústria cultural. Vale notar que Walter Benjamin
e Siegfried Kracauer não são menos importantes, sendo possível situá-los, junto
aos demais, entre os criadores da pesquisa crítica em comunicação.
A teoria crítica surge da união do pensamento de Marx com o de Freud e tem
como objetivo a análise do mal-estar das sociedades capitalistas industrializadas no
mundo ocidental. (Polistchuk: Trinta, 2003, p. 109)

capítulo 2 • 41
A Escola de Frankfurt é formada por um grupo de pensadores e cientistas
sociais alemães, tais como: heodor Adorno, Walter Benjamin, Max Horkheimer,
Erich Fromm, Hebert Marcuse, entre outros.
Devemos levar em conta que esses estudiosos não pertenciam ao campo da co-
municação. Todos foram pensadores independentes, cujos interesses se estendiam
por diversos campos do saber.
Esses estudiosos trataram de vários assuntos que compreendiam os processos
civilizadores modernos e o destino do ser humano na era da técnica até a política,
a arte, a música, a literatura e a vida cotidiana.
A transformação da cultura em mercadoria e a difusão da ideologia pelos meios
de reprodução técnica são duas das relexões teóricas propostas por esses autores.
Deve-se entender o primeiro aspecto, a cultura transformada em mercadoria,
compreendendo dois conceitos criados por Adorno e Horkheimer: a dialética do
esclarecimento e a indústria cultural.
Para entender a dialética do esclarecimento, sob a ótica dos dois pesquisa-
dores, é importante compreender que, para eles, os tempos modernos criaram
a ideia de liberdade dos seres humanos. Isso signiica que cada um pode auxiliar
na criação de uma sociedade capaz de permitir uma vida justa a todos. Essa ideia
estava condicionada, segundo Santos (2008, p.88), ao uso racional da técnica de
produção e, em vez de ser usada a serviço da felicidade, tornou-se uma forma de
explorar o homem.

A técnica é a essência desse saber, que não visa conceitos e imagens, nem o prazer do
discernimento, mas o método, a utilização do trabalho de outros, o capital. As múltiplas
coisas que, segundo Bacon, ele ainda encerra nada mais são do que instrumentos: o
rádio, que é a imprensa sublimada; o avião de caça, que é uma artilharia mais eficaz; o
controle remoto, que é uma bússola mais confiável. O que os homens querem apren-
der da natureza é como empregá-la para dominar completamente a ela e aos homens
(ADORNO, HORKHEIMER, 1985, p.05).

Já o conceito de indústria cultural entende a produção cultural de bens como


um movimento de produção de cultura como mercadoria. A crise consiste na
queda da Cultura em mercadoria, ou seja, a atividade ou o ato cultural passa a ser
compreendido a partir de um valor econômico, o que diminuiu os traços de uma
experiência vivenciada autêntica.
Nesse sentido, Walter Benjamim, no texto A Obra de Arte na Época de sua
Reprodutividade Técnica, de 1935, faz uma crítica à reprodução das obras de arte.

capítulo 2 • 42
Para ele, todas as obras de arte sempre foram passíveis de cópia, de reprodução.
Defendia que as tecnologias de comunicação surgidas depois da fotograia se ca-
racterizam pela sua reprodutividade.
Para os frankfurtinianos, os conteúdos veiculados pelos meios de comunica-
ção produzem uma alienação que esconde a verdadeira intenção de uma socieda-
de capitalista.

Marshall McLuhan e Harold Innis – Da Galáxia de Gutemberg à Aldeia Global

Sá Martino (2014, p. 262) começa suas relexões acerca desse período nos cha-
mando a atenção para o fato de que a vida contemporânea passa por tecnologias e
imagens digitais mediando a relação do indivíduo com o meio ambiente.
Podemos dizer que o foco de estudo da Escola Canadense é a relexão sobre
a relação do indivíduo com o ambiente, através das tecnologias de comunicação.
A posição dessa Escola é centrada nos meios de comunicação.

Essa centralidade das tecnologias de comunicação deu origem a algumas das prin-
cipais teorias da comunicação, baseada em uma centralidade baseada nos meios de
comunicação, elemento-chave no trabalho de pensadores da chamada Escola cana-
dense de Mídia ou Escola de Toronto, pela referência à origem geográfica (Sá Martino,
2014, p.262).

O nome que mais se destaca na comunicação é de Marshall McLuhan. Estudos


recentes também mostram interesse em seu professor, Harold Innis.
Harold Innis era geógrafo e economista político. Dedicou-se a estudos na
política e na economia, “além de progressivos espaços aos meios de comunicação”
(Sá Martino, 2014).
Destacam-se de Innis duas importantes obras. A primeira, de 1950, denomi-
nada Empire and Communications, propõe o estudo das relações de dominação
sofrida pelo Canadá tanto pela Inglaterra como pelos Estados Unidos. A segunda
obra do pesquisador, he Bias of Communication, de 1951, analisa a ameaça que
os novos sistemas tecnológicos dos Estados Unidos podem causar à vida social e
cultural do Canadá.
Para ele, a estruturação e a determinação de novas formas de organização e
interação social são resultado das tendências causadas pela comunicação, ou seja,
o cotidiano estrutura-se a partir das mediações tecnológicas de comunicação.

capítulo 2 • 43
Os trabalhos pioneiros de Harold Innis abriram espaço para as proposições
eletrônicas dos estudos de Marshall McLuhan.
O professor de literatura e diretor do Centre for Culture and Technology da
Universidade de Toronto Marshall McLuhan se destaca pelas análises realizadas
sobre os meios de comunicação e, principalmente, pelos efeitos causados por eles
sobre um indivíduo e a coletividade.
Segundo ele, as novas tecnologias criam novas formas de ser e pensar dentro
de uma determinada organização da sociedade, sendo os meios como extensões
do corpo humano e assim aumentando a sua percepção na forma de sentir. Isso
signiica dizer que a invenção e a adoção de uma nova ou outra tecnologia causam
transformações sociais, culturais, políticas em uma determinada condição históri-
ca e gera um novo mundo no qual as comunicações causam impacto nas catego-
rias de tempo e espaço e modiicam as relações sociais dentro da sociedade.
Duas obras, porém, rendem até hoje a Marshall McLuhan um importante
destaque nas discussões acadêmicas cientíicas internacionais. São elas:
1. A Galáxia de Gutemberg, a criação do homem tipográico, escrita em
1962, mostra as relações sociais alteradas pelas mídias existentes nas di-
versas épocas da história. “MacLuhan entende a ‘Galáxia de Gutemberg’
como o auge de uma técnica de comunicação baseada na escrita, do século
XV — invenção da imprensa — até o século XX com os audiovisuais” (Sá
Martino, 2014, p. 265). O pesquisador indica ainda que a interdependên-
cia eletrônica recria o mundo em uma aldeia global, entendida como uma
representação de um mundo interconectado, e assim não há distâncias e
todos os indivíduos estão conectados.
2. Os Meios de Comunicação como extensões do Homem, escrito em
1964, apresenta três proposições, de acordo com Martino, 2010.
• O meio é a mensagem – um determinado meio condiciona a
mensagem a ser transmitida. Isso ocorre porque cada meio de comu-
nicação se utiliza de uma forma, um conteúdo e um signiicado, isto
é, uma linguagem específica.
• Os meios como extensões do homem – cada meio técnico e tec-
nológico pode ser compreendido como extensões do homem à me-
dida que ampliam a capacidade de percepção de um determinado
sentido humano. Exemplo: Os óculos são extensão dos olhos; de
certa forma a internet é uma extensão da mente humana.
• Meios quentes e meios frios

capítulo 2 • 44
O meio quente é aquele que tem uma expressiva quantidade de informação e
que, por conta disso, exige do receptor certa atenção, além do seu apelo para um
determinado sentido. Exemplo: o livro, o rádio, o olho, o ouvido.
O meio frio é aquele que requer do receptor a utilização de vários sentidos
ao mesmo tempo, o que tende a diminuir o tempo de compreensão e atenção da
palavra, da mensagem. Exemplo: a televisão, o cinema.
É a ideia de aldeia global de McLuhan que ganha atualmente novo fôlego e
força diante das transformações causadas pelo uso da internet e, como ela, cria
uma nova cultura tecnológica, um novo ambiente de sociabilidade e interação, o
ciberespaço.
As reverberações das ideias de McLuhan apresentam-se, ainda hoje, nas dis-
cussões acerca do que chamamos de Ecologia dos Meios ou Media Ecology.
A fenomenologia das mudanças tecnológicas é um dos principais objetos de
estudo da Ecologia dos Meios. Destaca-se por dar ênfase ao estudo do impacto
cultural das tecnologias e dos meios de comunicação nas sociedades, por meio
da história. As teses de Marshall McLuhan representam o principal fundamento
teórico e epistemológico dessa Escola, que também é conhecida como Escola de
Toronto, Escola de Nova York, Mediologia, Escola de São Luís ou Escola Norte-
americana da Comunicação.
Pode-se dizer que é na Ecologia dos Meios que a natural transição das mu-
danças tecnológicas admite ser compreendida como princípio “ecológico”. Para
McLuhan, qualquer meio afeta em seguida o campo inteiro dos sentidos.
Entre os principais teóricos da Media Ecology destacam-se, além de McLuhan,
Harold Innis, Walter Ong, Neil Postman, Jacques Ellul e Elizabeth Eisenstein, en-
tre outros.

O pensamento francês sobre a comunicação

O pesquisador Juremir Machado da Silva (2010, p.172), no texto “O pensa-


mento contemporâneo francês sobre a comunicação”, discorre sobre o quanto é
difícil homogeneizar proposições tão variadas e ao mesmo tempo complementares
dos estudos franceses. Para ele, tais pesquisadores nunca chegaram a fechar ques-
tão sobre o campo da comunicação, mas atravessavam, de maneira disputada, a
comunicação em diferentes condições de possibilidades históricas.

capítulo 2 • 45
Para Silva (2010), podemos classiicar as perspectivas comunicacionais france-
sas atuais em três eixos:
1. A comunicação como fenômeno de dominação;
2. A comunicação como fenômeno extremo;
3. A comunicação como vínculo social complexo.

Enquanto fenômeno da comunicação, no que se refere aos estudos culturais,


coube a Roland Barthes encabeçar o campo de semiologia – estudo de todos os
sistemas de signos, abrir caminhos para outras experiências de pesquisa. Ele reco-
nheceu e estudou a nova fábrica de mitos, deixando de lado a perspectiva de mera
manipulação da consciência.
A importância de Barthes, dentro dessa proposta teórico-francesa, situa-se
dentro de uma proposta estruturalista. É o primeiro crítico a ampliar o modelo
estruturalista à análise literária. Roland Barthes, quando descreve a atividade es-
truturalista, indica que ela comporta duas operações: a primeira é a desmontagem,
o que signiica que um objeto pode ser desmontado, e nele encontramos vários
fragmentos móveis; mas somente com a segunda operação – o arranjo – é que se
torna possível descobrir ou criar regras, para associar esses fragmentos.
Armand e Michèle Mattelart (2003, p.90-91), em seus estudos, falam da fun-
dação do Centro de Estudos de Comunicações de Massa (CECMAS), dentro
da Escola Prática de Altos Estudos, na França, que fora fundado pelo sociólogo
Georges Friedmann. Para os pesquisadores, esse centro surge como o primeiro
esforço de se estruturar um local de pesquisa sobre a comunicação naquele país.
O motivo seria a grande inluência dos estudos de comunicação produzidos pelos
norte-americanos naquele momento.
O objetivo do CECMAS era analisar as relações existentes entra a sociedade e
as comunicações de massa.
Outro autor importante dessa escola e considerado um marco inicial dessa
corrente teórica é Edgar Morin, através da obra O Espírito do Tempo, em 1962,
em que propõe a elaboração de uma sociologia da cultura, na qual a cultura de
massa seria visualizada como parte da cultura da sociedade.

Estaria menos em foco a mídia e o destinatário e mais um novo imaginário cultural.


Com Morin, os estudos de comunicação enveredaram para uma perspectiva complexa
e imaginal: motor e motivo de uma sociedade da imagem (Silva, 2010, p.174).

capítulo 2 • 46
Morin insere o conceito de indústria cultural nas relexões da pesquisa em
comunicação no âmbito francês. Dentro de uma cultura de massa existem duas
lógicas que estão em tensão, de forma quase que simultânea: produção padroniza-
da e produção inovadora.
Silva (2010, p.174) amplia o olhar sobre as referências de pesquisadores dessa
escola ao falar de Guy Debord e Jean Baudrillard. Para o pesquisador, “Debord
radiografou a “Sociedade do Espetáculo” – visão de mundo, relação entre as pes-
soas – e Baudrillard dissecou a “Sociedade de Consumo”, as “maiorias silencio-
sas” e, inalmente, as “estratégias fatais”. No entender de Baudrillard, a Escola de
Frankfurt sempre acreditou na recuperação da mídia, no bom uso dos meios de
comunicação de massa.
Além desses autores, Silva (2010) amplia, de maneira aleatória, o número de
pesquisadores franceses que de alguma maneira atravessaram os estudos da comu-
nicação, mesmo que este não fosse o alvo principal. Para ele, “existiu uma perspec-
tiva estruturalista, uma corrente derivada da Escola de Frankfurt, uma tendência
culturalista etc.”
Deslocando o olhar do pesquisador Juremir Machado da Silva, listaremos a
seguir alguns outros nomes, conhecidos entre os pesquisadores brasileiros, e suas
contribuições a partir da Escola francesa.
Pierre Bourdieu e a investigação sobre o campo jornalístico; Paul Virilio inver-
teu um dos pilares da crítica tradicional aos midia: a geração de isolamento; Michel
Mafesoli, mesmo antes da explosão da internet, já tratava do “estar junto”, da efer-
vescência coletiva, do tribalismo e do lúdico. “Para ele, a imagem funciona como um
totem em torno do qual comungam os espectadores.” (Silva, 2010, p.176).

Entre Morin, Baudrillard e Maffesoli há, entre tantos desencontros, um fio comum: a
descrença no mito do progresso linear impulsionado pelo racionalismo. Com ênfase e
conclusões diferentes, os três diminuem o lugar da mídia na construção da sociedade
(Silva, 2010, p. 177).

Outros pesquisadores franceses também são apontados por Juremir Machado


da Silva (2010) “com forte inluência nas universidades do novo Império Romano
e os Estados Unidos da América”. São eles: Michel Foucault e a Arqueologia do
Saber, que apresenta os dispositivos capilares de controle, Louis Althusser e os
“Aparelhos Ideológicos do Estado”, Pierre Lévy, que se tornou o porta-voz das
novas tecnologias e viu na rede uma superação da pirâmide um-todos por um

capítulo 2 • 47
processo comunicacional todos-todos. Segundo Silva (2010, p. 176), a comunica-
ção sai do estigma da manipulação para entrar na utopia da mediação.
A lista não acaba com os autores citados, mas é importante que se entenda
do pensamento francês sobre a comunicação é que o discurso polissêmico não
entrega uma teoria pronta e irretocável sobre o campo, mas recortes e cruzamen-
tos interdisciplinares.

RESUMO
Neste capítulo, trabalharam-se os modelos e as escolas para um paradigma
da comunicação.
O capítulo começa a partir da evolução da humanidade ocidental e seu relacionamento
com a comunicação.
Partimos do entendimento de paradigmas que resultam na elaboração de modelos, ao
que Sá Martino (2014, p.26) conceitua como “um modelo é uma representação visual do
relacionamento entre os elementos de um determinado processo”. Portanto, os modelos de
comunicação são criados com base em dados específicos, atuando, assim, como retrato
analítico de uma situação.
Apresentaram-se as reflexões dos pesquisadores norte-americanos Charles R. Berger e
Robert T. Craig sobre o estado da arte das chamadas teorias da comunicação, e do pesqui-
sador brasileiro Luiz C. Martino (2007, p.15-20), que afirma existirem dois motivos que faci-
litam a ideia de teorias da comunicação entre pesquisadores, estudantes e professores da
comunicação. Refere-se ao aparecimento, no início da década de 1970, dos primeiros cursos
de pós-graduação, cuja proposta é a produção sistemática de conhecimentos teóricos e
práticos, e o segundo é a literatura que se formou em torno das teorias da comunicação,
por manuais, livros introdutórios, artigos, que oferecem visibilidade e a formação da ideia de
teorias da comunicação. Isso gera a crença na existência.
Em seguida, o capítulo trafegou pelas escolas de pensamento comunicacional.
Tomou-se como parâmetro a civilização ocidental para uma abordagem do fenômeno
comunicacional em sua relação com o desenvolvimento das tecnologias, dos avanços cultu-
rais e dos fenômenos sociais, e destacaram-se os cinco momentos apontados por Hohlfeldt:
1) Grécia, século V a.C.; 2) Roma, entre o século I a.C. e o século I d.C.; 3) Itália, entre os
séculos XV e XVI; 4) França, a partir do final do século XVIII e primeira metade do século XX;
5) Europa e Estados Unidos.
O capítulo também aborda as matrizes teóricas das Escolas Norte-americanas, que leva-
ram à criação de vários modelos teóricos desenvolvidos principalmente ao longo do século

capítulo 2 • 48
XX, na tentativa de compreender as relações entre a comunicação e a sociedade. Começa-
mos com a Escola de Chicago, de tradição sociológica, que se desenvolveu entre o fim do
século XIX e as primeiras décadas do século XX, nos Estados Unidos. Dentro dessas condi-
ções de possiblidades históricas, os estudos dessa escola contribuíram para refletir sobre a
constituição dos grupos na cidade e as relações interpessoais configuradas.
Para ajudar na sistematização das variações de correntes teóricas dessa Escola, des-
locamos os estudos do pesquisador Carlos Alberto Araújo e a divisão sistêmica dos grupos
que compõem os estudos norte-americanos. O primeiro deles é a Teoria Matemática da
comunicação (Shannon e Weaver); o segundo grande grupo, segundo Araújo (2010), é
a corrente funcionalista, originada dos estudos de Lasswell; o terceiro e talvez principal
grupo que compõe a Mass Communication Research é a corrente voltada para os estudos
da comunicação. As pesquisas desenvolvidas nessa época e nas duas décadas seguintes
têm um modelo teórico comum, denominado por vários autores “Teoria Hipodérmica”. Outro
movimento de estudos denomina-se Teoria dos Efeitos Limitados. Abriga diferentes abor-
dagens, tanto psicológicas quanto sociológicas, além da Teoria dos Usos e Gratificações..
Abordam-se também o Modelo Cibernético e a Escola de Palo Alto. O modelo ciberné-
tico tem como objetivo desenvolver a linguagem acessível a uma série de técnicas para en-
frentar o controle das comunicações em geral, ou seja, os meios de comunicação controlam
as informações e são uma ameaça à ordem social, porque ele visualiza a informação livre
como uma forma de organização da sociedade de maneira muito mais eficaz. A informação
deve circular livremente, sem nenhuma barreira.
A Escola de Palo Alto surgiu nos anos 1940, nos Estados Unidos. É formada por um
grupo distinto de pesquisadores com diferentes formações (antropologia, linguística, mate-
mática, psicologia). Vale ressaltar que este grupo de estudiosos adota uma posição contrária
à teoria matemática da comunicação proposta por Shannon Weaver e ao modelo comuni-
cacional de forma linear. Para eles, a teoria da informação deve ser deixada de lado, e a
comunicação deve ser vista e observada a partir de um modelo circular.
O capítulo também traz Adorno e Horkheimer – Escola de Frankfurt e a indústria cultural.
O foco dos primeiros estudos desenvolvidos pela Escola era a análise da economia capitalis-
ta e a história do movimento operário.
A Escola de Frankfurt é formada por um grupo de pensadores e cientistas sociais ale-
mães que abrange Theodor Adorno, Walter Benjamin, Max Horkheimer, Erich Fromm, Hebert
Marcuse, entre outros.
Foram apresentados os pensamentos de Escola Canadense, cujo foco de estudo é a
reflexão sobre a relação do indivíduo com o ambiente, através das tecnologias de comunica-
ção. A posição dessa Escola é centrada nos meios de comunicação. Destacam-se Marshall
McLuhan e Harold Innis.

capítulo 2 • 49
O Capítulo se encerra com o pensamento francês sobre a comunicação e as proposições
de teóricos como Barthes, Morin, Boudrillard, Bourdie, Foucault e os estudos influenciados
pela Escola de Frankfurt, mas que viam a comunicação, a partir das suas matrizes de saberes.

ATIVIDADES
01. Em equipe de até 5 pessoas, apresente as diferenças e as semelhanças dos autores apre-
sentados no capítulo que discorre sobre a existência ou não de uma teoria da Comunicação.

02. Em equipe de até 5 pessoas, escolha uma escola de pensamento comunicacional para
discorrer sobre os principais conceitos apresentados, nomes que se destacaram e a relação
de estudo com a comunicação.

03. Quais as diferenças de pensamento comunicacional entre o Modelo Cibernético e a


Escola de Palo Alto?

04. Quais as diferenças e semelhanças do pensamento comunicacional entre os teóricos da


Escola de Frankfurt e os da Escola francesa?

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ADORNO, Theodor W. e Horkheimer, Max. A dialética do conhecimento: fragmentos filosóficos. Rio
de Janeiro: Ed. Zahar, 1985.
ARAÚJO, Carlos Alberto. A pesquisa norte-americana. In: HOLFELDT, Antonio e outros (orgs). Teoria
da Comunicação: conceitos, escolas e tendências. Petrópolis: Ed. Vozes, 9ª edição, 2010.
BERGER, Charles R. Por que existem tão poucas Teorias da Comunicação?. In: MARTINO, Luiz C.
(org.). Teorias da Comunicação: muitas ou poucas? Cotia: Ateliê Editorial, 2007.
CRAIG, Robert T. Porque Existem tantas Teorias da Comunicação?. In: MARTINO, Luiz C. (org.).
Teorias da Comunicação: muitas ou poucas? Cotia: Ateliê Editorial, 2007.
HOLFELDT, Antonio. As origens antigas: A comunicação e as civilizações. Teoria da Comunicação:
Conceitos, Escolas e Tendências. Petrópolis: Ed. Vozes, 9 ed, 2010.
MATTELART, Armand; MATTELART, Michèle. História das Teorias da Comunicação. 6. ed. São
Paulo: Loyola, 2003.

capítulo 2 • 50
MATTELART, Armand; NEVEU, Érik. Introdução aos estudos culturais. São Paulo: Parábola, 2004
POLISTCHUK, Ilana e TRINTA, Aluízio Ramos. Teorias da Comunicação, Rio de Janeiro: Campus,
2003.
SÁ MARTINO, Luiz Mauro. Teoria da comunicação – Ideias, conceitos e métodos. 5 ed. Rio de
Janeiro: Vozes, 2014.
SANTOS, Roberto Elísio dos. As teorias da Comunicação: da fala à internet. 2 ed. São Paulo:
Paulinas, 2008.
SILVA, Juremir Machado. O pensamento francês contemporâneo sobre a comunicação. In:
HOLFELDT, Antonio e outros (orgs). Teoria da Comunicação: Conceitos, Escolas e Tendências. 9 ed.
Petrópolis: Ed. Vozes, 2010.
WIENER, N. Cibernética e sociedade. O uso humano dos seres humanos. 7 ed. São Paulo: Cultrix,
2000.

capítulo 2 • 51
capítulo 2 • 52
3
Discussões
clássicas e
contemporâneas
das teorias da
comunicação
Discussões clássicas e contemporâneas das
teorias da comunicação

Neste capítulo, trabalharemos as discussões acadêmico-cientíicas propostas a


partir das formulações sobre Cultura de Massa(s) de Umberto Eco e Edgar Morin,
bem como as concepções de Sociedade de Massa de Jürgen Habermas e a Teoria
das materialidades na comunicação de Hans Ulrich Gumbrecht.
Quanto à Cultura de Massa, num primeiro momento, apresentamos as pro-
posições de Umberto Eco e as duas possibilidades de críticas diante da cultura de
massa, ora alinhadas a uma defesa do sistema social e econômico, no qual ela era
produzida e do qual ela era o principal elemento de diversão, ou seja, os integra-
dos. Ora, à procura de exibir a destruição da cultura pela indústria cultural, ou
seja, os apocalípticos.
Em seguida, apresentamos as proposições de Edgar Morin sobre Cultura de
massas relacionadas intimamente com o lazer e o entretenimento e as atividades de
lazer recheadas de hábitos ditados por esta cultura, ou seja, a dinâmica da criação
cultural vinculada à lógica de produção em série.
A Sociedade de Massa é apresentada sob a perspectiva de Jürgen Habermas,
que, mesmo sendo considerado um pensador da escola frankfurtiana, rompe com
a perspectiva crítica ao optar por reconstruir a teoria crítica, tendo como base os
conceitos como a razão comunicativa e a comunidade ideal de comunicação.
Por im, o capítulo apresenta a teoria das materialidades, de Gumbrecht, que,
com sua valorização dos processos corpóreos e das instâncias materiais das mídias,
objetiva uma maior compreensão do paradoxo presente na interpretação dos es-
tudos sobre a imediação, a valorização e a desvalorização do corpo e dos aspectos
materiais dos meios, a partir dos procedimentos comunicacionais.

OBJETIVOS
O objetivo do capítulo é proporcionar as diferentes visões sobre os aspectos da socie-
dade e da mídia, apresentados a partir dos posicionamentos propostos à luz, ou, por assim
dizer, da Teoria crítica.
Para nos ajudar nessa empreitada acadêmico-científica, foram deslocadas as contribui-
ções de estudiosos como Luiz Mauro Sá Martino (2014), Francisco Rüdiger (2010) e Wol-
gang Leo Maar (2014).

capítulo 3 • 54
Apocalípticos e Integrados – Cultura de Massa X Umberto Eco

O fenômeno da popularização no acesso à comunicação gera, segundo muitos


autores e os estudos pautados, principalmente na Teoria Crítica, o que chamam
de massiicação da cultura.
Adorno e Horkheimer acreditam que a intensa verticalização do processo
e o seu caráter doutrinador pode ser melhor apreendido pela ideia de indústria
cultural. Nesse sentido, entende-se a crítica ao caráter paralisador das proposi-
ções frankfurtianas proferidas por Umberto Eco, que opta pelo termo Cultura
de Massa.
Deslocando o trabalho do pesquisador Sá Martino (2014), pode-se dizer que,
à primeira vista, a obra do estudioso italiano Umberto Eco se divide entre o escri-
tor, autor do livro O nome da Rosa e A ilha do dia anterior, e o teórico da comu-
nicação, autor de obras sobre estética, mídia e semiótica, entre elas Apocalípticos e
Integrados diante da Cultura de Massa.
Publicado em 1964, o livro é uma coletânea de estudos sobre histórias em
quadrinhos, música pop e televisão. Traz, na introdução, uma das primeiras tenta-
tivas de classiicar as pesquisas em comunicação de massa.

O universo das comunicações de massa é – reconheçâmo-lo ou não – o nosso universo;


e, se quisermos falar de valores, as condições objetivas das comunicações são aquelas
fornecidas pela existência dos jornais, do rádio, da televisão, da música reproduzida e
reproduzível, das novas formas de comunicação visiva e auditiva (ECO, 2001, p.10).

Eco deixa clara a ideia de que a cultura de massa faz parte do cotidiano e pode
ser criticada, mas não evitada. Sá Martino (2014) ressalta que, em 1960, a cultura
de massa já fazia parte do repertório cultural do planeta. Os meios de comuni-
cação, como rádio, jornal, cinema, televisão, fazia parte do dia a dia das pessoas.
Eco identiica duas possibilidades de crítica, de acordo com Sá Martino (2014,
p.136):
1. Ligada às pesquisas em comunicação norte-americanas, a mass commu-
nication research. Estes estudos eram vinculados às produções da indústria
de comunicações e não faziam uma crítica do processo em si, mas estuda-
vam os processos e os efeitos da comunicação. Por essa lógica, as proposi-
ções que compunham a defesa da cultura de massa estariam alinhadas a
uma defesa do sistema social e econômico, no qual ela era produzida e do
qual ela era o principal elemento de diversão, ou seja, os integrados.

capítulo 3 • 55
2. A segunda, com bases oriundas do outro lado do Atlântico. Trata-se dos
críticos das culturas de massa, ou seja, uma referência à Escola de Frankfurt,
em particular a heodor Adorno. Eco (2001) acredita que a cultura de mas-
sa representava o im da cultura e sua transformação em simples mercadoria
de consumo, no colapso da última barreira contra a ação da civilização
industrial. Nas palavras de Sá Martino (2010, p.136), “os ensaios teóricos
procuravam mostrar a destruição da cultura pela indústria cultural, ou seja,
os apocalípticos”.

O pesquisador italiano fez um inventário das críticas e defesas da cultura de


massa. Abaixo, tentaremos sintetizar esse método, utilizado por Eco, para que haja
melhor compreensão. Deslocaremos os argumentos estruturais de apresentação do
pesquisador brasileiro Sá Martino (2010).
O argumento para o integrado, em relação a cultura de massa, é:
•  A cultura de massa permitiu o acesso de muitas pessoas a bens culturais,
antes restrito para poucos;
•  Eleve o nível intelectual das pessoas e permite a popularização da arte;
•  Acabou com os preconceitos. Qualquer pessoa pode conhecer arte, ouvir
todo tipo de música, ter acesso à cultura;
•  Facilita o acesso à obra de arte, tornando-as mais populares e conhecidas;
•  Cultura não é mais uma coisa erudita e distante. Qualquer coisa se torna
cultura imediata;
•  Artistas sempre trabalharam para os nobres, para os reis e tinham de criar
conforme a vontade deles. A cultura de massa deu até mais espaço para a cria-
ção individual.

Na contramão dos argumentos dos integrados, encontra-se em Eco (2001) a


crítica apocalíptica:
•  A cultura de massa modiica, adapta e destrói a verdadeira cultura para
poder vencê-la;
•  Nivela por baixo e equipara tudo nesse patamar;
•  Nem todo mundo está preparado para ter acesso à cultura. A ideia de uma
“cultura para as massas” é uma contradição;
•  Facilitar signiica mudar, cortar, adaptar: a cultura é destruída em nome do
sucesso e do lucro;

capítulo 3 • 56
•  Os valores humanos são deixados de lado, enquanto futilidades ganham
status de arte e política;
•  Na indústria cultural, os artistas são transformados em operários. A cria-
tividade é substituída por fórmulas e padrões, e a invenção é sempre vista com
desconiança, ou seja, sucesso signiica lucro.

É claro, nessas proposições, que Umberto Eco apresenta a recusa na análise da


cultura, redundante de uma visão elitista de mundo como argumento para desqualii-
car as elaborações frankfurtianas, que resultariam em conformismo, e não em crítica.
Para Sá Martino (2014), quando Eco demonstra a cultura de massa, não deixa
de notar que esses produtos são feitos para agradar e, de fato, agradam – uma esté-
tica da cultura de massa não pode deixar de lado a questão da satisfação envolvida
quando se está diante da tela.
O livro Apocalípticos e Integrados pode ser considerado como ponto de parti-
da e resumo de uma análise estrutural da narrativa de mídia, como nos alerta Sá
Martino (2014, p. 138). Após esse estudo, Eco desenvolveu outros estudos envol-
vendo a cultura de massa, numa perspectiva mais próxima da semiótica, mas com
tom ensaístico. Nos livros Viagem à irrealidade cotidiana ou em O Super – Herói
de massa, volta a percorrer os caminhos de uma realidade na qual a mídia está cada
vez mais presente, mantendo a leitura crítica da cultura.

O Espírito do Tempo e os “Olimpianos” – Edgar Morin

O pesquisador francês Edgar Morin dedicou boa parte de seus estudos à


Cultura de Massas. Uma de suas principais obras é o livro O Espírito do Tempo,
publicado em 1965. Sá Martino (2014, p.144) lembra que, no Brasil, o livro ga-
nhou o título de Cultura de Massas no século XX.
Esse título é uma referência, embora irônica, de Morin à expressão usada pelo
ilósofo alemão Friedrich Hegel para se referir ao conjunto de princípios de uma
determinada época, responsável por dar características semelhantes às várias for-
mas da cultura de um tempo.
É importante compreendermos o termo e o emprego do conceito Cultura de
Massas e as proposições sob a luz de Morin. Cultura de massas se relaciona inti-
mamente com o lazer e o entretenimento, e as atividades de lazer são recheadas de
hábitos ditados por esta cultura, ou seja, a dinâmica da criação cultural vinculada
à lógica de produção em série.

capítulo 3 • 57
Sá Martino (2014, p.144) lembra que “essa contradição era a dialética da
produção cultural, a partir do século XX e a força especíica dessa dinâmica não se
resolve, exceto em seu estudo e compreensão”.
A novidade dos estudos da Cultura de Massas, a partir de 1960, foi estudá-la
de maneira crítica, tomando como base a leitura dela própria.
Tomando emprestado o pensamento de Sá Martino (2014), podemos dizer
que Morin identiica, na cultura de massa, as novas formas do imaginário do sécu-
lo XX, por isso a noção de “espírito do tempo”.
O objetivo do “espírito do tempo” é encontrar as fórmulas e as estruturas
geradoras da produção cultural.

No começo do século XX, o poder industrial estendeu-se por todo o globo terrestre. As
colonizações da África, a dominação da Ásia, chegam ao seu apogeu. Eis que come-
çam nas feiras de amostras e máquinas de níqueis a segunda industrialização, a que se
processa nas imagens e nos sonhos. A segunda colonização não mais horizontal, mas
desta vez vertical, penetra na grande reserva que é a alma humana (Morin, 2002, p.13).

Ou seja, para o pesquisador francês, a indústria cultural não está ligada exclu-
sivamente ao capitalismo, mas a todo e qualquer sistema de colonização e, por isso
mesmo, parte de uma produção controlada por questões externas à simples criação
artística. Isso ica evidente na primeira parte do livro, a que Morin denomina de
“a integração Cultural”.
Para Sá Martino (2014, p.15), a intenção deste momento do livro é de-
monstrar que, tanto nos países do então bloco comunista, liderados pela União
Soviética, quanto nos EUA ou na Europa Ocidental, a produção da cultura era
controlada. O que faz a diferença é a origem desse controle: de onde ele surge,
quem o administra, se as empresas ou o estado.
Para Morin (2002, p. 15), a cultura de massas “constitui um corpo de símbo-
los, mitos e imagens concernentes à vida prática e à vida imaginária, um sistema
de projeções e de identiicações especíicas”. Ou seja, é muito mais da mentalidade
do século XX do que de um regime econômico específico.
O estudioso acredita que essa cultura é construída pelas variações de um gru-
po de temas. Implica que o consumidor saia satisfeito do entretenimento, mesmo
que para isso seja necessário alterar fatos históricos, ou ainda, como menciona Sá
Martino (2014), na falta de outra saída, elevar a tragédia a uma redenção.
O pesquisador francês também trabalha, em O Espírito do Tempo, o concei-
to de “Olimpianos”. Ele recupera o termo olimpiano da mitologia grega para

capítulo 3 • 58
empregar nos personagens que habitavam o mundo mágico do cinema, os novos
olimpianos, a reprodução da lógica do consumo da indústria cultural, que é inti-
mamente ligada à forma de produção capitalista.

Esses olimpianos propõem o modelo ideal da vida de lazer, sua suprema aspiração. Vi-
vem segundo a ética da felicidade e do prazer, do jogo e do espetáculo. Essa exaltação
simultânea da vida privada, do espetáculo, do jogo é aquela mesma do lazer, e aquela
mesma da cultura de massa (MORIN, 2002, p.105).

Nesse sentido, podemos entender, a partir da ótica de Morin, que o consumo


se mostra uma necessidade e única forma de encontrar o bem-estar. Valores como
beleza e riqueza se relacionam diretamente com felicidade, que pode ser medida
pelo poder aquisitivo ou pela representação deste poder.
Portanto, para o pesquisador francês, é também por meio do estético que se
estabelece a relação do consumo imaginário.

Uma cultura, afinal de contas, constitui uma espécie de sistema neurovegetativo que irri-
ga, segundo seus entrelaçamentos, a vida real do imaginário, e o imaginário da vida real.
Essa irrigação se efetua segundo o duplo movimento de projeção e de identificação... O
imaginário é um sistema projetivo que se constitui no universo espectral e que permite a
projeção e a identificação mágica religiosa ou estética (MORIN, 2002, p.121).

Há, segundo Morin (2002), uma relação de projeção-identiicação, a partir da


forma como os personagens e os espectadores da cultura de massa se relacionam
entre si. As proposições de Morin (2010) nos fazem pensar que toda relação de
projeção-identiicação se dá dentro do campo estético-mágico-religioso. Morin
(2002) explica que a projeção tem potência de diversão, evasão, compensação e de
transferência. Ou seja, o processo de projeção-identiicação está ligado a inúmeras
experiências estéticas proporcionadas pela cultura de massa.
A obra de Morin mostra como as práticas culturais, a partir do século XX, es-
tão pautadas pelo universo simbólico da cultura. Esse imaginário está no cinema,
na televisão, na música, nos quadrinhos. Sá Martino (2014, p.146-7) lembra que
os ícones da imaginação, a quem a sociedade reverencia em forma mitológica, são
codiicados no limite da tela e das páginas de revistas. Essa viagem do ser humano
ao que podemos chamar de imaginário caminha pela cultura de massa.

capítulo 3 • 59
O agir comunicacional – Jürgen Habermas

O agir comunicacional é o centro da elaboração teórica de Jürgen Habermas.


O pesquisador é um expoente da segunda geração da Teoria crítica.
O teórico estudou o que aqui chamamos de sociedade de massa, no período
posterior à Segunda Guerra Mundial, momento que nos faz compreender sua
relação particular com a Teoria Crítica. Período marcado pelo bem-estar do capi-
talismo pós-guerra e pela consolidação do que muitos autores chamam de “novo
espírito do capitalismo”.
Nascido em 1929, é reconhecido como um estudioso remanescente da cha-
mada Escola de Frankfurt. Polistchuk e Trinta (2003) lembram que Habermas
foi aluno de Adorno e desenvolveu uma importante carreira, além de contribuir
com uma extensa produção de livros e artigos e de ser um dos grandes pensadores
da atualidade.
No entanto, a visão de Habermas sobre a formação social capitalista é mais
otimista do que a de seus antecessores. Rüdiger (2010, p.140) lembra que os
frankfurtianos da primeira geração se ocuparam sobretudo com os fatores econô-
micos de formação e o signiicado sociológico da Indústria Cultural.

A percepção de que a cultura de mercado, embora pretende ser apolítica, representa


ela mesma, uma forma de controle social ou mando organizacional não é um dos pon-
tos de menor interesse de seu pensamento, como fica patente nos primeiros escritos
de Habermas (Rüdiger, 2010, p.140).

Contudo, o tema prioritário do pesquisador girava em torno de investigar,


neste contexto, a possibilidade de emancipação humana representada, especial-
mente, pela realização de interesses públicos. Por exemplo, poder e razão, refe-
renciais da teoria crítica originária coniguram-se como nexo entre poder, razão e
formas sociais da racionalidade.
Mesmo sendo considerado um pensador da escola frankfurtiana, Habermas
rompe com a perspectiva crítica ao optar por reconstruir a teoria crítica, ten-
do como base os conceitos como a razão comunicativa e a comunidade ideal
de comunicação.
O estudioso acredita que a comunicação serve como forma de auxiliar a
reconstrução da vida social, ao organizar seus fundamentos e ajudar na cons-
trução do desenvolvimento da sociedade, ou seja, ele foge da visão pessimista

capítulo 3 • 60
dos frankfutinianos a partir da aceitação do projeto de realização humana de
uma sociedade.
O diagnóstico sobre a situação social e a história criada por esta situação são o
ponto de partida para explicar a crise da vida política que ocorre em nossas socie-
dades. Deslocando, mais uma vez, os estudos de Rüdiger (2014) para Habermas,
a crescente apatia ou desinteresse da população com a ação política é correlata à
destruição da cultura como processo de formação libertadora e de liberação de
potenciais cognitivos que têm lugar na era de sua conversão em mercadoria.
As obras Mudança Estrutural da Esfera Pública, de 1962, e Teoria da Ação
Comunicativa, de 1981, apresentam a sua teoria social.
A obra de 1962 é um estudo sobre a formação e o declínio da esfera pública
burguesa. Mostra que uma parcela importante das conquistas e liberdades que
desfrutamos hoje se deveu à formação de uma esfera pública, em que sujeitos, em
princípio livres, reúnem-se para discutir e deliberar sobre seus interesses comuns.
Para ele, a origem da esfera pública burguesa está ligada ao surgimento da impren-
sa no século XVIII. Portanto, o conceito de esfera pública se refere a dois termos:
o espaço público e a opinião pública. Conclui-se, então, que a esfera pública é
o conjunto de espaços no qual ocorrem os debates e as discussões sociais, com a
inalidade de estabelecer um consenso.
Essa discussão, segundo Habermas, acontece em meio ao livre trânsito de
informações e ideias promovidas pelos veículos de comunicação. Isso permitiu à
burguesia desenvolver uma consciência crítica em relação às autoridades tradicio-
nais, encarnadas no Estado e na Igreja.
A expansão do aparelho de Estado e do poder econômico, que ocorrera no
último século, rompeu com o equilíbrio em que se sustentava essa forma de so-
ciabilidade, o que transformou o papel da mídia e de maneira simultânea a sua
base tecnológica.
Daí a esfera pública ser colonizada pelo consumismo promovido pelos inte-
resses mercantis e pela manipulação da propaganda dos partidos políticos, dos
Estados pós-liberais, como nazifascismo, e dos regimes democráticos de massa.
O conteúdo crítico que essa esfera tinha de início cedeu terreno ao surgimento
de novas realidades. O cidadão deu lugar ao consumidor e contribuinte. A busca
do consenso político pelo livre uso da razão individual retrocedeu diante da utili-
zação da mídia a serviço da razão de estado e a conversão da atividade política em
objeto de espetáculo.

capítulo 3 • 61
Na obra de 1981, Teoria da Ação Comunicativa, Habermas defende a razão
comunicativa como parte que integra a racionalidade humana, sendo a comuni-
cação uma ação que constrói a vida social e facilita a interação, a compreensão e o
entendimento mútuo entre as pessoas.
Para Habermas, era preciso focar as estruturas e as regras que tornam possíveis
as interações entre sujeitos apoiados em seu reconhecimento mútuo. Estes são
pressupostos como características gerais pela aptidão discursiva e comunicativa
dos atores sociais, ou seja, pela sua competência interativa.
No entanto, para que a comunicação possa acontecer de forma adequada,
Habermas parte da noção de que a linguagem seja utilizada de forma clara, o que
garante o entendimento. Destaca que, para isso, a racionalidade instrumental deve
ser abandonada, uma vez que remete à busca do poder, e deve-se utilizar, com pre-
caução, a razão comunicativa que valoriza a interação entre os indivíduos.
Maar (2014, p.19) pontua que, na Teoria da Ação Comunicativa, o impor-
tante era mostrar o que seriam, conforme Habermas, as tendências de desenvolvi-
mento social e as possibilidades de intervenção que nesse se abrem.
Vale notar, de acordo com Maar (2014), que Habermas não separa, no con-
junto de sua obra, processos e sujeitos, mas privilegia processos de emancipação
na formação de sujeitos coletivos.

Teoria das Materialidades – Hans Ulrich Gumbrecht

O estudioso alemão Hans Ulrich Gumbrecht é considerado um dos principais


propositores na atualidade, da Teoria das Materialidades.
Essa teoria poder ser vista como uma proposta possível ao paradigma teórico
hermenêutico, uma vez que busca questionar o caráter atribuído à tradição inte-
lectual do Ocidente.
Para Gumbrecht (1995), essa tradição indicada pelo campo hermenêutico está
assim baseada, a partir de quatro premissas:
1. O sentido tendo origem no sujeito e não nas qualidades do objeto;
2. A distinção entre corpo e espírito;
3. Espírito como condutor do sentido;
4. Corpo como um instrumento até secundário na articulação ou oculta-
mento do sentido.

capítulo 3 • 62
Partindo dessas premissas, o paradigma hermenêutico entende que há sem-
pre a necessidade de uma interpretação. Esse processo, para Gumbrecht (1995,
p.13), demanda ao paradigma hermenêutico o paradoxo expressão/interpretação.
Interpretação cuja necessidade nascia da insuiciência intrínseca a toda expressão.
A metodologia do pesquisador alemão para maior compreensão da teoria
materialista da comunicação começa pela análise das características da pós-mo-
dernidade, período de desintegração teórico-epistemológica, em que já não são
mais possíveis pensamentos fechados e totalizantes. Portanto, as conigurações da
pós-modernidade quebram a centralização hermenêutica na igura do sujeito, es-
pecialmente ao tomarmos de aceitação os conceitos de Gumbrecht, que propõe
três características da condição histórica contemporânea:
1. A destemporalização – consiste em tornar o presente mais extenso,
através de uma reconstituição constante do passado pelos meios de repro-
dução e também pelo receio do futuro;
2. A destotalização – a impossibilidade de airmações ilosóico-concei-
tuais universalizantes;
3. A desreferencialização – impressão de estarmos em um espaço de repre-
sentações que não têm referenciais materiais.

Esses conceitos poderiam diicultar a atuação das teorias hermenêuticas, le-


vando o pensador alemão a propor um “campo não hermenêutico”, que busca
não a interpretação de um sentido preexistente, mas, sim, o sentido que é esta-
belecido na reconstituição de processos que podem fazer emergir estruturas de
sentidos articuladas.
Para Gumbrecht (1995), a busca do sentido de um texto (seja verbal ou não
verbal) não era mais a preocupação nem deveria se constituir em objeto de estudo.
O que importa ao teórico é a descrição das condições históricas e imateriais, nas
quais o texto foi produzido. É o suporte material que, enim, determina o sentido.
Nesse sentido, parece-nos haver uma estranha retomada das proposições de
McLuhan em “O meio é a mensagem”, porém para Gumbrecht isso é um para-
digma normativo de pesquisa, diferentemente de McLuhan.
É importante destacar que o campo não hermenêutico somente propõe uma
forma diversa de lidar com os objetos comunicacionais, a partir das mudanças
trazidas pela pós-modernidade.
A materialidade torna-se cada vez mais presente nos estudos das ciências hu-
manas e sociais, a partir da valorização crescente de uma construção de sentido,

capítulo 3 • 63
a partir do objeto, mesmo que, em alguns casos, os estudos não estejam direta-
mente relacionados com a teoria da materialidade ou até mesmo com o campo
da comunicação.
Pode-se dizer que a Teoria das Materialidades traz para as ciências da comu-
nicação, dentro das perspectivas epistemológicas, a apreciação de uma lógica da
imediação, foco, em aspectos da “corporeidade” das Tecnologias de Informação e
da Comunicação, ao discutir as possíveis transformações em nossa forma de lidar,
por exemplo, com a informação digital, que necessariamente envolve mudanças
nas relações físicas e cognitivas do usuário com os seus dispositivos digitais. Não
só isso, mas também o ato de desvendar questões, consideradas paradoxais, como
da relação corpórea na interação homem-máquina.
A teoria das Materialidades proposta por Gumbrecht, com sua valorização
dos processos corpóreos e das instâncias materiais das mídias, objetiva maior com-
preensão do paradoxo presente na intepretação dos estudos sobre a imediação, a
valorização e a desvalorização do corpo e dos aspectos materiais dos meios, a partir
dos procedimentos comunicacionais. Isso permite, portanto, abrir novas perspec-
tivas, em tempos pós-modernos, na forma de lidar com as interfaces e outros
possíveis ambientes digitais.
Portanto, as aplicações da Teorias das Materialidade para a comunicação são
vastas, uma vez que cobrem toda a produção cultural e contemplam o avanço
eletrônico e informativo atual.

CONEXÃO
Os pesquisadores brasileiros Erick Felinto e Vinícius Pereira também se destacam nas
reflexões quanto à Teoria das Materialidades.
Felinto, por exemplo, fala da utilização, no campo da teoria da comunicação ou dos estu-
dos sobre a interação humano-máquina, de conceitos da teoria das materialidades.
O pesquisador Vinícius Pereira, em suas proposições, fala que a imposição ao sistema
humano vem através de diferentes meios, revelando um conjunto de referências em que o
sistema realiza operações de recortes específicos das informações. Ao tratar da rede digital
de comunicação, afirma que a ideia de aldeia global em McLuhan já antevia preocupações
que passam pela ultravelocidade e por identidades movediças e transformações das subje-
tividades dos sujeitos.

capítulo 3 • 64
Recomenda-se a leitura de dois artigos:
1. Materialidades da comunicação, memória e cognição: o meio e as novas práticas sociais
- AZAMBUJA, Patrícia ; FRANÇA, Anderson Romério Rosas
2. <http://www.historiadamidiasudeste.com/uploads/8/0/3/0/80305748/md09.pdf>

RESUMO
O capítulo contemplou as abordagens sobre os fenômenos comunicacionais, a partir dos
estudos sobre Cultura de Massa(s), Sociedade de Massa e Teorias da Materialidade.
O fenômeno da popularização no acesso à comunicação gera, segundo muitos autores
e os estudos pautados, principalmente na Teoria Crítica, o que chamam de massificação
da cultura.
Adorno e Horkheimer acreditam que a intensa verticalização do processo e seu caráter
doutrinador podem ser mais bem apreendidos pela ideia de indústria cultural. Nesse sentido,
entende-se a crítica ao caráter paralisador das proposições frankfurtianas, proferidas por
Umberto Eco, que opta pelo termo Cultura de Massa.
O estudioso italiano se divide entre o escritor, autor do livro O nome da Rosa e A ilha do
dia anterior, e o teórico da comunicação, autor de obras sobre estética, mídia e semiótica,
entre elas Apocalípticos e Integrados diante da Cultura de Massa.
Eco deixa clara a ideia de que a cultura de massa faz parte do cotidiano e pode ser criti-
cada, mas não evitada.
Já o pesquisador francês Edgar Morin dedicou boa parte de seus estudos à Cultura de Mas-
sas. Uma de suas principais obras é o livro O Espírito do Tempo, publicado em 1965. Sá Martino
(2014, p.144) lembra que no Brasil, o livro ganhou o título de Cultura de Massas no século XX.
Morin (2002, p. 15) acredita que a cultura de massas “constitui um corpo de símbolos,
mitos e imagens concernentes à vida prática e à vida imaginária, um sistema de projeções e
de identificações específicas”. Ou seja, é muito mais da mentalidade do século XX do que de
um regime econômico específico.
Para Jürgen Habermas, o período posterior à Segunda Guerra Mundial é entendido como
sociedade de massas. Habermas rompe com a perspectiva crítica ao optar por reconstruir
a teoria crítica, tendo como base os conceitos como a razão comunicativa e a comunidade
ideal de comunicação.
O estudioso acredita que a comunicação serve como forma de auxiliar a reconstrução da
vida social, ao organizar seus fundamentos e ajudar na construção do desenvolvimento da

capítulo 3 • 65
sociedade, ou seja, ele foge da visão pessimista dos frankfutinianos, a partir da aceitação do
projeto de realização humana de uma sociedade.
A partir de um movimento epistemológico das Teorias de Comunicação na pós-moder-
nidade, o capítulo é finalizado com as proposições da Teoria das Materialidade, de Hans
Ulrich Gumbrecht.
Essa teoria pode ser vista como uma proposta possível ao paradigma teórico herme-
nêutico, uma vez que busca questionar o caráter atribuído à tradição intelectual do Ocidente.
As aplicações da Teorias das Materialidade para a comunicação são vastas, uma vez
que cobrem toda a produção cultural e contemplam o avanço eletrônico e informativo atual.

REFLEXÃO
• Luis Mauro Sá Martino é jornalista, professor universitário e doutor em Ciências Sociais
pela PUC-SP. Estudou, durante um ano, como pesquisador-bolsista da Universidade de Esta
Anglia, no Reino Unido. É autor dos livros Mídia e Poder simbólico, O habitus na comunicação
(em conjunto com Clóvis de Barros Filho), Comunicação: Troca Cultural (Paulus) e Estética
da Comunicação (Vozes).
• Francisco Rüdiger é Doutor em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo, Mestre
em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Autor de 15 obras relacio-
nadas com seu campo de especialização, colabora regularmente em revistas acadêmicas
e é parecerista de periódicos como Galáxia (PUCSP), Comunicação, Mídia e Consumo
(ESPM-SP), Estudos de Sociologia (Unesp), Comunicação & Sociedade (Metodista SBC) e
Fronteiras (Unisinos).
• Wolfgang Leo Maar – Professor Titular concursado na Universidade Federal de São Carlos
(2004), onde leciona desde 1979. Estudou na Escola Politécnica – USP – e fez Graduação
em Filosofia pela Universidade de São Paulo, Mestrado e Doutorado em Filosofia pela Univer-
sidade de São Paulo (1988). Pós-doutorado na Universität Kassel – Alemanha (1992; 2000-
2001; 2003). Foi professor visitante na Unicamp (1996), na Universidade de São Paulo (1997,
1998, 1999) e na PUC-SP (2012). Pesquisador Colaborador do Cenedic-USP. Experiência na
área de Filosofia e Teoria Política, com ênfase em História da Filosofia Contemporânea, prin-
cipalmente nos seguintes temas: Idealismo Alemão, Dialética, Marx e Marxismo, Teoria Crítica,
Adorno, Habermas, Teorias Políticas Contemporâneas. Tradutor do alemão.

capítulo 3 • 66
ATIVIDADES
01. Em equipe de no máximo três alunos, exemplifique e contextualize a ideia de Cultura
de Massa e Cultura de Massas, proposta a partir das formulações de Umberto Eco e Ed-
gar Morin.

02. Conceitue e dê exemplos das proposições pós-modernas desenvolvidas a partir da Teo-


ria das Materialidades para as comunicações.

03. Desenvolva um texto analítico dissertativo e leia para os seus colegas de classe, ex-
plicando sobre as relações frankfurtianas existentes no agir comunicacional de Habermas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ECO, Umberto. Apocalípticos e Integrados. São Paulo: Perspectiva, 2001
MARTINO, Luís Mauro Sá. Teoria da Comunicação – Ideias, conceitos e métodos. 5 ed. Rio de
Janeiro: Vozes, 2014.
MAAR, Wolfgang Leo. Dicionário de Comunicação – escolas, teorias e outros. In: CITELLI, Adilson e
outros (org). São Paulo: Contexto, 2014.
MORIN, Edgar. Cultura de Massa no século XX – O Espírito do Tempo – Neurose 1. 9 ed. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2002
GUMBRECHT, Hans Ulrich. O campo não-hermenêutico. Cadernos da Pós. Rio de Janeiro: UERJ/
IL, n. 5,1995.
RÜDIGER, Francisco. A Escola de Frankfurt. In: HOLFELDT, Antonio e outros (orgs). Teoria da
Comunicação: Conceitos, Escolas e Tendências. 9 ed. Petrópolis: Ed. Vozes, 2010.

capítulo 3 • 67
capítulo 3 • 68
4
Estudos culturais
Estudos culturais
Neste capítulo abordaremos os Estudos Culturais, tomando como base as pro-
posições da professora da PUC-RS Ana Carolina Escosteguy, que os analisou sob
a ótica que se desloca a partir dos estudos das teorias da comunicação. Toma-se,
portanto, um caráter teórico-metodológico, em que se desenha o privilégio de
conexões, como a própria pesquisadora defende, com os mass media e a cultura
popular dentro do universo que tais estudos compreendem.
Escosteguy (2010, p. 151) airma ser equivocada a ideia de reduzir o projeto
dos Estudos Culturais a um modelo de comunicação, uma vez que “os questiona-
mentos propostos por essa tradição extrapolam o campo da comunicação”.
Também se leva em consideração os estudos desenvolvidos pelo pesquisador
Luiz Mauro Sá Martino e as indagações sobre o que se considera, atualmente,
como “Estudos Culturais”.
O capítulo começa com uma introdução à origem dos Estudos Culturais,
passando pelos fundadores (William, Hoggart, hompson). Em seguida falaremos
das questões de identidade com Stuart Hall e, por im, abordaremos as estratégias
de John Fiske para ler televisão.

Formação dos Estudos Culturais

Luiz Mauro Sá Martino (2014, p. 245) explica que a expressão “Estudos


Culturais” descreve um grupo de pesquisadores do Center for Contemporary
Cultural Studies, da Universidade de Birmingham, mas também descreve ideias e
metodologias no estudo e na compreensão de fenômenos culturais.

É possível questionar se o que é praticado atualmente sob o nome de “Estudos Cul-


turais”, ainda está ligado ao trabalho desenvolvido pelos pesquisadores do CCCS, nas
décadas de 1950 a 1980; ao mesmo tempo na Universidade de Birmingham, o centro
não existe mais e algumas atividades foram transferidas para a Open University, em
Londres (Sá Martino, 2014, p. 245).

Os principais nomes associados ao grupo de pesquisadores do CCCS, na


Universidade de Birmingham, Reino Unido, em 1964 são Raymond Williams,
Richard Hoggarts e Edward Palmer hompson; logo depois, Suart Hall.
Escosteguy (2010, p.152) também airma que o “campo dos Estudos Culturais
surge, de forma organizada, através do Center for Contemporary Culture Studies

capítulo 4 • 70
(CCCS), diante da alteração dos valores tradicionais da classe operária da Inglaterra
pós-guerra”.
Richard Hoggart, inspirado na sua pesquisa he Uses of Literacy (1957), funda
em 1964 o Centro. A composição do eixo chave de observação do CCCS centra-se
nas relações entre a cultura contemporânea e a sociedade, suas formas culturais,
instituições, práticas culturais, bem como as mudanças sociais.
No período da formação do grupo de pesquisa, há o nascimento e a consoli-
dação da TV como “força cultural sem precedentes” (Sá Martino, 2014, p. 245).
O surgimento, no inal dos anos 1950, dos textos de Richard Hoggart –
he Uses of Literacy (1957), Raymond Willliams – Culture and Society (1958) e
E.P. hompson com he Making of the English Working-Class (1963) serve como
fonte dos Estudos Culturais.
he Uses of Literacy (1957) é em parte autobiográico e em parte história cul-
tural do meio do século XX. Já o Culture and Society (1958) constrói um histórico
do conceito de cultura e culmina com a noção de que a “cultura comum ou ordi-
nária” pode ser vista como um modo de vida em condições de igualdade de exis-
tência com o mundo das artes, da literatura e da música. Por im, he Making of
the English Working-Class (1963) refaz uma parte da história da sociedade inglesa
de um ponto de vista particular – a história “dos de baixo”.
É importante destacar que os “Estudos Culturais” beberam da fonte das ideias
de Marx, a partir da concepção cultural de Gramsci, Althusser e Luckás, sem
esquecer a inluência do estruturalismo francês, sobretudo de Roland Barthes e
dos pensadores da pós-modernidade como Foucault e Derrida, além de Saussure
e Pierce pelo viés semiótico.
Os temas escolhidos pelo movimento, normalmente, eram negligenciados pe-
las práticas acadêmicas da época, da cultura popular à cultura de massa.
Deslocando as proposições de Escosteguy (2010, p.153), podemos ressaltar
que Hoggart, em suas pesquisas, tinha como foco de atenção materiais cultu-
rais, antes desprezados, da cultura popular e dos meios de comunicação de massa,
através de metodologia qualitativa. O trabalho do pesquisador inaugura, segundo
Escosteguy (2010), o olhar de que, no âmbito popular, não existe apenas submis-
são, mas também resistência, o que mais tarde será recuperado pelos estudos de
audiência dos meios massivos.
Já Williams traz uma contribuição teórica importante para os Estudos Culturais
a partir do seu olhar diferenciado sobre a história literária, mostrando que cultura
é uma categoria-chave que conecta a análise literária com a investigação social.

capítulo 4 • 71
Em hompson há uma inluência, segundo Escosteguy (2010), ao desen-
volvimento da história social britânica dentro da tradição marxista. Tanto para
Williams como para hompson, cultura era uma rede vivida de práticas e relações
que constituíam a vida cotidiana, dentro da qual o papel do indivíduo estava em
primeiro plano. Contudo, hompson resistia, de certa forma, à ideia de cultura
enquanto uma forma de vida global, preferia compreendê-la enquanto enfrenta-
mento entre modos de vida diferentes.
O olhar sobre temas relativos à cultura de massa e sua inluência, a partir dos
meios de comunicação, permitiu, segundo Sá Martino (2014), uma nova com-
preensão da comunicação em suas mais variadas formas. “ Acultura da televi-
são passou a ser compreendida de uma maneira mais crítica” (Sá Martino, 2014,
p. 246). Além da televisão, outras manifestações, como a literatura popular, os
vídeos musicais, a música pop e o cinema de Hollywood passaram a ser objeto de
estudos, por ser popular, ou seja, um espaço de apropriações dessa cultura.
Em suma, destacam-se três aspectos dos Estudos Culturais que repercutem na
pesquisa em comunicação. O primeiro associado ao desenvolvimento de um de-
terminado tipo de investigação sobre as audiências ou sob o processo de recepção;
o segundo, à crítica a uma compreensão da comunicação como um fenômeno
centrado nas próprias tecnologias de comunicação, e o terceiro, ao questionamen-
to do enfoque fragmentado e esquemático do processo comunicativo predomi-
nante na área.

Estudos Culturais na América Latina

Na América Latina, os Estudos Culturais encontram na comunicação um solo


fértil para se desenvolver, levando em conta preocupações como a ampliação do
sentido de cultura, a importância e constituição das culturas populares e a ativi-
dade das audiências.
As condições de possibilidades históricas que a política vivencia na década de
1980, com a instauração dos processos de redemocratização em vários países la-
tino-americanos, também favoreceram o desenvolvimento dos Estudos Culturais
em vários países do continente, mesmo que associados às limitações das teorias em
circulação e dominantes em condições de reconiguração sociopolítica e cultural,
o que para Escosteguy (2014) traz uma marca política em contraste com outras
versões dos Estudos Culturais.

capítulo 4 • 72
Os principais autores dos Estudos Culturais na América Latina são Jesús
Martín-Barbero, Néstor Garcia Canclini e Guilherme Orozco.
No Brasil, por exemplo, os Estudos Culturais ganharam força com os estu-
dos da recepção, destacando-se, nessa abordagem, o colombiano Jesús Martín-
Barbero, que questionou o olhar supervalorizado para as mídias em detrimento
das práticas, situações, contextos, usos e modos de apropriação, destacando, assim,
os sujeitos no processo comunicativo. É bom ressaltar, também, que a problemá-
tica de suas proposições extrapola o âmbito da recepção, conigurando-se numa
imersão integral do processo de comunicação.
Quanto ao argentino Néstor Garcia Canclini, o foco de sua investigação cen-
tra-se na existência de uma necessidade de se identiicar, a partir da cultura, quais
produtos materiais e simbólicos podem ajudar a melhorar as condições da popu-
lação da América Latina. Para ele, os países mais desenvolvidos poderiam auxiliar
os menos favorecidos em prol da inclusão social e da qualidade de vida. Para
Canclini, só há eicácia na comunicação quando há um entendimento das relações
de colaboração e transação entre emissores e receptores, uma vez que não existe
um sentido ixo e sim uma colaboração e interação entre ambos nesse processo.
Quanto a Orozco, seus estudos têm como objetivo promover uma leitura es-
truturada e consciente do discurso televisivo. Lança o conceito de “televidência”,
em quese busca “telever” o que está por trás, ou seja, colocar em evidência aquilo
que não está sendo dito na televisão. Para ele, o processo comunicativo não se
limita à questão da emissão, mas também da recepção, na audiência, no momen-
to em que é realizada a experiência com aquilo que foi vivenciado no momento
da comunicação.
Segundo Escosteguy (2014, p.255), hoje, no contexto acadêmico brasileiro, as
contribuições dos Estudos Culturais estão além dos estudos de recepção, voltan-
do-se a estudos de culturas juvenis, de gêneros e formatos midiáticos, de questões
estéticas, entre outras pesquisas com inluência teórico-metodológica às mais dis-
tintas áreas disciplinares, assim como para diferentes objetos de estudo.

MULTIMÍDIA
Para entender melhor o conceito de “televidência” proposto por Orozco, vale a pena as-
sistir: "Videodrome", David Cronenberg ou "O Show de Truman", de Peter Weir.

capítulo 4 • 73
Williams, Hoggart, Thompson – Trabalhos fundadores

Escosteguy (2010) ressalta que existe uma ligação coordenada entre os três
autores citados como fundadores dos Estudos Culturais, contudo existem preo-
cupações em comum que abrangem as relações entre cultura, história e sociedade.
O entendimento particular de cultura é o que gera um movimento singular no
campo dos Estudos Culturais e seu enfoque sobre a dimensão cultural contemporâ-
nea, ou seja, há uma análise das práticas culturais como formas materiais e simbóli-
cas. “Logo, postula-se que a criação cultural se situa no espaço social e econômico,
dentro do qual a atividade criativa é condicionada” (Escosteguy, 2010, p. 156).
Pelos Estudos Culturais, a cultura tem um papel que não é totalmente expli-
cado pelas determinações da esfera pública.

A relação entre marxismo e os Estudos Culturais inicia-se e desenvolve-se através da


crítica de um certo reducionismo e economicismo daquela perspectiva, resultando na
contestação do modelo base-superestrutura. A perspectiva marxista contribui para os
Estudos Culturais no sentido de compreender a cultura na sua “autonomia relativa”,
isto é, ela não é dependente das relações econômicas, nem seu reflexo, mas tem in-
fluência e sofre consequências das relações político-econômicas (Escosteguy, 2010,
p.156).

A cultura deixou de ser visualizada somente com artefatos, passa-se a perceber


uma extensão maior com foco na produção de sentidos. Os Estudos Culturais
instalam a concepção de prática na cultura, portanto uma ação, provocada por
“agenciamentos” culturais.
Ana Carolina Escosteguy (2010) deixa claro que, a partir da perspectiva dos
Estudos Culturais, há uma atenção às formas de expressão culturais não tradicio-
nais, o que “descentra a legitimidade cultural”. Com isso, a cultura popular alcan-
ça legitimidade, uma vez que ocupa espaço de atividade crítica e de intervenção.
Pode-se, de acordo com a pesquisadora, dizer que os Estudos Culturais cons-
truíram uma tendência importante da crítica cultural que questiona o estabele-
cimento de hierarquias entre formas e práticas culturais, estabelecidas a partir de
oposições como cultura alta/baixa, superior/inferior etc.
Sá Martino (2014, p. 246) lembra que a genealogia dos discursos fundadores
dos Estudos Culturais passa pelos escritos de Williams, Hoggart e hompson,
entre a segunda metade da década de 1950 e o início dos anos 1960.

capítulo 4 • 74
Ao publicar, em 1957, he Uses of Literacy, Richard Hoggart queria com-
preender como as pessoas usavam as informações da mídia na vida cotidiana,
partindo do princípio de que a capacidade de leitura é a possibilidade de as pes-
soas relacionarem o que leem ou veem em sua vida cotidiana. Aos olhos do pes-
quisador, o espectador é uma pessoa comum, trabalha, tem amigos, família. Isso
tudo interfere no uso que ele faz da mensagem da mídia. “A mídia era discutida,
pensada e mesmo negada pelo leitor: seu poder se diluía na articulação com a
vida cotidiana do receptor, era parte desse cotidiano, mas não o dominava” (Sá
Martino, 2014, p. 246).
De todos os estudiosos da primeira geração dos Estudos Culturais, Raymond
Williams, segundo Sá Martino (2014), foi um dos que mais prestou atenção aos
problemas da comunicação. Suas bases em torno da concepção de cultura estão
em Culture and Society, de 1958. Para ele, a “cultura” havia perdido o sentido de
“cultivo”, no século XIX, partir de 4 preposições:
1. Para designar o estado geral ou hábito de mente;
2. O estado de desenvolvimento intelectual de uma sociedade, pensada
como um todo;
3. O conjunto das artes;
4. Um modo de vida material e intelectual.

Williams articula essas proposições aos estudos de mídia. Para ele, não existe
uma teoria da comunicação desvinculada de uma teoria da comunidade, uma vez
que a teoria da comunicação busca compreender os usos da mensagem na vida
cotidiana de indivíduos vinculados à comunidade.
Edward hompson publicou, em 1963, o he Making of the English Working
Class. A classe trabalhadora se deinia pela atividade, mas também por causa de
suas práticas culturais. “A cultura não era apenas arte, algo para ser admirado ou
que se vê nos momentos de folga, mas todas as práticas que davam a identidade
para um grupo – no caso, a classe trabalhadora” (Sá Martino, 2014, p.247).
Sá Martino (2014) aponta alguns conceitos dos Estudos Culturais, que deslo-
caremos a seguir, neste capítulo:
1. O espaço das apropriações dos meios de comunicação pela sociedade
é o receptor, ou seja, o público. A compreensão dos usos feitos pelos in-
divíduos diante da mídia passa pela compreensão da comunicação. Essa
compreensão passa por entender as subjetividades das sociedades com suas
diferentes relações.

capítulo 4 • 75
Todo espaço de cultura é um espaço político de construção de hegemonia – e, se os
meios de comunicação de massa transformam a cultura em produto, a disseminação
em larga escala dos produtos culturais, é o momento também de pensar os jogos da
política cultural a partir da mídia (Sá Martino, 2014, p.247).

2. Os meios de comunicação são a arena das disputas de espaço pela cons-


trução de práticas signiicativas dentro de uma cultura de luta e também se
constituem como instrumento de imposição legitimada de um padrão.

A cultura popular – entendida aqui como a cultura pop produzida pelos meios de co-
municação – é uma das responsáveis pela articulação de identidades cotidianas na
medida em que é um dos principais elementos de definição do mundo (Sá Martino,
2014, p. 247).

3. Os meios de comunicação são, pelas proposições dos Estudos Culturais,


uma produção cultural inserida em um contexto histórico e social particular.

Sua ideia de “cultura” não está vinculada apenas às “produções do espírito”, mas a
qualquer produção simbólica a partir da qual o ser humano entende seu mundo. Em
uma cultura pontuada pelos meios de comunicação, entender a cultura de massas é a
chave para entender o cotidiano.

Existe uma necessidade de compreender a cultura de massa pelos receptores,


ou seja, implica a compreensão das relações existentes na oposição entre culturas
entendida anteriormente. Com os Estudos Culturais, muda-se a concepção de
cultura em prol de uma deinição mais elástica, pronta para conceituar e interpre-
tar as práticas simbólicas do cotidiano moderno.
4. Há uma expectativa quanto ao entendimento do que seria “massa”
como um momento da sociedade. Um estudo momentâneo, não uma for-
ma de vida.

Ao contrário, a cultura reflete igualmente momentos de padronização e diversidade –


sobretudo quando se pensa nas diferentes formas de recepção vinculadas às minorias.
Opor a ideia de “minorias” ao conceito de “massa” não se trará de um desvio semântico,
mas de uma questão política (Sá Martino, 2014, p. 248).

capítulo 4 • 76
Stuart Hall não é citado como um dos fundadores dos Estudos Culturais, mas
terá papel fundamental à medida que assume o cargo de Hoggart na direção do
Centro, de 1968 a 1979. O período em que o pesquisador estava no cargo é mar-
cado pelo incentivo ao desenvolvimento da investigação de práticas de resistência
de subculturas e de análises dos meios massivos, identiicando seu papel central na
direção da sociedade, conforme veremos no tópico seguinte.

Stuart Hall – Uma questão de identidade

O jamaicano Stuart Hall viveu e atuou no Reino Unido, sendo, portanto,


inserido nas condições históricas em que se formavam os Estudos Culturais. Sua
preocupação centrava-se em dar base comum aos estudos sem perder ou negar
nenhuma contribuição em que possa ser utilizada.
Uma de suas principais ideias sobre mídia é o ensaio “Codiicação/
Decodiicação”, de 1981.
Sá Martino (2014) ressalta que os Estudos Culturais estão em permanente
construção, a partir de ações que agregam ideias, teorias e métodos, com a inali-
dade de compreender e não fechar o assunto.
O objeto de estudo dos Estudos Culturais circula pela sociedade com ênfase
no papel da mídia como produtor-reprodutor da cultura e como espaço de luta
simbólica.
Nos Estudos Culturais, a recepção torna-se uma prática ativa dentro do pro-
cesso da comunicação, distanciando-se, deslocando pensamentos e proposições de
Sá Martino (2014), de qualquer elemento vinculado à pesquisa de “efeitos”, mas
de “usos”.
Em Encoding/Decoding, Hall questiona a premissa de que as mensagens são
unidimensionais e de passividade da audiência. A partir do privilégio da forma
discursiva do produto midiático, reivindica o entendimento de que a mensagem
é polissêmica e que o efeito da ideologia é negar isso. O pesquisador jamaicano
lança a ideia de que, se o sentido não é articulado em práticas, ele não tem efeito.
Essa concepção abre as portas para a realização de estudos empíricos de recepção.
Essa preocupação rompe com as proposições estruturalistas, privilegiando, assim,
a ação dos sujeitos ante o poder da mídia.
A visão de Hall contribui para uma atenção cada vez menor às estruturas de
produção de bens culturais e ajuda na formação de um fosso entre os estudos cul-
turais e a economia política da comunicação.

capítulo 4 • 77
A seguir, o modelo Encoding/Decoding proposto por Hall.

CODIFICAR DISCURSOS DOS MEIOS DE DECODIFICAR


COMUNICAÇÃO

ESTRUTURAS DE ESTRUTURAS DE
SIGNIFICADO I SIGNIFICADO II

QUADROS DE QUADROS DE
REFERÊNCIA DE REFERÊNCIA DE
CONHECIMENTO CONHECIMENTO
RELAÇÕES DE RELAÇÕES DE
PRODUÇÃO PRODUÇÃO

INFRAESTRUTURA INFRAESTRUTURA
TÉCNICA TÉCNICA

A partir desse modelo de comunicação, a codiicação é a deinição de sentido


dentro da forma textual, inluenciada pelas práticas dos proissionais dos media, e
a decodiicação é o trabalho feito pelo receptor para produzir sentido desses textos.
Esse modelo foi visto como ponto de virada dos Estudos Culturais, pois in-
troduziu a ideia de que os programas de televisão são textos relativamente abertos,
capazes de serem lidos de diferentes modos por diferentes pessoas. O pesquisador
propôs, ainda, uma correlação entre a situação social da pessoa e o sentido que ela
gera de um programa. Assistir à televisão passa a ser um processo de negociação
entre o espectador e o texto.
Os Estudos Culturais e suas novas contribuições faziam-se em torno de um
eixo central, a preocupação com o uso da cultura pelo povo, o que, segundo Sá
Martino, conigura-se numa categoria difícil de deinir e que engloba tanto a cul-
tura popular quanto a chamada cultura de massa.
É a partir dos Estudos Culturais que novos objetos são integrados à pauta
da pesquisa, como já mencionado antes, são eles: música pop, desenhos anima-
dos, jogos de futebol, telenovelas passaram a tornar-se objetos de estudos para os
Estudos Culturais, uma vez que são práticas culturais de um grupo. Antes, esses
objetos de estudos eram considerados sem importância acadêmico científica.
O novo olhar observador dos Estudos Culturais trouxe a crítica, mas com a inten-
ção de compreender o signiicado desses produtos culturais para quem está assistindo.

capítulo 4 • 78
A recepção está muito longe de ser passiva – e isso é uma premissa clara desde os
fundadores dos Estudos Culturais. A ideia de que o povo constrói e reconstrói sua
própria cultura está longe de ser ingênua, mas baseia-se na noção de cultura como
prática dotada de sentido. Trata-se de mostrar um público ativo, imerso em um conjun-
to de práticas e consumo cultural influenciado pelas condições econômicas e sociais
(Sá Martino, 2014, p. 250).

Ainda deslocando as preposições de Sá Martino (2014), é importante ressaltar


o quanto esse discurso conduz para uma preocupação com as minorias étnicas,
nacionais e sexuais. Isso porque os Estudos Culturais proporcionaram a abertura
de espaços para grupos, antes marginalizados, que ganham, a partir de então, uma
espécie de “legitimidade”, inicialmente acadêmica, mas que favorece se irmarem
como movimentos importantes da sociedade.
Para Hall, esse novo olhar sobre a cultura mostra o quanto ela pode ser um
espaço de deslocamento, de conlito, uma vez que, para muitos grupos marginali-
zados, signiicou, além de um reconhecimento de novo espaço cultural, um lugar
aberto para a luta política.
O pesquisador jamaicano acreditava que a leitura feita pelo receptor é sempre
diferente da leitura pretendida pelo produtor, embora ambos estejam dentro da
mesma cultura. O receptor é um ser social e histórico, e sua maneira de ver televi-
são ou ler uma revista está ligada a seu desenvolvimento nesse sentido. Exemplo:
Como nos vemos diante dos padrões apresentados pela mídia? Portanto, a recep-
ção é o lugar onde a comunicação acontece de maneira efetiva.
Os Estudos Culturais revelaram ao mundo o que estava silenciado, esquecido,
excluído, interditado, como as políticas de gênero, em especial o feminismo, o im-
pacto pelo “im” do mundo colonial nos anos de 1960, o surgimento das culturas
do Terceiro Mundo que se tornam protagonistas, a oposição entre capitalismo e
comunismo, a recepção das minorias.
As proposições de Hall e dos demais pesquisadores dos Estudos Culturais con-
temporâneos descartou, de certa forma, o que havia de hipodérmico no modelo
de comunicação.

John Fiske – Estratégias para ler televisão

Um dos objetos permanentes na agenda dos Estudos Culturais é a televisão. Foi


o primeiro movimento acadêmico-cientíico a reconhecer a presença da TV no dia a
dia e, portanto, desenvolveram um vasto caminho para leituras críticas desse meio.

capítulo 4 • 79
Na primeira geração dos Estudos Culturais, destacamos o pesquisador
Raymond Williams, que propôs a dupla natureza da televisão: uma tecnologia de
comunicação e um elemento de produção cultural.
No entanto, foi com John Fiske e as obras Television Culture, de 1987, e Reading
Television, de 1993, que se desenvolveram estratégias de leitura da televisão.
Para Fiske, antes de ser um sujeito textual, os telespectadores são sujeitos so-
ciais que vivem uma formação social particular (uma mistura de classes, gêne-
ros, idades...) o que constituem uma história cultural complexa. Assim, os textos
televisivos têm uma dimensão convencional que deva aparentar naturalidade e,
portanto, promover a identificação.
Fiske esclarece o que considera televisão e o que entende como cultura. Para
ele, a televisão é um apoiador, provocador de sentidos e prazeres variados cuja
geração e circulação dentro da sociedade icaria a cargo da cultura. Televisão como
cultura é uma parte crucial da dinâmica social pela qual a sociedade se estrutura e
se mantém num processo constante de produção e reprodução.
O modo como a textualidade da televisão torna-se signiicativa e prazerosa
para seus espectadores, situados em várias condições, sem deixar de levar em conta
sua dimensão e status como uma mercadoria na economia; é o foco principal da
abordagem de Fiske.
Para o pesquisador, a análise do texto televisivo consiste em compreender os
códigos usados pelas mensagens e suas relações: códigos são vínculos entre produ-
tores, textos e audiências e são os agentes da intertextualidade através dos quais os
textos se inter-relacionam numa rede de sentidos que constituem nosso mundo
cultural. Como esses códigos trabalham numa estrutura hierárquica complexa,
suas categorias são arbitrárias e escorregadias.
Fiske apresenta os códigos em três níveis:

Evidenciam-se as convenções culturais. Exemplo: a apa-


rência, a roupa, maquiagem, o comportamento, ambiente,
REALIDADE contexto, fala, gestos e expressões reais das pessoas
(CÓDIGOS SOCIAIS) diante da câmera. São codificados num segundo nível pe-
los códigos técnicos;

capítulo 4 • 80
Através desses códigos se evidenciam e são definidas
as representações convencionais de narrativas, conflitos,
REPRESENTAÇÕES personagens, ação, diálogo, cenário, elenco e etc. Exem-
(CÓDIGOS TÉCNICOS) plo: câmera, enquadramento, iluminação, edição, música,
som. Ou seja, ações que, por sua vez, são organizadas no
nível seguinte;

Orienta a organização dos códigos técnicos dentro de


uma coerência e aceitabilidade social que revelam có-
IDEOLOGIA digos ideológicos, ou seja, refém a construção da men-
(CÓDIGOS POLÍTICOS) sagem no nível mais externo, ressaltando valores como
individualismo, classe, gênero, raça e capital.

Segundo Sá Martino (2014), a proposições de Fiske sobre esses códigos de


televisão não icam restritas à esfera da mídia. Na vida cotidiana, compartilhamos
e usamos várias dessas referências em diversas situações.
Da mesma maneira, os proissionais de comunicação usam referências externas
ao criar, por exemplo, um programa de televisão. Daí Fiske destacar a intertextuali-
dade entre os códigos de televisão e os demais signiicados produzidos na vida diária.
Os códigos técnicos podem ser identiicados e analisados. As relações entre os
convencionais e ideológicos são muito mais elusivas e difíceis de especiicar, em-
bora essa seja a tarefa do crítico. Os códigos ideológicos trabalham, como vimos,
para organizar outros códigos dentro da produção de um conjunto de sentidos
coerentes e consistentes que formam o senso comum.
Pode-se dizer, portanto, que esse processo de códigos inter-relaciona os três
níveis de forma dinâmica, porque o sentido só pode ser produzido quando a rea-
lidade, as representações e a ideologia emergem dentro de uma unidade coerente,
aparentemente natural.
O pesquisador argumenta que os programas televisivos são polissêmicos para
alcançar audiências populares. Contudo, é bom ressaltar que o texto televisivo
produzido por uma Instituição, necessariamente, apoia esta ideologia, fazendo
com que qualquer produção de sentido resistente seja feita não de forma “inde-
pendente”, mas, sim, o que ele chama de ideologia dominante.
Os códigos da televisão não podem ser considerados com estruturas ixas. Há
sempre incorporação de novos estilos e modelos, a própria tecnologia tende a criar
novas formas culturais na televisão.

capítulo 4 • 81
A perspectiva de ler as produções da TV procurando seu significado parece esbar-
rar em uma questão técnica: até que ponto é possível encontrar espaços para con-
testação na TV se ela obedece a lógica da indústria? Fiske responde sublinhando a
natureza da produção da TV: a televisão cria programas em escala industrial que se
transformam em textos no momento em que atingem o receptor. Assim, a TV exibe o
mesmo programa em toda a parte; em cada lugar o público lerá textos diferentes. O
produto se transforma em texto quando é apropriado pelas pessoas em uma leitura
particular e ganha um novo sentido (Sá Martino, 2014, p. 252).

Para entendermos a dinâmica entre os códigos de mídia e a vida cotidiana, é


preciso que compreendamos que não existe uma fronteira deinida, contudo Sá
Martino (2014) ressalta que as mensagens de mídia (programas de TV, notícias,
propagandas) são criadas por pessoas vinculadas a esses códigos, ou seja, estes são
familiares. É uma proposição do dia a dia que se articula a outras práticas, ajudan-
do na construção da identidade dos indivíduos.
Portanto, o que Fiske realizou ao ler televisão foi demonstrar os códigos e
estabelecer procedimentos de leitura dos textos da mídia, entendendo o dito, mas
também como diferentes indivíduos ou grupos têm diferentes leituras de uma
mesma mensagem. Por isso, não há, segundo o pesquisador, um telespectador
indefeso diante da televisão; ao contrário, alguém que recebe a mensagem e a
articula a partir de suas experiências, e assim a ressignifica.

RESUMO
Neste capítulo você pôde conhecer um pouco das contribuições dos Estudos Culturais
para o campo da comunicação.
O capítulo começa abordando a origem dos Estudos Culturais, a partir da fundação do
Centro de Estudos Culturais contemporâneos (CCCS), fundado por Richard Hoggart, em
1964, na Universidade de Birmingham.
Os pesquisadores do Centro também são referenciados como Escola de Birmingham,
pela reação à produção e reflexão realizada no CCCS, dedicado à pesquisa de pós-graduação.
Além de Hoggart, são considerados pioneiros dos Estudos Culturais, na Inglaterra, Ri-
chard Hoggart, Raymond Williams e E. P. Thompsom. No entanto, outra figura se destaca no
cenário britânico, que é Stuart Hall e, posteriormente, a partir da leitura semiótica da televi-
são, John Fiske.
Além dos estudos culturais ingleses, é recorrente na literatura de comunicação a divisão
dos Estudos Culturais em dois momentos. O primeiro trata da questão inglesa dos Estudos

capítulo 4 • 82
Culturais com enfoque no cultural local e regional; no segundo momento, temos a divisão
desses estudos com enfoque na cultura latino-americana. Os principais autores dos Estudos
Culturais na América Latina são: Jesús Martín-Barbero, Néstor García Canclini e Guiller-
mo Orozco.
Pode-se dizer que as contribuições dos Estudos Culturais, tanto ingleses quanto na Amé-
rica Latina, estão na preocupação ao conteúdo que o receptor entende, isso porque é na
recepção que efetivamente a comunicação acontece. Isso é importante de se perceber, já
que a leitura que o produtor de comunicação tem não necessariamente condiz com a leitura
promovida pelo receptor.
De modo pouco mais específico, entendemos que três aspectos destacam-se nas pesqui-
sas em comunicação a partir dos Estudos Culturais: o desenvolvimento de um tipo de inves-
tigação sobre as audiências ou sobre o processo de recepção; a crítica a uma compreensão
da comunicação como um fenômeno centrado nas próprias tecnologias de comunicação; e o
enfoque fragmentado e esquemático do processo comunicativo, predominante na área.
Vale ressaltar que os Estudos Culturais ingleses dão enfoque ao cultural local e regional;
na América Latina, temos a divisão desses estudos com enfoque na cultura latino-americana.
Vimos também, nesta unidade, os estudos do pesquisador jamaicano Stuart Hall, que
viveu na Inglaterra e acreditava que a leitura feita pelo receptor é sempre diferente da leitura
pretendida pelo produtor, embora ambos estejam dentro da mesma cultura. O receptor é
um ser social e histórico, e sua maneira de ver televisão ou ler uma revista está ligada a seu
desenvolvimento nesse sentido.
Por fim, vimos as proposições de Fiske. Para o pesquisador, antes de serem sujeitos tex-
tuais, os telespectadores são sujeitos sociais que vivem uma formação social particular (uma
mistura de classes, gêneros, idades...), o que constitui uma história cultural complexa. Assim,
os textos televisivos têm uma dimensão convencional que deva aparentar naturalidade e,
portanto, promover a identificação.

REFLEXÃO
• Richard Hoggart – nasceu em 1918, passando sua influência no meio operário, sua ori-
gem. No final da Segunda Guerra, ingressou na docência, trabalhando com formação de
adultos do meio operário. Influenciado por Leavis e a revista Scrutiny, dedicou-se às culturas
populares de um modo mais condescendente. Fundados do Centro (CCCS).

capítulo 4 • 83
• Raymond Williams – nasceu no País de Gales (1921-1988), filho de um ferroviário. No
final da Segunda Guerra, passou a ser tutor na Oxford University Delegacy for Extramural
Studies, devido à sua formação em literatura. Sua posição teórica foi sintetizada em Marxism
and Literature (1977), quando reivindicou a construção de um materialismo cultural.
• E.P. Thompson – (1924-1922) – Iniciou sua vida como docente de um Centro de Educa-
ção permanente para adultos. Foi militante do partido comunista, mas em 1956 rompeu com
o partido, convertendo-se em um dos fundadores da New Left Review.

ATIVIDADES
01. Desenvolva um texto analítico-dissertativo, com no máximo uma lauda, falando sobre as
proposições em torno dos Estudos Culturais Ingleses e dos Estudos Culturais da América
Latina, destacando os principais autores.

02. Identifique e explique as diferenças e as semelhanças entre os Estudos sobre televisão


apresentados por Stuart Hall e Jonh Fiske.

03. Qual a importância das proposições dos Fundadores dos Estudos Culturais para o cam-
po da comunicação?

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ECOSTESGUY, Ana Carolina. Os Estudos Culturais. In: HOLFELDT, Antonio e outros (orgs). Teoria
da Comunicação: conceitos, escolas e tendências. 9 ed. Petrópolis: Ed. Vozes, 2010.
MARTINO, Luís Mauro Sá. Teoria da Comunicação – Ideias, conceitos e métodos. 5 ed. Rio de
Janeiro: Vozes, 2014.
MAAR, Wolfgang Leo. Dicionário de Comunicação – Escolas, teorias e outros. In: CITELLI, Adilson e
outros (org). São Paulo: Contexto, 2014.

capítulo 4 • 84
5
Mediações e
estudos de
recepção
Mediações e estudos de recepção
A segunda metade do século XX apresenta, no cenário acadêmico cientíico,
uma mudança de olhar sobre o processo comunicacional, que descentraliza a ob-
servação, de maneira funcional, do emissor da mensagem e passa a compreender o
papel do receptor não mais como um agente sem possibilidade de ação na resposta.
Enxerga-se o sujeito nos estudos de comunicação. Estuda-se, a partir de en-
tão, muito mais o que as pessoas fazem com os meios do que os meios fazem com
as pessoas.
Neste capítulo, pretende-se mostrar como o estudo de recepção, a partir do
olhar iniciado nos Estudos Culturais ingleses, orientou a vertente latino-america-
na, mais conhecida como “teoria das mediações”, e as pesquisas acadêmicas brasi-
leiras no campo comunicacional.
A “Teoria das Mediações” é vista por muitos teóricos – como Sá Miranda, de
quem iremos deslocar algumas preposições – como resultado de um deslocamento
teórico e geográico. Um dos principais expoentes desse olhar sobre o Hemisfério
Sul é Jésus Martin-Barbero, com a obra Dos meios às Mediações, de 1987.
O capítulo encerra uma perspectiva sobre a história das teorias que atraves-
saram e ainda atravessam o campo de saber da comunicação. Contudo, espera-se
evoluir olhares ou abrir novos métodos de investigação sobre as empirias contem-
porâneas, a partir do lastro deixado pelos precursores.

A pesquisa em comunicação na América Latina

A produção do conhecimento em comunicação na América Latina foi impul-


sionada pelas demandas políticas e sociais. Deslocando as proposições da pesqui-
sadora Christa Berger, foram as marcas da dependência estrutural que apresenta
uma cultura do silêncio e da submissão, mas que, ao mesmo tempo, deixa esta-
belecer níveis de resistência e de luta, o principal pano de fundo pela busca de se
compreender o que acontecia com a comunicação e, assim, pode-se ou pretendeu-
se demarcar as fronteiras do emergente campo de estudo.
É preciso entender as condições de possibilidades históricas que moviam as
relações e o desenvolvimento dos estudos de comunicação na América Latina.

capítulo 5 • 86
Um pouco da história nas pegadas da pesquisa comunicacional na América Latina

Utilizando as pegadas metodológicas para uma compreensão mais cronológi-


ca, voltamos um pouco ao passado teórico. Desde a década de 1930, encontram-se
estudos sobre o jornalismo vinculados à discussão sobre liberdade de imprensa
e legislação.
A inluência norte-americana ingressa na América Latina, trazendo junto
temas e métodos. Surge então, em 1959, o Centro Internacional de Estudios
Superiores de Periodismo para a América Latina (Ciespal), em Quito, Equador.
O Centro é fundado no contexto da Aliança para o Progresso, uma resposta do
governo Kennedy ao novo cenário latino-americano. Era uma resposta à revolução
cubana, que obrigou os Estados Unidos a revisarem sua política exterior, numa
tentativa de impedir a expansão do movimento cubano. “Durante o governo de
John F. Kennedy, foi idealizado um plano de ajuda à América Latina em matéria
de saúde, educação e de melhoria para as zonas rurais.” (Berger, 2010, p. 242)
O Ciespal oferece cursos para o aperfeiçoamento de proissionais que atuam
em comunicação de massa da região. Wilbur Schramm, Raymond Nixon, John
McNelly, Jacques Kayser e Jofre Dumazedier são alguns dos pesquisadores que
atuaram no Centro, através de seminários e pesquisas, posicionando temas como
comunicação e modernização, rádio e tele-educação, liderança de opinião. As me-
todologias utilizadas também foram outra marca de inluência norte-americana,
como as pesquisas quantitativas e a análise de conteúdo. Foi um período em que a
pesquisa descritiva predominou sobre a análise. Houve o desenvolvimento de um
modelo difusionista, instrumental adotado para a comunicação rural em toda a
América Latina, originando, com isso, a dicotomia comunicação e extensão.
A partir de 1973, durante o primeiro encontro organizado por pesquisadores la-
tino-americanos, o Centro recebeu muitas críticas e passou a buscar raízes na América
Latina, introduzindo, em seus cursos, a preocupação pela comunicação popular, pela
pesquisa participante, substituindo professores estrangeiros por argentinos (Daniel
Prietto), chilenos (Eduardo Contredas Budge), brasileiros (Luiz Gonzaga Mota), e
assim propiciar uma compreensão mais próxima da realidade da região.
A indústria petroleira e o desabrochar da democracia venezuelana, a partir da
década de 1960, fez a Venezuela se sobressair na América Latina. O país passou a
ser um dos primeiros a ter televisão com investimentos comerciais signiicativos. E
foi justamente com a televisão que os investimentos norte-americanos se izeram
presentes na indústria cultural, primeiro na Venezuela e, depois, com o mesmo
modelo, por toda a América Latina.

capítulo 5 • 87
Em 1959, na Venezuela, surgiu o Instituto Venezuelano de Investigaciones
de Prensa de La Universidad Central, cuja primeira pesquisa buscou saber Qué
publicó la prensa venezolana durante la ditadura?, comprovando, segundo Berger
(2010, p. 244) a procedência oicial do noticiário.
Vale ressaltar que esse centro teve origem no ININCO (Instituto de
Investigaciones de la Comunicación), fundado em 1973, cujo objetivo centrava na
pesquisa da comunicação social ou de massas, que compreende tanto o estudo teó-
rico e metodológico dos problemas da comunicação como a análise permanente
dos diferentes meios e de sua incidência no âmbito nacional. Antonio Pasquali foi
o nome mais importante do Instituto.
Pode-se concluir que Venezuela e Equador são as primeiras sedes da pesquisa
em comunicação na América Latina.
Em 1970, surgiu o CEREN (Centro de Estudos da Realidade Nacional), vin-
culado à Universidade Católica do Chile. O Centro era coordenado por Armand
Mattelart e integrado por Héctor Schmucler, Hugo Assmann, Michele Mattelart,
Mabel Piccini e Ariel Dorfman. O centro se destacou na pesquisa sobre o domí-
nio das multinacionais na comunicação latino-americana, desde uma perspecti-
va marxista, introduzindo conceitos como ideologia, relações de poder, conlitos
de classe.

Esta perspectiva, inaugurada no Chile da Unidade Popular, já vinha sendo ensaiada


pelo grupo de 1965, com as pesquisas antropológicas/demográficas/comunicacio-
nais, e contava, também com a participação de Paulo Freire, estendendo-se, posterior-
mente, por toda a América Latina e marcando a fisionomia dos Estudos Latino-ameri-
canos da comunicação (Berger, 2010, p. 245).

O grupo se desfez com o golpe militar chileno. Alguns de seus membros vol-
taram a se encontrar no México, através do Instituto Latinoamericano de Estudios
Transnacionales – ILET. O núcleo do ILET era formado por pesquisadores chile-
nos, argentinos e peruanos. A orientação do Instituto era de informação interna-
cional e estrutura transnacional, com livre luxo de informação, democratização
da comunicação.
A relexão latino-americana sobre a comunicação se instaurou entre os anos
1960 e 1970. As condições estruturais do chamado “subdesenvolvimento” passa-
ram a incorporar a análise dos meios. O panorama político da região era o que
caracterizava a relexão do momento. Era o momento, na América Latina, de
oposição ao American Way of Life.

capítulo 5 • 88
Portanto, foi nessas condições históricas, com possibilidades de luta pelo so-
cialismo, de intervenção militar e a convivência com o capital norte-americano,
que a comunicação de massa foi introduzida e sedimentada na América Latina.
Deslocando as proposições da pesquisadora Berger (2010), essa comunicação é
identiicada com a televisão e com o inanciamento norte-americano, formando
o pano de fundo e a motivação para a produção de uma pesquisa crítica sobre a
comunicação massiva eminente.
A “pesquisa-denúncia” dos anos 1970 foi substituída pela “pesquisa ação”, nos
anos 1980, o que Berger (2010) ressalta como uma observação não só comprome-
tida como também militante para o trabalho acadêmico.
Ao que se convencionou denominar pensamento latino-americano podem-se
destacar autores como Antonio Gramsci, Walter Benjamin e os que militaram sob
a égide dos estudos culturais ingleses, como Raymond Williams. Martín Barbero,
por exemplo, recuperou em Benjamin e Williams as proposições advindas da ex-
periência para trazer o popular, cujo conceito precisava para ele permanecer ligado
à singularidade dos fenômenos ao sentido das práticas.
Apesar de termos visto vários autores e vários países na origem do proces-
so de debates sobre comunicação na América Latina, destacam-se três obras que
concentram e são responsáveis em grande medida pela circulação do debate: De
los médios a las mediaciones (Martín-Barbero, 1987); Culturas Híbridas (Canclini,
1997) e Más (+) Cultura(s): ensayos sobre realidades plurales (Gonzáles, 1994).
Barbero, por exemplo, em 1984, identiicou, no surgimento do interesse pelo
estudo da comunicação popular, não somente os limites de um modelo, a que
Berger (2010) chama de hegemônico, mas também a pressão dos acontecimentos
e processos sociais que foram transformando a relevância social dos objetos de
estudo desde os parâmetros sobre os quais era possível pensar um novo objeto.
As pesquisas desse período pautam-se na problemática da cultura e da recep-
ção esclarecidas pela noção de mediação. A lógica do poder absoluto dos meios de
comunicação é rompida a partir da discussão sobre cultura como base do desen-
volvimento alcançado pelas teorias.
Barbero, Canclini e Orozco são, inclusive, autores consagrados pelas teses
e dissertações que adotaram, no Brasil, a perspectiva sociocultural da recepção,
embora já tenhamos um cabedal de conhecimento produzido por pesquisado-
res brasileiros.

capítulo 5 • 89
Teoria das Mediações

O debate sobre a recepção midiática na América Latina deve ser visto, levan-
do-se em consideração a importância dos Estudos Culturais.
Como citado na introdução, a igura de Jesus Martin-Barbero é um ponto de
referência para a área. Pode-se dizer que a construção do trabalho intelectual de
Martín-Barbero está identiicada em dois momentos particulares que demarcam
pontos de partida: um primeiro período marcado por matrizes vinculadas à iloso-
ia e semiologia; um segundo, pelo contato com o pensamento crítico da cultura.
Pelo pensamento crítico da cultura, há uma atenção às teorias do discurso e
da linguagem para aprofundar questões que emergem dos conlitos e movimentos
sociais e da problemática da cultura popular e da comunicação de massa. Questões
que tomaram importância e maior densidade com os estudos sobre a televisão, em
que a telenovela é o objeto mais signiicativo e conceituado como expressão do
popular massivo.
A partir da obra Dos meios às mediações, Barbero (1987) propõe um deslo-
camento dos estudos de comunicação, ou seja, no lugar de se preocupar com os
meios e suas condições especíicas de produção ou mensagem, era preciso pensar
nas mediações, nos processos culturais, sociais e econômicos que enquadravam
tanto a produção quanto a recepção das mensagens da mídia.

Tratava-se de entender as relações da cultura de massa, criada nos Estados Unidos


ou a partir de modelos norte-americanos com as culturas locais e tradicionais da Amé-
rica Latina. Sobretudo havia uma preocupação com o receptor: “na leitura” – como no
consumo – não existe apenas reprodução, mas também produção, uma produção que
questiona a centralidade atribuída ao texto-rei, explica Martín Barbero em seu livro (Sá
Martino, 2014, p.183).

Em Barbero (1987), há a recusa da negação das classes no conceito de povo,


da heterogeneidade da cultura popular no conceito de classe e da capacidade de
criação cultural no conceito de massa. Para ele, a questão realmente central para
pensar o popular era partir de onde o marxismo parou. Vale dizer, segundo Jacks e
Ronsini (2010, p.350), a ampliação da explicação da diferença cultural para além
da distinção de classe.
O pesquisador recuperou o “popular” no debate comunicacional. Barbero tra-
balhou a comunicação a partir da cultura e lançou um conceito fundamental para
os estudos de recepção: o conceito de mediação.

capítulo 5 • 90
Entende-se, portanto, que se trata de um deslocamento da análise do meio de
comunicação propriamente dito para onde o sentido é produzido, para o âmbito
dos usos sociais, as mediações culturais da comunicação.
Barbero aponta três lugares fundamentais na mediação: a cotidianidade fa-
miliar, a temporalidade social e a competência cultural. A família é uma situação
primordial de conhecimento, e o bairro pode ser visto como “lugar” de reconheci-
mento – trata-se dos processos de reconhecimento com “lugares” de constituição
de identidades, o que permitiu melhor entendimento das mediações que reconi-
guram os processos de recepção ao longo dos tempos.
O lugar privilegiado para a análise do processo de recepção é o cotidiano,
dentro da lógica de Barbero, pois está na relação com o próprio corpo até o uso
do tempo, o habitar e a consciência do que é possível ser alcançado por cada um.
Estudar os conlitos, o hegemônico e o subalterno, o moderno e o tradicional,
as mutações e as fragmentações dos públicos, sem que se deixe cair em dualismo,
é a implicação do fenômeno coletivo, ao qual chamamos recepção.

Boa parte da recepção está de alguma forma, não programada, mas condicionada,
organizada, tocada, orientada pela produção, tanto em termos econômicos como em
termos estéticos, narrativos, semióticos (Barbero, 1997, p. 56).

Barbero propõe que há um processo de negociação de sentido nos modos de


interação do receptor com o meio – a recepção é um espaço de interação; desse
modo, não há uma comunicação se cada um, por exemplo, ler no jornal o que lhe
der na cabeça, livremente, ou seja, esse espaço de interação se dá não somente com
as mensagens, mas com a sociedade e com os outros sujeitos. É pela circulação do
discurso que se constrói o sentido dos produtos midiáticos.
Ao reconhecer o poder como uma das chaves dos estudos de recepção, Martin-
Barbero airma que se devem estudar as assimetrias e negociações entre o autor e
leitor e entre o leitor e autor.
Nesse sentido, a história pessoal, a cultura de um grupo, as relações sociais
imediatas, capacidades cognitivas são mediações, mas também interferem no
processo dos sujeitos da maneira pela qual assistem televisão, sua relação com os
meios e com as mensagens veiculadas.
No Brasil, as obras de Barbero se difundiram a partir do programa de pós-gra-
duação em Ciências da Comunicação da USP, no inal da década de 1980.
Outro autor importante dentro da teoria das mediações é o mexicano
Guillermo Orozco Gómes. Mexicano de Guadalajara, tornou-se especialista em

capítulo 5 • 91
televisão. Firmou-se no campo da comunicação como um dos maiores pesquisa-
dores dos processos de recepção. A obra do pesquisador mexicano sintetiza um
esforço de aproximação entre o campo da comunicação e o da educação.
A obra Televisión y producción de signiicados (três ensayos) é considerada um
ponto de inlexão na trajetória acadêmica de Orozco, colocando-o na vanguarda
dos estudos qualitativos de recepção, uma vez que conjuga o pensamento comu-
nicacional latino-americano com a visão anglo-americana sobre os processos pe-
dagógicos e os estudos sobre as audiências.
Na genealogia de sua obra latino-americana, tem-se como uma das bases a
noção de mediação proposta por Jésus Martín-Barbero.
Contudo, esse conceito tem uma dimensão pedagógica, através da ideia de
que ser audiência tem uma dimensão educativa intrínseca. Portanto, para ele, os
estudos de recepção sobre a televisão devem abarcar uma compreensão mais inte-
gral da interação entre audiência, televisão e educação.
A obra de Orozco apresenta a multiplicidade de representações e reconigura-
ções sociais, políticas e culturais que emergem de um ecossistema comunicativo,
cada vez mais amplo, segundo Peres-Neto (2010, p. 358), tanto o estar como o re-
conhecer-se audiência que transforme a construção da identidade dos indivíduos,
suas interações sociais e vínculos espaço-temporais. “O encontro dos sujeitos com
a televisão, de fato, os transforma em sujeitos-audiência”.
Orozco parte do pressuposto de que a interação entre televisão e audiência
se constrói de modo complexo, multidirecional e multidimensional, a partir de
múltiplas mediações, deinindo, assim, mediação como o processo de estruturação
vindo de ação concreta ou intervenção no processo de recepção midiática, sendo
que estas mediações se manifestam por meio do discurso e das ações.
Sá Martino (2014, p. 184) lembra que, para Orozco, a mediação entre TV e
público, por exemplo, acontece nas práticas sociais, ou seja, o cotidiano e a histó-
ria são mediações fundamentais.

As mediações são os conhecimentos e as práticas sociais das pessoas. São estruturas


simbólicas dinâmicas a partir das quais é atribuído o sentido de uma mensagem em
um determinado momento no espaço e no tempo. As condições materiais e simbólicas,
nas quais o receptor está inserido e que influenciam a recepção de uma mensagem,
são os elementos responsáveis pelas reapropriações e reconstruções levadas a efeito
pelo receptor. Ver televisão ou ir ao cinema é uma prática social. Mesmo sozinho diante
da tela, o telespectador mira a televisão com um olhar carregado de referências (Sá
Martino, 2014, p. 184).

capítulo 5 • 92
O olhar do pesquisador mexicano entende a polissemia da programação. A re-
cepção estabelece a comunicação, segundo Orozco. Para ele, a audiência comporta
um desaio pedagógico que nada mais é do que dar sentido a essa multiplicidade
de elementos, de mediações que contribuem, simultaneamente, tanto para enten-
der os sujeitos-audiências como para sua emancipação.
Orozco acredita que é possível alargar as fronteiras do conhecimento, fomen-
tando uma alfabetização televisiva que permita aos sujeitos-audiência esgarçar seus
horizontes referenciais, mas esse processo só ocorrerá se articulado com um segun-
do âmbito, que ele deine como a “mediacidade” televisiva, ou seja, as audiências
só constroem vínculos ou interatuam com a linguagem televisiva a partir dos lu-
xos próprios desse meio. Portanto, é a partir dos formatos, gêneros, grades e ofer-
tas de programas que a audiência deinirá o tempo empregado e as condições deste
para o consumo da televisão. Parte importante das audiências, em certa medida, é
deinida pelas propriedades do meio televisivo.
Vale ressaltar que a base para a construção das audiências ou processo de
“televidência”, segundo Orozco, é formado por um quadrilátero, constituído da
linguagem televisiva, a mediacidade da televisão, sua tecnicidade e a instituciona-
lização. Tem-se então, a partir disso, uma proposta teórico-metodológica que se
propõe explicar com clareza a complexidade das audiências, bem como oferece
uma ampla gama de possibilidades instrumentais para a pesquisa em comunica-
ção, sem esquecer os aspectos críticos essenciais.
É importante entender que não é o simples ato de receber a mensagem, mas
reconstituí-la a partir das mediações. Os valores, as ideias, os gostos acompanham
o receptor. “Essas diferenças de mediações estão no meio do espaço entre o indi-
víduo e a tela. As mediações atuam decisivamente na recepção da mensagem” (Sá
Martino, 2014, p. 184).

Tal âmbito não pode ser visto separadamente da problematização da tecnicidade tele-
visiva e da sua dimensão institucional, que completam o mencionado quadrilátero que
dá forma ao processo de “televidência”. A primeira alude à tecnologia que constitui a
televisão e, no entender de Orozco, vai muito além da sua materialidade. Representa
um espaço de oportunidade, posto que o avanço tecnológico do meio – como a digitali-
zação, por exemplo, permite explorar novas capacidades perceptivas e de aprendizado
da audiência. Por sua vez, a ideia de institucionalidade põe manifestamente a dimen-
são política da televisão (Peres-Neto, 2010, p.361).

capítulo 5 • 93
A partir da interconexão desses quatros pontos, o pesquisador mexicano cons-
trói as noções de macro e micromediações dos “televidentes”, ou seja, os sujeitos
-audiências estão constituídos por um processo de inter-relações baseadas no qua-
drilátero, que, por sua vez, estabelece mediações (macro/micro). Daí a existência
de sujeitos-audiências passar pelo entendimento do ato de ver a televisão (“televi-
dência”), a partir de um consumo muito além da materialidade do ver, do ato de
assistir à televisão. “As audiências são um constructo, ediicado com o cimento do
consumo mediado do meio televisivo” (Peres-Neto, 2010, p. 362).
O pensamento de Orozco reverbera no trabalho de inúmeros pesquisadores
brasileiros, como Maria Immacolata Vassalo, Maria Aparecida Baccega, Adilson
Citelli, Ismar Oliveira e Nilda Jacks.
O pesquisador mexicano apresenta a televisão como um meio aliado dos edu-
cadores e, em suma, reivindica a importância da construção de uma educação
para o consumo da televisão, razão pela qual defende a necessidade de situar os
receptores na transitoriedade dos sujeitos-audiências, cujo processo de atribuição
de sentido ao televisivo vai além do mero ato de assistir à televisão.
Pela Teoria das Mediações, é possível compreender ou perceber como as con-
dições de possibilidades históricas latino-americanas interferem no processo de
recepção. Pela Teoria, o receptor não existe como massa ou público, mas como
indivíduo que vive em sociedade. A questão está em pensar mecanismos de uma
cultura híbrida, como propõe Garcia-Canclini, outro importante nome das pes-
quisas latino-americanas.
Em Canclini, há uma preocupação, a partir da Teoria das Mediações, em per-
ceber o diálogo entre a cultura popular, de massa e erudita. O pesquisador argen-
tino examina os modos de negociação do popular no processo cultural e político
hegemônico para avançar a discussão sobre as hibridizações culturais, no sentido
de airmar uma autonomia relativa das culturas populares. Para Canclini, a cultura
popular não se deduz da cultura dominante. Com forte inluência de Antonio
Gramsci e Pierre Bourdieu em suas proposições, acredita que a constituição do
habitus não se reduz à socialização na escola, na família, e as classes populares
possuem modos próprios de ressemantizar a cultura hegemônica.
Pode-se dizer que as mediações são complexas negociações de sentido entre a
hegemonia de uma indústria cultural protegida, que representa interesses econô-
micos e um público mais ou menos preparado para enfrentá-la. A negociação se
conigura num confronto entre hegemonia e resistência na deinição do sentido
de uma mensagem.

capítulo 5 • 94
Néstor Garcia-Canclini propõe, em Consumidores e Cidadãos (1999), como o
consumo é o código de uma das principais mediações.
O consumo, de natureza simbólica ou material, ganha importância por ser a
referência ao principal elemento, a mercadoria.
Para Canclini, a transformação do ato consumista no centro do modelo capi-
talista fez com que todas as outras práticas sociais se estruturassem pelo consumo
de bens materiais e simbólicos. Uma das principais mediações é o efeito da posse
de uma mercadoria nas outras pessoas.
Na obra Deslocados, desplugados, desconcetados, Canclini airma que a mídia
cria novas formas de pensar a própria noção de infância.
Com a televisão existe, de certa forma, a diluição nas fronteiras simbólicas
entre as idades e as fases dos sujeitos. Há uma imersão no universo dos sonhos,
segundo Sá Martino (2014, p. 186), que é o consumo das imagens.
A importância de Canclini na área da comunicação reside na introdução do
debate sobre a importância da articulação entre comunicação e cultura, em termos
tanto conceituais quanto empíricos. O impacto de suas teorizações está nas análi-
ses e estudos sobre as relações entre comunicação e identidade cultural e de ambas
vinculadas com o consumo cultural.
Duas décadas de pesquisas culminaram com uma de suas obras mais impor-
tantes: Culturas Híbridas: estratégias para entrar y salir de la modernidade (1990),
que fora traduzida para vários idiomas.
Na sua proposta de discussão para a modernidade em âmbito latino-america-
no, repensa as mestiçagens e as intersecções entre as culturas, a partir da noção de
hibridização. Para Canclini, é no processo de “des-colecionamento” (quando não
mais se apartam rigidamente as coleções de artes tidas como cultas e os objetos
populares, em diversos locais, como museus, repertórios públicos etc.) que se trava
um diálogo intenso entre a cultura erudita, a popular, a de massa, o que possibilita
focalizar suas intersecções. Nesse sentido, reorganizam-se vínculos entre grupos
e sistemas simbólicos, e os “des-colecionamentos” e hibridizações não permitem
mais uma associação rígida entre classes sociais e estratos culturais.
Essa negociação entre o legítimo e o ordinário, proposto no âmbito das con-
venções sociais e, principalmente, no que tange a reconsideração das identidades
e dos produtos culturais, abriu para os estudos de Canclini uma nova proposta
de análise das realidades e dos processos culturais que se distancia da noção de
pureza, antes imposta, para um olhar com interferência e relação com os meios
de comunicação.

capítulo 5 • 95
O livro culmina numa fragmentação e na multiplicidade de combinações que
originam as tais culturas híbridas que defende.
Tanto no Brasil como em outros países da América Latina, as proposições
de Canclini seguem dando norte a gerações de pesquisadores. Suas teorizações
constroem as bases para um pensamento de pesquisa latino-americano e tam-
bém por se voltarem, mais recentemente, para a problemática da cultura virtual.
Dentre os muitos trabalhos marcados por sua obra, destaca-se, no âmbito brasi-
leiro, o livro Cartograias dos Estudos Culturais, que, juntamente com o itinerário
de Martín-Barbero, traça as conexões com a tradição britânica da qual é parcial-
mente tributária.
Segundo Schmitz e Jacks (2010), as repercussões de sua obra na pesquisa bra-
sileira de comunicação ainda estão por ser avaliadas de maneira sistemática. São os
artigos e as pesquisas que atravessam suas proposições, quase sempre as articulan-
do com outros autores, destacando-se a apropriação dos conceitos de hibridização
e identidade culturais, além do modelo conceitual de consumo cultural.
Por im, atravessando as proposições de Sá Martino (2014), a Teoria das
Mediações, com base nos autores aqui apresentados, propõe uma substituição do
aspecto linear “produção-recepção” por uma complexa dialética do processo de
recepção, em que a imagem é compreendida como parte de um luxo maior de
mensagens e práticas.

RESUMO
Neste capítulo, você acompanhou a reunião de pesquisadores e proposições acerca dos
estudos de recepção e mediações.
Pela extensão das proposições reunidas, optou-se por uma trajetória histórica para me-
lhor entendimento das teorizações contemporâneas na América Latina e do caráter genea-
lógico evolutivo desses saberes.
O capítulo mostra os estudos, a partir da década de 1930, que abordam o jornalismo
vinculado à discussão sobre liberdade de imprensa e legislação.
Nesse início institucional da pesquisa na América Latina, apresentamos os Centros de
Pesquisa organizados, a partir do final da década de 1950 até os anos 80, e as diferentes
orientações propostas por eles, a partir de condições de possibilidades históricas. Destacam-
se, portanto, Ciespal em Quito, Instituto Venezuelno de Investigaciones de Prensa, ININCO,
na Venezuela, CEREN, no Chile e ILET, no México.

capítulo 5 • 96
A partir da década de 1980, a proposta de repensar as peculiaridades do contexto-histó-
rico cultural latino-americano em que se inserem os processos comunicacionais, bem como a
aproximação entre comunicação e cultura, resultou em um interesse por receptores, públicos
e audiências, mudando o olhar da investigação e dos estudos da comunicação na Améri-
ca Latina.
Essas proposições são fruto de cenários críticos na política, do fortalecimento dos movi-
mentos sociais e das indústrias culturais, que geraram uma organização do campo, seja por
exílio ou por realização de congressos, seja por outras formas de intercâmbio.
Destacam-se conceitos como cultura popular, mediações, identidades e hibridações cul-
turais, numa perspectiva de reconhecer que os processos comunicacionais estão relaciona-
dos de maneira intrínseca com os socioculturais.
Na origem do processo de debates sobre comunicação na América Latina, vimos que
se destacam três obras que concentram e são responsáveis em grande medida pela circula-
ção do debate: De los médios a las mediaciones ( Martín-Barbero, 1987); Culturas Híbridas
(Canclini, 1997) e Más(+) Cultura (s): ensayos sobre realidades plurales (Gonzáles, 1994).
No centro dos objetos de estudo estão a televisão e a constante tentativa de entender
suas múltiplas ramificações e seus efeitos sobre o imaginário. Uma alternativa, a partir desse
entendimento, para uma recepção mais ativa e nas palavras de Sá Martino (2014) “mais pre-
parada para enfrentar de maneira coerente os desafios da imagem e da mercadoria.”

REFLEXÃO
• Jésus Martín-Barbero nasceu em 1937, em Ávila, Espanha. Transferiu-se para a Colômbia
em 1963, onde passou a realizar sua obra teórica, cuja influência no Brasil se dá desde os
anos de 1980. Semiólogo, antropólogo e filósofo.
• Guillermo Orozco Goméz nasceu em Guadalajara, no México. Obteve sua graduação em
comunicação, em 1974, no Instituto Tecnológico de Estudios Superiores de Occidente (Ite-
so). Realizou especialização em educação, em 1977, na Universidade da Colônia, na Alema-
nha. O doutorado foi em Harvard, EUA, em 1988.
• Néstor García Canclini era filósofo por formação. Nascido na Argentina em 1939 e radi-
cado no México em 1976, quando se exilou. Cientista político por atuação, nos campos da
arte e da cultura, é um dos expoentes do pensamento latino-americano no que tange aos
estudos culturais.

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ATIVIDADES
01. Explique como se dá a primeira fase do cenário institucional dos estudos da comunica-
ção na América Latina.

02. Em grupo de no máximo três alunos, discutam e apontem as proposições sobre os estu-
dos da televisão de Jésus Martín-Barbero e depois apresente para a turma.

03. Quais as semelhanças e as diferenças nas proposições sobre recepção de Orozco


e Canclini?

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CHRISTA, Berger. A pesquisa em comunicação na América Latina. In: HOLFELDT, Antonio e outros
(orgs). Teoria da Comunicação: Conceitos, Escolas e Tendências. 9 ed. Petrópolis: Ed. Vozes, 2010.
GARCIA-CANCLINI, Nestor. Consumidores e cidadãos. Rio de Janeiro: UFRJ, 1999.
MARTIN-BARBERO, Jésus. Dos Meios às mediações. Rio de Janeiro: UFRJ, 1997.
MAAR, Wolfgang Leo. Dicionário de Comunicação – Escolas, teorias e outros. In: CITELLI, Adilson e
outros (org). São Paulo: Contexto, 2014.
SÁ MARTINO, Luiz Mauro. Teoria da comunicação – Ideias, conceitos e métodos. 5 ed. Rio de
Janeiro: Vozes, 2014.

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