Você está na página 1de 106

Formação

Sociocultural
Professor Esp. Cleber Henrique Sanitá Kojo
Professor Esp. Paulino Augusto Peres de Souza
Professor Me. Paulo Vitor Palma Navasconi
Diretor Geral
Gilmar de Oliveira

Diretor de Ensino e Pós-graduação


Daniel de Lima

Diretor Administrativo
Eduardo Santini

Coordenador NEAD - Núcleo


de Educação a Distância
Jorge Van Dal

Coordenador do Núcleo de Pesquisa


Victor Biazon
UNIFATECIE Unidade 1
Rua Getúlio Vargas, 333,
Secretário Acadêmico Centro, Paranavaí-PR
Tiago Pereira da Silva (44) 3045 9898

Projeto Gráfico e Editoração UNIFATECIE Unidade 2


André Dudatt Rua Candido Berthier
Fortes, 2177, Centro
Revisão Textual Paranavaí-PR
Kauê Berto (44) 3045 9898

UNIFATECIE Unidade 3
Web Designer Rua Pernambuco, 1.169,
Thiago Azenha Centro, Paranavaí-PR
(44) 3045 9898
FICHA CATALOGRÁFICA UNIFATECIE Unidade 4
FACULDADE DE TECNOLOGIA E BR-376 , km 102,
CIÊNCIAS DO NORTE DO PARANÁ. Saída para Nova Londrina
Núcleo de Educação a Distância;
KOJO, Cleber Henrique Sanitá.
Paranavaí-PR
DE SOUZA, Paulino Augusto Peres. (44) 3045 9898
NAVASCONI, Paulo Vitor Palma

Formação Sociocultural. www.unifatecie.edu.br/site/


Cleber Henrique Sanitá Kojo.
Paulino Augusto Peres de Souza.
Paulo Vitor Palma Navasconi
Paranavaí - PR.: Fatecie, 2021. 106 p.
As imagens utilizadas neste
Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária livro foram obtidas a partir
Zineide Pereira dos Santos. do site ShutterStock
AUTORES

Professor Cleber Henrique Sanitá Kojo.

● Licenciatura Plena em História pela UNESPAR – FAFIPA, Paranavaí.


● Licenciatura Plena em Sociologia pela UNAR - Centro Universitário de Araras
“Dr. Edmundo Ulson”.
● Licenciatura Plena em Pedagogia pela UniFatecie.
● Especialista em História e Geografia pela Faculdade Integrada do Vale do Ivaí.
● Especialista em Gestão Escolar, Supervisão e Orientação pela ESAP-Faculda-
des Integradas do Vale do Ivaí.
● Especialista em Educação de Jovens e Adultos pela ESAP – Faculdades Inte-
gradas do Vale do Ivaí.
● Docente da educação básica (Fundamental e Médio) da SEED, PR.
● Docente da educação básica (Médio) do Colégio Fatecie Premium.
● Docente do ensino superior, nos cursos de Arquitetura, Administração e
Ciências Contábeis na UniFatecie.
● Coordenador de cursos na EAD – UniFatecie.
● Supervisor de tutoria e Tutor da EAD UniFatecie.

● Ampla experiência como docente da educação básica (Fundamental e Médio),


Professor de cursinhos pré-vestibulares e prática docente na educação à distância.

Professor Paulino Augusto Peres


● Graduado em História pela UNESPAR (Universidade Estadual do Paraná)
Campus de Paranavaí/PR.
● Especialista em Didática e Tecnologia na Educação pela FATECIE (Faculdade
de Ciências e Tecnologia do Norte do Paraná).
● Mestrando em Ensino Profissionalizante de História pela UNESPAR - Campo
Mourão/PR
● Professor na Escola Fatecie Max (séries finais do Ensino Fundamental).
● Professor no Colégio Fatecie Premium (Ensino Médio).
● Professor de Sociedade e Cultura na UniFatecie no curso de Ciências Contábeis.
● Professor formador e conteudista no EAD UniFatecie
● Tutor do EAD UniFatecie.

Professor Paulo Vitor Palma Navasconi


Psicólogo, membro do coletivo Yalodê-Badá e do Núcleo de Estudos Interdisciplinar
Afro-Brasileiro da UEM (NEIAB). Ex Coordenador estadual da cadeira LGBT do Fórum Pa-
ranaense de Juventude Negra. Graduado pela Universidade Estadual de Maringá (UEM) no
ano de 2015. Mestre pela Universidade Estadual de Maringá. Doutorando em Subjetividade
e práticas sociais na contemporaneidade na Universidade Estadual de Maringá. Membro
do grupo de pesquisa em sexualidade, saúde e política. Membro da Comissão de Direitos
Humanos do Conselho Regional de Psicologia (Sede Paraná 08). Professor em Psicologia
na Faculdade Cidade Verde (FCV) na cidade de Maringá. Atualmente dedica-se a estudos
relacionados à raça, gênero, genocídio da população negra, história da Psicologia e com-
portamento suicida.
APRESENTAÇÃO DO MATERIAL

Seja muito bem-vindo(a)!

Sejam bem-vindos ao nosso curso de Formação Sociocultural. A partir de agora partimos

para uma viagem ao tempo para buscar nas nossas experiências históricas algumas expli-

cações para o que ocorre no Brasil contemporâneo e claro, olhar para um horizonte futurís-

tico e depositar nele nossa aprendizagem como uma forma de expectativa.

Em nossa viagem ao passado em busca desses espaços de experiências do Brasil e con-

sequentemente, de nós mesmos, primeiro iremos compreender que durante toda a nossa

história os detentores do poder no nosso país criaram mecanismos para manutenção de

seu próprio poder, mantendo nas camadas mais baixas a população indígena, a branca

mais empobrecida e claro, a população negra. Em seguida, você entenderá como funcio-

nou a escravidão no mundo em vários períodos históricos para após compreender como

foi a escravidão moderna no Oceano Atlântico. Também compreenderá como era a vida

do africano no Brasil através da biografia de um ex-escravizado chamado Mahommah G.

Baquaqua e por fim, entenderá como esses escravizados no Brasil resistiam à escravidão

para então ter contato com o maior exemplo de resistência negra no Brasil, o quilombo dos

Palmares.

Nas Unidades III e IV retomaremos o fascínio sobre o assunto desta disciplina, observando,

lendo ou estudando as unidades I e II, pois é o início de um grande desafio em que vamos

triunfar juntos. Proponho, uma construção conjunta sobre a História e Cultura dos primeiros

moradores desse “Gigante pela própria natureza”, nossa querida terra, uma terra próspera,

cheia de riquezas naturais e tão diversificada culturalmente, fazendo assim uma viagem

temporal, desde a descoberta do Brasil até a atualidade. Vamos explorar a Lei 11.645/2008,

complementando a Lei 10.639/2003 apresentada nos capítulos anteriores. Vale ressaltar

que iremos verificar a visão eurocêntrica e os desafios de desmistificar essa ideia retrógra-

da, devemos assim elevar a história e a cultura indígena ao patamar que a mesma merece.

Dentro desse desafio, iremos conhecer muito além da lei 11.645/2008, pois observamos
os seus impactos na sociedade, conhecendo assim um pouco da história e da cultura indí-

gena. Temos que exaltar os desafios de superar o etnocentrismo e mostrar o conceito de

“Índio” na sociedade atual. Vale destacar que vamos reconhecer a sociodiversidade indíge-

na, ou seja, reconhecer os direitos e as diferenças entre os povos e os troncos linguísticos.

Ressalta-se ainda que não se deve desprezar o Índio na historiografia brasileira, fazendo

assim uma comparação entre passado e presente, semelhanças e diferenças, entre várias

culturas que compõem esse povo, sobretudo seus aspectos religiosos.

Quase no fim de nossa jornada debateremos sobre as questões de Gênero e suas verten-

tes. Vale ressaltar que abordaremos alguns conceitos chaves para que possamos com-

preender um pouco melhor o termo gênero e sexualidade. Vamos apresentar e explanar os

conceitos de heterossexualidade compulsória, heteronormatividade e naturalização.

Assim, chegaremos ao fim dessa viagem. Espero que seu horizonte de expectativas seja

modificado, uma vez que todos nós, brasileiros, somos fruto de uma herança multiétnica de

vários povos, desta forma, a humanização das relações entre esses povos só é possível

quando os conhecemos melhor e possamos ver que o outro é igualzinho a mim.

Muito obrigado e bom estudo!


SUMÁRIO

UNIDADE I....................................................................................................... 8
História e Cultura Africana

UNIDADE II.................................................................................................... 35
O Negro no Brasil: Abolição e seu Legado

UNIDADE III................................................................................................... 54
História e Cultura Indígena

UNIDADE IV................................................................................................... 74
A Compreensão sobre Questões de Gênero e Direitos Humanos
UNIDADE I
História e Cultura Africana
Professor Especialista Cleber Henrique Sanita Kojo
Professor Especialista Paulino Augusto Peres

Plano de Estudo:
● O ainda mal compreendido negro no Brasil
● Africanos são todos iguais? De onde veio a população negra no Brasil?
● O que foi a escravização?
● O africano no Brasil
● A Resistência Negra
● Os quilombos como sinônimo de resistência negra

Objetivos da Aprendizagem:
● Contextualizar a história do africano no Brasil afim de perceber que sua existência
hoje se dá através de muita luta, e que sua cultura está presente no nosso dia a dia.
● Compreender que a africanidade no Brasil é composta de diversas etnias africanas e
não de apenas um povo chamado africano, pois não existe um povo africano, mas povos
africanos.
● Estabelecer a importância da compreensão da escravização negra no Brasil como
ponto de partida para entender a existência do próprio negro no Brasil contemporâneo.
● Entender que os escravizados não aceitavam passivamente sua escravidão, mas
resistiam de diversas formas, sobretudo na forma de concentração quilombolas.

8
INTRODUÇÃO

Sejam bem-vindos ao nosso curso de Formação Sociocultural e Ética. A partir de


agora, partimos para uma viagem no tempo em busca das nossas experiências históricas,
algumas explicações para o que ocorre no Brasil contemporâneo e, claro, olhar para um ho-
rizonte futurístico, depositando nele nossa aprendizagem como uma forma de expectativa.
Em nossa viagem ao passado, em busca desses espaços de experiências do Brasil
e, consequentemente, de nós mesmos, primeiro iremos compreender que, durante toda a
nossa história, os detentores do poder no nosso país criaram mecanismos para manutenção
de seu próprio poder, mantendo nas camadas mais baixas a população indígena, a branca
mais empobrecida e, claro, a população negra. Em seguida, você entenderá como funcionou
a escravidão no mundo em vários períodos históricos para logo após compreender como
foi a escravidão moderna no Oceano Atlântico. Também compreenderá como era a vida
do africano no Brasil através da biografia de um ex-escravizado chamado Mahommah G.
Baquaqua e, por fim, entenderá como esses escravizados no Brasil resistiam à escravidão
para então ter contato com o maior exemplo de resistência negra no Brasil, o quilombo dos
Palmares.
Ao fim dessa viagem espero que seu horizonte de expectativas seja modificado,
uma vez que todos nós, brasileiros, somos fruto de uma herança multiétnica de vários
povos; desta forma, a humanização das relações entre esses povos só é possível quando
os conhecemos melhor e possamos ver que o outro é igualzinho a mim.

UNIDADE I História e Cultura Africana 9


1. O AINDA MAL COMPREENDIDO NEGRO NO BRASIL

A história do africano no Brasil confunde-se com a própria história do país. Foram


trazidos ao Brasil como solução de um problema, quando os indígenas resistiam à escravi-
dão ou eram protegidos pelos padres jesuítas e com a falta de mão-de-obra nas lavouras
de cana, e depois no trabalho nas minas criou-se um mercado escravocrata entre a colônia
brasileira e o continente africano. Cinquenta anos após a chegada dos portugueses no
nordeste brasileiro, o tráfico negreiro iniciou-se e foi ganhando força com o passar dos
decênios.
Diante de um crescente número de africanos trazidos à revelia ao Brasil, esse
povo misturou-se aos indígenas que aqui já viviam e aos portugueses que ocupavam aos
poucos essas terras. O povo africano traz consigo, evidentemente, sua carga cultural, como
linguagem, religião, práticas artísticas, etc. Isto é, o povo africano não pode ser pensado
sem levar em consideração suas práticas culturais.
O tempo teve o trabalho de enraizar no nosso país a cultura africana e misturá-la
com as culturas indígenas e europeia. A miscigenação cultural é característica desta terra e,
ao mesmo tempo, pouco compreendida. É nesse ponto que devemos nos atentar ao fato da
cultura dos povos africanos vindos ao Brasil ser pouco compreendida. Sabe-se da capoeira,
samba e candomblé serem de origem africana, mas de qual parte da África? Seria a África
um lugar tão sem significado e importância que podemos decretar todos os povos trazidos
para serem escravizados aqui sem levar em consideração o lugar de origem desses muitos

UNIDADE I História e Cultura Africana 10


que foram enviados para cá? Qual o significado da capoeira: dança ou luta? Se dança, o
que ela representa, se luta, contra que lutavam? E o samba, por que sambavam? Por ser
um elemento ritualístico de uma religião ou por alegria? Por que João Gilberto afirmou que
“Madame não gosta de samba”? Teria o cantor interpretado tal música apenas pela beleza
da mesma ou o fato de Madame não gostar de samba nos apresenta uma desigualdade
social que envolve elementos étnico-raciais?
Durante toda a história do Brasil, é realizada a manutenção de mecanismos que im-
pediram a ascensão social do negro no Brasil. Durante todo o período colonial (1500- 1522)
e imperial (1822-1889) a escravidão imperou de tal forma que até mesmo pressões estran-
gerias de potências mundiais criaram leis internacionais para forçar o Brasil a declarar o
fim de sua escravidão. Nenhum país no mundo teve uma escravidão tão duradoura quanto
a nossa. O Brasil foi o último país no mundo a abolir sua escravidão. Decretos como o nº
1.331, de 17 de fevereiro de 1854, estabelecia que nas escolas públicas do país não seriam
admitidos escravos e o Decreto nº 7.031-A, de 6 de setembro de 1878, estabelecia que os
negros só podiam estudar no período noturno e diversas estratégias foram montadas no
sentido de impedir o acesso pleno dessa população aos bancos escolares. Sendo a edu-
cação um meio de ascensão econômica e social, o impedimento aos negros de estudarem
consolidou a manutenção destes nas camadas mais pobres.
Após o fim da escravatura, a teoria do embranquecimento da raça impede o negro,
agora livre, de conseguir emprego, de alcançar cargos públicos de ser cidadão de fato. O
imigrante europeu foi trazido ao país para fazer crescer o número de brancos no país e
assim, embranquecer a população brasileira. O negro fora considerado, durante a primeira
república, como um ser humano de segunda categoria, menos capaz, menos inteligente.
A história do povo africano no Brasil e sua cultura não pode ser contada sem com-
preender de onde esses povos vieram, porque foram escravizados e porque, mesmo após
a escravidão, continuaram sendo colocados como cidadãos de segunda classe.

UNIDADE I História e Cultura Africana 11


2. AFRICANOS SÃO TODOS IGUAIS? DE ONDE VEIO A POPULAÇÃO NEGRA NO BRASIL?

Segundo Alencastro (2000) entre 1551 e 1575, cerca de 25 mil africanos foram
trazidos ao Brasil. Entre 1576 e 1600, houve um salto considerável para quase 200 mil
africanos. Entre 1676 e 1700 houve um pequeno recuo para cerca de 175 mil pessoas
trazidas da África e mais de 350 mil entre 1741 e 1760. A maior parte dos africanos trazidos
ao nosso país era da costa oeste africana, sobretudo dos povos sudaneses e banto.
Da África Setentrional, no norte do continente, vieram ao Brasil povos de Castelo
da Mina, Costa da Mina, povos Ajudá, Bissau, Oorin, Calabar e Cameron. Calcula-se que
entre 1812 a 1820 17.691 escravizados tenham sido trazidos em 68 navios. Já da África
Meridional ao sul do continente, 20.841 africanos foram trazidos em 69 navios negreiros ao
país do Congo, Zaire, Cabinda, Angola, Moçambique, Quillemani, Cabo Lopes, Malambo,
Rio Ambriz e Zanzibar. Esta estatística não nos diz a nacionalidade dos negros trazidos ao
Brasil, mas nos apresenta que os navios negreiros vinham da costa oeste africana, entre
povos bantos e sudaneses.
Os dados, ainda que limitados, nos mostram a procedência dessas pessoas trazi-
das para o trabalho escravo no Brasil. O governo inglês proibiu o comércio de escravos,
tornando, assim, a atividade portuguesa em tráfico negreiro, e para despistar os ingleses,
muitos documentos foram destruídos, outros nunca chegaram a existir com a intenção de
enganar os britânicos.

UNIDADE I História e Cultura Africana 12


O contingente de pessoas trazidas do Oeste da África fora chamado de “ouro negro”
pelos mercantilistas europeus. Portugueses, franceses, holandeses e ingleses disputavam
o comércio de escravos bantos e sudaneses no Oceano Atlântico. Reginaldo Prandi diz o
seguinte sobre esses povos:
[...] os sudaneses constituem os povos situados nas regiões que hoje vão
da Etiópia ao Chade e do sul do Egito a Uganda mais ao norte da Tanzânia’.
Quanto aos bantos, eram povos da ‘África Meridional, estão representados
por povos que falam entre 700 e duas mil línguas e dialetos aparentados, es-
tendendo-se para o sul, logo abaixo dos limites sudaneses, compreendendo
as terras que vão do Atlântico ao Índico até o cabo da Boa Esperança. O ter-
mo ‘banto’ foi criado em 1862 pelo filólogo alemão Wilhelm Bleek e significa
‘o povo’, não existindo propriamente uma unidade banto na África.(BRANDI,
2000, p. 83).

Brandi (2000) afirma que bantos e sudaneses são definições genéricas e impreci-
sas, produzidas no contexto da apropriação europeia do continente e dos povos da África.
Sendo assim, afirmações sobre a origem dos africanos no Brasil são quase sempre impre-
cisas.
Os bantos dividiam-se em dois grupos, os angola-congoleses e os moçambiques e
tinham como destino o Maranhão, Pará, Pernambuco, Alagoas, Rio de Janeiro e São Paulo.
Os sudaneses também se dividiam em três subgrupos: yorubás, jejes e fanti-ashantis e seu
destino principal era a Bahia. E, ao contrário do imaginário popular, esses povos falavam
línguas diferentes, muitas vezes dentro de uma mesma fazenda, existiam escravizados de
várias etnias e, desta forma, não conseguiam se organizar devido a impossibilidade trazida
pela linguagem.

UNIDADE I História e Cultura Africana 13


3. O QUE FOI A ESCRAVIZAÇÃO?

Para compreender a história do nosso país é essencial entender o que foi a ampla
escravidão de pessoas no Brasil.
Os primeiros registros de escravidão de pessoas são de mais de cinco mil anos
atrás, na região da Mesopotâmia, basicamente no mesmo tempo das primeiras civilizações
sedentárias. O Código de Hamurabi estabelecia os parâmetros da escravização de pessoas,
incluindo condições de vida e origem daquele escravizado da seguinte forma: a compra de
um escravizado em mercados portuários; a escravização de prisioneiros de guerra e pes-
soas endividadas livres que poderiam ser levadas à escravidão. Essas motivações para a
escravidão levavam as sociedades a terem múltiplos estratos sociais e estiveram presentes
em diversas civilizações em diferentes regiões e diferentes períodos de tempo como na
Grécia e Roma antiga.
No Império Romano, a escravidão estava presente nas mesmas possibilidades,
incluindo o cenário em que um escravizado poderia conquistar ou comprar, não apenas a
sua liberdade, mas também sua cidadania, por exemplo, pelo serviço militar. É importante
notar que esses mecanismos eram universais, sem restrições étnicas e geográficas. Em
Roma, as pessoas escravizadas poderiam ser romanas, germânicas, cartagineses, celtas,
trácias, etíopes, basicamente todas as etnias dentro das fronteiras da República ou do
Império. Entre os povos indígenas americanos, a escravidão pela guerra ou por dívidas era
praticada, dentre outros, pelos povos mesoamericanos, pelos caribe, pelos comanches e

UNIDADE I História e Cultura Africana 14


os tupinambás. Sociedades chinesas, nórdicas, mongóis e japonesas também mantinham
a prática da escravidão. Na África, praticamente todas as culturas e sociedades tinham o
costume da escravidão por guerras ou por dívidas, como no Reino do Congo.
O tema escravidão também está presente nas religiões com séculos de debates
internos de tradições religiosas, tanto a favor como contra a escravização de pessoas. Por
exemplo, a ideia de que Noé amaldiçoou os africanos, descendentes de seu filho Cam,
foi defendida por pessoas que aprovavam a escravização de africanos negros. Na bíblia
existem regulamentos e menções sobre a escravidão, tanto no Antigo, quanto no Novo
Testamento e diversos patriarcas bíblicos eram donos de pessoas escravizadas. Além
disso, os textos regulavam e valorizavam quando uma pessoa libertava outras pessoas da
escravidão, especialmente pela dedicação religiosa. No islã a escravização era autorizada
para não muçulmanos que fossem tomados como prisioneiros de guerra ou comprados de
mercadores de não muçulmanos e a alforria de escravizados que se convertessem ao islã
era incentivada. Nas sociedades árabes a presença de pessoas escravizadas era bastante
comum e, assim como no caso do Império Romano, não existiam restrições étnicas ou
geográficas com a possibilidade de ascensão social de pessoas escravizadas.
Pode-se afirmar que até a virada do século XIX para o século XX a escravização
de pessoas era tragicamente comum em diversas culturas, lugares e períodos históricos.
Também é importante destacar que a crítica da escravidão também é antiga, por exemplo,
a realizada pelo legislador ateniense, Sólon.
Em algumas discussões atuais, por vezes evocam a escravidão na antiguidade ou
a realizada por muçulmanos como uma forma de contrapor ou até minimizar a escravidão
que aconteceu nas américas entre os séculos XVI e XIX e os seus efeitos que duram
até hoje. É importante compreender os motivos que fazem com que essa comparação
seja infundada: a escravidão implantada na América pelos europeus tem origem na Idade
Média, especialmente com as Cruzadas. Ao leste europeu, as Cruzadas resultaram na
escravização de bálticos eslavos pelos reinos europeus. A palavra “escravo”, assim como
a palavra em inglês “slave”, ambas vêm de referência aos povos eslavos. Nas Cruzadas
no mar Mediterrâneo, ocorreram escravização, tanto de muçulmanos quanto de cristãos
mutuamente.
Movidos pelo espírito chamado “cruzadístico”, inicia-se a expansão ultramarina
portuguesa com a conquista de povos africanos, que acompanhada em 1452 da Bula Papal
Dum diversas do Pala Nicolau V que autoriza o rei português, Afonso V, o direito de aplicar

UNIDADE I História e Cultura Africana 15


a escravidão perpétua a sarracenos, pagãos e quaisquer descrentes como parte de uma
escravidão pela guerra, assim como os casos anteriores.
[...] outorgamos por estes documentos presentes, com a nossa Autoridade
Apostólica, permissão plena e livre para invadir, buscar, capturar e subjugar
sarracenos e pagãos e outros infiéis e inimigos de Cristo onde quer que se
encontrem, assim como os seus reinos, ducados, condados, principados, e
outros bens [...] e para reduzir as suas pessoas à escravidão perpétua. [...].
(ASSUNÇÃO, 2004, p. 51).

O papa era a maior autoridade política na Europa naquele período, por isso, uma
bula papal tinha importância não somente na Europa, mas nos novos territórios que esses
países conquistavam. Nesta Bula os portugueses eram autorizados a conquistar territórios
não cristianizados e consignar a escravatura perpétua aos sarracenos e pagãos que cap-
turassem como forma de defesa, uma vez que estes vinham perseguindo e ameaçando
cristãos da época. Esse documento é considerado frequentemente como o advento do
comércio e tráfico europeu de escravos na África Ocidental.
Nesse contexto de guerra, entre os séculos XVI e XIX até um milhão de europeus
foram escravizados por reinos muçulmanos, especialmente para servirem como remadores
em galés, foram escravizados espanhóis, gregos, italianos e até islandeses. É importante
notar, entretanto, que esse caráter de guerra religiosa com escravização foi restrito ao
mediterrâneo e à Europa, não afetando o Brasil e nossa sociedade. Nenhuma expedição
para captura de pessoas foi realizada por muçulmanos ao solo do continente americano.
Esse é o primeiro motivo que invalidade a comparação entre a escravização realizada aos
africanos com as demais escravizações.
Foi a África a região que mais sofreu com a escravização de pessoas de diferentes
regiões e etnias. Até treze milhões de africanos foram escravizados por reinos muçulmanos,
outros quatro milhões foram escravizados por povos ocidentais e árabes pelo Oceano Índico
e outros vinte milhões escravizados pelo Atlântico, destes, entre 11 e 12 milhões foram trazi-
dos para as américas, principalmente para territórios onde hoje são Brasil, Estados Unidos
da América, além do Caribe e destes, algo entre dois e quatro milhões morreram durante
o tráfico antes de chegar ao destino final. No Brasil, os primeiros africanos escravizados
chegaram em 1538. No total, quatro milhões e oitocentos mil africanos chegaram ao litoral
brasileiro, fora os que, propositadamente, não foram contabilizados no século XIX. Com
a cada vez maior presença portuguesa no continente africano e sua posição geográfica
privilegiada, Portugal se torna no maior centro mercador de escravizados da Europa. No
século XVI, mesmo indo além dos territórios muçulmanos, Portugal já está totalmente com-

UNIDADE I História e Cultura Africana 16


prometido com o comércio de africanos escravizados. Outras potências europeias também
investem nesse comércio de pessoas formado por escravos africanos negros.
Esse processo da escravização pelo Atlântico será um fenômeno próprio, diferente
da escravidão que existia até o momento que já citamos aqui. O comércio de pessoas era
realizado não mais como consequência de uma guerra justa, mas realizado no Atlântico
como um processo mercantil. O africano era um produto em si mesmo, para ser lucrati-
vo. Também não era uma escravidão por dívida ou como pena criminal. A escravidão era
uma atividade ampla, de larga escala, extremamente organizada, lucrativa e base para a
economia dessas regiões do continente americano na produção de tabaco e açúcar, por
exemplo. A escravidão do Atlântico é a única que é específica etnicamente, voltada contra
pessoas negras, mesmo que adotassem o cristianismo. Esse é o segundo motivo que inva-
lida a comparação entre a escravidão do Atlântico e a Antiguidade. Ao contrário da antiga
sociedade romana, por exemplo, o componente étnico que o tráfico atlântico adiciona ao
comércio de escravos cria uma estrutura racial, ou seja, existe um povo que, por causa da
sua cor de pele, é considerado escravo e isso é herdado pelos filhos perpetuamente.
Essa particularidade étnica cria uma estrutura racial. No nosso país, a cor da pele
era prova suficiente da escravização, ser negro no Brasil e em outros territórios do conti-
nente americano era sinônimo de escravizado. Uma inversão sem o ônus de prova, isto é,
a pessoa, por ser negra, tinha que provar sua inocência. Essa estrutura durou oficialmente
mais de trezentos anos. Esse componente étnico da escravidão cria uma série de barreiras
e efeitos nocivos vistos até hoje em todos os países americanos onde ocorreu a escravidão.
É importante frisar que não se trata de justificar ou amenizar a escravização de pessoas em
outros lugares, mas enfatizar a importância de compreender que a escravidão do Atlântico
é um fenômeno próprio que não pode ser comparado a uma estrutura, pois é uma estrutura
econômica voltada especificamente para o comércio de seres humanos e exclusivamente
porque é voltada para um típico específico de pessoa, o negro africano. E isso gerou e ainda
gera problemas que afetam nossa sociedade e a compreensão disso é também essencial
para superação e conserto desses problemas.

UNIDADE I História e Cultura Africana 17


4. O AFRICANO NO BRASIL

A história do africano no Brasil é uma história de resistência. Entre 1500 e 1850,


mais ou menos doze milhões de africanos foram raptados, escravizados e transportados
para venda como mercadoria do outro lado do oceano. Cerca de um terço veio para o Brasil,
que é, de longe, o país que mais recebeu escravos na Idade Moderna. Mas a história dos
africanos na formação do Brasil vai muito do tráfico negreiro e da escravidão. Resistindo
à toda violência, do rapto, do tráfico, do cativeiro e da imposição da cultura europeia, os
africanos reconstruíram suas tradições e criaram diferentes alternativas para sobreviver ao
escravismo e ao colonialismo.
Por muito tempo a história nos livros apenas falava dos africanos no Brasil como
mão-de-obra, uma vez que era assim que os europeus os viam. A história dos africanos na
formação do Brasil começa com o rapto praticado na África, seguido por longas viagens a
pé até chegar nos navios e, após a compra por algum fazendeiro no Brasil. E essa história
prossegue na resistência e na construção de alternativas para buscar a liberdade em solo
brasileiro.
Na época do descobrimento do Brasil por Portugal, o tráfico de pessoas escravi-
zadas existia em diversas partes da Europa, da África e da Ásia, sendo que os maiores
praticantes desse comércio eram mercadores árabes. Estima-se que ao longo do século
XVI, eles traficaram quatro vezes mais pessoas que os europeus. Mas isso foi mudando
no decorrer do século, quando os portugueses passaram a controlar cada vez mais as

UNIDADE I História e Cultura Africana 18


rotas de comércio no interior da África, ampliando o acesso aos locais onde pessoas eram
capturadas, criando novas guerras e expedições para escravizar mais pessoas. Eles não
só conquistaram e ampliaram as rotas africanas, como colocaram essas rotas a serviço de
um novo tipo de exploração econômica, a agricultura escravista.
Esse tipo de agricultura aconteceu primeiro nas ilhas que Portugal e Espanha
tinham encontrado no início da expansão marítima, como as ilhas Canárias e Cabo Verde.
Foi lá que a empresa colonial europeia criou as primeiras áreas de produção que usavam
mão-de-obra escravizada para produzir mercadorias de grande valor, como o açúcar, que
na época não era produzido na Europa.
A Espanha também passou a comprar africanos escravizados para explorar nas
ilhas do Caribe, onde as populações indígenas desapareceram completamente.
Apesar da escravização realizada pelos espanhóis, eles não se estabeleceram na
África, e assim, concederam a Portugal o monopólio desse comércio em acordos conheci-
dos como “asientos”. Depois das ilhas atlânticas e do Caribe espanhol, o terceiro território
que se tornou comprador de pessoas escravizadas foi o Brasil.
Os portugueses se especializaram no negócio escravista, um pioneirismo que
garantiu a liderança mesmo depois da concorrência holandesa e inglesa entrar na disputa.
E não só os portugueses, mas também a elite colonial nascida no Brasil que, a partir do
século XVII, passou a controlar diretamente os portos africanos. Isso contribuiu para que
um terço dos doze milhões de indivíduos que sobreviveram às travessias ao longo de 350
anos vieram para o continente americano em navios de bandeira portuguesa ou brasileira.
Estima-se que dos quatro milhões de africanos trazidos para cá em navios negreiros, cerca
de 700 mil não sobreviveram à viagem. Para que se tenha uma base, esse número é dez
vezes o total em toda a história dos Estados Unidos da América.
A história das travessias mudou ao longo do tempo, até porque no começo elas eram
muito menos frequentes. No primeiro século vieram 34 mil escravos. No segundo século
foram mais de 900 mil. No terceiro século foram quase 2 milhões. E o auge aconteceu no
século XIX, na mesma época em que o Brasil se formou como um país independente. Entre
1790 e 1830 o Brasil recebeu uma média de 17 mil escravizados por ano.
A história da escravização e da migração forçada geralmente começava com algu-
ma guerra entre diferentes povos da África, com ou sem a participação direta dos poderes
europeus. Nessas guerras eram feitos prisioneiros, que ao longo da época das navegações
começaram a ser vendidos para comerciantes e militares europeus. Também poderiam ser

UNIDADE I História e Cultura Africana 19


escravizadas por dívidas ou crimes e ainda existiam os que eram simplesmente raptados
por comerciantes e militares europeus, sem qualquer tipo de acordo com os poderes locais.
O sucesso da empresa colonial no Brasil, no Caribe e em outras regiões da América
fez com que mais investidores europeus se envolvessem no negócio, com apoio dos reis
e da Igreja Católica, aumentando a demanda de escravos. O aumento da demanda e a
concorrência entre as potências européias fez com que a escravização se tornasse uma
prática de dimensões muito maiores em qualquer momento na história da humanidade.
Existem poucas fontes publicadas mostrando o ponto de vista dos escravizados.
Uma dessas fontes é a autobiografia de Mahommah Gardo Baquaqua, publicada em inglês
em 1854 e traduzida para o português em 1988. Baquaqua nasceu na África Ocidental, hoje
Genin, e pertenceu a uma família muçulmana poderosa. Graças a isso, ele foi alfabetizado
em árabe e em ajami, que é uma escrita árabe praticada ao sul do Saara, e teve menor
dificuldade para aprender sobre as línguas e culturas dos dominadores ao longo de sua
vida.
O relato de Baquaqua mostra como era a experiência de se tornar escravo. Ele
descreve desde a surpresa quando viu um homem branco pela primeira vez, ao chegar
num grande porto do litoral africano, e conta que lá reencontrou por acaso um conhecido
vindo de sua região. Também descreve como foi a viagem dentro do tumbeiro – navio
negreiro – e como resistia à escravidão todos os dias no Brasil.
Uma característica do tráfico negreiro era que ele misturava gente das mais varia-
das origens, etnias e línguas, quebrando os vínculos familiares, comunitários e religiosos. A
pessoa era vendida como uma unidade, que pode ser separada dos pais, dos filhos e dos
cônjuges, e uma vez separados, os reencontros eram raros. Isso fazia com que as pessoas
que pertenciam a povos diferentes dividissem espaços nos navios e nas senzalas, o que
era útil para os traficantes de escravos, pois evitava a união de todos contra eles.
Baquaqua também relatou que os europeus se esforçaram para apagar as identida-
des das pessoas que eles escravizavam. Por exemplo, ao chegarem na feitoria comercial
as pessoas tinham os cabelos cortados iguais para destruir suas identidades, já que, nas
palavras de Baquaqua: Na África, as nações das distintas partes do território têm seus
modos diferentes de cortar o cabelo e são conhecidas por essa marca, a que parte do
território pertencem. O que Baquaqua descreve é a tentativa europeia de transformar cada
indivíduo escravizado numa “peça” que pode ser vendida como qualquer outra mercadoria.
Mas ele descreve também a resistência que é a grande marca de sua biografia.

UNIDADE I História e Cultura Africana 20


Mahommah Baquaqua tinha sido feito prisioneiro numa guerra, depois foi escra-
vizado e embarcado num navio negreiro com destino ao Brasil, e em todo esse percurso
ele narra a violência das correntes, das jaulas e das tentativas de destruir sua identidade.
Quando viu uma grande embarcação pela primeira vez, a achou tão grandiosa que pensou
se tratar de um objeto de adoração dos brancos. Já no embarque, trinta pessoas morreram
afogadas quando afundou um dos barcos que os levava ao navio. A viagem foi um grande
tormento. Muitos morreram. Baquaqua jamais esqueceu os horrores da travessia. A única
comida que ele recebeu foi milho velho cozido, e um pouco de água. Segundo LARA (1988):
“quando qualquer um de nós se tornava rebelde, sua carne era cortada com uma faca e o
corte esfregado com pimenta e vinagre, para torná-lo pacífico”.
Os sobreviventes foram vendidos em Pernambuco, num mercado que funcionava
na casa de um fazendeiro. Ele ficou dois dias esperando um comprador, que foi um comer-
ciante que o revendeu a um padeiro. O livro relata a experiência de trabalhar para este e
outros proprietários e como sua liberdade foi conquistada de forma excepcional. Depois de
trabalhar com o padeiro que o comprou, ele sofre castigos terríveis e tentou suicídio.
As coisas iam de mal a pior e estava muito ansioso para trocar de senhor, en-
tão tentei fugir, mas logo fui apanhado, atado e restituído a ele. [...] fui muito
severamente espancado. Eu disse a ele que não deveria mais me açoitar e
fiquei com tanta raiva que me veio à cabeça a ideia de matá-lo e, em seguida,
suicidar-me. [...]. (LARA, 1988, p. 62).

Diante da tentativa de suicídio foi vendido a outro proprietário, que fazia viagens
marítimas pelo litoral brasileiro. Numa viagem a Nova York, em 1847, ele conseguiu fugir
com ajuda de religiosos abolicionistas dos Estados Unidos. Ele já sabia falar diversas lín-
guas, incluindo o árabe, o português e o francês e aprendeu a escrever em inglês. Mudou-se
para o Canadá, onde escreveu seu livro, depois foi para o Haiti, que era o único país do
continente onde os negros chegaram ao poder. O final de sua vida não é conhecido, mas
seus planos eram de retornar ao continente africano.
Essa história tem algo em comum com as demais histórias dos sobreviventes do
tráfico negreiro, seja pela fuga, pela revolta ou pela negociação e busca de alforria: a resis-
tência.

UNIDADE I História e Cultura Africana 21


5. A RESISTÊNCIA NEGRA

A resistência à escravização começava na África onde os capturados frequente-


mente tentavam fugas e revoltas e continuava nos navios negreiros, exemplo disso foi o
navio La Amistad, quem em 1839 transportava clandestinamente pessoas para vender em
Cuba, mas que foram frustrados por uma rebelião. Eles acabaram chegando ao sul dos
Estados Unidos, onde a escravidão era legal, mas não o tráfico internacional de escraviza-
dos, o que levou essa situação a um tribunal. Segundo Baquaqua, os navios eram a pior
parte da experiência, mas também era apenas o começo.
Mahommah Baquaqua relatou que o padeiro que o comprou em Pernambuco tinha
tentado convertê-lo ao catolicismo à base de ameaças e açoites. Assim como aconteceu
no caso das culturas e religiosidades indígenas, os africanos eram submetidos às leis e
instituições europeias que agiam em nome da conversão dos pagãos ao cristianismo.
Muitas tradições com origens africanas e indígenas se mantiveram e se mantêm
vivas, além de terem se incorporado ao sincretismo religioso brasileiro. A sobrevivência
de tradições, línguas e religiões e formas de expressão corporal e artística ao longo dos
séculos foi o resultado de esforços imensos de muitas gerações para resistir às estratégias
da elite escravista brasileira.
A imposição violenta também era uma das estratégias dos senhores para obter seu
domínio sobre os escravizados. Torturas, marcas a ferro, correntes e troncos foram usa-
dos consistentemente no período escravagista. É algo próprio da natureza da escravidão.

UNIDADE I História e Cultura Africana 22


Enquanto no trabalho assalariado trabalha-se para não ficar sem dinheiro, na sociedade
escravista trabalha-se para não ser torturado ou mesmo assassinado. A violência era a
base do funcionamento do sistema escravista. A violência não era a única forma de con-
trole do sistema escravocrata, ela convivia com estratégias, negociações e promessas de
liberdade.
Segundo Manzano (2015), Baquaqua conta que se esforçou ao máximo para mos-
trar serviço aos seus senhores e também para aprender coisas que tornavam seu trabalho
melhor, tipo a língua portuguesa. Quando aprendeu a contar até 100 em português, foi
encarregado de vender pão na vila onde vivia e também nos campos e no mercado local,
mas como ele conta no seu relato essas melhorias não significavam o fim da violência.
Quando ele não conseguia vender todos os pães era açoitado no fim do dia.
Negociações entre senhores de escravos também aconteciam nas fazendas, sen-
do que neste caso as melhorias poderiam incluir um pedaço de terra e um dia de folga
por semana. Alguns até mesmo conseguiam vender uma parte do que plantavam e juntar
pequenas economias que podiam ser usadas para comprar alforria para si ou para os filhos.
Era muito comum que pais e mães passassem a vida dedicados a livrar os filhos da escravi-
dão. Para os senhores conceder melhorias e alforriar algumas pessoas era vantajoso, pois
diminuía as chances de rebeliões.
Ainda em seu relato, Baquaqua conta alguns episódios que cogitou a possibilidade
de atacar seus agressores, mesmo sabendo que suas chances eram muito pequenas e
que sofreria as piores consequências possíveis. Além disso, muitos buscavam o suicídio e
o desespero de saber que os filhos também sofreriam com a escravidão fazia com que as
grávidas provocassem abortos. Os escravizados também manifestavam sua insatisfação
prejudicando os lucros do senhor de escravos. Quebravam peças do engenho que demo-
ravam para serem substituídas, incendiavam plantações, escondiam e contrabandeavam
ouro e diamante dentre outras coisas.
Baquaqua tentou o caminho da lealdade ao seu senhor, mas acabou desiludido.
Segundo ele, o padeiro não oferecia qualquer retorno aos seus esforços por se mostrar
prestativo e obediente. Sem o reconhecimento de seu senhor, abandonou a estratégia da
obediência. Ao ser vendido pelo padeiro a um traficante, foi levado para ser comercializado
no Rio de Janeiro e quase foi comprado por um senhor de escravos também negro. O que
acontecia no Brasil, não chegava a ter uma relevância tão expressiva quanto o número de
senhores de escravos brancos, porém, a escravização de negros por outros negros no Bra-

UNIDADE I História e Cultura Africana 23


sil era frequente e bem mais comum no nosso país do que em outras regiões escravistas
do continente.
Negociantes de Portugal e do Brasil controlavam o grande negócio do tráfico ne-
greiro por meio dos domínios de regiões estratégicas. Esse controle garantia baixos custos
e estabilidade no fornecimento de pessoas escravizadas para as lavouras brasileiras, ao
contrário dos Estados Unidos, por exemplo. Como era barato e fácil comprar escravos
recém-chegados não era mau negócio para os senhores alforriar alguns escravizados.
Desta forma os senhores podiam contar com aliados no controle dos escravos. Além de
a promessa de alforria de alguns estimulava outros a serem leais em busca de liberdade.
As chances reais de alcançar a alforria eram muito pequenas. No caso baiano, por
exemplo, apesar da maioria dos escravizados terem vindo da África, 69% dos alforriados
eram negros nascidos escravos no Brasil. Quanto mais se distanciavam de suas origens,
mais tinham acesso às brechas do sistema. Os nascidos no Brasil tinham mais chances
que os nascidos na África, assim como os que falavam bem o português e seguiam a Igreja
Católica. Os referidos como pardos também tinham mais chances que os referidos como
pretos, isto é, quanto mais escura era a pele, menores eram as chances de conseguir a
carta de alforria.
Os escravizados que trabalhavam na Casa Grande tinham mais chances de alforria
que os trabalhadores nas plantações e apenas da grande maioria das pessoas trazidas
serem homens, libertavam duas vezes mais mulheres. Isso não representa um melhor trato
à mulher negra em relação ao homem negro. Muitas alforrias dadas às mulheres e crianças
eram na verdade consequência da violência sexual realizada pelos senhores. De acordo
com as leis escravistas o que definia se uma criança era livre ou escrava era a condição da
mãe, sendo assim, se a mãe fosse livre, a criança era livre, se fosse escravizada, a criança
também era. Desta forma, mesmo os filhos bastardos dos senhores com uma escravizada,
também nascia escravo.
Os senhores tratavam alguns escravizados melhores que os outros, por ter a pele
menos escura, por trabalhar na Casa Grande, por ter nascido no Brasil, etc. Essas dife-
renças de tratamento por parte dos senhores criavam hierarquias e rivalidades entre os
escravizados, sobretudo entre nascidos no Brasil e os nascidos na África e também entre
os trabalhadores do campo e os que trabalhavam na Casa Grande.
Como já vimos no relato de Baquaqua, o tráfico negreiro separava pessoas que
tinham origens e culturas em comum exatamente para dificultar a união entre os escravi-
zados e no interior dos engenhos o tratamento desigual também servia para reforçar essa

UNIDADE I História e Cultura Africana 24


desunião, dificultando a resistência. Os escravizados não eram geralmente um grupo uni-
forme e unido, mas sim pessoas muito diferentes entre si, se preocupando com sua própria
sobrevivência, e apesar de todos os esforços dos senhores, continuaram resistindo, fosse
através da lealdade conquistando pequenas melhorias no dia-a-dia, fosse pela obtenção
do documento de alforria, fosse pelo boicote à produção da cana-de-açúcar, fosse pelo
assassinato do feitor, fosse pela fuga para um quilombo.

UNIDADE I História e Cultura Africana 25


6. OS QUILOMBOS COMO SINÔNIMO DE RESISTÊNCIA NEGRA

A palavra quilombo existe no Brasil há quase 450 anos e já estava presente em


textos escritos pelos colonizadores portugueses desde 1559. Nos textos escritos pelos
portugueses a palavra quilombo tinha um significado muito simples: “um grupo de escravos
fugidos que cabia às autoridades capturar ou exterminar” de acordo com as leis da época.
Para os que viviam em quilombos, a palavra tinha um significado muito mais profundo,
era uma forma de organização social para a defesa da liberdade. Na formação do Brasil
a escravidão estava por toda a parte, nos engenhos, nas vilas e cidades criadas pela co-
lonização europeia e os quilombos eram uma negação deste mundo em uma busca pela
emancipação.
Em cartas, relatórios, leis e outras fontes portuguesas temos acesso a diversas
informações sobre como eram os quilombos e quem eram seus habitantes. Nessas fontes
são descritas as habitações, as roças plantadas, o tempo de permanência da comunidade
no local, as tecnologias que elas dominavam e as pessoas capturadas ou mortas. Nem sem-
pre os portugueses destacavam o nome dos escravizados, costumavam anotar as idades,
sexo, locais de origem, etc. Essas informações eram importantes para as estratégias dos
colonizadores que buscavam entender a resistência dos negros para melhor combatê-la e
hoje servem para que conheçamos suas histórias, lutas e como era viver em um quilombo.
Para a historiadora, Maria Beatriz Nascimento, pioneira nos estudos dos quilombos, brasi-
leira, trabalhou em Angola onde investigou o que significa quilombo na época em que essa

UNIDADE I História e Cultura Africana 26


palavra atravessou o oceano e chegou ao Brasil. Sua pesquisa concluiu que quilombo é um
conceito que tem origem nos povos bantos, habitantes da África Centro-Ocidental e Leste.
Precisamente, a palavra é usada durante os séculos XVI e XVII para definir os
acampamentos dos guerreiros jaga que resistiram por muito tempo aos colonizadores gra-
ças à sua forma de organização guerreira, mas acabaram se aliando aos europeus como
forma de sobrevivência. Resistir à colonização era defender a própria liberdade, já que os
europeus vinham realizando guerras para transformar o tráfico de pessoas escravizadas
em um grande negócio. No Brasil, essa forma de organização serviu para que esses es-
cravizados continuassem resistindo à violência da escravização nos engenhos e em outras
atividades.
Os primeiros quilombos da América surgiram em meados do século XVI e isso
aconteceu não somente no Brasil, mas em todo o continente. Onde houve escravidão,
houve resistência. Segundo os historiadores João José Reis e Flávio dos Santos Gomes,
de todas as formas de resistência à escravidão que existiram no Brasil, a mais típica foi
a fuga para formação de quilombos. Esses quilombos existiram do Rio Grande do Sul ao
Amazonas e se formaram em todas as épocas da história do Brasil, desde o século XVI ao
final do século XIX, quando foi abolida a escravidão.
O mais importante e conhecido quilombo do Brasil foi Palmares, também conhecido
por seus habitantes por Angola Janga. O quilombo surgiu na Serra da Barriga entre os
estados de Alagoas e Pernambuco por volta de 1580. A Serra da Barriga era uma região
afastada das áreas ocupadas pelos portugueses e o acesso que já era difícil, passou a ser
cada vez mais vigiado pelos quilombolas permitindo que a população dos Palmares cres-
cesse e um pequeno agrupamento se tornasse em um grande complexo de povoações.
Sua produção incluía o plantio de milho, batata-doce, feijão, banana, criação de porcos e
galinhas, a pesca, a caça, a fabricação de utensílios e instrumentos musicais e armar, in-
clusive de metal. Toda essa produção estava voltada para objetivos da própria comunidade,
sendo o primeiro deles a proteção contra ameaças de escravização.
Ao longo de mais de um século, Palmares acolheu diferentes gerações de pessoas
que conseguiram escapar das senzalas e dos canaviais. O quilombo dos Palmares não só
cresceu como se tornou um Reino, Angola Janga, era provavelmente o fruto de uma união
de duas linhagens de guerreiros africanos, a linhagem do reino fundada por Mbundu N’Go-
la, que também é a origem do nome do país africano, Angola e a linhagem dos guerreiros
jagas, que utilizavam a denominação quilombo para seus acampamentos. É possível que
o Reino Angola Janga (Palmares) tenha origem na liderança de uma princesa que já havia

UNIDADE I História e Cultura Africana 27


comandado batalhas contra os europeus na África antes de ser escravizada. Seu nome era
Aqualtune e seu caso não foi o único, pois muitos herdeiros de linhagens reais africanas
foram trazidos para a América para serem escravizados, além de chefes políticos, militares
e religiosos.
A existência desses líderes as vezes se tornava uma ameaça séria para a escravi-
dão, já que podiam reorganizar as estruturas de poder que existiam na África. A história do
Quilombo dos Palmares está cheia de exemplos dessa reinvenção das tradições africanas.
O primeiro Rei de Angola Janga que teve contato com os europeus foi Ganga Zumba,
mesmo nome que era dado aos reis Imbangala no Leste da África. Além do nome, Ganga
Zumba também usava o cabelo em tranças longas e adornadas de conchas que, de acordo
com sua tradição, representava autoridade, exatamente como os reis Imbangala. Como
já expresso por Baquaqua, a primeira coisa que os colonizadores faziam ao capturar ou
traficar um africano para ser escravizado, era cortar seus cabelos para tentar eliminar suas
tradições.
O estilo de guerra praticado em Palmares ou Angola Janga, também eram inspira-
dos em tradições africanas. O quilombo se organizava em torno de povoados que recebiam
o nome de mocambos e que mesmo sendo distantes entre si estavam ligados por uma rede
muito eficaz de comunicação e mobilização de guerreiros. Uma estrutura pensada para
defesa contra investida dos colonizadores que atacavam sempre de surpresa e que tornava
necessária uma vigilância constante.
A estratégia de defesa foi tão bem-sucedida que ao longo do século XVII Palmares
derrotou inúmeras tentativas portuguesas e holandesas de destruição. A primeira expedi-
ção conhecida ocorreu em 1655 quando o governo português conseguiu capturar alguns
quilombolas e descobrir mais ou menos como se organizavam os mocambos. Nessa época,
Pernambuco vivia o pior momento de uma grave crise de fome que atingiu principalmente
as vilas e cidades portuguesas, como Olinda e Recife.
A fome era uma consequência do tipo de economia que os portugueses estabele-
ceram na região com o foco total na produção de açúcar, deixando pouco espaço para a
produção de artigos de primeira necessidade. Com a fome, as fugas para Palmares aumen-
taram, pois chegavam notícias de que por lá havia comida. Com as fugas, os quilombos
aumentavam sua população e sua capacidade de resistência a cada dia, levando senhores
de engenho e autoridades portuguesas a concentrarem suas forças na sua destruição.
Destruir Palmares não era fácil, tanto pela distância e dificuldade do caminho quanto
pelas técnicas de guerra que iam de postos de observação a armadilhas. Também ajudavam

UNIDADE I História e Cultura Africana 28


na defesa habitantes da região que dependiam dos alimentos do quilombo e o apoiavam.
Pequenos proprietários de terras de origem portuguesa compravam comida de Palmares
em troca de pólvora e armas de fogo, já que em Palmares não faltava comida, mas faltavam
armas e munições para fazer frente às expedições portuguesas. Os quilombolas também
trocavam seus alimentos por informações sobre os movimentos das tropas inimigas, além
de manterem uma rede de informantes.
Apesar de todas as estratégias, as expedições dos portugueses e holandeses
fizeram muitos estragos com a destruição de plantações, o incêndio de casas e a morte ou
captura de muitos habitantes. Com as perdas dos Palmares, o rei Ganga Zumba aceitou
fazer um acordo de paz com o capitão-general de Pernambuco, que representava o rei de
Portugal. Esse acordo reconhecia a liberdade das pessoas nascidas em Palmares, mas
não das pessoas que continuavam fugindo dos engenhos e das cidades. O acordo de paci-
ficação já havia sido proposto em 1663. O governador de Pernambuco enviara intérpretes
de línguas africanas para negociações, mas foram assassinados pelos quilombolas.
Para quem tinha nascido em Palmares, aceitar um acordo poderia ser uma forma
de tentar garantir sua liberdade sem precisar viver em constante ameaça, mas ao mesmo
tempo o acordo enfraquecia Palmares, pois se fechava a novos membros em busca de
emancipação. Depois de aceitar o acordo, o Rei Ganga Zumba acabou desacreditado e
foi envenenado por seus próprios súditos, dando lugar ao último e mais importante líder
de Palmares, Zumbi, que havia nascido em Palmares e teria sido um dos beneficiários do
acordo de Ganga Zumba, mas entendia que a liberdade não poderia ser apenas para os
que haviam nascido em Angola Janga (Palmares), mas sim para todos os negros, africanos
ou não.
Zumbi nasceu livre, na Serra da Barriga, mas a liberdade durou pouco, quando
ele ainda era bebê foi capturado por uma expedição e dado de presente a um padre que
o rebatizou com um nome europeu, Francisco, em homenagem ao padre católico protetor
dos pobres. Aos 15 anos o jovem se recusou a continuar sendo o escravo Francisco e
retornou à sua terra natal para se tornar Zumbi. Aos 17 anos comandou os guerreiros que
venceram a maior expedição que já tinha sido montada para destruir Palmares.
Zumbi se tornou rei quando já era um guerreiro famoso depois de liderar uma rebe-
lião contra Ganga Zumba e contra a aliança de paz com os portugueses. Em seu reinado
Palmares virou uma fortaleza e o mocambo principal chamado Macaco chegou a contar
com uma muralha de cerca de cinco quilômetros de extensão.

UNIDADE I História e Cultura Africana 29


A cada expedição portuguesa, Zumbi reagia com ataques aos engenhos que re-
sultavam na libertação de mais pessoas escravizadas, na aquisição de novas áreas para o
quilombo e no incêndio dos canaviais que destruía a fonte de riquezas das forças inimigas.
Zumbi usava verdadeiras táticas de guerra contra os colonizadores.
Os portugueses tentaram um novo acordo de paz rejeitado por Zumbi. Então, o
governador de Pernambuco decidiu chamar um exército de bandeirantes paulistas para
tentar destruir Palmares. Os bandeirantes eram comandados por Domingos Jorge Velho
que tinha uma longa experiência nas guerras por escravização de povos indígenas em São
Paulo.
Os Bandeirantes chegaram em 1691 em Pernambuco e foram derrotados na pri-
meira investida contra Palmares. Em 1693 voltaram com um exército de nove mil homens e
continuaram avançando. No dia 20 de novembro de 1695 Zumbi foi morto numa emboscada
armada pelos bandeirantes.
Depois de mais de um século de resistência, o quilombo dos Palmares teve seus
últimos habitantes degolados. Era o fim do maior quilombo que já existiu no Brasil, mas
era apenas um capítulo da longa história da resistência quilombola que se reinventou e se
espalhou por todas as regiões do país por muitos anos que viriam.

UNIDADE I História e Cultura Africana 30


SAIBA MAIS

Mahommah Gardo Baquaqua foi um homem africano, sequestrado e escravizado por


traficantes. Nativo de Zooggoo na África Central (atual municipalidade de Djougou, no
Benim), um reino tributário do reino de Bergoo, trabalhou no Brasil como cativo, contudo
conseguiu fugir para Nova York em 1847 garantindo sua liberdade. O navio, que chegou
a Nova Iorque em junho, foi abordado por abolicionistas locais, que o incentivaram a fugir
do navio. Após a fuga, no entanto, foi preso na cadeia local, e apenas a colaboração dos
abolicionistas (que facilitaram a fuga da prisão) impediu que fosse restituído ao navio.
Foi então enviado ao Haiti, onde passou a viver com o reverendo Judd, um missionário
batista. Convertido e batizado, em 1848, Baquaqua retornou aos Estados Unidos devido
à instabilidade política que o Haiti vivia então; estudou no New York Central College,
em McGrawville, por quase três anos. Em 1854 foi para o Canadá e sua bibliografia foi
publicada no mesmo ano por Samuel Downing Moore em Detroit.
Não se sabe o que acontece com Baquaqua depois de 1857. Ele estava então na Ingla-
terra e havia recorrido à Sociedade da Missão Livre Batista Americana para ser enviado
como missionário à África.
Em 2018, a biografia de Mahommah Baquaqua foi apresentada como enredo no carna-
val virtual, pelo G.R.E.S.V. Recanto do Beija-flor.
Sua biografia foi publicada pelo abolicionista estadunidense Samuel Moore em 1854,
seu relato foi fundamental pois revelou detalhes das operações do tráfico negreiro da
época.

Fonte: MANZANO, Juan Francisco, A Autobiografia do poeta-escravo. São Paulo: Hedra, 2015.

REFLITA

“Oh! a repugnância e a imundície daquele lugar horrível (navio negreiro) nunca serão
apagadas de minha memória. Não: enquanto a memória mantiver seu posto nesse cé-
rebro distraído, lembrarei daquilo. Meu coração até hoje adoece ao pensar nisto.”

Fonte: Baquaqua. Mohammah Gardon. Biografia. p. 272.

UNIDADE I História e Cultura Africana 31


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nossa viagem chega ao fim. O espaço de experiência contemplado nos apresentou


um negro no Brasil que fora trazido à revelia ao país. Não foi uma bela viagem, porém,
humanizante.
Conforme vimos, o negro no Brasil fora colocado sob um trabalho compulsório.
Uma vez aqui, teve de resistir das mais diversas formas. Uns optaram pela estratégia da
obediência e lealdade. Era a melhor forma, para alguns, de se apegarem às suas próprias
vidas. Outros, boicotaram a produção, quebraram peças dos mecanismos do engenho ou
queimaram as lavouras podendo garantir algum tempo de descanso. Ou isso ou continuar
trabalhando dezesseis horas por dia cortando cana-de-açúcar. Alguns, em total desespero,
ou tiravam as vidas de seus senhores ou até mesmo tiravam suas próprias vidas, pois para
estes, a morte era a única saída de tal situação. E ainda tiveram aqueles que braviamente
fugiram das fazendas e construíram vilas chamadas de concentrações quilombolas.
Aprendemos que o africano no Brasil tem sua própria história e que essa história
é a história do próprio Brasil. Ela nos construiu e continua nos construindo, sendo assim,
não podemos deixar que ela seja esquecida, não apenas porque a escravidão é um crime
contra a humanidade, mas porque a cultura africana está presente no nosso dia-a-dia e
muitas vezes nem percebemos.

UNIDADE I História e Cultura Africana 32


LEITURA COMPLEMENTAR

LARA, Silvia Hunold. Biografia de Mahommah Gardo Baquaqua. Revista História


Brasileira, São Paulo, v. 8, n. 16, p. 269-284, 1988.

MATERIAL COMPLEMENTAR

LIVRO
Título: O Trato dos Viventes: Formação do Brasil
no Atlântico Sul – Séculos XVI e XVII.
Autor(a): Luiz Felipe de Alencastro.
Editora: Companhia das Letras
Sinopse: O padre Antônio Vieira escrevia: “Angola... de cujo triste
sangue, negras e infelizes almas se nutrem, anima, sustenta, ser-
ve e conserva o Brasil”. Em O trato dos viventes, o historiador Luiz
Felipe de Alencastro mostra que a colonização portuguesa, ba-
seada no escravismo, deu lugar a um espaço econômico e social
bipolar, englobando uma zona de produção escravista situada no
litoral da América do Sul e uma zona de reprodução de escravos
centrada em Angola.

FILME/VÍDEO
Título: Amistad
Diretor: Steven Spielberg
Ano: 1997
Sinopse: Costa de Cuba, 1839. Dezenas de escravos negros se
libertam das correntes e assumem o comando do navio negreiro La
Amistad. Eles sonham retornar para a África, mas desconhecem
navegação e se veem obrigados a confiar em dois tripulantes so-
breviventes, que os enganam e fazem com que, após dois meses,
sejam capturados por um navio americano, quando desordenada-
mente navegavam até a costa de Connecticut. Os africanos são
inicialmente julgados pelo assassinato da tripulação, mas o caso
toma vulto e o presidente americano Martin Van Buren (Nigel Haw-
thorn), que sonha ser reeleito, tenta a condenação dos escravos,
pois agradaria aos estados do Sul e também fortaleceria os laços
com a Espanha, pois a jovem Rainha Isabella II (Anna Paquin)
alega que tanto os escravos quanto o navio são seus e devem ser
devolvidos. Mas os abolicionistas vencem, e, no entanto, o governo
apela e a causa chega a Suprema Corte Americana. Este quadro
faz o ex-presidente John Quincy Adams (Anthony Hopkins), um
abolicionista não assumido, sair da sua aposentadoria voluntária,
para defender os africanos.

UNIDADE I História e Cultura Africana 33


WEB

Apresentação do link: Canal Revisão. Tráfico Negreiro. Apresentação de Pirula.


Tópicos abordados: Os africanos na formação do Brasil, para além da escravidão; História
do tráfico de pessoas escravizadas na África, e da África para a América; O predomínio
português e brasileiro no mercado atlântico de escravos; O processo de escravização da
perspectiva de um africano (Mahommah Gardo Baquaqua); As experiências e as estraté-
gias para a conquista da liberdade.
Link do site: https://www.youtube.com/watch?v=TjcQTVLQDF0

Apresentação do link: Canal Nerdologia. A Origem da Escravidão no Brasil. Apre-


sentação e Roteiro de Felipe Figueiredo. Tópicos abordados: A origem da escravidão nas
sociedades agricultoras; As primeiras sociedades escravagistas na antiguidade; A escravi-
dão como prática durante a Idade Média; A escravidão árabe e europeia; A escravidão no
continente africano; A escravidão moderna no Oceano Atlântico e seu caráter econômico e
racial; A escravidão do Atlântico como fenômeno novo e incomparável aos demais tipos de
escravidão.
Link do site: https://www.youtube.com/watch?v=qXBmkswwRfw

UNIDADE I História e Cultura Africana 34


UNIDADE II
O Negro no Brasil:
Abolição e seu Legado
Professor Especialista Cleber Henrique Sanita Kojo
Professor Especialista Paulino Augusto Peres

Plano de Estudo:
● Os agentes da abolição da escravidão no Brasil
● O maior legado da escravidão: o racismo

Objetivos da Aprendizagem:
● Compreender o processo de abolição no Brasil e evidenciar o movimento
abolicionista para destacar que foram os negros que lideraram esse processo e não uma
princesa branca ou grupos brancos como se está no imaginário popular.
● Contextualizar o racismo no Brasil como um fenômeno que surge com a escravidão
e não acaba com o fim da mesma, pois vários mecanismos de desprezo a população
negra no Brasil ocorrem durante a nossa história pós fim da escravatura.
● Compreender os dois tipos de preconceitos categorizados por Oracy Nogueira, o de
marca e o de origem para que o aluno possa compreender que o racismo se apresenta de
diversas formas em diversos locais do mundo.
● Estabelecer a importância de entendermos que o Brasil é um país racista e que esse
racismo é camuflado, escondido e que se torna evidente
em momentos de conflito de forma cruel.

35
INTRODUÇÃO

Olá, caros alunos. Tudo bem? Vamos dar continuação a nossa viagem histórica.
Preparado? Vale ressaltar que no módulo anterior iniciamos nossa viagem ao passado para
compreendermos como foi a escravidão e a forma de resistência em nosso país. A partir de
agora damos prosseguimento a nossa viagem, partindo do suspiro de liberdade que nasce
da abolição da escravatura no nosso país.
Em uma de nossas paradas nessa viagem, perceberemos que a abolição da escra-
vidão no Brasil não teve grande participação de movimentos brancos. Então entenderemos
que abolicionismo em si foi liderado por negros. Perceberemos ainda que a princesa Isabel,
abolicionista, era apenas uma personagem na abolição e os principais protagonistas foram
os negros em si.
Daremos prosseguimento a nossa jornada através de uma comparação realizada
pelo sociólogo Oracy Nogueira sobre o preconceito nos Estados Unidos e Brasil. Sendo
assim, conheceremos a diferença entre preconceito de origem e no Brasil e preconceito de
marca.
Espero que você compreenda o racismo como legado da escravidão negra no
Brasil durante mais de 300 anos.
Espero que esteja entusiasmado com e apreensivo com nossa viagem. Entusias-
mado para que se encante nesse processo de ensino-aprendizagem e apreensivo para
compreender a origem do racismo em nosso país.
Vamos lá?

UNIDADE II O Negro no Brasil: Abolição e seu Legado 36


1. OS AGENTES DA ABOLIÇÃO DA ESCRAVIDÃO NO BRASIL

Em 2018 tivemos o aniversário de 130 anos da assinatura da lei áurea que encer-
rou escravidão de pessoas negras no Brasil. Costumamos ver essa lei nas escolas como
se tivesse acontecido de repente com uma assinatura e fim. A Lei Imperial nº 3.353, nome
oficial da Lei Áurea, foi apresentada à Câmara Geral, atual Câmara dos Deputados, pelo
então ministro da agricultura no dia 8 de maio de 1888. Foi aprovada e levada ao Senado
que também a aprovou no dia 13 de maio e após foi assinada pela princesa Isabel como
regente do Brasil.
A luta pela abolição, entretanto, tinha começado bem antes. Os primeiros movimen-
tos abolicionistas no Brasil foram sociedades religiosas como os jesuítas que protestavam
contra a escravidão de indígenas ainda no século XVII. O modelo de escravidão indígena já
estava em declínio, substituído pela escravidão negra africana, mais lucrativa e geralmente
aceita.
Oficialmente a escravidão indígena foi proibida em 1757 por meio de um decreto
do Marquês de Pombal, então Secretário de Estado do Reino de Portugal. Alguns anos
depois em 1761 o mesmo Marquês de Pombal decretou o fim da escravidão negra, porém,
isso foi implementado apenas na metrópole europeia, territórios na Índia e depois à ilha de
madeira.
Para a Coroa abolir a escravidão negra na América seria um grande impacto eco-
nômico tanto na queda de produção nos territórios quanto no fim do tráfico de pessoas.

UNIDADE II O Negro no Brasil: Abolição e seu Legado 37


Em 1822 o Brasil quase foi fundado como um país sem escravidão e teria sido o
primeiro país da América do Sul, mas foi a do Chile que aboliu toda forma de escravidão
em 1823 logo após a sua independência. Nessa época o abolicionismo já era discutido
mundialmente por movimentos abolicionistas ingleses e estados que já haviam abolido a
escravidão nos Estados Unidos.
Uma das principais figuras da independência e da institucionalização do Brasil foi
José Bonifácio que classificava a escravidão como um câncer que destruiu as bases de uma
sociedade. Seu desejo, entretanto, não se tornou realidade com as oligarquias defendendo
seus interesses de manutenção do regime escravista. No fim das contas o Brasil foi o último
país de todo o continente americano a abolir a escravidão.
No período regencial o Brasil sofreu pressões do Reino Unido para abolir o tráfico
de pessoas. Nesse período surge a expressão “para inglês ver” quando algo é prometido
sem intenção de ser cumprido, no caso, “para inglês ver” foram as primeiras leis brasileiras
contra o comércio de africanos, como as leis do Sexagenário e Ventre-livre. Na verdade,
o efeito foi contrário, os fazendeiros brasileiros passaram a investir cada vez mais nesse
comércio e ocorreu um aumento de preços pois temiam que o tráfico poderia acabar a
qualquer momento.
O comércio atlântico de pessoas negras é progressivamente combatido com forte
pressão britânica, incluindo o uso da força contra navios e chega ao fim em 1856. Ele foi
substituído, porém, pelo comércio interno entre diferentes regiões do Brasil que transforma
o comércio de pessoas em um fenômeno nacional. A isso soma-se a Guerra do Paraguai,
quando milhares de soldados negros retornaram vitoriosos corriam o risco de voltar à condi-
ção de escravidão. O movimento abolicionista brasileiro vai ter grande impulso com a soma
desses dois contextos.
Alonso (2015) afirma que o movimento abolicionista foi essencial para exercer pres-
são para exigir pressão e exigir o fim da escravidão no Brasil. A coroa não podia se indispor
com as principais oligarquias promovendo a escravidão. Essas, por sua vez, tinham inte-
resse na manutenção do escravismo e dominavam políticos marcada pelo voto censitário.
Já a revolta contra a escravidão levava repressão com o uso da força, com pouca simpatia
popular. Desta forma, o movimento abolicionista, sabendo da falta de popularidade das
repressões, aumentava sua pressão ao Governo.
Algumas figuras abolicionistas são bem conhecidas, como o poeta Castro Alves, a
maestrina Chiquinha Gonzaga e o diplomata Joaquim Nabuco, dentre outros. De grande

UNIDADE II O Negro no Brasil: Abolição e seu Legado 38


importância para a época foram os abolicionistas negros, que eram usados de exemplo na
prática de como as políticas do país não os beneficiavam.
Um abolicionista negro famoso foi Luiz Gama, filho de uma negra livre e pai branco.
Mesmo tendo nascido livre foi escravizado aos 10 anos de idade, situação que durou até
os seus 17 anos. Após ter passado pela escravidão, Luiz Gama conseguiu se alfabetizar e
se tornou advogado, defendendo outros negros gratuitamente. Outro exemplo foi José do
Patrocínio, filho de um clérigo branco com uma negra escravizada. Patrocínio cresceu como
liberto, protegido pelo pai e formou-se em farmácia. Outro abolicionista negro foi André Re-
bouças, engenheiro que hoje é homenageado com o nome de locais em diversas cidades
brasileiras. Em comum os três atuaram como jornalistas, escrevendo panfletos e sátiras e
criando jornais abolicionistas para colocar a sociedade brasileira contra a escravidão.
O fim da escravidão no Brasil foi um processo demorado que sofreu resistência e foi
consequência de pressão popular com diversos movimentos organizados e manifestações
culturais e sociais contra o escravismo.
Os Estados Unidos têm uma história particular em que a escravidão era legalizada
no sul do país e ao norte fora abolida logo após a independência ou era pouco presente e
abolida na primeira metade do século XIX. Isso permite compararmos hoje, mais de 150
anos depois do fim da escravidão nos Estados Unidos os contrastes entre as regiões livres
e as com escravidão. O IDH (índice de desenvolvimento humano) é uma medida compara-
tiva para classificar diferentes regiões pelos critérios de expectativa de vida, escolaridade e
renda por pessoa. O IDH fornece um parâmetro objetivo sobre o desenvolvimento de cada
sociedade.

Figura 1: USA - Escravidão e Desenvolvimento humano

Fonte: PERES, Paulino .(2018). A Escravidão e os reflexos do desenvolvimento humano nos Estados Unidos.

UNIDADE II O Negro no Brasil: Abolição e seu Legado 39


No primeiro mapa dos Estados Unidos, quanto mais clara a cor do mapa menor o
IDH. No segundo mapa vemos onde era e não era legal a escravidão nos Estados Unidos
em 1861. Perceba que os antigos estados escravistas são hoje os estados com menor IDH.
Também esses estados são os que possuem o menor índice de mobilidade social, onde
a chance de alguém melhorar sua condição de vida por seus próprios esforços é menor.
Estes estados também estão entre os com maior índice de pobreza nos Estados Unidos.
Esse exemplo americano é para percebermos que a escravidão gerou o seu legado
na sociedade contemporânea, não só nos EUA, mas também em todos os países que
tiveram a escravidão como instrumento de mão-de-obra em seu território, entre ele o Brasil.
Esse legado da escravidão e seus modelos de sociedade autoritária e de economia pouco
liberal dura até hoje, inclusive no Brasil.

UNIDADE II O Negro no Brasil: Abolição e seu Legado 40


2. O MAIOR LEGADO DA ESCRAVIDÃO: O RACISMO

“Não é de bom tom puxar o assunto da cor”, pois, afinal de contas, “em casa de
enforcado não se fala em corda”. Oracy Nogueira.

A desigualdade social é um fenômeno mundial na sociedade contemporânea e é


reflexo da má distribuição de renda. Não é novidade para ninguém que o Brasil é um país
onde muitos têm muito pouco e poucos têm muito. Hoje estamos entre os dez países entre
os mais desiguais do mundo. Metade da população é negra, mas mesmo assim, o negro
tem cinco vezes mais chances de ser analfabeto que um branco.
Oracy Nogueira (1998), em sua obra “Preconceito racial de marca e preconceito
racial de origem” analisa o racismo através de um olhar sociológico e se orienta no sentido
de desvendar o estado das relações entre os componentes brancos e negros da população
brasileira.
O autor faz uma análise sobre o racismo no Brasil e nos Estados Unidos da América
a partir de análises sociológicas e antropológicas e utiliza como método os tipos ideias de
Weber. Ele apresenta em seus estudos que Estados Unidos e Brasil representam dois tipos
de situações raciais, o de origem e o de marca.
Analisando as obras brasileiras sobre o assunto, percebe-se que muitos ten-
taram negar ou subestimar o preconceito racial existente no nosso país. Até mesmo
hoje em dia é possível ver essa ideia. Nas redes sociais existe uma enxurrada de ar-

UNIDADE II O Negro no Brasil: Abolição e seu Legado 41


gumentos racistas, mas, também é possível ver a negação do racismo em livros como
é o caso do livro “Não somos racistas” de Ali Kamel, atual diretor geral de jornalismo
da Rede Globo. Essa ideia de Kamel não é novidade na intelectualidade brasileira.
Voltando a Nogueira, sua obra aponta também para a intensidade do racismo, onde
nos Estados Unidos o racismo era explícito havendo, inclusive, diversas leis que separa-
vam brancos e negros na sociedade, já no Brasil, leis racistas também existiram, em menor
quantidade e o racismo se apresentou de forma implícita. Desta forma, Nogueira (1998)
chamou o racismo explícito norte-americano de racismo de origem, e sua versão brasileira,
mais implícita de racismo de marca.
Entende-se racismo de marca como preconceito de cor, uma vez que está asso-
ciado ao fenótipo do indivíduo, já o de origem está relacionado a um preconceito ligado à
genealogia do indivíduo.
Primeiro é necessário compreender o preconceito racial como uma disposi-
ção (ou atitude) desfavorável, culturalmente condicionada, em relação aos
membros de uma população, aos quais se têm como estigmatizados, seja
devido à aparência, seja devido a toda ou parte da ascendência étnica que
se lhes atribui ou reconhece. (NOGUEIRA, 1998, p. 38).

Sendo o racismo uma disposição desfavorável a alguém ou pela aparência ou pela


etnia, ou pela cultura, explicaremos esse racismo de duas formas, já anunciadas aqui:
1. quando o preconceito de raça se apresenta em relação à aparência da
pessoa, quando toma os traços físicos do indivíduo, a fisionomia, os ges-
tos, o sotaque, é nomeado como racismo de marca, mas;

2. quando apenas a suposição de que este indivíduo descende de certo


grupo étnico para que sofra as consequências do preconceito, denomi-
na-se, racismo de origem.

A atuação entre essas duas formas de racismo é diferente. O preconceito de marca


se apresenta com o desprezo direcionado àquele que sofre o preconceito, enquanto que
o de origem é marcado pela exclusão total dos membros do grupo atingido, no caso aqui
especificado, dos negros. Isto é, no Brasil, cujo preconceito é o de marca, conforme Oracy
Nogueira, um negro teria dificuldades em participar de certo grupo, como por exemplo,
um clube recreativo. Os representantes do clube, normalmente de classe média, brancos
se manifestam contrários à sua admissão, entretanto, se esse indivíduo de pele negra
contrabalançar a suposta desvantagem da cor da pele apresentando vantagens inegáveis
como superioridade intelectual, diploma de curso superior, boa profissão e boa condição
econômica, além de outras qualidades, pode ser aceito mais facilmente, abrindo-lhe uma
exceção.

UNIDADE II O Negro no Brasil: Abolição e seu Legado 42


Já nos Estados Unidos, ocorre o oposto, as restrições que são impostas aos negros
são mais amplas e aceitas, independentemente das condições pessoais como nível esco-
lar, econômico e cultural. O preconceito racial nos Estados Unidos se apresenta da mesma
forma a um operário e a um doutor. O negro naquele país será escanteado para bairros
exclusivos para negros, mesmo que hoje não haja uma lei que determine isso, é cultural
aceitar que a população negra não deva morar no bairro de brancos. Até há algumas déca-
das os negros não poderiam frequentar as mesmas escolas, faculdades, hospitais, ônibus,
que os brancos. Também não poderiam aguardar na mesma sala de espera que os brancos
e aeroportos, não poderiam beber no mesmo bebedouro ou utilizar o mesmo banheiro. Até
mesmo igrejas que não aceitavam negros era comum por lá.
O preconceito de marca varia subjetivamente, a relação entre quem pratica e sofre
preconceito é sempre subjetiva. O brasileiro olha o indivíduo negro e através da tonalidade
de sua pele exerce seu preconceito. Pessoas de pele mais escura sofre mais preconceito
que as pessoas de pele menos escura, desta forma, frases como “você não é negro, mas
sim moreno” são comuns, pois, tenta-se clarear a pessoa, como se ser negro com uma pele
mais escura não fosse bom. É bom lembrarmos que isso acontece largamente no Brasil de
forma inconsciente, pois as pessoas que dizem tais frases não se percebem como racistas,
e, portanto, não percebem que tal frase apresenta a tonalidade da pele do negro como algo
que prioriza tons de pele mais claros.
Quando o preconceito é de marca podemos perceber que quando alguém que se
gosta é negro (amigo ou familiar) o julgamento sobre essa pessoa sofre variação e frases
como “ele é negro, mas é um cara legal”, “é negro, mas é inteligente” ou ainda “é negro de
alma branca” mostram subjetividade do julgamento. Talvez a frase mais emblemática seja
“negro de alma branca”, pois a palavra “negro” foi há muito utilizada como sinônimo para
algo ruim: “peste negra”, “alma negra”, “livro negro”, etc., logo, o negro que se tem afeição
teria “alma branca”, pois a cor branca é associada a coisas boas, mas, negro não.
Com o racismo de origem isso não ocorre, pois, não importa ao preconceituoso
a tonalidade da pele do mesmo, frases como “ele não é negro, ele é moreno” não fazem
sentido, pois o que importa é a ascendência do indivíduo. Nos Estados Unidos o grupo
sofre preconceito por questões hereditárias.
Nos Estados Unidos [...] o branqueamento, pela miscigenação, por mais com-
pleto que seja, não implica incorporação do mestiço ao grupo branco. Mesmo
de cabelos sedosos e loiros, pele [branca], nariz afilado, lábios finos, olhos
verdes, sem nenhum [traço] característico que se possa considerar como ne-
groide e, mesmo, lhe sendo impossível, biologicamente, produzir uma des-
cendência negroide, ‘por mais esforço que faça, para todos os efeitos sociais,
o mestiço continuará sendo um ‘negro’. (NOGUEIRA, 1998, p. 43).

UNIDADE II O Negro no Brasil: Abolição e seu Legado 43


Se você for descendente de negros, você sofrerá preconceito. Se você for filho
de um pai negro e uma mãe branca e nascer com a pele branca, sofrerá com o racismo,
pois, o que importa ao racismo de origem é, como o nome sugere, sua origem negra, e não
somente a cor de sua pele. É assim que, nos Estados Unidos, o negro é definido.
No Brasil essa ideia é inconcebível, pois, mesmo sendo filho de negros, se a pessoa
é branca, se os traços são de pessoas brancas, essa pessoa não passa por preconceitos
referentes à sua cor. O racismo no brasil está ligado à cor da pele, nos Estados Unidos, à
sua origem.
Nogueira (1998) cita uma situação de uma mulher branca de ascendência negra
que foi, através de um anúncio, empregada como secretária. Durante seis meses trabalhou
e havia sido considerada uma funcionária eficiente, então, resolveu revelar sua verdadeira
identi- dade como descendente de negros, acreditando que seria aceita por sua eficiência.
Sua confissão poderia contribuir para que o patrão redefinisse, favoravelmente, sua atitude
em relação aos negros. Foi, porém, despedida.
Da parte do grupo branco, as sanções podem ir desde a simples perda de
emprego e o rompimento das relações que, como branco, o indivíduo teve
ensejo de estabelecer, até a depredação de bens, a agressão física e o lin-
chamento; da parte do grupo negro, o indivíduo estará exposto à censura mo-
ral, por falta de lealdade, ao ridículo e ao boicote. (NOGUEIRA, 1998, p. 47).

Essa realidade do racismo de origem é inexplicável para o brasileiro. Se um brasi-


leiro completamente branco e que, como branco, sempre viveu no Brasil, indo aos Estados
Unidos, terá a surpresa de ser considerado e tratado como negro. Nogueira (1998) cita
ainda um intelectual brasileiro, seu amigo, que mora em Chicago, mestiço, pele clara, cuja
identificação como branco nunca fora posta em dúvida no Brasil, mas estava passando
por uma crise emocional por ter sofrido discriminação no hotel a que fora recomendado.
No outro extremo, um negro norte-americano, em viagem ao Brasil, com poucos traços
negroides, pode ser visto e tratado como branco, mulato claro, mulato escuro. O simples
fato de ser norte-americano e falar inglês faz com que muitos brasileiros não o discriminem
como faria com um negro brasileiro de classe baixa.
Mais inconcebível ainda aos brasileiros a respeito do racismo de origem pode
ser visto em um caso onde estudantes universitários frequentavam uma instituição que
proibia a discriminação racial e estudantes brasileiros se irritaram com a atitude de uma
garota americana, loira, que, provavelmente namorava o rapaz negro com quem andava,
se apresentava como sendo negra. Todos se assustaram com a informação de que nos
Estados Unidos, devido à definição de “negro”, há indivíduos completamente brancos que
são considerados “negros” por se envolverem com pessoas negras, ou por amizade ou por

UNIDADE II O Negro no Brasil: Abolição e seu Legado 44


relações afetivas. São chamados de nigger-lover, isto é, os que amam ou gostam de negros
e sofrem preconceito racial igualmente.
No Brasil o racismo de marca faz com que se tenha preconceito com o negro
desconhecido, mas afetividade com os negros próximos. Entretanto, Isso não reduz as
brincadeiras sobre o negro que “quando não suja na entrada, suja na saída”, “negro urubu”
ou “negro macaco”. As crianças fazem isso com frequência. Reproduzem o que vivenciam
no dia-a-dia. Reproduzem inconscientemente a falta de negros nos desenhos, nos filmes,
novelas, jornais, etc. Os adultos transmitem o que lhes foi passado também de forma in-
consciente. Isso não elimina o racismo, ele continua latente e implícito. Desta forma, como
o racismo de marca é implícito, disfarçado, mascarado de tolerância, pois, se tem um amigo
negro, um vizinho negro que se gosta muito, etc., acredita-se que no Brasil o racismo fora
eliminado, entretanto, além de existir camuflado, o racismo de marca contribui para a não
união da população negra no Brasil contra o preconceito de raça. Um brasileiro nos EUA
sofreria com o estranhamento dos negros de lá, uma vez que o negro brasileiro não se
organiza para lutar contra o preconceito, assim como ocorre nos Estados Unidos. O negro
norte-americano o consideraria uma párea, uma vez que o racismo de origem, uma vez
que ele decreta como inimigo a população branca que o escravizou e limitou seus direitos.
Por isso mesmo, por lá, existem grupos organizados de negros, suas manifestações são
organizadas e realizam uma segregação intencional de sua população em relação aos
brancos. Acreditam que como foram segregados pelos brancos, não devem se aproximar
deles. Os negros nos Estados Unidos não lutam para serem aceitos pelos brancos, pelo
fim do racismo, lutam para terem direitos iguais. O ódio destilado aos negros nos Estados
Unidos, levou ao ódio do negro aos brancos naquele país. Uma situação bem complexa.
Também é possível destacar que no preconceito de marca, a ideologia é, ao mes-
mo tempo, assimilacionista e miscigenacionista e onde o preconceito é de origem, ela é
segregacionista e racista.
No Brasil, espera-se um embranquecimento da raça como resultado inevitável da
miscigenação racial, é largamente difundido no Brasil a teoria da miscigenação das três
raças: indígenas, brancos e negros. Não é uma mentira, entretanto muito se reduziu a
discussão étnica a miscigenação desses grupos. A noção geral é de que o processo de
branqueamento constituirá a melhor solução possível para a heterogeneidade étnica do
povo brasileiro. Exemplo é que diante do casamento entre uma pessoa branca e uma ne-
gra, não são poucos os que afirmam que a pessoa negra teve sorte por ter se casado com
uma pessoa branca, já para a pessoa branca afirmaram que a pessoa “teve azar” ou que os

UNIDADE II O Negro no Brasil: Abolição e seu Legado 45


dois não combinam. Quando o filho de um casal misto nasce branco, também se diz que o
casal “teve sorte”, mas quando nasce negro, a impressão é de pesar. Cada vez mais esse
pensamento é deixado de lado no Brasil, existindo, porém, com maior força entre os mais
velhos, mas ainda existindo entre os mais jovens, entretanto, com menor força, é verdade.
O brasileiro é miscigenacionista, não despreza a miscigenação racial, na verdade
a vê como algo inevitável nessa terra. Também é assimilacionista, pois assimila os traços
culturais nas relações étnico-raciais. Assimila no sentido de incorporar os traços culturais
de outra cultura aos traços culturais brasileiros. Em geral, espera-se que o indivíduo de uma
determinada cultura africana, por exemplo, abandone, aos poucos, sua herança cultural,
em proveito da “cultura nacional”. Basta ver as religiões africanas que foram assimiladas,
incorporadas pela cultura brasileira, como o candomblé e a umbanda, o mesmo pode-se
afirmar a respeito do samba e capoeira, que, criados por negros, hoje é algo considerado
totalmente brasileiro, ou seja, assimilado. Isso acontece não somente com a cultura africana
no Brasil, mas também com a indígena e até mesmo com a cultura do imigrante europeu.
No Brasil, a ideologia de relações inter-raciais, como parte do modo de ser nacio-
nal, envolve uma valorização do igualitarismo racial e condena a manifestação intencional
de preconceito. Isso acoberta um racismo velado por aqui. Essa ideia é disseminada pela
teoria do sociólogo da “Democracia Racial” de Gilberto Freire, que afirma boa convivência
entre negros, brancos e indígenas. Teoria, a propósito, bastante combatida na academia.
Nos Estados Unidos os brancos querem se ver longe dos negros mantendo-os em
seus núcleos separados com seu modo de vida à parte. Também essa realidade americana
vem diminuindo bem lentamente. Pelo menos as leis proíbem qualquer tipo de segregação
racial, mas a cultura norte-americana continua discriminando o afro-americano.
No Brasil ainda, onde o preconceito é de marca, a etiqueta de relações inter-raciais
põe ênfase no controle do comportamento de indivíduos do grupo discriminador, de modo a
evitar a humilhação dos membros do grupo discriminado. Assim, por aqui, não é bem visto
puxar assunto sobre cor de pele diante de uma pessoa negra. Evita-se referência à cor, da
mesma maneira que se evitaria a referência a qualquer outro assunto capaz de ferir o inter-
locutor. Em contrapartida, em uma briga com uma pessoa negra, a ofensa é direcionada à
sua origem étnica, isto é, ofende-se a pessoa destacando a sua cor de pele. Por exemplo em
uma “fechada” no trânsito, se a pessoa que “fechou” for negra pode-se esperar do indivíduo
no automóvel que foi “fechado” que, a perder a paciência com a situação e resolver ofendê-
-la o faça destacando a cor de sua pele, e não sua pouca habilidade em dirigir, em outras
palavras, a pessoa não irá ofender dizendo “comprou a carteira”, ou “volta para autoescola”,

UNIDADE II O Negro no Brasil: Abolição e seu Legado 46


aquele que ofende, ao ver que o motorista é negro, é provável que diga “tinha que ser
negro” ou “negros deveriam ser proibidos de dirigir”, como se a cor da pessoa tivesse algum
tipo de relação com sua pouca habilidade no trânsito. Desta forma, o negro no Brasil, toma
consciência da própria negritude em momentos de conflito, quando o adversário procura
humilhá-lo lembrando-lhe a cor da pele. Assim funciona a etiqueta no preconceito de marca.
As coisas são diferentes nos Estados unidos, pois, tendo lá um preconceito de ori-
gem a etiqueta expressa a diferença entre negros e brancos. Assim, o branco exige que
o negro o chame de mister e a ele se dirija mencionando-lhe o sobrenome. Todavia, o
negro deve se conformar em ser chamado pelo branco pelo primeiro nome, sem o uso da
expressão mister. Em alguns lugares ainda no século XXI, sobretudo nos estados do sul do
país somente atendem pessoas negras após atender todas as brancas antes, e em alguns
lugares, os negros não são atendidos. Esse tipo de comportamento vem diminuindo nos
Estados Unidos, mas ainda vive. E, ao contrário do Brasil, a consciência da própria identifi-
cação racial, por parte do negro, é contínua envolvendo uma preocupação permanente de
autoafirmação e uma constante atitude ofensiva.
Quanto à estrutura social, onde o preconceito é de marca, a probabilidade de
ascensão social diminui, ficando o preconceito de raça disfarçado sobre o preconceito de
classe. Isso é usado para negar o preconceito racial no Brasil. Já nos Estados Unidos,
onde o preconceito é de origem, brancos e negros vivem separados, como se fossem duas
sociedades paralelas.
No Brasil, onde o preconceito é de marca, a luta do discriminado tende a se
confundir com as lutas que envolvem a classe social. Muitos negros no Brasil não lutam
para conquistar direitos negados aos negros, mas lutam por direitos sociais e, assim, sem
perceber confundem os dois direitos e negam que os negros tiveram seus direitos negados
em privilégio dos brancos. Mas, onde o preconceito é de origem, o grupo discriminado
atua politicamente como minoria organizada, coesa e, portanto, capaz e propensa à ação
política.
O branco e o negro no Brasil convivem, se admitem, o preconceito por aqui está
disfarçado, não se discrimina explicitamente no Brasil, a etiqueta não permite. Seus pares
irão achar estranho que fale sobre cor na presença de um negro. O racismo de marca é
camuflado. Aparece somente nos momentos de conflito. Aparece da forma mais cruel. O
negro ofendido até aquele momento não percebia que era discriminado, mas no conflito
percebe o desprezo que parte da sociedade branco nutre por ele. Ser negro, no racismo de
marca é o problema. Quanto mais negro se é, mais racismo sofrerá. Já o branco e o negro

UNIDADE II O Negro no Brasil: Abolição e seu Legado 47


nos Estados Unidos não se admitem, não convivem, não dialogam, sendo um racismo
explícito, na etiqueta por lá é normal se desprezar alguém pela cor da pele. O racismo de
origem é evidente e se faz questão que seja evidente. Aparece em todos os momentos.
Não importa ao racismo ao racismo de origem sua cor da pele somente, ser negro é um
problema, mas se relacionar com negros também é.
Conceito sociológico que se refere à um grupo que possui minoria de direitos e
não minoria numérica, em alguns casos, por exemplo, uma maioria numérica pode ser
considerada “minoria”, por possuir menos direitos, é o caso das mulheres no Brasil que
representam 52% da população, porém, não possuem os privilégios masculinos.

SAIBA MAIS

De 1890 a 1937 a Capoeira foi “proibida” por lei por ser uma manifestação de re-
sistência negra.

Seguem os dados da lei de proibição:

Lei de Proibição da Capoeira

Código Penal da República dos Estados Unidos do Brasil (Decreto número 847, de 11
de outubro de 1890)

Capítulo XIII -- Dos vadios e capoeiras

Art. 402. Fazer nas ruas e praças públicas exercício de agilidade e destreza corporal co-
nhecida pela denominação Capoeiragem: andar em carreiras, com armas ou instrumen-
tos capazes de produzir lesão corporal, provocando tumulto ou desordens, ameaçando
pessoa certa ou incerta, ou incutindo temor de algum mal;

[...]

Art. 403. No caso de reincidência será aplicada à capoeira, no grau máximo, a pena do
art. 400. Com a pena de um a três anos.

UNIDADE II O Negro no Brasil: Abolição e seu Legado 48


Parágrafo único. Se for estrangeiro, será deportado depois de cumprida a pena.

Em 1935 a capoeira deixou de constar como arte proibida com a queda do Decreto de 11
de outubro de 1890. Posteriormente, em 1937, a então Secretaria da Educação conse-
guiu um registro oficial que qualificava seu curso de capoeira como Curso de Educação
Física. Em 26 de dezembro de 1972 a capoeira foi homologada pelo Ministério da Edu-
cação e Cultura como modalidade desportiva.

REFLITA

“Não sou descendente de escravos. Eu descendo de seres humanos que foram escra-
vizados” (Makota Valdina).

Fonte: MATA, Lídice. Pronunciamento de Lídice da Mata em 24/11/2016. Disponível em: <https://www25.

senado.leg.br/web/atividade/pronunciamentos/-/p/texto/427635>. Acesso em 19 jan. 2021.

“O quilombo [...] constituía-se ‘em polo de resistência que fazia convergir para o seu
centro os diversos níveis de descontentamento e opressão de uma sociedade que tinha
como forma de trabalho fundamental a escravidão’ e por estar ‘dentro da situação de
negação à ordem escravista, tinha de se defender constantemente da repressão dos
senhores’ (Moura, 1987, p. 44).

Fonte: MOURA, Clóvis. Os quilombos e a rebelião negra. São Paulo, Brasiliense, 1987.

UNIDADE II O Negro no Brasil: Abolição e seu Legado 49


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mais uma unidade chega ao fim. A abolição fora contemplada não pelos olhos de
princesas, mas a partir dos olhos dos negros brasileiros que foram escravizados ou tiveram
ancestrais escravizados para que através dessa abolição percebêssemos que nossos espí-
ritos não haviam sido emancipados junto com os negros. A abolição deu fim à escravatura,
mas, não ao racismo.
O racismo existe e está presente entre nós brasileiros. Herança da escravidão.
Ele permanece sorrateiro no Brasil. Se esconde, se camufla, se espreita, dentro da men-
talidade do Brasileiro que acredita que racismo é o que existe nos Estados Unidos, um
racismo explícito. O brasileiro não vê o preconceito racial explícito, portanto, considera-o
não existente ou de pouca relevância por aqui. Engana-se.
Para mostrar o equívoco do brasileiro a respeito das questões raciais, Oracy No-
gueira foi evocado para apresentar a diferença do preconceito racial nos EUA e Brasil para
que venhamos perceber, que, não importa se o racismo é de marca ou origem, é tudo
racismo.

UNIDADE II O Negro no Brasil: Abolição e seu Legado 50


LEITURA COMPLEMENTAR

ANJOS, Rafael Sanzio Araújo dos. “As geografias oficial e invisível do Brasil: al-
gumas refe- rências”. Geousp – Espaço e Tempo (Online), v. 19, n. 2, p. 375-391, 2015.
Disponível em: http://www.revistas.usp.br/geousp/article/viewFile/102810/105686

MATERIAL COMPLEMENTAR

LIVRO
Título: Nem preto nem branco, muito pelo contrário: cor e raça
na sociabilidade brasileira
Autora: Lilia Moritz Schwarcz
Editora: Claro Enigma
Ano: 2013
Sinopse: No Brasil, a questão do preconceito racial é tão complexa
que parece desafiar a própria objetividade dos números. Em uma
pesquisa realizada em 1988, 97% dos entrevistados afirmaram não
serem racistas, mas 98% deles declararam conhecer alguém que
fosse. E nem mesmo as análises mais biológicas, que apostam
num DNA fixo para a nossa pele parecem resistir à ambiguidade
das relações sociais brasileiras, já que, como se diz popularmente,
“preto rico no Brasil é branco, assim como branco pobre é preto”.
Nesse contexto, a determinação da própria cor se torna critério
tão subjetivo que em questionário recente do IBGE, pautado na
autoavaliação, foram detectadas mais de uma centena de colora-
ções diferentes de pele. Em “Nem preto nem branco, muito pelo
contrário”, a antropóloga Lilia Moritz Schwarcz revela um país mar-
cado por um tipo de racismo muito peculiar - negado publicamente,
praticado na intimidade. Para isso, volta às origens de um Brasil
recém-descoberto e apresenta ao leitor os primeiros relatos dos
viajantes e as principais teorias a respeito dos “bárbaros gentios”,
desse povo sem “F, sem L e sem R: sem fé, sem lei, sem rei”, teorias
estas fundamentais para o leitor moderno entender a complexida-
de de uma nação miscigenada e com tantas nuances. Passando
pelos modelos deterministas raciais de finais do XIX, pelas teorias
de branqueamento do início do século XX, depois pelas ideias da
mestiçagem dos anos 1930, ou de estudos que datam da década
de 1950, que queriam usar o “caso brasileiro” como propaganda,
pois acreditava-se que o Brasil seria um exemplo de democracia
racial, a autora nos mostra que, por trás do mito da convivência
pacífica e da exaltação da miscigenação como fator determinante
para a construção da identidade nacional, na prática, a velha má-
xima do “quanto mais branco melhor” nunca foi totalmente deixada
de lado. Se por um lado a autora traça um panorama histórico,
por outro joga luz sobre as sutilezas perversas do cotidiano. Seja
na literatura, como no conto de fadas “A princesa negrina”, em
que os pais desejam ver a sua filha negra transformada em garota
branca, seja na boneca loira como modelo de beleza, é também
nos detalhes que a ideia de uma nação destituída de preconceitos
raciais cai por terra. Com um texto engenhoso e claro, este ensaio,
mais do que propor análises conclusivas, convida o leitor para uma
grande reflexão sobre a questão racial no país.
FILME/VÍDEO
Título: Ó paí ó.
Ano: 2007
Sinopse: O filme conta a história dos moradores de um animado
cortiço do centro histórico do Pelourinho em Salvador. Tudo se
passa no último dia do Carnaval, em meio a muita música, dança
e alegria. Até que Dona Joana, uma evangélica, incomodada com
a farra dos condôminos, decide acabar com a festa, fechando o
registro de água do prédio.
Embora contenha um tom de comédia, este filme revela um lado
desconhecido da cidade de Salvador, do seu carnaval e o con-
traste social. Toca em assuntos como violência, drogas, mídia,
preconceito e racismo.

UNIDADE II O Negro no Brasil: Abolição e seu Legado 52


WEB

Abolicionismo e fim da escravidão:

O Canal do Youtube Nerdologia apresenta o vídeo Abolicionismo e fim da escravidão


em que apresenta o movimento abolicionismo através do olhar nos negros abolicionistas,
pois pouco se sabe sobre os mesmos, uma vez que ao pensarmos em abolição, pensamos
imediatamente na Princesa Isabel e a Lei Áurea, sem pensar no abolicionismo como um
processo que durou várias décadas.
Apresentação do link: Canal Nerdologia. A Origem da Escravidão no Brasil. Apre-
sentação e Roteiro de Felipe Figueiredo. Tópicos abordados: A origem da escravidão nas
sociedades agricultoras; As primeiras sociedades escravagistas na antiguidade; A escravi-
dão como prática durante a Idade Média; A escravidão árabe e europeia; A escravidão no
continente africano; A escravidão moderna no Oceano Atlântico e seu caráter econômico e
racial; A escravidão do Atlântico como fenômeno novo e incomparável aos demais tipos de
escravidão.
Link do site: https://www.youtube.com/watch?v=wgwM-5b6q5U&t=464s

UNIDADE II O Negro no Brasil: Abolição e seu Legado 53


UNIDADE III
História e Cultura Indígena
Professor Especialista Cleber Henrique Sanitá Kojo

Plano de Estudo:
● História e cultura indígena
● História e cultura indígena: o início na visão eurocêntrica e a lei 11.645.
● História e cultura indígena: a cultura e a atividade socioeconômica das tribos.
● História e cultura indígena: a religiosidade indígena e a aculturação imposta pelos
portugueses.
● História e cultura indígena: atualidade dos povos indígenas e de sua cultura.

Objetivos da Aprendizagem:
● Conhecer a cultura indígena e sua influência na formação da sociedade brasileira.
● Conhecer a lei 11.645 de 11 de março de 2008 e sua
importância para manutenção da cultura indígena.
● Contextualizar todo o processo de colonização
reconhecendo o etnocentrismo existente
● Estabelecer a importância da cultura e da historiografia indígena na construção das
identidades do povo brasileiro.
● Compreender os desafios da cultura indígena na sociedade atual.

54
INTRODUÇÃO

Seja muito bem-vindo(a)!

Prezado(a) educando(a), preste muita atenção. Pois se em você ocorreu um des-


pertar ou um fascínio sobre assunto desta disciplina, observando, lendo ou estudando as
unidades I e II, é o início de um grande desafio que vamos triunfar juntos. Proponho, uma
construção conjunta sobre a História e Cultura dos primeiros moradores desse “Gigante
pela própria natureza”, nossa querida terra, uma terra próspera, cheia de riquezas naturais
e tão diversificada culturalmente, fazendo assim uma viagem temporal, desde a descoberta
do Brasil até a atualidade. Vamos explorar a lei 11.645 de 11 de março de 2008, comple-
mentando a lei 10.639 apresentada nos capítulos anteriores. Vale ressaltar que iremos
verificar a visão eurocêntrica e os desafios de desmistificar essa ideia retrógrada, devemos
assim elevar a história e a cultura indígena ao patamar que a mesma merece.
Dentro desse desafio, iremos conhecer muito além da lei 11.645, pois observare-
mos os seus impactos na sociedade, conhecendo assim um pouco da história e da cultura
indígena. Temos que exaltar os desafios de superar o etnocentrismo e mostrar o conceito
de “Índio” na sociedade atual. Vale destacar que vamos reconhecer a sociodiversidade
indígena, ou seja, reconhecer os direitos e as diferenças entre os povos e os troncos lin-
guísticos. Ressalta-se ainda que não se deve desprezar o Índio na historiografia brasileira,
fazendo assim uma comparação entre passado e presente, semelhanças e diferenças,
entre várias culturas que compõem esse povo.
Por fim, vamos conhecer a religiosidade indígena, descortinando toda beleza mís-
tica de sua fé, além da realidade atual de sua cultura.

Muito obrigado e bom estudo!

UNIDADE III História e Cultura Indígena 55


1. HISTÓRIA E CULTURA INDÍGENA

1.1 História e cultura Indígena: O início na visão eurocêntrica e a lei 11.645.


A Europa passou pelo processo de transição do período medieval para a idade
moderna e assim percebemos uma sociedade que estava se desenvolvendo e aprendendo
a incrível arte de acúmulo de capital, onde os homens transbordavam ideais modernos e
um espírito aventureiro, que foi repleto de inspirações renascentistas do antropocentrismo
(o homem como centro do universo), abandonando a ideia Teocêntrica (Deus no centro do
universo) e assim ocorre o desenvolvimento de técnicas surpreendentes no processo de
expansão da navegação, nascendo a “Navegação Ultramarina” (que atravessa o Oceano)
e abandonando a “Navegação de Cabotagem” (que contornava o continente). Vale ressal-
tar que esse desenvolvimento cultural levou em 12 de Outubro de 1492, a descoberta da
América pelo explorador Genovês Cristóvão Colombo que navegava representando os reis
Fernando de Aragão e Isabel de Castela, região que posteriormente passa a se intitular
“Espanha”, esse patrocínio dos reis, ajudou Colombo iniciar a exploração do território que
passou a se chamar São Salvador e posteriormente América, uma visão eurocêntrica,
desprezando assim os povos e culturas existentes nessas terras. Vale ressaltar que esse
desprezo pelo povo aqui existente se reflete no próprio nome que foi adotado e que repe-
timos até hoje, ou seja, os chamamos de Índios, mesmo não sendo moradores das Índias.
O Reino de Portugal e Algarves que já dominava o continente africano através da
navegação de cabotagem e foi inspirado por Colombo que na viagem de volta errou o cami-

UNIDADE III História e Cultura Indígena 56


nho e passou em Portugal antes de seguir para a Espanha. Os portugueses possuíam um
espírito empreendedor e aventureiro, e assim parte para navegação ultramarina com uma
grande aventura que foi liderada por Pedro Álvares Cabral, chegando ao nosso território
em 22 de abril de 1500. Agora pense você que na América existia um número de aproxima
damente 100 milhões de índios, e, no Brasil existiam cerca de cinco milhões de nativos
de várias tribos e de um variado tronco linguístico, como os tupi-guaranis que estavam na
região litorânea, macro-jê ou tapuias que se situavam na região do Planalto Central, os
aruaques ou aruak que se concentravam em sua grande maioria na região amazônica,
e, por fim os caraíbas ou karib que também estavam situados na mesma região. Quero
que você imagine esses povos indígenas. Será que possuíam cultura? Você acredita que
possuíam religião? Acredita que foi justo o tratamento dispensado aos índios e a tudo que
construíram na sua terra? Espero que sua conclusão esteja em consonância com a realida-
de que foi uma visão eurocêntrica onde ocorreu o desprezo da cultura existente dos índios.
Quando os portugueses chegaram, trouxeram consigo uma cultura própria que os
estabeleceram como descobridores, termo bastante debatido por estudiosos na atualidade,
pois como descobrir um local e um povo que ali já morava, tinha língua e cultura própria.
Vale ressaltar que na esquadra de Cabral havia um escrivão chamado Pero Vaz de Cami-
nha que redigiu uma carta ao Rei de Portugal relatando as novas terras descobertas, suas
impressões sobre esse território, e, o episódio marcante do desembarque e do primeiro
contato entre índios e portugueses. Quero destacar a visão que os portugueses tiveram dos
índios, e para isso quero que observe abaixo um trecho da carta de Pero Vaz de Caminha.
Ali veríeis galantes, pintados de preto e vermelho, e quartejados, assim pelos
corpos como pelas pernas, que, certo, assim pareciam bem. Também anda-
vam entre eles quatro ou cinco mulheres, novas, que assim nuas, não pare-
ciam mal. Entre elas andava uma, com uma coxa, do joelho até o quadril e a
nádega, toda tingida daquela tintura preta; e todo o resto da sua cor natural.
Outra trazia ambos os joelhos com as curvas assim tintas, e também os colos
dos pés; e suas vergonhas tão nuas, e com tanta inocência assim descober-
tas, que não havia nisso desvergonha nenhuma.” (TUFANO, 1999. p. 16).

Você pode perceber na carta aspectos importantes da cultura indígena, como a


pintura corporal e a nudez, que para Caminha é algo chamado por ele de “inocência”. Além
de elencar aspectos culturais como o andar com suas “vergonhas” de fora, tão nuas. Vale
ressaltar que para os índios a nudez é algo tão natural como as próprias roupas para o co-
lonizador, que busca o ouro baseado no ideal do metalismo monárquico, onde se privilegia
o acúmulo de capital. Pode-se observar em outro trecho essa ideia essa nova ideia.
Nela, até agora, não pudemos saber que haja ouro, nem prata, nem coisa
alguma de metal ou ferro; nem lho vimos. Porém a terra em si é de muito bons
ares [...]. Porém o melhor fruto que dela se pode tirar me parece que será
salvar esta gente. (TUFANO, 1999, p. 19).

UNIDADE III História e Cultura Indígena 57


O ponto que você pode observar é o desprezo da cultura do povo “descoberto”, pois
não se preocupa em verificar se existe religião ou religiosidade entre os índios e aponta que
a salvação religiosa é necessária, ou seja, catequizar os índios, trazer a cristandade aos
“bárbaros de vergonhas de fora”.
Vale ressaltar que quero que você entenda o ponto onde os portugueses de-
monstram seu interesse econômico na nova terra e não se preocupam com os moradores
desse território. Vale destacar ainda que os índios são extremamente importantes para a
historiografia brasileira, ajudando assim a produzir essa miscigenação cultural que forma o
povo brasileiro, pois podemos entender melhor essa mistura cultural quando nós brasileiros
adotamos o hábito do banho diário, herdados dos Guaranis e não do colonizador. Outro
ponto destacado é que a carta do escrivão Pero Vaz de Caminha pode ajudar a desvendar
o processo de aculturação indígena/colonizador.
Acredite na importância da carta de Caminha, pois assim podemos entender todo
o processo de colonização e a relação entre dominados e dominadores. Vale ressaltar que
no ano de 2005, a UNESCO, Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência
e a Cultura, reconheceu a importância da Carta de Pero Vaz de Caminha para memória,
isso dentro de um programa recente que tem como grande objetivo o reconhecimento de
documentos adotados como verdadeiros patrimônios em âmbito nacional e internacional,
facilitando assim a preservação e o acesso para narrar os povos e sua cultura, podendo
assim desenvolver em você um interesse e uma análise com semelhanças e diferenças
entre índios e portugueses, colonizados e colonizador.
Recentemente em nosso país ocorreu a homologação da lei 11.645, para ser mais
exato, foi promulgada no dia 11 de março de 2008, alterando a Lei 9.394/1996 e por fim
complementando a Lei 10.639/2003, estabelecendo a partir dessa data nas diretrizes e ba-
ses da educação nacional, a inclusão no currículo nacional, a obrigatoriedade do estudo do
tema “História e cultura afro-brasileira e indígena”. Assim passamos a olhar e debater outra
visão do índio, e, claro que é por isso que estamos debatendo esse conteúdo maravilhoso
e conhecendo nossas raízes.
Agora, se mesmo assim você se perguntar se a lei 11.645/08 tem oportunizado e
funcionado o estudo da cultura indígena além da afro-brasileira?
A resposta seria um “SIM”, pois as instituições de ensino, a mídia, pessoas pas-
saram a observar e olhar de forma diferente as questões que envolvem o índio e sua
cultura. Se você parar para pensar, o meio acadêmico está repleto de estudos, seminários
e congressos sobre o tema, transbordando assim para a sociedade através de mídias e das

UNIDADE III História e Cultura Indígena 58


relações com essa cultura. Vale ressaltar que mesmo com desprezo e preconceito gerados
pela falta de conhecimento da cultura nativa em nossa sociedade, a lei acaba promovendo
uma interação cultural e assim evitando conflitos que possam acontecer, isso deve ocorrer
ao longo prazo, pois o processo ainda é lento e esses povos precisam ser conhecidos e
respeitados pela sociedade.
Em um contexto atual onde o governo propõe o corte de verbas aos cursos da área
humanas, a lei 11.645 afirma no artigo 26-A que:
“Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio,
públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-
-brasileira e indígena.

§ 1º O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos


aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população
brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história
da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil,
a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da so-
ciedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econô-
mica e política, pertinentes à história do Brasil.

§ 2º Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos


indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar,
em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasilei-
ras.”. (BRASIL, 1996).

Assim podemos afirmar que a discussão nas instituições educacionais sobre essas
duas culturas, principalmente a indígena, tem resgatado as grandes contribuições que
formaram nossa história, promovendo um pensamento crítico sobre esses povos, evitando
preconceitos e discriminação com um material didático renovado e com tolerância em sua
essência.

REFLITA

Se a situação atual dos índios, para muitos, não é digna nem aceitável, o que se dirá do
seu futuro? Se atentarmos para a História do Brasil e quisermos projetá-la no futuro, em
uma média ponderada pelo pensamento e pelas atitudes do seu povo e das elites polí-
ticas, certamente não poderemos nos dar ao luxo de sermos otimistas sobre o destino
dos índios. Se quisermos ser otimistas em relação a uma tendência de que a humani-
dade está progredindo e o povo brasileiro está se tornando mais aberto e tolerante, só
poderemos considerar-nos ingênuos de que isso seja uma tendência permanente que
venha a trazer novos benefícios para as minorias étnicas. Não é por esses motivos que
a história marcha, mas, ainda assim, é por outros reais motivos que podemos ter espe-
ranças pelos índios. (GOMES, 2012. p. 271.).

Fonte: Disponível em: https://plataforma.bvirtual.com.br/Acervo/Publicacao/3523

UNIDADE III História e Cultura Indígena 59


SAIBA MAIS

Nosso território foi chamado pelos europeus como Ilha de Vera Cruz, Terra de Santa
Cruz e por fim, Brasil. Vale ressaltar que o nome atual é devido a primeira riqueza en-
contrada para exploração em nosso país, o chamado Pau-Brasil, uma árvore que servia
para os portugueses construírem móveis, embarcações e principalmente para tingir rou-
pas, pois o mesmo solta uma coloração avermelhada como brasa de fogo.
No entanto muito antes desses nomes escolhidos pelo explorador, esse território tinha
um nome adotado pelos moradores (índios) que era PINDORAMA, que em tupi-guarani
era: “ou pindó-retama”, “terra/lugar/região das palmeiras”, ou seja, o primeiro nome
do Brasil foi Pindorama devido a suas riquezas naturais.

Fonte: MURALT, Maliu Von. A árvore que se tornou país. São Paulo: Revista-USP. 2006. Disponível em:

https://www.revistas.usp.br/revusp/article/download/13560/15378/16535

UNIDADE III História e Cultura Indígena 60


2. HISTÓRIA E CULTURA INDÍGENA: A CULTURA E A ATIVIDADE SOCIOECONÔ-
MICA DAS TRIBOS

A grande aventura histórica que estamos vivendo nessa disciplina inicia-se quando
você percebe aos poucos que estamos conhecendo e retomando a vida e cultura indíge-
na no Brasil do antes e depois, do passado e do presente, ou seja, vamos relacionar os
acontecimentos e a cultura com a atualidade dos mesmos. Vale ressaltar que agora você
vai conhecer a vida em sociedade do índio, pois assim que ocorreu a chegada do Portu-
guês, percebemos que nossos índios viviam em uma sociedade quase que pré-histórica,
pois os mesmos viviam basicamente da caça, da pesca e da agricultura de milho, feijão,
amendoim, batata-doce e principalmente a chamada de mandioca. Vale ressaltar que para
que ocorresse a prática dessa agricultura, os índios faziam a técnica da “Coivara”, que era
basicamente a derrubada de mata e queimada para limpar o solo para o plantio, fazendo
assim uma limpeza no território para que se pudesse produzir e trabalhar na terra. Vale
destacar ainda que os índios também praticavam o chamado “Couvade”, onde o homem
acompanhava sua esposa durante todo o período do resguardo dentro da “Oca” (casa)
ajudando e auxiliando nos cuidados do recém-nascido.
Nas tribos indígenas existia uma divisão de trabalho por sexo, ou seja, trabalho
dividido entre homens e mulheres. A caça, a pesca, as habitações, o preparo da terra para o
plantio e a proteção da aldeia ficavam a cargo dos homens, já coleta de frutos, a agricultura,
o cuidado das crianças ficava a cargo das mulheres. Além disso, os índios domesticavam

UNIDADE III História e Cultura Indígena 61


pequenos animais como, capivaras e porco do mato. Servia tanto para convivência tribal
como para a alimentação. Talvez você se pergunte o porquê de não domesticar animais
como cavalos e galinhas, e a resposta é simples: O cavalo e a galinha vieram para cá com a
chegada dos europeus. Vale destacar que na Carta de Pero Vaz Caminha (1500) é descrito
o espanto que os índios ficaram ao entrar em contato com uma galinha pela primeira vez,
sem dúvidas foi o mesmo espanto que o europeu teve ao ver as Araras coloridas.
Nas tribos indígenas a propriedade tribal é de uso coletivo e o trabalho tem um papel
sagrado, onde os mesmos produzem arcos, flechas, redes de pesca entre outros, e esses
mesmo sendo de propriedade de cada indivíduo servem para suprir as necessidades de
todos os membros da tribo, e, o mais importante que não existia uma competição entre os
mesmos, pois se sabe da coletividade e da união dos membros tribais. O trabalho indígena
gira em torno da sua subsistência e o mesmo entra no aspecto sagrado da natureza, onde
os mesmos retiram a quantidade necessária sem destruir o seu ser maior onde começa sua
religiosidade.
Mas como será essa religiosidade? Você conhece alguma cerimônia indígena?
Será que os índios mantêm sua religiosidade ou sofreram com o processo de aculturação?
Iremos ver, conhecer e desfrutar no próximo tópico.

 
SAIBA MAIS

“Nós, povos indígenas do Brasil, percorremos um longo caminho de reconstrução dos


nossos territórios e das nossas comunidades. Com essa história firmemente agarrada
por nossas mãos coletivas, temos a certeza de que rompemos com o triste passado e
nos lançamos, com confiança, em direção ao futuro.”

Documento final da Conferência dos Povos e Organizações Indígenas do Brasil.


Coroa Vermelha, Bahia, 21 de abril de 2000

UNIDADE III História e Cultura Indígena 62


3. HISTÓRIA E CULTURA INDÍGENA: A RELIGIOSIDADE INDÍGENA E A ACULTU-
RAÇÃO IMPOSTA PELOS PORTUGUESES

A religiosidade indígena está presente a milhares de anos atrás, pois foi encon-
trado vestígios arqueológicos de rituais e cerimônias de sepultamento ou uma espécie de
mumificação / defumação de corpos na América, além de sacrifícios humanos na américa
central acima. Vale ressaltar que no Brasil atual existe uma religião intitulada de Santo
Daime, que absorve, que tem uma miscigenação de várias religiões, do espiritismo ao
catolicismo, mas o que chama a atenção de seus seguidores é o chamado “Ayahuasca”,
que na língua quéchua, “aya” significa “espírito ou ancestral” e “huasca” significa “vinho ou
chá, ou seja, “chá dos espíritos”, uma bebida indígena das tribos amazônicas que provoca
alucinações. Vale ressaltar que a primeira descrição histórica sobre o consumo desse chá
no ano de 1855, por Richard Spruce, onde percebe-se uma formação interessante para
produção desse chá, que é realizado pela folha de uma planta chamada Chacrona que
possui a propriedade alucinógena, no entanto se a consumirmos pura não ocorre o efeito,
pois é provado cientificamente que o corpo humano tem uma enzima que destrói essa
propriedade, mas não se sabe como os índios descobriram que se misturassem a folha da
Chacrona com o cipó chamado Jagube chegariam a um chá alucinógeno, pois cientistas
provaram que o cipó tem propriedades que destroem as enzimas e com isso temos esse
chá comercializado na atualidade, seja em folhas, cipó e mudas das plantas que podem
ser encontradas facilmente na internet, pois se for para fins religiosos é permitido a venda

UNIDADE III História e Cultura Indígena 63


e o consumo no Brasil. Outro ponto a ser ressaltado é que existem estudos iniciais que
apontam que o consumo do chá do Ayahuasca pode ser utilizado para tratamentos de
depressão, pois o mesmo ativa áreas do cérebro que estão relacionados a atividade e ação
do indivíduo.
Outra cerimônia religiosa realizada pelos índios brasileiros e apresentada para gru-
pos de visitantes em aldeias Kaingang, é a cerimônia do Kikikói, onde os índios recebem os
turistas e explicam todo o processo, desde o funcionamento até o consumo do Kiki ao tér-
mino. A cerimônia começa com a divisão dos Kingang em dois grupos que representarão os
seus ancestrais intitulados Kamé e Kayrucré. Vale destacar que após a divisão ocorre uma
sequência de rituais com cantos, danças, rezas representando os espíritos dos ancestrais
mortos e expondo o caminho que seguiram, além de pedirem proteção para a aldeia contra
as doenças, pois os mesmos acreditam que os ancestrais os protegem, assim como os
católicos acreditam na proteção dos anjos e santos. Vale ressaltar que durante os dias da
cerimônia do Kikikói, os índios adentram na mata, escolhem uma árvore passando a cantar,
dançar em torno da mesma, além de rezar para somente depois cortá-la e arrastá-la para o
centro da aldeia, passando a cavar o meio da árvore, produzindo uma espécie de “cocho”
onde colocam folhas de plantas nativas, além de milho, água e mel, passando assim a socar
os mesmos no cocho como em um pilão, sempre cantando, dançando, rezando com uma
beleza incomparável até que a bebida do cocho passe a se fermentar, assim tornando-se
uma bebida alcoólica intitulada de Kiki, e, por fim a bebida é consumida entre todos no
último dia de cerimônia. Vale ressaltar que o consumo do Kiki representa o encontro entre
dois mundos, o humano e o espiritual.
A religiosidade indígena também gira em torno da natureza, assim como explica o
índio Kaká Werá Jecupé em seu livro A terra dos mil povos de 1998:
Em essência, o índio é um ser humano que teceu e desenvolveu sua cultura e
civilização intimamente ligado à natureza. A partir dela elaborou suas tecnolo-
gias, teologias, cosmologias, sociedades que nasceram e se desenvolveram
de experiências, vivências e interações com a floresta, cerrado, rios, monta-
nhas e as respectivas vidas dos reinos animal, mineral e vegetal. (JECUPÉ,
1998, p. 33).

Mesmo com sua religiosidade demonstrada em toda sua história, gestos, pinturas
corporais, o índio passou por um processo de aculturação onde ocorre o desprezo de sua
ligação com a natureza e impõe a religião europeia herdada do período medieval. Sabemos
que o Catecismo e Ordem jesuíta liderada por Inácio de Loyola, nasceram no contexto da
contrarreforma e refletiu-se no Brasil, pois de sua descoberta a esquadra de Cabral já era
acompanhada pelo “exército de cristo”, que por sua vez começou o processo de evan-

UNIDADE III História e Cultura Indígena 64


gelização dos índios, liderado por José de Anchieta os Jesuítas passaram a aculturar os
nativos, ensinando-lhes também a cultura europeia com a intenção de aproximar o território
brasileiro do território português, pois assim facilitariam o processo colonial e criaram um
abismo entre a fé católica e a crescente fé protestante.
Os Jesuítas procuravam ensinar aos nativos o hábito do trabalho diário, ensinava
também a língua portuguesa, a religião, trocando assim experiências, e, por fim os pa-
dres conheciam a cultura e a religião do nativo, que mesmo a desprezando a utilizava
nos aculturação religiosa e política, pois com essa estreita relação os padres conheciam
o território e suas riquezas, facilitando assim a exploração portuguesa. Vale ressaltar que
com esse processo de aculturação dos índios temos o nascimento de uma cultura nacional,
ou seja, graças a isso nasceu a chamada “cultura brasileira”. Vale destacar que com o
nascimento da cultura brasileira a cultura indígena praticamente desaparece, nascendo o
que nós chamamos de folclore, além da absorção de hábitos alimentares que se reproduz
na atualidade, ou seja, a cultura indígena é uma parte integrante da identidade brasileira.

REFLITA

Palavras do Padre Antônio Vieira, missionário jesuíta, 1624-1625.

A Religiosidade indígena mesmo com tanta riqueza acaba sendo miscigenada com a
cristandade que foi absorvida pelos nativos que chegaram a morrer de doenças oriun-
das do homem Branco:

” Os índios Paranaobí, que foram buscados por tantos anos(…) desceram para a igreja.
Viviam 130 léguas metidos pelo sertão(…) Postos a caminho, começaram a sentir os
trabalhos rigorosos e os perigos deles [os rios encachoeirados0). Até que enfim che-
garam todos com saúde e alegria na Aldeia dos Reis Magos. Mas como acharam esta
aldeia infestada de bexigas, ateou a peste delas nos novamente chegados e pouco a
pouco começaram a morrer.” (FAUSTO, 2008, p. 52).

Disponível em: https://jairantinguiboto.com/as-frases-historicas-sobre-a-causa-indigena/

UNIDADE III História e Cultura Indígena 65


4. HISTÓRIA E CULTURA INDÍGENA: ATUALIDADE DOS POVOS INDÍGENAS E
DE SUA CULTURA.

Após séculos de exploração dos nativos brasileiros pelos portugueses, além do


genocídio praticado pelo colonizador e posteriormente pelos brasileiros que aqui nasceram
oriundos da Europa, os indígenas lutam diariamente para manter sua cultura viva, pois
discriminamos os mesmos desde a nomenclatura que damos aos mesmos, ou seja, os cha-
mamos de índios mesmo não sendo nativos da índia, até mesmo quando declaramos que
a língua oficial do Brasil é o Português e a deles é um simples dialeto. Vale ressaltar que a
cultura indígena é rica mesmo sendo considerada atualmente como folclore, onde a grande
maioria da população brasileira a despreza, pois erroneamente dizemos que os índios são
preguiçosos, sem considerar que o mesmo cultua a terra como sagrado e não se preocupa
em desenvolver a agricultura, pois ela retira o necessário da mesma. Vale destacar que a
luta indígena pela terra ocorre diariamente, pois em vários pontos do país existe intenso
conflito com produtores rurais que avançam sobre a terra demarcada, sem falar na bancada
ruralista que defende no congresso nacional uma nova demarcação diminuindo o território
indígena e aumentando a área agricultável do país com a derrubada de parte da floresta.
O erro em declarar que o índio é indolente e preguiçoso não é tão atual, pois des-
de a colonização alguns historiadores afirmaram isso analisando simplesmente o ato do
índio se suicidar, preferindo a morte que a escravidão, pois vale destacar que isso é uma

UNIDADE III História e Cultura Indígena 66


característica cultural e que deveria ser respeitada e até contemplada em uma sociedade
exploradora e genocida como a colonizadora portuguesa.
Na atualidade algumas pessoas ainda classificam o índio como indolente e pre-
guiçoso como o próprio vice-presidente da república, General Hamilton Mourão, na época
em campanha eleitoral, para ser mais exato sua fala ocorreu em uma segunda-feira, dia
06 de agosto de 20018. Vale destacar que essa declaração foi realizada em uma reunião
na Câmara de Indústria e Comércio de Caxias do Sul, na serra gaúcha. As palavras foram:
E o nosso Brasil? Já citei nosso porte estratégico. Mas tem uma dificuldade
para transformar isso em poder. Ainda existe o famoso ‘complexo de vira-lata’
aqui no nosso País, infelizmente”, disse Mourão. “Essa herança do privilégio
é uma herança ibérica. Temos uma certa herança da indolência, que vem da
cultura indígena. Eu sou indígena. Meu pai é amazonense. E a malandragem.
Nada contra, mas a malandragem é oriunda do africano. Então, esse é o nos-
so ‘cadinho’ cultural. (A REDAÇÃO, On-line, 2018).

Como apresentado acima é uma declaração errônea, pois contraria inclusive a es-
sência das leis 10.639/03 e 11.645/08 que abordamos em todo nosso processo de ensino/
aprendizagem da disciplina. Vale ressaltar que esse pensamento faz parte do senso comum
de um grande número de brasileiros, podendo ser até mesmo você antes de conhecer e
estudar essas leis e essa disciplina. Outro ponto ressaltado é que esse pensamento de
senso comum se faz presente até mesmo por desconhecimento que o índio dedica grande
parte do seu tempo a atividades consideradas sem importância como o cuidado com o
corpo, o convívio familiar e as atividades na floresta. Vale ressaltar que o documentário
Índio Presente se foi ao ar no dia 27/04/2008 às 05:30 na TV Brasil, com produção: Amazon
Picture e dirigido por Bruno Villela e Sérgio Lobato afirma:
Em Mato Grosso do Sul, os Guarani-Kaiowa refletem sobre a importância do
Bem Viver, ou teko porã, que exprime uma vida pautada pela reciprocidade,
benevolência e a generosidade. Em Rondônia, os Suruí apresentam as dinâ-
micas de manejo do território que emergem no diálogo entre o modo de vida
tradicional e as novas estratégias de gestão do seu território. (EBC, On-line,
2018).

Atualmente, os índios brasileiros são tão desprezados culturalmente com suas


terras tomadas por ruralistas que com apoio de ONGs (organizações não governamentais),
criaram a Plataforma “Caci”, que promove levantamentos do número de assassinatos de
indígenas ocorridos no Brasil nas últimas décadas em conflitos por terra. Vale ressaltar que
a palavra Caci para o homem branco tem o significado de “Cartografia de Ataques Contra
Indígenas”, já na língua Guarani significa “DOR”, ou seja, a dor de perder irmãos na disputa
por terras que por direito e por lei pertencem aos índios.
Uma das críticas atuais sobre o índio é sua presença nas cidades praticando a
venda de seus artesanatos, onde os pais adultos ficam produzindo na calçada e as crian-

UNIDADE III História e Cultura Indígena 67


ças vendendo nos sinais de trânsito. Você já presenciou isso? Provavelmente sim. Para
compreendermos esse fato temos que pensar um pouco e responder a perguntas abaixo:

Então pergunto a você para uma reflexão:

● Será que é a maioria dos índios que estão vendendo seu artesanato nos sinais?
● Será que querem estar naquele local, passando por humilhações, fome, sede e
exposição ao perigo iminente do trânsito e do roubo e assaltos?
● O que você fez quando presenciou ou quando presenciar a cena?
● Onde está sua cultura se está inserido no processo de aquisição de capital, di-
nheiro?

Pois é! Perguntas que mexem com nosso conhecimento prévio, ou conhecimento


preconceituoso, em relação a essa crítica. Vale ressaltar que acredito que essa reflexão
ocorreu em você devido ao estudo desse componente curricular. Amente vai abrindo e
vamos abrindo os olhos para um problema que vai além do simples fato da venda cidades,
em sinais de trânsito.
O índio atual tem a necessidade de se adaptar a sociedade capitalista para que
consiga sobreviver na selva de pedra, onde uma grande parte não retorna a suas aldeias
e outros que retornam totalmente dependente do uso de álcool, provocando discórdia e
conflitos entre os nativos que tentam resguardar o que restou de sua cultura.
Outro ponto muito criticado em relação aos povos indígenas na atualidade é quando
os mesmos abordam motoristas cobrando pedágios para que ocorra o trânsito em rodovias
que cortam as terras indígenas. Vale ressaltar que assim como o caso do artesanato o
assunto é complexo, pois precisamos compreender a vida dos indígenas e o próprio papel
exercido pela FUNAI, que tenta proteger os índios mesmo quando essas rodovias cortam
territórios demarcados como terra indígena, pois nesse caso o que precisa realmente é
uma discussão de políticas públicas e políticas indígenas, para evitar o conflito e para que
o homem branco possa ir e vir de acordo com a rodovias que não deveriam cortar terras
indígenas.
Alguns índios afirmam que a venda de artesanato nas cidades podem disseminar a
cultura indígena que anda repreendida e adormecida no pequeno espaço que restou, mas
pode-se afirmar que a tentativa de vender seu artesanato nas cidades não é uma boa ideia,
pois estudos afirmam que quanto maior é a convivência com os homens brancos, maior o
risco de se perder suas tradições, e, isso ocorre desde o início da colonização.

UNIDADE III História e Cultura Indígena 68


REFLITA

“Enquanto o Brasil real não assumir, com a devida lucidez e honestidade, sua trajetó-
ria indígena e indigenista-antindígena secularmente, na política oficial-este país, pluri-
cultural, pluriétnico, plurinacional, não estará em paz com sua consciência, ignorará
sua identidade e carregará a maldição de ser oficialmente-etnocida, genocida, suicida.”
Dom Pedro Casaldáliga, bispo de São Félix do Araguaia.

Disponível em: https://jovensindigenas.org.br/2020/11/24/enquanto-o-brasil-real-nao-assumir-com-a-de-

vida-lucidez-e-honestidade-sua-trajetoria-indigena-e-indigenista-antindigena-secularmente-na-politica-

oficial-este-pais-pluricultural-plurietni/

UNIDADE III História e Cultura Indígena 69


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Caro acadêmico (a), chegamos ao final dessa unidade e no decorrer dela con-
templamos diversas temáticas sobre a relação cultural colonizador/colonizado, ou seja,
Português/Índio/nativo desde o início de nossa história até a atualidade. Você consegue
se lembrar? Espero que nesse momento do processo de ensino/aprendizagem você esteja
encantado ou fascinado pela cultura indígena, pois tivemos uma construção conjunta sobre
a História e Cultura dos nativos brasileiros, podendo assim compreender a construção da
identidade brasileira com a influência indígena em todo o processo de evolução de nosso
povo. Vale ressaltar que assim entendemos a importância da lei 11.645 de 11 de março
de 2008 para a compreensão e manutenção da cultura indígena em um país que ainda
despreza a cultura e a influência dos nativos em nosso processo civilizatório e principal-
mente na sociedade moderna, onde um grande número de cidadãos de bem os veem com
preguiçosos e indolentes.
Você conheceu e entendeu que vamos enfrentar um desafio cotidiano na supera-
ção do etnocentrismo que vem de longa data. Demonstramos que a religiosidade indígena
está presente em cerimônias atuais e que essa mesma religiosidade por muitas vezes é
considerada indolência por brasileiros desinformados de sua cultura.
Acredito que ao ver e ler trechos de documentos históricos sobre o índio acarretou
em você uma compreensão do papel fundamental dos nativos na formação de nossa so-
ciedade.
Por fim, quero agradecer a você por esse tempo de estudos que passamos juntos e
com a certeza que o conhecimento adquirido da sociedade e cultura indígena vai promover
em você uma corrente de expansão dessa cultura, pois durante o processo foi descortinado
toda beleza e riqueza desse povo.
Enfim, sucesso e nos vemos no próximo capítulo.

Obrigado!

UNIDADE III História e Cultura Indígena 70


WEB

Leia também:

MUNANGA, Kabengele (Org.). Superando o Racismo na Escola. Brasília: Ministé-


rio da Educação.Secretaria de Ensino Fundamental. 2000.Disponível em: http://portal.mec.
gov.br/secad/arquivos/pdf/racismo_escola.pdf

MATERIAL COMPLEMENTAR

LIVRO 1
Título: “A carta de Pero Vaz de Caminha” – Comentado por
Douglas Tufano.
Autor: TUFANO, Douglas.
Editora: Moderna; Edição: 1 (1 de janeiro de 1999)
Sinopse: Edição comentada e ilustrada da carta de Pero Vaz de
Caminha ao rei de Portugal por ocasião do “achamento” do Brasil.
Texto integral reescrito em português contemporâneo. O projeto
objetiva comemorar os quinhentos anos do descobrimento ofere-
cendo ao aluno de primeiro grau cujo currículo prevê a leitura da
carta e ao público em geral um texto de compreensão acessível.
Informações subsidiárias como fotos, mapas e ilustrações comple-
mentarão as notas ao texto.

LIVRO 2
Título: “BRASIL: Terra a vista”.
Autor: BUENO, Eduardo.
Editora: L&PM EDITORES.
Sinopse: BUENO, EDUARDO, especialista em história colonial
brasileira, inova o modo de contar o passado do nosso país neste
Brasil: Terra à vista! A aventura ilustrada do Descobrimento. A
expedição de Pedro Álvares Cabral, a carta de Pero Vaz Caminha,
o primeiro contato com os indígenas da costa litorânea brasileira,
a importância do legado de Bartolomeu Dias, Américo Vespúcio e
Vasco da Gama para esta empreitada, a relevância que o Brasil
adquiriu para a coroa portuguesa após sua descoberta e todo
o contexto histórico do Descobrimento são abordados de modo
atrativo nesta narrativa. Seguro de que conhecer a História é uma
viagem emocionante, o escritor e jornalista domina o leitor com
uma prosa tão instigante quanto direta e informativa, destrinchando
detalhes técnicos como informações geográficas, de navegação,
etc. e explicando causas e conexões que fizeram história, mas que

UNIDADE III História e Cultura Indígena 71


muitas vezes passam batido nos livros de história. Em Brasil: Terra
à vista!, datas, personagens e acontecimentos são humanizados,
para que possamos nos colocar no lugar daquelas pessoas que, no
porto de Lisboa, entravam em um navio sem saber se retornariam:
o autor perscruta a mente do grumete que primeiro avistou a costa
brasileira e pergunta-se o que passou na cabeça do indígena que
avisou aos seus companheiros da aproximação de uma fortaleza
flutuante. O leitor sairá desse livro totalmente ilustrado com de-
senhos de VASQUES, EDGAR , mapas, infográficos explicativos
e retratos históricos entendendo questões cruciais da nossa his-
tória, como por quê a busca por especiarias orientais foi um móvel
tão importante e a razão da supremacia portuguesa nos mares
dos séculos XV e XVI. BUENO, EDUARDO é autor, entre outros,
dos livros A viagem do Descobrimento, Náufragos, traficantes e
degredados e Capitães do Brasil.

LIVRO 3
Título: ADORADORES do SOL : Reflexões sobre a Religiosidade
indígena. Coleção: Subsídios Pedagógicos.
Autor: Lucio Paiva Flores.
Editora: Vozes, 2003.
Sinopse: O livro descortina a riqueza, beleza e magia da religiosi-
dade indígena, misteriosa e milagrosamente preservadas ao longo
desses 500 anos. São experiências vivenciadas dentro de aldeias,
entre diversos povos, participando de diferentes rituais, com o
olhar, a alma e o sangue de um índio.

LIVRO 4
FILME/VÍDEO
Título: O Descobrimento do Brasil.
Ano: 1937.
Diretor: Humberto Mauro.
Roteirista: Humberto Mauro.
Sinopse: Clássico do cinema nacional que narra a chegada do
navegador português Pedro Álvares Cabral ao Brasil. Uma das
características do filme foi a reconstituição, em tamanho natural,
da nau capitânia de Cabral, construída dentro dos estúdios da
Cinédia. Já as miniaturas foram feitas por José Queiroz, que ante-
riormente desenvolveu o mesmo trabalho técnico em ‘Bonequinha
de Seda’.

UNIDADE III História e Cultura Indígena 72


LIVRO 5
Título: 1492 A Conquista do Paraíso.
Ano: 1992.
Diretor: Ridley Scott.
Sinopse: Vinte anos da vida de Colombo, desde quando se con-
venceu de que o mundo era redondo, passando pelo empenho
em conseguir apoio financeiro da Coroa Espanhola para sua
expedição, o descobrimento em si da América, o desastroso com-
portamento que os europeus tiveram com os habitantes do Novo
Mundo e a luta de Colombo para colonizar um continente que ele
descobriu por acaso, além de sua decadência na velhice.

LIVRO 6
Título: THE MISSION: A Missão.
Ano: 1986.
Diretor: Rolland Joffé.
Roteiro: Robert Bolt.
Sinopse: No final do século XVIII Mendoza (Robert De Niro),
um mercador de escravos, fica com crise de consciência por ter
matado Felipe (Aidan Quinn), seu irmão, num duelo, pois Felipe
se envolveu com Carlotta (Cherie Lunghi). Ela havia se apaixo-
nado por Felipe e Mendoza não aceitou isto, pois ela tinha um
relacionamento com ele. Para tentar se penitenciar Mendoza se
torna um padre e se une a Gabriel (Jeremy Irons), um jesuíta bem
intencionado que luta para defender os índios, mas se depara com
interesses econômicos.

UNIDADE III História e Cultura Indígena 73


UNIDADE IV
A Compreensão sobre Questões de
Gênero e Direitos Humanos
Professor Especialista Cleber Henrique Sanita Kojo
Professor Mestre Paulo Vitor Palma Navasconi

Plano de Estudo:
● Conceitos Chaves.
● A Linguagem Como Construção de Sentidos.
● Grupos Minoritários e Direitos Humanos.

Objetivos da Aprendizagem:
● Conhecer e estudar criticamente e analiticamente os conceitos.
● Definições da categoria gênero.
.

74
INTRODUÇÃO

Seja muito bem-vindo(a)!

Prezado(a) educando(a), preste muita atenção. Pois se em você ocorreu um des-


pertar ou um fascínio sobre assunto desta disciplina, observando, lendo ou estudando as
unidades I, II e III, é o início de um grande desafio que vamos triunfar juntos. Proponho, uma
construção conjunta sobre a questão de Gênero e suas vertentes em nosso país.
Você já se perguntou: Quem é você? Qual é seu gênero? Por que você se identifica
com esse gênero? Seu comportamento cria e reproduz gênero?
Enfim, quando pensamos em nós mesmos relacionados a esses assuntos, quase
que imediatamente acionamos conceitos e ideias referentes à sexualidade, uma vez que, o
modo que compreendemos o mundo é um modo generificado, no qual necessita do gênero
para demarcar, classificar e normatizar entre masculino e feminino. Deste modo, se for
masculino este sujeito irá se organizar de acordo com os padrões de ser homem, se for
feminino este sujeito irá se organizar de acordo com os padrões de ser mulher.
Assim iremos conhecer conceitos chaves para compreensão do fenômeno da
sexualidade. Ainda nessa viagem iremos explicitar a importância de compreender a sexuali-
dade enquanto produto social e assim nos posicionarmos melhor quando debatermos esse
tema, compreendendo assim as discussões de gênero enquanto categoria sócio histórica.
Dentro desse desafio, iremos compreender como a linguagem estrutura gêneros e
sexualidades, além do processo de socialização de gênero nas diferentes instituições.

Pronto para debater esse tema?

Vamos nessa e bom estudo!

UNIDADE IV A Compreensão sobre Questões de Gênero e Direitos Humanos 75


1. GLOSSÁRIO DA DIVERSIDADE

PARA INICIARMOS NOSSOS ESTUDOS COM UMA MAIOR COMPREENSÃO,


VAMOS NOS ATENTAR AO GLOSSÁRIO DA DIVERSIDADE QUE VEM ABAIXO.

A
Agênero ou não-binária: pessoa que não se identifica nem como pertencente ao
gênero masculino nem ao feminino.
Androcentrismo: visão de mundo que situa o homem, seu modo de ser e interes-
ses no centro do mundo e, por omissão, condena ao silêncio e a invisibilidade as mulheres.
Em um universo androcêntrico a terra gira ao redor do homem.
Assexual: pessoas que não têm atração e interesse na atividade sexual. Alguns
especialistas reconhecem a assexualidade como orientação sexual, outros discordam.
Assexual romântico: pessoa que não tem interesse na atividade sexual, porém
gosta de trocar afetos, incluindo namorar, desde que não haja atividade sexual.
Assexualidade: é uma forma de viver a sexualidade caracterizada pelo desinteres-
se sexual, podendo vir acompanhada ou não de interesse amoroso. É diferente do celibato,
uma vez que no celibato a falta de interesse/prática sexual não é uma escolha.
Assimetria de Gênero: distribuição desigual de tratamento, recursos, acesso e
poder em um determinado contexto entre os gêneros.

UNIDADE IV A Compreensão sobre Questões de Gênero e Direitos Humanos 76


B
Binarismo de Gênero: visão de uma única possibilidade (binária) de ser/estar no
mundo. Ou se é do gênero masculino ou do feminino.
Bissexual: pessoa que sente atração sexual por mais de um gênero. A diferença
entre a bissexualidade e a homossexualidade é que também pode haver hipótese de atra-
ção entre pessoas do sexo oposto.
Bropropriating: expressão inglesa que descreve a situação na qual um homem
se apropria da ideia de uma mulher (geralmente na área laboral) ficando com o mérito da
mesma.

C
Cis/Cisgênero: pessoa cuja identidade de gênero é a mesma do seu sexo biológico.
Cultura da violência: sistema no qual a violência, apesar de ser considerada um
problema social, se sustenta pela normalização da mesma e sua aceitação na sociedade na
qual se reproduz. Os mecanismos que fomentam a cultura da violência são a culpabilização
da vítima, a normalização, a erotização da violência sexual e o alto nível de despreocupação
frente às agressões sofridas pelas mulheres.
Cultura do estupro: maneira em que a sociedade culpa as vítimas de assédio
sexual e normaliza o comportamento sexual violento dos homens.
Culpabilização da vítima: atitude de se considerar, frente a um crime de abuso
sexual, que as vítimas de violência são parciais ou totalmente responsáveis pela mesma
quer seja pela sua maneira de se vestir, ou de se comportar.

D
Desconstrução: exercício pessoal no qual a pessoa se esforça para desaprender,
identificar e eliminar atitudes e/ou valores que tenha aprendido ao longo de sua vida.
Drag: são personagens criados por artistas performáticos que se travestem, fanta-
siando-se com o intuito geralmente profissional artístico. Chama-se drag queen a pessoa
que se veste com roupas femininas estilizadas e drag king a pessoa que se veste como
homem. A transformação em drag queen (ou king) geralmente envolve, por parte do artista,
a criação de um personagem caracteristicamente cômico e/ou exagerado.

UNIDADE IV A Compreensão sobre Questões de Gênero e Direitos Humanos 77


E
Empoderamento: do inglês empowerment, é o processo pelo qual as pessoas
ganham confiança, visão e protagonismo para fazer trocas positivas em situação de desi-
gualdade que vivem.
Estereótipos de gênero: variando de acordo com a cultura, é um conjunto de ideias
utilizadas para explicar a forma de comportar-se que devem ter em sociedade homens
e mulheres. Por exemplo: Dentre os estereótipos de gênero masculinos se encontram a
força, a segurança, a incapacidade emocional e a agressividade. Nos femininos podemos
encontrar a doçura, a submissão, a delicadeza, a emotividade.

F
Feminismo: movimento social e política iniciado no final do século XVIII que defen-
de que as mulheres devem ter os mesmos direitos dos homens.
Feminismo interseccional: ele procura conciliar as demandas de gênero com as
de outras minorias, considerando classe social, raça, orientação sexual, deficiência física.
Por exemplo, feminismo negro.
Feminicídio: assassinato de mulher, motivado por esta ser mulher.

G
Gênero: conjunto de valores socialmente construídos que definem as diferentes
características (emocionais, afetivas, intelectuais ou físicas) e os comportamentos que
cada sociedade designa para homens e mulheres. Diferente do sexo, que vem determinado
como o nascimento, o gênero se aprende e se pode modificar, sendo, portanto, cultural e
socialmente construído.

Gay: palavra inglesa utilizada para designar o indivíduo (homem ou mulher) ho-
mossexual. Embora, algumas vezes, gay seja usado para designar homens e mulheres
homossexuais e bissexuais, tal uso tem sido constantemente rejeitado por implicar na
inivisibilidade da Lesbianidade e da bissexualidade. Sendo assim, a palavra gay é utilizada
no senso comum, para se referir a homens que sentem atração afetivo/sexual por outro
homem.

UNIDADE IV A Compreensão sobre Questões de Gênero e Direitos Humanos 78


H
Heteronormatividade: sistema que normaliza a heterossexualidade e os compor-
tamentos tradicionalmente ligados a ela, mostrando-os como única opção válida, tornando
marginal qualquer forma de relação fora dos padrões/ideais heterossexuais, da monogamia
e da conformidade de gênero.
Homofobia: aversão, ódio, atitudes e sentimentos negativos a pessoas homosse-
xuais.
Homossexual: pessoa que sente atração física e afetiva por pessoa do mesmo
sexo ou gênero.
Homossexualidade: característica, condição ou qualidade de um ser (humano)
que sente atração física, estética e/ou emocional por outro ser do mesmo sexo ou gênero.

I
Identidade sexual: refere-se à percepção de si mesmo como homem ou mulher,
diferentemente da orientação sexual que se refere à atração por um sexo ou outro ou ainda
ambos os sexos.
Identidade de Gênero: refere-se ao gênero com o qual a pessoa se identifica (se
ela se identifica como sendo um homem, uma mulher ou se ela vê a si como fora do “pa-
drão” convencional). Esse gênero com o qual ela se identifica pode ou não concordar com o
gênero que lhe foi atribuído quando de seu nascimento. Identidade de gênero e orientação
sexual são dimensões diferentes e que não se confundem. Pessoas transexuais podem ser
heterossexuais, lésbicas, gays ou bissexuais, tanto quanto as pessoas cisgênero.
Interseccionalidade: termo cunhado em 1989 pela ativista e acadêmica Kimberlé
Williams Crenshaw ao dizer que as opressões da sociedade (racismo, sexismo, capacitis-
mo, homofobia, xenofobia, classicismo) não atuam de maneira independente e que estas
formas de exclusão estão inter-relacionadas e não podem ser examinadas de forma sepa-
rada, pois suas interações podem potencializar a opressão e a desigualdade.
Intersexual: pessoa que possui variação de caracteres sexuais incluindo cromos-
somos, gônadas e/ou órgãos genitais que dificultam sua identificação como totalmente
feminino ou masculino. Essa variação pode envolver ambiguidade genital, combinações de
fatores genéticos e aparência.
Intergênero: a diferença entre intergênero e transexual é que os intergêneros não
se identificam nem como homens nem como mulheres. Podem ver-se como homens ou
mulheres. Algumas pessoas têm características do sexo oposto em junção com caracterís-

UNIDADE IV A Compreensão sobre Questões de Gênero e Direitos Humanos 79


ticas do mesmo sexo. Alguns veem a sua identidade como uma junção entre masculino e o
feminino. Intergênero não designa uma orientação sexual, mas sim um conceito relacionado
com a identidade de gênero.

L
Lesbianidade: refere-se ao amor romântico e/ou prática sexual entre mulheres.
Lésbica: mulher que experimenta amor romântico e/ou atração sexual por outras
mulheres.
Lesbofobia: aversão, ódio, atitudes e sentimentos negativos a pessoas lésbicas.
Linguagem sexista: linguagem discriminatória que coloca as mulheres em subor-
dinação, às excluem ou mesmo invisibilizam, ocultando-as.

M
Machismo: crença de que o homem é superior à mulher e, portanto, esta deve
estar sempre submissa/sujeita ao homem.
Machismo internalizado: termo relativo às mulheres ou alidas/os que, tendo sido
educadas/os e socializadas/os em culturas machistas, perpetuam ou adquirem certos valo-
res, mensagens e atitudes típicas do machismo.
Micromaschismo: termo que descreve todas aquelas ações de caráter machista
cotidianas, sutis e inconscientes que estão normalizadas na sociedade: Exemplo: o garçom
apresenta a conta sempre ao homem.
Misoginia: ódio ou depreciação das mulheres e, por extensão, de que está asso-
ciado com os estereótipos tradicionalmente femininos.

O
Orientação sexual: diz respeito à atração que se sente por outros indivíduos. Ela
geralmente também envolve questões sentimentais, e não somente sexuais. Ela pode ser
assexual (nenhuma), bissexual (atração por mais de um gênero – ou por dois gêneros),
heterossexual (atração pelo gênero oposto), homossexual (atração pelo mesmo gênero
oposto), homossexual (atração pelo mesmo gênero) ou pansexual (atração por todos os
gêneros).

UNIDADE IV A Compreensão sobre Questões de Gênero e Direitos Humanos 80


P
Panssexualidade: também denominada como omnissexualidade, polissexuali-
dade ou trissexualidade é caracterizada pela atração sexual ou romântica por pessoas
independente do sexo ou gênero das mesmas. Podem sentir-se atraídas/os por homens,
mulheres ou também por pessoas que não se sentem identificadas com o seu gênero
incluindo intersexuais, transsexuais e intergêneros.
Panssexual: diz-se daquela/e que sente atração sexual por pessoas, independen-
temente de sua identidade/orientação sexual.
Patriarcado: desigualdade de poder entre homens e mulheres que se traduz na
superioridade do homem em todos os aspectos da sociedade.
Pessoa não binária (nb): é a pessoa cuja identidade não cabe nem como homem
nem como mulher ou ainda que está entre um gênero e outro (masculino ou feminino)
podendo também ser uma combinação dos dois. São pessoas que não necessariamente
optam por fazer processos de readequação de gênero, por meio de medicamentos e cirur-
gias.
Pessoa trans: pessoa transexual.

S
Sexismo: é o preconceito ou discriminação baseada no sexo ou gênero de uma
pessoa. O sexismo pode afetar qualquer gênero, mas é particularmente documentado
como afetando mulheres. Tem sido ligado a estereótipos e papéis de gênero e pode incluir
a crença de que um sexo ou gênero é intrinsecamente superior a outro.
Sororidade: solidariedade e aliança entre mulheres para defender-se, apoiar-se e
lutar contra a discriminação e os problemas vivenciados por serem mulheres.

T
Transfobia: ódio ou intolerância as pessoas transexuais e a diversidade de gênero
a partir da crença de que a identidade/expressão sexual de uma pessoa deve corresponder
ao seu sexo biológico.
Transexual: pessoa que possui uma identidade de gênero oposta ao sexo designa-
do (normalmente no nascimento). Geralmente usa hormônios, mas há exceções. Nem toda
pessoa transexual deseja fazer cirurgia para mudança de sexo.
Transhomem: pessoa que possui sexo biológico de mulher, mas se identifica como
homem.

UNIDADE IV A Compreensão sobre Questões de Gênero e Direitos Humanos 81


Transmulher: pessoa que possui sexo biológico de homem, mas se identifica como
mulher.
Transexualidade: refere-se à condição do indivíduo cuja identidade de gênero
difere daquela designada no nascimento.
Travesti: identidade histórico-política, construída sócio culturalmente, da pessoa
que é designada como sendo do sexo masculino, transaciona do masculino ao feminino e
vive 24 horas no gênero feminino. Geralmente usa hormônios e faz modificações no corpo
através de intervenções cirúrgicas, não sendo as mesmas uma regra. Em reconhecimento
e respeito a esta identidade deve-se sempre dizer a travesti e nunca o travesti.

UNIDADE IV A Compreensão sobre Questões de Gênero e Direitos Humanos 82


1. CONCEITOS CHAVES

De acordo com Butler (2003) o sexo não funciona apenas como uma norma, mas
opera nas práticas sociais como padrão de normalidade, ou seja, o sexo não se refere a
uma questão entre macho e fêmea. Assim, o sexo atua como parte de um ideal regulatório,
não é apenas um corpo estático, mas um processo que reitera as normas e faz o sexo se
materializar através dessas normas, ou seja, “a construção do sexo deve ser entendida
como uma norma cultural que governa a materialização dos corpos” (BUTLER, 2003, p. 22).
Com isto, passa-se a construir normas referente ao que se entende por corpos
normais e corpos anormais, por exemplo, as normas de gênero nos colocam em linhas a
serem seguidas e qualquer passo fora dessa forma retilínea será percebida como desvian-
te. Essa linha pode ser entendida como binária, pois, ou você encontra-se na normalidade
ou na anormalidade.
Por exemplo, corpos trans (pessoas trans) que não se adequam ao binarismo e
que não se incluem nas normas do gênero são vistos como anormais (abjetos) e excluídos.
Segundo Butler (2003) isso acontece por conta da heterossexualidade compulsória.
Mas afinal: O que é isso?

UNIDADE IV A Compreensão sobre Questões de Gênero e Direitos Humanos 83


1.1. Heterossexualidade compulsória
Em nossa sociedade estaríamos diante de uma “ordem compulsória” que exige a
coerência total entre um sexo, um gênero e um desejo que são obrigatoriamente heteros-
sexuais. Em outras palavras: a criança está na barriga da mãe; se tiver pênis, é um menino,
o qual será condicionado a sentir atração por meninas. E, consequentemente, passaríamos
a compreender que esta realidade “sempre foi assim” e que este seria um fato “biológico”.
A expressão “Heterossexualidade compulsória” foi criada pela estadunidense
Adrienne Rich (2010), e diz respeito à imposição de um modelo e conteúdo de relaciona-
mento, entre homens e mulheres, como definidor de relações sociais que são marcadas
pela diferença naturalizada dos sexos.
Com isto, a heterossexualidade compulsória funciona enquanto modelo padrão
de orientação das relações, não apenas fez com que relações homoafetivas entre duas
mulheres (e entre dois homens) foram inviabilizadas/ocultadas/anormalizadas, como tam-
bém impediu que se percebêssemos modelos diferenciados e alternativos, presentes nas
relações de companheirismo entre mulheres em diferentes situações.
Nesta perspectiva, a heterossexualidade compulsória é a exigência para que todos
os sujeitos sejam heterossexuais, isto é, a heterossexualidade se apresenta como única
forma considerada normal de vivência da sexualidade.
Essa ordem social/sexual se estrutura através do dualismo heterossexualidade
versus homossexualidade, sendo que a heterossexualidade é naturalizada e assim se torna
compulsória.
Isso ocorre, por exemplo, quando buscamos as causas da homossexualidade, um
fetiche vigente ainda hoje, pois ao tentarmos identificar o que torna uma pessoa homosse-
xual, colocamos a heterossexualidade como padrão, como um princípio na vida humana,
que por algum motivo alguns se desviam, e assim as causas desses desvios podem ser
descobertas e analisadas para que possa trazer o sujeito para normalidade novamente, ou
seja, para heterossexualidade.
Infelizmente sabemos que este pensamento ainda se encontra presente em nossa
realidade, e especificamente nos saberes psicológicos, portanto, torna-se fundamental
falarmos e entendermos as noções e conceitos que constituem o fenômeno da sexualidade
para combatermos essas realidades e lutarmos para uma realidade mais plural e diversa.
Assim sendo, mesmo que não consideremos que a homossexualidade é anormal
ou patológica, cada vez que tentamos achar um momento ou ocasião que a origina, nós

UNIDADE IV A Compreensão sobre Questões de Gênero e Direitos Humanos 84


naturalizamos a heterossexualidade e ocultamos um dos mecanismos de produção da
anormalidade, isto é, a naturalização da sexualidade.
Para não incorrer nesse erro, teríamos que substituir a questão de uma causa
da sexualidade para problematizar que mecanismos tornam alguns sujeitos aceitáveis,
normalizados e coerentes e outros desajustados e anormais. Sairíamos de uma busca pela
causa para uma problematização dos mecanismos que tornam os indivíduos desviantes.
Mas, novamente, o que dá sentido à homossexualidade como desvio é a construção da
heterossexualidade como parte da natureza humana, não problematizada, ou seja, como
“normal”.
Contudo, com a despatologização da homossexualidade a partir de 1974, a
heterossexualidade compulsória perde força, isto porque a patologização sustentava a
heterossexualidade como única forma sadia de vivenciar a sexualidade. A partir de então,
heterossexualidade e homossexualidade são consideradas formas normais de vivência da
sexualidade, ao menos teoricamente, pois ainda hoje são vistas diversas tentativas de en-
contrar o momento em que alguém se torna homossexual para tentar “curar” ou readequar.
Desta forma, outro conceito ganha centralidade nas discussões sobre produções
de sexualidades. O conceito de heteronormatividade criado em 1991, por Michael Warner.

1.2. Heteronormatividade
O conceito busca dar conta de uma nova ordem social, isto é, se antes essa ordem
exigia que todos fossem heterossexuais, hoje a ordem sexual exige que todos, heteros-
sexuais, homossexuais, e outros indivíduos organizem suas vidas conforme o modelo
“supostamente coerente” da heterossexualidade.
Enquanto na heterossexualidade compulsória todos os sujeitos devem ser hete-
rossexuais para serem considerados normais, na heteronormatividade todos os sujeitos
devem organizar suas vidas conforme o modelo heterossexual seja heterossexual ou não.
Com isso entendemos que a heterossexualidade não é apenas uma orientação sexual, mas
um modelo político que organiza a vida das pessoas.
Se na heterossexualidade compulsória todos os sujeitos que não são heterosse-
xuais são considerados doentes e precisam ser explicados, estudados e problematizados,
na heteronormatividade esses sujeitos tornam-se coerentes desde que se identifiquem com
a heterossexualidade como modelo, isto é, mantenham a linearidade de gênero: os homens
devem se comportar como machos, másculos.

UNIDADE IV A Compreensão sobre Questões de Gênero e Direitos Humanos 85


Um homem pode ser homossexual, inclusive fora do armário, mas não pode se
identificar com o feminino, nem uma mulher lésbica pode se identificar com o masculino.
Enquanto a heterossexualidade compulsória se sustenta na crença de que a hete-
rossexualidade é um padrão da natureza, a heteronormatividade se sustenta na ideia que
ter um pênis significa ser másculo, isto é, no gênero como parte da natureza. Em ambas a
naturalidade aparece como sustentáculo.
Ainda sobre a heteronormatividade é preciso que a erotização (não-heterossexual)
seja invisibilizada, isto é, dois homens podem aparecer como parceiros, mas esse vínculo
não pode ser erotizado, ou como dizem as pessoas: “o sexo é dentro de quatro paredes”.
Enquanto a heterossexualidade aparece publicizada pela afetividade e erotização,
as outras possibilidades de relações afetivossexuais são ocultadas. Nas novelas, a relação
entre dois homens homossexuais, às vezes, são menos erotizadas que os vínculos entre
dois homens heterossexuais. Sem beijo, sem sexo, numa apatia ou embotamento erótico.
Ainda como motor da heteronormatividade, podemos citar as concepções de saú-
de/doença nos manuais de diagnóstico, que consideram como transtorno de gênero a não
linearidade do sistema sexo / gênero, isto é, um homem que se construa como feminino e
uma mulher que se construa como masculina são considerados doentios.

UNIDADE IV A Compreensão sobre Questões de Gênero e Direitos Humanos 86


2. A LINGUAGEM COMO CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS:

Segundo Spink (2004) o sentido é um empreendimento coletivo mais precisamente


interativo, haja vista que, é por meio das relações sociais que são historicamente datadas
e culturalmente localizadas que se constroem os sentidos e a realidade.
Em outras palavras, ninguém produz sentidos individualmente. É de suma impor-
tância compreendermos que tal construção se dá num contexto atravessado pelos fatores
culturais, sociais, econômicos, políticos e entre outros. Como afirma a autora supracitada,
produzimos sentidos o tempo todo, ou seja, não se trata de uma atividade que fazemos de
repente: entrei no mercado, então agora vou produzir sentido. Não é isso.
Por exemplo, se não déssemos sentido, por exemplo, ao semáforo e simplesmente
atravessássemos a rua, não percebendo o que significa o vermelho, o verde, o amarelo
provavelmente seríamos atropelados.
Nesta perspectiva, produzir sentidos é o que permite lidar com situações e fenôme-
nos do cotidiano. E, este processo é realizado através da linguagem e interativo. Para Silva
(2009), a linguagem é considerada uma ferramenta cultural e fundamental no processo de
compreensão da identidade.
Com isto, podemos considerar que as identidades são resultados de uma cons-
trução simbólica e discursiva, e representam claramente relações de poder, posto que
carregam consigo um conjunto de significados.

UNIDADE IV A Compreensão sobre Questões de Gênero e Direitos Humanos 87


É no momento da diferenciação, ou seja, da produção da identidade e da diferença,
que ocorre a disputa de poder, por meio das definições, classificações, exclusões e opo-
sições geralmente embasadas em um modelo de organização social com características
binárias: bom/ mal, certo/errado, feio/ bonito, natureza/ cultura, corpo/ mente, sexo/ gênero,
ou seja, definições baseadas em oposições (SILVA, 2009).
Sendo assim, através da linguagem passamos a dar significado ao mundo, e con-
sequentemente construir o que nomeamos por identidade e subjetividade. Este processo
está presente ao longo da vida de todo sujeito, ou seja, o que me faz gostar de determinado
gênero musical? Este processo tende acontecer através da socialização e da produção
de sentidos, e este processo de socialização é feito pela família, escola, religião, mídia
e dentre outras instituições. E assim, passamos a definir e a construir o mundo e seus
sentidos e valores, ou seja, definindo o que é certo e errado de acordo com aquilo que lhes
é mais determinante até então, como é ser menina ou menino, por exemplo.
É importante frisarmos que alguns conceitos, valores e sentidos são reafirmados
constantemente, enquanto outros podem ser repensados, ou seja, alguns conceitos, valo-
res e sentidos podem ser ressignificados e reformulados, por exemplo, é o caso do direito
ao voto, inicialmente era concedido este direito apenas aos homens, posteriormente depois
de muita reivindicação e luta por parte de movimentos feministas e sociais, este sentido/
valor foi alterado e ressignificado.
No entanto, neste processo de construção de sentidos, valores e conceitos pode-se
observar o processo de normalização ou naturalização, em outras palavras:
Normalizar significa atribuir a essa identidade todas as características po-
sitivas possíveis, em relação às quais as outras identidades só podem ser
avaliadas de forma negativa. A identidade normal é ‘natural’, desejável, única.
A força da identidade normal é tal qual ela nem sequer é vista como uma
identidade, mas simplesmente como a identidade. Paradoxalmente, são as
outras identidades que são marcadas como tais. (SILVA, 2009, p. 83).

Para existir o diferente é necessário existir o outro, contudo, ambos são construções
e produtos de interações sociais. Segundo Silva (2009) deparamo-nos então, com uma
sociedade que visivelmente cria estereótipos por meio da naturalização/normalização de
identidades, definindo e reforçando valores, conceitos, sentidos, regras e comportamentos.
Por exemplo, antes de nascermos somos envolvidos por inúmeras expectativas,
em relação ao nosso sexo, isto é, a identidade de gênero já vai se delineando no útero de
nossas mães. Expectativas são depositadas para ser menina ou menino. Sinais, ditados e
crenças populares surgem, logo se a barriga for pontuda é sinal que nascerá um menino,

UNIDADE IV A Compreensão sobre Questões de Gênero e Direitos Humanos 88


está e dentre outras crenças vão surgindo e assim passa-se a delinear identidades, valores
e sentidos.
Neste processo verificamos que ao nascer o bebê já têm uma educação direciona-
da, ou seja, os pais já têm mentalmente delineado o modelo de educação para o menino
e para a menina (modelo que foram aprendendo ao longo do processo de socialização),
cores definidas, nomes, desenho, orientação sexual e entre outras.
Nesse entendimento, a criança aprende a andar como homem ou como mulher e,
da mesma forma, a falar e a portar-se segundo o seu sexo, ou seja, a maior valorização do
bebê de sexo masculino e a diminuição de autoestima das meninas, atribuídas às crianças
ainda no útero materno (SILVA, 2009).

2.1 Gênero fenômeno natural ou construção social?


Quantas vezes você já não escutou esta afirmação:
“Ela/e tem o dom” ou “Ela/e sempre foi agressiva/o”.
Poderíamos analisar estas afirmações de diferentes maneiras, no entanto, para
este espaço irei trabalhar com a seguinte análise:

Geralmente passamos a atribuir características positivas ou negativas que foram


aprendidas socialmente como sendo produtos da ordem biológica ou psicológica, isto é,
ninguém nasce cantor/a ou agressivo/a, e sim torna-se agressivo ou cantor – Aprendemos
tais comportamentos. Por exemplo, desde muito cedo passamos a imprimir certas carac-
terísticas nos corpos infantis que estimulam e produzem identidades que normalmente
atribuímos como sendo “da pessoa” “algo inato”.
Carrinhos, armas, bonecos, guerreiros, ser agressivo, competitivo e valente são im-
pressas como características dos meninos, já passividade, vaidade, maternidade, atividades
domésticas, bonecas modelos para serem maquiadas passariam a ser características das
meninas, e com isto, vamos formando subjetividades e identidades e acreditando que tais
identidades corresponderiam a produtos biológicos e inatos (da pessoa – do seu íntimo).
Entretanto, essas características e papéis sociais são produtos sociais.
O comportamento esperado de uma pessoa de um determinado sexo é pro-
duto das convenções sociais acerca do gênero em um contexto social espe-
cífico. E mais, essas ideias acerca do que se espera de homens e mulheres
são produzidas relacionalmente; isto é: quando se fala em identidades so-
cialmente construídas, o discurso sociológico/ antropológico está enfatizando
que a atribuição de papéis e identidades para ambos os sexos forma um
sistema simbolicamente concatenado que fora construído em relação (HEIL-
BORN, 1999. p. 37).

UNIDADE IV A Compreensão sobre Questões de Gênero e Direitos Humanos 89


Figura 01: Desconstrução dos papéis de gênero

Fonte: < https://www.google.com.br/search)>

REFLITA

Tente recordar momentos da sua infância ou situações vivenciadas com as crianças


nos dias de hoje. Como essas crianças vivenciam a construção de suas identidades de
gênero? Como você construiu a sua identidade?

Fonte: O Autor.

2.2. Delineando os conceitos


“Sexo” é um dado biológico?
“Gênero” é um dado biológico?
“Sexo” e “Gênero” são construções sociais?

Essa discussão é ampla e complexa, posto que há movimentos teóricas que vão
sinalizar que ambos são construções sociais, ou seja, que sexo e gênero seriam produtos
sociais, como também há perspectivas que vão compreender que sexo é um dado biológico
e gênero uma construção social.
Contudo, considerar o gênero como uma contingência do sexo biológico é uma
postura reducionista (CARVALHO; TORTATO, 2009), uma vez que, torna limitado o desen-
volvimento total das pessoas, direcionando-as aos ditames da natureza, levando a interpre-

UNIDADE IV A Compreensão sobre Questões de Gênero e Direitos Humanos 90


tações universais que não cabem nos fatos próprios da cultura. Gênero é produto social,
pois é aprendido, representado, institucionalizado e transmitido ao longo das gerações.
Para além disso, compreender gênero enquanto um produto social (construção
social) possibilita entender este fenômeno para além de uma perspectiva dicotômica. O
gênero não diz respeito apenas aos tipos de papéis (masculinos e femininos) socialmente
determinados. Mas é de suma importância pontuar que compreender este fenômeno a
partir de uma perspectiva social é poder compreender que gênero diz respeito a produção
de subjetividade, e consequentemente encontra-se relacionado a relações de poder, isto é,
“(...) a sociedade impõe certos papéis para os homens e outros para as mulheres e que vão
determinar a forma como homens e mulheres se vêem e como se relacionam uns com os
outros” (SIMIÃO, 2005, p.10).
Sendo assim, é nas relações interpessoais que passa-se a construir categorias
de diferenciação entre papéis atribuídos ao masculino e papéis femininos, e por de trás
dessas diferenciações encontramos relações de poder, posto que, socialmente é produzido
discursos que nos fazem crer que essas diferenças seriam inatas, ou seja, que mulheres
seriam mais emotivas e homens mais agressivos, e assim passa-se a construir estereótipos
e signos que passarão a produzir subjetividades e identidades.
Algumas das características baseadas em estereótipos atribuídos ao masculino e
ao feminino estão representadas sinteticamente pela tabela abaixo:

Tabela 01: Diferenciações de gênero

MASCULINO FEMININO
Objetividade Senso Comum
Universalidade Localidade
Racionalidade Sensibilidade
Neutralidade Emoção
Dominação Passividade
Cérebro Coração
Controle Descontrole
Conhecimento Natureza
Público Privado
Fonte: O autor.

É de suma importância frisarmos novamente: Sexo normalmente refere-se a


características morfológicas e biológicas onde em nossa sociedade são classificados em
machos (associados aos homens) e fêmeas (associado às mulheres) e Intersex (antiga-

UNIDADE IV A Compreensão sobre Questões de Gênero e Direitos Humanos 91


mente chamados de hermafroditas). Por sua vez, gênero, refere-se aos aspectos culturais,
sociais e históricos de como se classificaram as pessoas a partir das diferenças entre os
sexos (SCOTT, 1990) e que categoriza as pessoas femininas ou masculinas (cisgêneros),
transgêneros (trans-homens, trans-mulheres) ou não binárias e que tem também se rela-
ciona com o que tem chamado de expressão ou papel sexual, isto é, a forma/modo como
as pessoas performatizam seu gênero. Por fim, orientação sexual ou sexualidade refere-se
às práticas sexuais das pessoas, seja orientada para pessoas do sexo oposto (heteros-
sexuais), para pessoas do mesmo sexo (homossexuais), para ambos (bissexuais), para
nenhum (assexuais).

Figura 02: Biscoito Sexual

Fonte: < https://pixabay.com/pt/>

Segundo Joan Scott, a categoria gênero:


[...] tem duas partes e diversas subpartes. Elas são ligadas entre si, mas de-
veriam ser distinguidas na análise. O núcleo essencial da definição repousa
sobre a relação fundamental entre duas proposições: o gênero é um elemen-
to constitutivo de relações sociais fundadas sobre as diferenças percebidas
entre os sexos e o gênero é um primeiro modo de dar significado às relações
de poder. (1990, p. 86).

A partir desta afirmação é possível considerarmos que:

UNIDADE IV A Compreensão sobre Questões de Gênero e Direitos Humanos 92


1) Gênero faz parte das relações sociais, assim como classe e raça, e consequente-
mente este marcador/fenômeno influenciará na constituição de subjetividades/identidades.
2) Gênero é construção, isto é, não é algo que vem internamente ou que venha da
natureza, ele não está pré-determinado quando a pessoa nasce, embora haja expectativas
sobre o sexo, gênero não é natural.
3) Gênero encontra-se estritamente relacionado à cultura, à história e à formação
social, isto é, aspectos ditos masculinos, femininos, ou até mesmo neutros dependem de
cada cultura, sociedade e do tempo histórico.
4) Não devemos compreender ou falar “os gêneros”, como se fosse equivalente a
“os sexos”, haja vista que não há um gênero masculino por si só, ou um “feminino”, e sim
um sistema relacional de classificação no qual certos comportamentos, roupas, maneiras
e atividades são consideradas masculinas, femininas ou neutras, dependendo de onde e
quando estamos nos referindo.
5) É de suma importância compreendermos que gênero é poder, ou seja, as so-
ciedades estabelecem lugares sociais que são demarcados em termos de gênero, raça,
classe, geração, religião e entre outros marcadores.

UNIDADE IV A Compreensão sobre Questões de Gênero e Direitos Humanos 93


3. GRUPOS MINORITÁRIOS E DIREITOS HUMANOS
Ninguém deve ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer
direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça,
língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, ins-
trução, situação econômica ou condição social. (BRASIL, 1988).

Vamos começar esse tema com a seguinte afirmação: “Todos somos iguais” pe-
rante a lei! Porém, a discriminação e o preconceito existem e estão disfarçados de várias
formas. O conceito de atitude está relacionado com questões sociais. Podemos começar
com o preconceito com relação ao poder ou riqueza que divide a sociedade em classes
A, B, C..., em seguida o preconceito contra negros, homossexuais, judeus, portadores de
necessidades. Falamos que não temos preconceito, porém muitas vezes nossas atitudes
nos desmentem:

● Contar piadas de negros, de portugueses, de loiras.


● Falar mal de mulheres que trabalham fora de casa.
● Ser amigo de homossexuais, “diga-me com quem andas e te direi quem és”.
● Falar: “Todos os negros são atléticos”.
● Falar: “É preto mas é gente boa”. (Cor define caráter?).

Vale destacar que o preconceito é uma atitude com três componentes principais:

UNIDADE IV A Compreensão sobre Questões de Gênero e Direitos Humanos 94


1. Afetiva: Sentimentos preconceituosos em relação a grupos específicos.
2. Cognitiva: Refere-se às crenças dos membros desses grupos e aos modos
como são processadas as informações sobre esses membros.
3. Comportamental: São as tendências ou atitudes que se tomam em relação a
esses grupos.

“Se houver a ação, está se caracteriza em discriminação, já a discriminação é a


manifestação do preconceito”. (NAVASCONI, 2019, n.p).
Não demonstramos isso por meio de atitudes, porém pensamos desta forma. Afinal,
de onde vêm os preconceitos contra os grupos minoritários?
Por meio da análise histórica, podemos dizer que o preconceito contra os negros
começou no tempo da escravatura, que durou até finais do século XIX em alguns países.
O preconceito contra as mulheres, no mercado de trabalho, iniciou- se, quando os homens
tiveram que ir para a guerra e dependia delas o sustento da família, porém ainda hoje a
mulher é vista por muitos como progenitora e dona do lar. Então, cada caso merece um
estudo aprofundado.
O processo de preconceito nas crianças se forma, por meio da modelagem, ou
seja, por meio de exemplos dos pais ou de outros colegas. Existe a assimilação da atitude
e ela passa a reproduzir a fala ou comportamento. Estudos demonstram que pessoas com
menos instrução possuem mais preconceitos. Podemos dizer então que pessoas que estão
no interior possuem mais preconceitos.
Muitas teorias foram apresentadas com o passar do tempo e, mais recentemente, a
abordagem cognitiva teve predomínio na compreensão e explicação do preconceito e das
relações intergrupais.
A forma do preconceito mudou. Hoje, não se nega emprego a um negro assumindo
que o foi por preconceito, mas dizemos que ele, por exemplo, não possui experiência ou
algo parecido. Os homens com o preconceito sexista dizem que as mulheres não são tão
capazes quanto eles, que ficam de licença maternidade, que se têm filhos pequenos é
problema na certa para contratar, porque se ele ficar doente elas faltarão. Aqui a família é
a desculpa para a discriminação.
Então chegamos ao final deste tema destacando que durante anos foram pesquisa-
das as causas do racismo e hoje as teorias se resumem em duas correntes:
1. Racismo Universal: O homem é racista por natureza e que a nossa estrutura
mental se baseia no etnocentrismo, uma tendência emocional que nos leva a julgar outras
sociedades tomando como norma os costumes e valores da nossa comunidade.
2. Racismo Moderno: Baseia-se na crença de que o racismo é uma característica
aprendida culturalmente pelo homem.

UNIDADE IV A Compreensão sobre Questões de Gênero e Direitos Humanos 95


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Caro acadêmico (a), chegamos ao final dessa unidade e no decorrer dela contem-
plamos diversas temáticas sobre as questões de gênero. Acredito que com esta unidade,
você tenha encontrado algumas respostas sobre a diferenciação de gênero, identidade e
sexualidade. Lembra do biscoito sexual?
Espero que nesse momento do processo de ensino/aprendizagem você esteja
encantado e fascinado pelo tema, pois tivemos uma construção conjunta e exemplificando
todas as dúvidas possíveis.
Nesta unidade, conhecemos também os conceitos chaves para compreensão
do fenômeno da sexualidade, explicitando a importância de compreender a sexualidade
enquanto produto social e assim nos posicionamos com propriedade sobre o tema, e, com-
preendemos as discussões de gênero enquanto categoria sócio histórica.
Conhecemos a linguagem estrutura gêneros e sexualidades, além do processo de
socialização de gênero nas diferentes instituições relacionadas aos direitos humanos.
Por fim, quero agradecer a você por esse tempo de estudos que passamos juntos
e com a certeza que o conhecimento adquirido de todo o tema abordado possa promover
em você a construção de um cidadão compreensivo, respeitoso, tolerante em relação ao
tema abordado.

Enfim, sucesso e meu: Muito obrigado!

UNIDADE IV A Compreensão sobre Questões de Gênero e Direitos Humanos 96


WEB

Leia também:

Artigo: R(re)produção do heterossexismo e da heteronormatividade nas re-


lações de trabalho: a discriminação de homossexuais por homossexuais – Autor: Eloiso
Moulin de Souza. Link: http://www.scielo.br/pdf/ram/v14n4/v14n4a04.pdf

MATERIAL COMPLEMENTAR

LIVRO
Título: Performatividades Reguladas - Heteronormatividade,
Narrativas Biográficas e Educação
Autor: Marcio Caetano
Editora: Appris
Sinopse: As alterações que vivemos no século XXI nos inserem
em um contexto social em que críticas feministas ao sujeito univer-
sal reinventaram discursos e dispositivos de análise científica, po-
lítica e jurídica dos séculos anteriores a respeito de sexualidade e
gênero. Entre outros fatores, as biotecnologias, os recursos midiá-
ticos, a internet e suas redes sociais, as alterações nas dinâmicas
capitalistas, a proliferação de uso das instituições integradoras e
a emergência dos movimentos sociais identitários, sem esquecer
as implicações ocorridas no pós-aids, resultaram em uma com-
plexa rede pedagógica em que se formam, conformam e regulam
os sujeitos.Nessa perspectiva, o corpo foi tomado como o efeito
criativo que, considerando as marcas sexuais, raciais e de classe,
performatizam inúmeras possibilidades. Com isso, os marcadores
identitários tradicionais, a exemplo dos sexuais, foram problema-
tizados e desestabilizados por inúmeras formas de vivê-los. Este
livro, portanto, apresenta os discursos sobre gênero e sexualidade
que interpelaram as narrativas biográficas e os movimentos curri-
culares de professoras e professores que transitam na ilegibilidade
ou incoerência heteronormativa, produzindo performatividades,
acordos e negociações nas escolas.

LIVRO 2
Título: Gênero, sexualidade e educação: Uma perspectiva pós-es-
truturalista
Autor: Guacira Lopes Louro
Editora: Educação Pós-Crítica
Sinopse: Este livro tem o caráter de introdução aos estudos de
gênero. A obra apresenta conceitos e teorias recentes no campo
dos estudos feministas e suas relações com a educação, estuda
as relações do gênero com a sexualidade, as redes do poder, raça,
classe, a busca de diferenciação e identificação pessoal e suas
implicações com as práticas educativas atuais.

UNIDADE IV A Compreensão sobre Questões de Gênero e Direitos Humanos 97


LIVRO 3
Título: “Relações étnico-raciais para o ensino da identidade e da
diversidade cultural brasileira”.
Autor: MICHALISZYN, Mario Sergio.
Editora: INTERSABERES, 2014.
Sinopse: A pluralidade de crenças, costumes e conhecimentos no
Brasil exige um constante aprendizado de respeito às diferenças
e de percepção da riqueza cultural. Por isso, é indispensável que
os profissionais envolvidos com a educação discutam as relações
étnicas e raciais. Com o propósito de oferecer subsídios para o
acompanhamento e a compreensão dos conteúdos acerca das
relações étnico-raciais, esta obra aborda os aspectos relacionados
à cultura, ao imaginário social e à construção de representações
sociais.

FILME/VÍDEO
Título: Tomboy
Ano: 2012
Sinopse: Em uma cidade do interior da França, Laure, 10 anos,
muda com sua família, durante as férias de verão, para um novo
bairro. Laure passa os dias brincando com sua irmã mais nova, ao
lado do pai e da mãe, grávida de um irmãozinho. Aos poucos, vai
se enturmando com as outras crianças do condomínio, dedicadas
a uma rotina de brincadeiras e descobertas. Tudo perfeito se não
fosse por um detalhe: Laure não se identifica como menina, mas
como menino e se apresenta aos novos colegas como Michael.
Os pais, ainda que bastante afetuosos, não conseguem lidar com
a complexidade da situação.

FILME/VÍDEO 2
Título: Hoje Eu Quero Voltar Sozinho
Ano: 2014.
Diretor: Daniel Ribeiro.
Sinopse: Leonardo, um adolescente cego, tenta lidar com a mãe
superprotetora ao mesmo tempo em que busca sua independên-
cia. Quando Gabriel chega em seu colégio, novos sentimentos
começam a surgir em Leonardo, fazendo com que ele descubra
mais sobre si mesmo e sua sexualidade.

UNIDADE IV A Compreensão sobre Questões de Gênero e Direitos Humanos 98


FILME/VÍDEO 3
Título: “Cores e Botas”.
Ano: São Paulo, (2010).
Diretor: Juliana Vicente.
Sinopse: Joana tem um sonho comum a muitas meninas dos anos
80: ser Paquita. Sua família é bem sucedida e a apoia em seu
sonho. Porém, Joana é negra, e nunca se viu uma paquita negra
no programa da Xuxa.

UNIDADE IV A Compreensão sobre Questões de Gênero e Direitos Humanos 99


REFERÊNCIAS

ABREU, J. J. V.; ANDRADE, T. R. A compreensão do conceito e categoria gênero e sua


contribuição para as relações de gênero na escola. VI Encontro PPGED, UFPI: Piauí, 2010.

ALENCASTRO, Luiz Felipe de Alencastro. O trato dos viventes. Companhia das Letras.
São Paulo. 2000.

ALMEIDA, Rita Heloisa de. O Diretório dos Índios: um projeto de civilização no século XVII.
Brasilia. Editora: Universidade de Brasilia. 1997.

ALONSO, Angela. Flores, votos e balas: o movimento abolicionista brasileiro (1868-88).


Companhia das Letras: São Paulo. 2015.

ANJOS, Rafael Sanzio Araújo dos. “As geografias oficial e invisível do Brasil: algumas refe-
rências”. Geousp – Espaço e Tempo (Online), v. 19, n. 2, p. 375-391, 2015. Disponível em:
http://www.revistas.usp.br/geousp/article/viewFile/102810/105686

ASSUNÇÃO, Paulo. Negócios jesuíticos: o cotidiano da administração dos bens divinos.


EdUSP. 2004. p. 94.

BRANDI, Reginaldo. De africano a afro-brasileiro: etnia, identidade, religião. Revista USP,


São Paulo, nº 46, pp. 52-65, jun./ago. 2000.

BRASIL. Decreto-lei nº 1.331-A, de 17 de fevereiro de 1854. Legislação informatizada. Pu-


blicação Original. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/
decreto-7031-a-6-setembro-1878-548011-publicacaooriginal-62957-pe.html. Acesso em:
20 Jan. 2021.

BRASIL. Decreto-lei nº 7.031-A, de 6 de setembro de 1878. Legislação informatizada. Pu-


blicação Original. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/
decreto-1331-a-17-fevereiro-1854-590146-publicacaooriginal-115292-pe.html. Acesso em:
02 jun. 2019.

BRASIL. Presidência da república. Subchefia de assuntos Juridicos. Lei 11.645. Brasi-


lia, DF, 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/
l11645.htm

BUENO, Eduardo. Brasil: Uma história: cinco séculos de um país em construção. Rio de
Janeiro. LEYA, 2012.

UNIDADE IV A Compreensão sobre Questões de Gênero e Direitos Humanos 100


BUTLER, J. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Tradução de Re-
nato Aguiar. Rio de janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

CAMINHA, Pero Vaz de. Carta a el-rei d. Manuel. Lisboa: Imprensa nacional – Casa da
Moeda, 1974.

CARVALHO, M. G.; TORTATO, C. S. B. Gênero: considerações sobre o conceito. In: Cons-


truindo a igualdade na diversidade: gênero e sexualidade na escola / organização: Nanci
Stancki da Luz, Marília Gomes de Carvalho, Lindamir Salete Casagrande.— Curitiba : UT-
FPR, 2009.

FAUSTO, Boris. A história concisa do Brasil. São Paulo: EDUSP, 2008.

FLORES, Lúcio Paiva. Adoradores do Sol: Reflexões sobre a Religiosidade Indígena. Rio
de Janeiro. Editora VOZES, 2003.

GOMES, Flávio dos Santos; REIS, João José. Liberdade por um fio. São Paulo. Companhia
das Letras. 1996.

GOMES, Mércio Pereira Os índios e o Brasil : passado, presente e futuro / Mércio Pereira
Gomes. — 1. ed. — São Paulo : Contexto, 2012.

HEILBORN, M. L; SORJ, B. Estudos de Gênero no Brasil. In: O que ler na Ciência Social
Brasileira (1970-1995). Sociologia (Volume II). São Paulo: Sumaré/ANPOCS, 1999).

HOLANDA, Sérgio Buarque. Caminhos e Fronteiras. São Paulo: Companhia das Letras,
1994.

JECUPÉ, Kaka Werá. A terra dos mil povos: história indígena brasileira contada por um
índio. São Paulo: Petrópolis. 1998 – Série Educação para a Paz.

LARA, Silvia Hunold. Biografia de Mahommah Gardo Baquaqua. Revista História Brasileira,
São Paulo, v. 8, n. 16, p. 269-284, 1988.

LARA, Silvia Hunold. Campos da violência: escravos e senhores na capitania do Rio de


Janeiro, 1750-1808. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.

LOURO, G.; L. Currículo, Género e Sexualidade. Portugal: Porto, 2000.

101
LUZ, N.; S; CARVALHO, M,; G.; CASAGRANDE, L,; S. (org). Construindo a igualdade na
diversidade: gênero e sexualidade na escola. Curitiba: UTFPR, 2009.

MANZANO, Juan Francisco, A Autobiografia do poeta-escravo. São Paulo: Hedra, 2015.

MARIANO, S. A. Modernidade e crítica da modernidade: a Sociologia e alguns desafios


feministas às categorias de análise. Cad. Pagu n ° .30. Campinas Jan./June 2008.

MATA, Lídice. Pronunciamento de Lídice da Mata em 24/11/2016. Disponível em: https://


www25.senado.leg.br/web/atividade/pronunciamentos/-/p/texto/427635. Acesso em 19 jun.
2019.

MAXWELL. O Termo Gênero vem do Latim Genus, 2015. Disponível em: www.maxwell.
vrac.pucrio.br/9704/9704_3.PDF. Acesso em 03 de Janeiro de 2019 às 12h30min.

MEYER, D. E.; SOARES, R. F. (Orgs.). Corpo, Gênero e Sexualidade. Porto Alegre: Media-
ções. 2004.

MOURÃO, Antônio Hamilton Martins. Mourão liga índio à ‘indolência’ e negro à ‘malandra-
gem’. TV BRASIL. 2018. Disponível em: https://tvbrasil.ebc.com.br/indio-presente/2018/04/
os-indios-sao-preguicosos

NÓBREGA, Padre Manuel da. Diálogo sobre conversão do gentio. Texto disponível em:
http://www.ibiblio.org/ml/libri/n/NobregaM_ConversaoGentio_p.pdf. Acesso em: 15 junho
2019.

NOGUEIRA, Oracy. (1985 [1954]), “Preconceito racial de marca e preconceito racial de


origem — sugestão de um quadro de referência para a interpretação do material sobre
relações raciais no Brasil”, in O. Nogueira (org.), Tanto preto quanto branco: estudos de
relações raciais, São Paulo, T.A. Queiroz.

RIBEIRO, Darcy. Os índios e a civilização: a integração das populações indígenas no Brasil


moderno. 4ª ed. Petrópolis, Vozes, 1982.

RICARDO, Beto e RICARDO, Fany. Povos Indígenas no Brasil 2001-2005. (Instituto So-
cioambiental).

RICH, A. Heterossexualidade compulsória e existência lésbica. Bagoas. Natal, vol. 4, n. 5,


2010, pp. 17-44.

102
SCHWARCZ, Lilia Moritz. Nem preto nem branco, muito pelo contrário: cor e raça na socia-
bilidade brasileira. São Paulo: Claro Enigma, 2013.

SCOTT, J. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade, 20(2),
jul/dez. 1990. pp. 71-99.

TUFANO, Douglas. A carta de Pero Vaz de Caminha. Rio de Janeiro: Editora. Moderna;
Edição: 1 (1 de janeiro de 1999).

VIEIRA, Antônio. Cartas do Brasil. HANSEN, Adolfo (Org.). Sermões. vol. 1. São Paulo:
Hedra, 2003. São Paulo: Hedra, 2001.

UNIDADE IV A Compreensão sobre Questões de Gênero e Direitos Humanos 103


CONCLUSÃO GERAL

Chegamos ao fim do nosso curso de Formação Sociocultural. Nossa viagem ao


passado terminou e conseguimos alcançar nosso objetivo de ao olhar para nosso espaço
de experiência (o passado) conseguindo perceber nosso presente e, quem sabe, projetar
um horizonte de expectativa (futuro) mais humanizado.
Em nosso espaço de experiência compreendemos que, nos dois primeiros módulos
da apostila, durante nossa história os detentores do poder criaram mecanismos para ma-
nutenção de seu próprio poder, mantendo nas camadas mais baixas a população indígena,
branca empobrecida e a população negra. Em seguida, entendemos como funcionou a
escravidão no Brasil em vários períodos histórico para que, só assim, pudéssemos com-
preender como foi a escravidão moderna no Oceano Atlântico. Também compreendemos
como foi a vida do africano no Brasil através da biografia de um ex-escravizado chamado
Mahommah G. Baquaqua e por fim, entendemos como esses escravizados resistiram à
escravidão e como foi o maior exemplo de resistência negra no Brasil, o Quilombo dos
Palmares.
Verificamos nas Unidades III e IV, durante o processo histórico brasileiro, vários
fatos historiográficos sobre a cultura indígena no Brasil. Desde o século XV quando os
africanos ainda não eram trazidos às Américas até o século XIX e XX onde africanos e seus
descendentes são libertos e indígenas, mesmo livres legalmente, eram sequestrados de
suas tribos para serem utilizados como mão de obra escrava nos seringais do norte do país.
Usamos a Lei 11.645/2008 para complementar a Lei 10.639/2003 que trata de
grupos minoritários no Brasil, como negros e indígenas. Para essa análise foi necessário
combater um olhar eurocêntrico e promover uma desmistificação do eurocentrismo com o
objetivo de destacar a história e cultura indígena no país.
Mostramos o conceito de índio e indígena na sociedade atual através da reflexão
da sociodiversidade indígena, seus direitos e suas diferenças entre seus troncos étnico-lin-
guísticos. E claro, ressaltamos que não é possível desprezar o indígena na historiografia
brasileira e para isso comparamos passado e presente, semelhanças e diferenças, inclusive
religiosas, entre as várias culturas que compõem esses povos.

104
No fim de nossa jornada debatemos as questões de Gênero e suas vertentes.
Abordamos alguns conceitos chaves para que possamos compreender o termo gênero e
sexualidade. Apresentamos e explanar os conceitos de heterossexualidade compulsória,
heteronormatividade e naturalização.
Portanto, ao fim dessa viagem espero que seu horizonte de expectativa tenha sido
alterado, pois somos fruto de uma herança multiétnica e, desta forma, a humanização das
relações entre os povos se torna possível quando os conhecemos melhor e possamos ver
que o outro é igualzinho a mim.

105

Você também pode gostar