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Antropologia Cultural

Professora Mestra Renata Oliveira dos Santos


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Gilmar de Oliveira

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de Educação a Distância
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publicada no D.O.U. em 15 de junho de 2020.
Núcleo de Educação a Distância;
SANTOS, Renata Oliveira dos. www.unifatecie.edu.br
Antropologia Cultural.
Renata. Oliveira dos Santos.
Paranavaí - PR.: UniFatecie, 2020. 83 p.
As imagens utilizadas neste
Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária livro foram obtidas a partir
Zineide Pereira dos Santos. do site ShutterStock
AUTORA

Professora Mestra Renata Oliveira dos Santos

● Mestra em Ciências Sociais - Universidade Estadual de Maringá.


● Graduada em Ciências Sociais - Universidade Estadual de Maringá.
● Especialista em História e Sociedade - Universidade Estadual de Maringá.
● Especialista em Educação a Distância - UNIFAMMA - Centro Universitário Me-
tropolitano de Maringá.
● Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPE) - Universida-
de Estadual de Maringá.
● Integrante do Grupo de Pesquisa em Educação a Distância e Tecnologia (GPEa-
DTEC) - Universidade Estadual de Maringá.

* Principais temas de interesses: Educação, Ensino de Sociologia, Políticas Pú-


blicas, Educação a Distância (EAD), Tecnologia, Comunicação. Atualmente, professora
de Sociologia - Educação Básica. Professora de Ciências sociais e Áreas afins - Ensino
Superior.

● Link do Currículo na Plataforma Lattes: http://lattes.cnpq.br/7216942697334779


APRESENTAÇÃO DO MATERIAL

Caro(a) aluno(a),

Seja bem-vindo(a) à disciplina de Antropologia Cultural!

O objetivo geral desta disciplina será refletir sobre os estudos antropológicos, com-

preendendo o conceito dessa ciência, sua importância e seus objetivos. Com o propósito de

entender as diferenças entre o eu e o outro, para que não haja nenhum tipo de preconceito

e discriminação em relação à diversidade social e religiosa existente no Brasil.

Dessa maneira, seu material didático está dividido da seguinte forma:

Na Unidade I iremos conversar sobre o conceito de cultura e seu desenvolvimento

dentro da ciência chamada de Antropologia. Espera-se que você entenda que culturas

são diferentes e precisam ser respeitadas. Porém, sem o conhecimento de seu sentido e

significado corremos o risco de nos tornar intolerantes e discriminatórios.

Sendo assim, na Unidade II vamos compreender um pouco mais sobre essa relação

entre o Eu e Outro, com o objetivo de entendermos que se faz necessário a compreensão

dos conceitos de etnocentrismo, relativismo cultural e identidade que nos ajudarão a per-

ceber o quanto estamos interligados. Isso nos revelará que a relação entre os sujeitos

sociais é permeada por muitos símbolos que demonstram quem somos e como agimos em

sociedade.

Aprofundando um pouco mais nossos estudos, na Unidade III conversaremos so-

bre a questão do sincretismo religioso e as religiões de matrizes africanas que fazem parte

da formação histórica e religiosa do Brasil. Lembrando que qualquer tipo de preconceito é

gerado pela ignorância, a falta de conhecimento e a recusa de respeitar as diferenças.


Por fim, na Unidade IV refletiremos sobre a necessidade da formação de um(a)
professor(a) que seja livre de atitudes racistas, sexistas, homofóbicas, preconceituosas e
discriminatórias. Um(a) educador(a) que entenda que não pode reproduzir e nem mesmo
deixar com que isso aconteça em sala de aula. Assim, pensaremos sobre a construção de
uma educação antirracista, humanizada e corajosa frente a uma sociedade tão desigual.

Acreditamos que a mudança cultural é uma ação demorada e muito complexa.


Entretanto, ela é possível. Afinal, como afirmou o grande ativista negro Nelson Mandela:
“Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, ou por sua origem, ou sua
religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se elas aprendem a odiar, podem ser
ensinadas a amar, pois o amor chega mais naturalmente ao coração humano do que o seu
oposto. A bondade humana é uma chama que pode ser oculta, jamais extinta”.

Fonte: Livro: Long Walk to Freedom (1995).


SUMÁRIO

UNIDADE I....................................................................................................... 7
Cultura, pra quê?

UNIDADE II.................................................................................................... 22
Respeito às Diferenças: Eu e o Outro

UNIDADE III................................................................................................... 39
Antropologia Brasileira e o Sincretismo Religioso

UNIDADE IV................................................................................................... 58
Por uma Pedagogia Antirracista
UNIDADE I
Cultura, pra quê?
Professora Mestra Renata Oliveira dos Santos

Plano de Estudo:
● Você sabe o que é cultura?
● Antropologia: uma ciência em constante mudanças
● O antropólogo: quem é ele?
● Entenda: cada cultura tem sua própria lógica

Objetivos de Aprendizagem:
● Conceitos e Definições de Cultura
● Campos de estudo da Antropologia
● Refletir sobre o papel do Antropólogo
● Compreender a importância dos estudos antropológicos contra discriminação,
preconceito e intolerância

7
INTRODUÇÃO

Somos todos preconceituosos!

Logo de cara, ler essa frase nos causa um pouco de desconforto, não é mesmo?
Pois bem, é justamente para repensar nossos privilégios sociais e lugares que ocupamos
na sociedade que a Antropologia começará a fazer parte das nossas discussões.
Você verá que muitas coisas que faz, fala, a maneira como reage e age no meio
social estão relacionadas a sua cultura. Mesmo que não saiba ainda, nós reproduzimos
muitas falas e ações de quem faz parte do cotidiano que vivenciamos. Assim, vamos cons-
truindo e desconstruindo nossas ideias e maneira de pensar o mundo.
Claro que você já deve ter percebido que muitos atos de racismos, preconceitos em
relação a identidades de gênero, violências contra mulheres e homossexuais estão cada
vez mais presente nos noticiários, nas redes sociais. Denúncias que se repetem e que
deveriam nos levar a pensar: “Mas, afinal, por que essas coisas acontecem?”
Bom, sabe aquela frase que nossos pais/avós falam e que, muitas vezes, nos irrita:
“na minha época não era assim”? Então, é que vivemos em contextos históricos, políticos,
educacionais e econômicos diferentes. Assim, a maneira como uma coisa era pensada
anteriormente pode não ter nenhum significado e sentido agora.
Lembre-se, culturas são dinâmicas. Elas se movem e se modificam o tempo todo.
Por isso, atos racistas, preconceituosos e discriminatórios, que historicamente foram
naturalizados, em nossos tempos, são cada vez mais problematizados e combatidos. As
diferenças fazem parte da nossa sociedade e elas precisam ser entendidas e respeitadas.
Todos os sujeitos sociais devem ter seus direitos sociais e judiciários assegurados, para
quem ninguém fique à margem do todo social, simplesmente porque sua forma de ver,
pensar, agir e estar no mundo é singular, específica em relação ao outro.

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1 VOCÊ SABE O QUE É CULTURA?

Afinal, qual a necessidade de se estudar CULTURA?

Bom, quando entendemos o que, de fato, o conceito dessa palavra significa,


podemos perceber que ela é de extrema utilidade, pois nos ajuda a entender a enorme
complexidade, que se traduz na espécie humana, por meio da diversidade cultural.
Segundo Laraia (1986), Edward Tylor, em seu livro Primitive Culture, de 1871, foi
o primeiro autor a definir que cultura poderia ser entendida como um objeto de estudo sis-
temático por se tratar de um fenômeno natural, com causas e regularidades. Isso permitia
uma maneira de estudo objetivo que fosse capaz de gerar leis sobre o processo cultural e
a sua evolução.
A ideia de evolução tem sua raiz nos estudos Darwinistas, em que se acreditava
que o ser humano evoluiu do macaco. No caso da cultura, seria enfatizar que entendendo
um povo ou grupo, seria possível modificá-lo para algo melhor. Essa maneira de pensar
o conceito está bem relacionada à ideia biológica, ou seja, as ações humanas nada mais
seriam que reproduções naturais, evolucionistas.
Se contrapondo a essa ideia, o alemão Franz Boas desenvolveu o método com-
parativo. Para o autor, ao se analisar uma cultura seria possível reconstruir da história de
povos e comparar a vida social de diferentes grupos, tudo isso sendo pensado a partir da luz
histórica. Assim, começou-se a entender que cada cultura seguia seus próprios caminhos,
isso devido ao fato de vivenciarem eventos históricos diferenciados (LARAIA, 1986).

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O antropólogo americano Alfred Kroeber (1876-1960) aprofundou seus estudos e
foi capaz de definir que a cultura atua sobre o homem. Este se diferencia da forma animal,
justamente, por produzir uma cultura particular que representa as necessidades e a maneira
de construir sentidos e significados para as práticas humanas. Para o autor, nós, homens e
mulheres, criamos o próprio processo evolutivo e nos libertamos das amarras da natureza
e do orgânico (LARAIA, 1986).
Nesse sentido, podemos afirmar que somos o resultado do meio cultural em que
fomos e estamos sendo socializados. Você já prestou atenção no quanto tem atitudes como
a do seu pai ou da sua mãe? Maneira de andar, gesticular as mãos, de sorrir. Repare.
Pense. Veja que muitas dessas ações são semelhantes e podem ser consideradas reflexos
dos nossos primeiros contatos com a sociedade. Assim, quando dizem para você: “Nossa,
como você parece tal pessoa”, estão afirmando como você imita ela e acaba por reproduzir
características que não são somente suas.
Dessa maneira, entendemos que não nascemos inteligentes, criativos, preconcei-
tuosos, homofóbicos, racistas. Tudo isso aprendemos e reproduzimos de outras pessoas
que, por serem muito próximas, a nós acabam por ajudar a construir a forma como estamos
agimos e vemos o mundo. Isso pode acontecer em casa, na igreja, na escola, que consti-
tuem instituições sociais importantes da nossa sociedade.
“A cultura é um processo acumulativo, resultante de toda experiência histórica
das gerações anteriores. Esse processo limita ou estimula a ação criativa do indivíduo”
(LARAIA, 1986, p. 49).
Com isso, entendemos que toda experiência de uma pessoa é transmitida para os
demais, o que ocasiona um acúmulo de saberes e conhecimentos que podem ser compar-
tilhados, repensados e recriados dependendo do contexto e das necessidades.
Por isso, ao pensarmos em cultura, vamos recorrer aos estudos do antropólogo
Clifford Geertz (2013), que afirma que o conceito de cultura deve estar ancorado na ideia de
semiótico. Assim, entende, baseado nas ideias de Max Weber, que o homem é um animal
preso à uma teia de significados que ele mesmo teceu. A cultura seria essa teia e caberia
aos pesquisadores analisá-las, na construção de uma ciência interpretativa, à procura de
significados.
Os praticantes da ciência da cultura, chamada de antropologia, são chamados de
antropólogos. Esses, ao interpretar um grupo de pessoas, são responsáveis por desenvol-
ver uma maneira de estudo, que pode ser identificado como etnografia.

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Para um antropólogo, é preciso, ao praticar a etnografia, estabelecer relações,
selecionar informantes, transcrever textos, levantar genealogias, mapear campos e ter um
diário em que é possível anotar tudo que vê e ouve, podendo, assim, descrever, de maneira
densa, o que aprendeu sobre uma determinada cultura. Captar e entender códigos, signifi-
cados e sua importância.
Talvez você goste de futebol, talvez não. Porém, é inegável que a cultura brasileira
se insere também pela paixão e identificação com esse esporte. Pois bem, quando algo
além do jogo ocorre, a gente se pergunta se futebol é apenas um jogo. Mas, como assim?
Bom, você já deve ter vistos pessoas se abraçando sem se conhecer depois de um gol ou
de um campeonato.
Naquele momento há outros sentidos para aqueles gestos. Isso faz com que ir a um
estádio de futebol ou torcer por um time seja algo que aproxima as pessoas, gera regras de
convívios, símbolos e significados.
Geertz (2013) nos afirma que a cultura é pública e, por isso, significa exatamente
o que é. Ela possui um contexto que pode ser descrito de forma inteligível, a partir do
momento que respeitamos a voz do nativo, ou seja, de quem vive aquela realidade. Ser
antropólogo não é dizer que algo está correto ou errado, mas sim ouvir o que realmente o
outro diz. Ao compreender a cultura de um povo é possível expor sua normalidade sem que
suas particularidades deixem de existir.
Uma descrição etnográfica é interpretativa. O seu estudo acontece na própria cul-
tura e caberá ao pesquisador a capacidade de olhar o que é necessário e importante para
quem participa daqueles signos e significados. Vale lembrar que os estudos nunca são
finitos em si mesmo. Eles podem ser repensados a todo momento, pois tudo muda o tempo
todo no mundo.
Olhar as dimensões simbólicas da ação social - arte, religião, ideologia, ciên-
cia, lei, moralidade, senso comum - não é afastar-se dos dilemas existenciais
da vida em favor de algum domínio empírico de formas não emocionalizadas;
é mergulhar no meio delas. A vocação essencial da antropologia interpre-
tativa não é responder às nossas questões mais profundas, mas colocar à
nossa disposição as respostas que os outros deram - apascentando outros
carneiros em outros vales - e assim incluí-las no registro de consultas sobre
o que o homem falou (GEERTZ, 2013, p. 21).

Dessa Maneira, vamos nos aprofundar um pouco mais sobre a antropologia, de-
monstrando como, na prática cotidiana, ela nos permite compreender o outro e a nossa
própria sociedade por meio de perspectivas diversas, que não podem ser consideradas
melhores ou piores; superiores ou inferiores; boas ou ruins.

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2 ANTROPOLOGIA: UMA CIÊNCIA EM CONSTANTE MUDANÇAS

Segundo Laplantine (1987), o homem nunca deixou de questionar a si mesmo,


assim como, de se observar e ver o outro. A ciência antropológica nasceu no Século XVIII,
em que torna o homem um objeto de conhecimento e não somente preso à natureza.
Nesse primeiro momento, os estudos da antropologia se restringiram à pesquisa
de sociedades muito afastadas das europeias ou chamadas de civilizadas. Tratava-se de
grupos de pessoas que vivem isoladas, com tecnologia pouco desenvolvida, sociedades
consideradas simples em sua organização. Isso faz com que o objeto de estudo seja, ini-
cialmente, as populações não pertencentes à civilização ocidental.
Entretanto, as mudanças nas rotas comerciais e a aproximação entre os povos
fizeram a antropologia perceber seu objeto de estudo desaparecendo. Então, seus pes-
quisadores começaram a desenvolver olhares também para sua própria sociedade, seus
pesquisadores começaram a direcionar olhares também para sua própria sociedade, obje-
tivando entender as especificidades de todos os tipos de povos.
Você deve estar pensando qual a razão de estudar o homem em seus sentidos
e significados, e como fazer isso... Bom, esse desafio os antropólogos possuem até hoje
para compreender que somos pessoas sociais e culturais. O que significa que o mundo
como conhecemos, vivemos e ajudamos a desenvolver está inserido em perspectivas de
grupos diversos. O que isso significa? É que a ideia apenas de certo ou errado, selvagem
ou civilizados não passa de maneira de enxergar as coisas a partir de pontos de vistas
diferenciados.

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“O modo de ver o mundo, as apreciações de ordem moral e valorativa, os diferentes
comportamentos sociais e mesmo as posturas corporais são assim produtos de uma herança
cultural, ou seja, o resultado da operação de uma determinada cultura” (LARAIA, 1986, p. 68).
Você sabia, por exemplo, que pessoas de culturas diferentes riem das coisas mais
diversas? Você já reparou que de uma cidade para outra as palavras mudam? Pois é, tudo isso
nos mostra que fazemos parte de um mundo muito maior do que somos capazes de imaginar.
Podemos dividir os estudos antropológicos em, pelo menos, cinco áreas diferentes,
são elas:
● Antropologia Biológica - está ligada à genética das populações. O pesquisador
analisará as particularidades morfológicas e fisiológicas relacionadas ao meio
ambiente.
● Antropologia Pré-Histórica - relacionada à arqueologia, busca reconstruir as so-
ciedades desaparecidas, em suas técnicas, organizações, produções culturais e
artísticas.
● Antropologia Linguística - entende que a linguagem é um patrimônio cultural de
uma sociedade. Será por meio dela que homens e mulheres poderão se expres-
sar e interpretar o mundo em que vivem.
● Antropologia Psicológica - baseada no estudo dos processos psíquicos humanos.
● Antropologia Social e Cultural - se refere a tudo que constitui uma sociedade
que se representa pelos seus aspectos econômicos, jurídicos, sociais, religio-
sos, educacionais, costumes, hábitos, organização política e criações artísticas
(LAPLANTINE, 1987).

Nossos estudos estão ancorados, justamente, nessa última área, em que gestos,
trocas simbólicas e os detalhes de quem somos e agimos no dia a dia fazem parte daquilo
que buscamos compreender. Já que muitas vezes essas manifestações são responsáveis
por criar nossa própria identidade.
Não se esqueça que, para a antropologia, nossa maneira de andar, dormir, nos
encontrar, emocionar, comemorar e reagir são produtos de escolhas culturais que podemos
realizar de maneira consciente ou apenas reproduzindo os reflexos que interiorizamos.
Dessa maneira, quando nos propomos a ver o mundo com outra perspectiva, somos
conduzidos, por essa ciência, a uma verdadeira revolução do olhar:
“Eu sou mil possíveis em mim; mas não posso me resignar a querer apenas um
deles” (Roger Bastide).

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3 O ANTROPÓLOGO: QUEM É ELE?

O antropólogo é o cientista responsável por utilizar as ferramentas e os instrumen-


tos específicos para compreender uma cultura. Não cabe a ele qualquer tipo de julgamento
de valor, mas sim apresentar, da maneira mais clara e coerente, as manifestações culturais
dos grupos mais diversos do mundo.
Esse pesquisador nos ajuda a entender signos, sentidos e significados que, para
nós, pareciam naturais, porém não são. Você já deve ter visto algum documentário sobre
comidas, pratos típicos de outras regiões e, até mesmo, países, Não? Caso não tenha
visto, saiba que uma maneira de conhecer seu povo é compreender a sua culinária.
Ninguém se alimenta apenas por uma função biológica, nós comemos o que
podemos plantar, colher, caçar, cozinhar e consumir cru. Por isso, algumas culturas se
alimentam de carnes bovinas, enquanto outras de peixes. Isso também está relacionado a
questões geográficas.
O antropólogo sempre nos surpreenderá com a descrição daquilo que nos parece
familiar, proporcionando um estranhamento de coisas que pensamos ser naturais e normais.
Por isso, seu trabalho não é transformar a sociedade que estuda, mas, ao conhecê-la, pode
permitir que seus membros realizem mudanças que entende como necessárias para a sua
manutenção.
Para Oliveira (2000), os antropólogos devem cumprir três etapas para analisar os
fenômenos sociais, questionando-os e os tematizando, por meio do olhar; ouvir e escrever.

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Práticas que vão sendo disciplinadas por teorias que auxiliam esse profissional a entender
a realidade e querer interpretá-la.
● OLHAR: domesticação do Olhar etnográfico - Realizado por meio de toda a
teoria apreendida durante as aulas acadêmicas. Um itinerário que é absorvido
e será posto em prática quando o pesquisador for a campo, ou seja, para o
local de seus estudos. Nesse momento, teoria e prática irão se chocar, por
isso é muito importante que a maneira de enxergar se desenvolva de maneira
sensível.
● OUVIR: assim como o olhar é um exercício da investigação, saber ouvir os
ruídos também. Isso significa que o pesquisador precisa entender o que falam,
quem fala e como fala. Sabe quando estamos em um ônibus do transporte
público e paramos para ouvir as conversas alheias? Pois bem, da próxima vez
que acontecer isso contigo, prepare seu ouvido para apenas ouvir e depois
desenvolva um diálogo consigo mesmo sobre o que tudo aquilo significava. Pa-
rece loucura? Você verá que não. É apenas uma maneira de escutar o mundo
ao seu redor.
● ESCREVER: tão importante quanto o olhar e o ouvir será também o ato de
escrever. Essa capacidade de relatar para o mundo o que se apreendeu e de
interpretar, por meio da linguagem, o que se deseja expressar. Quando vemos,
ouvimos e nos propomos a escrever percebemos o quanto é possível saber
sobre nós mesmo e sobre os outros. Com a ajuda de teorias, essa escrita ganha
caráter científico. Assim, a etnografia pode ser compreendida como uma manei-
ra de representar em texto aquilo que o campo nos fez ver e escutar.
[...] o ato de escrever e o de pensar são de tal forma solidários entre si, juntos,
formam praticamente um mesmo ato cognitivo. Isso significa que, nesse caso,
o texto não espera que seu autor tenha primeiro todas as respostas, para, só
então, poder ser iniciado. Entendo que na elaboração de uma boa narrativa, o
pesquisador, de posse de suas observações devidamente organizadas, inicia
um processo de textualização, concomitante ao processo de produção do
conhecimento (OLIVEIRA, 2000, p. 32).

Diante disso, podemos afirmar que o ato de olhar, ouvir e escrever são pró-
prios da antropologia, e podem promover uma maneira de entender o mundo de forma
relativizada. Eles devem ser vistos de maneira tematizada e etapas da construção de novos
conhecimentos.

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4 ENTENDA: CADA CULTURA TEM SUA PRÓPRIA LÓGICA

Agora que você já caminhou um pouco sobre o mundo da Antropologia, espero


que tenha ficado bem claro que culturas são DIFERENTES. Por isso, não podemos dizer
que a manifestação de um grupo, de um povo é algo esquisito, estranho e exótico. Somos
diferentes e isso precisa ser algo que a gente deve aprender e jamais esquecer.
Vale ressaltar que todo sistema cultural tem a própria lógica. O que significa que
eu e você podemos até não entender por que determinada região se alimenta de algo, ou
por que outras pessoas têm manifestações religiosas diferentes da nossa, entretanto, é in-
dispensável compreender que, para essas pessoas, tudo tem um sentido e um significado.
As sociedades se desenvolvem porque os sujeitos sociais que as constituem são
produtos e produtores de uma cultura. Assim, a maneira como pensamos, agimos, silencia-
mos e lutamos está relacionada à forma como isso nos foi ensinado, seja por nossa família
ou por conta de qualquer outra instituição social, como é o caso da escola, do Estado e da
igreja.
O fato é que os homens e as mulheres sempre buscaram explicações para fatos
que não conseguem entender sem uma investigação mais pontual. É o caso, por exemplo,
das questões sobre a vida e a morte. Para responder a esses anseios cada sociedade tem
promovido diversas interpretações. Por exemplo, você sabia que o povo mexicano tem um
dia para festejar os mortos? Sim, eles dançam e cantam para seus antepassados, sem

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choro e com muitas manifestações de vida, em uma grande celebração. Isso seria algo
quase impossível aqui no Brasil, não é?
Os mexicanos estão errados e nós brasileiros certos? Nem uma coisa, nem outra,
são apenas práticas e discursos diferentes, que demonstram que não existe apenas uma
maneira de entender a morte no mundo.
Se optarmos por explicar a vida, veremos que as mais diversas sociedades en-
tenderam a concepção do nascimento de maneira diversificada. Uma investigação mais
pontual irá provar como a forma como cada uma delas enxerga esse ato tem a sua própria
lógica e coerência no seu sistema social.
Por isso devemos estar atentos, pois muito do que acreditamos ser algo natural,
não passa, na verdade, de uma construção histórica, fruto de um processo cultural subje-
tivo. Desse modo, não podemos pensar a cultura como desejava Edward Tylor, como algo
objetivo e universal.
Ao compreender essas questões percebemos que a cultura não é algo estático, mas
sim dinâmico e que a todo momento pode ser modificada. Mas, como isso é possível? Bom,
é só pensar nos tatuadores e naqueles que possuem tatuagens. Até mais ou menos uns
30 anos atrás ter uma tatuagem tinha um significado bem pejorativo em nossa sociedade.
Ainda hoje temos algumas pessoas que acham a tatuagem algo ruim. Entretanto,
nos últimos anos vimos que a sociedade começou a compreender o trabalho e a arte do
tatuador, reconhecendo suas especificidades e criando não somente novos postos de tra-
balhos, como também uma outra maneira de entender aquele que tatua e quem é tatuado.
“Cada mudança por menor que seja, representa o desenlace de numerosos con-
flitos. Isto porque em cada momento as sociedades humanas são palco do embate entre
tendências conservadoras e as inovadoras” (LARAIA, 1986, p. 99).
Enfim, a mudança cultural não é uma ação fácil, mas necessária quando um tipo
de comportamento e ação já não condiz mais com a realidade social. Por essa razão, é
muito importante entender as dinâmicas sociais, que se alteram a cada nova geração e que
podem evitar atitudes preconceituosas, racistas e discriminatórias em nossa sociedade.

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SAIBA MAIS

Você sabia que a vaca é considerada um animal sagrado entre os indianos? O que pode
parecer estranho, esquisito e exótico tem uma explicação lógica. Para saber mais, leia o
texto indicado e descubra como as diferenças fazem parte do nosso mundo.

Por que a Vaca é Sagrada na Índia?


Disponível em: https://super.abril.com.br/mundo-estranho/por-que-a-vaca-e-sagrada-na-india/

REFLITA

“A falta de cultura é um dos maiores fomementos da infelicidade de um povo. E não


adianta dizer o contrário. Quem é analfabeto cultural, não sabe interpretar a vida” (Re-
nan Venâncio).

Qual a razão da cultura ser um aspecto tão importante para a compreensão do meio em
que vivemos?

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Começamos essa unidade afirmando que somos preconceituosos. Talvez isso


tenha sido desconfortável para você, porém esse é um choque necessário para aqueles
que se propõem a pensar a sociedade que faz parte.
Você é um ser social e cultural, em construção e desconstrução. Por isso, é impor-
tante entender que cultura é algo criado e recriado por nós mesmo. Como nos disse Cliford
Geertz, se trata de uma teia de sentido e significado que demanda interpretação, além de
uma descrição densa.
Podemos compreender que pensar a cultura não é algo do senso comum, mas sim
de uma ciência chamada de Antropologia. Ela surgiu no século XVIII, com a pretensão de
entender sociedades chamadas de primitivas, distantes das grandes cidades da Europa
e possuidoras de uma forma de organização social, considerada, sobre uma perspectiva
evolucionista e etnocêntrica, como simples.
Porém, no século XX, notou-se que não cabia apenas esse lugar para as análises
antropológicas, principalmente, porque essas sociedades tidas como distantes foram se
aproximando devido às mudanças históricas, sociais, econômicas e políticas. Assim, coube
à antropologia a investigação das manifestações culturais em seu próprio meio, assim como
em outras sociedades.
Descobrimos também que quem desenvolve esse trabalho é chamado de antro-
pólogo. Este precisa desenvolver, ao longo do seus estudos teóricos, a domesticação do
olhar e do ouvir. Para que possa entender o que vê e o que escuta durante seu trabalho
de campo e ser capaz de escrever sobre uma determinada cultura. Nesse sentido, o Olhar,
Ouvir e Escrever são fundamentais para a construção do trabalho do antropólogo.
Por fim, reafirmamos que culturas são diferentes e, assim, entendemos que cada
uma possui uma lógica própria. Não são melhores e nem piores, superiores ou inferiores,
boas ou ruins, simplesmente são diversas e essa constatação implica em compreendermos
a importância da necessidade do respeito frente à diversidade cultural.

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LEITURA COMPLEMENTAR

Você acha que nossa cultura é melhor do que outra? Aliás, será que você já parou
para pensar nos detalhes culturais que se manifestam em nossa formação?
Pensando nessas indagações convido você a ler um texto bem divertido e que vai te causar
muitos estranhamentos. Vamos lá?

Texto: Os ritos corporais dos Nacirema - Horace Miner

MINER, H. Os ritos corporais dos Nacirema. In: ROONEY, A. K.; VORE, P. L. de (Orgs.). YOU AND T HE
OTHERS - Readings in Introductory Anthropology. Cambridge: Erlich, 1976. Disponível em: https://ediscipli-
nas.usp.br/pluginfile.php/364413/mod_resource/content/0/Nacirema.pdf. Acesso em: 10 ago. 2020.

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MATERIAL COMPLEMENTAR

LIVRO
• Título: Cultura: um conceito antropológico
• Autor: Roque de Barros Laraia
• Editora: Zahar
• Sinopse: Dividido em duas partes, o livro refere-se ao conceito
de cultura a partir das manifestações iluministas até os autores
contemporâneas, enquanto a segunda procura demonstrar como
a cultura parece influenciar o comportamento social e diversificar
a humanidade, apesar de sua unidade biológica. O autor busca
utilizar, sempre que possível, exemplos referentes à sociedade e
às sociedades tribais que compartilham o território brasileiro, o que
não impede a utilização de exemplos de autores que trabalham em
outras partes do mundo.

FILME/VÍDEO
• Título: O casamento Grego
• Ano: 2002
• Sinopse: Todos na família Portokalos estão preocupados com
Toula (Nia Vardalos). Ainda solteira aos 30 anos de idade, ela tra-
balha no Dancing’s Zorba, o restaurante de seus pais, Gus (Michael
Constantine) e Maria (Lainie Kazan). Após começar a trabalhar na
agência de viagens de sua tia, ela se apaixona por Ian Miller (John
Corbett), um professor que é alto, bonito e que definitivamente não
é grego. Toula não está certa do que será mais aborrecedor para o
seu pai: Ian ser estrangeiro ou ser vegetariano.

WEB
Pegar toda a complexidade de uma pessoa e de seu contexto
e reduzi-los a um só aspecto é o que Chimamanda chama de o
perigo da história única. Como uma estudante nigeriana em uma
universidade nos Estados Unidos, ela vivenciou com frequência
isso.
• Link do site: https://www.youtube.com/watch?v=EC-bh1YARsc

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UNIDADE II
Respeito às Diferenças: Eu e o Outro
Professora Mestra Renata Oliveira dos Santos

Plano de Estudo:
● Eu e o outro: Sociedade do Desvio
● Etnocentrismo.
● Relativismo Cultural
● Identidade

Objetivos de Aprendizagem:
● Refletir sobre as diferenças da relação entre eu e o outro
● Compreender o conceito de Etnocentrismo e como sua perpetuação provoca ações
preconceituosas e discriminatórias
● Entender a importância do conceito de relativismo cultural para a diversidade
● Refletir sobre o que significa ter identidade

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INTRODUÇÃO

Durante toda a Unidade I nosso desafio foi compreender o conceito de cultura.


Descobrimos que existe uma ciência responsável por esse tipo de estudo chamada de
Antropologia e que aquele que desenvolve suas pesquisas é chamado de antropólogo. Por
fim, percebemos que, ao entender as diferenças entre as pessoas, é possível construir uma
nova perspectiva social, incapaz de atos preconceituosos e discriminatórios.
Nosso desafio agora, na Unidade II, é refletirmos como esse conceito de cultura
se revela no cotidiano, nas ações que desenvolvemos em relação ao outro e na busca por
uma sociedade que possa entender que cada indivíduo é diferente e precisa ter o direito de
ser quem desejar.
Nesse sentido, vamos compreender quem determina ou não que o outro pode ser
excluído da sociedade por não se encaixar em um determinado padrão. Para isso, vamos
debater sobre o conceito de desvio e como ele se propaga quando não estamos preparados
para a diversidade social.
Ao ser incapaz de pensar no outro como ele realmente é e desejar modificá-lo,
podemos cometer uma grave ação chamada de etnocentrismo. Veremos que esse conceito
explica, por exemplo, a ação dos invasores portugueses no Brasil e porque eles acredita-
vam que a nação que aqui vivia deveria ser colonizada por uma civilização superior, no
caso, a europeia.
Porém, quando entendemos que somos diferentes e respeitamos, somos capazes
de desenvolvermos um olhar mais sensível capaz de entender as razões que nos diferem,
auxiliando nas lutas sociais daqueles que ficam à margem de uma sociedade etnocêntrica.
Para essa discussão, vamos refletir sobre o conceito de relativismo cultural.
Para encerrar as reflexões dessa unidade, iremos nos debruçar sobre o conceito de
Identidade, qual sua importância e relevância para podermos afirmar quem somos.

BONS ESTUDOS!

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1 EU E O OUTRO: SOCIEDADE DO DESVIO

Para convivermos em sociedade, é preciso entender que cada grupo social faz as
suas próprias regras e, por isso, tentam impor-lás aos indivíduos que fazem parte de uma
determinada estrutura social.
O fato é que as regras sociais tendem a definir os comportamentos adequados
das pessoas para cada situação, o que pode significar a definição do que é certo ou errado.
Com toda certeza você já deve ter passado por experiências em que pensou: “quem definiu
que isso era correto?”.
Pois bem, a ideia de certo e errado está mais relacionada às subjetividades impos-
tas pelo coletivo do que na liberdade individual. Aprendemos e ensinamos essas noções,
sem, muitas vezes, questionar como elas foram determinadas.
Segundo Becker (2008), todas as pessoas que não seguem regras impostas são
consideradas infratoras e vistas como outsiders. A pessoa rotulada dessa maneira é per-
cebida por outros como aquela que está fora da normalidade, do padrão e que quebra
todas as regras, simplesmente por não as seguir. Como você acha que um outsider é visto
socialmente?
Será que você pode ser entendido como um outsider? Este se caracteriza por ser
um desviante e é rotulado assim por outras pessoas. O julgamento que precede a esse tipo
de indivíduo se baseia na ideia de que todos devemos agir de maneira igual, quando isso
não ocorre deve ser corrigido.

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O desvio pode ser entendido por algumas concepções:
● Estatística: qualquer coisa que difere do que é comum. Por exemplo, se você
é canhoto, ruivo, calvo... já é considerado um desviante. Afinal, a maioria das
pessoas são destras, brancas (loiras) ou pretas e a falta de cabelo não é algo
tão aceitável na sociedade. Para Becker (2008), trata-se de uma explicação
muito simples para o desrespeito das diferenças.
● Patológico: acredita que qualquer manifestação de diferença pode ser con-
siderada como doença, em especial, um produto de doença mental. É nesse
sentido que muitas pessoas pensam ser possível uma suposta cura gay e que
os problemas com alcoolismo ou drogas são apenas de ordem psicológica. Com
isso, as pessoas tendem a discriminar atitudes ou maneiras de ser que conside-
ram capazes de desequilibrar a ordem “natural” da sociedade, considerando-as
disfuncionais, podendo ser eliminadas.
● Relativista: nesta concepção existe a crença de que o desvio pode ser enten-
dido como uma falha em obedecer às regras de um determinado grupo social.
O que não deve ser entendido como desequilíbrio ou fora da normalidade, mas
como representações diferentes de atuação no mundo.

Os desviantes são um tipo de pessoas que questionam a razão de uma determina-


da regra ser aceita ou não por ele e pelo outro. Para aqueles que pensam numa sociedade
homogênea é muito problemático conviver com quem pergunta, exatamente, o porquê das
coisas. Por isso, o desvio é algo criado pelo próprio meio social que, por meio das pessoas,
define, aponta o que deve ou não ser aceito.
“[...] o desvio não é uma qualidade do ato que a pessoa comete, mas uma conse-
quência da aplicação por outros de regras e sanções a um ‘infrator’” (BECKER, 2008, p.
22). Assim, o desviante é aquele que recebe um rótulo do outro que determina quem ele
pode ou deve ser.
O interessante de pensar a ideia do eu e outro sobre essa lógica do desvio é que
aqueles que são considerados desviantes podem muito bem encontrar pessoas seme-
lhantes à sua rotulação. Quando isso ocorre, muitas vezes quem é tratado como fora da
normalidade também aponta quem os que assim o determina como um desviante. Você
achou esse pensamento confuso?
Então, se eu me considero capaz de julgar o outro como desviante, porque penso
e me comporto de um jeito em sociedade, isso significa que o outro, ao olhar para a minha

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forma de viver, pode me considerar um desviante, afinal entendemos as regras do jogo
social de maneira oposta e tentamos, de alguma maneira, modificá-las a nosso favor.
Um exemplo disso pode ser refletido por meio da ideia de loucura. Afinal, quem pode
determinar que a outra pessoa é louca ou não? Já reparou que muitas vezes apontamos a
loucura em alguém por simples expressão de linguagem? Pois bem, sem um diagnóstico
psicológico, a ideia de ser louco tem sido utilizada em nossa sociedade indiscriminadamen-
te para todas as ações, mas será mesmo que é loucura?
Vale ressaltar ainda que toda a regra é criada por alguém. Então, definir o que
é certo ou errado perpassa pela ideia subjetiva de quem assim o determina. Podemos
entender, então, que o desvio não é algo que se ancora no próprio comportamento humano,
mas sim nas trocas entre uma pessoa que comete um ato e aquela que reage a ele. Desta
maneira, muitas vezes, percebemos que os julgamentos podem ter dois pesos e medidas
distintas, dependem de onde e para quem ele está sendo direcionado.
Além de reconhecer que o desvio é criado pelas reações de pessoas a tipos
particulares de comportamento como desviante, devemos também ter em
mente que as regras criadas e mantidas por essa rotulação não são univer-
salmente aceitas. Ao contrário, constituem objetos de conflito e divergência,
parte do processo político da sociedade (BECKER, 2008, p. 30).

Compreender a maneira como se estabelece a relação entre o eu e o outro é fun-


damental para respeitar as diferenças. Quando admitimos que estamos imersos em uma
sociedade diversa, nos tornamos menos propensos a reproduzir ações que prejudiquem
alguém por ser exatamente aquilo que é.

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2 ETNOCENTRISMO

Em uma sociedade repleta de padrões sociais, não é fácil conviver com as dife-
renças. Bom, até agora você já deve ter aprendido uma porção de coisas sobre cultura e,
provavelmente, deve estar imaginando como poderá absorver todo esse conhecimento para
o seu dia a dia. Pois bem, a partir do momento em que respeitamos o outro, é impossível
ser um etnocêntrico e é sobre esse conceito que vamos debater a partir de agora.
No mundo em que vivemos podemos observar uma grande dificuldade de aceitar
quem é diferente do padrão normativo. Muitas vezes somos questionados por nossa forma
de pensar, de agir, falar, nos vestir e, até mesmo, andar. Para aqueles que acreditam que o
mundo pode ser apenas de um jeito, ser alguém considerado diferente, como vimos, é ser
um desviante.
Mas, o que acontece para que os seres humanos não consigam viver de maneira
harmoniosa a diversidade? O fato é que todas as vezes que uma pessoa julga a outra
ou tenta homogeneizar os modos de ser, viver e se comportar, o que ela está fazendo é
entender o outro por sua própria ótica. Ficou confuso? Vamos a explicação.
Bom, toda vez que fazemos um comentário sobre um indivíduo, podemos utilizar
a expressão popular de que “estamos medindo a pessoa com a nossa própria régua”.
Isso significa que os padrões que temos fazem com que eu acredite que o outro deva ser
e pensar exatamente igual a mim. Assim, todo aquele que se recusar a ter as mesmas

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percepções da vida como as que tenho será descartado da minha conivência e também
julgado por suas escolhas diferentes.
Esse tipo de percepção quando direcionada para o coletivo pode ocasionar o des-
prezo e a aniquilação de grupos. A partir de um momento que uma determinada sociedade
se sente melhor, superior, maior do que outras, tendem a promover o que identificamos
como etnocentrismo, ou seja, tornar tudo estranho, esquisito ou exótico, o que não respeita
como diferente.
O antropólogo brasileiro Everaldo Rocha (1994) afirma que o etnocentrismo é um
fenômeno em que estão sendo misturados elementos intelectuais e racionais junto com
os emocionais e afetivos. Quando o entendemos pela dinâmica intelectual, significa com-
preender que sua manifestação se revela na dificuldade de encarar a diferença no plano
afetivo, nos sentidos e sentimentos que ocasionam estranheza, medo e hostilidade.
Assim, quando pensamos no etnocentrismo podemos entender que ele se mani-
festa a partir do julgamento do valor da cultura do outro grupo naquilo que eu acredito ser
essencial na minha cultura. Voltamos ao nosso exemplo do ditado popular, a régua do meu
grupo é que mede a forma de existência do outro grupo.
Foi exatamente esse tipo de pensamento que permitiu com que os mais diversos
tipos de colonizadores se estabelecessem no Brasil. Em especial, o invasor português que,
ao chegar em terras brasileiras, promoveu tanto um genocídio das populações indígenas
que aqui já viviam, como também um etnocídio, já que não respeitou toda a cultura já
existente.
Como uma proposta de “missão civilizadora”, os portugueses vestiram, catequiza-
ram e modificaram o modo de viver dos indígenas. Estes, considerados primitivos e selva-
gens, deveriam aprender com o novo colonizador o que era ser “gente”. Embora a invasão
portuguesa tenha ocorrido há vários séculos, é possível ainda hoje perceber o quanto essa
população sofre com ações etnocêntricas.
Na atualidade, vemos que ações governistas são insuficientes na promoção do
respeito aos indígenas. Com isso, convivemos, diariamente, com esses representantes de
nossa formação cultural tendo que pedir dinheiro em semáforo para sobreviver em uma
sociedade que não o incluir, socialmente, e muito menos respeita suas particularidades.
O fato é que o etnocentrismo se revela como ação de intolerância e preconceito
cultural, religioso, étnico e político. Esse tipo de manifestação foi sentido de diferentes
maneiras ao longo da história da humanidade. Hoje em dia podemos sentir seus efeitos na
ideologia racista da supremacia branca, que se revela na forma de escancarada do racismo.

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Não podemos esquecer das ações nazistas que mataram seis milhões de judeus
no mundo todo. E qual era o problema dos judeus para Hitler? Você já parou para pensar
nisso?
Pois bem, o Holocausto nos mostra como uma nação, uma pessoa ao se conside-
rar superior, melhor, maior do que a outra pode cometer atrocidades. Para que isso jamais
possa voltar a acontecer, é preciso defender sempre que existe uma pluralidade de modos
de viver, pensar, agir e sentir. Por isso, a defesa da diversidade é uma prática que devemos
exercitar diariamente para que diferentes povos possam conviver em harmonia.

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3 RELATIVISMO CULTURAL

Depois de compreender o que é etnocentrismo, você deve estar pensando como é


possível não permitir que ele ocorra, não é mesmo? Pois bem, o oposto de ser um etnocên-
trico é saber relativizar. Mas afinal, o que isso significa?
De maneira geral, relativizar é compreender que não existem regras, normas, va-
lores sociais que são únicos, verdadeiros e absolutos. Isso demanda a noção de que não
devemos continuar “medindo o outro com a nossa própria régua”.
Ao falarmos de relativismo cultural, é necessário entender que, ao olharmos para
uma cultura e compreendermos os elementos simbólicos que fazem parte dela, estamos
também refletindo sobre a maneira como os indivíduos são condicionados a ter um modo
de viver a partir de valores, sentidos e significado criados por um grupo ou povo, em uma
determinada sociedade.
A partir dessa percepção de que cada pessoa é produto e produtora de cultura é
que fica claro o quanto o julgamento sobre o que é bom ou ruim, certo ou errado, melhor
ou pior não pode ocorrer sem que possamos nos tornar etnocêntricos. Por essa razão é
que o relativismo cultural é fundamental para a prática do olhar para o outro de maneira a
reconhecer que somos diferentes.
Vale ressaltar que os usos, hábitos e costumes de um povo ou grupo social deve ser
entendidos a partir do momento que o “nativo” expressa para o outro toda a particularidade

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de seus ritos. Por isso, enxergar as ações desse outro pela ótica do eu pode gerar juízos
de valor que impedirão ele ser e se manifestar como quiser.
Ter um olhar relativizado significa que nos propomos a nos colocar no lugar do ou-
tro. Muitos chamam isso de empatia. Entretanto, a empatia não pode ser entendida apenas
como estar no lugar de outra pessoa, mas sim que, mesmo sem nunca ocupar aquele
espaço, somos capazes de entender e lutar para que ela tenha seu direito garantido.
Sem dúvida que ao entendermos o conceito de relativismo cultural estaremos mais
propensos a nos afastarmos dos (pre)conceitos, da intolerância e da discriminação que
assola nossa sociedade. Um relativista defende que seja impossível acreditar numa mani-
festação unívoca e universal para todos os grupos sociais.
Na verdade, o que existe são ações e percepções diferentes sobre o que venha ser
bom, justo, belo. Tudo isso construído por meio da vivência social. Por isso, cada sociedade
terá sua forma de perceber e atuar no mundo.
Para os relativistas, é impossível afirmar que exista uma concepção de bom, belo,
gostoso e benéfico que seja unívoca e universal para todos os povos, independentemente
de seu tempo e espaço ocupado. Para esses, o que é bom, belo, gostoso e benéfico são
percepções construídas socialmente.
Assim sendo, o relativismo cultural pode ser representado pela ideia de que não há
valores morais absolutos. Uma cultura existe a partir dos códigos, costumes, convenções
e práticas encontradas dentro de diferentes manifestações culturais que não são melhores
ou piores.
A definição do que é moralmente certo ou errado será aceito por meio de uma
tradição mantida e repassada. Dessa maneira, não tem nenhum sentido para um relativista
dizer, por exemplo, que o aborto, em qualquer circunstância, deve ser moralmente conde-
nável.
Isso significa que, para entendermos uma questão importante como essa, se faz
necessário compreender a situação e o meio que ela está sendo pensada e gerada. Cada
sociedade decide como lidar com a liberdade corporal das mulheres e a ideia de vida. Por
isso, não somos iguais.
O fato é que diferentes culturas têm diversos pontos de vista sobre questões
morais, logo torna-se impossível defender ou pensar em valores morais absolutos. Não
existindo uma verdade moral única sobre qualquer coisa, é muito importante que estejamos
dispostos a olhar uma cultura de modo particular.

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4 IDENTIDADE

Se neste momento eu lhe perguntasse qual sua identidade, como você responde-
ria? Será que aquela imagem que está no documento de identidade representa exatamente
quem você é? Pois bem, saber quem somos faz parte de entendermos como nos diferen-
ciamos das demais pessoas com quem convivemos e nos tornamos alguém único.
Quando falamos de identidade podemos entender o conceito como um espaço de
pertencimento se estamos refletindo sobre o lugar que habitamos ou nos reconhecemos
em grupo. Por isso, a ideia de identidade cultural pode ser entendida como cada sociedade
elabora sua própria cultura a partir das influências e do encontro com outras manifestações
que vão determinando a maneira como cada grupo irá agir no cotidiano.
Para o sociólogo polonês Zygmunt Bauman (2005), vivemos em uma sociedade
moderna que se caracteriza pela liquidez. Isso significa que as nossas ações são rápidas e
fluídas, por essa razão os laços que estabelecemos com o próximo são líquidos. Para ele,
a descoberta da identidade pode ser identificada como problemática quando se pretende
defini-la apenas de maneira única. Assim, a nossa existência individual pode ser entendida
como fragmentada. Com isso, somos muitos, ao mesmo tempo que habitamos apenas um
corpo.
Se eu perguntasse a você como seria a sua maneira de se representar, o que você
me diria? A questão “quem eu sou” é muito antiga e profunda. Ela pode ser pensada de
diferentes formas. Desta maneira, você pode ser homem ou mulher, casado ou solteiro, tor-

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cer por um determinado time de futebol, ser atleta, professor, filho, filha, sacerdote, médica,
pastora, patroa, sócia, proprietária, estudante, presidente, amigo. Enfim, cada uma dessas
facetas pode te definir. Assim sendo, você é uma variável de representações identificadas
por ti e pelos outros.
Por isso, Bauman (2005) acreditava que as identidades flutuam no ar, algumas
são escolhas nossas e outras precisamos ter cuidado para não serem nos dadas pelos
outros como forma pejorativa, preconceituosa e opressora. Vale ressaltar que é você que,
primeiro, precisa se reconhecer em sua particularidade.
Falar de identidade é tentar compreender um conceito discutido há poucos anos
em nossa sociedade. A cada mudança social e cultural vemos a necessidade de alguns
grupos sociais lutarem pelo reconhecimento. Com certeza você já deve ter visto, vivido e
até mesmo provocado atos de cunho preconceituoso, não é mesmo? Chamado muitas ve-
zes de brincadeira, essas atitudes com objetivo de desmerecer o outro por meio de alguma
coisa que somente ele possui ou é tida pela sociedade como fora do padrão.
É preciso entender que nenhuma brincadeira pode tirar o direito da pessoa de ser
quem ela é e se manifestar dessa maneira. Por isso, só começamos a perceber quem
somos quando isso começa a fazer parte do nosso cotidiano: “[...] perguntar quem é você
só faz sentido se você acredita que possa ser outra coisa além de você mesmo; só se você
tem uma escola, e só se o que você escolhe depende de você…” (BAUMAN, 2005, p. 25).
Embora pareça óbvio, ser quem somos não é algo fácil, em especial, se você é
alguém que o coletivo social chama de minoria. As minorias sociais são grupos que estão à
margem da sociedade – grupos excluídos por sua cor de pele, crença religiosa, orientação
sexual. Em geral, essas populações são discriminadas por serem quem são. Não se bene-
ficiam com as estruturas de poder impostas pelo racismo, que é evidenciado em agressões
físicas, psicológicas e simbólicas, que cerceiam a manifestação da sua identidade.
Nos últimos anos tem-se noticiado cada vez mais episódios de racismo, tanto no
Brasil como em outros países, e isso tem levantado a inúmeros debates em nossa sociedade.
Em pleno século XXI precisamos problematizar e desnaturalizar atitudes que não deveriam
fazer mais parte do nosso dia a dia. Além de cenas de desrespeito ao próximo, somos reco-
nhecidos como o país que mais comete crimes contra homossexuais e pessoas trans.
Os números são realmente alarmantes e chocam aqueles que acreditam que cada
um pode ser o que e como quiser: “As identidades ganharam livre cursos, e agora cabe a
cada indivíduo, homem ou mulher, capturá-las em pleno voo, usando seus próprios recursos
e ferramentas” (BAUMAN, 2005, p. 35).

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Vale ressaltar que somos nós que promovemos nossa própria identidade. Por isso,
estamos em constante mudança a partir daquilo que vivenciamos e absorvermos quando
cidadãos do mundo. Observar o meio em que vivemos e as pessoas que fazem parte dele
pode nos auxiliar nessa descoberta variável de quem somos.
Stuart Hall (2015) foi um outro importante sociólogo que se dedicou a estudar a
questão da identidade. Em sua obra A identidade cultural na pós modernidade ele nos
convida a pensar sobre ela também como algo em construção, não unificada e que somos
compostos por várias identificações. O indivíduo moderno pode ser entendido por identi-
dades fragmentadas e isso ocasionou o que o autor identificou como “crise de identidade”.
Essa crise pode ser entendida como parte de um todo social em mudança, em que
as identidades modernas estão em um processo de descentralização e deslocamento. Isso
significa que, no mundo contemporâneo, aquilo que era tido como estável e imutável já não
é mais. Isso vem ocasionando uma crise imensa naqueles que ainda gostam de entender
o mundo apenas em preto e branco.
Segundo Hall (2015), é possível distinguir três concepções distintas de identidade:
● Sujeito do Iluminismo: indivíduo totalmente centrado, unificado e dotado das
capacidades de razão, de consciência e de ação centrado na pessoa do “eu”.
Uma concepção do ser individualista.
● Sujeito Sociológico: esse é formação pela relação com outras pessoas que o
influenciavam e podiam ser influenciadas por ele. Interação entre o eu e o outro
que permeiam a compreensão do mundo pessoal e público.
● Sujeito pós-moderno: a mudança do sujeito que possuía uma identidade es-
tável e unificada, mas que se percebe vivenciando uma nova sociedade mais
fragmentada e capaz de gerar várias identidades. Esse indivíduo marcado pela
pós-modernidade não tem uma identidade fixa, essencial ou permanente. Ele
se modifica continuamente, pois se define por meio da história dinâmica. Assim,
pode assumir identidades distintas em momentos variados de sua existência.

Diante dessas perspectivas, Hall (2015) compreendeu que os sujeitos pós-moder-


nos são capazes de representar o contrário do que até então era propagado como identida-
de, unificada, segura, coerente, estável e imutável. Afirmando que a partir do momento que
os sistemas de significados e de representação cultural tem se modificado e multiplicado,
somos postos frente a frente com uma infinidade de identidades que podemos, em algum
momento, chamar de “nossa”.

UNIDADE II Respeito às Diferenças: Eu e o Outro 34


Assim sendo, quando falamos de identidade precisamos ter em mente que, diante
de um mundo globalizado e da possibilidade de conhecermos, convivermos e trocarmos
experiências variadas com as mais diversas nações, pessoas e manifestações culturais.
Seria impossível pensarmos que podemos ser apenas um tipo de pessoa.
Ao fazermos parte desse mundo, estamos a todo momento aprendendo com outras
coisas novas, nos reconhecendo ou não com dinâmicas diferenciadas que podem nos au-
xiliar na forma como nos percebemos e entendemos o mundo.
Depois de tudo isso que você descobriu até agora, seria possível me dizer quantas
identidades possui?

SAIBA MAIS
Você sabia que na Índia as pessoas trans são tratadas como o terceiro gênero e respei-
tadas por lei?
Conhecidas como hijras, são consideradas sagradas na tradição hindu. Por essa razão,
até hoje, elas são chamadas para abençoar casamentos na zona rural. Por outro lado,
acredita-se que matar, agredir ou desagradar uma delas resultaria em uma maldição
para a vida toda. Essa superstição ajuda a prevenir ataques transfóbicos nos redutos
mais conservadores e no interior do país.
Fonte: a autora

REFLITA
Quando chamamos alguém de louco, o que de fato queremos dizer? E quando alguém
nos chama de louco, será que se trata de alguma questão de fato mental?
“Às vezes não tenho tanto a certeza de quem tem o direito de dizer quando um homem
é louco e quando não é. Às vezes penso que não há ninguém completamente louco tal
como não há ninguém completamente são até a opinião geral o considerar assim ou
assado. É como se não fosse tanto o que um tipo faz, mas o modo como a maioria das
pessoas o encara quando o faz” (William Faulker).
Fonte: Becker (2008).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desmistificar o olhar. Essa foi a proposta dessa unidade.


Espero que ao término da leitura você possa ter reafirmado a noção de que culturas
são diferentes. Por isso, devemos respeitar o outro exatamente como ele é.
Iniciamos nossas discussões falando da ideia da relação entre eu e o outro. Muitas
vezes ela se configura baseado em muito preconceito e discriminação quando somos inca-
pazes de entender as razões que nos difere. Com isso acabamos por rotular aqueles que
não seguem os mesmos padrões considerados por nós como corretos.
Quando uma pessoa não segue regras pré-estabelecidas pelo todo social, vimos que
é possível caracterizá-la como outsider, ou seja, alguém que, segundo aqueles que seguem
as regras, não permite o equilíbrio social, pois está fora daquilo que é tido como ações verda-
deiras. Mas será mesmo que os outsiders existem ou são apenas intitulados como?
Pois bem, vimos que quem pode determinar o que somos é o outro. Dependendo
da sua posição social, será ele que dirá quem é louco, bonito, feio, certo ou errado. Sendo
assim, ao rotular alguém, sempre existirá o outro lado que pode concordar ou não.
Em nome de uma sociedade civilizada, correta e moralmente perfeita, muitas
pessoas e grupos torna-se etnocêntricos. Como vimos, o etnocentrismo significa que uma
cultura tende a se ver e sentir como superior, melhor, boa em relação a outra. Isso explica,
por exemplo, as ações dos invasores portugueses que, ao chegar no Brasil, cometeram
atos de genocídios e etnocídios em relação aos indígenas. Tudo isso em nome de uma
“Missão Civilizadora” que, na verdade, tinha como objetivo impor aos índios regras morais
que não faziam o menor sentido para eles.
Para que não sejamos etnocêntricos, é possível desenvolvermos um olhar de
respeito ao outro e a sua cultura a partir do momento que conseguimos compreender suas
particularidades. Neste sentido é que repulsa o conceito de relativismo cultural responsável
por permitir que tenhamos uma visão não punitiva e nem julgadora, mas sim respeitosa em
relação às diferenças, podendo, assim, preservá-las.
Por fim, para que uma nova maneira de compreender o mundo, as culturas, povos
e grupos como diferentes, se faz necessário compreender a nossa própria identidade.
Aprendemos que ela pode ser múltipla e fluída. Por isso, cada um tem o direito de ser
exatamente aquilo que deseja e necessita ser respeitado.

UNIDADE II Respeito às Diferenças: Eu e o Outro 36


LEITURA COMPLEMENTAR

Respeitar as diferenças é um desafio diário, pois é no cotidiano que corremos o


risco de ser preconceituosos e discriminatórios. Para que isso não ocorra, devemos estar
atentos em nossas atitudes, sem julgar os costumes, hábitos, forma de ser e agir de um
determinado povo ou grupo.
Pensando em tudo que conversamos até agora, te convido a ler o texto: De uma
Branca para Outra, da jornalista Eliane Brum. Espero que você esteja disposto(a) a deixar
seu lugar de conforto e privilégio de lado para olhar em um horizonte cheio de aprendizado.

Fonte: BRUM, E. De uma Branca para Outra. El País, fev. 2017. Disponível em: https://brasil.elpais.com/
brasil/2017/02/20/opinion/1487597060_574691.html. Acesso em: 15 ago. 2020.

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MATERIAL COMPLEMENTAR

LIVRO
• Título: Identidade
• Autor: Zygmunt Bauman
• Editora: ZAHAR
• Sinopse: Identidade volta a uma questão central do pensamento
de Zygmunt Bauman em alguns de seus livros: no mundo de hoje,
qual é o espaço do eu e do outro? Qual é a medida da liberdade in-
dividual? E do respeito ao próximo, com todas as suas diferenças?
É possível construir uma identidade sem levar a alteridade – o
outro – em conta? A sobrevivência de um Estado-nação moderno
pode se afirmar na falência ou na negação de outros estados?
Nessa entrevista que concedeu ao jornalista italiano Benedetto
Vecchi, um dos maiores teóricos da atualidade, mostra como a
identidade se tornou um conceito-chave para o entendimento da
vida social na era da “modernidade líquida” – termo que Bauman
cunhou para falar do esgarçamento das relações na atualidade.
Segundo o sociólogo, à medida que nos deparamos com as
incertezas e as inseguranças da “modernidade líquida”, nossas
identidades sociais, culturais, profissionais, religiosas e sexuais
sofrem um processo de transformação contínua. Isso nos leva a
buscar relações transitórias e fugazes e faz com que soframos as
angústias inerentes a essa situação. A confusão atinge os valores,
mas também as relações afetivas: “Estar em movimento não é
mais uma escolha: agora se tornou um requisito indispensável”,
afirma Bauman.

FILME/VÍDEO
• Título: Ninguém sabe que estou aqui.
• Ano: 2020
• Sinopse: é a história de Memo (Jorge Garcia), morador de uma
remota fazenda de ovelhas no Chile, que esconde sua linda voz
do mundo. Traumatizado por acontecimentos do passado, ele vive
de maneira solitária, até que uma mulher lhe oferece a chance de
encontrar a paz que tanto procura.

WEB
• Propaganda - Identidade - Fernando Meirelles.
Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=yKG8no8OKDg.
Acesso em: 14 ago. 2020.

UNIDADE II Respeito às Diferenças: Eu e o Outro 38


UNIDADE III
Antropologia Brasileira e o
Sincretismo Religioso
Professora Mestra Renata Oliveira dos Santos

Plano de Estudo:
● Cultura Material e Imaterial
● Antropologia das religiões
● Sincretismo religioso no Brasil
● Religiões afro brasileiras: Candomblé e a Umbanda

Objetivos de Aprendizagem:
● Conceituar a diferença entre cultura material e imaterial
● Compreender a importância dos estudos da antropologia da religião
● Refletir sobre o sincretismo religioso no Brasil
● Conhecer as principais religiões de matriz africana que fazem parte da cultura brasileira

39
INTRODUÇÃO

Chegamos a nossa Unidade III e nela você será convidado(a) a aprofundar um


pouco mais seus conhecimentos em relação à antropologia e à religião. Será que você já
conhece algo sobre as religiões de matriz africana que temos em nosso país? Ou apenas
tem reproduzido saberes que não são verdadeiros?
Faço esses questionamentos a você, pois quando não conhecemos algo corremos
o risco de nos tornar pessoas etnocêntricas, discriminatórias e também preconceituosas.
Você sabia que pessoas que profetizam as religiões afro brasileiras muitas vezes
são atacadas fisicamente por fazerem parte de uma denominação religiosa tida como ruim?
Isso acontece por falta de conhecimento. Por isso, vamos compreender sobre a história e a
importância do Candomblé e da Umbanda para a formação cultural de nosso país
Novamente, reafirmamos que é preciso compreender que culturas são diferentes e
as manifestações religiosas, tidas como um fenômeno social, também são distintas entre si.
Sabendo disso, todas necessitam ser respeitadas em suas especificidades.
Como brasileiro, um dos principais traços da nossa cultura religiosa é sermos, em
grande maioria, sincréticos em nossas manifestações de cunho religiosas. Mas, afinal o
que isso significa?
Bom, você verá que no dia a dia somos capazes de misturar as crenças mais
diversas e conviver como símbolos que são importantes para denominações religiosas
diferentes. Por isso, somos um país tão especial quando falamos de cultura.

Vamos começar essa nova aventura do saber?

BONS ESTUDOS!

UNIDADE III Antropologia Brasileira e o Sincretismo Religioso 40


1 CULTURA MATERIAL E IMATERIAL

Você já deve ter percebido que a cultura é algo muito importante para a compreen-
são dos grupos e povos de todo mundo. Ela nos ajuda a entender que cada pessoa sofrerá
influências diversas para a sua formação social e, assim, verá o mundo com perspectivas
que irão se modificar a partir do momento que seu contato com a realidade for permeado
por contatos e ações variadas.
Segundo Oliveira (2001), para conhecermos um determinado povo, devemos pres-
tar atenção aos elementos que os formam, representados pelos traços culturais; complexo
cultural; área cultural; padrão cultural; subcultura.
● Traços Culturais: são considerados os elementos mais simples de uma cultura
que só tem sentido e significado quando entendida dentro de uma cultura
específica. Ex.: adornos religiosos, uso das tecnologias culturais.
● Complexo Cultural: representado pela combinação de traços culturais que são
reproduzidos em uma atividade básica. Ex.: futebol, cujo traços culturais são a
bola, o campo, o juiz, a torcida, os jogadores, as comidas do estádio etc. Tudo
isso combinado torna-se um complexo de coisas. Por isso, muitos cronistas de
futebol gostam de repetir a frase: “Não é apenas futebol”.
● Área Cultural: trata-se da região geográfica em que o complexo cultural se
manifesta. Por isso, os indivíduos que vivem em determinadas áreas são seme-
lhantes entre si, seja física ou socialmente. Muitos afirmam que as pessoas que

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moram em cidades mais frias têm a tendência a ser mais fechadas e outras que
residem em locais mais quentes podem ser mais animadas e alegres. Você já
reparou nisso?
● Padrão Cultural: talvez esse seja o traço mais influenciador de uma cultura. Os
padrões podem ser entendidos como normas e regras estabelecidas pela so-
ciedade que determinam como nós, indivíduos sociais, devemos agir, nos vestir,
falar e, até mesmo, pensar. Assim, um padrão cultural determina que tipo de
pessoa você deve ser. Como vimos, aqueles que fogem dessas determinações
são chamados de outsiders.
● Subcultura: é uma maneira diferente de se comportar ou agir por meio de
regras de grupos que fazem parte de uma cultura maior. Não entendeu? Pois
bem, é como se existisse um grupo dentro de outro grupo. Em geral, podemos
encontrar, na subcultura, elementos da cultura, porém seus símbolos, normas,
regras e valores sociais são específicos. Ex.: Tribos Urbanas.

Esses elementos da cultura nos ajudam a compreender a diferença entre cultura


material e imaterial. Entendido pelo conceito de patrimônio. Você sabia que existe um con-
junto de bens culturais móveis e imóveis no país? Pois bem, é muito importante pensar em
sua conservação, porque se trata de um bem público, que nos auxilia a preservar a história,
a memória de todo país. No sentido arqueológico, etnográfico, bibliográfico, literário, artís-
tico, todo elemento que nos identifique como sendo brasileiros.
No caso da cultura material, existe uma lei que a protege, regulada pelo Decreto
Lei nº 25, de 1937, da Constituição Federal, em seus artigos 215 e 216, e Decreto Lei nº
3.551/2000, que determina quais ações podem ser tomadas em relação à preservação
material, são elas:
● Tombamento: este é considerado o instrumento mais antigo de proteção. Cabe
a ele proibir a destruição de bens culturais tombados. Ou seja, determinando
que esse bem não possa ser demolido e nem alterado. Essa determinação
ocorre depois de um processo administrativo, que pode ser bem demorado.
Após tombado, o patrimônio pode ser inscrito em um dos quatro Livros do
Tombo instituídos pelo Decreto Lei nº 25/1937: Livro do Tombo Arqueológico,
Etnográfico e Paisagístico; Livro do Tombo Histórico; Livro do Tombo das Belas
Artes; e Livro do Tombo das Artes Aplicadas;

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● Valoração do Patrimônio Cultural Ferroviário: responsável pela guarda e
manutenção do espólio da extinta Rede Ferroviária Federal (RFFSA). Bens
ferroviários que não fazem parte do espólio da RFFSA têm sua proteção feita
por meio de tombamento;
● Chancela: instituído pela Portaria Iphan nº 127/2009, reconhece a importância
cultural de certas regiões do território nacional, que representam os processos
que permitem a interação do homem com o meio natural. A chancela é utilizada
para promover a parceria entre o poder público, a sociedade civil e a iniciativa
privada. Tendo como intuito compartilhar a manutenção do território nacional
na preservação da nossa história e da relação entre o homem e o meio natural.

Já em relação à cultura imaterial, a ideia de patrimônio é pensada como as práti-


cas e o domínio dos códigos, sentidos e significados sociais que influem na formação do
indivíduo: normas sociais, religião, costumes, ideologias, ciências, arte, lendas, tradições,
celebrações, rituais.
Vale ressaltar que o patrimônio imaterial não continua existindo, pois é transmitido
por gerações. Sendo repensado e retransmitido constantemente entre os grupos. Essa é
uma maneira de manter viva as tradições dos povos e conservar a história dos ancestrais.
Assim, é possível preservar a história e a identidade.
O conceito de patrimônio imaterial pode ser entendido pelo cuidado e a manuten-
ção de expressões e tradições de um determinado povo por meio do respeito ao passado,
sua vivência no presente e sua continuidade no futuro. Ex.: a festa do bumba meu boi; as
romarias religiosas, a festa de Santo Reis, a festa junina entre outras.

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2 ANTROPOLOGIA DAS RELIGIÕES

Quando falamos sobre cultura, um dos aspectos mais marcantes da representati-


vidade de um povo é, sem dúvida, a religião. As denominações e manifestações religiosas
são características fundamentais da formação de um grupo e da maneira como essas
pessoas observam e atuam no meio em que vivem.
A religião é um fenômeno da nossa sociedade. Ela está presente em diferentes
territórios e das formas mais variadas. Porém, infelizmente, existem pessoas que acreditam
que a manifestação religiosa deva ser representada por apenas um tipo religioso. Isso
promove o que chamamos de fundamentalismo religioso.
Aqueles que proferem um tipo de religião e acreditam que sua fé é a verdadeira,
única e salvadora são capazes de ações de intolerância e desrespeito. O fundamentalismo
não consegue dialogar com outras denominações religiosas, não entendem os diferentes
livros sagrados existentes e nem os rituais. Sem conhecimento, são capazes de matar em
nome da fé. Um fundamentalista acredita ser um escolhido de Deus e em nome disso pode
atuar na sociedade arrebatando aqueles que estão “perdidos”.
Esse tipo de pensamento não permanece apenas na esfera da religião, ele já
permeia ações políticas, educacionais, trabalhistas. Ou seja, está intrinsecamente ligado à
sociedade e, por isso, é preciso muita atenção para que não se estabeleçam relações de
ódio entre as pessoas.

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A antropologia da religião ou antropologias das religiões compreende as manifes-
tações religiosas como um espaço de práticas e crenças promovidas por seres humanos.
Ela desenvolve análises científicas em relação aos fenômenos religiosos que são essen-
cialmente humanos.
Para Gaglianone (2016), os estudos antropológicos focados na religião têm desen-
volvido obras fantásticas para o seu entendimento. Uma dessas investigações exemplifica
o autor está no livro: Imagens e Símbolos, desenvolvido pelo autor Mircea Eliade. A leitura
dessa obra nos ajuda a compreender que os símbolos têm por função transmitir uma men-
sagem, mesmo que a gente não o entenda em um primeiro momento. Parece confuso?
Mas não é. Por exemplo, caso você chegue em qualquer lugar e tenha um crucifixo pendu-
rado na parede, mesmo que você não pertença a nenhuma religião cristã, é possível que
saiba interpretar o que aquele símbolo representa, não é mesmo? Muitas vezes nós nem
prestamos atenção de maneira consciente, apenas percebemos aquela representatividade
tão presente no cotidiano.
Para Eliade (1991), é possível entender que o pensamento simbólico vem antes
mesmo da linguagem falada, do discurso a ser realizado para sua explicação. Sabe por
quê? É que o símbolo tende a revelar certos aspectos da realidade que desafiam qualquer
outro meio de conhecimento. Sendo assim, você deve já ter entendido que as imagens, os
símbolos e os mitos são extremamente poderosos quando são capazes de transportar o ser
humano para o mundo espiritual muito mais amplo.
Nesse sentido, a antropologia da religião tem por fundamento a realização de uma
análise do mundo simbólico da religião. O pensamento mágico é considerado algo fundante
para a crença no mito, no que não se pode ver. Por isso, muitas sociedades antigas, ao
tentarem estabelecer uma relação com seus deuses, tinham por objetivo a crença de que
esses seriam responsáveis por promover uma colheita promissora. Auxiliar na guerra e na
caça. Prever desastres naturais e criar uma relação entre o mundo dos vivos e dos mortos.
Se você parar para pensar, essa ideia ainda se produz na atualidade. É só você
refletir por que as pessoas procuram uma religião. Muitas vezes os ritos são realizados em
forma de agradecimentos e também de pedidos, esperando que sempre o sagrado nos
proteja de todo mal.
Para um importante antropólogo, chamado Marcel Mauss (2013), as relações em
sociedade consistente em trocas simbólicas realizadas a partir de alianças tidas por ele
como dádivas. Segundo esse autor, as relações humanas estão baseadas em dar e rece-
ber, ou seja, estabelecer alianças recíprocas.

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Assim, essa relação não implica apenas em trocas materiais, como também, espiri-
tuais e de almas. Vale ressaltar que essas trocas serão baseadas em cada particularidade
cultural. Por isso, a antropologia da religião é responsável por investigar suas mais variadas
representações, reconhecendo a diversidade entre elas.
O fato é que ao se permitir conhecer a religião de um povo, o antropólogo vai se
dedicar ao estudo de elementos religiosos existentes em culturas variadas. Com o objetivo
de entender o que aquele grupo tende a manifestar na questão do sagrado e do profano.
A dimensão da ideia de sagrado faz com que a antropologia da religião possa
apenas estudar uma parcela de suas representações na sociedade. Trata-se de um campo
vasto de pesquisa e que pode a todo momento se modificar.
Faz-se necessário destacar que os estudos realizados da Antropologia da Religião
se relacionam com manifestações concretas da experiência religiosa, observáveis e aces-
síveis à análise. Ou seja, o objeto de estudo é perceptível pela observação e demanda toda
atenção do olhar do antropólogo.
Para compreender uma determinada manifestação religiosa, esse pesquisador
deverá ser capaz de ver e ouvir aquilo que o nativo, ou seja, o manifestante daquela fé
está lhe contando. Jamais o antropólogo será capaz de traduzir tudo que vivenciar, pois a
representação de uma cultura é específica para aqueles que a proferem.

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3 SINCRETISMO RELIGIOSO NO BRASIL

Com toda certeza você já deve ter caminhado por sua cidade. Se você fez esse
tipo andança, deve ter reparado que a religião está presente em vários momentos. Seja por
meio das inúmeras igrejas existentes ou templos, mesquitas, terreiros e casas de orações.
Quando nos propomos a estudar Antropologia, o que vai nos acontecer é que
nosso olhar, até então bem restrito, vai começar a se desenvolver, no sentido de que é
preciso ver além para poder entender que somos diferentes e isso implica na maneira como
entendemos a fé e suas manifestações.
Como já sabemos, a convivência pacífica entre as culturas diferentes e as religiões
só é possível quando compreendemos que não existe algo nem melhor ou pior, maior
ou menor, superior ou inferior. Afinal, vivemos e proferimos nossas crenças de maneira
diferente e isso precisa ser respeitado.
As manifestações religiosas são um marco na formação humana. Desde sempre
estamos rodeados de símbolos que nos remetem alguma relação entre o eu e o sagrado.
Crucifixos, fitinhas amarradas no braço, livros sagrados, rituais de iniciação e conversão
que fazem sentido para quem os pratica e também aqueles que se propõem a aprender
sobre coisas que desconhecem.
Somente através de muita leitura e estudos somos capazes de não sermos pre-
conceituosos e promover uma sociedade mais harmônica. Capaz de conviver com as
diferenças entre as pessoas, suas crenças e manifestações religiosas.

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Você sabe que vivemos em um país muito misturado, não é mesmo? Aqui se formou
uma cultura que, sobre três grandes influências, forma nossa sociedade brasileira. Como
diz Darcy Ribeiro, em sua obra clássica, O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil
(1995), somos formados da confluência do invasor português, com os índios donos da terra
brasilis e o escravo africano.
Dessa mistura de culturas nasceu uma nova identidade de povo, chamado de
brasileiro. Realmente, ser brasileiro deveria ser identificado como uma raça, pois somos
o emaranhado de muitas nações e culturas. Diante de tantas confluências, você deve ter
percebido que falar de religião não é uma tarefa fácil, pois pensar as manifestações de fé
no Brasil é refletir sobre suas misturas e representações mais variadas.
O sincretismo religioso faz parte do cotidiano de nossas ações. Mas, afinal o que
esse conceito significa? Bom, trata-se de uma espécie de conexão entre diferentes dou-
trinas religiosas capaz de criar algo novo. Sabemos que a palavra sincretismo se traduz
tanto na representação “synkretismós”, que vem do grego, como também “syncrètisme”, de
origem francesa.
Quando falamos sobre sincretismo religioso, estamos refletindo sobre o convívio
entre diferentes religiões, seus costumes, rituais e tradições e sua relação entre diversos
grupos.
Com a convivência, diversos elementos culturais vão sendo absorvidos por culturas
diferentes, se adaptando ao meio, ressignificando suas ações. Mesmo que ocorra uma
fusão cultural entre grupos diversos, vale dizer que a originalidade da doutrina é mantida,
pois isso permite que haja um sincretismo. Afinal, se uma cultura sucumbisse a outra, o que
ocorreria seria o seu desaparecimento.
Um dos exemplos mais pontuais sobre essa forma de junção de culturas diferentes
é o que promoveu a igreja católica aos indígenas brasileiros. Ao catequizar os indígenas na
fé cristã, o catolicismo promoveu em alguns momentos um etnocídio, que significa a morte
da cultura indígena, e em outros momentos a adaptação a crença cristã com elementos
próprios da fé do índio.
Ao reconhecer algumas particularidades da manifestação de fé dos indígenas, os
padres católicos se aproveitavam desses elementos e os associavam à religião católica.
Assim, eles conseguiam fazer com o indígena pudesse ser catequizado por meio das ver-
dades cristãs.
Entretanto, o sincretismo religioso mais promovido no Brasil, sem dúvida, é da reli-
gião católica com as crenças africanas. Você já foi a Salvador, na Bahia? Se não foi, quando

UNIDADE III Antropologia Brasileira e o Sincretismo Religioso 48


puder visitar a primeira capital brasileira, conheça a Igreja do Nosso Senhor do Bonfim. Lá
você poderá perceber o quando as denominações religiosas se misturam. Durante a missa
é possível ver a prática de fé dos iniciantes do candomblé. Assim como, ao se retirar da
igreja, existem várias representantes das religiões afro brasileiras com palavras de fé, aten-
dendo variados turistas. A festa do Senhor do Bonfim é uma representação sincrética que
traduz desde as romarias e rezas católicas pela cidade, como pela lavagem das escadarias
do Bonfim pelas baianas dos terreiros de toda cidade.
Essa experiência me fez entender que somos todos diferentes e que é possível
conviver harmonicamente com inúmeras representatividades sociais. Nas igrejas católicas
tanto em Minas Gerais quanto na Bahia, Santos brancos e negros convivem lado a lado.
Isso porque, para levar os escravos para igreja, o catolicismo promoveu a comparação en-
tre os orixás e os santos. Assim, Santa Bárbara representa Iansã; Iemanjá é representada
por Nossa Senhora dos Navegantes e São Jorge é Ogum.
Se você ainda não entendeu o significa o sincretismo religioso, vou te mostrar como
você mesmo pratica isso. Sabe quando e como? Toda virada de ano, quando você está de
frente ao mar e pula as 7 ondas ou oferece rosas brancas à Iemanjá. Caso você faça ou já
tenha feito algum desses rituais, podemos te considerar um sincretista religioso.
Embora seja possível perceber no cotidiano nossas misturas culturais, para alguns
grupos ainda é muito difícil afirmar suas crenças. Isso ocorre porque, muitas vezes, funda-
mentalistas religiosos interferem de maneira violenta nas manifestações religiosas, tidas
por eles como inferiores ou demoníacas. Esse é o caso das religiões afro brasileiras que
são desconhecidas pela branquitude, ou sistematicamente apagadas na difusão cultura. O
desconhecimento do povo denota uma unidade que não existe, nesse contexto, em minha
visão.

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4 RELIGIÕES AFRO BRASILEIRAS: CANDOMBLÉ E A UMBANDA

A história do Brasil nos mostra o quanto nossa formação é feita da junção de


diferentes povos e culturas. Do invasor português, perpassando pelas incontáveis tribos
indígenas existentes no país e pela escravidão pujante e por séculos que permitiram a
vinda do negro africano. Mesmo diante dessa história, ainda somos incapazes de conviver
com as diferenças, de respeitarmos o outro e entendermos quanta riqueza existe em uma
cultura.
No caso da religião, isso ainda é muito grave, pois impede que as pessoas pro-
fetizem a sua fé da maneira como aprenderam e desejam. Consequentemente, aquele
que não segue um padrão social estabelecido é tratado como um desviante e também
sofre ações racistas, discriminatórias e preconceituosas. Precisamos ressaltar que atitudes
racistas são permeadas pela ideia de desqualificar, desprestigiar aquilo que é significativo
e tem sentido para o outro em relação ao que parece uma verdade absoluta.
Quando uma é proibida de profetizar a sua fé ela sofre racismo, preconceito e
discriminação. Os judeus sofreram racismo, pois a perseguição que sofreram se justificava
pela maneira como profetizavam sua fé e conduziam seu jeito de entender a vida. Os
ciganos também sofrem racismo pelas razões semelhantes, ou seja, por estarem fora de
um padrão determinado como único.
Mas, sem dúvida, a manifestação mais racista que podemos acompanhar em rela-
ção às religiões no cotidiano brasileiro se relaciona às manifestações de matrizes africanas.

UNIDADE III Antropologia Brasileira e o Sincretismo Religioso 50


Afinal, o que você sabe sobre a Umbanda e o Candomblé? Elas te causam aversão? Mas
se você não conhece nada sobre elas, por que as desqualifica?
Bom, o nosso desafio nessa parte final da unidade é, justamente, desmistificar o
que você não conhece e promover um aprendizado, de fato, sobre as características do
Candomblé e da Umbanda.

4.1 Candomblé
A primeira coisa que você precisa saber sobre o candomblé é que ele não se trata
de um único culto religioso, mas sim de uma série de cultos que se parecem muito com
outras denominações religiosas. Assim, existem variados templos e vertentes dele que são
conhecidas como nações: efã, ijexá, nagô e mina-nagô, ela pertence ao tronco conhecido
como iorubá, com origens africanas localizadas em partes da Nigéria e do Benim. Existem
ainda candomblés de nações angola e jeje, entre outras menos conhecidas.
Você sabia que o nome candomblé está associado, de maneira histórica, aos
cultos da Bahia? Entretanto, outras religiões semelhantes recebem outras denominações
regionais, como xangô, em Pernambuco, tambor de mina, no Maranhão, e batuque, no
Rio Grande do Sul. Segundo o site do Museu Afro Brasileiro (2020), é possível entender
o termo candomblé simplesmente por representar um conjunto de cultos com o nome de
religião dos orixás, deixando de lado as diferenças entre eles.
Segundo os pesquisadores sobre religiões africanas e Orixás, existem mais de
400 divindades. Entretanto, no Brasil, o panteão de Orixás mais cultuados é composto por
cerca de 20 divindades. Sabemos que não são apenas esses, por isso a importância de não
generalizar, só demonstrar que esses são os mais conhecidos. Os mais conhecidos são:
Ogum, Oxumarê, Oxóssi, Iemanjá, Iansã ou Oyá, entre outros.
Características: os participantes de cada terreiro se dividem em uma hierarquia
organizada de acordo com o grau de proximidade do fiel com as divindades. Segundo o
candomblé, toda pessoa tem seu espírito ligado a um orixá específico – ou a um conjunto
de orixás, em alguns casos. Atribui-se ao indivíduo características de personalidade condi-
zentes com seu orixá patrono. Essa ligação pode ser estreitada por meio de uma complexa
série de rituais de iniciação, os mais simples dos quais são a lavagem do colar de contas e
o bori, cerimônia destinada a fortalecer o espírito do fiel e prepará-lo para o contato direto
com o orixá. Esses estágios iniciais podem ou não se desdobrar na iniciação completa, por
meio da qual o fiel, então chamado iaô ou filho-de-santo, torna-se um veículo de seu orixá
na terra.

UNIDADE III Antropologia Brasileira e o Sincretismo Religioso 51


Durante as cerimônias e festas públicas do candomblé, os filhos-de-santo são
possuídos pelos seus orixás: neste importante momento do transe divino, o iniciado entra
em uma espécie de estado de inconsciência enquanto o orixá «baixa» e toma o controle de
seu corpo para dançar e encenar cenas míticas. Um filho-de-santo que tenha se iniciado há
sete anos pode ganhar o título de ebômi e, então, ocupar diversos cargos especializados
no terreiro, culminando nos títulos de babalorixá (“pai-de-santo”) ou ialorixá (“mãe-de-san-
to”), autoridades espirituais máximas de cada templo. Em cada um desses estágios, o
fiel fortalece sua força espiritual – o axé – e seus laços com o orixá, entrando em contato
com saberes rituais e mitológicos cada vez mais restritos. Contudo, também se sujeita a
restrições e tabus progressivamente maiores.
Além dos iniciados propriamente ditos, todo terreiro possui um número de fiéis
que não completaram sua iniciação (alguns dos quais jamais chegam a completá-la) e que
não são possuídos pelos orixás. Trata-se dos ogãs e das equedes, que executam tarefas
fundamentais do rito, como tocar os tambores ou paramentar e auxiliar os filhos-de-santo
enquanto estes se encontram no transe divino (MUSEU AFROBRASIL, 2020.)
Vale ressaltar que o Candomblé também é uma religião brasileira, construída numa
amálgama afro-ameríndia, em condições culturais e geográficas particulares do país. Não
existe Candomblé na África. O que existia na África mítica, e ainda existe em alguma me-
dida, eram cultos a diferentes orixás, em diferentes regiões, organizados sobre o sistema
de linhagem.
Sobre as diferenças de umbanda e candomblé: a estrutura litúrgica, a feitura, o tran-
se, são elementos consideravelmente diferentes nas duas religiões. Muita gente acredita
que o Candomblé e a Umbanda são manifestações religiosas iguais. Porém, há um detalhe
que já as diferencia totalmente. Você sabia que a Umbanda é uma religião, exclusivamente,
brasileira? Pois é, a nossa única religião desenvolvida por um brasileiro é essa. Vamos
conhecer, então, suas características?

4.2 Umbanda

Essa é uma palavra derivada do dialeto quimbundo e tem por significado “curan-
deirismo ou arte da cura”. Como já adiantei para você, ela é uma religião criada no Brasil,
em 1908, por Zélio Fernandino de Moraes, que passou a incorporar um espírito chamado
Caboclo das Sete Encruzilhadas. A partir daí ele começou a dar instruções de cura, dando
início à Umbanda. Trata-se de uma religião com a cara brasileira, misturando elementos

UNIDADE III Antropologia Brasileira e o Sincretismo Religioso 52


dos cultos africanos com santos católicos e tradições indígenas, além do espiritismo karde-
cista. É importante ressaltar que essa é uma das possibilidades de pensar as origens dessa
religião.
As pessoas que proferem a religião Umbanda tem como crença a existência de um
deus soberano chamado Olorum. Acreditam, ainda, na imortalidade da alma, na reencar-
nação e no carma. E fazem reverência a entidades tidas como espíritos capazes de guiar
os indivíduos.
Quanto aos rituais, estes são realizados por meio de batuques acompanhados de
cânticos sagrados em língua portuguesa. Os médiuns são aqueles que incorporam en-
tidades são responsáveis por curar, aconselhar, avaliar e propor mudanças na vida das
pessoas.
Assim como acontece com os Orixás, que se assemelham aos homens e mulheres,
na Umbanda, os espíritos ou entidades, também possuem hábitos mundanos. Podem fumar
muitos charutos, cigarros comuns ou de fumo e usarem álcool durante a incorporação e os
trabalhos realizados nos terreiros.
Por fim, as cerimônias realizadas são chamadas de sessão, gira ou banda. São
presididas por uma dirigente espiritual, identificadas como mãe de santo e pai de santo.
Devemos ressaltar que essa religião tem como um dos marcos sincréticos do cris-
tianismo a prática da caridade.

UNIDADE III Antropologia Brasileira e o Sincretismo Religioso 53


SAIBA MAIS

Você sabia que o candomblé começou a surgir no Brasil entre os séculos XVI e XIX, com
a chegada de escravos da África ocidental?
Apesar de a descoberta do país ter sido pelos portugueses, e por terem implementado a
religião cristã, os escravos conseguiram, de alguma forma, também manter a sua práti-
ca, mas com nem metade dos orixás que são venerados na África. Enquanto em terras
brasileiras são cultuados de 15 a 20, existem mais de 200 conhecidos pela África.

Fonte: We Mystic (2020).

REFLITA

“No começo dos tempos, Olodumare criou os homens [...]


Orunmilá, também chamado Obá Jeunjeum,
ou “Rei-que-Come-Alimento”, na língua dos orixás,
ofereceu-se para levar os homens ao mundo e cuidar deles lá,
com o que Olodumare concordou plenamente.
Previdente, Orunmilá consultou o babalaô,
que o mandou oferecer sacrifícios antes de partir.
Ele deveria preparar sementes de legumes e tubérculos.
O ebó foi feito.
Do Orun, Orunmilá despejou essas ofertas na Terra.
Caindo no solo, as sementes germinaram, os tubérculos brotaram.
As plantas cresceram, dando folhas, frutos e sementes,
e foi com essa abundância que Orunmilá alimentou os homens.
Os serem humanos reproduziram-se e se espalharam pela Terra toda”.

Reginaldo Prandi, Mitologia dos Orixás


Fonte: Museu AfroBrasil (2020).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Acredito que você tenha aprendido muitas coisas novas com essa unidade, não é
mesmo? Bom, se isso ocorreu significa que você já abriu um pouco mais seu olhar sobre
a sociedade e entendido que somos seres humanos diferentes e, consequentemente, com
culturas diversas.
Nossas discussões começaram a partir dos conceitos de cultura material e imate-
rial. Vimos que uma cultura possui vários elementos que a formam e para poder preservá-la
até os dispositivos legais são utilizados. Assim, aprendemos sobre traços, área, complexo,
padrões culturais e também sobre patrimônio material e imaterial como parte fundamental
para a preservação de um povo e suas especificidades.
Para estudar as características da religião você foi apresentado a Antropologia da
Religião e há alguns importantes autores que nos auxiliaram a entender a importância das
representações simbólicas e da noção de dádiva.
Depois descobrimos o que determina que sejamos um país onde existe um forte
sincretismo religioso. Esse conceito revelou que, por conta da nossa formação, advinda do
invasor português, do indígena brasileiro e dos escravos africanos, nossas manifestações
religiosas são repletas de simbologias que foram sendo adaptadas para que todos pudes-
sem conviver com harmonia.
Por fim, aprendemos sobre as diferenças entre Candomblé e Umbanda. Enten-
demos que são religiões de matrizes africanas e que fazem parte do nosso cotidiano. No
caso do Candomblé, vimos que ele faz parte, hoje, de vários lugares no Brasil e aqui temos
20 Orixás como referência. Como já tínhamos ressaltado, muitas dessas entidades foram
personificadas nas imagens de santos católicos.
Em relação à Umbanda podemos compreender que se trata da única religião de
fato desenvolvida em solo brasileiro. Repleta de referências de várias outras religiões, ela
se caracteriza por todo esse sincretismo religioso, como também pelos atos de caridade
que pratica.
Espero que você tenha gostado das novas descobertas e, assim, possa se tornar
um educador capaz de respeitar as diferenças e não reproduzir ações discriminatórias e
preconceituosas.

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LEITURA COMPLEMENTAR

Leia a notícia abaixo e reflita sobre a importância da Tolerância Religiosa

Menina vítima de intolerância religiosa diz que vai ser difícil esquecer pedrada
Criança é do candomblé e foi agredida na saída do culto.

Avó iniciou campanha na internet e recebeu apoio de amigos.

A marca da violência está na cabeça da menina de 11 anos que foi agredida no Su-
búrbio do Rio por intolerância religiosa, mas esta não é a maior cicatriz. “Achei que ia mor-
rer. Eu sei que vai ser difícil. Toda vez que eu fecho o olho eu vejo tudo de novo. Isso vai ser
difícil de tirar da memória”, afirmou Kailane Campos, que é candomblecista e foi apedrejada
na saída de um culto. Ela deu a declaração em entrevista ao RJTV desta terça-feira (16).
A garota foi agredida no último domingo (14) e, segundo a avó, que é mãe de santo,
todos estavam vestidos de branco, porque tinham acabado de sair do culto. Eles caminha-
vam para casa, na Vila da Penha, quando dois homens começaram a insultar o grupo. Um
deles jogou uma pedra, que bateu num poste e depois atingiu a menina.
“O que chamou a atenção foi que eles começaram a levantar a Bíblia e a chamar
todo mundo de ‘diabo’, ‘vai para o inferno’, ‘Jesus está voltando’”, afirmou a avó da menina,
Káthia Marinho.
Na delegacia, o caso foi registrado como preconceito de raça, cor, etnia ou religião e
também como lesão corporal, provocada por pedrada. Os agressores fugiram num ônibus
que passava pela Avenida Meriti, no mesmo bairro. A polícia, agora, busca imagens das
câmeras de segurança do veículo para tentar identificar os dois homens.
A avó da criança lançou uma campanha na internet e tirou fotos segurando um car-
taz com as frases: “Eu visto branco, branco da paz. Sou do candomblé, e você?”. A campa-
nha recebeu o apoio de amigos e pessoas que defendem a liberdade religiosa. Uma delas
escreveu: “Mãe Kátia, estamos juntos nessa”.
Iniciada no candomblé há mais de 30 anos, a avó da garota diz que nunca havia
passado por uma situação como essa.

Fonte: G1. Menina vítima de intolerância religiosa diz que vai ser difícil esquecer pedrada. 2015. Dis-
ponível em:
http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2015/06/menina-vitima-de-intolerancia-religiosa-diz-que-vai-ser-difi-
cil-esquecer-pedrada.html. Acesso em: 25 ago. 2020.

UNIDADE III Antropologia Brasileira e o Sincretismo Religioso 56


MATERIAL COMPLEMENTAR

LIVRO
• Título: Mitologia dos Orixás.
• Autor: Reginaldo Prandi
• Editora: Companhia das Letras
• Sinopse: Mitologia dos orixás, do sociólogo Reginaldo Prandi, é a
mais completa coleção de mitos da religião dos orixás já reunida em
todo o mundo. São 301 relatos mitológicos, histórias que contam,
por meio de imagens concretas e não de ideias abstratas, como
são, o que fazem, o que querem e o que prometem os deuses
desse riquíssimo panteão africano que sobreviveu e prosperou em
países da América – em particular no Brasil e em Cuba – e que
nos últimos anos tem sido exportado para a Europa. Na sociedade
tradicional dos iorubás, é pelo mito que se alcança o passado, se
interpreta o presente e se prediz o futuro. Cada mito, portanto, é
uma surpresa sempre renovada, um segredo revelado que jamais
se deixa desvendar completamente. Ao narrar episódios em que se
envolveram deuses como Exu, Ogum, Iemanjá e Iansã, Mitologia
dos orixás chama a nossa atenção para sentidos vitais profundos
e nos aproxima do vasto patrimônio cultural dos negros iorubás
ou nagôs. O livro é ricamente ilustrado, com fotos coloridas de
todos os orixás que se manifestam em cerimônias do candomblé
no Brasil e ilustrações do artista plástico Pedro Rafael.

FILME/VÍDEO
• Título: Besouro
• Ano: 2009
• Sinopse: No começo do século XX, apesar da escravidão já ter
acabado no Brasil há muitos anos, os negros ainda eram oprimidos
pelos brancos. Enquanto isso, no Recôncavo Baiano, o menino
Manoel Henrique aproveita sua infância para aprender uma tra-
dição afro-brasileira proibida na época, a capoeira. Junto com os
amigos Quero-Quero e Dinorá, o garoto toma aulas com o Mestre
Alípio, considerado o líder comunitário dos negros da região. Vinte
anos depois, Manoel já é conhecido por todos como Besouro, um
dos maiores capoeiristas da região. Assim como a maior parte dos
negros, ele trabalha nas fazendas de cana do Coronel Venâncio,
mas é o único que não se sente intimidado pelos poderosos. Certo
dia, quando Besouro se distrai, Mestre Alípio é assassinado, como
forma de diminuir a voz dos negros. Se sentindo culpado e tendo
a missão de dar continuidade ao trabalho de seu mestre, o aluno
se isola para aperfeiçoar suas técnicas. Depois de ser abençoado
pelos orixás, Besouro fica com o corpo fechado e aos poucos volta
para lutar pelos direitos dos negros. Desafiando as autoridades,
o capoeirista ainda se mantém a distância, o que faz sua fama
crescer ainda mais. Em pouco tempo, todos comentam os seus
feitos, e se começa a falar que ele tem poderes especiais e até
mesmo pode voar. A presença de Besouro faz com que os negros
se sintam mais confiantes para lutar pela liberdade e, com isto, os
poderosos tentam de tudo para matar seu adversário. Baseado
na história real de Manoel Henrique Pereira, Besouro é o primeiro
trabalho como cineasta do publicitário João Daniel Tikhomiroff.

• Link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=NhrSIxqDSEw

UNIDADE III Antropologia Brasileira e o Sincretismo Religioso 57


UNIDADE IV
Por uma Pedagogia Antirracista
Professora Mestra Renata Oliveira dos Santos

Plano de Estudo:
● Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa, por Paulo
Freire.
● Lugar de Fala, por Djamila Ribeiro.
● O que é empoderamento? Por Joice Berth
● Educar para uma sociedade Antirracista.

Objetivos de Aprendizagem:
● Refletir sobre uma prática pedagógica docente que seja libertadora, humanizada e
conscientizadora.
● Compreender o que significa o conceito de Lugar de fala.
● Entender a importância do empoderamento social, econômico, político e cultural dos
grupos minoritários.
● Pensar como desenvolver uma ação Antirracista que se construa e se perpetue dentro
e fora do ambiente escolar.

58
INTRODUÇÃO

Chegamos à Unidade IV com aquela sensação de que o caminho do aprendizado


nos reserva muitas surpresas e que todo novo conhecimento precisa ser absorvido como
elementos fundamentais para a nossa prática em sala de aula.
Prática essa que precisa ser desenvolvida de maneira pedagógica, com sentido
e significado que seja capaz de promover um aprendizado cada vez mais relacionado à
realidade vivenciada, tanto por professores quanto por alunos.
Assim, iremos refletir sobre os saberes necessários para a prática docente, a partir
da chamada Pedagogia da Autonomia, defendida pelo grande educador Paulo Freire. Com
o propósito de entendermos que uma ação docente precisa ser libertadora, conscientizado-
ra e capaz de promover educadores e educandos mais humanizados, que saibam conviver
com as diferenças, sendo incapazes de promover atitudes de intolerância, racistas, precon-
ceituosas e discriminatórias.
Vamos nos debruçar sobre o conceito de Lugar de fala tão divulgado hoje na mídia
e que muitas vezes é confundido como sendo aquele que só quem vive uma determinada
situação pode se pronunciar sobre. Será que o conceito significa isso mesmo?
A partir da ideia de lugar de fala, iremos aprender sobre outro importante conceito,
o de empoderamento. Este deve ocorrer de maneira pessoal e também coletiva. O que
implicará em mudanças, tanto no indivíduo quanto na sociedade. Percebemos que na
atualidade, por exemplo, os crimes contra as mulheres se perpetuam, porque elas, muitas
vezes, são dependentes de seus agressores e se sentem incapazes de modificar a realida-
de. Assim, vamos refletir sobre como a cultura pode auxiliar no empoderamento de todos.
Por fim, vamos entender um pouco sobre um movimento social que tem crescido
muito em nossa cultura para que sejamos pessoas Antirracistas. Isso tem como significado
uma mudança radical em nossa cultura e implica em aprendermos que nada é natural ou
normal e que atos racistas não podem ser entendidos como brincadeiras, pois não são.
Eles são, sim, crimes previstos nas leis brasileiras

UNIDADE IV Por uma Pedagogia Antirracista 59


1 PEDAGOGIA DA AUTONOMIA: SABERES NECESSÁRIOS À PRÁTICA EDUCATIVA,
POR PAULO FREIRE

Você já deve ter ouvido falar do grande educador brasileiro Paulo Freire, não é
mesmo? Ele é uma referência em vários países e universidades do mundo todo. É tão
importante que se tornou tema de um curso em uma das maiores universidades do Estados
Unidos.
Como educador, Paulo Freire defendia uma prática pedagógica que pudesse liber-
tar as pessoas, a partir da problematização e da palavra geradora. Consciente do grande
número de analfabetos em nossa sociedade, Freire criou uma pedagogia capaz de educar
com o aluno e não apenas para ele. Assim, seria possível conhecer as demandas reais para
o seu ensino-aprendizagem.
Diante de uma sociedade totalmente desigual, esse educador acreditava que a
educação deveria ser libertadora e não bancária. O conceito de educação bancária remete
a ideia de que os professores seriam os detentores do saber e poderiam fazer depósitos
de conhecimento nos alunos que jamais o questionariam, mantendo-o como o detentor
absoluto do saber.
Para Freire essa era uma ideia absurda e que deveria ser abandonada pelos
professores e professoras, que deveriam promover uma prática educativa transformadora.
Uma pedagogia que fosse fundada na ética, no respeito à dignidade, à diversidade e na
própria autonomia do educando.

UNIDADE IV Por uma Pedagogia Antirracista 60


Dessa maneira, a relação entre professor e aluno deveria ser feita por meio da
amorosidade, capaz de despertar curiosidade, aberta ao diálogo e ao conhecimento das
realidades vivenciadas. É preciso entender que ninguém se educa sozinho, ninguém educa
o outro, os homens se educam entre si por meio de sua relação com o mundo.
Por essa razão é que, desde o início, temos afirmado que ninguém nasce racista,
preconceituoso ou discriminatório. Todos passamos por processos educativos e sociais que
vão nos moldando em relação à sociedade. Assim, apreender que culturas são diferentes
tende a promover nosso olhar mais propenso a entender o horizonte. Podemos ser condi-
cionados, porém não determinados.
Para Paulo Freire (2017), a prática docente deve compreender a dimensão social
capaz de gerar uma formação humana. É importante que o professor se entenda como um
eterno aprendiz. Por isso, precisa entender que o ato de ensinar exige:
● Segurança, competência profissional e generosidade: o professor deve
estudar sempre, ser respeitoso em suas ações e transformar-se em uma au-
toridade que acolhe que faça com que seus alunos possam desenvolver sua
autonomia e pensar por si mesmo. “Me movo como educador porque, primeiro,
me movo como gente” (FREIRE, 2017, p. 92).
● Comprometimento: o professor não pode passar despercebido por seus alunos.
Ele deve agir conforme fala e vice-versa, entendendo que o espaço pedagógico
é um texto a ser lido e interpretado por todos ali envolvidos. “Devo revelar aos
alunos a minha capacidade de analisar, de comparar, de avaliar, de decidir, de
optar e de romper. Minha capacidade de fazer justiça, de não falhar à verdade,
ético, por isso mesmo, tem que ser meu testemunho” (FREIRE, 2017, p. 96).
● Compreender que a educação é uma forma de intervenção no mundo: ser
um professor que seja a favor da decência, da liberdade, da autoridade respei-
tosa, da democracia, da luta constante contra qualquer tipo de discriminação e
dominação econômica. A favor da esperança.
● Liberdade e Autoridade: assegurar o respeito para o exercício de qualquer
uma dessas ações. Não é ser autoritário e nem tornar a liberdade um ato de
indisciplina, é saber o equilíbrio delas, promovendo um ambiente que, embora
cheio de tensão, como é a sala de aula, possa ser harmonioso.
● Tomada consciente de decisões: entender que a educação é política e é
preciso lutar por ela e para que seja transformada. Lutar incansavelmente pelo
respeito ao trabalho e atuação do professor em qualquer contexto. “A profes-

UNIDADE IV Por uma Pedagogia Antirracista 61


sora democrática, coerente, competente, que testemunha seu gosto de vida,
sua esperança no mundo melhor, que atesta sua capacidade de luta, de seu
respeito às diferenças, sabe cada vez mais o valor que tem para a modificação
da realidade, a maneira consistente com que vive sua presença no mundo,
de que sua experiência na escola é apenas um momento, mas um momento
importante que precisa ser autenticamente vivo” (FREIRE, 2017, p. 110).
● Saber escutar: talvez seja esse o maior desafio de um educador. Fazer do seu
discurso silencioso e aprender com o educando. Ao invés de falar para, trans-
formar em o falar com. Assim, ensinar não é transferir conhecimento, mas sim
instigar novos conhecimentos. “[...] o bom escutador fala e diz de sua posição
com desenvoltura. Precisamente porque escuta, sua fala discordante, sendo
afirmativa, porque escuta jamais é autoritária” (FREIRE, 2017, p. 117).
● Reconhecer que a educação é ideológica: é preciso conhecer a realidade e
tirar as vendas que cobrem a compreensão do meio em que se vive. Quando não
humanizada, a educação pode ser domesticadora e alienante. Ela pode causar
mal-estar quando se torna questionadora, denuncia as injustiças, cobra ações
concretas de mudanças sociais e propõe a convivência entre as diferenças.
Devemos reafirmar que somos condicionados pelo meio, entretanto, podemos
nos rebelar contra ele e promover uma nova relação de conhecimento.
● Disponibilidade para o diálogo: se escutar é um passo importante, saber
dialogar é também fundamental para relação entre professor e aluno. A relação
dialógica se constrói por meio da inquietação e da curiosidade e da noção de que
somos seres humanos inconclusos. Quando o professor se dispõe ao diálogo
abre caminho para o conhecimento além das teorias, mas para a participação
na vivência de seus alunos, no conhecimento de suas realidades. O despertar
da consciência crítica auxilia na formação dos alunos que poderão questionar e
transformar o meio que estão inseridos.
● Querer bem aos educandos: se reconhecer como professor é se perceber
como gente que gosta de todo tipo de gente. Assim, uma de suas funções é
querer bem aos seus alunos, a partir de atitudes amorosas que possam definir
a relação existente. Deve se ter alegria e desempenhar a função de ensinar e
aprender com boniteza.

UNIDADE IV Por uma Pedagogia Antirracista 62


A partir dessas exigências, Freire (2017) afirma que a prática educativa não pode ser
entendida como uma experiência fria e sem alma. Não devemos reprimir nossas emoções,
sentimentos, desejos e sonhos. Precisamos lembrar sempre que somos humanos capazes
de ensinar e aprender o tempo todo como outros seres humanos. Isso não significa que a
maneira como devemos estar em sala de aula não demande rigor e disciplina intelectual.
Pelo contrário, é quando entendemos que a educação se realizada na teoria e na prática é
que compreendemos que ela é feita de gente com gente.

UNIDADE IV Por uma Pedagogia Antirracista 63


2 LUGAR DE FALA, POR DJAMILA RIBEIRO

Você já deve ter percebido que nos últimos anos tem-se acirrado a luta contra
vários tipos de preconceitos, não é mesmo? Casos de racismo, homofobia, machismo e
sexismo são constantes em nossa sociedade. Para alguns, isso é normal e são considera-
das práticas sociais aceitáveis. Mas, nada é normal ou natural.
Os comportamentos sociais são muito influenciados pela cultura. A expressão “na
minha época não era assim”, permite compreender exatamente como as pessoas desejam
manter o mundo. Para uma minoria, a sociedade é pensada por meio de inúmeros privilé-
gios, que são realmente para poucos.
Quais são os privilégios que você possui? É homem? Branco? Heterossexual?
Cristão? Mulher? Branca? Heterossexual? Ou você acha que nada disso influi em seu
dia a dia? Pois bem, quando somos privilegiados, dificilmente queremos pensar sobre o
outro. Essa é a razão para que muitas lutas e reivindicações sejam chamadas de “mimimi”.
Expressão usadas por aqueles que não conseguem admitir que nossa sociedade é desi-
gual ou que, de alguma maneira, sente que seus privilégios serão retirados, divididos e
repartidos com o outro, que lhes parece tão inferior.
Vivemos em uma sociedade desigual. Em que a relação entre eu e outro se esta-
belece das mais diferentes formas. Assim, as diferenças culturais e sociais estão sempre
nos permitindo entender como o próprio meio social se constrói, determinando quem tem
ou não direitos ou deveres.

UNIDADE IV Por uma Pedagogia Antirracista 64


As minorias sociais fazem parte da sociedade em que vivemos. Você faz parte de
alguma delas? Por exemplo, se é mulher, sim, você está inserida em uma minoria social.
Vale ressaltar que uma minoria não pode ser entendida pelo número de participantes, mas
por sua vulnerabilidade jurídica e social. Ou seja, pelas lutas empreendidas em nome da
igualdade e da equidade social.
Não somos iguais. Essa afirmativa precisa estar entendida em nossa vivência so-
cial. Homens e mulheres são diferentes entre si, não apenas biologicamente, como também
socialmente. Neste sentido, mulheres não podem usar determinado tipo de roupa, estar
desacompanhada até certa hora na rua, devem se comportar como a sociedade determina
e ainda são as maiores vítimas de assédio, violência doméstica e de estupro em todo
país. A violência contra a mulher é tão expressiva que, no Brasil, temos duas leis para sua
proteção. A lei Maria da Penha, Lei nº 11.340/06, e a Lei do Feminicídio, nº 13.104/15.
Mesmo asseguradas por lei, muitas mulheres ainda continuam sofrendo abusos e inúmeras
violências. Sabe por que isso acontece? Simplesmente por serem mulheres.
Vale ressaltar que a violência contra a mulher não ocorre de maneira igual para
todas em nossa sociedade. Mulheres pretas terão muito mais chance de serem agredidas,
violentadas e mortas em nossa sociedade. Por essa razão, a filósofa Djamila Ribeiro (2017),
ao refletir sobre lugar de fala, pensa o conceito a partir das mulheres pretas. Quando ouvi-
das, essas mulheres possuem muitas coisas em comum, ou seja, fazem parte de um lugar
social que as impede de acessar certos espaços sociais.
Isso exemplifica, por exemplo, porque vemos apenas poucas mulheres pretas
ocupando lugares de destaques em nossa sociedade, nas áreas mais diversas. Embora
façamos parte de um dos países que mais escravizou pessoas pretas, na realidade, pre-
cisamos nos questionar por que o contingente delas, em cargos de chefia não é grande?
Nossas estruturas sociais possibilitam essas diferenças.
Por isso, o conceito de lugar de fala é importante. Pois ele permite que a minoria
social possa se fazer existir pelo poder da fala. Não é apenas uma questão de emitir as
palavras, mas sim de dar significado e sentido quando a própria sociedade o impede de
falar. Assim a perspectiva individual é pensada por meio do lugar social que se ocupa e
como isso interfere na projeção no meio.
O subalterno não pode falar. Muitas vezes é negada, àqueles que fazem parte de
minorias, sua própria existência. Ele se torna uma “coisa” sem expressão e direitos. Sendo
assim, Ribeiro (2017, p. 76) nos apresenta algumas perguntas importantes, feitas pela

UNIDADE IV Por uma Pedagogia Antirracista 65


autora Kilomba, ela “Questiona: Quem pode falar?, ‘O que acontece quando nós falamos?’
E ‘Sobre o que é nos permitido falar?’”
Muitas pessoas têm traduzido o conceito de lugar de fala de maneira restritiva. Para
aqueles que não entenderam, de fato, o que significa, traduz-se como sendo o espaço de-
terminado de pessoas determinadas. Como assim? Isso significa que apenas as minorias
sociais, seja ela preta, mulher, homossexual, podem falar de si. Entretanto, essa interpreta-
ção é errônea. Podemos dialogar sobre diferentes assuntos e percepções sociais, todavia,
é preciso respeitar o lugar de fala de cada um e saber que o fato de não habitarmos o lugar
social ocupado nos limita na percepção exata daquele que vivencia toda a experiência de
preconceitos e discriminação por ser considerado um outsider.
É importante que tenhamos consciência das diferenças sociais e culturais que
fazem parte da nossa sociedade, pois permite que nossa consciência crítica seja desen-
volvida para a formação de um meio social cada vez mais igualitário. Ouvir a fala do outro
é essencial para o respeito mútuo. Quando consideramos que uma dor alheia é “mimimi” o
que negamos é repensar nossos privilégios e entender o quanto somos tratados diferente
quando fugimos da norma estabelecida por outros homens e mulheres.
O “mimimi” significa, na verdade, a nossa falta de compreensão fora da realidade
vivenciada apenas por nós mesmo. Não perceber o outro é manter intacta nossa não capa-
cidade de refletir sobre a diversidade. E pior, impedindo que todos possamos ter garantido
nosso direito de estar e atuar na sociedade. Transformando-a continuamente em nome da
diversidade.

UNIDADE IV Por uma Pedagogia Antirracista 66


3 O QUE É EMPODERAMENTO? POR JOICE BERTH

Diante de uma sociedade tão diversa e com muitos casos de preconceito e discrimi-
nação, faz-se necessário aprender que ser fora do que é chamado de padrão por um grupo
social, não é nenhum problema. O problema maior é impedir que as pessoas possam viver,
pensar, agir e se comportar da maneira como acharem pertinente. Sem interferir na ação
do outro, com respeito e tendo assegurados seus direitos e deveres.
O conceito lugar de fala que vimos anteriormente tem sido muito usado para dar
voz aqueles que sempre estiveram na margem social, seja pela sua raça, crença religiosa,
orientação sexual ou gênero. Poder falar e ser ouvido é também um ato de existir.
Outra ideia que tem sido muito difundida também é a de empoderamento. Você
saberia me dizer o que isso significa? Para Joice Berth (2018, p. 14), “o empoderamento é
um instrumento de emancipação política e social” que não propõe criar relações que sejam
paternalistas ou assistencialistas e nem muito menos tratar todas as pessoas da mesma
maneira, sem respeitar suas diferenças.
Dar poder é permitir com que cada indivíduo, por meio de uma consciência co-
letiva, possa se afirmar como queira, por meio da autoafirmação, autorreconhecimento,
autovalorização e autoconhecimento de si mesmo, que o ajude a conhecer a sua própria
história, entendendo sua condição social e política. Promovendo uma autoaceitação de
suas características tanto estéticas quanto culturais.

UNIDADE IV Por uma Pedagogia Antirracista 67


Podendo ser quem quiser ser, as pessoas percebem que, muitas vezes, a própria
sociedade as impede de profetizar a sua fé, no caso das religiões de matriz africanas, a se
sentir bonita, quando tem sua cor de pele ou cabelo tidos como ruins e imperfeitos, e a se
relacionar amorosamente com quem desejar. Neste sentido, ao se empoderar, você pode
lutar contra toda ação opressora que impede de se manifestar e viver como acredita ser
melhor para si.
Empoderar é romper com ações tidas como normais em sociedade e que privile-
giam apenas uma parcela. É subverter e reconstruir as bases sociopolíticas para mudar
a sociedade. É quando o outsider se percebe e, ao se reconhecer, deseja transformar o
meio para que ele possa viver livremente. Para isso, é preciso estar atento à realidade
vivenciada.
Muitas pessoas que são oprimidas não conseguem perceber que são, pois não
entendem que suas questões socioeconômicas, políticas, culturais e históricas interferem
na forma como ela existe. Assim, por exemplo, ser negro, homossexual, mulher demanda
compreender como a própria sociedade os aceita e o quanto ela oprime.
Dessa maneira, o empoderamento refere-se ao desenvolvimento da compreensão
de grupos e indivíduos para agirem em nome do seu bem estar e no direito de participar ati-
vamente da sociedade, modificando a realidade desigual e opressora de que fazem parte.
Sendo capazes de possibilitar a liberdade de todos, ao transformar o mundo ao redor não
apenas para si, como também para o coletivo.
Paulo Freire é um defensor desse tipo de ação, que pode ser incentivada a partir de
uma educação libertadora e conscientizadora. Para isso, os homens e mulheres precisam
compreender e contar sobre suas trajetórias, entendendo o lugar que ocupam na sociedade
que possa gerar mudanças.
Na teoria, o empoderamento pode ser entendido por meio do trabalho social, que
recupera a capacidade de consciência crítica e valoriza as potencialidades de cada indi-
víduo. Este, ao se reconhecer como vítima de um sistema opressor, busca caminhos para
promover a igualdade e equidade social, lutando por si e pelo outro.
Por essa razão é que, ao longo de toda essa disciplina, você tem sido incentivado(a)
a pensar no Outro, de maneira que o respeito às diferenças faça parte do cotidiano. Afinal,
ninguém é melhor do que ninguém, não é mesmo?
Ainda na obra O que é empoderamento?, de Joice Berth (2018), no caso do empo-
deramento feminino, ele deve ser pensado em quatro dimensões:

UNIDADE IV Por uma Pedagogia Antirracista 68


● Cognitiva - em que a mulher pode desenvolver uma visão crítica sobre a socie-
dade ou meio em que vive;
● Psicológica - a construção de um sentimento de autoestima que tende a prote-
gê-la de qualquer ação contra sua própria pessoa;
● Política - o desenvolvimento de uma consciência crítica sobre as desigualda-
des sociais e de poder que possa despertar a capacidade de organização e
mobilização da sociedade.
● Econômica - a capacidade de gerar renda individualmente.

Você consegue imaginar por que essas dimensões são importantes para as mulhe-
res? É que, infelizmente, vivemos em um país em que o índice de crimes e violências contra
mulheres ainda é muito grande. E o mais assustador é que eles ocorrem, muitas vezes,
dentro de casa, o que dificulta a independência feminina. Por isso, uma mulher empoderada
é aquela que pode se proteger desses abusos e se manter na sociedade com voz ativa.

UNIDADE IV Por uma Pedagogia Antirracista 69


4 EDUCAR PARA UMA SOCIEDADE ANTIRRACISTA

Você já deve ter reparado que essa disciplina é marcada pela ideia do respeito e
da mudança de atitude. A coisa mais difícil para mudar em uma sociedade é, justamente,
a cultura. E sabe por que isso ocorre? Porque somos acostumados a sermos apenas de
um único jeito. Porém, você já deve ter entendido que vivendo com pessoas tão diversas
é impossível não mudar. Aqueles que escolhem evitar a mudança, continuam no mundo,
muitas vezes, cheios de preconceitos e avessos à diversidade.
Caso você já atue em sala de aula, já percebeu o quanto aquele é um espaço da
diversidade... Pois bem, o que fazer com tantas demandas e pessoas diferentes? Se você
ainda não está na sala de aula, faça uma reflexão de como foi sua vivência escolar. Com
toda certeza perceberá que não existe um espaço mais variado de pessoas, estilos, modos
de agir e de pensar diferenciado.
Por essa razão, o término da disciplina de Antropologia Cultural não poderia ser
de outro jeito. Já que você aprendeu sobre o conceito de cultura, a relação com outro,
identidade, crenças e representações religiosas estigmatizadas. Nada mais correto do que
refletirmos sobre a nossa atuação como professores, não é mesmo?
Diante de tanta diversidade social e cultural, qual o melhor caminho para seguimos?
Vimos com Paulo Freire, no início da unidade, que ser professor ou professora possui vá-
rias exigências, em especial, a capacidade de escutar e dialogar. Isso implica em entender

UNIDADE IV Por uma Pedagogia Antirracista 70


nossos alunos e alunas como seres pensantes, que possuem sua própria cultura. Assim,
educandos e educadores estão em eterna troca de ensino e de aprendizado.
Depois entendemos que para vivermos em sociedade se faz necessário reconhe-
cer que somos e lutarmos para termos voz ativa, que possa ser ouvida por todos sem
discriminação e preconceito. Falar é existir.
E será falando que podemos nos empoderar. Ou seja, ter o poder de entender que
aquilo que sou deve ser respeitado. Assim, ao me empoderar, devo ter a consciência de
que preciso também mudar o mundo ao meu redor.
Pensando na transformação da sociedade, é que não cabe mais na sala de aula um
professor ou professora que não promove o lugar de fala e o empoderamento, a figura de
alguém autoritário, desumano, preconceituoso, discriminatório e racista, que não respeita
as identidades variadas ou promove a escuta consciente e um diálogo libertador.
Precisamos lembrar sempre como somos importantes na formação de nossos
alunos e alunas. Por isso, servimos de exemplo. Assim, nossas ações devem ser pensadas
com responsabilidade, para que, em sala de aula, não sejam reproduzidas, mais uma vez,
atitudes que reforcem a não possibilidade de convivência em uma sociedade diversificada.
Assim, se faz necessário que nos tornemos professores e professoras incapazes
de reproduzir tudo o que possa ofender, inferiorizar e inviabilizar que o outro não tenha os
mesmos direitos garantidos para aqueles que se julgam pertencentes a um padrão ideal.
Neste sentido, é preciso que sejamos capazes de promover uma educação an-
tirracista. Mas, afinal, o que isso significa? É fundamental compreender que a Questão
Racial não é um detalhe, um problema pontual. Ela precisa ser discutida de maneira séria,
constante e que possa inibir a proliferação de outras ações racistas. Além disso, precisa
colaborar com a destruição do racismo tão estruturado na sociedade.
É preciso que as ações de cunho racistas sejam questionadas e entendidas como um
crime. Não podem ser proferidas e explicadas como brincadeiras. Elas afetam de maneira
permanente aqueles que sofrem esse tipo de ataque. Fere a autoestima, a capacidade
cognitiva, o psicológico e impedem muitas vezes o crescimento profissional e financeiro.
Uma maneira de aprendermos a ser antirracistas pode ser compreendida no livro
Pequeno Manual Antirracista (2019), escrito pela filósofa Djamila Ribeiro. Nessa obra, a au-
tora elenca alguns pontos importantes que devemos saber para a prática de uma sociedade
antirracista, são eles:
● Informe-se sobre o racismo;
● Enxergue a Negritude;

UNIDADE IV Por uma Pedagogia Antirracista 71


● Reconheça os privilégios da branquitude;
● Perceba o Racismo internalizado;
● Apoie políticas educacionais afirmativas;
● Transforme seu ambiente de trabalho;
● Leia autores negros;
● Questione a cultura que você consome;
● Conheça seus desejos e afetos;
● Combata a violência racial;
● Sejamos todos antirracistas.

Para Ribeiro (2019), ao se perceber criticamente, você deverá ter uma outra pos-
tura frente a uma sociedade opressora que não promove o respeito. É preciso entender
sobre privilégios e lutar para que eles não sejam para poucos. Se faz necessário querer
aprender sempre: “Pessoas brancas devem se responsabilizar criticamente pelo sistema
de opressão que as privilegia historicamente, produzindo desigualdades, e pessoas negras
podem se conscientizar dos processos históricos para não reproduzi-los” (RIBEIRO, 2019,
p. 108).
Então, será que você está pronto(a) para ser um(a) professor(a) ou um(a) profes-
sor(a) antirracista?

UNIDADE IV Por uma Pedagogia Antirracista 72


SAIBA MAIS
Você sabia que a população negra tem 2,7% mais chances de ser vítima de assassina-
to do que os brancos. Segundo o informativo Desigualdades Sociais por Cor ou Raça
no Brasil, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre de
2012 a 2017, houve aumento da taxa de homicídios por 100 mil habitantes da população
preta e parda, passando de 37,2% para 43,4%. Enquanto para a população branca esse
indicador se manteve constante no tempo, em torno de 16%. Para os pesquisadores do
IBGE, as desigualdades étnico-raciais têm origens históricas e são persistentes, levan-
do a população preta ou parda a sofrer “severas desvantagens” em relação à branca
em indicadores do mercado de trabalho, distribuição de renda, condições de moradia,
educação, violência e representação política.

Fonte: Exame (2019).

REFLITA

Fonte: Mídia Ninja (2018).

Em uma sociedade racista, qual é o seu papel como professor(a)?

UNIDADE IV Por uma Pedagogia Antirracista 73


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Espero que a leitura e o aprendizado dessa unidade contribuam de maneira significa-


tiva para a sua formação. Seja para atuação dentro ou fora da sala de aula. Toda a discussão
aqui proposta fecha com chave de ouro o que se propôs discutir sobre a Antropologia Cultura.
Nesse sentido, é fundamental pensarmos sobre a formação, como deve ser a condu-
ta de um professor em relação a sua sociedade e realidade. Aquele que é capaz de ouvir e de
dialogar com as mais diferentes pessoas, aceitando e respeitando como cada um deseja ser.
Vimos, com Paulo Freire, que o desenvolvimento de uma ação pedagógica consciente
se faz muito importante para o estabelecimento de uma relação entre educadores e educan-
dos. É preciso reconhecer que todos somos dotados de um tipo de cultura e o conhecimento
da diversidade proporciona sabermos que não somos detentores de uma verdade absoluta.
Quando nos dispomos a conhecer a realidade que estamos inseridos, e mesmo aquelas que
não fazemos parte, nossa capacidade crítica se desenvolve e nos tornamos tolerantes.
Ser tolerantes significa que respeitamos o outro como ele é. Podemos contribuir para
a sua luta. Assim, entendemos que o conceito de lugar de fala tende a promover que vozes,
antes nunca ouvidas, sejam respeitadas. Quando não fazemos parte daquele nicho social,
temos o dever de lutar junto. Entendendo que, mesmo não estando naquele lugar social,
fazemos parte da manutenção da opressão ou da promoção da libertação. É preciso respeitar
o lugar de fala de cada um, não minimizando suas dores e temores. É preciso ter empatia.
Aprendemos ainda que, em uma sociedade tão desigual, é preciso que as pessoas
se empoderem, mas não simplesmente de forma individual, mas que isso resulte também
numa ação coletiva, política. Empoderar-se é dar poder aqueles que também nunca ocupa-
ram esse espaço. É promover um autoconhecimento e reconhecimento, autoaceitação e uma
autovalorização pessoal, capaz de modificar a sociedade.
Por fim, o desafio proposto á você é de se formar como uma pessoa antirracista.
Capaz de entender e debater sobre a questão do racismo, tão presente de forma estrutural
em nossa sociedade. E que possa contribuir para uma mudança pragmática de pensamento
e de ações. Para que em um futuro bem próximo possamos viver uma sociedade cada vez
mais igualitária, rompendo com o preconceito, a discriminação e o racismo em relação a
qualquer indivíduo ou grupo de pessoas.

UNIDADE IV Por uma Pedagogia Antirracista 74


LEITURA COMPLEMENTAR

Leia o conto abaixo e reflita sobre como o racismo faz parte da estrutura social do cotidiano.

Espiral
Geovani Martins – Livro: O sol na cabeça.

Começou muito cedo. Eu não entendia. Quando passei a voltar sozinho da escola, percebi
esses movimentos. Primeiro com os moleques do colégio particular que ficava na esqui-
na da rua da minha escola, eles tremiam quando meu bonde passava. Era estranho, até
engraçado, porque meus amigos e eu, na nossa própria escola, não metíamos medo em
ninguém. Muito pelo contrário, vivíamos fugindo dos moleques maiores, mais fortes, mais
corajosos e violentos. Andando pelas ruas da Gávea, com meu uniforme escolar, me sentia
um desses moleques que me intimidavam na sala de aula. Principalmente quando passava
na frente do colégio particular, ou quando uma velha segurava a bolsa e atravessava a rua
pra não topar comigo. Tinha vezes, naquela época, que eu gostava dessa sensação. Mas,
como já disse, eu não entendia nada do que estava acontecendo. As pessoas costumam
dizer que morar numa favela de Zona Sul é privilégio, se compararmos a outras favelas na
Zona Norte, Oeste, Baixada.
De certa forma, entendo esse pensamento, acredito que tenha sentido. O que pouco
se fala é que, diferente das outras favelas, o abismo que marca a fronteira entre o morro e
o asfalto na Zona Sul é muito mais profundo. É foda sair do beco, dividindo com canos e
mais canos o espaço da escada, atravessar as valas abertas, encarar os olhares dos ratos,
desviar a cabeça dos fios de energia elétrica, ver seus amigos de infância portando armas
de guerra, pra depois de quinze minutos estar de frente pra um condomínio, com plantas
ornamentais enfeitando o caminho das grades, e então assistir adolescentes fazendo aulas
particulares de tênis. É tudo muito próximo e muito distante.
E, quanto mais crescemos, maiores se tornam os muros. Nunca esquecerei da mi-
nha primeira perseguição. Tudo começou do jeito que eu mais detestava: quando eu, de tão
distraído, me assustava com o susto da pessoa e, quando via, era eu o motivo, a ameaça.
Prendi a respiração, o choro, me segurei, mais de uma vez, pra não xingar a velha que
visivelmente se incomodava de dividir comigo, e só comigo, o ponto de ônibus. No entanto,
dessa vez, ao invés de sair de perto, como sempre fazia, me aproximei. Ela tentava olhar
pra trás sem mostrar que estava olhando, eu ia chegando mais perto. Ela começou a olhar
em volta, buscando ajuda, suplicando com os olhos, daí então colei junto dela, mirando di-
retamente a bolsa, fingindo que estava interessado no que pudesse ter ali dentro, tentando
parecer capaz de fazer qualquer coisa pra conseguir o que queria. Ela saiu andando pra
longe do ponto, o passo era lento.
Eu a observava se afastar de mim. Não entendia bem o que sentia. Foi quando, sem

UNIDADE IV Por uma Pedagogia Antirracista 75


pensar em mais nada, comecei a andar atrás da velha. Ela logo percebeu. Estava atenta,
dura, no limite de sua tensão. Tentou apertar o passo pra chegar o mais rápido possível a
qualquer lugar. Mas na rua era como se existíssemos apenas nós dois. Por vezes eu au-
mentava minha velocidade, ia sentindo o gosto daquele medo, cheio de poeira de outras
épocas. Depois diminuía um pouco, permitindo que ela respirasse. Não sei quanto tempo
durou tudo aquilo, provavelmente não mais que alguns minutos, mas, para nós, era como
se fosse toda uma vida.
Até que ela entrou numa cafeteria e segui meu caminho. Passado o turbilhão, fiquei
com nojo de ter ido tão longe, lembrando da minha avó, imaginando que aquela senhora
também devia ter netos. Porém, esse estado de culpa durou pouco, logo lembrei que aque-
la mesma velha, que tremia de pavor antes mesmo que eu desse qualquer motivo, com
certeza não imaginava que eu também tivera avó, mãe, família, amigos, essas coisas todas
que fazem nossa liberdade valer muito mais do que qualquer bolsa, nacional ou importada.
Por mais que às vezes me parecesse loucura, sentia que não poderia parar, já que eles
não parariam.
As vítimas eram diversas: homens, mulheres, adolescentes e idosos. Apesar da va-
riedade, algo sempre os unia, como se fossem todos da mesma família, tentando proteger
um patrimônio comum. Veio a solidão. Ficava cada vez mais difícil enfrentar qualquer as-
sunto banal. Nem nos livros conseguia me concentrar. Não queria saber se chovia ou fazia
sol, se no domingo daria Flamengo ou Fluminense, se Carlos terminou com Jaque, se o
cinema estava em promoção. Meus amigos não entendiam. Não podia contar o motivo de
minhas ausências, e, aos poucos, fui sentindo que me afastava de gente realmente impor-
tante para mim. Com o passar do tempo essa obsessão foi ganhando forma de pesquisa,
estudo sobre relações humanas. Passei então a ser tanto cobaia quanto realizador de uma
experiência. Começava a entender com clareza meus movimentos, decifrar os códigos dos
meus instintos.
No entanto, a dificuldade de entender as reações de minhas vítimas foi se mostrando
cada vez maior. São pessoas que vivem num mundo que não conheço. Sem contar que
o tempo que tenho para analisá-las frente a frente é curto e confuso, já que preciso atuar
simultaneamente. Percebendo isso, cheguei à conclusão de que precisaria me concentrar
num único indivíduo. Não foi nada fácil encontrar essa pessoa. Me perdia entre as perso-
nalidades, não conseguia escolher. Tinha medo. Até que um dia, andava pela rua, era noite
alta, um homem virou a esquina no mesmo momento que eu, trombamos. Ele levantou os
braços, se rendendo ao assalto. Eu disse: “Fica tranquilo. E vai embora”.
Depois de muito tempo sentia mais uma vez aquele ódio primeiro, descontrolado,
aquele que enche os olhos d’água. Há tempos já tinha me abstraído da humilhação, e até
mesmo da vingança. Encarava o desafio com o olhar cada vez mais distante, científico.
Mas alguma coisa nos movimentos daquele homem — o levantar de braços, a expressão
de terror — fez reacender aquela chama do dia em que fui atrás da minha primeira vítima.
Era ele. Só podia ser ele. Esperei um pouco e fui atrás, invisível. Mário é o nome dele.
Consegui pescar essa informação observando de perto, próximo ao seu local de trabalho,
enquanto ele cumprimentava seus conhecidos pela rua. Tem duas filhas pequenas, uma

UNIDADE IV Por uma Pedagogia Antirracista 76


pela casa dos sete, oito anos, a outra com quatro, no máximo cinco.
Não consegui descobrir o nome delas, pois, quando estava com a família, eu acom-
panhava de longe, pra não atrair suspeitas. Acabei batizando de Maria Eduarda a mais
velha e Valentina a mais nova. Nomes compatíveis com suas carinhas de crianças bem ali-
mentadas. À esposa dei o nome de Sophia. Olhando a partir da minha distância, pareciam
felizes. No dia em que foram fazer um piquenique no Jardim Botânico, brincavam, comiam
bolos, doces, observavam juntos as plantas. Um verdadeiro comercial de margarina, com
exceção da babá, que os seguia toda de branco. Durante o primeiro mês, forcei nosso
encontro muitas vezes. Em algumas ele ficou intimidado com minha presença, em outras
parecia não notar ou não se importar. Eu ficava me perguntando quando é que ele daria
conta de minha existência. Três meses. Até o dia em que li em sua expressão o horror da
descoberta. Muita coisa mudou depois disso. Mário passou a ser outra pessoa.
Sempre preocupado, olhando em volta. Eu observava. Às vezes o perseguia clara-
mente, via sua tensão crescer, até quase explodir. Então parava, entrava em algum lugar,
fingia naturalidade. Chegamos ao momento presente. Passei uns dias rondando um pou-
co mais perto de sua casa. O que antes era privilégio, morar perto do trabalho, virou um
dos seus maiores motivos de preocupação. Ele tentava me despistar dando voltas pelos
quarteirões, mas seu esforço era inútil, já que há bastante tempo eu sabia onde ficava seu
apartamento. Foram dias complicados pra ambas as partes, eu sentia que dava um passo
definitivo, só não tinha certeza de onde me levaria esse caminho. Até que entramos na
jogada final.
Comecei a segui-lo, como das outras vezes, num lugar próximo a sua casa. Mas
dessa vez ele não fez questão de me despistar, pelo contrário, pegou o caminho mais rá-
pido até o apartamento. Suava pelas ruas, a cara vermelha. Também eu tremia diante das
possibilidades de desfecho. Ele entrou no prédio, cumprimentou o porteiro feito máquina,
subiu. Apenas uma janela. Era o que se mostrava do apartamento no meu campo de visão.
Fiquei mirando fixamente aquele ponto, sem me esconder dessa vez; se eu o visse, tam-
bém ele me veria. Alguns minutos depois apareceu Mário, completamente transtornado,
segurava uma pistola automática. Sorri pra ele, percebendo naquele momento que, se qui-
sesse continuar jogando esse jogo, precisaria também de uma arma de fogo.

Fonte: Martins (2018).

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MATERIAL COMPLEMENTAR

LIVRO
• Título: Ensinando a transgredir: A educação como prática de
liberdade.
• Autora: bell hooks
• Editora: WMF Martins Fonte
• Ano: 2017
• Sinopse: Em Ensinando a transgredir, bell hooks – escritora,
professora e intelectual negra insurgente – escreve sobre um novo
tipo de educação, a educação como prática da liberdade. Para
hooks, ensinar os alunos a “transgredir” as fronteiras raciais, se-
xuais e de classe a fim de alcançar o dom da liberdade é o objetivo
mais importante do professor. Ensinando a transgredir, repleto
de paixão e política, associa um conhecimento prático da sala de
aula com uma conexão profunda com o mundo das emoções e
sentimentos. É um dos raros livros sobre professores e alunos que
ousa levantar questões críticas sobre Eros e a raiva, o sofrimento
e a reconciliação e o futuro do próprio ensino. Segundo bell hooks,
“a educação como prática da liberdade é um jeito de ensinar que
qualquer um pode aprender”. Ensinando a transgredir registra a
luta de uma talentosa professora para fazer a sala de aula dar
certo.

FILME/VÍDEO
• Título: Menino 23
• Ano: 2016
• Sinopse: Em 1998, o historiador Sydney Aguilar ensinava sobre
nazismo alemão para uma turma de ensino médio, quando uma
aluna mencionou que havia centenas de tijolos na fazenda de
sua família estampados com a suástica, o símbolo nazista. Essa
informação despertou a curiosidade de Sidney e desencadeou
sua pesquisa. Pouco a pouco, o filme mostra como o historiador
avançou com a sua investigação, revelando que, além de fatos,
ele também descobriu vítimas. Sidney mostrou que empresários
ligados ao pensamento eugenista (integralistas e nazistas) re-
moveram 50 meninos órfãos do Rio de Janeiro para Campina do
Monte Alegre/SP para 10 anos de escravidão e isolamento na Fa-
zenda Santa Albertina de Osvaldo Rocha Miranda. O trabalho de
Sidney vai reconstituir laços estreitos entre as elites brasileiras e
crenças nazistas, refletidos em um projeto eugênico implementado
no Brasil. Aloísio Silva, um dos sobreviventes, lembra a terrível
experiência que escravizou os meninos ao ponto de privá-los do
uso de seus nomes, transformando-o no “23”. Sidney e outros
historiadores e especialistas irão delinear os contextos históricos,
políticos e sociais do Brasil durante os anos 20 e 30, explicando
como um caldeirão étnico, como o Brasil, absorveu e aceitou as
teorias de eugenia e pureza racial, a ponto de incluí-los em sua
Constituição de 1934. A investigação culmina com a descoberta
de Argemiro, outro sobrevivente do projeto nazista da Cruzeiro do
Sul. Sua trajetória reforça ainda mais como os conceitos de “supre-
macia branca” e as tentativas de “branqueamento da população”
marcaram nossa sociedade, deixando sequelas devastadoras até
os dias de hoje. Sendo o racismo e – mais ainda – a negação dele,
as mais permanentes.
• Link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=rYSspBodYSQ

UNIDADE IV Por uma Pedagogia Antirracista 78


REFERÊNCIAS

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UNIDADE IV Por uma Pedagogia Antirracista 79


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ROCHA, Everaldo P. Guimarães. O que é Etnocentrismo? São Paulo: Brasiliense, 1994.

WE MYSTIC. 5 coisas que você precisa saber sobre o Candomblé. 2020. Disponível em: https://
www.wemystic.com.br/curiosidades-candomble/. Acesso em: 24 ago. 2020.

UNIDADE IV Por uma Pedagogia Antirracista 80


CONCLUSÃO

Estudar e estar disposto a conhecer o novo é realmente gratificante, você não acha?
Isso é perceptível quando, ao finalizarmos uma etapa de aprendizado, somos capazes de
pensar o quanto nos modificamos. Você esteve em contato com uma disciplina que entende
o homem como um ser completo, que discute um conceito muito repetido no cotidiano e, na
maioria das vezes, nem refletimos o quanto somos influenciados por nossa cultura.
A cultura, como vimos na Unidade I, pode ser entendida como uma teia de sentido
e de significado, em que pessoas e grupos sociais se identificam e se reconhecem como
pertencentes. Ela não é simplesmente os hábitos e os costumes, mas sim como, a partir de-
les, nossas ações são moldadas e motivadas em sociedade. Aprendemos ainda que quem
estuda a cultura são os antropólogos, por meio de uma ciência chamada de Antropologia.
Vimos que, a princípio, se defendia que cabia a essa ciência o estudo do primitivo
e do selvagem. Porém, compreendeu-se, com o tempo, que a cultura se manifesta em dife-
rentes grupos sociais e, por isso, precisa ser entendida, interpretada e descrita de maneira
densa. O trabalho do antropólogo se constitui em olhar, ouvir e escrever.
Esse trabalho é muito importante para entendermos que não existe alguém ou
alguma nação que seja melhor ou pior, superior ou inferior, boa ou ruim em relação a outra.
O que existe são culturas diferentes. Assim, na Unidade II discutimos sobre a necessidade
de respeitar o outro. Isso só é possível quando respeitamos a diferença e somos incapazes
de cometer atitudes etnocêntricas. O oposto desse tipo de ação é marcado pelo relativismo
cultural, em que somos capazes de observar, compreender e respeitar o outro como ele é.
Cada pessoa e grupo social tem o direito de ser o que deseja. Deve ser garanti-
do o seu direito de não seguir regras ou padrões que não fazem parte da sua formação
identitária. Vimos que aqueles que não seguem as normas estabelecidas por outrem são
chamados de Outsiders. Infelizmente, alguns sujeitos sociais acreditam que todos devemos
ser iguais, esquecendo que a identidade pode ser entendida como algo fluído e variado.
Assim, ao adentrarmos nas discussões da Unidade III, somos convidados a colocar
nossos velhos saberes e conhecimentos de lado e a olharmos o mundo com novas possi-
bilidades. Debatemos sobre a Antropologia da religião e como essa ciência atuou para a
compreensão das religiões de matriz africana. Descobrimos que, por exemplo, a Umbanda

UNIDADE IV Por uma Pedagogia Antirracista 81


é uma religião brasileira e que o Candomblé, no Brasil, possui pelo menos 20 orixás. Por
fim, entendemos que essas religiões estão, de alguma forma, presentes em nosso cotidia-
no, pois vivemos em uma sociedade marcada pelo sincretismo religioso.
Para finalizar nossa aventura do conhecimento pelos caminhos da Antropologia
Cultural, na Unidade IV fomos desafiados a pensar uma prática pedagógica mais humana,
conscientizadora, libertadora e Antirracista. Para isso, recorremos aos escritos do grande
educador Paulo Freire, que nos mostrou quais as exigências fundamentais para nossa
formação educacional.
O fato de saber ouvir e dialogar com o outro permite que a gente entenda que
existem várias vozes no mundo. Infelizmente, algumas delas são caladas pela nossa de-
sigualdade social, econômica, histórica, política e cultural. Por isso, o conceito de lugar de
fala é tão importante. É preciso dar voz a quem sempre esteve à margem da sociedade.
Quando somos capazes de ouvir o outro, podemos entender também o conceito de empo-
deramento.
Vimos que empoderar vai além de uma ideia individual, mas ela se alastra para
o coletivo. Empoderar-se é ter autoconhecimento, autovalorização, autorreconhecimento
e autoaceitação. Em um país como o nosso, em que a violência contra as mulheres é
gritante, é muito importante de elas sejam empoderadas. De maneira cognitiva, psicológica,
política e econômica. Só assim será possível mudar uma estatística tão cruel que cresce
cada vez mais.
Enfim, ao conhecermos tudo isso, é possível desenvolver uma educação que pro-
mova seres antirracistas. Em que professores, professoras e seus alunos e alunas sejam
capazes de não mais reproduzir uma cultura excludente, mas sim uma cultura inclusiva,
respeitosa, capaz de viver pacificamente com as diferenças.

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