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Sociologia Brasileira

Prof. Mestre Paulino Peres


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P437s Peres, Paulino Augusto


Sociologia brasileira / Paulino Augusto Peres.
Paranavaí: EduFatecie, 2021.
73 p.: il. Color.

1. Sociologia. 2. Sociologia – História - Brasil. I. Centro


Universitário UniFatecie. II. Núcleo de Educação a Distância.
III. Título.

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André Dudatt
Carlos Firmino de Oliveira
AUTOR

Prof. Mestre Paulino Augusto Peres

● Graduado em História pela UNESPAR (Universidade Estadual do Paraná)


Campus de Paranavaí/PR.
● Especialista em Didática e Tecnologia na Educação pela FATECIE (Faculdade
de Ciências e Tecnologia do Norte do Paraná).
● Mestre em Ensino Profissionalizante de História pela UNESPAR - Campo
Mourão/PR.
● Professor na Escola Fatecie Max (séries finais do Ensino Fundamental).
● Professor no Colégio Fatecie Premium (Ensino Médio).
● Professor de filosofia, sociologia e ética no Ensino Superior.

CURRÍCULO LATTES: http://lattes.cnpq.br/0165285728983866


APRESENTAÇÃO DO MATERIAL

Seja muito bem-vindo (a).

A disciplina de sociologia brasileira é importante para que você entenda o que


os pensadores entendem sobre o nosso país, nossa cultura, economia e sociedade. O
Brasil é um país amplo e com diferenças regionais, ao mesmo tempo que demonstramos
semelhanças. A intelectualidade brasileira afirma que o Brasil foi construído a partir das
relações sociais presentes na colônia e que se estendem até os dias de hoje.
Na unidade I vamos conhecer o pioneiro sobre estudos sociológicos a respeito da
origem do povo brasileiro, Gilberto Freyre. Focados em sua principal e mais célebre obra
Casa Grande & Senzala (1933) veremos como o autor desenvolve seu pensamento sobre
a importância da miscigenação racial entre indígenas, brancos e africanos para a formação
do Brasil. Para ele as relações socioculturais presentes na Casa grande e nas senzalas
foram fundamentais para explicar o brasileiro de sua época.
Já na unidade II você irá conhecer o contraponto de Freyre, Sergio Buarque de
Holanda. Holanda realiza um esforço semelhante ao de Freyre de tentar explicar o Brasil e
seu povo, além disso, também compartilha com o autor de Casa Grande & Senzala a ideia
de que é possível explicar o brasileiro a partir de suas relações culturais. Mas, diferente
de Freyre, Buarque de Holanda em sua obra Raízes do Brasil (1936), vê na colonização
portuguesa não uma dádiva, mas uma maldição. Suas críticas são extensas à colonização
portuguesa, o que para ele nos influenciou até seus dias.
Na sequência veremos uma visão também totalizadora da explicação socio-histórica
do Brasil em Caio Prado Junior, sobretudo em sua obra Formação do Brasil contemporâneo
(1944). Prado Junior, ao contrário de seus antecessores, não traz explicações culturais, mas,
materialista-dialético, entende a formação do Brasil à partir de suas relações econômicas.
Para ele, o Brasil do século XX, não à toa, tem sua economia baseada na produção agrícola
latifundiária e por isso mesmo, a classe política era quase totalmente formada por essa
elite. As escolhas econômicas de Portugal dentro da colônia teriam determinado nossa
formação.
Em nossa unidade IV, vamos finalizar o conteúdo dessa disciplina analisando três
autores. O primeiro deles é Raymundo Faoro, baseado no conceito de patrimonialismo de
sua obra Os Donos do Poder (1958) e poderemos vislumbrar suas críticas à colonização
portuguesa ao mesmo tempo que tenta explicar as indigestas relações políticas do Brasil.
Após teremos contato com um sociólogo contemporâneo, Jessé Souza e sua análise
sobre a Elite do Atraso (2017) e como ela se apropriou dos conceitos de patrimonialismo
(Raymundo Faoro) e de homem cordial (Sergio Buarque) para justificar seus interesses
inconfessáveis e sair invisível e impune. Por fim, analisaremos as relações raciais no Brasil
através do Pequeno Manual Antirracista (2020) de Djamila Ribeiro para percebermos que o
racismo é uma herança histórica e que ainda permanece presente na sociedade e como a
sociedade brasileira tenta esconder esse racismo.
Espero que seu horizonte de expectativas seja transformado, uma vez que todos
nós, brasileiros, somos fruto de uma herança multiétnica, e que para entendermos nosso
país, primeiro é necessário entender a nossa história e nossas relações sociais.
SUMÁRIO

UNIDADE I....................................................................................................... 4
Sociologia Brasileira:Gilberto Freyre

UNIDADE II.................................................................................................... 21
Sociologia Brasileira:

Sergio Buarque de Holanda

UNIDADE III................................................................................................... 37
Sociologia Brasileira: Caio Prado Junior

UNIDADE IV................................................................................................... 55
Sociologia Brasileira: Raymundo Faoro, Jessé Souza e Djamila
Ribeiro
UNIDADE I
Sociologia Brasileira:Gilberto Freyre
Prof. Mestre Paulino Peres

Plano de Estudo:
● Gilberto Freyre e seus esforços para compreender o brasileiro;
● Hibridismo: as relações durante a colonização;
● O papel dos indígenas na formação do Brasil;
● Jesuíticas, africanos e portugueses.

Objetivos da Aprendizagem:
● Compreender a formação do Brasil a partir de suas relações coloniais;
● Entender a relação entre os três povos formadores do Brasil e como
os três contribuíram para o que somos hoje;
● Analisar como Gilberto Freyre estabeleceu uma
explicação totalizante do Brasil;
● Compreender o conceito de democracia racial e sua
importância para a sociologia brasileira.

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INTRODUÇÃO

O Brasil precisa ser compreendido através de suas relações sociais. Foi isso
que pensou Gilberto Freyre quando escreveu Casa Grande & Senzala em 1933. Um dos
maiores intelectuais de nossa história explicou o Brasil tentando trazer o que há de melhor
na cultura indígena, europeia e africana. Ele viu a influência destas etnias como positivas
para o Brasil.
Nesta unidade levantaremos os principais conceitos de Gilberto Freyre presentes
em sua obra Casa Grande & Senzala para compreender como este autor compreende o
Brasil e o brasileiro.
Os conceitos de democracia racial, hibridismo, miscibilidade e adaptabilidade serão
analisados e como eles contribuem para a formação do Brasil. Veremos a importância
desse autor não só para o Brasil e sua compreensão, mas também para a popularização
da sociologia brasileira.

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1. GILBERTO FREYRE E SEUS ESFORÇOS PARA COMPREENDER O BRASILEIRO

Desde o século XIX que pretendia-se no Brasil a criação de uma teoria generalizadora
da nação para explicar o Brasil através da relações entre as três etnias existentes nestas
terras: indígenas, europeus e africanos. Na primeira metade do século XX Gilberto Freyre
foi o responsável por colocar no papel essa ideia em seu célebre livro, Casa Grande &
Senzala. Freyre e suas teorias sobre o Brasil se tornaram famosas dentro e fora do país.
Freyre entrou para a história da história e sociologia do Brasil, mas não sem críticas.
Em Casa Grande & Senzala, Freyre analisa a colonização do Brasil e América
apresentando a origem do povo brasileiro, sua cultura, formação social, étnica e econômica.
Analisando a mistura das três etnias para a formação do Brasil se pergunta: quem é o povo
brasileiro?
Ao analisar a colonização nos Estados Unidos percebe semelhanças no regime
patriarcal estadunidense com o brasileiro: grandes fazendas agrícolas, elite branca liderada
pelo senhor de escravos, exploração da mão de obra escravizada, violência psicológica e
física, papel secundário da mulher. Também destaca suas diferenças: no Brasil, segundo
ele, o senhor de escravos era menos dado aos castigos corporais para evitar rebeliões,
revoltas ou fugas, gerando assim um melhor convívio entre as etnias possibilitando uma
construção nacional baseada na mistura das “raças”.

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Freyre acreditava que fatores genéticos, sociais e econômicos formavam a
sociedade brasileira. Nessa sociedade o poder econômico do homem branco, através
da monocultura latifundiária (sobretudo durante os ciclos do açúcar e café) dominava as
demais etnias. O senhor de engenho através de suas riquezas possuía dominação plena
sobre africanos e indígenas, considerando-se superiores e, portanto, achavam-se no direito
de escravizar indígenas, primeiro, e africanos, depois.
A primeira forma de escravidão usada no Brasil foi a indígena. O indígena resistiu
à escravidão e, por conhecer o território onde morava, ao fugir, era mais dificilmente
encontrado pelo colonizados branco. Além disso, a comunicação entre os indígenas era
mais fácil, pois durante a colonização portuguesa, durante muito tempo ocupando apenas
as áreas próximas à costa, as populações indígenas eram do tronco tupi-Guarani, isto é, os
vários povos que ali viviam, tinham um idioma semelhante e se entendiam. Em uma fuga da
escravidão, o conhecimento do território e do idioma facilitou as fugas e dificultou a vida dos
colonizadores, pois a fuga era o maior dos seus problemas em escravizar a mão-de-obra
nativa. Não demorou para que os portugueses colocassem a alcunha de preguiçosos nos
indígenas, alcunha que ainda hoje permanece em solo brasileiro.
É preciso destacar o esforço de Freyre para valorizar a contribuição das etnias
indígena e africana para a formação do brasileiro. O autor tenta recuperar positivamente as
contribuições oferecidas pelas diversas culturas para a formação da nossa nacionalidade.
Em relação aos africanos, acreditava que depois de um século de contato dos
portugueses com a África durante as grandes navegações, já havia uma mistura entre
esses povos de forma que não poderia considerá-los “puros” etnicamente. Ao contrário dos
indígenas, pois para eles tudo era novidade, portanto, Freyre os considerava etnicamente
puros.
Sobre os portugueses, o sociólogo destaca que foi a virtude da mobilidade que
proporcionou aos portugueses a capacidade de conhecer e se integrar a outros povos:
A mobilidade foi um dos segredos da vitória portuguesa; sem ela não se
explicaria ter um Portugal quase sem gente (...) conseguindo salpicar
virilmente do seu resto de sangue e de cultura populações tão diversas e tão
grandes em distância uma das outras (FREYRE, 2005, p. 70).

virtude importante e vantajosa aos portugueses seria a miscibilidade, pois para


Freyre, ninguém como os portugueses teria se misturado tanto com as mulheres negras
nas américas e gerado tantos filhos. Acreditava que essa mistura teria contribuído para um
bom relacionamento entre as etnias.

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Uma vez que teriam vindo apenas homens para colonizar o Brasil, a falta de mulheres
brancas teria sido suprida com as mulheres negras. Isso se deu de forma violenta, através
da violência sexual. A mulher negra foi reduzida à condição de objeto sexual e repercutiu
na inveja da mulher branca loira. Assim, atitude da mulher branca foi ligar a cor da pele
preta à feiura, ao mesmo tempo em que eram as preferidas dos portugueses assediadores:
branca para casar, mulata para [manter relações sexuais], negra para trabalhar (FREYRE,
2005, p. 72). A mulher mestiça, chamada à época de mulata era a preferida do assédio dos
portugueses. Até hoje a mulher mestiça (ainda muito chamada de mulata) é símbolo de
sexualidade, até mesmo chamada de “a cor do pecado”. A sexualização da mulher mestiça
que se inicia na colônia se estende até o século XXI. De acordo com Freyre (2005, p. 110):
Costuma dizer-se que a civilização e a sifilização andam juntas. O Brasil,
entretanto, parece ter-se sifilizado antes de se haver civilizado. A contaminação
da sífilis em massa ocorreria nas senzalas, mas não que o negro já viesse
contaminado. Foram os senhores das casas-grandes que contaminaram as
negras das senzalas. Por muito tempo dominou no Brasil a crença de que
para um sifilítico não há melhor depurativo que uma negrinha virgem.

As várias epidemias de sífilis (doença trazida pelos portugueses) foi apenas mais
um retrato da violência. De fato, a violência contra a mulher preta colaborou com o aumento
populacional da colônia. Assim, com essa mistura, Freyre aponta a influência da cultura
africana sobre a europeia. Cultura que atinge a alimentação, a vida sexual, a religião e a
vida doméstica. Ou seja, as relações durante a colonização proporcionaram um hubridismo
cultural.

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2. HIBRIDISMO: AS RELAÇÕES DURANTE A COLONIZAÇÃO

A cultura europeia dominou a africana após os conflitos existentes entre povos dos
dois continentes o que resultou na escravização daqueles que perderam. Com a escravidão
africana a questão racial passou a fazer parte do cotidiano da Colônia, se estendeu pelo
Império e República e faz parte do nosso presente. A supremacia da raça branca, desde
aquela época, tenta impor-se num jogo de identidades, na narração da nação brasileira:
“o fortalecimento de indentidades locais pode ser visto na forte reação defensiva daqueles
membros dos grupos étnicos dominantes que se sentem ameaçados pela presença de
outras culturas” (HALL, 2006, p. 50).
A colonização aconteceu em um processo de equilíbrio e antagonismos regionais
dentro de uma só nação e o povo era ligado à obediência às elites devido ao fato da classe
dominante ser portuguesa ou descendente de portugueses e obedeciam os interesses da
metrópole.
A chegada dos portugueses ao Brasil arruinou toda a estrutura social e econômica
antes aqui predominante. As várias etnias indígenas foram dizimadas e o comunismo
primitivo foi deixando de existir. Mas, para Freyre, algo de muito bom surgiu aqui após
todo tipo de violência, a Democracia Racial, resultado da relação entre brancos, pretos e
indígenas.
Para isso, é necessário entender que a Casa-grande era o lugar de excelência
da manifestação do caráter brasileiro. Ela, a Casa-grande era residência quase feudal de
poder. Ou seja, os brancos dominam.

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Já os indígenas eram considerados atrasados, sem desenvolvimento técnico ou
militar e os comparava a crianças sem maturidade: Para Freyre, “[...] não houve da parte
dele [o indígena brasileiro] capacidade técnica ou política de reação que excitasse no branco
a política do extermínio seguida pelos espanhóis no México e no Peru [...]” (FREYRE, 2005,
p. 158).
Para o autor, o processo de colonização portuguesa, foi mais brando que o espanhol.
Esse sim considerado genocidade por Freyre. O processo de colonização do Brasil não
teria se dado através do extermínio, mas pela união, desde o escambo até os casamentos.

Híbrida desde o início, a sociedade brasileira é de todas da América a que se


constituiu mais harmoniosamente quanto às relações de raça: dentro de um
ambiente de quase reciprocidade cultural que resultou no máximo de apro-
veitamento dos valores e experiências dos povos atrasados pelo adiantado;
no máximo de contemporização da cultura adventícia com a nativa, a do con-
quistador com a do conquistado. Organizou-se uma sociedade cristã na su-
perestrutura, com a mulher indígena, recém-batizada, por esposa e mãe de
família; e servindo-se em sua economia e vida doméstica de muitas das tradi-
ções, experiências e utensílios da gente autóctone (FREYRE, 2005, p. 160).

O fragmento acima explicita a democracia racial. Mas, ao mesmo tempo em que


reconhece a influência indígena, o faz sob a visão do colonizador. A cultura nativa foi
absorvida pela dominante.

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3. O PAPEL DOS INDÍGENAS NA FORMAÇÃO DO BRASIL

Freyre destaca também a importância dos indígenas para a construção da identidade


brasileira. Para ele homens, mulheres e crianças indígenas contribuíram de diferentes
formas para o Brasil. Sua análise é criticada por alguns autores pois consideram que a
tentar valorizar as nações indígenas os coloca em um patamar inferior aos portugueses.
Outros irão valorizar suas análises pois compreendem que, o autor, pelo menos se esforça
para demonstrar a importância destes povos para o país. Mas o que diz Freyre?
Para ele a mulher indígena serviu aos portugueses para a geração e formação de
família. Através dela enriqueceu-se a vida no Brasil, pois essa mulher teria trazido uma
série de alimentos ainda hoje em uso, remédios, o desenvolvimento da criança, utensílios
de cozinha, de higiene, etc. Freyre atrela a cultura familiar brasileira que envolve o cuidado
materno, muito à influência da mulher indígena.
Afirmava ainda que essas indígenas andavam nuas e se ofereciam aos portugueses
recém-chegados. O que não é uma mentira, mas é necessário lembrar que o homem
branco foi, inicialmente, relacionado aos deuses e manter relação com um Deus seria uma
obrigação.
No início por iniciativa das próprias indígenas e depois através da violência, a
mulher indígena, elas supriram o grande problema da colonização: a falta de mulheres
brancas. Assim, a indígena se torna a base da família brasileira. Portanto, a ocupação do
território ocorre em parte, devido às crenças das mulheres indígenas, mas principalmente
através da violência sexual imposta a elas.

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Da união das mulheres indígenas com o homem branco português surge o caboclo,
o primeiro com características que viriam a ser uma representação do brasileiro nortista. A
influência indígena sobre norte e nordeste ainda é forte desde os nomes de estados como
Maranhão, Piauí, Roraima, passando pela culinária onde a macaxeira/aipim e o tacacá,
tucupi e açaí são bem presentes no dia-a-dia.
Os indígenas ainda, destaca o autor, colaboraram com as bandeiras, mas minimiza
sua importância. Para ele a contribuição indígena: “[...] foi formidável: mas só na obra
de devastação e de conquista dos sertões, de que ele o guia, o canoeiro, o guerreiro, o
caçador e pescador [...]” (FREYRE, 2005, p. 163). Em outras palavras o indígena teria sido
importante, mas somente para trabalhos braçais e sensoriais dentro da mata.
Essa ideia de que os reais desbravadores do sertão são os bandeirantes ainda é
usada, sobretudo, na educação no estado de São Paulo que ensinam aos seus alunos que
os bandeirantes foram desbravadores, conquistadores e responsáveis pela interiorização e
expansão territorial brasileira. Nos últimos anos as práticas escravocratas e os massacres
bandeirantes também estão sendo destacados, assim como a importância indígena neste
processo de interiorização do território. Ainda de forma tímida, mas estão dando ao indígena
o destaque que realmente teve nesse processo.
Para além desses pontos, também identificou uma manifestação religiosa totêmica,
a cor vermelha como protetiva contra os espíritos maus, amuletos da sorte e plantas
medicinais. Sendo o totem objeto de adoração a religiosidade entre as nações indígenas
era totêmica. Símbolos eram presentes em seus rituais desde suas pinturas a objetos. É
importante ainda destacar que Freyre realiza uma análise geral e não tem como objetivo em
sua obra Casa Grande & Senzala, dar destaque às diferenças culturais existentes entre as
centenas de nações indígenas.
Os laços matrimoniais também tinham destaque entre os indígenas. A exogamia
era frequente para realização de laços entre nações indígenas. Era comum que nações
indígenas entrassem em disputas territoriais entre si e uma forma que encontraram de colocar
fim às suas guerras foi a prática da exogamia, que consistia em enlaces matrimoniais entre
indígenas de nações étnicas diferentes para que deixassem suas rivalidades e formassem
uma aliança.
Outra prática bastante comum foi a poligamia e foi uma das práticas mais combatidas
pelos padres jesuítas. Uma das grandes características do cristianismo e de sua herança
judaica é a pauta moral envolvendo a sexualidade.

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Os jesuítas utilizavam textos bíblicos que condenavam o relacionamento sexual
com mais de uma pessoa e prezavam pelo casamento monogâmico, portanto a poligamia
entre indígenas era vista como uma influência demoníaca e portanto, reprovada.
Em outras palavras, essas rivalidades culturais entre portugueses e indígenas
demonstram que os povos nativos sofreram com a imposição cultural portuguesa. Até
mesmo a obrigação do uso das roupas foi uma atitude que tira o indígena de seu estado
de normalidade e o põe em estado de desconforto. O uso das roupas afetou suas tradições
de moral e higiene. Eles usavam a roupa europeia e a descartavam apenas quando estava
muito suja ou podre. Eles não sabiam como lidar com essa imposição: são povos de um
asseio corporal e moral sexual diferentes dos portugueses.
As imposições culturais aos indígenas fracassaram com o passar do tempo, pois a
maioria resistia em permanecer com as roupas, rejeitavam a divindade cristã, insistiam com
a poligamia. A solução acabou sendo o ensino da cultura e língua portuguesa às crianças
indígenas, os curumins. Sob uma prática efetiva de controle e vigilância, os portugueses
utilizaram os pequenos indígenas para levar os costumes ensinados pelos padres jesuítas
para dentro das habitações indígenas. Portanto, o curumim teve papel preponderante no
processo de “civilização” do gentio (não cristão).
Conforme os curumins iam crescendo, a cultura cristã europeia ia se solidificando.
Ao chegarem à fase adulta e terem filhos, estes eram uma nova geração de indígenas
sendo ensinada pelos padres jesuítas. A cultura portuguesa se espalhou pela Colônia mais
facilmente após o uso dessa estratégia.
Outro ponto, que segundo Freyre teríamos herdado dos indígenas é o apreço pelo
misticismo. Acredita ele que os medos presentes no imaginário brasileiro têm origem dentro
da floresta. O povo teria herdado dos indígenas a superstição. A ideia de chás milagrosos,
simpatias para resolução de problemas variados, para Freyre, essas práticas são práticas
místicas herdadas da religiosidade indígena.
Gilberto Freyre, em sua análise sobre os indigenas traz uma enorme inovação, a da
valorização de povos não europeus. Neste período a intelectualidade europeia, exportadora
de ideias, criou teorias que afirmavam que a superioridade europeia em detrimento de
outros povos. Dessa forma a intelectualidade local, inferiorizav os povos nativos e enaltecia
os colonizadores brancos. Quando Freyre escreve na década de 1930, o darwinismo social
e teorias eugenistas ainda eram muito populares. A obra de Freyre e seu desaque ao
indígena é uma rebelião intelecual contra essas teses vindas da Europa.

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4. JESUÍTICAS, AFRICANOS E PORTUGUESES

A Reforma Protestante (1517) tornou-se um grande problema para a Igreja Católica,


pois teria tirado da Igreja Romana pelo menos 40% de seus fiéis. Primeiro nos reinos
germânicos com influência de Lutero, depois na Suíça sob a liderança de João Calvino e
após na Grã-Bretanha após a revolta do Rei Henrique VIII.
Aos poucos os senhores feudais foram abandonando a fé católica com interesses
não apenas religiosos e se juntaram ao protestantismo. Os influentes senhores feudais
obrigaram seus servos a também aderirem a nova fé. A igreja Católica, nesse ponto, não
tinha apenas menos fiéis, mas também menos receitas, portanto, precisava resistir ao
avanço protestante para que sua própria existência, como instituição, fosse garantida.
A contrarreforma foi organizada no Concílio de Trento (1545-1563). Várias estratégias
foram elaboradas para limitar o avanço do protestantismo: moralidade do episcopado;
criação do índex (lista de livros proibidos); estabelecimento dos Tribunais do Santo Ofício
(Inquisição); oficialização da prática da tortura; criação da Companhia de Jesus (jesuísmo).
A Companhia de Jesus, criado por Ignácio de Loyola, tinha como objetivo as “almas”
do “Novo Mundo”. Uma vez que a quantidade de católicos teria sido reduzida na Europa,
nas Américas haviam milhões de “almas pecadoras” a serem convertidas.
Os jesuítas foram os escolhidos pela Coroa portuguesa para a catequização das
almas “selvagens” do Novo Mundo. O indígena, que teve sua humanidade questionada por
diversos clérigos da Igreja Católica, teve sua humanidade garantida através da Sublimes
Deus, Bula Papal escrita em 1537 pelo Papa Paulo III.

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Nela, é reconhecida a humanidade indígena, os nativos do continente americano,
finalmente puderam ter garantida a existência de suas almas e, portanto, poderiam ser
catequisados e suas almas salvas através da fé católica.
Após o reconhecimento da existência da alma dos nativos, os jesuítas vieram às
Américas “direcionar essas almas aos céus”. Rapidamente esses jesuítas aprenderam o
Tupi, enfrentaram os escravistas e desafiavam a Coroa portuguesa. Apesar dos pontos
positivos nesses padres jesuítas, essa catequização também envolveu violência cultural,
pois os padres não aceitavam os padrões culturais indígenas e os assimilavam ao culto
aos demônios. Não aceitavam as religiões indígenas, nem seus idiomas e tão pouco suas
práticas matrimoniais. Assim eram obrigados a abandonarem sua cultura. Para Freyre,
a cultura portuguesa dominante sobre a indígena teria sido benéfica na construção do
brasileiro, mas também valoriza diversos pontos da cultura indígena.
Para além desta questão cultural, economicamente, os portugueses aqui
estabeleceram uma colônia de exploração e uma das obrigações dos donatários das
capitanias hereditárias era produzir açúcar, isto é, a fundação da colônia do Brasil foi
estabelecida na economia agrária que dominará o cenário brasileiro até nossos dias.
Quando Freyre escreve sua obra, (década de 1930) o país havia acabado de sair
da chamada República do Café com Leite, que foi o nome dado ao esquema de poder
orquestrado pela elite agrária brasileira, sobretudo as de São Paulo e Minas Gerais, ou seja,
Freyre se dedicava a compreender o Brasil que vivia e percebeu a influência portuguesa
colonial nesse processo.
Essa colonização com base em uma economia de exploração agrária teve como
mão-de-obra o trabalho escravo. Os africanos, trazidos à revelia para o Brasil, segundo
Freyre, lançaram as bases da nossa economia. Foi o trabalho escravizado que possibilitou
a formação da Colônia Brasil e que sustentaria nossa economia por séculos.
A presença de africanos e africanas no país gerou o relacionamento com portugueses
e indígenas hibridizando ainda mais a nossa sociedade. Para ele, essa miscigenação é a
grande característica de nosso povo. A colonização portuguesa, portanto, formou um Brasil
de sociedade agrária, escravocrata e híbrida.
Autor ainda, destaca pontos da cultura portuguesa que foram inseridos em nosso
país. Os portugueses seriam mais unidos para Freyre, pois foram o primeiro povo europeu
a constituir uma nação (1385), os primeiros a se lançarem ao grande mar (século XIV) e por
isso mesmo, esse exemplo da união territorial de Portugal nos ajudou a manter as fronteiras
do Brasil que permaneceram até os dias de hoje. Uma união vista entre os portugueses,
mas não entre os europeus, que se dividiram em vários países.

UNIDADE I Sociologia Brasileira:Gilberto Freyre 15


Outra característica que Gilberto Freyre destaca é a mobilidade, pois portugueses
ao iniciarem as Grandes Navegações se provaram ser uma nação disposta a se deslocar
para crescer e conquistas, esta mobilidade portuguesa também seria vista entre os padres
jesuítas de Portugal, que se deslocaram até a Colônia para levar a fé católica.
Os portugueses após unificarem o território tinham a Espanha como adversária
e única fronteira, ou seja, a única forma de driblar seus rivais seria via mar. As rotas
comerciais mais importantes passavam pelo mediterrâneo, mas os muitos intermediários
encareciam os produtos vindos do oriente, a solução era encontrar uma nova rota pelo
Atlântico que contornasse o continente africano. Os portugueses se lançaram ao grande
mar para solucionar suas dificuldades e, com essa ousadia, elogiada por Freyre, conseguiu
tornar um pequeno país em uma grande potência.
Além da unidade territorial e mobilidade, a miscibilidade portuguesa, teria sido, para
Freyre, a qualidade mais importante para a formação do Brasil, pois teria sido ela que uniu
os povos que colonizaram essa terra, teria sido a miscibilidade que colaborou para um
Brasil livre de racismo e fundado, no que chamou de Democracia Racial. Essa miscibilidade
viria acompanhada de uma capacidade de assimilação sem igual entre os povos europeus.
Para ele os portugueses assimilariam mais facilmente outras culturas podendo conviver
com elas. Freyre aqui despreza o fato de que a suposta miscibilidade e assimilação na
verdade foi feita através do extermínio de povos indígenas e suas culturas.
Essa miscibilidade ao estabelecer a democracia racial lança a ideia de que
indígenas, brancos e negros viviam harmoniosamente no território o que proporcionou o
sucesso dessa colonização e impôs limites às práticas racistas. Lembrando que as práticas
racistas no Brasil, negadas por Freyre, se direcionavam a africanos e indígenas.
Em sua tentativa de elogiar a cultura indígena, acabou por perpetuar a ideia de
que o indígena seria preguiçoso, pois teria pouca disposição para o trabalho agrícola.
Também os classificou como os que teriam facilitado o intercurso sexual responsável pelo
aumento demográfico da Colônia. E ainda afirmou que ofereceram pouca resistência à
colonização e imposição religiosa. Apesar de tudo, sempre considerou os indígenas como
a raça formadora do povo brasileiro.
Já o africano teria sido o grande responsável pelo desenvolvimento econômico da
Colônia. Imprescindível às atividades econômicas e seria a raça “forte” na formação do
brasileiro.

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SAIBA MAIS

Gilberto de Mello Freyre. Nasceu em Recife, a 15 de março de 1900, e, nesta mesma


cidade, faleceu a 18 de julho de 1987. Gilberto Freyre foi um polímata brasileiro. Como
escritor, dedicou-se à ensaística da interpretação do Brasil sob ângulos da sociologia,
antropologia e história. Foi também autor de ficção, jornalista, poeta e pintor. É considerado
um dos mais importantes sociólogos do século XX. Recebeu da Rainha Elizabeth II o
título de "Sir", sendo um dos poucos brasileiros detentores desta alta honraria da coroa
britânica. Sobre Freyre, falou Monteiro Lobato: "O Brasil do futuro não vai ser o que
os velhos historiadores disserem e os de hoje repetem. Vai ser o que Gilberto
Freyre disser. Freyre é um dos gênios de palheta mais rica e iluminante que estas
terras antárticas ainda produziram".

Fonte: FRAZÃO, D. Biografia de Gilberto Freyre. 2021. Disponível em: https://www.ebiografia.com/


gilberto_freyre/. Acesso em: 04 ago. 2022.

REFLITA

“Freyre procurou e conseguiu criar um sentimento de identidade nacional brasileiro que


permitisse algum ‘orgulho nacional’ como fonte de solidariedade interna”.

Fonte: Souza (2017).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

É inegável a importância de Gilberto Freyre para a intelectualidade brasileira. Suas


obras ainda são obrigatórias para quem pretende compreender o Brasil. Seus escritos
ainda são analisados vastamente no Brasil e no mundo. Sua contribuição é notória, tanto
para simpatizantes quanto para críticos.
Percebemos que a contribuição de Freyre para a explicação do Brasil passa,
primeiramente, pelas relações culturais entre povos indígenas, europeus e africanos. Em
toda a sua obra, se esforça para construir uma narrativa intelectual que apresentasse esses
povos como importantes para a construção do Brasil.
No período em que escreve, a contribuição indígena e africana era negada, mas
Freyre as vê como importantes e valoriza sua participação. Em sua análise, apesar do
destaque dado a participação portuguesa, Freyre consegue trazer uma nova análise que
tem mais a ver com a brasilidade.
Sua obra não pode ser reduzida ao seu conceito mais famoso “democracia racial”.
Este conceito, muito atacado, onde Freyre afirma que existe uma harmonia na miscigenação
do país e acaba por minimizar toda a violência colonizadora e o racismo herdado após
o fim da escravidão. Apesar de ter valorizado demasiadamente o caráter positivo desse
caráter híbrido de nossa composição social, ele alcança seu objetivo, trazer uma história e
sociologia do Brasil que traz para o centro da discussão, indígenas e africanos.

UNIDADE I Sociologia Brasileira:Gilberto Freyre 18


LEITURA COMPLEMENTAR

Na obra na cita você terá contato com a obra de Freyre utilizada neste capítulo,
através do artigo de Silva. Casa Grande & Senzala é uma das obras mais importantes
da intelectualidade brasileira. O mito da democracia racial ainda é muito estudado e é
necessário que seja compreendido.

Fonte: SILVA. M. L. A. M. Casa Grande & Senzala e o mito da democracia racial.


Revista brasileira de ciências sociais, São Paulo, v. 39, n. 39, 2017.

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MATERIAL COMPLEMENTAR

LIVRO
Título: Casa Grande & Senzala
Autor: Gilberto Freyre.
Editora: Global.
Sinopse: Em 1933, após exaustiva pesquisa, Gilberto Freyre
publica “Casa Grande & Senzala”, livro que revoluciona os estudos
no Brasil, tanto pela novidade dos conceitos quanto pela qualidade
literária. É considerado o livro capital da cultura brasileira. Passados
quase 90 anos, continua sendo um clássico da nossa literatura,
mostrando, com beleza e vigor, a formação do povo brasileiro pela
mistura de raças e culturas. A atual edição possui introdução de
Fernando Henrique Cardos.

FILME/VÍDEO
Título: Terra Vermelha
Ano: 2008.
Sinopse: Um grupo de indígenas vivem em uma fazenda
trabalhando como escravos e ganham alguns trocados para
posarem como atração turística. Eles decidem reivindicar suas
terras e de seus ancestrais, começando um grande conflito com
os fazendeiros.
Link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=nOCFZWF_Wb4

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UNIDADE II
Sociologia Brasileira:
Sergio Buarque de Holanda
Prof. Mestre Paulino Peres

Plano de Estudo:
● Sergio Buarque, o oposto de Gilberto Freyre;
● Sergio Buarque e a culpa dos portugueses;
● Sergio Buarque e o Homem Cordial;
● Sergio Buarque, o homem cordial e a política brasileira

Objetivos da Aprendizagem:
● Compreender a origem e formação do Brasil à partir da colonização
portuguesas e suas consequências;
● Entender os aspectos culturais dos portugueses e
sua herança deixa a nós, brasileiros;
● Analisar como Sergio Buarque construiu uma explicação totalizante do Brasil;
● Compreender o conceito de homem cordial e sua
importância para a sociologia brasileira.

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INTRODUÇÃO

Sergio Buarque de Holanda, assim como Gilberto Freyre, constrói uma narrativa
a partir da análise das relações culturais do Brasil colonial presentes na relação entre os
portugueses dominantes e indígenas e africanos dominados. Mas ao contrário de Freyre,
Holanda vê a influência portuguesa no Brasil como algo negativo e duradouro em nosso
comportamento.
Na unidade II levantaremos os principais conceitos de Sergio Buarque utilizados em
seu mais famoso livro, Raízes do Brasil, escrito em 1936, para compreender o brasileiro.
Vamos buscar compreender porque o autor entende a influência da colonização
portuguesa como negativa, a partir da análise sobre a suporta desorganização, falta
de planejamento dos portugueses. Entenderemos também porque coloca a alcunha de
aventureiro aos portugueses e como toda essa construção teórica ajuda a desenvolver o
conceito de homem cordial e como esse conceito, para ele, representa bem o povo brasileiro.

UNIDADE III Sociologio


Sociologia Brasileira:Gilberto
Brasileira: Sergio Buarque
Freyre de Holanda 22
1. SERGIO BUARQUE, O OPOSTO DE GILBERTO FREYRE

Sergio Buarque com certeza é um dos maiores pensadores do Brasil e do que é o


brasileiro, e assim como Gilberto Freyre, propuseram uma teoria geral da formação do nosso
povo. Ambos de fato contribuíram muito para nossa formação teórica. A Holanda é dado
os louros por ter uma visão teórica altamente eficiente sobre a nossa formação, já a Freyre
resta a minimização de sua teoria a um único conceito, o de Democracia racial. Pensar
Holanda e Freyre desta forma é uma maneira injusta de pensar a sociologia brasileira.
Recentemente muitos autores vem elaborando críticas a Holanda. Críticas que
demoraram a ganhar força na Academia, enquanto que Freyre vem sofrido duras críticas
a décadas. E isso levando em consideração que ambos escreveram suas principais obras
na década de 1930.
Casa Grande e Senzala, de Freyre, ganhou o Brasil e o mundo, não à toa esse autor é
um dos principais do país até hoje. Seu famoso e controverso conceito de democracia racial
que afirma que indígenas, portugueses e africanos criaram um Brasil livre de preconceitos
raciais foi levado a sério por muito tempo pela intelectualidade mundial. Com o tempo esta
teoria se mostrou falha, visto que o Brasil possui um racismo estrutural significativo.
Apesar deste conceito não ter aprovação na Academia, é necessário lembrar
que Freyre, ao construir sua teoria, levou em consideração a importância de africanos e
indígenas na construção do povo brasileiro.

UNIDADE III Sociologio


Sociologia Brasileira:Gilberto
Brasileira: Sergio Buarque
Freyre de Holanda 23
Valorizou diversas características destes dois povos. Portanto, a obra de Freyre é
um esforço para apontar as qualidades do povo brasileiro.
Dito isto, pode-se afirmar que Sergio Buarque faz o inverso. O autor tem uma visão
mais pessimista sobre o nosso povo, ele aponta diversos problemas em nossa construção,
se esforçando sempre em tentar provar que o brasileiro, em sua construção, deu errado.
Claro, Holanda não quer dizer que o brasileiro não tem jeito ou ainda que isso signifique que
por aqui não existam qualidades, mas Holanda parece se incomodar com a visão otimista
de Freyre.
É importante lembrar que Sergio Buarque viveu em um momento da história bra-
sileira onde a pobreza, desigualdade, miséria, analfabetismo eram grandes no país, muito
mais que no século XXI. Apesar de ser um membro da elite carioca e morar no Leblon, se
comovia com as massas desprezadas pelos presidentes da República do Café com Leite,
representantes de uma elite agrária e indiferentes às mazelas do povo brasileiro. A sua
principal obra, Raízes do Brasil, é uma denúncia a um país que não estava no caminho
certo.
Na tentativa de denunciar e explicar porque o Brasil não trilhava o rumo certo,
acabou, sem intenção, inferiorizando o brasileiro ainda mais. Seu conceito de Homem
Cordial mostra um brasileiro avesso há tudo aquilo que seria bom para a construção de um
povo e de uma sociedade. Sergio Buarque de Holanda, portanto, seria o oposto de Gilberto
Freyre. Freyre é otimista, Holanda, pessimista. Freyre ainda acreditava, Holanda, parece
não alimentar muitas esperanças. Freyre acreditava que os portugueses colaboraram
positivamente para a nossa colonização, já Sergio Buarque os culpa por todas as nossas
mazelas. Realmente, são pessoas bem diferentes explicando um mesmo povo.

UNIDADE III Sociologio


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Brasileira: Sergio Buarque
Freyre de Holanda 24
2. SERGIO BUARQUE E A CULPA DOS PORTUGUESES

Para Sergio Buarque de Holanda a colonização portuguesa trouxe ao Brasil a


cultura da personalidade, isto é, o apego ao prestígio pessoal que resultou na ausência de
uma moral de culto ao trabalho. Portanto, logo de início Holanda realiza sua primeira crítica
aos portugueses.
Para ele, o desenvolvimento da Península Ibérica não foi o mesmo que o de outros
países europeus. De Portugal teria vindo as fraquezas das instituições e falta de organização
social, ideia que futuramente seria mais explorada por um seguidor de Holanda, Raymundo
Faoro em Os donos do poder.
Mas mesmo entre os ibéricos existiam diferenças e desenvolveu a ideia de dois
tipos de explorador no Brasil colonial, o trabalhador e o aventureiro. O trabalhador teria
um olhar mais restrito, cuidadoso e direcionado, já o aventureiro possuía um olhar mais
amplo e de esforço persistente. Acreditava que espanhóis se adequavam ao tipo ideal do
trabalhador enquanto que os portugueses ao de aventureiro. Isso, para ele, teria gerado
uma colônia mal organizada, sem planos a longo prazo, com cidades irregulares e com
governos fracos e corruptos.
Para realizar sua Colônia na América os portugueses utilizaram a escravidão como
mão-de-obra e assim supria o que faltava em sua economia. Primeiro escravizaram os
indígenas e após os africanos. O indígena não se adaptou a escravidão, no olhar europeu,
e por isso mesmo os substituíram pelos africanos.

UNIDADE III Sociologio


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Brasileira: Sergio Buarque
Freyre de Holanda 25
É importante destacar que a população africana no Brasil também não se adaptou
a essa condição, porém, a diferença entre africanos e indígenas é que os nativos conheciam
essa terra e após fugirem era quase impossível os recapturarem. Já os africanos, por
desconhecer o Brasil, eram mais facilmente capturados e as diferenças de idioma também
dificultavam a união entre eles, problema que quase não existia entre os indígenas, uma
vez que a maioria dos escravizados eram de um mesmo tronco linguístico, o Tupi-guarani.
Além disso, existia uma pressão católica pelo fim da escravização indígena.
Os africanos no Brasil eram trazidos de diversas regiões da África e eram muito
diferentes entre si. A aposta dos portugueses era que reunissem em uma mesma senzala
diversos africanos em que a maioria desconhecia a cultura do outro. Assim, aqueles homens
e mulheres escravizadas não sentiam proximidade com os outros e não conseguiam se
comunicar. Com os indígenas usar esta estratégia era mais difícil.
Para Sergio Buarque, como os portugueses já tinham contato com povos não
europeus, através de suas navegações pioneiras em torno da África, conseguiram
facilmente dominar os nativos e através da Companhia de Jesus possuíam uma forma de
se comunicar muito mais simpática que a protestante.
Os jesuítas, em suas missões reuniam os indígenas e os protegiam do ataque
dos colonizadores e dos bandeirantes fazendo com que fossem vistos por muitas nações
indígenas como protetores.
A construção econômica do Brasil baseado na escravidão fez o colono branco
acreditar que o trabalho físico não dignificava o homem, mas sim o trabalho intelectual
o que gerou uma dicotomia entre o mundo rural e urbano, pois o rural era considerado
tradicional, atrasado e palco do trabalho braçal, enquanto que o urbano era o mundo dos
valores modernos, avançados e o lugar do trabalho intelectual.
Sergio Buarque de Holanda elabora vários conceitos que opõe tipos ideais. É clara
a influência da sociologia de Max Weber em Buarque de Holanda. Recorrendo à sociologia
de Weber, Sergio Buarque identifica entre os ocupantes do continente americano os “tipos
ideais” que nomeou de semeador e ladrilhador.
O ladrilhador seria o colonizador espanhol e estaria associado às cidades e a
racionalidade. As cidades espanholas e suas colônias nas Américas são planejadas,
desenhadas em linhas retas. A cidade, portanto, seria a empresa da razão, contrária à
ordem natural, pois previa rigorosamente o plano para a existência das próprias cidades.
Já o semeador, que representa os portugueses, associou ao litoral e a cidades
irregulares, sem planejamento.

UNIDADE III Sociologio


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Brasileira: Sergio Buarque
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Para ele os portugueses não entraram no interior do país nos primeiros 200 anos
pois não tinham planos a longo prazo, por isso construíram suas cidades no litoral, não à
toa receberam o apelido de “caranguejos arranhadores da Costa”. As cidades, nascidas
e crescidas sem o mínimo de planejamento tinham o objetivo de fazer fortuna rápida,
dispensando um trabalho e organização regular.
Para além disso, ainda irá responsabilizar os portugueses pela forma de agir em
sociedade dos brasileiros. Para ele, os brasileiros herdaram dos portugueses hábitos no
cotidiano que atrapalham o desenvolvimento do país, entre eles a corrupção como a pior
delas. Segundo ele tudo isso teria origem no intimismo de nossas relações, ou seja, no
Brasil existiria o predomínio de relações humanas simples e diretas que rejeitam a polidez
e a padronização, características da civilidade.
Aqui percebe-se como Holanda acreditava que o brasileiro não possui comportamento
civilizado, e responsabiliza os portugueses por trazerem em suas caravelas os responsáveis
por nos deixaram essa terrível herança.
Vai além, afirma que existe uma relação íntima entre a vida pública e privada que
atrasou o desenvolvimento do país, fazendo com que nós, ao nos tornarmos independentes,
rejeitássemos a tendência em todo o continente em se tornar uma República e formássemos
um Império nas Américas e, claro trazendo desconfiança de todos os nossos vizinhos sobre
nossas reais intenções. Ainda seria esse intimismo em nosso povo que fez de nós o último
país do continente a libertar os escravos. Ainda teria sido graças a esse nosso jeito de ser
que mesmo se tornando uma República desde 1989 continuássemos a desprezar nosso
povo. A esse comportamento brasileiro, Sergio Buarque nomeia de Homem Cordial.

UNIDADE III Sociologio


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Brasileira: Sergio Buarque
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3. SERGIO BUARQUE E O HOMEM CORDIAL

O homem cordial é, talvez, um dos mais famosos conceitos da sociologia brasileira.


Presente nos livros acadêmicos e tido como um conceito-chave para a compreensão de
Brasil, promove uma visão psicológica e cultural de nosso povo. Sergio Buarque elabora este
conceito partindo do princípio que o brasileiro herdou práticas portuguesas e as incorporou
a sua conduta, conforme, cita abaixo:
A lhaneza no trato, a hospitalidade, e generosidade, virtudes tão gabadas por
estrangeiros que nos visitam, representam, com efeito, um traço definido do
caráter brasileiro, na medida, ao menos, em que permanece ativa e fecunda
a influência ancestral dos padrões de convívio humano, informados no meio
rural e patriarcal. Seria engano supor que essas virtudes possam significar
“boas maneiras”, civilidade. São antes de tudo expressões legítimas de um
fundo emotivo extremamente rico e transbordante. Na civilidade há qualquer
coisa de coercitivo – ela pode exprimir-se em mandamentos e sentença (HO-
LANDA, 1999, p. 141).

Sergio Buarque tenta definir, mas não de forma absoluta, a identidade nacional
brasileira através do conceito de homem cordial onde a nossa cordialidade enfatiza
o predomínio de relações humanas baseadas nas emoções. Este aspecto de nossa
cordialidade estaria presente, por exemplo, no excesso de diminutivos como expressão
de afeto: o “Joãozinho”, a “Terezinha”, o “bonitinho” expressam bem, segundo ele, nosso
caráter emocional.
Cordial então, não está ligado à forma como se entende no dia-a-dia, como alguém
que é educada com a outra, mas está relacionado diretamente à origem desta palavra “cor”
que é a mesma origem de palavras como “coração” e “cardíaco”.

UNIDADE III Sociologio


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Brasileira: Sergio Buarque
Freyre de Holanda 28
O conceito “cordial”, portanto, representa a metáfora que a sociedade deu ao
coração, isto é, aos sentimentos. Em outras palavras, o homem cordial é o homem que age
motivado por suas emoções, sendo assim, pouco racional.
O homem cordial seria, portanto, emotivo, superficial, intimista, familiar, sem coesão
social, avesso às regras, pouco polido, não suportando viver consigo e por isso mesmo vivia
nos outros, ou seja, pouco racionais. Esta é a característica que Sergio Buarque alcunha
aos brasileiros, uma alcunha que acaba minimizando as práticas de relacionamento social
entre os brasileiros.
Essa cordialidade em nossas relações teria, inclusive, nos trazido dificuldades na
Constituição de um Estado brasileiro, pois o Estado tornou-se um prolongamento da família.
O homem cordial não conseguiria, segundo ele, separar o público do privado. O rigor da lei
é afrouxado e todos são amigos em todos os lugares. O Estado é dominado por uma elite
que faria do Estado um “puxadinho” de sua família e assim o nepotismo se tornaria uma
marca no poder político brasileiro. O Estado brasileiro seria propriedade da família, onde
laços sentimentais e familiares são transportados para o ambiente do Estado.
A cordialidade do brasileiro se apresenta de diversas formas, desde um motorista
tentando convencer o policial a não o multar, até uma “carteirada” de um juiz a ser parado
em uma blitz. Em ambos os exemplos, vemos o desprezo pela formalidade ética, no primeiro
caso o conhecido “jeitinho brasileiro”, no segundo o “você sabe com quem está falando?”
Percebe-se, portanto, como Sergio Buarque entende o brasileiro e o Brasil. Vê
o Brasil como um país agrícola, rural e pouco desenvolvido. Para ele a política brasileira
de sua época era extremamente corrupta assim como o povo brasileiro. Não demonstra
grandes expectativas se o perfil do brasileiro continuasse sendo este. Evidentemente que
o autor vive em período da história do Brasil onde realmente o Brasil não apresentava
grandes mudanças e isso pode ter minado suas esperanças.
Em 1936 quando publica Raízes do Brasil algumas mudanças apontavam no
horizonte. A elite agrária havia sido enxotada do poder (1930), uma nova Constituição
havia sido escrita (1934) e um governo democrático parecia que poderia trazer mudanças,
mas em 1937 um golpe de Estado liderado por Getúlio Vargas, com inspiração fascista
se concretizou no país, e as características cordiais envolvendo a política nacional se
mostraram tão evidentes quanto antes.
A realidade brasileira, evidentemente alvo de críticas de Sergio Buarque, o motivou
a pensar que o brasileiro era levado a esses tipos de relações cordiais como forma de
driblar seus problemas.

UNIDADE III Sociologio


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Brasileira: Sergio Buarque
Freyre de Holanda 29
Também é importante lembrar que o autor jamais afirmou que nós, brasileiros
seríamos os criadores de tal comportamento, mas que havíamos herdado de nossos
colonizadores portugueses tal prática inspirados na desorganização do Estado português e
seu plano colonial imediatista.
As críticas mais recentes ao autor estão direcionadas exatamente sobre a forma
como classifica os brasileiros, mas o mesmo o faz culpando os portugueses e nos coloca,
na verdade, como vítimas de uma colonização cruel, desorganizada, exploratória, intimista
e corrupta que geraria uma desenfreada rede de ligações familiares com o poder político.

UNIDADE III Sociologio


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4. SERGIO BUARQUE, O HOMEM CORDIAL E A POLÍTICA BRASILEIRA

A cordialidade brasileira afetou a nação de diversas formas, mas foi na política


que mais teve visibilidade e gerou consequências. Para ele, a democracia foi sempre um
mal-entendido no Brasil e não somente porque no período imperial (1822-1889) apenas
pessoas ricas pudessem votar. Não somente porque durante a República Velha (1989-1930)
pessoas não alfabetizadas eram excluídas do voto, o que fazia que quase a totalidade da
população não votasse. Holanda afirma que a democracia não se consolidava no país, pois
os grandes movimentos sociais e políticos vieram de cima para baixo, fazendo com que o
povo sempre ficasse indiferente a tudo.
No Brasil, durante o Império, apesar do imperador não ser elegível, os cargos do
legislativo eram, entretanto, a estrutura de poder brasileira que beneficiava a elite agrária do
país criou o voto censitário que excluía do direito ao voto aqueles que não provassem que
possuíam renda anual mínima de 100 mil réis. Uma lei claramente com o objetivo de excluir os
mais pobres, negando a eles o direto à participação. Essa exclusão proporcionada pela elite e
a classe política contribuiu para a manutenção da pobreza e gigantesca desigualdade social.
Com a chegada da República houve uma certa esperança de rompimento de
práticas elitistas na política nacional. Este otimismo se mostrou ingênuo, uma vez que os
militares ao assumirem o poder em 1889 organizam uma Constituição (1891) que manteve
a exclusão dos mais pobres através da proibição do voto dos não alfabetizados. Apenas
houve a substituição do voto censitário pelo voto restrito aos alfabetizados.

UNIDADE III Sociologio


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Ambas as manobras políticas possuem o mesmo objetivo, a exclusão dos mais
pobres. Sergio Buarque percebe que essas manobras demonstram não somente a
sagacidade da classe política, mas as relações culturais que estão por trás delas. Relações
baseadas na captura do Estado por uma pequena elite indiferente ao Estado Brasileiro
e que privilegiavam seus negócios pessoais e que faziam do Estado uma parte de suas
próprias práticas econômicas.
Além das questões políticas que envolvem os abusos da elite, Sergio Buarque
aponta para uma herança entre a população em geral que envolve a estrutura cultural
portuguesa e seu caráter autoritário e desorganizado. Seu diagnóstico sobre nós mesmos,
apontou o autoritarismo, a ausência de uma ética do trabalho, o gosto pelo ócio que se
traduziam naquilo que aponta como nossa reduzida capacidade de organização social e
uma inclinação à anarquia e a desordem.
Portanto, a forma com que o Brasil poderia trilhar um rumo democrático, civilizado,
desenvolvido seria realizar uma ruptura com o homem cordial, ou seja, deixarmos de ser
cordiais, afetivos, intimistas, avesso às regras, etc. Assim, acreditava ele que o brasileiro
jamais faria uma Revolução visto que nossa cordialidade não é compatível com rupturas,
pois:
No Brasil, sempre foi uma camada miúda exígua que decidiu. O povo sempre
está inteiramente fora disso. As lutas, ou mudanças são executadas por
essa elite e em benefício dela, é óbvio. A grande massa navega adormecida,
num estado letárgico, mas em certos momentos, de repente, pode irromper
brutalmente (HOLANDA, 1999, p. 98).

Uma denúncia importante de Sergio Buarque. Ao afirmar que o poder político, através
de relações cordiais, está nas mãos de um pequeno grupo, exclui o povo brasileiro. Apesar
de sua dura afirmação sobre nosso povo ser demasiadamente cordial, demasiadamente
afetivo e pouco racional, não poupou a elite brasileira dessa alcunha. Para ele a elite
brasileira é tão cordial quanto as massas.
Assim sendo, acreditava que apenas uma revolução poderia apagar no brasileiro
os resquícios de nossa história colonial influenciada pelos portugueses e começar a
traçar uma história nossa, diferente e particular. Entretanto, Sergio Buarque não acredita
realmente que o brasileiro pudesse fazer uma revolução, pois considera nosso povo passivo
e distante de grandes mudanças sociais. Alguns descordaram de Holanda, pois afirmam
que o mesmo desconsiderou as revoltas de escravos, a formação de quilombos, revoltas
como a Conjuração Baiana, Revolta dos Malês, além das revoltas regenciais como balaiada
e cabanagem ou ainda os dois anos de guerra pela independência localizadas na província
da Bahia.

UNIDADE III Sociologio


Sociologia Brasileira:Gilberto
Brasileira: Sergio Buarque
Freyre de Holanda 32
Na república diversas revoltas tenentistas, movimentos de banditismo agrário,
greves urbanas ou até mesmo a Coluna Prestes. Todos esses exemplos mostram que
o brasileiro também exerce papel ativo nas relações políticas do Brasil, mesmo sendo
limitados pelas manobras políticas.
Sendo assim, para Sergio Buarque, as relações políticas brasileiras são permeadas
pelo clássico comportamento cordial presente em todas as relações sociais brasileiras,
sendo herança portuguesa. Assim, a corrupção e desorganização de nossa política seria
tão presente devido à essa cordialidade, a esse relacionamento intimista que faz do Estado
uma continuação da família, e assim, sem qualquer remorso os políticos fazem dos cargos
públicos uma esfera da vida privada. Irmãos, primos, tios e amigos, para além da esfera
íntima, são também, presentes na esfera pública. Isso só acontece, segundo ele, graças a
existência do homem cordial brasileiro.

SAIBA MAIS

Sérgio Buarque de Holanda foi casado com a intelectual e escritora Maria Amélia de
Holanda, apelidada Memélia. Com Maria Amélia, Sérgio teve sete filhos, entre os quais:
o músico, cantor e compositor Chico Buarque de Holanda; a cantora e compositora
Miúcha; a cantora, compositora, atriz, dramaturga e produtora Ana de Holanda; e a
cantora e compositora Cristina Buarque. Miúcha, filha já falecida de Sérgio, era mãe da
cantora, compositora e produtora Bebel Gilberto, cujo pai era o cantor e compositor João
Gilberto.

Fonte: PORFIRIO, F. Sergio Buarque de Holanda. s/d. Disponível em: https://mundoeducacao.uol.com.br/


sociologia/sergio-buarque-de-holanda.htm. Acesso em: 18 jun. 2022.

REFLITA

“A inimizade bem pode ser tão cordial como a amizade, visto que uma e outra nascem
do coração”

Fonte: Holanda (1995, p. 107).

UNIDADE III Sociologio


Sociologia Brasileira:Gilberto
Brasileira: Sergio Buarque
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sergio Buarque, assim como Gilberto Freyre escreveu na década de 1930 e ambos
tentaram construir uma explicação total do Brasil a partir de suas origens miscigenadas.
Apesar serem membros da elite brasileira, serem intelectuais de destaque, de se esforçarem
intelectualmente com o mesmo propósito, tiveram conclusões diferentes sobre o Brasil.
Buarque de Holanda dispende esforços para mostrar porque o Brasil não deu certo.
Ele em sua obra demonstra insatisfação com a herança cultural herdada dos portugueses,
ao qual considerava afetivos e desorganizados. Holanda encontra seu bode expiatório, a
colonização portuguesa e a partir dos hábitos coloniais destes constrói a ideia do brasileiro
de sua época, o brasileiro cordial.
O homem cordial demonstra que ele não vê a população do país de forma positiva,
muito pelo contrário, ele afirma que nossos hábitos, aparentemente benignos, na realidade
são o nosso grande problema. Nossas relações intimistas e familiares foram estendidas
para espaços onde nunca deveriam ter entrado, sobretudo o espaço público, sendo assim,
o brasileiro cordial fez do espaço público extensão de sua própria casa.
Essas relações cordiais, emotivas, segundo Holanda, deveriam ser superadas para
que o Brasil pudesse avançar como civilização. Somente uma revolução poderia nos tirar
do legado português e nos deixaria livres para a construção de uma história brasileira.
Sergio Buarque, apesar de mostrar-se negativo em relação ao nosso passado e
presente, apresentava certo otimismo quando falava em revolução. Via no Brasil potencial
para que pudéssemos superar nossos problemas e deixar de ser uma nação desorganizada,
corrupta e frágil.
As recentes críticas intelectuais ao seu conceito de homem cordial vão em direção
à ideia de que ele não acreditava no país e que inferiorizava o povo brasileiro. O conceito de
Holanda realmente é bem duro em relação ao comportamento brasileiro, entretanto não o liga
ao futuro do Brasil, mas ao seu passado e sua herança patrimonialista portuguesa. Portanto
injusto é dizer que Holanda não possuía uma visão otimista do Brasil, muito pelo contrário,
quando afirma que devemos realizar uma ruptura com nosso passado colonial, está afirmando
seu otimismo em relação a nós mesmos. Sua expectativa por uma revolução, parece ser uma
torcida fiel a um Brasil realmente livre de seu passado e com certeza, não cordial.

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Brasileira: Sergio Buarque
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LEITURA COMPLEMENTAR

Acesse o material abaixo do Autor Sergio Costa e realize uma leitura aprofundada:

COSTA, Sergio. O Brasil de Sergio Buarque de Holanda. Scielo, São Paulo, v.


29, n. 3, p. 821-840. Disponível em: https://www.scielo.br/j/se/a/DBbDXXxXGdQX6MMNv-
5T6Qft/?lang=pt. Acesso em: 04 ago. 2022.

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MATERIAL COMPLEMENTAR

LIVRO
Título: Raízes do Brasil
Autor: Sergio Buarque de Holanda
Editora: Cia. Das Letras
Sinopse: Nunca será demasiado reafirmar que Raízes do Brasil
inscreve-se como uma das verdadeiras obras fundadoras da
moderna historiografia e ciências sociais brasileiras. Tanto no
método de análise quanto no estilo da escrita, tanto na sensibilidade
para a escolha dos temas quanto na erudição exposta de forma
concisa, revela-se o historiador da cultura e ensaísta crítico com
talentos evidentes de grande escritor. A incapacidade secular de
separarmos vida pública e vida privada, entre outros temas desta
obra, ajuda a entender muito de seu atual interesse. E as novas
gerações de historiadores continuam encontrando, nela, uma fonte
inspiradora de inesgotável vitalidade. Todas essas qualidades
reunidas fizeram deste livro, com razão, no dizer de Antonio
Candido, "um clássico de nascença".

FILME/VÍDEO
Título: Raízes do Brasil: uma cinebiografia de Sergio Buarque de
Holanda
Ano: 2003
Sinopse: O filme Raízes do Brasil é um documentário dirigido por
Nelson Pereira dos Santos a respeito da vida e da obra do escritor
e jornalista Sérgio Buarque de Holanda, autor da obra Raízes do
Brasil. O lançamento do longa-metragem no Brasil, em 2004, foi
uma homenagem ao centenário de nascimento de Sérgio Buarque
de Holanda (1902). O documentário inclui imagens do arquivo
pessoal do escritor e cenas históricas.
Link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=etUEsguoUx4

UNIDADE III Sociologio


Sociologia Brasileira:Gilberto
Brasileira: Sergio Buarque
Freyre de Holanda 36
UNIDADE III
Sociologia Brasileira: Caio Prado Junior
Prof. Mestre Paulino Peres

Plano de Estudo:
● Caio Prado Junior: vida e obra;
● Caio Prado Junior: um intelectual materialista;
● Caio Prado Junior: a formação étnica do Brasil contemporâneo;
● Caio Prado Junior: análise da obra Formação do Brasil contemporâneo.

Objetivos da Aprendizagem:
● Compreender a importância da origem do pensamento
materialista dialético de Caio Prado;
● Entender sua análise como materialista e não do ponto de vista
cultural como Freyre e Holanda;
● Analisar como Caio Prado Junior construiu uma
explicação totalizante do Brasil;
● Compreender como a lógica econômica portuguesa determinou a lógica
econômica e social na formação do Brasil.

37
INTRODUÇÃO

Caio Prado Junior, ao contrário de seus antecessores, Freyre e Holanda, não


realiza uma análise cultural do Brasil, mas material. Prado Junior, também retorna à colônia
brasileira e percebe que os portugueses estabeleceram aqui uma colônia baseada na mão-
de-obra escravizada em latifúndios de monocultura. Para ele, sua época ainda conservava
essas características e que esta seria a herança deixada pelos portugueses.
Nesta unidade compreenderemos os principais argumentos narrativos de Prado
Junior presentes em sua obra, Formação do Brasil contemporâneo (1944) para compreensão
do Brasil.
Aqui investigaremos porque Prado Junior analisa o Brasil a partir da economia e
não da cultura, como seus antecessores. Também analisaremos sua narrativa histórica
a respeito da economia colonial de dominação branca. Ainda procuraremos esclarecer
que ele percebe a lógica econômica colonial portuguesa baseada em uma economia de
monocultura agrária e latifundiária e como essa prática perpeuou-se pelo Brasil.

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1. CAIO PRADO JUNIOR: VIDA E OBRA

O paulista Caio Prado Junior foi mais um cientista social brasileiro que se propôs a
entender o Brasil, mas não do mesmo ponto de vista de seus antecessores, Gilberto Freyre
e Sergio Buarque de Holanda. Os dois anteriores ao realizarem suas análises históricas e
sociológicas do Brasil investiram em uma abordagem cultural. Caio Prado, marxista, fez
uma análise materialista dialética. A análise da estrutura brasileira foi seu grande foco.
Nasceu na capital paulista em 1907, de família aristocrática, foi ensinado em
casa. Sua origem elitista contrasta com sua abordagem social materialista. Mesmo rico,
sempre teve uma vida discreta e simples. Em sua infância e adolescência não conseguia
compreender porque ele e sua família tinham tanto e os demais habitantes brasileiros tinham
tão pouco, assim logo se interessou pelos estudos sobre o capital, pobreza, desigualdades
e classes sociais.
Na década de 1920 a efervescência intelectual e política reinava em São Paulo.
Um período de rebeldia na capital paulista o estimulava o que o levou a militar na esquerda
política brasileira desde 1928. Logo, o Brasil viveria a “Revolução de 1930”, iniciamos a Era
Vargas, expansão da democracia e dos direitos para logo em seguir sofrermos um Golpe de
Estado em 1937, ascensão do fascismo e início da segunda guerra mundial. Os anos 1930
foram da esperança ao fracasso e Caio Prado, durante o Estado Novo (1937-1945) escreve
em 1942 sua obra mais famosa, Formação do Brasil Contemporâneo.

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Caio Prado, nesta célebre obra, explica o Brasil, não mais enfatizando os heróis
individuais, mas a partir da análise de conjecturas em que os grupos políticos, segmentos da
raça e de classe têm um papel privilegiado na explicação da história. Até 1930 a historiografia
nacional estava dominada pela presença da história política, recheada de heróis nacionais
(preferencialmente republicanos) e também por preconceitos antropológicos como a
“superioridade racial” do homem europeu.
Formação do Brasil Contemporâneo é pioneira a utilizar uma perspectiva marxista,
pois nela, vai procurar também as origens históricas do Brasil para compreender a evolução
política e econômica do Brasil.
Neste período, Caio Prado, além de sua influência em Marx e Engels, sobre influência
interna também. Em 1922 o Brasil presencia em São Paulo a Semana de Arte Moderna
que introduziu no país novas técnicas de abordagem estrangeiras. Aberto a inovações,
Caio Prado aceita desafios intelectuais. Deste movimento, bebe do antropofagismo de
esquerda presente no Manifesto Antropofágico do poeta Oswald de Andrade. O poeta
defende a cultura brasileira, defende ainda que ela poderia ser utilizada junto às influências
internacionais, sobretudo das que vinham da Europa e América do Norte (pois a maior parte
da cultura presente no país, vinham destes lugares).
Este nacionalismo de esquerda presente na antropofagia de Andrade e dos artistas
modernistas também possuía seu contraponto, o movimento verde-amarelista liderado por
Plínio Salgado do Partido Integralistas, partido autoritário de inspiração nazista dentro do
Brasil. Movimento verde-amarelista esse que ganhou a admiração de Getúlio Vargas à
época. O golpe de Estado dado por Vargas em 1937 teve início com o Plano Cohen, em que
Vargas espalha a falsa notícia que comunistas e judeus tentavam dar um Golpe de Estado.
Isso fez para que ele mesmo pudesse dar um auto-golpe.
Caio Prado, militante de esquerda, filiado ao Partido Comunista Brasileiro (PCB)
seria, evidentemente, perseguido pelo governo. Caio Prado havia defendido a chegada do
poder de Vargas em 1930, pois era crítico ferrenho da República aristocrática do Café com
Leite (1905-1930). Em 1935 cria a Aliança Nacional Libertadora (ANL) que tinha membros
de toda a esquerda e não apenas comunistas. Ainda em 1935 a ANL foi enquadrada na Lei
de Segurança Nacional e entrou na ilegalidade.
O PCB junto a ANL tentou uma insurreição armada sem sucesso que o deixou dois
anos recluso. Após sua libertação se autoexilou na França onde manteve contato frequente
com o PCF (Partido Comunista Francês). Retornou ao Brasil em 1939 percebendo que as
tensões europeias poderiam levar a uma nova guerra, o que de fato ocorreu.

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De volta ao Brasil, Caio Prado teve dificuldades de realizar sua militância teórica e
intelectual devido à forte repressão varguista. Vargas flertava com o nazi-fascismo, porém
após pressão dos Estados Unidos se afasta da Alemanha nazista e das forças do Eixo. Como
retaliação a Alemanha naufraga alguns navios mercantes brasileiros. Assim, o governo
Vargas é pressionado pela opinião pública e se afasta ideologicamente da Alemanha e o
Brasil se alia aos Aliados.
Com essa guinada à ideologia democrática no governo Vargas, figuras mais liberais
ganhavam destaque no Governo e assim, Caio Prado e o PCB se aproximam do Governo.
Acreditavam que a união contra o nazi-fascismo ajudaria a conquistar a democracia interna.
Foi com essa convicção que Caio Prado Junior, o comunista, auxilia na criação da União
Democrática Nacional (UDN), partido que ficaria famoso por ser altamente conservador.
Todos os problemas políticos que envolviam Caio Prado apenas o motivaram para
continuar suas análises histórica e sociológicas. Quanto mais ele compreendia os desafios
políticos e econômicos do Brasil mais inquieto ficava sobre as dificuldades brasileiras de
superação do passado colonial. Acreditava ele que o século XX havia herdado os males do
período colonial e imperial. Queria entender o sentido da colonização e sua aparente prisão
sobre a produção de gêneros agrícolas.
No fim do Estado Novo, Caio Prado utilizaria a sua fortuna familiar para criar a Editora
Brasiliense, que foi responsável por grande produção editorial de esquerda no país. Pela
editora publicou ainda História Econômica do Brasil, onde mais uma vez, analisa o Brasil
através de suas relações de produção onde o historiador tratou de aspectos econômicos do
Império e República a partir do tripé latifúndio, monocultura e escravidão.
Foi eleito deputado estadual em 1946 pelo PCB. Seu mandato foi curto, pois o
clima de Guerra Fria que atemorizava o mundo levou o PCB novamente à ilegalidade pelo
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) acusado de ser um partido antidemocrático e controlado
por interesses externos. Novamente seria preso, desta vez por três meses.
Durante a década de 1950 manteve uma alta produção intelectual na Editora
Brasiliense e nos anos 1960 publica seu mais polêmico livro, A revolução brasileira, onde
rompe com ideias clássicas do PCB, que defendiam o desenvolvimento democrático-
burguês.
Caio Prado, com certeza está em os grandes nomes das ciências sociais no Brasil.
Sua análise é ampla e comparada as de Gilberto Freyre e Sergio Buarque. Outros viriam após
e também entrariam nesse rol junto a esses três gigantes. A grande influência de Caio Prado
é sua influência marxista que inspiraria e ainda inspira historiadores e sociólogos no Brasil.

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2. CAIO PRADO JUNIOR: UM INTELECTUAL MATERIALISTA

As discussões teóricas sobre marxismo hoje são comuns na academia e fora dela
o nome de Marx é utilizado com propósitos diversos. A popularidade do nome de Marx hoje
nada é comparada ao marxismo do início do século XX no Brasil. As propostas socialistas
já eram conhecidas nas maiores cidades em industrialização, pois imigrantes europeus as
conheceram na Europa e aqui ela era estimulada. Mas ainda não tínhamos intelectuais
marxistas, eram poucos e seus escritos não tinham grande circulação. Caio Prado surge um
dos primeiros nomes de maior importância declaradamente marxistas na intelectualidade
brasileira.
Materialista-histórico-dialético, Caio Prado, dentro de um objeto de estudo escolhido,
relacionava a identidade (tese) à negação desta identidade (antítese) de modo que a última
substituiria a primeira formando uma nova identidade/tese (síntese). Esse processo seria,
portanto, cíclico, dialético.
Assim como em Marx, Caio Prado não assume a dialética (tese/antítese/síntese)
como algo espiritual, como ocorria na dialética de Hegel, mas sim, material (influência do
materialismo de Feuerbach). Da mesma forma que Marx, Caio Prado assume o materialismo
como condições materiais e históricas da sociedade, portanto, o materialismo é o método
utilizado pelos marxistas baseado nas condições materiais de uma sociedade.

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Estas condições materiais também podem ser compreendidas como relações de
produção ou relações de trabalho, ou seja, para os marxistas só é possível compreender
a sociedade a partir de suas relações de produção, de suas relações de trabalho, de suas
relações econômicas.
O método materialista-histórico dialético é inovador no sentido que inverte a com-
preensão da sociedade dando destaque para aqueles que estão na estrutura da sociedade,
pois se uma sociedade só pode ser compreendida em suas relações de trabalho, o traba-
lhador ganha destaque nesta análise, isto é, a sociedade agora seria entendida não mais a
partir de seus personagens políticos, mas através de grupos que até aquele momento eram
desprezados pela intelectualidade.
A obra de Caio Prado demostra sua predileção em explicar o Brasil através de suas
relações econômicas, como o fragmento a seguir:
É, pois, sob a ação de fatores contraditórios que evoluirá a nossa economia:
por um lado, assistiremos ao desenvolvimento daquele sistema (cafeeiro),
que atinge então um máximo de expressão com o largo incremento, sem
paralelo no passado, de umas poucas atividades de grande vulto econômico,
com exclusão de tudo mais. Mas, doutro, veremos resultar daquele mesmo
desenvolvimento os germes que evoluirão no sentido de comprometer a
princípio, e afinal destruir (se bem que o processo não esteja ainda terminado
nos dias que correm) a estrutura econômica tradicional do país (PRADO
JÚNIOR, 2000, p. 214-215).

O autor deixa claro sua análise econômica (materialista) sobre a sociedade brasileira
e também o aspecto contraditório (dialético) de sua explicação sobre o Brasil. Caio Prado
compreende o país através da produção cafeeira e da força produtiva por trás dela, a
escravidão.
A economia colonial baseada na monocultura latifundiária prejudicava o país,
portanto, para ele, seria através da economia que o Brasil deixaria de ser um país periférico.
O marxista Caio Prado, ao contrário de que desavisados ingênuos críticos do socialismo
dizem não realizou em sua obra uma orientação para a formação de uma Brasil socialista,
muito pelo contrário, o autor afirmava que para o Brasil fazer parte do grupo de países
dominantes seria necessário o desenvolvimento das relações capitalistas de produção.
Pode parecer que há aqui uma contradição, mas não, Caio Prado é um marxista fiel ao
determinismo econômico de Karl Marx.
Caio Prado acreditava que as relações de produção capitalistas deveriam se
desenvolver até o ponto que o desenvolvimento das forças produtivas iria entrar em
confronto com as relações de produção. A luta entre essas classes em um sistema de
produção capitalista levaria o proletariado a uma revolução socialista. Isto é, assim como em

UNIDADE III Sociologia Brasileira: Caio Prado Junior 43


Marx, o autor afirma que uma sociedade socialista emergiria de uma sociedade plenamente
capitalista através de uma luta de classes entre forças produtivas e donos dos meios de
produção.
Apesar de ver no Brasil um capitalismo ainda emergente, percebe que a colonização
no Brasil só teve sentido dentro da lógica do capitalismo europeu que se desenvolvia aos
poucos desde o século XV. Para ele:
No seu conjunto, e vista no plano mundial e internacional, a colonização dos
trópicos toma o aspecto de uma vasta empresa comercial, mais completa
que a antiga feitoria, mas sempre com o mesmo caráter que ela, destinada a
explorar os recursos naturais de um território virgem em proveito do comércio
europeu. É este o verdadeiro sentido da colonização tropical, de que o Brasil
é uma das resultantes; e ele explicará os elementos fundamentais, tanto no
econômico como no social, da formação e evolução histórica dos trópicos
americanos (PRADO JÚNIOR, 2000, p. 31).

Caio Prado, afirmava que o capitalismo no Brasil não havia se desenvolvido,


pois seria refém do capitalismo europeu. O pacto colonial colocava a colônia brasileira
totalmente submissa à sua metrópole portuguesa. Não havia qualquer tipo de liberdade
econômica. Os portos estavam fechados ao mundo e nossa única alternativa econômica era
Portugal. O colonialismo mercantilista intervinha de tal forma que Portugal era nosso único
cliente. Mesmo que outras nações oferecessem preços melhores por nossas mercadorias
estávamos presos ao Pacto Colonial.
Seguindo esta lógica, nossa sociedade também se construiu dentro de uma
realidade excludente determinada por nossas escolhas econômicas. O Brasil foi construído
em monoculturas latifundiárias em grande escala com o uso do trabalho escravo. Esta
lógica econômica torna o Brasil um país excludente. Novamente aqui percebemos como
ele se apoia nas causas materiais (econômicas) para explicar a realidade política e cultural
do nosso país.

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3. CAIO PRADO JUNIOR: A FORMAÇÃO ÉTNICA DO BRASIL CONTEMPORÂNEO

Assim como Freyre e Holanda, Caio Prado destaca a importância de africanos


e indígenas para a formação do Brasil contemporâneo. Nossa população seria fruto da
colonização e imigrações, mas sem descartar o caráter mercantil exercido pelos portugueses
através do trabalho escravizado de indígenas e africanos.
O Brasil foi pensado economicamente para atender aos interesses de Portugal, isto
é, para atender demandas estrangeiras e não necessariamente brasileiras e a economia
interna de subsistência era voltada para os interesses da população branca que se
beneficiava de seus privilégios legais instituídos pelos governantes instituídos por Portugal.
Assim forma-se no Brasil uma estrutura política baseada no poder do homem branco
católico que exerce domínio sobre indígenas e africanos.
Desde que chegou à América, o colonizador branco viu nos indígenas como força
produtiva. O exemplo histórico mais famoso é quando o indígena passou a ser utilizado na
extração de pau-brasil em troca de quinquilharias desde o século XV. Ou seja, para Caio
Prado:
Aqui no Brasil tratou- se desde o início de aproveitar o índio, não apenas para
obtenção dele, pelo tráfico mercantil, de produtos nativos, ou simplesmente
como aliado, mas sim como elemento participante da colonização. Os colonos
viam nele um trabalhador aproveitável; a metrópole, um povoador para a
área imensa que tinha de ocupar, muito além de sua capacidade demográfica
(PRADO JUNIOR, 2000, p. 91).

UNIDADE III Sociologia Brasileira: Caio Prado Junior 45


Os povos indígenas foram utilizados, além de força produtiva, como aliados em
guerras contra outras nações indígenas. As mulheres indígenas serviram como substitutas
das mulheres brancas. Na colônia brasileira, poucas mulheres estavam presentes, e logo,
para suprir o apetite sexual do colono e também para ajudar na ocupação do território,
muitos colonos brancos tinham filhos com mulheres indígenas.
Estes nativos ainda importavam muito para a Companhia de Jesus. A Igreja católica
enviou os jesuítas às américas para suprir sua necessidade numérica de fiéis, pois a
Reforma Protestante havia levado mais da metade dos católicos da Europa. A propagação
da fé católica, portanto, era prioridade no Novo Mundo.
Os interesses da Coroa portuguesa nem sempre eram os mesmos da Igreja e
muitos conflitos existiam entre esses grupos. No século XV uma grande discussão sobre
a escravização indígena tomou conta da teologia de padres nas américas. Alguns, como o
padre Sepúlveda, afirmavam que os indígenas não possuíam alma e que, por consequência,
poderiam ser escravizados. Já outros padres, como Las Casas, diziam o oposto. O problema
foi solucionado pelo papa Paulo III, quando escreve a bula papal Sublimis Dei atestando
a humanidade dos indígenas e que, consequentemente, não poderiam ser escravizados.
Apesar da máxima papal, os reis católicos driblavam a ordem eclesiástica de diversas
formas. Em Portugal, a escravização indígena só foi proibida em 1758.
A luta dos jesuítas em favor de uma legislação em prol da liberdade dos indígenas
gerou uma substituição gradativa pelo trabalho do africano escravizado. O indígena, mesmo
livre era visto como inferior e atrasado e o africano, cada vez mais requisitado no Brasil,
era tratado, como acontece em qualquer escravidão, como coisa, objeto e desumanizado.
Caio Prado ainda afirma que, apesar da raça (ainda não se usava o termo etnia)
dominante ser a branca vinda de Portugal, boa tarde do relacionamento social era realizado
em tupi. A relação entre brancos e indígenas foi bastante complexa, pois a escravização
indígena era um grande problema para o colonizador, pois a contestação de sua escravidão
tornava essa prática cada vez mais difícil, o mesmo não ocorreu com o trabalho escravizado
africano.
Os africanos foram trazidos largamente para o Brasil para exercerem o trabalho
que antes era exercido pelos indígenas. Eles tiveram destaque na história do país devido
sua importância e significativo número em nosso país. Eles já eram utilizados como escra-
vizados no Brasil, mas esse número cresce com a proibição da escravidão indígena. Pelo
menos seis milhões de africanos foram trazidos para o país.

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Para Prado Junior a utilização do africano desfavoreceu o português, pois eram
trazidos homens para o trabalho escravo e, com poucas mulheres, a natalidade entre eles
era pequena, economicamente, era uma vantagem, pois o trabalho masculino era mais útil
na lavoura, mas a natalidade entre africanos era baixa, uma vez que quase não haviam
mulheres. Além disso, o forte racismo direcionado contra os africanos favorecia a não união
sexual com os africanos.
Com o passar dos séculos, indígenas, africanos e europeus realizaram uma
profunda mestiçagem, segundo Prado Junior:
A mestiçagem, signo sob o qual se formou a etnia brasileira, resulta da
excepcional capacidade do português em se cruzar com outras raças. É a
uma tal aptidão que o Brasil deveu a sua unidade, a sua própria existência
com os característicos que são os seus (PRADO JUNIOR, 2000, p. 107).

Neste trecho, Caio Prado Junior, concorda com Gilberto Freyre quando afirma
sobre a capacidade do português de se misturar com outras raças, Gilberto Freyre chamou
isso de miscibilidade.
Essa mistura existente em nosso povo é, para Caio Prado, a principal e mais
importante característica do povo brasileiro e que surgiu nos relacionamentos econômicos
dentro da colônia. Para além disso, também alerta para o preconceito de cor existente no
Brasil que também é fruto desta mestiçagem.

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4. CAIO PRADO JUNIOR: ANÁLISE DA OBRA FORMAÇÃO DO BRASIL
CONTEMPORÂNEO

Formação do Brasil contemporâneo, publicado por Caio Prado Junior em 1942, tem
como objetivo entender o sentido da colonização brasileira. Esta importante obra segue a
linha de raciocínio de teoria total de explicação do Brasil também presente em Casa Grande
& Senzala (1933), assim como também em Raízes do Brasil (1936) de Sérgio Buarque de
Holanda.
Esta obra investiga o Brasil desde o início da Colônia até a formação do Brasil como
país independente. Ao apresentar os problemas brasileiros da época em que escreve, a
década de 1940, mostra que são consequências da colonização, que é mais um ponto
convergente com Freyre e Holanda. Sua análise, portanto, objetiva fornecer informações
necessárias para a explicação do Brasil do fim da primeira metade do século XX.
O autor enfatiza que o Brasil serviu como objeto dos interesses do mercantilismo
português, sendo uma colônia de exploração com característica latifundiária de monocultura
e exportador de alimentos. Caio Prado já dizia nos anos 1940 que estas características
ainda eram as mesmas de sua época e nós, aqui no século XXI podemos atestar que o
Brasil ainda mantém essa lógica, salvo a questão da monocultura. Diversificamos mais
nossa produção, mas ainda é baseada na produção latifundiária de produtos primários.
Outra característica importante citada por Caio Prado em A formação do Brasil
contemporâneo é o trabalho escravo que deixou no país marcas racistas que permaneciam
em sua época e até ainda permanecem.

UNIDADE III Sociologia Brasileira: Caio Prado Junior 48


A superioridade do homem branco exercida na dominação racial colonial, agora
se apresenta de outras formas e estão enraizadas na nossa cultura saltando todos os dias
diante dos nossos olhos na forma de racismo estrutural.
Caio Prado destaca a homogeneização dos escravizados no Brasil realizada pelo
homem branco europeu e católico, a destruição de suas culturas e a violência cultural
exercida sobre suas línguas, religiões, práticas e costumes.
Também nos apresenta que a economia e sociedade livre dos anos 1940 havia
herdado a concentração de riquezas, desigualdade social e pobreza das relações
econômicas coloniais. A pobreza do Brasil, consequentemente, só seria solucionada se
libertasse da lógica econômica rural da colônia.
Esta obra é importante para nossa intelectualidade, pois ao apresentar o Brasil
colonial e imperial, ele apresenta que o Brasil de sua época mudou pouco. O país continuava
desindustrializado, rural, agroexportador, e apesar de não ser mais escravocrata, mantinha
relações de dominação através do poder econômico quase escravistas.
O mais impressionante em sua obra é perceber que esta mesma lógica
socioeconômica é real no Brasil do século XXI. Segundo dados do IBGE a indústria brasileira
somou apenas 11,3% de participação no PIB em 2021, o menor percentual desde 1947,
conforme gráfico abaixo:

GRÁFICO 1 - INDÚSTRIA DE TRANSFORMAÇÃO PERDE PARTICIPAÇÃO NO PIB

1
Fonte: ALVARENGA, D. G1/IBGE. 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noti-
cia/2021/07/21/com-pandemia-industria-perde-ainda-mais-participacao-no-pib-e-agronegocio-ganha-prota-
gonismo.ghtml. Acesso em: 05 ago. 2022.

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Este resultado da participação da indústria no PIB brasileiro demonstra que que o
país continua tendo como base de sua economia a agroexportação. Segundo o Ministério,
da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) 48% de toda a exportação do Brasil foi
agrícola em 2020. Analisar a obra de Caio Prado nos faz parecer que estamos lendo um
livro produzido no século XXI.
A realidade descrita por Caio Prado de pobreza e desigualdade social também é
realidade no século XXI. Segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV) o Brasil bateu recorde
de 23 milhões vivendo na pobreza em 2021, ou seja, 10,8% da população2 .
A realidade de pobreza afeta diretamente na desigualdade social. Os 10% mais
ricos no Brasil ganham quase 59% da renda nacional total. Já os 50% mais pobres ganham
29 vezes menos do que os 10% mais ricos. Essa metade mais pobre possui apenas 0,4%
da riqueza brasileira, enquanto o 1% mais rico possui quase a metade da fortuna patrimonial
brasileira3.
Formação do Brasil contemporâneo parece até uma profecia sobre o Brasil do
século XXI. Apesar das críticas sobre esta obra, podemos dizer que sua análise econômica,
típica de um marxista, foi cuidadosa e ainda diz muito sobre o que somos. Parece que
Caio Prado Junior pensou até mesmo no nome da obra para ser atemporal, pois continua
falando sobre o Brasil contemporâneo.

1
Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/2021/07/21/com-pandemia-industria-perde-ainda-mais-participacao-no-pib-e-
agronegocio-ganha-protagonismo.ghtml Pesquisado em: 25/06/2022
Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/business/brasil-registrou-recorde-de-23-milhoes-vivendo-na-pobreza-em-2021-aponta-fgv/
2

Pesquisado em 03/07/202
3
Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-59557761. Acesso em: 07 jul. 2022.

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SAIBA MAIS

A economia brasileira deverá crescer apenas 0,6% em 2022, enquanto o avanço da


economia mundial será de 3%, segundo estudo da Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE) divulgado nesta quarta-feira (8/6).
A alta da inflação, a guerra na Ucrânia, a lenta recuperação do mercado de trabalho
e as incertezas políticas por conta das eleições presidenciais em outubro (2022) são
alguns dos fatores que contribuem para a "desaceleração considerável" da atividade
econômica no país, na avaliação da entidade.
A economia brasileira vai crescer menos em 2022 do que a de vários países da América
Latina, como a Colômbia (6,1%), Argentina (3,6%) e México (1,9%), segundo as estimativas.

Para saber mais acesse: https://esportes.yahoo.com/economia-global-crescer%C3%A1-5-ve-


zes-091111309.htmlguccounter=1&guce_referrer=aHR0cHM6Ly93d3cuZ29vZ2xlLmNvbS8&guce_refer-
rer_sig=AQAAAK0ypcBD1CRrtcI9LO_Hi_XA_5qw1yW7fYEZPbvjUnJAVAsuQCJSfbN88KMdbYVWjdo-
ZXXvPJMEMg6VQF8nHIqpwD2QN3KUox8AHPjq_NN4j1dzaE2pYaEcwC72KtrpGOGuxQt9c-crBZQNL-
nLBEDVifu7uN8Zm7m3UJVJh30By.

REFLITA

“O grande problema brasileiro é levantar o nível dessa massa da população, porque


cultura é um fato coletivo, e não individual. É preciso usar o máximo dos recursos do
país para dar saúde e educação para essa massa”
- Caio Prado Junior (Em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, em julho de 1978)

Fonte: PRADO JÚNIOR, C. Frases, Citações, Pensamentos. 2020. Disponível em: https://www.dico-
citations.com/pensamentos/o-grande-problema-brasileiro-e-levantar-o-nivel-dessa-massa-da-populacao-
-porque-cultura-e-um-fato-coletivo-e-nao-individual-e-preciso-usar-o-maximo-dos-recursos-do-pais-para-
-dar-saude-e-educacao-pa/. Acesso em: 20 jun. 2022.

UNIDADE III Sociologia Brasileira: Caio Prado Junior 51


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A economia brasileira parece não sofrer grandes alterações ao longo de cinco


séculos, se movendo em ciclos e ditando a cultura e a política no Brasil. Latifundiária,
organizada em monoculturas, primeiro a do açúcar e depois o café, um surto de ouro aqui,
um da borracha ali, uma esperança industrial no império, outro na República Velha.
Dentro desta lógica materialista analisa o Brasil, Caio Prado Júnior nos anos 1940.
Após tudo o que analisou percebeu que chegou ao Brasil contemporâneo sem muitas
novidades. O fim da República do café com leite até pareceu uma esperança e Vargas
agora manobrava os agricultores, senhores do poder e das relações sociais, junto com a
ascendente burguesia industrial. O golpe de 1937 somado a ilegalidade e perseguição ao
Partido Comunista Brasileiro (PCB) mostrou a Caio Prado que o Brasil parecia o mesmo
desde a Colônia.
Sua obra, como esforço para compreensão da formação do Brasil e do povo brasileiro
é uma tentativa de apresentar as mazelas históricas de nosso povo enquanto sonha com o
avanço capitalista para após sua superação e substituição por um sistema socialista. Caio
Prado é considerado por alguns utópico. Ele acreditava no sucesso da nação, era otimista
e acredita que isso só poderia acontecer através das contradições sociais produzidas por
uma economia capitalista desenvolvida.
Estamos no século XXI e ainda tentamos desenvolver nosso sistema capitalista
baseado na agroexportação. Se o determinismo econômico tão apreciado por Prado Junior
fosse real, ainda estaríamos longe de uma revolução, pois ainda estamos patinando na
tarefa urbana de industrializar o país.
Caio Prado é e sempre será importante para a intelectualidade brasileira, inclusive
para aqueles que o criticam, que o acham utópico, mas com certeza, nenhum de seus
críticos pode dizer que sua análise não foi cuidadosa.

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LEITURA COMPLEMENTAR

PRADO JUNIOR. C. Evolução política do Brasil. São Paulo: Cia. Das Letras, 2012.

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MATERIAL COMPLEMENTAR

LIVRO
Título: Formação do Brasil contemporâneo
Autor: Caio Prado Junior.
Editora: Companhia das Letras.
Sinopse: Formação do Brasil contemporâneo é dos textos mais
influentes sobre as relações entre nação e colônia no processo
histórico que originou o Brasil. E é a ele, sobretudo, que Caio Prado
Jr. deve seu lugar como grande intérprete do país. Marxista e
militante ligado ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), o autor não
via, porém, o materialismo histórico como um conjunto de fórmulas a
serem aplicadas, sem mediações históricas e analíticas, a qualquer
realidade. Isso o levou, aguçado por uma grande sensibilidade em
relação ao Brasil, desenvolvida também nas muitas viagens que fez
pelo país e pelo gosto em fotografá-lo, a promover uma verdadeira
“nacionalização do marxismo”. Publicado em 1942, Formação do
Brasil contemporâneo é um clássico do pensamento social e da
historiografia brasileira que vem mobilizando estudiosos e atores
políticos, seja para aceitar suas teses, problematizá-las ou mesmo
rejeitá-las. Como poucos, o livro conseguiu formar nossa visão das
origens coloniais do Brasil e do seu legado à nação.

FILME/VÍDEO
Título: Cabra marcado para morrer
Ano: 1984.
Sinopse: Início da década de 60. Um líder camponês, João Pedro
Teixeira, é assassinado por ordem dos latifundiários do Nordeste.
As filmagens de sua vida, interpretada pelos próprios camponeses,
foram interrompidas pelo golpe militar de 1964. Dezessete anos
depois, o diretor retoma o projeto e procura a viúva Elizabeth
Teixeira e seus dez filhos, espalhados pela onda de repressão
que seguiu ao episódio do assassinato. O tema principal do filme
passa a ser a trajetória de cada um dos personagens que, por meio
de lembranças e imagens do passado, evocam o drama de uma
família de camponeses durante os longos anos do regime militar.
Link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=4-HBPSqqonU

UNIDADE III Sociologia Brasileira: Caio Prado Junior 54


UNIDADE IV
Sociologia Brasileira: Raymundo Faoro,
Jessé Souza e Djamila Ribeiro
Prof. Mestre Paulino Peres

Plano de Estudo:
● A sociologia de Raymundo Faoro;
● Jessé Souza e o ataque ao homem cordial;
● Jessé Souza e o ataque ao conceito de patrimonialismo;
● Djamila Ribeiro e a luta pelo antirracismo no Brasil

Objetivos da Aprendizagem:
● Compreender os principais conceitos de Raymundo Faoro
em sua obra Os Donos do Poder;
● Entender a crítica de Jessé Souza ao conceito de Homem Cordial de Sergio Buarque
de Holanda e como este conceito contribui com a elite do Brasil;
● Compreender a crítica do autor ao conceito de patrimonialismo de Raymundo Faoro e
como este conceito também contribuiu com a elite brasileira;
● Analisar as relações raciais no Brasil as compreendendo como existentes e que sua
resolução envolve lutas e conquistas.

55
INTRODUÇÃO

A última unidade contribuirá para a compreensão da sociologia mais recente no


Brasil, pois enquanto Freyre, Holanda e Prado Junior, escrever entre os anos 1930 e 1940,
as obras trabalhadas nesta unidade existem desde 1958 (Raymundo Faoro), as outras duas
obras, Elite do Atraso (2017) e Pequeno Manual Antirracista (2020) pertencem à história
recente do Brasil.
Portanto, nesta unidade compreenderemos o conceito de patrimonialismo de
Faoro, assim como também a dura crítica de Jessé Souza a Holanda e Faoro para após, ao
compreender a história brasileira como uma história repleta de racismo, nos debruçarmos
sobre o passo a passo sociológico de superação do racismo na sociedade brasileira em
Djamila Ribeiro.
Estes autores contribuem para o pensamento social brasileiro, na medida em
que criam conceitos para o entendermos. Jessé Souza, por exemplo, ao desenvolver os
conceitos de culturalismo-racista e elite do atraso, inova sua análise e prova que a sociologia
brasileira recente é tão importante quanto a antiga.

UNIDADE IV Sociologia Brasileira: Raymundo Faoro,Jessé Souza e Djamila Ribeiro 56


1. A SOCIOLOGIA DE RAYMUNDO FAORO

Raymundo Faoro ao escrever Os donos do poder, um conceito central nos é


apresentado, o de patrimonialismo. Seu referencial teórico são os tipos ideais de dominação
em Max Weber: carismática, tradicional e racional. A dominação tradicional envolve o
patrimonialismo em que predomina o domínio pessoal.
Na dominação tradicional, a crença no poder senhorial leva que as pessoas o
obedeçam. Sendo assim, o patrimonialismo é orientado pela tradição e não em regras
pré-estabelecidas. Assim o administrador patrimonialista torna a administração pública
como privada.
Assim, a lógica patrimonialista limita, segundo Weber, a produção capitalista,
concentra a riqueza, se sobrepõe às regras, aos planejamentos e as habilidades técnicas.
O poder é arbitrário e guiado pela pessoalidade estabelecendo uma economia de tradição.
Faoro, utiliza este conceito de Weber e vê práticas patrimonialistas herdadas da
colonização portuguesa. O autor vê em Portugal um estamento burocrático associado à
prática patrimonialista. Na análise que Abrita e Silva (2018) fazem sobre Faoro:
No estado patrimonial de estamento, a forma de domínio é de cima para baixo
e um grupo de pessoas se aglutina para se “apropriar” do Estado, valendo-
se da máquina estatal em proveito particular, ou seja, seriam os “donos do
poder”. Assim, o poder no Brasil é exercido por meio desse “esta-mento
burocrático” e revela uma contradição no processo de modernização do país,
cujas bases são instituições “anacrônicas” e comandadas por um “estamento
burocrático”. Essas são as bases que fundamentam um sistema patrimonial
do capitalismo politicamente orientado (ABRITA e SILVA, 2018, p. 208-209).

UNIDADE IV Sociologia Brasileira: Raymundo Faoro,Jessé Souza e Djamila Ribeiro 57


Faoro, ao utilizar o conceito de patrimonialismo nos apresenta sua ideia de que nós,
brasileiros, herdamos de Portugal a prática patrimonialista e a o reutilizamos em nossas
relações de poder, portanto os donos do poder no Brasil são realmente donos do poder,
uma vez que utilizam a máquina pública como uma extensão de sua propriedade privada.
Não há limites nessa relação e o Estado é confundido com suas relações familiares e
íntimas. Desse modo
o capitalismo brasileiro politicamente orientado é caracterizado por uma
relação de forças calcadas não na meritocracia ou na eficiência, mas na
tradição, na força política e no carisma, que, por sua vez, se refletem nas
leis, orientadas para benefícios de uma minoria que dirige o país (ABRITA e
SILVA, 2018, p. 209).

Através de sua análise, Faoro explica sociologicamente o Brasil em que vivia. Sua
principal obra Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro foi escrito em
1958. A década de 1950 é marcada por um país que vivia uma nova democracia de apenas
treze anos. Faoro escreve pouco tempo depois do suicídio de Vargas, um presidente que
havia governado o país sob a alcunha de “pais dos pobres”. Durante 15 anos consecutivos
Vargas esteve no palácio do Catete (antiga sede do poder federal), dentre estes, sete como
ditador. Vargas representava bem a continuidade da prática das relações patrimonialistas no
Estado brasileiro. O ex-presidente assumiu a presidência da república prometendo acabar
com o uso da máquina pública para beneficiar as oligarquias cafeeiras, mas, se mantém
no poder através de manobras políticas e um golpe de Estado (1937). Vargas na verdade,
representava a continuidade dos “donos do poder.
Vargas, retorna ao poder em 1951, desta vez através do voto popular, e enfrenta
grandes dificuldades de governar. Sem uma Constituição que lhe dava plenos poderes
tinha dificuldades de exercer suas práticas patrimonialistas. Agora deveria dividir o Estado
brasileiro com outros representantes do patrimonialismo.
É importante destacar ainda, que para Faoro, o Estado é capturado por uma elite
política e uma elite da iniciativa privada, sendo estes os responsáveis pelo
baixo desenvolvimento econômico e social brasileiro está respaldado nessa
intrínseca relação entre o Estado burocrático e a iniciativa privada, naquilo
que se constitui no estamento burocrático, uma relação através da qual a
classe econômica se fortalece e expande com apoio estatal (ABRITA e SIL-
VA, 2018, p. 209-210).

Estes grupos privados mantém uma intrínseca relação econômica com o Estado,
promovendo benefícios para os agentes estatais em troca de apoio econômico. Estes
grupos econômicos são os mesmos que financiam a campanha de diversos políticos.

UNIDADE IV Sociologia Brasileira: Raymundo Faoro,Jessé Souza e Djamila Ribeiro 58


Para trazer este exemplo para o Brasil do século XXI, na eleição presidencial de
2014, vencida pela candidata do Partido dos Trabalhadores (PT), Dilma Rousseff, Bancos
brasileiros entraram no centro do debate político quando a candidata Marina Silva (PSB)
ao ser acusada por Dilma Rousseff de ser apoiada e sustentada por banqueiros, por ser
financiada pelo Itaú-Unibanco, atacou Dilma afirmando que a mesma era a candidata que
mais recebeu verbas do referido Banco.
Essa discussão trouxe à tona as verbas doadas pelo Banco Itaú para a campanha
do PSB de Marina Silva. Haviam sido doados 2 milhões de reais para sua campanha. A
coligação do Candidato do PSDB, Aécio Neves recebeu 5,44 milhões de reais. Marina Silva
recebeu 750 mil do mesmo Banco. Marina, atacada por Dilma, a acusou de ser a maior
beneficiada pelo Itaú nas eleições de 2010.
O que percebemos nessa relação de doações para campanhas eleitorais é a forma
que as empresas privadas encontraram de se beneficiar do poder político sem estar dire-
tamente vinculado a ele, assim ficam fora do debate, distantes dos holofotes e se houver
qualquer problema, são os políticos que irão responder por isso.

UNIDADE IV Sociologia Brasileira: Raymundo Faoro,Jessé Souza e Djamila Ribeiro 59


2. JESSÉ SOUZA E O ATAQUE AO HOMEM CORDIAL

Jesse Souza, intelectual importante da contemporaneidade brasileira, se empenha


em desmistificar alguns conceitos de nossa intelectualidade e de nossa sociologia brasileira.
Sua primeira crítica é direcionada a Sergio Buarque de Holanda e ao seu mais famoso
conceito: o homem cordial.
Souza (2017) afirma que existe uma tolice na intelectualidade brasileira que nos
levou a crer que em paradigmas que não conseguem realmente explicar o Brasil e seu
povo.
Para Jesse Souza, Gilberto Freyre representa a originalidade da sociologia brasileira,
pois tem uma visão dominante da identidade nacional em Casa Grande & Senzala. Souza
afirma que logo em seguida surge Sergio Buarque e seu Raízes do Brasil invertendo a
lógica de perceber aspectos positivos do Brasil os substituindo por aspectos negativos.
Enquanto Freyre via na miscibilidade do povo brasileiro (herança portuguesa) como marca
da singularidade brasileira, Holanda se utilizou desse homem miscigenado e emotivo para
construir seu tipo ideal de brasileiro, o homem cordial.
O autor afirma que o homem cordial é tão negativo para a imagem do brasileiro que
teria sido utilizado pela classe dominante para justificar as mazelas do Brasil e ainda culpar
o povo brasileiro por esse mal e assim, saírem ilesos, como se eles, a elite, nada tivessem
a ver com os problemas do Brasil. Para Souza, as teorias de Sergio Buarque criam um
complexo de vira-lata no povo brasileiro.

UNIDADE IV Sociologia Brasileira: Raymundo Faoro,Jessé Souza e Djamila Ribeiro 60


Assim, com a aceitação que somos, na fala de Holanda, cordiais, emotivos, intimistas,
pouco polidos e dados à corrupção, nos culpamos pelos problemas do Brasil. Acreditamos,
graças a Sergio Buarque que a pobreza, a desigualdade, a corrupção e tudo mais é nossa
culpa, porque todos também seríamos corruptos. Em contrapartida, alimentamos um
respeito e admiração muito grande pelos Estados Unidos e países europeus. Acreditamos
que estes são desenvolvidos, justamente porque são o oposto de nós. Vemos neles exemplo
de honestidade, organização, cuidado, empreendedorismo, enquanto em nós enxergamos
apenas preguiça e desinteresse. A esse sentimento Jessé Souza chama de complexo de
vira-lata e para ele, o responsável por pensarmos assim a respeito de nós mesmos é Sergio
Buarque de Holanda.
O homem cordial chegou, em uma de suas formas, ao conhecimento popular através
de um dos discípulos de Holanda, Roberto Da Matta, sob o nome de “jeitinho brasileiro” o
que para Jessé é “uma suprema bobagem infelizmente naturalizada pela repetição e usada
como explicação fácil em todos os botecos de esquina do Brasil” (SOUZA, 2017, p. 32).
Para Jessé o vasto uso da crença que nós, brasileiros, somos cordiais, de acordo
com a percepção de Holanda, nos leva a nutrir preconceitos contra o nosso próprio povo, o
que chamou de culturalismo-racista, pois
É interessante a passagem do paradigma “racista” para o paradigma
“culturalista” nas ciências sociais. Até a década de 1920, o racismo fenotípico,
baseado na cor da pele e nos traços fisionômicos, era reconhecido como
ciência tanto internacionalmente como nacionalmente [...] Pouco a pouco esse
tipo de racismo foi criticado e substituído pelo culturalismo. O culturalismo
julgava ter vencido o paradigma racista e tê-lo superado por algo não só
cientificamente superior, mas também moralmente melhor (SOUZA, 2017, p.
15).

O culturalismo agora havia ganhado espaço nas academias por todo o mundo
e justificava porque algumas sociedades serem ricas e outras não. O uso da explicação
religiosa baseada na experiência cultural protestante havia se tornado moda. Alguns eram
mais evoluídos por questões culturais. O racismo como explicação científica para julgar uns
mais evoluídos que outros havia saído de moda.
Mas não para Jessé Souza, pois para ele o paradigma culturalista foi uma falsa
ruptura com o racismo científico e que esse paradigma culturalista tomou conta da
intelectualidade brasileira por muito tempo.
Ao afirmar que existem culturais mais evoluídas que outras, também estamos tendo
uma atitude racista, ou pior, pois substituímos a raça pela cultura passando uma impressão
de rigor científico onde na realidade é uma expressão racista camuflada.

UNIDADE IV Sociologia Brasileira: Raymundo Faoro,Jessé Souza e Djamila Ribeiro 61


Portanto o preconceito culturalista também é um preconceito racial, pois ele jamais
rompe com o racismo, apenas o reinventa e lhe dá um novo nome, desta forma, Jessé
Souza nomeia esse fenômeno de culturalismo-racista, para que fique evidente o que o
culturalismo sempre tentou esconder. O culturalismo, portanto,
falso cientificamente como ele é, cumpre assim exatamente as mesmas
funções do racismo científico da cor da pele. Presta-se a garantir uma
sensação de superioridade e de distinção para os povos e países que estão
em situação de domínio e, desse modo, legitimar e tornar merecida a própria
dominação (SOUZA, 2017, p. 18).

Ao determinar que existem culturas superiores a outras, acreditar a própria cultura


é inferior se torna um grave problema para uma nação. No Brasil, o culturalismo-racista,
disseminado pela ideia de homem cordial faz o brasileiro considerar a si mesmo como
inferior e aceitar a suposta superioridade de Estados Unidos e de países europeus.
As elites dos países desenvolvidos se aproveitaram do culturalismo-racial para
expropriar a riqueza dos países subdesenvolvidos, pois se torna mais fácil apropriar-se de
algo de povos que se consideram inferiores. Como exemplo, Jessé Souza usa a Petrobrás,
que frequentemente é alvo de críticas e muitos apoiam a sua privatização a grupos
estrangeiros, sob a justificativa de que o povo brasileiro é corrupto e os americanos seriam
honestos e superiores. Essa conclusão é apenas o resultado de décadas acreditando que
somos o homem cordial e que tendemos a corrupção.

UNIDADE IV Sociologia Brasileira: Raymundo Faoro,Jessé Souza e Djamila Ribeiro 62


3. JESSÉ SOUZA E O ATAQUE AO CONCEITO DE PATRIMONIALISMO

Jessé Souza é direto em sua crítica a Sergio Buarque e da mesma forma o é com
Raymundo Faoro. Ele percebe que juntamente ao conceito de Homem cordial o conceito
utilizado por Faoro, patrimonialismo, são utilizados pela elite, para justificar os abusos
cometidos pela elite econômica que não está presente no Estado.
Patrimonialismo, de acordo com Jessé Souza, é a figura do Estado demonizado por
uma elite puramente estatal que atua com a única e exclusiva função de drenar o patrimônio
público para sua posse, usando para isso o poder do Estado e do cargo que ocupa.
Incorporar a ideia de patrimonialismo é desastroso, de acordo com Souza, pois
essa ideia teria sido absorvida pela população brasileira e se tornou ponto de partida
inconsciente para qualquer pensamento a respeito do Estado brasileiro, de modo que toda
reflexão possui conclusões semelhantes, pois estão acorrentadas dentro de um mesmo
paradigma.
Para Raymundo Faoro, nosso patrimonialismo teria sido uma herança cultural da
colonização portuguesa, mas Jessé nos leva a questionar o patrimonialismo desenvolvido
primeiro por Sergio Buarque e depois por um de seus seguidores, Faoro. O autor nos leva
a questionar não somente a ideia de um povo inferior, mas também questionar essa visão
negativa do Estado brasileiro. Souza quer nos mostrar que o problema do Brasil não está
nem no povo e nem no Estado e que acreditar nisso é acreditar realizar a vontade daqueles
que criaram esses mitos.

UNIDADE IV Sociologia Brasileira: Raymundo Faoro,Jessé Souza e Djamila Ribeiro 63


Esses conceitos se tornaram tão presentes na sociedade brasileira que se tornou
uma ideia-força e isso só se tornou possível graças ao impulso a elas fornecido pelo prestígio
intelectual.
Mas, se não somos nós o problema do Brasil e tão pouco o poder público e seus
políticos corruptos, quem são os responsáveis pelas nossas desventuras? Para responder
a essa pergunta é necessário entender a elite brasileira.
A elite brasileira é altamente endinheirada e poderosa e atua no mercado financeiro
de forma, segundo Jessé, a roubar o que deve ser a riqueza social da nação em benefício
próprio. Jessé ora chama essa elite de “elite do atraso”, ora de “elite da rapina” para
demonstrar sua responsabilidade protagonista no atraso brasileiro.
Portanto, essa elite, com seus interesses inconfessáveis e obscuros é o verdadeiro
grande vilão de nossa história.
Jessé irá nos mostrar que esse grupo, que age de modo corporativista, apesar
de ser o nosso maior problema é tornado invisível pelos conceitos de patrimonialismo e
culturalismo, que ao demonizar o Estado e seus componentes com a crença de que a
corrupção política é responsável por todas as mazelas, não só ofusca a elite do atraso,
como também legitima seus interesses mesquinhos como se fossem de todos.
A estratégia é a construção da ideia de uma elite política (não econômica) que habita
o Estado e o corrompe. Esta construção acontece, na verdade, para que não vejamos a
elite real (elite econômica), que está fora do Estado, que não possui cargos públicos. A
captura do Estado por essa elite econômica é fundamental para seus fins. Souza afirma
que acreditar que o problema é a elite política é acreditar em uma ideia que nos imbeciliza,
já que distorce toda a origem e manutenção do poder no Brasil
Desta forma, combater a corrupção no Brasil não faz sentido se eu acreditar que o
político é o corrupto. Combater a corrupção de verdade seria combater a elite endinheirada,
a elite que usa o Estado para enriquecer e tornar a população brasileira cada vez mais
pobre.
A função do paradigma patrimonialista, que segundo Faoro, faz do patrimônio
brasileiro objeto de poder de uma elite política, na verdade é esconder e legitimar a elite da
rapina atrás dos políticos, criminalizando o Estado e a política. Enquanto a elite brasileira
criminaliza o poder público, idealiza na mente da população o mercado como antro da
moralidade, livre de interesses escusos e, portanto, uma alternativa ao “demoníaco” Estado,
a qual devemos todos nos afastar.

UNIDADE IV Sociologia Brasileira: Raymundo Faoro,Jessé Souza e Djamila Ribeiro 64


Com esse discurso a elite consegue justificar a privatização da riqueza do povo.
Uma empresa estatal, por exemplo, pertence ao Estado, mas se for repetido na grande
mídia que esta estatal está envolvida em escândalos de corrupção, a população começa a
ver essa empresa com desconfiança e passa a pedir a sua privatização e a riqueza que era
de todos, agora está nas mãos dessa elite.
O objetivo desta elite é tomar toda a riqueza nacional para si. Não é suportável
para a elite brasileira a possibilidade de não poder lucrar bilhões com a Petrobrás, então
ela deve ser vendida. Como faço isso? Convencendo a opinião pública de que a Petrobrás
nas mãos do Estado é corrupta e que os políticos são os responsáveis por essa corrupção.
A captura das riquezas que deveriam ser subvertidas no bem geral pela elite da
rapina torna-se possível através dessa visão pautada no liberalismo conservador brasileiro.
Um exemplo são os quase 9 bilhões em impostos não arrecadados em 2016 no Rio
de Janeiro. Uma política de isenção fiscal foi dada às empresas para geração de emprego
e o resultado foi menos impostos e menos empregos.
Mesmo essa prática sendo claramente uma forma de privilegiar as elites não se fala
nela como corrupção, pois acredita-se que a corrupção existe apenas no Estado e não no
setor privado.

UNIDADE IV Sociologia Brasileira: Raymundo Faoro,Jessé Souza e Djamila Ribeiro 65


4. DJAMILA RIBEIRO E A LUTA PELO ANTIRRACISMO NO BRASIL

Djamila Ribeiro está presente nesta obra e é necessário destacar que sua vida
acadêmica é dedicada à sua luta contra o racismo e misoginia. Aqui nesta obra, foi
selecionada e indiretamente, Djamila Ribeiro continua lutando por suas pautas, pois de
todos os autores selecionados, Djamila Ribeiro é a uma mulher e também a única negra.
Isto, aparentemente não quer dizer muita coisa, mas, segundo a própria Djamila, diz muito.
A autora é uma mulher preta de origem pobre e graduou-se em filosofia na Unifesp
e hoje é professora na PUC-SP. Todos os demais autores aqui apresentados são homens,
brancos e filhos da elite brasileira. Djamila enfrentou o que milhões de outros passam
no Brasil. Diante das dificuldades que se deparou por ser mulher, preta e pobre, decidiu
escrever um manual que auxiliasse o brasileiro para tornar-se antiracista.
A autora inicia sua obra apontando que sabemos pouco sobre o racismo no país.
Primeiro porque fomos ensinados que a população preta não teve história, que eram todos
iguais, que eram conformados com o trabalho escravo. Tudo o que sabemos é que estes
seres humanos foram escravizados e que aceitaram a sua escravidão. Sabemos pouco
sobre os quilombos (inclusive o de Palmares), não sabemos sobre a revolta dos Malês
em Salvador, também desconhecemos a Conjuração Baiana e não sabemos nada sobre a
Revolta da Chibata. Uma ignorância aparentemente inocente, mas não é. Não sabemos da
história dos negros no Brasil porque não quiseram nos contar. A história desses povos lhes
foi negada.

UNIDADE IV Sociologia Brasileira: Raymundo Faoro,Jessé Souza e Djamila Ribeiro 66


Aos africanos tudo era mais difícil (ainda é), para que possam entender, em 1824
a Constituição do império garantiu educação a todos os cidadãos, menos aos negros
escraviza-os. Também era negado o voto a essa população, pois o voto censitário exigia
a quantia de 100 mil réis como comprovante eleitoral. A população negra, evidentemente
não tinha esse dinheiro. Em 1850 a lei de Terras dava ao Estado o direito à distribuição das
terras e claro não entregues à população negra. Décadas depois iniciamos uma república
no Brasil e mais uma vez o negro é excluído do voto, através do voto aos alfabetizados. Ou
seja, foram construídas dificuldades para esta população.
A luta contra o racismo passa pela informação sobre o mesmo. Para Djamila Ribeiro,
uma peculiaridade do racismo no Brasil é o silêncio. As questões raciais não podem ser tabu
e devem ser discutidas. Em nosso país o mito da democracia racial baseado na harmonia
entre indígenas, europeus e africanos nos fez acreditar que não somos racistas, e assim,
não aceitamos sermos preconceituosos, mesmo o sendo.
Aluta antirracista, portanto, envolve aceitar a negritude, aceitar que as pessoas
têm cor de pele diferente, mas que isso não pode ser um fator para aceitação ou rejeição.
Ribeiro inclusive demonstra sua experiência sobre como conheceu o racismo, segundo ela
O início da vida escolar foi para mim um divisor de águas: por volta dos seis
anos entendi que ser negra era um problema para a sociedade. Até então,
no convívio familiar, [...] eu não era questionada [...] me sentia amada e não
via nenhum problema comigo: tudo era ‘normal’. ‘Neguinha do cabelo duro’,
‘neguinha feia’ foram alguns xingamentos que comecei a escutar. Ser a
diferente – o que quer dizer não branca – passou a ser apontado como um
defeito. Comecei a ter questões de autoestima, fiquei mais introspectiva e
cabisbaixa. Fui forçada a entender o que era racismo e a querer me adaptar
para passar despercebida. Como diz a pesquisadora Joice Berth: ‘Não me
descobri negra, fui acusada de sê-la’. [...]” (RIBEIRO, 2019, p. 23-24).

O racismo é absurdo e chocante, sobretudo para crianças. O racismo possui


consequências psicológicas. Essas pessoas podem acreditar que determinados espaços
não são para ela, ou que elas não são bonitas, etc.
Qual é o lugar da pessoa negra? O mesmo que qualquer outra pessoa. Mas,
o racismo faz com que uma mulher negra e médica seja confundida com uma copeira,
faxineira ou até mesmo prostituta. Ser médica não é lugar exclusivo de pessoas brancas,
portanto não devemos naturalizar esses lugares como de pessoas brancas ou pretas.
Também, afirma Djamila, que a estética negra foi e ainda é, por muitos, assimilada
à feiura. Esta ideia é uma herança da colônia, pois as mulheres mestiças, fruto da violência
sexual do homem branco coma mulher preta, se tornaram as preferidas dos atos violentos
de seus senhores. A mulher branca, rejeitada, então criou a ideia de que a cor da pele, o
nariz largo, os lábios grossos e o cabelo crespo não eram bonitos. Até hoje muitas meninas
pretas pensam isso.

UNIDADE IV Sociologia Brasileira: Raymundo Faoro,Jessé Souza e Djamila Ribeiro 67


A estética se tornou pauta importante, por exemplo, no Movimento Panteras Negras
nos EUA, onde o black power tornou-se símbolo do poder preto. A beleza característica
das populações pretas é valorizada como forma de resistência. No Brasil a valorização da
estética preta ganha força apenas recentemente.
Djamila também destaca que o antirracismo pode ser alcançado com o reconheci-
mento dos privilégios da branquitude. Os brancos devem perceber a ausência de pessoas
pretas em espaços de poder, de fama, de destaque e se questionar por que isso acontece.
Uma vez que percebemos esta ausência devemos então perceber o racismo que
existe em nós, pois, segundo ela, é impossível ser racista tendo nascido e criado em uma
sociedade racista. O racismo é tão presente me nossa sociedade que nem percebemos sua
existência, pois o internalizamos.
O caminho para tornar-se antirracista é possível. Esta é a mensagem de Djamila
Ribeiro e por isso a autora escreve seu pequeno manual, porque acredita que o brasileiro
está caminhando para uma atitude antirracista, pois não basta não sermos racistas é ne-
cessário sermos antirracistas.

SAIBA MAIS

Sugestões do professor e sociólogo Oracy Nogueira nos levam a uma definição de


preconceito racial como sendo uma atitude desfavorável, culturalmente condicionada,
em relação aos membros de uma população, aos quais se têm como estigmatizados,
seja devido à aparência, seja devido a toda ou parte da ascendência étnica que se
lhes atribui; os traços físicos, os gestos, o sotaque, diz-se que é preconceito racial de
marca. Quando o indivíduo descende de certo grupo étnico para que sofra as “sanções”
consequentes do preconceito, diz-se que é de origem (basta a suposição, a exclusão e
independe de condições econômicas ou se é PhD).

Fonte: RODRIGUES, K. Oracy Nogueira, o homem que desvendou o racismo brasileiro. 2020.
Disponível em: https://coc.fiocruz.br/index.php/pt/todas-as-noticias/1883-oracy-nogueira-o-homem-que-
-desvendou-o-racismo-brasileiro.html. Acesso em: 20 jul. 2022.

UNIDADE IV Sociologia Brasileira: Raymundo Faoro,Jessé Souza e Djamila Ribeiro 68


REFLITA

“O que de fato cada um de nós tem feito e pode fazer pela luta antirracista? O
autoquestionamento – fazer perguntas, entender seu lugar e duvidar do que parece
‘natural’ - é a primeira medida para evitar reproduzir esse tipo de violência, que privilegia
uns e oprime outros”.

Fonte: Ribeiro (2019).

UNIDADE IV Sociologia Brasileira: Raymundo Faoro,Jessé Souza e Djamila Ribeiro 69


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A sociologia brasileira é importante, pois ao nos orientarmos com a sociologia de


escolas clássicas como as europeias não é suficiente para compreender as especificidades
brasileiras. Temos peculiaridades que não foram pensadas por Weber ou Durkheim, por
exemplo.
O Brasil, como país que outrora foi uma colônia, possui características únicas de
países colonizados. Por isso, autores como Gilberto Freyre são tão importantes para a
intelectualidade e para o povo brasileiro. Os autores aqui descritos nos deixaram um legado
de explicação social sobre nós mesmos que nos ajudam a entender o que é o Brasil e o
brasileiro.
Gilberto Freyre ao inaugurar essa sociologia que tenta compreender o Brasil
incentiva outros pensadores importantes, como Sergio Buarque de Holanda, Caio Prado
Junior e Raymundo Faoro. Todos estes seguem a tradição freyriana de explicar o Brasil
através da importância das etnias formadoras: indígenas, portugueses e africanos.
Freyre, Holanda e Faoro compreendem o país dentro de uma lógica sociocultural,
já Prado Junior dentro da análise econômica. Todos colaboraram para que sociólogos que
analisam a sociologia brasileira pudessem compreender melhor o país ou até mesmo criar
suas próprias teorias, como Jessé Souza.
Este autor se tornou popular recentemente com a análise do Brasil e do brasileiro
realizando críticas a Sergio Buarque e Raymundo Faoro, ao mesmo tempo que tece elogios
a Gilberto Freyre. Isto é, sua análise demonstra a importância de seus antecessores, e,
portanto, como se torna impossível analisar o país sem o devido cuidado intelectual de
analisá-los, nem mesmo que seja para criticá-los.
Conceitos famosos surgiram das análises destes intelectuais, como democracia
racial, homem cordial, patrimonialismo e elite do atraso.
Também, partindo do destaque dado a todos os autores citados, onde percebem
que as relações étnico raciais durante a Colônia e Império geraram problemas raciais
duradouros no país, surge Djamila Ribeiro onde desenvolve sua análise social a partir da
luta contra o racismo no Brasil dando destaque para diversos pontos sensíveis e silenciados.

UNIDADE IV Sociologia Brasileira: Raymundo Faoro,Jessé Souza e Djamila Ribeiro 70


Djamila, portanto, tem destaque, pois está entre homens brancos, enquanto ela,
rompe com essa lógica de diversas formas. A autora, também, demonstra sua importância
pois escreve de forma direta e para o grande público, o que sempre foi uma dificuldade para
a intelectualidade brasileira.
Esta obra conseguiu demonstrar aos seus leitores parte da sociologia brasileira.
Toda a literatura sobre o tema é vasta e aqui não seria possível problematizá-la. Entretanto,
conseguimos apresentar os fundadores de nossa sociologia e também realizar um contraste
com críticas contemporâneas da sociologia brasileira.

UNIDADE IV Sociologia Brasileira: Raymundo Faoro,Jessé Souza e Djamila Ribeiro 71


MATERIAL COMPLEMENTAR

LIVRO
Título: Pequeno manual Antirracista.
Autora: Djamila Ribeiro.
Editora: Companhia das Letras.
Sinopse: Neste pequeno manual, a filósofa e ativista Djamila
Ribeiro trata de temas como atualidade do racismo, negritude,
branquitude, violência racial, cultura, desejos e afetos. Em onze
capítulos curtos e contundentes, a autora apresenta caminhos de
reflexão para aqueles que queiram aprofundar sua percepção sobre
discriminações racistas estruturais e assumir a responsabilidade
pela transformação do estado das coisas. Já há muitos anos se
solidifica a percepção de que o racismo está arraigado em nossa
sociedade, criando desigualdades e abismos sociais: trata-se de
um sistema de opressão que nega direitos, e não um simples ato
de vontade de um sujeito. Reconhecer as raízes e o impacto do
racismo pode ser paralisante. Afinal, como enfrentar um monstro
desse tamanho? Djamila Ribeiro argumenta que a prática
antirracista é urgente e se dá nas atitudes mais cotidianas. E mais
ainda: é uma luta de todas e todos.

FILME/VÍDEO
Título: Medida provisória
Ano: 2020.
Sinopse: Em um futuro distópico, o governo brasileiro decreta uma
medida provisória, em uma iniciativa de reparação pelo passado
escravocrata, provocando uma reação no Congresso Nacional.
O Congresso então aprova uma medida que obriga os cidadãos
negros a migrarem para a África na intenção de retornar a suas
origens. Sua aprovação afeta diretamente a vida do casal formado
pela médica Capitú (Taís Araújo) e pelo advogado Antonio (Alfred
Enoch), bem como a de seu primo, o jornalista André (Seu Jorge),
que mora com eles no mesmo apartamento. Nesse apartamento,
os personagens debatem questões sociais e raciais, além de
compartilharem anseios que envolvem a mudança de país. Vendo-
se no centro do terror e separados por força das circunstâncias,
o casal não sabe se conseguirá se reencontrar. O longa é uma
adaptação de "Namíbia, Não!", peça de Aldri Anunciação que o
diretor e ator Lázaro Ramos dirigiu para o teatro em 2011.

UNIDADE IV Sociologia Brasileira: Raymundo Faoro,Jessé Souza e Djamila Ribeiro 72


MATERIAL COMPLEMENTAR

ABRITA, M. B.; SILVA, W. G. Patrimonialismo e estamento burocrático no Brasil contempo-


râneo: debate baseado em Florestan Fernandes e Raymundo Faoro. Revista Geotextos,
Salvador, v. 14, n. 1, p. 203-223, 2018.

ALVARENGA, Darlan. Com pandemia, indústria perde ainda mais participação no PIB e
agronegócio ganha protagonismo. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noti-
cia/2021/07/21/com-pandemia-industria-perde-ainda-mais-participacao-no-pib-e-agrone-
gocio-ganha-protagonismo.ghtml. Acesso em: 25 jun. 2022.

COSTA, Sergio. O Brasil de Sergio Buarque de Holanda. Scielo, São Paulo, v. 29, n. 3, p.
821-840.

FREYRE, G. Casa Grande & Senzala. São Paulo: Global, 2005.

HALL, S. O global, o local e o retorno da etnia. In.: A Identidade cultural na pós-modernida-


de. São Paulo: DP&A, 2006

HOLANDA, S. B. Raízes do Brasil. São Paulo: Cia da Letras, 1999.

PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 2000.

PRADO JÚNIOR. Caio. Evolução política do Brasil. São Paulo: Cia. Das Letras, 2012.

RIBEIRO, D. Pequeno manual antirracista. São Paulo: Cia das Letras, 2019.

SILVA. M. L. A. M. Casa Grande & Senzala e o mito da democracia racial. Revista brasilei-
ra de ciências sociais, São Paulo, v. 39, n. 39, 2017.

SOUZA, J. A elite do atraso: da escravidão à lava jato. São Paulo: Leya, 2017.
CONCLUSÃO GERAL

Prezado (a) aluno (a),


Chegamos ao fim de nosso curso de sociologia brasileira. O curso não abrangeu
toda a sociologia brasileira, pois para que isso fosse feito teríamos que investir cursos
e mais cursos tamanhos a vastidão de nossa sociologia. Alguns importantes sociólogos
foram deixados de lado, como Roberto DaMatta, Otávio Ianni, Florestan Fernandes, Darcy
Ribeiro e Fernando Henrique Cardoso.
Demos destaque para aqueles que realizaram uma análise totalizante da sociologia
brasileira, como Gilberto Freyre, Sergio Buarque de Holanda, Caio Prado Junior e
Raymundo Faoro. Também demos destaque para um crítico dessas visões, Jessé Souza,
além do destaque dado à Djamila Ribeiro por expor e combater heranças sociais e culturais
brasileiras, como o racismo.
É certo que este curso não teve e nem poderia ter como objetivo explicar toda
a sociologia brasileira, portanto, o leitor ainda tem muitas obras a lerem sobre o tema. A
sociologia brasileira é muito rica e ampla.
Chegamos aqui munidos de uma carga teórica que nos permite compreender o
Brasil por mais de um ponto de vista. O leitor, a partir da finalização deste curso, está
preparado para realizar discussões importantes sobre o país, derrubar mitos e elaborar
problemas. As visões divergentes dos autores foram selecionadas justamente para criar
um senso crítico no leitor. Em um momento o leitor concorda com Gilberto Freyre para logo
após discordar, aceitando agora a visão de Holanda, em seguida é posto em dúvida através
de Caio Prado, volta a aceitar a visão de Holanda com o apoio de Faoro para logo após
desacreditar nesta dupla e voltar a admirar Freyre com apoio de Jessé Souza.
A explicação do Brasil é social, é cultural, é econômica? Existe ou não existe uma
democracia racial? O racismo estrutural é tão presente assim em nossa sociedade? O
brasileiro realmente é cordial? Somos de fato, patrimonialistas? A elite brasileira é a real
causadora de nossos problemas, ou somos nós mesmos? Apesar da importância destas
questões trazidas, o mais importante é conhecê-las e saber que a sociologia brasileira é
ampla e importante.
As reações diante das teorias podem ser muitas, amor ou paixão, simpatia ou
desconfiança, mas o maior objetivo creio que tenhamos alcançado, estimular a dúvida e o
pensamento crítico no leitor.
Até uma próxima oportunidade, muito obrigado!

74
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