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KOATAY 108

Em Cristo Jesus, aqui estamos trabalhando querida mãe...

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Direitos

Reservados e protegidos pela Lei Maior, que é a Lei de Deus...

Publicação: Esta publicação é fruto de anos de observação, pesquisa,


estudo, catalogação e organização de seu editor, junto a acervos parti-
culares e de terceiros, sendo sua difusão direcionada especialmente aos
médiuns da Doutrina Espiritualista Cristã – Vale do Amanhecer.

Tiragem: A tiragem impressa (1ª Edição) desta obra concluída em idos


de 2020 será integralmente arcada com recursos próprios do editor tão
logo seja possível, sendo a posterior distribuída de forma aleatória e
gratuitamente aos Templos do Amanhecer, mestres e ninfas, fomen-
tando o nobre ideal de aculturamento doutrinário, que fundamenta o
projeto “Biblioteca do Amanhecer”; Pelo caráter filantrópico deste,
terminantemente desaconselha-se a vertente de sua comercialização.

Capa: A capa desta obra foi idealizada por seu editor a partir de uma
visão mediúnica, e posteriormente finalizada profissionalmente pelo
amigo e editor gráfico, “Elzo Amorim” que assina a mesma, bem como,
todas as outras artes contidas nos intervalos dos capítulos.

Diagramação: Mestre Numanto

Revisão: (A revisão será concluída futuramente para impressão gráfica)

Impressão: (Este arquivo é apenas uma prévia digital e gratuita)


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Missão

Ao passarmos pela Legião Reencarnatória, como espíritos em


busca de suas evoluções, assumimos incontáveis e secretos desafios,
tarefas e compromissos khármicos ou Dhármicos a fim de que nosso
aproveitamento seja tanto eficiente como eficaz durante esta transição
terráquea. Não há padrões pré-estabelecidos, como não há igualdade
de missões, haja vista que cada espírito representa uma partícula única
e universal, que normalmente no linguajar terreno denominamos como
individualidade. Assim sendo, não temos dois espíritos assumindo a
mesma missão e cada um responde apenas por si, a seus superiores,
mentores e ou guias. Não existe um momento em nossa trajetória ter-
rena adequado para “o despertar na missão”, mas existe sempre e ine-
xoravelmente o despertar, pra todos e sem exceções!

Há alguns anos tenho lentamente despertado para uma missão


que se diga de passagem, tem me sustentado o equilíbrio e o ânimo de
vencer os desafios e obstáculos do dia-a-dia, que é o estudo doutriná-
rio. Tudo começou pelo desejo de aprender, passando pelo gosto a lei-
tura e depois finalmente chegando aos primeiros ensaios na arte da
escrita. Percebemos durante o processo - em constante desenvolvi-
mento em nós - que nossa mediunidade tem avançado a passos largos
e justamente mediante este aprimoramento do nosso ser, é que conse-
guimos com ajuda de muitos, promover uma manutenção assídua de
trabalho e estudos que já se consagra por sete anos. Eis que chegamos
ao marcante ano de 2020, com esta missão de começar a distribuir os
pães, pois há quem muito foi dado, igualmente será cobrado.

O Editor
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Dedicatória

Todo responsável por publicação dedica, agradece, enfim, enal-


tece aqueles que estiveram ao seu lado durante o processo de constru-
ção, que envolve muito mais do que simplesmente aqui se vê. A vida
não para, os problemas não refrescam e os cobradores não deixam de
nos procurar pelo fato de estarmos laborando de forma dedicada, in-
tensa e caridosa.

Desta forma, sempre podemos e devemos destacar alguns no-


mes que foram bases sólidas de apoio ao que se hoje se pretende cha-
mar de conquista!

Quero aqui nesta página registrar os seguintes nomes a quem


dedico especialmente os bônus da concretização deste sonho em forma
de árduo trabalho doutrinário, estudo, escrita, organização, e materiali-
zação; As mulheres de minha vida...

Odete dos Santos Leite (minha avó – em memória)


Maria Abadia Ferreira Leite (minha mãe)
Rita de Cássia da Silva Leite (minha esposa)

E claro, aquela que é o foco central desta motivação mediúnica,

Neiva Chaves Zelaya (Tia Neiva – Vó Coroca)

Dedico a vocês meus amores, o sucesso desta conquista que


juntos dedicamos a cada mestre e ninfa, a cada ser humano que for
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tocado pela essência desta elaboração alicerçada na missão de uma


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clarividente, que iluminou nossas vidas para sempre, em Cristo Jesus.


Agradecimentos Especiais

Deus Pai Todo Poderoso,

Nosso Senhor Jesus Cristo e a Virgem Santíssima,

Pai Seta Branca e Mãe Yara,

A Corrente Indiana do Espaço,

As Correntes Brancas do Oriente Maior,

E a todos os Abnegados Mentores de Luz que me cercaram de prote-


ção, força e carinho, antes, durante e com certeza depois desta emprei-
tada doutrinária.

O rol de amigos espirituais envolvidos nesta missão ultrapassa o


meu conhecimento e a minha capacidade de zelar por uma relação
mais justa e perfeita, contudo eles estão emanados nesta obra, e aco-
lhidos eternamente em meus melhores pensamentos.

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Prólogo por Agla Koatay 108

Salve Deus! Hoje, 30 de Outubro de 2020


O dia que todos, todos os médiuns da Corrente Indiana do Espa-
ço, todos os médiuns filhos de Pai Seta Branca se reúnem e fazem essa
singela homenagem àquela que foi vossa mãe, mentora, mãe do dou-
trinador; aquela que trouxe a elegância, a tolerância, a humildade, o
amor aos mestres aparás. Já fazem muitas e muitas luas, que um dia eu
me deparei com um pequeno pajé; um pequeno que, não tinha hora,
não tinha lugar, sempre que se aproximava de mim, me tratava como
sua “Vó Coroca”. Hoje meu filho, aqui diante de ti lhe trazendo esse
pequeno relato, lhe digo que naqueles dias, principalmente numa data
específica em que lhe fiz prisioneiro; o primeiro prisioneiro pajé, quan-
do que por Mário fui questionada, e eu lhe disse: - Eu sei o que estou
fazendo. Ali naquele pequeno prisioneiro com o seu caderno pedindo
bônus eu vi o meu doutrinador de hoje, o meu fiel doutrinador, o meu
fiel protetor; aquele que abandona até os seus amores por mais algu-
mas linhas, por mais algumas palavras; aquele que tinha a missão de
levar às pessoas, a verdadeira história do Amanhecer. Este livro é um
raro presente, um belíssimo presente, e por isso fiz questão de vir dei-
xar essas palavras. Recebam este livro, estas palavras de um mestre
que é só amor, é só dedicação, e principalmente um mestre que decidiu
seguir as Leis do Pai; aquele mestre que às vezes uma vírgula o incomo-
da, aquele mestre que é para nós um orgulho. Parabéns meu filho por
este trabalho, e prepare-se porque muitos outros virão; e sempre meu
filho confie, confie nos vossos mentores. Estaremos sempre a lhe guiar,
estaremos sempre a lhe intuir, estaremos sempre meu filho, lhe aju-
dando quando necessário. A sua mãe em Cristo Neiva, hoje Agla em
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Koatay 108, meu filho. Salve Deus!


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Nota do Mestre Numanto

Importante: Todas as histórias aqui contidas são resultantes direta ou


indiretamente da mediunidade e missão divina que Neiva possuía, dedi-
cada ao mundo físico por meio de sua obra mais relevante, que é a re-
conhecida Doutrina Espiritualista Cristã do Vale do Amanhecer. Como
missionária que foi, entregou tudo que recebera (a custo de muita ab-
negação e sacrifícios) de graça em vida, portanto seguindo seu exemplo
de caridade e abnegação, assim segue de forma gratuita e incondicional
nosso esforço.

Assino este trabalho, relegando em segundo plano a personali-


dade conhecida hoje por Juliano Leite e dou relevância ao missionário
que estou a cada dia me tornando, aprendizado após ensinamento e
vice-versa. Para os mais jovens, o título de “Mestre Numanto”, pode
soar a arrogância de quem possua alguns anos na frente, neste sistema
doutrinário do Vale do Amanhecer, mas registro que era comum Tia
Neiva chamar os mestres pelo nome do Ministro de quem se cumpria
missão adjunta. Aprendi que para tudo nesta doutrina, devemos ador-
mecer nossa personalidade ao máximo e libertar nossa individualidade
das amarras que limitam o espírito enquanto encarnado. A mediuniza-
ção é um processo que colabora, mediante a aplicação de diversas téc-
nicas, mas a automatização da mesma requer longos anos de prática.
Desta forma, sempre que me encontro estudando, pesquisando, de-
senvolvendo meus trabalhos escritos, o faço plenamente mediunizado
ou não faço.

Esta é a forma que encontrei para dar voz ou vazão apenas ao


Mestre Numanto; deixando a minha personalidade apenas assistindo a
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conexão estabelecida entre o mestre e os mestres do mestre.


Pesquise • Leia • Aprenda • Evolua • Ensine

Dividimos esta publicação em ciclos ao invés de capítulos, para melhor


aproveitamento por parte dos instrutores e do próprio mestrado.

• CICLO 1 (DESENVOLVIMENTO MEDIÚNICO) | Ciclo de histórias reco-


mendado para médiuns em fase de aulas no desenvolvimento mediú-
nico.

• CICLO 2 (EMPLACAMENTO) | Ciclo de histórias recomendado para


médiuns recém emplacados pelos seus mentores / instrutores.

• CICLO 3 (DHARMAN-OXINTO) | Ciclo de histórias recomendado para


médiuns em fase de aulas para a sua consagração dharman-oxinto.

• CICLO 4 (ELEVAÇÃO DE ESPADA) | Ciclo de histórias recomendado


para médiuns em fase de aulas para a sua consagração de elevação
de espada.

• CICLO 5 (CENTÚRIA) | Ciclo de histórias recomendado para médiuns


em fase de aulas para a sua consagração de centúria.

• CICLO 6 (SÉTIMO RAIO) | Ciclo de histórias recomendado para mé-


diuns em fase de aulas nos cursos de 5º Yurê, 6º e 7º Raio.

• CICLO 7 (ESTRELAS) | Ciclo de histórias recomendado para médiuns


em fase de aulas no curso estrelas.
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CICLO 1 (DESENVOLVIMENTO MEDIÚNICO)
1) Manoel Truncado Pág. 12
1.1) Manoel Truncado (Adendo) Pág. 20
2) Nara, A Suicida Pág. 24
3) Mensagem de um Amigo Recém Desencarnado Pág. 34
4) A Noivinha Desencarnada Pág. 47
5) O Velho Coronel Pág. 63
5.1) O Velho Coronel (Adendo) Pág. 71
6) O Pequeno Pajé Pág. 74
7) Um Homem de Dois Mundos Pág. 89
8) O Adjunto e a Flor Pág. 106
9) Aragana Pág. 109
10) Os Médicos do Espaço Pág. 113
11) Ditinho Pág. 116
12) Reilli e Dubaly Pág. 151
13) O Filósofo dos Abatás Pág. 157
14) A Vida de Pai Seta Branca Pág. 161
15) O Rico Garimpo Pág. 166
16) Os Tambores de Esparta Pág. 168
17) A Preconização de Tia Pág. 170
18) O Cordão de Ouro Pág. 173 10

Boa Leitura!
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“No mundo dos espíritos, onde as visões se encontram, sem paixões,
sem teorias, há uma só filosofia: Ser ou Não Ser.”
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MANOEL TRUNCADO

Há uns dez anos atrás, vivia em uma cidade de Goiás, bem pró-
xima da Capital do Estado um cidadão chamado Manoel Truncado. Ele
era casado com uma mulher pacata e jovem chamada Maria. O casal
tinha três filhos: José (o caçula), Marília e Josefa, duas mocinhas.

Manoel Truncado estava com mais de 40 anos e havia lutado


muito para sobreviver com sua família. Seu pai fora um fazendeiro no
interior de Goiás e Manoel crescera na dura vida de peão. Apesar das
terras serem boas, o pai de Manoel Truncado nunca soubera tirar me-
lhor proveito delas e com isso a vida para eles sempre fora de luta e
sofrimentos.

Um dia o pai de Manoel acabou por perder a fazenda e eles tive-


ram que se mudar para aquela cidade. Os velhos logo morreram e Ma-
noel teve que se ajustar a uma vida para a qual não fora preparado.
Trabalhou aqui e ali, mas não conseguiu se firmar em lugar algum. Um
dia ele conheceu Maria, uma jovem bonita e simples que trabalhava ara
ajudar os pais. Os dois se amaram e logo se casaram sem muitos planos
para o futuro. As pessoas acostumadas com a pobreza não olham muito
à frente e resolvem seus problemas com certa facilidade. Assim fizeram
Manoel e Maria e o casal logo ganhou uma filhinha.

No primeiro ano de casado Manoel procurou se firmar no traba-


lho árduo de carroceiro. O casal morava numa casinha construída no
fundo do terreno, deixando a frente toda livre. Manoel mantinha uma
cocheira onde guardava a carroça e seus dois animais. Nas tardes quen-
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tes e de vento parado, o cheiro do estrume invadia a pequena residên-


cia, mas eles já estavam tão acostumados que nem o sentiam. Manoel
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Truncado gostava de acariciar o corpinho tenro de Josefa, deitada nu-


ma bacia forrada de panos. Depois veio Marília e por último José. A vida
ficou tão apertada como a casinha em que moravam. Manoel começou
a freqüentar com mais assiduidade o botequim da beira da estrada e a
descuidar de seus negócios.

Logo começou a se manifestar nele um gênio arrogante e agres-


sivo, que atemorizava os vizinhos e deixava as crianças com os olhos
arregalados de medo.

Enquanto isso, Maria sempre quieta e acostumada ao trabalho


duro, se resignava lavando roupa para ganhar algum dinheiro. Manoel
começou a se ausentar de casa e chegava a passar noites fora. Nos dias
que se seguiam essas ausências, ele costumava chegar à carroça com os
cavalos meio estropiados e os largava no pátio. Resmungava qualquer
coisa e se deitava em pleno dia de roupa e tudo.

Maria desatrelava os cavalos com auxílio de José e das meninas


e, a casa ficava quieta ouvindo-se apenas os roncos surdos de Manoel.
Quem mais sofria com isso era o pequeno José. Ele já estava no primei-
ro ano do grupo escolar e sua inteligência viva, procurava explicações
das coisas que a escola não lhe ensinava. No princípio Manoel procura-
va ajudá-lo em suas lições e Zezinho adorava fazer perguntas. Mas, de-
pois que Manoel começou a beber e se ausentar, ele ficava horas e ho-
ras manuseando seus cadernos, na espera que Manoel ajudasse-o.

E assim a situação foi piorando a ponto de se tornar insustentá-


vel. Começou a faltar a comida e as discussões violentas se processa-
vam, sem mais nem menos. Maria que habitualmente mal tinha tempo
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de chegar até a cerca da casa para falar com a vizinha, começou a sair
em busca de auxílio. As crianças ficavam em casa e deixaram a escola.
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Maria acostumada a viver sempre na vida dura de casa; come-
çou a se embaraçar na vida fora de casa. Fez as primeiras dívidas e das
dívidas passou aos favores ilícitos. Em pouco tempo se separou de Ma-
noel Truncado e se prostituiu por completo. Um dia Manoel Truncado
descobriu que estava só com seus cavalos estropiados. Maria o aban-
donara sem deixar endereço, levando consigo as crianças.

No princípio Manoel pouco se importou e, juntando o pouco


que restava de sua vida material se lançou nas aventuras baixas da peri-
feria da cidade, até que numa ocasião saudoso da família, decidiu sair a
sua procura. Sua busca foi infrutífera, até que ele encontrou a morte
num desses tristes episódios que acontecem na calada da noite. Nos
seus últimos tempos na Terra, ele começara a atribuir toda sua desdita
à esposa que o abandonara.

Seus sete dias na Pedra Branca foram de intensa agonia. Ele não
conseguiu dominar seus desejos de vingança, fomentados pela sua
mente desvairada. Ao ver-se livre encaminhou-se como relâmpago em
direção à família.

Os Mentores Espirituais ficaram temerosos do que podia acon-


tecer à já tão sofrida família e o desviaram de rumo. Cheio de rancor e
agressividade, Manoel Truncado acabou por ser atraído pelos Bandidos
do Espaço e foi vendido a uma Falange de um Terreiro. Essa Falange
pertencia ao reino do Exu Tranca Rua, e Manoel Truncado passou a
sofrer nas garras dos Exus tarimbados do Terreiro. Ele agora era um
prisioneiro da Lei Negra.
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A Lei Negra é uma espécie de máfia do Mundo Invisível e como


sua similar na Terra física, ela escraviza seus membros, quase sem pos-
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sibilidades de libertação. Suas Falanges são alimentadas e crescem a


custa dos Espíritos nômades e sem protetores. E isso acontece por op-
ção do próprio Espírito com seu livre arbítrio. Sempre que um Espírito
termina seu estágio na Pedra Branca, onde ele tem a oportunidade de
conhecer a verdade sobre si mesmo, seus Mentores dão-lhe toda a as-
sistência e lhe mostram o caminho. Mas a decisão é sua e a chance
permanece até o último instante. Se ele toma a decisão errada acaba
por se tornar vítima da Lei Negra.

Existem uns Espíritos no submundo invisível que se chamam E-


xus Caçadores. Eles ficam a espreita e aguardam as decisões dos Espíri-
tos recém desencarnados. Assim que os Mentores desistem, eles en-
tram em ação.

Aproximam-se dos Espíritos, seduzem e os levam às suas Caver-


nas. Lá eles são submetidos a todas as sevícias e são treinados nos cos-
tumes, até se tornarem Exus.

Manoel Truncado conheceu então o que era realmente sofrer.

Os anos na Terra foram se passando e ele foi adquirindo tarim-


ba. Seu gênio agressivo o ajudou de tal maneira que ele logo começou a
se destacar em meio às tenebrosas tarefas. Em pouco tempo ele adqui-
riu o direito de se chamar Exu Tranca Rua, nome do titular da Falange e
passou a ser temido pelos mais ferozes Espíritos.

Aos poucos ele foi formando um grupo de adeptos e estabele-


ceu seu reino. Com sua esperteza ele fez um convênio com o Exu Tenó-
rio. Esse Espírito é um especialista em hipnose magnética, e isso lhe dá
uma força terrível no submundo etérico. A hipnose se presta muito nas
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macumbas e o novo Exu Tranca Rua, ex-Manoel Truncado, se aprovei-


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tou disso. Estávamos então em 1959 e um fato inteiramente oposto


aconteceu nas imediações da Caverna de Tranca Rua. Nessa data mu-
dara-se para o local chamado Serra do Ouro, o grupo de Tia Neiva e
formara-se assim a primeira Comunidade da Corrente Indiana do Espa-
ço (UESB). E o tempo continuava a correr na ampulheta da vida.

Certo dia Truncado, agora chamado Tranca Rua, estava sentado


no seu trono quando ouviu alguém praguejando com violência. Sabia
por experiência que se tratava de algum novato recém trazido pelos
Exus Caçadores. Muniu-se do seu chicote magnético e se encaminhou
para o local do barulho. Lembrava-se de como fora tratado quando
chegara, e seu maior prazer era aplicar pessoalmente a correção nos
novatos. Ele tinha um jeito especial de chicoteá-los até convencê-los. O
Espírito estava seguro pelos Caçadores e Truncado desfechou a primei-
ra chibatada. A vítima urrou de dor e ódio e seus olhos lançavam chis-
pas de ira impotente. Truncado ia dar a segunda chibatada, quando seu
braço estancou no ar como se tivesse batido num rochedo invisível. O
Espírito que estava chicoteando era do seu filho José!

A cena terrível ficou paralisada num momento de agonia. Os


dois Espíritos, pai e filho, se fitavam com horror e espanto. Subitamente
Truncado achou a voz e gritou em desespero: “Zezinho meu filho! Você
aqui?! Não, não! Não o quero aqui! Levem-no daqui!”.

Passado o primeiro momento de surpresa os Caçadores larga-


ram Zezinho e começaram a zombar da fraqueza de Truncado, espezi-
nhando-o pela atitude tão diferente dos seus hábitos. Zezinho, porém
aproveitou o descuido de todos e num gesto brutal e enérgico, arreba-
tou o chicote da mão de Truncado e passou a chicoteá-lo com ódio ar-
rebatador!
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Truncado não se defendia e Zezinho o chicoteou até ele cair sem


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forças. Enquanto ele batia com o terrível chicote magnético, vociferava


com ódio: “Tome miserável, pelo mal que nos causou! Minha mãe se
prostituiu por sua causa seu canalha! Ela foi obrigada a isso para dar de
comer a mim e as minhas irmãs, suas filhas! Elas agora vão para o
mesmo caminho que minha mãe, a prostituição! Tudo por sua culpa
seu miserável! Mas eu disse que um dia eu o encontraria, e agora o
encontrei!”

O tempo continuou a correr na ampulheta da vida. Zezinho ago-


ra era um terrível Tranca Rua, mais feroz que seu pai.

Truncado desmoralizado no próprio reino, mas não querendo se


afastar de Zezinho tornou-se um nômade do submundo dos Exus. Cheio
de ira e confuso com a cilada que a vida lhe preparara, redobrou as
atividades maléficas sem cautela nem medidas. Suas estripulias puse-
ram em sobressalto toda a região entre Anápolis e Alexânia, durante
longo tempo. Nessa época aconteceram desastres incríveis. Carros per-
diam a direção sem causa aparente, e a estrada começou a ter cruzes
fincadas de pessoas que desencarnavam nesses desastres. Crimes acon-
teciam nos sítios vizinhos da rodovia e, o consumo da cachaça aumen-
tou nos botequins de beira de estrada.

A atmosfera da região começou a modificar-se visivelmente. Os


macumbeiros aumentaram de número e as doenças tétricas varavam as
noites nas várzeas e encruzilhadas. Na Comunidade da UESB, Tia Neiva
recebia as lições dos Mundos Encantados dos Himalaias, e os Médiuns
desdobravam-se no Serviço do Cristo Jesus. Um dia Neiva recebeu a
notícia de que estava para chegar um circo que se instalaria nas imedia-
ções da UESB. Mas não se tratava de um circo comum, desses que a
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gente está habituado a ver, tratava-se de um circo etérico!


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De fato o Mundo Invisível da região estava alvoroçado. O circo
chegou com estardalhaço, com seus palhaços, seus acrobatas e seus
carros coloridos. O palhaço principal chamava-se “Remendão”. Os Espí-
ritos desencarnados afluíram para o circo, em massa. Depois disso de-
sapareciam da região...

Tranca Rua-Manoel Truncado também não resistiu e foi ver o


circo. Quando deu por si estava capturado pela Falange dos Centuriões!
Ele urrou e ameaçou, mas de nada lhe adiantou. Levado para a UESB foi
sendo doutrinado e acabou por conversar longamente com Tia Neiva.
Ela na sua proverbial paciência foi mostrando seu quadro espiritual e
ele ali ficou. A fagulha de ódio de seus olhos foi sendo substituída pela
luz baça do arrependimento. Às vezes o seu gênio rancoroso o domina-
va e ele dava trabalho aos Médiuns da UESB.

Por fim os Mentores, com o auxílio de Neiva, conseguiram en-


caminhá-lo para o Canal Vermelho. Lá ele foi atraído para um lugar
chamado Umatã, mudou sua roupagem de Exu e sua maior preocupa-
ção continuou sendo seu filho Zezinho. Na Terra, na Caverna do antigo
Tranca Rua - Truncado, outro rei impera no seu reinado de ódio, o
Tranca Rua Ex-Zezinho. Sua ferocidade é maior do que era a de seu pai.
O chicote magnético que fora usado pelo seu pai continuava a sibilar
nas costas de outras vítimas, outros Espíritos nômades apanhados pelos
Exus Caçadores. Naquele tempo Tia Neiva sentia certa frustração no
Canal Vermelho.

Na verdade, para um Espírito que conserva a consciência, a


mesma consciência nos vários Planos em que penetra, a paisagem do
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Canal Vermelho assusta um pouco no começo. Apesar de bonito, com


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seus enormes jardins, suas pontes, seus belos edifícios, sua vida com-
plexa, sua luz cambiante de tons lilás e sua simetria, seu conjunto difi-
culta a sintonia. É como uma cidade criada artificialmente e cheia de
truques mágicos.

Essa construção do Plano Etérico se destina a adaptação de Espí-


ritos arraigados a formas obsessivas de idéias. Ele estabelece um clima
de transição entre a concepção que alimentaram na Terra e a realidade
do Mundo Invisível, da outra etapa da estrada da vida.

Tia Neiva vai com freqüência ao Canal Vermelho em sua Missão.


Nesse dia enquanto aguardava a presença de seus amigos espirituais,
ela observava com curiosidade as atividades em torno dela. De onde se
achava via o enorme letreiro de Umatã que parecia mudar constante-
mente. Às vezes ela lia a palavra “Umbanda” e outras, parecia que ali
estava escrito “Candomblé”. Ficou a pensar no assunto até que decifrou
o enigma. Tratava-se de uma forma adequada para fazer certos Espíri-
tos que chegavam se “sentirem em casa”. Não muito distante havia
uma espécie de Templo, com letreiro onde se lia “Igreja Presbiteriana”
e, pouco além havia outro Templo com aspectos nitidamente católicos.

Dessa forma os Espíritos desencarnados encontram um ambien-


te similar do que tiveram na Terra. Só que a realidade é bem diferente.
Seja em termos Candomblé, de Umbanda, de Catolicismo, de Protes-
tantismo ou de qualquer outra Doutrina, a direção é dos Espíritos Mis-
sionários que mostram lentamente a esses Espíritos, sua sobrevivência
depois da morte terrena. Nessa madrugada ela se encontrou com Ma-
noel Truncado. Ele se lembrou imediatamente dela, e sua primeira ma-
nifestação foram em torno de seu filho Zezinho e sua família. Neiva
notou que ele ainda pensa muito em termos do Exu que foi na Terra.
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Embora tenha modificado sua roupagem, ele vai ao Templo Umatã co-
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mo ia aos terreiros da Terra. Ela tem uma pena imensa desse Espírito e
o ajuda sempre que pode.
Eram quase cinco horas da manhã quando ela voltou para a Ter-
ra. Preocupada com a promessa feita a Manoel Truncado ela procurou
ver Zezinho. Mas não conseguia vê-lo com sua roupagem de Exu; a úni-
ca coisa que conseguiu captar em sua Visão Espiritual foi à figura de um
menino de sete anos, esperando o pai para lhe ensinar a lição da esco-
la...

ADENDO DA HISTÓRIA DE MANOEL TRUNCADO

Em 1966 foi levado para o Canal (Canal Vermelho) um famoso


Tranca Rua. Ele reinava nas imediações de Anápolis e fazia coisas terrí-
veis, a ponto de receber trono e fazer caverna.

Salve Deus! Vou contar a vocês do princípio.

Vivia na cidade de Anápolis um irregular pai de família, tal Ma-


noel Truncado. Esse homem procedia de maneira pior possível, porém
era um pai de família, que apesar de suas irregularidades amava a mu-
lher e os três filhos. Sua esposa, não resistindo à dura prova, abando-
nou-o, deixando Manoel Truncado na pior situação de dor. D. Maria, a
esposa, foi viver outra vida, porém sua missão era o seu marido. D. Ma-
ria não teve capacidade de interpretar Manoel - seu cobrador - e seu
fim foi a prostituição. Manoel Truncado perdeu a vida procurando a-
char a esposa e filhos, coisas que acontecem na calada triste da noite.

Os mentores imediatamente afastaram Truncado de seus filhos


e da esposa. O desejo de vingança poderia arrasar aqueles pequenos
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filhos. Se debatendo de um lado para outro, Truncado foi cair exata-


mente em um terreiro de Candomblé.
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O Candomblé tem muita caridade, porém, o Pai de Santo, não
sabendo exercer direito as normas, a tendência é para o mal. Quando o
Pai de Santo é esclarecido, o Candomblé é feito por linhas reais e chega
a ajudar milhares de desencarnados, pois os Pais de Santo são respeita-
dos pelos Exus. Os Exus seguem as suas tendências e o ritual do Can-
domblé atrai a maior força magnética de ectoplasma. O Candomblé é
autêntico africanismo e o encontramos no Canal Vermelho desde 1600.

Manoel Truncado, acostumado ao livre arbítrio no plano físico, a


fazer suas imposições, pensou em continuar com suas irresponsabilida-
des. Foi preso por uma falange do Tranca Rua, foi aprisionado, teve que
se filiar e sofreu nas garras dos Exus veteranos. Sim, os espíritos irres-
ponsáveis, que pensam ficar atuando os familiares e inimigos, ficam
logrados, pois as leis negras são muito mais rigorosas, mais sofridas. O
espírito nômade, o espírito sem protetor, tem que se decidir. Os Exus
caçadores ficam à espreita para quando os mentores desistirem dos
seus tutelados e ficam a propor condições, acabando por levá-los para
as cavernas. Ali eles sofrem e são escravizados, até que aprendam os
costumes e se tornem Exus.

Manoel Truncado conheceu o que era realmente um sofrimen-


to. Os anos se passaram, Truncado passou a chamar-se Tranca Rua.
Cresceu tanto que chegou a fazer convênio com o Exu Tenório. Tenório
é um Exu que comercia as forças magnéticas hipnóticas, que lhe dá ter-
ríveis condições de manobrar com os mais terríveis espíritos. Sim, mais
só espíritos que não aceitam o Cristo. Truncado ficou naquelas imedia-
ções. Certo dia ouviu alguém que espraguejava acorrentado e foi com
toda força corrigir aquele novato, como era de seu costume, chicoteá-
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lo até convencê-lo. Truncado foi fazendo o mesmo quando ouviu um


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“urro” e reconheceu Zezinho, seu pequeno filho. Deu um grito e excla-


mou: Meu Deus! Meu filho não! Não quero que vivas aqui. Porém, foi
vaiado e desmoralizado pelos seus súditos. No mesmo instante Zezinho
se arremessou contra seu pai e, se apossando do chicote hipnotizador,
passou a chicotear seu pai sem parar, até Truncado cair no chão, sem
forças.

Enquanto chicoteava, Zezinho não parava de falar... Minha po-


bre mãe se prostituiu por sua causa, para nos dar o que comer. E mi-
nhas irmãs vão para o mesmo caminho, Izabel e Marizinha. Mas eu dis-
se que um dia eu o encontraria, e agora o encontrei!

Não é fácil, meus filhos, descrever o que aconteceu com Trun-


cado. Perguntei a Amanto se aquilo era o Inferno e ele respondeu:

- Não, o que aconteceu é apenas que Truncado preferiu a Lei Negra.


Isso é natural no espírito irresponsável, que pensa driblar as Leis Crísti-
cas. Em 1963 Truncado veio a mim, para me conhecer e eu fiz tudo para
ajudá-lo. Ele porém, não queria se afastar do filho, que havia se tornado
um terrível “Tranca Rua”. Depois conseguimos levá-los para Umatã, no
Canal Vermelho. E então Truncado, com outra roupagem, estava ten-
tando catequizar o filho. Este é um dos casos que mais me penalizou.
Truncado terá muitos anos ainda até conseguir encaminhar sua família.
Estou no Canal Vermelho como já disse e não consigo ver Zezinho na
sua roupagem de Exu; só consigo vê-lo como o Zezinho de cinco anos
de idade, pedindo para Truncado ficar em casa e lhe ensinar a lição da
escola, e essa recordação é sua maior dor.

Vivendo os dois planos não quero dizer com isso que sou um es-
22

pírito de luz, pois posso ser ainda outro Truncado. Salve Deus!
Página
“Deus de fato, toma cedo ou tarde o partido dos que se dizem inocen-
tes. Porque o Cristianismo surgiu por canais piedosos numa Era difícil.”
23
Página
NARA, A SUICIDA

O dia era de intenso trabalho como de costume no Vale do A-


manhecer. A Clarividente Neiva fazia uma pausa aparente nas suas ati-
vidades. Conversava com suas filhas em torno dos problemas de costu-
ra da oficina do Vale. Enquanto falava de panos e cortes sua mente ati-
va resolvia outros problemas. A cada momento algum Mensageiro de
outro Plano chegava e se entendia com ela. A gente só notava o fato
pela maneira que ela movia as sobrancelhas ou interrompia o que esta-
va falando. Daí a poucos segundos ela se virava e invariavelmente per-
guntava: “O que eu estava mesmo dizendo?”.

Com o tempo a gente se acostuma com isso e reserva o assunto


para outra oportunidade. Às vezes acontece dela se transportar por
momentos e a gente tem a impressão que ela dormiu com os olhos
abertos. Outras ela faz gestos com as mãos ou fala alguma coisa em voz
alta. Quando isso acontece a gente procura disfarçar e finge que não
viu. Mas na maioria das vezes ela se desculpa e torna a perguntar sobre
o que estava falando...

Outra coisa que também nós estamos acostumados é com o se-


gredo. É muito rara a ocasião que ela diz alguma coisa do que está ven-
do ou falando. Talvez não seja tanto pela secretividade da coisa, mas
sim por desinteresse. Neiva lida com a vida de milhares de pessoas e a
gente acaba por se desinteressar pelos enredos complicados, mas co-
muns. Só o Amor Incondicional desperta e mantém um interesse per-
manente. E esse Amor só ela possui, só ela mantém com uma constân-
cia que chega a nos deixar acanhados de nós mesmos. Ela levantou
24

uma peça de pano para melhor exame e seus Olhos de Clarividente


Página

depararam com a figura de uma jovem mulher que se aproximou com


desenvoltura. “Salve Deus!” disse Neiva, “de onde você vem?”.
“Sim, Tia Neiva. Eu estou aproveitando mais uma oportunidade
que me foi proporcionada por Mãe Tildes e cheguei até a senhora para
me esclarecer mais. Talvez a melhor forma de fazer isso seja contar-lhe
a minha história. Conheci Mãe Tildes em meio às minhas andanças a-
loucadas que fiz depois que desencarnei”. E foi contando sua história
triste:

“Eu andava feito louca e cheia de dor. Na verdade minha dor era
tão grande que Deus na sua bondade permitiu-me caminhar na solidão
sem ser atingida pelos Bandidos do Espaço, apesar da minha revolta e
descrença. A única coisa que me sustentava era o respeito que me de-
votavam devido ao Amor do meu marido”.

Neiva sorriu compadecida e pediu-lhe que contasse sua história


desde o princípio. Enquanto isso, ela diligentemente discutia com sua
filha Carmen Lúcia detalhes das capas dos Mestres que estavam sendo
confeccionadas na oficina. E a moça começou: Meu nome é Nara.

Eu estava com 18 anos quando conheci Tomáz, um rapaz de 20


anos. Estávamos numa festinha em casa de uma família das vizinhanças
de minha casa. A dona da casa chamava-se Alice e eu gostava muito
dela. Não sei se foi o ambiente agradável, ou influência da noite chuvo-
sa lá fora, contrastando com o conforto do interior da casa, mas o fato
é que eu e Tomáz nos apaixonamos à primeira vista.

Ficamos sentados olhando um para o outro e tocando de leve


com as mãos. Enquanto isso todo mundo dançava e se divertia. Foi uma
noite maravilhosa e a partir daí o nosso namoro não mais foi interrom-
25

pido até o casamento. Nosso noivado durou dois anos e foram da mais
perfeita felicidade.
Página
Três meses depois de casados fiquei grávida e isso foi recebido
por nós com muita alegria. A primeira preocupação de Tomáz foi dar a
notícia para sua mãe que morava no Sul. Ele era o único filho e ela so-
nhava em ter um neto. Em poucas semanas ela e Tomáz fizeram todos
os arranjos para ela vir morar conosco. Nos primeiros dias tudo foi no-
vidade e alegria. Tomáz estava eufórico com a perspectiva do nosso
filho e ao mesmo tempo sentia-se alegre com a presença da mãe.

Mas, essa situação agradável durou pouco. Eu não sabia naquele


tempo, mas tanto a criança que estava no meu ventre como a minha
sogra eram meus Cobradores Espirituais. No princípio eram pequenos
ciúmes, palavras ásperas e pequenas birras. Eu logo revidei e as coisas
pegaram fogo. Nossa vida virou de uma hora para outra da tranqüilida-
de para o inferno. Eu passei a atacar minha sogra com violência e, nin-
guém entendia mais nada.

No terceiro mês de minha gravidez eu abortei. Senti-me mal, fui


levada para o Pronto Socorro e quando voltei me sentia um trapo. Dei-
tei-me em nossa cama de casal e minha sogra desandou a falar calunio-
samente. Com as feições alteradas pelo ódio e a voz gritante ela disse
entre outras coisas:

“Foi você que provocou esse aborto! Você sua desavergonhada,


você que tem sido a desgraça do meu filho!”.

Nesse preciso momento, Tomáz assomou na soleira da porta e


eu num instante percebi a tragédia inevitável. Meio tonta com a zoeira
que minha sogra fazia eu tentei levantar-me e implorei com os olhos o
26

auxílio de Tomáz. Mas, qual não foi a minha surpresa! Suas feições se
transtornaram e seus olhos pareciam sair fora das órbitas. “Ouvi o que
Página

minha mãe disse” gritou ele, “então você abortou, matou nosso filho!
Jamais a perdoarei! E avançou possesso em direção à cama. Eu gritei
assustada e vi quando ele apanhou um punhal ornamental que estava
sobre a cômoda e avançou sobre mim!”.

Minha sogra assustada segurou-lhe o braço e eu sentei-me na


cama enfrentando seu olhar de fera. Não, não é possível pensei. Uma
pessoa não se transforma assim de repente. Não podia acreditar que o
homem a quem dedicava toda minha existência pudesse agir daquela
maneira. Dei um grito de dor e desespero e procurei enfrentá-lo. Ele
refreou um pouco o seu gesto e a cena acabou tão depressa como co-
meçara. Foi como se um furacão tivesse passado naquele quarto e na
minha vida. Algo fora destruído. A partir daí entramos naquela terrível
situação de solidão a dois. Esperei durante dois anos que aparecesse
outro filho, mas isso não aconteceu. Quando Tomáz estava ausente eu
sentia saudades dele, quando ele chegava, eu sentia-me distante dele.
A minha solidão começou a se tornar insuportável.

Tomáz então começou a beber e quando voltava para casa pa-


recia uma fera. Eu tinha certeza que ele procurava outras mulheres e
meu ciúme se tornou como um espinho no meu coração.

Certa noite Tomáz não voltou para casa e o desespero tomou


conta de mim. Imaginava as coisas que ele estaria fazendo e, minha
angústia aumentava a cada hora que se passava. De repente não resisti
mais e procurando na cozinha encontrei uma lata de veneno para ratos
e ingeri!

Foi horrível! Comecei a me contorcer com dores terríveis, com a


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garganta queimando como se fosse de fogo. A impressão que tinha era


que meu corpo fosse sair pela boca. E assim fiquei me retorcendo em
Página

agonia, gemendo e chorando por um longo tempo. Estava só em casa e


ninguém me ouvia, ninguém me socorria. Ao mesmo tempo eu sentia
que entrava em uma espécie de transe para adormecer. Comecei a
despertar lentamente e me sentia envolvida numa espécie de massa
tênue e lilás. Ouvia gritos e gemidos e não sabia se eram meus ou de
outras pessoas. Continuava sentindo dores, porém elas eram um pouco
destacadas de mim, como se eu estivesse longe de meu corpo. A pri-
meira sensação que tive foi de vergonha do que havia feito.

Perdi a noção de tempo e não sei quanto tempo permaneci nes-


se estado. Só sei que as razões de meu gesto começaram a se apresen-
tar e por mais que tentasse justificar sentia que a culpa era só minha.
Lembrava-me de minha sogra e de Tomáz. Comecei a sentir que eu é
que havia provocado aquela situação com a pobre mulher. Se eu tivesse
tido mais paciência, talvez não tivesse perdido meu filho. Tinha sido
egoísta o tempo todo e só agora me dava conta disso!

Às vezes ficava em dúvida e me perguntava se o ciúme tinha si-


do meu ou dela. Isso me perturbava mais ainda e minha agonia era
muito grande. Já percebia que havia morrido, mas assim mesmo pensa-
va em voltar. Mas a lembrança da dor que passara tirava-me esse pen-
samento da cabeça. Não, não teria coragem de voltar para aquela terrí-
vel experiência. Subitamente fui despertada por uma voz que ressoava
no ambiente que dizia: “Espíritos suicidas, preparem-se para voltar à
Terra!”.

Fiquei mais animada e esperançosa. Sim, voltar para a Terra, en-


contrar Tomáz, pedir-lhe perdão por tudo que fizera, pedir perdão à
minha sogra, começar tudo de novo! – Meus pensamentos ainda esta-
28

vam muito embaraçados e eu me esquecia que era um simples Espírito


Página

sem corpo, desencarnado!


A voz do Guia Universal continuou o sermão, e a névoa lilás co-
meçou a clarear a ponto de poder enxergar em torno. Vi então que es-
tava num bem cuidado gramado pontilhado de margaridas e lírios
brancos. Comecei a me movimentar e meu pensamento era um só: ir
para perto de Tomáz, pedir-lhe perdão dos meus atos. Por fim cheguei
a uma grande plataforma que dava idéia de uma rodoviária ou de um
aeroporto. O local estava cheio de gente e de vozes. Acima do rumor
das pessoas ouvia-se a voz do Guia Universal, como se saísse de gran-
des alto-falantes. Nisso veio ao meu encontro um Índio bonito, com
alvas penas de adorno e, não sei como sabia que ele se chamava Pena
Branca.

Ele foi me conduzindo pela mão e me vi diante de duas bocas de


túneis uma próxima da outra. Eu vacilava em qual das duas entrar. Pena
Branca havia sumido e eu sabia que tinha que tomar uma decisão. Tudo
continuava envolto naquela névoa lilás e minha indecisão aumentava a
cada momento. Às vezes ficava lúcida e no momento seguinte não sa-
bia o que estava fazendo. Se num momento eu estava vendo e ouvindo,
no momento seguinte eu nada via, como num pesadelo. De repente
senti uma mão que segurava na minha e dei um grito! Tomáz, o meu
querido Tomáz! Mas eu não o via, apenas o ouvia.

“Estou aqui meu amor, venha, venha comigo; não me deixe, não
me solte! O que está acontecendo?”. Uma luz se fez na minha mente:
Ele me ama! Mas de repente tudo escureceu. Meu Deus, que fizera eu.
– Tudo continuou a escurecer e senti minha mão se soltando da mão de
Tomáz. Quis segurar mais forte, mas não conseguia. O outro túnel co-
meçou a me atrair e fui levada para ele. Ouvia vozes de todo o tipo e
29

até mesmo idiomas de outras línguas que eu parecia entender. Meu


Página

desespero por ter largado Tomáz e o conhecimento da verdade, do que


eu fizera, cortavam-me o coração. Por que Tomáz me largou se ele ain-
da me amava?

Despertei na Terra, respirei e senti que estava consciente.

Minha dor era muito grande, mas meu arrependimento de tudo


que havia feito era maior. Tinha consciência de haver perdido minha
Alma Gêmea, naquela escuridão na boca dos túneis e, lamentava-me da
sorte triste.

Não pude permanecer muito tempo naquela cogitação, porque


os Bandidos do Espaço logo começaram a me perseguir. Corri de um
lado para outro procurando proteção. Cheguei até a casa de minha so-
gra, porém a vi maldizendo tanto a mim, que me deu medo e tive que
me afastar. Ela me atribuía toda a desgraça que havia acontecido!

Perambulei pelo Rio de Janeiro, indecisa. Apenas uma idéia me


surgia na cabeça de vez em quando: Brasília. Não sei se era influência
do meu Mentor ou se era uma lembrança do tempo de Tomáz que fala-
va muito em Brasília. Estava ainda nessa indecisão, quando vi uma jo-
vem que havia conhecido e que morava em Brasília. Lembrei-me direi-
tinho do seu nome: Jeny!

Afeiçoei-me a ela e passei a acompanhá-la onde quer que fosse.


Não sei se passou um dia ou mais, mas subitamente eu me vi numa
bonita casa na beira de uma grande lagoa de águas limpas. Nessa casa
havia algumas pessoas que falavam muito em Espiritismo. Continuei
acompanhando Jeny e ela acabou por ir a um grande Templo. Meio
receosa eu a segui e ela se dirigiu para o fundo do Templo, parando
30

diante de uma linda estátua de um Índio. Ele tinha um penacho doura-


Página

do e tão grande que tomava metade do tamanho da parede de fundo!


Estava assim pertinho de Jeny e trêmula de medo, quando senti
que alguém me passava a mão na cabeça. No mesmo instante senti
alívio de uma dor que sempre tivera desde o meu suicídio. Com o alívio
da dor, passei a ter mais coerência na minha percepção. Comecei a
prestar atenção aos movimentos no Templo. Foi quando ouvi uma voz
dizendo: “Mário, a Tia Neiva está chegando” e a pessoa chamada Mário
respondeu: “Edgard, pergunte a ela se vai haver Indução”. Vi então
quando a Tia chegou perto de Mário e me viu. A senhora então esten-
deu a mão e me disse: “Venha filha”.

Depois a senhora chamou Edgard e lhe disse: “Edgard, chama a


Rosa e o Josias para fazer uma passagem”. Fui então levada para perto
deles e recebi a Doutrina. Comecei a me sentir mais leve e percebi
quando Pai João de Aruanda, o Preto Velho de Rosa, me encaminhou a
uma Cassandra que me levou para o Canal Vermelho.

“Agora Tia Neiva, eu voltei para saber notícias de Tomáz. Tenho


que pedir perdão a ele, pois minha consciência não me dá sossego,
principalmente depois que soube que ele também havia morrido na-
quela noite”.

“Nara, minha filha”, respondeu Neiva. “Um dia você terá que
voltar, mas não é tão fácil o reencontro com a Alma Gêmea. Você co-
meteu muitos desatinos e terá que se reajustar por isso. Muitas vezes
nós pensamos que estamos sendo feridos e somos nós que estamos
ferindo com nosso amor próprio. Isso se dá devido à nossa incompre-
ensão, nosso egoísmo, que é a pior arma que voltamos contra nós
mesmos. Temos a obrigação de analisar as coisas, pois em tudo existe
31

uma razão, um propósito. Não devemos nos queixar tanto do nosso


Página

próximo, do nosso vizinho. Com a falta de tolerância nós fazemos os


nossos inimigos”.
Nara ouviu em silêncio e se aprontou para partir. “Salve Deus,
Tia Neiva”, disse ela, “agradeça por mim ao Mestre Mário Kioshi, ao
Mestre Edgard, Josias, Rosa e os outros que me ajudaram. Também
quero agradecer ao Pai João que me levou para o Canal Vermelho”.

“Pois é minha filha, em breve eu saberei onde está Tomáz e a


mãe dele e, vou mandar notícias a você no Canal Vermelho”.

“Não Tia Neiva, só preciso encontrar Tomáz. A mãe dele está vi-
va e mora no Rio de Janeiro”.

“Não minha filha, sua sogra já morreu e está junta ao filho. Não
se esqueça que você passou sete anos aqui na Terra... Olhe Nara, na-
quele dia em que você encontrou sua benfeitora Jeny, eles estavam
perto ajudando a você”.

“Como? eles estavam lá? E como não os vi?”.

“Você não os viu porque eles estavam em outro Plano, embora


estivessem bem junto a você! Vai minha filha, vai para o Canal Verme-
lho e de lá você será encaminhada para outros Planos. Neste mundo
você nada tem mais a pagar. Você já pagou muito com seu amor e ago-
ra com seu arrependimento. Vai e que Deus a acompanhe”.
32
Página
“De todos os males, o mais triste que deixamos em nossas passagens é
a cicatriz de nosso mau comportamento.”
33
Página
MENSAGEM DE UM AMIGO RECÉM DESENCARNADO

Os fatos desta pequena história são reais e aconteceram em


parte aqui no Vale do Amanhecer.

Tia Neiva, orientada por Mãe Yara e outros Mentores da Doutri-


na do Amanhecer a relatou aos Médiuns em sua aula dominical. Muitos
detalhes foram eliminados deste relato, pois só seriam compreendidos
por Médiuns desenvolvidos.

Na sua essência a história desse homem que passou uns dias em


tratamento no Vale se prende aos fatores básicos do desencarne ou
morte física e o que acontece logo em seguida. Essa é a maior preocu-
pação do homem em todos os tempos: saber o que lhe acontece depois
da morte. Essa preocupação se traduz no medo da morte e é parte in-
tegrante da alma humana. Se não for bem interpretada ela leva o ho-
mem a erros funestos, como tem acontecido em todos os tempos. Na
verdade o homem se mata um pouco todos os dias de tanto se preocu-
par com a morte.

Essa pequena história de um homem desencarnado, que pouco


antes passara pelo Vale do Amanhecer, é uma lição viva que muito po-
derá nos ajudar. Podemos aprender com ela que:

– A preocupação com a morte só é válida se ela nos ajudar a vi-


ver bem a vida;

– Morre melhor e tira melhor proveito da vida, quem tiver assis-


tência espiritual – considerando que “assistência espiritual” não é so-
34

mente aquela obtida no Espiritismo;


Página
– O Espírito se arrepende, na outra vida, mais das coisas boas
que deixou de fazer do que do mal que fez;

– As oportunidades não acabam com a morte física: o “eu” con-


tinua a existir, as manifestações anímicas são reais e o mundo é o
mesmo em outro Plano.

O mundo físico, a Terra, torna-se perceptível em suas outras di-


mensões, outra natureza, outro Campo Vibracional. Conclui-se então
que é válido um velho axioma da psicologia: “O Mundo não é como é,
mas sim como nós o vemos...”. Mário Sassi • Mestre Tumuchy

Domingo, 3 horas da tarde.

O Templo do Amanhecer está lotado de Médiuns que vieram pa-


ra o Trabalho Oficial. Lá fora, o público espera impaciente o início dos
trabalhos. Tia Neiva senta-se diante do microfone e o silêncio é absolu-
to. Ela começa...

Salve Deus!

Um dia destes, eu estava distraída cuidando de meus afazeres,


quando percebi a chegada de um amigo, de uma pessoa que passou
aqui pelo Vale e que teve apenas dois ou três contatos comigo.

Oh, Tia! Que bom lhe ver depois de tanto tempo! Tia, só agora
consigo lhe ouvir. Passei muitos dias sentindo a sua presença, o seu
amor, porém sem conseguir lhe ver! Porque, Tia?

Porque você está em um plano e eu estou em outro.


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Mas o seu plano não é Universal, Tia? A senhora não é clarivi-


Página

dente? Os clarividentes não penetram até a terceira dimensão?


Sim meu filho, a minha transvisão ultrapassa realmente as bar-
reiras, mesmo as habitualmente consideradas intransponíveis.

Tia querida, você está me ouvindo, e isto é tudo. Como é bom


lhe ver e lhe ouvir.

A senhora sabe, não sabe? Tudo que aconteceu comigo?

Não meu filho, não sei de tudo. Muitas vezes participo de uma
situação, vou a socorro dos enfermos e, quando volto ao corpo não
desperto, a não ser em casos que exigem seguidamente minha presen-
ça. O que aconteceu com você é um caso muito comum. Graças a Deus,
em seu caso não houve necessidade de me despertar, despertar a mi-
nha mente quando voltei ao corpo.

Agora preciso desabafar querida Tia!

Sim, é necessário mesmo que você desabafe.

Tia preciso lhe contar toda a minha trajetória.

Eu sei meu filho, vai lhe fazer muito bem. Tudo está na mente
dos Médiuns Doutrinadores e dos Aparás. Salve Deus, meu filho! Pode
começar. Tire os últimos resíduos da Terra, e que neste instante seja
levado até os Encantados e possa entregar aos Iniciados o Mantra da
sua vida! Salve Deus Tia, Foi tudo tão maravilhoso...

Eu estava com aquele problema cardíaco, que a senhora sabia


quando fui lhe consultar. Mal conseguia ficar em pé, mantinha-me
sempre apoiado no ombro de Dulce, procurando me equilibrar das ton-
36

teiras e pontadas dolorosas na coluna.


Página
A senhora para me aliviar me disse que eu não tinha nada de
grave, que era apenas um problema espiritual, muita mediunidade in-
cubada e por último mandou-me falar com Pai Jacó.

Ele me disse palavras de conforto, belas palavras, e terminou


por dizer que meu caso era de internamento no hospital.

Fiquei três dias na pensão do Edivaldo, de quarta à noite até sá-


bado.

No sábado fui procurar novamente Pai Jacó e ele disse que meu
problema era espiritual. Também me disse que nos três dias que havia
passado no Vale, a minha freqüência ao Templo eu havia me libertado
de três Elítrios. Realmente, eu já caminhava sozinho, vinha buscar mi-
nha água fluídica e subia de volta a pensão. Recebi muito carinho do
Alencar e tive muitas palestras com o Sr. Eurides. Ele me contou como
veio parar aqui no Vale e também me falou da dedicação que tinha à
senhora. A única coisa que me preocupava e que eu estranhei muito,
foi Pai Jacó me mandar de volta ao hospital, uma vez que eu me sentia
muito bem, como nunca estivera.

Dulce, minha mulher e companheira de uma vida, não estava sa-


tisfeita, pois se sentia desconfiada daquele meu estado.

Nos dias que permaneci aqui no Vale, havia se aberto uma nova
perspectiva em minha vida. Comecei a me preocupar com as coisas que
não havia feito, com as oportunidades que tivera nas mãos, de fazer o
bem e que deixara de aproveitar. Graças a Deus, nunca fiz mal a nin-
guém, pelo menos conscientemente, nunca fiz mal a ninguém.
37
Página
Sentia que era outro homem, com novas energias e com as for-
ças do bem brotando em meu coração. Cheguei até a pensar na morte
como um alívio!

Comecei a pensar no fato de que eu e Dulce, nunca tivéramos


um filho e não tivéramos coragem de adotar uma criança, que, aliás,
era o grande desejo de Dulce!

Lembrei-me então de uma mulatinha, uma mulher que havia se


prostituído e que fizera tudo para me entregar uma filhinha e eu não
havia aceitado. Lembro-me que Dulce chorou muito devido à minha
intransigência.

Mesmo assim, desde que adoeci, ela dedicou-se inteiramente a


mim. Eu, porém, sentia que ela abrigava certa mágoa, pois era apegada
à sua família e sempre quis voltar para o Rio. Isso teria sido possível,
pois eu era um Sargento reformado e poderia ir para onde quisesse.
Mas, nessa altura eu senti que minha missão com a família de Dulce já
havia terminado. Depois da permanência no Vale, eu me acostumara a
pensar que com a minha morte, Dulce voltaria para o seio da família e
tudo ficaria bem. Nesses dias, também comecei a perceber o meu ego-
ísmo e, com isso tornei-me melhor para ela. Eu ouvira as palavras do
Pai Jacó sem atinar muito com a razão de ele me mandar para o hospi-
tal, uma vez que eu me sentia tão bem.

Saí do Vale no domingo e fui para o meu apartamento no Plano


Piloto.

Foi horrível, senti-me mal e só conseguia alívio quando tomava


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água fluidificada de Pai Seta Branca, ou quando sentia a presença de Pai


Página

Jacó.
De segunda para terça-feira, eu já estava de novo no Hospital
das Forças Armadas.

Ah, Tia! Que beleza! Foi tudo tão fácil...

Senti uma forte dor na nuca, que ia se acentuando e se esten-


dendo para o peito. Depois eu fui ficando leve, leve, leve e comecei a
me preocupar em ficar deitado fazendo muito esforço para conseguir.

Pensei comigo: estou no Vale do Amanhecer. Comecei a menta-


lizar aquela confusão. Quanto mais mentalizava mais leve me sentia. De
repente fui despertado pela voz de Dulce chamando a enfermeira, es-
tava aflita e parecia dizer: ele está morrendo, ele está morrendo!

Não me lembro por quanto tempo ouvi essas palavras de deses-


pero, mas comecei a ter medo e cai em transe. A partir daí entrei, ou
melhor, a minha mente entro em nível do Plano Etérico, onde fui para
ajustar contas com meu corpo.

Eu, que até então estava leve, muito leve, comecei a sentir no-
vamente peso e calor dos fluídos maléficos do meu corpo. Comecei
então a me lembrar de Pai Jacó e de suas palavras. O que estaria acon-
tecendo comigo?

Vi-me andando do Templo para a pensão do Edivaldo, com uma


garrafa de água fluidificada na mão, enquanto lembrava-se das palavras
de Pai Jacó: você já perdeu muito tempo. Vá para o hospital e depois
venha para fazer a caridade.

Meu pensamento voltou-se para o jovem Gomes, aparelho de


39

Pai Jacó e que vivia fazendo a maior caridade. Entretanto eu, com 58
Página

anos, nada fizera.


Tudo continuava suave, como se nada de mais houvesse aconte-
cido. Aos poucos as visões foram se apagando e por mais que me esfor-
çasse não via nem sentia nada, nem mesmo dores, que me dessem al-
gum sinal do que estava acontecendo. Era como se eu estivesse num
avião parado no espaço. Não tenho noção de quanto tempo durou esta
situação. Logo me vi em outro ambiente, numa rica e hospitaleira man-
são, porém, sozinho, inteiramente só.

Despertou minha atenção, uma neblina espessa e a pouca dis-


tância de mim, que refletia a coloração lilás do ambiente. Era uma luz
lilás que variava de intensidade, conforme a minha mente. Perdi a no-
ção de tempo.

De repente alguém me chamou por um nome que não era o


meu, porém, eu sabia que era eu quem estava sendo chamado. Um
nome muito diferente do meu. Começou então a acontecer uma série
de fenômenos. Um homem falava (pelo tom da voz era masculina) e ao
som dessa voz a névoa ia se dissipando, clareando e passando de lilás
escuro para mais claro.

O som de belos sermões Mântricos foi segurando a minha men-


te no encanto daquelas palavras. Senti estremecer o meu corpo e sabia
que isso resultava de coisas que havia feito.

Às vezes pensava apenas estar sonhando, um sonho bom. Vez


ou outra voltava à realidade. Ora sentia saudades, ora sentia a presença
de vícios antigos. A paisagem mudava de acordo com os meus pensa-
mentos.
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Aos poucos fui me conscientizando dos fatos. O sermão conti-


Página

nuava com palavras cujos significados eu nunca esqueceria. Dizia a voz


(que nessa altura parecia dirigir-se a mais pessoas além de mim): “Ho-
mens endurecidos, volvam-se para dentro dos seus corações, exami-
nem os seus íntimos e vejam o que podem fazer cada um consigo
mesmo. Permanecerão sete dias dentro das suas próprias consciências
e não terão desejos. Depois desse prazo voltarão com suas mentes para
a Terra e de lá partirão para onde lhes aprouver”.

Fiz um esforço muito grande para perguntar onde eu estava e


saber qual era a minha condição, mas minha voz não saía.

A resposta, porém veio: “Você terá que permanecer aqui por


noventa e seis horas ainda. Olhe para si mesmo que entenderá melhor.
O homem vive na Terra na volúpia dos seus dias, e sua principal preo-
cupação, sendo a segurança material, se esquece da sua verdadeira
missão, do que foi realmente fazer na Terra. Na verdade ele vem para
restituir o que destruiu. O homem não tem força para atingir os mun-
dos superiores, enquanto sua mente estiver sob o peso da destruição
que causou”.

De fato Tia tentei me levantar da Pedra Branca onde estava (a-


gora eu sei), mas tenho certeza que nem o Super Homem conseguiria.

Foi então que me passou pela mente, a minha incapacidade de


concentração daqueles dias. Senti imensa frustração pelo que havia
feito. É interessante Tia, que lembrei mais do que havia deixado de fa-
zer do que havia feito. Quantas pessoas que havia deixado de ajudar e
que havia desprezado...

Passei sete dias em Pedra Branca dentro de mim mesmo. Duran-


te todo o tempo me lembrava de Pai Jacó e de seu jovem Médium, e
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tinha a impressão de que o bom Preto Velho iria chegar ali. Mas nada,
Página

durante esses sete dias não vi nem senti presença alguma. Somente
recebia respostas ao que pensava.
Lembrei-me muito da minha pobre Dulce. Mas tudo eram lem-
branças longínquas. A minha preocupação maior era com as coisas que
não fizera, as oportunidades que perdera. Lembrei-me então de José,
um antigo subordinado meu que precisava muito de mim e eu recusara
ajudar.

Por fim chegou a hora de sair dali. Como por encanto tudo se
modificou. De repente, me achei no saguão de uma estação rodoviária,
iluminada pelo mesmo clarão lilás. Pessoas saiam para os destinos mais
diversos, porém desconhecidos. Subitamente ouvi uma voz de coman-
do que disse imperativa:

“Atenção! Destino para a Terra! Equilibrem-se para a viagem!”.

Meu pensamento voou para o Vale do Amanhecer! A voz de


comando continuava o aviso.

Cheguei, era manhã e parecia que havia chovido, não tenho


muita certeza Tia. Enxergava com dificuldade e as coisas mudavam con-
forme meu pensamento. Mudavam, porém nunca saiam daquele lilás
embaçado, mais claro ou mais escuro. Sentia uma sensação de sauda-
des e pelejava para saber quem eu era realmente. Tenho a impressão
de que se alguém perguntasse o meu nome, eu passaria um vexame,
pois não sabia.

Nisso eu ouvi tocar a sirene do Templo do Amanhecer e me


lembrei do Edivaldo. Fui até a pensão dele, porém não conseguia en-
xergar direito. Ele passou perto de mim e eu segurei o braço dele. Bal-
buciei alguma coisa, mas ele não me deu atenção. Ouvi novamente a
42

sirene do Templo e fui para lá. Entrei e parei, justamente perto da Mesa
Página

de Doutrina. Vi então muitas luzes que logo desapareceram, ficando


tudo novamente lilás. Procurei dentre os Médiuns, mas não vi Pai Jacó.
Antes que pudesse pensar melhor, senti um forte empurrão e
fui atirado para um aparelho, um Médium masculino. Comecei então a
chorar com todas as minhas forças e dizia: Meu Deus! Onde estou? Pa-
ra onde irei? Tais perguntas saiam da minha mente angustiada e ao
mesmo tempo eu me irritava. Dei um grito e ouvi a voz de um Doutri-
nador me dizendo: Que tem você, meu irmão? Calma, esse corpo em
que você está incorporado não é seu. Comporte-se, tenha calma!

Senti uma vergonha muito grande e voltei a chorar. O Doutrina-


dor continuou: Quando você pertencia a este mundo talvez tenha per-
dido muitas oportunidades. Agora você está num corpo emprestado e
procure aproveitar o melhor desta Doutrina!

Pensei comigo: Pai Jacó me proteja pelo amor de Deus!

Então aconteceu um fenômeno: ouvia a voz de Pai Jacó que di-


zia: Filho, você está com Deus. Se você aceitar a Doutrina desses Mé-
diuns, essa grande oportunidade, você partirá para outros mundos.

Suas palavras caíram sobre mim como o orvalho cai sobre a flor.
Pensei: Pai Jacó, meu Paizinho, não me desampare!

Enquanto me preparava para a partida o Médium se contraía


devido aos fluídos pesados de meu desencarne recente, fato que hoje
eu entendo tão bem!

De repente me desprendi de meus benfeitores e passei por um


processo de verdadeira desintegração. Fui jogado para uma Estufa que
estava em ligação com o Templo do Amanhecer e, perdi a noção de
43

tempo e espaço.
Página

Só então me convenci que havia morrido!


Comecei a ter saudades de Dulce e a me preocupar. Não sei
quanto tempo durou essa situação. Fui internado num hospital e entrei
em conflito. Ficava maravilhado com tudo que via, porém sentia uma
angústia terrível. Sentia insatisfação, a falta de algo, havia alguma coisa
que deixara de fazer.

Julguei que isso era devido à falta de Dulce e pedi ao meu Men-
tor que me levasse até ela. Ele me atendeu, porém isso de nada adian-
tou, pois continuei a me sentir inútil.

Comecei a me lembrar do Cabo José e da criança que deixara de


adotar. Pedi então ao meu Mentor que me desse uma nova Missão,
porque aquela eu havia perdido.

Queria voltar imediatamente!

De repente, achei-me frente a frente com o Cabo José. Ele virou


o rosto indiferente e se pôs a caminhar. Corri atrás dele chamando-o
pelo nome, porém ele continuou a virar o rosto e evitar-me. Por fim
consegui detê-lo e olhando-o de frente eu disse: Cabo José, não sabia
que havia morrido também!

Ele virou-se com um olhar severo e respondeu exaltado: Como


não sabia Sargento? Se foi o senhor que causou a minha morte negan-
do-me aquela dispensa? Como não sabia? Eu lhe havia dito que estava
com pneumonia e precisava de internamento. E que fez o senhor? Vi-
rou as costas! E pior ainda, mandou que eu continuasse em serviço!
Não agüentei e tive uma hemoptise que me derrubou ali mesmo na
caverna!
44

Meu Deus! Exclamei horrorizado diante do meu próprio proce-


Página

dimento, e atirei-me de joelhos diante do Cabo José pedindo perdão.


Oh Tia Neiva, foi horrível! Fiquei desesperado. Então o Cabo Jo-
sé virou-me as costas e sem mais palavras desapareceu numa fila e-
norme.

Meu Deus, Tia Neiva! Eu não fora malvado, porém fora muito
pior, fora desumano! Não existia amor no meu coração.

É por isso que estou sofrendo angústias e frustrações da missão


perdida.

Já fui ao Ministro pedir uma oportunidade para voltar à Terra,


reencarnar, mas isso foi mais um vexame que tive que passar. Os Men-
tores disseram apenas que estava para ser resolvido o que me competi-
ria fazer.

E assim Tia, aqui estou no Canal Vermelho, aguardando novo


destino! Salve Deus Tia! Venha sempre me ver!

45
Página
“Não estamos preocupados com os velhos documentos das velhas escri-
turas, porém estamos sim, desejosos de saber onde os nossos antepas-
sados encontraram tanta força e tanta coragem para chegar até aqui.”

46
Página
A NOIVINHA DESENCARNADA

Nesta história estamos apresentando uma aula de Tia Neiva aos


Médiuns do Templo do Amanhecer, que trouxe a maior soma de eluci-
dações em torno de nossas relações com o mundo invisível.

A história de Maria Lúcia, a mocinha que morreu devido a uma


dose excessiva de drogas, quando ainda envergava seu vestido de noiva
é uma história como muitas outras que acontecem todos os dias. Ela se
torna esclarecedora devido à riqueza de detalhes que ela nos consegue
transmitir. Esses detalhes irão nos permitir analisar melhor as nossas
relações com esse mundo que nos cerca.

É bom que a gente se lembre a priori, que o mundo invisível, o


mundo etérico, o Plano, ou melhor, os Planos em que se acham os Espí-
ritos que deixaram o corpo físico, são apenas mundos invisíveis, imper-
ceptíveis aos nossos sentidos e aos nossos instrumentos científicos. São
mundos ou Planos invisíveis, mas são físicos, moleculares e atômicos.
São mundos de formas, de sensações, de relacionamento e muito mais
povoados do que o nosso mundo físico. É bom também que a gente
saiba que nossas relações com esses mundos não são feitas à nossa
revelia, mas, dentro do âmbito de nosso livre arbítrio, presente ou pas-
sado. E é importante também que saiba que o contato com esses Pla-
nos se faz através de uma energia física que se chama ectoplasma ou
fluído. Essa energia por sua vez é produzida em nosso organismo físico,
em nosso corpo. O mecanismo dessa produção e contato se chama
Mediunidade e por fim, que todos os seres humanos são Médiuns, pois
todos os seres humanos produzem ectoplasma.
47

Um domingo quente de dezembro. No Templo do Amanhecer os


Página

Médiuns aguardam pacientes a chegada de Tia Neiva. Os Mestres exor-


tam-nos a se Mediunizarem e se tornarem receptivos à palestra que irá
se realizar daí a poucos minutos. A Clarividente chega, toma seu lugar
junto ao microfone e o silêncio é completo.

Ela os olha sorridente e começa: Meus filhos, Salve Deus!

Eu nem bem acabara de contar a vocês a história do Sargento


recém desencarnado, quando ouvi uma voz chorosa que me chamava
no Plano Invisível. Olhei e deparei com uma jovem vestida de noiva que
segurava seu buquesinho de flores com ar humilde e constrangido.

Senti que meu coração apertava e solícita, indaguei o que ela


queria de mim. Ela me olhou com o ar mais doce deste mundo e me
disse:

“Tia Neiva, meu nome é Maria Lúcia e sou um Espírito que teve
a felicidade de passar aqui pelo Templo do Amanhecer depois de ter
sofrido muito. Apresento-me com meu vestido de noiva porque foi as-
sim que desencarnei. Ouvi a senhora contando a história do Sargento
para seus Médiuns e gostaria muito de contar também a minha vida
para a senhora e os Médiuns do Vale”.

Olhei para Mãe Yara e ela fez sinal de que consentia.

Vi então o quadro de Maria Lúcia e percebi que de fato a histó-


ria dela iria servir muito para vocês. Então a convidei para vir hoje e ela
está aqui do mesmo jeitinho que a vi pela primeira vez: o vestido bran-
co, o véu, o buquesinho e o corpinho esguio. Seu ar reflete um pouco
de angústia, mas, seu olhar hoje está firme. Ela está ansiosa para que
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vocês saibam a história de sua vida. Como vocês não podem vê-la, nem
ouvi-la, eu vou contando o que ela me diz. Enquanto isso Mãe Yara vai
Página

me ajudando a ilustrar os episódios com sua Doutrina.


Meu nome é Maria Lúcia – diz ela – e eu morava no Rio de Janei-
ro junto com meu irmão e meus pais. Éramos uma família modesta,
mas eu gostava de andar em companhia de jovens de melhor situação.
Com isso eu fazia meus pais sofrerem muito, pois vivia exigindo coisas
que eles não tinham condições de me proporcionar. Se não conseguia o
que queria, saía de casa zangada e pousava fora, em casa de pessoas
que às vezes mal conhecia.

Sempre que eles se cansavam desse jogo e deixavam de fazer os


meus gostos, meu lar virava um campo de batalha. Eles me proibiam de
sair por algum tempo e barravam os meus amigos de entrar em casa.
Apesar de se tratar apenas de alguns desajustados como eu, eles eram
chamados por meus pais e os vizinhos de “hippies”. Quando isso acon-
tecia eu sofria muito, pois as minhas saídas tinham razões secretas que
só eu podia entender. De uma forma ou de outra os meus desatinos os
foram levando à miséria. Com isso tivemos que mudar para uma casa
pobre, de bairro mais pobre ainda. Pouco antes da mudança eu fui a-
bordada por dois “colegas” já habituados ao meu comportamento e saí
com eles. Permaneci fora de casa três dias.

Voltei quando o “fumo” acabou. Entrei sorrindo em desafio.

Na sala deparei com meu mano mais velho, conversando com


um amigo seu chamado Marques. Fiquei um pouco indecisa e percebi
que meu irmão vacilava em me apresentar; sentia vergonha de mim!
Mas, mesmo sem apresentação Marques e eu ficamos nos olhando
como se nos conhecêssemos há muito.
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Saímos daquele transe com a voz áspera de minha mãe dizendo


exaltada: “Oh, sua cínica desavergonhada, o que vem fazer aqui, vem
Página
para o enterro de seu pai? Por sua causa ele teve um ataque cardíaco e
está entre a vida e a morte!”.

Senti muita vergonha, e pelo olhar constrangido de Marques vi


que estava perdendo uma oportunidade de ser feliz.

Meu pai? Foi tudo que pude exclamar e corri para o quarto dele.

Graças a Deus tão pronto ele me viu começou a reagir contra a


doença. Com isso me compenetrei que o remédio era eu. Pobre papai,
pobre mamãe!

Marques continuou freqüentando minha casa e logo estávamos


namorando. Meus pais esperançosos que eu me casasse incentivavam
nosso namoro. Mas não foi preciso muito esforço por parte deles. Mar-
ques e eu éramos Almas Gêmeas e nos amávamos muito, e assim tudo
foi se encaminhando para um enredo feliz.

Estávamos assim na maior felicidade quando os velhos amigos


“hippies” começaram a me procurar de novo. Eu, porém me sentia mui-
to feliz com Marques e passei a hostilizar os velhos companheiros de
infortúnio. Pensava comigo: eles não passam de uns desajustados com
seus pais, eu, porém tenho pais compreensivos e não preciso deles!

Com tudo isso eu me sentia inquieta, não tinha paz. No íntimo


eu sabia que meu passado ainda iria me destruir, apesar da atitude que
estava tomando.

Como que adivinhando minhas preocupações, Marques sempre


me dizia: “O dia que você firmar o “papo” com esses “caras” eu sumo
50

da sua vida!” Com isso minha paz diminuía dia a dia.


Página
Poucos dias antes da data do meu casamento eles intensifica-
ram o assédio. Um dia eles apareceram e estávamos conversando na
sala. Eu dizia com veemência que não queria “papo”, que eles fossem
embora, que eu ia me casar. Eles apenas sorriam com certo cinismo.
Lucas, um jovem de aspecto agressivo, vestindo uma calça de pelúcia e
um blusão de couro, passou o braço no meu pescoço e disse: “Que é
isso menina? Você está numa de casamento? Ta “doidona”?

Nesse exato momento Marques assomou na soleira da porta! Eu


apavorada desvencilhei-me de Lucas e fui ao seu encontro. Ele, porém
não me deu tempo para explicações e furioso começou a gritar: “Lar-
guem dela! Vocês já fizeram muito mal a essa pobre menina! Ela agora
é minha noiva! Eu sou diferente de vocês, ouviram? Não gosto do “pa-
po” nem de “caras” como vocês!”.

Eles saíram e eu meio desorientada acompanhei-os até a porta.

Voltei para a sala sentindo-me frustrada, com certo desespero,


pensando comigo: Lucas e toda essa “patota” são gente boa. Eu não
devia ter ficado parada, devia tê-los defendido da ira de Marques. Afi-
nal o que falta a eles é uma oportunidade como a minha!

E assim o conflito começou no meu íntimo. Eu não parava de


pensar neles e no que poderia ter acontecido. Cada vez os achava mais
“bacanas” e assim em meio à maior confusão, aproximou-se a data do
nosso casamento. Um dia eu estava na rua procurando encontrar o
meu enxoval quando topei com a “patota”. Procurei mostrar-me cordi-
al, expliquei o que estava fazendo e que iria me casar em poucos dias.
51

Eles, porém me deram uma grande vaia e disseram que não faltariam
ao meu casamento. Fiquei apavorada com a algazarra deles, embora
Página

soubesse que estavam apenas brincando e não o faziam por mal.


Mais tarde, ao encontrar-me com Marques lembrei-me do inci-
dente e chorei copiosamente no seu ombro. Tinha enorme arrependi-
mento do que fizera e roíam-me os maus presságios. Pensava comigo:
Meu Deus será que tenho que pagar pelo que tenho feito aos meus
pais?

Nessa noite tive um terrível pesadelo. Me vi diante de uma


grande mansão e na companhia dos “hippies”. Lá fora rugia uma tem-
pestade e tinha muito medo. De repente ouvimos fortes batidas na
porta. Eu sabia que era Marques, que viera para me buscar, mas não
abri a porta. Acordei gritando apavorada pela minha mãe e ela me aca-
riciando, explicando que eu havia sonhado. Disse-me também que ela e
papai já haviam perdoado os meus desatinos.

Desde essa noite minha angústia aumentou.

Minha relação com os “hippies” não era tão simples como pare-
cia.

Em nosso meio prevaleciam os traficantes de drogas, bandidos


perigosos que envolviam a gente. Eles se aproveitavam de nossas fra-
quezas e nosso desligamento com a família servia para incentivar nos-
sos vícios.

O domínio dessa gente é terrível!

Suas vítimas em geral são meninos de bem, pessoas boas, que


apenas são desajustados no meio em que vivem, e com isso se tornam
presas fáceis para esses malandros.
52

Não contei ao Marques o encontro que tivera com a turma. Sen-


Página

tia medo, mas me mantinha calada. Um dia estávamos sentados na


calçada em frente de casa, quando chegou a turma. Marques olhou-os
friamente como se não os visse.

Eles brincando jocosamente, disseram que tinham vindo me avi-


sar que iriam comparecer ao nosso casamento!

Antes que eu ou Marques pudéssemos dizer alguma coisa, eles


já tinham ido.

Marques, visivelmente irritado virou-se para mim e disse: “Se


eles aparecerem em nosso casamento, eu vou embora e nunca mais
você vai saber notícias minhas!”.

Diante daquela ira eu também me irritei e quase explodi, mas


temia chegar ao ponto em que Marques pensasse que estava arrepen-
dida de nosso noivado. Mas, aquela cena faltando apenas três dias para
o casamento, foi horrível.

Afinal chegou o dia almejado!

A cerimônia foi linda, com a igreja toda decorada. Esse Templo


ficava num outeiro e o acesso era feito por uma comprida escadaria.

Saímos sorridentes e nem bem emergimos quando deparamos


com o grupo em frente à escadaria. Assim que nos viram eles estoura-
ram numa vaia deprimente!

Não pude deixar de registrar quando eles fizeram referência ao


meu vestido de noiva, trazendo a dúvida quanto à minha pureza. Na
confusão que se seguiu, sem que nem eu mesma notasse, Marques
53

desapareceu!
Página
Desolada e cheia de vergonha fui levada para a casa de meus
pais. Minha mãe tentava me consolar, mas eu estava certa que Mar-
ques não tardaria a aparecer. Ela perguntou se eu queria ficar com eles.
Eu, porém tentando aparentar uma calma que não tinha, disse-lhe que
iria esperar Marques em casa, na nossa casinha! Ele talvez estivesse lá
me esperando.

Cheguei ao lar tão sonhado, mas Marques não estava.

Senti então que nada mais me restava neste mundo, além de


morrer, porém uma leve esperança ainda alimentava meu coração.

Senti tonteiras e recostando-me num sofá comecei a ter aluci-


nações. Via e ouvia a turma com suas risadas, os rapazes com suas bar-
bas longas a roçarem em meu rosto e suas mãos quentes me acarician-
do. Invadiu-me estranha volúpia, tão intensa que senti-me impelida a
correr para onde eles se achassem naquele momento!

Em meio a essa verdadeira obsessão, permaneci assim meio a-


cordada, meio dormindo, até o dia amanhecer.

Despertei confusa e a primeira coisa que me veio à mente foram


as palavras de Marques: “Sumirei de sua vida, nunca mais você me ve-
rá!”.

Tomei então uma decisão. Achei em minha bolsa algumas dro-


gas, manipulei uma dosagem e ingeri. Tudo que eu queria era fugir de
mim mesma, daquele pesadelo e depois voltar para a casa de meus
pais. Sabia que eles me aceitariam, como sempre me aceitaram. Confi-
54

ava a tal ponto na paciência deles que chegava a pensar ser melhor
voltar para eles do que o retorno de Marques. Ele com certeza iria me
Página

maltratar, enquanto que meus pais nunca fariam tal coisa.


Engoli as drogas pensando nisso, sem nenhuma intenção de
morrer.

Oh! Foi horrível! Comecei logo a “viajar”, porém percebi logo


que essa era completamente diferente das minhas costumeiras “via-
gens”.

Cheguei a uma cidade escura e deserta. Apavorada procurei por


alguém que pudesse me orientar, quando subitamente centenas de
sinos começaram a tocar. Eram sinos de todos os tamanhos, de diferen-
tes sons que tangiam adoidados! Minha cabeça já estava a ponto de
estourar, quando vi um homem vestido de romano antigo que se apro-
ximava de mim.

Seu olhar era bondoso, ele disse chamar-se Januário e que esta-
va ali para me ajudar. Pegou em minha mão e me conduziu para uma
espécie de praça, cercada por todos os lados. Os sinos haviam parado
como por encanto. Sem que se percebesse, Januário desapareceu e eu
me senti só, completamente só. O que eu pensara ser uma praça, era
na verdade um bosque de relva verde escura e árvores simétricas.

Naquela terrível solidão comecei a sentir uma sensação de arre-


pendimento, de coisas que fizera e outras que deixara de fazer. Não
pensava na morte, nem na vida eterna. Para mim tudo não passava de
um sonho, um pesadelo, uma péssima viagem! Só uma coisa era cons-
tante em meu íntimo: a terrível ânsia de voltar para a casa de meus
pais. Mesmo Marques parecia diluído como uma doce recordação. Eu
não tinha religião nem sentimento religioso. Só pensava em voltar e
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enfrentar as minhas dificuldades e ficar à mercê de meu destino. Saí de


meu transe, com o som de uma voz que parecia sair do ar e me cercava
Página
de todos os lados. A voz era firme e máscula, mas tinha também um
tom melodioso.

Dizia ela: “Preparem-se para voltar para a Terra! – Cuidem de


controlar suas vibrações, pois não foi normal o que lhes aconteceu.
Neste momento vocês se acham na Mansão dos Toxicômanos! Essa
passagem que vocês fizeram, deveria ser feita somente daqui a alguns
anos, talvez uns vinte ou trinta anos. É por isso que vocês não são Espí-
ritos normais, porque desencarnaram antes do tempo. Mesmo assim
vocês não são considerados suicidas. São apenas Espíritos que desen-
carnaram antes do tempo previsto. É por isso também que sentem essa
atração irresistível pela Terra, para seus ambientes costumeiros. E para
a Terra vocês terão que ir. Preparem-se para viajar para a Terra!”. Senti
certo alívio quando percebi que ele se dirigia a outros além de mim, e
também notei quando ele nos chamava de “Espíritos”. Sem dúvida ha-
via outros iguais a mim!

A partir daí perdi a noção de tempo e de espaço. Meus estados


se alternavam entre angústia, saudades, esperanças e desesperos. Mas
não conseguia ver ninguém, embora a voz continuasse a falar. As pala-
vras eram sempre diferentes, mas o sentido era o mesmo.

Subitamente percebi que havia mudado de ambiente. Sem que


eu soubesse, eu me movera!

O lugar onde me achava agora era uma grande plataforma, uma


espécie de rodoviária cheia de luzes opacas, de um lilás que variava em
tonalidade. Às vezes as luzes chegavam a parecer roxas, outras quase
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brancas.
Página

Encontrei novamente Januário e me senti mais segura.


Como fizera da primeira vez que me vira, ele tomou a minha
mão e me encaminhou para um edifício enorme. Lá havia muitas pes-
soas em atitude de espera de condução. Suas roupas eram mais ou me-
nos parecidas e para meu espanto vi que estava vestida de noiva, com
buquê e grinalda, do jeitinho que casara!

Nisso ouvi soluços bem perto de mim. Olhei em torno, mas não
vi ninguém com aparência de estar chorando. Olhei interrogativamente
para Januário e ele deu a entender que também estava ouvindo.

“É a sua mãe que chora” disse ele.

“Minha mãe? E onde é que ela está que não a vejo?”.

“Você não a vê nem entende, como não entendeu os belos ser-


mões que têm sido feitos até agora”.

“Sermões? Não, não estou ouvindo coisa alguma!”.

“Você não ouve porque suas células nervosas foram danificadas


pelas drogas que ingeriu. Também as pílulas anticoncepcionais produzi-
ram danos no seu sistema nervoso”.

“Meu Deus! disse eu, e agora, o que faço?”.

“Não se preocupe minha filha, logo você terá a oportunidade de


acertar seus desajustes. Para isso você será muito ajudada pelo amor
que tem pela sua Alma Gêmea”.

Amor, Alma Gêmea; aquela rodoviária, o romano Januário, tudo


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era tão diferente do que eu sabia e conhecia...


Página

No instante seguinte tudo aquilo havia desaparecido e me vi


numa praia que me era familiar. Vi que Januário continuava ao meu
lado e sua presença me dava uma sensação de irrealidade. Mas a praia
era bem real e eu comecei a olhar em torno, como nos velhos tempos
que a freqüentara.

Minha atenção foi despertada por um casal que brigava em altas


vozes. Olhei para Januário e ele me disse: “Vá e procure apartar essa
briga, tente ajudar esse casal e é possível que isso vá ajudá-la”.

Eu me aproximei do casal briguento no justo momento em que


o homem dava violenta bofetada na mulher. Ela caiu para trás e eu ten-
tei segura-la. Entretanto atravessou meu corpo como se eu não existis-
se e fiquei ali abobalhada, olhando a mulher caída sem saber o que fa-
zer.

Comecei a sentir grande sensação de culpa, como se eu fosse


uma criminosa, uma agressora. O homem que agredira estava com a
respiração ofegante e tinha os olhos injetados. Uma pequena multidão
se formou em torno e eu fiquei apavorada. Queria apelar para Januário,
mas ele havia desaparecido!

O incidente, entretanto tornou-me sóbria e com isso comecei a


me compenetrar da verdadeira situação. Minha cabeça, porém ainda
não se firmava e os pensamentos rodopiavam. Lembrei-me de Lucas
com quem estivera muitas vezes naquela praia e saí perambulando,
conforme caprichos de minha mente atribulada. Logo percebi que esta-
va fazendo o que sempre fizera: na hora da angústia eu corria para jun-
to de meus pais!

Senti então certa lucidez, uma certeza no coração. Sim, voltava


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para a casa que sempre me acolheu, apesar de meus desatinos. Só


Página

meus pais tinham paciência comigo. Apressei o passo e em pouco tem-


po estava em casa.
A primeira coisa que ouvi foram as palavras de minha mãe que
dizia: “Foi melhor assim, minha filha não podia ser feliz. Ela nunca dei-
xou de tomar aquelas drogas terríveis”. Gritei então com todas as mi-
nhas forças: “Estou aqui, não vou sair mais, não tomo mais drogas!” –
mas foi em vão, ela não me ouvia!

Permaneci ali durante três longos anos. Acompanhava meus


pais a todos os lugares aonde iam, sentava-se à mesa com eles, entrava
nas conduções e ficava magoada quando não sobrava lugar para mim.

Às vezes meus pais baixavam até o meu Plano, em seus Trans-


portes enquanto dormiam. Embora com certa dificuldade eu conversa-
va com eles.

Foi assim que soube que Marques havia se casado e que estava
muito feliz. Mesmo assim sofri muito com isso.

Eu vivia numa atmosfera lilás e muito diferente deles. Não per-


cebia e não entendia muito do que se passava. Mas estava em casa e
isso era tudo o que eu queria.

Um dia eles decidiram tirar umas férias e viajar até Brasília. Co-
mo de costume eu os acompanhei e graças ao trabalho de Januário e
outros Mentores, eles receberam um convite e vieram ao Vale do Ama-
nhecer.

Embora vendo e sentindo tudo nebulosamente, conseguia per-


ceber o que se passava no Templo. Via aquela multidão e não distinguia
muito quem era desencarnado ou não.
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Meus pais esperaram muito tempo, mas por fim chegaram dian-
Página

te da senhora, Tia Neiva. A senhora explicou a eles o que se passava


comigo e enquanto conversava com eles falava também comigo. Nunca
pude esquecer a doçura de seus olhos e o grande desejo de me redimir,
que invadiu meu coração.

A entrevista chegou ao fim e ouvi quando a senhora tocou uma


campainha e um jovem chamado Batista atendeu. A senhora pediu a
ele que fizesse um trabalho especial para meus pais e ele os levou ao
trabalho de desobsessão, nos “Tronos” dos Pretos Velhos. A senhora
fez um sinal para mim e eu os acompanhei. Enquanto meu pai espera-
va, minha mãe sentou-se num daqueles “Tronos”. Não sei se ouvi al-
guém do meu Plano dizer, mas o fato é que fiquei sabendo que o nome
dos Médiuns eram Waldeck, o Doutrinador e Flauzíria, a Apará.

Senti-me atraída pela Doutrina que estava sendo feita e uma


sensação diferente invadiu-me toda. Senti que flutuava e vi que estava
sendo carregada numa espécie de lençol alvo, que mais parecia um
colchão de nuvens. As últimas palavras que ouvi foram do Waldeck fa-
zendo minha entrega aos Mentores.

Senti que me desintegrava num Plano e me reintegrava noutro.


Passara pelo “Portal de Desintegração” e já estava em outro Plano!
Despertei num mundo diferente, iluminado por luzes opacas e de cores
variáveis. Fui então levada para o “Sono Cultural”, uma espécie de so-
noterapia de desassimilação. Despertei sem saber quanto tempo havia
passado. Ao meu lado estava Januário com sua roupa romana antiga.
Ele sorriu e a primeira coisa que fez foi convidar-me a visitar os meus
pais no Plano da Terra.
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Encontrei-os vivendo felizes e embora um pouco tristes, a me-


mória da filha desencarnada já não era tão penosa. Eles agora sabiam
Página

da verdade e que eu estava em boas mãos. A visita ao Vale do Amanhe-


cer modificara sua sintonia e sua maneira de ver a vida. Agora Tia Nei-
va, eu voltei aqui porque dentro de pouco tempo vou estar em condi-
ções de ajudar os jovens que sofrem os desatinos que eu sofri. Quero
ajudar os meus companheiros de desdita. Farei tudo para que eles
também possam encontrar suas Almas Gêmeas e aprendam a amar.

Peço Tia, que transmita aos seus Médiuns, que devem aprender
a perdoar seus filhos e serem pacientes com eles, como fizeram os
meus pais comigo. Se não fosse o amor e a tolerância deles eu não es-
taria aqui agora. É preciso que seus filhos não sintam medo nunca! Se
eu não tivesse tido certeza do perdão dos meus pais, nunca teria volta-
do para casa. Teria sido vítima dos Bandidos do Espaço ou talvez tivesse
me tornado obsessora dos meus antigos companheiros.

Salve Deus Tia, e recomende aos seus Médiuns para que contem
a minha história para todos que puderem. Agradeça aos dois Médiuns
que me atenderam com tanta generosidade.

61
Página
“O dever é uma obrigação moral da criatura para consigo mesmo em
primeiro lugar, em segundo para os outros. O dever é a Lei da Vida.”

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Página
O VELHO CORONEL

Pequenas viagens!...

O sol já devia estar brilhando na Terra, pois no Plano onde me


encontrava, lindos filetes dourados, sem brilho, como que aveludados
se espalhavam por sobre aquele pântano distante, lá embaixo no Vale
Negro.

Eu, sentada com Pai Joaquim das Almas de Enoque, sentia o es-
plendor de tudo que víamos. Divisamos ao longe um homem de branco,
que caminhava de um lado para outro, sem sossego.

– Quem poderia ser? – perguntei.

– Aquele homem é Eugênio, um velho Coronel dos bons tempos


– respondeu Pai Joaquim das Almas.

O homem se aproximou, vindo ao nosso encontro.

– Salve Deus! – Eu disse.

– Eu me chamo Frazão – falou o homem.

– Frazão? Ué, Pai Joaquim, o senhor disse que ele era Eugênio...

– Eugênio Frazão. É porque minha vidência não está boa, fia...

Rimos muito, descontraídos.

– É viva? – Perguntou Eugênio Frazão.


63

– Somos todos vivos – disse Pai Joaquim nos descontraindo –


Página

Neiva tem grandes Mediunidades e está aqui sonhando conosco.


Frazão se juntou a nós e começou logo a contar sua vida:

– Sou um pobre homem louco... Sou recém chegado. Tenho a-


penas nove anos...

Vivia naquele pântano, sem destino, pedindo a Deus que me


deixasse sucumbir naquele lamaçal. – E foi dizendo sem que ninguém
perguntasse: – Fui bem casado, tive dois filhos: um homem e uma mu-
lher. Ergui uma pequena Vila com amor e harmonia que se transformou
em uma linda cidadezinha. Mal sabia que Deus havia me proporcionado
tudo para que eu ajudasse aquela gente, naquele tempo difícil.

Todos me respeitavam, por meu amor e dedicação ao povo e


àquele lugar. Tudo teria continuado na maior felicidade se eu não tives-
se dado ouvidos a um tal Secretário, espécie de ordenança, homem
muito ligado ao Padre daquela Paróquia. Ele foi me avisar da chegada
de um Curandeiro que começara a fazer trabalhos nas redondezas. Sem
pensar, eu que era homem ponderado, mandei o Secretário ir até ele e
ordenar que cessasse imediatamente aquelas atividades. E não cuidei
mais do assunto, pois estava com viagem marcada para a Capital, onde
ia fazer prestação de contas, devendo me demorar por uns sessenta
dias.

Foi mesmo... Ainda me lembro bem dessa viagem... Sem ter


muita consciência, mas sentindo que o destino, o meu pobre destino,
havia me reencontrado, cheguei àquela cidade grande. Comecei minhas
tarefas nos diversos órgãos públicos, e um dia saindo de uma das salas
daquelas repartições, esbarrei numa moça que vinha pelo corredor e
64

derrubei sua pasta. Abaixei-me rápido murmurando desculpas e apa-


nhei a pasta. E quando nos olhamos, nos reconhecemos: era Geruza,
Página

uma antiga namorada com quem eu não havia podido casar, porque
seus pais não confiavam em mim. Gente importante, para romper o
romance haviam partido para a França, levando a filha obediente da
qual nunca mais eu soubera qualquer notícia. A única coisa que sabia,
era que Geruza nunca havia se casado.

Na força que age sobre duas pessoas que se amam, nos abra-
çamos. E quando acordamos da surpresa estávamos abraçados. Fica-
mos sem graça sentindo o peso de nossas responsabilidades, tão im-
portantes nas nossas idades. Não me recordo bem do que falamos, mas
sei que com algum embaraço mais uma vez sentimos a crueldade da
separação. Não combinamos um novo encontro, não nos demos ende-
reços, enfim, sabíamos que não tínhamos condições para nos reencon-
trarmos.

Retornei à minha Vila, mas meu pensamento estava distante. A


estação movimentada, baldeações em charretes para outra estação, o
trenzinho de madeira enfumaçado, soltando faíscas que ameaçavam
nossas roupas, nada disso conseguia minha atenção, voltada totalmen-
te para Geruza. Agia como um autômato e minha mente não se ligava
na viagem e, nem na minha família que ia rever.

Meu Deus! O que fora fazer naquela repartição? Porque o desti-


no armara aquele encontro. E o pensamento em Geruza me envolvia,
tomava conta de mim. Lembrava-me daqueles dias felizes, dos passei-
os, das cachoeiras. Aquela criaturinha meiga e amorosa que me com-
pletava e enchia minha vida de um colorido alegre e, também me lem-
brei daqueles olhos cheios de lágrimas, o desespero estampado no lin-
do rosto, quando me disse que os pais iriam partir e ela teria que a-
65

companhá-los. Não tinha coragem para desobedecer... E partiu um dia


Página

deixando aquela triste carta de adeus. E sobreveio uma revolta em meu


íntimo, por que me martirizar? Ora, se ela não quis e pronto! Cada um
seguiu sua vida... Mas eram apenas palavras para me consolar. Quando
dei conta de mim as lágrimas corriam pelo meu rosto e o trenzinho es-
tava chegando ao meu Vilarejo. Resolvi que era meu lugar e que tudo o
mais teria de ficar para trás.

Oh, Tia Neiva! Destino cruel! Em nenhum momento senti enfra-


quecer o amor que dedicava à minha velha esposa. Comecei a pensar
nas diversas famílias, numerosas pessoas que eram felizes naquele lu-
gar, graças ao meu trabalho para desenvolvê-lo. Muitas culturas, cria-
ções de grande futuro, todo aquele gado, as grandes fazendas, tudo
fruto da minha direção. Agora sabia de onde tirara a força para tudo
aquilo: procurava preencher o vazio que meu coração sentia ao ter que
me separar de Geruza. O grande amor que sentia por ela, havia na sua
falta sido distribuído por todo aquele lugar, dedicando-me àquela mis-
são de corpo e alma.

– Sim, Coronel – disse eu, tenho certeza disso. O amor tira real-
mente muita terra do coração do homem. Digo isso por mim: o grande
amor que sinto por meus filhos – um amor tão grande que ultrapassou
as barreiras do som e me faz amar todo esse Universo. Só o amor edifi-
ca! Somente o amor absoluto, como por exemplo: o amor das Almas
Gêmeas que se encontram na Terra, faz uma transformação tão grande
que permite o nascimento no homem do Amor Incondicional, essa for-
ça bendita que ilumina os três reinos de nossa natureza, aumentando o
poder de nosso Sol Interior, esse sol que exige nosso bom comporta-
mento, que nos faz sentir em cada ser o novo resplandecer dentro de
nós.
66

– Ai! – Disse Pai Joaquim – aprendeste muita coisa na Terra.


Página

Muita coisa mesmo. Neiva como estás falando bonito! Aliás, o que é
mais bonito na Terra é ouvir o homem em seu sacerdócio. Sim, mesmo
o homem de poucas letras, explanando o sacerdócio.

– O senhor quer dizer com esse homem de poucas letras que se


trata de um semi–analfabeto? – Perguntei – pois saiba querido Pai Joa-
quim que tenho ricos professores, homens togados, que saem aqui des-
te esplendor para irem me ensinar lá em baixo... Sou mesmo uma pro-
tegida, não sou?

– É fia, mas você não pode mentir. Seus olhos estão empenha-
dos a Jesus. O que te faz falar bonito é o que acabou de dizer: o grande
Amor Incondicional. Aqui é fácil falar, porém, na Terra é muito difícil. O
homem carrega sérios defeitos através dos milênios e fica muito difícil
amá-lo.

– Não quero saber dessas cargas – tornei a dizer. Eu levo o meu


quinhão e enquanto tenho forças levo também o dele. Quando vejo ele
já está sem defeitos... Mas, vamos continuar com a sua história Coro-
nel.

– Quando cheguei à estação, fiquei surpreso. Não havia qual-


quer um dos meus familiares a me esperar. Apenas estava me aguar-
dando aquele homem em quem eu confiava demais, o meu ordenança.

É Tia, dizem que ninguém engana ninguém, mas fui enganado


por aquele homem a quem tanto me dedicara. Logo após as saudações
ele começou a me relatar coisas amargas, dizendo que o tal Curandeiro
não me respeitava e continuava fazendo seus feitiços. Como eu o proi-
bira de fazer suas sessões na casa dele, agora ele ia de casa em casa
67

realizando trabalhos e levando o povo ao fanatismo.


Página
Era um mau momento o meu. Com a emoção me dominando,
cansado e magoado, aquela notícia foi a gota d’água que transbordou
meu cálice. Tomado pela fúria ordenei que prendessem o Curandeiro e
que lhe fosse aplicada uma surra na praça pública.

O perverso ordenança era o próprio mensageiro do mal. Disse


que meus filhos não puderam ir porque meu netinho estava doente,
muito mal. Essa notícia acabou de me derrubar. Meu neto era há muito
a devoção de minha vida. Alucinado, partimos para casa e durante o
trajeto o ordenança ficou falando sobre as manobras do Curandeiro
para burlar minhas ordens. E, mal chegamos a minha casa o Ordenança
correu à casa do Curandeiro para prendê-lo.

Oh, meu Deus! Eu mal sabia que aqueles homens eram meus al-
gozes e que Deus me colocara ali como Missionário, para evoluir aquele
povo e suavizar o terrível encontro, encontro esse em que o obsessor
era meu próprio pai. Pelo meu amor, pela minha compreensão, pela
ternura que lidava com cada um, eu estava encaminhando aquela gen-
te. Não podia saber que Deus havia mandado aquele pobre homem – o
Curandeiro – para me ajudar.

Não... Envenenado, preferi dar ouvidos ao Ordenança, que com


sua mente deturpada punha em jogo toda aquela gente que eu tanto
amava. Oh, meu Deus! Como me livrar do terrível acusado?... Sim, hoje
eu digo Tia Neiva, que o Missionário nem por um instante pode ouvir
outra voz, que não seja a do seu próprio coração.

– Sim – disse eu, Jamais cairei nesta infração. Não aceito comen-
68

tários de ninguém: só ouço a voz do meu coração e só confio na minha


Clarividência.
Página

Rimos com amargura, e ele continuou:


– Chegamos à minha casa, já ouvia os gritos tristes do povo. Cer-
tamente estavam lamentando a prisão do Curandeiro, pensei. Meu fi-
lho e minha nora chorando, vieram ao meu encontro e me imploraram
que os deixasse chamar o Curandeiro, pois ele já havia curado muitos
casos daquela triste febre que estava matando meu netinho.

Sim, como pudera ser tão vil? Como pude? Depois de tanta ex-
periência, fazer o que fiz? Tanta realização, mas na verdade eu estava
desajustado.

Aproximei-me de meu netinho, que ardia em febre. Lá fora a al-


gazarra havia aumentado. Podia ouvir o povo e ninguém vinha me dizer
o que estava acontecendo. O Ordenança havia sumido. Oh, meu Deus!
Por que meu Deus, eu merecia passar toda aquela dor? Ver morrer em
meus braços o meu netinho... Apenas por uma palavra, um gesto eu
colocaria a perder o que me era mais caro.

Mais uma vez me sentia como que morto por dentro. Aquela al-
gazarra... Se alguém viesse pelo menos dizer que não era nada com o
Curandeiro e sim alguém que chegava e estavam festejando... Qualquer
coisa menos o castigo do Curandeiro, pensava eu. No quarto ninguém
falava. Apenas se ouvia a respiração ofegante da criança moribunda e
os soluços dos pais e de minha velha esposa. Nesse momento, Tia Nei-
va, garanto que meu único pensamento era salvar meu netinho. Minha
nora parecia adivinhar meus pensamentos e levantando-se num repen-
te, com firme determinação, me disse que ia buscar o velho Curandeiro.
Não falei nada. Eu pensava que era muito corajoso, mas não passava de
um grande covarde.
69

Súbito uma força incrível, um impulso violento arrancou-me da-


Página

li, e saí correndo sem destino. Corria, corria e de repente senti-me leve,
leve como se não tivesse mais o corpo e me transportei, chegando aos
lugares onde meu pensamento me levava. Cheguei até aqui e então
soube que morrera na mata.

Essa é a minha história, Tia. Tudo teria dado certo se não tivesse
ouvido as mentiras do meu Ordenança. Triste e infeliz daquele que ou-
ve os fuxiqueiros, os malvados que se armam em julgadores... Aquele
Curandeiro era meu pai, que fora instrumento para testar a minha hu-
mildade. E eu que me sentia humilde, que me dizia humilde, porque
todos viviam a meus pés, à primeira prova caí como um louco. Oh, meu
Deus! Não me encontrei com o Curandeiro para lhe pedir perdão pelo
capricho do meu destino, de minha prova. Ele foi ter com Deus e eu
fiquei aqui Tia Neiva. Pai Joaquim segurou a mão do velho Coronel, e
seus olhos brilhavam quando falou:

– Não, meu filho. Você se enganou! A algazarra que você ouviu


era o povo se distraindo com as graças que uma velha fazia na praça. O
seu Ordenança não chegou até a casa do Curandeiro, com medo daque-
le povo que estava ali. Sua nora conseguiu que o Curandeiro fosse curar
seu neto, e todos teriam ficado muito felizes não fosse terem encon-
trado seu corpo na mata. Você foi um homem muito honesto e, pense
sempre nessa lição, para que não tenha mais que sofrer, para não mais
julgar ou corrigir sem amar.

– Agora sim... Agora tenho a cabeça para trabalhar, para cum-


prir uma Missão...

Salve Deus! – Dissemos juntos. Vai, fia – Disse Pai Joaquim o-


70

lhando para mim, que os filetes do sol já começam a surgir.


Página

E logo, eu estava em casa.


ADENDO DA HISTÓRIA DO VELHO CORONEL

Havia no Templo Mãe um mendigo que dormia pelas marquises


do Orfanato. Severino, assim era seu nome, tinha a cara de um Preto
Velho. Somente destoava uma enorme verruga em sua face. Era uma
figura interessante, de poucas palavras, não incomodava ninguém. A
maioria das vezes almoçava com os meninos do Orfanato e ninguém se
incomodava, pois sua atitude era de total educação e respeito. Ficava
vagando pelo Vale, ganhando um café aqui e ali. Não perdia uma única
reunião de Arcanos e Presidentes. Sentava-se no fundo, calado e assis-
tia a tudo, como se compreendesse cada palavra. Mas se alguém lhe
perguntasse algo, ele respondia como se nada houvesse visto ou ouvi-
do. Certa vez um Adjunto Maior resolveu levá-lo para sua casa, arru-
mando um quartinho para ele. Cama limpa, roupas, um pouco de con-
forto enfim. No dia seguinte lá estava Severino dormindo de novo no
chão, pelas marquises do Orfanato! Foram diversas tentativas, e todas
em vão.

Certa vez, em um Angical, perguntaram a Pai Joaquim quem era


o Severino e este disse:

Meu filho, você lembra-se do Velho Coronel, história contada


por Tia Neiva? Severino é o Velho Coronel, um grande espírito, mas
carrega uma grande culpa e veio cumprir sua jornada exatamente desta
forma. Nunca vai adiantar tentar dar algo a ele. Pois somente pode ser
feliz assim: sem ter nada nesta vida. Seu espírito evoluído entende e ele
escuta a voz do próprio espírito. Ele foi, na época do Angical, um grande
senhor de terras, com muitos escravos. Foi um homem bom e que res-
71

gatou quase todas as suas dívidas nesta encarnação. Porém, cometeu


Página

uma grave injustiça e para reequilibrar a energia e cumprir seu carma,


voltou como negro e mendigo. Por sua própria opção.
E continuou:

Para fazer a caridade é necessário que sempre se use o bom


senso. Não se pode sair por aí oferecendo ajuda a quem não está pe-
dindo. Quem não está pedindo ajuda, muitas vezes não precisa dela, ou
ainda não adquiriu a humildade suficiente para pedir. Sempre existe um
motivo que justifica os problemas que a pessoa passa. Salve Deus!

72
Página
“Filhos! É preciso que conheças a vida fora da matéria, sabendo que
vivemos na Terra a experiência do que somos testados pelos nossos
amores e pesados pelos nossos corações.” 73
Página
O PEQUENO PAJÉ

Ela foi feita para as crianças do Vale do Amanhecer, principal-


mente os filhos dos Médiuns. Essa história poderia chamar-se também
“O Pirata da Aldeia Encantada” ou “Em busca da Aldeia Encantada”.

Preferimos esse nome porque as crianças do Vale já se acostu-


maram com o Pequeno Pajé.

O Pequeno Pajé do Vale do Amanhecer é uma pequena organi-


zação, que funciona paralela com as atividades do Templo do Amanhe-
cer. Destina-se ele a ambientar as crianças, até os 14 anos, com a ativi-
dade Mediúnica.

Até essa idade as crianças se familiarizam com a Mediunidade,


sem praticar o Mediunismo. O Pequeno Pajé se incumbe de satisfazer
as necessidades psicológicas, ao mesmo tempo em que afasta suas
mentes do Espiritismo, do fenômeno Mediúnico, principalmente em
seus aspectos angustiados.

As crianças cantam, brincam, recebem Passes, são tratadas pe-


los Mentores Espirituais, tudo sem falar em Mediunidade, Espiritismo
ou Religião.

Essa atitude se fundamenta no conhecimento da fisiologia da


Mediunidade. A Energia Mediúnica é produzida na intimidade dos os-
sos, na medula, no “tutano”. Desde a formação do feto humano, até
mais ou menos 7 anos de idade, essa energia se dilui no organismo, de
tal maneira que toda criança é um “Médium natural”.
74

Esse fenômeno varia de criança para criança, dependendo de fa-


Página

tores complexos que circundam cada uma, mas de um modo geral, to-
das “vêem”, “escutam”, “tocam” o Mundo Invisível. As crianças “se co-
municam” tão naturalmente com o Mundo Invisível como com o Mun-
do Físico, na proporção inversa das idades. Os sentidos vão se desen-
volvendo e se firmando e, nessa proporção vão diminuindo as percep-
ções do Mundo Invisível até desaparecerem quase por completo na
faixa dos 7 anos.

Por isso, quando a gente vê um grupinho de crianças brincando


de “casinha” ou coisa parecida, a gente deve levar tão a sério como elas
levam. No meio da brincadeira existem personagens que nós não ve-
mos, mas que as crianças vêem... Também quando nosso filhinho esti-
ver brincando sozinho e estiver falando “com alguém”, respeite seus
amigos e finja que está vendo...

Esse fenômeno é muito mais intenso quando os Médiuns da ca-


sa, a mãe, o pai ou outros adultos que morem na mesma casa, não são
Médiuns desenvolvidos e a carga recai mais sobre as crianças. A pior
coisa que se pode fazer numa circunstância dessas é achar engraçado e
incentivar atitudes Espíritas nas crianças. Diante de um fenômeno tão
simples quanto esse os pais costumam achar que seus filhos são “geni-
osinhos” e os fazem exibir-se para os amigos...

Dos 7 anos aos 14 o fenômeno toma uma direção diferente. A


partir dos 7 anos a criança começa a esticar, a crescer, principalmente o
esqueleto, os ossos. O gasto de energia é tanto (a mesma energia que
falamos acima), que o fenômeno se inverte: o adolescente perde a no-
ção da realidade, perde a segurança do Mundo Invisível e começa a
depender de sua imaginação. Ele começa a depender tanto dos senti-
75

dos físicos que os exagera. A voz luta por se firmar, os olhos começam a
Página

depender mais dos contornos físicos e da iluminação ambiente e ele


não sabe o que fazer com as mãos.
Os adultos não devem confundir essa luta pela afirmação psico-
física com o fenômeno Mediúnico do Espiritismo. Se isso acontece e o
adolescente for levado ao Trabalho Mediúnico, há muitas possibilida-
des da deformação de sua personalidade e até mesmo de seu corpo.

O que dissemos até agora é o suficiente para explicar as razões


do Pequeno Pajé do Vale do Amanhecer, as razões que poderiam ser
chamadas de “negativas”.

Mas, perguntarão as pessoas que nos lêem, e a Religião? Uma


criança deve ser criada sem Religião?

Sim, responderemos nós, é lógico que as crianças devem ter


uma Religião. Mas essa Religião deve ser natural, tão lógica que ela não
tenha que abandoná-la tão pronto se sinta adulta...

É disso que nossa Pequena História de hoje procura nos dar um


exemplo. Todo adulto sonha com uma “Aldeia Encantada”.

Todos, buscamos algo em que possamos confiar e agir.

Essa é a “nossa” Religião, um aspecto particular e único da nossa


formação multidimensional, a necessidade de relacionamento com ou-
tros Planos de nosso universo particular, a busca do “nosso” Deus...

É mais honesto que os Missionários facilitem esse mecanismo


do que fornecerem às crianças uma religião particular, sob medida de
nossos interesses, mas inadequada àquela criança, àquele Ser único e
inigualável. Procedendo assim, tanto os pais como os Sacerdotes ape-
nas vão garantir àquele Ser a angústia de ter que se libertar, quando se
76

tornarem adultos e perceberem o logro...


Página
Jesus e as Crianças

13. Depois, trouxeram-lhe (algumas) crianças para que impusesse as


mãos sobre elas e orasse; os discípulos, porém, as repreendiam.

14. Mas Jesus disse: “Deixai as crianças e não proibais que venham a
mim, porque destas é o reino dos céus”.

15. E depois que lhes impôs as mãos, partiu dali.

Mateus, 19:13-15.

Era uma vez um jovem casal de cientistas.

Eles viviam numa grande cidade e trabalhavam nos laboratórios


da Universidade. Haviam se tornado cientistas porque gostavam de
estudar. Seu maior sonho era viajar em busca da ALDEIA ENCANTADA,
uma linda história que conheciam desde crianças.

Trabalharam, trabalharam, até que puderam construir um barco


capaz de enfrentar o alto mar. O barco era lindo, com velas coloridas e
todo conforto. Havia até mesmo um motor auxiliar, para que eles pu-
dessem enfrentar as tempestades ou navegar quando não houvesse
vento para suas velas.

Finalmente, chegou o dia em que eles decidiram sair em busca


da ALDEIA ENCANTADA. Até então, eles haviam acumulado conheci-
mentos e equipamentos para todo tipo de pesquisas. Despediram-se
dos seus amigos e muita gente chorou de emoção. O jovem casal era
muito querido na comunidade.
77

Como indicação, levavam apenas o sonho de criança e a confi-


Página

ança nas Estrelas do Céu. Assim, viajaram por muitos oceanos, viram
muitas terras e gentes. Conheceram os perigos dos mares bravios, vi-
ram toda sorte de fenômenos, animais estranhos e gigantescos. Certa
vez foram acompanhados, quase uma semana, por um bando de golfi-
nhos que pulavam em torno do seu minúsculo veleiro e brincavam com
o jovem casal. Paravam pouco tempo em cada lugar. Não perguntavam
pela ALDEIA ENCANTADA, porque não queriam arriscar o sonho de seu
coração com pessoas que não queriam compreende-los.

Assim, já haviam percorrido muitos lugares e sua alegria já esta-


va se acabando. Passavam o dia cuidando dos afazeres da viagem, mas
já não conversavam muito. Havia em seu semblante um pressentimen-
to de que estavam chegando ao término da jornada e isso os deixava
com um misto de tristeza e sobriedade.

Um dia avistaram uma terra na qual se destacava uma monta-


nha muito alta. Em torno do pico da montanha as nuvens faziam anéis e
do seu cume saía uma fumaça branca.

Sentiram o coração bater mais apressado e rumaram para a ter-


ra, com a segurança de quem sabia o que estava fazendo. Além da praia
de areias alvíssimas, via-se uma luxuriante vegetação e, bem no fundo,
na encosta da montanha, mais alto que o nível do mar, uma cidade!

Pelas estradas que atravessavam a vegetação, vinham cami-


nhando os habitantes da Aldeia que há muito haviam visto o barco che-
gando.

A recepção foi alegre e o jovem casal sentia-se à vontade, como


se estivessem sendo esperados. A língua que aquele povo falava era
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muito estranha, não se comparava com nenhuma das línguas conheci-


Página

das. Mas o interessante é que não havia dificuldade para eles se enten-
derem! O jovem casal se instalou numa modesta casinha e desembar-
cou todo seu material de pesquisa. Sabiam agora que aquela era a AL-
DEIA ENCANTADA! Haviam chegado ao seu destino.

Como eram cientistas eles faziam muitas perguntas aos morado-


res, mas eles pareciam saber muito pouco a respeito de si mesmos.
Tudo que eles procuravam saber recebiam como resposta, que quem
poderia informar era o Velho Sábio que morava numa colina acima da
ALDEIA.

Chegou o dia em que eles decidiram procurar o Velho Sábio.


Não foi fácil chegar até ele. Os moradores pareciam ter ciúme ou medo
dele, e só a custo conseguiram o guia que os levaria até lá. O guia tam-
bém estava com medo, e vacilou muito levando-os por muitas horas,
por caminhos diversos do que pretendiam.

Eles começaram a se cansar, e já estavam para desistir quando


depararam com uma linda casinha e ouviram a voz do Velho Sábio!

Estacaram medrosos e surpresos. Na porta estava um velho por-


tentoso, de ombros largos e feições bondosas. Usava uma barba branca
que combinava com seus alvos cabelos, formando uma moldura suave
para seu rosto bom.

“– OH, MEUS JOVENS CIENTISTAS! Exclamou ele com voz forte.


Sejam bem vindos à ALDEIA ENCANTADA! Vamos, entrem”.

Diante da figura imponente do Velho Sábio, o jovem casal sen-


tiu-se pequeno e amedrontado, a ponto de gaguejar. Agarradinhos um
ao outro, foram entrando na modesta sala, ao mesmo tempo em que
79

balbuciavam:
Página
– Viemos de longe em busca desta ALDEIA e gostaríamos de sa-
ber sobre ela. Disseram-nos que o senhor nos diria tudo o que sabe. Ao
mesmo tempo gostaríamos de fazer o que pudéssemos. Sentimos que,
também, temos alguma coisa a fazer aqui.

É verdade, disse o Velho Sábio, estou pronto a dizer tudo que


somos aqui. E passou a contar a eles a triste história da ALDEIA ENCAN-
TADA.

Eu fui um grande pirata, muito temido, e aqui cheguei há muitos


anos. Somados esses anos, com os que eu tinha, eu hoje já tenho du-
zentos anos de idade. Aqui cheguei ao auge de minhas forças e, com
meus homens eu causei uma grande destruição. Aqui vivia um povo
humilde e amoroso. As ruas tinham lindas árvores e caramanchões de
flores. Todas as casas tinham jardins que eram cultivados com carinho
pelos Aldeões. Do alto daquele morro descia uma torrente de água,
formando uma linda cascata. Nas noites de luar, os habitantes vinham
assistir à Dança dos Encantados que se realizava na praça central. Essa
dança era um contato com a Força da Lua e, através dessa energia, os
Encantados vinham saudar o povo da ALDEIA.

Às vezes – continuou o Velho Sábio – eu ficava muito triste pen-


sando nas coisas mal feitas que fizera antes de conhecer esta Aldeia...

– Como? Interrompeu o jovem cientista.

– Então o senhor já fez muitas maldades?

– Sim! – Respondeu o antigo pirata – Já fiz muita destruição,


80

principalmente aqui, quando cheguei com intenções de esconder o


meu tesouro.
Página
– Tesouro? Então o senhor tinha um tesouro, era um homem ri-
co?

Sim e não, foi a enigmática resposta. Como o meu jovem deve


saber, piratas matavam para roubar e acumulavam o fruto de seus rou-
bos em peças de ouro, jóias e pequenos objetos. Armazenavam tudo
em pequenas arcas e procuravam um lugar ermo onde as enterravam.
Assim, eu vim parar nessa ALDEIA ENCANTADA. Ancorei o meu navio na
enseada e o povo veio me receber todo feliz. Eu, porém, reagi com tru-
culência e meus homens, encharcados de rum, atacaram a todos com
ferocidade. O povo, então, aterrorizado, fugiu para as montanhas e
procurou proteção no Velho Pajé...

Velho Pajé? Quem era ele?

Logo vocês ficarão sabendo. Respondeu pensativo o antigo pira-


ta. Quando eu soube que o povo estava se refugiando junto ao Velho
Pajé, eu estava com meus homens aproveitando a ausência dos habi-
tantes e saqueando a ALDEIA. Destruí muita coisa e, com isso, as flores
murcharam, os jardins ficaram espezinhados e a cascata parou de cor-
rer.

– Então, o que o senhor fez?

– Fui atrás do Velho Pajé.

– Mas o que foi que o motivou a se arriscar? Afinal, o senhor ti-


nha a ALDEIA nas mãos e não sabia o que iria encontrar lá em cima.

– Ninguém me motivou coisa alguma. Fui por conta própria.


81

Meus homens eram supersticiosos e não se sentiam encorajados a su-


Página

bir. Fui e tive a maior das minhas surpresas.


– Naturalmente o senhor conseguiu vencê-lo, não foi?

– Não, meu jovem! Ao contrário do que pensava, o meu encon-


tro com o Pajé foi a maior experiência da minha vida. De fato eu che-
guei junto a ele com toda a minha ferocidade de pirata.

Porém, ao defrontar-me com o seu olhar profundo, expressão


que nunca tinha visto em toda a minha vida, nos sete mares da Terra,
eu me derreti como se fosse gelatina.

De longe gritei para meus homens que trouxessem a arca do te-


souro e a coloquei aos pés dele dizendo:

Tome, esse tesouro é seu.

Ele, porém, continuou a me olhar como se nada tivesse ouvido.


Senti que estava passando por uma espécie de hipnose que me trans-
formava por dentro. De repente, olhei para o tesouro que havia sido
depositado nos pés do Pajé e percebi que ele perdera todo valor para
mim. Minha ganância habitual desapareceu como desapareceram mui-
tas coisas da minha mente, muita coisa ruim. Era como se tirassem dela
todo o mal que existia.

– Você disse da sua mente. E do seu coração? Não desapareceu


o mal?

– Não! Respondeu o Velho Pirata. Não existe mal no coração. A


sua estrutura, a formação do coração, do sentimento, vem de Deus e é
puro. É a nossa mente que nos desperta para o mal ou para o bem. To-
dos trazemos no coração o bem que é a Essência Divina. Somos seme-
82

lhantes a Deus, somos bons. A mente é que polui, deturpa.


Página
Foi horrível – Continuou ele – Meus homens haviam aberto a ar-
ca e as jóias que compunham meu tesouro brilhavam e faiscavam a luz
do sol. Entretanto, ninguém parecia ligar a menor importância, nem os
Aldeões, nem meus homens, e nem mesmo eu. Permanecíamos como
que absorvidos na força do olhar do Pajé. Então, eu comecei a me sen-
tir mesquinho, pequeno e ridículo. Eu havia apanhado um punhado de
pedras preciosas com a idéia de atrair o olhar do Pajé. Porém, na medi-
da em que o silêncio se prolongava, as pedras iam caindo por entre os
meus dedos, e eu me sentia abobalhado, sem saber bem o que estava
acontecendo. Ninguém proferia uma palavra e somente a personalida-
de do Pajé dominava o cenário.

Por fim, o próprio Pajé quebrou o encanto.

– Salve Deus, meu filho – Disse ele.

Entre e sente-se. E eu obedeci automaticamente, sentando-me


num banquinho no interior da cabana. Entrei numa espécie de transe e,
quando dei por mim, eu senti que estava me transportando. Vi, então,
que o Pajé abria uma porta que dava para uma espécie de planície que
ia até o horizonte.

– Olhe. – Disse ele – Olhe para o seu passado!

Vi, então, inúmeras cenas de meus assaltos, de meus roubos, e


vi também as pessoas que havia despojado de seus bens. Muitos ainda
se lamentavam pela falta das coisas preciosas que eu havia roubado.
Senti, então, uma enorme tristeza ao ver a prova viva dos meus crimes.
83

Quando voltei a mim, o Pajé continuava de pé me olhando. Per-


guntei: – E agora, meu bom Pajé? Que devo fazer de minha vida?
Página
– A primeira coisa é esperar que toda essa gente que você pre-
judicou pare de vibrar em você.

– Mas, porque tenho que esperar?

– Porque você só irá recuperar a paz de seu coração quando es-


sas pessoas se desligarem, quando se recuperarem dos males que lhes
fez.

– Meu Deus! Exclamei. E eu, que destruí também grande parte


da ALDEIA!

– É verdade – Continuou o Pajé – Se você quer, realmente, a sua


verdadeira paz, terá que permanecer aqui como um prisioneiro, até
que tudo se equilibre. Ficando aqui e procedendo direitinho, sua sorte
mudará e, então, tudo ficará bem outra vez. Se você tiver sorte, virão
cientistas de outro Plano e repararão alguns males que você fez. Veja,
por exemplo, aquela cascata que já não corre mais. Só os cientistas do
além saberão recuperar o seu mecanismo.

Diante daquela perspectiva, minha alma se rebelou e eu disse:

– E, se porventura, eu me recusar a permanecer aqui como pri-


sioneiro?

– Ora, disse o Pajé, você é livre e pode ficar ou ir. Use o seu livre
arbítrio.

Eu, então, respondi que queria apenas a minha paz.


84

Ele, então, me disse: – Esta ALDEIA é encantada e, mesmo que


você tentasse, não conseguiria sair daqui. Os Gênios Encantados não
Página
deixariam. As pessoas só saem daqui, quando estão felizes e equilibra-
das. No fundo, é a sua própria consciência que não o deixaria sair.

– Oh, meu Deus! Gritei com a alma dolorida.

– Quer dizer que o senhor apelou a Deus? Interpelou um dos jo-


vens cientistas.

– Não, eu não apelei a Deus. Eu dei esse grito ao pensar no so-


frimento daquelas pessoas a quem eu fizera mal.

– Mas, isso é grande! Gritou o jovem casal de cientistas.

Queremos conhecer esse Pajé tão bom!

Pois não, respondeu o Velho Pirata. Vamos até lá. Mas, teremos
que ir imediatamente. Tenho um pressentimento que sua Missão nessa
ALDEIA está se acabando!

Puseram-se a caminho da montanha do Pequeno Pajé e ficaram


maravilhados. Ele era cheio de rosas e flores variadas. De quando em
vez, deparavam com pequenos índios que lhes apontavam suas flechas.
Ao reconhecerem o Velho Pirata, eles abaixavam seus arcos e os deixa-
vam passar. Os cientistas não puderam sopitar a sua curiosidade, e per-
guntaram ao Velho Pirata de onde haviam vindo aqueles Indiozinhos.

Eles são a guarda do Pequeno Pajé. Eles são encantados.

Os cientistas, então, tiveram uma inspiração e disseram:

– Salve Deus! Sejam bem vindos à Tenda do Pequeno Pajé!


85
Página
Os cientistas notaram a consideração que eles dispensavam ao
Velho Pirata, e guardaram as suas perguntas para serem feitas oportu-
namente.

O encontro dos dois Sábios e o jovem casal foi maravilhoso. O


Pequeno Pajé saudou os cientistas dizendo palavras amáveis.

Em seguida, revelou muitos segredos científicos de sua tribo, in-


clusive alguns que ainda eram mistérios, até mesmo para os mais anti-
gos do Clã. Dentre eles, os cientistas ficaram sabendo por que a cascata
parara e, como ele, o Pequeno Pajé tivera que ficar até que aparecesse
alguém que a fizesse jorrar de novo.

Agora é a sua vez! Disse ele aos cientistas.

E eles responderam: – Se tudo que você nos ensinou é verdadei-


ro, nós faremos isso agora mesmo.

– Sim – disse o Pajé – Tudo é verdade e lhes afirmo neste instan-


te:

– Se suas mentes forem limpas, sem qualquer fanatismo, pelo


bem ou pelo mal. Se souberem amar cientificamente e distinguir a pe-
quena Estrela. Disseram a uma só voz, os três. E comentaram entre si:
quando as chamas crescem, queimam a mais.

– Sim, disse o Pequeno Pajé. Aquela fogueira representa o ho-


mem e a Estrela é seu coração.

Quando o homem odeia, ele queima o amor e as chamas se a-


86

centuam, ferindo sua própria estrela, seu próprio coração.


Página
Nesta Aldeia vocês encontrarão alívio para todos os males. Nes-
te Velho Pirata vocês encontrarão a Sabedoria acumulada nos seus 200
anos de vida.

A Aldeia Encantada estava silenciosa, quando, de repente se ou-


viu o barulho da água caindo de novo na cascata. O povo pulou de ale-
gria, mas, logo voltou a ficar quieto quando o Pequeno Pajé veio para
se despedir de todos. Sua missão ali estava cumprida. À chegada do
Velho Sábio sentiu que toda aquela gente o amava, que a cascata corria
de novo e que, apenas ele se distanciara de todos, pois passara para
outro Plano!

O Pequeno Pajé, então, tomou um ar solene e, na presença de


todo o povo da Aldeia Encantada passou os seus poderes ao antigo Pi-
rata, hoje o Velho Sábio, para que governasse em seu lugar, pois, a par-
tir daquele momento, ele partiria para outras missões em outros mun-
dos.

87
Página
“Junto a mim, na longa estrada, em direção à porta estreita,
está comigo o Doutrinador!”
88
Página
UM HOMEM DE DOIS MUNDOS

Pai João de Enoque, um grande Mestre Planetário que humil-


demente se apresenta na roupagem de um Preto Velho, costuma dizer
no Templo do Amanhecer: “Meus filhos, não adianta somente dar pei-
xes às pessoas, é preciso ensiná-las a pescar...”

Com isso ele quer dizer que não basta curar e tirar as pessoas de
suas angústias, mas, que é preciso dar-lhes algo mais, alguma coisa que
lhes sirva de guia nas suas resoluções, é preciso dar-lhes uma Doutrina
para lhes servir de amparo nas horas amargas, quando têm que tomar
alguma decisão.

Essa é a finalidade destes folhetos periódicos, de dar às pessoas


uma idéia da vida fora do Plano Físico, do que acontece com a gente
depois que desencarnamos, e com isso tomarmos mais cuidado com
nossa conduta.

Nossa vida depois da morte depende da maneira como nós vi-


vemos antes da morte...

Nesta história de Marcondes isso fica bem demonstrado. Na Au-


la proferida pela Clarividente Neiva aos Médiuns do Templo do Ama-
nhecer, houve a oportunidade de se acompanhar a vida desse homem e
sua família, desde uma encarnação no século XIX, até que morreu de
novo no século XX. De permeio graças à Clarividência de Tia Neiva, po-
de-se ter uma visão da vida no Plano Etérico, nos estágios evolutivos da
caminhada para Deus.
89

O que mais fica evidente nesta história, é a diferença de pontos


de vista da mesma pessoa no Corpo Físico e no Corpo Etérico. Esse
Página
drama pode ser percebido por cada um de nós em nossas próprias vi-
das a cada momento.

Não há dúvida caro leitor, todos nós temos vidas simultâneas e


o desafio do momento, de cada um, é de como conciliar dois pontos de
vista opostos que se contrariam – lutando no mesmo campo conscien-
cional em nosso íntimo, no lugar onde nosso Eu escolhe os elementos
para suas decisões...

A Casa Grande repousava após mais um dia de agitada ativida-


de.

Em torno dela, no lusco-fusco da madrugada ouvia-se apenas os


apitos monótonos dos guardas noturnos, os passos de algum retardatá-
rio e o ruidoso roncar dos carros que passavam no asfalto a dois quar-
teirões de distância. O quase silêncio, a disposição das ruas e casas,
faziam pensar que se tratava de uma pequena cidade do interior. Na
verdade a Casa Grande era localizada no coração da cidade mais mo-
derna do Mundo, na cidade de Taguatinga, em Brasília.

Esse contraste, entre um sistema de habitação relativamente


pobre, a maioria das casas feitas de madeira, as ruas laterais sem asfal-
to ou esgoto, era também peculiar da Casa Grande.

Oficialmente ela era apenas a residência de Tia Neiva e o orfana-


to chamado de “Lar das Crianças de Matildes”. Ali viviam cerca de cem
pessoas, entre crianças e adultos na maior simplicidade, mas, ao mes-
mo tempo, era a sede, o coração da Doutrina Crística praticada com a
maior autenticidade.
90

O Templo do Amanhecer ficava a três quadras de distância, mas


Página

seu papel de abrigo aos angustiados, era exercido realmente quando


Tia Neiva estava presente. Naqueles dois pontos de Taguatinga a pe-
quena multidão diária ia e vinha e a pergunta era sempre a mesma: –
TIA NEIVA ESTÁ NO TEMPLO? Ou então: – TIA NEIVA ESTÁ EM CASA?

Deitada e com os olhos fechados Tia Neiva parecia dormir. Na


verdade sua mente ágil trabalhava incessantemente. Um a um ela ia
repassando os assuntos mais próximos do dia que findara. Pensava na
dispensa que teria que ser reabastecida ainda para o almoço; naquele
menino sem documentos que precisava trabalhar; no internamento
daquela mulher cheia de filhos que precisava de hospital (É, – pensava
ela – O JEITO É FICAR COM OS MENINOS – MAS ONDE COLOCA-LOS?);
no Senador que estava aflito com seu filho viciado; na moça que a pro-
curara logo cedo dizendo que estava grávida e que seu pai a mataria se
soubesse; no homem cujo barraco pegar fogo e não tinha onde se abri-
gar com a família; na televisão dos meninos que precisava de conser-
to...

E assim, desde a hora que deitara seu pensamento não parara


um minuto. Vez ou outra um Espírito desencarnado entrava no circuito
e ela o doutrinava pacientemente.

Assim era a vida da Clarividente Neiva. Sempre consciente nos


dois Planos, na Vida Física e no Mundo Etérico Invisível, ela cuidava de
tudo e de todos sem interrupção.

Na medida em que a noite avançava e os íons solares diminuíam


seu bombardeio da superfície da Terra, o Mundo Invisível ia se tornan-
do mais movimentado. O Mundo das Sombras tomava conta da vida
91

nesta parte do Planeta. Os Espíritos, libertos do magnetismo físico atra-


vés do sono, percorriam sonambúlicos os arredores. Alguns subiam
Página

claros e leves enquanto outros se arrastavam com dificuldade, próxi-


mos aos leitos onde seus corpos repousavam. Uns brigavam e outros se
abraçavam alegremente. Esse é o curioso mecanismo da vida na Terra
que nos relaciona uns com os outros, à revelia de nossas posições soci-
ais, idades e situações econômicas.

Próximo às quatro horas da madrugada, Neiva sentiu a presença


de Mãe Tildes e saiu do corpo, penetrando instantaneamente na outra
dimensão.

De imediato sua mente saiu da tensão física e ela se despreocu-


pou. Assim acontecia todas as noites, todas as madrugadas. Enquanto
repassava os problemas através do mecanismo psicológico sua ansie-
dade era grande. Logo que saia do corpo ela se despreocupava e entre-
gava sua Missão nas mãos dos Mentores Espirituais. A partir desse
momento, ela assumia com docilidade o papel de Clarividente a serviço
do Pai, e sabia que iriam começar a surgir as soluções. O Mundo para
ela, visto de dentro ou de fora do corpo, embora o mesmo, se apresen-
tava muito diferente.

E assim, após sorridente troca de cumprimentos, Mãe Tildes e


Neiva saíram em direção ao “Trabalho”, o mundo cabalístico onde seri-
am solucionados os problemas dos que buscavam a Corrente em busca
de auxílio. Tantas vezes esse fato se repete que para Neiva tudo é natu-
ral. Ela caminha sem preocupações ou noção de tempo, embora saiba
por onde está andando. Ela sabe como funcionam as coisas e quais os
assuntos programados para aquela jornada.

Mas o Comando está nas mãos dos seus Mentores e ela aprovei-
92

ta para o relaxamento mental indispensável. Enquanto isso seu corpo


entra em repouso completo. As etapas do caminho são demarcadas
Página
pela variação na luz e na iluminação, mas a jornada segue controlada
pelas vibrações de Capela.

Logo em seguida elas se encontraram com Amanto, o Capelino


responsável pelas jornadas de Neiva nos Mundos Etéricos. Depois dos
cumprimentos de costume, o trio prosseguiu na Missão daquela noite.

Chegaram à Torre de Marselha, um conjunto arquitetônico situ-


ado no limiar do Canal Vermelho, já nosso conhecido pelas aulas ante-
riores de Tia Neiva. Nessa Torre existem uns dispositivos habitacionais
que podem ser comparados com as residências da Terra. Na aparência
essas “casas” são divididas como na Terra. Mas na verdade elas são
separadas umas das outras por campos de força. Um habitante de
campo vibratório diferente não penetra, a não ser que o morador o
permita.

Pararam diante de uma dessas casas e nesse momento Neiva se


deu conta de que esse era um dos objetivos dessa viagem. A casa per-
tencia ao Dr. Marcondes com sua família. Tão pronto pararam, Neiva o
avistou caminhando para eles com um largo sorriso nos lábios, demons-
trando tê-la reconhecido. Neiva permaneceu no limiar um pouco inde-
cisa. Ela conhecia a lei que rege essa parte do Mundo Etérico, e sabia
que sua entrada dependeria dos donos da casa. Isso não acontece por
cortesia ou educação, mas sim por uma questão de Individualidade
Cármica. Cada Espírito, ou grupos de Espíritos “habita” sua dimensão e
tem seus privilégios.

Por isso ela ficou um pouco surpresa quando a esposa de Mar-


93

condes, uma senhora de uns quarenta anos mandou que eles entras-
sem. Entraram os três, mas para a família de Marcondes, haviam entra-
Página

do apenas Mãe Tildes e Neiva... Mãe Tildes era visível para eles por es-
tar na Aura de Neiva, o que, por razões técnicas, não estava acontecen-
do com Amanto, que era visto apenas por Neiva e Mãe Tildes.

Passados os momentos de surpresa inicial, nos quais as excla-


mações de Marcondes eram ponteadas de “óhs...”, “Oh, Tia Neiva!, Oh,
Mãe Tildes!, que bom vê-las aqui, quanto me pedi a Deus por isso!”.
Marcondes visivelmente emocionado começou a falar, mas logo foi
interrompido pela esposa. Sua voz traduzia alguma ansiedade e era
palpável sua preocupação em dizer tudo de uma vez.

– Já estou cansada de mandá-lo embora Tia Neiva (disse ela),


mas parece que ele está vacilando muito!

– Eu sei disso minha senhora (interrompeu Neiva), sou Clarivi-


dente e sei o que está se passando com vocês pois ainda vivo na Terra.

Mãe Tildes voltou-se para Neiva e perguntou: – Ela sabe, fia?

Neiva acenou com a cabeça afirmativamente e enquanto a se-


nhora fazia menção de continuar falando, Marcondes exclamou em voz
alta:

– Oh, minha doce Mãe Tildes! A senhora que já é uma Serva de


Deus, tenha misericórdia de mim, alivie o meu sofrimento na Terra,
ajude a acabar com isso de vez, aproveite que minha matéria já está
cancerosa!

– Pobre Marcondes (respondeu Mãe Tildes) isso não depende


de mim, mas sim do seu carma. Volte para seu suplício porque você
ainda não terminou a sua pena!
94

Voltou-se então para a esposa de Marcondes e continuou:


Página
– Ora por ele minha filha, apenas mais algum tempo e ele estará
com você, tenha paciência.

Marcondes então despediu-se da mulher e das visitantes e par-


tiu para a Terra, sob os olhares consternados das três mulheres.

Logo em seguida a simpática senhora convidou-as a se instala-


rem melhor, ela mesma se revestindo de um ar de tranqüilidade.

– Pois é Tia Neiva (começou ela), nós viemos do Engenho Velho


lá da Bahia. Mãe Tildes nos conhece bem, pois fomos vizinhas naquela
feliz encarnação.

Mãe Tildes acenou para Neiva como a confirmar o que a senho-


ra acabara de dizer e ela continuou:

– Nesse tempo Marcondes era dono de um Engenho e recebe-


mos em nosso lar dezesseis filhos, todos espirituais!

– Ah, como foi maravilhoso! Imagine Tia Neiva, que todos eles
haviam sido em encarnações anteriores tremendos vikings!

– Oh meu Deus, como eles eram caprichosos e sanguinários.

– Mas a feliz oportunidade, dessa encarnação junto a Marcon-


des em nosso lar cheio de amor, tornou possível transformar aqueles
terríveis vikings nos atuais Cavaleiros de Oxosse.

– A propósito (perguntou Neiva), onde estão eles agora?

– Como Cavaleiros de Oxosse eles agora estão integrados na no-


95

va organização de São Sebastião. Dos meus dezesseis filhos, cinco eram


Página

mulheres e elas agora estão integradas em outras Falanges, junto às


suas Almas Gêmeas. Esta Mansão porém continua sendo o lar delas, o
nosso lar.

– Mas por que (perguntou Neiva), o Sr. Marcondes continua na


Terra e tão desnorteado?

Não (disse ela), ele não está desnorteado, ele está na Terra por-
que pediu a Deus por isso.

Ele mesmo pediu a Deus para reencarnar?

– Sim Tia, ele mesmo pediu. Depois da encarnação do Engenho


Velho, quando já estávamos reunidos aqui nesta Mansão, embora feliz
por estar com sua própria família, ele não estava em paz.

– Mas, o que é que o afligia?

– Certos erros cometidos durante a encarnação do Engenho Ve-


lho.

A senhora sabe, não é Tia? Na Terra as nossas preocupações


com a gente mesmo fazem com que nos esqueçamos dos outros, dos
nossos cobradores que também vieram para se reajustar e precisam de
nós, de nossa riqueza. Foi o que aconteceu com a gente.

Quando partimos para a encarnação do Engenho Velho todos


haviam nos avisado que tínhamos pedido muito. Nossas dívidas eram
muitas e as cobranças seriam grandes, pedíramos demais.

De fato, assim foi, mas graças ao nosso amor conseguimos tudo


96

que vocês estão vendo.


Página

– Mas (perguntou Neiva), se tudo saiu tão bem, porque o Sr.


Marcondes teve que voltar à Terra, teve que reencarnar?
– Porque quando ele se encontrou aqui, com o Espírito livre das
amarras da Terra, ele viu tudo que havia feito, mas também viu tudo
que não havia feito!

– Ele então pediu para voltar, e Deus através dos seus Ministros
concedeu-lhe essa prova, ou melhor, essa missão que está cumprindo.

– Sim (disse Neiva), mas afinal o que foi que ele deixou de fazer?

– Marcondes no Engenho Velho era inclemente com os menos


afortunados da sociedade. Ele pisava naqueles que julgava estarem
errados, ele sempre se arvorava em juiz do povoado!

Oh meu Deus, ainda está vivo em minha memória o caso daquela viúva
cheia de filhos! A maioria deles havia descambado para o vício e o rou-
bo.

Um dia uma de suas filhas foi espancada pelo marido, devido a


um roubo que ela havia cometido e o caso se tornou público. Marcon-
des ficou furioso e puniu a pobre mulher com violência excessiva. E a
partir daí passou a perseguir aqueles Espíritos desatinados com uma ira
implacável. Como sofreu aquela viúva!

Depois de nosso desencarne quando nos instalamos em nossa


Mansão, Marcondes soube que eles também haviam desencarnado,
mas que já tinham reencarnado para reajustar-se dos desatinos que
haviam feito no Engenho Velho.

Inquieto pelo que havia feito a eles nessa encarnação, ele pediu
para reencarnar também. De acordo com seu Plano de Trabalho, ele
97

acabou por se tornar o marido da antiga viúva, que por sinal era nova-
Página

mente viúva quando Marcondes a encontrou. Por outra incrível “coin-


cidência” ela já era mãe de alguns filhos, e ao casar-se novamente com
Marcondes, teve outros filhos com ele e completou dezesseis filhos, o
mesmo número que tinha no Engenho Velho!

Para o Quadro ficar mais completo, dentre os filhos gerados por


Marcondes estava aquele Espírito que no Engenho Velho fora a ladra
espancada por ele. Quando eles conheceram a senhora Tia Neiva, essa
moça era casada com o mesmo Espírito que no Engenho Velho fora seu
marido. Enquanto a simpática matrona falava, Neiva de repente desan-
dou a rir para ela mesma. Mãe Tildes olhou para ela com ar de censura
pela atitude insólita e ela, dominando o riso explicou: – Pois é Mãe Til-
des, desde o dia que conheci essa família ela nunca mais me deu sosse-
go. Imagine Mãe Tildes, que a primeira vez que fui procurada por Mar-
condes, foi justamente porque seu genro havia dado uma surra na mu-
lher, na sua filha, e o motivo foi de um roubo cometido, aparentemente
por ela!

Desta vez porém, Marcondes agiu de forma bem diferente da-


quela do Engenho Velho. Com toda paciência conseguiu reconciliar o
casal e tudo acabou em boa paz. Por sinal que atualmente esse casal é
Médium no Templo do Amanhecer. A mesma atitude ele teve com os
outros filhos e todos estão bem encaminhados. Já faz cinco anos que
acompanho essa família! Apesar disso, dessa atitude correta de Mar-
condes, dona Judith nunca lhe deu sossego. Ela era um desses Espíritos
que nós, na nossa linguagem simples do Vale do Amanhecer, costuma-
mos chamar de “Espírito sem procedência”.

Nisso Neiva percebeu que a visita estava chegando ao fim, que a


98

missão deles naquela Mansão estava terminada para essa jornada. A


Página

mulher com olhos que imploravam disse: – Tia Neiva, enquanto Mar-
condes viver, essa mulher irá cobrá-lo sem piedade. Ajude-o Tia, sei que
no Plano Físico a senhora tem muito poder e pode fazer muita coisa!...

– Oh meu Deus! (exclamou Neiva), me dê muita força, me sinto


tão doente...

– Não minha irmã, não desanime, Jesus e Pai Seta Branca preci-
sam muito da senhora (disse ela com ar compungido).

– Salve Deus (disseram Mãe Tildes e Neiva) e partiram junto


com o invisível Amanto.

Os três passaram pela Torre de Marselha e viram que estavam


chegando inúmeros Espíritos recém desencarnados. Um grupo de Men-
sageiros se preparava para socorrer os flagelados de uma grande en-
chente que estava havendo num dos Estados do Brasil. Isso fez com que
Neiva se lembrasse de suas obrigações Missionárias, e ela se apressou
no caminho de sua Cabala. Nesse Santuário ela iria manipular as Forças
Desobsessivas, e ajudar no recartilhamento dos complicados carmas
terrenos. Neiva despertou com a voz de Gertrudes que a chamava. –
Madrinha, madrinha (dizia ela) acorde! Tem uma moça esperando pela
senhora aí na sala, uma filha do Sr. Marcondes que veio buscá-la, ele
está passando muito mal!

Neiva entrou no Plano Físico, conservando na memória o quadro


vivo que presenciara naquela Mansão dos Marcondes. A Casa Grande
estava no seu habitual burburinho. Crianças brincavam ruidosamente
no pátio, pessoas insistiam em falar com Neiva, Gertrudes reclamava de
Neiva a TV dos meninos, o Farol do Dia avisava que havia poucos Mé-
99

diuns para o Retiro e, a filha de Marcondes passeava impaciente de um


Página

lado para outro à espera de Neiva.


Assim mesmo, sem se desligar do Quadro vivido na madrugada,
ela foi até o Hospital São Vicente onde Marcondes estava internado. O
táxi deixou-a na porta do hospital, e a filha de Marcondes levou-a para
o quarto do doente.

Neiva olhou para aquele homem, que poucas horas antes falara
com ela com tanta firmeza, quando ainda no Plano Etérico, e buscou
em seus olhos alguma centelha que lembrasse o fato. Nada! Ele não se
lembrava de coisa alguma. A cobrança cármica se processava com per-
feição!

Deitado na cama alta do hospital, seu rosto revelava os sulcos


profundos da dor implacável do câncer. Os olhos febris procuravam os
de Neiva num pedido mudo de piedade.

– Tia Neiva, Tia Neiva (murmurou ele com voz dolorida) não me
deixe morrer, por favor Tia, ajude-me, ajude-me!

Neiva sentiu seu coração apertar. O elegante Marcondes de al-


gumas horas antes na Torre de Marselha, que com tanta firmeza pedira
a Mãe Tildes para desencarnar logo, para acabar com seu sofrimento na
Terra, pedia-lhe agora para não deixá-lo morrer!

Nisso entrou pela porta adentro dona Judith, a esposa térrea e


cobradora do antigo Engenho Velho. Tão pronto ela deparou com Nei-
va, foi logo dizendo: – A senhora ta vendo Tia Neiva? Ele está aqui de
teimoso e de pirraça! O pior é que vai acabar morrendo e me deixando
sem dinheiro, cheia de filhos e sem nada no que me agarrar.
100

Marcondes levantou a cabeça sem poder sopitar um gemido de


dor, e com ar resignado disse: – Oh benzinho! Não é assim como você
Página

está falando, isso que eu tenho não é um simples resfriado, há muito


tempo que eu tenho estes caroços no pescoço e não sei como isso foi
acontecer comigo!

Dona Judith voltou-se para ele com ar irado e retorquiu: Como


não sabe? E as pescarias e as cachaças em que você se meteu? Foi nelas
que você pegou essa porcaria toda! Só depois que nós conhecemos
essa santa mulher, que você tomou um pouco de vergonha. Agora veja
a miséria em que você nos meteu!

Nesse momento entrou um médico de serviço. Usava barbas


compridas que lhe davam um ar maduro e no pescoço trazia o estetos-
cópio. Ele olhou para a cena desagradável com ar de quem já está habi-
tuado a isso, e seus olhos fitaram Neiva por cima dos óculos, com um
misto de respeito e curiosidade.

Neiva aproveitou a oportunidade e acenou para ele do canto


onde se achava. Ele atendeu gentilmente e Neiva discretamente, sem
que os outros ouvissem, perguntou sobre Marcondes. Câncer! Foi a
lacônica resposta que ela recebeu. Diante do olhar sério de Neiva, ele
suavizou um pouco a expressão e perguntou: A senhora é parente de-
le?

– Não! (disse ela) Sou apenas uma amiga do casal, meu nome é
Neiva.

– Ah sim, a senhora é Tia Neiva. A senhora tem um orfanato a-


qui perto, não é?

Neiva confirmou com a cabeça e agradeceu a ele. Dona Judith


101

continuava a vociferar e o ambiente do quarto do doente era o pior


possível. Marcondes voltara a encostar a cabeça no travesseiro e cerra-
Página
ra os olhos com ar de submissão. Neiva não podendo mais suportar
aquela cena, despediu-se discretamente e voltou para a Casa Grande.

Gertrudes guardara um prato de comida para ela, mas Neiva


quase não comeu. Logo começou a atender a ruma de consulentes que
naquele dia era maior que de costume, mas não conseguia se tranqüili-
zar. Ela sabia que Marcondes estava prestes a morrer, mas o quadro
continuava o mesmo: Dona Judith não parava de praguejar e as dores
do paciente aumentavam horrivelmente.

E assim a situação continuou ainda alguns dias, até que fossem


libertados todos os obsessores que compunham aquele Quadro triste.
Neiva não voltou ao hospital, mas não parou de fazer trabalhos para
ajudar aqueles Espíritos em reajuste. Marcondes não voltou à Mansão
Etérica, enquanto não se libertou com a morte.

Passaram-se alguns meses depois da morte de Marcondes, um


dia Neiva recebeu surpresa, a visita de Dona Judith!

Ela parecia mais moça e tinha um ar sorridente. Apresentou à


Neiva um senhor de uns 60 anos com quem havia se casado alguns dias
atrás. Neiva então se lembrou que a idade dela já beirava pelos 65 anos
e sorriu polidamente. Tomaram um cafezinho que Gertrudes serviu, e
Neiva não pode deixar de notar que Dona Judith havia se transformado
na mulher mais feliz e bondosa do mundo...

Os anos foram passando e Neiva continuou sua Missão Crística.

Em 1969 a Ordem se mudou para o Vale do Amanhecer e com


102

Neiva seguiu a ruma de crianças, moças e velhos que compunham a


Casa Grande.
Página
O Vale cresceu, a Doutrina do Amanhecer evoluiu, o mundo deu
mais umas voltas no sidério e a vida continuou. Nesse domingo, depois
de uma aula na qual Neiva aproveitara a história de Marcondes para
ilustrar o problema dos reajustes, ela sentou no Castelo dos Devas para
o “Emplacamento” de Médiuns. Esse trabalho que Neiva faz quase to-
dos os domingos, representa o esteio da autenticidade do Vale do A-
manhecer. Os Médiuns vão sendo desenvolvidos pelos Instrutores e
quando já estão em condições de atender o público, são “classificados”
ou “emplacados” por Neiva. O Médium senta-se ao lado dela e atrás
dela fica um Doutrinador. É feita a chamada do Mentor e Neiva pela sua
Clarividência, se entende com o Mentor do Médium. Escreve então o
seu nome num Cartão que o Médium usa a partir desse dia. Esse Cartão
é autenticado com a conhecida assinatura de “Tia Neiva”.

A jovem Médium sentou-se, o Doutrinador fez a chamada e Nei-


va, surpresa, deparou com a figura de Marcondes! Ela o reconheceu
imediatamente e perguntou o que ele estava fazendo ali, tão longe de
sua Mansão Etérica. Ele sorriu e apontou para uma Preta Velha que
estava ao seu lado, que também sorriu. Neiva então reconheceu aquela
Preta Velha, a linda senhora da Mansão, a esposa espiritual de Mar-
condes! Sem parar de falar no Plano Físico com as pessoas que a cerca-
vam, Neiva estabeleceu um diálogo com o casal. Eles então explicaram
que tinham vindo para falar com ela, pois haviam pedido a Deus a opor-
tunidade de trabalhar na Terra, no Vale do Amanhecer, desenvolvendo
Médiuns.

– É verdade Tia (disse Marcondes), que nós não temos muito pa-
103

ra dar, pois ainda não temos graças para isso, mas nos sentimos felizes
em poder pelo menos ajudar a abrir as incorporações dos Aparás. Gra-
Página

ças a Deus nossos filhos também estão aqui. Salve Deus, Tia Neiva!
Neiva ficou comovida, mas atenta na sua Clarividência, viu que a
jovem Médium que ela iria classificar naquele momento, era um Espíri-
to que na Encarnação do Engenho Velho fora filha da viúva que Mar-
condes tanto perseguira. Só que essa Médium era uma das filhas de
Dona Judith, do seu primeiro casamento, concebida antes que Marcon-
des aparecesse em sua vida!

104
Página
“Quando estamos em paz com a gente mesmo, nada nos atinge.”

105
Página
O ADJUNTO E A FLOR

Certo dia, o Trino Arakém - Mestre Nestor Sabatovicz, em uma


das suas aulas dadas às quintas-feiras em sua casa a um grupo reserva-
do de Aparás, disse: "Jaguares, o que vou contar a vocês me foi contado
pela Tia”.

Não estou inventando nada do que vocês vão ouvir. Pai João
contou que certa vez houve uma reunião pedida pelo Pai Seta Branca
no anfiteatro de Capela, onde foram recebidos os doutrinadores adjun-
tos de povos, interessados em se consagrar arcanos.

E para terem acesso ao anfiteatro, foi distribuída uma sementi-


nha de uma flor muito rara, que os jaguares deveriam plantar em um
vaso, e só então, depois de nascida, cada um deveria levá-la para a reu-
nião. Passaram seis meses e todos os doutrinadores que receberam a
semente estavam com seus vasos nas mãos, com as mais lindas flores
até então nunca vistas.

Lá no fim da fila estava um adjunto com seu vaso sem nenhuma


flor.

Os demais o olhavam com certo desprezo e muitos até riam do


vaso sem flor que ele conduzia. Depois de se acomodarem nos seus
lugares, o Pai Seta Branca entra no recinto em companhia do Pai João, e
os dois sentam-se silenciosamente. Então, Pai João levanta-se e chama
pelo nome (não vou falar o nome a pedido da Tia) o doutrinador que
estava com o vaso sem a flor e o conduz até o Simiromba, que lhe con-
106

sagra arcanos.

Todos os demais baixaram a cabeça ao ouvir que as sementes


Página

distribuídas eram estéreis, e que, portanto, não dariam nenhuma flor.


Assim, somente um jaguar, em todo o grupo, tinha sido honesto e par-
ticipado da reunião com seu vaso vazio, exercendo assim a conduta
doutrinária da honestidade, o que lhe deu o direito da consagração que
foi feita pelo Pai Seta Branca naquele momento. O Pai, então, determi-
nou a Pai João para retirar do recinto todos os demais jaguares, levando
os seus vasos e suas flores, e regressarem aos seus templos e informar
ao seu povo o ocorrido na reunião.

Sabe quantos fizeram isso? Nenhum!

107
Página
“Qualquer atitude do homem na faixa vibra-tória de evolução é válida.
Porque estamos em um mundo, onde se confundem
as sombras e as claridades.”

108
Página
ARAGANA

Salve Deus!

Meus Filhos, nunca se esqueçam que tudo é consciência. Não


podemos ficar alheios ao nosso passado, no que fizemos ou deixamos
de fazer, pois no ciclo evolutivo da vida não podemos deixar marcas por
onde passamos.

Às vezes por inconsciência, vaidade ou mesmo auto-afirmação,


prejudicamos alguém e continuamos nossa marcha como se nada tives-
se acontecido. Mas um dia acontece o reencontro, tem que haver o
reencontro e a prisão é o meio mais sutil de haver este reencontro, pois
há amor e consciência, assim como na história de Aragana.

Veja como Deus não tem pressa.

Aragana hoje é um Espírito muito evoluído. É uma Guia Missio-


nária. Porém, na sua passagem pela terra, ela assassinou seu marido,
que morreu com muito ódio e ficou aprisionado na escuridão.

Passaram-se muitos anos, Aragana encontrou sua Alma Gêmea,


mas não podia voltar à sua origem deixando um inimigo sofrendo as
conseqüências.

Todos se preocupavam com o sofrimento de Aragana, pois era


um Espírito bom e trabalhador e era impossível voltar à terra, mas ti-
nham que tirar Aragana das garras daquele monstro e ela tinha certeza
que aquele Espírito só voltaria para Deus sentindo-se justiçado.
109

Foi então reunido um Conselho de Espíritos de Luz, incluindo


Página

Ministros. Assim, reuniram-se num plano superior e fizeram um Tribu-


nal para julgar Aragana, na presença do Espírito Sofredor. Ele sentia um
ódio incrível de Aragana e por toda aquela gente. O Advogado deu iní-
cio ao grande Julgamento e foi um choque muito grande para Aragana
que chorava muito, sentindo vergonha daqueles que se achavam pre-
sentes, Cavaleiros, Guias Missionárias e Ministros. Enfim, sentia vergo-
nha de todo aquele povo. Os debates eram terríveis e prosseguia aque-
le Julgamento tão sério.

O Espírito foi sendo doutrinado, enquanto Aragana sentada na


sua frente expressava por ele todo o seu Amor, pedindo que Jesus a
libertasse.

O Sofredor, vendo que Aragana se humilhava, transmitindo a ele


todo aquele Amor, gritou para que parassem, pois ele não desejava
mais aquele sofrimento, por ele Aragana estava perdoada, e em pran-
tos voltou para Deus.

Terminado aquele sofrimento, tudo ficou bem e tempos depois


ele ingressou na Falange de São Lázaro. Passados muitos anos eles se
encontraram num plano que ele não conhecia, mas a libertação total
havia lhe dado fácil adaptação mesmo em lugares desconhecidos.

Aragana durante sua prisão não podia participar das Grandes


Escalas com seus companheiros em nenhum trabalho onde sua Luz pu-
desse aparecer.

Aragana e o Pai Seta Branca acharam por bem contar esta histó-
ria através de minha Clarividência, buscando lhes mostrar a seriedade
desta Prisão.
110

Meus filhos, sem a ajuda dos Cavaleiros Verdes seria impossível


termos esta oportunidade de trazer um Espírito Milenar para uma Dou-
Página

trina, incorporado, pois um Espírito desses irradia do espaço até aqui,


eles não vêm a este plano, mas, nos projetam e nos atacam de qual-
quer maneira, mas tudo acontece sob a bênção de Deus.

Salve Deus!

111
Página
“Quando chego no Templo ou nas horas de trabalho, esqueço de Neiva
e passo a viver somente Tia Neiva.”

112
Página
OS MÉDICOS DO ESPAÇO

Certa vez eu estava envolvida como que em teias de aranha. As


pessoas haviam posta na cabeça que eu curava, adivinhava e dava re-
médios.

Isso era horrível!

No espaço, tenho companheiro para tudo, na hora de adivinhar,


de curar... Porém, para a cura física, sofro muito. Ninguém quer me
ajudar!

Trouxeram-me um homem aos gritos; vinha do médico. Comecei


a cura desobsessiva, pois vi um elítrio bem adiantado. Nesta época não
dispunha de um DOUTRINADOR formado. Pensei em utilizar alguns A-
PARÁS, mas os vi ali, sem qualquer sintonia.

E aconteceu que o homem piorava, berrando de dor...

Como nem os Pretos Velhos e nem os Caboclos que estavam por


ali me aconselhavam com alguma medicação física, resolvi administrar
uma medicação bem conhecida, e qual não foi minha surpresa ao ver
“Vovô Hindu” aparecer, dizendo:

- Filha! não comece errado. Você veio como missionária da vida


eterna e jurou pelos seus olhos, também, para ensinar o certo. Deus
colocou o médico na Terra com a ciência biológica! Se quisesse desafiar
a medicina ou as Leis da Terra, Pai Seta Branca a teria preparado como
médica, como bacharel ou mesmo em Letras...
113

O remédio estava ali; olhei Vovô Hindu e ele sorriu.


Página
Dei o remédio e, após mais ou menos cinco minutos, o homem
estava bem, e foi embora.

Fiquei encabulada!

Vovô Hindu começou, então, a me contar essa história:

“Quando o Anjo Ismael decidiu que o Brasil seria a Pátria do E-


vangelho, vendo a chegada do (Africanismo) convocou os cientistas
alemães, promovendo sua sublimação, proibindo o curandeirismo. Es-
tabeleceu-se que os médicos de cura desobsessiva baixariam nos apa-
relhos mediúnicos, enquanto os médicos de cura física “terrena” atua-
riam nos médicos profissionais encarnados na Terra.”

Salve Deus!

114
Página
“Quando temos a missão de enxugar as lágrimas dos outros, não temos
tempo para enxugar as nossas.”
115
Página
DITINHO

Salve Deus, meus filhos! A cada dia me apavoram as responsabi-


lidades, mas eu continuo me atirando em minha missão com todo o
amor e com toda precisão. Vejam: eu estava cheia de afazeres, como
sempre, quando chegou um jovem desencarnado, um homem com pre-
cisamente 35 anos, que foi me dizendo:

- Tia Neiva? Eu estou morto?

- Sim. Você morreu, claro!

- Tia, me ajude!...

Como clarividente sou obrigada a receber e a ouvir os desespe-


rados. Comecei a ouvir:

- Tudo começou assim: em frente à minha casa havia um barzi-


nho, com freqüência marginalizada, e que, apesar de tudo, eu gostava
de freqüentar. Certo dia, saiu uma briga que eu, só hoje, consegui en-
tender. Lembro-me de que havia policiais, cadáveres, hospital e, por
fim, quando dei conta de mim, estava leve e já em um outro lugar que
não o meu lar. Ah, Tia Neiva, como foi horrível! A partir de então come-
cei a padecer! Sim, a minha mente sempre foi cheia de tolices, de futili-
dade. Nunca me apeguei a coisa alguma! E as pessoas que não têm a
mente presa a alguma coisa são leves, o que as leva a perambular como
eu... Ah, Tia Neiva, mas isso aí não foi o pior! Já estava cansado do nada
quando comecei a pensar... Pensei, então, estar sentado e, realmente,
116

me vi em uma pracinha. Comecei a recordar das coisas com maior pre-


cisão. Lembrei-me de um certo vigário que sempre me dizia: “Aonde vai
o pensamento, vai a alma!”. Minha família... o barzinho... a tragédia... O
Página

que me acontecera? Por que tão grande transformação? Ninguém me


respondia! Há quanto tempo estou aqui? Estarei sonhando? Tudo pas-
sava por minha mente, menos que eu tivesse morrido! De repente, co-
mecei a ouvir um discurso e, por algumas frases, reconheci ser religio-
so, ou melhor, católico, porque me fez lembrar do meu amigo vigário,
que me fizera tanto bem. Seria ele? Onde? Como? Comecei a gritar,
chamando por padre Juca.

- Prepare-se para descer à Terra, filho! - ouvi padre Juca dizer.

- Não estou na Terra? - perguntei.

- Não.

- Para onde irei?

Sem me responder, o velho vigário continuou, em sua bendita


obra. Ah, Tia Neiva, era tudo tão confuso para mim!... Passei a não o-
bedecer a ninguém. A princípio, me empolgava com tudo. Depois, co-
mecei a reparar nos antigos conhecidos, como, por exemplo: estava,
certo dia, sentado na tal pracinha, preocupado por não ter mais visto o
sol. Não sabia que um sofredor não vê o sol. Cada dia minha visão fica-
va mais escura. O que mais me entristecia era perder a visão da Luz!
Quando ouvi alguém conversando perto de mim, olhei para ver se me
era conhecido. Ah, que susto! Era um tal de Zé Campelo que, tenho
certeza, estava também naquele bar, no dia fatal. Tive medo, e saí cor-
rendo, já disposto a ver se encontrava o vigário, quando ouvi alguém
me chamando. Meu Deus! Era uma linda mulher que, com as mãos na
cintura, dava risadas. Chamou-me para dentro de uma bonita casa e eu,
117

que procurava abrigo, decidi acompanhá-la. Mas que horror: a mulher


tinha pés de pato! Comecei a ter medo. Logo que percebeu que eu o-
Página

lhava seus pés, ela me disse:


- Você é muito ingênuo!

Expliquei a ela que minha vida estava cheia de impactos. Ela, en-
tão, passou a me dar lições que serviram para que eu visse minha irres-
ponsabilidade. Enquanto ela falava, eu ia ficando triste. Só faltava eu
recordar as orações do meu velho protetor... Tudo me surgia na mente,
enquanto ela tagarelava. Por fim, disse que ia me levar à casa de um
amigo seu, que nos ofereceria champanhe.

- Não gosto de champanhe! Gosto é de cachaça... - eu disse.

Enquanto isso, foi chegando gente que não prestava atenção em


mim. Era como se eu fosse um João Ninguém! Comecei a ver aquilo
como se fosse um pequeno bar. Súbito, alguém gritou, comemorando
uma data, sei lá! Vi, então, que se tratava de uma festa. Pensei em sair
sem ser visto e ir procurar a minha cidade. Sentia que aqueles contur-
bantes estavam ficando perigosos! Fiz uma tentativa, quando alguém
gritou:

- Olhem! Um impostor! Como veio parar aqui?

- Fui eu quem o convidou a vir até aqui - disse a mulher.

- Se não tiver padrinho, vou vendê-lo - gritou um homem que,


virando-se para mim, perguntou:

- Você tem algum padrinho?

Tentei pensar no meu santo vigário, mas a bebida me inibia.


118

Como não tinha para onde ir, pensei que seria melhor ficar ali mesmo.
Mas o homem, já aos gritos, repetia sua pergunta.
Página
- Vamos, vamos! Responda! - falou-me a dona da casa, a pomba-
gira de nome Isaura.

- Não, não tenho padrinho - respondi.

Foi horrível! Uma mão quente e forte como ferro agarrou-me


pelo braço e me jogou no meio daquela roda, ficando todos a me faze-
rem críticas e deboches. Lembrando as palavras do meu protetor, o
vigário, achei que estava no verdadeiro inferno! E como sair? Não sabi-
a... Minha tristeza causava risadas e nunca vi tanta euforia, até que um
chicote ressoou, como que vindo do infinito, com um silvo de dar me-
do! Foi como água na fervura... Senti que era retirado dali, não sei co-
mo, e fui para não sei onde! Estava diante de uma casa e já me prepa-
rava para nela entrar quando ouvi gritos. Corri para ver o que era e me
deparei com uma mulher praguejando, dizendo que o marido havia lhe
tomado seus filhos. Aproximei-me da mulher, que praguejava demais,
furiosa, e perguntei:

- Tem alguma devoção?

- Tenho. Sou espírita!

- Cruzes! - eu disse - Os espíritas são loucos! Eu sou católico.

A mulher se acalmou e pareceu estar envergonhada. Baixou a


cabeça, dizendo:

- Eu freqüentava a casa da madrinha X, porém nunca me desen-


volvi. Era um lugar onde se fazia muita caridade, porém eu, que sempre
119

fui irresponsável, só queria viver em volta do meu marido!

- Como se chamava?
Página
- Teodoro! E com ele tive seis filhos...

- Onde estão?

- Há pouco Teodoro passou por aqui e levou todos, não sei para
onde...

- E essas três crianças que estão aí, atrás da senhora?

- Não sei! Não conheço esses infelizes! Porém, dizem que são
meus filhos e me chamam de mãe!

Ela, irada, arremessou algo sobre eles, que começaram a correr


sem destino, deixando só nos dois. Meu Deus, pensei, passando a mão
na minha testa. Pensei em ir embora, mas achei que não podia deixar a
mulher sozinha. Lembrei-me do vigário: quantas vezes o vira dando
conselhos, conciliando casais...

- Como foi que tudo aconteceu e a senhora veio parar aqui? -


perguntei já impaciente.

- Não sei como vim parar aqui!

Vi, então, desesperado, uma avalanche de labaredas de fogo


que nos rodeou, mas nos deixou em paz.

- O que significa isso? - perguntei assustado.

- Esse é o fogo etérico, - ela me explicou - o fogo que queima as


baixas vibrações!
120

Entendi que era uma proteção de Deus, que nunca deixa seus fi-
lhos, mesmo aqueles que, como nós, estão numa triste situação...
Página
- Há quanto tempo está perambulando por aqui? - perguntei -
Perdeu, como eu, o rumo de casa?

- Vou lhe contar o que me aconteceu. Eu tinha três filhos, e vivia


em paz com meu marido. José, o meu filho mais velho, trabalhava nu-
ma oficina e era muito apegado a mim e eu a ele. No dia do meu ani-
versário, José, na presença de todos, colocou um lindo anel em meu
dedo, dizendo:

- Toma, mãe, é para a senhora!

Era uma jóia cara. Fiquei emocionada, porém preocupada, pois


como aquele jovem poderia ter comprado tão preciosa jóia? À noite
sonhei que eu estava numa rica sacada e, olhando minha mão, não vi o
anel! Três jovens seguiam à minha frente e, sem reparar quem eram,
gritei, e qual não foi minha surpresa: os jovens eram os meus três fi-
lhos! No meu sonho, culpei, sem clemência, o meu José pelo desapare-
cimento do meu anel. Foi tudo horrível, a partir dai. Finalmente, uma
criança, muito parecida com José, é quem estava com meu anel. Passei
o dia com este sonho me martelando a cabeça e, à noite, fui ao centro
espírita, onde me disseram que José viera, nesta encarnação, para se
reajustar comigo.

Eu continuei a sofrer pelo sonho, como se fosse uma verdade.


Imagine se eu teria coragem de acusar o meu José! Resolvida, cheguei a
José e lhe perguntei:

- Meu filho, como conseguiu comprar uma jóia tão cara?


121

- Se a senhora soubesse perderia a graça! - respondeu-me ele,


sorrindo.
Página
Sim, porque ele estava se sacrificando para pagá-la. José sabia
que eu tinha verdadeiro horror a roubo, que eu era intransigente com
essas coisas. Insatisfeita, fui falar com minha vizinha, uma amiga íntima,
e qual não foi o meu erro! Ela me contou que havia sido cometido um
roubo na oficina em que José trabalhava. Mais tarde, José estava numa
pescaria quando dois policiais bateram à minha porta, em busca de
esclarecimentos. Fiquei como se o mundo tivesse desabado sobre mim.
Mal consegui falar:

- Meu Deus! Roubo?

- Sim, - afirmaram os homens - na oficina em que seu filho José


trabalha.

A vizinha, minha confidente, disse quase gritando:

- Nossa, dona Lia! Coração de mãe não se engana! Bem que a


senhora suspeitava de seu filho...

Baixei a cabeça enquanto a mulher contava aos policiais o caso


do anel. Ouvi os passos de José que chegava, e não defendi meu filho!
Arranquei o anel do dedo e lhe entreguei. José me olhou com ternura e
dor, e me disse:

- Não, mãe, o anel é seu! Junte algumas roupas para mim. Logo
que se apure esse roubo, eu estarei de volta.

José era o gerente da oficina e, por isso, fora chamado. Não ha-
viam suspeitas dele. Quando fui arrumar suas roupas encontrei as du-
122

plicatas do anel, que seria pago a prestações. E eu havia condenado o


meu filho! Desesperada, tomei uma dose letal de estricnina, e acordei
Página

aqui.
- Meu Deus! O que vamos fazer? - perguntei.

Ouvimos, então, uma voz que me era bem familiar. Era o velho
vigário que, se aproximando, colocou a mão sobre a cabeça da mulher
e disse:

- Esta confissão te salvará! Teu filho já te perdoou... Vá se en-


contrar com ele!

- Onde? - perguntou Lia, dando um suspiro de alívio.

- No verdadeiro plano dos espíritos. Como te fez bem esta con-


fissão...

- Mas eu sou espírita! - disse a mulher vendo o vigário - Além


disso, sou uma suicida...

- Não tem importância. A vontade de Deus não distingue religi-


ões!...

Foi impressionante aquele momento. Quanta paz, quanta segu-


rança!

- Vamos! - disse o vigário, segurando a mão de Lia.

- Eu também quero ir! - gritei - Não me deixe, por favor!...

Ele me olhou com ternura, dizendo:

- Esta mulher já pagou pelo seu erro. Nada mais tem a fazer. A
presença do seu filho será a sua comunhão.
123

- E eu? O que será de mim?


Página
- Ainda não podes. Desencarnastes dez anos antes do progra-
mado. Não era o teu dia. Morrestes pela irresponsabilidade de teu espí-
rito. Ainda terás que esperar aqui por teu pai e por tua mãe. Nada fizes-
tes! Tu te misturastes com os marginais, sem ser marginal. Terás que
vagar, ainda, por período igual há cinco anos terrestres! Se souberes te
manter, se aprenderes a respeitar os outros, logo sairás deste desespe-
ro e seguirás para outro plano.

- Ó, meu vigário!... Como podes fazer isto comigo? Destes a ex-


trema unção àquela espírita e a mim, que nunca te esqueci, me deixas
aqui!

- Ditinho: tudo o que fizestes por esta mulher, a Lia, vai sempre
servir para ti. Duvidastes do amor de Deus, e eu fui instrumento para
não mais duvidares. Embora ela seja espírita e eu um representante da
Igreja Católica Apostólica Romana, nada tem a nos separar e continua-
rei com as minhas convicções. Ditinho, estamos num mundo de reali-
dades. As religiões não unem nem separam e, sim, o amor a Deus - o
verdadeiro amor no Espírito da Verdade! Sempre te chamei para a Igre-
ja, para que pudesses aprender a caridade, mas não me destes aten-
ção...

- E onde estou eu agora? - perguntei afinal.

- No mundo dos espíritos, só que num plano inferior, de mentes


atrasadas. Virei sempre que me chamares.

- É... De fato, quantas vezes me chamastes à razão! Eu não acre-


124

ditava em ti, somente acreditando em tua bondade. E agora, vais me


deixar aqui!...
Página
Nisto, um forte estampido nos fez mudar de sintonia. Viramo-
nos para um lado e vimos três jovens que gritavam, com medo. Nos
vimos em uma pracinha como qualquer outra, porém triste como se
revelasse o estado da alma dos que ali estavam.

- Meu Deus! - disse o vigário - Se quiseres te libertar daqui mais


depressa, ajuda a conduzir aquelas jovens. Vá saber do que precisam e
se aceitam a tua ajuda!

- Como posso, se eu também tenho medo?

- É por isso que tanto te atrasastes! Tens medo de lutar! Se sen-


tisses amor por estas pobres jovens irias defendê-las. Oh, pobre Diti-
nho!

Senti vergonha do vigário e comecei a ir até às jovens. Vi, preo-


cupado, que o vigário havia desaparecido. Oh, meu Deus! Lembro-me
bem do meu desespero! Recordei das tantas vezes, na Terra, que ele
havia me alertado e eu o desprezara. Enquanto andava, ia dizendo
“Deus, Pai, Espírito Santo!”, palavras que o vigário havia me ensinado.
Quando as jovens me viram me aproximando, se encolheram. Eu conti-
nuava a falar: “Deus, Pai, Espírito Santo!”. Elas, então, devagar, foram
se chegando a mim.

- De onde vêm? - perguntei.

- Fomos abandonadas por nossa família! Tivemos um desastre e


ficamos irreconhecíveis! A nossa família... ninguém... não! Nada! Não
sabemos!...
125

- Devem estar igual a mim quando passei para esta dimensão -


Página

pensei.
Enquanto eu pensava, as jovens se acalmavam. Olhei em torno
de nós e vi, ao longe, o vigário.

- Vamos, vamos, me acompanhem! - disse às jovens sem pesta-


nejar.

Elas me acompanharam e chegamos a uma grande casa. O vigá-


rio, novamente, desapareceu. Aí entendi que ele nos havia guiado para
aquela casa enorme. Entramos e, em seu interior, havia muitas pessoas
fazendo diversas coisas. Fiquei naquela sala, sem saber se saía ou fica-
va, até que surgiu uma senhora muito simpática, vestida como se esti-
vesse na Idade Média, que veio, com muita graça, até nós.

- O senhor é o protegido do vigário? - perguntou-me.

- Sim, senhora, E estas jovens também!

- Muito bem! - disse a senhora - Eu sou Irmã Lívia. Chegaram


aqui numa hora oportuna, pois temos muito que fazer neste albergue!

- Meu Deus! - pensei - Estou condenado há cinco anos. Como i-


rei pagar minha estada aqui?

A senhora parecia ter lido meus pensamentos, porque me res-


pondeu:

- Não se preocupe. Eu estou precisando de todos os quatro!

Perguntei o que podíamos fazer, e ela logo nos deu uma tarefa.
De repente, ouvimos gritos.
126

- Essa mulher vive tentando o suicídio. - nos explicou Irmã Lívia -


Página

Como foi suicida, quer acabar de vez com a vida. Porque não quer viver,
cada vez que faz uma loucura piora sua situação...
- Eu sempre ouvi dizer que os suicidas ficam vagando... - arris-
quei falar.

- Sim, porém Deus não a deixou porque, com todo este ódio e
revolta, ela iria provocar muitos desencarnes e, então, foi preciso que
agíssemos.

Senti uma simpatia imensa pela mulher e me aproximei dela e


quase soltei um grito de espanto: era Marta, velha conhecida minha.
Por que o vigário me trouxera até aqui? Conheci aquela moça na cidade
onde eu vivia. Éramos até meio aparentados. Sei que ela se envolveu
com uns espíritas e a partir daí se acabou.

- Sim. - disse Irmã Lívia - Conheço bem a sua história. Não era
espiritismo, mas sim uma pobre mulher que vendia suas faculdades
mediúnicas...

- Sim, se me permite - disse eu - esses espíritas apenas recebiam


presentes das pessoas que queriam agradecer.

- Receber presentes é o mesmo que cobrar. É uma maneira de


cobrar mais caro!

Pela maneira que Irmã Lívia falava, eu me convencia. Cheguei


perto de Marta e ela gritou:

- Saia de perto de mim, exu!

- Eu sou Ditinho, irmão do Júlio!


127

- Seu cachaceiro inveterado! Imbecil! Foi você quem matou Ful-


gêncio, meu marido, que nunca lhe fez qualquer mal!... - disse Marta,
Página

que saiu correndo e desapareceu na escuridão.


Atônito, eu não sabia o que fazer. Tive medo de sair atrás de
Marta e me perder, sem a proteção de Irmã Lívia. Comecei a me preo-
cupar, seriamente, e só que, desta vez, havia uma grande diferença:
não era comigo e, sim, com Marta! Como eu havia matado seu marido?
Procurava me lembrar daquela noite fatal. Só me recordava do barzi-
nho... ouvia tiros, via alguém apontando uma arma... cadáveres... sire-
nes de polícia e de ambulâncias... e só, mais nada! Eu matara um ami-
go? Deveria estar bêbado... Oh, meu Deus! Sempre fui irresponsável,
porém nunca havia chegado ao ponto de fazer tanto mal! E agora? Ago-
ra é tarde! Pobre vigário, que deve ter sofrido tanto por mim! Oh, meu
Deus! Não terei mais paz. Como saberei a verdade? Por acaso, não será
mentira desta louca?

- Venham! - disse Irmã Lívia - Vão descansar um pouco. Descan-


sem-se! Eu nunca tenho tempo, nunca mais descansei...

- Por que a vida aqui é tão agitada? - perguntei.

- Porque todos que desencarnam têm que passar por aqui. Os


que sofreram e se reajustaram na Terra, passam por cima. Os que não
tiveram seus reajustes, vêm se reajustar aqui. Por isso aqui é como um
oceano em tempestade!

- Tem algum nome esta cidade?

- Sim, ANODAI! Porque é sempre noite, uma vez que o sol se esconde
em uma grande muralha.

- Ah, - disse eu - já devo estar aqui há muito tempo, porque desde que
128

morri não vejo a luz do sol.


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- Sim, isso é normal. O sol é privilégio dos encarnados!


Senti uma tristeza muito grande. Tive ânsias de sair correndo, como
fizera Marta! Porém, senti que minhas forças iam se acabando. Pedi
que chamassem o vigário. Eu queria morrer!... O vigário chegou e fiquei
meio tolhido. Por fim, eu disse:

- Oh, Irmã Lívia, eu queria me confessar e comungar. Tenho necessida-


de. Está certo este meu desejo? A esta altura já não sei mais o que está
certo ou errado!

- Está certo, Ditinho. Você está certo! Precisa de energia e só a adquiri-


mos quando temos fé e somos honestos. Você logo se salvará porque
sempre foi honesto. Tem a sorte de ter como guia este vigário, que é
um santo, que nunca se afastou das normas da Santa Igreja.

- Meu Deus! - exclamei, vendo entrar um lindo índio de toga, que me


disseram ser Ypuena.

Continuei observando o cacique Ypuena e, sem saber por que, fiquei


preocupado com ele.

O vigário, sem tomar conta dos meus pensamentos, chegou-se a


mim e foi me acalmando:

- Filho, diga tudo que te vai na alma. Liberta-te dos teus pensa-
mentos! Arranques do peito todo o mal que te aflige!

Então, contei-lhe tudo o que me sufocava. O mal que fizera pra-


ticando atos inescrupulosos quando estava em meu corpo, a dor dos
meus dias de sol desperdiçados, as oportunidades perdidas... O bom
129

vigário colocou a mão sobre minha cabeça, emitindo um raio de luz


com tanta energia que me veio instantaneamente uma sensação de
Página

equilíbrio, sentindo-me como se estivesse em uma das lindas manhãs


de sol na Terra! Que saudade sentia agora! Que firmeza!... Abracei Irmã
Lívia, dizendo:

- Serei sempre um seu servo, para te servir com amor!

Irmã Lívia sorriu e me avisou:

- Suas amigas, as três jovens, vão partir. São espíritas, e Ypuena


veio buscá-las. Serão levadas para o sono cultural, pois terão que reen-
carnar.

Uma das jovens se aproximou e pediu ao vigário que a ouvisse


em confissão.

- Como? - bradei - Ela é uma espírita e quer se confessar?

- Oh, Ditinho, como podes ser tão egoísta! - falou o vigário - Aqui
não há restrições por nenhuma seita ou religião. Aqui é um vale de re-
cuperação. Temos que ajudar às pessoas em qualquer circunstância.
Não devemos escolher as pessoas que nos procuram.

A jovem foi com o vigário para mais distante de nós. Irmã Lívia
abraçou Ypuena, saudando-o:

- Grande cavaleiro! Sustenta um terreiro, Cabana de Pai Jerôni-


mo, com todo amor e honestidade! Soube que lá já conseguiram evolu-
ir, com a sua força, duas falanges de exus. Graças a Deus!

- Sim, graças a Deus! - disse Ypuena batendo no peito e, quando


batia, emitia luz de energia.
130

Nisso, ouvimos outra das jovens que soluçava. Irmã Lívia foi a-
Página

cudi-la. Ela disse que também queria se confessar. O vigário a atendeu,


e a calma voltou. Despediram-se e se foram, com Ypuena.
- É, foram-se todos... - disse para Irmã Lívia - Acho que serei seu
eterno hóspede! Sinto saudade da Terra, dos meus chinelos, do meu
banho, dos raios do sol, das noites de luar!...

- Oh, as noites de luar! - disse Irmã Lívia me levando até à janela


- Terás uma agora mesmo! Ditinho, meu filho, vamos pedir a Deus pelos
bandidos do espaço, para que eles fiquem bem longe e não voltem aqui
para nos atormentar.

- Como? Bandidos do espaço? Aqui?

- Sim. São espíritos que vivem tirando o sossego de todo mundo.


Quando encarnados, foram homens que não se realizaram na Terra, e
se incriminaram a tal ponto que perderam a própria razão do bem. É
uma falange milenar!

- Meu Deus! - exclamei - Aqui tudo é tão complexo! As coisas


são bem mais complicadas aqui! Sim, não são tão claras como na Terra,
onde temos um começo. Aqui só sabemos que viemos de lá. Se o Ho-
mem conhecesse este estágio jamais facilitaria com sua missão na Ter-
ra! O Homem nasce, tem uma procedência, enfurece seu cobrador e
fica aqui a se esconder dele!

- Salve Deus! - falou Irmã Lívia - Veja os bandidos do espaço! Es-


tão ali perto.

- Cruzes! - disse assustado - Eles estão vindo para cá?

- Não, pois temos uma proteção magnética. Não nos atingem


131

nem mesmo suas vibrações.

- É... tenho muito que aprender aqui!


Página
Irmã Lívia começou a me fazer algumas perguntas: como tinha
sido meu casamento, porque minha mulher havia me abandonado...
Respondi que tudo se acabou por causa da minha cachaça! Mas nunca
sofri por causa disso, tendo continuado normalmente minha vida. Ela
encontrou outra pessoa, com quem era feliz. Gostava muito dos meus
pais e das minhas irmãs. É o que sabia. Disse também que não sentia
saudade a não ser do sol... Perguntei para onde eu iria.

- Ditinho, vais ter que freqüentar uma escola para poderes sair
daqui. Terás que ficar aqui, exposto aos chegantes da Terra, por um
período equivalente há seis anos terrestres, com muitas oportunidades
de reajustes. Não cuidastes do teu corpo e o perdestes, antes do tem-
po, sem atenuar tuas cobranças. No fim deste período, passará por aqui
uma senhorita, chamada Maria Rita. Lembra-te?

- Sim, me lembro. Maria Rita foi minha namorada por muitos


anos!...

- Ah, bom. E o que fizestes com ela?

- Deixei-a na pior condição, por falta de amor. Na verdade, nun-


ca senti amor a ponto de me sacrificar por alguém. Oh, meu Deus! Co-
mo sofrem as pessoas que não têm amor! Lembro-me de uma mulher
com três filhos a quem nunca dei atenção...

- Por quê?

- Porque não eram legítimos.


132

- Deixe isso para lá, Ditinho. Vamos cuidar para que tenhas uma
vida nova!
Página
Oh, meu Deus! Queria poder amar alguém, queria voltar para a
Terra, ter novamente uma família, sofrer, ter alguém a quem pudesse
ser útil, enfim, evoluir! Não tinha noção do tempo, mas achei que se
haviam passado alguns dias quando eu estava recostado em um sofá e
fui alertado por gritos e um ruído estranho. Cheguei à janela e abri as
pesadas cortinas. Qual não foi minha surpresa: eram bandidos do espa-
ço, rosnando como animais ferozes, querendo agarrar as suas vítimas.
Olhei naquela escuridão e pude ver, claramente, o espetáculo. Aí me
dei conta de outro fenômeno: os olhos do espírito enxergam na escuri-
dão da noite! Não vacilei. Acostumado a não dar valor ao meu corpo,
pulei para fora e fui lutar contra os bandidos. Após uma luta desigual,
fui aprisionado por eles e levado para uma caverna, à frente de um bar,
de onde vinha o ruído de risadas, assuntos de negócios, etc.

- O melhor que faço é ficar quietinho, à mercê desses bandidos.


- pensei, me colocando junto a outros prisioneiros desconhecidos que
ali estavam. Não sei mais como descrever o que passei naquela caver-
na! Aqueles espíritos se maltratavam até entre eles mesmos, não se via
o menor vestígio de luz! O pior é que ainda estávamos sob os efeitos da
energia cármica e, assim, sofríamos, sentido as dores das torturas a que
eles nos submetiam. Ficava evidenciado o estado de irrealizações sexu-
ais e o que isso causava nas provocações despertadas entre eles pró-
prios. Fui tomado por terrível preocupação a esse respeito. Lembro-me
que um dos bandidos trouxe até mim uma linda jovem, na mesma sin-
tonia. Meu Deus! Eu estava tão distante da Terra! A verdade, Tia Neiva,
é que eu sofria os impactos das revelações e pensava onde estavam o
133

meu vigário e a minha querida Irmã Lívia que não tinham evitado que
eu caísse na triste situação em que me encontrava. E quanto mais eu
pensava em sair dali, mais ficava preso! Comecei a vibrar no vigário.
Página

Lembrei-me das lições de Irmã Lívia que me dissera: quando estamos


em dificuldades, devemos mudar nossa sintonia. Passei à prática, co-
meçando a mentalizar Jesus. Minha dor era tão grande que eu não ti-
nha forças para por em prática os ensinamentos de Irmã Lívia. As forças
magnéticas me enlaçavam como verdadeiros cepos de urtiga... Já esta-
va perdendo as esperanças quando consegui criar forças e gritar:

- Oh, Jesus! És minha última esperança! - E, sem sentir... - Dá


forças também a estas pobres almas!...

Então, senti novas forças se apoderando de mim e todo o ambi-


ente se modificou. Senti que poderosa faixa crística havia chegado e,
agora, dominava o ambiente. Levantei-me e, esquecido de mim mes-
mo, pensava somente em ajudar os indefesos que estavam ali, sofren-
do mais do que eu. No instante daquele gesto, senti como se fosse um
super-homem! Pensei comigo: é tudo ou nada! Somente a força crística
nos faz amar tanto. Lembrei-me de meus protetores - Irmã Lívia e o
vigário - que me haviam dito que quem tem o amor crístico sente ter-
nura pelas criaturas. Sim, agora eu tinha certeza de pertencer a uma
faixa crística! Comecei a falar, com desejo de ser ouvido, com pena dos
que ali estavam sofrendo, e sem me preocupar comigo mesmo. Gritei
para os bandidos:

- Parem! Não sabem o que estão fazendo!... Conheço outros


planos, mundos civilizados e um Deus Todo Poderoso!

Gritava com todas as minhas forças, dizendo muitas coisas com


plena convicção, e comecei a sentir a assistência do meu vigário prote-
tor. E, com espanto, vi surgir ali, como que por encanto, o grande índio
134

Ypuena, porém sem o seu resplendor. Ele fez como se não me conhe-
cesse e gritou:
Página

- Tirem esse homem daqui, pois ele nos complica!


Suas palavras eram como ordem para aquela gente. Quando ele
me disse: Desapareça!, nem pestanejei. Sai dali me sentindo como que
magnetizado, e pensando:

- Segunda enrascada! Na terceira, não sei o que será de mim.


Que mundo será este?

Notei que o ambiente se tornara mais claro. Enquanto eu pen-


sava, recebi a resposta:

- Fizestes uma boa ação, deixastes de ser egoísta! Na Caverna de


Esmeralda, a pomba-gira, só pensastes em ti mesmo. Porém, desta vez,
foi diferente!

- Para que tudo isso? - pensei - Para me testar?

- Não, - disse meu orientador - nada disso!

Sim, porque toda aquela explosão? Foi a força ou a maneira co-


mo eu invoquei Deus? Desta vez eu não chamara Deus por um simples
hábito. Chamei, realmente, por amor, com desejo sincero de sentir Sua
presença. Tinha sido bem diferente, realmente. Essas respostas eu re-
cebia dentro de minha cabeça, mas com a certeza de que vinham de
mundos evoluídos. A partir daquele momento, continuei a perambular,
porém consciente da minha missão, ou melhor, da minha condenação!
Teria que fazer naqueles mundos escuros o que deixara de fazer na
Terra, confortavelmente, sob os raios do sol! Não me sentia digno, se-
quer, de clamar por Deus.
135

Enquanto pensava, caminhava sem destino, cautelosamente, e


sentia no coração o que há muito não sentia: saudades, angústias, sau-
Página

dade da querida Irmã Lívia! Oh, meu Deus! Quanto tempo se passou!
Senti minhas forças se acabando e me sentei, chorando copiosamente.
Pensava: Oh, Jesus, o que me resta? Súbito, minha mente começou a
despertar. Comecei a me lembrar daquela criatura a quem fizera tão
infeliz. Qual seria o seu estado de espírito? E os meus três filhos? O que
deveriam estar pensando de mim? Sim, fiz tudo errado! Tenho que me
conformar! Eu brinquei demais, mas, agora, não escapo. Lembrei-me
das palavras de Irmã Lívia, que dissera que eu estava sob a bênção de
Deus, e isso foi como um bálsamo para o meu coração. Retomei minha
caminhada. Caminhei muito, não sei por quanto tempo. Todas as mi-
nhas reações afirmavam que o tempo e o espaço nós marcamos de
conformidade com a nossa condição de espírito.

De repente, como que por encanto, surgiu à minha frente minha


confortável pracinha! O sofrimento nos ensina muita coisa! A pracinha,
tempos antes, me dava angústia, me deprimia. No entanto, agora, era a
minha pracinha da esperança! Coloquei as mãos no rosto e desatei a
chorar. Em meio àquele pranto, ouvi uma voz me saudando. Levantei os
olhos e vi uma mulher me olhando. Pensei estar em um mundo de fa-
das! A esta altura, pensei que tudo era possível. Reconheci Gilda, uma
jovem de vida irregular, que vivia no baixo ambiente da Cinelândia, no
Rio de Janeiro. Foi lá que eu a havia conhecido.

- Como veio parar aqui? - perguntei surpreso.

- Não sei. Sofri uma forte dor de cabeça, que me transtornou.


Não sei o que me aconteceu... Só me lembro de que fui presa, não sei
por quem, mas consegui me libertar e corri, corri, e aqui estou! E você,
136

por onde tem andado? Há tantos anos não lhe vejo!

- Realmente, deixei o Rio e fui para uma cidadezinha de Minas


Página

Gerais, onde me casei. Mas nunca me realizei com o casamento! Minha


mulher me deixou, levando os três filhos. Apenas um era meu. Ela era
viúva, quando a encontrei, e já tinha dois filhos, dos quais eu gostei
muito. Todavia, enveredei na maldita pinga e ela não teve capacidade
para me ajudar... Porém, sempre pensei em você!

- E, no entanto, me abandonou! - disse Gilda.

Pensei, cautelosamente, em Deus. Deus é um ser supremo. Ja-


mais me esquecerei da explosão na caverna. Se eu O invocasse, Ele po-
deria me arrastar daquela situação embaraçosa. Ouvi, então, a voz do
vigário:

- Deixe de ser mal agradecido, Ditinho. Estavas prisioneiro na-


quela caverna, invocastes por Deus e Ele te libertou. Agora, tens medo?

- Oh, não! Não foi isto que pensei. Oh, meu bom vigário!

Na realidade, eu não queria me afastar de Gilda, por quem eu


estava apaixonado! Mergulhado nos meus pensamentos, avaliava se eu
deveria me ligar àquela jovem e a seu carma. Teria que ficar em sua
companhia? Senti que laços transcendentais nos ligavam e, apesar de
nossa triste condição de sofredores, entendi que me envolvia no mais
puro e maravilhoso romance de amor. Pensei: somente os que sofrem
sabem o que é o amor, o que é ter uma companheira! Sem noção do
tempo, vimos uma luz que vinha do alto, ao longe, em nossa direção.
Pensei que viesse abençoar nossa união. Era Irmã Lívia.

- Oh, Ditinho, que saudade! - disse ela, sorrindo - Que felicidade


te ver ao lado de tua alma gêmea! Mas, infelizmente, tens que partir
137

comigo. Vim te buscar!


Página

- Sim! Gilda vai conosco?


- Não. Ela terá que permanecer no Albergue de Nanã.

- Como? - disse quase gritando - Como pode deixar esta pobre


indefesa partir sozinha e sem a luz do sol?

- Sim, mas também sem filhos e sem a necessidade de um corpo


físico. Como és esquecido, Ditinho! Pelo que vejo, não te lembras do
compromisso que assumistes, nesta mesma pracinha, por uma grande
dívida que terias que pagar na Terra. Há cinqüenta anos, José, que só
poderia viver na Terra por vinte e oito anos, onde se casaria com Alice,
sua alma gêmea, a quem deixaria com dois filhos, recebeu de ti a pro-
messa de cuidar deles, terminando de criá-los. E o que fizestes? Desen-
carnastes na cachaça e, o que é pior, os abandonastes aos frio, à fome e
à desonra! Levastes Alice, aquela moça honesta, a se prostituir para
sobreviver com os filhos!

- Sim, que vergonha! Sei de tudo isso, mas não sabia do com-
promisso!

- Não, não me abandones! - gritou Gilda desesperada.

Confesso que ouvi nos gritos de Gilda os mesmos de Alice,


quando eu a expulsei de casa.

- Meu pobre amor! - disse eu a Gilda - Não tenho forças para te


acompanhar...

Os remorsos me puxavam para trás. Irmã Nívia nos falou, com


muita ternura:
138

- Um dia, não muito distante, se encontrarão novamente, Diti-


nho. Deus perdoa aos que amam. Tudo farei para que, um dia, tu ve-
Página

nhas protegê-la.
- Mas como eu poderei encontrá-la?

- As almas gêmeas mesmo quando se separam, nunca se per-


dem. Ensinarei o que deverão fazer.

Nisso, chegou o vigário e, como se ignorasse o que estava acon-


tecendo, perguntou:

- Oh, como vão? O que aconteceu? Estão todos com cara de dor!

Quando me virei para pedir clemência ao vigário, foi tarde. Gilda


havia desaparecido! Vendo a minha decepção, o vigário tentou me con-
solar:

- Os rastros daqueles que realmente amamos nunca se apa-


gam!...

- Oh, meu Deus! - gritei, desabafando - Oh, minha querida Irmã


Lívia! Oh, minha irmãzinha, faça alguma coisa por mim!... A senhora é
minha última esperança!

- É claro que faremos... Faremos muito por ti, Ditinho!

Partimos para o albergue, que eu não sabia que ficava tão perto.
Estava cheio de pessoas, e eu entrei ali, cumprindo a minha sina. Che-
gamos na bendita “Hora da Prece”, quando foram servidos lindos pra-
tos contendo como que neves coloridas, soltando vapor também colo-
rido. Desinformado, ergui minhas mãos para receber um prato, mas o
vigário de deteve, dizendo baixinho:
139

- Não, Ditinho, você não pode ainda receber isso. Não tem bô-
nus nem merecimento!
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Fiquei tolhido e, muito envergonhado, vi que o vigário tinha ra-
zão. Todos os que recebiam aquele prato pagavam com os seus bônus.
Eu tinha tanto medo de chamar por Deus, mas, naquela hora, não resis-
ti. Sempre que sentia alguma dor, pensava em me suicidar. Mas, agora,
não. Eu só pensava em me reencontrar com Gilda.

- O que tem nesses pratos? - perguntei ao vigário.

- São manjares que vêm direto de Jesus! É pura energia!

Comecei a perceber que as pessoas que estavam ali, recebendo


o manjar, já não tinham mais mágoas nem ressentimentos. E eu ali es-
tava, cheio de ressentimentos, revoltado em ter tanto sofrimento, so-
frendo recriminações por causa do meu casamento fracassado. Achava
que, sendo assim, o mundo inteiro, lá embaixo, estaria perdido. Foi
como se eu estivesse pedindo uma resposta. Alguém bateu à porta do
albergue. Vi Ypuena ir abrir a porta e receber um homem.

- Ele está chegando! - disse o vigário - Veio recentemente da


Terra.

- Oh, como vai, Zacarias? - falou Ypuena - Você é um homem es-


petacular, formidável... A sua atitude com Maria do Carmo... Aquele
seu desquite foi mesmo providencial. Seus quatro filhos não poderiam
continuar sofrendo os impactos da incompatibilidade do casal.

E eu que pensava em perguntar tudo sobre a Terra, o sol, a lua,


gritei, sufocado:
140

- Então estão fazendo a maior injustiça comigo! Estou aqui, so-


frendo, porque abandonei uma mulher com quem havia me casado, e
Página
seus três filhos, sendo somente um meu, pois os outros dois eram de
seu falecido marido. Oh, meu Deus, como estou sendo injustiçado!

- Oh, Ditinho, meu pobre Ditinho! - disse o vigário - Ainda não


tens consciência do teu destino! Vivestes sem amor, sem esperança e, o
que é pior, sem qualquer conhecimento da Lei de Causa e Efeito. Se
batemos, apanhamos... Se damos esmola, recebemos milhares de ou-
tras... Quem não trabalha em benefício dos outros não encontra quem
lhe ampare!

- Sim, - disse eu revoltado - quem não trabalha, não come, não é


isso mesmo? Mas veja, na Terra a gente come! Mesmo sem trabalhar, a
gente tem delicadezas uns com os outros... Ah, aqui é realmente muito
diferente! É quando estamos na Terra que compramos as coisas e ainda
pagamos ágio!...

Não sei por quanto tempo fiquei ali, naquele estado de alma.
Mas o tempo passou, muitas coisas aconteceram, até que resolvi traba-
lhar. Arregacei as mangas e comecei a socorrer toda aquela gente que
precisava de auxílio. Meu pensamento fixo era quando eu iria reencon-
trar Gilda! Fazia mentalizações, sabendo que, assim, ela me sentia, ali-
viando a saudade e as angústias. Uma enorme cassandra parou em
frente ao albergue, trazendo um homem recém-chegado da Terra. Irmã
Lívia foi toda gentil recebê-lo.

- Que dia é hoje? - indagou o chegante.

- Aqui não nos preocupamos com isso. Datas nada significam pa-
141

ra nós!

- Não é assim que se responde! - disse o homem, apavorado -


Página

Não estou entendendo nada!


O vigário se aproximou e o homem investiu contra ele. Já ia par-
tir em defesa do vigário quando uma corrente magnética deteve o ho-
mem, que ficou duro como se fosse de pedra. Comecei a querer rir.

- Concentre-se, filho! - disse Irmã Lívia, olhando para mim.

Lembrei-me de Jesus, e uma luz foi descendo do céu, iluminan-


do, libertando, transformando o homem apavorado.

- Ditinho! - disse eu - Você falou em céu?

- Sim, Tia Neiva, o mesmo céu. Quando estamos em outro plano


- no plano etérico - enxergamos outro mundo mais amplo, embora não
possamos ver a Terra, sentimos somente as vibrações. Enquanto os
pensamentos me invadiam, a saudade parecia me matar! Saudade de
Gilda! Por onde andaria? Súbito, senti uma vibração diferente e todo o
panorama ao meu redor foi se modificando. Fui dizendo baixinho: Deus,
Pai, Espírito Santo... Levei minha mente à minha amada Gilda. Oh, que
desespero! Foi horrível! Gilda apareceu à minha frente, toda enrolada
em um manto, e seu rosto, antes lindo, era monstruoso. Meu Deus! Ela
desapareceu tão rápido quanto havia chegado. Atordoado, vi que todos
já haviam entrado e só eu estava ali fora com meus pensamentos. Corri
e entrei. O homem estava deitado num esquife.

- Morreu? - perguntei à Irmã Lívia.

- Estamos na vida eterna! Aqui não se morre. A morte é somen-


te da carne. O que estamos fazendo é isolando as pesadas vibrações
deste homem. E tu, o que tens? Estás sob forte influência de uma força
142

negativa!
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- Não, não estou sob qualquer influência negativa mas, sim, so-
frendo terrivelmente!

- Tudo vai dar certo, Ditinho. Breve Gilda vai chegar toda linda.
Nanã me disse que ela está indo muito bem.

- É mentira de Nanã! - gritei - Agora mesmo a vi, e ela estava


horrível!

- O que é isso, Ditinho? Como te atreves a duvidar de mim?

- Oh, minha irmãzinha, me perdoe. Sou mesmo um espírito des-


classificado! Como pude lhe falar assim, se a senhora é uma das pesso-
as que mais amo?

- Tira a terra de teu coração, Ditinho! Teu coração ainda está


cheio de terra. Pensamos que, se tu tivesses um objetivo na vida, pode-
rias te evoluir mais depressa. Por exemplo: tu não te preocupas com
teu filho, que ficou na Terra, nem com teus pais que, até hoje, choram a
tua morte, e que também estão ainda na Terra! Pelo que vejo, Gilda se
evoluirá primeiro...

Ao ouvir falar de Gilda, senti uma grande dor no meu coração.


Eu ainda não aprendera a amar as coisas feias, como Gilda, que se a-
presentara naquelas formas horríveis!

- Quero ouvir seus conselhos, Irmã Lívia. O que devo fazer?

- Não devemos forçar as pessoas. Cada mente vai se evoluindo à


143

medida que vão avançando os seus bons sentimentos.

- A senhora quer dizer que eu não os tenho?


Página
- Sim. Quando amamos realmente, não exigimos qualidades. O
quadro que vistes de Gilda não é verdadeiro. Fizemos tudo para que
sintas todo e qualquer impacto. Não vês que todos trabalham?

- Vejo sim e, graças a Deus, eu tenho ajudado bastante.

- Realmente, tens ajudado. Mas por dignidade e não por a-


mor!...

- Como? - perguntei espantado - Não estou sempre acudindo es-


tes infelizes, a ponto até de me expor aos bandidos? Por forças de cir-
cunstâncias, até agora a senhora não me serviu o manjar.

- Hoje eu lhe servirei! - disse Irmã Lívia, terminando de falar jus-


tamente na “Hora da Prece”.

O homem continuava esticado no esquife, como morto. Veio


uma cassandra para levá-lo. Para onde, eu pensava: para o Canal Ver-
melho? Como seria este Canal tão falado? Uma enorme cidade como o
Rio de Janeiro? Não... Pequeno como a palma de minha mão? Não ti-
nha a menor idéia!

- Ponha tua mente para trabalhar, Ditinho! - disse Irmã Lívia - É


uma grande planície isolada por enorme muralha magnética.

- Eu irei morar lá algum dia?

- Sim, mas só depois de completares o correspondente a teu


tempo na Terra!
144

- E este homem que chegou. Também não morreu no tempo


certo?
Página
- Não exatamente. Sua mulher lhe tirou a vida, e por isso ele
chegou aqui.

O homem já estava para embarcar quando outra cassandra des-


ceu, e dela saiu uma mulher gritando, e, pelo simples olhar, vimos que
tinha algo em comum com o homem. Sabe, Tia, nem vou mais descre-
ver o que se passou. Ela discutiu, com ciúme de Irmã Lívia, pelos cuida-
dos que dispensara ao homem, e tinha uma vibração tão intensa que
fui obrigado a pedir socorro e a procurar aprender a me defender! Con-
tudo, minha evolução para sair daquele plano continuou e não falhei.
Graças a Deus, o meu dia chegou! Estávamos todos sentados no grande
salão do albergue quando foi anunciada a visita de um grupo trazido
por Ypuena.

Os visitantes se acercaram de mim, me elogiando por ter evoluí-


do aquela mulher. Disseram que, pelo meu merecimento, eu poderia
fazer uma viagem à Terra, ao lado de Ypuena. Senti calafrios, chorei de
emoção. Perguntei, então:

- Com isso farei bem a alguém?

- Não, ainda não. Mas não era o que pedias todos os dias?

- Sim, era o que eu sempre pedia!... Queria ver um raio de sol,


meus chinelinhos... Porém, agora, já me ensinaram o amor ao próximo
e gostaria de pedir, se me fosse permitido escolher, que eu levasse es-
tas bênçãos ao albergue de Nanã e, talvez, libertasse Gilda? Poderia
levar um pouco deste manjar... Se eu for para a Terra, sei que terei ho-
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ras felizes... Verei meus filhos, a quem voltei a amar, gastarei esta ener-
gia mas não estarei fazendo com ela a verdadeira caridade!
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- Sabe quem é Nanã?


- Só sei que ela é severa para conquistar os bárbaros, porém
ama os humildes e ignorantes das bênçãos de Deus, como fui eu um
dia!

- Está bem! Terá a sua viagem até o albergue de Nanã.

Meu coração começou a bater descompassadamente. Oh, meu


Deus, como estará Gilda? Eu, que nunca soubera amar as coisas feias,
como reagirei? Lembrei-me daquela bênção de Ypuena quando estava
na caverna dos bandidos. Fora tão suave, tão providencial... Não estava
mais disposto a gastar os meus bônus para satisfazer o meu egoísmo.
Tinha que ajudar Gilda. Pedi e recebi um passe do abençoado vigário, e
partimos. Passamos pela pracinha e vi pessoas sentadas nos bancos.
Deviam ser irresponsáveis, como eu fora um dia, pensei.

- Não julgues assim, Ditinho! - falou Ypuena - Tenhas caridade


com as pessoas. Vamos fazer uma prece, pedindo a Deus por elas!

E, realmente, enquanto vibrávamos, vi uma luz que descia sobre


elas, em seu socorro.

- Viu? - disse Ypuena - É o efeito de nossa prece...

- Quer dizer que as pessoas que aprenderem a rezar, na Terra,


não irão padecer tanto quanto eu?

- Deveras! E, também, aprendendo a praticar a caridade.

Enquanto eu levitava ao lado de Ypuena, lembrava meu apren-


146

dizado, sentindo todo o amor por tudo que recebera. Sentia a trans-
formação do meu espírito. Notei que estávamos descendo.
Página
- Sim, estamos descendo. - explicou Ypuena - Esse plano é quase
na crosta da Terra.

- Tem sol?

- Não. Não notastes que está mais escuro?

Chegamos à lua, e Ypuena parou, projetando a força magnética


da lua para o albergue de Nanã.

- Estamos em perigo! - disse Ypuena - Fique quieto!

Passaram, então, como uma avalanche, muitas pessoas, uma


multidão que não nos notou. Tudo voltou à calma, e chegamos ao al-
bergue de Nanã. Oh, meu Deus! Foi um quadro que nunca esquecerei!
Panoramas das mais variadas formas. Nanã, carinhosa, veio ao nosso
encontro, acompanhada de muitos espíritos, entre os quais haviam
alguns meus conhecidos. Reconheci o dono do bar, que me falou:

- Oh, Ditinho! Soube pela Gilda que você estava no Umbral e lo-
go seguiria para o Canal Vermelho! Enquanto isso, estou aqui, penando.
Fui aprisionado pelos bandidos do espaço e leiloado. Mas Nanã me
comprou e já me prometeu que vai me levar para lá, também.

- Eu não estava no Umbral. Lá se chama Anodai, porque só tem


lua, lindas noites de luar!... Mas, onde está Gilda? Sabe notícias dela?

- Ela foi até Salmônia buscando recuperar uns jesuítas que, há


mil anos, lutam para voltar à Terra em busca de uns tesouros que dei-
147

xaram enterrados por lá.

Apesar da saudade, senti alívio por Gilda não estar por perto.
Página

Ypuena, que me observava de longe, chegou-se a mim e disse:


- Fica tranqüilo, Ditinho. O quadro que vistes de Gilda não é ver-
dadeiro! Foi fruto de tua mente atrofiada. Gilda vai te aparecer bem
mais bonita e terna, pois seu espírito humilde, na Terra, se redimiu.
Outrora, Gilda fora uma orgulhosa condessa!

Perdi a noção do tempo. Ypuena deixou que o dono do bar con-


tinuasse a falar:

- Ah, Ditinho, quando você morreu, Alice se casou com o José


Passarinho. Como você sabe, ele é um bocado rico, e estão muito feli-
zes.

Nisso, Gilda chegou. Fiquei paralisado pela emoção. Estava lin-


da! Nos abraçamos com todo nosso amor, esquecidos de que havia
mais gente junto a nós.

- Oh, meu querido Ditinho, veio para ficar comigo?

Engoli em seco, tomado pela emoção, mas consegui responder:

- Sim, minha amada Gilda! Não sei o que nos reserva nosso des-
tino, a vontade de Deus ou a de nossos mentores, mas quero ficar com
você!

- Ainda não! - disse Ypuena - Tenho ordens de te levar de volta


para nossa Irmã Lívia!

- Vai me levar de volta e me deixar morrendo de saudade de mi-


nha querida Gilda?
148

- É preciso. Gilda está evoluída e saberá entender o que tu ainda


terás que fazer...
Página

Continuamos abraçados, e Gilda, entristecida, falou:


- Entendo! Eu já completei o meu tempo aqui, e tenho que par-
tir. Passei cinco anos no Umbral, e dizem que o Umbral é o inferno na
Terra! Como pode? É preciso ter muita terra no coração para se falar
uma coisa destas! Deus não colocaria um filho seu no fogo do infer-
no!...

Com tristeza e já com saudade, acompanhei Ypuena de volta ao


albergue de Irmã Lívia.

Agora, Tia Neiva, peço que me ajude!

Salve Deus!

149
Página
“Quanto mais evoluído o espírito,
mais poderoso se torna o seu pensamento criador.”
150
Página
REILLI E DUBALY

Para que a criatura cumpra fielmente os desígnios desta Doutri-


na, é indispensável que desenvolva os seus próprios princípios divinos.
É preciso que se sacrifique em favor de grande número de espíritos que
se desviam de Jesus. É preciso que esteja no luminoso caminho da fé,
da caridade e da virtude do Espírito da Verdade, e se dedique, princi-
palmente, àqueles que tombaram dos cumes sociais pelo abuso do po-
der, da autoridade, da fortuna e da inteligência.

Eu seria feliz se os visse na paz e na compreensão de Reilli e Du-


baly, dois terríveis e valentes mercenários que, à frente de dezenas de
homens, se digladiavam no ódio e no rancor, jurando que se matariam
tão logo se encontrassem.

Quis a vontade de Deus que aqueles brutos que respeitavam o


regulamento (que não permitia que dois comandantes ou capitães se
batessem à frente das tropas, pois seria covardia se assim procedes-
sem), no instante preciso subissem o Calvário, sem olhar para trás, não
sabendo um por onde o outro caminhava, sem um ver o outro, pois
subiam um por cada lado.

Os dois novamente se confrontaram, porém sem notar um a


presença do outro, pois ambos estavam com a atenção voltada para um
grupo de homens e mulheres que choravam, enquanto outros riam...
de Jesus!

Era Jesus de Nazaré que subia o morro, carregando a sua cruz.


151

Os dois brutos estavam de olhos parados quando Jesus, descansando,


com o olhar amargurado, lançou-lhes um olhar cheio de ternura, como
Página

se lhes dissesse:
Filhos, amai-vos uns aos outros!

Dubaly, olhando para Reilli, deixou cair a sua lança. Reilli seguiu
seu gesto. Os dois se abraçaram, vendo que nenhuma dor poderia ser
igual à de Jesus. Abraçados, ouviram os chicotes dos soldados de César.

Dubaly, chegando bem pertinho de Jesus, ofereceu-lhe todo o


seu exército para salvá-lo. Reilli fez a mesma oferta. Jesus não quis,
dizendo:

O meu Reino não é deste mundo!

Dubaly e Reilli saíram dali com o coração cheio de dor. Porém,


não esqueciam aquele olhar de profundo amor e de esperança! Aquele
olhar modificara totalmente o curso de suas vidas. Saíram dali e volta-
ram para junto de suas tropas. Os dois, sem dizer uma palavra, deram-
se as mãos. Dubaly chegou à sua tropa e, como que por encanto, todos
vieram ao seu encontro, perguntando:

-Viu Jesus de Nazaré?

-Vimos!... Sentimos o Seu olhar!... Estamos cheios de esperança!


Nisso, o grande exército de Reilli foi chegando. Ninguém se moveu. Es-
tavam todos extasiados.

Reilli foi descendo e, num impulso, novamente se abraçou com


Dubaly. Agora, estavam em frente às suas tropas. Para resumir, os dois
se juntaram, formando uma grande força.
152

Sim, filho, é como te vejo, o teu impacto ao chegar nesta Dou-


trina! Os valentes não abandonaram suas tropas, não dispuseram de
seus dependentes. Juntos, continuaram no mesmo caminho. Sentiam-
Página

se como irmãos, porque Jesus, com seu olhar, lhes dissera tudo. Até
Galba e Tanoro que, por se considerarem grandes inimigos, eram man-
tidos à distância por seus chefes, ao se reverem se abraçaram na pre-
sença de Reilli e Dubaly.

O olhar de Jesus abençoara aquela tribo! Todos, emocionados,


tiveram os olhos rasos de lágrimas, porque não ficou só ali a graça de
Jesus. Já seria suficiente que aqueles dois líderes tivessem em seus co-
rações e em suas mentes aquele olhar!...

Quarenta dias se passaram sem que os dois fidalgos soubessem


o paradeiro de Jesus de Nazaré. Tinham medo de falar em seu Santo
Nome. Tinham medo de falar e perder aquele encanto, aquela luz de
esperança, aquela alegria de viver, aquela sublimação tão bela que ha-
viam adquirido. Não perguntavam um ao outro o que deveriam fazer.
Sabiam o que era bom para eles:

AMAI-VOS UNS AOS OUTROS!

Ambos viajavam, calados, quando Dubaly quebrou a sintonia


daquele silêncio:

- Como se sente?

- Bem! A esperança do mundo está dentro do meu coração. Sin-


to desejos pela minha Sabarana!

Sorriam, quando uma carruagem parou e um ancião, angustia-


do, lhes pediu: “Senhores! Pagamos tudo o que quiserem, mas vão sal-
var meu filho, minha nora e meus netos, que estão presos nas garras do
153

povo de Zairo. Vão tomar nossa pequena dinastia e juntá-la ao povo


dele.” Os dois se entreolharam e partiram para a luta. Porém, foi dife-
Página

rente. Procuraram o chefe e os três dialogaram. Fizeram um ataque.


Ninguém morreu e os assaltantes fugiram dali. Reilli e Dubaly reparti-
ram seus honorários e continuaram em suas batalhas. Mas jamais per-
deram o amor de Jesus!

Finalmente, o desejo de Reilli teve fim. Chegaram à mansão de


sua linda Sabarana. Porém, quem veio recebê-los foi a bela Doragana:

- Oh, meu querido cunhado! Vimos Jesus de Nazaré!

Levamos Sabarana e Ele não a curou!...

- Onde está ela? perguntou Dubaly.

- Aqui! falou a linda Sabarana.

Chegando com dificuldades e abraçando Reilli, que estava com


os olhos cheios de lágrimas, repetindo:

- Vistes Jesus de Nazaré e Ele não te curou?

- Sim. Ele me disse: pagarás ceitil por ceitil...

Dubaly colocou a mão sobre sua boca, não a deixando mais fa-
lar. Com firmeza, falou:

- Jesus de Nazaré, eu te amo porque enchestes de amor a minha


vida... Devolve a visão a esta mulher, que é a vida de meu irmão, e jun-
tos pagaremos ceitil por ceitil tudo o que devemos!

Nisso, apareceu uma luz radiante, e Sabarana voltou a enxergar.


Eis porque Dubaly fez aquela cura: Jesus de Nazaré modificara seu co-
154

ração, de verdade mesmo, pois não sentiu revolta contra Jesus. O seu
amor e a sua confiança eram tão grandes que não vacilou. Então, Jesus
Página

o ouviu e a curou.
Por que não ser como Dubaly e Reilli?

Sentir o seu amor e confiar, ter confiança. Jesus de Nazaré nada


pede, nada exige. Nada pediu ou exigiu daqueles dois brutos e, no en-
tanto, eles o sentiram tanto, tão profundamente, a ponto de curar Sa-
barana. Dubaly se apaixonou pela bela Doragana. Porém, continuaram
sua jornada. Sim, filho, é preciso muita confiança em Cristo Jesus. Sem
nada oferecer a ti mesmo, receberás a Luz do Santo Evangelho!

Lembra-te, filho: o grande ciclo vai-se fechar. Horas chegarão da


tua individualidade. Continue amando em teus encontros sinceros. Viva
os teus desejos, as tuas paixões, porém em uma só filosofia:

Ser honesto contigo mesmo!

Farás, filho, tudo o que quiseres na força da cura desobsessiva.

Salve Deus, filho! Quantas vezes pensei em te ver na figura de


Reilli e Dubaly! Porém, minha esperança não morre... Quantas vezes
morro, aos pouquinhos, ouvindo um filho dizer:

- Vou deixar a Corrente. Minha vida está muito mal. Vou deixar a
Corrente! Trabalho, trabalho, e não tenho coisa alguma!

Eu sofro ao ver tanta incompreensão. Deixam milhares de so-


fredores esperando - as suas vítimas do passado - e não esperam nem
mesmo a bênção de Deus para serem felizes!

No primeiro impacto, deixam de acreditar até mesmo em sua


155

individualidade, sem dar tempo para receberem as pérolas dos anjos e


dos santos espíritos, que são a recompensa do trabalhador.
Página

Cuidado, filho. Siga o exemplo de Reilli e Dubaly!


“Nada na vida acontece sem o despertar de um poder!”

156
Página
O FILÓSOFO DOS ABATÁS

Meu filho, a grandeza de Deus não tem limites. Vivemos na vida


iniciática, e juntos atravessamos com nosso plexo, quando sabemos
distribuir para o socorro final. É meu filho, porque vivemos a última
página que marcará a Nova Era. Tudo poderemos e saberemos fazer,
porque Deus está conosco. É o que está fazendo você, meu filho, meu
Mestre JANARÃ, levando todos os seus componentes aos conhecimen-
tos do homem em sua jornada.

Vivemos uma vida e simultaneamente a outra, porque estamos


a receber nesta mensagem, as primeiras comunicações do que será
esta passagem para o III Milênio. Sim filho, a maneira como você vem
conduzindo seu ADJUNTO me dá satisfação, a satisfação que o homem
se esclareça do evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo, e é o que você
vem fazendo com o seu ADJUNTO. Me faz crer filho, naquele HOMEM
que HUMARRÃ me contou a sua história:

Naquela Era, que homens santos encaminhavam as suas falan-


ges...

Era lindo de se ver enormes ABATÁS, evangelizando, curando,


emitindo ao longe seus eflúvios curadores... eram essa espécie de AD-
JUNTOS, bem preparados, e que naquele lugar; concentrados, unidos;
as multidões aguardavam.

Para ali se dirigiam, filósofos, fidalgos, curiosos e depois de me-


ses naquele lugar, ESPIRITUALIZADOS... O fato é que chegou o dia da
157

partida daqueles missionários. O nosso filósofo, sentado naquela grama


macia, feliz de sua bênção, ainda na concentração daqueles trabalhos;
Página

observava os que partiam, já sentindo saudades daqueles que tanto


tocaram seu coração, e que seguindo ao longe ainda acenavam suas
mãos. O filósofo percebeu então, que alguns OUTROS haviam ficado, e
dele se aproximando, ao seu lado se sentaram; então, o nosso filósofo
lhes perguntou:

- NÃO IRÃO COM ELES?

- NÃO! Foi a resposta geral.

- AINDA NÃO NOS ESPIRITUALIZAMOS. IREMOS PROCURAR AL-


GUÉM QUE NOS PREPARE; E O SR. MESTRE, NÃO IRÁ COM ELES?

- NÃO! Foi também a resposta do filósofo.

- MEU IDEAL É OUTRO.

Neste instante então, o filósofo levantou os braços para o céu e


perguntou àqueles que estavam em seu REDOR se confiavam nele; se
confiassem, teria prazer em ACOMPANHÁ-LOS.

Eles responderam que confiavam nele. E todos o seguiram; e


confiaram nele.

O filósofo então foi formando o seu ABATÁ. Prepararam os RI-


TOS da CURA, aprenderam a formar o seu SOL INTERIOR, e continuaram
uma grande obra: A EVANGELIZAÇÃO

E o filósofo dizendo sempre que no futuro seu ideal seria outro;


mas não contou o tempo certo... a alegria de ensinar... não viu que já
estava na hora da volta do mestre... o mestre voltou! Daquele ABATÁ
sorria de felicidade, sorria dizendo que aquelas sementes haviam cres-
158

cido.
Página

A felicidade de ensinar e a felicidade de saber.


Novamente chegou a hora das despedidas. Todos rogaram para
que o filósofo ficasse. Porém, o filósofo não ficou. Voltou feliz para sua
origem. Feliz, por ter cumprido a sua missão com aqueles INDIANOS,
sabendo que iria promover novos ABATÁS em sua ORIGEM.

NELSON, Meu Filho, confiaram no MESTRE, naquele FILÓSOFO,


porque neste mundo ninguém engana ninguém.

159
Página
“Quando Pai Seta Branca estava aqui na Terra ele disse que chorou mui-
to, muitas vezes, de ver esses elítrios, estes espíritos arraigados no ódio
obsediando as pessoas, destruindo as pessoas.
O Pai Seta Branca... Ele tem mais compaixão do elítrio que está em você
do que no seu sofrimento.”
160
Página
A VIDA DE PAI SETA BRANCA

Meus filhos, uma coisa muito importante!

Nós falamos sobre Pai Seta Branca, e são poucos os que sabem
da vida de Pai Seta Branca.

Pai Seta Branca foi um, Pai Seta Branca foi um espírito sempre
missionário. Quando foi depois, depois da partida dos Jaguares, no, na
Terra, no lago de Titicaca, onde os Jaguares mais atuaram, depois da
partida deles pra Capella, que os Jaguares viveram, terminaram a mis-
são, quando, quando, Salve Deus!

Então eles voltaram e o Pai Seta Branca voltou, mas sempre co-
mo um missionário, sempre o Pai Seta Branca foi um espírito evoluído.
Ele sempre teve missão, ele sempre teve missão na volta dos Jaguares.
Sempre onde nós estamos, o Pai Seta Branca sempre é o Patrono, é o
nosso Patrono, é o nosso Cacique. Depois da, destas encarnações, Es-
parta, da Grécia, do Egito, de Roma, nós tivemos algumas encarnações
na França e em outros, em outros países também, muitos, diversos,
mas encarnações que daí a alguns anos quando nós começávamos a
entender depois de alguns anos, ia se juntar ao grupo onde Pai Seta
Branca mais atuava, como agora, muitos estrangeiros, outros que nas-
ceram em outros países, tão vindo pra cá, tão se unindo e não vão ficar
sozinho, nunca ficou. Sempre vai se unir ao grupo pra se fazer alguma
coisa. Então depois de todas essas encarnações, vivemos muito como
ciganos, e nos afirmamos muito como ciganos, grupo ciganos, até hoje
lá em Esparta se fala ou grupo de Esparta ou grupo Cigano. Então o Pai
161

Seta Branca veio como Cacique de uma tribo, de uma tribo... na Bolívia,
na Bolívia, e todos nós nesta época vivemos esta tribo.
Página
Ele veio com a missão outra vez de espírito espartano de civilizar
a Bolívia e a tribo, dos Incas néh! Então a missão maior dele foi... Salve
Deus! Mas a missão de Pai Seta Branca foi nos ensinar o poder das for-
ças mediúnicas na força de Deus. Ele veio justamente quando os espa-
nhóis, os espanhóis vieram tomar, vieram tomar... vieram tomar o, a
capital, os Incas, Salve Deus!

Então, então foi nos dias que os espanhóis iam tomar, ia invadir
os Incas, eu seu que o chefe Inca, mandou, foi lá pedir ao Pai Seta Bran-
ca, foi pedir à Pai Seta Branca as forças e os soldados do Pai, os guerrei-
ros e o Pai Seta Branca foi...

Todo mundo se admirou, porque o Pai Seta Branca sofreu um


acidente, uma cobra mordeu o pé dele e o pajé, o pajé da tribo curou,
mas eles receberam de Deus, eles, Deus não quis que o Pai Seta Branca,
ele também, não sei também qual é a missão dele, que o pé dele conti-
nuasse a doer, ele, onde ele estava ele sentia dor, ele dizia: - Bendita
dor... que estava evoluindo um resto de carma de alguma coisa que ele
havia feito, então, naquela encarnação! De forma de que, quando ele
foi com um exército de 800 índios, e todos armados de arco e na hora
de sair um índio deu a ele uma seta, uma flecha de marfim, então bati-
zaram ele como CACIQUE GUERREIRO SETA BRANCA, porque a seta
dele era diferente dos outros. Ele ficou muito feliz com esse, esse pre-
sente, e ele mandou fazer, mandou fazer um, como é que fala “pare-
dão”, mandou fazer uma, cercar, cercar o lugar onde os espanhóis iam
entrar ali na cidade. E quando eles vieram, o Pai Seta Branca disse aos
índio que não atirassem, somente quando ele mandasse. E os espa-
162

nhóis vieram mesmo, armados, naquela carreira louca deles, já gritando


guerra lá.
Página
O Pai Seta Branca levantou a seta e naquela, essa mesma, essa
cerimônia que vocês fazem assim com a espada, Pai Seta Branca fez
com a seta e disse à Deus: TUPÃ, que, que aquela seta jamais seria ima-
culada, que jamais seria maculada e que o sangue dos seu irmão não
seria derramado enquanto ele vivesse ali junto aos Incas, e os espa-
nhóis vieram e os índios se concentraram na seta. Porque, se vê a téc-
nica dele néh! Tudo tem que ter alguma coisa. Ele levantou a seta e
gritou!

E os índios podiam se acovardar se tivessem olhando o inimigo


chegando néh! Mas todos eles se viraram pra seta esperando que ele
jogasse, fizesse alguma coisa.

Mas ele a tirou e levantou a seta pro céu e naquela concentra-


ção as forças vieram do Céu e muitos dos espanhóis, inclusive Tião, que
tava na frente comandando, teve um susto muito grande que o cavalo
dele caiu, se ajoelhou de frente aquele exército selvagem, e Tião não
teve forças pra voltar, disse ele, sentiu-se tão infeliz que quis ser índio,
e se escondeu lá por acaso de vergonha e ficou escondido por lá e to-
dos aqueles espanhóis recuaram.

E durante o tempo que o Pai Seta Branca viveu, ninguém mexeu mais
com os Incas. Depois é que vieram e voltaram e tomaram mas. A pri-
meira vez, até na história tem, os Incas recuaram a primeira vez, os Es-
panhóis recuaram na primeira vez, mas nesta concentração, Salve
Deus!

Então quando terminou, o Rei Inca de uma força enorme, veio


163

com uma porção de ouro, com pedras preciosas e jogou nos pés do
Cacique, do Pai Seta Branca e ele mandou tirar depressa aquilo dali e
Página

que não repartisse com os soldados dele, com os índios, porque, por-
que aquilo queimava. Ele queria era que os Incas matassem vitelas e foi
feito um grande jantar, a noite inteira dançaram, foram buscar o resto
da tribo e eles fizeram uma festa muito grande junto com os Incas...
(Extraída de aula gravada em fita K7 por Tia Neiva).

A saber: 14 de Fevereiro, alguns anos depois, Pai Seta Branca


vem a desencarnar e regressar mais uma vez ascensionado para os pla-
nos espirituais, havendo grande comemoração na Terra e no Céu. Há
este dia rendemos reverência e graças à Deus...

DIA DE PAI SETA BRANCA

“Pai Seta Branca prometeu a Jesus, que havia de nos unir, de nos
ensinar, de esclarecer, pra poder a gente sentir muito amor, como a-
gente está sentindo! Somente pra defender estes elítrios, tudo se resu-
me nestes elítrios.” Tia Neiva

164
Página
“A nossa responsabilidade é grande demais pelo compromisso
que assumimos nos Planos Espirituais, para sermos o socorro final
nesta Nova Era.” 165
Página
O RICO GARIMPO

Meus filhos, Salve Deus!

Um velho lavrador, após criar sete (7) saudáveis filhos, sentiu-se


às portas da morte e, qual não foi o espanto dos filhos, pois a confiança
total que esse pai lhes dava era tão grande quanto o seu amor.

FILHOS! Disse enquanto os rapazes choravam.

NESTA GRANDE QUINTA EXISTE UM TESOURO ENTERRADO, DOS


VOSSOS ANTEPASSADOS. QUERIA DESENTERRÁ-LO QUANDO VOCÊS
ESTIVESSEM MAIS CRESCIDOS, PORÉM, AS MINHAS FORÇAS SE ACA-
BAM; ADEUS, É O QUE DEIXO PARA VOCÊS.

Os jovens, unidos, começaram a furar aqui e ali, aqui e ali, até


que afofaram toda a terra e nada encontraram. Então, para não perde-
rem, semearam-na seguindo seu pai. A terra estava tão fértil que tudo
nasceu em abundância. Na colheita o tesouro ficou descoberto. Os ir-
mãos, unidos pelo trabalho, fizeram a partilha com amor. Se somares
com amor as sementes condensadas nestas páginas, descobrirás os
tesouros dos nossos antepassados!

166
Página
“Não peço disciplina, porém harmonia e dedicação do espírito
espartano que sabe marchar para a Vida e para a Morte com o mesmo
esclarecimento do Espírito da Verdade!”
167
Página
OS TAMBORES DE ESPARTA

Quando Pytia (Encarnação de Neiva), saiu de Delfos e foi ao en-


contro dos Reis de Esparta, o fez motivada pela sentença que os sobe-
ranos espartanos haviam dado a um casal de Reis, subordinados à Es-
parta, que, por não terem filhos, seriam executados para que dessem
lugar a outra dinastia.

Pytia, em sua clarividência, viu o quadro e partiu em socorro da-


quele jovem casal, enfrentando todo o povo, que era o único na Grécia
a não aceitar o DEUS APOLO. Chegando a Esparta, onde já eram conhe-
cidos fenômenos a ela atribuídos, foram-lhe colocadas “Atacas”.

Desafiada pelos Reis perante o povo, para que demonstrasse


sua força, Pytia fez com que todos os tambores da tropa rufassem, para
espanto geral; E, reconhecendo os poderes da pitonisa, os Reis conce-
deram clemência aos condenados, que partiram para o exílio e, locali-
zando-se em um castelo solitário, passaram a se dedicar à cura daque-
les muitos necessitados que vagavam pela estrada. Daí a origem da
CRUZ DO CAMINHO.

Em nossa ritualística podemos encontrar duas representações


históricas a cerca desta passagem nas seguintes Leis:

• Oráculo da Cruz do Caminho

• Cabala do Turigano
168
Página
“Sofremos o impacto da Vida e da Morte.”

169
Página
A PRECONIZAÇÃO DE TIA

Salve Deus!

Depois de ter sido internada várias vezes Tia Neiva sempre con-
trariava as previsões médicas em relação ao seu estado de saúde. Certa
feita Dr. Iton de Barros chamou a família de Tia Neiva e lhes disse:

- Leva-a daqui! O que a ciência podia fazer já foi feito! Quem sa-
be seus Mentores poderão fazer algumas coisa.

E assim aconteceu levavam-na para o Vale e logo ela estava de


pé novamente e dando atendimento aos encarnados e desencarnados.
Como Clarividente e Mãe, ela estava atenta a tudo; vez por outra, al-
gum espírito amigo lhe narrava alguma situação que seus filhos estari-
am passando. Nisso também se inseria a possibilidade de desencarne.

Havia um “Doutrinador” o qual a espiritualidade havia lhe aler-


tado que ele não poderia sair da área do Vale, pois seu quadro era difí-
cil e as cobranças também estavam bastante acentuadas.

Tia o chamou e deu lhe o aviso.

Também havia colocado um outro a de certa forma vigiá-lo.

Numa dessas quartas-feiras de 1985, o Mestre que ficara res-


ponsável pela guarda de nosso doutrinador vai procurá-la no sétimo e
lhe diz:

- Tia, o Antônio (nome fictício), acabou de sair para o lado de


170

Planaltina!
Página
- Éh meus filhos! Fazer o que... eu pedi a ele que não saísse! E
ele não vai voltar mais. Respondeu a Clarividente fitando os olhos no
horizonte...

O Mestre Paulo Pessoa que ficara com a responsabilidade de


guardar “Antônio” ficou pensativo e foi para o trabalho oficial.

A noitinha chegara a notícia!

Antônio se envolvera em um acidente nos arredores de Planalti-


na e havia desencarnado. O mais incrível acontecera nos bastidores do
mundo espiritual vivido pela Clarividente onde no momento de seu
desencarne Antônio havia se deslocado do corpo e ido até a Clarividen-
te solicitando sua vida terrena de volta.

A resposta de Tia Neiva:

- Meu filho volte para seu corpo, pois não há mais o que fazer!

Agradecimento Especial ao Mestre Gilmar - Adelano, pela lem-


brança, esta que engrandece nossa busca por PEQUENAS HISTÓRIAS DE
TIA NEIVA.

171
Página
“Cada criatura recebe de acordo com o que merece!”

172
Página
O CORDÃO DE OURO

Paulo, era um jovem médico que perdera sua filha de apenas o i-


to anos. Vivendo pelos cantos, desesperado, pois apesar de ser um Ja-
guar não acreditava verdadeiramente na vida fora da matéria e por isto
sofria terrivelmente a perda de sua filha. Costumava passar horas com
sua esposa outras vezes em lugares escuros.

Certo dia , uma fami ́lia espi ́rita na qual Paulo nunca acreditara ,
ensinou-lhe o que fazer um pequeno ponto de força:

Uma pequena mesa forrada de branco,

Um copo com água,

Um pequeno jarro de rosas (de que a menina tanto gostava).

Ali ficaram, à espera do que poderia acontecer...

Súbito, ouviu-se um soluço e , logo depois, a vozinha esperada,


que disse:

“Paizinho, vim buscar meu cordãozinho que o senhor me deu


quando nasci! Sim, pai! lhe vejo todos os dias , quando está pensando
em mim!...”

Sim, filha!

- disse o homem, que até então não acreditava


173

- Vou buscar. Está no cofre...


Página
“Não, pai! o cordão já está no meu pescoço e o senhor não o en-
contrará mais ! Voltarei, paizinho, para este lar tão logo me permita
Deus!”

Paulo foi depressa ao cofre e realmente não encontrou o cotado


cordãozinho de ouro.

Só ele sabia que ninguém poderia abrir o cofre, pois somente


ele detinha a chave e quatro anos depois daquele ritual, uma linda me-
nininha de dois anos de idade lhe perguntava:

“Papai, onde está o meu cordãozinho?”

E, segurando forte a sua mão , o levou até o cofre . Ela batia as


mãozinhas, dizendo:

“Abre! Abre!”

Paulo abriu o cofre e lá estava o cordãozinho , do mesmo jeito


que o deixara, inclusive com um pequeno coração , também de ouro , e
que acompanhava o cordão . Ele conservava a marca do dentinho por
uma mordida que fora dado pela menina. Enquanto ela gritava:

“Dá, dá, é meu!”

Paulo, trêmulo, beijava a pequerrucha, dizendo:

“Oh, meu Deus ! Devolvestes a minha filha ! Não tenho


dúvidas...”
174

Paulo passou o resto de sua vida fazendo rituais , para achar e


explicar a constituição da consciência.”
Página
Página 175
CICLO 2 (EMPLACAMENTO)
19) O Balão do Adeus Pág. 178
20) A Garota Pingo d’Água Pág. 181
21) O Sofredor na Mesa Evangélica Pág. 184
22) Zé Ratinho Pág. 187
23) A Adúltera Pág. 190
24) O Mestre Jacó Pág. 196
25) O Suicida Pág. 202
26) A Bênção do Papa João Paulo II Pág. 208
27) A Palhinha da Bênção Pág. 211
28) A Lojinha do Amanhecer Pág. 213
29) Morte com Hora Marcada Pág. 215

176
Página

Boa Leitura!
“Deus fez o Homem para viver cem anos neste mundo
e ser feliz no livre arbítrio.”

177
Página
O BALÃO DO ADEUS

Eu acho que tive um sonho...

Mas não me lembro exatamente da música que tocava, talvez


por isto tenha acordado esquisito tentando olhar para o além do espe-
lho, para muito além dos ladrilhos do banheiro, com o olhar vazado, o
dos SANTOS, dos sossegados, daqueles que deram por finda a busca!

O olhar de TIA NEIVA.

Acho que foi isso! Sonhei com ela, não exatamente com ela, mas
em algum lugar do delírio ela passava arrastando o manto, com aquela
BELEZA DE RAINHA.

TIA NEIVA era bela, eu achava!

Certa vez, eu estava filmando em Brasília e fomos todos ao VALE


DO AMANHECER. Eu, Lucélia Santos, Laurinho Corona, Daniel Dantas,
Luise Cardoso, Chico Diaz, uma turma... Havia muita gente por lá; Inici-
ados que usavam roupas coloridas, visitantes, gente de toda e por toda
a parte. Ficamos ali, filmamos ali, assistimos parte do culto e eu trago
viva a imagem dos SACERDOTES que vibravam à volta de um lago em
forma de ESTRELA. A imagem nunca se apagou de minha mente, era
bonito! Havia uma brisa que encrespava as águas da Estrela e ela refle-
tia as cores, misturando tudo num emaranhado sem fim. O lago assim,
era lilás, rosa, amarelo e dourado. Na verdade depois de minutos de
miração, não era mais um lago - ERA A AURORA BOREAL - que mergu-
178

lhava nas águas do cerrado. Nós ficamos sentados numa pequena coli-
na naquela tarde, respeitosamente assistindo ao culto e à emoção, era
como o vento nos cabelos, uma carícia, um sopro de vida, quase um
Página

adeus!
Os Iniciados pediam a FORÇA DO JAGUAR...

Mais de 10 (dez) anos depois eu me flagro também pedindo a


FORÇA DO JAGUAR e me pergunto, nesta solitária manhã:

- Se o JAGUAR sente o que eu estou sentindo... se ele é imune a


esses tolos sentimento humanos?

Ah! leitor, se isso pudesse acalmar o fogo das entranhas, que vi-
esse então, esta FORÇA, que inundasse meu peito de serenidade, que
apagasse todo e qualquer vestígio de angústia e de saudade...

TIA NEIVA nos recebeu.

Ela tinha, se não me engano, um problema grave no pulmão e


falava com dificuldade - UM FIO DE VOZ - mas o olhar inesquecível.

TIA NEIVA olhava além, muito além, e seu rosto era uma másca-
ra impenetrável!

Após alguns minutos de conversa, eu fui percebendo que, por


trás da FORTALEZA havia outra face, a FACE DA TRISTEZA. E então, en-
tendi o porquê TIA NEIVA via, não queria ver, mas via e sabia.

179
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“O Homem sempre sabe o que tem ao seu redor.”

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A GAROTA PINGO D’ÁGUA

Salve Deus!

Precisamos, nesse instante, harmonizar os nossos pensamentos,


para que, mais uma vez, seja feita a vontade de Deus no Pequeno Pagé.
Hoje, são pequeninos, porém amanhã serão ilustres homens, e com a fé
cristã, levarão essa Doutrina à suprema divulgação, que Pai Seta Branca
merece.

Meus filhos, Meus Pequeninos Pagés!

Esta semana eu recebi umas notícias que não gostei muito. Eu


soube que um menino estava muito mau criado com seus pais, e não
quis ir para a escola. Eu fiquei muito triste e me lembrei de uma história
que ouvi contar. Lá para as "bandas", lá num canto do mundo, existia
uma mulher chamada Faustina. Essa mulher não gostava de crianças.
Salve Deus!

Então, ela fez tudo para pegar as criancinhas. E como nessa ci-
dade tinha uma menina muito levada. Chamavam-na de “Gota d'Água”.

Essa menina não parava! Ela saia só para fazer malvadeza com
os pobrezinhos. Ela saia por lá, naqueles cantos da rua, atirava pedras
em todos em todo pobrezinho, velhinho que ela achava e fazia suas
malvadezas. Depois, chegava em casa chorando, que as pessoas batiam
nela... ia reclamar que... e os pais ficavam zangados e iam brigar por
causa dela. Havia sempre uma queixa, e ela sempre prevenida para
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estragar a vida de alguém. Certo dia, aconteceu uma coisa, o que não
podia se evitar. Pingo d'Água foi tomar banho num córrego e morreu
afogada... morreu afogada e todo mundo ficou chorando por causa
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dela. Ai ela deixou o corpo dela e saiu correndo... e foi andando, an-
dando, até que viu uma luzinha... parou e perguntou. Bateu na porta e
saiu um velhinho.

- Ah, é você! Salve Deus! Ai, eu estou com muito frio e queria
me agasalhar.

- Não - ele disse - aqui não! Você foi aquela menina que me ati-
rou uma pedra.

E assim, todo lugar que ela chegava, ela encontrava alguém que
reclamava uma coisa dela. Até que ela saiu correndo e ficou com medo
de parar em algum lugar, com medo que alguém prendesse ela. Pingo
d'Água não tinha lugar para ficar! Ela ficava vagando, subia naquelas
montanhas, descia... até que um dia ela encontrou! Ela ouviu uma voz
chamando ela. Era a professora dela. Ai a professora falou com ela, e
ensinou o caminho onde ela teria que ir, e disse:

- Olha, Pingo d'Água, você foi uma menina muito mau criada,
mas sempre foi bem aplicada na escola, por isso você vai encontrar o
seu caminho. Ai pegou ela pela mão, e levou ela numa cidade linda,
linda, linda! E ela vive com os Anjinhos até hoje, mas ela sofreu muito.

Salve Deus!

Que Jesus abençoe vocês, meus Pajézinhos, e procurem ter um


bom comportamento, porque, às vezes, você pode sonhar e sofrer mui-
to com sonhos. Um menino bem aplicado é sempre feliz. Salve Deus!
Salve Deus, meu Pajézinho! Boa sorte! E espero que vocês sejam muito
feliz. Se você for obediente para seus pais, e você respeitar este Pajézi-
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nho, vocês vão ser muito felizes na vida.


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Salve Deus e que Deus abençoe!


“Só tomamos conta de nós nas coisas que caem em nossa individuali-
dade, que remoemos junto ao coração.”
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O SOFREDOR NA MESA EVANGÉLICA

Tocou a sirene outra vez...

Eu voltei e entrei no Templo, indo parar na mesa branca. Enxer-


guei luzes, muitas luzes, que desapareceram de repente, ficando nova-
mente a luz lilás. Olhei aqueles médiuns ali sentados e não vi Pai Jacó. E
antes que pensasse, senti um forte safanão e fui atirado em um apare-
lho, um homem. Comecei a chorar com todas as minhas forças.

Meu Deus! Onde estou, para onde irei? - pensava.

Essas perguntas me torturavam e fiquei irritado. Dei um grito.

Um Doutrinador me explicou:

“Que tens, irmão? Calma! Este corpo não é seu. Comporte-se di-
reito.”

Senti uma grande vergonha e voltei a chorar.

O Doutrinador continuou:

“Quando estavas neste mundo, nada fazias. Agora, precisas sa-


ber que este corpo não é teu.”

Quis dizer: Pai Jacó me proteja, pelo amor de Deus! Então, me


aconteceu um fenômeno...

Ouvi Pai Jacó me dizendo:


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“Filho, estás com Deus! Se receberes a doutrina desses médiuns,


que estão te dando esta oportunidade, partirás para outros mundos!”
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Aquelas palavras foram caindo em mim como o orvalho cai so-
bre a flor.

Pai Jacó, meu paizinho, não me desampare!

Enquanto eu me preparava, o médium se contraía pelos maus


fluidos da desencarnação recente, que hoje eu entendo tão bem! De
repente, me desprendi dos meus benfeitores e passei pelo processo da
verdadeira desintegração. Fui jogado para uma estufa que se ligava aos
meus benfeitores. Saí e, então, avistei uma cidade diante de meus o-
lhos.

Foi quando me dei conta de que havia morrido!

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“Cada indivíduo imprime certa modificação à sua aura, de conformida-
de, também, com suas necessidades de como ou onde vai reencarnar.”

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ZÉ RATINHO

Somos muito realizados nesta Doutrina, Salve Deus!


E por isso, talvez, muitos de vocês se empolgam nestes conhecimentos
e começam a insistir com as pessoas para se desenvolverem. Eu até não
me importo! Então, depois, começo a me recordar desses erros que eu
também já cometi. Quero alertar vocês, quero explicar para que te-
nham muito cuidado:

Cortem esses convites! São muito perigosos e nos trazem, inclu-


sive, perigos pessoais, atrasos. Em 1960, quando eu iniciava meu mes-
trado no Tibet, me apareceu uma família: uma viúva com um filho de
25 anos, mais ou menos, que bebia muito, casado e com dois filhos.

Eu achava – como vocês – que o Homem só se realiza quando se


desenvolve.

E pronto!

Comecei a insistir com aquela família para vir desenvolver aqui.


Entre outras coisas, disse-lhes que o rapaz, com o desenvolvimento,
ficaria bom. E ele ficou muito ligado a nós, e todos começaram a se de-
senvolver. Um dia, vi o quadro do rapaz: em mais ou menos um ano ele
ia morrer! E então me arrependi de tê-los trazido para a UESB. Mãe
Nenê era quem se encarregava, com todo o amor, de doutrinar aquela
família. E o rapaz – o Zé Ratinho, apelido que tinha desde criança – ia à
UESB por brincadeira. Mas deixou de beber.
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Ele ia à UESB para ficar na “rodinha”, totalmente sem sentimen-


tos, sem qualquer coisa. Um dia, um telegrama: o rapaz fora jogar bola,
em Belo Horizonte, e morrera com um mau súbito.
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Foi um choque terrível para todos, mas eu já esperava por isso.
A reação da mãe é que me surpreendeu: começou a se lastimar, dizen-
do que aquilo era castigo, porque haviam sido sempre tão católicos e
agora não eram mais… haviam matado o seu filho querido por se torna-
rem espíritas! E isso durou muito tempo. Diziam, me culpando, que
aqui só existia feitiçaria e tudo o mais. E eu tive a maior decepção do
mundo com minha assistência àquela família. Certa vez eu estava no
Canal Vermelho quando ouvi uma voz chamar:

– Irmã Neiva! – e me deparei com o Zé Ratinho. Nessa época,


todos me chamavam de Irmã Neiva. Ele falou:

– Oh, Irmã Neiva, graças a Deus! Por que não aproveitei mais?
Mas, por que Mãe Nenê não está aqui? Por que, por que não ouvi mais
Mãe Nenê? Ela com aquela doutrina dela…Enjoada, né? Enjoada… mas
graças a ela que estou recebendo uma luzinha aqui! A senhora está
boa, né, Irmã Neiva?

Então vi que ele jogara fora tudo o que eu tinha feito, todo a-
quele sacrifício. O que valera a ele, afinal, tinha sido a doutrina de Mãe
Nenê! Fiquei decepcionada. Eu, que fizera tudo de bom (que naquele
tempo eu pensava), via que a única coisa boa fora a doutrina de Mãe
Nenê.

Mãe Tildes foi me dar uma explicação:

– É mesmo, filha. O Homem só sente, só é atingido depois que


nasce quando ele tem qualquer convicção da vida fora da matéria,
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quando ele tem vontade…

E Mãe Tildes me explicou que minha missão aqui é esclarecer ao


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Homem a Doutrina, mas no coração e na mente.


“A alma humana é o produto da evolução da força
através do reino de sua natureza.”

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A ADÚLTERA

Salve Deus!

O dia começava a clarear na Terra e a Clarividente apressava sua


volta ao corpo, após longo tempo de permanência nos planos invisíveis.
Fizera mil coisas, estivera em muitos lugares e recebera valiosas lições.
Em seu coração e sua mente pulsavam as inúmeras preocupações rela-
cionadas com sua missão na Terra. No momento pensava no retorno ao
corpo que dormia, a tempo de retomar as tarefas do dia a dia.

Habituada as caminhadas fora do corpo, mal percebia as fantás-


ticas nuances de tempo e espaço; às vezes andava, outras volitava e se
transportava em frações de segundo. Tempo e Espaço, Entidades de
Luz, Espíritos Sofredores, tantos enredos; às vezes sentindo-se tão
grande e às vezes pequena...

Pensou que estava na Terra mas estranhou o ambiente. As árvo-


res eram simétricas, as ruas e casas pareciam feitas de plástico e o am-
biente variado. Pessoas se movimentavam, mas tudo parecia irreal, nas
cores, na iluminação e nos movimentos. Percebeu então que não era
notada e sentiu certo alívio. Sua mente ágil já se reajustava à nova situ-
ação. Concentrou-se por breve instante e logo sentiu a emanação de
Amanto, cuja presença a colocou de imediato em estado receptivo.
Amanto era o velho amigo de Capela, o guia de tantas viagens, um dos
Mestres mais constantes a mantê-la atualizada em sua luta doutrinária.
Despertou sua atenção uma longa fila de pessoas que se movia lenta-
mente e cuja frente se perdia na distância. Ia interrogar Amanto a res-
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peito quando ouviu gritos de uma mulher que clamava algo em voz
alta. Pelas palavras proferidas, Tia Neiva entendeu que ela se referia ao
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marido e que este estava para chegar. Chegar aonde? (Questionou à
Amanto)

- Ao CANAL VERMELHO, Neiva.

- CANAL VERMELHO?!

- Sim, Neiva, o CANAL VERMELHO, onde você e eu nos achamos neste


momento.

- Mas onde estou, na Terra?

- Sim, na Terra, na sua camada etérea, no invisível do planeta,


no mundo dos espíritos desencarnados que ainda não tem condições
de chegarem às Estrelas ou ao Planeta Mãe.

- E essa fila, para onde vai?- Vai para o embarque. São espíritos
que não precisam mais permanecer aqui, que já se conscientizaram de
sua condição de espíritos desencarnados; completaram seus reajustes e
vão agora para as casas de recuperação, de refazimento.

- Mas esses espíritos não tem evolução?

- Não muita. Na verdade eles vem aqui apenas para completar o


seu tempo e receber alguma disciplina.

- É lindo este lugar (Exclamou Tia), olhe que casas bonitas; e a-


quelas árvores? Aquilo que estou vendo pendurado nelas, o que é aqui-
lo?
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- São Placas Doutrinárias, uma espécie de sinalização. Podería-


mos, talvez, compará-las com aquelas advertências de trânsito das es-
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tradas da Terra, embora não sejam realmente isso.


A Clarividente teve sua atenção novamente despertada pelos
gritos da mulher que recrudesciam. Pelo que pôde deduzir das palavras,
ela maldizia à Deus por permitir que o marido viesse para o Canal Ver-
melho ao invés de ser enviado ao inferno.

- Mas Amanto, que coisa esquisita! Como é possível isso?

- Sim Neiva, isso é perfeitamente possível aqui, pois é o melhor


lugar para esses acontecimentos, aliás ele foi criado para isso. Não es-
queça que o espírito só se acalma quando se vinga. Essa mulher foi as-
sassinada pelo marido que pegou em flagrante com outro homem. Co-
mo você bem sabe, isso na Terra é um ultraje, uma ofensa grave. Natu-
ralmente ela se sentia justificada no que fazia e a morte brusca a dei-
xou sedenta de vingança. Daí a sua presença aqui no Canal Vermelho,
onde as paixões ainda vibram mas tendem a se extinguir.

- Mas porque aqui e não em uma casa transitória, num hospital


do espaço? Não é para isso que foram feitas as casas transitórias?

- Aqui também é uma casa transitória Neiva! Só que tem condi-


ções técnicas especiais. Este canal tem comunicação direta com o plano
físico, o que permite a transferência do ectoplasma humano diretamen-
te por seus portadores. Com esse fluído os reajustes podem se comple-
tar em condições muito semelhantes aos da Terra física.

- Você disse "diretamente", como explica isso?

- É simples Neiva, os médiuns ativos quando vão dormir se


transportam para cá e trazem com eles a preciosa energia mediúnica.
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Na verdade eles vêm para o canal quando na Terra é noite, e continuam


aqui as tarefas que iniciaram durante o dia.
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- Bem Amanto, você sabe que eu posso entender perfeitamente,
mas isso tem que ser explicado para nossos médiuns e eu gostaria de
mais detalhes, você sabe não? Afinal você é o professor e eu sou o
"burrão".

- Não Neiva! Você não é o burrão como você diz, acho que você
é mais um "burrinho" de Francisco de Assis... mas deixemos isso de
lado e vamos exemplificar (Continuou Amanto).

- O tempo do presente ciclo da Terra está quase terminando e


com isso todas as atividades estão sendo aceleradas. Milhões de espíri-
tos ainda têm que completar seus reajustes e a tarefa dos mentores
espirituais é imensa. Não existem na Terra trabalhos de passagem o
suficiente para dar conta de tanto espírito; a doutrinação é incompleta,
o ectoplasma não dá e o tempo dos trabalhos é curto demais. Por isso
os engenheiros siderais construíram canais como esse, particularmente
este canal se comunica diretamente com o Templo do Amanhecer.
Quando o doutrinador faz uma entrega e o espírito ainda não está
pronto para Mayante, ele vem diretamente para um dos departamen-
tos do canal. Na primeira oportunidade, que pode ser na mesma noite
ou algum tempo depois, o doutrinador vem completar sua doutrina. Ele
como encarnado, tem a capacidade de trazer consigo seu ectoplasma.
Devido a semelhança de ambiente, o espírito ainda se sente na Terra e
é mais suscetível de receber a doutrina. É por isso que o Templo do
Amanhecer trabalha 24 HORAS POR DIA, como vocês dizem.

- Quer dizer que o canal é uma extensão da Terra?


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- Num certo sentido sim, embora tudo aqui seja matéria etérica,
de outra natureza, outra dimensão. Mas, da mesma forma que na Terra
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física, as energias que suprem o canal são oriundas do Sol e da Lua.


Amanto calou e Tia percebeu nisso um sinal de que era hora de
voltar para seu corpo. Olhou mais uma vez o cenário e sentiu-se tocada
pela beleza do lugar. Mais uma vez ouviu a mulher que continuava a
gritar e pensou consigo:

- Meu Deus! Não é justo que o assassino seja colocado num lu-
gar tão bonito, num ambiente tão espiritual...

Naturalmente a mulher tinha consciência do lugar em que se


encontrava, e também achava injusto que seu próprio algoz fosse leva-
do para lá. Imediatamente lembrou-se da “Lei do Não Julgamento”,
reequilibrou o pensamento procurando olhar o assunto por outro ângu-
lo.

A mulher, também havia provocado aquela situação esquecen-


do-se de seus compromissos conjugais, provocando o marido a esse
extremo.

- É, pensou... NO FUNDO OS DOIS SÃO CULPADOS!

-Será que Tia já acordou?

A frase quotidiana de suas manhãs lembrou-a que já estava em


casa... Salve Deus!
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“O Chakra da Vida exige o equilíbrio da matéria. Sendo assim,
os nossos Mentores se preocupam com nossas profissões
e negócios, na medida do possível.”

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O MESTRE JACÓ

Salve Deus!

Na Terra era ainda madrugada, mas no Canal Vermelho as luzes


se sucediam produzindo climas tristes e alegres conforme as nuances. A
Clarividente sempre se extasiava com esse jogo de luzes que presencia-
va também em outros lugares do etérico. O fenômeno produzido pela
luz solar tinha alguma semelhança com as luzes que se projetavam nos
palcos dos teatros... Amanto chegou e depois de cumprimentar Tia afe-
tuosamente, foi logo dizendo:

- Venha, vou lhe mostrar as coisas que precisa saber a respeito


do Canal Vermelho. Vi como você ficou impressionada com aquele caso
de ontem.

- Realmente fiquei um tanto confusa - respondeu ela.

- Aqui vivem espíritos em trânsito - continuou Amanto explican-


do - As pessoas que não completaram seus programas na Terra.

Enquanto ele falava a Clarividente aperfeiçoava a noção de que


as coisas ali pareciam com as da Terra. As árvores porém serem todas
simétricas e a relva a fazia pensar naquela grama de nylon que se usa
em certos estádios. No meio da relva apareciam algumas flores amare-
las semelhantes as margaridas. Em meio ao verde azulado apareciam as
casas, verdadeiras mansões cujo colorido era estranho...

- Não se enleve muito Neiva! Seja natural e objetiva.


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A observação de Amanto quase a encabulou, porém acostuma-


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da como estava com esse tipo de disciplina, agradeceu e seguiram.


Aproximaram-se de um prédio maior em cuja fachada havia um
grande letreiro. Suas luzes apagavam e acendiam como nos luminosos
da Terra e nele se lia: “CREDO UNIVERSAL”. Como Amanto não a convi-
daste a entrar, Tia com facilidade projetou sua visão no interior e logo
percebeu que ali passava. Acostumada, porém, com a didática de A-
manto ficou na expectativa. Não demorou muito e notou que se forma-
va uma fila na entrada mas, que as pessoas permaneciam como que
indecisas. Para seu espanto o letreiro mudara como por encanto e se lia
claramente a palavra “UMBANDA”.

- São Umbandistas? - perguntou - E porque não entram?

- Sim - respondeu Amanto - São médiuns recém chegados da


Terra, médiuns Umbandistas que cometeram faltas contra as Leis da
Umbanda.

- Faltas? Que espécie de faltas?

- Comercializaram, negociaram sua mediunidade, e com isso de-


turparam essa doutrina tão bela que é a Umbanda.

- E agora, o que vai lhes acontecer?

- Agora vão sofrer um pouco; vão ser conscientizar, até que che-
guem seus cobradores para os reajustes.

- Reajustes? Como?

- Com as pessoas que lhes deram dinheiro, e com os Exus com


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quem trabalharam. Como você sabe, Neiva! Os Exus são um pouco pro-
duto da ganância dos seres humanos. As invocações e chamadas só
fazem aumentar suas forças. O médium que os invoca lhe dá oportuni-
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dade de se afirmarem nas suas metas e isso nada tem haver com a Um-
banda...

Enquanto Amanto falava, a Clarividente prestava atenção na in-


tensa atividade de espíritos que iam e vinham nos seus afazeres e mis-
sões. Subitamente tudo mudou, as cores ambientais, a atitude das pes-
soas, a paisagem; formou-se um ar de mistério e hostilidade palpável.
Tia teve medo e perguntou:

- Amanto, qual é a minha finalidade aqui?- Em todo lugar que


você estiver, Neiva, é sempre para emitir, para proporcionar.

Ela não entendeu e ficou na mesma, enquanto Amanto prosse-


guia:

- Acabaram de se libertarem de Pedra Branca três espíritos, e


esse é o motivo pelo qual eu a trouxe até aqui hoje. Veja, lá vem eles...

Das três figuras que se aproximavam da mansão, dois homens e


uma mulher, destacava-se a figura de um homem amorenado, aparen-
tando 50 anos e de semblante triste. Ele caminhava com ar inseguro,
olhando de um lado para o outro, como se estivesse coagido.

- Este homem - disse Amanto - foi um grande dirigente Umban-


dista, e toda essa mudança de ambiente que você percebeu, se deve à
sua presença aqui.

Fazendo eco as palavras de Amanto, ouvia-se o clamor de mui-


tas vozes que aclamavam o recém chegado com entusiasmo, contras-
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tando com o ambiente sombrio.

- E esses que estão com ele, o homem e a mulher, morreram


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juntos com ele?


- Não, o casal já desencarnou há algum tempo, ao passo que
"MESTRE" JACÓ fez sua passagem há apenas 8 dias.

De repente a mulher percebeu a situação e saiu correndo, e Tia


Neiva assustada gritou:

- Amanto, olhe! Acho que não há condições aqui para ela.

- De fato Neiva, a situação dela é bastante difícil. Ela enganou


Mestre Jacó, explorou demais a sua boa vontade. Fazia-se de vítima e
traçava o retrato do marido à sua maneira. Mestre Jacó deixou-se en-
ganar e, apesar de suas boas intenções acabou procedendo desones-
tamente. Essa atitude de uma falsa justiça provoca débitos cárdicos e a
vingança se torna imperativa.

Tia então perguntou como seria resolvido aquele drama e A-


manto lhe responde que cada um teria o que merece.

- A Justiça de Deus é feita - prosseguiu Amanto - mas é cobrada


por missão, esclarecendo e evoluindo ao mesmo tempo.

- Como se passou mesmo esse drama na Terra?

- A mulher, Tânia Maria, procurou Mestre Jacó e pediu que pu-


nisse o marido José. O romance que ela contou fez com que Jacó se
compadecesse dela. Na verdade Tânia e José estavam em plena fase de
reajustes cárdicos. As entidades cobradoras ali estavam, também em
plena atividade cármica. Jacó invocou os Exus e os cobradores fizeram o
resto. Se ele não abrisse o campo de trabalho, se não servisse de ins-
199

trumento o reajuste se faria dentro da normalidade cármica. Agora sou


eu quem lhe pergunto Neiva, o que você faria num caso desses?
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- Faria como sempre faço. Esses casos são muitos e eu, como
clarividente tenho muita cautela, procurando entender o problema de
um e de outro. Eu analiso o fato com Mãe Calaça e fecho os ouvidos
aos lamentos ou queixas. Depois de receber as ordens de Calaça eu
procuro ajudar a parte mais obsediada melhorando suas vibrações. Pai
Seta Branca sempre diz, que o homem quando é feliz ele é bom. Eu
então procuro proporcionar algo bom ao injustiçado, ou melhor, ao que
se diz injustiçado. Evito sempre uma posição emocional, pois o meu
juramento à Jesus não permite isso. Trabalho buscando o equilíbrio da
mente com o coração e, nesses casos, prevalece a mente.

- A intenção de Mestre Jacó - continuou a Clarividente - foi de


ajudar e foi muito boa. Mas ele sentia as pessoas pelo coração, deixan-
do-se impressionar pelo que ouvia e isso é perigoso. Até mesmo o mai-
or assassino, zombador das Leis, se considera um injustiçado e, além
disso, é perigoso julgar. Quando se está no meio de tão terríveis com-
plexidades. Antes de tudo a gente deve ver a nossa imensa responsabi-
lidade.

- É verdade Neiva! Sua evolução está sendo cada vez maior.

- Sabe de uma coisa Amanto? Às vezes tenho vontade de passar


um fecho na minha boca...

- Aí você pagaria por preguiça e egoísmo; continue como está


que vai muito bem.

Salve Deus!
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“Deixe que a luminosidade divina ilumine o teu ser. Feche os olhos físi-
cos e abra os olhos do espírito, para que Jesus possa entrar.”

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O SUICIDA

Salve Deus!

Pai Seta Branca, o Mentor da Doutrina do Amanhecer, sempre


adverte os médiuns, que não devem julgar, e muito menos tentar anali-
sar os nossos irmãos quando cometem erros. A Clarividente Neiva teve
a oportunidade de comprovar a mesquinhez do julgamento humano,
nesta passagem real da vida de um homem que se suicidara, chamado
Lúcio.

O caso começou num dia de consultas no Templo...

Depois de longa espera, e vencidas as dificuldades habituais pa-


ra chegar até a Clarividente, apresentou-se um grupo familiar composto
de uma senhora de uns 65 anos, sua nora e um casal de netos de 18 e
16 anos aproximadamente. A anciã apresentava um aspecto sofrido, às
vezes soluçando descontrolada. A mãe e os filhos olhavam em torno
pouco a vontade, no ambiente humilde e movimentado. A senhora
menos idosa tomou a iniciativa de explicar os motivos da consulta:

- Tia Neiva, viemos até aqui para a senhora nos ajudar. Desde
que meu marido se matou que temos sofrido muito, principalmente
minha sogra que não se conforma.

- É Tia (Interrompeu a velha senhora) - Não me conformo com o


suicídio de Lúcio. Me sinto culpada e me dói saber que ele não tem sal-
vação.
202

- Também não me conformo (Atalhou a viúva) - Eu e Lúcio viví-


amos tão bem, criávamos nossos filhos e nosso lar era respeitado. De-
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diquei toda a minha vida a ele e aos nossos filhos. Eu não merecia isso
que aconteceu: o Lúcio deveria ter tido mais consideração conosco,
principalmente comigo!

Diante daquela revolta e desabafo, Tia Neiva penalizou-se dela e


olhou para Calaça pedindo instruções. Pela expressão da Profetiza, Tia
percebeu que a história não era bem aquela; havia qualquer coisa de
errada, ela não era tão inocente assim.

- Eu também tenho sofrido muito (Disse o rapaz) - Meu pai sem-


pre teve muito amor por nós, mas afinal acabou demonstrando que não
gostava tanto da gente. Minha avó pensa que ele agora irá penar muito
no inferno. Eu não acredito nisso e sei que Deus não irá deixar; Ele era
bacana mesmo e me compreendia melhor que os outros. Eu vivia bri-
gando com minha mãe e ele sempre me repreendia por isso. Dizia que
filho que não respeita a mãe nunca se realiza. Ele era bacana mesmo,
não sei como foi tão fraco. O rapaz calou-se e a velha senhora continu-
ava soluçando. Tia procurou consolá-la explicando que eram restos de
carmas e que logo eles estariam bem.

- Como Tia Neiva? (Sua voz tinha um tom de reprimenda) - A se-


nhora não entende que ele se suicidou? que deu um tiro na cabeça? só
Deus saberá onde anda meu filho, meu pobre Lúcio! Um homem cul-
to... ele quis ser médico e acabou tendo a mesma profissão do pai, que
Deus tenha em bom lugar. Era um homem bom, morreu do coração; foi
um golpe, porém não tão grande quanto este. Depois eu me casei com
outro, que por sinal não sabemos onde está, por causa do infeliz Lúcio.
Meu filho, também esteve separado de mim e só voltou para casa
203

quando meu segundo marido me deixou.

- Foi por causa de seu filho que o seu segundo marido a deixou?
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(Perguntou Tia)
- Não sei, sei que ele queria se apoderar da herança deixada pe-
lo meu marido. Lúcio, meu filho, sempre falava no assunto e acabou
ficando decepcionado comigo. Vivia repetindo que o filho não deve
pensar nos defeitos da mãe; me beijava e ria, mas creio que tudo era só
da boca pra fora.

Tia Neiva ouviu paciente até o fim aquele mundo de queixas e


rancores. Depois chamou Tiago, o mestre que era responsável pelo tra-
balho de “Tronos Vermelhos”, recomendou que fizesse um TRABALHO
ESPECIAL para aquela família desarvorada. Enquanto isso ficou atenta
no plano invisível para ver se Lúcio aparecia, porém ele não veio.

Nessa mesma noite, Tia encontrou-se com ele no “Canal Verme-


lho”. Eunóbio, o coordenador das atividades dos médiuns do Vale no
Canal, veio ao seu encontro e em pouco tempo foi apresentada a Lúcio.

- Estive com sua família; sua mãe, sua esposa e seus filhos.

- Sim! Meus filhos; Tenho um casal, Márcia e Lucinho. Que pen-


sa de mim Lucinho? A senhora sabe a meu respeito?- Sei Lúcio, como
sei também o que o levou ao suicídio...

- E a senhora (Atalhou Lúcio) - Falou com Lucinho? (A pergunta


refletia seu desespero, sua angústia)

- Não Lúcio, não falei com ele, na Terra eu tenho um juramento


que me obriga a respeitar os sentimentos dos outros e eu seria incapaz
de denunciar alguém.
204

- Pois é Tia, fui suicida e no entanto aqui ninguém me condenou.


E foi aqui, Tia, que eu aprendi a respeitar os outros. E minha mãe?
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- Sua mãe, Lúcio, sofre a maior dor!


- Meus Deus! (Gemeu Lúcio)

- Lúcio, sua mãe optou pelo homem que amava; foi quando você
a deixou pela primeira vez, embora devesse ter optado pelo filho...

Sim Tia, foi horrível o que aconteceu aquele dia. Meu padrasto
me esbofeteou na frente dela e disse que um de nós dois tinha que sair
daquela casa, e minha mãe virou-se para mim e disse: "Meu filho, vou
levá-lo para a casa de sua avó, a mãe do seu falecido pai." A decepção
foi tão grande Tia, que nunca mais me recuperei, apesar de todo o cari-
nho que minha avó me dedicou. Minha mãe não me quis, preferiu estar
ao lado do homem que gostava.

- Eu sei como é isso meu filho! Mas no fundo aí é que estão os


enredos cármicos de vidas anteriores. Só o reajuste e o amor podem
equilibrar o homem que passa por traumas como esse.

- E minha mulher, como está ela?

- Ela está bem.

- Sabe Tia, desde aquele dia em que entrei na casa de Marcelo


que era meu melhor amigo, e ouvi a voz de Edna no interior da casa, é
que meu drama começou. Marcelo muito nervoso veio ao meu encon-
tro e eu perguntei de quem era aquela voz. Ele gaguejou mas disfarçou
dizendo que eu não ouvira voz alguma, que não havia ninguém. Desci
do apartamento cheio de suspeitas e fiquei escondido em frente. Vi
então quando ela desceu e saiu apressada. A partir daí, tudo o que a-
contece com um homem traído pela esposa aconteceu comigo. Fiz uma
205

viagem tentando por a cabeça no lugar mas de nada adiantou. Tentei


me enganar colocando em dúvida o que havia visto, mas isso também
Página

não resolveu. Edna e Marcelo continuaram tranquilamente a me trair.


Chegou um ponto em que eu não agüentava mais a situação.
Decidi matá-los, mas só de pensar no que poderia acontecer a Lucinho
e Márcia, senti medo. Decepcionar o menino com a própria mãe? Lem-
brei-me de meu próprio sofrimento em relação à minha mãe. A partir
daí achei melhor matar-me, assim pelo menos não ficariam sabendo da
traição da mãe, e então suicidei-me.

- Se tudo está bem com meus filhos (Retomou Lúcio a palavra


após breve instante de silêncio) - Eu espero aqui o que Deus quiser. Só
não quis que, particularmente meu filho passasse pelo que eu passei.
Deus há de compreender minha dificuldade e tenho certeza que um dia
ele me perdoará.

- É verdade (Pensou Tia Neiva consigo) - Lucinho e Márcia esta-


vam bem, vivendo suas vidas sem complexos e amando a mãe mais
ainda.

Nisso soou uma campainha e Lúcio avisou que tinha que partir.

- Está vendo para onde irei?

- Você vai para o outro lado deste Canal.

Lúcio partiu e a Clarividente soube que ele iria se preparar para


uma nova reencarnação. Pela Lei, ele teria que redimir na carne o erro
de sua autodestruição. Soube ainda, que viria portador de uma forte
disritmia e sua mãe seria novamente a mesma, porque o primeiro
trauma foi proporcionado ao rejeitá-lo...
206

O desequilíbrio de uma mãe desajusta uma família, Salve Deus!


Página
“O equilíbrio moral é o princípio de todas as coisas.”

207
Página
A BÊNÇÃO DO PAPA JOÃO PAULO II

Outro momento na vida de Tia Neiva, nos leva ao ano de 1985,


meses antes de seu desencarne, recebeu a visita de um amigo, o padre
e antropólogo “José Vicente César”.

Ele acabara de chegar de Roma, onde estivera com Sua Santida-


de, o Papa João Paulo II (o qual era considerado por Tia Neiva um gran-
de missionário), ocasião em que o sacerdote católico falou ao sumo
pontífice sobre a médium Neiva e o Sr. Mário Sassi na Doutrina do A-
manhecer.

Assim, o Pe. César acabou tornando-se o portador de uma “ES-


PECIAL BÊNÇÃO APOSTÓLICA” enviada aos dois, o que deixou Tia Neiva
verdadeiramente feliz e realizada. Por ter origem e formação muito
católica e pelos seus conceitos de vida, esse ato foi mais uma confirma-
ção de que Jesus estava com ela.

A emoção de Tia Neiva ao receber das mãos do Pe. César a


“BÊNÇÃO DO PAPA”.

A admiração deste padre pela sua mediunidade surgiu em razão


de uma prova que ela lhe deu da veracidade de sua clarividência, quan-
do o religioso, por curiosidade e incógnito, visitava o Vale do Amanhe-
cer. O padre e antropólogo produziu um trabalho sobre a Doutrina do
Amanhecer com grande entendimento do assunto. (Do livro: Os Símbo-
los na Doutrina do Vale do Amanhecer, por 1ª Muruaicy, ninfa Carmem
Lúcia)
208

O Padre José Vicente César foi um estudioso da Doutrina do


Amanhecer, acompanhando de perto os trabalhos de Tia Neiva, partici-
Página

pando de reportagens e avaliações desde o início do Vale do Amanhe-


cer, fazendo observações criteriosas e pertinentes não só em publica-
ções no Brasil como no exterior, principalmente na Alemanha.

Os trabalhos do Pe. César foram importante veículo para propa-


ganda das atividades do Vale, embora fazendo algumas conotações não
muito apropriadas, uma vez que se basearam em premissas não corre-
tas, deixando de fora algumas observações importantes sobre as ativi-
dades e trabalhos do corpo mediúnico, bem como aspectos da própria
filosofia doutrinária. Embora com alguns enfoques equivocados, sua
presença e atividade sempre foram objeto do carinho e atenção de Tia
Neiva, do Trino Tumuchy e demais componentes da Doutrina, com seu
trabalho endossado pela Espiritualidade Maior. Tanto que recebeu um
presente diretamente de Pai Seta Branca: um machado inca, materiali-
zado no portão da Estrela Candente.

Temos algum material produzido pelo Pe. César, inclusive uma


fita cassete contendo palestra que o Pe. César fez na Universidade de
Brasília, sobre o Vale, e as imagens dele quando do desencarne de Tia
Neiva. Há algumas deficiências em áreas que poderiam ter sido exami-
nadas com maior rigor e profundidade, mas isso não compromete, de
forma alguma, a grandeza do presente trabalho, que foi muito impor-
tante para harmonizar nossa corrente com os segmentos católicos, co-
mo pode ser visto nos comentários finais da presente obra, evitando
algum choque e preconceitos, a tal ponto que já temos a aceitação, em
vários lugares, da nossa Doutrina pelas autoridades eclesiásticas locais.
Por exemplo, em uma cidade do Espírito Santo, o pároco local encami-
nha pessoas para serem atendidas no Templo do Amanhecer, quando
209

sente que o problema escapa à sua área de ação. (Do material: O Vale
na Apreciação do Padre César, por Trino Triada Regente Tumarã, mes-
Página

tre José Carlos – Em memória)


“Confio em vós outros na evolução desta Corrente,
porque o Pai Seta Branca não segurou minha mão,
nem mesmo nos primeiros passos de minha vida iniciática.”
210
Página
A PALHINHA DA BÊNÇÃO

Procurando uma caneta em meio a bagunça organizada da mesa


do seu Mário (Trino Tumuchy), Tia Neiva encontrou uma “palhinha” já
seca e estorricada. Olhou para ela e não se contendo exclamou:

Vejam meus filhos, ainda tem luz aqui!

Palavras do Kazagrande: A “Palhinha da Bênção de Pai Seta Branca” é a


representação material de uma célula de luz do Oráculo de Simiromba.
Nos é presenteada, ao passarmos pelo ritual no primeiro domingo de
cada mês no Templo Mãe. Seu uso é pessoal! Com todo respeito, de-
vemos guardar junto a algum objeto que levemos com freqüência (car-
teira, bolsa...) e tê-la como um símbolo da Bênção que recebemos, que
nos protege e nos cura. Quando eventualmente recebemos mais de
uma palhinha, podemos presentear a um ente querido que compreen-
da a sua simbologia, ou ainda colocar em nosso Aledá. A palhinha pode
ser substituída a cada nova Bênção que passamos, afinal, não dá para
sair colocando todas na carteira. Particularmente (não tomem isso co-
mo alguma Lei), eu não gosto de jogar fora as palhinhas de bênçãos
passadas. Meu profundo respeito por qualquer objeto da Doutrina me
impede de fazê-lo. Tenho uma caixinha que guardo junto com os ca-
dernos de prisioneiro, onde as coloco depois de serem substituídas.
Lembro da frase de Tia:

“Vejam meus filhos! Ainda tem luz aqui!”

Obs.: Não presenciei a frase dita por Tia Neiva, me foi contada
211

quando disse a Tia Lúcia (sua filha Carmem Lúcia) que eu tinha dó de
jogar a palhinha fora. Ela me contou a frase e disse que era eu quem
Página

deveria decidir o quê fazer. Salve Deus! As palhinhas da Bênção do Mi-


nistro devem ser tratadas com igual respeito e cuidado.
“Vamos mesmo que com esforço, nos tornar prestativos, cuidando de
tudo e de todos com atenção e carinho, fazendo com que as pessoas se
sintam bem com nossa presença.”
212
Página
A LOJINHA DO AMANHECER

Pai João se aproximou de Tia Neiva enquanto ela caminhava pe-


lo pátio frontal do Templo:

- Fia, olhe para aquele médium ali e tenha muito carinho em sua
avaliação!

Tia Neiva percebeu tratar-se de um mestre bastante conhecido


e aproximou-se iniciando uma conversa sobre um tema qualquer. En-
quanto falava, em sua clarividência, observava a aura do médium e lhe
chamou atenção a dissonância entre o que via, e o que estava em seu
colete.

Com muito tato tocou no tema, e soube que ele havia adquirido
de um vizinho, por um preço mais em conta. Este colete tinha um Radar
que ele ainda não havia conquistado!

Explicou a ele a importância de somente usar aquilo que hou-


vesse conquistado, assim não correria o risco de participar de um traba-
lho em uma posição para qual seu plexo ainda não estivesse preparado,
trazendo conseqüências para toda sua jornada.

Passou na LOJINHA e deu a ele um colete novo, orientando-o


para que procurasse os DEVAS a fim de obter a orientação sobre quais
armas que poderia realmente usar, Salve Deus!

• Este texto foi extraído com o título “A LOJINHA” do livro - Pérolas de


Pai João.
213
Página
“Cada indivíduo é um cenário diferente,
porque age na sua individualidade.”

214
Página
MORTE COM HORA MARCADA

“A Clarividente se calou, e seus olhos se perderam no infinito.


Neles se estampavam uma dor profunda e um amor imenso. Dir-se-ia
que aqueles olhos abrangiam toda a humanidade. Respeitei aquele si-
lêncio, e também me calei. A noite já avançava pela madrugada, e me
lembrei de que, no dia seguinte, haveria uma multidão de médiuns que
viriam em busca de instrução e desenvolvimento. Coisas grandes, e-
normes, brotavam no meu peito, e eu tinha vontade de gritar, falar com
todo mundo, mostrar que não era necessário sofrer tantas dores, pade-
cer tanto! Amanhã eu falaria, diria a todos aqueles seres humanos, pri-
vilegiados por estarem no âmbito de uma Doutrina, as coisas que aca-
bara de ouvir. Sim, amanhã eu falaria!” Mestre Tumuchy

Mais um dia de consultas de Neiva...

Desde as dez horas da manhã o povo se comprimia no recinto


do Templo reservado ao público, e a impaciência era sensível no ambi-
ente. Em sua maior parte, os consulentes eram gente simples. Às seis
horas da manhã já haviam formado fila diante da porta do Templo, em
busca de uma ficha, e o número de pessoas a serem atendidas já se
havia esgotado. Um carro parou bem junto ao Templo, e dele desceram
algumas pessoas bem vestidas. Uma senhora de certa idade, duas mo-
ças e um rapaz. A senhora demonstrava ser pessoa de bom trato, en-
quanto as moças e o rapaz usavam calças coloridas e cabelos longos.
Tão pronto se aproximaram da porta do Templo, formou-se um clima
de hostilidade. A senhora, demonstrando certa familiaridade com o
215

ambiente, abriu caminho por entre o povo e se aproximou da moça que


atendia os candidatos à consulta. Falou com voz baixa e a moça foi até
Página

à Clarividente, voltando daí a poucos instantes. Pediu licença aos que


obstruíam a entrada interna, e conduziu os quatro para um banco pró-
ximo ao local onde Tia Neiva consultava.

Um murmúrio se levantou no meio do povo. Uma pessoa menos


paciente fez um comentário áspero. No meio do vozerio que se formou,
distinguiam-se as palavras grã-finos, ricos e termos semelhantes. Neiva
levantou-se, e se voltou para o povo, que se calou de pronto. De pé,
sem nada dizer, ela ficou olhando para aquele povo simples, todos de
olhos baixos, e por fim falou, pedindo que tivessem paciência. Disse
que todos seriam atendidos e que a família que acabava de ser admiti-
da tinha um problema muito mais sério do que os deles. O povo se a-
calmou, e o dia de consultas prosseguiu normalmente.

Eu me havia perturbado com a cena, e sentia certa irritação. To-


do dia de atendimento surgia esse problema. As pessoas mais simples,
geralmente moradores das proximidades, chegavam de madrugada, e
absorviam todas as vagas. O pessoal de Brasília, quando chegava, já não
conseguia lugar. Eu já havia estudado várias maneiras, mas nenhuma
dava resultado, sempre surgia alguma perturbação. As consultas termi-
naram cerca de oito horas da noite. Meus nervos estavam à flor da pe-
le, e Neiva sentiu meu estado. Após a refeição frugal, ela me perguntou
o que eu estava sentindo. Aí, explodi, e fui dizendo:

- É esse seu atendimento, Neiva. Precisamos dar um jeito nisso.


Toda hora tem enguiço com esse pessoal de Brasília. Por que eles não
vêm cedo, como os outros?

- Calma, Mário, não se preocupe muito com isso. Deixe estar


216

que dou um jeito com minhas meninas. Isso é assim mesmo. Aos pou-
cos, o povo vai aprendendo. Você parece que também está irritado com
Página

os grã-finos! Já se esqueceu da lição de Seta Branca?


- Que lição? (retruquei, ainda irritado).

E ela, remexendo com o garfo a comida esquecida no prato, foi-


me lembrando as palavras do Mentor. Aos poucos, fui-me acalmando, e
meu espírito se encheu de admiração pela sabedoria daquele excelso
espírito. A lição de Seta Branca foi muito simples. Ele disse:

- Meus filhos, é preciso ter caridade para com os ricos, pois suas
vidas são mais difíceis que as dos pobres. Estes já têm tudo de que pre-
cisam para sua evolução, pois a própria condição de pobre lhes dá isso.
A rudeza da sua vida não os deixa sentir os problemas com maior inten-
sidade. Mas, o Homem que recebeu uma educação, tem uma certa fi-
nura e sensibilidade, esse sofre muito mais. Não quero que vocês o
submetam a humilhações. Vocês sabem o que significa, para uma pes-
soa educada, disputar um lugar para ser atendido por vocês? É preciso,
portanto, dar mais atenção a eles. Por que submeter uma pessoa fina,
educada, limpa, à humilhação de sentar-se no mesmo banco com uma
pessoa grosseira e cheirando mal? O pobre não se sente muito mal ao
sentar-se nesse banco, mas o rico sente. Vocês já repararam como o
homem rico de Brasília tem dificuldades em encontrar um lugar para se
tratar? Os hospitais de Brasília nivelam todos quase no mesmo plano.
Por isso, quero que vocês, no futuro, construam um hospital onde o
rico possa ser tratado com o conforto que merece. E há, ainda, as tradi-
ções humanas. Convencionou-se que a caridade é para os pobres, os
miseráveis, e se faz disso uma indústria. Essa é uma idéia muito materi-
al da caridade! Até essa palavra está tão desvirtuada que prefiro que a
usem o menos possível. Todos merecem ser bem tratados, e não quero
217

que se demonstre ressentimento a uma pessoa, só porque ela tem um


carro e um padrão de vida melhor. Lembrem-se de que vocês conhe-
Página

cem a precariedade da existência na Terra. O homem que hoje é rico e


poderoso, ontem foi, talvez, um pobre miserável. E o pobre de hoje foi,
talvez, o rico que ontem desperdiçou sua fortuna e oprimiu outros. To-
dos devem ser bem tratados, mas cada um merece atenção de acordo
com seu padrão!

Quando ela terminou, meus pensamentos estavam muito modi-


ficados a respeito desse assunto. Neiva, então, contou um caso que se
passara a alguns anos, na antiga UESB, que bem demonstra o que Seta
Branca queria dizer:

- Mário, você não conheceu a UESB. Lá é que a pobreza se con-


centrava, nos seus aspectos mais tristes. Meio alqueire de terra de cer-
rado e água escassa. Beira de estrada, a meio caminho de Anápolis,
próximo a Alexânia. Quando começamos, Brasília ainda estava em o-
bras e quase não havia assistência hospitalar. Os pobres e desajustados,
que em grande quantidade vinham para cá, atraídos pela miragem de
um futuro melhor, acabavam por procurar socorro na UESB. Nossas
construções eram todas de barro e cobertas com palha. Todos os dias,
uma verdadeira multidão se concentrava lá. Vinham a pé, de carroça, a
cavalo, ou desciam dos ônibus que faziam a linha de Brasília. Portavam
as moléstias mais terríveis e muitos pediam para ficar, pois não tinham
para onde ir. Improvisamos um hospital, à nossa maneira, e tratávamos
todos os tipos de doenças. Predominavam os problemas mentais. Tra-
balhávamos dia e noite, sem parar. Eu atendia numa pequena palhoça,
bem no centro da comunidade. Certa tarde, as coisas estavam particu-
larmente difíceis. Como você sabe, Mário, aquela concentração de pes-
soas desajustadas formava tremendas cargas espirituais negativas. A
218

par do simples atendimento, tínhamos que manter o ambiente psíquico


em constante renovação. As cargas, às vezes, pesavam demais e, até
Página

darmos conta da limpeza, o ambiente permanecia pesado. Naquela


tarde, as coisas estavam dessa maneira. O povo esperando nos arredo-
res de minha cabana, estava impaciente e, a toda hora, as meninas que
me ajudavam tinham que acalmar pessoas. Nesse ambiente de tensão,
chegou um vistoso carro Simca, e dele desceram duas senhoras em
traje de viagem, demonstrando serem pessoas de posses. Tão logo lo-
calizaram Jesualda, minha pequena assistente, foram logo dizendo que
queriam falar com dona Neiva, mas que dispunham de pouco tempo, e
queriam ser atendidas logo!

É fácil imaginar a impressão que isso causou entre os que espe-


ravam, alguns já há muitas horas. Levantou-se um murmúrio de protes-
to. Jesualda pediu-lhes que aguardassem um instante, e correu até
mim, pedindo instruções. Meu primeiro impulso foi o de mandar dizer
àquelas senhoras que teriam de esperar, pois havia pessoas necessita-
das a serem atendidas. Mas, nisso, Mãe Etelvina me mostrou, de relan-
ce, o quadro delas, e fiquei horrorizada!

Mandei que entrassem de imediato.

- E o povo não protestou? (perguntei).

- Sim, a gritaria entre os que esperavam foi grande. Só nossa po-


sição moral, que impunha muito respeito, evitou que acontecesse algo
pior. Alguns se levantaram e saíram dizendo as piores coisas a meu res-
peito. Ouvi distintamente quando uma mulher disse ser eu uma bajula-
dora de grã-finos, e outras coisas desagradáveis. Um homem da roça,
cujo apelido era Bodinho, que há muito vinha se tratando conosco, de-
sandou a falar grosserias e só parou quando um de nossos médiuns lhe
219

pediu. Apesar de tudo, fiz entrar as duas mulheres, que se sentaram


diante da minha pequena mesa, e se apresentaram. Walda, 26 anos,
Página

morena esbelta, muito bonita, descendente de tradicional família per-


nambucana, e Elza, mais jovem. Ambas eram casadas com comercian-
tes. Elza havia se casado com um irmão de Walda, residente em Brasí-
lia. Walda morava em Pernambuco, e tinha vindo, com o marido e uma
filhinha de 5 anos, conhecer a nova cunhada. Enquanto falavam, eu via
desfilar diante dos meus olhos um quadro tenebroso:

Walda, que ali estava diante de mim, saudável, bonita, tinha,


apenas, mais algumas horas de vida! Percebia sua inquietude e, procu-
rando discernir o que fazer, comecei a falar de sua filhinha. Seus olhos
se encheram de lágrimas e perguntou se a menina ia ser feliz. Respondi
afirmativamente, e lhe disse que ela estava passando por um sério pe-
rigo, iria sofrer um desastre! Enchi o quadro com uma porção de coisas
sem importância, procurando evitar ter que dizer qualquer mentira.
Walda, porém, estava completamente fora da realidade. A única possi-
bilidade que eu via era a de detê-la comigo. Mas como? Se ela ficasse,
talvez nada lhe acontecesse. Mas, como inculcar numa pessoa, naque-
las condições, uma Doutrina? Diante das minhas reticências, Walda
começou a se impacientar e a me desafiar. Por fim, levantou-se e disse:

- Não tenho medo, pois não acredito que Deus deixe acontecer
algo ruim comigo. Vivo fazendo caridade aos outros, e não faço mal a
ninguém... Neiva prosseguiu:

Meu coração apertava cada vez mais. Ali estava aquela moça,
cheia de cuidados com o futuro, prestes a morrer, e eu sem poder fazer
nada por ela! Começava a não entender mais nada! Fui tomada de ter-
rível perturbação, e quase perdi os sentidos. Nem reparei quando elas
220

se levantaram para sair, e Walda, estendeu a mão, despedindo-se, e me


perguntando se eu havia visto somente o desastre. Atraída pelo tumul-
Página

to, chegou Mãe Neném, nossa presidente, e que respondia pela maior
parte dos assuntos da UESB. Ainda perturbada, diante de Walda, vi
quando Elza se apresentou à Mãe Neném, e passou a lhe explicar a ra-
zão da vinda delas. Elas vinham de Brasília, em direção a Goiânia, e
Walda começara a se sentir mal, pedindo que parassem ali. Embora
Elza conhecesse a cunhada havia pouco tempo, achou-a esquisita e
diferente, e não teve dúvidas em atender o pedido dela. Já havia ouvido
falar da UESB, e achou que seria até oportuno, pois ela também queria
conhecer Tia Neiva. Agora, porém, se sentia meio sem jeito, diante da
atitude da cunhada com dona Neiva. Depois que elas saíram, fui até a
porta da cabana e vi o Simca se afastando – o mesmo carro que vira no
desastre em que Walda iria perder a vida! Após pequena pausa, Neiva
continuou:

- Na primeira folga, para tomar um ligeiro lanche, Mãe Neném


chegou perto de mim e perguntou se aquela moça estava condenada.
Admirei-me da sua intuição, e confirmei sua suspeita. Ficamos as duas
tristes e caladas. Enquanto tomava um café, pensava no que acabara de
acontecer. Pela minha experiência, os Médicos do Espaço já tinham
feito o desencarne dela. Geralmente, quando isso acontece, a pessoa
fica meio apática, embora não perca a lucidez. Falei com Mãe Neném
que tinha certeza de que Walda fora atraída até nós para ter um desen-
carne melhor. Infelizmente, nada pudemos fazer, a não ser ajudar o
espírito dela.

- E o que você viu no quadro dela? (perguntou Mãe Neném).

- Vi, Mãe Neném, que Walda e Elza foram irmãs, numa encarna-
ção recente. Walda chamava-se Valéria, e Elza chamava-se Cláudia.
221

Pertenciam a uma família paulista, muito rica. Valéria (a Walda de hoje)


se casou com um rapaz chamado Marcelo. Depois do casamento, Mar-
Página

celo descobriu que amava Cláudia (a atual Elza), que era a mais velha
das duas irmãs. Inconformados coma situação e tomados de paixão,
Cláudia e Marcelo tramaram a morte de Valéria. Para a execução de
seus planos, se aliaram com uma camareira. Aproveitaram uma ocasião
em que Valéria estava distraída, num balcão do apartamento onde mo-
ravam. Empurraram-na, e ela esfacelou-se lá embaixo. O crime não foi
descoberto, e Marcelo casou-se com Cláudia, vivendo muito tempo em
relativa felicidade. Terminado o tempo na Terra, foram todos recolhi-
dos no astral, onde a Lei de Causa e Efeito determinou o reajuste. Pre-
parados pelos Mentores e tendo passado pelo sono do esquecimento,
nasceram e cresceram até o momento dos encontros e reajustes. Mar-
celo, hoje um comerciante de Pernambuco, de nome Josué, conheceu
Walda, a antiga Valéria, sua vítima do passado, com quem se casou.
Elza, a antiga Cláudia, sua cúmplice de ontem, casou-se com um irmão
de Walda, entrando, assim, na intimidade da família. Josué e Walda
tiveram apenas uma filhinha, hoje com 5 anos. Essa filha é, justamente,
a camareira que, na ocasião, ajudou a matar a antiga Valéria, que se
tornou sua mãe atual.

- Não estou entendendo muito. (Objetei), Se essa moça já foi ví-


tima em outra encarnação (parece-me que morreu muito jovem), por
que iria morrer jovem novamente? Por que não a outra, a antiga Cláu-
dia, ou, então, a filha ou, ainda, o atual marido?

- Mário, (respondeu ela): - parece que você não compreende


que, na morte, sofrem mais os que ficam! Repare nas pessoas quando
morre alguém da família. Conforme o tipo de relação que existia entre
elas, as pessoas que ficam é que sofrem mais! O espírito desencarnado,
se cumpriu seus reajustes, se pagou suas dívidas ou se as cobrou, con-
222

segue seu encaminhamento para os planos espirituais, e não sofre.


Página

- Não sofre? (perguntei); Como não sofre, se ele ama as pessoas


que deixou?
- Ter saudades, amar ou ter qualquer outro sentimento por um
ser encarnado, não significa necessariamente sofrimento para o espíri-
to, Mário. Lembre-se de que o espírito, liberto das limitações da perso-
nalidade transitória, vê a vida dos espíritos que ama, na dimensão
transcendental, no seu todo, e compreende o porquê das coisas que
estão acontecendo. Justamente, esse é o ponto-chave do esquecimen-
to do espírito encarnado. Ele sofre porque não sabe. Quando ele a-
prende, quando ele fica sabendo, por processo íntimo seu, dos porquês
da sua vida, ele deixa de sofrer. É por isso, Mário, que você vê tanta
disparidade na vida. Uns sofrem até por pequenas coisas, e outros não
sofrem. Têm dores, e não sofrem.

Sofrer ou não sofrer, eis a questão!

Nessa altura, comecei a divagar, e perguntei a mim mesmo o


que seria sofrer. Diz o dicionário que sofrer é o mesmo que padecer.
Ambas as palavras querem dizer, mais ou menos, sentir o efeito de do-
res físicas ou morais. Sofrer, então, seria uma maneira de sentir. Existe
a dor, e a pessoa sente mais ou sente menos. Problema de perspectiva,
de visão, de conhecimento, de evolução espiritual...

Interrompi minhas divagações e voltei minha atenção, nova-


mente, para o relato de Neiva:

- Pois é, Mário, ali estava um quadro nítido de reajuste. Com a


morte de Walda num desastre, Elza iria se sentir culpada, pois ela quem
havia sugerido essa viagem a Goiânia. Sei que isso não seria suficiente
para uma pessoa sofrer. Mas, o trauma atual iria ser reforçado pela
223

recordação inconsciente do quadro passado. Além disso, um desastre é


sempre um quadro violento, que afeta as pessoas mais do que um de-
Página

sencarne comum. Josué (o antigo Marcelo), também seria afetado ter-


rivelmente, pois amava realmente a esposa, com quem tem laços afins
muito antigos. Ele já era uma pessoa sofrida, pelas recordações incons-
cientes do passado. Além disso, ficaria com o problema da filhinha ain-
da tão nova. Esta, por sua vez, seria joguete das circunstâncias, e iria
sofrer as conseqüências disso. Enfim, todos que ficaram, justamente os
três personagens da antiga tragédia, teriam dores terríveis. O quadro se
inverteu. Ontem, eles gozaram uma situação pela morte da outra per-
sonagem. Hoje, sofreriam pela morte dela!

- É, Neiva, se a gente não conhece a Lei, nos revoltamos com


uma tragédia dessas. De fato, não deve ter sido fácil para você conhe-
cer essas pessoas e saber pelo que iriam passar.

- Não, Mário, nunca é fácil a gente ver o sofrimento dos outros.


Não se esqueça de que, apesar da clarividência e da Doutrina, eu sou
um ser humano que ama seu próximo. Tenho mais pena e me compa-
deço, porque sei que poderiam evitar muito sofrimento, se aceitassem
essa Doutrina, que é tão natural, tão lógica, tão fácil de entender. Nessa
hora fico lamentando por tantos espíritos inteligentes, que poderiam
trazer a compreensão para a humanidade, mas, ao invés disso, ficam
inventando religiões e mitos tão contrários às leis naturais.

- Mas, (objetei), de qualquer forma, as pessoas têm que passar


pela dor. Acho que a Doutrina não vai evitar que elas cumpram seus
carmas, suas dores.

- Não é verdade, Mário. A dor só existe em função de alertar,


despertar o espírito para suas realidades. Quando a gente tem uma dor
224

de dente, é porque existe uma anormalidade. Vamos ao dentista, e o


problema é resolvido. O problema da vida é muito semelhante, e o
Página

“dentista” é o Cristo, que está no coração das pessoas, no íntimo de


todo ser humano. Quando a pessoa tem uma Doutrina, uma relação
harmônica com seu destino transcendental, evita muita dor. Na verda-
de, o carma, esse efeito implacável de uma causa anterior, pode ser
modificado, recartilhado, como dizem os espíritos, e, até mesmo, evita-
do. No fundo, é uma compensação energética que tem que ser feita,
energia a ser desenvolvida, reposta. A vantagem é que pode ser feita
sem dor, quando existe uma Doutrina.

- Neiva, (disse eu), não quero parecer fanático de espiritismo,


mas parece-me que ele oferece uma forma muito prática para a solu-
ção do problema: é pela mediunidade, se considerarmos o fenômeno
mediúnico como natural, biológico, e não privativo do Espiritismo. Pelo
que tenho visto, a mediunidade é a energia que provoca a manifesta-
ção cármica. Mas é, também, a energia que coloca o ser humano em
contato com o seu transcendental, como você disse. Assim, torna-se
possível fazer-se a compensação energética pela prática mediúnica, e
evitar-se tragédias cármicas, como essa que você acabou de relatar.

- Sim, Mário, isso é perfeitamente possível. Se essas três pessoas


(Walda, Elza e Josué), fossem espíritas ou tivessem qualquer doutrina
ou religião autêntica, isto é, fossem, verdadeiramente, religiosas e não
apenas na aparência; se assim fosse, e eles estivessem cumprindo seus
deveres espirituais, não importa a forma, tenho quase certeza de que a
atual tragédia estaria sendo evitada. Não tenha dúvida de que teriam
que padecer dores – isso é inerente à nossa condição humana –, mas
não sofreriam tanto!
225

Naquele dia, atendi, ainda, uma centena de clientes. Parecia que


as pessoas haviam adivinhado a tragédia, pois se tornaram pacientes e
Página

cordatas. O próprio Bodinho parecia ter-se arrependido da sua intole-


rância, e se foi junto com os outros. Eram seis horas da tarde, a hora
em que o coração se recolhe, numa espécie de balanço do que fizemos
durante o dia. De repente, ouvi uma algazarra no portão de entrada, e
vi Bodinho correndo e acenando. Esperei, com o coração acelerado, e
ele chegou perto de mim, ofegante, acompanhado de vários médiuns.
Todos falavam ao mesmo tempo e, por fim, consegui entender o que
diziam:

Há poucos quilômetros dali o Simca havia se chocado com uma


carreta, e se espatifara. Todos estavam feridos, embora sem gravidade,
exceto a morena bonita, Walda, que morrera na hora! Isso se deu em
1962. Permaneci muito tempo meditando naquele episódio. Uma das
coisas que não conseguia entender bem era essa questão da morte, do
desencarne, como dizemos nós, os espíritas, com hora marcada. Mais
tarde, quando consegui uma brecha no mofo contínuo da Clarividente,
interroguei-a a respeito. Minha primeira pergunta foi com relação à
profecia da morte:

- Neiva, já ouvi muitos relatos de pessoas que dizem ter paren-


tes ou amigos que desencarnaram exatamente no dia e hora previstos.
Isso é verdade? E você pode saber a hora em que você ou outra pessoa
vai desencarnar?

- Não, Mário, nunca se sabe a hora em que uma pessoa vai mor-
rer, mesmo que se tenha uma data, uma profecia.

- Mas, como? (retruquei); Se existe uma hora marcada, a pessoa


pode burlar essa hora?
226

- Não, Mário, o problema não é de burla, mas, sim, de livre arbí-


trio e da reação humana. Nunca se sabe como um ser humano vai rea-
Página

gir, nem ele mesmo, nem Deus. Sim, Mário, nem Deus sabe como um
ser humano vai reagir diante de uma dada situação. É verdade, existe
uma programação cármica, um enredo de fatos a serem acontecidos,
dentre eles, a data da morte. Mas esses fatos, esses efeitos de causas
anteriores, vão acontecendo de acordo com as vontades, as reações
dos componentes dos mesmos fatos e de sua aceitação, e conforme a
maneira como eles reagem e interagem. Na verdade, Mário, não se
pode interpretar o carma como algo estático, definitivo, como, aliás,
não são os fatos humanos. Existe um dinamismo em que os fatores são
variáveis ao extremo e existem os carmas coletivos. Tudo depende da
gama da Lei em que os fatos se enquadram. Tudo é relativo a um ponto
de referência e, não se esqueça, se as reações humanas individuais são
imprevisíveis, muito mais são as reações coletivas. Na verdade, os Men-
tores e Guias têm um enorme trabalho para manter seus pupilos nas
respectivas faixas cármicas. Sua maior preocupação é a de que seus
protegidos não fujam de suas metas cármicas e não percam suas en-
carnações.

- Agora me ocorreu uma coisa, Neiva. Você disse que, se pudes-


se segurar a moça ali na UESB, poderia ter feito alguma coisa por ela.
Quer dizer, ela teria a possibilidade de ser evitado o seu desencarne?

- Não. Quando ela chegou, seu desencarne já estava em anda-


mento. É como um parto. Depois que começam as dores, não se pode
evitar que a criança nasça. Assim é o processo do desencarne.

- Então foi como no caso do Alcino. Você viu a morte nos olhos
dela?

- Não, não vi. Você talvez esteja impressionado com essa ques-
227

tão dos olhos, mas é fácil de explicar. Quando o desencarne está em


andamento, tem início uma modificação metabólica que, de imediato,
Página

se reflete nos olhos. Há dilatação das pupilas e um embaçamento ca-


racterístico. Aliás, os médicos podem até fazer diagnósticos pela apa-
rência da íris, nos olhos de uma pessoa.

- E com relação ao tipo de morte?

Faz alguma diferença, no processo do desencarne, a maneira


como a pessoa morre?

- Não, não faz diferença. Para o espírito, pouco importa a manei-


ra de morrer. Mas importa, e muito, para os circunstantes. Assim, a
morte de Walda, daquela maneira triste, foi mais para a cobrança de
Josué e Elza. Vou contar-lhe um caso, que será bem ilustrativo. Quando
eu era mocinha, morava na minha cidade um homem muito bom, que
tinha uma família numerosa. Um dia, ele ficou doente, e entrou em
coma, numa agonia de dar pena. Todo mundo na cidade se comoveu.
Pior que a agonia dele foi se prolongando de tal maneira, que ninguém
mais tinha sossego na cidade. Ninguém dormia direito, e todos estavam
sofrendo. A partir de certo ponto, todos passaram a ansiar que ele mor-
resse, sossegasse logo, inclusive a própria família. E quando, finalmen-
te, ele morreu, foi um alívio geral!

Compreende, Mário? Se ele morresse uns dias antes, todos a-


chariam que teria sido uma injustiça de Deus. Imagine tirar a vida da-
quele homem tão bom!

- Mas, (objetei), e agonia dele? Era merecida?

- Não, Mário, a agonia dele não era dolorosa como nós imaginá-
vamos que fosse. Na verdade, os próprios Mentores é que estavam
228

segurando seu espírito, até que os parentes estivessem preparados.


Ele, em coma, não tinha a mesma sensibilidade, a dor que nós outros
Página

tínhamos.
- E a propósito, Neiva, como é dada essa assistência dos Médicos
do Espaço? Qualquer pessoa tem essa assistência?

- Sim, qualquer ser humano recebe assistência na hora do de-


sencarne, mesmo que se trate de desencarne coletivo. Para isso, exis-
tem equipes especializadas, que estão sempre prontas a atender o
chamado dos Mentores.

- Bem, Neiva, acho que, com essa explicação, ficamos sabendo


tudo sobre a morte.

- Não, Mário, nós não sabemos tudo sobre a morte, porque cada
caso é diferente de outro. Não existem duas mortes iguais. Mais impor-
tante do que saber sobre a morte é saber sobre a vida!

Trate de escrever. Explique tudo às pessoas, para que saibam


que as Leis do Criador são perfeitas e que não existe ser humano algum
sem oportunidade. Não pense que as pessoas ficam na dependência
exclusiva do Espiritismo ou de qualquer outra religião em particular.

Não! Os mecanismos de assistência espiritual existem, e funcio-


nam sempre. O problema é o ser sair um pouco da ilusão, do maya, e
mergulhar na sua própria realidade. Não quero afirmar, com isso, que
não deva haver religiões. Quero dizer é que não deve haver fórmulas
criadas pelos homens.

A vida em si é a melhor religião do ser humano!

O melhor altar que existe é o coração humano. Se nesse altar se


229

cultua Deus ou o Diabo, é o problema de cada um, é a posição que cada


um determina para si mesmo. O culto é essencialmente individual na
Página

religião da vida.
Página 230
CICLO 3 (DHARMAN-OXINTO)
30) Um Lindo Espírito de Luz Pág. 233
31) O Organizador de Cartas Pág. 239
32) O Presidiário Conselheiro Pág. 242
33) A Volta dos Ciganos Pág. 270

231
Página

Boa Leitura!
“Como era triste a vida sem o Doutrinador!
Pense na falta de luz, tendo os pés à beira dos pântanos!”
232
Página
UM LINDO ESPÍRITO DE LUZ

Conta-nos Maria Abadia...

Estávamos em idos de 1982, Juliano nosso primogênito tinha


nascido em 1976, e diante de minhas frustradas tentativas de engravi-
dar novamente, nos preocupava a distância de idade que crescia entre
o primeiro filho e o esperado segundo.

Desde que meu primeiro filho nascera, tentávamos engravidar


novamente para que os(as) filhos(as) fossem companheiros de idade
próxima, mas todas as vezes que o resultado dava positivo para a nova
gravidez, nas primeiras semanas ocorria de eu ter um aborto espontâ-
neo.

O psicológico meu e de Luzimar vinham sofrendo um certo abalo


pela falta de entendimento das causas que pela medicina terrena não
eram devidamente explicadas, mesmo que procurássemos a opinião de
mais de um profissional na área ginecológica. Face já estarmos integra-
dos e bem íntimos da Casa Grande de Tia Neiva, tínhamos oportunida-
des privilegiadas de buscar com a nossa Mãe em Cristo, alguma infor-
mação sobre o assunto que pudesse nos clarear os fatos e abrandar
aquela frustração que já nos acompanhava há alguns anos.

Ocorre que os médiuns veteranos, mais conscientes evitavam fi-


car levando seus casos particulares para a Clarividente, pois era notório
o esforço sobre humano que ela já vinha fazendo para a complementa-
ção da sua obra, e de certo já prevendo seu desencarne, buscava apro-
233

veitar ao máximo os seus últimos momentos na Terra para fixar os valo-


res da Lei do Auxílio junto aos que já detinham suas missões especiais.
Página
Por certo, que nada escapava aos olhos atentos e profundos da-
quela que tudo via pelo juramento feito ao Nosso Senhor Jesus Cristo, e
numa das vezes que estava lá sentada em sua sala, num daqueles raros
momentos em que nos víamos sozinhas, ela me fitou e perguntou:

- Você está triste filha? O que você tem?

Foi meramente impossível vencer aquele olhar que extravasava


o seu saber sobre meu caso e só me restava aproveitar aquele momen-
to de privacidade com ela e lhe contar o que estava nos deixando apre-
ensivos naqueles dias de nossas vidas... então eu disse:

- Ah Tia! Deixa pra lá... (fiz mais uma tentativa de escorregar da


confidência), mas ela não deixou por menos.

- Minha Filha! Me conta que a Tia te ajuda.

Pronto! Contei tudo que se passou desde que o Juliano nascera,


nossas incontáveis tentativas de uma nova gravidez e foi um chororô só
de minha parte.

Ele ouviu tudo com aquele olhar que via-se estar ao mesmo
tempo no passado, no presente e no futuro. Só quem conheceu ela
sabe o que estou dizendo. Depois de alguns minutos de silêncio, e já
percebendo que nossa conversa particular iria ser interrompida por
outros assuntos, ela virou-me e disse:

- Deixa com a Tia filha, vou ver o que posso fazer...


234

Saí dali com uns 100 kilos a menos nas costas, Salve Deus! Como
era fenomenal aquela mulher, aquele espírito, que somente com o seu
olhar já nos aliviava a carga... Quanta luz tínhamos naqueles dias.
Página
Os dias passaram, comentei com o Luzimar nossa conversa e ele
ainda achou ruim comigo por ter ido levar problemas pra “veínha” co-
mo ele costumava dizer. Já está feito! Vamos aguardar disse eu comple-
tamente envolta num mar de esperanças.

Outro dia saindo de umas das aulas de desenvolvimento, usando


meu branquinho, seu Mário me interpelou dizendo que Tia queria falar
comigo urgente! Fui na mesma hora, e os antigos irão entender...

Chegando lá, ela estava almoçando, e logo me chamou com o


Luzimar para nos sentarmos e aproveitar a “bóia”. Depois do almoço
ela me chamou pra perto e com suas próprias mãos desfez o nó que
atava as duas fitas brancas do vestido branco das ninfas e fazendo um
transpassado único me disse:

- Filha! Não se dá nó em frente ao plexo. Trava as forças filha.

Nunca mais me esqueci desta orientação e sempre que me per-


guntam por que uso as fitas transpassadas ao invés de nó cego ou nó de
gravata, lembro-me daquele dia e conto a história até aí...

Contudo, não ficou por isso somente. Ao terminar a aula de co-


mo transpassar as fitas em frente ao nosso Plexo Solar, ela desfez no-
vamente e deixando as fitas caírem para as laterais do meu corpo me
disse:

- Filha, eu vi seu quadro. Você em outra encarnação foi uma bai-


larina espanhola, no velho continente que se prostituía e praticava
constantes abortos em função da vida que escolhera pra si na ocasião,
235

e agora está pagando por todas as vezes que cometera abominável ato
contra a vida!
Página
Meu espírito foi lá na Espanha e voltou! Gelei por dentro e a-
quele choque de verdade fez todo sentido para tudo que eu e Luzimar
estávamos vivendo e em nossa conta já iam pra 7 abortos espontâneos,
se não me engano.

Imediatamente ela retomou o tom da conversa, já chamando a


atenção de seu Mário para o meu caso...

- Mário, veja bem este caso. Daqui por diante filha, você vai usar
suas fitas do branquinho assim, soltas entendeu?

Acenei com a cabeça e me posicionei como tal, obediente ao


comando da Mãe Clarividente. Meu coração batia forte pois já sabia
que ela tinha uma solução para nós e meu filho(a) já devia estar se pre-
parando para o embarque em breve...

Num lance de raciocínio em meio a toda a fascinação do mo-


mento, perguntei a ela como deveria lidar com a investida dos instruto-
res sobre as fitas soltas, e ela disse:

- Você diz que foi eu que mandei fazer assim. Se insistirem em


dar nó ou mesmo laço com eu fiz filha! Não aceite sem antes pedir para
virem falar comigo, entendeu?

Esse “entendeu dela” também é outro item inesquecível pra


muitos de nós que viveram aquela Era dourada do Vale do Amanhecer.

Não preciso nem dizer que no primeiro dia de aula, tive que
contar o caso e o resto vocês já imaginam...
236

Outro, ponto que ela deixou bem claro foi de que eu deveria
participar do máximo de “Cruz do Caminho” que eu conseguisse, sob
Página

pretexto explicativo por parte de Tia Neiva de que aquele trabalho iria
promover um recartilhar khármico na minha situação pendente e que
isso ajudaria ela a resolver o meu caso “lá em cima”.

Participei de tantas quanto me foram possíveis, contando com a


ajuda do Luzimar e de tantos outros que se inteiraram do meu caso e os
dias foram passando, as semanas também e a quando me dei conta,
estava grávida!

No dia do resultado de farmácia, não pude conter a alegria e a


voltada imensa de contar pra Tia Neiva, mas tive que esperar o próximo
dia para levar aquela boa nova a quem me trouxe a nova vida!

Ao término da minha aula, saindo do Templo me deparei com


seu Mário e em primeira boca, ouviu a notícia.

- Seu Mário! Estou grávida.

Foi uma cena de filme viu... ele me pegou pela cintura e rodopi-
ou comigo nos braços comemorando a bênção que tínhamos recebido
e me colocando de volta com os pés no chão, pegou na minha mão e
me levou para contar pra Neiva, foi assim que ele disse...

Chegando lá na sala da Casa Grande, Tia já me vendo com seus


olhos além físico, não quis estragar o meu prazer de contar e ouviu sor-
rindo o meu relato, frente a um grupo de jaguares que lá estavam.

Me chamou para perto dela, contou o caso para todos os pre-


sentes e disse-me com suas mãos em minha barriga:
237

- Parabéns minha filha! É um lindo espírito de luz.


Página
“Somos uma máquina a sermos burilado
pelos nossos próprios destinos.”
238
Página
O ORGANIZADOR DE CARTAS

Ficara conhecido e reconhecido pelo trabalho árduo junto aos


acervos originais da Clarividente, entre outros e também merecidamen-
te pelo brilhantismo e eloqüência com que ministrava aulas e palestras,
deixando marcado em cada ouvinte a certeza de que ali naquele ambi-
ente existia alguém que estudava e entendia nossa ciência, nossa dou-
trina!

Certa feita, quando questionado por outro mestre como teria se


dado o início daquela missão com os acervos respondeu:

- Sorriu e disse sem titubear... roubando!

- Como assim? Perguntou o mestre buscando maior entendi-


mento do uso da palavra.

E eis que o mestre Bálsamo discorreu sobre o assunto...

Assim... Tia escrevia muito, muito mesmo. Eram cartas a todo


tempo e também distribuía de qualquer forma, sem separar nada pois
ela que assim que estivesse escrita, que estas já fossem para nas mãos
de todos os mestres e ninfas.

O Mário (Tumuchy) era muito desorganizado em seu escritório e


muitas das vezes deixava tudo ali, jogado, no Sétimo de Neiva, ficava
por cima da mesa, sem o mínimo controle do que inclusive ele mesmo
escrevia...
239

Eu me sentia incomodado com aquele cenário e resolvi começar


a guardar as cartas.
Página
Então, passava bem cedo na Casa Grande e “escondia os papéis
debaixo da camisa”, depois saía de fininho, copiava e quando dava cer-
to devolvia no mesmo lugar.

Aconteceu que certa vez, quando estava devolvendo uma carta


acabei dando de cara com a Tia!

Ela me olhou, “AQUELES OLHOS”, imediatamente percebi que


estava mediunizada e me imaginei frito, numa enrascada daquelas! Fui
logo tirando as cartas que já havia colocado embaixo da camisa e pen-
sando mesmo que seria expulso do Vale como um LADRÃO.

Foram segundos intermináveis!

Então Tia me disse:

“Bálsamo... Pai Seta Branca está aqui dizendo que você será o
RESPONSÁVEL POR ESTES ACERVOS, TOMA! ESTA É A CHAVE DO AR-
MÁRIO.”

Em seguida ela abriu uma pequena cômoda com um calhamaço


de documentos doutrinários e foi assim que tudo começou, Salve Deus!

240
Página
“Remontamos séculos, atingindo nossos ensinamentos e nossas heran-
ças transcendentais, porque sabemos que tudo vibra e irradia neste
Universo, onde tudo é força, é luz, é vida!”
241
Página
O PRESIDIÁRIO CONSELHEIRO

Certa vez ouvi uma voz que chamava por meu nome. Ao me vol-
tar deparei-me com um senhor de mais ou menos 45 anos de idade,
com uma aparência de espírito evoluído que me disse:

- Tia Neiva, eu quero lhe contar a minha história para que sirva
de exemplo, aos espíritos que tem como lema a violência, acreditando
que somente a vingança lava seus corações.

Acercando-se de mim continuou:

- Era um daqueles muitos domingos que passamos na Terra, eu


e minha esposa. Eu era muito amigo dos meus sogros e convivíamos
juntos muito bem. Um de nossos vizinhos era muito chegado a nós,
embora não tivesse uma reputação muito boa naquela cidade. E naque-
le domingo fatídico, quando alegremente almoçávamos todos reunidos,
dois homens invadiram violentamente minha casa e seguraram-me
pelos braços como se todo o ódio do mundo os dominasse. E sem saber
do que se tratava, me senti ultrajado e reagi com toda a brutalidade,
tentando me defender daqueles desconhecidos. Cego pela raiva, quan-
do dei por conta de mim um dos agressores tinha fugido e o outro esta-
va caído morto por mim. Também jazia morto o meu vizinho José, aba-
tido por aquele invasor que fugira.

- Meu sogro mandou que eu corresse para fugir ao flagrante,


enquanto ele chamava a polícia.
242

- Eu era muito ingênuo para defender-me e decidi ficar esperan-


do pela polícia na certeza de que tudo seria esclarecido. Não conhecia
nenhum dos agressores e não entendia aquilo. As únicas testemunhas
Página
da minha inocência, de que eu agira para me defender e proteger mi-
nha família, era meus sogros e minha esposa.

- Como eu tinha o hábito de beber, ninguém teve coragem de


testemunhar em meu favor. Também como eu, ninguém sabia o que
levara aqueles homens a invadirem o meu lar com tanta violência e me
atacarem com tanto ódio.

- Nas ruas o comentário era de que eu matara o pai de uma mo-


ça que eu havia desonrado. Por isso aquele ódio todo. Só que na reali-
dade, estavam me imputando a culpa de um crime que eu não comete-
ra e sim... o meu vizinho. Um terrível engano...

- Oh, Tia Neiva! Deves imaginar o que sofri. Preso, sem amparo e
a família da vítima pensando somente em vingança, passando a me
perseguir. Um dia, um irmão daquele homem que morrera por minhas
mãos – que eu reconheci como um dos que haviam me atacado e fora o
assassino de José – foi ser carcereiro no presídio em que eu estava e
passou a fazer comigo os maiores absurdos.

- Cansado de tanta barbaridade, certo dia fui chamado para de-


por junto àquele delegado que me prendera e me decidir por pedir a
ele que me livrasse daquele horror que vinha passando. Para minha
surpresa ele se mostrou muito receptivo e me disse com convicção:

- Se tu me ajudares, eu te ajudarei. Desonrastes a filha de Acácio


e quando ele te foi cobrar tu o matastes. Porém, ainda não ficou escla-
recido quem matou José, o teu vizinho. Fostes tu? Dizei-me... bem po-
243

derias me dizer toda a verdade.

- Vou contar – comecei eu mas, vi naquele instante o meu carce-


Página

reiro que entrava e me olhava com ódio. Sim, aquele era o assassino de
José. Então lembrei-me dos pais da moça que eu nem conhecia; lem-
brei-me da minha pequena Nice que eu deixara com apenas três anos
de idade... Minha cabeça parecia girar, mergulhada em pensamentos
estranhos.

- Tia Neiva, olhando no rosto daquele guarda, que tanto mal me


fazia, maltratando-me e me espancando, fixei meus olhos nos seus o-
lhos, que pareciam fulgir de tanto ódio e falei firme para o delegado:

- Sim doutor, fui eu quem matou aqueles dois homens. Porém


acredite, não conheço a moça e tampouco sabia a razão daquele ata-
que. E continuei relatando tudo o que se passara.

- Enquanto eu fazia o relato, assumindo toda a culpa pelas duas


mortes, pude ver que o ódio de meu carcereiro se abandava. E o dele-
gado acreditou em tudo que falei. Eu tremia de medo, pois agora aque-
le homem sabia que eu o havia reconhecido. Pensei que já que assumi-
ra toda a culpa, ele poderia piorar o tratamento que me dispensava,
vingando-se da morte do irmão e da desgraça da sobrinha.

- O delegado que tinha estado a nos observar perguntou:

- Tens alguma coisa contra ele?

- Não senhor delegado, nem o conheço.

- Ele é irmão de tua vítima – afirmou o delegado.

- Meu Deus! (gritei) Agora entendo tudo melhor...


244

- Saí dali pensando no que havia feito. Não dissera ao delegado


que fora o guarda o autor do crime. Não entendia bem porque me aco-
Página

vardara, mas achei que tinha sido melhor assim.


- Certo dia, fui novamente chamado à presença do delegado.
Notei a presença em seu gabinete de uma jovem loura, que pensei fos-
se sua filha. Ele me disse que eu já tinha direito a uma folga e poderia
sair, e ficou conversando mais algumas coisas comigo. Por fim pergun-
tou à mocinha se ela me conhecia. Ela respondeu sorrindo com natura-
lidade que nunca me vira. E eu também disse que não a conhecia. O
delegado ficou pensativo e me mandou sair.

- Sair... Para onde? O desastre daquela situação havia sido com-


pleto: Eu preso; Minha esposa que não acreditara em meus protestos
de inocência, fora embora junto com toda a família para outro estado e
nem sequer sabia seu endereço. Mesmo que soubesse, como iria enca-
rá-los se não acreditavam em mim?

- O desespero tomou conta de mim e sentei-me, chorando com-


pulsivamente. Depois de algum tempo consegui me acalmar, mas sentia
que a revolta estava tomando conta de todo o meu ser.

- Já se haviam passado dois longos anos. Quanta coisa tinha a-


contecido... Neste período somente meu sogro apareceu, poucas vezes,
mas permanecia calado, sem forças para me falar. A sua visita até me
fazia mal, pois eu sabia que ele escondia de mim seus sentimentos. Ele
também não acreditava em mim. Condenava-me e sentia revolta pelas
faltas que acreditava ter eu cometido. E isso tudo produzia uma grande
revolta em mim. Quando ele ia embora deixava-me mergulhado no
desespero. Oh meu Deus! Um momento, um simples momento de ira
causara a destruição de duas famílias.
245

- Numa noite, após um dia em que recebera a visita do meu so-


gro, só consegui dormir depois de muitas horas lutando contra a revolta
Página

que teimava em me dominar. Dormi profundamente e sonhei... Sonhei


que era um grande senhor de engenho e José (o meu vizinho), era um
irmão querido, que assumia a responsabilidade por todas as loucuras
que eu cometia. Mas do que irmão, era um amigo que eu tinha. Nicá-
cio, a minha vítima e seu irmão, meu carcereiro – eram nossos vizinhos,
mas nós os maltratávamos muito. Eles eram honestos e muito mais
trabalhadores do que nós. Como resultado disso, suas propriedades
eram bem maiores e melhores que as nossas. Mas, eles eram perversos
com os escravos que viviam tristes em razão dos maus tratos que rece-
biam.

- Ainda sonhando, caminhava pelos campos quando encontrei


uma linda moça – aquela jovem que eu vira na delegacia – e nos fala-
mos. Era a filha de Nicácio e sentimos uma forte atração um pelo outro.
Estávamos apaixonados e embora contra a vontade de Nicácio, acaba-
mos nos casando e tomei todas as propriedades do meu sogro. Para
isso, após algumas desavenças, havia matado o irmão de Nicácio – meu
carcereiro – e com tantos infortúnios e contrariedades Nicácio ficara
louco. Assim, assumi toda aquela fortuna. Para atenuar meus crimes a
única coisa que eu fazia era tratar bem daquela família. Meu sonho
continuou Tia, até a data atual, recaindo sobre tudo sobre minha pes-
soa.

- Acordei e senti alívio. Não sabia nada sobre o que tinha de real
aquele sonho. E quando vi meu sogro novamente, veio à minha mente
aqueles personagens do sonho: Ele era um homem cheio de maldade,
forte e me induzia a muitas maldades. Agora ali à minha frente, com
aquele ar compungido...
246

Comecei a pensar no que o sonho me mostrara e passei a en-


Página

tender melhor o que acontecera. Certamente se tudo aquilo era verda-


de, se no passado havíamos cometidos tantos crimes, era natural que
pela Lei de Causa e Efeito, aquelas nossa vítimas houvessem voltado e
fizessem suas cobranças. Essa idéia foi fazendo uma modificação em
mim. Deixei de ser aquele homem revoltado, triste e passei a me rela-
cionar melhor com os outros. Já sorria, era receptivo a confidência e
fazia amigos. Enfim, um raio de sol iluminou aquele mundo, em que eu
estava perdido na minha dor.

- Tia Neiva, o Homem não pode se queixar de Deus. Onde quer


que ele vá, ali encontrará honestidade e tudo quanto precisa para as
suas afirmações.

- Não senti mais saudades. Em cada presidiário eu via um senhor


de engenho, tal foi a minha afirmação.

- Um dia senti forte dor de cabeça e fui levado para um pequeno


ambulatório. A dor era intensa e me desinteressei de tudo. A medica-
ção que me deram para aplacar a dor, fez com que eu caísse num pro-
fundo sono e então comecei a sonhar...

- Oh meu Deus! Vi alguns homens que me pareceram sacerdo-


tes, vestindo trajes brancos operando minha cabeça. Realmente depois
que acordei, a dor tinha passado e nunca mais voltou.

- Certa vez eu estava no grande pátio do presídio, quando notei


um jovem com mais ou menos 30 anos de idade. Ele havia matado seu
próprio pai e diante disso senti como todo mundo sente, repulsa pelo
rapaz. Mas alguma coisa dentro de mim, venceu aquele julgamento e
me acerquei dele perguntando:
247

- Como está?
Página
- Como poderia estar? – Ele começou a chorar e entre soluços
continuou: Você sabe que sou um assassino? Matei meu próprio pai...

- Respondi com firmeza, que eu não acreditava e que se caso


deveria ser mais ou menos parecido com o meu. Ele quis saber como
fora o meu caso e continuou sua narração:

- Ele vivia bêbado e batia muito em minha mãe. Um dia no auge


da violência, estava a ponto de matá-la quando interferi. Ele se voltou
contra mim dizendo que me odiava e da mesma forma que matara o
meu pai, ia me matar. Eu me surpreendi, pois sempre o considerara
como pai. Pensei que era fruto do seu estado de embriaguez e enquan-
to ele trôpego, tentava me alcançar, perguntei a minha mãe se era ver-
dade. Ela confirmou. Havia dito a ele a trinta dias, pensando que ele a
abandonaria... Naquele instante de desespero, passou em minha mente
toda a minha triste infância, toda a nossa miséria. Minha mãe, de cabe-
ça baixa deixara-se cair em um canto. Foi quando com todo o ímpeto de
um ódio profundo aquele homem se lançou sobre mim. Sem pensar,
num acesso de violência, defendi-me e lhe apliquei um golpe que foi
fatal.

- Abaixando a cabeça ele deu um soluço desesperador.

- Apesar de tudo que disse (disse cabisbaixo), eu não tinha cora-


gem de matá-lo... Porém aquilo aconteceu e sei que ninguém vai acre-
ditar em mim

- Fiquei pensando que as coisas aconteceram com ele como ha-


248

viam acontecido comigo. Senti um desânimo, mas me compadeci da-


quele companheiro de infortúnio e lhe disse algumas palavras de con-
Página

solo. Tornamo-nos amigos pela dor. E assim, como ele muitos se chega-
ram mim sempre carregados de ódio, de revolta, mas sempre recebiam
minhas palavras para aplacar o desespero que sentiam.

- Nossa vida ali não tinha muitas novidades, a não ser pelas mal-
vadezas de umas pessoas com outras. As suas dores, as suas paixões
sempre me encontravam disposto a dar um pouco de conforto àquelas
pessoas, graças a Deus!

- Certa noite eu tive um sonho com uma casa azul, uma casa
muito azul, cuja vida de seu dono era um mistério. Era riquíssimo, e só
recebia visitas que aparentavam alto nível social, dizendo-se estrangei-
ros de diversas partes do mundo. Um verdadeiro enigma.

- Meu sonho continuou e me senti penetrando naquela imensa


e misteriosa casa, com a sensação de que era guiado por alguém que
me falava:

- Procure agir depressa, enquanto você dispõe de tempo. Viu


como é perigosa uma cabeça cheia de sonhos? Lembra-te quando este
homem o convidou para trabalhar com ele?

- Sim (pensei) poderia estar bem melhor.

- Como ninguém fugirá às surpresas da noite, com as mãos de-


socupadas, ajude ao próximo enquanto permanecem ao seu lado. Aten-
to às oportunidades, dentro de suas possibilidades.

- Eu ajudar este homem? Quem sou eu e como?


249

- Ao acordar, lembrei-me de que não soubera que espécie de


trabalho ele iria me dar. Ainda deitado lembrava com toda clareza da-
quele sonho. “procure agir depressa, enquanto você dispõe de tem-
Página

po”... Oh, meu Deus! Sonhos, somente sonhos...


- Aquela voz voltou em outro sonho: - E também só damos lições
da vida, enquanto o livro das provas repousa em nossas mãos. Apren-
der é fácil, é uma benção. O que não é fácil é saber emitir o ensinamen-
to como uma benção. Acerte as contas com seus vizinhos, enquanto a
hora lhe é favorável. Amanhã, em todos os quadros podem surgir trans-
formações. A mente do Homem é imprevisível. Dê suas lições sensata-
mente, reconforte os desesperados... Sonhos, tudo sonhos, pensava eu
sem sair da cama.

- O delegado sempre vinha conversar comigo. Nós nos afináva-


mos bem e eu tinha muito respeito por ele. Com carinho ele me conta-
va muitas coisas, boas e ruins. Um dia, ele me disse:

- O homem da casa azul foi detido. Ele era um contrabandista e


continuaria seus crimes, se não tivesse matado seu cúmplice.

Meu Deus! – Gritei assustando o delegado.

- Então comecei a contar-lhe desde o princípio, sobre os meus


sonhos sem saber qual seria sua reação. E qual não foi o meu espanto,
quando ele me disse todo esperançoso que eu era um grande médium,
e me convidou para participar de uma sessão espírita.

- Sim! (pensei) uma saída...

- No dia combinado, como ele havia determinado fomos ao cen-


tro espírita. Era um grande terreiro e no salão a Mãe de Santo veio ao
nosso encontro, dirigindo-se ao delegado. Ficaram um pouco distante
de mim conversando baixinho. Por fim, me chamaram e me conduziram
250

até um homem que estava sentado em um toquinho. Estava incorpora-


do, pelo que pude ver e tão logo me sentei à sua frente, ouvi ele me
Página
falar. Sim, foi como muita surpresa que ouvi aquela voz, a mesma voz,
que me falava em meus sonhos me dizendo:

- Nada tens a fazer aqui. Fique naquele canto e espere até que o
delegado vá embora.

- Sim! Respondi depressa no meu espanto.

- O delegado me perguntou se estava tudo bem e respondi que


sim. Iria ficar apenas vendo como funcionavam os trabalhos. E assim fiz:
como era a primeira vez que estava num lugar daqueles, muito aprecia-
va, achando tudo bonito e complexo o que via. O delegado foi falar com
aquela Entidade que havia falado comigo e vi que ficava muito emocio-
nado ao ouvir o que aquele homem incorporado dizia. Naquele mo-
mento não podia ouvir nada. Só muito mais tarde, depois de passados
muitos anos é que ele me revelou que aquela voz lhe dissera que eu era
filho espiritual dele, e que teria como missão me ajudar na dolorosa
faixa cármica que eu estava atravessando, porém sem que eu soubesse
a verdade. Por isso se explicava a grande afinidade que sentíamos, des-
de o primeiro instante que nos encontramos em tão triste momento.

- Quando voltamos, o delegado demonstrando grande emoção e


já confiando em mim, não me acompanhou até à portaria do presídio.
Para minha surpresa havia sido mudada a guarda da noite e os que ali
estavam não me reconheceram, e acharam que eu estava mentindo
quando lhes disse que havia saído com ordem do delegado, com com-
panhia dele. Nada adiantou. Maltrataram-me e me colocaram numa
cela solitária, incomunicável.
251
Página
- Tinha esperanças de que quando chegasse o pessoal de dia o
caso fosse esclarecido. Mas, então vi que aquele carcereiro minha víti-
ma do passado, não apagara o ódio por mim. Ele nada disse sobre mi-
nha situação e assim passei vinte quatro horas naquela solitária, inco-
municável, sem ter quem me ajudasse. O que valeu foi o delegado ter
ido à minha procura e descobrir toda a trama. Ele ficou furioso, pois
sentiu que aqueles guardas, apesar de me conhecerem tinham um i-
nexplicável ódio por mim. Tinham prazer em me aplicar castigos e so-
frimentos. Repreendeu severamente aqueles homens e me mandou
para a enfermaria a fim de me tratar de alguns ferimentos.

- Cheguei ao ambulatório e me deitei para descansar um pouco,


já tendo sido atendido pelo enfermeiro. Estava cansado e não sentia
ódio pelos meus algozes e sim descrença. Uma profunda descrença de
tudo, abalando até a confiança que sentia em mim mesmo. E foi neste
estado de espírito que me desprendi de meu corpo, para receber mais
alguns importantes ensinamentos.

- A partir deste dia, tudo mudou para mim. Passaram a me res-


peitar mais e olhava aqueles meus carcereiros – homens, pobres ho-
mens que só tinham ódio e maldade em seus corações – com compai-
xão.

- Certo dia estava sentado envolvido por meus pensamentos,


contemplando minha situação – matara um homem e pagava por dois
crimes – quando senti uma aproximação. Pelos arrepios de meu plexo
senti que não era de boa natureza. E realmente, aproximou-se o irmão
252

de minha vítima, meu carcereiro, que me disse baixinho:

- Você sabe que hoje completam 15 anos do seu bárbaro crime?


Página
- Minha cabeça rodou e tive pela primeira vez a sensação de que
era realmente um assassino. Tremi diante daquela acusação e pedi for-
ças a Deus para que perdesse o medo e pudesse enfrentar aquele meu
cobrador. E fui ouvido, pois falei com firmeza àquele homem que tantas
torturas me fizera sofrer:

- Como se atreve a me dizer estas coisas, se você sabe tão bem


quanto eu toda a verdade? – falei e sentia como se o espírito de José
estivesse falando por mim – Como pode ser tão cruel? Tão vingativo?
Quando você sabe a verdade sobre mim. Sua sobrinha deve ter contado
a você que nunca a vira e você, com suas próprias mãos vingou-a do
homem que a desonrara. E eu paguei pela responsabilidade de mais de
um crime, para que você ficasse em liberdade, já que eu não poderia
devolver a vida do seu irmão. Não tenho ódio em meu coração e só
acho que deveria ser inocentado do crime de ter seduzido aquela pe-
quena jovem. Meu Deus! Fui difamado sem sequer tê-la conhecido... a
minha esposa não acreditou em mim e sumiu carregando minha filhi-
nha Nice, com apenas três anos de idade. Até hoje não sei nada delas e
você vem me dizer que eu estou a quinze anos neste cárcere...!? Sim,
depois que meu sogro morreu não tive mais qualquer notícias delas...
há quanto tempo? Nem sei mais. Você me inutilizou, me torturou. Pago
pelo seu crime e tenho que ouvir suas calúnias? Tenho um rim desloca-
do que me maltrata pelas pancadas desferidas pelos seus punhos co-
vardes. Mas agora basta! Até hoje, foram os seus dias. De agora em
diante, serão os meus dias.

- Avancei sobre ele que apavorado por ver minha reação, segu-
253

rou o apito e tentava sacar a arma, quando o agarrei e quebrei seu bra-
ço, derrubando-o com um golpe que o fez gemer de dor.
Página
- Foi um grande tumulto e outros presos acorreram, vindo a
guarda em pé de guerra, com medo de que se alastrasse uma rebelião
no presídio. Subi para um degrau e ali do alto comecei a falar. Parece
que chegara a minha hora, pois Deus mais cedo ou mais tarde toma o
partido da inocência oprimida, e todos pararam para me ouvir. Eu falei
para o meu carcereiro, que gemendo estava ali parado, amparado por
outros sentinelas, e disse como estivesse manifestado pelo Espírito da
Verdade:

- Sofri, sofri suas injúrias realmente, nestes 15 anos de tolerân-


cia e de dor. Há quinze anos você me massacra nesta cela e esqueceu
de que o reconheci desde o primeiro momento em que o vi. Porém,
não queria que sofresse e para tentar compensar a morte de seu irmão
em minhas mãos, assumi sua culpa. Você também sabia que eu nem
sequer conhecia sua sobrinha. Enquanto eu me defendia do ataque de
seu irmão naquele domingo fatídico, você matou meu vizinho José, o
verdadeiro sedutor de sua sobrinha. E eu estou pagando pelos dois as-
sassinatos e pela sedução da jovem. Tenho sofrido muito, mas não de-
nunciei até este momento. Nunca quis lhe fazer qualquer mal, embora
você deva ter consciência do seu procedimento e do seu irmão naquela
triste tarde na minha casa...

- Ele não esboçava qualquer reação enquanto eu falava. De ca-


beça baixa, ele estava sob o jugo da verdade. Todos ouviam atentamen-
te minha palavras quando fui interrompido pela chegada do delegado
que foi pedindo calma e me disse:
254

- Tenha calma João, que sei tudo a seu respeito.

- E voltando-se para o meu carcereiro, que não conseguia man-


Página

ter-se firme falou com aspereza:


- Quem deveria estar nesta cela era você. E ainda tem a coragem
de zombar deste homem... Sim, somos todos filhos de Deus e não serei
eu que irá condenar sua conduta. Sei que cobra incessantemente per-
dido no ódio, esse pobre homem que em vidas passadas foi seu algoz.
Porém, tudo tem o seu preço e o seu fim. A vida não é simplesmente
uma cobrança. Somos filhos de Deus, somos irmãos e a finalidade da
cobrança é a escalada para um mundo superior, é para nos unirmos em
uma única família universal, sem peso na consciência. Quando você
tiver a felicidade de conhecer os santos desígnios de Deus, aprenderá a
ter amor ao próximo como Jesus Cristo nos ensinou no Santo Evange-
lho. Fique sabendo que na cobrança sem amor, as dores são repartidas.
Todos somos imperfeitos. Como pode um homem se atrever a cobrar
com torturas, seu irmão, por um crime do qual não foi ele próprio o
único culpado? Sempre soube da sua vida, mas não quis interferir para
ver até onde você ia na sua inconsciência. Sempre foi de opinião de que
você não merecia estar aqui. Deus, o grande Deus, nos admite nestes
presídios para que o homem pare e pense no que ele passa aqui. E é o
que muitos fazem lá fora aos inocentes. Pessoas que pisam em seus
próprios cadáveres...

- Quando percebi Tia, todos do presídio estavam reunidos ou-


vindo as palavras do delegado, comecei a falar:

- Não quero afligir meus irmãos com detalhes de minhas tortu-


ras e sim lhes dizer que tudo tem o seu santo dia. Nem um só filho de
Deus está perdido ou esquecido e só assim podemos compreender Sua
bondade infinita. Sim, cada um de vocês um dia compreenderá. Chorei
255

muito em minha cela. Chorei, desesperado pensando estar esquecido


até mesmo por Deus. Quantas noites me acordava sob efeito de terrível
Página

pesadelo e ao abrir os olhos me deparava com você – e apontei para o


carcereiro – à beira de minha cama, com atitude de quem ia me matar.
E eu? Eu nunca pedi que não o fizesse. Isso e muitas outras torturas que
não direi agora, pois são por demais tristes para serem cometidas por
um ser humano. São muitos os homens que se utilizam da calúnia para
esconder seus crimes. Fingem e mentem tanto que chegam ao ponto
de acreditar no que criaram suas próprias mentes sujas.

- fui interrompido pelo apito que nos chamava para a refeição e


aquilo quebrou nossa concentração. Todos se movimentaram e os
guardas foram levando meu carcereiro para o ambulatório.

- Sentei-me ali mesmo e novamente só, senti uma sensação de


alívio como se um peso tivesse sido tirado do fundo de minha alma e
chorei. Chorei copiosamente.

- O delegado mandou-me chamar e quando cheguei ele me re-


cebeu com muita alegria, me abraçando e dizendo:

- João! Cumpristes dignamente a tua pena e a tua missão. Para-


béns. Agora és um homem livre!

- A notícia me deixou meio tonto e muitos presidiários e guardas


vieram para se despedir de mim. Em meio a tantos abraços só sentia
aquele atordoamento e assim, sem saber exatamente os meus senti-
mentos, saí daquela penitenciária, onde passara aqueles quinze anos,
que me pareceram uma eternidade.

- O delegado foi comigo até a rua e me abraçou comovido dese-


jando-me boa sorte. Quando ele me deixou, fui até um banco que havia
256

próximo ao portão e me sentei tentando por minha cabeça em ordem.


Página
- Para onde irei? (pensava). Como poderei viver, trabalhar, se
poucos são os que confiam num ex-presidiário? Onde posso encontrar
minha Nice, minha filhinha querida? Será que ela sabe da minha exis-
tência? Agora com dezoito anos, será que ainda lembra de mim? Irá
acreditar em mim?

- Era uma avalanche de pensamentos que me deixava fora da


realidade. Comecei sem sentir, a falar em voz alta:

- Oh meu Deus! Sei que fui assassino pela honra do meu lar, po-
rém jamais desrespeitei alguém, principalmente uma mocinha.

- Nem senti quando o delegado que se chamava Wagner, se sen-


tou ao meu lado. Só ouvi sua voz amiga que rompeu minha sintonia
dizendo:

- Calma, João. Calma e esperança. Deus saberá te recompensar.


Com certeza está reservando um grande bem para ti.

- É doutor, mas que será de mim agora? Sem lar, sem família,
sem ninguém...

- De onde tu viestes filho?

- É uma longa história doutor, e pode acreditar no que vou lhe


contar. Eu nasci e vivi na roça, numa família unida, cuja vida era o celei-
ro e a lavoura. Trabalhávamos muito, mas tudo era feito na maior har-
monia, e todos ali nas redondezas eram amigos. Vivíamos na linda har-
monia. Sim haviam muitas festas, mutirões e formávamos um belo gru-
257

po. Certo dia fomos para uma grande quermesse, numa festa realizada
em homenagem à santa padroeira do lugar. Esses acontecimentos eram
Página

sempre marcados pela alegria e todos compareciam. Fomos para apro-


veitar a festa e levei minha noiva Dorinha, um amor de mocinha, filha
de um vizinho nosso. Logo que chegamos já fomos comprando bilhetes
da rifa, cujo prêmio maior era lindo cavalo e depois fomos vendo as
atrações da quermesse. Acercou-se de nós uma cigana que era membro
de um grupo que há alguns dias havia acampado por ali. Pediu minha
mão para ler, mas eu não queria perder tempo com essas coisas que
achava tolices. Disse-lhe que não tinha dinheiro mas ela pegou minha
mãe e disse apenas:

- Vais viajar para muito longe e jamais voltará...

- Dorinha ficou triste e começou a chorar. Aborrecido, falei com


ela que a cigana tinha dito aquilo só porque eu não a deixara ler minha
sorte. Ficara com raiva e tratou de criar um problema. Na verdade, só
Deus sabe de nossa vida e aquela cigana não sabia nada sobre o futuro
dos outros.

- Fomos interrompidos pelo resultado da rifa. Em meio aos gri-


tos e risadas foram nos avisar que o meu número havia sido sorteado e
que eu devia ir buscar o belo animal. Entre palmas, saí dali montado no
lindo cavalo mangalarga levando Dorinha na garupa. Já estávamos es-
quecidos dos maus presságios da cigana...

- Demos uma volta e apeei para melhor examinar que o cavalo


que havia ganhado. Com surpresa, senti-me angustiado quando olhei
seus cascos verifiquei sinais de uma doença – frieira maldita – que co-
meçavam a aparecer. Estávamos acostumados com animais, pois tí-
nhamos grandes tropas, criações e gados de várias raças e sabia muito
258

da vida da maioria deles. E sabia que aquele mal não tinha cura e meu
cavalo teria que ser sacrificado. Sem saber o que fazer guardei segredo,
Página

para ver como resolveria a situação sem que os outros soubessem.


- Nem mesmo a Dorinha contei, mas ela notou que algo me per-
turbava. Disse-lhe que estava aborrecido com a cigana que a fizera cho-
rar e não contei o motivo de minha mágoa.

- Chegamos em casa e meu pai e meus irmãos estavam me es-


perando, fazendo enorme algazarra pelo meu prêmio. Um irmão disse
que era preciso examinar o cavalo, pois poderia ter alguma doença e
iria contaminar os outros. Respondi-lhe que já vira o animal todo e ele
estava muito bem. Tínhamos sempre sido leais uns com os outros. A
mentira, a inveja, nenhum desses sentimentos negativos achava guari-
da naqueles puros corações.

- Por isso já alta noite, não conseguia conciliar o sono, com a


consciência doendo por ter mentido. Levantei-me e fui às cocheiras,
para ver novamente o meu cavalo. Certifiquei-me que estava mesmo
condenado, pois seus sintomas haviam agravado. Então, tomei uma
rápida decisão: coloquei-lhe a cela.

- E deixamos aquela região no silêncio da noite. Ninguém nos viu


sair. Cansado, pelo movimento da festa, todos dormiam pesadamente e
não encontrei uma pessoa sequer no meu caminho.

- Doutor, lembro-me como se fosse hoje, daquela caminhada


para o desconhecido. Cavalguei sem parar até que a fome me fez apear
à frente de um restaurante da estrada, onde comi bastante, pois não
sabia onde e quando iria comer novamente. Voltei a cavalgada e algo
estranho aconteceu comigo, pois cai em profundo sono. Quando acor-
dei, estava próximo a uma cidade sertaneja, inteiramente desconhecida
259

por mim. Fiquei atônito.


Página
- Avistei um grande circo e fui entrando no acampamento pu-
xando meu cavalo pelas rédeas. Algumas pessoas saíram das barracas e
foram ao meu encontro.

- De onde vem? – perguntou alguém.

- Contei-lhes de onde mas não lhes disse que não sabia onde es-
tava. Não sabia se podia confiar neles.

- Você quer vender seu cavalo? – perguntou um homem, apro-


ximando-se e começando a examinar o animal.

- Fiquei com medo que descobrisse a doença do cavalo e me a-


fastei dali. Mas, com grande espanto quando olhamos os cascos do a-
nimal, verifiquei que não havia o menos sinal da doença fatídica. Não
podia explicar o que havia acontecido, mas era apenas mais um dos
fatos inexplicáveis que estavam me acontecendo.

- Não, ele é a única coisa que tenho e pretendo voltar o mais


depressa possível para a minha cidade – respondi.

- Se quiser voltar para sua região moço, vai ter que vender o ca-
valo (disse o homem). Você está muito longe de casa e este animal não
ia agüentar uma viagem longa destas...

- Longe? (mas um mistério para mim...) O senhor conhece minha


região?

- Sim, de ouvir dizer. Fica há mais de oitocentos quilômetros da-


260

qui. Na verdade só conhecemos até perto do convento.


Página
- Convento? – minha cabeça estava girando. O convento ficava
muito longe de minha casa. Como pudera chegar tão longe, sem ter a
menor noção do tempo e do espaço?

- É moço, se quiser ficar estamos precisando de alguém como


você para trabalhar. Aceita?

- Com a mente envolvida por tão denso mistério, decidi aceitar a


oferta e comecei a trabalhar com aquela gente. Havia muito que fazer,
mas a idéia de voltar para casa estava fixa em minha cabeça, principal-
mente agora que meu cavalo estava em perfeitas condições. O que es-
tariam pensando meus pais? E Dorinha? Afinal, o que aconteceu comi-
go? Estava sempre perdido no ciclo vicioso dos meus pensamentos.

- Mas o tempo foi passando e me acostumei com aquela vida.


Conheci uma moça muito agradável e nos apaixonamos. Casamos e
tivemos um período muito feliz. Meus sogros eram como meus pais e
nos sentimos realizados, quando nasceu minha querida Nice. O traba-
lho não me dava tempo para sair, mas havíamos combinado de ir até
minha cidade e nos confraternizarmos com minha família, tão logo Nice
estivesse um pouco mais crescida.

- Passei a sonhar com essa viagem, embora não soubesse por


qualquer meio o que se passara por lá em minha casa, desde que a dei-
xara. Eram imagens do passado e ia relegando minhas lembranças a um
cantinho de minha mente, agora toda voltada para o meu lar e minha
querida família.
261

- Por fim, decidimos que chegara a hora. E fizemos um almoço


especial para o qual convidamos meu vizinho José. Estávamos festejan-
Página

do, também cinco anos de minha chegada ali.


- Porém, o destino foi mais forte que os meus planos. Estávamos
almoçando quando a porta se abriu repentinamente e dois homens
enfurecidos invadiram nossa casa e passaram a nos agredir. Procurei
me defender, defender minha família e a raiva me deixou cego. Tam-
bém reagi com fúria e quando dei conta de mim, um dos atacantes jazia
morto e o outro havia fugido. José também havia recebido um golpe
fatal.

- Esperei que minha família me defendesse, mas vítima de um


ciúme profundo, minha esposa acreditou que tudo havia sido motivado
por ter eu seduzido a filha de um dos atacantes, exatamente aquele a
quem eu havia tirado a vida... o resto o senhor já sabe doutor.

- O delegado ficou de pé e se voltando para o muro que estava


próximo gritou:

- Venha Nice, venha abraçar seu pai, pois parece que ele já vai
embora outra vez...

- Saindo de trás do muro, uma linda jovem se precipitou corren-


do e me abraçou. Eu tonto, não sabia exatamente o que estava aconte-
cendo. A jovem chorava e me abraçava e me abraçando disse:

- Oh, meu paizinho querido! Não irás mais sozinho. Para onde
fores eu irei junto...

- Minha emoção foi tão grande ao saber que aquela jovem era
minha Nice, que senti minhas pernas fraquejarem. Oh, meu bom Deus!
Não há como descrever minha felicidade naquele reencontro.
262

- Sentamos novamente naquele banco e ela me envolvia o pes-


Página

coço num abraço. E foi contando muitas coisas novas para mim.
- Estou noiva do filho do delegado. Já marcamos nosso casamen-
to para breve e logo iremos visitar meus avós, que estão à tua espera,
ansiosos para te ver.

- Olhei aquele rostinho lindo, os olhos brilhantes, e quase num


murmúrio perguntei:

- Sua mãe, onde está?

- Ela baixou a cabeça e demorou um pouco a responder:

- Morreu... morreu de parto. Esperava um filho. Certamente um


filho que não era teu...

- Oh meu Deus! – gritei, sentindo uma dor em meu peito.

- Virei para o delegado, sentindo meus olhos turvos pelas lágri-


mas.

- Que infelicidade, meu Deus. O senhor sabia de tudo todo este


tempo e não me disse nada... por quê?

- Sim! Meu bom amigo. Não lhe disse nada, para não aumentar
seu sofrimento. Quando tive certeza da sua inocência, fui procurar sua
família e lhes contei tudo. Naquele dia em que o levei àquele terreiro, a
entidade de minha confiança me recomendou que eu nada lhe contas-
se. Até mesmo me revelou que você é meu filho espiritual, o que me
deu alegria e angústia ao mesmo tempo, pois não poderia revelar esse
fato a ninguém, enquanto você estivesse no presídio. Seria melhor para
263

todos. E assim fiz...

- Então, um carro parou perto de nós e dele desceu um jovem.


Página

Era o filho do delegado, o noivo de minha filha. Simpático, apertou mi-


nha mão abraçando-me e dizendo que tinha um grande prazer em me
conhecer, e que estava muito feliz com minha libertação.

- Fui para a casa de Wagner e me trataram com muito amor, pa-


ra que me recuperasse bem, e estava ansioso para voltar à casa de
meus pais. Wagner conseguira o endereço e escrevera para eles rela-
tando meu drama. Eles também estavam ansiosos para me ver.

- Em poucas semanas, Nice se casou e nos preparamos para a


viagem. Foi com grande alegria que chegamos àquele lugar onde eu
passara meu primeiro período da vida.

- Meus pais já bem idosos felizes e emocionados, me receberam


com muito amor. Apenas meu pai me repreendeu pelo que eu havia
feito: - Veja meu filho, o que acontece aos grandes médiuns sensitivos
que fogem à sua missão...

- É, meu pai... eu tive que ir em busca do meu carma, de meus


cobradores...

- Minha volta foi muito festejada. Meus pais e meus irmãos re-
solveram fazer uma reunião para me homenagear. Os amigos da famí-
lia, muitos dos quais nem haviam me conhecido pessoalmente, compa-
receram e pude reviver aquela mesma alegria e confraternização que
existia quando eu era jovem. Eu me reencontrei com Dorinha. Embora
magoada pelo que eu lhe fizera, guardava o mesmo amor e parece que
sabia que eu um dia voltaria. O tempo suas marcas, mas aquele olhar
meigo, ainda era o mesmo que me emocionara naquele passado tão
264

distante... apesar do que eu havia feito, ela não me repreendeu, não


me falou dos pesadelos que tivera. Apenas me olhou e naquele mo-
Página

mento, senti que eu também nunca pudera amar ninguém mais do que
ela.
- Num curto espaço de tempo, casei-me com Dorinha. E então
vivi um período de felicidade, sentindo um bem-estar tão grande que
por vezes sentia medo de que tudo se acabasse. Tivemos três filhos e o
mais velho chamou-se Wagner, em homenagem ao meu querido amigo
delegado, o meu pai espiritual que tanto me ajudara, que se aposentara
e fora viver com o jovem casal, Nice e seu filho, já formado em advoca-
cia.

- Nice também teve um filho e junto a minha família, com meus


filhos e meu neto, achava-me recompensado de todos os meus sofri-
mentos. Meu bom Deus me havia dado em dobro por tudo que eu pas-
sara...

- E assim transcorreu aquele nova etapa de minha vida, até que


chegou o momento de partir, o grande dia, o dia do meu desencarne.
Havia chegado ao fim de minha missão, de minha história, era o mo-
mento de partir para Deus.

- Tive uma febre muito alta e fui perdendo a noção das coisas.
Meu corpo ainda respirava fracamente e ouvia distante; vozes, gritos e
soluços. Aos poucos tudo foi desaparecendo e segui meu destino.

- Não sei bem o que aconteceu, mas me lembro que despertei


em um local desconhecido, com a sensação de estar só. Não havia nin-
guém e quando falei, somente um eco muito forte respondeu. Parecia
ouvir chamados e sermões, mas me sentia em completa solidão.

- Após um período que não sei determinar quanto tempo durou


265

naquele local, ouvi uma voz que dizia:

- Passageiros que partem para a Terra: concentrem-se para des-


Página

cer.
- Preparei-me para obedecer, quando uma voz me falou e jamais
esquecerei o que disse:

- João Armando da Silva. Não precisa se preocupar. Fique onde


está. Logo uma equipe de médicos estará aqui e em breve você será
conduzido ao verdadeiro mundo dos espíritos. Não voltará à Terra,
porque você tem bônus e não irá ficar vagueando.

- Senti emocionado, mas uma ligeira dor cortou-me o coração –


a saudade dos que deixara na Terra. Lembrei-me das palavras de Jesus:
“Deixem os mortos enterrarem seus mortos...”

- De repente, chegou aos meus ouvidos o rumor de uma queda


d’água. Sem saber como, eu estava me aproximando do som e pouco
depois, surgiu diante de meus olhos uma cachoeira, num espetáculo
deslumbrante de selvageria e desordem, uma branca espuma dançando
entre os penhascos. Era um cenário maravilhoso.

- Havia um caminho por onde fui andando, acompanhando o lei-


to do rio, e fui penetrando na floresta, enquanto um vento estremecia
as copas das árvores e as folhagens balançavam, como que descobrindo
a brisa da manhã.

- Fora a cachoeira, tudo era silêncio e harmonia ao meu redor e


eu respirava aquela brisa que corria em todo o meu ser. Sentia-me em-
bevecido por tudo aquilo. Até hoje, não encontro palavras ou analogia
para descrever a felicidade e a harmonia que sentia ali.

- Aqui e ali aparecia a Terra manchada pela luz do Sol e, ao


266

mesmo tempo parecia ir-se distanciando.


Página
- A harmonia resulta do acordo perfeito entre nossa mente e
nosso Sol Interior. A minha freqüência assídua às sessões espíritas aju-
dou-me muito, pois o esclarecimento me orientava por onde devia an-
dar, por impulsos vindos do perispírito, através dos plexos correspon-
dentes. Como sabem somos ligados ao corpo pelo cordão fluídico, e
este só se desliga com a morte. Logo após a morte, nos sentimos leves
como uma pena. Por isso entendi o que se passara comigo. Tive a cer-
teza de estar ali para sempre. Não tinha dúvidas, tinha feito meu de-
sencarne e por isso me sentia tão leve.

- Sim, porque o plexo físico ou centro nervoso é o plexo das as-


pirações das grandezas da Terra. Ele pesa e nos desarmoniza.

- Eu estava agora, naquela situação magnífica que acontece ao


homem, quando ele se desloca da escravidão do seu corpo material.
Sim, a vida é formada pelos movimentos alternativos de suas forças, e
esta constante vibração constitui a grandiosa obra da transformação
universal.

- Naquele bailado de luzes e na ternura daquela brisa, pedi a


Deus que me despertasse do torpor que sentia. Sem noção do tempo
ou de espaço, ouvi uma voz que despertou em mim, dizendo:

- João, estás chegando... recebestes o aroma das cachoeiras e


das matas frondosas. Enchestes o teu novo plexo de prana do teu espí-
rito evoluído. Receberás de Deus o que fizestes por merecer.

- Uma súbita transformação e me vi em um grande salão, onde


267

pessoas subiam e desciam, parecendo todos terem vindo da Terra. Ali,


um grupo de senhores estava à minha espera. Era uma família formada.
Página

Juntei-me a eles e entramos numa linha Amacê, rumando para nosso


destino, uma cidade colonizada para a qual não encontro palavras ca-
pazes de descrever tão bela era ela. Para ali só vão aqueles que não
tem mais qualquer reajuste a ser feito na Terra.

- Comecei a recordar daquela grosseria do presídio, de tudo pelo


que havia passado. Porém, imediatamente tive consciência de que a-
travessara sem revolta, toda aquela missão que Deus me havia confia-
do. Aquele meu cobrador, que não soubera aproveitar a oportunidade
oferecida pelo Divino e Amado Mestre, iria ainda penar por muito tem-
po, até que brotasse em seu coração a divina semente do amor, que lhe
daria libertação. Já havia pagado pelos meus crimes e nada mais me
restava a fazer na Terra, a não ser trabalhar na Lei do Auxílio.

- Adeus meus irmãos. Encontro-me na Mansão dos Nicipe.

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Página
“A dor faz o Homem humilde e o amadurece para Deus.”

269
Página
A VOLTA DOS CIGANOS

Surgiam os primeiros raios do Sol, prometendo assim, uma pri-


mavera festiva naquele pequeno povoado de Provincur, do conde Rafa-
el, jovem viúvo e herdeiro que gozava de todos os requintes da côrte
russa. Tudo prometia aquele belo dia de Sol! Todos queriam ser acarici-
ados por ele. Foi, então, que me despertou, também, aquela alegria.

Oh, meu Deus! Começo a me lembrar, como se fosse hoje!...


Lembro-me bem, sim...

Estava ali, naquela pequena praça, uma linda cigana que canta-
va, dançando em sua graça, ricamente vestida. “Que quadro original!” –
pensei. Chegando-me mais para perto, pude melhor observar. Alguém,
que acabara de chegar, foi me explicando com detalhes:

“É um magnífico casal de ciganos. É, também, filho deles, aquele


pequenino cigano”.

Fui misteriosamente atraída por aquele quadro diferente e, ab-


sorta em meus pensamentos, não reparei que já estava bem tarde para
atender às exigências do meu patrão, o conde Rafael, pois eu era a go-
vernanta do castelo. Segui para casa e já estava nos meus afazeres do-
mésticos quando entrou o meu estimado patrão, trazendo em seu
semblante um desespero de dor. Fui ao seu encontro e, com a familia-
ridade que tínhamos, perguntei:

- Que se passa contigo, meu filho? Diga, meu bom menino!


270

- Oh, minha boa Antera! Sempre fostes compreensiva e sincera.


Diga-me o que devo fazer agora, após minha triste atitude.
Página

- Meu filho! Que fizestes?


- Sim, foi horrível! Encontrei-me com uma bela cigana, a seduzi e
a induzi seguir-me. Oh, meu Deus! Como pude ser tão cruel? Arranquei-
a de Augusto, seu esposo, e mandei que a trouxessem com o seu pe-
quenino rebento. Oh, minha querida Antera! Se pudesse remediar o
mal que cometi... Deve haver uma força maior, pois como se justifica
este impulso, fazendo-me cometer tão monstruoso ato? Diga-me algu-
ma coisa, bondosa Antera.

Fiquei parada ali, sem nada dizer, enquanto mil coisas passavam
pelo meu pensamento. Ora veja! Como pode, meu Deus, uma cigana
viver agora entre nós? E qual seria o fim de tudo isso? Afinal, indaguei:

- Onde está esta cigana?

Era verdade! Ali estavam a cigana e seu filhinho, de uns três a-


nos, aproximadamente.

- Seja bem vinda a esta casa, linda cigana! – disse eu – Sou a go-
vernanta deste castelo, para lhe servir no que desejar.

- Oh! - disse ela – como sois boa, senhora... Porém, sou uma po-
bre cigana que pretende servir e não ser servida!

- Verdade? Então nos serviremos mutuamente! – disse, para ar-


rematar.

Foi então que a criança começou a chorar.

- Deve estar com fome. – retruquei, saindo para preparar qual-


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quer coisa para o menino.

- Chama-se Yatan – disse a mãe – e desde já o entrego, boa se-


Página

nhora. Eduque-o nos seus costumes!


Misericórdia! – quase gritei de medo, pois as características do
pequeno cigano nada ofereciam de bom.

Passados alguns dias após a chegada de Andaluza – a cigana –


no castelo, houve a celebração das bodas do conde Rafael com a en-
cantadora cigana. Tudo voltava ao seu ritmo normal. A bondade e hu-
mildade daquela cigana deslumbravam a todos que a conheciam. O
lindo casal demonstrava verdadeira felicidade. Certa vez, voltando de
um dos meus passeios costumeiros com o pequenino Yatan, deparei-
me com Andaluza em frente ao quadro da minha falecida patroa. A
princípio, pensei que estivesse admirando aquele quadro de tão rico
valor. Porém, logo percebi que chorava silenciosamente. A sala era am-
pla e, de onde estávamos, podíamos permanecer ser sermos vistos.
Olhando para mim, o menino disse:

- Antera, não faças ruído para não assustar mamãe. Ela se lasti-
ma do lobo que comeu papai... Sabe, Antera, quando eu crescer e for
um homem, matarei todos os lobos, até encontrar o papai!

Andaluza virou-se para nós, com os olhos rasos d’água e um li-


geiro sorriso de amargor. Era verdadeiramente linda! Seus cabelos, em
mechas douradas, destacavam aquele rosto oval. Um par de olhos ver-
des, caprichosamente rasgados... Seus lábios entreabertos exibiam um
verdadeiro colar de pérolas do mais rico valor. Ela ouvira aquele diálogo
de seu filho comigo, porque veio ao nosso encontro e, pondo-o no colo,
disse:

- Pobre filhinho! Venha, minha querida Antera, venha! Quero


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que saibas tudo o que se passou comigo e os meus.


Página
Arrastou-me para um pequeno sofá, perto da lareira, onde dei-
xou cair seu esbelto corpo e, com a linda cabeça dourada no meu colo,
cerrou os olhos e começou a contar:

- Querida Antera!... Era uma vez uma infeliz tribo de ciganos que
tinha como rei um jovem por nome Augusto.

Ela fez uma pausa, continuando com os olhos semicerrados,


como se estivesse sentindo a presença do conde Rafael, que acabara de
chegar, tomando lugar em uma cadeira à nossa frente.

- Sim, minha filha!... Sei que nos faz bem este segredo de tua
formação. Desabafas, que melhor guiarás teus próprios passos.

- Augusto chamava-se ele, o nosso rei. Tinha eu quatorze anos


quando uma velha profetisa disse à minha mãe que eu haveria de me
casar com um rei de nossa tribo porque, do contrário, não seria feliz.
Guardei comigo aquela doce revelação. Certo dia, quis o destino envol-
ver-me em suas gaiolas. Morreu o nosso velho rei, deixando dois filhos
gêmeos à disputa de seu trono. Eram Brás e Augusto, um dos quais te-
ria que ser nosso rei que, por sua vez, me desposaria. Houve, então,
uma grande disputa. Brás ganhou com todas as pompas.

Que feliz seria sendo esposa de Brás!

Oh, meu Deus! Em meu pequeno coração já palpitava o seu a-


mor. No entanto, todos ali temiam que Augusto não aceitasse a derro-
ta. Porém, em minha inocência, não pensava senão no meu amor. Até
que o mau dia chegou!... Já era bem tarde da noite e começavam os
273

primeiros sinais do outono, quando uma forte discussão se ouviu lá


fora. Saí de minha barraca para ver o que se passava. Lá estavam Brás e
Página

Augusto em forte pegada. Após discussão, chegaram a um acordo: Au-


gusto partiria com alguns ciganos ambulantes e deixaria Brás com o seu
povo. Assim, deveria estar tudo resolvido – pensei.

Qual não foi o meu desgosto ao despertar-me no outro dia e me


ver nas garras de Augusto. Raptou-me altas horas da noite, sem que eu
houvesse sentido. Destino!... Cruel destino! E, sem tempo para me re-
fazer daquele susto, foram celebradas as bodas nupciais, minha e de
Augusto. Tudo estava terminado para mim, até que, certo dia, Augusto
destinou-se para este lugar. Era, realmente, imprevisível aquele ho-
mem! De nada valendo nossos conselhos e nem, tampouco, as premo-
nições dos sábios profetas, tivemos que fazer este triste trajeto, em
respeito ao nosso caprichoso rei. Como foi horrível! Quando já estáva-
mos no metade do caminho, começou a nevar. Ficamos no mais terrível
oceano de gelo. Como fazer? Os nossos aquecedores ficaram imprestá-
veis e a caça era muito perigosa. Prefiro não descrever os dias de tortu-
ra que passamos, aprisionados em nossas barracas. Augusto escondia o
alimento e servia ração para a tribo. Aquele sofrimento coletivo durou
muito tempo. Até que, uma noite, fomos surpreendidos por forte tor-
menta. Não tivemos tempo nem para raciocinar no que estava aconte-
cendo. O vento soprava, arrancando as barracas dos lugares, deixando-
nos desesperados.

Oh, Santo Deus! Sem que pudéssemos nos refazer nem socorrer
nossos irmãos feridos, famintos animais investiram contra nós. Foi uma
verdadeira luta da vida contra a morte!

Oh, Virgem Santa! Atrás de uma barrica que havia rolado, fui
274

testemunha ocular daquele triste cenário. Sim, triste, muito triste! As


feras lançavam-se contra aqueles desafortunados ciganos, não lhes
Página

dando tempo para qualquer defesa. Eram lobos, eu vi! Fui testemunha
e haveria de estar registrada, para a eternidade, aquela cena terrível!
Oh, meu Deus! Até agora parece-me ouvir os uivos daqueles a-
nimais, que fugiram levando suas vítimas na imensidão daquela trágica
noite. É verdade! Não havia dúvida! Estava ali – não havia sonhado!...
Corri os olhos ao redor e, desolada, vi que tudo havia sido destruído e
que só restavam eu e Augusto – narrava a cigana, como se estivesse
vivendo outra vez aquele drama tão triste e até então desconhecido
para mim e para o conde Rafael e, sem que pudéssemos interrompê-la,
continuou:

- Ah, foi horrível! E muito rápido, antes de voltar ao meu estado


normal, senti uma forte dor na cabeça, com uma sensação estranha.
Ouvi um chamado rouco: “Andaluza!... Andaluza!...”

Em seguida, quis responder, mas minha voz não saía. Estava pe-
trificada. O único sinal de vida era aquela dor de cabeça. Ali adormeci.
Acordei com os gritos de Augusto. Já não me chamava mais, gritava
como um louco. Corri para perto dele e, tropeçando em alguma coisa,
abaixei-me para ver.

Oh, meu Deus! Eram os restos físicos de Calaça, minha querida


protetora. Quantas vezes ela enfrentara as chibatadas que Augusto me
lançara... Ela as enfrentava por amor a mim!... E ali estava eu, com meu
triste destino! Infelizmente era verdadeiro, eu não estava sonhando!
Não sei por quanto tempo permanecemos ali, abraçados, com medo de
olhar ao redor. Após algum tempo, ele balbuciou: “Luza querida, que
nos resta fazer?”

- “Esperarmos a nossa vez!” – respondi, pressentindo novas


275

desgraças.
Página

Passamos dois dias dentro do barracão que havia ficado de pé.


Augusto, desesperado, pagava o preço da sua perversidade. Nada nos
restava senão esperar o nosso triste fim. Odiava Augusto com toda a
força do meu coração! Não suportando mais aquela terrível espera,
resolvi, então, matar Augusto e a mim. Depois de livre, meu espírito
correria até encontrar minha querida Calaça!

Apalpei o punhal que trazia no seio. Augusto dormia com pesa-


delos, gemendo e se virando, de vez em quando, de um lado para o
outro. Será agora! – pensei, empunhando com toda força o meu pe-
queno punhal. Augusto acalmara-se e, com sua camisa desabotoada,
exibia no peito forte o medalhão emblema da saudosa tribo dos KAT-
SHIMOSHY. Comecei a fitá-lo, como se meus olhos estivessem presos
àquela jóia tradicional KATSHIMOSHY.

O que estava acontecendo? O que aconteceria quando soubes-


sem do trágico fim de Augusto e de seu povo? Meu Deus! Não ficaria
ninguém que pudesse contar esta triste história, porque nós também
estaríamos mortos! Ia me matar e, em seguida, correria em busca de
minha querida Calaça...

Augusto parecia desafiar-me, respirando profundamente. Le-


vantei o braço, decidida a sangrá-lo, quando ouvi uma voz familiar:

Luza, minha filha, pelo amor de Deus! Como o desespero te fez


cruel! Não tens respeito às relíquias dos profetas Katshimoshy? Não
temes os seus encantos? Minha filha, bem perto daqui habitam peque-
nos seres selvagens que poderão ser dominados. És loura e bonita. Eu
te preparei com os encantos dos Katshimoshy. Augusto não precisa
mais destes encantos, pois já os tem!”
276

Olhei em seu peito, onde reluzia o encanto do emblema. Res-


Página

pondi, afinal: “Oh, como gostaria de estar delirando nesse momento!”


“Não estás delirando - disse Calaça – aqui estou em espírito e verdade.
Não crês nas manifestações dos espíritos e nas revelações dos
profetas? Pois bem, eu te darei uma prova.”

Desapareceu após dizer tudo isso. E eu, como se estivesse so-


nhando, despertei, agora sem o mínimo desejo de matar aquele que
seria, em breve, o pai de meu filho. Debrucei-me sobre o seu peito e
chorei amargamente por longo tempo. Augusto, sem de nada desconfi-
ar, acordou e começou a acariciar-me. Comecei a perceber, então, os
fenômenos de Calaça, que haviam me transformado a ponto de corres-
ponder àquele gesto de carinho. Augusto apertava-me contra o seu
peito forte e, pela primeira vez, aceitei-o sentindo ternura. Calaça,
sempre boa, mostrando sempre os bons caminhos, apesar de desen-
carnada, continuava nos ajudando a enfrentar tão terrível destino. De-
pois deste confortador encontro com Calaça senti uma enorme vontade
de viver.

Certo dia, Augusto resolveu sair por aqueles arredores, deixan-


do-me na barraca. Ocupava-me dos meus poucos afazeres quando gri-
tos estranhos sobressaltaram-me. Vi pequenos homens selvagens que
se arremessavam contra a entrada de minha infeliz casa. Senti, naquele
instante, uma força suprema percorrer todo o meu corpo, como se na-
da devesse temer daqueles pequenos seres. Abri a porta e, na soleira,
esperei, desafiando aquela pequena tribo. À medida que se aproxima-
vam, pensei mil coisas. Pensava em Calaça... Pensava em que havia
chegado a minha feliz hora... Sim, feliz porque a esperava como liberta-
ção para o meu espírito! Olhei ao longe e vi Augusto que, atraído pelos
gritos, corria em nossa direção. Porém, os pequenos homens me cerca-
277

ram e um deles ordenou que me pegassem. Não reagi, nem tampouco


manifestei desejos de levar algum objeto de minha barraca. Ao contrá-
Página

rio, desejava esquecer tudo, esquecer o meu passado e me entregar à


sorte do meu infeliz destino que, a partir daquele instante, estaria en-
tregue à providência divina.

Os pequenos homens continuavam a gritar, porém não me as-


sustavam. Não mais sentia por eles o menor temor. Ao longe, avistava
Augusto que corria, alucinado, tentando alcançar-me. A certeza de que
ele não nos alcançaria trazia-me uma sensação de paz. Os homens ca-
minhavam quase correndo. Já havíamos percorrido um grande trecho
quando fomos envolvidos por uma terrível tormenta. O vento era arra-
sador, fazendo-nos sentir medo. Desabamentos, vales, tudo parecia
impedir a nossa caminhada. Porém, os pequenos homens mostravam
sua grande habilidade e conhecimentos naquelas zonas tempestuosas.
Senti um enorme cansaço e, de repente, minha cabeça começou a ro-
dar. Parei e caí, sem sentidos. Quando despertei, estava recostada nu-
ma pequena cama, que mal me cabia, rodeada por várias mulheres.
Umas pegavam nos meus cabelos, outras mediam suas mãos com as
minhas, examinando-me como se eu fosse algo raro, desconhecido,
pois, fisicamente, perto delas eu era muito grande. Observei, também,
que só eram amáveis quando eu sorria.

Ofereceram-me peixe, pois era um das suas alimentações bási-


cas. Devido àquela curiosidade que nós sabemos ser inerente ao ser
humano, fui muito visitada por todos da aldeia. Apesar de ser um povo
selvagem, com hábitos primitivos, eram agradáveis e simpáticos. Oito
dias, mais ou menos, haviam-se passado quando, na entrada da aldeia,
os pequenos guerreiros anunciaram a chegada de um estranho. Fiquei
lívida! Só podia ser Augusto... Corri para fora e acenei, fazendo-me en-
278

tender que aquele estrangeiro era meu marido. Os homenzinhos deixa-


ram-no entrar. Foi fácil para Augusto entender-se com aqueles homens.
Página

Contou toda a nossa história – a seu modo, é claro. Mostrou o emble-


ma dos reis dos Katshimoshy e eles também fizeram a apresentação de
seus costumes. Viviam principalmente da caça e eram conhecidos como
Lapões. Vivemos ali por dois longos anos, mais ou menos. Nos adora-
vam muito, inclusive a meu filho, Yatan, que nasceu naquela longínqua
tribo.

Oh, meu Deus! O fenômeno de Calaça, o grande fenômeno, faz-


me feliz depois de tantas desgraças! Partimos dali, eu, Augusto e meu
filho. Lindas peles trocamos nos mercados por agasalhos e moedas.
Sofremos muito no longo e penoso trajeto até aqui. Uma noite, antes
de entrarmos nesta província, fui surpreendida novamente por Calaça.
Sonhei que ela me dizia:

“Luza, chegarás amanhã à província de um conde viúvo que te


desposará com as leis da corte. Amanhã, os primeiros raios de Sol a-
nunciarão a primavera, para o começo de tua liberdade. Cante, exibin-
do a tua graça. Adeus, minha Luza querida!”

Mesmo em sonho, quis tocá-la, para impedir que se fosse. Po-


rém, foi em vão a minha intenção, pois logo ela desapareceu diante dos
meus olhos. Chorei copiosamente e, logo que o dia amanheceu, contei
a Augusto o meu triste sonho. Qual não foi minha surpresa! Augusto
sorriu, dizendo:

- “Veja só! Se isso fosse verdade eu não sei como agradeceria


àquela víbora da Calaça em ver-me livre de você! Seria um prêmio, e eu
não mereço tanto, por Deus!...”
279

“Oh! – gritei – Chega! Calaça não é víbora! Minha querida Cala-


ça, vítima de tua teimosia ignorante...”
Página
Augusto dava gargalhadas que me assustavam. Foi então que
me dei conta da profecia de Calaça.

Depois de contar toda a sua história, a bela cigana levantou-se,


espreguiçando seu esbelto corpo, balançou sua linda cabeleira loura e
disse:

- É tudo o que fui e o que sou!

Rafael também se levantou e, segurando-a pela cintura, beijou-


lhe a testa. Depois, chamou um criado, ordenando-lhe que trouxesse o
brasão da família. Vi quando o conde pegou aquela preciosa jóia e colo-
cou-a aos pés de sua esposa cigana. Qual não foi a nossa surpresa! A
cigana segurou aquele rico estojo e, com os olhos rasos d’água, devol-
veu-o ao conde, dizendo que a uma cigana não eram permitidos luxos
daquela natureza. Se ela o aceitasse, estaria violando as tradições da-
quela nobreza, que ela havia sido colhida do lodo e que o amava em
agradecimento àquela paz adquirida. Por isso, não pretendia desonrar
o que de mais puro existia naquela nobreza e viveria como uma cigana,
respeitando as tradições dos Katshimoshy, pois, do contrário, Calaça
não mais traria para ela as bênçãos de Deus, pois Calaça sabia de tudo...

Rafael sorriu, admirando aquela humildade. Porém, pude obser-


var que Yatan fixara os olhos no estojo. Naquele instante, devido à sua
expressão, percebi bem os pensamentos que povoavam aquela cabeci-
nha. Não podíamos esquecer que a criança era um cigano, com todas as
forças do seu sangue. Depois destes esclarecimentos, nos parecia vi-
vermos melhor, mesmo notando a aproximação de ciganos nas imedia-
280

ções do castelo. Lembro-me que, por várias vezes, retirei o menino do


quarto onde era guardado o brasão.
Página
Andaluza já estava calma e parecia feliz. Se tudo corresse bem,
dentro de três meses daria à luz uma criança. Rafael, muito feliz, espe-
rava a chegada do filho, que seria seu primogênito. Porém, o nosso in-
feliz destino já estava ligado à inditosa cigana! O tempo corria, e Yatan
cada vez ficava pior, mal educado, e, por muitas vezes, desaparecia sem
dar satisfação a ninguém e, depois de muito tempo, chegava, contando
coisas que não dava para acreditar.

Certa manhã, foi encontrado um cigano no pátio do castelo, um


jovem cigano agonizante. Os criados corriam de um lado para outro,
procurando socorrê-lo, quando um grito agudo assustou-nos. Era Luza,
que dava mais uma prova de seu imortal apego aos seus antecedentes.
Ela correu em sua direção, curvando-se com carinho, procurando rea-
nimar aquele corpo quase sem vida, enquanto dizia:

- Meu pobre irmão Nardo! Nardo, como chegaste até aqui? O


que foi feito do nosso querido povo?

- Venho falar contigo! – balbuciou o pobre rapaz – Venho do


Brás... Brás, o nosso rei, pede que chegues até lá porque maus agouros
pairam sobre tua cabeça. Não demore, Luza!

A cigana, meio confusa, pediu que os criados saíssem dali e,


quando ia me retirar, ela me deteve, dizendo que eu era sua segunda
pessoa. Cuidamos do cigano, fazendo com que ele se restabelecesse. E
foi com grande surpresa e desespero que os vi tramando o momento
daquela trágica fuga. Oh, meu Deus! Como sofri quando a cigana, com
seus olhos tristes, me disse:
281

- Antera querida, tenho que partir para ouvir os conselhos dos


Página

profetas, as suas santas ordens. Serei amaldiçoada se não for eu mesma


ao grande batismo! Vê, querida, eu não tenho a proteção dos Katshi-
moshy – e mostrando o grande escudo no peito do jovem cigano, repe-
tia: - Eu não tenho, como não terei, também, a proteção de Calaça e do
meu rei!

Não sei como tive forças para lhe dizer:

- Minha senhora querida, esta jóia é uma superstição dos ciga-


nos. Já não ficaria bem usá-la, por conseguinte. Sei que és bastante
prudente para não fazer semelhante viagem, deixando seu apaixonado
esposo, quem tanto sacrificou a sociedade de seu condado. E em que
posição a senhora me deixará com meu pobre patrão?...

- Antera, – disse-me ela – jamais praticarei atos que possam vir a


desabonar este condado, bem como também não deixarei, em hipótese
alguma, de atender ao chamado do meu rei. Se Rafael me ama, com-
preenderá a minha tradicional alma cigana e tu, Antera, darás as des-
culpas que te convierem. E, com a rapidez de um sonho, dirigiu-se à
estrebaria com o jovem cigano, partindo em seguida. Fiquei parada,
não sei por quanto tempo, pensando em como iria reagir meu pobre
patrão. Sim, foi tudo muito rápido! E qual não foi minha surpresa: logo
que me refiz, fui dar a triste notícia ao conde, meu patrão, que, com um
triste sorriso, me disse:

- Querida Antera, esta tua notícia não me surpreende. Estamos


em um mundo de provações, para nossa evolução. Devemos dar graças
a Deus por nos corrigir sempre que erramos, e sinto que fui corrigido
por não ter respeitado as normas do ciganos e ter feito Andaluza minha
esposa, o que, naturalmente, lhe foi doloroso, por desrespeitar as leis
282

de sua crença cigana, pois, afinal de contas, fora celebrada suas bodas
com Augusto, entre os encantos de suas pitonisas e de fantásticos ritu-
Página

ais. No entanto, a pobrezinha são se rebelou e, muito pelo contrário,


vem nos cativando com sua humildade e amor!... – e fazendo mais esta
observação, o conde Rafael continuou: - Vê, Antera? Nem mesmo o
brasão ela desejou tocar!

O brasão! Onde estará? Eu não o tenho visto no seu respectivo


lugar. Meu Deus! O conde, notando minha palidez, perguntou:

- Antera, o que tens? Escondes de mim alguma coisa mais?

- Não, – respondi – é que estou cansada!... Devo descansar um


pouco, se me permite.

- Vá, minha boa Antera, seria egoísmo meu segurá-la agora. – e


arrematou – Além do mais, e como já disse, não mereço ser consolado
se estou a pagar um delito que provoquei sem raciocinar, talvez.

Passaram-se mais ou menos quinze dias desde que a cigana ha-


via partido. Tudo era tristeza. Repartia bem o meu tempo disponível,
procurando distrair meu pobre patrão que, sem reclamar, sofria sua
grande dor. Todas as tentativas que fazíamos nas pegadas dos ciganos
foram totalmente perdidas. Ninguém dava notícias, ninguém sabia de
seu paradeiro. A cada dia mais tristes ficávamos, já sem esperanças. Um
dia, da sacada do castelo onde estávamos, avistei o pequeno Yatan que,
montado em fogoso cavalo a galope, vinha em nossa direção. O conde
Rafael se levantou e, juntos, nos precipitamos, prevendo a grande des-
graça que nossos olhos presenciariam: num segundo, sem nos dar tem-
po de nada fazer, o cavalo perdeu o equilíbrio e jogou o pequeno ao
solo, desacordado, com uma fratura na cabeça e perdendo uma quan-
283

tidade incalculável de sangue. Peguei, sem perca de tempo, o pequeno


em meus braços e pedi que providenciassem um médico. Fazia compai-
Página

xão o estado de abatimento do conde. Ele não se afastava da cabeceira


do pequeno enfermo. Após uns três dias, o menino começou a falar,
chamando pela mãe. Às vezes, emitia palavras desconexas, nos preocu-
pando, cada vez mais, o seu estado de saúde. E por mais que procurás-
semos agradá-lo, mais parecia nos odiar! Já bem tarde da noite, deixei
o quarto do enfermo para ir descansar e ao passar diante do quarto de
minha fugitiva patroa, escutei um gemido. E qual não foi o meu pavor!
Fiquei petrificada por alguns segundos e como aumentava de intensi-
dade, voltei correndo para junto de meu patrão, explicando-lhe o que
ouvira. Alarmado com o ocorrido, disse não ter coragem de ir lá sozi-
nho, e mandou chamar Kazu, uma jovem servidora, dizendo-lhe que
permanecesse no quarto, junto ao pequeno enfermo, sem descuidar-se
um só minuto de sua vigilância. Kazu era uma criatura muito tempera-
mental, que vivia a salientar-se por todos os cantos do castelo, muito
preguiçosa, porém, apesar de suas características indesejáveis, nunca a
havíamos identificado como ladra.

Saímos para verificar os gemidos e qual não foi o nosso espanto:


encontramos a cigana em estado cataléptico e, ao seu lado, uma linda
criança recém-nascida. Não tivemos tempo a perder, e, esquecendo de
tudo, providenciamos um médico, bem como uma ama para a pequena
prematura. O dia havia amanhecido quando deixei o meu patrão rece-
bendo algumas explicações da cigana que, com palavras firmes, vivia o
seu enredo:

- Querido Rafael, somos descendentes dos nômades e sob o po-


der do espírito imortal dos Katshimoshy, juramos colocar nas fogueiras
as nossas oferendas. Por conseguinte, para qualquer um que tenha,
conscientemente, se incorporado neste ritual cabalístico, este juramen-
284

to é considerado o elo de uma corrente salvadora, poderosa e imortal.


Compreenda, Rafael, eu sou um elo dessa corrente. Jamais te farei infe-
Página

liz! Amo-te, e não desejo viver longe deste castelo. Cumpri minha peno-
sa missão. Perdoa-me, por piedade! A minha pobre mãezinha desejava
me ver.

- Por que não me pediu que a levasse? – perguntou o conde.

- Ah!, - respondeu a cigana – para não te deixar em dificuldades.


O povo de Brás estava prestes a arrancar-me daqui. Não sabes a intriga
que fez Augusto, procurando, com isso, desculpar-se pela grande des-
graça de suas ações. Foi por isso que tive que correr para impedir outra
armadilha do infeliz Augusto. Ah! Se soubesses como te amo e como
me foi doloroso este meu comportamento! Encontrei minha pobre mãe
muito mal. Etelvina, a profetisa oficial da tribo, profetizou os mais terrí-
veis acontecimentos, e tudo sobre mim. Disse que tu, meu querido Ra-
fael, com toda tua indulgência para comigo, chegarias um dia a acusar-
me da mais vil calúnia e, como ladra, atirar-me-ia nas ruas, exigindo que
eu voltasse à tribo, onde eu morreria de saudades tuas! – e, após dizer
isso, desatou em soluços, como que amargurada por uma louca e desa-
balada desilusão.

- Oh, minha querida! Como pude duvidar de ti? Como se atreve


essa profetisa? Que mal fiz a ela para me ver tão vil, tão avarento, a
ponto de caluniar-te como ladra de teu próprio tesouro? Sim, minha
querida, és minha verdadeira herdeira de tudo quanto possuo. – e sor-
rindo para a recém-nascida – Agora tudo será repartido com minha
segunda sócia, não é mesmo, querida? Vá, não pense mais nessas toli-
ces.

- Ah, se me fosse possível esquecer... – disse a cigana – Sinto


285

que nossos espíritos imortais comprometeram-se no passado e um


grande débito eu terei que te pagar antes de fugir daqui, novamente,
Página

para novos mundos...


- Feito! Cobrar-te-ei em dobro. Sinto que me deves um profundo
amor, e exijo ser pago!

Quanto à tua partida, aconselho-te a levar-me contigo. Pelas tu-


as concepções ou formação religiosa, vejo que tens mais facilidades
com estes transportes... – e sempre gracejando, o conde rematou –
Nunca vi tanta coragem! Quando estiveres melhor, desejo que me en-
sines esta doce filosofia... Se Olga, minha usurária irmã, souber de tais
profecias, irá imediatamente aos pés dessa cigana profetisa.

- Oh! – gritou a cigana, chegando a assustar o conde – Olga? Ol-


ga? Etelvina falou-me de uma Olga.

- Sim, - falou o conde - Olga, minha irmã. Minha mãe a encon-


trou à beira de um lago. Era filha de um zelador da pequena mansão
dos (X), que morreram. Uma fatalidade do seu destino! Foi então que
meu irmãozinho Hildebrando foi salvo por ela naquele lago. Minha mãe
a fez nossa irmã. Olga, que sempre foi insatisfeita, apaixonou-se por
mim a ponto de nós julgarmos que a morte da mamãe foi provocada
por este grande desgosto! Olga fez todos sofrerem quando me com-
prometi com Matusca, que morreu a dois anos, deixando-me viúvo e
sem sequer um filho que, afinal, eu tivesse como recordação do nosso
casamento. Dizem as pessoas supersticiosas que Olga se influenciava
com feiticeiros e pitonisas para destruir a mim e Matusca. Oxalá que os
feiticeiros tivessem tanta influência nos destinos ou desígnios de Deus!
Veja, minha querida, se eu assim acreditasse em tamanho desafio,
mandaria juntar todos os feiticeiros e pitonisas em uma tenda, fazendo
286

o mais poderoso mecanismo, e, depois, ordenaria que fizessem com


que o coração de minha linda esposa cigana fosse purificado de qual-
Página

quer superstição, principalmente a respeito do espírito imortal!


- Vejo, meu marido, que te falta compreensão dos fatos que
vêm ocorrendo dia a dia! Porém, já que me pedistes aulas de filosofia,
não tardarei em dar o diploma ao meu conde marido.

Oxalá não seja um diploma de feiticeiro. Sim, também tenho ta-


rimba...

Os dois riram. Vendo a compreensão daqueles dois, agradeci a


Deus e fui dormir um pouco. Apesar do acidente com o pequeno Yatan,
tudo correu em paz até o dia da festa de São Petersburgo. Começaram
os grandes preparativos. O Imperador mandou que fossem abertos os
portões para os estrangeiros e nômades. Enfim, só se ouvia o tinir de
guizos e passos de animais nas ruas. Fogueiras enormes, danças e alga-
zarras... Porém, para mim e para o meu patrão Rafael não havia alegria.
Pelo contrário, sentiamo-nos em perigo, porque os ciganos, com seus
enormes cavalos enfeitados de fitas, pareciam desafiar até mesmo a
própria natureza. E, para nosso maior receio, os ciganos que mais se
realçavam eram os da tribo de Andaluza que, em seus cavalos fogosos,
mais pareciam príncipes encantados das antigas lendas. Foi então que o
nosso mau presságio se confirmou. Estávamos tomando chá, mais ou
menos às duas horas da tarde, quando Kazu veio anunciar a chegada de
duas formosas ciganas – que, depois vim a saber, serem Etelvina e Zai-
da. Etelvina, a profetisa da tribo dos Katshimoshy, era verdadeiramente
simpática. Andaluza mandou que entrassem e, sem nenhum embaraço,
nos apresentou. O conde Rafael e eu fizemos tudo para nos tornarmos
melhores hospitaleiros. Zaida, sempre abraçada a Andaluza, disse que,
naquela noite, iria cantar para o Imperador, no pátio do grande palácio,
287

e assim dizendo começou a cantar e a dançar, com todos os encantos


dos seus dezoito anos. Andaluza não resistiu à tentação, e acompa-
Página

nhou-a naquela dança no amplo salão, formando a mais linda dupla.


Rafael ficou tão emocionado que franqueou o castelo não apenas àque-
las ciganas mas, também, ao outros que estivessem com elas. Tudo
correu bem até que, à noite, voltassem da grande festa. Só eu havia
ficado, tomando conta das crianças. Entretida com a pequena herdeira,
não reparei que o pequeno Yatan havia desaparecido. Chamei a criada-
gem e um jovem, por nome Tucem, disse que havia visto o pequeno
Yatan em companhia de Kazu que, seduzida por um jovem cigano, havia
dito que só voltariam no outro dia, pois pretendia passarem a noite
com seu amor cigano. O conde Rafael, que estava ainda cheio de eufo-
ria da magnífica noitada com as ciganas na casa do Imperador, pouca
importância deu ao desaparecimento do menino. Logo depois, reunin-
do no salão as convidadas, pediu-me que fosse até o cofre e trouxesse
o brasão, pois desejava mostrar às ciganas a rica jóia que sua querida
esposa havia rejeitado.

Oh, meu Deus! Que horror! Lembro-me como se fosse hoje:


quando abri o cofre o maldito brasão não estava lá... Foi um verdadeiro
alarme. Os criados garantiram não ter ninguém entrado no castelo e
todos insinuavam ter sido Kazu, pois a viram fugir com embrulhos gran-
des nos braços. O conde Rafael, terrivelmente agitado, gritava, dando
ordens que trouxessem Kazu, de qualquer forma, ao castelo. A pobre
Andaluza, abatida, levantava-se algumas vezes, falando ao esposo pala-
vras de conformação. Os cavaleiros iam e voltavam sem qualquer notí-
cia da servidora Kazu. Com muito carinho, Andaluza conseguiu que seu
esposo se recolhesse a seus aposentos. O dia já amanhecia e as três
ciganas pareciam mais tristes, como que prevendo a total desgraça pro-
288

fetizada para nós.

- Etelvina, vê onde se encontra esta rica jóia. – disse Zaida.


Página
Etelvina sacudiu todo o seu corpo. Disse coisas desconexas para
mim. Depois, como se passasse por um processo seu habitual, disse:

- Luza querida, as forças estão se afastando de ti! Yatan, o teu fi-


lho, neste instante coloca sobre Augusto esta jóia, que é o brasão, ins-
trumento de terríveis desgraças...

- Meu filho! Meu filhinho de apenas cinco anos de idade?...

- Sim! – continuou a profetisa – Augusto vinha induzindo o filho


para este nefando roubo.

A cigana continuava suas tristes revelações enquanto nós outras


sentíamos o coração apertar de dor. Depois, com o indicador apontan-
do para mim, disse:

- Querida Antera, eu sou Calaça, sou o espírito que perdeu seu


corpo pelos lobos famintos. Amo-te, Antera, por ver-te tão dedicada à
minha desventurada Luza. Não me temas, porque, dentro de pouco
tempo, estarás comigo! A desventura paira sobre este castelo. Porém, a
justiça e o poder de Deus terão, muito em breve, sua força para a evo-
lução e melhor libertação do espírito de Luza. Luza, antiga cesarina,
terá que carregar a cruz simbólica do Cristo para se safar do egoísmo,
poder este do sanguinário Império Romano... Adeus! Não me queiram
mal... Voltarei muito em breve!... – e como se tivesse cumprido uma
séria missão, Etelvina retomou sua posição antiga.

Corri até a copa e trouxe alguma coisa quente, de que não me


lembro mais. Os criados haviam espalhado por toda parte a notícia do
289

desaparecimento do brasão. A condessa Olga, assim que soube da notí-


cia, veio correndo ao castelo. Sua visita indesejada nos fazia mal, prin-
Página

cipalmente pelo estado de angústia em que nos encontrávamos. As


duas ciganas, solidárias a Andaluza, abandonaram as festividades e não
se afastaram mais do castelo. A condessa Olga, depois dos cumprimen-
tos habituais, chamou Rafael para um lugar reservado e começou a fa-
lar:

- Oh, meu querido mano!... É triste ver-te em tão lastimável si-


tuação. Que tu te casasses com uma nômade, está certo. Enfim, é o teu
impensado amor!... Mas, teres em casa toda a tribo? Ah, jamais aceita-
ria! Isto é indigno de ti... Este povo está te hipnotizando! Não é possí-
vel! – e assim dizia, enxugando as lágrimas, como se estivesse realmen-
te desesperada.

Como conhecia bem a condessa, dirigi-me a ela e disse:

- Cara condessa, não admito, por hipótese alguma, que a senho-


ra saia do seu castelo e venha aqui nos perturbar. O brasão não te per-
tence mais e nem tampouco ao conde Rafael. Ele se casou com Andalu-
za e, neste castelo, quem manda é ela. O brasão pertence a ela por tra-
dição e, para que ele nunca fosse parar em tuas mãos imundas, crimi-
nosas, eu o roubei e mandei levá-lo para a tribo dos Katshimoshy! – e
como se eu conhecesse os processos de Etelvina, continuei – Crimino-
sa! Com aquela erva daninha exterminastes duas santas criaturas: a
pobre indefesa Matusca e a baronesa Yuca, santa criatura que te deu o
condado e te livrou da fome e da desgraça. Por último, com medo do
teu cúmplice, mandaste surrá-lo e expulsar da cidade. Porém, Deus não
esconde por muito tempo as nossas perversidades! Sei onde, todo alei-
jado, resiste ainda o infeliz Yochim, arrependido de seus crimes, traba-
290

lhando ainda hoje pela sua sobrevivência. No entanto, a senhora se


armou de suas forças satânicas e veio para destruir a nossa cigana con-
Página

dessa. Não, esta a senhora não destruirá! Aquela cigana que ali está é a
herdeira do conde Rafael, tua vítima. Aquela criança é a luz que ilumina
este castelo. Somos todos felizes e não precisamos da senhora nem de
seus conselhos... – completei e, quando dei conta de tudo, vi que todos
estavam tão surpresos que não tinham pernas para saírem de seus lu-
gares.

- Antera, - disse o conde Rafael – onde conseguistes saber tanto


e testemunhar o que acabas de dizer?

- Sim, meu patrão, perdoa-me por não lhe ter dito há mais tem-
po pois, quando fiquei sabendo, esta infeliz já havia matado minhas
patroinhas queridas!

- Meu Deus! Não sabes que o brasão pertence a Andaluza? Co-


mo se explica esta terrível injustiça? Kazu está amarrada na praça de
diversões para ser executada à noite, para pagar por um crime que não
cometeu!...

- Meu Deus! – Andaluza resmungou, em prantos – Meu Deus! A


maldição dos espíritos ronda este castelo... Etelvina! Etelvina! Que farei
para reparar tudo isso? Enlouquecerei se não tiveres piedade de mim...

- Não, minha querida! – disse o conde, procurando acalmar a


esposa – Nada tens a temer!

- Rafael, se soubesses a verdade de tudo isto irias me odiar! É


tudo tão monstruoso!...

- Como? – gritou Rafael – Com todos os diabos, estarás aliada


com Antera, tramando nossa infelicidade? Esqueces que tu e Antera
291

são as únicas criaturas que amo? Oh, minha Andaluza querida, vamos,
juntos, perdoar o nefando erro de Antera. Pelo amor do grande Deus,
Página

te isentes deste roubo. Não é digno de uma condessa!


Fui ao encontro dela, que me disse, entre soluços:

- Minha boa Antera, por piedade, tenha pena de mim! Por que
te condenastes a ti mesma?

- Fiz pelo meu patrão, Sinhá, porque sei que se saíres deste cas-
telo ele morrerá! Odeio a condessa Olga.

Tudo estava tão confuso que ninguém entendia nada, a não ser
eu e Etelvina, com sua clarividência. A condessa Olga me descompondo,
deixou o castelo. Os ciganos também se foram. Agora, restava somente
nós três, oprimidos pelo terrível acontecimento. O menino desapare-
ceu. Tudo era tristeza. Kazu fora queimada como ladra. Comecei, então,
a sentir certas anormalidades. Pensei em queixar-me, para ser vista por
um médico. Todavia, os meus sintomas anormais tomavam, com mais
freqüência, a minha voz, enquanto uma espessa nebulosa cobria total-
mente a minha visão. Tendo uma sensação de leveza, ouvia como que
um sussurro, palavras desconexas, como dizendo:

“Oh, pobre Antera! Está morta!”. Ouvia, também, a voz querida


do meu patrão, que dizia: “Morreu minha Antera, a querida criatura
que tanto me compreendia!...”

Eu estava desencarnando!

Compulsoriamente, fui levada pelas forças magnéticas do Astral


Superior. Após me submeterem aos processos espirituais – não sei por
quanto tempo – voltei à minha visão normal, sentindo agora uma louca
e inexplicável saudade da vida cotidiana na Terra. Germano, o meu lu-
292

minoso Mentor, me explicava a minha futura missão na Terra. Porém, o


meu espírito, incompreendido e culpado, não quis esperar pela benevo-
Página

lência das leis e, com a facilidade do meu livre arbítrio, desprezei as


cadeias benditas e voltei ao meu atraso nos carreiros terrestres. Era
uma bela madrugada quando meu Mentor me trouxe novamente à
Terra.

- Antera, – disse-me – voltarás aos labores terrenos e terás nova


oportunidade junto aos teus familiares. Cuidado com o teu padrão vi-
bratório e com os teus julgamentos!

Aos primeiros raios do Sol, quando avistei os portões do castelo,


indizível tristeza se apoderou do meu espírito. Conscientizei-me de que
não estava preparada, pois sentia voltarem todos os instintos de vingar-
me da condessa Olga e, por mais que me debatesse contra os maus
impulsos, era embalde, não conseguia senão aumentá-los! Germano, o
meu bom Guia, deu acesso à minha consciência. Estava ali o suntuoso
castelo do meu querido patrão. Tive, então, a mais triste surpresa: o
conde havia morrido e a cigana, sua esposa, estava desaparecida, sen-
do, agora, dona de tudo, a condessa Olga! Sim, até que Hildebrando
chegasse de outros países, onde estava levando uma vida de boêmia,
pois sendo o único irmão do conde Rafael, seria ele o dono de tudo.
Assim, estava eu naquele casarão, sem nada o que fazer, apenas me
acrisolando na aura da condessa Olga. Quando já me preparava para
deixar o castelo, senti que as coisas estavam mudando de sintonia. Re-
pentinamente, comecei a sentir a presença da cigana. Insegura, come-
cei a invocar o meu Mentor, que não aparecia. Compreendi que meu
ódio pela condessa Olga só fizera me embrutecer. Foi então que vi An-
daluza caminhando sem destino. Chamei-a e ela, que satisfação, me
ouviu. Andaluza disse, tristonha:
293

- Querida Antera! Não sabes a desgraça que nos causou o infeliz


Página

brasão. Morrestes, deixando-me no mais terrível desespero. Sabias que


Yatan, meu filho, o havia roubado. Morreu a infeliz Kazu e Yatan desa-
pareceu. Foi então que, desesperada, corri para o meu bando a buscar
o que me diriam os profetas ou Brás. Rafael, sabendo de tudo, saiu com
seus guardas e lá me encontraram. Não quis mais voltar. A vergonha
era demais. Na verdade, eu queria viver ao lado do meu esposo, mas
era a mãe de um ladrão, que podia ser sacrificado na fogueira.

Oh!, Antera, foi horrível! Rafael saiu dali desesperado, sem me


dar tempo para explicar. Depois, ficamos sabendo que ele morrera, mas
não foi encontrado o seu corpo.

- E tu? – perguntei.

Ela baixou os olhos e, depois, continuou:

- Fiquei vivendo com os meus, sempre temendo Augusto. Não


dançava e nem cantava. Certo dia, estava à margem do rio onde Rafael
fora visto pela última vez, quando fui puxada por um forte braço e sofri
uma pancada em minha cabeça. Fui trazida para aqui, onde estou prisi-
oneira. Disse-me a condessa Olga que meu povo me considera morta,
pois encontraram somente minhas vestes. Tudo foi bem planejado!

- E as profetisas? Por que não contam a verdade?

- Sim, elas já disseram que estou viva, mas não sabem onde. E
eu estou ali, naquele armário!

- O quê? – gritei – Compreendo! O teu corpo dorme. Meu Deus!


O quê poderei fazer por ti, minha querida Luza?
294

Enquanto me lamentava, ouvi uma forte pancada. Era Gregória,


a governanta, que esmurrava o armário, para acordar Luza, a cigana,
que, em um segundo, desapareceu. E quando a porta se abriu, foi hor-
Página

rível: aquele corpo esbelto era, agora, o símbolo da dor, pálido e assus-
tado. No auge do meu desespero, veio Germano, que foi logo me expli-
cando:

- Antera, se desejas fazer alguma coisa por tua cigana, afasta-te


dela! Estes ciganos estão em prova para sua evolução. Vieram do Impé-
rio dos Césares, de Roma! – e acrescentou – Tu também, bem como
todos os descendentes deste castelo. Por que fugistes dos ensinamen-
tos?

Por que não te interessastes em aprender as Leis? Nada nos foi


possível fazer por causa da tua teimosia. Agora, estás destinada a pas-
sar o que der e vier. É verdade que terias que voltar e cumprir o teu
carma. Porém, jamais nessas condições...

Salve Deus! Que esses ensinamentos sejam promissores!

A Mãe em Cristo Jesus,

295
Página
Página 296
CICLO 4 (ELEVAÇÃO DE ESPADA)
34) As Nityamas Pág. 299
35) A Força do Prana Pág. 301
36) As Yuricys Pág. 304
37) As Jaçanãs Pág. 306
38) As Arianas Pág. 308
39) As Madalenas Pág. 311
40) As Franciscanas Pág. 313
41) As Narayamas Pág. 316
42) As Rochanas Pág. 318
43) A Virgem Tupinambá Pág. 320
44) As Cayçaras Pág. 323
45) O Nascimento da Estrela dos Aspirantes Pág. 325
46) A Troca do Forro das Capas Pág. 328
47) As Ciganas Aganaras Pág. 333
48) Uma Sereia no Vale do Amanhecer Pág. 336
49) A Senhora Condessa Natanhy Pág. 342
50) Transcendental Angicalense Pág. 345
51) O Pequeno Prisioneiro Jaguar Pág. 349
52) O Amanhecer das Princesas na Cachoeira do Jaguar Pág. 353
53) Tiãozinho e Justininha Pág. 398
54) Almas Gêmeas Pág. 413
55) As Vidas do Lenhador Pág. 432
297
Página

Boa Leitura!
“Sabemos que nossas vidas são governadas pelos nossos antepassados
e que tudo vem do princípio doutrinário que nos rege.”
298
Página
AS NITYAMAS

Vamos agradecer às Nityamas, que foram as primeiras mestres


jaguar que abriu o caminho deste mestrado!

“As Nityamas é uma história, uma lenda contada por Pai Seta
Branca. Pai Seta branca conta que uma pequena província, que onde
houve um movimento de guerra e os homens partiram com suas tropas
pra guerra e elas ficaram, ficaram sozinhas... e uma profetiza, ela come-
çou a juntar todas aquelas mulheres, aquelas moças e faziam fogueiras
enormes, e traziam vasilhas de água invocando as forças dos devas e
então elas pediam e os devas batizou aquela Falange de Nityama que
na linguagem indiana, quer dizer Filha dos Devas, Nityama quer dizer
Filha de Devas, Devas o Deus das Nuvens; e as Nityamas então elas se
formaram e depois todo mundo tinha medo destas Nityamas porque
elas profetizavam e qualquer mal que houvesse elas diziam, elas invo-
cavam forças e todo mundo respeitavam elas, que as palavras delas
elas lançavam fogo então todo mundo tinha medo de uma Nityama,
mas ninguém podia escapar da força delas. então vinham de longe pra
ler as suas vidas, pra ver os seus destinos, tinham que procurar a Falan-
ge das Nityamas. elas trabalhavam com fogo e fogueira, com fogueira e
água. e como pai seta branca me deixou aqui pra ir preparando todo,
cada um com seus instrumentos, já estou preparando na “Cachoeira do
Jaguar”, uma fogueira muito linda para as Nityamas e vamos ver se elas
vão realmente profetizar. salve deus e nestes dias que nós, quando a
gente, quando for feito o batismo das Nityamas, nos vamos fazer uma
festa muito grande lá no solar dos médiuns, em frente à cachoeira, na-
299

quela escadaria do mestre jaguar. Salve Deus!”


Página
“Só conhecemos que estamos evoluídos quando não estamos nos preo-
cupando com os erros dos nossos vizinhos!”
300
Página
A FORÇA DO PRANA

“Sim, falamos em força universal. Esta expressão está sendo mal


atribuída no nosso tempo. Os Pretos Velhos falam em força universal e
muitos pensam que ter esta força é ter duas mediunidades. Não é ver-
dade! A força universal é de um médium, (digamos, um Doutrinador),
com uma espécie de força que cura todas as enfermidades. Vejo isso
num Apará distribuindo bem a sua mediunidade. No homem é bem
distinta essa força.”

O velho sábio, supersticioso, tinha força universal mas não acre-


ditava na força do carma. E aquela ferida nada mais era do que a voz do
seu carma.

Então o velho sábio soube de um homem que curava e se enca-


minhou para ele. Não sabia ele que ali em sua tenda, estava sob a re-
gência da Lei de Auxilio e sua perna ali mesmo recebia as gotas do
PRANA. O velho sábio incrédulo de sua própria força, partiu ao encon-
tro do famoso curador. Era longe, no caminho a sua perna doía, as go-
tas de "PRANA" não o encontrando na tenda, voltavam. Com muitas
dificuldades chegou até lá e qual não foi sua surpresa dolorosa!

A casa do curador estava cheia de outros sofredores como ele,


ali também pedindo-lhe a misericórdia da cura. Nesse instante o velho
curador dele aproximando-se exclamou:

MEU DEUS! EU ESTAVA COM UMA FERIDA NA PERNA, MOR-


RENDO DE DOR, PENSANDO EM IR ATRÁS DO VELHO SÁBIO DE VENAL,
301

E EI-LO QUE CHEGA! EU JÁ ESTOU CURADO, JÁ CICATRIZOU A FERIDA,


GRAÇAS A DEUS ESTOU BOM! OH! GRAÇAS FORAM-ME DADAS, MEU
Página

MESTRE DE VENAL, EM QUE LHE POSSO SER ÚTIL?


O nosso velho sábio olhando de um lado para outro, pensava:
havia se preocupado somente com a sua própria dor. É verdade filho!
Cada fracasso de nossa vida ensina-nos o que necessitamos aprender.
Ajude a todos sem fazer exigências, confiando primeiramente nessa
força que vive dentro de você. Sim filho, porque a fé em você mesmo
afirma a sua personalidade. Volte-se para si mesmo. Resolva os seus
problemas sozinho. Escolha os seus amigos. Com a sua mente calma,
melhor poderá sentir os seus instintos, a sua capacidade, onde poderá
chegar e vencer a si mesmo. Conhecemos a vida quando conhecemos a
morte.

Então o velho sábio levantando as mãos, exclamou:

OH! MEU DEUS! ME PERDOE POR DUVIDAR DA MINHA PRÓPRIA


FORÇA.

E envergonhado, sem coragem de olhar para o céu e sentir o o-


lhar de Deus, abraçou-se à sua força e pediu ao velho curador que trou-
xesse toda aquela gente para atendê-los, aproveitando-se do "PRANA".
Enquanto isso passava por sua mente:

OH! DEUS PAI TODO PODEROSO, SEJA FEITA A SUA SANTA VON-
TADE! DEIXE QUE DOA A MINHA FERIDA. QUE EU ME LEVANTE DO MEU
ORGULHO DE SÁBIO A CAMINHO DE DEUS. DAI-ME FORÇAS PARA QUE
EU POSSA CURAR, NÃO TIRE MINHA FERIDA.

Quando viu, as pessoas já estavam curadas e ele também, cura-


do, caminhava.
302
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“Somente o Amor nos guia e nos testa
a todos os instantes de nossas vidas khármicas.”

303
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AS YURICYS

Contou-nos a Clarividente que a história das YURICYS está rela-


cionada com a história de PÍTYA, vejamos o seu início:

Pítya (a Profetisa), era uma mulher simples e tendente a viver


afastada do luxo e das ilusões materiais, dedicando-se mais ao mundo
real dos valores, do amor ao próximo, da justiça e da caridade, do que
ao mundo ilusório dos fatos. Mas Pítya embora Divina, também era
humana. Com o tempo, e devido ao excesso de profecias que lhe exigi-
am um jejum de vários dias, Pítya, após cada ORÁCULO, desfalecia e
sua recuperação requeria vários dias de repouso.

Daí a razão pela qual ela escolher jovens, cujos maridos estavam
na guerra, para auxiliá-la na sua missão. Essas jovens, as YURICYS, que
quer dizer “FLOR DOS CAMPOS” na linguagem indígena, percorriam as
planícies Gregas e Macedônicas, socorrendo, sob sua inspiração, os
soldados feridos em combate, famílias desgarradas de suas tribos e etc.

Uma delas, a PRIMEIRA YURICY - INDÍGENA DO ESPAÇO, enviada


de outros planos, era a Mestra da Ordem das YURICYS.

Como elas não incorporavam e nem profetizavam, Pítya, pres-


sentindo a morte física determinou que elas moldassem as MURUAICYS
e as JAÇANÃS, que eram moças fugidas das tribos mercenárias, que
teriam a missão de fazer as profecias do Templo, através de PÍTYA.

Hoje, a nossa missão já não é socorrer os soldados feridos fisi-


304

camente nos campos de batalha, de famílias desgarradas, mas de auxi-


liar juntamente com os soldados do exército de PAI SETA BRANCA a
humanidade que se encontra perdida e ferida espiritualmente numa
Página

batalha inglória pela posse das coisas materiais.


“Amor tem três fases: o Amor Espiritual; o Amor Condicional
isto é o amor equilibrado por um débito transcendental,
amor pelas nossas vítimas do passado; vem então,
o amor construtivo que é o Amor Incondicional.” 305
Página
AS JAÇANÃS

Quando em Delfos, Pítya escolhia jovens, cujos maridos estavam


nas guerras, para auxiliá-la em sua missão - Eram as Yuricys (as flores
do campo) - que socorriam os combatentes nas planícies macedônicas
e peloponense. Todavia, como não incorporavam nem profetizavam,
Pítya recomendou que fossem preparadas as Muruaicys e JAÇANÃS,
moças fugidas do assalto de tropas mercenárias, que teriam a missão
de fazer as profecias no TEMPLO DE APOLO. Assim surgiram as MISSIO-
NÁRIAS JAÇANÃS, que na linha DHARMAN-OXINTO, trabalham nas INI-
CIAÇÕES, preparando os mestres que vão para os SALÕES INICIÁTICOS,
e na CRUZ DO CAMINHO, colocando as MORSAS nos mestres e ninfas
Sol.

A 1ª MISSIONÁRIA JAÇANÃ deste Amanhecer, ninfa Lua Dulce


Batista, considera como missão maior estar à serviço na CABALA DO
TURIGANO todos os domingos, em favor do ORÁCULO DE YEMANJÁ,
dizendo que “a própria existência da FALANGE aqui no Vale do Ama-
nhecer está ligada à grandeza e ao objetivo deste trabalho”.

As JAÇANÃS também acompanhavam Pítya, pelo mesmo destino


das suas irmãs YURICYS, porém com outra especialidade. Caminhavam
mais longe e eram cheias de estratégias, sempre voltadas para o bem.
Faziam lindos trabalhos e acudiam aquela gente... Porém, como as YU-
RICYS, se empolgavam naqueles reinados e muitas vezes perdiam suas
missões! (Tia Neiva)
306
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“No ciclo iniciático da Vida, ninguém é de ninguém.
Na missão, no destino, alguém se liga a alguém.”
307
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AS ARIANAS

As Arianas invocavam a ESTRELA TESTEMUNHA, Estrela do Espa-


ço, testemunha do povo que se encontra hoje neste “Ciclo do Jaguar”.
Todas as conquistas e realizações desta doutrina foram registradas pela
Estrela Testemunha, da qual faz parte, dentre outros povos, a FALANGE
DE ARIANAS.

Nos mundos espirituais, as ARIANAS, como membros da Estrela


Testemunha, tiveram a sua participação nas principais realizações desta
doutrina, trazidas por nossa Mãe Clarividente, dentre as quais a COR-
RENTE MESTRA, o MESTRADO, as FALANGES MISSIONÁRIAS, os TRABA-
LHOS INICIÁTICOS, os SANDAYS e os RITUAIS.

Hoje, no plano físico da Terra, as ARIANAS, através do seu CAN-


TO NA INDIVIDUALIDADE, invocam o PODER DOS FARAÓS e do rico VA-
LE DOS REIS em busca de suas heranças e de suas origens, que partem
dos GRANDES ORÁCULOS (Ramsés, Akhenáton e Amon-Rá), onde elas
têm um grande compromisso.

A chamada dos Cavaleiros da LANÇA REINO CENTRAL, VERME-


LHA, LILÁS, RÓSEA e Cavaleiros de OXOSSE, pedindo sempre a sintonia
com a DIVINA ESTRELA DO CÉU, traduz, também, o compromisso das
ARIANAS com os TRABALHOS INICIÁTICOS (TODOS).

As ARIANAS viveram na CRUZ DO CAMINHO, e um dos seus tra-


balhos era ir em busca dos perdidos, na época das grandes conquistas,
porque tinham o poder de se comunicaram por TELEPATIA.
308

Naquela época já se fazia presente o PODER DA CONQUISTA U-


NIVERSAL, o PODER CABALÍSTICO.
Página
As ARIANAS saíam pregando o EVANGELHO VIVO DE NOSSO SE-
NHOR JESUS CRISTO, fazendo os doentes adormecerem, amenizando e
curando a sua dor. Seu trabalho era com os encarnados. Pelos fenôme-
nos que produziam, principalmente na CURA DA MENTE HUMANA, elas
devolviam a FÉ aos homens. Atuaram na PÉRSIA, GRÉCIA, ETC..., onde
eram muito perseguidas e enfrentavam muitas dificuldades.

As ARIANAS ostentam em sua INDUMENTÁRIA, na altura do


PLEXO SOLAR, um BRASÃO COM SETE (07) RAIOS COLORIDOS. O BRA-
SÃO representa a MESA EVANGÉLICA e os 7 RAIOS A FORÇA DO JA-
GUAR.

309
Página
“No Homem se acentua uma complexidade de coisas,
efeitos incomparáveis, porém o mais terrível de todos
é a vibração de pessoas irrealizadas.” 310
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AS MADALENAS

A Falange MADALENA DE CÁSSIA tem a Guia Espiritual - segundo


Tia Neiva - mais próxima do mestre Jesus. A sua Falange, no plano su-
perior, trabalha nas filas magnéticas em prol de todos os necessitados.

A Falange herda de sua Regente terrena com função específica,


a participação nos rituais de Turigano e Consagração de Matrimônio
(Casamento), trabalhando sob a projeção das Missionárias do Espaço
que formam a Falange da GUIA MISSIONÁRIA MADALENA DE CÁSSIA,
para junto às filas magnéticas atuarem na necessidade das energias
curadoras e desobsessivas.

Essa Falange surgiu na Europa da Idade Média, como freiras


que, nos conventos auxiliavam aquelas fidalgas que buscavam proteção
contra a prepotência de seus preceptores, fugindo de casamentos não
desejados ou de alianças desastrosas.

Apesar de ter missão específica no Turigano e Casamento, pode


esta Falange ser solicitada pelos mestres comandantes para participar
de vários outros trabalhos onde sua presença seja requerida, tais como:
Oráculo da Cruz do Caminho, Abatá das Missionárias, Leito Magnético,
Estrela Sublimação, tendo também atuado nas convocações feitas pelo
Adjunto Cayrã, mestre Antônio Carlos para a participação no trabalho
da Estrela Candente, realizada no último domingo de cada mês.
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“Toda obra humana, toda, sem exceção, cria no espírito a imagem do
pensamento e só depois se materializa.”
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AS FRANCISCANAS

Fomos tribos de guerreiras, não conhecíamos civilização, mas


éramos unidas e lutávamos pela sobrevivência e sempre em proteção
aos mais fracos, ou seja, de tribos menores.

Quando uma tribo lutava contra outra, tinha sempre o cuidado


de enterrar os derrotados, quer estivessem vivos ou mortos. Então nós,
as guerreiras, saíamos à noite e, com as mãos, desenterrávamos e reti-
rávamos os vivos para curá-los.

Fazíamos sapatos de nossas vestes para colocarmos nos pés fe-


ridos dos doentes.

Fazíamos também, túneis que chegavam até os depósitos de


mantimentos dos castelos (com a ajuda dos serviçais dos mesmos), e lá
roubávamos o que podíamos para as tribos necessitadas. Muitas vezes
levávamos tanto, que morríamos carregando os fardos tão pesados,
mas quando entrávamos em luta éramos ferozes, exigentes conosco
mesmas e em obediência a quem nos comandava. Sempre unidas, sem
pedir nada em troca!

Convivíamos pacificamente com um povo também guerreiro,


que levava doentes para serem tratados por nós. Este povo era chama-
do de “FADINHAS”, e vivia nas matas sempre ajudando aos que precisa-
vam.

Fomos enfermeiras incansáveis, nas guerras, sempre tentando


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salvar vidas. Fomos senhoras de engenho, fazendeiras (principalmente


na época do Angical).
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Muitas foram Rainhas, Princesas, Aias, Prostitutas, Ciganas, Se-
nhoras de Centuriões, de Gladiadores, de Lacaios, de Carrascos, de La-
drões, de Andarilhos, de pobres e de ricos por várias encarnações...

Depois dessas encarnações, tornamos a nos encontrar como


CLARISSAS, em 1181 em Assis, e novamente em 1981, agora como
FRANCISCANAS no VALE DO AMANHECER.

Nós FRANCISCANAS, temos como modelo CLARA DE ASSIS (MÃE


YARA), que em situação histórica, verdadeira e semelhante a FRANCIS-
CO DE ASSIS (PAI SETA BRANCA), rompeu radicalmente sem usar de
violência, com todas as convenções do seu tempo. Nossa história como
CLARISSAS (uma de nossas encarnações mais marcantes), começou no
ano de 1181 e 1182. CLARA DE ASSIS ou CLARA DE OFFEDUCCIO conhe-
ceu FRANCISCO DE ASSIS na Igreja de São Rufino, e deste encontro sur-
giu uma imensa simpatia e amizade. CLARA ansiava participar do MO-
VIMENTO CRISTÃO que FRANCISCO comandava, e com este conheci-
mento esperava ela que a ocasião seria esta.

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“Cada aparelho sensitivo recebe a transmissão
e transmite ao cérebro, que é o órgão da inteligência,
a impressão de uma certa ordem de fenômenos.”
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AS NARAYAMAS

Aqui no plano físico, sabemos que somos regidas pela força de


KOATAY 108, e que conduzimos uma força universal do APARÁ e do
DOUTRINADOR.

Quando Tia Neiva trouxe esta falange, ela colocou KOATAY 108
no livro que chamava de brasão devido a cruz do doutrinador que mos-
trava as duas forças. Por isso não temos missão específica “especial”
aqui no plano físico. Emanamos com TODOS OS TRABALHOS e nós,
componentes, nos escalamos com amor!

Nos planos espirituais a FALANGE DE NARAYAMA tem uma mis-


são especial trazida por nossa Mãe Clarividente, de sermos apresenta-
das como “MULHERES DE BÊNÇÃO”, mas nem por isso somos uma fa-
lange diferente e procuramos nos irmanar com todas as demais falan-
ges com amor, para que possamos chegar naquilo que KOATAY 108
sempre desejou...

Somos poucas, porém unidas! Não procuramos dividir e sim


multiplicar esta rica e feliz oportunidade que KOATAY 108 nos deixou
para o complemento de nossa missão.

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“A aura capta as forças pela ternura dos seus bons pensamentos.”

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AS ROCHANAS

A História da ROCHANA aconteceu na Grécia antiga.

Naquela época, as guerras eram muito freqüentes e os povos se


desentendiam por qualquer motivo. Num desses conflitos, todos os
homens de uma certa região tiveram que partir, deixando indefesas
suas mulheres e crianças. As mulheres dessas ilhas eram bonitas, lindas
e sedutoras e foi quando o Rei se apaixonou perdidamente por uma das
súditas, cujo marido tinha partido, e tentando subjugá-la com seu amor
despertou uma caçada sem trégua em que a Rainha não admitia ser
derrotada.

Foi então que ROCHANA apresentou seu lado lutador e como


guerreira foi reunindo todas as mulheres que fugiam de seus lares. Para
confundir seus perseguidores, foram se esconder nas grutas rochosas
que pontilhavam as ilhas gregas.

Organizadas, as mulheres conseguiam escapar a todas as buscas


empreendidas, pois estas se deslocavam com agilidade e rapidez pelas
praias rochosas das ilhas, levando uma vida árdua, porém muito saudá-
vel e livre!

Elas proviam seu sustento com caça e pesca. Vestiam confortá-


veis túnicas brancas, muito despojadas, e enfeitavam-se de conchas,
numa vida simples junto à natureza.

Unidas em tudo, ROCHANA e suas companheiras fizeram sem-


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pre face à odiosa vingança da Rainha que afinal, não se realizou. Salve
Deus!
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“A sede do Amor está na alma!”

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A VIRGEM TUPINAMBÁ

Tia Gertrudes, missionária Tupinambá, era afilhada e grande co-


laboradora de Tia Neiva em sua vida missionária. Um dia, em entrevista
feita em sua casa, ela contou essa linda história que ouvira da Espiritua-
lidade nos velhos tempos da UESB. História que nos traz ricas lições,
principalmente sobre o perigo do julgamento.

Quando Pai Seta Branca foi encarnado como um cacique tupi-


nambá (passagem relatada abaixo), ele tinha uma esposa (Mãe Iara) e
uma filha, conhecida por nós como Virgem Tupinambá, que era a sua
alegria.

Naquela tribo, que ele governava com amor e razão, havia uma
lei a ser seguida por todos os índios, para que houvesse ordem e respei-
to.

A jovem filha do cacique, na flor de sua adolescência, tomou-se


de amores por um jovem índio e por ele era correspondida dentro da
conduta e respeito que havia entre ambos. A jovem decidiu contar ao
seu pai, porém, antes de lhe pedir permissão para viver esse amor, o
cacique anunciou que ela, sua única filha, se uniria ao mais valente
guerreiro da tribo. A palavra do cacique era a lei, no entanto, mesmo
com aquele choque, a jovem acreditava que, antes do casamento, con-
venceria seu pai a ceder em favor do jovem índio que amava.

Um dia, numa caçada, o Cacique foi picado por uma serpente,


fato que lhe deixou desacordado por muitos dias, mesmo com os esfor-
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ços do Velho Pajé. Durante essa ausência, quem comandava a tribo era
um conselho dos índios veteranos, que decidia os rumos da aldeia.
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Triste e com o coração apertado pelo ocorrido com seu pai, te-
mendo por sua vida, a jovem decidiu que faria sua vontade, respeitaria
sua decisão. Assim resignou-se e, com o coração cheio de dor, marcou
um encontro com seu amado para lhe explicar a sua decisão e dele se
despedir. Na margem de um rio, aos prantos, os jovens se abraçavam
com ternura e se despediam, aceitando seu destino. Porém, não esta-
vam sós: de longe, o guerreiro via sua noiva, a sua prometida, abraçar-
se com outro índio. Mais do que isso, era imenso amor o que ele via
naqueles abraços.

Cego de ciúme e rancor, o guerreiro correu ao conselho e de-


nunciou a cena que vira, chamando de traição à sua honra aquele gesto
dos jovens. Na tribo, o adultério era punido com a morte dos envolvi-
dos. Mesmo filha do cacique, a lei era para todos. Como ele continuava
desacordado, não se sabia quando e se o cacique voltaria a despertar.
Inflamado pelo ódio do guerreiro, o conselho decidiu cumprir a senten-
ça e uma grande fogueira foi montada na área central da aldeia. A tris-
teza era geral, toda a tribo chorava ao ver os dois jovens índios sendo
amarrados à fogueira.

Após discursar sobre o ocorrido, com o coração cheio de triste-


za, o ancião determinou. A fogueira foi acesa. Antes de sentir as cha-
mas lhe consumirem, a jovem tupinambá fez uma prece com toda seu
amor, pedindo clemência a Tupã por seu triste algoz, que agiu de forma
tão implacável contra o seu amor tão puro. Os jovens morreram abra-
çados na fogueira e, juntos, partiram para Deus.
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Mãe Iara, ao ver a cena, enlouqueceu de dor. O Cacique Seta


Branca, ao despertar e saber sobre o ocorrido, entrou em desespero,
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fugiu para a mata e nunca se soube o seu paradeiro.


“O mundo é um hospital onde a cura é a própria desobsessão.”

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AS CAYÇARAS

A PRIMEIRA CAYÇARA quando encarnada neste plano físico era


uma cabocla que vivia na mata selvagem, e comandava um grande po-
vo, razão essa de ser o seu nome de origem indígena (CAYÇARA). Na-
quela época haviam tribos de índios guerreiros que, por sua natureza,
eram rivais da Cayçara e de seu Povo, sendo eles perseguidos na tenta-
tiva de eliminá-los. Um dia a Cayçara teve uma visão, e por intuição
começou a esconder seu Povo nas matas, prevendo a chegada daqueles
selvagens guerreiros.

Não tardou muito quando surgiram os rivais de sua tribo, seden-


tos de ódio, de maldade, de destruição, e que a pegaram, pois a cabocla
já conhecia o seu destino, por este motivo ficou à mercê daqueles san-
guinários para salvar seu Povo. Eles a maltrataram, fazendo-lhe muitas
crueldades, terminando por sacrificá-la em uma roda de fogo.

Assim desencarnou a CABOCLA CAYÇARA, sem que os seus co-


mandados (seu Povo), sofresse o mesmo destino, ela desencarnou para
salvá-los!

O povo da cabocla, sem a sua liderança se perdeu e hoje no pla-


no espiritual, ela na roupagem de 1ª CAYÇARA, está a reuni-los nesta
missão, neste sacerdócio.

A FALANGE DAS CAYÇARAS tem missão específica no trabalho


de ESTRELA CANDENTE, razão pela qual trazem em sua indumentária a
miniatura em desenho deste trabalho.
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“A consciência fecha o ciclo evolutivo da força psíquica sensitiva.”
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O NASCIMENTO DA ESTRELA DOS ASPIRANTES

Quando nossa mãe Tia Neiva começou a receber dos planos es-
pirituais os ministros de povos, o mestre Gladson Turial, era amigo ir-
mão do mestre Lacerda.

A Tia Neiva chamou o mestre Lacerda e o comunicou que havia


um espírito de altíssima hierarquia, que cujo nome era Ypuena e que
ele (mestre Lacerda) seria seu representante aqui na doutrina do Vale
do Amanhecer. Tia disse também, que o mestre Lacerda teria que for-
mar os mestres com suas ninfas (escravas) que seriam seus sétimos e
depois formariam os sextos raios. Assim que ele (Lacerda) conseguisse
os mestres, ele deveria apresentá-los a ela para o registro espiritual.

O Lacerda, feliz com sua missão, correu logo para fazer uma re-
lação dos mestres com suas ninfas, como possíveis voluntários, para
comporem o grupo. Lacerda mais que depressa colocou o nome do seu
melhor amigo para ser o seu sétimo número um. De pronto e aceito
pelo mestre Gladson, informaram à ninfa Yone (1ª Tupinambá e Escra-
va), e os três juntos foram se apresentar à Tia Neiva.

Chegando à casa grande, encontraram com Tia e o Lacerda mui-


to feliz, disse:

- Tia, esse mestre e sua ninfa, serão o primeiro sétimo do minis-


tro Ypuena.

Tia Neiva olhou para os dois e no mesmo instante veio a sua vi-
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dência. Por alguns instantes, ela ficou parada no tempo e com um sorri-
so no rosto completou.
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- Não meu filho, esse não poderá ser seu sétimo. Chegou na mi-
nha vidência um espírito muito lindo e me disse que ele também será o
representante dele na nossa missão. Ele disse que o nome dele é Mara-
bô e que terão uma missão grande pela frente.

Assim, entre alegrias e abraços, receberam a notícia de mais um


ministro raiz.

A partir de então o mestre Gladson começou a convidar mestres


e ninfas para comporem seus sétimos. Muitos foram convidados como
o mestre Manoel Rosa, mestre Cornélio, mestre Júlio Agostinho, mestre
Gercino e muitos outros que começaram a missão. Nessa época, o mes-
tre Gladson teria como padrinhos o mestre Moacir e sua ninfa.

Com o andar da missão, muitos outros mestres e ninfas foram


se apresentando como componentes do Adjunto Marabô. O tempo foi
passando, missões foram sendo cumpridas e o Adjunto contava com
mais de 500 (quinhentos) componentes.

Todos unidos na missão do ministro Marabô. O mestre Gladson


paralelamente com a missão do Ministro, também era instrutor de ele-
vação de espadas e para ensinar a seus aspirantes o trabalho de Estrela
Candente, os levava para assistir o ritual.

Mais a frente, o mestre Gladson e o mestre Lacerda tiveram a


feliz idéia de criar um ritual “sem energia” para melhor ensinar os mé-
diuns. Montaram a idéia e levaram para a Tia Neiva e ela achou interes-
sante, e disse que iria consultar a Pai João sobre o caso.
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Depois de um tempo, nossa mãe veio com o ritual da ESTRELA


DOS ASPIRANTES.
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“O Homem vive e se alimenta das coisas que Deus criou!”

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A TROCA DOS FORROS DAS CAPAS

Vamos relatar alguns detalhes contados pelo veterano Tavares,


mestre Patário - Representante Primeiro do 2º Cavaleiro da Lança Ver-
melha.

Em idos de 1981, vindo de um Comando da Estrela Candente,


nosso querido mestre passando em frente a CASA GRANDE, foi aborda-
do pela Tia dizendo uma frase que muitos “temiam” na época (risos). -
MEU FILHO! QUERO FALAR COM VOCÊ.

A primeira coisa que se pensava era se havia cometido um erro


nos trabalhos ou seria o recebimento de uma missão muito difícil. Disse
nosso comandante para a Tia que estava vindo da Estrela e que precisa-
ria passar em casa antes para tomar um banho e que voltaria logo em
seguida. Ela compreendeu pois era tarde e disse que o esperaria no 7º
(Local de Trabalho de Tia na Casa Grande). Algum tempo depois ele
retornou, já pronto para lhe ouvir fosse o que fosse, mas permaneceu
“cabreiro” (risos). Ao chegar no Sétimo, ela lhe pediu para sentar-se na
cadeira a sua frente...

Eusônia minha filha! Me chame o Barros e o Fróes, Nestor, Mi-


chael e o Mário. Seu Mário não estava no momento lá na CASA GRAN-
DE.

PRONTO! VOU PRESO... (Penso nosso querido Tavares)

Assim que todos se apresentaram ao chamado de Koatay 108,


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assustados diga-se de passagem, por conta do cenário de suspense, Tia


desvelou os motivos...
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Está tudo bem meus filhos! Só que PAI SETA BRANCA me comu-
nicou que vai CONSAGRAR mais 03 (três) NOVOS ADJUNTOS KOATAY
108 (Adjunto Maior), e um deles é você Tavares.

Tia Neiva enquanto tentava explicar melhor a demanda do Caci-


que, foi interpelada por um dos DEVAS, a pretexto de que o Tavares
fosse muito jovem (de idade terrena), o qual tinha realmente na época
apenas seus vinte e poucos anos. Neste momento veio em defesa do
mancebo jaguar, o 1º Mestre Jaguar - Nestor que levantou como bom
advogado o caso do 1º Cmte. Janatã, mestre José Luiz. Seu Mário a
tempo disse que o caso do Zé Luiz era o de alguém que não tinha tido
infância e portanto foi obrigado a amadurecer precocemente aos pa-
drões de idade. Dedicaram algum tempo nesta balança de pontos de
vista até que chegou no recinto o 1º Mestre Lua Sublimação, Guto e se
posicionou inclusive como propenso futuro padrinho do mestre Tava-
res. Olhando tudo aquilo e sabendo das ordens de PAI SETA BRANCA,
Tia abreviou o caminho com aqueles mestres e disse:

- Meu filho, Salve Deus! Vamos construir sua Cassandra no inte-


rior do Templo e vamos fazer sua CONSAGRAÇÃO e dos outros dois
escolhidos, porém não citados aqui.

Infelizmente tudo estaria sendo assim encaminhado, se não fos-


se o assunto ter saído daquele ambiente e antes que se chegasse na
devida CONSAGRAÇÃO, inflamou-se pelos pátios da vida a inveja, o ci-
úmes e claro a maldade! Alguns outros mestres buscaram junto a Tia
ingressar nesta pequena lista e diante do quadro vibracional que come-
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çava a se formar, nossa mãe teve que mudar sua estratégia na semana
seguinte...
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Naquele ínterim já havia a classe dos RAMA 2000, que usavam o
FORRO VERDE (TOM ESCURO), classe esta fundamentada principalmen-
te pelos ADJUNTOS MAIORES, tendo abaixo deles os TRIADA HARPÁ-
SIOS que utilizavam-se já do FORRO LILÁS (TOM CLARO).

A condição de emitir na ESTRELA ARCANOS estava próxima de


ter sua primeira leva de distribuição e por conta disto os ADJUNTOS
MAIORES RAMA 2000 teriam que receber um forro que os diferencia-se
dos demais RAMA 2000 (Sem a condição de ARCANOS).

A estratégia de Tia foi a de Consagrar novos ADJUNTOS RAMA


2000 e até de incluir uns e outros na leva dos ARCANOS, evitando-se
assim uma chuva de vibrações nos escolhidos. Tendo sido levados os
antigos RAMA 2000 à condição de ARCANOS RAMA 2000, novos RAMA
2000 surgiram e sem maiores problemas, Salve Deus!

Depois das Consagrações, na CASA GRANDE com Tia, estavam os


NOVOS RAMA 2000 e ela vos apresentou um VERDE (BEM CLARINHO),
dizendo que aquela seria a cor de seus forros. Vixi (risos)... a rejeição ao
VERDINHO foi praticamente unânime.

Tavares (AGORA RAMA 2000) por sua vez não deixou barato e
disse:

- Olha Tia! Vou ser sincero com a senhora... Eu, não uso esse for-
ro na minha capa não. Esse forro horroroso? Uso não Tia.

Tia ria, mas ria bacana com isso, diz Tavares!


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Uso não Tia, continuo com meu forrinho lilás, mas não uso
mesmo (risos).
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O momento não era de tensão, esse já tinha ficado na Consagra-
ção. Agora era descontrair sem desconcentrar, mas a Tia sempre atenta
as estratégias com seus filhos mais irredutíveis.

A ideia do PAI SETA BRANCA e TIA NEIVA era que os ARCANOS


continuassem com o verde escuro (RAMA 2000) e que apenas os novos
RAMAS 2000 e que viessem a ser diferenciados pelo tal “verdinho hor-
roroso”. Contudo chegou-se então na solução e Tia acatou o que Tava-
res disse sugerindo que os NOVOS RAMA 2000 ficassem com o verde
escuro e que ela com ajuda das entidades procurassem uma forma de
diferenciar a capa dos poucos ARCANOS da época.

Chama Lúcia pra mim, disse Tia Neiva.

- Filha, disse Neiva quando Carmem Lúcia chegara... Bote duas


faixas de vinho nas laterais da capa dos ARCANOS CONSAGRADOS. Dei-
xa o verde escuro lá minha filha, não tira! Uns 40 centímetros cada faixa
e vinho na lapela (gola da capa) toda.

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“Ser honesto em todos os sentidos! Não se esqueça de que por mais
escondido que esteja, a sua sombra poderá ser vista!”
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AS CIGANAS AGANARAS

As CIGANAS AGANARAS representam o ESPÍRITO NÔMADE, o


Jaguar, conforme declara nossa Mãe Clarividente na Lei dos Prisionei-
ros.

Recordam as ciganas da TRIBO KATSHIMOSHY, na velha Rússia


quando sua capital era ainda LENINGRADO.

Ali, encarnou esta tribo trazendo o misticismo e o seu plexo com


a força “bruxa”, que propiciava a técnica de leitura - BUENADICHA - ou
seja, a previsão do futuro nas mãos e nas cartas. Tínhamos também a
capacidade de lidar com as plantas e as raízes para curar. Estas eram
vendidas e muitas das vezes as pessoas compravam para fugir de nos-
sas próprias pragas rogas em sua direção e que ficaram famosas pelos
seus reais e devastadores efeitos.

Os homens desta tribo por sua vez tocavam violão, e outros ins-
trumentos como: violino, banjo e pandeiro, bem como faziam jóias de
ouro e prata, e tachos de cobre para comercializar. Sabíamos que o
metal OURO é rico em condução e a PRATA é excelente para absorver
energias negativas...

Vendiam cavalos, galinhas, sendo que muitas vezes o cavalo era


pintado conforme a vontade daquele que o encomendava, e o resulta-
do quase sempre era drástico, pois ao lavarem o animal a tinta saia e o
engodo era revelado!
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As festas eram lindas, as mulheres dançavam, os homens toca-


vam e todos bebiam. Não faltavam as fogueiras para aquecer a festivi-
dade e afastar as feras, entre elas o LOBO. Até hoje os espíritos “ciga-
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nos” tem dificuldades em ouvir o uivo de um cão pela lembrança trági-


ca que esta tribo teve com uma matilha de lobos e que famintos ataca-
ram e comeram muitos de nós num triste desfecho.

De acordo com os escritos de nossa Mãe Neiva, as velhas ciga-


nas são hoje as PRIMEIRAS DE FALANGE, as quais ela enumerou, dando
inclusive seus nomes ciganos. Espíritos muitos preparados, pois a sabe-
doria passava de uma para outra não importando se quem recebia era
“sangue do sangue”, pois o importante era o sentimento igualitário da
união como se todos fossem pais e filhos uns dos outros! Este senti-
mento de fraternidade e amor de nosso povo cigano foi relembrado
majestosamente por nossa Mãe em Tia Neiva, herança de NATACHAN
DE KATSHIMOSHY, que não fazia divisão ou distinção entre nós, nos
tratando como iguais para ela e deixando claro que todos são seus fi-
lhos, todos são filhos do PAI MAIOR. Como ela mesmo gostava de dizer:

Não somos melhores nem piores, somos diferentes!

Deslocamo-nos da Rússia para a Espanha depois de uma triste


divisão... e na travessia muitos pereceram de fome, de frio ou mortos
pelos lobos. Somente alguns sobreviveram levando além de sua fé o
famoso TALISMÃ DOS KATSHIMOSHY.

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“Cada espírito se identifica na individualidade
que o sustenta com seus fluídos.”

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UMA SEREIA NO VALE DO AMANHECER

Eu cheguei ao Vale em 1970, mas ingressei na doutrina realmen-


te em 1972.

O que me levou a esta missão foi o desejo de servir em um


pronto socorro espiritual ajudando ao próximo. Eu vivia sempre pelos
hospitais tentando levar lenitivo aos enfermos, e um dia encontrei em
uma banca de jornal uma reportagem sobre o Vale do Amanhecer, me
interessei e fui ao encontro; Nem sabia onde estava, mas fui atrás...

Chegando lá, fui recebida por Tia Neiva em sua casa. Ela me dis-
se ser “eu” sua contemporânea e chamou o Mário Sassi, afirmando se
tratar de uma velha contemporânea.

Ali eu me encontrei!

Era aquilo que eu queria e precisava, e então me colocou junto a


ela para desenvolver. Dizia ela que eu era uma grande missionária, ti-
nha muita fé; Porém, eu pouco entendia do assunto, pois vinha de uma
tradicional família muito Católica. Algum tempo depois, Pai Seta Branca
logo após a inauguração da Estrela Candente em 1º de Maio de 1976,
pediu a manutenção da Estrela. Depois de muito emitir os mantras nas
Consagrações da Estrela Candente, um dia no Templo, Tia Neiva através
de Pai Seta Branca me consagrou como: 1ª Ninfa Lua Estrela Candente

Assim, fiquei emitindo os mantras como forma de ajudar o mes-


trado a cantar corretamente. Em todas as Consagrações da Estrela Can-
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dente, com chuva ou Sol, estava eu ali (naquele tempo não havia ener-
gia elétrica e nem se pensava em microfones), na minha missão que era
abrir o canal que liga a Estrela com os Portais.
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Os mantras chegaram na Doutrina do Amanhecer através de
nossa Mãe Koatay 108 (Tia Neiva). O primeiro mantra iniciático foi o |
Hino do Doutrinador |, o segundo foi o | Hino Consagração aos Mestres
|, e o terceiro foi o | Hino dos Mestres |, e este HINO DA ESTRELA
CANDENTE foi o que me consagrou como 1ª CANTORA.

No que se trata de falar sobre minha convivência com a Tia, o-


lha... é muito difícil. Sempre estava ao lado dela nos trabalhos que ela
trazia dos mundos espirituais e ela precisava de apoio para tornar reali-
dade o que ela via, então as ninfas que mais conviviam com ela doutri-
nariamente eram: Eu (Teresinha), Ivone (ninfa do Primeiro Mestre Ja-
guar – Nestor), Carmem e Vera Lúcia (filhas da Tia Neiva), Rilza e Mari-
aninha.

Muitas vezes Tia no Sétimo (cantinho dela trabalhar em casa) eu


assistia ela escrever ou desenhar muitas e muitas vezes e depois jogar
fora no lixo... Depois que ela enchia o lixo, eu recolhia muitas coisas
lindas, lindas e perguntava a ela porque jogara fora e sem resposta na
maioria do tempo eu decidia por guardar aquele tesouro renegado!

Outra passagem que muito me marcou foi o dia que ela me re-
cebeu na missão da doutrina; Isso para mim foi o primeiro passo onde
eu pude viver e conviver com ela em todos os sentidos. Pude compre-
ender a mim mesma, pude compreender meus irmãos, pude acompa-
nhar o sofrimento dela para implantar o amor no coração de todos nós,
pois no começo tudo era tão difícil e era complicado para ela distinguir
o físico do espiritual. Nós éramos o ponto de partida e o final para tudo,
337

e ela confiava nas ninfas e nos mestres...


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Precisava da nossa presença, da energia individual para constru-
ir o princípio de todos os trabalhos. Depois de sua partida, sinto que a
responsabilidade dobrou para todos. Ela deixou em cada um (mestres e
ninfas), um pedacinho dela. Somos todos uma parte dela, devemos nos
reportar com dignidade a tudo que se refere ao que ela nos deixou,
indumentárias, uniformes, objetos, e principalmente às LEIS DO AMA-
NHECER. Agora com o passar do tempo, nós realmente estamos perce-
bendo o mais importante, que é o AMOR, a TOLERÂNCIA e a HUMIL-
DADE, estes valores jamais deixarão de existir... espero!

ENTRE OS JAGUARES DESTA TRIBO... A Doutrina é intocável.

Ela está bem protegida e guardada. Aqui na Terra, somente está


o imprescindível, pois a sua essência está nos mundos encantados, a
verdadeira raiz de tudo. A Doutrina pelo lado físico precisa de UNIFICA-
ÇÃO, unir todos em torno do mestrado, NÃO DIVIDIR POVOS!, pois so-
mos uno em Cristo Jesus. Por último, ter sido escolhida como 1ª Repre-
sentante da Senhora Condessa Nathanry foi a maior realização que eu
tive, quando Tia Neiva em Julho de 1981 trouxe o primeiro trabalho de
libertação na Doutrina. Eu estava na lista das sete primeiras prisioneiras
para participar deste trabalho e quando foi apresentada a lista para a
Tia, ela me viu e sentiu a presença de uma grande fidalga e não deixou
que eu assumisse a prisão, pois eu estava sendo designada para outro
trabalho. Ela viu uma senhora vestida com uma indumentária preta na
minha aura. Neste período nem bônus eu podia dar, viu!

Dali para diante tudo começou a tomar um rumo diferente e es-


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pecial para mim. Eu a sinto muito na vida mediúnica dos mestres e nin-
fas deste Amanhecer, ela remonta os séculos... ela é a testemunha ocu-
Página

lar de tudo e de todos, Salve Deus!


Ainda sobre esta célebre ninfa, podemos afirmar pela beleza de
sua aura, beleza física com maior ênfase em sua juventude, imenso
amor ao próximo e uma voz que não apenas canta, mas encanta nossos
ouvidos e corações, ecoando uma vibração celeste no fundo de nossas
almas que sem dúvidas, temos na figura de Teresinha Bastos uma “Se-
reia” a viver entre nós, discípulos escolhidos novamente por Jesus, a ser
pescadores de espíritos, de almas!

A pedido de Pai Seta Branca, Tia Neiva orientou os construtores


do Templo Mãe a edificarem uma Cassandra, esta em frente ao Radar
(junto à entrada dos mestres para o setor evangélico) para uso exclusi-
vo de nossa amada 1ª Cantora, provando mais uma vez se tratar de um
espírito de importante participação nos Planos Espirituais de nosso Ca-
cique.

Atualmente, seu lugar sagrado no interior do Templo fora trans-


ferido de sua posição original e encontra-se hoje ao lado da Cassandra
da Falange Missionária “Agulhas Esmênias”, contendo na placa indicati-
va (Teresinha Cantora). Teve seu nome e função vinculados ao famoso
e restrito trabalho de “Indução Cabalística” e certa feita, cabe-nos re-
gistrar que tendo se comprometido com os Cantos nas Estrelas Canden-
tes, nas Entregas de Energias no Templo, e ainda durante um ano ter
sido ininterruptamente a representante da Senhora Condessa, chegou
nossa “Sereia” a adoecer gravemente, a ponto de ter ficado internada
por aproximadamente 15 dias em estado de “coma”, momento de nos-
sa história onde Tia Neiva pedia constantemente ao corpo mediúnico
mentalizações de cura, bem como em seus momentos de trabalho espi-
339

ritual envidava todos os seus poderes para trazer ao corpo acamado o


espírito de Teresinha.
Página
De acordo com Teresinha, Tia ouvia muitas vezes Mãe Yara can-
tar, e assim com seu violão dedilhava os primeiros ensaios de nossas
canções. Graças à Deus e as boas vibrações de amor Teresinha encon-
tra-se até hoje entre nós, nos dando a feliz e rica oportunidade de ho-
menagear, de render o devido respeito e amor verdadeiro à esta ninfa
que em muito sacrificou seu físico em benefício de sua nobre participa-
ção na obra do Simiromba de Deus.

É prática de nossa humanidade até os dias atuais valorizar mais


os “mortos” do que os “vivos”, mas em alguns momentos acordamos
para a importância não somente da valorização devida ao próximo, mas
para a importância de preservar sua obra, sua história que nos serve
senão apenas como inspiração, mas também como baliza para saber-
mos dar os próximos passos com menos equívocos e mais sabedoria.

340
Página
“Quando somos acessíveis a todos, emitimos raios de luz e de amor.”

341
Página
A SENHORA CONDESSA NATANHY

Encontra-se as diversas grafias abaixo em nossos acervos dou-


trinários...

• Condessa Natarry

• Condessa Natanry

• Condessa Natanhy

A pronúncia “correta” diz-se: NA-TAN-RRÍ, e de acordo com os


mais estudiosos não se deve entender este nome como o nome de um
lugar de onde a Condessa tenha vindo ou estado em vida encarnada,
mas sendo este o seu nome no espaço para fins desta missão de justiça.

Sua história como encarnada encontra-se afixada em nossa linha


do tempo em momento que antecedeu o evento da “QUEDA DA BASTI-
LHA”, o qual foi um marco da Revolução Francesa, datando no período
entre o fim do século XVIII e início do século XIX. Neste ínterim revolu-
cionários em desacordo pujante com a monarquia francesa se lançavam
violentamente sobre as casas de nobres da realeza, lá cometendo as
mais diversas atrocidades para com todos os moradores; sendo sua
passagem por ali reconhecida por cruzes feitas de sangue de suas víti-
mas nas paredes dos imóveis...

Tia Neiva nos descreveu como sendo a Senhora Distinta, uma


Condessa, mulher de pele branca, olhos claros, ruiva, rica, poderosa,
altiva e muito, muito influente na sociedade francesa daquela época.
342

Ainda que detivesse tal influência, não foi possível usá-la em defesa de
seu marido que fora acusado “injustamente” de fazer parte daquele
Página

movimento revolucionário que culminaria no marco histórico supraci-


tado, e tendo assistido ao julgamento e condenação à forca de seu que-
rido marido, viu seu poder e influência inútil diante daqueles homens
tomados pela força negativa de suas desavenças, colaborando inclusive
para as mais infames injustiças.

Face a injustiça assistida e sentida no seio de sua família, esta


mulher, a Senhora Condessa Natanhy passou a dedicar seus dias e for-
ça, sua influência mantida, na luta pelo fortalecimento da justiça, e pas-
sando a participar de todos os julgamentos da época, sempre de luto
por seu marido, e vestindo lindas indumentárias pretas, por muitas ve-
zes colaborou substancialmente para que a justiça prevalecesse nos
tribunais da Terra.

Após seu desencarne, por méritos de seu esforço nos tribunais,


ganhou este espírito a missão espiritual de estar junto aos julgamentos
e leilões nos anfiteatros como a:

“TESTEMUNHA DOS TEMPOS”

Tendo acesso irrestrito aos históricos de encarnações passadas


de nossa tribo, nos acompanha como espírito de altíssima hierarquia na
linha da Justiça Divina, exercendo o mesmo papel de sempre, na busca
de que se faça justiça entre perseguido e perseguidor! Sua primeira
projeção se deu junto à ninfa Teresinha Bastos por ocasião do primeiro
trabalho de prisão neste Amanhecer, vindo ela a representar a Condes-
sa Natanhy nos primeiros rituais no início da década de 80, e passando
a ser esta representatividade por esta e outras ninfas por ela preferen-
cialmente preparadas como “obrigatória” em todos os rituais de Julga-
343

mento e Aramê, exceto nas Libertações Especiais.


Página

Esta é a História de Vossa Excelência, Condessa Natanhy - A fiel


da balança do Jaguar.
“Quando estamos confiantes, temos aguçados nossos ouvidos, sensíveis
aos fenômenos deste mundo, sinal evidente que não estamos somente
virados para nós mesmos.”
344
Página
TRANSCENDENTAL ANGICALENSE

Mãe Tildes, alma gêmea de Pai João de Enoch, abrigou Tia Neiva
como Lídia. Em episódio anterior, Mãe Tildes já havia abrigado Mãe
Zefa do Congá, muito ferida por chicote dos feitores. A grande maioria
dos espíritos que hoje estão na roupagem de jaguares do Vale do Ama-
nhecer e que estiveram no episódio que envolveu Joaquim da Silva Xa-
vier “o Tiradentes”, voltou à Terra na localidade de Angical.

O episódio foi em idos de 1792, quando a rainha Dona Maria I


assinou a sentença de morte de Tiradentes, na data de 21 de abril. No
dia seguinte ele foi enforcado, tendo o seu corpo esquartejado e os
pedaços cravados em diversos locais da estrada de Ouro Preto. O re-
torno desses espíritos ocorreu, segundo o acervo da Doutrina do Ama-
nhecer, e as palestras de Tia Neiva, pouco tempo após o desencarne de
Pai Zé Pedro, para serem conduzidos pelo espírito de Koatay 108, na-
quela época como a personagem Lídia.

Lídia foi uma reencarnação de Natachan (Tia Neiva), a primeira


tentativa para que ela assumisse a estruturação da Doutrina do Ama-
nhecer com os espíritos vindos da experiência da Inconfidência Mineira;
mas Lídia não assumia a missão.

Ainda jovem, foi violentada por um bandido chamado Gravatá,


que vivia nas imediações do Angical, e isso muito a revoltou. Mais tarde
por pressão da família, casou-se com um Juiz, partidário das ideias de
independência do Brasil, muito rico e poderoso, mas que vivia em jogos
e orgias. Foi um longo período de dores e sofrimento para Lídia, que
345

resolveu então, fugir para o Congá de Mãe Tildes, abandonando toda


aquela riqueza material.
Página
Um dia, quando estava sentada tranquilamente, fumando um
cigarro de palha, foi surpreendida pela chegada de seu marido, que
vinha para levá-la de volta para casa. Possuída pela raiva, Lídia pegou
uma faca e a cravou violentamente no peito do marido, matando-o.

Foi presa e passou um grande tempo na prisão.

Cumprida a pena, Lídia voltou ao Angical, onde encontrou uma


situação favorável ao início de sua missão, pois os espíritos dos inconfi-
dentes ali estavam reunidos, como senhores de engenho e feitores,
vivendo em múltiplos comprometimentos, casando e facilitando uniões
com mulheres ricas, que havia sido por eles feitas viúvas, sendo em sua
maioria instrumentos de seus obsessores. Enfim, homens e mulheres
do passado, espíritos de Jaguares, ali aguardavam o início da missão de
Lídia, para se acertarem com o cumprimento de seus carmas.

Mais uma vez o espírito de Natachan descartou a missão.

Passou todos os seus bens para Mãe Tildes e desapareceu, indo


para a serra, onde encontrou abrigo na casa de um casal que, mais tar-
de, numa vida próxima, seriam os pais de Tia Neiva, deixando todos
aqueles espíritos entregues à própria sorte, vivendo com dificuldades
financeiras e emocionais, o que fez com que Pai Seta Branca tivesse que
intervir naqueles quadros, trabalhando muito para que pudesse har-
monizar o Angical.

Aqueles espíritos hoje estão no Vale do Amanhecer, muitos en-


carnados, tentando resgatar suas faltas e se redimirem pela passagem
346

como prisioneiros, encontrando-se ao abrigo da doutrina trazida pela


mentora Tia Neiva, a Lídia do Angical.
Página
Em 4 de fevereiro de 1983, Tia Neiva deixou o seguinte registro
ao mestrado:

“Hoje, prisioneiro do teu passado, em Cristo Jesus tens a certeza


de seres libertado daqueles que já cumpriram o seu tempo. Filho: não
deixes esses que se dizem teus inimigos sem a tua compaixão e sem a
tua piedade. Lembra-te que essa dor que esse te fez passar é uma pe-
quena vingança em relação ao grande mal causado por ti em eras dis-
tantes, em tuas vidas passadas. Ama com fé a esses que se dizem teus
inimigos, para que não saiam simplesmente por uma emissão cabalísti-
ca doutrinária, mas sim atravessando com o teu amor, para que possas,
do outro lado, encontrar um bom amigo. Ama com fé a vida, e não te
esqueças que nunca deves amaldiçoar a vida e nem culpá-la nas suas
horas de dores. Ela não é culpada do que sofres e nem, tampouco, ben-
feitora de tuas alegrias...”

347
Página
“A melhor maneira de conhecer a nossa evolução é quando não passa-
mos desapercebidos das dores alheias. Então, emitimos amor para onde
olharmos, sentindo graças por tudo ou pelo pouco que temos!” 348
Página
O PEQUENO PRISIONEIRO JAGUAR

Conta-nos Maria Abadia...

O TRABALHO DE PRISÃO havia chegado para nós em Julho de


1981, e nem havia passado um ano deste marco, estávamos eu e Luzi-
mar assumindo uma prisão... Era Abril de 1982! Nosso contato com a
Casa Grande de Tia eram constantes e entre um esforço de coleta de
bônus e outro, lá estávamos para estar próximos, ou até mesmo aten-
dendo seus chamados. Numa destas idas, Tia virou para o seu Mário e
disse:

- Mário! Manda a Lúcia fazer um UNIFORME DE JAGUAR para o


Juliano assumir uma prisão. Salve Deus!

Esse foi o espasmo do Tumuchy, que foi logo alertando Neiva


sobre o reboliço que esta ação iria criar no corpo mediúnico (o menino
só tinha 5 anos), pois não havia ainda acontecido nenhum caso assim.
Seu Mário ainda chegou a reconfirmar se era mesmo o JAGUAR, COM
ATACA E TUDO, e ela com um único gesto sinalizou que sim, e lá foi o
Mestre Tumuchy transmitir o pedido da Clarividente à sua filha Carmen
Lúcia que incumbiu o Alfaiate “Seu João” de produzir o modelo em mi-
niatura. Tia disse ao Mário e a nós como pais, que este ato viria ajudar
muito em sua vida. Juliano era muito alerta a tudo no Vale desde aque-
la época e nos acompanhava para todos os lados dentro do Vale, pois
até então era filho único e não gostava de freqüentar o “Pequeno Pa-
jé”, preferia estar conosco e principalmente junto à Tia, coladinho nela,
que fazia questão que ele a chama-se de “VÓ COROCA”.
349

Certa feita, Tia estava mal da saúde, acamada e fomos lá na Casa


Página

Grande para vê-la. Juliano, entrou correndo em direção ao seu quarto e


falando: “Vó Coroca, Vó Coroca!” pulou em cima dela na cama... Ela
sorria, e nenhum dos presentes, mesmo os parentes entendiam a liga-
ção que subestimava até o desconforto e a dor em função daquele a-
mor verdadeiro, puro, de uma criança! Não demorou, o Juliano estava
lá no seu João para provar seu primeiro uniforme. O sorriso dele era
maior que o mundo todo... Ele que dizia sempre que um dia viria vestir
a “CAPA DO SUPERMAN” (risos).

O pico do seu encantamento era quando estávamos na escalada


e ele nos acompanhava todo feliz, por saber que usaria aquelas capi-
nhas colocadas nos pacientes. Nossa! Pra ele era tudo... O Sal, o Perfu-
me, o Ritual... parecia estar num parque de diversões. Teve mesmo
uma infância missionária ao nosso lado graças à Deus! Bom, foi então
no dia 03 de Abril de 1982 que diante de Tia Neiva seu pai lhe abriu e
entregou seu caderno nas mãos da Clarividente para que ela registra-se
o início de seu trabalho como “PRISIONEIRO DA ESPIRITUALIDADE
MAIOR”. Tia lhe entregou o caderno e disse:

- Depois você volta que a Vó Coroca te dá um bônus, viu meu fi-


lho!?

Todo alegre, lá se foi - O PEQUENO PRISIONEIRO - cumprir sua


missão no pátio, ali perto do Turigano e das antigas lojinhas que existi-
am, onde os prisioneiros gostavam de coletar suas bonificações junto
aos médiuns e visitantes.

O primeiro bônus foi nosso em Cristo Jesus e tanto Tia Neiva


quanto, diversos veteranos assinaram num misto de encanto e surpresa
o caderno do pequeno Juliano, que não poupou esforços para fazer
350

tudo direitinho. Depois ele voltou e ganhou o desejado bônus da Clari-


vidente que assinava: Tia Neiva em Koatay 108 com -0- // em Cristo
Página

Jesus. Acho sinceramente que aquele bônus da Tia consagrou sua liber-
tação, até porque quando depois viemos a perguntar sobre o encerra-
mento do trabalho ela disse não ser preciso que ela já tinha tomado
conta de tudo.

Juliano guarda até hoje em seu Aledá, sua calça marrom, sua a-
taca roxa e seu caderno com muitas relíquias em forma de bônus assi-
natura... Agradeço muito Ao Pai, à Tia pela oportunidade concedida ao
meu filho que até hoje honra a missão entregue por aqueles dias. A
blusa preta e as morsas eu dei para minha falecida sogra, Dona Odete e
por lá ficou em meio aos seus pertences, Salve Deus! Teve uma ocasião
em que ele insistiu em ir na Tia para pegar um bônus, não me lembro se
seria o primeiro ou o segundo e lá fomos nós com ele para a Casa
Grande. Contudo, chegando lá Tia estava ocupada e ao ser abordada
por Juliano com o famoso “Um bônus em Cristo Jesus!”, ela educada-
mente respondeu a ele que estava ocupava e que depois a Vovó daria.

Vixi! Ele ficou sério, emburrou mesmo, e ficou sentado à distân-


cia na sala. Ficamos a pedido de Tia para participar da conversação e no
final Tia virou-se pra ele e disse:

- Cadê meu filho seu caderninho? Vou te dar o bônus.

Juliano virou pra ela e disse:

- Não quero mais! Na hora que te pedi você não deu, agora não
quero mais...

Luzimar já ia iniciando uma repreensão ao Juliano pela resposta,


mas Tia o interrompeu dizendo que o menino estava certo e que ela é
351

quem tinha perdido a oportunidade.


Página
“Seja natural, ame o que sempre amou e recuse o que sempre recusou.”

352
Página
O AMANHECER DAS PRINCESAS NA CACHOEIRA DO JAGUAR

CAPÍTULO I

Salve Deus, meu filho Jaguar!

De todos os males, o mais triste é aquele que deixamos em nos-


sas passagens, é a cicatriz do nosso mau comportamento, quando es-
tamos na Terra. Vivemos seguros ao orgulho, principalmente no egoís-
mo. Muitas vezes sentimos a necessidade de chorar, de sorrir, de amar,
ou melhor, pensamos em ser amados, mas nunca desejamos amar in-
condicionalmente, para melhor atrairmos a nosso favor... Não, pelo
contrário: exigimos de alguém o que nos convém, sem querer oferecer
nada em troca.

Salve Deus, meu filho! Vamos sentir a vida das Princesas e me-
lhorar o nosso comportamento com respeito ao amor. Sim, as crioulas
Princesas, em 1700, no Brasil Colônia, anunciavam o seu tempo de evo-
lução nas senzalas. A dor do destino cármico de um povo em desenvol-
vimento. Então, tudo começou a vibrar quando os dois grandes missio-
nários – Pai Zé Pedro e Pai João – resolveram agir no campo vibracional
de nossa missão, com esse imenso amor, ouvindo e sentindo o Céu, os
poderes de Vô Agripino, que emitia aos mesmos toda a Luz do Santo
Evangelho.

Pai Zé Pedro e Pai João – os conhecidos Enoques de todos os


tempos da evolução na Terra – vendo que o Homem persistia no seu
orgulho, arrogante, vieram dar fim a este triste poder. Aos 14 anos, Pai
353

Zé Pedro e Pai João, que regulavam em idade, vieram, no mais triste


quadro, em um navio negreiro para o Brasil. Eram duas personalidades
Página

com idéias transcendentais traçadas no Céu para aqueles dois missio-


nários. Apesar de tudo, eram também dois escravos, obedientes para
que pudessem dar o exemplo.

Salve Deus! Ninguém entenderia também, naquele tempo, que


aqueles dois velhos imperadores, dois faraós, que haviam vivido com
tanto desamor, tanto orgulho, estivessem sofrendo, daquela maneira,
nas garras dos traficantes de escravos.

Então, aqueles dois espíritos levaram em frente sua obra. Prepa-


rados nos planos espirituais, vieram à Terra cumprir sua missão, que
seria, em nossa última orientação, a Nova Estrada do Jaguar na Linha
do Amanhecer. Vendidos por navios negreiros, vindos da Índia e da
África, por Deus se encontraram, pela força de seu compromisso, no sul
da Bahia, para onde sua forte e verdadeira mensagem os impulsionava.
Então, juntos, desenvolveram as suas faculdades mediúnicas. O senhor
de Pai Zé Pedro era um homem muito bondoso, que ouvia o Grande
Africano Zé Pedro e amava suas palavras. Chegou a se converter, e
comprou o Negro Indiano, que era Pai João, deixando-os fazer, na
grande senzala, o que lhes aprouvesse.

E tudo começou assim: eram seis fazendas reunidas, onde Jure-


ma e Juremá, as gêmeas, eram muito queridas por toda aquela redon-
deza. Sua graça e beleza demonstravam sua herança transcendental de
Altezas. Sim, o Homem não se perde – se reencontra! Então, a grandeza
dos missionários se fazia projetar por toda aquela região. Todos da re-
dondeza ali se juntavam, em busca da caridade. Ninguém entendia
porque, naquela era tão crua, de senhores tão arrogantes, pudesse ser
354

admitida aquela liberdade.

João pregava a Doutrina, o amor aliviando o chicote dos senho-


Página

res. Pai Zé Pedro tocava os tambores para alertar seu povo nas outras
fazendas vizinhas, onde vivam Iracema, Jandaia, Janara e Iramar, con-
tando, também, com Janaína, pequena sinhazinha que muito amava os
Nagôs. Eram jovens, com apenas 18 anos, que sofriam as incompreen-
sões de suas sinhazinhas e as perseguições e seduções dos seus sinho-
zinhos. Era uma desdita o que, naquele tempo, sofriam aquelas escra-
vas missionárias. Porém, na senzala de Pai Zé Pedro, tudo ia muito
bem! Vinha gente de longe, e as curas se realizavam com tanto amor
que se propagou o Africanismo com a sua presença.

Era o dia de Jurema e Juremá. A Lua surgia no céu, prateada. Os


tambores ressoavam. Jurema, em pé na soleira da senzala, vibrava,
cheia de amor, esperando Juremá e sua mãe. De repente, um crioulo,
que também fazia parte do corpo mediúnico, disse, tremendo de dor:

- Oh, Jurema, tua mãe não estará conosco. Amamentou a filha


da sinhazinha com febre, e a febre passou para a nenenzinha.

- Cadê mamãe?

- Tua mãe, Jurema, está no tronco!...

- Oh! Coitadinha! Ó, meu Deus! – gritou Jurema que, segurando


o portal da senzala, sentiu seu espírito se transportar, seguindo até às
ruínas de Pompéia.

Jurema, em sua visão, se sentiu uma rica princesa, entre sedas e jóias.
Sua irmã e todos aqueles crioulos da senzala, inclusive a negra que,
hoje, era sua mãe, ridicularizavam uma jovem escrava, hoje a sinhazi-
nha da senzala. Jurema, compadecida da jovem – que até então era
355

uma visão – se esqueceu da tragédia que, na realidade, estava aconte-


cendo. Não, ela não via sua mãe no tronco, que era a realidade. Via
Página

somente a jovem escrava arrastada e ridicularizada, com todos a vaian-


do, chegando mesmo a machucá-la, e, em meio a esta alucinação, co-
meçou a gritar:

- Juremá! Volte com minha mãe!...

Saiu, então, decidida para o congá. Chegando, contou tudo o


que se passou a Pai João, e ele lhe explicou:

- Filha, não chore, não se desespere. Eu, você, sua mãe e todos
os seus irmãos vivíamos na mais rica vida em Pompéia. Eu era Procura-
dor, Zé Pedro era Imperador, e todo esse povão estava lá. Só Deus sa-
be, minha Jurema, os desatinos, as tragédias que provocamos naquele
império. Fizemos a mais terrível escravidão. Hoje, filha querida, Deus
nos deu essa oportunidade de pagar todo este mal. Esta pequena si-
nhazinha é o espírito da jovem escrava de Pompéia.

- Então, Pai João, como tudo terminou?

Pai João, colocando a mão em sua cabeça, disse:

- Dorme, filha... Dorme, Jurema...

Deitada com a cabeça no colo de Pai João, Jurema adormeceu,


dizendo baixinho:

- Ó, meu fidalgo centurião, como pôde me abandonar neste ca-


minho tão espinhoso? Onde vives, que eu não posso te alcançar? Sim,
meu fidalgo, continue acariciando meus cabelos, que ficaram tão lon-
gos...
356

Nisto, um grito, e ela se levantou, decidida, dizendo:


Página

- Não voltarei para minha senzala! Vou-me embora daqui...


Com muito custo conseguiram acalmar Jurema. Os tambores
recomeçaram, mas Jurema, pensativa, não saiu do lugar. Pai Zé Pedro
iniciou os trabalhos, e veio sentar-se perto de Pai João e Jurema. Jure-
ma segurou em suas pernas. Depois, apoiou novamente sua cabeça na
perna de Pai João, não sentindo coragem para se levantar.

- Jurema, minha filha – disse Pai Zé Pedro –, choras pela tua


mãe?

- Não, Pai. Choro porque vi e perdi o meu amor... Agripa, o meu


amor! Eu o vi acariciar os meus cabelos... – e passando a mão na cabe-
ça, meio sem graça, Jurema continuou – Oh, paizinho Nagô, é tudo tão
diferente!...

- Sim, filha, se acalme. Eu vou lhe mostrar onde e como se en-


contraram.

- Não, Pai, não quero. Se ele for aquele crioulo feio do Japuacy,
não quero. Ele não está aqui como vocês estão, todos nós estamos.
Mas ele não pode. Não admito que seja feio como nós.

Os dois deram uma risada. Preocupado, disse Pai João:

- Vejam no que dá a clarividência de uma pobre jovem...

Jurema voltou a sentar-se. Pai Zé Pedro e Pai João vibraram,


preocupados. O que fazer? Levá-la para a Cachoeira do Jaguar? Deus
Todo Poderoso! Só Ele poderá traçar este destino.
357

E ali ficaram, esperando a jovem despertar para decidir o seu


destino, que tanto se agravara.
Página
CAPÍTULO II

Salve Deus, meu filho Jaguar!

Deus, de fato, toma, cedo ou tarde, o partido dos que se dizem


inocentes, porque o cristianismo surgiu, por canais piedosos, numa era
difícil.

Jurema dormia. O dia começava a raiar e os escravos não tinham


vontade de sair da senzala. Pai Zé Pedro pediu a Pai João que deixasse
Jurema a seus cuidados. Determinaria outros escravos para ajudarem a
zelar por ela. Pai João ainda era escravo recente naquela senzala.

Inesperadamente, o feitor chegou à soleira da senzala, gritando


para que cada um tomasse seu rumo. Todos saíram, exceto Pai Zé Pe-
dro, que era protegido do sinhozinho e gozava de alguma liberdade.

- Quem é essa crioula, Zé Pedro? – perguntou o feitor.

- É Jurema, que desde ontem não quer se levantar. Está sofren-


do pela mãe, que está no tronco.

- O quê? – bradou irado o feitor – Quem já viu uma crioula com


um mimo desses? Mimo é para a sinhazinha. Vou levantá-la agora
mesmo com este chicote!

E, marchando para a cama de Jurema, fez menção de levantar o


chicote. Ouviu-se o grito de Pai Zé Pedro:

- Se arremessar, eu o mato!
358

E seu grito foi tão grande que se fez ouvir pelas redondezas. O
Página

feitor, enfurecido, passou a arremessar o chicote de qualquer jeito,


blasfemando horrores e ameaçando ir contar ao senhor de Jurema on-
de ela estava.

- Não! – gritou Pai Zé Pedro – Não o fará. Os Ferreiras são muito


malvados e irão castigá-la. Não o fará!

Então, a senzala de encheu de negros Nagôs, intimidando com


sua presença o feitor que, amedrontado, saiu, e foi direto contar ao
senhor de Jurema o que se passara. Foi um reboliço. O senhor de Pai Zé
Pedro mandou chamá-lo e pediu que contasse o que estava acontecen-
do. Pai Zé Pedro disse que havia sido por conta da má criação da pe-
quena crioula.

Reunidos no terreiro, os negros ficaram pensando no que fazer.


Logo, chegou o senhor de Jurema, que entrou como um raio e pegou a
moça nos braços, furioso.

- Maldita! Tanto a mãe como as filhas são feras, são irresponsá-


veis, são negras malvadas, imundas – e continuou suas blasfêmias, dei-
xando os Nagôs sem ação.

De repente, ouviu-se um estampido, na serra. Tiros começaram


a ecoar e todos correram para ver o que era.

- Afastem-se – gritou o feitor – e peguem as armas. Não deixem


que eles desçam até aqui.

Os negros, aproveitando a confusão, abandonavam tudo e fugi-


am da fazenda. Pai Zé Pedro e Pai João correram para a casa grande, a
359

fim de defender seu senhor.


Página
O ataque prosseguiu. Era um bando de negros fugidos, revolta-
dos contra a escravidão, que se vingavam dos maltratos recebidos ata-
cando e saqueando as fazendas. Matavam as crianças, roubavam ani-
mais e levavam o que podiam. Com roupas esfarrapas e fortemente
armados, impulsionados pelo ódio, pela revolta, os negros cercaram a
casa grande, prontos para o ataque final. Foi quando Pai Zé Pedro apa-
receu na soleira e gritou:

- Parem! Parem!...

Um silêncio muito grande se seguiu. Os negros, petrificados, es-


tancaram, surpresos pela presença de Pai Zé Pedro.

- Sigam seu destino! – disse Pai Zé Pedro – Levem algumas leito-


as, e vão embora.

- Tem alguém no tronco? – gritou um dos assaltantes.

- Não – respondeu Pai Zé Pedro – Aqui não encontrarão nem


tronco. O meu senhor é meu filho.

Pai João saiu de trás de uma grande árvore, perto da casa gran-
de. Um crioulo, que estava a cavalo, deu-lhe um tiro, acertando no om-
bro. Jurema, que havia sido deixada pelo senhor que fugira, apavorado
com o ataque, saiu da senzala e correu para socorrer Pai João.

- Queremos o senhor branco – gritavam os negros.

Amparado em Jurema, Pai João disse, com ternura:


360

- Chega, meus irmãos, chega. O ódio é amigo da fome. Voltem


para seus donos. As onças vão lhes comer nestas matas. Deixem de
Página
ódio! – com a voz entrecortada pela dor, Pai João continuou – Vamos,
desçam! Eu não tenho medo de vocês... Deixem de ódio!

- Vamos descer – disse um velho africano e, num instante, todos


estavam no terreiro, reunidos em volta de Pai Zé Pedro, como que pre-
parados para ouvir o que ele tinha para lhes falar.

Pai Zé Pedro perguntou as razões da fuga, o porquê de estarem


fugidos. O velho africano contou a história:

- Éramos trinta, entre homens, mulheres e crianças. O nosso si-


nhozinho entregou-nos para o feitor, e todos os dia morria nêgo de
tanto apanhar. Então, resolvemos sair matando, até encontrar sossego.

- De onde vocês vêm? – perguntou Pai Zé Pedro.

- Viemos da Fazenda Esperança, no Engenho Velho.

- Como? O Engenho Velho fica muito longe daqui. Meu Deus! –


exclamou penalizado Pai Zé Pedro.

Os negros pareciam enfeitiçados com Pai Zé Pedro. Disseram:

- Vamos ficar aqui, se o senhor deixar. Obedeceremos e não va-


mos aborrecer ninguém.

- Ó, meu Deus! – gemeu Pai Zé Pedro – Já temos muitos negros


por aqui!

Uma crioula, aparentando uns trinta anos, saiu do grupo e falou:


361

- Sei tecer o fio, desde que me dê o algodão. Posso ser útil.


Página
Aproximaram-se oito crioulas, com idades entre 18 e 35 anos, e
alguns negros, também jovens, ansiosos pela resposta de Pai Zé Pedro.

- Chame o seu senhor – falou um negro, chamado Jerônimo, que


parecia ser o líder do grupo.

O senhor saiu para a varanda. Os negros se ajoelharam e pedi-


ram perdão. Muitos choravam como crianças. Eram almas em busca de
Luz, mariposas encandeadas pela luz. O senhor concordou com que
ficassem. Foi uma grande alegria. Os nagôs foram se acomodando na
senzala e Pai Zé Pedro, preocupado, decidiu ver aquele quadro. Cochi-
lou, e entro em transe. Viu que aqueles negros eram um grupo de ve-
lhos e tradicionais centuriões da antiga e distante Roma. Viu, também,
Pai Seta Branca, que lhe falou:

- Calma! Calma, José Pedro. Estes centuriões, que hoje são ne-
gros, estão sob a tua tutela. Foram seus algozes e, entre eles, estão
também Messalina, Policena, Emeritiana – sim, a tua Emeritiana – hoje
na figura de Zefa. Salve Deus, José Pedro! Amor, tolerância e humilda-
de! – e, a seguir, Pai Seta Branca desapareceu.

Pai Zé Pedro despertou com o barulho dos negros. Pensou:

- Sim, e João, o quê vai pensar? Como irá entender isso? Ó, meu
Deus, como me libertarei?

Nisso, Jurema vem correndo a seu encontro, falando:

- Pai Zé Pedro! Pai João! Eu vi um índio muito lindo, que me fa-


362

lou sobre estes negros. Eles são dos nossos, e vieram para nos salvar do
meu sinhozinho.
Página

Pai João deu uma risada e disse:


- Salve Deus! Eu não o vi, mas senti tudo o que se passou. Jure-
ma, tu és minha filha. Eu e tua mãe somos dois amores.

Os três se abraçavam, comovidos, quando ouviram a voz do si-


nhozinho, dono da fazenda, que chegava.

- Quero também me confraternizar neste abraço. Zé Pedro, você


salvou nossas vidas. – e virando-se para Jurema, falou: - Vou comprar
você, sua mãe e sua irmã, a Juremá.

Os quatro se abraçaram, com as cabeças juntas e em um só co-


ração. Combinaram de fazer uma grande festa no congá. A notícia ale-
grou os negros, que começaram a bater os pés e palmas, cantando em
linguagem Nagô. Olhando-os – os velhos Jaguares, ou negros, ou centu-
riões – Pai Zé Pedro sussurrou para Pai João:

- Ó, meu Deus! Emeritiana está ali, e Anetra também! O que se-


rá de nós, João?

Pai João, segurando o ombro ferido, respondeu:

- Onde está o amor, está a compreensão!

A noite chegou e encontrou os negros em grandes preparativos.


Os que haviam fugido na hora do ataque já tinham voltado e trabalha-
vam com os que haviam chegado, que pareciam bem disciplinados.
Todos, alegres, preparavam a grande festa do congá. De repente, um
grito. Era Iramar que chegava, esbaforida, trazendo a notícia:
363

- O povo da fazenda dos Ferreiras está preparando o cerco da


fazenda, para atacar os negros e levar Jurema de volta!
Página
Estabeleceu-se a confusão. O pânico voltava a reinar na senzala,
quando Pai Zé Pedro, mais uma vez, assumiu o comando da situação,
dizendo:

- Salve Deus! Fiquem calmos e vamos resolver o quê fazer.

Os negros se aquietaram e se chegaram a Pai Zé Pedro.

CAPÍTULO III

Salve Deus, meu filho Jaguar! Não estamos preocupados com


velhos documentos das velhas escrituras. Estamos, sim, desejosos de
saber onde os nossos antepassados encontraram tanta força e tanta
coragem para chegar até aqui. Sim, meus filhos, o missionário tem, gra-
ças a Deus, a sua energia e toda harmonia nos três reinos de sua natu-
reza. Muitas vezes, contando, até pensamos ser irreal o que nos dizem
sobre os escravos e seus missionários.

Como foi visto, a festa do congá foi interrompida pelo ataque


dos Ferreiras. Pai Zé Pedro tentou segurar os negros no congá mas,
quando deu conta, os mais jovens já haviam saído e enfrentavam os
atacantes. Logo haviam dominado a situação e Pai Zé Pedro viu, surpre-
so, os negros atacarem os Ferreiras e seu grupo, açoitando-os entre
pragas e gemidos. Foi quando descobriram o feitor, corpulento e furio-
so, que avisara aos Ferreiras a presença de Jurema na fazenda. Ataca-
ram-no com violência.

- Sou o feitor desta fazenda! – gritou ele, tentando intimidar os


364

atacantes. Mas, em vão. Pegaram-no e o golpearam por todo o corpo,


enquanto ele gritava: Esses nagôs estão me assassinando! Socorro!
Página
Quando os negros o deixaram, urrava de dor, inerte no chão. Pai
Zé Pedro se aproximou do feitor e viu que o homem estava com a colu-
na atingida, não havendo chance de se recuperar. Estava aleijado para
sempre!

- Ó, meu Deus! – exclamou Pai Zé Pedro – Como poderemos


resgatar tal dívida com este pobre irmão?

Alguém que estava ao lado falou:

- Ora, Pai Zé Pedro, acho muito bom que ele nunca mais cami-
nhe para chicotear nossos irmãos!...

- Meu Deus! Meu Deus! – Pai Zé Pedro dizia, andando de um


lado para outro – Ó, meu Deus! Este homem que nunca mais vai an-
dar!...

Pai Zé Pedro andou mais um pouco e se deparou com um triste


quadro: Ifigênia, uma jovem negra, filha de Júlia, uma paralítica, estava
caída, com o crânio aberto por pancadas. Foi buscar o sinhozinho, para
que visse o resultado da luta. Alguns homens haviam morrido, mas ne-
nhum dos Ferreiras fora seriamente ferido, e tinham fugido. Só restara
o feitor, caído e gemendo de dor.

O Sol já começava a clarear o horizonte quando os negros se


reuniram no terreiro, em volta de Pai Zé Pedro. Eram quarenta nagôs.
Um, que ainda não havia se manifestado, saudou:

- Salve Deus! – e incorporou Pai Jerônimo, falando com Pai Zé


365

Pedro: - Eles vão voltar para vingar a humilhação. Não podem mais ficar
aqui. Levanta acampamento! Leva Jurema e Juremá, recolhe teu povo e
Página

segue, rumo à Cachoeira do Jaguar, que desemboca nas águas grandes


do mar. Nós vamos ficar, e seguiremos depois, quando tivermos liber-
tado a desditosa mãe destas gêmeas – e apontou para Jurema e Jure-
má.

- Não, eu não permitirei – gritou Pai Zé Pedro.

- Como? – disse Pai Jerônimo – Como se atreve a duvidar de teu


irmão? Vão embora, que eu a levarei. Se demorarem a partir, haverá
mais mortes. Vamos, vamos logo! – e Pai Jerônimo desincorporou

Pai Zé Pedro e Pai João decidiram acatar o aviso. Rapidamente,


todos juntaram as coisas que podiam levar e se despediram do sinhozi-
nho e da sinhazinha, com amor. O feitor, por ordem de Pai Zé Pedro,
que não queria abandoná-lo à própria sorte, foi acomodado em uma
padiola de varas. Alguns crioulos ficaram na fazenda para ajudar a en-
terrar os mortos. O sinhozinho também arrumou suas coisas, juntou a
família, e se preparou para mudar da fazenda, indo para a cidade onde
viviam seus pais.

Os negros já estavam marchando quando ouviram, ao longe, um


tiro de clavinote. Pouco mais à frente foram alcançados pelos nagôs
que haviam ido buscar a mãe de Jurema e Juremá.

Eram 108 negros os que chegaram, após longa caminhada, à


Cachoeira do Jaguar. A noite ia alta, mas a Lua cheia clareava tudo. Po-
diam ver a mata, com suas palmeiras balançando suas folhas, como em
uma prece, a areia branca e o mar prateado pelo luar. Pai Zé Pedro,
sentado em uma pedra, descortinava todo o quadro por onde teria que
366

passar com aquela gente. Pai João se aproximou e disse, olhando a ma-
ravilhosa paisagem:
Página
- Sim, tudo pela condenação da matéria! A terra... A terra... Tão
lindo o mar e, no entanto, a terra é o que nos pertence, por ser a parte
sólida deste planeta. Porém, o que me conforta é que as forças cósmi-
cas continuam em atividade, porque, neste Universo, não há inércia.
Tudo se movimenta em nosso favor, pela bênção de Deus! A Sua ativi-
dade é, essencialmente, produtora desta nossa matéria orgânica e i-
norgânica. Logo nos dará forças, graças a Deus!

Pai Zé Pedro sorriu, ouvindo-o, e perguntou:

- Onde aprendeste tanto? Estas não são palavra de Nagô...

- Estou tentando consolar a mim mesmo, Zé Pedro. Por que não


pede ao Mestre Agripino? É ele quem me consola.

Foi quando os dois começaram a sentir a energia que chegava.

- Sim, Zé Pedro, a atividade do Homem é essencialmente produ-


tora e as forças essencialmente ativas. Como já disse, cria na matéria
orgânica este arsenal de forças. Portanto, temos que organizar um ritu-
al, uma jornada, vestimentas que mudem a sintonia dos crioulos. Sim,
Zé Pedro, vamos erguer esta arma para o Céu!

- Sim, João, é realmente um arsenal. Ó, meu Deus!...

Olharam a paisagem tranqüila. Pai João voltou a falar:

- Faremos uma jornada em frente à cachoeira. Arranjaremos


penas e enfeitaremos as crioulas, que ficarão como lindas princesas dos
367

castelos encantados de que já ouvi falar.

- E eu, que pensei que você, meu irmão, era um simples escra-
Página

vo!...
- Sim, – disse Pai João – tenho Vô Agripino que vem nos meus
sonhos e me conta tudo.

- Eu também tenho um índio que me falava quando eu ia entrar


no chicote do feitor – falou Pai Zé Pedro, rindo.

Então, lembraram-se do feitor paralítico que haviam trazido.

- Meu Deus! O quê vamos fazer com esse pobre homem?

Mas foram interrompidos por um grito que rompeu a calma. Era


Jerônimo que gritava, como se estivesse sendo perseguido.

- Ó, meu Deus! – exclamou Pai João – Nossa vida não tem fim...

Continuaram a sorrir.

- Sim, João, e o ritual?

- Faremos. Precisamos de energia para obter curas desobsessi-


vas. Salve Deus! Faremos tudo como Deus determinar.

Os crioulos vinham em busca dos dois, enquanto os gritos conti-


nuavam.

CAPÍTULO IV

Salve Deus, meu filho Jaguar!

O dever é obrigação moral da criatura para consigo mesma, em


368

primeiro lugar; em segundo, para com os outros. O dever é a lei da vi-


da! Meu filho, a virtude é o mais alto grau onde o Homem encontra sua
Página

liberdade espiritual. A virtude é a forma que sobrevive e explica a Natu-


reza do Homem, porque tudo está contido em Deus. Sempre estamos a
percorrer as ruínas de nossas vítimas, das suas vidas, sem preocupação
exata da nossa missão. Hoje, meu filho, estamos tentando acreditar no
que nos dizem os nossos antepassados,

A noite da chegada à Cachoeira do Jaguar foi um tumulto de


emoções. Alegria e tristezas, risos e choros. Jerônimo chegara aos gri-
tos. A mãe de Jurema e Juremá estava muito mal. Mesmo assim, apesar
dos sobressaltos e do cansaço, os negros se acalmaram com as palavras
de esperança de Pai Zé Pedro e de Pai João. Conseguiram dormir.

Quando o dia raiou, todos, animados, começaram a apanhar as


folhas das palmeiras e material para construir suas choupanas. Traba-
lhando felizes, em oito dias haviam construído um lindo povoado. E na
melhor sintonia possível, fizeram um formoso congá.

No dia do grande congá, todos estavam realmente felizes e de-


sejosos de receber a energia maravilhosa de que lhes falara Pai Zé Pe-
dro. Este, juntamente com Pai João e Henrique de Enoque, um dos na-
gôs que muito se identificara com os dois, foram até a choupana onde
Jurema cuidava de sua mãe moribunda.

Quando entraram na cabana, Jurema ergueu a cabeça e, como


se estivesse dormindo, com os olhos cerrados, saudou-os:

- Salve Deus! Seja bem-vindo a esta terra, meu estimado Procurador. É


árdua esta missão que escolhestes, de Nagô. Assim, assumistes a maior
das missões. Oh, como me orgulho de ti, meu filho! Orgulho-me de ti!
369

Como em poucos, tenho o mais puro exemplo em ti, meu filho, de ago-
ra em diante.
Página
Jurema abriu os olhos e, um pouco estonteada, voltou para jun-
to de sua mãe. Os três correram para ela, dizendo:

- Oh, filha, não sabes o bem que nos fizestes!...

Ela começou a chorar, e disse:

- Sim, eu sei. Ouvi tudo o que lhes disse. Apenas não pude me
impedir de dizer!...

Pai Zé Pedro olhou para Pai João e perguntou:

- Como? Segundo Vô Agripino, ela passou por um processo de


incorporação consciente. E quem tomou seu corpo?

- Os Anjos e Santos Espíritos que prometeram nos proteger nes-


ta jornada. Jurema será a Voz Direta do Céu! – respondeu Pai João.

Deram graças a Deus e começaram a comentar o que se havia


passado. Pai Zé Pedro reconhecera em Henrique o seu velho Procura-
dor romano. Pai Zé Pedro, como Imperador, o havia mandado a Pom-
péia e, agora, o reconhecera. Não estava tão seguro, até que Jurema
fez a confirmação. O reencontro se dera naquele lugar primitivo. Pai
João, filosofando, falou:

- Todos somos livres, neste mundão de Deus! Até mesmo para


acreditar, desejar, escolher, fazer e obter. Mas todos somos, também,
constrangidos a penetrar nos resultados de nossas próprias obras. Não
existe direito sem obrigação e nem equilíbrio sem consciência.
370

- Nesse caso, a consciência de Jurema é equilíbrio?


Página

- Graças a Deus! Por isso me faz tanto bem, Zé Pedro.


- Sim, João. E a mãe de Jurema irá morrer?

- Não, Zé Pedro. A doença é apenas o conflito do seu estado


externo, falta de energia física. Não precisamos nos preocupar.

- Aceito sua afirmação, João. Fico feliz e seguro de saber de seus


sonhos com Vô Agripino. Seria tão bom se eu também pudesse sonhar
com ele. Porém, devemos dar graças a Deus por termos você!

- Sim, Zé Pedro. Mas ele ralha muito comigo!

- Sim, João. Também tenho um índio. Eu já lhe disse, não?

- É verdade, Zé Pedro, é verdade. E quer saber mais? Fui infor-


mado que Vô Agripino é o pai espiritual desse seu índio.

- Êh, João, espera... Vamos devagar...

Foram interrompidos pelos gritos de alegria de Tomás, que ha-


via visto um pequeno barco que chegava. Nele, vinha para integrar o
grupo a sinhazinha Janaína!

- Vê, – disse Pai Zé Pedro – Jurema bem que nos disse ter visto
uma linda loura e um crioulo que chegavam, com belas mantas para as
crioulas.

- Sim, Zé Pedro, mas cuidado. Você está fazendo muitas obser-


vações, e isso é muito perigoso. Deixe que as coisas decorram sem mui-
ta precisão de sua cabeça.
371

Desembarcaram todos, e Janaína parecia que já era esperada


por aquela gente. Trouxe muitas mantas e pequenos terços, e mandou
Página

colocar sua bagagem na cabana de Jurema. Chegou a Pai Zé Pedro e


pediu:
- Gostaria de viver aqui, se me permitissem.

- Quer viver aqui, morar conosco? – perguntou Pai João, que


pensou: Meu Deus, quantas complicações!...

- Sim. – respondeu Janaína – Meu pai é dono de engenho e tem


grandes negócios na Europa. Não tem tempo para mim. Minha mãe
morreu. Sentia-me muito só, até que sonhei que, nesta Cachoeira, al-
guém me esperava. Assim, vim com Chiquito, para nunca mais voltar.
Libertei todos os negros que estavam no tronco, e sei que eles também
chegarão até aqui. Agora, que já os encontrei, Chiquito vai voltar. Vai
virar o barco e alardear que caí no mar e me afoguei. Todos pensarão
que morri, e estarei aqui, em paz.

Todas as jovens estavam juntas, dando risadas. A euforia com a


chegada de Janaína foi tão grande que, naquele dia, não houve sessão
no congá.

A vida ia correndo em calma. Cada um conhecendo melhor os


outros e, assim, evoluindo em grande harmonia. Pai Zé Pedro se evoluí-
a, a cada dia, no aprendizado de Pai João. Em vez das sessões no congá,
davam preferência às histórias doutrinárias de Pai João. E sempre Vô
Agripino se esmerava ao lado de Pai João.

Em resumo: ali acontecia a Doutrina secreta, mãe das religiões e


filosofias, que se reveste de aparências diversas no correr das idades,
porém mantendo imutável a sua base em toda parte. Sim, nascida si-
multaneamente na Índia e no Egito, passando daí para o Ocidente com
372

a onda das emigrações. Assim é que, por toda parte, através da suces-
são dos tempos e dos rastros dos povos, afirma-se a existência de um
Página

ensino secreto que se encontra idêntico no fundo de todas as grandes


concepções religiosas ou filosóficas. Os sábios, os pensadores, os profe-
tas dos templos e dos países mais diversos, nela acham a inspiração, a
energia que faz transformar e empreender as grandes coisas que alivi-
am as almas e equilibram as sociedades.

Naquela noite, estavam todos sentados diante de uma linda


fogueira, atiçada por Pai Joaquim e Mãe Dita. Todos se concentravam
nas chamas, enquanto Pai João, cochilando, ia recebendo todas essas
coisas, ensinamentos e lições, que iam ficando gravados no fundo de
sua alma, junto a uma paz, uma serenidade e uma força moral incom-
paráveis. Todos alegres, nem se lembravam do feitor, que repousava,
inerte, na última choupana do povoado. Como com a união se faz a
força, são obtidos, geralmente, resultados satisfatórios sobre os encar-
nados. Todos estavam descontraídos, desprevenidos, alheios aos seus
pensamentos e preocupações. Exceto Jurema, que não saía da cabecei-
ra de sua mãe. A festa foi interrompida por um triste espetáculo: Jure-
ma, com um pedaço de madeira na mão, surgiu no meio deles, comple-
tamente transtornada, gritando e ameaçando a todos, como se fosse o
feitor.

- Negros desgraçados, preguiçosos...

E, com os olhos fechados, golpeava todos ao seu redor. Gritou


para Pai Zé Pedro:

- Vem, negro desgraçado, vem me matar!...

Pai Zé Pedro, vendo que ela poderia cair na fogueira, correu pa-
ra segurá-la. Foi atingido por Jurema, que também golpeou Pai João,
373

que correra para ajudar Pai Zé Pedro. Jurema, completamente fora de


si, parecia um animal enraivecido. Pai João, machucado, ajoelhou-se e,
Página

erguendo os braços para o Céu, na força do chamado Deus Africano,


gemeu como um leão, dizendo:
- Ó, OBATALÁ! Ó, OBATALÁ! Ó, OBATALÁ! ENTREGO, NESTE INS-
TANTE, MAIS ESTA OVELHA PARA O TEU REDIL!

Jurema soltou o porrete e saiu cambaleando, em pranto doloro-


so. Pai Zé Pedro, enxugando o sangue que lhe corria pelo rosto, chegou-
se a ela, acariciando-lhe os cabelos. Jurema, desesperada, fazia-lhe per-
guntas:

- Não tens raiva de mim? Não te zangastes?

- Não, filha! – conseguiu dizer Pai Zé Pedro – Conheço o fenô-


meno, e tu só me fazes bem!

Jurema levantou os olhos. Os grandes olhos, rasos de lágrimas,


emitiam a Pai Zé Pedro toda a sua ternura. Pai Zé Pedro sentiu todo o
amor de sua vida. Naquele momento, os dois percorreram o transcen-
dente e, como por ventura, Jurema viu o famoso Procurador que a cor-
tejava, a quem tanto amava. E enquanto todos estavam empolgados
com o fenômeno desencadeado por Pai João, quando fez aquela emis-
são ou elevação, com toda a força de seus sentimentos, Jurema perma-
neceu abraçada com Pai Zé Pedro, vivendo a emoção daquele reencon-
tro. Pai João voltou ao seu lugar, e ouviu Vô Agripino, que lhe falou:

- Salve Deus! Viu, João? Fizestes tudo tão perfeito porque tens
constantemente livre o teu Sol Interior. Entregaste-te ao cristianismo,
esquecendo-te de ti mesmo. Sim, o ensino é como pétalas de rosa que
caem em nossas mentes, enquanto vai orvalhando os três reinos de
nossa natureza.
374

- E o Centro Coronário, que me ensinastes uma vez?


Página
- Sim, este guarda as pérolas que levamos para a vida eterna. – e
Vô Agripino finalizou: - Não te assustes com Zé Pedro. Não te esqueças
que ele tem apenas 40 anos aí na Terra!

Pai João ficou meio confuso com a advertência. Viu Zé Pedro,


que ainda falava com Jurema. Então, pediu que Vô Agripino ainda res-
pondesse a algumas perguntas. Vô Agripino esclareceu Pai João:

- João, sabes quem tomou o aparelho de Jurema?

- Não, meu Vô. Quem?

- O feitor!

- O feitor? Como? Ele morreu?

- Não. O seu ódio é tão grande que ele se desprende do corpo e


faz o que fez.

- Meu Deus!...

- Sim, e não poderás dizer nada. Guarda tudo para ti porque


essa gente não tem, ainda, capacidade para assimilar tudo isso.

- Ó, meu Obatalá! Tenho medo... E Zé Pedro?

- Sim, nem a Zé Pedro. Ele será feliz, pois saberá respeitar o seu
grande e imortal amor.

- E Japuacy?
375

- Japuacy? Veja, João...

Pai João deu uma grande risada.


Página
CAPÍTULO V

Salve Deus!

Explica-se a diferença entre a Velha Estrada e o Novo Caminho.


A Velha Estrada é cheia de medo, de temor a Deus. A Velha Estrada foi
palmilhada por milhares de pessoas, milhares de teorias sempre escri-
tas e nunca praticadas. O Novo Caminho, entretanto, foi traçado pelo
suor, pela própria energia de quem o traçou e vive a emitir com tanto
amor.

Vamos sentir o Caminho do Amanhecer, sem superstições nem


teorias dos pensadores, e sim pela vivência, na prática, na execução
desta Doutrina e de seus fenômenos sensoriais. Vamos senti-lo no res-
peito à dor alheia, no carinho aos humildes, no afeto das ninfas, no
progresso e na compreensão de nossa família. ESTE É O CAMINHO TRA-
ÇADO PARA O HOMEM NA DOUTRINA DO AMANHECER!

Quem diria que, naquela era distante, os Enoques levassem tão


alto esta filosofia, esta Corrente? Sim, Pai João, o mais velho, era quem
observava, com mais precisão, o desenrolar das vidas nos carmas. Suas
preocupações aumentavam, enquanto Pai Zé Pedro filosofava, recla-
mando de vez em quando.

Os dias iam passando normalmente, isto é, sempre com a pre-


sença de fenômenos que já se haviam tornado corriqueiros. Só Deus
sabia como e aonde chegariam! Havia dias alegres, outros menos ale-
gres, porém a vida decorria sempre em harmonia. Até que as forças
376

foram-se materializando e tudo começou a ser mais verdadeiro, mais


preciso. Pai João se inebriava com todos aqueles fenômenos e estava
Página

sempre à espreita dos mínimos acontecimentos. Refugiava-se sob uma


grande árvore e, ali, cochilando, ia recendo suas mensagens.
Um dia, o arraial estava tranqüilo e Pai João cochilava. Teve a
visão de um finíssimo fio magnético entrando em uma das cabanas, e
logo o grito de alguém que fora atingido por ele. Era Iracema que, de-
sesperada, rolava, gritando com grande dor na espinha, como se tivesse
levado uma pancada. Era um fenômeno mediúnico puramente espiritu-
al. Pai João correu para a cabana e fez uma elevação. A dor cessou.

Começou a pensar no que havia visto. Tinha certeza de que a-


quele fio magnético tivera sua origem na cabana onde estava o feitor.
Chamou Pai Zé Pedro e contou-lhe o que ocorrera. Trocaram idéias so-
bre o fenômeno.

Jurema, que vinha chegando, foi manifestada por um Caboclo,


que se dirigiu aos dois:

- Meus filhos, tomem cuidado. Este feitor é um instrumento feliz


de evolução. O pobre infeliz ainda vive pelas mãos caridosas de Sinhá
Sabina. O fenômeno foi visto por vosmicê, João, para que tome cuida-
do.

- Como? – perguntou, surpreso, Pai João.

- Ele vai entrando em transe, mergulhado em seu ódio, e sua


alma vingativa pega quem ele mais ama ou odeia.

- Salve Deus! E eu que pensava que somente os desencarnados


atuavam...

- Sim, – continuou o Caboclo – vocês ainda têm muito que a-


377

prender nesta jornada para desenvolvimento, até que passe todo o


carma da escravidão.
Página
- O Homem será feliz quando tiver a libertação! – disse Pai Zé
Pedro.

- NÃO, O HOMEM JAMAIS SE LIBERTARÁ! – falou o Caboclo, e foi


desincorporando.

Todos ficaram perplexos. Jurema, decidida, entendeu que o fei-


tor representava um perigo e correu à cabana dele, dizendo que ia ma-
tá-lo. Pai João correu e a deteve:

- Jurema, a concepção da morte resulta de um entendimento


completamente errado da vida porque, na verdade, ela jamais existiu.
O espírito não morre. Por isso, se matar o feitor, ele ficará mais leve,
mais sutil, e nos atentará mil vezes mais! Todos os que se perdem pelo
pensamento e se enchem de ódio, ao desencarnar vão para o astral
inferior e, evidentemente, procuram voltar, aumentando suas furiosas
crises. Vamos, Jurema, tentar doutriná-lo, antes que morra nesse ódio e
se torne invisível aos nossos olhos.

Chegaram à choupana onde estava o feitor, deitado em uma


cama de varas e capim. Sabina correu, sorrindo, ao encontro deles. Es-
bravejando e praguejando, o feitor começou a ser doutrinado por Pai
João. Jurema observava a cena, com seus lindos olhos verdes e amen-
doados.

- Pobre Imperador! – dizia Pai João, em transe – Viestes com tão


nobre missão e, no entanto, eis o que resta de ti! Pensa, Eufrásio, no
que estou te dizendo. Vou levar Jurema, e voltarei.
378

O dia já estava terminando quando Pai Zé Pedro e Pai João se


encontraram para comentar os acontecimentos. Pai Zé Pedro, deslum-
Página

brado, ficava repetindo:


- A irradiação dos encarnados pode se desprender dos corpos e
se manifestar com a mesma leveza do espírito dos mortos!...

Foram surpreendidos por um grito, e já pensaram em novo fe-


nômeno que pudesse estar ocorrendo. Mas, logo, gargalhadas os acal-
maram. Havia sido Pai Zacarias, que caíra na cachoeira e estava todo
molhado. Coisas assim aconteciam sempre, mas, por causa da tensão
que fora relaxada, foi motivo de brincadeiras e de alegria.

De repente, uma agitação. Um cavaleiro entrou pelo povoado, a


galope. Era o feitor da fazenda onde Jurema havia vivido. Dirigiu-se a
um grupo de crioulas que, assustadas, gritaram e correram. Vislumbrou
Juremá e, num arranco, pegou-a pela cintura, colocando-a na montaria.

Tomás, vendo o que ocorrera, lançou-se à frente do cavalo, ten-


tando detê-lo. Gritou para o feitor:

- Larga a menina, porco imundo. Aqui é diferente!...

- Nem tente me parar, porque vai morrer! – gritou o cavaleiro


esporeando o animal e fazendo com que empinasse à frente de Tomás.

O cavalo atingiu, com suas patas, o estômago de Tomás, e saiu


galopando para fora do povoado. Quando Pai João e Pai Zé Pedro cor-
reram para acudir, Tomás já estava morto. Foi um grande reboliço. To-
dos corriam e gritavam, no desespero do desastre. A surpresa fora tão
grande que, com o impacto da morte de Tomás nem sequer pensaram
em perseguir o raptor de Juremá. A tristeza se abateu sobre o povoado.
A sintonia dos Nagôs se modificou. Já não cantavam, as risadas eram
379

raras. Só a harmonia continuava.


Página
Começaram a estudar um plano para recuperar Juremá. Pai Zé
Pedro andava sem inspiração, muito triste por ter acontecido aquilo
com Tomás, que fora praticamente criado por ele. Joaquim e Cassiano,
dois Nagôs que muito amavam Pai Zé Pedro, decidiram partir em busca
de Juremá. Nada disseram a ninguém e, silenciosamente, prepararam
uma matula na mochila e partiram. Jurema os viu, em sua vidência, e
Pai João sentiu, também, o que se passava. Mas ficaram calados.

Passou-se algum tempo. Jurema evitava Pai Zé Pedro e Pai João,


pois tinha muita revolta pelo acontecido e estava com espírito de vin-
gança pela morte do querido Tomás e pelo rapto da irmã. E os dois cri-
oulos voltaram, trazendo Juremá. Novamente houve alegria no povoa-
do. Correram para receber a jovem, mas uma desagradável surpresa os
aguardava: Juremá não falava, perdera a voz!

A noite chegava e, reunidos em torno da fogueira, os Nagôs es-


tavam entregues a seus próprios pensamentos. Ninguém falava, embo-
ra estivessem curiosos em saber o que se passara. Somente o crepitar
do fogo e o murmúrio das águas na cachoeira eram ouvidos.

Subitamente, Jurema deu uma risada. Janaína se aproximou de-


la e se abraçaram. Com uma atitude que não era própria dela, Jurema
saudou:

- Salve Deus! – e chamando Joaquim e Cassiano, disse-lhes e-


nergicamente: - Por que fizeram isso? Mataram o feitor e seu sinhozi-
nho! Isso não é ação de um filho de Deus que está a caminho... Terão
que voltar à Terra. Tu, Joaquim, receberás o feitor como filho. E tu, Cas-
380

siano, terás o sinhozinho também como filho!


Página

Cassiano e Joaquim, que nada haviam contado, sentiram que Ju-


rema sabia de toda a verdade.
- Me perdoe, bom espírito! – disse Joaquim – Porém, aquele
malvado matou nosso Tomás covardemente.

- Senti que erramos, mas era tarde... – falou Cassiano – Ó, bom


espírito! Será que não poderemos mais viver aqui, com nossa gente,
por causa de nosso erro?

- Sim, podem ficar. Deus não tem pressa, Cada um, aqui, assumi-
rá a sua sentença ou a sua libertação. – disse o espírito por Jurema, e
desincorporou.

Juremá, enquanto Jurema estivera incorporada, tomava grande


cuidado com ela. Viu, aliviada, sua irmã voltar ao normal. Cada um dos
Nagôs ficou entregue a suas próprias reflexões sobre o que haviam pre-
senciado. Alguns ficaram ao redor do fogo, outros foram para suas ca-
banas. Parecia que a calma voltava a reinar, quando gritos de Iracema
assustaram todos. Estava sendo atingida novamente pelo fio magnético
do feitor. Pai João correu e fez a elevação. Sentiu, porém, maior dificul-
dade em libertá-la daquela força maligna.

Os dias foram passando, e Iracema ficava, a cada dia, mais páli-


da e fraca, com ar doentio, preocupando todos. Pai João resolveu con-
vocar uma sessão especial para ajudar a jovem crioula. Dela participou
Vovó Cambina da Bahia, que fora chamada para tirar quebrantos dos
filhos da Sinhá, e os acompanhara naquela jornada. Vovó Cambina re-
zou Iracema que, após o passe magnético, começou a apresentar me-
lhoras. A partir disso, Iracema, à medida que se ia fortalecendo, ia ad-
quirindo forças para repelir o magnético do feitor.
381

Com o passar do tempo, o povo já esquecera a tragédia de To-


Página

más e passara a se preocupar com a ameaça da força do feitor, Urgia


fazê-lo amigo antes que os atingisse, Pai João explicara que, se conse-
guissem doutrinar o feitor, ele cessaria seus ataques com o fio magnéti-
co. E a dedicação foi tão grande que, após receber muitas visitas e ex-
pressões de simpatia, o feitor foi melhorando e chegou, mesmo, a pedir
perdão aos negros que haviam sofrido seus castigos. Eufrásio já se abria
mais, contando até como chegara a ser feitor naquela fazenda. Havia
sido um grande senhor, com muito dinheiro e propriedades, mas per-
dera tudo no jogo. Pobre, abandonado pela família, só lhe restara acei-
tar a odiosa ocupação de feitor.

Mais uma vez, a prova de que o Homem se liberta por si mes-


mo!

E assim, enquanto recebia a Doutrina de Pai João e de Pai Zé


Pedro, Eufrásio ensinava o que sabia dos lugares por onde andara. Vovó
Cambina da Bahia rezava o feitor todos os dias. Com a ameaça afasta-
da, a vida no arraial começou a se tornar alegre. Cantos, risos, a anima-
ção voltou a se manifestar, principalmente ao redor da fogueira.

Às vezes, algum sobressalto, como no dia em que ouviram um


grande alvoroço na mata, como se fosse um estouro de boiada. Era
uma vara de porcos selvagens, e os Nagôs, com suas espingardas, con-
seguiram uma boa provisão de carne e impediram que causassem da-
nos ao arraial.

Pai Juvêncio e Zefa eram os únicos que tinham coragem de se


aventurar até um lugarejo próximo, chamado Abóbora. Certo dia,
quando chegavam na entrada desse povoado, depararam com uma
mulher que levava, nos braços, uma meninazinha meio desacordada. A
382

mulher, desesperada, não sabia o que fazer. Então, Pai Juvêncio cochi-
chou no ouvido de Zefa, que concordou com ele: era um caso puramen-
Página

te espiritual, o da menina.
Calma, senhora! – falou brandamente Pai Juvêncio – Se quiser,
podemos ajudá-la. Temos prática desses casos.

A mulher concordou, e os dois Nagôs benzeram a menina, que


logo saiu daquele estado de inconsciência e ficou normal. Estava livre
da influência espiritual que a perturbava. Tânia, a mãe da menina, feliz
e agradecida, deu algumas frutas a eles, pedindo desculpas por nada
mais ter para lhes oferecer. Pai Juvêncio e Zefa aceitaram as frutas e as
comeram. Foram tratar dos assuntos que os haviam levado ao povoado
e, depois, voltaram ao arraial.

Ao chegarem na Cachoeira, nem sequer haviam posto o pé em


casa quando foram acometidos por violentas dores em suas barrigas. A
dor era tão intensa que resolveram pedir ajuda a Vovó Cambina da Ba-
hia. Mas de nada valeu. O dia acabou e os dois pensavam que iam mor-
rer. A dor estava forte e a disenteria parecia que não ia parar. Estariam
envenenados?

- Pobrezinhos! – dizia Pai João – Resolveram tantas coisas para


nós nessa viagem. Deve ser alguma provação, deve ser Deus testando
seus corações...

Ao redor da fogueira, todos queriam saber notícias. Pai Juvêncio


e Zefa estavam também ali, procurando conforto junto à sua gente. Foi
quando Jurema, incorporando, levantou-se bruscamente do lado de Pai
Zé Pedro e disse, apontando para os dois:

- Eles comeram prenda ganha pela sua caridade! Por isso, estão
383

sofrendo.

- Como? – exclamou Pai João, surpreso.


Página
- Pena Branca não quer que se ganhe alguma coisa em troca do
bem que se faz. Como Vô Agripino já ensinou, a gente só aprende com
o espinho fincado na carne. É, Pai João, cada um de nós tem um espi-
nho na carne...

- Ó, meu Deus! – exclamaram todos – Sim, estamos conscientes


disso.

Vovó Cambina chegou com uma cuia de chá para os dois doen-
tes e, só então, eles contaram à sua gente o que se havia passado com
a menina quando chegaram a Abóbora. Esclarecida a causa do mal, to-
dos se abraçaram com os dois e entoaram um coro, troçando deles:

- Juvêncio e Zefa comeram prenda da caridade que fizeram. Sim,


receberam pagamento e Pena Branca não admite presentes ou que se
cobre pelo bem que é feito...

Zefa e Juvêncio ainda passaram três dias com dores.

Eufrásio, o feitor, que se tornara como que um conselheiro do


grupo, achou o acontecimento muito proveitoso. Primeiro, pela lição de
Pena Branca e, segundo, pela precisão da vidência de Jurema. O pobre
casal fora lesado pelas suas mentes preguiçosas.

O tempo passava, e a inquietação começou a tomar conta do


grupo.

- O que será de nós? – perguntava Pai Zé Pedro – Para onde i-


remos? Não seria melhor sairmos e enfrentar o mundo, em lugar de
384

esperar que o mundo se chegue até nós?

- Zé Pedro, – dizia Pai João – quando o celeiro está pronto, o


Página

Mestre aparece. São palavras de Vô Agripino.


Pai Zé Pedro, Pai Lourenço, Pai Francisco e muitos outros dos
setenta membros daquele grupo estavam inquietos. Somente Pai João
e Eufrásio, firmes na revelação de Vô Agripino, permaneciam calmos. Já
faziam dois anos que haviam chegado à Cachoeira do Jaguar. Estava
tudo preparado no plano espiritual.

Certa manhã, Jurema, incorporada, avisou a Pai João que muita


gente chegaria, buscando a cura. Os Nagôs começaram os preparativos
para recebê-los. Um dia, o aviso soou:

- Lá vêm eles! Lá vêm eles!...

E viram um grande grupo que chegava pela estrada. Todos cor-


reram para receber os visitantes. Havia grande expectativa. Zefa e Ju-
vêncio reconheceram, entre eles, a mulher com a menina que haviam
atendido na entrada de Abóbora. Zefa gritou:

- Jurema! Pai João! Pai Zé Pedro! É gente que vem em busca da carida-
de! – e perguntou baixinho a Pai João: - Não tem perigo de a gente ter
dor de barriga?

- Não. – respondeu, sorrindo, Pai João – Todos aprenderam a


lição!

As pessoas chegavam e eram atendidas com muita alegria e a-


mor. Todos estavam felizes. A felicidade dos missionários de Deus! E
foram acontecendo os fenômenos, as curas desobsessivas, e tudo
transcorreu na mais perfeita ordem, com muito amor e humildade.
385
Página
CAPÍTULO VI

Salve Deus!

As trevas da noite nada significam para o espírito, pois este vê através


do seu resplendor. Sim, meu filho, declaro, com toda confiança, que
não está longe o dia em que a Ciência irá se colocar diante desta reali-
dade que é a reencarnação. Ninguém poderá impedir o progresso. O
mundo de hoje está brincando com fogo. O tempo, no espaço, não se
registra. Não se sabe, porém, os caminhos físicos. No centro nervoso da
Terra, tudo é lento, tudo vibra para formar a harmonia no centro eter-
no do Homem. Seus rápidos contatos com o etereomagnético é o bem
que lhes dá força. O Homem, mesmo na sua inconsciência, confirma o
seu penhor no eterno e junto aos seus velhos sábio retorna ao seu Sol
Interior.

Sim, meu filho, breve irão chegar os dias em que o Homem espi-
ritualizado será sentido pelo profano como uma música literária da
mais alta sinfonia.

Sim, meu filho, segundo as leis e forças que governam todas as


coisas que Deus criou, o Homem, na totalidade, sempre procura em-
pregar sua força mais para impedir o desenvolvimento da Terra. Vê-se,
assim, que vive como a se punir pelas suas próprias leis. Leis sempre
para punir outros. Não sabem se desviar, e continuam a punir.

Sim, meu filho, não é fácil abandonar a multidão. Fixar-se em si


para buscar a verdade é mais difícil, ainda, do que permanecer com ela,
386

permanecer com a verdade quando a encontramos.

Sim, meu filho, com este espírito de lealdade, vamos encontrar


Página

o nosso povo na Cachoeira do Jaguar.


Foi tudo bem naquele primeiro dia de atendimento ao povo que
chegara. Curas, muitas curas, que se espalharam por toda a parte. Lu-
zes, de longe, se viam naquela Cachoeira. Os trabalhos continuaram
noite a dentro, e já estavam todos cansados, naquela vida arrastada
pelos compromissos cármicos.

Pai João amanheceu doente. Seis horas da manhã e o céu não


havia clareado ainda, fazendo os pensamentos se encontrarem. Eufrá-
sio entoava um “bendito” da Igreja católica. Jurema juntou a roupa e
desceu, com uma enorme trouxa, para a fonte. Junto com ela foram
Janaína, Jandaia e Jandara. Alguns Nagôs já retornavam das caçadas
enquanto outros se dirigiam para as roças. As sinhás preparavam uma
feijoada e outras crioulas reativavam o fogo da célebre fogueira.

Pai João sentia a tristeza daquela gente e, em sua mente, come-


çou a voltar. Pai Zé Pedro chegou, fazendo algumas premonições. Pre-
via também alguma dor devida ao procedimento daquela gente em
ações pretéritas.

Haviam sentido que uma certa desarmonia começava a crescer


entre os Nagôs! Era uma coisa recente, e Vô Agripino comunicara que
ela era produzida pelas vibrações dos familiares de Janaína e que eles
acabariam por descobrir seu paradeiro. Evidentemente, haveria uma
batalha. Perder Janaína seria um terrível descontrole para Jurema.

Suas confabulações foram cortadas inesperadamente. Da entra-


da da aldeia, três cavaleiros desconhecidos gritaram:
387

- Negros! Viemos em paz! Só queremos que nos entreguem si-


nhazinha Janaína, que sabemos estar aqui. O pai dela pediu a cabeça de
Página

todos vocês, que roubaram a sinhazinha sua filha. Só queremos levá-la


e não haverá vingança.
- Ela não se encontra aqui! – gritou Jurema, aflita.

Janaína, que procurava se esconder, deu uma corrida e entrou


na choupana de Eufrásio, apavorada. Mas, foi vista pelos cavaleiros,
que correram em sua perseguição.

Eufrásio, que acompanhava a cena, pegou o clavinote que trazia


sempre à mão, para o caso de aparecer alguma onça ou lobo, e atirou
nos atacantes. Atingiu, primeiro, o que já estava pegando Janaína e,
logo depois, o mais próximo. O terceiro cavaleiro, correndo amedron-
tado, enveredou pela mata, fugindo.

Pai João mandou que desarreassem os cavalos e os juntassem


na tropa. Correu para a choupana de Eufrásio, que fizera um esforço
excessivo para suas precárias condições físicas. Todos acorreram para a
cabana, onde Eufrásio, desesperado, falava a Pai João e a Pai Zé Pedro:

- Ó, Pai João! Jamais pude pensar em tão criminoso gesto. Sim,


Pai Zé Pedro, eu não podia deixar que aqueles miseráveis pusessem as
mãos nessa criaturinha!...

Um dos atacantes estava morto. O outro, muito ferido, urrava


de dor. Ficaram sem saber como agir, mas resolveram cuidar do ferido.
Prevaleceu a lei do amor!

Enquanto tinham sua atenção voltada para o ferido, deixaram


Eufrásio sozinho. Então, os gritos do feitor fizeram todos correr de volta
à cabana dele. Surpreenderam-se com Eufrásio sentado na cama, gri-
tando e chorando de alegria, que disse:
388
Página
- Veja, Pai João, Deus se compadeceu de mim! Veja! Estou me
movimentando... Ó, meu Pai Zé Pedro! Graças a Deus, parece que vou
ficar curado!

A emoção invadiu todos os corações. Com as mãos apoiadas em


Pai João e em Pai Zé Pedro, Eufrásio levantou-se e começou a ensaiar
um passo. As lágrimas brotaram nos olhos de todos. Exclamavam:

- Ó, meu Deus! Eufrásio vai andar... Eufrásio vai andar...

Gritos de emoção, abraços. Foi uma explosão de alegria ver o


feitor dar alguns passos.

Mas, havia o homem ferido, que precisava de atenção. Maria


Conga e Vovó Sabina foram cuidar dele. Alguns Nagôs foram enterrar o
morto enquanto outros ajudaram a transportar o ferido para uma
choupana. O ferido, que pensava que ia ser morto, emocionou-se com
toda aquela ajuda. Falou que se chamava Amâncio. O que morrera era
Creso. Estavam agindo por conta própria, e ninguém os havia mandado
ali. Sabiam da existência de Janaína e armaram o plano para pegá-la e
levá-la de volta para casa, cobrando uma boa soma do pai dela. Eram os
velhos reajustes naquela noite fatal na senzala.

Pai Zé Pedro estava em conflito e chegou-se a Pai João:

- Como pode? Eufrásio matou e ficou curado! Como pode, João,


um fenômeno desses?

- Cala-te, Zé Pedro. Deixe de fazer julgamento. Esses três ho-


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mens não são nem eram mandados pelo pai de Janaína. Estavam, sim,
com más intenções na pobrezinha dessa virgem. Olha, Zé Pedro, já es-
Página

tamos aqui há mais de cinco anos. Não está lembrado que o sinhozinho
Erics vendeu tudo o que tinha e foi embora, pensando que sua filha
havia morrido afogada? Surgiu até a lenda que a nossa Janaína parecia
cantando, por cima das águas, nas noites de Lua cheia. De um ano para
cá, com o movimento de pessoas que vieram aqui, alguém começou a
desconfiar que a menina estava conosco. Confiança, Zé Pedro, nas coi-
sas de Deus. Estamos em um maremoto, porém para um nada. É confu-
so tudo isso...

- Ó, João! Graças a Deus! Não sabes o bem que me fizeste.

Pai João mandou um recado para o antigo sinhozinho, que se


encarregou de arrumar a situação, legalizando, inclusive, toda a pape-
lada junto ao pequeno arraial de Abóbora.

Eufrásio ficou realmente curado. Mas aquela força que possuía


antes, que o impelira para uma caminhada firme, parecia ter-se acaba-
do. Impaciente, com freqüente mau-humor, já não queria ficar no po-
voado. Falava em procurar a família, em partir. E, o que era pior, estava
apaixonado por Iracema! Em tudo colocava amargura. Era outro ho-
mem.

Numa noite, Pai João e Pai Zé Pedro se afastaram um pouco,


para meditar sobre os acontecimentos. A Lua cheia dava aquela tran-
qüilidade luminosa e a fogueira estava reduzida a um imenso braseiro.

- É possível, João, alguém regredir tão depressa? – perguntou


Pai Zé Pedro referindo-se a Eufrásio.

- Sim, Zé Pedro. Naquele acontecimento trágico, muita experi-


390

ência Deus nos deu, à luz do saber. Pelo que sei pelos meus contatos
com Vô Agripino, Eufrásio é somente um instrumento de nossa evolu-
Página

ção. E me disse mais: que eu nunca me iludisse com seu comportamen-


to e nem tampouco com a sua evolução. Realmente, tudo é bem com-
preensível, pois o Homem não se evolui em tão pouco tempo.

- Ó, meu Deus! Começo a compreender o que estamos passan-


do...

Foram interrompidos pela chegada de Eufrásio, que falou:

- Pai João, vou-me embora. Não estou mais suportando esta


vida! Vou sair, procurar emprego onde chegar. Darei notícias. Jamais
irei me esquecer de todos aqui, e muito menos de vocês dois.

- E quando pensa em partir? – perguntou, espantado, Pai Zé


Pedro.

- Agora mesmo, e sem muitas despedidas.

Foram até onde estava o animal do homem que fora morto.


Eufrásio, sem nada mais dizer, montou e foi embora, ficando Pai João,
Pai Zé Pedro e alguns Nagôs olhando, perplexos, seu vulto, iluminado
pelo luar, cavalgando para longe.

Foram para junto da fogueira. Sentaram-se, pensativos. Jurema,


virando-se para Pai Zé Pedro, disse:

- Tenho pena de vosmicê – e foi incorporando: - Salve Deus! (era Vô


Agripino) Meus filhos, Eufrásio foi embora, Cumpriu seu tempo com
vocês. Mas não se preocupem, porque não irá muito longe. Fez grandes
dívidas nesses arredores. Já pagou sua dívida para com Janaína, mas vai
391

reencontrar sua família ali em Abóbora.

- Em Abóbora? – perguntou Pai João – Eles aí, tão pertinho...


Página
- Sim! Porém, ele partiu sem saber. E vocês devem estar prepa-
rados porque também terão que partir daqui.

Como? Ir embora daqui, da nossa Cachoeira?

- Sim. Vocês irão para bem longe. Jurema, Janaína, Iracema, Ju-
remá, Janara, Iramar, Jazaíra e Jaiza precisam se casar. Esta aldeia não
tem mais energia para vocês. Logo chegará a ordem para partirem!...

Vô Agripino desincorporou e a tristeza se abateu sobre o grupo.


Sim, era preciso obter a energia transcendental, herança que se enca-
minha na Lei do Auxílio.

Na época, viviam ali no povoado 108 personagens. Era uma fa-


mília, e a saída de Eufrásio servira para uni-la mais. E unidos aguarda-
vam o destino que Deus lhes daria,

A princípio tristes com a saída de Eufrásio, estavam reunidos,


calados, em volta da fogueira. Pai João preocupado, com o coração do-
ído, falou:

- Meus filhos! O Homem não vive com o coração dilacerado pela


desilusão. Não fiquem assim compungidos pela saída de Eufrásio.

- Eufrásio era tão bom, nos dava tantos conselhos... – replicaram


alguns – Ele era um homem muito bom.

Pai João começou a pensar que, quando o Homem se esquece


das faltas do outro, é porque está evoluindo. Naquele caso, todos só se
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lembravam de Eufrásio em sua boa fase. Nem se preocupavam com


Iracema, a crioulinha indefesa, que ele muito fez sofrer.
Página
- Zé Pedro, – disse Pai João – estes são, realmente, os velhos reis
e imperadores!

- Por que, João, afirmas isso com tanta euforia?

- Porque, Zé Pedro, o Homem que viveu em encarnação superi-


or, isto é, de procedência refinada, não perde a confiança em si mesmo.
Sempre preocupado com o espírito de Justiça, não se envolve com
mesquinharias. Somos 108, sabe? Todos reis e rainhas. E ainda vamos
conviver juntos por muito tempo!

- Deveras? Eles só se lembram de Eufrásio em suas boas ações e


de seu martírio na cama.

Jurema começou a fazer previsões. Apontou para Iracema e dis-


se:

- Iracema, você voltará para ser esposa de Petrucio. Sim, seguirá


para muito longe. Iracema e Iramar atravessarão o espaço para receber
a missão e, depois, voltarão como esposas do mesmo imperador.

- Eu? – exclamou Iracema, assustada – Esposa de imperador?

- Sim, – continuou Jurema – cujo imperador será Eufrásio que,


neste instante, já se prepara para partir, rumo à sua missão.

O silêncio ficou pesado. Pai João perguntou:

- Como irão casar as duas com o mesmo homem?


393

- Sim. Uma morrerá e Iramar se casará por último. Depois, todos


nós partiremos de lá e iremos para outro lugar, aqui perto.
Página

Foi uma noite inquieta, de frustrações e sonhos pesados.


Continuaram a viver, acostumando-se coma ausência de Eufrá-
sio. Reinava, então, um suspense. Sempre haviam sustos, reparações
doutrinárias, uma harmonia quase de medo. Certo dia, Pai João se a-
cercou da fogueira e começou a falar:

- Vejam, meus filhos, como a Lei segura o Homem. Vê-se, assim,


como o Homem pode ser punido pelas próprias leis que estabelece,
sem se desviar delas. São as leis feitas pelos Homens, que punem. Os
poderes superiores podem proteger o Homem das forças negativas,
que causam doenças e sofrimentos. Porém, o pedido de proteção, se-
gurança contida de paz, harmonia do nosso todo, isto é somente na LEI
DO AUXÍLIO. Fazendo a caridade é que abatemos na lei do nosso carma.
O sofrimento de hoje é a luz do amanhã. Individualizamos a vida e, no
entanto, somos guiados por Deus. Há muitos séculos, o Homem tentou
criar e fez a força cega em si mesmo, dirigida pelo chefe das almas.

Pai Zé Pedro ouvia, atento, remoendo, em seu canto, a falta e a


transformação de Eufrásio. Perguntou:

- João, o que é Deus? Não é dado ao Homem conhecer Deus,


que, por si mesmo, deve compreender? Sabemos que um Homem está
com Deus pelo seu procedimento. Por que regride o Homem? Eufrásio
estava em Deus. Como pôde cair tão repentinamente?

- Sim, Zé Pedro, cuidado com a tua força de pensar. Você é um


nego velho para o chicote mas não para julgar com tanta convicção!

Os dois começaram a rir, e João disse, com amor:


394

- Sim, Zé Pedro. Ouça bem o que diz Vô Agripino: Deus é absolu-


tamente fé, é absolutamente razão. E ser a razão é a Ciência. A Ciência
Página
é a razão. Eufrásio não estava com Deus. Deus tentava penetrar apenas
em seu coração, como tocou no nosso, naquela noite.

- Como? – falou Pai Zé Pedro – Eufrásio assumindo com ele


mesmo os seus desatinos. Tudo perdido!...

- Não, Zé Pedro, nada se perdeu. Pelo contrário, Eufrásio saiu


para cumprir seu destino. Deus não lhe daria o perdão de suas faltas
por aquele curto tempo em que esteve paralítico aqui na cabana. Es-
pancou muitos homens. Foi o causador da noite trágica. Quantas mor-
tes em seu nome? Tudo o que aconteceu foi a bem do seu espírito. Não
se esqueça do que disse o Caboclo Pena Branca: breve, muito breve,
iremos nos encontrar. Salve Deus!

- É, João, na verdade um Homem não tem capacidade para jul-


gar outro!

Os dois começaram a sorrir, achando graça do que haviam fala-


do e que tanto bem lhes fizera. Tudo vinha de Vô Agripino para Pai Jo-
ão.

Estavam felizes agora. Recordavam suas vidas passadas e o por-


quê daquela escravidão. A felicidade, porém, durou pouco. Como que
por encanto, um temporal – quase um furacão – se abateu sobre a al-
deia. O mar crescia, rugindo suas águas, e as árvores vergavam, com
suas copas quase arrastando no chão. Apavorados, os Nagôs se junta-
ram a Pai João e a Pai Zé Pedro, suplicando a misericórdia aos Céus. As
palavras de Vô Agripino eram, agora, o lema daquele povo: coragem,
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firmeza, fé e amor – só Deus!

Todos juntos, esperando. E foi quando a voz do Índio Estrangei-


Página

ro, como uma melodia de paz, se fez ouvir:


COMO SE TUDO PARASSE, É A HORA DE POMPÉIA, E DE TODOS,
EM DEUS PAI TODO PODEROSO!

Foi a Voz Direta! Todos ouviram e viram aqueles olhos verdes,


incomparáveis, iluminando aquela escuridão.

Sim, estariam juntos, mas, ó, meu Deus, em que plano, em que


dimensão?

396
Página
“A língua é o chicote do corpo!”

397
Página
TIÃOZINHO E JUSTININHA

Existia uma bela fazenda, situada no município de Ponta Porã,


estado de Mato Grosso, tendo como proprietário o Sr. Germano Perez,
que ali vivia com sua esposa, Dª Guiomar Peres, e seus três filhos.

Sua filha mais velha, linda mocinha paraguaia, nos seus 14 anos
de idade, cabelos compridos e louros, olhos negros “rasgados”, chama-
va-se Justininha Perez.

Ali vivia, em completa harmonia, esta honesta família. O Sr.


Germano tinha muitos negócios com animais de criação, de inigualável
qualidade. Apesar de sua nacionalidade paraguaia, já se sentia um bra-
sileiro naturalizado.

Em 1915, eu, Sebastião Quirino de Vasconcelos, filho de fazen-


deiros de Mato Grosso – Joaquim de Vasconcelos e Dª Persínia Quirino
de Vasconcelos, minha mãe – estava administrando, com mão firme,
nossos bens, vivendo em nossa fazenda, cercado pelo amor de meus
pais.

Certo dia, meu pai me chamou e me entregou uma quantia em


dinheiro, dizendo-me:

- Meu filho, já tens um pouco de prática, e melhor seria, para


nós, se não precisasses te ausentar daqui. Porém, preciso que vás até
Ponta Porã comprar uma partida de bom gado para ser solto, aqui, nes-
tas invernadas. Esta é a melhor maneira de empregar este teu dinheiro.
398

Dizem que na Fazenda Perez tem um gado sadio e por bom preço. Sim,
meu filho, em breve estarás se casando, e deves, desde já, cuidar do
teu futuro. Vá, meu filho, aproveita estas invernadas...
Página
Três dias depois desta conversa, estava de partida. Equipei uma
tropa de bons animais, com cinco vaqueiros armados com seus baca-
martes de chumbo grosso, pois era aquela região muito perigosa, infes-
tada de onças traiçoeiras. Levei, também, dois comandantes, peritos
em guiar boiadas e um crioulinho, chamado Zeferino, homem de minha
inteira confiança, pois fomos criados juntos e eu o considerava como
um irmão. Só que eu era claro, e ele pretinho como piche. Com os car-
gueiros repletos de apetrechos de cozinha e mantimentos, com as bên-
çãos de meus pais, partimos para Ponta Porã.

Gastamos vinte dias em nossa jornada, e ficamos conhecendo


uma porção de lugarejos, onde parávamos para descansar e pernoitar,
tendo eu, na minha bela idade, namorado muitas moças.

Chegamos, por fim, à bem formada Fazenda Perez, e fomos mui-


to bem recebidos por um senhor gordo, de aspecto bonachão, que se
apresentou como o Sr. Germano. Convidou-nos a entrar na grande ca-
sa, e ordenou que nos fosse servido o jantar.

Depois da lauta refeição, fomos nos sentar em uma ampla sala


de visitas, para podermos conversar sobre negócios.

Nossa atenção foi despertada pela entrada de uma mocinha,


com belas tranças e um ar angelical, que vinha trazer uma moringa com
água.

- Justininha, minha filha, – disse o Sr. Germano – venha até aqui


conhecer estes cidadãos!
399

E voltando-se para nós, continuou:


Página
- Esta é a minha filha mais velha. Ela é muito caseira, muito aca-
nhada. Não gosta de festas, e só sai de casa para ir à casa da tia. É mui-
to sistemática esta menina...

Ela foi cumprimentando, apertando as mãos de um por um, até


chegar diante de mim. Olhamo-nos como se já nos conhecêssemos, e
senti meu corpo se arrepiar. Ela se retirou apressada, mas eu estava
certo de que ela também sentira alguma coisa de diferente, como se já
tivéssemos nos encontrado em outras eras.

Após algum tempo, o Sr. Germano chamou Dª Guiomar, que era


uma pessoa muito alegre, e nos propuseram:

- Vamos pegar os instrumentos e cantar até a hora de dormir?

Todos apoiamos a boa idéia e, pouco depois, chegaram alguns


tocadores, acompanhados por umas mocinhas. Começaram a tocar e a
cantar e, enquanto isso, os donos da casa nos serviam bebidas, doces e
biscoitos.

De repente, ouviu-se uma exclamação de surpresa do velho fa-


zendeiro, que se deparara com Justininha sentada ali, assistindo à ale-
gre reunião. Sua filha raramente participava desses eventos.

O Sr. Germano pegou a mão de sua filha e pediu silêncio.

- Justininha, agora, vai cantar em homenagem aos nossos visi-


tantes! – anunciou.
400
Página
Justininha corou, acanhada, e nossos olhares se cruzaram. Ela,
então, foi para junto de um violeiro, e iniciou uma canção, que dizia:

Meu amor nunca chega,


Eu me canso de esperar,
A garça branca me disse
Que ele não vai demorar!

Papaizinho me consola,
Garça branca vai buscar,
Não é mentira do papai,
Meu amor já vem pra cá!

Terminada a canção, todos aplaudimos. Eu estava fascinado por


aquela criaturinha, uma linda criança! Sentia meu peito explodir de
paixão pela bela Justininha.

Pediram que eu cantasse alguma coisa. Peguei meu violão, e


comecei:

Morena, minha morena,


Morena dos sonhos meus,
Lábios da cor de verbena,
Morena dos olhos meus,

Deus ao te fazer criança,


Fez-te entre as flores a mais bela,
Dotando tua alma de esperança
E teu olhar de estrelas!
401
Página
Quero dormir em teus braços,
Aos gozos do coração,
Minha alma assim não resiste
A tanta ingratidão,

No mar de tuas madeixas,


Quisera eu naufragar,
Teus olhos negros me matam,
Nessa singeleza sem par!

Terminei, e todos vieram me cumprimentar. O Sr. Germano me


disse:

- Jovem, parabéns. Tens uma bela voz, e creio que deixou mui-
tos corações apaixonados!...

O fazendeiro anunciou que estava na hora de dormir, e todos


começaram a se retirar. Fiquei por ali, e me sentei diante do fogo que
estava se apagando, mergulhado em meus pensamentos.

- É verdade, – pensava – que sempre sonhei com alguém como


Justininha. Sinto que ela veio matar esta saudade que eu vivia alimen-
tando em meu coração, sem mesmo saber de quem!

Mergulhado em meus sentimentos e em minha paixão, senti, de


repente, alguém que se aproximava, às minhas costas. Virei-me, e qual
não foi minha surpresa: ali estava Justininha, com sua saia bem compri-
da, seus cabelos soltos e uma echarpe sobre os ombros. Senti forte
emoção, e, se não estivesse já sentado, por certo teria caído. Ela falou:
402
Página
- Meu papaizito pediu-me para vir ter consigo. Ele me disse que
você é um jovem educado e de boa família, e que parece estar triste em
nossa casa!

Ela continuou, com seu ar angelical, a falar:

- Sabe, senhor Sebastião, eu queria ouvir, novamente, aquela


sua canção! Gostei tanto!

E escondendo o lindo rostinho na echarpe, perguntou:

- Foi para mim que o senhor cantou, não foi? Se foi, peço que a
recite agora, sem música... Quero ouvi-la novamente!

Eu não conseguia desviar o olhar daquela pequena fada. Falei,


emocionado:

- Dona Justininha, quando a senhora cantou, disse que seu amor


estava longe, mas já vinha para si. É verdade que ele existe e que seu
pai bem o conhece? Responda-me, porque eu a amo e quero que seja
minha esposa!...

A surpresa paralisou-a por um momento. Logo, sorriu e me res-


pondeu:

- Não, não tenho nenhum amor... Sei que sinto uma grande sau-
dade, que eu mesma não sei de quem! Só sei que ele existe e, um dia,
chegará, e me levará para longe daqui. O senhor vem de muito longe?

- Sim! – respondi, emocionado – E teria coragem de casar-se


403

comigo e, juntos, irmos embora daqui?


Página

- Sim! Sim! – respondeu ela – Sinto que você é esse meu grande
amor!... Se o papaizito e a mamãezita consentirem, vamos nos casar, e
partiremos juntos... A tua canção... Sei, agora, que cantou para mim,
porém, naquele momento, não gostei, porque parecia que olhava, com
ternura, para Marinalva, aquela sirigaita, que eu não suporto!... E você
também aplaudiu muito quando a Maura cantou! Sabe? Fiquei sem
graça, com ciúme, quase com raiva, e por isso não quis mais cantar.
Ainda tinha uma linda canção para cantar para você... – e concluiu com
firmeza – E quando você quiser alguma coisa, peça para mim, que eu
mesma virei trazer. Pode dirigir-se a mim, ouviu? Não precisa pedir na-
da às outras moças, porque terei o maior prazer em atendê-lo.

Ao ouvi-la, pensei como era singular aquela moça. Sentia minha


paixão aumentar a cada momento. Disse-lhe, então:

- Justininha, nada quero com estas moças! Estou apaixonado por


você e vou pedir a seus pais o consentimento para nos casarmos. Ama-
nhã já irei embora, mas vamos marcar um dia para eu voltar e pedi-la
em casamento...

O Sr. Germano chegou, interrompendo nosso encontro, e disse:

- Meu rapaz, está de parabéns! Minha filha até parecia um bi-


chinho arredio e, no entanto, soubestes torná-la tua amiga. Parabéns,
meu jovem, parabéns!...

Sorri como resposta e fomos dormir.

No outro dia, bem cedo, separamos o gado e fiz o pagamento.


Juntei meus empregados e tudo ficou pronto para a partida. Fui me
despedir dos velhos, e o Sr. Germano me contou que estava, há muitos
404

anos, sem sair da fazenda, e que gostaria de dar um passeio com a fa-
mília. Aproveitei a oportunidade, e ofereci-lhes minha casa, ficando
Página

acertado que, tão logo pudessem, iriam passar uns dias conosco, em
nossa fazenda. Justininha foi até o curral para as nossas despedidas.
Contei-lhe sobre o convite que havia feito e a possibilidade de conhece-
rem meus pais. Ela saiu chorando, e senti algo atravessar minha gargan-
ta, sufocando-me. Parti com meu povo, levando quinhentas cabeças de
gado. Retornávamos pelos mesmos lugares que havíamos passado na
ida, mas não tinha a mesma alegria. Meus companheiros riam-se de
mim, dizendo:

- A paraguaia parece que prendeu o coração do patrãozinho!

- É verdade – confirmavam outros, sorrindo – e, pelo que vemos,


vai haver festança em breve!

E ficavam sempre brincando comigo, procurando afastar minha


tristeza.

Na verdade, eu tinha ânsias de gritar aquele amor que sufocava


meu peito. Notei, então, que Zeferino estava como eu. Querendo aju-
dá-lo, num momento em que ficamos só nos dois um pouco afastados
do pessoal, perguntei-lhe o que estava se passando. Ele baixou a cabe-
ça e falou, quase chorando:

- Sabe, Tiãozinho, a verdade é que gostei muito daquela criouli-


nha, chamada Tianinha, que foi criada por Dª Guiomar. Nós nos demos
muito bem, e se eu não me casar com ela, morro de paixão... E sei que
ela também morrerá!

Fiquei boquiaberto, surpreso por vê-lo estar na mesma situação


que eu. Contei-lhe sobre minha paixão pela linda menina paraguaia.
405

Animei-o, dizendo que eu faria tudo para ver nós dois felizes, realizando
nossos sonhos de amor. Ele ficou tão alegre que pegou o bacamarte e
Página
disparou um tiro para cima, cujo estampido assustou todos. Para os
rapazes que se acercaram de nós, curiosos, ele disse:

- Vou me casar com Tianinha! Vou me casar! Convido todos para


o meu casório!...

Prosseguimos nossa trabalhosa viagem e, sofrendo e brincando,


chegamos em casa. Meus pais já estavam preocupados e saudosos, e
fizeram grande festa pela nossa chegada. Logo que arrumamos as coi-
sas, fui procurar Martinha, minha antiga namorada, e fiquei surpreso:
durante os dois meses que durou minha viagem, ela ficara noiva de
outro!

Seguiram-se dias de calmaria, e fui relatando aos meus pais os


detalhes da viagem, inclusive sobre nossa rápida estada na fazenda do
Sr. Germano e a forma gentil com que ele nos tratara. Contei, com
pormenores, a paixão de Zeferino por Tiana, seu desejo de logo se casa-
rem, mas me resguardei, nada falando de Justininha. Meus pais ficaram
bem impressionados com o que contei, e demonstraram o desejo de
logo conhecerem aquela família que tão bem nos acolhera.

O tempo foi passando, e já se tinha escoado quase um ano de


nossa viagem. Não conseguia deixar de pensar na minha bela paraguai-
a, e Zeferino já começava a perder a esperança de reencontrar Tiana.
Tive, então, a idéia de pedir a meu pai que enviasse um convite à famí-
lia Perez para que viessem passar o Natal conosco. Ele, alegremente,
concordou, e logo partiu um mensageiro, portando o convite.
406

Passados uns dias, eu estava no curral, na rotina do trabalho,


quando chegou Zeferino esbaforido, gritando e pulando:
Página

- Chegaram! Chegaram! Eles já estão lá em casa!


Saímos correndo, com o coração explodindo no peito. A primei-
ra coisa que vimos foram os animais parados diante da casa. Chegamos
como dois furacões, e a alegria estava em nossos semblantes e nos de
nossos visitantes.

Seguiram-se dias de alegria e realizações, porque, revelados


nossos sentimentos, tanto o Sr. Germano como meu pai se mostraram
felizes com nossa união. Isso solidificou ainda mais a amizade que sur-
giu entre os dois. Algum tempo depois, realizou-se o enlace de Zeferino
e Tiana. Um mês depois, casei-me com Justininha. Ela, em seu vestido
de noiva, era o símbolo da pureza, embora seus ciúmes fossem os mais
engraçados possíveis e todos riam da sua ingenuidade.

Fomos morar em um retiro, perto da sede da fazenda. Lembro-


me bem que, quando já estávamos com cerca de dois meses de casa-
dos, recebemos a visita de umas primas minhas, que vieram de Parnaí-
ba, e ficaram com meus pais. Justininha, ao vê-las, ficou com ciúme,
fazendo suas birrinhas. Resolvi, então, me retirar, pedindo desculpas e
alegando que tinha que ir encontrar Zeferino. Quando me preparava
para sair, minhas primas se acercaram de mim, pedindo que eu não
fosse. Justininha ergueu-se e, com um jeitinho altaneiro, disse:

- Respeitem-me, ouviram? Ele é meu esposo, e quem manda sou


eu. Por isso, sinhás corujas, cheguem mais perto e vão ver!...

Depois, virando-se para mim, falou:

- E você, não gostou do que fiz?


407

Cheguei-me a ela, e tomando-a nos braços, dei-lhe um beijo,


sorrindo daquela cena.
Página
Sim, meus irmãos, quando amamos verdadeiramente, quando
estamos com nossa alma gêmea, estamos com a mais doce das mulhe-
res e, em geral, aquelas são, aos nossos olhos, as mais belas, divinas e
originais! Por este amor, perdoamos tudo, em recompensa pelo que de
bom nos traz. Justininha e eu éramos eternos namorados, porém seus
ciúmes continuavam. Eu bem a compreendia, ao ponto de até achar
graça de seus caprichos tão infantis.

Estávamos com cinco meses de casados quando resolvemos


passear na casa de uma tia minha, onde eu ficara para estudar, quando
criança. Todos gostaram da idéia, e, com as recomendações dos velhos,
partimos rumo à cidade de Parnaíba.

Chegamos às margens do grande rio, e era preciso usar uma


chalana para fazer a travessia. Senti medo, mas nada disse. Entramos
na embarcação e partimos. Ao chegar na metade do caminho, senti que
não estávamos seguros, e houve uma profunda confusão. Abracei Jus-
tininha com força, e tive a sensação da morte! Foi tudo tão repentino
que não consigo descrever.

Ouvi Justininha gritar e me falar em desespero:

- Tiãozinho, saia de perto dessa coruja!

E virando-se para uma moça que estava ali junto, continuou:

- Saia de perto do meu esposo, sinhá coruja! Ele é meu esposo,


viu?
408

Vimos, então, que a moça olhava, ao longe, aquela fatal chalana,


que acabava de afundar nas águas do rio Parnaíba. Depois, escutamos
Página

gritos de desespero... Olhamo-nos e logo compreendemos que não


mais éramos deste mundo físico. Sim, ali ficaríamos esperando algum
chamado para outras moradas!...

Depois de algum tempo, assistimos quando chegaram nossos


restos mortais. Justininha em tudo reparava e ria, achando graça do
que via. Porém, se alguma moça ia ver meu cadáver e fazia qualquer
comentário, ela brigava e dizia coisas que me faziam rir. Tudo ali, onde
estávamos, era novidade e motivo de riso para nós. Começou a escure-
cer e eu comecei a me preocupar conosco. Que devia fazer? Justininha
parecia um frágil passarinho e se agarrava em mim. Era o que me preo-
cupava: sua inocência e sua confiança em mim a livravam de qualquer
pensamento mau. Disse-lhe:

- Justininha! Somos espíritos, e o nosso mundo, o mundo dos


espíritos, me parece ser outro, longe daqui. Vamos pedir a Deus que
nos mande um Guia, para bem nos conduzir, pois não sabemos o cami-
nho e temos que chegar lá!

Ela começou a rezar a Ladainha de Nossa Senhora. Eu sabia, a-


penas, a Ave-Maria que minha tia havia me ensinado. Acercou-se de
nós um homem, trajando como se fosse um fidalgo, que disse chamar-
se Netuno e pediu que o acompanhássemos. Porém, nós tivemos me-
do, e não quisemos seguir com ele. Começamos a correr de um lado
para outro, sendo assediados por espíritos sofredores, que mais pareci-
am bichos, e que tentavam nos agarrar. Chamávamos por Deus e, na
mesma hora, eles se afastavam.

Já estávamos cansados de tanta perseguição, quando apareceu


409

novamente o fidalgo e nos disse:


Página
- Meus filhos! Sempre fui o protetor de vocês e, no entanto, me
temem, pois já se esqueceram de mim. Agora, escutem o que lhes vou
dizer...

Nisso, ia passando um casal de encarnados, e ele continuou:

- Sim! Vocês, agora, são espíritos! Vou lhes dar uma prova. Vá,
Tiãozinho, pegue Justininha e passem por eles – falou, apontando o
casal.

Lembro-me bem! Passamos através deles, e o casal apenas reve-


lou sentir arrepios e continuou caminhando. O período que passamos
vagando nos deixara na dúvida se éramos ou não desencarnados. Vol-
tamos, então, até o nosso instrutor.

- Vamos agora – nos disse ele – até onde está aquele pequeno
grupo de senhores.

Era um grupo de homens que conversavam animadamente so-


bre seus negócios materiais. Ficamos um pouco entre eles, e começa-
ram a se sentir mal. Um se queixava de enxaqueca, outro dizia estar
sentindo um grande peso nas costas, enfim, se foram, nos deixando
sozinhos. Eu perguntei a causa daqueles transtornos naqueles senhores
que, antes de nossa chegada, pareciam nada sentir. Netuno sorriu, e
nos explicou:

- Quando vocês passaram pelo casal, assim como em meio aos


senhores, foram-lhes fornecidos os necessários fluidos, isto é, ecto-
plasma, força vital.
410

Levou-nos para um outro lugar, e continuou:


Página

- Agora, procurem ver os quadros de seus feitos...


Foi então que tudo se clareou para nós. Não sentimos mais me-
do do nosso protetor e seguimos ele para um plano de readaptação, as
casas transitórias. Passamos, assim, a sermos submetidos às exigências
da hierarquia espiritual.

Hoje, após várias missões, inclusive em Nosso Lar, uma Casa


Transitória, aqui estamos, integrados à missão do Grande Seta Branca.
Somos, também, Jaguares, junto a vocês, Mestre Sol e Mestre Lua,
Doutrinador e Apará!...

Salve Deus!

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Página
“Não há consciência sem compromisso
assim como não existe dignidade sem lei.”
412
Página
ALMAS GÊMEAS

Não sabemos como ou quando os espíritos foram criados. A i-


déia mais aproximada é que os espíritos são partículas divinas, partes
de Deus individualizadas, isto é, com características próprias e livre ar-
bítrio relativo à trajetória terrena. Sabemos, também, que na caminha-
da planetária, os espíritos seguem uma Lei Universal que os caracteriza
como homens ou mulheres. Mas não sabemos quando isso começou.
Supõe-se que, em eras remotas, neste planeta não existia senão um só
tipo de ser humano, que reuniria em si as características de ambos os
sexos – os andróginos. Mais tarde, segundo as mitologia grega (a hu-
manização dos deuses do Olimpo) e hebraica (Adão, que era “um”, a-
dormece e Deus tira uma parte dele – uma costela – e cria Eva), teria
ocorrido a separação em duas partes complementares, em obediência
à Lei da Terra, onde tudo é duplo, bipolar, positivo e negativo, branco e
preto, e teríamos, assim, UM espírito dividido em DOIS, formando o
espírito de um Homem e de uma Mulher, cada um deles com seu livre
arbítrio, às vezes seguindo caminhos diferentes, mas guardando a afini-
dade, a ligação de sua origem.

Ambos percorreriam, através dos milênios, a descida involutiva


e a subida evolutiva. Nem sempre estariam juntos ou se encontrariam,
ligando-se, muitas vezes, através das várias encarnações, a outros espí-
ritos; formariam carmas, amariam outros e, nos encontros eventuais,
poderiam estar em posições evolutivas ou planos diferentes. Esse Ho-
mem e essa Mulher, originários de um mesmo espírito, é o que deno-
minamos ALMAS GÊMEAS! Através de suas faixas cármicas, na longa
413

jornada evolutiva, em qualquer situação em que não estiverem juntos,


haverá sempre uma imensa saudade que se reflete em cada um dos
Página

dois, tornando suas existências incompletas. Podem amar, ter tudo no


plano material, mas fica uma sensação de insatisfação, de não estar
completa a felicidade, que só se realiza quando as duas almas gêmeas
de reencontram. E esse reencontro também só se realiza quando am-
bas estão livres de seus compromissos cármicos, como veremos mais
adiante, na história que Tia Neiva nos contou.

Não temos como penetrar a Mente Divina e perscrutar os miste-


riosos desígnios do Criador, mas o mecanismo das almas gêmeas é po-
deroso incentivo ao retorno às origens, ao seio do que é completo, a
garantia de que, um dia, os espíritos voltarão à Divindade. E é muito
linda a jornada das almas gêmeas. Como progridem em missões sepa-
radas, na maioria dos casos uma se dedica ao auxílio da outra. Vivem no
amor completo e incondicional.

Quantas chegam ao último degrau de sua evolução na Terra


mas, como sua outra metade ainda está a caminho, pedem a graça de
poder voltar e ajudar sua alma gêmea. E é um grande sacrifício este,
pois este planeta é excessivamente pesado em suas faixas vibratórias e
um espírito sofre muito em uma reencarnação dessas. Mas parte feliz,
com esperança, com dedicação, porque é uma missão de amor. Para se
ter um exemplo do encontro das almas gêmeas e de seus compromis-
sos, vamos ver a história de um velho Jaguar e Rosa Maria, que a Tia
nos contou em uma aula dominical, no dia 31 de janeiro de 1982.

Mestre Tumuchy, Mário Sassi


414
Página
Meus filhos, Salve Deus!

Certa vez fui abordada por um espírito calmo, tranqüilo, muito


bacana mesmo, desses que você pode ler em sua mente, ver em seu
rosto toda a dignidade, as coisas boas que porta o Homem sem frustra-
ção, honesto, sem essa maneira de querer enganar alguém. Tive a cer-
teza de que era um daqueles espíritos que, conforme a época em que
estou passando, Amanto, Umahã ou mesmo Pai Seta Branca me envia
para transmitir uma história, uma mensagem. Aquele espírito foi che-
gando e começou a falar tranqüilamente sobre sua vida:

- Tia Neiva! Eu sou aquele do sonho... Aquele sonho...

Lembrei-me de que já o encontrara antes e me contara muita


coisa. Perguntei:

- Graças a Deus! Tem mais alguma coisa boa para dar continui-
dade?

- Sim, Tia, tenho. Tenho o princípio da história da minha vida,


que vou lhe contar. Eu era um homem perverso, um verdadeiro tirano.
Sou um Jaguar! Vivi nas planícies e estive por todas as partes da Terra!
Só aprendi tirania, violência... Não conhecia o amor. Um dia, reencarnei
no Império, como senhor de engenho.

Sorri, lembrando-me de vocês, meus filhos. Esses seus rostos,


cada um revelando um Jaguar, senhor de escravos, senhor de enge-
nho...
415

- Fui senhor de escravos – continuou – mas era muito direito em


meus negócios e procurava aplicar a Justiça a meu modo. Fui muito
Página

querido pelo Imperador, chegando mesmo a merecer a plena confiança


dele. Constantemente estava no palácio – e, então, citou diversos no-
mes de políticos, senadores, homens importantes daquela época com
os quais tinha estreitos laços de amizade – Eu era um homem tão temi-
do que, quando chegava em minha fazenda, Tia, uma das melhores da
região, com uma bela mansão, os escravos ficavam temerosos de mim.
Faziam tudo com medo de mim, da punição que era certa se não agis-
sem conforme minha vontade. Minha família era a mais bonita que
havia. Minha esposa era linda e meus dois filhos, um casal, eram verda-
deiros príncipes. Enfim, Tia, parecia que eu não tinha mais nada para
desejar na vida! Bastava que eu falasse uma coisa e todos corriam para
me atender. Eu fui esse homem, Tia Neiva!... Tinha tudo mas a verdade
é que não sentia amor por nada!

- Esse é o grande mal – comentei – Quando não temos amor no


coração, filho, a vida se torna seca, difícil...

- É, Tia, eu era honesto com minha família, com minha mulher,


com meus negócios. Mas sentia, no íntimo, que alguma coisa me falta-
va. Um dia... – ele parou de falar e em seu olhar havia um brilho dife-
rente quando continuou, com meiguice – Tia, a senhora vive falando
sobre as almas gêmeas. Pois, um dia esbarrei com minha alma gêmea.
Interessante, Tia, que eu nunca notara a presença daquela escrava. Era
uma jovem bem clara e, naquele dia, quando eu me dirigia ao portão da
casa, ela vinha com uma cesta de verduras e não me viu. Deu um en-
contrão em mim e as verduras se espalharam pelo chão. Ela ficou em
pânico. Abaixou-se para catar as verduras, chorando e me implorando
que não a castigasse. Queria até mesmo beijar meus pés, na sua aflição
416

e humildade. Fiquei reparando nela e alguma coisa despertou em meu


íntimo. Senti que ela era diferente, senti meu coração se encher de ale-
Página

gria com a presença dela. Então, peguei sua mão e a ergui, eu mesmo
me abaixando e catando as verduras para recolocá-las na cesta. Ela,
paralisada pelo medo, me olhava com lindos olhos marejados de lágri-
mas, balbuciava desculpas e pedia que eu não a castigasse. Acabei de
encher a cesta e me levantei, encarando aquela linda moça. Trocamos
um longo olhar e acho que consegui transmitir a ela o que eu sentia de
tal forma que ela pareceu se tranqüilizar, acabando por dar um tímido
sorriso. Eu é que me desculpei por minha falta de atenção e fiquei pa-
rado, vendo aquela figurinha tão querida sumir entre as plantas do jar-
dim, levando sua cesta...

Desse momento em diante, meus filhos, aquele Jaguar se trans-


formou. Aquele encontro com sua alma gêmea – de que ambos não
tinham consciência por estarem encarnados – despertou no coração
dele o amor. E o amor transforma as pessoas. Enquanto caminhava
para casa, ia pensando no que havia ocorrido. Sentiu profundo despre-
zo pela fama que tinha ao lembrar a aflição de sua querida, o medo de
ser castigada por algo tão banal. Aquela maneira humilde de pedir des-
culpas... Aquele olhar... Sim! Decidiu que, dali para frente, não mais
seria aquele tirano! Em casa, à noite, não conseguia dormir. Os dias se
seguiram e ele ficou isolado, sem falar com ninguém, mal comendo,
com o pensamento naquela escrava adorada, cuja presença ele não
havia percebido até aquele dia. Não entendia o que estava acontecen-
do. Como podia não ter notado aquela meiga presença? Ansiava por
revê-la e, ao mesmo tempo, temia como pudesse reagir a um novo en-
contro. Seu comportamento preocupava a todos. Sua mulher achava
mesmo que ele estava enfeitiçado, tal era a mudança que se operara
417

nele. E, um dia, receberam a visita do Imperador!


Página
A azáfama da recepção quebrou a rotina da fazenda, e até o Ja-
guar saiu um pouco de seus pensamentos para receber o ilustre amigo.
E, na hora de servir o chá, quem se apresentou com a bandeja foi a bela
escrava. Quando ela se deparou com o Jaguar, começou a tremer, to-
mada pela emoção, e desequilibrou a bandeja, que caiu, despejando
tudo sobre a mesa. A sinhazinha que havia, com sua percepção, sentido
a reação dos dois ao se olharem, ficou furiosa e chamou o feitor, para
que retirasse imediatamente aquela escrava dali e lhe aplicasse terrível
castigo. O Imperador, que era muito galante e percebera a escrava en-
cantadora, pediu que nada fizessem com ela. Era um acidente, e pron-
to, já tinha passado, e não devia a moça ser castigada. Também o velho
Jaguar interferiu, dizendo ao feitor que não era preciso levá-la. Essa
reação mais raiva provocou na sinhazinha, tomada pelo ciúme, já dedu-
zindo que aquela bela jovem tinha algo a ver com a modificação que se
passara com o marido. Ordenou ao feitor que a levasse. Logo que o
feitor saiu com ela, empurrando-a com brutalidade, o Jaguar foi atrás e
mandou que ela a soltasse e que ela fosse para junto das outras escra-
vas, na senzala.

Era a época dos Nagôs, que trabalhavam muito com espíritos e


faziam trabalhos que os outros diziam que eram feitiços. Por isso, a
sinhazinha achou que, finalmente, descobrira a causa de tão brusca
alteração no comportamento do marido: ele fora enfeitiçado por aque-
la escrava! Começou a perseguir a moça e o Jaguar, percebendo tudo,
procurou solucionar a questão. Arrumou um amigo de confiança e pe-
diu que ele fizesse uma compra forjada daquela escrava, para que ela
418

pudesse escapar da sinhazinha.


Página
E assim foi feito. Comprada a escrava, parecia que tudo voltaria
ao normal na fazenda. O próprio Jaguar insistira para que ela fosse ven-
dida, dizendo que já não agüentava ver à sua frente aquela mulher que
tanta vergonha os haviam feito passar diante do Imperador. Mas o que
não sabiam é que o senhor da fazenda arranjara um sítio solitário e
escondido, onde a bela escrava foi se ocultar. E, uma vez ali instalada,
longe das garras da sinhazinha, aquelas duas almas gêmeas puderam
construir um pequeno mundo. Passaram a se encontrar e, sempre que
possível, o sinhozinho corria a ver a sua amada.

O amor das almas gêmeas é uma coisa sublime, muito lindo,


pois nunca pode se erguer sobre a ruína dos outros. Para a plena reali-
zação, torna-se necessário que ambos estejam livres de outros com-
promissos. Mas o sinhozinho tinha a família e, então, era preciso que
acontecesse um verdadeiro milagre – como eles mesmos diziam – para
que ele pudesse se libertar. A esposa, os filhos ainda pequenos, repre-
sentavam uma verdadeira barreira para a plena vida aquele amor.

O tempo passou. Os filhos do sinhozinho, já mais crescidos, fo-


ram estudar em Portugal. E naquele mundo de encantamento das duas
almas gêmeas teve início o último reajuste pelo qual deveriam passar
para se libertarem totalmente. Lembrem-se, meus filhos, de que só
retornamos às origens quando nada mais nos resta a resgatar. Vejam o
exemplo de Doragana, que viu aquele cobrador a urrar de ódio, e sub-
meteu-se a um julgamento para libertá-lo daquele ódio, a fim de que
pudesse, tranqüilamente, voltar à origem. Havia uma conta do passado
e, para resgatar essa dívida, a escrava – Rosa Maria – concebeu um
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filho, que seria aquele espírito reencarnado para se reajustar com am-
bos. Mas o fato de ficar grávida envergonhou tanto Rosa Maria perante
Página

o Jaguar que ela perdeu o encanto pela vida.


Achava que aquilo era uma falta de respeito para com seu ama-
do, gerando uma responsabilidade que ele não tinha condições de as-
sumir. É que, encarnados, eles não se lembravam dos compromissos
assumidos no espaço. Aquilo tudo havia sido tramado com eles no es-
paço, sob os desígnios da Lei de Deus, que lhes fornecia aquela oportu-
nidade de resgatarem sua última dívida. Porque as almas gêmeas só se
realizam quando nada mais devem, quando não têm mais qualquer
obsessor e quando já atravessaram suas faixas cármicas positivas e ne-
gativas, podendo, assim, retornar juntas às origens. Porque é muito
bonito, meus filhos, ver o trabalho das almas gêmeas! Uma ajudando a
outra a evoluir, a se libertar... Quantas já não precisavam retornar à
Terra mas, como estão mais evoluídas que a sua alma gêmea, reencar-
nam e sofrem para ajudar aquela a subir o degrau. Sempre com dedica-
ção, com amor, uma beleza!

Mas, sem consciência de suas tramas no espaço, Rosa Maria


sofreu coma situação, até dar à luz uma bela criança – um menino cla-
rinho, louro, com lindos olhos azuis. O nascimento do menino modifi-
cou a sintonia do casal. Rosa Maria passou a viver mais feliz e ambos se
dedicavam com grande amor àquela criança. Aquele amor ia resgatan-
do a dívida com aquele espírito. O menino crescia e o sinhozinho estava
totalmente modificado. Pela realização do seu amor, pela sintonia com
Rosa Maria, pelo tesouro que o menino representava em suas vidas, ele
se transformara em um homem bondoso, amável. Tão bom que todos
que o conheceram antes se admiravam. Havia mandado embora de sua
fazenda o malvado feitor, aquele homem feroz que castigava e surrava
420

os escravos, e tudo era administrado com amor.


Página
Isso é que eu gosto de mostrar a vocês, meus filhos. O amor é
uma força poderosa, bendita, que não deixa que se possa fazer mal aos
outros, ferir alguém. Quando se ama, mas se ama realmente, a gente
ama todo o mundo. É, filhos, o mundo inteiro a gente ama! Não si
quantos de vocês já puderam sentir isso, ter a oportunidade de viver
um amor assim, um amor de respeito, um amor que a gente respeita,
que a gente sente realmente estar muito acima dessas baixezas do es-
pírito. Duas pessoas que sentem um amor verdadeiro, sabem se enten-
der à distância, se falam no silêncio, se harmonizam a cada momento
de suas vidas. Este é o amor das almas gêmeas! Muitos me falam que
encontraram sua alma gêmea. Eu concordo, pois não quero causar tris-
teza. Mas o amor das almas gêmeas transforma as pessoas. Elas ficam
boas, não pensam em fazer mal à sua família, não pensam em fazer mal
aos outros, não desrespeitam a família. A primeira coisa que fazem é
passar a amar também os outros, principalmente os filhos, mesmo que
sejam frutos de ligações com outras pessoas. Acho lindo o amor das
almas gêmeas no espaço. Têm a mesma paixão, a mesma vida como
temos aqui. Muitas tiveram filhos na Terra e os buscam para, reunidos,
viverem juntos em suas mansões do espaço. São tão felizes e se reali-
zam tanto com seu amor que buscam levar a felicidade aos outros. Com
essa intenção, protegidos pela vibração desse amor tão puro, penetram
naqueles pântanos sombrios, arrebatando das trevas muitos espíritos
que por ali se debatem.

Vejam o exemplo deste velho Jaguar. Era um tirano – e ele me


mostrou muitas das barbaridades que havia cometido – e temido por
421

todos. Um dia, um simples olhar modificou tudo. Pelo esclarecimento


dos dois, tudo se transformou e ele se tornou tão bom que até mesmo
no palácio do Imperador se comentava o milagre de sua modificação. A
Página

felicidade do encontro das almas gêmeas aqui na Terra reside no fato


de não terem compromissos com outras pessoas. Elas se encontram, se
amam verdadeiramente, mas não podem desfazer os laços cármicos,
seus laços transcendentais. Apenas porque se encontram, porque se
amam, não podem abandonar seus lares. E isso é o que havia aconteci-
do com aqueles dois: tinham vindo apenas para resgatar aquela dívida,
libertar aquele espírito que estava encarnado como o filho dos dois.

Mas a Lei de Causa e Efeito sempre está em vigor. E um preto


velho, chamado Gregório, que muito havia sofrido naquela fazenda, a
mando do sinhozinho, soube da existência daquela criança e descobriu
toda a situação. Impulsionado pelo desejo de vingança, correu a contar
tudo para a sinhazinha. Não poupou detalhes malvados e aumentou
muito as coisas para fazer sofrer, o mais que pudesse, aqueles que o
tinham castigado um dia.

Atenção, meus filhos! Temos visto muitos “gregorinhos” e “gre-


gorinhas” por aí, sempre contando novidades – na maior parte menti-
ras –, espalhando o ódio e a desconfiança entre esposa e marido, des-
fazendo lares, gerando desequilíbrios. Isso é muito perigoso. Quantos,
ao chegarem no dia de prestar contas, vão verificar que, com suas lín-
guas, cortaram o carma de outras pessoas, e não poderão por a culpa
em ninguém, senão em si próprios, no seu coração ainda em evolução.

A sinhazinha, enlouquecida pelo ódio e pelo ciúme por tudo que


ouvira de Gregório, tramou em segredo a destruição de Rosa Maria e
do menino. Aproveitando-se do ódio que o malvado feitor nutria por
ter sido despedido pelo sinhozinho, conseguiu induzi-lo a realizar seu
422

plano. Um dia, quando o sinhozinho teve que ir ao palácio ver o Impe-


rador, o feitor raptou Rosa Maria e o filho, levou-os para um local ermo
Página

e ali os executou, ocultando os corpos. Ninguém vira essa ação crimino-


sa, de modo que, quando o sinhozinho voltou e foi correndo ao seu
ninho de amor, não encontrou sua amada nem o filho, nem qualquer
orientação sobre o destino daqueles dois seres tão queridos. Também,
pelas redondezas, ninguém sabia informar o que teria acontecido. De-
sesperado, continuou buscando-os por muito tempo, sem descobrir o
que houvera. Mesmo mergulhado na dor e na aflição, a bondade da-
quele Jaguar superou suas forças. Continuou a ser bom e caridoso e,
testado por Deus, que quis saber até onde ia sua paciência, superou
todo o seu desespero e completou sua missão na Terra com aquela
força bendita que o amor lhe dera.

Sua jornada ainda continuou por muitos anos. Na solidão, cho-


rava a ausência de sua amada. Muitas noites, quando mergulhava em
seus pensamentos, vinha-lhe a certeza de que sua esposa tinha muito
que ver com aquele desaparecimento misterioso. Também não sentia
ódio ou desejo de vingança. Lembrava-se de que Rosa Maria sempre
lhe dizia que chegaria um dia em que morreriam e poderiam ficar jun-
tos para sempre, no Céu. Mas, se ele fizesse alguma maldade, não seria
possível o encontro, pois Deus não permitia que gente ruim entrasse no
Céu! Ele lembrava dos olhos de Rosa Maria quando falava essas coisas.
Ficavam brilhando como duas estrelas, como se tivesse certeza do que
falava, como se o amor deles só pudesse atingir toda a plenitude depois
que tivessem deixado esta vida. E porque a amava, tinha confiança ne-
la, achava que o único meio de tornar a encontrá-la seria manter-se
acima do mal. Mas a dor da ausência de Rosa Maria tornara-o triste e a
vida era quase que mecânica. Seu coração sangrava de saudade! Tor-
nou-se espiritualista. Continuou a acompanhar sua esposa, sem de-
423

monstrar desconfiança, mas a vida já não tinha mais prazer. Só existia,


para ele, a lembrança daquele amor.
Página
Muitas coisas enfrentou até o dia de sua morte. Contou diversas
passagens e me admirei com a fibra daquele Jaguar. Era uma época
terrível aquela. Muitos espíritos haviam encarnado na Terra, na missão
de evangelizar. Alguns mesmo vinham preparados para domar, como se
fossem animais, aqueles espíritos de imperadores, centuriões, vestindo
roupagens de pretos velhos escravos. Aquele Jaguar havia sido diferen-
te. Morreu purificado pelo amor, por suas boas ações, e sua câmara
mortuária foi perfumada pelos pretos velhos a quem vivia pedindo per-
dão pelos males causados outrora. Pouco antes de morrer, soube de
toda a trama da esposa, o triste fim que tinham tido seus amados.
Mandou chamar Gregório e fez com que ele visse o punhal que atraves-
sara em seu coração. Mesmo assim, perdoou-lhe e ainda arranjou mei-
os de ajudar ao preto velho que tanto mal lhe causara. Há muitas pas-
sagens lindas nessa história. Houve até o caso de uma aparição de Jesus
ao sofrido Jaguar. Um dia contarei.

Quando desencarnou, Rosa Maria veio recebê-lo. É muito gran-


de a felicidade do reencontro de duas almas gêmeas, preparado pelos
Mentores. Pensavam que havia chegado o momento de seguirem a
linda caminhada para a origem. Mas, ainda não era a hora! Havia per-
manecido aquele espírito cobrador – o filho deles – que o ciúme da
sinhazinha não deixara realizar a missão do reajuste. Era preciso repa-
rar o destino daquela criança que, por culpa deles, havia nascido em
tão tristes circunstâncias. Era responsabilidade do Jaguar, que devia ter
tomado as providências para evitar aquela gestação, que o respeito
impunha, pois não haveria condições para criar um filho. Com isso, ele
424

criara uma responsabilidade a mais e teria que voltar à Terra para cum-
prir sua última missão. Após o feliz encontro, Rosa Maria ficou triste,
sabendo que ainda teriam que esperar a conclusão dessa missão para
Página

poderem ir para a origem. Preocupava-se com seu amado, incerta so-


bre as condições dele para enfrentar mais essa prova. Ele fora um tira-
no, mas o amor mudara completamente seu espírito, por saber amar.
Mas fora a presença de Rosa Maria que o havia despertado para o a-
mor. Agora, que ela não viria para a Terra, como agiria ele?

Tudo foi preparado no espaço e, quando chegou o momento, o


Jaguar despediu-se de Rosa Maria e, triste pela separação, se encami-
nhou para o sono cultural. Quando o espírito vai reencarnar, meus fi-
lhos, é uma tristeza maior do que a morte aqui na Terra. Ele vai partir
para uma missão da qual tem consciência, sabe da responsabilidade e,
corajosamente, se entrega ao sono cultural, que vai apagar de sua
consciência toda a memória transcendental, preparando-o para ser
colocado no feto e nascer na Terra. E o velho Jaguar, o velho senhor de
escravos, parte em busca de seu filho, o lindo menino louro, de olhos
azuis!...

Mas Deus não diz para você que será tudo bonitinho e nem os
Mentores resolvem que será tudo fácil. Não! Ele, por exemplo, iria vol-
tar à Terra e desposar uma mulher que seria aquele mesmo espírito da
sinhazinha – mau a ponto de mandar matar uma criança – e, em meio a
muitas provações e dificuldades, deveria salvar seu filho, espírito que
até aquele instante não perdoara a ele e nem a Rosa Maria. Na Terra, o
início foi relativamente fácil. Casou-se com aquela que havia sido a si-
nhazinha e teve alguns filhos. Mas, esquecido dos planos do espaço
pelo efeito do sono cultural, não entendia o vazio que sentia. Faltava
alguma coisa, que não identificava, para sua vida fazê-lo feliz e realiza-
do.
425

Perguntava a si mesmo porque aquela paixão pelas pessoas, pe-


Página

las coisas, aquela insatisfação permanente. E o desespero começava a


tomar conta de seus pensamentos nas horas em que estava sozinho.
Foi quando nasceu um novo filho – um menino debilitado, com um alei-
jão na perna e que, mais tarde, quando começou a falar, tinha dificul-
dade de se expressar – um pouco mais moreno do que os demais ir-
mãos, que ele sentiu algo estranho. Quando pegava o menino no colo,
sentia um arrepio, uma sensação que não identificava, mas sabia ser de
repulsão àquela criança. A mãe do menino também demonstrava total
intolerância e até mesmo desprezo pelo pequenino. Vendo essa reação
de ambos, o Jaguar superou tudo e passou a amar mais àquele filho do
que aos demais. Também a criança ficou num grande agarramento com
o pai.

Em seus sonhos, o Jaguar se encontrava com uma moça muito


linda – Rosa Maria – que lhe falava da força do amor e pedia que ele
sempre tivesse esperança em seu coração. Sempre protegendo a crian-
ça do ódio da mãe e do desprezo dos irmãos, o Jaguar prosseguiu sua
missão. Ficou seriamente doente, mas o filho mais novo não se separa-
va dele. Ficava ali, atento ao que fosse preciso, dando-lhe água, remé-
dios, preso pelos laços de uma profunda afeição. Uma noite, profun-
damente enfraquecido – estado em que se fica mais próximo da espiri-
tualidade – foi levado por aquela mulher de seus sonhos até a casa on-
de havia uma criança. Esta estava muito mal, já para morrer. Os pais, ali
perto, choravam a morte do filho, já não tendo nada mais a fazer. A
criança, com os olhos fechados, parecia estar sofrendo muito. O espíri-
to do Jaguar ficou preso àquele quadro e se aproximou da criança que,
abrindo os olhos, percebeu a imagem do Jaguar e exclamou: “Papai!”.
Os pais se alvoroçaram, e o pai abraçou a criança, certo de sua melhora,
426

pois ouvira o chamado. Mas o espírito do Jaguar percebeu, emociona-


do, quem era a criança quando vira aqueles olhinhos azuis e sabia a
quem ela chamara de pai. Sim, aquele era o seu filho, a quem buscava
Página

para resgatar suas dívidas do passado. Mas teve que retornar ao corpo
e sua memória apagou-se quase totalmente. Ficou uma lembrança do
menino mas, em sua fraqueza, não sabia separar bem os fatos. Seu es-
tado piorou e começou a delirar, falando de um menino louro, de olhos
azuis, que era seu filho que ele tinha que encontrar. Suas palavras não
eram entendidas nem pela mulher nem pelos filhos, que achavam ser
tudo fruto de sua delicada situação de saúde.

Finalmente, o mal começou a ser debelado e ele teve a fase de


recuperação povoada pela lembrança daquela criança. Irritado por não
ser entendido pelos outros, criara em sua cabeça a necessidade urgente
de encontrar aquele menino que sabia existir em algum lugar. Já recu-
perado, começou a andar pela cidade. Assim, fazia um exercício e aten-
dia à sua ânsia de descobrir a criança.

Andava, certa vez, pela beira do cais, quando o choro de uma


criança chegou até ele. Curioso, se aproximou de uma pobre casa, de
onde parecia vir aquele choro convulso. Um vizinho estava por ali e ele
lhe perguntou o que fazia aquela criança chorar tanto.

- É uma triste história! – disse o vizinho – O pai desse menino


trabalhava naquele navio ali e saiu com a esposa para dar um passeio
de barco. O barco virou e os dois morreram. Restou o filho que está aí
com esses parentes, mas desde então chora como se nada o pudesse
calar.

Bateu à porta do casebre e uma pobre mulher o atendeu. Pediu


para conhecer o pequeno órfão e entrou. Pode ver, então, aquele me-
nino por quem tanto buscava, por quem seu coração ansiava louca-
427

mente, chorando. Aquela linda criança loura, com os olhos azuis!... E-


mocionado, pediu àquela gente que o deixasse levar o menino, para
Página

cuidar dele. Foi atendido prontamente, pois os parentes estavam lou-


cos para se verem livres daquele choro angustiante e seria menos uma
boca para alimentar.

Chegou feliz à sua casa. No trajeto para lá, a criança se calara e


aconchegara-se a ele como se estivesse acostumada com o seu colo.
Sentindo-o em seus braços, o velho Jaguar sentia que amava muito a-
quele pequeno ser. Um amor muito maior do que o que nutria por
qualquer de seus filhos. Até pelo mais novo.

Começou uma nova fase de complicações. Os laços de amizade,


tão profundos, entre o Jaguar e aquela criança abandonada, haviam
despertado a inveja e o ciúme da família. A hostilidade da esposa – que
na outra encarnação mandara executar o menino – era para com os
dois. O tempo foi passando e cada vez mais estreita era a amizade en-
tre o Jaguar e o menino. Mas o grau de maldade da esposa era tanto,
um espírito que não se abria para o amor e, assim, não evoluía, que
esperava uma oportunidade para se vingar daquela criança. E quando o
esposo precisou ausentar-se um pouco mais demoradamente de casa,
pegou o menino e o colocou para fora de casa. A pobre criança, já com
sete anos, não pode fazer nada senão afastar-se, triste, daquela casa
onde estava alguém que lhe era muito caro. Retornando e não encon-
trando o menino, o Jaguar forçou a esposa a dizer o que havia feito. Ela
confessou que havia mandado embora aquele estranho e não permiti-
ria que voltasse. Ele saiu em busca do menino e teve um palpite que
poderia encontrá-lo onde o fora buscar – na beira do cais. Correu para
lá e viu o garoto sentado, olhando o mar, com o queixo apoiado na
mão, como se aguardasse alguém. Alegre pelo encontro, chamou o
428

menino. Este assustou-se com o chamado e se levantou rápido de onde


estava, virando-se para ver seu querido benfeitor. Mas, agitando os
Página
braços, perdeu o equilíbrio e caiu do cais, naquele local cheio de pe-
dras, madeirame e ferros batidos pelas ondas do mar.

Desesperado, o velho Jaguar correu e pulou na água. Diversas


pessoas que estavam por ali tentaram ajudar, mas o destino havia mar-
cado aquele desenlace: morreram ali, pai e filho, tragados pelo mar.

Esse é o destino do Homem, meus filhos! Muitas vezes temos


uma tristeza muito grande, sem saber por quê. Muitas vezes o Homem
se casa e tem por obrigação honrar aquele casamento, os filhos que
dele nascem, mas, em seu íntimo, não está feliz. Porém, existe uma
responsabilidade maior: o destino cármico. Ninguém pode ser feliz, feliz
mesmo, se não terminar sua missão, se não libertar seus cobradores.

Imaginem que aquele filho mais novo, moreno, do casal, era o


espírito do preto velho Gregório que, apesar de seus defeitos físicos,
amou muito aquele a quem tanto mal fizera e por ele foi amado. Foi
aquela mulher, que tanta maldade fizera, que o recebeu no ventre e,
pela bênção de Deus, o criou com cuidados, mas sem amor. Mas Gregó-
rio conseguiu resgatar suas faltas pelo amor daquele a quem tanto fize-
ra sofrer.

E, no desenlace da história, quando o homem e o menino de-


sencarnaram no mar, seus espíritos se reencontraram com Rosa Maria
e, juntos, felizes, foram para sua origem. E a sinhazinha, que voltara
agora como uma simples dona de casa, não evoluiu, não aproveitou a
chance que lhe foi dada, e nada fez de bom. Então, seu sofrimento será
grande. Deverá voltar várias vezes para subir seus degraus na evolução.
429

Mesmo assim, ela foi objeto da ajuda dos espíritos do Jaguar e de Rosa
Maria, que entenderam que tudo que ela havia cometido servira como
Página
degrau para a libertação deles, através da evolução. Na realidade, fora
a sinhazinha que preparara a subida dessas almas gêmeas.

Por isso, jamais devemos nos queixar de Deus! Ele nos dá tudo,
nos proporciona os meios para nossa libertação. O conhecimento, a
consciência, é que nos impulsionam no caminho certo. Ele nos dá força
antes de chegarmos aqui, e chegamos preparados para cumprir nossa
missão. É errado só se desejar coisas boas e reclamá-las de Deus. Pelo
sofrimento conseguimos nossa libertação, nossa evolução. Nem Deus
nem nossos Mentores nos seguram para que possamos subir os de-
graus da nossa jornada.

Temos que caminhar por nós mesmos, com nossas próprias per-
nas. Deus nos dá tudo!

Salve Deus!

430
Página
“Cria esperança e otimismo, onde estiveres, em favor dos outros,
sem pedir remuneração. Auxilia muito, e esperas pouco ou nada.”
431
Página
AS VIDAS DO LENHADOR

Salve Deus, meus filhos!

Este é um exemplo vivo do que tanto precisam e que me serviu


– e vem servindo – a vida inteira. Condicionados, nós nos esquecemos
dos nossos relacionamentos eternos com Deus...

Sim, porque ao Homem condicionado muito pouco podemos


fazer na Doutrina. É tão grande a sua indiferença às coisas deste Uni-
verso que, então, todo o sistema espiritual, principalmente se ele des-
frutar de saúde e cultura, vive e sofre para contestar o Espírito da Ver-
dade. Ele enche seu ambiente com seus maus pensamentos, tornando
mais triste este mundo.

Esta espécie de Homem vamos encontrar no LENHADOR. Junto a


ele encontraremos os que se julgam em liberdade. Veremos, também,
que os mesmos não passam de cativos da ignorância e da desventura:
são os ENCOURAÇADOS dos poderes da Terra. E, assim, vamos prosse-
guir nossa história.

O dia começava a raiar na Terra quando me encontrei na Man-


são dos Encouraçados. Vi gente que entrava e saía, como se fosse uma
rodoviária. Nisso, passou alguém que me chamou a atenção: o Lenha-
dor – um homem de aspecto cansado. Ouvi quando Amanto disse bem
alto:

- Este homem tem um lindo exemplo a contar. Sua história alcança mui-
432

tos séculos.
Página
Ouvindo, como eu, a narração de Amanto, ele se virou e, baten-
do a mão em meu ombro, foi me arrastando dali. Meio surpresa, o a-
companhei, e ele começou sua narrativa:

- Veja, minha irmã, o perigo das manias entusiastas: elas são


contagiosas e ninguém se inclina, impunemente, à beira do abismo da
demência. Aqui está uma coisa horrível que vou contar.

Então, meio desfigurado, começou a levantar a pedra de seu


sepulcro, dizendo:

Antes, vamos agradecer a Deus a força e a maneira como acei-


tamos os desígnios de nossa evolução, na lei imutável do carma. Sim, a
Lei de Deus nos faculta que tenhamos cultura nos recursos de nossa
inteligência mas, esperando, fica a nos proteger em nossas dificuldades
pelo atraso de saber e não fazer. Com é fácil de anotar, na individuali-
dade, o que criamos na Terra pela ânsia de fazer sem saber! Às vezes,
nos adiantamos em uma doutrina e não sabemos expressar o nosso
amor. Minha querida Tia Neiva! Tudo começou assim: eu estava na Ter-
ra e, em uma linda manhã de sol, saí para o campo, para ali receber
seus raios, pois precisava me aquecer. Porém, a Natureza mais uma vez
me pregou uma peça. O tempo mudou e, em vez do sol, veio um terrí-
vel temporal que me obrigou a sair correndo de volta para casa. Ó, meu
Deus! Como sofro ao lembrar, mesmo agora, depois de longos quatro
séculos! As árvores dobravam suas copas até o chão. Mal cheguei ao
portão, ouvi alguém que gemia, pedindo para entrar. Era uma jovem
que, mal enxergando a luz com seus negros olhos, queria, também,
433

atravessar o portão. Ouvi, ao longe, os gritos da condessa, minha espo-


sa, e, num gesto de covardia, não deixei entrar aquela jovem, porque
Página

sabia que não haveria explicações que me fizessem ser compreendido


por Nice, minha querida esposa. Também não disse a ela nada sobre a
jovem que deixara abandonada fora do castelo. O temporal prosseguiu
como um furacão, causando muitas destruições naquelas imediações.
No outro dia, sucedeu o que sempre sucede aos covardes e egoístas: os
criados, aflitos, comentavam o desespero de um triste pai que encon-
trara Inara, sua filha, morta nas imediações do meu castelo. A jovem
era de uma família de fidalgos, que morava ali perto da minha provín-
cia, e havia morrido de frio e medo... É difícil descrever a dor que senti
diante de um quadro tão culposo para mim. Não tinha coragem de con-
tar a ninguém a minha imensa covardia. Dois anos depois, Nice me deu
uma linda filha, que ia crescendo e me fazia lembrar, ainda mais, aquele
olhar suplicante da pequena fidalga. Tudo se passou, chegando eu a
fazer um bom relacionamento com a família de Inara. Por fim, Nice
morreu quando ia dar à luz uma outra linda menina. Sem saber como
cuidar das meninas, ainda pequenas, entreguei-as aos cuidados de uma
tia, irmã de Nice, que morava longe dali. Passei meus dias sozinho na-
quele imenso castelo, procurando me intelectualizar ao máximo, já que
nada tinha para fazer. Os criados tinham uma espécie de compaixão
por me verem tão só. Um certo dia, estava a me martirizar com dores,
quando ouvi a porta do quarto ranger, como se fosse abrir, e me apare-
ceu a figurinha de Nice que, em um relance, me disse:

- Venha!... Venha!... Chegou o seu tempo!

Assustado, quis segurá-la, mas ela já desaparecia. Gritei por seu


nome tão alto que os criados vieram ao meu encontro. Eu estava ar-
dendo em febre. Via os criados correndo, porém não sentia interesse
em perguntar nada. Fui ficando leve e desaparecendo daquele local,
434

sentindo que uma corrente muito forte tomava conta de mim. Sem
visão, absolutamente sem nada, e sem esperanças. Minha Tia Neiva, só
Página

Deus sabe as dificuldades que o sentido emocional provoca em nossa


alma! Sim, porque a matéria sem sintonia com a alma fica em desajus-
te, fica dispersa, e passa a ser uma energia esparsa, sem contato com o
etérico. Pensei: “Um homem... Simples homem... É a hora de minha
morte!”. Ouvia o movimento dos criados, do médico e, por fim, passei a
sentir como se levitasse num crepúsculo, em um bale de luzes que a-
cendiam e apagavam. Vi meu pai e minha mãe se despedindo de mim e,
já em minhas agonias, pensava: “Como? Se eles já morreram, estou eu
também morrendo? Ó, meus paizinhos queridos, logo estaremos jun-
tos!” Nisso, chegou minha Nice e me foi levando pela mão. Senti uma
dor atroz no coração. Então, ouvia a voz de Bruno, meu mordomo:

- Pobre conde! Fez sua passagem. Como sofreu o meu querido


patrão!

Ouvi, também, o choro dos criados. Que fenômeno, ó, meu


Deus! Sentia que toda a matéria, até então organizada, começava a
apresentar uma modalidade de energia esparsa, que ia me definindo
em outra situação, em outra condição de homem. Porém, a mente era
lúcida, cada vez mais lúcida. Minha cabeça rodava, rodava, e, finalmen-
te, entrei num novo estágio. Formou-se outra atmosfera. Um terrível
zumbido, como se meus ouvidos fossem arrebentar, e a transformação
inconcebível se fez em uma dor muito intensa, porém muito rápida. Foi
então que me senti do outro lado da vida. Perguntei: “Dor! Por que
dor? Se eu estava morto e já havia feito a passagem...” Sim, Tia Neiva, é
o que me pareceu. Porém, o deslocamento do plexo físico, o impacto
da energia compactada à corrente eteromagnética produz uma dor
física tão grande que não tem qualificativos. Inclusive, fica no nosso
435

subconsciente a ponto de, muitas vezes, por maior que seja o desespe-
ro, temos medo de morrer. Esta a razão deste tamanho medo da mor-
Página

te. Dali, parti para um novo e desconhecido mundo. Só, mais uma vez,
só... Ouvia, agora, vozes no meu novo mundo, como se fossem me ins-
truir para mais outra experiência. “Seja o que Deus quiser!” pensava
sempre comigo e, assim, fui me libertando dos meus defeitos. No ter-
ceiro dia, levantei a vista e vi, ao longe, um lindo castelo. Parti para lá,
como se fosse minha única salvação, e qual não foi minha dor!... Ao
chegar ao portão, ouvi os gritos de Nice, dizendo:

- Venha! Venha, meu amor, venha me salvar!...

Comecei a andar no interior do castelo, enquanto seus gritos


iam se distanciando. Ó meu Deus! Já estava cansado, quando ouvi uma
voz que me alertou:

- Conde Lepant! Estás seguindo tua própria consciência! Nice já


passou por aqui fazem dez anos...

- Oh, onde estou? – gritei.

- Estás sob o jugo de tua consciência, já disse.

- Consciência? Não me lembro de nada! Diga-me onde estou! -


então, clamei.

- Em Pedra Branca, no exílio dos mortos da Terra. Daqui partirás,


partirás para uma nova vida. Teus pensamentos de levarão a mundos
que a tua percepção ainda não atingiu. Procura estar atento ao coman-
do universal, porque estás completando o teu retiro e, dentro em pou-
co, partirás para a Terra.
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- Como? Venho de lá, e não deixei ninguém a me esperar.

- Sim, deixastes os teus criados e terás, portando, de voltar à


Página

Terra!
Não sei por quanto tempo ouvi a mesma voz. A cada momento
me sentia mais lúcido. O fato é que, não sei por que, tenho saudade de
uma certa harmonia que penetrava em meu nariz, em minha boca e
nos meus poros. Sim, não sei mais por quanto tempo. Lembro-me, so-
mente, de ter ouvido, como se fosse uma melodia, o Guia Universal
dizer:

- Passageiros da Terra, fiquem alertas para voltar. Já completa-


ram o seu retiro!

Comecei a ter medo, o que até então não tivera. Para onde iria?
Enquanto pensava, fui atraído por um impulso, vindo a descortinar uma
grande rodoviária, onde pessoas teleguiadas tomavam os seus rumos.
Eu também segui o meu, sem qualquer percepção do meu destino. E
qual não foi minha surpresa: uma compressão muito grande e, em fra-
ção de segundos, estava em frente ao meu castelo. Quem sabe o que
estaria acontecendo? Meu Deus! Entrei como se estivesse vivo, porem
sem sentir as anormalidades do corpo físico. Agora, tudo era diferente.
Eu me sentia leve, como se tivesse um corpo de pluma. O castelo esta-
va cheio de gente, meus parentes, meu procurador e outras pessoas.

Como é horrível, Tia Neiva, ver pessoas estranhas violarem os


nossos objetos! É realmente terrível... Tentei sentar-me à minha mesa,
porém, um grupo que saiu do corredor tomou toda a mesa. Nisso, o
meu procurador começou a ler o testamento que eu havia deixado.
Deixara uma grande parte para Janete, a governanta, e para Bruno,
meu mordomo, meus criados queridos. Quando foi lido o nome de Ja-
437

nete, ouvi seu choro convulsivo e corri para atendê-la, Meu gesto pare-
ceu comovê-la, embora ela não pudesse me ver, e eu – pobre de mim –
Página

me debrucei sobre seu corpo e ouvia o meu som, a dizer o que bem
precisava... Nisso, ouvi a Voz, que dizia:
- Basta, Lepant! Tua hora está chegada! Vamos, temos muito
que fazer. Uma nova vida!...

Era Germano, o meu Guia espiritual. Saí dali sem saber como
terminara meu inventário. Também, não me preocupei. Uma linda cha-
lana me esperava e saí sem pensar em mais nada. Se alguém pergun-
tasse o meu nome, não saberia dizer. Nuvens espessas cobriam o apa-
relho. Então, um novo mundo se descortinou em mim: RESSURREIÇÃO!
“Ressurreição!” – gritei, diante daquele quadro que se apresentava em
frente aos meus olhos. Ó, Deus Todo Poderoso! Saí de um mundo e
entrei em outro. De repente, comecei a raciocinar: como seria minha
vida? Nice, minha Nice, onde deverá estar neste momento, neste mun-
do tão imenso? Comecei a ter medo, medo do que eu não conhecia...
Sim, não sei por que, mas aquela beleza me dava medo. Oh, que sau-
dade de minha Nice! Por fim o aparelho parou diante de um enorme
hospital, onde havia um letreiro: CASA TRANSITÓRIA DE FABIANO. De-
sembarquei sem ninguém mandar. No interior do hospital encontrei um
amigo, Lafaiete, que me falou:

- Oh, Lepant, como vai?

Porque estava ali, não sei.

- Você me dá notícias de Nice, minha esposa?

- Ela passou por aqui há dez anos. – respondeu - Não tenho ne-
nhum roteiro dela.

Nisto, alguém chamou:


438

- Lepant! Venha para esta sala que a tua família de espera.


Página
Ó, meu Deus! Cheguei e encontrei uma enorme tela, que me as-
sustou. Sentamos – éramos muitos – e começou a grande prova para
mim. Germano puxou uma alavanca e tudo começou: eram 10 horas da
manhã, na mansão dos Lepant, quando um lindo casal deixava os por-
tões do castelo e as flores se misturavam com as cores do rosado vesti-
do da condessinha, minha Nice e seu irmão, Roberto, um terrível joga-
dor que acabara com a fortuna do conde, meu sogro. Em resumo: Nice,
por amor a seu irmão, roubava dinheiro do meu cofre, ou melhor, do
nosso cofre, e pagava as contas do irmão, inclusive com sorrisos e insi-
nuações ao lado do terrível cobrador. Comecei a me lembrar de sua
rápida enfermidade, dos desencontros e de nossos reajustes. Comecei
a ver o seu romantismo, o mundo de onde eu viera. Ó, meu Deus! –
pensava – Como? No entanto, eu deixara morrer a pobre Inara de frio e
medo, para não melindrá-la. Mergulhado em minha dor, comecei a ou-
vir a voz do meu Mentor amigo:

- Chega por hoje. Veja como sofrem os que passam na Terra,


sem nada fazer. Nunca fostes saber o que acontecia em teus arredores.
Bruno e Janete foram teus legítimos pais. Pediram a Deus esta oportu-
nidade de serem teus criados para resgatar uma velha dívida que outro-
ra contraíram contigo.

Ó, meu Deus! Como fui imbecil, pensei eu na força da expres-


são, lembrando dos olhares carinhosos de Janete e de Bruno. Após pe-
queno silêncio, Germano continuou:

- Salve Deus! Agora vamos ouvir o Rosário de Salmos, que é o


439

Canto da Energia Imortal. Venha ver quem, realmente, se venera neste


recanto de amor e paz. Fizestes, na Terra, aquele rico castelo, sem o
Página

suor de teu rosto mas, sim, pelo ouro pesado. Aqui é o jardim que os
anos e o tempo não destroem. Fecha os teus olhos e verifique que ain-
da estás diante de ti mesmo, do teu jugo. Agora, deixa teu fardo nas
mãos de quem poderá sustentá-lo.

Nisso, uma jovem mulher apareceu. Era parecidíssima com mi-


nha Nice. Senti amá-la, porém algo me dizia – aquele espírito tinha o
todo de Nice – enquanto pensava, sem rancor, que fora traído pela mi-
nha pobre consciência.

- Deixa o teu fardo, Lepant! Já te disse...

Ó, meu Deus! Onde estaria eu àquelas horas? Minha pequena


cabeça não saía do círculo vicioso, sempre com os mesmos pensamen-
tos. Nice me traíra... E eu? Estou na Terra, no espaço, em que plano?
Deveria estar... De repente, um forte abalo me fez alertar. Senti medo
da solidão e gritei: “Ó, meu Deus!” Germano me perguntou, com cari-
nho:

- O que houve, Lepant? Para estar perto de Deus só nos basta


pensar em boas obras. Os nossos pensamentos são as nossas asas.

- Por que este estrondo? – perguntei.

- O silêncio é perigoso quando temos muitas falhas no subcons-


ciente. Aqui também trabalhamos – o que não soubestes fazer com tua
riqueza na Terra.

- Sim, o trabalho! – gritei - Não sei fazer nada!

- Saberás quando tua alma também souber se entrelaçar a ou-


440

tras almas.

Nisso, um grito chegou ao recinto onde estávamos. Uma mulher


Página

pedia por socorro. Instintivamente, corri para lá. Ó, meu Deus! Fui em
socorro de alguém pela primeira vez em minha vida! Era uma mulher
que acabava de chegar e não tinha consciência de sua situação. Acal-
mei-a e senti Germano chegar perto de mim. Falou-me:

- Lepant, somente naquela encarnação fostes tão indiferente.


Começa em ti a grande luta. Sejas verdadeiro contigo mesmo. A since-
ridade, quando real, persiste e vence. Todos estes movimentos vêm da
natureza universal inferior. Dar expressão a um impulso ou movimento
não é o suficiente para uma afirmação religiosa ou doutrinária no cami-
nho da evolução. Deixe que a iluminação de abrilhante a alma. O inter-
câmbio vital não te serve mais. Procura! Não fiques a chorar pelo que
não fizestes e, sim, procuras entoar teu canto universal.

Como pode, Tia! Aquele lindo missionário e eu, um pobre sofre-


dor, tão bem coordenados. A cada dia eu mais me entregava ao traba-
lho, em missão junto àqueles chegantes, e minha mente ia se desenvol-
vendo. Tia Neiva, esta história é realmente interessante, digna de ser
ouvida. Sim, Tia, ainda não terminei e a parte mais interessante vem
agora. Salve Deus! Desde que eu estava ali, jamais sentira o que neste
dia – ou tempo, como marcamos no espaço – sentira. Era diferente de
tudo o que até então sentira. Fiquei à espreita de meu querido Mentor
Germano e fui prevenindo minha alma.

- Vamos partir porque não tens mais com que pagar a tua esta-
da!

Ó, meu Deus! Lembrei-me de que estava fraco e minha pertur-


bação tinha razão de ser. Minha alma discorreu e balancei a cabeça,
441

pensando como devem sofrer aqueles que, na Terra, não têm dinheiro
para se alimentar. Havia sido prevenido por minha alma. Salve Deus!
Página

Germano disse:
- Sim, este é o todo poderoso!

Saímos dali caminhando, caminhando como se estivéssemos na


Terra. Caminhamos até que cruzamos com um homem. Germano per-
guntou-lhe:

- Conheces bem estas imediações?

- Não, estou foragido! - disse ele, apressando-se a distanciar-se


de nós.

Então, Germano comentou que ele vivia, há muito tempo, na-


quelas redondezas. Senti um pouco de fraqueza e uma dor em meu
coração. E aqueles pobrezinhos que viviam nas imediações de meu cas-
telo? Ó, meu Deus! Deixei que morressem de fome e, no entanto, tudo
me sobrava! Tentei, mais uma vez, afastar o meu remorso, a minha
imensa covardia. Germano me advertiu:

- Prossegue, vamos, prossegue! Não tentes cair no mesmo pa-


drão vibratório. Aos poucos tu irás pagando o que deves.

Continuamos nossa busca até chegarmos em frente a um enor-


me albergue. Lá encontramos uma mulher cujas jóias a ornavam da
cabeça aos pés. Olhei o meu traje, e Germano observava-me com um
leve sorriso nos lábios. A quê poderia atribuir o comportamento daque-
la senhora? Louca, simplesmente louca, pensei. Atônito, disse:

- Ela não trabalha, então como pode viver? Se não me tivessem


tirado da Mansão de Fabiano, eu estaria sofrendo terrível perturbação
442

pela falta de BÔNUS para o meu alimento. E ela, como os ganha?

- Foi ela que trouxe tudo da Terra.


Página
- Como, Germano, trouxe da Terra? Como? Fico louco! Explica-
me melhor.

Porém, antes que Germano dissesse alguma coisa, apareceram


dezenas de escravas, querendo servi-la. Vinham muitas, porém ela gri-
tou:

- Esperem! Um pouco de cada vez.

E elas a obedeciam. Foi então que surgiu um casal muito lindo e


começou a ser feita uma doutrina. Não sei por quanto tempo demorou
aquela solenidade. O fato é que todos ali tomaram um novo rumo, sob
as bênçãos de Deus. A mulher das jóias ficou sozinha. Germano obser-
vou:

- Viste, Lepant? Não podemos julgar os outros pelas aparências.

Desta vez, mais do que nunca, os acontecimentos me deixaram


confuso. Sentindo fome, muita fome, olhei para cima e vi algo que me
deslumbrou: uma nave muito grande se deslocava no espaço. Para on-
de iria?

- Lepant, tenhas cuidado! Uma coisa de cada vez. Por que não
procuras saber o destino das escravas? - falou Germano.

- Ó, Jesus! Como sou distraído. Desculpa-me, irmão. – respondi.

- Sim, Lepant, enquanto estamos em harmonia não podemos


expandir a nossa força. Ouça!
443

Lá no final do albergue tocavam uma sineta. Germano disse:


Página

- Estão chamando para uma reunião. Vamos para termos um


bom lugar.
Fiquei pensando para onde iria e o quê me esperava... A senhora
das jóias não ia participar, pois permaneceu em seu lugar. Linda mu-
lher! Agora podia vê-la muito bem e queria saber o que se passava. Ia
perguntar, quando duas chalanas se encontraram e um enorme estron-
do nos tirou da sintonia, nos removendo para outro plano. Comecei a
raciocinar bem melhor me a me preocupar com as coisas que vira e
ouvira. Por exemplo, aquela mulher! Sua beleza, suas maneiras, como a
encontrara... Tudo tão estranho! Perguntei a Germano:

- Para onde vamos? Estamos em outra estrada.

- Sim, vamos para outro albergue.

Desta vez, enquanto caminhávamos, pensava em como era per-


feito este Universo. Chegamos a um rico albergue, onde uma grande
família ria de seus desencontros na Terra. Sem ser notado, fiquei ou-
vindo. Tive inveja de um certo comentário de uma linda jovem que es-
tava ali e havia sido esposa de um cego, cujo destino o levara à mendi-
cância. Logo, entrou o ex-cego, e ambos se beijaram, abraçados. Meu
Deus! Tanta simplicidade! Nisso, entrou a linda mulher das jóias, com
muita familiaridade, sendo saudada por todos:

- Ó, querida Sabah! Entre e cante para nós.

A jovem cantou e dançou lindas canções. Senti como se todo o


Universo a estivesse ouvindo. Depois, ela levou a mão ao peito e suspi-
rou, dizendo:

- Ó, meu Deus! Por que me faltou amor no momento mais preci-


444

so de toda a minha vida?


Página
Dizendo estas palavras, soluçou. Fiquei vibrando para saber mais
alguma coisa sobre aquela linda mulher, mas entrou um estranho nos
chamando para fora do albergue. Nisto, reconheci um abade que pas-
sou e, num relance, compreendi que todos que ali estavam haviam saí-
do à procura dele. Então, fiquei só com Germano e vi a linda mulher,
que estava sentada em uma pequena e triste pracinha. Cheguei-me
para junto dela, sentei-me e comecei a perguntar sobre a sua proce-
dência. Ela começou a me contar sua história:

- Vivia numa pequena cidade do interior da Índia. Meu pai e mi-


nha mãe eram pescadores de pérolas e formaram um grande patrimô-
nio, tão grande que me fizeram rainha. Tornei-me poderosa, mas cedo
meus pais morreram. Então, fiquei endurecida. Não amava ninguém,
dificilmente sorria. Até que, um dia, encontrei o olhar do jovem Janarã,
meu escravo. Ah, meu amigo, quanta paixão. Nunca me perdoarei por
ter desperdiçado a minha oportunidade! Lembro-me, agora, com sau-
dade, tenho ânsias... Que horror! Foi triste, realmente. Eu falhei. Perdi
dons preciosos, perdi o afeto. Só me resta, contudo, recuperar o tempo
perdido nestas condições deprimentes. Encho-me de jóias preciosas e
fico à mercê dos que me julgam.

Enquanto Sabah falava, ocorreu-me um pensamento: tão linda


que eu não posso acreditar em sua piedade. Não acredito, também,
que alguém possa desposá-la. Porém, como estávamos no mesmo nível
de evolução, ela não sabia o que eu pensava e nem eu, tampouco, sabia
o que ela pensava. Ela sorriu, mostrando a sua beleza, e eu ainda fiquei
pensando mil coisas quando um forte estrondo nos fez tremer. Gritei:
445

- Ó, meu Deus! Não me acostumo, não me acostumarei nunca


Página

com esses estrondos!...


Ela deu uma gargalhada, como se fosse um canto, e despedindo-
se, me disse:

- Hoje me libertarei daqui. Deus, o bom Deus, te libertará tam-


bém, um dia!

Foi se elevando, como um lindo pássaro, naquele crepúsculo,


que é como nos parecia aquele plano de nossa evolução. Novamente
só, continuei sentado naquela pracinha, não sei por quanto tempo. De
vez em quando aparecia alguém que se sentava, contava suas dores,
suas paixões, e prosseguia. Eu, porém, era, além de medroso, um gran-
de preguiçoso. Foi preciso que um forte estrondo me atirasse em outro
lugar – um bonito albergue. Compreendi que os estrondos nos tiravam
a sintonia e nos levavam a uma situação primária. Sim, primária! Na
minha força de expressão, o fato é que a nossa mente entra em choque
e um processo de nosso próprio mecanismo expulsa as ficções, nos
dando outras oportunidades de novos raciocínios. Sempre a mesma
coisa: alguém se lastimando pelo que deixou de fazer. Estava observan-
do alguns centuriões que se movimentavam na escuridão, e tive inveja.
Perguntei:

- O que poderia eu fazer para ingressar nessa comitiva algum di-


a?

- Voltar à Terra. - alguém disse.

Admirei-me, sentindo nova esperança. Poderia apagar a imagem


que tanto me torturava. Não podia ficar ali parado. Resolvi caminhar,
446

porém sempre com medo de me afastar muito. À medida que caminha-


va a iluminação ia se ofuscando, como se tivesse chegada a hora do
Página

crepúsculo. Comecei a ouvir sons – risadas, gente alegre, pensei. Real-


mente, era um grupo alegre que estava em missão. Não preciso explicar
que me familiarizei com toda aquela gente. Não sei por quanto tempo
vivi ali, meio despercebido do resto do grupo. Um certo senhor de voz
calma se levantou em um degrau mais alto daquele luxuoso pavilhão
onde estávamos e disse em voz de quem vai discursar:

- Meus caros contemporâneos! Chegou o nosso grande momen-


to. Voltaremos para a Terra, na grande missão que nos foi confiada.
Iremos remover séculos, partiremos para uma nova conquista e, mais
uma vez, iremos libertar aqueles espíritos e cumprir nossa jornada, no-
vamente, neste primitivo roteiro.

E apontando com uma espécie de lápis, mostrava numa grande


tela a Terra em seus diversos ângulos. De repente, surgiu na tela uma
embarcação sobre o oceano tempestuoso, parecendo uma pequena
folha prestes a sucumbir nas águas. Em seu discurso, ele dizia o nome
dos personagens que futuramente estariam em sua direção. Dizia, tam-
bém, que iriam reencarnar em Portugal.

- Salve, salve, Lamúrcio! Salve, salve, Lamúrcio! - aclamava o


grupo.

Veio em minha mente a pergunta: de onde teria vindo este gru-


po, estas personagens tão unidas? Sei que eu viera da França. Como se
tivesse ouvido minha pergunta, o orador continuou:

- Ó, meu Deus! Parece que foi hoje quando descemos as cordi-


lheiras e chegamos às planícies macedônicas, descobrindo Esparta. Foi
horrível! Fomos massacrados pelos Dórios. Como foi dura nossa missão
447

naquela península peloponense! Os Gregos nutriam verdadeiro ódio


provocado pelos Dórios, a ponto de impregnar aquele ódio por toda a
Página

península, ou melhor, em toda aquela gente. Os Gregos e os Egípcios


acreditavam na vida além da vida física, os segredos da Morte nas reve-
lações sucessivas e nas comunicações com os outros mundos. Esse en-
sino provocava uma grande revolução da alma, provocava impressões
tão profundas, infundindo uma paz, uma serenidade e uma força moral
incomparável. Em resumo, a DOUTRINA SECRETA, Mãe das Religiões, na
maneira de cada tribo, foi infundida a ponto de nunca morrer!

- E por que nunca morreu? – perguntou alguém.

- É impossível que a Doutrina Mãe – como chamamos na Terra –


morra. Ela é uma revelação, é algo biológico do predestinado, de sua
missão, que age, segundo sabemos, pela indução recíproca, altamente
moderada, sobre o centro principal de seu eixo. Quando as células inte-
riores entram em excitação por excesso de estimulações na linha do
Interoceptível, ameaçando o sensitivo do homem, se esgota pela se-
qüência moderadora ou regência moderada, impondo o freio e o con-
trole dinâmico-sensorial, que exige sua ação. São as células coronárias
que decidem os três reinos. São estas células que governam o cérebro
ou pineal e as células inferiores. Entram em período de estafa pela de-
composição do sistema dualista nervoso ou de outra parte do núcleo
vegetativo, os quais dão origem às fibras. Não há como separar funcio-
nalmente os dois setores nervosos, porque ambos são vinculados ao
cérebro, sujeitos às suas flutuações. São rigidamente controlados pelo
sistema da flutuante alma, que estabelece um equilíbrio cerebral pela
indução recíproca dos três reinos de sua natureza. Essa atividade de-
sordenada na concepção do sistema nervoso é desvantajosa ao homem
na Terra. Meus irmãos que pensam voltar à Terra! O homem físico sofre
seriamente por sua falta de amor. As suas propriedades são imensas,
448

porém sempre de acordo com o seu padrão vibratório.


Página
- Ó meu Deus! – pensei – Quanta coisa além do infinito! Meu
Deus, sou um estrangeiro que jamais voltará à sua pátria, ao seu pri-
meiro estágio...

- Desculpe, Lepant. – disse alguém – O teu suspiro vem de longe.


Pensa e tenha esperanças. Não ouves uma só palavra, não vês bem o
meu rosto, a minha face. Passou a hora dos sonhos. Este é um mundo
em que não se oculta nada. Ainda és um hóspede silencioso.

Passaram as horas do sonho!...

- Oh! – gritei como se fosse um gemido – Estou preso pelas gar-


ras do meu castelo, sinto-me amarrado a seus portões. Não vejo à mi-
nha frente a luz da manhã! Não posso expulsar de meus pensamentos
aquela jovenzinha, meu horrendo crime! Ele vem a vaguear à vontade...

- Venha, meu hóspede silencioso. – disse a voz – Eu me chamo


Lamúrcio e já estou com a missão em Deus de voltar à Terra. Olhe, Le-
pant, a alma do mundo é uma força que tende sempre ao equilíbrio. É
preciso que a vontade triunfe sobre ela ou ela triunfe sobre a vontade.
Toda vida incompleta é atormentadora. É preciso conhecer nesta visão
o homem acordado deste plano, asfixiado pelas emanações da Terra.
Saia deste falso sonambulismo que o seu inconseqüente estado de es-
pírito provocou. O seu único reflexo vivo é a ciência do mundo invisível,
que continua a ser um dos mais importantes ensinamentos reservados.
Sim, a ciência invisível entre os homens e as almas desencarnadas pelas
propriedades destes fluidos, pela ação que a vontade exerce sobre eles,
onde explicamos os fenômenos da sugestão, da transmissão de pensa-
449

mento, segundo o passado e o passado no futuro. É preciso saber que a


vontade do homem modifica, também, o seu comportamento e a sua
Página

razão nos seus amores, nos seus impulsos e nos seus desejos. Aqui tens
uma natureza e na Terra tivestes outra, bem mais ardente, aquela que
te faz chorar hoje mas poderá te fazer rir amanhã. A própria natureza
do homem ensina, por indução, que existe ordem. O ser é substância e
vida. A vida se manifesta pelo movimento e o movimento se perpetua
pelo equilíbrio. Assim, o equilíbrio é, pois, a Lei Imortal. A consciência é
o sentimento e a justiça. Chega, Lepant... Tu já te condenastes – e não
fizestes nada!

- Salve Deus! – gritei – Quero fazer alguma coisa! Eu quero fazer


alguma coisa!

- Sim! – disse o nosso comandante – Breve teremos uma opor-


tunidade para reencarnar.

- Eu quero essa oportunidade! – gritei, eufórico.

- Sim, - disse alguém – espero que Deus te conceda esta oportu-


nidade.

Como sempre, um grande estrondo nos tirou da sintonia e, de


repente, estávamos em outro local. Lembrei-me de Germano – nossos
pensamentos são como as nossas asas – e ali estava ele, parecendo
estar à minha espera. Falou-me:

- Como? Então já pensas em partir para a Terra?

- Sim, penso. E mais: vou com um grupo que, segundo me in-


formaram, parte para uma nova conquista.
450

- É um compromisso muito grande! Recebestes alguma coisa?

- Não! Estou com muita fome. Onde vamos?


Página

- Para o Albergue de Nanã. Lá não sentirás mais fome.


- Por quê?

- Porque lá existe trabalho.

- Sim, porém na Terra eu comia e não trabalhava!...

- Lepant! Esta missão é perigosa. Hoje, a tua mente está muito


pesada. Porém, tão logo te acertes, tudo estará bem. Vais Ter prazer
em viver aqui, fazendo a caridade. Saibas que as imperfeições da vida
não se corrigem através da meditação, porque a alma não entra em
atividade normal aqui, neste terceiro plano onde nos encontramos.
Salve Deus! Vamos continuar a nossa jornada.

De repente, chegamos a um lindo albergue. Bateram palmas


com nossa chegada. Foi emocionante! Muitas pessoas comentavam
assuntos diversos e eu, sem sentir, comecei a participar, como se esti-
vesse há muito tempo naquele ambiente. As horas alegres e as horas
tristes terminavam de uma maneira que me deixava realizado. Voltei
para o albergue de Matozinho, onde já estava familiarizado. Estava sen-
tado em uma pracinha quando ouvi terrível algazarra e, em seguida, um
estrondo. Só restou Germano, que veio falar comigo:

- Salve Deus, Lepant! Vim me despedir de ti. Vou para a Terra.

- Para a Terra? – perguntei Como?

- Desde que a Terra libertou o Homem-Pássaro nunca mais evo-


luiu. O Homem-Pássaro veio logo depois dos Equitumans. Ele vieram na
força daquela era. Dizem que se transportavam de um lado a outro e
451

foram estes homens que se afastaram de Deus, deixando a vibração da


Terra na pior sintonia. Ah! Se não fossem aqueles homens, a Terra esta-
Página

ria melhor...
- Não estou entendendo muito bem esta sua narração. Por aca-
so não estás com algum cobrador a te vibrar? Sim, se vais para a Terra...

- Não, Lepant, não! Vou para a Terra, porém as vibrações não


estão me atingindo. Estou falando dos Homens-Pássaros porque eu fui
um deles – e tu também! Por que fostes tão egoísta quanto estivestes
por lá?

- Eu? Não me lembro de nada, de nada mesmo!...

- Vamos para a Terra. Aproveita, pois tempos vão chegar em que


tais oportunidades irão ficar muito escassas.

- Não tenho coragem! Não, enquanto não me esquecer da jo-


vem Inara.

- Só esquecemos quando pagamos nossos débitos.

- Ó, meu Deus! Sou, realmente, um preguiçoso. Fico de um lado


para outro, sem me preocupar. Depois, como irei escapar? – pensei.

Com esses pensamentos, nos despedimos. Era 30 de outubro, e


eu me levantei com mil pensamentos quando ouvi os aplausos de todo
o povo reunido, alegre, sem saber o que me vinha na alma. Mais atôni-
ta, mais desequilibrada, me mantive sem demonstrar o que sabia do
futuro daquela gente.
452
Página
Página 453
CICLO 5 (CENTÚRIA)
56) Angélica e Jerônimo Pág. 456
57) Célia e Antonê Pág. 460
58) Um Despacho na Estrela Candente Pág. 467
59) Um Lugar Chamado Ponta Negra Pág. 471
60) O Guardião do Templo do Sol Pág. 475
61) O Velho Serrano Pág. 478
62) A Rainha de Sabá Pág. 482
63) Minhas Palestras com Umahã Pág. 485
64) O Pequeno Drama de uma Vida Pág. 488
65) Minha Infância, Minha Vida Pág. 494
66) Os Discípulos que se tornam Mestres Pág. 499
67) Sonhei com Tia Neiva Pág. 502
68) A História do Doutrinador Pág. 505
69) A Lição do Livre Arbítrio Pág. 515
70) O Rapaz da Cadeira de Rodas Pág. 518
71) A Troca de Continente Pág. 522
72) A Primeira Cura do Suriê Pág. 525
73) Assombração em Minha Casa Pág. 528
74) A Civilização dos Mayas e Yucatãs Pág. 531

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Boa Leitura!
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“Nosso coração só se cura pelo conhecimento.”
455
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ANGÉLICA E JERÔNIMO

Salve Deus! Meu filho Jaguar,

Vamos hoje, individualizar nossa posição na Terra, esclarecendo-


nos de tudo que nos faz sofrer. Esta minha mensagem precisa ser ouvi-
da na individualidade, sem o turbilhão da tarefa de cada dia, porque a
paisagem que nos cerca muitas vezes nos envolve desperdiçando ener-
gia, pois o espírito na Terra está sempre indeciso, entre as solicitações
de duas potências: Sentimento e a Razão

Para terminar este conflito é preciso que a luz se faça em nós.


Sabemos que a alma revela-se por seu pensamento e também pelos
seus atos; porém nem por isto devemos nos escravizar.

Jesus! nos coloca como discípulos ao alcance dos Mestres

Veja filho, já estava começando a clarear na Terra e eu me en-


chia de cuidados, pelo meu corpo que ainda estava na cama. Então, ia
me despedindo de Amanto, quando Pai Joaquim das Almas me cha-
mou, dizendo que eu ainda teria muito a ver. Realmente, tive a maior
surpresa;

Seguindo Pai Joaquim das Almas, cheguei a pequena mansão, e


fiquei observando um belo casal, já vestidos de uniforme, me viram de
longe e exclamaram de uma só vez em harmonia comigo: Salve Deus!
Tia Neiva, vamos à mansão? Sim! Completamente desconhecida para
mim, uma linda moça tocava um harmônio, vestida num longo vestido
456

rosa, marcando 1930. Com a minha chegada, virou-se para mim como
se me conhecesse, fui pronunciar o nome do médium, Pai Joaquim não
deixou. Então eu me obstinei em dizer, somente, mora aqui?
Página
Oh! Tia Neiva, eu e Angélica estamos completando o nosso
tempo e completou… eu a senhora já sabe, minha vida como é, cada dia
se torna mais difícil. Já pensei, entendendo, porque a gente se conforta
tão facilmente nestes tristes carreiros terrestres, sim minha filha.

Angélica e Jerônimo são como se chama este, seu filho “mé-


dium”, se amam muito, porém estão sentenciados por um crime come-
tido no Império de D. Pedro. Imaginei Jerônimo com 50 anos, uma famí-
lia desastrosa, meu Deus! Se soubesse não queixava tanto. É, comple-
tou Pai Joaquim, justamente a família que ele desajustou nas imedia-
ções do Angical. Perguntei pelo casal que encontramos de uniforme.
Me respondeu que todos nós temos um amor, um grande amor na nos-
sa vida, que diz ser a alma gêmea e na totalidade estão separados, rea-
justando o que desajustaram, por amor, pela benção de Deus, se en-
contram e se fortalecem. Triste é quando uma está presa no umbral e a
outra na Terra não tem direito de se encontrarem. A angústia e a sau-
dade nos devoram a alma. Senti uma tristeza como se aquela despedida
fosse eterna. Lembrei-me de Jerônimo me pedindo a benção do amor
de Mãe Tildes, em ficar conosco se afastando até mesmo de Pai João.

Levantei o meu espírito me lembrando da nossa grande missão.

Fui encontrar Amanto e um novo mundo se descortinou, Salve


Deus!

Na Terra o Sol magnífico outra visão, sentei na mesa para almo-


çar quando entrou Jerônimo, que mora aqui em Planaltina: Oh! Tia! A
senhora fez o meu trabalho? Sabe, tudo mudou, amanheci com tanta
457

coragem, deixei a mulher falando e nem me importei.


Página

Deus lhe pague, não fiz nada recebi apenas uma lição. Sorrimos
como se ele estivesse consciente.
Jerônimo equilibrou o seu Sol Interior. Quando estamos em paz
com a gente mesmo, nada nos atinge. Vamos meus filhos, equilibrar os
três reinos de nossa natureza, e pagarmos com amor o que destruímos
por não saber amar. Jesus que tem os meus olhos pela verdade de vos-
so amor.

458
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“O espírito que soube escolher sua mãe material tem mais condições,
mais facilidade de se evoluir, porque toda evolução é amor!”
459
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CÉLIA E ANTONÊ

Salve Deus! Meu filho Jaguar,

Esta carta tem um sentido mais profundo de amor, porque tudo


começou da maneira mais original que já senti, vi, e ouvi, em toda mi-
nha vida. Deus fez o homem para viver cem anos neste mundo, e ser
feliz no livre arbítrio onde ninguém é de ninguém; na liberdade total da
alma que aspira nas afinidades do sentimentalismo, onde o Sol e a Lua,
a Chuva e o Vento, tão distintamente controlados afetam.

Assumimos o compromisso de uma encarnação, e juntos parti-


mos, não só pelas dívidas em reajuste, como também pelos prazeres
que este planeta nos oferece. Sim, estando no espaço, devendo na Ter-
ra, nos sentimos desolados e inseguros, porque estamos ligados pelas
vibrações contraídas. E neste exemplo Jesus nos afirma, que só reajus-
tamos por amor.

Tudo começou assim:

Viajava para uma estação de águas, e na velocidade do carro,


uma linda mulher marcando mais ou menos dois anos de desencarna-
da, emparelhou do meu lado e como se estivéssemos parados começou
a contar a sua vida que muito me impressionou pela maneira natural.

Morava na cidadezinha por onde passara, e que amava perdi-


damente o seu esposo Antonê, era como se chamava. Porém, perdi a
segurança e comecei a sofrer e fazê-lo sofrer, Me inimizei com toda a
460

família. Passei a viver num suspense terrível; Se saíamos para uma festa
e ele estivesse alegre e feliz, eu começava a me torturar e acabava por
manifestar qualquer mal, contanto que ele se sentisse infeliz e, estando
Página

triste eu começava também as minhas suspeitas.


Olha como martirizei a vida do meu pobre Antonê; Sim, e de to-
da sua família. Não tive filhos, porque filhos me separariam, não me
dariam tempo de correr atrás do meu marido. Pensava nos conselhos
de minha sogra, conselhos tão queridos que me davam mais suspeitas,
até que rompi com toda a família.

Então Antonê começou a mentir-me. Um dia o vi conversando


com uma moça que havia sido sua namorada; Fiz um escândalo terrível.
Porém, desta vez ele permaneceu numa atitude afirmativa, e eu tive
medo. Depois ele me disse em tom firme:

- De hoje em diante irei todos os dias na casa de minha pobre


mãezinha que você destruiu.

- Você não me impedirá!

Sim, foi como se o mundo tivesse acabado para mim, parecia


um outro homem. A sua personalidade que eu não conhecia. Desde
então fui perdendo o controle e agora sentia imenso o que havia perdi-
do. Toda minha arrogância, sem recursos para lutar, pois só temos for-
ças quando estamos na lei de auxílio amando ou por missão, porém,
não como eu, odiando! Comecei a sentir saudades do que havia perdi-
do, chegava perto dele e apesar de sua tristeza, ele sempre me corres-
pondia.

Pensei ter um filho, pois era o seu ideal. Fomos ao médico; Este,
um velho conhecido, disse com a intimidade que tínhamos, que um
filho não encomendamos quando queremos, e disse mais, que pela
461

minha expansão, falta de controle, eu havia me descontrolado e preci-


sava de tratamento e religião. Saí de lá pensando: Como recuperar o
Página

que estava perdido? Propus pedir perdão à minha sogra, porém ele me
advertiu que minhas cunhadas ainda estavam sentidas demais comigo.
Não deveria então chegar até lá.

Fiquei isolada, porém ele sempre meigo, cavalheiro comigo. Ele


realmente me amava. Tínhamos uma fazenda perto dali e todos os dias
ia trabalhar sem a minha vigilância. Dois anos que eu havia me mode-
rado, Antonê veio me pedir uma assinatura para vender uma fazenda.

- Fazenda? - Eu não a conheço, como você comprou? Sem me


dizer nada, quem mora lá? Quem são as pessoas?

- Meu Deus! Não há ninguém, afirmava ele!

- Vou lá antes de você vender!

- Não! Chega disse ele; Não suporto mais e, quer saber? Não
quero mais sua assinatura! e foi saindo.

Antenor o nosso vaqueiro, contou tudo que estava se passando:

- Emília a professora e ex-namorada do meu marido, estava le-


cionando numa fazenda vizinha e disse mais: Ela não é amante dele,
eles apenas se queixam de suas infelicidades.

- Porque D. Célia, se referindo a mim, o Senhor Antonê, eu já o


vi sair daqui chorando, muitas vezes dizendo:

- Se eu não amasse tanto Célia, eu um dia saía daqui e não volta-


ria mais.
462

- Chega, gritei! Não quero mais ouvir!

Antenor foi embora. Eu saí correndo até a casa da minha sogra,


Página

porém Deus não deixou que eu a fizesse sofrer mais. Uma camioneta
me atropelou. Me levaram para o hospital onde vim a morrer. Não fala-
va porém via todos: Minha sogra, meu marido e algumas cunhadas.
Meu marido chorava com resignação; O padre veio, e me deu a extre-
ma-unção. Foi só o que me lembrei.

E por muitos anos comecei a vagar, sempre me lembrando das


palavras da extrema-unção:

Ressuscitar os mortos!

Então tinha medo de me afastar do cemitério e perder a opor-


tunidade. Não me encontrei com nem um morto que fosse meu conhe-
cido, apenas um ÍNDIO insistindo para que eu deixasse meu marido;
Enfim, que eu abandonasse o meu mundo; Aquela cidade onde era tu-
do para mim, onde eu ainda tinha esperanças.

Todos os dias pela madrugada, um silvo muito grande nos des-


pertava e eu ficava na expectativa da ressurreição, e como seria se eu
não conhecia nada que pudesse acreditar. Porém a minha mente já
estava tão habituada a crer nas minhas calúnias, naturalmente, foi o
fenômeno habitual. Este silvo vinha de um lindo homem vestido como
um romano CENTURIÃO, acompanhado de uma linda mulher romana;
Diziam coisas lindas, levavam pessoas junto com eles, porém somente
eu não me convencia.

Um dia chegou um enterro, Pensei, Quem será? Sete dias depois


do enterro chegou Lazinha, uma mulher que se havia perdido, e sempre
estava presente. Nós nos vimos e eu quis fugir como sempre, Ela então
463

me enfrentou:
Página
- Célia aqui também? Este é o mundo que não pode existir orgu-
lho, e com o mesmo cinismo me desafiava com o olhar e novamente
começou a contar o que havia sucedido:

- Antonê viajou, Inácio seu cunhado quase matou “Zeca”, o cho-


fer da camioneta que te matou. Depois “rematando”:

- Sabe, eu vou embora daqui sim... uma coisa muito falada na


cidade:

- Ninguém veio no seu enterro.

- Sim, pensei, no entanto no seu, Lazinha, foi tanta gente!

- Há! disse: Graças à Deus nunca “infernei” a vida de ninguém,


nem nunca levantei calúnia de ninguém nem mesmo condenei Fulgên-
cio que me desonrou. Meus pais me botaram para fora da fazenda, So-
fri, porém não condenei ninguém. Hoje todos estão arrependidos e eu
saí bem com todos, e agora vou-me embora.

- Para onde? nisto um ÍNDIO que se dizia chamar TUCURUÍ foi


levando-a pela mão.

Comecei a gritar:

- Ressurreição! Ressurreição! espero a ressurreição...

- Não há ressurreição... Não é para uma cínica como eu Oh! meu


Deus, como pude viver acusando e caluniando as pessoas. O que fiz?...
464

Nisto vi ao longe, lá na minha sepultura, Emília e Antonê ajoe-


lhados, colocando uma rosa vermelha na sepultura, dizendo algumas
Página

palavras. Fiquei onde estava e pela primeira vez senti aliviada. Emília
que tanto caluniei... Logo que saíram corri para lá e abracei a minha
rosa, a última esperança na Terra. Pedindo à Deus por Emília e Antonê.
Nada me levaria à ressurreição. Esta rosa é minha última esperança de
um perdão. Se Emília me perdoa todo mundo me perdoará! Fiquei ali
extasiada, não sei por quanto tempo, até que TUCURUÍ, o mesmo ÍN-
DIO que levou Lazinha, me entregou à senhora, Tia Neiva!

Meus filhos, eu então lembrei-me do que ensino:

A MINHA MISSÃO É O MEU SACERDÓCIO

Mesmo naquela viagem de estação de águas eu era a mesma


sacerdotisa dos Templos. Encaminhei-a com amor e com o mesmo a-
mor vos entreguei meus olhos, que somente Jesus é testemunha se por
vaidade eu me afastar um dia.

465
Página
“Há uma lei imutável, que nos cobra ceitil por ceitil!”

466
Página
UM DESPACHO NA ESTRELA CANDENTE

Uma das primeiras missões que recebi no Vale foi o comando da


Estrela Candente, ainda em um tempo em que a luz para a 3ª Consa-
gração era à base de lampião a gás, e para completar o grupo mínimo
de quatorze pares era necessário ir de porta em porta procurando mé-
diuns de boa vontade para participar.

Era agosto de 1976... Naquela manhã despertara “inexplicavel-


mente” mais cedo que o normal. Sete e meia da “madrugada” (no Vale,
na época de Tia, este horário, em função dos famosos “corujões”, era
muito cedo mesmo!), já estava eu a caminho da Casa Grande para bus-
car a bolsa com a Lei da Estrela, recém ditada por Vovô HIndu.

Pensava em “pegar” a bolsa sozinho, e ir tranqüilo para a Estre-


la, pensar um pouco na vida.

Porém ao chegar, uma das mocinhas do Orfanato já estava no


portão e foi dizendo:

- A Tia já está na Estrela lhe esperando!

Pensei: “Vixi”... A Tia na Estrela a esta hora? Chegando lá enten-


di o motivo.

A “chefe” (como gostava de chamar a Tia) estava com as mãos


na cintura, bem no meio da Estrela com “aquele olhar”... Distante, pe-
netrante, com um silêncio profundo.
467

Imediatamente percebi o quê se passava: No piso da Estrela es-


tava uma “macumba” das grandes. Tinha de tudo! Farofa, vela, charuto,
Página

bonequinhas de vodu, tesouras, fitas, bebidas...


Tudo colocado lá dentro da Estrela!

Parei ao lado de Tia e esperava que ela se manifestasse após al-


gum tempo ainda em silêncio:

- Bálsamo! Tiãozinho está pedindo para que você tenha muito


carinho com o comando da Estrela de hoje. Também pede para que
avise que não devem usar sal e perfume na 1ª Consagração pois coloca-
ram umas “coisas” lá. Já pedi para as meninas virem limpar tudo, e de-
pois da primeira Consagração já vai estar tudo desimpregnado.

Ela falou assim... De forma firme e segura. Com uma naturalida-


de que somente a mediunidade dela poderia transmitir. Ninguém, ex-
ceto as meninas que fizeram a limpeza, ou alguma pessoa mais próxima
de Tia, ficou sabendo do ocorrido antes, ou durante as Consagrações,
que foram executadas seguindo a recomendação de Tiãozinho. Após as
três Consagrações, desceram todos para o Templo e Tia nos aguardava
junto ao Radar.

Pediu para que as Entidades nos Tronos desincorporassem, e


após todos acomodados, com os Aparás de pé, iniciou as Invocações.
Terminou pedindo a presença do Povo de Cachoeiras e das Sereias de
Yemanjá. Nesse momento ela mesma iniciou o Mantra das Ninfas.

A emoção contagiou a todos, era algo inédito aquele trabalho!

Ao terminar o Mantra, com lágrimas nos olhos e a voz embarga-


da, Tia Neiva pediu aos Médiuns de Incorporação que desincorporas-
sem. Os Aparás, também, tinham lágrimas nos olhos. Todos estavam
468

em estado de êxtase; amparados pela magia, encantos... Meu Deus,


como traduzir... !?
Página
Então pediu que todos em conjunto emitissem o Mantra Simi-
romba, e ao final, pedindo total sintonia, dirigiu três Elevações em con-
junto.

Tomada pela emoção do momento, lutando para manter a razão


face a grandiosidade que se operara, ela falou:

- Meus filhos, pelos olhos que entreguei a Jesus a bem da ver-


dade, 300 (trezentos) exus voltaram para Deus. Salve Deus, meus filhos,
graças a Deus! Após essa realização, este trabalho ganhou forma defini-
tiva e foi entregue para ser conduzido pelo Trino Arakém.

Mais um fato interessante se passou algum tempo depois, ainda


referente a esta história:

Em uma aula de Centúria, Tia Neiva e seu Mário (Trino Tumu-


chy), estavam presentes, acompanhando o Trino Arakém. Em determi-
nado momento ela contou a história dizendo que o líder da legião tinha
por objetivo destruir a Estrela. Assim, enviou todo o seu povo para lá,
mas “macaco velho” que era, ficou de fora e acabou escapando. Quan-
do deu por si que tinha perdido todos seus componentes, virou sua ira
contra o “pai de santo” que foi preparar a macumba. Contou então,
que o tal “pai de santo” só teve um jeito de escapar da terrível cobran-
ça: entrou para a Doutrina do Vale do Amanhecer.

- Meus filhos, ele agora é um de vocês! Um Centurião!

- E quem é ele Tia? – perguntou um dos Mestres Presente.


469

- Ah... De jeito nenhum! Se eu contar, vocês derretem ele na vi-


bração!
Página

Todos deram um alegre riso. Salve Deus!


“Decepcionar os outros é o mesmo que assassinar, matar as ilusões, os
sentimentos dos que acreditam em nós!”
470
Página
UM LUGAR CHAMADO PONTA NEGRA

Meu filho Jaguar, Salve Deus!

Esta cartinha é para sua individualidade, é para que se lembre


que estou aqui, sem poder sair, porém saudosa e me preocupando com
você.

Filho, estamos vivendo a moderna vida doutrinária, nos limites


de nossas forças. Sim, filho, movimento espontâneo das almas, desta
era para o III Milênio! Não se deixe confundir, filho, nem por mim nem
por ninguém. Viva onde seu coração sentir expansão, sem conflito! Não
se nivele aos aliciadores, não responda e não se exalte. Não se preocu-
pe, porque cada um prestará contas somente a Deus, que é a sua pró-
pria consciência - o que é o mesmo. Pai Joaquim sempre me pergunta:

- Como vai a sua obra orgânica?

Sim, filho, vamos procurar a sintonia com as nossas coisas mais


sagradas, sempre melhorando, e você melhorando o seu ALEDÁ. O mo-
tivo desta carta foi uma "viagem" que eu fiz.

Todas as madrugadas eu faço o seguinte juramento:

- Jesus! Arranque meus olhos no dia em que, por vaidade, eu


tentar enganar os que me cercam, quando, desesperados, me procura-
rem. Serei sábia, porque viverás em mim!

Filho! Como sabe, Deus permitiu que eu tivesse o que é meu,


471

um cantinho nas imediações dos Umbrais, no LUGAR CHAMADO PONTA


NEGRA. Eram 3 horas da madrugada, e eu ali estava, inquieta, como se
Página

alguma coisa estivesse para acontecer.


Realmente, não demorou muito e apareceu uma mulher que se
debatia com três elítrios, gritando:

- Oh! Meu Deus! De onde vieram estes bichos horríveis? Vi en-


tão quando chegou alguém, e ela, sofrida, contava sua estória. Nisso,
chegou Pai Joaquim das Almas, que me assiste em minhas viagens em
outros planos.

Pedi-lhe a bênção e que me explicasse o que se passava com


aquela mulher.

- Essa mulher - explicou-me ele - amava um homem e por ele foi


amada, no amor da afinidade das almas afins. Porém, o seu amor era
obsessivo. Ele se evoluiu, enquanto ela não aceitava as coisas que acon-
teciam. Ele encontrou o Vale do Amanhecer. Ele era um pobre homem,
sem luz mas era um JAGUAR, e ela também.

- Então, eles eram felizes e o Vale os separou? - perguntei.

- Filha, a missão é do missionário! O Jaguar não é espírito resig-


nado.

Em seu peito palpita a esperança, e ele vive a buscar, a conhecer


o alto, os sentimentos. Filha! A esperança é uma planta que revive em
nosso sol interior. Essa mulher era esposa de um Mestre Jaguar. Ama-
vam-se muito, porém o Jaguar tem seu destino traçado pela Doutrina.
Apesar do amor, ela não confiava nele, e, ainda assim, não o acompa-
nhou.
472

O pobre Amaro vivia sob o jugo de Marta e ela o caluniava, des-


truindo seus momentos felizes. Quando chegou à Doutrina, Amaro,
Página

lançou-se a ela com amor e dedicação, trocando suas tardes de acusa-


ções e cenas de ciúmes pela realização no trabalho doutrinário. O Ja-
guar do Amanhecer, lembre-se, é o trabalhador da última hora, é ho-
mem designado à condução de povos. Sua companheira é responsável,
também, pela mesma missão. Amaro, cansado das eternas acusações
de ser infiel e mau caráter, não agüentou mais: abandonou Marta, e foi
seguir sua missão. Ela, que jamais imaginara que isso aconteceria um
dia, sempre procurando motivos para o magoar, sentiu-se perdida. E
suicidou-se, deixando uma carta acusadora, tentando, nesse último
gesto, criar uma situação pior para Amaro. Ela até se esquecera que a
própria família dela o entendia e ficava ao seu lado. Tanto assim que,
naquele dia, ele não fora ao Vale e, sim, almoçava com os pais de Mar-
ta, que o adoravam. E eu que pensara que ela estava chegando! No
entanto, já estava ali há três meses...

Fiz uma prece, e formei o IABÁ.

Imediatamente, os elítrios a libertaram, voltando para Deus. Sua


passagem foi tão ligeira que nem houve tempo de recuperação. Por
que se foram tão facilmente? É tão difícil conjugar a vida em dois pla-
nos...

- Sim, filha - continuou Pai Joaquim - Olha que está chegando!

Era Enóbio, acompanhado de um índio muito bonito. Pedi a


bênção a Enóbio, que me disse ser o índio a alma gêmea de Marta. Por
que julgar? Por que tentar mudar as criaturas? Compreendi que Marta
e Amaro haviam completado o seu tempo na Terra. Como é perfeita
essa criação! Mais uma vez repito: - COMO É DIFÍCIL JULGAR OS NOS-
473

SOS SENTIMENTOS DE VIDA E MORTE!


Página
“Quanto maior for o conhecimento dentro da conduta doutrinária,
quanto mais participarem dos trabalhos no Templo, mas confiança vão
adquirindo e assim, a insegurança vai acabando.”

474
Página
O GUARDIÃO DO TEMPLO DO SOL

No grande Templo do Sol vivia o “Conselho dos Sete”.

Todos pensavam que ali se registravam os grandes mistérios. O


nosso jovem personagem, valendo-se de seus poderes de Príncipe da-
quele povo, foi com toda a sua arrogância, bater à porta do Conselhei-
ro, exigindo sua entrada e muitas explicações. Porém, o velho guardião
bateu-lhe a porta no rosto!

Frustrado e odiando aquele povo, voltou – e foi sempre a mes-


ma coisa – até que, na sétima vez, ele teve medo de sua reação. O
guardião não lhe dava forças para reagir como ele gostaria. Sentou-se
num degrau e adormeceu. Sonhou com o guardião, que lhe dizia doce-
mente:

- Meu Príncipe, lá fora teus homens te traem! Expulsei-te para


que não morresses aqui. És arrogante demais e o teu povo quer te ma-
tar. Há poucos sábios e muitos príncipes. Só saberás o Segredo dos Sete
se tiveres a simplicidade de uma criança, a força de um leão, limpas as
tuas mãos, o amor dos justos, a humildade e a tolerância das raízes das
árvores. Então, entrarás no Conselho e visitarás o Templo Real!

O Sol se abatia sobre seu rosto suado quando abriu os olhos,


sorrindo. Ouviu a porta abrir-se, mas não teve forças para se levantar.
Vendo o guardião de pé, à sua frente, gritou:

- Oh, meu Mestre, salve os Deuses! Fostes tu!... Reconheço os


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teus olhos... Como pude ser tão insolente?

Beijando os pés do mestre, juntos choraram as lágrimas da re-


Página

denção de uma nova Doutrina!


Salve Deus!

Nestor, meu Filho Jaguar! Jubilosa intimamente por tudo que


tens me proporcionado no desenrolar de nossa missão, espero sempre,
meu Filho, que novos mundos, novos conhecimentos, sejam de bom
aproveitamento.

Hoje temos muitos jovens com você. Por isso vou narrar a linda
passagem de um jovem, culto e de grande formação espiritual. Interes-
sante... Assim, meu Filho, nada recebemos sem o devido preço. Jesus, o
nosso Guardião, nos dá a Contagem dos Sete Guardiões, por quem
dorme em sua porta.

476
Página
“Antes de culpares o teu vizinho,
por que não ser severo contigo mesmo?”
477
Página
O VELHO SERRANO

Meu Filho Jaguar, Salve Deus!

No mundo missionário dos espíritos, há sempre uma luz que


predomina, mas... há sempre um missionário que refreia os seus dotes
de bom cristão e vai penetrando nele mesmo, e em vez de puxar a sua
missão para fora fica a se promover como aquele que tem as suas su-
perstições e vive a acender velas atrás da porta...

E quando para a sua nave, porque a sua história terminou, ele


chega do outro lado, e encontra um mundo dinâmico, fica a se enver-
gonhar atrás de suas roupinhas velhas trazidas da terra.

Sim, meu filho, a vida é igual às vidas.

Não temos muito a fazer dentro da nossa individualidade, por


isso, nos encontramos todos os dias com ela, formamos os nossos so-
nhos, e nos atiramos nos grandes painéis que formam o calendário da
vida na terra. Sim, na Terra, porque a Terra só ouve os novos lamentos
quando abrimos os nossos plexos. É por isso que eu os vejo tão gran-
des, e acredito, em vocês meus filhos Jaguares e nas coisas que vocês
têm para oferecerem, e porque os ensinei a transmitirem o suficiente
em suas jornadas. Tenho que ensinar-lhes mais coisas, e muitas vezes
penso como o VELHO SERRANO:

Velho Serrano, tinha o seu castelo na subida da serra e emitia as


coisas que lhe vinham, e ouvia do céu. Contam que depois de ensinar
478

com esmero um grupo de jovens, e fazê-los missionários cristãos, expli-


cando como limpar seus caminhos e como devia caminhar um missio-
nário cristão... O fato é que chegando o dia da partida daquele grupo,
Página

um dos missionários perguntou-lhe:


- Mestre! O que devemos fazer de melhor quando sairmos da-
qui? Os dons da sabedoria, da ciência e da fé? O dom de curar enfer-
mos, as operações maravilhosas nos castelos e palácios? Discernir um
espírito? Qual a maior virtude?

Respondendo disse:

- A maior virtude... a maior virtude é a CARIDADE SOFREDORA, A


BENIGNA CARIDADE, aquela CARIDADE que o missionário faz sem levi-
andade, sem sublimação, até pelo contrário, às vezes se esquece até de
DEUS, para servir o seu semelhante. Essas são as pedras brilhantes que
vão enriquecendo o nosso pobre tesouro, em nossa LEGIÃO, A CARIDA-
DE SOFREDORA, filhos.

Terminando suas explicações, MESTRE SERRANO, batendo nas


costas de cada um, soluçando, despediu-se, e todos fizeram o mesmo
com seu mestre, e foram cumprir com sua missão, desceram prontos, e
com eles um só pensamento.

O senhor é o meu rochedo, o meu lugar forte, a minha fortale-


za... Em quem confio o meu escudo, a minha salvação, em DEUS PAI
TODO PODEROSO encontrarei o meu refúgio!

Enquanto andavam um tagarelava. Éh!, Mestre Serrano nos dis-


se que quando adquiríssemos a prática seria tempo de afiarmos nossas
ferramentas. Estamos afiados, porque não fazemos mais aquelas per-
guntas insignificantes, viu? Todo aquele acervo científico, toda luz do
nosso mestre, resultou em poucas palavras. A virtude está na caridade,
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no auxílio da caridade sofredora.

Riram!
Página
Nisso, começou uma polêmica científica, que se equiparava ao
mestre, viram o quanto eram maravilhosos os ensinamentos daquele
mestre. Ficaram tão empolgados, que quase não se aperceberam de
uma mulher chorando, sentada na estrada, tendo a sua ferida sangran-
do. Se apavoraram com aquele sangue, e de imediato ergueram as
mãos para o céu e pediram a DEUS a força do prana, e a mulher ficou
curada.

É meu filho Jaguar, cada um, procure saber o que adquiriu, con-
sigo mesmo.

Meu filho, esta é a nossa primeira aula e vou procurar deixar em


cada uma, uma passagem escrita. Cuidado, filho! Me lembro uma vez,
que ali nas imediações do I.A.P.I., curei uma mulher que também san-
grava muito e ao chegar em casa eu falava para uma porção de moto-
ristas sobre o que fizera, quando PAI JOÃO DE ENOCH chegou ao meu
ouvido e alertou.

Fia, Fia... cuidado! Estás conversando muito. Próxima de você


tem outra mulher com um problema semelhante e talvez você não pos-
sa curar. Essa não é sua especialidade. Sua especialidade ainda é a Dou-
trina e não lhe foi entregue ainda um Mestre.

Isso aconteceu em 1959. 480


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“Cuidado quando tiveres que dividir o que multiplicaste com amor!”
481
Página
A RAINHA DE SABÁ

Salve Deus! Então um dia, eu passava por esse lugar com muito
medo, achava que eu que tava bisbilhotando, mas não era não, eu era
guiada pra passar por esse lugar. E um dia eu fui mais adiante e vi uma
casinha que eu também achei igualzinha, eu vou colocar tudo pra vocês
verem.

E encontrei uma mulher muito bonita, vestida de Rainha, cheia


de contas, assim com o corpo aparecendo, uma tanga assim, tudo de
contas, brilhando, uma coroa assim atrás da cabeça, uma mulher com
os olhos lindos, lindos mesmo, e um chicote na mão. E eu fiquei espian-
do, de onde eu estava eu via o movimento dela lá dentro, é uma casa
meio redonda, é um castelinho, eu vou botar lá pra vocês verem. E ela
me chamou. Foi o primeiro contato que eu tive com um Espírito de Luz,
assim no Plano Espiritual. Porque antes era com a Senhora do Espaço,
que me mostrava os lugares, os Departamentos, mostrava de longe. E
esse dia é no Umbral e eu fui lá onde ela estava.

Uma simpatia, mas eu tive muito medo dela! É dessas pessoas


que você ta perto, e você não sabe se você ta na hora de ir, você não
sabe como que se comporta. E ela me chamou:

- Neiva, você também já foi uma Rainha!

Eu perguntei quem era e ela:

– Sabá.
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Foi a Rainha de Sabá! Eu custei a falar o nome dela porque eu


esperei que ela falasse. Era a Rainha de Sabá que estava ali!
Página
Então ela me contou: quando ela esteve na terra, ela foi um es-
pírito terrível, ela era, ela tinha uma porção de escravos que ela chama
de “Safavas Pérolas”, como Pai Jangô e outros, eram “safadores” de
pérolas. Esse é o nome que eu to dizendo, porque ela me dava.

E um dia ela viu, ela viu um filho de um escravo e se apaixonou


por ele. Ela era um espírito que nunca amou na vida, não teve amor de
mãe, de pai, de nada, foi um espírito terrível, e ela se apaixonou, e por
isso ela mandava surrar esse espírito! E ele foi um missionário que veio
pra evoluir, e então um dia, ele fazia uma materialização, fazia umas
defumações, e apareceu um espírito naquela fumaça e Sabá, que ficava
escondida assim naqueles matos, pra ficar olhando ele, os movimentos,
o que eles faziam, tudo, e viu esse espírito e se redimiu. Mas, e nesse
dia ele foi, não precisava mais dele estar na terra, né? Ele foi à procura
de Pai Jangô... de Pai Jangô não, de Pai Zambú, e morreu afogado.

Então, ela começou a trabalhar na Alta Magia. Por isso que Sabá
é um Espírito da Alta Magia. E quando ela subiu, ela pediu ao Ministro
do Umbral, que ela queria ficar ali num Departamento daquele pra aju-
dar os espíritos. E começou a tomar conta de um certo lugar e tem aju-
dado muito! Então, aquele contato meu com Sabá, ela me contou a
história, e foi a minha maior evolução. Então, eu comecei tomar gosto
pela Vida Espiritual.

E o desejo de ver o Doutrinador!"

Salve Deus!
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“Existe em cada um de nós uma voz interior que nos alerta sobre o que
devemos fazer. Quando agimos mal, essa voz interior nos repele, nos
culpa; porém, se praticamos o bem, ela nos aprova e nos torna felizes.”
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MINHAS PALESTRAS COM UMAHÃ

- Eu (Umahã) era muito jovem quando me enclausurei neste


Mosteiro, porém, antes de entrar aqui, tive grandes experiências, as
quais vivi; houve um tempo em que a Índia era o ponto principal para
as revelações, vinham de muitos longe curiosos e romeiros, magos...
videntes, viviam por aí a espreita das oportunidades de suas alucina-
ções, em uma destas aconteceu com um famoso Lorde; veio da Ingla-
terra para saber o destino de seu filho recém-nascido.

O mestre que lhe atendeu estava de saída, os seus companhei-


ros já estavam esperando na célebre porteira, da qual; cada um teria a
sua direção. O fidalgo insistia e o mestre contou sem amor o que via...
Disse que seu filho teria um mau destino e deu todo roteiro da sua vida,
dizendo: em tal tempo te acontecerá isto, em tal tempo será as-
sim...etc. e, na verdade, o fidalgo saiu dali louco, seu filho que até então
era sua alegria, passou a ser sua própria sentença, e até então, não fez
nada senão sofrer a espera dos acontecimentos de toda sua vida.

Porém, nada aconteceu, o jovem foi feliz, casou-se e nada de


mal, enquanto o fidalgo seu pai, amargurou toda sua vida. As vibrações
do fidalgo não te preciso dizer que destruiu o impensado mestre. Nin-
guém teve intenção de magoar ninguém, porém o pecado das palavras
impensadas de um mestre, ou clarividente é algo muito sério.

Veja sempre em sua frente o fidalgo, o homem que sofreu as


conseqüências do seu orgulho, porém nunca faças como o impensado
mestre, nunca participe com ninguém. Serás antes de tudo, uma psica-
485

nalista.
Página

É bem melhor que as pessoas saiam de perto de ti lhe desacredi-


tando, do que desacreditando em si mesmo.
Volte para seu corpo filha (Neiva), e vais enfrentar as feras, co-
mo dizes, porém saibas, que todas são melhores do que você, elas têm
“Ideal” como você, elas sofrem o teu incontrolável temperamento. Jul-
gam-me como se fosse uma qualquer, porque sou motorista.

Para você tudo é bom no caminho da evolução, dizendo assim


se fixou, e eu me senti já em minha casa. Salve Deus!

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“Tens tudo para fazer o bem e o mal. Se fizeres o mal te destruirás; se
fizeres o bem, crescerás como rama selvagem!”

487
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O PEQUENO DRAMA DE UMA VIDA

Meu Filho Jaguar, Salve Deus!

Era uma tarde de sábado, um dia de consultas e eu já previa


meus pacientes.

Alencar, meu secretário, já estava indócil com tantas perguntas:


"A Tia Neiva vem? O Senhor me dá uma ficha? A que horas ela vem?
Como a Tia está demorando: ..."

Chegou, então, a hora e eu me vi diante deste quadro, lembrei-


me então de Pai Seta Branca, o qual nos vem advertindo que não de-
vemos julgar, muito menos analisar os nossos irmãos quando estão
errados, ou pensamos estarem errados. Esta passagem que vou expli-
car, graças a Deus, nos mostra quão mesquinho é o nosso julgamento.

Estava na minha frente, para ser consultada, uma bela senhora


de 40 anos, recentemente viúva de um suicida. Junto com ela estavam
sua sogra, um jovem de 18 anos, um belo rapaz com um futuro prome-
tedor e uma jovenzinha leviana, porém, de bom aspecto. Vi que se tra-
tava de uma Família.

Veja o que pode fazer pela minha sogra, Tia Neiva. Vim para
consolá-la porque Lúcio se suicidou e ela está sofrendo muito. Lúcio era
filho da anciã, ela está me dando muito trabalho. vê se a faz esquecer,
qualquer coisa que me dê sossego...

- Sim, disse a anciã, a minha maior dor é saber que meu filho
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não tem salvação. Foi tão bom, e não sei como pôde fazer isto.
Página
A viúva arrematou depressa e com desprezo pelo marido:

- Deixou-nos na pior situação, enfim, traumatizou todo mundo.

- Sim, disse o rapaz, o amor que meu pai tinha por nós, Tia Nei-
va, nã0 foi fácil entender o que ele fez e nem tão pouco para mim e
minha pobre mãe viver sem ele. Foi horrível o que eu passei, no fim ele
mostrou que não gostava mesmo era da gente, Tia Neiva. Minha vó,
coitada, pensa que ele irá penar. Isto eu não acredito muito, sei que
Deus não irá deixar, porque ele era bacana mesmo, compreendia a
mim, mais do que todo mundo. Eu não estava satisfeito com as coisas
da mãe e ele sempre me dizia que o filho que não gosta da mãe, nunca
se realiza. Era bacana, mesmo, não sei como foi tão fraco.

Depois, ficamos calados, ouvindo os soluços da vozinha.

- São os restos do carma, logo a senhora estará com ele; disse eu


, com tranqüilidade e falando com carinho à pobre senhora sogra, por-
que a viúva tagarelava sem parar e sem qualquer sentimento de amor.

Como, Tia Neiva, a senhora não entende que ele se suicidou?


Deu um tiro nos miolos, e só Deus saberá onde anda meu filho, meu
pobre Lúcio. Não sei, um homem tão culto, quis ser médico e foi. Quis
seguir a mesma profissão do pai, pobre pai, pobre marido meu, que
Deus o tenha, também, em bom lugar. Era como Lúcio seu filho, um
homem bom, morreu do coração. Foi um golpe duro para mim, porém,
não tão duro como este do meu filho. Sim, Tia Neiva, o meu mal foi ter
me casado com outro. Ao meu Lúcio não dei satisfação e este atual ma-
489

rido não combinava com ele. Por causa deste infeliz, Lúcio esteve sepa-
rado de mim. Lúcio saiu de casa e só voltou quando ele foi embora.
Página

Será, Tia Neiva, que foi por isto que ele suicidou-se? Guardou, toda vi-
da, esta mágoa?
- Foi pelo atrito com Lúcio Junior? Perguntei.

- Não, respondeu a anciã, ele queria a grande herança de meu


marido, Lúcio. Lúcio, coitado, ficou decepcionado comigo. Sempre que
podia, ele falava: "O Homem nunca pode pensar nos defeitos da mãe".
Ele, porém, sempre me beijava, ria e ficava por isto mesmo. Acredito
que era só da boca para fora.

Terminado o diálogo, vi que o pobre suicida fora para evitar


desgraça pois o quadro era o pior possível, daquela gente. Somente o
jovem era o sofredor, dera o pai para se salvar.

Chamei o Tiago e recomendei um trabalho e fiquei observando


se Lúcio se manifestava ali, porém, ele não veio. Obsessor? Pensei. Fui,
então, encontrar-me com no Canal Vermelho. Aproximei-me e disse: -
Estive com sua família, seu filho, sua filha, dois filhos.

- Só tenho Fernanda e Fernando. Que pensa Fernando de mim?


A senhora sabe?

- Sei, respondi, como também sei o que o levou ao suicídio.

- Falou com ele? Perguntou-me desesperado.

- Não, tenho um juramento na Terra, que me obriga a respeitar


os sentimentos dos outros e, seria incapaz de denunciar alguém.

- Fui suicida e, no entanto, aqui ninguém me condenou por isto.

- Sim, disse eu, foi aquilo que eu aprendi - respeitar os outros.


490

- E minha mãe?
Página

- Sua mãe, Lúcio, sentiu e sente a maior dor.


- Meu Deus: Gemeu Lúcio.

- Lúcio, sua mãe opinou pelo homem que amou, quando você
partiu pela primeira vez, e a mãe não tem porque opinar, senão, pelo
seu próprio filho.

- Sim, Tia Neiva, foi horrível no dia que meu padrasto, na frente
de minha mãe, esbofeteou-me dizendo que ele ou eu ficaria naquela
casa. E minha mãe disse: "Meu filho, vou te, levar para a casa de sua
avó, a mãe de meu falecido pai". Tive uma decepção tão triste, que
nunca mais me recuperei, apesar de todo o carinho de minha avó. Mi-
nha mãe não me quis, preferiu estar ao lado do homem a quem amava.
Mesmo traumatizado e cheio de tristeza, casei-me. Minha esposa pare-
cia amar-me muito. Tivemos dois filhos maravilhosos, Fernando e Fer-
nanda. Tudo corria, aparentemente, bem. Foi, então, que entrando na
casa de Marcelo, meu maior amigo, ouvi a voz de Edna, minha esposa.
Marcelo veio ao meu encontro. Perguntei de quem era aquela voz, ele
gaguejou e disse que não era ninguém. Desci e fiquei em frente à casa,
até que saíssem, e quem saiu foi ele, a própria Edna. Fiz uma viagem,
porém, não saía da minha cabeça. Pensei tudo o que um homem traído
em seu casamento pode pensar. Ela não se modificou e Marcelo tam-
bém persistiu no erro, e eu não quis mais ver o que estava acontecen-
do. Senti coragem e tive vontade de matar os dois, porém, decepcionar
Fernando, com sua própria mãe, não era possível, e se eu morresse, ele
nunca ficaria sabendo de sua traição. Pensei comigo, se tudo está bem
para Fernando, espero aqui o que Deus quiser. Deus há de me perdoar
a minha pobre incompreensão. Tenho certeza que um dia Deus me
491

perdoará.
Página
Verdade, pensei. Fernando estava sem complexo, vivendo sua vida e
amando ainda mais sua mãe. Estávamos bem, quando ouvimos a cam-
painha de chamada.

- Está olhando para onde irei? Perguntou-me Lúcio.

- Vai para o outro lado deste canal, respondi.

Ele partiu e soube que tinha ido para reencarnar e pagar, na


carne, o seu erro de se suicidar. E qual a sua pena? Voltará com uma
forte disritmia. Perguntei, então, quem seria a sua mãe. Sua mãe será,
novamente, a mesma velhinha, porque rejeitou o direito de criá-lo, fa-
zendo assim o seu primeiro trauma, por ter preferido o homem que
amava, deixando que ele fosse para a casa de sua avó. O desequilíbrio
de uma mãe desajusta uma família.

No outro sábado, a família voltou para falar comigo e, sentados


em minha frente, tive vontade de dizer tudo, que tinha me encontrado
com Lúcio no Canal Vermelho e que era ela a única responsável pela
sua morte. Como sempre, me limito apenas em proteger, porque en-
treguei meus olhos a Jesus, para nunca escravizar ninguém com pala-
vras ou por insinuações e, muito menos, por julgamento. Fico frustrada
pensando nas palavras de Pai Seta Branca.

"Ajudar, comunicar sem participar, não dividir nem tomar parti-


do das pessoas".
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Página
“Alimentar os pobres é uma boa ação; porém, alimentar as almas é
mais nobre e útil do que alimentar os corpos. Quem quer que seja rico
pode alimentar os corpos, mas somente os que sorvem o conhecimento
espiritual de Deus podem alimentar as almas.”
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Página
MINHA INFÂNCIA, MINHA VIDA

Meus filhos jaguares,

Voltemos atrás, antes de terminarmos o esboço desta história.


Sei que não há acaso; todas as coincidências são significativas a nossa
época. Vivemos simultaneamente a era do espaço da psicologia das
profundezas e dos horóscopos; vivemos uma época de transmutação
em que as barreiras são derrubadas, e os seus reinos, que até então
eram reservados e cultivados, são violados por qualquer sinal vindo do
extra-sensorial, desde que seja para o enriquecimento dos seus conhe-
cimentos. Veremos o que podemos tirar de proveito desta minha vida
de infância. Salve Deus!

Sei que fui nascida em Sergipe numa cidade sertaneja chamada


Propriá. Assim começou a minha família. João de Medeiros Chaves e
Pedro de Medeiros Chaves, dois irmãos holandeses muito unidos, que
foram deportados de sua pátria por questões políticas. Já em alto mar,
os dois ficaram sabendo qual seria seu destino. Destemidos, combina-
ram e então largaram-se no mar. E ainda no convés, fizeram o com-
promisso de que quem cansasse primeiro ficaria, e o outro não olharia
para trás. Pedro não resistiu e afundou e João seguiu o seu destino.
Chegando na costa do Estado de Sergipe, onde formou uma enorme
família.

João de Medeiros Chaves se instalou na Fazenda Cabo Verde, lo-


calizada a alguns quilômetros de Propriá, e dominou toda aquela região
e, sendo valente e honesto, logo tornaram-no um coronel. Naquela
494

época, os escravos lhe tinham como verdadeiro amigo, sendo conside-


rado o juiz dos desamparados. João de Medeiros Chaves teve muitos
Página

filhos, dos quais Pedro, meu avô. Justamente Pedro, o nome do que
havia morrido no mar. Com a morte, seus filhos continuaram a obra.
Todos os membros da família se orgulhavam do seu valente tronco e
faziam questão de que todos nós soubéssemos desde o princípio.

Mais tarde, meu pai casou-se com a filha de Luiz Seixas (vulgo
Lulu) e foi uma luta para que meu nome não deixasse de ter “Medei-
ros”. Passei a me chamar Neiva de Medeiros Chaves, em vez de Neiva
de Seixas Chaves. Meu pai, Antônio de Medeiros Chaves, e José de Me-
deiros Chaves, resolveram partir. José de Medeiros Chaves (vulgo Juca)
viajou para Belo Horizonte, onde veio a ser presidente da Assembléia
Legislativa e meu pai ficou no Sul da Bahia, deixando Pedro de Medei-
ros Chaves, Manoel de Medeiros e Gracinha, já casada com o tio Quin-
cas. O seu primo e mais três, que, desgostosas, foram para o Convento
e se enclausuraram como irmãs Carmelitas do Verbo Divino: Zozó, Zezé
e Betina.

Enquanto o meu pai vivia com dificuldades, pois deixara toda


aquela fortuna, os outros fizeram inventário sozinhos. Ainda em vida
papai deu a sua procuração para o meu tio Pedro, que cuidava da mi-
nha avó. Por volta de 1930, meu pai foi ser administrador de três fa-
zendas de propriedade do Senhor Amorim. Lembro-me que chegamos
na famosa Fazenda Pinheiro, localizada nas proximidades de uma cida-
dezinha do Sul da Bahia, conhecida por Água Preta. O casarão da fazen-
da era uma verdadeira mansão. Lembro-me que fomos num trem elé-
trico e saltamos bem perto. Crimes, verdadeiro cangaço. Meu Deus,
dentre eles um fato importante, quando eu ainda estava nesta fazenda.
José Pinto e o Senhor Vicente, estes eram os meus amigos. Vicente era
495

o barbeiro da fazenda e Zé Pinto uma espécie de capataz. Certo dia, Zé


Pinto foi festejar São João na Fazenda Grajaú, levando nas costas um
Página

caixão de bombas, rojões e pólvora, coisas próprias dos festejos de São


João. Vi quando meu pai lhe advertiu: “ Se você cair, tudo isso irá ex-
plodir”. Todavia, Zé Pinto se foi e não sei quanto tempo depois ouviu-se
um estampido. Vi Zé Pinto despedaçado no chão, todo mutilado: Isso
deveria ser a uma distância de cinco quilômetros. Saí gritando. Meu pai
ouvira o estrondo e, desesperado, saiu correndo em busca de notícia.
Ninguém se preocupou com isso, porém, depois, quando ele foi socor-
rido, conheceram quem deu a notícia. Porém, papai me perguntou. Eu
disse o que tinha visto e ele riu muito e ficou por isso mesmo.

Depois, Zé Pinto foi num trem elétrico e não sei quanto tempo
depois retornou todo mutilado e com seu espírito forte e alegre, porém
ficou muito doente, a ponto de chegar na hora da morte. Faltava apro-
ximadamente meia hora para a morte dele, quando cheguei perto e
disse:

“Zé, seu Leonardo está dizendo que se você morrer com a perna
quebrada vão serrar a sua perna e puxar com sua mão de anjinho. Eu
ouvi ele dizer: ele morreu”. Enquanto isso, o Senhor Vicente barbeiro
foi convidado para fazer um saque em Água Preta, o distrito responsá-
vel por toda a região (de um caso a outro, porque não tenho noção do
tempo), mas o fato é que o Senhor Vicente - barbeiro me deu uma cai-
xinha com tesoura e tudo, dizendo:

“Vou te dar tudo porque não vou mais trabalhar. Vou ficar rico,
só não te dou a navalha porque é perigosa”.

Foi horrível, uma madrugada em que todo mundo acordou.


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Cesário Falcão e João Gomes, os dois chefes do Cangaço, passa-


ram com seus “cabras” na estrada, que era em frente à Casa Grande, 40
Página

cabras, quando eu ouvi papai dizendo: “Loucos, vocês fazem parte des-
te cangaço!... Sumam daqui pelo amor de Deus. Seu Chaves, pelo amor
de Neivinha”. Papai preparou uma mochila de comida e disse novamen-
te para eles sumirem dali e eles desapareceram.

No entanto, do meu quarto eu via e ouvia tudo, os dias se pas-


savam e eu estava sozinha debaixo da castanheira, como era o meu
costume, quando papai chegou e disse: “Neivinha, vá para dentro”.
Todavia, quando olhei, os dois homens estavam atracados com os seus
facões. Comecei a gritar, porém, ninguém me ouvia. Meu pai apartou a
briga e quando olhei, um já terminava, quando dizia para papai que o
Vicente barbeiro havia voltado. Ele virou-se para a mamãe e disse: “Oh
Sinhazinha, o Vicente barbeiro foi encontrado com um balaço.

Pensamos que ele havia sido salvo da volante. Foi melhor assim
do que passar aquela humilhação da maneira que vimos”. Sim, eu o vi
amarrado de costas no rabo dos cavalos.

Foi uma cena que não esquecerei jamais, eu tinha apenas cinco
anos aproximadamente.

Meu filho Lacerda, se tiveres paciência comigo, todas as noites


nós vamos escrever mais um pouquinho, viu meu filho?

Agora vou atender a umas pessoas no Templo, que estão me


esperando. Mãe Tildes está aqui me dizendo que aquelas pessoas estão
sofrendo muito e que vêm de longe... Salve Deus!"
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Página
“O Homem vivendo pelo amor da família nunca fica infeliz ou aflito por
coisas desejáveis ou indesejáveis, criadas pela mente, tornando-se um
devoto puro na sua personalidade em Deus!”
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Página
OS DISCÍPULOS QUE SE TORNAM MESTRES

Certa vez, dois grandes sábios e seguidores de Cristo partiram


em uma peregrinação. Chegaram a uma pequena cidade, onde um po-
vo cristão e feliz os acolheu com carinho. Mas grande era a necessidade
daquele povo, em que Jesus colocara, também, forças desiguais.

Os sábios mestres sentiram-se muito importantes, como tam-


bém um toque de vaidade por se verem tão úteis àquele povo. Então,
perguntaram a si mesmos:

– Curar ou doutrinar aquela gente?

Curar, induzindo-lhes ao trabalho, pois todo aquele que se eleva


no trabalho gradativamente vai recebendo sua lição, a verdadeira lição,
a lição com o amor extraído do palpitar de sua mente e de seu coração,
e não a lição da teoria, mesmo dos velhos sábios. A lição de um sábio,
ontem, pode ser hoje superada por uma magnífica manifestação de um
discípulo.

O mais velho partiu.

O outro, não resistindo à sua vaidade, ficou e foi ensinar. For-


mou sua academia, limitando aos seus conhecimentos aquele povo.

Enquanto o que partiu jogou-se às práticas, escrevendo, tradu-


zindo, acumulando tudo o que via, e não teve tempo de aproveitar sua
linguagem pois, de certa forma, era projetado e sempre superado por
tudo o que aprendia dos seus discípulos.
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Por fim, já de volta, encontra-se com o velho sábio, que recebe a


Página

mais ardente das lições:


O encontro com a caridade!

Aprender trabalhando e não ter a pretensão de saber. A dor é o


espinho no coração do homem. Após extraí-lo, desabrocham conheci-
mentos transcendentais de que nenhum mestre é capaz.

Forçar a incorporação de um médium, é “virar uma página e li-


mitar a sua lição”.

A faculdade mediúnica é força própria, individual. Cada um a


acumula à sua maneira. O médium que não dá sua própria mensagem é
um falso profeta...

A obrigação do DOUTRINADOR é encaminhar o discípulo ao Cris-


to.

500
Página
“Quando o Homem retorna aos planos espirituais, é interrogado para
prestar suas contas do tempo vivido na Terra e de suas possibilidades.”

501
Página
SONHEI COM TIA NEIVA

Salve Deus!

Muito embora minha mente analítica me persiga e tentando


contestar mina fé e me faça buscar uma explicação racional para os
fatos diferentes em minha vida, há alguns que de forma alguma podem
ser explicado a luz dessa razão estratificada e mordaz.

Coroinha por herança familiar, buscava sempre em minhas ora-


ções que Jesus me mostrasse um caminho uma religião ou ideologia
religiosa que sanasse minhas duvidas. Então de templos kardecistas,
terreiros de umbanda, igrejas evangélicas fui atender um convite de um
amigo para conhecer o Vale do Amanhecer, para uma tarefa que pro-
pus testar a incorporação da esposa dele, sai daquele trono levando em
minha alma uma filosofia cristã, somado a um amor que realmente
nunca tinha visto e ouvido.

Dali para o desenvolvimento foi muito rápido. Classificado como


médium Apará, mergulhei em um desenvolvimento que foi um teste de
paciência para um ser que acreditava somente no que era visível e pal-
pável, e chegando a nona aula, já que só as sete não me permitiu ir a
iniciação. Então perdendo a compostura, atirei um relógio contra a pa-
rede, que com seus pedaços também fora quebrada minha fé. Foi en-
tão que em meio a esse desespero uma brisa suave invadiu minha face
e uma voz quase que inaudível sugeriu-me que fizesse uma prece a Tia
Neiva. Entra razão e coração , resolvi atender e fiz a tal prece...
502
Página
Em sonho, olhando em direção a estrela de David em frente ao
templo vi uma senhora rodeada por várias pessoas, veio em minha di-
reção e perguntou me o que estava ocorrendo no que respondi:

- Vou deixar o Vale, pois não incorporo, não acredito em nada


disso!

- Ela então disse: - Sente se aqui meu Filho!

Ela fez uma chamada de Preto Velho, parecia que estava com
uma Entidade e no momento seguinte já estava com outra! E o mais
interessante que aquela Entidade estava dando comunicação.

Acordei no domingo de manhã e parti para o desenvolvimento


afirmando que o sonho teria sido algo natural e seria influenciado pela
minha necessidade...

No desenvolvimento, o instrutor tocou em meu braço e Pai Joa-


quim das cachoeiras se manifestou com uma força e dando uma comu-
nicação fluente. Disse para minha companheira que o sonho e a pre-
sença do Preto velho teria sido uma mera coincidência. Fomos convida-
dos a permanecer no templo pois Tia Neiva iria dar uma aula naquele
domingo. Sentado quase na entrada do templo quando olhei Tia Neiva
entrava da maneira que a vi em meu sonho! E parecia que estava me
procurando...

Quando me localizou, deu-me uma piscadela e continuou em di-


reção ao radar.
503

Aquela piscada foi como dissesse : Pronto meu filho, não é mais
coincidência.
Página

Me chamo Gilmar e afirmo que não há o que contestar...


“O escândalo distancia o missionário da sua missão.”

504
Página
O DOUTRINADOR

Há muitos anos, em um jantar na casa da Vó Sinharinha, a mãe


da Tia Neiva, escutei, pela primeira vez, a história de um espírito, que
foi trazido à presença de Nossa Mãe, pelos Mentores, para contar sua
história, que deveria ser recontada aos filhos de Pai Seta Branca. Eu era
um adolescente e fiquei impressionado com aquele relato. Foi muito
interessante, pois à medida que a Tia ia contando, as imagens se for-
mavam em minha mente e nunca mais as esqueci. Escutei, outras ve-
zes, a Tia Neiva contar esta história e ela sempre falava que era A HIS-
TÓRIA DO DOUTRINADOR.

Em algum lugar do Brasil, final do século 19, havia um rico fa-


zendeiro que possuía uma grande quantidade de terras e nela havia
instalado “meeiros”. Os meeiros eram famílias que recebiam um peda-
ço de terra para cultivar e, na época da colheita, davam a metade do
que produziam, para o dono das terras. Tinha um único filho, um rapaz
muito bonito, forte e inteligente, que gostava muito de andar a cavalo,
pelas terras do pai.

Uma destas famílias era formada por um casal de velhos e uma


moça, com 15 ou 16 anos, muito bonita e meiga, que ajudava seus pais
no dia-a-dia, naquela vida difícil. Um dia, ao passar pelas terras desta
família, o rapaz viu a mocinha e ficou encantado com sua beleza. Ele
achava que tudo que estivesse naquelas terras pertencia ao seu pai (e
conseqüentemente a ele), e sentiu-se no direito de levar a moça consi-
go. Colocou-a no cavalo e seguiu, tranquilamente, para a sede da fa-
505

zenda. O pai da moça, que estava na roça, ao ouvir os gritos da esposa


e da filha, saiu correndo e conseguiu alcançar o rapaz. Começaram a
Página

discutir e o velho tentou arrancar sua filha de cima do cavalo.


O rapaz desceu e começaram a lutar. Como era mais forte, ele
acabou matando o velho. Colocou a moça novamente no cavalo e con-
tinuou, como se nada houvesse acontecido.

Foi um desencarne muito violento! O espírito do velho saiu do


corpo com muito ódio, que nem completou o processo normal de desli-
gamento do corpo físico.

No processo de desencarne o espírito sai pela boca e se posicio-


na acima do corpo, a cabeça acima dos pés e os pés acima da cabeça.
Num período de + 24 horas acontece uma transferência de energias, do
corpo físico para o espírito, com exceção de uma energia, a Centelha
Divina, que fica no corpo físico e se torna o “Charme”, uma energia que
é o registro daquela encarnação. Normalmente o processo de desen-
carne começa 24 horas antes.

Após este período de transferência de energias, os Médicos do


Espaço fazem o desligamento do espírito, uma cirurgia espiritual, e o
levam para Pedra Branca, onde ficará por 7 dias. Então, chega o mo-
mento mais preciso!

O espírito “acorda” e o seu Mentor o traz para o Plano Etérico


da Terra, onde de acordo com a sua consciência e seu livre arbítrio, ele
tomará a decisão: partir junto com seu Mentor ou ficar preso à Terra,
por algum apego material ou sentimental. Este processo de desencarne
não é uma “regra” geral, pois cada caso é um caso!

No caso daquele senhor, o pai da menina, ele desencarnou com


506

tanto ódio, que se tornou um Obsessor. A mãe da moça, já velha, não


agüentou e morreu de tristeza.
Página
Após ficar algum tempo com a moça, o rapaz abandonou-a e ela
também, logo, logo, desencarnou. O tempo foi passando... O fazendeiro
morreu e o rapaz, agora um homem casado, assumiu o lugar do pai. Ele
tornou-se um homem bom, justo e amoroso com sua família, com seus
escravos e empregados. Todos gostavam dele. Morreu bem velho, dei-
tado em sua cama, com todos rezando e chorando ao seu redor. Em
toda sua vida só cometera um erro, um grande erro!

Quando despertou, nos Planos Espirituais, e tomou consciência


da sua última encarnação e, principalmente, do “estrago” que tinha
feito àquela família de agricultores, entrou em desespero. Ele pedia
muito a Deus por uma oportunidade de reencarnar, para reparar o
grande mal que causara àqueles seus irmãos. Queria voltar à Terra e ter
uma vida de muito sofrimento. Seria cego, leproso e pediria esmolas
por toda sua vida. Só assim ele achava que pagaria pelo seu erro. Como
tinha “bônus” suficiente para reencarnar, depois de algum tempo, foi
chamado à presença dos Mestres, responsáveis pelo reencarne dos
espíritos na Terra. Eles disseram que para ele reparar o mal que causara
não precisaria ser cego, leproso e mendigo. Voltaria à Terra com uma
Missão e dentro desta jornada teria a grande oportunidade do reajuste
cármico. Iria reencarnar, novamente no Brasil, em Minas Gerais, numa
cidade chamada Alfenas. Sua missão: ser um Doutrinador!

Quando um espírito recebe, de Deus, uma oportunidade de re-


encarnar é feito um planejamento cármico, que envolve todos que, de
uma forma direta ou indireta, podem se beneficiar daquela encarnação.
Ele escolhe os seus pais e faz, junto com seu Mentor, um compromisso
507

espiritual de realizar o principal objetivo de sua volta à Terra: a sua evo-


lução espiritual e a daqueles pelos quais se responsabilizou. Pode ser
Página

uma vida onde o foco será apenas na sua própria evolução ou pode
assumir uma Missão, onde também deverá ajudar outros seres a evolu-
ir. Tudo ocorre sob a Benção de Deus e respeito ao Livre Arbítrio de
cada Ser. Após tudo estabelecido, começa a preparação para uma nova
existência terrena. O espírito é levado para o Sono Cultural, onde pas-
sará por um processo de “esquecimento” de suas vidas transcenden-
tais, a sua nova personalidade será “moldada”, de acordo com a sua
trajetória, e por fim, assumirá a forma de um feto.

Se houver o compromisso com algum “elítrio”, estes espíritos


serão encaminhados para uma “estufa”, onde serão preparados para
esta reencarnação. Mais ou menos no 3° Mês de gestação, os Médicos
do Espaço fazem a ligação do espírito ao corpo físico em formação, a-
través da Centelha Divina, que vem de Deus Pai Todo Poderoso, que
solda o espírito ao corpo físico e no desencarne se torna o “Charme”.

Nossa Mãe Clarividente dizia que se tivéssemos a consciência do


que significa a oportunidade de reencarnar, daríamos mais importância
à Vida. Seríamos felizes apenas por estarmos aqui na Terra.

A história continua, agora em Alfenas, início do século 20, onde


um casal de pobres agricultores luta com muita dificuldade, para ter o
pão de cada dia. Eles têm um único filho, um rapaz franzino, que além
de ajudar na pequena roça, se esforçava muito para estudar. Este rapaz
era a reencarnação do filho do rico fazendeiro...

Certo dia, indo para Alfenas vender alguns produtos, a carroça


que levava esta pequena família, caiu em uma ribanceira e apenas o
garoto sobreviveu. Sozinho, machucado, caminhou até chegar em uma
508

casa, na periferia da cidade, onde foi recolhido por um senhor, que ti-
nha um Centro Espírita. Ao tomar conhecimento da tragédia, o bondo-
Página

so homem assumiu a criação daquele órfão. Ele continuou seus estudos


e também ajudava o “seu pai” nas atividades mediúnicas do Centro.
Aprendeu muito rápido e logo seu pai percebeu que ele era portador de
uma energia muito especial, uma força desobsessiva, e os casos mais
difíceis ele já resolvia sozinho. Havia uma mocinha que freqüentava o
Centro e era apaixonada pelo rapaz, mas ele não dava muita bola para
ela. A vida deste jovem transcorria de uma forma muito tranqüila. Ele
se formou e como queria ser professor foi fazer um curso de especiali-
zação, no Rio de Janeiro. No Rio de Janeiro ele conheceu uma moça, da
alta sociedade, e se apaixonaram.

Ao terminar o curso eles se casaram e voltaram para Alfenas.


Quando chegaram ao Centro, a moça ficou muito chocada, pois o rapaz
nunca lhe contara sobre o seu pai e nem sobre o trabalho mediúnico
que eles faziam, sabedor do pavor que ela tinha de Espiritismo. Então
ela, muito magoada, falou que ele tinha que escolher: ou ela ou o Cen-
tro!

O rapaz ficou desesperado, pois gostava muito da sua esposa. E


decidiu! Foi falar com seu pai que não iria mais ficar no Centro, que já
tinha dedicado toda sua vida aos trabalhos mediúnicos e que agora iria
cuidar da sua vida, da sua família e da sua profissão.

O velho, que tinha sua vidência, já o havia alertado sobre uma


grande dívida espiritual, um cobrador que ele tinha e que um dia, com
o seu trabalho, libertaria este obsessor e saldaria sua dívida transcen-
dental. Mais uma vez, tentou conscientizá-lo do seu compromisso, mas
foi em vão. O rapaz estava decidido!
509

Com algumas economias e com uma parte do dote da esposa


ele comprou um terreno, no alto de um morro, e construíram um boni-
Página

to bangalô. Este morro era cortado por uma linha de trem e o lugar era
muito bonito. A casa era simples, mas bem arrumada. Tinha uma bela
varanda e na sala havia uma lareira, onde o professor gostava de ficar
lendo. Lecionava na escola de Alfenas e todos gostavam muito dele.

Mas, o momento do reajuste se aproximava...

Nos arredores de Alfenas, havia uma moça muito simples, com


seus 16 anos e que, de repente, enlouqueceu!

Sua mãe, uma senhora viúva, já não sabia mais o que fazer. Ti-
nha levado-a a médicos, benzedeiras, à Igreja, e nada, ninguém conse-
guia resolver o problema da jovem. A loucura continuava e piorava a
cada dia. Já estavam amarrando a moça, para que não se machucasse e
não machucasse ninguém. Então, alguém falou para levar a menina
num Centro Espírita, que ficava na periferia da cidade, onde tinha um
moço que curava “essas coisas”. E a mãe, no desespero, levou a menina
até lá. Quando chegaram ao Centro e o velho viu o “quadro espiritual”,
falou que nada podia fazer. Que quem poderia resolver aquela situação
era o seu filho, mas ele não trabalhava mais ali. A mãe implorou para
que o velho atendesse sua filha, mas ele realmente não podia fazer
nada.

Aquela menina era a mocinha, que tinha sido raptada pelo filho
do fazendeiro, a viúva era a velhinha, mais uma vez como mãe da me-
nina, e o velho pai era o obsessor, o espírito que fora trazido para aque-
le reajuste, para saldar a dívida, o compromisso espiritual do rapaz.

Então, por consciência e compaixão, o velho espírita deu o en-


510

dereço do filho, para aquela mãe desesperada. Ela pegou a filha e co-
meçou a subir o morro. À medida que se aproximavam da casa, a meni-
Página

na ficava mais agitada e mais violenta. Estava anoitecendo e o profes-


sor lia, junto à lareira, quando num barulho ensurdecedor, a porta foi
derrubada pela menina, que havia se soltado das amarras e entrou ur-
rando de ódio.

Os espíritos reconhecem seus “inimigos” por um “cheiro”, uma


energia específica, uma emanação que é individual a cada ser, como as
impressões digitais, um “DNA Espiritual”.

Foi um impacto de frio e de medo. Mas, bastaram alguns instan-


tes, para que o professor tomasse consciência do que estava aconte-
cendo. Lembrou-se do que seu velho pai lhe falava e sentiu que havia
chegado a hora de resgatar as suas vítimas do passado. Como se pudes-
se ler seus pensamentos, a menina deu meia volta e saiu correndo da
casa, em direção ao precipício.

Ele saiu correndo atrás, tentando falar com ela. A mãe, também,
correu para lá. A menina parou na borda do precipício. Lá embaixo, um
lanterneiro, da estação de trem, observava tudo. O professor foi se a-
proximando, devagar, tentando “doutrinar” aquele espírito. Quando
estava quase tocando o braço da moça, o obsessor a jogou no vazio, na
escuridão. Neste momento, o professor chegou a “escutar a risada” do
velho cobrador.

A mãe, ao ver sua filha cair para a morte, começou a gritar:

- Assassino! Assassino! Você matou minha filha!

Então, o funcionário da estrada de ferro correu até a cidade e


chamou a polícia. De onde estava, parecia que o professor tinha empur-
rado a menina. Quando a polícia chegou e encontrou a mãe, que não
511

parava de acusar o professor, teve que prendê-lo.


Página
Foi julgado e, pelas declarações da mãe e do lanterneiro, foi
condenado. Saiu do Tribunal direto para a prisão.

Estava feita a “justiça”, o reajuste cármico, o resgate de uma


família que havia sido destruída em outra vida, por um gesto impensa-
do, por um impulso, um desatino. Lei de Causa e Efeito!

Sua jovem esposa o abandonou e voltou para o Rio de Janeiro,


para casa de seus pais.

Ele definhava, dia após dia, e apenas seu velho pai e aquela jo-
vem do Centro, que muito o amava, o visitavam na prisão. O tempo foi
passando e a jovem moça precisava também seguir o seu caminho. As
visitas foram se tornando raras e suas esperanças também. Ele pensava
muito na sua incompreensão e pedia a Deus a oportunidade de sair
dali, para continuar com a sua missão, no Centro, junto com seu velho
pai.

Sua saúde estava abalada: o impacto da rajada de vento frio, do


“reencontro”, à beira da lareira (aliada a pesada energia espiritual do
cobrador), afetou a sua visão e estava ficando quase cego. As condições
de higiene daquela masmorra e a falta de sol estavam causando feridas,
por todo seu corpo. Como não tinha um corpo físico forte, parecia que
não teria muito tempo de vida.

Alguns anos depois, a mãe da moça, no leito de morte, pediu


para chamar o padre e confessou que o rapaz era inocente e que ela o
tinha acusado por não ter suportado a morte da filha, que tanto amava.
512

Pediu que o padre jurasse que o tiraria da prisão, pois só assim


ela morreria em paz.
Página
Então, como se Deus tivesse escutado sua preces, o professor
foi inocentado e saiu da prisão. Foi direto para o Centro e ao chegar lá,
falou para seu velho pai que estava de volta para trabalhar e ajudar as
pessoas.

O velhinho, que estava terminando seu tempo na Terra, olhou


para o filho querido e falou:

- Meu filho, agora é tarde! Quem vai querer se tratar com você?
Mesmo que tenha sido inocentado, sempre haverá uma certa desconfi-
ança sobre você. E seu corpo, quem vai querer se tratar com alguém
cheio de feridas? Como pode um cego guiar outro cego? Não, meu fi-
lho, agora é tarde!

Apesar da dor que sentia, o professor sabia que seu pai tinha ra-
zão.

Pouco tempo depois, o velho partiu!

Como não tinha mais condições de continuar no Centro, o pro-


fessor terminou seus dias de vida, andando pelas ruas de Alfenas, CE-
GO, CHEIO DE FERIDAS e MENDIGANDO.

Quando desencarnou e tomou consciência desta encarnação,


este espírito foi tomado por uma grande frustração. Tinha, mais uma
vez, desperdiçado uma oportunidade de evolução. Recebeu toda pre-
paração e proteção para cumprir sua missão e se reajustar com seu
cobrador.
513

Até uma benção especial ele recebeu. Lembram daquela moci-


nha do Centro, que ele não dava muita bola? Era a sua Alma Gêmea
Página

que estava na Terra, para ajudá-lo. Salve Deus!


“O Homem, quando descobre sua força, usa-a desatinadamente; po-
rém, passando a conhecê-la, torna-se prudente e preciso.”
514
Página
A LIÇÃO DO LIVRE ARBÍTRIO

Um Jaguar chega para Tia Neiva e pergunta-lhe...

- TIA! POSSO FAZER ISSO?

Prontamente a mãezona responde...

- PODE MEU FILHO.

Aquele Jaguar deixando o recinto satisfeito por ter ouvido o que


desejava ouvir e com ar de dono da razão parte para o feito, mas acaba
tudo dando errado pelo seu ponto de vista e não tardou seu retorno à
Casa Grande com “bufadas furiosas” a fim de interpelar o porquê de
aquele ocorrido visto ter ele partido com o PODE DA TIA, com O PODER
DE FAZER!

- TIA SALVE DEUS! A SENHORA NÃO ME DISSE QUE PODIA FA-


ZER?

Prontamente a mãezona respondeu...

SIM MEU FILHO! SE TIVESSE ME PERGUNTADO SE DEVIA, TERIA


DITO QUE NÃO.

A moral desta história ocorrida com Tia Neiva e um Jaguar anô-


nimo nos serve para aprender que tudo nesta vida podemos, mas nem
tudo devemos, nem tudo nos convém fazer, restando no ápice deste
entendimento uma fração da verdadeira LEI DO LIVRE ARBÍTRIO.
515

No fim de cada lição, das incontáveis que ELA nos deixou como
mapa para uma jornada segura neste TERCEIRO SÉTIMO, ela gostava de
Página

dizer: ENTENDEU?
Assim PODEMOS dizer para todos que ENTENDEMOS, mas de fa-
to se houve ENTENDIMENTO não haveremos de FAZER o que não se
DEVE, Salve Deus!

516
Página
“A caminho de nossa evolução, e como se não bastassem os nossos
carmas, sempre estamos a nos servir dos exemplos alheios.”
517
Página
O RAPAZ DA CADEIRA DE RODAS

Salve Deus!

Templo do Amanhecer, quarta-feira de Trabalho Oficial; já é noi-


te e os atendimentos transcorrem em sua normalidade. Tia Neiva, aten-
ta, está em consulta no seu “curralzinho”, situado atrás da imagem de
Jesus - O Caminheiro.

Em meio aos muitos médiuns e clientes “pacientes”, no contí-


nuo vai e vêm, destaca-se um senhor de meia idade empurrando uma
cadeira de rodas, cujo ocupante é um bonito rapaz, ambos vestidos de
maneira sóbria e elegante. Com a prioridade natural são encaminhados
para os Tronos Vermelhos e alguns minutos depois são liberados pela
Entidade, SEM RECOMENDAÇÕES para passarem em qualquer outro
ritual.

Reassumindo o controle da cadeira, o senhor se dispôs em dire-


ção à saída do Templo quando foram interpelados, condutor e cadei-
rante por um Doutrinador e um Apará, que tendo sido atraídos pela
vistosa condição dos dois, e penalizados pela situação do charmoso
rapaz, não concordaram com a ideia de que passassem somente num
Trono e fossem liberados, afinal, com tantos outros trabalhos maravi-
lhosos... e orientaram a que passassem também, na CURA e depois na
JUNÇÃO, etc.

Assim que passaram na frente do RADAR, em direção à CURA,


foram alcançados pela CLARIVIDENTE, que chegando a passos apressa-
518

dos e com muito carinho, conseguiu desviar suas mentes do objetivo


induzido e, dali retornando os dois em direção à saída do Templo, tran-
Página

qüilizados e totalmente liberados, inclusive do compromisso de terem


que voltar outras vezes.
Após o encerramento dos trabalhos, era comum vários mestres
e ninfas do convívio se dirigirem à Casa Grande para um pequeno lan-
che, e principalmente à espreita dos conhecimentos que inevitavelmen-
te eram emitidos por TIA NEIVA. Lá pelas tantas, Neiva com o rosto de-
notando preocupação, chamou a atenção dos presentes, e sob a luz dos
olhos que brilhavam testemunhando sua faculdades mediúnicas, nar-
rou a lição extraída do episódio DO RAPAZ DA CADEIRA DE RODAS:

O jovem ainda estava encarnado, vivendo os momentos finais


do seu reajuste com um ELÍTRIO, já conseguindo se libertar do ódio.
Com a libertação desse ELÍTRIO, o jovem não tinha mais finalidade na
Terra e ambos voltar-se-iam para DEUS. O processo estava ocorrendo
naturalmente e não poderia haver interferência. Quando o jovem deu
seu nome e idade, a Entidade ao visualizar o quadro espiritual, manipu-
lou a energia necessária para situar melhor o espírito e imediatamente
o liberou, buscando preservá-los de qualquer precipitação...

Tudo ia bem até que o casal de médiuns - DOUTRINADOR e A-


PARÁ, aparecessem com sua piedade inconsciente. Atenta aos aconte-
cimentos, MÃE CALAÇA imediatamente projetou-se á Clarividente, des-
crevendo os riscos, ao que a Missionária prontamente atendeu buscan-
do a reparação.

A FORÇA MAGNÉTICA manipulada na CURA e particularmente


na JUNÇÃO, PRINCIPALMENTE NA JUNÇÃO DEVIDO SUA FINALIDADE,
poderia precipitar a retirada do ELÍTRIO, que sem concluir a libertação
íntima que já se processava de maneira natural, poderia reverter, des-
519

perdiçando a sofrida encarnação do jovem e o objetivo que unia perse-


guidor e perseguido, cobrador e cobrado.
Página
Não é preciso dizer que a participação do DOUTRINADOR e do
APARÁ, com a fé sem razão, repito...

COM A FÉ SEM RAZÃO!

...proporcionaria contrair um débito khármico sem preceden-


tes...

Ao concluir sua narrativa, a CLARIVIDENTE fez ainda questão de


lembrar PAI SETA BRANCA, quando na MENSAGEM DE 31 DE DEZEM-
BRO DE 1976 nos ilustra:

“Se vos pedirem, dai-lhes ouro e dai-lhes prata, porém, de vós


nenhum fio de cabelo de vossa cabeça, pois jamais alguém poderá con-
taminar-se por vós...” querendo dizer com estas palavras: COMUNICAR
SEM PARTICIPAR!

520
Página
“Preserva tua mente do orgulho, pois o orgulho provém somente da
ignorância do Homem que não tem conhecimento e pensa ser grande,
ter feito esta ou aquela grande coisa.”
521
Página
A TROCA DE CONTINENTE

Conta-nos Maria Abadia...

Certa feita estávamos na missão de escala junto às Consagra-


ções da Estrela Candente sob o Comando do Nelson (Adjunto Janarã),
quando no final do dia não me lembro exatamente o motivo, razão ou
circunstância, ao descermos em direção da Casa Grande, o Luzimar veio
“bufando”, como diz o ditado popular - soltando fogo pelas ventas...

Durante o percurso, ele soltou que iria falar com Tia para autori-
zar-lhe a TROCA DE ADJUNTO, face a uma cena protagonizada pelo seu
Adjunto na Estrela - no caso falava-se do Nelson Cardoso - e que naque-
le continente - adjunto ele não ficaria mais.

Chegou soltando faísca ao lado da Tia e foi logo entregando os


pontos e os motivos pelo desajuste ocorrido; enquanto a Clarividente
com “aquele olhar” ia descortinando o passado o presente e o futuro,
bem como buscando entender o acontecido. Inteligentemente ela foi
deixando o mestre Luzimar desassimilar por meio do desabafo, aquela
força negativa que o deixara em conflito com sua missão. Como sem-
pre, eu tão calada, observei tudo em silêncio mas com olhos atentos na
Tia.

Ela serenamente pediu-lhe um papel e foi prontamente servida


com o que o próprio Luzimar trazia no bolso e nele escreveu um texto
sem dizer uma palavra e devolveu-lhe para ciência...
522
Página
No bilhete Tia escreveu a seguinte lição:

“Não avance o sinal meu filho Jaguar! A sua emissão é uma cha-
ve para cada necessidade e tudo parte de um compromisso feito há 20
anos passados; Não altere e não diminua, e não aumente.” Tia Neiva
(06.06.81)

A maior lição contida neste episódio é o perigo de uma “chave


cega”, de uma emissão sem alcance, sem registro espiritual e sem fun-
ção no sistema. Pai Seta Branca nos entregou por meio de alguns pou-
cos mestres veteranos a condição perfeita dentro de um princípio de
FORÇA DECRESCENTE a estadia segura em um “CONTINENTE ADJUNTO
KOATAY 108”, e nesta segurança muita das vezes não cabe analisar ou
decidir por pura empatia ou vice-versa, aliás muitas das vezes a própria
Tia orientava e trocava mestres de um continente para outro contrari-
ando a escolha feita pelo sentimento de empatia, e explicando que o
reajuste estava onde reinava ainda a antipatia das personas, fruto de
equívocos em outras encarnações e ali residia a feliz oportunidade da
reparação através do serviço fraterno e missionário. A escolha pelo AD-
JUNTO KOATAY 108 (dentre os que foram registrados como tal por Pai
Seta Branca) deve ser feita antes mesmo de se chegar à CENTÚRIA, pois
nela reside o momento que antecede nossa primeira chave de emissão,
hora de decidir por ingressar em um dos continentes e assim tornar-se
uma rama daquele MINISTRO neste TERCEIRO SÉTIMO, na CORRENTE
DO AMANHECER!

Como vemos, entrar e sair de um CONTINENTE é um ato que


523

pode gerar conseqüências que ELA mesmo afirmava que não poderia
mensurar, portanto é melhor escolher com os pés no chão e a cabeça
Página

na ESPIRITUALIDADE MAIOR, Salve Deus!


“Tudo pode ser realizado, no domínio psíquico, pelo amor, na ação da
vontade, na Lei do Auxílio, princípio superior de todas as coisas. A po-
tência da vontade de quem busca, honestamente, servir aos seus ir-
mãos, não tem limites!” 524
Página
A PRIMEIRA CURA DO SURIÊ

Conta-nos Maria Abadia...

Certa feita Tia Neiva solicitou a confecção dos primeiros “Suriês”


e estes tão somente em duas cores (verde e vermelho), os quais foram
produzidos em aço inox e com pedras "plásticas" de alta qualidade la-
pidadas. Seus cordões eram de igual qualidade em aço inox e num
comprimento que fazia com que a cruz se posiciona-se em cima do Ple-
xo Solar dos Médiuns. Estes vinham em um saquinho de veludo que
posteriormente trariam também uma pequena mensagem de Tia sobre
este talismã.

Outro dia, Tia aproveitando a nossa chegada na Casa Grande pa-


ra encontrar-la, decidiu presentear-nos com um Suriê para cada, extraí-
dos da primeira leva confeccionada e sendo nós naquele instante agra-
ciados da seguinte forma:

O mestre DOUTRINADOR (Luzimar) recebeu das mãos de Tia um


SURIÊ DE PEDRA VERDE, eu a ninfa APARÁ (Maria Abadia) recebi dela
um SURIÊ DE PEDRA VERMELHA; Porém ao perceber que o meu era
feito com PEDRAS VERMELHAS, carinhosamente disse à Tia que queria
trocar por um VERDE, igual ao do meu mestre.

A resposta de Tia foi a seguinte:

- Minha filha! Você não é APARÁ? Então, o VERDE é para o


DOUTRINADOR!
525

Pouco tempo depois, eu mesma tive uma experiência curadora


e levei a notícia para a Tia de que o bebê recém-nascido de sua vizinha
Página

esteve, doente, ardendo em febre, chorando muito e que por impulso


intuitivo busquei em casa meu SURIÊ DE PEDRA VERMELHA e colocando
este sobre a criança, rezei um PAI NOSSO impregnado de muita fé e
amor incondicional.

No dia seguinte a vizinha me agradeceu por ter curando quase


que imediatamente a criança.

Na ocasião Tia voltou-se para mim emocionada e com os olhos


rasos d’água e disse:

“Graças à Deus minha filha! Foi a primeira cura feita por um SU-
RIÊ, Graças à Deus!”

526
Página
“Aquele que segue somente o caminho da devoção faz, com ele, um
círculo vicioso, até se impregnar de superstição.”

527
Página
ASSOMBRAÇÃO EM MINHA CASA

Conta-nos Maria Abadia...

Naqueles dias havíamos acabado de nos mudar para uma casa


alugada na QE19 Conjunto A, casa 42 no Guará II e na época só tínha-
mos o Juliano como filho nascido, o primogênito.

Ele devia ter por volta dos cinco anos de idade!

A casa era muito boa na parte física, mas tanto Eu como o Luzi-
mar de pronto notamos algo no campo espiritual que não parecia bom,
mas deixamos os dias seguirem e a vida correr normalmente.

Com o passar dos dias, houveram alguns atritos entre nós, os


quais não encontramos justificativa para o acontecido e começamos a
ficar em estado de alerta aos acontecimentos; mas foi o nosso filho,
Juliano que iniciou os sinais que culminariam em nossa conclusão, de
que a casa de fato tinha um quadro espiritual a ser reparado.

O Juliano passou a ter medo de dormir sozinho, o que já fazia


normalmente, bem como também acusava ouvir barulhos e sons que o
incomodavam; chegando a chorar de medo algumas vezes. Certa noite
encontrava-se em casa apenas eu e meu filho, pois o Luzimar havia ido
a uma reunião da maçonaria e foi quando eu pela primeira vez ouvi
passos no telhado e senti sensações em meu corpo que me levaram ao
limite da paciência com a tal “Assombração em Casa”.
528
Página
Naquela semana levamos o caso para a Tia que prontamente
chamou o Mário e desvelou a ele o quadro em andamento, solicitando
que o mesmo organizasse o coletivo necessário de Ajanãs (7 Mestres
Lua), sob o comando de um doutrinador para fazer-nos uma visita e
proceder com o já pouco mencionado “TRABALHO ESPECIAL FORA DO
TEMPLO”. Chegaram em três ou quatro carros, vindo direto do Templo
a noite (após o horário de expediente material)... Providos de suas ar-
mas, uniforme de Jaguar adentraram 7 Luas e 8 Sóis, sendo um para
comandar o ritual. Apesar de o Luzimar ser um doutrinador e muito
bem conceituado na Casa Grande, a orientação foi para que os residen-
tes da casa ficassem apenas assistindo o trabalho!

Um mestre Lua que trouxe um braseiro com amescla, defumou


toda a casa antes de tomar o seu lugar na formação. Posicionaram-se
na Sala de estar num formato de elipse, e cada Ajanã tendo as suas cos-
tas o seu respectivo doutrinador... Eram todos homens, não havendo
mulheres no ritual. Nós ficamos no sofá com nossas fitas e vibrando
pela realização! O comandante procedeu com a harmonização, emissão
e abertura do trabalho e ordenou que os sofredores presentes se mani-
festassem nos aparelhos de Pai Seta Branca á serviço naquela elipse e
foi assim que aconteceu. De inícios todos incorporaram sofredores e
depois foi alternando pretos velhos, até que no final somente os pretos
velhos estavam manifestados. Recebemos as bênçãos do líder da mis-
são espiritual, do qual não me recordo o nome e o comando encerrou o
trabalho.Depois deste dia nada mais aconteceu de anormal em nossa
casa e o Juliano passou a dormir como estava acostumado, sozinho em
529

seu quarto! Os desentendimentos cessaram e nossa vida retomou ao


prumo, graças à Tia Neiva, seus trabalhadores e nosso grandioso Seta
Branca sob às bênçãos e ordens de Jesus, Divino e Amado Mestre, Salve
Página

Deus!
“Concebo que a Verdade se resume em um Deus único, Todo Poderoso,
que, ao sentirmos Sua visão, acalmamos a alma e as tempestades, que
servem para burilar o nosso espírito.”
530
Página
A CIVILIZAÇÃO DOS MAYAS E YUCATÃS

Meu filho Jaguar, Salve Deus!

Observas bem o que fazer do tempo, do teu tempo, do teu sa-


cerdócio, de tua missão e nele procures impregnar todo teu amor, o
que puderes da perfeição de tua conduta, emitindo e comunicando a
Doutrina que te foi confiada, para não perderes qualquer afeto na fron-
teira da morte.

O sol que brilha, a nuvem que passa, o vento da despedida, o lu-


ar que alimenta com o perfume da dor. Aproveite filho, estes momen-
tos de tranqüilidade que a Terra, com toda a sua riqueza, ainda vai co-
brar aos que não aproveitaram seus frutos. Salve Deus! A Terra esta
perdendo sua nobre finalidade pela promiscuidade do Homem. Então,
meu filho, as coisas vão acontecer, isto é, a vida de Deus. Toda Nature-
za vai se ressentir, ressentir também os três Reinos de nossa Natureza,
porque do Céu virá a Luz para o nosso conhecimento da vida fora da
matéria. Nada temos a temer, porém temos a respeitar. E quando che-
gar a hora de ver governo sobre governo, pais contra filhos e filhos con-
tra seus pais. Salve Deus, meu filho Jaguar, tudo que temos é o nosso
sacerdócio e por ele alcançaremos sem prejuízo de nosso corpo físico.
Tudo que te parece mistério virá com toda a naturalidade dos justos.

Veja filho, uma certa tribo que habitava em todo continente


Americano, que se espalhava em uma enorme civilização, povo que
hoje denominamos MAYAS e YUCATÃS. Cresceu a sua civilização, a pon-
to de desafiar a sua própria natureza, esquecendo dos poderes de Deus
531

e sua Natureza; sim, filho, Deus em seu Reino, em Seu Plexo, porque
filhos, o Homem reconhece que foi anunciado o Dilúvio, porque filho, o
Página

Homem tem certeza que naquela Era distante do Sol se escondeu, ar-
rebentou a trovoada e as águas caindo do Céu, arrastou para o oceano
toda a imundice daquela incomparável substância em valores para o
Etérico, eram Deuses querendo transformar sua própria natureza.
Deus, sim, porém, em sua Figura Perfeita Hieroglífica; Deus no Homem,
porém não existe e não existirá Homem Deus. A sua sabedoria não tem
limites, porém, há um limite para os seus poderes e seu limite está na
precária condição de sua própria natureza. Desta vez, em YUCATÃ toda
sua Terra, aquela inteligência que mesmo nos labirintos eternos, deixa-
ram seus rastros sucumbindo o Homem e subindo os Deuses. Desta vez
foi água, água que transbordou levando a fortuna inigualável. Quanto
vale a vida na mente de cada um dos seres humanos que vivem e vive-
ram em toda Época?

Sim, todo conhecimento é aproveitado, nada se perde, tudo se


transforma. Porém, quis a vontade de Deus ficarem seus rastros no
labirinto real deste caminho. Sim, filhos, toda inteligência deixou um
alicerce de sua unidade. Deixou os Deuses YUCATÃS quando foram re-
colhidos pela água. É preciso amar a Deus, os Deuses da Imortalidade,
sem ter amor muito pouco podemos fazer. Por conseguinte, deixaram
os Deuses YUCATÃS a sua fortaleza, ficando bem clara a separação dos
três plexos de nossa Natureza. Porém, voltaram, voltaram mais uma vez
insistindo em sua pequena e rude civilização; pedra mais uma vez pe-
dra, era só o que aprendia o seu coração, também de pedra. Sim, agora
eram MAYAS, MAYAS da infeliz experiência de YUCATÃ. Força e Poder,
o Sol e a Lua desta vez, o vento era o seu condutor feliz e infeliz. Sim,
filho, depois do aprendizado é preciso retornar ao campo de batalha da
532

vida eterna, é preciso renascer e reconquistar melhorando o seu cami-


nho cármico, obtendo novas conquistas, novos conhecimentos para
obter a oportunidade de conhecer a ti mesmo. Porque, somente a dá-
Página
diva imortal satisfaz os nossos desejos. Muitas vezes quando não co-
nhecemos a nós mesmos, pensamos que os nossos juízes são cruéis.

Saibas filho, que a libertação não está nas ruínas, voltamos tan-
tas vezes seja preciso. Voltamos sempre pelas nossas ruínas. Voltamos
em seu benefício, assim filho, pois seja qual for à provação das cicatri-
zes que assinala o teu caminho, sofras amando e agradeça a Deus a
oportunidade que te vez voltar. Quanto vale a vida na mente de cada
um? Vale alguma coisa? A vida para quem sofre, para quem reconhece
a si mesmo, a vida coloca-se acima das nossas dores e das nossas ale-
grias, porque ela é algo que vivemos, é algo onde vivemos, é nela que
as dores e as alegrias são por nós experiências que também experimen-
tamos e nos afasta da dor chamada “dor das dores”, que é a dor da
moral. Porém, isto não basta. Todavia, o trabalho sustenta e evolui a
ponto de não sentir.

Pensamos naquele homem cuja perna ia perder, chegou um ci-


entista e, no plano físico, lhe dando um remédio o libertou. Porém, o
homem com suas duas pernas se pós a correr, a chocar-se em desafio
com outros homens. Voltou a sua dor primária, indo ver-se em seu an-
tigo estado. O cientista tornando a vê-lo triste, foi-lhe dar o mesmo
remédio. Não, ele não precisava mais do cientista, desta vez sua doença
era na alma. Engana-se. O cientista tirou do bolso o Evangelho, deu a
sua cura. Naquele continente de YUCATÃ tudo era simples, os planos se
uniam o Céu e a Terra. Sim, planos de outra dimensão se materializa-
vam, havia nesta civilização campo de aterrizagem, naves vindas de
Capela se comunicavam em harmonia. Esta civilização cresceu, cres-
533

cendo a ponto de conhecer toda a Terra, todo este Universo físico. Ro-
mances, conquistas, chegando mesmo ao começo da vida que espera-
Página

mos na passagem do Terceiro Milênio. Em nome de Jesus Cristo, nos


Planos Etéricos se ouve lindos casos de evolução científica, principal-
mente na eletrônica, naquela época também a ponto de projetarem a
sua própria imagem em planos totalmente conscientes. Novamente se
levanta o Homem. Eletrônica, conquista de novas terras, de novos ma-
res. Então, a Força Magnética e como a rama percorre nas raízes levan-
do seres, ultrapassando o nêutron. Queimando a Terra, destruindo a
verde rama e o Homem; Deus se esvai deixando-se ser imortal. Sim,
filho, aquele que segue somente o caminho da evolução faz com ele um
circulo vicioso, até se impregnar da superstição. Há muitas naturezas
neste mundo, como há muitas riquezas no Céu. É o que vejo, é o que
sinto. Eu, a vossa Mãe em Cristo.

534
Página
Página 535
CICLO 6 (SÉTIMO RAIO)
75) O Cabeça Grisalha Pág. 538
76) O Bilhete de Chico Xavier Pág. 547
77) O Mundo dos Naiades Pág. 550
78) O Babalaô Joãozinho de Goméia Pág. 554
79) A Doutrina de Monsenhor Penzo Pág. 559
80) Tia Neiva e as Autoridades Pág. 564
81) O Assédio das Terríveis Falanges Pág. 568
82) Uma Doutrinadora no Canal Vermelho Pág. 577
83) O Velho Lino Pág. 582
84) Veleda Pág. 589

536
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Boa Leitura!
“A mente enferma produz o constante desequilíbrio.”

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Página
O CABEÇA GRISALHA

Raramente a Clarividente me conta algum caso de seus clientes.


Um dos pontos altos do atendimento aos que nos procuram é a discri-
ção. Pessoas vão e vêm, passam dias ou anos vivendo entre nós, e a
gente só fica sabendo de seus problemas íntimos se elas mesmas nos
contarem. Assim mesmo, o desinteresse é tão grande, que a gente logo
esquece o assunto. Graças a Deus, aprendemos a amar as pessoas co-
mo elas são, e sabemos respeitar a privacidade de cada um. Nesse dia,
porém, o caso daquele homem chegou até mim. Neiva já havia atendi-
do a umas cinqüenta pessoas, quando parou para tomar um ligeiro lan-
che.

- Mário, – disse ela – você reparou naquele senhor de cabelos


grisalhos, a quem eu atendi?

- Sim. Notei-o por sua aparência de pessoa fina, educada.

- Pois é, Mário, é um caso muito triste. Estou mais triste ainda


por não poder ajudá-lo muito.

- Qual o problema dele?

- Homossexualismo.

- E não tem remédio, Neiva?

- Não, Mário. Ele chegou muito tarde. Já está com quarenta a-


nos, e só lhe resta resignar-se com seu triste fardo. O que se pode fazer
538

por ele é lhe dar forças, ajudá-lo a carregar sua cruz até o fim.
Página
- Neiva, gostaria que esclarecesse melhor esse assunto. Tenho
lido muito a respeito, e sei que é muito complexo. Gostaria de saber
suas causas reais. Serão espirituais?

- Às vezes sim, às vezes não! Há inúmeras causas para o homos-


sexualismo, mas, na maioria, oriundas da má orientação paterna. Mas,
sejam de origem transitória ou transcendental, o remédio é a interven-
ção oportuna, tanto na cura médica como na cura espiritual. O período
ideal para intervir é entre os sete e os dezoito anos, embora possa ha-
ver cura mesmo depois dessa idade. Tudo depende do estado do paci-
ente e das várias particularidades de cada caso.

Vou contar a estória do Cabeça Grisalha – vamos chamar assim


o nosso paciente – e você irá entender parte disso. Aos vinte anos, ele
se apaixonou por uma jovem, com mais ou menos a sua idade, mas
teve medo de ser impotente, pois nunca havia sentido atração sexual.
Embora se preocupasse muito com o problema, tinha idéias tão falsas a
respeito que só o sentiu, mesmo, quando começou a amar e pesou a
responsabilidade. O fato é que, preocupado, não prosseguiu na corte, e
a moça, alguns meses depois, se casou com outro. Ele entrou em esta-
do depressivo, e começou a beber. Embriagava-se constantemente, e
chegou ao ponto de perder a consciência do que fazia nesse estado.
Várias vezes tentou o suicídio, sem conseguir seu intento. Inexoravel-
mente, foi se entregando às práticas anormais, e se tornou escravo da
homossexualidade. Procurou a Psiquiatria, a Psicanálise, e, até mesmo,
tentara se converter a uma religião, tudo sem resultados. Eu era sua
última esperança. Enquanto ele falava, em tom angustiado, Mãe Etelvi-
539

na me mostrava seu quadro, numa espécie de tela de cinema. Diante


dos meus olhos, foram aparecendo cenas de Sodoma e Gomorra. Eram
Página

cenas degradantes de práticas sexuais bizarras. Pude ver pessoas de


alta categoria social se entregando às práticas bestiais, sempre prevale-
cendo a exploração dos poderosos contra os menos afortunados. Na
repetição dos enredos se notava o assassinato como a última etapa da
sanha animalesca. Mediante uma técnica, para mim incompreensível,
fui percebendo o que se passava com as vítimas daquele inferno físico e
moral. Os espíritos desencarnavam com tanto ódio que, rapidamente,
se transformavam em ovóides.

- Ovóides, Neiva? O que é isso?

- Ovóide, Mário, é o nome que André Luiz deu a essa forma de


licantropia. Na linguagem da Corrente Indiana do Espaço, ele se chama
“lotum”. Nele há uma tal concentração de ódio, que a mente plasma-
dora não mais atua e, por ditames da Biologia Etérica, ele toma essa
forma.

- Biologia Etérica, Neiva? Acho melhor você simplificar um pouco


isso!...

- Cada plano tem sua própria legislação, sua forma de vida, em-
bora os princípios sejam os mesmos para qualquer plano. O mesmo se
passa na Biologia do nosso plano. O equilíbrio biológico se faz de ma-
neiras diferentes no mar, na terra e no ar, embora os fatores básicos
sejam sempre os mesmos. Cada um desses planos, na Terra, tem sua
própria morfologia, de acordo com o meio-ambiente. Variam, pois, as
formas, embora elas todas pertençam à cadeia do transformismo. No
caso dos ovóides, esta é a forma mais simples que um espírito pode
tomar depois de uma encarnação. E não é só a forma que importa, mas,
540

também, a concentração dos princípios vitais, como no ovo das aves,


dos répteis, etc. Os espíritos ovóides são os mais comuns no mundo
Página

invisível que nos cerca. Eles enxergam e ouvem, num raio de dois me-
tros em torno deles. Sua capacidade de aderência é espantosa. Por invi-
síveis mecanismo de ódio, eles aderem ao encarnado, e provocam os
mais variados sintomas de moléstias, em sua maioria de ordem convul-
siva. A esses espíritos se devem doenças como labirintite, meningite,
deformações da coluna, disritmia e inúmeras formas de distúrbios men-
tais e neurológicos. Sua aderência se faz de duas maneiras: por com-
pressão e por vampirismo. Atuam como corpos estranhos no organismo
e, ao mesmo tempo, como sanguessugas, alimentando-se de nutrientes
nobres do organismo, como hormônios e plasmas sutis. Aqueles espíri-
tos desencarnados naquela era remota tomaram, pois, a forma ovóide,
e ficaram, durante alguns milênios, esperando a reencarnação apropri-
ada de seus algozes, que lhes dariam o momento das cobranças. Natu-
ralmente, a situação deles não residia, somente, no episódio de Sodo-
ma e Gomorra, e sim sempre em situações semelhantes de abusos de
um ser por outro. O quadro se modificou, e vi nosso Cabeça Grisalha na
figura de um francês, abusando de um jovem e, depois, jogando-o nu-
ma infecta prisão, habitada por criminosos sexuais, espíritos atuados
por falanges de verdadeiros demônios. Terrivelmente maltratado, o
rapaz desencarnou, e seu ódio era tanto, que ele se transformou num
ovóide, tendo aderido aos órgãos sexuais do nosso amigo quando este
completou sete anos, momento em que se apagou sua mediunidade,
nesta encarnação.

- Como assim, Neiva?

- A criança é um médium, isto é, tem sua mediunidade aberta


até os sete anos, e isso é sua defesa. A partir dessa idade, sua energia
541

mediúnica se concentra no seu crescimento físico. No caso presente,


aquele seu cobrador, naturalmente com a permissão de Deus, se insta-
Página

lou, aderindo-se ao aparelho genital do Cabeça Grisalha, que passou,


sem o saber, a candidato à impotência a à sodomia. Se ele tivesse rece-
bido melhor atenção de seus pais, dos professores e das pessoas que o
cercavam, tanto seu aspecto físico como seu comportamento teriam
denunciado a anormalidade. Mas aí entram, justamente, dois fatores
que são decisivos nesse processo: o carma e a superstição social. Pela
sua faixa cármica, tudo desfavorecia ele. Os olhos da pessoas que o
cercavam viam-no, mas não o enxergavam, e seu temperamento retra-
ído o levava a práticas solitárias e insólitas. É por isso, Mário, que o ser
normal se evidencia e sempre reclama seu lugar na sociedade. A crian-
ça, quando é sadia, chora bem alto, para garantir sua alimentação, e
assim são todos os seus atos subseqüentes. A primeira anormalidade
que deveria ter sido notada no Cabeça Grisalha era justamente essa, de
introspecção, timidez excessiva e ares de geniozinho solitário. A ausên-
cia de uma educação sexual sadia e a presença atuante da educação
deformada completaram o serviço. No lugar da manifestação sexual
normal, condizente com cada etapa do crescimento, o nosso amigo
mergulhava, cada vez mais, na anormalidade. A aversão por meninas,
seguida pela etapa de apaixonamento fácil, é um importante sintoma
de normalidade. Enfim, todas as manifestações da puberdade e da ado-
lescência, tão bem conhecidas dos psicólogos, são marcos importantes
pelos quais a pessoa pode detectar uma anormalidade.

- E como atuava o ovóide em nosso amigo?

- Pela absorção de sua produção hormonal. Se a razão desse


reajuste fosse outra, ele poderia ter aderido, por exemplo, na coluna
vertebral, onde absorveria outros plasmas, e a anormalidade seria de
542

outro tipo. A gente pode perceber, então, que não se tratava de uma
anormalidade congênita, isto é, algo que ele já trazia da formação fetal,
Página
a não ser considerado como seu carma. Sim, como carma, ele era can-
didato a isso.

- E se houvesse alguma intervenção, se o fato tivesse sido nota-


do, isso neutralizaria o carma?

- Em parte sim, Mário. Se ele tivesse recebido atenção, seria um


sinal de que seus Mentores encontravam acesso indireto a ele. Assim é
a misericórdia divina. Ninguém é totalmente condenado. Sempre existe
um jeito, embora esses jeitos dependam do delicado balanço da Conta-
bilidade Sideral de cada ser humano. Mas se houvesse, digamos, ape-
nas um cuidado educacional, sem qualquer consideração espiritual,
seus pais e seus circundantes atuariam na sua psique e ele se defende-
ria melhor. Cuidados clínicos proporcionariam o equilíbrio hormonal e
ele consolidaria seu mecanismo sexual. Devido à falta disso, o seu ovói-
de obsessor absorveu toda, ou quase toda, energia hormonal e seu sis-
tema psicofísico sexual ficou irremediavelmente perdido. Daí para a
sodomia foi o passo mais lógico. Se ele fosse ainda mais afortunado e
tivesse recebido cuidados mediúnicos, teria, então, compensado a ali-
mentação hormonal. Seu cobrador, embora realizasse a cobrança, o
reajuste, o faria com menores danos.

- Mas, Neiva, esses ovóides são passíveis de afastamento pela


mediunidade?

- Mário, o afastamento só existe quando se completa o equilí-


brio, quando há o refazimento total do prejuízo sofrido pelo espírito
cobrador. Na verdade, no caso dos ovóides, o problema é de difícil so-
543

lução mediúnica. Para que haja completa solução na obsessão ovoidia-


na, é necessário a capacidade mediúnica astral, isto é, médiuns que
Página

tragam o contato efetivo dos Médicos Espirituais ao paciente. Na Cor-


rente Indiana nós temos essa força e muita prática. Na verdade, Mário,
a maioria das curas que são feitas no Templo do Amanhecer são cirur-
gias de ovóides. Essa operação é possível em nossa Corrente porque
ela, na sua universalidade, pode cuidar desse ovóide e retornar-lhe a
forma normal. Sem o seu afastamento cirúrgico, é muito difícil, senão
impossível, sua recuperação. Isso devido à intimidade que se estabelece
entre o ovóide e o paciente. Há casos, mesmo, em que o ovóide não
pode ser retirado, porque o paciente pode desencarnar, tão perfeita já
é sua simbiose. E não é só isso: o preço do tratamento do ovóide obses-
sor é pago pelo próprio obsediado!

- Como? Não entendi bem...

- Sim, Mário, a Corrente Indiana não só opera o paciente como,


também, lhe oferece a oportunidade de desenvolver sua mediunidade,
trabalhar e obter bônus-hora necessários para pagar seu cobrador. Sim,
meu caro, esse é um ponto essencial de um verdadeiro trabalho crísti-
co. Não é só curar um paciente. Isso nada resolve, pois a simples cura
não paga seu débito, não equilibra seu carma. Mas, curando-o, a gente
o coloca em posição de entender o processo cármico e atender à de-
manda mediúnica. Ele trabalha, e paga por sua libertação. É por isso
que, raramente, dá certo uma cura espiritual sem a complementação
doutrinária. O paciente sai curado, o ovóide volta ao estado normal de
um espírito desencarnado, mas tem que pagar por sua libertação. En-
tão, busca de novo o seu antigo devedor e lhe cobra de alguma forma.
O destino provável de um paciente de um câncer (que é um caso seme-
lhante ao ovóide) é ser assediado por outras formas de sofrimento, às
544

vezes piores do que seu câncer original, se não houver sua complemen-
tação harmônica com o mundo invisível.
Página
- Bem, Neiva, creio ter entendido o que se passa no caso de o-
vóide. Entretanto, o problema é bem mais extenso. Há o caso das mu-
lheres. Elas, também, são passíveis de sodomia?

- Sim, também as mulheres têm problemas nesse sentido, só


que em menor quantidade, pelo menos na manifestação homossexual.
Predomina, porém, a questão educacional. As mulheres são muito mais
afetadas pelos preconceitos. Talvez pela posição de relativa passividade
no intercâmbio e pela predominância da tônica reprodutiva na sua exis-
tência. Poderíamos dizer que a maternidade supera o sexo, ou melhor,
predomina sobre o sexo. E quanto à religião, é uma faca de dois gumes.
Se, de um lado, traz um comportamento moral, por outro traz a má
interpretação dos fatos naturais. Em todo caso, creio que o balanço
ainda é favorável à religião. Sem ela, as manifestações sodomitas seri-
am mais numerosas com a liberdade social. Talvez a prisão moral-
religiosa seja mais dolorosa, faça com que o indivíduo sofra mais. Mas
será sempre menor o número de indivíduos anormais, isolados nos seus
complexos. Já a atitude liberal, não religiosa, tira o sentido verdadeiro
de anormalidade, para conceituar a sodomia quase como uma coisa
normal. Haja visto a notícia que a gente tem de classes, ajuntamento de
sodomitas e, até mesmo, casamento entre homens, como os jornais
noticiam de vez em quando. Não, Mário, é preferível a tirania religiosa!
545
Página
“Existe um céu espiritual ao nosso alcance!”

546
Página
O BILHETE DE CHICO XAVIER

A cidade de Goiás, antiga capital do Estado de Goiás vivia naque-


les dias a expectativa da palestra do famoso médium brasileiro “CHICO
XAVIER”, a qual se daria numa segunda-feira a noite no Centro Espírita
Amigo dos Sofredores e sendo avisada do evento por sua mãe, nossa
querida Teresinha logo se programou e partiu para a estrada a fim de
conseguir assistir “in loco” aquele evento especial...

Naquela noite, casa cheia, ambiente abarrotado de seguidores e


curiosos, lá se encontrava nossa cantora mântrica escamoteada em
meio aquela interessada multidão. Assistiu atentamente todo o conte-
údo da palestra programada e com certeza vivenciou as emoções e bo-
as energias que permeavam os ambientes quando aquele missionário
do Cristo se fazia presente. No final da palestra Chico se colocou ao
lado de sua mesa, e uma longa fila se formou para cumprimentá-lo pela
visita e pela caridade da palestra, que diga-se de passagem era gratuita!

Teresinha desejando chegar mais perto e também cumprimen-


tá-lo pela palestra, obra literárias e Lei do Auxílio ingressou na imensa
fila e aguardou pacientemente sua hora...

Chegando diante de Chico, espontaneamente estendeu as mãos


em direção das suas que se encontravam prontas para o cumprimento.
Neste momento nossa ninfa, uma desconhecida do convívio pessoal do
médium o saudou com o nosso SALVE DEUS!

Imediatamente o médium pegou uma folha com uma mensa-


547

gem intitulada “Meditação” e disse: Você vai levar uma mensagem mi-
nha para Neiva.
Página
Escrevendo no canto da mensagem, com sua caligrafia incon-
fundível redigiu o seguinte teor:

“À prezada irmã Neiva, rogando as suas preces em meu favor,


seu irmão e reconhecido Chico Xavier.” Goiás, 02 de Setembro de 1974

Ao retornar ao Vale do Amanhecer - Planaltina - DF, e indo na


Casa Grande entregar a mensagem Teresinha se deparou com Tia, Má-
rio e Nestor. A Clarividente sabendo da notícia pediu que a ninfa lê-se o
conteúdo para que os ouvintes também tomassem conhecimento. Foi
uma alegria generalizada por parte de todos os presentes face Chico
Xavier registrar um pedido de suporte à Neiva, bem como que o mesmo
já era reconhecidamente um médium renomado por suas obras de ca-
ridade na linha kardecista.

Tia ficou especialmente agraciada com o bilhete!

Dois imensos “postes de luz”, Chico e Neiva, cada qual ilumi-


nando suas respectivas estradas que levam seus caminhantes para um
mesmo destino de (R)evoluções espirituais. Não se pesa dois expoentes
assim numa balança para saber quem é maior, junta-se as obras e dar-
se-á graças à Deus por nos conceder obreiros maravilhosos e compro-
metidos com o Cristo, Nosso Senhor; laborando para o bem dos outros,
enxugando as lágrimas de terceiros e esquecendo-se na maior parte do
tempo que também estão encarnados, Salve Deus!
548
Página
“Tenho que guiar esta nave espacial que é a Doutrina do Amanhecer.”

549
Página
O MUNDO DOS NAIADES

UESB, 1960 - Salve Deus!

Despertei, e, ao abrir os olhos, achei-me sentada sobre a relva, à


sombra da frondosa árvore onde, evidentemente, havia adormecido.
Comecei a me lembrar que o Sol ainda brilhava ao poente quando me
destinara a sair do corpo, ou melhor, quando uma força enorme me
arrancava do corpo, do meu corpo.

Sem tempo para analisar muito, vi duas lindas moças que chega-
ram e, sem falar, tinham escrito nas roupas “Marta” e “Efigênia”; e da
maneira como eu ia harmonizando-me, ia também, dando conta de
onde estava. Estava em outra dimensão, que não a minha. A iluminação
era tão diferente, e um pouco triste. Pensei:

Viver aqui seria realmente a morte!

Neiva! (ouvi alguém dizer) a atmosfera material está roubando-


te a paz. O sol diminui a duração da vida, desde o nascimento até se
pôr. O tempo é chamado presente, passado e futuro. O que agora é
presente, amanhã será passado; e o que agora é futuro, amanhã será
presente. Acaba o futuro do corpo que, aqui, não pertence à categoria
do presente, passado e futuro, e, sim, pertence à Eternidade. Por con-
seguinte, não deves preocupar-te em como alcançar a plataforma da
Eternidade. Deves utilizar a consciência desenvolvida do ser humano,
nas proporções animais: comer, dormir, enfim, dando razão as coisas
da Terra, que normalizam o centro nervoso. O homem vive e se alimen-
550

ta das coisas que Deus criou.


Página
E, respondendo a uma pergunta que pairava no meu pensamen-
to, disse: - O sexo é uma decorrência da criação da natureza dos ho-
mens.

- Graças a Deus, estou em outro mundo, e ouço tudo isso, pen-


sei.

- Sim, sem os falsos preconceitos (rematou a voz).

Nisso, apareceram alguns casais em diversas sintonias. Lindos,


lindos! É difícil dizer as coisas que faziam. De repente, um clássico, co-
nhecido, encheu de alegria toda aquela paisagem. Alguns dançavam,
outros corriam para ser alcançados por seus namorados.

Deduzi: As almas gêmeas de André Luiz... Salve Deus! - pensava,


já sem as explicações daquela voz. Contudo, não conseguia sair dali,
remoendo, em minha cabeça: a minha categoria é ainda do passado,
presente e futuro... Enquanto estes, a sua categoria é a Eternidade.

Será um sonho tudo o que vejo? Será apenas um sonho?

- Não é sonho! (disse-me novamente a voz)

Este é o MUNDO DOS NAIADES!

Aqui sentimos o aroma da Terra. Nisso uma jovem que estava


dançando, caiu como que desmaiada. - Meu Deus! (exclamei) - Desmai-
ou...

- São vibrações da Terra!


551

Esta moça tem sua alma gêmea segura em outra dimensão, on-
Página

de ainda há reparações. Temos sete dimensões até chegar ao Canal


Vermelho, que é o primeiro degrau celestial.
A música parou e todos foram em socorro da mulher. Pela pri-
meira vez vi fios dourados seguindo naquele horizonte. E agora? A voz
continuou:

- O felizardo, do outro lado se libertou.

- E para onde irá?

- Para outra dimensão, dando sempre continuidade à sua evolu-


ção.

- Que coincidência! (pensei).

- Não, Neiva! a vida não pára. Aqui o mundo vive a sua própria
evolução. Volte para o teu corpo, que já tem muito tempo que saístes.

Voltei.

Já estava escuro. Algumas pessoas me perguntaram se eu estava


bem. E essas viagens se amiudaram... Salve Deus!

552
Página
“O espírito na Terra, está sempre indeciso entre as solicitações de duas
potências: sentimento e razão.” 553
Página
O BABALAÔ JOÃOZINHO DE GOMÉIA

Então eu vivo assim, Salve Deus!

Eu vivo assim como eu disse a vocês; eu me desligo um pouco,


muitas vezes eu prefiro não saber muitos detalhes da Lei Negra porque
eu vivo, eu respeito, mas não quero tomar muito conhecimento. Sabe
como é que é, quando a gente quer fugir da gente mesmo.

Eram três horas da madrugada (eu quero que vocês ouçam,


pensem muito no que eu vou dizer e não pronunciem os nomes nem
nada, Salve Deus!)

Eram três horas da madrugada e eu estava louca para sair e


quando eu digo que estava louca para sair do corpo, eu já estava fora,
eu fico em um lugar que eu não sei dizer a vocês; não é minha Cabala,
porque eu tenho uma Cabala! Uma casa onde dai é que eles me dão as
decisões, onde eu vou, eu também até a minha mente perigosa para
sair da ordem espiritual do mundo dos espíritos.

Então eu vi que Pai Xangô, Pai Xangô e Nhá (?) - são dois espíri-
tos poderosíssimos, são orixás de orixás - eles estavam fazendo um tra-
balho que nós chamamos de trabalho de Pai Xangô. Salve Deus! É um
trabalho especializado em que os mentores parecem que estão até de
armadura. Eu tenho uma estátua lá em casa, parece um Elmo, parece
que é São Jorge, não sei, mas se parece é com esses espíritos e eles
estavam naquele cuidado enorme e eu falei - Pai Xangô não foi? - Paz,
Paz de Xangô, pois é paz Ogú (?) é trabalho de Ogum. Quer dizer eu falo
554

assim para vocês: Eu vou abrir seus caminhos, eu vou fazer um trabalho
de paz Seta Branca, vou fazer de Pai João está compreendido? Paz é
Página

uma manipulação de forças, parece uma luz, uma luz materializada que
eu tenho a sensação de passar uma neblina, passar por vocês, é como
se fosse aquele nuvem no céu mas são como refletores, ela dói no cor-
po da gente, mas dói no espírito, no padrão daquela hora. Será que deu
para vocês entenderem?

Então eles estavam fazendo esse trabalho, essa manipulação de


forças. Eu vou querer muito falar com vocês porque nessas caminha-
das, quando a gente sai do corpo, existem uns espíritos, umas falanges
chamadas Murumbu, esses espíritos são verdadeiros bandidos do espa-
ço; até André Luiz escreve sobre eles. Eles são intransigentes, eles não
querem nada, eles destroem uma pessoa, eles não são os caçadores
das falanges do Tranca Rua. São uns espíritos desordeiros que vê...
são... eu não sei qualificar isso aqui para vocês. Eles são perversos, eles
são muito perversos, tanto que Xangô prometeu acabar com eles, Salve
Deus!

Então eu vi, eu vi que os planos espirituais estavam limpando


aquela área, não vi movimento nenhum de um aparelho que fosse, de
quando em vez, você vê o movimento de um aparelho desintegrando
que vem de outras falanges, de outra estrela, por exemplo estrelas físi-
cas.

De repente eu fui ver... vi quando o cortejo passou e quem esta-


va lá era Joãozinho de Goméia, foi quando eu fiz um juramento; é como
digo a vocês... não quero muito me aprofundar nas leis, tenho medo e
fiz minhas restrições, que eu fazia sempre a respeito da Umbanda; en-
tão eu vi que Joãozinho de Goméia estava sendo tão bem tratado e um
cortejo tão grande para levar para o Canal Vermelho, que fiz certas
555

perguntas a Amanto, Salve Deus!

Amanto então me respondeu que Joãozinho de Goméia foi


Página

grande Babalaô. Babalaô é um presidente aqui. Vocês devem entender


a linguagem de Umbanda, mas às vezes no espaço é mais simples, Salve
Deus!

E bom, rematando aqui sobre Joãozinho de Goméia, ele ainda


está no Canal Vermelho, ele tem todas as honras, está tendo, mas ainda
não conseguiu “dinheiro” suficiente para ir para uma estrela, mas é um
espírito de toda consideração e todo trabalho dele foi respeitado pela
espiritualidade.

Eu perguntei muito a Amanto sobre essa questão de Umbanda,


esses Babalaôs, então Amanto me respondeu que a Umbanda, o Can-
domblé, são linhas que quando bem executadas pelos Babalaôs são
assistidas inclusive pelos Santos, pelos Santos daquela linha: Xangô,
Yansã, Ogum, principalmente Ogum Guerreiro, são orixás que estão
abaixo de São Jorge, estão abaixo de São Jerônimo, de Xangô.

Xangô é o São Jerônimo, Ogum é São Jorge, mas todos dois exis-
tem; um grande orixá com as mesmas forças de Xangô e de Ogum que
manda seus emissários, seus mensageiros sustentam aquele terreiro
até o final.

Então perguntei por que é que Joãozinho de Goméia que todos


nós sabemos, que ele executou trabalhos terríveis de alta magia, aliás
de baixa magia, da Magia Negra, e fez sérias recomendações (?); então
Amanto me disse que esses Babalaôs que sabem realmente executar o
seu trabalho são respeitados e cada homem responde pelo que faz. Nós
não podemos condenar a Umbanda! Nós não podemos condenar o
Candomblé! uma vez que todos nós responderemos pelos nossos atos...
556
Página
O Joãozinho de Goméia abria seus trabalhos em nome de Xangô.
Ele era filho de Xangô, tanto que no dia do enterro dele era dia de sol e
houve um trovão e houve uma chuva que passou correndo. Isso é uma
demonstração viva do filho de Xangô, Salve Deus!

Então meus filhos, o Pai Seta Branca todo dia está nos dizendo:
Parem de julgar, deixe esse julgamento, vamos viver a nossa ESTRELA,
vamos viver os nossos caminhos e vamos trabalhar!

Muitos de nós temos as nossas restrições, aceitamos ou não a-


ceitamos, mas se faz bem, devemos passar uma borracha na restrição;
se aquilo faz tão bem, eu não tenho motivo...

Compreendeu?

Então meus filhos,

Nós estamos agora num ponto de partida. Eu quero explicar a-


gora a vocês a força desses orixás, se eles respeitam seus Babalaôs e se
ali existem pontos firmes, e nós somos responsáveis, que cada um é
responsável, cada um que entra é responsável, nós não temos absolu-
tamente que começar a criticar e a fazer restrições. “Ah! eu não enten-
do, Mentira, Eu entendo, Eu não entendo”, eu entendo sim! então eu já
fui chamada atenção. Está certo, porque isso é uma preparação, porque
vocês vão trabalhar, trabalhar, muito mesmo, vocês vão se aliviar dos
seus elítrios cobradores, dos seus antecessores lá em Umatã, onde os
Babalaôs fazem belíssimos trabalhos e você humildemente vai receber,
compreende?
557
Página
“Com um pouco de reflexão poderás concluir as mensagens e se soube-
res colocar esta candeia viva nos mais tristes recantos da dor mais uma
vez poderás aliviar e esclarecer os incompreendidos.” 558
Página
A DOUTRINA DE MONSENHOR PENZO

Salve Deus!

Eram duas horas da madrugada quando resolvi sair do corpo


deixando aqui como se fosse um verdadeiro umbral. Entrei no Canal
Vermelho e fiquei esperando os sete doutrinadores em equipe. Eu es-
tava pensando como teria condições de enfrentá-los com tanta pertur-
bação como estava. Amanto chegou com Mãe Tildes e não tirava nada
do que eu estava sentindo. Por quê? Perguntei...

- Por que você é senhora de uma Corrente Crística ligada às for-


ças ocultas evangélicas e somente as chaves magnéticas lhe reajustarão
(disse Amanto).

De fato os doutrinadores chegaram com os sete aparás e tudo


se modificou.

Salve Deus! disseram as duas falanges, a negativa e a positiva.


Não tinham ainda terminado de fazer a saudação quando se ouviu um
forte estampido. Amanto logo nos acalmou e disse: “Confusão nas filas”

Em seguida chamou o Enóbio e levou as Falanges do Amanhe-


cer, os nossos médiuns.

“Neiva! venha ver as calamidades dos seres humanos.” (disse


Enóbio)

Olhei e deparei com o mais lindo quadro. Quantas pessoas tem


559

nesta fila? Aquela fila é da Igreja Católica? Sim, eu já conheço Amanto;


porém é o mesmo Monsenhor? Sim, Monsenhor Penzo, que morreu há
Página

vinte anos. Foi um verdadeiro santo. Pediu para ficar aqui doutrinando
seus fiéis.
Com a graça de Deus esses espíritos vão se evoluindo a ponto de
se curarem do psiquismo do inferno e do purgatório que os falsos pre-
gadores ensinaram e impregnaram suas mentes e que nada resolveu. O
homem que acredita no inferno mata, rouba, dá vazão ao seus instintos
sem nenhum temor, porém em toda história do mundo muito pouco
tem registrado do filho que matou a própria mãe em sã consciência.
Porque neles existe a Lei do Amor, por mais daninho que seja o espírito.
Então esse sacerdote após eu desencarne sofreu por não ver o inferno
e vendo somente o amor transformando o espírito.

Veja Amanto, uma possessão.

“Espere que agora você vai ouvir um sermão.”

Porque todo ele fala no amor de Deus, Jesus jamais faria o in-
ferno ou colocaria seus filhos no fogo do inferno. Deus, Pai dos Pais.

É a procissão com andores? (questionou Neiva). Sim, ninguém é


obrigado a nada. (respondeu Enóbio)

Comecei a rir, eram algumas velhas que acompanhavam a pro-


cissão pedindo a Deus pelos filhos que ficaram aqui na Terra. Um certo
médium por nome Inácio, de Sobradinho, exclamou:

- Olha! eu conheço aquela velha. Ela morreu há muito tempo, e


ainda está aqui?

- Não, disse Amanto, foi trazida há pouco tempo pois vivia va-
gando do cemitério para a Igreja Católica, pedindo pelo filho que você
560

também conhece.

Amanto falava e eu repetia, pois rezando o rosário. Agora mes-


Página

mo Monsenhor Penzo vai se encontrar com ela. Coincidência, depois de


tantos anos, diz Inácio. Não é coincidência, diz Amanto. Seus fluídos,
Inácio, aquela senhora vive a pedir pelos filhos e Monsenhor Penzo vai
libertar o seu filho. Como? Ele é padre. Sim, o padre é o Sacerdote e o
Doutrinador esclarecido quando pratica muitas virtudes. É fácil depois
da morte se esclarecer e praticar realmente a DOUTRINA DOS JAGUA-
RES. Quanto aos “terços” da Igreja, eles são indispensáveis, só na fila do
Monsenhor Penzo, porque o Monsenhor Penzo sabe o valor do ecto-
plasma. Enquanto rezam seguem com esperança os seus destinos. Do-
na Glória, a velhinha, rezou sim, e Monsenhor Penzo pediu a Deus e
soltou o filho. É assim na Terra como no Céu, digo sempre! Amanto
sorriu...

Caminhamos para mais longe e uma magnífica luz cor de ouro


apareceu e também uma grama parecendo espuma de nylon verde, de
um verde diferente. Logo adiante, deparamos com um aviso que dizia:

“Cuidado com os loucos!”

- Como? Médiuns de efeitos físicos, super perigosos. Custo a en-


tender.

- Sim Neiva! este lugar é novo e já lhe disse que este Canal é de
adaptação e recuperação. Jesus com seu amor procura recolher todos
os espíritos para a Nova Era. Estes loucos são espíritos das Falanges de
Murumbus e são, como sabes, hipnotizadores. Mais adiante perguntei:

- Aqui tem perigo? (perguntou novamente Neiva)

- Sim, Neiva, o espírito hipnotiza com efeito físico e arrasa mil


561

pessoas. O mal que ele faz é incalculável.


Página

- São eles que provocam esses estampidos?


- Não (disse Amanto). Esses estampidos são dos Cavaleiros de
Xangô.

Comecei a me preocupar com medo do meu povo, porém A-


manto foi dizendo...

Não te preocupes, teu povo ainda não passará de Umatã.

562
Página
“Deve ser evitado o excesso de confiança, pensando que nada mais tem
a aprender, e cair no feio abismo da vaidade!”

563
Página
TIA NEIVA E AS AUTORIDADES

“Meus filhos, Pai Seta Branca está dizendo todos os dias que não
promete paz, tranqüilidade, aliás, promete uma luta! É como se tivesse
se levantando um exército crístico porque das sombras também estão
despertando seres que só nós, esse exército preparado poderá abater,
terá condições de esclarecer em cada coração. Salve Deus!”

Meus filhos, em 1964, vocês me desculpem, que eu faço uma


confusão tão grande de datas, porque, eu digo para vocês em nome de
Jesus, porque de dez anos para cá estou vivendo dois mil anos atrás, às
vezes, mais de dois mil anos. Então, em 1964 eu terminei um curso na
UESB, você se lembra não é? Sofri e nos cinco anos entendendo aqui e
acolá, recebendo esclarecimentos, vendo coisas horríveis que hoje são
tão belas para mim.

Vivi cinco anos no alerta desses conhecimentos, mas em volta


de mim se contavam, em cima de uma serra, 500, 600 pessoas constan-
temente, diariamente. Nunca faltou pessoas desde que despertou mi-
nha clarividência, eu nunca vivi sem ter 500 ou 600 pessoas assim em
volta de mim, Salve Deus!

Então completou o tempo, a evolução de naturalmente, o com-


plemento desta obra, uma porção de coisas que me jogaram [em] Ta-
guatinga. E eu já sabia todo o movimento desta revolução. No dia 9 de
fevereiro eu cheguei a Taguatinga em sofrimento. Eu não entendia por-
que Deus havia me colocado e principalmente a mim que não conhecia
muito a pobreza, coisas assim. E eu estava ali a mercê não sei de quê.
564

Então um fato interessante que eu me lembrei hoje, eu só tive um re-


curso: fui às Delegacias, isso foi também um conselho do Dr. Cândido
Página

Colombo Cerqueira. Em todas as Delegacias eu chegava lá e falava mais


do que precisava: “Doutor, eu cheguei aqui com 97 menores, eu queria
sua proteção porque sei das revoluções...” Senhora?! - respondiam os
Delegados. Senhora? Revolução? “Não, é minha cabeça que está revo-
lucionada, sabe Doutor, eu queria que o senhor me desse uma prote-
ção porque estou com esses menores, não pude me documentar ainda
e queria que o senhor me protegesse. - Sim Senhora, nós vamos prote-
ger.

Chegava em outro, a mesma coisa: “Doutor, eu estou aí com es-


sa dificuldade...”, tornava e sem querer falava na revolução. Salve
Deus!

Então o que aconteceu é que surgiu a revolução e foi o ano mais


terrível de todo o meu tempo mediúnico. Salve Deus!

Foi o pior ano de minha vida. Sofri mesmo. Veio a revolução e


eu defendia um aqui, outro ali, e todas as autoridades estavam me de-
fendendo. Porque, inclusive eu pedia: “Doutor, faz esse favor, manda
um agente lá na minha porta”. Eu nem entendia o que era um agente.
“O senhor põe um agente lá, um patrulheiro para me defender? Porque
eu tenho muito medo”. Mas, um deles, naturalmente entendeu minha
mensagem. Ele disse:

“Não, vou colocar uma pessoa lá”.

E colocou. Salve Deus! Então ele colocou uma pessoa e foi a mi-
nha sorte.

Aquele pessoal, aqueles senhores, aqueles policiais ficaram ven-


565

do toda a minha vida, compreenderam a minha mensagem, parece que


todas as autoridades sabiam quem eu era, m e conheciam há muito
Página

tempo. Bom, Pai Seta Branca esta por cima de tudo isso.
Eu então... por isso eu atendia a todo mundo. Batia na minha
porta um Deputado altas horas da madrugada, eu sabia que estava
sendo vista e ficava sem preocupações. Eu assim ajudava todo mundo.
Fiquei sabendo por que eu tinha saído da UESB assim tão de repente.
Sabia as previsões mas ali eu tinha mais condições, perante às autori-
dades, de ajudar as pessoas. Salve Deus!

Bom, então graças à Deus, foi maravilhoso. Salve Deus! Então eu


já estava mais calma, as coisas estavam acontecendo, mas aquele hor-
ror, já podia ter um esclarecimento de como aconteciam as coisas. Eu
muito mal, já era no último, eu já podia, eu já estava no ano de termi-
nar o meu curso, que eu falei pra vocês no domingo passado, lembram?
Que eu recebi do meu Mestre Umahã do Tibet. Eu passei quase sete
anos sem tomar medicação para fazer esses transportes daqui ao Mes-
tre que é vivo, ainda está vivo, muito velho, muito velhinho, mas vive
nos Templos do Tibet.

566
Página
“As coisas que desprezamos hoje nos faltarão amanhã.”

567
Página
O ASSÉDIO DAS TERRÍVEIS FALANGES

Então, eu já estava mais ou menos tranqüila, como disse a vo-


cês, passando aquelas dificuldades, eu fui chamada para atender uma
senhora de 56 anos com um jovem de 19 para 20 anos...

Ela chegou, o meu desejo hoje é contar a vocês como nós somos
atuados e porque somos atuados!

Eu vou contar essa pequena passagem comigo e logo eu vou ex-


plicar a vocês as falanges e tal. Essa senhora de 56 anos e esse jovem de
19 para 20 anos, dona Débora, isso em final de 1964. A gente sempre
tem essa pergunta, eu não estando mediunizada, é por isso que eu não
gosto, não gosto de atender ninguém quando eu não estou mediuniza-
da. Eu me sinto mal, tenho tomado tanta... como vocês também, todo
mundo passa seus vexames. E eu sou mestra para isso quando não es-
tou mediunizada, sabe? Agora não, agora eu tenho uma visão mais cla-
ra, mas mesmo assim eu não gosto, não gosto mesmo, eu chamo de
quebra galhos. Vem cá olhar como está sua vida, eu te pergunto para
poder saber, isso para mim é horrível. Então, quando ela chegou, aque-
la célebre pergunta de cretino:

- É seu filho? (Não tinha nada que perguntar)... É filho da senho-


ra?

- Não! É meu marido. (respondeu)...

Bom, dali eu já perdi tudo. Não tinha nada que perguntar, não
568

era da minha conta, mas foi isso que eu fiz. A gente, mas com isso eu
fiquei antipatizada para ela, eu acho que a pergunta tinha razão de ser.
Página

- Tia, a senhora precisa de mim?


- Não! eu quero apenas que a senhora acalme meu marido, por-
que ele está muito agitado e passa noites sem dormir.

Está certo! É o que eu digo todo dia a vocês, nós não temos na-
da com a vida de ninguém, nós estamos nos preparando para ser úteis,
para sermos úteis, para a gente ser bacana, o que a pessoa está fazen-
do ou não está, você não tem nada a ver com isso.

Está certo ou errado? Eu não sei... Está certo não está? Todos os
dois estavam tranqüilos entendeu? Até aí não tinha nada que reparar.
O vergonhoso foi só eu ali com aquela pergunta de todo mundo. Está
bom. E a mulher tomou raiva de mim. Não sei o que ela viu em mim
que ela tomou raiva mesmo. Mas como ela já estava ali ela disse:

- A senhora sabe, é com a minha filha, eu quero que a senhora


veja a minha filha de 14 anos, eu quero que a senhora acalme ela!

E ela falou assim paciente, como se eu fosse um objeto dela, sa-


be?

- Mas eu quero que a senhora veja a minha filha!

E assim, meio arrependida de ter falado.

- Porque ela fica olhando assim para um lugar, está apática, já


foi a médicos, os psiquiatras não acham nada, e ela fica olhando para
um lugar...

Salve Deus!
569

Eu falei: - A senhora não podia trazer a moça aqui?


Página

Ela com esse choque comigo falou: - Não! é muito difícil, eu só


vim por desencargo de consciência.
A mulher entrou em choque comigo, como se eu tivesse... Eu fi-
quei assim meio... mas eu nunca perco, é bobagem, a pessoa vem, fala
e vai se embora. Eu faço. Aí, nem que você não queira mais, eu faço.
Está bom. Peguei e eles foram embora, peguei o nome de todos eles, a
mocinha chamava-se Alice, o jovem chamava Luis e ela Débora. Agora,
esses nomes são de outra encarnação deles, não é desta. Salve Deus!

Então eles... quando foi lá pelas madrugadas eu fui mexer no ca-


so. Porque essa mocinha estava assim?

Cheguei lá, ela estava num corredor, ela estava olhando assim
como se ela fosse uma vidente, estivesse olhando uma tela na frente
dela, assim parada, numa cadeira, como uma cadeira preguiçosa, uns
cobertores assim em cima. E ela estava ali. Depois eu vim saber que ela
não queria sair daquela cadeira, ficava nervosa e queria ficar ali naquele
lugar. Então eu fui descobrir o que estava acontecendo. Comecei a a-
calmar a moça. A moça foi ficando mais calma e a mãe viu, você vê o
que é um choque, a mãe viu que a filha estava melhorando apenas com
a minha visita. E depois de uns dois dias ela foi lá onde eu estava. Aí eu
tive que mudar todo o quadro. Salve Deus!

Ouçam bem, eu ensinei a vocês que quando nós viemos aqui pa-
ra a Terra, nós viemos com a nossa equipe formada para nossos reajus-
tes, isto é, para nos reajustarmos, pagando o que devemos de outras
eras. Nós trazemos os nossos cobradores que são os elítrios. Elítrios são
espíritos acrisolados no ódio...

O afastamento daqueles dois era difícil, eu vou dizer por quê.


570

Porque aqueles dois, era dos dois, e só aquele ridículo podia fazer aque-
la vingança. Porque vocês não viram o quadro que eu vi, vocês não tem
Página

condições de pensar que era natural, mas aquele caso não era natural.
Se vocês vissem a senhora que eu vi vocês veriam que não havia condi-
ções de uma vivência. Inclusive o rapaz... Eu prefiro contar a vocês ape-
nas a parte espiritual. Era um quadro terrível. Essa senhora tinha um
defeito horrível, físico, num lado ela teve uma... como é que se chama?
Essa doença que fica assim torto?... É uma senhora de sociedade, tanto
que ela tocava piano, depois não pode mais, por causa do defeito físico.
A boca dela era um pouco assim... horrível mesmo.

Um quadro de... porque se fosse... se ela tivesse condições,...


não, absolutamente não era um caso normal, inclusive para nós, nin-
guém tem idade, não existe idade para um espírito. Mas naquele caso
eu não expliquei a vocês, era um caso tenebroso. Uma senhora... ela
vivia com essas perucas... era horrível mesmo. Era um caso que estava
se vendo que era pura cobrança. Eu tirei os elítrios, acabou a cobrança,
é uma senhora de respeito, é uma senhora muito bacana, a menina foi
para um hospital no Rio de Janeiro, foi para perto da avó, como ela veio
só como um instrumento para guiar a mãe ela ficou... como é que cha-
mam esses espíritos assim que nunca são nada na vida, apática, esta-
cionada...

Agora, o que eu quis explicar a vocês, a mudança das pessoas e


o risco que nós corremos quando tiramos um elítrio desses. Eu pensei
que se eu tirasse aqueles dois elítrios que estavam assediando o casal ia
ser um descontrole. Porque eu não conhecia essa senhora respeitada,
essa senhora bacana. Eu conhecia uma velha frívola, com jeito de idio-
ta. Eu disse a vocês, afastei-a da minha casa defendendo a nossa dou-
trina, achando que depois desses elítrios, que eu retirasse esses espíri-
571

tos, ela ia ser contra a nossa religião. O rapaz foi para Belém, esteve lá
em casa depois de alguns meses e foi coisa assim, que se resolveu em
Página

pouco tempo. Eu mesmo arranjei até uma transferência para esse ra-
paz, depois de um ano, depois que eu tinha vindo até do sanatório, ar-
rumei com as autoridades uma transferência, ele foi para Belém.

Essa senhora tinha esse rapaz como uma mãe, mas ouve choque
entre filhos. E, no entanto, quando eles se casaram, casaram mesmo, os
filhos aceitaram, os filhos aceitaram. Para vocês verem como a capaci-
dade que os espíritos tem de transformar vidas, e se não fosse eu, a-
quele quadro ia cada vez piorando. Aquela jovem ia cada vez ficando
mais louca, o que não havia de acontecer. Aquela jovem não aceitar
aquela vida por tempo e aí que ia haver a séria vingança. E graças a
Deus! e é preciso que haja todos esses cuidados. Depois eu vou escre-
ver essa história, esse acontecimento, essa passagem com mais deta-
lhes para vocês verem até onde vai a cobrança desses espíritos, dos
elítrios, Salve Deus!

Agora, numa Corrente Crística, se vocês por acaso tiverem um


desses espíritos, vamos dizer um Murussangue (Murussangi), se você
tiver um espírito desses e você se congregar a uma Corrente Crística,
imediatamente ele se afasta. Uma iniciação, não existe condições a não
ser um elítrio de uma cobrança de, vamos dizer, espíritos de elítrios
nômades que não estão vinculados a essas falanges tenebrosas, como
os Murumbus.

E tem outra, tem outra falange também terrível que ataca o se-
xo. Vamos ver se domingo eu vou explicar a vocês, inclusive me interes-
sa muito porque aqui, aqui no Brasil, eles falam muito de Pomba Gira,
que uma pessoa que tem Pomba Gira (um espírito de...) eles são sensu-
572

ais, são perigosos, não é isso? Depravados. E eu olho isso como se eu


visse crianças brincando com fogo, eu canso de ver esses “macumbei-
Página

ros” chefes de terreiros falando comigo que a Pomba Gira, que eu tirei
a Pomba Gira de um cara, o sujeito estava... Ah! Eu vejo aquilo... que
coisa hein, graças a Deus!... entendeu?

Existe meus filhos, são os Sexus. Esses Sexus, eles foram criados
no Império Romano, mas não nessa Corrente Crística. E a Pomba Gira é
conversa de criança. É um espírito realmente de uma mulher que foi
depravada. Eles chegam a dizer que foi Lucrécia Bórgia, que foi messa-
lina, mas não foi ninguém. Foram muitas. Ela foi realmente uma mulher
até de cultura, ela tem uma caverna, tem um castelo e esse espírito
tem também turma de caça. Turma de Caça... Exus tem Turma de Caça!
Eles atuam aqui e jogam caçadores, espíritos que só fazem laçar, ele
chega aqui numa rodinha, está conversando, eles vão penetrando, sa-
bem que a pessoa vai morrer, ficam atuando ali, pessoas que não tem
compromisso. Isso aí é muito complexo, não é para hoje. Mas eles tem
a Turma de Caça. São Exus importantes.

Tem... Salve Deus!

E mais importante nos Murumbus que tem ainda falange de elí-


trios. São tão arraigados ao ódio e pessoa faz uma cobrança individual.
Tem tantos mil anos que eles atuam, que eles se acrisolaram, perderam
a forma humana.

Eles são perigosos. Dentro da pessoa ele vampiriza. Quando eu


tinha uns espíritas Kardecistas, certas vezes mandavam eu ver quadros.
Kardecista adora um quadro. E fica só no quadro, e você fica no quadro
e está acabado. Ah! O quadro dele é assim. Não tem uma turma técnica
para fazer o trabalho, como se libertar daquilo. Eu acho que sou... en-
573

tão eu fui ver.


Página
Tinha um certo senhor que me guiava muito, ele, esse homem,
nutria um ódio por mim, era o meu elítrio. Ele tinha tanto ódio de mim,
até hoje ele tem ódio de mim. Porque numa materialização... nós fo-
mos fazer uma materialização e, foi assim como um relâmpago sabe?
Eu apareci no meio da sala como seu eu fosse a rainha Cleópatra e lá, e
ele não sei, achou que ele um Kardecista, o homem vira mulher como
há mulher que vira homem. E eu ficava procurando as pessoas que
morreram para ver se virava uma mulher, que era o que eu queria. En-
tão ele achava que ele tinha sido a rainha, eu não sei, eu nunca quis
saber, porque eu tenho medo das pessoas que tem ódio, sempre fujo
sabe?

Então eu fui ver esses quadros. E esse homem estava amarelo,


morrendinho, todo assim, parecia um mortinho. E eu vi e disse: “ele
está com vampiro, tem vampiro nele” Ah! Era o elítrio que estava bem
na nuca dele, assim. Foi aí que eu vim a conhecer esses elítrios que são
vampiros. Então, aí aumentou o ódio né. Aí acabou-se mesmo nossa
amizade, virou um inimigo que eu fujo dele. E nessas lições que eu to-
mei nesse lugar eles falavam muito que homem vira [mulher], que o
espírito não tem sexo não é? Que após a morte ele poder ser, virar uma
mulher e, a personalidade do espírito é uma só. Graças à Deus.

Eu mesma acharia horrível se fosse...

Mas em todo o universo que eu conheço, em todos os lugares


onde eu conheço, pelos meus olhos de Clarividente, em nome de Nosso
Senhor Jesus Cristo, ainda não sofri uma decepção. Não existe! Existem
574

as grandes dívidas que às vezes o homem não se sente perfeito. Eu já


expliquei porque um espírito desses, uma atuação de um vampiro des-
Página

ses, há razões para tudo não é? Mas a personalidade dele volta e é a


personalidade humana, porque se fosse assim não existia... não preci-
sava nós estarmos aqui na Terra nesse sofrimento.

A gente mesmo assina a sentença da gente.

Então meus filhos, vamos concentrar sobre essas falanges terrí-


veis e que vocês... eu peço ao Pai Seta Branca pelo amor que não retire
daqui essa lição. Vocês não podiam continuar trabalhando, serem cien-
tistas como diz Pai Seta Branca, os cientistas da vida etérica, sem saber
desses monstros que muitas vezes estão dentro de nós mesmos e que
vocês tem nas suas mãos a espada bisturi, tem toda medicação, toda a
ciência para retirar. Nós não estamos aqui para diagnosticar um pacien-
te, no muito chame a Clarividente, vamos ver o que ele tem.

575
Página
“A fé sem conhecimento do bem não evolui a mente.”

576
Página
UMA DOUTRINADORA NO CANAL VERMELHO

Salve Deus! Esta vibração está me atordoando completamente,


Salve Deus!

Depois dessas aulas do Canal Vermelho vocês tem feito uma


pergunta constantemente:

“Por que já que o Pai Seta Branca tem tanta vontade de nos ilus-
trar a vida fora da matéria, por que vocês não ficam conscientes dessas
viagens?”

Não fazem muito essa pergunta toda hora?

Acorda lá e vem, tia, por que eu não fiquei sabendo dessa vez?

E tem sempre um quase...

Uma madrugada dessas eu fui chamada por um mentor para ver


uma doutrinadora que estava passando um sofrimento terrível, uma
fase, uma porta estreita como nós falamos. Então o mentor me mos-
trou que ela precisava de um trabalho para passar o espírito que estava
com ela, que seria um Murumbu. Ela teria que sofrer mesmo e como
Pai Seta Branca já tinha posto a mão sobre ela, impedindo outros cami-
nhos, outros sofrimentos, era preciso que eu a levasse ao Canal Verme-
lho. E chamo como nós falamos, apenas com a vida fora da matéria, ela
passasse por todas aquelas dores, ela parece sempre uma moça triste,
eu vi por isso toda razão desse quadro dela.
577

E eu saí do Templo com muitas preocupações, que tinha outros


também, mas levei na frente essa doutrinadora que Pai Seta Branca
Página

tanto se preocupava, era um caso seriíssimo e nós tínhamos que estar


alertas nos caminhos por onde ela andasse. Então eu cheguei no Canal
Vermelho, o dia estava clareando aqui na Terra, vocês vejam a minha
vida intensa fora da matéria com toda essa preocupação. Quando eu fui
encontrar com essa doutrinadora o dia estava clareando, eu sinto por-
que as vibrações são completamente diferentes, eu conheço as vibra-
ções na Terra quando o dia está clareando e também aquela preocupa-
ção que ela se levantasse, despertasse antes daquele trabalho. Então,
com aquelas preocupações, eu estava em frente, eu e Amanto, o meu
amigo e instrutor, estava em frente à Umatã, essa grande Casa em que
se reúnem uma porção de Seitas, e Seitas espíritas estão entendendo?
Salve Deus!

Amanto me chamou atenção que estavam quatro Doutrinadores


e três Aparás, foi feito o trabalho dessa doutrinadora. Foi um trabalho
terrível, eu quis ir ajudar principalmente quando partiram, mas antes
eu perguntei a Amanto:

- Por que vocês não entraram naquela casa?

E ele me explicou que não havia emanação, ele me despreocu-


pou pois nós só andamos quando sentimos, sentimos vibrações, e so-
mos atraídos para aqueles lugares, e mais preocupação me deu, porque
saiu um espírito desses que eu reconheci como que havia saído daquela
transformação, transformado de um elítrio. Era um desses hipnotizado-
res, os tais Murumbus.

Eu já expliquei a vocês os elítrios, os Murumbus tem falanges


que vivem como verdadeiros bandidos no espaço, inclusive eles tem
recursos de se transformarem num elítrio, esses espíritos que se con-
578

centram no ódio e ficam aquela “cabeça de macaco”. Os Murumbus,


eles são finos, que conseguem entrar nessa falange de elítrios e eu re-
Página

conheci que ele tinha saído por que... uma outra coisa, essa moça ia
passar por uma fase terrível, foi retirado esse espírito, ela foi ajudada,
mas continuava a não viver, eu sei que ela não vivia. Foi mais uma ex-
plicação que recebi:

“O elítrio pode sair do corpo forçado. Um elítrio de um Murum-


bu, mesma coisa que estivesse aqui.”

Eu notei que ele... Isso! Estou falando com vocês porque vocês
me procuram muito, porque que não devem estar, que não são consci-
entes, e eu conhecida bem, conhecia bem o doutrinador aqui e o apará,
sua esposa, que estão sempre por aqui e são muito felizes graças à
Deus. Eles dois, depois daquele choque, ela caiu no pranto depois da-
quele choque, nem mais nem menos do que sabem fazer aqui. O espíri-
to e todos fizeram aquela corrente de força, nem mais nem menos do
que fazem aqui. Aquele espírito depois entrou na sintonia do Doutrina-
dor e ele foi conversando com ele, e foram mostrando que agora ele
pertencia ao plano físico da Terra, só essa doutrina que vocês ainda não
fizeram no Templo, mais ou menos igual... Depois foi como se fosse
incorporação, mas lá nós trabalhamos diferente, essa diferença eu que-
ro explicar a vocês, mas a passagem ectoplasmática do Apará, do Dou-
trinador, tudo entrou em sintonia, e aquele senhor “ex-murumbu”, ele
saiu completamente do plano da vibração, da sintonia dessa médium.

E eu fui correndo porque ainda tinha compromisso nas zonas de


perigo, porque lá tem, eu mostrei a vocês, que onde ficam esses Mu-
rumbus... são presos... são espíritos assim... cuidado!

Então a mesma coisa de dizer “cuidados com loucos”, tem uma


579

placa... quase uma placa, eu não sei explicar, é assim como aquilo ali,
aquela coisa de pedra sabe? Aquele monumento, e lá está escrito assim
Página

“cuidado, louco!” mesma coisa, sabe? Ali é difícil e eu falo para vocês,
pelos olhos que entreguei ao Cristo, eu estou penetrando e vou deva-
garzinho nesse lugar, já sou amada por um deles, graças à Deus!

Então eu fui lá, Pai Seta Branca fica feliz quando eu vou pelo
menos lá perto, porque ninguém vai, ninguém consegue ir. Depois essa
médium e esse doutrinador estavam tranqüilos, como se fossem... co-
mo se eles se amassem e fossem namorados, Salve Deus. Eu me apavo-
rei naquela hora, eu já fico cercando de cuidado sabe? Já com medo.
Mas Amando me disse: Isso aqui é tão comum, você já viu tantas vezes,
você acredita no espírito, como um filho de Seta Branca poderia se
despertar? Eu deixaria os dois tranqüilos.

E aí ele me explicou: “Aquela que você está vendo não é a dou-


trinadora, aqui ela é Karla”, e deu o nome dele. Eles viveram na França,
e lá eram verdadeiros marido e mulher, esposos, e foi do tempo de Ri-
chelieu, ela entrou com o sacerdócio e desesperou, não aceitou. É mui-
to sério saber o que se passa do outro lado, porque se eu dissesse o
que se passa iria sair tanto desquite, tanta briga, entendeu? Inclusive
na cabeça pequena, como iria caber tanta coisa dessa? Tem muito qua-
dro bonito que depois eu conto, coisas belíssimas, mas se começar a
despertar aqui, acolá, na cabeça, principalmente de vocês filhos de Seta
Branca acabam por pegar o fio da meada e vão se embora. Porque a
espiritualidade às vezes esconde alguma coisinha de mim. Eu fico ven-
do, é verdade? Não, não é. De repente eu pego o fio da meada e vou
embora, assim como vocês, é o que sucede a todos nós médiuns. Salve
Deus!
580
Página
“A força mantém este universo regido por leis comuns, naturais, em
uma seqüência lógica. Assim, por que complicar no processo coletivo?”
581
Página
O VELHO LINO

Ninguém sabia seu nome completo até o dia em que foi neces-
sário verificar seus papéis para seu enterro. Conheciam-no apenas co-
mo o “Velho Lino”...

Ele chegara à UESB por seus próprios meios, mas tão doente
que foi logo encaminhado para o modesto “hospital”. O diagnóstico foi
cirrose hepática, sem possibilidade de recuperação. Assim mesmo du-
rou alguns meses e, durante todo esse tempo, Neiva cuidou dele com
carinho e afeição.

Na sua Clarividência ela ia vendo seus quadros e relatava a ele.


Seu corpo era todo inchado pela perniciosa moléstia e sua pele tinha
um tom esverdeado que causava repugnância. Isso tudo era agravado
pela sua boca desdentada. Mas o Velho Lino quase não se queixava. Dia
a dia ele ia morrendo com a tranqüilidade dos que se acham “em casa”.
Entre ele e Neiva havia amizade e respeito. Os dois tinham longas pa-
lestras que ninguém entendia. Alguns meses depois de sua morte, Nei-
va sentiu saudades dele. Só então se dera conta da sua solidão, em
meio a multidão que vivia. Afinal, o Velho Lino tinha sido um bom com-
panheiro na visão dos caminhos que conheciam pouco.

Lembrou-se então de seus transportes e pensou que talvez ti-


vesse oportunidade de saber notícias dele. Com essa ideia na mente
encaminhou-se para sua “plataforma de contato” e lá sentou-se à espe-
ra. Sua concentração foi tão natural e imperceptível, que até se assus-
tou um pouco quando ouviu a voz familiar de Johnson Plata a lhe dizer
582

“Salve Deus!”
Página
Já fora do corpo, ela respondeu, e ele foi logo dizendo:

- Vamos Neiva, vamos que está na hora de encontrar o Velho Li-


no!

Ela ficou meio encabulada, talvez devido à maneira que eles co-
nheciam seus pensamentos e sentiu certa relutância em aceitar o con-
vite. Ao ouvir o nome do Velho Lino mencionado por Johnson, com seu
ar nobre e saudável, perdeu parte do seu entusiasmo. Na sua mente
passaram quadros dos últimos dias de sua vida e do cadáver inchado
daquele velho de setenta anos. Mas, imediatamente, sentiu vergonha
de seus pensamentos e seguiu-o sem mais comentários.

A chalana pousou suavemente numa espécie de plataforma ilu-


minada.

Saíram da nave e se encaminharam por um longo corredor, que


terminou num parque iluminado pelo luar. No meio do terreno, tape-
çado de uma erva que reverberava à luz da Lua e pontilhado de árvores
simétricas, erguia-se um enorme edifício que se alongava para os fun-
dos do parque. Ela ficou olhando aquelas árvores que sempre lhe cha-
mavam a atenção pela simetria. Para ela, que gostava das flores de
plástico da Terra, elas pareciam ser de plástico colorido. Reparou tam-
bém que em todas elas estavam dependurados medalhões com inscri-
ções que ela não distinguia. Estranha música pairava no ar, mas Neiva
não tinha muita certeza que se tratasse de música. Parecia mais um
som agradável, um zumbido modulado, Johnson quebrou o silêncio:
583

- Aqui, Neiva! é um hospital de recuperação da Casa Transitória


e também um ponto de partida para Capela. Apontou para um lado que
Página

Neiva ainda não olhara e ela viu várias naves de grande porte, que se
pareciam muito com os zepelins da Terra, só que tinham enormes jane-
las, cuja luz amarelada se destacava na luz branda do luar. Chegaram ao
saguão do enorme edifício e Neiva se preparou para o choque. Sentia
saudades e um certo receio. Ficou olhando as pessoas que se movimen-
tavam nos seus afazeres e momentaneamente sozinha. Johnson e Eris
conversavam com alguém junto a um balcão. Nisso, ouviu seu nome e a
voz do seu Lino, que a chamava. Levantou os olhos receosa e viu diante
de si um homem que aparentava uns quarenta anos, cujo sorriso amplo
revelava os dentes alvos e perfeitos. Trajava roupas semelhantes aos
capelinos e tinha um ar saudável e desenvolto. Ela custou acreditar que
estava diante do Velho Lino!

Daquele pobre velho, inchado e desdentado, só restava o ar de


serenidade e segurança que caracterizavam seu espírito evoluído. Ele
estendeu a mão sempre sorrindo e olhando-a com ar carinhoso.

- Neiva, que satisfação em vê-la! Queria muito lhe agradecer o


tanto que você fez por mim, até meu desencarne. Tudo que sou devo a
você e à UESB. Mas, principalmente você, que me amparou com seu
amor e seu carinho. Graças à Deus!

Neiva estava tão emocionada que não conseguia falar. Sentia as


lágrimas descerem pelo seu rosto e procurou, como fazia na Terra, um
lenço para disfarçar...

A diferença que se operara no seu Lino era fantástica. Há apenas


alguns meses, ele deixava um corpo esverdeado pela infecção, como
um fruto apodrecido, um ser humano sofrido e pobre. A figura que ti-
nha agora diante de si era de um homem em plena forma e com a tran-
584

qüilidade de um ser humano realizado. Pelo seu espírito passaram as


mais variadas implicações, comparações, lembranças, doutrinas e tudo
Página

que aprendera. Quantas conclusões, quantas provas de multiplicidade


do espírito, da veiculação variada, de corpos e personalidades ocupa-
dos por um mesmo espírito! E que pensar na fabulosa capacidade mol-
dadora, na maleabilidade da matéria nos planos fora do físico? Ali, na
figura esbelta de seu Lino, estava a prova viva de cada uma daquelas
assertivas. Enquanto refletia, ia ouvindo os comentários do seu Lino,
que lhe contava com sobriedade o que acontecera desde que chegara,
trazido pelos médicos do espaço. Enquanto ouvia, percebeu que au-
mentara muito a movimentação de gente em torno do edifício e sentiu
certa curiosidade pelo que estaria acontecendo. Seu Lino apressou-se
em explicar que aquele povo todo estava de partida para Capela, inclu-
sive ele.

Neiva compreendeu a razão da presença de todas aquelas na-


ves. Viu que todas tinham grandes comportas, por cujas rampas pesso-
as iam e vinham. Era o embarque em andamento, como em qualquer
aeroporto da Terra. Lino continuou falando e pedindo notícias do pes-
soal da UESB, mas os sentidos de Neiva estavam alertas para alguma
coisa que pairava no ar, uma estranha expectativa. Notando seu esta-
do, Lino apressou-se a lhe explicar que a curiosidade era em torno da
espera de uma pessoa que estava chegando da Terra e que iria para
Capela na mesma frota que ele. Tratava-se de um político do Brasil,
muito conhecido e cuja influência fora muito grande nos destinos desse
País, pois fora um ditador. Daí a pouco, chegou um pequeno veículo e
pousou bem junto ao edifício. Dele saíram uns homens com roupas
semelhantes a enfermeiros. Levavam uma espécie de maca, e Neiva do
ponto onde se achava, distinguiu claramente as feições transtornadas
585

do homem. Subitamente, a palavra “ditador” calou na sua mente e ela


deu um grito:
Página
- Mas, seu Lino! exclamou... esse homem morreu há muitos a-
nos e só agora que está chegando aqui?

- Sim Neiva, de fato ele morreu há alguns anos, mas não conse-
guiu se desligar dos seus compromissos cármicos e permaneceu na Ter-
ra, ligado aos seus interesses. Por muito tempo continuou entrosado
com seus correligionários e ao magnetismo das mentes dos que o odia-
vam ou o amavam.

Ultimamente, porém, ele estava se imiscuindo com a falange


dos Falcões e os Mentores Espirituais acharam por bem retirá-lo de
circulação para que não se atrasasse. Era um homem honesto que se
deixara influenciar pelo orgulho e a desonestidade de muitos de seus
adeptos. As recordações de Neiva em torno do antigo ditador, cujo do-
mínio do País fora exercido justamente nos tempos em que ela era uma
viúva jovem e lutando pela vida, misturaram-se com o quadro que aca-
bara de presenciar e ela sentiu certo desequilíbrio.

Johnson então se aproximou e convidou-a gentilmente a se ree-


quilibrar. Ela, um pouco envergonhada pelo lapso momentâneo, reto-
mou sua compostura habitual. Johnson fez alguns comentários em tor-
no da viagem e Neiva notou que alguns dos veículos já haviam recolhi-
do as rampas de embarque. Viu nas suas janelas iluminadas as sombras
dos passageiros e Johnson comentou que eram espíritos que haviam
terminado sua recuperação na Casa Transitória estavam indo para Ca-
pela. A aparência entretanto era igual a uma plataforma de trens da
Terra com sua balbúrdia.
586

“Assim na Terra como no Céu”


Página

Pensou ela...
Nisso, seu Lino apresentou suas despedidas e Neiva notou que
ele estava muito alegre com a partida. Mais uma vez agradeceu tudo
que ela fizera por ele e disse:

- Deus lhe pague Neiva! por tudo. Creio que vai ser difícil a gente
se encontrar nesse mundão para onde vou.

Ela sentiu um aperto no coração e acenou para ele, que se en-


caminhava para uma das naves.

Uma a uma as naves foram decolando silenciosas e, aos poucos,


o terreno foi ficando vazio...

587
Página
“Cada inteligência se caracteriza pelas atribuições que lhe são próprias.
Sentirás que a estrada é longa e que se processa a cada passo,
lentamente, pelo chão.” 588
Página
VELEDA

A história registra que Veleda, que teria sido uma das encarna-
ções de Tia Neiva, vivia entre os Bructeri, mas sempre reclusa numa
torre, onde ela atendia aos que a procuravam, sendo suas respostas
interpretadas por um intermediador. Essa também era a forma como os
sacerdotes interpretavam as predições das pitonisas no Oráculo de Del-
fos, organizando as palavras e repassando-as aos consulentes. Assim, as
mulheres possuíam uma posição de grande respeito entre os germanos.
Eles acreditavam que havia algo de divino e profético nelas. Por esta
razão, sempre ouviam seus conselhos e acreditavam piamente nas pre-
dições de Veleda e de Aurínia. Ambas se tornaram tão famosas que
foram cultuadas quase como se fossem divindades.

Segundo Patrick Louth, em seu livro A Civilização dos Germanos


e dos Vikings, há uma descrição de Veleda, conhecida como "aquela
que vê", que consta do nono livro de uma obra denominada Mártires:
"Sua estatura era elevada; uma túnica negra, curta e sem mangas servia
apenas para velar sua nudez. Carregava uma foice de ouro presa num
cinto de bronze, e estava coroada com um ramo de carvalho.A brancura
de seus braços e da sua tez, seus olhos azuis, seus lábios rosados, seus
longos cabelos louros que esvoaçavam soltos caracterizavam uma jo-
vem gaulesa, e a suavidade do conjunto contrastava com seu porte alti-
vo e selvagem".

Apesar de Chateaubriand descrevê-la como uma gaulesa, e do


seu nome ser de origem céltica, Veleda era uma vidente germânica. Ela
589

só predizia aos germanos e exaltava os grandes chefes, tais como Civilis,


líder da rebelião dos batavos contra os romanos em 69 d.C.
Página
Quando a frota desse líder germânico se apoderou de uma frota
romana, ele ofereceu a galera pretoriana a Veleda. Enviada a Roma
como embaixatriz para negociar a paz, Veleda, sete anos depois, incitou
os germanos para um novo levante contra os romanos. Mais tarde, foi
aprisionada e deportada. Segundo o historiador Johnny Langer, em seu
artigo intitulado Religião e Magia entre os Vikings: Uma Sistematização
Historiográfica, a religião escandinava durante a Era Viking (séculos VIII
a XI) não era organizada, não possuindo templos, dogmas, sacerdotes
especializados ou orações. Limitava-se a cultos nos quais a magia era o
ponto central. No entanto, era muito objetiva, baseando-se na expres-
são "dou para que me dês". Geralmente, o escandinavo escolhia um
fulltruí (protetor), que chamava de amigo, portando, inclusive, um amu-
leto com sua imagem. Invocava o seu deus sob a forma de petição e
não de oração: "Ofereço-te isso e me darás aquilo em troca". Como não
havia uma ordem sacerdotal constituída, cabia aos reis e chefes o mi-
nistério da fé nos deuses. Na Islândia, eles eram conhecidos como
goðar (singular goði). O blót era um sacrifício semidivinatório e semi-
propiciatório, considerado como o grande ritual da magia germano-
escandinava. Sua finalidade era reforçar os poderes da divindade, para
que esta pudesse realizar aquilo que era desejado pelo fiel. Assim como
as germanas, as escandinavas estavam diretamente ligadas à religião.

Abaixo, trecho de carta de Tia Neiva sobre Veleda:

"... Veleda foi chamada a Roma, onde sua fama tinha chegado,
para ver o quadro do Imperador Vespasiano. Quando chegou a Roma,
não conteve seu desprezo pela vida que levavam. Naquela época, a
590

cidade atingia o apogeu de sua vida de devassidão e orgias. Conduzida


até ao Imperador, Veleda previu a invasão dos Vikings, os guerreiros
Página

mascarados, que vinham do Norte, iriam destroçar os romanos e liqui-


dar a cidade. Cheio de ira, Vespasiano mandou prendê-la. "Veleda é
uma feiticeira e não há lugar para ela em Roma", dizia ele. Decidiu que
somente a morte seria o castigo para quem ousava dizer que Roma
teria um fim. Vespasiano mandou levar Veleda à praça pública, onde
exposta ao povo, seria julgada pelo crime de prever o fim de Roma.
Junto a uma cruz, Veleda recebeu com carinho e amor, aqueles que a
seguiam, que a entendiam como espírito superior que era, e, já saben-
do o destino que a aguardava, despediu-se de seus guerreiros e suas
tropas. Depois, conduzida por centuriões romanos, foi amarrada a uma
biga, sendo esquartejada pelos cavalos a galope. Agora, no dia 1º de
maio de 1980, revivemos os últimos momentos de Veleda, e penetra-
mos no nosso Quinto, porque Veleda era uma conjunção de cinco Raí-
zes, e representava uma força viva. Salve Deus! Tia Neiva."

591
Página
Página 592
CICLO 7 (ESTRELAS)
85) O Homem do Chapéu Branco Pág. 595
86) As Reinvenções de Tia Neiva Pág. 597
87) O Jaguar Pág. 602
88) O Mortinho Pág. 609
89) O Acidente Pág. 618
90) Visão do Futuro Pág. 625
91) O Cacique Guerreiro Pág. 631
92) O Castelo Pág. 642
93) O Incêndio Pág. 651
94) Colegas Pág. 658
95) O Bispo Pág. 667
96) Os Exus Pág. 673
97) Amanto Pág. 681
98) O Chegante Pág. 691
99) Umahã Pág. 703
100) Isadora Pág. 712
101) Parto Difícil Pág. 719
102) Cascavel Pág. 727
103) Judas Iscariotes Pág. 735
104) A Moça X Pág. 739
105) Troca de Rosas Pág. 743
106) Jesus de Nazaré Pág. 746
107) O Quinto Ciclo da Terra Pág. 751
108) O Livro Koatay 108 Pág. 756
593
Página

Boa Leitura!
“O tempo mudou a vida. Vamos procurar atualizar os nossos pensa-
mentos para criar e desenvolver aquilo que a noite nos mostrou.”
594
Página
O HOMEM DO CHAPÉU BRANCO

Você sabia?

Que já na década de 80, Tia Neiva mediante seus fenômenos de


clarividência, ventilava pelos "Corujões" das madrugadas a figura de um
HOMEM usando um CHAPÉU BRANCO, que conquistaria multidões,
pregando a salvação através de seu poder e feitos; Contava ela que
seus feitos seriam tão extraordinários que poderiam enganar até mes-
mo um médium de nossa corrente, que não estivesse seguro em si
mesmo! Falsos Profetas? Muitas profecias apontam para a chegada do
tão falado ANTICRISTO, cuja figura se alicerça também nestas caracte-
rística, sendo este portador de talentos capazes de conquistar a aten-
ção mundial. Sabemos, sentimos que se aproximam os momentos críti-
cos da transição planetária e que justamente em meio ao CAOS é que
surgem OPORTUNIDADES e OPORTUNISTAS; Portanto ORAI E VIGIAI.

"(...) Nos Templos do Amanhecer, Uma nova estrela surgiu, Aler-


tando que é chegada a hora, De tudo que Jesus previu... ALERTAI, À
MISSÃO, ALERTAI, ALERTAI, MISSIONÁRIOS, ALERTAI!"

Por fim, vale lembrar que os VALES NEGROS estão cada vez mais
organizados, e sempre atentos a movimentação humana, inclusive cien-
te das previsões, o que nos faz também cogitar que estas profecias po-
dem vir a se realizar por outros caminhos, talvez imperceptíveis aos
olhos do corpo físico, mas sensíveis aos do espírito, sendo nosso racio-
cínio lógico arrimado com o poder da intuição nossas reais garantias de
boas escolhas, no que tange pensamentos, palavras e ações.
595

"Entre o bem e o mal, o ocultismo não admite transigência; cus-


Página

te o que custar, é preciso fazer o bem e evitar o mal." Mestre Umahã


“O recalque é o sentimento dos que não tem
capacidade de assimilar os seus conflitos.”
596
Página
AS REINVENÇÕES DE TIVA NEIVA

Título da Reportagem:

“As histórias esquecidas de três mulheres que mudaram o desti-


no da capital do país”

Mulher de rosto esculpido na madeira e olhos de amansar leão,


Neiva Chaves Zelaya chegou chegando. Já era dona de si desde a viuvez,
oito anos antes, quando havia começado sua solitária revolução, nos
confins de Goiás, nos anos 1940.

Sergipana de Propriá, cidadezinha à beira do Rio São Francisco,


filha de um topógrafo, a menina Neiva acompanhava o pai nas viagens
a trabalho. Adolescente, mudou-se com a família para Jaraguá, municí-
pio goiano colado em Ceres.

Como todo destino tem uma geografia, o de Neiva começou na


cidade onde o engenheiro Bernardo Sayão implantou a Colônia Agrícola
de Ceres, que deu início à Marcha para o Oeste, programa de Getúlio
Vargas para ocupar o centro do Brasil.

Aos 18, casou-se com Raul Zelaya Alonso, secretário de Sayão na


colônia agrícola. Era o destino enredando Neiva, sem que ela soubesse
– nunca se sabe. Tiveram quatro filhos, Gilberto, Carmem Lúcia, Raul e
Vera Lúcia, nascidos em carreirinha. Viúva aos 23, defendeu a balas o
direito de ficar com as crianças.

Quando o marido morreu, os sogros, argentinos, vieram a Ceres


597

para levar os dois netos mais velhos. Não conseguiram por bem, quise-
ram conseguir por mal. Hospedaram-se numa pensão e arregimenta-
Página

ram um homem da cidade para ajudá-los na empreitada.


Carmem Lúcia, a filha mais velha, conta essa história no livro
Neiva, sua Vida pelos Meus Olhos:

“Dona Jovelina, proprietária da pensão, estranhou ter dois es-


trangeiros como hóspedes, ainda mais em busca de pessoa de má índo-
le. Escutando a conversa, ela descobriu que meu avô estava querendo
contratar o bandido para roubar os dois netos. Com muito jeito, puxan-
do conversa como se não tivesse intenções, a senhora acabou desco-
brindo que se tratava dos filhos da jovem que acabara de enviuvar. A-
pavorada, Dona Jovelina mandou avisar mamãe.

Dona Josefa [segunda mulher do sogro de Neiva] não contava


que todos na pequena cidade conhecessem e admirassem a bela viúva
de Raul Zelaya Alonso. Alertada do plano, mamãe se preparou com a
força das leoas para defender sua cria. Quando o bandido chegou, foi
recebido a balas.

Felizmente, a pontaria dela era terrível e o homem não foi feri-


do nem de raspão. Ainda assim foi intimada a prestar esclarecimentos
ao delegado, sob a acusação de tentar matar um homem. Ao chegar à
delegacia, surpreendeu-se: no recinto estavam meu avô e Dona Josefa,
que xingava mamãe o tempo todo, em castelhano. Mamãe, por sua vez,
completamente indignada, subiu na mesa, sacou da arma e apontou
para Dona Josefa, no que foi contida pelos soldados.”

Os dois argentinos foram embora e Neiva, liberada para seguir


protegendo os filhos.Para dar conta de cuidar da família, juntou o que
tinha e montou o Foto Neiva. Bastante oportuno para a cidade de Ce-
598

res, que já começava a receber a visita de jornalistas, pesquisadores,


viajantes brasileiros e estrangeiros, todos atraídos pela colônia agrícola
Página

e pelo magnetismo de Sayão.


Não muito tempo depois, complicações respiratórias causadas
pelos produtos químicos de revelação das fotos a fizeram vender a loji-
nha. Decidiu então se aproximar do ar puro da natureza. Comprou uma
chácara, colhia e vendia o que plantava, mas o trabalho exaustivo e a
fiel inquietude a fizeram trocar tudo por um caminhão. E se transfor-
mou no que hoje se diz, como lenda, a primeira caminhoneira do país.
De calças de brim, botas, camisa de mangas compridas, era quase uma
miragem de filme do oeste americano.

A essa altura, já tinha perto de si uma adolescente, Gertrudes,


que a ajudava a cuidar dos filhos. E sai pelas estradas fazendo fretes, às
vezes com as crianças e a jovem babá; outras, sozinha. (Mais tarde,
adotou a garota, que passou a assinar Gertrudes Chaves Zelaya).

Biógrafo de Neiva, o historiador Marcelo Reis aponta um traço


determinante na personalidade da líder religiosa: o sentido de alterida-
de, o amor pelo outro. “Estabelecer alianças e larguear seu círculo de
afetos se anunciou e se afirmou uma estratégia vencedora em sua ex-
periência religiosa e pessoal.”

A caminhoneira passou a percorrer o mapa do centro ao Sul do


país. Levava os filhos quando a distância era longa e a viagem, demora-
da. Parava em alguma cidadezinha, alugava uma casa e seguia fazendo
transporte e fretamento. Em Itumbiara (GO), aconteceu o primeiro fe-
nômeno mediúnico, que a deixou desacordada por seis dias.

Numa viagem ao Nordeste, levando turistas, roubaram seu ca-


minhão. Por um curto período virou costureira, até que, em 1954, foi
599

trabalhar como motorista de ônibus urbano em Goiânia. Talvez a pri-


meira mulher na profissão, mais uma vez. Nos dias de folga, era repór-
Página

ter da revista Vera Cruz. Logo juntou dinheiro, comprou novo caminhão
e começou a prestar serviços para a Prefeitura de Goiânia. Chega 1957,
o ano em que Brasília começa a ser construída. Todo o Brasil observa o
sonho desvairado de Juscelino e dos goianos. Atenta, Neiva sabe que é
a hora e que no quadradinho há alguém que ela conhece, Bernardo
Sayão, um dos poderosos da nova capital, diretor de Obras da Novacap.

Em Brasília, onde todos pareciam contaminados por uma loucu-


ra fabril, a caminhoneira de 32 anos começa a ter sucessivas visões e a
ouvir vozes. Procura ajuda na Igreja Católica, nos terreiros de matriz
africana, no espiritismo, na medicina. Ficaram então uma data, 6 de
julho de 1957, e um lugar, um consultório no HJKO (o Hospital Juscelino
Kubitschek de Oliveira, hoje Museu Vivo da Memória Candanga). Nesse
dia e local, a paciente Neiva diz ao médico o que vem lhe acontecendo
– e vê, segundo seu relato, a imagem do pai atrás do biombo, com
quem conversa sobre assuntos familiares.

Daí em diante, Neiva começa a se transmutar em Tia Neiva e a


estabelecer os fundamentos do Vale do Amanhecer. Cria um abrigo
para crianças, dá comida aos esfomeados e, com Maria de Oliveira, a
Mãe Neném, funda a União Espiritualista Seta Branca. É a fonte seminal
do Vale do Amanhecer, comunidade religiosa que até hoje impressiona
o mundo. Em maio passado, o mais importante jornal inglês, The Guar-
dian, fez um ensaio fotográfico na sede do Vale. Lucio Costa, humanista
sem crenças religiosas, visitou o Vale do Amanhecer numa das poucas
vezes que veio a Brasília. É o que diz sua filha, Maria Elisa Costa. Talvez
quisesse saber um pouco mais sobre essa estranha vocação brasiliense
para mirar o mistério.
600

Tia Neiva morreu em 1985, aos 60 anos, de complicações respi-


Página

ratórias.
“Não somos políticos; porém, temos como obrigação
obedecer as Leis e cumprir com dignidade o que nos regem
os governantes de nossa Nação.” 601
Página
O JAGUAR

O sal, declinando no poente da tarde, dava um estranho colori-


do à Estrela Candente. O Lago do Jaguar reverberava em cores múlti-
plas, enquanto as primeiras sombras da noite próxima davam um senso
de paz e de outra realidade. Sentados na amurada do Radar de Coman-
do da Unificação, Neiva e Nestor conversavam. O Primeiro Mestre Exe-
cutivo discorria sobre a vida no Vale do Amanhecer e seus problemas,
procurando, de forma carinhosa e filial, auscultar a mente de Neiva e
obter respostas para suas preocupações de missionário.

"Porque – perguntava ele – porque a humanidade não nos des-


cobre melhor, parecendo que estamos sós neste mundo?"

"Porque, filho – respondeu ela – porque tudo o que nós estamos


fazendo é levar a mensagem do terceiro Milênio para todo este univer-
so, com nossas indumentárias e com a nossa conduta doutrinária. Vinte
e cinco anos, vivendo do amor e luz.".

"Acho que não soube fazer a pergunta certa, disse Nestor, talvez
eu quisesse perguntar por que a sua clarividência, que é um fenômeno
tão fora do comum, tão extraordinário, não causa maior impacto, não
desperta a curiosidade dos cientistas, dos teólogos. Para mim, continu-
ou ele, este Vale deveria estar efervescendo de curiosidade..."

E exatamente porque os impactos de minha clarividente não


bastavam é que veio, então, a vida iniciática, com suas cores vivas e
seus poderes. Só assim é que tivemos a oportunidade de exibir a obra
602

ao seu autor e também junto aos povos.


Página
Veja, Nestor, como as vibrações foram tomando lugar em toda a
nossa doutrina, nas cores, no Templo e, por fim, nesta Estrela Candente
esta grandeza que emite suas Amacês e a energia do Jaguar, para a cura
desobsessiva dos cegos, dos mudos e dos incompreendidos. As vibra-
ções aumentaram sem que precisássemos nos afastar do Evangelho um
minuto sequer. Sempre, porém, Jesus O Caminheiro, em sua jornada
evangélica iniciática, sem dor e sem sofrimento, ensinando a cura de-
sobsessiva e colocando o espírito no caminho de Deus Pai rodo podero-
so. Não podemos garantir que tudo o que está para vir aconteça aqui.
Porém haverá alguma mudança estrutural e benéfica, que irá alterar os
rumos do pensamento humano, abalando os alicerces da cultura ances-
tral, consolidada na velha estrada e isso acontecerá aqui.

Filho, não deve interessar ao homem o seu vizinho, mas sim, a


função que ele desempenha. É verdade que não podemos separar a
obra do.seu autor, porém, quando eu daqui partir dirão: "o doutrinador
e a sua doutrina". Por isso, meu filho, esqueça essas preocupações de
avaliação social, em termos dos componentes ativos, nesta jornada
para o terceiro Milênio.

Antes eu pensava porque essas Amacês não aparecem nos


grandes centros, e obtive a resposta: primeiro, devido ao respeito às
velhas teorias do homem - ainda é cerco para mudar estrutura; secun-
do, porque Jesus já respondeu a essa questão, quando considerou que
as mentes dos pescadores eram mais sadias... e não quis desperdiçar o
seu pouco tempo de vida na terra discutindo com os rabinos das sina-
gogas...
603

Neiva parou, e o silêncio se prolongava em torno dela, no cre-


Página

púsculo daquela tarde calma e tranqüila. Seu olhar se alongava no infi-


nito nas grandes coisas da vida. Havia no ambiente um misto de eterni-
dade e doçura. Nestor, o jovem Jaguar da Centúria, sentia as palavras
de Neiva. Nada lhe doía mais do que quando Neiva lhe falava em parti-
da. "... Porém, quando eu daqui partir... O Doutrinador e sua doutri-
na..."

Quadros lhe passaram pela memória. Neiva sempre rodeada de


gente simples. Vez ou outra um “doutor” na roda... Jesus atento com
aqueles rústicos pescadores... Lembrou-se de uma aula de Neiva em
que ela contara um episódio da vida do Mestre:

Ele chegara a casa e Maria, sua mãe, lhe preparara um aposento


arrumado com carinho maternal. Para seus discípulos ela fizera um ar-
ranjo no estábulo. Pela manhã do dia seguinte, ela encontrou o aposen-
to intacto, e descobriu Jesus dormindo no estábulo com seus rústicos
pescadores... Neiva voltou de seu enlevo, Seu discípulo inclinou a cabe-
ça atento. Ver e viver. Antes que os sinais da angústia nos obriguem, a
ver com outros olhos as novas perspectivas, e nos compliquem... Para
se entender, em novas ciências, o que há de mais simples: amor e
Deus...

– Porque foi escolhido o Jaguar? – perguntou Nestor.

Porque ele é um espírito espartano, é o Cavaleiro Verde, o Cava-


leiro especial. Também porque ele vem de um processo penoso, de sua
mente científica na luta de Séculos, neste mesmo solo. Hoje sua per-
cepção nos afirma, filho, que os tempos chegaram e não dá mais espa-
ço para as polêmicas, mas tão somente para a sensibilidade do homem
iniciado, do homem que não descansa na grandeza de luta e é agracia-
604

do pela grandiosidade das energias trazidas do Prana, para retirar a que


necessita do seu psiquismo , particular para as respostas às Perguntas
Página

que emergem do fundo do seu coração.


Este homem, este Jaguar é fácil de ser encontrado. Ele é grossei-
ro e sagaz porque é oriundo das cordilheiras espartanas. Porém, ele
não suporta ver alguém sofrendo; sai logo, aflito, procurando socorrer
quem quer que seja. E logo se torna amável, requintado, afetuoso, sen-
sível às dificuldades dos povos. Sempre que a missão se apresenta sua
mão é forte, seu amor espontâneo; não tem superstições nem falsos
preconceitos.

O Jaguar ama verdadeiramente sua Doutrina e faz dela o seu sa-


cerdócio. Ele acredita na vida e sabe se promover embora seja boêmio.
Sua mente é livre de qualquer crença que não seja' autêntica e não lhe
permita ser ele mesmo. Os Jaguares são sabedores de que a última
grande iniciação da humanidade ocorreu pela espontaneidade, unifi-
cando e aproximando o homem da sua individualização. Sabe também,
que em todo nosso universo o homem está sendo sacudido, no fundo
do seu ser, de maneira autêntica e poderosa.

A Doutrina do Amanhecer, ou Doutrina do Jaguar, explica que o


homem que tem conhecimento de si mesmo, aumenta sua intensidade
vibratória, e isso é o que acontece nesta tribo de Jaguares. Porque só
poderá receber tais iniciações, aquele que tiver todas as suas células
despertadas, isto é, a célula mental e a célula etérica, livres de supersti-
ções.

"Mas, interrompeu Nestor, e a humanidade? A senhora falou do


Jaguar e do Doutrinador; e como fica o homem comum?"

O Jaguar espera pela humanidade para o próprio adiantamento


605

dela. Sim, filho, a humanidade e o planeta com seus outros seres estão
na luta universal. Seu único objetivo é infundir no homem a necessida-
Página
de dos últimos preparativos para que essa passagem seja uma conquis-
ta harmoniosa.

Sim filho, se a homem se mantiver numa doutrina unificante, na


passagem das grandes Estrelas, Sívans, Harpásios, Taumantes, Tenários,
Tizanos, Cautanenses, Vancares, Sumayas e Sardyos, se ele conseguir a
grande fusão e assim souber, espontaneamente, emitir na grande
transmutação, ele será protegido e terá a bela condição que é a salva-
ção de uma vida para outra. Porque essas estrelas foram dispostas co-
mo um verdadeiro arsenal de forças para a transição de uma vida para
a outra. Meu filho, o mundo está bem perto do inevitável, da transfor-
mação que afetará todos os seres de corpo humano. Então filho, sabe-
mos que não podemos ficar a mercê dessa transformação olhando para
o céu, se sofremos os desatinos de nossos destinos cármicos. Mas, nada
temos a temer, pois é sabido que a dor faz o homem humilde e o ama-
durece para Deus. Assim será a situação do homem brevemente, diante
do imenso painel da realidade universal.

"E como a senhora vê esse painel?"

Vejo que as coisas que hoje desperdiçamos nos faltarão ama-


nhã. Sem saber que já amanheceu, o homem chorará a falta do céu
azul, do sol, da lua e das campinas verdejantes. Sem saber onde pisar
ele estará correndo o grande perigo da desintegração. Enquanto Isso,
filho, o homem que já adquiriu as suas asas, esse estará provido da
candeia viva e resplandecente, na sua jornada missionária para alimen-
tar e reintegrar os que perderam a sua rota.
606

"Será então a escuridão de que falam as profecias?”


Página
Sim filho, a escuridão é a falta de visão , do conhecimento das
coisas do céu, do homem que e conduzido pela sua mente sem Deus, e
que por isso poderá perder a sua rota e entrar no processo de desinte-
gração. Eis o perigo dos que levam a vida na inconsciência, sem saber o
que está acontecendo acima ou abaixo de sua cabeça. É triste, muito
triste. Filho, como era triste a vida sem o Doutrinador. Pense na falta de
luz, tendo os pés na beira dos pântanos. Entretanto, Deus, o Grande
Deus, o imenso farol deste universo, que nos deu Jesus seu filho, que
tanto sofreu por nós, e cujo grandioso exemplo de amor continua a
emitir do céu luzes para quem precisa, ou para quem já passou o tempo
de brincar, e está consciente de sua jornada evangélica. A esse homem
nada lhe falta, pois ele sabe que a hora é chegada pela presença do
Verbo que seque a luz evangélica de Nosso Senhor Jesus Cristo, servin-
do de uma vida para outra, desintegrando e reintegrando na força ab-
soluta de Deus Pai todo poderoso.

E isso é que representam as Divinas Estrelas do Sétimo Verbo,


da origem do Santo Verbo Encarnado, Deus, Pai e Filho. São elas, Acelos
do 2º Verbo, Ceanes do 2º Verbo, Geiras do 3º Verbo, Gestas do 3º
Verbo, Gertaes do 2º Verbo, Xênios do 2º Verbo, Vanulos do 3º Verbo,
Mântios do 2º Verbo, Teizes do 3º Verbo.

São as estrelas que trazem a faixa evangélica e iniciática da vida


e da morte. Nesse ponto a noite já se alongava silenciosa e o Solar dos
Mestres, como era também chamada a Estrela Candente, se fazia silen-
ciosa, ouvindo-se apenas o chiar do Neutrom, a chamada voz do Silên-
cio. Nestor ajudou-a a se erguer e a foi conduzindo lentamente para o
607

carro. O Jaguar Executivo procurava memorizar o mundo de coisas que


acabara de ouvir. Neiva lendo seu pensamento parou ofegante, sorriu.
Página

Não se preocupe Nestor que vou lhe dar tudo isso escrito.
“O enigma do mundo tem agora um farol que brilha: o Doutrinador!”

608
Página
O MORTINHO

O dia da Casa Grande declinava na balbúrdia habitual. Neiva,


cansada de uma atividade ininterrupta e exaustiva, reclinou-se na pol-
trona junto à sua mesa. Nestor entrou silencioso e sentou-se junto a
ela. Ela abriu seus olhos profundos e um brilho de carinho maternal
animou seu olhar.

"Tia, disse o Jaguar, o começo de sua clarividência deve ter sido


muito complexo, não foi? Se a senhora está disposta hoje, me conte
como foi o seu começo".

Filho, quando a vida missionária se descortinou na minha frente,


tudo se modificou. Nesse tempo, no meu peito só havia lugar para ter-
ríveis conflitos que me empurravam para o abismo de uma obsessão.
Porém, mesmo em meio a esse conflito, minha mente buscava uma
verdade; essa verdade era Jesus, Jesus o Caminheiro, o homem divino e
absoluto, que caminhava nas margens do Rio Jordão. Aquele que ali-
mentava os pobres e não se preocupava com os rabinos e os doutores
da lei, que lhe haviam virado as castas.

Então, em meio aos maiores conflitos eu formava na mente a


imagem daquela rica mensagem, Jesus, e sentia sua verdade em todo o
meu ser. Uma vez firme, entreguei a Jesus os meus olhos, pedindo que
os arrancasse, se eu, por vaidade, enganasse alguém em seu nome. Daí
para frente, filho, deixei de me preocupar com os valores sociais e pe-
netrei com respeito no mundo dos espíritos. Mas, como se não bastas-
se a minha grande dor, e como se todos fossem alheios aos meus con-
609

flitos, chegavam de mil lugares diferentes críticas, principalmente de


estar rodeada de pessoas pobres e, as vezes, até aleijados. Isso aumen-
Página

tava muito minhas angústias, fazendo com que aquela mulher que exis-
tia dentro de mim começasse a se apagar, ela estava se ausentando de
si mesma.

Oh meu Deus. É difícil animar o corpo quando a alma está au-


sente!

Filho, quantas vezes recusamos a água, sabendo que não pode-


mos viver sem ela!

Nesse tempo comecei a aprender a viver no meio de uma multi-


dão silenciosa que me assistia e de outra, barulhenta que me exigia
respostas. A primeira, invisível, estava sempre Influenciando, ajudando
na aproximação de mundos inesperados, e só Deus sabia o que chegava
ao meu misterioso mundo interior. Por isso não sabia mais sorrir.

"Sem luta não há evolução" – dizia Yara. Falava-me deixando


que eu visse o seu semblante, que eu não me cansava de admirar.

Houve um, dia Porém que ela chegou com ar mais sério.

"Neiva, disse ela, já fiz de tudo para chegar até você. Já me fiz de
aleijada dando o nome de Adelina, mas desta vez a farei saber que o
amor é a arma imponderável do espírito missionário. Você já não tem
escolha pois a sua missão é divina".

Eu respondi com algumas Palavras compungidas, mas ela as re-


peliu.

"Em nenhuma de suas vidas você foi piedosa e é por isso que
610

você agora foi escolhida".

Nestor que ouvia atentamente este relato, interrompeu.


Página
“Mas Tia, não estou entendendo isso que Mãe Yara lhe disse.
Quer dizer que a senhora foi escolhida para esta missão porque nas
vidas anteriores nunca foi piedosa?”

Exatamente, meu filho. Nem mesmo eu naquele tempo entendi


isso, mas hoje sabemos muito bem o por que. A piedade é a vida religi-
osa artificial e supérflua que não combina com a força do Jaguar. Como
poderia eu criar o Doutrinador? Mas, deixe-me continuar o relato de
meu diálogo com Mãe Yara. Ajude-me, me ilumine, continuei, para que
seja o que Deus queira que eu seja. Ajude-me para que eu possa aban-
donar os tristes hábitos do meu passado, Haverá alguém que por acaso,
goste de sofrer?

"Não será preciso repudiar os seus tristes hábitos. Não se es-


queça de que o belo é o resplendor do verdadeiro. Não saia de você
mesma, ame o que sempre amou e recuse o que sempre recusou. A
única diferença Neiva, é aprender a tolerar os seus amigos, até que vo-
cê se faça acreditada. Esse será o período mais difícil de sua missão,
porém, só Deus conhece Deus”.

Esta última afirmação de Mãe Yara me alarmou e perguntei-lhe:

A senhora não conhecer Deus?

“Sim, eu conheço Deus em sua figura simples e hieroglífica, co-


mo você o conhece”.

Fiquei sem entender e ela continuou...


611

“Hieroglífica, sim Neiva. Deus é o poder supremo em todas as


coisas. Neste planeta, nas plantas, impregnando o prana no aroma das
Página

matas frondosas, no mar, no espaço, nas estradas, na porta estreita da


vida, na alegria, na dor e no fundo do nosso coração. Neiva, Deus é a
energia luminosa que desencadeia as reações dos seres vivos, dos vege-
tais, que vive no ambiente inorgânico e gera pelo seu sopro. Neiva, seja
o mais otimista que puder e permaneça ligada a Jesus”.

E o Cacique Guerreiro Tupinambás? Posso falar com ele?

“Sim, Neiva, o Seta Branca?”

o que vem com uma Seta nas Mãos.

“Diga comigo, meu pai Seta Branca”.

E assim, Mão Yara foi me preparando para o relacionamento


com os espíritos. Havia períodos em que eu me saía bem; outras ocasi-
ões eu estrilava ou não entendia. Certa ocasião uma jornalista, muito
amiga, veio passar alguns dias comigo. Ela tinha sido freira durante dez
anos. Contei-lhe tudo o que se passava comigo e ela me deu muita for-
ça para que eu continuasse. Num daqueles dias, a tarde, fomos para
uma festinha na Novacap. Havia muita alegria e o pessoal estava eufó-
rico. Eu estava sentada num banco junto a parede, acompanhando a
algazarra, quando alguém passou por mim com uma bandeja cheia de
copos de cerveja. Estendi a mão para apanhar um copo quando ouvi
uma voz bem mansinha no meu ouvido...

“Neiva, não beba, veja, esses copos estão sujos...”.

Eu vacilei, sem saber o que fazer e permaneci com a mão esten-


dida, enquanto a bandeja passou. Alguém, perto de mim percebeu que
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eu não apanhara o copo e se levantou fazendo menção de ir pegar um


para mim. Nesse momento aconteceu algo inesperado: alguém esbar-
Página

rou num copo cheio de cerveja derramando em mim e no meu presti-


moso amigo. O incidente quase provocou uma briga. Eu estava com
uma calça bege que ficou encharcada de cerveja. Na confusão que se
seguiu, muitos se aproximaram de mim, querendo saber o que havia
acontecido. A minha amiga jornalista se divertiu muito com o incidente.
Eu por minha vez passei o resto da festa sentada com meu inesperado e
prestimoso protetor. Ele era um engenheiro que havia checado recen-
temente que só falava na Novacap e na família que deixara em casa. Eu
me lamentava. Sabe Bené, eu vi quem derrubou aquele copo! Ele me
olhou e me disse com ar paternal: "Deixe de se impressionar, Neiva,
assim você vai acabar ficando louca".

Os dias foram passando e meu conflito aumentando. Um dia


tomei uma decisão e junto com minha amiga fui falar com Dr. Sayão.
Ele era amigo de minha família, tinha sido o chefe do meu falecido ma-
rido em Ceres e eu tinha muita confiança nele. Ele me ouviu com muito
carinho, pensou bem e me disse:

"Neiva, sabe, nós já temos um psiquiatra aqui no hospital do


I.A.P.I. Porque você não faz uma consulta com ele?".

Isso levantou minhas esperanças. No dia seguinte fui ao acam-


pamento do antigo I.A.P.I. onde havia um hospital construído em ma-
deira, aliás o único daquele tempo em que Brasília era apenas obras em
andamento. Eu gozava de muito prestígio entre o povo daquele tempo,
pois era a única mulher a dirigir um caminhão, de forma que não tive
muita dificuldade em conseguir o atendimento. O médico aparentava
ter uns 40 anos e demonstrava um ar de cansaço. Percebi logo que ele
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ainda não estava adaptado ao ambiente de obras e balbúrdia de Brasí-


lia. Embora tudo fosse de madeira, o consultório onde ele me atendeu
Página

era muito arrumado, não faltando inclusive o sofá alto para exame dos
pacientes, uma pia com torneira, uma estante com alguns livros e um
biombo num canto da sala. Ele olhou para minhas botas de cano alto e
meu culote, e vi por trás de seus óculos que ele não estava ainda acos-
tumado com nossa vida de acampamento, com as ruas enlameadas e
com o ar desenvolto que tais circunstâncias produzem nas pessoas.

Mas logo ele saiu de seu impacto, mandou-me sentarem frente


da mesa, pegou a caneta e uma ficha e fez as perguntas de praxe. no-
me, idade, ocupação, estado civil, etc. que eu respondi com certa impa-
ciência. Ele terminou a ficha, largou a caneta, colocou as mãos sobre a
mesa, fitou-me no rosto e perguntou gentilmente: "Então, em que pos-
so servi-la? o que a senhora está sentindo?"

Sabe, doutor, eu não estou me sentindo muito bem. Acho que


estou com estafa, estou tendo alucinações, estou vendo espíritos e o
pior e que estou ouvindo tudo. Ouvindo isso ele começou a abanar a
cabeça como se tivesse chegado a um pronto diagnóstico e foi logo
dizendo: "É, está me parecendo que a senhora está mesmo estafada.

Tem trabalhado muito? No que a senhora trabalha?"

Quando eu lhe disse com uma ponta de orgulho, que era moto-
rista profissional, pois quando eu respondera as perguntas da ficha eu
dissera apenas, "motorista", ele me olhou com mais atenção e continu-
ou com seu monólogo paternal. Nisto senti um calafrio percorrer minha
espinha e vi um vulto saindo de trás do biombo. Quase saltei da cadei-
ra, pois pensei que alguém estivera o tempo todo me espionando. O
médico deve ter notado minha repentina agitação, pois parou de falar e
me olhou com um ar de interrogação. O vulto foi se aproximando e,
614

embora eu continuasse a olhar fixamente para as mãos do médico so-


bre a mesa eu continuava a ver perfeitamente a figura que se aproxi-
Página

mava, notava suas feições macilentas e seu andar arrastado. Comecei a


sentir medo e com a mão direita e o polegar, comecei a mostrar para o
médico. Ele acompanhou o meu gesto e olhou na direção do vulto. Fez
um movimento com as duas mãos, como quem nada estava vendo e
reassumiu seu monólogo. Nisso o espírito parou e, com voz pastosa
falou: "Boa noite, boa noite..."

Meu gesto se tornou mais agitado, e eu comecei a apontar ner-


vosamente para o espírito enquanto ele começou a mostrar certa per-
plexidade. Enquanto isso acontecia minha mente entrou quase em co-
lapso tal a confusão em que me achava. Eu estava realmente vendo o
espírito ou era uma alucinação?

Tentando racionalizar as coisas eu esqueci até mesmo de minha


conversa com Mãe Yara e comecei a explicar ao psiquiatra que eu era
de origem católica, que tinha duas tias que eram freiras e um primo
que era padre, que já havia procurado o pároco do Núcleo e que ele
mandara como penitência que eu puxasse uma carreada de tijolos para
a igrejinha que ele estava construindo... O vulto já estava quase junto
de nós, e eu já estava me preparando para levantar da cadeira quando
o "mortinho" falou: “Diga a ele – e apontava para o médico – diga a ele
que sou o Juca, seu pai, eu sei que você está me vendo mas ele não me
vê, diga a ele que sou Juca, seu pai, eu morri há dois meses lá no Rio, eu
vim ver como ele está, nós éramos muito ligados, agora eu morri, mor-
ri... – e sua voz foi se tornando mais pastosa, mais sofrida.

Aí então eu não resisti mais e também não tive mais dúvidas.


Doutor, Doutor o homem, o espírito, o defunto, ele diz que é seu pai...”
615

– O doutor olhou-me apreensivo – “Meu pai” – Sim, seu pai, ele diz que
se chama Juca, e que morreu há dois meses no Rio...”
Página
Nem bem acabara de falar quando o médico se levantou, pálido, com
as feições transtornadas, os olhos quase fora das órbitas clamando com
voz rouca: "Meu Pai, meu pai, oh! meu Deus!, meu pai, onde?, a senho-
ra está vendo ele, como é que ele está?".

Não sei se foi aquela cena , patética ou se foi o fato de que eu


chegara com esperanças de meu caso ser de simples psiquiatria e poder
ser resolvido com remédios mas, a verdade é que naquele instante,
vendo o espírito de um defunto (que não parava de falar e acenar em
direção ao médico), vendo um cientista alucinado com a simples men-
ção de um mortinho, eu entrei em pânico, colapso nervoso, nem sei o
que... O fato é que me levantei com violência e tentei sair por onde
entrara. Não sei se a fechadura ou trinco emperrou, mas o fato é que
eu sentei o pé na porta com tal violência que a , porca abriu ao contrá-
rio e ficou dependurada nas dobradiças caídas. Com a mesma violência
entrei no meu Internacional e não respeitei nem seu “queixo seco”,
engrenei vigorosamente e saí sem saber bem o que estava fazendo.
Chegando em casa chorei, chorei muito.

616
Página
“Jesus nos coloca como discípulo ao alcance dos Mestres.”
617
Página
O ACIDENTE

Nestor impressionado, perguntou: “A senhora ficou preocupada


com as conversas com Mãe Yara, me diga, Tia, como era seu contato
com ela?".

Eu conheci Mãe Yara numa cadeira de rodas como uma senhora


aleijada que se chamava Adelina. Outras vezes ela vinha com uma rou-
pagem diferente e eu a chamava de “Senhora do Espaço", mas eu sabia
que era o mesmo espírito. Como Adelina ela fingia ser uma pessoa que
sofria muitas dores e que precisava de orações para se curar. Ela fazia
então que eu a acompanhasse rezando o Pai Nosso e foi assim realmen-
te que aprendi a rezar.

Depois da tempestuosa visita ao psiquiatra e depois de haver


chorado muito, comecei a me lembrar dos conselhos da Senhora do
Espaço: Se você insistir em pensar no mal, na dor, na doença, você atra-
íra essas coisas para si mesma. A planta extrai do solo vários elementos
medicinais; no entanto, precisamos conhecê-las, se quisermos nos ser-
vir delas, porque muitas são mais venenosas que o veneno das serpen-
tes.

Neiva, ajude sempre sem exigir condições, ajude com despren-


dimento, não exija agradecimentos nem espere gratidão. Na verdade
quem ajuda ao próximo, está na realidade ajudando a si mesmo: Não
minta para que o seu sono seja tranqüilo. Procure descobrir sua estrada
na vida, sem profetas nem profetizas. Cabe a nós descobrirmos o nosso
próprio caminho, a estrada que escolhemos e segui-Ia com nossos pró-
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prios pés. Desperte para a vida, para a verdadeira vida. Não desanime
frente aos obstáculos; eles São atraídos peja força dos nesses tristes
Página

pensamentos. Não se impressione com os sonhos e não fique a querer


interpretá-los; o sonho é a arma dos supersticiosos. Procure o lado bom
da vida, seja otimista. Procure subir e espere sempre o melhor; com o
coração esperançoso, teremos tudo das coisas boas e nobres que dese-
jamos. O pensamento e a palavra têm poder curador. O corpo é o veí-
culo através do qual, no planeta terra, se manifestam a alma e o espíri-
to, dos quais ele é apenas o reflexo material. Não transfira os proble-
mas, procure solucioná-los e só a Deus entregue o seu amor. Filha,
guarde as suas preces; um coração em conflito, muito pouco poderá se
elevar a Deus. Você vive uma densa noite, porem, eu não a abandona-
rei.

Pensei comigo: preferia que me abandonasse... – ela sorriu e


continuou:

"A sua luz filha, brilha de dentro para fora. Mantenha os seus
amigos, seja forte nos embates da vida. A purificação está além de tu-
do, dos falsos preconceitos sociais e das mesquinharias da vida. É muito
longo o caminho do amor, principalmente para você, que será um e-
nigma deste planeta até a sétima dimensão. Vá Neiva, vá caminhando,
distribuindo o bem que Deus lhe deu, com gestos de carinho, usando
sempre esta honestidade sã e pura. Você jamais será abandonada. Seja
alegre e confiante como sempre foi. Não deixe que a calúnia perturbe a
sua mente; não se nivele ao caluniador, para que não seja igual a ele.
Não responda e nem se altere; vá e continue sua estrada mesmo com
seus conflitos”.

"E seus pais, seus parentes, seus amigos, como é que eles esta-
619

vam vendo as coisas que lhe aconteciam?" – perguntou Nestor.

Realmente eu pensava muito neles. Meus pais... Como ficará tu-


Página

do isso? Eles não gostam de "macumbeiros" nem de mulheres inde-


pendentes, e só pela minha “ousadia” de ser urna viúva que queria vi-
ver sua própria vida, já me haviam expulsado de casa uma vez, iriam me
expulsar novamente? E meus tios, meus primos, padres e freiras, o que
iriam pensar? Mas afinal, pensava eu, porque eles não me dão prote-
ção?

Pelo que eu sabia o sacerdócio deles era um poder que protegia


a família até a quinta geração. Não restam dúvidas que eu lerei alguém
para me proteger, me ajudar junto ao céu, junto a Deus. Isso apesar de
eu ser uma viúva e de viver “em sacrilégio” conforme me disse uma vez
um padre. Neiva estava nessas cogitações, que a pergunta de Nestor a
colocara, quando lembrou do mesmo estado de espírito de muito tem-
po atrás, ocasião em que se encontrara de repente na presença de Mãe
Yara.

“Neiva, deixe de hipocrisias, isso não condiz com o seu espírito


evoluído.

Quantos anos de vida você já tem na terra?”.

Eu sou de 30 de outubro de 1925.

“Sim, filha, você tem 33 anos”.

É Mãe Yara, vou deixar um mundo que ainda tenho na minha


frente, um mundo que amo, no qual vibro e tudo isso para me tornar
uma beata curandeira.

"É verdade filha, se você não tiver uma superpersonalidade, vai


620

se tornar uma "mãe de santo" que é muito pior do que ser uma "bea-
ta". Sim, muito pior no seu caso, porque a mãe de santo veio preparada
Página

para ser isso, uma mãe de santo, enquanto que você veio para continu-
ar a jornada de Amon-Rá, de Ankhnáton e suas grandes realizações no
delta no Nilo... E o que dizer de Pítia de Delfos com seu Deus Apolo,
hoje unificado em Cristo Jesus, graças a essa mesma Pítia... "

Eu estava muito magoada, imersa em meus próprios conflitos e


não podia entender as misteriosas revelações que Mãe Yara me fazia.
Pítia, Apolo, Amon-Rá, Ankhenáton. Que seria tudo isso?

"Mas, perguntou Nestor, como era então o seu dia a dia, o seu
trabalho. A senhora ainda dirigia seu caminhão?"

Minha vida se complicou muito. eu me considero uma boa mo-


torista, e até então havia dirigido por muitas estradas desse Brasil; cor-
ro você sabe Nestor, nem os carros tinham a mecânica de hoje e nem
as estradas eram pavimentadas, a não ser umas poucas nos troncos
principais. Pois bem Nestor, eu era respeitada pelos meus colegas jus-
tamente por isso, por ser considerada uma boa motorista e boa com-
panheira.

"É Tia, eu já tive oportunidade de conversar com antigos colegas


seus daquele tempo e eles dizem isso mesmo".

Pois é Nestor eu estava com aquelas coisas que Mãe Yara havia
me revelado na cabeça, e meu coração estava, apreensivo com tanta
responsabilidade que me havia sido acenada. Um dia eu sai bem tarde
e ainda insegura sobre o que iria fazer. Meu carro estava fichado na
Novacap mas as tarefas eram sempre variadas. Mas sempre começa-
vam cedo e não era raro eu estar na rua as 5 ou 6 noras da manhã, com
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a carroceria cheia de candangos para serem levados para os canteiros.


Naqueles dias porém não eram só candangos que andavam no meu
Página

carro; muitas vezes aparecia uma senhora muito bonita e simpática que
vinha me dar conselhos: Mãe Matildes. Uma vez o Beto, meu filho, es-
tava comigo na cabine e Mãe Tildes chegou dando um recado: – Vai
Neiva, vai agora mesmo que tem uma mulher doente esperando por
você na sua casa.

Ora Nestor, eu estava perto da construção do Brasília Palace,


muito longe de minha casa no Núcleo Bandeirante e, por outro lado,
estava muito longe do interesse de curar uma pessoa,quem quer que
fosse, e me tornar "uma beata curadora". Reagi irritada com Mãe Tildes
– a senhora pensa que não tenho o que fazer? E minhas obrigações? E
meus filhos, como é que vou ganhar o pão deles de cada dia?

O Beto que nada estava vendo nem ouvindo ficou assustado.


Puxava-me pela manga e me chamava aflito, Eu nessa altura já havia
parado o carro e quando percebi a situação disfarcei o melhor possível
e expliquei a ele que eu estava conversando com um espírito. Mas nes-
se dia realmente não consegui lazer coisa alguma e voltei azeda para
casa.

Depois eu conto o que aconteceu nesse dia.

Mas, como eu estava dizendo, eu estava com aquelas coisas que


Mãe Yara falara, e nesse dia havia saído cerca de 10 horas da manhã e
sozinha.

Estava pensando em ir buscar o meu ajudante e guiava


re!ativamente devagar, pois o movimento no Núcleo sempre era inten-
so, as ruas muito cheias de buracos e o povo muito descuidado. Subi-
tamente, não sei como, meu carro passou por cima de dois homens que
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atravessavam a rua conversando descuidadamente. Tomei um susto


enorme e pisei rio freio com violência, a ponto de as rodas se arrasta-
Página

rem no barro. Meu coração quase saiu pela boca e, num relâmpago o
desastre passou pela minha cabeça. Pronto, pensei, estava perdida!
Matei esses coitados e agora? Meu Deus! Onde estava minha cabeça?
Num relance vi todo meu futuro embaralhado, processo, cassação da
carteira, indenizações, vergonha... E meus filhos o que haveriam de
dizer? E meus colegas, que tanto se orgulhavam de mim como motoris-
ta?... Tudo por causa desses espíritos que não me dão sossego! Não
tive pernas para descer do carro, e só tive tempo de ver o guarda de
trânsito se aproximar do carro, antes de deitar no volante e chorar co-
piosamente.

Levantei a cabeça e vi o guarda me olhando com um sorriso irô-


nico nos lábios e, antes que eu proferisse palavra ele se dirigiu a mim
numa atitude que achei curiosa:

"O que está havendo Baiana?, porque essa freada doida? E bem
aqui no meio da rua?

Você não está vendo que está impedindo o trânsito?"

Senti um calafrio percorrer-me a espinha e perguntei, apontan-


do para baixo do caminhão, morreram?

"Morreram?, quem morreu? "

Os homens, aqueles dois candangos!

"Que candangos? Olha Baiana, acho melhor você tirar seu carro
do meio da rua. Será que você está biruta? Olha., vou lhe dar um conse-
lho, estou achando você muito estranha ultimamente. Porque você não
vai procurar um terreiro?" Disse isso e se afastou balançando a cabeça.
623

A muito custo enxuguei as lágrimas e dei partida no carro me afastando


do local. Mais uma peça dos espíritos, pensei com raiva! Mesmo assim
Página

ainda dei uma olhada no retrovisor: nada havia no meio da rua.


“Assumimos o compromisso de uma encarnação e, juntos, partimos,
não só pelas dívidas e reajustes como, também, pelos prazeres que este
plano nos oferece.” 624
Página
VISÃO DO FUTURO

"Mas Tia, os espíritos chegavam a esse ponto? Porque isso? Não


seria mais fácil as coisas virem de forma mais suave, menos chocante?".

Sim Nestor, teriam sido mais fáceis, se não fosse minha resistên-
cia. Eu tenho uma personalidade forte e nunca abri mão dela. Mesmo
depois, quando já aceitara minha missão, eu pedi ao Pai Seta Branca
que rico me obrigasse a abrir mão daquilo que é meu, a personalidade
que desenvolvi nos embates de uma vida boa mas difícil.

E o Pai sempre me atendeu. É lógico que tive que abrir mão de


muita coisa, do meu temperamento por exemplo. Logo no começo de
minha aceitação das coisas eu via o quadro das pessoas e lhes dizia sem
rebuços, sem me preocupar se aquilo que dizia iria magoar ou não. Só
com o tempo é que aprendi a me controlar e só dizer as coisas que de-
veriam ser ditas e guardar as outras. Mas aquele dia não terminou aí.
Desisti de ir à casa do meu ajudante e resolvi chegar até o Berocan on-
de havia um posto de abastecimento e um restaurante de um casal de
japoneses, meus amigos e velhos conhecidos. Aproveitei a oportunida-
de e pedi ao lavador do posto para dar uma lavada rápida na carroceria
e no chassi, entrei no bar e pedi um café. Bebi meu café e acendi um
cigarro, recostada no batente da Porta do bar. De onde eu estava eu via
o movimento da estrada. Aquela era a única via de acesso ao futuro
Plano Piloto e o movimento era intenso. O Posto do japonês ficava bem
na esquina da Travessa Berocan, a última travessa que cruzava as três
avenidas da Cidade Livre. Até hoje tem um posto de abastecimento
625

nesse mesmo local. Estava ali me sentindo muito magoada e remoendo


o incidente de há pouco, quando tive minha atenção despertada por
Página

algo que estava acontecendo com um homem encostado no ponto do


ônibus, bem em frente de onde me achava. A princípio pensei que fosse
reflexo de algum espelho, batendo bem na testa dele ou algum objeto
que ele estivesse carregando na cabeça. Mas não, parecia uma coisa
impossível! Bem em cima da cabeça formou-se uma espécie de tela de
TV e, mesmo eu estando a uma distância relativamente grande, talvez
uns 10 metros, eu via perfeitamente uma cena como se fosse um filme.
Sem lembrar de indagar se aquilo era mais uma alucinação, fui absorvi-
da pela cena daquela tela fantástica e fui me deixando levar pelo enre-
do: na tela aparecia o próprio homem, portador daquela "televisão" e
ele estava encostado no próprio poste que eu também estava vendo!

Nisso a cena se modificou sem que, no fato real, ele se movesse.


No "vídeo" apareceu uma parte da estrada e nela caminhava uma mu-
lher pequena, vestida com um branquinho de bolinhas vermelhas. Fas-
cinada eu acompanhava a trajetória da mulher e já adivinhava para
onde ela se dirigia, quando uma voz me falou de mansinho no ouvido,
"Você está vendo o futuro desse jovem..." a mesma voz que me falara
no ouvido naquela incidente da cerveja na festa da Novacap! Mas o
fato é que ela, a voz, me despertou para o que estava acontecendo e
prestei mais atenção. A moreninha de vestido de bolinhas vermelhas
carregava uma sombrinha colorida e se aproximou do homem, subiu na
ponta dos sapatinhos e deu-lhe um beijo no rosto. Eu olhei, cada vez
mais fascinada, e na verdade o homem ainda estava sozinho, encostado
no poste do ônibus e carregando, agora eu sabia, o seu futuro na cabe-
ça! E, por fim, a cena se concretizou; a moreninha, de vestido de boli-
nhas vermelhas, carregando uma sombrinha colorida, se aproximou,
em carne e osso, se levantou na ponta dos sapatinhos e beijou-o no
626

rosto! Pronto, eu havia visto e confirmado um futuro!


Página
Mas nisso a coisa esquentou. Eu pensara que uma vez confirma-
do o encontro, a lição havia acabado e a tal "TV" iria sumir da cabeça do
homem; tal não aconteceu e a cena do "filme" continuou. Só que desta
vez foi um ônibus cheio de gente que parou no ponto, um mundo de
gente se espremeu, entrou, o ônibus saiu com gente ainda pendurada
na porta, e entre eles o casal da "televisão". Como num filme de verda-
de passou um lapso de tempo e, horror! Eu vi o ônibus tombado e seis
pessoas estiradas mortas no chão, dentre elas o casal que eu estava
vendo! Só que tudo estava se passando no "vídeo"!

Sem sequer pensar, corri em direção ao casal, segurei o homem


pelo braço e fui dizendo com voz exaltada, “moço, moço! Não vá neste
ônibus, ele vai tombar, e a senhora também, não por favor, não em-
barque neste ônibus, ele vai tombar, vai ser um desastre horrível!”.

O homem, muito constrangido, procurava tirai minha mão do


seu braço, mais preocupado com a que a sua namorada pudesse pensar
do que com o que eu estava falando. A mulher por sua vez também
procurava tirar a minha mão do braço do rapaz, e falava com voz ríspi-
da que eu não sei se dirigia a mim ou ao seu namorado. Sei que se for-
mou uma confusão enorme no ponto, o tumulto atraindo as pessoas
que se achavam no local, verdadeira balburdia. Mas, enquanto isso, o
ônibus, de verdade, chegou as pessoas se espremeram e o ônibus saiu.
Essas cenas de confusão eram comuns naquele tempo. Havia poucos
ônibus, os horários eram irregulares e até mesmo os itinerários varia-
vam. Dai o empenho do casal. Voltei assustada para o bar pensando
comigo: porque entrara numa situação dessas? Qual o meu interesse? E
627

os outros passageiros?
Página

O japonês muito amável, ele e sua senhora, procuravam me


consolar. Eu contei a ele a estória da "TV" na cabeça do homem. Ele
não ficou muito convencido mas, nesse momento o casal veio chegan-
do onde eu estava, a mulher visivelmente irritada, falando em voz alta
com o rapaz. O japonês então, num gesto cavalheiresco, procurou con-
tar ao casal a visão que eu tivera, mas não estava convencendo muito a
mulherzinha cheia de ciúme. A "televisão" sumira da cabeça do ho-
mem. Nisso ouviu-se um estrondo, como se fosse uma grande explo-
são. Todos no bar se quedaram silenciosos, um ar de interrogação em
cada olhar, e todo mundo correu para fora. Distante um quilômetro de
onde nos achávamos a estrada fazia uma curva acentuada para esquer-
da, aliás, até hoje ela é a mesma, e isso em cima de um aterro, ficando
a curva a uns 7 ou 8 metros de altura; apesar da guarda de ferro que
acompanha toda a curva, os desastres ali eram freqüentes. Não deu
outra coisa, e do bar do japonês a gente via o povo correndo para o
local: o ônibus havia tombado e a notícia chegou rápida: 4 pessoas es-
tavam mortas!...

O casal se aproximou de mim se desmanchando em desculpas.


Falavam qualquer coisa de ficar devendo a vida a mim e a moca procu-
rava abraçar-me, enquanto que o japonês falava excitadamente para
todo mundo o que eu previra. Como no consultório do psiquiatra a mi-
nha reação foi nervosa. Repeli o casal com seus agradecimentos e fui
saindo de mansinho, calada; algo de muito sério me havia tocado. Eu
podia ver o passado, o presente e o futuro e vira o que ninguém tinha
visto. Esqueci do caminhão e fui caminhando para minha casa que não
era muito longe do local. Pensava... Como seria a minha vida dali em
diante? Agora eu estava convencida de que realmente eu poderia aju-
628

dar as pessoas, como havia ajudado aquele casal. Com a cabeça cheia
de pensamentos e o coração apreensivo andava lentamente. Se eu era
essa pessoa, se isso realmente me acontecera, então eu não iria retro-
Página

ceder. É lógico que tudo estava morrendo, a partir daquele instante, o


meu mundo, o mundo que eu fizera com tanto empenho, já ia começar
a ficar para trás.

Chegando em casa encontrei todos lá: Gilberto, Carmem Lúcia,


Raul Oscar, Vera Lúcia, Gertrudes. Eles me olharam apreensivos e eu
lhes contei o que se passara. Também lhes disse que eles não precisa-
vam mais se preocupar, pois daquele dia em diante eu voltaria a ser
calma, sem eclosões.

Choramos todos juntos...

629
Página
“Irei sempre as matas frondosas do Xingú em busca das mais puras e-
nergias para o conforto e harmonia da cura do corpo e do espírito e
para o desenvolvimento material de vossas vidas.”
630
Página
O CACIQUE GUERREIRO

Seriam cerca de quatro horas da tarde quando Nestor chegou. O


Primeiro Mestre Jaguar costumava sempre chegar a noitinha ou então
depois da janta. Nesse dia o "expediente" de Neiva estava realmente
cheio. Nestor ficou num canto do "sétimo", como era chamada a sala-
escritório-dormitório de Neiva. Estava realmente difícil conversar com
"a chefe" nesse dia. Pessoas entravam e saíam ininterruptamente, ape-
sar do controle dos "porteiros" e da vigilância do "seu" Mário.

Pensava Nestor: "esse é realmente o maior problema do Vale.


Todo mundo quer falar com Neiva e, apesar da inesgotável paciência
dela, não consegue atender a todos".

Nisto entrou um casal com aspecto de roceiros e trazendo pela


mão uma mocinha de uns 15 anos, magra e visivelmente doente. Nes-
tor prestou atenção na "consulta" e ficou vivamente impressionado. A
mocinha tinha agulhas, pregos a outras coisas de metal que "apareci-
am" no seu corpo e quanto mais tiravam, mais aparecia.

Neiva olhou, falou muito pouco, chamou um dos Avaganos que


faziam papel de porteiros e mandou que fosse feito um trabalho no
Templo. Despachou os três afirmando que a mocinha iria ficar boa e
que os objetos estranhos iriam parar de aparecer.

Tão pronto saíram e Nestor perguntou: "Tia,a senhora acha que


ela vai mesmo sarar? E esses objetos, de onde vem? Como pode acon-
tecer?".
631

Magnético animal, fluído, ectoplasma, carma pesado. É isso aí,


Nestor. Onde quer que a moça passe os objetos metálicos de pouco
Página

peso são atraídos e penetram no seu corpo. Naturalmente existe uma


falange de espíritos cobradores "ajudando" o fenômeno. Mas a base é a
mesma de qualquer outro fenômeno ectoplasmático só que agravado.
Se conseguirmos aliviar um pouco a carga do magnético ela vai melho-
rar, se também conseguirmos retirar os cobradores ela pode sarar. Se
ela desenvolvesse a mediunidade seria uma grande Médium. Mas não
sei, tudo depende do que eles irão fazer com ela depois que saírem
daqui.

"Mas a senhora viu as agulhas no corpo dela? "

Vi uma ou duas. Como disse o Mendonça há muito tempo atrás


eu tenho raios X nos olhos...

"Mendonça? Quem era ele?"

Deixe que lhe conto.

Certo dia chegou a minha casa a esposa do Mendonça, um dos


engenheiros da Novacap, e muito meu amigo. A mulher estava com um
ar muito aflito e foi logo me dizendo: "Neiva, acho que estou com uma
agulha enfiada aqui no braço esquerdo" e me mostrou o braço que pa-
recia realmente um pouco inchado. Como, disse eu, você disse que tem
uma agulha aí?

"Sim, disse ela, eu estava provando um vestido que estou fazen-


do, senti cansaço e me deitei um pouco e, sem querer por cima do ves-
tido. Estranhamente adormeci, embora tivesse sentido a picada quando
a agulha penetrou no braço. Acordei, continuei minhas tarefas e só fui
pensar no assunto quando senti a dor, já de noite. Agora a dor já saiu
632

do braço, está aqui, perto da clavícula e eu estou apavorada". Olhei


para o Mendonça e vi que ele também estava preocupado pois conhe-
Página

cia os casos que se contavam a esse respeito; diz-se que a agulha per-
corre o corpo todo e que quando atinge o coração a pessoa morre. O
Mendonça era muito meu amigo. Eu costumava transportar o pessoal
da topografia da Novacap e foi assim que nos conhecemos. Quando
começaram as manifestações da minha clarividência o Mendonça me
ajudou muito, principalmente em relação aos meus filhos. Ele sempre
tinha uma palavra de carinho e dava um ar de seriedade onde todo
mundo dava apenas palpites e ainda por cima negativos. Ele era espírita
kardecista e tinha a mente aberta. Mas, o mais importante é que ele
acreditava em mim.

"Tia, a senhora deve ter passado por muitas experiências desa-


gradáveis, nesse tempo. Dá para a senhora dizer alguma coisa sobre
isso?"

Espera Nestor, deixe acabar de contar a estória da agulha...

Dei uma olhada na mulher e, mesmo por baixo da roupa, vi a


agulha no peito dela, colocada superficialmente. Mostrei o local e eles
se encaminharam imediatamente para o hospital.

"Neiva, disse o Mendonça quando se despediram se cuide bem,


você tem um raio X nos seus olhos..."

Mais tarde me trouxeram a notícia de que a agulha havia sido


retirada sem maiores problemas. Com relação as minhas experiências
desagradáveis, é verdade Nestor, elas foram muitas. Hoje eu compre-
endo a tudo e a todos. Mas, naquele tempo, realmente as coisas me
magoavam. Você pode imaginar. Nestor, eu voltando de um transe em
633

que permaneci totalmente inconsciente, sentir dor no braço e ver que


fui queimada com charuto aceso como teste?
Página
Mas Tia, eu não entendo, porque haveriam de fazer testes com a se-
nhora; não bastavam as provas que a senhora já dera, como por exem-
plo, o caso da agulha?

Nestor, meu filho, para você entender o que se passava é preci-


so que saiba a posição do espiritismo aqui na Brasília da Cidade Livre.
Havia alguns terreiros e alguns centros kardecistas e o meu caso, no
princípio foi confundido com manifestações umbandistas. Não havia
experiência alguma com a clarividência, nem mesmo aquela da parapsi-
cologia que naquele tempo era ainda incipiente no País.

"Bem, Tia, acho que entendo, aliás até hoje não creio que ela se-
ja entendida..."

Sim, Nestor, por aqueles que entram em contato comigo, ela é


entendida. Mas você se lembra o que lhe disse no começo de nossas
conversas: Não basta a minha clarividência para que o mundo entenda
as nossas mensagens; é preciso todo nosso ritual, o colorido, as cons-
truções, as iniciações... Naquele tempo, Nestor, ainda havia o agravante
da euforia da construção de Brasília. As pessoas aqui estavam na base
de aventuras de ganhar dinheiro, de trabalhar, fazer comércio, mudar
de vida e de ambiente. Tudo era mais ou menos improvisado, em bar-
racos rústicos e clima de aventura. O espiritismo predominante refletia
o ambiente . Eu acho que o Pai quis que fosse assim, para que eu não
"nascesse" com vícios mediúnicos que seriam incompatíveis com a nos-
sa missão. Por isso Nestor, você pode reparar que desde o começo as
coisas que foram registradas, com as poucas coisas escritas, servem até
634

hoje e todos os registros obedecem a uma linha harmoniosa, nunca


tendo havido uma só contradição entre o que foi ensinado e o que está
Página

sendo ensinado. Num certo sentido essas adversidades foram muito


boas para mim. Muito cedo eu desisti de querer ser entendida pelos
homens e me voltei para os amigos espirituais. Mas a própria missão
exigia e eu tinha que me subordinar aos amigos encarnados circunstan-
tes, o que aliás me ensinou as principais lições.

"Parece Tia, que através do que a senhora está me dizendo a


gente pode entender um pouco do que acontece hoje com o Médium
Principiante... "

Pois é, meu filho, eu estava na maior confusão quando mãe Ne-


ném apareceu. Ela era uma senhora, tipo da matrona, daquelas que
inspiravam confiança pela autoridade que exercia. O único problema
era sua formação kardecista que não aceitava Pretos Velhos nem Um-
banda. Isso me trouxe maior insegurança. Sua primeira medida foi con-
vocar um médium muito conceituado o qual chegou com muita autori-
dade, na condição de árbitro. Seu nome era Cisenando e tão logo ele se
familiarizou comigo condenou as minhas maneiras bruscas de agir e
não gostou de certas entidades que se manifestavam por mim. "Neiva,
dizia ele, vamos afastar essas entidades, é para o seu bem, vamos fazer
uma reparação para você não ficar louca e ir parar num hospício... "

Entre as "entidades" que eles pretendiam afastar estava o Caci-


que Guerreiro Tupinambás...

Fiquei muito triste quando soube que esse espírito iria subir e
lembrei logo de falar com Mãe Yara. Entre as providências que Mãe
Neném havia tomado para o meu desenvolvimento, estava a reserva de
um canto da casa para os trabalhos espirituais. Dirigi-me para esse can-
to com a intenção de ouvir Mãe Yara e lá estavam Mãe Neném e o Ci-
635

senando. Tomei o maior susto pois percebi que não contavam com mi-
nha presença, e o pior é que o Cisenando estava incorporado e, para
Página
meu maior espanto, com Mãe Yara! E pela boca desse médium, ela di-
zia:

"Os espíritos de pouco desenvolvimento espiritual, que entram


neste mundo, permanecem nas proximidades da terra, na atmosfera
densa, na escuridão. Eles são chamados de espíritos sofredores e sua
maior função é atrapalhar o trabalho missionário dos trabalhadores da
última hora. Neném ensine Neiva a assimilar as suas visões. Faça com
que ela retome a sua segurança, para a grande obra que vocês duas
terão que levantar. A mente é o reflexo da alma, que é o nosso verda-
deiro eu". Fez um silêncio e continuou:

"Neném, esses espíritos são de umbanda, tenha todo cuidado.


Se for possível volte para Goiânia. Saia depressa sem ser vista..."

Custei a acreditar no que acabara de ouvir. Meu Deus, como


podia ser, esse espírito que falava tão bem, que já ouvi tantas vezes
como Dona Yara ou Mãe Yara e agora se dizia o Amigo de Sempre e
falava tão mal, tão negativo, e ainda por cima criticando a Cacique
Guerreiro Tupinambás que eu já estava gostando tanto... Na minha
insegurança e falta de conhecimento doutrinário voltei à estaca zero.

Minha revolta já não tinha limites, me virei contra todo mundo e


não sabia para que lado me voltar. Comecei a incorporar sofredores e o
pior, você sabe não é Nestor, e o pior era minha inconsciência...

"Sim Tia, sei que a senhora é totalmente inconsciente e que tem


até um pedido seu feito ao Pai para que nunca saiba o que saiu pela sua
636

boca. Mas, me diga, além da senhora existem outros Médiuns inconsci-


entes?"
Página
Nestor, nesse ponto o Tumuchy é intransigente e afirma pe-
remptoriamente que não existe inconsciência mediúnica além da mi-
nha. Eu não discordo dele mas não vou tão longe. Acredito que possa
haver exceções, pois no mundo de relações entre o céu e a terra tudo é
possível. Agora, realmente eu concordo com ele quando diz que o pro-
blema é biológico e não moral. De fato, o próprio mecanismo da res-
ponsabilidade humana, o ser humano considerado individualmente,
não condiz com a inconsciência mediúnica. Em nosso quotidiano nós
temos comprovado isso quando vemos até obsediados em fase de con-
vulsões se desviarem de obstáculos, não se machucarem, etc.

"Mas então Tia, desculpe desviá-la de sua estória que está muito
bonita, mas então como ficamos nisso, qual a nossa atitude diante dos
médiuns que dão comunicações e se dizem inconscientes?"

Nestor, antes de mais nada, é preciso respeitar muito o médium


de incorporação, o nosso Apará. Mas, realmente o que acontece é que
o médium embora registre, ouça o que ele mesmo está falando, muitas
vezes ele se alheia, procura não registrar, evita ser indiscreto, não quer
se imiscuir na vida alheia, e acaba por realmente não se lembrar do que
falou. Esse é o médium ideal, que segue o conselho de Pai Seta Branca
de "comunicar sem participar". Isso acontece principalmente com mé-
diuns totalmente conscientes como, por exemplo, alguns que você co-
nhece como o de Pai Nagô e Pai Zé Pedro.

Bem Nestor, vê se não me interrompe. Tenho medo de não ter


tempo de contar a minha história e sei que ela vai ajudar muito a vocês
637

quando eu partir.
Página
Eu estava naquela fase triste e sem saber o que fazer, quando
um dia, Mãe Yara chegou de mansinho e começou a falar no meu ouvi-
do... E, tão logo eu a vi comecei a me desabafar. Como?! Disse eu, a
senhora me disse tanta coisa bonita, me prometeu o céu e agora isso,
até o Cacique Guerreiro que eu gosto tanto vocês querem afastar...

"Calma, calma, Neiva. Não se esqueça que na vida, quando você


está esperando o céu, a terra está esperando por você. Sim filha, antes
de você subir ao céu terá que baixar na terra. Não queira que as pesso-
as pensem como você. Seja imparcial no seu raciocínio e nada aceite
sem entender. Não se esqueça que ninguém possui a verdade total".

Mas, Mãe Yara, diga alguma coisa sobre esse médium, diga al-
guma coisa sobre o que eu vi...

"Neiva, respondeu ela, você não poderá caminhar sozinha. Dê


trabalho aos seus braços. Leve o consolo, enxugue as lágrimas dos afli-
tos, ajude a todos aqueles que caminham ao seu lado, não atrapalhe
para não ficar sozinha. Fique neutra em relação aquele assunto e volte
à normalidade."

As Palavras de Mãe Yara me fizeram refletir muito e passei uns


poucos dias sem eclosões. Até que...

Certo dia, chequei a casa e encontrei minha filha, Carmem Lúcia,


com um dente inflamado e a boca muito inchada. Fiquei aflita e procu-
rei logo tomar alguma providência, porém, naquele momento alguém
me puxou para traz e eu incorporei. Atirei-me contra minha filha, des-
638

compondo-a e tentando machucá-la e não sei o que mais, pois perdi os


sentidos. Quando voltei a mim e soube o que havia acontecido entrei
Página

novamente num terrível conflito. Desta vez a coisa tinha sido muito
pior, eu havia atingido a minha filha, que era a razão de toda a minha
luta, minha vida. Meus filhos eram como o sangue que corria nas mi-
nhas veias. Mas, na minha vergonha e no meu orgulho, eu já consciente
nos meus sentidos, comecei a maltratá-la ainda mais...

A situação ia ficar fora de controle novamente quando apareceu


um casal de Pretos Velhos, Pai João e Mãe Tildes. Com um ar tranqüilo
e seguro eles disseram:

"Está tudo bem, minha filha, tudo bem. A sua filha Carmem Lú-
cia é a Marcinha, filha de Márcia, um bom espírito que está em grandes
alturas. Mas ela está preocupada com o que está acontecendo aqui,
principalmente com sua filha. A intenção dela é levar a menina consigo
para os planos espirituais..."

Ao ouvir isso fui novamente tomada e me lancei contra Carmem


Lúcia num gesto de obsediada. Estava muito incorporada, muito mes-
mo...

Acordei, como se viesse de uma longa viagem. Custei a tomar pé


da realidade e a primeira coisa que vi foi uma seringa de injeção na mão
do Dr. Calado. Esse médico, desmentindo o seu nome, falava demais...
Tornei a incorporar. Não sei quanto tempo fiquei apagada. Quando
voltei novamente a Carmem Lúcia estava sentada no meu colo com ar
de tranqüilidade e dizia: "Mãezinha, o espírito disse que veio me bus-
car. Depois veio outro espírito e me deu um passe e a dor foi passan-
do". Ele não veio matá-la? – perguntei irritada. Pai João não deixou que
eu continuasse...
639

"Basta, disse ele, você já abusou demais. Puxe pela sua individu-
alidade. Não é a primeira vez na terra que você está sendo clarividente.
Página

A Mãe Yara, a Senhora do Espaço não virá mais aqui devido ao seu des-
respeito aos espíritos. Mas eu vim para lhe ensinar, eu e a Matildes. De
hoje em diante seremos seus instrutores. Mas exijo muito respeito para
com os espíritos, sejam de luz ou sofredores."

Sofredores? Esses demônios que a igreja denuncia e condena?


Dei uma gargalhada debochada. No mesmo instante recebi um impacto
tão grande no rosto que comecei a chorar.

"É para sua felicidade, disse ele, se você continuar a cair no pa-
drão dos espíritos sofredores, você poderá enlouquecer..."

Meu rosto estava pegando fogo. Senti tremenda raiva e fui di-
zendo, tenho ódio de espíritos e espiritismo, como querem me obrigar
a ser espírita?

"Filha, ninguém a está obrigando a ser espírita. Espiritismo é


mediunidade e você tem todas as mediunidades, com exceção da olfa-
tiva; além disso você vem com a missão de desenvolver o Doutrinador,
uma nova forma de mediunidade que vem com força cabalística, iniciá-
tica".

Pai João parou de falar. Meu coração foi se acalmando. O calor


do corpinho da Carmem Lúcia aconchegada no meu colo, me enchia de
ternura. Beto, com a pequenina Vera Lúcia, a caçula, no colo foi che-
gando e me abraçou. Raulzinho sentou perto e Gertrudes perguntou se
eu queria um copo de leite. Minha família, meus amores, minha vida.'

Olhei para o Pai João e Mãe Tildes e senti todo o amor que e-
manava dessas preciosas criaturas de Deus. Sim, agora eu sabia do meu
rumo, do meu roteiro e da minha missão com o doutrinador!
640
Página
“A alma se revela por teu pensamento e, também, pelos teus atos.”
641
Página
O CASTELO

Nestor chegou zangado. As coisas no seu trabalho não tinham


sido satisfatórias e ele recebera uma carta de sua mãe pedindo para ele
ir vê-la. Ele ama muito sua velha mãe, mas não gostava da vida na sua
cidade natal. Colonizada por russos católicos a cidade refletia nitida-
mente os velhos hábitos comunitários e sua intransigência em relação
às coisas espíritas. Ele tinha sido educado no seminário local e, para os
olhos de certas pessoas era um herege. Também nesse dia ele chegou
mais cedo que de costume e Neiva foi logo perguntando o que aconte-
cera.

"Não é por nada, Tia. Eu gosto do meu pessoal e até admiro a


capacidade deles de viver. Eu tenho um velho avô que com quase 90
anos ainda levanta às 4 da manhã e vai ordenhar as vacas. O velho é um
barato, mas quando se trata de religião é completamente fechado e
duro, Quando vou para lá eu fico feito um peixe fora d'água".

É disse Neiva, eu conheci isso de perto. Não tanto pela religião


em si mas pela intransigência com os meus fenômenos, minha vida
missionária e minha conduta. Mas a própria adversidade que me depa-
rava me dava as lições que eu ia aprendendo. E cada dia eu ia me con-
vencendo mais de que a fé é algo transcendental, é amor e é ternura. E
eu tinha que cortejar e aprender esses valores com aqueles nos quais
havia sido criada e educada. Valores da soberbia e da força dos velhos
coronéis dos sertões nordestinos. Se dissesse a menor mentira ou mos-
trasse medo de dormir sozinha num quarto escuro era severamente
642

castigada. Nesse meio havia pouco espaço para a imaginação e a gente


era instada a só acreditar nas coisas que via ou palpava. E isso foi moti-
Página

vo de muitos conflitos. É, meu caro Nestor Sabatovicz, a missão cami-


nha junto com o missionário... Veja filho, depois dessa aonde eu fui
parar. Meu mundo, o mundo meu e de meus filhos começou em 1950
quando eu era uma viúva recente e com apenas 29 anos de idade. Raul,
meu marido, havia falecido em 1949 me deixando com quatro filhos:
Gilberto com 5 anos, Carmem Lúcia 4, Raul com 2 e Vera Lúcia com a-
penas 11 meses, além de Gertrudes com 12 anos.

Gertrudes era minha afilhada, mas tão apegada a mim que a-


proveitou uma confusão com sua certidão de nascimento e fez outra
com meu sobrenome. A partir daí nos organizamos como perfeita célu-
la familiar, pois sempre houve muito amor entre nós, muito carinho. A
única dificuldade foi a de conciliar a independência que já sentia dentro
de mim com a rígida determinação de meus pais, principalmente do
velho Chaves meu pai. Procurando a liberdade econômica como base
para uma independência mais ampla, minha primeira experiência foi
montar um "studio" fotográfico, mesmo a contragosto de meu pai.

"E como foi sua carreira de fotógrafa?" Interrompeu Nestor.

Foi breve. A vida confinada a um cômodo de 3 x 3 não estava


sendo muito do meu agrado. Naquele tempo eu já começava a sentir
ânsias de correr mundos, saber o que havia através daquelas monta-
nhas... E foi assim que resolvi ser motorista profissional. Aproveitei de
algumas poucas facilidades locais, juntei tudo que tinha, tirei carteira e
comprei meu primeiro caminhão.

"E como era esse carro?", perguntou de novo Nestor.

Era um Ford de 5 toneladas, 1946.


643

"Ah! Já sei, era um Cara de Sapo tipo queixo duro..."


Página
Não Nestor, meu caminhão não era "queixo duro" ele apenas
não era sincronizado! reagiu Neiva com um muxoxo... Daí, da Colônia
Agrícola de Ceres, parti para o Brasil afora.

"E seus filhos, a senhora os deixou em Ceres?"

Coisa nenhuma! Ficamos todos juntos, hora na cabine do Ford,


hora nalguma pensão de currutela, nossa vida era na estrada Quando
eu tinha alguma viagem mais longa eu alugava uma casa e Gertrudes
cuidava de tudo até a minha volta. Minhas voltas eram sempre uma
alegria renovada. Eu sempre trazia presentes, novidades e fazia umas
comidinhas gostosas, pois era orgulhosa da minha capacidade culiná-
ria". E assim essa vida durou uns 5 ou 6 anos. Conheci uma boa parte
do Brasil de norte a sul e fiz muitos amigos, principalmente entre os
caminhoneiros.

"E os amores?" Perguntou Nestor com ar complacente.

Nestor, por incrível que possa parecer, eu, apesar de ser viúva e
bonita eu era respeitada e acatada mais pela minha capacidade profis-
sional e camaradagem de colega do que como mulher. Realmente, Nes-
tor, desde aquele tempo, o Pai já cuidava de mim e eu sentia intuitiva-
mente o meu destino de missionária. Meus amores eram meus filhos e
minha vida o lar mais ou menos móvel que mantínhamos. Assim, eu
morei em Anápolis, São Paulo, Londrina e alguns outros lugares. Meu
último pouso antes da Cidade Livre e da abertura da minha clarividên-
cia foi Goiânia. Gilberto já estava com 11 anos e Carmem Lúcia com 10
e eu tinha que pensar na escola deles. Aluguei uma casa nessa cidade
644

onde eu tinha amigos, desde o tempo em que meu pai trabalhou na


construção do Palácio das Esmeraldas, e eu sempre gostei de Goiânia. O
Página

jeito foi trabalhar na única empresa de ônibus que havia. Ela fazia uma
linha de micro-ônibus entre Goiânia e Campinas e eu trabalhava um
bocado. O sistema envolvia salário e comissão e tudo dependia do mo-
torista em parar e ter paciência com os passageiros. Gilberto apesar dos
seus 11 anos já me ajudava como cobrador.

Saíamos de nossa casa de madrugada, os dois numa bicicleta, e


íamos apanhar o carro na garagem. A noite repetíamos o percurso.
Quando as aulas começavam eu fazia o trabalho sozinha.

"E nesse tempo a senhora tinha alguma vida religiosa?"

Não Nestor, mas já começavam a acontecer coisas estranhas, di-


ferentes, Um dia, em 1958 cheguei do trabalho muito cansada. Deitei
um pouco com a intenção de tomar um banho em seguida e fiquei o-
lhando para o teto pensando na minha vida, nas coisas que tinha de
fazer, quando comecei a ver no teto uma campina verde e um castelo,
nas imediações do qual pessoas caminhavam e riam. Vi então mil coisas
diferentes acontecendo e exclamei – meu Deus!

Essa visão me preocupou muito e eu trabalhava pensando em


voltar para casa, me deitar. no mesmo lugar e ver o meu lindo castelo
com as pessoas passeando e rindo. Até que um dia eu soube que aque-
le castelo existia numa das sete dimensões que antecedem o Canal
Vermelho. Como conseqüência eu teria uma grande caminhada cármica
para chegar até lá e me inteirar das coisas com segurança. Mas a vida
não parava para mim, sempre com alguma novidade, alguma doutrina.
A partir de então comecei a analisar o desenrolar da vida dos homens,
partindo de nova compreensão. A partir dessa observação tudo mudou
645

em minha conduta natural. Continuava a ver o castelo e as coisas que


ali aconteciam me enchiam de cuidados. Minha vontade era de pene-
Página

trar nele e na sua intimidade. Porém eu tinha a impressão que com isso
estaria penetrando na vida de meus filhos, o que sentia ser um desres-
peito e não entendia bem o meu procedimento.

Noutra ocasião eu fui contratada para uma viagem grande que


me daria ganhos para atender algumas necessidades prementes, pois
eu já estava tendo dificuldades financeiras, A viagem era para as imedi-
ações de Luziânia em Goiás. Fui buscar a carga e, enquanto os ajudan-
tes carregavam o caminhão eu fiquei sentada na calçada, entretida com
as pessoas que sempre me olhavam com certa curiosidade e sempre
queriam me conhecer. Eu já estava acostumada com isso, sempre que-
riam conhecer a motorista profissional. De repente eu vi um jovem que
entrou como que se disfarçando no meio das pessoas que me rodea-
vam. Notei que eu já o tinha visto no castelo e senti o coração bater
com força! No mesmo instante porém vi que um soldado da polícia iria
prendê-lo. Rápido, sem pensar, procurei atrair a atenção do soldado e
fazia sinais para o rapazinho que fugisse e ele me entendeu... O soldado
ficou perto de mim fazendo mil e uma perguntas, que eu respondia
com muito cuidado...

"Neiva, viva a sua vida interior com mais intensidade, Deus está
sempre dentro de você. Comece a trabalhar com amor em benefício
dos outros".

Era Mãe Yara, a Senhora do Espaço e eu lhe disse: tenho medo


do soldado, do que ele deve ter pensado quando eu chamei sua aten-
ção no meio de tantas pessoas.

"Filha, disse ela, não tenha prevenções contra os seus semelhan-


646

tes, desperte para a vida, medite sobre as suas responsabilidades pe-


rante a humanidade e perante Deus. De você, vão depender muitas
Página

criaturas que servem na família, no trabalho e na sociedade. A ação do


tempo é infalível e ele nos guia suavemente pelo caminho certo, alivi-
ando as nossas dores, assim como a brisa leve abranda o calor do ver-
go, Cada pessoa emite a sua própria vibração. O que se pede, sobre
tudo, filha, é o esforço mental de compreender".

Meu Deus! Eu já começava a chegar, a entender... Pensei, por-


que não perguntei a Mãe Yara sobre o castelo? Mesmo assim a respos-
ta veio...

"Filha, o missionário tem uma criação especial e a sua aura dá


uma condição especial de vida à sua família. Na verdade são tribos, e de
época em época descem para a terra, espíritos como você, que estão a
caminho de Deus. São tribos que já fizeram muito aqui, isto é, tribos
que passaram, construíram e deixaram muitas invenções mas que não
souberam amar".

Como? perguntei, se são tribos que já morreram...

"As forças são recebidas por meio do cérebro e fazem as im-


pressões na mente por ondas de pensamento, ondas essas que podem
ser medidas e gravadas como as ondas do som".

E é a capacidade de emitir as ondas mentais aos planos superio-


res que nos dá o poder de fazer as coisas que parecem milagres. Exis-
tem aqueles que não compreendem as forças do poder superior. Mas
não dê ouvidos às intrigas e às calúnias; só as árvores que dão bons
frutos é que são apedrejadas por aqueles que não alcançam esses fru-
tos. A árvore que não dá frutos, ninguém se importa com ela.
647

E, sorrindo, se foi...
Página
Eu quis ficar frustrada, mas pensei: meus filhos estão comigo e
eu sempre os protegi e continuarei a protegê-los. Sempre foi assim e
não serei eu quem vai mudar o curso das coisas...

Sim, Nestor, os conflitos aumentavam e eu me debatia só, muito


só. Às vezes eu procurava algum espírita, mas, invariavelmente ele me
citava algum exemplo como se Alan Kardec fosse vivo e segurasse toda
a evolução do mundo dos espíritos. Os contatos foram rareando e eles
acabaram por se desligar de mim. Somente Chico Xavier, de longe, me
dava crédito.

Eu me sentia uma pobre louca, solitária e insegura nos meus


pensamentos; o pior era que eu dava explicações, esclarecendo as coi-
sas que via. Deus aceitara o juramento dos meus olhos, quando os en-
treguei a Jesus. Sim, meu filho, isso tudo se passou em 1958 e as coisas
lembradas me trouxeram até aqui.

"Seja verdadeira em tudo – dizia Mãe Yara – deixe que a doutri-


na em sua ação infalível nos guie suavemente no caminho certo, alivi-
ando as nossas dores. Filha, Deus se manifesta ao homem através do
próprio homem e vive a sua figura simples e hieroglífica. Sim, filha, es-
sas são palavras dos antigos".

As palavras de Mãe Yara ficaram gravadas na minha cabeça, mas


longe do meu coração.

Certa ocasião, chequei em casa mais ou menos a meia noite e


estava com muita fome. Peguei uma panelinha para esquentar um ovo
648

e, meio desajeitada, queimei um dedo; cai no meu baixo padrão e, meu


Deus! – Mãe Yara estava perto e ouviu...
Página
"Filha, disse ela, que vergonha! Pensar que esperamos que você
seja uma líder espiritual... Vim para fazer uma prece contigo. O seu
Manoel das Emas, o seu amigo, vai morrer. Na sua próxima viagem
mande o Delei com a turma".

Não lembro se comi o ovo, lembro apenas que estava insegura.


Perguntei ao Getúlio sobre o que ele sabia a respeito do seu Manoel e
ele, a par da minha situação disse que eu tivesse cuidado e me acal-
masse pois existiam espíritos zombeteiros e poderia ser alguma interfe-
rência. Sentia-me inquieta e, pior, eu sabia que não era verdade aquilo
que ele havia dito. E continuei pensando naquelas ofensas; e se ela não
voltasse mais?

Na hora do almoço o Delei pediu a chave do caminhão e foi fa-


zer o serviço para me descansar. Eu esqueci completamente do aviso
de Mãe Yara. Mais tarde eu soube que o seu Manoel caíra morto. Pen-
sei: quem sabe se eu estivesse rezando com a Senhora do Espaço, como
ela quisera na noite anterior, eu tivesse ajudado o seu Manoel?

Tudo passou. Oito dias depois, vi a noite, com os meus olhos a-


bertos, o seu Manoel das Emas, de pé em uma estrada luminosa e ama-
rela, com seu chapéu de palha e com a mesma roupinha que ele sem-
pre usava. Ele deu a entender que continuava a ser meu amigo e sorria,
como se me dissesse: "estou feliz!".

Sim Nestor, assim fui tendo visões.


649
Página
“Vamos equilibrar os três reinos de nossa natureza e pagar com amor o
que destruímos por não saber amar.”

650
Página
O INCÊNDIO

A rotina da Casa Grande continuava inalterada...

Pessoas iam e vinham no caminhar ininterrupto que começava na hora


do despertar de Neiva e continuaria até alta madrugada. Eram cerca de
9 horas da noite e Neiva se recostara um pouco numa cadeira de balan-
ço. Sua velha enfermidade de pulmão não lhe dava tréguas e há muito
ela superara as coisas que a medicina podia lhe oferecer. Ela existia
ainda pela tenacidade de espartana e pelo amor à sua missão. Assim
mesmo o povo ocupava os inúmeros lugares do "sétimo" e Nestor con-
versava com os mestres; a maioria do "povo" era de médiuns da Cor-
rente. Ela abriu os olhos e Nestor sentou-se aos seus pés, ansioso para
continuar a história.

– Sim, meu filho Jaguar! Estou me lembrando agora de uma ce-


na semelhante a essa que aconteceu ainda no começo de minha mis-
são.

Eu acabava de chegar de uma viagem profissional, estava muito


cansada e me deitara um pouco. Alguns colegas caminhoneiros que
estavam de visita, como acontecia quase todas as noites, continuaram
conversando na roda formada com meus familiares. Embora estivesse
muito cansada não conseguia dormir. De repente um velhinho, conhe-
cido meu, apareceu trazendo na mão um lampiãozinho de querosene e,
folgadamente, sentou-se na beira da minha cama. Acomodou-se e co-
meçou a falar sem parar. A maioria das coisas que eu ouvia era logo
esquecida. Notei apenas que ele agradecia em nome de Deus tudo o
651

que eu havia feito por ele. Eu me lembrava dele do tempo da Colônia


de Ceres, quando eu havia lhe proporcionado muita paciência e cari-
Página

nho; ele era um esmoler habitual e dizia que pedia esmola como mis-
são. Ouvi então quando disse que eu devia trabalhar muito e eu sorri
pensando... Ele está caduco, mais do que eu trabalho? Logo em seguida
porém me lembrei que ele já tinha morrido, e que por ocasião de sua
morte se descobriu que tinha até casas de aluguel.

Era um espírito de luz. Fiquei toda irradiada e sai correndo da


cama. O encontro realmente me abalara. Mas compreendi que tudo
estava acontecendo conforme Mãe Yara previra.

Sabe Nestor, a nossa vida de hoje traz muitas recordações de


meus primeiros tempos. Outro dia eu estava conversando com o Pedro
lzídio, o Mestre Adjunto do Ministro Muyatã...

Conversávamos com animação você sabe não é Nestor, como


esses jovens me trouxeram tantas realizações. Falávamos sobre seus
componentes quando entraram algumas pessoas carregando uma jo-
vem desmaiada. Era realmente um quadro triste e Pedro imediatamen-
te se dispôs a atendê-la, procurando poupar-me do trabalho. Isso fez
com que eu me lembrasse do meu primeiro desdobramento, 24 anos
antes e para que eu estava servindo. Hoje tudo estava ali, na segurança
dos Mestres. Vejo como se fosse hoje a minha primeira viagem de des-
dobramento. Naquela tarde eu estava preocupada com meu caderno
de contas. Afinal, eu tinha dois caminhões fichados na Novacap e esta-
va um pouco assustada com as contas. Nas anotações estavam faltando
muitas viagens, que eu havia feito e eu não atinava qual a razão dessa
omissão. Tudo estava sendo feito à minha revelia. Sofri muito com isso
com medo daquelas primeiras falhas na vida prática. Com dor no cora-
652

ção vi logo que eu não sustentaria aquela vida dupla; teria que optar
entre a vida espiritual e a vida material.
Página
Pensava, tenho que descobrir um jeito... Estava assim, nesse de-
sânimo, quando ouvi a voz de Mãe Yara:

"Você filha, descobrirá tudo através dos seus próprios recursos".

Deitei-me, no mesmo sofá onde estava examinando as contas,


totalmente consciente, sentindo porém as vibrações aumentarem e
diminuírem. De repente fui arrancada do corpo e senti que era um mo-
vimento do mundo extra-sensorial e no entanto, eu me assustara como
se fosse morrer. Senti-me desprendendo do corpo físico e que minha
cabeça rodava. Percebi que algo me segurava; apesar de minhas faltas
para com ela Mãe Yara era a minha salvação.

Rodei, não sei por quanto tempo. Subitamente, como por en-
canto, me vi diante de uma grande luz opaca e que não iluminava as
imediações; dentro dela estava tudo claro mas em sua volta só havia
escuridão. Ouvi alguém dizendo: "Faculdade mediúnica de transporte
em desdobramento".

"Sim, responderam, desdobramento".

Eu pensava comigo: Desta vez foi diferente, me arrancaram os


bofes... Comecei a sentir ânsia, muita ânsia, mas vi quando chegaram
dois senhores com aspecto de médicos e isso me acalmou. Comecei a
ter linda visão, porém nada ouvia...

Transporte em desdobramento...

Comecei a me acalmar e percebi árvores que "caminhavam", e


653

meio assustada, me voltei para Mãe Yara apontando para as árvores.


Ela colocou a mão sobre a minha testa e disse: "Não tem árvores, olhe!"
Página

E realmente não tinha árvores...


Fiz outras perguntas e ela me respondia sempre. Comecei a
pensar e percebi que ela me ouvia pela expressão do meu pensamento.
A partir daí continuei fazendo assim com todos que encontrava: "ouvi"
e era "ouvida". Senti que era a primeira experiência e não estava sendo
tão fácil, conforme eu "Ouvi" comentarem. E assim, tive minha grande
e nova experiência. Mais ou menos naqueles dias, digo naqueles dias
porque eu ainda permanecia com aquelas sensações daquele "trans-
porte de desdobramento". Eram 5 horas da manhã, quando Pai João de
Enoque veio me avisar para que eu não fosse trabalhar.

Dei o meu carro ao Delei e fiquei em casa. Mais tarde Pai João
me disse para comer pouco no almoço e nada a tarde, dizendo: "Você
terá um lindo trabalho a fazer".

Mais tarde, incorporado no meu aparelho deu instruções a Mãe


Neném para que eu me deitasse e ela formasse um pequeno grupo de
pessoas mais íntimas. Quando chegou 7 horas da noite, comecei a sen-
tir as mesmas sensações da vez anterior, de transporte em desdobra-
mento, e o procedimento foi o mesmo. Mas, em vez de me achar num
lugar, como anteriormente, me vi numa espécie de veículo que "senti"
ser uma nave etérica. Em seguida me vi num lugar especial da nave,
"deitada em pé", porque a "cama" era como que presa nas minhas cos-
tas. Nisto Ouvi uma voz com autoridade de comando:

"Dezenove horas; não podemos evitar o incêndio do hotel".

No meu corpo, meu aparelho vocal repetia as mesmas palavras,


e Mãe Neném anotava. Outra voz dizia:
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"Às vinte e uma horas haverá um grande incêndio. Como? Ire-


Página

mos esperar? Porque já são dezenove horas e meia".


Eu não tenho condições de descrever as sensações que eu senti-
a, e pensava comigo mesma, será que tudo isto é verdade?

Uma chama enorme surgiu de repente, interrompendo meus


pensamentos. Mas tanto meus pensamentos como as coisas que eu
estava cogitando eram verbalizadas pela minha fala no corpo, de forma
que as pessoas que se achavam em torno de meu corpo a tudo acom-
panhavam. As chamas agora eram imensas. Eu me sentia mal e daria
tudo para não estar envolvida em tão terríveis irrealidades. Mas inde-
pendente de eu querer ali estava, naquele imenso aparelho. De repente
notei algo diferente: mais ou menos a uns dois metros de onde me a-
chava vi um homem deitado. Sua barba era cerrada, e o que mais me
assombrou foi a constatação de que o seu corpo era pesado, não como
o meu, era um homem de carne e osso. Nisso ouvi a voz de um dos co-
mandantes dizendo: "Esse é o porteiro do hotel – vão sentir falta dele",
Senti a nave se movimentar e parar em seguida em cima de imenso
conjunto de casas. Eu estava "deitada" bem junto a uma enorme janela
e dava para ver tudo muito bem. Fora dela que eu vira o incêndio. E do
mesmo lugar dava pra ver e ouvir tudo que se passava dentro da nave.
E eu sabia também que tanto eu, como o porteiro do hotel incendiado,
estávamos em missão para evitar uma terrível epidemia. Não sei como
foi que voltei. Só sei que me vi sentada na cama e que todos me olha-
vam com olhos arregalados. Senti vontade de fazer um desafio e fui
logo dizendo que tudo não passara de tolice dos espíritos. Foi só dizer
isso e Pai João veio como um raio, mandando-me respeitar a ambiente,
pois poderia perder a voz...
655

Nisso alguém aumentou o volume do rádio que estava ouvindo


e se ouviu claramente a notícia extraordinária: de São Paulo estavam
Página

informando que estava havendo um enorme incêndio em um hotel


muito alto, mas que, por um estranho fenômeno, todo os hóspedes
tinham sido salvos, exceto o porteiro que se achava desaparecido. Até
aquela hora não tinham achado o seu cadáver, mas todos afirmavam
claramente tê-lo visto antes do incêndio. Depois, nos dias subseqüen-
tes, o noticiário confirmou; o porteiro desaparecera!

Olhei ao meu redor. Todos liam as anotações no caderno de


Mãe Neném.

Pensava: como será? Darão falta do porteiro? Para onde irão le-
vá-lo? Para algum outro planeta?

De repente me lembrei de meus filhos. Oh! meu deus! Meus fi-


lhinhos, sem mãe e sem pai. Nove horas da noite e eu estava fora de
casa desde as seis da tarde! No dia seguinte eu acordei com um grande
mal estar e custei muito a me recuperar. Não quis ouvir falar sobre o
assunto, porém o povo insistia em falar no incêndio e no fenômeno...

Hoje Nestor, eu vejo a diferença entre a sua mediunidade e a


minha e vejo quanta caridade podemos fazer, quanto amor, que grande
missão é a nossa. Já era de madrugada. Todos foram se retirando pen-
sativos.

656
Página
“Quando estamos em paz com a gente mesmo, nada nos atinge!”
657
Página
COLEGAS

No Templo do Amanhecer, por trás do "Radar de Comando", há


uma pequena sala apenas mobiliada com uma mesa e dois bancos. Ali
se reúnem os mestres para fumar um cigarro ou tomar um café nos
intervalos entre um trabalho e outro. Sempre que Neiva está no Tem-
plo a sala fica muito concorrida. Os Médiuns aproveitam para fazer suas
consultas ou, às vezes, apenas para permanecer perto da "Tia". Nos
tempos em que Neiva ainda atendia o povão, as vezes permanecendo
no Templo até de madrugada, o jantar, acondicionado em marmitas era
servido nesta sala, pois custava muito para Neiva caminhar até a Casa
Grande. Naturalmente as marmitas eram muitas e o breve descanso
sempre se transformava em conversas doutrinárias.

Neiva nunca perdia tempo ou a oportunidade de ensinar.

Pois é Nestor, dizia ela, depois daquele episódio do hotel que se


incendiou e do porteiro, é que vejo a grande diferença entre a minha
mediunidade e a de vocês. Aqui estamos nós comendo de nossa marmi-
ta, Alberto o Yucatã, Caldeira o Yumatã, Fogaça o Uruamê, Capuchinho
o Camuty, Barros o Alufã, Froes o Adejã. Nestor o Trino Arakém, Mário,
meu marido o Tumuchy e todas essas ninfas, esposas e irmãs de meus
mestres. Fico pensando: quanta caridade! Quantas pessoas que saem
do Templo levando esperança em seus corações, depois dos conselhos
dos Pretos Velhos e dos Caboclos e da atenção recebida desses jovens,
de vocês que estão aqui e muitos outros que não veio no momento.
São todos espíritos milenares, vindos de velhos mundos e trazendo
658

consigo uma grande bagagem espiritual. Sim, temos um mundo incan-


sável que cultivamos, dos pequeninos e dos grandes fenômenos. Va-
Página

mos Juntando tudo e fazendo a nossa cultura. Eu sou a mãe que vem
buscar os seus filhos. Só Deus sabe o preço que pagamos por isso. Sim,
porque nada é de graça, tudo tem o seu preço.

Nesse dia Neiva se retirou mais cedo do Templo. Nestor a a-


companhou até o "sétimo" e não sentia vontade de se retirar, apesar
de cansado. Ele estava impressionado com o tom profético de Neiva
naquele encontro casual da "sala do café". Neiva que também demons-
trava cansaço percebeu a avidez do Jaguar e começou com voz tênue: é
filho, observando aquele grupo de jovens, fiz uma análise deles junto a
mim e voltei a 1959. A vida espiritual de então, a mansão dos meni-
nos... Agora a mansão cultural dos instrutores, as ninfas, os trinos e
enfim a mansão do Médium iniciado em Dharman-Oxinto. Lembro-me
que eu só via a mansão, o castelo dos meninos quando eu estava mais
cansada e deitava no meu sofá. Em resumo, eu pagava um preço para
ter aquela proteção para os meus filhos; hoje eu pago também um pre-
ço alto para a cultura dos novos filhos e fico feliz. Entendo o porquê da
facilidade com que ele aceita os conhecimentos. Vejo que o Jaguar en-
tra na vida etérica, vai à sua mansão cultural e, quando soa a minha
mensagem no plano físico já encontra a sua mente clara. Vejo também
que o homem correto é esclarecido por Deus junto à presença Divina, o
Prana. As religiões estão confundindo o homem e tirando o seu respei-
to para com Deus.

Sim, meu filho Nestor, naquele tempo eu vivia fazendo compa-


rações e muitas conjecturas naquele labirinto que ficou para traz. Certo
dia eu estava preocupada porque há muito não tinha notícias dos meus
colegas. Às sete horas da manhã ouvimos o ronco do motor de um
659

Mercedes grande que encostava na minha porta. Saímos todos para


fora, Era o Nelson, um velho amigo com o qual eu me afinava muito.
Página

Fiquei muito satisfeita com aquela visita. Nelson falou muito, sem pa-
rar, e seu tema principal era me tirar de Brasília. Dizia que me daria um
caminhão novo e que onde eu estava não servia para mim etc. Enquan-
to ele falava um espírito se colocou atrás dele e começou a fazer gestos
mímicos e eu disparei a rir...

Nelson estranhou o meu jeito e começou a me olhar com ar


compungido, sem entender o meu drama. O espírito começou a "plan-
tar bananeiras" e dar chutes nas costas de Nelson. Eu falei com o espíri-
to, ao mesmo tempo em que eu falava com o meu colega e ele come-
çou a se sentir confuso. Saímos da porta e o espírito, para meu alívio,
ficou e tudo começou a correr bem. Quando voltamos o espírito estava
em pé na porta e tudo começou de novo. Eu ria muito, não conseguia
me conter. Nelson não quis jantar e começou a falar em ir embora. Já
não falava mais em me levar dali como dizia no começo, quando chega-
ra.

Como foi triste a sua saída!...

Gilberto, meu filho, dizia: "Não, mamãe não deve ir, ela aqui
trabalha perto de nós".

-Sim, eu sei, disse Nelson, é melhor você ficar Neiva, você já está
se acostumando aqui".

Nesse momento o espírito deu um pulo, fazendo novas mímicas


e piruetas e eu disparei a rir enquanto Nelson se despedia dos que ali
estavam.

"Neiva, disse ele, procure um especialista. Você toda a vida só


660

trabalhou. Só pensávamos em você montada num caminhão. Procure


um descanso, doze anos sem parar de trabalhar é muita coisa".
Página
Como parar? Respondi! E as crianças?

Nelson foi embora e eu fiquei com mais uma frustração. A partir


daí comecei a sentir mais na carne a minha prisão. Hoje, meu filho, eu
compreendo como foi difícil a minha vida. Nessa época havia um colega
que morava comigo, chamava-se Getúlio. Ele sofria muito com os pro-
blemas que eu estava enfrentando. E par isso eu cada dia me apegava
mais a ele. Contudo, nosso relacionamento não passava de uma grande
dívida transcendental. Não tínhamos uma vida conjugal normal; éramos
dois jovens tocados por uma missão. Não nos amávamos porém nos
respeitávamos mutuamente. Ele tinha suas esperanças e eu tinha as
minhas. Esperanças de novos encontros ou de casamento. Eu com
quem já me esperava. E minhas esperanças não morriam apesar de
tudo.

Pois é meu filho, em 1958 eu já tinha todo esse acervo dentro


de mim. Mas pedia aos espíritos que as coisas não acontecessem. E
com toda essa insegurança que eu vivia, eu continuava a trabalhar na
Novacap. Tinha sempre dois caminhões. Naqueles dias aconteceram
muitos fenômenos comigo. Esse que eu vou contar é do tipo dos que
passam desapercebidos pela gente. Eu passara a noite em claro, devido
as aparições e as coisas que eu participava. Pela manhã fui trabalhar no
Cota Mil, nas imediações do Lago Paranoá. Os engenheiros desceram
do caminhão e foram para suas tarefas. Enquanto esperava tentei colo-
car meus pensamentos em ordem. Procurei a garrafa térmica tomei um
café, como de costume quis fumar um cigarro. Eu tinha um isqueiro em
forma de revólver, creio que uma Mauser, que havia ganhado de uma
661

pessoa muito querida, era um bom isqueiro. Fui acender o cigarro... E


nada. Havia esquecido de encher o isqueiro com benzina. Tentei nova-
Página

mente... E nada. Gritei num desabafo!... Se não estivesse com esses


espíritos na cabeça, meu isqueiro estaria funcionando, não teria esque-
cido de colocar gasolina! Passaram-se alguns segundos. Distraidamente
risquei novamente e ele acendeu... No entanto o cigarro não estava
mais na minha mão... E o isqueiro apagou. Procurei o cigarro, achei,
risquei o isqueiro novamente, e ele acendeu. Acendi o cigarro e nisto
ouvi uma voz: era Pai João dizendo:

"Malcriada! devia deixá-la sem o seu cigarro. Filha, continuou,


procure acompanhar os espíritos, não deixe que eles percam tempo
com você e com mesquinharias. Um dia, quando fores uma rainha, sen-
tirás vergonha!"

Pensei comigo: quanta coisa por um simples cigarro...

Foi a conta de eu terminar o meu pensamento e o isqueiro foi


arrancado da minha mão, batendo com força no pára-brisas, quebran-
do o vidro e voltando a cair na minha mão! Olhei o isqueiro e percebi
que estava sem o parafuzinho e sem a tampinha. Fiquei apavorada.
Estaria eu tão nervosa a ponto de fazer tudo aquilo?

Procurei a tampinha mas não encontrei. Quando de volta, che-


quei a casa o Beto disse:

"Mamãe, olhe, é a tampinha do seu isqueiro".

Tive um susto muito grande e contei a ele tudo que tinha acon-
tecido, inclusive o vidro quebrado. Fui então avisar o seu Jaime que
precisava ir a Goiânia comprar outro vidro, antes que acabasse de esfa-
relar. Ele foi olhar o carro e voltou dizendo que não viu vidro quebrado.
662

Fui conferir e realmente, o pára-brisa não estava quebrado! Foi então


que voltou a voz de Pai João: "Lição de luz e de amor. Eu não iria dar
Página

prejuízo a você..."
Salve Deus!

Perguntei ao Betinho: ouviu o que o Negro Velho disse?

"Não, cadê ele?"

Ficou por isso mesmo, Salve Deus!

Muitos dias sem novidades, até que... Chegou uma menina com
uma linda rosa vermelha. Estávamos em meados de 1959. A menina
entregou-me a rosa dizendo:

"Meu pai mandou para a senhora".

Para mim? O seu pai que mandou?

Essas tentativas de conquista eram comuns, aconteciam muitas


vezes. Porém, nunca um pai, utilizando a própria filha... A menina taga-
relava: "São as primeiras rosas do canteiro do meu pai... Não, disse de
repente, foi aquele moço do caminhão quem mandou..." e apontou
para um Scania Vabis. Eu olhei na direção apontada e o motorista me
deu um adeus com a mão e foi saindo. Era o Nelson. Ele não tivera co-
ragem de me ver louca, nunca mais...

Segurei a rosa, e tive a maior surpresa, fiquei com a mão cheia


de sangue! Dei um grito e joguei a rosa longe. Olhei novamente para a
mão e não tinha mais nada. Apanhei a rosa novamente e nada. Porém
não mais lembrei da partida triste e nem do Nelson. Pensava agora so-
mente no fenômeno que acabava de ver. Pensava naquela rosa...
663

Sabe Nestor, fenômenos daqueles foram muitos. Até o dia em


que Mãe Yara me disse que eu era médium de efeitos físicos e disse
Página

ainda: "A sua dor foi tanta que refletiu pelo fenômeno. Deus se compa-
deceu de você. Aquela tinta vermelha, da cor da rosa, cor de sangue ou
outra cor, não importa, se chama "Charme Cósmico". A partir daquele
instante você ficou preparada, iniciada, para efeitos de objetos".

Perguntei: de longe e vinha tão rapidamente?

"Não filha, existem depósitos do Pronto Socorro Universal".

O homem tem o seu livre arbítrio, é verdade, porém há horas


em que temos que segurá-lo, para não cair em certos abismos. Charme,
herança transcendental, não sei, disse eu... Queria saber somente do
sangue na minha mão... Ela sorriu com tal ternura que eu fiquei satisfei-
ta.

Desde então o fenômeno da rosa nunca apareceu. Sempre que


eu via uma pessoa sofrida por uma situação sentimental, eu me lem-
brava daquela tardezinha, e da rosa. O fato é, que partindo daquele
fenômeno, tudo era aproveitado. Coisas ricas em Deus Pai Todo Pode-
roso. Esse fenômeno só a nós é possível fazer, quando não há laços
cármicos. Sim, porque ninguém penetra na seara de um caminho cár-
mico. Só Deus Pai poderá interceder.

Veja filho. Uma senhora de bons costumes veio me pedir que


olhasse o noivo de sua filha. As duas ali estavam, na minha frente e com
um ar de expectativa. A senhora queria saber se ela faria um grande
casamento com Rafael, esse era o nome do noivo, que morava no Rio e
que, no momento estava no apartamento dela. Mentalizei, como sem-
pre faço, e, qual não foi o meu espanto! Pedi então que elas mentali-
664

zassem o noivo, novamente, e sim, era ele, eu tinha certeza: eu o vi


carregando tudo que havia no apartamento! Olhando para a senhora
Página

eu disse: Dona, ele é um assaltante; Virando-me para a moça eu conti-


nuei: não o queira filha, você vai ter um terrível susto.
As duas se levantaram enquanto a meça dizia:

"Louca, ela é louca, vamos mamãe, vamos"

Desapontadas, elas se foram.

Eu, sem saber na ocasião, o que elas haviam dito, fui trabalhar
nos tronos. Depois me senti doente e fui para casa, pedindo ao meu
bendito "fenômeno" que me dissesse algo...

Passaram-se mais ou menos três dias quando me avisaram que


havia duas senhoras que me queriam ver. Fui atendê-las. Eram elas.
Uma delas ria e a outra, a moça, chorava. A mãe dizia:

"Viemos para Brasília, para a casa do meu filho. Estamos com


medo. Foi tudo como a senhora disse. Ele levou tudo e ficamos com
medo que ele voltasse e nos encontrasse lá".

Salve Deus! pensei comigo mesma, mais um fenômeno da rosa!

"Na consulta anterior eu vira que elas seriam mortas pelo noi-
vo".

Puxei com todo amor as forças dos mundos encantados dos Hi-
malaias a pedi à minha flor, a minha rosa; o noivo assaltante iria espe-
rá-las no apartamento para fazer melhor saque, mas... ele teve pressa e
levou tudo que podia, logo...
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Página
“A vida não perdoa filho! Morreremos pelo caminho se não nos consci-
entizarmos, de não soubermos exatamente aquilo que nos pertence.” 666
Página
O BISPO

Meados de 1984.

O ano estava custando a passar, badalado de todas as formas de


profecias, de alarmes e de dificuldades. Nestor estava numa fase decisi-
va de sua carreira cármica, mas firme como aquele que construiu a sua
casa sobre a rocha... continuava a ouvir atentamente o "meu diário" de
Neiva.

Sim, Nestor, estamos em 1984. Vamos voltar para 1958, Salve


Deus!

Eu me via como se estivesse numa pequena embarcação, nave-


gando sem destino em mar fremente! Tinha perdido a noção dos valo-
res. Realmente não sabia quando iria parar, tinha medo de tudo, tinha
medo até de chamar por Deus! Será que Deus era espírito? Sei lá! Eu
tinha medo de que Ele me aparecesse. Era mesmo uma pequena em-
barcação em alto mar...

Tudo o que estou tentando deixar nestas páginas é vivo, vivo


como este sol que nos ilumina.

Com este espírito de tristeza e angústia, fui chamada para


transportar uma madeira que uma mulher havia comprado de outra.
Encostei o carro, quando ouvi uma mulher e um homem discutindo
asperamente. Os dois já estavam em "vias de fato" isto é, partindo para
a agressão física. Eu disse baixinho, para mim mesma: com tanto espíri-
667

to que tenho, vou apartar essa briga... Quando alguém disse no meu
ouvido:
Página
"Não se meta Neiva, a briga não é sua. E continuou: A mulher
está com ciúmes de você... Não conte comigo, eu vou embora".

Respondi: vá Pai João, sou acostumada a estar só.

"Porém nunca ligou" – completou ele. E partiu dando as suas ri-


sadinhas...

Eu então marchei para junto do casal gritando: parem com isso


gente!

A mulher apontou o dedo para o meu rosto passando o braço


tão rápido que quase me pegou, enquanto que o homem, apontando
para mim, dizia:

"Saí daqui sua intrometida, não vê que a briga é por sua causa,
infeliz! Vá cuidar da sua vida".

Desaforo! Ia eu dizendo... Quando a turma do "deixa disso" me


tirou dali.

Enquanto isso o homem continuava a esbravejar contra mim, di-


zendo coisas sem nexo como: "Fala-se no diabo e aparece o rabo..."

Meu pessoal apressou o carregamento, colocaram-se na cabine


e eu fui parar no outro lado da cidade, com uma vontade muito grande
de chorar... Porém Gilberto e Raul estavam comigo, éramos os três che-
fes da casa e eu não podia fraquejar. Debrucei-me sobre o volante e
fiquei amargurando aquela dor. Nisto Pai João chegou.
668

"Foi mexer com a vida dos outros, teimosa! Eu não falei?"


Página

Estou desajustada, vou matá-los!


"Bau, bau, se não matou até agora, não matará mais, nunca
mais".

"Você está marchando para um sacerdócio".

Feio, muito feio - eu disse.

"Porém, já fiz concurso de feio e você nunca fez..."

Rimos, e eu esqueci o incidente.

E a vida passava sem que eu pudesse fazer coisa alguma. Porém


eu já tinha desenvolvido minha mediunidade de incorporação. Certo
dia veio me consultar um casal de jovens namorados. Queriam saber da
Clarividente como seria sua vida de casados. Achei ele muito bonito e
ela muito feia e petulante. Pensei, pensei e não dei resposta. Tomara
partido e achara ele muito bonito para sofrer ao lado daquela moça.
Oh! meu Deus, tomei partido e fui ridicularizada nos planos espirituais!

Sim filho, eu era uma criança e de vez em quando fazia tolices


como essa. Custei a entender a mim mesma, qual era a minha missão.
Vivia cheia de medos da Igreja, do pecado mortal etc. Depois do último
erro, eu já estava mais doutrinada, quando vieram me dizer que havia
um bispo na porta, querendo falar comigo...

Gritei meus áis! Que querem fazer comigo? Um sacerdote de


Deus! Fiquei por ali, sem saber o que fazer. Mãe Yara chegou e foi me
levando para a Kombi onde se achava o sacerdote. Ele foi logo me di-
zendo: "Soube do seu fenômeno e me perguntei".
669
Página
Chovia muito e me deixaram sozinha com ele na Kombi, cheia de
medo, porém lembrando-me "dos meus olhos que eu tinha entregado a
Jesus..." e de que não poderia mentir, como por exemplo, dizer que eu
não era espírita nem clarividente...

Não tinha por onde escapar. Em que os espíritas se apegam? Na


reencarnação? Mãe Yara veio.

Padre, fui dizendo. Seus pais são dois velhinhos que são dois
santinhos. Deus lhes deu a graça de terem um filho como o senhor, mas
porque eles têm também um outro filho que é epilético e vive pelas
ruas embriagado?

"Como? Gritou ele! como você sabe, mulher?"

Porque sou a clarividente que o senhor procurou.

Sim, disse ainda, dívidas do passado... Seus pais e o senhor ainda


se endividarão mutuamente.

Disse-lhe ainda mais algumas coisas do irmão dele. Ele deu um


gemido, como quem sente uma grande dor...

"Realmente, meu irmão".

E foi se despedindo de mim como se sentindo incomodado.

"Depois, se possível, se eu pudesse ir até onde ele morava... "

Tudo que eu lhe disse é verdade... Não, eu não sairia dali!


670

Tudo foi muito desagradável. Falei com Mãe Yara e ela me disse
que não ficaria só nisso, outros e outros me abordariam. Foi uma dura
Página

experiência, porque realmente eu gosto da igreja. Fiquei triste por uns


dias e deveras impressionada com o susto do padre. Há outras passa-
gens de minha vida que podem elucidar muita coisa para vocês que não
estão escritas. Isso eu farei em outro livrinho. Um velho amigo, chegan-
do de Uberlândia me convidou para a despedida do Zé e sua noiva. Di-
rigimo-nos para um pequeno bar e lá ficamos, cantando e bebendo,
todos se despedindo. Voltaram para seus lugares e estavam apaixona-
dos em me deixar ali em Brasília, na Cidade Livre, no Núcleo Bandeiran-
te. Tomei novamente cerveja, eu que não tinha desejos por bebidas.
Em toda minha vida eu vivia para meus filhos.

671
Página
“Ver e viver, antes que os sinais da angústia te obriguem,
te oferecendo novos olhos, novas perspectivas,
te complicando para entender em novas ciências o que há
de mais simples: Amor e Deus, esta eterna verdade.”
672
Página
OS EXUS

Meus Filhos,

Saibam pois, que quando somos acessíveis, a todos emitimos


raios de luz e amor. Filho, o seu progresso está no seu coração; agora o
tempo está curto; veja a inquietação que está crescendo em todo uni-
verso. Filho, antes de semear temos que provar se somos humildes,
mesmo sendo abnegados como somos.

Aprenda a distinguir sempre o BEM e o MAL. Quando o homem


retorna aos planos espirituais, é interrogado para prestar suas contas
do tempo prestado na terra e suas possibilidades. A FÉ é a determina-
ção permanente de pensamentos construtivos; tudo que fazemos com
fé e amor atinge o objetivo. Quando estamos confiantes temos aguça-
dos os nossos ouvidos, sensíveis aos fenômenos deste mundo, sinal
evidente de que não estamos voltados somente para nós. É a melhor
maneira de conhecer nossa evolução, quando não passamos desaper-
cebidos das dores alheias, emitir o amor onde olhamos e sentindo gra-
ças por tudo ou pouco que temos.

Filho, aqui está uma explicação das atividades transcendentais,


onde você filho, terá que me ouvir para se conscientizar de sua missão,
e de como se faz um sacerdote, como eu fui preparada, Salve Deus!

A minha vida seguia o curso normal de uma mulher viúva aos 32


anos, quando começaram os primeiros fenômenos de minha clarividên-
cia e começaram, também, as indecisões e tudo que havia planejado
673

em toda a minha vida, que se transformava sem que eu percebesse.


Sentia apenas como tudo mudava.
Página
Em 1959, tive que aceitar e morar na Serra do Ouro, onde in-
gressei na UNIÃO ESPIRITUALISTA SETA BRANCA. Foi o mais terrível
martírio pela brusca transformação de toda a minha vida. Meus filhos
Gilberto, Raul Oscar, Carmem Lúcia e Vera Lúcia, estavam na crítica
idade de estudos e desenvolvimento. Renunciei a tudo, porque somen-
te uma Lei passou a existir, o DOUTRINADOR.

No dia 9 de novembro de 1959, recebi o primeiro mantra MA-


YANTE. Minha cabeça se encheu de som, quando apareceu um lindo
general do tempo da Queda da Bastilha, dizendo chamar-se Claudionor
de Plance Ferrate, o qual após contar a sua história, ditou a letra do
som que eu estava ouvindo, formando então Mayante, o mantra de
abertura dos nossos trabalhos. Naquele mesmo dia, eu teria que con-
cluir um grande compromisso sentimental e, qual não foi a minha de-
cepção, comecei a ouvir Mayante e a sentir desprezo por tudo que sen-
tia, inclusive um compromisso de nove anos. Eu bem sabia o quanto iria
pagar por aquela renúncia. Porém não vacilei, me desliguei do com-
promisso e voltei para minha missão, e de joelhos em frente a Pai Seta
Branca, entreguei os meus olhos a Jesus pela terceira vez. Comecei a
reduzir as palavras sem conseguir vencê-las, procurando sempre har-
monizar em mim meus pensamentos em ações de graças ao meu Reino.
Não havia mais ninguém no mundo, fiquei sozinha esperando alguém
que me conhecesse, caminhando solitariamente na noite, em caminhos
invisíveis e sobre os campos vazios. Chorei, filhos, chorei amargamente,
porém, ao defrontar-me com alguém tinha sempre um sorriso nos lá-
bios.
674
Página
Dos requintes dos salões, de uma vida de luxo, conheci a pobre-
za inconfundível, mil conselhos e seduções, nada porém me afastando
do bem na convicção das minhas visões. Aquela mulher moça, cheia de
arrogância, perdia aos poucos o seu orgulho.

Filhos, Deus não criou o homem inteiramente livre e eu precisa-


va me encontrar com alguém do meu nível, que me compreendesse.
Abordada por um grupo Kardecista, pensei em sair dali, daquela serra,
pois tive mais uma decepção, quando disse que estava na missão do
Doutrinador e fiquei confusa. Nesse mesmo dia, um colega de minha
confiança, que muito se afinava comigo, chegou naquela exato momen-
to e qual não foi a minha surpresa, escandalizou-se, insistiu comigo pa-
ra que fosse com ele argumentando, "você está fanática, você vai dei-
xar seus filhos sem estudo... ".

Dentro de mim começou um terrível conflito. Sai com ele e fui


até Alexânia que ficava a uns 14 quilômetros dali. A minha cabeça era
agora um vulcão e me sentia realmente irresponsável. Conflitos, confli-
tos era tudo que tinha na minha mente.

"Eu compro um caminhão e ponho na sua mão e você vai pa-


gando; você é a única mulher profissional. Você mascateando?"

Ele me ridicularizou ao máximo e despediu-se dizendo com água


nos olhos: "Me corta o coração, nunca mais porei os pés aqui, não que-
ro vê-la nesta miséria, neste fanatismo. Pense em seus filhos Neiva! "

Sentados na estrada ele se despediu e se foi, dizendo que confi-


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ava no meu retorno à estrada e juntos daríamos uma festa.

Ouvi uma voz dizer: "Vai fia!"


Página
Continuei sentada ainda na estrada e tapei os ouvidos para não
ouvir o barulho do motor do caminhão.

"Vai fia!" Disse Vovó Hindu na minha audição.

Pensei, como sou querida! Os espíritos preferem que eu desista


a me verem infeliz. Meu colega saiu tão amargurado...

Quando me levantei, já vinham atrás de mim e começaram os


sermões.

"Neiva, nesta missão em que nós confiamos a você, não pode-


mos ter um gesto irregular – é feio para nós".

Porém, a minha dor agora era tão grande que eu mal ouvia a-
quelas palavras. Resolvi então continuar a minha farsa de companheira
de Getúlio. Assim pude manter um pouco o respeito, sem causar tanto
ciúme. Sim meu filho, no campo da vida cada inteligência se caracteriza
pelas atribuições que lhes são próprias. Senti pois que a estrada é longa
e que se processa, a cada passo, lentamente pelo chão... "Sede pois,
vós outros perfeitos, como perfeito é o vosso Pai Celestial". (Mateus
5:48)

Daquele dia então, transformei a minha vida, e a fiz um facho de


luz e amor, sentindo que as minhas dúvidas eram imortais. Preenchi
todas as necessidades, fazendo das minhas ilusões um clarão de alegria
a todos os meus desejos. Aos poucos fui me realizando com as curas
constantes; fui superando as minhas frustrações, me Colocando e pas-
sando a viver sob um céu espiritual de uma outra natureza, da qual dia
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a dia ia me conscientizando na minha clarividência.


Página
Dois anos se passaram, estávamos agora em princípio de 1960,
quando recebi de Pai Seta Branca a primeira missão. Eram seis horas da
tarde e eu, mais do que nunca, sentia uma grande saudade, porém des-
ta vez era algo mais fino, alguma coisa que eu não conhecia. Sentei-me
na ponta do morro, embaixo do meu pequizeiro, quando Pai Seta Bran-
ca começou a fazer a meu roteiro e a mostrar tudo por onde eu passa-
ria e a minha missão. Traçou então o meu sacerdócio ao lado de Uma-
hã. Senti uma forte dor de cabeça e uma sensação de mal estar, e só
me dei conta quando estava diante de um velho cor de cuia, barbas
longas vestido com uma balandrau que me disse: "Salve Deus! De hoje
em diante terás a força de uma raiz".

Foi difícil. A partir daí, mais ou menos as quatro horas da tarde


começava o meu trabalho. Então me sentia como se estivesse com 38
graus de febre, minha cabeça rodava até o ponto de não me agüentar
de pé. Deitada, as tonteiras se acentuavam e eu entrava numa espécie
de sonho, um sonho em que me desprendia do corpo com perfeita
consciência.

Cada dia eu melhorava o meu padrão vibratório, consciente do


meu trabalho. Então recebi de Pai Seta Branca novas instruções: para
entrar num plano iniciático teria eu que fazer as pazes com todos aque-
les que se dissessem meus inimigos. Então, já no terceiro ano de co-
nhecimento ao lado de Umahã, segui até as cavernas a pedir paz e a-
mor aos reis dos submundos. E assim o fiz. Me transportava e humil-
demente lhes pedia acordo, pois a nossa Lei não admite demanda. Fui a
presença de sete reis, que me tratavam com mais ou menos ferocidade,
677

porém eu reagia com amor e muita timidez. No caso do "Sete Monta-


nhas" recebi até uma grande proposta. Ele quis me comprar de Pai Seta
Página
Branca e eu prometi falar com ele. Fazia as minhas recomendações e
prosseguia, apesar do meu tremendo pavor.

Nesse período eu vivia sobressaltada. Num desses dias que o sol


não aparecia, ocasiões essas em que nossos pensamentos ficam mais
tristes. Eu tinha muita coisa para fazer, porém me sentia um pouco sem
forças. Recostei no meu pequizeiro e adormeci, me transportando.

Entrei num suntuoso castelo. Tudo era riqueza e não me foi difí-
cil saber que estava diante do trono do poderoso Exu Sete Flechas.

Dois grandes homens com pequenos chifres me seguravam pe-


los braços num gesto deprimente, enquanto o rei vociferava: "É inofen-
siva, tragam-na até aqui. Já tenho conhecimento dos seus contatos e
virando-se para mim continuou dizendo: sua pretensão é muito grande
em querer acordo, quando não tem nem mesmo um povo para a de-
fender".

Respondi: Vou levantar um poder iniciático e quero fazê-lo após


vossa licença neste acordo, para que o seu povo não penetre na minha
área.

"Já sei muito bem, disse ele, das suas intenções. Eu me com-
prometo de não penetrar em sua área, antes porém vou fazer um teste
com você para lhe fazer sentir a minha força".

Eu disse apenas: Salve Deus!

"Quero ver se você tem proteção, se ele a livrará de mim. Ama-


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nhã às três horas da tarde, vou arrancar todo o telhado de sua casa.
Quero ver sua força!"
Página
Voltei para o corpo sentindo o sabor desagradável daquela via-
gem". Tornei a voltar onde ele estava, porém em outro local, em outro
salão e desta vez tudo foi pior. Ele jurou na verdade que não tocaria nos
meus filhos Doutrinadores, porém só se realizaria quando medisse sua
força comigo. Sustentei sua ameaça três anos, até que um dia, eu já
estava em Taguatinga, senti que as coisas estavam ficando perigosas.
Fui pela terceira vez falar com ele e qual não foi o meu sofrimento: sua
ameaça estava de pé!

No meio de risos e deboches ele me disse que às três horas da


tarde arrancaria o telhado de minha casa. Pensei em não ter medo, se
ele até hoje não arrancou, não arrancaria mais.

Qual não foi a minha surpresa: uma velha, dessas que vivem pa-
ra melhor fazer suas cobrançazinhas, mais ou menos as 2 horas da tar-
de, começou uma das suas.

"Ô, irmã Neiva, como vai? Eu precisava tanto falar com você,
mas dizem que você não fala com os pobres..."

Eu fiquei possessa com a velha, baixei a vibração, e então só ou-


vi o urro do telhado, foi tudo para os ares!

Só Deus sabe como fiquei humilhada. Pensei; Neiva você fracas-


sou apesar de todas as instruções que recebeu...
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Página
“Estando no espaço e devendo na Terra, nos sentimos desolados e inse-
guros, porque estamos ligados pelas vibrações contraídas.”
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Página
AMANTO

Voltamos três anos atrás. Isto foi uma experiência; veja, meu fi-
lho, até que ponto o espírito espera para fazer a sua vingança.

Salve Deus! Decepcionada com o Exu Sete Flechas, e sempre


preparada para o seu ataque, comecei a fazer minha preparação, quase
um ritual, para entrar numa caverna...

1961

Estava ainda cumprindo a minha peregrinação, lembrando-me


sempre do que dizia Mãe Tildes: "Neiva, fale somente o que convêm à
sua doutrina". Fui então, a cada dia e a cada hora, me acostumando
com as heresias de Mãe Neném. Minhas condições de amor me davam
segurança, sempre a ponto de receber as contradições dos meus prin-
cípios em ricas lições.

No dia 9 de junho de 1961 eu estava deslumbrada com os acon-


tecimentos em meus desdobramentos, quando uma numerosa família
me apareceu. Apertei a mão de um por um, das que me eram estendi-
das, e me quedei a ouvir o triste drama. Tudo girava em torno de um
certo senhor per nome Aprígio que havia desencarnado já fazia 30 a-
nos, deixando uma enorme herança em terras. Este senhor fora um
desajustado, a ponto de sua herança desonesta ter sido feita com san-
gue, isto é, com jagunços que forçavam as pessoas, matavam por escri-
turas, etc.
681

Estava distraída quando alguém pegou no meu ombro e, para


minha surpresa, seu Aprígio, hoje na encarnação de Manoel, o seu ne-
to, quem mais prejudicado vivia, pois herdara justamente uma terra
Página

cuja escritura era falsa, enquanto que os outros herdeiros já possuíam


suas terras em ordem! Hoje Manoel estava sem nada! Essa terra fora
outrora de uma viúva cujo esposo seu Aprígio havia tirado a vida...

Porém, sempre pensando como vivia o Aprígio Neto, pagando


suas dívidas sem consolação sem sentir, comecei a me lembrar das pa-
lavras de Umahã: "Fia! desde que há criação no mundo físico, todos
vem tentando conseguir uma vida permanente, mas a lei da própria
natureza física é imutável, ninguém escapa das mãos da morte. A ver-
dade é que ninguém pensa em morrer, envelhecer ou adoecer. A lei da
natureza não muda, não imuniza contra a morte".

A ciência nuclear descobre muito, porém está sempre nas mãos


das moléstias, da velhice, da morte e do nascimento. Sendo assim te-
mos por obrigação corrigir o nosso conhecimento.

Finalmente, seu Aprígio era Manoel, seu próprio neto, com 23


anos e o mais prejudicado de todos. Tive tanto susto que quase morri.
Porém deslumbrada como estava, à noite fui bisbilhotar a procedência
de tudo. Sentei na minha pequena praça e de longe ouvia o murmúrio
de casais chegando dos seus trabalhos. Em seguida ouvi uma voz:

"Ajudar sem participar. Cuidado, você não devia dizer que o tal
seu Aprígio estava reencarnado em Manoel seu neto, porque não po-
demos causar ansiedade nos outros pelas ações do nosso corpo, pelos
pensamentos de nossa mente ou por palavras".

Voltei para o corpo um pouco mais equilibrada.

Nesse mesmo dia, uma coisa que eu não gostaria que me acon-
682

tecesse, aconteceu. Meu companheiro me chamou e disse que não fora


possível aquentar tanto e já estava vivendo com outra mulher. Tive um
Página

choque e voltei à estaca zero, não podia admitir o que ouvira. Porém
aquentei, quase tonta e sem rumo. Voltei para Umahã para que ele me
dissesse o que teria que fazer.

"Fia! Me disse. Terás que passar por todas as provações. Impu-


sestes ao teu companheiro viver ao teu lado. Hoje ele se cansou e, pelo
que sei de Seta Branca ele tem uma filosofia adequada para o terceiro
Milênio e para uma nova era: o homem vivendo pelo amor da família,
nunca fica infeliz ou aflito por coisas desejáveis ou indesejáveis criadas
pela mente; ele torna-se um devoto puro na sua personalidade em
Deus".

"Tudo que o homem forja na mente está errado. O homem deve


se sentir seguro nos seus sentimentos. Vocês não se amam e não pode-
rão viver assim. Lembre-se sempre que, enquanto tiver um corpo mate-
rial terá que enfrentar todos os aspectos físicos dele, descobrindo o que
lhe é saudável. Não fuja das leis físicas, através das quais terás que
conquistar tua identidade espiritual. Estás com teu orgulho ferido, po-
rém, tão logo pagues o teu débito te libertarás desse companheiro. Não
te identifiques, falsamente, com o teu corpo material, grosseiro. Nem
consideres que os corpos se relacionam com corpos por suas proprie-
dades. Cada um gera a sua lei. Não é vantagem inserir teu corpo no que
quer que seja. Continue normalmente respeitando teus sentimentos
nas leis que sempre te regeram. Estou certo?"

Sim, está certo.

Porém eu estava arrasada, humilhada perante todos na comu-


nidade.
683

E mãe Neném?
Página
"O que realmente não queremos é que sejas frustrada. Neném
te reprova porque sua vida conjugal a traumatizou, a ponto de perder o
equilíbrio. Mas esse é um detalhe corriqueiro. Se tu não fosses uma
criatura perfeita não conhecerias com tanto amor os teus irmãos. Não
passes por religiosa simplesmente, pela forma ou pelo nome, não sejas
como um falso profeta".

Eu continuava muito desolada. Ele me olhou e continuou, com


muito amor:

"Pobre Neiva, é tão jovem para saber da morte..."

Disse isso como se não me visse ali perto. Dei um gemido como
se quisesse arrebentar o peito.

"Conhecerás, filha, a verdade e ela te libertará, porque a sua luz


resplandecerá em ti. A tua tarefa deve ser encarada como um santo
sacerdócio e a tua responsabilidade é grande pela força que te foi con-
fiada. Deves sentir a mais doce e mais humilde tolerância. Sim, tolerân-
cia com amor. Detém-te no lado bom das pessoas, das situações e das
coisas. Cries esperança e otimismo onde estiveres, em favor dos outros,
sem pedir recompensa. Auxilia muito e espera pouco ou nada. O teu
mundo estará sempre aos teus Pés, porém nunca acharás lugar para os
teus desejos. Viverás sempre carente porque não terás irmã por estes
vinte anos. A noite iluminará os pequenos diamantes da tua cabeça,
porque caíram das estrelas. O que tens a fazer é marcar o local do teu
altar, do teu Sacrifício, para a grande convulsão que está escrita no ru-
mo do largo portão da nova Aurora. O teu som estará sempre unido aos
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apelas da noite e do dia".


Página

Calei-me, envergonhada e perguntei o meu nome iniciático.


"Ainda te chamas Neiva e só mudarás o nome quando forem
contados em tua cabeça 108 pequeninos diamantes. Então não sentirás
receio algum deste mundo".

Eu sofro, reclamo, porém minha consciência é pura, disse eu.

"Sim, e ai de ti se não fosse..."

Respeito a Luz do Evangelho e tudo que me compete entender.

"Sim Neiva, estarei contigo até o fim, porque não há felicidade


sem esclarecimento, digo felicidade real. Filha, sei que o conhecimento
da Onipresença Divina ainda não penetrou na tua mente, e por isso não
te acode nos momentos de tuas necessidades. Filha, és dura como uma
pedra, porém eu saberei lapidá-la".

Olhei para aquele velho de barbas longas, cor de canela, pés


descalços, um manto branco encardido... Saí dali com o coração pesa-
roso, porém desta vez sentindo saudades e tristeza.

O dia amanheceu. Sai do meu quarto ouvindo vozes, mil pergun-


tas e respostas. Pelejava para me lembrar o que estava acontecendo ou
o que acontecera e não conseguia coordenar coisa alguma. Nisso dois
jovens começaram a brigar em luta corporal e eu não vacilei – corri pa-
ra apartar a briga. Santo Deus! Gritei. Passei a mão num pau e marchei
para cima dos briguentos... Então minha cabeça rodou e ouvi a voz de
Umahã: "Filha, a força não está na violência e sim na moral".

Joguei o pau fora e gritei, porém desta vez sem tomar partido,
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Pai Seta Branca!


Página
Realmente tudo se acabou, voltaram ao normal. Foi dito que era
uma falange de cobradores e tudo terminou bem. Sentei-me num tron-
co que servia de banco, pensando na incoerência dos fatos: Meu Deus,
como poderei vencer? Como será minha vida um dia? Eu pedi que o
Senhor, meu Mestre, curasse o meu coração e a minha dor!

Ouvi a voz de Umahã: "Não filha, o nosso coração só se cura pe-


lo esclarecimento".

Comecei a me preocupar, quem fui eu? Por que me deram tu-


do? Por que estão tomando?

"Sim Neiva, ouvi o que pensastes. Tivestes que encontrar com


Marco Antonio, tivestes que formar o teu império perdido... O mundo
te chama não ouves?"

Oh, meu Deus! Gritei. Agora me sinto doente, como vou viver? –
Meus filhos sem estudar, sem eu para criá-los, como será?

"Sim, és clarividente, poderás saber de todo o teu futuro... E,


queres saber, já estou cansado dos teus gemidos, assim não chegarás"

Naquele exato momento chegou Mãe Neném praguejando:

"Vou-me embora, não aquento mais estes miseráveis caipiras,


só querem explorar a gente, só querem remédios!"

Então, simultaneamente eu ouvia as duas vozes; a pobrezinha


não perdia as esperanças, e no meu íntimo eu estava recebendo a mi-
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nha lição. Envergonhava-me de tudo. Agora quem tinha vontade de


correr era eu. Realmente eu estava ficando indefesa com tantos pro-
blemas. Meus filhos ficaram somente com o curso ginasial e isso me
Página

horrorizava. O tempo não ajudava, estava caindo muita chuva. Comecei


a pensar em como sustentar toda aquele gente se não pudesse mandar
buscar mandioca para fazer farinha, que era do que vivíamos. Nisso
parou de chover e me dispus a sair de casa. Olhei para o céu e uma ave
voava bem alto...

"Vê Neiva, disse Mãe Tildes. Vê aquele pássaro a voar. Jamais se


ouviu dizer ter caído algum por falta de alimento. Pois assim também os
teus pequeninos filhos, como as aves, tem a bênção de Deus. Não po-
derás nunca tomar conhecimento de um sonho quando ele está pre-
sente. Fostes iniciada e a iniciação significa estar em contato íntimo
com alguém que está acordado. Todos dizem que no mundo físico os
loucos não gostam de viver, porém é tão difícil um suicídio... Neiva, se
puderes esperar, mesmo que seja um ano, tua mente se tornará silen-
ciosa por si, automaticamente. As perguntas pouco a pouco vão per-
dendo o sentido. A mente simples é inteligente e fértil. Estabeleças
uma norma para as tuas perguntas e as gerações se exaltarão em ti.
Filha, não queiras saber agora de onde vens e nem para onde irás. O
vento te levará para longe e te dirá tudo; quem vem por ele, te conhece
e te ama. Sim, não cai uma só folha de um árvore que não seja pela
benção de Deus, pelo vento, sim pelo vento e pela chuva".

A noite eu estava exausta, rolava na cama quase em desespero.


De repente adormeci ou me transportei... Estava agora em uma praci-
nha, que há muito me era bem familiar. Bem consciente via e ouvia a
que se passava, quando senti alguém sentando perto de mim.

"Sou Amanto"
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E eu sou Neiva!
Página

"Não me conheces, Neiva, sou um dos componentes de Pai Seta


Branca sou o inca".
Sim, o Inca! Quis logo lhe encher de perguntas, porém lembrei
de Mãe Tildes – mente simples, mente fértil. Ele naturalmente, sentin-
do o que me vinha à mente, sorriu e disse:

"Estás recebendo ricas lições. És prisioneira, sim, prisioneira da


poeira da terra, porém estás se preparando para receber uma corrente
inquebrável".

Depois de me refazer da sua figura resplandecente, fiquei pen-


sativa, até que ele me disse:

"Neiva, tu me inspiras a mais alta confiança. Estamos aqui na


Ponta Negra. Vê, tu estás com medo?"

Não, não estou com medo! Ele sorriu, porque eu estava com as
pernas tremendo de medo e não percebia. Ele ria...

Ó meu Deus! Até aqui?

"Sim Neiva, é a continuação. Aqui e a continuação da terra, e


daqui partimos para diversos planos".

Senti realmente que as questões me confundiam, mas ele foi di-


zendo coisas e eu fui me encontrando, dizia ele:

"Este grande vale é o mais triste, é o "Vale Negro dos Incompre-


endidos", porém daqui, desta ponta; visualizamos tudo. Também daqui
buscamos energias em diversos locais, suas heranças e seus charmes
para lucidez".
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Lucidez?
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"Sim, lucidez. O espírito ao receber a bênção de Deus se esclare-


ce e toma o seu destino. Aqui onde estamos, nesta pracinha, chama-
mos Ponta Negra, porque é o limite deste tenebroso vale. Veja, aquela
é uma enorme cerca magnética. Eles podem chegar até perto, porém
não ultrapassam esta cerca. Os bandidos do Espaço respeitam este va-
le".

Porque Bandidos do Espaço?

"André Luiz definiu os Bandidos do Espaço de maneira fácil de


ser entendida na terra".

Não conheço bem André Luiz, porém conheço o Evangelho de


Nosso Senhor Jesus Cristo.

"Sim Neiva, porém são perigosas as tuas interpretações; o Evan-


gelho, realmente, o Santo Evangelho... Precisas ter estrutura, base, para
interpretá-lo".

Jesus, disse num gemido.

"As estranhas narrações contidas na lenda dourada, por mais


fabulosas que sejam, só refletem a mais alta antiguidade cristã, são
mais parábolas do que histórias. Não entres na estrada antiga Neiva!
Porque tu viestes para reformar. Não tens Mestre? Não te foi dado um
magnífico Tibetano? Não vives a filosofar com ele?"

Empolgada com a exuberante figura de Amanto ia dizendo, sim,


um velho muito desgostoso, que vive enclausurado... e quase morri de
susto, Umahã estava na nossa frente...
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Oh! Gemi, os dois se encontraram... Fiquei muito envergonhada.


Eles porém eram tão superiores que me senti como um pequeno peixe
em alto mar. Daí eles partiram filosofando... novamente o contraste. Ó
Página

meu Deus!
“Sempre que envergarem seus uniformes, suas indumentárias,
devem deixar que a individualidade passe a conduzi-los.”
690
Página
O CHEGANTE

Cada colega que se despedia ia me deixando sua bagagem de


solidão e insegurança.

Como era triste viver longe da vida dos meus, daqueles que re-
almente acreditavam em mim como profissional e como mulher. Oh,
meu Deus! Como me sentia insegura

Pensava: qual será o meu fim, ao lado dessas imagens irreais?

No dia 30 de Outubro, eu amanheci com uma forte dor no peito.


Sai lá fora e ouvi vozes e palmas, todos me saudavam pelo meu aniver-
sário. Entrei na brincadeira e tudo passou. Disseram-me que havia al-
guns jovens kardecistas, vindos da OSCAL para saber ou ouvirem algo
sobre a minha clarividência. Preparei-me e fui até o Templo, onde já me
esperavam.

"Vamos fazer uma prece, disseram, então a clarividente faz a


prece."

Fiquei terrivelmente decepcionada, quando Mãe Neném me dis-


se em voz baixa:

"Cruz credo, Neiva, pelo amor de Deus, você é semi-analfabeta,


esse povo é cultíssimo..."

Retirei-me calada, e fui esperar a minha hora, isto é, a hora em


que precisassem de mim. Um pouco revoltada esperei, sem que nin-
691

guém soubesse o que estava se passando dentro de mim. Foi magnífico


para eles, saíram deslumbrados com tudo que viram e souberam. Por
Página

fim queriam me convencer para que desistisse de ser umbandista...


Quando tudo terminou, eu fui me encontrar com Umahã.
Oh Mestre, estou desolada, não suportarei por muito tempo es-
ta situação, é só paulada na minha cabeça. Por quê?

"Porque tua cabecinha está se enchendo de coisas. Então,


quando estiver bem cheia, na primeira paulada, como dissestes, sai
tudo de uma só vez. O importante é que tu és muito honesta, e só sa-
bes dizer a verdade, porém não sabes outras coisas. E mais, tens ainda
que aprender a dizer e como dizer..."

A tua situação é muito perigosa; tuas palavras podem ser o bál-


samo curador, como poderão, também, queimar como fogo. Neném
tem razão, filha".

Oh meu Deus! Gemi, e voltei para o meu corpo.

No outro dia soube de um certo homem que havia chegado.


Quem?

Sempre soubera que iria chegar um homem de origem estran-


geira. Segundo as informações que tinha, ele seria meu companheiro, e
que também era culturalmente atualizado para a Doutrina. Seria ele? –
Olhei na vidência e fiquei bem impressionada. Mas, Deus meu!, foi tudo
tão diferente! Fomos apresentados e nos tornamos amigos. Ele logo
começou a me incentivar com as minhas "viagens". As comunicações
passaram a ter mais objetivos, porque logo que eu voltava, ele me ex-
plicava. Tinha um carinho fraternal comigo, que até então não tivera.

Me encontrei com Umahã e lhe confiei meus pensamentos.


692

"Neiva, dentro dos teus grandes conceitos, vejo a profundidade


dos teus sentimentos. Quantos anos tens agora?"
Página

34 anos e seis meses, respondi.


"Sim Neiva, as obras inspiradas pelo amor dos nossos semelhan-
tes, são as que mais pesarão na balança dos nossos corações. Tuas pa-
lavras serão sempre ouvidas, porque falas da abnegação e do sacrifício,
nada em ti irá perecer, porque falarás sempre do que existe, tudo está
contigo em Deus e na comunicação dos espíritos".

Sim filha, todos somos livres, ninguém é de ninguém, até mes-


mo para desejar, escolher, fazer e obter, mas todos somos, também
constrangidos a entrar nos resultados de nossas próprias obras. Foi por
isso que Jesus, compreendendo que não existe direito sem obrigação, e
nem equilíbrio sem consciência, nos afirmou claramente: "Conhecereis
a verdade e a verdade vos fará livres".

O corpo é um estado celular no qual cada uma das células é um


cidadão. Então existem encontros, como existem doenças. Como o sexo
é apenas o conflito dos cidadãos, no estado provocado por ação de for-
ças externas, energia física que não atinge o coronário, o homem é livre
até mesmo para o recusar e dominar os seus instintos.

Umahã! Falas em sexo? Eu já estou longe de ter uma vida nor-


mal.

"Sim filha, o sexo não é como o álcool que deteriora os poderes


do nosso sol interior, porém conforme a conduta, deforma e desmorali-
za o destino do missionário. O escândalo distancia o missionário de sua
missão. Também o homem em sua mente deformada, deturpa os fatos
e as coisas".
693

Todos os homens?

"Não filha, nem todos. Porém uma grande parte".


Página
Falei no comportamento do sexo, associando a criação. Dias vi-
rão em que os pais não criarão mais seus filhos, os psicólogos e psiquia-
tras é que irão criá-los. Salve Deus! Pelas facilidades constantes do ho-
mem no conceito do sexo, perdem suas famílias – não chegam ao tér-
mino dos seus destinos cármicos.

Oh meu Deus! E tudo tão complexo, e a vida também complexa,


como chegarei lá, meu Mestre? Estou tão cansada, de não ter onde
escorar a minha cabeça.

"Filha, as projeções mentais, como o próprio nome indica, de-


pendem exclusivamente do poder e da vontade emissora, de sua capa-
cidade mais ou menos poderosa no impulso de suas ondas telepáticas.
Essas projeções podem ser mentais ou fluídicas".

O teu chegante é um mentabólico. "E dizendo assim, se fechou


em seu canto e eu o acompanhei em paz".

Em seu canto dizia:

"Oh meu Deus! Quando esta andorinha descansará sua cabeça e


quão altos serão seus degraus?"

Vai filha. Deves sentir a mais perfeita tolerância por todos e um


interesse tão sincero pelas criaturas e pelas crenças dos que perten-
cem, a outras religiões, igual a que demonstram pela tua, pois a religião
dos outros é um caminho para o mais elevado, assim como a tua, pois
também isso, deve ser feito pelo nosso amor. Agora tens aberto os teus
olhos. Lembra-te filha, algumas de tuas antigas crenças, de tuas velhas
694

cerimônias, poderão parecer absurdas. Porém mantenhas firme, por-


que jamais farás as coisas de ti.
Página
Oh meu Deus! Gemi, eu perdi a minha personalidade.

Umahã disse ainda: "Sejas condescendente em tudo e seja be-


névola em todas as coisas. Vá, agora os teus olhos estão abertos, pois
Deus tem os seus planos, e um deles és tu".

Quando despertei, estava no meu corpo, pensando... Aquele ve-


lho está caducando. Fui buscar uma coisa e ele me deu outra.

Lá fora todos falavam com os recém chegados. Sem entusiasmo,


meio decepcionada, logo depois já estava na roda, falando, rindo. Po-
rém o meu pensamento estava seguro do outro lado do mundo. Fica-
mos amigos, e mais do que amigos, irmãos, eu e o novo visitante. Com
as dúvidas de ser ele o intelectual esperado por Pai Seta Branca, porém
tudo passou a ser bom. Comecei a me desenvolver melhor, e tinha pra-
zer de tê-lo ao meu lado, porque ele desvendava com carinho as mi-
nhas visões, e eu, muito doente chegava a sentir melhor.

Certo dia Mãe Neném disse: "Neiva, Umahã já sabe que este
homem está se apaixonando por você? Cruz credo, ele não quer nada
comigo".

O visitante vinha vindo em nossa direção e perguntou: "Para


onde vai Mãe Neném".

"Vou para Brasília cuidar da vida, porque não tenho ninguém


para cuidar de mim. Meu filho, você não sabe como é triste a vida de
uma mulher sozinha".
695

"Sim, Mãe Neném, eu pretendo passar algum tempo aqui e po-


derei ajudá-la. Vou levá-la no meu carro, tenho também algo a tratar
Página

em Brasília. E se apressando, disse: "Vamos, Mãe Neném, vamos".


Dois dias depois voltaram, porém eu já sabia de tudo.

"Neiva, me disse ele, porque você não foi mais franca comigo?
"Dizem que você está sem medicamentos porque não pode comprar e
que o Seta Branca está preparando você para um intelectual que irá
descrever com certo critério esta doutrina. Sabe Neiva? O Pai Seta
Branca é sábio, porém você não quer sair daqui? Eu terei todo respeito
as coisas do nosso Pai".

Por que você me fala essas coisas?

"Porque Mãe Neném me pediu para que eu saísse daqui da Ser-


ra e nas entrelinhas outras mesquinharias. Sabe Neiva, me desculpe,
quantos anos tem você?"

35 anos, respondi, e você?

41 anos e já estou aposentado. Tive um princípio de angina e fi-


quei inutilizado. Sou engenheiro agrônomo. Se a medicina não progre-
dir tenho os meus dias contados. Puxa vida, gemi, depois que me en-
contrei com a espiritualidade, só ouço coisas tristes.

"Não Neiva, o que eu estou lhe dizendo, antes talvez nada signi-
ficasse, porém hoje lhe toca porque você está sofrida e sente solidão.
Fui desprezado por minha mulher. Ela queria um filho, porém eu tive
uma doença que me impede de ter filhos. Minha mulher já está casada
com outro e, inclusive, tem dois filhos e eu ainda não me equilibrei".

Foi muito brusca a atitude dela. Não esperava e caí, sem saber
696

quando me levantarei".

Você cai facilmente. Pelo que vejo essa saída com Mãe Neném
Página

lhe fez mal.


"Mutilou-me"

Você não está preparado para tão grosseira missão.

"Neiva, falar em grosseria a seu lado é uma aberração".

Sorrindo porquanto Mãe Neném e Getúlio Chegavam. Salve


Deus! Saudou Getúlio dizendo: "Mãe Neném me disse que você vai
embora".

"Vou, Getúlio, tão logo Pai Seta Branca me libere. Vim para ser
útil, mas nada sei fazer. Só sei ficar ao lado de Neiva recebendo seus
ensinamentos que são pérolas."

"É verdade, disse Getúlio, magoado com Mãe Neném, fique co-
nosco precisamos de uma pessoa como você. Não o aborrece ficar ao
lado de Neiva?"

"Não, eu e Neiva nos entendemos bem".

"Estamos em uma jornada Carlos, Neiva precisa de nós".

"Agora estamos precisando de quem faça dinheiro – atalhou


Mãe Neném – espírito não enche a barriga de ninguém".

Getúlio ficou agressivo e terminou dizendo: "Se os filhos de Nei-


va concordassem, eu a tirava daqui".

Foi constrangedor. Fiquei na maior frustração da minha vida.

Nisto, Nelson Santos chegou. Era dono de um loteamento em


697

Nova Flórida. Saí para atendê-lo quando Mãe Neném me chamou:


"Neiva, cuidado com esse homem. Ele está apaixonado por você e foi
Página
por isso que eu já lhe dei o "bilhete azul". Falei que aqui não há lugar
para ele".

Você está louca, Mãe Neném, eu sempre soube me manter, e


nunca houve nada, nem mesmo insinuações.

"Bem, de qualquer jeito você já está avisada, Salve Deus! "

Fui falar com Nelson Santos, mas ele já estava perto.

"Meu Deus, disse ele, que clima pesado!"

A noite, todos estavam juntos, menos o nosso visitante. Porém


eu me preocupava e fui dormir. Ouvia de longe os cantos, violões, etc.
Nisto me transportei e me vi diante dele. Ele dizia:

"Neiva, se você for real, me ouça. Gostaria de ter coragem de


lhe dizer tudo que sinto, pessoalmente. Porém não quero tirá-la de sua
missão e sei também que você não me aceita. Vou embora amanhã."

Não quis ouvir mais, fui para o corpo, meu coração batia des-
compassadamente, olhei o relógio, eram 3 horas da madrugada, basta-
va apenas que eu desse vinte passos e estaria com ele e tudo estaria
certo. A certeza de voltar a ficar sozinha era terrível. Pensei: mais um
que eu irei sacrificar. Queria apenas alguém que me ajudasse. Seriam
reais meus pensamentos?

Como sacrificar alguém?

Fiquei ali petrificada. Oh, meu Deus! As coisas que eram tão
698

simples para mim, hoje se complicavam tanto!


Página

Voltei, adormeci e fui ter com Umahã.


Ele disse: "Neiva, tu estás confusa? "

Não, respondi.

"Neiva, o amor à doutrina de Jesus se resume a todos os senti-


mentos, porque todo trabalho sincero nos eleva a alma e traz a benção
das lágrimas consoladoras".

Sim Mestre, vim vencer a minha tristeza, o fracasso, a frustra-


ção, o desejo da esperança da própria vida, falta ou perda de um bem
ou de um mal, a minha existência, esta insegurança que me mata, meu
Mestre.

"Verdade Neiva, pela primeira vez te vejo serena e dolorida. A


certeza de ser amada e a insegurança de amar alguém. Sofres muito,
ainda trazes profundas cicatrizes e o teu espírito honesto não permitiria
que alguém sofresse o que estás sofrendo".

Mestre, você me confunde.

"Não filha, foi a maneira brutal dos que te cercam, de sua má in-
terpretação."

Preciso dele, Mestre.

"Não filha, não será ele. Já te disse: vinte anos sem irmã ou ir-
mão"

Sai dali meio decepcionada e deixei que as coisas acontecessem


no outro dia.
699

Tudo já estava sob controle, inclusive eu. Porém eu sentia que


Página

cada desilusão ia matando os restinhos que me restavam.


Lembrei-me de Umahã: "Cuidado filha, se persistes em viver
dentro do ontem, é lógico o teu temor pelo amanhã. Será como aquele
que deixou os caminhos que lhe traziam afeto e chorou a tragédia da
solidão. Choram também os que não sabem perdoar as faltas alheias.
Sofrem também quem perdoa quando está sofrido. O homem sofrido
não é o mesmo que está tranqüilo".

Chegando perto, ouvi o que as crianças falavam: Carmem Lúcia,


Marlyzinha, Marísia, Miriam, Marlene e Linda a jovem e grande Mé-
dium de quem tenho tanta saudades. Jair, Mãe Neném, Isidoro, Paulo e
outros que não me dão tempo. Foi a hora da partida; saudades, triste-
za. Finalmente eu percebi que era demais e fui embora, ficando triste,
muito triste, até entender. Parti para Taguatinga e fui me adaptar a um
novo mundo.

Recebi Koatay 108, fui tirar uma fotografia e registrar a minha


vida iniciática. Dali parti para outra jornada e que Deus nos ajude logo.
Me encaminhei nesta faixa iniciática resplandecente: Vale do Amanhe-
cer. Os dias se passavam e as minhas esperanças iam se acabando. As
comunicações falavam sempre de um companheiro que ia chegar em
minha vida e que seria a luz luminosa no caminho missionário desta
jornada. Algumas vezes eu o via na minha clarividência, porém eu pen-
sava: "vinte anos sem irmã ou irmão... ". Cogitando esse companheiro
evangélico, de que dizia Umahã, atravessei a jornada da UESB.

Getúlio Volnei cada vez mais queria se libertar de mim. Até que
um dia chegou a minha porta um viajante com sua bagagem missioná-
700

ria espiritual; a bagagem do viajante não me confundia! Vi logo que se


tratava do meu companheiro. Trazia, como Jaguar, uma bagagem de
Página

desilusões e frustramentos. Chegando, foi penetrando na doutrina e


tomando a lugar ao lado do doutrinador e até hoje, juntos na missão,
em um só coração e um só pensamento, vivemos o doutrinador.

Somos almas afins, nos amamos muito e hoje, 1985, temos 20


anos juntos e abraçamos nossa vida conjugal com muito amor. Juntos,
temos o nosso amor incondicional, dentro da doutrina, a minha realiza-
ção, por ter ao meu lado o Mestre Jaguar Tumuchy Mário Sassi.

Espero que Jesus me dê forças para continuar o caminho do Sol.

701
Página
“Os fenômenos somente não nos esclarecem.
Pelo contrário, nos trazem conflitos!”
702
Página
UMAHÃ

Olha Neiva! Assim como existe um único Deus, existe uma só


verdade. Como poderá conhecer a verdade, senão na fonte original da
vida? A verdade só se manifesta nos princípios espontâneos e aperfei-
çoados. Quando souberes ouvir claramente a voz da verdade, desperta-
rás as tuas faculdades espirituais e ouvirás, também, os eternos seres a
te abençoar.

Um dia um sol, e pequenos sóis, abrirão a tua alma, e então a-


fastarás muitas coisas do teu caminho, encontrando com a harmonia do
círculo esotérico da justiça e da verdade. Realize conscientemente a tua
individualidade, desenvolvida na consciência humana. Terás a graça de
Deus e farás o elixir da vida, tudo resultante da tua consciência.

É pela caridade que os santos consolam os criminosos da lei de


Deus, ou melhor, os que violam as leis de Deus, por cultivarem a igno-
rância. O homem, aqui na terra, se deslumbra com as facilidades que
esta rica paisagem lhe oferece.

Filha, existe um átomo, ou partícula antimaterial, que se com-


põe das antequalidades do átomo, a antimatéria.

Filha, o átomo que separa o etérico do físico, o neutrom, este


quando isolado um do outro, a matéria, do qual você conhece uma pe-
quena parte, porém igual, igualzinho a este, e esse mundo está em nos-
sas cabeças, com leis, ternura e paz. "Não existe separação, apenas se
separam, isto é, quando tem separação esta é feita pela compreensão
703

dos seus habitantes. Há outra vida, como eu já disse, em cima das nos-
sas cabeças."
Página
Eu perguntei espantada: então os aviões arrebentam tudo
quando passam?

"Neiva, veja bem o que eu disse anteriormente: é uma questão


de velocidade, além dos parâmetros do mundo material, que determina
a antimatéria chocar-se com a matéria, uma aniquilando a outra".

Essa partícula antimatéria se encontra no plexo. Ela cresce e se


transforma para sempre se chocar e aniquilar o físico, o corpo material,
destrutível, temporário. O corpo físico é feito pelas partículas de sua
energia vital, mais denso, porém sempre é alimentado pela antimatéria,
que é mais sutil. E os nossos cientistas, que dizem disso? Perguntei.

"Eles se tornarão autênticos quando souberem lidar com as par-


tículas antimatéria e conhecer suas qualidades. A química, com o calor,
separa as partículas".

Ó Meu Deus!, não foi isto que eu vim buscar, meu Mestre!

"Neném te fala sempre em materialização, sem conhecer o fe-


nômeno que materializa o antimaterial e tu, uma clarividente, não po-
derás cair no mesmo erro".

Salve Deus! Neiva, enquanto estamos aqui concentrados, tu e


eu, é pela virtude de um fenômeno do antimaterial, que separou o teu
plexo, para operar o fenômeno de estar aqui e simultaneamente em
tua casa na UESB! Enquanto a tua menina, digo, Isadora, ela terá o mí-
nimo de sua prova. Dei um gemido. Ó meu Deus, é tudo tão complexo!
A minha vida que era simples e tão clara, agora transbordava de dúvi-
704

das e conflitos.
Página
Quando voltei ao corpo estava melhor. Realmente a menina não
havia perdido nenhum dedo, ou melhor, somente um dedo, exatamen-
te o do anel, que ela, como Isadora, usava para carregar o veneno, um
processo que era usado pelos Borjias. Foi triste, porém tudo passou.

Passei então aqueles dias num misto de sonhos e de realidades,


de dúvidas e de conflitos. Me batia, "sem uma irmã", naquela serra em
desespero e desatino. Comecei a perder a noção do tempo e a me en-
ganar nas datas dos acontecimentos, dando margem a que as pessoas
começassem a duvidar de mim. Ó meu Deus! Tudo me parecia fantásti-
co, como se eu estivesse louca. Tudo, tudo parecia se comprimir em
minha cabeça. Porém comecei a guardar segredo de tudo que via e ou-
via. Sentia que estava me preparando para alguma coisa boa, porém
sempre com um pensamento que me dava forças: vou embora qual-
quer dia desses...

Sentei no velho pequizeiro, perto da minha casa, no banco de


tábuas feito pelos meus meninos. Nesse dia eu estava terrivelmente
desajustada. Fechei os olhos, pedindo forças, quando Pai João de Eno-
que chegou de mansinho.

"Fia, os espíritos do astral inferior gostam de se aproveitar dos


grandes médiuns quando estão descontrolados. Irritação, perturba-
ção... você tem que ser diferente..."

Salve Deus! Porque seria eu diferente?

Pensei: se Mãe Neném é tão sabida, como pode a minha cabeça


705

guardar tanta coisa?


Página
Enquanto isso, os comentários continuavam, porém em bons
termos; todos começavam a sentir o fenômeno do carma. Era uma tar-
de fria, eu não me sentia bem e me recolhi.

Já estava deitada, a mercê dos meus pensamentos, quando ouvi


os gritos terríveis de um obsediado. Era uma moça. Saímos todos cor-
rendo para a templo. Mãe Neném fez a abertura e leu o Evangelho.
Começaram as puxadas. Eu ia no mesmo embalo, quando ouvi a voz de
Amanto...

"Filha, quando chegar um caso desses, leve seu pensamento a


Deus e faça uma pequena concentração até os demais incorporarem..."

Era tudo tão difícil... Comecei a ter medo.

Em meio daquela confusão me desprendi até Umahã, que esta-


va lavando o rosto em uma bonita bacia.

Oh, me perdoe! Só agora notava que os horários eram diferen-


tes.

Oh filha, disse ele, não existe horário para nós, somente hoje me
pegaste desprevenido. Porém, muitas vezes, eu não estava sentado
naquele tapete como tu me vias, tu me vias sentado, em corpo fluídico.
No entanto, o meu corpo físico, o meu pobre corpo, estava dormindo
em cima, no dormitório, onde dormem também, mais dois outros ra-
mas.

Oh, meu Deus! Como é complexa a minha vida!


706

"Sim, filha, quanto mais penetramos no mundo psíquico, mais


difícil se torna a marcha da vida. Achamo-nos na situação de viajantes,
Página

que atravessam uma região que antes nunca foi percorrida por alguém.
Tem que caminhar sem um guia, tendo como guia sua própria mente,
confiando apenas na sua orientação e suas defesas. Neiva, minha Nei-
va, te encontras ante uma floresta virgem, cujas árvores são muitas, e o
campo da tua visão é a tua consciência diante dos problemas que se
apresentam. Faça Neiva, a maior concentração de tua alma. Demonstre
rigorosamente a tua alma. Demonstre vigorosamente a tua força e faça
as coisas chagarem onde Seta Branca deseja que cheguem. Filha, a for-
ça vital é produzida pela energia bioquímica, quando a motricidade do
sistema nervoso desagrega e inflama o teu plexo, e ele, instintivamen-
te, emite sua força vital. Vai, filha, eles na UESB já estão preocupados
contigo".

Chequei a casa meio tonta, porém tive um grande susto quando


vi que estava em casa e não no templo. Perguntei ao Getúlio, vim do
templo carregada?

"Carregada como? Veio caminhando, apenas calada. Até pen-


samos que você dormiu um pouco na hora da leitura do Evangelho".

Não, não vi nada! Estou ficando louca, qualquer hora dessas vo-
cê vai me levar para um manicômio.

Salve Deus! Mil coisas aconteceram...

Meus filhos cresciam e eu não via uma maneira de sair dali. Le-
vantei-me cedinho e fui me sentar no pé de pequi, quando chegou um
carro cheio de gente, cujo aspecto era o pior possível. Pensei: eles es-
tão com fome, me parece que estão vindo de longe. Vamos fazer algu-
707

ma coisa para que eles possam comer. Mãe Neném adivinhou o meu
pensamento.
Página
"Não Neiva, lembre-se do que diz Umahã... Devemos alimentar
somente a alma, temos tão pouco para repartir..."

Sim, concordei. E rimos bastante.

Depois desse dia senti que Mãe Neném também estava melhor,
compreensiva e mais razoável, tornando as nossas dores mais amenas,
nos unindo mais. Apesar do acidente continuamos a fabricar farinha.
Comprei um caminhão de mandioca e com a maior dificuldade mandei
Gilberto meu filho buscar. Gilberto tinha apenas 16 anos e o caminhão
era dele. Ele havia saído às 10 horas da manhã, e até aquela hora não
aparecera. Fiquei um pouco aflita e fui até a estrada para me distrair. Ô
meu Deus! Parece que tudo estava marcado para me testar melhor: em
vez de Gilberto eis que chega o Samuel, um velho colega de estrada
com o qual tinha muita afinidade.

Meu Deus! Pensei, qual será a reação dele diante da minha nova
vida? Pensei em correr, me esconder... Porém, para onde?

Nessa época Já éramos 90 adultos bem conscientes e todos es-


tavam a minha espreita, não seria passível me esconder. A essa altura já
estavam me chamando.

"Cruz credo Neiva! Cuidado com esses motoristas".

Porém, desta vez eu não era mais aquela. Levantei os olhos e


disse com amor: não se preocupe, minha querida Mãe Neném!
708
Página
Samuel mostrou-se estarrecido e disse sem vacilar o que pensa-
va de toda aquela pobreza. Encarou-me e deparou com minha seguran-
ça. De repente, tudo mudou e ele disse:

"Puxa, colega velha, que mudança!... Quem te viu e quem te


vê... Estou gostando, sabe? O Alcides me contou... Como você tivesse
quebrado..."

Quebrei, disse eu – porém desta vez com segurança. A partir daí


tudo foi diferente...

"Neiva, disse ele, você escolheu... está realizada? Está tudo cer-
to? Só nós não entendemos_ Somos, realmente, teus amigos, e mais
que amigos, irmãos. Mas o Alcides não se conforma... Você sempre nos
ajudou, e me abraçando com carinho continuou - estou feliz em encon-
trá-la assim, tão segura. Você sempre foi você mesma, eu a entendo...
Eu e Lourdes, minha mulher, já freqüentamos alguns terreiros e gosta-
mos muito..."

"Salve Deus';", disse Mãe Neném...

Eu disse: não sabia que Lourdes era espírita.

"Sim, e como! Vou trazê-la aqui se Deus quiser".

Lourdes, a esposa dele, viajava muito conosco disse eu para


Mãe Neném.

Samuel disse ainda: "Graças a Deus eu vivo pelo mundo para dar
709

conforto à minha família. Neiva sabe como somos felizes". E assim Sa-
muel desmanchava toda má impressão que meu povo tivera.
Página
Vamos até Alexânia? Vamos também Mãe Neném? Ela aceitou o
convite.

Fomos. Eu toda feliz, pensava: quando somos verdadeiros, tudo


é felicidade em nós. Samuel ao se despedir disse: "Neiva, quando você
quiser... Você sabe, eu compro um carro. Estou as suas ordens e saiba
que todos os colegas querem que você volte."

Não voltarei. Tomei a pior decisão de minha vida, e pedi para


não sair daqui.

"Sei! – E eu falando casamento..."

"Ele já se casou, adiantou Mãe Neném".

"Já? Como? Ele se sujeitar a este tipo de vida? Duvido... Aquele


cara é rico pra burro..."

Quem? – Não gostei e ele notou que eu não tinha gostado... Ca-
lou-se com ar desdenhoso.

"Coitada da velha colega, com apenas trinta e três anos..."

Trinta e cinco, disse eu.

"Sim, é sinal que este negócio é verdadeiro".

Samuel, você esta com um dinheiro separado para me entregar


e já está se esquecendo, disse eu. Ele se admirou, porque o dinheiro
estava em seu bolso para me entregar. Era um dinheiro que ele me de-
710

via há dois anos. Ele tinha certeza que eu não sabia e nem tampouco
cobraria a dívida, se não tivesse visto o dinheiro no seu bolso. Samuel
Página

me conhecia bem, para saber que eu jamais cobraria essa dívida... E o


tempo continuou sua marcha inexorável.
“Pondera o chão sob os teus pés e verás
que todos os teus caminhos serão retos.”

711
Página
ISADORA

Desprendi-me dos afazeres e fui ao meu "trono", como chamava


o meu canto em baixo do pequizeiro e lá comecei a pensar nos reajus-
tes a que fui submetida. Me transportei ao Tibet onde meu mestre U-
mahã me esperava. Não era muito do meu gosto aquela sala ou aquele
Palácio de Lhasa. Preferia suas lições no meu corpo, ou melhor, ele se
desdobrando e vindo até mim. Porém sentei e fui saindo, quando senti
que estava no salão ao seu lado. Ele estava sentado entre dois candela-
bros fincados no chão.

"Neiva, me disse, Salve Deus! Venha filha, sei o quanto está so-
frendo! Porém serás em Deus muito feliz."

Estou infeliz. Querem que eu adivinhe. Jogam agulhas no chão


escuro para eu achar e apanhá-las. Sim, eu acho as agulhas, porém uma
coisa me entristece: é sinal de que eles não acreditam em mim.

"Salve Deus Neiva, Salve Deus Neiva! precisas distinguir entre o


verdadeiro e o falso. deves aprender a ser verdadeira em tudo, em pen-
samento, palavra e ação. Por mais sábia que sejas, um dia, ainda terás
muito que aprender. Todo conhecimento é útil e dia virá em que possu-
irás muito, amor e sabedoria, e tudo se manifestará em ti Entre o bem e
o mal, o ocultismo não admite transigência; custe o que custar é preci-
so fazer o bem e evitar o mal. Teu Corpo Astral-Mental se aprazerá em
se imaginar, orgulhosamente separado do físico".

Eu ouvia como se estivesse distante dali. Ele me observou di-


712

zendo: "Neiva!
Página
Gostas de pensar em ti Mesma. Seta Branca está Incessante-
mente vigilante, sob pena de vires a falir. Mesmo quando houveres te
desviado das coisas mundanas, ainda precisas meditar, fazendo conjec-
turas. Jesus nos adverte: "Antes de culpar o teu vizinho, porque não ser
mais sincera contigo mesma?"

A tua vidência é algo sem limite, tens tudo para fazer o bem e o
mal. Se fizeres o mal te destruirás e se fizeres o bem crescerás como a
rama selvagem. Não te esqueças também, que acima de tudo, estás
aqui para aprender e para guardar segredo, mesmo fazendo mistério
das tuas revelações.

Esforça-te por averiguar o que vale a pena ser dito. Lembra-te


que não se deve julgar uma coisa pelo seu tamanho. Uma causa peque-
na, muitas vezes, tem maior sentido. Não deves acolher um pensamen-
to somente porque existe nas escrituras durante séculos. Deves fazer
distinção entre o que é útil ou inútil. Alimentar os pobres é boa ação;
porém alimentar as almas é ainda mais nobre e útil do que alimentar os
corpos de quem quer que seja. O rico pode alimentar o corpo, porém
somente os que possuem o conhecimento espiritual de Deus, poderão
alimentar as suas almas. Quem tem o conhecimento tem o dever de
ensinar aos outros. A tua responsabilidade Neiva, será a maior do mun-
do. Nunca poderás dizer tudo e não poderá, também, se calar."

Dizendo tudo isso, começou a contar este exemplo:

"Eu era muito jovem quando me enclausurei neste mosteiro.


Porém, antes de entrar aqui tive grandes experiências, e eis o que vi:
713

Houve um tempo em que a Índia era o ponto principal para revelações.


Vinham de muito longe curiosos, romeiros, magos e videntes e viviam
Página

por lá a espreita das oportunidades para suas alucinações. E uma destas


aconteceu com a família de um lorde que veio da Inglaterra, para saber
do destino de seu filho recém nascido. O mestre que o atendeu estava
de saída. Os seus companheiros já o estavam esperando na célebre
porteira, para assim cada um ter designada a sua direção".

O fidalgo insistiu, e então o mestre contou, sem amor, o que via


no destino do menino: disse que o filho dele teria um mau destino e
deu todo o roteiro de sua vida: em tal tempo acontecerá isto, em tal
tempo será assim...

O fidalgo saiu dali em desespero; o seu filho que até então era a
sua alegria, passou a ser a própria sentença. Daí por diante não fez ou-
tra coisa senão sofrer, a espera dos acontecimentos, por toda a sua
vida.

Porém nada aconteceu; o jovem foi feliz, casou-se e nada de mal


lhe aconteceu. Quanto ao fidalgo seu pai, ele amargurou toda a sua
vida... As suas vibrações, não preciso dizer, destruíram o impensado
mestre.

Ninguém tem a intenção de magoar ninguém. Porém o pecado


da palavra impensada de um mestre ou clarividente é algo muito sério.

Neiva, veja sempre em sua frente um fidalgo, o homem que so-


freu a conseqüência do seu orgulho. Porém nunca faça como o impen-
sado mestre, nunca participe com ninguém. Serás, antes de tudo, uma
psicanalista. É bem melhor que as pessoas saiam de perto de ti te desa-
creditando, do que desacreditando de si mesmas. Volte para o teu cor-
714

po filha, e vá enfrentar as feras, como dizes. Porém saiba que todos são
melhores que tu, elas não tem um ideal como tu, elas sofrem pelo teu
Página

incontrolável temperamento".
Me julgam como se eu fosse uma... Porque sou motorista.

"Agora para ti tudo é bom no caminho da evolução" – e dizendo


isso, se fixou, e eu me senti em casa. Fiquei meditando sobre as coisas
que ouvira. Uma das coisas que Umahã me disse me impressionou:

"Os corpos se deslocam para realizarem as curas; o serviço é a


chama que lhes define a vida e clareia a estrada. Os que se acolhem nas
sombras, entre eles encontrarás os que julgam. Sim, os infelizes que na
terra só souberam julgar os seus irmãos cativos da ignorância e do ó-
dio".

Ó meu Deus! É impossível uma mudança tão atroz, porém, não


obstante, aos meus protestos e minha incompreensão inicial, eu estava
me evoluindo dia a dia. Tinha uma lição em cada canto, ia aprendendo
a iluminar nas sombras, sempre a explicar que quem ama na Lei do Au-
xílio está imune a qualquer tragédia de dor.

Não tinha grandes conhecimentos da Lei do Carma e sofri então


a primeira decepção.

Certo dia, eu estava muito atarefada, quando uma bonita e jo-


vem senhora, me pediu pelo amor de Deus, que eu internasse quatro
filhos seus e mais dois sobrinhos, por conseguinte seis crianças. Vendo
uma mãe oferecer seus filhos, na minha inexperiência, era algo muito
sério. Apesar da habitual intransigência de Mãe Neném, fiquei com os
meninos e a mulher se foi. Acostumada a fazer os meus cálculos, pen-
sei... Tudo dará certo, organizarei melhor minha fábrica de farinha e
715

tudo seguirá, realmente, o curso normal. Nessa noite, na madrugada, vi


uma rica passagem no plano espiritual.
Página
Via a linda Isadora se envenenando com o conteúdo de um
grande anel no qual guardava veneno, com o qual já tinha envenenado
a muitos. Sabia que Isadora estava encarnada em uma daquelas moci-
nhas que me enchiam de cuidados. Porém aconteceu o inevitável. Isa-
dora, atualmente "Nair", ficou tomando conta da casa de farinha, e eu,
ocupada onde estava não tirava os olhos da menina. Mesmo assim ela
enfiou a mão por baixo da engrenagem, para puxar a massa da mandio-
ca, e moeu os dedos da mão! Foi horrível e eu me desesperei.

De repente chegou um carro com um senhor, que há muitos di-


as não aparecia na UESB e esse senhor era uma de suas vítimas do pas-
sado. Tudo aconteceu de repente. Como apareceram as pessoas, assim
se foram, em demanda de Anápolis cidade vizinha de maiores recursos.

Eu fiquei só, só novamente, sentindo aquela sensação que cer-


tas circunstâncias da vida nos proporcionam. Pensei... Pessoas que não
conheço, pessoas tão insignificantes para mim...

Senti a morte. Tentei partir dali e sair em busca do meu mestre


Umahã. Ainda com o coração partido me lembrava das pragas de Mãe
Neném a dizer: "Cruz credo, para que estas crianças, nesta situação tão
precária, nesta serra".

Sim ela tinha razão, porém, quem nos entregara aquelas crian-
ças?

Com amargura no coração chequei ao Palácio Grená, onde o


meu querido mestre me esperava. Quando o vi senti o meu coração
716

palpitar de emoção, Desta vez era diferente...


Página
Meu querido velhinho, meu amor, estou só, estou sozinha, me
ajude! Fui inventar uma fábrica de farinha de mandioca e aleijei uma
menina!

"Não blasfemes, não permito que digas assim. Destes apenas


uma oportunidade a Isadora para se reajustar ao lado de quem fez tan-
to mal".

717
Página
“A nossa pista é longa e, por cima dela,
estamos a apagar os nossos rastros.”
718
Página
PARTO DIFÍCIL

Alguns dias se passaram.

Estava sentada no meu pequizeiro, esperando o meu jantar,


quando Gertrudes chegou e me disse que Mãe Neném deixara um re-
cado, para que eu fosse ao rancho da neta do Antônio da Silva, o fazen-
deiro que nos vendera as terras, situado bem no pé da serra. A moça
estava para dar a luz e segundo disseram não tinha quem a assistisse. O
recado era para que eu fosse mesmo. Eu me assustei e disse que não
iria de forma alguma.

Nisso minha cabeça rodou e eu, de quando em vez, sentia que


estava descendo para o pé da serra rumo ao rancho da parturiente.
Quando dei fé de mim, estava subindo a serra e Mãe Neném dizendo:
"Puxa vida Neiva! Vovô Hindu fez o parto com perfeição e eu cortei o
umbigo do menininho!"

Ô bendita natureza! Como pode acontecer um fenômeno des-


ses?

"Quando você estava incorporada, seus olhos estavam fechados


e, as vezes, abertos. Foi lindo, lindo..."

Eu?!

"Sim, você, Neiva."

Fiquei revoltada em dizer nada, enquanto o fenômeno era co-


719

mentado. Na verdade Vovó Hindu incorporou em mim e fez o parto,


que segundo fiquei sabendo, era anormal. Sempre havia fenômenos. Os
Página

mentores escolhiam o melhor.


Certo dia estava diante de Umahã, reclamando de minha Vida,
quando ele me disse:

"Neiva, ninguém quer morrer, todos só querem viver até quan-


do possam arrastar a sua vida. Essa tendência é visível, não só no plano
individual, como no coletivo. A integridade da vida humana, só pode ser
realizada quando uma pessoa se preocupa no serviço do todo, comple-
to".

Existe um céu espiritual, existe outra natureza que está além da


manifestação e da não manifestação. Vamos Neiva, preciso, hoje, te
levar a prova. Salve Deus!

Naquela madrugada fui até Ponta Negra, a minha triste praci-


nha, onde sempre me encontrava com Amanto. Como longas fitas de
muitas cores, recamadas de fios dourados, refletindo mil luzes, pouco a
pouco um sopro separava os dois planos que eu simultaneamente visu-
alizava. Quanta beleza triste eu sentia... Era a história de vidas humanas
etéricas, que se espalhavam por todo aquele Vale, de todos os gêneros.

"Ali sim Neiva, me disse alguém. Ali onde descem as trevas da


noite", e sorrindo com ternura no olhar ele me ofereceu uma dádiva
secreta, e no fundo do meu coração esta dádiva brilha.

"E assim tudo morrerá e tudo viverá, porque Deus é a natureza.


Fechou-se o santuário íntimo da Alta Magia, dádiva esta que somente o
alto limite te fará compreender..."

Comecei a viver um terrível contraste. Contando as pessoas os


720

fenômenos de minha viagem, todos diziam:


Página

"Você que é feliz Neiva!"


Não era verdade, eu sofria muito...

Minha enfermidade piorava dia a dia, como também aumenta-


vam os enfermos, os desesperados e as despesas, que eram só minhas.
Resolvi fazer uma fábrica de farinha e outra de telhas. A de telhas o
Raul, meu filho, tomava conta e fabricava tranqüilamente telhas coloni-
ais. A farinha eu e a criançada fazíamos. Gilberto com um caminhão
puxava a mandioca, que era a matéria-prima. Puxava também barro
para as telhas. Nas horas vagas fazia fretes. Gertrudes tinha uma pe-
quena pensão. Carmem Lúcia e Vera Lúcia cozinhavam e levavam para
as crianças do orfanato. Ninguém reclamava; pelo contrário, me davam
forças para que eu continuasse.

"A sabedoria para ajudar; o amor que inspira a vontade de ser-


vir; essas são as tuas qualidades, Neiva. Certamente ninguém deve aca-
lentar desequilíbrio; raciocínio sem aspereza; sentimentos sem pregui-
ça; caridade sem pretensão; conhecimento sem vaidade; cooperação
sem exigência; devotamento sem apelo; dignidade sem orgulho e, por
fim, o mais importante dessas palavras do seu comportamento, respei-
to sem bajulice".

Eram palavras que não saíam da minha mente.

"Sim, porque a fé sem conhecimento do bem, não evolui a tua


mente, Neiva! De bom grado combina com o canto imortal".

Meu Deus! Como poderei viver, se as forças me faltarem?

Parece que todos estão contra mim!


721
Página
Fui então procurar Gilberto, Carmem Lúcia, Raul Oscar e Vera
Lúcia e lhes disse quase adulando: Meus filhos, vamos embora daqui, já
não suporto mais...

"Não mamãe, não podemos sair daqui. Pai Seta Branca poderá
perder a aposta com Yemanjá"

Sim, Pai Seta Branca nos disse que havia uma aposta com Ye-
manjá, que lhe daria um anel se eu não levasse esta obra até o fim. E
nosso amor por Pai Seta Branca sempre foi muito grande. Num gemido
fiz esta prece, talhando na velha estrada:

Senhor, deste-me a palavra por semente de luz,


Auxilia-me a falar para que se faça melhor,
Não me permita envolvê-la nas sombras que projeto;
Ajude-me a lembrar o que deve ser dito
E a levar da memória tudo aquilo
Que a tua bondade espera ser dito,
Não me deixe emudecer diante da verdade,
Onde a irritação me perturba.
Induza-me o silêncio, por que
Ainda dou acesso as chamas da ira.
Ajuda-me, também senhor!
Que a minha palavra te obedeça a verdade
722

De hoje e sempre,
Salve Deus!
Página
"Neiva! "Ouvi Umahã".

"Ouviu os teus filhos! Te deram uma lição. Não há consciência


sem compromisso, como não existe dignidade sem lei".

"Vejo que trazes em teu coração o raciocínio sincero, sem aspe-


reza, sem preguiça e sem exigência..."

Respondi meio confusa: Mãe Neném está exigindo muito.

"Neiva, não contratastes nem um engenheiro para te garantir do


sal que te sustenta, e nem assalarias empregados para a escavação na
atmosfera, afim de que renovem o ar que respiras, seja como for, te
convenças de que Deus está conosco em todos os caminhos".

"Confia, siga, trabalhe e continua..."

Chega, meu Mestre, a minha cabeça é pequena...

"Isto é o que você pensa! Zele pela tua lâmpada para que as per-
turbações do caminho não te façam mergulhar nas trevas. O trabalho é
a chama que define a vida. A fé é o óleo que sustenta e clareia a estra-
da, para que se acolham na luz que te cerca".

Os casos de dúvidas e dos conflitos nos seres encarnados, eram


as armas sempre apontadas para mim. Finalmente, o que é a vida se-
não a ação permanente da força sobre a matéria.

“Sim, em força a matéria se resume, se sintetiza e se define. Sê


tu, toda a verdade na vida. Tua fé viva, tua lâmpada..."
723

Ó meu Deus! Como poderei seguir? Como será a minha grande


Página

luta? Se os conhecimentos relacionados com a vida reduzem os erros


em quem tanto confia.
"A força mantém este Universo, regido por leis comuns, natu-
rais, numa seqüência tão lógica! Por que complicar no processo evoluti-
vo? "

Ó meu Deus! como irei explicar ao Doutrinador esta continua-


ção?

Eu era toda esta filosofia! Para que ver tantas coisas? Quem me
acreditaria?

"A luz da razão, Neiva. Ninguém se nega ao espírito da verdade,


ele fala uma língua correta, materializada. Existe um Sol Interior, cujo
sol reflete no nosso rosto. É muito equilibrado e ilumina, bem, os nos-
sos rastros".

Então as pessoas que vem nos acompanhando vêem claro o


nosso caminho?

Então as pessoas ficam presas em mim?

"Não Neiva; Ninguém alcança os teus passos, apenas seguem".

Meu Deus! Preferia os meus caminhões.

"Neiva! Fixe na Doutrina e em suas revelações alteradas. A força


agindo em obediência às leis evolutivas, utiliza-se da matéria no estado
primário desta, e com ela forma corpos e realiza fenômenos incontáveis
e indescritíveis, que escapam a apreciação comum, considerados os
limitados recursos deste planeta. Neiva, amanhã será outro dia, cuida
724

do que puderes, sem te preocupares, com o futuro dos outros. Nós não
temos um futuro definido, porque tudo depende nós mesmos".
Página
Vamos filha, ânimo! O dia de hoje já nos trouxe muitas preocu-
pações, por que nos preocupar com o dia de amanhã?

Jesus! Sim, realmente, no outro dia tudo foi diferente. Fui leva-
da a diversas provas, porém já conscientizada pelo meu consolador.

725
Página
“Só devemos falar quando há alguém que nos ouça,
e entenda: Eu sou aquele que fala e cala quando deve!” 726
Página
CASCAVEL

Já eram 8 horas da manhã quando levantei, desinteressada.


Chamei Mãe Neném para lhe contar o que se passara comigo a noite.
Porém quase morri de susto; ela me contou que fora até o Chico Xavier
para saber se o meu comportamento estava certo! Mais uma decep-
ção...

Jalico veio me chamar para que eu visse um terrível fenômeno,


e qual não foi a minha surpresa, era uma criança enrolada numa toalha
e quando a mulher a descobriu, dei um grito e desmaiei. A criança de
mais ou menos 60 cm, era um sapo na cabeça, mãos e pés. Me tiraram
dali não sei como, sei apenas que o fato me desequilibrou por alguns
dias.

Havia em frente da minha casa uma frondosa árvore onde fiz um


banquinho de tábua. Lá eu passava horas meditando, ou melhor, cur-
tindo as minhas saudades. Naquela tarde Mãe Neném chegou mas não
veio me procurar como era seu costume. Eram quatro e meia da ma-
drugada quando bateram na minha janela e pessoas falavam excitadas.
Alguns gritavam irmã Neiva! Irmã Neiva! Levantei-me apressada, lem-
brando dos lindos olhos verdes de Johnson Plata, quando há pouco me
observavam, porém quem apareceu foi Vovô Hindu. Abri a porta e de-
parei com um grupo de pessoas que traziam um "bangue" e nele deita-
da estava Rita, filha da Dita Vermelha. A moça havia sido mordida por
uma cascavel...

"Depressa, filha, disse Vovô Hindu, providencie calomelano e


727

dois vidros de óleo de rícino".


Página
Saí dali dando ordens, levei a enferma para a cama e fiquei aflita
esperando o medicamento, que tinham ida buscar em Alexânia a uns 14
Km de distância. A Rita sangrava pelos poros e pelas gengivas. Sentei-
me ao lado dela e sentia muito sono. Cerca de uma hora depois chegou
o medicamento e a fiz ingerir nem sei como, dois vidros de óleo de ríci-
no e uma cápsula de calomelano. Tinha feito tudo por ordem de Vovô
Hindu, e porque também não tinha outro recurso, só havia médico em
Brasília a 3 horas de viagem de carro ou esperando o ônibus... Pois não
havia carro. Terminada a "operação", isto é, fazê-la engolir tudo, come-
çaram a surgir as dúvidas e o medo da minha responsabilidade. Afinal
se tratava de uma jovem de 19 anos e a mordida tinha sido de cascavel,
que, segundo me disseram tinha muitos anéis na cauda.

O dia estava acabando de amanhecer. Saí de perto da doente e


fui lá fora tomar um pouco de ar, pois me sentia sufocada. Encontrei
Mãe Neném e ela me encarou como se eu tivesse cometido um crime,
"Neiva!, Cruz credo! Você está louca! Se essa mulher morrer ..."

Eu respondi: Foi Vovô Hindu.

"Quero só ver!..."

Não Mãe Neném, não fale assim pelo amor de Deus! Ela ficará
boa.

"Cuidado! Disse a voz de Vovó Hindu, você só poderá contar


com a vitória as 6 horas da tarde, dependendo da sua fé e de sua confi-
ança."
728

Ó, meu Deus! Gemi. Lembrei da ciência e da fé, uma lição inicial


do Mestre Umahã.
Página
Às 3 horas da tarde a moça já não falava. Eu perguntei, que fa-
zer?

"Na terra você já fez tudo, disseram, porém a força da mediuni-


dade não tem limites".

Continuei então fazendo as minhas preces. Mãe Neném me


chamou.

"Não tive tempo de lhe contar direito o meu encontro com Chi-
co Xavier. Ele me disse que sua clarividência é algo magnífico. Porém
você deveria estudar um pouco, procurar a Federação... Assim como
estamos é um pouco perigoso... Você não acha que está certo?"

Vá a senhora que eu fico aqui, vá... disse já com desprezo.

"Olha Neiva, eu acharia bom se pudesse... porém o Chico é um


santo".

Não tenho dúvidas da sua santidade, porém vá... Não quero na-
da do mundo que anule a minha personalidade, vá a senhora... E vou
lhe dizer mais ou a senhora fica aqui ou lá...

"Cruz credo, Neiva! Temos que saber o que é melhor. De mais a


mais, aquelas histórias que você me contou, dos Exus, de fazer tratos
com eles, não gostei".

Perguntei: contou ao Chico?

"Claro, porém ele sorriu..."


729

Ó, meu Deus!, por que tudo isso? De que servirão essas humi-
Página

lhações? Olhei para Mãe Neném e me pus no lugar dela. Talvez fizesse
o mesmo...
Em meio do calor do conflito, me chamaram do pequeno ambu-
latório onde estava a doente. Dado o tom de urgência de quem chamou
fiz menção de correr junto com os outros. Em vez disso corri para "o
que era meu". Como contei antes, "o que era meu" era na verdade o
lugar embaixo do pequizeiro onde eu ficava a meditar e a fazer meus
transportes, com as pernas penduradas no quase abismo, encostada na
árvore como se fosse numa poltrona. Foi para lá que eu me dirigi. Fui
para lá como de costume, porém uma força grande me impediu e uma
voz imperativa me disse: "Volte! Volte já!"

Sem entender muito bem, voltei correndo e pensando se aquela


"coisa" era boa, se gostaria que eu me arrebentasse... Coisa horrível!
No meio da corrida chamei Mãe Tildes e ela explicou que era voz direta
deslocada pelo Neutrom. Dirigi-me então para o ambulatório e tão
grande foi a minha surpresa que quase desmaiei. A moça estava senta-
da na cama, sentindo apenas fome. Mãe Neném e eu nos olhamos com
carinho e amor e juntas fomos para o Templo agradecer a Deus...

Voltei e de longe ouvia as meninas cantando, fiquei ali parada


por alguns minutos. Logo surgiu uma linda lua no céu, fiquei sentada no
banco de tábua embaixo da árvore. Gertrudes me trouxe um prato feito
que comi na realidade sem saber o que comera.

Sim, muitas coisas aconteceram... Sozinha naquela serra, com


mil preocupações na cabeça. Sozinha – sim, como é triste a solidão...
Lembrando das queixas dos "mal amados" e pensando em suas soli-
dões, comecei a fazer críticas, julgando... Estes também estão sozinhos
730

por falta de tolerância, finalmente devemos pensar na solidão da velhi-


ce...
Página
Neste instante, meu companheiro chegando de mansinho segu-
rou nos meus ombros, dizendo:

"Já pode me perdoar Neiva? Vamos embora daqui, eu não su-


porto isto mais.

Mãe Neném lhe trouxe o recado de Chico Xavier? Ele faz críticas
a seu respeito".

Foi como se me tivesse dado uma punhalada, perguntei:

E você acha que eu, realmente preciso estudar?

"Não, absolutamente, disse – ser louca como os demais?... Você


me ensinou que o homem se evolui em todos lugares, porque ficar aqui
nesta serra com tanto desconforto?"

Eu não sei o que me espera, disse, porém continuarei até termi-


nar o meu curso com Umahã.

"Meu Deus! Eu não estou preparado para tanto, principalmente


ser companheiro de uma clarividente. Às vezes penso que a amo, mas,
quando estou ao seu lado, sinto que você está distante. Como sofro por
isso!"

Estávamos nos entendendo, quando Mãe Neném chegou e disse


o que lhe vinha à cabeça: "Que o Chico Xavier tinha razão, que a minha
ignorância está inclusive me atrasando, que ninguém saberia decifrar as
minhas visões, que Urubatan era um Exu e que tudo estava errado...
731

Imagine que o Sisenando recebeu uma comunicação de que ele, Uruba-


tan queimou o meu dinheiro".
Página

Sim, respondi, simbolicamente.


O barraco de Mãe Neném havia realmente se incendiado na Ci-
dade Livre.

Meu Deus! O que tenho com tudo isso? Lembrei-me de Umahã


e sua filosofia:

"O corpo físico é para a alma encarnada aquilo que a maquina


significa para o operário".

A doença já se manifestava no meu corpo. Eu portanto já não


era a mesma...

"Caminharás muitas vezes no mundo, a maneira de um barco no


oceano revolto" – Com esse pensamento ouvi a voz de Umahã: "Não
culpe o médico, não acuse o professor, não reprove a conduta dos ou-
tros, não maldiga a poeira da terra... Aproveita o teu tempo em apren-
der, porque é muito mais tarde do que pensas. Deves sentir a mais per-
feita tolerância por todos e um interesse, com sinceridade, pelas cren-
ças dos que pertencem a outras religiões. Não te importes pelo que
demonstrem pela tua, e, para que possas ajudar é preciso te libertares
de falsos preconceitos. Não deves desprezar Mãe Neném, sê condes-
cendente em tudo, sê benevolente. Agora os teus olhos estão abertos
para que possas empreender um trabalho de ordem superior".

E continuou: "Pobre Neném! A superstição é outro grande mal,


que tem causado muitas terríveis crueldades, fazendo sofrer os ho-
mens, as plantas e os animais. Os fanáticos se dizem religiosos e fazem
mal em nome de suas religiões. Se anseias te unificar com Seta Branca,
732

que nunca seja por amor a ti mesma e sim para que possas ser um ca-
nal, através do qual o teu amor chegue aos teus semelhantes. Só temos
Página

consciência do corpo que vai morrer, não temos consciência do nosso


estado de Consciência interior que é imortal. Faz filha, a tua parte e
lembra-te que sempre és capaz de fazê-la. Não te esqueças que a men-
te tem truques e a consciência é algo inegável. A única esperança para
um homem perdido no meto do Oceano é que alguém venha tirá-lo
dali. Se alguém vem e o levanta ele se sentirá aliviado. Não abandones
teu companheiro!..."

Enquanto Umahã falava o meu companheiro parecia adivinhar e


me olhava com ternura e Mãe Neném praguejava: "Cruz credo, vou
embora desta miséria!"

Continuei calada ouvindo em dois planos...

Nos abraçamos e eu pensava... Ô meu Deus! A alma espiritual é


realmente uma partícula tão diminuta que se encontra dentro do corpo
e não a podemos ver.

Despertei dos meus pensamentos pelas súplicas contínuas:

"Vamos embora daqui!..."

Acalmei-os com algumas palavras de doutrina.

733
Página
“Assim como existe um único Deus, existe uma só Verdade. Como pode-
rás conhecer a Verdade senão na fonte original de vida? A Verdade só
se manifesta nos princípios espontâneos e aperfeiçoados.” 734
Página
JUDAS ISCARIOTES

Meu filho Jaguar, filho querido do meu coração. No descortinar


da minha mediunidade, minha instrutora Mãe Yara, não me deixou cair
no plano de muitos, e advertia a toda hora. Podia sofrer, mas Mãe Yara
e Pai João não me deixavam sem aquelas reprimendas. Não tinha im-
portância que eu sofresse, desde que a obra seguisse seu curso normal
e eu fosse verdadeira.

Em 1958, eu estava no auge de minhas alucinações, como dizi-


am as demais pessoas que me conheciam. Quando eu trabalhava na
NOVACAP, um dia me sentei num restaurante, porque me distanciara
de casa. Estava conversando com três colegas e falávamos sobre a NO-
VACAP onde trabalhávamos. Entramos no maracangalha, um restauran-
te da Cidade Livre, trouxeram uma travessa com bifes, por sinal muito
bonitos, e era sexta-feira da paixão. Eu tinha o princípio da Igreja Cató-
lica, não levei nada em consideração, e coloquei um bife no prato.

Naquele instante (na vibração e na desarmonia em que eu vivia),


ouvi uns estampidos, e era Mãe Yara.

“Filha, disse ela... continuas como eras. Já estás tão desajustada


que te esqueces dos princípios da Igreja Católica Apostólica Romana?
Alerta-te! Cuida dos teus sentimentos. O dia de hoje representa, em
todos os planos, os mesmos sentimentos por Jesus crucificado. Em to-
dos os planos deste Universo que nos é conhecido, sentimos respeito.
Filha! Está na hora, devolves o teu bife para a travessa do restaurante.”
735

Eu estava na companhia de três pessoas, como já disse e, vi que


não comiam carne. Eles ainda não acreditavam em mim, entre a medi-
Página

unidade e a loucura.
“Coma amanhã – continuou Mãe Yara... Não irás festejar as in-
compreensões, as fraquezas daquele pobre instrumento que foi Judas!”

Naquele instante comecei a pensar, começaram a passar por


minha cabeça as imagens de Judas, que vendeu Jesus por trinta dinhei-
ros. No entanto Mãe Yara, alheia aos meus pensamentos, continuava a
sua narração...

“Judas não foi um traidor, foi sim um supersticioso. Na sua in-


compreensão, acreditou ser Jesus um ser político. Judas tivera grandes
oportunidades de conhecer Jesus, pois o acompanhava desde sua che-
gada do Tibet.”

Nesse período como já nos esclarecera Mãe Yara anteriormente,


Jesus passou dos 12 aos 30 anos nos Himalaias, para onde fora levado
com a permissão de Maria e José seus pais. Lá Ele fora iniciar-se junto
as Legiões em Deus Pai Todo Poderoso e formar o que hoje conhece-
mos por Sistema Crístico, os mundos etéricos. De lá Ele voltaria para o
início da sua tarefa doutrinária evangélica. Foi, quando Jesus chamou
aqueles humildes pescadores para serem pescadores de almas. E que
viriam a ser em número de doze, estando Judas entre os escolhidos;
junto a Jesus, Judas sofrera humilhações nas sinagogas, quando os Ra-
binos voltavam as costas para ele... Enfim, quantas lições recebidas.

Fenômenos testemunhados...

Mas só os pobres e os miseráveis o conheciam analisava Judas


em sua incompreensão, já cansado das perseguições daquela época, e
736

pensando que ao forçar um confronto entre Jesus e os homens que o


perseguiam, Jesus com um simples olhar colocaria por terra toda aque-
Página

la gente. Pensava assim forçá-lo a usar os seus poderes e ser realmente


o Rei do Mundo. Lembrou-se também de quando foram convidados por
Jesus para o acompanharem e que o dia estava ruim para pescar, e o
amado Mestre atirando a rede sobre as águas e trazendo-a cheia de
peixes. Enfim, Judas não acreditaria que o Grande Mestre passaria por
todas aquelas humilhações. Porém não foi assim...

O que viu foi Jesus ser amarrado e a ponta pés ser levado à pre-
sença de Pôncio Pilatos... Não foi remorso, foi um grande arrependi-
mento, uma grande dor, de não haver compreendido a grande missão
de Jesus que o levou, chorando, pensando, a enforcar-se na figueira.

Formou-se um temporal, o céu escureceu, como escureceu a


sua própria alma. Porque vamos rir, festejar a sua grande desgraça?

737
Página
“Não te esqueças da multiplicação do teu coração. Não cresças em ti
mesmo. Procura ser pequeno para caber no coração dos demais.”
738
Página
A MOÇA X

Toda obra humana, toda, sem exceção, cria, no espírito, a ima-


gem pela ação do pensamento, e, só depois, se materializa.

Sim filhas, isto ocorre com a evolução, no desejo de servir com


amor, humildade e tolerância. Quanto mais evoluído o espírito, mais
poderoso se torna o seu pensamento criador, que se vai materializando
na força mântrica que envolve esses seres angelicais, que são essas
vossas Guias Missionárias.

A evolução do pensamento faz-se poder captador.

Se agimos com amor na Lei do Auxílio, teremos a segurança do


espírito da verdade, da luz dos nossos protetores.

A missionária é a revelação da contida permanência do poder


iniciático. A missionária em desarmonia desarmoniza toda a falange,
sendo que, muitas vezes, o seu próprio trabalho passa a ser indesejado.

No início da UESB, havia uma linda moça X, que era, na realida-


de, a nossa flor. Tudo de bom partia dela. Recebia um missionário que
se identificava como “Amigo de Sempre”. Onde ela estava, estávamos
seguros. Sua aura captava as forças pela ternura dos seus bons pensa-
mentos.

Um ano depois, ela começou com vaidade, e se tornou rival de


outra, que também era uma linda moça e que, por força do seu destino
cármico, havia vindo morar conosco. Rivalidade...
739

Por último, apareceu um aviador que sabia hipnotizar e se en-


Página

graçou da última. Então, tudo deu errado, e eu passei a não ter mais
aquela feliz ajuda. Depois, tudo voltou ao normal. Elas ficaram amigas,
e nós decepcionados. Elas se casaram e foram felizes.

Sim, não existe nada que impeça. Pai Seta Branca só nos dá feli-
cidade!

Será que alguém decepcionou estas jovens como elas nos de-
cepcionaram?

Não sabemos, Porém, sabemos que há uma lei imutável, que


nos cobra, ceitil por ceitil. E, decepcionar os outros, é o mesmo que
assassinar, matar as ilusões, os sentimentos dos que acreditaram em
nós.

No mundo físico, muitas vezes ocultamos certos comportamen-


tos a que o nosso plexo nervoso nos obriga. Sabendo que o nosso mun-
do social se escandalizaria, escondemos, e Deus nos ajuda, pela razão
do nosso sentimento em não querer desafiar os laços sociais do nosso
mundo.

Tudo é razão. Porém, minha filha missionária, é diferente da


nossa flor da UESB. A missionária não tem o direito de opinar em de-
terminados momentos. Não tem rival, não tem ninguém mais linda do
que você. Pois cada mulher tem sua graça. Em mil missionárias, cada
uma vibra sua harmonia, sua beleza. Porque nela está o toque divino
dos Grandes Iniciados e de suas Guias Missionárias, nas concentrações
das filas mântricas.

Minhas filhas! Quando eu chego no Templo, ou nas horas de


740

trabalho, esqueço de Neiva e passo a viver, somente, a Tia Neiva. Pen-


duro o meu coração no prego mais alto que encontro, quantas vezes
Página

com os desenganos causados pelos que tanto amo.


Não, minha filha! Ninguém gosta de ser servido pelos fracos e
infelizes. Só conhecemos que estamos evoluídos quando não estamos
nos preocupando com os erros dos nossos vizinhos.

Porque o ciúme ou a inveja é falta de confiança em nós mes-


mos.

Vamos filhas! Vamos trabalhar, mas fazendo da nossa missão o


nosso sacerdócio...

741
Página
“Nossa alma está cheia de amor. Só falta saber empregá-lo. E pensar
que o mal progride pela falta do emprego do amor!”
742
Página
TROCA DE ROSAS

Meus irmãos, Salve Deus!

Gostaria de deixar aqui registrado alguns momentos inesquecí-


veis nesta doutrina...

Em 1976 no mês de outubro havia me mudado para o Vale do


Amanhecer recentemente. Morava em frente à casa de Tia Neiva.

Estávamos eufóricos, e entusiasmados com a evolução que nos-


sa doutrina estava passando. A apenas dois anos atrás havíamos dado o
primeiro passo, compromisso transcendental iniciando em Dharman-
Oxinto. Com a força iniciática, surge uma inovação geral:

Mestrado – Centúria – Comandantes da Estrela Candente...

Que logo muitos destes se tornaram Adjuntos de Povos, Ajanãs,


depois 5º Yurês, Falanges Missionárias, 7º Raios, Trinos, classificações e
etc. Sentíamos verdadeiramente tudo aquilo e que esta hierarquia nos
daria alta sustentabilidade por quanto tempo precisássemos aqui na
Terra.

E pensar que toda aquela segurança teria vindo de nossa Mãe


que era Clarividente... Éramos privilegiados aqui na Terra!

Algumas ninfas procuraram-me para fazer um troféu.

Seria uma elipse de outro e prata cravado em uma base de ma-


deira com uma placa de prata com dizeres homenageando nossa Mãe,
743

Tia Neiva em seu aniversário. Era uma peça de uns 10 centímetros mais
ou menos que seria rateado o seu custo por vários médiuns inclusive
Página

eu.
Fiz a encomenda com muito carinho e dedicação...

No dia do seu aniversário, ao término dos trabalhos no Templo,


convidaram Tia Neiva para ir ao Templo e lá no Radar começaram a
homenagem...

Um mestre recitou uma poesia, outro fez um discurso de agra-


decimento, outro um troféu, alguns presentes embrulhados, uma pri-
meira de falange ofertou um lindo buquê de flores vermelhas. Alguns
emocionados não seguravam as lágrimas... Tia Neiva impassiva manti-
nha-se em silêncio.

Depois de toda aquela manifestação que durou uns 40 minutos,


todos aguardavam Tia Neiva pegar o microfone e falar. Ela começou
dizendo assim:

“Meus filhos! Eu não gosto de ser homenageada. (repetiu) Eu


não gosto de ser homenageada.”

Aquilo foi uma surpresa para todos nós, mas Tia Neiva, continu-
ou em tom agradável dizendo que era missionária e que estava aqui
para servir a todos, ensinando-os. Que tinha um verdadeiro amor de
mãe por todos nós e concluindo disse:

“A única forma de me homenagear meus filhos, é fazer um ato


de amor ao próximo, é o que eu mais quero de vocês, então, amanhã
domingo, nós iremos fazer uma troca de rosas que será realizado sem-
pre no dia do meu aniversário. Esta será a melhor homenagem que vo-
cês poderão fazer a mim.”
744

E assim, surgiu a troca de rosas...


Página
“Não confunda cultura com sabedoria. A cultura vem de fora para den-
tro, penetra pelos olhos e ouvidos. A sabedoria, ao contrário, nasce den-
tro de nós, concentra-se no nosso plexo e se aflora no coração.”
745
Página
JESUS DE NAZARÉ

Meu filho Jaguar, Salve Deus!

Qualquer atitude do homem na faixa vibratória da evolução é


válida. Porque estamos em um mundo, onde se confundem as sombras
e as claridades.

Todos os males da vida concorrem para o nosso aperfeiçoamen-


to. Sobre o efeito de todos esses ensinamentos, e, pela dor, pela prova
e pela humilhação, despreendemo-nos lentamente para a vida eterna.
Vivemos no meio de uma multidão invisível, onde assiste silenciosa-
mente a lógica desta nossa doutrina, nos dando segurança e nos facili-
tando a conduta de um mundo para o outro.

Filhos!

Quando o homem aprender a trabalhar harmoniosamente, dei-


xará de enganar a si mesmo, sentindo-se injustiçado ou aguardando a
compaixão sem a justiça. Sim, porque é na vida mesmo, que se deve
procurar os mistérios da morte. A salvação ou a reparação começam
aqui. O seu céu ou o seu mundo inferior está aqui.

Filhos!

A virtude é compensada. Não faça desta vida o infernal templo


dos teus anseios. Filho, as células do nosso corpo agem sempre, de a-
cordo com os impulsos nervosos emitidos do cérebro. Há um exército
de auxiliares medianeiros entre nós e Deus, procurando sempre velar
746

por nós, embora conheça o nosso livre arbítrio. Vejamos filho, a rica
oportunidade daqueles que viveram na mesma época de Jesus de Naza-
Página

ré, dos quais pensamos:


- Viveram com Jesus na mesma Era e não souberam evoluir?

Porém, toda Jerusalém se preocupava com o grande profeta


Jesus. Sim, falava-se nas curas do Grande Jesus de Nazaré, comentava-
se em volta do leito de Maria, uma pequena viúva, que tinha uma única
filha, Marta. Nisso, alguém chegou correndo e avisou:

- Ele está aqui perto. Ele ressuscita os mortos...

A verdade é que Maria estava semimorta, deitada em seu leito.


Marta, sua filha, chorava; choravam também os demais vizinhos, quan-
do Marta num só pulo se levantou, dizendo:

- Vou chamá-lo. Vou pedir para que Jesus venha até aqui. Dizem
que Ele gosta dos humildes. Vou falar com Ele e trazê-lo. Ele irá curar a
minha mãezinha e, jogando um manto sobre os seus ombros, foi até o
profeta. Chegando ao local, a multidão não a deixou se aproximar. Mar-
ta pedia a Deus para que Jesus pelo menos olhasse para ela, porém, Ele
estava atendendo milhares de pessoas e não a notava.

Marta saiu dali triste e chorosa, com o espírito esperançoso, e


ao mesmo tempo triste, por não ter conseguido falar com Jesus de Na-
zaré.

Pensava... Se pelo menos Ele a tivesse visto!

Oh querido profeta! Olha esta tua pequena serva... Porém nada.

Ele não volveu o seu olhar para a pequena Marta.


747

Marta não sabia dizer por quanto tempo ficou ali parada. Já es-
tava escurecendo e, sem esperanças ela estava voltando para casa,
Página

quando de longe viu pessoas em volta de sua casa. Era quase uma mul-
tidão. E a sua mãe que a deixara sobre o leito em estado grave, estava
de pé com os braços abertos, rindo e chorando ao mesmo tempo, en-
quanto dizia:

- Filha! Por que você não veio com Ele?

- Marta perguntou – Ele quem?

- Jesus de Nazaré, o profeta, respondeu a mãe de Marta. Ele me


curou! Você não o chamou?

- Sim, eu o chamei.

- E por que não veio com Ele? Ele é maravilhoso, é a esperança e


o amor.

Marta saiu do êxtase e gritou:

- Oh minha mãezinha! O profeta me viu e me ouviu. Deus seja


louvado!

- Filha, disse a mãe, vamos aproveitá-lo.

- Sim, mãe, vamos acompanhá-lo!

E as duas seguiram Jesus, juntamente com aquela multidão.

Mais uma vez, meu filho Jaguar!

Jesus de Nazaré ensinava a vida, a Verdadeira Vida, que é o a-


mor. Marta aprendeu a sua filosofia e os seus ensinamentos. Não era
748

preciso ir até a Jesus; o importante era estar em paz com ela mesma, ao
lado dos seus irmãos. Foi um paraíso para elas. Marta e sua mãe auxili-
Página

avam os enfermos e os leprosos a se levantarem, e os conduzia em


frente a Jesus e seus apóstolos. Com ele, Marta fez a sua iniciação. Po-
rém, sempre repetia:

- Pena que Jesus não me amava!

Sim filho!

Jesus ama aos que precisam D’Ele, aos fracos e a todos que con-
fiam nele...

749
Página
“Não dê ouvidos a intrigas nem a calúnias. Só a árvore que dá bons fru-
tos é apedrejada por aqueles que não alcançam seus frutos. A árvore
que não dá bons frutos, ninguém dá importância a ela.”

750
Página
O QUINTO CICLO DA TERRA

Meu filho Jaguar, Salve Deus!

Sabemos que estamos vivendo o Quinto Ciclo da Terra e que já


atravessamos as escabrosidades dos carreiros que aclamamos na prece
de Cáritas.

É filhos, chegamos e vivemos! Não fomos nós que nos anteci-


pamos, mas somos responsáveis por termos chegado e assumido esta
jornada.

Sim, vivendo o quinto período, o que quer dizer que a nossa Ter-
ra já passou à era madura. Há algum tempo atrás, ela atingira a sua
expressão de matéria física, mais baixa e mais densa.

Daqui para a frente, ela irá fluir o processo de transmutação,


tornando-se cada vez mais etérea e altamente poderosa, até que este-
jam terminados os seus sete períodos de existência física.

Gradualmente a Terra desprende seus invólucros, desde quando


há lógica, há razão e há fé, sinal este de que a evolução se alerta em
nós.

Sim filhos, fala-se de um elo entre o Céu e a Terra!

Nesta era do Quinto Ciclo, no homem, a visão dos olhos físicos


ainda não alcançou a vida etérea, porém suas mentes já a encontraram.
E somente não se ama quem recusa o amor em Cristo Jesus.
751

Sim, quem não tem força para enfrentar a verdade de um Deus


Todo Poderoso!
Página
Não devemos esperar por esta visão pelos nossos olhos físicos:
se os mundos se encontram, vivemos juntos! ...

Em meus olhos de clarividente, em Cristo Jesus, vejo os dois


planos simultaneamente. Porém, como sabem, fico imobilizada.

A Terra é uma obra de Deus, é uma obra divina, com os seus sá-
bios, nesta evolução física atual. Mas o que seria dos físicos? Enfim, o
que seria desta obra perfeita com a atuação de mil planos em involu-
ção? Se os espíritos já atuam pela mente, pelos compromissos, repro-
vações dos que já estão em outros planos?

Então, o físico não teria capacidade. Como estamos em realiza-


ções tão construtivas e seguras, não precisamos ir tão longe: vemos os
Mayas e outras pequenas civilizações. Vamos apenas cuidar do que
temos! O que temos, os mundos em Cristo Jesus, em nossas mentes, na
lógica desta Doutrina.

Sucessivas ondas de civilização se espalharam por toda a Terra.


Depois a história se dividiu em duas partes com a chegada de Jesus
Cristo. Sim, filhos, Jesus simplificou o homem que até então era um
pouco de Deus, um pouco animal, ás vezes selvagem.

Sim, filhos, uma vez que a nossa Terra estava estabelecida no


plano físico, sua vida foi dividida em sete grandes períodos. Durante
estes períodos a vida se desenvolveu sobre estes grandes continentes.
Sete grandes raízes do reino animal/vegetal, ficando provado que o
próprio ser humano constitui as próprias células mentais desse planeta.
752

Na medida em que se desenvolve, reencarna sempre num estágio de


desenvolvimento sempre mais elevado.
Página
Na realidade, o cérebro é apenas o painel de distribuição entre
os corpos mental e físico, que é o Reino Central do centro nervoso, os
três reinos do microcosmo universal. Três eixos magnéticos, três esta-
ções, três poderes.

Sim, a mente é feita de células construídas com a matéria do


plano mental. Forma então um corpo mental, cuja superfície se expan-
de além da periferia do corpo físico, conforme vimos na carta que nos
explica “que na vida absoluta do espaço existem todas as formas que
constituem o organismo humano”.

Sim, filho, o nosso espírito planetário possui um corpo físico, a


Terra, cujo metabolismo é amplamente dividido – a ação mineral – cu-
jos movimentos são provocados pela ação da força elétrica que a per-
corre, do mesmo modo que nos nossos.

A Terra é um ser vivo porque vive sob a ação e reação do mine-


ral que constitui os três eixos. Palpita o seu desenvolvimento. Jesus
formou o grande continente que se faz aos sete. Poderoso espírito, di-
ante do trono, o espírito de um deus todo poderoso e humano.

Jesus condensou as sete raças em sete planos, dito evolução.


Verdade! Jesus separou os seus mundos em espécies, fazendo sentir as
suas diferenças. E assim, a Terra se dividiu em dois corpos!

Sim, este é o segredo da grande obra de Jesus na luz astral, por


emissão soberana, que é o grande Deus, que significa o ser antes do
ser.
753
Página
A razão é a ciência que demonstra toda a existência harmoniosa
e a hierarquia, a maior e a mais santa de todo este universo, esta gran-
deza incomparável que fez Jesus descer, para operar as três substâncias
necessárias para que a Terra entrasse na faixa de transmutação celesti-
al, e então, somente agora começamos nós outros a sentir os efeitos da
obra crística: o Quinto Ciclo do Amanhecer, e sem crepúsculos, espe-
ramos por mais dois ciclos finais.

O homem é, portanto, um microcosmo: matéria, força, corpo e


função. E como a Terra tem espírito, corpo e função, os seres orgânicos
atuam no centro atmosférico da função matéria, onde se agasalham os
seres orgânicos dos centros nervosos. Os animais são seres organizados
pela Terra.

Conforme Jesus vai evoluindo a Terra, vão terminando também


as animalidades. Já estamos, em nosso atual estado, na existência ma-
terial perfeita.

Se Jesus nos concedeu o Quinto Ciclo, devemos estar alertas


porque não sabemos quando chegará o Sétimo. Sim, a Terra já conta o
seu segundo tempo!

754
Página
“A vida iniciática evangélica é força, razão e consciência. Religião é
conduta doutrinária na família e em Deus.”
755
Página
O LIVRO KOATAY 108

Companheiros Jaguares, irmãos e irmãs em Cristo Jesus.

Salve Deus e Graças a Deus! Pela feliz e rica oportunidade que


nossa Mãe e Mentora, concede-nos na pureza da realização desta obra,
publicada com esforços ilimitados de todos aqueles que se reuniram
em torno de um sonho, o meu sonho...

Ainda pequeno, muito jovem mesmo, cheguei com meus pais


Luzimar e Maria Abadia ao Templo Mãe, no início da década de 80 e lá
tive a luminosa oportunidade de estar fisicamente perto das emana-
ções superiores deste espírito, discípulo do nosso Amantíssimo Simi-
romba, Seta Branca, nosso Cacique e Pai.

Penso ser unânime entre todos que gozaram de sua presença


física, a sensação vívida de ter estado perto de um Ser Extra-Planetário,
dotado de poderes outorgados pelo Mestre Jesus e que como poucos
nesta Terra, soubera aproveitar o parco tempo de vida e legar para a
humanidade frutos tão importantes; que incontestavelmente alimenta-
rão milhões, bilhões de almas durante a transição para uma Nova Era.

Meus pais terrenos possuidores de inteligência espiritual soube-


ram colher para o presente e plantar para o futuro, reequilibrando o
que devido estava no passado. Deixaram para seus filhos, além de uma
farta biblioteca de acervos, um verdadeiro oásis de bons exemplos que
alicerçados aos valores de uma família cristã, nos fizeram homens de
bem, capazes de olhar para dentro de si em busca do que se precisa
756

estar fora à serviço dos nossos irmãos. Um dos acervos que sempre
esteve à mão em nossa jornada como aprendiz e instrutor foram as
Página

quatorze pequenas histórias, editadas em pequenos livretos dos quais


sempre fiz bom uso junto a todos que um dia me procuraram em busca
das mesmas bases que me fez consistente e resistente no dia-a-dia.

Há muitos anos desejei processar uma nova configuração, mais


ampla, que desse uma continuidade aquele serviço maravilhoso inicia-
do no passado.

Assim como nos orienta nossa Mãe, em sua pequena história de


abertura do Livro de Leis, ao qual denominamos nesta publicação de “O
Rico Garimpo”, garimpei este rico Amanhecer durante muitos anos a
finco e sem descanso. Muitos e até eu mesmo em diversos momentos
desconheciam os reais motivos de tanto interesse pelo estudo doutri-
nário e somente de uns anos para os dias atuais é que toda aquela la-
buta foi tomando naturalmente a forma de uma missão que me faz
feliz.

Buscava, recebia, encontrava e devagar fomos catalogando, or-


ganizando e num belo dia resolvemos partir para de fato iniciar a cons-
trução de uma publicação que trouxesse o máximo de histórias que eu
havia conseguido achar de Tia Neiva, com Tia Neiva e a respeito dela.

Comecei com as quatorze, da série pequenas histórias, e so-


mando-se a estas foram chegando e chegando outras tantas; tantas
que hoje podemos entregar este compêndio maravilhoso com 108 his-
tórias, na prática da missão que nos foi confiada pela Espiritualidade
Maior.

De início tínhamos em mente outro título, e com ele comecei a


757

organizar a redação do que seria o livro que tens hoje em mãos.


Página
Já nos primeiros momentos, algo me dizia por dentro que o títu-
lo mudaria e fiquei aguardando que a ordem nos chegasse oficialmen-
te. Era noite, redor das 23 horas. Estava deitado em minha cama co-
mentando por mensagem eletrônica com minha mãe toda a minha ale-
gria pelos momentos finais que resultariam no meu próximo trabalho
publicado, e como me sentia recoberto de uma energia tão positiva que
em alguns momentos sozinho e naturalmente me emocionava, a ponto
de deixar os olhos rasos d’água.

Eles estavam mais perto do que nunca, a me guiar na etapa


final.

Enquanto minha mãe respondia os textos enviados, uma ima-


gem marcou minha mente. Era o novo título e uma prévia da capa do
livro KOATAY 108.

Em minha mente veio a imagem de três números 108, sobrepos-


tos, e no ato com ligeira perspicácia decifrei a mensagem e disse:

- Claro! Durante o processo de organização eu separei cento e


poucas histórias que deverão ser 108 pelo fato cabalístico, agregadas a
108 fotos e 108 frases, formatando-se 108-108-108... KOATAY 108. Foi
neste momento que o título se fez presente, literalmente.

Mais que depressa encerrei a conversação com minha mãe, e


nos despedimos. Levantei, fui ao meu computador, liguei-o, abri o pro-
grama de edição de imagens e fui rascunhar a capa com o novo título.

Extraí durante a madrugada toda, duas versões que ao ser apre-


758

sentadas a minha ninfa, não agradavam, dizendo ela que faltava alguma
coisa para ser ajustada...
Página
Durante aquele dia todo, permaneci envolto naquela energia
criativa até que cheguei ao rascunho do que hoje é a atual capa desta
obra, que tem a arte final assinada pelo meu irmão querido, Adjunto
Anarã koatay 108, mestre Elzo Amorim.

Outro fato interessante para registro, foi que ao chegar em casa,


depois de termos ido a uma copiadora imprimir o rascunho das histó-
rias já selecionadas para compor o livro, em momento que eu delineava
junto as mesmas com um marcador de texto, quais ficariam no ciclo 1,
2, 3... Enfim, onde estariam encaixadas; percebi que necessitava nume-
rar todas aquelas folhas soltas e evitar uma desorganização nas pági-
nas. Comecei então a numerar folha por folha e quando cheguei na
última, lá estava eu escrevendo o 108, Salve Deus!

Chamei minha ninfa e mostrei o sinal. Sim, sempre recebemos


sinais, uns mais sutis outros menos, mas estamos sempre emitindo e
recebendo meus irmãos.

Noutra ocasião, já tendo inclusive o Elzo iniciado a arte final da


capa e nos enviado a primeira fase do trabalho que contemplava capa,
contra capa, orelhas e marcador de páginas, estávamos em meio a uma
comunicação com nossos mentores, quando chegou para nós um pedi-
do.

“Meu filho! Koatay 108 está pedindo se possível, que o marca-


dor de página seja um príncipe (uma rosa vermelha).”

No outro dia mesmo, já estava o Elzo atendendo nosso pedido


759

de ajuste, nos mostrando-o, e sincera, esperançosamente espero estar


entregando esta obra com esta participação especial de nossa Mãe,
Página

dentro do livro.
Foi-nos dito que esta obra já se encontra plasmada e disponível
nas bibliotecas espirituais de nossa corrente e face nossa condição fi-
nanceira limitada, houveram incontáveis sacrifícios feitos por nós e co-
laboradores para que este livro fosse produzido na melhor qualidade e
maior quantidade possível, e entregue aleatória e gratuitamente aos
Templos do Amanhecer, de forma abnegada e serviu.

Pensamos ser, esta obra, adequada a compor o Radar de qual-


quer Templo, do menor ao maior, a bagagem dos instrutores para os
diversos ciclos de desenvolvimento e cultura dos mestres e ninfas, e
claro, vindo a agregar sobremaneira a Biblioteca do Amanhecer, esti-
mulando o estudo e o saber do Jaguar consciente.

Seguindo o roteiro de nossa Mãe Clarividente, e alinhado com


seus desejos e pensamentos, como aquele exposto na história “Troca
de Rosas”, por ocasião da passagem de seu aniversário, onde ela nos
diz que a homenagem maior à ela deve ser através de um ato de amor
ao próximo. Segue o meu respeito, conjuntamente com o meu amor...

Confiante que este acervo que compõe O LIVRO KOATAY 108,


chegue a destinos provisórios, e que amparados pelo amor, consciência
e sabedoria, venham estes a ser porto seguro na distribuição de todas
estas valiosas lições e ensinamentos, nas mais variadas direções que
suas vidas tomarem, aqui ou em outros planos de existência.

Somente assim, perpetuaremos toda a grandeza desta contagi-


ante manifestação mediúnica que ficou conhecida e reconhecida por,
760

Tia Neiva em Cristo Jesus!


Página
BIBLIOGRAFIA AGRADECIDA

Nosso trabalho tem a responsabilidade e a honradez de listar


aqui toda a nossa fonte de estudo e pesquisa, conforme segue:

• Cartas de Tia Neiva (Neiva Chaves Zelaya*)


• Acervos do Mestre Tumuchy (Mário Sassi*)
• Acervos do Mestre Arakém (Nestor Sabatovicz*)
• Acervos do Mestre Tumarã (José Carlos do Nascimento Silva*)
• Acervos do Mestre Umaray (Georges Hanna Hanna*)
• Acervos do Mestre Maralto (Gilfran Melo Silva)
• Acervos do Mestre Jaruã (Bálsamo Álvares do Brasil de Lucena*)
• Acervos do Mestre Amayã (Guilherme Henrique Stuckert*)
• Acervos do Mestre Janarã (Nelson Rocha Cardoso*)
• Acervos do Mestre Melucio (Luzimar Otávio Leite*)
• Acervos do Mestre Yumatã (Nelson Barbosa Caldeira*)
• Acervos do Mestre Yumahã (Carlan Moraes)
• Acervos do Mestre Patário (José Tavares de Moraes)
• Acervos do Mestre Adelano (Gilmar Moreira Santos)
• Acervos do Mestre Anavo (Rodrigo Kazagrande)
• Acervos do Mestre Marabô (Gladson Turial*)
• Acervos do Mestre Marbô (José Saldanha)
• Acervos do Mestre Apurê (José Fernando Betezek)
• Acervos da 1ª Ninfa Yuricy (Mª Edelves Couto dos Reis*)
• Acervos da 1ª Ninfa Cantora (Teresinha Bastos de Miranda)
• Acervos da Ninfa Sol (Maria Abadia Ferreira Leite)
• Acervos das Primeiras “Primeiras” de Falange Missionária
761

• Livreto de Leis e Chaves Ritualísticas, 1ª Edição (1977)


• Livretos de Pequenas Histórias, 1ª Edição (1999) – Volumes 01 até 14
Página

• Os Símbolos na Doutrina do Vale do Amanhecer, 1ª Edição (2009)


• Texto Associado ao Ator Miguel Falabella (1992)
• Pérolas de Pai João, 1ª Edição (2012)
• Minha Vida, Meus Amores, 1ª Edição (1993)
• Acervos do Doutrinador (Gabriel Mota Monteiro), a quem agradeço
imenso pelo carinho comigo e com esta obra, incentivos constantes e
suas incontáveis contribuições no decorrer deste trabalho.

(*) – Em memória

762
Página
BIBLIOTECA DO AMANHECER

O projeto que leva hoje o nome “Biblioteca do Amanhecer” é


um sonho antigo que cultivamos no íntimo e na prática de nossas bus-
cas pelo conhecimento em meio a este fascinante universo de acervos
que se encontram flutuando de mãos em mãos junto aos Templos.

De forma responsável e abnegada – sem custos para os benefi-


ciários – começamos por esta obra a desenvolver a primeira fase, que
contempla a materialização de publicações que visem somar e possam
engrandecer não somente os acervos particulares dos mestres e ninfas,
mas também e especialmente dar início, com as doações dos impres-
sos, a pequenas bibliotecas nos Templos, que sob a honra e guarda do
corpo mediúnico fomente o profícuo interesse a leitura e ao estudo
doutrinário.

KOATAY 108 inaugura com “chave de ouro” e pétalas de rosas


vermelhas nossa missão que consiste em várias ações neste sentido,
com uma premissa básica e soberana:

“Nossa missão é levar o conhecimento ao seu destino;


a sabedoria cabe ao destinatário conquistar!”
Imaginem Templos que sem deixar a prática focal dos atendi-
mentos, souberam equilibrar suas forças e construir também “Bibliote-
cas do Amanhecer”, onde os médiuns da corrente as municiem com
doações, e unidos façam florescer do aspirante ao veterano o prazer
em aprender, reaprender, e por fim desenvolver cada vez mais suas
763

capacidades de entendimento técnico, ampliando sua responsabilidade


consigo e com os outros.
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Ajude-nos a unir o nosso povo na busca pelo conhecimento...


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