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Cristologia

Professora Dra. Raquel C. Cabral


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C117c Cabral, Raquel c.


Cristologia / Raquel C. Cabral. Paranavaí: EduFatecie,
2022.
97 p. : il. Color.

1. Jesus Cristo – História das doutrinas. 2. Teologia. I. Centro


Universitário UniFatecie. II. Núcleo de Educação a Distância.
III. Título.

CDD : 23 ed. 232.954


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Projeto Gráfico, Design e


Diagramação
André Dudatt
Carlos Firmino de Oliveira
AUTOR

Prof.ª Drª. Raquel C. Cabral


● Doutora em Teologia pela PUCPR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná)
em Curitiba - PR.
● Mestra em Teologia Sistemática Pela FAJE (Faculdade Jesuíta) de Belo
Horizonte – MG.
● Bacharel em Teologia pela Pontifícia Universitá Urbaniana de Roma.
● Professora da área de Teologia Sistemática da PUCPR desde 2012 (Teologia
Fundamental, Cristologia, Trindade, Mariologia e Escatologia).
● Professora de Cristologia e Trindade do curso de Teologia em EAD da Uningá -
Maringá - PR.
● Pesquisadora com foco temático em Reino de Deus, Dom Helder Câmara e
Concílio Vaticano II.

Experiência em coordenação de cursos de Teologia para Leigos, pregação de


retiros espirituais cristãos e práticas meditativas e de relaxamento.

CURRÍCULO LATTES: http://lattes.cnpq.br/9662020930739112


APRESENTAÇÃO DO MATERIAL

Prezado (a) aluno (a),

Seja bem-vindo (a) ao caminho que iremos percorrer juntos graças ao seu interesse
por esta disciplina do curso de teologia. Nela, você conhecerá os conceitos fundamentais
da teologia cristã a respeito de Jesus Cristo, sua construção histórica e o conjunto de
crenças que compõem a fé cristã.
Nós estaremos juntos nessa jornada por meio das vídeo aulas e do apoio da presente
apostila preparada especialmente para você. Nela você encontrará outras indicações que
poderão lhe conduzir a um maior aprofundamento dos temas estudados.
Na primeira unidade, estudaremos o conceito de cristologia, as características
fundamentais para que a cristologia seja reconhecida como teológica e as diferentes
metodologias de estudo. Para exemplificar a importância de uma metodologia adequada
no estudo da cristologia, estudaremos um acontecimento significativo que ficou conhecido
como “antiga questão do Jesus histórico”.
Na segunda unidade do curso de cristologia, cujo tema é Jesus, o Messias prometi-
do, procuraremos entender e conhecer às expectativas messiânicas de Israel. Estudaremos
também as origens da noção de reinado de Deus e como se pensava este modelo no antigo
testamento. Na sequência, refletiremos um pouco mais a respeito do título que Jesus deu
a si mesmo, a saber, Filho do Homem, e procuraremos identificar os motivos pelos quais
Jesus adotou esta figura apocalíptica.
Na terceira unidade do nosso curso iremos visitar os evangelhos observando Jesus
de Nazaré e nos perguntando se de fato é ele o Messias. Estudaremos as relações que ele
estabeleceu com a lei com o templo com Deus e com as pessoas, de modo a nos aproximarmos
dos valores por ele vividos e ensinados. Sendo o Reino de Deus, a temática catalisadora do
seu projeto salvífico, estudaremos que sentido teve pra Jesus falar em Reino de Deus. Por
fim, faremos juntos uma leitura teológica da morte e da ressurreição de Jesus.
Finalmente na quarta unidade faremos uma investigação tipicamente dogmática
para conhecer as cláusulas vinculantes da fé cristã a respeito de Jesus Cristo. Por esta
razão, de modo sintético, estudaremos as principais decisões conciliares.
Agora você tem em mãos o percurso a ser feito. Que a sua trajetória de conhecimentos
teológicos na área da cristologia acrescente ao seu horizonte de vida elementos que venham
lhe tornar uma pessoa melhor para si e para o mundo.

Muito obrigada e bom estudo!


SUMÁRIO

UNIDADE I....................................................................................................... 4
A Fé Cristã a Partir da Visão Cristã

UNIDADE II.................................................................................................... 31
O Messias Prometido e Esperado

UNIDADE III................................................................................................... 54
Jesus de Nazaré: Vida e missão

UNIDADE IV................................................................................................... 75
Verdadeiramente Homem e Verdadeiramente Deus
UNIDADE I
A Fé Cristã a Partir
da Visão Cristã
Professora Doutora Raquel C. Cabral

Plano de Estudo:
● A Cristologia e as cristologias;
● Métodos, fontes e notas identitárias da cristologia;
● A antiga questão do Jesus histórico;
● A nova questão do Jesus histórico.

Objetivos da Aprendizagem:
● Conceituar a cristologia e contextualizar a abordagem
cristã entre outras abordagens e perspectivas;
● Compreender os traços distintivos e identitários da criptologia;
● Estabelecer a importância da historicidade da pessoa de
Jesus Cristo e nela a revelação do Filho de Deus.

4
INTRODUÇÃO

Muito se diz e se escreve a respeito da pessoa de Jesus de Nazaré, a quem


chamamos Cristo. O material produzido a respeito da sua pessoa é tão amplo e diversificado
em quantidade quanto em perspectivas e pontos de vista. Estamos nos referindo a reflexões
e estudos que envolvem dois séculos de história contados a partir de sua vinda ao mundo e
mais dois séculos anteriores a ele, importantes para a cristologia. Tudo isso permeado por
variados moldes e movimentos culturais, implicando evoluções no conceito de Deus, de ser
humano e de mundo.
Em poucas palavras, estamos entrando em um campo que implica diversas
cosmovisões. E fazemos estas considerações para que se solidifique em nós a consciência
de que não se pode pretender a hegemonia do conhecimento quando o objeto de estudo e
de pesquisa é comum a métodos olhares e perspectivas diferentes.
Isso é suficiente para nos convencermos de que é necessário delimitar e esclarecer
de que ponto de vista estamos falando quando o assunto é Jesus Cristo. No nosso caso
queremos conhecer a pessoa de Jesus Cristo no quanto ele é importante para a fé cristã
vista a partir da visão, da história e dos princípios cristãos. Portanto, além de perguntarmos
quem é Jesus de Nazaré a quem chamamos Cristo, nesta unidade procuraremos nos
ocupar em responder quem é Jesus Cristo para os cristãos e para a fé que eles professam.

UNIDADE I A Fé Cristã a Partir da Visão Cristã 5


1. A CRISTOLOGIA E AS CRISTOLOGIAS

1.1 Inesgotável Mistério em pessoa


Habitualmente, o uso da palavra mistério está relacionado a contextos e
acontecimentos que fogem ao alcance do conhecimento, da compreensão e de uma
explicação esclarecedora. Para o uso popular, o que determina a condição mistérica
daquilo de que se está falando é o desconhecimento e não a real impossibilidade de
obter informações a respeito. Basta, por exemplo, que algo tenha aparecido quebrado
e não se saiba quem o quebrou e a palavra mistério caberá bem para falar sobre esse
desconhecimento. O termo é muito caro aos ambientes e contextos religiosos para indicar
o desconhecimento a respeito do sagrado e suas repercussões na vida e no destino do
ser humano e do mundo. Por exemplo: como será a vida depois da morte, porque os bons
sofrem, por que o ser humano busca a dimensão religiosa, etc.
Teologicamente falando, o termo mistério tem um significado específico e ampliado em
relação ao uso popular que acabamos de falar. Em especial quando o termo mistério está referido
a Deus ele quer indicar infinitude. Note que infinitude é diferente de incompreensibilidade.
Certamente você deve ter estudado no curso de introdução à teologia ou de teologia
da revelação que todo o conteúdo da teologia cristã vem da automanifestação de Deus
ao ser humano e que a isso chamamos Revelação. Deus desejou tornar-se conhecido e,
embora sendo de natureza infinita e ilimitada, Ele deu-nos possibilidade de conhecê-lo até
onde temos condições de alcançá-lo, considerando as diferenças entre a natureza divina e
a natureza humana.

UNIDADE I A Fé Cristã a Partir da Visão Cristã 6


Assim fica mais fácil entender que Deus é Mistério (com letra maiúscula!) que quis se
tornar acessível através da sua automanifestação ao longo da história. Complementando a
nossa compreensão a respeito da aplicação do termo Mistério para Deus falta-nos lembrar
que, por mais que consigamos avançar em pesquisas teológicas e na experiência espiritual,
jamais esgotaremos o nosso conhecimento a respeito de Deus. Logo, é lícito afirmar
que Deus é Mistério inesgotável, auto manifesto, aberto ao infinito e somente alcançado
plenamente por Ele mesmo.
Jesus Cristo foi a manifestação mais eloquente de Deus sobre si mesmo à
humanidade e à história. Devido à sua natureza plenamente humana e plenamente divina
é lícito afirmar que ele é o inesgotável Mistério em pessoa.

1.2 Inesgotável complexidade na simplicidade de uma pessoa


No tópico anterior, você entendeu em que sentido afirmamos que Jesus é o
inesgotável Mistério em pessoa. Agora, ampliando um pouco mais a nossa reflexão,
é lícito e devemos considerar que Jesus Cristo também é inesgotável complexidade na
simplicidade de uma pessoa. Vamos procurar citar algumas razões que justificam afirmar
sua complexidade e ao mesmo tempo sua simplicidade.
A complexidade da pessoa de Jesus reside no fato de ele ser o cumprimento
das promessas feitas por Deus a humanidade por meio de gerações seguidas de líderes
carismáticos, como registradas na Sagrada Escritura: patriarcas, juízes carismáticos e
profetas. Porém, como estudaremos mais à frente, ele veio de um modo surpreendente e
difícil de ser reconhecido de imediato. O caráter complexo que envolve a sua pessoa aparece
no modo como ele se apresenta. Ele dava pistas sobre a sua pessoa por meio de ações e
de palavras explícitas e implícitas. A complexidade aparece quando, por exemplo, ele chama
a Deus de pai com intimidade jamais imaginada. Chamando-o Pai, Jesus estava afirmando
ser filho do Eterno, Insondável, Perfeitíssimo, Altíssimo, Onipotente... Implicava dar por
pressuposto que ele tinha a mesma natureza de Deus. Isso era muito impactante no seio
de uma cultura mergulhada no judaísmo que não ousava nem mesmo pronunciar o nome
de Deus (SCHNEIDER, 2002). Outros exemplos disso são todas as vezes em que Jesus
se apresenta com autoridade que somente Deus a tem (A BÍBLIA, 1985): ordenando aos
ventos e ao mar que se calem (Mc 4, 35-41; Lc 8, 22-25), perdoando pecados (Mt 18, 21-22),
curando pessoas (Mc 2, 1-12) e libertando-as do mal (Lc 11, 15-26). O conteúdo dos seus
ensinamentos e a mensagem comunicada por meio de suas ações era o Reino de Deus.

UNIDADE I A Fé Cristã a Partir da Visão Cristã 7


Na verdade, o povo esperava a chegada de um tempo em que o reinado de Deus
prevalecesse, estabelecendo a justiça e a ordem sociopolítica no país, por uma intervenção
divina. Jesus anuncia a chegada do Reino de Deus, afirma que o Reino de Deus já está entre
eles e aponta para sinais que surpreendiam o povo, como teremos oportunidade de estudar
mais detalhadamente sobre este assunto. Três dias depois de sua morte apareceu vivo, com o
havia prometido, à algumas pessoas isoladamente e também ao grupo dos doze que o seguiam
mais de perto. E os seus anunciavam que ele estava vivo e que ressuscitara de entre os mortos
causando galhofas e indignação. Esses e outros elementos justificam dizer que Jesus é a
inesgotável complexidade na simplicidade de uma pessoa (DUPUIS, 2007, p. 11).
A simplicidade de Jesus também foi algo notável e você haverá de convir que era
paradoxal: um ser humano aparentemente igual a todos os outros, portador das mesmas
necessidades e limites dos seus contemporâneos que dizia que Deus era seu Pai. Por
exemplo: sentia cansaço, sede e fome, comovia-se diante do sofrimento alheio, diante da
perda de um amigo sentiu o coração apertar e chorou. Nasceu na condição indigente igual
a todo recém-nascido, precisando ser alimentado por sua mãe, ser cuidado e protegido.
Aprendeu a andar, a falar e a se comportar na família e na sociedade conforme os costumes
e regras sociais e sociopolíticas.
Foi iniciado na lei judaica como todos os adolescentes seus contemporâneos,
quando iniciou a vida pública e saiu de sua pequena cidade em direção à capital do país,
Jerusalém, provocou espanto e admiração pelo fato de demonstrar tanta sabedoria embora
sendo de origens tão simples. Sua proposta de vida não tinha nada que exigisse alto nível
intelectual para que fosse acolhida, seus preferidos eram os da periferia da existência,
aqueles que sobravam das camadas seletas da sociedade. Jesus causou muito incômodo
às classes dominantes de sua época, no campo civil e também da religião, por isso foi
perseguido condenado à morte de cruz e executado como um malfeitor que deveria
ser eliminado para o bem de todos, historicamente, um falido. Poderíamos continuar
citando quase que ao infinito as razões paradoxais da extrema simplicidade unida à uma
complexidade incomparável na pessoa de Jesus.

1.3 Falamos de uma Cristologia ou de várias cristologias?


Com sua encarnação, testemunho de vida, ensinamentos e obras, Jesus inaugurou
uma novidade cujo grupo primitivo recebeu a responsabilidade, ou melhor, a missão de
comunicar a todos aquilo que ouviu e vivenciou naquela comunidade primitiva formada
pelos doze apóstolos, o Mestre e tantos seguidores.

UNIDADE I A Fé Cristã a Partir da Visão Cristã 8


Cada apóstolo e cada discípulo estabeleceu um tipo de relação com o Mestre de
acordo com a sua caminhada de seguimento e adesão à Boa Nova que Jesus estava
trazendo. Jesus enviou a todos a pregar ao mundo que eles aprenderam de maneira que
cada apóstolo gerou o seu discipulado. O perfil desses grupos assistidos pelos apóstolos era
bastante variado. A pregação dos apóstolos transmitindo a Boa Nova de Jesus adaptava se
a realidade de cada grupo principalmente a proveniência de suas crenças. Anunciar Jesus
a um pagão requeria uma estratégia diferenciada do anúncio feito há um judeu convertido,
para citar um exemplo. Esta é uma das razões pelas quais cada um dos evangelistas
construiu uma narrativa especifica a respeito de Jesus, embora Marcos Mateus e Lucas se
aproximem mais entre si por terem usado fontes comuns, enquanto João tenho estilo todo
próprio. Ora, se isso acontece entre os evangelistas imaginemos que ao longo de dois mil
anos de evangelização são muitas as interpretações existentes a respeito do evento Jesus
Cristo e do seu significado. Isso indica que o modo como cada um comunicou a experiência
e aprendizagem feita no discipulado de Jesus teve um enfoque particular.
É bom lembrar que estamos diante de um objeto de estudo sobre o qual tudo o que
foi absorvido, escrito e interpretado a respeito parece INADEQUADO ou INSUFICIENTE.
Esta inadequação de que estamos falando não é apenas uma sensação. É uma realidade
inerente à cristologia devido a seguinte razão:
Os registros do Novo Testamento foram feitos conforme uma seleção do que se
pretendia narrar a respeito de Jesus Cristo. O Evangelista Lucas inicia o seu evangelho
explicando que tudo o que conhecera a respeito de Jesus Cristo ele pretende anunciar.
E explica que está enviando um escrito previamente organizado o que significa certa
seleção de material. Vale a pena conferir na sua bíblia (A BÍBLIA, 1985): Lc 1,3: “... escrito
ordenado...”. No capítulo 21 do seu evangelho, o Evangelista João explica que aqueles
relatos não corresponder a tudo o que Jesus fez e disse. João declara que tal pretensão
seria impossível. Confira Jo 21, 15: “Jesus fez ainda muitas outras coisas. Se fossem
escritas uma por uma...” Ainda como exemplo, observe o que o próprio Jesus explica sobre
a totalidade das coisas que ele gostaria de dizer e ensinar. Porém, ele prefere delegar ao
paráclito que conduza os seus a verdade plena. Caso Jesus mesmo resolvesse dizer tudo
os seus não suportariam. Isso está em Jo 16, 12-13: “tenho ainda muito a vos dizer que não
podeis agora suportar... o Paráclito vos conduzirá à verdade plena...”.

UNIDADE I A Fé Cristã a Partir da Visão Cristã 9


Não obstante tudo isso, Jesus ordena que o seu evangelho, a sua Boa Nova, seja
anunciada. Esta palavra de ordem é levada a sério pelas comunidades cristãs primitivas: Mc
16, 1s: “ide pregai o evangelho...” e até os nossos dias. Haja vista, a título de exemplificação,
algumas das abordagens recentes reproduzidas pelo olhar mais amplo de uma teologia
pluralista que considera os contextos específicos da cristologia. Apresentaremos algumas
delas, baseando-se em Dupuis (DUPUIS, 2007):
● Abordagem histórico crítica: esta abordagem atende ao método histórico
crítico de estudo dos evangelhos. Esse jeito de fazer cristologia tem o propósito de
demonstrar que o fundamento da cristologia presente no anúncio da igreja primitiva
está na pessoa concreta do Jesus histórico. Esforça-se para extrair dos evangelhos
tudo aquilo que é possível afirmar a respeito da experiência terrena de Jesus de um
modo crítico e comparativo entre o Jesus concreto da história e a tradição de fé dos
discípulos desde os da primeira geração.
● Abordagem existencial: esta abordagem baseia-se em uma forma de
fazer teologia que busca colher o significado do aspecto cristológico estudado,
considerando a resposta e adesão de fé existencialmente válida que a mensagem
de Jesus suscita. A abordagem existencial considera que os registros sobre a
experiência cristã lógica que se encontram nos evangelhos foram formulados a
partir de uma linguagem típica do tempo utilizando-se dos símbolos e representa
ações de uma experiência de fé resultante do sentido existencial daquele contexto.
● Abordagem Cristológica pelos títulos: entre as tantas formas de se fazer
cristologia está abordagem através dos títulos atribuídos a Jesus Cristo que se
encontram ao longo dos evangelhos. Analisando a origem e a razão pela qual
esses títulos são atribuídos a Jesus Cristo nos evangelhos constrói-se uma
cristologia. Cada título relaciona se a dimensões diferentes da vida e do ser de
Jesus Cristo. Existem os títulos messiânicos como por exemplo: o Cristo ou o
servo de Javé ou ainda o Filho do Homem. Outros títulos são mais funcionais. Eles
indicam a missão salvífica de Jesus em relação à humanidade e ao cosmo. Por
exemplo: profeta, salvador e Senhor. Podemos citar ainda uma terceira categoria
de títulos cristológicos que se encontram nos evangelhos. São os chamados títulos
ontológicos por indicarem o perfil pessoal de Jesus Cristo. Por exemplo: palavra de
Deus filho de Deus caminho verdade e vida.
● Abordagem crítico dogmática: estuda se Jesus Cristo a partir da formulação
de fé construída principalmente nos primeiros séculos com validada pelos concílios
ecumênicos antigos. Os dogmas cristológicos estão diretamente relacionados a
contextos específicos de debates a respeito da pessoa de Jesus, porém, foram
assumidos pela fé da igreja e continuam válidos até os nossos dias.

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Estudar a pessoa e o significado de Jesus Cristo apenas sob o olhar dogmático
pode-se incorrer no risco de deixar muito fechada a leitura a respeito de Jesus
Cristo. Embora não sendo do agrado do magistério Oficial da Igreja Católica
Apostólica Romana oficial (maior representante do cristianismo no mundo), a
abordagem crítico dogmática estuda a fé professada pelos cristãos através dos
dogmas por eles assumidos, a partir de uma postura criticamente respeitosa ou
respeitosamente crítica.
● Abordagem histórico salvífica: esse modo de fazer cristologia destaca se por
considerar primordial o evento Jesus Cristo. Abordagem parte da encarnação do filho
de Deus considera toda a sua experiência de vida como evento salvífico e vai até a
ressurreição. A cristologia construída a partir da perspectiva histórico salvífica está
centrada no significado teológico do evento Jesus Cristo que veio para a salvação
do gênero humano e de toda a criação restabelecendo a comunhão com Deus.
● Abordagem da cristologia da libertação: nesta abordagem importa colher da
experiência de encarnação do filho de Deus na história em seus comportamentos
e práticas a chave para uma interpretação prática de todas as realidades atuais
necessitadas de libertação. Ela baseia-se na teologia da libertação que se levantou
a partir do Concílio Vaticano II. A teologia da libertação ganhou muita expressão na
América Latina devido a ser um continente que concentra muitas injustiças sociais
resultando no desrespeito à dignidade da pessoa humana e à vida no universo.
Esta produção cristológica pergunta-se sobre o sentido prático da fé cristã, ou seja:
o que muda na justiça social de um país ou continente em que a sociedade é
constituída por uma maioria de cristãos? Que respostas podemos encontrar nos
ensinamentos e na praxe de Jesus para o escândalo da miséria e da fome?
● Abordagem Inter-religiosa: é uma das abordagens mais novas da cristologia.
Ela se insere na dinâmica do diálogo micro e macro ecumênicos. A cristologia do
diálogo está sempre relacionada a algum tema específico da cristologia. Um bom
exemplo de uma cristologia inter-religiosa é aquela que foi envolvida entre teólogos
judeus e cristãos nos anos 1980, procurando resgatar a profunda inserção de Jesus
na cultura e na prática religiosa do seu povo reconstruindo as evidências de que
Jesus foi um autêntico judeu.

Poderíamos continuar citando diferentes modelos de cristologia alargando o


leque temporal para algumas abordagens mais antigas, já em desuso. Neste momento da
nossa reflexão, gostaríamos de deixar clara a importância de uma abordagem integral da
cristologia simplesmente definida pela busca de entender como é que os cristãos dão razão
à sua própria fé do ponto de vista histórico, bíblico e dogmático.

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2. MÉTODOS, FONTES E NOTAS IDENTITÁRIAS DA CRISTOLOGIA

Os bons resultados de qualquer empreendimento dependem em grande parte de


um bom planejamento que preveja desde o ponto de partida aos detalhes da execução.
O êxito dos resultados depende ainda das estratégias e dos meios escolhidos para se
alcançar um determinado fim. Os instrumentos ou materiais utilizados também precisam
estar alinhados e adequados ao tipo de empreendimento falando mais especificamente do
planejamento é imprescindível determinar o ponto de onde se quer partir, ou seja, o início
da ação empreendedora.
É importante também incluir no planejamento um ponto de onde partir, os direcionamentos
a serem tomados durante o processo e os procedimentos em vista da sua conclusão.
Você deve estar se perguntando o que tudo isso tem a ver com o nosso curso
de cristologia. Dizíamos na introdução ao módulo que faríamos uma construção de
conhecimentos juntos e de fato é o que estamos realizando.
Cabe-nos agora conversar um pouco sobre os métodos da cristologia.

2.1 Os métodos descendente e ascendente da cristologia


Antes de explicarmos cada uma desses métodos é importante entender que o que
aqui se chama de método diz respeito à determinação do ponto de partida da construção
cristológica. As duas visões qual respondem a 2 perguntas: na elaboração da cristologia
devemos proceder a partir de Deus ou a partir do homem? Deve-se fazer a cristologia
apoiar-se sobre um dogma de fé ou deve-se construi-la sobre a base da história? É o que
você irá entender agora.

UNIDADE I A Fé Cristã a Partir da Visão Cristã 12


2.1.1 O método descendente da cristologia
A cristologia segundo o método descendente implica partir de pressupostos a
respeito da natureza divina de Jesus Cristo, seus atributos de semelhança a Deus como
ponto de partida. O estudo inicia tendo já em mãos os resultados das grandes discussões a
respeito da identidade de Jesus, desde os seus contemporâneos até os primeiros conselhos
ecumênicos da história da igreja.
O método descendente da cristologia é também chamado cristologia de cima
(LOEWE, 2000). A razão disso é que a cristologia descendente ou de cima parte das
realidades pré-existentes do filho de Deus, por exemplo, inicia pelo estudo da sua condição
eterna pré-existente de ser filho de Deus, em seguida, estuda a sua ressurreição e por
último a sua experiência terrena, ou seja, a realidade da sua encarnação.
A desvantagem do método descendente de fazer cristologia está Inter como
pressupostos cláusulas quem incluem a profissão de fé cristã. Este, a priori, dificulta a
aprendizagem e a compreensão de pessoas que não professam a fé cristã. Um outro
motivo pelo qual este método caiu de uso, é por divergir do modo como Deus revelou a si
mesmo na história. Você entenderá melhor esta avaliação depois que apresentarmos os
dois métodos, dando-lhe condições de uma comparação avaliativa.

2.1.2 O método ascendente da cristologia


Ao contrário do método descendente da cristologia, o método ascendente da cristologia
parte da perspectiva histórica de Jesus, como pressupostos apenas dos registros do antigo
testamento que por sua vez também são estudados conforme a progressividade da Revelação.
A cristologia ascendente é também chamada cristologia de baixo (LOEWE, 2000)
porque parte das realidades histórico existenciais vividas por Jesus Cristo, o Verbo de
Deus encarnado e segue a sequência dos próprios acontecimentos registrados na sagrada
escritura a saber a ressurreição, a experiência da igreja primitiva, as controvérsias e
discussões a respeito da identidade de Jesus Cristo, até estudar por último a formulação
do dogma cristológico a partir do estudo dos concílios ecumênicos antigos.
O consenso entre teólogos contemporâneos aponta para o método ascendente de
fazer cristologia como o mais adequado há uma teologia lúcida e coerente com o processo
da revelação. Quando Deus quis dizer disse ele adotou a progressividade da história sem
nenhum pressuposto a não ser ele mesmo sinalizando o seu ser e a sua presença no
mundo. Fez isso na história de Israel desde o antigo testamento até o cume da revelação
com a vinda de Jesus.
Estão representados:

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FIGURA 1 - MÉTODO ASCENDENTE E DESCENDENTE DA CRISTOLOGIA

Fonte: A autora (2021).

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3. A ANTIGA QUESTÃO DO JESUS HISTÓRICO

Entre os elementos que compõem a fé e o anúncio cristãos o que mais causa


dificuldades, desde o primeiro século, é a dupla natureza de Jesus Cristo, humana e divina
ao mesmo tempo. Para a cultura e a concepção religiosa judaica era impossível inadmissível
pensar que Deus pudesse assumir a imperfeição de um corpo visível e tudo o mais que
compõem a natureza humana: a corporeidade, a historicidade, a temporalidade e assim por
diante. Deus estaria contradizendo a sua própria natureza, negando-a.
A dupla pertença de Jesus natureza humana e divina foi causa de muitos debates
teológicos durante a formulação e a sistematização do dogma cristológico. A grande maioria
das heresias que surgiram durante os seis ou sete primeiros séculos do cristianismo
discutiam este assunto e apresentavam formulações ou respostas teológicas julgadas
incorretas no corpo das verdades sobre a pessoa e o significado de Jesus Cristo. Embora
desde o primeiro Concílio Ecumênico da história da igreja (Concílio de Niceia – 325 d.C.)
afirme-se que Jesus, o Filho de Deus, possuía a mesma natureza divina que o Pai, até hoje
muitos não creem que verdadeiramente Jesus Cristo é o Filho de Deus e que tem a mesma
natureza divina que o Pai.
Neste momento do nosso curso de cristologia, queremos voltar a nossa atenção
para o debate que surgiu no auge da época moderna e ficou conhecido como a questão do
Jesus histórico. O movimento intelectual moderno atravessou os séculos XVIII, XIX e XX e
encontra-se ativa até os nossos dias.

UNIDADE I A Fé Cristã a Partir da Visão Cristã 15


Embora tenha causado muitos desconfortos aos cristãos foi importante porque
mobilizou aprofundamentos teológicos sobre a natureza de Jesus, melhorou o modo
como estudar a sagrada escritura e enriqueceu a Cristologia enquanto tal. O debate ficou
muito conhecido devido a densidade das argumentações entre os participantes e o quanto
confrontavam a fé cristã e negavam o seu núcleo: a extraordinariedade da divindade de
Jesus. A Questão do Jesus histórico nasceu do processo que se desencadeou no encontro
entre autocompreensão da fé cristã e a cultura moderna no final do século XVIII. Uma
espécie de confronto entre a fé e a razão.
A nossa razão possui uma lógica conceitual e é segundo ela que acontece o contato
com todas as realidades que o ser humano conhece. Quando algo desconhecido nos é
apresentado, naturalmente a nossa razão busca nos arquivos já existentes um grupo ao
qual esta nova realidade desconhecida poderia se enquadrar. Vamos procurar entender
melhor a partir do seguinte exemplo: imaginemos que seja apresentado um limão há uma
pessoa que não o conhece. Em frações de segundo, a mente começa a buscar nos seus
arquivos grupos aos quais aquela novidade poderia se encaixar. Quanto à forma definirá
que é algo redondo em base a outros objetos redondos já conhecidos. Quanto à espécie
associará ao grupo frutas. E agora, para definir de que fruta se trata, a mente inteligente
recorrerá ao que mais lhe aproxima, talvez a uma laranja. Imaginemos agora que a razão
seja colocada diante de um ser que se afirme pertencente a duas naturezas ao mesmo
tempo. Na mais absurda das hipóteses imagine um ser com aparência de um papagaio
afirmando ser ao mesmo tempo cobra. A tendência natural é de descrença. Simplesmente
a razão não consegue enquadrar essa novidade em nenhuma das categorias que ela
possui. Simplesmente acontece a negação da razão sobre a existência deste elemento não
alcançável pela razão. Por este motivo, percebe-se a limitação da habilidade racional e à
necessidade que ela tem de outras faculdades do ser humano.
Antes de avançarmos na nossa reflexão, é interessante considerar que a razão
não é a única forma com que o ser humano entra em contato com as realidades que ele
conhece. Nos últimos vinte anos, muitas pesquisas têm sido feitas a respeito de outras
formas com que o ser humano pode conhecer e interagir com o meio em que vive. Estudos
sobre a mente humana constatam que ela emite e capta sinais ao seu redor auxiliando
o ser humano na percepção e no conhecimento das realidades existentes. É próprio da
antropologia teológica estudar o ser humano a partir da visão da teologia, segundo a qual
ele é imagem e semelhança de Deus, dotado de um corpo material e de uma alma espiritual
capaz de se comunicar com seres também espirituais, como é Deus.

UNIDADE I A Fé Cristã a Partir da Visão Cristã 16


O âmbito da espiritualidade também tem se desenvolvido muito reconhecendo a
natural sensibilidade que o ser humano possui para captar e interagir com as realidades
transcendentes, capaz, portanto, de professar a fé.
A pesquisa do Jesus histórico teve cunho histórico crítico. Foi construída por
pensadores racionalistas, iluministas e empiristas. Ela ia contra todo tipo de concepção
transcendente, especialmente a fé de que Jesus era mais que um homem comum. A crítica
recaiu especialmente sobre a fé cristã por causa da grande influência do cristianismo sobre
a sociedade. É bom que você perceba que não se tratou de um trabalho com o objetivo de
análises teológicas pois tratou-se de um evento eminentemente científico e cultural.
Tudo começou entre 1774 e 1778 com a publicação de fragmentos da gigantesca
obra de Hermann Samuel Reimarus (1694-1768) por um discípulo seu chamado Lessing
(LOEWE, 2000, p. 24). A obra enciclopédica tinha cerca de quatro mil páginas e era intitulada
Fragmentos de um anônimo de Wolfenbüttel. Era uma narrativa crítica da vida de Jesus Cristo
construída a partir de uma leitura dos evangelhos de cunho histórico crítico. Ele fez questão de
considerar apenas os dados históricos, cortando tudo o que está relacionado ao perfil divino
extraordinário de Jesus que suscitava a fé dos discípulos: a concepção graciosa, as curas, os
milagres, o perdão dos pecados, as profecias e a ressurreição (LOEWE, 2000, p. 25).
Segundo a análise Reimarus, existe uma clara distinção entre a doutrina de Jesus e
a doutrina dos apóstolos. Segundo ele, aquele Jesus que existiu realmente em Nazaré não
é o mesmo daquele que os apóstolos anunciavam. Logo, para conhecer a Jesus é preciso
distinguir metodologicamente a apresentação dos apóstolos daquilo que realmente foi a
vida e os ensinamentos de Jesus. Para ele, Jesus não teria ensinado mistérios nem nada
que fosse significativo para sustentar uma fé religiosa. O Reino de Deus ensinado por Jesus
era diferente da concepção judaica. O que aparece nas palavras e gestos de Jesus é um
modelo sociopolítico tão desafiador para as classes dominantes da época que resultaram
na decisão de eliminá-lo. E Jesus foi crucificado e morto violentamente (LOEWE, 2000).
Loewe (2000) segue explicando que para Reimarus o Reino de Deus anunciado
por Jesus não era deste mundo e que a sua morte não foi um fracasso porque na verdade
Jesus morreu para salvar a humanidade dos seus pecados e, portanto, ele não estava morto
ressuscitou e eles o viram vivo. A ressurreição foi um modo dos discípulos não se envolverem
com o fracasso do mestre. Para defenderem-se das consequências de um falimento público,
os discípulos teriam roubado o cadáver de Jesus e anunciado que ele ressuscitou.

UNIDADE I A Fé Cristã a Partir da Visão Cristã 17


Assim, a partir da morte de Jesus abre-se um novo cenário de pregação que já não
é correspondente aos ensinamentos de Jesus e sim a pregação dos apóstolos. Para ele, as
histórias da ressurreição são tão contraditórias que nos permitiram acordar deste torpor. Em
conclusão dos seus estudos, Jesus teria sido um histórico, revolucionário, religioso e nacionalista,
um grande mestre ético. E o cristianismo não foi resultado das intenções dele, mas uma fraude
da parte dos discípulos que mergulhou gerações inteiras no engano (LOEWE, 2000).
Como você há de convir, essa publicação causou muitas inquietações, especialmente
para os cristãos. Os escritos de Reimarus foram suprimidos por causa do extremismo de
suas posições e pelas reações que causou. O debate sobre a questão do Jesus histórico
dividia-se entre duas posições. De uma parte, os racionalistas defendiam Reimarus. De
outra parte, os sobrenaturalistas o combatiam defendendo a doutrina segundo a qual a
bíblia vale em cada uma das suas palavras literais (LOEWE, 2000, p. 25).
Houve muitas publicações de ambas as concepções. Não teríamos espaço suficiente
neste curso para estudá-las. Alguns autores tentavam reconciliar a posição sobrenaturalista
com a racionalista. Procuravam encontrar algo esclarecedor e convincente entre a visão da
modernidade sobre o cristianismo e a vertente tradicional de uma leitura literal das sagradas
escrituras sobre Jesus. Porém, não se chegou a resultados apaziguadores.
Para você conhecer um pouco mais apresentaremos uma das posições mais
polêmicas (LOEWE, 2000). Adolf von Harnack (1851 - 1930) considerado o mais notável
teólogo protestante e historiador da Igreja do fim do século XIX e do início do século XX, é
exemplo dessas tentativas, embora tenha também desmerecido a narrativa cristã. Segundo
Harnak, era necessário romper com o dogmatismo teológico e, através de uma análise do
cristianismo primitivo e da história da doutrina cristã. Somente assim se poderia chegar ao
evangelho do próprio Jesus e à essência do cristianismo. Ele proferiu muitas conferências
sobre ao assunto. Em 1901, foi publicada a obra A Essência do Cristianismo. É uma síntese
das dezesseis conferências proferidas por ele a seiscentos estudantes na Universidade de
Berlim entre os anos 1899 e 1900. Vamos conhecer a posição dele de forma sintética:
● A essência do cristianismo é Jesus e sua mensagem extraída dos evangelhos
mediante uma análise histórica, especialmente de Marcos, o mais próximo dos fatos;
● Jesus desviou a atenção de si em sua pregação, apontando para alguns temas
bem específicos colocando-se como modelo desse conteúdo: Deus como Pai, a
filiação divina e o amor universal que é eternizante.
● Os ditos de Jesus sobre a vinda do Reino têm dupla vertente: um reino além
desta vida e também relacionado a uma realidade presente na história.

UNIDADE I A Fé Cristã a Partir da Visão Cristã 18


● A Igreja exige a profissão de fé em coisas tão complexas e está deixando de lado
a vida simples e a mensagem concreta de Jesus.
● Discutir se Ele é o Filho de Deus, de igual natureza, verdadeiramente homem e
Deus... não seria a casca do cristianismo?
● Jesus pertence à essência do cristianismo não porque era filho de Deus, mas
porque “era a realização pessoal e a força de sua mensagem, e ainda é visto assim”,
pelo poder de sua personalidade.

Como você já deve ter notado, o teólogo joga o cristianismo contra o Jesus histórico,
sua experiência de vida e seus ensinamentos. Resulta para Harnak que, eliminando dos
evangelhos o que ele chama de “a casca do cristianismo”, o sobrenatural, obtém-se uma
narrativa confiável sobre Jesus Cristo e os seus ensinamentos. Harnak foi contestado
e também apoiado de modo a não chegar a uma solução para o problema em aberto.
Afinal, há ou não diferenças entre a experiência de Jesus na história e o que os apóstolos
e discípulos anunciaram a seu respeito? Se existem diferenças, até que ponto ela torna
inválida a fé da Igreja? (LOEWE, 2000).
Fazendo um balanço desta primeira fase da pesquisa do Jesus histórico ficou claro
que o programa faliu pelo preconceito dogmático que visava substituir a imagem ortodoxa
do Cristo pela de um Jesus conforme aos pressupostos históricos, cientificistas e até
mesmo nacionalistas da teologia liberal alemã. Restou o incômodo para os cristãos de não
encontrar resposta satisfatória em nenhuma das tentativas de conciliação.
Em 1906 entram no cenário três personagens que dão início a reavaliações sobre
o percurso feito nos debates sobre a questão do Jesus Histórico iniciada no final do século
XVIII. Os teólogos Albert Schweitzer (1875 - 1965), Rudolf Karl Bultmann (1884 - 1976)
e Karl Barth (1886 - 1968) reavaliam os resultados obtidos na primeira fase das buscas,
retomam a discussão e abrem um período considerado o tempo intermediário entre a antiga
e a nova questão do Jesus Histórico, como veremos no próximo tópico.

UNIDADE I A Fé Cristã a Partir da Visão Cristã 19


4. A NOVA QUESTÃO DO JESUS HISTÓRICO

4.1 Introdução
Os resultados da antiga questão do Jesus Histórico, considerando as várias
posições dos pensadores que se pronunciaram, deixou no ar uma tremenda insatisfação.
Tudo começou com a pergunta sobre possível diferença entre a pessoa e a pregação de
Jesus em si e o que os apóstolos e discípulos anunciaram a seu respeito. Certamente
existiram diferenças, como é comum em todas as narrativas a respeito de fatos históricos e
dos seus significados. Quando alguém ou um grupo conta uma vivência acentua os traços
da experiência feita pela própria pessoa ou por aquele grupo específico. E se cada pessoa
envolvida no acontecimento for ouvida em suas narrativas, os enfoques serão específicos e
diferenciados. Porém, há de se manter o teor regente do acontecimento, a sua veracidade.

4.2 A fase intermediária dos debates


Para Albert Schweitzer a pesquisa antiga fracassou por não ter conseguido trazer
o Jesus da história à tona sem destruir o mestre de salvação, não atendeu à exigência de
sentido. Para ele, o que pode ajudar e é importante para o nosso tempo não é a busca por
Jesus conforme historicamente conhecido, mas Jesus espiritualmente ressuscitado dentro
dos homens (LOEWE, 2000).
Rudolf Karl Bultmann e Karl Barth falam a partir do movimento teológico “Teologia
da Palavra” segundo o qual o texto da Bíblia desapareceu na poeira do tempo, mas torna-se
palavra salvífica de Deus, pelo poder do Espírito Santo, quando é proclamada no púlpito,
porque põe os ouvintes em crise frente a sua condição de vida atual e seu destino eterno
(LOEWE, 2000). A Palavra proclamada exige uma resposta imediata do ouvinte em crise.

UNIDADE I A Fé Cristã a Partir da Visão Cristã 20


Sem tempo nem interesse por uma análise histórica, ele dá uma resposta de
adesão na fé.
Barth afirma que o que há de mais precioso na Palavra escapa à crítica histórica,
por isso ela é irrelevante. E Para Bultmann (LOEWE, 2000) a busca do Jesus histórico é,
de fato, impossível e, em princípio ilegítima, por dois motivos. Primeiro porque, segundo
ele, os textos estão de tal modo impregnados pela fé da Igreja primitiva que é impossível
retroceder por eles até o Jesus histórico. Para ele, não se deve nem tentar buscá-lo. Como
bom luterano que era, ele cita Lutero: “os seres humanos são justificados pela graça de
Deus recebida na fé e não pelos seus próprios esforços...”
Nestes termos, Schweitzer, Barth e Bultmann defendem a fé cristã contra os
resultados da pesquisa crítica histórica de até 1953 (LOEWE, 2000).
A autoconcepção da fé entrou em crise no encontro com a consciência científica
empírica e histórica da modernidade. É inegável! Porém, será que para um estudo dos
evangelhos e do evento cristão o método utilizado pela ciência empírica e histórica da
modernidade foi adequado? É a questão impulsionadora da segunda fase da pesquisa do
Jesus histórico que ficou conhecida como a nova fase ou simplesmente a nova pesquisa do
Jesus histórico (LOEWE, 2000).

4.3 A nova questão do Jesus histórico


Em 1953, Ernest Kasemann, ex-aluno de Bultmann, apresentou um trabalho “a
questão do Jesus histórico” em um círculo de estudos em Marburg. Kasemann defende
que há continuidade entre o que se pode saber a cerca de Jesus, pelo método de estudo
crítico histórico e a figura de Jesus como Cristo, apresentado pelo Novo Testamento e pela
tradição cristã. Ele afirma que esta pesquisa era legítima, necessária e possível e deve
continuar. Assim explica Kasemann (KONINGS, 1997):
● Legítima: a pesquisa que foi considerada falida, a do Jesus histórico é legítima
porque os evangelistas escrevem falando sobre Jesus, portanto não é tentativa de
salvação por obra humana, é legítimo do ponto da fé cristã, buscar acesso a Jesus
como podemos hoje;
● Necessária: a dicotomia entre o Jesus histórico e o Cristo bíblico, mito e história,
gera uma posição insustentável nos cristãos com relação aos evangelhos. O
impasse sem respostas justifica retomar a questão do Jesus histórico;
● Possível: para Kasemann, o problema da impossibilidade e do falimento foi devido
ao emprego de método adequados ao estudo na sagrada escritura. Portanto, se for
adotada uma metodologia que atenda às exigências do estilo de literatura bíblica, a
pesquisa é possível e deve ser retomada.

UNIDADE I A Fé Cristã a Partir da Visão Cristã 21


Kasemann estava fazendo alusão ao método histórico crítico de leitura da Bíblia
desenvolvido por August Ludwig Schlözer à época do Iluminismo tardio. Ele foi reelaborado
por muitos biblistas, inclusive com a colaboração de Bultmann, de onde surgiu o método
de estudo bíblico denominado “crítica das fontes”. Esta percepção foi de suma importância
para que houvesse um significativo eu vou avanço na cristologia a partir do estudo das
Fontes bíblicas (KONINGS, 1997).
O método nasceu da consideração do material primário do qual cada evangelho
é construído. A partir da diferença das Fontes, foi possível perceber a semelhanças que
fazem com que os evangelhos de Mateus Marcos e Lucas sejam semelhantes entre si e
diferentes do evangelho segundo João (FABRIS, 1988).
A leitura crítico histórica da vida de Jesus a partir da narrativa dos evangelhos,
além de considerar as fontes, considera também os contextos redacionais, as questões
linguísticas e tantos outros detalhes que ajudam a compreender melhor os registros do
Novo Testamento a respeito da vida de Jesus. O método da crítica das fontes, inclui a crítica
das formas e também a crítica redacional.
Com este trio metodológico, pode-se considerar a tradição oral que está atrás de
cada um dos escritos, a pré-história de cada um dos documentos situados entre a morte
de Jesus e as primeiras redações dos evangelhos. Assim é possível identificar o gênero
literário e distinguir o material da fonte dos materiais aportados pelo autor para dar liga ao
texto. A partir da crítica redacional são estudados e levados em consideração os contextos,
ou seja, o ambiente vital de onde surgiu o texto. São muitos e diversos entre si os contextos
culturais envolvidos e eles são importantes para que se possa colher os padrões redacionais
adotados pelos evangelhos e as opções de disposição dos redatores distintamente.
A nova pesquisa do Jesus histórico abriu horizontes para um conhecimento muito
mais amplo e profundo a respeito da experiência terrena de Jesus resolvendo muitas
das questões a presentadas na antiga pesquisa do Jesus histórico, de modo particular
as suspeitas quanto ao caráter divino de Jesus e à fé desenvolvida desde a primeira
comunidade cristã (FABRIS, 1988).
O objetivo do registro escrito da vida e dos ensinamentos de Jesus não é
simplesmente um diário de ações útil para a formulação de uma biografia, como pensada
pela ciência moderna da história. Os evangelhos foram escritos para narrar a experiência
feita pela comunidade que recebeu a figura histórica e teológica de Jesus. O legado dos
evangelhos consiste no sentido conferido pela comunidade primitiva ao evento Jesus Cristo,
desde o seu nascimento até o complexo contexto da sua morte e ressurreição.

UNIDADE I A Fé Cristã a Partir da Visão Cristã 22


Por este motivo, qualquer pesquisa feita a partir dos escritos dos evangelhos que tenha
o objetivo de compilar uma biografia construída por uma sequência lógica de fatos existenciais
sobre Jesus, é fadada a falir. O motivo pelo qual cada registro foi feito, não é oferecer aos
leitores uma lógica cronológica dos fatos. Cada evangelho possui um perfil delimitado pelos
mais diversos fatores e, por isso, ora omite informações que atenderiam à nossa curiosidade
histórica, ora desce a mínimos detalhes de uma determinada cena. O importante é que consiga
transmitir a experiência de fé feita pelos apóstolos e discípulos de Jesus.

UNIDADE I A Fé Cristã a Partir da Visão Cristã 23


SAIBA MAIS

Você já deve ter observado como é imensa a quantidade de artigos e livros publicados a
respeito de Jesus Cristo. Deve também ter notado que o material produzido diverge um
do outro quanto as suas opiniões e pontos de vista a respeito de quem tenha sido Jesus
Cristo e o significado da sua existência na história. Então, eu quero fazer uma pergunta
provocante: é lícito falar sobre Jesus a partir dos contextos de quem o estuda? Pode-
se fazer uma leitura cristológica de cunho cultural atualizado nas diversas culturas?!!!
Sim, é possível! Mais ainda: há que se considerar as novas cristologias de ontem e de
hoje, como o faz o teólogo jesuíta, Manuel Hurtato, em um artigo muito interessante,
NOVAS CRISTOLOGIAS: ONTEM E HOJE ALGUMAS TAREFAS DA CRISTOLOGIA
CONTEMPORÂNEA, publicado na revista Perspectiva Teológica, disponível online.

Fonte: HURTATO, M. Novas cristologias: ontem e hoje algumas tarefas da cristologia


contemporânea. Revista Perspectiva Teológica, ano XL, número 112, set/dez. 2008. DOI: https://doi.
org/10.20911/21768757v40n112p315/2008

UNIDADE I A Fé Cristã a Partir da Visão Cristã 24


REFLITA

Você já parou para pensar como o mundo seria diferente se o os cristãos vivessem
radicalmente a sua fé? Será que o número de cristãos no Brasil é insuficiente para
combater os sinais de injustiça social e a má divisão dos bens da natureza? O que será
que está faltando? Leia e compare essas duas matérias:

1- “O Anuário Pontifício 2017 e o Anuarium Statisticum Ecclesiae 2015, do Departamento


Central de Estatística da Igreja do Vaticano, indica que o Brasil ocupa o primeiro lugar no
conjunto de dez países do mundo com maior consistência de católicos batizados, com 172,2
milhões de católicos. Ficando à frente de países como o México, com 110,9 milhões, Filipinas
com 83,6 milhões, Estados Unidos da América (72,3), entre outros. O número de católicos
brasileiros representa 26,4% de católicos no continente americano. Na pesquisa do Instituto
Pew Research Center, o Brasil figura na lista dos maiores países cristãos do planeta, com
aproximadamente 175 milhões de seguidores de Jesus, atrás apenas dos Estados Unidos,
246 milhões, e à frente do México, terceiro colocado, com 107 milhões”.

Fonte: CNBB- Igreja católica Apostólica Romana. Cristãos no mundo. Disponível em: https://www.cnbb.
org.br/cristaos-no-mundo-7-bilhoes-de-pessoa-dizem-professar-a-fe-crista-segundo-instituto-de-pesqui-
sa-pew-research/. Acesso em: 25 out. 2021.

UNIDADE I A Fé Cristã a Partir da Visão Cristã 25


2 - “Superando a atual taxa de mortalidade pela covid-19, cerca de 11 pessoas poderão
morrer de fome por minuto no mundo até o final de 2021. A falta de alimentação mínima
é agravada por cenários de conflitos armados, pelos efeitos da crise climática e pela
própria pandemia. A conclusão é de relatório da ONG (organização não governamental)
Oxfam divulgado nesta 6ª feira (9.jul.2021)” (11 pessoas podem morrer de fome por
minuto no mundo até fim do ano, diz ONG.

Fonte: RODRIGUES, F. Jornal digital O poder360. Disponível: https://www.poder360.com.br/internacional/


11-pessoas-podem-morrer-de-fome-por-minuto-no-mundo-ate-fim-do-ano-diz-ong/. Acesso em: 25 out. 2021.

UNIDADE I A Fé Cristã a Partir da Visão Cristã 26


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Chegamos ao final da primeira unidade do curso de cristologia. Nela, você entendeu


que o nosso curso está situado no âmbito do cristianismo a partir da própria visão cristã.
Você pode perceber também a grande variedade de abordagens quando se trata de estudar
a pessoa de Jesus Cristo.
Durante o percurso, foi oportuno que você tivesse compreendido em que sentido a
palavra mistério é atribuída a Deus e também a Jesus Cristo. Uma vez que você teve essa
compreensão, tornou-se mais fácil acrescentar os dados da historicidade da pessoa de Jesus.
Os evangelhos são uma fonte primária da cristologia, porém, para extrair dos
evangelhos dados a respeito da pessoa de Jesus é necessário adotar uma metodologia
específica a fim de não forçar o texto dos evangelhos a responderem aí tens que eles
não possuem. Por esta razão, estudamos a metodologia descendente e ascendente da
Cristologia, isso suscitou que também estudássemos a questão do Jesus histórico. O
objetivo da sequência temática escolhida é de que você perceba que é impossível reconstruir
a história de Jesus a partir de métodos da historiografia moderna. Fica esclarecido que
a dimensão mistérica de Jesus Cristo faz dele um objeto de estudo que requer que se
considere a intelecção como também a fé cristã. De outro modo, estaremos estudando o
fenômeno histórico Jesus e não estaremos colhendo o seu significado teológico que é o
que sustenta a Cristologia.
Os resultados que se pretendem num curso de cristologia é colher a compreensão
cristã a respeito da pessoa e do significado de Jesus Cristo e isso ultrapassa infinitamente
uma mera construção biográfica.
Na próxima unidade, estudaremos Jesus como o Messias prometido por Deus.

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LEITURA COMPLEMENTAR

O Dicionário Crítico de teologia dirigido Por Yves Lacoste, reúne os mais renomados
teólogos do ocidente escrevendo sobre temas clássicos da teologia. Os verbetes são
construídos em estilo abrangente, próprio para o aprofundamento de temas específicos.
No verbete Mistério, você vai encontrar abordagem bíblica, litúrgico sacramental e o
desenvolvimento do sentido do uso do termo na teologia do oriente e do ocidente.

Fonte: ALETTI, J. Mistério. In: LACOSTE, J. Y. (Org.) Dicionário Crítico de Teologia.


São Paulo: Paulinas/Loyola, 2004, p. 1157 - 1161.

O tema central deste artigo é o dilema que o método histórico-crítico de interpretação


da Bíblia vive hoje, causado pelo amadurecimento dos princípios que adotou por ocasião de
seu nascimento, há cerca de 250 anos, como filho legítimo do Iluminismo e do racionalismo.
O artigo poderá enriquecer os seus conhecimentos por retomar aspectos do nascimento do
método, sua contribuição e seus limites, de modo esclarecedor e crítico.

Fonte: LOPES, A. N. O dilema do método histórico-crítico na interpretação bíblica.


Revista Fides Reformata X, n. 1 (2005): 115-138. Disponível em: https://cpaj.mackenzie.
br/wp-content/uploads/2018/11/6-O-dilema-do-m%C3%A9todo-hist%C3%B3rico-
cr%C3%ADtico-na-interpreta%C3%A7%C3%A3o-b%C3%ADblica-Augustus-Nicodemus-
Lopes.pdf. Acesso em: 21 out. 2021.

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MATERIAL COMPLEMENTAR

LIVRO 1
Título: Introdução à Cristologia
Autor: Jacques Depuis.
Editora: Loyola.
Sinopse: Esta obra procura aprofundar tanto o mistério da pessoa
como o próprio sentido do acontecimento Jesus Cristo na história
da humanidade e do mundo. Pretende assinalar uma volta à histó-
ria humana de Jesus, muitas vezes esquecida pelo peso excessivo
da especulação criptológica.

LIVRO 2
Título: Jesus Cristo Libertador
Autor: Leonardo Boff.
Editora: Loyola.
Sinopse: Este livro quer ser um ensaio cristológico pensado e
escrito dentro do horizonte da experiência da fé como é encarada
na América Latina. A figura do Cristo aqui apresentada nasceu de
estudos acurados de exegese; história dos dogmas e de antropolo-
gia. Especialmente a humanidade de Cristo é posta numa luz nova.
Foi essa humanidade; e não apesar dela; que Deus se manifestou.
Por isso Deus não pode ser encontrado fora do homem-Jesus.
Nele Deus revelou a sua face humana; e o homem sua face divina.
É em Jesus que descobrimos quem é Deus e quem é o homem.

UNIDADE I A Fé Cristã a Partir da Visão Cristã 29


FILME/VÍDEO
Título: Jesus de Nazaré
Ano: 1977.
Sinopse: Aclamado por críticos e espectadores, Jesus de Nazaré
continua sendo uma das melhores representações da história
de Cristo. ... O comovente retrato da vida e a morte de Jesus de
Nazaré, é aqui apresentado desde o seu nascimento, passando
pelas suas peregrinações ainda enquanto criança e o seu batismo
por João Batista.
Link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=I3Iz7eLq1Ws

WEB
1- O documentário “Quem foi realmente Jesus” poderá contribuir
com a evolução das suas reflexões a respeito dos seus conheci-
mentos sobre Jesus Cristo.
Link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=MPkJyoT_F1Q
2- Vídeo: Jesus histórico. Site: Jesus histórico
Neste vídeo você vai ouvir uma exposição ampla sobre a questão
do Jesus histórico, que nós estudamos, produzida pela faculdade
São Basílio Magno, FASBAM, proferida pelo filósofo e teólogo
Rogério Miranda de Almeida. A abordagem é clara e rica em infor-
mações multidisciplinares.

UNIDADE I A Fé Cristã a Partir da Visão Cristã 30


UNIDADE II
O Messias Prometido
e Esperado
Professora Doutora Raquel C. Cabral

Plano de Estudo:
● As expectativas messiânicas de Israel;
● A tradição profética do Filho do homem;
● O Filho do homem segundo o Novo Testamento;
● O Reino de Deus anunciado por Jesus.

Objetivos da Aprendizagem:
● Conceituar e contextualizar o messianismo de Jesus;
● Compreender os tipos de expectativas messiânicas de Israel;
● Estabelecer a importância da figura do Filho do Homem na tradição profética;
● Identificar os pontos de identificação e de ruptura entre o Reino que Jesus
anunciou e as expectativas de reinado de Deus contemporâneas a Ele.

31
INTRODUÇÃO

Prezados e prezadas estudantes do curso de cristologia, que bom que você concluiu
a primeira unidade do nosso curso e agora está disposto a fazer a segunda.
O objetivo dessa unidade do curso de cristologia é conhecer a forma toda própria
como Jesus instaura o reinado de Deus no mundo. Para conhecermos melhor o reinado de
Deus a partir de Jesus Cristo, nada melhor que darmos atenção ao que ele mesmo dizia a
seu respeito, como se apresentava e que nomes dava a si. Agora você, vai perceber melhor
que Jesus, como bom judeu, conservou um fio de continuidade com a tradição judaica e,
ao mesmo tempo trouxe novidades. Na verdade, Jesus estabeleceu com o judaísmo uma
relação de ruptura na continuidade. É aqui que se encontra o núcleo da fé cristã em Jesus
Cristo, razão de ser da cristologia.
Para observar melhor o que acabei de afirmar, é de suma importância visitarmos
juntos alguns pontos específicos da tradição religiosa judaica, cujos registros encontram-se
na primeira parte da Bíblia, no Antigo Testamento. De modo mais geral, nesta unidade nos
ocuparemos em encontrar as razões pelas quais Jesus foi o Messias esperado e prometido.
No primeiro tópico compreenderemos as esperanças messiânicas de Israel, veremos a
variedade das problemáticas e das ânsias que determinavam, para cada grupo, o desejo de uma
intervenção de Deus enviando alguém que respondesse as suas problemáticas específicas.
No segundo tópico, muito relacionado ao primeiro, estudaremos no que consistia o
reinado de Deus segundo a concepção judaica, principalmente a partir da monarquia como
regime governamental de Israel.
No terceiro tópico do nosso curso, aprenderemos o significado do termo tão caro
a Jesus quando falava de si mesmo: Filho do Homem. Daremos um mergulho na tradição
profética para conhecermos a figura apocalíptica na qual Jesus se inspirou para falar de si.
E já no quarto tópico analisaremos o perfil de Jesus comparado a figura do filho do
homem como aparece na tradição profética, ressaltando os traços identitário da pessoa de
Jesus Cristo, enquanto filho de Deus encarnado na história.
Desejo-lhe um aprendizado empolgante e rico em significados para a sua vida
pessoal e sua atuação como teólogo ou teóloga.

UNIDADE III O
A Fé
Messias
Cristã Prometido
a Partir da eVisão
Esperado
Cristã 32
1. AS EXPECTATIVAS MESSIÂNICAS DE ISRAEL

Introdução
O título desta unidade evoca uma realidade própria da pessoa de Jesus que tornou-se
uma propriedade de domínio popular, dispensando necessidade de maiores esclarecimentos.
O curso que você está fazendo proponho um salto de qualidade nos conhecimentos a
respeito do significado da pessoa de Jesus Cristo para fé cristã. Como o domínio popular
não é suficiente para descrever o perfil teológico de Jesus Cristo, procuraremos entender
em que sentido Jesus foi o cumprimento da promessa da vinda de um Messias.
A título de revisão, é importante recordarmos que estamos construindo uma
cristologia que visa abordar integralmente as dimensões fazendo com que resulte em um
estudo de fato teológico. Para tal, é necessário contemplar a dimensão teológica da cristologia
(considerar que Jesus é o filho de Deus que se encarnou); soteriológica (ter presente que
Jesus é o Salvador); pneumatológica (não perder de vista que Jesus é o portador por
excelência do Espírito Santo de Deus) e, por último, a dimensão histórico-antropológica (o
fato de que o filho de Deus, Jesus Cristo assumiu a realidade histórica é a natureza humana
tal como ela é). Além dessas dimensões que compõem uma cristologia integral haveremos
também de incluir alguns princípios. O primeiro deles é atenção dialética. Com essa palavra
aparentemente difícil estamos nos referindo a dupla natureza de Jesus Cristo que gera uma
certa atenção, ou seja, Jesus pertence ao mesmo tempo à natureza humana e à natureza
divina. Segundo princípio é o de totalidade quer dizer, precisamos considerar tudo o que diz
respeito a sua existência inclusive aos fatos que o precederam.

UNIDADE III O
A Fé
Messias
Cristã Prometido
a Partir da eVisão
Esperado
Cristã 33
Outro elemento importante é o da continuidade histórica. Jesus irrompe na história
um tempo novo que só foi possível ser reconhecido retomando o contexto histórico ao qual
ele deu continuidade. Os seus apóstolos e todas as gerações de discípulos precisaram
fazer leituras retrospectivas da Sagrada Escritura e da história de Israel, de modo especial
sobre o messianismo.
Tendo em vista todas as considerações que fizemos até aqui, devemos nos pergun-
tar: o que é mesmo Messias? Você já parou para pensar? De onde nasceu este termo? Se
Jesus Messias fora prometido e esperado, quem o prometeu e o que estava no imaginário
e no desejo dos que esperavam pela sua chegada? Eram várias as expectativas ou uma
única? As respostas a esses questionamentos são fundamentais para o nosso “início” de
conversa. É o que iremos construir juntos.

1.1 O Antigo Testamento como chave de compreensão de Jesus, o Messias


Jesus de Nazaré era judeu. Ele cresceu e foi educado nas tradições do povo judeu
e não pode ser entendido sem elas. O Antigo Testamento é um pano de fundo irrenunciável
para se compreender a cristologia. De modo particular, o conhecimento das expectativas
salvíficas de Israel, oferecem valiosas indicações para que entendamos a missão Dele.
Jesus compartilhava a fé judaica no Deus Uno. Seus discípulos e os primeiros
cristãos também eram judeus ou tinham muita aproximação às tradições e fé judaica. Eles
interpretavam a história de Jesus conforme as escrituras, isto é, baseados na tradição da
fé e dá Esperança de Israel. Mesmo que precisassem interpretá-la de maneira nova, a
referência para a compreensão da missão e do ser de Jesus, O Mestre, era a Escritura. A
profissão de fé e o anúncio de que Jesus seria o Cristo o Messias ou ungido, bem como
tantas outras imagens e concepções fundamentais que eles utilizavam para compreender
a figura e a história de Jesus, provém do Antigo Testamento.
Seria errôneo e redutivo afirmar que o Antigo Testamento é a pré-história que
preparou a vinda de Jesus. Porém, é inegável que o antigo testamento preparou a vinda de
Jesus e tornou-se um pressuposto interno para a interpretação e o conhecimento da sua
vida e da sua missão. Muito frequentemente encontram-se nos textos do Novo Testamento
citações da antiga aliança, da experiência do povo de Deus registrada no Antigo Testamento,
sinalizando a veracidade do que acabamos de afirmar. Essa dinâmica encontra-se também
no modo como Jesus se faz reconhecer dentro da história e das expectativas libertadoras do
seu povo a fim de que se sentissem contemplados na espera da promessa de um Messias.

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Através da leitura retrospectiva das promessas fundamentais e abrangentes do
Antigo Testamento de que o próprio já vê viria até o seu povo, os autores do Novo Testamento
perceberam que aquelas promessas da vinda de Deus como o Justo Juiz por graça e favor
de Deus estavam sendo realizadas, estavam concretamente presentes em Jesus.

1.2 As esperanças de salvação do Antigo Testamento: expectativas


messiânicas de Israel
A pergunta que nos ocorre para entrar na dinâmica das expectativas messiânicas
de Israel é a seguinte: se Israel espera a vinda de Deus em juízo e em graça salvadora,
como é que o Novo Testamento pode dizer que a vinda de Jesus Cristo, tal como foi, seria
o cumprimento dessa esperança? O povo tinha ânsia de salvação. Mas, o que será que o
povo judeu entendia por salvação?
Fazia parte da concepção comum do judaísmo a respeito de Redenção como
um processo que se realiza no palco da história no meio da comunidade. A salvação ou
redenção acontece no mundo visível e concreto. Este é o traço característico mais marcante
e está à base de concepções específicas. De acordo com as variantes da compreensão
de salvação, variam também a espera por alguém que a concretize. Em poucas palavras:
as expectativas messiânicas estão intimamente relacionadas à concepção de redenção e
suas nuances, como veremos a seguir (SCHNEIDER, 2002).

1.2.1 Redenção como vida abençoada


Esta expectativa de Redenção como vida abençoada é muito comum à mentalidade
de Israel que interpreta o êxito da criação como sinal de salvação. Do mesmo modo os
sinais catastróficos da natureza, os eventos naturais de destruição, são interpretados como
castigo de Deus ou retirada da sua benção.
A salvação consiste na plenitude dos bens vitais terrenos, como se fosse o prêmio
do bom êxito da criação. A abundância em todos os sentidos é recebida como dádiva
salvífica de Deus: saúde, terra descendência, paz, liberdade, meios de subsistência, etc.
Deus é experienciado como Deus vivo a fonte da vida (Sl 36, 10) e consequentemente,
fonte da salvação. Ele concede a vida ao ser humano para que ele o siga e o testemunhe.
Diante do caos histórico, da desordem sociopolítica e da privação dos bens
resultante das injustiças, Israel espera que a intervenção de Deus aconteça por meio da
renovação das bênçãos (Dt 30, 19s; Ez 18, 4-9) que devolveria para o povo a vida e os bens
da criação em plenitude (A BÍBLIA, 1984).

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1.2.2 Redenção como libertação histórica
A Redenção, que é tão esperada, acontece na história concreta e é observada nos
acontecimentos da vida. De acordo com esta compreensão, a Redenção corresponde a
libertação verificável no aspecto corporal, social e econômico. Como você pode observar
essa concepção de Redenção não considera a interioridade.
Uma vez que a história é o palco da Redenção porque é nela que a libertação
histórica se dá, está incluído nesta forma de compreensão a esperança de mediadores
humanos como Moisés, Débora, Miriam (Jz 5, 2-31; 3, 9s; 4, 3-10; I Sm 11).
A experiência da libertação da servidão do Egito, no século XIII a.C. é o exemplo
emblemático da ação redentora de Javé na história e deixou marcas indeléveis na memória
coletiva. A salvação, para quem trazia no coração esta experiência, era esperada como
uma intervenção histórica da parte de Deus, com efeitos definitivos de libertação de todo o
tipo de escravidão, particularmente sócio social política religiosa e econômica.
O formato da ação de Deus, libertando o seu povo da escravidão do Egito, teve
caráter normativo, ou seja, orientações bem precisas do agir. O decálogo em Ex 20,2 e Dt
5,6 instruiu a liberdade do povo na direção da escolha de uma vida em comum, com direitos
e deveres iguais de pessoas libertas que realmente se tornaram livres. Por esta razão,
qualquer forma de opressão torna-se abominável. “lembra-te que foste escravo no Egito e
que já vê, teu Deus, que libertou de lá” (Dt 24, 17s; 15, 12-15).
Para Israel, que foi escravo, estrangeiro, pobre e fraco no Egito, a opressão passa
a ser sua maior incoerência e ingratidão para com Deus. Sendo assim, às condições
históricas favoráveis a vida confortável são um sinal de livramento e salvação histórica
também por serem acontecimentos da história real, palpáveis e materiais. Israel leva muito
a sério a criação da terra Deus a criou e é nela que opera a salvação.

1.2.3 Salvação relacionada ao templo e à dinastia de Davi


Agora vamos conhecer um pouco mais a respeito da expectativa salvífica que se
criou em torno do templo de Sião e da casa real davídica.
A origem histórica da esperança messiânica em Israel é política e se encontra na
instituição e posterior decadência da monarquia hierárquica em Israel que você poderá
identificar na linha do tempo da história de Israel:

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FIGURA 1 – LINHA DO TEMPO DA HISTÓRIA ANTIGA DE ISRAEL

Fonte: A autora (2021).

Depois que Israel conquistou A Terra Prometida, foi organizada em 12 tribos conduzidas
por profetas carismáticos e organizada por juízes instituídos. O país vivia em sistema de
teocracia direta, ou seja, o próprio Deus era o rei e a arca da aliança era o seu trono.
Aconteceu que o povo desejou ter a mesma organização das nações vizinhas
e ser governado por um líder político, um rei que não fosse o próprio Deus. Então, na
assembleia de Ramá, o povo pediu ao profeta Samuel, último dos juízes que constitui se
sobre ele um rei que exercesse à justiça e o direito, que o representasse politicamente
como as outras nas ações (I Sm 8,5s).
Deus ouviu o pedido do povo, saiu do reinado e constituiu um rei temporal conforme
o desejo do seu povo. Saul foi o primeiro rei. Ele foi rejeitado por ter desobedecido a Deus,
ter oferecido sacrifício a deusas fenícias e ter recorrido a feiticeiras. (I Sm 13, 12-13; I Sm
28, 18; I Cr 10,13).
Davi foi o segundo rei. Ele marcou muito a história de Israel. Ficou reconhecido
como o ungido de Israel. Embora tendo cometido pecados muito graves, Davi realizou
alguns prodígios administrativos como por exemplo: abriu rota de comércio nas fronteiras,
constituiu um exército formal em defesa do país, construiu sua casa ou seu palácio no alto
do monte Sião e levou para lá a arca que continha as tábuas da aliança. Intensificou-se
a consciência de que o rei que governa Israel a partir de Sião, o faz por incumbência de
Deus a quem ele representa: “senta-te ao lado meu” (Sl 110, 1). Coube a Davi anunciar a
construção do templo em Sião em função de um futuro messiânico da estirpe de Davi abre
aspas farei permanecer a tua linhagem depois de ti” (IISm 2, 12-14).

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O reinado de Davi adquiriu traços messiânicos pelos seus feitos em favor do povo,
tornando credível a unção de Deus sobre ele.
O arquétipo ou referência dos juízes e reis terrenos é o próprio Deus. Reinar em
Seu nome significa promover a defesa e o direito dos pobres, a comiseração dos sem vida,
o fortalecimento dos fracos e a libertação dos oprimidos. Esta figura contrasta com a tirania
e a exploração dos pequenos por parte de reis terrenos que Samuel expõem para advertir
ao povo (I Sm 8).
O terceiro rei, Salomão, deixou o país em crise depois dos 40 anos do seu reinado.
Entregou se a idolatria se envolveu com idolatria, prestou culto às deusas fenícias da agricultura
e da fertilidade, casou-se com uma filha pagã do Faraó, gastou muito com mulheres e deixou
o tesouro público com sérios problemas. A crise levou ao cisma hebraico, que dividiu o reino
em Reino do norte (Israel) cuja capital era Samaria e Reino do sul (Judá) cuja capital era
Jerusalém. As relações entre os dois reinos não foram tranquilas até que Israel foi invadida,
ficou cativa da Assíria de 722 a 586... sua independência e seus reis faliram!
Esta situação fazia o povo reforçar a figura de Davi como referência. A Esperança
pela ordem pública, pelo perdão dos pecados e pela intervenção de Deus fazia com que se
imaginasse a Redenção como o reinado de Deus por meio de alguém parecido com Davi.
Os profetas começam a anunciar um novo começo que Deus quer fazer por
intermédio não mais de um rei, mas de um Messias: Emanuel, um rei Salvador, que julga
os pobres com justiça e age em nome de Deus, fiel à unção.
De fato, as profecias apontam para esta figura salvadora que virá. Porém, a encarnação
do Filho Deus do modo como se deu, jamais foi imaginada ou predita com clareza.

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2. A TRADIÇÃO PROFÉTICA DO FILHO DO HOMEM

2.1 Introdução
A expressão “filho do homem” está presente em alguns escritos do Antigo Testamento
e também do Novo Testamento. A expressão é utilizada no antigo testamento para referir-se
a uma figura messiânica, presente na tradição profética, cuja presença simbólica tem um
significado muito importante para se compreender a pessoa e a missão de Jesus Cristo.
Afinal de contas quando Jesus se apresenta, muitas vezes, utiliza esta expressão como
título que define a si mesmo.
Neste tópico do nosso curso de cristologia iremos estudar a origem da figura do
filho do homem nos livros dos profetas Ezequiel e Daniel. É importante que você tenha sua
bíblia em mãos e faça a leitura atenta dos textos em questão.
O objetivo deste conhecimento é chegarmos a responder, no tópico seguinte, à
pergunta: que tipo de Messias foi Jesus? Ele atendeu às expectativas messiânicas do seu
tempo? Por que Jesus Cristo se referiu a si mesmo como filho do homem? Em que sentido
ele se definia assim? Buscaremos as origens da expressão no Antigo Testamento que se
encontram nos livros dos profetas Ezequiel e Daniel.

2.2 O filho do homem em Daniel e Ezequiel


Logo no início do livro do profeta Daniel encontra-se a narração de uma visão que
ele teve, envolvendo elementos do cosmo, com uma mensagem a respeito de Deus e da
história. Na teologia bíblica este tipo de visão se chama teofânica.

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O autor do livro conta que ficou encantado com o céu aberto e com quatro seres
celestiais (Ez 1, 4-5) que carregavam algo muito precioso (Ez 1, 26). Ezequiel entende que
aquele objeto estava representando a glória de Deus que não abandona o seu povo e está
disposto a estar com ele e o salvar. Deus fala com o profeta chamando-o de “filho de Adão”
ou “filho do homem”, demonstrando que há diferenças entre Ele e o ser humano, apesar de
tanta proximidade. A expressão dá força à autoridade amorosa e salvadora de Deus sobre
a criação. Por isso Ele ordena, indica, conduz e confere a Ezequiel uma missão, visto que
o profeta é um descendente de Adão. Por isto, o profeta se sente obrigado a ir à “Casa
Rebelde” ou “Casa de Israel” com a finalidade de anunciar a salvação. Ezequiel revê a
esperança messiânica popular de cunho pagão e anuncia o verdadeiro conteúdo da Aliança
e imagem do Messias. Ele não é um simples homem/guerreiro, ele é o príncipe da paz, o
pastor sereno, cuja missão lhe foi dada por Yahweh (Ez 34, 23s). Ezequiel testemunha
Deus, anuncia que a Aliança com deus requer renovação interior, culto de adoração e o faz
como enviado, como filho do homem;
No capítulo sétimo do livro do profeta Daniel, também se encontra uma visão bem
significativa sobre o final do domínio dos reinos terrestres. A narrativa simbólica é aterradora,
antes de ser decifrada. Mas tudo ganha sentido ao final.
Antes de irmos ao texto é importante que você saiba que essa literatura tem
características que a definem como apocalíptica. Este tipo de escrito era muito usado em
tempos de perseguições quando não se podia dizer abertamente o que se pensava ou
tecer críticas a respeito das forças dominantes. Por isso, a utilização de símbolos substituía
nomes de opressores, pessoas ou instituições a quem se queria denunciar no anonimato,
evitando perseguição e morte.
A visão de Daniel acontece em três etapas ou três visões em uma só, confira (A
BÍBLIA, 1984):
1) Dn 7, 1-8- a visão dos quatro animais
Daniel vê quatro animais surgindo do mar, na concepção vigente o mar era o lugar
do desconhecido, monstros potentes por superarem o domínio que o ser humano
poderia ter sobre a realidade indomável. Acreditava-se que os demônios viviam no
mar, o que indicava que a origem do mal era desconhecida em sua origem.
O número quatro no texto tem diversos significados que lembram tudo o que é
potente no universo, por exemplo, quatro são as forças cósmicas: o ar, o fogo, a
água e a terra. Quatro são as potências mundiais que dominaram Israel.

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Sendo assim, o número quatro também colabora na composição da mensagem
simbólica que o texto quer comunicar. Também a aparência dos animais tem
algo a dizer a animais que aparentam ser outros, em geral eles possuem força
arrebatadora, membros, dentes ou chifres anormais, tudo usado para destruição.
O conjunto dos animais está falando de uma totalidade potente e, ao que parece,
insuperável. Eles representam os quatro impérios que dominaram o mundo até
então: o babilônico, a meda, o persa e o macedônico.
Os animais, ou potências mundiais, lutam pelo poder Império e pelo domínio do
mundo que está em um verdadeiro caos. O cenário se dá em um terrível alvoroço
caótico exatamente o oposto harmonia da criação. A triste realidade denunciada
nesta primeira parte da visão é que essas potências mundiais receberam poder e
tem espaço e autoridade na história.

2) Dn 7, 9-14 – o juízo mundial de Deus em contraposição às potências mundiais


Daniel continua narrando a sua visão. Ele assiste ao movimento de preparação
para um possível julgamento. Ao centro tem um juiz, um idoso conversas brancas
cuja brancura esplendorosa enche o espaço de glória.
Chama muito a atenção de Daniel que o trono sobre o qual o juiz aparece sentado
estava sobre rodas de fogo mais potentes que o rio de fogo que corria diante dele.
Este rio representava a Macedônia. Outro elemento destacável é que o monstro de
dez chifres (reis desse império), tinha milhares de pessoas que o serviam.
Como você há de convir, de fato a simbologia da visão está relacionada ao con-
texto sociopolítico em que Daniel estava inserido. O julgamento acontece porque
há autoridade de alguém sobre um suposto culpado. Logo, a visão aponta para
uma autoridade capaz de pôr ordem naquele contexto. Isso se torna mais claro
na última etapa da visão.

3) Dn 7, 13
Na última parte da visão, Daniel viu descer das nuvens do céu uma figura que se
apresentou ao juiz com firmeza e determinação. Segundo a cosmologia da época,
acreditava-se que a abóbada celeste, ou seja, o céu, era a morada de Deus. Logo, este
ser vem de Deus. Ele é descrito como sendo “um como filho do homem”, indicando
que é um humano com algo especial que não permite ao profeta dizer simplesmente
que é um homem. Ele recebe “a honra, o reino e todos os povos, nações e línguas o
serviam”. Isso confirma autoridade que lhe é entregue e a dignidade que possuem.

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Resgata dignidade de imagem do juiz e seu império “é eterno, jamais passará”;
A missão profética tem como objetivo a palavra e ela depende da ordem divina,
não da aceitação humana; carrega em si própria uma força tal que, ainda que
rejeitada, impõe-se aos exilados, até à força, haverão de reconhecer que
Deus envia um profeta (SCHOKEL e DIAZ, 1991, p. 709).

Essas características, posteriormente, são assumidas por Jesus e, em parte,


reconhecidas pelo povo.
Jesus era judeu. Conhecia muito bem a tradição e a história do seu povo, bem
como as Sagradas Escrituras hebraicas. Por este motivo, muitas vezes recorre a termos
e conteúdo da tradição para descrever o seu papel na história do povo de Deus e a sua
missão enquanto enviado por deus como Salvador, o Messias. Assim, Jesus falava a mesma
linguagem do seu povo. Quando ele atribui a si o título de filho do homem, está fazendo
referência ao contexto e às simbologias que aparecem nesta visão.
É importante considerar também que, a partir dessas narrativas do Antigo
Testamento, os autores dos evangelhos sinóticos irão retomar o tema do filho do homem
em suas narrativas, de forma atualizada e contextualizada para o seu tempo, falando de
Jesus de Nazaré, o Cristo.

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3. O FILHO DO HOMEM SEGUNDO O NOVO TESTAMENTO

Entre as várias fórmulas ou títulos evangélicos usados para indicar a figura de Jesus
e interpretar sua obra, a expressão filho do homem tem prioridade. Além do fator quantitativo,
a fórmula é posta exclusivamente na boca de Jesus com apenas duas exceções: na boca
do anjo que estava no sepulcro de Jesus (Lc 24,7) e por parte da multidão (Jo 12, 34).
“Filho do homem é uma das mais ricas designações do Cristo, prova é que Jesus
o aplicou a si” (CULLMANN, 2004, p. 181-252). Foi a forma que Jesus escolheu para dizer
ser o Messias. O termo ou expressão, toma conotação de título e ocorre setenta vezes nos
evangelhos sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas), doze vezes em João e apenas uma vez
nos Atos dos Apóstolos (At 7, 56 - Estevão alude a à visão de Daniel que está em Dn 7, 13)
e no Apocalipse de São João, duas vezes (Ap 1, 13 e 14, 14).
Analisando às ocorrências do termo Filho do Homem aplicadas a Jesus, Mckenzie
(1983) afirma que Jesus é identificado como Filho do Homem em cinco aspectos:
1) Jesus deixa clara a sua condição humana, por exemplo quando diz que não tem
onde reclinar a cabeça (Mt 8,20; Lc 9,58;), ou quando come e bebe normalmente
(Mt 11,19; Lc 7,34;).
2) Jesus age com poderes sobre-humanos e até divinos, como perdoar pecados
que era algo reservado somente a Deus (Mt 9,6;Mc 2,10; Lc 5,24); declara ser
Senhor do sábado (Mt 12,8; Mc 2,28; Lc 6,5). ,

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3) Alguns contextos descrevem a missão messiânica de Jesus, como por
exemplo: aquele por quem os discípulos devem sofrer (Lc 6,22; Mt 5,11), aquele
que procura e salva o que estava perdido (Lc 19,10), aquele a quem os homens
devem reconhecer (Mt 16,13).
4) O quarto aspecto aparece no grupo de textos nos quais se fala da paixão e morte
do Filho do Homem (Mt 12,40; 17,12.22; 20,18; Mc 9,31; 10,33; Lc 9,44). Ele veio
para servir e dar sua vida por muitos (Mt 20,28; 26,2.24.43; Mc 8,31; 9,12; 10,45;
Lc 9,22).
5) O quinto e último aspecto aparece no grupo de passagens que falam da vinda
apocalíptico-escatológico do Filho do Homem no fim dos tempos e da sua vinda
gloriosa, acompanhado pelos anjos. Estes textos são inspirados na visão de Daniel
(Dn 7,13). Alguns deles: Mt 10,23; 13,41; Lc 9,26; Mt 17,9; Mc 9,9.

Jesus assume o título Filho do Homem, acentuando a sua comunhão com a


humanidade fazendo-se humano. O próprio título evoca ao mesmo tempo a sua condição
messiânica de enviado por Deus como ungido salvador. Pela natureza humana, o filho de
Deus comunicou se com cada homem e mulher como se fala a amigos e amigas. Graças
a natureza humana Jesus pode transmitir o seu amor humano divino de modo concreto,
palpável e situado na história.
Embora Jesus não afirme abertamente ser ele o Messias prometido por Deus em
algumas passagens, Jesus transparece este caráter da sua pessoa. Quando interrogado,
perante o sinédrio, a respeito de sua identidade, o sumo sacerdote indagou: “eu te conjuro
pelo Deus vivo que nos declares se tu és o Cristo, o filho de Deus” - e Jesus respondeu,
declarando: “tu o disseste, aliás, eu vos digo que, de ora em diante, vereis o filho do homem
sentado à direita do poderoso e vindo sobre as nuvens do céu” (Mt 26,63s; Mc 14,61s).
Mckenzie (1983) põe em paralelo os quatro evangelhos e faz uma análise comparativa. Ele
nos faz notar que Mateus, Marcos e Lucas reportam esse diálogo com algumas variações
nas respostas. Segundo Marcos, a resposta é afirmativa, mas seu desdobramento não
confirma o título de Messias, mas de Filho do Homem (Mc 14,61s). Em Lucas, a resposta
é claramente evasiva e seu desdobramento faz coincidir o sentido de Filho do Homem e
Filho de Deus. Jesus não nega nem confirma, apenas responde evasivamente, deixando
espaço à percepção do seu interlocutor: “tu o disseste” (Lc 22,67). Segundo o evangelho de
João, o Filho do Homem tem características mais claras do Filho de Deus. Ele é claramente
preexistente, desceu do céu e, portanto, subirá para onde estava antes (Jo 6,62).

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Ele é um ser celeste, um mediador entre o céu e a terra, sobre o qual os anjos
sobem e descem (Jo 1,51). A humanidade do Filho do Homem aparece eminentemente na
sua obra salvífica que garante a vida eterna pela força da marca que o Pai lhe concedeu, a
unção messiânica (Jo 6,27.53).
Jesus vai se intitular como Filho do Homem, e não como messias, pois a falsa
imagem de messias que o povo nutria não correspondia aos anseios de Jesus. Ele não
aspirava de modo algum ao poder terreno.
O título de Filho do Homem em Jesus remete ao filho do homem das visões de Daniel
e Ezequiel, em relação a características da natureza divina e humana presentes na mesma
figura. O modo como Jesus vivenciou e revelou ser ele o Messias foi pela pregação e imple-
mentação do que Ele chamou de Reino de Deus. É o que iremos estudar no próximo tópico.

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4. O REINO DE DEUS ANUNCIADO POR JESUS

O Reino de Deus é o tema com qual Jesus concentra a sua missão de enviado
por Deus como Messias e Salvador. O tema perpassa os seus ensinamentos e ações. A
coerência entre as palavras, os gestos e as posturas de Jesus dão a ele aquela autoridade
que se impõe moralmente e ameaça as autoridades constituídas do seu tempo.
Jesus não conceitua o Reino de Deus nem faz dele uma teoria. Na verdade, Ele
não precisava remontar às origens da realidade anunciada por isso usava o termo sem
explicações introdutórias.
Neste tópico do curso de cristologia, consideraremos a tradição dos evangelhos
sinóticos para destacar algumas notas identitárias que definem o Reino que Jesus viveu
e anunciou. Fica evidente que o Reino de Deus, segundo Jesus, está próximo, porém
ainda virá; possui destinatários prioritários que intrigam e escandalizam muita gente. Os
preferidos do Reino de Deus são os pobres, os pecadores e todo aquele que se encontra
distante da dinâmica própria do reinado de Deus, como veremos a seguir.

4.1 O Reino de Deus que está próximo


Jesus não se preocupava em fazer grandes fundamentações teóricas sobre o Reino
de Deus. Ele sabia, como autêntico judeu, que os seus ouvintes entendiam a tradição bíblica
mantida nos ambientes de sinagoga (LIBÂNIO e BINGEMER, 1985). Por isso anunciava
com segurança o senhorio de Deus atuando no presente e enchia a todos de admiração
e alegria, próprio de quem vê acontecendo diante de si algo muito importante, desejado e
esperado por tantas gerações.

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O Reino de Deus, conforme a pregação e a vida de Jesus, irrompe na história pela
sua encarnação. É a chegada no mundo não apenas de um anúncio, mas da Sua pessoa
que ativa, torna presente e realiza o Reino de Deus. Qual o nascimento de Jesus o senhorio
de Deus se tornou carne, um sujeito ativo com efeitos notáveis ponto. Por ele, o Reino de
Deus tornou-se gestos salvíficos do dia a dia atuando em favor de cada homem e mulher,
tendo como prediletos os mais distantes dessa grande novidade.
Por meio de Jesus, o Reino de Deus acontece silenciosamente, mas com uma
força capaz de oferecer aos seus ouvintes as condições necessárias para crerem nele.
O Reino de Deus anunciado e inaugurado por Jesus, requer adesão a uma dinâmica
que exige conversão de vida para que tudo tome a forma e a direção da harmonia universal,
de um mundo reinado por Deus.
O Reino de Deus que já está presente e tão próximo, inaugura um tempo futuro que
ainda está por vir (DUPUIS, 2007). É o que veremos no tópico seguinte.

4.2 O Reino de Deus que vem


Pelo que estudamos até aqui, você há de convir que o anúncio do Reino de
Deus feito por Jesus, não caiu na história de seus ouvintes como um marco zero. Muitos
elementos culturais e subjetivos faziam com que o povo esperasse a libertação de toda
sorte de dominação por uma intervenção divina, que restituísse a dignidade de todas as
pessoas. Essa intervenção seria o envio de um ungido, um Messias. Aqui já se tem a
espera de um reino que virá no futuro.
Os grupos religiosos e políticos partidários com os quais Jesus vai interagir, Jesus
alimentava uma pré-compreensão da era messiânica baseados nas tradições judaicas
antigas: saduceus, zelotes, essênios, fariseus e também aquela massa de pessoas que
aguardava alguém que provesse suas necessidades básicas de sobrevivência, liberdade e
segurança. Espera-se, portanto, “o Reino que vem” (CABRAL, 2021).
Confirmando esta tradição em vários momentos Jesus anuncia a vinda do Reino de
Deus para um tempo futuro iminente. Exemplo emblemático disto é a última ceia de Jesus
com os seus apóstolos, próximo à sua morte. Segundo Marcos, Jesus declara solenemente:
“em verdade vos digo que não beberei mais do fruto da Videira até o dia em que o beberei
de novo no Reino de Deus” (Mc 14,25). Lucas e também Mateus narram este mesmo fato
com versões bem próximas à narrativa de Marcos. Um outro exemplo está também nos três
evangelhos sinóticos, colocada em outros contextos. É um dito de autoridade de Jesus:
“Em verdade eu vos digo: há alguns aqui presentes que não morrerão sem ter visto o Reino
de Deus vir com poder” (Mc 9,1; Lc 9,27 e Mt 16,26-27).

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Parece contraditório que no início de sua vida pública Jesus afirme que o Reino
de Deus já chegou e que está entre os seus e, no final da vida, afirme que o Reino de
Deus ainda virá. Essa aparente contradição é reconhecida pela tradição teológica com a
expressão escatológica “entre o já e o ainda não”. A tensão escatológica entre o já e o ainda
não se refere ao arco meta temporal da chegada e da realização plena do Reino de Deus.
Ao mesmo tempo em que o Reino é um dom gratuito, uma oferta salvífica incondicional
da parte de Deus, ele é colocado à disposição do acolhimento consciente daqueles que
aderem à sua dinâmica. Deste modo, a história é o palco da evolução do Reino até que
chegue a sua plenitude no fim dos tempos, em que tudo e todos encontrem sentido em
razão de ser na filiação divina que está no princípio de tudo o que existe. Quando a filiação
divina, mesmo que inconscientemente concebida, for o único princípio reconhecido como
ponto de partida de toda a existência, todos nos sentiremos membros uns dos outros e o
mundo, poderá ser um mundo de irmãos.
Compreende-se assim, que o Reino de Deus possui uma dimensão de realização
já no presente, com a encarnação do filho de Deus que é o próprio Reino. Mas, também é
uma realidade aberta a plenitude futura.
Tudo isso se fez evento na realidade concreta em que estamos inseridos e inseridas.
Em outras palavras, quero dizer que o Reino de Deus tem uma dimensão visível e palpável
social, política e econômica voltada para a fraternidade universal, o direito e a justiça. Assim
sendo, o Reino de Deus anunciado por Jesus situa-se no presente que encaminha se para
um futuro, ao mesmo tempo histórico e meta histórico.

4.3 O reino de Deus é dos pobres


O reinado de Deus anunciado por Jesus sou estabelece novas relações entre os
homens e mulheres que vivem no mundo e também entre Deus e toda a humanidade
conforme as intenções divinas de plenitude salvação e inclusão (DUPUIS, 2007).
O desejo salvífico de Deus é revelado e tornado conhecido nos gestos e tomadas
de posição de Jesus, especialmente na defesa de valores como a fraternidade universal, a
justiça e a paz. Esses valores são os sinais da presença do Reino de Deus no mundo.
Jesus incorpora todos esses valores em forma de compromissos frente à sociedade,
como anúncio e denúncia. Sua postura de vida e sua pregação combatem a tudo o que fere
a dinâmica do Reino, especialmente a pobreza, seja ela fruto do pecado coletivo de injustiça
na de visão dos bens da criação ou qualquer outra sorte de rebaixamento da dignidade
dos filhos amados de Deus. Com este comportamento Jesus deixa claro quem são os
destinatários preferidos do Reino de Deus. São aqueles desprovidos dos bens abundantes
da realidade na qual Deus reina, as vítimas do não Reino. A vida de Jesus é uma verdadeira
declaração existencial da preferência de Deus por eles (CABRAL, 2021).

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Cristã 48
Muitos registros dos evangelhos sinóticos concordam em apoiar que o Reino
anunciado por Jesus é para os pobres. Entre as mais conhecidas estão as declarações de
Jesus reportadas por Mateus e Lucas, conhecidas como “bem-aventuranças”. Uma delas é
explícita em anunciar a quem pertence o Reino de Deus ou dos Céus. No sermão da montanha,
segundo Mateus (Mt 5,3) encontramos: “bem-aventurados os pobres em espírito porque deles
é o Reino dos céus”. Lucas descreve a categoria dos bem-aventurados em quatro: os pobres,
os famintos, os aflitos e os perseguidos (Lc 6, 17-36). O aspecto mais relevante do anúncio
de esperança é que as situações que lhe conferem aquelas identidades cessarão e eles
assumem nova identidade: a de bem-aventurados do Reino (FABRIS, 1988, p. 112).
O Reino de Deus é garantido aos pobres aflitos, pela consolação; aos pobres
perseguidos, pela possibilidade de exultação; e, aos pobres famintos, pela saciedade. Jesus
faz uma entrega: “porque vosso é o Reino dos Céus.” Lucas coloca o discurso dirigido
diretamente aos pobres, o que pode inspirar proximidade, presencialidade e mobilização do
Reino de Deus ali, diante deles (CABRAL, 2021).
Jesus, em algumas passagens, condena a riqueza até então conhecida e, em
outras, aponta para o Reino como a verdadeira riqueza ou tesouro que de fato se deve
almejar. A pessoa precisa ter uma tal consciência do alto valor do Reino de Deus que Jesus
propõe a ponto de deixar qualquer outra coisa, tida em grande valor, pelo Reino de Deus,
sua abundância e sua justiça (Mt 13,44-46).
É importante considerar que os pobres dos quais Jesus fala é uma categoria que
inclui todos os deserdados da verdadeira dignidade de filhos de Deus. Tudo o que faz do ser
humano um excluído de alguma dimensão criacional o torna pobre e, portanto, destinatário
privilegiado do Reino de Deus. São pobres os pecadores por serem privados da comunhão
com Deus ponto são pobres os ricos de bens materiais por não conseguirem espaço em
suas vidas para o que ultrapassa o valor da matéria. São pobres os excluídos do sistema
social e econômico em que poucos vivem na abundância e muitos passam fome.

UNIDADE III O
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Cristã 49
SAIBA MAIS

Você já parou para pensar o que significa a palavra salvação no sentido em que o
cristianismo a utiliza? Talvez você, como tantas outras pessoas, use frequentemente
o adjetivo Salvador para referir-se à pessoa de Jesus Cristo simplesmente repetindo o
que ouviu dizer, como um mero hábito de linguagem. No saiba mais desta unidade nós
vamos conhecer melhor a força do significado teológico desse termo.
Para estudar assuntos a respeito da salvação, a teologia cristã possui uma área
específica que se chama soteriologia.
No contexto bíblico do Antigo e do Novo Testamento, o conceito de salvação está
relacionado a ajuda, felicidade, bem-estar, libertação ou vitória doadas por Deus em favor
da humanidade. O pressuposto do ato salvífico de Deus é a condição de sofrimento,
escravidão ou qualquer caos histórico em que a comunidade se encontra. É aí que aparece
a intervenção de Deus denominada salvação. Os atos salvíficos de Deus, na bíblia,
resultam na construção de relações sociais que respeitem a dignidade do ser humano,
em melhorias das estruturas sociopolíticas que geram violência e opressão, bem como na
condição de reconciliação entre Deus e a inteira criação, ou seja, a humanidade e o cosmo.
A ação salvífica de Deus tende a retirar o ser humano de uma condição inferior a uma
superior. Pensando assim entenderemos que o ato criador pode também ser considerado
ato salvífico de Deus pois virgula ele retira tudo o que existe do nada ele dá a existência.
Ele faz o “ser” do “não ser” e tira a existência da inexistência.
Faz parte da essência de Deus ser Salvador. Errôneo do ponto de vista teológico dizer que
qualquer coisa estranha a Deus faz com que ele seja Salvador. O que motiva o ser Salvador
de Deus é que ele é amor. Portanto, Deus é Salvador porque nos ama e é capaz de qualquer
coisa para que atinjamos o projeto segundo o qual nós fomos criados e criadas por ele.
Jesus foi a imagem visível de Deus que é invisível. Ele realizou por meio de sua vida,
seus ensinamentos e seus gestos a salvação de todo gênero humano e de toda a
criação, fazendo novas todas as coisas diante de Deus. A Cruz, como estudaremos na
próxima unidade, é o ponto mais alto do amor de Deus que se fez carne e habitou entre
nós. Na Cruz Jesus arca com a consequência extrema do seu amor. Porém não é a cruz
que faz com que Jesus seja o Salvador e sim por Ele nos ter amado com o mesmo amor
com que nos amou o Pai e Criador, até entregar a vida.
Você poderá ler mais sobre este tema no verbete “salvação” do dicionário indicado a
seguir. Vale a pena!

Fonte: PIKAZA, O. (Dir.). Dicionário o Deus Cristão. São Paulo: Paulus, 1998.

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REFLITA

Será que somente a fé cristã tem a figura de um Messias ou outras religiões também
tem? “Messias” é uma palavra que deriva do termo hebraico mashiah, que significava
originalmente “ungido”. Ela se refere a alguém marcado com óleo sagrado para realizar
atos religiosos.
Posteriormente, o sentido da palavra passou a indicar uma figura semidivina com a
missão de resgatar seu povo de situações de escravidão, um salvador. Segundo a
tradição judaica, o messias salvador deveria ser um rei descendente do rei Davi, como
já estudamos.
O curioso é que o conceito de messias tal como o judaísmo e o cristianismo utilizam,
está presente também no hinduísmo e no budismo. Você poderá ter mais informações
sobre este tema acessando a matéria disponível em: https://super.abril.com.br/mundo-
estranho/que-homens-ja-foram-considerados-messias-antes-e-depois-de-jesus/

Fonte: NAVARRO, R. Que homens já foram considerados Messias, antes e depois de Jesus. Revista
eletrônica Super Interessante. Edição 432 - Outubro de 2021.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A unidade que estamos concluindo contemplou a Cristologia do Antigo Testamento,


toda ela voltada para as promessas a respeito de uma intervenção salvífica de Deus, que
enviaria um ungido, que reinaria sobre o mundo para reconduzir todas as coisas segundo
a vontade de Deus. Essa promessa foi cumprida em Jesus.
O percurso que fizemos juntos das concepções antigas de Israel a respeito de
salvação nos conduziu a conhecer as expectativas messiânicas mais significativas de Israel.
Na sequência, estudando a expressão Filho do Homem com a qual jesus referia-se a si mesmo,
fomos às raízes da expressão e colhemos um pouco do aspecto humano divino de Jesus.
Por fim, estudando o Reino de Deus anunciado por Jesus, completamos a
compreensão do seu messianismo e você pôde fazer um comparativo com o modo como
Jesus correspondeu àquelas esperanças messiânicas e que tipo de Messias foi Jesus:
aquele que inaugurou o Reino de Deus nesta terra.
Meu desejo é que este conhecimento tenha edificado na sua vida, valores universais
que lhe tornem uma pessoa melhor para si mesma, para o mundo e para Deus.
Na próxima unidade, desceremos ao chão concreto da vida de Jesus, desde a Sua
concepção até a morte e ressurreição, analisando o sentido teológico de Sua existência
para os cristãos.

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MATERIAL COMPLEMENTAR

LIVRO
Título: Manual de Dogmática (vol. I)
Autor: Theodor Schneider (org.).
Editora: Vozes.
Sinopse: O Manual de Dogmática é uma edição em dois volu-
mes, ambos organizados em sessões. A saber, o primeiro volume
contém: Prolegômenos, doutrina sobre Deus, doutrina da criação,
cristologia e pneumatologia. Em cada uma delas os autores
colaboradores da obra apresentam uma fundamentação bíblica
seguida da apresentação dogmática. Sendo assim, a sessão de-
dicada à cristologia poderá lhe ajudar no aprofundamento sobre o
messianismo de Jesus.

FILME/VÍDEO
Título: O Messias, a profecia cumprida
Ano: 2017.
Sinopse: Um drama gospel que revela as raízes do cristianismo de
modo bastante criativo e atrativo. O filme traz uma apresentação
dramática do nascimento do cristianismo, mostrando como um rabino
(Nick Mancuso) se transforma num seguidor de Yeshua de Nazareth.
Link do filme: https://www.youtube.com/watch?v=j8F8v5SK2ms

WEB
1. Expectativas Messiânica - BTCAST Vida Nova 019 – Nesse bot
quest você vai escutar uma explicação muito pertinente produzida
de modo dialogal e bem acessível sobre o tema que estudamos.
É uma conversa entre Rodrigo Bibo, Victor Fontana e Tiago Silva
sobre Expectativa Messiânica que vale a pena escutar.
Link de acesso: https://bibotalk.com/podcast/expectativa-mes-
sianica-btcast-vida-nova-019/
2. O significado de Messias - Mashiah no Hebraico - é um vídeo
de curta duração esclarecedor sobre o termo Messias na língua
hebraica e seus correlativos.
Link de acesso: https://www.youtube.com/watch?v=LR-
JW2EhP9G8

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UNIDADE III
Jesus de Nazaré:
Vida e missão
Professora Doutora Raquel C. Cabral

Plano de Estudo:
● O evento Jesus Cristo;
● O Reino está entre vós;
● Jesus e suas relações fundamentais;
● Leitura teológica da morte e ressurreição de Jesus.

Objetivos da Aprendizagem:
● Contextualizar teologicamente a existência de Jesus de Nazaré;
● Compreender a realização do Reino de Deus na
pessoa de Jesus, o Filho de Deus;
● Identificar o sentido e a importância teológica da morte e ressurreição
de Jesus como um conjunto harmonioso e interligado.

54
INTRODUÇÃO

A terceira unidade do curso de cristologia tem como objetivo fazer um estudo a


respeito da vida e da missão de Jesus, o Cristo de Deus, na perspectiva da fé cristã.
Pelo que já desenvolvemos até este ponto do nosso curso, é do seu conhecimento
que não é possível escrever uma biografia de Jesus com ordem cronológica e os dados
que a nossa curiosidade buscam, conforme os biógrafos modernos fazem. Isto se deve
ao fato de que os evangelhos não foram escritos para fornecer uma biografia completa de
Jesus. Contudo, é possível a aproximação suficiente para conhecer o significado histórico
e teológico da sua pessoa.
No primeiro tópico nós vamos conhecer aspectos da vida concreta de Jesus onde
ele revela sua verdadeira identidade. É na vida cotidiana que Jesus vai espalhando seus
ensinamentos, formando seus seguidores e anunciando os valores que compõem a sua
proposta de vida. Por isso Jesus começou a se distinguir de outras propostas de mestres
e líderes do povo.
No segundo tópico de título o Reino está entre vós, retomaremos os conhecimentos
adquiridos no primeiro tópico referentes as expectativas messiânicas de Israel. O nosso olhar
para a pessoa de Jesus Cristo será baseado na sua afirmação de que, com a sua chegada
no mundo, o Reino de Deus já está presente. Procuraremos identificar as características do
reinado de Deus na perspectiva de Jesus Cristo.
No terceiro tópico, conhecendo um pouco mais do modo como Jesus se relaciona com
as instâncias mais importantes de sua sociedade, colheremos suas posturas fundamentais
que servem de marco para todos os seus seguidores. Neste tópico conheceremos alguns
dos traços teológicos fundamentais da vida e da missão de Jesus.
Por fim, analisaremos o contexto de crise provocada pelo movimento inaugurado
por Jesus que resultou na perseguição, na condenação e na morte de Jesus. Faremos uma
interligação entre o evento da sua morte e da ressurreição como o conjunto harmonioso
que dá sentido à fé em Jesus Cristo, enquanto Filho de Deus.
Desejo a você um excelente percurso e a satisfação de acrescentar novas
compreensões teológicas a respeito de Jesus de Nazaré, o Cristo.

UNIDADE III Jesus de Nazaré: Vida e missão 55


1. O EVENTO JESUS CRISTO

1.1 Introdução
Jesus realmente existiu? A pergunta pode parecer desafiadora para quem professa
a fé cristã. Porém, ela fornece a porta de entrada para que conheçamos a trajetória histórica
da vida de Jesus de Nazaré, o filho de Deus.
O testemunho dos evangelhos atesta sua existência: seu nascimento, missão,
anúncio e sua condenação e morte. Os relatos são contextualizados geograficamente com
indicações suficientes para que se identifique a periodicidade da sua existência terrena.
Como se não bastasse, podemos contar também com testemunhas extrabíblicos que,
embora não tenham sido construídos com o propósito de documentar a existência de Jesus,
fornecem informações que cumprem esse papel.
É por esta razão que podemos dizer que Jesus Cristo foi um evento ou seja um fato
que se deu na história, um acontecimento consumado temporal e geograficamente.
No primeiro tópico desta unidade, refletiremos sobre alguns aspectos que nos
permitem afirmar a veracidade do evento Jesus Cristo.

1.2 A história como lugar da cristologia


Ao observarmos as pessoas falando a respeito de Jesus Cristo, encontramos duas
tendências muito presentes na concepção o que está por trás do que se diz.

UNIDADE III Jesus de Nazaré: Vida e missão 56


Uma primeira tendência caracteriza-se pelo esquecimento de que, falar em Jesus
Cristo, significa referir-se a um acontecimento terreno que diz respeito à encarnação do
Filho de Deus. O esquecimento da condição histórica de Jesus faz com que os seus
ensinamentos e exemplos de vida se tornem algo muito alto, muito superior ao nosso
universo vital, impossível de ser seguido ou imitado. Jesus fica sendo aquele lá de longe,
das alturas do céu, estranho à nossa natureza humana e às condições do mundo em que
vivemos. Um exemplo desta tendência são as resistências aos traços humanos da natureza
de Jesus que sentiu sede, cansaço, medo do sofrimento e soube viver com alegria os
momentos de festa e refeições festivas.
A segunda tendência caracteriza-se pelo extremo oposto do que acabamos de
expor. Nessa vertente fala-se de Jesus Cristo de modo tão terreno e mundano que chega
perto da vulgaridade. Parece que a necessidade de aproximação de Jesus é satisfeita
retirando dele as suas perfeições e a sua santidade como verdadeiramente homem e
verdadeiramente Deus. As afirmações extrapolam os dados da tradição bíblica com
acréscimos muito distantes do seu contexto e dos registros históricos a seu respeito. Como
exemplo desta tendência podemos citar filmes em que Jesus aparece envolvido em casos
amorosos com discípulas.
Você deve estar se perguntando: qual seria a via de equilíbrio, capaz de tornar
conhecida a história do Filho de Deus encarnado no mundo? Afinal a sua história tem ou
não importância para fé cristã e para a cristologia?
O próprio título do subtópico, a história como lugar da cristologia, já ilumina um
caminho de reflexão que responda a essas perguntas.
Embora sejamos dotados de vida espiritual, somos seres históricos, corpóreos
e temporais, pois Deus nos fez assim. Para se comunicar conosco de modo claro e
compreensível, o Verbo eterno de Deus desejou falar conosco como um amigo fala a outro
amigo, fazendo-se um de nós e entre nós. Somente Deus pode escolher o seu modo de ser
e de existir a este ponto.
Fica evidente que não se pode fazer cristologia fora dos dados históricos da vida de
Jesus porque foi na história que Ele revelou a sua identidade de Filho de Deus, mostrou-nos
quem é o Pai e nos enviou o seu Espírito. A história é o palco da encarnação do Verbo de
Deus, é o livro de registro dos seus ensinamentos e feitos grandiosos, do seu profetismo,
das suas denúncias e do seu testemunho de justiça, verdade e amor (PAGOLA, 2011).

UNIDADE III Jesus de Nazaré: Vida e missão 57


Fazer cristologia é tomar conhecimento do ato de fé dos cristãos na pessoa e na
obra salvífica de Jesus Cristo, encarnado na história, por livre escolha de Deus. E os cristãos
creem e seguem a uma pessoa e não a uma ideia ou a um conceito abstrato. Portanto, fica
esclarecido que a história é o lugar por excelência da cristologia.

1.3 A ressurreição: elemento fundante da fé cristã


No ponto anterior, refletimos a respeito do valor da história para a cristologia. Você
pode entender por qual razão, exemplo, a história é um lugar por excelência da cristologia.
Embora pareça estar tudo resolvido resta nós problematizar mais uma questão: se a história
é um lugar por excelência da cristologia o que dizer da ressurreição?
Tendo presente tudo o que afirmamos até então, haveremos de convir que, embora a
vida de Jesus suscitasse admiração e fosse um atrativo para tantos quantos o seguiram, sua
morte deixou um gosto amargo de decepção nos apóstolos e discípulos. A vitória da morte sobre
os seus ensinamentos de vida eterna e de ressurreição, como eles estavam experimentando
com a morte de Jesus, tornaria inválida toda a obra de anúncio do Reino feito por ele.
Assim como a chegada de Jesus no mundo convalidou as promessas do Antigo
Testamento a respeito de um Messias prometido, a ressurreição de Jesus foi a validação
de tudo o que ele fez e ensinou, particularmente a respeito da remissão dos pecados e da
vida eterna em Deus. Sem a ressurreição a fé em Cristo seria vã.
Em poucas palavras: enquanto a história é um lugar por excelência da cristologia,
a ressurreição de Jesus é o elemento fundante da fé cristã.

UNIDADE III Jesus de Nazaré: Vida e missão 58


2. O REINO ESTÁ ENTRE VÓS

2.1 Introdução
Embora existam tantas discussões a respeito da possibilidade de se chegar aos
dados históricos da ação profética de Jesus, todos são concordes em afirmar que o Reino
de Deus é o centro para o qual convergem o ensinamento e a atividade de Jesus. O Reino
é tema central da pregação de Jesus (FABRIS, 1988).
Como já estudamos anteriormente, Israel esperava um rei ungido por Deus que
libertasse o povo do domínio estrangeiro e reconduzisse o povo para Deus pela ordem
social, a garantia do direito e a paz.
Em Jesus cumpriu-se essa promessa, embora de um modo jamais imaginado: o
próprio Filho de Deus desempenhou este papel, reinou pessoalmente.

2.2 Reino de Deus ou Reino dos Céus?


Nos evangelhos e nos escritos em geral do novo testamento, a ideia reportada por
Jesus em seu anúncio aparece com certa variação de expressões, o que pode deixar um
certo desconforto e até mesmo incompreensão.
Na verdade, trata se de modulações das traduções dos originais para as línguas
modernas. O termo Reino de Deus é originário do Antigo Testamento, como já estudamos,
e foi escrito em hebraico e aramaico.
A expressão Reino de Deus é uma tradução do hebraico, malkut yahweh e do
grego, βασιλεια του θεου.

UNIDADE III Jesus de Nazaré: Vida e missão 59


Este Reino que é de Deus pode ser entendido de dois modos diferentes: um mais
abstrato, indicando o reinado ou governo de um rei, outro mais concreto, o reino como algo
concreto referindo-se ao território, à extensão de domínio ou à soma total dos súditos. Em
Lucas e Marcos, a expressão aparece em grego, βασιλεια του θεου, Reino de Deus. Enquanto
Mateus prefere usar βασιλεια των ουρανων, Reino dos Céus, com apenas quatro exceções
em que ele também usa Reino de Deus. Ambas as formas de nomeação têm o mesmo
significado. É preciso apenas considerar que Mateus estava dirigindo-se a judeus, anunciando
que Jesus era o Rei messiânico esperado. Para não os escandalizar no zelo e fidelidade ao
terceiro mandamento, de não pronunciar nem mesmo conceituar a Deus, Mateus prefere dar
voltas e usa a expressão Reino dos Céus, indicando a origem divina do reino anunciado.
Os sentidos se completam e se relacionam entre si, pois o Reino de Deus compreende
o exercício da soberania de Deus em contextos geográficos, históricos e espaciais. A que é, ao
mesmo tempo, mensagem e mensageiro do Reino de Deus, fez-se carne, entrou na história e
o Reino de Deus habitou entre nós, realizando a libertação, a justiça e a paz (FABRIS, 1988).
As expressões Reino de Deus ou Reino dos Céus, na boca de Jesus, ocorrem
cerca de 61 vezes nos sinóticos, 85 vezes somando os passos paralelos (FABRIS, 1988, p.
104-105). Uma leitura generalizada do conjunto das ocorrências dos termos Reino de Deus
ou Reino dos Céus no Novo Testamento, possibilita mais de uma compreensão quanto ao
tempo e ao lugar em que o Reino se dará. Elencaremos três:
● O Reino aparece como uma realidade iminente, dentro da história;
● O Reino de Deus é uma realidade para além da história, uma realidade escatológica;
● O Reino está presente na história como irrupção do poder de Deus no meio do
seu povo, conduzindo-o à plenitude futura.

Ao anunciar o Reino de Deus, Jesus faz uma chamada de atenção para que a
história se torne mais próxima de Deus (conversão), mais amorosa e perdoadora, e por
isso, uma história salvífica. Jesus demonstra ser ele mesmo o portador da libertação, da
justiça e da paz, comunicando que tudo isso é da vontade de Deus.

2.3 É um Reino futuro que já está presente


Ao falar explicitamente a respeito do Reino que veio trazer, Jesus não se preocupa
em explicações com precisões conceituais como os gregos costumavam fazer. A clareza da
noção de Reino de Deus que Jesus deseja anunciar está na segurança com que ele torna
conhecido o senhorio de Deus atuando no presente. Todos ficam cheios de admiração e são
invadidos por uma alegria própria de quem vê diante de si algo desejado por tantas gerações.

UNIDADE III Jesus de Nazaré: Vida e missão 60


O Reino de Deus, que já está presente, inaugura e antecipa o futuro. Em teologia
se diz que o Reino se encontra em “tensão escatológica”, ou seja, entre o “já” realizado e o
ainda “não” em plenitude. Ao mesmo tempo em que Jesus aponta para os sinais visíveis do
reino em seus gestos e palavras, ele também avisa que a plena realização do Reino só se
dará no futuro. A realização futura do Reino de Deus eleva a condição atual de imperfeições
a um estado de consolação, fartura e méritos diante de Deus.
Vejamos exemplos de Jesus falando do Reino de Deus como realidade presente e
como realidade futura (FABRIS, 1988).
2.3.1 O Reino presente:
● No debate entre Jesus e os chefes judeus sobre a expulsão do demônio, Jesus
afirma que, se o faz em virtude do Espírito de Deus ou dedo de Deus, então o Reino
de Deus já chegou “entre vós” (Mt 12,28; Lc 11,20).
● Respondendo a provocações e perguntas dos fariseus sobre a chegada do Reino
Jesus explica que o Reino de Deus não vem chamando a atenção ou de modo
alarmante. Nem mesmo se poderá afirmar que esteja aqui ou ali “porque o Reino
de Deus está no meio de vós’” (Lc 17,20-21).

2.3.2 O Reino de Deus como realidade futura:


● Ao jovem rico que perguntou sobre o que fazer para entrar na vida eterna, Jesus
respondeu que os que possuem riquezas dificilmente entrarão no Reino de Deus.
Praticamente Jesus está dizendo que Reino de Deus é o mesmo que vida eterna
como convencionalmente se entendia, a vida após a morte (Mt 19,16-30, Mc 10,17-
31 e Lc 18,18-30).
● Falando a respeito da justiça que os seus seguidores precisavam viver, Jesus
diz: “Com efeito, eu lhes garanto: se a justiça de vocês não superar a dos doutores
da Lei e dos fariseus, vocês não entrarão no Reino do Céu” (Mt 5,17-19).

Jesus faz entender que ele está inaugurando um Reino futuro, um Reino presente,
e um Reino presente e futuro pela ralação de antecipação do futuro no presente.

UNIDADE III Jesus de Nazaré: Vida e missão 61


3. JESUS E SUAS RELAÇÕES FUNDAMENTAIS

3.1 Introdução
A sabedoria popular nos ensina que para conhecer uma pessoa basta observar
com quem ela se relaciona. É o que diz o ditado popular: “dize-me com quem andas e eu
te direi quem és”. Eu ousaria acrescentar que é válido também observar o tipo de relações
estabelecidas pela pessoa em questão. O mesmo acontece a respeito de Jesus a quem
queremos conhecer melhor.
No terceiro tópico desta unidade do nosso curso de cristologia quero convidar você
a observar comigo as relações fundamentais de Jesus, ou seja, aquelas que nos ajudam a
entender o que ele mesmo nos ensina sobre si. Certa vez, os discípulos de João levantaram
o problema: “será ele o Messias ou devemos esperar um outro?” (cf: Lc 7, 19-13). Jesus
respondeu com seus comportamentos frente a instituições, ambientes e categorias diversas
de pessoas do seu tempo.
Por motivos didáticos aplicados à teologia eu escolhi dar ênfase a alguns âmbitos
relacionais iluminadores. É o que estudaremos a seguir.

3.2 Jesus em relação a Lei


O modo como Jesus se portava perante a Lei é de grande iluminação para leitura
histórico teológica da sua existência. A lei era o marco da aliança de Deus com o seu povo.
Na Bíblia, algumas vezes, a palavra lei indica todo o texto sagrado do Antigo Testamento.

UNIDADE III Jesus de Nazaré: Vida e missão 62


Mais frequentemente, lei está indicando a lei escrita o código legal da aliança com
Deus, a lei do povo de Deus, distinta das tradições humanas (Mt 15, 3.6; Mc 7, 8-9; Col 2, 8).
Na consciência do povo hebreu a lei ou Torá é sinônimo de ordenamento universal,
decreto de justiça, juízo de Deus, mandamento que vincula o povo ao seu Deus e Deus ao
seu povo (Sl 119). A lei é a própria presença de Deus plasmando o comportamento religioso
e ético do seu povo.
Pelos motivos acima elencados, já dá para perceber a importância de conhecer como
foi a relação de Jesus com a lei. Por meio de alguns episódios e palavras de Jesus, podemos
afirmar que Jesus proclamou a superação da lei em sua própria pessoa: se acreditásseis
em Moisés acreditarias também em mim por que foi a meu respeito que ele escreveu (Jo
5,46). Jesus confirma sua adesão à lei e sua missão de levá-la a cumprimento (Mt 5, 17),
mas não hesita em transgredir algumas prescrições, como por exemplo: argumenta sobre a
superioridade do ser humano em relação ao sábado (Mc 2, 28), redireciona o valor do jejum
(Mc 2, 18-20), e da compreensão sobre a impureza dos alimentos (Mc 7, 1-8).
Com esses comportamentos Jesus coloca-se no mesmo patamar do legislador,
ou seja, de Deus. Assim Ele revela uma nova leitura sobre a lei e a vontade de Deus,
acentuando com sua autoridade, possuir liberdade superior à antiga lei (DUPUIS, 1999).
Ele mesmo é a Nova Lei!
Uma última observação é que colocando-se desta forma diante da lei, Jesus declara
ser igual ao Pai quanto ao seu poder divino.

3.3 Jesus em relação ao Templo


No tempo de Jesus, o templo era tido como sede da presença divina, centro de
irradiação de oração e bênçãos divinas sobre todos os povos (Is 2, 1-3; Ag 2, 6-9; Ml 3, 1).
Jesus, como pertencente à cultura e à fé judaica, mostrava-se muito respeitoso para com
o templo. Basta observarmos algumas de suas atitudes e palavras, em registros bíblicos,
para constatarmos o que acabamos de afirmar (PAGOLA, 2011).
Ele ensinava no templo (Mc 11, 27; 12, 35; 14, 49);
Considerava-o casa do Seu Pai, casa de oração (Lc 2, 49; 19, 46); comporta-se
com muita liberdade e intimidade com aquele espaço: expulsa os cambistas e o diz “casa
de meu Pai”;
Curava no templo e ensinava lá frequentemente (Mt 21, 12-17; Mc 11, 15-17; Lc 19,
45-48; Jo 2, 13-16);
Anunciou a ruína do templo e a substituição do mesmo em Sua pessoa, em seu
corpo ressuscitado (Jo 2, 21s);

UNIDADE III Jesus de Nazaré: Vida e missão 63


Quando Ele morreu “o véu do templo se rasgou”, significando a passagem do velho
ao novo templo, que é o próprio Jesus, lugar de novo culto (Mc 15, 38s);
Com tudo isso Jesus indica que Ele é o novo e definitivo espaço para o encontro
com Deus, Ele é o templo que será destruído e reconstruído em três dias, o lugar da perene
adoração (DUPUIS, 1999). No novo templo, Jesus, a adoração é trinitária: ao Pai, em
Espírito e Verdade que é Jesus (Jo 4, 21s).

3.4 Jesus em relação ao ambiente social e aos pobres


A vida de Jesus aconteceu no ambiente do império romano, governado por líderes
regionais que recebiam o título de Herodes. A Judeia teve quatro Herodes durante a vida
terrena de Jesus (PAGOLA, 2011).
Tudo faz notar que as relações de Jesus se desenvolveram mais entre o povo
simples, os últimos, num movimento que inicialmente não incomodava. Mateus afirma que
ele era amigo dos pecadores, doentes, prostitutas e mulheres, que eram classes excluídas
e desvalorizadas (Mc 15, 40).
Quanto às suas preferências políticas, Jesus não se enquadrava em nenhum dos
partidos religioso-políticos do seu tempo (saduceus, fariseus, zelotas, essênios...) e não
fazia parte de nenhum ciclo exotérico/filosófico (apocalíptico, gnose...). Ele tomava distância
de tudo que corrompesse a sua missão de Messias e salvador, sobretudo dos supremos
detentores do poder religioso e político (PAGOLA, 2011). Por estar mais ativo nas periferias
da sociedade, somente mais tarde é que o procurador romano, os sumos sacerdotes, os
influentes saduceus e a aristocracia fundiária e sacerdotal, somente mais tarde, começaram
a saber da novidade que estava sendo anunciada e proposta por aquele tal Jesus.
A escolha de Jesus e declaradamente pelos pobres. Estar ao lado dos pobres
é o traço comportamental de Jesus mais atestado pelos evangelhos e motivo pelo qual
ele é muito criticado: “...um comilão, beberrão, amigo dos cobradores de impostos e dos
pecadores” (Mt 11, 19).
Na pregação e praxe de Jesus, a proximidade do Reino equivale à proximidade
da salvação divina endereçada aos publicanos, às prostitutas, aos samaritanos, aos
leprosos, às viúvas, aos pagãos, aos doentes... toda sorte de pobreza que possa retirar
da humanidade a sua dignidade, traço fundamental da filiação divina (DUPUIS, 1999). Os
evangelhos falam por si:
Os pecadores são a sua meta: “Mt 9, 12;
Os publicanos e as prostitutas são os primeiros no Reino dos Céus (Mt 21, 31);
Jesus come com os pecadores, como por exemplo, Zaqueu (Lc 19, 9-10);
Afirma haver mais alegria no céu por um convertido que por noventa e nove justos
que não têm necessidade de conversão (Lc 15, 4-7);

UNIDADE III Jesus de Nazaré: Vida e missão 64


4. LEITURA TEOLÓGICA DA MORTE E RESSURREIÇÃO DE JESUS

4.1 Introdução
Muitas são as possibilidades de métodos e de perspectivas para se estudar a
condenação e a morte de Jesus Cristo. Alguns estudos voltam-se para questões biológicas
procurando entender os níveis da agressão sofrida, a resistência cardiorrespiratória, a perda
de sangue e outros fatores relacionados ao físico de Jesus. Outros estudos procuram situar
a existência de Jesus, sua condenação e morte, nas chaves históricas dos acontecimentos.
No nosso curso, voltado para esclarecer o significado da pessoa de Jesus Cristo para a fé
dos cristãos, o mais importante é colher o significado teológico ou a teologia do evento da
morte de Jesus. Isto significa selecionar e destacar o que tudo aquilo nos revela sobre o
Deus dos cristãos e a fé por eles professada.

4.2 Ponto auge de um conflito


A condenação e a morte de Jesus foi o ponto mais alto da crise causada pelas
ideias que Jesus vinha anunciando, pelas suas palavras ousadas e pelas suas pretensões
de intoleráveis e geradoras de uma tremenda crise (DUPUIS, 1999).
As ideias de Jesus mais provocantes para a cultura e a fé judaica estavam
relacionadas ao templo, à lei e a deus. Ele redirecionou o valor do Templo e da Torah para si
e colocou-se como a nova e imprevista intervenção definitiva de Deus entre a humanidade
e o divino criador, como vimos anteriormente.

UNIDADE III Jesus de Nazaré: Vida e missão 65


O testemunho mais verdadeiro a respeito das causas de sua condenação vem dele
mesmo: sua vida, seus ensinamentos e respostas ao sumo sacerdote durante o processo,
é exemplo disso (Jo 8, 42).
Algumas das atitudes e palavras que se enquadram no que citamos acima:
● Com os milagres de cura, perdão dos pecados e comandos sobre a natureza,
Jesus agia em nome e em lugar de Deus.
● Disse explicitamente que quem quisesse ter vida em plenitude, além de observar
a lei e os mandamentos, deveria segui-lo (Mc 10, 17-31; Mt 5, 17...);
● Jesus apresenta a Deus como seu Pai, de quem se diz enviado, logo, Messias.
Sendo assim, Deus passa a ligar-se à identidade de Jesus. “Se Deus fosse o vosso
Pai, vós me amaríeis porquê de Deus eu vim” (Jo 8, 42); “Quem me vê, vê o Pai” (Jo 14,
6); e ainda: “Quem crê em mim não é em mim que crê, mas naquele que me enviou”.

Do mesmo modo, alguns comportamentos e posturas de Jesus que serão


comentadas mais à frente, foram causa de conflitos frente às autoridades civis e considerado
um propagador de rebeldia, uma ameaça para a ordem pública.
Por tudo isso e muito mais, Jesus foi visado como um perigo para o império romano
e a religião.

4.3 Jesus frente à morte iminente


Jesus tinha consciência da repercussão da sua atividade missionária, profética e
messiânica. Ele sabia em que sua pregação ameaçava as autoridades do Império e em que
aspectos a Boa Nova era intolerante para o judaísmo. Conhecia muito bem o tipo de pena
empregada por cada uma das instâncias de autoridade. Por esta razão, ele previu para si uma
morte violenta como possibilidade real e destino inevitável a partir da oposição crescente na
experiência de seu ministério. Não estamos nos referindo há uma previsão Sobrenatural. Jesus
apenas percebia o perigo que estava correndo, como qualquer outra pessoa que estivesse
falando o que ele falava e comportando-se como ele se comportava (DUPUIS, 1999).
As razões pelas quais Jesus, mesmo conhecendo o perigo de morte, permanecia
agindo do mesmo jeito e anunciando o mesmo conteúdo, era a consciência da sua missão de
Messias e Salvador. O amor com que ele assumiu esta sua missão é incalculável, compreende
o extremo da entrega de vida, ou seja, tudo o que ele tinha foi entregue como ato de amor
incondicional, gratuito, sem nenhum merecimento de ninguém, sem nenhuma paga.

UNIDADE III Jesus de Nazaré: Vida e missão 66


A gratuidade do um amor incondicional é o que confere um sentido teológico
autêntico à morte de Jesus e não a intensidade dos sofrimentos, pois outros sofreram
também as penas da cruz e não nos salvaram...
É oportuno notifica que, embora sendo humano e divino ao mesmo tempo, Jesus
jamais serviu-se de seus atributos divinos para amenizar seus sofrimentos ou tornar a sua
experiência terrena mais suave e confortável (BOFF, 2012). Em outras palavras, Jesus
não serviu se de sua condição divina para consolar a sua condição humana. Por esses
motivos, é preciso estarmos muito atentos e atentas para não cairmos em dois possíveis
erros interpretativos:
● Jesus premeditando sua morte ao longo de seu ministério como se fosse um
mago ou adivinho, servindo-se de sua divindade para prever o próprio destino.
E driblando tal destino. O problema teológico desse procedimento é o fato de
desconsiderar que o Filho de Deus assumiu a condição humana e histórica assim
como se apresenta. A potência da divindade de Jesus colaborava apenas para que
ele cumprisse a sua missão como Salvador e revelasse o rosto salvífico de Deus.
● Jesus suportando tudo, passivamente, sem jamais ter previsto tal fim. Na verdade,
Jesus sabia muito bem os perigos que estava correndo. Conhecia o que poderia
acontecer alguém que se comporta como ele se comportou e anuncia as coisas
que ele anunciou, embora sem previsão de data. Fica esclarecido então que, Jesus
esperava um fim trágico.

4.4 Significado teológico da morte de Jesus


Jesus sofreu um duplo processo de acusação: o religioso, frente às autoridades
judaicas que compunham o sinédrio (sumo sacerdote, fariseus e escribas) e o político,
frente às autoridades romanas, principalmente ao governador romano da província da
Judeia – Pôncio Pilatos (PAGOLA, 2011).
As acusações que feriam ao mundo religioso, já foram esclarecidas acima. Entre
as acusações políticas estavam a de sonegação de impostos e de se dizer, tido como
desrespeito e desacato ao rei Cesar. Tudo isso deu motivo para uma pena conforme os
costumes romanos: flagelação, despojamento das vestes, carregar a travessa da própria
cruz, ser pregado na cruz e erguido do chão. A lei judaica previa penas de apedrejamento,
queima e decapitação.
O julgamento de Jesus na mão da humanidade e a pena recebida enfatizam sua
entrega amorosa, o SIM de Deus cancelando o NÃO da humanidade a Ele.

UNIDADE III Jesus de Nazaré: Vida e missão 67


É errôneo pensar que aconteceu uma entrega maldosa e fria por parte do Pai. Com
o mesmo amor com que o pai entregou seu Filho pela salvação do mundo, o Filho de Deus
é entregou a si mesmo para fazer a vontade do Pai.

4.5 O crucificado ressuscitou


É oportuno recordar que a base da cristologia é a experiência do Verbo de Deus
feito carne cujo valor e significado são conferidos pela Ressurreição.
Segundo a tradição dos evangelhos sinóticos, sempre que Jesus fala em sua morte,
faz uma associação direta à ressurreição dando ideia de continuidade dos fatos relativos à
sua obra salvífica (Mt 16, 21; 17, 9; 17; Mc 8, 3; 10, 34; Lc 9, 22; 18, 33).
As predições sobre a ressurreição são acompanhadas por informações de que ela
é incompreensível aos discípulos e os próprios relatos da ressurreição enfatizam a dúvida
e a incerteza dos discípulos Era algo absolutamente novo e inimaginável.
É curioso obter que a ressurreição de Jesus causou uma virada no ânimo missionário
e apostólico dos discípulos. Por ela, eles participam da obediência filial de Jesus ao Pai,
reconhecem a experiência anterior à Páscoa como sua origem e seu fundamento com a
consequência do anúncio salvífico e universal da boa nova de Jesus.
Entre a tragicidade da morte e a novidade imediata da ressurreição há continuidade
no dizer-se de Deus sobre si mesmo e sobre a humanidade, ao que se chama Revelação.
A ressurreição de Jesus não é fato que se possa provar historicamente porque não
deixou testemunhas diretas e é um acontecimento teológico por excelência, ou seja, está
no além vida terrena, portanto, foge ao âmbito das nossas condições de conhecimento
objetivado e empírico.
Porém, temos a fé dos discípulos e suas narrativas como suporte de veracidade e de
fé. A maior proximidade histórica decorre da fé dos discípulos através dos seguintes sinais:
● A mudança de comportamento constatada na comunidade dos doze (depois da
crucifixão, a fuga e retorno repentino para a Galileia e posteriormente o retorno
para Jerusalém);
● A afirmação da ressurreição e exaltação de Jesus pondo em risco suas vidas;
● O dinamismo do surgimento da comunidade das origens e sua missão/expansão;

Ao grupo de Corinto que insistia em negar a ressurreição de Jesus, Paulo formulou


a resposta que se tornou referência: “Se Cristo não ressuscitou, nossa pregação é vã e vã
é a nossa fé.” (I Cor 15, 14; cf. 15, 3-5)

UNIDADE III Jesus de Nazaré: Vida e missão 68


As aparições do ressuscitado e o túmulo vazio são um conjunto de sinais que devem
sempre ser lidos e interpretados conjuntamente a fim de que se possa colher a riqueza da
mensagem da ressurreição do Senhor (Mc 16, 8; Mt 28, 8; Lc 24, 4).
A ressurreição revolucionou radicalmente a interpretação da experiência e da vida
dos apóstolos porque:
● Reabilitou Jesus diante do mundo;
● Deu início a um novo mundo;
● Revelou que a morte de Jesus aconteceu por um fim salvífico: por nossos
pecados, por nosso amor;
● Deu origem à comunidade dos remidos e ressuscitados em Cristo.

UNIDADE III Jesus de Nazaré: Vida e missão 69


SAIBA MAIS

A propósito do ambiente social e religioso de Jesus, vale conhecer um pouco sobre os


saduceus, os zelotas e os fariseus:

Fariseus
Frequentemente citados nos Evangelhos, os fariseus constituíam um dos grupos
mais expressivos do judaísmo. Diversas fontes indicam que o termo fariseu significa:
“separados”, o que faz muito sentido quando olhamos as suas características. Eram
leigos de diversas camadas judaicas (exceto dos pobres), que buscavam viver fielmente
os preceitos religiosos. Eles se apresentavam como mestres peritos na interpretação
da lei e como observadores zelosos da mesma, com grande influência sobre o povo,
especialmente em relação ao dízimo, à pureza ritual, e à observância do sábado.
Exerciam grande influência na sociedade judaica e eram tidos em grande respeito.

Saduceus
Formavam uma classe socialmente privilegiada da sociedade judaica - economicamente,
culturalmente, religiosamente e politicamente – uma verdadeira aristocracia que exercia
grande influência sobre o modo de vida da sociedade. Possuíam terras e exerciam
atividade comercial. Sendo assim, por estarem à frente dos meios de prover o sustento
material, também acabavam por ter grande incidência na área dos costumes. Certamente,
isso estava vinculado e justificado pela religião, pois eles mantinham laços estreitos
com a classe sacerdotal. Não eram um partido político, mas tinham forte protagonismo
social, em vista dos seus interesses

Zelotas
Trata-se de um grupo de pessoas marcadas por um forte sentimento nacionalista, que
não aceitavam a submissão judaica às outras nações. Pensam em restaurar um Estado
onde Deus é o único rei, representado por um descendente de Davi, pois um rei livraria
o povo hebreu do julgo da dominação estrangeira e Israel teria autonomia em todos
os sentidos da vida. Deste modo, sua vivência religiosa tinha uma forte interação com
a política através de uma postura de combate e hostilidade ao Império Romano com
táticas de ataques e guerrilha. Nos evangelhos, Jesus parece não entrar num embate
direto com este grupo, mas sua pregação e sua prática mostram com clareza, oposição
aos zelotas no modo de conceber a vida e a religião.

UNIDADE III Jesus de Nazaré: Vida e missão 70


O Reino, anunciado por Jesus como justiça, amor e fraternidade universal, era buscado
pelos zelotas através da emancipação política.

Fonte: (STORNIOL, 1990; MACKENZIE, 1983; DUPUIS, 1999.)

REFLITA

Todas as vezes que procurarmos entender o significado da existência de Jesus Cristo


para a fé cristã apoiados em provas materiais estaremos falados a cair no vazio. Para citar
um exemplo desse tipo de recurso e estratégia de conhecimento lembremos das tantas
igrejas e museus espalhados pelo mundo inteiro que afirmam ter fragmentos originais da
Cruz de Cristo para serem visitados. Em 1543 Jean Calvino afirmou que as relíquias da
crucificação de Jesus existentes no mundo dariam para lotar um navio inteiro.
Para refletir mais a este respeito você pode ler o artigo Fragmentos da Cruz de Cristo,
mencionado logo abaixo.

Fonte: ANSEDE, M. Fragmentos da cruz de Cristo. Revista eletrônica El Pais versão Brasil. 25 MAR
2016. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2016/03/23/ciencia/1458763912_305135.html. Aces-
so em: 02 dez. 2021.

UNIDADE III Jesus de Nazaré: Vida e missão 71


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Chegamos ao final de mais uma unidade do nosso curso de cristologia. Nela você pode
visitar os aspectos mais significativos da vida terrena de Jesus para a formulação da fé cristã.
A base fundamental desse conhecimento são as escrituras sagradas especialmente,
os relatos e os registros contidos nos evangelhos. E a leitura que procuramos fazer ao longo
dessa unidade é tipicamente teológica e, portanto, diferenciada de outras leituras como por
exemplo, a leitura da historiografia.
Você pode encontrar chaves de conexão entre as unidades anteriores de maneira
que foi possível compreender a vida de Jesus como resposta de Deus a sua própria
promessa de envio de um Messias Salvador.
Conhecendo as posturas principais tomadas por Jesus, os valores por ele vividos
e o anúncio do Reino de Deus você entrou em sintonia com o quê os evangelhos chamam
de Boa Nova, ou seja, a novidade do amor de Deus e se fez homem e viveu a vida humana
com todos os desafios da história.
Jesus, como Filho de Deus, é a imagem visível de Deus invisível. Por Ele e
Nele o mundo pôde ter acesso a Deus Pai como nunca. Em suas atitudes, escolhas e
ensinamentos fomos atingidos por um amor salvífico, perdoador e restaurador, de maneira
que nos tornamos novas criaturas e, Cristo.
Por sua vida terrena aprendemos o que é ser “humano” conforme a vontade
criacional do divino criador e acessamos o núcleo da sua proposta de reinado de Deus e de
seguimento a Ele, em comunidade.
Na próxima unidade iremos estudar as fases da organização dos ensinamentos de
jesus transformados em doutrina e ato de fé.

UNIDADE III Jesus de Nazaré: Vida e missão 72


LEITURA COMPLEMENTAR

O artigo foi escrito pela equipe de docentes da Faculdade Batista do Paraná com
o objetivo de auxiliar os seguidores de Jesus a compreender melhor o Reino na pregação
de Jesus, uma vez que a pregação de Jesus era fundamentalmente o anúncio do Reino
de Deus. Suas exortações, parábolas, profecias e mesmo as bem-aventuranças, eram
centradas e direcionadas no Reino de Deus, buscando explicá-lo, anunciá-lo ou mesmo
realizá-lo no mundo.

Fonte: FABAPAR. O Reino de Deus na Pregação de Jesus. Revista Teológica, v.


21, n. 42, 2020. Disponível em: https://www.fabapar.com.br/blog/o-reino-de-deus-na-pre-
gacao-de-jesus/. Acesso em: 02 dez. 2021.

UNIDADE III Jesus de Nazaré: Vida e missão 73


MATERIAL COMPLEMENTAR

LIVRO
Título: Jesus: aproximação histórica.
Autor: José Antônio Pagola.
Editora: Loyola.
Sinopse: O livro, Jesus: aproximação histórica, do teólogo José
Antônio Pagola veio enriquecer a teologia e, de forma especial, a
cristologia. Trata-se de uma obra que pretende apresentar Jesus
de forma que seja conhecido e amado. A obra é escrita por uma
pessoa de fé, situada no seio da Igreja católica, obra de um cristão,
presbítero, que tem o ardente desejo de comunicar a pessoa de
Jesus. O livro poderá lhe ajudar a aprofundar temas que tratamos e
abrir os estudos de outros aspectos da vida e da pregação de Jesus.

FILME/VÍDEO
Título: Dom Helder Câmara: o Santo Rebelde.
Ano: 2004.
Sinopse: O filme aborda sobre Dom Hélder Câmara, arcebispo
emérito de Olinda e Recife, morto em 1999. Desde sua participação
como figura central da ala progressista da Igreja Católica, na
década de 1950, criando a Conferência Nacional de Bispos do
Brasil (CNBB) e o Conselho Episcopal Latino-Americano (Celam),
até suas ações proféticas durante a ditadura militar. O testemunho
de Helder Câmara é uma das expressões cristãs notáveis do
século XX.
Link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=bvURWRz-
7jlE&t=185s

UNIDADE III Jesus de Nazaré: Vida e missão 74


UNIDADE IV
Verdadeiramente Homem e
Verdadeiramente Deus
Professora Doutora Raquel C. Cabral

Plano de Estudo:
● A crise ariana;
● O Concílio de Niceia;
● Dificuldades cristológicas;
● Verdadeiramente homem e verdadeiramente Deus.

Objetivos da Aprendizagem:
● Compreender o processo da sistematização da fé cristológica;
● Estabelecer a importância de cada definição conciliar;
● Identificar o pensamento herético em meio ao
pensamento ortodoxo cristão.

75
INTRODUÇÃO

Prezado e prezada estudante, estamos iniciando a última unidade do curso de


cristologia, talvez, a mais empenhada por tratar de temas mais conceituais.
A unidade está com o título de verdadeiramente homem e verdadeiramente Deus
porque nela estudaremos o processo de organização e sistematização dos elementos que
compõem a fé cristã em Jesus Cristo.
A temática central da quarta unidade move-se em torno da natureza de Jesus que
tem dupla pertença, humano divina.
O conteúdo desta afirmação foi entregue à história pelo próprio Jesus Cristo ao se
apresentar publicamente com palavras e ações ao mesmo tempo humanas e divinas. É o
que chamamos de Revelação, em teologia.
Você terá oportunidade de conhecer às etapas das discussões de temas que foram
surgindo a partir de dúvidas genuínas, mas também de críticas provocativas e desafiadoras
sobre a pessoa de Jesus Cristo e a fé dos cristãos.
Especialmente para a comunidade judaica e para a comunidade helênica era muito
difícil conceber Deus feito humano.
Os Padres e líderes, inspirados pelo espírito de Deus e iluminados pela Sagrada
Escritura, tiveram o mérito de explicitar racionalmente as cláusulas da nossa fé com as
devidas aprovações, por parte dos bispos, em assembleias chamadas Concílios.
Na tentativa de explicitar e responder às perguntas provocativas alguns dos padres
se fecharam na própria opinião, não aceitaram ouvir as discussões em colegialidade
e terminaram por defender pareceres na contramão do grupo dos padres da igreja. As
reflexões e conclusões construídas nesse modo ficaram conhecidas como heresias. Você
vai conhecer algumas das principais heresias cristológicas.
Desejo-lhe um excelente caminho de crescimento nos conhecimentos da fé cristã e
uma ótima experiência de mergulhar nas fontes da fé cristã.

UNIDADE IV Verdadeiramente Homem e Verdadeiramente Deus 76


1. A CRISE ARIANA

1.1 Introdução
Para melhor colhermos o que estamos por refletir é interessante nos situarmos no
primeiro século do cristianismo quando os apóstolos e aqueles fiéis que conviveram com
Jesus já estavam desaparecendo. A autoridade da experiência de quem viveu pessoalmente
com o Mestre começou a desaparecer. Eram necessárias explicações altura das dúvidas e
da incredulidade das pessoas que se convertiam ao cristianismo provenientes do paganismo
ou mesmo do judaísmo. Fazia-se necessário uma verdadeira curva conceitual convincente
para suscitar a fé e a decisão das gerações que iam surgindo.
Em diversos momentos encontramos registros nos evangelhos de Jesus prometendo
que tudo o que ele estava ensinando ficaria mais claro posteriormente, com o auxílio do Espírito
Santo que ele mesmo enviaria. Jesus sabia que seria necessário muito tempo para que a fé
dos discípulos se desenvolvesse forte e robusta, capaz de enfrentar os adversários por meio
da pregação que considerasse a razão. Este é o berço do que chamamos crise ariana.

1.2 Ário em busca de compreensão sobre a natureza divina de Jesus Cristo


De acordo com o testemunho dos escritos do Novo Testamento, sabe-se que Jesus
era respeitado e referido como o Senhor - Kyrios. Este título era reservado somente a
Deus ou ao imperador, que era um legal representante de Deus. Deste modo, estamos
constatando que desde as primeiras gerações de seguidores de Jesus, havia um ato de fé
na sua na realidade extraordinária.

UNIDADE IV Verdadeiramente Homem e Verdadeiramente Deus 77


A partir da morte e ressurreição de Jesus a comunidade dos seguidores discípulos
e discípulas, começou a pensar o que professava, fazendo se perguntas e recebendo
perguntas daqueles que não pertenciam a comunidade cristã. Entre as tantas tentativas
de respostas de autocompreensão da fé e de formulações racionais, muito se avançou
na compreensão da pessoa de Jesus Cristo. Ao mesmo tempo, aconteceram muitos erros
devido a compreensões isoladas e fechadas ao diálogo.
O processo de compreensão da pessoa de Jesus Cristo e de tudo aquilo que ele
ensinou a respeito de Deus foi possível graças à assistência do Espírito Santo por ele prometido
e enviado como aquele que revelaria e conduziria toda a verdade à luz da compreensão.
Os livros do Novo Testamento tiveram a primeira compilação canônica ou oficial
no ano de 170 depois de Cristo. Até então, os testemunhos eram quase que diretos, ou
seja, de pessoas que conviveram com Jesus ou receberam a Boa Nova diretamente de
discípulos imediatos do mestre. A partir de 170, contava-se com muitos relatos cuja primeira
compilação servia de ponto de referência. Isto não significa dizer que os textos sagrados
dessem resposta para todas as perguntas que causavam debates.
A fé cristológica passou por muitos debates e controvérsias desde o primeiro até o
sétimo século. Os debates cristológicos discutiam sobre a verdade da encarnação de Deus, a
verdade sobre a identidade divina do Filho de Deus, Jesus Cristo, e sobre o modo da encarnação
visando entender a relação da natureza humana com a natureza divina numa mesma pessoa.
Entre as tentativas de explicitação da divindade do Filho de Deus, Ário se destacou por
inserir na sua formulação ela é menos diversos elementos que fortalecia a posição teológica
que negava a sua natureza divina. Ário foi presbítero da Igreja de Alexandria, que nasceu
entre os anos de 256 e 260 d.C., provavelmente na Líbia, e morreu em 336. Suas posições
teológicas causaram um grande conflito que ficou sendo conhecido como a crise ariana:
As principais ideias teológicas arianas podem ser assim resumidas (DUPUIS, 1999):
● Deus é um só, o pai e criador, sem divisão.
● O filho Jesus Cristo é divino somente por participação na divindade do pai pois,
foi adotado pelo pai antes da criação do tempo para servir de instrumento e de
auxílio na criação do universo.
● Consequentemente o filho é menor que o pai, é subordinado ao pai em dignidade,
autoridade e glória.
● Tudo o que diz respeito a encarnação mostra que este filho foi submetido ao tempo,
às paixões, a mudanças incompatíveis com a natureza divina. A incompatibilidade é de
natureza pois a natureza divina não se deixa aprisionar pela natureza do mundo criado.
● Sendo assim, o filho de Deus é uma criatura como outra qualquer e não existe
desde sempre, como o pai, mas, pois, houve um tempo em que o filho não existia.
Portanto ele não é coeterno com o pai.

UNIDADE IV Verdadeiramente Homem e Verdadeiramente Deus 78


1.3 Auge da crise
Ário foi advertido por Alexandre, bispo responsável pela região eclesiástica à
qual ele pertencia, Alexandria. Mas ele recusou-se a prestar esclarecimentos sobre suas
posições teológicas a respeito de Jesus Cristo e continuou insistindo em pregar suas ideias.
Por esta razão, foi afastado de suas funções sacerdotais e expulso de Alexandria.
Para se fortalecer, Ário procurou o apoio de companheiros que, como ele, haviam
sido discípulos de Luciano de Antioquia, em especial o amigo Eusébio, que era bispo
de Nicomédia, outra região eclesiástica. Eusébio não só acolheu a Ário como também à
sua teologia. Propagou as ideias de Ário e convoca uma assembleia local, para debater
aquela doutrina, o qual conclui que as ideias de Ário não eram heréticas. A este ponto
dos acontecimentos o conflito atingiu o seu auge e o império ficou dividido em arianos e
alexandrinos, o que desagradou muito ao imperador Constantino.

UNIDADE IV Verdadeiramente Homem e Verdadeiramente Deus 79


2. O CONCÍLIO DE NICEIA

2.1 Introdução
A palavra “ecumênico” provém do termo οἰκουμένη (oikouméne), que quer dizer
mundo habitado. Logo, a expressão Concílio Ecumênico indica a reunião das representações
oficiais da Igreja do mundo inteiro. A história da Igreja conta com a realização de 21 concílios
ecumênicos, cujo primeiro foi o concílio de Nicéia no ano de 325 e o último, o Concílio
Vaticano II em de 1962 a 1965. Os concílios ecumênicos constituem um acontecimento
eclesial em assembleia, formada pelo papa e pelos bispos, exercendo a autoridade de
deliberação e decisões no campo dogmático canônico litúrgico moral ou disciplinar, segundo
as necessidades do momento (PIKAZA, 1998).
A passagem da perseguição à tolerância do cristianismo por parte do Império
Romano marcou uma guinada no caminho da Igreja. Foi a partir do imperador Constantino
que a Igreja assumiu um formato mais burocrática e caráter oficial em suas posições e
declarações, repercutindo em todo o império. A realidade eclesial, porém, passou a ser
objeto da política imperial que via o cristianismo como peça fundamental para a sua
popularidade e projeto de governo.
Ao se instalar nas estruturas do Estado, as decisões da Igreja se tornavam de
interesse do governo e é nesse contexto que os concílios antigos aparecem com maior
nitidez, cada vez mais abrangentes. Convocar assembleias sinodais e conciliares passou a
ser uma atividade exercida pela Igreja numa busca de unidade da fé, mas também sob as
prerrogativas do estado para unidade do império.

UNIDADE IV Verdadeiramente Homem e Verdadeiramente Deus 80


O Concílio Ecumênico que aconteceu em Niceia no ano de 325 foi convocado em
razão do conflito causado pelas teorias de Ário a respeito da natureza do Filho de Deus,
conforme estudaremos neste tópico.

2.2 Elementos práticos sobre o Concílio de Niceia de 325


Embora os debates e discussões causados pela tese de Ário tenha sido motivada
por temas teológicos, o conflito causado teve repercussões em todo o Império dividindo as
opiniões em verdadeiros partidos ideológicos, pois nem todos estavam à altura de opinar
com argumentação filosófica e teológica.
Preocupado com a situação política de divisão do império por questões teológicas,
o imperador Flavius Valerius Aurelius Constantinus convocou um concílio. É importante
ressaltar que, para ele, as particularidades teológicas pouco ou nada importavam. O
resultado desejado é que o império reencontrasse a paz pela unidade de posicionamentos,
facilitando assim, o exercício de governo (ALBERIGO, 1995). Constantino conduziu os
trabalhos do concílio

2.3 Elementos teológicos inaugurados por Niceia


Nos debates teológicos que provocaram a convocação do Concílio de Niceia, Ário
tinha como seu defensor, Eusébio de Cesaréia, enquanto Alexandre, que o condenara,
tinha como defensor, Atanásio. Evidentemente, como defensor de Ário, Eusébio repetia e
fundamentava suas teses teológicas já expostas acima.
No combate à teologia de Ário, Atanásio e Alexandre, ambos de Alexandria,
constroem uma teologia defensiva contra os arianos afirmando que:
● O Filho participa da mesma substância divina do Pai de maneira que é Deus
como o Pai.
● Como tal, existe desde toda a eternidade, ou seja, é coeterno com o Pai.
● Sendo coeterno, não foi criado, mas emergiu do seio de Deus mesmo de maneira
que, como é próprio de Deus, tanto o pai quanto o filho possuem em si mesmos o
princípio e a causa das suas existências.

É importante destacar que a grande novidade das decisões do Concílio de Nicéia


foi inserir no credo cristão a palavra “consubstancial” que indica a igual substância entre
o Pai e o Filho. O monoteísmo questionado recebe uma resposta: Deus é mais de uma
pessoa – Pai e Filho. Além disso, Niceia anatematizou, ou seja, condenou as ideias de
Ário e aos que as professassem. Com esses esclarecimentos o credo niceno ficou com a
seguinte formulação:

UNIDADE IV Verdadeiramente Homem e Verdadeiramente Deus 81


“Cremos em um só Deus, Pai onipotente, artífice de todas as coisas visíveis e
invisíveis. E em um só nosso Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, nascido unigênito do
Pai, isso é, consubstancial ao Pai, Deus de Deus, luz da luz, Deus verdadeiro de Deus
verdadeiro, nascido, não feito, de uma só substância com o Pai (o que em grego se diz
homoousion); por meio do qual foram feitas todas as coisas que no céu e as na terra; o
qual, por causa de nossa salvação desceu, se encarnou e se fez homem, e padeceu, e
ressuscitou ao terceiro dia, e subiu aos céus, havendo de vir julgar os vivos e os mortos. E
no Espírito Santo. Aqueles, porém, que dizem: “Houve um tempo em que não era” e: “Antes
que nascesse não era”, e que foi feito do que não era, ou que dizem ser de outra substância
ou essência, ou que Deus é mutável ou alterável, a eles anatematiza a Igreja católica”.

UNIDADE IV Verdadeiramente Homem e Verdadeiramente Deus 82


3. DIFICULDADES CRISTOLÓGICAS

3.1 Introdução
A paz tão esperada não chegou e a resolução do problema teológico que nasceu
das afirmações cristológicas de Ário não aconteceu. As definições de Nicéia provocaram
as mais divergentes interpretações de maneira que as partes em debate sentiam-se
contempladas ao mesmo tempo.
Na verdade, o Concílio de Nicéia impôs uma reviravolta eclesial e teológica muito
difícil. A cristandade ficou dividida entre arianos e nicenos. A tarefa pós conciliar de tornar
conhecida a fórmula que continha a palavra como substancial foi muito mais difícil do que se
esperava. As contendas continuavam. Em Antioquia, no ano de 341, surgiu uma tentativa de
conciliar arianos e nicenos por meio de uma fórmula que omitia a palavra com substancial.
Nesse momento da história o debate cristológico, baseado na sagrada escritura,
perguntava se como poderia ser que Jesus Cristo, o filho de Deus, tivesse se feito homem,
pertencendo a natureza divina. Como poderia ser que um homem fosse divino ou que Deus
fosse um homem?
Fazia-se necessário enfrentar os desafios do anúncio cristão perante o helenismo,
a comunidade judaica, aqueles que provinham do mundo pagão e os que não aceitaram as
decisões conciliares. A dificuldade era, especialmente, no tocante à relação entre o Verbo
de Deus e a carne assumida por Jesus Cristo.

UNIDADE IV Verdadeiramente Homem e Verdadeiramente Deus 83


3.2 As escolas teológicas alexandrina e antioquena
Os debates teológicos desse período tiveram o apoio dos padres antigos do
ocidente e do Oriente agrupados em tem 2 linhas de reflexão, o que chamamos de escolas
teológicas: a escola de a escola de Alexandria e a escola de e a escola de Antioquia.
De modo sintético, vamos destacar as características principais de cada uma delas a fim
de colher as principais diferenças. Optaremos por destacar o esquema teológico e os
representantes ortodoxos e heterodoxos e os representantes ortodoxos e heterodoxos de
cada escola (DEPUIS, 1999).

3.2.1 Escola Alexandrina (Egito)


1) Esquema teológico:
● Valorizava o método alegórico das Sagradas Escrituras que admitia uma
compreensão para além das palavras textuais;
● Dá especial atenção à unidade de pessoas na Trindade, com forte preocupação
em anunciar a divindade das três pessoas na união pela essência divina;
● Cristologia da Palavra-carne ou Logos sarx: o Logos (Palavra-Verbo) de Deus
assumiu a carne humana sem realmente entrar na existência humana em toda
a sua plenitude, sem alma racional;
● O Logos eterno é o sujeito que rege o evento Jesus Cristo – especial atenção
à divindade de Jesus Cristo;
● Põe em risco a verdadeira humanidade do Verbo, o homem concreto,
completo, autônomo.

2) Representantes ortodoxos:
● Clemente de Alexandria;
● Origenes;
● Atanásio;
● Cirilo de Alexandria.

3) Pensadores heterodoxos:
● Ário;
● Apolinário.

UNIDADE IV Verdadeiramente Homem e Verdadeiramente Deus 84


3.2.2 Escola Antioquena (Síria)
1) Esquema teológico:
● Primava pelo significado histórico literal das Escrituras, sem admitir alegorias
interpretativas.
● Dava especial atenção à distinção de pessoas em Jesus Cristo como duas
fontes do ser apenas em relação;
● Cristologia Verbo-homem ou Logos antropos: a humanidade de Jesus Cristo
não era passiva, mas ativa, Diodoro de Tarso chegava a afirmar que em Jesus
Cristo estava o Filho de Deus e o Filho de Davi, distintos.

2) Representantes ortodoxos:
● Diodoro de Tarso;
● João Crisóstomo;
● Teodoreto de Ciro;
● Teodoro de Mopsuéstia.

3) Pensadores heterodoxos:
● Nestório;
● Eutique.

3.3 O Monofisismo de Apolinário (Apolinarismo)


O monofisismo foi uma teoria teológica que nasceu no século quinto como uma
reação ao nestorianismo, heresia criada por Nestório. Nestório defendia que Jesus era
dotado de dupla natureza, porém distintas e separadas.
O termo “monofisismo” (de monos, “único”, e phusis, “natureza”) designa a posição
dos que atribuem a Cristo uma única natureza. Foi uma das tentativas de esclarecer as dúvidas
a respeito de como as duas naturezas, humana e divina, subsistiam na mesma pessoa do
Filho de Deus encarnado. Entre os monofisistas que se destacaram está Apolinário.
Apolinário foi professor de retórica, bispo de Laodiceia, pertencente à escola
teológica Alexandrina. Como ferrenho opositor do arianismo Apolinário tinha ânsia de
defender a divindade de Jesus na unidade com sua humanidade. A falta de diálogo com os
outros pensadores e o exagero da ênfase em uma única perspectiva de análise, fez com
que a reflexão de Apolinário produzisse uma heresia que ficou conhecida como monofisismo
de Apolinário ou apolinarismo.

UNIDADE IV Verdadeiramente Homem e Verdadeiramente Deus 85


Apolinário defendia que Deus, o Verbo divino, não teria assumido a alma humana
racional. O próprio Logos, o próprio Deus, teria substituído a alma humana de forma que
o corpo de Jesus seria uma forma espiritualizada e glorificada de mera humanidade. A
humanidade assumida, portanto, era incompleta, e assim deveria ser, porque duas naturezas
completas não podem unir-se entre si e permanecerem inteiras. Segundo a heresia de
Apolinário em Cristo havia uma única natureza e uma única vontade, a divina.
Para construir a sua heresia Apolinário faz uma leitura da Sagrada Escritura com
interpretação muito restrita. Ao ler João quando diz que o Verbo se fez carne (Jo 1, 14), ele
comenta que carne não é alma e confirma que não é possível que dois princípios intelectivos
e volitivos habitem no mesmo lugar. O corpo assumido pelo Verbo divino é sem alma sem
intelecto e sem vontade.
As duas escolas teológicas com seus representantes ortodoxos reagiram contra
esta teoria teológica de Apolinário, como também Gregório de Nissa e Gregório Nazianzo,
ambos da Capadócia. Suas respostas convergiam parar a tentativa de explicar que o verbo
de Deus se uniu a carne humana perfeita e integralmente e que era dotada de alma racional:
inteligência, liberdade e vontade.
O apolinarismo foi tema tratado no sínodo Alexandrino que aconteceu em 362 e
condenado como herético. Porém a ideia continuava a persistir pelos seus seguidores é
pelo próprio Apolinário.

3.4 O Concílio de Constantinopla 381


O concílio de Constantinopla retomou as discussões que provocaram a convocação
do concílio de Nicéia em 325. Naquela ocasião, discutia-se a respeito da natureza divina
do Filho de Deus encarnado. O pós-concílio trouxe novas discussões a respeito do mesmo
tema embora com novas formulações e problematizações.
Eram muitas as hipóteses e resultados de reflexões teológicas a respeito da dupla
natureza do Filho de Deus. Desde os que acreditavam em uma única natureza dominando e se
sobrepondo a outra aos que acreditavam que haviam dois sujeitos coexistindo em Jesus Cristo
o fato é que a fé de Nicéia não havia sido ainda assumida nem mesmo bem compreendida.
O concílio de Constantinopla foi convocado pelo imperador Romano Teodósio em
381. Nele, somente os bispos do Oriente participaram por causa da perseguição em razão
das divergências entre o Oriente e o ocidente.
Os padres conciliares, mais uma vez, retomaram as teses de Ário e as confirmaram
como heréticas. Fez o mesmo às teses de Apolinário, condenando-as como heréticas.

UNIDADE IV Verdadeiramente Homem e Verdadeiramente Deus 86


O Concílio de Constantinopla acrescentou uma parte ao credo niceno referente à
divindade do Espírito Santo e, quanto à doutrina cristológica, discutiu bastante o modo como
a divindade e a humanidade se relacionam em Jesus e afirmou em forma de profissão de fé:
“Cremos em Jesus Cristo, filho unigênito de Deus, gerado pelo Pai antes de
todos os tempos; Luz da luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não criado,
consubstancial ao Pai por meio do qual todas as coisas foram criadas; Por nós homens e
pela nossa salvação desceu, se encarnou pelo Espírito Santo no seio da Virgem Maria e
se fez homem...; Virá de novo com glória julgar vivos e mortos e o seu reino não terá fim”.

UNIDADE IV Verdadeiramente Homem e Verdadeiramente Deus 87


4. VERDADEIRAMENTE HOMEM E VERDADEIRAMENTE DEUS

4.1 Introdução
Não obstante, o Concílio de Constantinopla tivesse retomado as discussões que
inquietavam o campo da fé cristã devido às dúvidas e incertezas a respeito da dupla
natureza do Filho de Deus, não conseguiu pôr um fim ao conflito teológico.
O quinto século foi marcado pela controvérsia teológica entre Nestório, representante
da Escola Antioquena, e Cirilo, da Escola de Alexandria.

4.2 A controvérsia nestoriana: Nestório X Cirilo


Nestório era um célebre pregador pertencente à escola teológica de Antioquia que
reagiu contra a cristologia de Ário e de seus seguidores. A grande preocupação de Nestório
era de preservar a plena humanidade e a plena divindade de Cristo sem prejuízos. No
intuito de atingir a este objetivo, Nestório ensinou a ideia de uma conjunção, ou seja, da
existência de dois sujeitos em Jesus Cristo: um divino e um humano, numa reunião apenas
moral ou acidental entre o Verbo de Deus e a humanidade assumida. Nestório não aceitava
a doutrina da comunicação de idiomas e rejeitava toda e qualquer ideia de apropriação real
das propriedades da humanidade por parte do verbo de Deus. Segundo ele, isso significaria
incompletude da parte de Deus e necessidade de ajuda da humanidade para realizar a
salvação. Se assim o fosse, Deus teria em si indigências, lacunas e carências de ser.

UNIDADE IV Verdadeiramente Homem e Verdadeiramente Deus 88


Seguindo seu raciocínio teológico, Maria seria a mãe apenas de Jesus em sua
humanidade e não a mãe de Deus. Nestório, por este motivo, rejeita e crítica o título de
theotókos atribuído a Maria pela maioria dos padres, desde Alexandre de Alexandria, e
propõe o título cristotokos.
Cirilo era presbítero da igreja de Alexandria, portador de personalidade forte e
enérgica, chegando a ser e violento para com os hereges e pagãos (DUPUIS, 1999). Ele
não demorou a reagir aos Ideais de Nestório. Exprimiu o seu pensamento através de 3
cartas de cunho dogmático, retomando as afirmações feitas pelo concílio de Niceia e de
Constantinopla. Cirilo, nessas cartas, resgatou a identidade concreta entre o verbo de Deus
e Jesus Cristo defendendo que há uma única pessoa em Jesus Cristo com duas naturezas
diversas, unidas em real e verdadeira unidade, resultando de ambas um só Cristo, o Filho
de Deus. Cirilo fez questão de enfatizar que as naturezas humana e divina Unidas, não
eliminam as diferenças de maneira que as diferenças se conjugam e se integra não entre
sim numa verdadeira comunicação de idiomas.
Quanto à teologia em relação a Maria mãe de Deus, a Theotókos, Cirilo confirma
que há um só Filho, um só Senhor, tanto antes como depois da encarnação. Portanto,
aquele que existiu desde sempre nasceu da carne de uma mulher e, portanto, se fez seu
filho. Logo, Maria, é a mãe de Deus que se fez carne.
A discussão tornou-se problemática quando Nestório se rebelou contra as respostas
de Cirilo, considerando-as inaceitáveis e heréticas ponto Nestório pediu apoio do imperador
Teodósio II solicitando que ele convocasse um concílio em Éfeso, a fim de condenar Cirilo
como herético.

4.3 O Concílio de Éfeso 431


O concílio de Éfeso aconteceu no ano de 431 e foi convocado pelos dois
imperadores: Teodósio II, do oriente, e Valentino III, do ocidente. A motivação da convocação
foi a controvérsia teológica entre Nestório e Cirilo de Alexandria que punha em dúvidas o
realismo da encarnação de Deus. A questão discutida era como o filho de Deus se fez
realmente humano, algo escandaloso para a mentalidade helenista.
O concílio de Éfeso não promulgou nenhuma definição dogmática, porém aprovou
oficialmente a segunda carta de Cirilo a Nestório, na qual ele defendeu a uniam da natureza
humana a natureza divina sem separação e sem confusão. Em Cristo qual existe a divindade
e a humanidade em um único sujeito, de forma que, estando as 2 naturezas bem Unidas em
uma só pessoa, ele pertence perfeitamente ao divino e ao humano.

UNIDADE IV Verdadeiramente Homem e Verdadeiramente Deus 89


É exatamente por isso que Ele é o único e perfeito mediador entre Deus e a
humanidade na obra da redenção (DUPUIS, 1999).
Em síntese, o Concílio de Éfeso de 431:]
● Assume a cristologia alexandrina de Cirilo: o Logos assumiu de fato carne humana
(equivale ao esquema Logos-sarx);
● Confirma um único sujeito divino em Cristo sem divisão;
● Defende a integridade e perfeição das duas naturezas;
● Canoniza a comunicação idiomas na união hispostática;

4.4 O Concílio de Calcedônia


Desde o concílio de Nicéia o dogma cristológico veio passando pelo processo de
aprofundamento e explicitação sob a assistência do espírito de Deus, como Jesus havia
prometido. O Tesouro dos dados revelados a respeito da realidade divina desde o antigo
testamento, tendo o seu cume em Jesus Cristo, foram sendo cuidadosamente investigados,
debatidos e esclareci idos de modo a tornar a fé não consta um conteúdo passivo de
exposição racional.
Entre o concílio de Éfeso e o concílio de Calcedônia passaram-se vinte anos de
ajustes de linguagem e de compreensão na busca por deixar mais claro o tema da união
das naturezas divina e humana em Jesus Cristo.
Nesse espaço de tempo, surgiu uma controvérsia que causou inquietações teológicas
e que ficou conhecida como a crise monofisista devido a uma corrente benéfica de pensamento
levantada por Eutiques. Ele era um monge de Constantinopla, resistente às decisões de
Nicéia, de Constantinopla e de Éfeso em relação às 2 naturezas de Jesus Cristo.
Segundo o monofisismo de Eutiques, as duas naturezas humana e divina de
Cristo foram fundidas. Aconteceu uma mistura da qual surgiu uma nova e única natureza,
por isso o prefixo mono. Em sua reflexão a natureza humana teria se dissolvido como
uma gota de mel no mar. Eutiques explica que o humano foi absorvido pelo divino e,
consequentemente, Cristo é consubstancial ao Pai, mas não a nós, não é humano em
sua essência, embora o seja na aparência.
Diante dessa teologia o papa Leão I escreveu ao patriarca de Constantinopla,
Flaviano, uma carta de cunho teológico dogmático, inspirada nos padres antigos da
Igreja: Tertuliano e Agostinho. A carta que ficou conhecida como Tomus ad Flavium o
afirma a unidade de Cristo conforme as reflexões da escola antioquena. Leão Magno
afirma: a consubstancialidade, a integridade das propriedades das naturezas e repropõe a
comunicação de idiomas.

UNIDADE IV Verdadeiramente Homem e Verdadeiramente Deus 90


Portanto as decisões do concílio de Éfeso basearam-se na carta do papa Leão I e
na segunda carta de Cirilo a Nestório.
O Concílio foi convocado pelo imperador Marciano e teve a participação maciça
dos bispos orientais antioquenos e alexandrinos totalizando 350 padres conciliares.
As principais decisões de calcedônia 451 foram:
● A deposição e condenação do monofisismo de Eutiques de Constantinopla;
● A aprovação do Tomo ad Flavianus do papa Leão I, inclusive assumido como
texto base de calcedônia 451;
● A fórmula de fé resultante de Calcedônia pode ser dividida em duas partes: a)
os modos perfeitos de ser de Cristo; b) sobre a unidade de pessoa e a dualidade
de naturezas.

Fica esclarecido que na pessoa de Jesus Cristo concentra-se uma dupla pertença
e dupla condição existencial, sem confusão, sem separação e sem distinção, na união
hipostática, que não elimina, mas salvaguarda a diferença de naturezas.

4.5 Declaração de Fé Calcedônia


(...) Todos nós, perfeitamente unânimes, ensinamos que se deve confessar
um só e mesmo Filho, nosso Senhor Jesus Cristo, perfeito quanto à divin-
dade, perfeito quanto à humanidade, verdadeiro Deus e verdadeiro homem,
constando de alma racional e de corpo; consubstancial [hommousios] ao Pai,
segundo a divindade, e consubstancial a nós, segundo a humanidade; “em
todas as coisas semelhante a nós, excetuando o pecado”, gerado segundo
a divindade antes dos séculos pelo Pai e, segundo a humanidade, por nós
e para nossa salvação, gerado da Virgem Maria, mãe de Deus [Theotókos].
Um só e mesmo Cristo, Filho, Senhor, Unigênito, que se deve confessar,
em duas naturezas, inconfundíveis e imutáveis e indivisíveis; a distinção das
naturezas de modo algum é anulada pela união, mas, pelo contrário, as pro-
priedades de cada natureza permanecem intactas, concorrendo para formar
uma só pessoa e subsistência [hypóstasis]; não dividido ou separado em
duas pessoas. Mas um só e mesmo Filho Unigênito, Deus Verbo, Jesus Cris-
to Senhor; conforme os profetas outrora a seu respeito testemunharam, e o
mesmo Jesus Cristo nos ensinou e o credo dos padres nos transmitiu (BET-
TENSON, 1998, p. 101).

UNIDADE IV Verdadeiramente Homem e Verdadeiramente Deus 91


SAIBA MAIS

Para você que está entrando em contato com informações a respeito das escolas
teológicas da antiguidade do cristianismo pela primeira vez, as escolas antioquena
e alexandrina, ajudará a identificar as divergências entre elas e no que elas se
complementam algumas dicas.
Uma dica interessante para diferenciá-las está no conceito de comunicação de idiomas
ou comunicação de propriedades por ser um elemento importante que as diferencia nos
seus modos de fazer cristologia.
Comunicação de idiomas significa a comunicação de propriedades que pertencem
ao Verbo à carne, santificando-a e divinizando-a com a sua natureza divina. Significa
ainda afirmar que Jesus Cristo viveu, pensou e agiu, contemporaneamente como Deus
e como homem numa interação perfeita.
Enquanto os alexandrinos utilizavam o critério da “comunicação de idiomas” ou
“comunicação de propriedades”, a escola antioquena não a considerava.

Fonte: A Autora (2022).

REFLITA

Chegando ao final do curso de cristologia, eu gostaria de lhe propor uma reflexão a partir
da seguinte afirmação:
“Quando Deus quis nos mostrar rasgadamente o seu amor, nos beijou com lábios
humanos”.

Para lhe auxiliar na reflexão, sugiro que leia o artigo que está indicado abaixo.

Fonte: WOLFART, Gaziela. A humanidade de Jesus como divindade e amor. Revista do Instituto Humanitas
Unisinos. Edição 336, 06 Jul. 2010. Disponível em: http://www.ihuonline.unisinos.br/artigo/3361-jose-
ignacio-gonzalez-faus-1. Acesso em: 02 dez. 2021.

UNIDADE IV Verdadeiramente Homem e Verdadeiramente Deus 92


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A última unidade do curso de cristologia teve a intenção de refletir a respeito do


desenvolvimento do dogma cristão como sistematização dos dados fornecidos pelo próprio
Jesus Cristo, em sua vida terrena, a respeito de si mesmo. Isto aconteceu através de um
longo processo de amadurecimento, reflexões e muito estudo pelo mérito dos padres da
igreja antiga que, abertos a ação do espírito de Deus, não mediram esforços para dedicarem
suas vidas a este fim.
O processo de clarificação teve a participação das representações da Igreja de
todos os lugares onde ela estava presente, garantindo assim, o aspecto da recepção
comunitária do grande dom de Deus, o seu Filho único para nos fazer conhecer melhor o
Seu amor por nós, o seu projeto criacional e nos devolver a beleza e a comunhão com Deus
conforme era na nossa origem.
Para alcançar a este fim estudamos os quatro primeiros concílios ecumênicos
cristãos nos quais foram esclarecidos os principais aspectos a respeito da realidade de
Jesus Cristo. Por meio deles você pode conhecer o fundamento da fé cristã: que o filho
de Deus se fez humano e habitou entre nós conservando em si plena e perfeitamente a
natureza divina ao mesmo tempo unida a natureza humana, sem confusão, sem perdas,
sem sobreposição, enfim, do modo que só a Deus é possível.

UNIDADE IV Verdadeiramente Homem e Verdadeiramente Deus 93


LEITURA COMPLEMENTAR

Depois de ter estudado sobre os principais concílios ecumênicos antigos nos quais
discutiu-se sobre a natureza humana e divina de Cristo, é oportuno ler o artigo publicado
no site da Faculdade São Basílio Magno o qual oferece uma visão sintética não só dos
quatro primeiros concílios, que foram mais cristológicos, mas também dos sete primeiros
que definiram o dogma cristão.

Fonte: FASBAM – Faculdade São Basílio Magno. Fatos rápidos sobre os Primeiros
7 Concílios Ecumênicos. Disponível: https://fasbam.edu.br/2019/05/22/fatos-rapidos-sobre-
os-primeiros-7-concilios-ecumenicos/. Acesso em: 02 dez. 2021.

UNIDADE IV Verdadeiramente Homem e Verdadeiramente Deus 94


MATERIAL COMPLEMENTAR

LIVRO
Título: História das Heresias.
Autor: Roque Frangiotti.
Editora: Paulus.
Sinopse: Este livro oferece ao público as posições teológicas que
causaram tantas inquietações à fé cristã por negarem o núcleo de
sua fé: as heresias. O livro apresenta a história das heresias desde
as origens do cristianismo até o início da Idade Média, ocupando
maior espaço aquelas que foram mais problemáticas, mostrando
os conflitos ideológicos dentro do cristianismo.

FILME/VÍDEO
Título: O céu é de verdade.
Ano: 2014.
Sinopse: O filme é um drama que reforça algo fundamental: a
importância da fé. A vida, em todas as suas facetas, incluindo a
dor e a morte, ganha novo sentido quando é a fé que nos move
ao melhor de nós mesmos na direção de algo que valha mais que
a própria vida. Você vai ver a história de Todd Burpo, um pastor e
bombeiro voluntário em uma pequena cidade do Nebraska. Ele e
sua esposa enfrentam uma situação complicada quando seu filho,
Colton, precisa ser operado às pressas. Felizes com a recuperação
milagrosa da criança, eles não estão preparados para o que vem
a seguir. Colton conta que foi ao céu e voltou e diz coisas que não
teria como saber. Convicto de que o filho visitou o paraíso, Todd
passa a questionar sua própria fé daquilo que pregava até então.
Link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=bjmK8VB6qP4

UNIDADE IV Verdadeiramente Homem e Verdadeiramente Deus 95


REFERÊNCIAS

A BÍBLIA. A bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2013, p. 1984.

ALBERIGO, Giuseppe (org.). Histórias dos Concílios Ecumênicos. São Paulo, Paulus,
1995.

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101.

BOFF, L. Jesus Cristo Libertador. Petrópolis, 2012.

BOFF, L. Jesus Cristo Libertador: ensaio de cristologia crítica para o nosso tempo. Petró-
polis: Vozes, 2012.

BOFF, L. Jesus Cristo libertador: ensaio de cristologia crítica para o nosso tempo. Petró-
polis, Vozes. p.111s, 2012.

CABRAL, R. O Reino de Deus no pensamento e nas ações de Dom Helder Câmara: uma
análise teológica. Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Teologia da
Pontifícia Universidade Católica do Paraná, como requisito parcial à obtenção do título de
Doutora em Teologia, no 26/08/2021, em processo de registro e fechamento de protocolo.
PUCPR, 2021.

CULLMANN, O. Cristologia do Novo Testamento. São Paulo: Custon, 2004.

DUPUIS J. Introdução à cristologia. São Paulo: Loyola, 1999.

DUPUIS, J. Introdução à Cristologia. São Paulo: Edições Loyola, 1999.

FABRIS, R. Jesus de Nazaré. História e interpretação, São Paulo: Loyola, 1988.

FRANGOTTI, R. História das heresias. São Paulo: Paulus, 1995.

96
KONINGS, J. A questão do Jesus Histórico. HORIZONTE - Revista de Estudos de Teolo-
gia e Ciências da Religião, v. 1, n. 1, p. 55-58, 1 jan. 1997.

LACOSTE, Y. (Org). Dicionário Crítico de Teologia. São Paulo: Paulus e Loyola, 2004.

LIBANIO, J. B. Jesus e os grupos do seu tempo.s/d. Disponível em: http://www.jblibanio.


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LIBÂNIO, J. B.; BINGEMER, M. C. L. Escatologia cristã: o novo céu e a nova terra. Front
Cover. J. B. Vozes Eschatology, 1985.

LOEWE, William. Introdução à cristologia. São Paulo: Paulus, 2000.

MACKENZIE, J. L. Dicionário Bíblico. 1. Ed. São Paulo: Ed. Paulinas, 1983.

MCKENZIE, J. L. Dicionário Bíblico, São Paulo: Paulus, 1983.

PAGOLA, J. A. Jesus – aproximação histórica. Petrópolis: Vozes, 2011.

PIKAZA, X. Dicionário Teológico o Deus Cristão. São Paulo: Paulus,1998.

SCHNEIDER, T. (org.) Manual de Dogmática I. Petrópolis: Vozes, 2002.

SCHOKEL, L. A.; DIAZ, J. L. S. Profetas II. São Paulo: Paulinas. 1991, p. 708-709.

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Paulo: Loyola, 2002.

SESBUÈ, B. O Deus da salvação. São Paulo: Loyola. vol. 1, p. 206s, 2002.

STORNIOLO, I. Introdução ao Novo Testamento: Bíblia Sagrada, Edição pastoral. 1. ed.


São Paulo: Paulus, 1990.

97
CONCLUSÃO GERAL

Caro (a) Aluno (a) Chegamos ao Final, Parabéns!

Agora você tem a compreensão da importância desta disciplina e do seu conteúdo


na grade do curso de Teologia. Nela você conheceu os conceitos fundamentais da teologia
cristã a respeito de Jesus Cristo, sua construção histórica e o conjunto de crenças que
compõem esta fé.
Estivemos juntos nessa jornada por meio das vídeo aulas e do material de apoio
que foi formulado de forma especial para sua edificação na construção de um bom teólogo.
Ah, não nos esqueçamos das atividades, que, nos aprimorar e nos ajudaram a fixar o
conteúdo de maneira prática durante o desenvolvimento da disciplina.
Logo no primeiro tópico estudamos o conceito de cristologia, as características
fundamentais e as diferentes metodologias de estudo. Através da “antiga questão do Jesus
histórico”, um acontecimento significativo dentro da Cristologia, como fundamento na teologia.
No segundo tópico, procuramos entender e conhecer as expectativas messiânicas
de Israel, o “Reino de Deus” na visão do Antigo Testamento. Entramos na questão do “Filho
do Homem”, anunciado e citado nos Livros de Daniel e Ezequiel.
O terceiro tópico nos levou a entender as indagações de Jesus ao ser humano,
sobre quem de fato Ele era, sua importância e sua necessidade para os indivíduos e para
toda a humanidade. Observamos as relações Jesus e o Templo, Jesus e a Lei, e demais
relações importantes para a constituição de um Messias dos judeus, que, também, era o
Salvador dos gentios.
Terminamos o último tópico e, assim, a apostila, com uma investigação tipicamente
dogmática para conhecer as cláusulas vinculantes da fé cristã a respeito de Jesus Cristo.
Adentramos na questão dos Concílios da Igreja, em que, compreendemos a necessidade
de resolver questões primordiais para o Evangelho, afinal, Jesus, sendo humano e divino,
proporcionaria uma certa reflexão teológica mais aprofundada para a Igreja.
O trajeto para ampliar seu conhecimento já foi apresentado. E esta trajetória de
conhecimentos teológicos deve proporcionar um discernimento mais refinado e profundo à
sua concepção de uma cristologia; impactante para sociedade e para as gerações.

Que Deus o ilumine em seus estudos!

98
+55 (44) 3045 9898
Rua Getúlio Vargas, 333 - Centro
CEP 87.702-200 - Paranavaí - PR
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