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SOCIOLOGIA
DA RELIGIÃO
PROF. CEZAR FLORA
Abril / 2020
Professor/autor: Mestrando Cezar Flora
Contribuição: Alex Fajardo (Unidade IV)
Projeto Gráfico e Capa: Mauro Rota - Departamento de Marketing e Comunicação
Todos os direitos em língua portuguesa reservados por:
Unidade I - Fundamentos
1. Pensar sociologicamente..................................................................................................04
2. Religiãoe sociedade...........................................................................................................16
3. Perspectivas clássicas......................................................................................................25
2. Comunidade religiosa........................................................................................................51
3. Identidade religiosa............................................................................................................60
2. Movimentos Messiânicos................................................................................................111
1. Pensar sociologicamente
1.1. Sobre as nossas leituras cotidianas
Registros históricos testemunham que há muito o ser humano busca
refletir sobre sua conduta com o outros e seu estar no mundo em geral.
A expressão desta reflexão pode adquirir múltiplas formas (textos,
monumentos, histórias, sabedoria, ditos, mitos etc.) que, por sua vez,
indicam como este pensar pode se dar por diferentes meios e situações.
Todavia, cada forma implica uma maneira distinta de fazer uso deste
pensar. Como exemplo, tomemos os ditos da sabedoria popular.
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Presentes em nosso dia a dia, a antiguidade de alguns se perde nas
areias da história. Entretanto, em sentido geral, indicam como entender,
entender-se e colocar-se diante de determinadas situações.
Glossário
Conhecimento tácito: o conhecimento que orienta a nossa conduta
cotidiana sem que necessariamente tenhamos a capacidade de
dizer como e porque “é assim”. Ou seja, mesmo sem saber enunciar
as regras este saber orienta e dá forma às tarefas do dia a dia.
Pensar o humano enquanto “ser com o outro”, eis uma das principais
características da imaginação sociológica. Porém, este pensar busca nos
conduzir para além do nosso mundo familiar, das respostas possíveis a
partir dos limites das nossas experiências cotidianas. Pensar tanto as
relações micro quanto as relações macro, porém, em constante conexão
entre si. A expansão do nosso horizonte de observação nos conduz
para um processo de desfamiliarização ao nos levar para além das
considerações possíveis à luz do nosso mundo cotidiano, para além das
respostas tidas como certas e autoevidentes.
Como bem pontuado por Giddens, não se trata de buscar aquilo que
determina o comportamento humano, mas atentar para a constante
interação entre indivíduo e sociedade. Neste sentido, os nossos modelos
explicativos também devem sofrer alterações. Como indicamos acima, na
sociologia precisamos ir além dos modelos que buscam indicar uma ação
intencional identificável por trás de todas as situações. As ações devem
ser analisadas a partir de sua íntima conexão com processos sociais mais
amplos, sem isolar os atores sociais de seus respectivos contextos.
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A ampliação do campo do qual retiramos o material que fundamenta as
nossas conclusões possibilita que novas combinações de ideias surjam,
e assim, situações anteriormente encaradas como desvinculadas entre
si poderão surgir sob uma perspectiva que as aproxime, proporcionando
que novas leituras explicativas surjam para situações familiares,
questionando respostas tidas como certas e autoevidentes.
( ) Verdadeiro
( ) Falso
Saiba mais
Fichter conceitua instituição como “uma estrutura relativamente
permanente de padrões, papéis e relações que os indivíduos
realizam segundo determinadas formas sancionadas e unificadas,
com o objetivo de satisfazer necessidades sociais básicas”. (...)
Todas as instituições devem ter função e estrutura. Função é
a meta ou o propósito do grupo, cujo objetivo seria regular suas
necessidades. A estrutura é composta de pessoal (elementos
humanos); equipamentos (aparelhamento material ou imaterial);
organização (disposição do pessoal e do equipamento, observando-
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se uma hierarquia-autoridade e subordinação); comportamento
(normas que regulam a conduta e a atitude dos indivíduos).
LAKATOS, Eva Maria. Sociologia geral. São Paulo: Atlas, 1981
• Práticas rituais
• Um código ético
• Uma mitologia…
1.
A B C
O modelo B representa a ideia de separação que apresentamos nos
parágrafos acima, que tem a sua validade enquanto pensamos nas
dinâmicas internas aos grupos de uma determinada sociedade, e não
como indicação de um estar fora da sociedade. Uma interpretação
sociologicamente equivocada deste aspecto pode conduzir à ilusão da
autonomia absoluta do discurso religioso.
Exercício de aplicação - 03
Observe as duas imagens abaixo. A primeira retrata a cerimônia de
coroação do rei Carlos Magno como imperador romano, pelo Papa
Leão III, no dia 25 de dezembro de 800. A segunda imagem registra
um panorama dos presentes em uma congregação na cidade de
Montgomery, Alabama, EUA, enquanto Martin Luther King lhes diria
a palavra. A partir destas imagens, qual afirmação melhor define a
relação entre religião e sociedade?
a) Estrutura e ação
A questão básica envolvida neste dilema é: somos atores criativos,
controlando nossas condições de vida, ou, será que a maioria das
nossas ações são apenas resultados de forças sociais gerais que
nos controlam? Como veremos de forma mais detalhada abaixo, para
Durkheim a sociedade possui primazia sobre o indivíduo, restringindo
nossas atividades e estabelecendo limites para aquilo que fazemos
enquanto indivíduos. A sociedade é “externa” ao indivíduo, e é muito mais
do que a mera soma dos atos individuais.
Exercício de fixação - 04
Sobre os dilemas teóricos podemos afirmar que:
Marx não possui estudos detalhados sobre a religião, sendo suas ideias
a respeito deste tema originárias dos escritos de diversos teólogos e
filósofos do século XIX. Ludwig Feuerbach (1804-1872) foi um destes
filósofos. Em seu livro A essência do cristianismo, publicado em 1841,
Feuerbach afirmava que a religião é antropologia: “a religião, pelo
menos a cristã, é o relacionamento do homem consigo mesmo ou, mais
corretamente: com a sua essência; mas o relacionamento da sua essência
como uma outra essência. A essência divina não é nada mais do que
a essência humana (...) abstraída das limitações do homem individual”
(2007, p. 45). No entanto, segundo o autor, este reconhecimento tem
aspectos positivos, pois os valores outrora projetados na religião agora
podem ser concretizados na terra, e não adiados para um além-mundo.
Saiba mais
Este é o fundamento da crítica irreligiosa: o homem faz a religião, a
religião não faz o homem. E a religião é de fato a autoconsciência e o
auto sentimento do homem, que ou ainda não conquistou a si mesmo
ou já se perdeu novamente. Mas o homem não é um ser abstrato,
acocorado fora do mundo. O homem é o mundo do homem, o Estado,
a sociedade. Esse estado e essa sociedade produzem a religião,
uma consciência invertida do mundo, porque eles são um mundo
invertido. A religião é a teoria geral deste mundo (...) sua sanção
moral, seu complemento solene, sua base geral de consolação e
de justificação (...) a luta contra a religião é, indiretamente, contra
aquele mundo cujo aroma espiritual é a religião.
A miséria religiosa constitui ao mesmo tempo a expressão da
miséria real e o protesto contra a miséria real. A religião é o suspiro
da criatura oprimida, o ânimo de um mundo sem coração, assim
como o espírito de estados de coisas embrutecidos. Ela é o ópio
do povo.
Como pensar a religião a partir desta perspectiva e qual o seu papel para
as transformações sociais? Reflexões a respeito da religião ocupam um
espaço significativo na obra de Weber. Ele dedicou estudos às religiões
que atraíram um grande número de fiéis, e que afetaram o rumo da
história: cristianismo, hinduismo, budismo, confucionismo, taoísmo
e islamismo. Para Weber a religião não é necessariamente uma força
conservadora, ao contrário, movimentos inspirados na religião podem
gerar transformações significativas.
Exercício de fixação - 05
Marx, Weber e Durkheim são alguns dos pensadores que legaram
ferramentas significativas para a formação e estruturação da
disciplina. A respeito de suas afirmações sobre a religião, vincule a
afirmação ao seu pensador.
a) A religião aliena o ser humano, impedindo-o de reconhecer a
realidade social dada enquanto um produto histórico.
b) Por trás das religiões há algo que perdura, independente dos
símbolos que elas desenvolveram ao longo da história: o papel de
manter e revigorar os sentimentos coletivos.
c) A relação entre religião e sociedade não se resume a uma
única possibilidade, pois a religião pode inspirar transformações
significativas.
( ) Karl Marx ( ) Max Weber ( ) Émile Durkheim
Referência Bibliográficas
DIAS, Agemir de Carvalho. Sociologia da religião: introdução às teorias
sociológicas sobre o fenômeno religioso. São Paulo: Paulinas, 2012
(Coleção temas do ensino religioso)
Leitura complementar
BAUMAN, Zygmunt. Aprendendo a pensar com a sociologia. Rio de
Janeiro: Zahar, 2010. pp. 33-50.
Introdução
Nesta segunda Unidade nos voltaremos para alguns aspectos internos da
vida comunitária dos grupos religiosos. Mergulhados no mundo familiar
de determinado grupo religioso estamos por vezes limitados à linguagem
e aos referenciais de leitura próprios do grupo, e nos debatemos frente a
incapacidade de compreendermos melhor algumas dinâmicas presentes
em nossas comunidades, e muito mais quando buscamos avaliar outras
comunidades à luz desses mesmos conceitos.
Saiba mais
As grandes tradições religiosas, constituídas e reproduzidas no
Ocidente, são exemplos de organizações institucionais resultantes
de longos anos de racionalização. Constituíram burocracias
estruturadas a partir do princípio de coerência e de eficiência de
suas normas e funções. Dentre elas, a Igreja Católica é o exemplo
mais concreto. Constituída, sobretudo, do contato com a estrutura
social e política do Império Romano, a Igreja Católica aprimorou
uma organização geopolítica que ganhou corpo e solidez ao longo
dos séculos. A fundamentação teológica e jurídica de sua estrutura
e dinâmica fixa normas e papéis religiosos e garante sua reprodução
em suas várias frentes de atuação. por outro lado, os inúmeros
grupos religiosos organizados ao longo da história do cristianismo
mostram as reações carismáticas à organização burocrática das
chamadas Igrejas históricas, construindo um campo de forças
elucidativo dos tipos religiosos seita-igreja. As burocracias
religiosas carregam, paradoxalmente, o germe da oposição e
da divisão, de forma que eclodem em seu seio movimentos de
renovação buscando garantir a liberdade e a espontaneidade da
experiência religiosa.
PASSOS, João Décio. Como a religião se organiza. São Paulo:
Paulinas, 2006, p. 20
Exercício de aplicação - 06
A religião possui múltiplas formas de organização e de interação
social entre seus adeptos. Abaixo temos a celebração de uma
missa católica e de um ritual hindu. A partir do que discutimos
nesse ponto podemos afirmar que:
SEITA IGREJA
Grupo pequeno Grupo amplo
Oposição ao mundo Relação com o mundo
Passos, 2006, p. 84
Sociologia da Religião | FTSA | 47
Denominação e culto são dois termos que também estão presentes na
sociologia como instrumentos de classificação dos grupos religiosos.
Buscando analisar a realidade das igrejas americanas no início do século
XX, H. R. Niebuhr (1992) percebeu que a dicotomia igreja-seita não era
suficiente para abranger a realidade do denominacionalismo americano.
Sua contribuição foi apresentar a noção igreja-seita como pólos de um
continuum, e não como categorias separadas. Suas análises históricas se
voltam para esse processo de modificação, que resulta em modificações
estruturais inevitáveis para a seita. Diferente da igreja a denominação
não é universal, e, diferente da seita, apresenta um papel especializado
do ministro e um compromisso ético com o mundo mais relaxado (Tinaz,
2005). Uma outra definição pode ser: “uma seita que ‘se acalmou’ e se
transformou em um organismo institucionalizado, e não em um grupo de
protestos ativos” (Giddens, 2005, p. 434). Como exemplo: os movimentos
calvinistas e metodistas que nascem com seitas, despertando grande fervor
entre seus membros, e depois adquirem legitimidade frente às igrejas.
Howard Becker, para além dos três termos acima, definiu o conceito de
culto: um tipo de quase-grupo envolvido em uma busca individual por
experiências extáticas. A principal preocupação dos adeptos destes
grupos amorfos é buscar o êxtase da experiência puramente pessoal de
salvação, conforto e cura, e não com a manutenção da estrutura, seja
nos moldes da igreja ou da seita (Tinaz, 2005). Nestes grupos não há
um ingresso formal, mas, sim, uma vinculação à teorias específicas ou
comportamentos determinados. Como exemplo: adeptos da astrologia,
meditação transcendental e outros.
2. Comunidade religiosa
2.1. Diferentes formas de “estar junto”
Neste tópico olharemos para o aspecto social do fenômeno religioso
a partir da perspectiva do conceito de grupo social. Para os nossos
propósitos aqui vamos partir de uma noção geral, definindo o grupo
social enquanto uma reunião de indivíduos interagindo entre si de forma
sistemática, tendo consciência de uma identidade comum. Porém, à luz
do que discutimos no ponto acima podemos perceber o quanto esse
conceito pode variar. Para fins didáticos vamos pensar em dois tipos
(reforçando: um modelo teórico), pólos de um mesmo continuum:
Exercício de fixação - 07
A respeito da relação entre tradição e modernidade podemos
afirmar que:
2.3. Comunidade
Ao mesmo tempo em que enfraquece o laço entre indivíduo e grupos de
referência a dinâmica da sociedade contemporânea mostra-se também
mais impessoal. Neste contexto a palavra comunidade apresenta-se
carregada de um forte fator afetivo. Ao ouvirmos a palavra comunidade
temos a impressão que “ela sugere alguma coisa boa: o que quer que
‘comunidade’ signifique, é bom ‘ter uma comunidade’, ‘estar numa
comunidade’ (...) Comunidade, sentimos, é sempre uma coisa boa”
(Bauman, 2003, p. 7). Devido a esse vínculo afetivo a definição do
conceito pode se tornar controversa; estreita demais ou ampla demais, e
com toques bastante idealistas.
Sociologia da Religião | FTSA | 55
Dentre os significados possíveis, podemos indicar três: (i) uma localidade
territorialmente delimitada, (ii) um sistema social local, dentro de uma
localidade e (iii) um tipo de relacionamento que envolve um senso
compartilhado de identidade, que pode se manter mesmo após uma
mudança de localidade. Para os propósitos da discussão aqui em curso,
o terceiro se mostra mais significativo, pois traz um aspecto comunal -
um compartilhar de vida. Embora seja um conceito válido, deve-se tomar
alguns cuidados: (i) utilizar a ideia da comunidade em viés normativo,
colocando-a como moralmente superior a outras formas de fixação
humana e (ii) fixar-se na vida interna e deixar de conectar a vida das
pessoas com o mundo externo (Giddens e Sutton, 2017, p. 185).
Exercício de fixação - 08
Sobre o conceito de secularização podemos afirmar que:
3. Identidade religiosa
3.1. Socialização e identidade
A socialização é o processo de assimilação de uma determinada forma
de vida, o processo pelo qual os novos membros são imersos nos hábitos,
valores, regras de uma determinada comunidade. É uma forma de ligação
entre as gerações. O período mais intenso dessa assimilação se dá na
infância. Mas, ao longo da vida o indivíduo é socializado em diferentes
grupos, instituições, etc. Esse processo também pode ser descrito como
um momento de transmissão, a ação que assegura a sobrevivência de
uma sociedade. Ela é tanto a aquisição das maneiras de pensar, agir e
sentir do grupo quanto a integração da cultura na personalidade, ou seja,
a interiorização de determinada cultura no indivíduo.
Por outro lado, a identidade pessoal nos separa como indivíduos distintos,
e “se refere ao processo de autodesenvolvimento através do qual
formulamos um sentido único de nós mesmos e de nossa relação com
o mundo à nossa volta”. O sentido de si mesmo de um indivíduo é criado
e moldado através de uma constante negociação do indivíduo com o
mundo exterior. Porém, em comparação com as sociedades tradicionais,
Sociologia da Religião | FTSA | 61
no mundo moderno assistimos a um deslocamento de fatores fixos e
herdados capazes de guiar previamente a formação das identidades.
Para uma melhor contextualização da discussão, e colocação em foco
da questão das identidades religiosas, detenhamo-nos um pouco mais
sobre alguns traços desta mudança cultural.
Fazendo uso da razão o ser humano era intimado a romper os grilhões sob
os quais a humanidade encontrava-se aprisionada. A razão possibilitaria
a construção de uma nova ordem social e econômica - um projeto
estrutural. A história era vista como possuindo um telos (finalidade),
algum tipo de sociedade boa, justa e sem conflitos — apropriação secular
da utopia religiosa. Guiar-se pela razão não se restringia a um projeto
pessoal, pois a razão, uma propriedade de todos os seres humanos,
vinculava o indivíduo a um projeto coletivo.
Exercício de aplicação - 09
Quais afirmações abaixo descrevem características do contexto
contemporâneo em relação à construção das identidades:
I – Há uma maior liberdade do indivíduo em relação aos laços com
a comunidade
II – As identidades são mais fluidas e a vida mais episódica que
contínua
III – As identidades pessoais são vistas como uma criação e não
como herança
a) Apenas I está correta
b) I e II estão corretas
c) Todas estão corretas
Exercício de reflexão - 10
Em termos numéricos o Brasil continua sendo um país de tradição
religiosa cristã. Católicos e protestantes (evangélicos) ocupam
os primeiros lugares nos dados do censo. Entretanto, é inegável o
fato de que cada vez mais as grandes religiões tradicionais estão
cedendo espaço para uma busca crescente de novas experiências
religiosas ou religiosidades não convencionais, que vão assumindo
o terceiro lugar nas pesquisas vinculadas ao censo. Como podemos
explicar esse fato à luz do que discutimos nessa Unidade? (200
palavras)
Considerações Finais
Ao final desta Unidade completamos um itinerário mais teórico, que
iniciamos na Unidade I. Nosso trabalho até aqui foi levantar questões
próprias à sociologia da religião e mapear alguns dos conceitos que
marcam as discussões na disciplina. Embora a sociologia seja uma
disciplina relativamente nova, creio que pudemos perceber o quão
dinâmicas são as discussões e a consequente redefinição de conceitos
frente a experiência humana em constante transformação.
Referência Bibliográficas
WEBER, Max. Ensaios de sociologia. Rio de Janeiro: Editora LTC, 1982
Leituras complementares
LAKATOS, Eva Maria. Sociologia geral. São Paulo: Atlas, 1981. pp.102-
121
Boris Fausto (2015, p. 14) propõe uma distinção entre dois grandes
blocos: os tupis-guaranis e os tapuias (termo utilizado pelos tupis-
guaranis para se referirem aos índios que falavam outra língua:
goitacases, aimorés, tremembés). A forma de relação dos índios para
com os portugueses variou entre os grupos, desde a cooperação até a
resistência violenta. Mas, em linhas gerais, deste contato resultou tanto
uma população mestiça, presente de forma silenciosa na formação da
sociedade brasileira, quanto uma catástrofe que dizimou grande parte
desta população.
E aqui nos deparamos com o terceiro grupo que desejamos focar nesse
tópico: os africanos. A implementação do negro nos engenhos de açúcar
já havia sido ensaiada nas ilhas do Atlântico e, frente às vantagens
econômicas (tanto o valor da mão de obra quanto o lucro do próprio tráfico),
o modelo foi implantado no Brasil. Calcula-se que, de 1525 (primeiro
desembarque registrado) até 1855, foram traficados aproximadamente
4 milhões de escravos para o Brasil. Embora o fenômeno da escravidão
não fosse algo novo, porém, a forma que assumiu foi algo próprio.
Exercício de fixação - 11
A respeito da relação entre portugueses, índios e africanos no
processo de construção da matriz religiosa do Brasil Colonial
podemos afirmar que:
1950 1980
São Paulo 2,2 milhões 12 milhões
Rio de Janeiro 2,4 milhões 9 milhões
Belo Horizonte 350 mil 2,5 milhões
Porto Alegre 400 mil 2,1 milhões
Recife 500 mil 2,1 milhões
Salvador 400 mil 1,7 milhões
VÍDEO: https://www.youtube.com/watch?v=IBTSMTUogHw
VÍDEO: https://www.youtube.com/watch?v=BEFqsxQqwHo
João Décio Passos (2000) chama atenção para algumas das implicações
possíveis entre urbanização e religião. Segundo autor, nesta dinâmica
precisamos enxergar dialética sociocultural entre dois elementos
assimétricos: a dimensão cultural e as transformações socioeconômicas.
A história da formação sociocultural do Brasil mostra um longo
predomínio do espaço rural. Devido ao modelo de exploração por parte
da metrópole, enquanto a Europa se modernizava, o Brasil permaneceu
uma sociedade agrária em todos os aspectos (produção econômica,
distribuição demográfica e processos culturais), e assim entrou no
século XX. A religião que se desenvolveu no Brasil também desenvolveu-
se sobre si mesma, consolidando-se em uma tradição autônoma, com
fortes cores rurais e medievais.
Exercício de Aplicação - 12
Diante das dinâmicas indicadas, a respeito das mudanças no
comportamento religioso podemos afirmar que:
I – Questões sociais e econômicas fornecem recursos essenciais
para a compreensão das transformações religiosas.
II – Cada contexto social contribui de forma essencial, embora não
determinante, para a construção das dinâmicas religiosas.
III – Novos contextos de vivência da experiência religiosa trazem
também novos desafios que serão significativos para o surgimento
de formas alternativas para a prática religiosa.
Estão corretas as afirmativas:
I e II
II e III
I, II e III
Durante um pouco mais de 400 anos o Brasil foi um território onde sua
população estava profundamente relacionada à dinâmica da vida rural,
principalmente às grandes plantações. Este foi o modo de produção a
partir do qual se construíam as relações em sociedade e com o mundo
natural. A urbanização e metropolização do Brasil impôs uma nova
dinâmica à vida, possibilitando uma maneira distinta de perceber-se com
os outros e de estar no mundo. O contexto urbano moderno colocou
novas questões existenciais para as quais a religião se viu diante da
necessidade de assumir novas práticas e discursos.
Exercício de fixação - 13
A respeito do posicionamento frente à apresentação dos dados de
uma pesquisa, quais das atitudes abaixo não devem caracterizar o
comportamento de quem se coloca a estudar o fenômeno religioso?
O sociólogo e teólogo, Ricardo Bitun (2007 pág. 104) comenta que existe
duas etapas de trânsito religioso, o inter-religioso e o intra-religioso.
Como ainda não temos dados sobre isso entre os evangélicos, olhemos
para um aspecto de alguns dos adeptos das religiões espíritas e africanas.
98 | Sociologia da Religião | FTSA
Uma das dificuldades do Censo em identificar os praticantes dessas
religiões é a vinculação dos mesmos à Igreja Católica Assim, quando
perguntados pelos agentes do censo, declaram-se católicos. Vemos
essa proximidade na famosa Festa do Senhor do Bonfim, celebrada na
quinta-feira que antecede o segundo domingo após o Dia de Reis. Nesta
celebração a imagem (uma figuração de Jesus Cristo) é carregada
em procissão ao longo de 8 Km, entre a Basílica de Nossa Senhora da
Conceição da Praia e a Igreja do Bonfim. Ao final as baianas, praticantes
do Candomblé, lavam as escadarias da igreja com água de cheiro, e é
tocado o Hino do Senhor do Bonfim. Qual a relação destes participantes
com o “pacote fechado” da Igreja Católica? Mas, por outro lado, as
próprias religiões afrodescendentes não se mostram como um “pacote
fechado” e exclusivista, tal como outros grupos religiosos tradicionais.
Exercício de reflexão - 15
Frente ao novo comportamento dos féis em relação às instituições,
como pensar o futuro destas instituições? (200 palavras)
Referências Bibliográficas
GRILLO, Marco. Desde 2010, uma nova organização surge por hora. 26 de
março de 2017. Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/desde-
2010-uma-nova-organizacao-religiosa-surge-por-hora-21114799
Introdução
Como vimos ao longo das unidades anteriores, a religião relaciona-se com
todas as esferas da vida. Assim, ao final deste percurso, nos voltaremos
para alguns recortes temáticos. Os pontos desta unidade não serão
sequenciais, mas, explorações pontuais de questões específicas. Para
tanto, escolhemos quatro recortes. No primeiro refletiremos sobre os
padrões existentes na relação entre evangélicos e política. Na sequencia, o
nosso tema será o messianismo, um comportamento religioso vinculado
profundamente a causas sociais. Depois, algumas especificidades que
diferenciaram a atuação dos evangélicos tradicionais e dos pentecostais,
a partir do da função da escrita e da oralidade. E por último, um estudo
de caso que, embora pareça estar um pouco distante da nossa realidade,
nos chama atenção para a importância de um estado laico.
2.2. Sebastianismo
Um dos primeiros movimentos messiânicos na história moderna é
conhecido por sebastianismo, de origem portuguesa. Em 1578, Dom
Sebastião, rei de Portugal, estava em batalha para expansão do império
português. Esta batalha ocorreu onde atualmente é o território marroquino.
Portugal perdeu a batalha e o corpo do rei não foi encontrando. Correu
a lenda que o rei teria desaparecido em meio a multidão e não teria
morrido. O rei não tinha herdeiros e sua morte ou desaparecimento
colocou Portugal em uma situação de crise, perdendo sua identidade
e independência política. O país foi por 60 anos governado por uma
aliança política com a Espanha. Por séculos a espera de D. Sebastião
Sociologia da Religião | FTSA | 111
foi aguardada no imaginário popular. Portugal nunca mais alcançou o
prestigio de potência política que perdera e apenas um retorno de seu rei
poderia solucionar a crise.
Saiba mais
O Filme. Em 2002, o diretor Fabio Barreto filmou a
história dos Muckers. O Filme A Paixão de Jacobina
tem duração de 100 minutos. Apresenta Jacobina
como personagem central, onde cativa seus fiéis
com uma espiritualidade e sensualidade recriados
pelo autor. O filme apresenta o fim do mundo como
algo eminente e a tensão crescente em Ferrabrás
entre os seguidores de Jacobina e os colonos que
a hostilizavam chamando de bruxa e farsante. O
filme teve seu roteiro baseado no romance Videiras
de Cristal, de Luiz Antônio de Assis Brasil, publicado
em 1990.
Exercício de fixação - 17
Após a leitura sobre movimentos messiânicos, com os exemplos do
sebastianismo e do muckers quais dessas características podem
ser destacadas nos movimentos messiânicos?
I – Líder carismático
c) I, II e IV estão corretas.
d) I, IV e V estão corretas.
Exercício de reflexão - 18
Na cidade onde você mora, é possível identificar com facilidade
esses elementos de literalidade e oralidade nos diversos grupos de
evangélicos existentes? Você também consegue identificar essas
categorias em outras religiões (espíritas ou afro-brasileiras)? Após
refletir sobre isso, elabore uma resposta sobre a importância de
conhecer esses elementos para preparar estratégias de expansão
de um grupo religioso? E qual é o elemento que você considera ser
mais utilizado atualmente? (100 palavras)
Saiba mais
O termo Estado refere-se à unidade administrativa de um território. É
constituído pelo conjunto de instituições públicas que representam,
organizam e atendem – ao menos teoricamente – as demandas da
população que habita o seu território.
Referências Bibliográficas
CAMPOS, Leonildo Silveira, De “Políticos evangélicos” A “Políticos
de Cristo”: La Trayectoria de lãs acciones y mentalidad política de los
evangélicos brasileños en el paso del siglo XX al siglo XXI Ciencias
Sociales y Religión/Ciências Sociais e Religião, Porto Alegre, ano 7, n. 7,
p. 157-186, setembro de 2005