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BACHARELADO EM TEOLOGIA

ÁREA: ANÁLISE DA REALIDADE

SOCIOLOGIA
DA RELIGIÃO
PROF. CEZAR FLORA
Abril / 2020
Professor/autor: Mestrando Cezar Flora
Contribuição: Alex Fajardo (Unidade IV)
Projeto Gráfico e Capa: Mauro Rota - Departamento de Marketing e Comunicação
Todos os direitos em língua portuguesa reservados por:

Rua: Martinho Lutero, 277 - Gleba Palhano - Londrina - PR


86055-670 Tel.: (43) 3371.0200
SUMÁRIO
Sociologia da Religião

Unidade I - Fundamentos

1. Pensar sociologicamente..................................................................................................04

2. Religiãoe sociedade...........................................................................................................16

3. Perspectivas clássicas......................................................................................................25

Unidade II - Dinâmicas da Vida Religiosa

1. Como classificar as diferentes formas de organização da religião?.............................38

2. Comunidade religiosa........................................................................................................51

3. Identidade religiosa............................................................................................................60

Unidade III - O Quadro Religioso Brasileiro

1. Um panorama histórico-social da religiosidade brasileira..............................................71

2. O trânsito religioso no Brasil.............................................................................................85

Unidade IV - Recortes Temáticos

1. Evangélicos e a política: observação sócio-histórica.....................................................103

2. Movimentos Messiânicos................................................................................................111

3. Religião do livro versus a cultura da oralidade e crescimento pentecostal.................118

4. Estudo de caso: Cemitérios protestantes........................................................................123

Acesse o AVA para fazer os exercícios .....................................................................136

Sociologia da Religião | FTSA | 3


UNIDADE I - Fundamentos
Introdução
Vez ou outra temas envolvendo a religião se fazem presentes nos noticiários
ou mesmo em nossas conversas cotidianas. Normalmente todos têm uma
opinião a dar, independente da qualidade dos argumentos ou da validade
da leitura defendida. Frente a essa “babel” de argumentos há um ditado
popular que recomenda não “discutir” sobre o tema. Porém, como não parar
para pensar em um tema tão profundamente enraizado na sociedade? Um
caminho positivo frente a esse dilema seria então pensarmos em como
colocar o assunto em pauta para além das discussões informais do dia a
dia. Este será o objetivo desta nossa primeira unidade.

Partindo da forma como interpretamos o mundo através das nossas


referências familiares pontuaremos as contribuições que a sociologia
pode fornecer para a estruturação de um pensamento voltado para os
temas relacionados à conduta do ser humano em suas interações com
o outro, ou seja: como tornar a religião em um objeto de estudo a partir
das questões próprias à sociologia. Após essas primeiras considerações
metodológicas buscaremos levantar algumas formas através das quais
se dá a relação entre religião e sociedade, indicando alguns dos dilemas
presentes nesta tarefa. Por fim, com a ajuda de autores clássicos veremos
como esse exercício de pensamento pode se dar na prática.

1. Pensar sociologicamente
1.1. Sobre as nossas leituras cotidianas
Registros históricos testemunham que há muito o ser humano busca
refletir sobre sua conduta com o outros e seu estar no mundo em geral.
A expressão desta reflexão pode adquirir múltiplas formas (textos,
monumentos, histórias, sabedoria, ditos, mitos etc.) que, por sua vez,
indicam como este pensar pode se dar por diferentes meios e situações.
Todavia, cada forma implica uma maneira distinta de fazer uso deste
pensar. Como exemplo, tomemos os ditos da sabedoria popular.
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Presentes em nosso dia a dia, a antiguidade de alguns se perde nas
areias da história. Entretanto, em sentido geral, indicam como entender,
entender-se e colocar-se diante de determinadas situações.

Muitas páginas seriam necessárias para registrar a riqueza e diversidade


destes ditos, mas, citemos alguns: “em briga de marido e mulher
ninguém ‘mete’ a colher”; “filho de peixe, peixinho é”; e, por fim, um
diretamente relacionado com a nossa disciplina: “religião, política e
futebol não se discutem”. Estes ditos não tem por objetivo questionar
a realidade colocada, mas, pensar formas de se portar diante das
situações cotidianas da vida. Ou, no pior dos casos, apenas reforçar
estruturas sociais violentas e injustas. O que seria não “meter a colher”
em uma situação de violência doméstica? O que seria não questionar
uma situação de favoritismo? Em uma situação de polarização política e
religiosa, como não se posicionar diante da falta de diálogo que apenas
faz aumentar os profundos abismos existentes?

A sabedoria popular é apenas uma dentre as muitas formas através das


quais o humano pensa o seu estar com o outro no mundo feito pelos
seres humanos. Se parássemos para observar mais atentamente tudo o
que está envolvido em nossas relações sociais, pode ser que ficaríamos
espantados com a extraordinária quantidade de conhecimento tácito
que trazemos conosco, e que nos capacita a lidar com os desafios do
dia a dia. Todavia, ao mesmo tempo que necessário à vida cotidiana, o
conhecimento tácito também traz o risco de ser tomado como um tipo
de atitude natural que suspende todo e qualquer tipo de questionamento.

Glossário
Conhecimento tácito: o conhecimento que orienta a nossa conduta
cotidiana sem que necessariamente tenhamos a capacidade de
dizer como e porque “é assim”. Ou seja, mesmo sem saber enunciar
as regras este saber orienta e dá forma às tarefas do dia a dia.

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Desenvolver uma atitude crítica frente ao mundo que está “aí” requer
daquele que toma para si esta tarefa o enfrentamento de algumas
questões de método, ou seja: como conduzir este modo de pensar? Assim,
convém aqui destacar três dessas questões. Primeiro, o modelo que
utilizamos para dar sentido às ações dos outros. No dia a dia explicamos
as nossas ações com base em nossa experiência de nos reconhecermos
como “autores” destas, buscando identificar as nossas intenções. Numa
aproximação inicial é este o modelo explicativo que buscamos aplicar
quando nos colocamos a analisar as ações dos outros ao nosso redor,
ou mesmo das instituições sociais (estado, família, igreja, mercado, etc).
Neste sentido, buscamos explicar as situações do mundo feito pelos
humanos simplesmente como resultado da ação intencional de alguém
(singular ou plural) identificável.

A segunda questão se refere ao isolamento entre os atores individuais


em ações isoladas e os processos sociais mais amplos. Neste sentido,
buscamos explicar as ações unicamente a partir do indivíduo, sem levar
em conta a sua íntima ligação com processos sociais bem mais amplos
que as questões imediatas em consideração. Alguns discursos em alta
hoje em dia lançam sobre o indivíduo toda a responsabilidade na solução
dos seus problemas, e assim, frente a essa privatização, se há um olhar
para o outro, esse olhar se limita a uma busca de respostas individuais
através da mera comparação de experiências particulares.

Por fim, uma terceira questão a ser pontuada é a amplitude do campo


do qual retiramos o material que fundamenta as nossas conclusões.
Imersos em nossas rotinas, normalmente nos encontramos limitados ao
nosso mundo cotidiano, ou seja, às pessoas com quem interagimos, aos
nossos propósitos - que pressupomos ser comuns à maioria das pessoas
- bem como os tempos e lugares de nossas interações sociais (família,
trabalho, igreja, escola, etc). Neste mundo familiar as coisas costumam
ser consideradas como autoevidentes, e tudo se torna passível de ser
explicado a partir de nosso estreito horizonte de experiências cotidianas.
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Exercício de reflexão - 01

Um dos fatores que tem preocupado algumas lideranças religiosas


é o abismo crescente entre as gerações de fiéis.
Descreva como a sua comunidade tem enfrentado a questão,
e avalie essa postura indicando se estas leituras ainda estão
reduzidas às respostas sempre dadas (200 palavras).

Ao longo desta disciplina o nosso alvo será fazer da religião o objeto


principal de estudo. Porém, como vimos até aqui, são diversos os desafios
que se colocam para a realização dessa tarefa. A nossa familiaridade
com determinado grupo religioso pode nos levar a fazer uso de nosso
estreito horizonte de experiências como ferramenta inquestionável para
a análise do fenômeno religioso como um todo. O mundo plural no qual
vivemos coloca diante de nós questões cada vez mais complexas, que
exigem a saída de nossa zona de conforto e o enfrentamento a partir
de um horizonte mais amplo. Como a sociologia pode nos ajudar nesse
processo?

1.2. Pensar sociologicamente


Em linhas gerais podemos dizer que a sociologia é o estudo da vida social
humana, das relações humanas. E, enquanto uma prática disciplinada,
obrigada à responsabilidade acadêmica, ela aborda o seu objeto a partir
de um conjunto próprio de questões. Assim, embora tenha como ponto
de partida as nossas relações cotidianas, ela assume a sua tarefa de
colocar as suas questões a partir das exigências de método indicadas
pelo discurso responsável.

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Glossário
Sociologia: embora possamos encontrar reflexões sobre a
sociedade que remontam à antiguidade (Platão, Aristóteles), o
termo sociologia foi cunhado por Augusto Comte, no início do
século XIX. O termo deriva do latim, socius (associado, parceiro), e
do grego, logos (estudo).

Pensar a vida social humana a partir das questões colocadas pela


sociologia é pensar sociologicamente, ou seja, desenvolver uma
perspectiva sociológica. Essa atitude requer aquilo que o sociólogo
C. Wright Mills denominou de imaginação sociológica. Num primeiro
momento a palavra imaginação pode nos causar alguma estranheza, pois
na maioria das vezes a relacionamos às ideias fabulosas e fantasiosas.
Porém, em sentido geral, indica a nossa capacidade/faculdade de criar
a partir de combinação de ideias. Assim, uma imaginação sociológica
seria a capacidade de criar a partir das questões próprias à sociologia e
das exigências metodológicas do discurso científico.

São as regras rigorosas de controle e vigilância às quais se submete


o fazer sociológico que lhe confere o status de discurso responsável.
As afirmações feitas pelos sociólogos devem ser corroboradas por
evidências verificáveis e analisáveis segundo as regras da comunidade
científica. O discurso responsável pode ser entendido como uma oficina
constantemente aberta para fiscalização, onde deve sempre estar
disponível para análise o conjunto dos procedimentos que conduziram
a determinadas conclusões. Aqui não cabe a flexibilidade e falta de
vigilância que caracterizam outras formas de conhecimento.

A imaginação sociológica capacita seu possuidor


a compreender o cenário histórico mais amplo, em
termos de seu significado para a vida íntima e para a
carreira exterior de numerosos indivíduos. Permite-
lhe levar em conta como os indivíduos, na agitação
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de sua experiência diária, adquirem frequentemente
uma consciência falsa de suas posições sociais (...)
O primeiro fruto dessa imaginação - e a primeira lição
da ciência social que a incorpora - é a ideia de que o
indivíduo só pode compreender sua própria experiência
e avaliar seu próprio destino localizando-se dentro de
seu período (...) A imaginação sociológica nos permite
compreender a história e a biografia e as relações entre
ambas, dentro da sociedade (...) É a capacidade de ir
das mais impessoais e remotas transformações para
as características mais íntimas do ser humano - e ver
as relações entre as duas (...).

Talvez a distinção mais proveitosa usada pela


imaginação sociológica seja entre “as perturbações
pessoais originadas do meio mais próximo” e
“as questões públicas da estrutura social” (...) As
perturbações ocorrem dentro do caráter do indivíduo e
dentro do âmbito de suas relações imediatas com os
outros; estão relacionadas com o seu eu e com as áreas
limitadas da vida social, de que ele tem consciência
direta e pessoal (...) As questões relacionam-se com
assuntos que transcendem esses ambientes locais do
indivíduo e o alcance de sua vida íntima (...) [relacionam-
se] com as maneiras pelas quais os vários ambientes
de pequena escala se confundem e se interpenetram,
para formar a estrutura mais ampla da vida social e
histórica (Mills, 1982, pp. 11-15)

Ao destacar a relação entre perturbações pessoais e questões públicas


como uma das principais distinções utilizadas pela imaginação
sociológica, Mills (1982, p. 14) aponta para uma significativa característica
da sociologia: pensar o humano como alguém com o outro. Ela amplia
o nosso horizonte, e nos permite ver que muitos problemas que, numa

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primeira aproximação, parecem dizer respeito exclusivamente ao
indivíduo, na verdade, refletem questões mais amplas. O desemprego,
por exemplo, vivido como uma tragédia pessoal pode apontar para uma
questão pública quando 11% da população encontra-se desempregada.

Pensar o humano enquanto “ser com o outro”, eis uma das principais
características da imaginação sociológica. Porém, este pensar busca nos
conduzir para além do nosso mundo familiar, das respostas possíveis a
partir dos limites das nossas experiências cotidianas. Pensar tanto as
relações micro quanto as relações macro, porém, em constante conexão
entre si. A expansão do nosso horizonte de observação nos conduz
para um processo de desfamiliarização ao nos levar para além das
considerações possíveis à luz do nosso mundo cotidiano, para além das
respostas tidas como certas e autoevidentes.

Embora todos sejamos influenciados pelos contextos


sociais em que nos encontramos, nenhum de nós está
simplesmente determinado em nosso comportamento
por aqueles contextos. Possuímos e criamos a nossa
própria individualidade. É trabalho da sociologia
investigar as conexões entre o que a sociedade faz de
nós e o que fazemos de nós mesmos. Nossas atividades
tanto estruturam - modelam - o mundo social ao nosso
redor como, ao mesmo tempo, são estruturadas por
esse mundo social (Giddens, 2005, p. 26).

Como bem pontuado por Giddens, não se trata de buscar aquilo que
determina o comportamento humano, mas atentar para a constante
interação entre indivíduo e sociedade. Neste sentido, os nossos modelos
explicativos também devem sofrer alterações. Como indicamos acima, na
sociologia precisamos ir além dos modelos que buscam indicar uma ação
intencional identificável por trás de todas as situações. As ações devem
ser analisadas a partir de sua íntima conexão com processos sociais mais
amplos, sem isolar os atores sociais de seus respectivos contextos.
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A ampliação do campo do qual retiramos o material que fundamenta as
nossas conclusões possibilita que novas combinações de ideias surjam,
e assim, situações anteriormente encaradas como desvinculadas entre
si poderão surgir sob uma perspectiva que as aproxime, proporcionando
que novas leituras explicativas surjam para situações familiares,
questionando respostas tidas como certas e autoevidentes.

Como veremos ao longo do nosso curso, o pensamento sociológico


é extremamente dinâmico e aberto a múltiplas formas de leitura e
interpretação. Quando fizemos referência acima à imagem de uma
oficina aberta a constante fiscalização, isso não significa que os
resultados de pesquisas levadas a cabo por diferentes pesquisadores
sempre serão os mesmos. O rigor científico não implica na existência
de uma única postura teórica, mas na clareza dos processos utilizados
pelo pesquisador no momento da análise dos dados coletados. Assim,
ao invés de indicar um problema, as tensões entre diferentes abordagens
expressam a vitalidade da sociologia.

1.3. Pensar a religião a partir da sociologia


O ditado popular “religião, política e futebol não se discutem” repetido
constantemente em um contexto cada vez mais marcado pela falta de
diálogo e permeado por posicionamentos violentos em nada contribui
para a proposição de uma melhor forma de se colocar frente às novas
dinâmicas sociais, marcadas cada vez mais por uma maior pluralidade.
Como não falar sobre um fenômeno tão importante para o humano? A
religião constitui-se em um objeto de interesse da sociologia, não para
“discutir” qual seja a melhor, a verdadeira, etc., mas, sim, enquanto um
fenômeno social humano, de grande importância para o convívio entre os
indivíduos, culturas e sociedades.

Segundo as pesquisas históricas, há milhares de anos a religião tem


exercido influência sobre a vida dos seres humanos, estando presente -
embora de formas distintas - em todas as sociedades humanas que se
tem notícia. Desde as sociedades mais primitivas até às atuais a religião
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tem marcado presença, desempenhando papel central na experiência
humana, tanto na forma como o humano se auto percebe quanto na
forma como percebe o outro e o seu ambiente como um todo.

Numa primeira aproximação à diversidade de religiões existentes a


nossa atenção tende a se voltar para o que há de “diferente” entre elas.
Neste sentido, talvez uma descrição das características de cada uma
e uma comparação entre elas seria o suficiente. Porém, a sociologia
busca pensar as dinâmicas que o fenômeno religioso traz para a vida
social como um todo: as formas de interação, estruturação, construção
de sentido, organização, etc. Dentre as perguntas próprias a esta forma
de pensar podemos indicar: por que a religião é tão importante para as
sociedades humanas? Quais as condições a partir das quais a religião
pode gerar união ou divisão entre as comunidades?

Estudar a religião é um desafio que exige esforços


especiais da imaginação sociológica. Ao analisarmos
as práticas religiosas, precisamos compreender a
imensa diversidade de crenças e rituais encontrados
nas variadas culturas humanas. É fundamental que
tenhamos sensibilidade em relação aos ideiais que
inspiram uma convicção profunda entre aqueles que
neles crêem, porém sem deixarmos de examiná-los
com rigor. É necessário que confrontemos ideias que
envolvem a busca do eterno, ao mesmo tempo que
reconhecemos que os grupos religiosos também
promovem metas bastante mundanas, como angariar
fundos ou procurar seguidores. Precisamos reconhecer
a diversidade de crenças religiosas e modos de conduta,
mas também investigar a natureza da religião enquanto
fenômeno global (Giddens, 2005, p. 426).

Assim como o fenômeno religioso pode adquirir múltiplas formas, assim


também múltiplas serão as dinâmicas desencadeadas na sociedade

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pela presença da religião. Aqui cabe menção às transformações que o
pensamento racionalista moderno trouxe em relação a religião. É a partir
da modernidade que ganha força a distinção entre política e religião, agora
como dimensões a serem separadas entre si. Antes, religião e política
sempre andaram juntas. Esta separação, que também se estende a outras
dimensões (fazer científico), traz consigo inúmeras consequências para
o papel da religião nas sociedades humanas.

Na próxima unidade estudaremos um conceito que busca analisar


as transformações que o fenômeno religioso tem passado a partir do
século XX, a secularização. Embora não seja um conceito fácil de definir,
ele chama atenção para as mudanças do papel da religião na sociedade
atual. Às vezes as comunidades religiosas se debatem com a questão
da mudança de comportamento dos fiéis em relação à vivência da fé,
transformando estas mudanças em algo exclusivo de suas comunidades,
quando um olhar mais amplo pode indicar que estas situações locais são
reflexos de profundas alterações que envolvem estruturas muito maiores.

Esta mudança de foco nada mais é do que o colocar em prática a


imaginação sociológica, isto é, fazer uso da “capacidade de ir das mais
impessoais e remotas transformações para as características mais
íntimas do ser humano e ver a relação entre as duas” (Mills, 1982, p. 14).
No entanto, como já indicamos, essa aproximação deve dar-se através
de um processo de questionamento bem estruturado. Em linhas gerais,
pontuemos algumas das questões básicas deste processo:

Questão fatual O que aconteceu?

Onde se deu este fenômeno? Qual


Questão comparativa
abrangência?

Isto está acontecendo por quanto


Questão de desenvolvimento
tempo?

Questão teórica O que está por trás deste fenômeno?

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Tomemos como exemplo a questão das transformações dos comporta-
mentos em relação à religião. Em primeiro lugar, precisamos ter muito
claro o objeto de investigação: por que os padrões de crença estão se
modificando? Depois seguem as demais fases: somente em uma reli-
gião, ou muitas têm passado pelas mesmas transformações? Desde
quando estas mudanças têm sido notadas (nos moldes atuais)? Como
levantar estes dados? E por fim: como explicar este fenômeno? O que
está por trás deste fenômeno?
Durante toda a pesquisa este processo deve estar muito bem colocado
e aberto a constantes fiscalizações e revisões. A mesma clareza deve
perpassar qualquer investigação sociológica, independente do recorte
que ela proponha como conteúdo de sua pesquisa. Porém, não podemos
deixar de enfatizar que as abordagens e os métodos de pesquisa são
diversos, e, dentre os motivos para esta diversidade, a sensibilidade
do pesquisador para com as diferenças entre as questões colocadas.
Como exemplo desta diversidade, indiquemos alguns destes métodos:
etnografia, inquéritos, experiências, história de vida, pesquisa documental
e análise histórica.

A sociologia não parte de uma consideração de fé (teológica) das questões,


mas “reduz” o fenômeno religioso aos limites metodológicos próprios
ao seu campo de atuação. Numa primeira aproximação o discurso da
sociologia pode ser encarado como “ateu”. No entanto, seu objetivo não
é analisar as diferentes religiões a partir de seus pressupostos de fé (se
verdadeiros ou falsos), mas olhar para as dinâmicas sociais presentes no
fenômeno a partir de suas próprias questões. Se pensarmos o fenômeno
religioso como um objeto de várias faces, cada abordagem científica tem
por objetivo explorar uma das faces do fenômeno, aquela que condiz
com seu modo de olhar para o mundo.

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Exercício de aplicação - 02
Vivemos em um mundo cada vez mais plural, em todos os sentidos.
A religião não é isenta de lidar com esta nova configuração do
mundo contemporâneo, e é desafiada a se posicionar com um
discurso responsável diante de situações de tensão e conflito.
Neste sentido, qual deve ser o caminho para a construção destas
respostas? Quando falamos de uma resposta responsável, em
nenhum momento isso implica na rejeição de toda a tradição
legada por um grupo religioso, pois essa rejeição também pode ser
motivada por uma leitura equivocada do contexto, com base em
uma visão de mundo estreita e particular. Por outro lado, um apego
cego à tradição pode conduzir a um fundamentalismo violento, e a
religião se transformar em um fator dinamizador de episódios de
violência. O propósito das reflexões apresentadas pela sociologia
é indicar novas formas de se ler o contexto (através de um método
rigoroso de questionamento) a fim de que respostas criativas
possam ser ensaiadas pelas diferentes comunidades religiosas.

( ) Verdadeiro

( ) Falso

Como implicações práticas para o estudante de teologia — enquanto


um estudante do fenômeno da religião —, a sociologia contribui para o
desenvolvimento de uma consciência das diferenças, possibilitando
que o mundo seja visto a partir de outros pontos de vista, para além dos
limites de uma confissão de fé. Uma postura mais que necessária em uma
sociedade cada vez mais marcada pela pluralidade religiosa. Observar as
dinâmicas da religião na sociedade permite também o desenvolvimento
de um senso crítico frente aos conflitos sociais relacionados à religião, e,
consequentemente, um melhor posicionamento.
Sociologia da Religião | FTSA | 15
2. Religião e sociedade
2.1. Delimitando o objeto de pesquisa
Neste ponto da nossa unidade voltaremos o olhar para algumas questões
envolvidas na relação entre religião e sociedade. De início somos
colocados diante de duas tarefas: conceituar sociedade e religião, para
em seguida pensarmos algumas possibilidades de interação entre elas.
Num sentido genérico o termo sociedade se refere a uma associação
entre pessoas, porém, a partir do século XIX ele começa a adquirir o seu
sentido sociológico. O termo se apresenta como indicador da realidade
coletiva da vida humana em contraste aos estudos dos indivíduos.

Em um sentido prático podemos dizer que sociedade é um conceito


utilizado para descrever as instituições e relações sociais estruturadas
de uma comunidade humana. Para este sentido de sociedade coloca-
se como referência o Estado-nação, ou seja, as grandes comunidades
limitadas por fronteiras geográficas. A partir dos anos de 1970 este
conceito começou a ser colocado em questão a partir das teorias da
globalização, que focaram como objeto de estudo os processos sociais
em nível global, para além dos Estados-nação. Ou seja, redes e fluxos
globais que atravessam de forma eficaz as fronteiras nacionais. Todavia,
embora o conceito esteja em questão para estas teorias ele ainda é válido
para determinadas considerações sociológicas.

Saiba mais
Fichter conceitua instituição como “uma estrutura relativamente
permanente de padrões, papéis e relações que os indivíduos
realizam segundo determinadas formas sancionadas e unificadas,
com o objetivo de satisfazer necessidades sociais básicas”. (...)
Todas as instituições devem ter função e estrutura. Função é
a meta ou o propósito do grupo, cujo objetivo seria regular suas
necessidades. A estrutura é composta de pessoal (elementos
humanos); equipamentos (aparelhamento material ou imaterial);
organização (disposição do pessoal e do equipamento, observando-
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se uma hierarquia-autoridade e subordinação); comportamento
(normas que regulam a conduta e a atitude dos indivíduos).
LAKATOS, Eva Maria. Sociologia geral. São Paulo: Atlas, 1981

Embora possamos indicar um possível sentido genérico, cada linha


de abordagem definirá o conceito de sociedade com algumas cores
específicas do ponto de vista adotado. Assim, como veremos no tópico 3,
as considerações sociológicas sobre a religião presentes em alguns dos
autores clássicos da sociologia vinculam-se diretamente a um sentido
de sociedade relacionado às considerações próprias de cada linha teórica.
Esta questão deve nos despertar para a tarefa de estar atento ao conceito
de sociedade a partir do qual determinado sociólogo constrói sua análise
do fenômeno religioso. Não partir de um sentido genérico, mas buscar no
autor as características que definem a sua forma de emprego do conceito.

Os conceitos são ferramentas necessárias para qualquer análise teórica.


Porém, eles são apenas construções instrumentais que permitem
organizar os dados recolhidos. Um conceito não precisa ser perfeito no
início da investigação, podendo ser alterado ao longo da pesquisa. Não
podemos nos esquecer que nenhuma definição é livre das predileções
ou dos propósitos teóricos do pesquisador. Neste caso, o melhor a
fazer é procurar deixar explícitos os critérios da definição desde o início
da investigação. Se o conceito de sociedade é permeado de nuances
teóricas distintas, o que dizer da religião?

Iniciemos com uma breve consideração a respeito da diversidade das


formas de manifestação do fenômeno religioso. Dentre as formas de
manifestação, indicamos algumas: totemismo, animismo, monoteísmo
e politeísmo. Quanto aos grupos religiosos: judaísmo, cristianismo,
islamismo, hinduísmo, budismo, confucionismo, taoísmo… e a lista
continua. Como abarcar todas estas formas de religião sob um único
conceito? Listemos algumas tentativas e seus desafios.

Definições substantivas. Esse tipo de definição parte da pergunta pela


Sociologia da Religião | FTSA | 17
essência da religião: o que é a religião? Enquanto membros de uma
sociedade majoritariamente cristã uma definição da essência da religião a
partir de nosso mundo familiar pode ser enunciada nos seguintes termos:
crença em um ser supremo, que ordena determinado comportamento
moral tendo em vista a preparação para uma vida após a morte. Ora,
não é necessário irmos tão longe em nossa pesquisa para percebermos
o quão limitada é esta definição, e denunciarmos sua incapacidade
de abranger a totalidade do fenômeno religioso. Outras definições da
mesma natureza podem ser indicadas: crença em deuses, crença em
seres espirituais, experiência diante do mistério, crença relativa a coisas
sagradas. Porém, todas sofrem da mesma limitação, buscando propor
definições a partir de termos culturais específicos.

Definições funcionais. Esse tipo de definição pergunta pela função da


religião: o que a religião faz? Caso a religião seja indicada como um dos
principais fatores de unidade, de formação de uma comunidade moral, não
seria esta definição muito ampla, podendo abranger no conceito coisas que
normalmente não são pensadas como religião? Observemos a definição
proposta por Yinger (apud Hamilton, 2001, p. 19): “religião é um sistema
de práticas através das quais um grupo de pessoas se esforça com os
problemas últimos da vida”. Novamente: quem define estes problemas (o
crente ou o pesquisador)? Não seriam eles culturalmente variáveis?

Definições politéticas. Esse tipo de definição busca por uma semelhança


de família entre formas distintas. “Uma definição politética é aquela
que designa uma classe de coisas que compartilham semelhanças
entre si, mas onde nenhum único ou conjunto de atributos é comum a
todos os membros da classe” (Hamilton, 2001, p. 21). Desse modo, a
estratégia deste tipo de definição é listar atributos que podem definir a
classe dos fenômenos religiosos. Uma instância é incluída se exibir um
certo número desses atributos, mas não requer que sejam todos. Por
exemplo, é considerado religião o fenômeno que apresente algumas das
características listadas abaixo:
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• Uma preocupação central com seres divinos

• Distinção entre sagrado e profano

• Práticas rituais

• Um código ético

• Uma mitologia…

Porém, esta definição traz um problema de demarcação de fronteiras ao


não traçar limites claros. Quantos atributos são necessários para qualificar
algum fenômeno como religião? Com saber se a lista é exaustiva?
A construção da lista proposta reflete algum tipo de etnocentrismo?
Como ponto de partida devem ser selecionadas algumas instâncias
prototípicas, mas permanece sempre uma tensão entre exclusivismo
excessivo versus universalismo indiscriminado.

A mesma ressalva que fizemos em relação ao conceito de sociedade


também é válida para o conceito de religião. Podemos partir de uma
definição genérica, porém, cada abordagem teórica definirá critérios
específicos para delimitação de seu objeto de estudo. A depender da
perspectiva adotada pelo pesquisador pode ser que determinadas formas
de manifestação do fenômeno religioso próprias aos novos movimentos
religiosos fiquem de fora por não se encaixarem às categorias tidas
como tradicionais.

2.2. Relações possíveis


A linguagem teológica com respeito às distinções entre “mundo” e
“igreja” pode conduzir o pensamento a conclusões equivocadas do ponto
de vista sociológico. Aqui não temos por objetivo negar a validade da
linguagem religiosa, mas indicar que a validade da mesma limita-se a
um campo específico. Do ponto de vista sociológico é problemática uma
Sociologia da Religião | FTSA | 19
representação que coloque a religião como algo a parte da sociedade
(vide modelo B, em seguida).

A respeito do poder integrador ou separador da religião, Wach (1990, p. 51)


afirma que “os fatos sociologicamente relevantes são justamente aqueles
conceitos, ritos e formas que refletem uma experiência muito definida que
integra um grupo religioso e que ao mesmo tempo o separa, enquanto
unidade sociológica, do mundo exterior”. Ou seja, pertence à religião uma
dinâmica própria a grupos sociais: ao mesmo tempo em que integra uma
comunidade estabelece uma distinção em relação a outros grupos. Porém,
não uma separação que desloque o grupo para “fora”da sociedade. A fim de
pensarmos a partir de uma imagem visual, proponho o seguinte esquema:

1.

A B C
O modelo B representa a ideia de separação que apresentamos nos
parágrafos acima, que tem a sua validade enquanto pensamos nas
dinâmicas internas aos grupos de uma determinada sociedade, e não
como indicação de um estar fora da sociedade. Uma interpretação
sociologicamente equivocada deste aspecto pode conduzir à ilusão da
autonomia absoluta do discurso religioso.

Já o modelo A representa um outro extremo: a redução da religião


às necessidades internas da sociedade. Algumas teorias sociais,
analisando o papel da religião para a dinâmica dos processos próprios
a determinadas sociedades reduzem a função da religião a um mero
instrumento de legitimação de um estado de coisas. Entretanto, conforme
pontua Wach (p. 24), “os estudiosos tendem a esquecer o fato de que, por
mais extensa que tenha sido a indubitável influência de motivos sociais

20 | Sociologia da Religião | FTSA


sobre a religião, as influências provindas da religião e que reagem sobre
a estrutura social foram igualmente grandes”. Talvez uma representação
dessa proposta seja o modelo C do nosso gráfico acima.

Exercício de aplicação - 03
Observe as duas imagens abaixo. A primeira retrata a cerimônia de
coroação do rei Carlos Magno como imperador romano, pelo Papa
Leão III, no dia 25 de dezembro de 800. A segunda imagem registra
um panorama dos presentes em uma congregação na cidade de
Montgomery, Alabama, EUA, enquanto Martin Luther King lhes diria
a palavra. A partir destas imagens, qual afirmação melhor define a
relação entre religião e sociedade?

a) A religião se reduz a uma instância de legitimação da estrutura


social dada.
b) A religião é algo à parte de todas as questões sociais, por isso
sua atuação é indiferente.
c) A relação não se reduz a uma possibilidade, pois a religião pode
ser causa de posicionamentos muito diversos, tanto legitimadores
quanto contestadores.

Sociologia da Religião | FTSA | 21


2.3. Dilemas teóricos básicos
Ao efetuar um balanço das principais correntes do pensamento
sociológico, Giddens (2005, p. 529-536) assinala alguns dilemas teóricos
que ele considera como fundamentais, ou seja, questões que geram
constantes controvérsias e discussões. Dentre estas questões algumas
se relacionam às diferentes formas através das quais interpretamos as
ações humanas ou as instituições sociais. Por serem questões gerais
para a sociologia, esses dilemas também se vinculam às reflexões que
tem por objetivo pensar as possíveis relações entre religião e sociedade.

a) Estrutura e ação
A questão básica envolvida neste dilema é: somos atores criativos,
controlando nossas condições de vida, ou, será que a maioria das
nossas ações são apenas resultados de forças sociais gerais que
nos controlam? Como veremos de forma mais detalhada abaixo, para
Durkheim a sociedade possui primazia sobre o indivíduo, restringindo
nossas atividades e estabelecendo limites para aquilo que fazemos
enquanto indivíduos. A sociedade é “externa” ao indivíduo, e é muito mais
do que a mera soma dos atos individuais.

Os críticos à posição de Durkheim — como exemplo, os sociólogos


pertencentes a escola do interacionismo simbólico — questionam o
conceito de sociedade proposto por esta abordagem teórica, pontuando
que a sociedade nada mais é que o composto de muitas ações individuais.
O estudo de um grupo limita-se a análise de indivíduos que manifestam
um comportamento regular em suas relações uns com os outros. Os
humanos agem motivados por razões, e habitam um mundo permeado
de significados culturais.

Giddens assume um posicionamento que não busca exagerar as


diferenças entre estas abordagens, observando que, embora estruturas
sociais existam anteriormente aos indivíduos elas podem apenas restringir
as suas ações, mas não as determinar. Ele nos convida a reconhecer
nosso papel ativo na construção e reconstrução da estrutura social.
22 | Sociologia da Religião | FTSA
Para descrever este processo Giddens faz uso do termo estruturação:
se, por um lado, os grupos possuem uma “estrutura” na medida em que
as pessoas se comportam de modo regular, por outro lado, as “ações”
individuais só são possíveis porque os indivíduos possuem um grande
volume de conhecimento social estruturado.

Aqui podemos colocar a questão da relação entre religião e sociedade


a partir de duas perspectivas. A primeira, pensando no grupo religioso
enquanto um dentre os demais grupos que compõem uma sociedade.
As ações destes grupos são determinadas pelas estruturas sociais
que os abarcam? Ou seja, seria a religião meramente a expressão
de uma necessidade social? Ou: até que ponto a religião é livre das
estruturas (economia, educação, governo, família, etc) que estruturam
as relações sociais? A segunda perspectiva visa a relação do indivíduo
com determinado grupo (estrutura): a estrutura social que antecede o
indivíduo que vincula-se a uma religião específica determinaria as suas
ações? Como veremos na segunda unidade, as discussões a respeito da
construção das identidades modernas levanta sérios questionamentos a
esta forma de visão.
b) Consenso e conflito
A questão básica deste dilema é: a característica mais evidente da
sociedade é a sua ordem e harmonia internas ou os conflitos que permeiam
as relações sociais? Para a perspectiva do consenso, creio que a imagem
do corpo seja significativa. Composto de diferentes órgãos, cada parte
contribui para o funcionamento harmônico do todo. Da mesma forma os
pensadores funcionalistas olham para a sociedade, tratando-a como um
todo integrado, onde, para a sua existência e sobrevivência, as diferentes
instituições devem trabalhar em harmonia entre si.
Por outro lado, uma leitura como a de Marx enfatiza o conflito de classes.
Sendo compostas por diferentes classes possuidoras de recursos
desiguais, dessa desigualdade surgem divisões de interesses que são
incorporados ao sistema social. Outros autores enfatizam divisões
distintas: grupos raciais, facções políticas, gênero, etc. Porém, em sentido
geral, a sociedade é vista como cheia de tensões.
Sociologia da Religião | FTSA | 23
Segundo Giddens, o conceito de ideologia - enquanto referência aos
valores que contribuem para que os grupos poderosos assegurem sua
posição - é uma ferramenta útil para a análise deste conflito teórico.
Como nem todos os conflitos são continuamente “abertos”, fatores em
comum podem levar diferentes grupos a superarem as suas diferenças
(um equilíbrio instável - por exemplo: capitalistas precisam de mão-de-
obra e os trabalhadores de salário), embora isso não implique em uma
superação das tensões - pois a qualquer momento as profundas divisões
podem se tornar em conflitos ativos.

Aqui podemos colocar a questão entre religião e sociedade a partir de


três perspectivas. As duas primeiras atentam para o papel da religião
para o funcionamento de uma estruturação dada. Porém, divergem no
sentido de que enquanto as leituras de estilo funcionalista acentuam o
papel integrador da religião — como uma dentre as diversas instituições
que promovem a unidade do todo — as leituras que enfatizam o conflito
podem analisar a religião como parte da ideologia que permite aos
poderosos assegurar a sua posição. Para a terceira perspectiva podemos
nos voltar para a segunda imagem do exercício de aplicação acima: a
religião também pode se colocar como um dos elementos fomentadores
das lutas sociais contra uma estrutura social dada.

Exercício de fixação - 04
Sobre os dilemas teóricos podemos afirmar que:

a) São próprios às pesquisas científicas, pois abordagens


diferentes implicam em análises e resultados distintos, mas válidos
a partir de um referencial teórico bem definido.

b) As tensões são passageiras, pois à medida que uma ciência


avança surgem as possibilidade de colocação de consensos
definitivos.

24 | Sociologia da Religião | FTSA


3. Perspectivas clássicas
Após este panorama proposto nos tópicos acima vamos nos voltar
para algumas das perspectivas clássicas. Desde seus primórdios a
reflexão sociológica foi marcada por uma variedade de abordagens, por
vezes conflitivas. Porém, como já mencionamos acima, essa tensão
entre diferentes perspectivas não representa nenhum demérito. Antes,
testemunha a vivacidade do pensar sociológico. Esta vivacidade também
está profundamente atrelada às características do objeto da sociologia.
Pensar o mundo feito pelos humanos não é estar diante de um objeto
rígido, imóvel e imutável, mas, sim, estar diante de um conjunto de
questões extremamente dinâmicas.

Dentre os autores que deixaram seus nomes registrados nos inícios da


história da sociologia nos deteremos em apenas três: Durkheim, Marx e
Weber. Em linhas gerais procuraremos pontuar seus métodos particulares,
suas concepções de sociedade e suas reflexões sobre a religião. Não
obstante vivermos em um mundo diferente daquele que motivou estas
reflexões, os clássicos de uma disciplina sempre permanecem como
pontos de referência para o campo que abriram.

3.1. Karl Marx


Embora a maior parte dos escritos de Karl Marx (1818-1883) concentrem-
se em torno de temas econômicos, seu trabalho é repleto de percepções
sociológicas. Buscando entender as transformações dos tempos
modernos, Marx compreendia que as mudanças mais importantes
estavam ligadas ao desenvolvimento do sistema de produção capitalista,
pois para ele as influências econômicas eram o principal estimulante para
as mudanças sociais. Enquanto um sistema de classes o capitalismo é
profundamente caracterizado pelo conflito.

No Manifesto do Partido Comunista — escrito em parceria com Friedrich


Engels — ele afirma que “a história de todas as sociedades até hoje
existentes é a história das lutas de classe (...) opressores e oprimidos, em

Sociologia da Religião | FTSA | 25


constante oposição, têm vivido uma guerra ininterrupta, ora franca, ora
disfarçada; uma guerra que terminou sempre ou por uma transformação
revolucionária da sociedade inteira, ou pela destruição das duas classes
em conflito”. Ao longo da história este conflito se estruturou entre
diferentes classes, entretanto, na sociedade capitalista moderna o conflito
agora se dá no antagonismo entre a burguesia e o proletariado. Eva Maria
Lakatos condensa em um parágrafo alguns conceitos importantes para
compreensão dos conflitos presentes na história das sociedades:

O homem, para satisfazer suas necessidades, atua sobre a


natureza, criando relações técnicas de produção. Todavia,
essa atuação não é isolada: na produção e distribuição
necessárias ao consumo, o homem relaciona-se com outros
seres humanos, dando origem às relações de produção. O
conjunto dessas relações leva ao modo de produção. Os
homens desenvolvem as relações técnicas de produção através
do processo de trabalho (força humana e ferramentas), dando
origem a forças produtivas (distribuição, circulação e consumo
de mercadorias); o sistema de produção provoca uma divisão
de trabalho (proprietários e não proprietários das ferramentas
de trabalho ou dos meios de produção) e o choque entre as
forças produtivas e os proprietários dos meios de produção
determina a mudança social (Lakatos, 1981, p. 41-42).

Diante da visão dos conflitos entre as classes, como se colocar diante


do mundo humano tal como ele se estrutura em diferentes momentos
históricos? A XI das Teses contra Feuerbach indica de forma clara qual deve
ser esse posicionamento: os filósofos nada mais fizeram do que interpretar
o mundo, porém, o que importa é modificá-lo. Cabe ao ser humano
revolucionar o mundo, pois o mundo que se dá diante dele é um produto
histórico, “o resultado da atividade de toda uma série de gerações, que (...)
desenvolveram sua indústria e seu comércio e modificaram sua ordem
social de acordo com as necessidades alteradas” (Lakatos, 1981, p. 30).

A estruturação social em determinado momento histórico não é uma


26 | Sociologia da Religião | FTSA
coisa dada imediatamente por toda a eternidade, mas um produto
histórico. Diferentemente dos animais, o ser humano possui a capacidade
de transformar a natureza na medida em que produz suas condições de
sobrevivência, estruturando diferentes formas de produção para as quais
correspondem diferentes valores e formas de apreensão da realidade.
A produção da vida é uma relação social no sentido que implica na
cooperação de vários indivíduos, independente de suas condições, modo
e finalidade. Assim, determinado modo de produção sempre estará
vinculado a um específico modo de cooperação.

Porém, frente ao mundo o ser humano pode encontrar-se alienado.


Assim, como outros conceitos, a ideia de alienação adquire contornos
distintos ao longo da obra de Marx, porém, para o nosso objetivo vale
uma definição geral apresentada por Dias: “significa que o homem não
se vivencia como agente ativo de seu controle sobre o mundo, mas que
o mundo permanece estranho a ele” (2012, p. 69). Aqui encontra-se
um dos pontos de transição para a nossa consideração da religião no
pensamento marxiano.

Marx não possui estudos detalhados sobre a religião, sendo suas ideias
a respeito deste tema originárias dos escritos de diversos teólogos e
filósofos do século XIX. Ludwig Feuerbach (1804-1872) foi um destes
filósofos. Em seu livro A essência do cristianismo, publicado em 1841,
Feuerbach afirmava que a religião é antropologia: “a religião, pelo
menos a cristã, é o relacionamento do homem consigo mesmo ou, mais
corretamente: com a sua essência; mas o relacionamento da sua essência
como uma outra essência. A essência divina não é nada mais do que
a essência humana (...) abstraída das limitações do homem individual”
(2007, p. 45). No entanto, segundo o autor, este reconhecimento tem
aspectos positivos, pois os valores outrora projetados na religião agora
podem ser concretizados na terra, e não adiados para um além-mundo.

Assim, Marx afirmará que “o homem faz a religião”. A religião é uma


produção humana que obscurece a realidade, cria um mundo invertido,
Sociologia da Religião | FTSA | 27
impedindo que esta seja vista de forma correta. Ela contribui para a
alienação, ou seja, para o não reconhecimento do papel ativo do ser
humano frente à realidade dada. O mundo que produz a religião é um
mundo de angústia real, um verdadeiro vale de lágrimas. Diante deste
mundo a religião fornece um alívio, tal como o ópio, ensinando a aceitar
de forma resignada as condições de existência dessa vida. Ela tira a dor
sem curar a enfermidade. O ser humano precisa reconhecer-se como
agente da produção do mundo e encarar o desafio de transformá-lo. Os
deuses criados não devem ser temidos, e muito menos a eles atribuídos
os valores que cabem a nós concretizar. Se a concepção tradicional de
religião deve desaparecer isto se deve ao fato de que os valores positivos
incorporados na religião podem se transformar em ideias orientadoras
do destino da humanidade na terra.

Saiba mais
Este é o fundamento da crítica irreligiosa: o homem faz a religião, a
religião não faz o homem. E a religião é de fato a autoconsciência e o
auto sentimento do homem, que ou ainda não conquistou a si mesmo
ou já se perdeu novamente. Mas o homem não é um ser abstrato,
acocorado fora do mundo. O homem é o mundo do homem, o Estado,
a sociedade. Esse estado e essa sociedade produzem a religião,
uma consciência invertida do mundo, porque eles são um mundo
invertido. A religião é a teoria geral deste mundo (...) sua sanção
moral, seu complemento solene, sua base geral de consolação e
de justificação (...) a luta contra a religião é, indiretamente, contra
aquele mundo cujo aroma espiritual é a religião.
A miséria religiosa constitui ao mesmo tempo a expressão da
miséria real e o protesto contra a miséria real. A religião é o suspiro
da criatura oprimida, o ânimo de um mundo sem coração, assim
como o espírito de estados de coisas embrutecidos. Ela é o ópio
do povo.

28 | Sociologia da Religião | FTSA


A supressão [Aufhebung] da religião como felicidade ilusória
do povo é a exigência da sua felicidade real. A exigência de que
abandonem as ilusões acerca de uma condição é a exigência de
que abandonem uma condição que necessita de ilusões. A crítica
da religião é, pois, em germe, a crítica do vale de lágrimas, cuja
auréola é a religião.
MARX, Karl. Crítica à filosofia do direito de Hegel, pp. 145-146.

3.2. Émile Durkheim


Émile Durkheim (1858-1917) é considerado por alguns estudiosos
como o fundador da sociologia como ciência independente das demais
ciências sociais. Ele acreditava que o estudo da vida social deve ser
executado com a mesma objetividade com que os cientistas estudam o
mundo natural. Assim como seus contemporâneos ele se coloca diante
do desafio de pensar as mudanças sociais de seu tempo. Neste sentido
abarcou em suas reflexões um amplo espectro que questões, tais como
a ascensão do indivíduo, a formação da ordem social moderna, o caráter
da autoridade moral e a religião.

Para Durkheim, a ordem de fatos que se apresentam como objeto da


sociologia são os fatos sociais, isto é, os aspectos da vida social (regras
jurídicas, dogmas religiosos, sistemas financeiros, etc.) que modelam
as ações dos indivíduos. Os fatos sociais possuem duas características
principais: em relação aos indivíduos eles são exteriores e coercitivos.
Como exemplo podemos citar os movimentos de entusiasmo presentes
em uma multidão, eles não são produzidos por uma consciência
particular, mas vêm de fora e são capazes de arrebatar os presentes. Após
a dissolução da multidão, momento em que cessam essas influências,
têm-se a impressão de que os sentimentos vividos são algo estranho no
qual o indivíduo nãos mais se reconhece.

Sociologia da Religião | FTSA | 29


Glossário
Fato Social: “É fato social toda maneira de fazer, fixada ou não,
suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior; ou ainda,
toda maneira de fazer que é geral na extensão de uma sociedade dada
e, ao mesmo tempo, possui uma existência própria, independente das
manifestações individuais” (Durkheim, 2007, p. 13).

Não tendo os indivíduos como substrato, é a própria sociedade a fonte de


origem desses fatos, seja a sociedade política em seu conjunto ou sejam
os grupos parciais que ela encerra, tais como confissões religiosas,
corporações profissionais ou escolas políticas. Segundo Durkheim,
“a sociedade não é uma simples soma de indivíduos, mas o sistema
formado pela associação deles representa uma realidade específica que
tem seus caracteres próprios” (2007, p. 105). Embora as consciências
particulares sejam condições necessárias, não são suficientes, pois ao
se agregarem dão origem a um ser que constitui uma individualidade
psíquica de um gênero novo.

A proeminência da consciência coletiva sobre a individual é um dos


pressupostos básicos do pensamento de Durkheim, ela é o sistema
autônomo de crenças, valores e sentimentos que persiste no tempo e
une as gerações. Esta proeminência relaciona-se ao interesse do autor
em pesquisar aquilo que mantém a sociedade unida, a solidariedade.
Em seu livro Da divisão do trabalho social (1893) Durkheim pontua
dois tipos de solidariedade: a mecânica e a orgânica. A solidariedade
mecânica caracteriza as sociedades tradicionais, onde a divisão do
trabalho é baixa e os membros encontram-se ligados pela experiência
comum e por crenças partilhadas. A solidariedade orgânica caracteriza
a nascente era industrial, onde a divisão do trabalho se expande e seus
membros são unidos pela interdependência econômica. As relações
de reciprocidade econômica substituem as crenças comuns enquanto
fatores criadores do consenso social. “A divisão social do trabalho nas
sociedades modernas só é possível graças ao declínio da universalidade
da consciência coletiva na sociedade” (Dias, 2012, p. 78).
30 | Sociologia da Religião | FTSA
Como pensar a religião neste novo contexto? Ou seja, num contexto onde
“o declínio da importância da religião nas sociedades contemporâneas
é consequência necessária do declínio da significação da solidariedade
mecânica” (Giddens, 1994, p. 156). Em 1912 Durkheim publica As
formas elementares da vida religiosa, um trabalho baseado em um
estudo sobre o totemismo das sociedades aborígenes australianas.
Por que este grupo? Como o próprio título do trabalho diz, o autor busca
“formas elementares”, e estas formas podem ser identificadas caso o
grupo escolhido seja uma sociedade simples (primitiva) e não complexo
como as sociedades modernas. A estratégia não é associar a religião
às desigualdades sociais, mas à natureza das instituições da sociedade.

Enquanto um objeto que representa o grupo (animal, planta, etc.), o totem


é sagrado, sendo venerado e alvo de ações rituais. Os objetos sagrados
são tratados como que afastados da rotina diária, o profano. A sacralidade
destes objetos deriva do fato de os mesmos representarem os valores
que são centrais para determinado grupo, assim, o respeito pelo totem
deriva do respeito pelos principais valores sociais desta comunidade. A
partir deste ponto de vista as cerimônias coletivas assumem a função de
confirmar e intensificar o sentimento de solidariedade do grupo, pois nestes
cerimoniais as “forças superiores” que o fiel crê se tornar participante nada
mais são do que a pressão da influência coletiva sobre o individual.

Sendo um fato social cabe às análises sobre a religião os mesmos


requisitos válidos para a explicação de qualquer outro fato social: é
preciso pesquisar tanto a causa eficiente que o produz e a função que ele
cumpre. Essa tarefa coloca a necessidade de identificar a correspondência
entre o fato considerado e as necessidades gerais do organismo social.
Ao final de As formas elementares, Durkheim afirma: “há, portanto,
na religião algo de eterno que está destinado a sobreviver a todos os
símbolos particulares nos quais o pensamento religioso sucessivamente
se envolveu. Não pode haver sociedade que não tenha a necessidade
de manter e revigorar, a intervalos regulares, os sentimentos coletivos e
as ideias coletivas que fazem sua unidade e sua personalidade” (1996,

Sociologia da Religião | FTSA | 31


p. 472 - grifo nosso). Embora tenha um papel a desempenhar, a religião
já não mais desempenharia as mesmas funções que desempenhou em
tempos passados. Mas, que papel ainda lhe cabe?

Com o desenvolvimento das sociedades modernas,


Durkheim acreditava que a religião se tornaria menos
influente. Cada vez mais o pensamento científico
substitui a explicação religiosa, e as atividades rituais
e cerimoniais passam a ocupar apenas uma pequena
parte da vida das pessoas. Durkheim concorda com Marx
que a religião tradicional - ou seja, a religião que envolve
forças divinas e deuses - está prestes a desaparecer.
“Os velhos deuses estão mortos”, escreve Durkheim. No
entanto, ele afirma que há um aspecto em que a religião,
com alterações, provavelmente terá continuidade. Para
manter sua coesão, até mesmo as sociedades modernas
dependem de rituais que reafirmam seus valores; assim,
é de se esperar que surjam novas atividades cerimoniais
em substituição às antigas. Durkheim não deixa claro
quais seriam essas atividades, mas ele parece estar se
referindo à celebração de valores humanistas e políticos,
como a liberdade, a igualdade e a cooperação social
(Giddens, 2005, p. 432).

3.3. Max Weber


Pensador profícuo, Max Weber (1864-1920) abrangeu com seus escritos
diversos campos da experiência humana: economia, direito, filosofia,
história e sociologia. Assim como indicamos a respeito de Marx e Durkheim,
Weber também buscava compreender o desenvolvimento da sociedade
moderna e indicar as suas especificidades em relação às primeiras formas
de organização social. Diferentemente de Marx, para quem os fatores
econômicos apresentavam-se como o principal motor das mudanças
sociais, Weber propunha que as ideias e os valores possuíam o mesmo
impacto para a fomentação das transformações sociais.
32 | Sociologia da Religião | FTSA
Para Weber o objeto da sociologia deveria ser a ação social, cabendo
à sociologia compreendê-la interpretativamente a fim de explicá-la
causalmente no desenvolvimento de seus efeitos - daí a denominação de
sociologia compreensiva para esta forma de abordagem. Ele define ação
social como “uma ação que, quanto ao sentido visado pelo agente ou os
agentes, se refere ao comportamento de outros, orientando-se por este
em seu curso” (Weber, 2000, p. 3).

Há duas formas de visarmos o conceito de “sentido”. Em primeiro lugar pode


tratar-se de um sentido existente de fato, ou de um caso historicamente
dado por um agente, ou de uma média aproximada dentre uma quantidade
de casos. Porém, para a tarefa da sociologia o sentido deve ser construído
como um tipo ideal. Não se trata aqui de um objetivo perfeito e desejável,
mas apenas de uma construção teórica, que destaca alguns dos atributos
principais de uma ação, a fim de servir de referência para a análise. No
dia a dia, por mais que busquemos ter claro qual o sentido de nossas
ações, nossa compreensão será sempre parcial. Assim, para a tarefa da
sociologia o pesquisador deve construir uma forma “pura” de um certo
fenômeno. Weber distinguiu quatro formas de ação social:
A ação social, como toda ação, pode ser determinada: 1) de
modo racional referente a fins: por expectativas quanto ao
comportamento de objetos do mundo exterior e de outras
pessoas, utilizando essas expectativas como “condições” ou
“meios” para alcançar fins próprios, ponderados e perseguidos
racionalmente, como sucesso; 2) de modo racional referente a
valores: pela crença consciente no valor - ético, estético, religioso
ou qualquer que seja sua interpretação - absoluto e inerente a
determinado comportamento como tal, independentemente do
resultado; 3) de modo afetivo, especialmente emocional: por
afetos ou estados emocionais atuais; 4) de modo tradicional:
por costume arraigado (2000, p. 15)

Segundo Weber, nas sociedades modernas há mudanças significativas


nos modelos de ação social. Ele acreditava que as pessoas estavam cada
vez mais se afastando de ações tradicionais, e pautando muito mais as
Sociologia da Religião | FTSA | 33
suas ações em avaliações racionais. O espaço para ações afetivas ou
tradicionais estava diminuindo e sendo cada vez mais modeladas por
princípios de eficiência balizados em conhecimentos técnicos. Se outrora
a tradição definia amplamente as ações e os valores, nas sociedades
modernas a racionalização tem-se expandido por mais áreas da vida
(Giddens, 2005, p. 34).

Como pensar a religião a partir desta perspectiva e qual o seu papel para
as transformações sociais? Reflexões a respeito da religião ocupam um
espaço significativo na obra de Weber. Ele dedicou estudos às religiões
que atraíram um grande número de fiéis, e que afetaram o rumo da
história: cristianismo, hinduismo, budismo, confucionismo, taoísmo
e islamismo. Para Weber a religião não é necessariamente uma força
conservadora, ao contrário, movimentos inspirados na religião podem
gerar transformações significativas.

Dentre os aspectos que mais interessavam a Weber destacamos a relação


entre a religião e as formas de atividade econômica, ou seja, a influência
da ética religiosa sobre a organização econômica das sociedades. Porém,
como já pontuamos, não se trata aqui de uma relação de “determinação”,
pois a religião é apenas um dentre muitos fatores: “formas de organização
econômica exteriormente muito semelhantes são compatíveis com
éticas econômicas muito diferentes, podendo produzir, de acordo com
seu caráter específico, resultados históricos muito diferentes” (Weber,
apud Giddens, 1994, p. 234).

Como exemplo dessa pesquisa destaquemos aqui A ética protestante e


o espírito do capitalismo (1904-1905). Weber parte da constatação de
que o surgimento do capitalismo no século XVI se deu nos países do
Ocidente, principalmente nos de confissão protestante. Como explicação
deste fenômeno ele propõe dois tipos: a ética protestante, baseada no
trabalho como vocação e na ascese leiga, e o espírito do capitalismo, a
racionalidade de acúmulo de capital. No entanto, essa racionalidade que
modela o comportamento econômico já é expressão de um processo de
racionalidade presente na própria religião.
34 | Sociologia da Religião | FTSA
Para Weber, o protestantismo ascético acabou com a
magia, com a busca da salvação por meios externos
e com a contemplação como caminho religioso. Esse
tipo de religiosidade eliminou a contradição entre
habitus religioso cotidiano e extracotidiano com a
racionalização de um modo de vida que abriu caminho
para os mais piedosos e eticamente rigorosos à vida
dos negócios, apontando o êxito nessa área como fruto
da condução de uma vida racional.
Essa racionalização da vida passou por um
desencantamento religioso do mundo. Weber constatou
que a racionalidade da sociedade moderna já não era
mais religiosa, pois ela já se havia “secularizado”, outras
instituições tomaram o lugar da religião, a qual passou
por um declínio na sua influência na vida da sociedade
(Dias, 2012, p. 91).

Exercício de fixação - 05
Marx, Weber e Durkheim são alguns dos pensadores que legaram
ferramentas significativas para a formação e estruturação da
disciplina. A respeito de suas afirmações sobre a religião, vincule a
afirmação ao seu pensador.
a) A religião aliena o ser humano, impedindo-o de reconhecer a
realidade social dada enquanto um produto histórico.
b) Por trás das religiões há algo que perdura, independente dos
símbolos que elas desenvolveram ao longo da história: o papel de
manter e revigorar os sentimentos coletivos.
c) A relação entre religião e sociedade não se resume a uma
única possibilidade, pois a religião pode inspirar transformações
significativas.
( ) Karl Marx ( ) Max Weber ( ) Émile Durkheim

Sociologia da Religião | FTSA | 35


Considerações Finais
A construção de um pensamento crítico passa por um longo caminho,
porém, o ganho para a leitura e interpretação da realidade é extremamente
significativo. Como colocamos, um dos principais desafios é sair de
nossa “zona de conforto” e ampliar o nosso horizonte de consideração.
Este olhar mais amplo nos ajuda a melhor analisar questões que nas
ocorrências cotidianas parecem ser únicas.

Por outro lado, o caminho aberto pela sociologia é extremamente dinâmico


e cheio de possibilidades. A apresentação das ideias de Marx, Durkheim
e Weber como exemplos desse exercício do pensar frente às dinâmicas
próprias das sociedades modernas dos séculos XIX e XX mostra como
a mesma realidade pode possibilitar diferentes abordagens teóricas.
Muitos são os pensadores deste período, mas, devido aos propósitos da
nossa disciplina estes três exemplos nos são suficientes.

É inegável que cada leitura traga consigo as suas limitações, pois os


fenômenos sempre serão mais complexos do que qualquer leitura que
possamos apresentar ou defender. Mas, por se tratar de um discurso
responsável, o caráter científico destas leituras não se encontra em sua
validade eterna, mas no deixar sempre a oficina de trabalho aberta a
fiscalização e fornecer inspiração para novas leituras.

Referência Bibliográficas
DIAS, Agemir de Carvalho. Sociologia da religião: introdução às teorias
sociológicas sobre o fenômeno religioso. São Paulo: Paulinas, 2012
(Coleção temas do ensino religioso)

DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. São Paulo: Martins


Fontes, 2007

DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa: o sistema


totêmico na Austrália. São Paulo: Martins Fontes, 1996

36 | Sociologia da Religião | FTSA


FEUERBACH, Ludwig. A essência do cristianismo. Petrópolis: Vozes,
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GIDDENS, Anthony. Sociologia. Porto Alegre: Artmed, 2005.

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WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia


compreensiva. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2000

Leitura complementar
BAUMAN, Zygmunt. Aprendendo a pensar com a sociologia. Rio de
Janeiro: Zahar, 2010. pp. 33-50.

GIDDENS, Anthony. Sociologia. Porto Alegre: Artmed, 2005, p. 508-524

Sociologia da Religião | FTSA | 37


UNIDADE II - Dinâmicas da Vida Religiosa

Introdução
Nesta segunda Unidade nos voltaremos para alguns aspectos internos da
vida comunitária dos grupos religiosos. Mergulhados no mundo familiar
de determinado grupo religioso estamos por vezes limitados à linguagem
e aos referenciais de leitura próprios do grupo, e nos debatemos frente a
incapacidade de compreendermos melhor algumas dinâmicas presentes
em nossas comunidades, e muito mais quando buscamos avaliar outras
comunidades à luz desses mesmos conceitos.

Reconhecendo as limitações próprias do lugar a partir do qual falamos,


buscamos trabalhar com alguns conceitos sociológicos capazes de
lançar uma luz diferente em nossa experiência comunitária. Assim, o
nosso itinerário iniciará com a tarefa de pensarmos os desafios envolvidos
na tarefa de classificação das diferentes formas de estruturação das
organizações religiosas, passará pela consideração do conceito de
comunidade religiosa e concluirá com uma análise provocativa a respeito
do conceito de identidade religiosa no mundo contemporâneo.

1. Como classificar as diferentes formas de organização


da religião?

1.1. A religião enquanto instituição social


Pensar a religião enquanto uma instituição social não é sinônimo de pensá-
la como uma “pessoa jurídica”, com ata de constituição, CNPJ, endereço,
etc. A utilização do termo em sociologia visa pensar a forma como os
grupos se organizam dentro de uma determinada sociedade, e, nesse
sentido, o seu uso é muito mais amplo e desvinculado das definições e
propósitos jurídicos. Assim, nossa primeira tarefa será indicar como o
conceito é utilizado em sociologia e como aplicá-lo à religião.

38 | Sociologia da Religião | FTSA


A definição proposta por Fichter é um bom ponto de partida para
apreendermos o sentido sociológico do termo: “uma instituição é uma
estrutura relativamente permanente de padrões, papéis e relações que
os indivíduos realizam segundo determinadas formas sancionadas e
unificadas, com o objetivo de satisfazer necessidades sociais básicas”
(1974, p. 248). Para exemplificarmos: família, igreja, Estado, propriedade
privada, entre outras. O autor explora um pouco mais essa conceituação
pontuando alguns elementos que ele considera como essenciais para
uma instituição: são intencionais (visam um determinado fim), possuem
um conteúdo relativamente permanente, são estruturadas e portadoras
de valores. A partir dessas características podemos fazer um exercício
simples, buscando estabelecer as relações com o comportamento
religioso de grupos específicos.

Porém, Fichter faz uma observação importante: não devemos confundir


grupo com instituição. Observemos a definição que ele nos fornece
de grupo: “um grupo é uma coletividade identificável, estruturada,
continuada de pessoas sociais que desempenham funções recíprocas
conforme determinadas normas, interesses e valores sociais para a
busca de objetivos comuns” (1974, p. 109). O caminho para distinção
por ele indicada passa pelo reconhecimento de que as pessoas que
compõem o grupo diferem das pautas de comportamento que seguem.
As pautas, os papéis e as relações são institucionalizados, e realizados
pelas pessoas que compõem os grupos. Por exemplo, uma “igreja” é
um grupo de pessoas que segue um sistema ordenado e relativamente
permanente de comportamentos chamado “instituição religiosa”.

De posse dessa conceituação, reflitamos um pouco nas dinâmicas


presentes na relação entre os indivíduos e as instituições. Em linhas
gerais, podemos resumir a questão a partir do conflito entre agente-
estrutura (veja estrutura-ação: ponto 2.3 da Unidade I). Marek Soukup
(2016, p. 6) fornece um esquema didático:
Sociologia da Religião | FTSA | 39
Indivíduos → Instituições: esta perspectiva sublinha o papel do agente
enquanto criador das instituições e dos propósitos pelos quais ela existe.
Indivíduos ← Instituições: esta perspectiva concentra-se no papel da
instituição na sociedade e em sua influência sobre o agente.
Indivíduos ↔ Instituições: esta perspectiva não concentra a preferência
em nenhum dos dois pólos. Ao mesmo tempo em que são influenciados
pelas instituições os indivíduos possuem certo grau de liberdade.

Estas três possibilidades de consideração estão relacionadas a formas


diferentes de se compreender a natureza da influência recebida pelos
indivíduos, ou seja, da natureza das próprias instituições. São elas (i)
um script diretivo daquilo que o indivíduo deve fazer ou (ii) um sistema
interconectado de elementos trabalhando juntos por um propósito? O
jogo de xadrez pode nos auxiliar aqui: as regras do jogo de xadrez não tem
por objetivo dizer quais movimentos o jogador deve fazer, mas indicar as
regras a partir das quais ele poderá fazer as suas jogadas (ou seja, são
regras constitutivas, regras que criam a possibilidade de se jogar xadrez).

Em Institutions and Organizations (2001), Richard Scott divide as


instituições em três pilares. Em primeiro lugar, um pilar regulativo: aqui
são agrupadas as instituições que limitam e regulam o comportamento
dos indivíduos, seu propósito é manter a ordem e a estabilidade. Em
segundo lugar, um pilar normativo: o caráter normativo destas instituições
consiste em duas partes, estabelecer valores (objetivos idealizados)
e normas (formas legítimas para alcançar os valores). Por último, um
pilar cultural-cognitivo: aqui as normas não apenas regulam determinada
atividade, mas a criam (como no caso das regras do jogo de xadrez).
Aqui podemos nos perguntar se são necessariamente formas de dispor
as instituições, ou, talvez, formas diferentes de encarar a sua estrutura
relativamente permanente de padrões, papéis e relações.

As mesmas considerações aplicadas ao estudo das instituições sociais


em geral são válidas para a leitura do fenômeno religioso a partir do olhar
das questões colocadas pela sociologia. Enquanto uma instituição social,

40 | Sociologia da Religião | FTSA


a religião se apresenta como uma “estrutura relativamente permanente
de padrões, papéis e relações”. Cada grupo pode fornecer as suas leituras
próprias para explicar as dinâmicas de interação dos indivíduos com a
sua instituição, todavia, a sociologia nos desafia a desenvolver um outro
olhar, para além das explicações familiares ao nosso grupo religioso.

Como já pontuamos em outras oportunidades, o olhar sociológico sempre


abre “leituras” possíveis e legítimas. Para considerações da relação entre
indivíduo e instituição em sociedades tradicionais (trataremos mais deste
assunto nas próximas páginas), talvez leituras que destaquem o papel
da instituição sobre os indivíduos sejam mais oportunas, no entanto, no
contexto das sociedades contemporâneas leituras talvez sejam as que
foquem no indivíduo. Porém, que sejam leituras sempre atentas ao fato de
que se trata de uma via mão dupla (⇔) entre os indivíduos e as instituições.

1.2. Múltiplas formas de organização e interação social


Para fins didáticos conceituaremos organização como indicação de um
estado de racionalização dos sistemas religiosos que apresenta uma
articulação coerente de regras, papéis, discursos, práticas, estruturas e
dinâmicas. Enquanto uma experiência social, a religião possui formas de se
organizar. E aqui, vale ressaltar: múltiplas formas. Dentre os componentes
de um sistema religioso, a organização constitui-se no aspecto mais
visível e imediato aos observadores externos, mesmo que seja ela mínima
e informal. Assim, esse será o nosso ponto de partida aqui.

Quanto à natureza das organizações religiosas, Passos (2006, p.


14) pontua que, “em grandes linhas, podemos falar em sistemas
sociorreligiosos inorganizados - como as práticas religiosas privatizadas
(...) -, em sistemas semi-organizados - caso dos grupos religiosos de
natureza arcaica ou carismática - e em grupos organizados - como as
burocracias religiosas que, quase sempre, coincidem com as grandes
tradições religiosas”. Nesse sentido devemos ter em mente que a
natureza do conceito de organização é variável a depender da forma de
manifestação social em análise, podendo variar de estruturas rígidas até
Sociologia da Religião | FTSA | 41
estruturas mínimas e informais, sem divisão clara de funções ou fixação
de regras. Por exemplo, enquanto a Igreja Católica possui uma rígida
estrutura burocrática um pequeno grupo carismático, aqui no sentido
de Weber, dissidente pode possuir uma estrutura bem mais fluida, a
depender das dinâmicas próprias da situação de formação.

Comum a todas as três formas de organização religiosa acima,


independente do nível da burocracia, é o fato de que em cada uma delas
trata-se da composição de um sistema social capaz de estruturar elementos
ordenadores da convivência social. A partir de seu conjunto de valores, cada
organização instituirá uma hierarquia social — a estrutura das posições
(status social) que poderão ser ocupadas pelos membros de determinada
organização — que determinará as formas de relações sociais possíveis
entre os indivíduos a depender das posições ocupadas. Quanto à hierarquia,
observemos alguns exemplos hipotéticos no quadro abaixo. Normalmente,
ao nos referirmos a uma hierarquia, a pirâmide é uma das imagens
recorrentes para essa representação.

A partir deste modelo podemos pensar em um grupo


religioso onde o ingresso se dá por conversão (base
tracejada). A pirâmide representa as posições (status)
dentro da organização, sendo a linha tracejada no topo a
linha que divide o clero. A linha é tracejada porque o que
tem mais valor é o status adquirido (experiência, estudo
formal, etc.) e não o status atribuído (mulher, raça, idade).

Neste segundo modelo a lógica de estruturação é


outra. Imaginemos uma comunidade religiosa fechada,
onde o aumento se dá pelo nascimento. No topo da
pirâmide estão os que podem exercer a liderança
religiosa, porém, o status atribuído (nascimento, casta,
gênero) fecha o indivíduo em determinado status, não
lhe permitindo nenhuma mobilidade.

42 | Sociologia da Religião | FTSA


Por fim, com esta representação podemos imaginar
uma comunidade religiosa primitiva formada por
clãs. Cada clã pertence a religião tradicional do grupo
maior, porém, a liderança religiosa se limita aos chefes
de cada clã, que partilham em igualdade as funções
sacerdotais do grupo.

Estas representações são meramente hipotéticas e de caráter didático,


visando apontar para as diferentes dinâmicas de estruturação da
hierarquia social presente nas organizações religiosas. Atrelado ao
status social também temos o papel social, ou seja, as expectativas
socialmente definidas seguidas por uma pessoa que ocupa determinada
posição. A respeito desta relação Lakatos diz que

O sistema de status define um padrão de relações que irá governar a interação


entre os membros de um grupo e determinadas condutas são consideradas mais
apropriadas para expressar a relação existente entre as pessoas que ocupam
diferentes posições na hierarquia do status. A maneira pela qual as pessoas se
comportam em suas relações com ocupantes de status superior e/ou inferior
são aspectos do papel social (1981, p. 99) (negrito nosso).

Aqui chegamos ao último aspecto que gostaríamos de abordar neste


tópico: as relações sociais instauradas a partir dos status e dos papéis.
Como indicado por Lakatos, um padrão de relações será definido pelos
sistemas de status: pastor e membro, padre e fiel, mãe de santo e seus
filhos e filhas, etc. A posição de cada indivíduo na estrutura social da
organização se faz acompanhar de expectativas e funções próprias aos
indivíduos envolvidos nas formas de relações possibilitadas por estas
organizações — mesmo que estas estruturas sejam mínimas e informais.

Essas relações podem ser avaliadas a partir de diferentes ângulos: pelos


conflitos, pela dominação, pela relação de poder, entre outras. Para Max
Weber (2000, p. 22), pelo lado dos participantes, as relações sociais
podem ser orientadas através da representação de uma ordem legítima.
Quando esta orientação ocorre de fato, dá-se a vigência de uma ordem,
Sociologia da Religião | FTSA | 43
ordem esta que pode ser legitimada de diferentes formas: em virtude
da tradição, de uma crença afetiva, de uma crença racional referente à
valores ou em virtude de um estatuto em cuja legalidade se acredita.
Ou seja, a representação desta ordem legítima fundamenta também as
formas de relação que se dão entre os integrantes do grupo.

Saiba mais
As grandes tradições religiosas, constituídas e reproduzidas no
Ocidente, são exemplos de organizações institucionais resultantes
de longos anos de racionalização. Constituíram burocracias
estruturadas a partir do princípio de coerência e de eficiência de
suas normas e funções. Dentre elas, a Igreja Católica é o exemplo
mais concreto. Constituída, sobretudo, do contato com a estrutura
social e política do Império Romano, a Igreja Católica aprimorou
uma organização geopolítica que ganhou corpo e solidez ao longo
dos séculos. A fundamentação teológica e jurídica de sua estrutura
e dinâmica fixa normas e papéis religiosos e garante sua reprodução
em suas várias frentes de atuação. por outro lado, os inúmeros
grupos religiosos organizados ao longo da história do cristianismo
mostram as reações carismáticas à organização burocrática das
chamadas Igrejas históricas, construindo um campo de forças
elucidativo dos tipos religiosos seita-igreja. As burocracias
religiosas carregam, paradoxalmente, o germe da oposição e
da divisão, de forma que eclodem em seu seio movimentos de
renovação buscando garantir a liberdade e a espontaneidade da
experiência religiosa.
PASSOS, João Décio. Como a religião se organiza. São Paulo:
Paulinas, 2006, p. 20

A respeito dos sistemas religiosos inorganizados, Passos (2006, p. 34)


propõe incluir as formas de expressão religiosa características das
sociedades complexas, onde, diferentemente de sociedades simples,
44 | Sociologia da Religião | FTSA
as organizações religiosas adquirem uma maior autonomia, abrindo
espaço para formas diferenciadas de experiências religiosas dentro
de uma mesma sociedade, ou seja, para a construção de sistemas de
crenças individualizados. Veremos um pouco mais a respeito desta
perda de hegemonia da religião mais à frente nesta unidade, e quais suas
consequências no processo da formação das identidades religiosas.

Exercício de aplicação - 06
A religião possui múltiplas formas de organização e de interação
social entre seus adeptos. Abaixo temos a celebração de uma
missa católica e de um ritual hindu. A partir do que discutimos
nesse ponto podemos afirmar que:

a) A hierarquia social dos diferentes grupos apenas muda de nome,


pois, no fundo, elas têm o mesmo significado para todas as formas
de organização da religião.

b) Cada sistema religioso organizado traz consigo uma forma única


de hierarquia e estruturação social, sem semelhança com outros.

c) Embora em certas religiões possam haver figuras e papéis um


pouco semelhantes, como, por exemplo, a presença de sacerdotes,
os valores e dinâmicas próprios ao grupo implicarão em uma
valoração distinta das posições e dos papéis.

Sociologia da Religião | FTSA | 45


1.3. Classificação: possibilidade, função e limites
No ponto acima chamamos atenção para a diversidade de formas nas
quais o fenômeno religioso se organiza, agora, diante desta diversidade,
buscaremos analisar algumas das categorias utilizadas para classificar
essas formas. Vez ou outra ouvimos alguns destes termos: igreja, seita,
culto, denominação, entre outros. No uso próprio de cada comunidade
religiosa normalmente estes termos se fazem acompanhar de um sentido
teológico profundo. Como exemplo rápido podemos tomar o conceito
de seita, que no âmbito do cristianismo foi utilizado como classificação
negativa de grupos religiosos dissidentes.

Porém, como a sociologia não se utiliza de critérios teológicos para


sua leitura esses conceitos adquirem um sentido diferente a partir da
perspectiva sociológica. Mas, como é possível fornecer uma classificação
para um fenômeno tão rico em formas de manifestação? Na primeira
unidade pontuamos a necessidade de conceitos para a organização dos
dados da experiência, conceitos estes que são ferramentas necessárias
para uma análise teórica. Uma forma possível de abordagem passa
pela construção de tipos ideais (veja Unidade I, 3.3) a partir dos quais
podemos classificar a realidade plural e complexa e compormos
um quadro referencial para compreensão da realidade. Todavia, as
possibilidades serão múltiplas, a depender das categorias teóricas
empregadas: localização geográfica, época histórica, fatores culturais,
pelas estruturas organizacionais, pela visão da divindade, entre outras.

Max Weber e Ernst Troeltsch legaram à sociologia as categorias de


igreja e seita. Em um ensaio intitulado “A psicologia social das religiões
mundiais”, Weber define a Igreja enquanto a “portadora da graça
institucionalizada”, que organiza a religiosidade das massas colocando
seus valores monopolizados e mediados em lugar das qualificações
autônomas dos virtuosos religiosos (Weber, 1982, p. 331). Aqui convém
reforçar como o conceito de igreja perde seu sentido teológico e passa
ser encarado como um conceito meramente sociológico, com referência
a aspectos organizacionais e institucionais próprios a estruturação de
46 | Sociologia da Religião | FTSA
um grupo religioso. Como exemplo: a Igreja Católica. Troeltsch também
pontua o mesmo aspecto:

A igreja é um tipo de instituição fundamentalmente


conservadora, que até certo ponto aceita a ordem
secular e domina as massas; em princípio, portanto,
é universal - ou seja, deseja abarcar a totalidade
da vida da humanidade. As seitas, por outro lado,
são grupos relativamente pequenos, que aspiram à
perfeição interior do indivíduo, tendo como objetivo um
companheirismo pessoal e direto entre os membros
de cada grupo. Desde o início, entretanto, são forçados
a se organizarem em pequenos grupos, e renunciar a
ideia de dominação do mundo (1931, p. 331).

O quadro abaixo resume o que está em questão nestas definições:

SEITA IGREJA
Grupo pequeno Grupo amplo
Oposição ao mundo Relação com o mundo

Organização informal Organização burocrática

Papel central do líder Funções hierarquizadas


Discurso espontâneo Discurso racionalizado
Dinâmica emocional dos cultos Rubricas e normas litúrgicas

Comportamento uniforme Multiplicidade de comportamentos

Participação direta dos membros Participação indireta dos membros

Experiência imediata da salvação Experiência mediada da salvação

Passos, 2006, p. 84
Sociologia da Religião | FTSA | 47
Denominação e culto são dois termos que também estão presentes na
sociologia como instrumentos de classificação dos grupos religiosos.
Buscando analisar a realidade das igrejas americanas no início do século
XX, H. R. Niebuhr (1992) percebeu que a dicotomia igreja-seita não era
suficiente para abranger a realidade do denominacionalismo americano.
Sua contribuição foi apresentar a noção igreja-seita como pólos de um
continuum, e não como categorias separadas. Suas análises históricas se
voltam para esse processo de modificação, que resulta em modificações
estruturais inevitáveis para a seita. Diferente da igreja a denominação
não é universal, e, diferente da seita, apresenta um papel especializado
do ministro e um compromisso ético com o mundo mais relaxado (Tinaz,
2005). Uma outra definição pode ser: “uma seita que ‘se acalmou’ e se
transformou em um organismo institucionalizado, e não em um grupo de
protestos ativos” (Giddens, 2005, p. 434). Como exemplo: os movimentos
calvinistas e metodistas que nascem com seitas, despertando grande fervor
entre seus membros, e depois adquirem legitimidade frente às igrejas.

Howard Becker, para além dos três termos acima, definiu o conceito de
culto: um tipo de quase-grupo envolvido em uma busca individual por
experiências extáticas. A principal preocupação dos adeptos destes
grupos amorfos é buscar o êxtase da experiência puramente pessoal de
salvação, conforto e cura, e não com a manutenção da estrutura, seja
nos moldes da igreja ou da seita (Tinaz, 2005). Nestes grupos não há
um ingresso formal, mas, sim, uma vinculação à teorias específicas ou
comportamentos determinados. Como exemplo: adeptos da astrologia,
meditação transcendental e outros.

Em um artigo em que discute os vários termos presentes no âmbito


da pesquisa da sociologia da religião, Nuri Tinaz (2005) faz um
levantamento das transformações sofridas por estes termos ao longo do
desenvolvimento histórico da disciplina. O autor classifica as pesquisas
em três períodos. O Período antigo, que abarca os pensadores vistos
acima, foi marcado pela dicotomia Igreja-seita. No pós-guerra, tempo
48 | Sociologia da Religião | FTSA
de crise espiritual, moral e cultural o mundo assistiu o surgimento de
diferentes tipos de seitas e cultos que levaram os sociólogos a criarem
novos tipos de critério para análise e estudo das organizações religiosas.
Como exemplo deste período ele cita Milton J. Yinger e Bryan Wilson.

Para um bom uso destes conceitos é importante termos em mente


os limites de cada pesquisa, ou seja, os limites traçados pelos seus
objetivos e seu objeto de estudo. Como pontuado por Tinaz, no período de
transição os autores se apercebem da necessidade de novas definições
e conceitos para dar conta de uma nova configuração. É um momento
em que se percebe a limitação das categorias originadas a partir do
estudo de determinadas configurações do cristianismo, o que conduz a
uma ampliação da extensão do sentido dos conceitos. Neste período o
interesse se move da igreja para as seitas e cultos.

No último período, o Período Moderno (pós 1970), os autores se voltam


ainda mais para as seitas e cultos, mas com ênfase agora nos Novos
Movimentos Religiosos (NMR). Sobre estes movimentos, Nuri Tinaz
(2005, p. 91) afirma:

O termo NMR é mais geral, aplicável não somente para


as organizações e movimentos cristãos, mas também a
uma variedade de fenômenos religiosos transculturais.
Desvinculado de uma tradição religiosa particular,
o termo NMR pode aspirar maior “objetividade”; a
natureza mais inclusiva e objetiva do termo NMR e
sua aplicabilidade para novos fenômenos, tendência e
movimentos religiosos ofuscou a antiga popularidade
clássica e o uso dos termos seita e culto.

Frente a esta nova configuração do campo de pesquisa os sociólogos se


viram diante de necessidade de apresentarem uma tipologia específica
para classificação dos diferentes NMRs. Na última parte de seu artigo,
Tinaz apresenta uma visão geral da classificação proposta por alguns

Sociologia da Religião | FTSA | 49


autores. Vamos tentar resumir algumas destas categorias no quadro
abaixo:

Desenvolvem sistemas que são


relativistas e subjetivistas e
Movimentos
comumente concebem o sagrado
monistas
Robbins- como imanente: Maher Baba, grupos
Anthony Zen-Budistas e outros.

Afirmam o absolutismo moral e o


Movimentos
dualismo ético e tendem a conceber
dualistas
o sagrado como transcendente.

Os seguidores se submetem a mestre


Movimentos espiritual que incorpora poderes
devotos superiores: Divine Light Mission,
ISKCON.

Os membros buscam dominar


disciplinas espirituais para alcançar
um estado de iluminação e auto-
Grupos de
harmonia, geralmente seguindo o
Frederic Bird discipulado
exemplo de um mestre: pequenos
grupos de Yoga e Centros Zen-
Budistas

Os conversos adquirem uma série de


habilidades que lhes permitirá liberar
Movimentos de
os poderes espirituais que residem
aprendizado
dentro de si: Cientologia, Silvia Mind
Control

Como visto neste ponto, as classificações frente à multiplicidade de


formas do fenômeno religioso não são apenas possíveis, mas necessárias
para a pesquisa sociológica. Porém, não podemos nos esquecer que
50 | Sociologia da Religião | FTSA
cada conceito exerce uma função específica dentro de determinada
teoria, não devendo ser encarado como um conceito definitivo e válido
de uma vez por todas. Estas questões nos levam a estarmos atentos
aos limites próprios a cada conceito a partir de sua teoria de origem.
Conceitos são necessários, mas o estudante do fenômeno religioso não
pode encontrar-se desatento ao uso que faz dos termos que lhe estão à
disposição.

2. Comunidade religiosa
2.1. Diferentes formas de “estar junto”
Neste tópico olharemos para o aspecto social do fenômeno religioso
a partir da perspectiva do conceito de grupo social. Para os nossos
propósitos aqui vamos partir de uma noção geral, definindo o grupo
social enquanto uma reunião de indivíduos interagindo entre si de forma
sistemática, tendo consciência de uma identidade comum. Porém, à luz
do que discutimos no ponto acima podemos perceber o quanto esse
conceito pode variar. Para fins didáticos vamos pensar em dois tipos
(reforçando: um modelo teórico), pólos de um mesmo continuum:

AGREGADO ←------------↓------------→ GRUPO SOCIAL

A conceituação apresentada por Fichter (1974) será útil para nosso


propósito. Ele define um agregado enquanto uma reunião de pessoas
frouxamente aglomeradas, com um mínimo de relações sociais. Como
características dos agregados, ele pontua o relativo anonimato dos
participantes, a falta de uma hierarquia estruturada, o pouco contato
social (embora possa haver proximidade física), uma modificação
insignificante no comportamento dos participantes e o caráter temporal,
devido a mobilidade constante dos participantes.

No outro lado do pólo podemos colocar o grupo social: “uma


coletividade identificável, estruturada, continuada, de pessoas sociais
que desempenham funções recíprocas conforme determinadas normas,
interesses e valores sociais para a busca de objetivos comuns” (1974,
Sociologia da Religião | FTSA | 51
p. 109). Ressaltemos algumas das características indicadas pelo
autor: o grupo deve ser reconhecido e identificado enquanto tal pelos
seus membros e pelos de fora, possuir uma estrutura social e papéis
delimitados para os membros, ser marcado por relações recíprocas entre
os membros, possuir normas que orientam o comportamento de seus
membros, ter interesses e valores comuns, possuir uma finalidade social
e ser marcado por uma relativa permanência de seus membros.

Estes dois pólos são significativos para pensarmos a multiplicidade


de formas que o “estar juntos” pode assumir em relação à pertença
a determinado grupo religioso, nos levando a refletir sobre o conceito
de comunidade religiosa. Em uma sociedade tradicional talvez a
comunidade religiosa possa assumir os contornos mais próximos ao
conceito de grupo social (conforme a definição proposta aqui), o que já
não seja o caso na sociedade contemporânea, mais próxima ao conceito
de agregado. E aqui ressalto o “talvez”, pois há religiões milenares que não
se encaixam no conceito de grupo. Como exemplo, o hinduísmo, que por
possuir uma diversidade interna tão grande levou alguns pesquisadores
a sugerirem que o mesmo fosse considerado como um “agrupamento
de religiões relacionadas entre si, e não uma única orientação religiosa”
(Giddens, 2005, p. 430).

No que tange às formas de pertença a uma determinada comunidade


religiosa, o Ocidente assistiu a uma alteração de comportamento, de
modelos mais próximos aos de grupos para modelos mais próximos a
agregados. Esse deslocamento pode ser observado em vários sentidos:
na relação do indivíduo com o seu grupo de origem, na liberdade de
movimento dentro de comunidades próximas (exemplo: o trânsito
religioso entre denominações), na maior autonomia do indivíduo
frente ao “pacote completo” fornecido por determinado grupo. Em
algumas comunidades esta maior autonomia pode ser encarada como
“esfriamento da espiritualidade” do fiel, e, em termos acadêmicos ser
denominada de secularização. A fim de melhor compreendermos essas
alterações, vamos ampliar nosso horizonte de consideração.
52 | Sociologia da Religião | FTSA
2.2. Culturas tradicionais e modernas
Enquanto um aspecto da integralidade da vida social do ser humano, a
religião sofre mudanças advindas das novas orientações e dinâmicas
que impulsionam a vida como um todo. Por exemplo, ser um cristão
vinculado à igreja católica na Idade Média é muito diferente do que ser
um cristão vinculado a uma denominação evangélica hoje. Para além
da distância temporal temos toda uma nova dinâmica que impulsiona a
experiência moderna da vida.

Dentre as ferramentas para compreensão da sociedade contemporânea


encontramos na sociologia a distinção entre culturas tradicionais e
modernas. As distinções estabelecidas não têm por propósito propor
uma total ruptura, mas indicar direções. Tradicional e moderno não
devem ser tomados como sendo cada um todo em si, completamente
diferenciado do outro, pois há continuidades entre estes modelos e hoje
ainda coexistem aspectos tradicionais e modernos.

Segundo Giddens, “nas culturas tradicionais o passado é honrado e


os símbolos valorizados porque contêm e perpetuam a experiência de
gerações” (1991, p. 38). Para estas sociedades a tradição é um meio
fundamental através do qual as diferentes práticas são organizadas no
tempo e espaço, estruturadas por modelos recorrentes - sancionados
pelo fato de serem tradicionais. Um peso maior é concedido ao passado
como fonte de legitimação das estruturas. O forte vínculo com o passado
não significa que estas sociedades sejam estáticas, pois as tradições
podem ser reinventadas a cada nova geração a partir de uma releitura do
que foi herdado. Entretanto, a tradição é resistente a grandes mudanças
no curto prazo, havendo “poucos marcadores temporais e espaciais em
cujos termos a mudança pode ter alguma forma significativa” (p. 38).

Na passagem para sociedades modernas o ritmo das mudanças adquire


maior velocidade e uma nova forma motriz. Dentre as características
da modernidade Giddens destaca a reflexividade: “a reflexividade da
vida social moderna consiste no fato de que as práticas sociais são

Sociologia da Religião | FTSA | 53


constantemente examinadas e reformadas à luz de informação renovada
sobre estas próprias práticas, alterando assim constitutivamente seu
caráter” (p. 39). As práticas já não são mais sancionadas pela sua tradição,
mas agora é a própria tradição que precisa ser justificada à luz dos novos
conhecimentos. Na modernidade há uma radicalização no processo de
revisão das convenções, estendendo-se por todas as dimensões da vida
humana. O peso já não se encontra mais no passado pois o futuro está
aberto a infinitas possibilidades.

Segundo Bauman (2001), desde seus inícios a modernidade foi um


processo de derretimento de sólidos, uma busca por destronar o passado
e a tradição. Entretanto, um processo que objetivava “limpar a área para
novos e aperfeiçoados sólidos” (p. 10). O projeto moderno envolvia
revoluções sistêmicas que tinham como foco o projeto de mudar a ordem
da sociedade. O derretimento de sólidos ainda é o traço permanente da
modernidade, mas adquiriu um novo sentido e alvo: “os sólidos que estão
para ser lançados no cadinho e os que estão derretendo neste momento
(...) são os elos que entrelaçam as escolhas individuais em projetos e
ações coletivas” (p. 13).

A dinâmica do derretimento afeta a relação entre o indivíduo e as instituições.


Num primeiro momento a modernidade põe a derreter os estamentos
hereditários (forma de estratificação social) que alocavam as pessoas
na estrutura social vigente. Ao quebrar esta moldura de circunscrição das
possibilidades de ação foi criado um novo molde: as classes. A tarefa do
indivíduo passaria a consistir em “usar sua nova liberdade para encontrar o
nicho apropriado e ali se acomodar e adaptar” (p. 14). Agora, no momento
da versão individualizada da modernidade, estão cada vez mais em falta
pontos estáveis de coordenação - padrões não são mais dados e nem
autoevidentes. Neste novo contexto, padrões e configurações tornam-se
“itens no inventário das tarefas individuais” (p. 15).

Em sua dinâmica atual a modernidade está passando de uma fase de


“grupos de referência” predeterminados para uma fase de “comparação
universal”. Assim, os fatores de ligação do indivíduo a uma coletividade
54 | Sociologia da Religião | FTSA
(história comum, costumes, etc.) estão cada vez mais frouxos: o que
há são apenas fatores semelhantes ao zíper, “e o argumento para a sua
venda é a facilidade com que podem ser usados pela manhã e despidos
à noite” (p. 211).

Exercício de fixação - 07
A respeito da relação entre tradição e modernidade podemos
afirmar que:

a) Culturas tradicionais e modernas são coisas excludentes, pois


uma sociedade moderna abandonou completamente todos os
traços de tradicionalidade.

b) Nas culturas modernas um peso maior é colocado em direção


ao novo, porém, uma novidade que por vezes se afasta de um
projeto comunitário, limitando essa busca a uma tarefa individual.

c) As sociedades tradicionais são estáticas, pois o peso da


tradição não permite que mudanças aconteçam.

2.3. Comunidade
Ao mesmo tempo em que enfraquece o laço entre indivíduo e grupos de
referência a dinâmica da sociedade contemporânea mostra-se também
mais impessoal. Neste contexto a palavra comunidade apresenta-se
carregada de um forte fator afetivo. Ao ouvirmos a palavra comunidade
temos a impressão que “ela sugere alguma coisa boa: o que quer que
‘comunidade’ signifique, é bom ‘ter uma comunidade’, ‘estar numa
comunidade’ (...) Comunidade, sentimos, é sempre uma coisa boa”
(Bauman, 2003, p. 7). Devido a esse vínculo afetivo a definição do
conceito pode se tornar controversa; estreita demais ou ampla demais, e
com toques bastante idealistas.
Sociologia da Religião | FTSA | 55
Dentre os significados possíveis, podemos indicar três: (i) uma localidade
territorialmente delimitada, (ii) um sistema social local, dentro de uma
localidade e (iii) um tipo de relacionamento que envolve um senso
compartilhado de identidade, que pode se manter mesmo após uma
mudança de localidade. Para os propósitos da discussão aqui em curso,
o terceiro se mostra mais significativo, pois traz um aspecto comunal -
um compartilhar de vida. Embora seja um conceito válido, deve-se tomar
alguns cuidados: (i) utilizar a ideia da comunidade em viés normativo,
colocando-a como moralmente superior a outras formas de fixação
humana e (ii) fixar-se na vida interna e deixar de conectar a vida das
pessoas com o mundo externo (Giddens e Sutton, 2017, p. 185).

O conceito de comunidade tem uma longa história, desde o século


XIV. Mas a partir do século XIX tornou-se habitual um uso que busca
estabelecer um contraste com a sociedade, impessoal e mais ampla.
Segundo Giddens e Sutton, um novo interesse neste tema ressurge
a partir da década de 1980. Com duas ênfases: entre 1980 e 1990 os
estudos das comunidades buscavam explorar questões de gênero, etnia
e outras desigualdades locais, e, depois, nas últimas duas décadas, o foco
voltou-se em direção ao estudo das relações entre globalização e seus
efeitos locais, as comunidades virtuais online e o impacto da mobilidade
geográfica nas relações em comunidade.

Como contexto deste ressurgimento da questão comunitária é


interessante observar dois fatores da segunda metade do século
XX. Em primeiro lugar o início do enfraquecimento do Estado-nação
(instituição moderna colocada também como lastro para construção
da identidade nacional - isso é importante pois, em muitas nações a
vida religiosa possuía uma relação direta com a política de Estado) e,
em segundo lugar, a revolução cultural. Dentre as consequências da
revolução cultural Hobsbawm destaca a dissolução de normas, valores
e texturas tradicionais de parte do mundo. Frente a estas mudanças, ele
destaca: “jamais a palavra ‘comunidade’ foi usada mais indiscriminada
56 | Sociologia da Religião | FTSA
e vaziamente do que nas décadas em que as comunidades no sentido
sociológico se tornaram difíceis de encontrar na vida real” (1995, p. 330).
Os homens e mulheres buscavam um grupo ao qual pertencer: uma
busca por grupos de identidade.

Bauman vê o comunitarismo como uma reação à liquefação da vida


moderna. Porém, a nova liberdade no estabelecimento de vínculos, o
direito de os indivíduos buscarem seus próprios objetivos e identidades
individuais, traz consigo uma “nova fragilidade dos laços humanos”
(2001, p. 213). Agora as comunidades se mostram mais como algo
postulado do que efetivamente real, ela se torna alguma coisa que vem
depois da escolha - um lar achado e feito. Para alguns ela se mostra
mais como um belo conto de fadas que uma experiência pessoal. Mas é
significativo que esteja fora do domínio da experiência: “seu aconchego
não pode ser posto à prova, e seus atrativos, como são imaginados, ficam
imunes aos aspectos menos atraentes do pertencimento obrigatório e
das obrigações não negociáveis - as cores mais fortes estão ausentes da
palheta da imaginação” (p. 214).

Sobre a formação e duração de comunidades na contemporaneidade,


observemos duas propostas provocativas:

Cloakroom communities (comunidade de guarda-casacos). As pessoas


se vestem apropriadamente para irem a um espetáculo de gala, com
roupas diferentes do seu dia a dia. Ao saírem de casa, colocam seus
casacos. Porém, ao chegarem no local do espetáculo, deixam seus
casacos na entrada (única peça ainda de seu dia a dia), e adentram o
auditório. Ao terminar o espetáculo, retomam seus casacos, e retornam
a seus papéis mundanos. Segundo Bauman, os espetáculos substituíram
as causas comuns, são incapazes de fundirem cuidados individuais
em interesses comuns. Eventos que quebram a monotonia da solidão
cotidiana, mas que depois deixam tudo como estava: “elas eficazmente
impedem a condensação de comunidades ‘genuínas’” (2001, p. 250).
Sociologia da Religião | FTSA | 57
2.4. (Re)pensar a comunidade religiosa
Frente a este quadro mais amplo, agora, ao retomarmos a nossa discussão
sobre o conceito de comunidade religiosa somos capazes de colocar
essa discussão a partir de uma perspectiva mais ampla: uma mudança
na dinâmica da sociedade como um todo. Qual sentido podemos dar
hoje a ideia do “nós”? Como todas as questões que pontuamos até aqui,
fica claro de antemão que a resposta não será única, pois o fenômeno
é por demais complexo. Porém, independente da natureza do “nós”
(mais próximo a um agregado ou a um grupo social), o sentido que
uma comunidade pode adquirir para o adepto se constrói a partir deste
contexto moderno, marcado pelo derretimento dos sólidos da tradição e
por vínculos mais frouxos.

Entretanto, convém ressaltar que o mesmo contexto explicativo dos


vínculos mais frouxos com as instituições também é o mesmo a
partir do qual pode-se fornecer explicações para os movimentos de
comportamento radical, que vez ou outra tomam os noticiários. No
primeiro caso, tomemos o exemplo da relação entre os fiéis e as igrejas
tradicionais que cada vez mais é marcado por uma maior autonomia
por parte do fiel em relação às regras do grupo - um dos aspectos da
chamada secularização.

Exercício de fixação - 08
Sobre o conceito de secularização podemos afirmar que:

a) Secularização é o processo conduz ao fim da religião, pois com


o avanço da racionalidade a religião será suplantada.

b) Secularização é o apagamento do fervor religioso.

c) Secularização diz respeito tanto ao fim de formas tradicionais


quanto ao surgimento de formas alternativas da vivência religiosa.

58 | Sociologia da Religião | FTSA


Como exemplo do segundo caso, ou seja, dos movimentos de
comportamento radical, temos o fundamentalismo religioso, marcado
por uma adesão rigorosa a um conjunto de princípios ou crenças.

O fundamentalismo religioso é um fenômeno


relativamente recente - foi somente nas duas ou
três últimas décadas que o termo entrou para o
domínio comum. Surgiu sobretudo como uma
reação à globalização. À medida que as forças da
modernização enfraquecem progressivamente os
elementos tradicionais do mundo social - como a
família nuclear e a dominação das mulheres pelos
homens -, o fundamentalismo ergue-se em defesa das
crenças tradicionais. Neste mundo globalizante, que
exige explicações racionais, o fundamentalismo insiste
em oferecer respostas com base na fé e em fazer
referências à verdade ritual: é a tradição defendida
de forma tradicional. O fundamentalismo está mais
relacionado ao modo como as crenças são defendidas
e justificadas do que ao conteúdo das crenças
propriamente ditas (Giddens, 2005, p. 447).

No que tange aos novos movimentos religiosos (NMRs), a sua dinâmica


de relação com o mundo social será um fator significativo para a forma
como o adepto haverá de se relacionar com o grupo. Duas tipologias dos
NMRs podem nos auxiliar aqui. Primeiro, os movimentos de afirmação
do mundo. Assemelhando-se mais aos grupos de auto-ajuda, esses
movimentos buscam aumentar as habilidades desempenho de seus
seguidores revelando o potencial humano. Como exemplo ele indica
a Igreja da Cientologia e algumas linhas da Nova Era (uma mescla de
doutrinas pagãs, xamanismo, misticismo, meditação Zen e outras)
voltadas para o potencial humano e sua transformação. A respeito da
relação entre os objetivos destes movimentos e da autonomia moderna,
pode-se dizer que eles “coincidem estreitamente com a era moderna: as
Sociologia da Religião | FTSA | 59
pessoas são estimuladas a irem além dos valores e das expectativas
tradicionais e a terem uma vida ativa e reflexiva (Giddens, 2005, p. 445).

Em segundo lugar, os movimentos de rejeição do mundo. Profundamente


críticos ao mundo exterior, exigem mudanças significativas no estilo
de vida de seus seguidores e que a identidade destes se subssuma à
identidade do grupo, cumprindo regras rigorosas. Talvez, frente a um
mundo cada vez mais impessoal e desprovido de padrões dados, grupos
desta natureza possam corresponder a este vácuo, apresentando
pessoalidade e padrões bem definidos.

3. Identidade religiosa
3.1. Socialização e identidade
A socialização é o processo de assimilação de uma determinada forma
de vida, o processo pelo qual os novos membros são imersos nos hábitos,
valores, regras de uma determinada comunidade. É uma forma de ligação
entre as gerações. O período mais intenso dessa assimilação se dá na
infância. Mas, ao longo da vida o indivíduo é socializado em diferentes
grupos, instituições, etc. Esse processo também pode ser descrito como
um momento de transmissão, a ação que assegura a sobrevivência de
uma sociedade. Ela é tanto a aquisição das maneiras de pensar, agir e
sentir do grupo quanto a integração da cultura na personalidade, ou seja,
a interiorização de determinada cultura no indivíduo.

Temos um exemplo desta preocupação em Deuteronômio 6:6-7: “Estas


palavras que, hoje, te ordeno estarão no teu coração; tu as inculcarás
a teus filhos, e delas falarás assentado em tua casa, e andando pelo
caminho, e ao deitar-te, e ao levantar-te”. Porém, é importante notar que
este não é um processo passivo, ou seja, uma estrutura onde tem-se de
um lado um transmissor ativo (detentor de saberes) e de outro lado um
destinatário passivo, ou semi-passivo. Este tipo de leitura acaba sendo
simplista e não capta a complexa dinâmica desse processo.

Segundo Hervieu-Léger, “se o ideal da transmissão pretende que os


60 | Sociologia da Religião | FTSA
filhos sejam a imagem perfeita dos pais, é claro que nenhuma sociedade
jamais o atingiu” (2008, p. 58). Para a autora, a continuidade sempre
se dá pela mudança, mesmo nas sociedades mais tradicionais, pois
continuidade não é imutabilidade. Assim, o distintivo do momento atual
não é a mudança, mas a natureza desta mudança, pois as lacunas entre
as gerações têm se tornado cada vez maiores.

Um segundo fator a ser observado é a mudança da importância e


papel das instituições nas quais tradicionalmente se dá a continuidade
das gerações, a começar pela família - a instituição socializadora
por excelência. Nesta alteração da natureza da mudança é diminuída
a importância das instituições responsáveis pela continuidade das
gerações. As instituições religiosas, enquanto instituições de socialização,
também passam a sentir os efeitos desta mudança cultural.

Segundo Giddens (2005, p. 43-44), é no decorrer da socialização que


desenvolvemos um sentido de identidade e a capacidade para pensarmos
e agirmos de forma independente. Em linhas gerais o conceito de
identidade se relaciona ao “conjunto de compreensões que as pessoas
mantêm sobre quem elas são e sobre o que é significativo para elas”.
Embora seja um conceito multifacetado, há dois tipos mencionados com
mais frequência: a identidade social e a auto-identidade (identidade
pessoal). A identidade social se refere àquelas características atribuídas
a um indivíduo por outros, como por exemplo: o estudante, a mãe, o pastor,
o padre, etc. Neste sentido um mesmo indivíduo pode possuir múltiplas
identidades, embora uma se destacará como primária. A identidade social
envolve uma dimensão coletiva, e marca a forma pela qual os indivíduos
são “o mesmo” que outros, as identidades compartilhadas.

Por outro lado, a identidade pessoal nos separa como indivíduos distintos,
e “se refere ao processo de autodesenvolvimento através do qual
formulamos um sentido único de nós mesmos e de nossa relação com
o mundo à nossa volta”. O sentido de si mesmo de um indivíduo é criado
e moldado através de uma constante negociação do indivíduo com o
mundo exterior. Porém, em comparação com as sociedades tradicionais,
Sociologia da Religião | FTSA | 61
no mundo moderno assistimos a um deslocamento de fatores fixos e
herdados capazes de guiar previamente a formação das identidades.
Para uma melhor contextualização da discussão, e colocação em foco
da questão das identidades religiosas, detenhamo-nos um pouco mais
sobre alguns traços desta mudança cultural.

3.2. A ascensão do indivíduo e a identidade em tempos


líquidos
Em 1784 o filósofo alemão Immanuel Kant publica um pequeno texto
intitulado: Resposta à questão: o que esclarecimento [Aufklärung]? Um
texto que resume muito bem a atitude proposta pelo iluminismo: um
convite à autonomia no uso do entendimento. Fazendo uso da razão,
agora cabe ao indivíduo o livre exame de todas as coisas. A própria
religião deveria submeter-se ao crivo da razão, conformando-se aos seus
limites. O direcionamento das potencialidades da vida não mais seria
balizado pela tradição, mas pelo livre exame da razão.

Fazendo uso da razão o ser humano era intimado a romper os grilhões sob
os quais a humanidade encontrava-se aprisionada. A razão possibilitaria
a construção de uma nova ordem social e econômica - um projeto
estrutural. A história era vista como possuindo um telos (finalidade),
algum tipo de sociedade boa, justa e sem conflitos — apropriação secular
da utopia religiosa. Guiar-se pela razão não se restringia a um projeto
pessoal, pois a razão, uma propriedade de todos os seres humanos,
vinculava o indivíduo a um projeto coletivo.

Segundo Bauman, hoje somos modernos de um modo diferente, uma


época caracterizada por uma “compulsiva e obsessiva, contínua,
irrefreável e sempre incompleta modernização” (2001, p. 40). Neste
processo sempre contínuo não há mais a crença em um fim do caminho e
as tarefas e deveres de caráter coletivo foram individualizados - instaura-
se uma separação entre escolhas individuais e projetos coletivos.
Agora os padrões e configurações não são mais dados, são liquefeitos
e transformaram-se em tarefas do indivíduo: “eles são agora maleáveis
62 | Sociologia da Religião | FTSA
a um ponto que as gerações passadas não experimentaram e nem
poderiam imaginar” (p. 15). Ele exemplifica a consequência deste novo
quadro para o conceito de identidade a partir da figura do consumidor:

A identidade experimentada, vivida, só pode se manter


unida com o adesivo da fantasia, talvez o sonhar acordado.
Mas, dada a teimosa evidência da experiência biográfica,
qualquer adesivo mais forte - uma substância com
maior poder de fixação que a fantasia fácil de dissolver
e limpar - pareceria uma perspectiva tão repugnante
quanto a ausência do sonhar acordado (...) Em vista da
volatilidade e instabilidade intrínseca de todas ou quase
todas as identidades, é a capacidade de “ir às compras”
no supermercado das identidades, o grau de liberdade
genuína ou supostamente genuína de selecionar a própria
identidade e de mantê-la enquanto desejado, que se torna
o verdadeiro caminho para a realização das fantasias de
identidade (Bauman, 2001, p. 107)

A falta de pontos estáveis é indicada também pela passagem de uma era


de “grupos de referência” para outra de “comparação universal” (p. 14). Ou,
nas palavras de Giddens, na dialética entre local e global. O local, enquanto
o “lugar de feixes de relações entrelaçadas, cuja pequena extensão espacial
garante sua solidez no tempo” (1991, p. 93) agora é inextricavelmente
entrelaçado pelo global, isto é, salpicado de influências distantes. As
implicações desta tensão podem ser resumidas na seguinte observação:

No mundo atual, temos oportunidades sem precedentes


de moldar a nós mesmos e de criar nossas próprias
identidades. Somos nosso melhor recurso para definir o
que somos, de onde viemos e para onde vamos. Agora
que as referências tradicionais tornaram-se menos
essenciais, o mundo social confronta-nos com uma
Sociologia da Religião | FTSA | 63
quantidade vertiginosa de escolhas acerca de quem
somos, de como devemos viver e do que devemos fazer
- sem oferecer grande orientação sobre que escolhas
devemos fazer. As decisões que tomamos na vida
cotidiana sobre o que vestir, como se comportar e como
gastar nosso tempo ajudam a nos tornar o que somos.
O mundo moderno força a que encontremos a nós
mesmos. por meio de nossa capacidade como seres
humanos autoconscientes, constantemente criamos e
recriamos nossas identidades (Giddens, 2005, p. 44).

Bauman e Giddens apontam para o mesmo fenômeno: a ascensão


do indivíduo, ou do individualismo. Fenômeno este vinculado tanto ao
enfraquecimento da tradição quanto às interações das comunidades
locais com a nova ordem global, e que está forçando as pessoas a
viverem de um modo mais aberto e reflexivo.

Exercício de aplicação - 09
Quais afirmações abaixo descrevem características do contexto
contemporâneo em relação à construção das identidades:
I – Há uma maior liberdade do indivíduo em relação aos laços com
a comunidade
II – As identidades são mais fluidas e a vida mais episódica que
contínua
III – As identidades pessoais são vistas como uma criação e não
como herança
a) Apenas I está correta
b) I e II estão corretas
c) Todas estão corretas

64 | Sociologia da Religião | FTSA


3.3. Bricolagem: o processo de construção das identidades
religiosas
A partir desta contextualização é possível prosseguir a análise das
implicações desta mudança no processo de estabelecimento da
identidade religiosa. Um bom guia para esta etapa da reflexão é o livro
O peregrino e o convertido, da socióloga francesa Danièle Hervieu-
Léger, que busca analisar o movimento da religiosidade contemporânea.
Uma religiosidade que tende a se desvincular das instituições e voltar-
se para uma experiência pessoal, dentro de um percurso de conquista
da identidade pessoal - a religião torna-se uma escolha entre outras:
“no âmbito da religião, como nos demais, a capacidade do indivíduo
para elaborar seu próprio universo de normas e de valores a partir de
sua experiência singular, tende a impor-se… vencendo os esforços
reguladores das instituições” (2008, p. 63).

Dois aspectos dessa identidade religiosa devem ser aqui destacados: em


primeiro lugar, o próprio conceito de identidade, que é visto agora como
um “resultado, sempre precário e susceptível de ser questionado, de uma
trajetória de identificação que se realiza ao longo do tempo” (p. 64). Falar
de identidade não implica mais em pensar uma identidade substantivada
e estabilizada, a trajetória expressa melhor esse processo sempre aberto
e em movimento. Em segundo lugar, um processo de bricolagem: a
“construção” de um sistema de fé que se dá sem referência à um corpo
de crenças validadas por uma instituição.

Na Suécia, por exemplo, onde a prática religiosa é efetiva


é inferior a 5%, 9% dos indivíduos se declaram “cristãos
praticantes” e 26% se definem como “não cristão”. Mas
63% se designam, eles mesmos, como “cristãos à sua
maneira” (Hervieu-Léger, 2008, p. 43).

A análise de Hervieu-Léger se dá a partir do contexto europeu, onde


nações historicamente de cultura cristã enfrentam a tempos o desafio
de transmissão das tradições religiosas para as novas gerações. A
Sociologia da Religião | FTSA | 65
partir desta perspectiva a autora fala de sobre o fim das identidades
religiosas herdadas e chama atenção para os percursos de identificação
das novas gerações com essa tradição. Como pensar essas trajetórias
de identificação? Caso o trabalho fosse apenas um elencar dessas
trajetórias, poderia ser um trabalho sem fim.

A fim de organizar os dados de seu recorte de pesquisa — jovens


católicos franceses —, Hervieu-Léger propõe um quadro de referências:
quatro dimensões de identificação. Um recurso metodológico utilizado a
fim de organizar o material à sua disposição. A partir desse quadro ela
propõe a hipótese de que as identidades construídas passam por uma
livre combinação dessas quatro dimensões. As quatro dimensões são:

a) Dimensão comunitária: o conjunto das marcas


sociais e simbólicas que definem as fronteiras de um
grupo.

b) Dimensão ética: valores ligados à mensagem


religiosa trazida por uma tradição particular.

c) Dimensão cultural: o conjunto dos elementos


cognitivos, simbólicos e práticos que constituem o
patrimônio de uma tradição particular.

d) Dimensão emocional: experiência afetiva associada


à identificação (grandes eventos, festas, etc).

Há duas formas de articulação destas dimensões. A primeira delas passa


pela articulação que as próprias instituições estabelecem. Neste caso,
identificar-se com uma tradição é aceitar as condições de identidade
fixadas e garantidas por uma instituição. As articulações institucionais
se dão através de dois eixos: (1) comunitário e ético, um equilíbrio entre a
singularidade e a universalização; (2) emocional e cultural, ancoramento
da experiência imediata na continuidade legitimadora de uma memória
autorizada (tradição). Por exemplo, no caso do rito religioso: “a função do rito
66 | Sociologia da Religião | FTSA
religioso é ligar a emoção coletiva que provoca a congregação comunitária à
evocação controlada da cadeia da memória que justifica a própria existência
da comunidade” (p. 70). O desequilíbrio ou a autonomia dessas dimensões
podem provocar uma “saída da religião”: “processos pelos quais se dissolve,
nas sociedades modernas, a referência individual e coletiva da continuidade
de uma tradição legitimadora” (p. 70 - nota de rodapé).

Na contemporaneidade “as instituições foram dispensadas de seu papel


de definidoras exclusivas do perfil identitário oficial no qual os fiéis
supostamente deveriam reconhecer-se” (p. 74). Diante desta dispensa
Hervieu-Léger levanta a hipótese de que as dimensões tornaram-se
relativamente autônomas e podem servir de eixo para uma possível
construção ou reconstrução da identidade religiosa. A partir das quatro
dimensões ela indica seis modalidades de identificação:

1. Comunitário e emocional: catolicismo afetivo - Jornada Mundial da


Juventude
2. Cultural e comunitário: cristianismo patrimonial - pertença
comunitária e possessão de uma herança que estabelece uma
separação radical.
3. Emocional e ético: cristianismo humanitário - sensível à injustiça,
tendência a privilegiar ações concretas, palavra de ordem: “agir onde
for possível”, pouco importa se a organização tenha referências
confessionais ou não.
4. Comunitário e ético: cristianismo político - atuação no cenário
público em vista da defesa e promoção de valores, concepção
militante da missão da igreja.
5. Cultural e ético: cristianismo humanista - representativo entre
intelectuais, identificação fortemente individualizada com a tradição,
que pode ser totalmente distanciada de uma mediação comunitária.
6. Cultural e emocional: cristianismo estético - atração pelos
principais lugares da história espiritual (Europa: caminho de Santiago
de Compostela, mosteiros, basílicas, etc).
Sociologia da Religião | FTSA | 67
A pesquisa e as hipóteses levantadas por Hervieu-Léger nos apresentam
algumas ferramentas interessantes para pensarmos os movimentos
sofridos pela religiosidade nas sociedades modernas, movimento este
que buscamos indicar neste último ponto. Como indicamos no início da
nossa disciplina, a sociologia busca pensar um mundo em constante
mudanças, e para tal o estande deve estar atento aos movimentos e
ritmos da sociedade que imprimem novas dinâmicas para a vida religiosa.

Exercício de reflexão - 10
Em termos numéricos o Brasil continua sendo um país de tradição
religiosa cristã. Católicos e protestantes (evangélicos) ocupam
os primeiros lugares nos dados do censo. Entretanto, é inegável o
fato de que cada vez mais as grandes religiões tradicionais estão
cedendo espaço para uma busca crescente de novas experiências
religiosas ou religiosidades não convencionais, que vão assumindo
o terceiro lugar nas pesquisas vinculadas ao censo. Como podemos
explicar esse fato à luz do que discutimos nessa Unidade? (200
palavras)

Considerações Finais
Ao final desta Unidade completamos um itinerário mais teórico, que
iniciamos na Unidade I. Nosso trabalho até aqui foi levantar questões
próprias à sociologia da religião e mapear alguns dos conceitos que
marcam as discussões na disciplina. Embora a sociologia seja uma
disciplina relativamente nova, creio que pudemos perceber o quão
dinâmicas são as discussões e a consequente redefinição de conceitos
frente a experiência humana em constante transformação.

Enquanto na Unidade I, logo após uma introdução às particularidades


do discurso sociológico da religião, nos voltamos para uma análise das
possíveis relações entre religião e sociedade, nesta Unidade buscamos
68 | Sociologia da Religião | FTSA
lançar luz às dinâmicas próprias das comunidades religiosas. Nossa
estratégia foi realizar este movimento através da apresentação de
alguns dos conceitos-chave para na consideração das dinâmicas dos
grupos humanos em geral e depois revisitando estes conceitos a partir
do mundo contemporâneo.

Nas duas Unidades que se seguem a nossa disciplina assumirá um


colorido diferente, agora um pouco menos geral e mais e mais focado
em um contexto específico: a realidade brasileira. Analisaremos a
característica do campo religioso do Brasil e depois faremos alguns
recortes temáticos.

Referência Bibliográficas
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São Paulo: Paulinas, 2006, p. 69-100

70 | Sociologia da Religião | FTSA


UNIDADE III - O Quadro Religioso Brasileiro
Introdução
Fulano “virou evangélico”. Beltrano “está desigrejado”. Sicrano é o
“candidato da igreja”. Não é raro ouvimos algumas dessas expressões
em nossas conversas cotidianas. Imersos na realidade de alguma
comunidade religiosa ou mesmo distantes de um grupo específico
percebemos algumas mudanças no cenário religioso brasileiro,
mudanças essas que não se resumem a informações de acontecimentos
longínquos, mas que nos tocam diretamente na lida do dia a dia. Seja
no trabalho, na impressa, na mídia, na cultura, nas redes sociais ou na
política experimentamos o impacto dessas transformações.

Nesta terceira unidade nos voltaremos para a configuração do quadro


religioso brasileiro. Em primeiro lugar analisaremos três dinâmicas
assumidas pela religião ao longo da história do Brasil, desde colonização
até o processo de urbanização. E, num segundo momento, nos voltaremos
para a dinâmica do trânsito entre religiões que tem modificado o quadro
religioso brasileiro nos últimos anos. A fim de ilustramos uma aplicação
das discussões que apresentamos na unidade anterior, faremos ao
final de cada um desses dois percursos uma ponderação a partir dos
referenciais estudados.

1. Um panorama histórico-social da religiosidade brasileira


Vamos iniciar esta unidade com a apresentação de um esquema básico
da história do Brasil a fim de melhor contextualizarmos as discussões
desta unidade. De dimensões continentais e com uma rica variedade de
expressões culturais, o Brasil, enquanto objeto de estudo das ciências
sociais, possibilita ao pesquisador inúmeras formas de abordagem. Para os
nossos objetivos aqui, o quadro abaixo nos servirá de referência. A partir
deste quadro buscaremos destacar a presença de alguns grupos e suas
respectivas dinâmicas de relação, deixando para o ponto seguinte uma
apresentação de aspectos característicos da religiosidade de cada um.

Sociologia da Religião | FTSA | 71


1.1. Portugueses, índios e africanos (1500-1808): os
contornos de uma matriz religiosa
Destaquemos em primeiro lugar o período que vai de 1500 a 1808, da
chegada dos portugueses à vinda da Família Real ao Brasil. Deste período
vamos destacar três grupos: os portugueses, os índios e os africanos. Como
parte de um projeto de expansão ultramarina dos portugueses, em abril
de 1500 chegou ao litoral da terra recém “descoberta” uma frota marítima
composta por treze navios, sob o comando do fidalgo Pedro Álvares Cabral.
Após algumas décadas marcadas pelo esforço de garantir a posse da nova
terra o Brasil se tornou uma colônia em sentido básico: fornecer gêneros
alimentícios ou minérios de grande importância ao comércio europeu.

Destaquemos de início algumas características dos primeiros anos


do Brasil Colonial. Pesquisadores nominam o processo de imigração
portuguesa ocorrido no período que vai de 1500 a 1700 de restrita,
período em que chegaram ao Brasil cerca de 100 mil imigrantes. Neste
período destacam-se três grupos: os imigrantes abastados (exploração da
produção de açúcar), os degredados (migração forçada como punição de
crimes) e algumas minorias, tais como cristãos-novos (judeus obrigados
a se converterem por decisão da monarquia lusa) e ciganos, que fugiam
da perseguição religiosa. Embora trouxessem consigo a sua religião, para
todos estes o objetivo econômico da coroa portuguesa era claro.
72 | Sociologia da Religião | FTSA
Como tripulantes da primeira frota que aportou no litoral do Brasil
vieram também os padres, responsáveis por cumprir durante as viagens
marítimas os papéis de orientadores espirituais e de médicos. O A
Carta de Pero Vaz de Caminha, ao descrever uma das primeiras missas,
destacando a presença dos índios e a “devoção” destes, deixa entrever
um dos pontos que, com o tempo, se tornará o motivo de conflito entre
os interesses econômicos e os interesses de alguns grupos religiosos.
Conflito que se acirrará ainda mais com a chegada dos jesuítas, em 1549.

Quando os portugueses aqui chegaram não encontraram uma “terra de


ninguém”. Embora a falta de dados seja uma dificuldade, os números
oscilam entre 2 milhões para todo o território Brasil Paraguai até 5 milhões
apenas para a Amazônia brasileira. Não havia aqui uma nação indígena, mas
diversos grupos, às vezes em conflito, espalhados ao longo da terra que viria
a ser o Brasil. No entanto, os portugueses encontraram uma população
ameríndia bastante homogênea em termos culturais e linguísticos.

Boris Fausto (2015, p. 14) propõe uma distinção entre dois grandes
blocos: os tupis-guaranis e os tapuias (termo utilizado pelos tupis-
guaranis para se referirem aos índios que falavam outra língua:
goitacases, aimorés, tremembés). A forma de relação dos índios para
com os portugueses variou entre os grupos, desde a cooperação até a
resistência violenta. Mas, em linhas gerais, deste contato resultou tanto
uma população mestiça, presente de forma silenciosa na formação da
sociedade brasileira, quanto uma catástrofe que dizimou grande parte
desta população.

Do lado português destacam-se duas tentativas básicas de sujeição,


traduzidas em duas políticas contraditórias, que não se equivaliam: “uma
delas, realizada pelos colonos segundo um frio cálculo econômico, constituiu
na escravização pura e simples. A outra foi tentada pelas ordens religiosas,
principalmente pelos jesuítas, por motivos que tinham muito a ver com suas
concepções missionárias” (Fausto, 2015, p. 23). O esforço dos jesuítas
concentrou-se em transformar os índios em “bons cristãos”, reunindo-os
em aldeias. Porém, entre os próprios religiosos por vezes discutia-se se
Sociologia da Religião | FTSA | 73
os índios seriam pessoas. Como exemplo, citemos aqui o debate entre
Bartolomeu de Las Casa, para quem os índios eram como rebanhos a serem
ordenados, e Juan Ginés Sepúlveda, para quem eles não eram humanos e
deveriam ser obrigados a conquistar a humanidade (deviam ser batizados
e aprender a trabalhar). Embora em sentidos diversos, nenhuma das duas
políticas implicava em um respeito pela cultura indígena.

A política econômica da metrópole portuguesa consistiu no incentivo de um


modelo de produção assentado na grande propriedade e voltado a produção
de uns poucos produtos exportáveis em grande escala. Esse modelo de
produção atrelou-se a outro elemento: o trabalho compulsório. Devido às
dificuldades em empregar os índios nesse modelo de exploração (diferença
quanto a noção de trabalho, fugas e recurso às armas), a partir da década
de 1570 a Coroa passou a incentivar a importação de africanos, impondo ao
mesmo tempo restrições a escravização e morticínio dos índios.

E aqui nos deparamos com o terceiro grupo que desejamos focar nesse
tópico: os africanos. A implementação do negro nos engenhos de açúcar
já havia sido ensaiada nas ilhas do Atlântico e, frente às vantagens
econômicas (tanto o valor da mão de obra quanto o lucro do próprio tráfico),
o modelo foi implantado no Brasil. Calcula-se que, de 1525 (primeiro
desembarque registrado) até 1855, foram traficados aproximadamente
4 milhões de escravos para o Brasil. Embora o fenômeno da escravidão
não fosse algo novo, porém, a forma que assumiu foi algo próprio.

De regiões como Guiné, Congo e Angola, os negros traficados para


o Brasil provinham de muitas tribos e reinos com culturas próprias:
iorubas, jejes, tapas, hauças, angolas, bengalas, monjolos, moçambiques,
nagôs. Conforme pontuam Lilia e Starling (2015, p. 86), “as práticas
religiosas trazidas na bagagem foram por aqui alteradas, misturadas ao
catolicismo e aos cultos populares. Diante das proibições sistemáticas
feitas pela Igreja Católica, os africanos demonstraram muita habilidade
em seus esforços de ocultar crenças sob um manto católico”. Como a
diversidade entre os negros era grande, houve no Brasil um processo de
modificação, mistura e recriação das raízes africanas compartilhadas. O
74 | Sociologia da Religião | FTSA
candomblé (nome dado a partir do século XIX) é uma dessas expressões
de resistência. Mesmo sendo obrigados às práticas católicas os
negros barganhavam o direito de praticarem seus ritos religiosos sem
intromissão. Os “terreiros” eram espaços abertos nos matos onde tinha
lugar a prática destes cultos: celebrações marcadas por danças, músicas,
cânticos e possessões por divindades.

Ao final deste tópico convém destacarmos duas coisas. Primeiro, a relação


entre Estado e Igreja. Segundo Boris Fausto (2015, p. 29), foram estas duas
instituições básicas que organizaram a colonização no Brasil. Ao Estado
couberam as funções político-econômicas e administrativas. E à Igreja,
reconhecida como religião do Estado, a educação e o “controle das almas”.
A respeito da proximidade entre a Igreja e a vida, Fausto complementa:

Ela [a Igreja] estava presente na vida e na morte das


pessoas, nos episódios decisivos como nascimento,
casamento e morte. O ingresso na comunidade, o
enquadramento nos padrões de uma vida descente, a
partida sem pecado deste “vale de lágrimas” dependiam
de atos monopolizados pela Igreja: o batismo, a crisma,
o casamento religioso, a confissão e a extrema-unção
na hora da morte, o enterro em um cemitério designado
pela significativa expressão “campo santo”.

A relação Estado-Igreja variou muito de país para país, mas, no caso


português, ocorreu uma subordinação da Igreja ao Estado através do
“padroado real”, que consistia na promoção e garantia dos direitos da Igreja
em todas as terras descobertas. Assim, no dia a dia a Igreja cumpriu a sua
missão, convertendo índios e negros e inculcando na população a obediência
aos preceitos da Igreja e do Estado. Entretanto, algumas ordens religiosas
divergiram do Estado em questões vitais da colonização. Neste sentido, um
fato que merece destaque foi a presença de padres em praticamente todos
os movimentos de rebelião a partir de 1789 – no entanto, uma atitude (visível
e excepcional), que não deve ser atribuída a todo o clero.
Sociologia da Religião | FTSA | 75
O segundo destaque se dirige a forma de vivência e convivência das
religiosidades no Brasil Colonial:

A prática religiosa no Brasil, enquanto colónia


portuguesa, apresentava várias facetas consoante a
proveniência cultural e étnica de cada um dos povos. Os
colonos, portugueses trouxeram consigo o Cristianismo
e com eles a prática evangélica. Os escravos africanos,
provenientes de diversas regiões de África, chegaram
com os seus sistemas religiosos animistas. Porém,
alguns grupos de escravos professavam o islamismo.
Quanto aos indígenas, estes viviam segundo uma
crença religiosa xamanista. A missionação e a
miscigenação das populações e das crenças por elas
seguidas resultaram em novas práticas religiosas como
o Catimbó e o Candomblé, que subsistiram até aos
dias de hoje. (Práticas Religiosas no Brasil Colonial in
Infopédia. Porto: Porto Editora, 2003-2020)

A respeito da religiosidade em formação neste primeiro período,


Bittencourt Filho (2003, p. 49) afirma que “na prática religiosa colonial
mesclavam-se elementos católicos, negros, indígenas (e até judaicos),
tecendo uma religiosidade deveras original (...). A bem da verdade, deve-
se considerar a Matriz Religiosa Brasileira como resultado inerente ao
encontro de culturas e mundividências”.

Exercício de fixação - 11
A respeito da relação entre portugueses, índios e africanos no
processo de construção da matriz religiosa do Brasil Colonial
podemos afirmar que:

a) Se tratou de um processo pacífico marcado por uma visão


unificada da Coroa e da Igreja em relação aos indígenas.

76 | Sociologia da Religião | FTSA


b) Foi um processo marcado por constantes tensões, onde a
resistência frente à religião do dos portugueses foi elabora de
diferentes formas: desde a resistência aberta até a tradução de
crenças em linguagem católica.
c) Foi marcado pela tolerância religiosa, pois os portugueses
concediam liberdade de culto e reconheceram de forma respeitosa
a individualidade de cada povo.

1.2. Processo de abertura religiosa e inserção do


protestantismo no Brasil
Neste tópico vamos destacar um quarto grupo: os imigrantes de outras
nações. Embora a entrada de estrangeiros no Brasil não fosse algo novo
na história, foi na virada do século XIX para o XX que ocorreu o maior fluxo
migratório vivido no país. Vamos começar destacando três fatos internos:
a chegada da Família Real ao Brasil (1808), o fim do tráfico negreiro (1850)
e a abolição da escravidão (1888). A chegada da Família Real ao Brasil,
acompanhada de todo aparato administrativo da Coroa, foi o motor para
uma série de aberturas comerciais, com destaque para os ingleses.

No âmbito do estabelecimento dos acordos econômicos e políticos, a


religião se fez presente nas negociações, pois a Inglaterra era um país
protestante. Iniciou-se, assim, um processo de abertura religiosa no
Brasil. Em 1810 foram celebrados dois tratados: o Tratado e Aliança e
Amizade e o Tratado de Comércio e Navegação. No primeiro constava a
promessa de não instalação da Inquisição nos domínios da América do
Sul pertencentes à Coroa Portuguesa, e no segundo a concessão para
que os súditos britânicos pudessem celebrar o seu culto, exercendo sua
“perfeita liberdade de consciência”. Essa abertura ao culto protestante
objetivava claros fins migratórios, sem esperar uma rivalidade com a
Igreja Católica, pois o mesmo artigo proibia expressamente a pregação
contra a Igreja ou a busca por fazer prosélitos implicaria em punições por
parte da Coroa Portuguesa.
Sociologia da Religião | FTSA | 77
No âmbito jurídico, novas conquistas ainda estavam por vir. A Constituição
Imperial de 1824 ainda reconhecia a Igreja Católica como a religião oficial,
mas concedia: “todas as outras religiões serão permitidas com seu culto
doméstico ou particular, em casas para isso destinadas, sem forma alguma
exterior de templo”. Após a queda do Imperador e instauração da República,
o Decreto 119-A de 7 de janeiro de 1890 estabeleceu a separação entre
Estado e Igreja, separação ratificada na Constituição de 1891.

Estado e Igreja passaram a ser instituições separadas.


Deixou assim de existir uma religião oficial no Brasil.
Importantes funções até então monopolizadas pela
Igreja católica foram atribuídas ao Estado. A república
só reconheceria o casamento civil e o culto de todas
as crenças religiosas. Uma lei veio completar em 1893
esses preceitos constitucionais, criando o registro civil
para o nascimento e a morte das pessoas. As medidas
refletiam a convicção laica dos dirigentes republicanos,
a necessidade de aplainar os conflitos entre o Estado
e a Igreja,, e o objetivo de facilitar a integração dos
imigrantes alemães, que eram em sua maioria luteranos
(Fausto, 2015, p. 142)

O fim do tráfico negreiro fez surgir perguntas sobre que substituiria a mão


de obra escrava nas lavouras de café. Os grandes fazendeiros desejavam
atrair imigrantes para essa substituição, mas, de início a opção foi a
compra interna de escravos das regiões que estavam em decadência.
Por que não transformar escravos em trabalhadores livres ou empregar
gente pobre do nordeste? Fausto (2015, p. 113) indica uma possibilidade:
em relação aos escravos, o preconceito dos fazendeiros quanto ao regime
de trabalho da massa escrava e a possível indisposição dos escravos em
permanecerem em condições análogas as que tinham sob os anos de
servidão; em relação aos nordestinos, a mentalidade racista que tomava
conta dos círculos dirigentes do império propunha que “a única salvação
para o Brasil consistiria em europeizá-lo o mais depressa possível”.

78 | Sociologia da Religião | FTSA


Enquanto que de 1819-1883 entraram no Brasil 546.650 imigrantes, no
período de 1884-1940 esse número saltou para 4.705.367. Vindos da
Itália, da Alemanha, da Espanha, de Portugal, da Polônia, do Japão esses
imigrantes traziam consigo também a sua religião. Embora o Estado tenha
tentado limitar essa entrada aos católicos, logo esta limitação caiu. O fato
que queremos destacar aqui é que a presença dos imigrantes contribuiu para
alterações significativas na configuração social do país, em todas as áreas,
e, fator significativo para nossa reflexão, especialmente a religiosa – porém,
não devemos perder de vista a dinâmica maior, olhando para o fenômeno a
partir de diferentes perspectivas: econômica, social, política, entre outras.

O quadro propício à penetração do protestantismo logo se


configurou. Surge um vácuo religioso, no qual, de um lado,
está um Estado em busca de uma religião civil aberta, e de
outro, a Igreja que, diante da possibilidade de perder suas
prerrogativas, volta-se para si mesma com a intenção de
reforçar-se institucionalmente. No meio ficou um espaço
aberto, pelo qual o protestantismo penetrou. O conjunto
das expectativas da sociedade deram a contribuição
restante. O comércio inglês, a agricultura germânica,
a possível vinda de imigrantes confederados norte-
americanos acenaram com um surto de modernização e
progresso, sem maiores riscos políticos e a possibilidade
de assimilar as idéias e práticas que fizeram dos anglo-
saxões os líderes do mundo da época. A abertura para o
mundo anglo-saxão significou abertura para o universo
protestante (Ribeiro, 2008, p. 55).

1.3. Do campo à cidade: a religião em contexto urbano


A última dinâmica social que pontuaremos proporcionou a estruturação do
espaço no qual a partir de 1950 deu-se início uma grande transformação do
cenário religioso brasileiro: a urbanização. Este fenômeno de inchamento
das cidades modernas já vinha ocorrendo no mundo desde o século
XIX. Embora a cidade não seja algo novo na história da humanidade, a
Sociologia da Religião | FTSA | 79
partir da revolução industrial ela adquiriu novos contornos, e redefiniu a
distribuição da população entre o campo e a cidade. De uma distribuição
de 30% nas cidades e 70% nas regiões rurais em 1940, já em 1980 essa
relação tinha se invertido. Das 61 milhões de pessoas abrigadas pelas
cidades, por volta de 42 milhões viviam em cidades com mais de 250 mil
habitantes.

1950 1980
São Paulo 2,2 milhões 12 milhões
Rio de Janeiro 2,4 milhões 9 milhões
Belo Horizonte 350 mil 2,5 milhões
Porto Alegre 400 mil 2,1 milhões
Recife 500 mil 2,1 milhões
Salvador 400 mil 1,7 milhões

Como nos outros países, dentre os motivos básicos para esse


crescimento, destacam-se: o aumento populacional, a modernização
dos campos (novas técnicas e tecnologias) e as vagas de emprego na
indústria. Porém, esse processo não se deu de forma harmoniosa, pois
famílias que saíam dos campos (devido a modernização do campo ou
pela ação de grilagem de terras) iam para a cidade sem perspectivas
de uma recolocação no mercado de trabalho. Num momento em que
grande parte da população era formada de pobres posseiros, pequenos
proprietários, parceiros e assalariados, a modernização selvagem da
agricultura implicou na expulsão de milhares de famílias das áreas rurais.

VÍDEO: https://www.youtube.com/watch?v=IBTSMTUogHw

Embora algumas fábricas tenham surgido em meados do século XIX,


foi a partir da década de 1930 que a industrialização passou a alcançar
significativas conquistas, e, junto com esse movimento algumas
cidades cresceram assustadoramente. O desenvolvimento destas
cidades modernas teve um impacto enorme nos hábitos, nos modos
80 | Sociologia da Religião | FTSA
de comportamento e nos padrões de pensamento. Assim, aqueles que
vinham das zonas rurais para as grandes cidades ingressavam em uma
nova dinâmica econômica, cultural, técnica e estrutural.

Os trinta anos que vão de 1950 a 1980 – anos de


transformações assombrosas, que, pela rapidez e
profundidade, dificilmente encontraram paralelo no
século XX – não poderiam deixar de aparecer aos
seus protagonistas senão sob uma forma: a de uma
sociedade em movimento (...). Movimento de uma
configuração de vida para outra: da sociedade rural
abafada pelo tradicionalismo para o duro mundo da
concorrência da grande cidade, ou para o mundo sem
lei da fronteira agrícola; da pacata cidadezinha do
interior para a vida já um tanto agitada da cidade média
ou verdadeiramente alucinada da metrópole (Mello e
Novais, 1998, p. 586).

VÍDEO: https://www.youtube.com/watch?v=BEFqsxQqwHo

João Décio Passos (2000) chama atenção para algumas das implicações
possíveis entre urbanização e religião. Segundo autor, nesta dinâmica
precisamos enxergar dialética sociocultural entre dois elementos
assimétricos: a dimensão cultural e as transformações socioeconômicas.
A história da formação sociocultural do Brasil mostra um longo
predomínio do espaço rural. Devido ao modelo de exploração por parte
da metrópole, enquanto a Europa se modernizava, o Brasil permaneceu
uma sociedade agrária em todos os aspectos (produção econômica,
distribuição demográfica e processos culturais), e assim entrou no
século XX. A religião que se desenvolveu no Brasil também desenvolveu-
se sobre si mesma, consolidando-se em uma tradição autônoma, com
fortes cores rurais e medievais.

Por outro lado, embora o processo de urbanização brasileiro tenha


sido tardio (em relação ao Hemisfério Norte), a sua metropolização foi
Sociologia da Religião | FTSA | 81
acelerada. A forma como se deu a urbanização configurou os pólos
industriais enquanto metrópoles caóticas, ou seja, uma metropolização
que ficou longe de significar um processo de modernização para a
sociedade brasileira como um todo, tal como o vivenciado pelos países
do Norte. Em síntese,

O que nossa história lenta de condição colonial foi


produzindo, sendo reverso da modernidade nórdica,
resiste como uma duração temporal, pouco alterada em
seu núcleo pelas rupturas da modernidade, enquanto
esta avança, cada vez mais globalmente, com seus
significados novos, provocando reconfigurações
nas representações e práticas socioculturais. Tais
reconfigurações recriam os espaços institucionais dos
significados socioculturais, colocando em crise velhos
padrões estabelecidos (p. 123).

A passagem do rural para o urbano se dá através de uma dialética


múltipla que inclui as rupturas com significados anteriores ao mesmo
tempo em que incorpora elementos novos e híbridos. Assim, os padrões
e valores introduzidos pela cultura urbana “recriam os elementos do
passado, transformando-os em resíduos vivos e ativos” (p. 124). Passos
pontua três deslocamentos que ocorrem na passagem do rural para o
urbano. Primeiro, a perda do sentimento estabilizado de localidade e
temporalidade, que gera uma tensão constante entre o lugar e o não
lugar (por exemplo, aeroportos, hipermercados na periferia e outlets
gigantescos onde as relações interpessoais, cruciais para nossa
identidade individual e coletiva, são nulas). Segundo, o deslocamento
interpessoal com a sociedade metropolitana anônima (instalação
da comunicação de massa, que diminui as diferenças). Terceiro, o
deslocamento da unicidade de significados para a pluralidade.

Como exemplo paradigmático do renascimento, diversificação e força


das religiões nesse novo contexto, Passos pontua elementos da relação
entre pentecostalismo e metrópole. Para ele, enquanto herdeiro dos
82 | Sociologia da Religião | FTSA
significados consolidados do passado (de uma forma de religião mínima
característica do Brasil) o pentecostalismo também assimila significados
emergentes da cultura metropolitana. Frente aos deslocamentos
apontados Passos afirma que, primeiro, os grupos pentecostais ajudam
a construir laços. Em segundo lugar, frente ao deslocamento para o
anonimato dirigem-se exclusivamente ao indivíduo. E, por fim, frente
ao deslocamento para a pluralidade, o discurso rompe com padrões e
regras teológicos, oferecendo um ritual descolecionado (está ao dispor),
“que possibilita, de modo muito particular e próprio, na terceira onda, a
frequência flutuante dos fiéis, sem formar uma comunidade de adesão.
O fiel pode buscar o que lhe interessa, sem estabelecer maiores vínculos
e exercer um permanente trânsito religioso por comunidades emocionais
temporárias e de afeto imediato” (p. 127).

Exercício de Aplicação - 12
Diante das dinâmicas indicadas, a respeito das mudanças no
comportamento religioso podemos afirmar que:
I – Questões sociais e econômicas fornecem recursos essenciais
para a compreensão das transformações religiosas.
II – Cada contexto social contribui de forma essencial, embora não
determinante, para a construção das dinâmicas religiosas.
III – Novos contextos de vivência da experiência religiosa trazem
também novos desafios que serão significativos para o surgimento
de formas alternativas para a prática religiosa.
Estão corretas as afirmativas:
I e II
II e III
I, II e III

Sociologia da Religião | FTSA | 83


1.3. Religião, política, economia e sociedade: uma leitura
do caso brasileiro
A fim de exercitarmos nossa reflexão crítica, proponho uma leitura do
panorama histórico-social aqui apresentado a partir de alguns recursos
que discutimos, de maneira mais teórica, nos tópicos 2 e 3 da Unidade I.

Em primeiro lugar, pensemos as possibilidades de relações entre religião


e sociedade. Para os portugueses, enquanto durou a relação entre o
Estado e a Igreja Católica, a religião legitimou a conquista da nova terra
e da submissão dos povos aqui encontrados, estando profundamente
vinculada às dinâmicas da empresa portuguesa. Em sua Carta ao rei, Pero
mercado religioso
Vaz de Caminha descreva que, após a primeira do domingo de Pascoela, o
padre assentou-se a ensinar, “e pregou uma solene e proveitosa pregação,
da história evangélica; e no fim tratou da nossa vida, e do achamento
desta terra, referindo-se à Cruz, sob cuja obediência viemos, que veio
muito a propósito, e fez muita devoção”.

Porém, a matriz religiosa do Brasil Colonial deixa transparecer que a religião


também se mostrou como um fator de resistência frente ao conquistador
português. Para os índios que foram “convertidos” e catequizados, embora
muitos de suas práticas fossem obliteradas, não foram totalmente
esquecidas, tendo o Catimbó possibilitado a sobrevivência de algumas
crenças xamanistas. Para os africanos, originários de diferentes regiões
africanas, com línguas e costumes diferentes, o Candomblé foi uma forma
de resistência e recriação das raízes compartilhadas. Assim, já para o Brasil
Colonial não podemos falar de uma função da religião, mas de funções.
Até mesmo em relação ao próprio cristianismo, pois algumas das ordens
aqui instaladas criaram tensões insustentáveis com a administração do
Estado português devido à sua leitura teológica dos índios e sua forma de
abordagem para com estes povos.

A segunda perspectiva a partir da qual podemos olhar para o quadro


apresentado nos tópicos acima é a da relação entre as transformações
no modo de produção e as transformações na religião. Segundo Passos
(2006, p. 60),
84 | Sociologia da Religião | FTSA
“O modo de produzir a vida influencia no modo de
representá-la. O que se observa é que, à medida que
muda um modo de produção, a religião se modifica
resistindo ou conformando-se à nova configuração.
Desse modo, o mundo rural, que mantinha uma relação
direta com a natureza e um fraco domínio de suas
forças, tendia a produzir expressões religiosas ligadas
ao domínio de suas forças – santos protetores, rituais
de bênçãos, festas ligadas às colheitas – enquanto as
religiões urbanas atuais reproduzem, quase sempre,
em suas estruturas e expressões, o individualismo e o
anonimato das grandes cidades e, ao mesmo tempo,
seus modos de consumo e valorização estética de
produtos consumíveis”.

Durante um pouco mais de 400 anos o Brasil foi um território onde sua
população estava profundamente relacionada à dinâmica da vida rural,
principalmente às grandes plantações. Este foi o modo de produção a
partir do qual se construíam as relações em sociedade e com o mundo
natural. A urbanização e metropolização do Brasil impôs uma nova
dinâmica à vida, possibilitando uma maneira distinta de perceber-se com
os outros e de estar no mundo. O contexto urbano moderno colocou
novas questões existenciais para as quais a religião se viu diante da
necessidade de assumir novas práticas e discursos.

2. O trânsito religioso no Brasil


A explosão religiosa nos últimos 30 anos, na forma de diferentes
teologias e modelos organizacionais, proporcionaram ao brasileiro uma
gama gigante de opções de religiões. Em se tratando de evangélicos
a fragmentação é maior ainda. Existem tantas igrejas, comunidades e
movimentos com nomes diferentes que compor uma lista seria tarefa
hercúlea. Uma das novas pesquisas no campo sociológico é mapear e
compreender o fenômeno do trânsito religioso.

Sociologia da Religião | FTSA | 85


2.1. O mapa religioso brasileiro

Exercício de fixação - 13
A respeito do posicionamento frente à apresentação dos dados de
uma pesquisa, quais das atitudes abaixo não devem caracterizar o
comportamento de quem se coloca a estudar o fenômeno religioso?

a) Deve compreender que um mapa do quadro religioso é


semelhante a um retrato fiel, pois traduz com absoluta clareza o
panorama religioso de um dado momento.

b) Deve-se buscar informações sobre o processo metodológico


envolvido na pesquisa, bem como sobre a forma como determinados
conceitos são apresentados.

c) Deve compreender que, embora haja limitações próprias a


qualquer pesquisa, os dados de uma pesquisa bem conduzida
contribuem para uma melhor análise e posicionamento crítico
frente à realidade.

2.2. O mercado de bens simbólicos


As teorias de Pierre Bourdieu (1930-2002) são utilizadas hoje em diversos
campos das ciências humanas e nas áreas de produção cultural, e nos
estudos de religião elas têm sido empregadas por pesquisadores na
avaliação do fenômeno religioso em diversas dimensões. Uma dessas
teorias é a da existência de bens simbólicos que abarca os movimentos
entre indivíduos e instituições.

Bourdieu lança mão de uma linguagem da economia e do mercado para


propor a existência de um campo social delimitado, que se torna um
espaço de conflito e barganha, de trocas entre indivíduos e instituições.
86 | Sociologia da Religião | FTSA
Nesse espaço os agentes permutam bens simbólicos, em outras palavras,
acontece uma troca de símbolos. Ele utiliza o termo mercado para
determinar o espaço em que ocorre essa troca. Dentro desse mercado
persiste uma lógica que determina a produção, circulação e consumo
de bens. Quem determina essa lógica? Ela é implantada pelos próprios
integrantes do mercado do campo, que cria sua autonomia e estabelece as
regras de valores e legitimação desses bens. Esse mercado determinará
seu público consumidor, os bens a serem consumidos e os meios de
divulgação. Nesse, para se adquirir os bens simbólicos, existe moeda de
troca, um capital. Tudo ocorre na lógica de mercado: existe produção,
investimento, ganho, demanda e consumo. Tudo isso, entretanto, ocorre
dentro do fluxo de conflito e da concorrência.

No ato de produção está embutido uma busca da legitimidade dos produtores


e dos produtos elaborados. Transpondo para o campo da produção
cultural ou religiosa, há uma afirmação de que uma cultura — no caso, a
dos produtores — é legítima, a qual pode inclusive lançar mão de atos de
“violência simbólica” para manter o esquema que lhe é favorável na produção
e circulação de bens simbólicos. Fora dos períodos de crise pode-se manter
a fidelidade de um público através de um monopólio entregue a um pequeno
grupo que produz as formas legítimas, gerando “constrangimentos que
pesam nas opções dos consumidores, que estão tanto mais condenados à
fidelidade indiscutida às marcas” (1989, p. 166, grifo do autor).

Aqui podemos citar como exemplo a hegemonia da Igreja Católica, que


se estendeu de 1500 até meados do século XX. O poder simbólico da
Igreja não estava relacionado apenas a oferta dos bens de salvação por
ela produzidos (batismo, eucaristia, céu, casamentos e outros), mas, por
haver adquirido um status simbólico dentro de seu mercado/campo de
consumidores — mesmo que esse status tenha sido conquistado por
meio da violência, tanto física quanto simbólica, da descaracterização
das demais religiões, atribuição à esfera do demoníaco, negação da
condição de pessoa humana aos praticantes de determinadas formas de
culto e outras.
Sociologia da Religião | FTSA | 87
Todavia, num dado momento começa despontar uma concorrência
capaz de abalar o monopólio da Igreja Católica. Aqui não devemos
limitar esse despontar de uma concorrência apenas como uma disputa
no campo religioso, mas, sim, também levar em conta as relações entre
os poderes políticos e religiosos. Para Bourdieu a Igreja contribui para
a manutenção da ordem política ao contribuir para a manutenção da
ordem simbólica, naturalizando as estruturas dadas (2007, p. 70). Porém,
com o fim do Império, a ordem simbólica da sociedade começa a passar
por transformações. Como exemplo podemos citar tanto as relações
econômicas com os ingleses — que exigiram certa flexibilização jurídica
na defesa do monopólio da Igreja pelo Estado —, quanto as novas ideias
políticas que defendiam a separação entre a Igreja e o Estado. A estrutura
econômica e social estava passando por transformações e essas
transformações incidiram diretamente na ordem do mercado religioso.

Enquanto nos primeiros anos a presença de protestantes não


representasse uma concorrência aberta ao monopólio da Igreja
Católica na oferta dos bens de salvação, após o início da atuação do
protestantismo de missão esse quadro começa a sofrer alterações.
Como, a princípio, a Igreja ainda mantinha um poder quase absoluto sobre
o campo religioso brasileiro, a violência simbólica foi eficaz para barrar
um forte avanço. Porém, a partir das primeiras décadas do século XX o
pentecostalismo vai ganhando força, espalhando-se por todo o território
nacional. A partir deste momento instala-se uma concorrência aberta no
campo religioso brasileiro, surgindo também a oferta de novos bens: o
batismo com o Espírito Santo, as curas, os milhares e, por fim, o sucesso
nos empreendimentos individuais.

A tese de doutorado de Leonildo Silveira Campos, teólogo e sociólogo,


um dos primeiros pesquisadores no campo religioso a estudar a fundo
as práticas da Igreja Universal do Reino de Deus, utiliza e aplica a teoria
de bens simbólicos de Bourdieu ao campo atuante da Igreja Universal.
Entretanto, essa não é uma tarefa simples de se quantificar, como relata:
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A aplicação pura e simples dos conceitos da economia
no campo dos “produtos” e “bens” religiosos é uma
tarefa muito complicada e que mexe com tabus
seculares. Entretanto, se temos considerado a Igreja
Universal uma organização “religiosa-empresarial”,
é impossível deixarmos de discutir a questão do
preço de suas “mercadorias”. (1999 pág. 228). Ele
continuar argumentando que a própria palavra preço
é significativa no vocabulário cristão, pois geralmente
ela é utilizada “para indicar que as relações entre o
homem e Deus não têm preço, pois estão fundadas na
gratuidade do ato de dar e receber. Por outro lado, no
meio religioso-cristão, “preço” lembra mercantilização
ou transação envolvendo dinheiro, especialmente
nas igrejas oriundas da Reforma do Século XVI, que
enfatizam a salvação como algo gratuito, graças ao
sacrifício vicário do Filho de Deus na cruz e que, por
isso mesmo, nenhum outro sacrifício seria requerido
dos homens (1999, p. 228).

Na Igreja Universal, que é o caso utilizado, o bem simbólico muitas vezes


se transforma em bem físico, por meio da rosa ungida, do copo com água,
do óleo vindo de Israel, da areia vinda das margens do Mar Morto etc.
Porém, neste mercado também há concorrência, tanto pelas igrejas que
começaram na mesma época, quanto pelos novos grupos que surgem.
Um exemplo é o Apóstolo Valdemiro Santiago, líder da Igreja Mundial do
Poder de Deus.

Sociologia da Religião | FTSA | 89


Exercício de aplicação - 14
O vídeo abaixo apresenta um episódio polêmico que foi ao ar no
dia 12 de outubro de 1995. Após assistir o vídeo indique quais das
afirmativas melhor correspondem a uma leitura do episódio a partir
da perspectiva do mercado de bens simbólicos.
VÍDEO: https://www.youtube.com/watch?v=VpPwWEsk0OY

I – Trata-se de um episódio de violência simbólica, pois um


novo grupo está buscando descaracterizar as crenças do outro
questionando a validade de seus ícones de fé.

II – Trata-se de uma ação agressiva de mercado a fim de colocar


um novo produto nas prateleiras do mercado da fé.

III – O episódio encaixa-se em um contexto maior de luta, onde um


novo grupo está buscando legitimar sua posição enquanto produtor
de bens.
Estão corretas as afirmativas:
a) I e II
b) II e III
c) Todas as alternativas

Com a contestação de uma determinada ordem surge um novo mercado


de bens, e faz-se necessária a tarefa de definir agentes, sacerdotes,
instituição, criação com o tempo de uma memória do grupo, novos
símbolos, doutrinas, textos com a distinção da antiga ordem e sua
manutenção, ou seja, um processo de institucionalização. A legitimidade
dos novos grupos no campo religioso proporcionará uma transformação
no estado das relações de força entre grupos que compõem o mercado
dos bens simbólicos.
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Conforme observamos nas considerações sobre o mapa religioso
brasileiro, desde a década de 1940 os grupos que compõem o quadro
do mercado de bens de salvação vêm ganhando novos parceiros. Num
primeiro momento o conflito se dá entre católicos e protestantes/
pentecostais. Porém, com o advento das igrejas neopentecostais as
religiões afro ganham maior destaque, pois são colocadas como um dos
principais grupos inimigos — para eles, nelas atua o diabo. À princípio
essa luta também ganha espaço com o próprio preconceito da sociedade
em relação a esses grupos religiosos.

Porém, como se trata de um campo dinâmico, as expressões religiosas


afro começam a adquirir um novo status frente à sociedade. Não mais
como a religião do diabo, mas como um elemento da identidade do negro,
como uma religião negra. Essa mudança se dá através dos discursos
que atentam para as minorias, buscando refletir e lutar pela legitimidade
dessas expressões identitárias. Artistas de renome no cenário cultural
brasileiro têm divulgado abertamente o seu vínculo com essas formas
de expressão religiosa, contribuindo também para esse processo de
construção de um novo olhar, ou seja, da sua legitimação entre os grupos
que compõem o mercado dos bens simbólicos da religião. Dentre as
principais formas de manifestação das religiões afro temos o Candomblé
e a Umbanda. A Umbanda distingue-se do Candomblé por se tratar de
uma síntese entre os cultos africanos e outras religiões: “chamada de
‘a religião brasileira’ por excelência, a umbanda [século XX] juntou o
catolicismo branco, a tradição dos orixás da vertente negra, e símbolos,
espíritos e rituais de referência indígena, inspirando-se, assim, nas três
fontes básicas do Brasil mestiço” (Prandi, 2004).

Vale ressaltarmos também aqui o espiritismo. Da mesma forma que com


relação às religiões afro, artistas de renome também têm divulgado seu
vínculo com os círculos espíritas. E não somente isto, mas a produção
cultural — livros, filmes e novelas — que aborda o tema possui uma grande
expressividade no mercado nacional. Por outro lado, a atuação social dos
espíritas aqui merece destaque. Sendo um grupo com boas condições
Sociologia da Religião | FTSA | 91
financeiras, os investimentos em obras de caridade são significativos
diante da sociedade.

Em relação às religiões indígenas, desde a sua criação, a FUNAI (1967)


tem se dedicado a defender as expressões culturais próprias desse
grupo, sendo a religião um dos componentes dessa herança cultual a
ser preservada. Quanto à herança religiosa dos povos indígenas em
geral, e não apenas no Brasil, temos o xamanismo. Não restrito ao caso
dos indígenas, o xamanismo também compõe a filosofia de alguns
novos movimentos religiosos (NMRs). Sobre a definição de xamanismo,
citemos aqui Viveiros de Castro:

A idéia de um universo habitado por seres dotados de


uma mesma forma de autopercepção é o fundamento do
xamanismo. O xamanismo ameríndio pode ser definido
como a capacidade demonstrada por alguns indivíduos
(os xamãs) de atravessar deliberadamente fronteiras
ontológicas -entre os humanos e as outras espécies,
os vivos e os mortos, a terra e o céu- e de adotar a
perspectiva das outras subjetividades existentes, com
o propósito de negociar com elas o resgate de almas
de humanos raptadas, a liberação de corpos de animais
para serem caçados etc. O xamã interage com esses
espíritos animais (ou outros) como se interagisse com
humanos, pois os vê como eles se vêem.

O xamanismo é um modo de conhecimento guiado


por um ideal diferente daquele que nos é mais familiar.
Nosso modelo epistemológico de base (perdoem-me
mais esta simplificação grosseira) é orientado pela
categoria do objeto: conhecer é objetivar, é distinguir,
no objeto, o que lhe é inerente daquilo que pertence ao
sujeito, e que foi indevida ou inevitavelmente projetado
no objeto. Trata-se então de dessubjetivar, explicitar

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a parte do sujeito no objeto para reduzi-la o quanto
possível. Esse modelo se aplica ao próprio sujeito,
quando este se toma como objeto de (re)conhecimento:
ele se autoproduz (se reconhece) por meio do objeto
que produz, e se conhece “objetivamente” quando é
capaz de se ver como, justamente, um “isso”. A forma
do Outro é a coisa (Tão humanos quanto animais,
1998. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/
fsp/mais/fs16089808.htm.)

Assista ao vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=I7CMFaKO3jw

2.3. Mudança de religião no Brasil


Em 2006, a socióloga Silvia Regina Alves Fernandes da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro, (UERJ) publicou sua pesquisa Mudança de
religião no Brasil, trabalho que apresenta o trânsito religioso no Brasil.
O estudo de campo entrevistou 2.870 pessoas, em 23 capitais e 27
municípios.

Tabela 01 - Religião atual e trânsito religioso

Sociologia da Religião | FTSA | 93


Tabela 02 – Religião atual x religião anterior

Fonte: Fernandes (2006)

Analisando os números encontramos que 23,5% da população brasileira,


já mudou de religião uma vez na vida. Dos que já mudaram de religião,
16,7% estão na religião atual há pelo menos 10 anos. Os católicos são o
grupo que menos alteram sua religião, 67,8%.

Entretanto, o grupo com maior mobilidade é o evangélico: 77,2% entre


os históricos, e 84,6% entre os pentecostais. Outras religiões são 89,3%.
Em outras palavras, antes de estarem na religião atual, pelo menos ¾
dos fiéis destas categorias já mudaram uma vez na vida de religião. A
migração para o catolicismo também deve ser considerada, 18,7% eram
pentecostais e 26,9% de históricos. A renovação carismática da Igreja
Católica pode explicar esse aumento. Entretanto, 58,9% de católicos,
migram para o pentecostalismo e 13,8% para os históricos. Já estes
históricos tendem a irem para o pentecostalismo, 50,7%, 26,9% para o
catolicismo e 21,3% para outra igreja histórica. Entre os pentecostais,
para outra pentecostal é 40,8% e para outra igreja histórica, 40,2%.

O sociólogo e teólogo, Ricardo Bitun (2007 pág. 104) comenta que existe
duas etapas de trânsito religioso, o inter-religioso e o intra-religioso.

94 | Sociologia da Religião | FTSA


Ao verificar estes dados ele diz que “o trânsito em sua grande maioria
a primeira mobilização acontece de uma religião para outra, ou seja,
do catolicismo, espiritismo ou religiões afro para o pentecostalismo,
uma vez no campo pentecostal, o indivíduo se move pelas igrejas
neopentecostais”.

Bitun pesquisou o trânsito e o crescimento em torno da Igreja Mundial


do Poder de Deus. O bispo Waldemiro com programas diários na TV
dizendo: “Vem pra cá Brasil, aqui está o poder de Deus, aqui os milagres
acontecem”, acaba atraindo um perfil especial de fiéis caracterizado por
Bitun que ele descreve: “O perfil destes fiéis é composto basicamente
de pessoas que estão vivenciando problemas sérios de sofrimento,
desenganadas pelos médicos, indo bater na “última porta”, a Igreja
Mundial do Poder de Deus, em busca do seu milagre”.

Bitun comenta que esse tipo migração e crescimento da Igreja “o fazem


pela eficácia da igreja em produzir resultados, ou pelo menos por aquilo
que a igreja, através dos testemunhos diz ter conseguido. Constantemente
os testemunhos mostram a vida do fiel antes e depois de ter ingressado
para os quadros da igreja.” O trânsito religioso, segundo Bitun, é um
movimento e estilo de vida que passou a dominar o campo religioso
evangélico, interferindo direto no conceito institucional e a identidade de
uma igreja com história, credos e códigos.

2.4. Um exercício de interpretação


Neste último tópico abordaremos a questão do trânsito religioso a partir
de ferramentas e conceitos que discutimos na Unidade II. Para tanto,
vamos começar com a categoria dos “sem religião”, que subiu de 0,8%
em 1970 para 8,0% em 2010. Porém, como pontuamos no vídeo sobre
o mapa religioso, estamos diante de uma categoria sensível. Segundo
informações do IBGE, em 2010 ela era composta por 4% de ateus, 1%
de agnósticos e 95% de “sem religião”. Neste sentido, esta declaração
não implica na ausência de uma forma de religiosidade, mas de não
adesão a qualquer instituição. Ou seja, pessoas que se desencaixam de

Sociologia da Religião | FTSA | 95


suas antigas tradições e passam a manter uma religiosidade autônoma.
Nesse sentido, não poderíamos falar aqui de uma desinstitucionalização
da religião?

Nessa perspectiva, retomemos alguns dados sobre os evangélicos.


Embora as organizações religiosas não estejam restritas às atividades
de culto, segundo reportagem de O Globo, de 26/06/2017, de janeiro de
2010 a fevereiro de 2017 foram registradas na Receita Federal 67.951
entidades sob a rubrica de “organizações religiosas ou filosóficas”, uma
média de 25 por dia!

Como ressaltamos, embora nem todos os CNPJs abertos sejam templos


religiosos, é visível o crescente número de comunidades que surgem
todos os dias. Porém, quando olhamos para grandes denominações
também percebemos um movimento semelhante. Embora o nome da
denominação seja mantido, tem-se acentuado o número de ministérios, ou
seja, de igrejas que declaram a sua autonomia frente a uma administração
estabelecida — o que pode dar-se no mesmo município, estado ou país,
ou transformando-se em uma administração independente ou fundando
uma nova convenção, concílio, etc. Como exemplo, a Assembleia de
Deus, embora seja contada como a maior denominação evangélica, ela
é composta por diferentes “ministérios”: Madureira, Belém, Vitória em
Cristo, e muitas outras. Dentro deste movimento de novos ministérios
já está se tornando mais difícil falar de uma identidade, pois são plurais.
96 | Sociologia da Religião | FTSA
Aqui podemos perguntar: qual o sentido de instituição e qual a relação
que o fiel estabelece com ela? A mesma independência que o pastor
reclama para si em relação a uma instituição maior o membro também
reclama para si em relação a qualquer instituição religiosa. Outrora
as denominações evangélicas se apresentavam como um “pacote
completo” de crenças, comportamentos, usos e costumes. Agora o fiel
tem reclamado para si uma maior autonomia, compondo seu próprio
“pacote personalizado”.

Não apenas a questão da instituição, mas, está-se redefinindo o próprio


sentido de comunidade. De grupos sociais bem definidos estamos
passando para um tempo de modelos mais próximos aos agregados.
Conforme pontuamos na Unidade II, as comunidades se mostram mais
como algo postulado do que algo efetivamente real, ela se torna alguma
coisa que vem depois da escolha, um lar achado e feito. “Seu aconchego
não pode ser posto à prova, e seus atrativos, como são imaginados, ficam
imunes aos aspectos menos atraentes do pertencimento obrigatório e
das obrigações não negociáveis – as cores mais fortes estão ausentes
da palheta da imaginação” (Bauman, 2001, p. 214). E, no mundo das
comunicações digitais, não poderíamos falar também das “paróquias
digitais”? Sobre elas, Leonido Silveira Campos comenta:

Porém, há um crescente número de evangélicos que


não mais se adapta às estruturas burocráticas (que
exigem arrecadação de dízimos e ofertas) e preferem
limitar a frequência aos cultos a alguns dias por ano,
aumentando a prática do lazer, ou até fazendo parte do
que temos chamado de “paróquia virtual”, praticando
uma religiosidade evangélica na rede mundial de
computadores. Como prova disso, aumenta o número
de igrejas que transmitem seus cultos pela internet,
chegando os pastores ao agradecimento pelas visitas
presenciais e invocando uma bênção especial para os
que acompanham o culto virtualmente. Talvez esses

Sociologia da Religião | FTSA | 97


evangélicos não determinados sejam uma expressão
dos “desigrejados” que nos EUA ou Europa são muitos,
nestes tempos de individualismo e de formação de
um rebanho virtual (2012, http://www.ihu.unisinos.br/
entrevistas/512839-rebanho-virtual-e-o-individualismo-
religioso-entrevista-especial-com-leonildo-silveira-
campos)

Por último, aqui também vale mencionarmos a questão das identidades


religiosas. Como observamos na Unidade II, na sociedade contemporânea
a tradição perde seu poder de definir as identidades e o indivíduo é dotado
de maior autonomia. Neste novo contexto, os padrões se tornam “itens
no inventário das tarefas individuais” (Bauman, 2001, p. 15). Danièle
Hervieu-Léger denomina o processo atual de construção das identidades
religiosas de “bricolagem”, pois a religião tornou-se mais uma escolha
entre outras: “no âmbito da religião, como nos demais, a capacidade
do indivíduo para elaborar seu próprio universo de normas e de valores
a partir de sua experiência singular, tende a impor-se [...] vencendo os
esforços reguladores das instituições” (2008, p. 63).

Podemos pensar nisto a partir de diversos ângulos. Primeiro, o trânsito


religioso de católicos para os movimentos evangélicos põe em xeque a
questão das identidades herdadas. Neste primeiro momento temos este
abandono de práticas herdadas para uma nova experiência “escolhida”.
Depois, entre os evangélicos este movimento se acentua. Vimos acima,
no tópico 2.3, a porcentagem de evangélicos que transitaram entre
denominações. Embora um pouco maior entre os pentecostais, no
entanto, tanto para estes quanto para os tradicionais a taxa de trânsito é
elevada. Neste trajeto as identidades vão se formando a partir de práticas
que vão sendo acrescentadas. O fiel que chega de outra denominação
não é uma “tábula rasa” — uma tábua raspada, uma folha em branco —, e
não abraçará todos os pontos defendidos pela nova instituição.

Como ainda não temos dados sobre isso entre os evangélicos, olhemos
para um aspecto de alguns dos adeptos das religiões espíritas e africanas.
98 | Sociologia da Religião | FTSA
Uma das dificuldades do Censo em identificar os praticantes dessas
religiões é a vinculação dos mesmos à Igreja Católica Assim, quando
perguntados pelos agentes do censo, declaram-se católicos. Vemos
essa proximidade na famosa Festa do Senhor do Bonfim, celebrada na
quinta-feira que antecede o segundo domingo após o Dia de Reis. Nesta
celebração a imagem (uma figuração de Jesus Cristo) é carregada
em procissão ao longo de 8 Km, entre a Basílica de Nossa Senhora da
Conceição da Praia e a Igreja do Bonfim. Ao final as baianas, praticantes
do Candomblé, lavam as escadarias da igreja com água de cheiro, e é
tocado o Hino do Senhor do Bonfim. Qual a relação destes participantes
com o “pacote fechado” da Igreja Católica? Mas, por outro lado, as
próprias religiões afrodescendentes não se mostram como um “pacote
fechado” e exclusivista, tal como outros grupos religiosos tradicionais.

Se somarmos espíritas, religiões afro e outros teremos aproximadamente


2,4% em 2000 e 6% em 2010. Talvez em porcentagem esse número
possa representar um valor pequeno, mas, em números indica um valor
significativo, que deve chamar a nossa atenção: um pouco mais de 11
milhões de pessoas. Dentre os outros, temos os novos movimentos
religiosos (NMRs). Como destacamos na Unidade II, tópico 1.3, não é
fácil classificarmos esses movimentos, indicando um comportamento
padrão para os mesmos. Porém, em certo sentido, podemos colocá-los
todos dentro desta dinâmica da construção das identidades religiosas,
pois, mesmo que se trate de um grupo mais radical, trata-se de uma
“escolha” do indivíduo.

Exercício de reflexão - 15
Frente ao novo comportamento dos féis em relação às instituições,
como pensar o futuro destas instituições? (200 palavras)

Sociologia da Religião | FTSA | 99


Considerações Finais
Colocar-se diante em um quadro religioso não é estar frente a uma
imagem estática, mas, sim, frente a um indicador momentâneo que,
colocado ao lado de outros, nos permite refletir sobre as dinâmicas das
transformações percebidas. O caminho percorrido por esta unidade
teve como objetivo trazer alguns indicadores espalhados ao longo da
história do Brasil e possibilitar uma visão de conjunto, propondo formas
de leitura. A leitura aqui proposta não é a leitura, mas, uma dentre as
leituras possíveis. Assim, não apenas os lugares onde chegamos (pois
estes sempre serão abertos ao questionamento – do contrário, não
seria estudo sobre o ser humano), mas, “muito mais” significativo é a
forma como nos portamos ao longo do caminho e os parceiros que nos
acompanharam nesta caminhada.

As transformações pelas quais temos passado nos últimos anos


têm colocado tarefas importantíssimas, pois reclamam um novo
posicionamento frente às questões colocadas. A ciência sobre as
relações humanas não prediz o futuro, e nem o determina, mas, pergunta-
se pelo que vem a partir dos padrões percebidos naquilo que foi e que
está aí. Mas, alguns desafios são claros: somos cada vez mais plurais, e
ainda precisamos aprender a viver com essa pluralidade que a cada dia
se faz mais presente.

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102 | Sociologia da Religião | FTSA


UNIDADE IV - Recortes temáticos

Introdução
Como vimos ao longo das unidades anteriores, a religião relaciona-se com
todas as esferas da vida. Assim, ao final deste percurso, nos voltaremos
para alguns recortes temáticos. Os pontos desta unidade não serão
sequenciais, mas, explorações pontuais de questões específicas. Para
tanto, escolhemos quatro recortes. No primeiro refletiremos sobre os
padrões existentes na relação entre evangélicos e política. Na sequencia, o
nosso tema será o messianismo, um comportamento religioso vinculado
profundamente a causas sociais. Depois, algumas especificidades que
diferenciaram a atuação dos evangélicos tradicionais e dos pentecostais,
a partir do da função da escrita e da oralidade. E por último, um estudo
de caso que, embora pareça estar um pouco distante da nossa realidade,
nos chama atenção para a importância de um estado laico.

1. Evangélicos e a política: observação sócio-histórica


Os estudos sociais das religiões contemplam seus diversos movimentos
dentro da sociedade. A aproximação de líderes e igrejas com a política
partidária é uma das categorias de estudos da sociologia, com diálogo
com as ciências políticas. Realizaremos aqui um breve um percurso
panorâmico da participação evangélica — protestantes e pentecostais —
na política nacional brasileira. Para qual finalidade o cristão entraria na
política? Mudá-la ou ser moldado por ela?

1.1. Contexto e pesquisadores


O crescimento, principalmente em meados da década de 90 em diante,
de evangélicos no Brasil, produziu uma forte ascensão de políticos no
seio da igreja. Estes receberam apoio da máquina eleitoral eclesial, sendo
indicados por pastores nos púlpitos e propagandeados, sejam em forma
de panfletos, marcadores de bíblia, apresentados no púlpito ou no rádio.
Esse processo deu origem ao, então, “candidato da igreja”, que eleito
com a força do rebanho se espalhou por diversas Câmaras Municipais,
Estaduais e no Congresso Nacional. O fato é que os evangélicos têm feito
Sociologia da Religião | FTSA | 103
parte do mundo político em escala nacional desde o período denominado
como República Velha (1889-1930). Naquela época já havia três senadores
ligados a igrejas protestantes, porém, sem serem percebidos por suas
atuações e ligações com suas igrejas. (Freston, 1993, p. 151)

A história registra, por meio de sociólogos e cientistas da religião, que


nem sempre a relação entre as igrejas evangélicas no Brasil e a política
foi de afinidade, ou de tanto interesse como nas últimas duas décadas. A
igreja evangélica, que antes se situava às margens do processo político
partidário, mais recentemente elege seus próprios candidatos com intuito
de “trabalharem para a igreja”, seja no Congresso Federal ou em âmbitos
estaduais e municipais. Quais mudanças sociais no país proporcionaram
um interesse dos evangélicos pela política? Seriam as diferentes formas
de governo pelas quais passou o país na segunda metade do século XX
as responsáveis por essa proximidade nos últimos anos? Com qual intuito
os evangélicos, principalmente seu ramo pentecostal, mudaram o seu
comportamento e entraram no campo político com tanto afinco e dedicação?

Muita contribuição à análise desse fenômeno da relação dos evangélicos


com a política tem sido produzida nos últimos anos em artigos de revistas
especializadas, livros, dissertações e teses. Entre eles, destacamos
Paul Freston (1993), Reginaldo Prandi e Antonio Flávio Pierucci (1996),
Alexandre Brasil Fonseca (1997), Leonildo Silveira Campos (2005), Maria
das Dores Campos Machado (2006) e Saulo de Tarso Cerqueira Baptista
(2007) entre outros. Vale a pena a leitura desses trabalhos para termos
uma ideia mais profunda do fenômeno.

1.2. Destaque na era Vargas


O primeiro líder político protestante de destaque na política nacional de
que temos registro foi o pastor metodista Guaracy Silveira. Ele atuou
durante a chamada era Vargas, eleito para a Assembleia Constituinte
em 1933. Este foi um marco importante, pois era a primeira vez que um
protestante tomava assento em uma constituinte brasileira. Nesta época
os protestantes no Brasil somavam pouco mais de 2% da população
nacional e sua eleição, segundo Freston (1993, pág.154), foi composta

104 | Sociologia da Religião | FTSA


em sua maioria por eleitores protestantes, apesar de não ter nenhuma
aliança formal para sua campanha com nenhuma igreja. Sua eleição
surpreendeu a todos, inclusive a imprensa, recebendo destaque por
dois motivos, primeiro por Guaracy ser pastor e segundo por se declarar
socialista. Durante o seu mandato, algumas qualidades foram ressaltadas
na imprensa: sua habilidade com oratória e sua maneira serena de se
comportar no Congresso. Guaracy retornou ao congresso na eleição de
1945 e dentre muitos candidatos protestantes foi novamente o único
eleito, participando também da elaboração da Constituição de 1946.
Doente em 1950, ao retirar-se da vida pública, escreveu: “Dois grandes
erros o protestantismo tem cometido no Brasil: fugirem os crentes dos
sindicatos de trabalhadores, e fugirem dos partidos políticos populares.
Evidentemente, a Igreja Católica não se arriscará a lutar contra o
capitalismo explorador. Mas se ela o fizer, devemos lhe dar as mãos, pois
a causa é comum” (FRESTON, 1993, pág.157).

1.3. Evangélicos anônimos na política


Na história da política nacional, até a década de 60, como vimos acima, não
se ouvia falar dos evangélicos no cenário político, possivelmente porque
os poucos que ali participavam tinham uma atuação muito discreta e os
motivos por estarem na política não eram do interesse das igrejas a que
estavam filiados, pelo contrário, os líderes evangélicos olhavam a política
como algo não interessante. Entretanto, podemos citar alguns pequenos
exemplos de pessoas que desde o Estado Novo estiveram ocupando
cargos políticos em nível nacional na condição de senadores e deputados.
José Rubens Jardilino, em artigo escrito para a revista Revés do Avesso,
apontou menos de oito representantes nacionais de 1946 a 1959. Como
já dissemos, a presença deles se restringia a uma militância partidária.
Não havia representantes das igrejas na política, havia sim, crentes leigos
que alcançaram cargos políticos. Eram evangélicos na política, não
políticos evangélicos. Estes políticos se resumiam a poucos nomes das
igrejas tradicionais que em geral não contavam com muito apoio de suas
denominações. O voto vinha de outras relações sociais, e poucas vezes
da vida congregacional. Não consta neste grupo nenhum envolvimento
Sociologia da Religião | FTSA | 105
com corrupção e projetos antiéticos, nem tampouco nenhum aparato
do marketing evangélico para promoção de seus nomes. Alguns nomes
são lembrados desse período como Aureliano Viana — membro da Igreja
Batista —, ligado ao Partido Socialista Brasileiro (PSB), que foi deputado
federal de 1955 a 1963 e senador de 1963 a 1971. Lauro Monteiro da Cruz
— médico e membro da Primeira Igreja Presbiteriana Independente de
São Paulo — pertencia a UDN/ARENA e foi deputado federal entre 1951 a
1971. Nesta época houve até um presidente evangélico, o luterano militar
Ernesto Geisel ,que governou de 1974 a 1979.

1.4. Manoel de Mello – Cabo eleitoral através do rádio


Consideramos o pentecostal Manoel de Mello como um pioneiro no
envolvimento com a política no meio partidário, entretanto foi um caso
isolado nas décadas de 60 e 70, em pleno vigor do regime militar no
Brasil. Os pentecostais se envolveriam com o poder político de fato a
partir de meados da década de 80 como analisaremos mais adiante.
Mello que estava no rádio divulgando os trabalhos da Igreja O Brasil
para Cristo desde o início de 1956, percebeu que sua influência com
a multidão crescia a cada dia. No mês de maio de 1958, pela primeira
vez foi realizado um culto no estádio do Pacaembu. Mello, que utilizou
o rádio como principal meio de convite, conseguiu levar 70 mil pessoas
ao encontro, onde sua popularidade foi vista e comprovada pelo prefeito
de São Paulo Adhemar de Barros e demais políticos. O prefeito e Mello
tiveram um período de aproximação política durante o qual Mello ganhou
um terreno da prefeitura para construção de um templo, entretanto, por
pressão dos vereadores de São Paulo e pelo clero romano, funcionários
municipais receberam ordens de demolir o prédio que havia sido
construído no terreno da prefeitura, este fato ocorreu em 1959. A partir
deste período, Mello passou a observar a necessidade de eleger políticos
de sua própria igreja. Com isto, aliando a força do rádio à sua popularidade
e credibilidade religiosa entre seus ouvintes, Mello começou a trabalhar o
nome de dois pastores de sua igreja: Levy Gonçalves Tavares e Geraldino
do Santos. O resultado foi obtido nas eleições seguintes: Levy Tavares
foi eleito deputado federal em 1961 e Geraldino dos Santos vereador de
106 | Sociologia da Religião | FTSA
São Paulo em 1963. A fórmula deu certo e a manutenção nas eleições
seguintes foi garantida, pois em 1967, Tavares se reelegeu para deputado
federal e Geraldino dos Santos, de vereador, se tornou duas vezes
deputado estadual, em 1967 e 1971.

1.5. Mudança de Paradigma - Irmão vota em irmão


Com o início da redemocratização do país em meados dos anos 80,
iniciou-se uma nova fase na história dos evangélicos na política brasileira.
Começava a despontar no país, em 1982, Iris Rezende, membro da Igreja
Cristã Evangélica, que foi eleito governador de Goiás pelo voto popular,
tornando-se o primeiro evangélico a ser eleito no poder executivo pelo
voto direto. Iris Rezende mais tarde, se tornaria ministro da Agricultura
do governo Sarney.

Ainda no ano de 1982, dois pentecostais foram eleitos deputados


federais, Mario de Oliveira, pastor da Igreja do Evangelho Quadrangular
em Minas Gerais, e José Fernandes, membro da Assembleia de Deus
no Amazonas. A Assembleia de Deus neste período modificou seu
pensamento em relação à política e realizou um encontro em 1985, em
Anápolis, onde Iris Rezende foi convidado a despertar a consciência dos
irmãos e convencê-los a participarem do processo político nacional. No
mandato da Constituinte, em 1987, os evangélicos elegeram trinta e três
deputados federais, sendo treze deles membros da Assembleia de Deus,
cuja representação deu um salto gigante se comparado ao pleito anterior
que tinha apenas um deputado federal.

O número exato é 33. Número que fez deles, como


ressaltou a revista Veja, a quarta maior bancada do
Congresso Constituinte, atrás apenas do PMDB, do PFL
e do PDS. Sua presença numericamente expressiva,
na esfera pública política num momento decisivo da
vida nacional alterava assim, antes de mais nada, seu
modo de comparecimento na esfera pública midiática
(Pierucci e Prandi, 1996, p. 168)
Sociologia da Religião | FTSA | 107
O poder legislativo passou a ser alvo das igrejas evangélicas. Tendo
“representantes de Deus” em Brasília, estes escolhidos teriam a tarefa de
assegurar a liberdade religiosa e buscar alguns favores para suas igrejas
como doação de terrenos — fato comum no legislativo municipal—,
isenção de impostos e principalmente concessões de canais de rádio e TV
para a divulgação da palavra de Deus. Na Constituinte podemos averiguar
uma estratificação política, conhecida com “bancada evangélica”. No
mandato do presidente José Sarney, o Estado liberava concessões de
meios de comunicação a quem lhe aprouvesse, sem a devida prestação
de contas à sociedade. Com isto os parlamentares evangélicos, mudaram
o discurso para poder participar destes benefícios, não importando com
qual tendência política faria parceria.

Em junho de 1987, realizou-se no Clube do Congresso, a festa de


relançamento da Confederação Evangélica Brasileira (CEB), que
havia paralisado suas atividades na época do militarismo, presidida
pelo deputado pentecostal Gidel Dantas, do PMDB do Ceará. A
Confederação Evangélica Brasileira foi transformada num instrumento
da ala conservadora evangélica para canalizar recursos federais. Em
novembro de 1987, o Ministério do Planejamento liberou Cz$ 8,5 milhões
para a aquisição da sede provisória num edifício em Brasília. Em 12 de
novembro de 1987, três dias antes da votação da ampliação do mandato
do presidente Sarney, todos os deputados evangélicos receberam um
comunicado da liberação de Cz$ 110 milhões para a CEB, dinheiro este
que saiu da Legião Brasileira de Assistência, a fundo perdido, a título de
ajuda a pessoas carentes. A emenda do deputado assembleiano Matheus
Iensen, que fixava em cinco anos o mandato do presidente José Sarney,
foi aprovada por 317 votos sendo que 24 deputados evangélicos votaram
a favor. O Governo, grato ao deputado Iensen pela ajuda, retribuiu-lhe
com uma concessão para instalar em Curitiba a Rádio Novas de Paz,
terceira propriedade da família Iensen na área de comunicação. Segundo
a revista Kerigma de 1988, em matéria intitulada “A Gota d`água” informa
que outros deputados receberam concessões.
108 | Sociologia da Religião | FTSA
O deputado Mateus Iensen não foi o único que obteve
de rádios ou TVs. O deputado Fausto Rocha (PFL-
SP) como ele disse: ‘realizou o sonho de uma vida’ ao
receber um canal de televisão em Bauru, interior de
São Paulo. O deputado João de Deus (PTB-RS), com
dois pedidos de concessão de rádio, foi agraciado com
um; o deputado Arolde de Oliveira(PFL-RJ) obteve uma
rádio destinada a uma fundação evangélica em Santo
Antonio do Descoberto em Goiás, o deputado Mario de
Oliveira (PMDB-MG), foi beneficiado com duas rádios
em Ipatinga, no vale do aço mineiro (Revista Kerigma –
1988 - edição 11)

Esse crescimento do interesse dos evangélicos pelo poder político também


se estendeu a outras igrejas, como é o caso da Igreja Universal do Reino de
Deus (IURD). Segundo Campos (2005), seu primeiro deputado federal foi o
bispo Roberto Augusto Lopes, eleito em 1986 e participante da Constituinte.
Saulo Baptista (2007, pág.19) aponta para o crescimento progressivo da
IURD no Congresso Nacional: em 1990 elegeu três, em 1994 foram seis, em
1998 chegaram a 16, e em 2002 houve 18 deputados eleitos.

Observamos um breve panorama da participação política dos evangélicos


desde o Estado Novo até a redemocratização e sua participação na
Constituinte de 1988. A mudança gradual se deu desde a não participação
política direta até a organização de comissões para a política dentro das
igrejas para melhor organizar estratégias de avanço. Entretanto, este
avanço não esteve atrelado ao evangelho, em muitos casos, aliás, com
nítidas práticas anti-evangélicas e anti-éticas. Políticos usando cargos e
poderes, em muitos casos, para benefício próprio ou de familiares.

Sociologia da Religião | FTSA | 109


Exercício de aplicação - 16
Após estudar esses recortes, baseados nos textos bíblicos,
principalmente nos evangelhos, onde há uma citação direta dos
ensinamentos de Jesus durante sua caminhada humana, é possível
afirmar que a Igreja contemporânea pode se envolver com a política,
melhor dizendo, com cargos políticos, e manter, ainda assim, uma
vivência enraizada nos ensinos de Jesus:

A)  Não. Misturar política e religião, em tempos como o nosso,


é impossível. Para ter um envolvimento político mais direto, é
necessário renunciar valores do Reino e descumprir com os
mandamentos de Jesus, relatados pelos evangelistas. Dessa
forma, para estar enraizado nos ensinos de Jesus é preciso abrir
mão de qualquer envolvimento político.  

B)  Em nosso país, considerando o envolvimento de muitos


religiosos na política, é possível que você se envolva, sim, com a
política e permaneça enraizado nos ensinos de Jesus, desde que
você esteja filiado à um partido declaradamente cristão e aceite
seguir os dogmas e as tradições da liderança daquele partido.
Beneficiando sempre os irmãos na fé.

C) Os evangelhos, assim como as cartas paulinas, petrinas, de


Tiago e, anteriormente a eles, os próprios profetas, tratam a todo
tempo de questões políticas. A fome, a falta de acesso a saúde, a
marginalização, as leis que beneficiam apenas a elite no poder e
a massa burguesa, o abandono e falta de direito dos órfãos, das
viúvas, das mulheres, etc. Nestes textos, somos cobrados enquanto
cristãos a mudar esta realidade. Portanto, é possível, e necessário,
um envolvimento da Igreja com a política, e a vivência enraizada nos
ensinos de Jesus se mostra quando a voz política da igreja defende
o suprimento das necessidades do povo, a igualdade entre todos, o
acolhimentos aos que estão à margem, propagando por meio das
propostas de políticas públicas o amor de Deus pela sua criação. 

110 | Sociologia da Religião | FTSA


2. Movimentos Messiânicos
Uma interpretação utilizada pelos sociólogos acerca das instituições e
fenômenos religiosos é por meio do chamado movimento messiânico.
Este conceito é utilizado para identificar certas comunidades específicas
que trazem, em sua maioria, uma motivação além do religioso, podendo
estar ligadas a causas sociais. Pesquisadores têm ultimamente utilizado
o conceito fora das esferas religiosas como, por exemplo, no campo
político. Observemos alguns casos.

2.1. Definindo o conceito


O termo messianismo dentro da sociologia é relativamente diferente e
ampliado do conceito bíblico-teológico. Quando falamos em messianismo,
estamos falando de um movimento em torno de um líder. Este líder pode
estar presente ou não. O messias é sempre esperado e aguardado para
concertar uma situação social, geralmente ligado a questões de um povo
dominado por outro e a espera da libertação política e social que virá
com a sua chegada. O movimento pode se manifestar no inconsciente
coletivo da comunidade e ser pacífico, com conotação utópica. Em outros
casos, quando o líder messiânico está presente, a manifestação pode ser
violenta, provocada por tensões sociais, o que pode levar a conflitos e até
a guerra.

2.2. Sebastianismo
Um dos primeiros movimentos messiânicos na história moderna é
conhecido por sebastianismo, de origem portuguesa. Em 1578, Dom
Sebastião, rei de Portugal, estava em batalha para expansão do império
português. Esta batalha ocorreu onde atualmente é o território marroquino.
Portugal perdeu a batalha e o corpo do rei não foi encontrando. Correu
a lenda que o rei teria desaparecido em meio a multidão e não teria
morrido. O rei não tinha herdeiros e sua morte ou desaparecimento
colocou Portugal em uma situação de crise, perdendo sua identidade
e independência política. O país foi por 60 anos governado por uma
aliança política com a Espanha. Por séculos a espera de D. Sebastião
Sociologia da Religião | FTSA | 111
foi aguardada no imaginário popular. Portugal nunca mais alcançou o
prestigio de potência política que perdera e apenas um retorno de seu rei
poderia solucionar a crise.

O sebastianismo chegou ao Brasil em forma de levante político messiânico


no conhecido caso da Guerra de Canudos (1896-1897). Antônio Conselheiro,
líder espiritual religioso ganhou destaque como figura messiânica ao reunir
camponeses em Canudos e proclamar uma nova visão política — contra
a recém-formada República do Brasil. Com viés religioso, defendia-se
separar o povo em uma terra santa, sob o discurso de que Dom Sebastião
ressuscitaria e, como rei de Portugal, viria para o Brasil restaurar o seu
reino da recente criada república. Podemos considerar o movimento de
Canudos como um movimento messiânico radical, o grupo entrou em
batalha sangrenta com o exército brasileiro e foi aniquilado. Estima-se que
20 mil mortes ocorreram até o fim do conflito.

Um dos motivos do nascimento de um movimento messiânico é a


situação agrária e falta de perspectiva da população local em relação ao
desenvolvimento e sobrevivência como analisa Campos: as condições são
“um desalento com determinada ordem social pode desencadear tanto
um processo de fuga da realidade construída socialmente, como também
gerar novas utopias dentro de fronteiras que estabeleçam uma ordem
social alternativa – dentro ou fora da sociedade experimentada pelos
agentes naquele momento de crises e dificuldades” (2000, pág. 102).

2.3. Mucker: messianismo entre os luteranos no Brasil


Na atual cidade de Sapiranga, antiga colônia da cidade de São Leopoldo,
no Rio Grande do Sul, dezenas de imigrantes alemães se estabeleceram
em 1824 com intuito de estabelecer moradia e trabalhar com o cultivo da
terra. A maioria destes imigrantes era de tradição evangélica Luterana,
entretanto um casal rompeu com a ordem religiosa na região, João Jorge
Maurer e Jacobina Mentz Maurer. O casal trabalhava na roça e mantinha
uma vida normal dentro dos padrões da região, como a maioria dos
colonos de sua época. Porém, após dois anos de casamento, João iniciou

112 | Sociologia da Religião | FTSA


o curandeirismo em sua casa, para onde diversas pessoas se dirigiam
para serem curadas, para ouvirem conselhos e terem uma guarida na
residência dos Maurer, que passou a ser ponto de encontro dos desvalidos
e necessitados da região. Sua esposa Jacobina o auxiliava no preparo
dos remédios com ervas e na hospedagem dos doentes. Esta era, então,
a nova rotina do casal, onde João se destacava e Jacobina sua esposa
tinha um papel de ajudante.

Entretanto, a partir de 1871, Jacobina começou a realizar reuniões


espirituais com os visitantes, doentes e familiares na residência. Em
sua grande maioria os participantes eram de tradição evangélica
luterana, e nos encontros havia cânticos e orações, Jacobina passou a
ler e interpretar a bíblia. Neste período, Jacobina também começou ter
visões, durante sonhos e estados de letargia, chegando a ficar por dias
adormecida.

Neste momento, o foco da família Maurer deslocou-se para Jacobina


e não mais seu Marido João. Jacobina tornou-se uma personalidade
carismática, segundo os conceitos weberianos. Ela passou a ser
reconhecida e validada socialmente. Neste período a Igreja Luterana,
detentora e guardiã da sã doutrina dos colonos, começou a apontar o
movimento em torno de Jacobina como sendo uma ameaça aos cristãos
luteranos na região. O termo mucker, sinônimo de beato, fanático e
santarrão começou a ser usado em sentido pejorativo pela população
local para designar os rebeldes da família Maurer.

Enquanto isso acontecimentos no movimento dos muckers anunciavam


que Jacobina estaria se autoproclamado detentora da revelação divina.
Chegou a ser chamada por alguns de Cristo, no dia de Pentecostes de
1873, quando teria aparecido em vestes brancas e com uma coroa de
flores na cabeça. Jacobina teria nomeado doze pessoas de sua confiança
e os batizado como apóstolos Entretanto, a informação mais abaladora
foi que ela teria anunciado o fim do mundo e que, em breve, este dia
chegaria e os seus liderados entrariam em combate com os impuros da
sociedade que não aderiram ao movimento.
Sociologia da Religião | FTSA | 113
Em maio de 1873, Jacobina e João Maurer foram presos e foi cumprido um
mandato de busca e apreensão na casa da família onde, supostamente,
teriam encontrado armas para um futuro conflito. Ao ser presa Jacobina
estava em sua casa em pleno estado de letargia e foi conduzida
e escoltada por soldados em uma carreta até São Leopoldo, onde
Jacobina teria dormido durante a viagem de 9 horas. Após responder
ao interrogatório e afirmar que suas visões eram inspiradas por Deus,
foi enviada a Porto Alegre onde permaneceu internada na Santa Casa de
Misericórdia por três semanas. Após ser examinada e não diagnosticarem
nenhuma enfermidade em Jacobina, ela foi liberada. O casal também foi
inocentado das acusações criminais. Eles, então, retornaram a Ferrabrás,
onde foram recebidos com grande alegria pelos fiéis.

Após esses eventos, o grupo de Jacobina aumentou significativamente


seu isolamento em relação a sociedade: não sepultavam mais seus
mortos no cemitério local e abandonaram as festas da sociedade,
incluindo participação em jogos e bailes. Em 1873, João Maurer e alguns
colonos viajaram para o Rio de Janeiro, capital do império, para entregar
uma petição a D. Pedro II, onde reclamavam das perseguições, agressões
e ofensas recebidas de autoridades e civis da região.

A tensão entre os muckers e os colonos da região se intensificava a cada


dia. O ano de 1874 seria decisivo para que o conflito se estabelecesse
por completo. Incêndios em casas e estrebarias começaram a ocorrer
e a população de Ferrabrás e toda a região apontavam os “lunáticos
de Jacobina” como sendo os responsáveis. Assassinatos e prisões
começaram a acontecer e os fiéis ao casal Maurer se armaram com
vistas ao grande dia apocalíptico prenunciado por Jacobina.

Em junho de 1874, no ano e mês de comemorações do cinquentenário


da imigração alemã na região, a violência explodiu e houve a chacina
de uma família de ex-muckers, tendo sido o ato atribuído aos muckers.
Colonos passaramm a noite em vigília revezando em suas residências e
arredores para não serem surpreendidos, mesmo assim diversas casas e
celeiros continuaram a serem incendiados. Os fiéis de Jacobina armados
114 | Sociologia da Religião | FTSA
esperavamm o grande dia final. Foi, então, expedido um mandado de
prisão contra o casal Maurer e houve três ataques das forças legais.
Os muckers resistiram ao primeiro e no segundo vários soldados e
fiéis morreram em confronto. A residência dos Maurer foi incendiada,
muitos foram presos, porém um grupo se refugiou na mata, incluindo
Jacobina. O exército realizou uma última investida em que dezesseis
colonos muckers morreram, entre eles Jacobina. Em novembro de
1874 o julgamento do grupo foi iniciado e em junho de 1880 foram
absolvidos, contudo não conseguiram voltar para suas vidas normais,
pois ainda continuaram sendo hostilizados pelos outros colonos. Muitos
mudaram de sobrenome e foram viver em outras cidades para não serem
identificados como participantes daquele grupo.

Após os episódios a imprensa comemorou o fim do violento movimento


dos muckers ocorrido na pacata colônia de Ferrabrás e levantaram
perguntas que ainda hoje estudiosos de diversas áreas procuram
responder. De quem foi a culpa por tamanho incidente? Onde estava a
Igreja Luterana que não enviou pastores suficientes para apascentar o
seu rebanho? Por que governo imperial que não deu a devida atenção ao
fato em seu início? Por que os médicos não conseguiram diagnosticar
corretamente Jacobina? Por que o povo sem instrução seguiu
genuinamente e acreditaram em um casal de charlatões?

2.4. Elementos messiânicos no movimento dos muckers


Ao analisarmos os aspectos culturais e religiosos do movimento dos
muckers devemos considerar que um vazio místico estava sendo formado
na região pelo abandono ou desinteresse da igreja Luterana e não enviar
quantidade de pastores suficientes para dar apoio espiritual aos colonos
de Ferrabrás. Uma das chaves para a interpretação do messianismo
do ponto de vista ideológico é quando os seguidores tomam a decisão
radical de divisão do mundo em dois grandes grupos, os puros e impuros,
salvos e condenados, povo com Deus e povo sem Deus, os castigados e
derrotados e os que serão redimidos e alcançarão a felicidade. Este forte
dualismo é necessário e fundamental para sustentação deste tipo de
Sociologia da Religião | FTSA | 115
crença. Isto fica evidente no movimento dos muckers quando Jacobina
além de não mais enterrar seus mortos em cemitérios da cidade, proibiu
as crianças de receberem uma educação formal, principalmente de
frequentar a igreja onde, segundo Jacobina, a bíblia era ensinada de
forma errada. Jacobina prediz um fim do mundo em que haveria uma
grande batalha, seu grupo seria redimido e os maus seriam massacrados.

Janaína Amado (filha do escritor Jorge Amado), pesquisou o tema em


sua tese de doutorado na USP em 1976. O trabalho foi publicado em livro
com o título: Conflito Social no Brasil: a Revolta dos “Muckers”. Janaína
analisa o episódio através da teoria de Karl Marx sobre a luta de classes.
Ela encontra no caso, por meio da teoria marxista, o pano de fundo para
todo o embate na região. Janaína reconhece que é um caso de movimento
messiânico, entretanto ela encontra uma questão social, que é utilizada
de trampolim para o plano espiritual messiânico. Em 2002, a editora São
Leopoldo lançou a segunda edição com o título: A Revolta dos Muckers:
Rio Grande de Sul, 1868-1898. Esta segunda edição apresenta a palavra
Muckers já não mais entre aspas, como na primeira edição.

Saiba mais
O Filme. Em 2002, o diretor Fabio Barreto filmou a
história dos Muckers. O Filme A Paixão de Jacobina
tem duração de 100 minutos. Apresenta Jacobina
como personagem central, onde cativa seus fiéis
com uma espiritualidade e sensualidade recriados
pelo autor. O filme apresenta o fim do mundo como
algo eminente e a tensão crescente em Ferrabrás
entre os seguidores de Jacobina e os colonos que
a hostilizavam chamando de bruxa e farsante. O
filme teve seu roteiro baseado no romance Videiras
de Cristal, de Luiz Antônio de Assis Brasil, publicado
em 1990.

116 | Sociologia da Religião | FTSA


Um movimento que se iniciou entre imigrantes alemães ainda intriga
pesquisadores. Os diversos olhares sobre o movimento e, principalmente,
nas últimas décadas em que os muckers foram resgatados da memória
e expostos ao debate acadêmico, tendo até expandido para as telas do
cinema brasileiro, foram significativos. Por meio de diversas análises
e debates os muckers passaram a ser compreendidos e interpretados,
desfazendo o caráter de bando de fanáticos que carregaram nas primeiras
décadas em que o movimento foi pesquisado e escrito.

Exercício de fixação - 17
Após a leitura sobre movimentos messiânicos, com os exemplos do
sebastianismo e do muckers quais dessas características podem
ser destacadas nos movimentos messiânicos?

I – Líder carismático

II – Decisões moderadas e equilibradas


III – Discurso de tolerância e paz.

IV – Apelo às necessidades sociais.

V – Dualismo (nós x eles).

Assinale a única alternativa correta:

a) Apenas I, II e V estão corretas.

b) Apenas II, III e IV estão corretas

c) I, II e IV estão corretas.

d) I, IV e V estão corretas.

Sociologia da Religião | FTSA | 117


3. Religião do livro versus a cultura da oralidade e
crescimento pentecostal
Para quem estuda o movimento das religiões no Brasil, é fundamental
estudar o pentecostalismo, suas origens, sua inserção na sociedade e
seu crescimento. O Pentecostalismo é um ramo do que costumeiramente
ficou conhecido como movimento evangélico no país, entretanto, ao
olhar sociológico e histórico, o grupo é diferenciado dos protestantes
tradicionais. Iremos conhecer nesta neste tópico a diferença, suas raízes
e destacar uma característica importante de suas culturas: oral e literária,
fatores importantes na disseminação do evangelho no Brasil.

3.1. Estudos acerca dos evangélicos


Os estudos sobre o protestantismo e pentecostalismo brasileiro, como
um objeto de estudo por parte das ciências sociais teve início nas décadas
de 1960 e 1970. Antes desse período temos a obra O Protestantismo
Brasileiro, de Émile G. Léonard, um professor universitário francês,
arquivista de formação, que morou no Brasil entre 1947 e 1950, onde
assumiu a cadeira de História na Universidade de São Paulo (USP).
Entretanto, na área de ciências sociais, a primeira obra de cunho acadêmico
é de Cândido Procópio Ferreira de Camargo, sociólogo e demógrafo de
grande expressão, tendo integrado o Centro de Estudos de Dinâmica
Populacional da Universidade de São Paulo (Cedip) e posteriormente o
Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). Suas pesquisas
resultaram na obra Católicos, Protestantes, Espíritas, publicada em 1973,
onde já prenunciava a instalação de uma secularização no Brasil.

Os estudos sociológicos acerca dos evangélicos geralmente são


divididos entre o protestantismo, oriundos direto da Reforma Protestante,
e o pentecostalismo, classificado na categoria de novos movimentos
religiosos (NMRs). Diversos novos movimentos religiosos surgem,
geralmente desvinculando-se de outro movimento mais antigo. Este
movimento antigo, no meio teológico, é geralmente rotulado de seita. Ao
longo da história do cristianismo esse termo foi utilizado sempre pela
118 | Sociologia da Religião | FTSA
“religião correta” para acusar o outro, conforme relata Alencar (2005: pág
23) com um exemplo: “A Assembléia de Deus, na década de 20, era retratada
nos jornais das denominações tradicionais como ‘seita pentecostista’.
Ora, até o cristianismo, em seus primeiros anos, foi chamado de ‘seita
dos nazarenos’. Plagiando Sartre, ‘Herege são os outros’”. Conforme a
“seita” vai se desenvolvendo como instituição, ela vai ganhando o molde
de uma igreja com funções e corpo administrativo. E, com o passar dos
anos, e principalmente por conta de seu crescimento, ganha legitimidade,
perdendo o caráter de “seita” entre os seus “concorrentes”. Novas
“seitas” acabam surgindo de dentro desta que agora é uma igreja/religião
institucionalizada.

3.2. Protestantismo: cultura da literatura


O protestantismo de missão ou conversão teve seu caminho aberto pelos
distribuidores de Bíblias (colportores). Estes vendedores foram, segundo
Mendonça (2004), os verdadeiros pioneiros do protestantismo brasileiro.
Dentre eles se destaca Daniel P. Kidder, que chegou ao Brasil em 1837, e
o presbiteriano James C. Fletcher, ambos representantes da Sociedade
Bíblica Americana. Porém, aqui é importante nos atentarmos para o fato
de que a evangelização era feita por meio da venda de Bíblias numa
época do império em que uma minoria da população era alfabetizada.

Segundo Mendonça (1995), os protestantes, ao se estabelecerem no


Brasil nas três últimas décadas do século XIX, utilizaram a literatura para
influenciar, divulgar e expandir a fé protestante, apesar do alto índice de
analfabetismo no país naquela época. Para reverter essa situação, os
primeiros protestantes investiram em educação e estudos, fundando
diversos colégios, com educação secular (especialmente dirigia à elite),
e educação religiosa, dirigida para a formação de pastores para as igrejas
que se desenvolviam.

Em seu livro acerca do protestantismo brasileiro, Émile Léonard (2002:29)


nos apresenta os elementos utilizados para evangelização e propagação
da fé protestante. Os protestantes usavam fortemente a literatura para
Sociologia da Religião | FTSA | 119
propagar e difundir sua crença. Léonard lista as primeiras publicações
dos protestantes, incluindo, entre eles, uma igreja pentecostal clássica, a
Assembléia de Deus.

A História destes primeiros tempos foi feita nas Memórias


sobre a Imprensa Evangélica, de Vicente Themudo Lessa
(1920), onde se estudam os primeiros sessenta anos de
protestantismo brasileiro. Entre os jornais desaparecidos
citemos a Imprensa Evangélica presbiteriana (1864-1892)
e a Revista das Missões Nacionais, também presbiteriana
(1887-192...). O principal órgão dessa denominação
é, atualmente, O Puritano (Rio), que completou em
1950, o seu 51º ano de publicação; o dos presbiterianos
independentes, O Estandarte (São Paulo), em seu 58º
ano de publicação; o dos presbiterianos conservadores,
O Presbiteriano Conservador (São Paulo, 2º ano); o das
igrejas congregacionais (atualmente unidas às Igrejas
Cristãs); O Cristão ( Rio, 59º ano); o das igrejas metodistas,
O Expositor Cristão (São Paulo, 65º ano); o das igrejas
da Convenção Batista, O Jornal Batista (Rio, 50º ano); o
das igrejas episcopais, Estandarte Cristão (Porto Alegre,
57º ano); o das “Assembléias de Deus” pentecostistas,
Mensageiro da Paz (Rio, 20º ano); o do Exército da
Salvação, Brado de Guerra (Rio, 28º ano). Além dos
numerosos boletins regionais, como o presbiteriano Norte
Evangélico (Garanhuns, 44º ano) e o Batista Paulistano
(Mogi das Cruzes, 43º ano), devem ser consultados
também os jornais pessoais ou de tendências teológicas
como: dentre os “ortodoxos”, o Fundamentalista (São
Paulo, 2º ano), Arauto Cristão (Varginha 1º ano). A coleção
desses jornais constitui uma fonte de primeira ordem
para a história eclesiástica e mesmo geral; infelizmente,
entretanto, é difícil encontrá-los.

120 | Sociologia da Religião | FTSA


A literatura foi o meio utilizado pelos protestantes para expandir sua fé
e conseguir adeptos, principalmente entre os intelectuais, visto que a
quantidade de pessoas analfabetas no país era muito maior do que os
podiam ler um livro ou jornal. Esta forte atração dos protestantes pela
literatura em suas primeiras décadas no Brasil lhes gerou a designação
de “a religião do livro”, pois sempre portavam uma bíblia ou algum tipo de
literatura religiosa, seja um jornal ou um folheto para fins evangelísticos.
Segundo Leonildo Silveira Campos (2004:149)

foi a “literalidade” e não a “oralidade”, para se usar


expressões de Walter Ong, a marca dos evangélicos
hoje chamados “históricos” para se diferenciarem do
pentecostalismo ou do carismatismo. No Brasil do
século XIX, devido a esse apego à Bíblia, os evangélicos
mais antigos ainda se lembram dos tempos em que
cada um deles levava para o templo, debaixo de seu
braço,um exemplar de sua velha e surrada Bíblia de
capa preta Esse hábito, em algumas partes do país,
fez com que os evangélicos se tornassem conhecidos
como os “bíblias”

José Marques de Melo (1998:226) afirma que: “os meios audiovisuais,


apresentam maior vinculação com a cultura oral. Atingem rapidamente
os públicos analfabetos, e os incorporam à contemporaneidade. Os
meios impressos por sua vez, encontram-se ligados às raízes da cultura
alfabética. Logo restringem-se aos públicos letrados”. Compreender este
processo cultural de divulgação da fé através da literatura pelos grupos
conhecidos por evangélicos históricos ou tradicionais é importante nesta
unidade. Como entender uma religião, que é marcada e dominada por
uma cultura literária?

3.3. Pentecostalismo: cultura da oralidade


O rádio seria o meio ideal para a finalidade de divulgar a mensagem do
evangelho rapidamente. Segundo José Rubens Lima Jardilino (1994, p.

Sociologia da Religião | FTSA | 121


69) o pentecostalismo, representado pela Assembléia de Deus, chega na
década de 30 a cidade de São Paulo e “traz consigo uma visão de mundo
própria da zona rural”. Jesús Martín-Barbero (2004, p. 159) pesquisando
acerca das culturas de matrizes orais, expressa o homem do campo nos
seguintes termos: “Perguntem a um homem do campo de que modo
ele faz sua vida, e poderão constatar não só a riqueza de seu saber e a
precisão de seu vocabulário, mas a expressividade de seu saber contar.
Peçam a ele, porém, que escreva o que disse, e verão que se cala”.

O pentecostalismo chegou à cidade em um momento de industrialização e


modernização, trazendo consigo sua mensagem falada, pois o crescimento
pentecostal no Brasil ocorre concomitante com a migração do homem do
campo para a cidade, principalmente para os grandes centros, a partir da
década de 30. A cidade é o local onde se cria condições contraditórias,
ilusões e oportunidades e consequentemente o desespero na pessoa que
via na cidade o local onde tudo parecia possível, mas se depara com o
desgaste da vida urbana e a distância de familiares, o que gera o ambiente
propício para a evangelização pentecostal. Quentin J. Schultze (1994),
diz que o pentecostalismo, por ser uma religião oral, levava esperanças
de mudanças diretamente ao povo e que tinha a vantagem de usar uma
linguagem comum para “fortalecê-los”, rumo a uma transformação
social e pessoal: “sem a intermediação de páginas escritas, a oralidade
pentecostal possui ‘espontaneidade, poder e imediatismo’”. Schultze ainda
chama a atenção para a necessidade de se tornar imperativo as pesquisas
neste campo para podermos ler esses “livros orais”.

A expansão do pentecostalismo está ligada com esta espontaneidade,


característica da cultura oral, que foi bem aproveitada no uso dos
meios de comunicação social, principalmente o rádio. A adaptação
pentecostal no rádio foi melhor em comparação com os protestantes
tradicionais. Os anos da década de 50 foram uma indicação de que o
movimento pentecostal e o rádio teriam uma relação cada vez maior.
Igrejas nasceram e cresceram usando o rádio com desenvoltura. Um dos
casos de maior destaque é do missionário Manoel de Mello, fundador
122 | Sociologia da Religião | FTSA
da Igreja O Brasil para Cristo. Seu programa de rádio deu origem a sua
igreja, que nas décadas de 60 e 70 foi a igreja pentecostal que teve o mais
rápido crescimento, devido a sua utilização dos meios de comunicação,
principalmente o rádio, reforçando a cultura da oralidade e a facilidade
de comunicação direta com que passava por problemas e dificuldades.

Exercício de reflexão - 18
Na cidade onde você mora, é possível identificar com facilidade
esses elementos de literalidade e oralidade nos diversos grupos de
evangélicos existentes? Você também consegue identificar essas
categorias em outras religiões (espíritas ou afro-brasileiras)? Após
refletir sobre isso, elabore uma resposta sobre a importância de
conhecer esses elementos para preparar estratégias de expansão
de um grupo religioso? E qual é o elemento que você considera ser
mais utilizado atualmente? (100 palavras)

Estas categorias de cultura, oralidade e literalidade, podem ser analisadas


pela sociologia (a partir dos movimentos de migração do campo para
a cidade) e por pesquisadores na área de comunicação. Sem dúvida, o
pentecostalismo teve maior expansão e crescimento em comparação
com o protestantismo, esses olhares teóricos podem auxiliar nos estudos
para este tipo de comparação.

4. Estudo de caso: Cemitérios protestantes


Embora no século 19, com a secularização na Europa e a perda de
influência da igreja em diversos setores da sociedade, no Brasil colonial,
como também no Império, a Igreja Católica continuou como a religião
oficial, se confundindo com o papel do estado. Como articular o
protestantismo em um país dominado pelo catolicismo. Como garantir
os direitos civis e sociais para o protestante? Um dos entraves é o ritual
de sepultamento dos mortos, como veremos nesta unidade.
Sociologia da Religião | FTSA | 123
4.1. Estado religioso
No século 19, ser católico no Brasil não se tratava de uma opção religiosa,
mas praticamente uma condição civil, ou seja, atrelando o funcionamento
do Estado às funções da igreja. O sociólogo Mendonça (2002, p. 15)
reforça essa tese dizendo que “o catolicismo brasileiro assumiu nos
primeiros séculos de sua formação histórica um caráter obrigatório. Era
praticamente impossível viver integrado no Brasil sem seguir ou pelo
menos respeitar a religião católica”.

Diferentemente da Europa secularizada, a vida do cidadão brasileiro


no século 19 orbitava ao redor da Igreja Católica. Para a pessoa ser
reconhecida como cidadã, precisava ser batizada, para ter direito ao
casamento, era necessário ser membro da Igreja e na hora da morte, só
seria enterrado em um cemitério se fosse católico. Os direitos civis do
cidadão eram atestados pela sua catolicidade.

Pesquisas com o olhar sociológico deste momento do Brasil, incluindo


a chegada dos protestantes e seu desenvolvimento, podem ser lidas
nos livros de Antonio de Gouveia Mendonça e Prócoro Velasques Filho,
Introdução ao Protestantismo no Brasil (1990) e O Celeste Porvir (1984),
de Mendonça. Outro clássico desta área é O Protestantismo, a maçonaria
e a questão religiosa no Brasil (1980), de David Gueiros Vieira. Todos
eles trazem os fundamentos de conhecimento sobre a implantação do
protestantismo de missão no Brasil, marcado profundamente por um
contexto de rivalidade religiosa entre os católicos, e suas lutas pela
conquista de direitos civis em um estado não laico.

Saiba mais
O termo Estado refere-se à unidade administrativa de um território. É
constituído pelo conjunto de instituições públicas que representam,
organizam e atendem – ao menos teoricamente – as demandas da
população que habita o seu território.

124 | Sociologia da Religião | FTSA


Quando analisamos o Estado e suas relações com as diferentes
religiões e credos, podemos classificá-lo como laico ou religioso.
• Estado Laico: Nesse conceito está prevista a neutralidade
em matéria confessional, ou seja, não se adota nenhuma religião
como oficial e mantém-se equidistância entre os cultos. É
conhecido também como Estado Secular. Em alguns Estados
laicos, há incentivo à religiosidade e à tolerância entre os credos,
enquanto outros chegam a criar leis e mecanismos para dificultar a
manifestação religiosa em público.
Separação entre Igreja e Estado
Nas civilizações ocidentais, o Iluminismo e a Revolução Francesa,
no século XVIII, consolidaram a ideia e a necessidade de um
Estado Laico, em que o poder político mantivesse distanciamento
e independência de instituições religiosas.
Estado Laico x Estado Ateu
Uma distinção importante a ser feita é a respeito do conceito de
Estado laico e Estado ateu, que possuem significados diferentes.
Um Estado ateu fundamenta-se na rejeição de todas as formas
de religião por um Estado em favor do ateísmo. Em diversas
ocasiões na História, esse tipo de Estado chegou a suprimir ou
limitar a liberdade religiosa, agindo de forma semelhante a Estados
religiosos. No caso do Estado ateu, ao invés da imposição de uma
crença específica, há a institucionalização da “não crença”.
• Estado religioso: É aquele em que a religião interfere de alguma
forma na legislação ou gestão pública e é também chamado de
Estado confessional. Na atualidade, está presente especialmente
no mundo islâmico, no entanto, pode ser identificado também na
África e na Ásia.
Fonte: https://brasilescola.uol.com.br/geografia/estado-laico-
estado-religioso.htm

Sociologia da Religião | FTSA | 125


Exercício de fixação - 19
A respeito do conceito de “Estado laico”, avalie as proposições a
seguir e assinale a alternativa INCORRETA:

a) O posicionamento de um Estado frente às manifestações


religiosas é o que caracteriza um Estado como laico ou religioso.

b) O conceito de Estado laico subentende a neutralidade desse


Estado em matéria confessional.

c) A base do Estado laico é a não adoção de nenhuma religião


como oficial e a manutenção de equidistância entre os cultos.

d) A neutralidade do Estado laico significa aversão às religiões.

4.2. Tratado de comércio e navegação de 1810


A implantação dos cemitérios protestantes no Brasil se deu a partir da
segunda década do século XIX. Este processo ocorre com a vinda da família
real para o Brasil em 1808. Neste período ocorre a chamada abertura dos
portos para as nações amigas, sendo a Inglaterra a maior beneficiada.
Com isto foi firmado Tratado de Comércio e Navegação (1810), que em
seu artigo 12 versava acerca dos direitos religiosos dos ingleses que
eram protestantes. O Tratado proporcionava liberdade para os ingleses
realizarem seus cultos nas casas e terem um espaço destinado a sepultar
seus mortos. Entretanto, a iniciativa da criação de cemitérios ocorreu
pela demanda e por situações delicadas ao império, como foi o caso dos
cemitérios de Ipanema e Recife, como veremos adiante.

4.3. Primeiros cemitérios protestantes


O primeiro cemitério protestante que se tem notícia no Brasil situa-se no
Rio de Janeiro, conhecido como Cemitério dos Ingleses. Uma chácara foi
separada pelo Príncipe Regente e incorporada aos bens da Coroa, para ter
126 | Sociologia da Religião | FTSA
o destino de se enterrar os estrangeiros ingleses que não professavam a
fé Católica. Em seu livro de registros encontra-se o primeiro sepultamento
em cinco de janeiro de 1811 (Costa, 2008).

Neste mesmo ano, em fevereiro, ocorreu um incidente na primeira


indústria siderúrgica do país, a Real Fábrica de Ferro de São João do
Ipanema, localizada nos arredores de Sorocaba. Seus trabalhadores eram
em sua maioria suecos, ligados a Igreja Luterana. Um dos funcionários
faleceu e foi enterrado no único cemitério da cidade, e a Igreja Católica
cedeu o caixão como de costume. Entretanto, espalhou-se pela cidade
que o estrangeiro não era católico, mas protestante, boatos de que ele
tinha se suicidado também circularam. O que resultou no desenterro do
defunto, e na cobrança do caixão (Boy, 2007; Costa, 2008). Com isso,
os ânimos se acirram entre a população majoritariamente católica e os
funcionários protestantes suecos. O diretor da fábrica escreveu em junho
a D. João VI relatando o incidente, e em 28 de agosto a resposta veio
por meio de uma Carta Régia com o título: Sobre a Fábrica de ferro de
Sorocaba da Capitania de S. Paulo destinada ao Marquez de Alegrete,
Governador e Capitão General da Capitania de S. Paulo, em que autoriza
a construção do cemitério para os protestantes, que reproduzimos com
a ortografia da época:

havendo subido á minha real presença algumas


informações que havendo morrido em Sorocaba um dos
mineiros Suecos, o Director e os outros Suecos, tieram
um susto mal fundado que os prejuízos populares dos
habitantes os consideravam com horror visto serem
herejes, ordeno-vos que tenhais particular cuidado em
persuadir tanto ao Director como aos mais Suecos,
que respeitando elles como devem a nossa santa
religião, e praticas da mesma, podem estar seguros que
ninguem os hade inquietar nas sua praticas rligiosas,
que fizerem particularmente em suas casas, e que não
só hei de manter tudo a que a tal respeito lhes mandei
Sociologia da Religião | FTSA | 127
prometter pelo contracto que com elles se celebrou,
a que estou obrigado pelos tratados que ultimamente
celebrei com a Gram Bretanha, mas que conheço muito
os meus reaes intresses e de minha coroa, para que
deixe de fazer observar fiel e religiosamente tudo o que
sabiamente tenho ordenado a semelhante respeito, e
que a vós muito vos encarrego de novo por esta minha
carta régia de cuidares e vigiares na fiel observancia de
tão essenciaes objectos tendo sempre vossos olhos
abertos para evitares qualquer mau effeito, que possa
resultar dos prejuizos de povos, que mais por ignorancia
do que por fins sinsitros podem em tal materia fazer-
se a si e a o Estado um grande mal, levados de um
mal entendido zelo religioso, e contrario aos principios
da nossa santa religião. Tambem vos encarrego o
cuidares em que ahi se estabeleça e cosnerve emboa
ordem um terreno que sirva de cemiterio aos Inglezes
e Sueccos, e em geral aos que não forem membros da
nossa santa religião, permittindo-lhes tambem que nas
suas casas particulares e sem fórma de Igreja possam
reunir-se para o culto particular que dirigem ao Ente
Suppremo, e no qual vigiareis não possam jámais ser
inquietados pelos habitantes do paiz, o que muito vos
hei por recommendado.” (Coleção de Leis do Império
do Brasil - 1811 , Página 95 Vol. 1 - Publicação Original -
Disponível original e na íntegra em PDF no site da Câmara
dos Deputados http://www.camara.gov.br/Internet/
InfDoc/conteudo/Colecoes/Legislacao/Legimp-B3_26.
pdf#page=4)

Com isto acontece a fundação do primeiro cemitério luterano do Brasil e


o segundo chamado protestante. Diversos outros cemitérios se seguiram,
os primeiros principalmente em capitais litorâneas São Luiz (1817),
Recife (1819), Santos (1846), Joinville (1851), Porto Alegre (1856), São

128 | Sociologia da Religião | FTSA


Paulo (1858). A grande maioria dos cemitérios protestantes têm sua
arquitetura simples, despida de grandes obras suntuosas, enriquecida pela
ornamentação vegetal que circula seus túmulos (Carrasco, 2009, p. 33).

4.4. A Igreja Católica e o Estado: questões jurídicas


Nesta primeira metade do século XIX a presença dos protestantes em
terra brasileira ainda era restrita aos imigrantes que vinham a trabalho,
enviado por países da Europa, as missões protestantes ainda não haviam
estabelecido raízes e não davam seus frutos brasileiros. Entretanto, mesmo
após a chegada de missionários enviados pelas igrejas norte-americanas
e europeias, os protestantes ainda tiveram problemas acerca das leis que
vigoravam no país, não somente sobre sepultamento, como batismo de
crianças e casamentos, isto ocorria principalmente pelo fato de a Igreja
Católica ser a religião oficial do estado, como bem observou Mendonça:

Numa sociedade tradicional em que a Igreja Católica


controlava todos os atos da vida – pelo menos os mais
cruciais como casar, nascer e morrer -, a presença de
protestantes, em número razoável nas décadas de
1860 e 1870, veio causar grande transtorno e provocar
polêmicas agudas em que os liberais, e até mesmo
conservadores, estes ao menos por razões humanitárias,
tomaram a defesa dos protestantes. A resistência
católica ao reconhecimento do casamento protestante,
do batismo de seus filhos e do sepultamento de seus
mortos em cemitérios controlados pela Igreja – aliás,
os únicos – criou soluções jurídicas e circunstanciais
constrangedoras para os governantes. Impossível não
reconhecer o casamento protestante. Os pastores
acabaram sendo autorizados a fazê-los e a efetuar os
batismos, o que significava o registro civil das pessoas.
A secularização dos cemitérios demorou, obrigando os
protestantes a construírem os seus próprios. (1990:77)

Sociologia da Religião | FTSA | 129


O sepultamento dos protestantes nesta época acabou sendo protagonista
de alguns entraves entre o estado e a Igreja Católica que, apesar de não
ser dona dos cemitérios públicos, detinha sua total administração. Vieira
(1980, p. 270) faz outro relato, a respeito de um construtor da estrada
de ferro do Rio de Janeiro, chamado David Sampson, que se suicidou
em 29 de outubro de 1869. O padre local de Sapucaia não autorizou
o sepultamento do trabalhador, pois além de ter se suicidado, era
protestante. O diretor da estrada apelou para o Estado, pois a obra era
feita pelos protestantes e devia continuar. O Conselho de Estado estipulou
que os cemitérios teriam que ser franqueados a pessoas de qualquer
confissão religiosa, questionando o conceito de caridade e tolerância civil
e religiosa da Igreja Católica. Esta demanda resultou no ano seguinte em
uma resolução, assinada pelo Ministro do Império, de que a negação de
sepultamento se constituía em perseguição, injúria e aflição à família do
falecido. Porém, apesar da resolução, em muitos cemitérios pelo Brasil
ainda era negada a sepultura de não católicos.

Somente a partir da República, com a instituição de um Brasil laico, Igreja


e Estado tornam-se instituições autônomas. Funções até então realizadas
pela Igreja passam a ser atribuídas ao Estado. Através de sua primeira
Constituição, a República reconhece como válido apenas o casamento
civil e os cemitérios passam obrigatoriamente à administração municipal.

4.5. Cemitério dos Ingleses em Recife


Recife, sendo uma cidade portuária e uma das mais movimentadas
províncias da colônia, recebia diversos trabalhadores ingleses que, se
beneficiando do Tratado de Comércio e Navegação de 1810, vinham à
cidade para ampliar o comércio e a indústria. Como expõe Mello (1972, p.
12), apenas em novembro de 1813, com o intenso movimento de ingleses
na cidade, o ministro inglês enviou uma carta ao Príncipe Regente D.
João informando do inconveniente que estava ocorrendo com a morte
dos ingleses em Recife. Os cadáveres estavam sofrendo a indecência
de serem sepultados nas praias, juntos com os escravos que não eram
batizados. Com isto solicitava a intervenção para que fosse destinado um
130 | Sociologia da Religião | FTSA
terreno para o sepultamento digno dos vassalos britânicos. Dom João
ordenou ao Governador da Capitania de Pernambuco que demarcasse
e comprasse um terreno que seria entregue aos ingleses, para fins de
sepultamento.

Em 1814, ao ter em mãos a propriedade do terreno no bairro de Santo


Amaro, medindo 120 palmos de frente e 200 de fundo, o ministro inglês
mandou murar o terreno. Entretanto o governo havia desapropriado o
terreno de uma chácara de um proprietário local, que depois quis cobrar
o terreno dos ingleses. Todavia o cemitério não foi utilizado de imediato,
pois se necessitava de que a Igreja Anglicana enviasse da Inglaterra
para Pernambuco um capelão para reger a vida espiritual dos ingleses e
também realizar os ofícios fúnebres, tal acontecimento veio ocorrer apenas
em 1819. As anotações do capelão sobre batismos, casamentos e atos
fúnebres vieram a ser registradas a partir de 1821, sendo que o primeiro
sepultamento registrado foi de uma criança em dois de junho de 1822.

Desde o Brasil colônia, com a chegada da família real ao país a demanda


por cemitérios protestantes se formou, devido aos primeiros estrangeiros
britânicos que vieram trabalhar no país. Porém, pelo fato de ser a Igreja
Católica ainda a religião oficial, a secularização, que já estava em
andamento na Europa, foi “adiada” no Brasil, pelo menos oficialmente
apenas com proclamação da República em 1889. Todavia, a prática foi
diferente. Enquanto que o respeito às leis acontecia nas grandes cidades,
nas menores a tradição e o costume demoraram a ser suplantado pela
lei de um estado laico. A conquista dos direitos civis dos protestantes foi
gradual e expansiva em diversas outras áreas da sociedade.

Sociologia da Religião | FTSA | 131


Exercício de reflexão - 20
Caminhos para combater a intolerância religiosa no Brasil
Texto I
Em consonância com a Constituição da República Federativa do
Brasil e com toda a legislação que assegura a liberdade de crença
religiosa às pessoas, além de proteção e respeito às manifestações
religiosas, a laicidade do Estado deve ser buscada, afastando a
possibilidade de interferência de correntes religiosas em matérias
sociais, políticas, culturais etc. (Disponível em: www.mprj.mp.br -
Acesso em: 21 maio 2016. Fragmento).
Texto II
O direito de criticar dogmas e encaminhamentos é assegurado
como liberdade de expressão, mas atitudes agressivas, ofensas e
tratamento diferenciado a alguém em função de crença ou de não
ter religião são crimes inafiançáveis e imprescritíveis. (STECK, J.
Intolerância religiosa é crime de ódio e fere a dignidade.Jornal do
Senado. Acesso em: 21 maio 2016. Fragmento).
Texto III
CAPÍTULO I
Dos Crimes Contra o Sentimento Religioso
Ultraje a culto e impedimento ou perturbação de ato a ele relativo
Art. 208 - Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de
crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou
prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de
culto religioso:
Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa.
Parágrafo único - Se há emprego de violência, a pena é aumentada
de um terço, sem prejuízo da correspondente à violência.
(BRASIL. Código Penal. Disponível em: www.planalto.gov.br -
Acesso em: 21 maio 2016. Fragmento).

132 | Sociologia da Religião | FTSA


Proposta de reflexão:
A partir da leitura dos textos motivadores e com base nos conhecimentos
construídos ao longo da disciplina, indique um caminho para o combate
da intolerância religiosa no Brasil (150 palavras)

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144 | Sociologia da Religião | FTSA

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