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AULA 1
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largamente pelos cristãos no Ocidente, compreendendo a exposição compilada
e sistematizada da revelação.
Na escolástica surgem outros termos, como apresentam Libânio e Murad
(2003, p. 66), englobando o sentido da teologia para: doutrina cristã, sagrada
doutrina, doutrina divina. Algumas dessas expressões são altamente utilizadas
por São Tomás de Aquino (1225-1274). Com Duns Scoto (1266-1308), o termo
teologia assume no ocidente um significado técnico, imprimindo caráter
especulativo e consequentemente alterando seu teor semântico (Libânio; Murad,
2003, p. 66).
Na modernidade, há uma ruptura com o significado escolástico da
teologia, ganhando variadas ramificações de seu tronco, que definem a teologia
em determinadas especificidades como teologia mística, moral, apologética,
pastoral etc. Assim, pode-se hoje identificar a teologia em seu conceito
semântico antigo em analogia à teologia dogmática ou sistemática (Libânio;
Murad, 2003, p. 67).
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Para Clodovis Boff (2014, p. 72), em sua obra A teoria do método
teológico, a teologia encontra na vida seu elemento integrante, que confere
originalidade ao conhecimento teológico, como fonte teórica da reflexão
teológica e como finalidade da prática teológica. Por essa razão, a teologia
implica um conhecimento vital que busca compreender o mistério revelado e
suas consequências para a existência humana e para todo o cosmos.
A natureza da teologia configura dinamicamente a linguagem “comum”,
capaz de comunicar os postulados simbólico e sapiencial, “revelando-se aos
pequenos e humildes” (Mt 11:25-30), e a linguagem científica, que por seu
caráter sistemático, específico e dialógico. contribui reciprocamente com outros
saberes.
De fato, a linguagem humana fica sempre aquém do mistério sobre o qual
ela procura discursar. Essa tensão oscilante na teologia apresenta-se em duas
abordagens distintas: a teologia apofática, própria do oriente, se encerra no
silêncio do mistério ou esbarra em paradoxos ininteligíveis; a teologia catafática,
própria do ocidente, ousa declarar e verbaliza o mistério explicitamente (Libânio;
Murad, 2003, p. 90).
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Boff (2014, p. 17), utilizando-se da definição de santo Anselmo de
Cantuária (1033-1109), dirá que a fonte objetiva da teologia é “a fé que ama
saber”, e consequentemente o amor, que nasce da fé, deseja saber as razões
porque ama. A fonte subjetiva da teologia é o ser humano, cujo espírito deseja
conhecer, inclusive os elementos da fé.
A apreensão do objeto da teologia nunca é total. Quem ousa contê-lo
inteiramente em suas especulações intelectuais, como ilustra santo Agostinho
com a imagem do menino que tenta encher um buraquinho na areia com a água
do mar, sente o mistério escapar-se pelos dedos. “Se compreendeste, não é
Deus. Se imaginaste compreender, compreendeste não Deus, mas apenas uma
representação de Deus. Se tens a impressão de tê-lo quase compreendido,
então foste enganado por tua reflexão” (Sermão 52, n. 16: pl 38, 360).
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tem nada a dizer ao mundo e sobre o mundo. Do mesmo modo há o
perigo de que, rejeitando a fé, a razão se limite a uma visão apenas
horizontal da vida, fechando-se em si mesma e caindo na escravidão
do racionalismo frio e calculista, incapaz de produzir valores. Em
ambas as situações, quem perde é a humanidade. (Zabot et al., 2016,
p. 64).
Então, de que forma se pode dizer que a teologia é uma ciência? Embora
a teologia seja ciência, paradoxalmente ela a transcende, pois não se reduz à
experimentação verificável e constatável do empirismo científico. Não se pode
engessar a produção teológica ao recinto da ciência, formatada na modernidade
aos moldes da razão instrumental. Exatamente por seu objeto material,
distintamente singular, a teologia se faz com o emprego de todas as faculdades
humanas sob o influxo da graça.
A Comissão Teológica Internacional, em seu documento Teologia
hoje: perspectivas, princípios e critérios, trata sobre as várias formas de viver e
assimilar a fé cristã e esclarece sobre a teologia científica como expressão
distinta.
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Desse modo, uma atitude dialogicamente madura da teologia com outras
ciências, outros saberes, pode oferecer um contributo significativo de
colaboração recíproca, dinâmica e autônoma do saber.
A teologia não só está aberta aos outros saberes, como também os utiliza
como instrumentos eficazes na elaboração de seu discurso. Embora o conceito
de interdisciplinaridade seja recente, tal princípio remonta aos inícios da história
do conhecimento humano. O crescimento na busca da especificidade do saber
exige simultaneamente a habilidade de conhecer, associar e distinguir suas
interações.
Nesse sentido, é fundamental que a teologia saiba dialogar com outras
ciências humanas e também exatas, a fim de proporcionem, reciprocamente, um
crescimento autônomo de cada saber específico, exatamente pelo mútuo
estímulo e pela criticidade madura.
A história contada em recorrentes literaturas1 apresenta momentos de
entraves na relação entre fé e razão, ciência e religião. De fato, negar totalmente
essas ocorrências não é honesto. Mas um estudo mais apurado sobre o tema
demonstra exatamente o contrário. Por exemplo: corriqueiramente se ouve falar
de maneira pejorativa “sobre a Igreja católica e a Idade média, mas foi
justamente essa instituição que criou as universidades, e durante a Idade média”.
(Zabot et al., 2016, p. 69).
Essa realidade se reproduz em outros momentos históricos da Igreja,
inclusive o momento atual, contemporâneo. Por essa razão, um saber em
diálogo crítico com outros saberes se purifica da tentadora pretensão de se
tornar um saber autossuficiente. Inclusive a teologia trata do Absoluto, mas não
é um saber igualável ao seu objeto, pois perderia sua natureza epistemológica.
Para Libânio e Murad (2003, p.360), "a teologia é chamada, cada vez
mais, a articular seu saber com as ciências humanas, a serviço de uma reflexão
mordente, que fale das realidades terrestres e divinas, na perspectiva da fé". Os
mesmos autores apontam a necessidade de um aprimoramento dos
instrumentos pré-teológicos na relação com as outras ciências, a fim de não
1 Especialmente nas obras escritas de John Draper (1811-1882) e Andrew White (1832-1918),
há relatos evidentes de muitas “lendas” modernas de oposição entre ciência e religião, que se
disseminaram por todo o século XX.
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desvirtuar “o círculo hermenêutico da fé, condicionando negativamente as
conclusões da reflexão teológica” (Libânio; Murad, 2003, p.359).
Em relação a isso, são João Paulo II, na encíclica Fides et ratio (1998, n.
41), analisa a relação dos padres da Igreja (no período patrístico) com as escolas
filosóficas, adotadas como instrumento de pré-elaboração do fazer teológico. De
fato, “não eram pensadores ingênuos. Precisamente porque viviam de forma
intensa o conteúdo da fé, eles conseguiam chegar às formas mais profundas da
reflexão”.
Assim, fica evidente que a relação da teologia com as ciências não se
estabelece de maneira impositiva, mas autônoma e respeitosa. Ou seja, a
teologia cristã, em sua mais alta autenticidade, sabe valer-se das outras ciências,
reconhecendo a transcendência da fé como sua especificidade.
NA PRÁTICA
FINALIZANDO
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REFERÊNCIAS
JOÃO PAULO II. Fides et ratio: sobre as relações entre fé e razão. São Paulo:
Paulinas, 1998.
SANTO AGOSTINHO. 354-430. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1980. (Coleção
Os Pensadores).
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