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Pr.

Manoel Peres Sobrinho

INTRODUÇÃO

Damiens fora condenado, a 2 de março de 1757, a pedir perdão publicamente diante da porta
principal da Igreja de Paris aonde devia ser levado e acompanhado numa carroça, nu, de
camisola, carregando uma tocha de cera acesa de duas libras; em seguida, na dita carroça, na
praça de Grève, e sobre um patíbulo que aí será erguido, atenazado nos mamilos, braços, coxas
e barrigas das pernas, sua mão direita segurando a faca com que cometeu o dito parricídio,
queimada com fogo de enxofre, e às partes em que será atenazado se aplicarão chumbo
derretido, óleo fervente, piche em fogo, cera e enxofre derretidos conjuntamente, e a seguir seu
corpo será puxado e desmembrado por quatro cavalos e seus membros e corpo consumidos ao
fogo, reduzidos a cinzas, e suas cinzas lançadas ao vento.

Finalmente foi esquartejado. Essa última operação foi muito longa, porque os cavalos utilizados
não estavam afeitos à tração; de modo que, em vez de quatro, foi preciso colocar seis; e como
isso não bastasse, foi necessário, para desmembrar as coxas do infeliz, cortar-lhe os nervos e
retalhar as juntas...

Afirma-se que, embora ele sempre tivesse sido um grande praguejador, nenhuma blasfêmia lhe
escapou dos lábios; apenas as dores excessivas faziam-no dar gritos horríveis, e muitas vezes
repetia: “Meu Deus, tende piedade de mim; Jesus, socorrei-me”.

Para Damiens, era tarde demais!

Seus rogos a Deus não encontraram eco que pudessem livrar-lhe daquele martírio. Por mais que
gritasse, em meio às suas horríveis dores, nada poderia ser feito, mesmo que ele pedisse para
Jesus. Seu tempo havia passado. Lamentavelmente estava perdido para sempre!

Sua vida e horrível morte serviram, emblematicamente, no entanto, para demonstrar o quanto o
homem precisa de Deus. O quanto o sociedade, como um todo, precisa ser invadida e envolvida
com as Boas-Novas. E, o quanto há para ser feito pela Igreja, como Agência de Salvação.

Quem foi Damiens? Quem eram seus pais? Quais as oportunidades que teve para se educar,
trabalhar e constituir família? Quais foram as oportunidades que teve para saber de uma vida
melhor com Deus e seu Reino? Como chegou a permitir que o reino das trevas pudesse fazê-lo
tão violento que chegasse a tirar a vida do próprio pai? Não o sabemos.

Hoje os tempos são outros.

Nada de tortura, esquartejamento, exposição em praça pública para vexame, opróbrio e


vergonha. Nada de forca, de guilhotina, ou de fogueira. Mas, de alguma forma, o tempo
presente guarda, com o antigo, alguma semelhança. A de que muitos prisioneiros, criminosos ou
elementos de baixa periculosidade são pessoas desconhecidas, limitadas econômica e
culturalmente e, o que é pior, seriamente comprometidas com as forças do mal, determinando já
o futuro de suas almas imortais. Nunca tiveram um sério encontro com Jesus, nem foram
evangelizadas de forma eficiente, eficaz e prática para terem uma oportunidade para sua pessoal
decisão por Cristo.

Os presídios são lugares pouco frequentados pelo movimento evangelístico das igrejas.

A filosofia missionária de muitas comunidades, em seu plano anual, não contempla esse tipo de
trabalho e, de alguma maneira nem se interessa em alcançar esse tipo de pecador. É custoso,
perigoso e de pouca expectativa de bons resultados.
Muitos crentes até se horrorizam quando são instados a esse ministério. Outros, quando
convidados, peremptoriamente rejeitam e se esquivam, por não quererem se comprometer. Não
os condenamos por isso. Nem os censuramos. É uma questão de ministérios e dons espirituais.

De um chamado específico do Senhor da Igreja.

A prisão é, sem dúvida, um lugar sinistro onde tudo ali nos agride e incomoda, desde a nossa
sensibilidade visual até mesmo nossos mais profundos sentimentos, por sabermos que ali as
pessoas estão contra a sua vontade, de uma maneira opressiva e limitadora, por motivos, que
quem sabe, hoje detestariam lembrar-se disso.

Mas, por outro lado, pode ser uma grande oportunidade que Deus está nos dando em concentrar
um grande número de pessoas carentes e sem Jesus para ser abençoado com o Evangelho do
Senhor. Coisa que, em outras circunstâncias seria impossível. Isso se constitui num grande
paradoxo: eles são presos por um tempo, para depois se verem livres para sempre, e agora de
corpo e alma.

É a maior oportunidade que a Igreja já recebeu. Um campo absolutamente à disposição e pronto


para ser ceifado.

I – POR QUE UMA CAPELANIA CRISTÃ PRISIONAL?

1. Porque é uma recomendação bíblica

Lembrai-vos dos encarcerados, como se presos com eles – Hebreus 13:3.

O Senhor liberta os encarcerados – Salmo 146:7c.

Porque não somente compadecestes dos encarcerados – Hebreus 10:34.

Estava nu, e me vestistes; enfermo, e me visitastes; preso, e fostes ver-me – Mateus 25:36.

A tônica de todos estes textos é a pessoa do encarcerado, sem dúvida alguma. E, pelo fato,
obviamente de estar preso. Certo! Mas podemos ir um pouco mais além, na compreensão destes
versículos. É que podemos aprender que eles apresentam razões cristãs para que isso seja feito.

Quando estamos engajados na obra do Senhor de maneira séria e sem reservas, nenhum assunto
haverá de ser esquecido de ser tratado, colocado de lado ou negligenciado. Nem mesmo aqueles
que nos trazem um certo temor. Como é o caso dos encarcerados.

No texto de Hebreus 13:3, podemos ser remetidos aquela belíssima síntese que o Senhor Jesus
faz da Lei, ao reduzi-la a tão somente dois mandamentos: Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o
teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento... Amarás o teu próximo como a ti
mesmo – Mateus 22:37-39.4

Se eu amo o meu próximo como a mim mesmo, então, tudo aquilo que ele sofre deve ser parte
também do meu sofrimento. Se há alegria, eu me regozijo com ele; se há tristeza e pesar, então,
eu sofro com ele. Faço da sua vida uma preferência nas minhas atitudes. E empaticamente
participo da sua existência.

Ninguém mais precisa de atenção, afeto e socorro do que aquele que está preso. Sua vida foi
modificada, transtornada, submetida a uma investigação de estranhos. E o que é pior: convive
também com estranhos, em quem não pode confiar, obviamente.

Somente o amor de Deus derramado, em profusão, em nossos corações pode mudar a rota de
nossas atenções quanto às nossas prioridades evangelísticas e missiológicas. Como disse
alguém: Pessoas precisam de Deus, mas pessoas também, precisam de pessoas. É
imprescindível a presença da Igreja nas prisões com ardor missionário, com amor fraternal e
com poder no Espírito Santo para realizar a obra. Neste caso não é uma questão de escolha, nem
de preferência, mas, sem dúvida alguma de urgência. Sabe Deus quantas pessoas estão sendo
vitimadas pelo nosso inimigo em todas as prisões do Brasil. Mas pensemos naquelas que estão
em nosso território. Próximas de nós e ao nosso alcance e ao alcance da Igreja.

No Salmo 146:7c, podemos, entender, além, da atuação miraculosa do Senhor, como o fez com
Pedro, quando preso (Atos 12), também o Senhor usa os seus para fazer a obra nos presídios.
Ao dizer que o Senhor liberta, também está se referindo ao uso dos seus servos para este
serviço. Não é por acaso que muitos são os irmãos que sentem chamados pelo Espírito Santo
para este ministério. E se sentem aprovados pelo Senhor em seu trabalho.

Hebreus 10:34, nos recorda o sentimento que deve nortear nossas ações nesse ministério:
compadecimento. Mateus usa também esse vocábulo para descrever o sentimento que tem o
Senhor Jesus quando percebe uma multidão desorientada: Vendo ele as multidões, compadeceu-
se delas, porque estavam aflitas e exaustas como ovelhas que não têm pastor – Mateus 9:36.

A explicação que se dá para essa palavra é que “quem se compadece do outro” sente-se no
coração uma dor como se fosse atravessado por uma flecha. Uma dor inconsolável. Precisamos
ligar os olhos ao coração, o coração às pernas e às mãos. Muito são as coisas que olhamos, mas
poucas nos trazem tanto sofrimento a ponto de nos incomodarmos com elas. Isso não é nada
bom para o Reino do Senhor.

Mateus 25:36, nos leva a pensar que fazendo às pessoas, é como se fizéssemos ao próprio
Senhor. Alguns querem ver neste texto a prisão dos santos do Senhor, e por isso o cuidado com
eles. É possível que sim, mas não creio que seja só isso.

O amor de Jesus, em seu ministério, estendia-se a todos aqueles que dele se aproximavam e que
muito careciam de sua ação libertadora. E a Palavra nos ensina também, que Deus manda chuva
para bons e maus. Logo, se uma pessoa sofre atrás das grades, esse assunto deve mover a
misericórdia com que a igreja deve ver o mundo e transformar esse sentimento e ações
concretas, salvadoras e remidoras.

2. Porque os santos e eleitos podem estar encarcerados

E o senhor de José o tomou e o lançou no cárcere, no lugar onde os presos do rei estavam
encarcerados; ali ficou ele na prisão – Gênesis 39:29.

Veio a palavra do Senhor a Jeremias, segunda vez, estando ele ainda encarcerado no pátio da
guarda... – Jeremias 33:1.

Porque Herodes, havendo prendido e atado a João, o metera no cárcere... – Mateus 14:3.

Não te envergonhes, portanto, do testemunho de nosso Senhor, nem do seu encarcerado, que
sou eu... – 2 Timóteo 1:8.

Este é um assunto bastante melindroso para muitos cristãos. Alguns chegando até a duvidar do
caráter e mesmo da conversão de quem vai preso, sendo ele ou não um cristão professo. No
entanto, precisamos ter muito cuidado na análise deste assunto. E devemos, fazê-lo, sem
paixões, sem partidarismos ou sectarismo de ortodoxia. É preciso deixar a Bíblia falar sobre
isso.

Antes, porém, é bom saber que ser preso não significa necessariamente estar errado, contra a lei
ou se tornar um criminoso ou um bandido. As pessoas são presas pelos mais variados motivos.

Há aqueles que são presos por motivos políticos. O governo desconfia que ele seja uma ameaça
para o sistema e assim põe essa pessoa na cadeia para que “refresque sua cabeça”.
Muitas são as pessoas que morrem vítimas de torturas, só porque ousam discordar do sistema
vigente. O ganhador do Prêmio Nobel da Paz de 2010 é um professor chinês que está preso,
com uma pena de 14 anos, só porque prega a democracia no seu país. Graciliano Ramos,
escritor brasileiro foi preso por um tempo porque teve problemas com o governo. Deste
episódio escreveu o romance Memórias do Cárcere, contando seu sofrimento e tortura.

Há aqueles que são presos por causa das más companhias. Ele mesmo não chega a ser um
marginal, mas tem o péssimo hábito de alimentar amizades e companheirismo com marginais.
Se esquece de totalmente da recomendação do salmo 1. Quando a polícia encontra uma situação
assim, o mais comum é enquadrar todo mundo. Esse tipo de atitude é perigoso e geralmente
acaba em tragédia para o descuidado.

Uma pessoa convertida, com problemas de comunhão e até mesmo de temporário afastamento
das celebrações pode ser induzida pelas forças do mal, porque Satanás a faz a acreditar, pelo
menos, em duas mentiras que farão grandes estragos em sua existência.

A primeira é quando ele “oculta as reais consequências do pecado”. Tomei conhecimento, em


meu trabalho como capelão no Centro de Detenção Provisória, da Penitenciária de Sorocaba no
Bairro da Aparecidinha, de um jovem que atraído pelo desejo de comprar uma arma, conseguiu
uma com seu amigo, porém, não estava registrada e ainda era produto de furto. Ele foi
convencido de que tudo sairia muito bem. Não esperava que um dia a polícia estivesse à sua
porta. Parecia-me uma pessoa séria e assentada. Confessou a mim a sua falta de sabedoria.
Nunca duvidei que fosse um bom jovem, porém, caiu na armadilha do inimigo.

Outra situação é quando “o inimigo faz o pecado parecer uma coisa normal da vida”. Nossa
sociedade não respeita nada. Está mergulhada no cinismo e na lei do mais forte. Tudo o que
pode gerar ganho é permitido. Não é difícil, mesmo para o crente, começar a deslizar em sua
atitude quando absorve vagarosamente o padrão do mundo para as suas ações. Aí, então, é um
passo.

Mas também podemos pensar que pessoas são presas por causa da sua fé. A Bíblia está cheia de
textos onde vemos os santos sofrendo pressão por parte das forças do mal, levando muitas delas
até a prisão.

No entanto, sabemos que hoje é difícil que uma pessoa venha a ser presa porque testifica do
Senhor Jesus. Porém, pode vir o tempo, se algumas leis forem aprovadas que determinarão ao
crente respeitar certas situações que a Palavra de Deus reprova.

Acredito sim, que de alguma forma, é possível ao crente se encontrar atrás das grades. Seja
como for, e se isso ocorrer é preciso que a Igreja esteja lá para dar apoio aqueles que precisam.
Faz parte do seu ministério.

3. Porque no cárcere também ocorre a salvação

Então, o carcereiro, tendo pedido uma luz, entrou precipitadamente e, trêmulo, prostrou-se
diante de Paulo e Silas. Depois, trazendo-os para fora, disse: Senhores, que devo fazer para que
seja salvo? Responderam-lhe: Crê no Senhor Jesus e serás salvo, tu e tua casa. E lhe pregaram a
palavra de Deus e a todos de sua casa –

Atos 16:29-32.

Prefiro, todavia, solicitar em nome do amor, sendo o que sou Paulo, o velho e, agora, até
prisioneiro de Cristo Jesus; sim, solicito-te em favor de meu filho Onésimo, que gerei entre
algemas – Filemom 9-10.

Não é preciso fazer uma exaustiva pesquisa para logo perceber que o assunto salvação no
cárcere é recorrente em toda a Bíblia. Isto porque, a mensagem do Senhor Jesus, que é de
salvação, libertação e graça não conhece barreiras e nem empecilhos. O Senhor faz o que quer,
como quer e onde quer. E neste caso específico usa seus servos para atingir quem quer salvar.

Tomamos dois textos somente para a amostragem.

O primeiro, Atos 16:29-32, nos reporta ao incidente ocorrido com Paulo e Silas e o carcereiro
de Filipos e sua família. Este texto é uma mostra de como Deus age em qualquer lugar segundo
a sua muita misericórdia. Precisamos estar preparados para todo e qualquer momento, pois não
sabemos quando isso ocorrerá. O cenário é que Por volta da meia-noite, Paulo e Silas oravam e
cantavam louvores a Deus, e os demais companheiros de prisão escutavam – Atos 16:25.

O Senhor visitou aquele lugar de sofrimento, de dor, de pesar, e de remoer de consciência. O


Senhor queria operar salvação ali. E, então, usou da prisão de Paulo e Silas, seus servos, para
chegar até o carcereiro e sua família. O Senhor poderia fazer de outra forma, usar de outro
artifício, mas usou este. Ele é soberano e faz o quer como quer e quando quer. Naquele lugar
seus servos foram dóceis em suas mãos, por isso houve salvação. Paulo e Silas usaram a cadeia
e seu sofrimento, como lugar e motivo para louvar e adorar e celebrar o Senhorio de Jesus.

O outro texto é não menos conhecido, nesse assunto, livro ou Epístola de Paulo a Filemom.

Alguém já a definiu como “O Bilhete de Amor” com total razão e justiça. Eu, porém, a
chamaria de “A Flor do Presídio”.

Em meio a tanta desgraça, sofrimento, pecado e horror do reino das trevas, num lamaçal
tremendo de pecados, Deus realiza o milagre da fé Ed assim nasce a mais pura fragrância da
graça, cuja beleza e raro perfume nos evoca a atmosfera do céu, onde os santos habitarão para
sempre com o Senhor.

Uma libertação plena de corpo e alma. Como diria Paulo, na própria Carta, pois acredito que ele
veio a ser afastado de ti temporariamente, a fim de que o recebas para sempre – v. 15. Lembrar
que por misericórdia do Senhor “onde abundou o pecado, superabundou a graça”.

4. Porque faz parte da Ação Social Misericordiosa da Igreja

E percorria Jesus todas as cidades e povoados, ensinando nas sinagogas, pregando o evangelho
do reino e curando toda sorte de doenças e enfermidades. Vendo ele as multidões, compadeceu-
se delas, porque estavam aflitas e exaustas como ovelhas que não têm pastor. E, então, se dirigiu
a seus discípulos: A seara, na verdade, é grande, mas os trabalhadores são poucos. Rogai, pois,
ao senhor da seara que mande trabalhadores para a sua ceara – Mateus 9:35-38.

O Ministério do Senhor Jesus que por fundamento, prática e verdade é o grande protótipo de
qualquer ministério cristão que queira embrenhar-se na aventurosa senda da pregação da
Palavra, tem algumas características que lhe são únicos e peculiares.

Em primeiro lugar havia em Jesus um desejo intenso de estar onde as pessoas necessitadas
estavam. Mateus nos diz que “percorria Jesus todas as cidades e povoados”. Isto é um dado de
muita importância que nos leva a crer que Jesus não media esforços para ir até aquele que
desejava curar, salvar e abençoar. Assim, não podemos esperar que o egresso prisional, depois
que cumprir sua pena, procure por vontade própria, uma igreja. Isto pode acontecer e seria
muito bom. Porém é melhor ainda se formos até eles quando estão lá, à nossa disposição, para
ouvir o que quisermos dizer.

Em segundo lugar Jesus “ensinava nas sinagogas”. Jesus ensinava religião numa escola de
religião para religiosos. E ninguém acha isso estranho. Porque é comum fazer isso. Assim,
como o fazemos em nossa Escola Dominical, em estudos de meio de semana e em outras
atividades comunitárias devocionais. Se isso é bom para aqueles que já “sabem”, quanto mais
não seria excelente para aqueles que estão em prejuízo tanto quanto para com as coisas do Reino
de Deus, quanto para as leis dos homens? Mas curiosamente isto olhamos com certa
desconfiança. E raramente encontramos alguém que queira fazê-lo. É preciso entender que se os
da igreja precisam, os da prisão, talvez muito mais.

Em terceiro lugar Jesus andava “pregando o evangelho do reino”. Quando ensinamos alguém
sobre alguma coisa, esclarecemos mais ainda algo que já é conhecido. Quando pregamos
fazemos conhecer algo desconhecido. Por isso Jesus ensinava e pregava. Porque são coisas
diferentes com diferentes objetivos. Quanto aquelas pessoas do presídio conhecem de Jesus, de
verdade? O quanto lhes foi ensinado de maneira verdadeira, correta e abençoada? Não sei! O
fato é que é preciso fazer isso e com urgência!

Em quarto lugar Jesus vivia “curando toda sorte de doenças e enfermidades”. Lucas vai lembrar,
em Atos dos Apóstolos, de como Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e com
poder, o qual andou por toda parte, fazendo o bem e curando a todos os oprimidos do diabo,
porque Deus era com ele – 10:38.

Jesus não somente pregava e ensinava a lei do reino de Deus, mas também investia na vida
física dos seus ouvintes. Cuidava deles como um bom médico, como um pai amoroso, como um
irmão preocupado com suas vidas na totalidade. Não fazia do seu ministério somente um
exercício mental e abstrato com uma série de teorias bonitas, mas pouco práticas. Jesus
encarnava o sofrimento do seu ouvinte, irmão e próximo.

Como poderemos curar as pessoas que estão na prisão? Se as amarmos de verdade


encontraremos um caminho. E Jesus nos assistirá em nossa impotência. Revestindo-nos de
poder e graça.

Em quinto lugar Jesus olhava para elas e procurava vê-las, percebê-las sem temor, preconceito
ou indiferença: “Vendo ele as multidões”, diz o texto de Mateus.

Uma maneira da igreja não ver os presos é viver como se eles não existissem. Riscá-los de seus
projetos. Descartá-los de suas preocupações missionárias. Esquecê-los de seus movimentos
sociais. Ou, por outra, viver como se não fosse da sua alçada. Ou ainda, uma situação que não
lhe diz respeito. É mesmo verdade um ditado popular em nossa terra: “o que os olhos não vêem
o coração não sente”. Porém, pior do que isso é a recusa de aceitar uma realidade que brota aos
olhos.

Em sexto lugar Jesus “compadeceu-se delas” porque havia um terrível mal que as oprimia
fazendo-as “aflitas e exaustas como ovelhas que não têm pastor”.

Há um dado extremamente importante neste texto que passa sempre despercebido quando
procuramos lê-lo. Jesus não era indiferente ao que via. Jesus não se isentava de preocupação
daquilo que percebia. Jesus não se esquivava daquilo que era imediato na busca de solução.
Jesus não transferia para outros a responsabilidade daquilo que tomava conhecimento. Seu
ensino persistia no “amar ao próximo como a ti mesmo”. E isto era inalienável de sua conduta.
Ao olhar para aquelas humildes e desgraçadas pessoas, á margem da religião, do Estado e da
sociedade seu rosto se comprimia com uma dor lancinante e permanente. Todo o seu der se
comovia, não se fazendo indiferente. Assim, Jesus percebia claramente os medos, os temores e
as aflições daquela gente.

Na busca incessante para alcançar os presos aprendemos de Jesus algumas características das
quais devemos nos revestir, para que alcancemos sucesso em nossa empreitada:

1. Transparência de sentimentos – as pessoas já estão enojadas com tanta falsidade,


com tanta dissimilação e simulação. É preciso ser mais autêntico e verdadeiro.
Precisamos resgatar na sua plenitude a palavra SINCERIDADE.
2. Visibilidade nas intenções – Não mascarar os desejos, nem agir com falsidade.
Tudo fazer de forma limpa, autêntica, sem segundas intenções. 3. Correção nas
atitudes – segundo os ensinos da Palavra de Deus. Fazer com a mais clara
consciência de que Deus tudo vê, Deus tudo ouve, Deus está em todo lugar. Ter um
só procedimento e todo e qualquer lugar. 4. Credibilidade nas promessas – palavra
ponderada, pesada, calculada. E quando dada cumprida à risca. Por isso é melhor
não prometer, do que prometendo não cumprir.

Em sétimo lugar Jesus dimensiona o projeto e redimensiona a atitude ao tocar nos pontos
fundamentais da obra a ser feita.

1. Jesus se dirige àqueles que já estão na obra. Não lhes deixa ignorantes da realidade.
Jesus conta com eles como eles são. Afinal são eles que estão seguindo a Jesus.
2. Jesus mostra que o trabalho a ser feito não é coisa simples e nem para alguns dias,
ou, mais ainda, não tem a dimensão de algo efêmero e sem importância. 3. Jesus
também não lhes esconde a contingência do efetivo para a execução da obra. Diz
que não há elementos suficientes. É o início da demonstração da fragilidade dos
seus seguidores em referência àquilo que se propusera a fazer. Não tem esta atitude
de Jesus o intuito de desanimar seus seguidores, pelo contrário, ele só quer que eles
saibam em que estão investindo suas vidas e que percebam o quanto precisam ser
pacientes e constantes naquilo que irão fazer.

Por último Jesus faz uma surpreendente declaração imperativa que retira de vez o comando da
obra das mãos dos discípulos: “Rogai, pois, ao senhor da seara que mande trabalhadores para a
sua seara”. v. 38. Era de se esperar que Jesus dissesse para os seus seguidores saírem à busca de
pessoas que quisessem fazer a sua obra. Mas, não, pelo contrário. Há aqui algumas lições que
precisamos aprender para sermos eficientes na obra do Senhor.

1. A obra é do senhor da obra. Nada mais óbvio. Mas nem tanto assim. Só o Senhor
tem autoridade na obra. Dele emana todo poder, direito e autoridade. Às vezes nos
esquecemos disso, e começamos a fazer como se fôssemos os donos da obra.
2. O Senhor da obra contrata quem ele quer, e não quem nós queremos. Ficamos à
mercê de aceitar aqueles que o senhor da obra manda. 3. Rogar é uma atitude de
humildade, declaração firme de incompetência e necessidade. Jesus quer ensinar
aqui nossa total dependência de Deus. Aquele que o senhor manda para a sua obra é
da sua responsabilidade o sustento, o treinamento e a aprovação. Sendo que o
resultado de tudo deve ser para o regozijo do senhor da obra. 4. Há aqui também
embutido um ensinamento que para Jesus era de suma importância: a necessidade
de uma inteira comunhão e aproximação do senhor da obra. Quando conhecemos
melhor para quem trabalhamos fica mais fácil saber os seus gostos, preferência,
desejos e jeitos de ser e fazer as coisas. A comunhão com o dono da obra é
imprescindível para acertar no trabalho a ser feito.

Esta não é uma obra de um trabalhador só. Mas, sim, de toda a comunidade. Há muito que fazer
em termos de presídio e muito mais com suas famílias.

Postura ética pessoal

Nossa postura junto ao ambiente prisional, seus funcionários e os internos deve ser o de maior
respeito possível, sempre respeitando as normas e diretrizes das regras estabelecidas e exigidas.

Com respeito aos internos, procura-se ser discretos na abordagem dos assuntos ventilados em
nossas palestras. Nunca perguntando sobre os motivos que os levaram a estar ali. Procuramos
ficar absolutamente de fora daquilo que tange aos regulamentos internos.
Apresentação pessoal e anotação dos nomes

É importante mencionar que todas as vezes que estivermos ali para o trabalho, inicialmente,
tomamos os nomes dos novos internos, para oração por eles e suas famílias, e depois nos
apresentamos, buscando criar um ambiente de confiança e familiaridade.

Palestra sobre valores universais

O ser humano só se humaniza plenamente quando sustenta os valores essenciais, inegociáveis e


universais. Fora disso embrutece e torna-se um perigo para quem estiver à sua volta, e, também,
por consequência, para si mesmo.

Chamo de valores universais aqueles elementos constitutivos de nossa comunidade familiar e


fraterna que nos fazem queridos, amados e respeitados, sendo que ao sustentá-los
desenvolvemos melhor nossa auto- estima, além de promover a segurança de todos e a harmonia
entre todos.

Dos sentimentos, refiro-me sempre ao Amor, como fundamento verdadeiro e essencial de toda
relação humana; à Confiança atributo pelo qual somos respeitados e visto como pessoas de bem
e construtores da paz; e Liderança que é aquela distinção que nos faz dignos de sermos seguidos
voluntariamente.

Dos elementos visíveis, considero um valor inestimável, e em primeiríssimo lugar a Família,


reduto seguro onde descansamos nossas fraquezas e aconchegamos nossos sonhos. Não dá pra
ser durão toda hora. Em algum momento queremos depor nossas armas e simplesmente
descansar. No fundo somos só umas crianças assustadas buscando refúgio em algum lugar. O
segundo valor é o Trabalho. Fonte de nosso sustento. Como queria Rui Barbosa, quando
trabalhamos construímos o mundo com Deus. Com o trabalho nos tornamos úteis, e assim nos
sentimos também. Mesmo que o ganho seja pouco e o cansaço muito. E por último os Amigos.
Verdadeiros amigos. Como queriam os romanos, amizade é uma dádiva dos deuses. Um homem
sem família, trabalho e amigos é um homem sem história. Ele não viveu só passou por aqui.

Leitura bíblica e exposição

Como cristão reafirmamos a nossa crença na Bíblia que é a Palavra de Deus, nossa regra de fé e
prática, de onde tiramos todos os ensinamentos para nossa vida agora; onde, também, ficamos
sabendo como será nossa existência depois da morte. Baseamos nossa crença, além de outros
textos bíblicos, em Isaías 55:11, quando diz assim será a palavra que sair da minha boca: não
voltará para mim vazia, mas fará o que me apraz e prosperará naquilo para que a designei.

Reflexão sobre um texto de nossa autoria

Quando uma data importante requer uma reflexão à parte, como o Dia das Mães, Natal, etc.
escreva um texto alusivo e com eles, leia e procure refletir sobre a importância desse assunto.
Deixa a cópia com eles, para que depois, se quiserem, poderão ainda pensar melhor no assunto.
É mais uma maneira de como podemos trabalhar assuntos importantes e necessários.

Geralmente eles participam da discussão dando suas opiniões.

Oração por todos os internos

Quando chegar ao fim das atividades, busca-se a presença de Deus, mais uma vez em oração
para que ele abençoe a todos os internos.

Orar também por seus familiares. Igualmente para orar pelos funcionários, pois sabemos que o
sucesso desse trabalho depende em muito de como os funcionários atuam em seu desempenho.
Oração individual

Orar para que Deus envie seu Anjo antecipadamente, preparando o ambiente, para que quando
chegarem, a obra seja facilitada por seu poder e graça.

Orientação pessoal

Confinados como eles estão muitos são os conflitos pessoais, os sentimentos confusos, adversos
e ciclotímicos. Portanto, quando expor a Palavra e o Senhor direcionar a reflexão, alguns são
encorajados a conversar sobre o que estavam sentindo: seja durante a semana, seja durante a
exposição da Palavra, seja durante a oração final. Geralmente, estão ansiosos para sair dali.
Pedem que eu ore para que quando sua audiência chegar eles sejam soltos.

Literatura distribuída

Por acreditar na força da palavra escrita, ter por costume, mensalmente entregar aos internos,
um exemplar de Devocionais.

Comemorações

Considerando o valor das celebrações dos símbolos religiosos, é por bem comemorar, com eles,
a Páscoa e o Natal.

Resultados possíveis

É difícil falar sobre resultados. Por várias razões, aliás. Mas, daquilo que tem-se percebido com
demonstrações voluntárias, poder citar alguns fatos, que atestam que o trabalho espiritual está
obtendo êxito, pela misericórdia divina e sua atuação miraculosa:

a) o fato de que alguns internos visitaram depois a Igreja;


b) pessoas se descobrem o dom missionário;
c) muitos, em lágrimas, solicitam oração por eles e família em geral;
d) disposição de mudança de ideia e comportamento;
e) um desejo ardente de valorizar a família;
f) o reatamento com a esposa e uma aproximação maior com a família.

A família e o interno

Presa com o interno está a sua família. Se não pelo espaço, porém pelo coração e a mente. O
sofrimento é de ambos.

Mas podemos considerar que de alguma maneira, dependendo das circunstâncias, é a família
que sofre mais. Sofre a ausência. Sofre a vergonha moral. Sofre pelo coração e a mente a
amargura e a tortura de ter alguém nessas condições vexatórias.

Um trabalho de aproximação do Capelão do seu filho com a família, trará, de certa forma, um
alívio, por saberá a família que alguém está “cuidando” dele. É uma maneira de amenizar a dor
dos pais, mães, avós, filhos, esposas, etc.

Acompanhamento do egresso

Toda pessoa que sai do presídio busca reorganizar sua vida em termos de possibilidades sociais,
econômicas, psicológicas e espirituais. Nesse momento é da maior importância ter um suporte
adequado para vencer os primeiros momentos dessa “nova” vida.

É evidente que a família é a maior alavanca para essa ascensão. Mas podem existir outras que
em muito poderão ajudar.
O trabalho pastoral de Capelania poderá ser um elemento importante, já que existe um elo entre
ambos, resultado do trabalho anterior no presídio.

O egresso e a família

Buscando reatar sua vida social anteriormente deixada por causa do claustro, o egresso precisa
tomar consciência de que alguma coisa mudou em tudo o que ele deixou no passado. A
realidade não é a mesma.

Agora precisa ter paciência para reconquistar o que se perdeu com a sua ausência. É
fundamental um apoio nesse momento.

Temas para estudos

Algumas sugestões de temas para estudos com os internos na hora do encontro semanal.
Poderão ser adaptados, desenvolvidos ou mesmo suprimidos. Outros poderão ser penados. São
só sugestões:

a. Prisão e a reinvenção do cotidiano;


b. Aprendendo a viver num mínimo de espaço;
c. Prisão uma oportunidade para Deus?
d. A lei a serviço de Deus;
e. A graça vaza pelas grades;
f. Interrompendo o cativeiro;
g. Esperança: a moeda do futuro;
h. Não era para ser assim;
i. Liberdade: seu nome é Jesus;
j. A igreja bagunça o inferno;
k. Da escravidão à prisão; da prisão à liberdade;
l. O quê saiu errado?
m. Filemom: a flor do presídio;
n. Presídio e cidadania;
o. Presídio e educação;
p. Presídio e sociedade;
q. Presídio e temperamento;
r. Presídio e valores;
s. Quem sou eu?
t. A visão do homem enquanto homem;
u. A reinvenção do cotidiano a partir da fé;
v. O interno e seus conflitos – visões de mundo;
w. O egresso e seus conflitos – visões de mundo;
x. Fui esquecido por Deus?
y. O quê esperar do mundo lá fora?

Expandindo a obra

Podemos considerar o Capelania Prisional como um pequeno reduto privilegiado onde o


trabalho de capelania está sendo feito. Porém, olhando todo o complexo prisional, percebe-se
quão grande obra está para ser realizada ainda. Não é um trabalho para um só homem, ou
mesmo para uma só igreja.

Quanto àqueles que precisam ser alcançados, vem à mente um texto de Atos, onde Lucas relata
o seguinte: Teve Paulo durante a noite uma visão em que o Senhor lhe disse: Não temas; pelo
contrário, fala e não te cales; porquanto eu estou contigo, e ninguém ousará fazer-te mal, pois
tenho muito povo nesta cidade – 18:10.
Além dos internos, há seus familiares, mas há também os funcionários, os advogados, etc.
Muito povo mesmo!

UMA CONCLUSÃO PROVISÓRIA

Hudson Taylor, o pai das missões no interior da China, ao descrever a natureza missionária do
propósito de Deus ao mundo, assim se expressou: A obra de Deus, feita do jeito de Deus, com
os recursos de Deus. Nada mais apropriado. O que está no coração de Deus será feito com os
homens, apesar dos homens, ou contra os homens. Assim é toda obra que tem a aprovação do
Senhor.

Este projeto está sendo submetido ao Senhor. Se ele quiser a obra será feita, mas se não, nada
nos conduzirá ao êxito. Então, nossa esperança é a de que tudo seja feito para sua glória.

Esperemos para ver o que acontecerá.

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