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Filosofia
J u i .i á n M arías
Prólogo clr
X a v i e r Z iiiu k i
Epílogo dc
J o s é O r t e g a y C ía s s i i
Tradução
C l a u d i a Bi r i in i: k
Revisão técnica
F r a n k l i n L e o p o i . i x ) i Sm v a
Martins Fontes
Sdo Paulo 2004
Esta obra fo i publicada originalmente em espanhol com o título
HISTORIA DE LA FILOSOFIA por Alianza Editorial. Madri.
Copyright © Juiiún Martas. 1941.
Copyright © 2004, Livraria Martins Fontes Editora Lida..
São Paulo, para a presente edição.
A presente edição foi traduzida com a ajuda da Dirccción General dei Libro.
Archivos y Bibliotecas do Ministério de Educadón. Cultura y Deporte, da Espanha.
1* edição
junho de 2004
T radução
CLAUDIA BERL1NER
Revisão técnica
Franklin Leopoldo e Silva
A com panh am ento e ditorial
Luzia Aparecida dos Santos
Revisões gráficas
Renato da Rocha Carlos
Sandra Garcia Cortes
Dinartc Zorzanelli da Silva
Produção gráfica
Geraldo Alves
Paginação/Fotolitos
Studio 3 Desenvolvimento Editorial
04-3080______________________________________________________CDD-109
XVII
H is t ó r ia d a f i l o s o f i a
M(is indo isso são apenas as raízes remotas de seu livro. Resta o livro
n u si; multidão de idéias, a exposição de quase todos os pensadores e tam-
Ih7ii dc algumas épocas são obra pessoal sua. Ao publicá-lo, estou certo de
t/nr pòc em mãos dos recém-ingressados numa Faculdade de Filosofia um
msti umcnto dc trabalho de considerável precisão, que lhes poupará pesqui
sas difíceis, lhes evitará passos perdidos no vazio e, sobretudo, fará com
tjue se ponham a andar pelo caminho da filosofia. Coisa que para muitos
parecerá ociosa, sobretudo quando, ainda por cima, se dirige o olhar para
0 passado: uma história..., agora que o presente urge, e uma história da fi
losofia..., de uma suposta ciência, cujo resultado mais evidente é a discor
dância radical no tocante a seu próprio objeto!
* * *
XVIII
Pr ó l o g o a p r im k ir a i í d i ç Ao
XIX
H is t ó r ia d a f i l o s o f i a
XX
Prólogo A p r i m e ir a e d i c a o
XXI
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
iln o (iiminho seguro de uma ciência, constituindo-se antes num simples ta-
lr<n " !■diferentemente do que acontece precisamente na lógica, na mate-
nniin a, na física etc., a metafísica “não teve até agora um destino tãofavo-
ittvcl que lhe permitisse encetar o caminho seguro da ciência, apesar de ser
mais antiga que todas as demais”.
Faz um quarto de século que Husserl publicou um vibrante estudo na
revista Logos, intitulado “A filosofia como ciência estrita e rigorosa”. Nele,
depois de mostrar que seria um contra-senso discutir, por exemplo, um
problema de física ou de matemática fazendo entrar em jogo os pontos de
vista de seu autor, suas opiniões, suas preferências ou seu entendimento do
mundo e da vida, defende vigorosamente a necessidade de também fazer
da filosojia uma ciência de evidências apodícticas e absoluta. Em última
instância, nada mais faz senão referir-se à obra de Descartes.
Descartes, com grande cautela, mas no fundo afirmando o mesmo,
começa seus Princípios de filosofia com as seguintes palavras: “Como nas
cemos em estado de injãncia e emitimos muitos juízos a respeito das coisas
sensíveis antes de possuir o uso integro de nossa razão, somos desviados,
por muitos preconceitos, do conhecimento da verdade e acreditamos não
ser possível livrar-se deles a não ser tentando pôr em dúvida, pelo menos
uma vez na vida, tudo aquilo em que encontremos o menor indício de in
certeza.”
Desta exposição da questão deduzem-se algumas observações im
portantes.
I a Descartes, Kant, Husserl comparam a filosofia e as demais ciências
do ponto de vista do tipo de conhecimento que proporcionam: possui ou
não possui a filosofia um tipo de evidência apodíctica comparável ao da
matemática ou ao da física teórica?
2a Essa comparação incide depois sobre o método que conduz a tais
evidências: possui ou não a filosofia um método que conduza com seguran
ça, por necessidade interna e não só por acaso, a evidências análogas às
que obtêm as demais ciências?
3a Isso conduz finalmente a um critério: na medida em que afiloso-
/iti não possuí esse tipo de conhecimento e esse método seguro das demais
i inicias, seu defeito se transforma numa objeção ao caráter científico da f i
losofia.
XXII
Prólogo A p r im e ir a e d i ç à o
XXIII
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
XXIV
Prólogo à p r im e ir a e d i ç à o
numa nova dimensão que torne, não transparente, mas visível essa outra
dimensão sua. O ato com que o objeto da filosofia se torna patente não é
uma apreensao, nem uma intuição, mas uma reflexão. Uma reflexão que
não descobre, portanto, um novo objeto, seja ele qual for. Não é um ato que
enriqueça nosso conhecimento sobre o que as coisas são. Não se deve espe
rar da filosofia que nos conte, por exemplo, a respeito de forças físicas, or
ganismos ou triângulos, algo que seja inacessível para a matemática, a físi
ca ou a biologia. Enriquece-nos meramente por nos conduzir a outro tipo
de consideração.
Para evitar equívocos, convém observar que a palavra reflexão í em
pregada aqui em seu sentido mais inocente e vulgar; um ato ou uma série
de atos que de uma forma ou outra retornam para o objeto de um ato an
terior através deste. Reflexão não significa aqui simplesmente um ato de
meditação, nem um ato de introspecção, como quando sefala de consciên
cia reflexa por oposição ã consciência direta. A reflexão em questão consis
te numa série de atos por meio dos quais se coloca numa nova perspectiva
todo o mundo de nossa vida, incluindo os objetos e todos os conhecimentos
científicos que tenhamos adquirido sobre eles.
Observe-se em segundo lugar que o fato de a reflexão e o que ela nos
revela serem irredutíveis à atitude natural e ao que ela nos revela não sig
nifica que espontaneamente, m m ou noutro grau, numa ou noutra medi
da, ela não seja tão primitiva e ingênita como a atitude natural.
II. Conclui-se, portanto, que essa diferença radical entre ciência e f i
losofia não se volta contra esta última como uma objeção. Não significa que
a filosofia não seja um saber estrito, mas que é um saber distinto. Se a ciên
cia é um conhecimento que estuda um objeto que está aí, a filosofia, por
tratar de um objeto que por sua própria índole escapa, um objeto que é
evanescente, será um conhecimento que precisa perseguir seu objeto e
retê-lo ante o olhar humano, conquistá-lo. A filosofia consiste apenas na
constituição ativa de seu próprio objeto, na colocação em funcionamento
da reflexão. O grave erro de Hegelfoí no sentido inverso do kantiano. Este,
em última instância, destitui a filosofia de um objeto próprio fazendo com
que ela incida tão-somente sobre nosso modo de conhecimento. Hegel, por
sua vez, substantiva o objeto da filosofia fazendo dele o todo de onde emer
gem dialeticamente e onde se mantêm, também dialeticamente, todos os
demais objetos.
XXV
H is t ó r ia d a f i l o s o f i a
* * *
XXVI
Prólogo A p r i m e ir a e d i ç Ao
X. Z ubiri
Barcelona, 3 de dezembro de 1940.
XXVII
Reflexão sobre um livro próprio
(Prólogo à tradução inglesa)
XXIX
H i s t ó r ia d a f il o s o f ia
XXX
R eflexão s o b r e u m l iv r o p r ó p r i o
* * *
XXXI
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
XXXII
R e f l e x A o SOBRE UM I.IVRO p r ó p r io
“a luxúria da mental obscuridade”. Com isso quero dizer que minhas alu
nas pretendiam entender tudo o que eu lhes ensinava, e que era nada menos
que a totalidade da história da filosofia do Ocidente; pediam-me que aclarasse
tudo, justificasse tudo; mostrasse por que cada filósofo pensava o que pen
sava, e por que aquilo era coerente, e se não o era, por quê. Mas isso signi-
ficava que eu tinha de entendê-lo, se não previamente, pelo menos durante
a aula. Nunca tive de me esforçar tanto, nem com tantos frutos, como ante
aquele auditório de catorze ou dezesseis moças florescentes, risonhas, às ve
zes zombeteiras, de mente tão fresca quanto a pele, aficionadas por discutir,
com afã de ver claro, inexoráveis. Ninguém, nem sequer meus mestres, me
ensinaram tanta filosofia. A rigor, deveria dividir com elas os direitos auto
rais ou royalties de meus livros.
* 'M
XXXIII
H is t ó r ia d a f i l o s o f i a
XXXIV
História da
Filosofia
j
Introdução
3
H is t o r ia d a f i l o s o f i a
reclamam uma instância superior que decida entre elas. 0 homem ne
cessita, para saber com rigor a que se ater, de uma certeza radical e u n i
versal, a partir da qual possa viver e ordenar numa perspectiva hierár
quica as outras certezas parciais.
A religião, a arte e a filosofia dão ao homem uma convicção total
sobre o sentido da realidade como um todo; mas não sem diferenças
essenciais. A religião é uma certeza recebida pelo homem, dada por
Deus gratuitamente: revelada; o homem não alcança por si mesmo essa
certeza, não a conquista nem é obra sua, muito pelo contrário. A arte
significa também uma certa convicção que o homem tem e desde a qual
interpreta a totalidade de sua vida; mas essa crença, de origem certa
mente humana, não se justifica a si mesma, não pode dar razão de si;
não tem evidência própria, e é, em suma, irresponsável. A filosofia, pelo
contrário, é uma certeza radical universal que é, ademais, autônoma;
isto é, a filosofia se justifica a si mesma, mostra e prova constantemente
sua verdade, nutre-se exclusivamente de evidências; o filósofo está sem
pre renovando as razões de sua certeza (Ortega).
A idéia de filosofia • Convém deter a atenção um instante em
alguns pontos culminantes da história para ver como se articularam
as interpretações da filosofia como um saber e como uma forma de
vida. Em Aristóteles, a filosofia é uma ciência rigorosa, a sabedoria ou
saber por excelência: a ciência das coisas enquanto são. Contudo, ao
falar dos modos de vida inclui entre eles, como forma exemplar, uma
vida teorética que é justamente a vida do filósofo. Depois de Aristóte
les, nas escolas estóicas, epicuristas etc., que pululam na Grécia des
de a morte de Alexandre, e logo em todo o Império Romano, a filoso
fia se esvazia de conteúdo científico e vai se transformando cada vez
mais num m odo de vida, o do sábio sereno e imperturbável, que é o
ideal humano da época.
Já no cristianismo, para Santo Agostinho trata-se da contraposi
ção, ainda mais profunda, entre uma viía theoretica e uma vita beata. E
alguns séculos mais tarde, Santo Tomás se moverá entre uma scientia
theologica e um a scientia philosophica; a dualidade passou da esfera da
própria vida para a dos diversos modos de ciência.
Em Descartes, ao começar a época moderna, não se trata mais de
uma ciência ou, pelo menos, simplesmente disso; talvez, de uma ciên
4
In t r o d u ç ã o
5
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
6
In t r o d u çã o
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H is t ó r ia d a f i l o s o f i a
1. Cf. m inha Biografia de la filosofia, I. “A filosofia grega desde sua origem alé Pla
tão" (Emecé, Buenos Aires, 1954). [Obras, vol. 11.1
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
tação histórica; mas certo esquema m ínim o perdura através cle várias
gerações e lhes confere a unidade superior que chamamos época, era,
idade. Quais são as crenças básicas em que está inserido o homem gre
go, que limitam e configuram sua filosofia?
O heleno se encontra num mundo que existe desde sempre e que
como tal nunca constitui problema, já estando pressuposto em toda
questão. Esse m undo é interpretado como natureza, e por isso como
principio, ou seja, como aquilo de onde emerge ou brota toda realida
de concreta: aparece, portanto, como dotado de virtualidade, de capa
cidade produtiva. Mas, ao mesmo tempo, é uma multiplicidade: no
m undo há muitas coisas que são mutáveis e definidas pela contrarie
dade. Cada uma delas tem uma consistência independente, mas elas
não são sempre, variam; e suas propriedades são entendidas como ter
mos de oposições e contrariedades: o frio é o contrário do quente, o
par, do ímpar etc.; essa polaridade é característica da mente antiga. As
propriedades inerentes às coisas permitem sua utilização num a técni
ca que se diferencia radicalmente dos procedimentos mágicos, que
manejam as coisas como poderes.
Esse m undo do homem grego é inteligível. Pode ser compreendi
do; e essa compreensão consiste em ver ou contemplar essa realidade
e dizer o que é: teoria, lógos e ser são os três termos decisivos do pen
samento helénico, e se baseiam nessa atitude primária ante o mundo.
A conseqüência disso é que o m undo aparece como algo ordenado e
submetido a uma lei: esta é a noção do cosmos. A razão se insere nes
sa ordem legal do m undo, que pode ser governado e dirigido; e a for
ma concreta dessa legalidade no hum ano é a convivência política dos
homens na cidade. É preciso contar com esse esquema m ínim o das
crenças antigas para compreender o fato histórico da filosofia grega.
12
I. O S PRÉ-SOCRÁTICOS
1. A escola de Mileto
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I IlS T Ó R lA DA FILO SO FIA
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Os p r é -s o c r At ic o s
passa de branca a verde, é e não é branca; se algo que era deixa de ser,
disso resulta que a mesma coisa é e não é. A multiplicidade e a contra
dição penetram no próprio ser clas coisas; o grego pergunta, então, o
que são as coisas de verdade, isto é, sempre, por trás de suas muitas apa
rências. Busca, para além da multiplicidade de aspectos das coisas, sua
raiz permanente e imutável, que seja superior a essa multiplicidade e
capaz de explicar a razão dela. Daí o interesse fundamental da pergun
ta inicial da filosofia: o que é de verdade tudo isso, qual é a naLureza
ou o princípio de onde emerge tudo? As diversas respostas que vão
sendo dadas a esta pergunta constituem a história da filosofia grega.
A filosofia grega tem uma origem muito concreta e conhecida.
Começa nas costas jónicas, nas cidades helénicas da Ásia Menor, nos
primeiros anos do século VI a.C., talvez no final do VII. Dentro do
m undo grego, a filosofia tem, pois, uma origem excêntrica; foi só tar
diamente, no século V, que a especulação filosófica apareceu na Grécia
propriamente dita. As cidades da costa oriental do Egeu eram as mais
ricas e prósperas da Hélade; nelas deu-se primeiro um florescimento
econômico, técnico e científico, promovido parcialmente pelos conta
tos com outras culturas, sobretudo a egípcia e a iraniana. Foi em Mi-
leto, a mais importante destas cidades, que apareceu pela primeira vez
a filosofia. U m grupo de filósofos, pertencentes a aproximadamente
três gerações sucessivas, homens de grande destaque na vida do país,
tentam dar três respostas à pergunta sobre a natureza. Costuma-se
chamar essa primeira expressão filosófica de escola jónica ou escola de
Mileto, e suas três figuras centrais e representativas são Tales, Anaxi-
mandro e Anaxítnenes, cuja atividade ocupa todo o século VI.
Tales de Mileto • Viveu entre o últim o terço do século VII e
meados do século VI. Os relatos antigos lhe atribuem múltiplas ativi
dades: engenheiro, astrônomo, financista, político; enquanto tal, é
considerado um dos Sete Sábios da Grécia. Talvez de longínqua ori
gem fenícia. É provável que tenha viajado pelo Egito, e atribuem a ele
a introdução na Grécia da geometria egípcia (cálculo de distâncias e
alturas segundo a igualdade e semelhança de triângulos, mas, certa
mente, cle modo empírico). Também predisse um eclipse. É, portanto,
uma grande figura de seu tempo.
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
Para o que aqui mais nos interessa, sua filosofia, a fonte princi
pal e de mais valor é Aristóteles, autoridade máxima para as interpre
tações de toda a época pré-socrática. Aristóteles diz que, segundo Ta
les, o princípio (àpxr|) de todas as coisas é a água; ou seja, o estado de
umidade. A razão disto seria que o alimento e a semente dos animais e
das plantas são úmidos. A terra flutua sobre a água. Por outro lado, o
m undo estaria cheio de espíritos ou almas e de muitos demônios; ou,
como diz Aristóteles, “tudo está cheio de deuses”.
A isso se denomina hilozoísmo (animação ou vivificação da m a
téria). Mas o que realmente importa é o fato de Tales, pela primeira
vez na história, se indagar sobre a totalidade de tudo o que existe, não
para se perguntar qual foi a origem mítica do m undo, mas o que na
verdade é a natureza. Entre a teogonia e Tales há um abismo: o mes
mo que separa a filosofia de toda a mentalidade anterior.
Anaxim andro • Em meados do século VI foi o sucessor de Tales
na direção da escola de Mileto. De sua vida nada se sabe ao certo. Es
creveu uma obra, que se perdeu, conhecida com o título que poste
riormente se deu à maioria dos escritos pré-socrálicos: Da natureza
(jiEpí (púaecoç). Atribuem-lhe, sem certeza, diversos inventos matemá
ticos e astronômicos e, mais provavelmente, a confecção de um mapa.
A pergunta sobre o princípio das coisas responde dizendo que é o ápei-
ron, xô ocTteipov. Esta palavra significa literalmente infinito, não em sen
tido matemático, e sim no de ilimitação ou indeterminação. E con
vém entender isso como grandioso, ilimitado em sua magnificência,
que provoca o assombro. É a maravilhosa totalidade do m undo, em
que o homem se encontra com surpresa. Essa natureza é, ademais,
princípio: dela surgem todas as coisas: umas chegam a ser, oulras deixam
de ser, partindo dessa àpxé, mas ela permanece independente e supe
rior a essas mudanças individuais. As coisas são engendradas por uma
segregação, vão-se separando do conjunto da natureza por um movi
mento semelhante ao de um crivo, primeiro o frio e o quente, e de
pois as outras coisas. Esse engendrar e perecer é uma injustiça, uma
áôiKÍcx, um predomínio injusto de um contrário sobre outro (o quen
te sobre o frio, o úm ido sobre o seco etc.). Por causa dessa injusti
ça existe o predom ínio das coisas individuais. Mas existe uma ne-
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Os pré-socrAticos
cessidade que fará as coisas voltarem para esse fundo último, sem in
justiças, o ápeiron, imortal e incorruptível, em que uns contrários não
predominam sobre os outros. A forma com que irá se executar essa ne
cessidade é o tempo. O tempo fará com que as coisas voltem a essa u n i
dade, a essa quietude e indeterminação da tpúaiç, [physis], de onde saí
ram injustamente.
Anaximandro, além de sua astronomia bastante desenvolvida que
não abordaremos, representa a passagem da simples designação de
uma substância como princípio da natureza para uma idéia desta,
mais aguda e profunda, que já aponta para os traços que irão caracte
rizá-la em toda a filosofia pré-socrática: uma totalidade, princípio de
tudo, imperecível, alheia à mutação e à pluralidade, oposta às coisas.
Veremos estas características aparecer reiteradamente no centro do pro
blema filosófico grego.
Anaxímenes • Discípulo de Anaximandro, também de Mileto, na
segunda metade do século VI. É o último milésio importante. Acres
centa duas coisas novas à doutrina de seu mestre. Em primeiro lugar,
uma indicação concreta de qual é o princípio da natureza: o ar, que
relaciona com a respiração ou alento. Do ar nascem todas as coisas, e
a ele voltam quando se corrompem. Isso pareceria antes um retorno
ao ponto de vista de Tales, substituindo a água pelo ar; mas Anaxíme
nes agrega uma segunda precisão: o modo concreto de formação das
coisas, partindo do ar, é a condensação e a rarefação. Isso é sumamen
te importante; há não só a designação de uma substância primordial,
mas a explicação de como, a partir dela, se produzem todas as diver
sas coisas. O ar rarefeito é fogo; mais condensado, nuvens, água, ter
ra, rochas, segundo o grau de densidade. À substância primeira, supor
te da variedade cambiante das coisas, acrescenta-se u m princípio de
movimento. Nesse momento, o domínio persa na Jônia vai im pulsio
nar a filosofia para o Oeste.
2. Os pitagóricos
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Os PRÉ-SOCRÁTICOS
5? *
1. Sobre o problema da m atem ática grega, ver Biografia de la filosofia, I, iii, e so
bretudo Ensayos de teoria, “A descoberta dos objetos m atemáticos na filosofia grega”.
[Obras, IV]
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Os PRÉ-SOCRÁTICOS
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Os p r é - s o c r A t ic :o s
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Os PRÊ-SOCRÁTICOS
sim a seu prévio consislir, seja o que for aquilo cm que consisLem. As
coisas aparecem antes de tudo como consistentes; c é isso propriamen
te o que quer dizer o particípio eón, ón, que é o eixo da filosofia par-
menideana. As coisas consistem nisto ou naquilo porque previamen
te consistem, isto é, consistem em ser o consistente (tò ón). A descober
ta de Parmêmdes poderia ser formulada, portanto, dizendo que as coi
sas, antes de qualquer ulterior determinação, consistem em consistir.
Com Parmênides, portanto, a filosofia deixa de ser física para ser
ontologia. Uma ontologia do ente cósmico, físico. E ocorre precisamen
te que, como o ente é imóvel, a física é impossível do ponto de vista
do ser e, portanto, da filosofia. A física é a ciência da natureza, e natu
reza é o princípio do movimento das coisas naturais. Se o movimento
não é, não é possível a física como ciência filosófica da natureza. É
este o grave problema que virá a ser debatido por todos os pré-socrá-
ticos posteriores e que não irá encontrar solução suficiente a não ser
em Aristóteles. Se o ente é uno e imóvel, não há natureza, e a física é
impossível. Se o movimento é, necessita-se de uma idéia do ente dis
tinta da de Parmênides. É isso o que Aristóteles consegue, como vere
mos no momento propício. Antes dele, a filosofia grega é o esforço
para tornar possível o movimento dentro da metafísica de Parmêni
des. Esforço fecundo, que move a filosofia e a obriga a indagar sobre
o problema básico. Uma luta de gigantes em torno do ser, para dizê-lo
com uma frase de Platão.
Zenão • É o discípulo mais importante de Parmênides, continua-
dor direto de sua escola. Também de Eléia. Parece ter sido uns quaren
ta anos mais jovem que Parmênides. Sua descoberta mais interessan
te é seu método, a dialética. Esse modo de argumentar consiste em to
mar uma tese aceita pelo adversário ou comumente admitida e mos
trar que suas conseqüências se contradizem entre si ou a contradizem;
em suma, que é impossível, segundo o princípio de contradição, im
plicitamente utilizado por Parmênides.
As teses deste, sobretudo as relacionadas com a unidade do ente
e a possibilidade do movimento, vão contra o que ordinariamente se
pensa. Zenão constrói, para apoiá-las, vários argumentos, que partem
da idéia do movimento e mostram que é impossível. Por exemplo, não
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Os PRÉ-SOCRATICOS
4. De Heráclito a Demócrito
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a) Heráclito
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Os PRE-SO C RÁ TIC C »
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b) Empédocles
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Os p r é -s o c r At ic o s
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c ) A n a x á g o ra s
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Os p r é -s o c :r A r ic o s
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
d ) D e m ó crito
3. Cf. W. Dilthev: I ntroducción a las ciências dei espirilu (trad, de J. Marfas. Revista
de Occidente), pp. 171-81.
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0
O S PRÉ-SOCRÁT1COS
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
4, Sobre a idéia de serenidade, ver m eu estudo “Ataraxia y alcionism o" (em El ofi
cio dcl pensami cnto, I958). [Obras, VI.]
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II. A s o f is t ic a e Só c r a t e s
1. Os sofistas
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A SOrlSTlCA I- S('K UAII s
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
2. Sócrates
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A S O I'IS 'll(.A H SOc.KAII s
43
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
44
A S O FIST IC A E S ô C R A T liS
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III. P la tã o
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1. As idéias
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P i .a i A o
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Pi a i ao
5]
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
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Pl Al Au
(a razão) que se esforça por conduzi-lo bem. lisse c a r r o , num lugar su-
praceleste ( tóttoç urcepovpávioç), circula pelo mundo tia s ideias, que
dem as asas, e a alma fica encarnada num corpo. Se a alma viu as idéias,
por pouco que seja, esse corpo será humano e não animal; conforme
as tenham contemplado mais ou menos, as almas estão numa hierar
quia de nove graus, que vai do filósofo ao tirano. A origem do homem
como tal é, portanto, a queda de uma alma de procedência celeste e
que contemplou as idéias. Mas o homem encarnado não as recorda.
De suas asas restam tão-somente cotos doloridos, que se excitam quan
do o homem vê as coisas, porque estas lhe fazem recordar as idéias,
vistas na existência anterior. É este o método do conhecimento: o ho
mem parte das coisas, não para ficar nelas, para encontrar nelas um
ser que não têm, mas para que lhe provoquem uma lembrança ou re
miniscência (anámnesis) das idéias em outro tempo contempladas.
Conhecer, portanto, não é ver o que está fora, mas, ao contrário: re-l
cordar o que está dentro de nós. As coisas são apenas um estímulo para
nos afastarmos delas e nos elevarmos às idéias.
As coisas, diz Platão com um a expressiva metáfora, são sombras
das idéias. As sombras são signos das coisas e podem fazer com que eu
as entenda. Os esfarrapados cotos das asas estremecem e querem vol
tar a brotar; sente-se uma inquietação, uma comichão dolorosa: “a
virtude das asas consiste em levantar as coisas pesadas para cima, ele
vando-as aos ares, até onde habita a linhagem dos deuses”, diz Platão.
Este é, como veremos em detalhes, o sentido cognoscitivo do éros pla
tônico: o amor, parúndo da contemplação das coisas belas, dos corpos
belos, acaba por nos fazer recordar a própria idéia da beleza e nos in
troduz no mundo ideal.
O homem, que é para Platão um ente caído, aparece, no entan
to, caracterizado por ter visto as idéias, o verdadeiro ser das coisas:
por participar da verdade; é isso o que o define. Um dos mais profun
dos argumentos usados por Platão para provar a imortalidade da alma
é que esta, por conhecer a verdade, terá certa adequação a ela; já vi-
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2. A estrutura da realidade
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PUTÂO
dóxa noüs
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Pla t ã o
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P latão
4. O homem e a cidade
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
60
PUTÀO
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1 llS T Ó R IA DA F ILO S O F IA
5. A filosofia
62
P latào
* * *
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
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IV. A r is t ó t e l e s
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
sula Calcídica, no ano de 384 a.C. Seu pai, Nicômaco, era médico e
amigo do rei da Macedônia, Amintas II. É possível, como assinala Ross,
que essa ascendência tenha exercido influência no interesse de Aristó
teles pelas questões físicas e biológicas. Aos 18 anos entrou para a es
cola de Platão, em Atenas; ali permaneceu por dezenove anos, até a
morte do mestre, na qualidade de discípulo e de mestre também, in
timamente vinculado a Platão e ao mesmo tempo em profunda dis
crepância. Aristóteles, o único autêntico platônico, mostra qual o sen
tido exclusivo em que é possível um verdadeiro discipulado filosófico.
Com a morte de Platão, Espeusipo encarrega-se da direção da Acade
mia, e Aristóteles sai dela e de Atenas. Foi para a Mísia, onde perma
neceu três anos e se casou; mais tarde, com a morte da esposa, teve
outra mulher, mãe de seu filho Nicômaco; também esteve em Mitile-
ne, na ilha de Lesbos.
Por volta de 343, Filipe da Macedônia convidou-o para se encar
regar da educação de seu filho Alexandre, que tinha 13 anos. Aristó
teles aceitou e rumou para a Macedônia. A influência de Aristóteles
sobre Alexandre deve ter sido grande; sabe-se que divergiam em re
lação à questão da fusão da cultura grega com a oriental, que Aristó
teles não considerava conveniente. Em 334 voltou para Atenas e fun
dou sua escola. Nos arredores da cidade, num pequeno bosque con
sagrado a Apoio Liceu e às Musas, alugou várias casas, que viriam a
constituir o Liceu. Ali tratava com seus discípulos, passeando, das
questões filosóficas mais profundas; por isso foram chamados de peri-
paléticos. À tarde expunha para um auditório mais amplo temas mais
acessíveis: retórica, sofística ou política.
Aristóteles desenvolveu uma intensíssima atividade intelectual.
Quase todas as suas obras são dessa época. Reuniu um material cien
tífico incalculável, que lhe possibilitou fazer avançar de modo prodi
gioso o saber de seu tempo. Com a morte de Alexandre, em 323, sur
giu em Atenas um movimento antimacedônico, que acabou sendo
hostil a Aristóteles: foi acusado de impiedade e não quis - disse - que
Atenas pecasse pela terceira vez contra a filosofia - referia-se à perse
guição de Anaxágoras e à morte de Sócrates; por isso, mudou-se para
Cálcis, na ilha de Eubéia, onde a influência macedônica era forte, e ali
morreu no ano de 322.
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A ristó tllls
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1. Os graus do saber
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2. A metafísica
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versasse sobre eles seria mais ciência. Mas têm um gravíssimo incon
veniente: não são coisas; existem na menlc, mas não fora dela, separa
dos. Se na qualidade de imóveis têm mais dignidade de mies, na m e
dida em que não existem como coisas são menos entes.
Como teria de ser um ente para reunir as duas condições? Teria
de ser imóvel, mas separado, uma coisa. Esse ente, se existisse, se bas
taria a si mesmo e seria o ente supremo, o que mereceria em sua ple
nitude a denominação de ente.
Deus • Mas este ente Aristóteles chama de divino, Deus, 0eóç. E
a ciência suprema que trataria dele seria uma ciência teológica. Ou seja,
Deus é em Aristóteles aquele conjunto de condições metafísicas que
fazem com que um ente o seja plenamente. A ciência do ente enquan
to tal e a de Deus, que é o ente por excelência, são uma e a mesma.
Esse ente é, por certo, vivo, porque o ser vivo é mais plenamente
que o inerte. Contudo, além disso tem de bastar-se a si mesmo. Re
cordemos que é possível fazer muitas coisas, e duas possíveis ativida
des são a poiésis e a práxis. A primeira é essencialmente insuficiente,
pois tem um fim fora dela, uma obra. Se Deus fosse Deus por ter uma
poiésis precisaria, para ser, daquelas obras e não se bastaria a si mes
mo. Na práxis, em contrapartida, o fim não é a obra o érgon, mas o
próprio fazer, a atividade ou enérgeia. Pois bem: a práxis política, por
exemplo, tem dois inconvenientes; em primeiro lugar precisa de uma
cidade na qual se exercer, e nessa medida não é suficiente, embora o
seja como atividade mesma; em segundo lugar, o saber do político se
refere sempre à oportunidade, ao momento, é um saber cairológico.
Mas, como vimos, há outro tipo de práxis, que é a theoría, a vida
teorética. Trata-se de um ver e discernir o ser das coisas em sua totali
dade; esse modo de vida é o supremo; portanto, Deus terá de ter uma
vida teorética, que é o modo máximo de ser. Mas não basta; porque o
homem, para levar uma vida teorética, precisa do ente, precisa das coi
sas para sabê-las, e não é absolutamente suficiente. Essa theoría só se
ria suficiente se se ocupasse de si mesma; por isso Deus é pensamento
do pensamento, vór|aiç vofjaewç. A atividade de Deus é o saber supre
mo, e a metafísica é divina por ser ciência de Deus, no duplo sentido
de que Deus é seu objeto e ao mesmo tempo seu sujeito eminente.
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A R I S T Ô T I i I.KS
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que atingiu seu fim, seu telos, e, portanto, supõe uma atualização. De
Deus, que é ato puro, que não tem, como veremos, potência nem mo
vimento, que é, portanto, atual, mas não atualizado, cabe dizer que é
enérgeia, mas não, a rigor, enteléquia.
Vemos, pois, que os modos do ser, que são quatro, têm uma uni
dade analógica fundamental que é a da substância. Por isso Aristóte
les diz que a pergunta fundamental da metafísica é: “o que é o ser?” e
acrescenta a título de esclarecimento: “isto é, o que é a substância?”
Examinaremos agora a análise ontológica da substância que Aristóte
les faz.
4. A substância
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Deus é o primeiro motor imóvel. Que significa isso? Todo móvel preci
sa de um motor. A é movido por B; este, por C, e assim sucessivamen
te. Até quando? Teria de ser até o infinito, eiç ifoteipov, mas isso é im
possível. É preciso que a série dos motores termme em algum mo
mento, que haja um motor que seja primeiro. E esse motor tem de ser
imóvel, para não necessitar por sua vez de mais um motor e assim até
o infinito. Esse motor imóvel, como o objeto do amor e do desejo, que
move sem ser movido, é Deus. 0eóç aristotélico é o fim, o telos de to
dos os movimentos, e ele mesmo não se move. Por isso tem de ser ato
puro sem mescla nenhuma de potência, e é, portanto, forma sem ma
téria. É, por conseguinte, o sumo de realidade, o ente cujas possibili
dades são todas reais: a substância plena, o ente enquanto tal.
O Deus de Aristóteles é o momento absoluto do mundo. Sua missão
é tornar possível o movimento, e mais ainda, a unidade do movimen
to: é ele, portanto, que faz com que haja um Universo. Mas não é cria
dor; esta idéia é estranha ao pensamento grego, e será ela que marca
rá a profunda diferença entre o pensamento helénico e o cristão. O
Deus de Aristóteles está separado e consiste em pura theoría, em pen
samento do pensamento ou visão da visão vór|criç vor|aecoç. É só nele
que a rigor se dá a contemplação como algo que se possui de modo
permanente. O Deus aristotélico é o ente absolutamente suficiente, e
por isso é o ente máximo. Nessa teoria culmina toda a filosofia de
Aristóteles.
O ente como transcendental • Resta abordarmos, para comple
tar esta rápida visão da metafísica aristotélica, um ponto especialmen
te importante e difícil. Como vimos, Platão considerava o ente gênero
supremo. Esse gênero se dividiria em espécies, que seriam as diferen
tes classes de entes. Aristóteles nega categoricamente que o ser seja
gênero. E a razão que dá é a seguinte: para que seja possível a divisão
de um gênero em espécies é preciso acrescentar ao gênero uma diferen
ço específica; assim, ao gênero anim al acrescento a diferença racional
para obter a espécie homem; mas isso não é possível com o ser, porque
a diferença tem de ser distinta do gênero, e se a diferença é distinta do
ser, não é. Portanto, não pode haver nenhuma diferença específica que
se agregue ao ser, e este, portanto, não é gênero.
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5. A lógica
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6. A física
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7. A doutrina da alma
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8. A ética
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homem. Embora se seja homem e mortal, não se deve ter, diz Aristó
teles, sentimentos humanos e mortais, mas é preciso se imortalizar
dentro do possível e viver de acordo com o mais excelente que há em
nós, ainda que seja uma exígua porção de nossa realidade. O mais ex
celente é o mais próprio de cada coisa; e “seria absurdo - conclui
Aristóteles - não escolher a própria vida, mas a de algum outro” (Éti
ca a Nicômaco, X, 7).
As virtudes • Aristóteles divide as virtudes em duas classes: dia-
noéticas ou intelectuais, virtudes da diánoia ou do noüs, e virtudes éti
cas ou, mais estritamente, morais. E faz o caráter da virtude consistir
no termo médio (|aeaóxr|ç) entre duas tendências humanas opostas;
por exemplo, a coragem é o justo meio entre a covardia e a temerida
de, a liberalidade, entre a avareza e a prodigalidade etc. (Investigar o
sentido mais profundo dessa teoria do mesotes ou termo médio nos le
varia longe demais. Basta indicar, como simples orientação, que está
relacionada com a idéia de medida métron, e esta com o uno, que por
sua vez se refere de modo direto ao ente, já que se acompanham m u
tuamente como transcendentais.)
Afora isso, o conteúdo da ética aristotélica é, principalmente,
uma caraclerologia: uma exposição e valoração dos modos de ser do
homem, das diferentes maneiras das almas e das virtudes e vícios que
têm. A Aristóteles devem-se as finas descrições da alma que legaram
para nossa linguagem termos tão acurados e expressivos como mag
nanimidade, pusilanimidade etc.
9. A política
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ArISTÔTI LI'S
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blemas radicais que coloca e que são, de certo modo, os que a filosofia
posterior encontrou, os que hoje temos de resolver. É um mundo de
idéias: a tentativa mais genial da história de sistematizar em suas ca
madas mais profundas os problemas metafísicos. Por isso Aristóteles
determinou mais do que ninguém o curso ulterior da história da filo
sofia, e o encontraremos a partir de agora em todas as partes.
Fui obrigado a omitir muitas coisas importantes e até mesmo es
senciais. E, ante essa necessidade, optei por prescindir de quase toda a
informação erudita e enumerativa do pensamento aristotélico e expor
com algum rigor, sem falseamento, o problema central de sua metafísi
ca. Considero preferível ignorar a maior parte das coisas que Aristóte
les disse, mas ter uma consciência clara de qual é o problema que o
move e em que consiste a originalidade genial de sua solução. Desse
modo é possível entender como a filosofia helénica alcançou sua ma
turidade na Metafísica aristotélica, e como com ele concluiu-se efetiva
mente uma etapa da filosofia, que depois terá de percorrer longos sé
culos pelo caminho que lhe abriu o pensamento de Aristóteles4.
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__________________________ X
V.________________ O IDEAL DO SÁB
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O ID EA I. D O SAlSIO
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1. Os moralistas socráticos
a) Os cínicos
O fundador da escola cínica foi Antístenes, um discípulo de Só
crates, que fundou um ginásio na praça do Cão Ágil, daí 0 nome cíni
cos (cães ou, melhor, caninos) que foi dado a seus adeptos, e que estes
aceitaram com certo orgulho. O mais conhecido dos cínicos é o suces
sor de Antístenes, Diógenes de Sinope, famoso por sua vida extrava
gante e certas demonstrações de engenho, que viveu no século IV
Os cínicos exageram e levam ao extremo a doutrma socrática da
eudaimonía ou felicidade e dão-lhe, ademais, um sentido negativo.
Em primeiro lugar, identificam-na com a autarquia ou suficiência; em
segundo lugar, concluem que o caminho para alcançá-la é a supres
são das necessidades. Isso traz como conseqüência uma atitude nega
tiva ante a vida como um todo, desde os prazeres materiais até 0 Es
tado. O único valor estimável que resta é a independência, a falta de
necessidades e a tranqüilidade. O resultado disso é, naturalmente, 0
mendigo. O nível de vida cai, perde-se todo refinamento, toda vincu-
lação com a cidade e com a cultura. E, com efeito, a Grécia se encheu
de mendigos de pretensões mais ou menos filosóficas, que percor
riam como vagabundos 0 país, sóbrios e desalinhados, pronunciando
discursos morais e caindo com freqüência no charlatanismo.
A doutrina cínica, se existe, é bem escassa; é antes a renúncia a
qualquer teoria, o desdém pela verdade. Importa tão-somente 0 que
serve para viver, entenda-se, de modo cínico. O bem do homem con
siste simplesmente em viver em sociedade consigo mesmo. Todo o resto,
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b ) Os ciren a ico s
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2. O estoicismo
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por sua vez aparece como providência. Todas as coisas estão a serviço
da perfeição da totalidade, a única norma de valoração é a lei divina
universal que encadeia tudo, à qual chamamos natureza. Esta é a cul
minação da física estóica, e disso provém a moral da escola.
A ética estóica se funda também na idéia de autarquia, de sufi
ciência. O homem, o sábio, deve se bastar a si mesmo. As conexões da
moral estóica com a cínica são muito profundas e complexas. O bem
supremo é a felicidade - que não tem a ver com o prazer e esta con
siste na virtude. Essa virtude, por sua vez, consiste em viver de acor
do com a verdadeira natureza: vivere secundum naturam, KOítà cpúaiv
Çf]v. A natureza do homem é racional, e a vida que a ética estóica pos
tula é a vida racional. A razão humana é uma parcela da razão univer
sal, e assim nossa natureza nos põe de acordo com o universo inteiro,
ou seja, com a Natureza. O sábio a aceita tal como é, amolda-se total
mente ao destino: parere Deo libertas est, obedecer a Deus é liberdade.
Essa aceitação do destino é característica da moral da Stoa. Os fados,
que guiam quem quer, arrastam quem não quer; portanto, é inútil resis
tir. O sábio se torna independente, suportando tudo, como uma ro
cha que faz frente a todos os embates da água. E, ao mesmo tempo,
obtém sua suficiência diminuindo suas necessidades: sustine et absti-
ne, suporta e renuncia. O sábio deve despojar-se de suas paixões para
alcançar a imperturbabilidade, a “apatia”, a “ataraxia”. O sábio é dono
de si, não se deixa arrebatar por nada, não está à mercê dos aconteci
mentos exteriores; pode ser feliz em meio às maiores dores e aos pio
res males. Os bens da vida podem ser, no máximo, desejáveis e apete
cíveis; mas não têm verdadeiro valor e importância, qualidades exclu
sivas da virtude. Esta consiste na conformidade racional à ordem das
coisas, na razão reta. O conceito de dever não existe, a rigor, na ética
antiga. O devido (raOijKOv), em latim officium, é antes o adequado, o
decente (isto é, o que convém, decet), o que fica bem, num sentido qua
se estético. O reto é primariamente o correto ( k c c tó p G m jic O , o que está
de acordo com a razão.
O co sm o p o litism o antigo • Os estóicos não se sentem tão des
ligados da convivência como os cínicos; têm um interesse muito maior
na comunidade. Marco Aurélio descreve sua natureza como racional
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3. O epicurismo
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4. Ceticismo e ecletismo
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VI. O NEOPLATONISMO
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O NEO PLA T O NISM O
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Jâmblico, discípulo de Porfírio, morto por volta de 330, era sírio e cul
tivou especialmente o aspecto religioso do neoplatonismo, com gran
de prestígio. Também foi um ncoplatônico o imgeradorj.uliano, o Após-
tatà. O último filósofo importante da escola foi Proclo (420-485),
de Constantinopla, professor e escritor extremamente ativo, que cul
tivou todas as formas filosóficas da época; sua obra de conjunto, sis
tematização pouco original do neoplatonismo, foi a iToixeícocnç
0£OÀ.oynq (Elementatio theologica, como a chamaram os latinos); tam
bém escreveu longos comentários sobre Platão, e outros - muito inte
ressantes para a história da matemática helénica - sobre o livro 1 dos
Elementos, de Euclides; o prólogo deste comentário é um texto capital
para essa história. Entre os pensadores neoplatônicos deve-se tam
bém incluir qautor anônimo do século V que até o século XV foi tido
por Dionísio Areopagita, primeiro bispo de Atenas, e que costuma ser
chamado de Pseudo-Dionísio. Suas obras - Da hierarquia celestial, Da
hierarquia eclesiástica, Dos nomes divinos, Teologia mística -, traduzidas
várias vezes para o latim, tiveram imensa autoridade e influência na
Idade Média.
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0 cristianismo
C r is t ia n is m o e f il o s o f ia
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I. A PATRÍSTICA
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adquirindo"^
conhecida a quase total ignorância do cristianismo demonstraua por
um homem como Tácito. Em seguida, o cristianismo vai adquirindo''
I maior influência, chega às classes mais altas, e o paganismo passa a
j lhe dar atenção. Começam, então, os ataques intelectuais, dos quais a
nova religião tem de se defender do mesmo modo, e para isso tem
de lançar mão dos instrumentos mentais que estão a seu alcance:
os conceitos filosóficos gregos. Por essa via, o cristianismo, que em
muitas de suas figuras de primeira hora mostra uma hostilidade to
tal à razão (o exemplo famoso é Tertuliano), acaha por incorporar a
filosofia grega para servir-se dela, apologeticamente, na defesa con
tra os ataques que de seu ponto de vista lhe são dirigidos.
O cristianismo se vê portanto obrigado, em primeiro lugar, a
uma formulação intelectual dos dogmas, e em_segundo lugar a uma
discussão racional com seus inimigos heréticos ou paglos. £ssa é a
origem da especulação patrística, cujo propósito, repito, não é filo
sófico, e que só com restrições pode ser considerada filosofia.
As fontes filosóficas da patrística • Os Padres da Igreja não
dispõem de um sistema definido e rigoroso. Tomam do pensamento
helénico os elementos de que necessitam em cada caso e, ademais,
é preciso ter em conta que seu conhecimento da filosofia grega é
muito parcial e deficiente. Em geral, são ecléticos: escolhem de to
das as escolas pagãs o que lhes pareça mais útil para seus fins. Em
Clemente de Alexandria (Stromata, 1, 7) encontra-se uma declara
ção formal de ecletismo. Mas, desde o começo, a principal fonte de
que se nutrem é o neoplatonismo, que irá influir poderosamente
na Idade Média, sobretudo até o século XIII, quando sua importân
cia passa a empalidecer ante o prestígio de Aristóteles. Através dos
neoplatônicos (Plotino, Porfírio, etc.), conhecem Platão de modo pou
co preciso e se esforçam por descobrir nele analogias com o cristia
nismo; de Aristóteles não sabem muito; os filósofos latinos, Sêneca,
Cícero, são mais conhecidos, e neles encontram um repertório de idéias
procedentes de toda a filosofia grega.
Os problemas • As questões que mais preocupam os Padres
da Igreja são as mais importantes formuladas pelo dogma. Os pro
blemas filosóficos - e isso ocorre também na Idade Média - quase
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A p a t r í s t ic a
sempre são impostos por uma verdade religiosa, revelada, que exi
ge interpretação racional. A razão serve, portanto, para esclarecer e
formular os dogmas, ou para defendê-los. A criação, a relação de
Deus com o mundo, o mal, a alma, o destino da existência, o senti
do da redenção são problemas capitais da patrística. E ao lado de
les, questões estritamente teológicas, como as que se referem à es
sência de Deus, à trindade de pessoas divinas etc. Por último, em
terceiro lugar, aparecem os moralistas cristãos, que irão estabelecer
as bases de uma nova ética que, embora utilize conceitos helénicos,
funda-se, no essencial, na idéia de pecado, na graça e na relação do
homem com seu criador, e culmina na idéia da salvação, alheia ao
pensamento grego.
Esses problemas são manejados por uma série de mentes, com
freqüência de primeira ordem, que nem sempre se mantêm na linha
da ortodoxia e às vezes caem na heresia. Apresentaremos brevemen
te os momentos mais importantes da evolução que culmina no pensa
mento genial de Santo Agostinho: os gnóslicos, os apologetas, São
Justino e Tertuliano, os alexandrinos (Clemente e Orígenes), os Padres
capadócios etc.
Os gnósticos • O principal movimento herético dos primeiros
séculos é o gnosticismo. Tem relação com a filosofia grega da última
época, em particular com idéias neoplatômcas, e também com o pen
samento do judeu helenizado Fílon, que interpretava alegoricamente
a Bíblia. O gnosticismo, heresia cristã, também está intimamente vin
culado a lodo o sincretismo das religiões orientais, tão complexo e in
trincado no começo de nossa era. O problema cmóst.ico é o da realida
de do mundo, e mais concretamente do mal. A posição gnóstica é de
um dualismo entre o bem (Deus) e o mal (a matéria). O ser divino
produz por emanação uma série de cones, cuja perfeição vai decres
cendo: o mundo é uma etapa intermediária entre o divino e o mate
rial. Isso faz com que os momentos essenciais do cristianismo, como
a criação do mundo, a redenção do homem, adquiram um caráter na
tural, como simples momentos da grande luta entre os elementos do
dualismo, o divino e a matéria. Uma idéia gnóstica fundamental é a
da à7toKaTÓcüTaoiç rcáv-ccov, a restituição de todas as coisas a seu pró
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sfc * *
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II. S a n t o A g o s t i n h o
1. A vida e a pessoa
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Nessa época apaixona-se por uma mulher, e dela nasce seu filho Adeo-
dato. Também nessa época Agostinho encontra pela primeira vez a
revelação filosófica, ao ler o Horlensíu, de Cícero, que lhe causou uma
impressão muito forte. Desde então tomou consciência do problema
filosófico, e o afã da verdade não mais o abandonaria até a morte.
Busca a Escritura, mas lhe parece pueril, e a soberbia frustra esse pri-
meiro contato com o cristianismo. Então vai buscar a verdade na sei
ta maniqueísta
Manes nasceu na Babilônia no começo do século III e pregou sua
fé pela Pérsia e por quase toda a Asia, até a índia e a China. De volta à
Pérsia, foi preso e morreu em suplício. Mas sua influência também se
estendeu pelo Ocidente e foi um grave problema para o cristianismo
até meados da Idacle Média. O maniqueísmo contém muitos elemen
tos cristãos e das diversas heresias, alguns elementos budistas, influên
cias gnósticas e, sobretudo, idéias fundamentais do masdeísmo, da re
ligião persa de Zoroastro. Seu ponto de partida é o dualismo irredutí
vel do bem e do mal, da luz e das trevas, de Deus e do diabo. em
suma. A vida inteira é uma luta entre os dois princípios inconciliáveis.
Santo Agostinho acudiu ao maniqueísmo cheio de entusiasmo.
Em Cartago leciona retórica e eloqüência e se dedica à astrolo
gia e à filosofia. Depois vai para Roma, e dali para Milão onde sua mãe
vai encontrá-lo. Em Milão conhece o grande bispo Santo Ambrógjp,
teólogo e orador, a quem escuta assiduamente, e que tanto contribuiu
para sua conversão. Descobre então a superioridade da Escritura e,
ainda não ser.do católico, afasta-se da seita de Manes; por último, in-
gressa na Igreja como catecúmena A partir daí vai se aproximando
cada vez mais do cristianismo; estuda São Paulo e os neoplatônicos, e
o ano de 386 é para ele uma data decisiva. Num jardim milanês, tem
uma crise de choro e de desagrado consigo mesmo, de arrependimen
to e angústia, até que escuta uma voz infantil que lhe ordena: ‘Toile,
lef?e”. toma e lê. Agostinho apanha o Novo Testamento e ao abri-lo lê
um versículo da Epístola aos Romanos que alude à vida de Cristo ante
os apetites da carne. Sente-se transformado e livre, cheio de luz;_o
obstáculo da sensualidade desaparece nele. Agostinho já é totalmente
cristão.
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Sa n t o A g o s t in h o
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2. A filosofia
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do, é imagem de Deus, imago Dei, por ser uma mente, um espírito. Na
triplicidade das faculdades da alma, memória, inteligência e vontade
ou amor, Santo Agostinho descobre um vestígio da Trindade. A uni
dade da pessoa, que tem essas três faculdades intimamente entrelaça
das, mas não é nenhuma delas, é a do eu, que recorda, entende e ama,
com perfeita distinção, mas mantendo a unidade da vida, da mente e
da essência.
Santo Agostinho afirma - com fórmulas análogas à do cogito car
tesiano, embora distintas por seu sentido profundo e seu alcance filo
sófico - a evidência íntima do eu, alheio a qualquer possível dúvida,
diferentemente do testemunho dubitável dos sentidos corporais e do
pensamento sobre as coisas. “Nestas verdades, não é preciso temer -
diz (De civitate Dei, XI, 26) - os argumentos dos acadêmicos, que di
zem: E se estiveres enganado? Pois se me engano, sou. Pois o que não
existe, na verdade nem se enganar pode; por isso existo se me enga
no. E já que existo se me engano, como posso me enganar sobre o
fato de que existo, quando é certo que existo se me engano? Portanto,
como eu, o enganado, existiria mesmo se me enganasse, sem dúvida
não me engano ao conhecer que existo.”
A alma, que por sua razão natural ou ratio inferior conhece as coi
sas, a si mesma e, indiretamente, Deus, refletido nas criaturas, pode
receber uma iluminação sobrenatural de Deus e mediante essa ratio
superior elevar-se ao conhecimento das coisas eternas.
Qual a origem da alma? Santo Agostinho fica um tanto perplexo
ante esta questão. Hesita, e com ele toda a Patrística e a primeira par
te da Idade Média, entre o generacionismo ou traducianismo e o cria-
cionismo. A alma também é engendrada pelas almas dos pais, ou é
criada por Deus por ocasião da concepção do corpo? A doutrina do
pecado original, que lhe parece mais compreensível se a alma do filho
procede diretamente dos pais, como o corpo, leva-o a se inclinar para
o generacionismo; mas ao mesmo tempo sente a fraqueza dessa teoria
e não rejeita a solução criacionista.
O homem no mundo • O problema moral em Santo Agostinho
aparece intimamente relacionado com as questões teológicas da natu
reza e da graça, da predestinação e da liberdade da vontade humana,
128
S a n t o A g o s t in h o
129
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
130
S a n t o A g o s t in h o
I O riega acrescenta a seguinte nota: “C o m o é sabido, esta fórm ula, desde sem
pre a irib u fd a a Santo A gostinho, não se encontra em suas obras; mas toda sua pro-
(hi(,;lo a parafraseia. Vide M ausbach: Die Ethik Augustinus."
131
H is t ó r ia d a f il o s o p ia
132
Filosofia medieval
I. A ESCOLÁS TICA
l . A época de transição
135
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
136
A ESCOLÁSTICA
2. O caráter da Escolástica
137
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
138
A ESCOLÁSTICA
139
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
140
I I . O S GRANDES TEMAS DA IDADE M É D IA
1. A criação
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
142
O S GR A N D E S TEMAS DA ID A D E M i í DIA
2. Os universais
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
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Os G R A N D E S TEMAS DA lD A D E M É D IA
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
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O S G R A N D E S TEM AS DA ID A D E M É D IA
3 . A razão
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
148
O S G R A N D E S TEMAS DA iD A D li M E D IA
i ) homem, que é razão, íará uma filosofia racional, porque aqui se ira-
i,i de um lógos. Em contraposição, a teologia é sobrenatural; a razão
pouco lem a fazer nela; é, antes de tudo, práxis.
I in Ockham se acentuam estas tendências escotistas. Para Oc-
kliam, a razão será um assunto exclusivamente humano. A razão é,
mui, própria do homem, mas não de Deus; este é onipotente e não
pode estar submetido a nenhuma lei, nem sequer à da razão. Isso lhe
Iurece uma limitação inadmissível do arbítrio divino. As coisas são
■omo são, até mesmo verdadeiras ou boas, porque Deus quer; se Deus
quisesse que matar fosse bom, ou que 2 mais 2 fossem 19, seriam -
i Iicgarão a dizer os contmuadores do ockhamismo. Ockham é volun-
lansia e não admite nada acima da vontade divina, nem mesmo a ra-
.•ao. "A partir desse momento, a especulação metafísica se lança, por
assim dizer, numa vertiginosa carreira, na qual o íógos, que começou
eiido essência de Deus, vai terminar sendo simplesmente essência do
homem. É o momento, no século XIV, em que Ockham vai afirmar,
dr maneira textual e taxativa, que a essência da Divindade é arbitra
riedade, livre-arbítrio, onipotência, e que, portanto, a necessidade racio
nal e uma propriedade exclusiva dos conceitos humanos.” “No momen-
lo em que o nominalismo de Ockham reduziu a razão a uma coisa de
/oro íntimo do homem, uma determinação sua puramente humana, e
nao essência da Divindade, nesse momento o espírito humano tam
bém fica segregado desta. Portanto, sozinho, sem mundo e sem Deus,
0 espírito humano começa a se sentir inseguro no universo” (Zubiri:
1Icgel y el problema metafísico').
Se Deus não é razão, a razão humana não pode se ocupar dele. A
Divindade deixa de ser o grande tema teórico do homem no final da
Idade Média, e isso o separa de Deus. A razão volta-se para os objetos
aos quais é adequada, aqueles que pode alcançar. Quais são eles? An-
les de tudo, o próprio homem; em segundo lugar, o mundo, cuja mara
vilhosa estrutura começa a ser descoberta então: estrutura não só racio
nal. mas matemática. O conhecimento simbólico a que o nominalismo
nos levou se adapta à índole matemática da natureza. E esse mundo
independente de Deus - de quem recebeu seu impulso criador, mas
que não tem de conservá-lo - transforma-se no oulro grande objeto
149
1 llS T Õ R IA DA F IL O S O F IA
150
III. OS FILÓSOFOS MEDIHVAIS
1. Scotus Erigena
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
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O S R I.O S O F O S MEDIEVAIS
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
2. Santo Anselmo
154
O S R L Ó S O F O S M ED IEVA IS
i|iini' seu perfil definitivo. For outro lado, contudo, Santo Anselmo
i .1,1 imerso na tradição patrística, de ascendência agostiniana e platô-
iui .1 ou, mais ainda, neoplatônica. Ainda não aparecem nele as fontes
distintas das da Patrística - que exercerão tão forte influência na Es-
11 'List ica posterior: os árabes e - através deles - Aristóteles. Santo An-
•i-Iiiio c um fiel agostiniano; no prefácio de seu Monologion escreve:
Nihil polui invenire me dixisse quod non catholiconm Patrum et maxime
biiili Augustini scriptis cohaereat. É presente sua conformidade cons
um e com os Padres, e com Santo Agostinho especialmente. Mas, por
"iii m lado, já se encontram em Santo Anselmo as linhas gerais que vi-
i,U) a definir a Escolástica, e sua obra constitui uma primeira síntese
di l.i A filosofia e a teologia da Idade Média guardam, portanto, a mar-
■.i profunda de seu pensamento.
Suas obras são bastante numerosas. Muitas de interesse predo
minantemente teológico; inúmeras cartas repletas de substância dou-
iimal; as que mais importam para a filosofia - escritos breves todas
rl.is - são o Monologion (Excmplum meditandi de ratione Jidei) e o Pros-
loyjon, que leva como primeiro título a frase que resume o sentido de
unia a sua filosofia: Fides quaerens intellectunv, além disso, escreveu a
irsposta ao Gaunilonis liber pro insipiente, o De veritate e o Cur Deus
IllllllO.
155
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
com que o homem, afastado pelo pecado da face de Deus, esteja an
sioso para voltar a ela. A fé viva quer contemplar a face de Deus; quer
que Deus se mostre na luz, na verdade; busca, portanto, o verdadeiro
Deus; e isso é intelligere, entender. “Se não cresse, não entenderia”,
acrescenta Santo Anselmo; ou seja, sem fé, ou seja, dilectio, amor, não
poderia chegar à verdade de Deus. Temos aqui a mais clara ressonân
cia do non intratur irt veritatem nisi per caritatem de Santo Agostinho,
que talvez só possa ser plenamente compreendido a partir de Santo
Anselmo.
Vemos, portanto, que da religião de Santo Anselmo faz parte de
modo particular a teologia; mas não o êxito desta última. “O cristão -
diz ele textualmente - deve avançar por meio da fé até a inteligência,
não chegar pela inteligência à fé, ou, quando não consegue entender,
afastar-se da fé. Pelo contrário, quando consegue chegar à inteligên
cia, se compraz; mas quando não consegue, quando não consegue
compreender, venera” (Epístola XLI). Esta é, claramente definida, a si
tuação de Santo Anselmo, da qual brota toda a sua filosofia.
O argum ento ontológico • Santo Anselmo, em Monologion, dá
várias provas da existência de Deus; mas a mais importante é a que
expõe no Proslogion, e que desde Kant costuma ser chamada de ar
gumento ontológico. Essa prova da existência divina teve imensa re
percussão em toda a história da filosofia. Já nos tempos de Santo
Anselmo, um monge chamado Gaunilon a atacou, e seu autor repli
cou a suas objeções; depois, as opiniões se dividiram e a interpreta
ção do argumento variou. São Boaventura está próximo dele; Santo
Tomás o rejeita; Duns Escoto o aceita, modificando-o; Descartes e
Leibníz fazem uso dele, com certas alterações; posteriormente, Kant,
na Critica da razão pura, estabelece sua impossibilidade de modo
aparentemente definitivo; mas depois Hegel o reformula em outros
termos, e mais tarde é profundamente estudado por Brentano e, so
bretudo, pelo Pe. Gratry, no século XIX. Até hoje, o argumento onto
lógico é um tema central da filosofia, pois não se trata apenas de
uma simples argumentação lógica, mas de uma questão em que
toda a metafísica está implicada. E essa a razão da singular fortuna
da prova anselmiana.
156
Os F lL O S O F O S m e d i e v a i s
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H is t ó r ia d a r l o s o f ia
3. O século XII
158
O S FILÓSOFOS MEDIEVAIS
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
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Os F IL Ó S O F O S M ED IEV A IS
i .in11u i 11u ilc ( hainpeaux, por causa de suas doutrinas realistas ex-
ih 11hi' V p in d o Abelardo, o intelecto apreende as sem elhanças dos
li ii 11\ii 11ii mediante a abstração; o resultado dessa abstração, lunda-
il i M 1111iii' n.i im aginação, porque o co n h ecim en to com eça pelo indi-
v(1111.11 i '.cnsiu-l, é o universal; este não pode ser coisa, res, porque as
i . H- , i . li.id san predicados dos sujeitos e os universais são; mas tam -
|iiiiii ii i- uma sim ples vox, é um serm o, um discurso relacionado co m o
i ui ii i i ii In real, um verdadeiro nom en, no sentido rigoroso em que equi-
' ili' .i vd\ significativa. A teoria dos serm on es se aproxim a do que de-
I ii o ■\ii i,i a ser o concep tu alism o.
h u la n lo , em bora não tivesse um a im p o rtân cia doutrinal co m -
11.11 .i\ i'I .i de Scotus Erigena ou de Santo A nselm o, Abelardo exerceu
iuii,i m lluencia pessoal extraordinária nas escolas e abordou de form a
u'liil.i questões im portantes. Sua atividade preparou o apogeu de Pa-
ii . ' nm o centro escolástico e a plenitude filosófica e teológica do sé-
•itli • XIII.
O s v ito rin o s • A abadia agostiniana de São V íto r torn a-se, no
•l i uh) XII, um dos centros intelectu ais m ais im portantes da cristan-
il.nli I , antes de tudo, um núcleo m ístico, m as de um a m ística que
ii í >i exclu i o saber racional, nem m esm o o das ciên cias profanas, m as
■ li ii ui,i energicam ente. A abadia de São V íto r cultiva de m odo in ten -
ii ,i lilosofia e a teologia; a profunda espiritualidade religiosa dos vi-
ini ii ms está sustentada por um saber rigoroso e am plo. A sistem atiza-
i,,i* >da Escolástica dá um passo a m ais na obra dos pensadores de São
Viini, sobretud o Hugo e Ricardo.
Hugo de São V íto r, o principal deles, é autor de um a obra abran-
!'■ m e e sintética, intitulada D e sacram en tis, que já é uma Sum a teoló-
ri. ,i. mais com pleta e perfeita que a tentativa de Abelardo. Hugo reco-
m riid a que se aprend am todas as ciências, sagradas e profanas; acre-
tlii.i que se apóiam e fortalecem m u tu am ente, e que todas são úteis.
I 'iM ingue quatro ciências: a ciên cia teórica, que investiga a verdade; a
i in ic ia prática ou m oral; a m ecânica, saber sobre as atividades h um a-
ii.i'., e a lógica, ciência da expressão e da discussão. Hugo recom end a
esp ecialm ente o estudo clas sete artes liberais, o trivium e o quadriviu m ,
t- ,is co n sid era inseparáveis.
161
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
162
Os F IL Ó S O F O S M ED IEV A IS
I *i i.i ■.n l.i ilc São Bernardo. É conhecido seu espírito de ardente religio-
■I. I n li i Mia capacidade de direção sobre os hom ens. C oncede seus ch
i' ii" .1 lilosofia, mas nele predom ina a m ística, que lem em São Ber-
M.in In mu dc seus prim eiros representantes m edievais.
I ui iv os teólogos que fazem da filosofia um uso exclusivam ente
in m iin m ta l, o mais interessante é Pedro L om bard o, cham ado, por
ii 11 i-liMicia, m agister sen ten tiaru m , que foi bispo de Paris e m orreu
i in II (H. Seus Libri IV sen tentiarum foram , durante toda a Idade M é-
............... ivpertório teológico com entad o inúm eras vezes em toda a Es-
i m|.i .in .1 posterior.
■ V. lu -resias do s é c u lo X II • Esta centúria, tão ch eia de ativida-
<|i m irlrctu al, não conseguiu m anter-se livre de co rren tes heterodo-
■,i ■i m icologia, vinculadas a orientações filosóficas à m argem da li-
nli.i j'.cial da Escolástica. Nesse sentido, pode-se afirm ar, com o faz
M mm ii r de VVulf, que essas filosofias são “an tiesco lásticas”; m as não
i i|iu-i.amos que elas se m ovem no m esm o cam po de problem as da
i 11 il.iMica, e que ju stam en te por isso suas so lu çõ es aparecem com o
ili i icp an tes e a polêm ica se m antém viva durante toda a Idade M é
dia l-v.as heresias versam principalm ente sobre alguns pontos deba-
i h li • o ateísm o - infreqüente em sua forma rigorosa o panteísm o,
II m ain ialism o, a eternidade do m undo. Estes são os pontos mais co n -
iiMM it idos sobre os quais se debruçará depois a filosofia árabe e que
ii i.iii repercussões heterod oxas até o final da Idade M édia.
No sécu lo XII aparecem , sobretudo na F rança e em alguns pon-
in da Itália, dois m ovim entos heréticos distintos, m as aparentados:
■I1. .ilbigcn sianos (de Albi) e os cátaros. São con hecid as as violentas lu-
i.i ■qiu- essas heresias suscitaram , assim com o o in ten so trabalho teo-
Ini'H o c de pregação que determ inaram , e que cu lm in o u na fundação
i la ( >idcm D om inicana por São D om ingos de G usm ão. Essas heresias
idiiiiii-m um certo dualism o do bem e do m al, este ú ltim o oposto a
I v ii', c in d epen dente dele, o que equivalia à negação do m onoteísm o
i ir .tan, c. além do mais, a heresia tinha co nseqü ên cias morais. C áta-
/iK quer dizer p u ros; os p erfeitos levam uma vida esp ecialm en te auste-
i a i-1 o n siitu em um clero p articular; esta contrap osição entre um m o-
di-lo d ilid l e uma m aioria incapaz de tal perfeição levou a um grave
163
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
4. As filosofias orien ta is
164
r O S F ILÓ SO FO S MEDIEVAIS
tiii Mic entre os árabes e jud eus. Não se trata cle m aneira algum a de
..... . lilosoíia original e au tô n o m a, árabe ou hebraica, nem tam pouco
■li oni.i especulação fechada, sem contato co m os cristãos. Em prim ei-
i" lu|',;ir, o im pulso procede antes de tudo dos gregos, principalm ente
•li Ai istóteles e de alguns neo p latô n ico s. P or outro lado, o cristian is-
mn in n um a in flu ên cia d ecisiv a n o p e n sam en to m u çu lm a n o e ju -
ili li, 110 caso do m aom etism o, a influência se estend e à própria reli-
>’i.ti i ,i rigor, o Islã pod eria ser consid erado um a heresia ju d a ico -cris-
i.i i|uc a p arece em v irtu d e das relações de M aom é co m ju d e u s e
i i M aos; os dogm as m u çu lm an o s são form ulados negativam ente, com
ii |'i ilcm ico, contra a doutrina da Trindade, por exem plo, cuja in flu ên -
i i.i rlcs acusam : “N ão há outro D eus senão Alá; não é filho n em pai,
n u n iem sem elh an te.” A qui se percebe tanto a p olêm ica contra o po-
Iiii M uo árabe prim itivo co m o contra o dogm a trinitário. Inversam en-
i' I 11losofia dos árabes e ju d e u s é co n h ecida pelos escolásticos cris-
i.ins i: exerce forte influ ên cia sobre eles. A dem ais, o co n h ecim en to de
\i i-.loteies fez co m que a filosofia oriental se adiantasse em relação à
■In1, cristãos, e n o sécu lo X II já tinha atingido a m aturidade, que na
I i it opa só seria atingida no século seguinte. M as o grande papel dos
ii ihcs e jud eus foi, so bretu d o , a transm issão do p ensam ento aristoté-
lu o; são sobretud o os árabes espanhóis que trazem para os países o ci-
ili ui,lis os textos do grande grego, e essa co n trib u ição é a que caracte-
M ,i.i ép oca de plenitude da Escolástica. Tanto do ponto de vista da
■i.iiism issão co m o do da atividade filosófica, à Espanha árabe cab e o
lii),,;tr de d estaque na Idade M édia.
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
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O S F IL Ó S O F O S M EDIEVA IS
mm ........... 111u-iu iaclo pelo cristian ism o (Ver Asín: El Islam cristian izado)
' I............m ito s hindus neop latônicas. O m ais im portante desses teó-
I. -1 ■ ' AIim.t], autor de dois livros intitulados A d estru ição dos filóso-
■ \ i< n ovação das ciên cias religiosas. Algazel é um m ístico ortod oxo,
ui-- |i.Miifi'.ta, d iferentem ente de outros árabes que aceitam as teorias
‘ l i i m.maçao.
( K liló so fo s á ra b e s e sp a n h ó is • Do século X ao X III, a Espa-
■ii. ' .li.ilic v um centro intelectu al im portantíssim o. C órdoba é a capi-
i it ili m' llorcscim ento. E n qu anto a filosofia oriental vai decaindo ela
.............. auge na Espanha, e o ram o espanhol é um a continu ação da-
i|in li i|iu- culm ina em Avicena. Desde o final do século XI, e em todo
i i'i iili) X II, aparecem n o O cidente vários grandes pensadores m u-
i iiliii.m os: Avempace (Ib n Bad ja), que m orreu em 1 1 3 8 ; A bentofail
1 I lo o I 185) e, sobretud o, Averróis.
Averróis (Ibn R ochd ou Ibn Rusd) nasceu em C órdoba em 1 1 2 6
■ nu ii ii‘ii em 1198. Foi m éd ico, m atem ático, jurisconsu lto, teólogo e
lili imiIo ; ocupou o cargo de juiz e caiu em graça e em desgraça, co n -
li it me as épocas. Averróis é o com entador por excelência durante toda
i li I.kIc Média: Averróis, c h e ’lg ra n com en to feo , diz D antc na Divina Co
nn liii Tam bém escreveu tratados originais. V ários p on tos do pensa-
in u iio de Averróis tiveram grande influência nos séculos seguintes.
I m prim eiro lugar, a eternidade do m undo e, portanto, da m até-
II .i r do m ovim ento. A m atéria é um a potência universal, e o prim ei-
ii i m otor extrai as forças ativas da matéria; esse processo se realiza eter-
ii.im ciitc, e é a causa do m undo sensível e m aterial. Em segundo lu-
r.u, Averróis acredita que o in telecto hum ano é um a forma im aterial,
■ . e ú nica; é a últim a das inteligências planetárias e uma só para
iin hi a esp écie; é, portanto, im pessoal; os diferentes tipos de união do
liiiiiicm co m o intelecto universal determ inam os diferentes tipos de
i iin h ccim en to , desde o sensível até a ilum inação da m ística e da pro-
Iri i.i Por esse m otivo, a co n sciên cia individual se desvanece e só per-
iiu iic ce a específica; Averróis nega a im ortalidade pessoal; perdura
.ipi-nas o intelecto úm eo da espécie. A eternidade do m ovim ento e a
unidade do intelecto h u m ano são os dois pontos por m eio dos quais
o avrrroísm o latino aparece na filosofia ocidental. Por últim o, Averróis
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
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O S F IL Ó S O F O S M ED IEVA IS
In ili v.c 11po de obra nas filosofias orientais. O obieto snprptno ria rc-
11)*.i In e da filosofia é o co n h ecim en to de D eus; é preciso pôr de a co r-
ili * ii |ii iím p ios e resultados de am bas; o tratado de M aim ônides é di-
iii'iiln ans que, donos desses conh ecim en to s, têm dúvidas ou estão
Iii 11il<mis quanto ao m odo de tornar com patíveis as duas coisas; ira-
...........Ir uma indecisão, não de um extravio.
M aim ônides é próxim o de Averróis, em bora divirja dele em vá-
■i-• pom os. Não se entrega totalm ente à interp retação alegórica da
HiUia, mas adm ite que é forçoso interpretá-la levando em conta os re-
1111.ii los estabelecid os da filosofia, sem se d eixar d om inar pelo litera-
li u i" Apesar de suas cautelas, a filosofia de M aim ônides pareceu sus-
I» na para os teólogos ju d eu s e enfrentou não poucas dificuldades. A
ii ■«Intua de M aim ônides é negativa; pode-se dizer de Deus o que não
.■ in.i\ i n o o que é. A essência de Deus é inacessível, m as não seus efei-
I •i-.ie uma— hierarquia
•
de. i esferas entre Deus e os entes~ do m u—n■d— o- ;
I i i . se ocupa, com o providência, da totalidade das co isas. O in telec-
i " Im niano é tam bém ú nico e separado, com o em Averróis; o hom em
■i 1 1\ uliial possui o in telecto passivo, e pela ação do intelecto agente
l"iiu a sc nele um in telecto adqu irido, destinado a se unir, depois da
nu a ir ao intelecto agente. Portanto, resta para o hom em a possibilida-
■I' i Ir salvar algo de si m ediante a acum ulação que a filosofia realiza.
I'i 111 bc -se a influência dessas idéias na teoria de Rspinosa. que, com o
niili ii, leva em conta as obras de M aim ônides.
* * *
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
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Os FILÓSOFOS MEDIEVAIS
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O S FILÓSOFOS MEDIEVAIS
6. São B o a v en tu ra
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O S F IL Ó S O F O S M ED IE V A IS
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H is t o r ia d a f il o s o f ia
7. A filosofia aristotélico-escolástica
O século X III, com o vim os, en con tra-se ante o enorm e problem
de enfrentar Aristóteles. É um a filosofia de uma profundidade e de
um valor que se im põem ao prim eiro contato. No aristotelism o há
instrum entos m entais com os quais se pode chegar m uito longe; mas
é preciso aplicá-los a tem as m uito diferentes daqueles para os quais
foram pensados; a íntim a união de teologia e filosofia que se cham a
Escolástica é algo com pletam ente diferente do horizonte em que se
move o pensam ento aristotélico. C om o aplicá-lo aos problem as da
Idade M édia? Mas há algo ainda m ais grave. O aristotelism o não é só
a lógica im pecável do Órganon\ tam pouco é apenas um arsenal de
con ceitos úteis - m atéria, form a, su bstância, acidente, categorias etc.;
é, antes de qu alqu er coisa, um a filo so fia , um a m etafísica, pensada em
grego, a partir de pressupostos radicalm ente distintos, n ão-cristãos, e
que, no en tan to, em m uitos sentid os parece ser a verdade. Q ue fazer
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O S F IL Ó S O F O S M ED ILV A IS
...... . iv.n? A rislóleles fala de Deus e diz sobre ele coisas extrem am en-
ii itMul.is c interessantes; fala do m undo e do m ovim ento, e da razão
il. !. •. i um uma penetração lum inosa até então desconhecida. Mas esse.
I v ir. não e o Deus cristão; não é criador, não tem três pessoas, sua re
li i 1111 id iii o m undo é outra; e o m undo aristotélico tam pouco é aque-
li 111u- saiu das m ãos de D eus segundo o G ênese.
i > problema é m uito sério. A E scolástica não pode renunciar a
\i i .lou-lcs, não pode ignorá-lo. A filosofia do Estagirita se im põe por
11.i esm agadora superioridade, pela verdade que ião evidentem ente
111<i'•11a Mas é preciso adaptá-la à nova situação, aos problem as que
I pi ■i ii upam os hom ens do século XIII. É necessário incorporar a m en-
......... ...oiélica à filosofia cristã. C om que conseqü ên cias para esta? Isso
i ui ui a questão. A genialidade pujante do aristotelism o talvez fosse
i t i ' v.iva para que pudesse ser recebida sem riscos; talvez a influência
11' Ai isióieles tenha obrigado a filosofia cristã a ser outra coisa, e pos-
I I ii Iulactes originais que poderiam ter am adurecido percorrendo ou-
i ui i am inho m alograram ; o problem a perm anece de pé.
|a São Boaventura acolhe em suas obras a influência de Aristóte-
I' v mas apenas de forma m arginal, de m odo secundário, sem que o
I" i ipaietism o afete o núcleo central de sua filosofia, que continua sen-
ilii essencialm ente platônica e agostiniana. Isso não era o bastante. Era
I 'U i íso encarar com determ inação a totalidade ingente da filosofia aris-
in irlin i; indagá-la, tentar com preendê-la e incorporá-la ao sistema ideo-
ln)',ii'o da Idade Média. Esta foi a extraordinária em presa assum ida e
M,ili. ada no século XIII por dois dom inicanos, m estre e discípulo, am
bos i anonizados pela Igreja; Alberto de Bollstadt (então cham ado Al-
I 'I i lo de C olônia e hoje A lberto Magno) e Tomás de Aquino.
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8. R o g e r Bacon
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O S F IL Ó S O F O S M ED IEVA IS
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
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I
O S FILÓ SO FO S MEDIEVAIS
10. D u n s Escoto e O ck h a m
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
a) D u ns Escoto
192
t
I
O S FILÓ SO FO S MEDIEVAIS
193
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
b) O ckham
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O S FILÓ SO FO S MFD1EVAIS
I I . Mestre Eckhart
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
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O S F IL Ó S O F O S M ED IE V A IS
i |ii i ulaçao do final desse século e do segu inte não con tém elem en -
iiI-. Iri m ídos, qu e d epois vão atuar na filosofia m oderna. Interessa,
............ iar nos co m p lex o s problem as que essa ép oca suscita, assinalar
ni imi-nios e as figuras capitais dessa etapa final em que a Escolás-
........ .. ia em crise.
( )s o c k h a m ista s • Na Inglaterra e na F ran ça, sobretud o, o ock a-
................. rapidam ente aceito e tem um a série de argutos cultivadores,
............... quais o d o m in ican o inglês R oberto H olkot, con tem porân eo
ili i >< Idiain, e so bretu d o o m estre parisiense N icolau de A utrecourt,
In-i ii.im ente posterior, espírito crítico que às vezes se aproxim a do
i i 111usino latino. T am bém é seu d iscípulo o cardeal Pierre d’Ailly
i I '■'.() 1 4 2 0 ), que cu ltivou a cosm ografia, e cu ja Im ago m undi teve
....... m lluencia decisiva sobre as idéias de C olo m b o a respeito da es-
li i u uladc da Terra, que o levaram ao d esco brim en to do Novo M un-
>1" I hscipulo do cardeal e su cessor seu co m o ch an celer da U niversi-
il.nli dr Paris loi Jo ã o G erson ( 1 3 6 3 -1 4 2 9 ) , um a das figuras m ais im -
l"'M ,m ii‘s do século XV, que acabou se voltand o para a m ística.
Por outro lado, os nom inalistas franceses cultivam com grande
inii ir.idade as ciên cias da natureza e, a rigor, antecipam boa parte das
ili .i n liriia s dos físicos do R enascim ento. Jo ã o Buridan, que viveu na
I 'Miiii iia metade do sécu lo XIV; Alberto de Saxô n ia, m orto em 1 3 9 0 ,
.nlueiud o, N icolau de O resm e, que m orreu em 1 3 8 2 , são os prin-
• 11mis ockham istas cien tífico s” segundo a d en om in ação de G ilson.
In iil.m de O resm e, b isp o de Lisieux, que escreveu em latim e em
li uh i">. an tecip and o-se nisso a D escartes, foi um pensador de grande
•l< i.iqtic, que fez avançar consid eravelm ente a física e a astronom ia.
I i leveu o tratado D e dxjform itate qualitatum , Traité de la sp h ère e c o
m e i ii.m o s à s o bras físicas de Aristóteles.
( ) iiv erro ísm o • O m ovim ento filosófico cham ad o de averroís-
......I.ii mo, iniciado n o século X III, prossegue até o final da Idade M é-
i li.i i -1 o n im u a a rep ercu tir no R enascim ento. Pode-se dizer que co n s-
iii um uma corrente filosófica independente da Escolástica, em bora em
■i Mii.i ivlação com seus problem as. A figura m ais im portante do aver-
ii ii , m u latino é Siger de Brabante, que viveu no século XIII e se apoiou
11. 1-. ensinam entos aristotélicos interpretados por Averróis. Para Siger
197
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
de Brabante, que teve m uitas de suas proposições cond enad as, a eter
nidade do m undo e a unidade do entend im ento h u m ano são tais que
só há um intelecto da esp écie, e desaparece a cren ça na im ortalidade
do h om em individual. Tam bém é de origem averroísta latina a d outri
na da du pla verdade, segundo a qual uma m esm a proposição pode ser
verdadeira em teologia e falsa em filosofia, ou vice-versa.
No sécu lo XIV, Jo â o d e ja n d u n (m orto em 1 3 2 8 ) con tin u a a ten
dência averroísta, ainda m ais exagerada, su blinhan d o a dependência
em relação ao filósofo cord obês. C onced e prim azia à filosofia, e a ela
atribui prim ariam ente a verdade.
A m ística esp eculativa • Influenciados por mestre Eckhart acham-
se vários im portantes m ísticos do século XIV, sobretu d o na Alemanha
e nos Países Baixos, que m antêm relação com os franceses, com o o
m encionad o G erson e D ionísio, o Cartuxo. Esses m ístico s, inspirado
res m ais ou m enos diretos da renovação religiosa do sécu lo XV, so bre
tudo da cham ada devotio m o d ern a , precursora do R enascim ento, são
p rincipalm ente Jo ão Tauler (1 3 0 0 -6 1 ) , H enrique Suso ( 1 3 0 0 -6 5 ) e
Jo ã o R uysbroeck ( 1 2 9 3 - 1 3 8 1 ) , e o autor d esco n hecid o de Theologia
deutsch, que tanto influenciou Lutero. Desses grupos religiosos nas
cem os estím ulos que inspirarão a vida espiritual do século XVI, tan
to entre os protestantes co m o na C ontra-R eform a.
O sé c u lo X V • Na últim a centúria da Idade M édia acentua-se
decad ência da Escolástica. As p rin cipais escolas - tom ista, escotista,
ockham ista - continuam funcionando, mas sua atividade vai se tornan
do um vão form alism o. Há alguns com entaristas im portantes, com o o
de Santo Tom ás, C ajetano, e os escotistas Pedro Tartareto, fam oso por
seus com entários a A ristóteles, e o belga Pedro C rockaert, d om inica
no e p osteriorm ente tom ista, que foi professor de F ran cisco de Vitó
ria; o escotism o perdurou até o século XVII e tem representantes
com o W adding, o célebre ed itor de Escoto, e M erinero, professor de
Alcalá. Mas o últim o escolástico im portante, cu ja obra não é sim ples
exegese ou ensino, é o ockham ista Gabriel Biel (1 4 2 5 -9 5 ). A renovação
da E scolástica na Espanha no sécu lo XVI tem um caráter distinto e
abertam ente influenciado pelo R enascim ento.
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O S F IL Ó S O F O S M EDIEVA IS
199
Filosofia m oderna
O Renascimento
I. O MUNDO RENASCENTISTA
I. O contexto espiritual
203
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0 M U N D O RE N A SC E N TIST A
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Itá lia • O R enascim ento com eça na Itália. Alguns, correndo o ris
co de pôr a perder qu alqu er significação precisa desse co n ceito , qui
seram re m etê-lo para fins do sécu lo X III, chegand o a in clu ir D ante.
É um exag ero ; m as P etrarca ( 1 3 0 4 - 7 4 ) já rep resen ta u m a prim eira
versão do hom em renascentista. No sécu lo XV surge um grande foco,
m ais literário que filosófico, na corte de Cosm e de M édicis, em F lo
rença, e aparece a Academ ia P latônica, com figuras de hum anistas
co m o o cardeal grego Bessarion, M arsílio F icin o , Pico delia M iran-
dola etc. Há tam bém “aristotélicos” na Itália, que reivindicam um
A ristóteles bastante desfigurado, co m o H erm olao Bárbaro e Pietro
Pom ponazzi.
206
O M U N D O R E N A SC E N TIST A
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2 0 8
O M U N D O RE N A SC E N TIST A
t(tii- obteve mais fama e teve a influência mais extensa, foi Erasm o de
l-iiitm la m . Foi um grande escrito r latino, que im pôs um estilo de pe-
i nli.it co rreção e elegância e teve im itadores e adm iradores em toda a
I lim pa, q u e sentiu por ele vivo fervor. Escreveu um a série de livros
muno lidos em todos os países, em especial o Elogio d a loucura ( Laus
■.iiiliiliae), o Enquirídion e os C olóquios. Erasm o, apesar de seu contato
i mu os reform istas, m anteve-se dentro do dogm a, em bora seu catoli-
i i .mo fosse tíbio e sem pre m esclado de ironia e crítica eclesiástica.
I i.i .mo, cô n ego e próxim o do cardinalato, não d eixo u de ser um cris-
i .i o . talvez de fé m enos profunda que a do hom em m edieval, mas de
■ p into aberto e com p reensivo. C om todas as suas lim itações e seus
inegáveis riscos, Erasm o, que representa o espírito de concórdia nu-
in.i cp o ca duríssim a e violenta, é o tipo mais acabado do hom em re-
n.iscentista.
A lem a n h a • 0 R enascim ento alemão é de grande im portância,
■i-u caráter é distinto do dos dem ais países, e talvez tenha m aior fe-
■im didade filosófica. Em vez do predom ínio do h um anism o, com sua
im d ê n cia m arcadam ente literária, o pensam ento alem ão de fins do sé-
u ilo XV e do século XVI está intim am ente ligado à m ística especulati-
\;i. Su so , Tauler, Angelus Silesius, o autor anônim o da Teologia alem ã ,
todos p ro ced em da m ística especulativa de E ckhart; tam bém os m ísti-
i os protestantes vinculam -se a essa tradição. O R enascim ento alem ão
inclui igualm ente a alquim ia, a astrologia e até a m agia. Dessa m anei-
iii. a esp eculação m ística u ne-se ao estudo das ciên cias naturais.
E n co n tram os essa m escla com p lexa, e co m ela o abandono da fi
losofia racional e rigorosa, em Agrippa von N ettesheim , autor do livro
intitulado De incertitudine et van itate scientiarum citad o acim a. Teo-
Inisto P aracelso, m édico e filósofo singular, levou essas idéias para o
estudo d o m undo físico e do hom em , a qu em consid era um espelho
do universo. A ciência n atu ral deve a Paracelso, apesar de suas extra
vagâncias, alguns avanços.
M aior interesse tem o pensam ento religioso e m ístico. Antes de
i udo, é claro, a teologia dos reform istas, sobretudo de Lutero, e em m e
ntir grau de Zw inglio; mas essa questão ultrapassa nosso tem a. À Re-
lorm a v incula-se o h um anism o alem ão de M elan ch th o n e R euchlin,
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II. O COMEÇO DA FILOSOFIA MODERNA
211
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ginal dos p roblem as, por h o m en s q u e não são m ais do sécu lo XIII,
mas são m ovid os pelos tem as da m od ernid ade. Caso fosse necessária
algum a prova disso, basta assinalar alguns fatos claríssim os: dessa E s
colástica sai algo tão m odern o c o m o o direito in tern acio n al; seu n ú
cleo principal está form ado p o r je su íta s, os grandes h o m en s de seu
tem po; e, antes de tudo, esses p en sam en tos têm seu cen tro no C o n cí
lio de Trento, ou seja, estão situ ad os no ponto cru cial da época m o
derna, na luta da Reform a e da C on tra-R eform a. E lem brem os a pro
funda in flu ên cia, m ais ou m enos ex p lícita, de Suárez em D escartes,
Leibniz e em toda a filosofia alem ã até Hegel; sua presen ça efetiva,
portanto, em toda a m etafísica m od erna.
1. Nicolau de Cusa
212
O CO M EÇO DA FILO SOFIA MODERNA
213
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
sem elh a n ça ; grave afirm ação, pois já com eça a se alterar a interpreta
ção escolástica do conhecim ento e da verdade com o ad a eq u a tio intel
leclus et rei: co n h ecer não é mais se apropriar da própria coisa, mas de
algo sem elh an te a ela. E agrega o cardeal de Cusa: “Entre a m ente divi
na e a nossa há a mesma diferença que entre fazer e ver. A m ente di
vina, ao con ceber, cria; a nossa, ao conceber, assim ila n oções, ou, ao
fazer, visões intelectuais. A m ente divina é uma força entificadora; n o s
sa m ente é um a força assim ilativa.”
À atividade criadora de Deus correspond e a atividade vidente do
hom em . A ssim ilare é assemelhar, o b ter uma sim ilitudo, uma sem elhan
ça da coisa que D eus criou. D eus, ao criar as coisas, lhes dá sua enti
dade, o hom em obtém um precipitado que é a assim ilação. Não há a d a e
quatio, mas sim assim ilatio. A verdade da m ente hum ana é um a im a
gem e sem elh a n ça da verdade da m ente divina.
Para N icolau de Cusa o m u ndo tem enorm e im portância; seu
grande interesse é colocá-lo de acordo com Deus e superar a contrarie
dade. Ao hom em medieval interessa o ser do m undo, porque é criado
e lhe descobre Deus; para N icolau, D eus interessa sobretudo para en
tender o m undo. E o m undo é, segundo de Cusa, explicatio Dei. A u n i
dade do infinito se explica e m anifesta na múltipla variedade do m un
do. Todas as coisas estão em Deus; m as, inversam ente, D eus está em
todas elas e as explica ou mostra. O m undo é m anifestação de Deus,
teojania. Cada coisa, diz de Cusa, é quasi infinitas finita aut deus creatus,
com o um a infinidade finita ou um D eus criado; e chega a dizer do u ni
verso que é Deus sensibilis, e do hom em que é um deus occasionatus.
Essas expressões provocaram a acusação de panteísm o contra o
cardeal de Cusa, assim com o contra m estre Eckhart. C om o Eckhart,
tam bém N icolau repudiou energicam ente essa acusação. A presença
de D eus no m u n do, a interpretação deste com o explicatio D ei não im
plicam , segund o N icolau de Cusa, a supressão do dualism o de Deus e
do m undo e da idéia de criação; m as vim os com o no final da Idade
Média acentu a-se a independência do m undo criado em relação a seu
criador.
O m undo de de Cusa é o m elhor dos m undos, idéia que será re
cuperada pelo otim ism o m etafísico de Leibniz. Por outro lado, é or-
214
O COM EÇO DA FILOSOFIA MODERNA
ilrm e razão, princípio que Hegel tam bém professará. Adem ais, é in-
111111o no espaço e no tem po, m as não com o D eus, com positiva e to-
i.11 inlinitude e eternidade, mas com o uma indeterm inação ou j limita
■.10. Dessa forma afirm a-se claram ente a posição m oderna em relação
•ui infinito. Para um grego, ser infinito era um defeito; a falha era ju s -
i.nnente a falta de limites; o positivo era ter lim ites, ser algo d eterm i
nado. O cristianism o, em contrapartida, põe a infinitude em Deus
1orno o mais alto valor; a finitude é sentida com o um a lim itação, com o
.il^o negativo; mas a finitude do ser criado, do hom em e do m undo é
M-mpre sublinhada. Agora, N icolau de Cusa estende essa “quase infi-
1111lide” ao m undo, num sentido físico e m atem ático. Esse sentido in-
Imitista predom ina em toda a m etafísica m od erna, de G iordano B ru
no aos idealistas alemães. A influência de N icolau em Espinosa é m ui
to profunda.
Por últim o, 0 cardeal de Cusa afirma um individualism o dentro
do universo. Cada coisa é um a concentração individual do cosm os,
uma unidade que reflete, co m o u m espelho, 0 universo; em p articu
lar os hom ens, que refletem o m u ndo, cada um de m odo distinto, e
'.ào verdadeiros m icrocosm os. Há uma absoluta variedade nessas u n i
dades, porque Deus não se repete nunca. É um prim eiro esb oço da
leoria leibniziana das m ônadas. A m ente é “um a m edida viva, que
atinge sua capacidade m edindo outras coisas”. A m ens é interpretada
co m o m ensura. E o co n h ecim en to do m undo m ensurável nos dá, em
1roca, o con hecim ento do hom em . Aqui vem os a sem ente da física e
do hum anism o, que nascem ju n to s. E a m ente, se é um espelho, é um
L-spelho vivo, que consiste em atividade. Se a m ente divina é vis enliji-
ca tiv a, a hum ana é vis assimilativa', daí à “força de representação” de
Leibniz há apenas um passo. Portanto, na aurora do século XV, na
im ediata tradição dos filósofos nom inalistas e da m ística especulativa,
aparecem um depois do outro os grandes m otivos da metafísica m o
derna. Em Nicolau de Cusa está, em forma germinal, toda a filosofia que
virá a se desenvolver na Europa, desde Giordano Bruno, de um m odo
im preciso e confuso, até a esplêndida m aturidade hegeliana. Mas essa
11losofia só com eça a ter um a verdadeira realidade no século XV II, no
pensam ento cartesiano. Isso ju stifica plenam ente a presente in terp re
tação do Renascim ento.
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2. Giordano Bruno
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O COMEÇO DA FILOSOFIA MODERNA
J. A física moderna
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
belecia que as órbitas são elípticas (não circulares, co m o se con sid era
va m ais p erfeito ), que a linha reta que une os planetas ao Sol varri-
áreas iguais em iniervalos de tem po iguais, e que os quadrados dos
tem pos de translação dos planetas são p roporcionais aos cu b o s di-
suas distâncias ao Sol. K epler afirm a do m odo mais en fático o mate-
m atism o na ciên cia: “O h o m em não pode co n h e ce r perfeitam ente
nada além de m agnitudes ou por m eio cle m agnitu d es”, escreve ele.
C on tud o, K epler não co n h ece ainda o princípio geral da nova física
nem tem plenam ente a idéia m o d ern a de natureza.
G a lile u G a lile i ( 1 5 6 4 -1 6 4 2 ) , nascid o em Pisa, na Itália, é o ver
dadeiro fundador da física m oderna. Suas principais obras são: II sag-
giatore, D ialogo dei m assim i sistem i e D iscorsi e dim ostrazion i m atem atiche
intorno a due nuove scienze. Foi professor em Pádua, descobriu os satéli
tes de Jú p iter e se declarou copernicano. Foi processado pela Inquisição
rom ana e obrigado a se retratar; co n ta-se, em bora não esteja com p ro
vado, que pronunciou a fam osa frase Eppur se m uove. Posteriorm ente,
a Igreja reconheceu o alto valor e a ortodoxia de seu pensam ento. É em
Galileu que se encontra de m odo claro a idéia de natureza que vai carac
terizar a época m oderna e a totalidade de seu m étodo. Verem os logo em
seguida essas idéias, que nele aparecem m aduras.
D epois de Galileu há um a longa série de físicos que com pletam
e desenvolvem sua ciência: T orricelli, seu d iscípulo, in ven to r do b a
rôm etro; o francês G assendi, que renovou o atom ism o; o inglês Ro-
bert Boyle, que dá caráter cien tífico à qu ím ica; o holand ês H uyghens,
d esco brid o r de im portantes leis m ecân icas e autor da teoria ondula
tória da luz; Snell, óp tico, e tam bém D escartes, que d escobre a geo
m etria analítica; Leibniz, d esco b rid o r do cálcu lo in finitesim al, e, so
bretudo, o inglês N ewton, que d escobre e ao m esm o tem po form ula
de m odo geral o princípio da física m oderna.
Is a a c N e w to n ( 1 6 4 2 - 1 7 2 7 ) , p rofessor de C am b rid g e, filósofo,
m atem ático, físico e teólogo, p u b lico u em 1 6 8 7 um dos livros mais
im portantes da história: P h ilosop h iae n aturalis prin cip ia m athem atica.
Newton form ula a lei da gravitação universal e interpreta a totalidade
da m ecânica em função das atrações de m assas, expressáveis m atem a
ticam ente. C om ele a física m oderna atinge a sua pureza, baseando-se
2 1 8
( 5 COMIÍÇO DA FILOSOFIA MODERNA
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( ) C OM EÇ O DA FILOSOFIA MODERNA
-/ A iscolástica espanhola
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I ) [ OMIiCO [)A FILOSOFIA MODERNA
22 3
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
2 2 4
O C O M E Ç O DA FILOSOFIA MODERNA
l*« iiiiitiri i.iis, li.lo adm ite que a m a téria sig n ata qu an titate seja o prin-
i i|'iH 11o 11\nltuli/ador. O qu e é decisivo no indivídu o é sua incom uni-
i iil'ih, 1, 1, 1, , m u i ez afirm a que os elem entos co n stitu tivo s de cada
............... .. •.ui princípios de individuação: sua unidade modal co n sli-
ihi ,i nu11v KIuaiitlacle do co m p osto . As investigações de Suárez sobre
.« ............ ..11h 1ac 1c , de interesse trinitário e an trop oló gico , são extrem a-
III) 111< .11J II i, is .
I'.ii.i '.uarez, a ú nica analogia entre o ser, que é predicado de
...... I" p i.ip n o e absolu to de D eus, e as coisas é qu e são criad as co m
ii li ii tu i ,i ,i Divindade. A su pressão da d istinção real entre essência e
i íim c iii i.i não significa um a id entificação do ser divino e do ser cria-
d.., |iiti-, ,;u). respectivam ente, a se e a b alio, necessário o prim eiro e
........ m )m•111c* o segundo. Suárez co n ced e valor ap o d íctico para a de-
iii.mi .ii,ii.,i() da existên cia de D eus apenas aos argum entos m etafísicos
■ dii ma a im possibilidade de ver e co n h ecer n atu ralm en te D eus, a
ii ui ,ri iIr m aneira ind ireta, refletido nas criaturas.
I m si-u T ratado das leis, Suárez tom a p o sição na questão da ori-
i»i m do poder. Nega a teoria do direito divino dos reis, usada pelos
I ui ui ■.i.mies, segundo a qual o rei obteria seu p o d er im ediatam ente de
I '■ ii ' alirm a a tese da so beran ia popu lar; a autoridade real se funda
■i>• i mi .i-ntim ento do povo, que é qu em tem o poder, derivado de
I *■ 11■■. ' ■ pode destituir os so beran o s ind ignos de governar2.
* * *
225
►
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I. D e s c a r t e s
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D esc a r tes
I () ffioblema cartesiano
\ 1111\ ida • D escartes sente uma profunda insegu ran ça. Nada
I ..................................................................................... i m r confiança. Todo o pa
u ni...... .. in, ms opostas foram defendidas; dessa pluralidade nasce o
II in imiih (o cham ado pirron ism o histórico). O s sentid os nos enganam
........In q u ciid a ; existe, adem ais, o sonho e a alu cinação; o pensam en-
i,. li.ui ui, u v r confiança, porque se com etem paralogism os e se in co r-
............. 11i-c11K-ncia em erro. As ú nicas ciências que parecem seguras, a
ui ii' iii.iiu a e a lógica, não são ciên cias reais, não servem para co n h e-
i * i ,i ii .iluladc. Que fazer nessa situação? D escartes qu er construir, se
i .. I>H possível, um a filosofia totalm ente certa, da qual não se possa
i i i '1 i,l.ii c sc vê profundam ente m ergulhado na dúvida. E esta há de
■' |u .i.im ente, o fundam ento em que se apoiará; ao co m eçar a filo-
■,I li I Vs. artes parte da ú nica coisa que tem : de sua própria dúvida
■l, ' i;i i ii Iira 1 inrprtp7a É preciso pôr em dúvida todas as coisas, pelo
u i '..... . uma vez na vida, diz D escartes. Não irá ad m itir nenhum a v er-
■J ii li ' Ir mie possa duvidar. N ão basta não duvidar realm ente dela; é
I < i .d que não reste dúvida nem m esm o co m o possibilidade. Por
i .M I >i ■-.rai tes faz da Dúvida o próprio m étodo de sua filosofia.
'-.n aceitará para sua filosofia princípios dos quais não caiba dú-
ii l.i I rm b re m que rejeitou a suposta evidência dos sentidos, a segu
iam..i do pensam ento e, sobretud o, o saber tradicional e recebido. A
imiiH-iia tentativa de D escartes é, portanto, ficar totalm ente s ó : é,
i mu rlc ito , a situação em que se encontra o hom em no final da Idade
Media I' a partir dessa solid ão que D escartes tem de tentar reco n s
231
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D esc a r tes
4 ( > home ni
233
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cia de seu tem po. Mas está preso em sua co n sciên cia, en cerrado cm
seu eu p ensan te, sem poder dar o passo que o leve às coisas. Como
sair dessa subjetividade? C om o co n tin u ar sua filosofia, agora que en
co n tro u o p rin cíp io indubitável? A ntes de bu scar um a segunda verdn
de, D escartes se detém na p rim eira. É um a verdade b e m h u m ilde.
mas lhe servirá para ver co m o é um a verdade.. Isto é, antes de em
preender a bu sca de novas verdades, D escartes exam in a a ú n ica que
possui para ver em que co n siste sua veracidade, em qu e se reconhece
que 0 é. Busca, p ortanto, um critério d e certez a para re co n h ecer as ver
dades que possa vir a en co n trar (O rteg a). E constata qu e a verdade do
cogito consiste em que não pode duvidar dele; e não pode duvidar
porque percebe qu e tem de ser assim , porque é ev id en te; e essa evi
d ência consiste na absoluta cla rez a e distin ção que essa idéia tem . Esse
é o critério de verdade: a evidência. E m posse de um a verdade firme e
um critério seguro, D escartes se d isp õe a recon qu istar o m u ndo. Mas
para isso tem de dar um a grande volta. E a volta cartesiana para ir do
eu ao m undo passa, coisa estranha, por Deus. C om o é possível?
3. D eus
234
D esc a r tes
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
um ente perfeitíssim o, que é D eus; pois bem , a ex istên cia é uma pei
feição, e a en co n tro incluída essen cialm en te na idéia desse ente; poi
tanto, é necessário que D eus exista. As duas provas cartesianas, in ii
m am ente relacionadas entre si. têm nm elem ento co m u m : eu tenho n
idéia de um en te perfeito, logo existe. O que as distingue é a ra zã o pehi
qual a idéia prova a existência: na prim eira, afirm a-se que só Deus
pode pôr sua idéia em m im ; na segu nda, m ostra-se qu e essa idéia de
Deus que eu possuo im plica sua existên cia. Portanto, as duas provas
se exigem e apóiam reciprocam ente.
A rigor, o ponto de partida da d em onstração cartesiana é a reali
dacle do eu, com parada com a idéia clara e distinta da D ivindade. M i
nha finitude e m inha im perfeição se opõem à in finitu d e e perfeição
de D eus, cu ja idéia encontro em m im . M ediante a elevação ao in fin i
to de tudo o que há em m im de p ositivo e a anulação dos lim ites, ele
vo-m e intelectu alm ente até D eus. E m outras palavras, n o hom em se
en co n tra a im agem de D eus, que p erm ite chegar ao con h ecim en to
deste. “Essa idéia [de Deus] - diz D escartes no final da M ed itação UI -
nasceu e foi produzida com igo desd e que fui criad o, assim com o a
idéia de m im m esm o. E, na verdade, não deve causar estranheza que
D eus, ao m e criar, tenha posto em m im essa idéia para que seja com o
a m arca do artífice im pressa em su a obra\ e tam pouco é n ecessário que
essa m arca seja algo diferente dessa p rópria obra. Pelo sim p les fato de
Deus ter m e criad o, é m uito crível qu e tenha me prod uzid o, de certo
m od o, a sua im agem e sem elh an ça , e qu e eu co n ceb a essa sem elhança,
na qual se ach a co n tid a a id éia de D eu s, m ediante a m esm a facu ld a
de com que m e co n ceb o a m im m esm o; ou seja, qu and o reflito sobre
m im , não só co n h e ço que sou u m a co isa im p erfeita, in co m p leta e de
pendente de outra, que tende e a sp ira sem cessar a algo m elh o r e m aior
que o qu e sou, m as ao m esm o tem po tam bém co n h eço que aquele de
qu em depend o possui em si todas essas grandes coisas às quais asp i
ro, e cujas id éias encontro em m im , não indefinidam ente e só em potên
cia, m as qu e goza de fato delas, atu al e infinitam ente, e p ortanto que é
Deus. E toda a força do argum ento qu e usei aqui para provar a exis
tência de D eus consiste em re co n h ecer que não seria possível que m i
nha natureza fosse tal co m o é, ou seja , que eu tivesse em m im a idéia
de um D eus, se D eus não existisse verdad eiram en te.”
236
D esc a r tes
237
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
238
D esc a rtes
fill iilhhl ifiii lliyrir possum us, q u a m rem q u ae i ta existit, ut nulla a lia re in-
■Aurtil iiiI ' u sln tdiim . A su bstân cia se define, p o rtan io , pela in d ep en -
il/ni y . i .ubsiancia é nã o necessitar de outra coisa para existir; tra-
>i *i ili mi 1,1 determ inação negativa, que não n o s diz o que é ser subs-
liliii i.i |ii>',iiivnmcnte.
I i i iiiiiio lado, D escartes adverte que a rigor o único ente in d e-
M,i' ii . . P e n s , um a vez que os entes criad os n ecessitam dele, e a
jiiil.i' i,i uil \tiincia não se aplica u nivocam ente a D eus e a eles, só se
1111111 .i iiiiii/iiyii am ente. Mas é aqu i que co m eça a dificuldade. A m ente
i ii Miiimlti cham am su bstân cias porque só precisam de Deus para
. -i ui di. D escartes; têm , p ortanto, um a ind ep end ência relativa,
ui nu nl.i Mas D escartes agrega que não p o d em o s co n h ecer a su b s-
i.im i.i /mi -,i só, porque não n o s afeta, e só a apreend em os por algum
ui 11ii1111, |H)r exem plo a exten são ou o pen sam ento. E então tem os de
■■li ii i i" imantar: q ue há de com u m entre D eus e os entes cria d o s.
i|in |ii i iiniii ch a m á-los igu alm ente de su b siân cias?
I 'i >i , 11'ics aclara que assim se c h am am apenas por analogia; m as
....... .ui.ili c,ia - com o já m ostrou A ristóteles - exige um fu n d am en to
i|in ■ |,i, por certo , unívoco. Q ual pode ser o fundam ento com u m da
in.iliijMi ,i substância cartesiana? A ú n ica característica definitória da
■ui i.iik ui c para D escartes a in d epend ência. Mas esta i tam bém a n a -
h ifti a. pi iis a ind epen dência das su bstâncias criad as é apenas relativa,
i ' luiiil.im ento da su posta analogia é por sua vez analógico; o que
■11iii',.iIr ;i dizer que a n o ção de su bstância em D escartes é equívoca.
1 -.1111 li ■ii o. D escartes não tem um a noção su ficien te do s e r ; para ele é
iIjmi i.iii uhvio que acredita poder p rescind ir de seu sentido para se
I» ii|i.n d iretam ente dos entes. E esta é a d eficiên cia radical da m etafí-
•ii , i i . ii icsinna. cu jas co n seq ü ên cias afetam tod o o pensam ento da
i'| ii ii ,i m oderna.
* * *
Vem os, pois, que D escartes tem de passar por Deus para ch egar
......... m udo, c qu e, m esm o ren u nciand o à teologia, há um m o m en to
i mi 111ii- in ii de se o cu p ar in telectu alm en te de D eus. Mas certam en te
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
não é preciso que faça teologia; basta provar a existên cia de Deus, ■■
ele o faz m ed ian te a prova on to ló g ica. É o argum ento o n tológ ico qui
perm ite ao hom em idealista, que tinha perdido Deus e em seguida tam
bém o m u n d o , reconqu istar um e, em co n seqü ên cia, o outro. A filo
sofia cartesiana e, co m o verem os, tod o o idealism o até Leibniz, fun
da-se no argum ento ontológico.
4. O m undo
240
D esc a r tes
fl« * 1 iiiiiiiili' poderia ser exp licad o por uma série de m ovim entos de
iMiu.-lmliii, que, tlcpois da criação, se desenvolve de m odo puram en-
ii mu •.uni ii Aqui en co n tram o s a ressonância da idéia de que a co n -
v> ......... . 1111 m undo, a criação continu ada, não é necessária, e o m u n -
.............. . vi .- i nado, se basta a si m esm o.
iiiiilii)»ia • D escartes estend e esse m ecan ism o a toda a física - a
-.li , n ii |i r. de ótica e m eteorologia - e tam bém à biologia. O s ani-
iii ii i" p.iia He puras m áqu in as autôm atas, res exten sa. M áquinas, é
i Id ii |Mi Icinssim as, co m o obras da m ão de D eus, m as sem sem e-
II, ui, 111uii a substância esp iritu al e pensante que é o hom em . N este,
,i H.imlula pineal - o ú n ico órgão ím par que en co n tra, e, além disso,
•i. Iu iii ai i d escon hecida - é o ponto em que a alm a e o corp o pod em
i ......... . m utuam ente. A partir dela, a alma orienta o m ovim ento dos
. /'H ir, s iiiiunciis, e vice-versa. P osteriorm ente reco n h eceu a im possi-
liilii Lu Ir de explicar a evidente com u nicação. Em seu Tratado das p ai-
■■'I Mi m a i-i es inicia a série de tentativas de ex p licar o m ecanism o da
P ii |ui hum ana m ediante a co m bin ação de alguns m otores p síqu icos
1111ii l.i 11ir i ii ai s. Esta é, reduzida a sua m ais m ínim a expressão, a teoria
. ,iiI, -.íana do m undo.
1. liacionalismo e idealismo
241
1
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
242
11. O CARTESIANISMO NA F R A N Ç A
i ii",i aiics determ ina toda a filosofia do século XV II no con tin en-
i‘ *.«t.i m lliicncia é visível, não só em seus discípulos e seguidores
íimi ili.iins. mas nos pensadores independentes, até m esm o nos teólo-
, cm I .i s c a i , em Fénelon ou em Bossuet. E, sobretudo, em M ale-
iM nu In-, e lora da França nas grandes figuras de Espinosa e Leibniz.
' • ............ o desenvolvim ento dessa filosofia.
I M alebranche
243
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C om pletou essa form ação com Santo A gostinho, sobretudo, e tam bcm
com um p ensad or dos Países Baixos, A rnold G eu lin cx, e os orienui
dores da ciên cia natural; Bacon, H obbes, G assendi etc. D ez anos de
pois se iniciou a produção literária de M alebranche. Ao m esm o tem
po com eçaram as relações - cordiais ou polêm icas - co m a m aioria das
grandes figuras contem porâneas: Arnauld, Fénelon, Bossuet, Leibniz,
Locke, Berkeley. M alebranche sentia um profundo apego pelo retiro c
pela m editação solitária; sua vida foi recatada e silenciosa sem pre que
possível, dentro da com u nidad e oratoriana. E m orreu aos 7 7 anos,
ch eio de calm a e de profunda religiosidade.
O b ra s • A principal obra de M alebranche é a R ech erch e d e la vé-
rité. D epois p u blico u C onversations chrétienn es, e em seguida as in titu
ladas M éditation s chrétiennes. M ais tarde escreveu Traité d e la nature et
de la g r â c e , que su scitou um a violenta p olêm ica e foi in clu íd o no ín d i
ce pela In qu isição. Tam bém escreveu um diálogo m uito im portante,
intitulado Entretiens sur la m étaphysiqu e et sur la religion, e um Traité de
m orale. Essas são as obras mais im portantes da produção filosófica de
M alebranche.
O o c a s io n a lis m o • O centro da filosofia de M alebranche es
em sua teoria do ocasionalism o, iniciada por Arnold G eu lin cx, pro
fessor em Louvain e p osteriorm en te, d epois de sua conversão ao cal-
vinism o, em Leiden. O problem a de M alebranche, que parte da situa
ção cartesiana, é o da tran scen d ência do su jeito e, em geral, o da co
m u n icação das substâncias. D escartes ainda tentara salvar de algum a
m aneira a in teração das substâncias, reduzindo-as a p equ en os m ovi
m entos e alteraçõ es da glândula pineal. M alebranche vai afirm ar taxa
tivam ente que não há nem pode haver co m u n icação n en h u m a entre a
m ente e os co rp os. “É evidente qu e os corp os não são visíveis por si
m esm os, que não pod em agir sobre nosso espírito n em ser represen
tados nele" (R ech erch e de la vérité, esclarecim en to X). O co n h e cim en
to direto do m u n d o é, portanto, absolutam ente im possível; m as há
algo que possibilita esse co n h ecim en to : por um lado, Deus tem em si
as idéias de tod os os entes criados; por outro, “D eus está m uito in ti
m am ente u nid o a nossas alm as por sua presença, de m od o que se
pode dizer que é o lugar dos esp írilos, assim com o os esp aços são em
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O (.ARTESIANISMO NA FRANÇA
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2. Os p en sadores religiosos
246
O I ARTESIANISMO NA FRANÇA
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
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( ) <AKI fiSlANISMO NA FRANÇA
i v i .1 I li \h'i h i .lie. viir itittíes das Igrejas protestan tes. Suas obras filosófi-
. I* .I. Mli h u im portância são o tratado D e la co n n aissan ce d e Dieu et d e
■ï iM.'nir ï I Mm o n i\ sui l'histoire u niverselle, verdadeira filosofia da his-
............ 11h ,i- vinc ula co m a C id ad e d e Deus, de San to A gostinho, e pre-
...........I' ! ! I in modo a obra de V ico e Herder e, so bretu d o , de Hegel.
I I m Inn • O utra grande figura da Igreja da Fran ça é F én elo n ,
»!•. lu Ih ï de ( am brai ( 1 6 5 1 - 1 7 1 5 ) . A propósito do quietism o, a he-
I. ' . iiiiiinlii.-ulii pelo esp an h ol M iguel de M olinos, autor do Gui a es-
I a iimil ï dilm idida na F ran ça por m adam e G uyon, Fén elon tcve um a
I .ï ï oui Bossuet, e algum as proposições de sua H istoire des m a-
<iiii ,li ■, Mji/ifs loram con d enad as. F énelon , co m o fiel cristão, retra-
I *111 .ï ili ,eu cito . Sua obra filosófica m ais interessante é o Traité de
I . ■hii m< r <!(' Dieu.
I i iiclon representa, em certo sentid o, u m a co n tin u ação do pen-
inii mu di1 Bossuet, mas vai m ais longe. Não só in corp ora um a série
■I' il' ï n bcrtas cartesianas, co m o o dualism o e a com p reensão do h o-
iii.-m I nm o ente p ensante, m as adota para si o m étod o de D escartes:
. h r . h l.i universal. A p artir da evidência ind u bitável do eu tenta re-
- Mip.mm a realidade e chegar a Deus. A segunda parte de seu tratado
. . I.n.im cnte cartesiana. M as enq u an to D escartes é pura e sim ples-
■II. nii um filósofo, F én elo n é teólogo acim a de qu alqu er outra co isa ,
I h)1 isso a o rien tação de seu p en sam en to é em ú ltim a in stâ n cia
Ih m d istin ta.
249
II I . E s p i n o s a
251
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
I. M etafísica
252
E s p in o s a
253
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
cia única, que obriga a identificar esta co m Deus, por um lad o , e com
a natureza por outro: Deus sive su bstan tia sive natura. Nesse m om enio
surge o panteísm o de Espinosa. Em sua filosofia, p raticam en te não sr
ocupa de ouira coisa senão de D eus; mas isso, que pod eria p a re m
uma nova teologia, não é m ais que o estudo m etafísico da substância,
e, ao m esm o tem p o , a consideração racional da natureza, entendida,
ao m odo cartesian o , geom etricam ente.
No sistem a de Espinosa, co m o em todos os dem ais do século
XVII, é p reciso garantir a existência de Deus. E isso num sen tid o tal
vez ainda m ais extrem o, já que tem de atribuir à própria natureza, ju n
to com o caráter substancial, a divindade. S er não qu er d izer em Espi-
nosa ser cria d o p o r D eus, mas sim p lesm ente ser divino.
2. Ética
254
I iSPINOSA
255
H istória da filosofia
1
Não tend em os às coisas - diz E spinosa não qu erem os ou a p r
tecem os algo porqu e o co n sid erem os b o m , m as, ao co n trário , julg:i
m os qu e algo é bom porqu e ten d em o s para ele, porque o querem os,
o ap etecem o s ou d esejam os. Esta cu piditas é o principal afeto do ho
m em ; existem outros dois que são fundam entais, a alegria e a tristeza,
que co rresp o n d em ao au m en to ou à d im inuição do ser e da perfeição,
destes três afetos proced em tod os os outros e toda a vida psíquica do
h om em : o am or, o ódio etc.
P ortan to , o qu e co n stitu i o ser das coisas para Fspinosa p um ?<;-
fo r ç o (con atu s), um a ten d ên cia, e esse esforço é um afã de ser sem pre \
Portanto, s e r a u e r dizer nara E sp ino sa q u erer ser sem p re, ter ap etite dç
etern id ad e ou. pelo m enos. de perduracão. A essên cia do hom em e
d ese jo : o h o m em co n siste em d e se ja r ser sem p re e sa b e r q u e o d e
seja. N esta form a radical en laçam -se o problem a do ser e o problem a
da im ortalid ade em Espinosa.
256
IV. L eibn iz
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
2 58
I J - I BN1 Z
259
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
2. A metafísica leibniziana
260
I MUNIZ
...... . ^ ' : ^ 1 1 Ima vis rep ra esen tativ a ou força de rep re-
■kíi, i t-1 1 iii.Mi.kI.i n-presenta ou reflete o u n iv e rso inteiro, ativa-
14, .!■ ili u ii i' 1'iiiii . li' vis t a . Por isso, as m ô n a d a s são insubstituí-
• inl.i um i ii lli ii o u n iv erso de u m m o d o p ró p rio . A metafísica
i j'lniiili'.M i- tw isp ectiv ista. N e m to d as as m ô n a d a s são de
|ii> i i i . .............Ili'iciii o u niverso co m d iversos graus de clareza.
i.ii iml.r, :is m ô n a d a s t ê m c o n s c i ê n cia de seu refletir.
i|.. I.' ii ............ u m ia e m e m ó r ia , p o d e -s e falar n ã o só de v erc ep -
.11' . d ', ii. I'liii': esie é o ca so das m ô n a d a s h u m a n a s . Mas essa
i f i r f t f in I. i" . ii in .1 c u m fazer da m ô n a d a , u m c o n a to , u m a ap eti-
10 ' 111. cm ii i|" i li i p ro p rio fundo o n to ló g ic o dela, de sua p ró p ria
»♦•li.l i.l. .................|iu' a c o n t e c e c o m a m ô n a d a brota de sen p ró p rio
I. ii i- ri. -.iliilulades internas, sem in terven ção exterior.
I ............. 1 1 ihm:: laz o co n tr á r io de E sp in os a: e n q u a n to este re-
<Jy» i .il. ........... ilulade a u m en te ú n ic o , n a tu re z a o u D e u s , Leibniz
ki ii ui i " I <--i nu i.i o caráter de coisa sin gular que tinha desde A ristó-
11 U i I ■ - ■ 11" .ciiiido, a volta à in te r p r e ta ç ã o d o co n c e ito de subs-
i*ii- i i ■..Ni.! liii.ci ou bem de u m a coisa, oúoicc e m grego , c m vez de
■ui ........................... tia in d ep en d ên cia - c o m o D e scartes e, mais ain-
h I |'iii" i .'|iii na m etafísica grega foi s e m p r e u m a c o n s e q ü ê n c ia
I . M ii. i uh .......... .. no se n tid o da ousía. A s u b s tâ n cia , dizia A ristó-
'j I i .. l u i r n n dc ra d a c o is a . A nte a dualid ad e cartesian a da res ex-
........ . i <l.i h . i iii;ií(iii.s, p re sid id as pela res infinita q u e é Deus, Leibniz
• -li.i |.-ii i m ii.i ab solu ta p lu ralid a d e de m ô n a d a s su b s ta nciais, que
..u i............. a ■om todo rigor, a totalidade de suas possibilidades o n -
M l"|M.......... a .iilciiancia o u n a tu re z a v olta a s e r p rin cíp io do m o v i m e n -
<i- u i pi< <pi i . r . ' oisas, c o m o e m Aristóteles. A p e s a r de suas ap aren tes
.................... .... i o m Platão, pela teoria das idéias inatas, Leibniz é o
Mi.jit .i i I ,imii li. o dos m etafísicos do racio n alism o , e daí d ecorre em
i'*nii ii.i nu om paiavel fecu nd id ade, que a filosofia sem pre recuperou
■|nmi|ii -.i po-, cm c o n t a t o vivo c o m Aristóteles.
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LlilHNIZ
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3 . O conhecim ento
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I.IIDNIZ
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anles nos sentid os, exceto o p róprio entendim ento: N ihil est in inlrl
lectu qu od prius non fu erit in sensu... nisi intelectus ipse.
A ló g ica • A lógica tradicional, dem onstrativa, não satisfaz LeiIj
niz. Cre qu e só serve para d em onstrar verdades já co n h ecid as e nau
para ericontrá-las. Essa o b jeção , assim com o a tend ência ao inatisnio,
já tinham aparecido em D escartes, e em Leibniz chegam a seu extre
mo. Leibniz quis fazer uma verdadeira ars inveniendi, um a lógica que
servisse para d escobrir verdades, um a com bin atória u niversal que estu
dasse as possíveis com bin ações dos conceitos. Poder-se-ia operar de
m odo apriorístico e seguro, de m aneira m atem ática, para a investiga
ção da verdade. Esta é a famosa A rs m agna co m b in atoria, que inspirou
filósofos desde Raim undo Lúlio. D aqui nasce a idéia da m athesis tmi-
versalis, que atualm ente vem m ostrand o sua fecundidade no cam po
da fenom enologia e da logística ou lógica m atem ática.
4. Teodicéia
2 6 6
LriiBNiz
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
D eus cria os hom ens, e os cria livres. Isso q u er dizer que decidem
agir livrem ente, em bora ten h am sido d eterm inad os p o r Deus a cjxísM i
D eus q u er que os hom en s sejam livres e p erm ite que possam pei ,n
p orqu e é m elhor essa liberdade que a falta dela. O pecado apareu .
p o rtan to , co m o um mal possível que co n d icio n a u m bem superioi .1
liberdade hum ana.
D e u s na filo s o fia do s é c u lo X V II • V im os qu e, apesar do isol.i
m ento da teologia, D eus não estava perdido. Toda essa filosofia raeio
nalista e idealista, de D escartes a L eibniz, pode su rgir porque Deie.
está lá, seguro em bora isolado. A razão talvez não possa con h ecer .1
essên cia divina, não possa fazer teologia, m as sabe co m certeza que
D eus existe. A situação da ép oca, insisto, é que D eus esiá um tanio
afastado, um tanto inacessível e in operante na atividade intelectual,
m as, não obstante, seguro. A p óiam -se nele, em bora n ão seja um temn
em que os olhares se d eten ham co m interesse co n stan te. D eixa de sei
0 h orizon te sem pre visível para se transform ar no solo intelectual d;i
m ente européia do século X V II.
É isso 0 que dá um a unid ad e profunda ao p eríod o da história d:i
filosofia que vai de D escartes a Leibniz. Esse grupo de sistem as apare
ce envolto num ar com u m , que revela um a filiação sem elhante. Perce
be-se um a profunda coerên cia entre todas essas con stru ções filosóficas
que se apinham nesses d ecênios. E esse co n ju n to de sistem as filosófi
cos aparecerá contraposto a outro grupo de altos ed ifícios metafísicos:
0 cham ado idealism o alem ão, que com eça com Kant para culm inar em
Hegel. A filosofia da ép oca rom ântica dirigirá um a crítica à totalidade
da m etafísica do tem po barroco. Nessa o bjeção, esses sistem as apare
cem form ando um todo, sem nen h u m a distinção entre eles; interessa
rá ver o sentido dessa qualificação de conjunto. Essa filosofia é den om i
nada dogm ática. Q ue qu er dizer isso? Terem os de ver qual 0 destino do
problem a de Deus nas m ãos dos idealistas alem ães. Esse problem a se
expressará na questão do argum ento ontológico e nos revelará a situa
ção m etafísica da nova etapa da filosofia m od erna2.
268
C) empirismo
I A I ILOSOFIA INGLESA
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1. Francis Bacon
270
A I II.OSOFIA INGLESA
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
2. H obbes
272
A I II O s n i IA INGLESA
0R#IhIhI l‘..i I .!• lluhl n-s c m aterialista e nega que a vontade seja li-
Hi h it i " i l " o .K mi 111' I i-r d om ina um d eterm in ism o natural.
I I li in 11111.1 I In I •,iado • H obbes parte da igualdade entre todos
* Itmii. it \. h ilii.i i|tu- todos aspiram ao m esm o; quando não o al-
rrii. .ii, "In . v. in ,i m im izade e o ódio; qu em não consegue o que
.1. . Mllll.ldo outro e, para se precaver, o ataca. Daí a co n -
, •I<i i" ............... i.i tin hom em de H obbes; h om o hom ini lupus, o h om em
*..i l"l>.. ■I. i I. ..... -ui O s h o m en s não têm um interesse direto na co m -
li.uiiii i >ir .i iiu-lhantes, só a têm en quanto possam su b m etê-los.
* • m 1 iii" i" ii 11.1discórdia entre os hum anos são: a com p etição, que
|1|i;,‘t........ ,i|'i. •.■.in's para o b te r lucro; a d esco n fian ça, que leva os h o-
im ifí .1 ■. .ii ii .oi'Mi com vistas à segurança, e a glória, que os h o stili-
i i |'"i u i.iii’ o-, ili' reputação.
i .I .mi.ii..in natural d efine um estado de perpétua lula, de guer-
M •I. i . •. li' i mu 1.1todos (b ellu m om nium con tra om n es), segundo a co -
u l i .. i.li li ii 11in l.i ili- I lobbes. N ão se trata, co n tu d o , de atos isolad os
in In I in I , ii. uni cstado - um tem po, diz H o bbes - em que se está,
......I 'Ii |"i o..iii p m n a n e n te em que não há certeza do contrário.
I ' I........'in esta dotad o de u m pod er do qual dispõe co n fo rm e
I u . 11h i I in n in certas paixões e d esejos que o levam a bu scar coisas
■ '|<M I. I .m i Iliiia-las dos dem ais. C om o todos co n h e cem essa atitud e,
li ........ ims tios outros; o estado natural é o ataque. Mas o h o m em
■ I n .m u ili i|iic essa situ ação de insegurança é insu stentável; nesse
. i " I " ili Iu i.i vive-se de form a m iserável, e o h o m em se vê obrigad o
■ ini . .ii ,i p.i.' I lobbes distingue entre ju s ou direito, que in terp reta
■nu •lil ii iih iilr, e lex ou lei, que significa obrigação. O h o m em tem li-
lii cl.n l' isto c, direito - de fazer tudo o que possa e queira; m as co m
lim Im, nu r possível fazer três coisas: ex ercê-lo , ren u n ciar a ele ou
273
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
274
A I II DSOI IA INGLESA
I I I J< IMIli)
275
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
2 7 ft
A FILOSOFIA INGLESA
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
2 78
A I II.OSOFIA INGLESA
* I h i l a l i ’v
279
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
co n h ecem .
Suas p rincipais obras são: E ssay Towards a New T heory o j Visio/i.
T hrec D ialogues b etw een H ylas an d Philonous (Três diálogos entre I lil.u
e F ilo n o u s), P rincipies o j H u m an K n ow ledge (Prin cípios do conheci
m ento hum ano), Alciphron, or the M inute P hilosopher (Alcífron, ou o lili >
sofo m enor) e Siris, em que expõe, ju n tam en te com reflexões metaíísi
cas e m édicas, as virtudes do alcatrão.
M e ta fís ic a de B e rk e le y • A teoria das idéias de Locke leva Bn
keley ao cam p o da m etafísica. Berkeley é n om in alista; não acredii;i
que existam idéias g e r a is ; não pode haver, por exem plo, um a idéia gc
ral do triângulo, porque o triângulo que im agino é forçosam ente eqiii
látero, isósceles ou escalen o , ao passo que o triângulo em geral não
con tém esta d istinção. Berkeley se refere à intuição do triângulo, mas
não pensa n o con ceito ou pensam ento de triângulo, que é verdadeira
m ente universal.
Berkeley prolessa um espiritualism o e idealism o extrem ado. Para
ele não existe a m atéria. Tanto as qualidades prim árias co m o as secun
dárias são su bjetivas; a extensão ou a solidez, assim co m o a cor, são
idéias, co n teú d o s de m inha p ercepção; por trás delas não há nenhuma
su bstância m aterial. Seu ser se esgota em serem percebidas: esse est
p erc ip i; este é o princíp io fund am ental de Berkeley.
Todo o m u nd o m aterial é só representação ou percepção minha.
Existe apenas o eu esp iritu al, do qual tem os um a certeza intuitiva.
Por isso não tem sentid o falar de causas dos fenôm enos físicos, dando
um sentid o real a esta expressão; existem apenas co n cord ân cias, rela
ções entre as idéias. A ciên cia física estabelece essas leis ou conexões
entre os fen ô m en o s, enten d id o s co m o idéias.
Essas idéias proced em de D eus, que é quem as põe em nosso es
pírito; a regularidade dessas id éias, fundada na vontade de D eus, faz
com que exista para n ó s o que cham am os um m u ndo corp óreo. Aqui
en co n tram o s de novo, por outros cam inh os, D eus co m o fundam ento
do m u n do nessa nova form a de idealism o. Para M alebranche ou para
Leibniz, só pod em os ver e saber as coisas em ou por D eus; para Ber-
280
A I I II >M)I IA IN l.il.ESA
281
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
282
' iv ii i a ir i< . 1 1 '.A
* \ I •I m/i I i l 1 l| I '.I |
... H - ;ftí i ' ■i 1111■i i i »>Mili, l, iivi I 'iMvri \ i>/ Miin; o sc^un-
1 1| p. ..i ■1.1 i I;.' til'- .il •!.. I i11111>iM liiii I i 'ii/li/ii . ii/ M iu a l l ’h i-
i i: ' ' i i ' Ml i, '1.1 .,11./ .'i/iif.il / ' i H i t i ( ) p o n l o de par-
i I . ii 1■i - 1 . | , i .! ! . ■ | ■ i ,■ 11. 11 ■ i i 'I I n ui i l i i i o i i l i e e i m e n t o ,
‘■ín. • | ■■-. iii .ii- i, l i l i ■ ,iii.i -i I ■i i l i n i i i r im rdialo, que
- ii, | i . , , ■i . 11 i, ....................... i .m in i-, i ui, ikIc ;i r a z ü o s ã . A
ii' ■*. l i, i,.......... ...........li nniii ii i ui .ii .ut '.ciiso comum, ao
i .......... i i i Iii ii i , ma Mina de certeza; todas
t M■■ • .......... i " i l i | ..........li i\ ii la "I ii i .ii.i e v i d C n c i a i m e d i a t a .
I mi . 1 .i In, i iii ii 111 • ii.c. i ui .a1, e nos ancora novam en-
*. . o. ■!> íii,l:ítii i,i - ,i nr ui ii ir i ii ia liliiMilica da escola escocesa
III. i i • i tu ui mi • mo Itiiintilar de modo maduro o
> : ) it i"' i' | i ' " 11|*.i‘ i
•i •> .i tit ...............Unem ia na l:rança (Royer-C ollard
i - 1 , i í ,,,in . .1111 uti li i na ( aialim ha, onde suas m arcas po-
a • . ■ i,i. mi I 111111 i M iiicnd ez 1’clayo.
.'H 1
II. O I l u m i n i s m o
285
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
rie de escritores hábeis e engenh osos, que cham am a si m esm os, com
lanta insistência quanto im propriedade, "filósofos”, expõem , glosam
e generalizam uma série de idéias que - de outra forma e com outro
alcance - foram pensadas pelas grandes m entes européias do século
XVII. Essas idéias, ao cabo de alguns anos, tom am conta do am bien
te, transform am -se no ar que se respira, tornam -se o pressuposto de
que se parte. E ncon tram o-nos num m undo distinto. A Europa m u
dou totalm ente, de um m odo rápido, quase brusco, revolucionário. E
esta transform ação do que se pensa determ inará pouco depois a radi
cal m udança da história que co n h ecem o s com o nom e de Revolução
Francesa.
1. O Ilum inism o na F r a n ç a
a) A Enciclopédia
286
O IL U M IN IS M O
287
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
288
O IL U M IN IS M O
289
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
b) Rousseau
290
O IL U M IN IS M O
2. A “A u f k l á r u n g ” na A le m a n h a
291
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
292
O IL U M IN IS M O
293
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
4 . Os iluministas espanhóis
294
O I l u m in is m o
295
I I I . A FORM AÇÃO DA ÉPO CA MODERNA
I A filosofia e a história
I 1 que prim eiro se pensa na filosofia acaba tend o con seqü ên cias
In .1 ■<i h .is As idéias vão se g en eralizan d o até tran sform ar-se p o u co
« puni d num a força atu an te, até m esm o nas m u ltid ões. Isso sem pre
>» i h h h mas m ais que nu n ca na ép oca em questão aqui. Todo o sécu -
I" -A lll, ludo o que cham am os de Ilum im sm o, foi o processo de aqui-
", 1,, ili- influência e ex istên cia social das idéias pensadas nos séculos
mh I m ies. E isso não foi por acaso. Todos os tem p o s vivem , em certa
11 n 11li la, de idéias; mas não é forçoso que estas idéias se m ostrem com o
Ih I nino teorias; costum am precisam ente en co n trar sua força no fato
=Ir -.i- ui ultarem sob outras form as; por exem p lo , form as tradicionais.
Uh M'i ulo X V III, em con trap artid a, as idéias im p o rtam ju stam en te
IXh M-iem idéias: trata-se de viver segundo essas idéias, segundo a
Mir,ii(i. 1’or isso não têm de se revestir de outra aparência, e adquirem
.in m axim a eficácia.
( um as idéias m etafísicas que tentei ex p o r n o s cap ítulos anterio-
ii--. - v co m algum as idéias religiosas e teológicas aparentadas com
I l.i-. ocorre o m esm o. Vão se expandindo para círcu lo s cada vez m ais
im plos, e sobre eles exercem sua influência. P ou co a pou co, a vida e
.r. I ii-ncias vão sendo inform ad as pelos resultados a que a filosofia
■li, >',ou antes. Dessa m aneira, o aspecto do m undo vai se transform an-
■I,, As raízes são anteriores e p erm anecem o cu ltas; o que se m anifes-
i.i r a alteração total da su p erfície. Mas essa variação só pode ser p le
n am ente com p reend id a em sua unidade qu and o se co n h e cem os m o
297
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
2 . O Esladv racionalista
298
A F O R M A Ç Ã O DA ÉPO C A M ODF.RNA
.3. A R eform a
299
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
300
A FO R M A Ç Ã O DA ÉPO C A M O D FRN A
4. A sociedade m oderna
301
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a) A vida intelectual
302
A fo rm a çã o da épo c a m o d ern a
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A F O R M A Ç Ã O DA É P O C A M O DF.RN A
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A F O R M A Ç À O DA ÉP O C A M O D ER N A
O s hom ens racion ais e n atu ralm en te bons estão num a sociedade
co n stitu íd a h istoricam ente, p ou co a pou co, de um m odo im perfeito,
íunclada num a idéia da m onarqu ia que já não está viva, e num a i ra<li
çao religiosa que perdeu vigência social. Esses h o m en s decidem d er
rubar tudo para fazer m elhor, racion alm ente, p erfeitam ente, de uma
vez por todas e para todos: “direitos do hom em e do cid ad ão”, assim ,
sem m ais con cessõ es à história. Estam os na R evolução Francesa. O
m undo se organizará de um m odo definitivo, g eom etricam en te. É a
raison que vai m andar a p artir de agora.
5. A perda de Deus
307
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
crer, mas não é possível que os que não crêem não estejam instruídos
das razões para crer...”
A ssim , m ediante essa prim azia do negativo a progressiva secula-
rização das crenças vai ad qu irind o vigência. E isso exp lica por que,
assim co m o antes não havia razões particulares em cada um a para
justificar o fato de que tivessem seu fu nd am ento na D ivind ad e, tam
pou co agora existem provas su ficien tes para exp licar a exclu são de
D eus das d isciplinas intelectuais. N osso tem po, com o im perativo de
não partir de n en h u m a das duas atitu d es, e de ju stifica r as coisas, te
ria de falhar n o que diz respeito a qu estão tão grave.
Tentei m ostrar a que céus descon h ecid os e im pen etráv eis, co m o diz
Paul ITazard, D eus fora relegado. M as tam bém vim os qu e, ape*sar de
tudo, D eus perm anecia seguro e firm e na filosofia do sécu lo XVII.
Com o é possível esq u ecer essa d im en são e só prestar aten ção à outra,
que nos afasta da Divindade?
Disse antes que D eus deixa cle ser o horizonte da m ente para to r
nar-se seu so lo . Com efeito, o divino n ão é mais o b jeto da co n sid era
ção e da ciên cia, é apenas seu p ressup osto. O h om em nào vai a Deus
porque lhe interesse, o que lhe im porta é o m undo. D eus é tão -so m en
te a co n d ição necessária para reco n q u istá-lo . U m a vez segu ro, Deus
não im porta m ais. O hom em , do que m enos se ocu pa é do so lo ; pre
cisam ente por ser firm e e seguro, p rescind e dele para prestar atenção
a outras coisas; assim , o hom em m o d ern o , esquecido de D eus, volta-
se para a natureza. Na passagem da Idade M édia para a Idade M oder
na vem os um exem plo m áxim o dessa d inâm ica h istórica qu e às vezes
transform a em pressuposto, com função tão diferente, o qu e antes era
h orizonte para o hom em .
Mas há, so bretu d o , outra razão m uito mais decisiva. O processo
a que assistim os brevem ente não term in a aqui. A m etafísica de D es
cartes a Leibniz é só um a prim eira etapa. Veremos co m o o idealism o
alem ão, em K an:, acaba perdendo totalm ente Deus na razão esp ecu
lativa, ao declarar im possível a prova ontológica. P ortan to, desde O c-
kham até o idealism o alem ão avança-se nesse afastam ento de Deus,
que se perde para a razão teórica. Em L eibniz se está apenas na m eta
de do cam in h o . O que então é ascen d en te, o que tem m ais p u jan ça, o
308
A F O R M A Ç Ã O DA É P O C A M O D ERN A
309
O idealismo alemão
I. K a n t
A) A D O U T R IN A KA N TIA N A
311
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
312
Kant
I. Idealismo transcendental
313
I llS T Ô R IA DA F IL O S O F IA
314
Kant
II.Metodologia transcendental.
1. A disciplina da r a z ã o pura.
2. O cân on e da ra z ã o pu ra.
3. A arquitetônica d a ra z ã o pura.
4. A história da ra z ã o pu ra.
a) Os juízos
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
do pelas co n tin g ên cias da exp eriên cia aqui e agora. Kant en co n tra vá
rios tipos de co n h ecim en to a p r io r i: a m atem ática, a física, a m etafísi
ca tradicional, que pretende co n h e ce r seus três o b jeto s, o h o m em , o
m undo e Deus. Esses o b jeto s estão fora da exp eriên cia, porqu e são
“sínteses in finitas”. Por exem plo, não posso ter um a in tu ição do m u n
do porque estou nele, ele não sc dá a num com o um a coisa. Mas Kant
se pergunta se a m etafísica é possível; constata que as outras ciên cias
(m atem ática e física) vão por seu ca m in h o seguro; parece que a m etafí
sica não. E se co lo ca seus três problem as centrais: C om o é possível a
m atem ática? (Estética tran scen d en tal.) C om o é possível a física pura?
(Analítica tran scen d ental.) É possível a m etafísica? (D ialética tran s
cen d ental.) R eparem na form a diferente da pergunta, que no terceiro
caso não supõe a possibilidade. (Estética não se refere aqui ao belo, mas
à sensibilid ade, em seu sentid o grego de aísthesis.)
Portanto, a verdade e o conhecim ento se dão nos juízos. Uma ciê n
cia é um co m p lexo sistem ático de ju íz o s. Antes de tu d o, Kant tem de
fazer uma teoria lógica do ju íz o .
Ju íz o s a n a lític o s e ju íz o s sin té tic o s • São ju ízo s analíticos aqueles
cujo predicado está contido no co n ceito do sujeito. Sintéticos, em co n
trapartida, aqueles cu jo predicado não está incluído no co n ceito do su
jeito , mas que se une ou agrega a ele. Por exem plo: os corpos são ex ten
sos, a esfera é redonda; contudo, a m esa é de madeira, o ch u m b o é pe
sado. A extensão está incluída no conceito de corp o, e a redondeza no
de esfera; m as a m adeira não está incluída no conceito de m esa, nem o
peso no de chu m bo. (Deve-se observar que para Leibniz todos os ju ízos
seriam analíticos, já que todas as determ inações de uma coisa estão in
cluídas em sua noção com pleta; esta noção, porém , só D eus a possui.)
O s ju íz o s analíticos explicitam o co n ceito do su jeito ; os sintéticos
o am pliam . Estes, portanto, au m entam meu saber e são os que têm va
lor para a ciência.
Ju íz o s “a p r io r i” e “a p o s te r io r i” • Entretanto, há um a nova d is
tinção, já m encionad a, conform e se trate de ju ízo s a priori ou de juízos
de experiên cia. À prim eira vista, parece que os juízos an alíticos são a
p rio ri, obtid os por pura análise do co n ceito , e os sintéticos, a p o s ter io
ri. A prim eira afirm ação é verdadeira, e os ju íz o s a p osteriori são, via
de regra, sin tético s; mas a recíproca não é verdadeira; existem ju íz o s
316
Kant
míIf(7ií os a priori, em bora pareça um a co n trad ição, e são estes que in-
h icssam à ciên cia, porque p reen ch em as duas co n d içõ es exigidas:
■■.ui. por um lado, a p rio ri, ou seja, universais e n ecessário s; e, por ou-
in), sintéticos, isto é, au m entam efetivam ente m eu saber. 2 + 2 = 4 , a
■■'ima dos três ângulos de um triângulo é igual a dois retos são ju íz o s
■mieticos a priori; seus pred icados não estão co n tid o s nos sujeitos;
■u iiilido, o sju iz o s não se fundam na experiência. Tam bém fora da ma-
h m.itica, na física e na m etafísica, encontram os ju íz o s sintéticos a prio-
11 lodo fenôm eno tem sua causa, o hom em é livre, D eus existe. O pro
blema da possibilidade dessas ciên cias se reduz a este outro: com o são
I ii) .síveis - se o são - os juízos sintéticos a p riori em cada um a delas?
b) O espaço e o tempo
317
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
dades. Portanto, o espaço e o tem po são o fundam ento lógico - não p si
co ló gico - da m atem ática, e nela são p ossíveis os ju ízo s sin tético s a
priori. A estética tran scen d en tal resolve a prim eira parte do problem a.
c) As categorias
1.
Q u an tid ad e:
U niversais.
Particulares.
Singulares.
2. 3.
Q u alid ad e: R elação:
A firm ativos. C ategóricos.
N egativos. H ipotéticos.
Infinitos. D isjun tivos.
4.
M od alid ad e:
P ro blem ático s
A ssertóricos.
A pod ícticos.
318
Kant
1.
Q u an tidade:
U nidade.
Pluralidade.
Totalidade.
2. 3.
Q u alidade: R elaçã o:
Realidade. S u bstân cia.
N egação. C ausalidade.
L im itação. C om u n id ad e ou
ação recíproca.
4.
M o d alid ad e:
P ossibilidad e.
E xistência.
N ecessidade.
319
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
320
Kant
m t|iu- a existên cia seja um a p e r fe iç ã o que não pode faltar ao ente per-
li ui'.Mino. O u seja, interp reta-se a existên cia co m o algo que está na
i ihmi Mas K ant afirm a que o ser não é um pred icado real: Sein ist kein
a tilrs 1'rádikat. A coisa existen te co n tém tão -so m en te a coisa pensada:
■ n.io fosse assim , esse co n c e ito não seria dela. C em escud os reais -
ili ■ Kant no seu fam oso ex em p lo - não têm nada qu e cem escud os
im v.ivcis não co n ten h am . N o en tan to , co n tin u a ele, para mim não dá
H.i m esm a ter cem escud os possíveis ou cem escu d o s reais; em que
i iMisiste a diferença? O s escu d o s efetivos estão em co n exã o com a sen-
•açao; estão aqu i, co m as o u tras coisas, na totalidad e da experiência.
i >u seja, a ex istên cia n ão é u m a propried ad e das coisas, c a relação
i li las co m as dem ais, a p o siçã o positiva do o b jeto . O ser não é um pre
dicado real, m as tran scen den tal. Para a m etafísica do sécu lo XVII ele
i ia real, e por isso adm itia a prova on tológica; esse é o sentid o do
qualificativo que lhe aplica K ant: d ogm atism o, ig n o rân cia do ser com o
iia n scen d en tal.
As id é ia s • As três d iscip lin as da m etafísica trad icion al não são
validas. A m etafísica não é possível co m o ciên cia especu lativ a. Seus te
mas não en tram na ciên cia, m as ficam abertos - sem possível refuta-
i.ao - para a fé: “Tive de su p rim ir o saber - diz Kant - para dar lugar
a cre n ça .”
C o n tu d o , a m etafísica existe sem pre co m o ten d ên cia n atu ral do
h om em para o absolu to. E os o b jeto s da m etafísica são os que Kant
i hama de I d é ia s; são co m o as novas categorias su p erio res co rresp o n
dentes às sín teses de ju íz o s que são os racio cín ios. Essas idéias, por
não serem su scetíveis de in tu ição , só pod em ter u m u so regulativo. O
h om em deve agir co m o se a alm a fosse im ortal, co m o se fosse livre,
t o m o se D eus existisse, em bora a razão teórica não possa d em on strá-
lo. E n tretan to , este não é o ú n ico papel das Idéias. As Idéias tra n scen
d en tais u n em a essa validade h ip otética na razão esp eculativa outra
ab so lu ta, in co n d icio n al, de tipo d iferente; reap arecem no estrato m ais
profundo do kantísm o co m o postu lad os d a ra z ã o p rá tica .
321
H i s t O r ia d a f i l o s o f ia
.3. A ra z ã o prática
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Kant
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Kant
B) O P R O B L E M A D O K A N T IS M O
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
326
Kant
1’orian to tem os: I o, que o que é presente h o je não o era faz trin-
i .i .m os; co n seqü en tem en te, a realidade do kantism o é dada por ca d a
i 'M i i ue em que se atualiza, e vem os que, longe de n o s ser indiferen-
ii d que nos interessa é o que o kantism o foi em cada m om ento. No
liniilo, a evocação do kantism o enq u anto tal, isolado do que foi para
• '.ticessores, é falsa, já que se funda num a pura m iragem que é a se-
iMimic: quando pretendo voltar a esse kantism o em si, o que faço é
.iiii.ilizá-lo m ais um a vez num presente m eu, não no de Kant. Atualizo-o
mim presente, e além disso to m o -o pelo de Kant; aqui está o erro.
O k antism o é aquele que esteve atuando nas diversas filosofias -
i ii.io ou tro; aquele - e não outro - que en co n tro em m im co m o pas-
, ii lo. O que não qu er dizer que eu não possa d esco b rir nele dim en-
,i li", novas e que estas não tivessem atuado; quer dizer apenas que es-
..r. d im en sões não teriam realidade atual até agora.
frata-se de algo que se pode aplicar a toda a h istória da filosofia.
i i que ju stific a dizê-lo a propósito de Kant é que o kantism o foi um
i.mio oscilante e teve interp retações m uito diversas; h ouve vários kan-
lisinos d iferentes, mais ou m eno s autênticos. Vam os ver os três prin-
•ipais m o m en to s da interp retação de Kant:
a ) O id e a lism o a le m ã o • Kant aparece co m o gerad or de um es
plendido m ovim ento filosófico: o idealism o alem ão. Tanto é assim que
os idealistas co m eçam apresentando suas filosofias co m o in terp reta
ções de Kant. F ich te chega a dizer: “Kant não foi b em en ten d id o; eu o
1'iiten d i, talvez m elhor que o p róprio K an t.” Adota u m p on to de vista
111ferente do de Kant para ex p licá-lo , e em seguida F ich te e os dem ais
idealistas fazem suas respectivas filosofias. P ortanto, o que fazem com
Kant é: fazer sua própria filosofia pelos cam in hos k antian o s e, partin
do de K ant, dar continuid ad e ao que Kant não fez. E m sum a, os três
grandes idealistas - F ich te, Sch ellin g e H egel - p reten d em fazer a m e
ia física qu e Kant não chegou a fazer. Já verem os até qu e p o n to isso é
verdadeiro.
b ) O n e o k a n tism o • Vejamos o segundo m om ento. Convém pres-
lar aten ção a seu nom e: n eokan tism o. Um a expressa atu alização de um
passado, já que não são k antianos, m as neo-kantianos, isto é, algo que
não é atu al, m as que precisa ser renovado, atualizado. O s exegetas do
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
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Kant
2. O c o n h e c im e n t o
329
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
ja o d ado, que Kant cham ará de cao s de sen saçõ es, e p o r outro, eu,
co m m inh as d eterm inações subjetivas. Isso significaria qu e eram duas
coisas em si, e que o co n h e cim en to surgia de sua u nião ou co n tato ; a
verdade é que o caos de sen saçõ es só pode dar-se na m in h a su b jetiv i
dade, porqu e para que exista tem de dar-se n o esp aço e no tem po,
portan to em m im ; e, in versam en te, eu só existo ante o dado. Assim ,
longe de o co n h ecim en to resultar do contato ou u nião do dado com o
posto, o que possa ser d ito do dado e do posto fund a-se n o fato su p e
rior do co n h ecim en to .
3. O s e r
*
330
Kant
331
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
332
Kant
h 'ih i.i, um a p erfeiçã o in trín seca, que D eus deve ter. No en tan to , se o
. 11 ■■ i ranscendental, n ão basta ter a idéia de D eu s para estar certo de
•11ii exista; a existência de D eu s só seria assegurada por sua pusição. E
i nino D eus, por sua p ró p ria índ ole de ente in fin ito , não é su scetível
ili n i pôr as co n d içõ es necessárias para que se dê num a in tu ição ,
I ii ns lica além de toda ex p eriên cia possível. E co m o ju sta m en te o que
d i'.lingue as coisas reais das possíveis é o dar-se a m im em co n exã o
■um ;i exp eriência, n ão é possível d em onstrar nem a ex istên cia de
I Vus nem tam pouco su a n ão -existên cia.
lissa refutação do arg u m en to o n to ló g ico m ostra que n ão é um
.ui1,um ento qualquer, qu e nào é um tipo de racio cín io em relação ao
|ii;il caiba verificar se pod e ou não ser d em o n strad o, m as que é um a
h r que traz consigo u m a idéia do ser e, p o rtan to , u m a m etafísica; só
.1 pode o b jeta r a ele a partir de um a idéia d iferente do ser. E as o b je -
i.iu-s que venham a ser feitas a essa crítica de K ant terão de ser esten
didas a toda a m etafísica kantiana.
Agora pod em os en ten d er em sua totalidade o problem a de D eus
iu lilosofia do idealism o. E m K ant, a razão esp eculativa tem de re
n u n ciar à posse in telectu al de D eus e não pod e m ais u tilizá-lo co m o
lim d am en to. C om isso a m etafísica se altera em sua raiz. A anterior, o
u n o n a lis m o do sécu lo X V II, estava fundada n u m p ressu p osto que
.ujnra é im possível. O ser é interp retad o n u m sen tid o d iferen te, e ante
n idealism o dogm ático de que Kant, segundo fam osa frase, d esp ertara,
p.issará a ser feito um id ealism o tran scen den tal.
C om isso a situ ação de D eus perante a m ente m u da, assim co m o
m uda tod o o problem a do ser e, co m ele, a filosofia. E essa m u d an ça
csiá igualm ente determ inada pelo argum ento o n to ló g ico , qu an d o este
deixa de ser consid erad o válido e dem onstrativo. A ssim se in icia a úl-
iima etapa do idealism o, co rtan d o a ponte que até esse m o m en to c o n
tinuava m an ten d o D eus u n id o à razão teórica, e se co n su m a o p ro ces
so m etafísico iniciado no final da Escolástica m edieval. Nessa etapa,
I >eus vai reaparecer de m od o original na razão p rática, e de outra fo r
ma em toda a m etafísica p ó s-kan tian a, esp ecialm en te em H egel. E
co m isso o argum ento o n to ló g ico ganha nova atu alid ad e filosófica.
333
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
4. A filosofia
334
K ant
335
II. F ic h t e
337
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
1. A m etafísica d e F ic h t e
338
F ic h t e
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F ic h t e
2 ( ) idealism o d e F ic h t e
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I I I . SCHELLING
343
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
A s f a s e s da filosofia d e S c h e llin g
344
SCHELLING
34 5
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
346
IV. H e g e l
lera que castigou Berlim, no dia 14 de novembro de 1831. Nesse dia ter
minava uma genial eiapa da filosofia, e talvez uma época da história.
Além das obras mencionadas, devem-se citar várias outras impor
tantíssimas, publicadas como lições dos cursos de Hegel. Especialmen
te a Filosofia do Direito, a Filosofia da históna universal (Vorlesungen über
die Philosophie der Weltgeschichte), a Filosofia da religião e a História da
Filosojia, primeira exposição da filosofia feita de um ponto de vista ri
gorosamente filosófico.
Hegel foi essencialmente um filósofo. Toda a sua vida esteve de
dicada a uma meditação que deixou uma profunda marca de desgas
te em seu rosto. “Ele era o que era sua filosofia - escreve Zubiri. Sua
vida foi a história de sua filosofia; o resto, sua contra-vida. Para ele, só
teve valor pessoal aquilo que o adquiriu ao ser revivido filosoficamen
te. A Fenomenologia foi e é o despertar para a filosofia. A própria filo
sofia é a revivescência intelectual da sua existência como manifesta
ção do que ele chamou espírito absoluto. O humano de Hegel, tão ca
lado e tão alheio ao filosofar por um lado, adquire, por outro, status
filosófico ao se elevar para a suprema publicidade do concebido. E, re
ciprocamente, seu pensar conceptivo apreende no indivíduo que foi
Hegel com a força que lhe confere a essência absoluta do espírito e o
sedimento intelectual da história inteira. Por isso Hegel é, em certo
sentido, a maturidade da Europa.”
O pensamento de Hegel é de uma dificuldade só comparável à
importância. É a culminação, em sua forma mais rigorosa e madura,
de todo o idealismo alemão. Meu mestre Zubiri, de quem acabo de ci
tar algumas palavras, fez um dos mais fecundos esforços para com
preender e interpretar a filosofia de Hegel. Nas palavras que seguem
se encontrará a marca dessa interpretação.
348
H eg el
349
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
2. A “ Fenomenologia do espírito”
3. A lógica
350
\
H kgel
[ Doutrina do ser.
I ")■» ■
> ...... 1 Doutrina da ciência.
{ Doutrina do conceito.
\ 10 Determinidade (qualidade).
11 \ 2 ° Quantidade.
I 3o Medida.
I o Ser (Sem).
2 ° Existência ( Dasein ).
. 3o Ser para si ( Fürsichsein).
[ I o Ser (Sein).
'" i -........... < 2o Nada (Nichts).
I 3o Devir ( Werden).
351
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
352
H eg el
353
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
na, que pân seja theós; no entanto, de outro ponto de vista, nota-se
que o Deus de Hegel, o absoluto, só existe devindo; é, segundo sua
própria expressão, um Deus que se faz ( Gott im Werden ). A rigor, os
entes finitos não são diferentes de Deus, são momentos desse absoluto,
estágios de seu movimento dialético. E, por último, a criação hegeliana
não é tanto a posição na existência divina, como uma produção ne
cessária na dialética do absoluto.
A ontologia hegeliana • Vemos, portanto, que a Lógica de Hegel,
que começa com o ser, isto é, com o começo absoluto do filosofar, é a
verdadeira ontologia. A Lógica deve ser entendida - diz Hegel - como
o sistema da razão pura, como o reino do puro pensamento. Esse rei
no é a verdade. Portanto, conclui Hegel, pode-se dizer que o conteú
do da Lógica é a exposição de Deus, tal como é em sua essência eterna, an
tes da criação da natureza e de nenhum espírito finito. Depois desse pri
meiro estágio virão, portanto, as outras duas partes da filosofia: a Fi
losofia da natureza e a Filosofia do espírito.
4. A filosofia da natureza
354
W H egel
355
H is t ó r ia da f il o s o f ia
I o Espirito subjetivo.
A) Antropologia: a alma.
B) Fenomenologia do espírito: a consciência.
C ) Psicologia: o espírito.
2? Espírito objetivo.
A) O direito.
15) A moralidade.
C) A eticidade.
3 ° Espírito absoluto.
A) A ane.
15) A religião revelada.
C) A lilosoíia.
a ) O espírito subjetivo
356
H eg el
b) 0 espírito objetivo
357
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
358
I Ieg h
c) O espírito absoluto
359
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360
H eg el
361
V. O PENSAMENTO DA ÉPOCA ROMÂNTICA
1. Os movimentos literários
2. A escola histórica
364
O PENSAMENTO DA ÉPOCA ROMÂNTICA
365
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
4. Derivações do idealismo
366
}
r
O PENSAMENTO DA ÉPOCA ROMÂNTICA
367
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368
r O PENSAMENTO DA ÉPOCA ROMÂNTICA
*•>>■■ .li l Km • Don julián Sanz dei Rio (1814-69) loi o lunda
..........Ili.-,iii.1 principal da escola krausisia espanhola. Balnics c flr
■
i.i■ni|ii u.iMoos, embora Sanz dei Rio tenha vivido vinte e um anos
mu ii i ns dois nomes filosóficos mais importantes da Espanha no
• ui,, -.| 1in 1843 foi nomeado catedrático de História da Filoso-
11.1 l i i huwrsidade de Madri e enviado para realizar estudos na Ale-
iii mli i i ui I lcidelberg foi discípulo de Leonhardi e Roeder e morou
*. <■i ,i (11 Weber, seu professor de História, onde foi companheiro de
....I hi volta à Espanha, foi inspirador de um núcleo filosófico de
■
H. ui i vitalidade, que exerceu influência na vida intelectual e políti-
. .1 ■1111.iini- muito tempo, ao longo de quase todo o século. Apesar dis-
■ii valor filosófico é escasso; na hora de entrar em contato com a
iii ' nli.i alemã, os krausistas escolheram um pensador secundário,
i.<iiiii >iiu-nos fértil que as grandes figuras da época. Talvez nessa pre-
ilili i io de Sanz dei Rio tenha influído o caráter religioso e moral da
nfi "li.i de Krause. O melhor historiador do krausismo espanhol,
I n n r Jobit1, o interpreta como um movimento pré-modernista, pre-
■ui -ui no século X IX da corrente heterodoxa que surgiu em alguns
i'Mipos católicos por volta de 1900. Os escritos de Sanz dei Rio tive-
i 1111 rscassa difusão fora do núcleo de seus discípulos, em parte por
.... .. ilo obscuro e ingrato, mas também pelas dificuldades reais do
■ii pensamento, que significa um considerável esforço filosófico, de
■Irliva importância dentro das possibilidades espanholas de sua épo-
■a As principais obras de Sanz dei Rio, que seu autor apresentava
. nino exposições de Krause, são Ideal de la Humanidad para la vida;
I i-t i iones sobre el sistema de filosofia analítica de Krause; Sistema de la fí-
h^ofía: Metafísica: Primera parte, Análisis. - Segunda parle, Síntesis; Aná-
IIMS dei pensamiento racional; Filosofia de la muerte; El idealismo absoluto.
O socialismo •A influência dos idealistas alemães, sobretudo de
I li'gel, e também de Ludwig Feuerbach (1804-72), hegeliano, críLi-
i o da teologia no sentido de um aniropologismo ateu, e David Frie-
1. Les krausisles, par l’abbé Pierre Jobit (Paris-Bordeaux, 1936). Cf. meu ensaio El
prnsadorde lllescas, em Ensayos de teoria (Obras, IV). Veja-se também El krausismo e.spa-
rtoi, dejuan López-Morillas (México, 1950).
369
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O PENSAMENTO DA ÉPOCA ROMÂNTICA
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5. Schopenhauer
372
O PENSAMENTO DA ÉPOCA ROMÂNTICA
373
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374
f
A filosofia no século XIX
375
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
376
A FILOSOFIA NO SÉCULO X IX
■111 li'k- l’or isso, o problema que se colocará para a filosofia depois do
I'h 111\ isino é duplo: primeiro, descobrir a realidade autêntica, o que
i h 11, us será chamado de realidade radical, e, em segundo lugar, reivin-
•th .11 a necessidade e a possibilidade da metafísica.
As duas empresas transcorrem simultânea e paralelamente. Nâo
.1 li.i lazer uma especulação sobre a própria filosofia, em virtude da
■|ii.tl ■ mostre a validade do conhecimento metafísico, para depois, já
■li posse desse instrumento, investigar a estrutura do real. Pelo con-
11 ii In, o esforço do próprio filosofar levará à evidência de que o posi-
ii i hui já estava fazendo metafísica, justamente quando pretendia eli-
.... . la. Fazia metafísica, mas sem sabê-lo, ou seja, de modo pouco
piw/ivo, e por isso errôneo e deficiente. E a tentativa de levar a filoso-
li.i |i;ira sua verdadeira positividade obrigará, por um lado, a reparar
un icalidades que tinham sido obstinadamente deixadas de lado -
"iK retamente a esfera dos objetos ideais e a realidade da vida huma-
fiii com seus peculiares modos de ser e todas as suas conseqüências
■minlógicas; e, por outro, para apreender essas realidades será neces-
..ii io usar instrumentos mentais novos, que darão uma nova imagem
do conhecimento e da própria filosofia.
Desse modo, nosso tempo se encontra na situação de criar uma
nova metafísica que, por sê-lo, está radicada em toda a tradição do
passado filosófico. Depois das antecipações de alguns poucos pensa-
i lcires gemais do século X IX , a fenomenologia, a filosofia existencial e
.1 da razão vital criaram um método de saber e voltaram a atenção
I i.ira o mundo ideal e para a realidade da vida. Agora, esta filosofia de
nosso tempo se vê obrigada a descer ao fundo das questões últimas, e
■mu isso adeuire seu máximo radicalismo.
377
I. A SUPERAÇÃO DO SENSUALISMO
379
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
1. Maine de Biran
380
A SUPERAÇÃO DOSKSUAU5MO
2. O espiritualismo
381
H is t ó r ia da f il o s o f ia
382
A SUPERAÇÃO DO SENSUALISMO
383
II. O POSITIVISMO DE COMTE
385
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
1. A história
386
O POSITIVISMO DE COMTE
2. A sociedade
387
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
388
O p o s it iv is m o d e C omte
(|iii'.......... ii|o culto se inspira para sua “religião” . E assim chega o fi-
Iiu 'h I, i 11. i-.ii ivisia a resumir seu pensamento num último lema: Lamour
...... .. hii i/ir; l'ordre pour base, et le progrès pour but*. Agora vemos o sen-
iiiI" pli no do lítulo completo da Sociologia de Comte: a política, a so-
i iiil»n'i.1 e ,i religião da Humanidade estão inseparavelmente ligadas.
I A ciência
* O amor por princípio, a ordem por base e o progresso por fim. |N. da T.]
H is t ó r ia d a f i l o s o f i a
dera impossível, embora, como vimos, a produza, uma vez que Coniii
elabora uma concreta teoria da realidade. Também falta, naturalmen
te, a teologia; é algo que dispensa explicação. Também não encontra
mos a psicologia; que fica dissolvida entre a biologia e a sociologia,
Comte considera impossível a introspecção, e só considera possívd
a psicologia experimenLal, que se inclui na esfera de uma ou outra
das duas ciências vitais, segundo se trate do indivíduo ou do ho
mem em sua dimensão social. A história e as ciências do espírito de
modo geral não aparecem autonomamente na lista de Comte, por
que ele estava preso à idéia da unidade do método e insiste em apli
car sempre o das ciências naturais, apesar de sua genial visão do
papel da história.
A filosofia • Portanto, o que é a filosofia para o positivismo? Apa
rentemente, uma reflexão sobre a ciência. Depois de esgotada esta,
não sobra um objeto independente para a filosofia que não seja aque
la reflexão; a filosofia se transforma em teoria da ciência. Assim, a ciên
cia positiva adquire unidade e consciência de si própria. Mas a filoso
fia, é claro, desaparece; e é isso o que ocorre no movimento positivo
do século X IX , que tem muito pouco a ver com a filosofia.
Contudo, no próprio Comte não é isso o que acontece. Além do
que acredita fazer, existe o que efetivamente faz. E vimos que, em pri
meiro lugar, é uma filosofia da história (a lei dos três estados); em se
gundo lugar, uma teoria metafísica da realidade, histórica e relativa,
entendida com características tão originais e tão novas como o ser so
cial; em terceiro lugar, uma disciplina filosófica completa, a ciência da
sociedade, a ponto de a sociologia, nas mãos dos sociólogos posterio
res, nunca ter atingido a profundidade de visão que alcançou com seu
fundador. Este é, definitivamente, o aspecto mais verdadeiro e interes
sante do positivismo, o que faz com que seja realmente filosofia, a des
peito das aparências e de todos os positivistas.
4. O sentido do positivismo
390
O p o s it iv is m o d e C omte
391
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
sua metafísica. Comte talvez não lenha se dado conta disso porque não
tinha a intenção de fazer metafísica; mas a importância central desse
relativismo não lhe escapa. Nele se funda a capacidade cle progresso cla
filosofia positiva; e com isso, a possibilidade de alterar e melhorar não
só a condição do homem, mas especialmente sua natureza. Nada mais
grave poderia ser dito e, por isso mesmo, nada mais quero fazer a não
ser registrá-lo; um comentário suficiente levaria a problemas que não
podemos nem mesmo formular aqui.
Contudo, não quero deixar de citar umas palavras de ComLe, cla
ríssimas e aluais, que evidenciam bem seu pensamento: Hoje è possí
vel assegurar- escreve - que a doutrina que explicar suficientemente o con
junto do passado obterá inexoravelmente, em conseqüência dessa única
prova, a presidência mental do porvir.
Vemos, pois, que por trás de seu naturalismo científico há em
Comlc, de maneira essencial, um pensamento histórico. E isso é o
que dá à sua filosofia sua maior atualidade e fecundidade. Toda ela
está permeada pelo problema que tentei precisar, no qual se manifes-
la sua unidade mais profunda. E essa unidade é, justamente, o espíri
to positivo.
392
III. A FILOSOFIA DE INSPIRAÇÃO POSITIVISTA
1. Os pensadores franceses
393
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
2. A filosofia inglesa
394
A FILOSOFIA DE INSPIRAÇÃO POSITIVISTA
395
H is t ö r ia d a f il o s o f ia
396
A FILOSOFIA DE INSPIRAÇÃO POSITIVISTA
397
IV. A DESCOBERTA DA VIDA
1. Kierkegaard
399
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
400
A DESCOBERTA DA VIDA
2. Nietzsche
401
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
402
A DESCOBERTA DA VIDA
403
V. A VOLTA À TRADIÇÃO METAFÍSICA
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
I . As primeiras tentativas
406
A VOLTA A TRADIÇÃO METAFÍSICA
407
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
2. G ratry
408
A VOLTA À TRADIÇÃO METAFÍSICA
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410
A filosofia de nosso tem po
I. B r e n t a n o
411
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
4 1 2
B ren tan o
em que exige ater-se ao que enconiram os, sem lançar-se a con stru
ções m entais; o grave é que o positivismo não se atém ao que e n co n
tra, mas faz outras construções, não m enos infundadas. Brentano vol
ta, portanto, a um ponto de vista de oposição ao idealism o; cham a-o
“ponto de vista em pírico”. Na verdade, Brentano é qualquer coisa m e
nos em pirista; poderia sê-lo no sentido em que o foi Aristóteles, mas
não no de Locke. Em Aristóteles, era freqüente o recurso a uma visão
im ediata sem dedução racional; a isso se cham ou em pirism o; co n tu
do, não tem nada a ver com a ex p eriên c ia , no sentido da experiência
sensível. Aristóteles recorre ao noús, à visão noética, que nos dá im e
diatam ente os princípios. Já verem os o sentido do “em pirism o” de
Brentano, que leva ju stam en te à superação de todo em pirism o sen-
sualista em suas últimas form as psicologistas.
Brentano estabelece a conexão da filosofia antiga, em sua raiz m ais
pura e autêntica, com a filosofia m oderna. Fundando-se nessa situa
ção, transform a a filosofia de seu tem po, partindo de sua visão de duas
disciplinas: a psicologia e a ética. Vejamos a co n trib u ição de B ren ta
no a am bas.
2. A psicologia
4 M
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
414
Bren tan o
415
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
3. A ética
416
B ren tan o
i los ju ízos evidentes. Há m uitas coisas que nego e outras que afirmo e
li,is quais creio firm emente, em bora o faça por um juízo mais ou m e
nos obscuro, fundado na fé, na autoridade, no costum e ele. Posso
1 io iô com absoluta firmeza, m as esses ju ízo s não têm em si mesmos
o lundam ento de sua verdade: ou não o têm , ou o têm fora deles. Não
u m em si mesm os a justificação de sua verdade, e Brentano os chama
de cegos.
Diferentem ente destes, há outro tipo de ju ízo s que Brentano ch a
ma de eviden tes. Trazem em si m esm os algo com o uma luz, que os íaz
.iparecer com o ju ízos verdadeiros. São ju ízos em que não só se acre
dita e que se afirmam, mas que se vê que são verdadeiros, e se vê com
plenitude intelectiva que não podem ser de outra maneira. Creio que
2 mais 2 são 4 , não porque me disseram, mas porque vejo que é assim
i- não pode ser de outro m odo. Portanto, os ju ízos evidentes são os que
trazem em si a razão de sua verdade ou de sua falsidade.
O am o r ju s t o • Voltem os ao problema ético, em que se trata do
bom e do mau. Brentano diz que o fato de eu ter am or ou ódio por
uma coisa não prova sem mais n em m enos que seja boa ou má. É n e
cessário que esse am or ou esse ódio sejam justos. O am or pode ser ju s
to ou injusto, adequado ou inadequado. Pode haver, por outro lado,
um am or que traga em si a ju stificação de si m esm o. Quando amo
uma coisa porque indubitavelm ente é boa, trata-se de um amor justo.
Se am o um a coisa im pulsivam ente, sem clareza, o am or pode ser ju s
to ou injusto. Quando se vê que a coisa é boa, e pelo fato de ser boa,
o am or é evidentemente ju sto. A atitude adequada diante de uma co i
sa boa é am á-la, e ante um a coisa má, odiá-la. E quando uma coisa é
apreendida com o boa ou com o m á, ela é fo r ç o s a m e n t e amada ou odia
da. A conduta a ser seguida é ou tra questão. Brentano lembra o verso
clássico: V ideo m elio ra p ro b o q u e, d e te r io r a sequor. A m oral, portanto,
está fundada ob jetiv a m en te. E a es tim a ç ã o , longe de depender do arbí
trio subjetivo, tem de se ajustar à bondade ou maldade d as coisas,
com o a crença na verdade delas. Dessa ética de Brentano nasceu a teo
ria dos valores, que contém grandes dificuldades internas, mas que
foi uma contribuição central para a ordenação objetiva e hierárquica
do valor e, portanto, para a fundam entação da m oral e das demais
d iscip lin as estim ativas.
4 1 7
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
4. A existência d e D eus
1. S o b r e os p ro b le m a s d essa p ro v a , v e r m eu e stu d o El p ro b le m a de Di os en la f il o
so fia d e nuestro tiem po, em San A n se lm o y el insensato (O bras, IV ).
418
II. A IDÉIA DA VIDA
1. Dilthey
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A ID É IA DA VID A
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A ID É IA DA V ID A
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A ID É IA DA VID A
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2. S im m el
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A ID É IA DA V ID A
427
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
428
A ID É IA DA VID A
.illicio, que perm anece em sua independência, em seu “ser mais que
vida”; o caráter absoluto desse outro, desse mais, é a fórmula e a con-
ilicão da vida. O dualismo é a form a em que existe a unidade da vida.
1'or isso Sim m el pode dizer, num último e agudo paradoxo, que a vida
n icon tra sua essência e seu processo em ser mais vida e mais que vida ;
ii.io é, que seu positivo enquanto tal já é seu comparativo.
Essas idéias da m aturidade de Sim m el (seu Lebensanschauung é
i lo mesm o ano de sua m orte, 1 9 1 8 ) significam um passo genial no ca
minho da com preensão da realidade da vida hum ana.
3. B ergso n
429
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
430
A ID É IA D A V ID A
cia num a série de repousos que não são o m ovim ento. M over um bra
ço é algo uno, continuo, vivo. O pensam ento o esquem atiza, fixa-o em
conceito e o detém ; tira-lhe, ju stam en te, a m obilidade. Só a intuição é
capaz de apreender a duração real, o m ovim ento em sua verdadeira
im ediatez, a vida, em suma. A intuição é capaz de captar a m obilida
de, de penetrar no processo m esm o do mover-se e no tem po vivo, an
tes de petrificá-lo em conceitos. A inteligência tem sua aplicação na
matéria, e por isso na ciência; a intuição, em contrapartida, se adapta
à vida. Bergson relaciona essa faculdade com o instinto, essa m aravi
lhosa adaptação não-conceitual do animal aos problem as vitais.
A ciên cia e a filosofia, que estão pensadas desde o espacial, não
con h eceram apenas - diz Bergson - a intuição; operaram sempre com
as categorias do pensam ento conceituai, que não serve p ara apreender
a vida e o tempo real. Por isso o hom em encontra grande dificuldade
para pensar essas realidades; faltam -lhe os instrum entos adequados, e
mais ainda o hábito de servir-se deles. A filosofia de H enri Bergson se
aproxim a da realidade da vida com uma atitude diferente da usual,
instalando-se na própria m obilidade, não no processo já realizado e
cum prido, mas no seu próprio realizar-se. A intuição tenta captar a
vida de dentro dela, sem a m atar previamente para reduzi-la a um es
quem a conceituai espacializado.
O “e lã v ita l” • A realidade da vida é algo dinâm ico, um im pu
so vital ou elã vital. Esse im pulso determ ina um a evolução no tem po.
I: essa evolução é criadora, porque a realidade vai se fazendo numa
continuidade viva, não se com põe de elem entos dados, e só depois de
consum ada o pensam ento pode tentar com pô-la com elem entos im ó
veis e dados, com o se se quisesse recom por um m ovim ento com uma
serie de estados de repouso. Isso põe Bergson em contato com a filo
sofia da vida, que tem nele um dos seus mais claros e fecundos ante
cedentes. Devem os observar, contud o, que Bergson entende a vida
mais n u m sentido biológico que num sentido biográfico e histórico, de
modo tal que não aborda a peculiaridade m ais essencial da vida hu
mana. N esse sentido, o pensam ento de Bergson precisa ser com pleta
do para alcançar plena eficácia. E, por outro lado, é tam bém preciso
•■iiperar o caráter de irracionalidade que am eaça toda intuição. A filo
431
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
sofia é saber rigoroso e, portanto, con ceito e razão. Esta razão terá de
pensar o novo ob jeto que é a vida, em toda a sua fluidez e m obilida
de; será diferente da razão científica e m atem ática; no enianto, sem
pre deverá ser razão. Isso foi visto co m toda clareza por Ortega, que
por isso tom a sem pre o cuidado de falar de uma razão vital.
4. Blondel
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A ID É IA DA VID A
5. U n a m u no
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
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A ID É IA D A V ID A
435
III. A FILO SO FIA DE LÍNGUA INGLESA
1. O pragm atism o
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
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A F IL O S O F IA D E L ÍN G U A IN G L E S A
.ulota uma atitude prim ariam ente teórica: para ele a filosofia perten-
i r, com o uma “subclasse”, à ciência da descoberta, a qual, por sua vez,
r um ram o da ciência teórica. A função da filosofia é explicar e mos-
11 ar a unidade na variedade do universo, e ela tem um duplo ponio
ilf partida: a lógica, ou seja, as relações dos signos com seus objetos,
c a fenom enologia, isto é, a experiência bruta do m undo real objetivo.
As duas disciplinas convergem em três categorias m etafísicas funda
m entais, de articulação m uito com plexa, que podem ser denom ina
das qualidade, relação e m ediação. O pensam ento de Peirce, muito
liagm entário e pouco sistem ático, abordou num erosos problem as de
k-oria do conhecim ento, lógica e metafísica; mas, sobretudo, se propôs
i'stabelecer um m étod o , e este é ju stam en te o pragm atism o.
Trata-se de “um m étodo para averiguar a significação de palavras
difíceis e concepções abstratas”, ou tam bém “um m étodo para deter
minar os sentidos de conceitos intelectuais, isto é, daqueles em torno
ilos quais pode girar o racio cín io”. Mais concretam ente, Peirce propu
nha-se esclarecer as questões m etafísicas trad icionais e, em certas
ocasiões, elim iná-las com o contra-sensos. Isso m ostra que o pragma-
iism o de Peirce é, sobretudo, lógico, diferentem ente da imagem habi-
I uai, derivada de uma interpretação parcial e inexata da forma que
.idquiriu na obra de Jam es. Mas é preciso ressaltar que nem o aspecto
lógico” é alheio a Jam es, nem o “prático” a Peirce. Para este, a função
do pensam ento é produzir hábitos de ação; e por essa via chega, tra
balhosam ente e em form ulações com freqüência obscuras e pouco fe-
li.:es, à idéia do pragm atism o.
A prim eira expressão (em H ow to M a ke o u r Id ea s C lea r) é esta:
“t .onsiderem -se os efeitos de alcance prático que possam pensar-se
i nmo produzidos pelo objeto de nossa concepção. Nossa concepção
desses efeitos é a totalidade de nossa concepção do o b je to .” Uma se-
LHinda form ulação, um pouco m enos profunda e m ais clara, diz: “Para
' leierm inar o sentido de uma concepção intelectual devem -se con sid e
rar as conseqü ências práticas pensáveis com o resultantes necessaria
m ente da verdade da con cep ção; e a soma dessas conseqü ências con s-
i ii uirá o sentido total da co n cep çã o .” Por últim o, um a terceira tese e s
pecifica m ais o sentido do pragm atism o em Peirce: “O pragm atism o é
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
o princípio segundo o qual Lodo juízo teórico exprim ível num a frase
em m odo indicativo é uma lorm a confusa de pensam ento, cu jo único
sentido, se o tem , está em sua tolerância a reforçar um a m áxim a prá
tica correspondente, exprim ível com o uma frase con d icion al cuja apó-
dose está no m odo im perativo.”
Ante o crescente uso da palavra pragmatismo num sentido diferen
te do que ele pretendera dar ao term o, Peirce renunciou a ele e cunhou
para seu próprio pensam ento o nom e “pragm aticism o”, que julgava
“bastante feio para estar a salvo de raptores”. A obra de Peirce, ainda
não publicada na íntegra e só em parte estudada e con h ecid a, aparece
hoje com o m uito fecunda e valiosa.
J a m e s • W illiam Jam es ( 1 8 4 2 - 1 9 1 0 ) , da m esm a geração de Peir
ce, nascido em Nova York, professor de Harvard a partir de 1872,
m édico, psicólogo e filósofo, é a figura de m aior destaque da filosofia
americana. Jam es, escritor e conferencista m uito vivo e sugestivo, cheio
de idéias, con trib u iu mais que ninguém para a aclim atação do pensa
m ento filosófico nos Estados U nidos. O rientou-se inicialm ente para a
psicologia, d isciplina de que foi um dos m ais fecundos clássicos; seus
dois livros psicológicos são duas obras-prim as, em certos aspectos
ainda não superadas, que con tin u am vivas e férteis em várias de suas
facetas; sua atenção voltou-se depois para tem as m orais e religiosos e,
por últim o, para a m etafísica. Suas principais obras são: The Prmciples
o f Psychology, em dois volum es, e um tratado mais breve e denso, A
Textbook o f Psychology, The Will to Believe (A vontade de crer), The Va-
rieties oj Religious Experience (As variedades da experiência religiosa),
Pragmatism: a New N am e for Som e Old Ways o j Thinking (Pragm atism o:
um nom e novo para alguns m od os antigos de pensar), A Pluralistic
Universe (U m universo pluralista), The Meanmg o f Truth (O significado
da verdade), Some Problems ojPhilosophy (Alguns problem as de filoso
fia), Essays in Radical Empiricism (E nsaios de em pirism o radical).
A filosofia de Jam es é uma das tentativas do final do século XIX
de pensar e en ten d er a vida hum ana. Sua psicologia representa uma
penetrante com preensão da efetividade da vida psíquica em sua dina-
micidade: a im agem do stream oj consciousness, a corrente ou fluxo de
con sciência, é reveladora. Mas esse interesse pela vida adota a forma,
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A F I L O S O F IA D E L ÍN G U A IN G L E S A
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
2. O p e rso n a lism o
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A F IL O S O F IA D E L ÍN G U A IN G L E S A
3 . T endências atuais
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H is t ó r ia d a h l o s o p ia
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A F IL O S O F IA D E L ÍN G U A IN G L E S A
<■claro que essa clarificação foi feila pela filosofia em todos os tempos,
mas o pensam ento inglês atual, sobretudo em O xford, afirma que a fi
losofia se redu z a isso. Muitos desses pensadores consideram que todo
enunciado científico pode sem p re ser reduzido a um enunciado físico,
ou seja, um enunciado que diga que tal evento se produziu em tal lu-
l,,u e em tal m om ento; isto é, a um puro enunciado de/ato; isso os
leva ao b e h a v io ris m o ou descrição da cond uta, e em sociologia, a um
hchaviorism o social.
Essas posições baseiam -se num a idéia bastante arbitrária da m e
la física, identificada com algum as form as muito particulares dela ou,
m elhor dizendo, com a con cep ção que esses pensadores forjam dela;
por outro lado, m uitas de suas afirm ações são tudo m enos em píricas
e não se ju stificam a partir de seus próprios pressupostos. Em geral, a
análise dos “enunciados” deixa de lado aquilo que faz deles enu ncia
dos filosóficos, e o pensam ento dessa orientação tende m ais a fazer
objeções à filosofia que a fazer filosofia. De resto, m uitos de seus tra
balhos são contribuições interessantes para o esclarecim ento de algu
mas questões.
As relações entre a Europa e os Estados U nidos intensificaram -se
enorm em ente nos últim os vinte anos e se aceleram cada vez mais. A
lenom enologia, a obra de Heidegger - secundariam ente a dos exis
tencialistas a de Ortega através de num erosas traduções, a presen
ça de G ilson e Maritain, tudo isso contribui para restabelecer nos E s
tados U nidos a com plexidade da filosofia e para superar a unilaterali-
dade da influência inglesa, que dom inou durante alguns decênios.
Por outro lado, o pensam ento am ericano é cada vez mais conhecido
na Europa. É de esperar que nos próxim os anos se intensifique a c o
m unicação entre as duas seções da filosofia ocidental, cindida desde o
R enascim ento e que desde então só se encontrou em alguns pontos
d escontínuos. Som ente assim será possível apropriar-se plenam ente
da tradição filosófica do O cidente.
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IV A F E N O M E N O L O G IA DE H U S S E R L
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
1. Os objetos ideais
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H is t ó r ia da f il o s o f ia
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A F E N O M E N O L O G IA D E HUSSERL
2. As significações
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
3. O analítico e o sintético
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A FEN O M EN O L O G 1A DE H U S S E R L
4. A consciência
A fenom enologia é ciên cia d escritiv a d a s essên cias d a con sciên cia
p u ra. Q ue é a consciência? Husserl distingue três sentidos desse termo:
I o O con ju n to de todas as vivên cias: a unidade da consciência.
2 o O sentido que se expressa ao dizer ter co n sc iên cia de um a coi-
sa, o d a r -s e con ta. Se vejo um a coisa, vê-la é um ato de m inha co n s
ciência (no prim eiro sentid o); mas se m e dou con ta do ver, tenho
con sciência (no segundo sentido) de tê-la visto.
3? O sentido da con sciência com o v iv ên cia in ten cion al. Este é o
sentido principal.
V iv ên cia in te n c io n a l • É um ato psíquico que não se esgota em
seu ser ato e aponta para um objeto. Exista ou não o objeto, com o o b
jeto in ten cion al é algo distinto do ato psíquico.
Um a vivência intencional concreta tem dois grupos de elem en
tos: a essên cia in ten cion al e os co n teú d os n ã o -in te n c io n a is (sensações,
sentim en tos etc.); esses conteúd os individualizam as vivências, por
exem plo a percepção de uma casa a partir de diversos pontos. O que
difere é a essên cia in ten cio n a l , e esta se com põe de dois elem entos:
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
q u a lid a d e (o caráter do ato que faz com que a vivência seja d este objc
to e d e sta m a n eira ). Se eu digo “o vencedor de len a” e o “vencido dr
W aterloo”, tenho duas representações de um único ob jeto intencional
(N apoleão); mas a m a té r ia é distinta, pois num a apreendo Napoleão
com o venced or e na outra com o vencido. Resum am os essa explicação
sinopticam ente:
Vivência
intencional...'
conteúdos s e n s a ç õ e s ....
não-intencionais se n tim e n to s..
im pulsos
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A F E N O M E N O L O G IA D E H U S S E R L
Acontece que essas vivências são m inhas. H que sou eu? A redu-
•.In Iciiom enológica tam bém tem de se estender a meu eu, e o feno-
ii n ui >logo “sucum be” tam bém à e p o k h é com o sujeito psicofísico, com o
Iii ■•■li,no existencial; resta apenas o eu p u ro, que não é sujeito histórico,
ii|iu i- agora, mas o foco do feixe que são as vivências. Isso é a co n s-
i ii’iii in p u r a ou reduzida fenom enologicam ente. Portanto, tem os ago-
i.i .is vivências d a co n sc iên cia p u ra.
Mas não basta. É preciso dar mais um passo. O fenom enólogo faz
.1 irdução fenom enológica e, tendo ficado com as vivências, tem de se
i Irv.ir às essên cias (redução eidética).
As e ssên cia s • U m objeto qualquer não pode ser descrito porque
ii in infinitas características. Mas mediante a redução eidética, passa-
m 11;is vivências a suas essências. Que são as essências? Husserl dá uma
■li 1111ição rigorosa.
O con ju n to d e tod a s a s c a ra c terístic a s u n idas en tre si p o r fu n d a ç ã o
i mistitui a essê n cia d a vivên cia.
Suponham os um triângulo; tom o uma característica, a de ser
i ■|iülátero; esta característica está unida por com p licação ou fundação
i i lc ter os ângulos iguais, e assim por diante com m uitas outras ca-
■.ii leristicas; todas elas constitu em a essência do triângulo equilátero.
Husserl distingue entre m ultiplicidades d efin id a s e não-definidas',
M.is prim eiras, uma vez estabelecidos alguns elem en to s delas, dedu-
-rm -se rigorosam ente os dem ais. É o que ocorre com as essências
m atem áticas: se estabeleço as características “polígono de três lados”,
ilfd u z-se daí rigorosam ente toda a essência do triângulo. Nas outras
m ulliplicidades não se chega tão sim ples e exaustivam ente à essência.
5. A fe n o m e n o l o g i a com o método
e com o tese idealista
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
objetos ideais e não em píricos) das vivências de uma con sciência que
tam pouco é em pírica, mas p u ra , e portanto, tam bém a p rio ri. E é uni
v ersal porque se refere a todas as vivências, e com o estas apontam para
seus objetos, os objetos in ten cion ais ficam envoltos na consideração fe-
nom enológica; ou seja, tudo o q u e ex iste para o fenom enólogo.
O m éto d o • Esse m étodo que explicam os nos leva ao con h eci
mento das essências, que, tradicionalm ente, é a meta da filosofia. É um
con h ecim en to ev id en te e fundado na in tu içã o ; não um a intuição sensí-
vel, mas sim e id é t ic a , ou seja, de essências (eid os). A partir da intuição
de um caso me elevo para a intuição da essência, m ediante a redução
fenom enológica. E o exem plo que me serve de base pode ser um ato
de percepção ou sim plesm ente de im aginação; a qualidade do ato não
im porta para a intuição eidética.
Esse m étodo fenom enológico é o m étod o d a filo s o fia atu al. Como
m étodo, a fenom enologia é um a descoberta genial, que abre um ca
m inho livre para a filosofia. É o ponto de partida do qual é forçoso
com eçar. Mas isso não é tudo: há um a falsidade no próprio centro da
fenom enologia que é seu sentido m etafísico.
O id e a lism o fe n o m en o ló g ico • Husserl quer evitar a qualque
custo a m etafísica; trata-se cle um a tentativa inútil porque a filosofia é
m etafísica. E, com efeito, Husserl faz m etafísica ao afirm ar com o reali
dade radical a consciência pura. Husserl é idealista, e co m ele o idea
lismo atinge sua forma mais aguda e refinada. Mas essa posição é in
sustentável; o idealism o, nessa sua etapa últim a e m ais perfeita, m os
tra sua contrad ição interna. Se pensarm os a fundo a fenom enologia,
sairem os dela. Foi o que fez a m etafísica dos últim os anos. A fenom e
nologia, ao se realizar, nos leva, para além do pensam ento de Husserl,
a outras form as nas quais a prim itiva ciência eidética e descritiva se
transform a em verdadeira filosofia em sua forma m ais plena e rigoro
sa: num a m etafísica.
6. A filosofia fe n o m e n o ló g ic a
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uma decisão, já sou um eu que decidiu de tal m odo: o ato passa, a de
cisão fica. C orrelativam ente, transform o-m e a m im m esm o quando
renego m in h as decisões e meus atos. Isso remete à con stitu ição de um
eu, p e s s o a perm anente, que conserva um “estilo”, um caráter pessoal.
O eu se con stitu i para si m esm o na unidade de uma h istória. Os o b je
tos e categorias que existem para o eu se constituem em virtude das
leis genéticas. Por isso a fenom enologia eidética, que para Husserl é
uma “filosofia prim eira”, tem duas fases: a prim eira, e s tá tic a , com des
crições e sistem atizações análogas às da história natural; a segunda,
g en ética. Essa gênese se apresenta em duas formas: ativa, na qual o eu
intervém de m od o criador (razão prática), e passiva, cu jo princípio é
a associação. Em todas essas constituições, o fa to é irracional; mas Hus
serl adverte que “o p ró p rio ja to , com su a ir r a c io n a lid a d e , é um con ceito
estru tu ral n o sis tem a d o 'a p r io r i’ con creto".
A in te rsu b jc tiv id a d c n io n a d o ló g ica • Husserl distingue o eu,
com o m ero pólo idêntico e substrato dos hahitu s, do eg o em sua ple
nitude con creta, que designa com o Lermo leibniziano de m ô n a d a. O
ego m onãdico contém o con ju n to da vida consciente, real e potencial,
e sua explicação fenom enológica coincide com a fenom enologia em
geral. Mas esse solipsism o é corrigido pelo fato de que em mim, ego
transcendental, conslilu em -se transcendentalm ente outros eg os, e as
sim um “m un d o objetivo" com um a todos. Nela aparece e se dá, por
tanto, uma filosofia com um a “todos n ó s” que m editam os em com um ,
uma P h ilo so p h ia peren n is.
O eg o com preende meu ser próprio com o m ônada e a esfera for
mada pela intencionalidade; nesta se constitui em seguida um ego
com o que refletid o em meu ego próprio, em minha m ônada; ou seja, co
mo que um a lt e r eg o, que é um a n á lo g o n , mas ao m esm o tem po outro\
trata-se, por conseguinte, da con stitu ição na esfera de m inha própria
intencionalidade do outro com o estra n h o . Essa com unidade de m ôna-
das constitui, p or sua intencionalidade com um , um único e mesmo
m undo, que supõe uma “harm onia” das m ônadas.
E sp a ço e tem p o • Meu corpo, que está im ediatam ente presente
a todo instante, estabelece uma articulação em minha esfera: me é dado
no m odo do aqui, do hic; qualquer outro corpo - e tam bém o corpo
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* * *
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V. A TEO R IA DOS VALORES
1. O p ro b lem a do valor
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coisa boa e não ir atrás dela; mas o que não posso fazer é não estimá-la.
V ê-la c o m o b o a já é estim á -la. O s valores não nos obrigam a fazer nada,
exceto essa coisa m od esta, pequ ena e in terior que é es tim á -lo s . Va
lor é, p ortan to, aquilo que as coisas têm que nos obriga a estim á -la s.
Mas isso não basta. Temos de nos indagar sobre um segundo pro
blema. V im os que há algo que m erece e ao m esm o tem po exige o no
me de v a lo r; mas ainda não sabem os nada sobre essa estranha realida
de. E surge a questão fundam ental: que são os valores? A resposta a
esta pergunta foi com freqüência errônea; o valor foi confundido com
outras coisas, e só a inconsistência desses pontos de vista equivoca
dos tornou visível a verdadeira índole do valor.
O b jetiv id a d e do v alor • Chegaram a pensar (M einong) que uma
coisa é valiosa quando nos agrada, e vice-versa. O valor seria algo
subjetivo, fundado no agrado que a coisa produz em mim. Mas acon
tece que as coisas nos agradam p o r q u e s ã o b oa s - ou assim nos pare
cem porque encontram os nelas a bondade. A bondade apreendida
é a ca u sa de nosso agrado. C om prazer-se é com prazer-se em alg o, e
não é nossa com placência que dá o valor, mas ao contrário: o valor
provoca nossa com placência.
Por outro lado, se a teoria de M einong fosse correta, só seriam
valiosos os ob jetos que existem , os únicos que podem produzir agra
do em nós; no entanto - com o percebeu Ehrenfels o que mais va
lorizamos é o que não existe: a ju stiça perfeita, o saber pleno, a saúde
de que carecem os; em suma, os ideais. Isso obriga Von Ehrenfels a cor
rigir a teoria de M einong: são valiosas não as coisas agradáveis, mas as
d esejáv eis. O valor é a sim ples projeção de nosso desejo. Em am bos os
casos o valor seria algo subjetivo; não algo pertencente ao objeto, mas
sim aos estados psíquicos do sujeiLo. Mas as duas teorias são falsas.
Em prim eiro lugar, existem coisas profundam ente desagradáveis que
nos parecem valiosas: cuidar de um pesteado, ser ferido ou m orrer
por uma causa nobre etc. Pode-se desejar mais vivam ente com er que
possuir uma obra de arte, ou ter riquezas que viver retam ente, e ao
m esm o tem po valorizar muito m ais a obra artística e a retidão que a
com ida e o dinheiro. A valoração é independente de nosso agrado e
de nosso desejo. Não é algo su bjetivo, mas objetivo e fundado na rea
lidade das coisas.
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A T E O R IA D O S V A L O R E S
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
opõe o m au; ao belo, o feio etc. O u seja, o valor “beleza” aparece pola
rizado positiva ou negativam ente, e assim com todos os demais.
Em segundo lugar, o valor tem h ie r a r q u ia : existem valores supe
riores e outros inferiores; a elegância é inferior à beleza, e esta à b on
dade, e esta, por sua vez, à santidade. Existe, pois, uma hierarquia ob
jetiva dos valores que aparecem num a escala rigorosa.
Em terceiro lugar, os valores têm m a té r ia , ou seja, um conteúdo
peculiar e privativo. Não existe sim plesm ente valor, este se apresenta
segundo con teúd os irredutíveis, que é preciso perceber diretam ente:
a elegância e a santidade são dois valores de m a té r ia diferente, e seria
inútil tentar reduzir um ao outro. E a reação de quem percebe os va
lores é diferente segundo sua m atéria: a reação adequada ante o santo
é a v e n e r a ç ã o ; ante o bom , o r e s p e ito ; ante o belo, o a g r a d o etc.
Cabe, portanto, uma classificação dos valores, con form e sua m a
téria e seguindo sua hierarquia; e, em todos os casos, na dupla forma
polar de positivo e negativo. A ssim , existem valores úteis (capaz-inca-
paz, abundante-escasso), vitais (sadio-doente, forte-lraco, selelo-vul-
gar), in telectu a is (verdade-erro, evidenie-provável), m o r a is (bom -m au,
ju sto -in ju sto ), estéticos (b elo-feio, elegante-deselegatile), religiosos
(santo-profano) etc.
P e rce p çã o e ceg u eira para o v a lo r • O s valores podem ser per
cebidos ou não; cada época tem um a sensibilidade para certos v alores,
e a perde para outros ou carece dela; há ceg u eira para um valor, por
exem plo para o estético, ou para o valor religioso em alguns hom ens.
Os valores - realidades objetivas - são d esc o b erto s, com o se descobrem
os contin en tes e as ilhas; às vezes, em contrapartida, a vista se turva
para eles e o hom em deixa de sentir seu estranho im pério; deixa de
estim á-los, porque não os percebe (ver Ortega y Gasset: tQ u é son los
valores?, em O .C ., VI).
S e r e v a le r • A teoria dos valores insistiu - talvez de m odo ex
cessivo - em distinguir o valor do ser. Diz-se que os valores não são,
mas que v a lem ; não são en tes, m as v alen tes. Mas isso é grave, porque a
pergunta “que são os valores?” tem sentido, e não escapam os do s e r
com o subterfúgio do v aler. D istingue-se cuidadosam ente o bem do
valor; mas convém não esquecer que a m etafísica grega dizia ser sem
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A T E O R IA D O S V A L O R E S
pre que o ser, o bem e o uno se acom panham m utuam ente e se dizem
das m esm as m aneiras. São, com o já vim os, os tran scen d en ta is. O bem
de um a coisa é o que aquela coisa é. O ser, o bem e o uno não são c o i
sa s, m as transcendentais, algo que im pregna e envolve todas as coisas
e as faz ser e, sendo, ser unas e b o a s. É cabível pensar, portanto, o gra
ve problem a da relação entre o ser e o valor, que não pode ser dado
por resolvido de uma vez p or todas.
Talvez essa deficiência ontológica tenha im pedido a filosofia dos
valores de adquirir mais profundidade e im portância. Alguns anos
atrás parecia que a teoria dos valores viria a ser a filosofia. H oje sabe
mos que não é assim. A teoria dos valores é um capítulo fechado que
necessita de uma últim a fundam entação. A filosofia de nosso tem po,
acim a da teoria do valor, em preendeu um cam inho mais fecundo ao
entrar resolutam ente pela via da metafísica.
2. Scheler
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H is t ú r ia d a f il o s o f ia
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A T E O R IA D O S V A L O R E S
serviço de uma m etafísica sistem ática. Scheler não fez isso, mas pre
parou o cam inho para a m etafísica atual. C oncentrou sua atenção nos
temas do hom em e de sua vida: sua filosofia estava orientada para uma
a n tro p o lo g ia filo s ó fic a que não chegou a am adurecer. Essa tendência,
ao adquirir um sistem atism o fundam ental e se transform ar em m eta
física rigorosa, desem bocou na a n a l ít ic a e x is te n c ia l.
3. H a rtm a n n
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V I . A FILO SO FIA E X IS T E N C IA L DE H E ID E G G E R
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A F IL O S O F IA E X IS T E N C IA L D E H E ID E G G E R
1 . O p ro b lem a do s e r
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2. A análise do existir
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1. So b re esta tradu ção, ver m eu artigo “Estar a la m u erte”, em Ensayos de con vi-
vriicia \Ohras, III].
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decisão ( E n isch lo ssen h eil ) do existir é sempre num a a tu a lid a d e . Por úl
tim o, na G ew o rfen h eit, n o “eslar lançado”, funciona sobretudo o p a s
sa d o com o tal. A tem p o r a lid a d e (Z e itlic h k eil ) se m anifesta com o o sen
tido da autêntica cu ra, e o fenôm eno prim ário da tem poralidade ori
ginária e autêntica é o futuro. Heidegger faz uma profunda e ampla
análise da tem poralidade e da historicidade fundada nela. Com isso,
o existir aparece essencialm ente ligado ao tem po, o que explica a co
nexão entre os dois term os centrais cla ontologia de Heidegger, que
dão título a seu principal livro: s e r e. tem po.
* * *
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* “Tem lugar no interior da filosofia m arxista porque co n sid ero o m arxism o a fi
losofia in su p eráv el de nosso tem p o e p o rq u e, a m eu ver, a id eo lo g ia da existên cia e seu
m étod o 'co m p reen siv o ' são um en clav e n o p ró p rio m arxism o, q u e a en gen d ra e a rejei-
la ao m esm o te m p o .” (N. da T.|
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VII. O r t e g a e s u a f i l o s o f i a d a r a z ã o v it a l
1. A f i g u r a de Ortega
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
termo, que costum a ser cham ada de esc o la d e M a d n , e à qual estão vin
culados, enlre outros, Manuel Garcia M orente, Fernando Vela, Xavier
Zubiri, Jo sé Gaos, Luis Recaséns Siches, Maria Zam brano, Antonio
Rodríguez Huéscar, Manuel G ranell, Jo sé Ferrater M ora, Jo sé A. Ma-
ravall, Luis Díez dei Corral, A lfonso G. Valdecasas, Salvador Lissarra-
gue, Paulino Garagorri, Pedro Laín Entralgo, José Luis Aranguren e o
autor deste livro.
A partir de 1 9 3 6 , Ortega residiu na França, H olanda, Argentina,
Portugal e Alem anha, com esladas na Espanha desde 1 9 4 5 . Foram
anos de m aturação de seu pensam ento e de com posição de suas prin
cipais obras, durante os quais seus escritos se difundiram no exterior
e podem ser lidos num a dezena de línguas. Por meio dele, o pensa
m ento espanhol enquanto tal - O rtega sempre dedicou seu esforço à
m editação sobre a Espanha, e toda a sua obra está condicionada por
sua circunstância espanhola - está presente no m undo. Em 1 9 4 8 fun
dou em Madri, com Ju lián Marías, o instituto de H um anidades, onde
ministrou cursos e participou de colóq u ios sobre vários temas.
E stilo in tele c tu a l • Ortega é um grande escritor. Entre a meia
dúzia de adm iráveis prosistas espanhóis deste século, ocupa um lugar
insubstituível e, na verdade, n en h u m é superior a ele. Seus dotes lite
rários possibilitaram que levasse a cabo uma transform ação na lin
guagem e no m odo de escrever, cu ja marca é visível em boa parte dos
autores contem porâneos. Ortega crio u uma term inologia e um estilo
lilosófico em espanhol, que não existiam ; sua técnica - oposta à dc
Heidegger, por exem plo - consiste em evitar de m odo geral os neolo-
gismos e devolver às expressões usuais do idiom a, profundam ente vi
vidas, até m esm o aos m odism os, seu sentido mais autêntico e originá
rio, m uitas vezes carregado cle significação filosófica ou capaz de con
tê-la. O uso da m etáfora alcançou co m ele, além de seu valor de beleza,
outro estritam ente m etafísico. “A cortesia do filósofo é a clareza”, cos
tumava dizer; e tanto por escrito co m o em sua incom parável oratória
docente, atingiu o m áxim o de diafaneidade de seu pensam ento; Orte
ga extrem a o esforço para se tornar inteligível, a ponto de induzir o
leitor, com dem asiada freqüência, a crer que, por tê-lo entendido sem
muito trabalho, não tem de se em penh ar para entendê-lo por complc-
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a) A crítica do idealism o
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b) As etapas da descoberta
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O R T E G A E SUA F IL O SC F IA DA RAZÁO VITAL
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assim com o não se pode inveniar a realidade, tam pouco se pode fin
gir o ponto de vista.” “Cada hom em lem uma m issão de verdade.
O nde está m inha pupila não está outra: o que da realidade m inha pu
pila vê não o vê a outra. Som os insubstituíveis, som os necessários.” E
em 1 9 2 3 agrega, de forma ainda m ais precisa e formal: “A p ersp ectiv a
é um d os co m p o n en tes d a rea lid a d e. Longe de ser sua deform ação, é sua
organização. Um a realidade que vista de qualquer ponto resultasse
sempre idêntica é um conceito absurdo.” “Essa m aneira de pensar leva
a uma reform a radical da filosofia e, o que mais im porta, de nossa sen
sação có sm ica.” “C a d a v ida é um p o n to d e vista so b re o u niverso." (El
tem a d e n u estro tiem p o. - O .C ., 111, pp. 1 9 9 -2 0 0 ).
R azão e vid a • Nas m esm as M ed ita cio n es d ei Q u ijote - a data de
1 9 1 4 é decisiva para o pensam ento de Ortega - inaugura-se um ter
ceiro lem a, intim am ente vinculado aos anteriores e que interferirá em
am bos ao atingir sua plenitude: o da relação entre a razão e a vida. “A
razão não pode, não tem de aspirar a substituir a vida. A própria opo
sição entre razão e vida, tão usada h oje pelos que não querem traba
lhar, já é suspeita. C om o se a razão não fosse um a função vital e es
pontânea da m esm a linhagem que o ver ou o tocar!” “Ao destronar a
razão, cu id em o s de co lo cá -la em seu lugar” (O .C ., pp. 3 5 3 -4 ) . De
form a m uito mais precisa e rigorosa essa idéia reaparece em El tem a
d e n u estro tiem p o , convertida em doutrina da r a z ã o vital: “A r a z ã o é
tã o -so m e n te u m a f o r m a e u m a fu n ç ã o d a vida." “A r a z ã o p u r a tem d e c e
d e r seu im p é r io à r a z ã o vital" (O .C ., III, p. 178). E depois: “A r a z ã o
p u r a tem d e s e r su bstitu íd a p o r u m a r a z ã o vital, em q u e a q u e la se lo calize
e a d q u ir a m o b ilid a d e e f o r ç a d e tra n sfo rm a ç ã o ." A filosofia precisa des
terrar seu caráter u tópico, “e v ita n d o q u e o q u e é h o r iz o n te fle x ív e l e d ila-
táv el se im o b iliz e em m u n d o ”. “Pois bem : a redução ou conversão do
m undo em horizonte não retira nada de realidade daquele; sim ples
mente o refere ao sujeito vivente, cujo m undo é, dota-o de uma dim en
são vital” (pp. 2 0 1 -2 ). O tem a de n osso tem po é, segundo O rtega, a
conversão da razão pura em razão vital: sua filosofia, desde então,
é a realização sistem ática dessa tarefa.
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3 . A razão vital
A realid ad e rad ical • O rtega diz várias vezes que a realidade ra
dical é nossa vida. Mas é preciso entender rigorosam ente essa expres
são. R a d ica l não quer dizer “ú nica”, nem “a mais im portante”; quer di-
::t:r sim plesm ente o que significa: realidade em que se ra d ic a m ou ar
raigam todas as demais. A realidade das coisas ou a do eu se dá n a
vida, co m o um m om ento dela. “A vida hum ana - escreve Ortega (H is
toria c o m o sistem a. O. C ., VI, p. 13) - é uma realidade estranha da qual
a prim eira coisa que convém dizer é que é a realidade radical, no sen-
lido de que a ela tem os de referir todas as dem ais, já que as demais
realidades, efetivas ou supostas, têm de um m odo ou outro que apa
recer n ela.” A realidade com o tal - conform e escrevi em outro lugar3 - ,
a realidade enquanto realidade, se constitui em m in h a vida; s er real
significa, precisam ente, radicar em m inha vida, e a esta tem de se re-
lerir toda realidade, em bora o q u e é real possa transcender, de qual
quer m odo, de m inha vida. Em outras palavras, m inha vida é o pres
suposto da noção e o próprio sentido da realidade, e esta só se torna
inteligível a partir dela: isso quer dizer que só dentro de m inha vida
se pode com preender em sua radicalidade, em seu sentido últim o, o
term o real. Mas não esqueçam os que quando falam os de alg o real e
derivam os seu m om ento de “realidade” de m inha vida, perm anece a
questão da relação com ela desse “algo”; dito de outro m odo, dizer
que eu sou um ingrediente da realidade não significa de m odo n e
nhum que eu seja parte ou com ponente das coisas ou entes reais, mas
que em seu “tê-los para m im ”, em seu “radicar em m inha vida” se
funda o caráter efetivo de sua “realidade”, entendida com o dim ensão
ou caráter disso que é real. M esm o no caso de o q u e é real ser anterior,
su perior e transcendente a m inha vida, independente dela e até o ri
gem e fundam ento dela m esm a - com o no caso de D eus sua rea li
d a d e co m o tal - se quiserm os dar algum sentido efetivo a esse term o e
não reduzi-lo a um nom e vão ou a um equívoco - é r a d ic a d a na reali
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dade radical cle minha vida, à qual fica “referida” na m edida em que é
“encontrad a” nela.
R azão v ital e razão h is tó r ic a • Durante sécu los, desde a Grécia,
a razão foi entendida com o algo que capta o imutável, a essência “eter
na” das coisas. Procurou-se consid erar as coisas su b s p e c ie aetern itatis,
à parte do tem po. Essa razão culm ina na razão m atem ática dos racio-
nalistas do século XVII, que produz as ciências físicas, e na “razão pura”
de Kant. Mas essa razão m atem ática, que tão bem serve para conhecer
a natureza, ou seja, as coisas que têm um ser fixo, um a realidade já fei
ta, não funciona tanto nos assuntos hum anos. As ciências do humano
sociologia, política, história - revelam uma estranha im perfeição em
com paração com a maravilha das ciências da natureza e suas técnicas
correspondentes. A razão m atem ática não é capaz de pensar a realida
de cam biante e tem p oral da vida hum ana. Aqui não podem os pensar
sub sp ec ie a e te r n i, mas sim no tem po.
Essa evidência, que foi se im pondo em m aior ou m enor medida
ao pensam ento filosófico desde o século XIX, foi a fonte dos irraciona-
lismos que irromperam na filosofia durante os últim os cem anos. Mas
Ortega, nada “racionalista”, se opõe a todo irracionalism o. “Para mim
- escreveu ele - , razão e teoria são sinônim os... M inha ideologia não
vai contra a razão, já que não adm ite outro m odo cle conhecim ento
teorético senão ela; vai apenas contra o racionalism o” (Ni vitalism o r.i
ra cio n a lism o . - O .C ., III, p. 2 3 7 ). O significado m ais au têntico e pri
mário da razão é o de “dar razão de algo”; pois bem , o racionalism o
não se dá conta da irracionalidade dos materiais que a razão m aneja, e
crê que as coisas se com portam com o nossas idéias. Esse erro mutila
essencialm ente a razão e a reduz a algo parcial e secundário. “Todas as
definições da razão, que faziam con sistir o essencial desta em certos
m odos particulares cle operar com o intelecto, além de serem estrei
tas, a esterilizaram , am putando ou em botando sua dim ensão decisiva
Para mim é razão, no verdadeiro e rigoroso sentido, toda ação intelec
tual que nos põe em contato com a realidade, por m eio da qual topa
mos com o transcendente” ( H isto ria c o m o sistem a. - O .C ., VI, p. 4 6 ).
E, com efeito, Ortega observa que a razão m atem ática, a razão
pura, nada mais é senão uma espécie ou forma particular da razão. En-
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O R T E G A E SUA F1LO SO H A DA RAZÃO VITAL
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i ivnças em que “se está” e das quais é bem possível que nem sequer se
it-nha con sciência; quando estas falham , o hom em tem de fazer algo
para saber a que se ater, e isso que o hom em faz, s e ja o qu e f o r , é cha
mado p en sa m en to . Então o hom em chega a ter id éia s sobre as coisas.
1’ois bem , nem todo pensam ento é co n h ecim en to em sentido estrito,
que consiste em averiguar o q u e as co isa s são, o que supõe a cren ça
p rév ia de que as coisas têm um ser e que este é cognoscível para o
homem (ver A pu n tes so b re el p e n s a m ie n to - um breve estudo decisivo,
que contém em germe uma transform ação da filosofia. - O .C ., V, pp.
5 1 3 -4 2 ).
O conhecim ento é, portanto, uma das form as essenciais de su
perar a incerteza e nos leva a possuir não as coisas - estas já as tenho
perante m im e por isso são questão para mim - , mas seu ser. O ser é
algo que eu f a ç o ; mas faço, entenda-se bem , com a s c o is a s -, é uma inter
pretação cfa rea lid a d e, meu plano de atença a respeito delas. Esse ser -
c não as coisas - é o que passa para a minha m ente no conhecim ento:
o ser da m ontanha, e não a m ontanha em si m esm a. Portanto, o co
nhecim ento é uma m anipulação, ou m elhor, um a “m entefatura” da
realidade, que a deforma ou transform a; mas isso não é uma deficiên
cia do conhecim en to, e sim sua essência, e é nisso precisam ente que
consiste seu interesse.
O hom em não está nunca em puro saber, mas tam pouco no puro
não saber. Seu estado é o de ignorância ou verdade insuficiente. O h o
mem possui muitas certezas, destituídas no entanto de um fundam en
to últim o e em colisão umas com as outras. Necessita de uma certeza
radical, um a instância suprema que dirima os antagonism os; esta cer
teza é a filosofia. A filosofia é, portanto, a verdade radical, que não su
ponha outras instâncias ou verdades; tem, além disso, de ser a instân
cia superior para todas as outras verdades particulares. Tem de ser,
portanto, um a certeza a u tô n o m a e u n iv ersal , diferentem ente das ciên
cias, que são parciais e dependentes de suposições prévias. Mas a filo
sofia é, ademais, p ro v a de si m es m a , é responsável e f e i t a p e lo h o m em , o
que a distingue da religião, que se funda na revelação e vem, portanto,
de Deus, e da poesia ou da experiência de vida, que são “irresponsá
veis” e não consistem em prova, em bora tenham universalidade. A fi
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m nn é fiel a essa voz que o cham a a ser uma cleierm inada coisa e que
pnr isso recebe o nom e de v o c a ç ã o , é vida autêntica', quando o homem
■ic abandona ao tópico c recebido, quando é infiel a sua íntima e ori
ginal vocação, falseia sua vida e torna-a in au tên tica. A moralidade
i onsisie na autenticidade, em levar a seu m áxim o de realidade a vida;
viver é viver mais. A moral consiste em que o hom em realize seu des
uno pessoal e insubstituível.
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
“Uma geração é uma zona de quinze anos durante a qual vigorou uma
certa form a de vida. A geração seria, pois, a unidade concreta da au
têntica cronologia histórica, ou, dito de outra form a, a história cam i
nha e procede por gerações. E ntend e-se agora em que consiste a ali
nidade verdadeira entre os h om en s de um a geração. A afinidade não
procede tanto deles com o do falo de se verem obrigados a viver num
m undo que tem uma forma determ inada e ú nica” (O .C ., VI, p. 3 7 1 ).
Cada geração está determ inada por uma data central e constitu í
da por uma “zona de datas” de quinze anos - sete antes e sete depois
do decisivo. Uni hom em pertence, pois, a uma geração que é comum
a iodos os que nasceram deniro dessa zona de datas. Entre os co n tem
p o r â n e o s - os hom ens que vivem no m esm o tem po O rtega distin
gue os c o e t â n e o s , que são tis que têm a mesma idade, ou seja, que per-
lencem à m esm a geração. As gerações c/erisívas são aquelas em que a
variação histórica é m uilo m aior que de ordinário, e determ inam a ar-
liculação das épocas históricas. (0 m é to d o d a s g e r a ç õ e s transform a-se,
nas m ãos de O rtega, num in stru m en to dc exem plar precisão para
co m p re en d era realidade histórica5.
O h om em e a g cn tc • Na área de nossa vida en con tram os o s
cial, os fatos sociais - os usos, o direito, o Estado. Esses fatos sociais
estão adscritos u nicam ente aos hom ens; nos dem ais en tes não en con
tram os nada que m ereça ser cham ad o de so c ia l, pois as cham adas “so
ciedades an im ais” têm um sentid o tolalm enie diferente. O social é,
portanto, um falo da vida hum ana. Mas isso coloca um grave proble
ma, porque a vida hum ana é sem pre m in h a , a de cada qual, a de cada
um de nós. É vida individual ou pessoal e con siste em que o eu se
encontra num a circu n stân cia ou m undo, sem ter a certeza de existir
no instante im ediatam ente p osterior e tendo sem pre qu e estar fazen
do algo para garantir essa existência. Portanto, h u m an o é propria
m ente o que eu m esm o faço, o pessoal, o que tem para m im um sen
tido e q u e, por isso, en ten d o. A ação hum ana su p õe en tão um su-
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m ente). O s usos são irr a c io n a is e im p esso a is. São “vida social ou co le
tiva”, algo m uito estranho, que é vida, mas sem algum as de suas ca
racterísticas essenciais, algo interm ed iário entre a natureza e o h o
mem , uma quase natureza. Não existe uma a lm a coletiv a. “A sociedade,
a coletividade, é a grande desalm ada, já que é o hum ano naturalizado,
m ecanizado e com o que m ineralizado.” Por isso faz sentido cham á-la
de “m u n d o” social. (L em brem os o problem a suscitado em Hegel pelo
“espírito o b jetiv o ”.)
Esses usos - diz Ortega - perm item prever a conduta dos indiví
duos que não con h ecem os, perm item a quase-convivência com o es
tranho. Além disso, dão-nos a herança do passado e nos põem à altu
ra dos tem pos; por isso pode haver progresso e história: porque há
sociedade. Por últim o, os usos, ao fornecerem resolvidas e au tom ati
zadas m uitas porções da vida, franqueiam para o hom em o m ais pes
soal e perm item “criar o novo, racional e m ais perfeito”.
S o c ie d a d e e d is so c ia ç ã o • É preciso, no entanto, observar algo
sum am ente grave: se os hom ens são sociáveis, são tam bém in sociá
veis. O u seja, a sociedade não existe nunca de forma estável, apenas
com o esforço para superar a d issociação e a insociabilidade, ela é
sem pre problem ática. Daí seu caráter terrível, suas co n ex õ es com o
m ando, a política e o Estado, que “são sem pre, em últim a instância,
violência, m en or nos períodos m elhores, terrível nas crises so ciais”.
Além da vida individual é preciso com preender a vida coletiva,
porque o coletivo i algo que se p a s s a com o hom em em sua vida indi
vidual. A filosofia da razão vital perm ite abordar, depois do estudo da
vida hum ana em sua originalidade, dois dos grandes tem as da “vida”
coletiva: a socied ad e e a história.
* H< *
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6. A Escola de M a d ri
5 1 5
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6. Depois de sua morte publicou-se na Espanha uma nova edição deste livro, co
grandes supressões e alterações, sob o titulo Fundamentos de filo s o fia ; uma segunda par
te deste volume foi escrita por Juan Zaragüeta (nascido em 1883, autor de uma obra
muito ampla, resumida em irês volumes de Filosofia y vida).
516
ORTEG A E SUA f-TLOSOHA DA RAZÀO VITAL.
ainda im aturas do que leria podido ser uma últim a íase dc seu pensa
m ento interrom pido bruscam ente pela morte.
Z u b iri • Xavier Zubiri nasceu em San Sebastián em 1898. Fez
estudos de Filosofia e Teologia em Madri, Louvain e Roma; doutorou-
se na prim eira destas Faculdades em Madri, com uma tese sobre l:n-
sa y o d e u n a teo ria fe n o m e n o ló g ic a d ei ju ic io , e na segunda em Roma; fez
tam bém estudos científicos e filosóficos na Alem anha; em 1926 foi
catedrático de História da Filosofia na Universidade de Madri; au sen
te da Espanha desde princípios de 1 9 3 6 até o com eço da Segunda
Guerra M undial, foi professor na Universidade de Barcelona de 1 9 4 0
a 1 9 4 2 . Desde então reside em M adri, afastado do ensino oficial, e
deu uma série de cursos privados, de grande repercussão, ou ciclos de
conferências, desde 1945.
A form ação especificam ente filosófica de Zubiri revela a influên
cia de seus três m estres principais: Zaragüeta, Ortega e Heidegger.
Seus estudos teológicos e a orientação do prim eiro deles proporciona
ram -lhe um a profunda fam iliaridade com a escolástica, cuja marca é
bem visível em seu pensam ento; Ortega foi decisivo para sua m atura
ção e orientação: “Mais que discípulos - escreveu Zubiri - , fomos cria
turas suas, no sentido de que ele nos fez pensar, ou pelo m enos nos
fez pensar em coisas e de um a forma que até então não tínham os pen
sado... E fom os criaturas suas, nós que nos preparávamos para ser en
quanto ele se estava fazendo. Recebem os então dele o que ninguém
m ais poderá receber: a irradiação intelectual de um pensador em for
m ação .” Por últim o, Zubiri estudou com H eidegger em Fn bu rgo de
1 9 2 9 a 1 9 3 1 , pouco depois da publicação de S ein u n d Z eit, e a marca
desse m agistério enriqueceu igualm ente seu pensam ento. A isso se
devem agregar os am plíssim os e profundos con h ecim en tos científicos
de Zubiri, aos quais dedicou extraordinária atenção durante toda a
vida, desde a m atem ática até a neurologia, e seus estudos de línguas
clássicas e orientais, sobretudo com o instrum entos para a história das
religiões.
A obra escrita de Zubiri foi tardia e d escontín ua, e ainda é escas
sa. Seus ensaios filosóficos - exceto “Sobre el problem a de la filosofia”
e “O rtega, m aestro de filosofia” - foram reunidos em 1 9 4 4 no volum e
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
518
O r t e g a e s u a f i l o s o f i a d a r a z à o v it a l
um livro sum am ente denso e técn ico, que investiga com minúcia c
profundidade uma questão cen tral da filosofia. Zubiri se propõe re
tornar “à realidade por si m esm a e inquirir nela qual é esse seu m o
m ento estrutural que cham am os de essência”. O con ceito de estrutu
ra é utilizado de maneira tem ática, apoiando-se na filosofia de Aristó
teles, de cuja idéia de substância, aliás, faz uma crítica que desem bo
ca no con ceito de su b sta n tiv id a d e, com recurso freqüente a esquemas
escolásticos de pensam ento e um a presença constante da m entalidade
científica, física e, sobretudo, biológica. Uma parte considerável do
interesse desse estudo refere-se a suas possibilidades de com preensão
da realidade biológica, e con cretam en te da espécie. A essência, se
gundo Zubiri, é um m om ento de uma coisa r e a l , e esse m om ento é
unidade prim ária de suas características; por outro lado, essa unidade
não é exterior, mas intrínseca à própria coisa, e um princípio em que
se fundam as outras características da coisa, sejam ou não necessárias;
a essência assim entendida - co n clu i - é, dentro da coisa, sua v e r d a
d e, a verdade da realidade. Longas análises determ inam o âm bito do
“essenciável”, a realidade “esenciad a” e a essência m esm a do real. Esse
livro com p lexo e difícil culm ina em sua exposição da idéia da ordem
transcend ental, em que Zubiri critica outras co n cep çõ es da transcen-
dentalidade e expõe a sua própria. Em tudo ele utiliza conceitos
avançados em seus cursos, co m o o de “inteligência sen tiente”, que
faz do hom em um “anim al de realidades”, definido por essa “habitu-
de” peculiar.
Apesar do tecnicism o de sua expressão, do uso constante de neo-
logism os e das referências freqüentes às ciências, os cursos e escritos
de Zubiri revelam inconfundível paixão intelectual e um dram atism o
que decorre dos esforços de um pensam ento excep cion alm en te pro
fundo para abrir cam inho en tre suas intuições e desenvolvê-las dia-
leticam ente até chegar a fórm ulas próprias. O volum e S o b re la esen cia
é o prim eiro de uma an un ciad a série de “Estúdios filosóficos”, em
que deverá se expressar o en orm e saber e o profundo pensam ento de
seu autor.
G ao s • José Gaos (G ijón, 1 9 0 2 - México, 1 9 6 9 ) foi professor nas
Universidades de Zaragoza e Madri (desde 1936, reitor desta); a par
519
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
520
O r t e g a e s u a f i l o s o f i a d a r a z Ao v it a l
521
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
* * *
Acom panham os, século após século e etapa após etapa, toda a
história da filosofia ocidental, desde a Grécia até Ortega e o núcleo fi
losófico a que deu origem. Deus quis que pudéssemos encerrar esta
história, justificadam ente, com nom es espanhóis. Ao chegar aqui, a fi
losofia nos m ostra, apesar de todas as suas diferenças, a unidade pro
funda de seu sentido. No final encontram os todo o passado, presente
em nós. Isso dá peso à história da filosofia, na qual gravita atu alm en te
todo o passado. Mas este final não é uma conclusão. A história da filo-
solia se encerra no presente, mas o presente, carregado de todo o pas
sado, traz dentro de si o futuro, e sua missão consiste em colocá-lo em
marcha. Talvez no tempo vindouro não seja mais alheia a esse movi
mento a Espanha, que em ürtega fez sua a filosofia.
522
Apêndice bibliográfico
C itam -se a seguir algu m as das obras que m ais eficazm en te podem ser
vir para o estu d o da história da filosofia.
I. D ic io n á r io s e h is t ó r ia s g e r a is da f il o so f ia
523
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
II. S o b r e a e s s ê n c ia da f il o s o f ia
III. F il o s o f ia g r e c .a
1) Fontes:
5 2 4
A p ê n d ic e b ib l io g r á f ic o
3) M onografias:
a) Os pré-socrâticos:
h) A sofistica e Socrates:
c) Platäo:
525
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
d) Arisióielcs:
e) O ideal do sábio:
/) O neoplatonismo:
526
A p ê n d ic e b ib l io g r á f ic o
IV. O CR 1S T1 ANI SM O
1) F o n tes:
Migne: Patrologiae cursus completus: Series Latina (R L.), 221 vols. (1844-64).
Series Graeca (P. G.), 161 vols. (1857-86).
Rouet dejournel: Enchiridion Patristicum .
2) O b ra s g é r a is :
3) M o n o g ra fia s :
527
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
V. F il o s o f ia m e d ie v a l
2) M on ografias:
528
A p ê n d ic e b ib l io g r á f ic o
V I. F il o s o f ia m o d ern a
O B R A S G E R A IS
529
H is t ú r ia d a f il o s o f ia
A) O Renascim ento:
1) Obras gerais:
W Dilthey: Wellauffassung und Analyse des Menschen seit Renaissance und Re
formation (G. S., II).
J. Burkhardt: La cultura del Renacimiento en Italia (trad. esp.).
HL 1leimsoeth: Los seis grandes temas de la metafísica occidental (traducción esp.).
|. R. Charbonnel: La pensée italienne a XVI' siècle et le courant libertin (1917).
E. Cassirer: Individuum und Kosmos in der Philosophie der Renaissance (1927).
[Trad. bras. Indivíduo e cosmos na filosofia do Renascimento, São Paulo, Martins
Fontes, 2001.1
2) M onografias:
a) El humanismo:
b) Nicolau de Cusa:
530
A p ê n d ic e b ib l io g r á f ic o
c) Giordano Bruno:
d) A física moderna:
e) A escolástica espanhola:
a ) Descartes:
531
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
h) O cartesianismo na França:
c) Espinosa:
d) Leibniz:
532
A P Ê N D IC C G IR L IO G R Á F 1 C O
C) O em pirism o:
a) A filosofia inglesa:
533
H is t ö r ia d a p il o s o f ia
b) 0 lluminismo:
5 3 4
A p ê n d ic e b ib l io g r á f ic o
a) Kant:
b) Fichte:
c) Schelling:
d) Hegel:
5 3 5
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
a) A superação do sensualismo:
b) O positivismo de Comte:
536
A p ê n d ic e b ib l io g r á f ic o
d) A descoberta da vida:
a) Brentano:
537
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
b) A idéia da vida:
538
f
A p ê n d ic e b ib l io g r á f ic o
cl) Husserl:
f ) Heidegger:
539
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
g ) O rte g a y G asset:
540
Epílogo de
José Ortega y Gasset
N o ta p r e l im in a r
54 3
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
544
I. [ O PASSADO F IL O S Ó F IC O ]
5 4 5
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
m elhor con d uta, a ciência do que-fazer. O faio de a voz elegân cia ser
uma das mais irritantes no planeta hoje é sua m elhor recom endação.
Elegante é o hom em que nem faz nem diz qualquer coisa, mas que
faz o que se deve fazer e diz o que se deve dizer.
Não há dúvida quanto ao que se deva fazer ao term inar a leitura
da história da filosofia. É algo que surge quase autom aticam ente. Pri
m eiro, dirigir u m últim o olhar, com o que panorâm ico, à im ensa ave
nida das doutrinas filosóficas. No postim eiro capitulo do texto de Ma
rias term ina o passado e cabe a nós prosseguir, tanto o leitor com o eu.
Não ficamos nesse continente em cu ja costa ainda estam os. Ficar no
passado é estar m orto. Com um últim o olhar de viajantes que seguem
seu inexorável destino de transum ar, resum im os todo esse pretérito,
nós o avaliamos e nos despedim os dele. Para ir aonde? O passado con
fina com o futuro porque o presente que idealm ente os separa é uma
linha tão sutil que só serve para ju ntá-los e articulá-los. No hom em ,
pelo m enos, o presente é um vaso de parede finíssima ch eio até a b o r
da de recordações e de expectativas. Q uase, seria quase possível dizer
que o presente é m ero pretexto para que haja passado e haja futuro, o
lugar onde am bos conseguem ser tais.
É esse ú ltim o olhar, em que colhem os o essencial do passado fi
losófico, que n os faz ver que, ainda que assim quiséssem os, não po
dem os ficar nele. Não existe nenhum “sistem a filosófico” entre os for
mulados que n o s pareça suficientem ente verdade. A quele que presu
me poder instalar-se num a doutrina antiga - e me refiro, é claro, ape
nas a quem se dá conta do que faz - sofre de uma ilusão de ótica. Por
que, no m elhor dos casos, quem adota uma filosofia pretérita não a
deixa intacta, pois para adotá-la teve de tirar dela e acrescentar-lhe
não poucos pedaços haja vista as filosofias subseqüentes.
Donde resulta que esse postim eiro olhar para trás provoca em
nós, irremediavelmente, outro olhar para a frente. Se não podem os nos
alojar nas filosofias pretéritas, não tem os outro remédio a não ser ten
tar edificar outra. A história do passado filosófico é uma catapulta que
nos lança pelos espaços ainda vazios do futuro rumo a um a filosofia
por vir. Este epílogo não pode consistir em outra coisa senão em dar
expressão, ainda que elementar e insinuante, a algumas das muitas coi
546
E p íl o g o de J o sé O rtega y G a sset
sas que esses dois olhares vêem. Na presente conju ntu ra creio ser isso
o que se deve dizer.
I C o m o não pudesse fazer de o u tra forma, a filosofia sem pre exerceu o pensar
sin télico , m as até Kant ninguém tinha rep arad o em sua peculiaridade. Kant o “d esco
547
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
bre” e o n om eia, m as dele só vê o caráter negativo, qual seja. que não é um pensar ana
lítico, que nào é um a im plicação. E co m o na tradição filosófica - sob retud o na imedia
tamente anterior, em Leibniz - só o n exo de im plicação entre dois pensam entos pare
cia evidente, acredita que o pensar sintético não é evidem e. Seus su cessores - Fichte,
Schelling, Hegel - assum em sua evidência, m as ainda ignoram de onde esta vem e qual
é seu regime. Husserl. que p ou co fala do pensar sintético, foi quem m ais esclareceu sua
índole. Mas ainda estam os n o com eço da tarefa de tom ar posse dele e resta m uito por
fazer, co m o se verá neste epílogo, mais adiante.
548
E p íl o g o de J o sé O rtega y G a ssei
Mispendê-la não significa deixar de ver com urgente clareza que lería
mos de continuar pensando. O corre, pois, com o no xadrez: um joga
dor é incapaz de antecipar sem se confundir o m esm o núm ero de jo-
j;.itlas possíveis que o outro, partindo am bos cle um a dada situação
das peças no tabuleiro. Ao renunciar a continuar antecipando mais
logadas não fica tranqüilo; ao contrário, pressente que é na jogada de
pois das previstas que está am eaçado de xeque-m ate. Mas não lhe é
dado poder mais.
Tentem os, pois, p erco rrerem seus principais estágios a série dia-
li-iica de pensam entos que a presença panorâm ica do passado filosó-
lico autom aticam ente dispara em nós. O prim eiro aspecto que nosso
olhar oferece é o de ser uma m ultidão de opiniões sobre o m esm o
que, enquanto m ultidão, se contrapõem umas às outras e ao se contra
porem se incrim inam reciprocam ente de erro. Portanto, o passado fi
losófico é, a nossos olhos, o con ju nto dos erros. Q uando o hom em
grego deu uma prim eira parada em sua trajetória criadora de doutri
nas e lançou o prim eiro olhar para trás em pura contem plação h istó
rica2, foi essa a im pressão que teve, e o fato de ficar nela e não conti
nuar pen san d o deixou nele, com o um precipitado, o ceticism o. É o fa
moso tropo de Agripa ou argum ento contra a possibilidade de alcan
çar a verdade: a “dissonância das opiniões” - d ia p h o n ia tôn doxôn. Os
sistem as aparecem com o tentativas de constru ir o edifício da verdade
que fracassaram e vieram abaixo. Vemos, p ortanto, o passado com o
erro. H egel, referindo-se, de form a mais geral, à vida hum ana toda,
diz que “quando voltam os a vista para o passado o prim eiro que ve
mos são ruínas”. A ruína é, com efeito, a fisionom ia do passado.
N otem os, no entanto, que não fomos nós que descobrim os nas
doutrinas de antanho a quebradura do erro, mas que conform e líamos
a história íam os vendo que cada nova filosofia com eçava por d en u n
ciar o erro da antecedente e não só isso, mas que, de m odo form al,
2. Aristóteles sem pre retom a as doutrinas precedentes, não com olhar h istórico
e sim co m um interesse sistem ático, co m o se fossem opiniões con tem porân eas que d e
vem ser levadas em con ta. Em Aristóteles só se anuncia a perspectiva histórica quando
ch am a ce rto s filósofos de “os antigos” - fioi p a la io í - e co m en ta que ainda são in exp er
tos - a p e ir ía .
549
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
por ter reconhecido o erro desta era ela outra filosofia3. A história d;i
filosofia, ao m esm o tempo em que é exposição dos sistemas, acaba sen
do, sem que isso se proponha, a crítica deles. Esforça-se para erigir,
uma depois da outra, cada doutrina, mas uma vez que a erigiu, a dei
xa desnucada por obra da subseqüente e semeia o tem po de cadávc
res. Não é, portanto, apenas o fato abstrato da “d issonância” que nos
apresenta o passado com o erro, mas é o próprio passado que, por as
sim dizer, vai cotidianam ente se suicidando, desprestigiando e arrui
nando. Nele não encontram os onde procurar guarida. Tal gigantesca
experiência do fracasso é a que exprim e este m agnífico parágrafo de
Bossuet, egrégio exem plo - diga-se de passagem - do b om estilo bar
roco ou m odo em que se m anifestou o hom em ocidental em todas as
ordens da vida de 1 5 5 0 a 1 7 0 0 : “Q uando considero este m ar turbu
lento, se assim é lícito cham ar a opinião e os raciocínios hum anos, im
possível me é em espaço tão dilatado achar asilo tão seguro nem reti
ro tão sossegado que não tenha se tornado m em orável pelo naufrágio
de algum navegante fam oso.”4
Na série dialética este é, portanto, o prim eiro pen sam en to: a histó
ria da filosofia nos descobre p rim a fa c ie o passado com o o mundo
m orto dos erros.
SEGUNDO PENSAMENTO
Mas não pensam os o prim eiro “com pleto”. Dizíamos que cada fi
losofia com eça m ostrando o erro da ou das precedentes e que, graças
a isso, ela é outra filosofia. Mas isso não teria sentido se cada filosofia
não fosse form alm ente, por um a de suas dim ensões, o esforço para
3. U m fato que deveria nos su rp reen der m ais do que o faz é que, depois de ini
ciada a atividade filosófica propriam ente dita, não parece ter havido n enh um a filosofia
que com eçasse de novo, mas todas brotaram partindo das anteriores e - a partir de cer
to m om ento - cabe dizer que de todas as anteriores. Nada seria mais "natural" que o
aparecim ento, aqui e acolá - ao longo de toda a história filosófica - , de filosofias sem
precedentes em outras, espontâneas e a nihilo. Mas não foi assim, e o que ocorreu foi
antes em grande m edida o contrário. Im porta sublinhá-lo para que se perceba a força
da série dialética que agora desenvolvem os e de outras afirm ações m inhas posteriores,
entre elas as que se referem à filosofia co m o tradição.
4. Sermõn sobre la Ley de Dios, para el Domingo de Quincuagésima.
550
E p íl o g o de J o sé O rtega y G a sset
551
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
5. A prim eira vez que expus publicam ente essa idéia da sociedad e, base de uma
nova sociologia, foi num a conferência dada em Valladolid em 1 9 3 4 , co m o título “O
hom em e a gente”. Aventuras sem n úm ero me im pediram de publicar até hoje o livro
que, com a m esm a epígrafe, deve exp o r toda a m inha doutrina sobre o social [ver El
h o m b r e y la g en te. E m O bras co m p leta s, tom o V IIJ.
6 . É claro que o h om em está sem pre em inum eráveis cren ças elem entares, da
m aioria das quais não se dá conta. Ver sob retud o m eu estudo Id eas y creen cias ( O bras
com pletas, t. V). O tem a da não crença que o texto acim a aborda refere-se ao nível de as
suntos hum anos patentes sobre os quais os hom ens falam e discutem .
5 5 2
E p íl o g o de J o sé O rtega y G a sset
553
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
mais ou m en os fortes, fracos, "vazios” (gram ática chinesa) etc. Mas é claro que se a lin
guagem é p or um lado degeneração dos vocábulos, tem necessariam ente de ser, por
outro, p ortentosa geração. U m vocábulo qualquer carreg a-se subitam ente de um a sig
nificação que ele nos d iz co m um a plasticidade, relevo, clareza, sugestividade, ou,
com o queiram cham á-la, superlativa. Sem esforço nosso para vitalizar seu sentido, d es
carreg a sobre nós sua carg a sem ântica co m o um a faísca elétrica. É o que ch am o de “a
palavra em form a” que age com o um a incessante revelação. É perfeitam ente factível
p ercorrer o dicionário, tom ar o pulso de energia sem ântica de cada vocábu lo num a de
term inada data. A clássica com p aração das palavras com as m oedas é verídica e fértil. A
causa de sua hom ologia é idêntica: o uso. Bem podiam os lingüistas realizar algumas
investigações sobre esse tem a. Não só en con trarão m uitos fatos interessantes - disso já
sabem . co m o tam bém novas categorias lingüísticas até agora despercebidas. Faz tem
po - m esm o se de lingüística sei quase nada - que procuro, ao acaso de m eus tem as, ir
sublinhando acertos e falhas da linguagem , porque, m esm o não sendo lingüista, talvez
tenha algum as coisas a dizer que não são totalm ente triviais.
5 5 4
E p íl o g o de J o sé O rtega y G a sset
555
H is t ó r ia da f il o s o f ia
novo sisiem a tal qual era no antigo, fica com pletada. Na verdade, tr;i-
ra-se de uma idéia nova e distinta daquela primeiro criticada e depois
inlegrada. Reconheçam os que aquela verdade m anca, comprovada
mente errada, d esap arece na nova con stru ção intelectual. Mas desapa
rece porque é assimilada em outra m ais com pleta. Essa aventura das
idéias que m orrem não por aniquilam ento, sem deixar rastro, mas
porque são su peradas em outras m ais com plexas, é o que Hegel ch a
mava de Aujhebung, termo que traduzo pelo de “absorção”. O absorvi
do desaparece no absorvente e, por isso m esm o, ao m esm o tem po em
que é abolido, é conservado8.
Isso nos proporciona um terceiro aspecto do passado filosófico.
O aspecto de erro, com que p rim a fa c i e ele se apresentava para nós,
resulta ser uma m áscara. Agora a m áscara foi retirada e vem os os er
ros com o verdades incom pletas, parciais ou, com o costum am os dizer,
“têm razão em p a r te .’’ portanto são p a rtes da razão. Poder-se-ia dizer
que a razão virou caco antes de o hom em com eçar a pensar e, por
isso, este tem de ir recolhendo os pedaços um a um e ju n tá-lo s. Sim-
mel fala de uma “sociedade do prato quebrado”, que existiu no final
do século passado na Alemanha. U ns am igos, em certa com em oração,
se juntaram para com er e na hora da sobrem esa decidiram quebrar
um prato e distribuir os pedaços entre si, cada um assum indo o com
promisso de ao m orrer entregar sua fração a outro dos amigos. Desse
m odo, os fragm entos foram chegando às m ãos do últim o sobreviven
te, que pôde reconstruir o prato.
Essas verdades insuficientes ou parciais são experiências de
pensam ento que, em torno da Realidade, é preciso fazer. Cada uma
delas é uma “via” ou “cam inho” - m éthodos - pelo qual se percorre um
trecho da verdade e se contem pla um de seus lados. Mas chega um
ponto em que p or esse cam inho não se pode avançar mais. É forçoso
ensaiar um outro distinto. Para isso, para que seja distinto, tem de
8. A “ab sorção" é um fenômeno tão claro e reiterado que não oferece lugar a dú
vida. Mas em Hegel é, além disso, um a tese ligada a todo seu sistema, e enquanto tal
não tem nada a ver co m o que foi dilo acim a, assim com o não se deve pensar na dialé
tica hegeliana quando falei e venha a falar de “série dialética".
55f>
E p íl o g o d e J o sé O rtega y G a sset
Esse filósofo que viveu dois mil e quinhentos anos pode-se dizer
que existe: é o filósofo atual. Em nosso presente com portam ento filo
sófico e na doutrina que dele resulta, tem os em consideração e à vista
boa parte do que se pensou antes sobre os temas de nossa disciplina.
Isso equivale a dizer que as filosofias pretéritas colaboram com a n os
sa, estão nelas atuais e vivazes.
Q uando pela prim eira vez entendem os uma filosofia ela nos sur
preende pela verdade que contém e irradia - o que significa que por
ora, se não conhecêssem os outras, nos pareceria ser a própria verda
de. Daí que o estudo de toda filosofia, mesmo para o m ais tarimbado
nesses encontros, é uma inesquecível ilum inação. C onsiderações u l
teriores nos fazem retificar: aquela filosofia não é a verdade, e sim tal
outra. Mas isso não significa que fique anulada e invalidada aquela
prim eira impressão: a arcaica doutrina continua sendo “por ora” ver
dade - entenda-se, um a verdade pela qual sempre se terã de passar no
itinerário m ental rumo a outra mais plena. E esta a que se chega é
mais plena porque inclui, absorve aquela.
Em cada filosofia estão todas as demais com o ingredientes, com o
passos que é preciso dar na série dialética. Essa presença será mais ou
m enos destacada e, talvez, todo um velho sistem a apareça no mais
m oderno apenas com o um vestígio ou um rudim ento. Isso é palmar e
formalmente assim se com pararm os uma filosofia posterior com as pre
cedentes. Mas tam bém vice-versa: se tom arm os utna m ais antiga ve
rem os, em filigrana, com o germ es, com o tênues perfis, ainda não en-
557
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
558
E p íl o g o de J o sé O rtega y G a sset
9. Sobre essa categoria da razão histórica que é o “ser n a forma de te-lo sid o ", ver
m eu estudo H istoria corno sistem a. IO bras com p letas, t. VI.]
10. Ver o P rólogo ao livro d o Conde de Yebes. [O bras com p letas, t. VI,]
559
1
: llST Ó R IA DA FILO SO FIA
11. D c D ivinationes 1, XL1X (cito da edição Didot por não ter outra à m inha dispo
sição). Parece-m e que o term o “divinatio artificiosa” não é encontrado antes do 1, LVI.
560
E p íl o g o de J o sé O rtega y G a sslt
que, com efeito, tem tanto de um com o do outro. Qualquer dos dois
luízos é parcial e, em vez de brigar, mais vale, no fim das com as, se ju n -
larem e darem as mãos. A série dialética que percorrem os não e, cm
seus pontos temáticos, uma seqüência de pensamentos arbitrários ou
justificados apenas pessoalm ente, mas o itinerário mental que terá de
cum prir todo aquele que se ponha a pensar a realidade “passado da li-
losofia”. Não é arbitrário nem é nossa a responsabilidade de que, par
tindo de sua totalidade, a primeira coisa que percebam os seja a m ulti
dão de opiniões contraditórias e, portanto, errôneas, que em seguida
vejamos com o cada filosofia evita o erro do precursor e assim o apro
veita, que mais tarde nos dem os conta de que isso seria impossível se
aquele erro não fosse em parte verdade e, por fim, com o essas partes da
verdade se integram ressuscitando na filosofia contem porânea. Assim
com o o experim ento corriqueiro graças ao qual o físico verifica qrie as
coisas ocorrem de um determ inado m odo, e que ao ser repetido em
qualquer laboratório idôneo dá o m esm o resultado, essa série de passos
m entais se impõe a qualquer um que medite. Fixar-se-á ou se deterá
mais ou m enos em cada articulação, mas todas são estações nas quais
seu intelecto p a ra rá um instante. Com o veremos, a função do intelecto
é parar e, ao fazê-lo, parar a realidade que o hom em tem diante de si.
Na operação de percorrer a série, tardará mais ou m enos, segundo seus
dotes, segundo sua disposição física, segundo o estado clim ático, se
gundo goze de repouso ou tenha desgostos12. A m ente adestrada costu
ma percorrer em grande velocidade uma série dialética elementar com o
a exposta. Esse adestramento é a educação filosófica, nem mais nem
561
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
562
E p íl o g o de J o sé O rtega y G a sset
i .10 é, de erros que nada m ais são senão erros, cujo erro não consiste
meramente em seu caráter fragm entário, mas em sua matéria c su bs
tância, não é uma questão que precisem os elucidar nesse m om ento.
Interrom pam os aqui esta série dialética não porque, a rigor, não
deveríamos continuá-la, mas porque no âm bito desie epílogo não
cabe dizer m ais e o que foi dito é o bastante. Mas o erro não é, confor
me todo o acim a discutido, interrom per uma série dialética, não
"continuar pensando”? Seria se a déssem os por com pleta, mas o que
fazemos é sim plesm ente dá-la por bastante para o horizonte e o nível
de tem as que vamos abordar. É bem óbvio que nesta série, com o no
olhar que a iniciou, não se tentou outra coisa senão uma enorm e ma-
croscopia. Mas é claro que restam nessa mesm a direção do pensa
m ento inum eráveis coisas por dizer. Mais ainda, o que foi enunciado
é apenas o prim ário, e o prim ário é sempre o mais tosco e grosseiro,
em bora seja forçoso dizê-lo e não seja lícito saltá-lo16.
5 63
H is t ó r ia d a f i l o s o f ia
564
II. OS A S PEC TO S E A COISA IN TEIRA
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
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E p íl o g o d e J o sh O rtega y G a sset
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5. Tam bém aqui o leitor, que não costum a v er as coisas de que o au tor está falan
d o, m as ficar de f o r a olh an do as palavras co m que fala, com o os sapatos de um a vitri
ne, julgará com grande petulância que isso não passa de um jogo de palavras. C once-
do-lhe um prazo até a p róxim a publicação de u m livro m eu, onde en contrará um
exem plo concretíssim o e conciso de co m o o acim a dito é literalmente verdade e, em
certas ocasiões, não há o u tro remédio senão ocupar-se de “buscar o tem po perdido”
por si m esm o ou por o u tro , por urna nação ou pela hum anidade inteira.
6 . E, na verdade, poder-se-ia, em vez de “asp ecto ”, dotar co m toda form alidade o
vocábulo “ca ra ” de valor term inológico em ontologia.
568
E p íl o g o d e J o sé O rtega y G a sset
noção etc.). Mas este é um term o que hoje só tem significado psicoló
gico, e o fenôm eno radical que agora nos ocupa não tem nada de psi
cológico. É claro que para que a coisa nos ofereça seus “aspectos” e -
o que dá na m esm a, só que considerado desde o “su je ito ” que tem a
coisa diante de si - o hom em possa captar dela suas “vistas”, todos os
aparelhos corporais e psíquicos têm de iuncionar. A psicologia, a físi
ca e a fisiologia estudam esses funcionam entos, m as isso quer dizer
que essas ciências com o que partem de algo prévio, que está aí antes
delas e que é causa de sua existência, do fenôm eno prim ário e radical
que é a presença da coisa ante o hom em na forma de “aspectos” ou
“vistas”. O funcionam ento desses aparelhos e m ecanism os não tem
qualquer interesse para a questão que nos ocupa. Tanto faz que fun
cionem de um m odo ou de outro, pois o que im porta é o resultado:
que o hom em se encontra com o fato de que vê coisas.
Não se trata de psicologia nem com nada que se pareça7. Trata-se
de um fato m etafísico ou, com outro nom e, ontológico. E os fatos m e
tafísicos - que não são m isteriosos ou ultracelestes, m as os mais sim
ples, os m ais triviais, lapalissadas - são os fatos mais verdadeiram en
te “fatos” que existem , anteriores a todos os “fatos cien tíficos”, que su
põem aqueles e deles partem.
Por isso conviria desalojar da term inologia filosófica o vocábulo
“idéia”, palavra em últim o grau de degradação e envilecim ento, já que
nem m ais em psicologia significa algo preciso, au têntico, unívoco. Na
Grécia - pois se trata de uma palavra grega, não latina e m enos ainda
rom ânica - teve seu grande m om ento, sua vez de estar em forma. Com
7. Isso não quer dizer que a psicologia não seja um a disciplina fabulosamente i
teressan te, à qual as pessoas deveriam se afeiçoar mais porque é acessível, bastante ri
gorosa e m uitíssim o divertida. C om prep aração bastante m od esta pode-se trabalhar
co m ela com resultados positivos e cle própria criação. Já faz dez an os que live o p ropó
sito de iniciar na Espanha uma cam pan ha p ró Psicologia, aproveitando o entusiasm o e
os excep cio n ais dotes de organizador que o Dr. Germain possui. Náo sou psicólogo
n em teria podido me dedicar a sê-lo, m as fui um aficionado, e isso teria perm itido que
eu despertasse curiosidades, suscitasse vocações e prom ovesse g ru p o s de estudiosos e
cu riosos na m atéria em torno das pessoas que já de antem ão, denodadam ente e sem
ap oio, se ocu pavam dessa ciência, sob retud o em Barcelona e em Madri.
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9. Sendo o conhecim ento um assunto que o hom em tem co m as coisas, será pre
ciso referir-se a ele co n tem p lan d o -o algum as vezes desde o h om em e outras desde
as coisas. O assu nto, a realidade que se co n tem p la - o fenôm eno “co n h ecim en to ” -
é, em am b os os casos, o m esm o; o que variou foi nosso ponto de vista. P or isso co n
vém possuir um d obrete de term o, “vista” e “aspecto”. Afinal, am bas as denom inações
têm a vantagem de recordar constantem ente que pensar é em últim a instância “ver”, ter
presen te a coisa, ou seja, intuição. Tenham em conta que à linguagem, à palavra, ao
nom e, correspondem , afora outras que não im portam agora, duas funções; um a, per
m itir manejar um a enorm e quantidade de conceitos, de idéias de forma “econôm ica”,
p ou pan do-nos de efetuar realm ente o ato de pensar que esses conceitos e idéias são.
Na maioria dos casos, o que descuidadam ente cham am os pensar não o é propriam en
te, é apenas sua abreviatura. Nessa função, cada palavra é som ente um “vale” pela efe
tiva execu ção de um pensam ento, e co m ela a linguagem nos perm ite “abrir um crédi
to” intelectual co m que fundamos, co m o grandes indústrias, as ciências. Mas o negócio
bancário não pode consistir apenas em abrir créditos. Essa função é correlativa de ou
tra e a exige: realizar os créditos adquiridos. Daí a ou tra função da linguagem que é a
decisiva: cada palavra é um convite para ver a coisa que ela denom ina, para executar o
pensam ento que ela enuncia. Porque pensam ento, repilo e repetirei sem cessar nestas
páginas, é em última e radical instância um “estar ven do algo e, disso que se está vendo,
fix a r c o m a atenção tal ou qual parte”. Diremos, pois, que pensar é “fixar-se em algo do
que se vê”.
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III. S é r ie d i a l é t i c a
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Essa contigüidade dos passos mentais faz com que o pensar consti
tua uma série e do tipo mais simples. Conste, pois, que se falo de “série
dialética” é infelizmente apenas porque se trata de uma série qualquer e
vulgar, com o o é uma “série de núm eros”, uma “série de selos” ou uma
“série de desgostos”. Que nesse caso a série seja de pensamentos, de con
ceitos, idéias ou “vistas” não é m otivo para armar grande alvoroço.
Su ponham os que nos pom os a pensar sobre um tema qualquer,
grande ou pequeno, e que anotam os num papelzinho, um debaixo do
outro, os pensam entos a que vam os chegando guiados pela intuição
ou visão da coisa, até que considerem os oportuno parar. Isso será a
“série dialética X ”, onde X = sobre tal tema. Podem os pôr o título des
se tem a encabeçando o papelzinho e arquivar este num fichário, para
tê-lo à mão quando seja preciso. Foi o que fiz enquanto escrevia estas
páginas a fim de não esquecer o que passava pela m inha cabeça.
Do que resulta que o trem endo term o, prom etedor de profundi
dades, revela posteriorm ente sua hum ilíssim a condição de mero in s
trum ento de catalogação para que o autor não se esqueça, e de guia
para que o leitor não se perca. Este livro é uma série de séries dialéti
cas. Poderíam os ter cham ado a coisa de muitas outras m aneiras. Que
o leitor as procure e verá que a escolhida por mim , apesar de seu per
fil grandiloqüente, é a mais sim ples e trivial.
Esse “troço” ou ferram enta que é a série dialética serve tam bém
para facilitar a tarefa perfurante do crítico, porque é possível atribuir
núm eros 1, 2, 3 ... ou letras A, B, C ... aos passos do pensar em que ela
consiste, o que perm ite assinalar com toda precisão e com odidade o
ponto que não se entende ou que parece errôneo ou necessitado de
alguma correção ou com p lem en to2.
2. Sem que eu possa me deter agora nisso, faço notar a graciosa coincidência qu
essa n u m eração das “idéias” na série teria com os famosos e en igm áticos “núm eros
ideais” de Platão. Porque também ali, ao lado da série dialética das Idéias, desde a pri
meira e envolvente (a idéia do Bem ) até a últim a e concreta - a “espécie indivisível” ou
àto n o v eíÔoç - co loca-se paralelam ente a série dos núm eros, de m o d o que a cada Idéia
corresp on d a um n úm ero - porque am bas as séries são “isom orfas”, co m o boje dizem
os m atem áticos. Devem os a Stenzel ter co m eçad o a decifrar esse enigm a dos “núm eros
ideais" ou “Idéias-núm eros” em Platão, vinte e três séculos depois, em seu livro Z ahl
und G estalt b ei Pluton und A ristóteles, 1 9 2 4 .
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IV A M ESMIDADE DA FILO SO FIA
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losas que hoje a física alcança, ten a fracassado, e a física n ão teria se constituído porque
os m eios m atem áticos de então não bastavam para d om inar diferenças tão pequenas e
com p lexas. Isso m ostra até que p onto a ciência é um organism o delicadíssimo cujos
m em bros, de condição m uito diferente entre si, têm de avançar co m um a espécie de
“harm on ia preestabelecida".
4. N ada sena mais fácil que realizar co m todo rigor esse propósito. Seria sim ples
m en te u m a questão de mais páginas. Mas a econom ia deste livro, onde há coisas d e
m ais para dizer, m e obriga no que segue a m isturar coisas que a rigor pertencem a as
p ecto s posteriores, mais p róxim os e que não se vêem num sobrevôo, que é o que c o r
responde estritam ente neste capítulo. Mas é preciso, p or razões puram ente didáticas,
antecipar algumas coisas. O im portante é não deixar de dizer o essencial desse asp ecto,
e não há qualquer prejuízo, tendo em conta essa advertência, em acrescentarm os coisas
inessenciais nele. Portanto - e esse alerta vale para todo este capítulo - , ante o estrito
fenôm eno "filosofia vista a d istância”, esses adendos de visão m ais próxim a, isto é, de
q uem já está dentro da filosofia e não tem dela apenas um a vaga e rem ota visão, nada
mais fazem senão dar caráter explícito ao que esse “ignorante”, sem conseguir precisá-
lo para si m esm o, vê, ouve e sente em sua vaga im agem do que é filosofia.
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com o que dela “se d iz”. Os gregos cham aram “o que se diz” d e'“fama”
- no sentido de nossa frase vulgar “corre fama q u e...”.
Contudo, ante esse passado radical, ante o passado propriam en
te “histórico”, feito de ausência e rem oto horizonte, há um passado
relativo, passado um tantinho presente - com o se disséssem os que
não acabou de ir em bora. Com esse passado tem os ainda certa relação
visual: em bora de m odo turvo, continuam os a vê-lo. Nas rugas da
cara do ancião vem os que é um passad o vivente, presente. Não precisa
m os ouvir d izer que aquele hom em foi: seu ter sido antes é presente
para nós com energia. O m esm o acontece com a paisagem povoada
de ruínas, com a roupa desbotada e esfarrapada, com a velha m onta
nha vulcânica de que resta apenas o esqueleto interior pétreo, com
nosso rio Tejo, prisioneiro em seu leito estreito e profundam ente ta
lhado dentro da dureza das rochas. Vemos com os olhos da cara, se
form os um pouco fisionom istas, que o Tejo é um rio m uito velho, um
caudal senescente, cujo débil fluxo corre por um álveo caloso, córneo
- em suma, presenciam os um espetáculo de fluvial arteriosclerose.
(Q uem não se angustia ou, pelo m enos, se m elancoliza ao contem plar
em seu curso nas cercanias de Toledo esse rio decrépito, é porque é
cego de nascim ento e não m erece existir ou, em tendo de existir, que
olhe o m undo. É inútil: não vê nada.)
Mas, repito, do passado histórico a m ais norm al e íntim a n oticia5
é a que nos chega em nom es. A aventura não lhe é peculiar. O nome
é a forma da relação distante, radicalm ente distante entre nossa m en
te e as coisas. Da m aioria destas, é a prim eira com unicação e, de m u i
tíssimas, a única que nos chega com seus nom es, só seus nom es.
Aparecem subitam ente diante de n ós, deslizam em nosso ouvido
quando as coisas que eles denom inam ainda estão rem otíssim as de
nós - talvez para sem pre, invisíveis e além do horizonte. O s nom es
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6. Ver mais adiante Lógica e on tologia m ágicas, onde falo de que o H om em viu o
p ensar = logos = palavra, com o vindo do ser e residente nele. [O titulo m encionado
não foi en co n trad o nem , ao que tudo indica, chegou a ser escrito.]
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V [O N O M E A U T Ê N T IC O ]
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para ela - é “falar consigo m esm o”. Só a própria pessoa tem diante
dos olhos a “nova coisa” e, ao escolher um vocábulo para nom eá-la,
só ela o entende. Assistim os, pois, a uma função da linguagem que é
o contrário da língua ou falar da gente ou dizer o con sab id o1. É n eces
sário, contudo, que aquele que vê p ela p rim eira vez a coisa entenda a
si mesmo ao denom iná-la. Para isso buscará na língua, naquele vulgar
e cotidiano dizer, um vocábulo cuja significação tenha an alogia - já
que não pode ser m ais do que isso - com a “nova coisa”. Mas a analo
gia é uma transposição de sentido, é um emprego m etafórico da pala
vra, portanto, poético. Quando A ristóteles2 constata que tudo está
“feito de algo” com o cadeiras e mesas e portas estão feitas de m adeira,
cham ará isso de que (Ô é£ ot>) todas as coisas estão feitas de “m adeira”
—í5A.r| - , ou seja, a “madeira por excelência, a últim a e universal m a
deira” ou “m atéria”. Nossa palavra m a téria nada mais é senão a m a
deira metaforizada.
Disso resulta - quem diria! - que a descoberta de um term o téc
nico para um novo conceito rigoroso, que a criação de uma term ino
logia não é senão um a operação de poesia.
E vice-versa, se reavivarmos em nós o significado do term o téc
nico já constituído, e nos esforçarm os por entendê-lo a fundo, ressus
citarem os a situação vital em que se encontrava aquele pensador
quando pela prim eira vez viu ante si a “nova coisa”.
Essa situação, essa experiência viva do novo pensar grego que vi
ria a ser o filosofar, foi m aravilhosam ente denom inada por Parm êni-
des e alguns grupos alertas de seu tem po com o nom e de “alétheia”3.
Com efeito, quando, ao pensar m editando sobre as idéias vulgares,
tópicas e recebidas em relação a uma realidade, constata que são fal
sas e por trás delas lhe aparece a própria realidade, é com o se tivesse
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6. Que aconteceria co m esse fenôm eno n orm al e fundamental da vida hum ana
num tempo em que os hom ens quaisquer, os h om ens massa, fossem sendo progressiva
mente petulantes? Pois uma das coisas mais engraçadas que vi acontece co m intensida
de e freqüência crescentes nas novas gerações, a p om o de ter me deixado m uitas vezes
atônito: que o jovem atual quando nos lê e conseguim os fazer com que entenda algo
acred ita logo em seguida que foi ele que teve a idéia. C o m o o escritor, se realm ente for um ,
parece “plagiar” o leitor; esse leitor petulante de hoje acredita seriam ente que é ele o ver
dadeiro autor e que já sabia aquilo. O fato é estupefaciente e grotesco, m as inegável.
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seu filosofar; é além disso, com o tal filósofo, um a figura pública assim
com o o m agistrado, o sacerdote, o m édico, o m ercador, o soldado, o
jogral, o verdugo. A irresponsável e im pessoal personagem que é o
en torn o social, o m onstro de n+1 cabeças que é a gente, com eça a rea
gir ante essa nova realidade: o “averiguador”, isto é, o filósofo. E
com o o ser deste - seu filosofar - é uma tarefa hum ana m uito mais ín
tima que todos aqueles outros ofícios, o choque entre a publicidade
de sua figura social e a intim idade de sua con d ição é maior. Então,
com a palavra “alétheia”, “averiguação”, tão ingênua, tão exata, tão trê
m ula e pequenina ainda de seu recente n ascim en to, com eçam a
“acon tecer coisas”. As palavras, em últim a instância m odos do viver
h um ano, têm elas tam bém seu “m odo de viver”. E com o todo viver é
“acon tecer coisas com alguém ”, um vocábulo, recém -n ascid o, entra
até seu desaparecim ento e m orte na mais arriscada série de aventuras,
algum as favoráveis e outras adversas7.
O n om e “aléth eia” in v en tad o para uso íntim o era u m nom e em
que não estavam previstos os ataques do pró xim o e, portanto, era
indefeso. M as n em bem a gente soube que havia filósofos, “averi-
guadores”, com eçou a atacá-los, a m al-entendê-los, a confundi-los com
ou tros ofício s eq u ív ocos, e eles tiveram de aband onar aquele n om e,
tão m arav ilh oso com o in g ên u o, e aceitar outro, de geração esp on tâ
nea, in fin itam en te pior, m as... m ais “p rático”, isto é, m ais estú pido,
m ais vil, m ais cau teloso. N ão se tratava m ais de n om ear a realidade
nua de “filoso far”, na solid ão do pensador com ela. Entre ela e o
p en sad o r se in terp õ em os p ró xim os e a gente - personagens pavo
rosas e o n om e tem de d efen d er duas frentes, olhar para dois la
dos - a realidade e os ou tros h om en s n om ear a coisa não só para
si p ró p rio , m as tam bém para os d em ais. Mas olh ar para os dois lados
é envesgar. Vam os agora observar com o nasceu esse vesgo e ridículo
nom e de filosofia.
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