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Historia de la Filosofía
© do texto: Juan Manuel Cordón e Tomas Calvo Martínez, 1995
Tradução da antologia de textos: Alberto Gomes; do restante: Departamento Editorial de Edições 70
Revisão: Marcelina Amaral
Capa: FBA
ISBN 978-972-44-1837-7
CDU 1
Setembro de 2014
Direitos reservados para todos os países de Língua Portuguesa por Edições 70
www.edicoes70.pt
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transgressão à lei dos Direitos de Autor será passível de procedimento judicial.
ÍNDICE
PRÓLOGO
PRIMEIRA PARTE
QUADRO SINCRÓNICO
1. Os Sofistas
2. Sócrates
3. Platão
SEGUNDA PARTE
QUADRO SINCRÓNICO
1. A Astronomia Pré-Copernicana
2. Realismo e Matemática: Copérnico
3. Kepler: procura da Pura Racionalidade
4. Galileu e o Método Experimental
5. Método Resolutivo-Compositivo
9. O RACIONALISMO
INTRODUÇÃO
10. O EMPIRISMO
INTRODUÇÃO
11. O ILUMINISMO
INTRODUÇÃO
1. Enquadramento Histórico e Sociopolítico do Iluminismo
3. Newton e o Problema da Natureza
4. Homem e Deus: o Deísmo e a Religião Natural
5. Homem e Sociedade (Rousseau)
TERCEIRA PARTE
A FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA
QUADRO SINCRÓNICO
15. O MARXISMO
INTRODUÇÃO
1. O Historicismo de Dilthey
2. O Vitalismo de Nietzshe
3. O Raciovitalismo de Ortega y Gasset
4. Vida, Tragédia e Heroísmo: Miguel de Unamuno
BIBLIOGRAFIA
PRÓLOGO
INTRODUÇÃO
1.2.1. O mito
O MITO DE PROMETEU
Quando os deuses e os homens se separaram em Mecona, Prometeu
ofereceu um boi enorme que dividiu com ânimo resoluto, pensando
enganar a inteligência de Zeus. De um lado, pôs a carne, as miudezas, a
gordura, ocultando-as no ventre do boi; do outro lado, com astúcia falaz,
juntou os ossos descarnados do boi e dissimulou-os, cobrindo-os com
gordura luzidia.
Então o pai dos homens e dos deuses dirigiu-se a ele: «Filho de
Jápeto, o mais ilustre de todos os deuses, amigo meu, repartiste os lotes
tão parcialmente!».
Assim falou Zeus, conhecedor dos desígnios imortais, em tom de
brincadeira. O astuto Prometeu respondeu-lhe com um leve sorriso e não
ocultou a sua falaz astúcia:
«Zeus, o mais ilustre e poderoso dos deuses sempiternos! Escolhe o
lote que o coração no teu peito te dita».
Falou certamente com pensamentos falsos. E Zeus, sabedor dos
desígnios imortais, reconheceu o logro; mas o seu coração estava já a
preparar desgraças para os homens mortais e ia dar-lhes cumprimento.
Com ambas as mãos recolheu a gordura branca. As suas entranhas
irritaram-se e a cólera atingiu-lhe o coração quando viu os descarnados
do boi e a falaz astúcia. Foi a partir daí que sobre a terra as tribos de
homens queimam os ossos descarnados para os imortais quando fazem
sacrifícios nos altares. E Zeus, pastor das nuvens, terrivelmente
indignado, disse a Prometeu:
«Filho de Jápeto, conhecedor dos desígnios de todas as coisas, amigo
meu, certamente não te esqueceste já da tua falaz astúcia!».
Assim falou Zeus colericamente, conhecedor dos desígnios imortais. E
desde então lembrou-se sempre deste logro e não deu a infatigável chama
de fogo aos fresnos [os homens mortais que habitam sobre a terra].
Mas o sagaz filho de Jápeto ludibriou-o, escondendo numa oca o
brilho intenso do incansável fogo.
Quando Zeus altissonante viu que os homens possuíam o brilho
intenso do fogo, a sua alma feriu-se de novo e o seu coração irritou-se. E
imediatamente, como contrapartida para o fogo, preparou uma desgraça
para os homens.
Por vontade do Crónida, o ilustre Patizambo modelou então em terra
uma imagem com aparência de donzela casta. A deusa Atena de olhos
glaucos deu-lhe uma faixa e adornou-a com um vestido resplandecente de
brancura; cobriu-lhe a cabeça com um magnífico velo bordado pelas suas
próprias mãos; e rodeou os seus seios com deliciosas coroas de erva
fresca trançada com flores...
Logo que preparou o belo mal, em troca de um bem, levou-a para
onde estavam os outros deuses e os homens, engalanada com os atavios
da deusa de olhos glaucos, filha do poderoso pai; e um espanto enorme se
apoderou então dos deuses imortais e dos homens mortais quando viram
o espinhoso engano, irresistível para os homens. É desta donzela que
descende a estirpe das mulheres feminis [...]. Foi uma grande calamidade
para os mortais, dado que a vida dos varões não se conforma com a
penúria funesta mas sim com a saciedade.
Tal como nas colmeias abobadadas as abelhas alimentam os zangãos
sempre ocupados com tarefas mesquinhas (durante todo o dia até ao pôr-
do-sol elas afadigam-se diariamente e fazem brancos favos de mel, ao
passo que eles aguardam nos favos recobertos e recolhem no seu ventre o
esforço alheio), assim também Zeus altissonante fez com que as
mulheres, sempre ocupadas com tarefas perniciosas, fossem uma
desgraça para os homens mortais.
Hesíodo, Teogonia
Tales de Mileto
Nascido na segunda metade do século VII a. C., desenvolveu a sua actividade intelectual na
primeira metade do século seguinte. Astrónomo (predisse o eclipse do Sol ocorrido no ano de
585 a. C.), engenheiro e matemático (formulou o teorema que tem o seu nome), Tales é
considerado o primeiro filósofo grego ao introduzir a investigação racional acerca do princípio
ou arché do real.
Pitágoras
A sua maturidade situa-se por volta do ano 530 a. C. Nasceu em Samos, mas emigrou para a
Grande Grécia, estabelecendo-se em Crotona onde fundou a sua escola. A sua figura depressa se
converteu em lenda. Atribui-se-lhe a invenção da tábua de multiplicação e do teorema que tem o
seu nome. Visto que nada escreveu, torna-se impossível distinguir as suas próprias contribuições
das da sua escola. A escola pitagórica foi uma comunidade singular de carácter científico,
religioso e político. No campo científico, cultivaram especialmente a matemática, a música e a
astronomia. No âmbito religioso, afirmavam a imortalidade da alma e a sua transmigração,
atribuindo uma importância fundamental à sua purificação através do conhecimento e de um
sistema de vida rigidamente regulado por proibições. No campo político, apoiavam o partido
dórico e exerceram o poder durante muito tempo, até que, a meio do século V a. C., se verificou
uma rebelião em que morreu a maior parte dos membros da escola. Alguns, como Filolau,
fugiram e estabeleceram-se em Tebas. Outros continuaram ainda por meio século na Grande
Grécia, até à sua dispersão definitiva.
2.3.1. Heraclito
2.3.2. Parménides
a) Via da Verdade
A doutrina de Parménides sobre a realidade, sobre o que há ou existe,
pode ser resumida em duas afirmações:
Parménides
Nasceu nos finais do século VI a. C. e a sua importância filosófica é enorme, uma vez que a
sua obra divide a filosofia pré-socrática da natureza em dois períodos bem definidos: o dos
sistemas monistas anteriores a ele e o dos sistemas pluralistas, que lhe são posteriores. Talvez
tivesse sido pitagórico na sua juventude. Escreveu um Poema em verso que – além do proémio,
de carácter alegórico-religioso – compreendia duas partes claramente distintas: na primeira – via
da verdade – expõe a sua doutrina da realidade, do ente único e imóvel: na segunda, apresenta
uma cosmologia de tipo tradicional, narrando a origem e criação do Universo.
O nome de Parménides está associado ao do poeta Xenófanes. Teofrasto diz que Xenófanes
– que nas suas obras critica energicamente a teologia mítica de Homero – foi o mestre de
Parménides. Foram seus continuadores Melisso e Zenão de Eleia, tendo este último proposto
argumentos engenhosos para demonstrar a impossibilidade do movimento.
b) Via da Opinião
Esta doutrina de Parménides sobre a realidade (única, permanente,
inalterável) mostra a impossibilidade de qualquer mudança e, portanto, de
qualquer processo de criação do Universo. Não obstante, na segunda parte
do Poema, Parménides expõe uma cosmogonia segundo a qual o Universo
teve origem em dois princípios: a claridade e a escuridão. A existência
desta segunda parte no Poema provocou um grave problema de
interpretação: de facto se a razão exige que a realidade seja uma e imutável
porque é que Parménides recorrendo à mudança e introduzindo a
pluralidade, se dá ao trabalho de nos relatar como o Universo foi criado?
Até mesmo os filósofos gregos – profundamente impressionados pelo rigor
e pelo radicalismo da doutrina de Parménides – formularam esta
interrogação. Desde então e até aos nossos dias têm surgido respostas muito
diferentes a esta questão. A diferença que Parménides estabeleceu entre as
duas vias (a da verdade e a da opinião) teve grande influência no campo da
teoria do conhecimento. A razão, como referimos, exige que a realidade
seja única e imutável; contudo, os nossos sentidos, percepções e
experiências mostram-nos a pluralidade e o movimento. A partir de
Parménides configura-se, já de um modo definitivo, a oposição entre a
razão e os sentidos, entre o conhecimento intelectual e o conhecimento do
visível. Apesar de o próprio Parménides não ter enunciado explícita e
literalmente esta oposição, a sua obra contribuiu sem dúvida para a
estabelecer.
Demócrito
Nasceu em Abdera (Trácia) no ano 460 a. C., sendo portanto contemporâneo de Sócrates. O
seu mestre foi Leucipo e os nomes de ambos aparecem associados na criação do atomismo
mecanicista. Demócrito foi um escritor enciclopédico. Diógenes Laércio reproduz uma lista dos
seus escritos em que se recolhem mais de sessenta obras dedicadas a temas éticos, físicos,
matemáticos, musicais e técnicos. Desta imensa obra sobreviveram apenas curtos fragmentos.
As suas teorias chegaram até nós mentalmente através da exposição que delas fazem outros
autores, sobretudo Aristóteles.
2.4.1. Anaxágoras
2.4.2. Demócrito
INTRODUÇÃO
OS SOFISTAS E A EDUCAÇÃO
Quando nos sentámos, Protágoras disse:
– Agora que todos estão presentes, Sócrates, podes retomar o que
estavas a dizer há pouco acerca do rapaz.
Respondi então:
– Começarei, Protágoras, tal como há um bocado, com o porquê do
meu pedido. Hipócrates, aqui presente, desejara muito a tua companhia e
saber o que lhe aproveitaria a convivência contigo. É esse o nosso pedido.
Protágoras tomou a palavra:
– Se me acompanhares, jovem, cada dia comigo fará de ti uma pessoa
melhor. E cada dia te levará a um progresso contínuo até à perfeição.
Depois de o ouvir, disse-lhe:
– O que dizes, Protágoras, não é nada estranho mas natural, dado que
até tu (apesar da tua idade avançada e da tua sabedoria) te aperfeiçoarias
se alguém te ensinasse algo que não soubesses. Mas suponhamos que
Hipócrates mudava repentinamente de disposição e desejava a companhia
desse outro jovem que acaba de chegar, Zeuxipo de Heraclea e, do
mesmo modo que recorreu a ti agora, escutasse dele a mesma resposta
que tu lhe deste: que cada dia se aperfeiçoaria mais e progrediria na
companhia dele. E se alguém lhe perguntasse: «Aperfeiçoar-se e
progredir em relação a quê?», Zeuxipo replicava que seria na pintura. E,
tratando com Ortágoras, o tebano, se lhe ouvisse as mesmas coisas que tu
disseste e lhe perguntasse em que é que seria melhor cada dia estando na
sua companhia, ele responderia que seria na arte de tocar flauta. Assim,
deste modo responde-nos tu, a mim e ao rapaz, quando perguntamos:
– Hipócrates anda com Protágoras e cada dia em que convive com ele
torna-se melhor e progride... em relação a quê, Protágoras?
Depois de me ouvir, Protágoras disse:
– Boa pergunta, Sócrates. Agrada-me responder aos que sabem fazer
perguntas. Recorrendo a mim, Hipócrates não terá de suportar o que
sofreria no trato com qualquer outro sofista, porque os outros oprimem os
jovens. Com efeito, estes jovens fogem das especializações técnicas mas
eles reconduzem-nos de novo contra a sua vontade e iniciam-nos nas
ciências técnicas, ensinando-lhes o cálculo, a astronomia, a geometria e a
música – e ao dizer isto dirigiu o olhar a Hípias. Comigo, pelo contrário,
aprenderá apenas aquilo que quiser. O meu ensino consiste na boa
administração dos bens domésticos para se poder optimizar a direcção da
casa, e nos assuntos políticos, para se ser o mais capaz da cidade, tanto
nas obras como nas palavras.
– Então, digo eu, e segundo a tua exposição, parece-me que falas da
ciência da política e pretendes tornar os homens em bons cidadãos?
– Esse é o programa que eu professo, Sócrates.
Platão, Protágoras, 318A-19A.
Sócrates
Filho de um escultor e de uma parteira, Sócrates nasceu em Atenas no ano 470 a. C. Não
escreveu nenhuma obra, talvez porque considerava que o diálogo, a comunicação directa e
interpessoal, é o único método válido para a filosofia. São características da sua forma de
entender e praticar o diálogo a ironia e a maiêutica. A sua ironia exprime-se frequentemente na
atitude modesta do «só sei que nada sei»; a maiêutica (arte que dizia ter herdado de sua mãe)
consistia em fazer perguntas de maneira a que o interlocutor acabasse por extrair de si mesmo as
formulações correctas sobre o tema em questão. Cidadão exemplar, foi acusado de impiedade e
condenado à morte no ano 399 a. C. Poderia ter fugido, mas preferiu obedecer às leis da cidade
e morrer. Bebeu a cicuta depois de conversar longa e tranquilamente com os seus amigos sobre
a imortalidade da alma.
INJUSTIÇA VOLUNTÁRIA
Sócrates. Então não se viu há pouco que os mentem voluntariamente
são superiores aos que o fazem sem querer?
Hípias: Ora, Sócrates! Então aqueles que ofendem voluntariamente a
justiça, que voluntariamente premeditam e cometem malfeitorias, hão-de
ser melhores que os que assim procedem sem querer? Estes últimos têm
ainda uma atenuante de peso, se é por ignorância que vão contra a justiça
mentem ou fazem qualquer coisa de mal... Até as leis, como se sabe, são
muito mais severas para os crimes e mentiras quando houve intenção de
os cometer do que quando não houve.
Sócrates: Estás a ver, Hípias, como tenho razão ao dizer que sou
miudinho nas perguntas que faço aos homens sábios? Talvez seja mesmo
este o único bem que possuo e o resto não valha um chavo... Quando me
confronto com a realidade dos factos, aí estou eu na berlinda, sem saber
como avaliá-los! Queres uma prova evidente? Sempre que converso com
algum de vocês, homens prestigiados pelo saber, cuja sabedoria são os
Helenos em peso a testemunhar, toda a minha ignorância vem ao de
cima... É que nunca tenho, por assim dizer, a mesma opinião que vocês
sobre os mesmos assuntos... Ora, há maior prova de ignorância do que
estar em desacordo com homens que são sábios?
Voltando à nossa conversa, não concordo cora as tuas afirmações,
contesto-as mesmo com todas as forças. Eu bem sei que isto acontece por
culpa minha, por ser exactamente aquilo que sou – e mais não digo! O
facto, Hípias, é que vejo as coisas totalmente ao contrário do que dizes:
os que prejudicam os outros de propósito, que vão contra a justiça,
mentem, enganam e ocorrem voluntariamente em falta – esses, e não os
que assim procedem sem querer, é que são os melhores. Por vezes,
contudo, até eu sou da opinião contrária a esta e por aí ando às voltas com
a questão – evidentemente, devido à minha ignorância! Neste preciso
momento, mesmo como se me viesse um acesso de febre e fico em crer
que que incorrem voluntariamente em falta (em qualquer tipo de falta!)
são superiores aos que o fazem sem querer.
Platão, Hípias Menor, 371E-72E.
Platão
Platão, o mais genial dos discípulos de Sócrates e ateniense como ele, nasceu no ano 427 a.
C. Fortemente vocacionado para a política, depressa se desenganou das práticas políticas
atenienses da sua época, especialmente depois da condenação de Sócrates. A partir de então,
dedicou o seu esforço intelectual a construir e fundamentar teoricamente um modelo ideal de
sociedade. Fez duas viagens à Sicília com a pretensão de levar à prática o seu modelo de
sociedade, fazendo com que os governantes se tornassem filósofos, já que não com que os
filósofos governassem. Fracassou em ambas as ocasiões: a primeira vez com Dionísio I, quando
Platão tinha quarenta anos de idade; a segunda vez, com Dionísio II, tendo já mais de sessenta
anos. Entre as duas viagens, fundou em Atenas a sua Academia, onde juntamente com a
filosofia, se dedicava especial atenção às matemáticas e à astronomia, de acordo com um plano
de educação progressiva. Platão escreveu numerosas obras, a maioria delas em forma de
diálogo. Entre elas destacam-se o Banquete, o Fédon, A República, o Parménides, o Teeteto e o
Timeu. Na maior parte dos seus diálogos, o interlocutor principal é Sócrates, o que torna difícil
distinguir, entre as doutrinas de Sócrates e as de origem estritamente platónica. Morreu aos
oitenta anos em 347 a. C.
AS IDEIAS E O DEMIURGO
Com efeito, tudo se transforma necessariamente pela acção de uma
causa, pois nada pode assumir o devir separado de uma causa. Ora, toda a
obra é necessariamente bela se o demiurgo reteve aquilo que se manteve
sempre idêntico e se serve de um tal objecto como modelo para
reproduzir as suas essências e as propriedades. Pelo contrário, a obra não
será bela quando o seu criador se regulou pelo que se altera, pois serviu-
se de um modelo sujeito ao devir (...).
E, tratando-se do Universo, qual dos modelos terá utilizado o seu
arquitecto para o realizar? Fê-lo de acordo com o que se mantém idêntico
e uniforme, ou segundo o modelo daquilo que se altera? Pois; bem, se o
Universo é belo e o seu demiurgo é bom, é evidente que visou o modelo
eterno; se fosse o contrário (coisa que nem saberíamos enunciar), teria
visado o modelo do que se altera. Assim, é bastante claro que se serviu do
modelo eterno: na verdade, este mundo é a mais bela das coisas criadas e
o seu demiurgo é a causa mais benéfica que existe. Por conseguinte, um
tal Universo foi criado de acordo com o que a razão e a reflexão
apercebem como mantendo-se idêntico a si.
Platão, Timeu 270-291.
A pergunta sobre a origem da teoria platónica das ideias não pode ser
respondida de um modo definitivo e satisfatório. Na filosofia pré-socrática
encontramos já elementos que Platão incorporaria na sua teoria e que talvez
tenham influenciado a sua formulação. É o caso das doutrinas dos
pitagóricos e de Parménides: os primeiros insistiram nas estruturas e
relações matemáticas como princípio de inteligibilidade do Universo, e na
doutrina platónica os entes matemáticos são certamente ideias. Quanto a
Parménides, a sua distinção entre o que existe verdadeiramente (a
realidade imutável, não engendrada e imperecível de que se ocupa a Via da
Verdade) e o Universo mutável (cuja génese é narrada na Via da Opinião)
encontra-se também no pensamento platónico: as ideias são o que existe de
verdade e possuem as mesmas características da realidade propagada por
Parménides.
Também não podemos esquecer Sócrates. Como assinalámos na alínea
2.1. deste capítulo, nos seus diálogos Platão apresenta Sócrates sempre a
colocar questões sobre uma virtude ou um conceito moral: o que é a
justiça?, o que é o valor?, o que é a moderação?, etc. Quem formula uma
pergunta deste tipo pressupõe que há alguma característica ou conjunto de
características comuns e particulares a todas as acções, instituições, etc., às
quais se aplica o predicado universal «justo» ou «válido» ou «moderado»,
etc.
Para Platão, essa característica (ou conjunto de características) que é
comum e que não se identifica com nenhuma acção justa particular será a
ideia de justiça. Aristóteles, discípulo de Platão, salienta o facto de estas
indagações socráticas contribuírem para a origem da teoria das ideias,
insistindo sobretudo no facto de que «Sócrates não separava os universais»
(ou seja, não considerava os conceitos universais como realidades que
existiam por si), e que «foi Platão quem os separou denominando-os ideias»
(Metafísica XIII, 4, 1078b30).
A IDEIA DO BELO
O Belo não lhe surgirá aos olhos sob a forma de um rosto, de mãos, do
que quer que pertença a um corpo; tão pouco sob a forma de pensamento,
de conhecimento ou de qualquer coisa existente em algo diverso dele –
por exemplo, um ser vivo da terra, do céu ou de qualquer outro sítio. Pelo
contrário, surgir-lhe-á em si e por si, como forma única e eterna, da qual
participam todas as outras coisas belas por um processo tal, que a geração
e a destruição de outros seres em nada a aumentam ou diminuem, e em
nenhum aspecto a afectam.
Platão, Banquete, 211-A
a) O dualismo alma/corpo
Como não podia deixar de ser, a concepção platónica da alma como
princípio do conhecimento racional está estritamente relacionada com a
teoria das ideias. Vimos antes que esta teoria introduz um dualismo, uma
radical separação entre o âmbito das ideias (o verdadeiro real) e o âmbito
dos seres físicos submetidos à mudança e à decomposição. Este dualismo
genérico está relacionado com o dualismo antropológico de Platão: a alma é
afim das ideias, pertence ao âmbito destas devido à sua própria natureza, ao
passo que o corpo pertence ao mundo dos seres físicos. É na contemplação
e no conhecimento das ideias que adequadamente se cumpre o destino das
nossas almas.
Este dualismo (alma/corpo) constitui a base fundamental da doutrina
platónica acerca da alma. Assim:
1) A alma, afim das ideias e como ela imaterial e simples, é por natureza
imortal;
3.5.3. A educação
b) O segundo nível, reservado aos futuros governantes, vai dos vinte aos
trinta e cinco anos. Numa primeira fase consiste num estudo pormenorizado
e progressivo dos vários ramos das matemáticas, de modo a que na sua
fase definitiva se possa abordar a dialéctica, que culminará no
conhecimento do bem.
3.5.4. Outras medidas políticas
INTRODUÇÃO
Aristóteles
Discípulo de Platão e mestre de Alexandre Magno, nasceu em Estagira (Trácia) no ano 384
a. C. Aos dezoito anos foi para Atenas, vindo a ingressar na Academia platónica e nela
permanecendo durante vinte anos, até à morte de Platão. Por causa desta, Aristóteles abandonou
Atenas, iniciando-se para ele um período de amadurecimento intelectual e de abandono
progressivo da filosofia platónica. No ano 335 a. C. regressa a Atenas e aí funda a sua própria
escola, o Liceu. Este segundo período de estada em Atenas, dedicado ao ensino e à investigação,
terminaria com a morte do seu antigo discípulo, Alexandre Magno. Um ano depois de
abandonar Atenas, morria na Ilha de Eubeia aos sessenta e dois anos de idade (ano 322 a. C.).
Conservam-se alguns fragmentos dos seus escritos de juventude (diálogos de conteúdo e
estilo platónico), bem como um número considerável de tratados completos cujo conjunto se
denomina corpus aristotelicum. Os tratados mais importantes são dedicados a questões de
lógica, de filosofia da natureza e biologia (os mais importantes deste grupo são a Física e
Acerca da Alma), de ética (Ética a Nicómaco) e de política (Política). Do máximo interesse é
também a sua Metafísica, obra dedicada a questões de Ontologia e Teologia.
1.1.2. O movimento
DEFINIÇÃO DE MOVIMENTO
Não há mudança fora das coisas. Na verdade, o que muda acontece
sempre de acordo com a substância, a qualidade, a quantidade ou o lugar.
Ora, para além destas coisas não há mais nada comum, algo que não seja
substância individual; quantidade, qualidade ou qualquer das restantes
categorias. Por conseguinte, nada se move ou muda fora das coisas
referidas, dado que não há nada fora delas. (...).
Depois de temos distinguido, dentro de género, o que é acto
(enteléquia) e o que é potência, o movimento é o acto (enteléquia) do que
está em potência como tal: por exemplo, a alteração é o acto do alterável
enquanto alterável, o crescimento e o decrescimento são o acto daquilo
que é capaz de crescer e decrescer (não há um termo comum para
designar ambos); o nascimento é o acto daquilo que é gerável e
corruptível; a locomoção do que é locomovível.
Que o movimento é isto, é evidenciado pelo seguinte: com efeito,
quando o edificável – como tal – se actualiza, vai-se edificando, e a
edificação consiste nisto. O mesmo acontece quando aprendemos,
curamos, giramos, saltamos, crescemos ou envelhecemos.
Aristóteles, Física III, 200b32-201 a 18.
b) Classes de movimento
Uma vez garantida a possibilidade de movimento, da mudança em geral,
Aristóteles procede à classificação do mesmo, distinguindo: 1) a mudança
substancial, ou mudança cujo resultado é a destruição de uma substância já
existente; e 2) mudança acidental, na qual não se gera ou destroi
substâncias, embora estas sofram modificações em aspectos não essenciais
do seu ser, isto é sofrem modificações acidentais – porém, sem ficarem
afectadas na sua estrutura substancial.
Estritamente falando, nem toda a mudança é movimento: a mudança
substancial não o é. Apenas é movimento, em rigor, a mudança acidental,
que pode ser de três classes: quantitativa (aumento/diminuição no
tamanho), qualitativa (alteração) e local (deslocação, transferência).
Este esquema das quatro causas pode parecer estranho aos leitores
modernos, acostumados a chamar «causa» unicamente àquilo que
Aristóteles denomina «agente», a causa eficiente.
Para se compreender adequadamente o sentido da teoria aristotélica da
causalidade, é preciso ter em conta as duas observações seguintes. Em
primeiro lugar, Aristóteles considera como causas todos os factores que
são necessários para explicar um processo ou movimento, todos os
elementos que poderiam e deveriam unir-se para responder totalmente à
pergunta porquê? No seu entender, nenhum processo fica
satisfatoriamente explicado a não ser que se especifique o substrato ou
matéria afectada; a forma que esta adquire no processo; o agente que o
produz com a sua acção; e o fim a que tal processo se destina.
O CONCEITO DE ALMA
O que a opinião geral entende como substâncias são sobretudo os
corpos, mais especificamente os corpos naturais, pois estes são os
princípios de todos os outros. Mas há corpos naturais que têm vida e
outros que não a têm: e por «vida» entendemos o facto de se
alimentarem, crescerem e envelhecerem por si mesmos. Por conseguinte,
todo o corpo natural que participa da vida é substância, no sentido de
substância composta. E dado que se trata de um corpo com certas
qualidades – isto é, que tem vida – o corpo não pode ser a alma, pois o
corpo animado não é um atributo do sujeito mas, pelo contrário, é em si
substrato e matéria. Assim, a alma é necessariamente substância, pois é a
forma de um corpo natural que possui a vida em potência. Mas a
substância formal é enteléquia, e por isso a alma é a enteléquia de um tal
corpo.
Aristóteles. Acerca da Alma II. 1, 412 a 1-22.
1.3.2. A ontologia
a) O meio-termo justo
Aristóteles define a virtude em geral como «um hábito de escolher o
meio-termo relativo a nós próprios», um meio-termo que é «estabelecido
racionalmente, ou seja, como seria estabelecido por um homem prudente»
(Ética a Nicómaco II, 6, 1106b35-1107 a 2).
De acordo com esta definição, as virtudes ou excelências morais são: 1.
disposições estáveis (e por isso são denominadas «hábitos»); 2. que nos
facilitam a escolha mais correcta e conveniente para cada caso; 3. assim, o
correcto e conveniente consiste sempre num meio-termo entre acções ou
atitudes extremas; 4. finalmente, este meio-termo deve ser estabelecido
racionalmente. Daí a importância da prudência, a que nos referimos no
parágrafo anterior: é a prudência, a sabedoria prática, que determina onde
se encontra o meio-termo razoável para cada tipo de acção e para cada caso
particular.
As várias virtudes consistem portanto num meio-termo justo entre duas
posições extremas, em que uma é excessiva e a outra peca por defeito: por
conseguinte, o valor é algo de intermédio entre a temeridade cega e a
cobardia; a moderação constitui o meio-termo entre o excesso e um rigor
demasiado repressivo, etc.
b) A justiça
Aristóteles concede um lugar de destaque à justiça, colocando-a ao lado
da prudência (da qual depende toda a actividade prático-moral).
Quando nos ocupámos da moral platónica vimos que para Platão a
justiça não era uma virtude particular ou uma parte da alma (ao contrário da
prudência ou do valor), mas a ordem geral que reina na alma quando cada
parte realiza adequadamente a função que lhe cabe. Em Aristóteles
encontramos uma noção semelhante: neste sentido, a justiça não é uma
virtude particular mas geral, a virtude integral do homem que possui todas
as virtudes. Esta justiça geral, a que Aristóteles chama a justiça legal,
consiste no cumprimento das leis. Com efeito, o conjunto das leis determina
prudentemente os modos virtuosos de nos comportarmos.
Além desta noção geral, Aristóteles refere-se à justiça como uma
virtude particular, específica, que regula as relações interpessoais e que
impõe um tratamento equitativo, de modo que cada um receba o que lhe
cabe. O tratamento equitativo pode revestir-se de duas formas, que
Aristóteles interpreta, respectivamente, como igualdade aritmética e
proporção geométrica. A justiça aritmética exige que quem está em causa
receba exactamente o mesmo: é a justiça contratual que rege as trocas. A
justiça geométrica exige que os implicados recebam proporcionalmente
aos seus méritos, regendo a distribuição social de honras e prémios.
Epicuro
Nasceu em Samos no ano 341 a. C. Aos dezassete anos foi para Atenas cumprir o serviço
militar. Mais tarde e após dez anos dedicados ao estudo da filosofia, começou a ensinar, em
Mitilene, de onde provavelmente foi expulso (310 a. C.) e, depois em Lâmpsaco. No ano 306 a.
C. regressou a Atenas, onde fundou a sua escola, denominada Jardim. Era simultaneamente uma
escola filosófica, uma comunidade de amigos e uma verdadeira seita entre cujos membros se
contavam homens e mulheres, livres e escravos. Morreu em Atenas, aos setenta anos de idade.
De seus escritos conservam-se várias cartas (a mais importante é a Carta a Meneceu),
máximas morais e outros fragmentos. Epicuro encontraria um continuador notável no poeta e
filósofo latino Lucrécio.
Séneca
Nascido em Córdova no começo da nossa era, Lúcio Ânio Séneca foi educado em Roma,
onde viveu a maior parte da sua existência. A sua vida política conheceu flutuações notáveis,
sofrendo primeiro uma condenação sob Calígula e depois um prolongado desterro sob Cláudio.
Depois de ser tutor e conselheiro de Nero, foi acusado, no ano 65, de conspirar contra ele.
Suicidou-se, então, por mandado do Imperador. Embora o seu pensamento filosófico denote um
certo ecletismo (comum, aliás, nos filósofos desta época), Séneca defendeu em suas linhas
mestras as doutrinas do estoicismo antigo. A sua atenção deteve-se essencialmente em questões
de tipo prático, desinteressando-se em grande medida das doutrinas lógicas e físicas da Stoa.
Aliada a este moralismo puro, é de destacar a sua tendência para se afastar do panteísmo e se
aproximar de uma concepção personalista de Deus. Esta característica fez aparecer a lenda de
um Séneca cristão, que teria mantido correspondência com São Paulo. As suas principais obras
são os Ensaios Morais e as Cartas Morais.
COSMOLOGIA ESTÓICA
Tal como Heraclito, Zenão diz que o fogo é o elemento de todas as
coisas e que os seus princípios são a matéria e Deus. Este último aspecto
aproxima-o de Platão. Na verdade, Zenão afirma que ambos os princípios
(o activo e o passivo) são corpóreos, ao passo que Platão afirma que a
causa produtiva primeira é incorpórea. Afirma também que após certos
períodos de tempo o cosmos é fatalmente destruído na sua totalidade pelo
fogo para depois se formar de novo. O fogo original é como uma semente
que comporta em si as razões e as causas de todas as coisas que se
produzirão, que se produzem e que se produziram. A concatenação e
sucessão destas coisas constituem o destino, a ciência, a verdade e a lei
fatal e inevitável. Deste modo, todas as coisas encontram-se
absolutamente bem ordenadas no cosmos, tal como numa cidade bem
governada.
Eusébio (VSF I, 98)
4. CRISTIANISMO E FILOSOFIA. SANTO
AGOSTINHO
INTRODUÇÃO
OS ESTÓICOS E A PROVIDÊNCIA
Segundo a opinião de alguns, é uma mera presunção estabelecer
qualquer diferença ente a providência e o destino, dado que na realidade
são a mesma coisa. A providência seria a vontade de Deus e, por sua vez,
esta vontade é a série das causas. Por ser vontade, é providência: por sua
vez, chama-se destino à própria série de causas. Assim, também provém
da providência aquilo que é conforme ao destino; do mesmo modo, as
coisas conformes à providência provêm do destino, como afirma Crisipo.
Outros, pelo contrário, como Cleantes, afirmam que também as coisas
que provêm do poder da providência se sucedem fatalmente: mas o facto
de acontecerem fatalmente não quer dizer que provenham da providência.
Calcídio. Comentário ao Timeu. 144.
A IMUTABILIDADE DE DEUS
Acho que dei uma resposta adequada a essas objecções ao expor o
sentido em que se diz na Escritura que Deus «desce» aos assuntos
humanos. Para isso não é preciso que Deus sofra uma transformação,
como crê Celso, ou que mude de bem para mal, de virtude para vício, de
felicidade para miséria, de óptimo para péssimo. Contínua imutável na
sua essência e desce aos assuntos humanos através dos recursos da sua
providência. Por conseguinte, demonstrámos que as Sagradas Escrituras
representam Deus como imutável em expressões como «Tu és o mesmo»
e «Eu não mudo» (Ps. 101.27; Mal. 3. 6). Pelo contrário, os deuses de
Epicuro compõem-se de átomos e são susceptíveis de dissolução devido a
essa composição, e por isso esforçam-se por eliminar os átomos que
contêm gérmens de destruição. Quando se dá a conflagração do mundo,
até a essência do próprio deus dos estóicos (por ser corporal) é
inteiramente composta pelo princípio regulador; mas volta a ser
praticamente corporal quando se dá um novo reajustamento das coisas.
Com efeito, os próprios estóicos foram capazes de compreender a ideia
da natureza divina, que é ao mesmo tempo incorruptível simples, sem
composição e indivisível.
Orígenes (s. III), Contra Celso, 4, 14.
Plotino
Nasceu em Licópolis (Egipto) no ano de 204. Na sua juventude foi discípulo de Amónio
Sacas. Partiu para o Oriente com a expedição militar de Gordiano, a fim de tomar contacto com
a filosofia indiana e persa. No regresso estabeleceu-se em Roma, onde ensinaria filosofia
durante vinte e cinco anos. Foi grande a sua reputação e o respeito que inspirou aos seus
contemporâneos. A sua obra as Enéadas, é um conjunto de lições ditadas por Plotino e
organizadas pelo seu discípulo e biógrafo Porfírio. Filósofo e místico, Plotino faleceu aos
sessenta e cinco anos de idade, na Campânia. Com ele morreu o último dos grandes filósofos
gregos.
O UNO E A INTELIGÊNCIA
Como é que a inteligência contempla e, em suma, como é que subsiste
e como nasceu do Uno para o contemplar? A alma está convencida de
que é assim necessariamente, mas aspira a compreender este problema
(que o Uno é uma unidade) que os sábios discutem desde antigamente;
como é que qualquer tipo de pluralidade, díade ou número recebeu
existência e por que é que o Uno não permaneceu em si mesmo, tendo
antes originado esta multiplicidade que vemos na realidade e que
atribuímos a Ele?
Todos os seres criam quando atingem a sua perfeição. E assim, o que
é extremamente perfeito cria eternamente algo eterno: mas cria algo
inferior a si. O que podemos dizer então acerca do que é mais perfeito?
Que nada provém d’Ele a não ser aquilo que só Ele supera em perfeição.
Sendo assim, depois d’Ele e em segundo lugar temos a inteligência: a
inteligência contempla-o e só precisa d’Ele: mas Ele não precisa dela.
Assim, a inteligência é engendrada depois do que é mais perfeito que ela,
mas ela é o mais perfeito dos seres já que todos vêm depois dela. Assim,
por exemplo, a alma é palavra e acto da inteligência, do mesmo modo que
a inteligência é palavra e acto do Uno. Mas a palavra da alma é confusa e,
por conseguinte, na medida em que a alma é uma imagem da inteligência
a alma deve contemplá-la: do mesmo modo, a inteligência deve
contemplar o Uno a fim de ser inteligência. E contempla-o sem estar
separada d’Ele, já que vem imediatamente a seguir a Ele e não há nada
entre eles, assim como não há nada entre a inteligência e a alma. Tudo o
que é criado deseja e ama o seu progenitor, especialmente quando o
criado e o progenitor estão sós; e quando o progenitor é o mais perfeito, o
criado está necessariamente com ele, só estando separados na medida em
que são distintos.
Plotino, Enéada Quinta, 1,7.
1.3.1. Teologia
e) Por último, tanto Platão (ao situar a ideia de bem acima e mais além
das outras ideias) como o neoplatonismo (ao insistir na transcendência do
bem, do Uno) ofereciam fórmulas vigorosas que o pensamento cristão
soube aproveitar para exprimir o monoteísmo.
1.3.2. Antropologia
A ORIGEM DA ALMA
Um corpo pode provir de outros corpos dado que ambos contribuem
com algo, mas a alma não pode provir de outras almas, porque nada pode
provir de um ser subtil e inapreensível. Por conseguinte, a alma é obra de
Deus (…). Os seres mortais só podem engendrar uma natureza mortal.
Como é que podemos considerar pai a pessoa que não tem consciência de
que transmite ou insulta uma alma do seu próprio ser? Ou aqueles que,
disso estando conscientes, não aperceberam na sua inteligência o
momento ou a maneira de produzir isso? Assim, é evidente que não são
os pais que fornecem a alma mas o único e mesmo Deus, Pai de todas as
coisas. Só Ele possui o princípio e o modo do seu nascimento, Ele é o
único autor.
Lactâncio (s. III), De opif, 19 1ss.
2. O APOGEU DO PLATONISMO CRISTÃO.
SANTO AGOSTINHO
2.2.2. Fé e razão
Santo Agostinho
Nasceu em Tagaste (Numídia) no ano 354. Filho de pai pagão e mãe cristã, foi por esta
educado no cristianismo, que abandonou na juventude. Estudou gramática e literatura latinas.
Dos vinte e um aos vinte e nove anos ensinou retórica em Cartago. Durante esta época professou
a filosofia maniqueia, contra a qual polemizaria mais tarde nas suas obras. Já em Milão, o
convívio com Santo Ambrósio levou-o a converter-se ao cristianismo (386). Nesta época, leu
Plotino, na versão latina de Mário Victorino. No ano 388 voltou a África, sendo sucessivamente
bispo auxiliar e titular de Hipona. Morreu no ano 430, enquanto os vândalos sitiavam Hipona,
quando o Império Romano, caída já Roma, se destruía definitivamente.
Deixou uma obra ingente na qual se destacam as suas obras polémicas contra o maniqueísmo
e o pelagianismo, os grandes tratados Contra Académicos, De Genesi ad Litteram e A Cidade de
Deus, bem como as suas célebres Confissões. O platonismo augustiniano dominará toda a
filosofia medieval até ao século XIII, quando surge o outro grande pensador da cristandade,
Tomás de Aquino.
Estas duas ideias – autonomia da razão, finitude ou limitação da razão
humana – são características da filosofia contemporânea. Como veremos
oportunamente, o conflito entre a fé e razão começará a partir do século
XIII. A modernidade proclamará de forma definitiva a autonomia da
razão. É de notar, além disso, que a afirmação da autonomia da razão não
implica necessariamente a afirmação da sua finitude nem da sua
infinitude: tanto Kant como Hegel defendem a autonomia da razão; no
entanto, como veremos a seu tempo, Kant afirma a finitude e limites da
razão humana, ao passo que Hegel proclama a sua infinitude.
NEOPLATONISMO E INTERIORIZAÇÃO
O conselho mais verdadeiro que poderia ser-nos dado é fugir para a
pátria querida. Mas em que é que consiste esta fuga e como se realiza esta
ascensão? Tomemos o exemplo de Ulisses, que foge da encantadora
Circe e de Calipso e se nega a permanecer com elas apesar do prazer dos
seus olhos perante tanta beleza sensível. A nossa pátria está ali, dela
descendemos e nela está o nosso pai. Em que consiste então esta viagem
e esta fuga? Não se trata de levá-la a cabo com os pés, pois os pés apenas
nos levam de uma terra para outra. Também não se trata de preparar uma
carruagem ou uma embarcação; pelo contrário, trata-se de abandonar
todas estas coisas e afastar os olhos delas, como se fechássemos os olhos
e fizéssemos despertar aquela outra visão que todos temos mas que
poucos usam.
Em que é que consiste esta visão que contempla o interior? Quando
despertamos, não conseguimos olhar para os objectos luminosos. Do
mesmo modo, devemos acostumar a alma a contemplar em primeiro lugar
as actividades belas e depois as obras belas, aquelas que os homens bons
criam e não aquelas que as artes produzem. Em seguida devemos
contemplar a alma dos que fazem obras belas. Mas como é que se
contempla a beleza de uma alma? Volta-te para ti mesmo e contempla. E
se não vires a beleza em ti próprio, faz como o escultor com a estátua que
se tornará bela, tira aqui, lima ali, raspa deste lado, aliso do outro, até que
se comece a entrever uma bela figura. Do mesmo modo, liberta-te do
supérfluo, endireita o que está torto, purifica o que é tenebroso e torna-o
luminoso, e continua a esculpir a tua própria estátua até resplandecer o
esplendor divino da virtude, até que a moderação suba a um trono
sagrado. Só conseguirás ver isto quando fizeres esta transformação e
dentro de ti não restar nada que te impeça de alcançares esta unidade
contigo mesmo, quando não houver no teu interior mais nada estranho e
sejas unicamente uma luz verdadeira, não uma luz de tamanho ou forma
mensuráveis que cresçam e diminuam indefinidamente, mas uma luz
absolutamente incomensurável, maior que todas as medidas e superior a
todas as quantidades. Quando conseguires isto, transformas-te em visão,
confia na tua condição e já não necessitarás sequer de quem te guie nessa
ascensão, olha atentamente e vê: este é, com efeito, o único olho capaz de
contemplar a grande Beleza.
Plotino, Enéada Primeira, VI.
Esta exigência de interiorização possui sem dúvida ressonâncias
platónicas. Tanto no neoplatonismo como em Santo Agostinho, a
interiorização, o debruçar-se sobre si, é o ponto de partida de um
processo ascendente que leva o homem para além de si mesmo. «Se ao
voltares-te para ti mesmo» acrescenta Santo Agostinho, «verificas que a tua
natureza é mutável, transcende-te a ti mesmo; mas não esqueças que neste
transcender-se é a alma raciocinante quem te transcende; caminha, pois,
para onde se acende a própria luz da razão.» O processo que leva o homem
para além de si próprio é assim um processo de auto-transcendência.
Mas como é possível que o homem vá além de si mesmo e se
transcenda? O último texto que citamos indica claramente o modo como
esse processo ocorre. O primeiro passo consiste em o homem verificar que
a sua própria natureza é mutável e que, apesar disso, encontra verdades
imutáveis em si, verdades que, portanto, possuem caracteres superiores à
natureza da alma. Trata-se de ideias que o homem encontra em si e que lhe
são superiores.
Não é difícil reconhecer neste processo a influência da doutrina
platónica das ideias. Tal como Platão, Santo Agostinho reconhece que as
ideias, que são o autêntico objecto de conhecimento, são imutáveis e
necessárias. Como Platão, Santo Agostinho atribui um lugar neste reino
inteligível às ideias de ordem lógica e metafísica (verdade, falsidade,
semelhança, unidade, etc.), às ideias de ordem matemática (números,
figuras) e às ideias de ordem ética e estética (bondade, beleza, etc.). Como
Platão, Santo Agostinho reconhece que, dada a sua necessidade e
imutabilidade, as ideias não podem ter o seu fundamento na alma humana.
Seguindo as evoluções do platonismo a que anteriormente nos referimos,
Santo Agostinho situa o fundamento e lugar das ideias na mente divina, em
Deus, realidade imutável e verdade absoluta. Eis o segundo momento no
processo de autotranscendência, o que leva o homem até à verdade
absoluta, para além de si mesmo: «As ideias são formas arquetípicas ou
essências permanentes e imutáveis das coisas, que não foram formadas, mas
que, existindo eternamente e de maneira imutável, estão contidas na
inteligência divina» (Acerca das ideias, 2).
As ideias estão em Deus como arquétipos ou modelos das realidades
mutáveis. Como é que o homem conhece a alma humana, as ideias? Santo
Agostinho respondeu a esta pergunta por meio da sua teoria da iluminação
segundo a qual a alma conhece as verdades imutáveis por uma iluminação
divina.
A teoria originou as mais diversas interpretações. Alguns pretenderam
ver nela uma posição ontologista, segundo a qual o entendimento vê as
verdades em Deus. Esta interpretação não parece, no entanto, aceitável, já
que Santo Agostinho insiste em que a alma conhece as verdades em si
mesma. Esta teoria augustiniana deve certamente ser interpretada em
função da filosofia platónica. De facto, encontram-se nela três importantes
elementos da tradição platónica:
A INTERIORIZAÇÃO AUGUSTINIANA
Tudo lembra à alma a primeira beleza abandonada e até os seus
próprios vícios a impelem para ela. A sabedoria de Deus estende-se a
todos os confins e através dela o Supremo Artífice coordenou todas as
suas obras com vista à beleza. E por isso esta bondade não inveja
qualquer beleza, seja ela elevada ou a mais ínfima, pois provém
unicamente dela; e assim, mesmo quem se afasta da verdade é sempre
acolhido por alguma representação dela. Questiona o que é que aprisiona
no prazer corporal: só encontrarás inconveniência e uma contrariedade
que origina a dor, mas se fores congruente alcançarás o deleite.
Reconhece, pois, qual é a suprema congruência. Não te disperses e entra
dentro de ti, porque é no homem interior que reside a verdade; e se a tua
natureza for duvidosa, transcende-te, mas lembra-te de que a tua alma,
dotada de razão, te transcende. Por conseguinte, dirige os teus passos para
a luz: só o bom pensador pode alcançar a verdade; a verdade é a própria
meta da dialéctica racional e ninguém consegue chegar a ela através do
discurso. Contempla-a como a harmonia superior possível e vive em
conformidade com ela. Confessa que não és a verdade, pois ela não se
procura a si mesma; mas tu alcançaste-a pela investigação, sem percorrer
qualquer espaço e apenas munido do afecto espiritual, a fim de chegares à
identificação do homem interior com o seu hóspede, com elevado deleite
e não com a fruição carnal e baixa.
Santo Agostinho, Da Verdadeira Religião, 39, 72
A VERDADE E DEUS
Por conseguinte, não negarás a existência da verdade incomutável,
que contém em si as que são incomutavelmente verdadeiras; também não
poderás dizer que ela é própria e exclusivamente tua, minha ou de
qualquer outro homem, dado que, por vias maravilhosas, como se fosse
ao mesmo tempo uma luz muito secreta mas visível, ela apresenta-se e
oferece-se em comum a todos aqueles que conseguem ver as verdades
incomutáveis. Deste modo, e sendo pertença comum de todos os seres
racionais e inteligentes, como poderá esta verdade pertencer, como coisa
própria, à natureza de qualquer deles? (…).
Todavia, também esta verdade seria mutável se fosse igual às nossas
inteligências mutáveis. A nossa razão revela-se mutável ao ver graus de
visibilidade nesta verdade; mas ela permanece sempre igual a si, não
aumentando nem diminuindo quando a distinguimos melhor ou pior; ela é
íntegra e inalterável, alegrando com a sua luz aqueles que se voltam para
ela e castigando com a cegueira aqueles que se afastam dela (…).
Tinhas dito que, se eu te demonstrasse que havia algo superior à nossa
inteligência, confessarias que esse algo era Deus, se não houvesse algo
mais superior. Aceitei a tua confissão e disse-te que, com efeito, bastava
demonstrar isso porque, se há algo supremo, será precisamente Deus; e se
não o houver, também esta verdade é Deus. Quer exista ou não algo
supremo, não poderás negar a existência de Deus, que é a questão que nos
propusemos abordar e discutir.
Santo Agostinho, Do Livre Arbítrio II, 12, 33-4 e 15, 39
2.3.2. Antropologia
a) Natureza da alma
A antropologia augustiniana está fortemente impregnada de platonismo.
Existem no homem duas substâncias distintas: uma material e outra
espiritual. Propriamente falando, o homem não é o seu corpo nem tão pouco
o conjunto de corpo e alma, mas apenas a sua alma: «o homem é uma alma
racional que se serve de um corpo mortal e terrestre». Na alma, por sua vez,
Santo Agostinho distingue dois aspectos, a razão inferior e a razão superior.
A razão inferior tem como objecto a ciência, isto é, o conhecimento das
realidades mutáveis e sensíveis, o conhecimento do nosso ambiente físico,
de modo a podermos obviar às nossas necessidades. A razão superior tem
como objecto a sabedoria, o conhecimento do inteligível, das ideias, com
o fim de podermos elevar-nos até Deus. É nesta razão superior, próxima de
Deus, que tem lugar a iluminação.
Tudo isto é, basicamente, platonismo. Atento às exigências da fé cristã,
Santo Agostinho nega a preexistência e a reencarnação das almas. A
necessidade de tornar inteligível a doutrina cristã da transmissão da culpa
original levou Santo Agostinho a defender o traducianismo, argumentando
que as almas dos filhos provêm das dos pais. Não parece, contudo, que
Santo Agostinho chegasse a estar absolutamente convencido de qualquer
das teorias que os filósofos do seu tempo apresentavam sobre o tema.
O MAL: PRIVAÇÃO
Mas já que podeis libertar-vos destes ardis, atentai na simplicidade e
clareza da doutrina católica. Esta distingue entre o bem em mais alto grau
e por si mesmo (ou seja, por essência e natureza) e o bem que o é por
participação, pois este recebe o bem do supremo bem, sem se alterar nem
perder nada. Este bem por participação é a criatura, que é apenas capaz de
imperfeições: estas imperfeições não são da autoria de Deus, pois Ele é o
autor da existência e, por assim dizer, da essência. Atente-se nesta
palavra, pois só ela nos fornece a chave do enigma do mal; com efeito, e
longe de ser uma essência, o mal é com toda a verdade uma privação,
implicando portanto uma natureza à qual possa causar dano. Mas
natureza (à qual se causa dano pela privação de algum bem) não é o mal
supremo, nem o supremo bem, dado que pode ser desapossada dele; e se
é boa, não o é por essência mas por participação. Não é boa natureza
porque, se é criada, a sua bondade vem de outra parte. Só Deus é o
supremo bem e tudo o que faz é bom, mas não igual a Ele. Haverá
alguém de tal modo insensato que sustente que as obras são iguais ao
artista e as criaturas ao Criador? Oh maniqueus!, não estareis a fazer
demasiadas exigências? ainda quereis algo mais claro e explícito?
Santo Agostinho, Dos Costumes dos Maniqueus, 11, 4, 6.
AS DUAS CIDADES
Dois amores fundaram então duas cidades: a terrena – o amor-próprio
e desprezo a Deus; e a celestial – o amor a Deus e desprezo por si [64]. A
primeira glorifica-se a si mesma e a segunda a Deus, porque aquela
procura a glória dos homens e esta guia-se por Deus, que é o testemunho
da sua consciência. A primeira compraz-se na sua glória e a segunda diz
ao seu Deus: Vós sois a minha glória. Senhor, e levantais-me a cabeça.
Na terrena, os príncipes e as nações avassaladas encontram-se sob o jugo
da concupiscência do poder [65], e na celestial impera a caridade mútua,
com os governantes aconselhando e os súbditos obedecendo. Aquela ama
a sua própria força e os seus potentados, e esta diz ao seu Deus: Amo-te a
Ti. Senhor, que és a minha fortaleza. Na cidade terrena os lábios do
homem só procuram os prazeres do corpo ou da alma, ou ambos, e assim
os que chegam a conhecer Deus não o honram nem lhe dão graças como
Deus, e por isso o seu pensamento desvanece-se e o seu coração
ignorante obscurece-se. Tomando-se por sábios, o que significa uma
sabedoria enganada pela soberba, tornaram-se ignorantes e
transformaram a glória incorruptível de Deus à semelhança da imagem
corruptível do homem, das aves, dos quadrúpedes e das serpentes.
Levaram os povos a adorar tal simulacro, indo à frente ou seguindo-os, e
prestaram culto à criatura e não ao Criador bendito para sempre. Pelo
contrário, na cidade celeste não há sabedoria humana mas a piedade que
origina o culto legítimo ao Deus verdadeiro, na expectativa de um prémio
na sociedade dos santos, dos homens e dos anjos, a fim de que Deus seja
inteiro em todas as coisas.
Santo Agostinho, A Cidade de Deus. XIV, 28.
3. AUGUSTINISMO E PLATONISMO
MEDIEVAIS
3.1. O augustinismo
Ora bem, mesmo que Santo Anselmo não o considere desligado da fé, o
argumento foi historicamente separado do seu contexto religioso a fim de
analisar o seu valor estritamente filosófico, o que nos leva a outro tipo de
considerações. Que valor probatório possui o argumento ontológico? Uma
série de filósofos (entre eles Tomás de Aquino e Kant) rejeitaram tal
argumento por considerarem que nele se dá um passo ilegítimo da ordem
do pensamento para a ordem da existência real. Em que consiste a
ilegitimidade de tal passo?
O argumento parte certamente da ideia de Deus. Para maior clareza,
reformulemos o argumento da seguinte maneira: Deus é por definição (ou
antes, a ideia de Deus é a ideia de) um ser que possui as perfeições em
sumo grau; pois bem, existir é uma perfeição e portanto a existência faz
parte das perfeições divinas; logo, Deus existe realmente.
O argumento é falaz, segundo Tomás de Aquino, porque se partimos da
essência pensada de Deus, só podemos concluir da sua existência
pensada, mas não da sua existência real, fora do pensamento. Segundo
Kant, a falácia do argumento reside (entre outros defeitos) em supor que a
existência torna mais perfeita uma coisa, que a existência é uma
perfeição. Segundo Kant, a existência não acrescenta qualquer perfeição a
uma coisa. A essência de uma coisa define-se por um conjunto de
propriedades ou características; suponhamos, por exemplo, que o homem se
define como um «vivente sensitivo racional»; suponhamos agora que a
espécie humana se extingue, que não existem homens: a definição de
homem continuará a ser a mesma, a existência ou não-existência de homens
não afecta em nada a definição da sua essência.
Segundo Kant, a existência não pertence à definição de nenhum ser, o
que vai contra a prova de Santo Anselmo.
INTRODUÇÃO
Boécio
Mânlio Severino Boécio, o último dos filósofos romanos, nasceu no ano 470. Ocupou cargos
políticos importantes durante o reinado do ostrogodo Teodorico. Caído em desgraça, morreu
decapitado, após um longo período de cárcere em Pavia.
Boécio é uma figura de singular importância como transmissor da filosofia grega ao
Ocidente medieval. Nesta função transmissora destaca-se duplamente como tradutor e
comentarista das obras lógicas de Aristóteles e como criador de uma parte notável do
vocabulário filosófico latino. Termos como «acto», «potência», «princípio», «universal»,
«acidente», «contingente», «sujeito», etc., foram introduzidos por ele ao traduzir os termos
gregos correspondentes. Escreveu também uma obra intitulada Da consolação pela filosofia,
durante a sua longa estada na prisão.
Averróis
Nasceu em Córdova, na Espanha muçulmana, em 1126 e morreu em Marrocos em 1198.
Juntamente com Avicena, é o mais importante dos filósofos árabes. Contrariamente aos demais
filósofos árabes, que cultivaram uma filosofia platonizante ou um aristotelismo platonizado,
Averróis cultivou um aristotelismo puro, liberto de aderências platónicas. Escreveu três séries de
comentários a Aristóteles (menores, médios e maiores). Tanto a amplidão do seu labor de
comentador como a qualidade do mesmo valeram-lhe o sobrenome de «Comentador». A sua
influência no Ocidente no século XIII foi decisiva. Além dos comentários a Aristóteles,
escreveu outras obras que conseguiram notável difusão, como o seu escrito polémico Destruição
da Destruição (contra a obra de Algazel, Destruição dos Filósofos), e um livro sobre as
generalidades da medicina, conhecido na Idade Média sob o título latino de Colliget.
1.3.2. Teologia
1.3.3. Antropologia
1.3.4. Ética
2.1. Fé e razão
Tomás de Aquino
Nascido de uma nobre família napolitana (1224), ingressou aos vinte anos na Ordem dos
Dominicanos. No ano seguinte transferiu-se para Paris, a fim de continuar os seus estudos.
Estudou em Colónia de 1248 a 1252 sendo discípulo de Alberto Magno. Após a graduação em
Paris (1256), a sua actividade docente e de investigação repartiu-se entre esta Universidade e
diversos locais de Itália. Desde 1269 até 1272 desenvolve intenso labor intelectual em Paris, em
contínua polémica com os averroístas e com os franciscanos augustinistas. Morreu em Março de
1274, quando ia a caminho de Lião para participar no Concílio.
Dentre as suas obras destacam-se uma multidão de comentários a obras de Aristóteles, de
Boécio e do Pseudo-Dionísio; opúsculos como o Do ente e da essência e, sobretudo, a Suma
Teológica e a Suma contra os Gentios. A sua filosofia presidiu e continua a presidir ao
pensamento católico.
c) Finalmente, muitos dados científicos ou contribuições da filosofia
podem ser úteis para o esclarecimento dos artigos da fé. A existência da
teologia é portanto a prova mais real da ajuda que a razão pode dar à fé.
Mas não é só a razão que presta auxílio à fé, pois também esta, no
entender de Tomás de Aquino, presta os seus serviços àquela. Visto que não
há dupla verdade e que os artigos da fé cristã contêm afirmações de verdade
indubitável (como crente, Tomás de Aquino compartilha ambas as teses
com Santo Agostinho), a fé serve à razão de norma ou critério
extrínseco. Assim, no caso de a razão chegar a conclusões incompatíveis
com a fé, tais conclusões serão necessariamente falsas e o filósofo terá de
rever os seus raciocínios, as suas premissas e consistência lógica a fim de
lhes corrigir as deficiências. Deste modo, a fé é critério extrínseco e
negativo para a razão: extrínseco, porque se trata de uma fonte de
conhecimento diferente; negativo, porque o filósofo não pode apoiar-se
positivamente nos dados da revelação nem utilizá-los como ponto de
partida para as suas conclusões.
O compromisso elaborado por Tomás de Aquino entre a razão e a fé
revela uma atitude perante a razão que poderíamos qualificar de
moderadamente optimista. Afinal de contas, a autonomia concedida à razão
é limitada, e não poderia ser de outro modo, tratando-se de um cristão
profundamente crente.
VERDADES DE RAZÃO E DE FÉ
Há pois duas espécies de verdades divinas: uma pode ser alcançada
pelo exercício da razão e a outra ultrapassa as capacidades da razão
humana, mas ambas se apresentam ao homem como objecto de fé. Iremos
ocupar-nos primeiramente da verdade acessível pela razão, a fim de
responder àqueles que, sob o pretexto da força da razão, julgam ser inútil
a transmissão da verdade por inspiração sobrenatural.
Se esta verdade fosse deixada apenas ao exercício da razão, daí
resultariam três inconvenientes. O primeiro é que poucos homens teriam
conhecimento de Deus. A verdade é o fruto de uma investigação diligente
e isso não está ao alcance da maioria dos homens por três razões:
primeiro, alguns são desviados do saber pelas disposições do seu
temperamento, e assim nenhum deles atingiria esse auge da ciência
humana que é o conhecimento de Deus. As necessidades domésticas e
familiares são também um obstáculo para outros: certos homens estão
encarregados da administração dos bens temporais e não têm tempo para
se dedicarem ao conhecimento de Deus. Para outros, o obstáculo e a
preguiça; ora, é evidente que tudo o que a razão pode descobrir sobre
Deus exige previamente vários conhecimentos. Aliás, quase toda a
reflexão filosófica tende para o conhecimento de Deus, e é por isso que a
metafísica, que se ocupa do estudo das divinas, é estudada em último
lugar no ensino da filosofia. Só atingiremos esta verdade divina com
imenso esforço e aplicação, e certamente serão poucos os que querem
assumir esta tarefa por amor à ciência, se bem que Deus tenha colocado
na alma dos homens o desejo de alcançar esta verdade (…).
O terceiro inconveniente deve-se ao facto de que a investigação
humana cai muitas vezes em erro por debilidade de julgamento da nossa
inteligência e devido à confusão das imagens. Muitos ainda têm dúvidas
sobre aquilo que é demonstrado com absoluta verdade, porque
desconhecem o valor da demonstração e porque os pretensamente sábios
ensinam doutrinas diversas. Também, por vezes, entre muitas verdades
demonstradas se introduzem algumas falsas que não são demonstradas
mas que se aceitam por qualquer razão provável ou sofistica tida como
demonstração. Por isso foi necessário apresentar aos homens, pela via da
fé, o garante da certeza e uma verdade pura quanto às coisas de Deus.
A misericórdia divina foi saudavelmente providente ao impor como fé
aquilo que também é acessível pela razão, de modo a que, sem dúvidas e
sem erros, todos possam facilmente ter acesso ao conhecimento de Deus.
São Tomás de Aquino, Suma Contra os Gentios, I, c. 4.
Como crente e como filósofo, Tomás de Aquino considera que uma das
tarefas fundamentais da razão consiste em demonstrar a existência de Deus.
E a esse respeito duas questões se colocam:
A TERCEIRA VIA
A terceira via considera o ser possível ou contingente e o ser
necessário, de acordo com a seguinte formulação; na natureza há coisas
que podem existir ou não existir, porque certos seres criam-se e outros
destroem-se, havendo pois a possibilidade de que existam ou não. No
entanto, revela-se impossível que tais seres tenham existido sempre, dado
que, se têm a possibilidade de não ser, não devem ter existido num certo
tempo. Ora, se todas as coisas têm a possibilidade de não serem, deve ter
havido um tempo em que nenhuma existia. Mas se isto é verdade,
também não deveria existir nada agora, pois o que existe só começa a
existir em virtude do que já existe: e assim, se nada existia, era
impossível que alguma coisa começasse a existir e, consequentemente,
agora não haveria nada, o que é evidentemente falso. Por conseguinte,
nem todos os seres são possíveis ou contingentes, e entre eles deve
forçosamente haver um que seja necessário. Mas o ser necessário ou
contém em si mesmo a razão da sua necessidade ou não a tem. Se a sua
necessidade depender de outro (como vimos em relação às causas
eficientes), não é possível aceitar uma série indefinida de coisas
necessárias; e por isso deve forçosamente existir algo que seja necessário
por si mesmo e que contenha em si a causa da sua necessidade, sendo
portanto a causa das necessidades de todos os outros – a esse ser
chamamos Deus.
Tomás de Aquino, Suma Teológica I, q. 2. art. 3.
O CONHECIMENTO DO INDIVIDUAL
O nosso entendimento não pode conhecer as realidades materiais
singulares em primeiro lugar e directamente. E isto porque nas realidades
materiais o princípio da singularidade é a matéria individual. Como disse
anteriormente, o nosso entendimento entende abstraindo de tal matéria a
forma inteligível; por sua vez, o que se abstrai da matéria individual é
universal. Por conseguinte, o nosso entendimento só conhece
directamente os universais.
No entanto, pode conhecer o angular directamente, por meio da
reflexão. Como vimos atrás, não pode entender directamente as formas
inteligíveis, mesmo depois de as abstrair, a não ser que se volte para as
imagens: nestas apercebe as formas inteligíveis, como dissemos em De
Anima. Assim, entende directamente o universal por meio das formas
inteligíveis, e indirectamente as coisas singulares correspondentes às
imagens. E deste modo formula esta proposição: Sócrates é homem.
São Tomás de Aquino, Suma Teológica I, q. 86, art. 1.
Esta distinção – com que a própria linguagem nos brinda – entre o que
as coisas são (essência) e o facto de existirem (existência) é interpretada por
São Tomás através dos conceitos aristotélicos de potência e acto: a essência
é potência (pode ser ou existir), a existência é acto, isto é, actualiza esta
capacidade de ser ou existir que é própria da essência.
A existência é pois caracterizada como acto da essência. Ora, a cada
essência corresponde um tipo de existência determinada. Existir, para um
ser vivo, é viver; para um animal existir é sentir (isto é, ter vida sensitiva, já
que o animal se define como ser vivo sensitivo, é essa a sua essência); para
um entendimento existir é entender.
Esta circunstância – evidente para Tomás de Aquino – de que a cada
tipo de essência corresponde um grau diferente de existência ou ser, obriga-
nos a ser cautelosos quando utilizamos a palavra «existência» no contexto
da sua filosofia. Quando habitualmente falamos de «existência»,
costumamos interpretar o significado desta palavra de modo unívoco: a
pedra existe, a árvore existe, o animal e o homem existem e para nós isso
significa que podemos tropeçar neles, que estão aí no mundo, que existem,
tanto a pedra como o homem. Para Aquino, as proposições «a pedra existe»
e «a árvore existe» não significam exactamente o mesmo, pois existir é o
acto da essência, e a essência da árvore e da pedra são distintas. Por isso em
vez de falar de existência seria mais correcto falar de ser; seria mais
correcto não só conceptualmente mas também terminologicamente, já que
São Tomás utiliza as palavras «essentia» e «esse» («esse», como é sabido, é
o infinitivo que equivale a «ser»). Deveria portanto falar-se de «ser» e de
«acto de ser».
Por conseguinte o acto do ser desdobra-se em diferentes níveis de
perfeição, em graus mais ou menos perfeitos, segundo as essências que em
cada caso actualiza: o acto de ser é mais perfeito num entendimento do que
num animal; mais num animal do que numa planta; mais numa planta do
que numa pedra. A perfeição com que se realiza em cada caso depende
da essência, da potência ou capacidade do seu ser. Tomás de Aquino
conclui destas considerações que o ser de Deus não tem qualquer limitação
e inclui toda a perfeição possível, já que nenhuma essência limitada o
coarcta: a essência é o seu ser e é, portanto, o próprio ser subsistente.
INTRODUÇÃO
Duns Escoto
Nasceu na Escócia em 1266 e cedo ingressou na Ordem franciscana. Realizou os seus
estudos em Cambridge, Oxford e Paris, sendo posteriormente professor nestas duas últimas
universidades. Morreu em plena maturidade, com a idade de quarenta e dois anos (1308).
Apesar disso, Escoto deixou uma produção notável, em extensão e qualidade. A subtileza das
análises valeu-lhe o cognome de «Doutor Subtil». O seu sistema metafísico – recolhido e
conservado na tradição escolástica escotista – é o último dos grandes sistemas filosóficos
medievais. Entre as suas obras destacam-se: Ordinatio (Opus oxoniense) e Reportata
parisiensia (Opus parisiense).
Guilherme de Ockham
Nascido na última década do século XIII, ingressou muito jovem na Ordem franciscana.
Estudou em Oxford, onde foi Leitor da Bíblia e das Sentenças de Pedro Lombardo. Algumas das
suas doutrinas foram denunciadas em 1323, em Avinhão, aonde se deslocou o próprio Ockham
no ano seguinte, para se defender da acusação. O processo durou vários anos e não chegou a
concluir-se, quiçá porque Ockham fugiu de Avinhão em 1328, unindo-se aos franciscanos
«espirituais» na interpretação da pobreza evangélica, o que implicava uma crítica radical ao
Pontificado. Excomungado nesse mesmo ano pelo Papa, Ockham viu-se envolvido na luta entre
o Imperador e o Papa, tomando partido activo pelo Imperador Luís da Baviera. Quando este
morreu em 1347, Ockham procurou reconciliar-se com a Igreja, embora não saibamos se a
reconciliação se chegou a produzir formalmente. Morreu dois anos mais tarde (1349) em
Munique.
Além dos seus escritos polémicos contra o Papa, Ockham escreveu numerosas obras
teológicas e filosóficas. Merecem destaque o Comentário às sentenças e a Summa totius
logicae.
1.3. Voluntarismo
A ALMA: FÉ E CONHECIMENTO
Se por alma se entender uma forma intelectiva imaterial e
incorruptível, inteiramente presente em qualquer corpo e em qualquer
parte deste, nem o raciocínio nem a experiência nos permitem saber com
segurança se essa forma existe em nós, se a nossa actividade intelectual
pertence a essa substância ou se tal alma é forma do corpo. Não me
preocupam as exposições de Aristóteles acerca disto pois sempre me
pareceu hesitante. Mantemos, no entanto, estas três afirmações
exclusivamente pela fé.
(…) É evidente que isso não pode ser demonstrado, pois a razão que
pretenda prová-lo comportará elementos que suscitarão a dúvida a quem
quer que discorra segundo a razão natural. E também não pode ser
provado pela experiência, já que apenas experienciamos pela intelecção,
volição e outros actos semelhantes. Quem discorrer segundo a razão
apoiada pela experiência, diria que se trata de acções e operações
causadas e recebidas naquela forma, por virtude da qual estabeleceria
assim que o homem se distingue dos seres irracionais. Se bem que, de
acordo com a fé e a verdade, seja a alma intelectiva e forma incorruptível,
no entanto aquele diria que é forma extensa, corruptível e gerável. E não
parece que a experiência permita concluir doutra maneira.
Ockham, Quodl, I, questão 10.
ENTENDIMENTO E VONTADE
41. Mas cada uma destas potências tem em si um modo próprio de
começar: o entendimento manifesta-se na natureza e por isso, quando
comparado com o seu acto, é natureza; no divino, o Filho manifesta-se na
natureza, embora o seu princípio produtivo seja a memória. Pelo
contrário, a vontade tem um modo próprio e livre de causar as coisas.
Quando a vontade se alia ao entendimento (na produção de um artefacto,
por exemplo), diz-se que tudo é produzido livremente e segundo um
propósito ou intenção, porque a intenção é o princípio superior e imediato
da produção extrínseca. Se alguma potência naturalmente activa se alia
algumas vezes com a vontade, a acção que deriva do princípio
naturalmente activo é propriamente natural; usamos tal potência
livremente pois o acto na sua totalidade subjaz à vontade, e assim diz-se
que actuamos livremente de acordo com a potência superior (…).
42. Conclusão: a vontade nunca é um princípio natural, mesmo que a
sua acção possa sofrer a concorrência de algum princípio naturalmente
activo que falasse per se – segundo uns, o objecto; segundo outros, o
entendimento. Ser naturalmente activo e ser livremente activo são
diferenças primeiras do princípio activo, e a vontade – e por isso se
chama vontade – é um princípio livremente activo. Por conseguinte, a
vontade não pode ser naturalmente activa, mais do que a natureza –
enquanto princípio diferente da vontade – pode ser livremente activa.
43. Então questiona-se: se a acção da vontade é mais determinada pelo
facto de estar necessitada e não tanto pela natureza, a que se deve então o
facto de a vontade não actuar naturalmente, embora actue
necessariamente?
Resposta: todo o agente natural é absolutamente primeiro, ou é
posterior por algo anterior naturalmente determinado para a acção. Deste
modo, a vontade nunca poderá ser o agente absolutamente primeiro.
Embora também não possa ser determinada naturalmente por um agente
superior, a vontade é de tal maneira activa que se determina a si mesma à
acção (quando quer algo necessariamente, por exemplo A); todavia, o seu
querer não é causado naturalmente pelo que causa a vontade – embora o
causasse naturalmente –, mas, uma vez accionado o acto primeiro pelo
que é causado, a vontade, abandonada a si mesma, determina-se a tal
querer, possuindo ou não contingentemente um dado querer.
Duns Escoto, Questões Quodlibéticas, questão 16, § 3.
2. GUILHERME DE OCKHAM E A CRISE DA
TRADIÇÃO FILOSÓFICA
CONTRA OS ARQUÉTIPOS
Esta descrição dos arquétipos é esclarecida por Séneca na Epístola 66
na qual, depois de enumerar as quatro causas de Aristóteles, diz o
seguinte: «a estas acrescenta Platão a causa arquetípica, à qual chama
“ideia”, e que é aquilo que o artífice contempla a fim de fazer aquilo que
pretende (…)». Esta autoridade afirma que as ideias são determinados
arquétipos conhecidos e que quem as conhece pode criar algo real a partir
da sua contemplação.
(…) Mas esta descrição não concorda com a essência divina nem tem
qualquer relação com a razão, mas apenas com a criatura.
A primeira afirmação é evidente, em primeiro lugar porque há muitas
ideias, como todos reconhecem. Mas a essência divina é única e
absolutamente não-multiplicável; logo, não é ideia.
(…) Em terceiro lugar, posso demonstrar que a própria criatura é
ideia, porque a ela correspondem todos os fins da definição proposta.
Com efeito, a criatura é conhecida pelo princípio intelectual activo e
Deus tem isso em consideração para a produzir racionalmente. Por muito
que Deus conheça a sua própria essência, estaria a criar de modo
desconhecido e não racionalmente, se não conhecesse o que vai criar; por
conseguinte, não criará por meio de uma ideia. Logo, considera realmente
a criatura propriamente criável e, considerando-a, pode criá-la.
(…) Muitas consequências decorrem do que fica dito (…). Em
primeiro lugar, as ideias não estão em Deus subjectiva e realmente mas
apenas objectivamente, ou seja, enquanto conhecidas por Ele, já que as
ideias são as próprias coisas criáveis por Deus (…). Em quarto lugar,
daqui resulta que as ideias são primeiramente das coisas individuais e não
das espécies, pois apenas as coisas individuais – e nada mais – são
criáveis na realidade.
Ockham, I Sente., 9.5, par. 35.
2.1.3. O nominalismo
b) Em segundo lugar, e visto que tudo o que sem move é movido por
outro, a causa motriz ou motor que produz o movimento no móbil há-de
ser realmente distinta do móbil e do movimento.
O IMPETUS
Conclui-se portanto que quando um motor move um corpo lhe
imprime um certo impetus, uma força capaz de o mover na direcção em
que o motor a lançou, seja para cima, para baixo, para o lado ou
circularmente. Quanto mais rapidamente o motor mover o corpo, mais
poderoso será o impetus que lhe é imprimido. A pedra é movida por este
impetus quando a mão já não a move mais; mas este impetus enfraquece
continuamente por causa da resistência do ar e da gravidade da pedra, que
a faz mover-se numa direcção oposta àquela para a qual o impetus tende a
movê-la. Assim, o movimento da pedra tornar-se-á continuamente mais
lento, enfraquecendo ou desaparecendo, até que a gravidade da pedra
prevalece e a faz mover-se para baixo, para o seu lugar natural.
Parece-me que esta causa explica também a razão pela qual a queda
natural dos corpos pesados se acelera continuamente. No início da queda,
só a gravidade movia o corpo: este caía assim mais lentamente; mas, ao
mover-se, esta gravidade imprimiu ao corpo um ímpeto que o faz mover
ao mesmo tempo que a gravidade. O movimento torna-se então mais
rápido, e do mesmo modo o ímpeto toma-se mais intenso. Torna-se pois
evidente que o movimento se acelerará continuamente.
Buridano, Questiones super VIII livros Phys, q.12.
INTRODUÇÃO
a) Os filósofos humanistas
Em geral, pode dizer-se que a filosofia renascentista (séculos XV-XVI)
vive de costas voltadas para a actividade científica do seu tempo. Isso é
especialmente notório no caso dos filósofos humanistas. Efectivamente,
estes filósofos voltam-se para os grandes sistemas gregos (platonismo,
aristotelismo, estoicismo, epicurismo), procurando neles a fonte de
inspiração para as suas concepções da natureza e do homem.
Os filósofos humanistas adoptaram na generalidade uma atitude de
menosprezo, quando não de aberta hostilidade, para com a experimentação.
Neste divórcio entre humanismo e ciência radica a separação – prolongada
até aos nossos dias – entre estudos científicos e estudos humanísticos, entre
ciências e letras, bem como da pouco razoável inclusão da filosofia entre
estas últimas.
2.1.1. O platonismo
2.1.2. O aristotelismo
O PESSIMISMO LUTERANO
Para os eleitos e para aqueles que estão possuídos pelo Espírito, a
predestinação é a mais doce das doutrinas; mas para os sábios mundanos
é a mais amarga e a mais dura de todas. A razão pela qual Deus nos salva
desta forma é demonstrar que não nos salva pelos nossos méritos mas por
uma eleição pura e simples e pela sua vontade imutável. Somos salvos
pelo seu amor imutável. Então onde está a nossa justiça? E as nossas boas
obras? Onde está a nossa vontade livre? O que é que acontece quando
falamos da contingência das coisas?
Lutero, Sobre os Romanos, VIII, 28.
O OPTIMISMO HUMANISTA
Tal como encontras Deus nas coisas, também te encontras a ti próprio
nelas, dado que és uma criatura divina. Se podes encontrar o espírito no
corpo, a luz nas trevas, o bem no mal, a vida na morte, a eternidade no
tempo ou o infinito no finito, lembra-te de que por natureza és espírito
incorpóreo, lúcido, bom, imortal e capaz da verdade e estabilidade eternas
e do imenso bem, até que atinjas o primeiro céu de cujo cume verás Deus
e a ti mesmo em todas as coisas.
M. Ficino, Do Rapto de Paulo.
2.2. Antropocentrismo e naturalismo renascentistas
Nicolau de Cusa
Nicolau Chripffs nasceu em Cusa em 1401. Estudou em Heidelberga, onde conheceu o
ockhamismo, e posteriormente em Pádua, onde teve ocasião de aprofundar os seus
conhecimentos sobre os filósofos gregos. Ordenando sacerdote em 1430, tomou parte activa nas
disputas internas da Igreja entre os partidários da supremacia do Concílio e os partidários da
supremacia papal. A princípio apoiou aqueles, mas posteriormente veio a conceder aos segundos
o seu apoio talvez pensando que a estrutura piramidal da Igreja realizava melhor a concepção
platónica do uno e do múltiplo. Interveio também na embaixada à corte imperial grega, com a
missão de lograr a união das duas Igrejas. Foi feito cardeal em 1448. Morreu em 1464.
A mais importante das suas obras é o tratado De docta ignorantia (1440).
b) Deus como coincidência de contrários e a teologia negativa
Assim como no neoplatonismo a unidade suprema do múltiplo
corresponde a Deus, o Uno, também em Deus, segundo Cusa, se realiza a
coincidência dos contrários de um modo absoluto. Deus concebido como
coincidência de contrários está para além de todas as diferenças e
oposições que se verificam nos seres finitos, reunindo-as e unificando-as
em si mesmo.
Do ponto de vista do conhecimento humano, o princípio da coincidência
dos contrários em Deus equivale a estabelecer que toda a afirmação acerca
de Deus (por exemplo, Deus é o máximo) deve ser corrigida pela negação
correspondente (no exemplo, Deus não é o máximo, é o mínimo). Isto
supõe a aceitação da teologia negativa, de origem neoplatónica também,
que remonta a Plotino e que Cusa assimilou através do Pseudo-Dionísio.
Em Deus coincidem certamente os contrários, mas de um modo
incompreensível para nós. Daí a afirmação de Cusa de que nos movemos na
ignorância acerca da natureza divina: ignorância que não deve ser entendida
como um estado puramente negativo (o estado de quem não se interrogou
sequer sobre a natureza divina e sobre o nosso conhecimento acerca dela),
mas como um estado positivo resultante do esforço para conhecer a
infinitude divina e do reconhecimento da nossa própria finitude. É uma
ignorância douta, culta, instruída. A tal alude o título da obra mais
importante de Cusa: De docta ignorantia (A douta ignorância).
A UNIDADE INFINITA
Com efeito, quem é que poderia compreender a unidade infinita que
antecede infinitamente as oposições, na qual as coisas, sem composição,
estão unidas na simplicidade da unidade, na qual não há o diverso e na
qual o homem não difere do leão nem o céu difere da terra, pois nela eles
são eles mesmos verdadeiramente e não segundo a sua finitude, mas
implicados na própria unidade máxima? Assim, se alguém fosse capaz de
compreender ou nomear uma tal unidade, que como unidade é todas as
coisas e que sendo o mínimo é o máximo, essa pessoa encontraria o nome
de Deus.
N. Cusa, De Docta Ignorantia I, cap. 24
Infinitude do Universo, inexistência de um centro do mesmo, inexistência
de direcções absolutas, movimento da Terra: eis outras tantas afirmações
em que Cusa se afasta da imagem medieval do Universo antecipando a
concepção moderna da natureza.
Giordano Bruno
Personalidade rica e inquietante, nasceu em 1548 em Nola, nas proximidades de Nápoles.
Ingressou na Ordem dos Dominicanos, abandonando-a em 1576, depois de ter sido acusado de
defender doutrinas heterodoxas. A partir desse momento viajou constantemente pela Europa
(Suíça, França, Inglaterra, Alemanha), suscitando a admiração de uns e a indignação de outros.
No ano de 1592 regressou imprudentemente a Itália, sedo preso e julgado pela Inquisição. Após
sete anos de prisão, foi queimado em Roma a 17 de Fevereiro de 1600.
As suas obras mais importantes são: De umbris idearum (1582), De la causa, princípio de
uno (1584), De l’infinito, universo e mundi (1584).
Apesar de a sua vida e obra entrarem pelo século XVII (a sua obra mais
notável, o Novum Organon, data de 1620), Francis Bacon pode ser
considerado um filósofo renascentista. Como filósofo da ciência, Bacon é a
expressão eloquente do optimismo renascentista, da confiança na
capacidade do homem para estender mais e mais o seu domínio sobre a
natureza. A ideia central do pensamento de Bacon é que o homem pode
dominar a Natureza e que o instrumento adequado para isso é a
ciência. Esta ideia levou Bacon a opor-se a Aristóteles, no tocante ao
conceito de ciência e ao método adequado para o progresso da investigação
científica.
Bacon
Nasceu em Londres em 1561. Estudou Direito em Cambridge, iniciando uma carreira
política inicialmente caracterizada pelo êxito e posteriormente pelo insucesso. Aos vinte e três
anos ingressou no Parlamento e em 1618 foi nomeado Chanceler. Três anos mais tarde, foi
acusado de aceitar subornos, sendo condenado a pagar uma grande soma à prisão na Torre de
Londres, além de ser expulso do Parlamento e destituído de seus cargos. Não chegou a pagar a
multa e foi libertado após alguns dias de permanência na prisão. A partir desse momento,
dedicou o seu tempo e actividade à filosofia e à ciência. Morreu no ano de 1626.
O projecto de Bacon incluía um ambicioso plano de restauração de todos os ramos do saber
(Instauração magna), embora a maior parte dos escritos projectados tivesse ficado incompleta.
A este projecto pertencem a obra De dignitate et augmentis scientiarum (1623) e o Novum
Organum (1620).
INTRODUÇÃO
Copérnico
Nasce em Torun (Polónia) em 1473; de origem germânica, seu tio, bispo de Warmia,
facilitou-lhe os estudos em Cracóvia e depois em Itália, assim como uma sinecura em Frombork
(Frauenburg), onde faleceu em 1543. Permaneceu sempre fiel à Igreja Católica, sendo atacado
por Lutero e Melanchton. Como bom sábio renascentista, realizou estudos sobre medicina,
geografia (mapa da Pomerânia) e economia (cunhagem de moeda). Já em 1507, fez um esboço
da sua teoria heliocêntrica (Commentariolus). Pôde ver as provas da sua obra, Das Revoluções
dos Corpos Celestes, no leito de morte. Dele se disse: «De grande inteligência não só nas
matemáticas, mas também nas questões físicas e em todas as demais». Mas talvez emocione
mais saber que foi: «Administrador dos episcopais e de vida incólume».
A REVOLUÇÃO COPERNICANA
Mas deixemos os filósofos a discussão de saber se o inundo é finito ou
infinito. De qualquer modo, sabemos que a Terra é delimitada nos seus
pólos por uma superfície esférica. Em vez de estarmos a abalar o mundo
inteiro, cujos limites ignoramos e que nem sequer podemos conhecer, por
que razão hesitamos nós em atribuir-lhe uma mobilidade de acordo com a
sua natureza e forma? E por que razão não admitimos também que esta
revolução diária é uma é certeza na Terra e uma aparência no céu? Aliás,
isto está até de acordo com o que Eneias (de Virgílio) disse: Ao sairmos
de um porto, as terras e cidades retrocedem.
Com efeito, quando um navio calmamente sobre as águas, os
marinheiros (por obra do seu próprio movimento) crêem que as coisas se
afastam deles, ao mesmo tempo que pensam que eles próprios e as coisas
perto de si estão imóveis. Ora, o mesmo se passa com o movimento da
Terra, pois parece-nos que o mundo gira à volta dela (...).
Na verdade, parece-me bastante absurdo atribuir o movimento ao
continente ou localizante e não ao conteúdo ou localizado que é a Terra.
Finalmente, e sendo manifesto que os planetas se aproximam e afastam
da Terra, será sempre centrípeta e centrífugo o movimento de um único
corpo à volta do centro (que muitos querem que seja o centro da Terra).
Deste modo, devemos conceber genericamente o movimento à volta do
centro (circular), e que cada movimento se reporta sempre ao seu centro.
Por estas razões, o movimento da Terra é mais provável do que a sua
imobilidade, sobretudo no que diz respeito à revolução diária, que é
própria, da Terra.
Copérnico, Das Revoluções dos Corpos Celestes.
Mas nada disto explica o empenho heróico que homens como Kepler e
Galileu poriam em defender a «revolução copernicana». É lícito suspeitar
que a razão profunda deste empenho se deveu a razões metafísicas de tipo
platonizante: o harmónico e matematicamente simples não é só o mais belo
mas também o único verdadeiro. A razão humana assemelha-se de algum
modo à divina quando contempla o cosmos como um mecanismo
perfeitamente regulado. Quando Copérnico rompeu o dualismo grego céu-
terra, fê-lo para elevar o mundo sublunar à categoria celeste, e não o inverso
(como faria certamente Newton). Em última instância, algo é verdadeiro
se, e somente se, se deixa reduzir ao esquema prévio do projecto
matemático. Precisamente por aqui viria a genial modificação kepleriana.
O sistema de Copérnico mostrava efectivamente dois pontos obscuros,
inadmissíveis para um platónico consequente: a imprecisão da órbita
marciana e a (pequena) excentricidade do Sol.
Em 1572 e 1577 apareceram duas novas «estrelas» no céu (na realidade,
cometas). O aperfeiçoamento nos métodos de observação astronómica
permitiu determinar a sua posição: encontravam-se sem dúvida para além
da órbita sublunar. O imaculado e divino céu aristotélico desintegrava-se, e
até o carácter concluso da criação (terminada no sétimo dia) era posto em
causa face a algo que era já um facto e não uma teoria mais ou menos
estetizante como a de Copérnico.
Kepler não era somente um minucioso observador tal como o seu mestre
Brahe; era também um grande matemático e sobretudo um fervoroso
místico que acreditava na magia dos números e na harmonia musical das
esferas. Assim, a paixão obsessiva pela exactidão matemática era nele
reforçada pela crença num Universo perfeito, criado e regido por um Deus
matemático. Outro elemento influiria decisivamente na sua formação:
William Gilbert (1540-1603) publicara o seu De Magnete em 1600. Nesta
obra – a base dos estudos sobre o magnetismo – entendia-se a Terra como
um gigantesco íman: a gravidade mais não seria do que uma forma de
atracção magnética. Considerem-se as implicações astronómicas que esta
teoria iria ter na mente de Kepler. A destruição das esferas cristalinas
carecia de uma explicação acerca da razão por que estrelas e planetas não se
dispersavam nos espaços infinitos. «Algo» devia conservá-los nas suas
órbitas. Transpondo o magnetismo terrestre para o Sol, não seria essa força
que explicaria o sistema? Kepler estava deste modo a aproximar-se da
teoria newtoniana. No entanto, a sua obsessão pela precisão matemática
impediu-o de chegar a tal resultado, ao observar ligeiras variações na órbita
lunar. «Abandono» – diria numa famosa carta – «as obscuridades da física
para me refugiar nas claridades da matemática».
Nestas claridades, com efeito, não tinha rival. A sua primeira grande
obra, o Mysterium cosmographicum (1596), mostra-nos Kepler entregue a
especulações dignas do demiurgo platónico. O problema fundamental seria:
como relacionar a distribuição espacial das órbitas com os movimentos dos
elementos do sistema solar? A solução kepleriana seria a de relacionar as
diferentes órbitas com os cinco poliedros regulares: cubo, tetraedro,
dodecaedro, icosaedro e octaedro, inscritos e circunscritos sucessivamente
em esferas. O sorriso que hoje poderia produzir-se perante semelhante
solução apaga-se se recordarmos que especulações deste tipo foram a base
da famosa lei de Bode-Titius (que relaciona as distâncias orbitais com a
série dos números naturais, e que ajudou à descoberta de Neptuno e Ceres).
Johannes Kepler
Nasce em Weil em 1575 e morre em Ratisbona em 1630. A sua vida apresenta uma tal
quantidade de desgraças e atribulações que não pode evitar-se a suspeita de que o grande
astrónomo se refugiou nos céus para fugir da terra, sendo as suas matemáticas, por sua vez, um
exorcismo e uma droga contra a loucura. Uma mãe que acaba por morrer no cárcere acusada de
bruxaria e que só se salva da fogueira graças à intervenção de seu famoso filho, uma mulher que
morre louca por se ter azedado o seu mau carácter, uma segunda que lhe dá sete filhos que
morrem todos antes do pai, e uma vida cheia de perseguições – os católicos querem matá-lo por
ser protestante, os protestantes por ter vivido entre os católicos – todos estes infortúnios
configuram uma moderna história de Job, só aliviada pelos dois grandes sucessos: o acesso aos
dados e instrumentos de Tycho Brahe – prazer que só uma mente científica pode entender – e a
protecção de Rodolfo II, a quem faria o horóscopo (Tábuas Rudolfinas, 1627). Naturalmente,
foram-lhe outorgados fama e dinheiro por ser astrólogo e não astrónomo. E parece que o próprio
Kepler acreditava na influência dos astros; se assim é, esta não lhe podia ter sido mais nefasta.
DA HARMONIA DO MUNDO
Para o leitor actual, que associa a ciência da natureza a concepções
muito precisas, duas coisas saltam à vista:
1. Para Kepler, a ciência natural não é de modo algum um meio que
sirva aos fins materiais do homem ou à sua técnica, que com a sua ajuda
possa sentir-se menos incómodo num mundo imperfeito ou que lhe
proporcione o caminho do progresso. Pelo contrário, a ciência é um meio
para a elevação do espírito, um caminho para encontrar repouso e alívio
na contemplação da perfeição eterna do universo criado.
2. Em relação estreita com o anterior há ainda o surpreendente
menosprezo pelo empírico. A experiência não é mais do que uma
descoberta fortuita de factos, os quais podem ser concebidos melhor
partindo dos princípios apriorísticos. A coincidência completa entre a
ordem das «coisas do sentido», obras de Deus, e as leis matemáticas e
inteligíveis, «ideias» de Deus, é o tema basilar do harmonices mundi.
Motivos platónicos e neoplatónicos levaram Kepler à concepção de que
ler a obra de Deus – a natureza – não é mais do que descobrir as
relações entre as quantidades e as figuras geométricas.
«A geometria, eterna como Deus e surgida do espírito divino, serviu a
Deus para formar o mundo, para que este funcionasse melhor e fosse
mais belo e mais semelhante ao seu Criador».
Heisenberg, A Imagem da Natureza na Física Actual
Talvez não haja na história da ciência moderna texto tão decisivo como
este. A leitura do mundo com olhos matemáticos tinha necessariamente de
chocar de frente com os dois grandes poderes do seu tempo: a ciência
aristotélica e a Igreja. Convém, pois, recordar primeiro, resumidamente, as
posições dos dois poderes.
DEUS, A QUANTIDADE E AS LEIS DO UNIVERSO
No princípio, Deus criou a matéria; ora, conhecendo a definição desta,
creio que se torna muito claro por que razão no princípio Deus criou a
matéria e não outra coisa (...). Deus quis que a quantidade existisse
primeiro para que houvesse uma comparação entre o curvo e o recto. Por
isso apenas me parece divino o Cusano e outros: porque prestaram
atenção à relação mútua entre o curvo e o recto que se atreveram a
comparar o curvo com Deus e o recto com as criaturas. E os méritos
daqueles que compararam o Criador com as criaturas, Deus com o
homem e os juízos divinos com os com os humanos, não foram maiores
do que os daqueles que tentaram comparar uma curva com uma recta ou
um círculo com um quadrado (...).
Mas, em última instância, por que razão é que Deus quis distinguir o
curvo do recto e estabelecer a nobreza do curvo? Porquê? Porque era
absolutamente necessário que o Criador Supremo realizasse a obra mais
bela, pois nem agora nem nunca se pode evitar que o melhor dos seres
não crie a mais bela das obras (...). Mas como o Criador do mundo
preconcebeu na sua mente (utilizando termos humanos, para que o
entendamos como homens que somos) uma Ideia do mundo e a Ideia
existe primeiro que a coisa e, além disso, como dissemos atrás, é anterior
a uma coisa perfeita, ela própria será óptima pois é forma da obra futura;
é evidente que a Ideia de Deus ao fundar o mundo com estas leis, que na
sua bondade se prescreveu a si mesmo, só podia provir da sua essência e
não de outra coisa.
Johannes Kepler, O Segredo do Universo.
4. GALILEU E O MÉTODO EXPERIMENTAL
Galileu Galilei
Nasce em Pisa em 1564 (ano em que morre Miguel Ângelo) e morre em Arcetri em 1642
(ano em que nasce Newton), o que não deixa de ser um bom argumento para quem acredita na
transmigração das almas. Estuda medicina na Universidade de Pádua. Conta-se que as
oscilações de uma lâmpada na catedral o levaram a descobrir a isocronia pendular. Tendo sabido
que na Holanda se descobrira um telescópio (o inventor foi Lippershuyk), constrói ele próprio
um, descobrindo as manchas solares e os satélites de Júpiter (planetas mediceus). Inventor do
barómetro e do termómetro, lançou as bases para a descoberta do relógio e do pêndulo. De
carácter orgulhoso, contribuiu activamente para engrossar o Índice dos Livros Proibidos (os seus
e os de Copérnico). Se Newton o supera em génio científico, ninguém como ele soube tirar as
consequências filosóficas da nova ciência. A sua fama continuará certamente enquanto a Terra
girar em torno do Sol (ninguém lutou tanto por esta teoria).
GALILEU E A INQUISIÇÃO
Era uma vez um cientista famoso chamado Galileu Galilei que foi
condenado pela Inquisição e se viu obrigado a abjurar as suas doutrinas.
Este acontecimento provocou um grande alvoroço e o caso continuou a
despertar indignação e discussão acesa durante mais de duzentos e
cinquenta anos, e continuou mesmo depois da vitória da opinião pública e
da tolerância da Igreja em relação à ciência. Mas, na actualidade, esta
história é já muito velha e creio que perdeu o seu interesse, pois ao que
parece a ciência de Galileu não tinha inimigos: a sua vida ficou
assegurada. A vitória conquistada há muito tempo foi definitiva e nesta
frente de batalha está tudo calmo. Assim, temos agora uma posição
equânime perante a questão, dado que finalmente aprendemos a pensar
numa perspectiva histórica e a compreender as partes da disputa. E
ninguém se vai dar ao trabalho de ouvir um importuno qualquer que
ainda não conseguiu esquecer uma velha injustiça.
Afinal, qual era o tema dessa velha discussão? Era acerca do «sistema
do mundo» copernicano que, entre outras coisas, explicava que o
movimento diurno do Sol era aparente devido à rotação da Terra. A Igreja
estava disposta a admitir que o novo sistema era mais simples que o
anterior e que era um instrumento mais conveniente para os cálculos
astronómicos e para as previsões. Aliás, esse sistema foi muito usado na
reforma do calendário auspiciada pelo Papa Gregório. Não havia
qualquer objecção a que Galileu ensinasse a teoria matemática do
sistema, desde que tornasse claro que o seu valor era apenas instrumental
e que não era mais do que uma «suposição», dizia o cardeal Bellarmino,
ou uma «hipótese matemática», ou uma espécie de estratagema
matemático «inventado e concebido com o fim de abreviar e facilitar os
cálculos». Por outras palavras, não havia qualquer objecção desde que
Galileu estivesse disposto a partilhar da ideia de Andreas Osiander, que
no seu prefácio ao De Revolutionibus de Copérnico dissera: «Não é
imperioso que estas hipóteses sejam verdadeiras ou que se assemelhem à
verdade; pede-se apenas que elas permitam realizar cálculos que
concordem com as observações».
Parece que o próprio Galileu estava disposto a salientar a
superioridade do sistema copernicano como instrumento de cálculo. No
entanto, ao mesmo tempo conjecturava e acreditara que era uma
descrição verdadeira do mundo; e para ele (tal como a Igreja) este era
certamente o aspecto mais importante da questão.
K. Popper, O Desenvolvimento do Conhecimento Científico
MOVIMENTO UNIFORME
DEFINIÇÃO. Por movimento igual ou uniforme entendo aquele no qual
os espaços percorridos por um móbil em tempos iguais, quaisquer que
estes sejam, são iguais entre si.
ADVERTÊNCIA. Pareceu-nos oportuno acrescentar à velha definição
(que simplesmente fala do movimento igual desde que se percorra
espaços iguais em tempos iguais) a expressão quaisquer, ou seja, para
todos os tempos que são iguais. Com efeito, pode acontecer que um
móbil percorra espaços iguais em determinados tempos iguais, ao passo
que distâncias percorridas em fracções de tempo mais pequenas podem
não ser iguais, mesmo que os tais intervalos mais pequenos o sejam. Da
definição que demos decorrem quatro axiomas, a saber:
AXIOMAI. No caso do mesmo movimento uniforme, o espaço
percorrido num tempo maior é maior que o espaço percorrido durante um
intervalo de tempo menor.
AXIOMAII.No caso do mesmo movimento uniforme, o tempo durante
o qual se percorre um espaço maior é também maior que o tempo
empregue para percorrer um espaço menor.
AXIOMA III. O espaço percorrido a maior velocidade num determinado
tempo é maior do que o espaço percorrido no mesmo tempo mas a uma
velocidade menor.
AXIOMAIV. A velocidade empregue no percurso de um espaço maior
num determinado tempo é maior do que aquela que leva a percorrer, no
mesmo tempo, um espaço menor.
Galileu, Considerações e Demonstrações Matemáticas sobre duas Novas Ciências.
Percorramos agora os passos da ciência nova, seguindo o próprio
Galileu: «Esta discussão está dividida em três partes: a primeira trata do
movimento estável e uniforme; a segunda trata do movimento que
encontramos acelerado na natureza; o assunto da terceira é a dos
movimentos chamados violentos e dos projécteis».
s ∞ t ou s = kt
s = vt ou v = s/t
Esta «estreita relação» não aparece aos sentidos. Pelo contrário: estes
falam-nos de conexão entre aceleração e espaço percorrido. E no entanto o
pisano defendia em 1604 esta tese, de «senso comum». A relação estreita
dá-se na razão e surge de uma exigência de simetria conceptual entre as
noções antitéticas de repouso e de movimento natural (queda livre).
Definiremos o repouso pela relação de um corpo com o espaço que ocupa,
sem consideração do tempo (estreita relação entre espaço e repouso).
Definiremos o movimento pela relação de um corpo com os intervalos em
que se afasta da sua trajectória, sem consideração de espaço (estreita
relação entre tempo e movimento). De novo, aqui é a razão, e não os
sentidos, que dita a essência do movimento. Estabelecido isto, Galileu
continua:
«Diz-se que um corpo está uniformemente acelerado quando partindo do
repouso adquire, durante intervalos iguais, incrementos iguais de
velocidade.»
Isto é: a = ( v – vo) / t
em geral
OBSERVAÇÃO E SUPOSIÇÃO
Imagine-se um móbil projectado sobre um plano horizontal do qual se
retirou qualquer atrito; de acordo com o que atrás expusemos
detalhadamente, sabemos já que neste caso o movimento se processará
sobre o tal plano de modo uniforme e perpétuo, pressupondo que este
plano se prolonga até ao infinito. Pelo contrário, se imaginarmos um
plano limitado e em declive, logo que o móbil (que supomos dotado de
gravidade) chega ao fim do plano e continua a sua marcha, acrescentará
ao movimento precedente, uniforme e inesgotável, essa tendência para
baixo, fruto da sua própria gravidade. Disto resulta um movimento
composto de um movimento horizontal uniforme e de um movimento
descendente naturalmente acelerado. Chamo projecção a este tipo de
movimento e irei demonstrar algumas das suas propriedades, a primeira
das quais é a seguinte:
Teorema 1, proposição 1: um projéctil cujo movimento é composto de
um movimento horizontal e uniforme e de um movimento descendente
naturalmente acelerado, descreve com o dito movimento uma linha
semiparabólica.
Galileu, Considerações e Demonstrações Matemáticas sobre Duas Novas Ciências.
5. MÉTODO RESOLUTIVO-COMPOSITIVO
«Creio que é certo que ele obtinha, por meio dos sentidos, graças às
experiências e às observações, tanta segurança quanto possível sobre as
conclusões, e que depois procurava os meios de demonstrá-las.»
EXPERIÊNCIA E IMAGINAÇÃO
Uma das experiências imaginárias mais importantes da história da
filosofia natural, e também um dos argumentos mais simples e mais
engenhosos da história do pensamento racional sobre o nosso universo,
estão contidos na crítica de Galileu à teoria do movimento aristotélico.
Essa experiência desautoriza a suposição aristotélica de que a velocidade
natural de um corpo mais pesado é maior do que a de um corpo mais
leve. «Se tivéssemos dois móbiles» – argumenta o porta-voz de Galileu –
«de velocidades naturais diferentes, seria de esperar que quando o mais
atrasado se juntasse ao mais veloz, este seria em parte retardado pelo
mais atrasado e o mais atrasado em parte acelerado pelo mais veloz»; ora,
«se assim é, também é verdade que da junção de uma pedra grande que se
move, suponhamos, com oito graus de velocidade, com uma pedra menor
com quatro graus, resultaria um sistema composto que teria de se mover
com velocidade menor que oito graus; com efeito, as duas pedras unidas
originam uma pedra maior que a primeira, que se movia com oito graus
de velocidade; com efeito, este composto (que é maior que a primeira
pedra isolada) mover-se-á mais lentamente que a primeira pedra isolada,
que é menor; isto vai contra a suposição». E como o ponto de partida fora
a argumentação contra a suposição de Aristóteles, esta fica agora refutada
pois torna-se claro que é absurda.
A experiência imaginária de Galileu é o modelo perfeito do melhor
uso que se pode fazer em experiências imaginárias: trata-se do uso
crítico.
K. Popper, A Lógica da Investigação Científica
9. O RACIONALISMO
INTRODUÇÃO
MATEMÁTICA E RAZÃO
Estas longas cadeias de razões, completamente simples e fáceis, de
que os geómetras costumam servir-se para chegar às suas mais difíceis
demonstrações, tinham-lhe sugerido que todas as coisas que podem cair
sob o conhecimento do homem se encadeiam da mesma maneira e que,
com a condição de simplesmente nos abstermos de aceitar como
verdadeira alguma que o não seja, ou de observarmos sempre a ordem
necessária para as deduzir umas das outras, nenhumas pode haver tão
afastadas a que por fim não se chegue nem tão ocultas que não se
descubram. E não me foi muito difícil procurar por quais era preciso
começar: pois já sabia que devia ser pelas mais simples e mais fáceis de
conhecer; e, considerando que, entre todos os que até aqui procuraram a
verdade nas ciências, só os matemáticos puderam encontrar algumas
demonstrações, isto é, algumas razões certas e evidentes, não duvidei de
que deveria começar pelas mesmas que eles examinaram; embora não
esperasse delas nenhuma outra utilidade a não ser a de habituarem o meu
espírito a alimentar-se de verdades e a não se contentar com falsas razões
(...).
Mas, o que mais me contentava neste método era que, por meio dele,
tinha a certeza de usar em tudo a própria razão, se não perfeitamente, pelo
menos o melhor que podia; além de que, ao pô-lo em prática, sentia que o
meu espírito se habituava pouco a pouco a conceber mais nítida e
distintamente os seus objectos, e que, não o tendo submetido a nenhuma
matéria particular, prometia a mim próprio aplicá-lo tão utilmente às
dificuldades das outras ciências e como o aplicara às da álgebra. Não que
ousasse, por essa razão, empreender logo o exame de todas as que se
apresentassem; pois isso seria mesmo contrário à ordem que ele
prescreve. Mas, tendo notado que os seus princípios se deviam derivar
todos da filosofia, na qual eu não encontrara ainda nenhuns certos, pensei
ser preciso, antes de tudo, esforçar-me por nela os estabelecer.
Descartes, Discurso do Método, Lisboa, Edições 70, 2014, pp. 31-35
2. DESCARTES E A CONSTRUÇÃO DO
UNIVERSO
INTUIÇÃO E DEDUÇÃO
Poderá agora perguntar-se porque é que à intuição juntámos um outro
modo de conhecimento, que se realiza por dedução; por ela entendemos
o que se conclui necessariamente de outras coisas conhecidas com
certeza. Foi imperioso proceder assim, porque a maior parte das coisas
são conhecidas com certeza, embora não sejam em si evidentes, contanto
que sejam deduzidas de princípios verdadeiros, e já conhecidos, por um
movimento contínuo e ininterrupto do pensamento, que intui nitidamente
cada coisa em particular (...) Distinguimos portanto, aqui, a intuição
intelectual da dedução certa pelo facto de que, nesta, se concebe uma
espécie de movimento ou sucessão e na outra, não; além disso, para a
dedução não é necessário, como para a intuição, uma evidência actual,
mas é antes à memória que, de certo modo, vai buscar a sua certeza. Pelo
que se pode dizer que estas proposições, que se concluem imediatamente
a partir dos primeiros princípios, são conhecidas, de um ponto de vista
diferente, ora por intuição, ora por dedução, mas que os primeiros
princípios se conhecem somente por intuição, e, pelo contrário, as
conclusões distantes só o podem ser por dedução.
Descartes, Regras para a Direcção do Espírito, regra III, Lisboa, Edições 70, 2002, p. 21
Descartes
Nasceu em 1596, no seio de uma família nobre e abastada. De 1604 até 1614 estudou no
colégio dos Jesuítas de la Flèche. A sua relativa fortuna permitiu-lhe dedicar a vida ao estudo, à
ciência e à filosofia. Permaneceu na Holanda de 1628 a 1649, transferindo-se neste último ano
para Estocolmo, onde morreu no ano seguinte.
As suas obras mais significativas são: As Regras para a Direcção do Espírito (Regulae ad
directionem ingenií), incompletas, escritas por volta de 1628 e publicadas em 1701; as
Meditações (Meditationes de prima philosophia in quibus existentia Dei et animae immortalitas
demonstrantur), escritas em 1640 e cujo conteúdo comunicou a diversos filósofos e teólogos, o
que originou seis séries de objecções e respostas; o Discurso ao Método (1637) e os Princípios
da Filosofia (Principia philosophiae), obra aparecida em 1644.
2.3. As ideias
NOÇÃO DE IDEIA
Pela palavra ideia entendo aquela forma dos nossos pensamentos cuja
percepção imediata nos torna conscientes deles. Assim, quando
compreendo o que digo, não posso expressar com palavras nada que não
seja certo, porque tenho em mim a ideia da coisa que as minhas palavras
significam. Por conseguinte, não designo por ideia as imagens da minha
fantasia, nem sequer lhes chamo ideias enquanto estão na fantasia
corpórea (ou seja, enquanto estão inseridas em certas partes do
cérebro), mas só quando informam o próprio espírito a elas dedicado
nessa parte do cérebro.
Descartes, Meditações Metafísicas
2.3.3. Classes de ideias
Uma vez estabelecido por Descartes que a ideia de Deus – como ser
infinito – é inata, o caminho da dedução fica definitivamente desimpedido:
A SUBSTÂNCIA
Chama-se substância àquela coisa na qual, tal como no seu sujeito,
algo lhe é inerente, ou seja, pela qual existe algo que concebemos; quer
dizer, uma propriedade, qualidade ou atributo do qual temos em nós uma
ideia real. A única precisa que temos de substância é que se trata de uma
coisa na qual existe formalmente ou eminentemente o que concebemos,
ou seja, o que está objectivamente nalguma das nossas ideias, pois a luz
natural ensina-nos que o nada não comporta nenhum atributo do real.
Chamamos espírito à substância na qual o pensamento está
imediatamente inserido. Este nome é, no entanto, equívoco, pois às vezes
é atribuído ao vento ou a certos licores; mas não encontro outro melhor.
Chamamos corpo à substância que é sujeito imediato da extensão e
dos acidentes que pressupõem extensão, como a figura, a situação, o
movimento local, etc. Perguntar-se-á de imediato se a substância
chamada espírito é a mesma à qual chamamos corpo ou se se trata de
duas substâncias diferentes e separadas.
Chamamos Deus à substância que entendemos ser sumamente perfeita
e na qual não concebemos nada que possa incluir defeitos ou limitações
de perfeição.
Descartes, Meditações Metafísicas.
PROPOSIÇÃO XVI
Da necessidade da natureza divina derivam coisas infinitas de
maneiras infinitas (isto é, tudo o que pode caber num raciocínio infinito).
DEMONSTRAÇÃO: Esta proposição deve ser evidente para todos; desde
que se considere que a razão conclui várias propriedades de uma dada
definição de uma coisa, as quais derivam naturalmente, e de um modo
necessário, dessa definição (ou seja, da própria essência da coisa), e
tantas quanto maior realidade a definição da coisa expressar, isto é,
quanto mais realidade a essência da coisa definida implicar. Mas como a
natureza divina possui atributos infinitos absolutos (de acordo com a
definição 6), cada qual expressando também uma essência infinita do seu
género, da necessidade dessa natureza derivam então necessariamente
coisas infinitas de modos infinitos (ou seja, tudo o que cabe num
raciocínio infinito). Q. E. D.
Espinosa, Ética
3.1. Espinosa
Baruch Espinosa
Descendente de judeus espanhóis ou portugueses (segundo opiniões divergentes) emigrados,
nasceu em Amsterdão em 1632. A sua formação intelectual procede de duas fontes: por um
lado, a filosofia e religião judaica tradicionais; por outro, a filosofia de Descartes. Excomungado
e expulso da Sinagoga em 1656, transferiu-se para Haia, onde viveu modestamente do seu
trabalho como polidor de lentes. Morreu aos 44 anos, em 1677.
Escreveu um tratado (por acabar) acerca do método: Reforma do Entendimento e um Tratado
Teológico-Político; ambos, juntamente com a Ética (Ética more geometrico demonstrata),
constituem, o mais importante da sua produção filosófica.
3.2. Leibniz
b) O problema da liberdade
A distinção entre verdades de facto e verdades de razão foi introduzida
por Leibniz, entre outros motivos para salvaguardar a liberdade dos actos
humanos. César, já dissemos, passou o Rubicão, mas podia não o ter
passado. A distinção entre os dois tipos de verdade é no entanto difícil de
manter, admitindo o princípio de razão suficiente. E parece que as verdades
de facto vêm a ser, em última análise, verdades de razão. Vejamo-lo com o
exemplo que utilizámos:
Leibniz não parecia disposto a aceitar esta conclusão e nas suas obras
apresentou duas contestações ao raciocínio acima exposto.
5.2.1. As paixões
PROPOSIÇÃO XXXVI
O amor intelectual da alma a Deus é o mesmo amor com que Deus se
ama a si mesmo, não com Deus infinito mas na medida em que pode ser
explicado através da essência da alma humana considerada na perspectiva
da eternidade, ou seja, o amor intelectual da alma a Deus é uma parte do
amor infinito com que Deus se ama a si mesmo.
Corolário: Daqui resulta que Deus ama os homens na medida em que
se ama a si mesmo e, por conseguinte, são uma e a mesma coisa o amor
de Deus aos homens e o amor intelectual da alma a Deus.
Escólio: Em virtude disto, compreende-se claramente em que é que
consiste a nossa salvação ou felicidade, ou seja, a nossa liberdade; a
saber: num amor constante e eterno a Deus, isto é, no amor de Deus aos
homens.
Este amor ou felicidade é chamado «glória» nos livros sagrados, e não
sem motivo, pois este amor, por se referir a Deus ou à alma, pode ser
chamado mais correctamente «felicidade da alma», o que na realidade
não se distingue da glória.
Espinosa, Ética.
Para Descartes, a felicidade anda unida à liberdade e esta, por sua vez,
ao domínio sobre as paixões. «As paixões» – escreve Descartes – «agitam
diversamente a vontade, e assim tornam a alma escrava e infeliz». A falta
de liberdade, a submissão à força cega das paixões, torna o homem infeliz e
desgraçado.
Também Espinosa põe o problema da liberdade em relação com a
libertação das paixões, fazendo da liberdade um ingrediente fundamental da
felicidade. A consecução desta é a aspiração última da filosofia de
Espinosa: a nossa salvação identifica-se com a nova liberdade e esta com a
felicidade (Ética V, 36).
Para Espinosa a essência da alma consiste no conhecimento e, por isso, a
libertação das paixões ocorre quando a alma possui o conhecimento das
coisas. Suponhamos que alguém se encontra dominado pelo ódio a outra
pessoa: o seu ódio cessará logo que compreenda que a conduta reprovável
da pessoa odiada, bem como de tudo quanto acontece no Universo, está
determinada necessariamente, que não é livre (no sentido habitual deste
termo), e logo que compreenda que tanto o odiado como aquele que odeia
são modos, realizações particulares da substância única e que, portanto,
possuem uma natureza comum e um bem comum. Nesse momento, o ódio
cederá lugar ao amor. «Um afecto que é uma paixão» – afirma Espinosa –
«deixa de ser paixão quando formamos uma ideia clara e distinta dele»
(Ética V, prop. 3). As paixões, os afectos negativos, são ideias obscuras e
confusas; os afectos positivos são ideias claras e distintas.
INTRODUÇÃO
1.1. Locke
Para Locke, a questão fundamental é pois a que diz respeito à génese das
nossas ideias. Antes de penetrarmos neste problema, temos de esclarecer o
que Locke entende por «ideia».
John Locke
Nasceu em Bristol em 1632, no mesmo ano que Espinosa. Nascido no seio de uma família de
tendências liberais, Locke foi um fervoroso defensor do liberalismo e, em geral, dos ideais
ilustrados de racionalidade, tolerância, filantropia e liberdade religiosa. Estudou química e
medicina, após ter abandonado os estudos de teologia. Desterrado primeiro (circunstância que
aproveitou para viajar pela Holanda, França e Alemanha), regressou a Inglaterra após a
Revolução de 1688. Morreu em 1704.
Entre as suas obras destacam-se: o Ensaio sobre o Entendimento Humano (1690), os Dois
Tratados sobre o Governo Civil (1690) e A Racionabilidade do Cristianismo (1695).
a) Ideias simples
Dentro das ideias simples – que não são já combinações de outras ideias,
mas como que átomos do conhecimento – Locke distingue ainda duas
classes: as que provêm da sensação (da experiência externa) e aqueles que
provêm da reflexão (Locke entende por «reflexão» a experiência interna, o
conhecimento que a mente tem dos seus próprios actos e operações). Uma
ideia que obtemos por reflexão é, por exemplo, a ideia de pensamento já
que, por experiência interna, percebemos que pensamos e em que consiste
pensar.
Dentro das ideias de sensação (experiência externa), Locke distingue,
por último, as ideias das qualidades primárias (figura, tamanho, etc.) e as
ideias das qualidades secundárias (cores, odores, etc.). Esta distinção é já
nossa conhecida, pois aparecia também em Galileu e Descartes; e como
eles, Locke afirma que só as qualidades primárias existem realmente nos
corpos.
Berkeley
Irlandês, nasceu em 1685. Estudou na Universidade de Dublin, onde teve ocasião de
conhecer as principais correntes filosóficas e científicas da época. Foi um homem
profundamente religioso que pôs a filosofia ao serviço da fé e combateu os livre-pensadores. Em
1734 foi nomeado bispo anglicano no sul da Irlanda. Morreu no ano de 1753. A sua obra
fundamental é o Tratado sobre os Princípios do Conhecimento Humano, escrito quando tinha
vinte e cinco anos (1710). Posteriormente escreveu uma obra de divulgação sob o título Três
Diálogos entre Hilas e Filonus.
Pela mesmo razão que a Descartes, isto é, por considerar que o objecto
do conhecimento são as ideias, também a Locke se colocou o problema da
existência da realidade.
Locke nunca duvidou de que existisse uma realidade distinta das nossas
ideias. A sua noção de ideia como representação ou imagem da realidade
implica que existe uma realidade da qual a ideia é imagem. Ao tratar da
existência real, Locke distingue – seguindo Descartes – três grandes
âmbitos ou zonas: o eu, Deus, e os corpos. Da existência do eu temos
certeza intuitiva (neste ponto segue Descartes e o seu célebre «penso, logo
existo»); da existência de Deus temos certeza demonstrativa (a existência
de Deus pode ser demonstrada utilizando o princípio de causalidade: Deus é
a causa última da nossa existência); da existência dos corpos temos certeza
sensitiva (a existência dos corpos está razoavelmente comprovada, pois as
nossas sensações são produzidas em nós por eles. Repare-se – e mais
adiante voltaremos ao assunto – que tanto a existência de Deus como a
existência do mundo exterior, dos corpos, são afirmadas em virtude de um
raciocínio causal: Deus é a causa última da nossa existência, os corpos são
a causa das nossas sensações.
1.2. Berkeley
1.3. Hume
David Hume
Filho de proprietário rural escocês, nasceu em Edimburgo em 1711. A sua afeição às letras e
à filosofia levou-o a abandonar a profissão de comerciante a que se dedicara a princípio.
Transferiu-se para França onde, retirado no campo, compôs a sua obra mais importante, o
Tratado acerca da Natureza Humana. Esta obra não obteve o êxito e reconhecimento que
esperava. Escreveu outras obras, entre as quais merecem destacar-se a sua Investigação Sobre o
Entendimento Humano e a sua Investigação sobre os Princípios da Moral. Morreu em 1776.
A influência de Hume na filosofia foi enorme. Foi a leitura de Hume que despertou Kant, no
dizer deste, do seu «sono dogmático». O empirismo contemporâneo reconhece nele a sua fonte e
precursor mais qualificado.
a) A realidade exterior
Tomemos este critério e comecemos por aplicá-lo ao problema da
existência de uma realidade distinta das nossas impressões e exterior a elas.
Segundo Locke a existência dos corpos como realidade distinta e exterior às
impressões ou sensações justifica-se numa inferência causal: a realidade
extramental é a causa das nossas impressões. Ora, no entender de Hume
esta inferência é inválida, pois não vai de uma impressão para outra, mas
das impressões para uma pretensa realidade que está para além delas e da
qual não temos, por isso, impressão ou experiência alguma. A crença na
existência de uma realidade corpórea distinta das nossas impressões é
portanto injustificável se apelarmos para a ideia de causa.
b) A existência de Deus
Locke e Berkeley tinham utilizado a ideia de causa, o princípio de
causalidade, para fundamentar a afirmação de que Deus existe. No entender
de Hume, esta inferência é também injustificada pela mesma razão, porque
não vai de uma impressão a outra, mas das nossas impressões a Deus, que
não é objecto de impressão alguma.
Pois bem, se nem a existência de um mundo diferente das nossas
impressões nem a existência de Deus são racionalmente justificáveis, donde
vêm as nossas impressões? (Recorde-se que para Locke procedem do
mundo exterior e para Berkeley de Deus). O empirismo de Hume não
permite responder a esta pergunta. Simplesmente, não sabemos, nem
podemos saber: pretender responder a esta pergunta é pretender ir além das
nossas impressões e estas constituem o limite do nosso conhecimento.
Temos impressões, não sabemos de onde procedem, e é tudo.
c) O eu e a identidade pessoal
Das três realidades ou substâncias cartesianas (Deus, mundo, eu) falta
apenas ocuparmo-nos do eu como substância distinta das nossas ideias e
impressões. A existência de um eu, de uma substância cognoscente distinta
dos seus actos, fora considerada indubitável não só por Descartes, mas
também por Locke e Berkeley. E não serve de nada a Hume aplicar agora a
sua crítica da ideia de causa, já que a existência do eu não foi considerada
pelos seus predecessores como resultado de uma inferência causal, mas
como resultado de uma intuição imediata («Penso, logo existo»).
No entanto, a crítica de Hume atinge também a realidade do eu. A
existência do eu como substância, como sujeito permanente dos nossos
actos psíquicos, não pode justificar-se apelando a uma pretensa intuição, já
que só temos intuição das nossas ideias e impressões, e nenhuma impressão
é permanente, mas sucedem-se umas às outras de maneira ininterrupta: «O
eu ou pessoa não é nenhuma impressão, mas aquilo a que supostamente as
nossas ideias e impressões se referem. Se alguma impressão originasse a
ideia do eu, tal impressão deveria permanecer invariável ao longo do curso
de toda a nossa vida, já que se supõe que o eu existe deste modo. No
entanto, não há impressões constantes e invariáveis. Dor e prazer, tristeza e
alegria, paixões e sensações sucedem-se umas às outras e nunca existem
todas ao mesmo tempo (Tratado acerca da Natureza Humana», 1, 4, 6)
Não existe, pois, o eu como substância das impressões e ideias, como
sujeito da série dos actos psíquicos. E esta afirmação taxativa de Hume não
permite explicar facilmente a consciência que todos possuímos da nossa
própria identidade pessoal: efectivamente, cada sujeito humano reconhece-
se a si próprio através das suas diferentes e sucessivas ideias e impressões.
(O leitor que está a ler esta página tem consciência de ser o mesmo que
antes contemplava a paisagem ou escutava música com prazer; se existe
apenas conhecimento das impressões e ideias, e estas – a página, a
paisagem, a melodia – são tão distintas entre si, como é que o sujeito tem
consciência de ser o mesmo?). Para explicar a consciência da própria
identidade, Hume recorre à memória: graças à memória, reconhecemos a
conexão existente entre as diferentes impressões que se sucedem: o erro
consiste em confundirmos sucessão com identidade. Apesar de os
princípios de que partia o obrigarem a chegar a esta conclusão, Hume notou
que a sua explicação não é plenamente satisfatória, o que o levou a uma
atitude resignadamente céptica.
A IDEIA DE EU
Alguns filósofos pensam que aquilo a que chamamos o nosso eu é
algo de que temos consciência intimamente em qualquer momento; algo
cuja existência e continuidade sentimos na nossa existência e, para além
da evidência de uma demonstração, cuja perfeita identidade e
simplicidade sabemos com certeza. Em vez de nos distraírem dessa
contemplação, dizem que a sensação mais intensa e a paixão mais
violenta apenas a inculcam com mais intensidade e nos leva a verificar a
influência que têm sobre o eu, seja pela dor ou pelo prazer.
Todas estas afirmações contrariam, infelizmente, a própria
experiência; não temos qualquer ideia do eu da maneira que se disse.
Com efeito, de que impressão derivaria esta ideia? É impossível refutar
isto sem chegar a uma contradição e a um manifesto absurdo. Aliás, esta
pergunta colocar-se-ia de imediato se for nossa intenção que a ideia do eu
seja clara e inteligível. Para cada ideia real deve haver uma impressão que
lhe dê origem. Mas o eu ou pessoa não é nenhuma impressão, é apenas
aquilo a que as nossas impressões e ideias distintas supostamente se
referem. A haver uma impressão que origine a ideia do eu, essa
impressão seria invariavelmente idêntica durante toda a nossa vida, pois
supõe-se que o eu existe desse modo. Mas nenhuma impressão é
constante e invariável. Dor e prazer, tristeza e alegria, paixões e
sensações sucedem-se umas às outras e nunca existem todas ao mesmo
tempo. Logo, a ideia do eu não pode ter origem em nenhuma destas
impressões nem tão-pouco noutras quaisquer. Por conseguinte, essa ideia
não existe. Quanto à minha pessoa, e sempre que penetro mais
intimamente naquilo que chamo eu mesmo, a qualquer momento
encontro-me perante outra percepção particular, seja ela de calor ou frio,
de luz ou sombra, de amor ou ódio, de dor ou prazer. Nunca consigo
encontrar-me a mim mesmo sem uma percepção e nunca observo outra
coisa a não ser a percepção. Quando as minhas percepções são
suprimidas durante algum tempo, num sono profundo, por exemplo,
durante esse tempo dou-me conta de mim mesmo, e pode dizer-se que
não existo verdadeiramente. E se todas as minhas percepções fossem
suprimidas pela mente e eu já não pudesse pensar, sentir, ver, amar ou
odiar, depois da decomposição do meu corpo o meu eu seria
completamente aniquilado, de modo que não consigo conceber o que é
que faz mais falta para me converter num perfeito nada.
Hume, Tratado Sobre a Natureza Humana.
2. MORAL E POLÍTICA
O SENTIMENTO MORAL
Este raciocínio prova não só que a moralidade não consiste em
relações – que são objecto da ciência – mas, se se examinar com cuidado,
também prova com segurança que a moralidade não consiste em
nenhuma questão de facto que a razão possa descobrir. Esta é a segunda
parte da nossa argumentação e, se a conseguirmos tornar evidente,
concluiremos que a moralidade não é objecto da razão. Será difícil provar
que a virtude e o vício não são questões de facto cuja existência possamos
inferir por meio da razão? Tomemos o exemplo de uma acção
reconhecidamente viciosa como seja um assassinato premeditado.
Examinai-o sob todos os pontos de vista possíveis e verificai se
encontrais essa questão de facto ou existência a que chamais vício.
Qualquer que seja o ponto de vista sob o qual o observeis, apenas
encontrareis certas paixões, motivos, volições e pensamentos. Não existe
nenhuma outra questão de facto incluída nesta acção. Enquanto
considerais o objecto, já o vício vos escapou completamente. Só o
descobrireis se dirigirdes a reflexão para o vosso coração e aí encontreis
um sentido de desaprovação contra tal acção. E aqui temos já uma
questão de facto, mas ela é objecto do sentimento e não da razão.
Hume, Tratado sobre a Natureza Humana.
INTRODUÇÃO
É oportuno ter presente, e por isso o indicamos (se bem que de forma
sucinta), que o Iluminismo tem lugar na época das revoluções liberais
burguesas: desde a inglesa 1688 até à revolução francesa de 1789. Em certa
medida, o pensamento iluminista vem coadjuvar no processo contra o
ancien régime, exprimindo a ideologia crítica das classes médias e a
concepção liberal e tolerante em todas as ordens, e significa o que Paul
Hazard denominou «a crise da consciência europeia».
Os países em que o Iluminismo teve maior força e relevo foram a
Inglaterra, onde propriamente se iniciou; a França onde adquiriu maior
brilhantismo e onde se converteu em foco de irradiação; e a Alemanha, para
onde passou provindo de França. O Iluminismo, atitude e mentalidade
racionalista de clarificação, configurou-se e repercutiu-se de um modo
muito diverso nos diferentes países. Em Inglaterra, num enquadramento de
menor tensão sociopolítica, o Iluminismo (Enlightenment) teve um carácter
preponderantemente empirista-epistemológico, e privilegiou as ciências da
natureza e as questões sobre a religião num espírito de liberdade e
tolerância.
Em França, onde se conjugava a organização política autoritária e a
classe média burguesa ascendente, com a progressiva tensão social, são
mais relevantes as questões de ordem moral, de direito (especialmente
direito político) e do progresso histórico. O Iluminismo alemão
caracterizar-se-á, não por novos temas, mas pela análise da «razão» no
intuito de encontrar nela e dela fazer o sistema de princípios que oriente
fundadamente e a partir de si própria o saber da natureza e a acção moral e
política da vida humana. Kant virá a ser (como veremos) a expressão mais
depurada e filosófica da atitude e exigência do Iluminismo.
A Enciclopédia ou Dicionário fundamentado das ciências, das artes e
dos ofícios passa por ser a obra mais representativa do Iluminismo francês.
Principalmente sob a égide de Diderot e D’Alembert, significou uma
grande revolução na cultura e no pensamento. Os seus objectivos foram: a)
difundir a cultura e os conhecimentos, proporcionando informação e
instrução; b) criar uma opinião crítica e antidogmática; c) sobretudo, levar a
cabo uma dura crítica dos preconceitos é das crenças tradicionais. Neste
sentido, e por este espírito crítico, a Enciclopédia é uma obra representativa
da atitude iluminista.
No pensamento iluminista a «razão» é, segundo se escreveu com acerto,
«sinónimo de todas as forças espirituais fundamentais e independentes».
Vejamos como esta razão, assim entendida, se configura e exerce. Na
referida configuração se exprime o «espírito» iluminista.
a) Não tanto contra a ignorância, pois esta pode facilmente ser superada,
mas contra os preconceitos, que a cegam e paralisam;
b) Não contra a história e o passado, como se quisesse e pudesse
começar absolutamente de novo a estrear o mundo (uma ilusão e uma
quimera), mas contra a tradição, entendida como a carga que pressiona e
se suporta sem outro motivo que não seja o de ser passado, não
permitindo a sua reapropriação racional e livre.
c) Crítica, por isso, não tanto contra a legalidade, pois a razão tem seus
próprios princípios e leis, mas contra a autoridade externa, isto é, contra
a autoridade não reconhecida nem reconhecível como tal pela própria
razão. Autoridades externas serão a tradição e o passado, mas também o
presente e o vigente se não for racional, se não se submeter ao juízo da
razão.
d) Crítica não apenas contra a credulidade, pois a própria razão poderia
reconhecer o sentido da religião, mas contra a superstição e a idolatria.
Não, pois, contra o sentido da ideia de Deus, e do divino, mas contra
uma determinada representação de Deus.
Isaac Newton
Woolsthorpe, 1642; Londres, 1727. Atrabiliário, áspero e mal-humorado, jamais reconheceu
o valor dos seus companheiros e fez o possível por diluir as pegadas dos que o precederam.
Culpado de dezanove mortes durante o seu cargo de Director da Casa da Moeda. Presidente da
Royal Society, nunca houve tantos nobres estúpidos na sábia instituição como sob o seu
mandato. É, no dizer dos especialistas, o maior cientista de todos os tempos. A sua imensa
influência estende-se da análise (cálculo de fluxos) à mecânica (lei da gravitação universal), à
óptica (teoria corpuscular da luz), à astronomia (construção do primeiro telescópio de reflexão)
e à teologia (Comentário aos livros proféticos de Daniel e João).
«Não restam dúvidas de que se o culto aos falsos deuses não tivesse
cegado os pagãos (...) ter-nos-iam ensinado o culto ao verdadeiro Autor e
Benfeitor, do mesmo modo que o fizeram os seus antepassados sob o
governo de Noé e seus filhos antes de se terem corrompido».
«Lei III. Há sempre uma reacção contrária e igual a uma acção; isto é, as
acções de dois corpos são sempre mutuamente iguais e de sentido
contrário» (Principia, liv. I.)
CIÊNCIA E METAFÍSICA
Por que razão a natureza não faz nada em vão e donde provém a
ordem e a beleza que vemos no mundo? Qual é a finalidade dos cometas
e por que razão todos os planetas se movem na mesma direcção em
órbitas concêntricas ao passo que os cometas o fazem em todas as
direcções segundo órbitas muito excêntricas? O que é que impede as
estrelas fixas de caírem umas em cima das outras? Como é que os corpos
dos animais foram criados com tanta arte e qual é a finalidade das suas
várias partes? Por acaso o olho foi criado sem perícia na óptica ou o
ouvido sem conhecimento dos sons? De que modo é que os movimentos
do corpo derivam da vontade e de onde provêm os instintos dos animais?
O aparelho sensitivo dos animais não é o lugar onde está presente a
substância sensitiva, a qual recebe as formas sensíveis das coisas através
dos nervos e do cérebro para que a sua presença imediata seja apercebida
nessa tal substância? E assim, tendo-nos debruçado correctamente sobre
estas coisas, os fenómenos não nos levam a crer que há um ser
incorpóreo, existente, inteligente, e omnipresente que vê intimamente as
próprias coisas no espaço infinito como se fosse na sua própria
sensibilidade, apercebendo-as plenamente e compreendendo-as
totalmente pela sua presença imediata perante ele? Com efeito, o que
apercebe e sente em nós é apenas a visão e a contemplação das imagens
dessas coisas transportadas pelos órgãos dos sentidos até aos nossos
pequenos aparelhos sensitivos. Deste modo, e embora cada passo
verdadeiro dado nesta filosofia não nos leve imediatamente ao
conhecimento da causa primeira, todavia aproxima-nos dela, e por isso
devemos tê-la em grande conta.
Newton. Óptica.
DA MATÉRIA A DEUS
É eterno e infinito, omnipotente e omnisciente, isto é, perdura desde a
eternidade até à eternidade e está presente desde o infinito até ao infinito.
Rege tudo e conhece tudo quanto é ou pode ser feito. Não é eternidade e
infinitude mas sim eterno e infinito; não é duração ou espaço, mas dura e
está presente. Dura sempre e está presente em todas as e dá origem à
duração e ao espaço. Como cada partícula de espaço é sempre, e como
cada momento indivisível de duração é ubíquo, O criador e senhor de
todas as coisas nunca poderá ser nunca nem nenhuma parte. A alma
apercebe-se das coisas em tempos diferentes e com diversos sentidos e
órgãos de movimento, mas é sempre a mesma pessoa indivisível. Na
duração há partes sucessivas e no espaço há partes coexistentes, mas nem
um nem outro se encontram na pessoa do homem ou no seu princípio
pensante, e muito menos na substância pensante de Deus. Como coisa
dotada de percepção, o homem é uno e idêntico consigo mesmo durante
toda a sua vida e em cada um dos seus órgãos sensoriais. Deus é uno e o
mesmo Deus sempre e em todas as partes. A sua omnipresença não é
virtual mas também substancial, pois a virtude não existe sem substância.
Todas as coisas contidas nele e são movidas por ele, mas não se afectam
mutuamente. Deus não sofre qualquer alteração pelo movimento dos
corpos e os corpos não encontram resistência na ubiquidade de Deus.
Assim, há que reconhecer que existe necessariamente um Deus supremo e
que, pela mesma necessidade, existe sempre e em todas as partes.
Newton, Princípios Matemáticos da Filosofia Natural.
Voltaire
Nasce em Paris em 1694. Morre em 1778. A figura de Voltaire é talvez a mais característica
do Iluminismo francês, embora a sua imagem tenha sido bastante deformada como símbolo e
protótipo da descrença anticristã do século. Voltaire foi personalidade complexa, contraditória,
apaixonada e inconformista e, por isso, polémica: honrada em alguns momentos da sua vida até
à exaltação e injuriada noutros até ao desprezo. A sua vida, longa e agitada, provou todas as
experiências de um homem intelectual e público: desde o cárcere na Bastilha (1717) e o exílio
na Inglaterra (1726-1729), até às mais fervorosas homenagens populares. A paixão de Voltaire é
a recusa de todo o obscurantismo, realizada no meio de um profundo pessimismo acerca do
homem, acerca dessa constante estupidez que se comprova através da história. Voltaire discute
azedamente sobre este ponto com Rousseau, embora tenham muitas coisas em comum.
Não é este o melhor dos mundos possíveis: o mal está presente na história e sem esperança
de erradicação plena. No entanto, o único remédio que se pode e deve opor a este facto é a sã
razão esclarecedora e clarificadora.
O génio inquieto e curioso de Voltaire produziu obras em todo o tipo de géneros, literários:
tragédias, novelas, poemas, tratados de física e de filosofia, de história... Importa destacar entre
os seus escritos: Cartas sobre os Ingleses ou Cartas Filosóficas (1734), Metafísica de Newton
ou paralelo entre as Opiniões de Newton e Leibniz (1740), Dicionário Filosófico Manual
(1764), O Filósofo Ignorante (1776), Ensaio sobre os Costumes e Espírito das Nações (1740),
Filosofia da História (1765).
A) Face ao ateísmo, que afirma a inexistência de Deus, tanto o deísmo
como o teísmo coincidem em afirmar a existência de Deus. Ora bem, o
teísmo não só estabelece a existência de Deus como julga poder estabelecer
a sua essência por meio da razão e por analogia com a natureza e as
propriedades ou predicados do homem; assim, concebe Deus como autor
livre do mundo e do homem com os quais mantém uma relação previdente:
Deus como providência. Portanto, o teísmo pensa Deus como um ser
pessoal. «O teísmo autêntico» – comentará Hume nos seus Diálogos sobre
a Religião Natural – «faz de nós produtos de um ser perfeitamente bom,
sábio e poderoso, de um ser que nos criou para que fôssemos felizes, o qual,
ao ter implantado em nós um incomensurável desejo de bem, prolongará a
nossa existência por toda a eternidade.»
O teísmo encerra numerosos pressupostos, alguns dos quais vamos
recordar numa simples enumeração, pois já foram de alguma maneira
tratados noutros capítulos:
d) Uma vez criado o mundo, Deus não volta a intervir nele. Negação,
pois, do conceito de providência divina.
Rousseau
(1712-1778). Nasce em Genebra. Jean-Jacques Rousseau é uma das figuras mais grandiosas
do Iluminismo: talvez a que mais ampla influência exerceu na consciência intelectual posterior.
As suas Confissões, bem como as Fantasias de um passeante solitário, ambas publicadas
postumamente, dão-nos a medida de um pensamento acutilante, ansioso por penetrar nas
profundezas do homem e da sua natureza. O Discurso sobre as Ciências e as Artes, escrito
quando contava 38 anos, marca o seu distanciamento da corrente enciclopedista e à sua posição
básica e radical, «revolucionária» no ajuste da problemática iluminista. A cultura, as ciências e
as artes foram de facto o meio fundamental de degeneração e de obscurantismo do homem
natural. Tal denúncia é, ao mesmo tempo, uma reivindicação do homem natural. Mas o «homem
natural» rousseauniano configura-se na verdade não tanto como a de um regresso, mas mais
como a «ideia reguladora» de um juízo sempre necessário sobre a cultura e a história. A
influência de Rosseau em pensadores geniais, posteriores a ele – como será o caso de Kant – foi
extraordinária.
Para além das já citadas, Rousseau publicou outras obras de igual interesse:
O Contrato Social; Discurso sobre a Origem e Fundamento da Desigualdade entre os
Homens, A Nova Heloísa. Esta última, publicada em 1762, foi rotulada de ímpia e o escândalo
obrigou-o a fugir de França, embora tenha voltado de novo a Paris após alguns anos de exílio.
INTRODUÇÃO
ILUMINISMO E RAZÃO
Pensar por si mesmo significa procurar a suprema pedra-de-toque da
verdade em si mesmo (ou seja, na própria razão); a máxima de pensar
sempre por si mesmo é o Iluminismo (Aufklärung). Ora, isto implica
menos do que pensam aqueles que situam o Iluminismo nos
conhecimentos, já que o Iluminismo é mais um princípio negativo no uso
da própria faculdade de conhecimento, e o rico em conhecimentos é com
frequência o menos esclarecido no uso dos mesmos; servir-se da própria
razão significa apenas perguntar-se a si próprio a propósito de tudo o que
se pode admitir. É possível converter em princípio universal do uso da
razão aquele fundamento pelo qual se admite algo, ou também se admite
a regra daí derivada? Todos nós podemos comprovar isto e nesse exame a
superstição e o delírio depressa desaparecerão, mesmo que não se possua
os conhecimentos necessários para poder refutar com fundamentos
objectivos; com efeito, neste caso cada um serve-se simplesmente da
máxima da autoconservação da razão. Assim, revela-se fácil instaurar o
esclarecimento em sujeitos singulares por meio da educação; basta que os
jovens sejam desde cedo habituados a uma tal reflexão. Mas esclarecer
uma época torna-se muito mais demorado e penoso, dado que há muitos
obstáculos externos que podem proibir esse tipo de educação e dificultá-
lo.
Kant, O Que Significa Orientar-se no Pensamento.
RAZÃO E LIBERDADE
À liberdade de pensar opõe-se, em primeiro lugar, a coacção civil. É
verdade que a liberdade de falar ou de escrever pode ser-nos retirada por
um poder superior, mas não a liberdade de pensar. Mas estaríamos a
pensar bem e com correcção se não pensássemos, por assim dizer, em
comunidade com outros, que nos comunicam os seus pensamentos e a
quem comunicamos os nossos? Por conseguinte, pode dizer-se que o
poder externo que priva os homens da liberdade de comunicar
publicamente os seus pensamentos também os priva da liberdade de
pensar, e este é o único tesouro que nos resta no meio de tanto peso civil
e também o único que pode oferecer um remédio contra todos os males
inerentes a essa condição.
Em segundo lugar, a liberdade de pensar é tomada no sentido de que a
intolerância (Gewissenszwang) se opõe a ela. É o que acontece quando
em matéria religiosa, sem coacção externa, certos cidadãos se erigem em
tutores de outros e, em vez de fornecerem argumentos, procuram antes
inspirar um medo angustiante, por meio de fórmulas de fé obrigatórias,
em relação ao perigo de uma investigação pessoal, anulando assim
qualquer exame da razão graças à impressão antecipadamente produzida
no ânimo.
Em terceiro lugar, a liberdade de pensar significa que a razão só se
submete à lei que ela dá a si mesma e a nenhuma outra; e o contrário
disto é a máxima de um uso sem lei da razão (e assim, fora das limitações
das leis, poderá ver mais longe, tal como o génio). Daqui resulta
naturalmente que a razão, se não se quer submeter à lei que ela fornece a
si mesma, deve então dobrar-se ao jugo das leis que outros lhe dão; pois
sem lei, nada, nem sequer o maior absurdo, se mantém por muito tempo.
Assim, a ausência explícita de lei no pensamento (isto é, uma libertação
em relação às limitações impostas pela razão) produz esta consequência
inevitável: a liberdade de pensar perde-se finalmente, e, porque não é por
culpa do acaso mas de uma verdadeira petulância, a liberdade perde-se
por ligeireza, no sentido próprio da palavra.
Kant, O Que Significa Orientar-se no Pensamento.
Falamos dos juízos das ciências e ainda que cada vez mais
concretizemos a nossa maneira de pôr o problema, encontramo-nos ainda
num nível excessivamente genérico. De facto, que tipos de juízos são
característicos da ciência? (Kant entende sempre por ciência as matemáticas
e a física, tal como havia sido formulada por Newton). Para um
esclarecimento é necessário distinguir entre diversos tipos de juízos.
NOÇÃO DE JUÍZO
Em todos os juízos, a relação de um sujeito com um predicado
acontece de duas maneiras (consideraremos apenas os juízos afirmativos,
dado que a aplicação aos juízos negativos é fácil). Ou o predicado B
pertence ao sujeito A como algo que está contido (oculto) no conceito A,
ou então B está inteiramente fora do conceito A, ainda que associado a
ele. Chama-se juízo analítico ao primeiro caso e juízo sintético ao
segundo. Nos juízos analíticos (afirmativos) há uma relação de identidade
entre o predicado e o sujeito, ao passo que nos sintéticos esta relação é
desprovida de identidade. Aos primeiros poderíamos ainda chamar juízos
explicativos e aos segundos juízos extensivos: nos primeiros, o predicado
não acrescenta nada ao conceito do sujeito, apenas o decompõe pela
análise dos conceitos parciais que haviam sido já pensados pelo contrário
(ainda que confusamente); pelo contrário, os segundos acrescentam ao
conceito do sujeito um predicado que não fora pensado pelo sujeito e que
nunca poderia ter derivado de qualquer análise. Por exemplo, se eu disser
que «Todos os corpos são extensos», trata-se aqui de um juízo analítico.
Por isso, não devo afastar-me do conceito que associo ao corpo para
encontrar a extensão que lhe é própria; devo apenas decompor este
conceito (isto é, tornar-me consciente da multiplicidade que ele
comporta) a fim de encontrar este predicado – trata-se, pois, de um
analítico. Em contrapartida, quando digo que «Todos os corpos são
pesados», já o predicado é completamente distinto do que eu considero
em geral como conceito de corpo – a adição de um tal predicado fornece
assim um juízo sintético.
Kant, Crítica da Razão Pura.
SENSIBILIDADE E ENTENDIMENTO
Se chamarmos sensibilidade à capacidade que o nosso espírito tem de
(respectividade) receber representações que de qualquer modo o afectam,
então chamaremos entendimento à espontaneidade do conhecimento, ou
seja, àquela capacidade de nós próprios podermos produzir
representações. Devido à nossa natureza, a intuição será necessariamente
sensível, pois apenas dá conta do modo como somos afectados pelos
objectos. Em contrapartida, o entendimento é a capacidade de podermos
pensar os objectos fornecidos pela intuição sensível. Contudo, nenhuma
destas propriedades se sobrepõe à outra, já que sem a sensibilidade não
daríamos conta dos objectos e sem o entendimento nenhum objecto
seria pensado. Assim, os pensamentos sem conteúdo são vazios e as
intuições sem conceitos são cegas. Daqui resulta que é necessário tornar
os conceitos sensíveis (isto é, juntar-lhes um objecto na intuição) e tornar
as intuições inteligíveis (ou seja, submetê-las a conceitos). Estas duas
capacidades ou faculdades não são susceptíveis de trocar de funções: o
entendimento não intui nada e os sentidos não pensam nada. O
conhecimento deriva unicamente da sua conjugação; mas nem por isso
devemos confundir as suas funções, tornando-se imperioso separá-las e
distingui-las cuidadosamente uma da outra. Nesta mesma base assenta
também a distinção que fazemos entre a ciência das regras da
sensibilidade em geral – a estética – e a ciência das regras do
entendimento em geral – a lógica.
Kant, Crítica da Razão Pura.
FENÓMENO E NÚMENO
Devido à sua origem, as categorias não se baseiam na sensibilidade,
como acontece com as formas da intuição espaço e tempo, e por isso
parecem permitir uma aplicação para além dos objectos dos sentidos.
Mas, por sua vez, são apenas formas de pensamento, que só contêm a
faculdade lógica de reunir a priori numa consciência ou múltiplo que é
dado pela intuição. Assim, e se lhes retirarmos a única intuição que nos é
possível, podem ter ainda menos significação que aquelas formas
sensíveis e puras por meio das quais pelo menos um objecto nos é dado.
Em contrapartida, um modo de combinar um múltiplo, próprio do nosso
entendimento, não significa absolutamente nada se não lhes
acrescentarmos aquela única intuição na qual esse múltiplo pode ocorrer.
Com efeito, o nosso conceito permite-nos denominar como entes dos
sentidos (phaenomena) certos objectos a título de fenómenos,
distinguindo entre o modo como os intuímos e a sua própria constituição;
de maneira que por essa última constituição (ainda que não a
contemplemos neles), os opomos àqueles, por assim dizer, àqueles ou
também a outras coisas possíveis que não sejam objecto dos nossos
sentidos, como os objectos somente pensados pelo entendimento – a estes
chamamos entes da razão (noumena). Coloca-se então a seguinte
questão: por acaso os nossos conceitos puros do entendimento não terão
uma significação relativamente a estes últimos, sendo assim uma espécie
de conhecimento dos mesmos? Ora, desde o primeiro momento uma
ambiguidade ficou patente, a qual pode provocar um grave equívoco: em
certas relações o entendimento denomina um objecto como mero
phaenomenon; mas fora dessa relação há ao mesmo tempo, todavia, uma
representação de um objecto em si e, por conseguinte, imagina-se que
pode haver conceitos desse objecto; mas como o entendimento não
proporciona mais que categorias, em última instância o objecto deve pelo
menos poder ser pensado; contudo, o objecto desencaminha o
entendimento e leva-o a aceitar como conceito determinado de um ente
(que nunca pudéssemos conhecer pelo entendimento) o conceito
totalmente indeterminado de um ente da razão, que é algo que está fora
da nossa sensibilidade. Se por noumenon entendemos uma coisa que não
seja objecto da nossa intuição sensível abstraindo do nosso modo de a
intuir, dizemos que é um noumenon em sentido negativo. Mas se por tal
entendermos um objecto de uma intuição não-sensível, supomos já uma
espécie particular de intuição, a saber: a intuição intelectual, que todavia
não é a nossa, cuja possibilidade tampouco podemos compreender, e
assim dizemos que esse seria nouemnon no sentido positivo.
b) A razão
O conhecimento intelectual não se limita a formular juízos, mas liga
também uns juízos aos outros, formando raciocínios. Tomemos um
exemplo simples utilizado pelo próprio Kant: “Todos os homens são
mortais; todos os investigadores são homens; logo, todos os investigadores
são mortais». Este simples silogismo mostra-nos como a conclusão, o juízo
«todos os investigadores são mortais», tem o seu fundamento num juízo
mais geral, a premissa «todos os homens são mortais». (Os investigadores
são uma parte dos homens; portanto, se estes são mortais, aqueles também o
são.) O nosso raciocínio pode ir, no entanto, mais longe: poderíamos
perguntar-nos pelo fundamento da premissa maior e então teríamos o
seguinte silogismo: Todos os animais são mortais; todos os homens são
animais; logo, todos os homens são mortais.
O juízo que no primeiro silogismo aparecia como fundamento da
conclusão surge neste silogismo como fundado num juízo mais geral ainda:
«todos os animais são mortais». Novamente podemos procurar um juízo
ainda mais geral que sirva de fundamento à premissa maior, e visto que os
animais são uma parte dos seres vivos, podemos estabelecer o seguinte
silogismo: Todos os seres vivos são mortais; todos os animais são seres
vivos; logo, todos os animais são mortais.
Que fizemos no exemplo que estamos a considerar? A resposta é
simples: a razão procura encontrar juízos cada vez mais gerais, susceptíveis
de abarcar uma multiplicidade de juízos particulares que lhes sirvam de
fundamento. O juízo «todos os animais são mortais» abarca e serve de
fundamento a uma multiplicidade de juízos («os homens são mortais», «os
cães são mortais», etc.); o juízo «todos os seres vivos são mortais» abarca
juízos ainda mais gerais, servindo-lhes de fundamento «os animais são
mortais», «plantas são mortais», etc.).
A razão é, pois, de tal natureza que tende a encontrar juízos, leis,
hipóteses cada vez mais gerais e que abarquem e expliquem um maior
número de fenómenos. Assim se constrói a ciência. Pensemos, por
exemplo, nas leis do movimento. Aristóteles considerava que as leis que
explicam os movimentos dos corpos celestes deviam ser distintas das leis
que regem os movimentos dos corpos sublunares e, ainda dentro destes,
indicava princípios deficientes para os movimentos naturais e para os
movimentos violentos. Galileu acabou com a distinção entre movimentos
naturais e violentos, explicando-os a todos pelas mesmas leis.
Posteriormente, Newton formulou a lei da gravitação universal, lei mais
geral ainda, pois explica conjuntamente os movimentos celestes e os
terrestres. É este o funcionamento da razão como consequência da sua
tendência natural para procurar condições cada vez mais gerais e, em última
análise, o incondicionado.
A RAZÃO PRÁTICA
A especulação da razão no uso transcendental dirige-se em definitivo
para um propósito final referente a três objectos: a liberdade da vontade, a
imortalidade da alma e a existência de Deus. É muito exíguo o interesse
especulativo da razão dos três, e assim dificilmente se empreenderia um
tão laborioso trabalho de investigação transcendental que, além disso, tem
de lutar com constantes obstáculos, porque todas as descobertas a esse
respeito ainda não demonstraram a sua utilidade em concreto, ou seja, na
investigação da natureza.
Tudo o que é possível por meio da liberdade é prático. Mas se as
condições do exercício do nosso livre arbítrio são empíricas, nesse caso a
razão só pode ter um uso regulativo e serve apenas para operar a unidade
das leis empíricas; é o caso, por exemplo, da doutrina da prudência, na
qual a união de todos os fins propostos pelas nossas inclinações se opera
no fim único da felicidade. E a concordância dos meios para chegar a
essa unidade constitui a tarefa da razão que, consequentemente, não pode
proporcionar leis puras completamente determinadas a priori mas apenas
leis pragmáticas da conduta livre para a consecução dos fins que os
sentidos nos recomendam. Pelo contrário, seriam produtos da razão pura
as leis práticas puras cujo fim seja completamente dado pela razão e que
não estejam condicionadas empiricamente. É o que acontece com as
morais: em consequência, só elas pertencem ao uso prático da razão pura
e permitem um canone.
Kant, Crítica da Razão Pura.
Por outras palavras, podemos dizer que uma ética material é uma ética
que tem conteúdo. E tem conteúdo no duplo sentido que acabamos de
indicar: a) na medida em que estabelece um bem supremo (por exemplo, o
prazer na ética epicurista) e na medida em que diz o que deve fazer-se para
consegui-lo («não comas em excesso», «afasta-te da política», são preceitos
da ética epicurista, por exemplo).
O BEM MORAL
O valor moral da acção não reside, pois, no efeito que dela se espera
nem tão-pouco em nenhum princípio de acção cujo fundamento
determinante dependa desse efeito esperado. Na verdade, todos esses
efeitos (o nosso próprio prazer ou a promoção da felicidade alheia)
podem realizar-se por meio de outras causas, e para isso não era
necessária a intervenção da vontade de um ser racional, que é o único
onde se pode encontrar o bem supremo e absoluto. Por conseguinte, esse
bem moral só pode ser constituído pela representação da própria lei, que
só se encontra no ser racional, desde que o fundamento determinante da
vontade seja ela e não o efeito esperado. Não é lícito esperar que esse
bem moral resulte do efeito de qualquer acção, pois que ele está já
presente na própria pessoa que age segundo essa lei.
Kant, Fundamentação da Metafísica dos Costumes.
O que é então uma ética formal? É uma ética vazia de conteúdo, que não
tem conteúdo em nenhum dos sentidos em que o tem a ética material:
1. não estabelece nenhum bem ou fim que deva ser perseguido, e
portanto,
2. não nos diz o que devemos fazer, mas como devemos agir, a forma
como devemos actuar.
b) O dever
A ética formal não estabelece pois o que devemos fazer: limita-se a
indicar como devemos agir sempre, seja qual for a acção concreta. Segundo
Kant um homem age moralmente quando age por dever. O dever «é a
necessidade de uma acção por respeito à lei» (Fundamentação da
Metafísica dos Costumes), isto é, a submissão a uma lei, não pela utilidade
ou satisfação que o seu cumprimento possa proporcionar-nos, mas por
respeito para com a mesma.
Kant distingue três tipos de acções: contrárias ao dever, conformes ao
dever e feitas por dever. Somente as últimas têm valor moral. Suponhamos,
utilizando um exemplo do próprio Kant, o caso de um comerciante que não
cobra preços abusivos aos seus clientes. A sua acção é conforme ao dever.
Ora, talvez o faça assim para assegurar a clientela e, neste caso, a acção é
conforme ao dever, mas não por dever: a acção (não cobrar preços
abusivos) converte-se num meio para atingir um objectivo, um fim (garantir
a clientela). Se, ao contrário, actua por dever, por considerar ser esse o seu
dever, a acção não é um meio para atingir um fim ou objectivo, mas um fim
em si mesma, algo que deve fazer-se por si que determina a sua realização,
quando este móbil é o dever: «uma acção feita por dever tem o seu valor
moral, não no objectivo que por meio dela se pretende atingir, mas na
máxima pela qual foi decidida; não depende pois da realidade do objecto da
acção, mas exclusivamente do princípio do querer» (ibidem).
c) O imperativo categórico
A exigência de agir moralmente exprime-se num imperativo que não é –
nem pode ser – hipotético (como os mandamentos das éticas materiais),
mas categórico.
Kant deixou-nos diversas formulações do imperativo categórico, das
quais a primeira é a seguinte: «age somente segundo uma máxima tal que
possas querer ao mesmo tempo que se torne lei universal» (ibidem). Esta
formulação revela claramente o seu carácter formal; de facto, este
imperativo não estabelece nenhuma norma concreta, mas a forma que
devem ter as normas que determinam a conduta de cada um, denominadas
«máximas» por Kant): qualquer máxima deve ser tal que o sujeito possa
querer que se converta em norma para todos os homens, em lei universal.
Esta formulação do imperativo categórico mostra ainda a exigência de
universalidade própria de uma moral racional.
Kant apresenta, ainda na Fundamentação Metafísica dos Costumes, a
seguinte formulação do imperativo categórico: «age de tal maneira que
uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer
outro, sempre e como um fim e nunca apenas como um meio». Tal como
a formulação anterior, também esta mostra o seu carácter formal e a sua
exigência de universalidade; diferentemente da anterior, nesta formulação
inclui-se a ideia de fim.
Só o homem, enquanto ser racional é fim em si mesmo. Portanto nunca
deve ser utilizado como um simples meio.
4.2. História
4.3. A Religião
INTRODUÇÃO
Hegel
Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) nasceu em Estugarda, no mesmo ano em que
nasceram Hölderlin e Beethoven. Em Tubinga foi companheiro e amigo do poeta Hölderlin e do
filósofo Schelling. Nessa época participaram os três de um vivo entusiasmo pela Revolução
Francesa e pela Antiguidade grega. Em 1793 Hegel abandona Tubinga para ir como perceptor
para Berna. Mais tarde transfere-se para Frankfurt e em 1801 para Iena, onde se encontrava
Schelling. São de destacar neste período duas publicações: Fé e Saber e Diferença entre o
Sistema de Fichte e Schelling.
A primeira obra só aparecerá em 1807 – a Fenomenologia do Espírito. Nesta mesma época,
Hegel enfrenta-se com sérios problemas pessoais: a ruptura com Schelling e grandes
dificuldades económicas. Tudo isso o obriga a abandonar Iena. A partir de 1808 é director e
professor de filosofia do «Ginásio» de Nuremberga. Nesta cidade nascerá outra obra chave do
pensamento hegeliano: Ciência da Lógica (os seus dois volumes são publicados em 1812 e em
1816). Justamente neste ano Hegel passa para a Universidade de Heidelberga. Um ano mais a
sua Enciclopédia das Ciências Filosóficas vê a luz. No ano seguinte muda-se de novo, desta vez
para a Universidade de Berlim, onde chega em pleno triunfo profissional. Aqui viria a falecer.
Outra das suas obras mais importantes e de grande influência é Princípios da Filosofia do
Direito. E como obras póstumas, recolhidas a partir das suas lições, têm particular interesse a
Introdução à História da Filosofia, A Razão na História – Introdução à Filosofia da História
Universal e as Lições sobre Filosofia da Religião.
b) A distinção na realidade entre fenómeno e númeno ou coisa em si
(utilizaremos neste contexto os dois termos como sinónimos). Este radical
conflito e cisão significa que, ao menos para o saber e para o conhecimento,
a ordem da realidade está dividida, sem que seja possível como
consequência elaborar uma teoria una, absoluta e total sobre a realidade na
sua integridade, ou se possa rejeitar a «hipótese» de que nem todo o real é
racional, isto é, em consonância com a natureza e o alcance da razão
humana que, enquanto finita, tem que deixar um âmbito inatingível ao seu
poder e, portanto, incognoscível.
As duas distinções apontadas impõem por seu turno uma terceira, a
saber:
DIALÉCTICA E NEGATIVIDADE
A consciência, como ser imediato ao espírito, comporta os dois
momentos do saber e da objectividade negativa ao saber. Quando o
espírito se desenvolve neste elemento e nele exerce os seus momentos,
esta oposição corresponde a estes momentos, que aparecem todos como
imagens da consciência. Este caminho que a consciência faz é a ciência
da experiência; a substância com o seu movimento é considerada como
objecto da consciência. Dado que nela só há substância espiritual, a
consciência só sabe e concebe o que encontra na sua experiência, e isso
só acontece totalmente enquanto é objecto do seu-si-mesmo. Em
contrapartida, o espírito converte-se em objecto porque este movimento
consiste em tornar-se no ele-mesmo-um-outro, quer dizer, em objecto do
seu-si-mesmo, e superará este ser-outro. E o que se chama experiência é
inteiramente este movimento no qual se estranha o imediato e o
experimentado, ou seja, o abstracto, quer pertença ao ser sensível ou ao
que é simplesmente pensado, para logo retornar a si depois deste
estranhamento, e isso é tanto assim como é exposto na sua realidade e na
sua verdade enquanto património da consciência.
A desigualdade que se produz na consciência entre o eu e a substância
(que é o seu objecto) é a sua diferença, o negativo em geral. Pode ser
considerado como defeito de ambos, mas é a sua alma que move os dois;
daí que alguns pensadores antigos tenham concebido o vazio (certamente
como o motor) como o negativo, sem captar todavia o negativo em si
mesmo. Ora, se este algo negativo aparece antes do mais como
desigualdade do eu relativamente ao objecto, na mesma medida é também
a desigualdade da substância relativamente a si mesma.
Licitamente, a ciência só pode organizar-se através da própria vida do
conceito; a determinabilidade que desde o exterior, desde o esquema, se
impõe à existência é, por si, pelo contrário, a alma do conteúdo pleno que
se move a si mesma. O movimento do que é consiste, por um lado, em
tornar-se no mesmo-outro, convertendo-se no seu conteúdo imanente; por
lado, o que é volta a recolher em si mesmo este desenvolvimento ou este
ser ali, ou seja, converte-se a si mesmo em um momento e simplifica-se
como determinabilidade. Naquele movimento, a negatividade é a
diferenciação e a afirmação da existência; este recolher-se em si é tornar-
se simplicidade determinada. Deste modo, o conteúdo torna claro que
conferiu a si mesmo a sua determinabilidade e não a recebeu como
imposição de outro, e assim ergue-se por si no momento e num lugar do
todo.
Hegel, Fenomenologia do Espírito.
DIALÉCTICA E EXPERIÊNCIA
Aquilo a que propriamente se chamará experiência é este movimento
dialéctico que a consciência efectua em si mesma, tanto no seu saber
como no seu objecto, enquanto o novo objecto verdadeiro surge perante
ela. Nesta relação, e no processo atrás referido, deve salientar-se com
grande precisão um momento por meio do qual se derramará uma nova
luz sobre o lado científico da exposição que se segue. A consciência sabe
algo, e este objecto é a essência ou o em-si, mas este é também o em-si
para a consciência, e daí a ambiguidade deste algo verdadeiro.
Verificamos que a consciência tem agora dois objectos: um é o primeiro
em-si, o outro é o ser para ela deste em-si. De momento, o segundo
parece ser a reflexão da consciência em si-mesma: não uma representação
de um objecto mas do seu saber daquele primeiro. Mas, como atrás
salientámos, o primeiro objecto muda e deixa ser o em-si para se
converter na consciência num objecto que é em-si somente para ela, o
que, por seu lado, significa que o verdadeiro é o ser para ela deste em-si
e, por conseguinte, que isto é a essência ou o seu objecto. Este novo
objecto contém a anulação do primeiro e é a experiência efectuada sobre
ele.
Hegel, Fenomenologia do Espírito.
Após o que foi dito na secção anterior, parece-nos que fica clara uma
questão posta a propósito da dialéctica hegeliana: saber se é um método de
conhecimento (o «método dialéctico») ou algo mais. A dialéctica exprime e
constitui a natureza e estrutura do real; por isso também constitui o modo de
proceder do conhecimento e forma de aceder à captação e expressão do real
(«modo de proceder» e «forma de aceder» equivalem aqui a método, metá-
odós).
MOMENTOS DA DIALÉCTICA
§ 79. O lógico, segundo a forma, tem três aspectos: a) o abstracto ou
intelectual; b) o dialéctico ou negativo-racional; c) o especulativo ou
positivo-racional. Estes três aspectos não constituem as três partes da
lógica, mas são momentos de todo o lógico-real, de todo o conceito ou de
todo o verdadeiro em geral. Podem juntamente pôr-se sob o primeiro
momento, o intelectual, e manter-se assim separados uns dos outros;
deste modo, porém, não se consideram na sua verdade (...).
§ 80. a) O pensar, enquanto entendimento, atém-se à rígida
determinidade e à sua diferença relativamente às outras; uma tal
abstracção limitada surge no entendimento como subsistindo e existindo
por si.
§ 81. b) O momento dialéctico é o próprio suprimir-se de tais
determinações finitas e a sua transição para as opostas (...).
§ 82. c) O [momento] especulativo ou positivo-racional apreende a
unidade das determinações na sua oposição; é que se contém de
afirmativo na sua solução (Auflösung) e na sua passagem (Übergehen).
Hegel, Enciclopédia das Ciências Filosóficas em Epítome – Vol. I, Lisboa, Edições 70, 1988, pp.
134-135
a) Antropologia
O espírito que emerge da natureza manifesta-se em primeiro lugar como
alma. Esta é, diz Hegel, a latente idealidade ou imaterialidade da matéria. O
tratamento da alma começa com a secção acerca da alma natural, na qual se
reconhece uma espécie de vida psíquica difundida por amplos sectores da
natureza – não parcelada ainda em almas individuais. A alma natural possui
diferenças qualitativas correspondentes aos diferentes meios geográficos,
climas, estações e dias.
Mas a alma tem outra manifestação mais importante: a sua
individualidade que se manifesta nas diferenças inatas de capacidade,
temperamento e carácter individual. Hegel refere-se aqui também às
variações características da juventude, maturidade, etc. e bem assim às do
sexo. Atribui uma especial importância aos estados de sono e vigília, pois
proporcionam-lhe o material adequado para estudar a sensação, termo que
Hegel utilizou para se referir aos estados de consciência obscura. A
sensação equivale à consciência de um objecto exterior a nós próprios.
Da sensação passa Hegel ao sentimento, que representa o resultado
psíquico de um conjunto de sensações. Entre os sentimentos Hegel destaca
a loucura que consiste no domínio unilateral de alguma particularidade de
«sentimento de si» que não se adaptou ao mundo ordenado
sistematicamente. Mas a loucura não é apenas uma desordem, mas o
estigma da nossa grandeza espiritual: capaz de desligar-se de todo o
conteúdo finito, pode associar-se a qualquer forma de ser. O problema surge
quando essa possibilidade, inerente à própria consciência, se converte numa
realidade absurda.
Hegel estabelece uma última distinção: a alma real. Chama-se «real»
por ser uma alma perfeitamente acomodada num corpo onde o exterior e o
interior se identificaram. A maneira de andar, o tom da voz, ou a própria
expressão facial tornam-se tão psíquicas quanto corporais; superou-se desta
forma a inércia da matéria.
ESPÍRITO E LIBERDADE
Portanto, o primeiro que temos de expôr é a determinação abstracta do
Espírito. Dizemos dele que não é um abstracto, não é uma abstracção da
natureza humana, mas algo de inteiramente individual, activo,
absolutamente vivo; é uma consciência, mas também o seu objecto – e tal
é a existência do espírito que consiste em ter-se a si como objecto. Por
conseguinte, o espírito é pensante e é o pensar de algo que é, o pensar de
que é e de como é. O espírito sabe: mas saber é a consciência de um
objecto racional. Além disso, o espírito só tem consciência porquanto é
auto-consciência; isto é, só sei de um objecto, porquanto nele também sei
de mim mesmo, sei que a minha determinação consiste em que o que eu
sou é também para mim objecto, em que eu não sou simplesmente isto ou
aquilo, mas sou aquilo de que sei. Sei do meu objecto e sei de mim; não
se devem separar as duas coisas. O espírito constitui, pois, para si uma
determinada representação de si, do que ele é essencialmente, do que é a
sua natureza. Pode apenas ter um conteúdo espiritual; e o espiritual é
justamente o seu conteúdo, o seu interesse. Eis como o espírito chega a
um conteúdo; não é que encontre o seu conteúdo, mas faz de si o seu
objecto, o conteúdo de si mesmo. O saber é a sua forma e a sua conduta,
mas o conteúdo é justamente o próprio espiritual. Assim o espírito,
segundo a sua natureza, está em si mesmo, ou é livre [54].
A natureza do espírito pode conhecer-se no seu perfeito contrário.
Opomos o espírito à matéria. Assim como a gravidade é a substância da
matéria, assim também, devemos dizer, a liberdade é a substância do
espírito. A todos é imediatamente patente que o espírito, entre outras
propriedades, possui também a liberdade; mas a filosofia ensina-nos que
todas as propriedades do espírito existem unicamente mediante a
liberdade, que todas são apenas meios para a liberdade, que todas buscam
e produzem somente a liberdade. É este um conhecimento da filosofia
especulativa, a saber, que a liberdade é a única coisa verídica do espírito.
A matéria é pesada porquanto há nela o impulso para um centro; é
essencialmente composta, consta de partes singulares, as quais tendem
todas para o centro; por isso, não há unidade alguma na matéria. Ela
consiste numa pluralidade e busca a sua unidade; por conseguinte, aspira
a superar-se a si mesma e busca o seu contrário. Se o alcançasse já não
seria matéria, mas acabaria como tal; aspira à idealidade, pois na unidade
ela é ideal. O espírito, pelo contrário, consiste justamente em ter em si o
centro; persegue também o centro, mas o centro é ele próprio em si. Não
tem a unidade fora de si. Encontra-a continuamente em si; ele é e reside
em si mesmo. A matéria possui a sua substância fora de si; o espírito, em
contrapartida, é o estar-em-si-mesmo e tal é justamente a liberdade. Com
efeito, se sou dependente, refiro-me a um outro que não sou eu e não
posso existir sem esse algo exterior. Sou livre quando em mim mesmo
estou.
Hegel, A Razão na História – Introdução à Filosofia da História Universal, Lisboa, Edições 70,
2014, pp. 57-58
b) Fenomenologia
A secção fenomenológica resume o processo dialéctico da
Fenomenologia do Espírito: consciência, autoconsciência e razão.
Hegel segue o desenvolvimento da consciência através das três fases
características: começa pela consciência sensível, na qual o objecto
desdobra um enorme conteúdo actualmente vazio. É necessário passar ainda
da sensação à percepção, tentar identificar objecto e pensamento. É
necessário igualmente passar da percepção ao entendimento, pois é
absolutamente impossível pensar a indisciplinada variedade de aparências
do objecto sem as submetermos a princípios, os quais tornarão óbvias tais
delimitações.
Hegel passa então à autoconsciência cujo primeiro estádio, o
«desiderativo», surge em virtude da contradição entre a autoconsciência e a
consciência, ou seja, entre o nosso apetite de apropriação do mundo e da
sua inteligibilidade, e o carácter opaco dos seus conteúdos. Esta
autoconsciência desiderativa é por natureza insaciável, ou seja, apesar de
«consumir» um objecto não se contenta com essa actualidade. Esta
contradição resolve-se na autoconsciência social, que não é mais do que o
reconhecimento – mútuo – de outras pessoas, como pressuposto da
autoconsciência para qualquer delas e explicação da pluralidade de
indivíduos.
Ora, Hegel não ignora o grande problema que este reconhecimento
implicava, pois se evidencia aí a contradição entre a comunidade essencial
das que se reconhecem e a impenetrabilidade de que antes falávamos. A
dialéctica do senhor e do escravo manifesta concretamente esta insolúvel
contradição.
Mas o que interessa sublinhar é que: embora esta contradição seja
insolúvel, só nos reconhecemos como pessoas quando em relação com os
outros; na opinião de Hegel, os alicerces da razão radicam nesta
conflitualidade; daí que a razão seja subjectiva mas também –
intersubjectivamente – objectiva.
c) Psicologia
A secção «psicológica» do espírito subjectivo apresenta três subdivisões:
espírito teórico, espírito prático e espírito livre.
O espírito teórico articula-se em três fases de conhecimento: intuição
directa, reprodução imaginativa e pensar puro.
Na intuição directa encontramos os modos de consciência directa, não
analisada, tais como a sensação ou a consciência sensível. A diferença
consiste em que este conteúdo é intelectual, coisa que não ocorria na
fenomenologia. Este conhecimento concebe as relações espácio-temporais
não meramente subjectivas (como acontecia em Kant), mas objectivas.
Na imaginação reprodutiva, torna-se explícito o domínio implícito da
mente sobre as suas imagens: pode evocá-las e associá-las de uma forma
determinada, pode utilizá-las como signos ou símbolos universais. Quando
a palavra se interioriza e se converte em imagem privada, temos o caso da
memória própria, isto é, signos que possuem a firmeza e durabilidade do
externo juntamente com a manipulabilidade do subjectivo.
As actividades de intuição, imaginação e memória passam agora ao
pensamento. Vimos como o espírito teórico começa por ser algo privado,
pessoal, que como tal se opõe ao mundo; essa individualidade torna-se
imediatamente universal graças a um sistema impessoal de símbolos,
mediante os quais a essência do mundo é captada. Mas agora é preciso
tornar essa «teoria» prática e actual.
ESPÍRITO E HISTÓRIA
§ 341. O elemento em que o espírito universal existe – que na arte é a
intuição e a imagem; na religião, o sentimento e a representação; na
filosofia, o pensamento livre e puro – é, na história universal, a realidade
espiritual em toda a extensão da sua interioridade e exterioridade. É um
tribunal porque na sua universalidade em si e por si, o particular, as
famílias, a sociedade civil e os espíritos dos povos, na sua realidade
heterogénea, existem apenas como algo ideal, e o movimento do espírito
neste elemento consiste em expor isso.
§ 342. Por outro lado, a história universal não é o mero tribunal do seu
poder, ou seja, a necessidade abstracta e irracional de um destino cego.
Dado que este destino é razão em si e por si e porque o seu ser por si é
saber no espírito, ela é (e somente pelo conceito da sua liberdade) o
desenvolvimento necessário dos momentos da razão e por isso da sua
autoconsciência e da sua liberdade; então, a história universal é assim o
desenvolvimento e a realização do espírito universal.
§ 343. A história do espírito é a sua acção, pois o espírito só é aquilo
que faz, e a sua acção é fazer-se enquanto objecto da sua consciência,
apreendendo-se a si mesmo e explicitando-se. Este apreender-se é o seu
ser e o seu princípio, e a sua consumação é ao mesmo tempo a sua
alienação e a transição para outra concepção. Formalmente falando, o
espírito que volta a conceber essa concepção (ou, o que vai dar o ao
mesmo, que retorna a si da sua alienação), é o espírito de um estádio
superior àquele em que se encontrava na sua primeira concepção.
Hegel. Princípios da Filosofia do Direito.
a) O direito
A tarefa do espírito objectivo é a realização efectiva da liberdade,
que é a essência última do espírito prático. Pois bem, este sistema há-de
garantir a unidade da liberdade dentro da pluralidade de elementos
materiais sobre os quais deve edificar-se sua realidade objectiva.
A realidade na qual se objectiva precisamente a liberdade é o direito,
que tem como ponto de partida (abstractamente falando) a pessoa e a
propriedade. A pessoa é o indivíduo livre, que se mantém numa abstracção,
porque lhe falta uma plenitude interna, até conseguir esse complemento
através da posse de algo exterior. Este ponto de partida supõe de forma
inelidível a propriedade privada. Portanto, a mediação da coisa enquanto
possuída (propriedade da pessoa) objectiva-se através da primeira relação
interpessoal, isto é, o contrato.
Mas a pluralidade de pessoas referidas a uma mesma coisa tem como
resultado uma variedade quase irredutível de fundamentos jurídicos, que
choca inevitavelmente com a unidade do justo em si. Então, o espírito toma
consciência desta contradição e parece refugiar-se em si mesmo porque a
fidelidade que o espírito exige é completamente inatingível com o direito.
Com esta negatividade abre-se o caminho para a moralidade: a vontade
livre não só será livre em si mas – sobretudo – para si.
b) A moralidade
Na esfera da moralidade, a pessoa torna-se sujeito: a vontade
determina-se a si mesma no seu interior.
Esta intenção unificadora refere-se ao conteúdo concreto do sujeito; por
outro lado, a acção moral deverá procurar sempre o bem. No entanto, o
carácter formal da intenção (conteúdo concreto do sujeito) e a abstracção do
bem (como fim) provocam directamente uma oposição entre: a) o próprio
conteúdo; b) o bem abstracto. Deste modo Hegel realça as múltiplas
contradições em que costuma cair a consciência moral, que se resumem na
contradição entre a boa consciência e o mal que se dá na pura
subjectividade moral.
Por isso é necessário unificar toda as determinações particulares para
superar a contradição da moralidade. Só a totalidade é a verdade, tanto na
esfera teórica como na prática. Quer isto dizer que a superação da
moralidade e a passagem à eticidade possui um fundamento ontológico: a
vinculação da universalidade e as suas determinações particulares.
c) A eticidade
Hegel define a eticidade como «o conceito de liberdade que chegou a
ser o mundo existente (Vorhandenen) e a natureza da autoconsciência»
(Filosofia do Direito, parágrafo 142). Isto significa a realização plena da
liberdade e a total supressão da arbitrariedade, ou seja, a libertação do
sujeito de todas as vinculações sensíveis, imediatas e naturais. Por isso, o
desenvolvimento da eticidade mais não é do que o desdobrar da liberdade
universal como consequência da actividade dos indivíduos. Cada um destes
será «para-si» sempre que se integre no todo e seja parte do «produto social
comum». Como é óbvio, a eticidade é necessária para que o sujeito possa
ser livre.
O ponto de partida da eticidade é a família, não considerada em
abstracto mas na imediata realidade do amor, que a faz surgir. Mas a família
supera-se para dar lugar à sociedade civil. Aí a substância ética já não é o
amor mas as relações entre particulares.
d) A sociedade civil
A estruturação das necessidades particulares dentro da sociedade
constitui um «sistema de necessidades» que apresenta o homem não como
pessoa, mas como «burguês»; em sentido estrito: membro de uma sociedade
burguesa onde a satisfação das necessidades não se produz imediatamente,
mas através da multiplicidade e divisão dessas mesmas necessidades. Hegel
sublinhará com uma agudeza intempestiva a confusa situação do homem
nessa sociedade na qual a conjugação de interesses particulares e meios
técnicos o arrastarão irremediavelmente para uma «indeterminada
multiplicação e especificação de necessidades, meios e prazeres» (Filosofia
do Direito, parágrafo 195).
Dentro do sistema da sociedade civil, merece menção especial o
trabalho. Característico dele é a sua função especificadora da matéria
relativamente à determinação das necessidades. Tal especificação supõe a
divisão do trabalho e dos seus processos.
A especificação dos processos laborais alude à passagem da ferramenta
para a máquina; aquela constitui um meio de racionalizar a subjectividade
do trabalho. Mas a máquina, ao contrário, acabará por ser um princípio
extrínseco que se torna totalmente independente do homem; até torná-lo seu
escravo. Hegel põe assim a descoberto o ponto de partida da
desumanização do trabalho por parte da técnica.
A SOCIEDADE CIVIL
§ 182. A pessoa concreta que é para si um fim particular, enquanto
totalidade de necessidades e de mistura de necessidade natural e árbitro, é
um dos princípios da sociedade civil. Mas a pessoa particular está
essencialmente em relação com outra particularidade, de tal modo que só
se faz valer e só se satisfaz por meio da outra e ao mesmo tempo pela
mediação da forma da universalidade que é o outro princípio.
Agregado. A sociedade civil é a transformação que surge entre a
família, e é o Estado, se bem que a sua formação seja posterior à do
Estado. Com efeito, por ser a transformação e para poder existir cria o
Estado, que necessita de a ter ante si como algo independente. Por outro
fado, a concepção da sociedade civil pertence ao mundo moderno, que é
o primeiro que faz a justiça a todas as determinações da ideia. Quando se
representa o Estado como uma unidade de diversas pessoas, como uma
unidade que só é comunidade, o que se nomeia é exclusivamente a
determinação da sociedade civil. Muitos doutrinários modernos do direito
público ainda não abandonaram esta compreensão do Estado. Na
sociedade civil, cada um é fim para si mesmo e todos os outros não são
para ele. Mas se não estiver em relação com os demais não pode alcançar
os seus fins; por isso, os outros são meios para o fim de um indivíduo
particular. Deste modo, e na relação com os outros, o fim particular
acontece sob a forma da universalidade e satisfaz-se ao satisfazer ao
mesmo tempo o bem-estar dos demais. Dado que a particularidade está
ligada à condição da universalidade, a totalidade é o terreno da mediação.
É na totalidade que se liberta toda a individualidade, toda a diferença de
aptidão e toda a contingência de nascimento e de sorte, é nela que
desembocam todas as paixões governadas pela razão que ali aparece.
Limitada pela universalidade, a particularidade é apenas a medida pela
qual cada particularidade promove o seu bem-estar.
Hegel, Princípios da Filosofia do Direito.
Perante a inevitável questão da igualdade ou desigualdade dos
«burgueses» relativamente ao património social, Hegel afirma-se a favor da
desigualdade natural dos homens, reforçada, aliás, por outros factores,
como o capital, as circunstâncias casuais e a habilidade pessoal aliada à
orientação externa de tal habilidade. A esta irredutível diversidade entre os
homens não podemos opor, segundo Hegel, uma «igualdade abstracta e
vazia». O tipo de sociedade para que Hegel aponta fundamenta-se na
relação dialéctica que se estabelece entre a satisfação das necessidades
particulares e as gerais do resto da sociedade, totalmente oposta à
universalidade abstracta da igualdade formal.
A desigualdade natural está directamente relacionada com outro tipo de
«particularidade» dentro da universalidade: as ordens sociais sob as quais se
constituem sistemas particulares de necessidades. Hegel distinguiu três
ordens: 1) a mais substancial, dependente da posse e cultivo do solo; 2) a
comercial e industrial; 3) a que se ocupa dos interesses comuns da
sociedade.
O papel desempenhado pelas ordens é fundamental para cada indivíduo,
porque a sua efectividade na sociedade exige uma determinação real e
particular e esta só se alcança – segundo Hegel – sob a inscrição do
indivíduo numa das três ordens citadas. O fundamental está na necessária
consciência de limitação que todo o indivíduo deve ter para tornar viável a
universalidade social com que vamos manter, precisamente, a nossa
individualidade. Hegel apresenta um exemplo: alguns indivíduos –
especialmente jovens – recusam a integração numa das ordens e pretendem
manter-se na universalidade, esquecendo que dessa forma jamais alcançam
a efectividade.
Porém a estruturação das ordens necessita forçosamente de uma
realização efectiva na consciência universal, isto é, conhecida e valorizada
como tal: que é uma determinação de direito, a lei (Gesetz) e a objectivação
do justo. A lei como tal, segundo Hegel, possui três tipos de implicações
fundamentais: a) a sua positividade enquanto aspecto formal, e como tal,
não submetida a contingências; b) a sua materialidade, que se inscreve
totalmente na realidade quotidiana; c) a sua estrita aplicabilidade a todos e a
cada um dos casos individuais.
e) O Estado
O longo processo estudado (direito, moralidade, eticidade e sociedade
civil) apresenta um vector comum a todos eles: o Estado, que para Hegel
surge como resultado, não como mera consequência desses momentos. Por
outras palavras, o Estado é a última manifestação do que estava oculto
nas formas anteriores da eticidade. Na sua forma imediata, o Estado
surge como mais uma instituição, como algo de exterior que fundamenta as
anteriores; deste modo, a família e a sociedade civil (burguesa) encontram
no Estado o seu sentido definitivo.
Mas, fiel ao seu método, Hegel expõe a última manifestação do espírito
objectivo, ou seja, o Estado, como a reconstrução de uma unidade entre o
indivíduo isolado e a universalidade. O Estado reconstrói a unidade perdida
na sociedade civil burguesa não por um acordo entre ordens nem entre
particulares, mas por mediação da razão. À primeira vista, exterior e
imediata, o Estado surge como uma espécie de «espartilho» (Estado-
policial). Agora, numa segunda abordagem com base na razão, o Estado
surge como a suprema racionalidade universal sem por isso ter de sufocar e
negar o indivíduo.
Desta forma, o Estado surge agora como a realização efectiva da ideia
ética: a reconciliação entre a essência interna e a sua aparência exterior. O
Estado não elimina o indivíduo, mas é o fiel guardião da sua liberdade; não
como um «meio de protecção» mas como a realização efectiva da liberdade
individual.
O conceito de Estado manifesta-se assim como fruto da razão na sua
união da realidade (particular) e do pensamento (universal): o Estado é a
razão objectivada e só pode ser pensado objectivamente a partir da
concepção do espírito objectivo.
Julgamos oportuno nesta altura, fazer dois tipos de considerações: em
primeiro lugar, a concepção filosófica do Estado como suprema realização
do espírito objectivo deve diferenciar-se das atitudes políticas que, como
tal, estão ordenadas para uma práxis concreta. No Prólogo à Filosofia do
Direito, Hegel adverte que a missão da filosofia não é estruturar o Estado
mas mostrar a sua racionalidade.
Em segundo lugar, Hegel acreditava na unidade racional como
totalização que abarcaria até o mais afastado confim humano da razão. Mas
esta unidade esbarra com as limitações reais que surgem no pensamento
entendendo por limitações os próprios limites do panlogismo hegeliano.
Ora, esta filosofia do Estado ou da sociedade não é mais do que a
interpretação filosófica de uma época determinada, na qual estão bem
evidentes a univocidade do seu posicionamento e a falta de actualidade do
seu imaginado ardil de unir o céu com a terra.
a) A arte
Segundo Hegel, a arte exprime a ideia de uma maneira imediata, em
conexão com um material dado aos sentidos. Esse material sensível surge
penetrado por alguma noção ou significado interno, e essa penetração
significa – de uma maneira simbólica – a absorção e domínio do «outro»
pelo espírito autoconsciente. Por isso, uma obra de arte mostra como o
espírito pode assumir e superar o que é não-espiritual.
Hegel põe em destaque a fusão que é característica da obra de arte das
ideias ou noções com o material sensível. Deste modo, o criador e o
verdadeiro contemplador da obra de arte não verão nela um simples
conjunto de relações ou características gerais mas uma riqueza de
significação no próprio objecto unida à sua imediatez sensível.
Na reconstrução de formas prenhes de noções radica a tarefa de um
especial poder da imaginação, que opera inconsciente ou instintivamente, e
não por aplicação de regras ou fórmulas. Isto não significa que o génio não
obedeça a princípios gerais por não saber formulá-los, mas que o artista
imaginativo é obrigado a considerá-los.
Hegel retoma aqui a antiga tradição da irracionalidade e arbitrariedade
como elemento essencial do artista, o que o torna pouco adequado para ser
o verdadeiro profeta do espírito. Isto tem para Hegel uma razão muito
poderosa: a arte não é capaz de manifestar a profundidade do espírito
precisamente porque não consegue superar plenamente a distinção entre o
interno e o externo. Face à distinção, Hegel contrapõe a profundidade do
espírito, que não é o interno nem o externo, mas a união de ambos.
b) A religião
A Enciclopédia mostra-nos o desenvolvimento da ideia na sua realidade
espiritual. Ao tratar da religião revelada, verifica-se uma distinção
fundamental que é preciso ter em conta para uma recta compreensão do
religioso no novo enquadramento do espírito absoluto. Tal distinção é a que
se produz entre a forma e conteúdo do espírito absoluto. Se a
Fenomenologia do Espírito tende a superar a distinção entre a forma e o
objecto, a Enciclopédia faz o mesmo entre a forma e o conteúdo.
Na religião encontramo-nos ante uma expressão do (saber) absoluto que,
todavia, não conseguiu identificar a sua forma e conteúdo. Isso devido ao
facto de o saber religioso ser no essencial um saber subjectivo, fundado na
representação, e precisamente, esta supõe uma certa exterioridade entre o
material dado, por um lado, e a subjectividade própria, por outro.
Por esta razão, a distinção entre matéria e forma converte-se numa
separação taxativa entre sujeito e objecto. Esta distinção – fruto do regime
«representativo» da religião – é superada no culto, cuja missão é reconstruir
a unidade do sujeito e da sua consciência ao nível do espírito, para lhe
proporcionar um sentimento de participação no absoluto. Por isso, na
Enciclopédia (parágrafo 564) Hegel afirma que Deus é Deus apenas na
medida em que Ele se conhece a si mesmo, mas esse conhecimento de si
mesmo é a autoconsciência de Deus no homem, o conhecimento de Deus
pelo homem que se desenvolve no autoconhecimento do homem em Deus.
Portanto, o culto – essencial para Hegel na esfera religiosa do espírito
absoluto – supõe o conhecimento de Deus e da relação que a consciência
finita tem com Ele, o culto implica uma função purificadora cujo resultado
é a fé. Neste sentido estrito entende-se que a religião cristã seja
precisamente o espírito absoluto: nada há fora dele a que deva ser referido.
O mundo não é de forma alguma algo de estranho ao cristianismo; a
religião cristã e a secularização coincidem, isto é, a religião – o espírito na
sua referência essencial – realiza-se plenamente e nada fica fora dela.
c) A filosofia
A religião não poderá nunca libertar-se de inconsistências e será presa
fácil para a crítica racionalista. O seu conteúdo especulativo não
corresponderá sempre ao modo de formulação, essencialmente
representativo. Daí a inevitável passagem à filosofia porque só num meio
conceptual pode a ideia ter cumprimento concreto.
Por conseguinte a passagem da religião à filosofia não é senão a
supressão da forma de representação religiosa; isto é, não se trata de uma
nova ou mais profunda realização do espírito, mas de mudar a forma de
maneira que se adapte tanto ao conteúdo que seja apenas expressão própria
do mesmo.
Para Hegel a filosofia ocupa-se essencialmente da unidade, que não é a
abstracção própria de algo imediato, mas o desenvolvimento progressivo
que a faz passar através de uma série de unidades concretas até atingir a
plena unidade do absoluto. Isto significa que a filosofia tem um
desenvolvimento dialéctico, isto é, que a unificação não implica de modo
algum a supressão das diferenças, mas assunção destas na própria unidade.
É esta a verdade do espírito absoluto. Por isso, Hegel generaliza esta
terceira forma do espírito sob a distinção de «religião». Porque a religião se
ocupa da verdade e esta é o seu conteúdo propriamente dito. O problema
reside em que tal conteúdo só se manifesta ao nível da representação
(Vorstellung) isto é, aparece como uma série de representações cujo traço
de união não está baseado no próprio pensamento. Ora, a missão inovadora
da filosofia relativamente à religião consistirá em substituir a representação
pelo próprio pensamento, pelo conceito (Begriff). Portanto, a finalidade da
filosofia consistirá em compreender a religião especulativamente.
Uma última consideração é inevitável: para Hegel, a filosofia – como
compreensão «especulativa» de um longo processo – é fundamentalmente
história da filosofia. Mas não se trata de forma alguma de uma história de
acontecimentos mas da reformulação dessa filosofia ao nível do
pensamento puro. Por esta razão o supremo cumprimento do espírito
consiste, de acordo com isto, em entender a sua própria história, isto é, não
em fazer uma «súmula» de factos históricos, mas reflectir sobre os mesmos.
Neste sentido, a filosofia realiza-se como história da filosofia na
recapitulação que a razão faz de si mesma como história.
A história da filosofia revela-se-nos então como o desenvolvimento
especulativo do espírito. E isto quer apenas dizer que a história da
humanidade é o seu desenvolvimento, o que a fez chegar a ser o que é.
RELIGIÃO E FILOSOFIA
As religiões expressam o modo como os povos representam a essência
do universo, a substância da natureza e do espírito e a relação entre o
homem e essa essência. Nas religiões, a essência absoluta é o objecto
sobre o qual a consciência se projecta e, enquanto tal, primordialmente
para um além mais próximo ou remoto, aprazível ou terrível e hostil. É
pela devoção e pelo culto que o homem supera este antagonismo,
elevando-se à consciência da unidade e à sua essência e adquirindo o
sentimento ou a confiança de desfrutar da graça de Deus, de que Deus se
digna aceitar a reconciliação do homem com a divindade. Entre os
Gregos, por exemplo, esta essência é já na sua representação algo
agradável para o homem e o culto tem por missão desfrutar desta
unidade. Ora, esta essência é, em tudo e por tudo, a razão em si e para si,
é a substância concreta geral, é o espírito cujo fundamento primigénio se
objectiva na consciência; por isso, não só a razão como tal mas também a
razão geral infinita comportam em si uma representação deste espírito.
Por conseguinte, devemos acima de tudo perspectivar a religião do
mesmo modo que fazemos com a filosofia, quer dizer, devemos conhecê-
la e reconhecê-la como racional, dado que se revela como obra da razão,
como o seu produto mais elevado e mais conforme à razão. Assim, torna-
se absurdo pensar que os sacerdotes inventam as religiões para defraudar
o povo e para proveito próprio, etc.
A devoção não é mais do que o pensamento projectado sobre o Além.
Em contrapartida, a filosofia pretende efectuar esta reconciliação por
meio do conhecimento pensante, ao passo que o espírito se esforça por
assimilar a sua essência. Perante o seu objecto, a filosofia comporta-se na
forma de consciência pensante; a religião fá-lo de outro modo. Mas a
diferença entre os dois campos não deve ser concebida tão em abstracto,
como se estivéssemos a pensar apenas num enquadramento filosófico e
não no da religião; também esta alberga representações e pensamentos
gerais.
Hegel, Lições sobre a História da Filosofia.
4. A ESQUERDA HEGELIANA. FEUERBACH
4.2. Feuerbach
A crítica que Feuerbach faz da religião não tem por objectivo negar a
dimensão religiosa do homem. Pelo contrário, segundo Feuerbach, a
religião constitui «a essência imediata do homem». O sentido da sua crítica
radica em mostrar a falsidade da «essência teológica» da religião e em
reduzir a religião inteiramente à essência do homem. «O segredo da
teologia» – dirá Feuerbach – «está na antropologia.»
Com a expressão «essência teológica» da religião faz-se referência à
relação do homem com Deus, entendido este como um ser distinto e
separado, que possui de um modo infinito e absoluto todas as propriedades
e perfeições que o homem possui apenas de forma finita. Ora, esta ideia de
«Deus», como um ser de infinitas perfeições, mais não é do que um produto
ou obra do homem: «A essência de Deus não é mais do que a essência do
ser humano; ou, melhor dizendo, é a essência do homem objectivada e
separada dos limites do homem individual, real e corpóreo. É a essência
contemplada e venerada como um ser-outro, próprio e diferente do homem.
Por isso, todas as determinações da divindade são igualmente do ser
humano» (Feuerbach, A Essência do Cristianismo, Introdução, cap. II).
Nesta passagem explica-se a génese de Deus a partir da projecção que
o homem faz de si mesmo e da sua essência. É possível reconhecer três
momentos nesta génese: a) a objectivação fora de si que o homem faz de
seus predicados e determinações; b) a separação desses predicados da sua
relação originária com o homem, e a abstracção dos limites que tais
predicados têm no homem individual; c) a consideração de tais predicados
assim separados e objectivados num presumível sujeito como se fosse um
«ser-outro», alheio e estranho ao homem. Isto é, na génese da ideia de Deus
e na sua aceitação como um ser absoluto cumpre-se a alienação que
constitui o «desdobramento» da essência teológica da religião. «Alienação»
significa aqui duas coisas: 1) expropriação, que se faz à realidade sensível
que é o homem, da sua própria natureza para a colocar fora dele; 2) a
servidão e submissão a algo estranho, erigido contra a realidade sensível e
contra o homem.
A crítica da religião «teológica» é por conseguinte uma redução da
religião à essência do homem e uma redução da teologia à antropologia. A
religião é para Feuerbach a autoconsciência primeira e indirecta do homem.
Nega-se a religião de Deus e afirma-se a religião do homem, a religião da
humanidade.
Fica no entanto pendente pelo menos uma dupla questão: Foi a crítica de
Feuerbach a Hegel radical e progressiva? A crítica feuerbachiana da
alienação religiosa e a sua ideia do homem foram suficientes e adequadas?
No capítulo quinze (da 3.ª Parte) procuraremos dar resposta a esta dupla
questão.
TERCEIRA PARTE
A FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA
INTRODUÇÃO
Neste texto, Comte não só assinala a crise social e o seu sentido, como a
analisa, servindo-se da distinção entre épocas «orgânicas» e épocas
«críticas». Uma época orgânica é aquela em que a sociedade está baseada
num sistema de crenças fixo e firme e, desenvolvendo-se de acordo com
ele, tende à conservação da ordem herdada. Uma época crítica, pelo
contrário, é aquela em que o sistema de ideias até então válido perde
vigência, em que a sociedade tende à destruição da ordem estabelecida e à
construção de uma nova ordem (uma nova época orgânica) erguida sobre
um sistema superior de ideias.
Assim, a crise social que Comte vive é o resultado da desorganização da
sociedade teológico-militar, que será substituída pela nova etapa
organizativa, da sociedade científico-industrial ou positiva, Porém, há um
aspecto comum a todas as épocas, que é de singular importância: a unidade,
convivência e ordem social e o progresso da sociedade que é a história
repousam num sistema de crenças e ideias, num sistema intelectual, «As
ideias», escreve Comte, «governam e transformam o mundo, ou, por outras
palavras, todo o mecanismo social repousa afinal sobre opiniões (...). A
grande crise política e moral das sociedades actuais deve-se, em última
análise, à anarquia intelectual, O nosso mais grave mal consiste, com efeito,
nesta profunda divergência que existe agora entre todos os espíritos acerca
de todas as máximas fundamentais cuja estabilidade é a primeira condição
de uma verdadeira ordem social.» Daí que antes da reforma social seja
preciso fazer uma reforma intelectual. Se «todo o regime social está
fundado sobre um sistema filosófico», então «a única revolução que nos
convém é uma revolução filosófica, uma mudança de sistema nas ideias; a
revolução política e a mudança nas instituições só podem vir depois».
O ESPÍRITO POSITIVO
Devido à sua natureza, o espírito positivo revela-se sempre
directamente progressivo, em qualquer assunto a que seja aplicado,
ocupando-se infatigavelmente em aumentar a massa dos nossos
conhecimentos e em aperfeiçoar o seu vínculo: aliás, os exemplos usuais
de progresso indiscutível são hoje tomados sobretudo das diversas
ciências positivas. Na lição seguinte explicarei de modo mais específico
como, do ponto de vista social, a ideia racional de progresso – tal como
começa a ser concebida, ou seja, como ideia de um desenvolvimento
contínuo, com tendência inevitável e permanente para um fim
determinado – deve ser certamente atribuída à influência imprevista da
filosofia: por outro lado, só a filosofia é capaz de esclarecer esta noção do
estado vago e mesmo flutuante em que todavia se encontra, ao atribuir-
lhe claramente o fim necessário do progresso e a sua autêntica marcha
geral. O primeiro desenvolvimento do sentimento de progresso social
deve-se em parte certamente ao cristianismo, devido à sua proclamação
solene de uma superioridade fundamental da nova lei sobre a antiga;
torna-se no entanto evidente que a política teológica deve ser hoje
considerada como radicalmente incompatível com qualquer ideia de
progresso contínuo, pois procede de acordo com um tipo imutável cuja
realização suficiente só é oferecida por um passado longínquo; pelo
contrário, a política teológica revela manifestamente, como vimos, um
carácter profundamente retrógrado. Sob certo aspecto, se o vínculo muito
menor das suas doutrinas não a tornasse bastante mais acessível ao
espírito geral do nosso tempo, a política metafísica apresentaria uma
incompatibilidade análoga, num grau quase tão pronunciado e em função
dos mesmos motivos essenciais. Importa assinalar, com efeito, que a
noção de progresso só começou a preocupar vivamente a razão pública
quando a metafísica revolucionária perdeu a sua supremacia inicial. Deste
modo, o desenvolvimento geral do instinto progressivo, e do instinto
orgânico, está de futuro essencialmente reservado à política positiva.
Comte, A Física Social.
A lei dos três estados, que exprime a estrutura do espírito humano, mostra
que o estado positivo da sociedade industrial é o mais adequado à
natureza humana. E sendo o projecto comtiano uma reforma da sociedade
com base no espírito científico do positivismo, a teoria do saber e das
ciências, igualmente positiva, está em estreita ligação com essa lei e
muito especialmente com a sua culminação definitiva, no estado positivo.
Com a intenção, aliás, de que o modo de saber positivo nas ciências se
generalize e seja aplicado aos demais factores da ordem social, como a
política, a religião e, em suma, à totalidade da vida humana. Só assim e
então se cumprirá a reforma social proposta. Daí a necessidade de
considerar com mais pormenor a teoria do saber e o sistema das ciências.
Augusto Comte
Nasce em 1798 em Montpellier e morre em 1857 em Paris. Os seus primeiros anos de vida
intelectual estão marcados pela influência de Saint-Simon, com quem colabora de perto. Mais
tarde distanciar-se-á dele mas o seu pensamento não poderá desvincular-se do facto de ter vivido
de perto os primeiros passos do socialismo francês. Se a isto juntarmos a sua experiência
intelectual da crise do idealismo e a sua grande sensibilidade perante o facto do
desenvolvimento das ciências da natureza, teremos detectado as coordenadas que balizam o
sistema do positivismo comtiano.
A vida de Comte foi relativamente curta mas apaixonante. Aos vinte e oito anos sofre uma
crise cerebral. Quando recupera, dedica-se à elaboração do seu pensamento, e em 1830 publica
o primeiro volume da obra Curso de Filosofia Positiva. As suas ideias não foram bem acolhidas,
o que significou o fracasso da sua carreira profissional: não chegou a ser professor de
matemáticas do Instituto Politécnico de Paris.
A sua vida amorosa esteve bastante relacionada com o seu itinerário intelectual: separado da
mulher, em 1845 conheceu Clotilde de Vaux, que foi para Comte uma espécie de musa,
encarnação das suas ideias, uma espécie de Beatriz inspiradora da sua «religião da
humanidade».
Outras obras de Comte dignas de menção são: Sistema de Política Positiva ou Tratado de
Sociologia que institui a Religião da Humanidade (quatro volumes, 1851-1854); Catecismo
Positivista (1852); Discurso sobre o Espírito Positivo (1844).
Ora, embora tudo isto seja verdade, não é suficiente para que a teoria
comtiana do saber ou da ciência fique adequadamente caracterizada. Neste
ponto se revela a diferença, que é muito instrutiva, entre o positivismo de
Comte e o de Stuart Mill. Indiquemo-la resumidamente com palavras de
Cassirer: «Para Mill, a experiência é, no fundo, apenas um conglomerado,
uma soma de observações concretas, unidas pelo débil nexo da associação e
que se vai estendendo continuamente graças ao método da ‘indução’, a qual
é uma realidade inegável mas que, no tocante à sua validade, é e será
sempre um enigma. J. S. Mill fundamenta assim aquela forma do
‘positivismo’ que só quer reconhecer como base para o conhecimento da
verdade e da realidade os factos concretos. Todas as supostas
‘generalidades’ devem reduzir-se, segundo ele, a elementos individuais, a
coisas dadas aqui e agora, aos dados simples que as percepções dos sentidos
nos oferecem.
«Para Comte, pelo contrário, a relação entre o geral e o particular no
conhecimento científico determina-se de modo muito diferente. A função
deste conhecimento não consiste, segundo ele, em estabelecer factos mas
em obter leis. E as leis jamais se obtêm como resultado da simples soma de
observações isoladas; são a expressão de relações que só é possível pôr em
destaque e estabelecer mediante a função do pensamento coordenador. Este
ponto de partida imprime à lógica de Comte um traço acentuadameme
construtivo» (O Problema do Conhecimento na Filosofia e na Ciência
Moderna).
O saber positivo comtiano não é um saber de factos mas de leis, isto é,
das relações e regularidades em que os factos se organizam e estruturam.
Na sequência disto, podemos indicar as seguintes características relevantes
no conceito comtiano de ciência:
INTRODUÇÃO
Em estreita relação com tal tese ontológica está o problema que, como
escreve Engels, constitui «o problema central de toda a filosofia,
especialmente da moderna», a saber, «o problema da relação entre o pensar
e o ser» (Engels, Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Clássica Alemã,
II), o problema da relação entre o conhecimento e a realidade.
Abordado a partir da interpretação ‘idealista’ da frase «todo o racional é
real e todo o real é racional», este problema resolve-se com a afirmação de
que o «pensar» (ou a razão, a ideia, etc.) determina e rege o ser ao ponto de,
no extremo e no delírio (aos quais é discutível que Hegel chegasse), a
realidade seria apenas um produto do pensar e portanto limitada ao
conhecimento da forma ou conteúdo do pensamento. E como na relação
pensar-ser o pensar (ou pensamento) é considerado «sujeito» e o ser (ou
realidade) «objecto», na interpretação «idealista» dá-se a primazia do
sujeito sobre o objecto sendo este mera expressão, e manifestação daquele,
de modo que todos os objectos mais não são do que momentos ou
manifestações do sujeito.
Neste mesmo sentido se orienta a outra frase de Hegel não menos tópica
e fundamental: «que o verdadeiro (ou o que, neste contexto, é o mesmo, a
realidade) não se apreende e exprime como substância, mas também e
na mesma medida como sujeito» (Fenomenologia do Espírito, prológo).
Friedrich Engels
Nasce em Barmen (hoje Wuppertal), em 1820 e morre em Londres, em l895. Filho de um
importante industrial, inicia-se nos problemas técnicos da indústria manufactureira, em Barmen,
passando imediatamente a dirigir, até 1845, uma sucursal em Manchester. Apaixonado pelo
socialismo e atento observador, dá-se a conhecer com A Situação da Classe Operária em
Inglaterra (1845). Conhece Karl Marx em Paris, iniciando uma amizade prolongada para além
da morte deste (é o executor testamentário dos livros II e III de O Capital, publicados por
Engels em 1884). Fruto da colaboração com Marx são A Ideologia Alemã (não publicado na
altura), A Sagrada Família (1845, contra Bauer e os jovens hegelianos) e o Manifesto
Comunista (1848), cujo famoso lema «Proletários de todo o mundo uni-vos» Engels
estabelecera um ano antes. Secretário da Liga dos Comunistas, de 1850 a 1869 volta a dirigir o
negócio paterno em Manchester, passando depois para Londres. A sua vantajosa situação
económica permite-lhe ajudar o movimento social-democrata em geral e a família Marx, muito
em particular. As suas obras mais importantes são: Anti-Dübring (1877, primeira exposição
completa do marxismo como sistema filosófico), Do Socialismo Utópico ao Socialismo
Científico (1881), A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado (1884) e Ludwig
Feuerbach e o Fim da Filosofia Clássica Alemã (1888). Foi acusado, com alguma razão, de
converter o marxismo numa filosofia omniabarcante e «metafísica», tentando extrapolar os
métodos de análise económico-políticos para a esfera das ciências naturais, caindo por vezes
num teleologismo cósmico e num materialismo mecanicista. Embora com certeza a isso se
tivesse oposto, após a revolução de 1917 foi utilizado para fazer do marxismo uma «doutrina»: o
chamado diamat («materialismo dialéctico») ou, em expressão feliz, a «escolástica soviética»,
tão eficazmente combatida pela Escola de Frankfurt.
A ALIENAÇÃO
Em que é que consiste a alienação do trabalho?
Em primeiro lugar, o trabalho é exterior ao trabalhador, quer dizer,
não pertence à sua natureza; portanto, ele não se afirma no trabalho, mas
nega-se a si mesmo, não se sente bem, mas infeliz, não desenvolve
livremente as energias físicas e mentais, mas esgota-se fisicamente e
arruína o espírito. Por conseguinte, o trabalhador só se sente em si fora do
trabalho, enquanto no trabalho se sente fora de si. Assim, o seu trabalho
não é voluntário, mas imposto, é trabalho forçado. Não constitui a
satisfação de uma necessidade, mas apenas um meio de satisfazer outras
necessidades. O seu carácter estranho ressalta claramente do facto de se
fugir do trabalho como da peste;logo que não existe nenhuma compulsão
física ou de qualquer outro tipo. O trabalho externo, o trabalho em que o
homem se aliena, é um trabalho de sacrifício de si mesmo, de
mortificação. Finalmente, a exterioridade do trabalho para o trabalhador
transparece no facto de que ele não é o seu trabalho, mas o de outro, no
facto de que não lhe pertence, de que no trabalho ele não pertence a si
mesmo, mas a outro. Assim como na religião a actividade espontânea da
fantasia humana, do cérebro e do coração humanos, reage
independentemente como uma actividade estranha, divina ou demoníaca,
sobre o indivíduo, da mesma maneira a actividade do trabalhor não é a
sua actividade espontânea. Pertence a outro e é a perda de si mesmo.
(...) Considerámos o acto de alienação da actividade prática humana, o
trabalho, segundo dois aspectos: l) A relação do trabalhador ao produto
do trabalho como a um objecto estranho que o domina. Tal relação é ao
mesmo tempo a relação ao mundo externo sensível, aos objectos naturais,
como a um mundo estranho e hostil; 2) A relação do trabalho ao acto da
produção dentro do trabalho. Tal relação é a relação do trabalhador à
própria actividade como a alguma coisa estranha, que não lhe pertence, a
actividade como sofrimento (passividade), a força como impotência, a
criação como castração, a própria energia física e mental do trabalhador,
a sua vida pessoal – e o que é a vida senão actividade? – como uma
actividade dirigida contra ele, independente dele, que não lhe pertence.
Tal é a auto-alienação, em contraposição com a acima referida alienação
da coisa.
Marx, Manuscritos Económico-Filosóficos, Lisboa, Edições 70, 1993, pp. 162-163.
HUMANISMO MARXISTA
Mas o homem não é unicamente um ser natural; é um ser natural
humano; quer dizer, um ser para si mesmo, por conseguinte, um ser
genérico, e como tal tem de autenticar-se e expressar-se tanto no ser
como no pensamento. Assim, nem os objectos humanos são objectos
naturais, como eles se apresentam directamente, nem o sentido humano,
tal como é imediata e directamente dado, constitui a sensibilidade
humana, a objectividade humana. Nem a natureza objectiva, nem a
natureza subjectiva se apresenta imediatamente ao ser humano numa
forma adequada. E assim como tudo o que é natural deve ter a sua
origem, também o homem tem o seu processo de génese, a história, que
no entanto para ele constitui um processo consciente e que assim,
enquanto acto de origem com consciência, se transcende a si próprio. A
história é a verdadeira história natural do homem. (Voltaremos ainda a
este ponto.)
(...)
Quando o homem real, corpóreo, com os pés bem firmes na terra,
inalando e exaltando todas as forças da natureza, põe as suas faculdades
objectivas reais, em virtude de alienação, como objectos alienados, o acto
de pôr não constitui o sujeito; é a subjectividade de faculdades objectivas,
cuja acção deve, por conseguinte, ser objectiva. O ser objectivo actua
objectivamente e não actuaria de modo objectivo, se a objectividade não
fizesse parte da sua determinação essencial. Cria e põe unicamente
objectos porque é estabelecido por objectos, porque é fundamentalmente
natural. No acto de pôr, não desce da sua «pura actividade» para a
criação do objecto; o seu produto objectivo confirma apenas a sua
actividade objectiva, a sua actividade como actividade de um ser
objectivo, natural.
Estamos agora a ver como o naturalismo consistente ou o humanismo
se distingue tanto do idealismo como do materialismo, constituindo ao
mesmo tempo a sua verdade unificadora. Descobrimos ainda que só o
naturalismo é capaz de compreender o processo da história mundial.
Marx, Manuscritos... – ed. cit., pp 251-249.
AS LEIS DA DIALÉCTICA
Por conseguinte, as leis da dialéctica abstraem-se da história da
natureza e da história da sociedade humana. Com efeito, essas leis são
apenas as mais gerais destas fases do desenvolvimento histórico e do
próprio pensamento, as quais se reduzem fundamentalmente a três:
– a lei da troca da quantidade pela qualidade, e vice-versa;
– a lei da penetração dos contrários;
– a lei da negação da negação.
A chamada dialéctica objectiva domina toda a natureza e a chamada
dialéctica subjectiva (o pensamento dialéctico) é apenas o reflexo do
movimento, através de contradições, que se manifesta na natureza; na sua
luta constante e no seu trânsito de um fim a outro, ou elevando-se ambos
os fins a uma forma superior, essas contradições são precisamente as que
condicionam a vida da natureza. Atracção e repulsão. A polaridade
começa no magnetismo.
Engels, Dialéctica da Natureza.
MATERIALISMO HISTÓRICO
Esta concepção da história assenta portanto no desenvolvimento do
processo real da produção e cujo ponto de partida é a produção material
da vida imediata, e assenta também na concepção da forma de
intercâmbio correspondente a este modo de produção e por ele
engendrada, ou seja, a sociedade civil (nos seus diversos estádios) como
base de toda a história, representada na sua acção como Estado. É a partir
dela que explica todos os diferentes produtos teóricos e formas da
consciência – a religião, a filosofia, a moral, etc. – e é a partir destas
premissas que estuda o seu processo de nascimento. Deste modo,
obviamente, as coisas também podem ser expostas na sua totalidade
(assim como a acção recíproca entre estes diferentes aspectos). Ao
contrário da visão idealista da história, não se trata de procurar uma
categoria em todos os períodos, mas sim de permanecer constantemente
com os pés assentes no chão real da história; não se trata de explicar a
práxis a partir da ideia mas de explicar a formação de ideias a partir da
práxis material. Em consequência disto, todas as formas e produtos da
consciência não derivam da crítica espiritual, da redução à «consciência
de si» ou da transformação em «aparições», «espectros», «visões», etc.,
mas derivam apenas da transformação prática e revolucionária das
relações sociais reais que originam estas fantasias idealistas. Por outro
lado, só a revolução e não a crítica pode ser a força motora da história, da
religião, da filosofia e de toda a demais teoria. Esta concepção mostra que
a história não termina ao resolver-se em «consciência de si, tomo espírito
do espírito»; pelo contrário, em todos os estádios há nela um resultado
material, uma soma de forças de produção e uma relação historicamente
criada dos indivíduos entre si e com a natureza (e que cada geração
transmite à seguinte), uma massa de forças produtivas, capitais e
circunstâncias que, podendo ser modificada pela nova geração, lhe
prescreve no entanto as suas próprias condições de vida e lhe imprime um
determinado desenvolvimento e um carácter especial. Assim, as
circunstâncias fazem os homens e os homens fazem as circunstâncias.
Esta soma de forças de produção, capitais e formas de intercâmbio
sociais é um dado adquirido para todos os indivíduos e para todas as
gerações e é o fundamento real daquilo que os filósofos entendem como
«substância» e «essência do homem», algo que têm apoteotizado e
combatido.
Lenine
Vladimir Ilich Ulianov, que entrará na história com o nome de Lenine, nasce em Simbirsk
em 1870, e morre em Gorki em 1924. Filho de um inspector escolar (mais tarde promovido a
Director Regional do Ensino Elementar), foi marcado aos dezasseis anos pela terrível e
duradoura impressão da execução de seu irmão Alexandre «por atentar contra a segurança do
Estado. Estuda Direito na Universidade de Cazã, mas é expulso por tomar parte em movimentos
revolucionários. No entanto, em 1891 recebe autorização para se licenciar na Universidade de S.
Petersburgo.
Adere ao movimento social-democrata que paulatinamente se vai alterando até à aceitação
do determinismo histórico no processo das formações económico-sociais: feudalismo,
capitalismo, socialismo, simplificando e trivializando a importante contribuição de Marx para o
estudo dos modos de produção. Posteriormente, e contra isso, Lenine insistirá no papel do
indivíduo e na flexibilidade da doutrina, modificável segundo a realidade concreta
(voluntarismo), embora mais tarde, e paradoxalmente, Lenine imponha as suas teses
«ortodoxas» como o marxismo «verdadeiro». Em 1897 é desterrado para Tchukenskoi (Sibéria),
seguindo-o aquela que viria a ser a sua companheira constante: Nadia Krupskaia, Após o seu
regresso (1901), dá-se o cisma dos sociais-democratas, entre os que pretendiam aliar-se à
intelligentizia burguesa e liberal e que tomaram o nome de mencheviques (Martov), e os que
propugnavam radicalmente por uma tomada do poder por parte do proletariado: os
bolcheviques (Lenine). Em 1905 os dois partidos separam-se para sempre. Nesse mesmo ano
estala a revolução em S. Petersburgo, prontamente abortada.
Lenine vive no estrangeiro (fundamentalmente Londres e Genebra), apoderando-se
paulatinamente da direcção do partido. Ao estalar a revolução de 1917, os alemães, desejosos de
se verem livres da frente Oriental, põem à disposição de Lenine o famoso comboio blindado,
com o qual se muda da Suíça para S. Petersburgo. Derruba do poder os socialistas de Kerenski
(a 7 de Novembro de 1917: Outubro, segundo o calendário ortodoxo) e toma nas suas mãos o
poder do Estado como presidente do Conselho de Comissários do Povo. Em 1918 dissolve a
Assembleia Constituinte e assina com os alemães a paz de Brest-Litovsk. Institui em todas as
empresas industriais o controlo operário e nacionaliza as terras, estabelecendo unidades de
produção (kolkoses).
Doente desde 1922, assiste impotente à espectacular ascensão do secretário-geral Josef
Estaline; numa carta, não publicada durante muitos anos, lamentou ter-lhe outorgado tanto
poder. Orgulhoso e intransigente até ao fanatismo quando se tratava da revolução, para a qual
vivia em cada instante, no aspecto político são famosas as suas teses acerca da necessidade da
ditadura do proletariado como passo para o comunismo, do centralismo democrático dentro do
partido (não se admitem tendências; a minoria deve submeter-se à maioria) e da ideia de que é o
partido que deve guiar e dirigir o povo (segue-se a inevitabilidade de um partido único).
No aspecto filosófico, as suas teses mais famosas são a afirmação da fase imperialista do
capitalismo actual, caracterizado pelo auge dos monopólios e pela extensão multinacional das
indústrias (livros fundamentais: O Estado e a Revolução e O Imperialismo, Fase Superior do
Capitalismo) e na teoria do conhecimento, o seu decidido realismo contra o positivismo idealista
de Mach e Avenarius, que o leva a defender a «teoria do reflexo»: os sentidos copiam a
realidade tal como ela é. A matéria é o constitutivo único e último de um mundo «em si»,
independente do sujeito. As teses estão reunidas em Materialismo e Empiriocriticismo (1909).
O próprio Lenine reconheceu em muitas ocasiões a sua falta de preparação em filosofia e a
utilização desta como arma política. Por último, e em matéria de moral (especialmente sexual),
Lenine não brilhou como pensador progressista. Pelo contrário, as suas ideias neste campo eram
intoleravelmente conservadoras. Assim, são famosos os seus ataques a Alexandra Kolontai,
intelectual feminista.
INTRODUÇÃO
Wilhelm Dilthey
Filosófo e historiador alemão, nasceu em Biebrich, em 1833, e morreu em Seis, no Tirol, em
1911. Foi professor em Basileia, Kiel, Breslau e, por fim, em Berlim a partir de 1882. A sua
obra acrescenta ao neokantismo uma tentativa de compreensão da vida, da história e do mundo
que integra toda a cosmovisão na evolução histórica. Separa radicalmente as ciências da
natureza – cujo objectivo é apenas explicar – das ciências do espírito que terão de se encarregar
da descrição do ser humano. A sua gnosiologia das ciências do espírito é uma das primeiras
tentativas contemporâneas de subordinar a «razão» à «vida» e está fundamentada numa
psicologia preocupada com a «poderosa realidade efectiva da vicia anímica».
As suas obras mais notáveis, são:
– Introdução às Ciências do Espírito (1883).
– Ideias sobre uma Psicologia Descriptiva e Analítica (1894).
– A Juventude de Hegel (1905).
– A Estrutura do Mundo Histórico nas Ciências do Espírito (1910).
1.2.2. Crítica das soluções anteriores
Nesta situação cultural Dilthey verifica, além disso, que falharam as três
tentativas de fundamentar e explicar as ciências do espírito, a saber: a) a da
ciência natural; h) a da metafísica; c) a da escola histórica:
A vida não é nem pode reduzir-se a uma destas dimensões, mas consiste
antes na unidade das três, impelida, aliás, pela necessidade de «fazer uma
ideia geral da totalidade da vida”, acicatada pelos enigmas que se lhe
impõem e não podendo aceitar com a dissolução de si mesma que, em
última análise, a total relatividade histórica e o subsequente cepticismo
representam.
NIILISMO
Já ouviram falar daquele homem louco que levava uma lanterna acesa
em pleno meio-dia, correndo pelas ruas e gritando: «procuro Deus»? E
que foi recebido com enormes gargalhadas pelos que estavam ali e que
não acreditavam em Deus? Será que se perdeu? – dizia um. Perdeu-se
como as criancinhas? – dizia outro. Estará escondido? Terá medo de nós?
Terá emigrado? – assim gritavam, rindo-se. O homem louco saltou para o
meio deles e fuzilou-os com o seu olhar. «Para onde foi?» – exclamou –
«Vou dizer-vos: fomos nós que o matámos. Vós e eu. Somos todos
assassinos, mas como o fizemos? Como é que conseguimos esvaziar o
mar? Quem nos deu a esponja para apagar o horizonte? Como fizemos
para afastar esta terra do sol? Para onde vai agora? Para onde vamos nós,
que nos afastamos de todos os sóis? Não estamos nós continuamente a
cair? Para trás, para a frente, para todos os lados? Será que para nós ainda
haverá um acima e um abaixo? Não vagueamos nós como se fosse
através de um nada infinito? O espaço vazio não nos absorve? Não está
cada vez mais frio? Nunca houve nada assim: e por causa deste feito
todos quantos nasçam depois de nós farão parte de uma história superior
à história anterior. Este grandioso acontecimento está para chegar e vai
aparecendo aos poucos, embora não tenha ainda penetrado nos ouvidos
dos homens. O relâmpago e o trovão levam o seu tempo, a luz das
estrelas leva o seu tempo. Mesmo depois de terem acontecido, os feitos
levam o seu tempo até serem vistos e ouvidos».
Nietzsche, A Gaia Ciência.
Visto que a ordem moral do mundo não é dada pelo próprio homem, não
nos chega da própria história mas de Deus, a tese nietzscheana que combate
esta ideia é a seguinte: se até agora Deus foi a grande objecção contra a
vida, contra a existência, nós negamos Deus, negamos a
responsabilidade perante Deus; desta forma «redimimos» o mundo. O
homem não carece de Deus para saber-se livre originalmente, sempre o foi
e será, porque o mundo não tem nenhuma lei transcendente que o obrigue.
Nietzsche é pois o grande crítico da moral antinatural que ele identifica
em traços largos com a moral tradicional. Costumara chamar-se a si próprio
«imoralista»; mas não porque fosse amoral. A sua moral passa por
caminhos bem diferentes dos do cristianismo, mas não deixa de ter uma
moralidade: a exaltação da vida em seu completo desenvolvimento, na sua
criatividade e destruição naturais, no original devir do ser.
Friedrich W. Nietzshe
Nasceu em 1844, em Roecken (Turíngia). Os seus avós e seu pai foram pastores protestantes.
Paradoxalmente, Nietzsche seria um grande ateu. Quando tinha dois anos, nasceu sua irmã
Elisabeth, que iria ser a sua companheira, amiga, confidente, enfermeira e causadora do maior
embuste político feito ao filósofo. Na escola de Pforta recebe uma sólida formação humanista.
Muito bom intérprete de piano, mas mau compositor, Wagner foi o seu guia espiritual, depois de
Schopenhauer. Aos vinte e quatro anos é nomeado catedrático extraordinário da Universidade
de Basileia. Optou pela nacionalidade suíça. Em 1871, aparece a sua primeira obra, O
Nascimento da Tragédia no Espírito da Música. Com esta grande obra começaria o seu fracasso
«profissional». Entre 1873-76 publica as Considerações Intempestivas, uma dura crítica ao
progressismo racionalista quase-religioso, ao positivismo, à arte burguesa, etc. Humano,
Demasiado Humano aparecerá entre 1875-78 (1aparte) e 1880 (2.aparte). Por esta altura cai
enfermo: terríveis dores de cabeça e olhos. A partir de então transforma-se em nómada: Riva,
Génova, Sicília, Rapallo, Sils-Maria, Turim... e sobretudo a grande nostalgia do Sul.
Entretanto, a sua vida decorre com grande austeridade. Em 1881 publica Aurora e um ano
depois A Gaia Ciência, onde se manifestam de uma forma quase sistemática alguns dos seus
princípios filosóficos. Em Roma conhecerá Lou von Salomé, tão inteligente como auto-
suficiente, da qual Nietzsche continuou enamorado apesar da posterior separação. Tendo por
espaço vital uma profunda solidão, escreve o seu livro mais importante, Assim Falava
Zaratustra, no qual o seu estilo e pensamento atingem alturas elevadíssimas de maturação.
Nenhuma das obras posteriores atingiria o nível desta, nem Para Além do Bem e do Mal (1886)
nem sequer a sua não menos famosa Genealogia da Moral (1887).
As dores tornam-se mais frequentes e insuportáveis. Nietzsche começa um período cheio de
extravagâncias. A loucura espreita-o. Um amigo íntimo, porventura o último que lhe restava, fê-
lo ingressar numa clínica de Basileia; diagnóstico: lesão cerebral. Tinha então quarenta e cinco
anos. Morreu em vinte e cinco de Agosto de 1900, às portas de um século que o reconheceria
sucessiva e paradoxalmente como violento fascista e revolucionário anarquista. Tido como
ideológico pré-nazi, em poucos anos Nietzsche passaria a ser considerado como o filósofo do
Maio 68.
l. «As razões pelas quais este mundo foi classificado de aparente pelo
metafísico fundamentam antes a sua realidade; outra espécie de realidade
diferente é absolutamente indemonstrável.» Ao falar de «razões», Nietzsche
refere-se às categorias através das quais a razão humana crê apreender o ser,
tais como: unidade, identidade, causalidade, finalidade, etc.
A tradição metafísica ocidental toma como verdadeira a reflexão da
razão sem se dar conta de que o que fundamenta essa reflexão não é a
lógica mas a necessidade que o ser humano tem de sobreviver num mundo
em devir. Necessitamos das categorias da razão porque, graças a elas,
podemos viver com certo «repouso, segurança e calma» (O Livro do
Filósofo) fazendo assim frente ao devir constante do ser.
3. «Inventar outro mundo diferente deste implica ter receio da vida, uma
atitude de receio perante a vida como devir.» Aqui descobre-se a intenção
de Nietzsche: o problema de fundo é apenas o niilismo, consequência da
perspectiva estática do ser. Inventar outro mundo não tem sentido se não se
pretende que seja melhor do que este que pisamos; ora, isto é próprio de
uma atitude de ressentimento para com a vida. A sintomatologia niilista
começa com o receio face à vida: duvida-se do valor da vida como
«vingança» imediata e inventa-se outro mundo como finalidade. A moral
como antinatureza tem aí o seu ponto de arranque.
Vimos até agora apenas a crítica geral à ontologia, ou seja, como se caiu
na falsa interpretação da realidade do ser. No entanto, Nietzsche não faz
crítica fora da razão: explica a génese das categorias que comportam o
maior obstáculo para a interpretação da realidade como devir, conceitos
que, por isso mesmo, serão postos em causa.
a) Realidade e conceito
Toda a palavra se converte em conceito a partir do momento em que
deixa de servir precisamente para a vivência original, única e
individualizada, a que deve a sua origem. Pretende-se que o conceito sirva
para exprimir e significar uma multiplicidade de coisas ou realidades
individuais que, rigorosamente falando, diz Nietzsche, «nunca são
idênticas» (O Livro do Filósofo). Um exemplo: o conceito «folha» formou-
se prescindindo arbitrariamente das diferenças individuais; provoca-se deste
modo a representação de folha como se na natureza existisse algo fora das
folhas, uma espécie de forma original que servisse de modelo para conhecer
todas as folhas. Nietzsche refere-se aqui à função do platonismo e à sua
relação com a génese dos conceitos e processos de substancialização.
A verdade, então, não é mais do que um conjunto de generalizações,
ilusões que o uso e o costume foram impondo e cuja natureza
desconhecemos: «metáforas já esquecidas que perderam a sua força
sensível, moedas que perderam o seu valor e que agora entram em
consideração como metal, não como moedas» (o. c.).
O processo da formação do conceito vai desde a sensação até ao produto
como tal. Passa-se da sensação à imagem, mediante metáforas intuitivas, e
da imagem ao conceito através da «fixação», produzida pelo costume, de
uma metáfora ou conjunto de metáforas.
HISTÓRIA DE UM ERRO
1. O mundo verdadeiro, acessível ao sábio, ao piedoso, ao virtuoso:
este vive nele, é ele.
(Forma mais velha da ideia; relativamente inteligente, simples,
convincente. Transcrição da frase «Eu, Platão, sou a verdade.»)
2. O mundo verdadeiro, inacessível por agora, mas prometido ao
sábio, ao piedoso, ao virtuoso («ao pecador que faz penitência».)
(Desenvolvimento da ideia: torna-se mais subtil, mais insidiosa,
inapreensível – torna-se mulher, torna-se cristã...)
3. O mundo verdadeiro, inacessível, indemonstrável, mas já pensado
como uma consolação, um dever, um imperativo.
(No fundo, o velho sol, mas dissimulado pela névoa e pelo cepticismo;
a ideia tornou-se sublime, pálida, nórdica, regiomontana.)
4. O mundo verdadeiro – inantingível? De qualquer modo não
alcançado. E enquanto não alcançado, também desconhecido. Por
conseguinte, nem sequer consolador, salvador, imperativo: como é que
algo de desconhecido poderia obrigar?...
(Manhã cinzenta. Primeiro bocejo da razão. Canto de galo do
positivismo.)
5. O «mundo verdadeiro» – uma ideia que já não é útil para nada, e
também já não imperativa – uma ideia que se tornou supérflua,
prescindível; por conseguinte, uma ideia refutada; toca a eliminá-la!
(Dia claro; pequeno almoço; retomo do bons sens e da serenidade;
rubor de Platão; alvoroço endiabrado de todos os espíritos livres.)
6. O mundo verdadeiro foi por nós destruído: que mundo resta? talvez
o aparente?... Mas não! Com o mundo verdadeiro destruímos igualmente
o aparente!
(Meio-dia, momento da sombra mais curta; fim do mais longo erro;
culminação da humanidade; incipit Zarathustra [começa Zaratustra].)
Nietzsche, O Crepúsculo dos Ídolos, Lisboa, Edições 70, 2002, pp. 35-36.
b) Realidade e linguagem
É muito importante a relação entre filosofia e linguagem. Os conceitos
filosóficos desenvolvem-se em relação mútua e sempre fazem parte de
algum sistema conhecido. Até os filósofos mais diversos realizam por vezes
um certo «esquema básico» de filosofias possíveis; algo existente nos
conceitos os vai impelindo a suceder-se em determinada ordem,
precisamente a do parentesco inato entre eles. O filósofo não deve perder
isso de vista e deve, mais do que descobrir, «reconhecer», recordar as
origens, as primeiras pedras dos sistemas filosóficos.
Onde se situa essa origem, essa matriz do pensamento? Nietzsche
responde-nos com um exemplo: a semelhança filosófica entre as filosofias
indiana, grega e alemã deve-se à apriórica semelhança linguística. Existe
um centro comum que predispõe para certo esquema filosófico básico: a
filosofia da gramática, mais não é do que «domínio e direcção inconscientes
exercidas por funções gramaticais idênticas», que faz com que a estrutura
do sistema se encontre dada de antemão na própria linguagem. E, vice-
versa, cada estrutura gramatical limita o campo de interpretação, as
possibilidades de conceptualização do mundo.
Outro exemplo: os filósofos da área linguística uralo-altaica (na qual o
conceito de «sujeito» está pouco desenvolvido) provavelmente interpretarão
o mundo de forma diferente dos da área linguística indo-germânica ou
arábica. Mas isso não significa que Nietzsche identifique, sem mais,
pensamento com linguagem, porque as funções filosóficas gramaticais
apontam para algo fora da linguagem e do próprio pensamento, para as
próprias coisas, para o mundo em que nos movemos. Em última instância,
as funções filosóficas gramaticais são «juízos de valor fisiológicos e
condições de vida».
Outra coisa é o modo de solução «formal» que se estabeleça entre cada
filosofia e o respectivo esquema linguístico: poderá parecer que cada
sistema como tal está condicionado pela funcionalidade de cada gramática.
Mas Nietzsche duvida precisamente dessa formalização apriórica da
linguagem que o costume consagra e questiona-se se, precisamente, não
estamos a ser «enganados» pela própria linguagem. «A razão na linguagem:
Oh que velha fêmea enganadora!... Creio que não vamos desembaraçar-nos
da ideia de ‘Deus’ porque continuamos ainda a acreditar na gramática.»
(Crepúsculo dos Ídolos.)
2.2. O niilismo
DO HOMEM AO SUPER-HOMEM
Vou mencionar três transformações do espírito: como o espírito se
converte em camelo, o camelo em leão e, por fim, o leão em criança.
Há muitas coisas pesadas para o espírito, para o espírito forte e
paciente habitado pela veneração: a sua força pede coisas pesadas,
mesmo as mais pesadas que há.
O que é pesado? É a pergunta do espírito paciente, que se ajoelha, tal
como o camelo, e quer ser bem carregado. O espírito paciente carrega
com todas estas coisas, com as mais pesadas: tal como o camelo que
corre para o deserto com a sua carga, também o espírito corre para o seu
deserto.
Mas no lugar mais ermo do deserto tem lugar a segunda
transformação: aí o espírito transforma-se em leão e quer conquistar a sua
liberdade, tal como se conquista uma presa, e ser senhor do seu próprio
deserto.
Aí procura o seu último senhor: quer converter-se em inimigo dele e
do seu último deus, quer lutar com o grande dragão para alcançar a
vitória.
Quem é o grande dragão ao qual o espírito não quer continuar a
chamar senhor nem deus? «Tu deves» chama-se esse grande dragão. Mas
o espírito do leão diz «eu quero».
O leão também não é capaz de criar valores novos: mas criar-se
liberdade para um novo criar, disso, sim, o poder do leão é capaz.
Criar-se liberdade e dizer um não puro inclusive perante o dever: para
isso, meus irmãos, precisamos do leão.
Mas, dizei-me, irmãos meus, o que é que a criança é capaz de fazer
que o leão não conseguiu? Por que razão o leão-rapaz tem de se converter
em criança?
A criança é inocência e olvido, um novo começo, um jogo, uma roda
que se move por si mesma, um primeiro movimento, é dizer um sim puro.
Se para o jogo de criar é necessário dizer um sim puro, então, meus
irmãos, o espírito quer agora a sua vontade, e aquele que estava fora do
mundo conquista agora o seu mundo.
Mencionei-vos três transformações do espírito: como o espírito se
converteu em camelo, o camelo em leão e, por fim, o leão em criança,
Nietzsche, Assim Falava Zaratustra.
Henri Bergson
Henri Bergson nasce em Paris em 1859 e morre em 1941, em plena ocupação nazi, quando
se desencadeavam em França as medidas anti-semitas. Foi professor no Colégio de França e
Prémio Nobel de literatura em 1928. Poucos filósofos, como Bergson, gozaram ainda em vida
de tanta popularidade e difusão das suas obras.
Por um lado, a filosofia de Bergson está em estreita relação com o positivismo do século
XIX e com o espiritualismo francês, por outro, tentando original simbiose com os dois
extremos. «Do positivismo à metafísica» poderia ser o lema desta filosofia que se evidencia no
seu problema último: Deus. A filosofia de Bergson será, quanto a este ponto, a busca e
possibilitação de uma experiência de Deus, uma superação do positivismo, no sentido mais
estrito da palavra.
O seu pensamento filosófico, profundamente enraízado na ciência do seu tempo, deve ser
entendido como uma tentativa de fundamentar com investigações metodológicas a necessidade
de compreender os princípios do conhecimento científico como funções de um grau
determinado da «vida» metafísica.
Por outras palavras, a filosofia de Bergson não é – como nunca é nos grandes pensadores –
um ex abrupto arbitrário à medida de um gosto particular. Bergson aborda o problema da
relação sistemática entre o conhecimento científico e a metafísica, num clima de efervescente
positivismo, de crítica científica, de polémica espiritualista, de reivindicações kantianas. Como
escreveu Zubiri, numa das suas Cinco Lições de Filosofia, «Bergson tem de recuar até à própria
raiz de onde emerge a ciência».
Para superar o positivismo cego, Bergson encontra o ponto de apoio na peugada do
positivismo evolucionista de Spencer: «o que me atraiu em Spencer» dirá em determinado
momento da sua vida, foi o seu desejo de unir o espírito ao terreno dos factos». Um esforço para
transferir os princípios positivos para o campo das ciências humanas e da cultura – entenda-se
com isso a religião – valendo-se da evolução para explicar toda a realidade – tal é a síntese
bergsoniana. Porquê assumir o princípio explicativo da evolução? Porque é no processo da
evolução que a matéria e a natureza espiritual do homem caminham harmonicamente integradas.
Bergson dá estrutura dorsal e consistência a tal síntese com a ideia matriz de que a realidade
é duração real. E a consciência é o lugar privilegiado de demonstração de que a realidade é
duração: é o meio onde se unem a experiência e a intuição ou, dito de outro modo, o lugar onde
se abre, por assim dizer, a verdadeira experiência, essa nova e mais radical forma de
experiência que Bergson concebe, que não deve ser entendida como a aproximação (externa)
das coisas e às coisas, mas como a captação das coisas a partir de dentro. A intuição é, por isso,
a «alma» da verdadeira experiência: o acto que nos coloca dentro das coisas. Não um acto
estático – seria uma contradição – a modo de comprovação, mas uma actividade viva que vive e
convive o processo, a própria duração da realidade.
A intuição, acompanhando de dentro o processo durativo da realidade, é ela mesma duração.
Por essa coincidência entre intuição e duração se aplica que Bergson contraponha a intuição à
inteligência, porque a inteligência, fria e abstracta, construtora de conceitos, analítica e imóvel,
considera desagregadamente a realidade. Daí que a ciência seja o seu domínio. Mas,
definitivamente, a raíz da inteligência, enquanto assim opera, analítica e cientificamente, é a
própria vida.
A intuição, no próprio interior da realidade, não é inimiga do conceito: apenas necessita da
singularidade única do conceito, essa hipotética singularidade que precede a generalização ou a
abstracção. A intuição, portanto, não se opõe estritamente à inteligência, antes neutraliza a sua
diferença e a faz recuar à própria fonte onde a verdade – a verdade científica – o é em toda a sua
plenitude e radicalidade.
Duas obras de Bergson apresentam sistematicamente estas ideias: em primeiro lugar,
Matéria e Memória (1896), cujo sentido é estabelecer a continuidade entre matéria e espírito;
em segundo lugar, A Evolução Criadora (1907). Finalmente, a grande obra As Duas Fontes da
Moral e da Religião (1932) extrai, por assim dizer, as consequências do sistema levando-o até
ao próprio tema de Deus. Moral e religião são, para Bergson, algo mais do que meros produtos
sociais, embora exista uma dimensão estática de moral e religião na qual ambas ficam reduzidas
ao horizonte conservador – dominado pela espécie – do mero apego à vida.
Para além disso, o homem – pelo menos alguns indivíduos – é capaz de superar o domínio da
inteligência e recolher o impulso criador, e continuá-lo, superando o nível estático da moral e
religião até transcender plenamente o impulso vital que, em definitivo, «é de Deus, ou é o
próprio Deus».
Os místicos simbolizam ou, mais exactamente, são os homens que converteram e convertem
num facto a aspiração do espírito a Deus. A moral e a religião dinâmicas não tiveram, segundo
Bergson, uma realização concreta na história. No entanto os profetas de Israel e os místicas
cristãos são, a seus olhos, exemplares protótipos do que a filosofia quer exprimir.
Em todo o caso seria errado qualificar esta filosofia como religiosa: o que deve entender-se é
que Bergson defendeu a metafísica como experiência humana plena e total.
A filosofia não surge por razão utilitária, nem por capricho. A filosofia é
«constitutivamente necessária ao intelecto» e tem como característica
radical o afã de procurar e capturar a verdade do todo como tal. Seria talvez
uma tarefa mais simples se lhe atribuíssemos um objectivo mais comum:
contentarmo-nos com o que, sem filosofar, encontramos perante nós. Isto é,
contentarmo-nos com o que tocamos, somos ou calculamos. Todavia a
razão da filosofia é apenas a rebeldia radical frente a essa pretendida
imediatez da consciência ingénua que unicamente se contenta com o que
está aí como patente e dado. Não há nada mais afastado dessa atitude do
que a filosofia, que toma o dado de forma problemática, pois que o filosofar
consiste em «dar ao mundo a sua integridade, completá-lo em Universo e
à parte construir-lhe um todo onde se aloje e descanse» (O Que é a
Filosofia, V).
O dado, que para outro tipo de conhecimento surge como suficiente em
si, é no entanto considerado pela filosofia como insuficiente e fragmentário;
e portanto há que remetê-lo a algo que não é ele próprio. Segundo Ortega, a
filosofia aspira a este «ser fundamental» do mundo.
Este ser fundamental, objecto de consideração filosófica, apresenta duas
características radicais: 1) que, por sua própria essência, não é um dado, não
é um presente para o conhecimento, mas precisamente o que falta a todo o
presente; 2) é radicalmente heterogéneo de todo o ser intramundano.
Filosofia é portanto «conhecimento do Universo ou de tudo quanto
existe». O filosofar tem para Ortega alguns traços característicos:
Ainda que fecundo, é hoje claro que foi um erro de Sócrates e dos
séculos posteriores. A razão pura não pode suplantar a vida: a cultura do
intelecto abstracto não é, perante a vida espontânea, outra vida que se
baste a si mesma e que possa desalojar aquela. É tão-somente uma breve
ilha flutuando sobre o mar da vitalidade primária. Longe de poder
substituir esta vitalidade, tem que apoiar-se e alimentar-se dela, tal como
cada um dos seus membros vive do organismo inteiro.
Isto não significa um regresso à ingenuidade primitiva como aquela
que Rousseau pretendia. A razão, a cultura more geométrico, é uma
aquisição eterna. Mas é preciso corrigir o misticismo socrático,
racionalista e culturalista que ignora os limites da razão ou não deduz
fielmente as consequências dessa limitação. A razão é apenas uma forma
e função da vida. A cultura é um instrumento biológico e nada mais.
Situada perante e contra a vida, representa uma subversão da parte contra
o todo. Urge reduzi-la ao seu lugar e função.
Ortega, O Tema do Nosso Tempo.
d) Portanto, eu decidi fazer o que faço; fui livre ao decidir-me por este e
não por aquele trabalho. Nada se nos dá feito; por isso, a vida é mais decidir
do que fazer. Vida é antecipação e projecto.
A REALIDADE E OS SONHOS
Na verdade, como é que podemos negar o que Dom Quixote viu na
gruta de Montesinos, sendo ele um cavalheiro incapaz de mentir, tendo
ele arremetido contra moinhos e bandoleiros, tendo lutado contra os seus
burlões para defender o do elmo, tendo vencido o Cavaleiro dos Espelhos
e envergonhado o leão? Ele, que levou a cabo estas e outras façanhas não
menos assombrosas, poderia muito bem ter visto na gruta de Montesinos
quanto se lhe oferecia ver. E se o viu, do que não devemos duvidar, que
poderemos dizer da realidade das suas visões ? Se a vida é sonho, por que
razão nos obstinamos a negar que os sonhos são vida? Tudo quanto é
vida, é verdade. O que chamamos realidade será algo mais do que uma
ilusão que nos leva a criar e a produzir obras? O efeito prático é o único
amparo da verdade de qualquer visão.
M. de Unamuno, Vida de Dom Quixote e Sancho, cap. 24
Miguel de Unamuno
Miguel de Unamuno nasce em Bilbau em 1864. Faz o Liceu na sua cidade natal e depois
muda-se para Madrid (1880) para estudar na Faculdade de Filosofia e Letras. Em 1891 contrai
matrimónio com Concepción Lizárraga, obtendo nesse mesmo ano a cátedra de grego em
Salamanca, cidade à qual a sua vida permanecerá vinculada definitivamente. Depois de um
período de positivismo, inclina-se para o socialismo e filia-se no partido socialista em 1894.
Devido a uma profunda crise que sofre em 1897, as suas preocupações de carácter religioso
agudizam-se. Em 1924 é deportado para Fuerteventura pelo ditador Primo de Rivera e só
quando este cai (1930) é que regressa, sendo nomeado reitor da Universidade de Salamanca,
cargo que o governo republicano lhe retiraria em 1936 por causa da sua adesão ao movimento
do general Franco. Pouco depois teria um grave conflito com o general Millan Astray. Morre
nesse mesmo ano em Salamanca, no dia 31 de Dezembro, A sua forte presença, tanto no âmbito
da política como no do pensamento, foi sempre singular e frequentemente contraditória.
Escreveu inumeráveis artigos e ensaios, de entre os quais se destacam Vida de Dom Quixote e
Sancho (1905), Do Sentimento Trágico da Vida nos Homens e nos Povos (1913) e o posterior e
menos vigoroso A Agonia do Cristianismo (1926-1931). De entre as suas novelas merecem
destaque Niebla (1914), Abel Sánchez (1917) e San Manuel Bueno, Mártir (1933). Como poeta,
atinge o seu apogeu com O Cristo de Velázquez (1920).
INTRODUÇÃO
1.2.3. O naturalismo
a) Conceito de naturalismo
O naturalismo, «uma consequência da descoberta da natureza
considerada como unidade do ser espácio-temporal conforme com as leis
naturais exactas» (A Filosofia como Ciência de Rigor), é rejeitado por
Husserl devido ao uso que o naturalismo faz do método matemático, que
abstrai e selecciona a natureza, considerando o abstraído como a realidade
em si e absoluta; o naturalista tende a encarar tudo como natureza. Em seus
anseios por imitar as ciências da natureza, o naturalismo hipertrofia e
absolutiza o método experimental, o que implica a naturalização da
consciência e das ideias.
Edmund Husserl
(1859-1938). Nasceu no seio de uma família judaica em Prosznitz (Morávia), e morreu em
Friburgo de Brisgóvia. Na Universidade de Viena estudou matemáticas com Weiertrass e
psicologia com K. Stumpf e com Franz Brentano, de quem recebeu uma grande influência. Em
1883 defende a sua tese de doutoramento – Contribuição para a Teoria do Cálculo de
Variações – e em 1891 aparece a sua primeira obra importante, Filosofia da Aritmética, da qual
se publica apenas a primeira parte; nesta obra ocupa-se dos fundamentos científicos das
matemáticas e da filosofia. As Investigações Lógicas (1900) desenvolvem, entre outros temas, a
crítica ao psicologismo e ao empirismo. Em 1913 Husserl funda o «Anuário de Filosofia e de
Investigação Fenomenológica”, no qual apareceriam, entre outros, O Formalismo na Ética e a
Ética Material dos Valores (1913-1916) de Max Scheler e Ser e Tempo (1927) de Martin
Heidegger, obras fundamentais da corrente fenomenológica. Também em 1913 aparece o
primeiro volume de Ideias para uma Fenomenologia Pura e uma Filosofia Fenomenológica; o
período que vai de 1900 a 1913 é o esplendor máximo de Husserl, que era professor em
Gotinga.
Em 1916 é nomeado professor titular da Universidade de Friburgo, onde desenvolveu toda a
sua actividade até à jubilação em 1928. Em 1929, aparece Lógica Formal e Transcendental, a
obra que articula todo o seu pensamento, estudando a lógica como teoria da ciência e tentando
aclarar a origem e significado dos conceitos lógicos básicos. Ainda em 1929 pronuncia duas
conferências na Sorbonne sobre «Introdução à Fenomenologia Transcendental», que serão
publicadas mais tarde com o título Meditações Cartesianas; nelas expõe a necessidade de um
corte radical com o passado para elaborar uma filosofia rigorosa, tomando como o ponto de
partida o mesmo de Descartes, ou seja, o Eu. Com a subida do nazismo ao poder, Husserl viu-se
relegado e inclusive proibido; a grande quantidade de inéditos (uns quarenta mil fólios) foram
transferidos para a Universidade de Lovaina para maior segurança. Em 1939 aparece
Experiência e Juízo e em 1954 A Crise das Ciências Europeias e a Fenomenologia
Transcendental, na qual se aproxima do existencialismo na sua crítica a uma sociedade que a
existência humana privou de sentido, embora o faça sempre a partir dos pressupostos das suas
obras anteriores.
1.1.3. O positivismo
Nas Meditações Cartesianas (II, 13) Husserl chama à sua filosofia uma
egologia pura, visto que o ego ocupa o lugar central do seu pensamento.
Com Descartes passámos a um novo modo de abordar os problemas: o ego
é o único ponto de partida para uma filosofia radical. O eu puro obtém-se
como resíduo de consciência, graças à redução transcendental; o plano em
que se nos mostra o eu é o da experiência transcendental, que «é um modo
de consciência onde o objecto é dado como original». Este resíduo
fenomenológico, este ego, possibilita-nos um novo campo, o da
fenomenologia, e é o fundamento de todas as constituições; «a constituição
consiste numa operação cujo sentido é revelar o que já estava presente de
maneira oculta ou implícita». Mas esse eu fundador não é legitimado por
ninguém. O eu originário constitui a objectividade do mundo, a comunidade
humana e o eu mundano. Mas como se constituirá o eu? «O ego constitui-se
de algum modo na unidade de uma história (...) podemos dizer que na
constituição do ego estão contidas todas as constituições de todos os
objectos existentes por ele» (Meditações Cartesianas, IV, 37).
Max Scheler
Nasceu em Munique em 1874 e morreu em Frankfurt em 1928. Foi discípulo de Eucken,
embora tenha sido Husserl quem realmente o influenciou. Scheler é um continuador da corrente
fenomenológica husserliana, mas com especial aplicação do método fenomenológico ao campo
da ética, no qual os valores aparecerão como entidades ideais; mais tarde, separar-se-ia da linha
de Husserl. Entre as suas obras mais importantes estão o Formalismo na Ética e a Ética
Material dos Valores (1913-16), Essência e Formas de Simpatia (1923), O Lugar do Homem no
Cosmos (1928).
A filosofia de Scheler é a prossecução de uma posição ética a priori na linha de Kant, se bem
que criticando o seu formalismo por vazio e abstracto; substitui uma ética formal a priori por
uma ética material a priori, isto é, uma ética cujo conteúdo é dado pelos valores como
entidades ideais. Valores que enquanto entidades ideais apresentam a universalidade e a
necessidade de uma ética a priori.
A atitude das pessoas frente ao valor é mediatizada por uma série de momentos:
1. Descoberta do valor. É atingida mediante uma intuição, que não é uma simples captação
intelectual, mas uma capacidade natural para poder aceder aos diferentes valores. É o que
Scheler chama «sentimento de valor»; já que não podemos aceder aos valores por meio do
raciocínio. Este sentimento de valor é individual. Há pessoas que não captam os valores, que
possuem uma certa cegueira perante eles: em certas épocas houve mesmo culturas que não
valoraram as coisas e as atitudes que tinham à sua volta.
2. Tomada de posição perante o valor: Perante o valor que já foi mostrado há que tomar
uma posição, não se pode ficar indiferente. Perante os valores há as seguintes atitudes: a) De
preferência, se nos defrontarmos com o valor pela primeira vez; b) De crítica, se os valores já
estão realizados; c) De realização, quando os valores não tenham sido realizados (e se crê que é
valioso fazê-lo).
Mas quem é o portador dos valores e os realiza? A pessoa será mais valiosa segundo o tipo
de valores que realize; se são éticos, será virtuosa; se científicos, sábia; se religiosos, santa, etc.
A pessoa é algo de dinâmico, a sua característica é actuar, a sua função é realizadora, dando
sentido a todas os nossos actos. Para a pessoa, esse est operari.
2. O EXISTENCIALISMO: EXISTÊNCIA E
LIBERDADE
Sören Kierkegaard
Nasceu em Copenhaga em 1813 e morreu na mesma cidade em 1855. Fez estudos de
teologia, mas nunca chegou a exercer a profissão de pastor para a qual se preparara.
Em 1841-42 ouviu em Berlim as aulas de Schelling e ficou entusiasmado; mas o seu
entusiasmo pelo idealista alemão depressa esfriou. Voltou a Copenhaga e ali viveu sempre
dedicado a escrever e dependente dos seus livros e publicações.
Kierkegaard passa por ser o precursor do existencialismo. Esta afirmação baseia-se mais no
seu próprio talento pessoal, do que nas suas ideias, no seu sistema filosófico – que não existe
propriamente como tal. Os seus escritos tratam certamente temas como a fé, a angústia, etc.,
temas que terão eco no existencialismo posterior, mas que não constituem os conteúdos mais
centrais ou definidores desta corrente filosófica.
Uma profunda sensibilidade religiosa de raiz protestante e uma aguda e quase visceral recusa
do idealismo hegeliano, tal como aparecia cristalizado na atmosfera cultural em que vivia,
definem esta filosofia ao mesmo tempo que a sua própria biografia. Biografia e Filosofia
entrelaçam-se estreitamente em Kierkegaard; dele se poderia dizer que confirma na perfeição a
afirmação fichteana de que «a classe de filosofia que se escolhe depende da classe de homem
que se é».
O seu Diário confirma claramente a forte reivindicação do homem concreto, o qual é,
religiosamente, único perante Deus, e não pode ser dissolvido na razão.
O seu espírito dubitativo, temeroso e intimidado pela consciência da culpa, levou-o a um
comportamento social extremamente singular: rompe – sem razões aparentes – as suas relações
com Regina Olsen, regista com sensibilidade desproporcionada as críticas de que foi objecto na
imprensa, polemiza agudamente contra a igreja luterana do seu país e especialmente, no fim da
vida, contra o teólogo hegeliano Martensen.
As suas obras reflectem as suas preocupações e sobretudo o seu estilo e temperamento
pessoais: Ou isto ou aquilo (1843), Temor e Tremor (1843), O conceito de Angústia (1844), A
Enfermidade Mortal (1849).
Martin Heidegger
Nasce em 1889 em Messkirch e morre em 1976. Não é ainda possível qualificar com
perspectiva suficiente o significado e a importância do seu pensamento.
A figura de Heidegger foi e é objecto de profundas discussões: a sua condição de professor
universitário alemão, em pleno auge do nazismo, originou que a sua vida não possa ser julgada
sem referência a essa triste experiência político-cultural que foi para a Europa o nacional-
socialismo alemão (com todos os seus derivados).
Heidegger foi professor em Marburgo e mais tarde, em 1928, em Friburgo, como sucessor de
Husserl, cuja filosofia teve influência no seu pensamento. Em 1933 é nomeado reitor da
Universidade de Friburgo, quando o regime hitleriano ascendia vertiginosamente. O discurso
que Heidegger pronuncia na ocasião da sua tomada de posse será sempre a pedra de escândalo
usada pelos seus detractores, Poucos meses depois, no entanto, Heidegger demite-se do cargo e
prossegue o ensino, embora levando uma vida discreta. Por volta de 1945, aquando da ocupação
aliada, é suspenso do seu emprego académico. A sua recondução na cátedra acontecerá em
1952, mas a sua actividade universitária não terá a intensidade de outrora e será intermitente.
Seja qual for o juízo definitivo – difícil – sobre esse ponto da sua vida, Heidegger foi uma
excepcional testemunha da história filosófica do Ocidente. Filho genuíno de uma tradição
metafísica que no século XX se viu ancorada no niilismo, Heidegger esforçou-se por pesquisar
nas raízes dessa cultura e por reencontrar e depurar, no meio desse drama do homem europeu, as
perguntas originárias que conduziram essa história. A sua linguagem, sob uma primeira camada
abstracta e esotérica, está agarrada aos temas mais concretos e mais cruciantes: a técnica, o
poder, a manipulação do homem na sociedade actual, a liberdade. Hoje em dia está superado o
lugar-comum de apresentar Heidegger como protótipo «metafísico», no sentido pejorativo de
que o seu pensamento é puro palavreado vão e sem sentido. O impacte heideggeriano em
pensamentos críticos, e até revolucionários, do presente – pense-se na Escola de Frankfurt – está
fora de qualquer dúvida.
Heidegger escreveu incontáveis obras e opúsculos. Apenas podemos apresentar algumas: Ser
e Tempo (1927); Kant e o Problema da Metafísica (1929); O que é a Metafísica (1929);
Doutrina de Platão sobre a Verdade (1947); Carta sobre o Humanismo (1946); Sendas
Perdidas (1950), etc.
O PRESENTE
Esta Europa, em atroz cegueira e sempre pronta para se apunhalar a si
mesma, jaz hoje sob a grande tenaz formada pela Rússia, de um lado, e
pela América, do outro. Todavia, e numa perspectiva metafísica, a Rússia
e a América são a mesma coisa: a mesma fúria desesperada da técnica e
da organização abstracta do homem. Quando o cantinho mais afastado do
globo tiver sido tecnicamente conquistado e explorado economicamente;
quando um acontecimento qualquer for rapidamente acessível em
qualquer lugar e em qualquer tempo; quando se puder «experimentar»
simultaneamente o atentado a um rei em França e um concerto sinfónico
em Tóquio; quando o tempo for apenas rapidez, instantaneidade e
simultaneidade, e quando o temporal, entendido como acontecer
histórico, tiver desaparecido da existência de todos os povos; quando o
boxeador lutar como o grande homem de uma nação; quando as massas
aos milhões triunfarem nas assembleias populares – então, precisamente
então, as perguntas «Para quê?», «Para onde?», «E depois disto?»
voltarão a atravessar todo este caos como fantasmas.
A decadência espiritual é tal que sobre os povos da Terra impende a
ameaça de se perder a última força do espírito, aquela que permitiria ver e
apreciar a decadência como tal (pensada em relação com o destino do
«ser»). Esta simples comprovação não tem nada a ver com o pessimismo
cultural, nem obviamente com o optimismo. Com efeito, o
obscurecimento do mundo, a retirada dos deuses, a destruição da Terra, a
massificação do homem e a insidiosa suspeita contra aqueles que criam e
são livres, alcançaram em todo o planeta tais dimensões que categorias
tão pueris como as do pessimismo e optimismo já se tornaram ridículas
há muito tempo.
Heidegger, Introdução à Metafísica.
Jean-Paul Sartre
Nasceu em Paris em 1905 e morreu na mesma cidade em 1980. Foi feito prisioneiro pelos
Alemães na II Guerra Mundial. Após a sua libertação volta a Paris, onde se envolveu
completamente na Resistência. No fim da Guerra, em 1945, funda a famosa revista Temps
Modernes. Foi um intelectual plenamente activo e engagé, presente em todas as manifestações
da vida cultural, social e política. É simultaneamente um grande filósofo, um consumado autor
literário e teatral que utilizou a literatura como meio de expressão (e compromisso) das ideias
filosóficas e políticas. Compartilhou a sua vida e os seus interesses intelectuais e políticos com a
famosa escritora Simone de Beauvoir, que personificou em tom feminino – promotora do
feminismo – as mesmas ideias e interesses.
O existencialismo de Sartre foi muito mal divulgado e até mal entendido.
Numa primeira época, tanto as suas obras filosóficas como as literárias expõem o seu
pensamento ontológico existencial propriamente dito: A Imaginação (1936), A Náusea (novela,
1938), O Ser e o Nada − Ensaio de Ontologia Fenomenológica (a sua primeira grande obra,
1943) e O Existencialismo é um Humanismo (1946) podem ser consideradas como muito
significativas. Crítica da Razão Dialéctica (1960), obra a que deveria seguir-se uma segunda
parte, que não foi publicada, marca a segunda época do pensamento sartreano na qual Sartre
tenta rever o pensamento marxista no sentido de lhe injectar – fruto da crítica – o pensamento
existencial ou a ontologia da liberdade que era o existencialismo, um pensamento «parasitário»
do marxismo, mas que em rigor estaria destinado a fermentá-lo criticamente. A funda
sensibilidade intelectual sartreana e a sua trajectória de homem comprometido com o ideal
revolucionário de uma sociedade de homens em liberdade não podiam deixar de o levar a
repensar criticamente o marxismo.
Os últimos anos da vida de Sartre constituem uma terceira etapa do seu pensamento, na qual
o existencialismo e o marxismo são transcendidos em novas conclusões e perspectivas.
PROJECTO E PRÁXIS
O homem define-se, por conseguinte, pelo seu projecto. Este ser
material supera perpetuamente a condição que se lhe põe; descobre e
determina a sua situação e transcende-a a fim de se objectivar pelo
trabalho, pela acção ou pelo gesto. O projecto não deve ser confundido
com vontade, que é uma entidade abstracta, embora ele possa revestir
uma forma voluntária em certas circunstâncias. Para além dos elementos
dados e constituídos, essa relação imediata com o outro diferente de nós
mesmos, esta perpétua criação de si mesmo pelo trabalho e pela práxis, é
a nossa própria estrutura; não é uma necessidade nem uma paixão, nem
tão-pouco uma vontade; pelo contrário, as nossas necessidades ou as
nossas paixões, mesmo o mais abstracto dos nossos pensamentos
participam desta estrutura: estão até sempre: fora deles mesmos (...). É
isto a que chamamos existência.
Assim, as significações provêm do homem e do seu projecto, mas em
todos os lados inscrevem-se nas coisas e na ordem das coisas. Em
qualquer momento, tudo é sempre significante e as significações revelam-
nos o homem e as relações entre os homens através das estruturas da
nossa sociedade. Mas essas significações só nos aparecem enquanto nós
próprios somos significantes. A nossa compreensão do outro nunca é
contemplativa: o que nos une a ele é um momento da nossa práxis, uma
maneira de viver, em luta ou em convivência, a relação concreta e
humana.
Sartre, Crítica da Razão Dialéctica.
Maurice Merleau-Ponty
Maurice Merleau-Ponty nasceu em Rochefort-sur-Mer em 14 de Março de 1908 e morreu em
Paris em 4 de Maio de 1961. Estudou na École Normale Supérieure de Paris e graduou-se em
Filosofia em 1931.
Dedicou toda a sua vida ao ensino e à investigação filosófica:sem nunca esquecer as questões
sociais e políticas que preocupavam os seus contemporâneos. Quando terminou os estudos,
ensinou filosofia em vários liceus até rebentar a II Guerra Mundial, obrigando-o a interromper
as suas tarefas docentes para servir como oficial. Depois da guerra foi nomeado professor da
Universidade de Lyon, onde se manteve de 1945 até 1949, altura em que é indigitado para
professor na Sorbonne, em Paris.
Entretanto colabora com Jean-Paul Sartre na edição da revista Les Temps Modernes, mas as
suas relações com este filósofo deterioraram-se aquando da guerra da Coreia: Sartre apoiava a
Coreia do Norte, enquanto Merleau-Ponty, que anteriormente havia defendido o comunismo da
Rússia soviética na sua obra Humanismo e Terror, se mostrava agora crítico para com os
comunistas, embora não renunciasse por completo às suas convicções marxistas.
Os seus méritos como professor e filósofo valeram a Merleau-Ponty a eleição como
catedrático de Filosofia no Collège de France em 1952.
De entre as suas obras cabe citar em primeiro lugar A Estrutura do Comportamento (1942) e
Fenomenologia da Percepção (1945), nas quais expõe a sua concepção de filosofia como
fenomenologia existencial, uma concepção que posteriormente completaria com Sentido e Sem-
Sentido (1948) e na obra póstuma O Visível e o Invisível (1964).
As relações entre filosofia e linguagem aparecem tratadas nas obras Signos (1960) e A Prosa
do Mundo (1969). As suas ideias políticas e o seu compromisso com a realidade histórica do seu
tempo reflectem-se em Humanismo e Terror (1947) e em As Aventuras da Dialéctica (1955).
a) Natureza da fenomenologia
Como retorno às coisas em si, a fenomenologia pode ser caracterizada
pelos seguintes traços, que definem as coisas em si e o modo de aceder a
elas. A fenomenologia:
b) A redução fenomenológica
A finalidade da redução fenomenológica consiste em propiciar uma
descrição das coisas em si. É necessário apreender o verdadeiro sentido
desta redução, que foi mal entendida nos seus três momentos
característicos: o carácter reflexivo-transcendental, o carácter eidético e o
carácter intencional.
c) A compreensão fenomenológica
A descrição fenomenológica pura é compreensão e não explicação
científica objectivista ou análise reflexiva idealizante. Compreender o
mundo é expressá-lo em todos os seus aspectos, não os tomando isolada e
abstractamente, pois isso torná-lo-ia num cadáver. Compreender o mundo é
ir recolhendo «o único núcleo de significação existencial que se explicita
em cada perspectiva» (o. c.). A compreensão é pois recolha de sentido,
reapreender a significação total, reassumir a intenção total. Estamos
condenados ao sentido.
Esta compreensão não pode ser levada a cabo apenas mediante o
agrupamento dos diferentes planos ou perspectivas do mundo, mas sim
atendendo também à sua gestação, à sua produção. Compreender é «captar
o sentido do mundo ou da história no estado nascente». Daí que a
fenomenologia existencial seja uma fenomenologia da génese: trata-se de
«voltar a encontrar muito antes da ideia de sujeito e da ideia de objecto (...)
o leito primordial donde nascem as ideias e as coisas» (o.c.).
A compreensão fenomenológica é assim uma «génese do sentido». Não
é a explicitação de um ser prévio, nem o reflexo de uma verdade anterior,
apresentando-se antes «como a arte, a realização de uma verdade»
(Fenomenologia..., prólogo).
a) Corpo e linguagem
O corpo, nó do mundo, como vimos, é um poder de expressão natural.
Toda a expressão, todo o gesto é significativo. O mundo, como mundo
vivido, está repleto de significações. A linguagem ocupa um lugar
fundamental entre os modos de expressão, pois não é um simples
instrumento ou meio, mas a manifestação privilegiada do ser e do mundo. E
se era decisivo não errar quanto à compreensão do fenómeno do mundo, o
mesmo se aplica no que respeita ao fenómeno da linguagem e da palavra.
Karl Jaspers
Nasce em Oldenburgo em 1883 e morre em Basileia em 1969. A sua vocação para a filosofia
é tardia e surge depois de ter feito estudos jurídicos e médicos.
Nos anos do nazismo, fizeram-no sofrer os azares e angústias de uma perseguição que o
levou a viver «situações limite» nas quais se perguntou, inclusive, pelo sentido e conveniência
do suicídio. De facto, foi «jubilado» em 1937 e só pôde voltar a ocupar uma cátedra em 1945. A
partir de 1948 viveu em Basileia.
A sua obra mais importante tem por título Filosofia (1932) e contém as suas teses
fundamentais.
Considera-se Jaspers um existencialista, mas importa compreender a especificidade do seu
existencialismo: Jaspers tenta, antes de mais, tal como Heidegger, fazer uma teoria da
realidade. Ora, esta teoria diversifica-se, por assim dizer, segundo as três possibilidades em que
a realidade aparece e que são: a) o existente em geral, o objecto existente, o Dasein; b) o
existente para si, a Existenz ou consciência; c) o que é em si e não pode ser compreendido nas
anteriores categorias, isto é, a transcendência.
Qualquer dos três «apareceres» da realidade pode ser ponto de partida para descrever o ser.
Mas a descrição completa é sempre impossível. A tentativa desta descrição não cessa e é isso a
filosofia. As diferentes vias ou tentativas são diversas formas do transcender, que se
determinam (segundo os três possíveis pontos de partida) como: a) orientação no mundo; b)
esclarecimento da existência; c) metafísica ou leitura de enigmas.
A primeira forma de transcender, característica das ciências, é a que se centra nas coisas
existentes. A investigação científica não pode ser interrompida por princípio, nem sequer
concluída; nunca pode proporcionar uma imagem definitiva do mundo porque se move dentro
da cisão sujeito-objecto que a constitui estruturalmente. E o fracasso do conhecimento científico
é o «pressuposto», por assim dizer, da viragem do pensar que conduz para além da ciência em
geral, até ao esclarecimento da existência.
Foi a segunda forma de transcender, que se leva a cabo sobre a consciência, sobre o próprio
homem, que proporcionou as argutas análises jasperianas das situações existenciais. Mas o
esclarecimento da existência também não conduz a resultado algum porque tal aclaração carece
de objecto. «Nem sou o que conheço, nem conheço o que sou.» Cair na mera subjectividade,
autoconceber-se como puro ser-eu seria encerrar-se e afastar-se de modo solipsista e reduzir-se a
«Dasein que só quer ser isto». O homem não é mas devém. E o esclarecimento da existência
apela à liberdade.
A experiência do seu fracasso lança a existência para fora de si, projectando-a para a
transcendência do ser incondicionado. Esta é, por último, a forma do transcender correspondente
à metafísica, que se reduzirá em definitivo à tentativa de decifrar a impenetrável condição do em
si. Decifração, porque o incondicionado só fala por enigmas. E o próprio fracasso é o enigma de
todos os enigmas. Por isso a potência (ou carácter revelável) da origem transcendente do ser não
é nada se se vir desligada da existência. Entendê-la como conhecimento objectivo seria um erro
crasso.
É indubitável que a filosofia jasperiana está condicionada por uma vontade que poderia
dizer-se perscrutadora dos sinais do tempo histórico presente. Jaspers afirma que A Situação
Espiritual do Nosso Tempo (assim se denomina um escrito seu de 1931) vive uma completa
crise, criada por nós próprios através do conhecimento científico e da vontade de transformação
do mundo que se serve da ciência. Um esforço que apenas conduz o homem à nebulosa
consciência da sua impotência. Esta consciência, motor de arranque da filosofia jasperiana,
aparece claramente noutros escritos, tais como Nietzsche (1936), Origem e Meta da História
(1949), A Bomba Atómica e a Origem do Homem. São além disso, obras sistemáticas
importantes: Razão e Existência (1935), A Fé Filosófica (1948) e Filosofia e Mundo (1958).
18. O PERSONALISMO CRISTÃO
INTRODUÇÃO
2.5. O existencialismo
Emmanel Mounier
Máximo representante e promotor do personalismo cristão contemporâneo. A sua formação
filosófica recebeu uma notável influência de Descartes e Pascal, entre os filósofos franceses
clássicos, e de Bergson e Blondel, entre os contemporâneos. A estas influências devem
acrescentar-se os seus contactos posteriores com Marcel e Maritain. A reflexão sobre a situação
sociopolítica europeia levou-o a abandonar o ensino académico em 1932 para fundar a revista
Esprit. Tanto a sua obra escrita como a sua própria vida constituem uma tentativa de lançar uma
ponte entre a teoria (as suas convicções cristãs, personalistas) e a acção.
Entre os seus escritos merecem destaque: o Manifesto ao Serviço do Personalismo (1936),
Introdução aos Existencialimos (1946) e O Personalismo (1949). Nasceu em Abril de 1905 e
morreu em Março de 1950.
INTRODUÇÃO
1) uma vez rejeitado que o real é constituído pela sua relação essencial
ao pensamento (idealismo), Russell pode afirmar a existência de factos
cuja facticidade, cuja realidade é independente de que sejam conhecidos
ou não; os factos dão-se, são como são, independentemente de uma
mente ou pensamento os conhecer: realismo;
2) uma vez rejeitado que os diferentes indivíduos e factos do Universo
constituem um sistema unitário (monismo), Russell pode afirmar que
existe uma pluralidade de factos cuja verdade não depende da suposta
totalidade nem sequer da verdade de outros factos: pluralismo.
ATOMISMO LÓGICO
A lógica que vou defender é atomista, ao contrário da lógica monista
daqueles que mais ou menos seguem Hegel, Quando digo que a minha
lógica é atomista, quero dizer que partilho da crença comum de que há
uma multidão de coisas diferentes; longe de mim considerar que a
aparente multiplicidade do Universo se reduz a uma simples diversidade
de aspectos ou divisões irreais de uma única realidade indivisível (...). A
razão de eu denominar a minha doutrina de atomismo lógico tem a ver
com o facto de que os átomos, aos quais quero chegar como o último
resíduo na análise, são átomos lógicos e não átomos físicos. Alguns serão
o que eu chamo «particulares» – coisas como pequenas manchas de cor
ou sons, coisas fugazes e momentâneas –, outros seriam predicados ou
relações e entidades pelo estilo. O importante é que o átomo em questão
seja o átomo da análise lógica e não da análise física.
B. Russell, A Filosofia do Atomismo Lógico.
Bertrand Russell
Filósofo, matemático, reformador social e prémio Nobel de Literatura, Russell nasceu em
1872, no País de Gales. Se tivéssemos de o comparar com algum intelectual do passado, vir-nos-
ia imediatamente à mente o nome de Voltaire. Conhecido pela sua militância pacifista, foi preso
por duas vezes durante a sua vida, em 1918 e em 1961 (com a idade de oitenta e nove anos) por
causa de uma campanha em favor do desarmamento nuclear. Em l940 teve de suportar um
julgamento (que alguns compararam com o de Galileu) na cidade de Nova Iorque com base num
convite que lhe foi formulado pelo Departamento de Filosofia do City College. Nessa ocasião,
as forças conservadoras, zelosas na defesa da «saúde segurança e moral públicas», opuseram-se.
A sua vida decorreu entre o estudo, as conferências e docência universitária e uma actividade
política; no seu país, nunca obteve qualquer cargo político institucional, pois por três vezes foi
candidato no Parlamento e nas três ocasiões foi derrotado nas urnas. Morreu em 1970, quase
centenário.
No campo da lógica e das matemáticas, escreveu a obra Principia lógico-mathematica em
colaboração com A. N. Whitehead, bem como uma Introdução à Filosofia Matemática (1919).
Outras obras filosóficas notáveis são: O nosso Conhecimento do Mundo Externo (1914), A
Filosofia do Atomismo Lógico (1918), A Análise da Mente (1921) e Análise da Matéria (1927),
bem como Acerca da Educação, especialmente na Primeira Infância (1926) e A Educação e a
Ordem Social (1932).
1.3. Análise e empirismo
CONHECIMENTO E VERDADE
Qualquer teoria que procure descobrir a natureza da verdade deve
satisfazer três pontos ou requisitos:
l.oA nossa teoria da verdade deve poder admitir o seu oposto, a
falsidade. Muitos filósofos fracassaram porque não satisfizeram
completamente esta condição, tendo construído teorias para que o nosso
pensamento fosse verdadeiro, mas logo depararam com uma grande
dificuldade para admitir o falso (...).
2.oTorna-se óbvio que se não houvesse crenças nunca poderia haver
falsidade, ou verdade, no sentido de que a verdade é correlativa da
falsidade. Se imaginarmos um mundo de matéria pura, a falsidade nunca
caberia nele, e mesmo que contivesse aquilo que podemos denominar
«factos», não conteria algo verdadeiro, no sentido de que o verdadeiro é
da mesma espécie que o falso. Com efeito: a verdade e a falsidade são
propriedades das crenças e das afirmações; por conseguinte, dado que um
mundo de matéria pura não conteria crenças nem afirmações, não
conteria sequer verdade ou falsidade.
3.oNo entanto, e contra tudo o que acabamos de dizer, é preciso
salientar que a verdade ou falsidade da crença depende sempre de algo
que é exterior à própria crença. Se eu creio que Carlos I morreu no
cadafalso, a minha crença é verdadeira, não por causa de qualquer
qualidade que lhe é intrínseca e que pudesse ser descoberta pelo simples
exame das crenças, mas por causa de um acontecimento histórico que
ocorreu há cerca de dois séculos e meio (...). Assim, e ainda que a
verdade ou a falsidade sejam propriedades das crenças, são propriedades
que dependem da relação das crenças com outras coisas, e não de certas
qualidades internas das crenças.
B. Russell, Os Problemas da Filosofia.
2. O NEOPOSITIVISMO LÓGICO
A ACTIVIDADE FILOSÓFICA
4.1. A proposição representa a existência e a não-existência de estados
de coisas.
4.11. A totalidade das proposições verdadeiras é a ciência natural total
(ou totalidade das ciências naturais).
4.111. A filosofia não é uma das ciências naturais. A palavra
«filosofia» deve significar algo que esteja sob ou acima, mas nunca junto,
das ciências naturais.
4.112. O objecto da filosofia é a clarificação lógica do pensamento. A
filosofia não é uma teoria mas uma actividade.
Uma obra filosófica consiste essencialmente em elucidações. O
resultado da filosofia não são «proposições filosóficas» mas o
esclarecimento das proposições.
A filosofia deve esclarecer e delimitar com precisão os pensamentos
que de outro modo seriam opacos e confusos, por assim dizer.
Wittgenstein, Tractatus Logico-Philosophicus.
O FISICALISMO
Os principais problemas relativos à linguagem de uma determinada
área da ciência são as questões relacionadas com o carácter dos termos
nela contidos, com o carácter das orações e, sobretudo, com as regras de
transformação ou tradução que ligam essa linguagem às outras linguagens
especiais, ou seja, aos outros sistemas parciais de todo o conjunto da
linguagem da ciência. O mais importante destas linguagens é o físico ou
aquilo através do qual falamos sobre as coisas físicas na física ou na
linguagem comum. Nas nossas discussões do Círculo de Viena chegámos
à conclusão de que essa linguagem física é a linguagem básica de toda a
ciência, a linguagem universal que engloba os conteúdos de todas as
outras linguagens. Por outras palavras, qualquer oração de qualquer ramo
da linguagem científica é equivalente a qualquer oração da linguagem
física, pelo que pode ser traduzida na linguagem física sem que o seu
conteúdo se altere. O doutor Neurath, que deu um grande contributo às
considerações que levam a esta tese, propôs chamar-lhe a tese do
fisicalismo.
R. Carnap, Filosofia e Sintaxe Lógica.
c) O princípio da falsificabilidade
Para além das dificuldades que o reducionismo fisicalista pretende
resolver, o princípio de verificação deparou com o problema colocado pela
exigência de que toda a proposição significativa deve permitir uma
verificação concludente e total. Com efeito, depressa se observou que
muitas proposições das ciências não são susceptíveis deste tipo de
verificação, e no entanto ninguém se dispôs a declará-las insignificantes.
Tal é o caso das proposições gerais afirmativas. Nenhuma proposição
geral (universal) afirmativa pode ser verificada em sentido estrito, pois para
isso seria necessário observar todos e cada um dos casos ou objectos a que
se refere. Assim, a proposição «todos os limões são amarelos» não teria
sentido, pois é impossível comprovar todos e cada um dos exemplares a que
o sujeito da mesma se refere. Curiosamente, a particular negativa («há pelo
menos um limão que não é amarelo») seria significativa, dado que é
susceptível de verificação. (Com efeito, bastaria encontrar um limão que
não fosse amarelo para que tal proposição fosse verificada).
Esta interpretação do princípio de verificação implica pois que a maioria
das proposições das ciências carecem de sentido, conclusão que os
neopositivistas não estavam dispostos a aceitar.
K. Popper pensou solucionar o problema transformando o princípio da
verificabilidade em princípio de falsificabilidade: uma proposição possui
significado (científico, pertencente à linguagem científica) quando o que
afirma pode ser falseado empiricamente. De acordo com esta inversão do
princípio, as proposições universais afirmativas têm significado, desde que,
embora não verificáveis, sejam falseáveis: continuando com o exemplo
anterior, a proposição «todos os limões são amarelos» tem significado, pois
é falseável. (Efectivamente, para falseá-la bastaria encontrar um limão que
não fosse amarelo).
A proposta de Popper resolve certamente o problema da
significatividade das proposições gerais afirmativas, diferentemente do
princípio de verificação. No entanto, a sua aceitação implica a ausência de
significado das proposições particulares negativas, que são verificáveis mas
não falseáveis: a proposição «há pelo menos um limão que não é amarelo»
não é falseável, pois a acumulação de observações de limões amarelos não
equivale a falsear aquela. A correcção introduzida por Popper deixa pois as
coisas como estavam.
Ludwing Wittgenstein
Austríaco, nascido em 1889, é simultaneamente o filósofo de maior influência e de mais
estranha personalidade do nosso século. Dedicado inicialmente à engenharia, aos vinte e três
anos optou pela filosofia e pela lógica, sob a influência e direcção de B. Russell.
O seu temperamento era irritável, nervoso e depressivo (pensara muitas vezes na
possibilidade de se suicidar). Difícil na convivência social e com escassa estima pela bondade e
qualidades do ser humano, sentiu muitas vezes a necessidade de isolar-se das pessoas (por duas
vezes partiu para a Noruega para viver completamente isolado: em 1913, até ao começo da
primeira Grande Guerra, e em 1936; em 1947 retirou-se definitivamente para viver em completa
solidão, renunciando à sua cátedra em Cambridge).
Dotado de sensibilidade artística e musical, foi sempre austero e generoso (em 1914, tendo
recebido uma herança, deu elevada soma de dinheiro para auxiliar poetas e artistas pobres: deste
dinheiro beneficiou o poeta Rilke, entre outros). Participou nas duas guerras mundiais. Na
primeira como soldado voluntário, sendo feito prisioneiro pelos Italianos, e na segunda como
enfermeiro.
O seu primeiro contacto com Russell e a sua dedicação à lógica e às matemáticas (1912)
produziram em Wittgenstein grande entusiasmo. Desde então surgiram e desenvolveram-se as
suas reflexões que cristalizariam no Tractatus lógico-philosophicus. Esta obra foi redigida em
campanha, durante a Primeira Guerra Mundial, e acabada em 1918, pouco antes de cair
prisioneiro dos Italianos.
Concluído o conflito, Wittgenstein decidiu abandonar a filosofia e fez-se mestre-escola,
permanecendo nesta ocupação desde 1920 a 1926. Três anos mais tarde, no entanto, regressou a
Cambridge, onde permaneceu como professor até 1947, com as interrupções mencionadas do
seu isolamento na Noruega (1936) e da sua colaboração como enfermeiro na Segunda Guerra
(1941-44). A partir desta data sentiu-se cada vez mais desinteressado pelo ensino e pela vida
académica, renunciando à sua cátedra em 1947. Aos últimos anos da sua vida correspondem as
Investigações Filosóficas. Morreu de cancro em 1951 e as suas últimas palavras foram: «Dizei-
lhes que a minha vida foi maravilhosa.»
O FÍSICO E O MENTAL
Quando dois termos pertencem à mesma categoria, é correcto
construir proposições conjuntivas que os incluam a ambos.
Deste modo, uma pessoa pode dizer que comprou uma luva da mão
esquerda e outra da mão direita, mas não que comprou uma luva da mão
esquerda, uma luva da mão direita e um par de luvas (...). Com efeito, é
isso o que o dogma do «espírito na máquina» precisamente faz: sustenta
que existem corpos e mentes: que ocorrem processos físicos e processos
psíquicos; que há causas mecânicas dos movimentos corpóreos e causas
mentais dos movimentos corpóreos. Ora, estas e outras conjunções
análogas são absurdas. Mas note-se que a minha argumentação não
pretende mostrar que estas proposições – cuja conjunção é ilegítima – são
absurdas em si mesmas, cada uma por si (...). O que afirmo é que a frase
«acontecem processos mentais» não significa o mesmo que «acontecem
processos físicos» e, por conseguinte, a conjunção ou disjunção de ambas
carece de sentido.
G. Ryle, O Conceito de Mental.
Ainda que este tipo de análise não seja o único proposto por Ryle (e
alguns pensarão talvez que nem sequer é o mais valioso), a sua orientação
geral permite-nos pôr o problema da pretensa neutralidade filosófica da
análise. (Anteriormente referimo-nos de passagem ao carácter
aparentemente asséptico e objectivo da filosofia analítica.) Perante a análise
de Ryle, importa efectivamente fazer a seguinte pergunta: Descartes caiu
num erro categorial e como consequência deste erro, começou a falar de
uma substância espiritual? Ou, ao contrário, parte-se de que não existe tal
substância espiritual e, como consequência disso, se afirma que a
linguagem de Descartes é categorialmente aberrante? Com efeito, por um
lado parece ingénuo supor que a filosofia dualista (e igualmente a
monista) provenha de um mero erro linguístico; por outro, só se pode
afirmar que a linguagem dualista é categorialmente errada se se parte
do pressuposto de que a realidade não corresponde às categorias nela
utilizadas.
A análise de Ryle não é certamente neutral. De facto, pode-se dizer que
a análise até agora praticada não foi neutral em nenhum caso, mas sempre
realizada com base em pressupostos filosóficos fundamentalmente
empiristas. Isto leva-nos a colocar duas dúvidas relativamente à filosofia
analítica; em primeiro lugar, a justificação dos pressupostos de que se parte;
em segundo, a questão mais grave e de fundo, saber se é possível uma
análise que seja simultaneamente carente de pressupostos e capaz de dizer
algo importante acerca dos problemas filosóficos.
20. NATUREZA E CIÊNCIA NO
PENSAMENTO ACTUAL
INTRODUÇÃO
Na sua IV regra do filosofar, Newton salientara que uma teoria deve ser
mantida enquanto se adequar aos fenómenos. Agora o resultado negativo de
uma experiência crucial parecia exigir a aplicação da metodologia
newtoniana contra a sua própria teoria física. No entanto, e como nos casos
de Ptolomeu e Belarmino, o crítico de Galileu, também aqui se começou
por recorrer a uma hipótese ad hoc, dentro do que denominámos esquema
positivista da ciência. Assim, o físico irlandês G. F. Fitzgerald sugeriu uma
diminuição de longitude dos corpos na direcção em que se movem, numa
quantidade igual a , sendo c a velocidade da luz.
À velocidade da luz, todo o corpo tem uma massa infinita e uma
longitude nula, Do ponto de vista filosófico, o interessante deste caso é que
Lorentz (como Michelson) se negou a ver nas suas equações mais do que
hipóteses para salvar as aparências. E mais, Lorentz colocou aos ombros do
velho éter a tarefa de dar uma explicação física:
Albert Einstein
Nasce em Ulm em 1879 e morre em Princeton (New Jersey) em 1955. Alemão de origem
judaica, nacionaliza-se suíço em 1900 e norte-americano em 1940. Casado com uma estudante
húngara, pode dizer-se que foi realmente «cidadão do mundo». Mau estudante, salvo em
matemáticas, apaixonavam-no Schiller, Goethe e o violino. Termina os seus estudos no ETH
(Politécnico) de Zurique e emprega-se como administrativo na Repartição de Registo de
Patentes de Berna. Em 1905 assombra o mundo científico com três curtos trabalhos, publicados
nos Anais de Física: um sobre o movimento browniano, outro sobre o efeito fotoeléctrico
(primeira aplicação, e por conseguinte justificação, da hipótese quântica de Planck), pelo qual
receberia o Prémio Nobel em 1921 e outro com o título de Electrodinâmica dos Corpos em
Movimento, que lançava as bases da teoria especial da relatividade. A partir de então é
convidado pelas melhores universidades europeias: ensina em Zurique, Praga, Berlim, Leyden,
e, em 1914, é nomeado director do Instituto Kaiser Wilhelm, de Berlim. Nesse mesmo ano
destaca-se por se negar a apoiar a intervenção alemã contra a Bélgica. No advento do nazismo,
teve de fugir da Alemanha, trabalhando nos Estados Unidos (Universidade de Princeton).
A pedido de Fermi, Szilard e Wigner assina um documento de transcendência ainda não
esgotada: a petição ao Presidente Roosevelt para a construção de uma bomba atómica (também
Heisenberg estava a construir uma, na Alemanha). Em 1952 é-lhe oferecida a presidência do
Estado de Israel, cargo que Einstein recusa para continuar a trabalhar no sonho – vão – da sua
vida: a unificação das teorias electromagnética e gravitacional (teoria geral da relatividade).
Acérrimo defensor do determinismo («Deus não joga aos dados», disse), antibelicista incurável,
e crente no Deus de Espinosa (ordem matemática do Universo), abriu com Planck um novo
mundo, simultaneamente hostil e sedutor: o nosso.
«A mecânica quântica merece muito respeito; mas uma voz me diz que
no entanto não está aqui o nó da questão (...) Atormento-me por deduzir das
equações diferenciais da relatividade geral as fórmulas do movimento dos
pontos materiais concebidos como individualidades.»
Karl R. Popper
Filósofo britânico de origem austríaca, nasceu em Viena em 1902 e morreu em 1994. Foi
professor na universidade da Nova Zelândia e depois, de 1945 a 1969, na London School of
Economics, As suas investigações lógicas e epistemológicas aproximam-se muito das do
Círculo de Viena, apesar de não ter pertencido a ele. Em vez da teoria da verificação do
neopositivismo, Popper propõe a sua teoria da falsificabilidade, que constitui o cerne do seu
racionalismo crítico. Põe de lado a noção de probabilidade estatística e postula antes uma
probabilidade lógica (não baseada no conceito de indução). Também se debruçou sobre a
filosofia social, e a esse respeito manifestou uma franca oposição ao marxismo.
As suas obras mais importantes são:
– A Sociedade Aberta e os seus Inimigos (1945).
– A Miséria do Historicismo (1936).
– A Lógica da Investigação Científica (1962).
– O Desenvolvimento do Conhecimento Científico. Conjecturas e Refutações (1963).
PARADIGMAS E CRISES
Suponhamos portanto que as crises são uma condição prévia e
necessária para que surjam novas teorias, e perguntemo-nos então como é
que os cientistas as encaram. Uma parte evidente e importante da resposta
radica em primeiro lugar naquilo que os cientistas nunca fazem, nem
sequer quando se confrontam com anomalias graves e prolongadas.
Mesmo quando começam a perder a sua fé e, por conseguinte, quando
tomam em consideração outras alternativas, não renunciam ao paradigma
que os conduziu à crise. Ou seja, não tratam as anomalias como exemplos
contrários, embora no vocabulário da filosofia da ciência sejam
precisamente isso (...); e assim, logo que uma teoria científica alcança o
estatuto de paradigma, ela só se torna inválida quando há um candidato
alternativo para ocupar o seu lugar. Até hoje, não se vislumbrou ainda
nenhum processo descoberto pelo estudo histórico do desenvolvimento
científico que seja parecido com o estereótipo meteorológico da
demonstração de falsificabilidade por meio da comparação directa com a
natureza.
Thomas S. Kühn, A Estrutura das Revoluções Científicas.
Suponha-se, por exemplo, que T1é uma teoria que pretende explicar
certos fenómenos físicos; devemos refutar T1se estivermos perante um facto
(um contra-exemplo) que contradiz as consequências de T1. Até aqui,
Popper tem toda a razão. Mas refutar T1não significa refutar todos e cada
um dos enunciados de T1, mas apenas alguns, aqueles que são responsáveis
pelo fracasso da teoria.
Para sabermos a que enunciados devemos renunciar, os programas de
investigação lançam mão de uma heurística negativa, que consiste
basicamente na proibição de eliminar ou modificar o núcleo-duro do
programa; e também a uma heurística positiva, que fornece uma série de
indicações sobre os enunciados que se devem sacrificar primeiro, sobre os
problemas que devem ser resolvidos em primeiro lugar e qual o sentido de
desenvolvimento do programa. A heurística positiva diz-nos o que devemos
modificar e também em que direcção devem produzir-se as mudanças.
Para Lakatos, tanto Kühn como Popper têm parte da razão no que se
refere aos contra-exemplos: segundo Kühn, nenhum contra-exemplo é
suficiente para acabar com um paradigma, dado que todos os paradigmas
padecem de contra-exemplos. E assim acontece com efeito, se por
«paradigma» entendermos o núcleo de um programa; segundo Popper, a
aparição de um contra-exemplo (falsificabilidade) pressupõe a refutação da
teoria. E assim é com efeito, se por «teoria» entendermos as hipóteses
pertencentes à cintura-de-protecção.
Retomemos o caso de T1. Os contra-exemplos encontrados obrigar-nos-
ão a abandonar algumas hipóteses da cintura-de-protecção, que serão
substituídas por outras que em princípio parecem capazes de solucionar o
problema e se ajustam às directrizes da heurística positiva. Estas mudanças
farão com que T1se converta em T2com o mesmo núcleo básico da
antecessora T1.
Por sua vez, presumivelmente T2terá problemas, que deverão ser
neutralizados por meio de mudanças na sua cintura-de-protecção. Estas
mudanças darão lugar a T3e assim sucessivamente. A sucessão de T1, T2,
T3, etc., é o programa da investigação, um programa que pode sobreviver
indefinidamente se os seus defensores forem tão rápidos e afortunados que
de vez em quando consigam fazer ajustes com êxito, ou seja, que consigam
predizer algo acertadamente. Não é preciso mais nada para manter um
programa vivo. Basta que as hipóteses introduzidas não sejam ad hoc, que
não contradigam o núcleo e que tenham êxito intermitentemente.
b) Lakatos e Kühn
Num certo sentido, os programas de Lakatos parecem-se com os
paradigmas de Kühn: nem uns nem outros são falsificabilizáveis. Nenhuma
dificuldade empírica consegue acabar com um programa nem com um
paradigma: só morrem quando os seus defensores perdem a confiança neles.
Kühn e Lakatos também partilham a mesma opinião sobre a ideia de
progresso: os paradigmas – ou programas – rivais não podem ser
comparados em sentido estrito. Não ganha o melhor, mas o que ganha
converte-se automaticamente no melhor. Em conclusão, há progresso para
ambos desde a origem, mas não há progresso com vista a uma determinada
meta.
Os dois pensadores divergem no entanto, sobretudo porque os
paradigmas de Kühn são quase «visões do mundo» que não podem conviver
pacificamente, ao passo que os programas de Lakatos são algo mais restrito
(são sistemas de teorias acerca de determinado domínio) e pode haver
coexistência entre dois ou mais programas que tratem das mesmas questões
(pode haver escolas diferentes).
VALE TUDO
Deste modo, é óbvio que a ideia de um método fixo, ou a ideia de uma
teoria fixa da racionalidade, se baseia numa concepção excessivamente
ingénua do homem e do seu âmbito social. Aqueles que têm em
consideração o rico material que a história proporciona, e não tentam
empobrecê-lo para satisfazer os seus instintos mais baixos ou o seu desejo
de segurança intelectual sob o pretexto de clareza, precisão,
«objectividade» e «verdade», a essas pessoas parecerá que, em qualquer
circunstância ou etapa do desenvolvimento humano, só se pode defender
um princípio. Refiro-me ao princípio do vale tudo.
P. Feyerabend, Tratado Contra o Método.
INTRODUÇÃO
OS FILÓSOFOS DA SUSPEITA
Para quem se formou na fenomenologia, na filosofia existencial, na
renovação dos estudos hegelianos, e nas investigações de tendência
linguística, o encontro com a psicanálise constitui um abanão
considerável. O que é posto em questão não é este ou aquele tema de
reflexão filosófica mas sim todo o conjunto do projecto filosófico. Para o
filósofo contemporâneo, Freud, Nietzsche e Marx apresentam-se-lhe do
mesmo modo: os três erguem-se diante dele como os protagonistas da
suspeita, como aqueles que arrancam as máscaras. Nasceu um problema
novo: o da mentira da consciência, o da consciência como mentira. Este
problema não pode figurar como um problema particular no meio de
outros, pois o que é posto em questão de maneira geral e radical é aquilo
que, a nós, bons fenomenólogos, nos aparece como o campo, o
fundamento e a própria origem de toda a significação: refiro-me à
consciência.
P. Ricoeur, Hermenêutica e Psicanálise.
EROS E THANATOS
Foi com base em reflexões teóricas apoiadas na biologia que
supusemos a existência de um instinto de morte, cuja missão é fazer com
que o orgânico animado regresse ao estado inanimado, em contraposição
com o eros, cujo fim é complicar a vida e conservá-la assim, por meio de
uma síntese cada vez mais ampla da sua substância viva:dividida em
particular. Estes instintos pautam-se por uma conduta muito conservadora
e tendem à reconstituição de um estado perturbado pela génese da vida,
génese essa que seria a causa da continuação da vida e da tendência para
a morte. Por sua vez, a vida seria um combate e uma transacção entre as
duas tendências. Por conseguinte, a questão da origem da vida seria de
natureza cosmológica, e a questão relativa ao objecto e fim da vida
receberá uma resposta dualista.
S. Freud, O Ego e o Id.
Sigmund Freud
Fundador da psicanálise, nasceu em 1856 em Freiberg, Morávia (actualmente República
Checa). A sua família transferiu-se muito cedo para Viena, em cuja Universidade Freud estudou
medicina, especializando-se em neurologia. Os seus interesses orientaram-se rapidamente para
os aspectos psicológicos da neurologia. Numa sociedade puritana e hipócrita, a decisão com que
se embrenhou nos problemas da sexualidade, a descoberta de conflitos de tipo sexual sob
sintomas e condutas aparentemente inocentes, a sua interpretação dos sonhos e a afirmação de
que as crianças desenvolvem uma intensa vida sexual acarretaram-lhe a repulsa e o isolamento
por parte da sociedade bem-pensante. Isso não foi obstáculo ao crescimento do movimento
psicanalítico, em cujo seio se produziram a partir de 1911 cisões como a de A. Adler e C. Jung,
entre outros. Enquanto a sua obra atingia renome e reconhecimento internacional, teve de passar
os últimos dias da sua vida exilado em Londres, após a ocupação da Áustria pelos nazis, que
assassinaram quatro das suas filhas. A mais nova, Anna, chegou a ser uma psicanalista notável.
Freud morreu de cancro em 1939.
As suas obras mais notáveis são: Estados sobre a Histeria (1895), escrita em colaboração
com J. Breuer; A Interpretação dos Sonhos (1899); Três Ensaias sobre a Sexualidade (1901-
1905); O Ego e o Id (1923), etc. Aplicou os conceitos da psicanálise ao estudo de fenómenos
sociais em ensaios como Totem e Tabu (1913); O Futuro de uma Ilusão (1927) e O Mal-Estar
da Civilização (1930).
ESTRUTURA E INCONSCIENTE
Em relação ao acontecimento ou à particularidade histórica, estas
estruturas – ou, mais exactamente, estas leis de estrutura – são
verdadeiramente intemporais. No psicopata, toda a vida psíquica e todas
as experiências posteriores organizam-se em função de uma estrutura
exclusiva ou predominante, sob a acção catalisadora do mito inicial. Mas
esta estrutura (e todas as outras que no mito são relegadas para um lugar
subalterno) encontram-se também no homem comum, primitivo ou
civilizado. O conjunto dessas estruturas formaria o que denominamos de
inconsciente e assim dissipar-se-ia a última diferença entre a teoria do
xamanismo e a teoria da psicanálise. Deste modo, o inconsciente deixa de
ser o refúgio inefável das particularidades individuais e o depositário de
uma história única que faz de cada um de nós um ser insubstituível. O
inconsciente reduz-se a um termo pelo qual designamos uma função: a
função simbólica, que é sem dúvida especificamente humana, mas que
em todos os homens se exerce segundo as mesmas leis. De facto, o
inconsciente reduz-se ao conjunto destas leis.
Se esta concepção for exacta, isso implicará o estabelecimento de uma
distinção mais acentuada do que a habitual na psicologia contemporânea
entre inconsciente e subconsciente. Na verdade, como reservatório de
recordações e de imagens coleccionadas ao longo de cada vida, o
subconsciente torna-se num simples aspecto da memória, pois, ao mesmo
tempo que afirma a sua perenidade também dita as suas limitações, visto
que o termo subconsciente se refere ao facto de as recordações, se bem
que conservadas, nem sempre estarem disponíveis. O inconsciente, pelo
contrário, está sempre vazio ou, mais exactamente, é tão estranho às
imagens quanto o estômago aos alimentos que o atravessam. É um órgão
de uma função específica, limitando-se a impor leis estruturais a
elementos inarticulados que provêm de outra parte: pulsões, emoções,
representações, recordações (e nisto se esgota a sua realidade). Por
conseguinte, poderia dizer-se que o subconsciente é o léxico individual
onde cada um de nós acumula o vocabulário da sua história pessoal, mas
este vocabulário só adquire significação (para nós próprios e para os
outros) à medida que o inconsciente o organiza segundo as suas leis e o
torna assim num discurso. Como estas leis são as mesmas para todos os
indivíduos e em todas as ocasiões em que o inconsciente actua, o
problema colocado no parágrafo precedente pode ser resolvido
facilmente: o vocabulário tem menos importância que a estrutura. Quer o
mito seja recriado pelo sujeito ou tomado de empréstimo à tradição, o
inconsciente só absorve das suas fontes, individual ou colectiva (há
constantes interpenetrações e trocas entre as duas), o material de imagens
que usa; mas a estrutura é sempre a mesma, e é por ela que a função
simbólica se realiza.
Lévi-Strauss, Antropologia Estrutural.
LIBERDADE E SOCIEDADE
Desde o século XVII que a grande filosofia determinou a liberdade
como o seu interesse mais privado, tendo-se dedicado a fundamentá-la
com evidência sob as ordens tácitas da classe burguesa. Mas esse
interesse é antagónico em si mesmo, pois dirige-se contra a antiga
opressão e fomenta a nova, contida no próprio princípio da racionalidade.
Trata-se de encontrar uma fórmula comum para liberdade e opressão. A
liberdade é cedida à racionalidade, que a limita e a afasta do empirismo
porque não a quer ver realizada aí de modo algum. Tal dicotomia refere-
se também ao crescente cientificismo.
-–-–-–-–-–-–-–-–-–-–-–-–
As considerações sobre liberdade e determinismo soam a arcaicas,
como se viessem dos tempos primitivos da burguesia revolucionária. Mas
não há motivo para aceitar que a liberdade envelheça fatalmente sem se
realizar. Esta fatalidade deve ser explicada com a resistência. As razões
de a ideia de liberdade ter perdido o seu poder sobre os homens devem-
se, entre outras coisas, ao facto de ter sido antecipadamente concebida de
modo tão subjectivo e abstracto que a tendência social objectiva não
precisou de se esforçar para a abater sob os seus pés.
A integração social impõe-se aos sujeitos de modo irresistível, e é ela
a causa da indiferença perante a liberdade como conceito e até como
coisa. O interesse dos sujeitos em serem atendidos paralisa tudo o que
seja interesse por uma liberdade cujo desamparo temem. Invocar a
liberdade ou apenas nomeá-la soa a retórica. O nominalismo intransigente
também concorre para esta situação: ao relegar, segundo um cânone
lógico, as antinomias objectivas para o terreno dos pseudoproblemas,
cumpre por seu lado a função social de encobrir as contradições à força
de as negar. Devemos ater-nos aos dados, ao seu herdeiro moderno: o que
as notícias dizem. Deste modo, a consciência é aliviada do que a
contradiz no exterior. Segundo as regras de uma tal ideologia, o que há a
fazer é simplesmente descrever e classificar os comportamentos dos
homens em diversas situações em vez de falar de vontade ou liberdade
com feiticismo conceptual.
Adorno, Dialéctica Negativa.
MATERIALISMO E DIALÉCTICA
«(...) Dado que no materialismo se ensina a preponderância das
matérias ou das condições materiais da vida, uma das suas interpretações
essenciais e falsas consiste em crer que essa preponderância exige que a
matéria seja apenas aquilo que é autenticamente positivo.(...) O telos, a
ideia do materialismo marxista, consiste na negação do materialismo,
quer dizer, na procura de uma situação que derrube a força cega das
condições materiais sobre os homens, e na qual a pergunta pela liberdade
tenha verdadeiramente sentido.(...) Quando se ensina uma dialéctica
materialista como uma espécie de princípio absoluto e metafísico, surge
uma grande dificuldade: a dialéctica é um mover-se entre opostos. Tudo
isto se torna impensável sem o momento da reflexão, ou seja, sem o
momento no qual uma coisa se torne na sua alteridade graças à sua
consciência. Mas como o reflexo na sua alteridade só se pode dar numa
consciência, por conseguinte não se pode separar da dialéctica o
momento da subjectividade ou da reflexão».
Adorno, Terminologia Filosófica.
Herbert Marcuse
Herbert Marcuse nasceu em Berlim em 1898 e morreu em Stamberg, na Baviera, em 1979.
Formou-se nas universidades de Berlim e Friburgo e, sob a orientação de Heidegger, doutorou-
se com um trabalho sobre Hegel (muito importante no âmbito dos estudos hegelianos e de
grande relevo para a compreensão da sua própria filosofia). A esta linha fenomenológico-
existencialista hegeliana aliou a tradição marxista, tendo participado também na edição crítica
dos trabalhos de juventude de Marx. Foi um notável membro da Escola de Frankfurt,
destacando-se pela sua interpretação da sociedade pós-industrial à luz da teoria freudiana. Foi
forçado ao exílio durante o regime nazi, primeiro em Genebra e mais tarde nos Estados Unidos,
onde foi membro do Instituto de Investigação Social da Universidade de Columbia e também
professor nas universidades de Harvard e Califórnia. O seu pensamento e interpretação da
cultura foram aproveitados pelas reivindicações sociais e culturais do Maio de 68 e dos
movimentos estudantis, circunstância que conferiu a Marcuse uma singular notoriedade.
De entre as suas obras, destaca-se A Ontologia de Hegel e a Fundamentação de uma Teoria
da Historicidade (1932); Hegel e a Origem da Teoria Social (1942); Eros e Civilização (1957);
O Marxismo Soviético (1958) e O Homem Unidimensional (1964).
a) Civilização e cultura
As manifestações da sociedade repressiva são, entre outras, a
interpretação afirmativa da cultura e a redução da linguagem e do
pensamento a uma única e exclusiva dimensão. A cultura e a linguagem,
assim falseadas, são decisivas para a manutenção e reprodução da repressão
e alienação sociais.
O sistema capitalista de produção e a progressiva redução da razão a
uma dimensão tecnológica acabam por opor o mundo material ao espiritual,
originando uma distinção radical entre civilização e cultura.
A cultura constitui o reino dos valores e o campo da verdadeira
liberdade, ao passo que a civilização representa o mundo da utilidade e da
miséria corporal. A cultura surge como no mundo nobre, não tendo nada a
ver com o nível material da vida, com as necessidades ou com o trabalho.
Segundo Marcuse, «por cultura afirmativa entende-se a cultura que
pertence à época burguesa e que durante o seu desenvolvimento conduziu à
separação e à supremacia da civilização sobre o mundo anímico-espiritual
(entendendo-se este como reino independente dos valores). A sua
característica fundamental é afirmar a formação incondicional de um
mundo valioso e superior obrigatório para todos, diferente do mundo da luta
quotidiana pela existência, o que qualquer indivíduo pode transformar por si
mesmo “a partir do seu interior”, mas sem modificar aquela situação fáctica
(...). A cultura afirma e oculta as novas condições sociais de vida.» (Cultura
e Sociedade.)
b) Pensamento e linguagem
A mesma hesitação acontece relativamente ao pensamento e à
linguagem. A redução unidimensional do pensamento só admite como
genuína e verdadeira a forma de pensar que se submete ao sistema
estabelecido pelo mundo técnico-produtivo, encarando qualquer outra
função sua como espúria ou não-verdadeira. A característica comum deste
pensamento unidimensional é «um empirismo total no tratamento dos
conceitos» e o «positivismo» é entendido como «negação dos elementos
transcendentes da razão» (O Homem Unidimensional).
Tal como o pensamento, também a linguagem (que é a sua expressão
mais completa) é reduzida ao serviço da administração e da dominação
total. De entre as características da linguagem unidimensional destacam-se
as seguintes: 1) a sua natureza operacional ou funcional – a linguagem e as
palavras identificam as coisas e as suas funções, conforme o seu uso
comum e geral. Cada coisa é a sua função e nela se esgota; 2) a linguagem
assim unificada serve de veículo de coordenação e subordinação e torna-se
anticrítica e antidialéctica, cega aos aspectos negativos da realidade; 3) é
uma linguagem radicalmente anti-histórica, sem espaço e acolhida pela
razão histórica: quer quanto ao passado da sociedade, quer quanto ao seu
futuro como negação do presente; 4) Por tudo isto, «a linguagem está
privada das mediações que formam as etapas do processo de conhecimento
e de avaliação (O Homem Unidimensional).
Numa palavra, é uma linguagem «purificada» e «fechada» na ordem
estabelecida: «A análise linguística só atinge a exactidão empírica que as
pessoas extraem do estado das coisas e apenas alcança a claridade que é
permitida neste estado de coisas; ou seja, permanece dentro dos limites do
discurso mistificado e equívoco» (O Homem Unidimensional).
c) A racionalidade tecnológica
Para Marcuse, é muito importante assinalar que esta redução
unidimensional da linguagem é um dos modos de expressão e exercício da
racionalidade tecnológica instrumental. Com efeito, «o logos correcto é
tecnologia» porque «projecta e responde à realidade tecnológica», ou seja, a
uma interpretação tecnológica da realidade. Por seu lado, a racionalidade
tecnológica «revela o seu carácter político à medida que se converte no
veículo por excelência de uma dominação total» (O Homem
Unidimensional). O a priori tecnológico é um a priori político.
O PROBLEMA HERMENÊUTICO
O fenómeno da compreensão e da interpretação correcta do
compreendido não é somente um problema específico da metodologia das
ciências do espírito. Desde há muito que existem também uma
hermenêutica teológica e uma hermenêutica jurídica, embora o seu
carácter diga menos respeito à teoria da ciência do que ao comportamento
prático do juiz ou sacerdote formados numa ciência posta ao seu serviço.
Deste modo, desde a sua origem histórica que o problema da
hermenêutica ultrapassa as fronteiras impostas pelo conceito de método
da ciência moderna. Compreender e interpretar textos não é somente uma
instância científica mas também algo que, com toda a evidência, pertence
à experiência humana do mundo. Na sua origem, o problema
hermenêutico não é de modo algum um problema metódico, não se
interessando por um método da compreensão que permita submeter os
textos (tal como qualquer outro objecto da experiência) ao conhecimento
científico; também não se ocupa em constituir basicamente um
conhecimento seguro e de acordo com o ideal metódico da ciência. E no
entanto trata de ciência, e também de verdade. Quando se compreende a
tradição, não se compreende textos mas adquire-se perspectivas e
conhece-se verdades. Que espécie de conhecimento é este e qual é a sua
verdade? Ora, tendo em conta a primazia da ciência moderna no âmbito
do esclarecimento e justificação filosófica dos conceitos de conhecimento
e verdade, esta pergunta não parece realmente legítima. Aliás, nem sequer
no âmbito das ciências é possível iludi-la totalmente. O fenómeno da
compreensão não só está presente em todas as referências humanas ao
mundo mas também tem validade própria dentro da ciência, e resiste a
qualquer tentativa de o transformar em método científico. Aliás, a
investigação actual insiste nesta resistência, que se afirma dentro da
ciência moderna perante a pretensão de universalidade da metodologia
científica. O seu objectivo é rastrear a experiência da verdade, que
transcende o âmbito do controlo da metodologia científica, onde quer que
se encontre, e indagar sobre a sua legitimação. Deste modo, as ciências
do espírito confluem com formas da experiência que estão fora da
ciência: com a experiência da filosofia, com a da arte e com a da própria
história. São formas de experiência nas quais se expressa uma verdade
que não pode ser verificada com os meios de que a metodologia científica
dispõe.
Gadamer, Verdade e Método.
TRADIÇÃO E LINGUISTICIDADE
O facto de a essência da tradição se caracterizar pela sua linguagem
também acarreta consequências hermenêuticas. Perante qualquer outra
forma de tradição, a compreensão da tradição linguística mantém uma
primazia particular. A tradição linguística poderá muito bem estar por
detrás dos monumentos das artes plásticas no que se refere à contiguidade
e conspicuidade. Na verdade, a falta de contiguidade não é neste caso um
defeito; na aparente deficiência ou estranheza abstracta dos «textos», a
pertinência prévia de tudo o que é linguístico expressa-se de uma maneira
peculiar ao âmbito da compreensão. A tradição linguística é tradição no
verdadeiro sentido da palavra, o qual quer dizer que não é apenas um
resíduo que foi preciso investigar e interpretar na sua qualidade de
relíquia do passado. O que chega a nós pelo caminho da tradição
linguística não é o que restou mas sim algo que se transmite, algo que se
nos diz a nós: quer sob a forma do relato directo, na qual o mito, a lenda,
os usos e os costumes têm a sua vida; quer sob a forma da tradição escrita
cujos sinais estão imediatamente destinados a qualquer leitor em
condições de os ler. O facto de a tradição se caracterizar pela sua
linguisticidade adquire o seu significado hermenêutico pleno no momento
em que a tradição se torna escrita. Na escrita, a linguagem liberta-se
relativamente à sua realização. Sob a forma de escrita, tudo o que é
transmitido dá-se simultaneamente para qualquer presente. Dá-se nela
uma coexistência, única no seu género, de passado e presente, pois a
consciência presente tem a possibilidade de aceder livremente a tudo
quanto foi transmitido por escrito.
Gadamer, Verdade e Método.
O CÍRCULO HERMENÊUTICO
Por conseguinte, o círculo não é de natureza formal; não é subjectivo
nem objectivo, mas descreve antes a compreensão como a interpretação
do movimento da tradição e do movimento do intérprete. A antecipação
de sentido que guia a nossa compreensão de um texto não é um acto da
subjectividade mas é determinada a partir da comunidade que nos une à
tradição. Mas na nossa relação com a tradição, esta comunidade está
submetida a um processo de formação contínua. Não é simplesmente um
pressuposto sob o qual nos encontramos sempre; somos nós próprios que
o instauramos na medida em que compreendemos e participamos do
acontecer da tradição, e continuamos a determiná-lo assim a partir de nós
próprios. Neste sentido, o círculo da compreensão não é um círculo
«metodológico» mas algo que descreve um momento estrutural
ontológico da compreensão.
Gadamer, Verdade e Método.
4.2.2. O positivismo
PRIMEIRA PARTE
CAPÍTULOS 1-3
GIGON, O. Los origenes de la filosofia griega, Madrid, Gredos. Grube, G. El
pensamiento de Platón, Madrid, Gredos.
JAEGER, W. La teologia de los primeros filósofos griegos, México, Fondo
de Cultura Económica.
KIRK, G. e Raven, J. Los filósofos presocráticos, Madrid, Gredos.
LONG, A. La filosofia helenística, Madrid, Revista de Occidente.
MOREAU, J. Aristóteles y su escuela, Buenos Aires, Eudeba.
ROBIN, L. Platon, Paris, Félix Alcan.
RODRIGUES ADRADOS, F. Ilustración y Política en la Grecia Clássica,
Madrid, Revista de Occidente.
ROSS, W. Aristóteles, Buenos Aires, Sudamericana.
ZUBIRI, X. Sócrates y la sabiduria griega, em «Naturaleza, Historia, Dios».
Madrid, Ed. Nacional.
CAPÍTULO 4
BREHIER, E. La filosofia de Plotino, Buenos Aires, Sudamericana.
GIGON, O. La cultura antigua y el cristianismo, Madrid, Gredos.
GILSON, E. La filosofia en la Edad Media, 2 vols. Madrid, Gredos.
––, L’esprit de la philosophie médiévale, Paris, Vrin.
––, Introduction à l’étude de St. Augustin, Paris, Vrin.
JOLIVET, R. Saint Augustin et le néoplatonisme chrétien, Paris, Denoël et
Steele.
CAPÍTULO 5
CHENU, D. Introduction à l’étude de St. Thomas d’Aquin, Montreal, Institut
d’Etudes Médiévales.
COPLESTON, F. El pensamiento de Santo Tomás, México, Fondo de Cultura
Económica, Breviarios.
GILSON, E. Le thomisme. Introduction à la philosophie de St. Thomas
d’Aquin, Paris, Vrin.
CAPÍTULO 6
ANDRÉS, T. El nominalismo de Guillermo de Ockham como filosofia del
lenguage, Madrid, Gredos.
BAUDRY, L. Guillaume d’Ockham. Sa vie, ses oevres, ses idées sociales et
politiques, Paris, Vrin.
RÁBADE, S. Guillermo de Ockham y la filosofia del siglo XIV, Madrid,
C.S.I.C.
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
Do período correspondente a esta parte segue-se uma relação de obras
publicadas por Edições 70.
DIVERSOS:
COLLI, Giorgio – O Nascimento da Filosofia, Col. O Saber da Filosofia, n.º
33.
MAUTNER, Thomas – Dicionário de Filosofia, Col. Lexis, n.º 18.
PAPPAS, Nickolas – A República de Platão, Col. Guias Filosóficos, n.º l.
SEVERINO, Emanuele – A Filosofia Antiga, Col. O Saber da Filosofia, n.º 16.
SEGUNDA PARTE
CAPÍTULO 7
CASSIRER, E., Indivíduo y cosmos en la filosofia del Renascimiento, Buenos
Aires, EMECE.
HEIMSOETH, H., La metafísica moderna, Madrid, Revista de Occidente.
PATERSON, A., The infinite world of Giordano Bruno, Springfield, Charles
C. Tomas.
CAPÍTULO 8
BURTT, E., Los fundamentos metafísicos de la ciencia moderna, Buenos
Aires, Sudamericana.
CROMBIE, A., Historia de la ciencia. De S. Agustin a Galileo, 2 vols.
Madrid, Alianza Editorial.
KEARNEY, H., Orígenes de la ciencia moderna, 1500-1700, Madrid,
Guadarrama.
KOYRÉ, A., Études Galiléennes, 2 vols. Paris, Hermann.
CAPÍTULO 9
GUÉROULT, M., Descartes selon l’ordre des raisons, 2 vols. Paris,
Aubier/Ed. Montaigne.
HEIDEGGER, M., La época de la imagen del mundo, Buenos Aires, Losada.
HOLZ, H., Leibniz, Madrid, Tecnos.
PENA, V., El materialismo de Spinoza. Ensayo sobre la ontologia
spinozista, Madrid, Revista de Occidente.
CAPÍTULO 10
BENNETT, J., Locke, Berkeley, Hume, Central themes, Oxford, Clarendon
Press.
DELEUZE, G., Empirismo y subjetividad. Ensayo sobre la naturaleza
humana según Hume, Barcelona, Granica Editor.
DUCHESNAU, F., L’empirisme de Locke, Haia, Martinus Nijhoff.
NOXON, J., La evolución de la filosofia de Hume, Madrid, Revista de
Occidente.
RÁBADE, S., Hume y el fenomenismo moderno, Madrid, Gredos.
CAPÍTULO 11
CASSIRER, E., La filosofia de la Ilustración, México, Fondo de Cultura
Económica.
GAY, P., The Enlightenment: An interpretation, 2 vols. Londres,
Weidenfeld and Nicholson.
HAZARD, P., La pensée européenne au XVIII siècle. De Montesquieu à
Lessing, Paris, Librairie Arthème Fayard.
KOYRÉ, A., Études newtoniennes, Paris, Gallimard.
CAPÍTULO 12
ALQUIÉ, F., La critique kantienne de la métaphysique, Paris, P.U.F.
KÖRNER, S., Kant, Madrid, Alianza Universidad.
GOLDMANN, L., Introducción a la filosofia de Kant, Buenos Aires,
Amorrortu.
LACROIX, J., Kant, Buenos Aires, Sudamericana.
PHILONENKO, A., L’oeuvre de Kant, 2 vols. Paris, Vrin.
CAPÍTULO 13
ARTOLA, J., Hegel, La filosofia, como retorno, Madrid, G. del Toro.
BLOCH, E., El pensamiento de Hegel, México, Fondo de Cultura
Económica.
FINDLEY, J., Reexamen de Hegel, Barcelona, Grijaibo.
MARCUSE, H., Razón y revolución, Hegel y el origen de la teoria social,
Madrid, Alianza.
––, En torno a Hegel, Granada, Departamento de Filosofia y Secret. de
Publicaciones de la Universidad.
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
Do período correspondente a esta 2.aparte segue-se uma relação de obras
publicadas por Edições 70.
DIVERSOS:
CHIEREGHIN, Franco – A “Fenomenologia do Espírito” de Hegel – Col.
Guias Filosóficos, n.º 2.
TERCEIRA PARTE
A FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA
CAPÍTULO 14
ARVON, H., Las etapas del pensamiento sociológico, 2 vols., Buenos Aires,
Losada.
KOLAKOWSKI, L., La philosophie positiviste, Paris, Denoël.
MILL, J., Auguste Comte y el positivismo, Madrid, Aguillar.
ZUBIRI, X., Cinco lecciones de filosofia, Madrid, Sociedad de Estudios y
Publicaciones, 1963.
CAPÍTULO 15
AXELOS, K., Marx, pensador de la técnica, Barcelona, Fontanella.
CALVEZ, J., El pensamiento de Carlos Marx, Madrid, Taurus.
HENRY, M., Marx, 2 vols., Paris, Gallimard.
HOOK, S., La génesis del pensamiento filosófico de Marx. De Hegel a
Feuerbach, Barcelona, Seix Barral.
KORSCH, K., Karl Marx, Barcelona, Ariel.
CAPÍTULO 16
CEREZO GALÁN, I., La voluntad de aventura. Aproximación crítica al
pensamiento de Ortega y Gasset, Barcelona, Ariel.
DELEUZE, G., Nietzsche y la filosofia, Barcelona, Anagrama.
IMAZ, E., El pensamiento de Dilthey, México, El Colégio de México.
FINK, E., La filosofía de Nietzsche, Madrid, Alianza.
NICOL, E., Historicismo y existencialismo, Madrid, Tecnos.
PARÍS, C., Unamuno. Estructura de su mundo intelectual, Barcelona,
Península.
VATTIMO, G., El sujeto y la máscara. Nietzche y el problema de la
liberación, Barcelona, Península.
CAPÍTULO 17
CHIODI, P., Sartre y el marxismo, Barcelona, Oikos-Tau.
DE MURALT, A., La idea de la fenomenología. El ejemplarismo husserliano,
México, U.N.A.M.
JOUVET, Las doctrinas existencialistas, Madrid, Gredos.
NAVARRO CORDÓN, J.M. e RODRÍCUEZ, R. (ed.), Heidegger o el final de la
filosofía, Madrid, Ed. Complutense.
OLASAGASTI, M., Introduccíon a Heidegger, Madrid, Revista de Occidente.
PÖGCELER, O., El camino de pensar de Martin Heidegger, Madrid, Alianza.
VÁRIOS, En os confines de la modernidad, Barcelona, Granica.
WAELENS, A. de, Une philosophie de l’ambiguïté. L‘existentialisme de
Maurice Merleau-Ponty, Lovaina, Bibliothèque Philosophique.
XIRAU, J., La filosofia de Husserl. Una introducción a la fenomenología,
Buenos Aires, Losada.
CAPÍTULO 18
DIAZ, C. e MACEIRAS, M., Introducción al personalismo actual, Madrid,
Gredos.
DOMENECH J. M., Mounier según Mounier, Barcelona, Laia.
GUISSARD, L,, Emmanuel Mounier, Barcelona, Fontanella.
LACROIX, J., Marxismo, existencialismo, personalismo, Barcelona,
Fontanella.
CAPÍTULO 19
AYER, A. (ed.), El positivismo lógico, México, Fondo de Cultura
Económica.
FERRATER, J., Cambio de marcha en filosofía, Madrid, Alianza.
HARNACK, J., Wittgenstein y la filosofia contemporânea, Barcelona, Ariel.
KENNY, A., Wittgenstein, Madrid, Revista de Occidente.
MOUNCE, H.O., Introducción al Tractatus de Wittgenstein, Madrid, Tecnos.
MUGUERZA, J. (ed.), La concepción analítica de la filosofia, 2 vols., Madrid,
Alianza.
REGUERA, I., La miséria de la razón. El primer Wittgenstein, Madrid,
Taurus.
REGUERA, I., El feliz absurdo de la ética. El Wittgenstein místico, Madrid,
Tecnos.
CAPÍTULO 20 E 21
BROWN, H. J., La nueva filosofía de la ciência, Madrid, Tecnos.
CHALMERS, A. F., Qué es esa cosa llamada ciência?, Madrid, Siglo XXI.
CORETH, E., Cuestiones fundamentales de hermenêutica, Barcelona, Herder.
CORVEZ, M., Los estructuralistas, Buenos Aires, Amorrortu.
FEYERABEND, P., Tratado contra el método, Madrid, Tecnos.
GABÁS, R., J. Habermas: Dominio técnico y comunidad linguística,
Barcelona, Ariel.
GADAMER, G., Verdad y método. Fundamentos de una hermenêutica
filosófica, Salamanca, Sígueme.
HABERMAS, J., Teoría y praxis, Madrid, Tecnos.
HABERMAS, J., Conocimiento e interés. Madrid, Taurus.
HABERMAS, J., Conciencia moral y acción comunicativa, Barcelona,
Península.
HABERMAS, J.;Técnica e ciência como ideologia, Lisboa, Edições 70.
HABERMAS, J., Teoria de la acción comunicativa, 2 vols., Madrid, Taurus.
HERMENDHAL, E., Física y filosofia, Madrid, Guadarrama.
KÜHN, Th. S., La estructura de las revoluciones científicas, México, F.C.E.
LAKATOS, I., ‘La falsación y la metodologia de los programas de
investigación científica’, Barcelona, Grijalbo.
LLEDÓ, E., La filosofia hoy, Barcelona, Salvat.
MANSILLA, H., Introducción a la teoria crítica de la sociedad, Barcelona,
Seix Barral.
MCCARTHY, Th., La teoría crítica de Jürgen Habermas, Madrid, Tecnos.
MOULINES, C. H., Exploraciones metacientíficas. Estructura, desarrollo y
contenido de la ciência, Madrid, Alianza.
POPPER, K. R., Conocimiento objetivo, Madrid, Tecnos.
POPPER, K. R., La lógica de la investigación, Madrid, Tecnos.
POPPER, K. R., El universo abierto, Madrid, Tecnos.
RICOEUR, P., Le conflit des interprétations. Essais d’hermenéutique. Paris,
E. du Seuil.
RICOEUR, P., Du text à l’action. Essais d’hermenéutique, II, Paris, E. du
Seuil.
RICOEUR, P., Freud, una interpretación de la cultura, México, Siglo XXI.
ROAZEN, P., Freud Su pensamiento político y social, Barcelona, Martínez
Roca.
RUSCONI, G. E., La teoria crítica de la sociedad, Barcelona, Martínez Roca.
SIMONIS, Y., Claude Levi-Strauss o la pasión del incesto. Introducción al
estructuralismo, Barcelona, Ediciones de Cultura Popular.
STEGMÜLLER, W., Estructura y dinámica de teorias, Barcelona, Ariel.
STEGMÜLLER, W., La concepción estruturalista de las teorias, Madrid,
Alianza.
TAYLOR, J., La nueva física, Madrid, Alianza.
UREÑA, E., La teoría crítica de la sociedad de Habermas, Madrid, Tecnos.
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
Do período correspondente a esta 3.aparte segue-se uma relação de obras
publicadas por Edições 70.
DIVERSOS:
ADORNO, Theodor – Teoria Estética, Col. Arte & Comunicação, n.º 14.
BAUDRILLARD, Jean – A Sociedade de Consumo, Col. Arte & Comunicação,
n.º 54.
BERLIN, Isaiah – Karl Marx, Col. Biografias, n.º 8.
FOUCAULT, Michel – As Palavras e as Coisas, Col. Biblioteca 70, n.º 29.
FOUCAULT, Michel – O Nascimento da Biopolítica, Col. Biblioteca da
Teoria Política, n.º 5.
FOUCAULT, Michel – Vigiar e Punir, Col. Biblioteca da Teoria Política, n.º
9.
GADAMER, Hans-Georg – Herança e Futuro da Europa – Col. Biblioteca
70, n.º 7.
GUSDORF, Georges – A Palavra, Col, Arte & Comunicação, n.º 59.
HABERMAS, Jürgen – Ensaio Sobre a Constituição da Europa, Extra-
colecção, n.º 151.
HABERMAS, Jürgen – Obras Escolhidas de Jürgen Habermas, vol. I.
Fundamentações Linguística da Sociologia.
HABERMAS, Jürgen – Obras Escolhidas de Jürgen Habermas, vol. II. Teoria
da Racionalidade e Teoria da Linguagem.
HABERMAS, Jürgen – Obras Escolhidas de Jürgen Habermas, vol. III. Ética
do Discurso.
KRISTEVA, Júlia – História da Linguagem, Col. Arte & Comumicação, n.º
91.
POPPER, Karl – A Sociedade Aberta e os seus Inimigos. Vols. I e II, Col.
Biblioteca da Teoria Política, n.os7 e 8.
THIRY, Philippe – Noções de Lógica, Col. Compêndio, n.º 6.
Índice
Cover
Frontispício
Ficha Técnica
ÍNDICE
PRÓLOGO
PRIMEIRA PARTE DOS PRÉ-SOCRÁTICOS À IDADE MÉDIA
QUADRO SINCRÓNICO
1. AS ORIGENS DA FILOSOFIA. OS PRÉ-SOCRÁTICOS
1. O APARECIMENTO DA FILOSOFIA E O PROBLEMA DA
NATUREZA
2. OS PRÉ-SOCRÁTICOS, MODELOS DE EXPLICAÇÃO DA
NATUREZA
1. O APARECIMENTO DA FILOSOFIA E O PROBLEMA DA
NATUREZA
2. OS PRÉ-SOCRÁTICOS, MODELOS DE EXPLICAÇÃO DA
NATUREZA
2. OS SOFISTAS, SÓCRATES E PLATÃO
1. OS SOFISTAS
2. SÓCRATES
3. PLATÃO
1. OS SOFISTAS
2. SÓCRATES
3. PLATÃO
3. ARISTÓTELES. A FILOSOFIA DO PERÍODO HELENÍSTICO
1. ARISTÓTELES
2. A FILOSOFIA DO PERÍODO HELENÍSTICO
1. ARISTÓTELES
2. A FILOSOFIA DO PERÍODO HELENÍSTICO
4. CRISTIANISMO E FILOSOFIA. SANTO AGOSTINHO
1. A CONFRONTAÇÃO DO CRISTIANISMO COM A
FILOSOFIA
2. O APOGEU DO PLATONISMO CRISTÃO. SANTO
AGOSTINHO
3. AUGUSTINISMO E PLATONISMO MEDIEVAIS
1. A CONFRONTAÇÃO DO CRISTIANISMO COM A
FILOSOFIA
2. O APOGEU DO PLATONISMO CRISTÃO. SANTO
AGOSTINHO
3. AUGUSTINISMO E PLATONISMO MEDIEVAIS
5. SÃO TOMÁS DE AQUINO E O APOGEU DA
ESCOLÁSTICA
1. O ARISTOTELISMO E A LUTA PELA AUTONOMIA
DA RAZÃO
2. SÍNTESE DE ARISTOTELISMO E PLATONISMO EM
TOMÁS DE AQUINO
1. O ARISTOTELISMO E A LUTA PELA AUTONOMIA
DA RAZÃO
2. SÍNTESE DE ARISTOTELISMO E PLATONISMO EM
TOMÁS DE AQUINO
6. GUILHERME DE OCKHAM E A CRISE
ESCOLÁSTICA
1. OS LIMITES DA RAZÃO E A PRIMAZIA DA
VONTADE
2. GUILHERME DE OCKHAM E A CRISE DA
TRADIÇÃO FILOSÓFICA
3. AS CONTRIBUIÇÕES FÍSICAS DOS CIENTISTAS
DO SÉCULO XIV
1. OS LIMITES DA RAZÃO E A PRIMAZIA DA
VONTADE
2. GUILHERME DE OCKHAM E A CRISE DA
TRADIÇÃO FILOSÓFICA
3. AS CONTRIBUIÇÕES FÍSICAS DOS CIENTISTAS
DO SÉCULO XIV
SEGUNDA PARTE DO RENASCIMENTO À IDADE MODERNA
QUADRO SINCRÓNICO
7. O RENASCIMENTO E A ORIGEM DA IDADE MODERNA
1. O RENASCIMENTO E A TRANSFORMAÇÃO DA SOCIEDADE
EUROPEIA
2. A TRADIÇÃO GREGA E O NOVO ANTROPOCENTRISMO
NATURALISTA
3. O PROBLEMA DA INFINITUDE: CUSA E GIORDANO BRUNO
4. FRANCIS BACON E O SEU CONCEITO DA CIÊNCIA
1. O RENASCIMENTO E A TRANSFORMAÇÃO DA SOCIEDADE
EUROPEIA
2. A TRADIÇÃO GREGA E O NOVO ANTROPOCENTRISMO
NATURALISTA
3. O PROBLEMA DA INFINITUDE: CUSA E GIORDANO BRUNO
4. FRANCIS BACON E O SEU CONCEITO DA CIÊNCIA
8. KEPLER E GALILEU: A LUTA PELO MÉTODO
EXPERIMENTAL
1. A ASTRONOMIA PRÉ-COPERNICANA
2. REALISMO E MATEMÁTICA: COPÉRNICO
3. KEPLER: PROCURA DA PURA RACIONALIDADE
4. GALILEU E O MÉTODO EXPERIMENTAL
5. MÉTODO RESOLUTIVO-COMPOSITIVO
1. A ASTRONOMIA PRÉ-COPERNICANA
2. REALISMO E MATEMÁTICA: COPÉRNICO
3. KEPLER: PROCURA DA PURA RACIONALIDADE
4. GALILEU E O MÉTODO EXPERIMENTAL
5. MÉTODO RESOLUTIVO-COMPOSITIVO
9. O RACIONALISMO
1. A AUTO-SUFICIÊNCIA DA RAZÃO COMO FONTE DE
CONHECIMENTO
2. DESCARTES E A CONSTRUÇÃO DO UNIVERSO
3. ESPINOSA E LEIBNIZ
4. A MATEMÁTICA COMO MODELO DE SABER
5. RAZÃO E LIBERDADE
1. A AUTO-SUFICIÊNCIA DA RAZÃO COMO FONTE DE
CONHECIMENTO
2. DESCARTES E A CONSTRUÇÃO DO UNIVERSO
3. ESPINOSA E LEIBNIZ
4. A MATEMÁTICA COMO MODELO DE SABER
5. RAZÃO E LIBERDADE
10. O EMPIRISMO
1. O EMPIRISMO E OS LIMITES DO CONHECIMENTO
2. MORAL E POLÍTICA
1. O EMPIRISMO E OS LIMITES DO CONHECIMENTO
2. MORAL E POLÍTICA
11. O ILUMINISMO
1. ENQUADRAMENTO HISTÓRICO E SOCIOPOLÍTICO
DO ILUMINISMO
3. NEWTON E O PROBLEMA DA NATUREZA
4. HOMEM E DEUS: O DEÍSMO E A RELIGIÃO
NATURAL
5. HOMEM E SOCIEDADE (ROUSSEAU)
1. ENQUADRAMENTO HISTÓRICO E SOCIOPOLÍTICO
DO ILUMINISMO
3. NEWTON E O PROBLEMA DA NATUREZA
4. HOMEM E DEUS: O DEÍSMO E A RELIGIÃO
NATURAL
5. HOMEM E SOCIEDADE (ROUSSEAU)
12. O IDEALISMO TRANSCENDENTAL DE KANT
1. SENTIDO DE UMA CRÍTICA DA RAZÃO. A IDEIA
DE FILOSOFIA
2. A NATUREZA E A RAZÃO TEÓRICA
3. A LIBERDADE E A TAREFA DA RAZÃO PRÁTICA
4. HISTÓRIA E RELIGIÃO
1. SENTIDO DE UMA CRÍTICA DA RAZÃO. A IDEIA
DE FILOSOFIA
2. A NATUREZA E A RAZÃO TEÓRICA
3. A LIBERDADE E A TAREFA DA RAZÃO PRÁTICA
4. HISTÓRIA E RELIGIÃO
13. HEGEL E A DIALÉCTICA
1. ENQUADRAMENTO HISTÓRICO-SOCIAL E
FILOSÓFICO DA OBRA DE HEGEL
2. SENTIDO E ESTRUTURA DA DIALÉCTICA
3. O CONCEITO DE ESPÍRITO E SUAS FORMAS
4. A ESQUERDA HEGELIANA. FEUERBACH
1. ENQUADRAMENTO HISTÓRICO-SOCIAL E
FILOSÓFICO DA OBRA DE HEGEL
2. SENTIDO E ESTRUTURA DA DIALÉCTICA
3. O CONCEITO DE ESPÍRITO E SUAS FORMAS
4. A ESQUERDA HEGELIANA. FEUERBACH
TERCEIRA PARTE A FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA
QUADRO SINCRÓNICO
14. O POSITIVISMO DE COMTE
1. A SOCIEDADE INDUSTRIAL E O ESPÍRITO POSITIVISTA
2. NATUREZA DO SABER E SISTEMA DAS CIÊNCIAS
3. A SOCIOLOGIA E A POSITIVIZAÇÃO DA RAZÃO
1. A SOCIEDADE INDUSTRIAL E O ESPÍRITO POSITIVISTA
2. NATUREZA DO SABER E SISTEMA DAS CIÊNCIAS
3. A SOCIOLOGIA E A POSITIVIZAÇÃO DA RAZÃO
15. O MARXISMO
1. A CRÍTICA DE MARX À CONSCIÊNCIA FILOSÓFICA
2. AS FORMAS DE ALIENAÇÃO E O HUMANISMO
MARXISTA
3. MATERIALISMO, DIALÉCTICA E HISTÓRIA
1. A CRÍTICA DE MARX À CONSCIÊNCIA FILOSÓFICA
2. AS FORMAS DE ALIENAÇÃO E O HUMANISMO
MARXISTA
3. MATERIALISMO, DIALÉCTICA E HISTÓRIA
16. HISTORICISMO E VITALISMO
1. O HISTORICISMO DE DILTHEY
2. O VITALISMO DE NIETZSHE
3. O RACIOVITALISMO DE ORTEGA Y GASSET
4. VIDA, TRAGÉDIA E HEROÍSMO: MIGUEL DE
UNAMUNO
1. O HISTORICISMO DE DILTHEY
2. O VITALISMO DE NIETZSHE
3. O RACIOVITALISMO DE ORTEGA Y GASSET
4. VIDA, TRAGÉDIA E HEROÍSMO: MIGUEL DE
UNAMUNO
17. FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO
1. A FENOMENOLOGIA E A CRISE DAS CIÊNCIAS
2. O EXISTENCIALISMO: EXISTÊNCIA E LIBERDADE
1. A FENOMENOLOGIA E A CRISE DAS CIÊNCIAS
2. O EXISTENCIALISMO: EXISTÊNCIA E LIBERDADE
18. O PERSONALISMO CRISTÃO
1. CORRENTES PERSONALISTAS
CONTEMPORÂNEAS
2. CONTRIBUTOS HISTÓRICOS PARA ORIENTAÇÃO
PERSONALISTA
3. O PERSONALISMO DE MOUNIER
1. CORRENTES PERSONALISTAS
CONTEMPORÂNEAS
2. CONTRIBUTOS HISTÓRICOS PARA ORIENTAÇÃO
PERSONALISTA
3. O PERSONALISMO DE MOUNIER
19. O NEOPOSITIVISMO E A FILOSOFIA ANALÍTICA
1. O ATOMISMO LÓGICO: RUSSELL
2. O NEOPOSITIVISMO LÓGICO
3. A FILOSOFIA ANALÍTICA
1. O ATOMISMO LÓGICO: RUSSELL
2. O NEOPOSITIVISMO LÓGICO
3. A FILOSOFIA ANALÍTICA
20. NATUREZA E CIÊNCIA NO PENSAMENTO
ACTUAL
1. A FÍSICA MODERNA: NOVO CONCEITO DE
NATUREZA
2. OS DESENVOLVIMENTOS ACTUAIS NA
FILOSOFIA DA CIÊNCIA
1. A FÍSICA MODERNA: NOVO CONCEITO DE
NATUREZA
2. OS DESENVOLVIMENTOS ACTUAIS NA
FILOSOFIA DA CIÊNCIA
21. A CRISE DA CONSCIÊNCIA: NOVO
CONCEITO DE RAZÃO
1. FREUD E A INTERPRETAÇÃO DA CULTURA
2. O ESTRUTURALISMO E A CRISE DO
HUMANISMO
3. RAZÃO E SOCIEDADE NA ESCOLA DE
FRANKFURT
4. HERMENÊUTICA E CRÍTICA DAS
IDEOLOGIAS
1. FREUD E A INTERPRETAÇÃO DA CULTURA
2. O ESTRUTURALISMO E A CRISE DO
HUMANISMO
3. RAZÃO E SOCIEDADE NA ESCOLA DE
FRANKFURT
4. HERMENÊUTICA E CRÍTICA DAS
IDEOLOGIAS
BIBLIOGRAFIA