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COMPENDIO
DE LITERATURA
GREGA
COMPÊNDIO
Colecção que procura reunir tratados sucintos, xnas exactos, sobre as várias
disciplinas do saber, num equilíbrio entre o rigor académico e a divulgação dos
temas junto de um público não tão especializado, mas não menos interessado.
COMPENDIO
DE LITERATURA
GREGA
TÍTULO ORIGINAL:
Précis de littérature grecque
TRADUÇÃO
Leonor Santa Bárbara
REVISÃO
Marcelino Amaral
DESIGN DA CAPA
FBA
ROMILLY, Jacqueline de
CDU 821.14.09
PAGINAÇÃO
Rita Lynce
IMPRESSÃO E ACABAMENTO
Pentaedro
Março de 2011
www.edicoes70.pt
Esta obra está protegida pela lei. Não pode ser reproduzida,
no todo ou em parte, qualquer que seja o modo utilizado,
incluindo fotocópia e xerocópia, sem prévia autorização do Editor.
Qualquer transgressão à lei dos Direitos de Autor
será passível de procedimento judicial.
JACQUELINE DE ROMILLY
COMPÊNDIO
DE LITERATURA
GREGA
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70 MAT. 033/20-4
r
índice
Introdução........................................................................................ 13
i: HOM ERO......................................................................
c a p ít u l o 19
I. A epopeia e a sua formação.................................................... 22
1. A analogia........................................................................ 23
2. O carácter compósito da língua........................................ 24
3. Uma civilização compósita.............................................. 26
4. A diversidade no seio dos poemas.................................... 27
5. A questão homérica.......................................................... 29
II. A epopeia e a sua perfeição.................................................... 31
1. A estrutura dos dois poem as............................................ 32
a) A Ilíada........................................................................ 32
b) A Odisseia.................................................................... 35
2. O mundo homérico.......................................................... 37
a) Os deuses na epopeia.................................................. 37
b) O ideal humano............................................................ 42
3. O amor pela vida.............................................................. 44
4. A expressão literária........................................................ 46
Apêndice: os poemas do ciclo e os hinos homéricos.............. 49
π: A ÉPOCA ARCAICA....................................................
c a p ít u l o 51
I. Hesíodo .................................................................................. 53
II. A poesia na época arcaica de Hesíodo a Píndaro.................... 59
1. A poesia jâmbica.................................................................. 61
2. A poesia «elegíaca»............................................................ 62
3. O lirismo individual............................................................ 65
4. O lirismo coral antes de Píndaro.......................................... 67
7
COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
m: O INÍCIO DO SÉCULO V:
c a p ít u l o
8
ÍNDICE
9
COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
10
ÍNDICE
Bibliografia...................................................................................... 339
Quadro cronológico.......................................................................... 357
11
-Ί
Introdução
13
COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
revista e reeditada várias vezes (‘). Preferimos ater-nos aos dados mais
seguros e cujo conhecimento é, em qualquer caso, indispensável. Do
mesmo modo, evitámos dar opiniões pessoais, que seriam discutíveis:
um Compêndio deve ter em vista, o mais possível, a objectividade.
Tentámos, naturalmente, dar à obra um espírito histórico. Esse espí
rito é o da nossa época e distingue-a daquela em que foi escrita, por
exemplo, a excelente Histoire de la littérature grecque, de A. e M. Croi-
set, publicada em Paris, em cinco voulmes, no final do século passado (2):
qualquer preocupação moral e estética pareceria hoje desusada. Isso não
significa, contudo, que tenhamos afastado sistematicamente certas ava
liações que relevam da crítica propriamente literária. Afinal de contas,
e qualquer que seja a importância das perspectivas históricas, a literatu
ra grega é muito mais do que um simples fenómeno de civilização: a
beleza das suas obras e o seu sentido podem falar com força a cada um
de nós, tal como o fizeram com muitos outros, ao longo dos séculos, e
nós temos esperança de contribuir para estabelecer esse contacto, rela
tivamente ao qual o conhecimento da evolução interior e das circunstân
cias históricas mais não faz do que prestar mais um auxílio.
Para tomar perceptível esta evolução interior da literatura grega,
apresentaram-se-nos problemas de composição, que resolvemos nem
bem, nem mal; mas não seria possível dissimular os inconvenientes das
soluções adoptadas.
A ordem geral, essa nem se colocava: o ritmo que conduz a literatu
ra grega é o da história; e esta comporta fases bem claras. Esta literatura
começa com a epopeia homérica, em que se conservam recordações que
remontam à guerra de Tróia e à época micénica, ou seja, ao século xii a. C.
Mas o mundo grego já tinha sido renovado com a chegada dos Dórios à
Grécia e com as novas migrações na Ásia Menor. A época arcaica, nos
(') Aprimeira edição alemã é de 1957-1958, a primeira edição inglesa de 1966; houve
revisões para cada edição. [N.T.: Para além das referidas, existem outras traduções desta
obra, designadamente uma portuguesa: Albin Lesky, História da Literatura Grega (tradução
de Manuel Losa), Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1995].
(2) Para além das grandes obras de A. Lesky e A. e M. Croiset, existem inúmeros manu
ais de literatura grega. Entre outros, podemos referir, para os manuais em francês, F. Robert,
La littérature grecque [A literatura grega] (PUF, «Que sais-je?», 1946; J. Defradas, La lit
térature grecque (Armand Colin, 1960, 222 pp., formato pequeno); R. Flacelière, Histoire
littéraire de la Grèce [História literária da Grécia] (Fayard, 1962, 477 pp.)
INTRODUÇÃO
15
COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
16
INTRODUÇÃO
17
CAPÍTULO I
HOMERO
Para nós, a literatura grega começa com duas grandes epopeias,
transmitidas sob o nome de Homero, a Ilíada e a Odisseia. As duas obras
foram escritas em hexâmetros dactílicos; a primeira tem cerca de 15 000
versos, a outra cerca de 12 000. Uma conta parte da guerra dos Aqueus
contra Tróia, com a cólera de Aquiles, a sua recusa em continuar a lutar,
depois o seu regresso ao combate para vingar o seu amigo, e termina
quando ele mata o Troiano Heitor e entrega o corpo à família. O outro
conta o regresso a casa de Ulisses, depois da tomada de Tróia.
Os Antigos admitiam que estes dois poemas tinham como autor Home
ro, que viveu no século vm a. C. (a guerra de Tróia é situada cerca de 1200
a. C.). Tudo o resto é incerto. Diz-se que Homero era cego, mas provavel
mente seria uma lenda associada à ideia da inspiração: o divino Tirésias
também o era. Fala-se de várias cidades que disputavam entre si a honra de
o ter gerado: em qualquer caso, a verosimilhança associa-o à Ásia Menor;
e parece ter vivido, pelo menos durante algum tempo, em Quios. Os seus
poemas teriam sido passados a limpo mais tarde, na Atenas de Pisístrato,
ou seja, no século vi a. C. O texto assim estabelecido devia servir de base
às recitações anuais das Panateneias. Em qualquer caso, serviu de modelo
a todos os poetas que se lhe seguiram e, daí em diante, os Gregos viram nele
a base da sua educação e o ponto de partida para todas as suas reflexões.
A partir do momento em que deixamos para trás estes dados tão
imprecisos, começam as dificuldades; porque a interpretação dos poe
mas homéricos apresenta inúmeros problemas.
Com efeito, há duas leituras destes poemas que devem ser combina
das. Uma consiste em indagarmos sobre a sua formação e estabelecer a
21
COMPENDIO DE LITERATURA GREGA
ligação entre ela e os séculos que separam o poema do seu primeiro dado,
procurando encontrar naquele os vestígios da sua elaboração. O outro
consiste em reter apenas a obra completa, na sua unidade e no seu con
teúdo literário, tal como os séculos posteriores a deveriam conhecer.
I.
A EPOPEIA E A SUA FORMAÇÃO
22
HOMERO
1. A analogia
23
COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
24
HOMERO
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COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
26
HOMERO
Cada um dos dois poemas tem um tema central e outros que se lhe
ligam. Quando a ligação não se impõe com uma necessidade evidente,
toma-se natural pensar que se pode tratar de tradições, independentes na
origem e unidas com mais ou menos sorte.
27
COMPENDIO DE LITERATURA GREGA
28
HOMERO
nenhum autor antigo que nâo se tenha ocupado com tais factos: a flexi
bilidade e a variedade da epopeia, bem como a sua antiguidade, ofere
ceram aos interpoladores um terreno ainda mais favorável.
Aliado ao testemunho da analogia literária, da língua e dos factos
da civilização, este género de constatações explica a existência de um
problema que, simultaneamente, estimula e paralisa os estudos sobre
Homero: o problema é o que chamamos a «questão homérica».
5. A questão homérica
29
COMPENDIO DE LITERATURA GREGA
30
HOMERO
Ilíada, poderia não ter sido a obra do mesmo indivíduo, mas de um dos
seus continuadores.
Entre as duas soluções, não há nenhuma forma de decidir com cer
teza. No início, teriam tentado usar como argumentos a extensão dos
poemas e o facto de ultrapassarem as dimensões razoáveis de um poema
oral; mas a analogia mostra que os bardos podem saber de cor obras com
uma extensão comparável; e a existência da escrita, que tinha o seu iní
cio na época de Homero, ainda facilita mais a hipótese. Quanto aos argu
mentos de pormenor, esses prestam-se sempre a discussão.
No entanto, qualquer que seja a solução finalmente adoptada, pare
ce que, doravante, devem impor-se dois princípios gerais.
O primeiro é que nenhuma leitura inteligente de Homero se pode
descurar de procurar, a propósito de cada passagem e de cada verso, os
possíveis ecos da história, ou de poemas anteriores, o vestígio de even
tuais correcções, em suma, o testemunho de uma longa génese, cuja
forma é incerta, mas a existência é indiscutível.
O segundo é que se trata, de qualquer forma, de obras literárias,
entendidas como tal pelos seus autores, apresentadas como unidades e
regidas por uma arte consciente. Se, antes delas, houve epopeias que
lemos, se elas contribuíram para a elaboração dos nossos poemas, o pró
prio facto prova estrondosamente que estes dois poemas não se teriam
imposto e não teriam sido os únicos a sobreviver, se a arte do seu autor
não lhes tivesse dado uma forma capaz de produzir este resultado. E é
por esta razão que, a seguir ao problema da sua formação, deve vir num
lugar de relevo a ideia da sua perfeição, perfeição que esta formação,
mais ou menos progressiva, fazia sobressair ainda mais.
II.
A EPOPEIA E A SUA PERFEIÇÃO
31
COMPENDIO DE LITERATURA GREGA
a) A Ilíada
32
HOMERO
guiar entre Heitor e Ájax interrompe. Este termina com a noite; conclui-
-se, então, uma trégua.
Com o canto VIII inicia-se uma segunda batalha, precedida por
nova assembleia dos deuses: é-lhes interdito que intervenham no com
bate. Os Aqueus são repelidos, o seu contra-ataque é malogrado. A noite
deixa os Troianos em frente da muralha aqueia.
Perante este perigo, os Aqueus decidem intervir junto de Aquiles:
uma embaixada vai ao seu encontro (é o canto IX); oferece-lhe uma repa
ração, mas é frustrada.
Encontra-se, aqui, um episódio noctumo, pouco associado ao con
junto da acção e que apresenta as características de uma adição tardia:
no canto X, depois de um conselho noctumo, os Aqueus Ulisses e Diome-
des, que partiram numa acção de reconhecimento, matam o Troiano Dólon
(daí o nome de Dolonia); graças a Dólon, surpreendem e massacram os
reforços enviados a Tróia pelo rei trácio Reso.
Depois disto, inicia-se uma terceira batalha, que ocupa os cantosXI
a XV, incluídos, e conduz os Troianos ao campo aqueu, que estão prestes
a incendiar. Num determinado momento, os deuses amigos dos Aqueus
têm alguma esperança, pois Hera atraiu Zeus ao cimo do Ida, onde ele
adormeceu (XIV); mas acorda no canto seguinte: a sorte dos Aqueus é,
portanto, das mais precárias.
E também neste momento crítico que se encontra o início do episódio
que originará a peripécia. Com efeito, Aquiles, a quem os presentes da
embaixada não acalmaram, deverá voltar ao combate sob o efeito da dor,
quando lhe matarem o amigo Pátroclo.
No canto XVI, Aquiles, que não queria permitir que Pátroclo fosse
combater, cede, quando o primeiro navio começa a arder. Então, empres
ta a Pátroclo as suas próprias armas e este parte para o combate. Realiza
alguns feitos e, depois, morre, enganado por Apoio e sendo o último golpe
desferido por Heitor. No canto XVII, trava-se uma luta em redor do seu
corpo, que os Aqueus conseguem levar para o acampamento. A dor de Aqui
les, no canto XVIII, é intensa. A mãe tenta consolá-lo e consegue que
Hefesto forje para ele novas armas, de uma beleza sem igual. E agora
claro que Aquiles deve vingar Pátroclo.
Com efeito, no canto XIX, renuncia solenemente à sua cólera. Aga-
mémnon oferece-lhe uma reparação; e Aquiles prepara-se para o combate:
33
COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
inspirado por Hera, o seu cavalo prediz-lhe a morte que está para vir.
Mas pouco importa: ele parte.
Os feitos de Aquiles enchem os cantos XX (que narra uma batalha
terrível na qual, de novo, os deuses intervêm), XXI (em que Aquiles põe
os Troianos em fuga) e, por fim, ο XXII, onde mata Heitor.
Heitor matara Pátroclo; Aquiles vingou o seu amigo. Nos dois cam
pos só há espaço para o luto. O canto XXIII descreve os jogos fúnebres,
realizados pelos Aqueus, em honra de Pátroclo; o canto XXIV conta a
triste visita de Príamo a Aquiles, a quem vai pedir o corpo de Heitor.
Consegue-o e leva-o para Tróia, onde o morto é chorado e sepultado.
Deste modo, a linha geral da epopeia desenha-se com uma grande
clareza e uma não menor força trágica. Enquanto a guerra durou dez
anos, a acção dura apenas alguns dias (um total de cinquenta, incluídos
os dias de inacção e de espera, antes da cólera de Aquiles, ou depois dos
funerais de Pátroclo). Nestes dias, ela agrupa combates que são, primei
ro, vantajosos para os Troianos, depois para os Aqueus, e que são como
que um resumo dos dez anos de combates. Mas agrupa-os de acordo com
um esquema simultaneamente trágico e simples. Além disso, para tomar
mais tocante a sorte dos protagonistas, alterna as cenas de combate com
cenas entre familiares - tanto do lado troiano (com Helena e Páris, Andró-
maca e Heitor), como do lado aqueu (com Aquiles, Pátroclo e Briseida).
Este elemento humano prevalece até, no final, sobre o aspecto guerrei
ro: a epopeia termina não com a vitória, mas com o luto. Enfim, para
engrandecer mais o sentido de todas estas lutas e dar-lhes uma dimensão
mais elevada, a Ilíada mistura os deuses com os homens e alterna com
sabedoria as assembleias dos guerreiros com as dos deuses.
Pode haver, nos pormenores, pequenas dificuldades e pode ser útil
considerá-las para se ter uma ideia da génese da obra; mas a sua arqui-
tectura de conjunto não é apenas una e bem construída: revela uma arte
consumada da composição literária e um artista consciente dos seus meios.
Acrescenta-se a isto subtilezas de composição, que consistem em
variar um mesmo tema, em manter o interesse, em recordar, em plena
batalha, a piedade humana que os combatentes merecem. Só uma expli
cação pormenorizada do texto pode sugerir a sua mestria; e, à luz destes
princípios, isso não é empreendido em vão.
O caso da Odisseia não é exactamente o mesmo.
34
HOMERO
b) A Odisseia
35
COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
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HOMERO
2. O mundo homérico
a) Os deuses na epopeia
Devido a uma evolução que não tem lugar aqui, a religião homérica
admitira uma combinação de elementos helénicos e pré-helénicos. Admi
tia a existência de deuses que viviam no Olimpo ou, mais simplesmente,
no céu. O seu rei-pai era Zeus; mas cada um tinha a sua personalidade.
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COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
38
HOMERO
(3) N.T.: Para esta e outras citações da Odisseia, usámos a tradução de Frederico Lou-
renço: Homero, Odisseia, Lisboa, Livros Cotovia, 2003.
39
COMPENDIO DE LITERATURA GREGA
(4) N.T.: Para esta e outras citações da Iliada, usámos a tradução de Frederico Louren-
ço: Homero, Ilíada, Lisboa, Livros Cotovia, 2005.
40
HOMERO
entre Aquiles e Heitor: «Pegou na balança pelo meio: desceu o dia fada
do de Heitor» (XXII. 212).
Nestes vários casos, discernimos o sentimento de uma ordem ine
lutável - sempre, importa salientá-lo, dizendo respeito à morte; é a moira;
e esta ordem liga os próprios deuses, que são os seus agentes. No entan
to, devemos falar de contradição com as passagens em que Zeus parece
ter fixado o lote de cada um? Isso seria muito insensato. Primeiro, a epo
peia não é um tratado de teologia; e Homero pode, perfeitamente, nestas
questões, ter ideias tão incertas como as de qualquer pessoa. Depois, a
noção de uma ordem do mundo que até os deuses têm de respeitar, não
retira muito ao seu poder. Podemos supor várias conciliações possíveis,
com que Homero não se preocupou, nem tinha de preocupar. Para ele e
para os seus heróis, Zeus, os deuses, a divindade, o destino, estão mui
tas vezes misturados: cada um destes poderes, pessoais ou impessoais,
é uma forma de traduzir o sentimento que o homem tem da sua própria
fraqueza, relativamente quer aos golpes da sorte, que ele atribui aos deu
ses, quer à necessidade de morrer, que define a sua condição. Os homens
são «os mortais».
Logo, os deuses e o destino regem a sorte do homem; mas os deu
ses ainda têm um poder mais singular. Com efeito, em Homero, vemos
muitas vezes uma divindade intervir para inspirar num homem uma ideia,
um desejo, uma reacção súbita, dar-lhe coragem ou cobardia. Na quere
la do canto I da Ilíada, Atena desce do Céu para conter Aquiles: visível
apenas para ele, ela surge e fala-lhe; e ele contém a sua mão no punho
da sua arma. Por vezes, pensou-se que tais intervenções limitavam estra
nhamente a parte dos homens. A verdade é que, como mostrou Femand
Robert no seu Homère [Homero], trata-se de uma forma de descrever o
que de repentino e de irracional se passa com o homem. Tal como, peran
te o revés de um golpe que não atinge o seu fim, o herói homérico pensa
que um deus afastou a sua lança, também, perante uma reacção impre
vista, pensa que um deus lha inspirou. E isto não é uma simples fabri
cação de imagens, mas a expressão daquilo que sente e crê um homem,
num mundo onde os deuses intervêm: eles carregam o inexplicável.
Fazem-no com as emoções com tanto mais facilidade, quanto a psicolo
gia de então ainda era rudimentar e se representava mal a interioridade
de uma alma: podemos percebê-lo pelo livro de B. Snell, DieEntdeckung
41
COMPENDIO DE LITERATURA GREGA
b) O ideal humano
(s) N.T.: Existe tradução portuguesa: Bruno Snell, A Descoberta do Espírito (tradução
de Artur Morão), Lisboa, Edições 70, 1992.
42
HOMERO
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COMPENDIO DE LITERATURA GREGA
44
HOMERO
45
COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
4. A expressão literária
46
HOMERO
47
COMPENDIO DE LITERATURA GREGA
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HOMERO
Apêndice:
OS POEMAS DO CICLO
E OS HINOS HOMÉRICOS
49
COMPENDIO DE LITERATURA GREGA
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C A P Í T U L O II
A ÉPOCA ARCAICA
Depois do século vm a. C., a Grécia sai das desordens que se seguiram
ao desaparecimento da civilização micénica. Assistimos, então, a uma nova
eclosão, marcada pelo desenvolvimento da colonização e do comércio. Esta
evolução toma mais sensíveis as desigualdades sociais, que arrastam con
sigo lutas, por vezes, rudes. Surgem regimes novos, como a tirania e, sobre
tudo, uma participação crescente na vida política, com os seus enganos e
tomadas de consciência, que se irão reforçando até às guerras médicas.
Ao longo deste período, vemos desenvolver-se, um pouco por toda
a Grécia, uma poesia em que o lugar do autor e a sua personalidade são
mais marcados, mas que também é mais rica em interrogações sobre o
universo: desta poesia destaca-se, no século vi, a filosofia, que recorreu
muitas vezes à expressão poética e ainda se ressente dos quadros religio
sos desse pensamento arcaico. Seria necessária a luta contra o Bárbaro
e a preponderância ateniense para que se desenvolvesse, no século v,
uma literatura na qual a cidade é o centro e o homem a medida.
Alguns autores estudados neste capítulo já pertencem ao século v:
não são Atenienses e marcam o resultado dos géneros elaborados pelos
seus antecessores.
I.
HESÍODO
53
COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
54
A EPOCA ARCAICA
(') N.T.: Para esta e outras citações da Teogonia, usámos a tradução de Ana Elias
Pinheiro: Hesíodo, Teogonia. Trabalhos e Dias (prefácio de Maria Helena da Rocha Perei
ra; introdução, tradução e notas de Ana Elias Pinheiro e de José Ribeiro Ferreira), Lisboa,
IN-CM, 2005.
55
COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
(visto que Hesíodo diz viver na época da raça de ferro, com as suas fadi
gas, violências e angústias) remonta, também ele, muito seguramente, a
tradições longínquas e orientais, que Hesíodo organiza e modifica, não
sem algum desaire (a idade dos heróis vem inserir-se assim, de modo
bizarro, numa série de metais e tira-lhe o seu sentido).
No entanto, se, por meio destes dados, os dois poemas parecem olhar
sobretudo para um passado recuado, contêm também, um e outro, traços
espantosamente novos e pessoais: estes notam-se de forma particular
mente clara nos dois prelúdios.
Para começar, Hesíodo é o primeiro a dizer «eu», o primeiro a falar
de si e da sua própria vida.
Sem dúvida, ele diz que foi inspirado pelas Musas; mas precisamen
te a narrativa que faz, no início da Teogonia, do modo como as Musas
se lhe revelaram, no Hélicon, é a narração de uma experiência pessoal.
Ele está lá, nomeado: «Foram elas (as Musas) que, outrora, ensinaram
a Hesíodo um belo canto, / enquanto apascentava as suas ovelhas no
sopé do Hélicon divino. / E, em primeiro lugar, me dirigiram estas pala
vras essas deusas...» (22 ss.). As Musas ofereceram-lhe até um ramo de
loureiro; «e concederam-me um canto / de inspiração divina, para que
eu pudesse celebrar o futuro e o passado...».
Está aqui a evocação de um local e de um homem, visitado pela ins
piração. Ao mesmo tempo, esta relação directa entre o poeta e a Musa
implica uma ideia muito elevada de poesia. A narrativa completa-se com
um hino às Musas, evocando os benefícios da poesia, o modo como o
canto dissipa todas as preocupações, mas também espalha a sabedoria.
Porque, neste encontro entre as Musas e o poeta, trata-se de uma espé
cie de revelação. Elas dizem «o presente, o futuro e o passado»: e isso
está completamente de acordo com a amplitude do assunto tratado por
Hesíodo. Isso também está de acordo com a seriedade do seu tom. Não
é por acaso que, na obra de Hesíodo, não há nenhuma das familiarida
des que o homem homércio tinha com os deuses, nem nenhuma das fra
quezas que ele se comprazia em atribuir-lhes.
O mesmo Hesíodo que assim descreve a sua relação com as Musas
não hesita, no outro poema, em descrever a sua vida e os seus tormen
tos. O que sabemos das suas origens, das suas altercações com o irmão,
da sua actividade poética e da viagem a Cálcis que ela lhe impôs, advém
56
A ÉPOCA ARCAICA
57
COMPENDIO DE LITERATURA GREGA
58
A ÉPOCA ARCAICA
II.
A POESIA NA ÉPOCA ARCAICA
DE HESÍODO A PÍNDARO
59
COMPENDIO DE LITERATURA GREGA
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A EPOCA ARCAICA
1. A poesia jâmbica
(2) N.T.: A tradução deste fragmento de Arquíloco (fr. 5 West) foi retirada da Hélade.
Antologia da Cultura Grega (organização e tradução do original de Maria Helena da Rocha
Pereira), Porto/Lisboa, Edições ASA, *2003.
61
COMPENDIO DE LITERATURA GREGA
Isso não impede Arquíloco de ter a sua própria moral («Sei amar
quem me ama e odiar o meu inimigo») e uma rude sabedoria popular
que, por vezes, se reveste de um tom próximo da fábula.
Semónides, um outro poeta jâmbico, passou, como Arquíloco, de
uma ilha para outra (de Samos para Amorgos); deve ter vivido também
no século viu, mas a sua arte não teve a mesma relevância. Dele temos,
sobretudo, um poema contra as mulheres, classificadas em diversas cate
gorias e aproximadas dos animais correspondentes.
Hipónax de Éfeso é um outro exemplo desta tradição: os seus poe
mas, que datam do século vi, parecem outros tantos lamentos realistas,
misturados com ataques pessoais. Mas, depois de Arquíloco, o género
depressa perderia o seu brilho, destinado, de resto, a permanecer à parte.
2. A poesia «elegíaca»
62
A ÉPOCA ARCAICA
ideal épico, Sólon e Teógnis são dois autores comprometidos com a con
testação política do seu tempo e que se preocupam.
Teógnis viveu, provavelmente, em meados do século vi, ou na segun
da metade deste século, embora alguns façam remontar o início da sua
actividade a 630. Era de Mégara (muito provavelmente a Mégara da pró
pria Grécia). Dele possuímos uma recolha com mais de 1200 versos ele
gíacos, aos quais se acrescentam cerca de 200 versos de poesia amorosa,
que constitui o livro II e de que um bom número é, sem dúvida, de apó
crifos. Até mesmo o livro I é composto por diversos elementos, muitos
dos quais devem ser de autores diferentes.
Conserva-se, no entanto, um núcleo importante, cuja inspiração é
característica. São as admoestações a um jovem, chamado Cimo. Estas
admoestações são muito virtuosas: «Sê prudente: com actos vergonhosos
ou injustos / não te agarres às honrarias, aos êxitos, à fortuna, etc.» (29 e
seguinte) (3). Mas revestem-se de uma tónica muito pessoal, quando se
trata de política. Teógnis julga que a cidade se perde, porque «eles aniqui
lam o povo e dão sentanças em favor dos injustos / por motivo do seu pró
prio benefício e poderio...» (45 e seguinte). Ele próprio fora arruinado,
aparentemente, nestes movimentos políticos; lamenta-se, assim, pelas des
graças do seu tempo e pelo facto de que «os que antes eram nobres / agora
são vis»: eles nem se defendem. E o único verdadeiro recurso encontra-
-se na amizade, quando é fiel, e numa sabedoria difícil de alcançar. Teóg
nis é uma testemunha feroz e vibrante da amargura dos aristocratas que
se vêem desapossados em favor de indivíduos que desprezam.
Sólon, esse, misturou-se com as próprias lutas, mas soube elevar-se
acima delas e os seus poemas respiram a dedicação mais ardente ao bem
comum.
Conhecemos a sua carreira, quanto mais não seja pela Constituição
de Atenas, de Aristóteles, e pela Vida de Sólon, de Plutarco. Este Ate
niense, nascido por volta de 640, foi escolhido para arconte em 594;
tomou medidas corajosas para remediar a desordem social (abolindo,
entre outras coisas, a escravatura por dívidas) e são-lhe atribuídas mui
tas leis atenienses: foi, aos olhos de muitos, um dos pais da democracia
(3) N.T.: Para esta e outras citações de Teógnis usámos a tradução de Frederico Lou-
renço: Poesia Grega de Atcman a Teócrilo (tradução de Frederico Lourenço), Lisboa, Livros
Cotovia, 2006.
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COMPENDIO DE LITERATURA GREGA
(4) N.T.: A tradução deste fragmento de Sólon (fr. 5 West) foi retirada da Hélade.
Antologia da Cultura Grega (organização e tradução do original de Maria Helena da Rocha
Pereira), Porto/Lisboa, Edições ASA, *2003.
64
A ÉPOCA ARCAICA
entre os políticos atenienses, que fala de si mesmo, dos seus esforços, das
suas lutas, foi também colocado entre os sete sábios da Grécia. Ele esta
belece a ligação entre a moral arcaica e a batalha democrática.
3. O lirismo individual
(5) N.T.: A tradução deste fragmento de Safo (fr. 31 PLF, 9-14) foi retirada de Poesia
Grega de Alcman a Teócrito (tradução de Frederico Lourenço), Lisboa, Livros Cotovia,
2006.
65
COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
66
A ÉPOCA ARCAICA
depois com Hiparco, tirano de Atenas. Não pertence, por isso, a nenhu
ma cidade. E a sua inspiração é a do poeta da corte, amável, refinado,
apreciador de banquetes, dos jovens belos, das raparigas belas, numa
palavra, do amor - mas um amor que não tem a tónica pessoal e apai
xonada de Safo. Escreveu pequenas odes e epigramas; possuímos frag
mentos suficientemente numerosos, mas demasiado pequenos.
A imitação de Anacreonte pelos Latinos é muito conhecida; e, na
Antiguidade, fizeram-se recolhas de poemas anacreônticos que tiveram,
por sua vez, uma grande influência.
O lirismo individual corria o risco de se tomar insípido: o lirismo
coral, não.
67
COMPENDIO DE LITERATURA GREGA
onde se associou do tirano Hierão. Viveu muito tempo e teve uma vasta
obra: escreveu ditirambos, elogios, cantos de luto, epigramas - e também,
o que parece ter sido novidade, cantos de vitória para os atletas. A sua
inspiração é, muitas vezes, elevada e não hesita em ser moralista, um
pouco como Sólon; também fala da brevidade da vida ou dos caprichos
da fortuna. Por outro lado, também não hesita em falar de política; mas
não o faz como homem de partido: viveu durante as guerras médicas e,
da atmosfera de então, recebeu uma inspiração de patriotismo helénico;
rivalizou com Esquilo para louvar os mortos de Maratona e compôs
vários epigramas pelos das Termópilas.
Com ele, o lirismo coral assumiu uma amplitude que Píndaro, qua
renta anos mais novo, iria reencontrar. Ao mesmo tempo, como com
Sólon, ele faz-nos assistir à inclusão definitiva do poeta na cidade, traço
que irá marcar todo o século v.
III.
PÍNDARO E BAQUÍLIDES
68
A ÉPOCA ARCAICA
(6) N.T.: A tradução deste fragmento de Píndaro (fr. 76 Snell-Maehler) foi retirada da
Hélade. Antologia da Cultura Grega (organização e tradução do original de Maria Helena
da Rocha Pereira), Porto/Lisboa, Edições ASA, *2003.
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C O M P E N D IO DE L IT E R A T U R A G R E G A
(7) N.T.: A tradução desta ode de Píndaro foi retirada de Poesia Grega de Alcman a
Teócrito (tradução de Frederico Lourenço), Lisboa, Livros Cotovia, 2006.
70
A É PO C A A R C A IC A
71
C O M P E N D IO DE L IT E R A T U R A G R E G A
(8) N.T.: A tradução desta ode de Píndaro, tanto aqui, como nas citações posteriores,
foi retirada da Hélade. Antologia da Cultura Grega (organização e tradução do original de
Maria Helena da Rocha Pereira), Porto/Lisboa, Edições ASA, *2003.
Ο N.T.: A tradução desta ode de Píndaro foi retirada de Poesia Grega de Alcman a
Teócrito (tradução de Frederico Lourenço), Lisboa, Livros Cotovia, 2006.
(I0) N.T.: A tradução desta ode de Píndaro foi retirada de Poesia Grega de Alcman a
Teócrito (tradução de Frederico Lourenço), Lisboa, Livros Cotovia, 2006, com correcção da
indicação dos versos.
(") N.T.: A tradução desta ode de Píndaro foi retirada de Poesia Grega de Alcman a
Teócrito (tradução de Frederico Lourenço), Lisboa, Livros Cotovia, 2006.
72
A É PO C A A R C A IC A
Mas Píndaro não se contenta com esta lição tão negativa. Nas suas
odes encontramos a encarnação brilhante de muitas virtudes: a amizade,
a coragem, a hospitalidade, ajusta medida. Também nelas encontramos
a evocação de um ideal cívico, feito de paz e de bom entendimento.
A este respeito, é revelador o início da Pítica VIII, que se dirige à Tran
quilidade: «Benévola Tranquilidade, ó filha da Justiça, / que engrande
ces as cidades...». É, um pouco, o ideal de justiça de Hesíodo, mas
adaptado ao mundo das cidades, ao mundo de Sólon. No entanto, neste
domínio como em outros, o pensamento de Píndaro permanece franca
mente conservador: onde Sólon luta contra a injustiça, ele não pede mais
do que harmonia e paz. A mesmo tónica se encontra, por exemplo, no
início da Olímpica XIII: «Nela habita a Boa Ordem e sua irmã, / inder-
rubável alicerce das cidades, a Justiça, e aquela que com elas foi criada,
/ a Paz, mordoma de riqueza para os homens.. .» (12).
Através do respeito por estas virtudes, o homem pode esperar atrair
para si a benevolência dos deuses e conhecer a prosperidade. Mas, por
outro lado, ele é para o homem um meio de ele próprio alcançar a imor
talidade: é a glória, sancionada e propagada pela própria obra do poeta.
A responsabilidade do poeta é, assim, grande: nunca se deve afastar da
verdade; pois compete-lhe salvar do esquecimento aqueles que o merecem.
O único meio para os feitos sobreviverem é que «pelo favor de Mnemó-
sine de diadema brilhante, eles obtêm, nos seus cantos gloriosos, o prémio
dos trabalhos enfrentados» (Nem. VIII, 15 ss.). Nesta tarefa tomam parte as
Musas e as Cárites: o poeta é inspirado por elas; é o seu intérprete. E o dom
que recebe dos deuses permite-lhe, em troca, conferir aos outros uma
forma de imortalidade.
Esta convicção que anima Píndaro explica a majestade dos seus poe
mas. Quase sempre compostos em tríades (com estrofe e antístrofe para
lelas, seguidas de um epodo), combinam a amplitude e a tensão interior.
O movimento das frases é trabalhado até à obscuridade; as palavras raras,
os compostos, as perífrases quase parecem constituir uma linguagem
para iniciados; as metáforas permitem fazer trocadilhos com vários regis-
(l2) N.T.: A tradução desta ode de Píndaro foi retirada de Poesia Grega de Alcman a
Teócrito (tradução de Frederico Lourenço), Lisboa, Livros Cotovia, 2006.
73
C O M P E N D IO DE L IT E R A T U R A G R E G A
I V .
A FILOSOFIA PRÉ-SOCRÁTICA
74
A É PO C A A R C A IC A
1. Os começos da filosofia
a) O o rfism o e o p ita g o r is m o
75
C O M P E N D IO D E L IT E R A T U R A G R E G A
76
Γ
A É PO C A A R C A IC A
b) O s f iló s o f o s d e M ile to
77
C O M P Ê N D IO D E L IT E R A T U R A G R E G A
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A É PO C A A R C A IC A
a) H e ra c lito
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C O M P E N D IO D E L IT E R A T U R A G R E G A
(13) N.T.: A tradução dos fragmentos de Heraclito foi retirada de Heraclito, Fragmen
tos Contextualizados (prefácio, apresentação, tradução e comentários de Alexandre Costa),
Lisboa, 1NCM, 2005.
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A É PO C A A R C A IC A
b) P a r m é n id e s
(14) N.T.: A tradução desta passagem (fr. 1 D-K, 28-30) de Parménides, bem como das
restantes, foi retirada da Hélade. Antologia da Cultura Grega (organização e tradução do
original de Maria Helena da Rocha Pereira), Porto/Lisboa, Edições ASA, *2003.
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A ÉPO C A A R C A IC A
c) Empédocles
O5) N.T.: A tradução desta passagem de Empédocles, bem como das restantes, foi reti
rada da H éla d e . A n to lo g ia d a C u ltu r a G r e g a (organização e tradução do original de Maria
Helena da Rocha Pereira), Porto/Lisboa, Edições ASA, *2003.
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C O M P Ê N D IO DE L IT E R A T U R A G R E G A
84
A É PO C A A R C A IC A
85
CAPÍTULO III
O INÍCIO DO SÉCULO V:
NASCIMENTO DA HISTÓRIA
E DA TRAGÉDIA
O advento da vida política organizada coincidiu com a vitória alcan
çada sobre o invasor persa em 490 e 480. Toda a Grécia estivera em peri
go; Atenas presidira à salvação de todos e daí retirara simultaneamente
glória e poder. É o início de uma era ao longo da qual a literatura grega
será ateniense. Esta literatura será, também, essencialmente política e
dirigir-se-á à cidade. Os dois traços são bem ilustrados pelos dois gran
des géneros que nascem então e que iriam sobreviver em todas as nossas
literaturas: a história e o teatro, trágico ou cómico. Na primeira metade
do século v, estes géneros foram ilustrados em Atenas por um homem
vindo da Jónia, Heródoto, e por um Ateniense, Esquilo. Ambos trataram
as guerras médicas, onde Esquilo combatera e à qual consagrou uma tra
gédia - a primeira de todas as tragédias conservadas.
I.
ESQUILO
O facto de Esquilo ser para nós o mais antigo dos autores trágicos
não nos deve enganar. Esquilo nasceu em 525 e a primeira representa
ção trágica verificada nas Dionisíacas atenienses é de 534. Houve, antes
de Esquilo, autores ilustres, cuja obra se perdeu, como Téspis, Pratinas
e Frínico: o género trágico já existia.
Este género tem, sem dúvida, uma origem religiosa. As representa
ções faziam parte do culto de Dioniso; e é provável que a tragédia, tal
como a comédia, fosse o alargamento de um rito.
89
C O M P E N D IO D E L IT E R A T U R A G R E G A
Os começos deste género não parecem ter sido atenienses (as tradições
falam de Aríon, em Corinto, ou de coros habituais em Sícion). Em contra
partida, estes começos parecem associados à existência da tirania. Em Ate
nas, tiveram lugar com Pisístrato. Uma autoridade forte, apoiada no povo,
deu aos antigos ritos um alcance nacional. E o facto é que a tragédia assu
me um lugar na vida da cidade: todo o povo assiste; a representação é pre
vista e organizada pelos serviços do Estado. Dirigindo-se ao povo reunido,
os poetas trágicos exprimem-se como cidadãos e falam aos cidadãos.
Esta dupla origem e este duplo carácter explicam, em certa medida,
o conteúdo das tragédias gregas. Têm sempre uma dimensão religiosa,
preocupam-se com os deuses, por vezes mostram-nos, também mostram
manifestações de culto e interrogam-se sempre, mais ou menos, sobre a
vontade divina. Mas, por outro lado, pondo sempre em cena dados míti
cos tomados de Homero ou de poetas posteriores, inserem quase sempre
uma presença colectiva: cidadãos, guerreiros, símbolos de todo o grupo
por que os heróis são responsáveis e cuja infelicidade prolonga a sua.
A estrutura das tragédias gregas permitia facilmente realçar este
duplo aspecto, graças à presença do coro. Com efeito, qualquer tragédia
grega é composta por dois elementos profundamente distintos. As per
sonagens movem-se na cena; exprimem-se em versos falados (em geral,
trímetros jâmbicos); participam numa acção. Mas há igualmente um coro
de doze ou quinze pessoas (inicialmente talvez cinquenta), que evolui
na orchestra, canta segundo os metros líricos e, não podendo participar
na acção que se desenrola na cena, contenta-se em comentá-la. E-lhe
fácil, assim, isolar o sentido religioso e pontuá-lo com preces. Por outro
lado, também lhe é fácil figurar o grupo, cidade ou exército, cuja sorte
está ligada à das personagens. A tragédia faz, assim, alternar os «episó
dios» da acção com os cantos do coro que a introduzem, interrompem,
concluem. O canto de introdução, ou de entrada, é o parodos; o canto
de conclusão, ou de saída, é o êxodos; os outros cantos são os stasima,
cujo número vai de dois a cinco.
Na evolução da tragédia, o coro, que deve ter sido, no início, o ele
mento predominante, não cessou de perder importância, enquanto as
personagens se tomavam mais numerosas e matizadas (Esquilo foi o pri
meiro a usar dois actores, Sófocles a utilizar três). Com o desenvolvimento
da intriga, as tragédias, inicialmente agrupadas em trilogias, bastaram-se
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N A S C IM E N T O D A H IS T Ó R IA E D A T R A G É D IA
1. Vida de Esquilo
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2. A obra de Esquilo
92
N A S C IM E N T O DA H IS T Ó R IA E DA T R A G É D IA
entre luto e lamentos, encerra a peça. Em tudo isto, nada que exalte o
orgulho de uns ou de outros: assiste-se a um desmoronamento, que Esqui
lo deixa entender, de uma ponta à outra, que emana de uma decisão divi
na e constitui um castigo há muito reservado. O grande luto pelos Persas
mortos em combate faz tremer, como sinal do que os deuses podem, na
sua justiça, infligir aos homens.
Nos Sete contra Tebas ainda se trata de guerra: Etéocles defende Tebas,
que o seu irmão Polinices cerca; com efeito, a maldição de Edipo pre
tende que os seus dois filhos se defrontem e se dêem mutuamente a morte.
Também aí há pouca acção: preparativos, uma longa descrição dos escudos
dos sete chefes sitiantes e dos seus adversários; termina com a partida
de Etéocles, que vai combater Polinices; pouco depois, ficamos a saber da
morte de ambos. A angústia das mulheres de Tebas enche a peça; ela é
tida em respeito por Etéocles, um Etéocles patriota, firme, piedoso, que,
contudo, se quebra quando se cumpre a maldição e que, como Os Persas,
quando a vontade divina se realiza depois de toda uma série de faltas e
de males.
As Suplicantes apresentam as cinquenta filhas de Dánao fugindo à
frente dos seus primos egípcios, que querem casar com elas à força. A sua
angústia lembra a das mulheres de Tebas nos Sete. Obtêm a protecção do
rei de Argos, Pelasgo, que a isso se decide com algum esforço: ele ajuda-
-as porque receia os deuses. Apesar da chegada de um arauto egípcio
ameaçador, ele irá salvá-las; mas a sua própria paixão tem algo de exces
sivo, e assim anunciam já o seu crime e o seu castigo, que devia consti
tuir a sequência da trilogia.
O Prometeu Agrilhoado desenrola-se no mundo dos imortais: Pro
meteu é alvo da cólera de Zeus, por ter, apesar das ordens, ajudado os
mortais. No prólogo, Cratos e Bia (a Força e a Violência) pregam-no a
um rochedo. Aí será visitado pelo coro das Oceânides, emudecido de
piedade pelo seu pai Oceano, conselheiro que dá lições, e por Io, a quem
persegue, também, a cólera divina. Esta tragédia apresenta, assim, um
Zeus cruel e tirano. Muito embora a sequência da trilogia tenha condu
zido a um pacto entre Zeus e Prometeu e à libertação deste último, este
aspecto de Zeus chocou; aliado a particularidades de forma (que tomam
o Prometeu mais fácil do que as outras tragédias), fez duvidar da auten
ticidade da piedade. No entanto, não devemos omitir que temos aqui
93
C O M P Ê N D IO D E L IT E R A T U R A G R E G A
3. A inspiração de Ésquilo
94
N A S C IM E N T O DA H IS T Ó R IA E DA T R A G É D IA
(') N.T.: Para as citações dos Persas, usámos a tradução portuguesa: Esquilo, Persas
(tradução de Manuel de Oliveira Pulquério), Lisboa, Edições 70, 1998.
(2) N.T.: Para as citações das tragédias que integram a Oresteia, usámos a tradução
portuguesa: Esquilo, Oresteia (tradução de Manuel de Oliveira Pulquério), Lisboa, Edições
70, 1991.
95
C O M P Ê N D IO DE L IT E R A T U R A G R E G A
96
N A S C IM E N T O DA H IS T Ó R IA E DA T R A G É D IA
poder deste último parece sem limites. Para o invocar, Esquilo associa
aos termos rituais fiadas de louvores com grandiosas ressonâncias: «Senhor
dos senhores, Bem-Aventurado entre os bem-aventurados. Poder sobe
rano entre os poderes, do cimo da tua felicidade, Zeus, ouve-nos!» (Supli
cantes, 524 ss.).
Este poder tão grande é, naturalmente, terrífico. Zeus pode ser o Sal
vador; mas é sobretudo aquele cuja cólera pode, em qualquer momento,
destruir tudo: «Zeus precipita os mortais do alto das suas soberbas espe
ranças no nada; mas sem estar armado com violência: nada provoca
esforço num deus. O seu pensamento pavoneia-se nas alturas e mesmo
daí realiza os seus desígnios, sem deixar o seu assento sagrado» (Supli
cantes, 95-102).
Um poder tão temível explica o perpétuo tremor em que vivem as
personagens: elas nunca esquecem que Zeus pode, em qualquer momen
to, destruí-las. Os sinais que anunciam o seu furor fazem-nas tremer; a
incerteza também; e até a catástrofe indica uma cólera divina que não se
sabe se estará, por fim, saciada.
Seria um mundo de desespero, se esta cólera divina não estivesse
fundada na justiça. Mas, tal como as violências da guerra vinham emba
ter contra a autoridade viril dos desfensores, também a omnipotência
divina tinha de tranquilizador que se exercia de acordo com uma ordem.
A justiça divina não é uma justiça simples. Não se exerce ao nível
do indivíduo; porque os bons pagam pelos maus e os filhos pelos pais.
Em Esquilo o tempo é pensado em grandes conjuntos; e muitas vezes as
faltas, cuja paga a tragédia mostra, remontam a várias gerações; é, aliás,
o que justifica o próprio uso da trilogia. De Laio a Edipo e aos filhos de
Edipo, de Tântalo e Tiestes a Agemémnon e a Orestes, estabeleceram-se
longas séries, ao longo das quais novas faltas atrasam, mas agravam, o
castigo. E, ainda mais, os deuses estendem armadilhas aos homens que
querem perder: a falta, inspirada pela Ate (o desvario divino), toma-se na
condenação daquele que por ela se deixa prender. Tudo isto confunde e
faz com que esta justiça divina esteja toda ela envolta em mistério: «As vias
do pensamento divino atingem o seu fim por meio de sombras cerradas
e espessas, que nenhum olhar seria capaz de penetrar» (Suplicantes,
93-95). Mas o mistério não implica nenhuma gratuidade, nem inspira
qualquer dúvida.
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N A S C IM E N T O D A H IS T Ó R IA E D A T R A G É D IA
4. A arte de Esquilo
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(3) N.T.: Para as citações das Rãs, usámos a tradução portuguesa: Aristófanes, As Rãs
(prefácio, tradução do grego, introdução e notas de Américo da Costa Ramalho), Lisboa,
Edições 70, 1996.
100
N A S C IM E N T O DA H IS T Ó R IA E D A T R A G É D IA
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C O M P Ê N D IO DE L IT E R A T U R A G R E G A
II.
HERÓDOTO
102
N A S C IM E N T O DA H IS T Ó R IA E DA T R A G É D IA
1. Vida de Heródoto
103
COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
2. A obra de Heródoto
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NASCIMENTO DA HISTÓRIA E DA TRAGÉDIA
(4) N.T.: Para as citações do livro I das Histórias, usámos a tradução portuguesa:
Heródoto, Histórias, livro I (introdução geral de M“. Helena da Rocha Pereira; introdução
ao livro I, versão do grego e notas de José Ribeiro Ferreira e Ma. de Fátima Silva), Lisboa,
Edições 70, 1994.
105
COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
106
NASCIMENTO DA HISTORIA E DA TRAGÉDIA
107
COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
108
NASCIMENTO DA HISTÓRIA E DA TRAGÉDIA
3. O pensamento de Heródoto
109
COMPÊNDIO DE LITERATURA G R E G A
110
NASCIMENTO DA HISTÓRIA E DA TRAGÉDIA
111
COMPENDIO DE LITERATURA GREGA
(1,53). Pensou, então, que era o dos Persas e declarou guerra; ora, tratava-
-se do seu próprio (I, 91). Além disso, um outro oráculo de Delfos dis
sera-lhe que fugisse quando um mulo se tomasse rei dos Medos: Creso
concluiu que nunca teria de fugir; ora, o mulo era Ciro, nascido de dois
pais de origem desigual, de uma mãe meda e de um pai persa. Certamen
te, a Pítia explica muito bem que o desastre de Creso paga a falta de um
dos seus antepassados (como é muitas vezes o caso em Esquilo); mas os
dois erros sobre os dois oráculos, na narrativa, são infinitamente mais
impressionantes.
Do mesmo modo, para não irritar os deuses importa, como em Esquilo
e nos poetas anteriores, evitar a hybris; mas esta hybris não é, necessaria
mente, uma falta moral, merecedora de castigo. O modo como Artabano,
tio de Xerxes, a descreve no livro Vil, é muito mais simples e material:
«Regarde les animaux qui sontdune tail/e exceptionel/e: le ciei les fou-
droie et ne les laisse pasjouir de leur supériorité; mais les petits n ’excitent
point sajalousie. Regarde les maisons les plus hautes, et les arbres aussi:
sur eux descend lafoudre, car le ciei rabaisse toujours ce qui dépasse la
mesure...» [«Olha os animais que têm um grande tamanho: o céu fulmina-
-os e não os deixa usufruir da sua superioridade; mas os pequenos não pro
vocam, de todo, a sua inveja. Olhas para as casas mais elevadas e também
para as árvores: sobre elas desce o raio, porque o céu humilha sempre o
que excede a medida...»] (10).
Num tal mundo, nada de mais perigoso do que confiar na sua felici
dade. E este o sentido dos avisos de Sólon a Creso, no livro I - avisos des
tinados a tanto impressionar Ciro: «O Creso, eu sei que a divindade é toda
inveja e irritável...». De modo que não podemos dizer que um homem é
feliz antes da sua morte. Outros exemplos mostram suficientemente que
a prosperidade não só é instável, mas perigosa: o mais notável é o de Polí-
crates, o tirano de Samos: ele tentava, em vão, afastar-se da sua sorte, que
devia acabar em desastre; assim, mandou atirar ao mar, afastado da costa,
o seu anel de ouro, enfeitado com uma esmeralda, à qual queria muito;
mas pescaram um peixe que tinha engolido o anel e levaram-no a Polícra-
tes: não está no poder do homem subtrair-se ao seu destino (III. 39-45).
O homem apenas pode, por conseguinte, tentar ser justo e piedoso,
conservar-se modesto. Não é certo que isto baste: pelo menos é indis
pensável.
112
NASCIMENTO DA HISTÓRIA E DA TRAGÉDIA
113
____________________COMPÊNDIO DE LITERATURA GREG A _______
114
CAPÍTULO IV
O TEATRO NA SEGUNDA
METADE DO SÉCULO V:
SÓFOCLES, EURÍPIDES,
ARISTÓFANES
O início de Sófocles no teatro teve lugar em 468: quer dizer que ele
desabrochou no momento em que Atenas, liberta das guerras médicas,
se tomava senhora de um vasto império e o centro da Grécia. Quando
fez representar a sua Antígona, a Acrópole ressoava com o ruído dos tra
balhos em curso: construía-se o Pártenon. Dez anos mais tarde, em 431,
começava a guerra do Peloponeso: após vinte e sete anos de sofrimento
e de crueldades, Atenas seria vencida, em 404, por todos aqueles que se
indispuseram contra o seu império: acabou assim o seu poder. Durante
a guerra representavam-se todos os anos peças de Sófocles e de Eurípi-
des; mas se Sófocles reflectiu sempre a harmonia do apogeu, Eurípides,
que era quinze anos mais novo, já reflectia as dúvidas e as interrogações
de um período de mal-estar político. Por outro lado, a comédia desenvolve-
-se, doravante, a par da tragédia; e também ela dá testemunho desta
inquietação crescente.
I.
SÓFOCLES
1. Vida de Sófocles
117
COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
Sem ter vocação política, exerceu por várias vezes altos cargos: foi
helenotamia (encarregado de recolher o tributo das cidades aliadas) em
443-442; foi, por duas vezes, estratego, uma das quais com Péricles, no
ano da Antígona. Foi, por fim, após o desastre da Sicília, um dos dez
probouloi, ou conselheiros especiais encarregues de velar pela salvação
do Estado. Teve também funções religiosas: a Vida anónima que temos
conta que foi sacerdote do herói curandeiro Halon; e parece ter sido um
dos introdutores do culto de Asclépio, para quem escreveu um péan.
Por fim e principalmente, a sua carreira teatral foi sempre marcada
pelo sucesso. Vencedor de Esquilo desde o início, alcançou uma boa vin
tena de vitórias; quando não era o primeiro, era segundo. Em 409, com
87 anos, ainda era classificado em primeiro lugar, com o Filoctetes.
Na sua morte, em 405, o general lacedemónio Lisandro, que nessa
altura tinha a planície ateniense sob o seu controlo, permitiu que deixas
sem passar os restos mortais de Sófocles: um duplo sonho ordenara que
a própria guerra fosse interrompida em honra do poeta.
Sófocles, autor trágico por excelência, não exprime na sua obra
sofrimentos pessoais: parece ter sido um homem feliz.
2. A obra de Sófocles
118
SÓFOCLES, EURÍPIDES, ARISTÓFANES
119
COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
mas desprezou a lei divina, que exige o enterro dos mortos. Acaba culpa
do e abatido, depois da morte de Antígona e de Hémon, e a da rainha.
Este rei, que os deuses destruíram, quando quis agir bem, tem rela
ções com o Rei Edipo, a tragédia que diz como é que o herói, que quis
proteger-se de um oráculo, descobre que acabara de matar o pai e de
casar com a mãe. A sua desgraça provém das suas boas intenções: a desco
berta que faz nasce de uma investigação ordenada por ele para o bem da
cidade. E, naturalmente, é no momento em que, ao saber da morte do seu
pai putativo, se considera protegido, que o desastre se abate sobre ele.
Encontra-se o mesmo contraste na Electra. Discute-se muito para
saber qual das duas Electra, a de Sófocles e a de Eurípides, é anterior à
outra. Em qualquer caso, o contraste com as Coéforas, de Esquilo, é gran
de em ambas. Nos dois casos, a peça tem o nome da heroína; e é o seu
carácter, a sua vontade, que decidem a morte de Clitemnestra: o papel da
vontade humana tomou a dianteira sobre a causalidade divina. Por outro
lado, Sófocles, distintamente de Eurípides, levou ao limite as razões que
podem levar Electra a desesperar do regresso de Orestes; estas razões não
se limitam apenas ao simples escoar do tempo, que passa numa espera
apaixonada, mas vã: até o artifício de Orestes, quando finalmente regres
sa, consiste em fazer-se passar por morto; e Electra acredita na mentira.
Desesperada, mas não aniquilada, procura então agir só. No momento
preciso, surgem o reconhecimento e a brusca passagem à alegria. A longa
solidão de Electra deu-lhe, assim, a mesma vontade indomável que Antí
gona mostrava - vontade que é, também aqui, sublinhada pelo contras
te com uma irmã mais receosa.
Uma escolha moral comparável ocupa um lugar central no Filoctetes.
O jovem filho de Aquiles, Neoptólemo, recebe do ardiloso Ulisses ordem
para enganar Filoctetes, outrora abandonado numa ilha deserta, e de o
levar para Tróia com o seu arco, necessário para a tomada da cidade.
Neoptólemo fica preso entre o seu dever para com o exército e a lealda
de que deve ao desgraçado herói. Esta lealdade prevalece no fim. O jovem
queria, pelo menos, convencer Filoctetes; mas este é intratável: é neces
sária a aparição do semideus Héracles para terminar a peça.
Pelo contrário, Édipo em Colono não conhece qualquer discussão
moral: apenas o esforço obstinado de Edipo para se desculpar dos seus
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SÓFOCLES, EURÍPIDES, ARISTÓFANES
crimes («pelos meus actos! pois que os sofri, mais do que os pratiquei»('),
267; cf. 273; 538-539; 964; 977; 987). Mas não há qualquer conflito de
deveres e a peça desenrola-se com a solenidade de um mistério. Édipo
chega com Antígona a Colono, na Ática. Está cego e amaldiçoado. Não
sabe se será acolhido; e fica a saber que os seus dois filhos querem
apropriar-se da sua pessoa. De facto, por uma misteriosa compensação
pelos seus males passados, não só será recebido por Teseu, mas o seu
corpo, depois da sua morte, tomar-se-á a salvaguarda da região; e a sua
morte tem lugar, no final da peça, numa espécie de elevação sagrada.
É, assim, claro que dois temas e duas séries de problemas alternam
no teatro de Sófocles: a relação do homem com os deuses e os proble
mas morais que dizem respeito ao herói.
(') N.T.: Para as citações de Sófocles, usámos a tradução portuguesa: Sófocles, Tra
gédias, (prefácio de Ma. do Céu Fialho; introdução e tradução do grego por Ma. Helena da
Rocha Pereira, José Ribeiro Ferreira, Ma. do Céu Fialho), Coimbra, MinervaCoimbra, 2003.
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COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
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SÓFOCLES, EURÍPIDES, ARISTÓFANES
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COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
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SÓFOCLES, EURÍPIDES, ARISTÓFANES
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COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
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SÓFOCLES, EURÍPIDES, ARISTÓFANES
nada a morrer num subterrâneo, longe de todos; e parte, rodeada por sar
casmos («Ai de mim, como me escarnecem!»). Electra só pode contar
consigo mesma para agir («Estou só...»). Filoctetes ficou só, durante anos,
na sua ilha, onde o querem abandonar novamente. E Édipo, no ponto mais
alto da sua glorificação, está só perante uma morte que só ele conhece.
Esta solidão corresponde à própria grandeza do herói. Ele deve-a à
sua exigência do absoluto; e, em troca, encontra nela como que a obri
gação de se elevar acima de si mesmo, com uma nova força.
Importa, contudo, reconhecer que, também aí, a arte de Sófocles nos
deixa com uma antítese. Há heróis em toda a sua grandeza; e há aqueles
que os rodeiam, mais humanos. Naturalmente, o brilho pertence aos heróis;
sobre eles concentra-se a luz; para eles vai a glória. Mas devemos pensar
que aqueles que os aconselham em vão estão errados? Teria Ajax razão
ao suicidar-se, abandonando Tecmessa, o filho e os marinheiros? A fle-
xiblidade compreensível de Ulisses, que é capaz de esquecer as ofensas,
será ela menos louvável? Filoctetes terá razão ao recusar, de modo tão
obstinado, ir para Tróia?
Na verdade, os heróis apresentam-se como casos-limite, mostram
que nobreza pode ser aliada às provas mais cruéis. Não representam mais
modelos a imitar do que as tragédias de Sófocles constituem sermões
abstractos.
São um impulso de fé no homem.
127
COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
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SÓFOCLES, EURÍPIDES, ARISTÓFANES
II.
EURÍPIDES
1. A vida de Eurípides
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COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
2. A obra de Eurípides
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SÓFOCLES, EURÍPIDES, AR1STÓFANES
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COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
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SÓFOCLES, EURÍPIDES, AR1STÓFANES
gosto do patético também se encontra quanto mais não seja nos esforços
de Orestes para obter apoio por uma ameaça de morte.
Entre as duas, as Fenícias tinha retomado o tema dos Sete contra
Tebas de Esquilo; mas, desta vez, os dois irmãos opõem-se directamen-
te; dilaceram-se diante da mãe. E a sua ambição tem como correctivo o
sacrifício voluntário do jovem Meneceu. O patético está ao serviço de
uma condenação violenta das querelas que destroem as cidades.
O tema do sacrifício voluntário encontra-se, sabemo-lo, na Ifigénia
em Aulis, em que também se multiplicam as dúvidas, as discussões, as
reviravoltas, os enternecimentos.
Em contrapartida, as Bacantes terminam a série com uma impres
são de início confusa. Porque a peça trata, no espírito trágico mais tra
dicional, da vingança de Dioniso sobre o incrédulo Penteu; e o culto do
deus é aí descrito com uma poesia que sugere um fervor sincero, que
parece preferível à sabedoria dos que raciocinam. Mas este deus tão exal
tado é um deus cruel; a sua vingança é horrível, já que a mãe de Penteu,
Agave, vem agitando a cabeça do filho, que ela própria, no seu delírio,
matara: se o fervor é belo, ele também se volta contra este homem. E o
patético brutal da peça mostra suficientemente que a ligação entre todas
estas tragédias é a presença concreta do sofrimento humano, venha ele
da paixão, da guerra, do erro, ou então, como aqui, dos deuses.
Tal é, com efeito, o mais visível dos traços que marcam a inspiração
de Eurípides; e, por esta razão, ele merece ser lembrado em primeiro
lugar.
3. O sofrimento e o patético
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COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
(2) N.T.: Para as citações do Hipólito, usámos a tradução portuguesa: Eurípides, Hipó
lito, (introdução e tradução do grego e notas de Frederico Lourenço), Lisboa, Edições Colibri,
1993.
(3) N.T.: Para as citações da Medeia, usámos a tradução portuguesa: Eurípides, Medeia,
(introdução, versão do grego e notas de Ma. Helena da Rocha Pereira), Coimbra, JNICT/
CECHUC, 21996.
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SÓFOCLES, EURÍPIDES, ARISTÓFANES
(4) N.T.: Para as citações das Troianas, usámos a tradução portuguesa: Eurípides,
Troianas, (introdução, tradução do grego e notas de Ma. Helena da Rocha Pereira), Lisboa,
Edições 70, 1996.
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COMPENDIO DE LITERATURA GREGA
4. As ideias e as dúvidas
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SÓFOCLES, EURÍPIDES, AR1STÓFANES
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SÓFOCLES, EURÍPIDES, ARISTÓFANES
5. A arte de Eurípides
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SÓFOCLES, EURÍPIDES, ARISTÓFANES
III.
ARISTÓFANES
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COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
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SOFOCLES, EURIPIDES, ARISTOFANES
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COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
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SÓFOCLES, EURÍPIDES, ARISTÓFANES
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COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
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SÓFOCLES, EURÍPIDES, ARISTÓFANES
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CAPITULO V
I.
MEDICINA, FILOSOFIA, RETÓRICA
1. Medicina e filosofia
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COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
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AS NOVAS IDEIAS EM ATENAS NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO V
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COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
2. Os sofistas
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AS NOVAS IDEIAS EM ATENAS NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO V
a) Protágoras
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COMPENDIO DE LITERATURA GREGA
existem ou não, nem qual é a sua forma.» (fr. B 4)(6). Todo o seu uni
verso estava, assim, centrado no homem; e um outro fragmento, não menos
célebre, afirma: «O homem é a medida de todas as coisas, das que são,
enquanto existem, e das que não são, enquanto não existem.» (B 1). É um
ponto de vista que Platão discutiu muitas vezes. Ele tem, aliás, proble
mas de interpretação: ora parece tratar-se do homem enquanto tal, e do
seu valor colectivo, ora do indivíduo. Quando é questão do conhecimen
to e das sensações, isso não é muito grave (no Teeteto, de Platão, 171 e,
Sócrates refere as coisas «quentes, secas, doces e todas as outras deste
tipo»)(7); mas o problema é mais grave quando se trata das coisas «belas
e feias, justas e injustas, piedosas e ímpias». Se tudo depende do indiví
duo, que norma subsistirá? Em qualquer caso, é claro que Protágoras
não admitia valores transcendentes nem de justiça absoluta; e a sua dou
trina autorizava atitudes de recusa relativamente ao direito e ao bem.
Não parece, contudo, que ele os tenha adoptado por si mesmo: apa
rentemente ele salvava o justo - tal como a cidade o definia - fundindo-
-o na sua noção de interesse colectivo. Pelo menos, é o que se deduz do
mito que Platão lhe atribui no Protágoras·. a espécie humana, mal dota
da na origem, estaria perdida, mesmo com o fogo e as técnicas, se Zeus
não lhe tivesse concedido «respeito e justiça, para que houvesse na cida
de ordem e laços que suscitassem a amizade» (322 c). Ajustiça das cida
des é, assim, o que lhes permite subsistir e Protágoras justifica-o pelo
seu valor. De resto, ele também tinha uma ideia muito nobre da função
que deve exercer o castigo, cujo fim era curar e instruir: a mesma ideia
é atribuída por Platão tanto a Protágoras como a Sócrates - o que é carac-
terístico.
Compreende-se, assim, que este relativista possa ter sido educador
e legislador: a moral que propunha não se baseava em nenhum funda
mento religioso ou transcendente; mas encontrava-se intacta, graças às
noções de um interesse bem entendido e de colectividade política: no
(6) N.T.: A tradução deste fragmento, bem como do seguinte, foi retirada da Hélade.
Antologia da Cultura Grega (organização e tradução do original de Maria Helena da Rocha
Pereira), Porto/Lisboa, Edições ASA, *2003.
(7) N.T.: As traduções do Teeteto são retiradas da tradução portuguesa: Platão, Teete
to, (tradução de Adriana Manuela Nogueira e Marcelo Boeri; prefácio de José Trindade San
tos), Lisboa, FCG, 2005.
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AS NOVAS IDEIAS EM ATENAS NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO V
b) Górgias
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COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
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AS NOVAS IDEIAS EM ATENAS NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO V
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COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
(8) N.T.: A tradução deste fragmento de Antifonte (44, A, 12 Diels-Kranz), bem como
o excerto seguinte (do fr. 44, A 7 B 2 Diels-Kranz) foi retirada da Hélade. Antologia da Cul
tura Grega (organização e tradução do original de Maria Helena da Rocha Pereira), Porto/
/Lisboa, Edições ASA, *2003.
160
AS NOVAS IDEIAS EM ATENAS NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO V
Também para ele, a lei é uma convenção. E, desta vez, tomando partido
contra ela, Cálicles deseja que o homem forte tenha a coragem de se
levantar para calcar aos pés «os nossos escritos, as nossas magias e os
nossos encantos e leis antinaturais» e fazer, por fim, brilhar «em todo o
seu esplendor o direito da natureza.» (484 a)(9).
O paralelismo entre os dois pensamentos prova suficientemente
como tais doutrinas podiam tornar-se num poderoso fermento, prepa
rando a vinda do amoralismo e a eclosão de ambições sem escrúpulos.
No entanto, as diferenças não são menos claras do que as semelhan
ças. E, muitas vezes, cometeu-se o erro de as descurar. Com efeito, Anti-
fonte entrega-se a uma análise teórica perfeitamente firme e sólida. Mas
dizer que não é do interesse do indivíduo obedecer à lei, se ninguém o
vir, não é aconselhar a desobediência, nem sequer preferir a ordem da
natureza. Antifonte reconhece o carácter convencional da lei: nós não
sabemos, de modo nenhum, se esta convenção não lhe parecia boa, e
indirectamente útil - um pouco como o era para Protágoras. Cálicles
representa o modo como certos homens podiam utilizar, deformando-as,
as doutrinas dos sofistas; mas nada autoriza a confundir a filosofia sere
na de um com as conclusões práticas que a ambição do outro tirava.
Do mesmo modo, quando Antifonte diz que, do ponto de vista da
natureza, Gregos e Bárbaros são, de modo idêntico, homens que respiram
«para o ar pela boca e pelas narinas», isso não significa de modo algum
que ele reclame a igualdade entre todos os homens, seja na cidade, seja no
mundo. Um texto conhecido através de fragmentos deve ser tratado com
prudência; e o pensamento de Antifonte não está, de modo algum, com
prometido. Se o está, nada, nestas poucas páginas, nos diz em que sentido.
O carácter teórico do tratado Da Verdade explica que ele possa ter
escrito também o tratado Da Concórdia, sem que tenha sido necessário,
com alguns, fazer, mais uma vez, a distinção entre os autores, um amo-
ralista e o outro, não!
Aliás, conhecemos mal o conteúdo deste tratado. Os excertos que
restam evocam uma psicologia clarividente e pessimista, cujas máximas
(9) N.T.: As traduções do Górgias são da tradução portuguesa: Platão, Górgias, (intro
dução, tradução do grego e notas de Manuel de Oliveira Pulquério), Lisboa, Edições 70,
1992.
161
COMPENDIO DE LITERATURA GREGA
amargas lembram muitas vezes Tucídides. Sem dúvida que ele entendia
a concórdia no sentido tradicional, visto que num dos seus pensamentos
diz: «A anarquia é o pior dos males humanos». Os sofistas, e isso é claro,
apenas podiam defender um ideal de ordem pragmática, fundado nas
condições de vida em sociedade. Mas, no interior deste quadro, Antifon-
te fala com vigor de «se dominar e se vencer a si mesmo». Uma moral
baseada no interesse colectivo pode ser uma moral firme e exigente.
162
AS NOVAS IDEIAS EM ATENAS NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO V
II.
TUCÍDIDES
1. Vida de Tucídides
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COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
dever a laços de família ligações com a Trácia, uma região onde ele pró
prio admitia que tinha direitos de exploração de minas de ouro e «tinha,
por este motivo, algum crédito junto das principais personagens no con
tinente.» (IV, 105, 1).
Isto iria servir-lhe no exílio, que dividiu a sua vida em duas.
No primeiro período, viveu a vida na sua pátria. Formado com uma
educação cuidada, visto que encontramos, entre os mestres que a tradi
ção lhe atribui, Anaxágoras e os sofistas Górgias e Pródico, terá assistido
a uma leitura de Heródoto que o marcou vivamente. Em qualquer caso,
desde o início da guerra que decidiu tornar-se um historiador (I, 1,1).
A política apaixonava-o manifestamente. Podemos ter uma ideia das
suas opiniões pelo facto de elogiar calorosamente a democracia de Péri-
cles (II, 65), mas também o regime misto de 411 (VIII, 97).
Sabemos que, quando a peste grassou em Atenas, foi atingido (II,
48, 3). Quando recearam pelas cidades da Calcídica, ele foi enviado para
lá como estratego (IV, 104). Mas não conseguiu salvar a cidade de Anfi-
polis; e, acusado, viu-se condenado.
Logo exilado, mais não é do que um historiador. Consagra todo o
seu tempo à informação nos dois campos: «Além do mais, sucedeu que
me encontrei exilado durante vinte anos, depois de ter tido o comando
em Anfípolis, e que assisti aos assuntos dos dois grupos - sobretudo do
lado dos Peloponésios, devido ao meu exílio - o que me deu tempo para
me dar conta das coisas» (V, 26); a experiência prática era um auxílio
directo para o historiador: o seu revés prático tomou-se uma vantagem
indirecta para a sua obra.
Não sabemos se regressou a Atenas depois de 404, aquando das
amnistias que houve no final da guerra. Também não sabemos (apesar
das tradições fantasistas e contraditórias) quando ou como morreu: pare
ce ter vivido ainda alguns anos depois de 404.
Ignoramos igualmente em que condições a sua obra foi elaborada.
Esta obra está inacabada: ela deveria ter ido até 404 e termina em 411.
Logo nos primeiros livros, encontramos alusões à última parte da guer
ra, nomeadamente a derrota final. Podemos, portanto, pensar que, desde
o início, ele tomou notas e que só começou a redacção propriamente dita
depois de 404. No entanto, apresenta-se a si mesmo como tendo um juízo
original o facto de admitir a unidade da guerra, já que houve dez anos
164
AS NOVAS IDEIAS EM ATENAS NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO V
2. A obra de Tucídides
165
COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
(10) N.T.: A tradução de Tucídides foi retirada da Hélade. Antologia da Cultura Grega
(organização e tradução do original de Maria Helena da Rocha Pereira), Porto/Lisboa, Edi
ções ASA, *2003.
166
AS NOVAS IDEIAS EM ATENAS NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO V
completem; por outro lado, organiza-se para que a narrativa dos factos
seja posta em relação com os seus planos e revelada, passo a passo, a
força ou a fraqueza. Destas narrativas de batalhas, as mais notáveis são
as batalhas navais: Patras e Naupacto, no livro II, ou os combates de
Siracusa nos livros VI e VII.
Mas, a par destas batalhas, Tucídides dá um lugar importante às
negociações, de onde saem as alianças e as deserções; e, se as narrativas
das batalhas navais mostram à evidência a superioridade marítima de
Atenas, que tem o domínio do mar, pelo contrário as negociações polí
ticas fazem aparecer, frequentemente, a fraqueza associada ao seu impé
rio, facto que lhe valeu a impopularidade.
Com efeito, encontramos na maior parte das análises o traço que já
sugeria a expedição feita à Sicília: a reflexão de Tucídides está quase
sempre centrada no império de Atenas e nos problemas do poder. Ele
analisa, aliás, os recursos de Péricles logo no livro I, em que temos toda
uma teoria das possibilidades ilimitadas ligadas ao domínio marítimo.
Atribui a este mesmo Péricles, no livro II, um grande elogio de Atenas
e do seu império (a Oração fúnebre), mas também um aviso dos riscos
que a hostilidade dos súbditos comporta. Quase todos os episódios sobre
os quais Tucídides centra a atenção do seu leitor estão em maior ou menor
relação com este problema.
No livro II, vemos sobretudo o mal que Péricles experimenta, ao
fazer aceitar pelo povo a sua táctica defensiva (correspondente à natu
reza do poder ateniense): este exalta-se ou desencoraja-se. No entanto,
a superioridade naval afirma-se em Patras.
O livro III divide-se principalmente entre os episódios de Plateias e
de Mitilene. Plateias é a cidade fiel, cuja sorte será trágica. Mitilene é a
cidade revoltada, que obriga Atenas a defrontar-se com o problema da
repressão (discursos de Cléon e de Diódoto). A estes dois episódios junta-
-se uma exposição terrível sobre a guerra civil (a propósito de Corcira).
No livro IV, Tucídides destaca o episódio de Pilo: este poderia ter
levado à paz, mas os Atenienses recusaram-na pelo «desejo de mais».
O livro também fala da Sicília, onde já se manifesta um movimento de
resistência contra Atenas. E no final do livro IV é incitada a política do
Lacedemónio Brásidas, que consiste em fazer desligar-se de Atenas as
cidades do seu império. O receio causado por estas deserções obriga, por
167
COMPENDIO DE LITERATURA GREGA
fim, Atenas a fazer um tratado. Mas a lição não terá valor: as ambições
atenienses, na Sicília, darão ao problema do imperialismo uma nova
agudeza e um aspecto mais grave. Por fim, mesmo antes dos livros rela
tivos à Sicília, Tucídides introduziu na sua obra um diálogo extraordi
nário entre os Atenienses e os habitantes de Meios, uma pequena ilha
neutra, que eles acabaram de submeter contra todo o direito, porque
tinham necessidade de mostrar a sua força. O diálogo, que encerra o livro
V e que é o único da obra, trata de todos os aspectos desta política de
força, das ideias morais ou religiosas que lhe subjazem ou a condenam,
e das circunstâncias que a tomam ao mesmo tempo necessária no ime
diato, mas perigosa no futuro.
Esta iluminação dada à história faz, assim, uma profunda reflexão
política; ao mesmo tempo que é uma aventura de facto entre duas cida
des inimigas, é uma aventura intelectual, em que se descobre progressi
vamente uma verdadeira filosofia do poder.
Uma tal forma de história implica evidentemente uma ideia muito
excepcional da verdade histórica.
3. A verdade histórica
168
AS NOVAS IDEIAS EM ATENAS NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO V
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COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
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A S N O V A S ID E IA S E M A T E N A S N A S E G U N D A M E T A D E D O S É C U L O V
4. A filosofia da história
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C O M P E N D I O D E L IT E R A T U R A G R E G A
Tucídides que denuncia estes hábitos irrazoáveis: fá-lo para ajudar a «ver
claro»; fá-lo para que no futuro a acção dos homens possa tirar partido da
experiência, tal como tiramos partido do conhecimento de uma doença.
Assim se descobre, a par destes arrebatamentos cegos, a presença
na história de uma razão que sabe calcular e prever. E o historiador age
de modo a que, por trás de cada acontecimento, apareça esta oposição
entre as tendências afectivas da razão, que lhes resiste, entre a cegueira
e a lucidez, que sabe, antecipadamente, ter cuidado.
Os chefes, se são bons chefes, sabem, com efeito, prever. Tucídides
elogia esta qualidade em Temístocles (I, 138, 3) e em Péricles (II, 65,
5 e 13). Não deixa, sobretudo, de mostrar em acção esta arte de prever.
Os discursos vêm antes da acção; ora, eles analisam sempre aquilo que
se pode esperar: a narrativa dirá se o fazem correctamente. A táctica pre
conizada por Péricles baseia-se num cálculo, e os vários discursos do
homem de Estado são outras tantas argumentações que mostram que, se
Atenas o adoptar, ele pode vencer. Do mesmo modo, em cada batalha,
os generais analisam a situação e distinguem, quer as razões do seu plano
(baseado numa previsão da atitude inimiga), quer as razões para descon
tar a vitória. Os maus estrategos (como Cléon, de quem Tucídides não
gosta e em relação ao qual é severo) não calculam o bastante: os seus
adversários beneficiam disso, e o Lacedemónio Brásidas é um belo exem
plo. Em Anfípolis, ele explica aos seus soldados qual a falha que Cléon
parece ter cometido e como é que ele vai beneficiar. Usa expressões como
«eu explico-vos», «conjecturo», «é de prever que» (V, 9): naturalmente,
a narrativa dá-lhe razão.
Há, portanto, para o homem uma possibilidade de determinar os
acontecimentos. Mesmo um revés se toma, neste caso, numa lição e per
mite um progresso. Simplesmente, a batalha entre a lucidez e a felicida
de está sempre a recomeçar.
Ao ler os textos de Tucídides, alguns são sobretudo sensíveis aos
revezes da razão (como Stahl); outros, aos seus sucessos (como é o caso
no nosso livro Histoire et raison...): Tucídides sujeita o conflito em curso
a esta batalha de ordem moral e intelectual e, de acordo com o seu hábi
to, não tira qualquer conclusão, mas faz de nós juiz.
Em todo o caso, parece que o pessimismo de Tucídides encontra
nesta exaltação do conhecimento crítico uma contrapartida importante.
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A S N O V A S ID E IA S E M A T E N A S N A S E G U N D A M E T A D E D O S É C U L O V
5. A arte de Tucídides
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A S N O V A S ID E IA S E M A T E N A S N A S E G U N D A M E T A D E D O S É C U L O V
A ELOQUÊNCIA ÁTICA
NO SÉCULO IV
O século ιν, até à morte de Alexandre, em 323, viu Atenas restabe
lecer-se do seu revés e tentar reflectir na lição, antes de ter de defender
a sua liberdade contra a ameaça macedónia, e defendê-la em vão. Esse
período foi, para ela, uma época de reflexão na qual, nos escritos em
prosa, desabrocham doutrinas políticas e filosóficas.
Esta reflexão manifestou-se a níveis diferentes. Primeiro, temos o
da vida prática: o século iv é o século da eloquência ática, e a carreira de
Demóstenes acompanha exactamente a crise da liberdade. Outros adqui
rem um distanciamento maior e aconselham, sobretudo, os seus contem
porâneos por meio dos tratados, nos quais expõem as suas doutrinas: é
o caso de Isócrates e, em parte, o de Xenofonte. Outros, por fim, entre
gam-se exclusivamente à reflexão filosófica e dão-lhe uma nova dimensão:
o século iv é o que dá ao mundo Platão e Aristóteles. Já aqui observámos
esta diferença entre os níveis de pensamento e os géneros que presidiram
à repartição dos autores entre capítulos. Mas é claro que se trata de uma
distinção de mera comodidade, que não corresponde a um desenvolvimen
to de ordem cronológica. A eloquência, a reflexão política, a filosofia,
começam quase em conjunto, desde o início do século; mas, de seguida,
cada género prossegue o seu caminho. Demóstenes figurará, então, antes
das exposição sobre Xenofonte ou Platão; ora, a sua actividade começa
no próprio ano em que Xenofonte morre e apenas oito anos antes da
morte de Platão. Apenas o parentesco dos géneros o faz passar à frente
deles, no capítulo consagrado à eloquência.
Esta eloquência, tão importante na cultura dos Antigos está na verda
de, no que respeita a Atenas e às obras conservadas, totalmente contida
179
C O M P Ê N D I O D E L IT E R A T U R A G R E G A
I.
A ELOQUÊNCIA JUDICIÁRIA
1. Andócides
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A E L O Q U Ê N C I A Á T I C A N O S É C U L O IV
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C O M P Ê N D I O D E L IT E R A T U R A G R E G A
2. Lísias
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A E L O Q U Ê N C I A Á T I C A N O S É C U L O IV
Lísias, que deveria ter trinta e cinco anos, escapa à justa à prisão; mas o
seu irmão foi preso e condenado à morte; a sua fortuna foi perdida; e
Lísias teve de viver, daí em diante, dos seus talentos retóricos. E fê-lo
até à morte, que se deve situar entre 380 e 360.
A sua obra foi enorme; alguns, na Antiguidade, falaram de mais de
quatrocentos discursos; restam trinta e cinco, dos quais alguns estão
incompletos e alguns são inautênticos. São quase todos discursos judi
ciários, compostos para clientes. Há, contudo - mesmo pondo de parte
a sua carreira como mestre de retórica, que só é conhecida de forma indi-
recta e pouco segura - excepções; pois sob o nome de Lísias temos dis
cursos de aparato e um discurso de defesa muito pessoal, constituído
pela sua própria causa, o Contra Eratóstenes.
Os discursos de aparato são de autenticidade duvidosa e de qualida
de medíocre. São a Oração fúnebre e o Olímpico - a que podemos acres
centar, com muitas reservas, o discurso Sobre o amor, que Platão cita no
Fedro, atribuindo-o a Lísias. Este discurso defende a ideia de que é pre
ferível conceder favores a um amante que não esteja apaixonado. A tese
é ao gosto da sofística, o estilo está na melhor maneira de Lísias; mas o
conjunto tem mais possibilidades de ser uma imitação do que uma cita
ção; e apenas podemos concluir que Lísias também praticava, ocasional
mente, esta espécie de discurso fictício sobre teses paradoxais.
O caso dos dois outros é diferente. O seu estilo, muito marcado pela
sofística, não é o estilo dos discursos; mas talvez a diferença se explique
pela dos géneros. Por outro lado, a Oração fúnebre - um desses elogios
dos mortos e de Atenas, como há muitos - não pode ter sido pronunciada
por Lísias, que não era cidadão; mas talvez ele tenha composto o texto,
apesar de tudo. No pensamento, nada se opunha a estas atribuições: a Ora
ção fúnebre está muito próxima de Isócrates (há paralelos estreitos com
o Panegírico), mas a nota democrática adequava-se a Lísias. Do mesmo
modo, o Olímpico prega a concórdia entre os Gregos, como Górgias acaba
va de fazer; mas os ataques contra Dionísio de Siracusa adequavam-se
a Lísias. Em todo o caso, estes dois discursos contam mais como docu
mentos sobre a história das ideias do que como obras literárias. O pri
meiro é de pouco depois de 393, o segundo de 388 ou 384.
183
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cursos, as alusões não faltam: eram feitas para agradar aos juízes, mas
parece que responderam ao sentimento do autor.
No entanto, a força deste sentimento adquire um valor tanto maior
no Contra Eratóstenes, quanto a expressão é deliberadamente discreta:
Lísias conta factos, muito simplesmente. A medida cruel e arbitrária dos
Trinta é evocada sem ênfase: os pormenores da fuga das vítimas apresen
tam-se sob a forma de diálogos breves, sem comentários: «Digo a Píson:
queres salvar-me por dinheiro? - Sim, diz ele, se a quantia for grande...»;
a baixeza dos seus perseguidores traduz-se em pormenores concretos,
igualmente sem comentários - tal como quando a lista de todas as riquezas
confiscadas resulta na menção deste pequeno gesto revelador: «A mulher
de Polemarco tinha pendentes de ouro, que ela possuía quando entrou
em casa: Melóbio arrancou-lhos das orelhas» (19).
Esta reserva, muitas vezes marcada com ironia, e este sentido do por
menor concreto encontram-se em todos os discursos de Lísias, misturados
com a arte de se comparar ao carácter do litigante, ou ethopoiia. É o que
faz destes discursos um quadro tão vivo da vida ateniense da época. Há
cenas de rua, com jovens bêbados; há lojas, onde se conversa, como lem
bra o pobre inválido do discurso XXIV: «Tendes o hábito de dar a vossa
volta, um ao perfumista, outro ao barbeiro, outro ao sapateiro...»; vemos,
também, cenas de interior, como a casa do marido enganado, que fala em
Sobre a morte de Eratóstenes (I: trata-se de outro Eratóstenes); ele conta
como é que a sua mulher usava os gritos do bebé para ter um pretexto
para descer, fechando-o a ele em cima, onde começa a reflectir: «Lembrei-
-me de que, nessa noite, as portas da rua e do pátio fizeram barulho, o que
nunca tinha acontecido, e que a minha mulher me apareceu pintada...»
(17). Todo este mundo familiar, por vezes, ingénuo, se pretende amigo da
ordem. E a arte de Lísias tende a tomá-lo mais vivo e simpático.
Com efeito, esta arte é mais subtil do que incialmente parecia. Con
siste em apresentar a narrativa do modo mais simples possível, de forma
a orientar muito os espíritos. Assim, a argumentação apenas tem como
fim responder ao que pretende o adversário: Lísias fá-lo sem grande pes
quisa, nem de forma, nem de dialéctica, em nome de uma verosimilhan
ça ingénua. Quando o marido enganado se defende de ter morto com
premeditação, acumula indícios de verosimilhança que, por si mesmos,
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3. Iseu
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A E L O Q U Ê N C I A Á T I C A N O S É C U L O IV
II.
DEMÓSTENES
1. Vida e obra
a) A juventude
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C O M P Ê N D IO D E L IT E R A T U R A G R E G A
b) Antes de Filipe
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A E L O Q U Ê N C I A Á T I C A N O S É C U L O IV
ses, uma aliança contra Filipe. Sabemos, de resto, que não serviu de nada:
a batalha de Queroneia, em Agosto de 338, assinalou a vitória definitiva
de Filipe. Daí em diante, Atenas ficou submetida aos reis da Macedónia.
Mas, se não temos os discursos do momento, acontece que, tal como
para o primeiro empenho, temos um grande discurso retrospectivo, com
posto vários anos depois, por ocasião de um processo político: é o mais céle
bre e o mais pessoal dos discursos de Demóstenes, o Sobre a Coroa, que é
de 330, mas que trata de acontecimentos anteriores e de política em geral.
O processo partiu da proposta de Ctesifonte para conceder uma coroa
de ouro a Demóstenes, pela generosidade com que contribuirá para a
reconstrução das muralhas. Esquines atacou esta proposta e o processo
acabou por nascer: na realidade, tinha por objecto todo o papel político
de Demóstenes. Nunca este deu provas de tanta autoridade e de segu
rança como neste processo. Por meio de uma hábil composição, deixou
para o fim (depois de um falso epílogo e de um ataque mordaz contra
Esquines) toda uma parte dos acontecimentos, que é aquela em que ele
próprio se distinguiu: é o período da aliança com Tebas e do esforço
supremo para resistir; ocupa perto de cem parágrafos (160-251). E não
nega nada do que fez. Recorda em que circunstâncias, aquando da supre-
sa de Elatia, ele teve, sozinho, a coragem de intervir. Pergunta inúmeras
vezes: o que é que deveria ter feito de forma diferente? Mostra aquilo
que, ao menos, a sua política evitou. Enfim, numa espécie de sobressal
to, afirma que teve razão, apesar do desaire final: «Ainda que o futuro
tivesse sido evidente para todos nós, ainda que toda a gente o tivesse
conhecido antecipadamente, ainda que tu, Esquines, o tivesses anuncia
do e comprovado com os gritos dos clamores, tu que nem uma palavra
sopraste, ainda assim, o nosso país não deveria ter renunciado esta ati
tude, pelo menos, se se preocupasse com a glória dos nossos antepassa
dos ou a da prosteridade.» (199).
A grande tradição do prestígio ateniense do qual Péricles, na obra
de Tucídides, dissera que sobreviveria ao poder, é aqui retomada com
estrondo, depois do revés, num idealismo que não deixa lugar nem à
dúvida nem ao arrependimento. Os Atenienses tinham de ser sensíveis
a isto: votaram a favor de Demóstenes, ratificando assim, demasiado
tarde, uma política que os conduzira ao desastre.
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2. As ideias e o estilo
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Tudo isto Demóstenes diz ao povo, com uma severidade áspera: com
efeito, considera o orador, ou seja, o homem político, tem deveres: dizer
a verdade ao povo é um; ser dedicado à cidade é outro, e também saber
pressentir, prever as questões no seu início, e nunca se furtar às obriga
ções, que estão para o orador como para um soldado no seu posto.
Para o povo e para os homens políticos, os valores têm de ser restau
rados; e aqui Demóstenes é realmente um «educador do povo» (W. Jaeger).
Estes valores restaurados, restaurariam, por seu turno, o prestígio que
foi o de Atenas no passado, e Demóstenes nunca deixou de acreditar que
o retomo era possível. A Atenas do tempo das guerras médicas é aquela
que ele queria reencontrar - com Filipe no papel do rei da Pérsia. Ele
queria a glória, a primazia, o brilho. E o contraste constante entre esta
grandeza a reencontrar e a miséria do presente explica a espécie de urgên
cia e de tensão que é a própria natureza da sua eloquência.
Todos os meios desta eloquência são postos ao serviço deste pensa
mento, que é sempre o mesmo.
A composição é suficientemente livre para realçar o essencial: vimos
uma prova no Sobre a Coroa. E esta espécie de liberdade no modo de
avançar aparece mesmo no pormenor: muitas vezes, os exórdios deslo
cam a questão com ousadia. Por outro lado, até quando Demóstenes pro
cede de acordo com uma organização subtilmente deliberada, parece
deixar-se sempre levar por uma inspiração espontânea: por vezes, temos
dificuldade em distinguir as partes entre si, de tal modo um movimento
único parece dominar a totalidade. No entanto, sabemo-lo, a arte de
Demóstenes não devia nada ao improviso..
Mas, mais ainda do que esta liberdade no modo de avançar, a pró
pria força do estilo respira poder.
E um estilo que nada prepara na eloquência anterior, mais limado,
conciso e intelectual - pelo menos, tanto quanto a conhecemos. E o mais
notável é, sem dúvida, o modo como combina a aspereza e o fôlego, o
resumo e a extensão.
O que dá esta impressão de aspereza e de resumo é, primeiro, a força
das próprias palavras, no seu carácter familiar e concreto. Vimo-lo relati
vamente ao «fazem política pelas simorias». Muitas vezes, estas palavras
concretas brotam na forma de imagens. Assim o escreve (Filípica, I, 26):
«Tal como os fabricantes de figurinhas de argila, elegeis os vossos estra
194
A E L O Q U Ê N C I A Á T I C A N O S É C U L O IV
tegos para uma montra, não para a guerra». Ou então, compara os abo
nos da caixa dos espectáculos com os alimentos dados pelos médicos
«que não dão forças, mas apenas impedem de morrer» (Olintíaca, III, 33).
Por vezes, estas imagens apressam-se, variam de uma linha para a outra,
como se a vivacidade da impressão, ou a urgência em comunicá-la, exi
gisse esta renovação.
Ou então, Demóstenes passa de uma só vez para o estilo directo,
para o diálogo. Às vezes, é apenas um artifício da apresentação, desti
nada a realçar a ideia («De onde se tirará a substância? Do céu? Não
pode ser», em Sobre o Quersoneso, 26). Ou então, é uma forma de mos
trar a a ausência de qualquer solução, como nas seis questões, seguidas
de respostas insuficientes, que se sucedem em Sobre o Quersoneso, 17.
Talvez seja, também, uma forma sarcástica de pôr a nu as intenções de
um adversário que ele põe a falar.
Estas ousadias impetuosas, esta vivacidade, este brilho foram estig
matizados por Esquines, que atribui a Demóstenes uma série de imagens
extravagantes e incoerentes: «Podamos a república; subrepticiamente cor
támos os nervos à democracia, estamos juntos, apertados como esteiras,
somos enfiados em passagens estreitas como agulhas» (Contra Ctesifonte,
166). Também acrescenta que Demóstenes «redemoinhava» a tribuna.
Mas estas críticas fáceis desconhecem o facto de que estes brilhos
bruscos são, na verdade, produzidos por um estilo que combina quali
dades opostas. Pois Demóstenes também pratica grandes períodos, com
um movimento solene e um fôlego potente. Poderíamos referir como
exemplo a célebre abertura do Sobre a Coroa, com a sua prece aos deu
ses, ou então a passagem da segunda Olintíaca, 23-26, na qual estabe
lece que o sucesso de Filipe não é espantoso e que só a atitude de Atenas
é espantosa: o movimento estende-se por vinte e duas linhas, com repe
tições verbais, colocadas de tempos a tempos («Não é de espantar.... e,
quanto a mim, não me espanto: pelo contrário, seria de espantar... Mas
o que me espanta... Eis o que me espanta...»). Tais expressões apresen
tam um fôlego único e regular, que parece obter a adesão pela sua pró
pria segurança.
Estes dois tipos de frase alternam, naturalmente, em Demóstenes:
as pequenas observações, as perguntas sem resposta, as imagens mor
dazes correspondem à crítica a uma atitude ou aos ataques contra o adver
195
C O M P E N D IO D E L IT E R A T U R A G R E G A
III.
OS ORADORES CONTEMPORÂNEOS
DE DEMÓSTENES
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A E L O Q U Ê N C I A Á T I C A N O S É C U L O IV
1. Esquines
197
C O M P Ê N D IO D E L IT E R A T U R A G R E G A
adversário. Isto, de resto, não prova em nada que ele não tiraria provei
to de se entender com Filipe.
Esta é, de facto, a grande discussão que então dividia os oradores
em dois campos.
2. O partido da resistência
198
I
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A E L O Q U Ê N C I A Á T I C A N O S É C U L O IV
201
C A P Í T U L O VII
A REFLEXÃO SOBRE A
POLÍTICA E A HISTÓRIA:
ISÓCRATES E XENOFONTE
Enquanto os oradores tentavam educar directamente o povo e os
filósofos evitavam a assembleia para reconstruir o mundo por meio do
pensamento, no século iv dois homens ocuparam um lugar intermédio:
escreveram tratados que procuravam propagar uma sabedoria de ordem
prática, acessível a qualquer homem capaz de reflectir. Há muitos pon
tos em comum no seu pensamento e muito poucos nas suas vidas, embo
ra ambos fossem Atenienses e ambos tivessem nascido entre 440 e 430.
I.
ISÓCRATES
205
COMPENDIO DE LITERATURA GREGA
1. A retórica
206
ISÓCRATES E XENOFONTE
207
COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
208
ISOCRATES E XENOFONTE
209
COMPENDIO DE LITERATURA GREGA
2. A política
a) A vid a p o lític a a te n ie n se
210
ISOCRATES E XENOFONTE
b) O p r o g r a m a p a n -h e lé n ic o
c) O s títu lo s d e A te n a s e o s se u s e rro s
211
COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
Não conseguiu ser aceite pelos aliados, alguns dos quais declararam
guerra a Atenas: desiludido, Isócrates censurou-lhe, então, os seus erros,
no Sobre a Paz: esses erros resumem-se todos a um abuso de autorida
de. E são os mesmos erros do passado - aqueles mesmos que perderam
Atenas e que, depois dela, perderam Esparta. Toda uma teoria do poder,
toda uma filosofia da história, se revela a partir da aproximação dos dois
pontos de vista e dos dois discursos. Elas encontrar-se-ão depois em
todos os tratados de Isócrates.
d) O p o d e r e a h istó ria
(') N.T.: A tradução desta passagem foi retirada da tradução portuguesa: Maria Hele
na Urena Prieto, Política e Ética. Textos de Isócrates, Lisboa, Editorial Presença, 1989.
212
ISOCRATES E XENOFONTE
e) A doutrina e os homens
213
COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
II.
XENOFONTE
214
ISOCRATES E XENOFONTE
1. A sua vida
215
COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
ria da sua vida, do seu tempo, bem como da história das ideias e dos
homens de então.
216
ISOCRATES E XENOFONTE
217
COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
218
ISÓCRATES E XENOFONTE
ciliação (há três em VI, 3), organizando depois a colaboração dos dois
povos (tal como os discursos de Procles, em VI, 5 e VII, 1); cada um fala
com o seu tom e estilo próprios (o que não era o caso de Tucídides); e
todos apresentam argumentos em favor desta política, que Xenofonte
devia aprovar; mostram que, ao reconhecer a Atenas a superioridade
marítima e a Esparta a terrestre, a aliança de uma com a outra deve cons
tituir um poder quase irresistível.
Esta é a única obra, em Xenofonte, que representa o género históri
co; é também a única das obras históricas deste período que sobreviveu.
Podemos apenas constatar que pelo menos algumas tendências das obras
perdidas estavam de acordo com o espírito das Helénicas. Sem dúvida
que é preciso colocar à parte Ctésias, cujas obras perdidas sobre a Pérsia
e a índia parecem estar mais associadas à tradição de Heródoto. Em con
trapartida, fomos muito felizes, em 1906, por encontrar nos papiros algu
mas páginas de um texto anónimo, as Helénicas de Oxirrinco (a partir
do nome da cidade em que foram encontradas): trata-se de acontecimen
tos do ano de 395, logo, aparentemente, de uma outra continuação de
Tucídides. A qualidades destas poucas páginas (que datam do segundo
quartel do século iv) faz lamentar vivamente a perda do resto. Temos
ainda menos das obras dos discípulos de Isócrates. Mas é característico
verificar que Teopompo continuou Tucídides exactamente como Xeno
fonte, nas Helénicas, e contou os acontecimentos de 359 a 336 numa gran
de obra intitulada Filípicas: o nome de um homem substitui o da Grécia;
quanto a Éforo, ele é o primeiro autor de uma História que se pretendia
universal: começava com a chegada dos Dórios ao Peloponeso e ia até
à chegada de Filipe. A história, no século iv, parte de Tucídides, mas
alarga-se e universaliza-se.
À obra histórica de Xenofonte, que é, portanto, importante podemos
juntar três pequenos tratados, inspirados nos mesmos interesses.
As Helénicas são muito favoráveis ao rei de Esparta, Agesilau; mas
isso não era suficiente para o seu amigo Xenofonte, que retomou a maté
ria relativa ao rei e fez um elogio, o Agesilau. No domínio literário, esta
pequena obra, consagrada a um indivíduo, prepara um pouco o género
biográfico. No domínio das ideias, para além da admiração de Xenofonte
por Esparta e pelas suas virtudes, apresenta-nos uma outra aplicação das
suas ideias à arte de governar: mais do que ninguém, Agesilau possuía
219
COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
220
ISOCRATES E XENOFONTE
4. A história romanceada
2 21
COMPENDIO DE LITERATURA GREGA
222
ISOCRATES E XENOFONTE
conservar-se fiel aos anos da sua juventude ateniense; são aqueles que,
muito depois, consagrou a Sócrates
5. A história de Sócrates
223
COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
224
CAPÍTULO VIII
Sócrates não devia figurar numa história da literatura, visto que não
escreveu nada. Também não devia figurar num capítulo relativo ao sécu
lo iv, visto que ele pertence ao século v: nascido em 470, situa-se entre
Eurípides e Tucídides e morre em 399, na alvorada do novo século. Se
evocamos aqui o seu papel é porque, embora contemporâneo dos sofistas,
com os quais Platão o põe a dialogar, ele inaugura no pensamento grego
uma nova era. Com efeito, os filósofos do século iv apelam todos ao seu
testemunho, directa ou indirectamente. Entre os testemunhos que pos
suímos sobre ele, só Aristófanes (que o coloca em cena, de forma cari
catural, nas Nuvens) é um autor do século v. As duas testemunhas do seu
ensino, Platão e Xenofonte, escreveram após a sua morte, no século iv.
E é no século iv, também, que se difunde o ensino dos filósofos chama
dos socráticos, em doutrinas aliás muito distintas - como Euclides de
Mégara (que se associa um pouco às doutrinas de Parménides sobre o
Ser), Antístenes (o moralista do esforço), Aristipo de Cirene (o defensor
de um certo lugar dado ao prazer), Esquines de Esfeto (autor de diálogos
muito vivos). Sócrates, no século v, abre a reflexão de todo o século iv.
Graças àqueles que falaram dele e o fizeram falar nas suas obras,
temos o sentimento de um ser eminentemente familiar, com quem teríamos
vivido. Conhecemos o seu papel em algumas batalhas da guerra do Pelo-
poneso, a sua actividade como cidadão exemplar que não se quis associar,
nem a votos injustos (depois da batalha de Arginusas), nem a uma polí
tica de ilegalidade (sob os Trinta Tiranos). Também conhecemos a sua forma
de dialogar nas ruas de Atenas, a sua fealdade, a sua ironia, a sua obstina
ção, a sua paciência para fazer desabrochar os espíritos. E conhecemos
227
COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
I.
PLATÃO
228
OS FILÓSOFOS NO SÉCULO IV:PLATÀO E ARISTÓTELES
1. Vida de Platão
229
COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
2. A obra de Platão
230
OS FILÓSOFOS NO SÉCULO IV:PLATÃO E ARISTÓTELES
231
COMPENDIO DE LITERATURA GREGA
232
OS FILÓSOFOS NO SÉCULO IV:PLATÃO E ARISTÓTELES
233
COMPENDIO DE LITERATURA GREGA
234
OS FILÓSOFOS NO SÉCULO IV:PLATÃO E ARISTÓTELES
todos: a justiça, essa, consiste em que cada um exerça a sua função sem
invadir o domínio de outrem. No indivíduo, razão, «cólera» e desejo são os
três elementos correspondentes e a justiça pretende que cada elemento
da alma exerça igualmente a sua função, sem desordem nem usurpação.
Os livros V a VII, incluídos, definem os postulados, difíceis de fazer
aceitar, que uma cidade sã pressupõe: a comunidade das mulheres e das
crianças já tem com que impressionar, o governo dos filósofos mais;
mas, ainda mais, no centro da República, uma vasta análise do papel do
filósofo e da sua formação. Esta análise termina, no livro VII, com o
mito da caverna: o filósofo será arrancado às sombras da caverna em que
vivemos, para se voltar para a luz, fazer o caminho para fora, depois
erguer, por fim, os olhos para o próprio Sol - ou seja, o Bem. Depois disso,
voltará a descer, para ajudar os outros, renunciando às alegrias da con
templação, por amor à justiça.
Os livros VII e IX regressam à injustiça, ou seja, aos regimes imper
feitos, que Platão apresenta como estando encadeados numa decadência
progressiva: timocracia, oligarquia, democracia, tirania. Cada um deles
perdeu-se pelo abuso do que constitui o seu princípio. A cada regime
corresponde um tipo de homem; e a descrição dos dois é feita a par. Como
o pior regime é a tirania, o mais infeliz dos homens é o homem tirânico,
que se deixa levar pelas paixões: voltamos a encontrar aqui as análises
morais de Sócrates. Mas Platão também pôde, nestes dois livros, pince
lar quadros amargamente caricaturais dos diversos regimes, cujos defei
tos ele conhecera ao longo da sua vida.
Por fim, o livro X volta a dois pontos muito diferentes. Primeiro, a
condenação dos poetas: Platão não os quer na sua cidade, por causa da
sua má influência moral e porque esta arte da simples imitação é contrá
ria à filosofia. Sentimos que há aqui, da parte dele, uma recusa tanto mais
rigorosa quanto mais ele gostou dos poetas e se deixou seduzir por eles.
Finalmente, o diálogo conclui-se, como o Górgias ou o Fédon, com a
ideia das recompensas concedidas à virtude depois da morte, com um
novo mito para as exprimir. Desta vez, o mito (que, supostamente, é a
narrativa de Er, o Arménio, que regressou à vida doze dias após a sua
morte) abre vastas perspectivas sobre a própria estrutura do universo e
a forma como as almas escolhem as suas reencamações.
235
COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
236
OS FILÓSOFOS NO SÉCULO IV:PLATÃO E ARISTÓTELES
237
COMPENDIO DE LITERATURA GREGA
a) A form a dialogada
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OS FILÓSOFOS NO SÉCULO IV:PLATÃO E ARISTÓTELES
239
COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
b) Os mitos
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OS FILÓSOFOS NO SÉCULO IV:PLATÃO E ARISTÓTELES
c) Correspondências e proporções
241
COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
242
OS FILÓSOFOS NO SÉCULO IV:PLATÃO E ARISTÓTELES
d) O estilo
II.
ARISTÓTELES
243
COMPENDIO DE LITERATURA GREGA
1. Vida de Aristóteles
244
OS FILÓSOFOS NO SÉCULO IV:PLATÃO E ARISTÓTELES
2. A obra em geral
245
COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
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OS FILÓSOFOS NO SÉCULO IV:PLATÃO E ARISTÓTELES
3. A moral e a política
247
COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
248
OS FILÓSOFOS NO SÉCULO IV:PLATÃO E ARISTÓTELES
1103 a). É, portanto, necessário adquirir bons hábitos desde a mais tenra
infância. Dito de outra forma, a virtude não é simplesmente uma ques
tão do nous e do seu domínio sobre a alma humana. Aristóteles combi
na, assim, o intelectualismo com o realismo empírico.
Por fim, algumas destas virtudes recebem, elas mesmas, com esta nova
iluminação, uma aparência mais modesta: é assim que, a par da sabedoria
ou da ciência (sophia), Aristóteles dá um lugar importante à prudência
(phronêsis): trata-se, aqui, de uma sabedoria prática.
Estas inflexões, estes desvios, estas escorregadelas constituem a ori
ginalidade do pensamento de Aristóteles. E ainda os encontramos mais
sensíveis quando se trata, entre todos os domínios, daquele pelo qual
Platão achava que devia voltar as costas à realidade - a saber, a política.
Nas suas obras para o público, Aristóteles consagrara vários trabalhos
à política, entre outros, um tratado em dois livros intitulado o Político,
no masculino, um Sobre a Justiça e um Sobre a Realeza. Hoje possuí
mos apenas a Política (8 livros). Mas a diferença relativamente a Platão
na forma de abordar a reflexão política surge com toda a clareza, se nos
lembrarmos que Aristóteles reunira, ou mandara reunir, uma enorme docu
mentação preliminar: Constituições, Costumes dos Bárbaros, Quadros
das leis de Sólon, etc. Para falar de política, ele reuniu toda uma infor
mação precisa e variada. Também a iniciativa é característica.
Essas diversas recolhas perderam-se - no entanto, encontrou-se num
papiro, em 1891, a sua Constituição de Atenas. Não é uma obra perfeita,
longe disso; mas com as suas duas partes, histórica e depois descritiva,
ela sobressai relativamente às outras Constituições que possuímos (por
exemplo, as de Xenofonte ou do Pseudo-Xenofonte): é mais técnica,
mais preocupada com as instituições, mais capaz, também, de conjugar
a história com a teoria. Este pequeno trabalho é hoje, para nós, uma fonte
que se deve usar com precaução, mas talvez insubstituível.
Quando pensamos na quantidade de documentos do mesmo género
que Aristóteles agrupara, compreendemos que, também aqui, o seu méto
do o tenha levado, na sua Política, a rever profundamente Platão.
O livro I é aquele em que se afasta menos, visto que trata, em abs-
tracto, da definição de Estado e da sua formação. Aristóteles não rompe
com o seu tempo, na medida em que admite, aqui, a escravatura: é, até,
um dos raros textos antigos que se preocupa em justificar um uso que,
249
COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
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OS FILÓSOFOS NO SÉCULO IV.PLATÀO E ARISTÓTELES
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OS FILÓSOFOS NO SÉCULO IV:PLATÀO E ARISTÓTELES
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COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
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OS FILÓSOFOS NO SÉCULO IV:PLATÃO E ARISTÓTELES
deve ser entendido num sentido mais médico do que moral; de facto, ele
baseia-se numa psicologia mais complexa do que aquela de que Platão
partia; pressupõe que, entregando-nos a estes sentimentos a propósito
de exemplos imaginários, longe de os encorajar na vida real, encontramo-
-nos livres deles. Em qualquer caso, a polémica relativamente a Platão
é muito clara.
Nos juízos que faz, importa reconhecer que o autor da Poética por vezes
nos surpreende. As suas análises são de ordem técnica e relacionam-se
muitas vezes com o encadeamento da acção (peripécias, reconhecimentos,
etc.) - o que Esquilo parece ignorar. No domínio da psicologia, ele insis
te acima de tudo na coerência e na verosimilhança - o que o leva a repro
var as reviravoltas bruscas que, por vezes, Eurípides apresentou (entre
outras, na Ifigénia em Aulis).
Estas escolhas vêm do facto de Aristóteles tentar definir as regras.
Muitas daquelas que, durante séculos, presidiram à dramaturgia, vêm dele:
como a regra da verosimilhança ou a da unidade de acção: estas regras não
constituem um código tão imperioso como o do nosso século x v ii fran
cês; mas este último, como todas as «artes poéticas» de todos os tempos,
deve-lhe muito.
A Retórica exerceu uma influência paralela e comparável: faz com
a eloquência o que a Poética faz com a tragédia.
A questão da retórica era importante: a condenação feita por Platão
(que a opunha à filosofia) e a difusão do ensino de Isócrates (que lhe cha
mava filosofia) impunham uma tomada de posição. De forma caracterís-
tica, Aristóteles reconheceu à retórica um estatuto, definiu-lhe as regras,
por vezes muito práticas, mas também analisou a diferença que a separa
da dialéctica, do ponto de vista do raciocínio.
Aliás, o seu interesse pelo assunto sempre foi constante: ele publica
ra um tratado chamado Grilo, ou da retórica-, também reunira uma vasta
documentação, visto que havia dele uma Recolha das artes retóricas.
Sem dúvida, foi assim que juntaram às suas obras um tratado intitulado
Retórica a Alexandre, cujo autor parece ser Anaxímenes de Lâmpsaco,
um discípulo de Isócrates, e cujo conteúdo é constituído por conselhos
práticos.
O método de Aristóteles é outro e vai mais longe. No livro I, depois
de ter definido a retórica pela sua relação com a dialéctica, classifica
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COMPENDIO DE LITERATURA GREGA
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C A P Í T U L O IX
A ÉPOCA HELENÍSTICA
Chamamos época helenística àquela que começa com a morte de
Alexandre, em 323, e dura até aos inícios do Império Romano: esta desig
nação foi-lhe dada para evocar a difusão do helenismo em regiões não
gregas e as trocas que daí resultaram. Do ponto de vista da história lite
rária, assistimos, aqui, a um movimento inverso daquele que, nos sécu
los v e iv, atraíra tudo para Atenas. Menandro é ainda um Ateniense, mas
as suas peças já não se destinam às grandes festas atenienses; rapida
mente o prestígio de Alexandria substituiu o de Atenas: Teócrito é um
Siciliano, que viveu em Alexandria; Calímaco era de Cirene e também
viveu em Alexandria onde, sob Ptolomeu II Filadelfo, teve uma activi-
dade na biblioteca. Por fim, mais tarde, Políbio, que era do Peloponeso,
foi forçado a ir para Roma, onde permaneceu muitos anos.
Neste mundo, que não se limita à cidade e onde as cidades em geral
têm cada vez menos importância, a literatura deixa, em parte, de ser
política: a comédia nova já não está comprometida e as alusões são
raras; nem Teócrito nem Calímaco escrevem poemas políticos; os filó
sofos buscam uma moral para o indivíduo e consideram que o sábio não
tem pátria. Será preciso um historiador e, sobretudo, o crescimento de
uma nova potência política, que rapidamente se impôs até na Grécia,
para trazer, com Políbio, o antigo interesse pelos problemas gerais dos
Estados.
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COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
I.
MENANDRO
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A ÉPOCA HELENÍSTICA
1. A acção em Menandro
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COMPENDIO DE LITERATURA GREGA
vivente, que a Sâmia fez passar pelo seu, é a criança do filho e ... da noiva
com quem justamente o obrigam a casar!
O acaso, ou Tychê, tem um papel importante em tudo isto; e Menan-
dro não deixa de assinalar a sua omnipotência, ou a sua cegueira, ou a
sua malícia (o seu amigo Demétrio de Faleros reflectia, também ele,
sobre o assunto). No entanto, a arte do autor ainda o aumenta; e este jogo
de mal-entendidos oferece um esquema cómico que, rapidamente, se
toma convencional. Sê-lo-ia, pelo menos, sem a variedade e a fineza que
lhe dá o retrato dos caracteres: sucede mesmo que este seja o próprio
assunto da comédia, como no Díscolo.
(') N.T.: A tradução foi retirada da tradução portuguesa: Menandro, Obra completa,
(introdução, tradução do grego e notas de Ma. de Fátima Sousa e Silva), Lisboa, INCM,
2007 .
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A ÉPOCA HELENÍSTICA
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COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
(2) N.T.: A traduç3o deste fragmento foi retirada da Hélade. Antologia da Cultura
Grega (organização e tradução do original de Maria Helena da Rocha Pereira), Porto/Lis-
boa, Edições ASA, *2003.
(3) N.T.: A tradução desta passagem do Homem que se puniu a si mesmo foi retirada
da tradução portuguesa: Terêncio, Comédias. I, (introdução geral de Walter de Medeiros;
introdução, tradução do latim e notas de Walter de Medeiros e Aires Pereira do Couto), Lis
boa, 1NCM, 2008.
A ÉPOCA HELENÍSTICA
II.
AS ESCOLAS FILOSÓFICAS
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COMPENDIO DE LITERATURA GREGA
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A ÉPOCA HELENÍSTICA
A escola cínica teve um outro tipo de influência, que era mais uma
questão de tom e de modo de expressão. É a escola a que devemos a diatri
be, ou escrito de propaganda misturado com sátira e polémica. Os primei
ros cínicos foram Diógenes (um homem vindo de Sinope e que deveria
ficar célebre pela sua recusa de todas as convenções, tal como de todos
os confortos) e o seu discípulo Crates. Os seus continuadores, Bíon (um
liberto da região do Ponto), Teles, Menipo (um antigo escravo sírio) e
ainda outros escreveram violentas sátiras, na tradição de Hipónax, e tiveram
por isso alguma influência na sátira romana: o título de Varrão, Sátiras
Menipeias, lembra o nome de Menipo. Do ponto de vista filosófico, esta
exigência moral e esta recusa das convenções pôde, pelo menos, encontrar
algum eco na grande escola que marcou a época helenística: o estoicismo.
O estoicismo antigo começa com Zenão; que foi seguido por Clean-
tes e Crisipo.
Zenão era de Cicio (uma colónia de origem fenícia em Chipre); con
vém não o confundir com Zenão de Eleia, que viveu no início do século v:
o fundador do estoicismo parece ter vivido de 333 a 262 (mais ou menos
anos, os testemunhos são incertos, sobretudo para o seu nascimento).
Foi para Atenas ainda jovem e, primeiro, foi aluno do cínico Crates. Em
301, começou o seu ensino (que não era pago). No total parece ter escri
to muito; mas a sua obra perdeu-se.
Cleantes de Asso (na Ásia Menor) chegou a Atenas em 282; era
robusto e pobre. Foi um sucessor fiel de Zenão; conserva-se dele um
Hino a Zeus, de rara elevação. Depois, após alguns choques internos, os
destinos da escola foram entregues a Crisipo, que viera da Cilicia e que
viveu até ao final do século m (morreu entre 208 e 204). Fora formado
na escola platónica e conservara uma útil experiência dialéctica que vol
tou contra ela; tal como este, e mais ainda do que Zenão, escreveu muito;
os seus escritos perderam-se praticamente todos. Sabemos que se ocu
pou da lógica, das percepções, das emoções, da providência, do destino.
Deu ao estoicismo a clareza das suas linhas; de onde o adágio «Sem Cri
sipo não há Pórtico».
A história do estoicismo devia continuar depois de Crisipo; mas
podemos, devido a esse papel, definir desde logo o espírito, doravante
bem estabelecido. Definir o espírito não é analisar o sistema, que se funda
numa lógica e numa descrição do universo, pouco acessíveis ao profano.
267
COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
Importa apenas saber que o universo estoico é uno; nele reina um Logos
emanado de Deus e que comanda tudo na natureza. A necessidade que
o domina e que exprime uma estrutura é, ao mesmo tempo, destino e pro
vidência. A sabedoria consiste, pois, em viver de acordo com ele. Com
efeito, não há qualquer contraste entre natureza e razão, que coincidem.
Distinguindo entre os bens, os males e as «coisas indiferentes», esta
filosofia coloca na terceira categoria a saúde e a doença, a beleza, a rique
za, a vergonha e a pobreza: o seu valor depende do uso que se faz dela
e que deve ser guiado pela razão. A paixão, essa, é um movimento insen
sato, uma doença da alma, devida ao erro. É preciso fazer de modo a
nunca nos deixarmos perturbar por ela. O sábio consegue-o. Apenas ele
possui todas as virtudes; apenas ele é verdadeiramente livre. Ele sabe
distinguir entre o que depende de nós e o que não depende de nós. Ele
espera a morte com um coração tranquilo. Ele evita tão bem as tiranias
da paixão como as oscilações da sorte. Consequentemente, para além
disso, este sábio não tem apenas a pátria como horizonte. Regula-se pela
ordem do mundo, mas é também um «cidadão do mundo».
Naturalmente, os homens em geral somente podem procurar este
ideal um pouco inumano através da prudência e da escolha de compor
tamentos «convenientes».
Uma tal filosofia, pela própria força das suas exigências morais,
depressa se espalhou pelos quatro cantos do mundo: Babilónia, Alexan
dria, depois Roma. É aí que a veremos tomar um segundo impulso (o
estoicismo médio) com Panécio (185-112) e Posidónio (135-51), à espe
ra do estoicismo da época imperial, ilustrado por Séneca, Epicteto e
Marco Aurélio.
Panécio nasceu em Rodes, estudou filosofia em Atenas; mas foi
muito cedo para Roma, onde se tomou amigo de Cipião Emiliano e de
inúmeros Romanos. Moralista acima de tudo, teve imitadores latinos:
Cícero, no De Officiis(4) reconhece-se como um deles.
Quanto a Posidónio, veio de Apameia, na Síria, e foi aluno de Pané
cio. Fundou uma escola em Rodes. Mas manteve relações com Roma,
foi amigo de Pompeio e de Cícero, que o foi encontrar em Rodes. Vemos
(4) N.T.: Existe uma tradução portuguesa: Cícero, Dos Deveres (De Officiis), (tradução,
introdução, notas, índice e glossário de Carlos Humberto Gomes), Lisboa, Edições 70, 2000.
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A ÉPOCA HELENÍSTICA
a sua influência em muitos domínios, porque, para além das suas obras
de moral, ou os seus trabalhos sobre os deuses (utilizados por Cícero),
trabalhou como geógrafo e historiador (cf. pág. 301).
É por intermédio destes dois homens, vindos de Rodes e da Síria,
que a tradição da filosofia grega penetrou verdadeiramente no pensa
mento romano e lhe deu o essencial dos seus princípios morais. E por
eles, progressivamente, chegou ao Renascimento e aos nossos dias. Entre
os nomes aqui referidos, muitos são pouco conhecidos do grande públi
co; mas foi graças a eles que o termo «stoique» passou para o francês (5).
Passa-se o mesmo com o termo «epicurista», que adquiriu um sentido
quase contrário e muito diferente do que a doutrina, de facto, implicava.
Epicuro era de Samos, mas cidadão ateniense. Nascido em 341,
como Menandro, foi muito cedo para Atenas, viajou muito, depois vol
tou para se fixar em Atenas e aí abriu a sua escola em 306: a sua filoso
fia espalhou-se dali por todo o Mediterrâneo; morreu em plena glória,
em 270. Dito de outro modo, o seu ensino foi (com alguns anos de dife
rença) paralelo ao de Zenão. A sua obra não está mais bem conservada
que a do seu rival. Sabemos que ensinava com uma sedução particular.
Sabemos que escreveu todo o tipo de tratados, sobre a natureza, o bem
supremo, sobre a justiça, etc. Tudo isso se perdeu; e as três cartas trans
mitidas por Diógenes Laércio devem ser utilizadas com prudência. Tam
bém escreveu excertos e máximas, algumas das quais chegaram até nós.
Mas estes restos seriam muito pouco se não tivéssemos os testemunhos
de alguns discípulos e continuadores.
Os papiros carbonizados de Herculano deixaram textos de Filode-
mo de Gádaros (segunda metade do século i a. C.), com resumos e cita
ções de Epicuro. Na Lícia, uma inscrição chegou mesmo a revelar os
grandes princípios que o epicurista Diógenes de Enoanda queria deixar
aos seus concidadãos (200 d. C.). Mas tudo isto, bem entendido, não se
compara ao testemunho do poeta latino Lucrécio (primeira metade do
século i a. C.).
A doutrina epicurista foi elaborada a partir do atomismo de Demó-
crito (revisto, quer por Epicuro, quer por um dos seus discípulos, graças
à ideia do clinamen, que faz com que os átomos se desviem e que os leva
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III.
A POESIA ALEXANDRINA
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A ÉPOCA HELENÍSTICA
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COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
As mais bem conservadas das suas obras são os Hinos e osAitia (ou
Origens).
Os Hinos, na sua forma exterior, lembram os Hinos homéricos. Pos
suímos, pela tradição manuscrita, seis hinos (a Zeus, a Apoio, a Artemis, a
Delos, pelo banho de Palas, e a Deméter); apenas o hino para o banho de
Palas foi escrito em metros elegíacos. De resto, as datas e os tons variam
de um poema para outro. Mas, quaisquer que sejam as diferenças entre
eles, todos se afastam bastante, pela inspiração, dos hinos antigos. Já não
têm a fé simples dos seus modelos, antes oferecem uma série de anedotas
e de quadros de género, em que por vezes se manifesta o humor e onde
a graça aparece sempre. O gosto pelas curiosidades do culto manifesta-
-se também a cada instante.
Nisto, os Hinos estão próximos dos Aitia (ou Origens), um grande
poema em quatro livros e em metros elegíacos, no qual o poeta interro
ga em sonhos as Musas sobre os heróis e os deuses. O início, com o
encontro das Musas no Hélicon, situa-se, evidentemente, na sequência
de Hesíodo; mas as revelações das Musas aqui tomaram-se familiares e
agradáveis. Os grandes temas clássicos são evitados: o poeta inclina-se,
de preferência, para uma série de pormenores episódicos e quase folcló
ricos. Assim, no livro I: porque é que em Paros sacrificamos às Cárites
sem flauta nem coroas? E a lembrança de um episódio na vida de Minos.
Ou então, como interpretar os sacrifícios que incluem imprecações? E a
recordação de um episódio na história dos Argonautas... De cada vez,
trata-se de curiosidades locais, de lendas pouco conhecidas; um dos raros
excertos conservados é uma linda história de amor (Acônci e Cidipe),
que será retomada por Ovídio. Não parece que seja necessário procurar
para o conjunto um tema único, que servisse de fio condutor: pelo con
trário, a variedade é a regra. Aliás, Calímaco sempre recusou os grandes
conjuntos. Prefere a brevidade, o pormenor perfeito e isolado. E assim
que declara, na Resposta aos Telquines, que prefere o caminho estreito
à estrada principal e o canto das cigarras ao estrépito dos burros.
Esta Resposta aos Telquines, que é uma parte de uma polémica lite
rária, encontrada num papiro, pôde servir de prólogo às Origens, mas
com a condição de que o prólogo viesse fora de tempo; porque ali o poeta
fala da sua idade e dos seus cabelos brancos. Por outro lado, o poema
elegíaco intitulado Cabeleira de Berenice e que glorifica a oferenda feita
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também são descritos nos seus aspectos mais humanos, o que não exclui
nem a complexidade, nem a força. O exemplo de Medeia, do seu amor
nascente, das suas emoções violentas, é o exemplo referido mais vezes.
E merece-o; porque, ao inspirar-se ora em Eurípides, ora em Safo, Apoló-
nio compôs um quadro do amor cuja influência iria ser considerável.
Apolónio escreveu outras obras: recolhas de poemas eruditos sobre
fundações de cidades, epigramas, uma obra erudita sobre Homero, um
poema sobre uma cidade próxima de Alexandria (Canobo). O facto de
as Argonáuticas terem sido a única obra conservada corresponde à impor
tância do poema, talvez também a esta presença de sentimentos próxi
mos e humanos, que lhe conferem um acento mais directo.
Não seríamos capazes de dizer outro tanto de Lícofron, um natural
da Eubeia que foi para Alexandria pela mesma época e ficou conhecido
como erudito e autor trágico: dele temos um poema épico, Alexandra,
que é um longo monólogo profético, escrito em estilo oracular e delibe-
radamente obscuro.
No entanto, a veia realista e a procura'de um quadro concreto e fami
liar enquadravam-se bem no gosto da época: Teócrito é a prova disso.
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IV.
CIÊNCIAS DA NATUREZA E DO HOMEM
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2. Políbio
Tal como Timeu, Políbio nada tem a ver com Alexandria. Nasceu em
Megalópolis, no Peloponeso, sem dúvida pelo ano 200 (ou pouco depois),
numa altura em que a importância de Roma contava mais do que qual
quer outra no mundo mediterrânico. Nessa altura, ela triunfava na segun
da guerra púnica e travava a luta contra Filipe V da Macedónia. A Grécia
era, então, directamente visada e interessada. A proclamação da liberda
de grega por Flamínio é de 196, a derrota de Perseu em Pidna é de 168.
Com efeito, Políbio, que tomava parte activa na política da sua pátria
e na da Liga Aqueia, de que era um membro influente, foi levado para
Roma, em 167, com outros notáveis aqueus, suspeitos de hostilidade
contra Roma. Mas, bem recebido neste local de exílio, logo se sentiu em
casa. Foi recebido na família dos Cipiões e alcançou uma grande influ
ência sobre o jovem Cipião Emiliano. Também conheceu Lélio, Catão
e muitos outros. Tinha, ainda, o direito de viajar e aproveitou-o. Só iria
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contas, ele é Grego!), nem tão firme com gostaríamos. Apresenta qua
dros admiráveis de Cipião, da sua clemência lúcida, do seu talento; e
admira a política romana; mas condena pequenas faltas, sem que possa
mos ver claramente o que é que ele pensou das crueldades dos seus ami
gos em Cartago, Corinto, Numância. É certo que a sua história não nos
chegou toda inteira, mas também é possível que o seu papel de amigo
dos Romanos tenha afectado um pouco o seu juízo. Por último, Políbio
escreve de uma forma muito pesada, numa língua abstracta, em que sen
timos transparecer os documentos originais, e com um tom um pouco
sentencioso, a que falta brilho. Este Grego, historiador de Roma, não
tem nada da elegância tradicional da sua pátria.
Estas reservas, contudo, não retiram nada ao seu mérito, nem à sua
influência, que foi considerável. O Romano Tito Lívio iria utilizá-lo e imitá-
-lo. Historiadores tomaram-no como ponto de partida e escreveram Conti
nuações de Políbio. E o caso de Posidónio e, mais tarde, de Estrabão.
Por outro lado, Políbio ilustra, para nós, a própria evolução da lite
ratura grega. Como pressentimos com os filósofos, daí em diante, Roma,
sucedendo a Alexandria, toma-se no verdadeiro centro da cultura greco-
-romana.
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CAPÍTULO X
EXPOSIÇÃO SUMÁRIA
SOBRE A EPOCA ROMANA
Não é fácil encontrar uma unidade na literatura grega da época roma
na. Com efeito, esta estende-se por muitos séculos e, também, por diversas
regiões - todas aquelas que o mundo romanizado inclui. Vêm escritores
das costas da Ásia Menor (como Dionísio de Halicamasso ou Quinto de
Esmima), mas também de mais longe - da Frigia (como Epicteto), da
Bitínia (como Arriano ou Díon Crisóstomo), de Comagene (como Lucia-
no) - sem falar daqueles que vêm do Egipto (como Plotino) ou da Sicília
(como Diodoro). A Grécia em si fornece poucos autores; no entanto, ofe
rece o único cuja personalidade se impõe com força - a saber, Plutarco.
Esta unidade, que nem as épocas nem os locais oferecem, surge,
todavia, um pouco nos géneros. Com toda a evidência, a época dos jorros
criadores passara, tal como passara o tempo da independência política e
da acção. A época romana é um período de prosadores que se entregam
à reflexão: historiadores, filósofos, retores. No entanto, ela ainda dá ori
gem a novos géneros, em que se reflectem um interesse muito vivo pelos
indivíduos, pela sua psicologia e pelas suas aventuras; são a biografia, a
par da história, e, por outro lado, a narrativa imaginária: o romance pro
priamente dito ou então a história curta, fictícia, à maneira do segundo
grande escritor deste período - Luciano.
Estes traços explicam as divisões adoptadas neste capítulo, em que
a ordem cronológica já não é observada. Notaremos a ausência da poe
sia. Esta, contudo, sobrevivia, em inúmeras obras perdidas, com pouca
inspiração. Apenas dois nomes merecem ser retidos e para uma época
mais tardia, os de Quinto de Esmima e Nono de Panópolis (no Egipto).
O primeiro escreveu uma Continuação de Homero em catorze livros
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I.
PLUTARCO
1. Vida e obra
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2. As «Vidas»
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duzem ao bem que lhe é próprio. Estes espectáculos são as acções inspi
radas pela virtude, que fazem surgir naqueles que têm conhecimento delas
uma emulação e um ardor que os impele a imitá-las» (I, 3-4). As biogra
fias de Plutarco têm o atractivo da narrativa viva e episódica; são uma
história que nos faz entrar na intimidade dos grandes homens; mas, ao
mesmo tempo, elas pretendem semear, e conseguem semear, uma espé
cie de confiança no homem.
Um tal propósito já era notável. Mas Plutarco acrescentou-lhe mais
uma dimensão, fazendo estas biografias em pares greco-latinos. O género
da comparação era então muito praticado nas escolas de retórica. Mas o
princípio, que consistia em pôr em paralelo os grandes homens da Grécia
e de Roma, adquire também um sentido relativamente à situação geral do
tempo. Roma suplantara a Grécia no domínio político e, nesse momento,
alcançou o predomínio do pensamento e das artes. Isto não implicava
más relações entre Gregos e Romanos; e Plutarco foi, tanto quanto Políbio,
amigo dos últimos; e teve de ficar satisfeito ao ver Adriano mostrar-se
amigo da Grécia. Mas esta amizade, liberta de servilismo, conservava-o
fiel ao passado grego. E por isso que ele une e põe em paralelo os mun
dos daí em diante associados, e trata como iguais as grandezas da Grécia
e de Roma. Esta escolha sistemática ratifica assim a existência de uma
civilização, não romana, mas greco-romana.
Aliás, o paralelismo nunca é forçado. Os dois heróis aproximados
de cada vez por Plutarco, são-no por uma situação política, por um traço
de carácter, por uma forma de reputação; mas não há qualquer esforço
de pôr em paralelo o pormenor das duas vidas. E, depois de ter evocado
cada uma das duas personagens à parte, Plutarco contenta-se com alguns
pequenos parágrafos de comparação (synkrisis); por vezes, estes faltam,
seja porque ele não os escreveu, seja porque se tenham perdido.
Estes pares de Vidas são, naturalmente, de inegável qualidade, que
se pode prender, em parte, com os próprios caracteres que são o seu
assunto: algumas personagens são mais conhecidas ou mais cativantes
do que outras. No entanto, as Vidas apresentam todas com traços comuns,
que decorrem da própria intenção que animava o autor.
Ele não quis ser um historiador; e, por vezes, sucede que domina
mal a interpretação histórica. Basta, por exemplo, comparar o seu Péri-
cles com o de Tucídides para verificar que ele se deixou enganar por
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EXPOSIÇÃO SUMÁRIA SOBRE A ÉPOCA ROMANA
3. As ideias de Plutarco
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(') N.T.: A tradução foi retirada da tradução portuguesa: Plutarco, Vida de Sólon,
(introdução, tradução e notas de Delfim Ferreira Leão; introdução geral de Ma. Helena da
Rocha Pereira), Lisboa, Relógio d’Água, 1999.
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EXPOSIÇÃO SUMÁRIA SOBRE A ÉPOCA ROMANA
Este ideal de vida, que ele gosta de qualificar como grego, tem, com
efeito, as suas fontes numa longa maturação da cultura grega; mas, esta
cultura foi-se humanizando com o tempo. E o que, sem dúvida, consti
tui o mérito único de Plutarco é o ter sido capaz de combinar, numa mis
tura que, primeiro, parece paradoxal, o gosto pela grandeza e o culto dos
«homens ilustres» com o gosto pela ternura humana, na sua realidade
quotidiana. Um corrige o outro, mas adquire também mais força. E foi
ainda um destes traços que pôde contribuir para assegurar à obra a cele
bridade excepcional que foi a sua na Antiguidade, no Renascimento e
na época clássica.
II.
OS HISTORIADORES
1. De 100 a. C. a 100 d. C.
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2. O século II d. C.
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Demóstenes. Hoje avalia-se mal a que ponto foi lido em França na época
clássica.
Díon Cássio não é o último dos historiadores gregos. Importa ainda
referir, no século iii, Herodiano e a sua História dos sucessores de Marco
Aurélio: leal administrador do império, tem, em qualquer caso, o mérito
de falar de acontecimentos que conheceu. Importa também referir Dexipo
e a sua grande Crónica, que ia da pré-história a 270, ou a sua História dos
Godos (Scythica), que tratava das invasões recentes (238-270): Dexipo
era um Ateniense de família nobre, que desempenhou um papel importan
te em Atenas. Da sua obra, em grande parte perdida, só restam discursos.
Importa ainda referir Eunápio (cerca de 345-420) e a sua crónica dos anos
270 a 404, Olimpiodoro, que escreveu a seguir; Zósimo, por fim, que nos
conduz ao final do século v. Mais do que seguir pormenorizadamente esta
história da história, que se toma uma litania de nomes, parece mais útil
assinalar dois desenvolvimentos laterais, ambos muito importantes.
O primeiro diz respeito aos escritos técnicos, de estratégia ou de
geografia histórica.
Na estratégia, que fora ilustrada por Eneias, desde o século vi, o
melhor exemplo é Poliano e a sua Recolha de Estratagemas, em oito
livros, que foi publicada em 162 e constitui uma sequência de pequenas
narrativas conservadas.
Na geografia histórica impõe-se um grande nome: é o de Pausânias,
que escreveu no século n uma célebre Descrição da Grécia, em dez livros.
Organizada pela ordem dos locais, a obra é uma espécie de guia turístico;
ele apresenta uma descrição dos sítios e das obras de arte, visíveis nessa
altura, e acrescenta-lhes todo o tipo de pequenos desenvolvimentos sobre
a geografia, a história ou a mitologia, misturando, assim, os conhecimen
tos livrescos com a experiência directa. Esta obra é, num sentido, bastante
digna de encerrar uma sinopse dos historiadores gregos da época romana:
tem uma erudição minuciosa, o gosto pela compilação, mas também a
curiosidade real; e vê os lugares da Grécia sob a forma que daí em diante
assumiram: a de uma cultura que pertence, inteira, ao passado (2).
(2) A este respeito, podemos aproximar as grandes recolhas eruditas que são, para nós,
fontes preciosas, como os Dipnosofistas, de Ateneu (século iii ), a Antologia, de Estobeu
(século v) e a Suda, não há muito tempo referida sob o nome de Suidas.
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III.
A RETÓRICA
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Ele tem uma espécie de ironia socrática, de firmeza e de uma real eleva
ção. O sucesso que conheceu durante alguns séculos foi imenso.
Muitos foram, directa ou indirectamente, seus discípulos. Como
Favorino, Herodes Ático e, depois dele, Élio Aristides.
Élio Aristides pertence ao século π e foi, sem dúvida, o «sofista» mais
célebre desta época, e foi muito importante. Nascido na Mísia em 129,
viveu sobretudo em Esmima, que exaltou em inúmeros tratados, e mor
reu em 189. Admirava, acima de tudo, Isócrates, o defensor da retórica
e, como Cecílio, atacava Platão, que tomara partido contra ela. Os seus
tratados, Sobre a retórica e Sobre os quatro (trata-se dos grandes homens
de Atenas: Milcíades, Címon, Temístocles e Péricles), são, seis séculos
depois, respostas a Platão. Tal como Isócrates, escreveu um Panatenaico.
Tal como Isócrates, defendeu a concórdia. Também escreveu peças de
circunstância ou discursos a propósito de acontecimentos fictícios. No
total, conservamos dele cinquenta e cinco discursos. Os curiosamente
mais pessoais são os seis Discursos sagrados, em que fala de si, das suas
doenças e das curas miraculosas que Asclépio lhe proporcionou, em Pér-
gamo; Élio Aristides acreditava nos sonhos, nas profecias, nos sinais pre
monitórios: este discípulo de Isócrates tinha o gosto do irracional.
Este gosto iria ser uma das características da segunda sofística. Os ho
mens que pertenciam a este movimento eram, na sua maioria, pessoas
da Ásia, que gostavam da ênfase e faziam de mágicos. Entre eles, Nice-
tes era de Esmima, Loliano era de Éfeso, Escopeliano de Clazómenas,
Adriano e Máximo de Tiro, Pólemon de Laodiceia, etc. Quase todos
recorriam a Górgias e às suas figuras de estilo, mais do que à sobriedade
ática. Buscavam as seduções do discurso poético, salientado pelas metá
fora e debitado no modo inspirado. Muitos afectavam, geralmente, os
arroubos sagrados. Eram sofistas mas, na sua arte, não se limitavam às
técnicas racionais da palavra.
Conhecemos bem estes traços pela obra de Filóstrato.
De facto, houve muitos Filóstratos, mais ou menos aparentados, que
se sucederam em diversas épocas do império - o que, para estes trata
dos, não deixa de criar alguma confusão. Mas as duas obras mais impor
tantes, constituídas pelas Vidas dos sofistas e a Vida de Apolóuio de Tiana,
pertencem ao segundo Filóstrato, um homem que viveu, em geral, de 160
ou 170 até uma data situada cerca de 245 e que foi, em Roma, protegido
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EXPOSIÇÃO SUMÁRIA SOBRE A ÉPOCA ROMANA
IV.
O ROMANCE
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COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
por um beijo: «Dir-se-ia que ele tinha recebido, não um beijo, mas uma
picada que queima; de súbito, assombrava-se, tinha arrepios, reprimia
os batimentos do coração, queria ver Cloe e, quando a via, o rubor tingia-
-lhe a face.». Vemos que o pastor de Lesbos é, aqui, fiel à poetiza da ilha
e Longo volta a encontrar o toque de Safo. Estas características originais
que o romance apresenta, juntos à sua relativa brevidade (tem, apenas,
quatro livros), explicam o seu sucesso excepcional. Amyot e P.-L. Cou-
rier traduziram-no para francês, Goethe colocava Longo antes de Virgílio;
o pintor Corot e o músico Maurice Ravel inspiraram-se ambos nele.
Pela mesma época, difundia-se, também, o gosto pelas cartas de
amor. Para dizer a verdade, tomava-se uma moda escrever cartas fictí
cias: Alcifron iria consegui-lo notavelmente e foi-nos conservada uma
recolha de cento e dezoito cartas, que constitui como que uma sequên
cia de cenas de género. Também aí o amor iria instalar-se naturalmente;
triunfa, no século v, na recolha de cinquenta cartas de Aristéneto, todas
elas alimentadas por literatura e por imitações.
Este gosto, combinado com o amor e as narrativas imaginárias, é
um outro sinal de uma época que já não se concilia com a realidade. Tra
duz o mesmo desejo de fuga dos nossos romances policiais; mas, numa
outra civilização, adquire igualmente uma outra forma: a literatura grega
do império procura a evasão no refinamento de uma cultura que se imita
a si mesma.
V.
L U C IA N O
314
EXPOSIÇÃO SUMÁRIA SOBRE A ÉPOCA ROMANA
315
COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
Esta obra inclui um pouco de tudo - e até versos (Já que há duas
pequenas composições dramáticas e uma recolha de uns cinquenta epigra
mas). Podemos descurá-los, como podemos descurar os textos propria
mente sofísticos, de pura virtuosidade (Elogio da mosca, Julgamento
das vogais, ou discursos fictícios como o Tiranicida). Fica, ainda, uma
série de peças através das quais este moralista cheio de fantasia critica
os caprichos daqueles que o rodeiam.
Por vezes, a sua crítica pode ser simplesmente literária. É o caso no
pequeno tratado Sobre o modo de escrever a história, em que se ri da forma
de escrever história que se usava no seu tempo e dos autores «que se
rasgam em elogios sobre os príncipes e os generais, elevando até às
nuvens os da sua nação e depreciando indecentemente os inimigos», ou
então realizam as narrativas fabulosas e os prólogos grandiloquentes,
mais ou menos bem copiados dos escritores anteriores. A crítica de Lucia-
no é razoável e distingue bem os defeitos da época.
Do mesmo modo, ri-se dos romances contemporâneos quando escre
ve Uma história verídica: decide, por seu turno, escrever um, «só para
não ser o único a não beneficiar da faculdade de contar histórias fantásti
cas» (3); e refere que nada será verdadeiro: segue-se a narrativa de viagens
fantásticas, que levam à lua, depois ao estômago de uma gigantesca
baleia, depois à ilha dos bem-aventurados e à terra dos sonhos... O princí
pio é a paródia, mas o talento de Luciano toma-a, por si mesma, atraente.
O carácter irracional de muitos textos da época é objecto de severas
zombarias. E dois tratados devem ser postos em contraste com a Vida
de Apolónio de Tiana, a que nos referimos mais acima. A carta Sobre a
morte de Peregrino zomba do suicídio espectacular da personagem e de
toda a hipocrisia de que não deixara de dar provas: a credulidade da época
mostra-se no fim, quando a morte do pouco recomendável Peregrino
adquire o aspecto de uma apoteose acompanhada de milagres. Do mesmo
modo, o tratado intitulado Alexandre ou o falso profeta é a história de
um impostor, que simulava arrebatamentos divinos, fazia habilidades de
prestidigitação, pronunciava oráculos e enchia Roma com os seus suces
sos. A crítica é particularmente áspera e sem dúvida justificada. Importa,
(3) N.T.: A tradução foi retirada da tradução portuguesa: Luciano, Uma História Verí
dica, (prefácio, tradução e notas de Custódio Magueijo), Lisboa, Editorial Inquérito, 1985.
316
EXPOSIÇÃO SUMÁRIA SOBRE A ÉPOCA ROMANA
ainda, acrescentar que Luciano estendia esta crítica a formas muito par
ticulares de credulidade: foi, muitas vezes, comparado com Voltaire e,
como Voltaire, detestava a superstição. O seu pequeno tratado Sobre o
luto difama os ritos fúnebres e as crenças que eles implicam. E o modo
irreverente como põe em cena os deuses é, precisamente, de um espíri
to que designaríamos como voltairiano.
Mas esses ataques à credulidade já nos fizeram passar dos modos
literários para as crenças e as doutrinas. Ora, neste domínio, importa
precisar que Luciano reserva os seus ataques mais virulentos para os filó
sofos, para as suas doutrinas abstrusas e as suas querelas. Um título como
O leilão ciefilósofos é característico: trata-se de uma pequena seita diver
tida, em que Zeus põe à venda os representantes das principais escolas
filosóficas: as doutrinas de cada um, resumidas de fora, parecem extra
vagantes e ridículas. Os mesmos filósofos reaparecem no Pecador ou os
ressuscitados com outras; desta vez, é a filosofia que os julga; e, para se
apoderar deles, atrai-os com ouro. Ataques análogos encontram-se no
Timon, em que um filósofo de longas barbas é apanhado em flagrante
delito de cupidez, e, sobretudo, no Icaromenipo. Tal como Uma história
verídica, este diálogo pressupõe uma viagem «para além das nuvens», até
à morada de Zeus; mas a ideia é que, de tão alto e tão longe, vêem-se melhor
as loucuras dos homens. Primeiro, Menipo, a meio caminho, pára para os
contemplar; depois, chegado à morada de Zeus, assiste ao trabalho deste
último, que vela pela administração do mundo e pelo controlo dos votos
contraditórios ou absurdos dos homens. Mas, de todos estes males, um
dos piores é, mais uma vez, a atitude dos filósofos, «essa raça preguiço
sa, altercadora, vaidosa, irascível, gulosa, extravagante, inchada de orgu
lho, cheia de insolência...»; a solução impõe-se: Zeus decide fulminá-los.
Por estas evocações vemos que, na realidade, Luciano censura aos
filósofos que tenham mais vaidade e extravagância do que os outros
homens, mas que no resto partilham os seus defeitos. Com efeito, na
maioria dos seus pequenos tratados ou diálogos, Luciano procede como
moralista e mostra aos homens as suas loucuras. Esses pequenos trata
dos ou diálogos são mais originais pela forma do que pelo conteúdo.
As ideias, com efeito, são simples e razoáveis. Vemos sucederem-
-se os ridículos de uma sociedade, o parasita, o misantropo, etc. Dois
temas regressam com frequência: Luciano volta-se, geralmente, quer con
317
COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
tra a vaidade das riquezas, quer contra a vaidade dos desejos. O tema da
riqueza aparece, por exemplo, no Sonho ou o galo: é o diálogo entre um
sapateiro, que sonha com a fortuna, e o seu galo, que é a reencarnação
de Pitágoras e lhe revela as preocupações dos ricos: reconhece-se o tema
da fábula do Sapateiro e do financeiro. A mesma ideia reaparece no
Tímon ou o misantropo, em que intervêm a Pobreza e a Riqueza, como
no Pluto de Aristófanes. E também a encontramos no Caronte ou os con-
templadores, onde Caronte, tirando um dia de férias, observa as infeli
cidades dos grandes e dos ricos. Quanto à vaidade dos desejos, que já
vimos manifestar-se em diversos textos (como o Icaromenipo ou até no
diálogo do galo), ela é o tema central do diálogo intitulado o Navio ou
os desejos, onde cada um se entrega loucamente a sonhos irrealizáveis.
Esta sabedoria seria muito pouca se não fosse servida por uma forma
alegre e encantadora. A literatura grega tinha praticado muito o diálogo
antes de Luciano: basta lembrar os diálogos de Platão; esta tradição
explica, sem dúvida, as características desta forma literária, adequada a
quem quer discutir ideias. Mas os diálogos de Luciano são muito diferen
tes dos de Platão. Têm a mesma ironia sarcástica que as sátiras dos cínicos,
o mesmo tom natural alegre que as cenas da comédia nova. Por aí, criam
uma nova forma literária; e Luciano teve consciência disso, visto que
declara muitas vezes que anteriormente não havia qualquer relação entre
o tom do diálogo e a comédia e que ele foi o primeiro a associá-los; diz,
por exemplo, na Dupla acusação, 34, que, antes, o diálogo lhe parecia
venerável, mas pouco gracioso para o público: «Comecei a ensiná-lo a
andar no chão, como os homens; lavei a sujidade com que estava cober
to e, ao forçá-lo a sorrir, tornei-o mais agradável aos espectadores. Mas,
sobretudo, associei-o à comédia e, com esta aliança, conciliei-o com a
benevolência dos ouvintes que, até aí, receavam os espinhos com que
estava armado e não ousavam tocar-lhe mais do que a um ouriço.»
Finalmente, já em Platão o diálogo tinha posto mortos a falar, mas
referindo-se à época da sua vida: Luciano ficou célebre pelos seus diálogos
dos mortos. Tal como os viajantes imaginários, que vão «para além das
nuvens», os diálogos de Luciano vão em direcção a mundos irreais, abrindo-
-se, assim, possibilidades acrescidas. Relativamente a este aspecto, ele iria
ter muitos émulos, em França e noutros locais: os Diálogos dos mortos de
Fontenelle e os de Fénelon são, entre outros, dois bons exemplos.
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VI.
A FILOSOFIA
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VII.
OS CRISTÃOS
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EXPOSIÇÃO SUMÁRIA SOBRE A ÉPOCA ROMANA
Tiro. Foi aí que morreu, com setenta anos, depois de ter sobrevivido à
tangente a diversas perseguições.
Discípulo de Clemente, Orígenes tinha, como ele, espaço para os
conhecimentos pagãos: o seu ensino partia da dialéctica e das ciências,
para se elevar progressivamente até à filosofia e à teologia. Por outro
lado, retomara o princípio (adoptado por Fílon) de distinguir nos textos
um sentido material e um sentido espiritual, admitindo deste modo, as
interpretações alegóricas: é, sem dúvida, daí que resultam as proposições
condenadas do ponto de vista da ortodoxia (como a desigualdade das
três pessoas divinas, que devia suscitar, igualmente, os problemas do
arianismo).
Mas esta mesma circunstância mostra que Orígenes é, apesar de
tudo, muito mais teólogo do que Clemente. É, de resto, um erudito.
Devemos-lhe uma edição das Escrituras em hebraico, com várias tradu
ções justapostas, tal como escólios, homilias e comentários seguidos
sobre os vários pontos. Não hesita em suscitar as questões mais difíceis
relativas à revelação ou à encarnação. Por aqui dá o exemplo da exege
se sagrada. O Tratado dos princípios (de que possuímos a tradução lati
na) enquadra-se no mesmo espírito.
Ao mesmo tempo, Orígenes é um polemista, como Clemente, mas
muito mais sistemático e muito mais dialéctico. Quando um platónico
chamado Celso escreveu, sob os Antoninos, um tratado contra os cris
tãos, intitulado Discurso verdadeiro, Orígenes decidiu escrever uma res
posta, que nos foi conservada: é o Contra Celso, em oito livros, que ele
escreveu um pouco antes de 250. A crítica da filosofia grega, mal adap
tada à massa da humanidade, é severa e firme.
Orígenes foi discutido, condenado, ouvido. Escreveram a favor e
contra ele. No entanto, estas discussões ficaram como debates de escola;
seria preciso esperar pelo século seguinte para vermos afirmar-se os
grandes talentos cristãos.
Esse século abre com Eusébio, de quem já falámos como historia
dor (cf. pág. 307), mas que também praticou a exegese e a apologia. Com
efeito, ele escreveu duas grandes obras, a Preparação evangélica, em
quinze livros, e a Demonstração evangélica, em vinte livros; aí criticava
as teologias não-cristãs e demonstrava o acordo dos factos evangélicos
com as profecias. Trata-se, como nas suas obras históricas, de uma acu
325
COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
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EXPOSIÇÃO SUMÁRIA SOBRE A ÉPOCA ROMANA
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COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
em Constantinopla ele falava duas vezes por semana). Aí, João mostra-
-se um crítico severo e penetrante dos vícios que infligiam maus tratos
em seu redor: critica o gosto pelos prazeres, o hábito da usura, o luxo e
a dureza dos ricos: não é de espantar que tenha inquietado os poderosos
de Constantinopla. Aliás, ele sabe permanecer firme face ao poder e mos
trar uma grande autoridade, como nas homilias Sobre as Estátuas, pro
nunciadas em horas trágicas para Antioquia, que temia perante a decisão
que ia tomar a respeito do seu imperador. Mas, em geral, o tom de João
é mais doce. Ele acredita profundamente na bondade de Deus, no seu
amor pelo homem. Tal como S. Paulo, que ele admirava particularmen
te, exalta a piedade, o perdão, a doçura. E a função de predicador é, aos
seus olhos, a de curar os males dos homens; ora, para curar um doente
não recorremos à cólera e à brutalidade: «Com efeito, se fosse caso de
castigar e desempenhássemos as funções de juiz, a indignação seria indis
pensável, mas se renunciarmos a ter uma tal função para assumir a de
médicos ou de enfermeiros benévolos, então é preciso exortar e rogar
aos nossos doentes, se for necessário, abraçar até os seus joelhos, para
alcançar os nossos fins» (Coabitações suspeitas, 1). A palavra, que é
infinitamente poderosa e eficaz, também se deve tomar compreensiva e
penetrante.
O que equivale a dizer que a eloquência é por ele reconhecida como
um precioso meio de acção. E, para a enriquecer, usa os recursos que
aprendera a conhecer em jovem. As citações das Sagradas Escrituras
nele são inúmeras, mas também encontramos nas suas obras ecos e remi
niscências de numerosos autores da Grécia clássica: Platão, Esquilo,
Homero ou Demóstenes. As suas frases tornam-se insistentes ou vastas,
como as deste último. E as suas imagens vêm da Bíblia,, mas também
dos poetas do século de Péricles, ou da sua própria experiência. Todos
estes homens estão juntos, empenhados num único movimento, e asso
ciados no serviço por uma mesma causa. Se ele é «Boca de ouro», como
Díon, é porque João se afastou das querelas entre seitas e se associou à
herança da cultura pagã. E também porque, como esta mesma cultura,
ele quis dirigir-se directamente aos homens para os fazer viver melhor.
Com ele, assistimos assim a uma transferência da cultura grega para
o Cristianismo, doravante triunfante. Mas negligenciar o último esforço,
feito neste mesmo século para defender os valores pagãos, seria falsear
330
EXPOSIÇÃO SUMÁRIA SOBRE A ÉPOCA ROMANA
VIII.
O ÚLTIMO BRILHO DO PAGANISMO
(4) N.T.: A propósito destes dois nomes, a autora apresenta as duas grafias francesas
(Himérios ou Himérius e Libanios ou Libanius, respectivamente). Dado que em português
não há essa diferença, optámos por não fazer a tradução dessa observação.
331
COMPENDIO DE LITERATURA GREGA
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EXPOSIÇÃO SUMÁRIA SOBRE A ÉPOCA ROMANA
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EXPOSIÇÃO SUMÁRIA SOBRE A ÉPOCA ROMANA
que nada tem de oficial e que se segue aos dissabores sofridos em Antio-
quia, em 362-363. Juliano esperara estabelecer nesta cidade um grande
culto do deus solar, Apoio; ora, as festas foram malogradas, o templo foi
queimado, riram-se do imperador, do seu físico desengraçado e da sua
barba. Em troca, ele voltou-se contra aqueles Sírios efeminados que
viviam no prazer. Prefere a virtude rústica dos Celtas. E, aceitando a
impopularidade, ele cita os seus actos de generosidade e censura a ingra
tidão de Antioquia.
Nervoso, exaltado, apaixonado, Juliano entrega-se, neste texto, tão
directamente como o poderia fazer um Jean-Jacques Rousseau. Mas
apresenta também um certo ideal moral, que está latente noutros sítios
e só aqui encontra uma expressão mais viva.
Este ideal moral exige a justiça, a verdade, o desprezo pelos praze-
res. Mas também exige a um soberano virtudes mais específicas. O sobe
rano deve, na medida do possível, «fazer bem aos homens». Era isto o
que diziam também Libânio e Temístio; mas Juliano ainda insiste mais;
e a ideia adquire um contorno pessoal, visto que, ao falar de si próprio,
Juliano afirma que tentou realmente fazê-lo, sempre. E como é que «se
faz bem»? Juliano interpreta esta ideia em termos de philanthrôpia, ou
«amor pelos homens», doçura, moderação. E volta a estes valores sem
cessar. Fala deles nalgumas cartas. Fala deles nos seus tratados; é, sem
dúvida, o traço mais autêntico desses elogios, compostos na juventude,
e pouco sinceros no que respeita aos factos. Fala deles, enfim, na sua
sátira intitulada Os Césares, onde se trata de apreciar os diversos sobe
ranos e onde esse critério é usado muitas vezes - regressando a palma
ao imperador pagão e filósofo Marco Aurélio.
Pode parecer surpreendente que este elogio da doçura emane daque
le que ficou conhecido pelas suas perseguições. De facto, Juliano come
çara com éditos de tolerância em favor dos pagãos. Mas chegou muito
tarde; os cristãos não podiam renunciar às vantagens obtidas e as suas
resistências estimularam a sua. Até a bondade que ele recomenda aos seus
administradores tem por objecto, muitas vezes, a competição com os cris
tãos. A luta foi travada; deu-se a batalha; e Juliano viu-se malogrado.
335
COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
O helenismo era uma coisa muito diferente de uma religião; e não se con
fundia, de todo, com o paganismo. Com efeito, se os defensores do paga
nismo desapareceram com Juliano, deixando um império daí em diante
cristão de cima abaixo, o helenismo não podia desaparecer desse impé
rio do Oriente, cuja língua era o grego. Mas vale a pena perguntarmo-
-nos, em conclusão, sobre as razões desta confusão.
Elas são, parece-nos, de duas ordens diferentes.
As primeiras relevam da história da época. Com efeito, é claro que
nem os cristãos nem os pagãos queriam dissociar cultura e religião. Sem
dúvida, nem imaginavam que tal fosse possível. Muitas vezes, os cris
tãos representavam uma nova camada social. Desdenhavam o conjunto
de uma tradição, na qual as obras literárias estavam todas penetradas por
deuses e por lendas do paganismo. É bastante correcto que, vários sécu
los mais tarde, os doutores da Igreja consentiram em ir buscar à arte
grega os meios para servir a sua fé: estes mesmos empréstimos serviam
a sua polémica. E sucedia o mesmo com os pagãos. Sem dúvida, também
eles cediam a influências; sem dúvida, inventaram um misticismo pagão;
mas, ao ver os seus valores ameaçados pela religião, eles identificavam-
-nos com ela. Além disso, entre as dificuldades políticas, a dispersão
geográfica e a alteração das condições e dos problemas, é certo que a
cultura grega empobrecia e já não tinha a fecundidade de outrora. Foi
assim mais fácil identificá-la com a religião pagã, à qual não parecia ir
sobreviver: foi preciso esperar pelo Renascimento para que o helenismo,
enquanto cultura, reaparecesse no próprio seio do Cristianismo.
A estas primeiras razões acrescenta-se, para nós, os modernos, um
efeito falaz de perspectiva. Com efeito, se o helenismo parece extinguir-
-se com o paganismo, é um pouco porque um e outro desapareceram em
conjunto quando desapareceu no Império Bizantino-tal como no impé
rio do Ocidente - a liberdade.
A liberdade política desapareceu em favor da autocracia. A liberda
de filosófica e religiosa desapareceu sob a autoridade da Igreja. E ambos
os poderes se uniram, visto que o imperador era o chefe dessa Igreja: as
fileiras de onde saíram os mártires forneceram grandes administradores.
O helenismo viveu de interrogações e discussões, de lutas de ideias
e de lutas políticas, de descobertas, de esforços, de críticas e de esperança,
à procura da melhor vida possível. Já com Alexandre e, depois, com Roma
336
EXPOSIÇÃO SUMÁRIA SOBRE A ÉPOCA ROMANA
337
Bibliografia
(5) N.T.: Todas estas obras têm tradução portuguesa, respectivamente: W. Jaeger, Pai
deia. A Formação do Homem Grego (S. Paulo, Martins Fontes,42001); Η. I. Marrou, História
da Educação na Antiguidade (S. Paulo, Herder, 1966), E. R. Dodds, Os Gregos e o Irracio
nal (Lisboa, Gradiva, 1988), B. Snell, A Descoberta do Espírito (Lisboa, Ed. 70, 1992).
339
COMPENDIO DE LITERATURA GREGA
340
B IB L IO G R A F IA
CAPÍTULO I
(6) N.T.: Existe uma tradução portuguesa: Μ. I. Finley, O Mundo de Ulisses (Lisboa,
Presença, 31988).
341
COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
CAPÍTULO II
I. Hesíodo
- Edições: Teogonia, ed. comentada em Inglês: M. L. West (Oxford, 1966);
Trabalhos e Dias, ed. comentada em Inglês: M. L. West (Oxford, 1978), em
Francês: P. Waltz (1919), P. Mazon (1914); obras com fragmentos: Solmsen,
Merkelbach, West (Oxford, 1970); cf. apenas fragmentos: Merkelbach e West
(Oxford, 1967).
- índices: Paulson, 1890(reimpr. Olms, Hildesheim, 1963).
- Estudos: F. Solmsen, Hesiod and Aeschvlus (Ithaca, 1949); Entretiens de la
Fundation Hardt, VII, 1962: Hésiode etson influence\ sobre as outras obras
para além dos dois grandes poemas: J. Schwartz, Pseudo-Hesiodea: Recher-
ches sur la composition, la diffusion et la disparition ancienne d ’ceuvres
attribuées à Hésiode, Leiden, 1960. A propósito do mito das raças: J.-P. Ver-
nant, em Mythe et pensée chez les Grecs, 1965, pp. 19-47 (artigo que pro
vocou várias discussões).
342
BIBLIOGRAFIA
343
COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
pequenas monografias devem ser lidas com reserva, porque é grande a parte
da interpretação livre.
CAPÍTULO III
I. Esquilo
- Edições comentadas: E. Fraenkel, Agamemnon, 3 vols. (Oxford, 1950: comen
tário muito importante); P. Groeneboom: edições comentadas das diversas
peças, em holandês e em alemão, de 1928 a 1952; Denniston e Page, Aga
memnon (Oxford, 1957); H. D. Broadhead, Les Perses (Cambridge, 1960);
H. Rose, A Commentary on the surviving Plays of Aeschylus (Amsterdam,
1957-1958).
- Fragmentos: Nauck, Tragicorum Grcecorum Fragmenta (ed. revista várias
vezes); Mette, Die Fragmente der Tragõdien des Aischylis (Berlim, 1959).
- índice: G. Italie (Leiden, 1955.
- Estudos:
Sobre a tragédia em geral, grandes obras estrangeiras: M. Pohlenz, Die Grie-
chische Tragõdie, 2 vols. (Gõttingen, 2a. ed. 1954); A. Lesky, Die griechis-
che Tragõdie (Stuttgart, 1938, texto inglês em 1965); H. D. F. Kitto, Greek
Tragedy (1939) (8), depois Farm and Meaning in Drama (Londres, 1956);
B. Vickers, Towards Greek Tragedy (Londres, 1973); estudos mais particu
lares: W. Kranz, Stasimon, Untersuchungen zu Form und Gehalt der grie-
chischen Tragõdie (Berlim, 1933); A. W. Pickard-Cambridge, The dramatic
Festivais ofAthens (Oxford, 1953). Vários estudos em francês, entre outros:
P. Masqueray, Théorie des formes lyriques de la tragédie grecque (Paris,
1895); O. Navarre, Le théâtre grec (Paris, 1925); J. de Romilly, La tragédie
grecque (PUF, 1970, col. «SUP»)(9); Le temps dans la tragédie grecque
(Paris, Vrin, 1971); J.-P. Vemant e P. Vidal-Naquet, Mythe et tragédie en
Grèce ancienne (Paris, Maspero, 1971).
Sobre Esquilo, em francês: M. Croiset, Eschyle, Etude sur Finvention dra-
matique dans son théâtre (Paris, 1928); G. Méautis, Eschyle et la trilogie
(Paris, 1936); J. de Romilly, La crainte et I 'angoisse dans le théâtre d Eschyle
(Paris, 1958); K. Reinhardt, Eschyle, Euripide, trad. do alemão (Paris, 1971).
(8) N. T.: Existe uma tradução portuguesa, H. D. F. Kitto, A Tragédia Grega, Coimbra,
Arménio Amado-Editor, Suc., 1972 (2 vols.).
(9) N. T.: Existe tradução portugesa, J. de Romilly, Λ Tragédia Grega, Lisboa, Ed. 70,
22008.
344
BIBLIOGRAFIA
II. Heródoto
- Tradução francesa com notas: A. Barguet (em Historiensgrecs, I, La Plêiade).
- Léxico: J. E. Powell (Cambridge, 1938, depois 1960).
- Estudos: Ph.-E. Legrand, Hérodote, Introduction (Paris, Les Belles-Lettres,
1932); A. de Sélincourt, Lunivers d ’Hérodote (trad. do inglês, Gallimard,
1966). Em línguas estrangeiras (além do artigo sempre importante de Jaco-
by na Realencyclopàdie, 1913): M. Pohlenz, Herodot (Leipzig, 1937); J. L.
Myres, Herodotus, Father of History (Oxford, 1953); H. R. Immerwahr,
Form and Thought in Herodotus (Cleveland, 1956; obra muito útil e impor
tante); K. von Fritz, Die Griechische Geschichtsschreibung (cf. pág. 348);
C. W. Fomara, Herodotus, an interpretative Essay (Oxford, 1971).
CAPÍTULO IV
I. Sófocles
- Edições comentadas: Tournier-Dcsrousseaux (Hachette, 1886, um pouco
antigo); Jebb (em inglês, um volume por peça, fim do século xix); Kamer-
beek (em inglês, na Brill, um volume por peça, a partir de 1953, ainda não
acabado); Kaibel, Electre, Berlim, 1911, em alemão).
- Fragmentos (além de Nauck): Pearson (Cambridge, 1917, 1963); Radt( 1977).
- índice: Ellendt, 1872 (reimpr. Olms, Hildesheim, 1958).
- Estudos em francês: C. Germain, Sophocle (Paris, Le Seuil, 1969, breve apre
sentação); G. Ronnet, Sophocle poète tragique (Paris, 1969); K. Reinhardt,
Sophocle (trad. do texto alemão de 1933: Paris, Ed. de Minuit, 1971).
- Estudos em línguas estrangeiras: T. B. L. Webster, An Introduction to Sopho-
cles (Oxford, 1936); C. M. Bowra, Sophoclean Tragedv (Oxford, 1944);
C. H. Whitman, Sophocles, A Study in heroic Humanism (Harvard Univ. Press,
1951); G. M. Kirkwood, A Study on Sophoclean Drama (Comell Univ. Press,
1958: muito preciso); B. M. Knox, The heroic Temper, Studies in Sophoclean
Tragedy (Sather Class. Lectures XXXV, 1964: muito sugestivo).
345
COMPENDIO DE LITERATURA GREGA
II. Eurípides
- Edições comentadas: Septs tragédies dEuripide (Hipp., Médée, Hécube,
Iphigénie à A., Iphigénie en T, Electre, Oreste), por H. Weil (Hachette, 1868).
Edições da Oxford University Press, entre outras: As Bacantes (Dodds, 1944,
1960: notável), Alceste (A. M. Dale, 1954), Electra (Denniston, 1939), Medeia
(Page, 1938), Helena (A. M. Dale, 1967), etc. Muitas edições de peças iso
ladas, entre outras: Héracles (Wilamowitz, Berlim, 1909), Hipólito (Barrett,
Oxford, 1964), Helena (Kannicht, Heidelberg, 2 vols., 1969), Orestes (Di
Benedetto, Florença, 1965), As Bacantes (Jeanne Roux, Paris, 1970,2 vols.;
M. Lacroix, Paris, 1976), etc.
- índice: Allen e Italie, 1954.
- Estudos em francês: P. Decharme, Euripide et l 'esprit de son théâtre (Paris,
1893: antigo); A. Rivier, Essai sur le tragique d 'Euripide (Lausanne, 1944);
J. Duchemin, L ’Agôn dans la tragédie grecque (Paris, Les Belles-Lettres,
1945: sobre a técnica dos debates); J. de Romilly, L 'évolution dupathétique,
d ’Eschyle à Euripide (Paris, PUF, 1962); F. Jouan, Euripide et les légendes
des Chants cypriens (Paris, Fes Belles-Fettres, 1966: sobre as tradições míti
cas). Acrescentamos, sobre a religião: F. Chapouthier, Euripide et 1’accueil
du divin (Entretiens Hardt, I, pp. 205-237); sobre a política: E. Delebecque,
Euripide et la guerre du Péloponnèse (Paris, 1951) e R. Goossens, Euripide
et Athènes (Ac. de Belgique, 1962).
- Estudos em línguas estrangeiras: apresentações gerais: G. Murray, Eurípides
andhis age (Oxford 1913; 1946); G. Μ. A. Grube, The Drama of Eurípides
(Fondres, 1941); T. B. F. Webster, The Tragedies of Eurípides (Fondres, 1967:
cronologia da obra); Di Benedetto, Euripide: Teatro e Società (Turim, 1971).
Diversos aspectos: G. Zuntz, The política! Plays of Eurípides (Manchester,
1955: sobre as duas peças patrióticas); F. Strohm, Eurípides, Interpretatio-
nen zur dramatischen Form (Munique, 1957, Zetemata, 15); Euripide (expo
sições e discussões: Fondation Hardt, VI, 1960, importante).
346
BIBLIOGRAFIA
CAPÍTULO v
II. Tucídides
- Edições comentadas em alemão (Classen-Steup, reeditado muitas vezes a
partir de 1897), em inglês (Marchant, reeditado muitas vezes a partir de
1893), em francês para os livros I e II, A. Croiset (Hachette, 1886); livro II,
347
COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
CAPÍTULO v i
- Edições comentadas:
Andócides: Mystères, Mac Dowell (Oxford, 1962); Paix et Retour, Albini
(Florença, 1961 e 1964).
Iseu: Wyse (Cambridge, 1904: comentário abundante).
Demóstenes: ainda encontramos muito na notável edição de H. Weil, na
Hachette (1873-1886). Inúmeras edições comentadas de discursos isolados
em diversas línguas, como Sobre a lei de Leptino, por Sandys (Cambridge,
1890), Contra Mídias, por Goodwin (i b i d 1906), etc.
Oradores secundários: texto em J. O. Burtt, Minor Attic Orators (Loeb,
1954); para Demades, V. de Falco (Pavia, 1932).
- índice:
Andócides - Licurgo - Dinarco: Forman (1897).
Lísias: Holmes (1895, reimpr. 1944).
Demóstenes: Preuss (1892, reimpr. 1963).
Esquines: Preuss (1896, reimpr. 1926).
- Estudos gerais: podemos ainda tirar partido de Blass, Die attische Beredsam-
keit, que incide sobre toda a eloquência grega (1892). Mais recentemente:
G. Kennedy, The Artof Persuasion in Greece (Princeton, 1963). Em francês:
348
BIBLIOGRAFIA
CAPÍTULO VII
I. Isócrates
- índice: Preuss (1904, reimpr. 1963).
- Estudos: G. Mathieu, Les idéespolitiques d Lsocrate (1925, livro essencial).
Acrescentamos para a retórica: W. Jaeger, Paideia, livro IV, caps. 2 a 6. Para
completar, eventualmente, com A. Burk, Die Pàdagogik des Isokrates ais
Grundlegung des humanistischen Bildungsideal (1923); H. Werdsdoerfer,
Die Philosophie des Isokrates im Spiegel ihrer Terminologie - Untersuchung
zur fruhattischen Rhetorik und Stillehre (Leipzig, 1940); para a política: P.
Cloché, lsocrate et son temps (1963).
II. Xenofonte
- Estudos: E. Delebecque, Essai sur la vie de Xenophon (1957, discussão
muito carregada sobre a cronologia toda). Juntamos: A. Croiset, Xénophon,
son caractère et son talent (1873); J. Luccioni, Les idées politiques et socia-
les de Xénophon (1948); do mesmo autor: Xénophon et le socratisme (1953);
L. Gauthier, La langue de Xénophon (1911): O. Gigon, comentários alemãos
sobre os primeiros livros dos Memoráveis (1953 ss.).
349
COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
CAPÍTULO VII
I. Platão
- Edições comentadas: há inúmeras edições comentadas. A antiga edição de
Stallbaum (notas em latim) ainda pode ser útil. E preciso referir como excep-
cionalmente preciosas as edições comentadas do Górgias por E. R. Dodds
(Oxford, 1959, em inglês), e da República por Adam (2 vols., Cambridge, 1905-
-1907, em inglês). De assinalar igualmente as edições de Hackforth, mais sumá
rias (Fedro, 1952; Fédon, 1955). O livro de R. Weil, L archéologie de Platon
(1959) é um comentário muito rico e pormenorizado do livro III das Leis.
- índice e léxico: Ast (1935-1938), reimpr. 1956; Des Places (Paris, 1970).
- Estudos: encontramos bibliografias muito pormenorizadas em várias obras.
Referimos aqui sobretudo os estudos gerais, principalmente franceses. P.-M.
Schuhl, L 'oeuvre de Platon (Paris, 1954: breve apresentação); A. Diès, Autour
de Platon (2 vols., 1927); R. Schaerer, La question platonicienne, étude sur
les rapports de la pensée et de 1’expression dans les dialogues (1938); A.-J.
Festugière, Contemplation et vie contemplative selon Platon (1950); V. Gol-
dschmidt, Les dialogues de Platon, structure et méthode dialectique (Paris,
1947, obra notável, mas um pouco difícil); J. Moreau, Réalisme et idéalisme
chez Platon (1951); J. Laborderie, Le dialogueplatonicien de la maturité (Paris,
1978). Devemos, igualmente, assinalar duas obras importantes em alemão:
U. von Wilamowitz-Moellendorff, Platon, sein Leben undseine Werke (1919,
diversas reedições) e Friedlaender, Platon (3 vols., 1928 ss.), obra da qual
existe uma tradução inglesa. Sobre as imagens e os mitos: P. Louis, Les méta-
phores de Platon (1945: extenso repertório); A. de Marignac, Imagination et
dialectique, essai sur I’expression du spirituel par I 'image (1951: reflexão
sobre alguns exemplos); P. Frutiger, Les mythes de Platon (1930).
II. Aristóteles
- Edições: são muito numerosas para cada tratado. (Para os fragmentos: Rose,
2a. ed., 1886; Ross (Oxford, 1955). Assinalaremos entre as edições comen
tadas: para a Política, Newmann (4 vols., 1887-1902, em inglês); para a Retó
rica: Cope-Sandys (1877, em inglês); para a Poética, G. F. Else (1957, em
inglês: longo comentário seguido); para a Ética a Nicómaco, Gauthier-Jolif
(4 vols., Lovaina-Paris, 1970, em francês). As edições juntamos as excelen
tes traduções de J. Tricot, na Vrin, em Paris.
- índice: Bonitz (1870, reeditado várias vezes).
350
BIBLIOGRAFIA
- Obras:
Em francês: L. Robin, Aristote (1944), R. Weil, Aristote et 1’histoire, essai
sur la «Politique» (1960); P. Louis, La découverte de la vie, Aristote (1975).
Em inglês: W. D. Ross, Aristotle (1923, reeditada várias vezes); W. Jaeger,
Aristotle (1934, tradução do texto alemão, publicado em 1923; reedições
posteriores); G. E. R. Lloyd, Aristotle (Cambridge, 1968).
Em alemão: Jaeger: ver acima; F. Solmsen, Die Entwicklung der Aristote-
lischen Logik undRhetorik (Berlim, 1929); L. Diiring, Aristoteles (Heidel-
berg, 1966).
Em várias línguas: La «Politique» d Aristote - Entretiens de la Fondation
Hardt, XI, 1965.
CAPÍTULO IX
I. Menandro
- Edições de Menandro: Kõrte-Thierfelder (apenas o texto, última ed., 1959,
com índice). Alguns textos comentados em pequenos excertos de Aristófa-
nes e Menandro por Bodin e Mazon (Paris, Hachette, 1904). Para o Díscolo,
edições e traduções muito numerosas, duas das quais, diferentes, por J. M.
JacquesnaCUF (1963; 1976). Ver também J. Martin (com notas, Paris, 1961,
reed. 1972, col. «Erasme»); E. W. Handley (Londres, 1965), e tradução de
A. Bataille (Paris, Gallimard, 1962).
- Estudos sobre Menandro: G. Méautis, Le crépuscule dAthènes et Ménan-
dre (Paris, 1954: anterior à descoberta do Díscolo).
Em línguas estrangeiras: T. B. L. Webster, Studies in Menander (1950; 1960);
Studies in Later Greek Comedy (1953; 1971); A. Barigazzi, La formazione spi-
rituale di Menandro (Turim, 1965); Entretiens de la Fondation Hardt, XVI,
1970: Ménandre', Gomme-Sandbach, Menander: a Commentary (Oxford, 1973).
- Outros autores cómicos: Kock (cf. pág. 346); Schroeder, Novce Com. Fragm.
(Bona, 1915); J. M. Edmonds (Thefragments ofAttic Comedv, III A, Leiden,
1961: para utilizar com precaução).
- Estudos: W. H. Friedrich: Euripides und Diphilos (Munique, 1953, Zete-
mata, 5); T. B. L. Webster (cf. supra).
351
COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
352
BIBLIOGRAFIA
IV. Políbio
- Comentário histórico de importância capital: F. W. Walbank (1957 ss.;
em inglês, em curso).
- índice: Mauersberger (Berlim, publicação em curso desde 1956).
- Estudos:
Em francês: P. Pédech, La méthode historique de Polybe (Paris, 1964); J. A.
de Foucault, Recherches sur la langue et le style de Polybe (Paris, 1972,
muito técnico).
Em inglês: K. von Fritz, The Theory of the Mixed Constitution (New York,
1954); F. W. Walbank, Polybius (Berkeley, 1972).
CAPÍTULO X
Introdução: os poetas
F. Vian, Recherches sur les Posthomerica de Quintus de Smyrne (Paris, 1954).
I. Plutarco
- Edições: às edições completas, muitas vezes anotadas (mesmo na CUF), pode
mos juntar as edições comentadas das Vidas ou dos tratados; por exemplo:
Diálogo do amor, por R. Flacelière (Paris, 1952), O Banquete dos Sete Sábios,
por J. Defradas (Paris, 1954), Da virtude ética, por D. Babut (Paris, 1969)...
- Estudos:
Em francês: D. Babut, Plutarque et le stoicisme (Paris, 1969, obra impor
tante); R. Flacelière, Sagesse de Plutarque (Paris, 1964; apresentação de
extractos traduzidos); Actes do VIII Congresso da Associação G.-Budé (Paris,
1968: informação bibliográfica e comunicações).
353
COMPÊNDIO DE LITERATURA GREGA
II. Os historiadores
Para as obras perdidas, a edição dos fragmentos continua a ser a de Jacoby.
Para as obras conservadas, diversas edições: a publicação de Diodoro está em
curso na CUF, que já tem a índia, de Arriano, por P. Chantraine.
- Edições comentadas de alguns livros de Diodoro (livro I por M. Burton, em
inglês, livro XVI por M. Sordi, em italiano) e de Apiano por E. Gabba, em
italiano.
- Estudos gerais: Ed. Schwartz, Griechische Geschichtsschreiber (Leipzig,
1937, em alemão); G. de Sanctis, Studi di Storia delia Storiografia greca
(Florença, 1951, em italiano).
- Estudos particulares: E. Gabba, Appiano e la Storia delia Guerre Civili
(Florença, 1956, em italiano); F. Millar, A third century Historian, A study
of Cassius Dio (Oxford, 1964, em Inglês); A. Momigliano, estudos sobre os
historiadores cristãos e pagãos, em The conflict between Paganism and Chris-
tianity in theFourth Century (Oxford, 1963, em inglês, trad. italiana, 1968);
J. Sirinelli, Les vues historiques d ’Eusèbe de Césarée durant la période pré-
nicéenne (Paris, 1961).
III. A retórica
- Estudos: A. Boulanger, Aelius Aristide et la sophistique dans la province
d ’Asie au IIesiècle de notre ère (Paris, 1925); B. P. Reardon, Courants litté-
raires grecs des IP et IIP siècles après J.-C. (Paris, 1971).
IV. O romance
- P. Grimal: Romans grecs et latins, textos apresentados, traduzidos e anota
dos (Paris, 1958); Reardon (fim do volume referido acima); em inglês, B. E.
Perry, The ancient Romances, a lit. hist. Account oftheir Origins (Berkeley,
1967); tudo, sem esquecer, em alemão: E. Rohde, Diegriech. Roman (Leipzig,
1876), reeditado várias vezes.
354
B IB L IO G R A F IA
V. Luciano
- A edição Jacobitz (1836-1841) inclui um índice. Várias edições comentadas
de obras isoladas; como, em francês, Mentiroso e Sobre a morte de Peregri
no, por J. Schwartz (Strasbourg-Paris, 1951), Navio ou os Desejos, por G.
Husson (Paris, 1970).
- Estudos: M. Caster, Lucien et lapensée religieuse deson temps (Paris, 1937);
J. Bompaire, Lucien écrivain, imitation et création (1958, «Bibl. Ecoles fran-
çaises d’Athènes et Rome», 190); J. Schwartz, Biographie de Lucien de
Samosate (Bruxelles, 1952). Em italiano: A. Peretti, Luciano, Un intellectu-
ale greco contro Roma (Florença, 1946). Em alemão: artigo de Helm, na
Realencyclopàdie (1927).
VI. A filosofia
- Epicteto. Edição comentada de Schweigháuser (Leipzig, 1799-1800,5 vols.).
Com índice: Schenkl (1894, reed.).
Estudos: Th. Colardeau, Etudes sur Epictète (Paris, 1903); G. Germain,
Epictète et la spiritualité stoicienne (Paris, 1964).
- Marco Aurélio. Edições comentadas: Farquharson (Oxford, 1944,2 vols. em
inglês); W. Theiler (Zurique, 1951).
- Estudos: a obra de E. Renan, Marc Aurèle (t. VII de L 'histoire des origines
du christianisme) ainda continua a ser para ler.
- Plotino:
Estudos em francês: J. Trouillard, La procession platonicienne (Paris, 1955) e
Lapurification platonicienne (Paris, 1955); E. Bréhier, Laphilosophie de Plo-
tin (Paris, 2a. ed., 1961); P. Hadot, Plotin ou la simplicité du regard (Paris, 1963).
Em diversas línguas, obra colectiva: Entretiens de la Fondation Hardt, V, Les
sources de Plotin (1960). Em inglês: Th. Whittaker, The neo-platonists (1928,
reimpr. Olms Hildesheim, 1961). Em alemão, artigo na Realencyclopàdie por
Schwyzer (1951). - Podemos juntar-lhe um estudo mais geral: P. Lévêque,
Aurea Catena Homeri, une étude sur l 'allégorie grecque (Paris, 1959).
Hermetismo: A.-J. Festugière, La révélation d ’Hermès Trismégiste (Paris,
1944-1954, 4 vols.: obra capital).
VII. Os cristãos
355
COMPENDIO DE LITERATURA GREGA
356
QUADRO CRONOLÓGICO
QUADRO CRONOLOGICO
Nota preliminar: o quadro abaixo agrupa informações de ordem diferente (datas de um nascimento, de uma obra, de uma morte) e de natureza
imprecisa. Com efeito, frequentemente estamos pouco seguros das datas exactas relativas aos autores da Antiguidade, alguns são objecto de
discussão: as indicações dadas aqui constituem, assim, marcas aproximadas.
I . O P E R ÍO D O A R C A IC O
A contecimentos Poesia épica e Didáctica Lirismo Filosofia
1500-1200: mundo aqueu
Século vm
750-600: desenvolvimento da' Homero
colonização
Alcman, Terpandro
Mimnermo Tales
Teógnis, Anacreonte
561-528: Pisístrato tirano de Atenas Heraclito
Simónides
Parménides
525: nascimento de Esquilo
(morre em 455)
I I. O S É C U L O V
Acontecimentos Teatro História Filosofia
499: nascimento de Sófocles nascimento de Heródoto (morre
(morre 406-405) em 425)
425-422: Aristófanes,
sucessivamente: Acamenses,
Cavaleiros, Nuvem, Vespas
H is tó r ia F ilo s o fia
Anaxágoras
Início da eloquência
355-354: início de
Demóstenes na vida
política
349: Demóstenes: Olintiacas
342: nascimento de
Menandro
341: Demóstenes Sobre o
Quersoneso, Filípica III
e de Aristóteles
IV. O PERÍODO HELENÍSTICO
Acontecimentos Literatura latina Teatro Poesia História Filosofia
Teofrasto, sucessor
de Aristóteles
246: Eratóstenes
encarregue da
Biblioteca de
Alexandria
264-241: no Ocidente: 244: último poema
primeira guerra púnica datado de Calímaco
A c o n te c im e n to s L ite r a tu r a la tin a Teatro
196: proclamação
por Flaminino da
independência grega
148: Macedónia,
província romana
P o e s ia H is tó r ia F ilo so fia
c. 250-240: Apolónio,
Argonáuticas
c. 205: morte do
estoico Crisipo
185-112: Panécio
146: regresso de
Políbio à Grécia
Acontecimentos Literatura latina Teatro
106-43: Cícero
100-44: César
70-19: Virgílio
59: César cônsul 59-17 d. C., Tito Lívio
135-51: Posidónio
c. 90: nascimento de
Diodoro
Entre 60 e 55:
nascimento de Dionísio
de Halicamasso
39: Fílon de
Alexandria embai
xador em Roma
36: último
acontecimento
contado por Diodoro
V. O P E R ÍO D O R O M A N O
Acontecimentos Literatura latina Poetas Prosadores Cristãos
29-68: Roma: os Césares Ovídio, Fedro c. 40: nascimento de Díon
Crisóstomo (morre em 120)
185-255: Orígenes
Tertuliano (fim II-início III) 204: nascimento de Plotino
(morre em 274)
A c o n te c im e n to s L ite r a tu r a la tin a P o e ta s
c. 340: nascimento de
Amiano Marcelino
265-340: Eusébio de
Cesareia
295-373: Atanásio
314-395: Libânio
410-485: Proclo
r
índice Onomástico
O índice remete para as páginas do livro onde os autores são considerados
por si mesmos: não tivemos em conta aquelas em que são referidos de passa
gem, seja em função de um outro, seja ao longo de uma análise de ordem geral.
Reagrupámos no final as obras que nos chegaram sem nome de autor.
369
C O M P Ê N D IO D E L IT E R A T U R A G R E G A
370
ín d ic e o n o m á s t ic o
371
C O M P Ê N D IO D E L IT E R A T U R A G R E G A
37 2
ÍN D IC E O N O M Á S T IC O
373
C O M P Ê N D IO
-f. S
W D fE b a Costa Id e C u c to
MAT 033720-4
Epopeia, retórica, teatro, filosofia, história, poesia, romance, a literatura grega
antiga, ponto de partida de todas as literaturas europeias, vai de descoberta em
descoberta. De Homero a Plutarco, a obra de Jacqueline de Romilly cobre este
vasto período do «milagre grego», com especial incidência nas épocas de maior
florescimento, e mostra a dinâmica de que está imbuída esta literatura, facultando,
para cada obra, os instrumentos de análise que a permitem compreender melhor.