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Razão e Poder
(re)leituras do político
na filosofia moderna
Belo Horizonte
2018
Razão e poder: (re)leituras do político na filosofia moderna
Karine Salgado
José Luiz Borges Horta
(Orgs.)
Copyright © desta edição [2018] Initia Via Editora Ltda.
Rua dos Timbiras, nº 2250 – sl. 103-104, Lourdes, Belo Horizonte, MG
CEP 30140-061, www.initiavia.com
Editora-Chefe: Isolda Lins Ribeiro
Revisão: autores
Diagramação e Capa: Brenda Batista
350p.
ISBN: 978-85-64912-96-0
Ainda a modernidade? 7
CAPÍTULO 1 12
Modernidade e Filosofia da História
José de Magalhães Campos Ambrósio
CAPÍTULO 2 30
História e política renascentista:
Maquiavel entre a República e o Principado
Antônio Alves Mendonça Junior
Raul Salvador Blasi Veyl
CAPÍTULO 3 62
Thomas More: da utopia à eternidade
Cézar Cardoso de Souza Neto
Lucas Camargos Bizzotto Amorim
CAPÍTULO 4 90
Thomas Hobbes: o limiar da ciência do estado na modernidade
João Protásio Domingues de Vargas
Levindo Ramos Vieira Neto
CAPÍTULO 5 125
Um breve panorama sobre a filosofia política
no pensamento de John Locke
Aléxia Alvim Machado Faria
Layon Duarte Costa
4 • Razão e Poder: (re)leituras do Político na Filosofia Moderna
CAPÍTULO 6 152
Teologia política em Baruch de Espinosa
Renan Victor Boy Bacelar
Lucas César Severino de Carvalho
CAPÍTULO 7 174
Montesquieu: das leis às formas de governo
Vinícius Batelli de Souza Balestra
CAPÍTULO 8 193
Das leis à história: direito, política e
causalidade histórica em Montesquieu
Isadora Eller Freitas de Alencar Miranda
Igor Moraes Santos
CAPÍTULO 9 230
Voltaire: a racionalidade como forma de alcançar
a tolerância nas sociedades democráticas
Ana Paula Silva Ferreira
Maria Luísa Estanislau Reis
CAPÍTULO 10 257
Vontade geral vs. vontade de todos:
do que é a Democracia?
Raoni Macedo Bielschowsky
CAPÍTULO 11 283
Jean-Jacques Rousseau:
do homem natural ao homem social
Rafael Costa de Souza
Rosa Juliana Cavalcante da Costa
CAPÍTULO 12 301
Kant entre republicanismo e liberalismo
Karine Salgado
Philippe O. Almeida
Sumário • 5
CAPÍTULO 13 318
Direito e Coerção: a permanência de elementos
da Antiguidade em Kant
Daniel Cabaleiro Saldanha
Karine Salgado
1
LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos; ensaio de Antropologia simétrica. Trad. Carlos Irineu
Costa. Rio de Janeiro: Editora 34, 1994. p. 15.
2
LATOUR, Jamais fomos modernos, cit., p. 15.
José de Magalhães Campos Ambrósio • 13
3 O debate das origens do Ocidente não será feito aqui. No sentido filosófico, filiamos nossa arché
civilizacional tal como nas palavras de Heidegger: A palavra philosophía diz-nos que a filosofia é
algo que pela, primeira vez e antes de tudo, vinca a existência do mundo grego. Não só isto — a phi-
losophía determina também a linha mestra de nossa história ocidental-europeia. A batida expressão
‘filosofia ocidental-europeia’ é, na verdade, uma tautologia. Por quê? Porque a ‘filosofia’ é grega em
sua essência — e grego aqui significa: a filosofia é nas origens de sua essência de tal natureza que
ela primeiro se apoderou do mundo grego e só dele, usando-o para se desenvolver.” HEIDEGGER,
Martin. O que é isto, a Filosofia?; Identidade e Diferença. trad. Petrópolis: Vozes. p. 17.
4 Platão e Aristóteles notaram essa característica diferenciadora dos que amam a sabedoria. Pla-
tão, no Banquete, relaciona a ausência e a admiração com aquilo que falta ao amante, que, no caso
do filósofo, é a sabedoria. PLATÃO. O Banquete. Trad. Carlos Alberto Nunes. 3. ed. Belém: Ed.
UFPA, p.153, 204 a-b.
No § 15 da Metafísica, Aristóteles declara: “De fato, os homens começaram a filosofar, agora como na
origem, por causa da admiração[...]”. ARISTÓTELES. Metafísica. São Paulo: Edições Loyola, 2002, p.
11, 982b/15
5
ARISTÓTELES, Metafísica, cit., p. 12.
6
HADOT, Pierre. Elogio da Filosofia Antiga. Trad. Flávio Fontenelle Loque e Loraine Oliveira. São
Paulo: Edições Loyola, 2012. p. 20-21.
14 • Capítulo 1 - Modernidade e Filosofia da História
rico.
A primeira se conecta com o espanto já mencionado. Henrique
Cláudio de Lima Vaz faz uma ascensão dos níveis de consciência para
entrelaçá-los com o processo histórico.
Para o filósofo mineiro, os dois primeiros níveis conscienciais
são: empírico, momento do puro acontecer factual em que a consciência
somente capta os fragmentos do mundo; e racional, no qual a consciência
estabelece conexões inteligíveis como a causalidade.7
O último nível, autenticamente filosófico, define a consciência
como aquilo que permite:
7
VAZ, Henrique Cláudio de Lima. Ontologia e História. São Paulo: Loyola, 2001. p. 249-251.
8
VAZ, Ontologia e História. cit., p. 247-48.
9
VIEGAS, Sônia. Escritos; filosofia viva. Belo Horizonte: Tessitura, 2009. p. 29-30
José de Magalhães Campos Ambrósio • 15
10
A dispersão hermenêutica e o rompimento da totalidade ética da polis é um processo longo e
complexo. Eric Havelock traça as linhas fundamentais desse processo. Para ele, a experiência poé-
tico-mítico grega, calcada na transmissão oral pelos Poetas que, pelas técnicas empregas, repassa-
vam diretamente a mensagem sem mediação interpretativa; o acúmulo de memória cultural é o
único objetivo. Além disso, a grande autoridade de que eram dotados os poetas contribuíam para
seu impacto na coesão do mundo grego. Para uma descrição mais detalhada da crise grega dentro
desse paradigma, sugerimos HAVERLOCK, Eric. Prefácio a Platão. São Paulo: Papirus, 1996.
11
VIEGAS, Escritos, cit., p. 31.
12
HERÁCLITO. Doxografia e fragmentos. In: SOUZA, J. C.(Supervisão). Os pré-socráticos: fragmen-
tos, doxografia e comentários. São Paulo: Abril Cultural, 1978. p. 84. (Os pensadores)
16 • Capítulo 1 - Modernidade e Filosofia da História
13
AXELOS, Kostas. Héraclite et la philosophie. Paris: Les Editions de Minuit, 1962. p. 54.
14
VIEGAS, Escritos, cit., p. 32.
15
Além do processo já exposto por Havelock, Constantine Despotopoulos lembra que o entorno
platônico era de uma supremacia ateniense em todos os aspectos (cultural, política, comércio e
militar). DESPOTOPOULOS, Constantine. Philosophy of History in ancient Greece. Atenas: Academy
of Athens-Sole Foreign Distributor/Ousia, 1991. p. 53.
16
FILHO, Gérson Pereira. Uma Filosofia da História em Platão; O percurso histórico da Cidade platô-
nica de As Leis. São Paulo: Paulus, 2009. p. 15.
17
Essa separação entre metodologia e proposição é didática. Em Platão, o próprio método revela
uma substância e a própria proposição é reveladora do método.
José de Magalhães Campos Ambrósio • 17
18
FILHO, Uma Filosofia da História em Platão, cit., p. 17.
Gérson Pereira Filho demonstra que o conjunto dos diálogos platônicos oferece material para
19
uma Filosofia da História, mas que os escritos políticos são os mais representativos.
20
DUQUESNE, Bernard. Platonisme et sens de l’histoire. In: Revue Philosophique de Louvain. Qua-
trième série, Tome 85, N°67, 1987. pp. 309-328, p. 326. Vale reproduzir o parágrafo de Duquesne:
“Les hommes peuvent donc tout, d’une part parce que, du commun, ils sont ceux par qui l’absolu
se dédouble, incarnations de la différence qui constitue en même temps qu’elle le ronge et le meut,
mais dans l’instante, ce Logos, incarnations de cette Haine interne à l’Amour que compose la na-
ture propre du sensible; d’autre part parce que, philosophes ils peuvent être ceux par qui le Logos
se retrouve soi-même, triomphe de cette Haine tout en la nourrissant, incarnations de l’unité qui
maintient la Justice. Mais, puisque cette Haine este haine de soi, ces deux pouvoirs n’en font qu’un.
Les hommes du commun, en instaurant la décadence, rendent plus proche le renouveau, tandis
que le Sage, entretenant la justice, rend toujours plus imminente la catastrophe. Ce que fait que
personne ne peut rien contre ce cycle, qui est celui même du Logos, qu’il communique à son rejeton
sensible, Grande Année qui s’écoule selon un sens (progès) et une structure (décadence) issus du
Sens qu’est le Logos-Raison-Participation symbolisé par l’Amour qu’est le Sage qui Contemple,
mais dont les phases durent, ne s’inversent pas immédiatement à tout instant, pour une autre “Rai-
son” que cette Participation. La Grande Année s’écoule sous l’ceil d’un Absolu transcendant même
la Contemplation du Sage.”
18 • Capítulo 1 - Modernidade e Filosofia da História
21
1) Ἐν ἀρχῇ ἦν ὁ λόγος, καὶ ὁ λόγος ἦν πρὸς τὸν θεόν, καὶ θεὸς ἦν ὁλόγος. 2) οὗτος ἦν ἐ
ν ἀρχῇ πρὸς τὸν θεόν. 3) πάντα δι’ αὐτοῦ ἐγένετο,καὶ χωρὶς αὐτοῦ ἐγένετο οὐδὲ ἓν ὃ γέγονε.
Evangelho segundo João, cap. I, v. 1-3. In: SAYAO, Luiz. Novo testamento; trilingue. São Paulo: Vida
nova, 2003. p. 520.
CHAUNU, Pierre. A História como Ciência Social; A Duração, o Espaço e o Homem na Época Mo-
22
derna. trad. Fernando Ferro. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1976. p.44.
23
Convém aqui lembrar uma ambiguidade percebida por R.G. Collingwood a ideia de história
agostiniana: Apesar de não ser sujeito, o homem é o único agente da história, ou seja, é só por meio
dele que os fins divinos se realizam. O objetivo central de Deus é o bem-estar e a salvação dos
homens. Ou seja, o homem é, ao mesmo tempo, sujeito e objeto, fim e meio da história. COLLIN-
GWOOD, R.G. A Idéia de História. São Paulo: Martins Fontes, 1981. p. 84.
24
LÖWITH, Karl. O Sentido da História. Trad. Maria Georgina Segurado. Lisboa: Edições 70, 1991.
p. 170.
José de Magalhães Campos Ambrósio • 19
25
LÖWITH, O Sentido da História, cit., p. 151.
26
Defendemos, em nossa Dissertação de Mestrado, que o Ocidente conjuga duas Fundações que
configuram sua arché civilizacional: “ O Ocidente tem duas fundações bem definidas: de um lado,
busca no espírito grego a Razão que lhe é tão cara e que é um dos eixos de nossa civilização, e
que fundou também a política; de outro lado, funda-se também no Cristianismo, obra-prima da
construção religiosa que soube incutir em si a razão e o espírito grego.” AMBRÓSIO, J.M.C. Estado
e Religião; contributo histórico a Filosofia do Estado presente. Belo Horizonte: PPGD-UFMG, 2011.
p. 34. (Dissertação de Mestrado).
27
LÖWITH, O Sentido da História, cit., p. 15.
20 • Capítulo 1 - Modernidade e Filosofia da História
28
SCHIMITT, Carl. Teologia Política. Trad. Elisete Antoniuk. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 35.
29
Ens realissimum é um ente mais real entre todos os entes reais. VOEGELIN, Eric. Modernity without
restraint. Columbia: University of Missoury Press, 1999.
30
SALDANHA, Nelson. Secularização e Democracia; sobre a relação entre formas de governo e con-
textos culturais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 10.
31
SALDANHA, Secularização e Democracia, cit., p. 201.
José de Magalhães Campos Ambrósio • 21
32
SALDANHA, Secularização e Democracia, cit., p. 202.
DOMINGUES, Ivan. O Fio e a Trama; Reflexões sobre o Tempo e a História. Belo Horizonte: EDU-
33
36
SALDANHA, Secularização e Democracia, cit., p. 202.
37
DOMINGUES, O Fio e a Trama; cit., p. 18.
38
DOMINGUES, O Fio e a Trama; cit., p. 41.
39
HEIDEGGER, Martin. A questão da Técnica. trad. Marco Aurélio Werle.São Paulo: USP; Scientiæ
studia, v. 5, n. 3, p. 375-98, 2007. p. 389-390.
40
Nesse sentido, é valioso citar o que Horkheimer denominou de razão instrumental. É com essa
criação que o autor elucida que a razão, ao invés de promover a emancipação do indivíduo, aqui
tomado em sentido kantiano, com a finalidade de contribuir para a promoção de uma vida justa,
se transformou em mero instrumento. É diante dessa premissa que a razão se tornou hábil para a
manutenção de formas de poder. Um exemplo prático dessa teorização é o fascismo, um dos ter-
rores da Segunda Guerra Mundial, nele a razão é adaptada não visando à manutenção de vidas,
mas, paradoxalmente, a irracionalização do sistema, mutilando, assim, as subjetividades . PETRY,
Franciele Bete. O conceito de razão nos escritos de Max Horkheimer. Cadernos de Filosofia Alemã. nº
22. p. 31-48.
José de Magalhães Campos Ambrósio • 23
41
DOMINGUES, O Fio e a Trama; cit., p. 43.
42
Para Koselleck, a aceleração apocalíptica está calcada no anúncio dos Evangelhos de Mateus (24,
22) e Marcos (13,20) para os quais a proximidade do fim do mundo abreviaria a duração dos dias.
Essa expectativa seria reformulada durante toda a história eclesiástica - inclusive a Reforma de Lu-
tero como um dos últimos repositórios panfletários do Apocalipse. KOSELLECK, Reinhart. Estratos
do Tempo; estudos sobre história. Trad. Markus Hediger. Rio de Janeiro: Contraponto; PUC-Rio,
2014. p. 171 et. seq.
43
KOSELLECK, Estratos do Tempo, cit., p. 182-188.
44
SCHMITT, Carl. A era das neutralizações e despolitizações. In: SCHMITT, Carl. O conceito do
político. Trad. Álvaro Valls. Petrópolis: Vozes, 1992 [1929]. p. 106-120.
45
Heidegger usa o termo correspondência no sentido de conexão, de diálogo, de interpelação. Po-
24 • Capítulo 1 - Modernidade e Filosofia da História
deríamos dizer analogamente que os tempos históricos se interpelam, se exigem. Questão que será
retomada posteriormente. V. HEIDEGGER, O que é isto- a Filosofia, cit., p. 26.
46
SALDANHA, Secularização e Democracia, cit., p. 199.
47
Lembremos os princípios gerais da reforma que indicam esse movimento: “1- A autoridade da
Bíblia em questões de fé. [...] 2. A salvação do homem como dom de Deus. [...] 3. A gratuidade da
salvação apreendida pela fé.[...] 4. A atualidade do testemunho interior do Espírito Santo.” BOIS-
SET, Jean. História do Protestantismo. Trad. Heloysa de Lima Dantas. São Paulo: Difusão Européia
do Livro, 1971. p. 10-14.
48
SALDANHA, Secularização e Democracia, cit., p. 109.
CUNHA, Euclides. Carta ao digno amº. dr. Oliveira Lima, 5 de maio de 1909. GALVÃO, Walnice
49
50
DOMINGUES, O Fio e a Trama; cit., p. 63.
51
Assim como vale lembrar das reações das mitologias à modernização/secularização/desmagifi-
cação do mundo. Gestado, vagarosamente, ao longo a história moderna, Gilles Kepel defende a
existência de uma Revanche de Deus na contemporaneidade: “Un nuevo discurso religioso toma
forma, no para adaptarse a los valores seculares sino para devolver el fundamento sacro a la or-
ganización de la sociedad, cambiándola si es necesario. Este discurso, a través de sus múltiples
expresiones, propone la superación de una modernidad fallida a la que atribuye los fracasos y las
frustraciones provenientes del alejamiento de Dios. Ya no se trata del aggiornamento sino de una
‘segunda evangelización de Europa’. KEPEL, Gilles. La revancha de Dios. Trad. Marcelo Cohen. Ma-
drid: Anaya & Mario Muchnik, 1995. p. 12-13.
52
GROSSI, Paolo. Mitologias jurídicas da modernidade. Trad. Arno Dal Ri Júnior. Florianópolis: Boi-
teux, 2006.
53
CORTINA, Adela. Aliança e Contrato; política, ética e religião. Trad. Silvana Cobucci Leite. São
Paulo: Edições Loyola, 2008, p. 15-20.
54
DOMINGUES, O Fio e a Trama; cit., p. 21.
55
GRAMMONT, Guiomar. Prefácio. In: REIS, José Carlos Reis. História da Consciência Histórica Oci-
dental contemporânea; Hegel, Nietzsche, Ricoeur. Belo Horizonte: Autêntica, 2011. p. 9.
HEGEL, G.W.F. Filosofia da História. 2. ed. trad. Maria Rodrigues e Hans Harden. Brasília: Editora
56
57
SALDANHA, Secularização e Democracia, cit., p. 202.
58
HEGEL, G.W.F. Enciclópédia das Ciências Filosóficas; vol. III Filosofia do Espírito. Trad. Paulo Me-
neses. São Paulo: Loyola, 1995. p. 341-364.
Para uma revisão da Pós-Modernidade, Vide: MAYOS, Gonçal. Post-il·lustració o autocrítica de la
59
modernitat?. In: Postmodernitat. Barcelona: La Busca Edicions, Liceu Joan Maragall, 1998. p. 51-74.
60
A hiperinformatização e o excesso cognitivo podem traduzir-se em uma Sociedade que possui
acesso, mas não comunga do conhecimento. BREY, Antoni; MAYOS, Gonçal. La Sociedad de la Igno-
rancia. Barcelona: Ediciones Península, 2011.
José de Magalhães Campos Ambrósio • 27
Referências:
61
HORTA, José Luiz Borges. História do Estado de Direito. São Paulo: Alameda, 2011. p. 196.
28 • Capítulo 1 - Modernidade e Filosofia da História
Introdução
1
Graduado em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais em 2009. Pós-Graduado em Di-
reito e Processo do Trabalho pela Universidade Uniderp /RJ em 2012. Graduando em Direito pela
Universidade Federal de Minas Gerais.
² Graduando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Bolsista de iniciação científica
PIBIC/CNPq sob orientação da Prof. Dra. Karine Salgado.
Antônio Alves Mendonça Junior & Raul Salvador Blasi Veyl • 31
1. Contexto histórico
³ “Among the partialities that can blind us to truth about the past, the most perverse and perhaps
the most insidious is precisely the desire for absolute clarity of vision, for simplicity, for complete
definition”. O’KELLY, Brian. Introduction In BISH, Douglas et al. The Renaissance Image of Man and
the World. Columbus: Ohio State University Press, 1966. p. 7.
32 • Capítulo 2 - História e política renascentista
10
SALGADO. A Filosofia da Dignidade Humana..., cit., p. 116.
WOLKMER, Antonio Carlos. O Pensamento Político Medieval: Santo Agostinho e São Tomás de
11
13
SKINNER, Quentin. As Fundações do Pensamento Político Moderno. São Paulo: Companhia das Le-
tras, 1999. pp. 34 e ss.
ADVERSE, Helton. A Matriz Italiana. In BIGNOTTO, Newton. Matrizes do Republicanismo. Belo
14
16
BIGNOTTO, Newton. O Humanismo e a Linguagem Política do Renascimento: o uso das Pratiche
como fonte para o estudo da formação do pensamento político moderno..., cit., p. 123.
17
Faz-se mister ressaltar, segundo Paul Kristeller que o Renascimento não concebia o Humanismo
necessariamente nesse termo. Segundo o autor, os documentos que remontam ao período trazem
os termos “humanist” e “humanities” mas não o próprio “humanism”, sendo o mesmo uma herança
recebida dos comentadores e estudiosos que, mais tarde se dedicaram a sistematizar os influxos da
época, tal como Hans Baron e John Najemy. KRIESTELLER, Paul. Philosophy and Humanism in Re-
naissance Perspective. In BUSH, Douglas et al. The Renaissance Image of Man and the World. Columbus:
Ohio State University Press. 1966. p. 30 e 31.
18
KRIESTELLER, Paul. Philosophy and Humanism in Renaissance Perspective…, cit., pp. 30 e 31.
19
Esse senso, segundo Panofsky, não foi antes verificado em razão do que chamou de “princípio da
disjunção”, que consiste, nas palavras de Skinner, em “uma disjunção entre o emprego das formas
clássicas e a insistência em que elas portem mensagens de significado para o tempo presente”, o
que se verificava, principalmente, na arquitetura e nas artes do período. SKINNER, Quentin. As
Fundações do Pensamento Político Moderno..., cit., p. 106.
20
SKINNER, Quentin. As Fundações do Pensamento Político Moderno..., cit., p. 107.
38 • Capítulo 2 - História e política renascentista
21
Nota-se, que o Corpus Iuris Civilis só foi “redescoberto” nos fins da Idade Média. Esse redespertar
das normas jurídicas de Roma, ainda que tivesse sido um marco para o Renascimento, não atingia
a vida civil do modo como o fez ainda na Antiguidade. Ainda assim, vale ressaltar, a distância
histórica entre os dois períodos também se traduziu em uma distância intelectual sobre o modo e
a aplicabilidade do estudo das normas do Corpus Iuris Civilis, uma vez que durante os fins do Me-
dievo e início do Renascimento, o mesmo limitou-se à academia. O estudo, de início, foi meramente
historiográfico e, só depois, com os comentadores, nos séculos XIV e XV é que o corpo jurídico de
Roma passa a se apegar à vida mundana, buscando, mesmo que minimamente, solucionar respos-
tas colocadas à sociedade. Cf HORTA, José Luiz Borges; SALGADO, Karine. Recepção Fundante do
Direito Romano na Cultura Ocidental. In: XX Encontro Nacional do Conpedi, 2011. Belo Horizonte,
Anais, p. 10141-10157; SALGADO, Karine. O Direito Tardo Medieval: entre o ius commune e o ius
proprium. Revista da Faculdade de Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 56, p. 243-264, jan./jun. 2010;
WIEACKER, Franz. História do direito privado moderno. 3. ed. Trad A. M. Hespanha. Lisboa: Calouste
Gulbenkian, 2004.
22
SKINNER, Quentin. As Fundações do Pensamento Político Moderno..., cit., p. 107.
23
Kriesteller leciona a existência de duas formas concorrentes do fazer e do pensar filosóficos à
época, o primeiro, mais voltado à escolástica aristotélica e ainda muito trabalhada dentro das Uni-
versidades – as quais ainda estavam subordinadas à Igreja Católica – o segundo, já absorvendo os
ideais do Humanismo e das leituras antigas sobre a vida ativa, direcionado para o fazer político e
para as questões práticas da vida civil. Segundo o autor: “To sum up, the conception and place of
philosophy in the Renaissance are characterized by two competing intellectual traditions, human-
Antônio Alves Mendonça Junior & Raul Salvador Blasi Veyl • 39
ism and Aristotelian scholasticism, which partly overlap and quarrel, but largely coexist in a kind
of division of labor. If we want to use contemporary analogies, we might say that there was a phi-
losophy oriented toward the sciences, and another that was oriented toward the humanities, and
actually the scholastics were philosophers and scientists, and the humanists were philosophers and
scholars.” KRIESTELLER, Paul. Philosophy and Humanism in Renaissance Perspective… cit., p. 34 e 35.
24
Tal como elucida John Pocock, fazendo-se valer do pensamento de Jerrold Seigel: “Jerrold Seigel
has argued that the origins of the humanists’ concern with the vita activa lie in their professional
and intellectual commitments rather than their civic sensibilities. He points out that humanists
were by their social function affiliated with the art of rhetoric, an intellectual pursuit fully as im-
portant in Italian culture as philosophy and always seen in the sharpest contrast with it.” POCOCK.
John Greville Agard. The Machiavellian moment. Princeton: Princeton University Press, 1975. p. 58.
25
TEIXEIRA, Felipe Charbel. A República bem ordenada: Francesco Guicciardini e a arte do “bom
governo”. Dissertação (Mestrado em Filosofia) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro, Abril de 2008. Dissertação.
26
BIGNOTTO, Newton. O Humanismo e a Linguagem Política do Renascimento: o uso das Pratiche
como fonte para o estudo da formação do pensamento político moderno..., cit., p. 124.
27
KRIESTELLER, Paul. Philosophy and Humanism in Renaissance Perspective..., cit., p. 40.
28
PANCERA, Carlo Gabriel Kszan. Maquiavel entre Repúblicas. Belo Horizonte: Editora UFMG. 2010,
40 • Capítulo 2 - História e política renascentista
p. 38.
29
“Isso porque, também vigorava em Florença um costume bastante difuso nas cidades medievais
italianas, segundo o qual ‘aquilo que concerne a todos os homens deve ser objeto de aprovação de
todos eles’ <quod omnes tangit ab ominibus comprobri debet>. Esta norma tinha origem no direito ro-
mano e constituía-se efetivamente numa instituição política que servia para os mais diversos níveis
da vida associativa do período. ” PANCERA, Carlo Gabriel Kszan. Maquiavel entre Repúblicas..., cit.,
p. 41 e 42.
30
Não cabe, aqui, aprofundar as questões acerca das instituições da Florença renascentista, o que se
pretende é evidenciar como o aparelhamento das mesmas fez com que houvesse o esvaziamento do
debate político público e da participação popular de uma forma geral, trazendo à tona a figura das
facções, que na tentativa incessante de se fazerem ouvidos, influenciam exponencialmente na crise
conjuntural que enfrentava a cidade. Para uma maior profundidade na questão da política florenti-
na entre os séculos XIV, XV e XVI, Cf. PANCERA, Carlo Gabriel Kszan. Maquiavel entre Repúblicas...,
cit.; LARIVAILLE, Paul. A Itália no tempo de Maquiavel: Florença, Roma. Trad. Jônatas Batista Neto.
São Paulo, Companhia das Letras, 1988.
31
PANCERA, Carlo Gabriel Kszan. Maquiavel entre Repúblicas..., cit., p. 51.
32
FUBINI, Ricardo Apud PANCERA, Carlo Gabriel Kszan. Maquiavel entre Repúblicas..., cit., p. 55.
Antônio Alves Mendonça Junior & Raul Salvador Blasi Veyl • 41
2. Maquiavel
33
PANCERA, Carlo Gabriel Kszan. Maquiavel entre Repúblicas..., cit., p. 38.
34
MAQUIAVEL, Nicolau. Discurso sobe a Primeira Década de Títo Lívio. Apud PANCERA, Carlo Ga-
briel Kszan. Maquiavel entre Repúblicas... cit., p. 59.
35
Originário de uma família decadente, ainda que antiga, da região da Toscana, Nicolau Maquiavel
42 • Capítulo 2 - História e política renascentista
nasceu em Florença, Itália, no dia 3 de maio de 1469, e é reconhecido como fundador do pensa-
mento e da Ciência Política Moderna. Começou uma carreira política no governo da República de
Florença, após a queda do governo de Savonarolla. Durante a época, exerceu cargos governamen-
tais e desenvolveu missões diplomáticas na França, Santa Sé e Alemanha – atividades essas, funda-
mentais para a edificação de seu pensamento. A volta da família Médici ao poder, levou o filósofo
a se exilar por oito anos, durante os quais escreveu a maior parte de seus escritos. Maquiavel, mais
tarde, volta a Florença, após se entender com Lourenço de Médici, onde reside até sua morte em
1527. Dentre suas obras, destacam-se: Tratado da arte da guerra, Discurso sobre Tito Lívio, Histórias
florentinas.
36
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Trad. Roberto Grassi. 20. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
1997. p. 3.
37
SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno..., cit., p. 140.
38
SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno..., cit., p. 140
39
SALATINI, Rafael; ROIO, Marcos Del (Orgs.). Reflexões sobre Maquiavel. São Paulo: Cultura Aca-
dêmica, 2014. p. 9.
Antônio Alves Mendonça Junior & Raul Salvador Blasi Veyl • 43
43
SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno..., cit., p. 142.
44
ADVERSE, Helton. A Matriz Italiana…, cit., p. 104.
45
ADVERSE, Helton. A Matriz Italiana…, cit., p.103.
46
“Virtue and fortune—to Anglicize them—were regularly paired as opposites (…) This opposition
was frequently expressed in the image of a sexual relation: a masculine active intelligence was
seeking to dominate a feminine passive unpredictability which would submissively reward him
for his strength or vindictively betray him for his weakness. POCOCK. John Greville Agard. The
Machiavellian moment…, cit., p. 37.
Antônio Alves Mendonça Junior & Raul Salvador Blasi Veyl • 45
47
“(…) fortuna had rather the meaning of luck than of chance: a man might be lucky (felix or faus-
tus) in the sense that there was something about his personality that seemed to command favorable
circumstances.” POCOCK. John Greville Agard. The Machiavellian moment…, cit., p. 37.
48
A esse respeito, cumpre, contudo, deixar claro que a acepção subjetiva do par virtú e fortuna não é
o que há de mais original em Maquiavel. Tal originalidade, sem nenhuma dúvida, se deve à acepção
objetiva desses conceitos desenvolvida pelo autor florentino.
49
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe…, op. cit., p. 144.
46 • Capítulo 2 - História e política renascentista
Deve-se a Hans Baron, a partir de seu livro The Crisis of the Early
Italian Renaissance (1955), a mudança definitiva de enfoque nos estudos
das formas de governo durante o Renascimento. Até então, eram fre-
quentes as abordagens que consideravam as monarquias do período,
e desconsideravam a existência de outras organizações políticas. Ao
consolidar o termo humanismo cívico nos estudos políticos, Baron reco-
nheceu que o “Renascimento italiano apresentava um horizonte mais
amplo, abrigando forças, concepções e formas de organizações políticas
complexas.”51Na leitura de Adverse sobre a obra de Hans Baron, “não é
o individualismo o elemento de continuidade entre o Renascimento e a
modernidade, mas o republicanismo.”52
Sendo o humanismo cívico o elemento característico do republica-
50
ADVERSE, Helton. A Matriz Italiana…, cit., p. 51.
51
ADVERSE, Helton. A Matriz Italiana…, cit., p. 52.
52
ADVERSE, Helton. A Matriz Italiana…, cit., p. 53.
Antônio Alves Mendonça Junior & Raul Salvador Blasi Veyl • 47
53
ADVERSE, Helton. A Matriz Italiana…, cit., p. 56.
54
ADVERSE, Helton. A Matriz Italiana…, cit., p.56.
55
ADVERSE, Helton. A Matriz Italiana…, cit., p.57.
56
BIGNOTTO, Newton. Maquiavel republicano. São Paulo: Loyola, 1991. p. 28.
48 • Capítulo 2 - História e política renascentista
tre os renascentistas, certo afeto pela vida cívica. Sendo assim, uma das
marcas do humanismo cívico consistiu na primazia do homem da ação fren-
te ao homem da contemplação, e, por consequência, na escolha do republi-
canismo, como forma ideal de governo, uma vez possuía suas bases em
conceitos como liberdade, igualdade e governo de leis.
57
É válido ressaltar que a palavra tendências é mais comumente traduzida como humores ou desejos.
58
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe..., cit., p.55.
59
Cumpre dizer que ambos os autores, em suas respectivas obras, referenciadas neste artigo, endos-
sam esse posicionamento. Para mais informações sobre a contribuição de ambos para o pensamento
de Maquiavel, Cf SFEZ, G. Machiavel, La politique du moindre mal. Trad. Helton Adverse. Paris: PUF,
1999, p. 182; WINTER, Lairton Moacir A teoria dos humores de Maquiavel: a relação entre o con-
flito e a liberdade. Cadernos de Ética e Filosofia Política, n. 19 São Paulo, 2º semestre de 2011, p. 43-75;
MANSFIELD, H. C. Machiavelli’s virtue. Chicago: The University of Chicago Press, 1996.
60
Note isso, por exemplo, no seguinte trecho: “quem torne príncipe pelo favor dos grandes, contra
o povo, deve antes de qualquer coisa procurar ganhar este para si. ”. MAQUIAVEL, Nicolau. O
Antônio Alves Mendonça Junior & Raul Salvador Blasi Veyl • 49
mais capaz de canalizar seus conflitos por seus mecanismos legais, não
é mais uma sociedade livre.”65Sendo assim, cumpre enfatizar que, se-
gundo a interpretação republicana de obras como O Príncipe e Discursos,
Maquiavel ora se aproxima ora se afasta dos demais autores humanistas.
Aproxima-se ao exaltar a necessidade de uma vida ativa, que implique
participação política popular. Afasta-se ao instituir os conflitos internos
como base para a liberdade, ensejando um governo baseado em leis, que
criem instituições que tratem a todos como iguais.
65
BIGNOTTO, Newton. Maquiavel republicano... cit., p.88.
66
“(…) for Machiavelli, only some few men are political, and they rule in every regime, whatever it
is called. The people do not wish to rule, and when they seem to rule, they are being managed by
their leaders. They are matter without form, body without head. Since they cannot rule, the regime
is always the rule of a prince or princes”. MANSFIELD, H. C. Machiavelli’s virtue Chicago: The Uni-
versity of Chicago Press, 1996, p. 237.
Antônio Alves Mendonça Junior & Raul Salvador Blasi Veyl • 51
67
ADVERSE, Helton. Maquiavel, a república e o desejo de Liberdade. Trans/Form/Ação, São Paulo,
v. 30 (2), p. 33-52, 2007. p. 37.
68
SFEZ, G. Machiavel, La politique du moindre mal. Trad. Helton Adverse. Paris: PUF, 1999. p. 182.
69
SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno..., cit., p. 36 e 37.
70
É preciso observar que essa inexistência de conclusão de Foucault quanto à forma de governo
defendida na obra de Maquiavel possa ter uma relação com certo desinteresse do primeiro pelo
segundo. Segundo Adverse, nas obras de Foucault, “além de relativamente escassas (quando temos
em mente o volume de sua produção intelectual), as referências a Maquiavel não parecem desem-
penhar uma função crucial no seu desenvolvimento argumentativo.” ADVERSE, Helton. Foucault,
Maquiavel e a crítica da razão Política Moderna. Revista Filosófica de Coimbra, Coimbra, p. 293-316,
2014, p. 308 e 309.
71
SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno..., cit., p.145.
52 • Capítulo 2 - História e política renascentista
narquias.
Insta salientar que não só Mansfield e Sfez enxergam na obra de
Maquiavel uma preferência pelo principado. Além do esvaziamento do
desejo político do povo, Quentin Skinner72 apresenta, no livro As funda-
ções do pensamento político moderno (2009), outro argumento que compro-
varia a preferência de Maquiavel pelas monarquias. Segundo Skinner,
“nenhum indivíduo que se preocupasse genuinamente com os valores
da paz e da segurança poderia manter a opção (...) pela liberdade re-
publicana. ”73 Dessa forma, Skinner intenciona afirmar que, ainda que
Maquiavel prefira “manter em tensão duas teorias opostas sobre os mé-
ritos, respectivamente do regime popular e do monárquico”74, é lógica
sua preferência pelo principado, devido aos valores que seleciona como
essenciais ao governo de um príncipe. Para Skinner, Maquiavel defende
“seguidas vezes, que o principal dever de um governante deve ser o de
cuidar de sua própria ‘segurança e força’, ao mesmo tempo em que ga-
rante que seus súditos vivam ‘estavelmente e em segurança.’”75 Por isso,
estaria fazendo uma efetiva escolha pelo principado em detrimento da
República.
72
Em relação a este autor, cabe fazer uma ressalva. Embora argumente em favor da preferência
de Maquiavel pelo principado, dedica um trecho, no capítulo “A sobrevivência dos valores repu-
blicanos”, do livro As fundações do pensamento político moderno, para trabalhar as contribuições de
Maquiavel para o republicanismo.
73
SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno..., cit., p.145.
74
SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno..., cit., p.145
75
SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno..., cit., 144.
76
SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno..., cit., 151.
Antônio Alves Mendonça Junior & Raul Salvador Blasi Veyl • 53
77
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe..., cit., p. 77.
78
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe..., cit., p. 87.
79
SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno..., cit., p.145.
80
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe..., cit., p. 140.
81
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe…, cit., p. 140.
82 A esse respeito, vale atentar-se para a seguinte citação de Adverse: “Qualificada dessa forma, a
virtú perde valor epistêmico (uma vez afirmada a contingência, que ciência é possível?), mas ganha
valor prático (contam muito então a experiência, o ethos e o “engenho”). ADVERSE, Helton. A Ma-
triz Italiana…, cit., p.104.
54 • Capítulo 2 - História e política renascentista
83
ADVERSE, Helton. A Matriz Italiana…, cit., p. 105.
84
ADVERSE, Helton. A Matriz Italiana…, cit., p. 104.
85
ADVERSE, Helton. A Matriz Italiana…, cit., p. 106.
86
ADVERSE, Helton. A Matriz Italiana…, cit., p. 106.
Antônio Alves Mendonça Junior & Raul Salvador Blasi Veyl • 55
4. Conclusão
87
ADVERSE, Helton. A Matriz Italiana…, cit., p. 106.
56 • Capítulo 2 - História e política renascentista
88
“I cannot help feeling that these apparent contradictions or hesitations may be due to the occasion
on which a given statement was written and to the persons for which it was intended. A humanist
rhetorician cannot help praising the active life when writing of and for a businessman or a states-
man or even a prince (for the life of action is not limited to republics), and even Ficino would do
the same in a similar context, as some of his letters clearly show. On the other hand, the life of
contemplation would get its due share when the person addressed or involved is a monk, as in
Salutati’s case, or a philosopher, scholar, or scientist, as in most other instances. (…) we must ask in
each instance whether a writer is advocating the ideal of the active life only for others to whom he
addresses himself or also for himself.” KRIESTELLER, Paul. Philosophy and Humanism in Renaissance
Perspective…, cit., p. 30 e 31.
Antônio Alves Mendonça Junior & Raul Salvador Blasi Veyl • 57
Tal como vimos, há, por um lado, autores, entre eles Mansfield e
Sfez, que não demonstraram nenhuma hesitação em afirmar a preferên-
cia de Maquiavel pelo principado. Para isso, argumentaram em favor do
esvaziamento do papel político do povo, bem como da íntima relação
entre o par virtú / fortuna e um principado, uma vez que, sendo um ho-
mem virtuoso, o príncipe poderia definir o que é melhor para a socie-
dade, quando surgissem as intempéries ocasionadas pela fortuna. Por
outro lado, autores, como Bignotto e Adverse, também não demonstra-
ram hesitação em incluir Maquiavel entre os teóricos que propuseram a
república como forma prioritária de governo. Para tanto, argumentaram
em favor da importância do papel político do povo, uma vez que seriam
exatamente os conflitos populares que permitiriam a criação e o aprimo-
ramento de instituições que garantiriam a liberdade e a igualdade.
Diante do cenário apresentado, no qual teorias conflitantes ten-
dem a dar respostas diferentes para a mesma questão, enfocando pontos
distintos da obra, e desconsiderando informações já discutidas sobre o
autor, a velha pergunta resiste: Maquiavel: principado ou república?
Primeiramente, é válido ressaltar que parece haver um esforço
de grande parte dos estudiosos de Maquiavel para inseri-lo em uma tra-
dição interpretativa, e desconsiderar as demais. Contudo, tendemos a
afirmar que, entre a primeira obra publicada – O Príncipe (1513) – e a
segunda – Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio (1531) –, houve
algumas importantes alterações no contexto histórico de Florença, bem
como na vida do autor, que poderiam ter permitido um amadurecimen-
to de ideias. Portanto, talvez seja necessário o reconhecimento de que,
entre essas duas principais obras, alguns conceitos tenham sido apro-
fundados, enquanto outros tenham sido deixados de lado. A esse respei-
to, Leo Strauss afirma que as
89
BIGNOTTO, Newton. O Humanismo e a Linguagem Política do Renascimento: o uso das Pratiche
como fonte para o estudo da formação do pensamento político moderno..., cit., p. 127.
58 • Capítulo 2 - História e política renascentista
90
STRAUSS, Leo; CROPSEY, Joseph. História da Filosofia Política. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p.
273.
91
SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno..., cit., p. 145.
92
SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno..., cit., p. 145.
93
BIGNOTTO, Newton. Maquiavel republicano. São Paulo: Loyola, 1991. p. 93.
Antônio Alves Mendonça Junior & Raul Salvador Blasi Veyl • 59
Referências
1. Introdução
1
Doutorando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais.
² Mestrando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais.
³ A bibliografia sobre Thomas More está no subcapítulo 2.
⁴ BERGLAR, Peter. La hora de Tomás Moro: Solo frente al poder. Madrid: Editorial Palabra,
1993. p. 10.
⁵ Neste estudo usamos o texto MORUS, Thomas. Utopia ou a Melhor Forma de Governo. 2.
ed. Tradução, prefácio e notas Aires A. Nascimento; Estudos e introdução José V. de Pina Martins.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2009.
Cézar Cardoso de Souza Neto & Lucas Camargos Bizzotto Amorim • 63
⁶ SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno. Trad. Renato Janine Ri-
beiro. São Paulo: Cia. das Letras, 1996. p. 234.
⁷ Para esta informação bibliográfica, utilizamos o texto de Peter Berglar. BERGLAR, Pe-
ter. La hora de Tomás Moro... cit., p. 12-67.
64 • Capítulo 3 - Tomas More: da utopia à eternidade
zões para tal, pois, a única razão era sua consciência e sua fé.
O rei condenou-lhe à morte, tendo sido executado diante de nu-
merosa multidão em Tower Hill em 6 de julho de 1535, aos 57 anos de
idade. Ao lhe ser permitido falar antes de sua execução, reafirmou sua
lealdade ao rei, mas sua fidelidade a Deus e à sua consciência.
More foi um homem de extremada honra e fé inabalável. Dotado
de uma cultura ímpar, mostrando-se muito simples, dotado de muito
bom humor, devotava sua atenção à sua família. Era um homem caseiro,
avesso a festas, contudo, muito próximo dos amigos e cordato no trato
para com todos.
Dele se dizia que era como um “irmão de seus amigos”8, entre
os quais se encontravam os mais destacados humanistas de seu tempo,
como Erasmo de Rotterdam e Luis Vives. Porém, o que mais impressio-
na em sua vida é sua modéstia e a abertura a todos aqueles que o busca-
vam como Juiz ou mesmo como um conselheiro.
Foi beatificado pelo Papa Leão XIII em 1886, canonizado em
1935, no quarto centenário de seu martírio pelo Papa Pio XI e elevado
a Patrono dos Políticos e dos Governantes Cristãos, pelo Papa S. João
Paulo II em 30 de outubro de 2000.9
ral11
De fato, o século XVI representa um grande marco na história do
Ocidente. Nessa época, a cultura humanista ainda se mostrava permea-
da por um profundo sentido religioso, no qual as sociedades europeias
desenvolveram diversos conhecimentos e novas técnicas. Firmava-se na
dianteira das civilizações principalmente no que se relacionava à nave-
gação, ao domínio da arte da guerra que a destacava frente às culturas
mais antigas, tidas até então como exuberantes e sofisticadas no imagi-
nário europeu.12
4. Utopia e utopias
11
HUNTINGTON, Samuel P. O choque de civilizações e a recomposição da Ordem Mundial.
Trad. M. H. C. Cortês. Rio de Janeiro: Objetiva, 1997. p. 53.
12
DAWSON, Christopher. Dinâmicas da História do Mundo. Trad. Maurício G. Righi. São
Paulo: É Realizações, 2010. p. 354.
13
O termo Utopia, elaborado por More veio a receber diversas interpretações com o passar
do tempo, não ficando somente em construções semelhantes a de seu criador, mas traduzindo,
tanto no passado quanto no futuro, todo ideal político, social ou religioso que se mostra difícil ou
impossível de se concretizar. Este gênero apresentaria as transformações que podem ser vistas na
multiplicidade de reinterpretações de utopias anteriores, ainda que ancoradas na realidade concre-
ta do tempo histórico, propondo uma abertura como alternativa possível, uma transição de escato-
logias intramundanas. Entendido como fuga da realidade, do mundo concreto e tendo o ideal de
igualdade e fraternidade entre os homens, evidenciam os ideais que o autor nos traz através de uma
visão crítica, envolta em uma obra atraente e permeada de uma ironia peculiar.
14
“Com a Utopia de More estamos na transição da escatologia cristã intramundana para a
escatologia intramundana revolucionária.” VOEGELIN, Eric. História das ideias políticas: Renascen-
ça e Reforma. Vol. IV. São Paulo: É Realizações, 2014. p. 140-141.
Cézar Cardoso de Souza Neto & Lucas Camargos Bizzotto Amorim • 67
15
KRISTELLER, Paul Oskar. El pensamiento renascentista y sus fuentes. Trad. Federico Patán
López. México: Fondo de Cultura Económica, 1993. p. 22-23.
16
FINLEY, Moses. Uso e abuso da História. Trad. Marylene Pinto Michael. São Paulo: Mar-
tins Fontes, 1989. p. 194-195.
17
BERGLAR, Peter. La hora de Tomás Moro... cit., p. 132-134.
68 • Capítulo 3 - Tomas More: da utopia à eternidade
18
Assim escreve Lima Vaz: “As relações entre essas duas formas de vida espiritual e cul-
tural constituem uma das mais ricas matrizes heurísticas a nos permitirem uma interpretação ade-
quada dos universos simbólicos que presidiram ao ciclo das civilizações do Ocidente.” LIMA VAZ,
Henrique C. de. Escritos de Filosofia III: Filosofia e Cultura. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2002. p. 224.
19
VOEGELIN, Eric. História das Ideias Políticas: Renascença e Reforma. Vol. IV. Trad. Elpí-
dio Mário Dantas Fonseca. São Paulo: É Realizações, 2014. p. 239-240.
20
Novas narrativas, baseadas nos novos mundos, repletas de ficção, movia a imaginação
das pessoas, em uma mescla do Paraíso Terrestre com o imaginário popular inspirado em contos
trovadorescos. SICHEL, Edith. O Renascimento. Trad. Iracilda M. Nascimento. Rio de Janeiro: Zahar,
1977. p. 107.
21
Pleonexia, termo originado no grego πλεονεξια – Trata-se do conceito filosófico usado
nos textos de Platão, Aristóteles e Plotino, também empregado pelo cristianismo, o qual correspon-
de à avareza. Pode ser definido como um desejo de possuir aquilo que pertence a outra pessoa por
direito. FERRATER MORA, José. Diccionario de Filosofía Abreviado. Barcelona: EDHASA, 2008. p.
Cézar Cardoso de Souza Neto & Lucas Camargos Bizzotto Amorim • 69
387.
22
Voegelin diz que More “Reconhece o mal não apenas na pleonexia do príncipe, mas geral-
mente entre todas as classes de pessoas; a paixão de poder e de engrandecimento político é apenas
uma manifestação entre outras.” VOEGELIN, Eric. História das ideias políticas... cit., p. 144-145.
23
SICHEL, E. O Renascimento... cit., p. 108-109.
70 • Capítulo 3 - Tomas More: da utopia à eternidade
24
BERGLAR, Peter. La hora de Tomás Moro... cit., p. 25.
25
Tb 11, 11-14.
26
Utopia I, 33.
Cézar Cardoso de Souza Neto & Lucas Camargos Bizzotto Amorim • 71
27
FONTAN, Antón. Príncipes y humanistas. Madrid: Marcial Pons, 2008. p. 136.
28
Utopia I, 43-44.
29
Utopia I, 39-40.
72 • Capítulo 3 - Tomas More: da utopia à eternidade
dãos.
Esta grave situação de desigualdade conduz aos vícios, e tal con-
juntura é causada pela superbia30, gerada pela necessidade de se ter cada
vez mais bens. More entende que a propriedade privada seria a raiz de
todos esses males. Dessa forma, estabelece sua abolição na ilha de Uto-
pia.
Esta realidade vai além do fim da propriedade e dos meios de
produção, tornando-se parte da vida social de todos os habitantes da
ilha, uma vez que até as casas seriam comuns, trocadas a cada tempo.31
Assim, como a propriedade privada se mostrava como origem
de tantos problemas, propunha sua extinção para a instituição de uma
sociedade justa e fraterna.32
O desprezo pela propriedade privada reflete a proximidade de
More aos ideais franciscanos, com os quais convivera e se tornara mem-
bro de uma fraternidade de Terceiros.33
Essa formação cristã ofereceu-lhe conceitos como a cooperação
fraterna entre os homens. Ademais, proporciona-lhe refletir a ordem so-
cial através de princípios morais e políticos mais próximos dos ideais de
uma comunidade fundada no bem e na justiça.
Por essa aversão à propriedade privada, entendida como fonte
de orgulho e de diferenças sociais que More foi associado ao pensamen-
to socialista.
30
Superbia – palavra latina cujo significado quer dizer soberba/orgulho – no texto o termo
apropriado é o orgulho.
31
Utopia II, 76.
32
SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno... cit., p. 279.
33
Membro da Ordem Terceira, uma das três fraternidades dentro da mesma Ordem fun-
dada por São Francisco de Assis. Assim se dividem as fraternidades: Primeira – ramo dos frades;
Segunda – as monjas clarissas; Terceira – dos leigos. Dessa forma, São Francisco acolhia a todos em
sua Ordem.
Cézar Cardoso de Souza Neto & Lucas Camargos Bizzotto Amorim • 73
34
Utopia I, 50-51.
35
DAWSON, Christopher. A divisão da cristandade – da Reforma Protestante à Era do Iluminis-
mo. Trad. Márcia Xavier de Brito. São Paulo: É Realizações, 2014. p. 108.
36
Desidério Erasmo, 1466-1536, nascido em Roterdã, tendo desenvolvido grande parte
de sua atividade intelectual em Basileia, na Suíça, onde faleceu e está sepultado. Grande pensador
humanista, padre católico, crítico da filosofia escolástica, do acúmulo de dinheiro e poder por parte
de muitos bispos e clérigos, crítico da política e dos desmandos reais. Publicou uma edição crítica
do Novo Testamento Grego em 1516 - Novum Instrumentum omne, diligenter ab Erasmo Rot. Recog-
nitum et Emendatum. Incluindo anotações de seus estudos baseados em manuscritos descobertos
na época. Uma segunda versão revista dessa Bíblia foi usada na tradução da Bíblia do Rei Jaime
I de Inglaterra. O texto ficou conhecido mais tarde como o textus receptus. Erasmo publicou mais
três edições - 1522, 1527 e 1535. Seu trabalho bíblico foi dedicado ao Papa Leão X, como patrono da
aprendizagem, que considerou seu trabalho como o seu principal serviço à causa do Cristianismo.
Estabeleceu um “programa para a Reforma da Igreja”, baseado na remoção dos piores excessos
financeiros e políticos, porém, falhou devido à resistência de boa parte do episcopado e da nobreza
que lucrava com a degeneração religiosa. Quando Erasmo foi acusado de ter “posto o ovo que
74 • Capítulo 3 - Tomas More: da utopia à eternidade
Lutero chocou” ele admitiu parcialmente a verdade da acusação, mas disse que tinha esperado
outra espécie de pássaro completamente diferente, mas nascera uma serpente. Isso afirmara, pois o
reformador alemão fora seduzido pelos mesmos vícios que Erasmo combatia, ou seja, a ganância e
a proximidade com o poder, em um novo tipo de cesaropapismo. Tendo conhecido pessoalmente
Tomas More, John Fisher, bem como o rei Henrique da Inglaterra, ficou decepcionado com a prisão
e a posterior execução de ambos, seus grandes amigos. Tinha extrema consideração por More e foi
um dos grandes divulgadores de seu testemunho. Dizia que More era “o homem que não vendera
sua alma”. Apesar das críticas e do temperamento irônico e debochado com o episcopado, Erasmo
sempre se manteve fiel ao catolicismo, tendo escrito textos combativos a os feitos de Lutero. Nos
últimos anos de sua vida, teve de fugir de Basileia devido ao fato de a cidade ter aderido à Reforma.
Após seis anos vivendo em Friburgo, retornou à sua cidade, onde pode alegremente terminar seus
dias. Após sua morte seus livros foram acusados de heresias tanto pelos católicos quanto pelos
protestantes. O Cardeal Roberto Bellarmino, um jesuíta extremamente culto, observou que as crí-
ticas elaboradas por Erasmo estavam corretas e que ele nunca fora um herege. Suas obras foram
novamente reconhecidas e seu humor sarcástico ainda leva à refletir sobre a ganância e a sedução
pelo poder por parte da Igreja. Para Erasmo, a verdadeira Reforma era a reforma das mentalidades,
obtida através de um conhecimento da Palavra de Deus e do testemunho dos Padres da Igreja, es-
pecialmente Santo Agostinho. BERGLAR, Peter. La hora de Tomás Moro...cit., p. 142-147.
37
SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno... cit., p. 247.
38
Quanto a esta questão, Voegelin discorre: “Como um cristão consciencioso e teólogo trei-
nado, More sabia que a superbia não pode ser abolida por mecanismos institucionais.” VOEGELIN,
Eric. História das ideias políticas... cit., p. 147.
Cézar Cardoso de Souza Neto & Lucas Camargos Bizzotto Amorim • 75
Ao iniciar o Livro II, Rafael lhes conta que o nome Utopia advém
do rei que havia conquistado aquele lugar, Utopos. Este conduziu seu
povo, rude e selvagem aos bons costumes e à perfeição, em uma cla-
ra alusão aos ideais humanistas de civilização que deveria ser levado a
todo mundo.41
Na ilha de Utopia tem-se cinquenta e quatro cidades-Estado con-
federadas, amplas e belas, estando Amaurotus, a capital e principal ci-
dade do país, no centro da ilha42. Esse número de cidades-Estado não se
trata de uma mera casualidade, pois, na época de More havia na Ingla-
terra exatos cinquenta e quatro condados. Ademais, o nome da capital,
39
Utopia I, 64-65.
40
FONTAN, Antón. Príncipes y humanistas... cit., p. 141.
41
Utopia II, 71.
42
Utopia II, 71-72.
76 • Capítulo 3 - Tomas More: da utopia à eternidade
43
“No parece mera coincidencia. El objeto de crítica de Moro sigue siendo el Reino de Inglaterra,
pero también el resto de las monarquias absolutas de la Europa Cristiana.” FONTÁN, Antón. Príncipes y
humanistas... cit., p. 289.
44
Utopia II, 72-73.
45
MIGUEL, Luis Felipe. O nascimento da Política Moderna. Brasilia: Editora Universidade de
Brasília: Finatec, 2007. p. 57-59.
46
FONTAN, Antón. Príncipes y humanistas... cit., p. 304-305.
Cézar Cardoso de Souza Neto & Lucas Camargos Bizzotto Amorim • 77
47
BERGLAR, Peter. La hora de Tomás Moro... cit., p. 187.
48
Utopia II, 76.
49
Utopia II, 77-78.
50
Utopia II, 81.
78 • Capítulo 3 - Tomas More: da utopia à eternidade
51
Utopia II, 82-83.
52
SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno... cit., p. 256.
53
Utopia II, 88.
54
Utopia II, 88.
55
Utopia II, 119.
Cézar Cardoso de Souza Neto & Lucas Camargos Bizzotto Amorim • 79
56
Utopia II, 119.
57
BERGLAR, Peter. La hora de Tomás Moro... cit., p. 78-79.
58
Utopia II, 89.
59
BERGLAR, Peter. La hora de Tomás Moro... cit., p. 315-317.
80 • Capítulo 3 - Tomas More: da utopia à eternidade
não se mostrava apto a realizar nenhuma função vital e que sua sobrevi-
vência lhe traria maiores tormentos, tornando-se uma verdadeira tortu-
ra. Decidia-se a não consentir a continuidade desse mal, optando-se por
terminar este sofrimento com uma morte digna.
Aqueles que assim decidissem, terminariam suas vidas volunta-
riamente, deixando de se alimentarem, morrendo durante o sono, sem
nenhuma sensação de agonia.
Contudo, ninguém seria obrigado a morrer contra sua própria
vontade, tampouco deixariam de usar da mesma atenção e cuidado que
têm para com todos os enfermos com aquele que decidira continuar a
sofrer as dores e angústias de sua enfermidade incurável.60
Assim, essa morte que acabava com a dor, não seria contrária
às leis divinas, pois estaria de acordo com os sacerdotes, intérpretes da
vontade de Deus, agindo de modo honrado e virtuoso.
Quanto àqueles que tiravam sua própria vida, sem o necessário
aconselhamento dos sacerdotes e dos magistrados, tinham seus corpos
jogados em um pântano, pois eram considerados indignos de receberem
sepultamento ou de seus corpos serem consumidos pelas chamas.61
A morte digna assistida, com a permissão da religião e da justiça,
demonstra que não é permitido tirar a vida de ninguém, mesmo que
tenha cometido um crime.62
Observa-se a forte influência platônica, presente nessa concep-
ção moreana, como uma forma de se entender o conceito de morte digna
assistida63. O dilema moral apresentado nos convida à reflexão, ante a
complexidade do tema.
60
Utopia II, 119-120.
61
Utopia II, 120.
62
Utopia I, 43-44.
63
Berglar se refere a esta passagem de A República, na qual se aconselha a deixar morrer
aqueles que não têm condições de se reuperar de uma enfermidade: “El ciudadano tiene un deber
que cumplir en todo Estado bien organizado; nadie puede pasar su vida con las enfermedades y los remédios.
Establecerás, Glaucón, en el Estado una disciplina y una jurisprudência tales como nosotros las entendemos,
prodigando cuidados a los ciudadanos bien sanos de cuerpo y alma. Por lo que respecta a los que no estén sanos
de cuerpo, se los dejará morir.” PLATÃO. República, III Apud BERGLAR, Peter. La hora de Tomás Moro...
cit., p. 322.
Cézar Cardoso de Souza Neto & Lucas Camargos Bizzotto Amorim • 81
64
Utopia II, 121.
65
Utopia II, 122.
66
Não podemos nos esquecer que os casamentos reais, no tempo de More, eram
compromisso de Estado, e no caso de Henrique e Catarina, o matrimônio estava consumado e
corria na normalidade há mais de 10 anos, portanto, seriam impossíveis quaisquer alegações da
parte do rei, visto que o mesmo buscava a anulação do casamento para viver com uma de suas
amantes. BERGLAR, Peter. La hora de Tomás Moro... cit., p. 115-116.
67
Utopia II, 129.
82 • Capítulo 3 - Tomas More: da utopia à eternidade
68
Termo cujo significado grego é aquele que se vende com facilidade.
69
Utopia II, 134.
70
SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno... cit., p. 219.
71
FONTAN, Antón. Príncipes y humanistas... cit., p. 292.
72
Utopia II, 143.
73
Que a religião do rei seja a de seu reino.
Cézar Cardoso de Souza Neto & Lucas Camargos Bizzotto Amorim • 83
74
Notas de aula do Prof. Dr. José Luiz Borges Horta, no Curso (Re)leituras do político, da
polis à despolitização I, oferecida pelos Professores: Prof. Dr. José Luiz Borges Horta e Profa. Dra.
Karine Salgado, do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFMG, no primeiro semestre de
2015.
75
Heresia do início da Igreja, estabelecida por Ario, padre de Alexandria, que afirmava
ser Cristo a essência intermediária entre a divindade e a humanidade, negava-lhe o caráter divino,
portanto, não era consubstancial ao Pai, desacreditando a Santíssima Trindade.
76
BERGLAR, Peter. La hora de Tomás Moro... cit., p. 347-349.
77
BERGLAR, Peter. La hora de Tomás Moro... cit., p. 388.
84 • Capítulo 3 - Tomas More: da utopia à eternidade
78
“Uma vez que More diagnosticou os males do tempo como uma excitação da superbia, a
resposta cristã teria de ser a restauração da ordem espiritual através, por exemplo, da reforma da
Igreja.” VOEGELIN, Eric. História das ideias políticas... cit., p. 148.
79
CUNHA, Paulo Ferreira. Direito, Utopia e Insularidade. Revista de Cultura, Atlântida,
Instituto Açoreano de Cultura, Angra do Heroísmo, v. LV, 2010, p. 11. Disponível em: http://works.
bepress.com/pfc/125/. Acesso em: 20 de abril de 2016.
Cézar Cardoso de Souza Neto & Lucas Camargos Bizzotto Amorim • 85
elas sirvam como base para projetos jurídicos factuais, uma vez que ten-
dem a simplificar o universo real.
A questão central, contudo, resta na forma de se passar do es-
tágio imaginário para o estado real. Segundo alguns autores, como o
citado Paulo Ferreira da Cunha, essa questão pode ser respondida pelo
constitucionalismo.
No mundo ocidental, vivemos sob a égide do direito constitucio-
nalizado, e as constituições representam justamente a utopia, ou, mais
precisamente, o utopismo, em forma de lei. Ela reflete os anseios, valores
e objetivos da sociedade. Mais do que um sistema normativo, a consti-
tuição revela, ou deveria revelar, aquilo que uma sociedade almeja ser.
Verifica-se que as constituições hodiernas trazem em seu texto
dispositivos que, à época de More, seriam impensáveis no universo do
real, tais como a igualdade entre os sexos, a liberdade, a separação de
poderes, o sufrágio universal, entre outros. Todavia, mesmo que outrora
inimagináveis, aqui eles estão, presentes no dia a dia.
Após a segunda guerra mundial, com a declaração universal dos
direitos humanos da ONU, e, especialmente, com sua incorporação em
vários dos sistemas jurídicos ocidentais, nota-se que o utopismo (pois a
referida declaração é, antes de mais nada, utópica) se arraigou de forma
profunda e, ao que tudo indica, definitiva, no constitucionalismo, viabi-
lizando, inclusive, a restrição do próprio poder do Estado.
Hoje não mais se imagina ilimitado o poder soberano estatal, a
ponto de institucionalizar discriminações raciais ilegítimas, tais como
ocorreram à época do nazismo, ou estimular a guerra, o genocídio, o
nacionalismo exacerbado, etc.
Pelo contrário, percebe-se que, atualmente, busca-se combater,
juridicamente, as aludidas práticas. Evidência disso é a consolidação
dos direitos fundamentais de terceira dimensão, também chamados de
direitos de fraternidade, dentre os quais se destaca a paz, a autodetermi-
nação dos povos e o direito ao progresso.
Abandonou-se, assim, o positivismo engessante de décadas
atrás, dando lugar a uma visão mais reflexiva e zetética sobre a função
constitucional. Nesse contexto, vale trazer, novamente, as palavras de
Paulo Ferreira da Cunha:
19. Conclusão
80
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional, 5. ed., Coimbra, Almedina, 1991, p. 14
Apud CUNHA, Paulo Ferreira. Lion in Winter – Tomás Moro na nossa estação. Diálogos com o Di-
reito Constitucional, o Cristianismo e a Utopia Social. Revista Brasileira de Direito Constitucional, São
Paulo, ESDC, n. 7, v. 1, p. 379-390, 2006. Disponível em: http://works.bepress.com/pfc/36/. Acesso
em: 12 de abril de 2016. p. 15.
81
CUNHA, Paulo Ferreira. Lion in Winter – Tomás Moro na nossa estação... cit., p.15.
82
Heurística: método ou processo criado com o objetivo de encontrar soluções para um problema. É
um procedimento simplificador, ainda que não simplista, que em face de questões difíceis envolve
a substituição destas por outras de resolução mais fácil a fim de encontrar respostas viáveis, ainda
que imperfeitas. KAHNEMEN, Daniel. Rápido & Devagar; Duas Formas de Pensar. Rio de Janeiro:
Objetiva, 2012, p. 127.
Cézar Cardoso de Souza Neto & Lucas Camargos Bizzotto Amorim • 87
Referências Bibliográficas
83
VAZ, Henrique C. de Lima. Escritos de Filosofia III…, cit., p. 224.
84
SARGENT, Daniel. Thomas More. New York: Sheed & Ward, 1938, p. 374 Apud BERGLAR, Pe-
ter. La hora de Tomás Moro...cit., p. 395.
88 • Capítulo 3 - Tomas More: da utopia à eternidade
thomas-more.html>
VOEGELIN, Eric. História das Ideias Políticas: Renascença e
Reforma. Vol. IV. Trad. Elpídio Mário Dantas Fonseca. São
Paulo: É Realizações, 2014.
CAPÍTULO 4
Thomas Hobbes
O Liminar da Ciência do Estado na Modernidade
Introdução
1
Mestrando em Direito na UFMG, sob a orientação o Prof. Dr. José Luiz Borges Horta;
Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela UFRGS; Bacharel em Ciências do Estado pela UFMG.
2
Mestrando em Direito pela UFMG, sob a orientação do Prof. Dr. Joaquim Carlos Salgado;
Bacharel em Direito pela UFMG.
João Protásio Domingues de Vargas & Levindo Ramos Vieira Neto • 91
3
RIBEIRO, Renato Janine. Ao Leitor Sem Medo: Hobbes Escrevendo Contra o Seu Tempo.
2. ed. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1999. p. 20.
⁴ Ibid., p. 19: “Nada falta, de horrível, à reputação de Hobbes: embora – raramente – se
admita que os hobbistas possam não ter sido seus leitores fiéis, compõe-se a sua memória do medo,
92 • Capítulo 4 - Thomas Hobbes : O Liminar da Ciência do Estado na Modernidade
⁷ BOURDIEU, Pierre. Sobre o Estado: Curso no Collège de France (1989-92). Trad. Rosa Freire
D’Aguiar. São Paulo: Companhia das Letras, 2014. Curso de 18 de janeiro de 1990, p. 29 ss.
8
Ibid., p. 31, explica a distinção durkheiminiana: “A integração lógica, no sentido de Durkheim,
consiste no fato de que os agentes do mundo social têm as mesmas percepções lógicas – o acordo
imediato se estabelecendo entre pessoas com as mesmas categorias de pensamento, de percepção,
de construção da realidade. A integração moral é o acordo sobre um certo número de valores. Serpe
se insistiu na leitura que se faz de Durkheim, na integração moral, esquecendo o que, parece-me,
é seu fundamento, a saber, a integração lógica. Essa definição provisória consistiria em dizer que
o Estado é o que fundamenta a integração lógica e a integração moral do mundo social, e, por con-
seguinte, o consenso fundamental sobre o sentido do mundo social que é a condição mesma dos
conflitos a propósito do mundo social”.
⁹ HOBBES, Thomas. Do Cidadão. Trad. Renato Janine Ribeiro. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
p. 358, nota 3, do tradutor Janine. “No original, commonwealths, que é o termo que Hobbes utiliza-
rá no Leviatã para definir os Estados, mas aqui raramente é empregado. Literalmente, significaria
“bem público” – por isso, a tradução latina usual na época é república. Aplica-se aos regimes repu-
blicanos em sentido estrito, como por exemplo o da Holanda e o que vigorou na própria Inglaterra
na década de 1650, depois de executado o rei – daí o termo que Hobbes usa pejorativamente no
Behemoth (1668), “commonwealthmen” (republicanos). Mas o seu uso mais frequente é o que diz
respeito a qualquer regime, mesmo monárquico, enfatizando nele o aspecto pelo qual busca o bem
público. Por exemplo, se a propósito da França enfatizarmos o poder do rei, citaremos “os Estados
de Luíz XIV”; mas, se quisermos falar da organização política, que os parlamentos garantem, ou da
lei fundamental não escrita, que o próprio monarca protege, falaremos da República”.
94 • Capítulo 4 - Thomas Hobbes : O Liminar da Ciência do Estado na Modernidade
10
BOURDIEU, cit., p. 31-32: “Essa atitude é um pouco perigosa porque pode parecer voltar ao que
é a definição primeira o Estado, esta que os Estados dão de si mesmos e que foi retomada em certas
teorias clássicas, como a de Hobbes ou de Locke, para as quais o Estado é, segundo essa crença
primeira, uma instituição destinada a servir o bem comum, e o governo, o bem do povo. Em certa
medida, o Estado seria o lugar neutro ou, mais exatamente – para empregar a analogia de Leibniz
dizendo que Deus é o lugar geométrico de todas as perspectivas antagônicas –, esse ponto de vista
dos pontos de vista em um plano mais elevado, que não é mais um ponto de vista já que é aquilo
em relação a que se organizam todos os pontos de vista: ele é aquele que pode assumir um ponto
de vista sobre todos os pontos de vista. Essa visão do Estado como um quase Deus é subjacente à
tradição da teoria clássica e funda a sociologia espontânea do Estado, que se expressa nisso que por
vezes denominamos de ciência administrativa, isto é, o discurso que os agentes do Estado produ-
zem a respeito do Estado, verdadeira ideologia do serviço público e o bem público”. Depois deste
tratamento da teoria sociológica do Estado como lugar neutro, Bourdieu trata da teoria sociológica
do Estado na tradição marxista, com base em Marx, Gramsci e Althusser, que não abordaremos
aqui (p. 32-34), por não se remeter a Hobbes.
11
HOBBES, Thomas. Leviatã ou Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil. Trad. João
Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. p. 9-99, ante-
cedendo ao tratamento do Estado.
João Protásio Domingues de Vargas & Levindo Ramos Vieira Neto • 95
Aurélio Nogueira. 7. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999. p. 23. Na p. 45, ato tratar da sociedade civil
96 • Capítulo 4 - Thomas Hobbes : O Liminar da Ciência do Estado na Modernidade
na tradição jusnaturalista, coloca Hobbes como jusnaturalista: “No entanto, através da persistência
do modelo jusnaturalista da idade moderna, de Hobbes a Kant, a contraposição da sociedade civil
à sociedades natural acabou por prevalecer, no uso da expressão “sociedade civil”, o significado
de “sociedade artificial”, tanto que o autor tradicionalista Haller, considerando o Estado segundo
o modelo aristotélico como uma sociedade natural semelhante à família, “o grau mais eminente da
sociedade natural ou privada (...)”.
16
HOBBES, Do Cidadão, cit., p. 10, no Prefácio do Autor ao Leitor.
17
BOBBIO, cit., p. 61: “No Leviatã de Hobbes [1651], além do capítulo sobre a família e sobre a so-
ciedade patronal, que é comum a todos os tratados de política da época, há também um capítulo (o
XXIII) sobre as sociedades parciais (denominadas, de modo grego, systems), das quais é apresentada
uma rica exemplificação com a correspondente tipologia, que constituiria hoje um dos capítulos
principais de um tratado de sociologia”.
18
BOBBIO, cit., p. 77: “Na filosofia política o problema do poder foi apresentado sob três aspectos,
à base dos quais podem-se distinguir as três teorias fundamentais do poder: a substancialista, a
subjetivista e a racional. Nas teorias substancialistas, a o poder é concebido como uma coisa que se
possui e se usa como um outro bem qualquer. Típica interpretação substancialista do poder é a de
Hobbes, segundo o qual “o poder de um homem... consiste nos meios de que presentemente dispõe
para obter qualquer visível bem futuro” [1951, tra. It., p. 82]. Que esses meios sejam dotes naturais,
como a força e a inteligência, ou adquiridos, como a riqueza, não altera o significado precípuo do
poder entendido como qualquer coisa que serve para alcançar aquilo que é o objeto do próprio de-
sejo”. Prossegue Bobbio: “Análoga é a conhecidíssima definição de Bertrand Russel [1938], segundo
a qual o poder consiste na “produção dos efeitos desejados” e pode assumir enquanto tal três for-
mas: poder físico e constritivo (...); poder psicológico (...); poder mental”.
João Protásio Domingues de Vargas & Levindo Ramos Vieira Neto • 97
19
CREVELD, Martin van. Ascensão e Declínio do Estado. Trad. Jussara Simões. São Paulo: Martins
Fontes, 2004. p. 241.
20
Ibid., p. 246.
21
Ibid., p. 252/253.
22
Ibid., p. 253-254.
98 • Capítulo 4 - Thomas Hobbes : O Liminar da Ciência do Estado na Modernidade
23
Ibid., p. 254.
24
Ibid., p. 254-255: “Hobbes acreditava que as leis só existiam dentro da comunidade política e eram
promulgadas por ela; no estado de natureza, onde não existia comunidade organizada, “pactos
sem espadas não passam de palavras”. Limitado por lei nenhuma, exceto por aquelas que criava
(e que, naturalmente, poderia alterar a qualquer momento), o soberano de Hobbes era muito mais
poderoso, não só do que o proposto por Bodin, mas, a fortiori, do que qualquer governante ocidental
desde fins da Antiguidade”. Continua Creveld: “Em Roma e em outros lugares, os imperadores
eram, até certo ponto, limitados pela religião, mesmo que fossem eles os chefes religiosos e que
o povo os considerasse como deuses vivos. O soberano de Hobbes não era assim. Seguindo uma
linha de raciocínio já elaborada por Maquiavel nos Discursos, esse soberano ditava as crenças dos
súditos com o objetivo calculado de manter a ordem pública, e assim tornou-se o governante mais
absoluto de toda a história”.
25
Ibid., p. 255/256: “No Segundo Tratado Sobre o Governo (provavelmente escrito imediatamente antes
da Revolução Gloriosa, mas publicado depois), Locke, como um dos primeiros representantes do
Iluminismo, descartou a hipótese que orientada o pensamento ocidental desde Agostinho, ou seja,
de que o homem era uma criatura fundamentalmente má que precisava do controle do governo.
Tanto na opinião de Locke quanto na de Hobbes, a qualidade essencial do homem era sua racio-
nalidade; mas enquanto Hobbes achava que essa qualidade levava à guerra de todos contra todos,
Locke considerava que ela se traduzia num interesse pessoal esclarecido que, na maior parte das
vezes, permitia a convivência pacífica, mesmo no estado de natureza, em que não havia nenhum go-
verno comum”. Prossegue Creveld: “A tarefa mais importante do governante não era tanto contro-
lar os seres humanos quanto, pelo contrário, salvaguardar os direitos com os quais forma dotados
João Protásio Domingues de Vargas & Levindo Ramos Vieira Neto • 99
pela natureza – isto é, a tríade vida, liberdade e propriedade. O que se deveria evitar a todo custo era
o governo absoluto (essa ênfase se repete bastante no original). O governo devia fundamentar-se no
consentimento: não aquele tipo de consentimento que, uma vez dado, era definitivo e irrevogável,
como no caso de Hobbes, mas do tipo que devia ser reconfirmado por meio de eleições. Locke não
explica quem deveria ter direito ao voto, mas, bom burguês que era, se pressionado, provavelmente
teria proposto algum tipo de qualificação ligado à propriedade, como realmente existia na maioria
dos países da Europa até os primeiros anos do século XX”.
26
Ibid., p. 257. Cfe. também CASSESE, Sabino. A crise do Estado. Trad. Ilse Paschoal Moreira e Fer-
nanda Landucci Ortale. Campinas: Saberes Editora, 2010. Parte IV – A Erosão do Estado: um Fato
irreversível?, item 1 – um problema histórico e culturalmente condicionado, p. 53: “Os ordenamen-
tos gerais contemporâneos têm ainda as organizações estatais como organizações regentes, mas
diferem dos ordenamentos do período do Estado burguês por dois aspectos: `) o Estado-ente não é
mais governado apenas pela classe burguesa, mas por todas as classes; 2) o Estado-ente não é mais
apenas o poder público, dominante sobre uma série de entes menores dirigidos e controlados, mas
é um dos poderes públicos existentes, condicionado – por enquanto usamos um termo genérico –
por outros poderes públicos, alguns de nível superestatal, outros de nível interno. Foi assim que,
em 1991, Massimo Severo Giannini resumiu a evolução do Estado moderno”.
27
Ibid., p. 695: “Hobbes forja uma nova ciência social profana, racional, não mais escrava da teologia
como era a dos espanhóis, e radicalmente moderna (ao contrário da de Althusius, ou dos humanistas
neo-estóicos). Hobbes é não só um cristão e um humanista, mas um adepto da ciência moderna,
tal como ela acaba de eclodir; ele faz de Galileu seu modelo, assim como de seu amigo Harvey;
tem como pretensão edificar (não será o último a se propor tal empresa) uma ciência social sobre
o modelo da ciência física moderna. Para o que nos interessa, tudo decorrerá dessa inversão em
relação a Aristóteles. (...) Em primeiro lugar, a ciência que Hobbes preza, como ressalta Bacon, que
foi um de seus mestres, não é mais especulativa e sim orientada para fins práticos, o domínio sobre
a natureza; agora ela é utilitarista (“Scientia propter poetentiam”, diz o próprio Hobbes)”. Continua
Hobbes: “Não busca mais saber o que as coisa são, mas o porquê das coisas, de sua gênese, não seu
quid, mas seu quare, o que permite agir sobre elas: assim, em termos de ciência humana, uma vez
que a paz é o maior dos bens e a guerra o pior dos males, ela buscará apenas as causas da felicidade
da paz ou das guerras, bellorum et pacis causae”. É isso, é esse objetivo tão limitado de antemão que
100 • Capítulo 4 - Thomas Hobbes : O Liminar da Ciência do Estado na Modernidade
permite que a política de Hobbes seja mecanicista, segundo um modelo que Descartes propõe para
a ciência dos corpos extensos”. (pp. 695/696).
28
WIEACKER, Franz. História do Direito Privado Moderno. Trad. A. M. Boteho Hepanha. 3. ed. Lis-
boa: Calouste Gulbenkian, 2004. Quarta parte - A Época do Jusracionalismo, § 17, item II – Hobbes
e Espinosa, 1.b) Hobbes é quem primeiro termina a racionalização e secularização da teoria social
europeia, p. 340 ss (342/243).
29
Ibid., p. 342: “Hobbes é quem primeiro termina a racionalização e a secularização da teoria social
europeia – ainda que neste juízo se tenha em vista que a secularização do próprio saber não era
senão a consequência lógica da compreensão cristã (e, sobretudo, nominalista) do mundo como
criação o inconceitual (sic) de Deus, criação que assim passou a requerer e a possibilitar uma expli-
cação imanente, obtida a partir e si própria. Daqui decorreu como antes da filosofia sofística grega,
uma racionalização e uma deseticização (sic) de que só Pufendorf de novo se afastou. Hobbes uti-
lizou este método para a elaboração de uma teoria da soberania. O seu resultado foi uma radical
dissolução o direito natural originário no direito positivo autoritário do soberano.” Continua o
autor: “Uma vez que Hobbes utilizava precisamente para este fim o antigo modelo contratual do
direito natural, influenciou com isto fortemente a ulterior teoria contratualista do jusracionalismo.
Mais diretamente influiu, desde logo, a inexorável racionalização da fundamentação do direito e do
Estado sobre a sua obra De Cive (1ª ed., Paris, 1642), que progredia, por meio de uma rigorosa de-
dução lógica, do estado de natureza (libertas) para o Estado (imperium) e para as suas relações com
a Igreja (religio), o que constituía o fundamento das lutas constitucionais inglesas daquela época”.
30
Ibid., p. 344: “Enquanto que o positivismo político de Hobbes encontrou por toda parte uma
oposição apaixonada, em ano teve sequer influencia na própria Inglaterra, em virtude da vitória do
Parlamento sobre os últimos Stuarts e da influencia de John Locke, as posições de que Hobbes par-
tiu no domínio da declaração da vontade e da vinculação contratual (De Cive, I, 2) influenciaram de
forma duradoura o jusracionalismo, sobretudo por intermédio de Pufendorf”.
31
GUNNEL, John G. Teoria Política. Trad. Maria Inês Caldas de Moura. Brasília: Editora da Univer-
sidade de Brasília, 1981.p. 96 e ss (105/106).
32
Cfe. PLATÃO. As Leis. Trad. Edson Bini. Bauru: Edipro, 1999. Cfe, ainda, PESSANHA, Vida e
João Protásio Domingues de Vargas & Levindo Ramos Vieira Neto • 101
Obra, in: PLATÃO. Diálogos: O Banquete, Fédon, Sofista, Político. Trad. José Cavalcanti de Souza
et al. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. p. XV, onde diz: “Ao morrer, Platão deixou interminada
(sic) uma grande obra: as Leis. Retomando o problema político e alterando teses expressas anterior-
mente na República, Platão propõe, em sua última obra, uma conciliação entre monarquia consti-
tucional e democracia. O interesse juvenil pelos assuntos políticos acompanhou-o até o fim de sua
vida. Mas, o aprofundamento da consciência política significou um longo itinerário que permitiu a
construção a primeira grande síntese filosófica do pensamento antigo e abriu horizontes de pesqui-
sa ainda hoje explorados, servindo de inspiração e de estímulo a grandes aventuras do espírito”.
33
Cfe. PLATÃO. A República. Trad. Edson Bini. 2 ed. Bauru: Edipro, 1999.
34
PLATÃO. Diálogos, cit., p. 197-261. Segundo José Américo Mota Pessanha, na parte Vida e Obra,
p. XIV, “Essa segunda tentativa política malograda dever ter interrompido a composição da série
de diálogos constituída pelo Parmênides, Teeteto, Sofista e Político. Diálogos da plena maturidade
intelectual de Platão, neles as primeiras formulações da “doutrina das ideias” (como, por exemplo,
apareciam no Fedom) começam a ser revistas e todo o pensamento platônico reestrutura-se a partir
de bases epistemológicas mais exigentes e seguras”. Adiante, diz, especificamente ao diálogo que
nos interessa: “Já o Político retoma a tese de que ao ideal para a polis seria a existência de um rei
filósofo, que inclusive pudesse governar sem necessidade de leis”.
35
GUNNEL, cit., p. 97. Para Aristóteles, teoria significa contemplação intelectual, uma atividade
concordando com sophia ou a virtude daquele aspecto a mente dirigido para a eternidade. Aristó-
teles sustentava que a atividade contemplativa produzia maior felicidade e implicava um divórcio
dos assuntos práticos tais como a política. Para Aristóteles, o filósofo está ainda ligado à polis, pois
a cidade provê a base material e o lazer necessários para a vida teórica (bios theoretikos) e porque
ele deve algo à cidade por fazer possível uma vida assim, mas apesar a teoria poder beneficiar a
política, ela implica uma transcendência da polis e é distintamente superior à vida do cidadão”.
36
Ibid., p. 97-98: “Embora a vida do filósofo e do ator político sejam diferenciadas na obra de Platão
e embora, em princípio, bem como existencialmente, haja uma tensão entre estes modos e vida, é
claro que para Platão não somente a política é diminuía pela ausência do filósofo como a filoso-
fia requer realização na vida prática, na regulamentação e na autoria das instituições políticas. O
conflito entre a teoria e a política na obra de Platão e na vida não deve afetar a atração da teoria
102 • Capítulo 4 - Thomas Hobbes : O Liminar da Ciência do Estado na Modernidade
para a política. A esse respeito, a ideia de Platão da teoria pode refletir mais aproximadamente o
significado original da teoria. Originalmente, “teórico” (theoros) designava um observador de um
festival religioso e se aplicava a alguém despachado pela polis para consultar o oráculo de Delfos ou
para visitar uma cidade vizinha e informar sobre os rituais religiosos ou honrar divindades locais.
O teórico observa o espetáculo (Thea) e o resultado é uma compreensão ou um relatório (teorema)”.
Prossegue Gunnel: “Em consequência, thoros era usado como um termo mais geral para expectador
e particularmente um expectador de competições atléticas e apresentações dramáticas nos Jogos
Olímpicos, e para alguma comissionado para viajar a terras estranhas e delas trazer informação.
Finalmente, com Aristóteles, teoria foi adotado pela filosofia e igualada à contemplação do céu no
“teatro” do cosmos, mas, mesmo com Aristóteles, nunca perdeu o seu significado original como
uma atividade intermediária, ainda visível em Platão. O teórico pode ser separado da polis, mas
serve de mediador entre a verdade e a política. O teórico, muitas vezes, é uma pessoa que sob
certos aspectos fica e fora ou foi forçado para fora a esfera da ação política normal e a quem é de-
negado acesso à participação na política e na vida política, ou, ao menos, é afastado de um modo
satisfatório da participação”.
37
BOBBIO, cit., p. 84-85: “No início da idade moderna, é exemplar o De Cive de Hobbes [1642], divi-
dido em três partes: libertas, potesta, religio, correspondentes respectivamente à esfera da liberdade
natural, onde se desenrolavam as relações de troca nas quais o poder político deve interferir o me-
nos possível (há quem, como Macpherson, acreditou poder ver no estado de natureza hobbesiano
uma prefiguração da sociedade de mercado), ao poder político, que detém as duas espadas da jus-
tiça e da guerra, e ao poder espiritual, ao qual cabe uma tarefa essencialmente de ensinamento. Em
Hobbes, o poder por excelência é o poder político, o qual, legitimado por uma específica delegação
de indivíduos isolados e aterrorizados, impelidos pela necessidade a sair do estado de natureza,
controla tanto o poder espiritual quanto o econômico. Mesmo sob este aspecto Hobbes pode ser
considerado como o primeiro e talvez o maior teórico do Estado moderno, vale dizer, do Estado
cuja formação é acompanhada pela persistente ideia do primado da política”.
38
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Filosofia da História. Trad. Maria Rodrigues e Hans Harden. 2.
ed. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 2008. p. 343 e ss.
João Protásio Domingues de Vargas & Levindo Ramos Vieira Neto • 103
39
Ibid., p. 358: “Todavia, um líder militar tinha a força – e com isso o governo – nas mãos; pois
tem-se que governar no Estado. Cromwell sabia o que era governar. Assim, ele se tornou o senhor
e expulsou aquele parlamento que vivia rezando. Com a sua morte, desapareceu também o seu di-
reito de governar, e a antiga dinastia retomou o domínio”. Prossegue Hegel: “Deve-se observar que
era para a segurança do governo os príncipes valorizavam a religião católica, em especial quando a
Inquisição estava ligada ao governo. Esta segurança, porém, reside na obediência servil e religiosa,
e só existe quando a constituição e todo o direito estatal se baseiam na propriedade positiva; mas
quando a constituição e as leis devem ser constituídas pelo direito realmente eterno, então a segu-
rança só existe na religião protestante, em cujo princípio se baseia também a liberdade subjetiva da
racionalidade”. (Negritagem nossa).
40
Ibid., p. 11, nota 1, refere os §§ 341-360 da Filosofia do Direito, o que indica que a Filosofia da História
é posterior àquela. Cfe. HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Princípio da Filosofia do Direito. Trad.
Orlando Vitorino. 4. ed. Lisboa: Guimarães Editores, 1990. Terceira Parte – A Moralidade Objetiva,
3ª Seção – O Estado, II – A Soberania para o Exterior, b) A História Universal (§§ 341 e ss), IV – O
Império Germânico (§§ 358-360). Diz Hegel: “§ 341 – O elemento da existência do espírito univer-
sal – que é a intuição e imagem na arte, sentimento e representação na religião, pensamento puro
e livre na filosofia – é, na história universal, a realidade espiritual em ato, em toda a sua aceitação:
interioridade e exterioridade. Constitui a história um tribunal porque, na sua universalidade em si
e para si, o particular, os penates, a sociedade civil e o espírito dos povos em sua irisada realidade,
apenas são como algo da natureza da ideia separada; neste elemento, o movimento do espírito con-
siste em tornar isso evidente”. Negritamos aqui para chamar à atenção o leitor sobre a concepção
de TRIBUNAL DA HISTÓRIA; em Kant aparece o TRIBUNAL DA RAZÃO ou da consciência. Se
a História é a razão e os dois tribunais podem ser aproximados, é algo que não abordaremos aqui
para além de consignar – segundo compreendemos - que para Hegel há razão na história e que a
História é a própria razão humana em movimento. Para aproveitar o ensejo, convém mencionar
como Hegel termina a obra de Filosofia do Direito, no final do § 360, dizendo: “(...) assim se tornou
objetiva a reconciliação que, em imagens e em realidade da razão, desenvolve o Estado. Nele, por
uma evolução orgânica, adquire a consciência de si a realidade em ato do seu saber e da sua von-
tade substancial, como na religião encontra o sentimento e a representação daquela verdade que
104 • Capítulo 4 - Thomas Hobbes : O Liminar da Ciência do Estado na Modernidade
é sua, sua essência ideal, e na ciência obtém o conhecimento livremente concebido dessa verdade
como idêntica em suas três manifestações complementares: o Estado, a natureza e o mundo ideal”.
Negritagem nossa.
41
MOSCA, Gaetano. História das doutrinas políticas desde a Antiguidade. Completada por Gaton Bour-
thoul, as Doutrinas Políticas desde 1914. Trad. Marco Aurélio de Moura Matos. Rio de Janeiro:
Zahar Editores, 1962. p. 189: “Para chegar a justificar o governo absoluto, Hobbes parte da descrição
do estado de natureza que, segundo acreditava se comumente por esta época, teria precedido o
estado social. Encontra-se, sem nenhuma dúvida, no curso dessa descrição, traço do primeiro livro
da história de Tucídides, no qual este autor conta que numa época longínqua os gregos viviam de
rapinagem e violências, e que a única lei era a do mais forte”. Mosca refere que “Hobbes admite a
existência de Deus, mas acredita que as cautelas que determinam as formas dos cultos pertencem
ao Estado”. Como o Estado não pode tirar a vida do súdito, na visão de Hobbes, também não pode
exigir do súdito o serviço militar obrigatório. A propriedade individual, para Hobbes, tem sua ori-
gem na lei e, por isso, no Estado, nem antes e nem acima do Estado.
42
Ibid., p. 190.
43
MONTESQUIEU. Do Espírito das Leis. Trad. Fernando Henrique Cardoso e Leôncio Martins Ro-
drigues. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. p. 25: “O autor tem em mira atacar o sistema de
Hobbes, sistema terrível que, fazendo defender todas as virtudes e os vícios do estabelecimento de
leis que os homens fizeram para si, e querendo provar que os humanos nascem todos em estado de
guerra, e que a primeira lei natural é a guerra de todos contra todos, derruba, como Spinosa, não só
toda religião como toda moral”.
João Protásio Domingues de Vargas & Levindo Ramos Vieira Neto • 105
44
Ibid., primeira parte, Livro Primeiro – Das Leis em Geral, Capítulo II – Das Leis da Natureza, p.
26/27. “Neste estado, todos se sentem inferiores e dificilmente alguém se sente igual. Ninguém
procuraria, portanto, atacar e a paz seria a primeira lei natural. Não é razoável o desejo que Hobbes
atribui aos homens de subjugarem-se mutuamente. A ideia de supremacia e de dominação é tão
complexa e dependente de tantas outras que não seria ela a primeira ideia que o homem teria.
Hobbes indaga: “Por que que os homens, mesmo quando não estão naturalmente em guerra, estão
sempre armados? E por que utilizam chaves para cerrar suas casas?” Mas não percebe que atribuí-
mos aos homens, antes do estabelecimento de sociedades, o que só poderia acontecer-lhes após
esse estabelecimento, fato que os leva a descobrir motivos para atacar e defender-se mutuamente.”
Prossegue o autor: “Ao sentimento de sua fraqueza, o homem acrescentaria o sentimento de suas
necessidades. Assim, outra lei natural seria a que o incitaria a procurar alimentos. Disse que o
medo levaria os homens a afastarem-se uns dos outros, mas a comprovação de um medo recíproco
levá-los-ia logo a se aproximarem. Aliás, eles seriam levados pelo prazer que sente um animal à
aproximação de outro da mesma espécie. Ademais, este encanto que os dois sexos, pela sua dife-
rença, inspiram-se mutuamente aumentaria esse prazer, e o pedido natural que sempre fazem um
ao outro seria uma terceira lei. Além do sentimento que os homens inicialmente possuem; assim,
possuem um segundo liame que os outros animais não têm. Existe, portanto, um novo motivo para
se unirem, e o desejo de viver em sociedade constitui a quarta lei natural (Aristóteles, Política, Liv. I,
cap. I)”. No extrato, onde consta “Hobbes indaga”, o lugar é o Prefácio do De Cive.
45
PANIAGUA, Jose Maria Rodriguez. Historia del Pensamiento Juridico I: De Heráclito a la Revolu-
ción Francesa. 6. ed. Madrid: Universidad Complutense – Facultad de Derecho, Seccion de Publica-
ciones, 1988. Em especial, capítulo XIII – El Derecho y el Estado em Hobbes, p. 111 ss, com ênfase no
item La ley natural e la organización del poder político, p. 114 ss. “1 – O poder supremo é irrevogá-
vel; com efeito, ele detém o poder que representa toda a força e todas as decisões dos governados;
os governados não podem tomar de vota dos governantes o que tenham empregado previamente.
2 – O pacto foi feito pelos particulares, não pelo soberano; portanto, este não pode quebrá-lo. 3 – o
soberano tem que ter poder para submeter aos dissidentes, e não pode cometer injuria ou injustiça
contra nenhum de seus súditos, já que os representa a todos; ainda que possa cometer iniquidade,
quer dizer, obrar mal moralmente (Mas este último não tem muita relevância para Hobbes, sobre-
tudo no âmbito do Estado e do Direito). 4 – O soberano não pode ser ne castigado, nem julgado
pelos súditos, posto que ele os representa e é o único juiz de tudo o que convém pra o Estado;
5 – Há de controlar também as opiniões, porque “os atos dos homens – diz Hobbes – procedem
de suas opiniões; e o ponto de vista que tem que prevalecer para julgar a “verdade” da doutrina é
106 • Capítulo 4 - Thomas Hobbes : O Liminar da Ciência do Estado na Modernidade
que favoreçam ou não à paz do Estado. Portanto, também têm que estar submetidas ao controle do
poder supremo as ideias religiosas. 6 – A propriedade dos súditos está submetida às disposições
do soberano; com efeito, no estado de natureza não havia propriedade privada, já que tudo estava
exposto ao saque; todos se consideravam autorizados a apropriar-se de qualquer coisa; a proprie-
dade surge do estado civil; é competência, pois, de seu poder soberano. 7 – Correspondem também
ao poder supremo ou soberano outras faculdades, como a de ser intérprete e terá custódia das leis,
ter o direito e fazer a guerra e a paz (tendo, portanto, o controle do exército), eleger os funcionários
e recompensar ou castigar qualquer cidadão)”.”
46
Ibid., p. 117. Cfe., também, KOSCHAKER, Paul. Europa y el Derecho Romano. Trad. Jose Santa Cruz
Teijeiro. Madrid: Editorial de Derecho Privado, 1974. Cap. XIII – Los Juristas como portadores o adver-
sários de la recepción del decrecho romano, p. 313, quando refere a partir do reinado de Henrique VIII
(1509-1547), criando os pressupostos da fase história seguinte, onde se insere Hobbes; ver, também
ESSER, Josef. Principio y norma en la elaboración jurisprudencial del derecho privado. Barcelona, Bosch,
[1956]. Terceira parte – El papel de los princípios jurídicos e la construcción del derecho privado codificado e
en el judge-made law, cap. X – “Principles and rule” em El Derecho del caso, p 234 ss.
João Protásio Domingues de Vargas & Levindo Ramos Vieira Neto • 107
47
GUNNEL, cit., p. 105-106.
48
Ibid., p. 106: “Por exemplo, somente Tucídides, o general exilado, desembaraçado dos eventos em
que havia participado, foi quem viu a guerra do Peloponeso como um fenômeno global e como o
contexto da ascensão e queda do poder ateniense. Foi Hobbes quem viu no torvelinho do século
XVII, na Inglaterra, a possibilidade de uma queda num estado de natureza. Foi Marx quem dis-
cerniu, nas lutas causadas pelo industrialismo moderno, o relacionamento entre alienação e do-
minação. Entretanto, o fardo de articular a natureza da desordem e denunciar o futuro é tomado
como uma responsabilidade terrível e, quando junto a uma nova visão de política, é um papel que
a sociedade frequentemente não tolera”.
108 • Capítulo 4 - Thomas Hobbes : O Liminar da Ciência do Estado na Modernidade
49
Ibid., p. 107.
50
SALGADO, Carlos Joaquim. A Ideia de Justiça em Kant. 2. ed. Belo Horizonte: Editora da UFMG,
1995. p. 77.
51
Ibid., p. 77-79: “Embora Hobbes parta dessa concepção sobre a igualdade originária (natural) dos
homens, o seu conceito de justiça não se estriba nela, porque o estado de natureza é um estado de
desprazer pelo convício com os outros seres humanos, este estado é um ambiente de guerra e todos
contra todos; o homem sai dele através de um pacto, pelo qual renuncia a toda sua liberdade para
instituir o poder soberano e com isso prover a sua conservação e uma vida mais feliz, já que a lei
natural por si só (como ditame da razão) impropriamente chamada lei, não garante a vida em socie-
dade, onde o apetite pessoal é “a medida do bem e do mal”. Essa passagem necessária se faz através
de um pacto que cria esse poder soberano, sem o qual o pacto nenhuma eficácia possuirá: “pactos
sem espada não passam e palavras”. Continua o autor (p. 78-79): “Se por esse pacto estão autoriza-
dos todos os atos do soberano, todos os direitos e faculdades lhe são conferidos, devendo os súditos
reconhecer tais atos como seus, considerando bom o que ele “considerar bom”. Ora, no estado de
natureza, onde impera a guerra de todos contra todos, “nada pode ser injusto”. Nesse estado não
há “poder comum”, nem lei, e “onde não há lei, não há justiça”, nem propriedade (o meu e o seu),
pois só pertence a cada homem aquilo que ele é capaz de conseguir e conservar. “Justo, diz Hobbes,
é aquele que obedece à lei””. Para obedecer à lei natural basta que se esforce para isso. Justiça está
aí empregada num sentido impróprio, pois que a lei da natureza não é eficaz ao seu cumprimento.
Somente quando há lei em sentido próprio, que é a “palavra daquele que tem o direito de mando
sobre os outros”, é que podemos falar de justiça propriamente dita. É que justiça só existe na me-
dida em que haja um pacto anterior; só se comete injustiça contra a pessoa com a qual se celebrou
algum pacto. Hobbes refere-se ao princípio do pacta sunt servanda (...). Não se trata, contudo, de um
pacto qualquer, mas de um pacto garantido por um poder coercitivo capaz de obrigar a todos ao
seu cumprimento. Só então é possível falar em dar a cada um o seu, porque só então surge a pro-
priedade e os demais direitos. Ora, uma vez celebrado o pacto da instituição do poder soberano,
concedendo-lhe “autorização” para exercer o mando sobre os demais membros da sociedade – o
que é feito através de leis – é injusto o ato contrário à lei do Estado”. Salgado transcreve um trecho
do Leviatã, na p. 79, referente ao pacta sunt servanda, que merece ser transcrito aqui: “Nesta lei de
natureza reside a fonte e a origem da justiça. Porque sem um pacto anterior não há transferência
de direito, e todo homem tem direito a todas as coisas, consequentemente, nenhuma ação pode ser
injusta. Mas depois de celebrado um pacto, rompê-lo é injusto. E a definição de injustiça não é outra
senão o não cumprimento do pacto”.
João Protásio Domingues de Vargas & Levindo Ramos Vieira Neto • 109
52
Ibid., p. 77.
53
Ibid., p. 77-79: “Embora Hobbes parta dessa concepção sobre a igualdade originária (natural) dos
homens, o seu conceito de justiça não se estriba nela, porque o estado de natureza é um estado de
desprazer pelo convício com os outros seres humanos, este estado é um ambiente de guerra e todos
contra todos; o homem sai dele através de um pacto, pelo qual renuncia a toda sua liberdade para
instituir o poder soberano e com isso prover a sua conservação e uma vida mais feliz, já que a lei
natural por si só (como ditame da razão) impropriamente chamada lei, não garante a vida em socie-
dade, onde o apetite pessoal é “a medida do bem e do mal”. Essa passagem necessária se faz através
de um pacto que cria esse poder soberano, sem o qual o pacto nenhuma eficácia possuirá: “pactos
sem espada não passam e palavras”. Continua o autor (p. 78/79): “Se por esse pacto estão autoriza-
dos todos os atos do soberano, todos os direitos e faculdades lhe são conferidos, devendo os súditos
reconhecer tais atos como seus, considerando bom o que ele “considerar bom”. Ora, no estado de
natureza, onde impera a guerra de todos contra todos, “nada pode ser injusto”. Nesse estado não
há “poder comum”, nem lei, e “onde não há lei, não há justiça”, nem propriedade (o meu e o seu),
pois só pertence a cada homem aquilo que ele é capaz de conseguir e conservar. “Justo, diz Hobbes,
é aquele que obedece à lei””. Para obedecer à lei natural basta que se esforce para isso. Justiça está
aí empregada num sentido impróprio, pois que a lei da natureza não é eficaz ao seu cumprimento.
Somente quando há lei em sentido próprio, que é a “palavra daquele que tem o direito de mando
sobre os outros”, é que podemos falar de justiça propriamente dita. É que justiça só existe na me-
dida em que haja um pacto anterior; só se comete injustiça contra a pessoa com a qual se celebrou
algum pacto. Hobbes refere-se ao princípio do pacta sunt servanda (...). Não se trata, contudo, de um
pacto qualquer, mas de um pacto garantido por um poder coercitivo capaz de obrigar a todos ao
seu cumprimento. Só então é possível falar em dar a cada um o seu, porque só então surge a pro-
priedade e os demais direitos. Ora, uma vez celebrado o pacto da instituição do poder soberano,
concedendo-lhe “autorização” para exercer o mando sobre os demais membros da sociedade – o
que é feito através de leis – é injusto o ato contrário à lei do Estado”. Salgado transcreve um trecho
do Leviatã, na p. 79, referente ao pacta sunt servanda, que merece ser transcrito aqui: “Nesta lei de
natureza reside a fonte e a origem da justiça. Porque sem um pacto anterior não há transferência
de direito, e todo homem tem direito a todas as coisas, consequentemente, nenhuma ação pode ser
injusta. Mas depois de celebrado um pacto, rompê-lo é injusto. E a definição de injustiça não é outra
senão o não cumprimento do pacto”.
54
Ibid., p. 79: “A consequência é que, diversamente do que se conclui da teoria de Locke, o Estado
despótico concebido por Hobbes em virtude da renúncia sem reserva da liberdade natural dos indi-
víduos para sua instituição, não comete injustiça, do que decorre também não ser possível opor-lhe
qualquer direito de resistência”. Na nota 270, aduz Salgado, dentro deste trecho transcrito: “Liber-
dade é a faculdade de se fazer o que se quer, segundo Hobbes, e se confunde com o direito natural
(impropriamente chamado direito) que é a liberdade que cada um tem de usar seu próprio poder
para a preservação de sua vida. É concebida como o que sobra do quadro das ações obrigatórias
por lei”. Na p. 75, ao abordar o ponto de vista de Locke [1632-1701], Salgado transcreve a página
41 do Segundo Tratado Sobre o Governo [de 1690]: “Locke descreve o estado de natureza como um
estado de liberdade e de igualdade: Estado também de igualdade, no qual é recíproco qualquer
poder ou jurisdição, ninguém tendo mais do que qualquer outro; nada havendo de mais evidente
que criaturas da mesma espécie e da mesma ordem, terão de ser também iguais umas às outras sem
subordinação ou sujeição”.
110 • Capítulo 4 - Thomas Hobbes : O Liminar da Ciência do Estado na Modernidade
55
Ibid., p. 164: “À primeira vista, seremos tentados, portanto, a concluir que em Hobbes subsistem
todos os elementos que qualificam uma “ciência política”. E acordo com o cartesianismo, existe um
método científico; e há também uma política teorizada na sua forma mais extrema de autonomia.
Se quisermos, poderemos sustentar que Hobbes era isento de valores – Wertfrei. Contudo, fala-se de
Hobbes, com razão, como e um “filósofo” da política; e a ciência política reconhece, com relação a
Maquiavel, uma paternidade que nega a Hobbes. Por que razão? É simples. O elemento que separa
a ciência da filosofia não é o geométrico ou o matemático. Descartes era um grande matemático,
como o foi Leibniz [1646-1716]. A matemática é uma lógica dedutiva: mas as ciências não nascem
da dedução lógica, mas sim da indução, da observação e da experiência. Hobbes não observava;
deduzia more geométrico como o fará mais tarde este exemplo puro de filósofo que foi Spinoza (1632-
1677). O método de Hobbes era, portanto, rigorosamente dedutivo: ele não observava o “mundo
real”.
56
HORTA, cit., p. 66-67. “Vale, de início, registrar que Hobbes, de fato, não acredita na existência
de uma natureza não social: “o gênero humano jamais esteve em uma situação inteiramente sem
sociedade”. Em Hobbes, o estado de natureza é uma pura hipótese da razão, “da qual deriva como
consequência (uma consequência lógica e não histórica) o bellum omnium contra omnes. O estado de
natureza universal jamais existiu e não existirá jamais””.
57
SCHMITT, Carl. O Nomos da Terra no Direito das Gentes do Jus Publicum Europaeum. Trad. Ale-
xandre Franco de Sá et al. Rio de Janeiro: Contraponto; Ed. PUC-Rio, 2014. p. 156: “Em consequ-
ência da personalização, as relações entre os Estados soberanos tornam-se suscetíveis de comitas,
cortesia, assim como de jus, jurisdicidade. Também aqui são diferentes as interpretações filosóficas
João Protásio Domingues de Vargas & Levindo Ramos Vieira Neto • 111
e as jurídicas. Mas também aqui não devemos deixar que questões secundárias nos distraiam do
caráter espacial do novo ordo, um ordo menos espiritual do que espacial. Uma questão secundária
é, por exemplo, a controvérsia sobre esses “grandes homens”, para além de uma linha de amizade,
devem ser imaginados entre si um “estado de natureza” e se esse estado, por sua vez, será repre-
sentado (segundo Hobbes) como um combate associal entre Leviatãs ou (segundo Locke) coo uma
comunidade social de gentlemen no fundo já saturados; ou se as relações dos grandes entre si será
concebida, de modo supostamente jurídico-positivo, segundo a analogia de uma societas de direito
civil, ou uma communitas de direito civil”.
58
Ibid.: “Em qualquer caso, a analogia, própria do direito das gentes, do Estado com a pessoa huma-
na, a international personal analogy, domina a partir desse momento todo o pensamento do direito
das gentes. De todas as construções científica, a doutrina de Hobbes do estado de natureza dos mag-
nis homines mostrou ter mais força e verdade histórico-espiritual”. Schmitt chega a colocar Hobbes
como fundador do direito internacional público (ius gentium): “As duas orientações da ciência do
direito das gentes, a orientação filosófica e a jurídico-positiva, encontram-se na representação co-
mum de que os Estados soberanos – que, como tais, vivem entre si no estado de natureza – têm o
caráter de pessoas. Rousseau, Kant e o próprio Hegel (Philosophie des Rechts, § 333) falam no estado
de natureza entre os povos estatalmente organizados. Somente assim o jus gentium pode ser trata-
do pela ciência jurídica e se converteu numa disciplina nova e autônoma das faculdades de direito.
Somente a personificação dos Estados territoriais europeus surgiu uma ciência jurídica do jus inter
gentes interestatal”.
59
Ibid., p.157. Como cada um é igualmente soberano em relação aos demais, cada um tem o mes-
mo direito à guerra, o mesmo jus ad bellum. Mesmo quando se supõe que no combate em estado
de natureza “o homem é o lobo do homem”, isso não tem qualquer sentido discriminatório, pois
também no estado de natureza nenhum desses combatentes tem o direito de suprimir a igualdade
112 • Capítulo 4 - Thomas Hobbes : O Liminar da Ciência do Estado na Modernidade
e considerar a si mesmo como homem e ao seu adversário mero lobo”. Para arrematar, dada a
importância da contribuição de Hobbes para a teoria do autor, aduz: “Como veremos adiante, aqui
reside o novo conceito de guerra, já não discriminatório, que possibilita tratar os estados beligerantes
como juridicamente iguais do ponto de vista do direito das gentes, isto é, tratar ambos como justi
hostes que estão juridicamente e moralmente no mesmo plano, mantendo separados os conceitos de
inimigo e de criminoso”.
60
Apesar de não referir textualmente, Habermas provavelmente está se referindo ao texto de Sch-
mitt, de 1938. Einfiihrung zu Julius Lips: Die Stellung des Thomas Hobbes zu den politischen Parteien
der grossen englischen Revolution [Introdução a Julius Lips: A posição de Thomas Hobbes sobre os
partidos políticos da grande Revolução Inglesa]. Há uma publicação britânica com título diverso:
SCHMITT, Carl. The Leviathan in the State Theory of Thomas Hobbes: Meaning and Failure of a Political
Symbol. Trad. George Schwab e Ema Hilfstein. Westport/Connectcut/London: Greenwood Press,
1996.
61
SCHMITT, Carl. O Conceito do Político/Teoria do Partisan. Trad. Geraldo de Carvalho. Belo Horizon-
te: Del Rey, 2008. Apresentação “Liquidando os Danos. Os Horrores da Autonomia”, de Habermas,
pp. IX/X.
62
Ibid., p. IX/X. Este quadro mitológico é preenchido posteriormente por Schmitt, no âmbito da
história das ideias, com duas teses. Primeiramente, ele projeta de vota a Hobbes sua ideia de sobe-
rania desenvolvida em 1922 na obra Teologia Política. Da mesma forma como o Leviatã só constitui
o poder que ele é, quando subjuga Behemot, o Estado se afirma como poder soberano somente ao
oprimir a resistência revolucionária. Sua dinâmica constitui-se na repressão da revolta, na sujeição
continuada de um caos, instalado na natureza má dos indivíduos. Estes insistem em sua autonomia
e pereceriam no subressalto de sua emancipação, se não fossem salvos pela facticidade de um poder
que domina qualquer outro poder. Soberano é quem decide sobre o estado de exceção. E, uma vez que
as forças subversivas sempre se apresentam em nome da verdade e da justiça, o soberano que quer
prevenir o estado de exceção há de também restringir para si a decisão sobre a definição do que é
João Protásio Domingues de Vargas & Levindo Ramos Vieira Neto • 113
publicamente considerado verdadeiro ou justo. Seu poder de decisão é a fonte de toda validade.
O Estado unicamente determina a confissão pública de seus cidadãos”. Prossegue Habermas: “No
entanto, com respeito à confissão religiosa, Hobbes comete, como pensa Schmitt, uma grave incon-
sequência: ele diferencia “faith” de “confession” e declara a neutralidade do Estado frente à confissão
dos cidadãos, sua fé particular. Unicamente o culto público está subordinado ao controle estatal.
Esta diferenciação pretensamente inconsequente baseia Carl Schmitt sua segunda tese. A ressalva
do credo privado concedida por Hobbes é entendida por Schmitt como o ponto de acesso para a
subjetividade da consciência civil e da opinião privada, as quais, paulatinamente, desenvolvem sua
força subversiva. Esta esfera privada vira-se para fora e se estende até a publicidade civil; nisto se
faz valer a sociedade civil como contrapeso político e finalmente, com a competência para a legis-
lação parlamentar, derruba o Leviatã do trono”. A conclusão de Habermas é a seguinte (pp. X/XI):
“Todavia, este cenário desconsidera por completo o fato de que Hobbes, desde o início, desenvolveu
seu conceito de soberania concatenado com a positivação do Direito. O Direito positivo já requer,
conforme seu conceito, um legislador político que não pode estar vinculado por mais tempo a nor-
mas superiores do Direito Natural – e que, neste ponto, é soberano. Por isso, na ideia de Hobbes
de um legislador soberano, o qual está vinculado à mediação do Direito positivo, já está instalado
um germe para aquele desenvolvimento do estado de direito, considerado por Carl Schmitt como
uma grande fatalidade – e que pretende derivar a partir da neutralização do poder público frente
aos poderes da fé privados”.
114 • Capítulo 4 - Thomas Hobbes : O Liminar da Ciência do Estado na Modernidade
63
SARTORI, Giovanni. A Política. Trad. Sérgio Bath. Brasília: Universidade de Brasília, 1981. na
terceira parte – Aprofundamento, Capítulo 7 – Que é Política?, item 7.2 – A Autonomia da Política,
pp. 157 e ss (163).
64
Ibid., 163-164. Para além disso, mas relacionado, posto que oportuno, precisamente aqui, numa
digressão importante, mencionar ao leitor a leitura do século XX a respeito da compreensão sobre
o que seja cientificidade. O melhor e mais conhecido epistemólogo, neste tocante, é o inglês Tho-
mas Kuhn. Por isso KUHN, Thomas S. A Estrutura das Revoluções Científicas. Trad. Beatriz Vianna
Boeira e Nelson Boeira. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 2000. Cap. 1 – A Rota para a Ciência Normal,
pp. 29/31 ss. Diz ele, p. 29, que: “Neste ensaio, “ciência normal” significa a pesquisa firmemente
baseada em uma ou mais realizações científicas passadas. Essas realizações são conhecidas durante
algum tempo por alguma comunidade científica específica como proporcionado os fundamentos
para sua prática posterior. Embora raramente na sua forma original, hoje em dia essas realizações
são relatadas pelos manuais científicos elementares e avançados. Tais livros expõem o corpo da
teoria aceita, ilustram muitas (ou todas) as suas aplicações bem sucedidas e comparam essas apli-
cações com observações e experiências exemplares. (...) O estudo dos paradigmas, muitos dos quais
bem mais especializados do que os indicados acima, é o que prepara basicamente o estudante para
ser membro da comunidade científica determinada na qual atuará mais tarde. Uma vez que ali o
estudante reúne-se a homens que aprenderam as bases de seu campo de estudo a partir dos mes-
mos modelos concretos, sua prática subsequente raramente irá provocar desacordo declarado sobre
pontos fundamentais. Homens cuja pesquisa está baseada em paradigmas compartilhados estão
comprometidos com as mesmas regras e padrões para a prática científica. Esse comprometimento
e o consenso aparente que produz são pré-requisitos para a ciência normal, isto é, para a gêneses e
a continuação de uma tradição de pesquisa determinada”. Cfe., ainda, na mesma obra, cap. 5 – A
Anomalia e a Emergência das Descobertas Científicas, pp. 77 ss. Para o epistemólogo inglês, pp.
77/78, no tocante às anomalias: “A ciência normal, atividade que consiste em solucionar quebra-ca-
beças, é um empreendimento altamente cumulativo, extremamente bem sucedido no que toca ao
seu objetivo, a ampliação contínua ao alcance e da precisão do conhecimento científico. Em todos
João Protásio Domingues de Vargas & Levindo Ramos Vieira Neto • 115
esses aspectos, ela se adequa com grane precisão à imagem habitual o trabalho científico. Contu-
do, falta aqui um produto comum do empreendimento científico. A ciência normal não se propõe
descobrir novidades no terreno dos fatos ou da teoria; quando é bem sucedida, não as encontra.
Entretanto, fenômenos novos e insuspeitados são periodicamente descobertos pela pesquisa cientí-
fica; cientistas têm constantemente inventando teorias radicais novas. O exame histórico nos sugere
que o empreendimento científico desenvolveu uma técnica particularmente eficiente na produção
de surpresas essa natureza. Se quisermos conciliar esta característica da ciência normal com o que
afirmamos anteriormente, é preciso que a pesquisa orientada por um paradigma seja meio parti-
cularmente eficaz e induzir a mudanças nesses mesmos paradigmas que a orientam. Esse é o papel
das novidades fundamentais relativas a fatos e teorias”.
65
Ibid., p. 164: “À primeira vista, seremos tentados, portanto, a concluir que em Hobbes subsistem
todos os elementos que qualificam uma “ciência política”. E acordo com o cartesianismo, existe um
método científico; e há também uma política teorizada na sua forma mais extrema de autonomia.
Se quisermos, poderemos sustentar que Hobbes era isento de valores – Wertfrei. Contudo, fala-se de
Hobbes, com razão, como e um “filósofo” da política; e a ciência política reconhece, com relação a
Maquiavel, uma paternidade que nega a Hobbes. Por que razão? É simples. O elemento que separa
a ciência da filosofia não é o geométrico ou o matemático. Descartes era um grande matemático,
como o foi Leibniz [1646-1716]. A matemática é uma lógica dedutiva: mas as ciências não nascem
da dedução lógica, mas sim da indução, da observação e da experiência. Hobbes não observava;
deduzia more geométrico como o fará mais tarde este exemplo puro de filósofo que foi Spinoza (1632-
1677). O método de Hobbes era, portanto, rigorosamente dedutivo: ele não observava o “mundo
real”.
116 • Capítulo 4 - Thomas Hobbes : O Liminar da Ciência do Estado na Modernidade
66
FINER, Samuel E. Governo Comparado. Trad. Sérgio Duarte. Brasília: Universidade de Brasília,
1981. Segunda parte – A Democracia Liberal, Capítulo V – O Governo da Grã-Bretanha, primeiro
item - A Nação e o Povo, subitem A) Formação do Consenso, b) O Fluxo do Tempo, pp. 127 e ss
(133).
67
Ibid., p. 134. A importância dessa tradição é que ela preservou não somente as formas medievais,
como a essência medieval; e essa era a de que o rei governava – porém condicionalmente, não e
forma absolutamente. No coração do sistema político inglês – que agora abarca todo o Reino Úni-
co – sempre houve um cerne de funcionários que iniciavam, formulavam e executavam a política.
Somente durante certo período – no tempo extraordinário do Longo parlamento (1640-49) – é que
essa tradição foi suspensa, e mesmo assim isso ocorreu porque o rei “faltou” (por assim dizer) e
com ele o núcleo-chave da Constituição operante. Durante o restante do tempo, a oposição política
jamais procurou eliminar esse grupo, mas apenas controla-lo. A história constitucional britânica é,
em suma, a história de uma luta contínua pelo controle dessa maquinaria executiva”. Prossegue
o autor: No começo, eram o Rei e seus auxiliares escolhidos a dedo, contra os barões no Grane
Conselho. Hoje são o primeiro-ministro e seus ministros, no Gabinete, contra os Comuns, ou – mais
realisticamente – contra o partido de oposição. A forma de uma Lei do Parlamento liga o presente
ao passado e atesta a continuidade subjacente da concepção medieval de governo. Uma lei começa
com estas palavras: “Seja promulgado por Sua mais Excelsa Majestade a Rainha, por conselho e
assentimento dos Lordes Espirituais e Temporais, e dos Comuns, reunidos neste atual Parlamento,
e por autoridade deste... (sic)”. Hoje, na prática, são o Primeiro Ministro e seus colegas do Gabinete
que promulgam as leis, mas “por conselho e assentimento... dos Comuns... e por autoridades destes
... (sic)”.
João Protásio Domingues de Vargas & Levindo Ramos Vieira Neto • 117
68
GILISEN, John. Introdução Histórica ao Direito. Trad. A. M. Hespanha e L. M. Macaísta Malheiros.
Lisboa: Calouste Gulbenkian, [1988]. Primeira Parte – Esboço de uma história universal do direito;
Capítulo 4 – Direitos europeus medievais e modernos; H – O Common law, 5 – Desenvolvimento do
“statute law”, p. 215 ss. “Uma diferença importante entre a Inglaterra e os outros países europeus,
reside no papel reconhecido do Parlamento, ou seja, aos órgãos representativos do povo, muito
mais cedo na Inglaterra que nos outros países; a intervenção do Parlamento no domínio legislativo
foi estabelecida progressivamente entre 1322 e 1415; depois de numerosos conflitos entre o rei e
o Parlamento, este conseguiu a vitória em 1689; por efeito do Bill of Rights, nenhuma lei pode ser
posta em vigor ou suspensa sem o acordo do Parlamento. O mesmo princípio só foi acolhido em
França em consequência da Revolução de 1789”.
69
ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo: Antissemitismo, Imperialismo, Totalitarismo. Trad.
Roberto Raposo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. p. 207 ss.
70
Ibid., p.208-209: “O Leviatã de Hobbes expôs a única teoria política segundo a qual o Estado não
se baseia em nenhum tipo de lei construtiva – seja divina, seja natural, seja contrato social – que
determine o que é certo ou errado no interesse individual com relação às coisas públicas, mas sim
nos próprios interesses individuais, de que no “interesse privado e o interesse público são a mesma
coisa”. A Nota 36, feita por Hanna (p. 670), ela faz uma explicação deste ponto de vista: “36. É muito
significativo que essa identificação de interesse coincida com a alegação totalitária de haver abolido
as contradições de interesses públicos e os individuais (ver capítulo 12). Contudo, não se deve es-
quecer que Hobbes estava interessado principalmente em proteger os interesses privados, alegando
que, corretamente interpretados, eles eram também os interesses do corpo político, ao passo que, ao
contrário, os regimes totalitários proclamam a não existência da privatividade”.
118 • Capítulo 4 - Thomas Hobbes : O Liminar da Ciência do Estado na Modernidade
71
Ibid., p. 209. Cfe. também STIGLITZ, Joseph E. Globalização: como dar certo. Trad. Pedro Maia
Soares. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. Capítulo 10 – Democratizando a Globalização, pp.
411 ss.
João Protásio Domingues de Vargas & Levindo Ramos Vieira Neto • 119
nhia dos outros, exceto se for obrigado pela força. Neste contexto, não
cria laços permanente, muito menos alguma forma de companheirismo.
O resultado disso tudo, deste quadro de luta permanente de todos con-
tra todos, é a inerente e confessada instabilidade da comunidade hu-
mana, a Commonwealth de Hobbes, cuja concepção prevê inclusive a sua
ulterior dissolução. Isto porque para Hobbes, se houver guerra estran-
geira ou interna, os inimigos obtêm a vitória final; então a commonwealth
é dissolvida e cada homem tem a liberdade de se proteger a si mesmo.
Esta instabilidade é interpretada por Hannah Arendt como surpreen-
dente, pois o seu objetivo primário como teórico do Estado era assegurar
um máximo de segurança e estabilidade. O homem só existe em função
do Leviatã e, dissolvido este, volta ao estado de natureza, da luta de to-
dos contra todos. O homem é uma engrenagem na máquina do Estado e
nada mais do que isso; fora da máquina, o homem perde a sua própria
humanidade. O homem está condenado a sustentar o Leviatã. 72 Tanto
é isso que Hobbes isenta de qualquer obrigação todos os excluídos da
sociedade, como os fracassados, os infelizes, os criminosos, tanto para
com o Estado quanto para com a própria sociedade – se o Estado não
cuida deles. 73 74 Por derradeiro, Hannah Arendt diz compreender a pro-
funda suspeita que Hobbes nutria em relação a toda a tradição ocidental
72
ARENDT, cit., p. 209-210.
73
Ibid., p. 211-215. Por ser filósofo, Hobbes já podia perceber na ascensão da burguesia todas aque-
las qualidades antitradicionais da nova classe, que iriam levar três séculos para desenvolver-se
por completo. Seu Leviatã não se perdia em especulações ociosas a respeito de novos princípios
políticos, nem da velha busca da razão que governa a comunidade dos homens; era estritamente
um “cálculo das consequências”, que advêm da ascensão de uma nova classe na sociedade, cuja
existência está essencialmente ligada à propriedade como um mecanismo dinâmico produtor de
mais propriedade”.
74
Ibid., p.215. Cfe. também ALTHUSSER, Louis. Política e História de Maquiavel a Marx. Curso Minis-
trado na École Normale Supérieure de 1955 a 1972. Texto Estabelecido, anotado e apresentado por
François Matheron. Trad. Ivone C. Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 2007. Parte Hobbes (1971-
1972), pp.411 ss, em especial no questionamento da p. 412, “Isso propõe o problema: como é possí-
vel conciliar absolutismo, materialismo e individualismo (liberalismo)?”. Adiante, p. 13, Althusser,
ao tratar do Artifício em Hobbes, diz: “Encontra-se em Hobbes um entrelaçado de temas em torna
da indagação antropológica: o que é o próprio homem? Resposta: é o artifício (cf. Leviatã, início): o Esta-
do não passa de “animal artificial”, “corpo artificial”. O homem, como tal é capaz de artifício. Qual é
o artifício-tipo que caracteriza o homem? É a linguagem, a palavra: o poder arbitrário de utilizar marcas
arbitrárias. Esse tema se filia à sofística (cf. Isócrates). Aristóteles também disse que a natureza deu
a linguagem ao homem, que a linguagem é o bem de todos os homens (Política, Ética nicomaquéia);
mas, enquanto para Aristóteles a linguagem e a sociabilidade são naturais, para Hobbes a lingua-
gem é o arquétipo de todos os artifícios. Nesse sentido, Hobbes é o primeiro teórico do arbitrário do
signo. Há dois aspectos dessa arbitrariedade do signo; a) estado de natureza (aspecto secundário);
não há nenhum nexo natural entre significado e significante, não há relação entre a palavra e a coisa
designada; b) aspecto principal: arbitrariedade da instituição do corpo de marcas; donde a recusa a
propor o problema da origem da linguagem e a negação da origem do significante no signifição”.
120 • Capítulo 4 - Thomas Hobbes : O Liminar da Ciência do Estado na Modernidade
Considerações finais
75
ARENDT, cit., p. 215. Cfe., também RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. Trad. Almiro Pisetta e
Lenita M. R. Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 1997. Primeira parte – Teoria, Capítulo I – Justiça
como Equidade, item 3 – A Ideia Principal da Teoria da Justiça, p. 12 ss.; e, na parte II – Instituições,
capítulo IV – Liberdade Igual, item 38 – O Estado de Direito, p. 257 ss.
João Protásio Domingues de Vargas & Levindo Ramos Vieira Neto • 121
vimento, corroboram com este ponto de vista. Não resta dúvida de que
Hobbes foi – juntamente com Nicolau Maquiavel, seu antecessor –– um
dos primeiros Cientistas do Estado, precursores da Estadologia na Mo-
dernidade, sem mantendo-se, também, como Epistemólogo, Filósofo do
Estado, Cientista Político e Cientista Jurídico, para dizer o menos.
Referências bibliográficas
1. Introdução
³ SANTOS, Antônio Carlos dos. Locke. PECORARO, Rossano (Org.). O s filósofos clássicos da filoso-
fia. Vol.1. Petrópolis: Vozes; Rio de Janeiro: PUCRio, 2009. p. 262.
⁴ CRESSY, David. Revolutionary England 1640–1642, 181, Past & Present, 2003, p. 37 Apud SUESS,
Matthew K. Punishment in the State of Nature: John Locke and Criminal Punishment in the Unit-
ed States of America. Washington University Law Review, v. 7, issue 2, 2015. p. 371.
Aléxia Alvim Machado Faria & Layon Duarte Costa • 127
⁵ DONAGAN, Barbara. Codes of Conduct in the English Civil War, 118, Past & Present, 1988, p. 81
Apud SUESS, Matthew K. Punishment in the State of Nature... cit., p. 369.
⁶ Nesse sentido, a lição de Horta, que parece concordar com a existência de um constitucionalismo
inglês: “Vale registrar a contribuição dada por Locke ao avanço do constitucionalismo. Já se disse
que a Inglaterra se afirmou como verdadeiro laboratório histórico do Direito Constitucional; a
Locke coube darlhe a mais apurada sistematização.” HORTA, José Luiz Borges. História do Estado de
128 • Capítulo 5 - Um breve panorama sobre a filosofia política no pensamento de John Locke
3. Bibliografia
4. Primeiro Tratado
⁸ Alguns exemplos são: “Sobre a Conduta do Entendimento” (1706), “Questões relativas à lei da
natureza” (1664) e “Paráfrase e notas nas Epístolas de São Paulo” (1707), “Ensaios sobre a lei dos
pobres” (1697) e “Obrigação das leis penais” (1676).
⁹ Apesar de “O Patriarca” ser seu objeto de ataque principal, Locke não deixa de lado outras obras
de Filmer, tais como “Observações sobre a Política de Aristóteles”. Cf. LOCKE, John. Segundo Tra-
tado sobre o Governo Civil e outros escritos. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2001. p. 62.
PEDREIRA DE ALMEIDA, María Cecília. E
10
scravos, súditos e homens: a noção de consentimento na
polêmica LockeFilmer. (Tese de Doutorado). Universidade de São Paulo. Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas, São Paulo, 2006. p.10.
130 • Capítulo 5 - Um breve panorama sobre a filosofia política no pensamento de John Locke
11
SANTOS, Antônio Carlos dos. Locke... cit., p. 268.
12
LOCKE, John. S
egundo Tratado sobre o Governo Civil... cit.,p. 53.
Aléxia Alvim Machado Faria & Layon Duarte Costa • 131
13
LOCKE, John. S
egundo Tratado sobre o Governo Civil...cit.,p. 53.
14
Cf. as críticas realizadas à assunção do direito de paternidade, à autoridade soberana de Adão,
e em LOCKE, Jonh, Segundo Tratado do Governo Civil e outros escritos. 3.ed. Petrópolis: Vozes, 2001.
p. 5556 e 59.
15
LOCKE, John. S
egundo Tratado sobre o Governo Civil...cit.,, p. 53, 60, 64, 68 e 7677.
132 • Capítulo 5 - Um breve panorama sobre a filosofia política no pensamento de John Locke
5. Segundo Tratado
16
LOCKE, John. S
egundo Tratado sobre o Governo Civil... cit.,p. 81.
17
LOCKE, John. S
egundo Tratado sobre o Governo Civil... cit.,p. 81–82.
Aléxia Alvim Machado Faria & Layon Duarte Costa • 133
É esta uma das razões pelas quais o poder político terá uma
roupagem diferente para Locke, se comparado com seus predecessores:
para ele, o poder político não se assemelha àquele de um magistrado
sobre um súdito, ou de um pai sobre um filho. É, na verdade, o direito
de fazer leis, aplicando a pena de morte ou qualquer pena menos severa,
a fim de regulamentar a preservar a propriedade; é empregar a força da
comunidade para a execução das leis e para a defesa da república contra
as depredações do estrangeiro; é proteger o bem público18.
Com esta introdução marcante, Locke abre espaço para as dis-
cussões que explicarão a passagem do estado de natureza à sociedade
civil, separando, de forma organizada e relativamente sistemática, os
passos de seu pensamento.
Primeiro, disserta sobre o estado de natureza (capítulo II), dei-
xando claro sua divergência em relação a Hobbes, na medida em que
não o considera um estado de guerra. Seguidamente, explica suas pró-
prias compreensões sobre o estado de guerra (capítulo III), estado tem-
porário, existente somente quando os homens violam os direitos uns
dos outros (e, como possuem a natureza eminentemente pacífica, nem
sempre o fazem).
O pensamento do autor se desenvolve, em sequência, com seus
estudos sobre a escravidão (capítulo IV), sobre a propriedade (capítulo
V) e sobre o poder paterno (capítulo VI), até chegar na sociedade política
ou civil, quando separa o primeiro momento para suas definições (capí-
tulo VII), o segundo para a compreensão de seu início (capítulo VIII) e o
terceiro, para seus fins (capítulo IX).
Por derradeiro, Locke chega a aspectos mais práticos de suas re-
flexões, dissertando sobre as formas de comunidade civil (capítulo X), a
extensão do poder legislativo (capítulo XI), os poderes legislativo, exe-
cutivo e legislativo da comunidade civil (capítulo XII), a hierarquia de
poderes (capítulo XIII), a prerrogativa (capítulo XIV) e os poderes pater-
no, político e despótico considerados em conjunto (capítulo XV).
No capítulo da conquista (capítulo XVI), Locke trata da tomada
de poder através das guerras, argumentando que tal forma de conquista
de poder não é legítima, já que não é possível “as sociedades políticas
serem fundamentadas sobre outra coisa além do consentimento do po-
vo.”19 Compara ainda a conquista do poder político através da guerra à
atuação de um ladrão sobre o patrimônio alheio, concluindo que:
18
LOCKE, John. S
egundo Tratado sobre o Governo Civil... cit., p. 82.
19
LOCKE, John. S
egundo Tratado sobre o Governo Civil... cit., p. 191.
134 • Capítulo 5 - Um breve panorama sobre a filosofia política no pensamento de John Locke
20
LOCKE, John. S
egundo Tratado sobre o Governo Civil... cit.,p. 196
21
LOCKE, John. S
egundo Tratado sobre o Governo Civil... cit.,p. 206.
22
LOCKE, John. S
egundo Tratado sobre o Governo Civil... cit., ,p. 216.
Aléxia Alvim Machado Faria & Layon Duarte Costa • 135
23
STRAUSS, Leo. Direito Natural e História. Introdução e Trad. Miguel Morgado. Lisboa: Edições
70, 2009. p. 185.
24
Embora seja inquestionável que tais direitos aparecem como inalienáveis em Locke, fica a dúvi-
136 • Capítulo 5 - Um breve panorama sobre a filosofia política no pensamento de John Locke
da sobre a constituição de todos como propriamente direitos naturais. Seria a liberdade, por exem-
plo, um direito ou uma précondição, situação do próprio estado de natureza? Salgado aponta que
direito natural, para Locke, é vida e propriedade, e que a liberdade e igualdade são características
intrínsecas ao estado de natureza. Liberdade é conceito fundamental para a aquisição e a garantia
da propriedade, é irrenunciável e se conserva ainda que se celebre o pacto social para a constitui-
ção do Estado, mas não é propriamente direito natural. Cf. SALGADO Joaquim Carlos. A ideia de
justiça em Kant. Seu fundamento na liberdade e na igualdade. 2.ed. Belo Horizonte: UFMG, 1995. p.
76. Quanto à saúde, talvez se possa dizer que ela decorreria do direito natural à vida, porquanto o
assegura, mas sua completa independência como direito natural não nos parece uma leitura muito
correta. A saúde será tratada por Locke em “Carta sobre a Tolerância”, quando é vista como um
interesse civil.
25
SUESS, Matthew K.Punishment in the State of Nature... cit., p. 374.
Aléxia Alvim Machado Faria & Layon Duarte Costa • 137
27
SALGADO, Joaquim Carlos. A
ideia de justiça em Kant…cit., p. 76.
28
SALGADO, Joaquim Carlos. A
ideia de justiça em Kant…cit., p. 76.
29
KUNTZ, Rolf. Locke, liberdade, igualdade e propriedade. São Paulo: Instituto de Estudos Avançados/
USP, 1997. Disponível em: http://www.iea.usp.br/publicacoes/textos/kuntzlocke.pdf. Acesso em
16.5.2016, p. 3.
Aléxia Alvim Machado Faria & Layon Duarte Costa • 139
30
LOCKE, John. S
egundo Tratado sobre o Governo Civil... cit., p. 83.
31
Capítulo VI, especialmente os parágrafos 54 a 58. Cf. LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Go-
verno Civil... cit., p. 114116.
32
LOCKE, John. S
egundo Tratado sobre o Governo Civil...cit., p. 114.
33
LOCKE, John. S
egundo Tratado sobre o Governo Civil...cit., p. 114.
34
KUNTZ, Rolf. L
ocke, liberdade, igualdade…cit., p. 2
140 • Capítulo 5 - Um breve panorama sobre a filosofia política no pensamento de John Locke
40
COSTA, Pietro. Propriedade e Cidadania na Europa… cit., p. 313314.
41
COSTA, Pietro. Propriedade e Cidadania na Europa… cit., p. 314.
42
COSTA, Pietro. Propriedade e Cidadania na Europa…cit., p. 315.
142 • Capítulo 5 - Um breve panorama sobre a filosofia política no pensamento de John Locke
querelas e disputas.”43
O primeiro e inalienável direito natural do homem é o de pro-
priedade, direito este adquirido pelo seu próprio trabalho (não por dá-
diva divina) e inteiramente condicionado a este. A propriedade é ante-
rior a toda Constituição política e, para Salgado, apresentarseá em Locke
como o objetivo principal da conformação de um Estado, uma vez que
43
LOCKE, John.Segundo Tratado sobre o Governo Civil…cit, p. 101.
44
SALGADO, Joaquim Carlos. A
ideia de justiça em Kant…. cit, p. 77.
45
LOCKE, John.Segundo Tratado sobre o Governo Civil… cit, p. 156.
Aléxia Alvim Machado Faria & Layon Duarte Costa • 143
46
LOCKE, John.Segundo Tratado sobre o Governo Civil…cit, p. 156-157.
47
HORTA, José Luiz Borges. História do Estado de Direito.São Paulo: Alameda, 2011. p. 65.
144 • Capítulo 5 - Um breve panorama sobre a filosofia política no pensamento de John Locke
48
HORTA, José Luiz Borges. H
istória do Estado de Direito…cit., p. 71.
Cf. SUESS, Matthew K. Punishment in the State of Nature… cit, p. 379380; STEWART, Hamish.
49
Criminal Punishment as Private Morality: Victor Tadros’s The Ends of Harm. Criminal
Law and
Philosophy, v. 9, Issue 1, 2015. p. 26.
50
LOCKE, John. S
egundo Tratado sobre o Governo Civil... cit., p. 158.
Aléxia Alvim Machado Faria & Layon Duarte Costa • 145
51
HOERSTER, Norbert. M
uss Strafe Sein? Positionen der Philosophie.Munique: C.H. Beck, 2012. p.
43.
52
LOCKE, John. S
egundo Tratado do Governo Civil...cit, p. 8586.
53
FERRAJOLI, Luigi. D ireito e razão. Teoria do Garantismo Penal. 4. ed. rev. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2014, p. 309. Na oportunidade, deve-se ressaltar o fato de que a expressão “vingança
privada” é utilizada pelo autor, motivo pelo qual optamos pela sua manutenção, preservando a
fidedignidade, o que não significa adesão à ideia que exprime.
54
Nesse sentido, Ferrajoli cita dois trechos de Carta sobre a Tolerância, na qual essa relação entre
punição e direito tutelado se mostra mais clara do que nos Tratados sobre o Governo Civil: “O
Estado é, ao meu ver, uma sociedade de homens constituída somente para procurar preservar e
fazer avançar seus próprios interesses de índole civil. Estimo, ademais, que os interesses civis são
a vida, a liberdade, a saúde, o descanso do corpo e a possessão de coisas externas (...). O dever do
magistrado civil consiste em assegurar, mediante a execução imparcial de leis justas para todo o
povo, em geral, e a cada um dos seus súditos, em particular, a justa possessão dessas coisas (...).
Se alguém pretende violar as leis da equidade e a justiça pública que têm sido estabelecidas para a
preservação dessas coisas, sua pretensão se verá obstaculizada pelo medo ao castigo, que consiste
na privação ou diminuição desses interesses civis ou objetos que, normalmente, teria a possibi-
lidade e o direito de desfrutar.” (LOCKE, John. Lettera sulla tolleranza, p. 135) e “Toda punição é
146 • Capítulo 5 - Um breve panorama sobre a filosofia política no pensamento de John Locke
8. Conclusão
56
POOLE, Hilary. Direitos Humanos: Referências Essenciais. São Paulo: EDUSP, 2008. p. 34.
57
VILLEY, Michel. Nascimento e proliferação dos direitos humanos no século XVII. In O
direito e
os direitos humanos. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 160.
58
GOUGH, J.W.. Introdução. In LOCKE, John.Segundo Tratado sobre o Governo Civil… cit., p. 20.
59
LOCKE, John.Segundo Tratado sobre o Governo Civil…cit, p. 21.
60
GOUGH, J.W. Introdução. In LOCKE, John.Segundo Tratado sobre o Governo Civil…cit, p. 20.
148 • Capítulo 5 - Um breve panorama sobre a filosofia política no pensamento de John Locke
61
LOCKE, John. S
egundo Tratado sobre o Governo Civil... cit., p. 85.
62
LOCKE, John. S
egundo Tratado sobre o Governo Civil...cit., p. 88.
63
LOCKE, John. S
egundo Tratado sobre o Governo Civil...cit., p. 94.
64
LOCKE, John. S
egundo Tratado sobre o Governo Civil...cit., p. 97.
65
LOCKE, John. S
egundo Tratado sobre o Governo Civil...cit., p. 101.
Aléxia Alvim Machado Faria & Layon Duarte Costa • 149
quirida.
Contudo, embora as pessoas sejam iguais e livres, embora o di-
reito à propriedade já esteja virtualmente assegurado pelo próprio tra-
balho do homem, manterse no estado de natureza, sem qualquer segu-
rança em relação à proteção da propriedade, tornase inviável. Devido
a isso, o homem passa a desejar a conformação de uma sociedade civil,
dotada de lei, juízes e poder executório para proteger um de seus maio-
res direitos naturais, a propriedade.
Para assegurar essa proteção, ele não se importará em delegar
sua liberdade e seu poder executório, punitivo, deixando na mão do go-
verno e da lei formulada a partir do consenso a tutela de seus direitos
naturais. Escrevemos “delegar” e não “renunciar” (apesar de a tradução
por nós utilizada preferir a segunda expressão), pois caso o governo não
logre em assegurar o melhor gozo dos direitos nos termos estabeleci-
dos no contrato social, é garantido aos homens o direito à resistência,
retomando a liberdade anteriormente possuída e destituindo o governo
tirano. Influenciado por ideais de defesa do parlamento, Locke concebe
o legislativo como poder supremo, somente podendo ser destituído na
falta do consentimento que o legitimou, dando fundamento, dessa for-
ma, ao direito de resistência.
A teoria de Locke teve refrações nos mais diversos âmbitos do di-
reito. Neste trabalho, escolhemos citar dois que possuem direta relação
com as premissas do pensamento político lockeano: o direito (ou poder)
de punir e os direitos humanos.
As reflexões sobre os desdobramentos do pensamento de Locke,
ou mesmo as discussões encontradas dentro de seu próprio pensamento
não foram, contudo, exaustivamente abordadas. O que se pretendeu,
neste trabalho, foi fomentar um debate sobre alguns dos temas cativos
à filosofia política de Locke, tais como poder político, liberdade, igual-
dade, direito à vida, à resistência, à propriedade privada e direitos hu-
manos.
Referências Bibliográficas
1
Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Minas Gerais.
2
Graduando do 3º período do Bacharelado em Direito da Universidade Federal de Minas Gerais.
3
Trecho do herem de Espinosa, originalmente redigido numa mescla arcaica de português e espa-
nhol que daria origem ao ladino. In: CHAUÍ, Marilena. Espinosa; uma filosofia da liberdade. São
Paulo: Moderna, 1995. p. 6.
4
Ibid., p. 14-15.
5
SCRUTON, Roger. Espinosa. Trad. Luiz Paulo Rouanet. São Paulo: Loyola, 2005. p. 12-16.
Renan Victor Boy Bacelar & Lucas César Severino de Carvalho • 153
6
CHAUÍ, Marilena. Espinosa, cit., p. 23-24.
7
Qualquer tolerância religiosa pretendida por Guilherme de Orange quando da formação da União
de Utrecht não se estenderia ao catolicismo, considerado uma ameaça às Províncias do Norte por
ser identificado com o regime monárquico espanhol. In: SCRUTON, Roger. Espinosa, cit., p. 13.
8
CHAUÍ, Marilena. Espinosa, cit., p. 26-27.
9
Ibid., p. 26-27.
154 • Capítulo 6 - Teologia política em Baruch de Espinosa
10
CHAUÍ, Marilena. Espinosa, cit., p. 28-29.
11
Sobre o episódio: “Durante séculos, os comentadores julgaram ver aqui uma espécie de retratação
do filósofo, já arrependido de ter apontado a liberdade como o verdadeiro fim da república. Trau-
matizado pelo assassinato do ex-Grande Pensionário Jan de Witt e de seu irmão Cornelis às mãos de
uma turba enfurecida e manobrada pelos pastores calvinistas, Espinosa teria sentido necessidade
de corrigir a doutrina que desenvolvera antes, moderar a defesa da liberdade e refletir sobre os mo-
dos de ‘conter a multidão’, escrevendo logo no primeiro capítulo do novo tratado – alegadamente
ao contrário do que escrevera no TTP – que a ‘virtude do estado é a segurança’”. AURÉLIO, Diogo
Pires. In: ESPINOSA, Baruch de. Tratado Político. Trad. Diogo Pires Aurélio. São Paulo: Martins
Fontes, 2009. p. XI-XII.
12
ANTISERI, Dario; GIOVANNI Reale. História da Filosofia; de Spinoza a Kant. Vol. 4. São Paulo:
Paulus, 2005. p. 11.
13
Segundo Bertrand Russell, na tentativa de demovê-lo, foi oferecida a Espinosa a quantia de cem
florins anuais para que mantivesse ocultas suas posições. Após a recusar a oferta, o filósofo sofreu
uma tentativa de homicídio. In: RUSSELL, Bertrand. Historia de la Filosofía Occidental. Trad. Julio
Gomez de la Serna e Antonio Dorta. Versão E-book. Madrid: Espasa Libros, [s.d.]. p. 640.
14
SCRUTON, Roger. Espinosa, cit., p. 15-18.
Renan Victor Boy Bacelar & Lucas César Severino de Carvalho • 155
2. Metafísica
15
SCRUTON, Roger. Espinosa, cit., p. 19-23.
16
“Logo após a morte de Espinosa, seu amigo Colerus, depois pastor luterano em Haia, compôs
um memorial biográfico. Nele ficamos sabendo sobre a simplicidade e naturalidade da vida e da
personalidade do filósofo, e da alta estima em que era tido por seus conhecidos e seus amigos”.
Ibid., p. 25.
17
AURÉLIO, Diogo Pires. In: ESPINOSA, Baruch de. Tratado Político, cit., p. LXIX-LXXIII.
18
ESPINOSA, Baruch de. Tratado da correção do intelecto; e do caminho pelo qual melhor se dirige ao
verdadeiro conhecimento das coisas. Trad. Carlos Lopes de Mattos. In: Os Pensadores, v. XVII. São
Paulo: Abril Cultural, 1973. p. 51.
156 • Capítulo 6 - Teologia política em Baruch de Espinosa
19
SCRUTON, Roger. Espinosa, cit., p. 31-32.
20
“[…] es verdad que, incluso para él, Dios era, en un sentido, más sustancial que espíritu y materia,
puesto que los había creado y podía, si quería, aniquilarlos”. In: RUSSELL, Bertrand. Historia de la
Filosofía Occidental, cit., p. 642.
21
ANTISERI, Dario; GIOVANNI Reale. História da Filosofia, cit., p. 16.
22
ESPINOSA, Baruch de. Ética demonstrada à Maneira dos Geômetras. Trad. Joaquim de Carvalho.
Renan Victor Boy Bacelar & Lucas César Severino de Carvalho • 157
27
CHAUÍ, Marilena. Espinosa; poder e liberdade. In: BORON, Atílio A (Org.). Filosofia política moder-
na; De Hobbes a Marx. São Paulo: CLACSO, 2006. Disponível em: < http://goo.gl/EJHMkx>. Acesso
em: 01 mai. 2016.
28
ESPINOSA, Baruch de. Ética, cit., p. 84.
29
CHAUÍ, Marilena. Espinosa, cit., p. 50.
30
ESPINOSA, Baruch de. Ética, cit., p. 84.
31
SCRUTON, Roger. Espinosa, cit., p. 50.
32
ESPINOSA, Baruch de. Ética, cit., p. 84.
Renan Victor Boy Bacelar & Lucas César Severino de Carvalho • 159
33
CHAUÍ, Marilena. Espinosa,. cit., p. 47-48.
34
ANTISERI, Dario; GIOVANNI Reale. História da Filosofia, cit., p. 21-22.
35
MARÍAS, Julián. História da Filosofia. Trad. Cláudia Berliner. São Paulo: Martins Fontes, 2004. p.
253.
36
CHAUÍ, Marilena. Espinosa, cit., p. 47.
37
Nesse sentido: “No puede existir la inmortalidad personal en que creen los cristianos, sino sólo
aquella inmortalidad impersonal que consiste en hacerse más y más uno con Dios”. In: RUSSELL,
Bertrand. Historia de la Filosofía Occidental, cit., p. 641.
38
O conhecimento em Espinosa apresenta três níveis: a) opinião, decorrente de imagens confusas
provenientes, sobretudo, da experiência; b) razão, conhecimento das noções comuns, das relações
entre um todo e suas partes e das partes de um mesmo todo; c) intuição, conhecimento da essên-
cia das coisas, isto é, das suas relações de causalidade a partir da ótica divina. A primeira forma
consiste em ideias inadequadas. A segunda e a terceira formas consistem em ideias adequadas.
ANTISERI, Dario; GIOVANNI Reale. História da Filosofia, cit., p. 23-24.
160 • Capítulo 6 - Teologia política em Baruch de Espinosa
39
CHAUÍ, Marilena. Espinosa, cit., p. 34-46.
40
Ibid., p. 53-58.
41
ESPINOSA, Baruch de. Ética, cit., p. 143.
42
SCRUTON, Roger. Espinosa, cit., p. 71.
Renan Victor Boy Bacelar & Lucas César Severino de Carvalho • 161
43
CHAUÍ, Marilena. Espinosa, cit., p. 64-68.
44
RUSSELL, Bertrand. Historia de la Filosofía Occidental, cit., p. 646.
45
ESPINOSA, Baruch de. Ética, cit., p. 84.
162 • Capítulo 6 - Teologia política em Baruch de Espinosa
46
RUSSELL, Bertrand. Historia de la Filosofía Occidental, cit., p. 646.
47
SCRUTON, Roger. Espinosa, cit., p. 96.
48
MARÍAS, Julián. História da Filosofia, cit., p. 255.
49
CHAUÍ, Marilena. Espinosa, cit., p. 68-71.
50
ESPINOSA, Baruch de. Ética, cit., p. 235.
Renan Victor Boy Bacelar & Lucas César Severino de Carvalho • 163
da fortuna (que não estão sob nosso controle); c) enquanto ensina a não
odiar, não invejar, nem desprezar ninguém, já que apenas a conduta da
razão é capaz de libertar; d) enquanto oferecem vantagens para a insti-
tuição do Estado, porque ensina que os cidadãos devem ser governados
não como escravos, mas como livres para realizar as melhores ações51.
Tal como ocorre em Descartes, a filosofia moral de Espinosa pre-
tende uma concepção absoluta do mundo, isto é, uma concepção do
mundo alheia a qualquer subjetividade. Assim, os problemas éticos são
trabalhados a partir de uma pessoa que pensa de forma desinteressada,
para quem o indivíduo é governado pelas mesmas leis divinas que tudo
governam. Nessa visão desprovida de sujeito52, é possível enxergar a
realidade sub especie aeternitatis, isto é, a partir da visão eterna de Deus:
4.1 Contextualização
51
Ibid., p. 179.
52
SCRUTON, Roger. Espinosa, cit., p. 82.
53
ESPINOSA, Baruch de. Ética, cit., p. 302.
54
“Costuma-se traduzir sub especie aeternitatis por ‘sob uma espécie de eternidade’, mas, em por-
tuguês, ‘uma espécie de’ possui um sentido fraco e vago que não corresponde ao sentido forte e
preciso do que Espinosa afirma [...] Evitamos traduzir species por ‘forma’, porque Espinosa usa
esse termo em um outro contexto [...] assim como evitamos ‘figura’, em razão de seu uso hegeliano
(isto é, para não dar o sentido de um desenvolvimento do Absoluto). Por isso escolhemos ‘aspecto’
pretendendo sublinhar que Espinosa está distinguindo entre conhecimento sub duratione e sub ae-
ternitate”. CHAUÍ, Marilena. A nervura do real; Notas, bibliografia e índices. São Paulo: Companhia
das Letras, 2006. p. 21.
164 • Capítulo 6 - Teologia política em Baruch de Espinosa
55
SCRUTON, Roger. Espinosa, cit., p. 102.
NADLER, Steven. A Book Forged in Hell; Spinoza’s Scandalous Treatise and the Birth of the Secular
56
58
CHAUÍ, Marilena. Política em Espinosa. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. p. 86-90.
59
CHAUÍ, Marilena. Espinosa, cit., p. 37.
60
CHÂTELET, François; DUHAMEL, Olivier; PISIER, Evelyne. História das Ideias Políticas. Trad.
Carlos Nelson Coutinho. 2. ed. Rio de Janeiro, Zahar, 2009. p. 52.
166 • Capítulo 6 - Teologia política em Baruch de Espinosa
61
SCALA, André. Espinosa. Trad. Tessa Moura Lacerda. São Paulo: Estação Liberdade, 2003. p. 74-
75.
62
SCRUTON, Roger. Espinosa, cit., p. 105.
63
ESPINOSA, Baruch de. Tratado teológico-político. Trad. Atilano Domínguez. Barcelona: Altaya,
1997. p. 393.
64
STRAUSS, Leo. Spinoza’s critique of religion. Trad. E. M. Sinclair. New York: Schocken Books, 1965.
p. 245.
Renan Victor Boy Bacelar & Lucas César Severino de Carvalho • 167
65
NADLER, Steven. A Book Forged in Hell, cit., p. 32-33.
66
ESPINOSA, Baruch de. Tratado teológico-político, cit., p. 410.
67
SCRUTON, Roger. Espinosa, cit., p. 106.
68
ESPINOSA, Baruch de. Tratado teológico-político, cit., p. 419.
69
SCRUTON, Roger. Espinosa, cit., p. 106.
168 • Capítulo 6 - Teologia política em Baruch de Espinosa
70
Ibid., p. 110-112.
71
“With the younger as with the older thinker, natural right (ius naturale) is nothing but natural
power; man, like every other form of existence, has by nature no more controlling motive or guide
for his actions than self-interest, and the ultimate demand of self-interest is self-preservation”. In:
DUNNING, William Archibald. A history of political theories; from Luther to Montesquieu. New
York: The Macmillan Company, 1921. p. 311.
72
HUBBELING, Hubertus Gezinus. Spinoza. Barcelona: Editorial Herder, 1981. p. 106.
73
Eric Voegelin afirma que a expressão “direito natural” em Espinosa faz parte de um vocabulário
exotérico utilizado para captar a atenção das massas, mas que, em si, não possui qualquer significa-
do. É dizer, a natureza não revela nenhuma estrutura de direitos, só mostra estruturas de poder. A
mesma consideração se aplica ao estado civil e ao estado de natureza, uma vez que o homem jamais
deixa o último. In: VOEGELIN, Eric. History of political ideas, vol. XVII; the new order and the last
orientation. Columbia: University of Missouri Press, 1999. p. 130.
74
A cisão entre Espinosa e Hobbes se mostra mais franca quando analisado a essência dos indiví-
duos que compõem os dois sistemas estatais desenvolvidos nos seus respectivos sistemas filosó-
fico-políticos, nesse sentido: “Vista, porém, de outro prisma, a política de Espinosa mais não faz
que expurgar o hobbismo das suas contradições e levar às últimas consequências a ideia de que o
direito e o estado só podem ser pensados a partir da potência que cada indivíduo detém na nature-
za. Contra a tese hobbesiana de um direito supremo a tudo, acima da lei e dos costumes, no qual se
concentraria definitivamente, após o contrato, a potência de todos os súditos, Espinosa observa que
a potência individual não é transferível por nenhuma espécie de contrato, uma vez que ela constitui
precisamente a essência dos seres vivos, a qual não é senão o conatus, o esforço de cada um para
resistir tanto quanto possa ao que o pode destruir ou reduzir-lhe a liberdade. (...) Nesse sentido,
Espinosa abandonará o binômio clássico direito-dever para o substituir, conforme observa Étienne
Balibar, por um outro binômio de noções correlativas, a independência e a dependência, estar ou
não estar sob a jurisdição de si próprio”. AURÉLIO, Diogo Pereira. In: ESPINOSA, Benedictus de.
Tratado Político. Trad. Diogo Pires Aurélio. São Paulo: Folha de São Paulo, 2015. p. 13.
Renan Victor Boy Bacelar & Lucas César Severino de Carvalho • 169
75
CHAUÍ, Marilena. Espinosa, cit., p. 74-75.
76
ESPINOSA, Baruch de. Tratado teológico-político, cit., p. 350.
77
SCRUTON, Roger. Espinosa, cit., p. 110.
78
CHÂTELET, François; DUHAMEL, Olivier; PISIER, Evelyne. História das Ideias Políticas, cit., p. 52.
170 • Capítulo 6 - Teologia política em Baruch de Espinosa
reito terão todos eles79 e quanto mais racional o agir, mais livre a socie-
dade.
Referências bibliográficas
designar a obra e o autor”. CHAUÍ, Marilena. A nervura do real; imanência e liberdade em Espinosa.
São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 25.
84
Palavras atribuídas ao poeta Novalis. Cf. CHAUÍ, Marilena. A nervura do real, cit., p. 5.
85
OLIVEIRA, Júlio Aguiar de. O fundamento do Direito em Espinosa. Belo Horizonte: Mandamentos,
2009. p. 109.
172 • Capítulo 6 - Teologia política em Baruch de Espinosa
5
Shklar aponta para o fato de que, na teoria de Montesquieu, seria impossível pensar em sua estru-
tura de normas sem que ela tivesse um Criador. De fato, para Montesquieu, a ideia da existência
de leis requeria, em conjunto, a ideia de um legislador. Desse modo, se tudo no mundo possui uma
causa; se todo artefato possui um artesão; e se toda a lei possui um legislador, seria lógico pensar
que o mundo teria sido concebido por um criador. Montesquieu, deísta, entendia que essa era uma
solução plausível para a explicação não apenas da existência, mas da conservação do mundo. Cf.
SHKLAR, Montesquieu... cit., p. 70-71.
6
Nas palavras do próprio autor, temos: “Deus possui uma relação com o universo, como criador
e conservador: as leis segundo as quais criou são aquelas segundo as quais conserva. Ele age se-
gundo estas regras porque as conhece; conhece-as porque as fez, e as fez porque elas possuem uma
relação com sua sabedoria e potência.” Mais adiante, para enfatizar o caráter necessário das leis,
até mesmo das leis de Deus, Montesquieu argumenta: “Assim, a criação, que parece ser um ato
arbitrário, supõe regras tão invariáveis quanto a fatalidade dos ateus. Seria absurdo dizer que o
Criador poderia, sem estas regras, governar o mundo, já que o mundo não subsistiria sem elas.” Cf.
MONTESQUIEU, O Espírito das Leis… cit., p.11-12.
7
ALTHUSSER, Montesquieu... cit., p. 33-36.
Vinícius Batelli de Souza Balestra • 177
Não separei as leis políticas das leis civis; pois, como não estou
tratando das leis, mas do espírito das leis, e este espírito consis-
te nas diversas relações que as leis podem possuir com diversas
coisas, tive de acompanhar menos a ordem natural das leis do
que a ordem destas relações e destas coisas8.
8
Cf. MONTESQUIEU, O Espírito das Leis… cit., p. 13.
9
“Above all, the book is about the spirit, not the letter of the law; about what it means in society and
not what it says in the law-books”. Cf. SHKLAR, Montesquieu... cit, p. 70.
10
“Considerada a partir de esta mirada retrospectiva, toda la existencia de Montesquieu converge
hacia esta obra; todas las experiencias se vertieron en ella, todas las energías le fueron dedicadas.
Por ello, es preciso buscar su vida en este libro capital, que la utilizó y la absorbió. Entonces, todo
cobra sentido: los Viajes resultan ser un acopio de documentos para El espíritu de las leyes, las Consi-
deraciones sobre los romanos, un capítulo suelto del futuro libro...”. Cf. STAROBINSKI, Jean. Montes-
quieu. Cidade do México: Fondo de Cultura Económica, 1989. p. 34.
178 • Capítulo 7 - Montesquieu: das leis às formas de governo
11
MONTESQUIEU, O Espírito das Leis…cit., p. 15.
Vinícius Batelli de Souza Balestra • 179
12
BIGNOTTO, Newton. A Matriz Francesa. In: BIGNOTTO, Newton. Matrizes do Republicanis-
mo. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2013. p. 179-180.
13
MONTESQUIEU, O Espírito das Leis… cit., p. 32.
14
MONTESQUIEU, O Espírito das Leis… cit., p. 33.
180 • Capítulo 7 - Montesquieu: das leis às formas de governo
palavras, o sufrágio deveria ser tão amplo quanto possível, mas grande
parte dos assuntos de Estado deveria ser exercido por servidores públi-
cos eleitos pelo povo.15
A medida dessa decisão, dirá Montesquieu, é a da velocidade
que os negócios de Estado devem ter: nem muito rápidos, nem muito
lentos. Montesquieu, além do mais, faz um relativo elogio da escolha
popular: diz que o povo, por andar e conhecer o mundo e a praça públi-
ca, saberá bem escolher seus generais, seus pretores, seus edis, melhor
do um monarca fechado em seu palácio. De todo modo, é essencial que
o povo eleja seus magistrados, ou, no mínimo, que eles sejam nomeados
por alguém de sua confiança. Só assim será possível que haja confiança
na república.16
Também é preciso que se faça uma escolha fundamental para a
República democrática: como ocorrerá o sufrágio? Assim, o modo com
que as eleições, as escolhas públicas do povo se darão, também são da
preocupação de Montesquieu; o sorteio, para ele, é o modo mais ade-
quado nas democracias, enquanto as eleições seriam mais próprias de
uma aristocracia. Por ter seus defeitos enquanto método de sufrágio, o
sorteio deveria ser limitado e corrigido.
Essa correção poderia se dar, por exemplo, de modo que os sor-
teios só ocorressem para aqueles que se apresentassem, e os escolhidos
fossem submetidos a juízes. Outro instrumento seria uma avaliação,
ao final do periodo de magistratura, do comportamento do eleito. Para
Montesquieu, isso evitaria aventuras com a coisa pública: “As pessoas
incapazes não deviam gostar muito de dar seu nome para sorteio”, arre-
mata, ao comentar as restrições feitas por Sólon ao sufrágio por sorteio,
ao seu tempo, e que haviam provado o grande valor de Sólon como le-
gislador. 17
Por fim, em relação à natureza das leis de uma república demo-
crática, Montesquieu coloca duas questões: a primeira, a respeito da pu-
blicidade dos sufrágios. Entende, assim, que devem ser públicos, e não
secretos os votos, valendo-se, inclusive, das considerações de Cícero,
para quem o voto secreto fôra a ruína de Roma. A segunda questão colo-
cada é a de que o povo deve elaborar as leis; e, quando não for possível,
deve aprová-las, como ocorria em Roma, época em que as leis promul-
gadas pelo Senado deveriam, um ano após vigentes, ser confirmadas
15
SHKLAR, Montesquieu... cit., p. 76.
16
MONTESQUIEU, O Espírito das Leis… cit., p. 20-21.
17
MONTESQUIEU, O Espírito das Leis… cit., p. 22.
Vinícius Batelli de Souza Balestra • 181
pelo povo.
Assim, com essas considerações, Montesquieu encerra suas li-
ções gerais a respeito das leis fundamentais da natureza do governo;
com isso, contudo, não se encerram as questões a respeito das leis de
uma república. Até aqui, o autor trata do funcionamento dos negócios
de Estado; quando, no entanto, fizer suas considerações a respeito do
princípio republicano – qual seja, a virtude, como já dissemos -, Mon-
tesquieu tratará de leis que funcionam como “molas propulsoras”18 das
emoções dos cidadãos que verdadeiramente movem seu governo.
Não há dúvida de que em O Espírito das Leis, o princípio de go-
verno mais elogiado é aquele da república. A virtude tem papel central
nas considerações de Montesquieu. Essencial para a república, mas de
menor gravidade para as outras formas de governo; de fato, a virtude
é mais extensamente tratada, debatida e exemplificada no texto do que
a moderação aristocrática, a honra monárquica ou mesmo o medo des-
pótico.
Para tal compreensão de República, Montesquieu adotou – con-
forme anota Newton Bignotto19 - uma estratégia que se valia, ao mesmo
tempo da herança dos autores ingleses, que haviam se nutrido do hu-
manismo italiano, e também da própria experiência inglesa do século
XVII20. Em outras palavras, Montesquieu se vale não só de uma análise
da realidade e da sua histórica recente, como também de uma profunda
compreensão do passado. Isto, obviamente, sem falar no amplo trato
que Montesquieu faz da herança da Antiguidade Clássica.
A observação de Montesquieu, de que “não é necessária muita
probidade para que um governo monárquico ou um governo despótico
se mantenham ou se sustentem”,21 é apenas aparentemente casual ou
desinteressada. Montesquieu, com essa frase, queria colocar a virtude
estritamente sob o regime republicano, para dar combate a uma prática
18
MONTESQUIEU, O Espírito das Leis… cit., p. 38.
19
BIGNOTTO, A Matriz Francesa... cit., p. 180-181.
20
Comentando a Revolução Inglesa, a tentativa de estabelecimento de uma democracia e a relação
do povo com a virtude necessária para essa empreitada, Montesquieu comenta: “Foi um espetáculo
deveras interessante, no século passado, assistir aos esforços impotentes dos ingleses para estabe-
lecerem entre eles a democracia. Como aqueles que participaram dos negócios não tinham virtude,
como sua ambição estava acirrada pelo sucesso daquele que tinha sido mais ousado, como espírito
de uma facção só era reprimido pelo espírito de outra, o governo mudava sem cessar; o povo espan-
tado procurava a democracia e não a encontrava em lugar algum. Enfim, após muitos movimentos,
choques e sacolejos, foi necessário voltar para aquele governo que tinha sido proscrito.” Cf. MON-
TESQUIEU, O Espírito das Leis… cit., p. 32.
21
MONTESQUIEU, O Espírito das Leis…cit., p. 32.
182 • Capítulo 7 - Montesquieu: das leis às formas de governo
22
Veja-se, por exemplo, a crítica feita no Livro III d’O Espírito das Leis: “Os políticos gregos, que vi-
viam no governo popular, não reconheciam outra força que pudesse sustentá-los além da virtude.
Os de hoje só nos falam de manufaturas, de finanças, de riquezas e até de luxo”. Cf. MONTES-
QUIEU, O Espírito das Leis… cit., p. 33.
23
SHKLAR, Judith. Montesquieu and the new republicanism. In: SKINNER, Quentin. Machiavelli
and Republicanism. New York: Cambridge University Press, 1993. p. 266.
24
BIGNOTTO, A Matriz Francesa... cit., p. 180.
25
Não é esse, no entanto, o entendimento de Althusser a respeito do elogio de Montesquieu à
forma republicana democrática. Althusser observa que as considerações feitas por Montesquieu
aos governos republicanos democráticos são sempre acompanhadas dos exemplos das pequenas
repúblicas do período clássico da Antiguidade. Assim, para Althusser, o destaque de um certo
“angelismo político” que teria dominado as repúblicas do período clássico da Antiguidade serve
justamente para demonstrar que a democracia é um regime de exceção, porque alcança estabilidade
e universalidade. Althusser enxerga, portanto, um elogio retrospectivo às democracias antigas, em
especial à virtude que nelas reinava, elogio esse que serviria não para torná-las modelos para a
Modernidade, mas justamente para descartá-las como alternativa política. Ver em: ALTHUSSER,
Montesquieu... cit., p. 77-83.
Vinícius Batelli de Souza Balestra • 183
26
MONTESQUIEU, O Espírito das Leis… cit., p. 53.
27
MONTESQUIEU, O Espírito das Leis… cit., p. 55.
184 • Capítulo 7 - Montesquieu: das leis às formas de governo
28
SHKLAR, Montesquieu and the new republicanism... cit., p. 265.
29
MONTESQUIEU, O Espírito das Leis… cit., p. 59.
30
“Assim como a igualdade das riquezas mantém a frugalidade, a frugalidade mantém a igualdade
das riquezas. Estas coisas, embora diferentes, são tais que não podem subsistir uma sem a outra;
cada qual é a causa e o efeito, e quando umas delas é retirada da democracia a outra sempre a se-
gue”. Cf. MONTESQUIEU, O Espírito das Leis… cit., p. 59.
Vinícius Batelli de Souza Balestra • 185
31
MONTESQUIEU, O Espírito das Leis… cit., p. 26.
32
MONTESQUIEU, O Espírito das Leis… cit., p. 34.
186 • Capítulo 7 - Montesquieu: das leis às formas de governo
Assim como o mar, que parece querer cobrir toda a terra, é de-
tido pelas ervas e os menores pedregulhos que se encontram
na orla, assim também os monarcas, cujo poder parece sem li-
mites, são detidos pelos menores obstáculos e submetem seu
orgulho natural às queixas e aos pedidos36.
33
MONTESQUIEU, O Espírito das Leis… cit., p. 54.
34
MONTESQUIEU, O Espírito das Leis… cit., p. 65.
35
MONTESQUIEU, O Espírito das Leis… cit., p. 27.
36
MONTESQUIEU, O Espírito das Leis… cit., p. 27.
Vinícius Batelli de Souza Balestra • 187
37
MONTESQUIEU, O Espírito das Leis… cit., p. 66.
38
“Quando os selvagens da Louisiana querem ter frutas, cortam a árvore e apanham a fruta. Eis o
governo despótico”. Ver em: MONTESQUIEU, O Espírito das Leis… cit., p. 69.
39
MONTESQUIEU, O Espírito das Leis… cit., p. 29.
40
MONTESQUIEU, O Espírito das Leis… cit., p. 75.
188 • Capítulo 7 - Montesquieu: das leis às formas de governo
uma ferramenta útil para o déspota, de modo que as leis que instituam
o confisco ganham força nas tiranias. Com isso, reforça-se o medo que o
povo tem do príncipe, e ainda se proporciona ao governo uma forma de
arrecadação com a qual pode fazer algum benefício ao povo. A limitação
do confisco é característica de Estados moderados; sua previsão indis-
criminada, por outro lado, serve ao medo e ao temor que sustentam os
déspotas. De modo geral, no entanto, Montesquieu ressalta a ausência
de leis nos mais diversos assuntos de Estado, quando se trata de um Es-
tado despótico: não há previsão de sucessão do príncipe (pois também
seus parentes são seus súditos e escravos), não há leis para o comércio,
e as leis que regulam a relação entre o governo e o cidadão são amplas e
arbitrárias (como no exemplo do confisco).41
Assim, após enumerar cada forma de governo, seus princípios
e as relações das leis políticas de cada com tais princípios, é possível
entender melhor a metáfora da mola de que se vale Montesquieu: os prin-
cípios recebem um sopro adicional de força, quando as leis são a eles
moldadas. Nesse ponto, é preciso destacar algumas anotações de Han-
nah Arendt sobre as formas de governo de Montesquieu.
41
MONTESQUIEU, O Espírito das Leis… cit., p. 69-78.
42
ARENDT, Hannah. Montesquieu’s Revision of the Tradition. In: ARENDT, Hannah. The Promise
of Politics. Nova Iorque: Schoken Books, 2005. p. 63-69.
Vinícius Batelli de Souza Balestra • 189
43
“But lawfulness, as Montesquieu understood it, can only set limitations to actions, and never
inspires them” é uma das afirmações que Arendt faz nesse texto, e que de algum modo parece con-
traditória com o que o próprio Montesquieu estatui. Em O Espírito das Leis, encontramos Montes-
quieu argumentando que as leis têm o papel de incentivar e reforçar os princípios. Ora, se é preciso,
como o autor argumenta, que as leis exerçam o papel de salvaguarda e reiteração dos princípios de
governo, não parece de todo correto dizer, como faz Arendt, que as leis apenas “limitam” as ações.
É verdade que, em O Espírito das Leis, encontramos a afirmação de as leis não produzem ações nem
discursos, mas não é verdade que as leis não tenham condão de inspirá-las, como argumentou
Arendt. Cf. ARENDT, Montesquieu’s Revision of the Tradition... cit., p. 65.
44
ARENDT, Montesquieu’s Revision of the Tradition... cit., p. 63-65.
45
ARENDT, Montesquieu’s Revision of the Tradition... cit., p. 64.
190 • Capítulo 7 - Montesquieu: das leis às formas de governo
46
Pluralidade é a condição humana da ação, diz Arendt. Ao mesmo tempo em que somos todos
humanos, existimos de tal modo que não seremos iguais a ninguém que já tenha vivido, que viva
ou que viverá no mundo. Cf. ARENDT, Hannah. The Human Condition. Chicago: The University
Of Chicago Press, 1998. p. 8.
47
ARENDT, Montesquieu’s Revision of the Tradition... cit., p. 66.
48
ARENDT, Montesquieu’s Revision of the Tradition... cit., p. 66-67.
49
Vale destacar, nesse ponto, a associação que Arendt faz entre a igualdade e a distinção enquan-
to características da condição humana da pluralidade e seu aspecto político. Encontramos em A
Condição Humana a conceituação que nos auxilia para esclarecimento desse ponto. Se não fôssemos
iguais, não seríamos capazes de nos entender no presente, nem sequer planejar o futuro para aque-
les que virão. Se não fôssemos distintos, diferentes, a comunicação não seria necessária, pois todos
teriam os mesmos desejos e necessidades. E é exatamente nesse contexto de possibilidade e necessi-
dade de comunicação que se desenvolvem a ação e o discurso. A partir da ação e do discurso é que
os homens são capazes de se distinguirem e aparecer para os seus iguais, isto é, aparecer no espaço
público, no espaço entre os homens. Cf. ARENDT, The Human Condition... cit., p. 175-176.
Vinícius Batelli de Souza Balestra • 191
50
É preciso observer que em A Condição Humana, Arendt recoloca a questão da tirania sob outra
ótica. No texto sobre Montesquieu que Jerome Kohn inseriu em A Promessa da Política, o argu-
mento da autora é de que que Montesquieu não tratara da experiência humana que fundamenta o
medo na tirania. Já n’A Condição Humana, Arendt retoma a diferença entre isolamento e solidão para
preencher essa lacuna que o isolamento (que está ligado à vida pública) é a base para o medo tirâ-
nico, enquanto que a solidão (que está ligado à vida humana como um todo, tanto pública quanto
privada) é que baseia a experiência totalitária. Cf. ARENDT, The Human Condition... cit., p. 202-203.
192 • Capítulo 7 - Montesquieu: das leis às formas de governo
Referências bibliográficas
Introdução
ca; e até a formulação das leis penais. Todos esses diferentes aspectos es-
tão consubstanciados pela história, segundo uma ideia de causalidade.
A originalidade dessa articulação é justamente o que faz perma-
nente a relevância de Montesquieu e, com isso, torna pertinente o artigo
em epígrafe, não obstante as inúmeras contribuições já existentes. As-
sim, apesar da ciência da impossibilidade de esgotamento, o presente
trabalho investiga o pensamento do filósofo bordelês, iniciando-se pelas
circunstâncias que propiciaram sua construção, para, enfim, vislumbrar
a magnitude de sua obra, ainda hoje, intacta.
⁴ CASSIRER, Ernst. A filosofia do iluminismo. Trad. Álvaro Cabral. Campinas: Editora da UNICAMP,
1992. p. 19.
⁵ Ibid., p. 21-23.
Isadora Eller de Alencar Miranda & Igor Moraes Santos • 195
⁶ SANTOS, Antônio Carlos dos. A Filosofia e o filosofar francês no século XVIII. Sapere Aude, Belo
Horizonte, v. 1, n. 1, p. 84-95, 2010. p. 91.
⁷ MAYOS, Gonçal. Macrofilosofía de la Modernidad. Barcelona: dLibro, 2012. p. 70.
⁸ Mais tarde, naquele mesmo ano, a Europa presenciou um dos piores abalos sísmicos de sua his-
tória moderna: trata-se do Terremoto de Lisboa, que acarretou a morte de aproximadamente trinta
mil pessoas.
⁹ GONTIER, Ursula Haskins. Montesquieu and the England: Enlightened Exchanges, 1689-1755. Lon-
dres: Pickering & Chatto, 2010. (Tradução nossa).
196 • Capítulo 8 - Das leis à história: Direito, política e causalidade histórica em Montesquieu
10
DESGRAVES, Louis. Montesquieu. Paris: Mazarine, 1986. p. 94-101.
11
STAROBINSKI, Jean. Montesquieu. Trad. Tomás Rosa Bueno. São Paulo: Companhia das Letras,
1990. p. 17-18.
12
Ibid., p. 19.
Isadora Eller de Alencar Miranda & Igor Moraes Santos • 197
13
Como a crítica dirigida a Luís XIV em Cartas persas, romance escrito em forma de epístolas: “O rei
de França é velho, e não há exemplo nos nossos anais de monarca que haja reinado tanto tempo. (...)
Estudei o seu caráter e achei nele contradições que não posso conciliar: por exemplo, tem um minis-
tro de dezoito anos e uma amante de oitenta; é afeiçoado à sua religião, e não tolera os que dizem
que é necessário guardar os seus mandamentos; foge do bulício das cidades, deixa-se ver pouco, e
desde pela manhã até à noite só se ocupa em que falem dele; gosta dos troféus e das vitórias, e as-
susta-o tanto ver um bom general à frente das suas tropas como deveria tremer de vê-lo à frente de
um exército inimigo. Creio que só a ele lhe tenha sucedido possuir mais riquezas que todas quantas
podia esperar um príncipe, e gemer acabrunhado por uma pobreza que num simples particular
seria intolerável”. MONTESQUIEU. Cartas persas, XXXVII. Cf. p. 84-85.
14
Inobstante a colaboração para a Encyclopédie, no final da vida, com o texto Ensaio sobre o gosto. Cf.
SANTOS, Antônio Carlos dos. A Filosofia e o filosofar francês no século XVIII. cit., p. 87.
15
DESGRAVES, Louis. Montesquieu. cit., p. 98-99.
16
ALTHUSSER, Louis. Montesquieu: la politique et l’histoire. Paris: PUF, 1992. p. 7-8.
17
Id., ibid., p. 26; GOYARD-FABRE, Simone. Montesquieu: la Nature, les Lois, la Liberté. Paris: PUF,
1993. p. 90.
18
MONTESQUIEU. Cartas persas, XCIV. Cf. p. 171. Este ponto será detalhado no próximo tópico.
198 • Capítulo 8 - Das leis à história: Direito, política e causalidade histórica em Montesquieu
dades humanas. Julga o que é, não o que deve ser19, a despeito de, por
vezes, aparentar o contrário. Montesquieu supõe ser possível aplicar à
política e à história a metodologia newtoniana20, quer dizer, tirar a uni-
dade e a constância da diversidade e da mutabilidade das instituições
humanas, das relações imanentes aos fenômenos, por meio da pesquisa
e da comparação21. Conquanto não tenha ele próprio concebido a ideia
de uma “física social”, foi pioneiro em partir dos fatos para construir a
ciência política22 e, como quer Durkheim, em entrever as condições ne-
cessárias para o estabelecimento das ciências sociais23.
Para o êxito dessa empreitada, foi-lhe preciso afastar as perspec-
tivas religiosas e morais, pertencentes a outras ordens, cada qual do-
tada de suas próprias leis. Para investigar as sociedades é imprescin-
dível partir dos elementos interiores que comandam as suas formas e
naturezas. Assim, afirma a autonomia do político como tal24. Os embates
de Montesquieu com a religião são causa e consequência desta postura.
Para Ehrard, na Dissertação sobre a política dos romanos sobre a religião eco-
am os efeitos da Revocação e as querelas em torno da bula Unigenitus25,
em que o rei francês é criticado pela influência demasiada da Igreja por
meio do retorno aos romanos, felicitados por terem feito a “religião para
o Estado” e não “o Estado para a religião”26. Para Starobinski, embora
autodeclarado cristão respeitoso, quer analisar a fé como objeto de co-
nhecimento, e não mais tê-la como fundamento do saber. Entre os dois
19
ALTHUSSER, Louis. Montesquieu: la politique et l’histoire. cit., p. 27.
20
Na obra Philosophiae naturalis principia mathematica, publicada pela primeira vez em 1687, Newton
formulou as regulae philosophandi, princípios metodológicos para guiar os raciocínios sobre as coisas
naturais. Filosofia Natural, o estudo das coisas naturais, é o que se desenvolveu e se tornou as ciên-
cias naturais nos séculos seguintes. HARPER, William H. Isaac Newton’s Scientific Method: Turning
Data into Evidence about Gravity and Cosmology. Oxford: Oxford University Press, 2011. p. 170.
21
ALTHUSSER, Louis. Montesquieu: la politique et l’histoire. cit., p. 32.
22
Ibid., p. 15; MONTESQUIEU. O espírito das leis, Prefácio. Cf. p. 5-7.
DURKHEIM, Émile. Montesquieu e Rousseau: pioneiros da Sociologia. Trad. Julia Vidili. São Paulo:
23
mundos, opta por este, onde se vive, morre e nada dura27. Esta postura o
levará a ser acusado de espinosismo, jansenismo, deísmo e ateísmo por
sua magnum opus, das quais tentará rebater em Defesa do Espírito das Leis.
No referido texto, afirma ter redigido obra de pura política e de pura ju-
risprudência”28, sendo recriminado por quem “nunca entende o sentido
das coisas e se prende a palavras”29.
Vejamos agora como Montesquieu desenvolve algumas de suas
principais concepções.
2. As leis
27
STAROBINSKI, Jean. Montesquieu. cit., p. 52-53.
28
MONTESQUIEU. Defesa do espírito das leis. Cf. p. 711.
29
Ibid., p. 714.
30
MONTESQUIEU. O espírito das leis, Prefácio. Cf. p. 5.
31
MONTESQUIEU. O espírito das leis, I, 1. Cf. p. 11.
32
GOYARD-FABRE, Simone. Montesquieu: la Nature, les Lois, la Liberté. Paris: PUF, 1993. p. 69.
33
MONTESQUIEU. O espírito das leis, I, 1. Cf. p. 11-12. Sobre Deus também estar submetido a leis:
“Deus possui uma relação com o universo, como criador e como conservador: as leis segundo as
quais criou são aquelas segundo as quais conserva. Ele age segundo estas regras porque as conhe-
ce; conhece-as porque as fez, e as fez porque elas possuem uma relação com sua sabedoria e sua
potência”.
34
GOYARD-FABRE, Simone. Montesquieu: la Nature, les Lois, la Liberté. cit., p. 70.
35
Ibid., p. 96.
200 • Capítulo 8 - Das leis à história: Direito, política e causalidade histórica em Montesquieu
36
MONTESQUIEU. O espírito das leis, I, 1. Cf. p. 12. Sobre as relações de justiça possíveis, segue afir-
mando: “Dizer que não há nada de justo ou de injusto além daquilo que as leis positivas ordenam
ou proíbem é dizer que antes de se traçar o círculo todos os raios não são iguais.”
37
MONTESQUIEU. O espírito das leis, I, 1. Cf. p. 13.
38
GOYARD-FABRE, Simone. Montesquieu: la Nature, les Lois, la Liberté. cit., p. 76. (Tradução nossa).
39
O que não quer dizer que mencione a ideia do pacto social como condição de possibilidade da
realidade social e política, como analisado no tópico anterior. V. GOYARD-FABRE, Simone. Mon-
tesquieu: la Nature, les Lois, la Liberté. cit., p. 91-92.
Isadora Eller de Alencar Miranda & Igor Moraes Santos • 201
40
MONTESQUIEU. O espírito das leis, I, 2. Cf. p. 14-15.
41
MONTESQUIEU. Defesa do espírito das leis. Cf. p. 713.
42
MONTESQUIEU. O espírito das leis, VIII, 3. Cf. p. 123.
43
MONTESQUIEU. O espírito das leis, I, 3. Cf. p. 15. Starobinski reflete que, para Montesquieu,
“quando os homens deixam a solidão para associar-se, não encontram a ordem, mas a guerra. E
que fazer então para reprimir a violência? Leis. (…) Portanto, o que liberta os homens da violência
é a lei. De modo que Montesquieu poderá afirmar que a liberdade é a lei. A função do direito, que
submete os homens a seu dever, consiste em reprimir a guerra e a violência.” STAROBINSKI, Jean.
Montesquieu. cit., p. 86.
BOBBIO, Norberto. A teoria das formas de governo. Trad. Sérgio Bath. 10. ed. Brasília: Editora da
44
46
MONTESQUIEU. O espírito das leis, I, 3. Cf. p. 15.
47
MONTESQUIEU. O espírito das leis, I, 3. Cf. p. 15-16.
48
MONTESQUIEU. O espírito das leis, XXVI, 1-2. Cf. p. 501-502.
MONTESQUIEU. Pensées, 208. Cf. Pensées et fragments inédits de Montesquieu. Tomo I. Bordeaux: G.
49
50
MONTESQUIEU. O espírito das leis, I, 3. Cf. p. 16-17.
51
GOYARD-FABRE, Simone. Montesquieu: la Nature, les Lois, la Liberté. cit., p. 98.
52
MONTESQUIEU. Defesa do Espírito das leis. Cf. p. 726.
53
ALTHUSSER, Louis. Montesquieu: la politique et l’histoire. cit., p. 48; 46 e 50.
54
BOBBIO, Norberto. A teoria das formas de governo. cit., p. 130.
204 • Capítulo 8 - Das leis à história: Direito, política e causalidade histórica em Montesquieu
55
MONTESQUIEU. O espírito das leis, II, 1. Cf. p. 19.
56
MONTESQUIEU. O espírito das leis, III,1. Cf. p. 31.
57
Idem. Sobre as “paixões” da tipologia platônica, ver BOBBIO, Norberto. A teoria das formas de go-
verno. cit., p. 133.
58
MONTESQUIEU. O espírito das leis, III, 11. Cf. p. 40.
59
MONTESQUIEU. O espírito das leis. II, 1-2. Cf. p. 19-23: “Mas o povo sempre tem ação de mais ou
de menos. Algumas vezes, com cem mil braços ele derruba tudo; outras vezes, com cem mil pés,
só caminha como os insetos.”; CHEVALLIER, Jean-Jacques. As grandes obras políticas de Maquiavel a
nossos dias. Trad. Lydia Cristina. 8. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1999. p. 128.
60
MONTESQUIEU. O espírito das leis, III, 4. Cf. p. 32-34.
61
MONTESQUIEU. O espírito das leis, Advertência do autor. Cf. p. 3.
62
MONTESQUIEU. O espírito das leis, V, 4-5. Cf. p. 55-56.
Isadora Eller de Alencar Miranda & Igor Moraes Santos • 205
63
MONTESQUIEU. O espírito das leis, VIII, 1-4. Cf. p. 121-124.
64
MONTESQUIEU. O espírito das leis, II, 3. Cf. p. 23-26.
65
MONTESQUIEU. O espírito das leis, III, 4. Cf. p. 34.
66
MONTESQUIEU. O espírito das leis, V, 8. Cf. p. 62-65.
67
MONTESQUIEU. O espírito das leis, VIII, 5. Cf. p. 124-125. Note-se que a ideia de república é nos-
tálgica. Com dimensões pequenas, em seu tempo, as repúblicas italianas são exemplos decadentes.
Como afirma Althusser, a “república verdadeira, Roma, Esparta ou Atenas, pertencem ao passado;
não é uma realidade atual, mas, no máximo, uma grande lembrança”. ALTHUSSER, Louis. Montes-
quieu: la politique et l’histoire. cit., p. 21; MONTESQUIEU. O espírito das leis, VIII, 20. Cf. p. 134-135;
CHEVALLIER, Jean-Jacques. As grandes obras políticas de Maquiavel a nossos dias. cit., p. 130.
68
Como observa Aron, sobretudo na primeira metade do século XVIII, a grande querela dos escri-
tores políticos franceses era marcada pela teoria da monarquia e a situação da aristocracia nessa
forma de governo. Os posicionamentos eram divididos entre os romanistas, que defendiam ser a
monarquia francesa descendente do Império Romano e, assim, justificavam as pretensões ao abso-
lutismo; e os germanistas, que pregavam que a posição privilegiada da nobreza francesa decorria da
conquista pelos francos. Montesquieu estaria filiado à segunda corrente, mas com reservas, como se
nota pela presença dos corpos intermediários e o lugar em que lhes coloca. ARON, Raymond. As
etapas do pensamento sociológico. Trad. Sérgio Bath. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 48-50.
206 • Capítulo 8 - Das leis à história: Direito, política e causalidade histórica em Montesquieu
69
MONTESQUIEU. O espírito das leis, III, 4-5. Cf. p. 26-28; ALTHUSSER, Louis. Montesquieu: la po-
litique et l’histoire. Paris: PUF, 1992. p. 72. Segundo Chevallier, este ofício caberia ao parlamento.
CHEVALLIER, Jean-Jacques. As grandes obras políticas de Maquiavel a nossos dias. cit., p. 132.
70
Para Voltaire, a honra é mais necessária na república, enquanto a monarquia precisa de virtude.
Cf. VOLTAIRE. Dicionário filosófico. Trad. Ciro Mioranza e Antonio Geraldo da Silva. São Paulo:
Escala, 2008. p. 250.
71
MONTESQUIEU. O espírito das leis, III, 5-7. Cf. p. 35-37. Ademais, como questiona Montesquieu,
“não é muito obrigar os homens a realizarem todas as ações difíceis, que demandam força, sem
outra recompensa além do alarde destas ações?”.
72
MONTESQUIEU. O espírito das leis, V, 10-12. Cf. p. 67-69.
73
MONTESQUIEU. O espírito das leis, VIII, 6-8. Cf. p. 125-127.
74
ALTHUSSER, Louis. Montesquieu: la politique et l’histoire. cit., p. 81.
75
MONTESQUIEU. O espírito das leis, VIII, 8. Cf. p. 127.
Isadora Eller de Alencar Miranda & Igor Moraes Santos • 207
76
Para Althusser, mera aparência de lei política. ALTHUSSER, Louis. Montesquieu: la politique et
l’histoire. cit., p. 84.
77
MONTESQUIEU. O espírito das leis, II, 5. Cf. p. 28-29.
78
ALTHUSSER, Louis. Montesquieu: la politique et l’histoire. cit., p. 88.
79
MONTESQUIEU. O espírito das leis, III, 8-10. Cf. p. 37-40.
80
MONTESQUIEU. O espírito das leis, V, 13. Cf. p. 69.
81
MONTESQUIEU. O espírito das leis, V, 14. Cf. p. 69.
82
ALTHUSSER, Louis. Montesquieu: la politique et l’histoire. cit., p. 87.
83
MONTESQUIEU. O espírito das leis, V, 14-15. Cf. p. 70-75: “Nestes Estados não se conserta, não
se melhora nada. Só se constroem casas para a vida, não se fazem fossos, não se plantam árvores;
tira-se tudo da terra e não se lhe devolve nada; tudo está inculto, tudo é deserto”.
84
MONTESQUIEU. O espírito das leis, V, 14. Cf. p. 74.
SANTOS, Antônio Carlos dos. A via de mão dupla: tolerância e política em Montesquieu. Ijuí: Ed.
85
95
MONTESQUIEU. O espírito das leis, I, 3. Cf. p. 16.
96
MONTESQUIEU. O espírito das leis, XI, 6. Cf. p. 167-168.
97
MONTESQUIEU. O espírito das leis, XI, 6. Cf. p. 168-169.
210 • Capítulo 8 - Das leis à história: Direito, política e causalidade histórica em Montesquieu
98
Idem.
99
GOYARD-FABRE, Simone. Os princípios filosóficos do direito político moderno. cit., p. 240-241.
DE DIJN, Annelien. French political thought from Montesquieu to Tocqueville: Liberty in a Levelled
100
101
MONTESQUIEU. O espírito das leis, XI, 6. Cf. p. 176.
Sobre os poderes em Roma, ver CÍCERO. De re publica, II. Cf. Da República. Trad. Amador Cisnei-
102
ros. São Paulo: Abril Cultural, 1973. (Os Pensadores). p. 163-173; POLÍBIO. História, VI. Cf. História.
Trad. Mário da Gama Kury. 2. ed. Brasília: Editora UnB, 1996. p. 325-349. V. também o tópico 4
deste artigo.
103
Sobre a Inglaterra e Montesquieu, ver DEDIEU, Joseph. Montesquieu et la tradition politique anglai-
se en France. Paris: J. Gabalda & Cie, 1909. (Sobre a viagem de Montesquieu à Inglaterra, p. 131-159;
sobre a influência de Locke, p. 160-191).
104
MONTESQUIEU. O espírito das leis. XI, 6. Cf. p. 169.
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Trad. Ana Paula Zomer Et al.
105
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 544. É digno de nota a constatação realizada, na mesma
oportunidade, pelo penalista italiano: o autor credita ao iluminismo francês do século XVIII, e, de
modo especial, à Montesquieu, a formulação mais madura do princípio penal do juiz natural e a
proibição de juízes extraordinários.
106
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. cit., p. 43.
107
MONTESQUIEU. O espírito das leis, XI, 6. Cf. p. 169.
212 • Capítulo 8 - Das leis à história: Direito, política e causalidade histórica em Montesquieu
3.2 Liberdade
112
MONTESQUIEU. O espírito das leis, XI, 2-3. Cf. p. 165-166.
113
SPECTOR, Céline. Was Montesquieu liberal? The Spirit of the Laws in the history of liberalism.
In: GEENENS, Raf.; ROSENBLATT, Helena (eds.). French Liberalism. From Montesquieu to the Pres-
ent Day. Cambridge: Cambridge University Press, 2012. p. 61; MONTESQUIEU. Pensées, 943 (2ª
parte) Apud EHRARD, Jean. Politique de Montesquieu. cit., p. 105: “Um ancião comparou as leis a
algumas teias de aranha que, tendo apenas a força para parar as moscas, são rompidas pelas aves.
Para mim, eu compararia as boas leis a essas grandes redes nas quais os peixes são presos, mas se
creem livres, e as más a essas redes nas quais eles são tão apertados que, a princípio, se sentem
presos.” (Tradução nossa).
114
MONTESQUIEU. O espírito das leis, XI, 3. Cf. p. 166.
115
MONTESQUIEU. O espírito das leis, XII, 1. Cf. p. 197.
116
Benjamin Constant declarará, décadas depois, que “o objetivo dos modernos é a segurança dos
privilégios privados; e eles chamam liberdade as garantias concedidas pelas instituições a esses
privilégios”. CONSTANT, Benjamin. Da liberdade dos antigos comparada à dos modernos. Trad. Loura
Silveira. Disponível em http://www.fafich.ufmg.br/~luarnaut/Constant_liberdade.pdf. Acesso em
09 jun. 2016.
117
MONTESQUIEU. Pensées, 32 Apud EHRARD, Jean. Politique de Montesquieu. cit., p. 123. (Tradução
nossa).
214 • Capítulo 8 - Das leis à história: Direito, política e causalidade histórica em Montesquieu
(Tradução nossa).
122
GHORBEL, Hichem. La liberte politique chez Montesquieu. Dogma: Revue de philosophie et de
sciences humaines, jan. 2010, p. 2. Disponível em http://www.dogma.lu/pdf/HG-MontesquieuLi-
berte.pdf. Acesso em 09 jun. 2016.
123
STAROBINSKI, Jean. Montesquieu. cit., p. 67-68.
124
MONTESQUIEU. Pensées, 1574 Apud EHRARD, Jean. Politique de Montesquieu. cit., p. 105. (Tra-
Isadora Eller de Alencar Miranda & Igor Moraes Santos • 215
dução nossa).
125
STAROBINSKI, Jean. Montesquieu. cit., p. 88. Na sequência, afirma: “Os refinamentos do luxo e
da cultura, se não são coroados por um sistema jurídico rigoroso, nunca bastarão para definir uma
sociedade livre.”
126
Ibid., p. 97.
BALIBAR, Étienne. Equaliberty. Political essays. Trad. James Ingram. Durham: Duke University
127
de Maquiavel, pode-se concluir por aquele, malgrado o anacronismo, desde que considerando esse
liberalismo como plural. Em suma, uma leitura liberal clássica de seu pensamento não comporta
a complexidade de seu “sentimento de liberdade” e o papel da coesão social e do refinamento dos
costumes como procedentes de uma sociabilidade fundada sobre a civilidade. Nesse sentido, v.
também SPECTOR, Céline. Montesquieu était-il liberal? In: KEVORKIAN, Gilles (ed.). La pensée
libérale: histoire et controverses. Paris: Ellipses, 2010. p. 57-71; SPECTOR, Céline. L’Esprit des lois
de Montesquieu: entre libéralisme et humanisme civique. Revue Montesquieu, n. 2, p. 139-161, 1998.
130
VOLTAIRE. La philosophie de l’histoire. Amsterdã: Changuion, 1765.
CARRITHERS, David. Montesquieu’s Philosophy of History. Journal of the History of Ideas, Phila-
131
133
Ibid., p. 161. (Tradução nossa).
134
Ibid., p. 157. (Tradução nossa).
135
CARRITHERS, David. Montesquieu’s Philosophy of History. cit., p. 68-70.
136
MONTESQUIEU. Reflexions sur le caractere de quelques princes et sur quelques évènements de leur vie.
In: MONTESQUIEU. Mélanges inédits de Montesquieu. cit., p. 171 et seq.
137
CARRITHERS, David. Montesquieu’s Philosophy of History. cit., p. 72 et seq.
138
Ibid., p. 77.
MONTESQUIEU. Considerações sobre as causas da grandeza dos romanos e da sua decadência, I. Cf. p.
139
109.
218 • Capítulo 8 - Das leis à história: Direito, política e causalidade histórica em Montesquieu
140
MONTESQUIEU. Considerações..., II, III e VI. Cf. p. 120-134 e p. 167-182.
141
MONTESQUIEU. Considerações..., VIII. Cf. p. 120-134 e p. 196-197.
142
MONTESQUIEU. Considerações..., VIII. Cf. p. 189-196.
143
MONTESQUIEU. Considerações..., IX. Cf. p. 199-205.
144
MONTESQUIEU. Considerações..., XI. Cf. p. 214.
145
MONTESQUIEU. Considerações..., XI. Cf. p. 223.
146
CARRITHERS, David. Montesquieu’s Philosophy of History. cit., p. 77.
SANTOS, Antônio Carlos dos. A via de mão dupla: tolerância e política em Montesquieu. cit., p.
147
144.
Isadora Eller de Alencar Miranda & Igor Moraes Santos • 219
148
MONTESQUIEU. O espírito das leis, I, 1. Cf. p. 11.
149
CARRITHERS, David. Montesquieu’s Philosophy of History. cit., p. 67.
150
MONTESQUIEU. Considerações..., I. Cf. p. 110.
151
STAROBINSKI, Jean. Montesquieu. cit., p. 78-79.
152
CASSIRER, Ernst. A filosofia do iluminismo. cit., p. 285.
153
Id., ibid., p. 283.
220 • Capítulo 8 - Das leis à história: Direito, política e causalidade histórica em Montesquieu
154
Id., ibid., p. 282-287.
155
ALTHUSSER, Louis. Montesquieu: la politique et l’histoire. cit., p. 43.
156
Ibid., p. 54.
157
EHRARD, Jean. Politique de Montesquieu. cit., p. 10.
MOSCATELI, Renato. Política e história no pensamento de Montesquieu. Mediações. Revista de
158
160
BOBBIO, Norberto. A teoria das formas de governo. cit., p. 127-129.
161
BURKE, Peter. History and Social Theory. Ithaca: Cornell University Press, 1993. p. 4.
162
GOYARD-FABRE, Simone. Montesquieu: la Nature, les Lois, la Liberté. cit., p. 2-12; 55-68.
163
COLLINGWOOD, R. G. A ideia de história. Trad. Alberto Freire. Lisboa: Presença, 1972. p. 129-130.
164
MOSCATELI, Renato. Política e história no pensamento de Montesquieu. cit., p. 155.
165
Ibid., p. 148.
MEINECKE, Friedrich. El historicismo y su genesis. Trad. José Mingarro y San Martín e Tomás
166
169
MONTESQUIEU, Charles-Louis de Secondat, Baron de. Pensées, 1260. Disponível em https://
www.unicaen.fr/services/puc/sources/Montesquieu/index.php?texte=1260. Acesso em 14 jun. 2016.
170
MEINECKE, Friedrich. El historicismo y su genesis. cit., p. 116.
171
MONTESQUIEU. Discours sur Cicéron. In: MONTESQUIEU. Mélanges inédits de Montesquieu.
cit., p. 3.
172
SENARCLENS, Vanessa de. Montesquieu historien de Rome: un tournant pour la réflexion sur le
statut de l’histoire au XVIIIe siècle. Genève: Droz, 2003. p. 11.
173
PII, Eluggero. La Rome antique chez Montesquieu: Une question et quelques notes pour une
recherche. Revue Montesquieu, n. 1, p. 25-38, 1997. p. 29.
174
MONTESQUIEU, Charles-Louis de Secondat, Baron de. Pensées, 1795. Disponível em https://
www.unicaen.fr/services/puc/sources/Montesquieu/index.php?texte=1795. Acesso em 14 jun. 2016.
175
CARRITHERS, David. Montesquieu’s Philosophy of History. cit., p. 78.
Isadora Eller de Alencar Miranda & Igor Moraes Santos • 223
das leis da natureza, inobstante não seja o mundo moral tão ordenado,
visto serem os homens racionalmente limitados e sujeitos ao erro, o que,
ao mesmo tempo, é abertura para a liberdade. Com isso, Montesquieu,
como um legítimo ilustrado, “espera do progresso do conhecimento desse
estado de coisas uma nova ordem do mundo da vontade, uma nova orien-
tação geral da história política e social da humanidade”. Por esse mo-
tivo, Cassirer entende que Montesquieu foi o primeiro a tentar fundar
uma filosofia da história no âmbito da filosofia do Iluminismo176:
CASSIRER, Ernst. A filosofia do iluminismo. cit., p. 282. Para Rain, Montesquieu apresenta muito
176
mais novidades do que Voltaire em seu Histoire de Charles XII, lançado três anos após Considerações.
RAIN, Pierre. Montesquieu et l’histoire. In: INSTITUT DE DROIT COMPARÉ DE LA FACULTÉ DE
DROIT DE PARIS. La Pensée politique et constitutionnelle de Montesquieu. Bicentenaire de L’Esprit des
Lois 1748-1848. Paris: Recueil Sirey, 1952. p. 198.
177
CASSIRER, Ernst. A filosofia do iluminismo. cit., p. 288.
178
MEINECKE, Friedrich. El historicismo y su genesis. cit., p. 142-143. SANTOS, Antônio Carlos dos.
A via de mão dupla: tolerância e política em Montesquieu. cit., p. 151: “Ora, ‘mudar’ significa dar ou-
tra direção, desviar, dispor de outro modo, deslocar, alterar. ‘Progredir’, por seu lado, denota uma
ação ou um provimento progressivo, a marcha para diante, ato de avançar, desenvolver-se, ascen-
der de um degrau para outro, melhorar de forma crescente. Os dois verbos apresentam concepções
diferentes e não se deve confundi-los. O pensamento de Montesquieu é traspassado pela ideia de
mudança, mas não de progresso.”
179
MEINECKE, Friedrich. El historicismo y su genesis. cit., p. 157.
224 • Capítulo 8 - Das leis à história: Direito, política e causalidade histórica em Montesquieu
Considerações finais
GIBBON, Edward. Essai sur l’étude de la littérature. Londres: T. Becket & P. A. De Hondt, 1761. p.
180
Referências bibliográficas
BOBBIO, Norberto. A teoria das formas de governo. Trad. Sérgio Bath. 10.
ed. Brasília: Editora da UnB, 2001.
183
BARRIÈRE, Pierre. L’humanisme de l’“Esprit des Lois”. In: INSTITUT DE DROIT COMPARÉ
DE LA FACULTÉ DE DROIT DE PARIS. La Pensée politique et constitutionnelle de Montesquieu. cit.,
p. 97 et seq.
226 • Capítulo 8 - Das leis à história: Direito, política e causalidade histórica em Montesquieu
BURKE, Peter. History and Social Theory. Ithaca: Cornell University Press,
1993.
Saraiva, 1997.
________. O espírito das leis. Trad. Cristina Murachco. 3. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2005.
________. Was Montesquieu liberal? The Spirit of the Laws in the history
of liberalism. In: GEENENS, Raf; ROSENBLATT, Helena (eds.). French
Liberalism. From Montesquieu to the Present Day. Cambridge: Cambrid-
ge University Press, 2012.
1. Introdução
1
Mestranda em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais.
² Mestranda em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais.
Ana Paula Silva Ferreira & Maria Luísa Estanislau Reis • 231
irmãos, o filósofo teve contato com a academia desde cedo: foi educado
na casa de seu padrinho por alguns anos e, posteriormente, foi para o
colégio jesuíta Louis-le-Grand a mando de seu pai. Na juventude, após
receber pomposa herança, se tornou frequentador do “círculo de jovens
pensadores”3. Sua personalidade impulsiva lhe trouxe alguns contra-
tempos, dentre eles, cumprimento de pena na Bastilha e exilo.
A despeito dos problemas que lhe causou, essa personalidade
o fez conhecer diversos lugares da Europa, possibilitando-o entrar em
contato com as ideias de outros importantes pensadores de sua época,
como Newton e Locke. Essas viagens igualmente proporcionaram ao
filósofo a chance de conhecer a realidade de outras culturas e criticar a
sua pátria no que se refere a diversas questões, especialmente políticas e
religiosas.
Assim, ainda em sua juventude – em 1713 – Voltaire esteve na
Holanda, em companhia do irmão de seu padrinho, o marquês de Châ-
teneuf, aonde conheceu uma jovem protestante com quem manteve um
romance4. Devido à religiosidade de sua família e à organização polí-
tico-social da época, Voltaire foi trazido de volta à França para que a
distância pudesse dar fim ao envolvimento amoroso.
Tempos depois, ainda na França, Voltaire cumpriu pena de onze
meses na Bastilha por ter distribuído duas composições, de sua auto-
ria, que expressavam ideias vistas como atrevidas em relação ao regente
francês. Em 1726, retornou à prisão devido a desentendimentos com um
nobre que havia se ofendido com o sarcasmo do filósofo.5
Após seu segundo tempo na Bastilha, François-Marie foi viver
em exílio na Inglaterra, aonde republicou sua obra “La Ligue” (que ha-
via sido publicada em 1723), porém sob o nome de “Henríade”, a qual
foi produzida em honra ao rei Henrique IV. Em 1729, voltou à França,
mas foi no exílio que entrou em contato com vários pensadores da épo-
ca, que não somente influenciaram sua obra, como também eram fonte
de pesquisa do filósofo. Voltaire tinha especial gosto pelas teorias de Lo-
cke e Newton, tendo publicado, em 1733/1734 as “Cartas filosóficas so-
bre os ingleses”, em que ele comparava o caráter libertário da sociedade
inglesa da época à censura absolutista que se vivia na França; ainda nes-
sa obra, ele trazia princípios do pensamento de Bacon, Locke e Newton,
³ ANTISERI, Dario, REALE, Giovanni. História da filosofia: de Spinoza a Kant. V. 4. São Paulo: Paulus,
2004. p. 256.
⁴ Ibid.
⁵ Ibid.
232 • Capítulo 9 - Voltaire: a racionalidade como forma de alcançar a tolerância...
⁶ Ibid.
⁷ Ibid.
⁸ Ibid., p. 257.
Ana Paula Silva Ferreira & Maria Luísa Estanislau Reis • 233
⁹ VOLTAIRE, François-Marie Arouet. Tratado sobre a tolerância: a propósito da morte de Jean Calas.
Trad. Paulo Neves. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 99.
10
“Autores contemporâneos afirmam que as boas referências de Voltaire ao rei Luís XIV não se
deram apenas pelas atitudes do monarca vistas como louváveis ou pela concepção geral do filósofo
acerca das qualidades indispensáveis ao rei, mas também para ridicularizar os atos do rei Luís XV.
Em seus escritos o ensaísta destacava os bons comandos do rei Luís XIV, como um ambiente mais
tolerante, para que estes pudessem ser contrapostos aos atos de Luís XV, demonstrando a pouca
capacidade de governança do mesmo. Enfatiza-se que a popularidade deste monarca era baixa
como um todo, tendo em vista o cenário internacional que vinha se desacortinando. Entre os anos
de 1756 e 1763 ocorreram diversos conflitos entre países europeus devido a disputas territoriais. A
França, como Estado pouco desenvolvido belicamente, teve que suportar diversas perdas quando
da assinatura do tratado de paz, no ano de 1763. O país havia conseguindo dominar alguns territó-
rios durante os anos de guerra, porém, os atos de Luís XV não foram suficientes para mantê-los, de
modo que a França saiu do conflito como derrotada. O tratado de paz estabeleceu o fim da chamada
Guerra dos Sete Anos, mas também demarcou um momento de insatisfação crescente na sociedade
francesa.” LOPES, Marcos Antônio. Voltaire historiador: uma introdução ao pensamento político na
época do iluminismo. Campinas: Papirus, 2001. p. 4.
11
RIBEIRO, Lucas Pires. Entrelinhas do Pensamento Voltairiano. Anais do III Congresso Internacional
de História da UFG/Jataí: História e Diversidade Cultural, Jataí, 2012. p. 6. Disponível em <http://www.
congressohistoriajatai.org/anais2012/Link%20(128).pdf>. Acesso em 12 de maio de 2016.
234 • Capítulo 9 - Voltaire: a racionalidade como forma de alcançar a tolerância...
12
VOLTAIRE, François-Marie Arouet. Tratado sobre a tolerância: a propósito da morte de Jean Calas.
Trad. Paulo Neves. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 67.
13
GOLDZINK Jean. Voltaire entre A et V. Paris: Hachette, 1994. p. 134.
14
Lettres de cachet eram cartas assinadas pelo Rei da França e por um de seus ministros, e seladas
com o selo real, ou cachet. Elas continham ordens diretas do rei, com frequência para impor ações e
julgamentos arbitrários que não poderiam ser objeto de recurso. Definição disponível em < http://
Ana Paula Silva Ferreira & Maria Luísa Estanislau Reis • 235
www.aticaeducacional.com.br/htdocs/Especiais/rev_franc/html/glossario.htm>. Acesso em 30 de
junho de 2016.
15
MOTA, Vladimir de Oliveira. Acerca da noção de filosofia em Voltaire. Tese (doutorado) – Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Departamento de Filosofia, Universidade de São Paulo,
2012, p. 33.
16
Ibid., p. 35.
17
Ibid., p. 36-37.
18
Ibid., p. 39.
236 • Capítulo 9 - Voltaire: a racionalidade como forma de alcançar a tolerância...
19
Ibid., p.42-43.
20
ANTISERI, Dario; REALE, Giovanni. História da filosofia: de Spinoza a Kant. V. 4. São Paulo: Pau-
lus, 2004. p. 258.
Ana Paula Silva Ferreira & Maria Luísa Estanislau Reis • 237
21
MOTA, Vladimir de Oliveira. Acerca da noção de filosofia em Voltaire. Tese (doutorado) – Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Departamento de Filosofia, Universidade de São Paulo,
2012. p. 70.
22
Ibid., p. 103.
VOLTAIRE. Elementos da filosofia de Newton. Trad. Maria das Graças de Souza. Campinas: Editora
23
26
VOLTAIRE, François-Marie Arouet. Cartas inglesas; Tratado de metafísica; Dicionário filosófico; O
filósofo ignorante. Trad. Bruno da Ponte, João Lopes Alves e Marilena de Souza Chauí. 3. ed. São
Paulo: Abril Cultural, 1984.
27
MOTA, Vladimir de Oliveira. Acerca da noção de filosofia em Voltaire. Tese (doutorado) – Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Departamento de Filosofia, Universidade de São Paulo,
2012. p. 108.
Ana Paula Silva Ferreira & Maria Luísa Estanislau Reis • 239
VOLTAIRE. Elementos da filosofia de Newton. Trad. Maria das Graças de Souza. Campinas: Editora
28
mo. Trad. Rodrigo Brandão. Université de Sherbrooke, Canadá. Publicado em Revista DoisPontos,
São Carlos, 2012. Disponível em <http://revistas.ufpr.br/doispontos/article/view/27439>. Acesso em
23 de maio de 2016. p. 31.
33
“(...) não devemos ser punidos se nos enganamos de boa fé”. CHARLES Sébastien. Voltaire pen-
sador da tolerância: do combate ao fanatismo à luta contra o ateísmo. Trad. Rodrigo Brandão. Uni-
versité de Sherbrooke, Canadá. Publicado em Revista DoisPontos, São Carlos, 2012. Disponível em
<http://revistas.ufpr.br/doispontos/article/view/27439>. Acesso em 30 de maio de 2016. p. 33.
34
Ibid., p. 31.
35
Ibid.
36
Ibid., p. 32-33.
Ana Paula Silva Ferreira & Maria Luísa Estanislau Reis • 241
37
Ibid., p. 33-34.
38
Ibid., p. 34.
39
Ibid., p. 35.
VOLTAIRE. Elementos da filosofia de Newton. Trad. Maria das Graças de Souza. Campinas: Editora
40
defendia que tudo o que acontecia, era o melhor que poderia acontecer
no melhor dos mundos.
Em seus “Ensaios de Teodicéia”, Leibniz toma Deus como um ser
cognitivo perfeito, racional e bondoso, incapaz de agir contra sua cria-
ção, sob pena de contradição. Portanto, Deus, por meio de critérios lógi-
cos fundamentais, criou o melhor dos mundos possíveis41.
Diferente da obra “Tratado Sobre a Tolerância”, que foi embasada
em um caso real, a crítica de Voltaire à Leibniz foi feita por meio de
uma obra narrativa, denominada “Cândido” ou “O otimismo”, em que
um jovem otimista se depara com a maldade humana no decurso de sua
peregrinação pelo mundo.
Em breve síntese, Cândido foi expulso de onde morava, preso e
torturado; perdeu sua amada e seus melhores amigos de forma cruel.
Mesmo assim, a personagem tenta explicitar o melhor dos mundos pos-
síveis, em uma evidente sátira às ideias de Leibniz42.
A Professora Maria das Graças S. do Nascimento, em seu livro
“Voltaire, a razão militante”43, afirma que existem, em Cândido, ou O Oti-
mismo, três alternativas para se responder ao problema do mal. A pri-
meira, é a de Pangloss, para o qual os males são necessários em favor
de um bem maior; porém tal alternativa não se verifica em qualquer
momento da obra, o que se comprova pelo fato de que, apesar de Cân-
dido casar-se com Cunegundes, ela já não era a mesma por quem ele se
apaixonara, mas sim uma mulher feia, rabugenta e insuportável.
A segunda é a de Martinho, o maniqueísta, que acreditava que
tudo no mundo é regido pelos princípios do bem ou do mal. Todavia,
o segundo sempre se sobrepõe ao primeiro, ou reprime qualquer bem
incluso no curso dos acontecimentos.
A última alternativa é apresentada pelo muçulmano ceticista,
para o qual diante de todo o mal que há na Terra a única coisa a fazer é
calar-se44.
A conclusão é extraída da cena final, na qual as personagens,
vivendo e trabalhando em um jardim, se posicionam sobre como deve
41
BRANDAO, Rodrigo. A ordem do mundo e o homem: estudos sobre metafísica e moral em Voltaire.
Tese (doutorado) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Departamento de Filosofia,
Universidade de São Paulo, 2008. p. 177.
42
Ibid., p. 213-223.
43
NASCIMENTO, Maria das Graças S. do. Voltaire: a razão militante. São Paulo: Moderna, 1996.
44
BRANDAO, Rodrigo. A ordem do mundo e o homem: estudos sobre metafísica e moral em Voltaire.
Tese (doutorado) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Departamento de Filosofia,
Universidade de São Paulo, 2008. p. 213-223.
Ana Paula Silva Ferreira & Maria Luísa Estanislau Reis • 243
45
VOLTAIRE, François-Marie Arouet. Tratado sobre a tolerância: a propósito da morte de Jean Calas.
Trad. Paulo Neves. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 4.
46
BRANDAO, Rodrigo. A ordem do mundo e o homem: estudos sobre metafísica e moral em Voltaire. Tese
(doutorado) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Departamento de Filosofia, Uni-
versidade de São Paulo, 2008. Disponível em <http://filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp.br/
files/posgraduacao/defesas/2009_docs/2009.doc.Rodrigo_Brandao.pdf>. Acesso em 01 de julho de
2016. p. 213-223.
244 • Capítulo 9 - Voltaire: a racionalidade como forma de alcançar a tolerância...
47
VOLTAIRE, François-Marie Arouet. Tratado sobre a tolerância: a propósito da morte de Jean Calas.
Trad. Paulo Neves. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 3-4.
48
VOLTAIRE, François-Marie Arouet. Tratado sobre a tolerância. São Paulo: Martins Fontes, 1993. p.
25.
49
“Cita-se, como exemplo, a Igreja Católica que utilizou-se da Bíblia e da cruz como armas contra
aqueles que pretendia cristianizar: ‘Digo-o com horror mas com verdade: nós cristãos, é que fomos
perseguidores, carrascos, assassinos! E de quem? De nossos irmãos. Nós é que destruímos cidades
com o crucifixo ou a bíblia na mão, e não cessamos de derramar sangue e de acender fogueiras
desde os tempos de Constantino até os furores dos canibais que habitavam as cavernas, furores
que, graças a Deus, não mais subsistem hoje’.” VOLTAIRE, François-Marie Arouet. Tratado sobre a
tolerância. São Paulo: Martins Fontes, 1993. p. 62.
50
VOLTAIRE, François-Marie Arouet. Tratado sobre a tolerância. São Paulo: Martins Fontes, 1993. p.
62.
Ana Paula Silva Ferreira & Maria Luísa Estanislau Reis • 245
51
VOLTAIRE, François-Marie Arouet. Tratado sobre a tolerância: a propósito da morte de Jean Calas.
Trad. Paulo Neves. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 26.
52
Ibid. p. 25-26.
BENEDETTI, Priscila Sansone. Pela legitimação da tolerância: uma leitura da obra Tratado sobre a
53
58
VOLTAIRE, François-Marie Arouet. Voltaire Foundation: Complete Works of Voltaire. Oxford: Ox-
ford University Press, 1968. p. 242.
59
“Não é preciso uma grande arte, uma eloquência muito rebuscada, para provar que os cristãos
devem tolerar-se uns aos outros. Vou mais longe: afirmo que é preciso considerar todos os homens
como nossos irmãos. O quê! O turco, meu irmão? O chinês? O judeu? O siamês? Sim, certamente;
porventura não somos todos filhos do mesmo Pai e criaturas do mesmo Deus?” VOLTAIRE, Fran-
çois-Marie Arouet. Tratado sobre a tolerância. São Paulo: Martins Fontes, 1993. p. 125.
BENEDETTI, Priscila Sansone. Pela legitimação da tolerância: uma leitura da obra Tratado sobre a
60
4. Da tolerância política
61
CHARLES Sébastien. Voltaire pensador da tolerância: do combate ao fanatismo à luta contra o ateís-
mo. Trad. Rodrigo Brandão. Université de Sherbrooke, Canadá. Publicado em Revista DoisPontos,
São Carlos, 2012. Disponível em <http://revistas.ufpr.br/doispontos/article/view/27439>. Acesso em
09 de junho de 2016. p. 37.
62
Ibid., p. 38.
63
Ibid.
64
Ibid.
248 • Capítulo 9 - Voltaire: a racionalidade como forma de alcançar a tolerância...
65
VOLTAIRE, François-Marie Arouet. Voltaire Foundation: Complete Works of Voltaire. Oxford: Ox-
ford University Press, 1968. p.127.
66
CHARLES Sébastien. Voltaire pensador da tolerância: do combate ao fanatismo à luta contra o ateís-
mo. Trad. Rodrigo Brandão. Université de Sherbrooke, Canadá. Publicado em Revista DoisPontos,
São Carlos, 2012. Disponível em <http://revistas.ufpr.br/doispontos/article/view/27439>. Acesso em
09 de junho de 2016. p. 38.
67
VOLTAIRE, François-Marie Arouet. Voltaire Foundation: Complete Works of Voltaire. Oxford: Ox-
ford University Press, 1968. p.128.
68
MOTA, Vladimir de Oliveira. Acerca da noção de filosofia em Voltaire. Tese (doutorado) – Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Departamento de Filosofia, Universidade de São Paulo,
2012. p. 49.
Ana Paula Silva Ferreira & Maria Luísa Estanislau Reis • 249
privada69.
Sua análise se inicia a partir do século XV, em razão da vitória
francesa na Guerra dos Cem Anos, a qual contribuiu para o fortaleci-
mento da monarquia – remanescendo apenas dois grandes “feudos” na
França, a Borgonha e a Bretanha. Assim, para o filósofo, Luís XI teria
sido o primeiro rei absoluto da Europa.
Dessa forma, a questão do bom e do mau governante é anali-
sada através do uso da imagem de Luís XI, o qual comportava ambas,
uma vez que a utilização da violência e da tirania corresponde ao caráter
bárbaro e supersticioso de seu tempo e, entretanto, o referido monarca
foi capaz de promover mudanças positivas na sociedade francesa que
foram de grande alcance histórico. Desse modo, em que pese a utiliza-
ção de métodos condenáveis, Luís XI foi o precursor de um modelo de
monarquia forte e centralizadora, o qual abriu caminho para o avanço
do processo civilizador70. Noutro giro, Voltaire define negativamente o
rei Henrique VI, como um rei fraco, incapaz de neutralizar as ambições
e a beligerância da nobreza.
Por fim, Voltaire ressalta os bons atributos, como governante, de
Luís XIV. Foi durante seu reinado que a consolidação das regras de bom
comportamento se efetivou, desempenhando importante função no con-
trole da nobreza, mas não se restringindo a ela, ao adentrar à vida dos
cidadãos comuns, de forma a padronizar o comportamento dos indiví-
duos que, ao imitarem os hábitos da nobreza, foram perdendo a bruta-
lidade. Assim, para Voltaire o grande feito do monarca não foi a criação
de um novo sistema político, mas a mudança de comportamento dos
franceses, no qual a tolerância às escolhas alheias era indispensável71.
69
MOTA, Vladimir de Oliveira. Acerca da noção de filosofia em Voltaire. Tese (doutorado) – Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Departamento de Filosofia, Universidade de São Paulo,
2012. p. 50.
70
LOPES, Marco Antonio. Voltaire político: espelhos para príncipes de um novo tempo. São Paulo:
UNESP, 2004. p. 117.
71
VOLTAIRE, François-Marie Arouet. Tratado sobre a tolerância. São Paulo: Martins Fontes, 1993. p.
95.
250 • Capítulo 9 - Voltaire: a racionalidade como forma de alcançar a tolerância...
72
MOTA, Vladimir de Oliveira. Acerca da noção de filosofia em Voltaire. Tese (doutorado) – Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Departamento de Filosofia, Universidade de São Paulo,
2012. p. 39-50.
73
Ibid., p. 42-57.
74
Ibid., p. 42.
75
VOLTAIRE, François-Marie Arouet. Dictionnaire philosophique. Paris: Flammarion, 2010. p. 72.
76
MOTA, Vladimir de Oliveira. Acerca da noção de filosofia em Voltaire. Tese (doutorado) – Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Departamento de Filosofia, Universidade de São Paulo,
2012. p. 119-121.
Ana Paula Silva Ferreira & Maria Luísa Estanislau Reis • 251
77
VOLTAIRE, François-Marie Arouet. Correspondence. Tome I. Paris: Gallimard, 1977. p. 90-91.
78
MOTA, Vladimir de Oliveira. Acerca da noção de filosofia em Voltaire. Tese (doutorado) – Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Departamento de Filosofia, Universidade de São Paulo,
2012. p. 49.
79
VOLTAIRE, François-Marie Arouet. Filosofia da História. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Mar-
tins Fontes, 2007. p. 14-15.
80
MOTA, Vladimir de Oliveira. Acerca da noção de filosofia em Voltaire. Tese (doutorado) – Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Departamento de Filosofia, Universidade de São Paulo,
2012. p. 162-163.
252 • Capítulo 9 - Voltaire: a racionalidade como forma de alcançar a tolerância...
o bem comum por meio da reflexão81. O autor ainda vai além e afirma
que a educação não deve ser um caminho em si, para satisfazer apenas
os interesses egoísticos do homem, mas, deve antes, ater-se às questões
da sociedade82.
inteira.
É contra isso que se insurge Voltaire:
O rei, por essa bondade, como por tantas outras de suas ações,
mereceu o apelido que o amor da nação lhe conferiu. Possa
esse exemplo servir para inspirar aos homens a tolerância, sem
a qual o fanatismo desolaria a terra ou, no mínimo, a entris-
teceria para sempre! Sabemos perfeitamente que se trata aqui
de apenas uma família, enquanto a raiva sectária fez perecer
milhares. Contudo, hoje, quando uma sombra de paz deixa em
repouso todas as sociedades cristãs, após séculos de carnifici-
nas, é neste tempo de tranqüilidade que a infelicidade dos Ca-
las deve causar uma maior impressão, tal como uma trovoada
que retumba na serenidade de um dia de sol. Esses casos são
raros, mas acontecem e são o efeito dessa sombria superstição
que induz as almas fracas a imputar crimes a qualquer um que
não pense como elas83.
6. Considerações finais
83
VOLTAIRE, François-Marie Arouet. Tratado sobre a tolerância. São Paulo: Martins Fontes, 1993. p.
195.
84
MOTA, Vladimir de Oliveira. Acerca da noção de filosofia em Voltaire. Tese (doutorado) – Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Departamento de Filosofia, Universidade de São Paulo,
2012. p. 89-90.
254 • Capítulo 9 - Voltaire: a racionalidade como forma de alcançar a tolerância...
Referências bibliográficas
85
Ibid., p. 15.
86
Ibid., p. 137-138.
87
Ibid., p. 44-48.
88
Ibid., p. 111.
Ana Paula Silva Ferreira & Maria Luísa Estanislau Reis • 255
Introdução
1
Cf. MARQUES, José Oscar de Almeida. Rousseau e uma autobiografia filosófica. In: MARQUES,
José Oscar de Almeida (org.). Reflexos de Rousseau. São Paulo: Humanitas, 2007. p. 153-172. Na linha
de Stelzig, Marques tratará da obra como mais especificamente pertencente ao gênero autobiografia
romântica. Comum entre o fim do século XVIII, início do século XIX, o gênero se caracteriza por uma
narrativa confessional do próprio indivíduo que de forma artística mistura realidade e imaginação,
além dos lados historiográficos e poéticos da narrativa, em um relato e interpretação retrospectivos
sobre a formação da identidade e da personalidade do próprio escritor. Starobinski, um dos mais
conhecidos comentadores de Rousseau, também aborda a questão da autobiografia na obra do
genebrino, remarcando as angústias e questões que o próprio colocou a si mesmo, não apenas em
Confissões, mas também em outros textos como Diálogos e Devaneios, tratando da questão como a
possibilidade de pintar-se a si mesmo. STAROBINSKI, Jean. Jean-Jacques Rousseau: a transparência e
o obstáculo seguido de sete ensaios sobre Rousseau. Trad. Maria Lúcia Machado. São Paulo: Com-
panhia das Letras, 1991. p. 187-207.
258 • Capítulo 10 - Vontade geral vs. vontade de todos: do que é a Democracia?
2
QVORTRUP, Mads. The political philosophy of Jean-Jacques Rousseau: the impossibility of reason.
Manchester: Manchester University Press, 2003. p. 1: “Did Ludwig Wittgenstein write the most
successful love story of his century? Did Thomas Hobbes compose an opera – and did it inspire the
work of Mozart? Did Byron write poems about Hume or Leibniz? Did Schiller compose sonnets
about Descartes and Locke? These questions seem too ridiculous to warrant an answer. Ask the
same questions about Jean-Jacques Rousseau (1712–78) and the opposite is true. The composer of Le
devin du village (the favourite opera of Louis XV), the author of La Nouvelle Héloïse (the best-selling
novel in the eighteenth century), Rousseau was more than the famed educationalist and the ‘au-
thor of the French revolution’. He inspired Mozart, Derrida, Tolstoi, Kant, Marie Antoinette, Emile
Durkheim, Byron, Goethe and Simone Weil, as well as politicians like Maximilien Robespierre,
Thomas Jefferson, Simon de Bolivar and John F. Kennedy”.
³ Cf. BLOOM, Allan. Jean-Jacques Rousseau. In: STRAUSS, Leo; CROPSEY, Joseph. History of politi-
cal philosophy. 3 ed. Chicago: The University of Chicago Press, 1987. p. 559-580, p. 559. Para Bloom,
essa consciência do pensador genebrino é ilustrada na sua Cartas a D’Alembert, em que trata de dis-
cutir o papel do teatro, especialmente, do teatro do esclarecimento, do qual D’Alembert, Diderot
e Voltaire eram representantes. Cf. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Cartas a D’Alembert. Trad. Roberto
Raoni Macedo Bielschowsky • 259
⁴ Carlos Nelson Coutinho lembra que a posição do neoliberal J. L. Talmon é curiosamente re-
produzida por Fernando Henrique Cardoso em texto de 1978: Cf. COUTINHO, Carlos Nelson.
De Rousseau a Gramsci: ensaios de teoria política. São Paulo: Boitempo, 2011. p. 27. O texto a que
Coutinho se refere é: CARDOSO, Fernando Henrique. Democracia para mudar. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1978.
Raoni Macedo Bielschowsky • 261
⁵ Cf. BRINT, Michael. E. Jean-Jacques Rousseau and Benjamin Constant: a dialogue on freedom and
tyranny. The review of politics, Notre Dame, v. 47, n. 3, p. 323-346, jul. 1985.
⁶ CONSTANT, Benjamin. Da liberdade dos antigos comparada à dos modernos. Revista Filosofia
Política, n. 2, p. 9-25, 1985. BRINT, Michael. E. Jean-Jacques Rousseau and Benjamin Constant, cit. p.
325: “in the hands of the Revolutionary Terror and the supporters of Napoleon, Constant claimed,
Rousseau’s philosophy provided a justification for the ‘infinite misery’ and ‘odious measures of
tyranny’ endured under these regimes”.
⁷ CONSTANT, Benjamin, Da liberdade dos antigos comparada à dos modernos, cit. O Abade Mably
foi um filósofo francês que viveu entre 1709 e 1785, que tinha uma postura hostil à propriedade
privada, sendo considerado um dos precursores do socialismo. Suas ideias também tiveram impor-
tante influência sobre a legislação revolucionária francesa.
⁸ BRINT, Michael. E. Jean-Jacques Rousseau and Benjamin Constant, cit, p. 330.
262 • Capítulo 10 - Vontade geral vs. vontade de todos: do que é a Democracia?
11
BERLIN, Isaiah; HARDY, Henry (ed.). Freedom and its betrayal: six enemies of human liberty. 2 ed.
Princeton: Princeton University Press, 2014. p. 52.
264 • Capítulo 10 - Vontade geral vs. vontade de todos: do que é a Democracia?
ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social: Princípios do direito político. Trad. Antonio de Pá-
12
for it if he ever discovers what his own true self is: that is the heart of this famous doctrine, and there
is not a dictator in the West who in the years after Rousseau did not use this monstrous paradox
in order to justify his behaviour. The Jacobins, Robespierre, Hitler, Mussolini, the Communists all
use this very same method of argument, of saying men do not know what they truly want – and
therefore by wanting it for them, by wanting it on their behalf, we are giving them what in some
occult sense, without knowing it themselves, they themselves ‘really’ want”.
16
BERLIN, Isaiah; HARDY, Henry (ed.). Freedom and its betrayal, cit. p. 52: “This is the sinister par-
adox according to which a man, in losing his political liberty, and in losing his economic liberty, is
liberated in some higher, deeper, more rational, more natural sense, which only the dictator or only
the State, only the assembly, only the supreme authority knows, so that the most untrammelled
freedom coincides with the most rigorous and enslaving authority”.
266 • Capítulo 10 - Vontade geral vs. vontade de todos: do que é a Democracia?
17
SABINE, George H. História de la teoría política. Trad. Vicente Herrero. 3 ed. México: FCE, 1994.
p. 446.
18
RILEY, Patric. The General Will before Rousseau: The Contributions of Arnauld, Pascal, Male-
branche, Bayle, and Bossuet. In: FARR, James; WILLIAMS, David Lay (eds.). The general will: evolu-
tion of a concept. Nova York: Cambridge University Press, 2014. p. 3-71.
19
SHKLAR, Judith N. General Will. In: WIENER, Philip P. (ed.) Dictionary of the History of Ideas. V.
II. New York: Charles Scribner’s Sons, 1973. p. 275.
DIDEROT, Denis. Direito natural: moral. Trad. João da Silva Gama. Covilhã: Lusofia. Disponível
20
em: http://www.lusosofia.net/textos/diderot_direito_natural.pdf
Raoni Macedo Bielschowsky • 267
besta feroz; quem se recusa a conformar-se com a verdade, uma vez des-
coberta, é insensato ou perverso com maldade moral”21.
Desse modo, é retirado do indivíduo o direito quanto a decidir
sobre a natureza do justo e do injusto. Ela deve ser colocada para avalia-
ção “perante o género humano: somente a ele compete dela decidir, já
que o bem de todos é a única paixão que tem. As vontades particulares
são suspeitas; podem ser boas ou más, mas a vontade geral é sempre
boa; nunca enganou, jamais enganará”22.
Eis então que surge a ideia de vontade geral em Diderot, relacio-
nada não a uma comunidade particular, a valores variáveis, mas com
um caráter universal, sendo, portanto, relativa a todo o gênero humano.
A partir dessa compreensão, entende-se que cada indivíduo tem o “di-
reito natural mais sagrado” a tudo o que não é contestado pela espécie
inteira. O que nos caracteriza como gênero comum, por sua vez, é o fato
de sermos animais racionais. Assim, para Diderot, é à vontade geral que
cada indivíduo deve recorrer para saber como deve agir como homem,
cidadão, sujeito, pai, filho, inclusive sobre se lhe convêm viver ou mor-
rer.
Quando se pergunta onde se encontra o depósito da vontade ge-
ral, Diderot afirma que ela está:
21
DIDEROT, Denis. Direito natural, cit. p. 5.
22
DIDEROT, Denis. Direito natural, cit. p. 6.
23
DIDEROT, Denis. Direito natural, cit. p. 7.
268 • Capítulo 10 - Vontade geral vs. vontade de todos: do que é a Democracia?
24
DIDEROT, Denis. Direito natural, cit. p. 7.
25
DIDEROT, Denis. Direito natural, cit. p. 8.
26
ROUSSEAU, Jean-Jacques. A discourse on political economy. In: ROUSSEAU, Jean-Jacques. The
social contract and discourses. Trad. G. D. H. Cole. London and Toronto: J.M. Dent and Sons, 1923. p.
247-287. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/0132_Bk.pdf
Raoni Macedo Bielschowsky • 269
27
No texto original “loi” e na tradução inglesa “law”, respectivamente: Cf. ROUSSEAU, Jean-Jac-
ques; VAUGHAN, Charles Edwyn (ed.). The Political Writings of Jean Jacques Rousseau. V. I. Cam-
bridge: Cambridge University Press, 1915; Cf. ROUSSEAU, Jean-Jacques. A discourse on political
economy, cit. p. 249.
28
ROUSSEAU, Jean-Jacques. A discourse on political economy, cit. p. 252: “and in certain cases
binds the body of the nation itself”.
270 • Capítulo 10 - Vontade geral vs. vontade de todos: do que é a Democracia?
29
ROUSSEAU, Jean-Jacques. A discourse on political economy, cit. p. 253.
Raoni Macedo Bielschowsky • 271
30
ROUSSEAU, Jean-Jacques. A discourse on political economy, cit. p. 254.
31
A questão do Legislador em Rousseau é muito mais complexa que a definição sobre quem faz as
leis, até porque, para ele, o responsável por essa função é o próprio povo, reunido em assembleia
que diretamente exerce a soberania. Figura diferente é a do Legislador, ser humano excepcional,
na história e no Estado, capaz de incutir valores e de criar o próprio povo. O tema é abordado mais
detidamente no Contrato Social. Sobre a questão, por todos: PIRES, Edmundo Balsemão. “O povo
não sabe o que quer” alguns aspectos da crítica hegeliana a J. J. Rousseau, a respeito da idéia de
legitimidade e da origem do Estado, entre 1817/18 e 1820. Revista Filosófica de Coimbra, Coimbra, v.
8, n. 15, p. 65-115, mar. 1999.
32
MATOS, Manuel João. Rousseau e a lógica democrática. Lisboa: Edições Colibri, 2008. p. 231-234.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. A discourse on political economy, cit. p. 254: “Carefully determine
33
what happens in every public deliberation, and it will be seen that the general will is always for the
272 • Capítulo 10 - Vontade geral vs. vontade de todos: do que é a Democracia?
common good; but very often there is a secret division, a tacit confederacy, which, for particular
ends, causes the natural disposition of the assembly to be set at nought. In such a case the body of
society is really divided into other bodies, the members of which acquire a general will, which is
good and just with respect to these new bodies, but unjust and bad with regard to the whole, from
which each is thus dismembered”.
34
ROUSSEAU, Jean-Jacques. A discourse on political economy, cit. p. 258.
Raoni Macedo Bielschowsky • 273
35
ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social, cit. p. 33.
274 • Capítulo 10 - Vontade geral vs. vontade de todos: do que é a Democracia?
38
COUTINHO, Luís Pedro Pereira. Autoridade moral da Constituição, cit., p. 351-352.
39
ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social, cit. p. 46.
276 • Capítulo 10 - Vontade geral vs. vontade de todos: do que é a Democracia?
40
ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social, cit. p. 165.
41
ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social, cit. p. 39. E segue: “No tocante a tudo quanto cada
um aliena, pelo pacto social, de seu poder, de seus bens e de sua liberdade, convém-se que repre-
senta somente a parte de tudo aquilo cujo uso interessa à comunidade, mas é preciso convir tam-
bém que só o soberano pode julgar desse interesse. Todos os serviços que um cidadão pode prestar
ao Estado passam a ser um dever tão logo o soberano os solicite; mas o soberano, de sua parte, não
pode onerar os súditos com nenhuma pena inútil à comunidade; não pode sequer deseja-lo, pois,
sob a lei da razão, não menos que sobe a da natureza, nada se faz sem causa.”.
Raoni Macedo Bielschowsky • 277
42
ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social, cit. p. 37.
278 • Capítulo 10 - Vontade geral vs. vontade de todos: do que é a Democracia?
43
ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social, cit. p. 37.
44
MATOS, Manuel João. Rousseau e a lógica democrática, cit. p. 232.
45
MATOS, Manuel João. Rousseau e a lógica democrática, cit. p. 232.
Raoni Macedo Bielschowsky • 279
Considerações Finais
46
ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social, cit. p. 48, “As leis não são, em verdade, senão as
condições da associação civil. O povo submetido às leis deve ser o autor delas; somente aos que se
associam compete regulamentar as condições da sociedade”.
280 • Capítulo 10 - Vontade geral vs. vontade de todos: do que é a Democracia?
Referências bibliográficas
BERLIN, Isaiah; HARDY, Henry (ed.). Freedom and its betrayal: six ene-
mies of human liberty. 2 ed. Princeton: Princeton University Press, 2014.
BLOOM, Allan. Jean-Jacques Rousseau. In: STRAUSS, Leo; CROPSEY,
Joseph. History of political philosophy. 3 ed. Chicago: The University of
Chicago Press, 1987, p. 559-580.
BRINT, Michael. E. Jean-Jacques Rousseau and Benjamin Constant: a di-
alogue on freedom and tyranny. The review of politics, Notre Dame, v. 47,
n. 3, p. 323-46, jul. 1985.
CARDOSO, Fernando Henrique. Democracia para mudar. Rio de Janeiro:
Raoni Macedo Bielschowsky • 281
H. Cole. London and Toronto: J.M. Dent and Sons, 1923 pp. 247-287. Dis-
ponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/0132_
Bk.pdf
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Cartas a D’Alembert. Trad. Roberto Leal Fer-
reira. 2. ed. Campinas: Editora da Unicamp, 2015.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social: princípios do direito po-
lítico. Trad. Antonio de Pádua Danesi. 4 ed. São Paulo, Martins Fontes:
2006.
ROUSSEAU, Jean-Jacques; VAUGHAN, Charles Edwyn (ed.). The Polit-
ical Writings of Jean Jacques Rousseau. Cambridge: Cambridge University
Press, 1915, v. I.
SABINE, George H. Historia de la teoría política. Trad. Vicente Herrero. 3.
ed. México: FCE, 1994.
SHKLAR, Judith N. General Will. In WIENER, Philip P. (ed.). Dictio-
nary of the History of Ideas. New York: Charles Scribner’s Sons, 1973, vol.
II, p. 275. Disponível em: http://xtf.lib.virginia.edu/xtf/view?docId=Di-
cHist/uvaGenText/tei/DicHist2.xml;chunk.id=dv2-33;toc.depth=1;toc.
id=dv2-33;brand=default
STAROBINSKI, Jean. Jean-Jacques Rousseau: a transparência e o obstáculo
seguido de sete ensaios sobre Rousseau. Trad. Maria Lúcia Machado.
São Paulo: Companhia das Letras, 1991.
CAPÍTULO 11
Jean-Jacques Rousseau:
do homem natural ao homem social
¹ Mestrando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professor do Centro Universi-
tário Newton Paiva.
² Mestranda em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Bolsista CAPES.
284 • Capítulo 11 - Jean-Jacques Rousseau: do homem natural ao homem social
3
COUTINHO, Carlos Nelson. Marxismo e política Apud HAUSER, Ester Eliana. O ideal democrático
no pensamento político de Jean-Jacques Rousseau. In: WOLKMER, Antônio Carlos (Org). Introdu-
ção à história do pensamento político. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 169.
⁴ ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ensaio sobre a Origem das Línguas. Discurso so-
bre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens. Discurso sobre as Ciências e as
Artes. In: Os Pensadores. v. XXIV. São Paulo: Nova Cultural, 1997. p. 5.
⁵ “De ces intéressantes lectures, des entretiens qu’elles occasionnaient entre mon père et moi, se forma cet es-
prit libre et républicain, ce caractère indomptable et fier, impatient de joug et de servitude, qui m’a tourmenté
tout le temps de ma vie dans les situations les moins propres à lui donner l’essor. Sans cesse occupé de Rome
et d’Athènes, vivant pour ainsi dire avec leurs grands hommes, né moi-même Citoyen d’une République, et fils
d’un père dont l’amour de la patrie était la plus forte passion, je m’en enflammais à son exemple, je me croyais
Grec ou Romain; je devenais le personnage dont je lisais la vie: le récit des traits de constance et d’intrépidité
qui m’avaient frappé me rendait les yeux étincelants et la voix forte. Disponível em: <www.dominiopubli-
co.gov.br/download/texto/aa000094.pdf>. Acesso em: 20 jun. 2016.
Rafael Costa de Souza & Rosa Juliana Cavalcante da Costa • 285
⁶ ROUSSEAU, cit., p. 6.
⁷ La storia della pubblicazione dell’Encylopédie [s.n.t.]. Disponível em: http://www.oil project.
org/lezione /diderot-dalembert-encyclopedie-enciclopedia-filosofia-riassunto-illuminismo-france-
se-10671.html. Acesso em 02 jul. 2016.
⁸ Contexto Histórico Rousseau [s.n.t.]. Disponível em: < http://documents.mx/documents/1-contex-
to-historico-rousseau.html#>. Acesso em 17 jul. 2016.
⁹ MORIN, Edgar. Para além do Iluminismo. Revista FAMECOS, n. 26, 2005, p. 25. Disponível em:
<http://200.144.189.42/ojs/index.php/famecos/article/view/416/343>. Acesso em 16 julho 2016.
10
CASSIRER, Ernst. A Filosofia do Iluminismo. Trad. Álvaro Cabral. Campinas: UNICAMP, 1992.
Disponível em: <https://politica210.files.wordpress.com/2015/03/cassirer-ernst-a-filosofia-do-ilumi-
nismo-1-ed.pdf>. Acesso em 16 jul. 2016.
286 • Capítulo 11 - Jean-Jacques Rousseau: do homem natural ao homem social
3. O Homem Natural
11
MORIN, Para além do Iluminismo, cit., p. 25.
Rafael Costa de Souza & Rosa Juliana Cavalcante da Costa • 287
12
PAREDES, Edesmin Wilfrido Palacios. A liberdade e a igualdade do homem, no estado natural e social,
segundo Jean-Jacques Rousseau. 2007. Dissertação (Mestrado em Filosofia) - Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007. Disponível em: <http://
www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8133/tde-26112007-140627/>. Acesso em: 18 jul. 2016.
13
Ibid., p. 11.
288 • Capítulo 11 - Jean-Jacques Rousseau: do homem natural ao homem social
14
SANTOS, Sávio Gonçalves dos. A Pessoa em Jean-Jacques Rousseau. 2011, p. 55. Dissertação (Mes-
trado em Filosofia). Instituto de Filosofia, Universidade Federal de Uberlândia, Minas Gerais. 2017.
Disponível em: http://biblioteca.versila.com/10214217>. Acesso em: 18 jul. 2016.
15
BECKER, Evaldo. Natureza, ética e Sociedade em Rousseau. Cadernos de Ética e Filosofia Po-
lítica, [S.l.], n. 21, julho 2013, p. 34. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/cefp/article/
view/58318/61323>. Acesso em: 18 jul. 2016.
16
BECKER. Natureza, ética e Sociedade em Rousseau, cit., p. 34.
17
HAUSER, Ester Eliana. O ideal democrático no pensamento político de Jean-Jacques Rousseau.
In: WOLKMER, Antônio Carlos (Org.). Introdução à história do pensamento político. Rio de Janeiro:
Renovar, 2003. p. 171.
Rafael Costa de Souza & Rosa Juliana Cavalcante da Costa • 289
18
COUTINHO, Carlos Nelson. Marxismo e política Apud HAUSER, Ester Eliana. O ideal democrático
no pensamento político de Jean-Jacques Rousseau. In: WOLKMER, Antônio Carlos (organizador).
Introdução à história do pensamento político. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 173.
290 • Capítulo 11 - Jean-Jacques Rousseau: do homem natural ao homem social
5. O Contrato Social
CARDOSO, Edgard Cabral. Liberdade natural e liberdade civil no pensamento de J.-J. Rousseau.
19
6. Desigualdade e corrupção
21
Ibid., p. 21-22.
22
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Ho-
mens: precedido de discurso sobre as ciências e as artes. Cronologia e introdução Jacques Roger;
tradução Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 159.
23
CARDOSO. Liberdade natural e liberdade civil no pensamento de J.-J. Rousseau, cit., p. 15.
292 • Capítulo 11 - Jean-Jacques Rousseau: do homem natural ao homem social
vontade geral. Neste momento, o Estado passa a ser usurpado por al-
guns indivíduos e rompe com a liberdade, uma vez que passa a existir a
sujeição da vontade de um indivíduo – déspota – em relação aos demais
– súditos.24
A corrupção do estado nada mais seria que o estado natural tra-
vestido de estado social:
24
Idem.
25
Ibid, p. 240.
26
O termo se refere a obra de Rousseau: “ Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigual-
dade entre os homens”.
27
CARDOSO. Liberdade natural e liberdade civil no pensamento de J.-J. Rousseau, cit., p. 19.
MARTIN, Adriano Eurípedes Medeiros. A corrupção e a perfectibilidade: a questão em Jean-Jacques
28
Rousseau. 2011. 214f. Tese (Doutorado em Filosofia). Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas.
Universidade Federal de Minas Gerais. 2011. p. 152.
Rafael Costa de Souza & Rosa Juliana Cavalcante da Costa • 293
7. Liberdade e Igualdade
29
ROUSSEAU. O contrato social, cit., p. 26.
30
ROUSSEAU. O contrato social, cit., p. 62.
31
ROUSSEAU. Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens, cit., p. 173.
294 • Capítulo 11 - Jean-Jacques Rousseau: do homem natural ao homem social
32
Ibid, p. 173.
33
Ibid, p. 174.
MOSCATELI, Renato. A liberdade como conceito metafísico e jurídico em Rousseau. Princípios
34
homem é guiado por suas vontades pessoais e por uma liberdade pre-
cária.37 Apenas com o contrato social, este processo volitivo passa a ser
presumido ao refletir os próprios princípios do pacto comunitário.
Como a liberdade é um atributo indissociável do ser humano, o
estado social não pode querer anulá-la. Não sendo possível retornar à
noção da liberdade do estado de natureza, deve-se constituir uma or-
dem na qual o homem possa usufruir da liberdade natural convertida
em liberdade civil – que seria sua dimensão jurídica. Assim, a liberdade
natural “se institucionaliza juridicamente, no âmbito da comunidade
política, como liberdade civil, no plano da e para a participação políti-
ca”.38
Rousseau explica o papel da liberdade na passagem do estado de
natureza ao estado civil:
37
MOSCATELI. A liberdade como conceito metafísico e jurídico em Rousseau, cit., p. 74.
38
CATTONI, Marcelo. Devido Processo Legislativo. 2. ed. Belo Horizonte: Mandamentos, 2006, p. 88.
39
ROUSSEAU. O contrato social, cit., p. 25-26.
40
HAUSER, O ideal democrático no pensamento político de Jean-Jacques Rousseau, cit., p. 175.
41
ROUSSEAU, O contrato social, cit., p. 26.
KOHN, Ananda Mila. Acerca da especificidade do conceito de liberdade no pensamento político
42
Edição, 2011.
43
ROUSSEAU, O contrato social, cit., p. 26.
44
ROUSSEAU, O contrato social, cit., p. 47.
45
MARTIN. A corrupção e a perfectibilidade, cit., p.153.
46
Nota explicativa sobre o Soberano apresentada na edição consultada do Contrato Social: “O povo
de Genebra e, mais especialmente, o Conselho Geral dessa cidade, chamado de Soberano Conselho
(1.200 “cidadão e burgueses”), no qual Rousseau foi admitido a tomar parte uma vez em 1754”
(ROUSSEAU. O contrato social, cit., p. 171).
47
HAUSER. O ideal democrático no pensamento político de Jean-Jacques Rousseau, cit., p. 176.
48
CATTONI. Devido Processo Legislativo, cit., p. 87.
49
ROUSSEAU. O contrato social, cit., p. 24.
Rafael Costa de Souza & Rosa Juliana Cavalcante da Costa • 297
8. Considerações finais
50
ROUSSEAU. O contrato social, cit., p. 37.
51
Idem.
52
ROUSSEAU. O contrato social, cit., p. 33.
CARVALHO, Manoel Jarbas Vasconcelos. Rousseau e o conceito da vontade geral: princípio
53
Referências bibliográficas
Karine Salgado
Philippe O. Almeida
1. Introdução
¹ Ileana P. Beade recupera a disputa entre liberais e republicanos pela memória de Kant, a partir de
diferentes leituras do conceito kantiano de liberdade. V. BEADE, Ileana P. Consideraciones acerca
de la concepción kantiana de la liberdad en sentido político. Revista de filosofía, 2009, v. 65, p. 25-41.
302 • Capítulo 12 - Kant entre Republicanismo e Liberalismo
diata consciência dela. A lei não determina a ação por imediato, como
verificado nas relações determinadas por leis naturais. O homem age a
partir de representações da lei, de onde se conclui que ele é legislador
de si próprio e a vontade, quando não sujeita às inclinações, é capaz de
apresentar o que é devido segundo a lei moral.
A possibilidade concedida pela razão de fazer-se livre das de-
terminações externas confere ao homem um valor inestimável, inquan-
tificável, definido na Fundamentação à Metafísica dos Costumes como
dignidade. Ter dignidade significa expressar um valor absoluto, inco-
mensurável, quer dizer, não passível de comparação e relativização. Se
não há tábua de valores que comporte a medida do valor expresso pelo
homem, nada lhe pode ser superior, ou seja, não há nenhum fim para o
qual o homem se preste como meio. O único tratamento adequado a ele
é o de fim em si mesmo.
A moral, entretanto, é um retorno a si próprio, à liberdade inter-
na do sujeito, aos motivos determinantes da ação, isto é, às razões que
levaram alguém ao cumprimento da lei moral. Ela não se satisfaz com a
ação puramente, ela exige a motivação no dever e só este é capaz de dar
à ação valor moral.
A moral explicita conceitos indispensáveis ao Direito. Este trata-
rá da liberdade na sua forma exterior, o homem nas suas relações com
os demais. Evidentemente, quando a moral trata da conduta humana,
ela não pode desconsiderar o outro e a conexão que se estabelece en-
tre aquele que age e aquele a quem é dirigida a ação. Todavia, a moral
centra-se no sujeito da ação, como dito, não explorando as implicações
decorrentes da exterioridade da ação e dos reflexos diante de outros in-
divíduos. Ademais, ela não é capaz, por si mesma, de garantir a ordem.
Ao voltar-se para os motivos da ação e neles centrar o valor da conduta,
a moral não é capaz de criar mecanismos de coação, fazendo depender
inteira e exclusivamente do sujeito a sua determinação pelo dever. Não
possui a dimensão de heteronomia que caracterizará o campo do jurídi-
co.
Nas relações exteriores, tão ou mais importantes que os motivos,
é a garantia da ordem e do respeito aos demais. “Cuando el propósito no
consiste en enseñar la virtud, sino sólo en exponer qué es conforme a derecho
(recht), no es lícito, ni se debe incluso, presentar aquella ley del derecho como
móvil de la acción.”4 Portanto é a conformidade com a lei que, por sua vez,
⁴ MS, VI, 231 (quando o propósito não consiste em ensinar a virtude, mas somente expor o que é
conforme ao direito, não é lícito, tampouco se deve apresentar aquela lei do direito como móvel da
304 • Capítulo 12 - Kant entre Republicanismo e Liberalismo
ação.)
⁵ ROSSI, Miguel Ángel. Democracia, liberalismo e republicanismo: tensões no pensamento de
Immanuel Kant. Problemata – Revista Internacional de Filosofia, João Pessoa, n. 1, v. 5, p. 43-63,
2014. p. 50.
Karine Salgado & Philippe O. Almeida • 305
⁶ Vale notar que a distinção entre a soma das vontades individuais e a vontade geral já se encontra
em Rousseau, que, como se sabe, exerceu grande influência sobre o pensamento kantiano.V. REIS,
Cláudio Araújo. Vontade geral e decisão coletiva em Rousseau. Trans/Form/Ação, Marília, n. 2, v.
33, 2010. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-31732010000200003&script=s-
ci_arttext>, acessado em 16 de agosto de 2015.
⁷ SALGADO, Joaquim. A Idéia de Justiça no Mundo Contemporâneo. Belo Horizonte: Del Rey, 2006,
p. 78.
306 • Capítulo 12 - Kant entre Republicanismo e Liberalismo
⁸ Como observa Kersting, “se o imperativo moral exige ser seguido somente por força de sua obri-
gatoriedade, tornando-se a própria razão através dele diretamente prática, o Direito, que não se
ocupa do que a pessoa pensa, pode promover sua efetivação através da coerção. A prerrogativa de
coação, a autorização para através do uso da força se defender do injusto, é a contrapartida jurídico-
-filosófica para a sujeição moral do imperativo categórico.” KERSTING, Wolfgang. O fundamento
de validade da moral e do direito em Kant. In: TRAVESSONI, Alexandre (Coord.) Kant e o Direito.
Belo Horizonte: Mandamentos, 2009. p. 165.
⁹ KANT, Immanuel. La Metafísica dos Costumes. (Metaphysik der Sitten). Trad. Adela C. Orts e Jesus
C. Sancho. 2. ed. Madrid: Tecnos, 1994. 231, D.
10
Hoffe explica que o argumento utilizado para justificar a coerção “operates solely with the concepts
of right and wrong and with double negation. The authorization to use coercion is thus contained in the
concept of right: A first-order permission of right includes the second-order permission of its enforcement.
A subjective right is not made up of “two elements”, of “obligation in accordance with a law” and the au-
thorization to use coercion, but rather “right and authorization to use coercion therefore mean one and the
same thing”. HÖFFE, Otfried. Kant’s comsmopolitan theory of law and Peace. New York: Cambridge
University Press, 2006. p. 115. Kant explica, na Metafísica dos Costumes, que se trata de um raciocínio
paralelo ao matemático, “pero así como a este concepto dinámico todavía subyace en la matemática pura
(por ejemplo, en la geometría) uno puramente formal, la razón ha cuidado de proveer en lo posible también
al entendimiento con intuiciones a priori para construir el concepto de derecho.” KANT. La Metafísica dos
Costumes..., cit., 223.
Karine Salgado & Philippe O. Almeida • 307
11
SALGADO, Joaquim Carlos. A Idéia de Justiça em Kant. Belo Horizonte: UFMG, 1986. p. 340.
12
É preciso destacar que Kant diferencia Estado e estado civil. Eles se referem a dois aspectos da
mesma relação entre indivíduos. O termo Estado diz respeito à reunião de indivíduos submetidos
a uma ordem jurídica comum. Já o estado civil conota a relação de convivência destes indivíduos
de acordo com a ordem constituída. Cf. SALGADO, Karine. A Paz Perpétua de Kant. Belo Horizonte:
Mandamentos/FUMEC, 2008.
13
Grifo do autor.
308 • Capítulo 12 - Kant entre Republicanismo e Liberalismo
14
RIBEIRO, Renato Janine. Ao leitor sem medo: Hobbes escrevendo contra seu tempo. Belo Horizonte:
Ed. UFMG, 1999.
15
KANT. La Metafísica dos Costumes..., cit., 313, §45.
Karine Salgado & Philippe O. Almeida • 309
liberdade.
Evidentemente, nem todos os Estados são capazes de tamanha
tarefa, o que exigiu de Kant uma análise cuidadosa das formas de Esta-
do e de governo, resultando na república como modelo ideal - capaz de
reunir as características indispensáveis para a realização do justo e da
dignidade humana - e na sua elevação a etapa fundamental para todos
os Estados rumo à paz perpétua. A república se caracteriza pelo governo
das leis – e, não, do interesse individual de um ou outro homem. Nela,
todos os cidadãos podem ser vistos como legisladores da coisa pública –
visto que a lei é expressão da vontade racional. Dessa maneira, é a forma
de governo mais compatível com o espírito do contrato originário, isto é,
do pacto hipotético que embasa a sociedade política.16
O Estado ideal kantiano tem como primeiro pilar a separação en-
tre os poderes.17 Kant aceita a divisão tripartite do poder, dando ênfase,
especialmente, à distinção entre as funções do executivo, na sua concep-
ção, governante, e legislativo, tomado como soberano. O equilíbrio entre
elas se faz pela complementação das funções (KANT, 313, §45, e 316,
§48). Como observa Santos:
16
LIMA, Francisco Jozivan Guedes de; BAVARESCO, Agemir. A concepção kantiana de republica-
nismo e suas implicações normativas para o Estado de Direito. Revista Guairacá, Guarapuava, n. 27,
v. 141, p. 123-141.
17
Westphal considera a separação entre os poderes o principal elemento caracterizador da repúbli-
ca. Aliás, ele faria dela o único modelo adequado aos propósitos kantianos de realização do justo.
WESTPHAL, Kenneth R. Republicanismo, despotismo e obediência ao estado: a inadequação da
divisão de poderes de Kant. In: TRAVESSONI, Alexandre (Coord.) Kant e o Direito. Belo Horizonte:
Mandamentos, 2009. p. 491. Não nos parece a melhor interpretação. A questão da representativida-
de da vontade nas leis é a marca central da república que, evidentemente, tomará a separação dos
poderes como um importante instrumento na sua realização. Se é difícil pensar em uma república
sem separação de poderes é porque, na verdade, não há república, propriamente, cujas leis não es-
pelhem a vontade dos seus cidadãos, vale dizer, não possam ter o reconhecimento deles. Ademais,
por exceção, Kant admite que um Estado que na sua constituição não tenha a separação de poder
embora seja conduzido republicanamente.
310 • Capítulo 12 - Kant entre Republicanismo e Liberalismo
da república.18
SANTOS, Leonel Ribeiro dos. Kant: da reinvenção do Republicanismo à ideia de uma “República
18
Mundial”. Cadernos de Filosofia Alemã, São Paulo, n. 16, p. 13-54, jul./dez. 2010. p. 45.
19
COSTA, Pietro. O Estado de Direito: uma introdução histórica. Em COSTA, Pietro; ZOLO, Danilo
(Orgs.). O Estado de Direito: história, teoria, crítica. Trad. Carlo Alberto Dastoli. São Paulo: Martins
Fontes, 2006. p. 116.
Karine Salgado & Philippe O. Almeida • 311
20
KANT. La Metafísica dos Costumes..., cit., 341, §52.
21
SANTOS. Kant..., cit., p. 35.
312 • Capítulo 12 - Kant entre Republicanismo e Liberalismo
22
ROSSI. Democracia, liberalismo e republicanismo..., cit., p. 44.
23
Como explica Salgado, “há uma preocupação política constante no pensamento de Kant (…) Essa
preocupação espelha-se na necessidade de justificar a vida do homem como sociedade organizada,
sob a ideia de liberdade, que, por sua vez, justifica toda sua preocupação moral já veiculada na
Crítica da Razão Pura, por ele concebida como meio para limpar e acertar o terreno sobre o qual
deveria construir a contextura firme da sua filosofia prática, que dá valor e dignifica a filosofia de
modo geral”. SALGADO. A idéia de justiça em Kant..., cit., p. 339.
314 • Capítulo 12 - Kant entre Republicanismo e Liberalismo
Referências bibliográficas
HÖFFE, Otfried. Kant’s comsmopolitan theory of law and Peace. New York:
Cambridge University Press, 2006.
LIMA VAZ, Henrique Cláudio. Escritos de Filosofia IV. São Paulo: Loyola,
1999.
den, Valério. (Org.). Kant e a Instituição da Paz Perpétua. Porto Alegre: Uni-
versidade Federal do Rio Grande do Sul/ Goehte-Institut-ICBA, 1997.
Direito e Coerção:
a permanência de elementos da Antiguidade em Kant
1. Introdução
¹ Doutorando e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Membro do grupo
de pesquisa em Jurística e Filosofia do Direito.
² REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 22.
Daniel Cabaleiro Saldanha • 319
³ HEGEL, G. W. F. Fenomenologia do Espírito. Trad. Paulo Menezes. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2003. p.
42 (§29 – Die Wissenschaft). Hyppolite esclarece qual seja o verdadeiro significado da Fenomenolo-
gia: “a Fenomenologia é o itinerário da alma que se eleva ao espírito pelo intermédio da consciên-
cia” HYPPOLITE, Jean. Gênese e Estrutura da Fenomenologia do Espírito de Hegel. Trad. Andrei J. Vaczi
et al. 2. ed. São Paulo: Discurso Editorial, 1999. p. 27. O mesmo autor elucida o conceito de espírito
de um povo (Volksgeist): “espírito de um povo é, portanto, o que reconcilia o dever-ser (sollen) e o
ser. É uma realidade histórica que ultrapassa infinitamente o indivíduo, mas que lhe permite en-
contrar-se a si mesmo sob uma forma objetiva”. HYPPOLITE, Jean. Introdução à Filosofia da História
de Hegel. Trad. José Marcos de Lima. Lisboa: Edições 70. p. 18. Nesse sentido é que tratamos aqui
de cultura.
⁴ Cf. HUNTINGTON, Samuel P. O Choque de Civilizações, a recomposição da ordem mundial. Trad.
M. H. C. Côrtes. Rio de Janeiro: Objetiva, 1997. O autor esclarece o objeto central de sua obra: “O
tema central desse livro é o de que a cultura e as identidades culturais – que, em nível mais amplo,
são as identidades das civilizações – estão moldando padrões de coesão, desintegração e conflito no
mundo pós-Guerra Fria.” Ibid., p. 18. E adiante: “A cultura é o tema comum em praticamente todas
as definições de civilização” Ibid., p. 46.
320 • Capítulo 13 - Direito e Coerção: a permanência de elementos da Antiguidade em Kant
⁵ NIETZSCHE, Friedrich. A filosofia na idade trágica dos gregos. Trad. Artur Mourão. Lisboa: Edições
70, 1995. p. 21.
⁶ SALGADO, Joaquim Carlos. O Estado Ético e o Estado Poiético. Revista do Tribunal de Contas do
Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, v. 27, n. 2, p. 37 usque 68, abr./jun. 1998.
⁷ Grandes mestres da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais já dedicaram
estudos ao tema. Dentre eles destacamos aqui a tradição anti-coercitivista da escola, representada
por: α) Prof. Edgar de Godói da Mata Machado, cuja tese de cátedra teve por objeto precisamente
o tema “Direito e Coerção”, republicada recentemente: MATA MACHADO, Edgar de Godói da.
Direito e Coerção. São Paulo: Unimarco, 1999, β) Prof. João Baptista Villela, decano da Casa de
Afonso Pena e titular da cátedra de Direito Privado, que publicou a seguinte monografia: VILLELA,
João Baptista. Direito, Coerção & Responsabilidade: por uma ordem social não-violenta. Belo Horizon-
te: Movimento Editorial da Faculdade de Direito da UFMG, 1982.
⁸ A terminologia técnica acerca da incorporação da força no Direito apresenta inúmeras equivo-
cidades. A nomenclatura empregada pela doutrina está longe da univocidade. O termo coerção
deriva do latim cŏercitĭō: ação de reprimir, repressão. Muito se tem discutido acerca do emprego
da expressão coação (derivada do latim cōgō que significa conduzir em conjunto, restringir, forçar,
constranger) como sinonímia do termo coerção. Muitas outras expressões têm sido utilizadas para
descrever o mesmo fenômeno, propiciado pela afirmação do Direito como ordenamento privile-
giado de condutas. Valem aqui alguns destaques: i) Del Vecchio utiliza indistintamente os termos
coação e coerção, pois a nota essencial da ordem jurídica é a coercibilidade, uma coerção potencial.
Essa coercibilidade é, nada mais, que o corolário da bilateralidade atributiva como nota caracterís-
tica do jurídico; ii) A doutrina francesa oscila entre o emprego do termo coercition e contrainte (que
em vernáculo significa constrangimento). Segundo Mata Machado, existe ali uma preferência pelo
segundo termo em função da influência dos estudos de sociologia e da definição de fato social por
Émile Durkheim; iii) Luís Recásens Siches oferece uma solução ao problema e cunha a expres-
são impositividad inexorable; iv) Autarquia, expressão de origem stammleriana. Ampla exposição
das vicissitudes terminológicas foi realizada por Mata Machado, Cf. MATA MACHADO. Direito
e coerção, cit., p. 13 usque 37. Contudo, parece-nos que a origem da miscelânea terminológica é a dis-
seminação da tese coercitivista do Direito a partir de Kant e Ihering. O signo germânico do qual se
utiliza é Zwang, que se traduz em português por coação, coerção ou constrangimento. De nossa par-
te, preferimos a utilização do termo coerção (força legítima que acompanha o Direito e que confere
sua existência) ao termo coação, pois este possui uma significação técnico-dogmática própria, qual
seja a de vício da manifestação de vontade. Na sistemática privatística coação configura a fattispécie
de um vício do consentimento no negócio jurídico (v. art. 151 et seq do Cód. Civil); na criminalística,
Daniel Cabaleiro Saldanha • 321
11
Posto isso, cabe observar que o mito não é transcendental, está compreendido na physis, compar-
tilhando a existência do infinito através do discurso.
Cf. CERQUEIRA, Ana Lúcia Silveira; LYRA, Maria Therezinha Áreas. In HESÍODO. Teogonia.
12
e os Dias, v. 42 et seq.. Na Teogonia, a preocupação é mostrar como se organiza o mundo dos Deuses
e suas linhagens, nos Trabalhos e os Dias, em mostrar a organização do mundo dos mortais.
17
“Assim falaram as virgens do grande Zeus verídicas/ por cetro deram-me um ramo, a um loureiro
viçoso/ colhendo-o admirável, e inspiraram-me um canto/ divino para que eu glorifique o futuro e
o passado/ impeliram-me a hinear o ser dos venturosos sempre vivos/ e a elas primeiro e por último
cantar.” Teogonia, v. 29 usque 35.
18
TORRANO, Jaa. In Hesíodo. Teogonia: a origem dos Deuses. 3. ed. São Paulo: Iluminuras, 1995.
p. 13.
19
TORRANO, Jaa. Teogonia, cit., p. 77 et circa.
324 • Capítulo 13 - Direito e Coerção: a permanência de elementos da Antiguidade em Kant
Nesse desiderato, fácil será notar que o próprio Zeus, causa sui, é
também muito de Bia e Cratos. Essa ideia de Poder e Violência também
se manifestará nas diversas linhagens de Zeus, por força da continuida-
de de seu génos.
4. A quarta geração dos deuses provém, aqui, das núpcias de
Zeus e Thémis .O casamento deles confere a Zeus a Ordenação interior
de seu reinado, a ordem em suas várias facetas, com suas filhas Hórai e
20
Ibid., p. 78.
21
“Estige filha do Oceano unida a Palas/ no palácio pariu Zelo e Vitória de belos tornozelos/ e pariu
Poder e Violência, insignes filhos./ Longe deles não há morada de Zeus nem pouso/ nem percurso
por onde o Deus não os guie/ mas sempre perto de Zeus gravitroante repousam [...] E veio primeiro
Estige imperecível ao Olimpo/ com os filhos, por desígnio de seu pai;/ honrou-a Zeus e seus supre-
mos dons lhe deu:/ fez dela própria o juramento dos Deuses/ e seus filhos para sempre residirem
com ele” Teogonia, v. 383 et seq.
22
Ibid., p. 73.
Daniel Cabaleiro Saldanha • 325
Moîrai23. Estas são: Cloto, Láquesis e Átropos, que dão aos mortais felicida-
de e infelicidade, distribuindo o bem e o mal; aquelas são: Eunômia (Dis-
ciplina-Eqüidade), Diké (Justiça) e Eirene (Paz), que dosam e regram a
distribuição do bem e do mal. Assim como Bia e Cratos estão intrincados
no génos de Zeus, também se farão presentes na conformação de Eunô-
mia, Diké e Eirene, através da entidade unificadora que Zeus representa.
Destarte, nota-se que as ideias de Poder e Justiça estão correla-
cionadas desde o período arcaico grego. Assim, a compreensão do fe-
nômeno da coerção no Direito remonta a narrativas mitológicas, que já
revelam a íntima relação entre esses termos componentes do conceito
ocidental de Direito24.
A herança daquela efervescência helênica foi transmitida
aos romanos, principalmente por força dos estóicos. Como não poderia
deixar de ser, as idéias de poder e justiça/liberdade continuaram ali a se
23
“Após desposou Têmis luzente que gerou as Horas,/ Eqüidade, Justiça e a Paz viçosa/ que cuidam
dos campos dos perecíveis mortais,/ e as Partes [Moîrai] a quem mais deu honra o sábio Zeus,/
Fiandeira Distributriz e Inflexível que atribuem/ aos homens mortais os haveres de bem e de mal.”
Teogonia, v. 901 usque 906.
24
Essa positividade conferida ao conceito de justiça através de seu relacionamento com a força
e o poder foi já questionada no mundo grego, através dos pensadores que constituem, embora
heterogeneamente, o conjunto dos jusnaturalistas cosmológicos. Dentre uma infinidade de textos,
podemos destacar α) os fragmentos morais de Demócrito, nos quais o querer é o motor do agir
moral gerando responsabilidade: “O inimigo não é aquele que comete a injustiça, mas aquele que a
quer” (Máximas de Demócrates, 55: 68 B 89 DK) e ainda “As leis não impediriam a cada um de viver
segundo seu pendor, se as pessoas não se fizessem mal mutuamente. Pois a inveja é o começo da
discórdia” (Estobeu, Florilégio, III, XXXVII, 53: 68 B 245 DK); β) Antifonte: “Aquelas Leis que resul-
tam de um acordo mútuo não são naturais, mas aquelas da natureza, que são naturais, não resultam
de um acordo. Logo, aquele que transgride a lei, se o faz às escondidas daqueles que estabeleceram
o acordo escapa da vergonha e do castigo. Mas não, se ele não o faz às escondidas. Quanto às nor-
mas naturais da natureza se, indo além do possível, as violamos, mesmo se o fazemos às escondidas
de todos os homens, o mal não é menor, e se todos os sabem, não é maior. Pois o prejuízo não vem
da opinião, mas da verdade. O que explica esse problema é que as prescrições do justo segundo a
lei estão, a maior parte do tempo, em conflito com a natureza.”(Papiro de Oxyrhyncos, XI, 1364, ed.
Hunt: DK B44, Fragmento A, 1-3); γ) Sófocles, com Antígone, chamada por Maritain de eterna
heroína da lei natural (Cf. MARITAIN, Jacques. O Homem e o Estado. Trad. Alceu Amoroso Lima. Rio
de Janeiro: Agir Editora, 1966. p. 87): “Não foi, com certeza, Zeus que as [leis que a condenaram
à morte] proclamou,/ nem a justiça com o trono entre os deuses dos mortos/ as estabeleceu para
os homens./Nem eu supunha que tuas ordens/ tivessem o poder se superar/ as leis não-escritas,
perenes dos deuses, visto que és mortal./ Pois elas não são de ontem nem de hoje, mas/ são sempre
vivas, nem se sabe quando surgiram./ Por isso, não pretendo, por temor à sentença às decisões/
de algum homem, expor-me à sentença/ divina. Sei que vou morrer.”Antígone, tradução do grego
por Donaldo Schüller, 450-459. Todavia, o embate entre o justo natural/racional e o justo positivo
permaneceria. Exemplo claro jaz no diálogo entre Sócrates e Trasímaco na República de Platão.
Trasímaco oferece seu conceito de justiça: “a justiça não é outra coisa que o interesse do mais forte”
(338c – essa notação refere-se à paginação da edição in folio de H. Stephanus, impressa em Paris,
em 1578) que é desqualificado por Sócrates, que, todavia, não consegue, nesse momento, expor seu
conceito de justiça, configurando um diálogo aporético.
326 • Capítulo 13 - Direito e Coerção: a permanência de elementos da Antiguidade em Kant
inter-relacionar.
25
SALGADO, Joaquim Carlos. A idéia de justiça no mundo contemporâneo: fundamentação e aplicação
do Direito como maximum ético. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 8 et seq.
26
A palavra ius possui etimologia obscura, conforme nos informa Bonfante. Certamente não de-
riva de iustum ou issum, palavras que derivam de ius (raiz iugo). Lingüistas modernos tendem a
relacionar o termo ius ao verbo iurare ou à palavra sânscrita iaus. Esta palavra encontra-se uma vez
nos Veda e possui o sentido de saúde, felicidade, com um caráter religioso. Cf. Bonfante, Pedro.
Instituciones de Derecho Romano. Trad. Luis Bacci e Andrés Larrosa. Madrid: Editorial Réus, 1929,
p. 6. Essa origem sânscrita anuncia o caráter positivo do termo Direito e sua preocupação com a
benignidade e indulgência social, veja-se a definição de Celsus, anunciada por Ulpiano: Iuri operam
daturum prius nosse oportet, unde nomen iuris descendat est autem a iustitia appellatum: nam, ut eleganter
Celsus definit, ius est ars boni et æqui.”Dig. I, 1, 1. A edição utilizada para a consulta ao Corpus Iuris
Civilis é: JUSTINIANO, Imperador. Corpus Iuris Civilis. Comp. Paulus Krueger e Theodor Momm-
sen. Berolini: Weidmannos, 1954.
27
Trata-se de uma nova maneira de ordenar as condutas no meio social. Todavia, conforme as pala-
vras de Norberto Bobbio: “Um ordenamento [jurídico] não nasce num deserto” (Bobbio, Norberto.
Teoria do Ordenamento Jurídico. Trad. Maria Celeste Leite dos Santos. 10. ed. Brasília: UnB. p. 41) .
Assim, o ordenamento jurídico suprassume os demais ordenamentos sociais, isto é, supera-os e os
modifica; contudo, paradoxalmente, conserva-os em sua estrutura.
28
Focamo-nos aqui no Direito romano-universal (ius gentium) que teve lugar entre 218/20 a.C e
235 d. C (entre as crises que se seguiram à guerra de Aníbal e à morte de Alexandre Severo). Esse
período do Direito Romano seguiu-se ao período quiritário – primeira fase do Direito romano,
caracterizada por uma ordem jurídica adaptada a uma sociedade de vida simples e rústica – e se
caracterizou pelo desenvolvimento científico da principiologia romana, cuja maior manifestação foi
o ius honorarium, obra do pretor. Posteriormente ao período do ius gentium, teremos a codificação
justianéia (séculos I-III d.C), monumento do espírito lógico e prático dos jurisconsultos romanos.
Cf. BONFANTE. Instituciones, cit., p. 10 usque 13.
29
No tocante à nomenclatura acompanhamos aqui a lição do Prof.. Salgado, quem prefere o termo
Daniel Cabaleiro Saldanha • 327
31
Salgado, Joaquim Carlos. A idéia de justiça no mundo contemporâneo, cit., p. 84.
32
Dig. XLIV, 7, 51. O conceito é repetido ainda nas Institutas “Superest, ut de actionibus loquamur, actio
autem nihil aliud est, quam ius persequendi iudicio quod sibi debetur” Inst. IV, §6. Ulpiano, no parágrafo
16 do Livro L do Digesto, dedicado ao significado das palavras, assim define: “Actionis verbum et
speciale est et generale nam omnis actio dicitur, sive in personam sive in rem sit petitio: sed plerumque ‘ac-
tiones’ personales solemus dicere ‘petitiones’ autem verbo in rem actiones significari videntur. ‘persecutionis’
verbo extraordinarias persecutiones puto contineri, ut puta fideicommissorum et si quae aliae sunt , quae non
habent iuris ordinarii exsecutionem.” Dig. L, 16, 178, 2.
33
V. BONFANTE, Pedro. Intituciones de Derecho Romano, cit., p. 111.
34
Essa é a lição de Ulpiano: “Naturales obligationes non eo solo aestimantur, si actio aliqua eorum, nomine
competit, verum etiam eo, si soluta pecunia repeti non possit” Dig. XLV, 7, 10.
Daniel Cabaleiro Saldanha • 329
4. Kant e a Coação
35
Trata-se da ação que fornece o substrato de nosso moderno habeas corpus. Trata-se de um inter-
dicto que consistia em uma ordem do Magistrado, ditada ante o recurso da parte prejudicada, cuja
aplicação soia ocorrer quando o interesse prejudicado tinha caráter quase público. O paterfamilias
podia fazer valer esse seu direito diante de um terceiro que retivesse o filiusfamilias contra sua
vontade. Inicialmente, tratava-se de uma vindicatio, e, posteriormente, o pretor introduziu a este
efeito o interdictus de liberis exhibendis. V. BONFANTE. op. cit. p. 135/164. Agora, o romano superava
a concepção de liberdade de Epiteto, jungindo consciência e corpo, reclamando sua liberdade de ir,
vir e permanecer. V. SALGADO. op. cit. p. 61.
36
Novamente aqui anunciamos que essa positividade da idéia de justiça não foi pacífica. Essa dis-
sidência entre a justiça positiva e a justiça natural manifestou-se no seio da doutrina católica e deu
origem ao jusnaturalismo de matriz teológica. A separação da ordem das coisas humanas e da
ordem divina foi cristalizada por Jesus de Nazaré. Os discípulos dos fariseus, com malícia pergun-
taram-lhe: “É lícito pagar tributo a César, ou não?” Ele os respondeu: “Por que me experimentais,
hipócritas? Mostrai-me a moeda do tributo. Eles lhe apresentaram um denário. E ele lhes pergun-
tou: De quem é esta efígie e inscrição? Responderam-lhe: De César. Então ele lhes disse: Daí a César
o que é de César, e a Deus o que é de Deus” (Mt, 22: 15-22). De outra parte, Paulo afirma a existência
de uma lei natural, fruto da natureza divina da criatura humana: “Quando os gentios, que não têm
lei, fazem naturalmente as coisas que são da lei, não tendo eles lei, para si mesmos são lei. Eles
mostram a obra da lei escrita em seus corações, testificando juntamente a sua consciência e os seus
pensamentos, quer acusando-os, quer defendendo-os” (Rm, 2: 14-16).
37
DEL VECCHIO, Giorgio. Lezioni di Filosofia del Diritto. 8. ed. Milano: Giuffrè, 1952. p. 82-89, 237.
38
MARITAIN, Jacques. Neuf Leçons sur les nottions premières de la philosophie morale. Paris: Pierre
Téqui, 1951. p. 3
330 • Capítulo 13 - Direito e Coerção: a permanência de elementos da Antiguidade em Kant
39
KANT, Immanuel. Critique de la Raison Pure. Trad. François Picavet. Paris: Flammarion, s/d. p.
26-27.
Daniel Cabaleiro Saldanha • 331
[...] uma ação realizada por dever tira seu valor moral não do
fim, que, por meio dela se queira alcançar, mas da máxima se-
gundo a qual foi decidida; não depende, pois, da realidade do
objeto da ação, mas, exclusivamente, do princípio do querer,
de acordo co o qual sucede a ação, prescindindo de todos os
objetos da faculdade de desejar.41
Ainda:
40
Ibid., p. 102.
KANT, Immanuel. Fundamentación de la metafísica de los costumbres. Trad. Manuel . Morente. Bue-
41
43
MATA MACHADO, Edgar de Godói. Direito e coerção, cit. p. 120.
Daniel Cabaleiro Saldanha • 333
SALGADO, Joaquim Carlos. A idéia de Justiça em Kant: seu fundamento na liberdade e na igualda-
44
Referências bibliográficas
46
“le domaine d’application du contrat et du bilatéral négocié s’étende, alors que se réduit celui du règlement
et de l’unilateral imposé. ” VASSEUR, Michel. Un nouvel essor du concept contractuel : Les aspects
juridiques de l’économie concertée et contractuelle. Revue Trimestrielle de Droit Civil. t. 62. p. 5 usque
48. 1964. p.13
47
Esta é a lição de Salgado, em SALGADO, Joaquim Carlos. Op. cit., p. 273 usque 281.
Daniel Cabaleiro Saldanha • 335
DEL VECCHIO, Giorgio. Lezioni di Filosofia del Diritto. 8. ed. Milano: Giu-
ffrè, 1952.
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Petrópolis: Vozes, 2003.
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– Rev. de Filosofia, Belo Horizonte, v. 29, n. 95, p. 301 usque 322, 2002.
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reito. São Paulo: Saraiva, 1977. p. 332 usque 342.
REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 20 ed. São Paulo: Saraiva,
1993.
336 • Capítulo 13 - Direito e Coerção: a permanência de elementos da Antiguidade em Kant
¹ A redação do presente ensaio, aqui publicado à guisa de posfácio — como sempre, com a cola-
boração eficiente e zelosa do jovem pesquisador Vinicius de Siqueira, da Universidade Federal de
Minas Gerais — insere-se na linha de pesquisa Estado, Razão e História e no projeto Macrofilosofia,
Direito e Estado, este último contando com incentivo, entre outros, do Conselho Nacional de Desen-
volvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de
Minas Gerais (FAPEMIG). Na linha como no projeto, temos a generosa e inspiradora participação
da Profa. Dra. Karine Salgado, a quem devotamos admiração, gratidão e imenso afeto. Não há
como deixar de reconhecer, nas linhas e especialmente nas entrelinhas aqui esboçadas, a presença
radiante dos hegelianistas Joaquim Carlos Salgado, Gonçal Mayos Solsona e Alfredo de Olivei-
ra Moraes, a quem mais uma vez prestamos nossa homenagem.
² Professor associado de Teoria do Estado e Filosofia do Estado na Faculdade de Direito da Univer-
sidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Mestre em Direito Constitucional (UFMG, 1999) e Doutor
em Filosofia do Direito (UFMG, 2002), com pós-doutorado em Filosofia pela Universitat de Barcelo-
na (2010-2011). Coordenador (desde 2005) do Grupo de Pesquisa dos Seminários Hegelianos e (desde
2011) do Grupo internacional de Pesquisa em Cultura, História e Estado. E-mail: zeluiz@ufmg.br.
338 • Posfácio: Sobre a constelação de Modernidades
³ Este é o ponto de partida do monumental SIMMS, Brendan. Europa: A Luta pela Supremacia; de 1453
aos nossos dias. Trad. Miguel Ferreira da Costa. Lisboa: Edições 70, 2015, p. 39 et seq.
José Luiz Borges Horta • 339
⁵ Cf. BAUMANN, Zigmunt. Modernidade Líquida. Trad. Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
⁶ Ainda assim é extremamente pertinente o esforço de Gonçal Mayos em direção a uma história
filosófica das últimas décadas, que o filósofo catalão vem desenvolvendo sob o tema-problema
Somos modernos ou pós-modernos?, de que já resultaram alguns dos ensaios recolhidos em MAYOS
SOLSONA, Gonçal, et al [orgs]. Cultura, Historia y Estado; pensadores em clave macrofilosófica.
Barcelona: La Busca, 2013.
⁷ Sem dúvida podemos reconhecer romantismos diversos e em idiomas diversos. O Romantismo
francês, e.g., tem na figura de Jean-Jacques Rousseau um evidente fautor. Assim como a Filosofia
de Ilustração, para a qual podemos falar em uma Ilustração francesa, uma Ilustração inglesa, uma
Ilustração escocesa, mas cujo apogeu se dá com a Ilustração alemã (Kant), igualmente plural será a
Filosofia Romântica.
José Luiz Borges Horta • 341
⁸ Remetemos o leitor à acurada pesquisa BARROSO, Gabriel Lago de Sousa. Arte e Política no Ro-
mantismo Alemão. Belo Horizonte: Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais,
2014. (Dissertação, Mestrado em Direito).
⁹ Não propriamente no sentido de uma Contramodernidade estritamente antiliberal, mas no sen-
tido de uma crítica radical à racionalidade moderna. Sobre os contramodernos antiliberais, v. LI-
MONCIC, Flávio; MARTINHO, Francisco Carlos Palomanes [orgs]. Os intelectuais do antiliberalíssi-
mo; projetos e políticas do antiliberalismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.
342 • Posfácio: Sobre a constelação de Modernidades
10
Este o sentido central de uma de suas obras seminais: MAYOS SOLSONA, Gonçal. Ilustración y
Romanticismo; introducción a la polémica entre Kant y Herder. Barcelona: Herder, 2004.
Por todos os que vimos buscando reconstituir os laços de Hegel com o Romantismo, v. MAYOS
11
SOLSONA, Gonçal. Entre Lògica i Empiria; claus de la filosofia hegeliana de la história. Barcelona:
José Luiz Borges Horta • 343
“§79 A lógica tem, segundo a sua forma, três lados: a) o lado abs-
trato ou do entendimento; b) o dialético ou negativamente-racional;
c) o especulativo ou positivamente-racional.”13
PPU, 1989; MAGEE, Glenn Alexander. Hegel and the Hermetic Tradition. Ithaca: Cornell, 2001; e ainda
o nosso HORTA, José Luiz Borges. Entre o Hegel racional e o Hegel real. In: BAVARESCO, Agemir;
MORAES, Alfredo. [Orgs.] Paixão e Astúcia da Razão; em memória e gratidão a Paulo Meneses, Maria
do Carmo Tavares de Miranda e Geraldo Edson Ferreira da Silva. Porto Alegre: Editora Fi, 2013, p.
125-142.
12
Na tradução mais prestigiada em língua portuguesa do célebre Prefácio à Filosofia do Direito,
Hegel nos provoca: “O que é racional, isto é efetivo; o que é efetivo, isto é racional”; HEGEL, G.W.F.
Filosofia do Direito. Trad. Paulo Meneses, Agemir Bavaresco et al. São Leopoldo, Recife, São Paulo:
Unisinos, Unicap, Loyola, 2010, p. 41. Outras versões são comuns, como “O que é racional é efetivo
e o que é efetivo é racional”, que encontramos na tradução HEGEL, G.W.F. Enciclopédia das Ciências
Filosóficas; em compêndio [1830]. Vol. I – A Ciência da Lógica. Trad. Paulo Meneses e José Machado.
3. ed. São Paulo: Loyola, 2012, p. 45 [§6º].
13
HEGEL, Enciclopédia das Ciências Filosóficas..., cit., p. 159.
344 • Posfácio: Sobre a constelação de Modernidades
14
Cf. o nosso HORTA, José Luiz Borges. A subversão do fim da História e a falácia do fim do Estado:
Notas para uma filosofia do tempo presente. In: CARVALHO, Marcelo; FIGUEIREDO, Vinicius
[Orgs.] Filosofia alemã de Kant a Hegel. São Paulo: ANPOF, 2013, p. 287-296. Um duríssimo libelo
antikojeveano encontra-se em MIDDELAAR, Luuk van. Politicídio; o assassinato da política na filo-
sofia francesa. Trad. Ramon Alex Gerrits. São Paulo: É, 2015.
15
V. HORTA, José Luiz Borges. História do Estado de Direito. São Paulo: Alameda, 2011.
16
Essa é a importantíssima lição central de SALGADO, Joaquim Carlos. A Idéia de Justiça em Hegel.
São Paulo: Loyola, 1996.
José Luiz Borges Horta • 345
5. Referências bibliográficas