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Arqueologia do Capitalismo

Aluno: Lucas Parreira Álvares


Resenha: WOLF, Eric. Europa e os povos sem história.

Europa e os povos sem história é, provavelmente, o principal livro de Eric Wolf. O


antropólogo estadunidense, com certa inclinação à tradição marxista de pensamento,
desenvolveu uma obra cujo objetivo era demonstrar como a aparente autonomia
relativista de sociedades é também afetada por eventos e acontecimentos externos a ela.
Por isso, “o mundo do gênero humano constitui uma multiplicidade” (p. 25). Essa
abordagem não é totalmente original, afinal, autores como Wallerstein ou mesmo os
marxistas da “teoria da dependência” já demonstraram, anteriormente a Wolf, uma
relação de causalidade entre atos aparentemente desconexos. No entanto, Eric Wolf deu a
sua análise um subsídio que estava ausente a esses outros trabalhos: deslocou o olhar
anteriormente pertencente ao mundo pan-europeu para à partir das próprias sociedades
não ocidentais. Isso trouxe a ele uma oportunidade de lidar com uma questão sob um
panorama distinto dos anteriores, e as consequências de suas elaborações, sobretudo no
meio antropológico, foram dúbias.
O contexto de Wolf para a elaboração de uma posição desse tipo é também
oportuno: a antropologia estadunidense, que se desenvolveu principalmente através de
uam crítica a uma concepção holística de pensamento e em prol de teorias culturalistas
da vida social, sopesou, historicamente, a importância de compreensão de realidades
locais e situadas, cujo interesse maior foi o de averiguar traços distintivos e culturais dos
mais variados povos. Por isso a recepção de Europa e os povos sem história foi menos
ressoante nos Estados Unidos da América do que em outros lugares. Mas frente a
qualidades imanentes, era inevitável que a obra de Wolf recebesse, mais cedo ou mais
tarde, seu devido reconhecimento.

[intermezzo: uma das discussões mais importantes da antropologia contemporânea é


aquela que critica ou defende o conceito de “sociedade” enquanto algo (in)válido para
pensar antropologicamente. Autores como Viveiros de Castro e Strathern reconhecem,
nessa Eric Wolf, um dos percursores a lidar com essa temática]
Mas Eric Wolf não se interessou apenas em como essas dinâmicas sociais são
interligadas, mas também, em como podemos compreendê-las. Por isso coube a ele o
exercício de pensar como se desenvolveu as Ciências Sociais num contexto de expansão
do capitalismo. É importante mencionar que, ao mesmo tempo em que o trabalho nas
fábricas passava por uma divisão social, o modo de apreensão da realidade também
sofreu suas repartições. As Ciências Sociais emergem de uma crítica a uma concepção
holística de conhecimento, a Economia Política Clássica, que, a despeito das eventuais
críticas que podemos empreender a esse campo, é saudável ressaltar que, ao menos,
pensava-se os fenômenos sociais de modo abrangente. O irromper da modernidade, e
com ela as ciências sociais, fez parecer que cada complexo social era pertencente a um
campo distinto: que a ciência política lidava com o estado e as relações de poder, a
sociologia com as sociedades ocidentais, a antropologia com as sociedades outras, a
arqueologia com a cultura material, a minerologia com os minérios e a aquacultura com a
vida submersa. No entanto, não olhamos para determinado fenômeno social e pensamos:
“aqui está a antropologia e aqui está a arqueologia”. A sociabilidade vivida é
essencialmente múltipla, e, portanto, é fundamental compreendermos os fenômenos sob
o viés da totalidade - algo que certamente Wolf deve à tradição marxista.
Como a disciplina da qual essa resenha é motivadora, o livro de Eric Wolf
também não se abstêm de dar nomes àquilo que, para muitos deve ser inominável. Ele
não tem puder algum em falar de “capitalismo”, afinal, é exatamente um modo de
produzir, distribuir e circular mercadorias que define nosso atual tempo histórico. Na
Antropologia é comum a utilização de sinônimos para falar (ou não falar) de capitalismo,
e a opção de Wolf em se contrapor a tal tendência é, por si só, algo a se relevar. Por isso, ela
finda sua introdução dizendo que é também atribuição de sua obra “delinear os processos
gerais que atuam no desenvolvimento mercantil e capitalista e, ao mesmo tempo,
acompanhar seus efeitos sobre as micropopulações estudadas pelos etno-historiadores e
antropólogos” (p. 48). Esse foco no “o que pesquisar” e “como pesquisar”, como espécies
indissociáveis, revela-se o fio condutor da obra de Eric Wolf.

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