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Resenha do artigo “Algumas Formas Primitivas de


Classificação", de Marcel Mauss e Émile Durkheim.
Optativa do Ciclo Básico de Ciências Sociais I (Pontifícia Universidade Católica do Rio
de Janeiro)

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O artigo a ser analisado, “Algumas Formas Primitivas de Classificação”,


foi escrito por Marcel Mauss e Émile Durkheim e faz parte do livro “Ensaios de
Sociologia”. Marcel Mauss foi um importante antropólogo e sociólogo do
século XX, sobrinho de Émile Durkheim, outra figura de destacada importância
na história das análises sociais. O argumento que norteia os autores neste artigo
em questão, é a relevância do aspecto social nas formas de classificação.
Os autores introduzem o texto tecendo uma crítica aos segmentos de sua época,
como da Lógica e da Psicologia, que costumavam atribuir à psicologia individual a
função classificadora da realidade. Entretanto, Mauss e Durkheim ressaltam o caráter
social que se encontra fortemente expresso na lógica das classificações, argumentando
ainda que, devido a isto, caberia à Sociologia descrever e explicar a gênese de tais
noções.
O que se fazem, de início, uma evidência em favor do caráter social das
classificações é a maneira como “nós” (deduzo tratar-se do pensamento ocidental de
maneira genérica, com esboço especial na Europa) entendemos a classificação através
de contornos nítidos e bem definidos. Está noção teria sido pela primeira vez expressa
por Aristóteles, e veio a fundar mais tarde o pensamento científico e racional do qual
nos valemos.
Em oposição a estas fronteiras de pensamento claramente demarcadas, estaria,
segundo os autores, o pensamento religioso, os mitos e a literatura popular, cuja
permanência dava-se até sua época, pelo princípio de sobrevivência (formulação teórica
de Mauss). Estas formas de pensamento, tidas como menos evoluídas, seriam
embaçadas, embaraçadas. Ou, diante de palavras do próprio texto:

“Ora, o que elas [as classificações primitivas] supõem é a crença na transformação possível das coisas
mais heterogêneas umas nas outras e, por conseguinte, a ausência mais ou menos completa de conceitos
definidos.” (p.401)

A partir daí, os autores fazem algumas considerações. Depois passarão


a exaustiva análise de formas de classificações, que consideram primitivas,
para respaldarem seu argumento de que as classificações, na verdade,
são estruturadas tomando como medida a realidade social.
É feito um paralelo entre o pensamento religioso e a visão centrada
no indivíduo, oferecida pela Psicologia. Ambas teriam em comum a interpretação dos

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pensamentos como um “fluxo contínuo de interpretações” (p.402), caracterizada


por ser uma leitura fragmentária. Ou autores ressaltam que nosso pensamento
jamais teria saído desta configuração, sem a ação da “educação”, que
por sua vez, foi o que possibilitou o desenvolvimento histórico.
Durkheim e Mauss questionam a ideia (proveniente do Estoicismo, apesar
de isto não estar pontuado no texto) de que, de alguma maneira, a classificação
humana estaria dada naturalmente, como se fosse própria das coisas que
existem ou inerente ao homem, como indivíduo. Neste sentido, eles introduzem
a palavra como elemento de refutação à esta hipótese “espontânea” de classificação.
Apesar de a palavra possuir evidente importância no ato de classificação,
não explica, por ela mesma, a origem das ideias, que a precedem.
O segunda refutação se evidencia pela hierarquia dos conceitos.

“ Toda classificação implica uma ordem hierárquica da qual nem o mundo sensível nem
nossa consciência nos oferece o modelo. Deve-se, pois, perguntar onde fomos procurá-lo.” (p. 403)

Os próprios termos (palavras) aos quais recorremos para classificar,


apresentam em si noções de hierarquia que sugerem uma
conexão “extra-lógica”, deontológica às coisas em si. Tome-se por exemplo
termos como “gênero” que primitivamente significavam um “grupo familiar”.
Feitas estas observações preliminares, os autores passarão então a se dedicar
à exposição das formas de classificação, ditas primitivas. Irão, primeiro, se
debruçar longamente sobre as tribos australianas. Demonstrarei a seguir,
de forma genérica e resumida, os principais pontos observados por Mauss e Durkheim
nestas comunidades, sem me ater a especificidades, que seriam muitas.
Sumariamente, todas as tribos estudadas apresentavam três elementos chaves em
seus sistemas de classificação. As fratrias, os clãs e os totens. As fratrias são um
sistema de classificação bipartido em que todas as coisas são divididas em duas
categorias, às quais chamamos, cada uma, fratria. Em relação à estes dois gêneros
assim separados, algumas comunidades ainda apresentam subfratrias, e subtotens. Estas
subfratrias são, por sua vez, os clãs, organizados cada qual segundo seu totem (e, se
houver, subtotens).
O importante observado nestas formas de classificação é que elas são uma
intrincada rede de significados que orienta pensamentos, previsões, ações e

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matiza homens e objetos naturais segundo suas características; “força” a qual os autores
dirão ser um verdadeiro poder. coercitivo. Dessa forma, Mauss e Durkheim afirmam:

“ [...] se o totemismo é, de um lado, o agrupamento dos homens em clãs de acordo


com os objetos naturais (espécies totêmicas associadas), é também, inversamente, um
agrupamento dos objetos naturais segundo os agrupamentos sociais” (p.409)

É nesta proposição que se encontra o argumento importantíssimo sugerido


pelos autores, o “traço social” que orienta as classificações.

No entanto, os autores fazem uma ressalva. Apesar destas diferenciações


presentes nas classes nativas, o aspecto de categorias não fortemente definidas
permanece dentro delas. Isto porque é como se as coisas “interiores” a um determinado
clã, ou fratria, seja um homem, uma ave, ou um objeto, permanecem
sem distinção, constituindo uma unidade identitária entre si. Assim nos mostra o
seguinte trecho:

“As divisões sociais aplicadas à massa primitiva das representações puderam sem dúvida estabelecer um
certo número de quadros delimitados, mas o interior destes quadros permaneceu nem estado
relativamente amorfo que dá mostras da lentidão e da dificuldade com a qual se estabeleceu a função
classificadora” (p.411)

Além disto, os autores comentam sobre a “aleatoriedade” da relação entre as


classificações, sem que houvesse possíveis princípios que as orientassem. Por exemplo,
uma razão associativa que poderia haver entre o sol, a cacatua branca e o verão poderia
ser a cor, o fato de serem todas coisas claras. Porém, ao questionarem o nativo sobre
qual a possível classificação de um touro, por exemplo, ele não pode oferecer uma
resposta imediata, e teve de elaborar uma justificativa, que não recorre à tradição.
O trecho retirado da página 411, cristaliza a forma com que os autores caracterizam
a classificação australiana como “primitiva.” O movimento realizado por eles é o de
opor as noções presentes nestas comunidades nativas à maneira “racional”, fortemente
calcada na razão, com a qual se construiu o pensamento e a lógica ocidental. Ao falarem
sobre “a lentidão e a dificuldade com a qual se estabeleceu a função classificadora” fica
passível de dedução que há aí, uma “linha de evolução” sendo posta nas maneiras de
classificar.

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Por fim, antes de darem início aos comentários acerca de outras


formas de classificação, Mauss e Durkheim fazem um interessante comentário:

“ [...] depois de ter descrito as diferentes variedades do referido sistema de maneira objetiva,
tais como funcionam nestas sociedades, seria interessante saber de que maneira o australiano
as representa; qual a noção que ele tem das relações que medeiam entre os grupos
das coisas assim classificadas. Poderíamos, assim, dar-nos conta melhor daquilo que são as noções
lógicas do primitivo e da maneira pela qual elas se formaram.” (pág. 413)

***

Dando prosseguimento ao texto, os autores apresentam o sistema “divinatório


astronômico, astrológico, geomântico e horoscópico” (pág. 442) encontrado na
China, e de maneira geral em todo o Extremo Oriente, sobre o qual dizem ser d
os mais surpreendentes. É um sistema complexo que rege todos os pormenores
da vida e parece englobar tudo. Justamente por sua extensão e amplitude
magnânima, os autores se propõem a apresentá-lo em linhas gerais e naquilo
que concerne às características comuns encontradas nos sistemas de classificação
australianos também. Introduzindo os comentários acerca das linhas mais gerais, é dito:

“a lista das espécies de seres, de acontecimentos, de atributos, de substâncias, de


acidentes assim classificados, sob a rubrica dos oito poderes é verdadeiramente infinita. Esgota
à maneira de uma gnose ou de uma cabala a totalidade do mundo” (p.443)

Quê os autores comentem, há a classificação entre os oito poderes e uma


outra que reparte as coisas em cinco elementos, sendo eles: terra, água, bosque,
metal e fogo. Não era sabido se estas duas classificações concorriam, se
eram derivadas uma da outra, ou complementares. O fato é que as duas
funcionavam da mesma maneira, sendo-lhes atribuídas as mais diversas
coisas, como acontecimentos históricos e catástrofes naturais.
Durkheim e Mauss pontuam também um papel de “agência”, digo
consciente, do pensamento chinês, ou dos chineses, em tornar denso este sistema de
classificação, o que pode ser entendido melhor na seguinte passagem:

“Para poder adaptar aos fatos os princípios sobre os quais se baseia este sistema, ele

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[o pensamento chinês] multiplicou, complicou, sem se cansar, as divisões e as subdivisões


dos espaços e das coisas. Nem mesmo se atemorizou com as contradições mais expressas” (p. 444)

ou através desta:

“É que estamos na presença de um caso, particularmente típico, onde o pensamento coletivo


trabalhou, de maneira refletida e sábia, sobre temas evidentemente primitivos.” (p.446)

Seguindo, os autores chamam atenção para um ponto interessante encontrado no


sistema chinês, mas também em outros sistemas de classificação estudados. Este ponto é
a associação entre tempo e espaço. A relação que os chineses estabeleceram entre as
estações, os dois ciclos que consideram, as subdivisões destes e a rosa-dos-ventos, é um
exemplo disto. Desta maneira, é como se o “tempo” fosse vestido em suas próprias
simbologias, as coisas em constante mudança, através dais quais se permite manifestar.

“Evidentemente, estamos diante de uma multidão de classificação entrelaçadas e que, malgrado suas
contradições, cingem a realidade bastante de perto para poderem guiar assaz utilmente a ação” (p.446)

Mauss e Durkheim argumentam em seguida que, apesar de parecer


tratar-se de um complexo sistema, ele se sustenta pelos mesmos princípios
de classificação rudimentares encontrados em outras sociedades.

“A classificação das coisas em oito capítulos, ou oito poderes, dá uma verdadeira divisão do mundo em
oito famílias, comparável, salva a ausência da noção de clã, às classificações australianas.” (p. 446)

E não só os modos de classificação australiana se assemelham aos modos chineses,


mas também os modos de “culturas mais cultivadas” , o que seria o caso dos gregos em
relação à sua mitologia. A ação de atribuir determinadas características, elementos ou
acontecimentos à um deus equivaleria às rubricas genéricas, fratrias e totens com os
quais os nativos australianos “matizavam” sua realidade. Os autores comentam ainda
que, em essência, o pensamento mitológico, nada mais é que um princípio de
classificação, aparentado ao científico, mas que haure seus princípios em origens
religiosas.
Em suma, Durkheim e Mauss vem a defender que, analisadas todas as sociedades a
que se propuseram: grega, australiana, chinesa (e indiana); é possível perceber que:

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“ as classificações primitivas não constituem [...] singularidades excepcionais, sem analogia


com aquelas que estão entre os povos mais cultivados; ao contrário, parecem ligar-se,
sem solução de continuidade, às primeiras classificações científicas.” (pág. 450)

Seriam evidências disto os sistemas dispostos em ordens hierarquizadas e também a


forma de relação que as classificações mantém, preservando seus “limites” , mas ao
mesmo tempo constituindo um conjunto uno. Além disto, a classificação científica,
assim como as outras estudadas, são todas especulações acerca da realidade, que
possuem finalidade primeira tornar inteligíveis as relações entre os seres, antes mesmo
de
quererem constituir-se como modo de orientação à ação. As formas de classificação são,
portanto, um produto da necessidade humana de relacionar as ideias entre si,
constituindo liga entre elas, para que, de alguma forma, o conhecimento possa
ser unificado, agrupado. Concluem os autores sobre este raciocínio:

“Pode-se, portanto, pensar que as condições de que dependem tais classificações muito antigas não
deixaram de desempenhar um papel importante na gênese da função classificadora em geral.” (p. 451)

Retomando e lapidando o argumento base do texto, os autores colocam:

“ A sociedade não foi simplesmente um modelo segundo o qual o pensamento classificador


teria trabalhado; foram seus próprios quadros que serviram de quadros ao sistema. As
primeiras categorias lógicas foram categorias sociais; as primeiras classes de coisas
foram classes de homens nas quais tais classes foram integradas. Foi porque os homens
estavam agrupados e viam-se em pensamento em forma de grupos que agruparam idealmente os outros
seres, e as duas maneiras de agrupamento começaram a confundir-se a ponto de se tornar indistintas.”
(p. 451)

Ou seja, segundo os autores a classificação “real”, a classificação, antes de tudo,


social, precede as classificações mentais do indivíduo. As classificações mentais teriam
surgido em função da observação empírica dos homens que já encontravam-se
organizados em grupos, em fratrias, em clãs. É como se a ordem social
concreta antecedesse a tomada de consciência desta mesma. Tomada a consciência,
esse modo de classificar é então “estendido”, levado aos demais seres da natureza e
elementos da realidade.
E ainda, Mauss e Durkheim afirmam que os próprios vínculos que unem sejam

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os seres de um mesmo grupo, seja os diferentes grupos entre si, são concebidos
como vínculos sociais. Desta forma, “as relações lógicas constituem então, em certo
sentido, relações domésticas” (p.452). É posta à tona a questão da afetividade.

“Segue-se, pois, que os mesmos sentimentos que estão na base da organização


doméstica, social, etc. presidiram também tal repartição lógica das coisas.” (p.453)
“ São, portanto estados de alma coletiva que deram origem à estes agrupamentos e, ademais,
tais estados são manifestadamente afetivos, sentimentais entre as coisas assim como entre
os indivíduos, e é de acordo com estas afinidades que elas são classificadas” (p.453)

Os autores argumentam que os sentimentos são superiores às ideias puras


na lógica de classificação, uma vez que, como colocado, são eles que orientam
as relações sociais, domésticas. Já que a ordem dada às demais relações
são um reflexo daquela que se configura no âmbito social, seriam
elas também organizadas de maneira afetiva, ou seja, aquilo que é
favorável ou desfavorável, sagrado ou profano, amigo ou inimigo, etc.
Entretanto, está lógica afetiva que se encontra nos primórdios das classificações,
teria gradativamente cedido lugar à lógica racional-científica, como entendemos
mediante à leitura do trecho que segue abaixo. Apesar de os autores também
afirmarem que estas influências longínquas estavam bastante longe de deixar
de se fazer sentir e deixando um efeito poderoso atrás de si.

“ [...] a história da classificação científica é, em última análise, a própria história das etapas
no decurso das quais este elemento de afetividade social se enfraqueceu progressivamente,
deixando sempre mais o lugar livre ao pensamento refletido dos indivíduos.” (p. 455)

Por fim, Mauss e Durkheim ressaltam ainda mais uma vez a importância
das Ciências Sociais no estudo da gênese das classificações e nas operações lógicas, de
maneira mais genérica. Pontuam como se pode perceber, através do estudo que
realizaram, que as classificações variam de acordo com o momento histórico no qual
estão inseridas. Este fato demonstra a relevância do aspecto social em estudos que antes
somente áreas como a psicologia e a metafísica possuíam favor de se aventurar.

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