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INDIGENISTA
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Utilizaremos a sigla em maiúscula OPAN para referir a Organização quando era denominada Operação Anchieta, no 1º
Período, correspondente ao período de 1969 a 1989. Utilizaremos a sigla em minúscula Opan para referi-la quando passou a
se denominar Operação Amazônia Nativa, no 2º período, a partir de 1990.
Historicamente, sabe-se que educar é sempre um esforço de grupos para
reforçar ou modificar o que existe, em cada momento histórico. O grupo
hegemônico ou que busca a “hegemonia” só poderá realmente educar se
conseguir fazer com que os indivíduos sintam-se superiores ao que existe,
oponham-se ao status quo social e desejem vencer as incoerências existentes,
o que só conseguem a nível coletivo. Vencer as incoerências significa
superar: o senso comum para se chegar ao Bom senso... (TAVARES, 1985,
p.131).
Caminhos metodológicos
Até o ano de 1976, a Opan tinha um boletim quadrimestral chamado Macaxeira, o qual
era uma das principais ferramentas de comunicação interna e formação permanente, num
tempo em que a velocidade das notícias não contava com a tecnologia digital. Neles,
encontramos desde a definição dos objetivos da Opan, dos primeiros anos, até conceituações
sobre aculturação, reflexões sobre o que é ser um opanista, análise de conjuntura, textos de
antropólogos, bispos, outros intelectuais, equipes, relatórios dos trabalhos, etc.
Por uma questão didática, dividimos o estudo em dois grandes períodos, pois
entendemos que há um antes e um depois, se confrontadas as duas primeiras décadas com as
posteriores. O primeiro período, que vai até 1988, se caracteriza pela vinculação da ONG à
igreja. Ao longo do segundo período (1989-2009), começaram a produzir-se mudanças, as
quais, certamente, já estavam fermentando há mais tempo. Assim, a própria mudança
estatutária do nome, de Operação Anchieta (OPAN), para Operação Amazônia Nativa (Opan),
que demarca a separação da igreja, somente ocorreu em 1996.
Frente aos desafios atuais que se esboçam dentro de um marco de luta hegemônica
alternativa, em contraposição à hegemonia capitalista contemporânea – caracterizada por
alguns, como forma pós-moderna, definida pela exacerbação do individualismo, do
consumismo e pela fragmentação e decorrente despolitização –, encontramos uma Opan que
se pautou inicialmente em valores, tidos como alicerce por esta e outras organizações no
campo das ONGs dos anos setenta, ligados à Teologia da Libertação e a Educação popular.
Tais valores moldavam o fortalecimento do coletivo como base estruturante, pregando a
austeridade e a “encarnação”2 com o mais pobre, através de um compromisso voluntário e
militante, alimentado por uma análise crítica e contínua da realidade, a partir de um horizonte
de esquerda (de influência marxista), incorporado, com orgulho, como fundamento da práxis
social e política desses grupos. Ou seja, a OPAN fazia parte desse universo de ONGs que, nas
décadas de 1960 e 1970, promoviam “A gestação de uma nova sociedade civil organizada”
que “se deu no contexto de resistência à ditadura, nas mobilizações e lutas sociais por
democratização.” (DIAS, 2005, p.7).
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Termo teológico que a partir do Vaticano II indica a necessidade de “estar com o outro” / “ser como o outro”, dentro de
uma nova visão evangélica, que ajudou a romper, no caso do campo indigenista, com as tradicionais missões e internatos
católicos para indígenas, promovendo um novo movimento em direção contraria: o missionário iria conviver com os
indígenas nas aldeias e aprender com eles.
Porém, na trajetória histórica estudada, vemos como, a partir de final dos anos de 1980
e, principalmente, na década de 1990, aparecem fortes influências de um sistema neoliberal
cada vez mais hegemônico que provocará a ruptura dos referenciais filosóficos, políticos e
pedagógicos “libertadores” que deram origem à Organização. Segundo Tapia (2007)
A Opan viverá desta forma alguns desafios semelhantes a outras organizações desse
campo: uma reformulação da sua identidade, especialmente a partir da cisão com a igreja (em
1989); o permanente desafio da sobrevivência financeira; a profissionalização e
fortalecimento institucional progressivos, com a consequente elevação do nível de gestão e
burocratização; o estabelecimento de novas relações com o Estado, por meio de convênios na
implantação de políticas públicas que entendemos também influenciaram e influenciam de
forma substancial o tipo de relações políticas e pedagógicas, que os membros da Organização
estabeleceram com os povos indígenas e com o Estado. O processo formativo da Opan vai
perpassar esses períodos tentando dar conta dessas mudanças, num contínuo tensionamento
entre “o novo e o velho” e dentro de uma especificidade singular de intervenção como ONG
indigenista, ou seja, como grupo orgânico que estabelece relações políticas e pedagógicas
com povos indígenas no Brasil, especialmente, nas últimas décadas, nos estados de Mato
Grosso e Amazonas.
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A Segunda Conferência Geral do Episcopado Latino-americano realizou-se em Medellín, na Colômbia no período de 24 de
agosto a 6 de setembro de 1968. A temática proposta foi “A Igreja na presente transformação da América Latina à luz do
Concílio Vaticano II”.
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A Terceira Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano realizou-se em Puebla de los Angeles no período de 27 de
janeiro a 13 de fevereiro de 1979. Paulo VI convocou oficialmente a III Conferência no dia 12 de dezembro de 1977, sob o
tema: “Evangelização no presente e no futuro da América Latina”
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A Teologia da libertação surgiu principalmente como uma reação moral à pobreza causada pela injustiça social naquela
região. O termo foi cunhado em 1971, pelo padre peruano Gustavo Gutiérrez que escreveu um dos livros mais famosos do
movimento - A Teologia da Libertação.
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O livro Pedagogia do Oprimido foi escrito em 1968, quando o autor encontrava-se exilado no Chile. Proibido no Brasil,
somente foi publicado no país em 1974. A Pedagogia da Libertação faz parte dos postulados centrais de Paulo Freire, obra
conhecida e pesquisada em diversas universidades ao redor do mundo. Esta pedagogia propõe uma educação crítica a serviço
da transformação social.
era um processo com vários momentos, sendo o primeiro e fundamental a aquisição da
consciência do próprio oprimido-opressor que incorporamos. Libertar-se seria sair dessa
dialética e se apropriar da própria história de forma consciente e crítica. Essa consciência que
deveria estar ao serviço da transformação da realidade e por isso precisava reconhecer seu
projeto hegemônico. “La conciencia de formar parte de una determinada fuerza hegemónica
(es decir, la conciencia política) es la primera fase para una ulterior y progresiva
autoconciencia, en la que la teoría y la práctica se unifican finalmente” (GRAMSCI, 1970,
p.11).
Portanto, podemos concluir que a Igreja progressista não foi só um “protetor” (em
relação à segurança física dos indigenistas em plena ditadura), como não foi somente apoio
financeiro para a OPAN. Ela foi o marco filosófico e político do fazer indigenista dos
primeiros anos. A Opan nunca esteve isenta de contradições (paternalismo, “aculturação
humanista”), que faziam parte do processo de superação da relação anterior estabelecida com
os povos indígenas; porém, existiram as condições necessárias para uma virada, para a adesão
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Conceito desenvolvido por Adolfo Sanchez Vásquez (2007). Para Vásquez: O Homem não vive em um constante estado
criador. Ele só cria por necessidade; isto é para adaptar-se a novas situações, ou satisfazer novas necessidades. Repete,
portanto, enquanto não se vê obrigado a criar. Porém criar é para ele a primeira e mais vital necessidade humana… (idem,
p.267), por isso a práxis é essencialmente criadora, ainda que ela transite entre a repetição e a criação.
à crítica ao capitalismo, legitimada por todos os segmentos de resistência popular que lutavam
contra a dependência, imperialismo e “colonialismo” promovido pelos países do Norte e os
organismos internacionais a serviço dos mesmos.
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O terceiro setor marca um antes e um depois no papel e identidade das ONGs de forma geral. Longe de questionar a
estrutura-superestrutura social, o terceiro setor passa a representar um “voluntarismo” civil, para suprir lacunas do Estado ou
do setor privado, em prol de uma suposta “humanização” do capitalismo, sem por isso questioná-lo.
duas décadas e o chamamos de crise, porque “o velho vai morrendo” e o novo não termina de
chegar e se consolidar. Essa tensão entre as diversas visões, sustentada ao longo de anos, se
acirrará num grau suficiente para dificultar a relação dialética entre “o velho e o novo”,
envolvendo-os num confronto radical e excludente. Também constatamos que a Opan parece
ter feito um movimento para dentro de si mesma, umbilical. Não estabelece novas conexões
que poderiam orientar filosófica e politicamente sua nova busca (não há referências a novos
fóruns e movimentos sociais que despontaram no cenário, como por exemplo, o movimento
alterglobalizacão), sendo desta forma vítima de um certo “isolamento de paisagem”. Cria-se
um cenário que fortalece a desagregação ou, dito de outra forma, a despolitização. Grande
parte da reflexão e da prática, do aprendizado em si, ficará atrelada às micro-políticas do
coorporativismo.
Aparece também na Opan uma polarização entre o que seja o indigenista genérico e o
especialista, que interpretamos como resultante da angústia de se perder a perspectiva política
maior do papel indigenista, em prol de uma prática localista9 (referimo-nos a uma prática
cega para o mundo, pelo seu atrelamento local; míope na sua reflexão política; personalista no
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Termo que re-significamos. Apesar de existir a palavra localismo como sinônimo de bairrismo, regionalismo, etc. aqui o
adotamos de forma pejorativa, como a exacerbação da práxis local em detrimento de uma reflexão política maior.
modo de formular os problemas) excessivamente técnica e pragmática. Portanto, entendemos
que talvez o equívoco dessa polarização seja o de ter atrelado u o problema ao tipo de
profissional, como se ser especialista em alguma área concreta nos encurtasse inevitavelmente
o “olhar”. Ao invés de levar a discussão ao campo do Projeto Filosófico-Político da Opan,
escondendo da visão a questão principal. Já Freire (1983) alertava sobre a especialização
“despolitizada” do indivíduo, que se dá “se este olha e percebe a realidade enclausurada em
departamentos estanques. Se não a vê e não a capta como uma totalidade, cujas partes se
encontram em permanente interação”. (FREIRE 1983, p. 21).
Algumas conclusões
Em grande medida entendemos que o vácuo gerado pela falta de uma Proposta
Político-pedagógica unificada coletivamente no 2º período, foi determinante, por todos os
motivos apontados: mudanças estruturais e conjunturais no mundo e no Brasil; crise de
identidade decorrente da separação da Igreja; tensionamento permanente desagregando e
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Utilizamos a expressão “lógica de projetos” para definir um olhar engavetado, fragmentado das intervenções, em
contraposição à lógica de programas ou estratégias institucionais, que se ampara em um projeto político maior.
acirrando os embates nas duas últimas décadas, que termina por fortalecer a dinâmica das
micro-políticas internas; redução do corpo intelectual orgânico; novos jovens chegando nesse
campo de tensionamento com outros referenciais, ou seja, não mais os referenciais político-
pedagógicos dos anos setenta; a busca de sustentabilidade financeira e do fortalecimento
institucional; redução do tempo de reflexão político-pedagógica; o atrelamento a uma práxis
localista; a crescente burocratização, etc.
Todos esses indicativos se relacionam entre eles e mostram um modelo coerente com a
proposta despolitizada, mecanicista e pragmática afinada com a subalternidade e
desagregação que o sistema capitalista promoveu nas últimas décadas, conectado com o novo
papel instaurado para a sociedade civil a partir do chamado Terceiro Setor, opondo-se aos
princípios institucionais fundadores. Porém, a Organização através dos tensionamentos
permanentes que parecem tê-la desacomodado, é levada a não renunciar à busca de um
diálogo diferenciado com os povos indígenas com os quais trabalha.
_________, Antonio. Cadernos do cárcere. COUTINHO, Carlos Nelson (Org.) Vol.3. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.
KONDER, Leandro. O que é dialética? São Paulo: Brasiliense, 2010. [Coleção primeiros
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MODONESI, Massimo. Sulbalternidad, antagonismo, autonomía. marxismo y
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