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UNIVERSIDADE DO MINHO - INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

CURSO DE SOCIOLOGIA

ANA FILIPA GONÇALVES CARVALHO - 102846


DÉBORA MAGALHÃES LIMA - 102909
LUIZA SILVA FERNANDES - 102910

O SÍTIO DAS DROGAS


ANÁLISE DA OBRA

AVALIAÇÃO DE ANTROPOLOGIA
BRAGA - 2023
1. Justificação da escolha:

O nosso intuito como investigadoras é analisar a obra “O Sítio das Drogas” de Luís
Fernandes e extrair da mesma o conhecimento necessário das motivações, ações e
significados atribuídos aos entorpecentes de modo a encontrar modos condizentes de ajudar
os toxicodependentes e simultaneamente, alertar para o estigma que constantemente impede
esses indivíduos de integrar dignamente o meio social. Por esse motivo, adotaremos uma
abordagem afastada do senso comum e dos juízos de valores assentes em preconceitos.
Desta forma, o objetivo para a elaboração deste trabalho é desconstruir um tema atemporal
que retrata, essencialmente, uma questão de saúde física, mental e, inevitavelmente, uma
problemática social.

Um indivíduo tóxico dependente necessita de um tipo específico de ajuda social e de


acompanhamento médico constante para se reabilitar, bem como para se reinserir na
sociedade. No entanto, as entidades governamentais competentes ainda não auxiliam
adequadamente nesse processo de estabilização e ressocialização dos elementos
toxicodependentes. Além de demonstrar as falhas do sistema, que surgem da incapacidade
de lidar eficazmente com problemas sociais, o fracasso dessas políticas tem como
consequência um estereótipo de indivíduo criminoso, egocêntrico e pouco produtivo,
intensificando o sentimento de rejeição social que se baseia na ignorância e no preconceito.
Dessa forma, para ter uma melhor compreensão do assunto, analisaremos dados relevantes
sobre a etnografia confecionada pelo psicólogo e professor Luís Fernandes, questionando o
senso comum e a sua visão acerca das drogas e os indivíduos toxicodependentes, de modo a
desconstruir o tema, como já mencionado, estigmatizado.

2. Elaboração de um breve resumo da obra, com uma apresentação clara das suas
ideias principais:

A droga é um fenómeno complexo e interdisciplinar. Nas disciplinas sociais, a droga


é apresentada como um fator de desordem da sociedade e da cultura. No ramo jurídico, é

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considerado um elemento criminal. Em termos político-económicos, é uma substância que
movimenta mercados e requer políticas internacionais de contenção, como a vigilância de
rotas e alfândegas a nível internacional. Ou seja, o uso dessa substância causa
comportamentos e reações sociais complexas e muito estigmatizadas. Na obra etnográfica a
ser analisada, foca-se na influência do objeto droga nos bairros sociais, bem como na
insegurança desses mesmos bairros em razão do objeto. O estudo foi feito mais
especificamente na região da Pasteleira durante a década de 90.

Configura, portanto, um trabalho que visa conhecer desde o interior. A partir do ponto
de vista dos atores, os estudiosos tiveram acesso às práticas sociais em torno das drogas
ilegais, o significado que estas assumem para quem as usa, o que pensam indivíduos
externos a essa realidade, como interagem com ele e com as forças de controlo social.

O livro é dividido em duas partes, a primeira foca-se mais em justificar a existência


dessa pesquisa, em como ela será feira metodologicamente e o porquê disso, como o autor
explica muito bem ao usar um excerto “Escolher um método é escolher uma teoria.
Nenhuma metodologia se justifica por ela mesma, é necessário, para lhe compreender a
escolha e o uso, aproximá-la da teoria com a qual é compatível […] (Coulon 1992).”. Já a
segunda parte do livro é a que mais focaremos durante esse resumo. Esse foco privilegiado
a mesma propõem-se por explicar a teoria, citar fontes que corroboram com essa teoria e
mostrar os achados específicos desse estudo, focando mais na análise do problema da droga
em si (o que é o nosso interesse).

Durante o texto vemos a importância do espaço e como a comunidade cientifica


mudou a sua visão sobre ele com a chegada do paradigma ecológico. O espaço deixou de
ser só onde vivemos e de onde tiramos os nossos recursos e sim uma construção social em
constante mudança que afeta diretamente a identidade dos indivíduos que lá vivem. Em
continuidade com essa teoria é explicado como o espaço é delimitado e como o bairro
social se distingue das outras regiões da cidade. Essa distinção pode observada de várias
formas, como na degradação estética, nas barreiras físicas que muitas vezes existem entre o
bairro e a cidade, no facto de a população que lá reside ser excluída socialmente e
financeiramente desfavorecida, no simbolismo que o mesmo carrega como um lugar de

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perversão da moral social e vandalismo, na diferente socialização que é muito mais
próxima do que vemos nas aldeias do que na vida na cidade, onde o público e o pessoal
misturam-se, onde todos se conhecem e forasteiros são logo percebido se também por essa
interação social ter um carácter mais “violento” e, simultaneamente, de gozo onde os
palavrões são normalizados e os erro vigiados ao microscópio.

Como referido anteriormente as populações dos bairros sociais se vem excluídas


economicamente do resto da sociedade, então a venda de drogas acaba sendo a solução para
muitos que não conseguiriam uma renda de outra forma. Mas a droga nessas áreas não é
vista da mesma forma que no resto da cidade, nos bairros ela foi normalizada e ser um
dealer é uma profissão tão normal quanto ser um mecânico. Essa normalização é conduzida
desde a infância, onde as crianças são expostas a familiares que a utilizam, a vendas
acontecendo na rua e até por vezes são utilizadas para pequenos serviços.

Uma grande crítica feita durante o texto é a média, que ajuda na criação da imagem
do bairro como lugar perigoso e desumano, sempre falando dos bairros, mas nunca dando
voz as pessoas que lá vivem. Durante a estadia dos etnógrafos foram recolhidas várias
notícias sobre a região que estudavam e perceberam que a maioria tinha uma conotação
negativa e mesmo as que tinha uma conotação positiva acabavam por ressaltar aspetos
negativos do local como, por exemplo, intervenções da polícia para diminuir o tráfico de
drogas. Essa cobertura constante da média, o constante medo da polícia, a exclusão sofrida
e a degradação estética acabam por criar um sentimento fatalista nos indivíduos que
acreditam que nunca conseguiram uma vida melhor.

Já falamos muito de como a vida no bairro, mas pouco sobre como as drogas lá
funcionam. A venda de drogas é feita a frente de todos, mas só quem tem bagagem nesse
setor de vendas consegue ver o que realmente acontece. É necessário ter experiencia prévia
para saber aonde ir, com quem falar e a linguagem que deve ser utilizada durante está
transação (linguagem reduzida, muitas vezes usando metáforas para não chamar a atenção).
Apesar de todos os tipos de pessoas envolverem-se nesse ramo, existe um perfil mais
comum como citado pelo autor: “O junkie é também muitas vezes vendedor. Nas zonas
quentes é predominantemente masculino, entre os 15-16 e os 35-40 anos.”.

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Os junkies tem a sua vida completamente consumida pela droga, passam a maioria
do tempo pensando na próxima dose. Isso afeta a vida deles em todos os aspetos, o
junkie está sempre tentando arranjar um modo de pagar pelo seu vício (até mesmo com
objetos materiais), o que muitas vezes o leva a cometer outros crimes como o furto. A vida
social dele também é afetada, sendo a maior parte das suas relações de interesse. Muitas
vezes eles acabam por virar dealers para financiar o seu vício.

3. Identificação de referências bibliográficas mais recentes com alguma possível


relevância para um aprofundamento de uma ou mais problemáticas tratadas na obra
escolhida:

Como explicitado, a relação entre o espaço e o social é determinante para o debate


das drogas, já que, enquanto as classes mais baixas e vulneráveis ao tráfico e a
toxicodependência são dominantes em bairros industriais marginalizados, os grupos
socioeconómicos mais privilegiados possuem um meio ecológico e sustentável. “O ser
humano vive da natureza. Isto significa que a natureza é seu corpo, com o qual ele precisa
estar em processo contínuo para não morrer. Que a vida física e espiritual do ser humano
está associada à natureza não tem outro sentido do que afirmar que a natureza está
associada a si mesma, pois o ser humano é parte da natureza.” como citado por Karl Marx.

Uma das obras que ajudam a aprofundar a relação entre estratificação social e
ecologia é o artigo científico “Meio ambiente e igualdade social” escrito por Álvaro García
Linera, professor titular de sociologia e ciências políticas da “Universidad Mayor de San
Andrés”, o mesmo também atuou como vice-presidente da Bolívia entre 2006 e 2019.
Nesse artigo o autor conclui que a gestão dos recursos naturais, bem como o próprio
espaço, é dominado por um campo de forças e políticas dominantes. Essas seriam
controladas pelas classes sociais mais ricas e restritas. Desse modo, o sociólogo ressalta a
importância das temáticas sociais e ambientais serem abordadas conjuntamente para
projetar uma política ecológica a partir da perspetiva das classes subalternas.

Além do espaço, a obra analisada também explicita o papel que as redes sociais
possuem para a difusão da droga e também no tratamento do indivíduo dependente. Nesse
sentido, o artigo“Família, redes sociais e o uso de drogas: tensionamento entre o risco e a

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proteção” aprofunda as relações sociais dos dependentes químicos. A obra é escrita por
quatro psicólogas renomadas: Claudia Daiana Borges, Mestre em Psicologia e docente do
curso de graduação em Psicologia na Faculdade Metropolitana de Guaramirim; Carmen
Leontina Ojeda Ocampo OMoré, Doutora em Psicologia, professora do Departamento de
Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); Scheila Krenkel,
Doutoranda em Psicologia pela UFSC e, por fim, Daniela Ribeiro Schneider, Doutora em
Psicologia, também professora do Departamento de Psicologia da UFSC.

Segundo as estudiosas, a composição da rede social representa fator potencialmente


de risco quando há membros que recorrem a drogas. Em contrapartida, quando os membros
são pessoas da família e amigos que não usam essas toxinas, os elementos tendem a não
utilizar tais toxinas. Além disso, os toxicodependentes tendem a ter redes sociais restritas,
ou seja, uma família desestruturada e pouco capaz de ajudar em termos tanto económicos
quanto emocionais. As mesmas reiteram a importância do contexto social, já que tais
quadros estão mais presentes em bairros sociais, devido à fragilidade económica e à
exclusão social. O estudo acaba por complementar a investigação de Luís Fernandes uma
vez que, ao explorarem os agentes de interação com os toxicodependentes, as estudiosas
conseguem traçar padrões comportamentais não só do indivíduo, mas de todos os
elementos que os rodeiam, bem como o contexto em que estão inseridos.

Em escala nacional, o livro “Entre o Bairro e a Prisão: tráfico e trajeto” de Manuela


Ivone Cunha trata de uma variedade de assuntos, desde o papel de mulheres portuguesas no
comércio de drogas até a análise etnográfica de uma prisão feminina. A autora analisa as
experiências de vida, laços familiares e relações nas comunidades de baixa renda de onde
essas mulheres são oriundas, bem como a exclusão social que elas enfrentam. Este livro
amplia o debate sobre as drogas, uma vez que, mesmo partindo de uma experiência de
campo, a autora não se limita a reflexões no perímetro prisional, mas prefere colocar em
evidência os universos sociais que, em larga escala, se repercutem na prisão. Além disso, a
académica percorre toda a lógica que compõe os bairros e as prisões portuguesas,
especialmente no período em que foi conduzida a investigação (entre 1987 e 1997). Por

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esse motivo a obra ajuda a compreender tanto a problemática social, quanto organizacional
das drogas.

4. Formulação de pelo menos uma proposta de investigações futuras que permitiriam


dar continuidade à abordagem desenvolvida na obra escolhida.

O estudo foi feito a quase 30 anos e precisa ser atualizado, nesse tempo muita coisa mudou.
E nesse estudo dois fatores de análise deveriam ser adicionados. O primeiro remete a
frenética evolução da tecnologia e como isso afetou a mecânica do tráfico. O outro como a
crescente ideologia de que drogas deveriam ser legalizadas e que viciados também
merecem respeito e acesso aos diretos humanos afetou essa população.

Outro estudo que poder ser feito é um estudo com enfoque nas pessoas que conseguiram
sair deste mundo (ex-dealers, ex-junkies). Tentando entender o que aconteceu de diferente
na sua trajetória, o que as levou a sair dessa vida, se isso as afetou positivamente, se foi
necessária interferência do estado ou de outros apoios externos, se elas tiveram apoio
familiar/de amigos. Outro foco importante seria entrevistar os trabalhadores dos centros de
reabilitação, perguntando que tipo de indivíduos geralmente retornam, que métodos lhes
parecem mais eficazes no tratamento. Essa pesquisa teria objetivo de arrecadar as
condições necessárias para um indivíduo melhorar, assim podendo melhorar as políticas de
intervenção nessas populações.

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