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editorial
Gláucia Viola, editora

A pseudo zona de conforto


nas repetições de padrões

S
erá mesmo que o amor mudou da era vitoriana aos dias atuais? Apesar do discurso
da nova moral cultural se prender aos “benefícios” das relações instáveis e fugazes
em que o objeto amoroso é descartável como qualquer objeto na lógica do consumo,
lá no fundo todos almejam a ordem de um imperativo e espetacular
CONTODEFADAS NOQUALOCOMPROMISSO ACUMPLICIDADEEACONlAN¥ASEFA-
zem presentes e indispensáveis.
O problema é que não há alinhamento real entre o enunciado e a aspiração.
O que se quer é viver a intensidade de uma relação, porém, isso exige coragem
e trabalho. É comum esbarrar em crenças limitantes e mudar o curso para o
caminho mais confortável, que ofereça diminuir a angústia e calar o sofrimento
frente às perdas e decepções afetivas. Chegamos então na teoria de Jung sobre

SHUTTERSTOCK E ARQUIVO PESSOAL


crenças geradas no inconsciente coletivo. Uma delas é que ninguém é respon-
sável por ninguém... Cada um que cuide de si e procure se defender dos sofri-
MENTOSh%NlM MUITASVEZESNOSFOR¥AMOSAENTRARNASREGRASDOINCONSCIENTE
coletivo, mesmo sem perceber. Você repete padrões que muitas vezes não são
seus e permanece neles como se fosse algo imutável ou como se fosse uma
pseudo zona de conforto”, descreve o artigo de capa desta edição da Psique Ciência&Vida.
Outro nível de crença descrito no texto é o genético, que trata daquelas crenças herdadas
de pai, mãe, avôs e avós até a sétima geração. “São crenças que nos fazem ter um sentimento
de pertencimento e podem ser vistas como um padrão, como por exemplo uma inclinação
para determinada carreira ou dom artístico, ou até mesmo uma doença que se propaga de
geração em geração”.
O fato é que as eleições amorosas ainda seguem os estudos de Freud e Lacan. Permanece o
desejo de fazer vínculos, em que cada um, à sua maneira, tenta iludir o desamparo e a incom-
pletude, e aqui mora um perigo: o de aceitar relações abusivas na tentativa de sair da solidão.
Mas a que preço? Paga-se caro querer ser par sem saber ser ímpar. Por essa razão é importante
buscar a consciência de nossas crenças limitantes e reconhecimento dos padrões de compor-
TAMENTO POISOAMOR AlNAL ÏAINDAOQUECONSEGUEFAZERLA¥OENTREOREALEOSIMBØLICO

Boa leitura!

Gláucia Viola
www.facebook.com/PortalEspacodoSaber
“Não tem crença quem não vive de acordo com a sua crença.”
Thomas Fuller
sumário

CAPA
Histórias de amor
Relações saudáveis são
24
o desejo da maioria, mas
repetições de padrões
podem acompanhar falta de
respeito, submissão e abuso
SHUTTERSTOCK

24/07/2019 11:33

MATÉRIAS
As faces dos
58 três cérebros
Tema de várias pesquisas,
o cérebro é um sistema
08 complexo, que permite
inúmeras análises por
enfoques diferentes
ENTREVISTA
Mariana de Camargo Penteado
aborda a atuação do psicólogo na defesa
dos direitos humanos, principalmente
A adolescência
no combate à LGBTQIA+fobia
e seus desafios
Em função das grandes
transformações biológicas,
SEÇÕES
cognitivas e socioemocionais,
05 NA REDE
06 RELAÇÕES EM PAUTA
a adolescência exige
orientação cautelosa 70
16 IN FOCO
18 PSICOPOSITIVA
20 PSICOPEDAGOGIA
Inte
Abord

35
22 NEUROCIÊNCIA
rseage


cçãns

doss

32 COACHING
o, psic

As diversas
psicaná

intervenções DOSSIÊ:
otelise

34 LIVROS
rapêut

psicoterápicas
e liter

Múltiplas terapias
icas

52 PSICOLOGIA JURÍDICA
atura

ão
Uma nova definiç
nitiva a
daabordagem cog
tratamento
entende como um
54 RECURSOS HUMANOS estratégico e pers
que surge da con
onalizado,
ceitualização
ra estratégias As várias abordagens psicológicas
de caso e incorpo
tamentais
56 PSICOLOGIA SOCIAL cognitivas, compor
e baseadas na ace itação
oferecem opções de tratamento,
Melo
Por Wilson Vieira

64 DIVÃ LITERÁRIO inclusive a terapia do esquema,


66 CINEMA usada na clínica infantil
76 PERFIL
80 EM CONTATO
SHUTTERSTOCK

vida 35
psique ciência&

odosaber.com.br

82 PSIQUIATRIA FORENSE
www.portalespac 26/07/2019 01:15

SSIE indd 35
na rede por Nicolau José Maluf Jr.

O HOMO
DEMENS
NA REDE
USANDO A
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL Ana lista s têm destacado como a mídia digita l vem
(IA) PARA COLOCAR O matando a democracia com seus bots, animadores digitais
etc. O debate entre o valor da democracia direta (via mo-
ROSTO DE UMA PESSOA bilização da s redes socia is pelos populista s) e democra-

NO CORPO DE OUTRA, OS cia representativa seria exaustivo. O que cabe aqui exa-
minar mais uma vez é como o Homo sapiens é ig ua lmente
VÍDEOS DEEPFAKE JÁ o Homo demens.
Imagens, notícias, af irmações jogadas na rede tornam-
SÃO UMA AMEAÇA A -se rapidamente “verdades”, independentemente de sua ve-

DEMANDAR INTERVENÇÕES racidade, por razões de aceitação sem senso crítico por
pa rte do “consumidor usuário” da s mesma s. É como um
GOVERNAMENTAIS efeito manada. Assim é porque o usuário é capturado a
funcionar como consumidor, a partir do seu desejo.

O
s vídeos são absolutamente convincentes, num O místico e f ilósofo Gurdjief apontava que esta ría mos
a mplo espectro. Estrela s de cinema já tivera m todos numa espécie de estado de “adormecimento” par-
seus rostos adicionados a outros corpos em f il- cia l, do qua l seria necessário acorda r. Nos a nos 60 e 70, a
mes pornô, políticos foram e ainda são utiliza- psicologia da Gestalt sublinhava o trabalho na condição
dos em f ilmagens e discursos fa lsos. de Awereness, um aqui e agora pleno. W. Reich examinou
A realidade aumentada, por sua vez, é uma tecnologia a relação entre a neurose e a capacidade de contato. Ou
que cria um a mbiente de imersão, mescla ndo elementos seja, a nossa relação com a realidade e como esta é afe-
computacionais e a realidade, onde se realizam atividades. tada pela s circunstância s histórica s – a nossa , pessoa l,
Não é o mesmo que rea lidade virtua l. O jogo Pókemon Go é e as da sociedade – são antigas questões. Se o que vem
um exemplo. Após o lança mento, o jogo a lcançou rapida- acontecendo na política e na vida pessoal é parâmetro
mente mais de 100 milhões de downloads! para se avaliar o nosso futuro, então o que temos pela
“O homem é um animal racional”, aprendemos cedo na frente é sombrio. A alienação, no sentido mais amplo, é o
escola. É o único dotado de logos, segundo Aristóteles. A mí- principal obstáculo à nossa sobrevivência. Sobrevivência
tica da nossa racionalidade já foi duramente atingida pelo como indivíduos.
IMAGENS: SHUTTERSTOCK/ ARQUIVO PESSOAL

pensamento freudiano e sua postulação da sexualidade e das


determinações inconscientes, e a era da computação lança
mais luz sobre a força de captura do desejo que tem a virtua-
lidade em suas muitas formas. Pois o que importa aqui não Nicolau José Maluf Jr. é psicólogo, analista reichiano, doutor
é o valor da tecnologia, mas seu poder. O de ser usada para em História das Ciências, Técnicas e Epistemologia (HCTE/
UFRJ). Contato: nicolaumalufjr@gmail.com
afetar e manipular sentimentos e comportamentos.

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relações em pauta por Elaine Cristina Siervo

As DIMENSÕES da paixão
A IDEIA DE SE APAIXONAR PROVOCA DESEJO E MEDO.
NÃO É UM TERRENO SEGURO. AINDA QUE A PAIXÃO SEJA
CORRESPONDIDA, GERA FRAGILIDADE, POIS O OBJETO
DE AMOR PODE OU NÃO SUPRIR AS EXPECTATIVAS

H
á uma supervalorização das Eros. Metáforas da mitologia que po-
BAIXAR AS
ações e signif icados de tudo demos considerar como os desaf ios de
que envolve o ser amado. DEFESAS QUE viver e amadurecer. Todos os seres as-
Por isso o medo das pessoas IMPEDEM O sustadores desse caminho estão den-
de se verem enredadas nas garras da tro de todos e podem ser despertados.
paixão. Evitar a todo custo relacio- CONTATO COM Não há melhor forma de conhecermos
nar-se por medo da paixão e do amor O OUTRO E O nossas fragilidades psíquicas e insegu-
é um indício de grande bloqueio e ranças do que na relação com o outro.
revela mecanismos de defesa muito
RISCO DA PAIXÃO Após algum tempo de relação, as
consolidados, provocados geralmente COMO POSSÍVEL idealizações iniciais começam a co-
por vivências traumáticas. lapsar e a realidade se apresenta. Se os
CONSEQUÊNCIA
Como escreve o psiquiatra Renato parceiros avançaram pouco na senda
Mezan no livro Os Sentidos da Paixão: É INICIAR UMA do amadurecimento e autoconheci-
“A defesa – qualquer defesa – tem a JORNADA DE mento, podem surgir muitos conf litos
f inalidade óbvia: evitar o desprazer. e o relacionamento pode tornar-se um
Isso não a impede de gerar, por vezes, HEROÍSMO, campo de disputas. Por questões nar-
um intenso desprazer; mas esse últi- UMA EMPREITADA císicas arcaicas pode não ser fácil para
mo será sempre fantasiado como um o indivíduo reconhecer a parte que lhe
mal menor, se comparado com aqui-
DE MISTÉRIO cabe nos conf litos, gerando mágoa e
lo que sucederia caso a defesa fosse ressentimento no parceiro. Principal-
abandonada. Boa parte do trabalho geralmente revela a nossa “sombra”. mente se houve interrupções em seu
psicanalítico, aliás, consiste no reexa- Sombra é um conceito da psicologia processo de amadurecimento afetivo.
me das fantasias e das angústias que junguiana que designa conteúdos ar- Amar talvez seja a tarefa mais
povoam a vida psíquica do paciente”. quetípicos tanto destrutivos como complexa da existência humana. Des-
Entregar-se à paixão é antes de tudo construtivos, que foram recalcados e de que nascemos, de uma forma ou de
um ato de coragem. esquecidos e assim passíveis de proje- outra, estamos nos preparando para
Baixar as defesas que impedem o ções. A revelação da nossa sombra e amar. “Talvez seja o trabalho para o
contato com o outro e o risco da pai- de nossos complexos, através da rela- qual todos os outros trabalhos não se-
IMAGENS: SHUTTERSTOCK E ARQUIVO PESSOAL

xão como possível consequência é ção com o outro, pode ser equiparado jam mais do que a preparação”, disse
iniciar uma jornada de heroísmo. O simbolicamente aos 12 Trabalhos de o psiquiatra Ronald Laing (1954). O
que enfrentaremos nessa empreitada é Hércules, ao enfrentamento da Medu- amor diferentemente da paixão exige
um mistério. Quando se está aberto à sa e das sereias na jornada de Ulisses um grau de maturidade a ponto de se
vida e às experiências, estamos sujei- e seus companheiros ou aos desaf ios ter condições de considerar o outro e
tos ao apaixonamento. Esse processo de Psique para reencontrar o amor de suas necessidades, diferentemente da

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paixão que é permeada por questões os materiais e a sua correspondência profundidade se o indivíduo estiver
mais narcísicas e autocentradas. Na ao processo de autoconhecimento. disposto ao processo psicanalítico.
busca de alcançar a maturidade para Esses processos incluem: submeter- A situação transferencial da análise
que a paixão possa evoluir para um -se ao fogo, à água, ao ressecamento, também é de certa forma uma rela-
sentimento verdadeiro e compartilha- à dissolução para que ocorra a verda- ção amorosa, que pode reproduzir
do em que o outro é tão igualmente deira transformação do “metal bruto” em seu contexto os enfrentamentos
impor tante em seus desejos e necessi- em “ouro”. Tudo isso simbolicamente reais do paciente em seu cotidiano.
dades, existe um árduo caminho. pode acontecer quando estamos apai- A análise se propõe a propiciar local
Esse caminho é descrito por Carl xonados e sujeitos a todas as intem- adequado e seguro para que as de-
Jung nos estudos alquímicos e o pro- péries que isso signif ica. Não vamos fesas sejam aos poucos identif icadas
cesso de individuação. Transformar ganhar os louros sem antes enfrentar e afrouxadas, enquanto outros recur-
nossas mazelas na “pedra f ilosofal” nossas batalhas internas. sos mais saudáveis estão sendo ali-
como desejavam tanto os alquimistas Neste momento, esse trajeto pode cerçados no trabalho conjunto com
é tarefa nobre. Não alcançaremos o ser feito com muito mais conforto e o analista.
Opus sem antes passar por todos os
processos de transformação, tão bem Elaine Cristina Siervo é psicóloga. Pós-graduada na área Sistêmica – Psicoterapia
descritos por Edward F. Edinger em de Família e Casal pela PUC-SP. Participa do Núcleo de Psicodinâmica e Estudos
seu livro Anatomia da Psique. Nesse li- Transdisciplinares da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica – SBPA. Atuou
na área de dependência de álcool e drogas com indivíduos, grupos e famílias.
vro o autor descreve as etapas do pro-
cesso alquímico a que são submetidos

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MARIANA DE CAMARGO PENTEADO

Mariana: “A atuação do
psicólogo deve sempre se
basear na defesa dos direitos
humanos. A comunidade
LGBTQIA+ é uma das pautas
centrais dessas discussões”

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E N T R E V I S T A

LGBTQIA+fobia como
PROBLEMA estrutural
Mariana de Camargo
Penteado explica a importância
da atuação do psicólogo
na defesa dos direitos
humanos e, especificamente,
no combate à LGBTQIA+fobia
e suas consequências
Por Lucas Vasques Peña

A
entrevista com Mariana de Camargo de naturalização das questões de gênero”, re-
Penteado parte de duas constata- flete Mariana.
ções: o Brasil é o país onde se regis- Ela possui graduação em Psicologia pela Uni-
tram os maiores índices de violência versidade de São Paulo (2010) e, atualmente, tra-
contra a comunidade LGBTQIA+ e é cada vez balha como psicóloga clínica em consultório par-
mais importante a participação do psicólogo ticular e junto à Casa 1 na área da clínica social e
junto a essa população. no acompanhamento a moradoras e moradores.
“A atuação do psicólogo deve sempre se ba- A Casa 1 é uma organização localizada em
sear na defesa dos direitos humanos. A comu- São Paulo, que teve sua origem funcionando
FOTO DO ENTREVISTADO: DIVULGAÇÃO/ DEMAIS: SHUTTERSTOCK

nidade LGBTQIA+ é uma das pautas centrais como uma espécie de república de acolhimento
dessas discussões. A prática deve, portanto, vi- para a comunidade LGBTQIA+. Ao longo do
sar a promoção de direitos, a laicidade, o com- tempo foi se transformando, também, em um
bate à patologização e a crítica aos processos centro cultural e uma clínica social.

Lucas Vasques Peña é jornalista e colabora nesta publicação.

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EM LINHAS GERAIS , COMO DEVE SER A
ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO JUNTO À CO -
MUNIDADE LGBTQIA+?
M A R I A NA : A atuação do psicólogo
deve sempre se basear na defesa dos
direitos humanos. A comunidade
LGBTQIA+ é uma das pautas cen-
trais dessas discussões. A prática
deve, portanto, visar a promoção de
direitos, a laicidade, o combate à pa-
tologização e a crítica aos processos
de naturalização das questões de gê-
nero. Tudo isso sempre respeitando
a experiência sing ular dos sujeitos e
os recortes transversais essas ques-
tões podem apresentar. Isso envolve
tanto ações moleculares – respei-
tando a diversidade dentro de seu IÔ9H 9
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GIG h9
I  GhÔÔP IGIIG

campo de atuação, individual ou co- pessoas homossexuais, transexuais ou bissexuais
letivamente – como molares, posi-
cionando-se publicamente, atuando As vivências de socialização para questões
na construção de políticas públicas
e contribuindo com sua produção de de identidade de gênero e de orientação sexual
saber para a erradicação do precon-
ceito e dos estigmas.
são diferentes, embora em todos os casos se
relacionem diretamente com uma resposta
E XISTEM DIFERENÇAS NA ATUAÇÃO DO
PSICÓLOGO NO CASO DE PESSOAS HOMOS - diferente ao padrão hetero-cis-normativo
SEXUAIS , TRANSEXUAIS OU BISSEXUAIS?
M ARIANA: Sim e não. As linhas gerais bissexuais falem sobre suas vivências e transexualidades da lista dos trans-
norteadoras são as mesmas: o tra- de invisibilização, mesmo dentro da tornos mentais é a ratif icação de dé-
balho com a diversidade de manei- comunidade LGBTQIA+. Quando fa- cadas de luta no sentido de garantir a
ra ética. Mas claro que cada recorte lamos com pessoas trans, no entanto, autonomia das pessoas na construção
particular tem suas especif icidades. é muito mais presente a vivência de se de suas vivências e expressões de gê-
As vivências de socialização para estar muito em evidência nos espaços nero. À parte as implicações pessoais
questões de identidade de gênero e e a violência que se sofre e que tende que ter a própria identidade lida como
de orientação sexual são diferentes, a propagar a marginalização. O pro- patologia, não podemos deixar de
embora em todo caso se relacionem blema é que essa questão não se res- comentar as consequências concre-
diretamente com uma resposta dife- ponde de maneira simples. Para abrir tas. Quando um aspecto da vivência
rente ao padrão hetero-cis-normativo. a discussão a respeito da diversidade humana é compreendido como um
Mesmo quando pensamos intragru- real dentro da população LGBTQIA+ transtorno mental existe uma ten-
po, dentro da própria comunidade precisamos falar profundamente sobre dência à apropriação médica e judi-
LGBTQIA+, as relações não são sim- desenvolvimento, socialização e sobre cial dos corpos dessas pessoas. Não
ples. As demandas terão intersecções, os determinantes sociais nos proces- é coincidência que até pouco tempo
no geral, como costuma acontecer sos de subjetivação. atrás era necessária, no Brasil, uma
com minorias. Exclusão, bullying, di- autorização judicial pautada em lau-
f iculdade de acesso a serviços, discri- ATÉ POUCO TEMPO ATRÁS OS TRANS - dos médicos, por exemplo, para mu-
minação são temáticas comuns. Mas GÊNEROS FIGURAVAM NA LISTA DE DO - dança de nome e gênero. A atenção
cada segmento e, em última instância, ENÇAS MENTAIS . O QUE REPRESENTAVA no sistema de saúde pública a pessoas
cada pessoa trará dimensões únicas de ISSO PARA ESSE SEGMENTO SOCIAL? trans também responde às consequên-
vivência. Por exemplo, é comum que M ARIANA: A saída das travestilidades cias dessa visão psicopatologizante. A

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Quando falamos M A R I A NA : Os principais desaf ios são um demônio”. Existe aí uma viscosi-
ainda estruturais. Vivemos no país dade do pensamento que evidencia a
com pessoas trans é do mundo que mais mata pessoas impossibilidade de formação de me-
trans. Os dados de mortes violentas táforas. O autor do crime identif ica
muito mais presente a da população LGBTQIA+ são orga- a travesti não como a representação

vivência de se estar em nizados, principalmente, pelo Grupo


Gay da Bahia, uma ONG. Existe um
de algum mal, mas como algo a ser
eliminado – o próprio mal. Esse tipo
evidência nos espaços e desentendi mento por parte do Esta- de relação violenta com a alteridade
do das questões relacionadas a gê- é típico dos processos descritos por
a violência que se sofre nero e orientação sexual. Não existe Adorno ao falar de personalidades
uma preocupação em organi zar da- autoritárias. Ao mesmo tempo, o
e que tende a propagar dos sobre a população LGBTQIA+ crime foi registrado como latrocí-

a marginalização. O e criar políticas públicas. Nesse ce-


nário desfavorável, trabalhar com
nio. Ou seja, não existiu sequer o
reconhecimento de que se tratou de
problema é que essa a comunidade LGBTQIA+ é nadar um crime motivado por transfobia.
contra a corrente. E dentro de todo esse contexto, te-
questão não se responde mos representantes de poder que
O B RASIL É O PAÍS QUE MAIS MATA A PO - legitimizam crimes de ódio. Temos
de maneira simples PULAÇÃO LGBTQIA+. E M SUA AVALIA- um presidente que instrumentaliza a
ÇÃO , SOB A ÓTICA DA P SICOLOGIA , POR própria LGBTQIA+fobia, de manei-
possibilidade de acesso a certos tipos QUE ISSO ACONTECE ? ra escancarada, para perpetuar uma
de procedimentos judiciais e corporais M ARIANA : Podemos buscar entender relação de ódio para com os setores
f icava a critério de uma decisão psi- esse fato sob diversas perspectivas. que lutam por igualdade. Somos tam-
quiátrica que excluía a diversidade de Podemos falar da falência das metá- bém o país que evitou ao longo da sua
vivências trans que não se enquadra- foras nos processos de subjetivação. história abordar questões estruturais
vam ipsis litteris na descrição psicopa- Lembro-me de um caso recente em de extermínio de minorias. O mesmo
tológica. É importante demarcar que Campinas em que uma travesti foi tipo de tratamento que se deu histo-
a patologização e estigmatização de morta e teve seu coração arrancado. ricamente às questões de negritude é
identidades LGBTQIA+ é um processo O autor do crime disse que ela “era dado às demais pautas minoritárias.
histórico que passou pela disputa
de diversos campos de poder/saber.
Da apropriação jurídico-religiosa
dessas vivências como pecadoras ou
imorais passou-se à descrição médico-
positivista de doença. O processo
de reinserir esses corpos numa nova
lógica de vivência legítima envolve,
portanto, evidenciar e desconstruir
esse processo histórico de produção de
sentidos. Com o tempo e as mudanças
de políticas públicas, esperamos que
as expressões e identidades de gênero
passem a ser de fato entendidas como
possibilidades da existência humana,
em toda sua amplitude.

Q UAIS SÃO OS PRINCIPAIS DESAFIOS EN -


IMAGENS: SHUTTERSTOCK

FRENTADOS PELOS PROFISSIONAIS DA


P SICOLOGIA PAR A TR ABALHAR COM
QUESTÕES DE GÊNERO E ORIENTAÇÃO O Brasil é o país que mais mata pessoas trans. Os dados de mortes violentas da população LGBTQIA+
SEXUAL ? são organizados, principalmente, pelo Grupo Gay da Bahia

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O QUE PODE SER FEITO PARA MUDAR Para abrir a Por exemplo, muitas vezes psicólogos
ESSE CENÁRIO? trabalham em espaços onde existe
M ARIANA: Essa mudança deve vir a discussão a respeito uma recepção. As pessoas que traba-
partir da implementação de políticas lham na recepção estão preparadas
públicas ef icazes, e o psicólogo tem
da diversidade real para atender uma pessoa trans que ve-
um papel essencial tanto na linha de
frente como na elaboração desses pro-
dentro da população nha com o documento sem a retif ica-
ção do nome? Precisamos garantir que
cessos. Facilitar o acesso d a população LGBTQIA + os espaços que frequentamos estejam
LGBTQIA+ a serviços de saúde, esta- prontos para lidar com essas questões.
belecer políticas de empregabilidade, precisamos falar Esses problemas podem ser resolvidos
do ponto de vista de formação. Em
de prevenção à evasão escolar, criar
programas de debate nas escolas so-
profundamente sobre outros contextos, o preconceito vem
bre questões de gênero e sexualidade.
Todas essas medidas são necessárias
desenvolvimento, de uma escolha declaradamente polí-
tica. As pessoas que praticam as ditas
para buscar, a longo prazo, uma exis- socialização e sobre “terapias de reversão”, por exemplo, se
tência igualitária. enquadram nessa conf iguração. Nes-
os determinantes ses casos, devemos estar atentos a es-
É POSSÍVEL TRAÇAR UM PERFIL PSICOLÓ -
GICO DO AGRESSOR TRANSFÓBICO?
sociais nos processos ses prof issionais e buscar auxílio dos
Conselhos de Psicologia para realizar
M ARIANA: Existe um perf il geral do de subjetivação as denúncias quando necessário, além
agressor transfóbico. Em sua maio- de sempre nos posicionarmos publica-
ria são homens, cisgêneros, brancos ou coletivos, a promoção da igualda- mente a favor da diversidade.
e de classe média. Falar em perf il de deve ser sempre o norte. Da mesma
psicológico, no entanto, pode levar à maneira, a produção de conhecimento Q UAL O IMPACTO PSICOLÓGICO QUE O
interpretação equivocada de uma vi- deve se pautar pelas mesmas questões. PRECONCEITO PODE GERAR NA POPULA-
são patologizante e individualizante Em qualquer instância, é importante ÇÃO LGBTQIA+?
da transfobia, quando na realidade a que nossa escuta esteja aberta às expres- M ARIANA: Quando falamos de pre-
agressão transfóbica é essencialmen- sões mais diversas de alteridade. conceito, falamos essencialmente de
te um fenômeno social e estrutural. sofrimento ético-político. Existe uma
Existe uma violência de Estado que O TEMA LGBTQIA+ AINDA VEM CAR- dimensão psicossocial nos processos
é constante contra minorias e que se REGADO DE ESTIGMA . VOCÊ ACHA QUE de exclusão e violência em contextos
reproduz micropoliticamente, e não O PRECONCEITO ATINGE , INCLUSIVE , OS sócio-históricos de desigualdade. Nes-
seria diferente com a população trans. PROFISSIONAIS DA P SICOLOGIA , O QUE sa relação dialética entre o sofrimento
Claro que podemos compreender os DIFICULTA O TRABALHO NESSA FRENTE ? individual e a universalidade das re-
aspectos individuais que levam uma M ARIANA: Infelizmente, sim. Embora o lações de exclusão e pertencimento,
pessoa a cometer uma agressão trans- Conselho Federal de Psicologia (CFP) a LGBTQIA+fobia cria um tipo de
fóbica. Mas esse tipo de violência é seja extremamente claro em suas sofrimento organizador das subjeti-
endêmico e responde a determinações normativas na defesa da população vidades afetadas. Sofre-se a violência
sociais que operam na lógica da exclu- LGBTQIA+, o psicólogo é essencial- micropolítica do bullying, mas tam-
são. Respondem também diretamente mente um ser humano que passou por bém a violência estrutural da necro-
ao funcionamento neoliberal, em que seus próprios processos de socializa- política, da negligência de acessos, da
o sofrimento é parte integrante da ção, que tem suas opiniões políticas, ausência de possibilidades de identi-
composição da produtividade. que viveu as construções de seus re- f icação. É muito comum a descrição
cortes de classe, raça, gênero, orien- de sensações de falta de esperança, de
Q UA L DEV E SER O PA PEL CENTR A L DO tação sexual etc. E isso pode envolver impossibilidade de mudar a própria
PSICÓLOGO NO EN FR ENTA MENTO À uma visão preconceituosa a respeito condição, de perda de noção da
HOMOF OBI A ? de certos assuntos. Às vezes, o precon- possibilidade de ações conjuntas. Nes-
M ARIANA: 0RElRO FALAR DE ,'"41)! ceito vem da ignorância em relação ao ses casos, o apelo à noção de comuni-
IMAGENS: SHUTTERSTOCK

+fobia de forma ampla. O psicólogo atua tema. Algo que não foi pensado ante- dade e a convivência com outras pes-
de forma múltipla, sempre. Na linha de riormente e que pode resultar em sofri- soas LGBTQIA+ se fazem centrais na
frente, seja em atendimentos individuais mento para a população LGBTQIA+. socialização desse sofrimento.

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de transformar as famílias em aliadas
na luta contra o preconceito.

DO PONTO DE VISTA PSICOLÓGICO , QUAL


SUA PERCEPÇÃO SOBRE A ACEITAÇÃO NA
SOCIEDADE ATUAL EM RELAÇÃO À DI -
VERSIDADE SEXUAL ? E XISTEM AVANÇOS
AO LONGO DO TEMPO OU AINDA É GRAN -
DE A RESISTÊNCIA ?
M ARIANA: Tudo depende do interva-
lo de tempo que queremos analisar.
Se olhamos para os últimos 100 anos,
houve avanços. Porém, como todas as
pautas de luta de minorias, o combate à
LGBTQIA+fobia sofre avanços e retro-
cessos de acordo com o contexto polí-
tico geral. Nos últimos anos, tivemos
por um lado avanços como a criação do
Transcidadania, o casamento homoafe-
TIVO ARETIlCA¥ÎODENOMEPARAPESSOAS
trans sem necessidade de cirurgias ou
ordens judiciais. Por outro lado, tive-
Na avaliação de Mariana de Camargo Penteado, o mesmo tipo de tratamento que se deu mos um aumento de 300% no suicídio
 IGO€
 
\
G
O
G GG  P G de pessoas LGBTQIA+ nos últimos
dois anos, aumentos também signif ica-
A saída das travestilidades e transexualidades tivos na violência LGBTQIA+fóbica,
idas e vindas nas cartilhas do Minis-
da lista dos transtornos mentais é a tério da Saúde destinadas à população
trans, sistemáticos ataques e desman-
RATIlCA¥ÎODEDÏCADASDELUTANOSENTIDODE ches das entidades que se ocupam de

garantir a autonomia das pessoas na construção diversidade (por exemplo, o anúncio


recente do fechamento do Centro de
de suas vivências e expressões de gênero Referência e Defesa da Diversidade
(CRD) de São Paulo.
C OM FREQUÊNCIA , O HOMOSSEXUAL EN - e/ou agridem. É um movimento mui-
CONTRA PELA PRIMEIRA VEZ O PRECON - to comum que as pessoas que sofrem A SPECTOS COMO RELIGIÃO , POSIÇÃO
CEITO NA PRÓPRIA FAMÍLIA . O PSICÓLO - preconceito busquem apoio junto à SOCIAL E LOCAL DE MORADIA INFLUEN -
GO PODE DESENVOLVER UM TRABALHO comunidade LGBTQIA+, numa valo- CIAM NESSE PROCESSO DE ACEITAÇÃO?
TAMBÉM COM OS FAMILIARES A RESPEI - rização das relações horizontais. Nes- M ARIANA: Inf luenciam. A transversali-
TO DO COMBATE À HOMOFOBIA ? se sentido, quando existe a possibilida- dade de recortes é sempre importante
M ARIANA: Existe uma dimensão mui- de de resgate desses laços, o psicólogo na análise de qualquer fenômeno. Par-
to traumática no preconceito intrafa- pode atuar junto à família. Algumas ticularidades locais e regionais, acesso
miliar, que vem da decepção com as ONGs disponibilizam, por exemplo, da pessoa a trabalho e moradia, maior
identif icações verticais. Basicamente, rodas de conversa para familiares de ou menor abertura religiosa, tudo isso
nas relações familiares – essencial- pessoas LGBTQIA+. Os trabalhos de impacta nos processos de como se en-
mente hierarquizadas – está posta conscientização e de escuta para esses tende a diversidade sexual e de iden-
uma expectativa de poder de prote- familiares devem sempre ser pautados tidade de gênero. Recortes de classe,
ção que, quando não se cumpre, tem no combate à LGBTQIA+fobia. O raça, gênero e território podem de-
um potencial de dano muito forte. Grupo das Mães pela Diversidade tem terminar a sobreposição de esferas de
Aqueles de quem se esperava cuidado um papel essencial na promoção des- opressão, complexizando as relações
se tornam as f iguras que abandonam ses diálogos, focando na importância de sofrimento.

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A FORMA COMO A SOCIEDADE ENCARA
À parte as implicações um lado temos alg umas conquistas
A HOMOSSEXUALIDADE É INFLUENCIA- no campo das garantias de direitos
DA PELA PROPAGAÇÃO DE ESTEREÓTIPOS pessoais de ter a individuais, a situação geral é de des-
PELA MÍDIA , POR MEIO DE PROGRAMAS manche dos serviços que olham para a
HUMORÍSTICOS , POR EXEMPLO? própria identidade diversidade.
M ARIANA: Com certeza. A mídia tem
um papel central na produção de dis-
lida como patologia, DE QUE FORMA A P SICOLOGIA E SEUS
cursos e construção de verdades pelas quando um aspecto PROFISSIONAIS PODEM AJUDAR NA ME -
quais somos atravessados. Se os dis- LHORIA DESSAS POLÍTICAS PÚBLICAS ?
cursos a respeito de orientações sexu- da vivência humana M ARIANA: O psicólogo pode contribuir
ais e identidades de gênero que se ofe- no campo de produção de saber e so-
recem reproduzem preconceitos, não é compreendido como bretudo com a visão da realidade prá-
podemos esperar que os estereótipos
se desconstruam. Em linhas muito
um transtorno mental tica. Existem iniciativas de movimen-
tos sociais e outras organizações que
gerais, nossos processos de aprendi- existe uma tendência trabalham com a questão LGBTQIA+
zagem acontecem no contato com o que possuem uma visão muito próxi-
mundo. Se a convivência com pessoas à apropriação médica ma da vivência. Falta converter a ex-
LGBTQIA+ já é pautada pela violên- periência em projetos escaláveis.
cia, se os discursos relig iosos reforçam e judicial dos corpos
essa violência e os discursos midiáti-
cos também, como esperar uma con-
dessas pessoas Q UAL O PAPEL DOS MOVIMENTOS SO -
CIAIS E ESPECIFICAMENTE DA CASA 1 NA
vivência real com a diferença? Outra esses conceitos e desconstruí-los para LUTA CONTRA A LGBTQIA+FOBIA ?
discussão interessante é que no pro- que incorporem as conf ig urações di- M ARIANA: Existe uma tendência cada
cesso de compreensão das identida- versas que podem existir, temos tam- vez mais patente do Estado de se de-
des LGBTQIA+ se faz presente com bém uma forte reação conservadora. sentender da LGBTQIA+fobia como
muita frequência o ato de nomear-se, Essa reação está para além da resis- um problema estrutural. Com a tôni-
de adquirir vocabulário para expli- tência à mudança. É um conjunto de ca de culto ao ódio do atual governo,
car uma diferença que era sentida de práticas organizadas nos campos po- então, f ica cada vez mais claro que as
maneira abstrata. Poder dizer “sou lítico e de produção de saberes, geral- minorias em geral e, portanto, a po-
gay”/“sou uma mulher trans”/“sou bis- mente com articulações relig iosas. pulação LGBTQIA+, são tratadas no
sexual” aparece muitas vezes nos rela- âmbito da necropolítica. Existe um
tos de pessoas LGBTQIA+ como um C OMO O CAMPO ACADÊMICO LIGADO À interesse claro de que minorias mor-
momento de extrema importância na P SICOLOGIA TEM SE POSICIONADO EM ram e o aparelho público gera cada
formação de suas identidades. Enten- RELAÇÃO À DIVERSIDADE SEXUAL ? vez mais exclusão com suas políticas
der que o que se é tem um nome e que M ARIANA: Nos estudos de gênero e di- de extermínio. Nesse contexto, os mo-
existem pessoas que compartilham versidade sexual organizados existe em vimentos sociais aparecem como pos-
experiências similares tem um gran- geral uma dupla chave de referência ou sibilidades de criação de espaços de
de poder. Desse modo, a presença na à teoria queer ou ao pós-modernismo. sobrevivência e resistência. As infor-
mídia de f ig uras LGBTQIA+ humani- Existe uma necessidade de mais estu- mações e a produção de dados sobre
zadas e diversas, que fujam à estereo- dos que olhem essas questões de ma- a comunidade LGBTQIA+ dependem
tipia que retira qualquer profundidade neira ampla e organizada, sob perspec- basicamente de ONGs e movimentos
e converte pessoas em caricaturas, tivas e abordagens diversas. sociais. A Casa 1 sempre teve como
poderia ajudar incrivelmente nos pro- eixo norteador criar um modelo para
cessos de constituição de identidades. C OMO OBSERVA AS POLÍTICAS PÚBLICAS políticas específ icas para a população
REFERENTES À PROMOÇÃO DA DIVERSI - LGBTQIA+. Nós trabalhamos dentro
DE QUE FORMA A SOCIEDADE TEM REA- DADE SEXUAL E AO COMBATE AO PRE - de uma compreensão ampla a respeito
GIDO ÀS MUDANÇAS DE CONCEITOS TRA- CONCEITO? de saúde, cultura, convivência e mi-
DICIONAIS , COMO CASAMENTO , FAMÍLIA M ARIANA: Em termos de políticas pú- litância como pilares para a criação
E SUAS NOVAS CONFIGURAÇÕES ? blicas temos sempre o atrito entre as de possibilidades de existir e resistir.
M ARIANA: Ao mesmo tempo em que forças conservadoras e os movimen- Com o tempo, a Casa 1 ganhou cada
notamos uma abertura para repensar tos sociais e lutas organizadas. Se por vez mais a aura de território seg uro.

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Saber que existe um lugar que exerce
essa função protetiva permite um pou-
co de espaço para respirar e sonhar.

Q UE TIPO DE TRABALHO VOCÊ DESEN -


VOLVE NA CASA 1?
M ARIANA : Eu trabalho em duas fren-
tes na Casa 1. A Casa 1 nasceu como
república de acolhida para pessoas
LGBTQIA+ expulsas de casa por
suas orientações afetivo-sexuais e
identidades de gênero. Com o tempo,
passamos a ter um centro cultural e
agora temos um prédio também para
atividades clínicas. Trabalho na Clí-
nica Social aberta ao público, onde
atendemos pessoas gratuitamente ou
a valores sociais de maneira individu-
al. É um trabalho essencialmente clí-
nico, mas que não deixa de ser cons-
tantemente atravessado por questões Se os discursos da mídia a respeito de orientações sexuais e identidades de gênero reproduzem
muito concretas e materiais das es- preconceitos, não se pode esperar que os estereótipos se desconstruam
pecif icidades da população com que
trabalhamos. Para muitos pacientes, Até pouco tempo atrás era necessária, no Brasil,
é o primeiro contato com uma expe-
riência de atenção psicológica. Qua- autorização judicial pautada em laudos médicos
se sempre existe um questionamento
que caminha por dois sentidos: “será
para mudança de nome e gênero.
que isso é para mim?”/ “terapia não A atenção no sistema de saúde pública
é só para gente rica?” ou “sinto que
estou tomando o lugar de alguém que a pessoas trans também responde às
precisa ainda mais do que eu”. Por ve-
zes as subjetividades estão tão acos- consequências dessa visão psicopatologizante
tumadas ao massacre e à violência
que se faz necessário um trabalho ini- Estamos sempre em articulação com dimentos. Talvez porque atendemos
cial de construção da possibilidade de as redes de serviços públicos tam- pessoas que por uma construção de
acesso ao cuidado e ao autocuidado e bém. Existem algumas frentes espe- militância ou por imposição de seus
uma autocrítica sobre como a Psico- cíf icas das quais eu não faço parte, recortes socioeconômicos pensam
logia vem se constituindo por vezes mas que constituem parte integral do que sempre existe alguém que sofre
como campo apartado das pessoas. trabalho dos psicólogos na Casa 1. O mais e que deveria ter acesso prioritá-
Por outro lado, contribuo também processo de triagem para a moradia, rio a serviços de atenção psicológica.
para o grupo de trabalho de saúde por exemplo, é realizado pela nossa E minha resposta costuma ser sempre
mental que atua junto aos moradores equipe e, juntamente com a assistente a mesma. Nesse contexto político de
e moradoras da Casa 1. Pode-se dizer social da casa, buscamos alternativas aniquilação das existências divergen-
que minha atuação nesse caso se en- para os casos que não conseguimos tes, não existe ato mais revolucioná-
quadra mais no campo da Psicologia acolher. Outras atividades mais re- rio do que o autocuidado. Quando
Social. Temos uma equipe multidisci- centes dentro da casa são as rodas existe todo um sistema que objetiva
plinar que trabalha em conjunto para de conversa. Eu acho que o lado mais a exclusão e a morte, ser LGBTQIA+
propiciar aos moradores e moradoras surpreendente da minha atuação na e ousar viver e tomar a saúde psico-
possibilidades amplas de pensar e Casa 1 é lidar com a culpa que muitas lógica como um direito são em si um
discutir planos para a estadia na casa. pessoas trazem a respeito dos aten- ato político.

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in foco por Michele Müller

CONSTRUÇÃO
ABSTRATA
NA MENTE
CONCEITOS ABSTRATOS
SÃO CONSTRUÍDOS POR UM
CONJUNTO DE RELAÇÕES
QUE SÓ FAZEM SENTIDO
QUANDO ESSA REDE ESTÁ
BEM TRANÇADA. ELA
ENVOLVE UMA SÉRIE DE
ELEMENTOS CONCRETOS

N
a coluna da edição passada, sentido à palavra, em uma relação da “grande diversidade” entre eles,
vimos que a linguagem cum- recíproca e interdependente. No en- como o fato de não “considerarem
pre um papel fundamental tanto, a educação não leva em consi- a terra uma propriedade particular”.
não apenas na comunicação, deração a forma como a linguagem é Também devem entender que a “sub-
como na interpretação do ambiente e compreendida e desenvolvida ao tra- sistência” era o “produto do trabalho”
na identificação das próprias emoções, balhar uma série de conteúdos que, e não o lucro. Nesse caso, o domínio
o que possibilita a formulação cons- no decorrer no ensino fundamental, desses conceitos é um pré-requisito
ciente de respostas mais apropriadas. vão ficando cada vez mais abstratos e para a compreensão desta pequena
IMAGENS: SHUTTERSTOCK E ARQUIVO PESSOAL

Se, por um lado, a ampliação do distantes do universo dos alunos. parte de um conteúdo, que vai muito
vocabulário permite a ampliação da As apostilas e livros didáticos além dos fatos citados. O problema
própria consciência e modifica a for- esperam que crianças de menos de é que, em geral, as crianças não têm.
ma como as pessoas processam suas 10 anos entendam que, na época do Isso não quer dizer que nessa ida-
experiências no mundo, por outro descobrimento, havia “características de não seja possível compreender
são as próprias experiências que dão comuns” aos povos indígenas, apesar conceitos complexos: significa que o

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conteúdo de disciplinas como histó- Enquanto esses processos conscien- INVESTIGAÇÕES
ria, geografia e ciências ainda é total- tes são lineares, geralmente seguindo
mente voltado a fatos e pressupõe que uma sequência lógica, a mente segue
NEUROCIENTÍFICAS
os alunos irão, naturalmente, absorver vários caminhos paralelos simulta- MOSTRAM QUE
o significado – ou, normalmente, os neamente, que caracterizam a forma
como as pessoas interpretam e pas-
QUANDO PENSAMOS
muitos significados – de um vocabu-
lário abstrato, muitas vezes relaciona- sam por movimentos, imagens e ou- SOBRE CONCEITOS
do a práticas longe da realidade de- tras percepções. AMPLOS – COMO
las. Aprender história sem entender Investigações neurocientíficas mos-
profundamente o sentido de palavras tram que quando pensamos sobre con- FRACASSO,
como “subsistência”, “propriedade ceitos amplos – como fracasso, inspi- INSPIRAÇÃO,
particular”, “influência” e “diversi- ração, ambição, comodismo, rejeição,
dade” é como assistir a um filme em confiança – ativamos áreas visuais e COMODISMO,
baixa resolução e numa língua estran- motoras do cérebro, ou seja, associa- CONFIANÇA –
geira: se tem uma ideia vaga e muitas mos a abstração a elementos concre-
vezes distorcida do que acontece. tos. Pode parecer difícil identificar essa
ATIVAMOS ÁREAS
As abstrações, como no caso de relação, por ser inconsciente, mas o VISUAIS E MOTORAS
“subsistência”, a terra, a plantação, o mais provável é que o cérebro crie sen-
DO CÉREBRO
alimento, os animais – e outros abs- tido às palavras de forma metafórica.
tratos, como “o lucro, a propriedade, Quando falamos em afeto, por
o consumo, o essencial –, estão, por exemplo, ativamos no cérebro regiões o tempo de resposta dos participantes
sua vez, ligadas a outros conceitos, associadas ao conforto e ao calor. Visu- com relação à locação espacial impli-
em uma série de incontáveis relações. alizamos o futuro como algo que está cada na frase. Eles encontraram evi-
A aprendizagem só ocorre quando o à frente; sentimentos negativos são dências de que mensagens abstratas
novo elemento é encaixado nessas universalmente compreendidos como também acionam simulações mentais,
redes já existentes. Se não é relacio- “para baixo”; descrevemos etapas da embora precisem de um tempo maior
nado, não faz sentido, e se não faz vida como caminhos; relações são des- para serem processadas.
sentido, será descartado pelo cérebro. critas em termos de percursos e dire- A utilização de metáforas e ana-
Essas relações permitem que o ções. O linguista George Lakoff, autor logias no entendimento de conceitos
novo conceito seja visualizado, ou do termo corporização cognitiva – em- abstratos, ao descrevê-los em termos
seja, que o cérebro crie uma ima- bodied cognition –, ampara todo o seu mais concretos, está diretamente re-
gem mental para ele, o que geral- trabalho na ideia de que o pensamento lacionada à forma como o cérebro
mente ocorre de forma inconsciente. é, necessariamente, metafórico. processa a linguagem. Muito mais
Tanto é que o fato de a mente dar Segundo o linguista Benjamin que um recurso poético ou literário,
forma a palavras abstratas não era Berger, em seu livro Louder Than Words ensinado de forma isolada, é essencial
amplamente aceito até recentemen- (Mais alto que palavras), “ações ima- para se compreender mensagens que
te, quando estudos com neuroima- ginadas, relacionadas metaforicamen- dependem de relações com o mundo
gens passaram a amparar essa teoria. te às situações, abstratas produzem físico ou que, muitas vezes, estão in-
Muitas teorias no início do século melhor compreensão dos conceitos conscientemente relacionadas a dife-
passado já relacionavam os proces- expostos”. Juntamente com Nian Liu, rentes sensações e emoções.
sos cognitivos às sensações físicas, em um de seus estudos ele investigou
mas até pouco tempo atrás a visão se a mente cria simulações mentais de Referência:
mais aceita era de que corpo e men- espaços quando utilizada linguagem Bergen, B.; Liu, N. When do language
comprehenders mentally simulate locations?
te agiam de forma separada, de que abstrata da mesma forma como pro- Cognitive Linguistics, v. 27, n. 2, p. 181-203,
o pensamento envolvia certas partes cede na linguagem concreta, medindo 2016.
do cérebro e as percepções envol-
viam outras. Hoje sabemos que essa
Michele Müller é jornalista, pesquisadora, especialista em Neurociências,
divisão não é bem definida. Neuropsicologia Educacional e Ciências da Educação. Pesquisa e aplica
Temos consciência de uma parte estratégias para o desenvolvimento da linguagem. Seus projetos e textos
muito pequena – estima-se que 1% estão reunidos no site www.michelemuller.com.br
– do que se passa em nossa mente.

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psicopositiva Por Flora Victoria

Eu SOU porque nós SOMOS


COMO O BEM-ESTAR COMUNITÁRIO PODE
CONTRIBUIR PARA UMA VIDA MAIS FELIZ EM
SOCIEDADE, COM INFLUÊNCIA DIRETA SOBRE
O BEM-ESTAR SUBJETIVO, OU SEJA, A FORMA
COMO AVALIAMOS AS NOSSAS PRÓPRIAS VIDAS

H
á uma expressão na sabedo- maneira muito precisa a necessidade tre os quais f igura o bem-estar das
ria africana do ubuntu que humana de nos relacionarmos com comunidades. Mas a que exatamen-
diz “eu sou porque nós so- outras pessoas desde que nascemos te se refere essa categoria? Segundo
mos”, ou estamos todos co- e por toda a nossa existência, assim eles, o bem-estar comunitário está
IMAGENS: SHUTTERSTOCK/ ACERVO PESSOAL

nectados, não podemos ser nós mes- como a interdependência do f loresci- ligado ao senso de envolvimento
mos sem comunidade, ou ainda, em mento e do bem-estar comunitário. com o ambiente social no qual vi-
um sentido mais f ilosóf ico, “a crença Com base nas pesquisas do Insti- vemos, à habilidade de interagirmos
em um vínculo universal de comparti- tuto Gallup, os autores Tom Rath e com as pessoas ao nosso redor, saber
lhamento que conecta toda a humani- Jim Harter elencaram os cinco ele- comunicar-nos com elas e criar rela-
dade”. Esse jogo de palavras traduz de mentos essenciais do bem-estar, en- cionamentos signif icativos baseados

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no respeito e na harmonia. De forma A PSICOLOGIA o poder de transformação e f loresci-
ampla, o bem-estar comunitário se mento que emana do indivíduo para
refere à qualidade dos nossos rela- POSITIVA TRAZ o grupo – e vice-versa. Segundo o
cionamentos e à coesão entre os ci- EM SEUS DIVERSOS professor Christopher Peterson, co-
dadãos, afetando as diversas esferas nhecido mundialmente por seu tra-
da existência. Em outras palavras, o
ENFOQUES O PODER balho a respeito das forças de caráter,
f lorescimento concomitante de indi- DE TRANSFORMAÇÃO a Psicologia Positiva poderia, inclu-
víduos e comunidades, nutrindo-se sive, ser resumida em três palavras:
E FLORESCIMENTO
mutuamente. “os outros importam”. Isso quer dizer
Sob esse aspecto, o bem-estar QUE EMANA DO que a ciência do bem-estar tem como
comunitário tem inf luência direta INDIVÍDUO PARA um dos seus pilares fundamentais o
sobre o bem-estar subjetivo, ou seja, fato de que não podemos atingir a fe-
a forma como avaliamos as nossas O GRUPO – E licidade autêntica isoladamente. Nas
próprias vidas. De acordo com os VICE-VERSA palavras do poeta inglês John Donne,
pesquisadores Ed Diener e Robert “nenhum homem é uma ilha”.
Biswas-Diener, no livro Happiness: the Surprising Power of our Social Ne- De acordo com Peterson, a função
Understanding the True Health (Fe- tworks and how they Shape our Lives dos nossos relacionamentos, por um
licidade: entendendo a verdadeira (Conectado: o poder surpreendente ponto de vista biológico, ultrapassa
saúde, em tradução livre), os seres de nossas redes sociais e como for- a de ser um mero veículo para a ob-
humanos precisam de outras pessoas mam nossas vidas, em tradução livre), tenção de alimentos, sexo ou outros
para f lorescer, porque funcionamos validam esse conceito ao af irmarem elementos primários. Essa função,
melhor quando somos apoiados por que, entre outros fatores, a felicida- na verdade, é essencial: interações
uma rede de conexões signif icativas, de de uma pessoa está ligada à feli- sociais consistentes e construtivas
verdadeiramente preocupadas com cidade das pessoas emocionalmente fortalecem o sistema imunológico,
o que somos e desempenhamos. À próximas. Isso signif ica que, quanto aceleram a recuperação do organis-
parte as pesquisas científ icas, essa mais conectados estamos a uma rede mo (após cirurgias, por exemplo),
constatação pode ser averiguada or- de amigos ou família, maiores são as reduzem os riscos de depressão e
dinariamente no nosso próprio coti- chances de alcançarmos a felicidade transtornos de ansiedade e são dire-
diano, mais especif icamente no uso no futuro – uma af irmação especial- tamente relacionadas à felicidade e
quase ininterrupto que fazemos dos mente poderosa quando inserida no à satisfação. Por outro lado, lacunas
smartphones. Basta observar o ho- contexto de promoção de uma infân- no campo dos relacionamentos inter-
rário de pico no transporte público: cia saudável e próspera, por exemplo. pessoais estão ligadas a um impacto
mesmo em meio ao estresse e às de- Quanto mais apoio social nós recebe- negativo no tocante à saúde.
mandas do dia a dia, estamos sem- mos, mais temos bem-estar; por isso, é Assim, nas relações direcionadas
pre em busca de um outro rosto, um perceptível que quanto mais uma pes- à valorização da alteridade, ou seja, a
comentário, alguém que valide o que soa aprecia a convivência social, mais concepção que parte do pressuposto
somos, que reconheça nossa existên- feliz ela parece ser, e mais engajada básico de que todo ser humano so-
cia no mundo. Essa necessidade de se mantém em seus relacionamentos, cial interage e interdepende do ou-
contato, de apego, de nos sentirmos assim como mais força ela demonstra tro, prezar pela empatia ao próximo
íntimos de alguém é o que impulsio- ter para lidar com questões prementes e agir para tornar a vida comunitá-
na a maior parte de nossas atitudes, do mundo moderno, como violência, ria mais empoderada são o caminho
mesmo quando preferimos acreditar crises e demais vulnerabilidades. para transformar e impactar positi-
que não. Trata-se de um mecanismo A Psicologia Positiva, nesse sen- vamente a sua vida e a das pessoas
biológico determinante para a sobre- tido, traz em seus diversos enfoques ao seu redor
vivência humana.
De fato, segundo vários pesquisa-
dores, a quantidade e a qualidade de
relacionamentos próximos estão inti- Flora Victoria, presidente da SBCoaching Training, mestre em Psicologia Positiva
mamente relacionadas à felicidade. Os Aplicada pela Universidade da Pensilvânia, especialista em Psicologia Positiva aplicada ao
coaching. Autora de obras acadêmicas de referência, Ganhou o título de embaixadora
pesquisadores James Fowler e Nicho-
oficial da Felicidade no Brasil por Martin Seligman. É fundadora da SBCoaching Social.
las Christakis, autores de Connected:

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psicopedagogia por Maria Irene Maluf

Novas configurações
FAMILIARES
ATÉ ALGUMAS DÉCADAS ATRÁS ERA QUASE IMPENSÁVEL
ACEITAR COMO CONCEITO DE FAMÍLIA SENÃO
AQUELE QUE DEFINIA UM GRUPO SOCIAL FORMADO
POR UM CASAL, OU SEJA PAI, MÃE E SEUS FILHOS

A
Lei do Divórcio, que em 1977 rações e de construir uma vida mais soas que decidem permanecer sem vín-
consagrou a dissolução do pautada na realidade e na aceitação não culo matrimonial etc.
vínculo matrimonial, mudou preconceituosa. Um passo à frente na A adoção de crianças sem qualquer
também algumas das bases CONSTRU¥ÎODELARESMAISHARMONIOSOSE LA¥O SANGUÓNEO E DE lLHOS VINDOS DE
consagradas anteriormente, como o afetivos, dos quais todos precisam. antigas uniões também acabou por se
REGIME DE COMUNHÎO DE BENS E A ADO 5MEXEMPLODASDIlCULDADESVIVEN tornar constante: são muitos novos tios,
ção facultativa do nome do marido pela ciadas em outras décadas era a situação avós, primos que acabam por fazer cres-
esposa. A consagração da igualdade, o que enfrentavam as crianças nascidas cer o núcleo familiar e que se tornam
RECONHECIMENTODAEXISTÐNCIADEOUTRAS DE PAIS QUE NÎO ERAM OlCIALMENTE CA mais evidentes em datas festivas, mas
estruturas de convívio, a liberdade de sados, os solteiros ou desquitados, que que no dia a dia se adaptam a novas for-
RECONHECER lLHOS NASCIDOS FORA DO CA CHEGAVAMANÎOSERACEITASEMGRANDES MAS DE CONVIVÐNCIA HARMONIOSA  COM
SAMENTOTROUXERAMPROFUNDASEIRREVER escolas e afastadas do convívio de co- mais ou menos facilidade.
SÓVEISTRANSFORMA¥ÜESNAFAMÓLIA JÉNÎO LEGUINHASEAMIGOSCUJOSPAIS PORUMA As uniões que não têm como objeti-
IDENTIlCADA PELO CASAMENTO  MAS PELO questão de preconceito, não permitiam VOACRIA¥ÎODElLHOS COMOASDEMÎES
vínculo afetivo. ESSA APROXIMA¥ÎO 4EMIA SE O hMAU LÏSBICAS E PAIS HOMOSSEXUAIS  FAMÓLIAS
A cada dia surgem, no mundo todo, EXEMPLOv  OS hCOSTUMES LIBERAISv E OU monoparentais criadas a partir do dese-
NOVAS EXPRESSÜES QUE PROCURAM IDENTI TRAS TANTAS EXPRESSÜES ERAM UTILIZADAS JODETERECRIARUMlLHODEMODOINDE
lCARDAMELHORFORMAASFAMÓLIASRESUL PARA HOSTILIZAR E AFASTAR AQUELAS CRIAN pendente, levaram ao surgimento de um
tantes da pluralidade das relações pa- ças e jovens cujos pais não seguiam as quadro que o mundo ocidental e as no-
rentais decorrentes de divórcios, novas normas sociais vigentes. vas gerações, principalmente, aceitam,
uniões e separações. Hoje, 42 anos depois, grande parte MASAINDAHÉPOUCOENTENDIMENTO
Antigamente, os casais e as famílias da sociedade renovou o conceito tradi- Famílias “mosaico” que se formam
GERALMENTESEAFASTAVAMDElNITIVAMEN cional de família, o divórcio ocorre com PELAREUNIÎODElLHOSQUECADAUMTRAZ
TE APØS O DIVØRCIO  RECONHECIDAMENTE larga aceitação social e novos casamen- do casamento anterior são cada dia mais
uma ruptura de grandes proporções, tos foram criando situações antes raras, comuns. Mas é importante que cada ca-
MESMO QUANDO HAVIA CONSENSO -AS e até outras inusitadas, pela mudança de SALREmITASOBREAFORMADECONDUZIRESSA
HOJEEXISTEMAIORTENDÐNCIAPARASUPERAR costumes e superação de preconceitos. situação em que é preciso conviver não
embates pessoais e agregar os membros Foram surgindo novos modelos APENASCOMOSlLHOSDOPARCEIROATUAL 
das famílias em constantes reagrupa- de família, que inclusive ultrapassam mas com a mãe e o pai dessas crianças,
mentos, tendo em vista a compreensão o modelo tradicional do casamento PARACONSTRUIRUMLARHARMONIOSO
DOPAPELDOOUTRONAVIDADOSlLHOS A tradicional, para abranger um amplo O tempo sempre ajuda a ajustar
necessidade de superar lutos relativos a espectro de possibilidades que vão da comportamentos reativos, comuns nos
perdas afetivas e materiais pós- sepa- UNIÎODEPESSOASDEMESMOSEXO PES primeiros tempos de adaptação, quando

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ÏPRECISORECEBERNOVOSIRMÎOS QUEAl- EXPRESSÕES PROCURAM IDENTIFICAR DA
NALSÎOMEROSDESCONHECIDOSCOMQUEM
terão que dividir espaço, coisas e aten- MELHOR FORMA AS FAMÍLIAS RESULTANTES
¥ÎO!LÏMDISSO HÉOSCIÞMES OAPEGO DA PLURALIDADE DAS RELAÇÕES PARENTAIS
ao pai ou mãe que não pertence a essa
nova família, a saudade de sua vida anti-
DECORRENTES DE DIVÓRCIOS E NOVAS UNIÕES
ga, a necessidade de se adaptar a novas
regras, que podem retardar a assimila- A HISTØRIA Ï MAIS RECENTE E AINDA GERA desenvolvimento sadio das crianças:
¥ÎODANOVACONlGURA¥ÎOFAMILIAR MUITAS DÞVIDAS INFUNDADAS !LIÉS  FOI “monoparental”, “mosaico”, forma-
5MA QUESTÎO QUE ESTÉ MAIS PRØXI- apenas após 1988, quando entrou em vi- DA POR CASAL HETERO OU HOMOSSEXUAL 
ma das discussões atuais é a dos casais gor a atual Constituição Federal, que o sempre que tiver como base os laços
HOMOAFETIVOS QUECADAVEZMAISOPTAM CASAMENTO HETEROSSEXUAL DEIXOU DE SER AFETIVOS AVONTADEDEPARTILHAR OCUI-
PORCRIARSEUSlLHOSBIOLØGICOSTRAZIDOS a única forma admissível de formação DAR E O EDUCAR  ESSE NÞCLEO HUMANO
de outros casamentos e por adoção. da família. SERÉ UMA FAMÓLIA E VAI ENRIQUECER E
Nos EUA, país que tem estatísti- Seja qual conformação adote, a MELHORARAQUALIDADEDEVIDADASOCIE-
cas sólidas sobre o assunto, mais de 1 FAMÓLIA Ï UM NÞCLEO INDISPENSÉVEL AO dade como um todo.
IMAGENS: SHUTTERSTOCK/ ARQUIVO PESSOAL

MILHÎO DE CASAIS GAYS CRIAM MAIS DE 


MILHÜES DE CRIAN¥AS % CADA VEZ MAIS
Maria Irene Maluf é especialista em Psicopedagogia, Educação Especial e
CASAISGAYSOPTAMPORCRIARlLHOS Neuroaprendizagem. Foi presidente nacional da Associação Brasileira de
No Brasil, onde mais de 60 mil ca- Psicopedagogia – ABPp (gestão 2005/07). É autora de artigos em
SAIS GAYS VIVEM NUMA UNIÎO ESTÉVEL publicações nacionais e internacionais. Coordena curso de
especialização em Neuroaprendizagem. irenemaluf@uol.com.br
RECONHECIDA PERANTE A LEI EM  

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neurociência por Marco Callegaro

SEXO no
casamento
MAIOR FREQUÊNCIA
DE SEXO NO
CASAMENTO
ESTÁ ASSOCIADA
AO BEM-ESTAR
CONJUGAL

A
lg umas investigações têm nor te-americanas é bem conser va- mede essa variável. Cer tas medidas
apontado que existe uma dor para a nossa exuberante reali- são voltadas a relatos explícitos, de-
relação positiva entre a dade brasileira, e se tivéssemos da- clarações conscientes dos membros
frequência das relações dos nacionais estes apontariam para do casal. Outras formas de mensu-
sexuais em um casal e medidas de uma frequência maior. ração estão focadas nas respostas
bem-estar conjugal. Pesquisas têm No entanto, as conclusões sobre automáticas ou implícitas, que são
demonstrado que se tratando de como o nível da atividade sexual de natureza inconsciente.
sexo e bem-estar, mais é melhor, inf luencia o bem-estar se tornam Os pesquisadores Hicks,
pelo menos até a frequência de uma complicadas por pesquisas que su- McNulty, Meltzer e Olson, em um
vez por semana. Provavelmente, gerem que a frequência sexual pode estudo de 2016, analisaram ligações
esse ponto de cor te da frequência ter diferentes associações com o entre frequência sexual e qualidade
sexual obtida a par tir de amostras bem-estar, dependendo de como se de relacionamento em casais casa-

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SOMENTE O PARA SABER MAIS

INCONSCIENTE MEDINDO O INCONSCIENTE


É AFETADO
POSITIVAMENTE A tualmente, a pesquisa em psicologia social tem desenvolvido uma série
de métodos de investigação das avaliações inconscientes implicadas
em uma variedade de tópicos, sendo que os mais estudados são atitudes,
PELO AUMENTO autoestima ou estereótipos. O teste mais conhecido para examinar associa-
DA ATIVIDADE ções inconscientes em relação a categorias de pessoas (geralmente grupos
étnicos), objetos ou o próprio self é o Implicit Association Test, desen-
SEXUAL volvido pelo pioneiro da pesquisa do inconsciente, o psicólogo Anthony
Greenwald e seus colegas Brian Nosek e Mahzarin Banaji. A apresentação
dos conceitos no IAT é explícita, mas as associações implícitas em relação
dos. Em duas amostras de casais a esses conceitos, que são o principal foco do instrumento, não recebem
casados que foram investig ados, atenção consciente do sujeito, pois são medidas pelo tempo despendido
esses pesquisadores descobriram na resposta a cada par de palavras. Isso demonstra que temos atitudes em
que os relatos das pessoas sobre a dois níveis, aquelas que ostentamos conscientemente, refletindo nosso co-
frequência com que tiveram rela- nhecimento explícito e valores sobre o mundo, e as atitudes implícitas, que
ções sexuais nos últimos meses não revelam correntes subterrâneas compostas pela somatória de informações
previam suas respostas explícitas coletadas e armazenadas em nosso cérebro.
sobre a qualidade de seu relacio-
namento (como satisfeitos eles de-
claravam que eram), mas o nível de positiva), as pessoas responderão soas sobre sua frequência sexual
atividade sexual previa seus senti- mais rapidamente. Se a imagem for não previam o quanto estavam sa-
mentos mais automáticos e implíci- diferente da palavra (imagem posi- tisfeitas com seus relacionamentos,
tos sobre seu relacionamento. tiva, palavra neg ativa), as pessoas mas, no entanto, mais sexo estava
A forma adotada nesse estudo demoram mais para responder. Ao de fato associado a sentimentos in-
para obter medidas dos sentimentos comparar o tempo de reação das res- conscientes mais positivos. Um dos
implícitos dos sujeitos foi engenho- postas às palavras positivas e neg ati- estudos mapeou os sentimentos das
sa. Os pesquisadores f izeram com vas depois de ver a foto, os pesquisa- pessoas ao longo de vários anos e
que os par ticipantes concluíssem dores podem ter uma ideia de como descobriu que as pessoas que rela-
uma tarefa em computador que foi as pessoas se sentem em relação ao taram ter maior atividade sexual
projetada para avaliar como eles cônjuge. Para garantir que o efeito tinham crescimento no bem-estar,
realmente se sentem sobre seus re- seja exclusivo de seus sentimentos demonstrando ter sentimentos im-
lacionamentos, focando nos senti- em relação ao cônjuge, os pesquisa- plícitos ainda mais positivos em re-
mentos dos quais não têm consciên- dores também testam os sujeitos em lação ao parceiro ao longo do tem-
cia. Os par ticipantes visualizavam resposta a seus próprios rostos e fa- po. Por tanto, sexo no casamento de
fotos de sua esposa, com as ima- ces de estranhos atraentes. fato aumenta o bem-estar, mas te-
gens aparecendo uma de cada vez, Os resultados desses estudos mos que ouvir o inconsciente para
muito rapidamente, na tela do com- apontaram que os relatos das pes- constatar seu efeito.
putador. Depois de cada foto, eles
visualizavam uma palavra positiva
Referências:
ou neg ativa. Sua tarefa era indicar Hicks, L. L.; McNulty, J. K.; Meltzer, A. L.; Olson, M. A. Capturing the interpersonal implications of
o mais rápido possível se a palavra evolved preferences? Frequency of sex shapes automatic, but not explicit, partner evaluations.
Psychological Science, v. 27, n. 6, p. 836-847, 2016.
era positiva ou neg ativa, usando co-
Callegaro, M. M. O Novo Inconsciente: Como a Terapia Cognitiva e as Neurociências
mandos de computador específ icos.
IMAGENS: SHUTTERSTOCK E ARQUIVO PESSOAL

Revolucionaram o Modelo do Processamento Mental. Porto Alegre: Ed. Artmed, 2011.


O mais interessante dessa tarefa
é que, em estudos anteriores, foi de- Marco Callegaro é psicólogo, mestre em Neurociências e Comportamento,
monstrado que as imagens podem in- diretor do Instituto Catarinense de Terapia Cognitiva (ICTC) e do Instituto
terferir nas respostas das pessoas às Paranaense de Terapia Cognitiva (IPTC). Autor do livro premiado O Novo
Inconsciente: Como a Terapia Cognitiva e as Neurociências Revolucionaram o
palavras. Se a imagem corresponder
Modelo do Processamento Mental (Artmed, 2011).
à palavra (imagem positiva, palavra

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PADRÕES

RELAÇÕES
AFETIVAS
e suas nuances

IMAGENS: SHUTTERSTOCK

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Como é a “linha do
tempo” das suas
relações afetivas?
Ela é recheada de
histórias de amor
ou de histórias
desgastantes e
conflituosas? Entenda
seus padrões
repetitivos e o que
precisa ser trabalhado
dentro de si
Por Deborah Souza

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PADRÕES

H
istórias de amor
são fáceis e leves
de contar, quase
que como privi-
légios de quem
as vive. Porém, se a maioria das
suas histórias é acompanhada de
qualquer tipo de falta de respeito,
submissão, abuso, rejeição e falta
de honra, você já se perguntou o
porquê de atrair parceiros(as) com
esse padrão? Por que permanecer
em uma relação desconfortável,
mesmo sabendo conscientemente
que não faz bem? Por que há uma
incoerência entre o que o cérebro
pensa e o que sentimos e temos di-
ficuldade de ter um equilíbrio nes-
sa balança? Todos querem viver uma história de amor, mas se a maioria dos casos é acompanhada de qualquer tipo de
Então, por trás desses padrões falta de respeito, submissão, abuso, rejeição e falta de honra é preciso mudar
repetitivos estão crenças limitantes
que carregamos e que nos levam à Por trás dos padrões repetitivos estão
autossabotagem, ou seja, quando
você contribui inconscientemen- crenças limitantes que carregamos e que
te para que tudo dê errado na sua nos levam à autossabotagem. Para entender
vida. Para entender melhor como
formamos nosso sistema de cren- melhor como formamos nosso sistema de
ças, é importante entender que crenças, é importante entender que cada
cada pessoa tem o seu, pois cada
um de nós reage a eventos de for- pessoa tem o seu, pois cada um de nós
mas diferentes.
Imagine um mesmo evento vi-
reage a eventos de formas diferentes
venciado por duas pessoas diferen-
tes: uma delas pode olhar para esse aparentemente infundados e que sores na escola, de alguma religião
evento de uma forma tranquila e ele a impedem de criar uma realidade ou filosofia, de leituras, do que nos
não passar de um fato vivido como diferente. Esse sistema de crenças, contam, de coisas que ouvimos e
outro qualquer, enquanto que para segundo Vianna Stibal, fundadora vemos na televisão e na internet,
a outra esse mesmo evento pode ser da técnica do ThetaHealing®, pos- ou seja, qualquer input desse pode
devastador e fazer com que ela se sui diferentes níveis, que vêm de criar uma crença.
paralise diante da vida, com medos diferentes lugares e experiências E uma crença, quando é criada,
diversas. São eles: níveis primário, vai inf luenciar na nossa vida, na
genético, histórico e de alma. E nossa realidade. Dos 0 aos 7 anos
Deborah Souza é terapeuta com formação como esse sistema de crenças fun- não temos filtro para as informa-
em Programação Neurolinguística (PNL), em ciona nas relações afetivas? ções que chegam a nós. Imagine-
Aromaterapia Clínica e Floral pelo Instituto
Healing Herbs. Membro do IICT – International O primeiro nível de crença é o mos que uma pessoa na sua infância
Institute for Complementary Therapists. É primário, que são aquelas crenças assistiu a um casamento conf lituo-
também instrutora certificada nas Técnicas que adquirimos desde o momento so, sem amor e sem respeito de seus
de Cura Quântica do ThetaHealing. Access
Consciousness e Stargate. Atua com práticas da nossa concepção até os dias de pais. Ela, naquele momento, regis-
de hipnose sistêmica clínica. Mais informações hoje. Elas são criadas através da tra dentro dela aquilo que ela mes-
www.conscienciatheta.com.br e educação dos nossos pais, dos gru- ma interpreta como sendo uma ver-
www.youtube.com/conscienciatheta
pos de amigos, dos nossos profes- dade daquilo que está vivenciando.

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A mente sempre vai nos proteger
se algo nos colocar em perigo. Se você
atrair uma situação diferente daquela
que registrou como sendo uma verdade
absoluta, ela rapidamente vai tratar de
colocar a pessoa em segurança, acionando
todos os seus autossabotadores
Por exemplo, ela pode interpretar atrair uma situação diferente daque- Emoções e crenças
que “casamento faz sofrer”, “amar la que registrou na sua mente como Vianna Stibal é uma professora que
dói”, “relações são desgastantes e sendo uma verdade absoluta, ela ensina a técnica de meditação espi-
conf lituosas”, enfim a mente dessa rapidamente vai tratar de colocar a ritual, ThetaHealing. Depois de passar
criança por si só inicia um processo pessoa em segurança, acionando to- por uma cura em seu próprio tumor de
de guardar informações que vão in- dos os seus autossabotadores. 23 centímetros há quase 20 anos, ela
f luenciar na sua fase adulta, atrain- Para ficar ainda mais claro, se descobriu que as emoções e crenças
do esse tipo de relação, quando não você colocou na sua mente, lá na afetam em um nível de núcleo, genéti-
parecida, igual ao que ela assistiu sua infância, que “relações são des- ca, história e de alma. Ela desenvolveu
um processo para descobrir como
quando criança. gastantes e conf lituosas”, então,
as pessoas acreditam, por que acre-
Conscientemente, essa pessoa para manter você seguro, sua men- ditam, como criam problemas e do-
sabe que aquilo não é bom para te vai atrair pessoas nesses padrões enças na trajetória da vida, além de
ela. Por que então na fase adulta ela que você mesmo colocou, pois, do como alterá-los.
fica atraindo esse tipo de situação? contrário, você estaria se colocan-
O primeiro passo é entender que a do em “risco” se sair desse padrão.
missão da nossa mente é nos manter Se você, em algum momento,
vivos. Ela sempre vai nos proteger se registrou na mente que “melhor
algo nos colocar em perigo. Se você sozinho do que mal acompanha-

do”, inconscientemente a sua men-


te fará com que você permaneça
sozinho(a) para não “correr riscos”.
Parece estranho, não é mesmo?
Mas saiba que a sua mente não vai
discutir com você sobre aquilo que
você registra dentro dela, ou seja,
ela não julga.
Em muitos casos, essas pessoas
desenvolvem ressentimentos e re-
jeições em relação ao amor. E nes-
se caso a mente perde uma incrível
quantidade de tempo e espaço nes-
sas questões, que incluem raiva, vi-
timização, baixa autoestima, ódio,
implicância e indiferença que às ve-
zes sentimos por alguém.
“Sinto raiva dele/dela...”
IMAGENS: SHUTTERSTOCK

“Eu não merecia isso...”


Uma mesma situação pode ser vivenciada de formas opostas por duas pessoas: uma delas pode encarar “Eu me dediquei e não fui
de forma tranquila, enquanto para a outra pode ser devastadora reconhecido(a)...”

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PADRÕES

PARA SABER MAIS Tem o que


chamamos
PROCESSO DE REPROGRAMAR de crenças
AS CRENÇAS LIMITANTES no nível da alma,
H á uma expectativa equivocada nas relações afetivas, como se o outro
tivesse a responsabilidade de nos fazer feliz e atender todas as nossas que são aquelas
expectativas, caso contrário embarcamos em uma relação fadada ao fracas- que vêm da
so e à frustração. Nós somos responsáveis pela nossa felicidade e essa cren-
ça de que só somos inteiros somente se tivermos alguém é um equívoco. nossa essência,
Nós não procuramos uma relação afetiva, nós atraímos alguém pela nossa o nosso melhor,
energia. Se amamos a nós mesmos, somos pessoas muito mais interessantes
para nós e para os outros. Para mudar tudo isso, existem técnicas quânticas sem as
que auxiliam no processo de reprogramar as crenças limitantes, substituindo-
-as por uma nova consciência. Quando fazemos isso, substituímos crenças
“armaduras” que
limitantes (“casamento faz sofrer”, “amar dói”, “relações são desgastantes e acabamos
conflituosas”, “é mais se-
guro ficar sozinho(a)” por
por criar em
“casamento é amor”, “amar nossa vida por
é maravilhoso”, “relações
são agregadoras e har-
causa dos
moniosas”, “é possível ter nossos medos
um relacionamento e ain-
da assim permanecer em
segurança”). Com isso, as
É impossível mudar alguém, é
memórias daquela criança
impossível querer que o outro seja
no nível primário são subs- aquilo que você quer que ele seja,
tituídas, dando lugar a uma porque a responsabilidade de mu-
nova forma de pensar mu- dança começa dentro de você. Se isso
crenças não acontece, a possibilidade de ter
dando o comportamento e
limitantes contato com a energia do amor fica
empoderando a pessoa de
que é possível, é permiti- bloqueada e, por consequência, a
do e é seguro amar sem a expansão da sua consciência em di-
necessidade de repetir pa- reção a uma evolução espiritual tam-
drões dos outros. bém. Tudo porque você estará preso
em algum lugar do passado, em algu-
ma situação mal resolvida. O padrão
que você viveu naquela situação vai
“Não sou prioridade para ele/ tro e damos a essa pessoa o “poder” se repetir de uma forma ou de outra
ela...” de nos fazer sentir mal. Passamos a em algum outro momento, porque
“Sinto raiva de mim por ter per- colocar no outro a culpa por uma não está resolvido dentro de você.
dido tanto tempo com essa pessoa...” insatisfação própria e paramos de É importante entender que a
Levanta a mão quem nunca teve tomar a responsabilidade de toda pessoa pela qual você alimenta um
algum desses sentimentos por al- situação que foi criada a partir ressentimento está ali para mostrar
guém e ficou remoendo dentro de si? dessa relação. Isso acaba nos colo- o que precisa ser trabalhado dentro
Pois bem, agora chegou a hora cando num lugar de “vítima”, num de si. Então, as perguntas-chave
de tomar consciência de que todos lugar no qual você não se coloca são: O que estou aprendendo com
esses sentimentos nos tiram do como responsável e se distancia da esse sentimento? O que essa pes-
nosso estado de presença e colo- possibilidade de estar conectado soa está representando para mim?
cam nossa referência fora, ou seja, com o outro pelo sentimento nobre E quando você descobre, você se
começamos a julgar e criticar o ou- e elevado do amor. coloca no estado de presença e se

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reconecta com a energia do perdão.
A energia do perdão não tem nada a
ver com a energia do julgamento, é
uma energia de alta vibração e que
transforma. Mas primeiro é preciso
se perdoar, se olhar com consciên-
cia para que a transformação se ini-
cie dentro de você e não fora.

Mudança
V amos seguir com as explica-
ções sobre o sistema de cren-
ças para depois falarmos como ini-
ciar a mudança. Afinal, saber disso
faz com que a gente queira mudar,
correto?
Um outro nível de crenças que
existe é o genético, que são aquelas
herdadas de pai, mãe, avôs e avós
até a sétima geração. São crenças
que nos fazem ter um sentimento
de pertencimento à nossa família e
essas crenças podem até ser vistas
como um padrão da família, um
padrão de sucesso, por exemplo,
uma tendência para determinada O primeiro nível de crença é o primário, que são aquelas crenças que são adquiridas desde o momento da
carreira, uma inclinação para um concepção até os dias de hoje; são criadas através da educação dos pais
dom artístico ou até mesmo uma
doença que se propaga de geração
em geração. Muitas vezes temos comportamentos
Uma vez entendido o que é herdados. Podemos olhar para a
esse nível, podemos olhar para a
nossa linhagem familiar e perce- nossa linhagem familiar e perceber
ber se estamos repetindo compor- se estamos repetindo padrões que são
tamentos que são deles nas nossas
relações afetivas. Podemos herdar deles nas nossas relações afetivas
um comportamento de nos colo-
car na posição de pai ou mãe nos dade já viveu, nas quais se criaram consciente coletivo, “toda mulher
relacionamentos e colocar nosso as crenças coletivas, que inf luen- tem que casar e ter filhos”, caso
parceiro/parceira na posição de ciam a sociedade como um todo. contrário, parece que uma mulher
filhos, repetir comportamentos de Criamos a identificação com de- que não cumpre esse papel “não
submissão porque sempre foi as- terminados grupos também através será uma mulher plena”. Caso você
sim na sua família, ou mesmo com- dessas crenças coletivas. acredite nessa informação do in-
portamentos agressivos em suas Esse nível nos mostra que há consciente coletivo, você é uma
relações. Fazemos isso de forma muitas crenças que fazem parte do candidata a sofrer por não se en-
inconsciente, como se fosse uma inconsciente coletivo que dita re- caixar nesse padrão e se sentir ex-
forma de nos manter conectados a gras muitas vezes “duras”, que fa- cluída, além de ter a autoestima
nossa família através das mesmas zem com que as pessoas façam de comprometida. Se você é mulher
IMAGENS: SHUTTERSTOCK

ações e comportamentos. tudo para se encaixar em padrões solteira com filhos, pode estar
Há também o nível histórico, para serem aceitas pela sociedade. acompanhada da crença de que isso
que são histórias que toda humani- Por exemplo, de acordo com o in- fará com que um novo relaciona-

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PADRÕES

É importante entender que a pessoa negativos que nos impedem de


acessar todo potencial que existe
pela qual você alimenta um em nós e inf luenciam diretamente
ressentimento está ali para mostrar na nossa realidade.
O ThetaHealing® traz essas
o que precisa ser trabalhado dentro crenças do subconsciente para o
de si. Então, as perguntas-chave são: consciente, faz uma reprograma-
ção e nos empodera para que essa
O que estou aprendendo com esse mudança aconteça nos níveis físi-
sentimento? O que essa pessoa está co, energético, mental, emocional
e espiritual. Eleva e modifica nos-
representando para mim? so campo vibracional e energético
para a frequência de saúde plena,
mento seja difí cil ou ter o medo de que somos “governados” pelo nos- de equilíbrio e perfeito funciona-
um companheiro não amar os seus so sistema de crenças. Essas infor- mento de nossas células manifes-
filhos, de que há poucos homens/ mações que dialogam dentro de tando, assim, uma nova realidade.
mulheres legais para se relacionar e nós criam movimentos que muitas A primeira ação no processo de
permanecer em um relacionamento vezes percebemos conscientemen- cura, no processo de mudança, é a to-
abusivo para não ficar sozinho(a). te que não são os mais interessan- mada de consciência de que uma ou
Enfim, muitas vezes nos for- tes para a nossa vida e parece que mais crenças existem em você, pois
çamos a entrar nas regras do in- não sabemos como sair deles. Nos só podemos trabalhar naquilo que é
consciente coletivo, mesmo que sentimos estagnados, paralisados consciente, naquilo que existe.
de alguma forma façamos isso sem e sendo jogados ao acaso, achando Com a técnica ThetaHealing®,
perceber. Você repete padrões que que a vida é uma grande sucessão trabalhamos primeiro a tomada de
muitas vezes não são seus e perma- de coincidências. consciência dos bloqueios e limites
nece neles como se fosse algo imu- existentes, depois o empoderamen-
tável ou como se fosse uma pseudo Identificação to para que a pessoa esteja apta à
zona de conforto.
E finalmente tem o que chama-
mos de crenças no nível da alma,
A técnica do ThetaHealing®,
que trabalha na frequência da
onda cerebral Theta, onde o clien-
mudança e de fato mudar e criar
uma nova realidade harmoniosa.
Dessa forma, você faz o resgate
que são aquelas que vêm da nossa te fica totalmente consciente, atua do seu amor-próprio, levanta a ca-
essência, do nosso âmago. Quem de nessas crenças limitantes. Identi- beça e dá a volta por cima. Hora de
verdade nós somos, o nosso melhor, fica crenças limitantes e padrões finalizar o ciclo que não faz bem,
sem as “armaduras” que acabamos sair do campo da vitimização e
por criar em nossa vida por causa passar a ser o protagonista da sua
dos nossos medos ou para nos en- realidade.
caixar nos padrões da sociedade. Outra técnica que auxilia na
Dito tudo isso, podemos enten- liberação de crenças limitantes
der que somos seres complexos e são as barras de Access Conscious-
ness®, do americano Gary Douglas.
Consistem em 32 pontos energé-
ticos em torno da cabeça,
que são ligados com as-
pectos de nossa vida e que
armazenam toda corrente
eletromagnética das sinapses
neurais que criam os padrões com-
Uma crença, quando é criada, vai influenciar portamentais e reações programa-
na vida, na realidade das pessoas, e dos das de cada pessoa. O terapeuta,
0 aos 7 anos a criança ainda não tem filtro ao tocar em uma barra, dá início à
para as informações que chegam até ela liberação dos registros e a um pro-

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É importante
dizer que não
eliminamos todas
as nossas crenças
independentemente
da técnica ou
filosofia de vida
escolhida. O que
acontece é a
expansão quando
resolvemos
olhar para dentro
Mudar é, de fato, uma escolha e jamais se pode terceirizar para outra pessoa; mesmo que a escolha seja
ficar onde está, a responsabilidade continua sendo de cada um
de nós e mudar a
nossa realidade,
cesso de limpeza energética e des- inicia um f luxo leve e abundante,
programação de crenças, pontos como a vida deve ser.
a forma como
de vista e juízos de valor que criam Mudar é, de fato, uma escolha. pensamos, como
limitações frente às possibilidades Isso jamais podemos terceirizar
da vida começam a ser liberados. 
agimos e reagimos
Por fim, é importante dizer
que não eliminamos todas as nos- para outra pessoa. Mesmo que a sua
sas crenças independentemente da escolha seja ficar onde está, ape-
AUTOR DESCONHECIDO/WIKIMEDIA COMMONS

técnica ou filosofia de vida escolhi- nas tenha em mente que as mesmas


da. E saiba que isso está ok. O que ações trarão os mesmos resultados.
acontece é a expansão quando re- Se você escolher isso, também está
solvemos olhar para dentro de nós ok. Escolhas são somente escolhas,
e mudar a nossa realidade, a forma não são certas nem erradas. A nossa
como pensamos, como agimos e re- felicidade é responsabilidade nossa.
agimos, como nos colocamos, como É responsabilidade nossa sair do lu-
nos posicionamos, quando retira- Inconsciente coletivo gar onde estamos e ir para uma nova
De acordo com o conceito de psicologia
mos medos de julgamentos, vitimi- forma de vida. Deixar de culpar os
analítica, criada pelo psiquiatra suíço Carl
zação e retiramos de nosso campo outros por nossas mazelas. É nossa
Gustav Jung, inconsciente coletivo é a
energético aquelas crenças que nos camada mais profunda da psique humana.
responsabilidade olhar aquilo que
paralisam em várias áreas da nos- É constituído pelos materiais que foram precisamos mudar em nós para que
sa vida. Quando trabalhamos em herdados, e é nele que ficam os traços nos tornemos pessoas agradáveis e
uma área da vida específica, as re- funcionais, tais como imagens virtuais, que felizes, em primeiro lugar, para nós
lações afetivas, por exemplo, todas seriam comuns a todos os seres humanos. mesmos. Aí, sim, depois de estar-
as outras, profissional, financeira, O inconsciente coletivo também tem sido mos em lua de mel conosco, é que
social, familiar e área da saúde são entendido como um arcabouço de arqué- nos tornamos pessoas interessan-
afetadas de forma positiva, porque tipos, cujas influências se expandem para tes, nossa vibração se eleva e passa-
além da psique humana.
somos um ser único e não tem como mos a atrair a abundância em todas
IMAGENS: SHUTTERSTOCK

mudar apenas uma sem que todas as áreas da nossa vida. Porque isso é
as outras sejam afetadas. A energia possível, é seguro e é permitido nes-
de todas as áreas se movimenta e se aqui e agora.

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coaching por Júlio Furtado

Liderança PESSOAL

PARA LIDERAR A NÓS MESMOS É NECESSÁRIO


COMPREENDER E ADMINISTRAR NOSSAS EMOÇÕES,
O QUE SIGNIFICA TER INTELIGÊNCIA EMOCIONAL COM
A CLARA SENSAÇÃO DE SABERMOS PARA ONDE VAMOS

F
eche os olhos, respire fundo pensando sobre como imaginou o seu nossos talentos e habilidades e, princi-
calmamente três vezes, de pre- dia daqui a 5 anos. Será igual aos seus palmente, saber usar essas competências
ferência coloque uma música dias atualmente? O que será diferente? em favor do nosso próprio crescimento
relaxante ao fundo. Quando se Que mudanças terão ocorrido em sua e evolução, seja na vida pessoal, social
sentir relaxado(a), imagine como será o vida? Essas mudanças fazem parte de ou na carreira, são as expressões mais
dia 2 de dezembro de 2024. Será uma seu planejamento de vida? Já começou evidentes de nossa liderança pessoal.
segunda-feira. Imagine como será seu a fazer hoje coisas que viabilizarão esse Para implementar com sucesso a li-
dia, onde estará morando, o que fará dia no futuro? derança pessoal, precisamos da liberdade
pela manhã, à tarde e à noite. Imagi- Esse exercício nos remete à necessi- de viver diferentes experiências para sele-
ne sua rotina nesse dia inteiro. Respire dade de termos as rédeas de nossa vida cionar o que no mundo está nos atrain-
fundo novamente e volte ao momento em nossas mãos, ou seja, a importância do e nos motivando positivamente. Um
presente. Permaneça alguns minutos de termos liderança pessoal. Conhecer primeiro passo nesse sentido é examinar

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imaginar-se nesse contexto de sucesso. VONTADE É ALGO
Isso ajuda a fortalecer a visão; (2) ins-
pirar-se, ou seja, ouvir a voz de seu co-
QU E PASSA PELO
ração, de sua alma. Deixar que essa voz CRIVO DA RAZÃO,
fale tão alto quanto a voz de sua mente e
de seu corpo; (3) agir com independên-
AO CONTRÁRIO
cia, resistir a deixar que crenças limitan- DO DESEJO, QU E,
tes do passado tomem as decisões por
EMBORA SEJA U M
você. Perguntar-se insistentemente se
suas vontades e opiniões são realmente IMPULSIONADOR
suas ou se foram plantadas em você por MAIS PODEROSO DO
PESSOASSIGNIlCATIVASDESUAVIDA
O terceiro e mais determinante ele- QU E A VONTADE,
mento da nossa liderança pessoal é a TEM FORTES
ação. À medida que a visão se torna clara,
começamos a tomar providências para
COMPONENTES DO
torná-la real. Agimos coerentemente INCONSCIENTE
quando somos impulsionados pela von-
tade que é um constructo da consciência. volveu. Uma ação apaixonada alimenta
Vontade é algo que passa pelo crivo da sacrifícios que são encarados com a mo-
razão, ao contrário do desejo, que, embo- tivação de quem está disposto a dedicar
ra seja um impulsionador mais poderoso ou dar a vida por eles.
do que a vontade, tem fortes componen- Levar uma vida sem liderança pes-
tes do inconsciente e, em geral, não se soal pressupõe a crença de que nosso
organiza de forma racional ou sujeita-se a caminho está traçado e sobre ele não
um planejamento. Em síntese, a ação pre- podemos agir. É viver passivamente
cisa ser fruto de uma vontade impulsio- à espera de que algo fora de nós nos
nadora, que é mais facilmente produzida guiará ao lugar que nos está reservado.
quando se conseguem aliar componentes A falta de liderança pessoal nos leva a
de nossos desejos. responsabilizar o destino pela falta de
%MGERAL OQUENOSMOVESIGNIlCA- sentido da vida. Promover a integração
tivamente ao longo de nossa existência de nossas ações a caminho de um foco
quais situações vivenciamos com mais são as paixões que emergem em três ní- é fundamental para a manutenção de
prazer e intensidade. Que experiências veis em nossas vidas: (1) interesses, que uma saúde plena e precisamos liderar a
são capazes de nos fazer perder a hora é o estágio inicial da paixão. Precisamos nós mesmos para atingirmos esse obje-
ou esperar ansiosamente quando estão lCARATENTOSATUDOQUENOSCAUSAINTE- tivo. A liderança pessoal se fortalece à
prestes a acontecer? resse e analisar, à luz do bom senso, os luz de uma potente visão de futuro que
O segundo elemento alavancador de DESAlOS E POSSIBILIDADES DE MERGULHAR nos atraia constantemente e nos motive
nossa liderança pessoal surge à medida mais fundo no objeto de interesse; (2) a tomar decisões e fazer escolhas con-
que começamos a formular uma visão, desejos, que são interesses que crescem vergentes. Uma intensa visão de futuro é
uma imagem para um futuro melhor em forte e rapidamente a ponto de, se não desenhada a partir de sonhos, inspiração
resposta às nossas demandas oriundas freados, dirigir nossas ações, fora de e ação independente. Tudo isso precisa
DAS RELA¥ÜES COM AS PESSOAS SIGNIlCATI- QUALQUERINmUÐNCIADOBOMSENSOE  estar alicerçado em ações apaixonadas
IMAGENS: FREEPIK E SHUTTERSTOCK E ACERVO PESSOAL

vas e com as situações que vivenciamos. sacrifícios, que são a melhor indicação que nos levem a encarar os sacrifícios
A visão é uma imagem, um contexto no de que uma paixão realmente se desen- do caminho de forma motivada.
qual nos inserimos com sucesso e não
uma tarefa ou um plano. Qual a visão
que você teve ao realizar o exercício Júlio Furtado é professor, palestrante e coach. É graduado em
Psicopedagogia, especialista em Gestalt-terapia e dinâmica de grupo.
proposto no início deste texto? Para É mestre e doutor em Educação. É facilitador de grupos de desenvolvimento
construir uma visão positiva do futuro humano e autor de diversos livros. www.juliofurtado.com.br
de sua vida, você precisa: (1) sonhar,

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livros Da Redação

Saúde mental em pauta Mudanças emocionais Neurociência na educação


(casos de diversas gravidades) (percepção dos acontecimentos) (contribuições ao desenvolvimento)
Obra organizada em 27 capítulos, A terapia cognitivo-comportamental A mente reúne habilidades únicas,
cada um escrito por psiquiatras com ex- tornou-se uma classe abrangente de tera- sendo capaz de prender a cada instan-
periência e conhecimento aprofundado pias que mantêm em sua premissa básica te e de se transformar para uma melhor
na área. São apresentadas temáticas de a ideia de que as cognições são determi- adaptação. Nosso cérebro tem muitas
GRANDE DIlCULDADE E NECESSIDADE DE CO nantes do comportamento humano. Em estruturas e funções que nos permitem
NHECIMENTOS TÏCNICOS ESPECÓlCOS  TAIS 1993 foi acrescido o termo comporta- ANDAR  COMER  SENTIR CHEIROS  TER REmEXOS
como agitação psicomotora, comporta- mental, sendo essa abordagem conhecida de proteção, sentir dor e prazer. Uma fa-
mento suicida, surto psicótico, episódios como terapia racional-emotiva compor- lha em uma estrutura cerebral, uma má-
de humor, emergências relacionadas com tamental (TREC). -formação ou um distúrbio em função de
o uso e abuso de substâncias, transtornos A obra Terapia Racional-Emotiva um acidente podem ter impacto direto
alimentares, transtornos dissociativos e Comportamental na Teoria e na Prática na vida de uma pessoa. A aprendizagem
transtornos de personalidade, entre ou- Clínica apresenta o processo terapêutico envolve a memória, a atenção, a emoção,
tros. Serve como fonte de consulta rápida da TREC e diversos tipos de problemas os sentidos, a vontade de fazer parte, bem
para clínicos e psiquiatras que atendem emocionais e suas técnicas. No livro são como as funções cognitivas de pensar,
pacientes no contexto de emergência e, abordados temas como dependência julgar, avaliar, tomar decisões e resolver
simultaneamente, como fonte de estudo amorosa, luto, dor crônica, câncer, estres- problemas.
para acadêmicos, residentes, pós-gra- se, estresse pós-traumático, transtorno O livro Guia Prático de Neuroeduca-
DUANDOSEDEMAISPROlSSIONAISDAÉREADA depressivo e transtorno obsessivo-com- ção: Neuropsicopedagogia, Neuropsicologia
saúde. O livro combina a experiência clí- pulsivo. E, a cada capítulo, os casos clí- e Neurociência levanta questões como di-
nica dos autores com informações basea- nicos são trabalhados conforme a abor- mensões articuladas no desenvolvimento
das em evidências, opiniões de especialis- dagem da TREC, que pode ser utilizada infantil, as contribuições da neuropsico-
tas e diretrizes nacionais e internacionais. para tratamento de crianças, adolescentes pedagogia na educação da matemática,
Emergências Psiquiátricas é uma das poucas e adultos. distúrbios da leitura e escrita, entre outras.
obras nacionais existentes sobre o assunto
Terapia Racional-Emotiva Comportamental Guia Prático de Neuroeducação:
e foi escrita por uma equipe de psiquiatras Neuropsicopedagogia, Neuropsicologia e
na Teoria e na Prática Clínica
de grande renome no Brasil. Organizadoras: Marilda Emmanuel Novaes Lipp, Neurociência
Tátila Martins Lopes e Gabriela Fabbro Spadari Organizador: Waldir Pedro
Emergências Psiquiátricas Editora: Sinopsys Editora: Wak
Autor: Leonardo Baldaçara Páginas: 448 Páginas: 344
Editora: Elsevie
Páginas: 448

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Abordagens psicoterapêuticas
dossiê

As diversas
intervenções
psicoterápicas
Uma nova definição da
abordagem cognitiva a
entende como um tratamento
estratégico e personalizado,
que surge da conceitualização
de caso e incorpora estratégias
cognitivas, comportamentais
e baseadas na aceitação
Por Wilson Vieira Melo
SHUTTERSTOCK

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ê
dd oo s s i

E
xistem inúmeros tipos de
A terapia cognitiva
abordagem para um trata- tradicional postula a
mento psicológico. Cada primazia do pensamento
pessoa se identifica com sobre a emoção, sendo
um deles, pois há especificidades uma abordagem bastante
nas formas de terapia, assim como racionalista

há características particulares nos


indivíduos. Neste artigo o leitor terá
oportunidade de conhecer vários
exemplos para verificar qual melhor
se adapta a ele.
A terapia cognitiva tradicional
postula a primazia do pensamento
sobre a emoção. É uma abordagem
bastante racionalista e que já de-
monstrou de maneira consistente a
sua utilidade na clínica psicológica.
Os pressupostos básicos são de que
a atividade cognitiva influencia as Algumas críticas Uma nova definição da aborda-
emoções e o comportamento. Além gem cognitiva a entende como um
disso, entende que a cognição é pas- atuais são feitas ao tratamento estratégico e personali-
sível de ser monitorada e alterada e modelo de definição zado, que surge da conceitualização
que, alterando-a, se podem modifi- de caso e incorpora estratégias cog-
car as emoções e o comportamento tradicional das nitivas, comportamentais e basea-
subjacente (Beck, 1994). A ideia de terapias cognitivas das na aceitação, além de ser equili-
que não são as coisas em si, mas sim brada pelo cultivo e manutenção da
a representação mental que constru- e isso fez com que relação terapêutica (Wenzel, 2018).
ímos delas, não é nova e remonta a novas abordagens A relação terapêutica, colocada no
uma escola de pensamento fi losófi- centro de muitas das principais in-
co denominada estoicismo, datada surgissem, tervenções psicoterápicas atuais,
do século I d.C., que tem entre seus especialmente a partir é o principal preditor de sucesso
principais pensadores o fi lósofo gre- no tratamento psicoterápico. Nas
go Epictetus (55 d.C.-135 d.C.). dos anos 1990 palavras do psiquiatra suíço Carl
Apesar de bastante pragmática, Gustav Jung (1875-1961), “conhe-
essa forma de entender o sofrimento a um viés interpretativo. Algumas ça todas as teorias, domine todas
humano pode acabar por reduzi-lo críticas atuais são feitas ao modelo as técnicas, mas ao tocar uma alma
de defi nição tradicional das terapias humana, seja apenas outra alma hu-
cognitivas e isso fez com que novas mana” (Jung, 1983).
Wilson Vieira Melo é doutor em Psicologia abordagens surgissem, especialmen-
(UFRGS), com estágio de pesquisa na
University of Virginia (USA). Mestre em
te a partir dos anos 1990 (Hoff man; Entrevista clínica
Psicologia Clínica (PUCRS). Professor de
pós-graduação em nível de especialização
em Terapia Cognitiva. Professor convidado
Hayes, 2018). A expansão do concei-
to de reestruturação cognitiva, in-
cluindo a ideia de que nem todos os
A realização apropriada da entre-
vista diagnóstica é uma arte
complexa, além de ser parte funda-
na Palo Alto University (USA). Coordenador
do curso de formação em Terapia pensamentos disfuncionais devem mental do planejamento e da cons-
Comportamental Dialética da Elo Psicologia ser modificados, mas sim que pode- trução das estratégias, quer sejam
e Desenvolvimento. Membro da Association mos aceitá-los, faz parte de uma nova psicoterápicas ou psicofarmacoló-
for Contextual Behavioral Science (ACBS).
Organizador dos livros Estratégias maneira de nos relacionarmos sau- gicas. O diagnóstico não representa
Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia davelmente com eles. Desse modo, um rótulo ou engessamento do caso
Cognitiva (2014) e A Prática das Intervenções as abordagens cognitivas e contex- ou do indivíduo. Pelo contrário, ele
SHUTTERSTOCK

Psicoterápicas: Como Tratar Pacientes na Vida


Real (2019), ambos pela Sinopsys. tuais parecem estar ganhando uma é a senha para a escolha da melhor
nova roupagem nos últimos anos. intervenção e o que vai nos permi-

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Abordagens psicoterapêuticas
tir avaliar de modo mais apropria- como interpretamos os fatos podem
do o curso e o prognóstico daquele alterar as emoções e os comporta-
quadro clínico. A análise funcional mentos derivados delas. Trata-se da
mostra como os comportamentos abordagem psicoterápica mais bem
costumam ocorrer ou se manter estudada de todos os tempos, com o
porque funcionam. Tal premissa maior número de trabalhos demons-
está presente na ciência comporta- trando sua efetividade e aplicabili-
mental, posto que esta entende que dade nos mais diversos transtornos
as consequências que sucedem de mentais. A terapia construtivista é
um dado comportamento podem uma abordagem cognitiva que dife-
Sinais
fazer com que este ocorra nova- Apesar da crescente tendência de
re das abordagens cognitivistas con-
mente ou aumente de frequência, intervenções transdiagnósticas em vencionais como a terapia racional
ou ainda fazer com que o mesmo di- saúde mental, ela não descarta a emotiva ou mesmo a terapia cogni-
minua a probabilidade de ocorrên- avaliação e o conhecimento técnico tiva (teorias racionalistas). Nela, a
cia ou intensidade, podendo, inclu- científico acerca da queixa do pa- premissa básica de que haveria uma
sive, desaparecer de cena. A terapia ciente. O entendimento dos sinais primazia do pensamento sobre a
racional emotiva postula que (A) e sintomas apresentados pelo pa- emoção não é o centro do entendi-
as situações ativadoras disparam o ciente segue sendo o que norteará mento clínico. Apesar de também
a boa conduta clínica e a escolha da
funcionamento de (B) crenças ir- considerar a importância da ativi-
melhor intervenção.
racionais, que por sua vez têm (C) dade cognitiva no processo de me-
consequências fisiológicas, emo- lhora durante o tratamento, há uma
cionais e comportamentais. É uma diferença no modo como as inter-
abordagem que, assim como a tera- venções são propostas, bem como
pia cognitiva, se vale de estratégias no entendimento desse sofrimento.
racionalistas (cognitivas) e também
comportamentais. Desse modo, são A expansão do conceito de reestruturação
chamadas de TREC e TCC, respec-
tivamente, uma vez que o trabalho cognitiva inclui a ideia de que nem todos os
do terapeuta visa reestruturar cren-
ças disfuncionais (cognições irra-
pensamentos disfuncionais devem ser modificados,
cionais) através de modificações da pois podemos aceitá-los; uma nova maneira
maneira de pensar e se comportar.
Apesar de menos utilizada no Brasil
de nos relacionarmos saudavelmente com eles
do que a TCC convencional, é uma
abordagem bastante ampla e impor-
tante devido a sua efetividade e si-
milaridades com este modelo.

Primazia do pensamento
P ara a terapia cognitiva há uma
primazia do pensamento sobre
a emoção. Dito de outro modo, não
são os fatos em si, mas sim a repre-
sentação mental que fazemos deles
que modula o nosso sofrimento.
Partindo-se dessa premissa básica,
é correto afi rmar que a cognição
influencia a emoção e o comporta-
mento e, além disso, é passível de
ser monitorada e também alterada. A literatura e a arte inspiraram muitos dos trabalhos técnicos desenvolvidos ao longo dos dois
A partir daí, mudanças na maneira últimos séculos no campo da ciência psicológica

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dossiê

A realização apropriada da entrevista


diagnóstica é uma arte complexa, além de
ser parte fundamental do planejamento e
da construção das estratégias, quer sejam

ATELIER JACOBI: SIGISMUND JACOBI (1860–1935)/WIKIMEDIA COMMONS


psicoterápicas ou psicofarmacológicas
compatíveis com outras teorias ra- abordagem a relação do indivíduo
cionalistas, como a terapia racional com suas crenças é o foco central da
emotiva, de Albert Ellis, ou mesmo a intervenção. A terapia do esquema
terapia cognitiva, de Aaron T. Beck. reúne estratégias cognitivas, com-
A metacognição é uma das princi- portamentais, vivenciais e interpes-
pais funções executivas e é realizada soais na sua prática. Foi desenvolvi-
através do córtex frontal. Ela tem a da inicialmente para o tratamento
função de regular e monitorar a ati- dos transtornos da personalidade,
A terapia cognitiva processual foi inspirada em vidade cognitiva, como se fosse um mostrando-se posteriormente muito
um romance psicológico, O Processo, escrito maestro de uma grande orquestra eclética, uma vez que se trata de uma
por Franz Kafka
afi nada. A terapia metacognitiva abordagem transdiagnóstica. Apesar
foca suas intervenções nesse nível de também ser uma abordagem cog-
Inspiração científica de atividade cognitiva, trabalhando nitiva, é menos focada na reestrutu-

A literatura e a arte em geral ins-


piraram muitos dos trabalhos
técnicos desenvolvidos ao longo dos
crenças sobre as crenças, além de dar
grande ênfase ao monitoramento da
atividade cognitiva. Ao invés de fo-
ração de crenças e entende o concei-
to de esquema de modo diferente
da proposta original de Aaron T.
dois últimos séculos no campo da car no conteúdo dos pensamentos e Beck. A proposta terapêutica de Je-
ciência psicológica. Uma das mais crenças como caracteristicamente se ff rey Young foca sua intervenção no
brilhantes contribuições nesse sen- trabalha em terapia cognitiva, nessa trabalho com os esquemas iniciais
tido foi desenvolvida pelo psiquiatra
brasileiro Irismar Reis de Oliveira.
A terapia cognitiva processual PARA SABER MAIS
foi inspirada em um romance psico-
lógico, O Processo, escrito por Franz
Kafk a, no século passado. Lúdica, O QUE É PSICOTERAPIA?
envolvente, motivadora e efetiva!
Trata-se de uma abordagem bastante
integrativa, com técnicas totalmente
T odo tratamento psicológico envolve a dialética de tentar aceitar aquilo
que se é juntamente com o esforço de mudar aquilo que se é. Quando
uma pessoa procura outra para solicitar auxílio para lidar com seu sofri-
mento, esse momento é sempre especial. Muitos pacientes
ficam dias, semanas ou anos com o contato do terapeuta
até que, finalmente, resolvem fazer um movimento de bus-
ca de auxílio. Sendo assim, a ambivalência, muitas vezes, é
uma variável presente nessa difícil mas bonita caminhada. A
psicoterapia é um processo que envolve uma relação tera-
pêutica, metas terapêuticas, mas, antes de tudo, existe um
indivíduo que solicita ajuda e outro que se dispõe a ajudar.
Dessa forma, inicialmente, a psicoterapia se apresenta como
uma relação assimétrica que, com o passar dos encontros e
também com as conquistas dos ganhos objetivados, deixa
IMAGENS: SHUTTERSTOCK

de ser. Nas palavras de Marsha M. Linehan, a psicoterapia é


uma relação íntima, na qual uma das partes se despe e a outra
permanece vestida.

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Abordagens psicoterapêuticas
desadaptativos, que são estruturas
compostas por memórias emocio-
nais, que se estabeleceram precoce-
mente e que denotam, mais do que
uma forma de interpretar os fatos,
uma maneira de viver a vida.

Foco nas emoções


D urante muito tempo as emo-
ções foram colocadas em se-
gundo plano em detrimento de in-
tervenções mais racionalistas que
ganharam espaço no campo das
psicoterapias. Contudo, são as emo-
ções que levam nossos pacientes
a buscar ajuda nos consultórios e
serviços em saúde mental em geral. I GGG
G
Ô GGGGII
GIG9GI9Ô  ‚IG
Por essa razão, uma abordagem que passividade, resignação ou acomodação
coloca o trabalho de aproximação
e contato com elas faz muito senti- O diagnóstico não Se tivermos um problema é ne-
do na clínica. A terapia focada nas cessário que nos perguntemos, antes
emoções propõe exatamente essa representa um rótulo de tudo, se ele tem solução. Se sim,
conexão com elas. As emoções são ou engessamento do implementam-se estratégias efetivas
vistas como adaptativas e o trabalho de resolução de problemas para li-
com elas não se foca em evitar, mas, caso ou do indivíduo. dar com ele. Se não há solução, acei-
sobretudo, em se conectar com elas. Pelo contrário, ele tação é a estratégia mais sábia a se
Nas palavras do criador da aborda- utilizar. Outro ponto significativo é
gem, Leslie Greenberg, “não se pode é a senha para a o comprometimento com nossos va-
mudar algo sem chegar até lá”. Na escolha da melhor lores pessoais. Os valores são como
terapia do esquema emocional, as um farol que guia a nossa existência
emoções são ferramentas adaptati- intervenção e o que e orienta nossos comportamentos.
vas que utilizamos para ativar estra-
tégias que vão desde lutar ou fugir
vai nos permitir avaliar Para trabalhar os valores e o proces-
so de aceitação, nada melhor do que
até a sensação de bem-estar e con- melhor o curso e uma terapia que baseia suas interven-
forto. Elas nos lembram de nossas o prognóstico do ções fundamentais em tais princípios.
necessidades, frustrações e direitos
– nos levam a fazer mudanças, fugir quadro clínico Terapia analítico-funcional
de situações difíceis ou saber quan-
do estamos satisfeitos. Desse modo,
não são adaptativas ou desadapta-
Sempre que tentamos lutar con-
tra algo que não temos condições de
E xiste uma crescente preocupação
com a relação terapêutica e sua
importância no contexto das diferen-
tivas em si, mas, sim, dependem do modificar isso implica em sofrimen- tes abordagens psicoterápicas. Ela é
contexto no qual estão sendo ativa- to. Aceitar a realidade não equiva- um dos principais componentes das
das e também da intensidade de sua le a aprovar ou concordar com ela. intervenções que funcionam, uma vez
ativação. A desregulação emocional Também não significa passividade, que é o que torna aquele tratamento
pode estar presente tanto na inten- resignação ou acomodação. Na te- especial e único para o paciente.
sificação de uma resposta emocional rapia de aceitação e compromisso, Em um momento de crise, se
quanto na desativação, naquelas si- a aceitação é um processo ativo que a técnica falhar, o que vai ajudar
tuações nas quais se espera que o in- significa tomar as coisas como elas o paciente a se manter dentro do
divíduo sinta alguma coisa. A terapia são postas. Do mesmo modo, alguns processo terapêutico e comprome-
do esquema emocional é uma abor- pensamentos não precisam ser rees- tido com o trabalho será a relação
dagem intensamente dedicada a elas. truturados e modificados. terapêutica. Outros pressupostos

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dossiê

teóricos conhecidos por funciona- A terapia racional com apego excessivo à necessidade
rem são os princípios básicos de aná- de controle emocional, veremos que
lise do comportamento (reforço, pu- emotiva postula são modos diferentes de enfrentar a
nição e extinção comportamental). que as situações mesma condição, isto é, a dificulda-
Certamente, a terapia analíti- de em lidar com as emoções.
ca funcional é uma das abordagens ativadoras disparam Características observadas em
em que relação terapêutica e ciência o funcionamento de indivíduos com o transtorno da
comportamental se encontram e são personalidade borderline, como a
mais notoriamente utilizadas. crenças irracionais, hiper-reatividade emocional, por
Na terapia comportamental que por sua vez exemplo, podem estar antagoni-
dialética, alguns casos podem ser camente presentes em indivíduos
especialmente desafiadores. O so- têm consequências com o transtorno da personalida-
frimento de alguns indivíduos pode fisiológicas, de obsessivo-compulsiva. Para o
ser tão intenso e disfuncional que primeiro grupo descrito, a terapia
faz com que sejam considerados emocionais e comportamental dialética foi de-
difíceis ou até mesmo intratáveis. comportamentais senvolvida e, a partir dela, surgiu
Comportamentos de automutila- uma nova abordagem terapêutica,
ção, sentimento crônico de vazio, peutas que resolvem investir no seu rica em técnicas e estruturada: a
perturbação com a própria identi- potencial de melhora e conseguem terapia comportamental dialética
dade e instabilidade afetiva e im- obter considerável sucesso. Para es- radicalmente aberta.
pulsividade são sintomas presentes ses casos complexos, apresentamos
em muitos indivíduos que sofrem a terapia comportamental dialética. Terapia da compaixão
de desregulação emocional.
Por outro lado, determinados
pacientes com esse perfi l podem
Se pensarmos nas características de
personalidade em um espectro onde
temos de um lado indivíduos alta-
A compaixão é uma emoção que
está relacionada tanto com a
capacidade de identificar o sofri-
trazer uma enorme gratificação e mente descontrolados emocional- mento no outro como também com
realização profi ssional para tera- mente, e do outro, aqueles pacientes uma tentativa genuína de ação para
aliviá-lo. Se pensarmos nas emoções
primárias (medo, raiva, tristeza, ale-
gria, nojo e surpresa) como sendo
diretamente ligadas à sobrevivência
do próprio indivíduo, poderemos ve-
rificar que a compaixão é muito mais
sofi sticada, posto que está ligada à
sobrevivência da espécie.
A terapia focada na compaixão
demonstra que tanto a compaixão
dirigida ao outro quanto a autocom-
paixão estão relacionadas a uma sig-
nificativa diminuição do sofrimento.
Embasada principalmente na
Psicologia Evolucionista e nas neu-
rociências, essa abordagem tem ga-
nhado espaço tanto nos contextos
clínicos quanto fora deles. Quando
entendemos que o ser humano é
um ser em constante evolução, po-
demos nos dar conta de que indi-
IMAGENS: SHUTTERSTOCK

víduos compassivos são seres mais


O sofrimento pode ser tão intenso que faz com que a pessoa seja considerada difícil ou até mesmo evoluídos. Não somos seres acaba-
intratável, como nos casos de automutilação dos e a evolução não para.

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Abordagens psicoterapêuticas
PARA SABER MAIS o paciente a buscar ajuda é o rela-
cionamento conjugal, muitas vezes
a psicoterapia individual pode não
TERAPIA DO ESQUEMA ser o suficiente, uma vez que parte
relevante do problema pode estar
A terapia do esquema reúne estratégias cognitivas, comportamentais, vi-
venciais e interpessoais na sua prática. Foi desenvolvida inicialmente para
o tratamento dos transtornos da personalidade, mostrando-se posteriormen-
inacessível.
Sendo assim, um dos importan-
tes campos de trabalho é exatamente
te muito eclética, uma vez que se trata de uma abordagem transdiagnóstica.
a terapia de casais, que pode ser rea-
Apesar de também ser uma abordagem cognitiva, é menos focada na reestru-
lizada tanto como tratamento único
turação de crenças e entende o conceito de esquema de modo diferente da
como também como um coadjuvan-
proposta original de Aaron T. Beck. A proposta terapêutica de Jeffrey Young
te dos tratamentos individuais que
foca sua intervenção no trabalho com os esquemas iniciais desadaptativos,
cada um dos parceiros pode estar
que são estruturas compostas por memórias emocionais que se estabelece-
realizando. As evidências de efetivi-
ram precocemente e que denotam, mais do que uma forma de interpretar os
dade da terapia comportamental in-
fatos, uma maneira de viver a vida. No artigo a seguir veremos essa abordagem
tegrativa de casal trazem resultados
focada no tratamento para crianças.
promissores e atualmente essa é uma
das abordagens conhecidas.
O trabalho com as emoções cada
vez mais tem ganhado espaço nos
tratamentos psicoterápicos da atua-
lidade. Em algumas delas, esse foco
é o centro do trabalho terapêutico,
como ocorre na terapia focada nas
emoções. Apesar de possuir diversas
técnicas desenvolvidas para o traba-
lho com o paciente nos tratamentos
individuais, sua aplicabilidade em
contextos com casais tem se mostra-
do bastante promissora, ajudando
muitos casais a reinvestirem no vín-
culo e acima de tudo nas emoções
que os unem.
As práticas de mindfulness, ou de de descoberta de novas sensações e
atenção plena, têm, cada vez mais, de si mesmo. Terapia cognitiva sexual
ganhado espaço dentro das aborda-
gens psicoterápicas atuais. Isso se
deve tanto aos resultados recentes
Quando se pensa em psicotera-
pia, a maioria das pessoas faz uma
ligação com um tratamento indivi-
F alar sobre sexualidade em psi-
coterapia pode ser uma mis-
são difícil para profissionais não
de estudos de efetividade dessas in- dual, no qual o terapeuta e paciente treinados ou sem preparo técnico
tervenções quanto pelo fato de que trabalham juntos em prol das suas para desempenhar tal tarefa. Essa
tais práticas são compatíveis com os metas terapêuticas. Entretanto, dificuldade pode ocorrer tanto
pressupostos teóricos das terapias quando a raiz do problema que leva pelas características do paciente
cognitivas e comportamentais.
Apesar do programa de MBCT
(mindfulness baseado em terapia cog- Para a terapia cognitiva há uma primazia
nitivo-comportamental) ser aplica- do pensamento sobre a emoção.
do originalmente em grupo, em oito
semanas, a maioria de suas técnicas Dito de outro modo, não são os fatos em si,
pode ser adaptada para a utilização
individualmente em psicoterapia,
mas sim a representação mental que fazemos
com o intuito de auxiliar no processo deles que modula o nosso sofrimento
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dossiê

A terapia construtivista é uma abordagem


cognitiva que difere das abordagens
cognitivistas convencionais como a terapia
racional emotiva ou mesmo a terapia
cognitiva (teorias racionalistas)
Os tratamentos transdiagnós- contribui para a manutenção dos
ticos representam uma tendência sintomas da criança, isso pode ter
Ambiente na área da psicoterapia, uma vez uma participação marcante na falta
As contingências ambientais são,
em grande parte, responsáveis pelos
que muitos pacientes apresentam de resultados.
comportamentos manifestos. Des- mais de um transtorno mental co- Entender o paciente descontex-
se modo, os pacientes são, em certa mórbido, e isso, por vezes, dificulta tualizado do ambiente em que vive
medida, um produto do meio em que o uso de uma intervenção especifi- é fechar os olhos para peças funda-
vivem ou foram criados. Caso o pro- camente delineada para um trans- mentais de um quebra-cabeça com-
fissional entenda como tais conceitos torno específico. plexo. Algumas vezes, os resultados
estão presentes na cultura, será pos- Diversos protocolos de trata- positivos apenas se tornam possíveis
sível compreender muito acerca do mento têm sido implementados porque, ao se unir forças e intervir
mundo e também de si mesmo. ao redor do mundo, sendo que os de modo integrado, novas perspecti-
resultados, em especial na última vas se abrem. Isso pode fazer a dife-
década, têm encorajado o trabalho rença entre o sucesso ou o fracasso
empregando esse modelo de racio- na prática clínica.
cínio clínico. O transtorno da adaptação
Muitos pacientes desafi am a ca- é um diagnóstico que, apesar de
pacidade de o terapeuta realmente bastante prevalente, não é muito
quanto pelo próprio efeito do tema ajudar e, nesses casos, as estratégias conhecido pelos profissionais de
sobre a pessoa do terapeuta. de intervenção devem ser ampliadas saúde. Na classificação atual do
Muitos psicoterapeutas não se para a obtenção de possíveis resul- Manual Diagnóstico e Estatístico dos
sentem confortáveis em abordar tais tados melhores. Quando a família Transtornos Mentais – DSM-5, esse
demandas sexuais, mesmo em um
contexto de tratamento. É bem ver-
dade que muitos profi ssionais não
tiveram, ao longo da sua formação,
algum treinamento específico sobre
como trabalhar com essas questões.
Entretanto, não se pode deixar
um assunto tão importante na vida
das pessoas de lado na nossa prática
clínica. A terapia cognitiva sexual
nos fornece ferramentas para abor-
dar a sexualidade dentro de uma ló-
gica cognitivo-comportamental.
Apesar de favorecer interven-
ções mais amplas e menos focaliza-
das nos sintomas específicos de cada
transtorno mental, tais modelos de
intervenção têm demonstrado gran-
de efetividade nos sintomas especí-
ficos, como ansiedade, depressão e A terapia de casais é importante e pode ser realizada tanto como tratamento único como também
desregulação emocional. coadjuvante dos tratamentos individuais

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Abordagens psicoterapêuticas
diagnóstico pode ser realizado em
A terapia cognitiva sexual
comorbidade com outros transtor- fornece ferramentas para
nos mentais; sendo assim, o trans- abordar a sexualidade
torno da adaptação é o quadro clíni- dentro de uma lógica
co mais prevalente na clínica. cognitivo-comportamental
De acordo com o manual, o
transtorno de adaptação e o es-
tresse derivado desses eventos
estressores acometem, aproxima-
damente, metade das pessoas que
procura atendimento em saúde
mental. Desse modo, o tratamento
do estresse em qualquer uma das
etapas desenvolvimentais tem foco
tanto nos quadros agudos quanto
na prevenção.
Há milhares de anos existem re-
gistros de que o homem senta para
meditar. Apesar das práticas con- A metacognição é uma das principais funções
templativas serem realizadas com
o intuito de promover o bem-estar,
executivas e é realizada através do córtex
crescimento e autoconhecimento, frontal. Ela tem a função de regular e monitorar
o que as aproxima das técnicas psi-
coterápicas, elas não haviam sido
a atividade cognitiva, como se fosse um
trabalhadas dentro de contextos de maestro de uma grande orquestra afinada
saúde até os anos de 1970.
O programa de redução de es- por estarem com dor ou debilita- redução dos custos da produção de
tresse baseado em mindfulness é o dos fisicamente, podem também equipamentos.
pioneiro em introduzir esse conceito oferecer desafios significativos O uso da realidade virtual nos
na área. Apesar de praticar mindful- para uma apropriada intervenção. contextos de tratamentos psicoterá-
ness não ser sinônimo de meditar, Certamente, essa realidade não é picos vem sendo cada vez mais utili-
alguns pressupostos se aproximam incomum no campo da Psicologia zado em protocolos de intervenção,
daquilo que se procura ao se adotar da saúde ou no desafiante âmbito inclusive no Brasil. Tais tecnologias
uma prática contemplativa. da internação hospitalar. permitem que se façam exposições
O que parecia coisa de cinema bastante realistas no tratamento de
Intervenções e longe da realidade dos consultó- quadros de fobias, transtorno de

M uitas vezes a intervenção


psicoterápica ou mesmo de
apoio psicológico acontece em con-
rios tem se tornado cada vez mais
acessível e útil, tanto devido ao de-
senvolvimento de ferramentas cada
ansiedade social, transtorno de es-
tresse pós-traumático, transtornos
relacionados ao uso de substâncias,
dições adversas ou, em larga medi- vez mais sofisticadas quanto pela dentre outros quadros clínicos.
da, longe do que seriam as ideais.
Atendimento em leitos ou nos cor- REFERÊNCIAS
redores, quartos com outras pessoas BECK, A. T. Prefácio. In: SCOTT, J.; Williams, J. M. G.; BECK, A. T. (Orgs.). Terapia Cognitiva na
presentes, profissionais entrando e Prática Clínica: um Manual Prático. Porto Alegre: Artmed, 1994.HOFFMAN, S.; ASMUNDSON, G. J. G.
Acceptance and mindfulness-based therapy: a new wave or old hat? Clinical Psychology Review,
saindo do ambiente ou até mesmo v. 28, n. 1, p. 1-16, 2008
interrompendo a intervenção para a .HOFFMAN, S. G.; HAYES, S. C. The history and current status of of CBT as a evidence-based
realização de procedimentos médi- therapy. In: HAYES, S. C.; HOFFMAN, S. G. Process-Based CBT: the Science and Core Clinical
cos são exemplos das especificida- Competencies of Cognitive Behavioral Therapy, p. 7-21, 2018.
des que alguns contextos de trata- JUNG, C. G. Psychology of the Transference. Nova York: Routledge, 1983.
mento envolvem. WENZEL, A. Inovações em Terapia Cognitivo-Comportamental: Intervenções Estratégicas para
Além disso, muitos pacientes, uma Prática Criativa. Porto Alegre: Artmed, 2018.

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ê
dd oo s s i

NOVA
TECNOLOGIA
PARA CRIANÇAS
A terapia do esquema
é uma forma inteiramente
nova de trabalhar
fortalecendo e enriquecendo
a personalidade infantil
em formação
Por Renata Ferrarez Fernandes
Lopes e Ederaldo José Lopes

E
m uma sala de psicoterapia pro-
jetada para o atendimento in-
fantil, uma criança representa
seus conf litos em um cenário
semelhante a sua sala de aula, por meio
de fantoches retratando a professora e os
colegas. Na encenação é dia de entrega
de notas. Ela afirma, com um rosto des-
concertado, que não faz sentido a nota
que tirou, pois ela é muito inteligente. A
cena prossegue e a criança fica cada vez
mais tensa. Seu fantoche simula olhar
demoradamente a nota. O fantoche da
terapeuta, que agora representa a profes-
sora, lhe diz: “Você foi bem!”. E o fanto-
che da criança, que quase não tem mais
sua função mediadora, diz: “Mas por
dois décimos eu não tirei oito, dois dé-
cimos! Isso não é possível, eu sou muito
inteligente! Isso não pode ser! Tem algo
de errado com essa nota!”.

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Abordagens psicoterapêuticas
Renata Ferrarez Fernandes Lopes possui
bacharelado e licenciatura em Psicologia, mestrado,
doutorado e pós-doutorado em Psicobiologia.
É professora titular do Instituto de Psicologia da
Universidade Federal de Uberlândia. Tem experiência
em Psicologia, com ênfase em psicoterapia
cognitivo-comportamental para adultos e crianças.
Autora do livro Meu Livro de Terapia do Esquema:
Psicoeducando Adolescentes sobre Modos de
Esquemas, da Sinopsys Editora.
Ederaldo José Lopes é psicólogo, professor titular
do Instituto de Psicologia da Universidade Federal
de Uberlândia (UFU), com mestrado e doutorado
em Psicobiologia, pós-doutorado em Filosofia
da Mente e Ciências Cognitivas. Coordena o
Laboratório de Psicologia Experimental do Instituto
de Psicologia da UFU. Tem experiência na área de
Psicologia, com ênfase em psicologia cognitiva
SHUTTERSTOCK

experimental. Autor do livro Meu Livro de Terapia


do Esquema: Psicoeducando Adolescentes sobre
Modos de Esquemas, da Sinopsys Editora.

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dossiê

nove outros lugares ao redor. Cada


lugar é ocupado por um “modo” do
seu “jeito de ser”. Há lugar para to-
dos seus lados criança: a zangada,
a impulsiva, a vulnerável e a feliz.
Também há lugar para seus lados
pais: exigente e punitivo. Há ainda
três lugares para as formas desen-
gonçadas (estratégias desadapta-
das) para lidar com os problemas
da vida, nesse caso a nota.
Ela pode se afundar no proble-
ma, pode agir como se o problema
não existisse, ou pode agir como
se, dada sua suposta superioridade,
Psicoterapia cognitiva, originalmente orientada para o trabalho com transtornos de personalidade, não devesse se importar com a nota.
pode ajudar no trabalho com crianças e adolescentes Mas finalmente há lugar para sua
parte sábia, criativa e inteligente,
A cena continua com a terapeuta Pede, então, que a criança iden- que a ajuda a se equilibrar e encon-
utilizando todos os fantoches a sua tifique qual botão estava acionado trar formas mais adequadas de aten-
disposição para diminuir a incon- em sua cabecinha quando ela re- der suas necessidades psicológicas.
formidade e o sofrimento presentes presentou ter recebido a nota, e a Todos os lados (modos) têm
na cena, mas a criança insiste: “São criança diz: “Minha criança fra- bonecos que os representam e es-
dois décimos para oito, e nem é um quinha!” (vulnerável em termos tão presentes nessa sala de conse-
nove, ou dez”. A terapeuta percebe técnicos). Nesse momento a crian- lho dos “modos” de ser: no trono,
que há uma grande tensão interna na ça, que já sabe que dentro dela primeiro se senta o lado “fraqui-
criança, pois ela vê incoerência entre existem vários botões mentais que nho”, e a criança fala de todo o seu
quem acredita ser e o que a realida- quando “acionados” lhe causam sofrimento, fragilidade, medo, dor
de, “a nota”, lhe trouxe por evidência. grande sofrimento, é convidada e incompreensão através de seu bo-
Reatar os fios da conexão consigo pela terapeuta a analisar seu con- neco. O trono vai sendo ocupado
mesma e promover um senso de efi- f lito de forma diferente. sucessivamente pelos outros mo-
cácia são prementes, pois é preciso Ela pega o boneco que sempre dos na tentativa de resolver o pro-
ajudar essa criança a suprir suas ne- tem representado o modo frágil da blema, mas apenas o modo sábio e
cessidades psíquicas de se sentir ela criança e o leva para um tabuleiro o modo feliz conseguem encontrar
mesma, acertando ou errando. onde estão dispostos um trono e soluções saudáveis.
Mas é difícil vencer o “pai exi- Depois disso tudo, a criança é
gente” que essa criança tem inter-
nalizado, que tenta punir a “criança
Quanto mais convidada a fazer uma técnica de
relaxamento ou de mindfulness. En-
vulnerável” que chora a perda da precocemente tretanto, antes de ir embora, a te-
nota. Sabendo disso, sua terapeuta aplicarmos tecnologias rapeuta procura fazer pontes para
a convida para uma outra atividade: a vida e, com o auxílio da criança,
analisar o que aconteceu na “sala do psicológicas para procura estender os aprendizados
conselho de modos”. A terapeuta da sessão para as situações con-
usará agora outra técnica. Ela sabe
melhorar o processo cretas que ela enfrenta. Essa é uma
que a criança já conhece bem os de formação de sessão típica de terapia de esquema
vários lados (modos) de seu “eu” e com crianças. Técnicas mais sofis-
sabe identificar quando sua parte
uma personalidade ticadas podem ser utilizadas com
vulnerável, zangada, impulsiva, exi- saudável, mais saúde adolescentes, mas a tônica é sem-
gente ou punitiva acionou um botão pre a mesma: dar voz aos vários
mental e a fez pensar, agir e sentir
mental ofereceremos “modos de esquema” que a criança
de uma forma que não ajuda. às pessoas em geral e o adolescente possuem dentro

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Abordagens psicoterapêuticas
A personalidade é
vista como uma
integração ou
uma totalidade
complexa e dinâmica,
moldada por muitas
forças, incluindo
hereditariedade
e tendências
constitucionais,
maturidade física, ( GGG
IÈI G\G
   ‚IG GhÔGHG
treinamento precoce, cotidianos, interesses e autoconceito

entre outras
deles, debater, ref letir, questionar,
 PARA SABER MAIS

encontrar soluções e fazer pontes Atmosfera em que os EIDs


para a vida. se desenvolvem na infância e adolescência
Neste artigo procuraremos
apontar como uma psicoterapia Desconexão e rejeição
cognitiva de terceira onda, origi- Os pais ou responsáveis, professores e/ou colegas são, geralmente, individualistas,
nalmente orientada para o trabalho frios, rejeitadores, explosivos, imprevisíveis ou abusivos.
com pacientes com transtornos de Autonomia e desempenhos prejudicados
personalidade e transtornos crôni- Os pais ou responsáveis, professores e/ou colegas são, geralmente, emaranhados
cos graves, pode ajudar no trabalho afetiva e comportamentalmente à criança/adolescente, minando sua confiança,
com crianças e adolescentes. Numa superprotegendo-os.
primeira e superficial leitura dos
textos sobre terapia do esquema Limites prejudicados
pode parecer que essa abordagem Os pais ou responsáveis, professores e/ou colegas são caracterizados por excessi-
se aplicaria apenas a crianças e ado- va permissividade, abuso, falta de direção e por inflarem um senso de superioridade.
lescentes com transtornos graves,
como os externalizantes, ou aos pe- Direcionamento para o outro
quenos e adolescentes que parecem Os pais ou responsáveis, professores e/ou colegas foram ou são pessoas que ba-
apresentar sinais prodômicos de fu- seiam sua relação com a criança em aceitação condicional: as crianças devem supri-
turos transtornos de personalidade. mir aspectos importantes de si mesmas a fim de ganhar amor, atenção e aprovação
Isso é falso. Essa é uma forma intei- de seus pares.
ramente nova de trabalhar, fortale-
Supervigilância e inibição
cendo e enriquecendo a personali-
dade em formação. Os pais ou responsáveis, professores e/ou colegas são cruéis, exigentes e às vezes
punitivos. Nestes contextos relacionais desempenho, dever, perfeccionismo, o se-
Integração guimento de regras, ocultar as emoções e evitar erros predominam sobre o prazer,

P ara avançarmos na compreen- alegria e relaxamento.


IMAGENS: SHUTTERSTOCK

são do poder transformador Adaptado de Lopes, R. F. F. (2016). Terapia do esquema para crianças. In: Federação Brasileira de Terapias Cognitivas.
Neufeld, C. B.; Falcone, E. M. O.; Rangé, B. (Orgs.). Procognitiva – Programa de Atualização em Terapia Cognitivo-Com-
da terapia do esquema na infância
portamental: Ciclo 2 (p. 47-123). Porto Alegre: Artmed Panamericana (Sistema de Educação Continuada a Distância, v. 4).
e, especialmente, na adolescên-

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dossiê

cia podemos começar definindo


claramente o que é personalida-
de, como ela se constitui e como
se desenvolve, já que os esquemas
iniciais adaptativos estão na base
de uma personalidade saudável, e
é sobre a promoção de esquemas
iniciais adaptativos que o trabalho
do terapeuta do esquema se dará,
especialmente o daqueles que se
dedicam à infância e adolescência.
O dicionário da American
Psychological Association afirma
que personalidade diz respeito “a
configuração de características e
comportamento que inclui o ajusta-
mento de um indivíduo à vida, in- O objetivo dos terapeutas do esquema é auxiliar na aquisição ou ativação de estratégias saudáveis
cluindo traços, interesses, impulsos, para obtenção de senso de pertencimento
valores, autoconceito, capacidade e
padrões emocionais importantes. A tratégias para lidar com seus pro- liando e oferecendo o suprimento
personalidade é vista como uma in- blemas cotidianos, seus interesses, de necessidades psicológicas bá-
tegração ou uma totalidade comple- seu autoconceito começam a lhe sicas, quais sejam: senso de co-
xa e dinâmica, moldada por muitas trazer sofrimento significativo? Na nexão e pertencimento; senso de
forças, incluindo hereditariedade e infância? Às vezes! Na adolescên- autonomia e capacidade; padrões
tendências constitucionais, matu- cia? Muitas vezes! de comportamento equilibrados
ridade física, treinamento preco- Um ouvido ainda mais aguça- e responsabilidade e limites ade-
ce, identificação com indivíduos e do ficaria atento a algumas coisas quados Bach; Loockwood; Young,
grupos significativos, valores e pa- a mais: se a personalidade é mol- 2018).
péis culturalmente condicionados dada por múltiplas forças, aquelas Fica claro que essas necessi-
e experiências e relacionamentos que são constitucionais ou her- dades começam a surgir e se de-
críticos. Várias teorias explicam a dadas (por exemplo, o tempera- senvolvem ao longo da infância
estrutura e o desenvolvimento da mento) e aquelas que advêm do e da adolescência e que o não su-
personalidade de diferentes formas, ambiente no qual as pessoas estão primento delas levaria a quadros
mas todas concordam que a perso- inseridas (modelos e modelagem psicológicos mais graves, espe-
nalidade ajuda a determinar o com- de habilidades e competências cialmente os transtornos de per-
portamento” (APA, 2010, p. 701). sociais), como proteger o desen- sonalidade. Sendo assim, quanto
A partir dessa definição, algu- volvimento da personalidade de mais precocemente aplicarmos
mas perguntas nos saltam aos ouvi- experiências e relacionamentos tecnologias psicológicas para me-
dos: quando um indivíduo começa críticos e desastrosos? Terapeu- lhorar o processo de formação de
um processo de desajuste psíquico tas do esquema apresentam uma uma personalidade saudável, mais
na vida? Isso pode começar na in- resposta simples, porém muito saúde mental ofereceremos às pes-
fância? Quando e como suas es- consistente: identificando, ava- soas em geral. O objetivo dos tera-
peutas do esquema que trabalham
com crianças, adolescentes e com
Modos são partes do self que estão ativas famílias é auxiliar na aquisição ou
ativação de estratégias saudáveis
em um dado momento e envolvem uma para obtenção de senso de perten-
combinação de emoções, cognições e respostas cimento, autonomia responsável,
senso de capacidade realista, re-
comportamentais. Essa combinação de gulação emocional e comporta-
elementos aponta para um ou mais EIDs ativos mental e senso de limite.

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Abordagens psicoterapêuticas
Modos de esquema do, no qual o indivíduo se afasta do

M odos são estados ou partes


do self que estão ativos em
um dado momento e envolvem
sofrimento utilizando diferentes
formas de evitação (comportamen-
tal, emocional e cognitiva). Nesse
uma combinação de emoções, caso, o adolescente passa a evitar
cognições e respostas comporta- situações e emoções conf lituosas
mentais. Essa combinação de ele- desligando-se emocionalmente de
mentos aponta para um ou mais pessoas e situações que ele insis-
EIDs ativos momento a momento. Em qual contexto te em dizer que não o afetam. Por
Young, Klosko e Weishaar (2003) Na terapia do esquema para crianças último, o hipercompensador reage
apresentam dez modos de esque- e adolescentes destaca-se o tra- aos EIDs através de comportamen-
mas, que são distribuídos em qua- balho com os modos de esquema, tos hostis contra outras pessoas
tro categorias: modos criança, pois quando o paciente apresenta um ou de autoengrandecimento, que
modos de enfrentamento disfun- padrão de comportamento desadap- nos jovens aparece quando eles
cionais, modos pais disfuncionais tativo, o terapeuta nem sempre sabe exageram competências e qualida-
e modos adulto saudável. qual(ais) EID(s) desencadeou(aram) des para se sentirem mais seguros
esse processo. Além disso, um único
Os modos criança são inatos, (Young et al., 2003).
EID pode produzir diferentes padrões
sendo assim todas as crianças têm o Os modos pai/mãe disfun-
de comportamento, dependendo do
potencial de manifestá-los de qua- estilo de enfrentamento que o pa-
cionais são resultantes da inter-
tro formas: modo criança vulnerá- ciente usa em determinado contexto. nalização dos cuidadores (pais,
vel ou ferida, modo criança zanga- Por essa razão foi desenvolvida a no- educadores, avós) da criança ou
da, modo criança impulsiva e modo ção de modos de esquema (Young; do adolescente e podem ser classi-
criança feliz. A criança vulnerá- Klosko; Weishaar, 2003). ficados como punitivos ou exigen-
vel agrupa grande parte dos EIDs tes. O primeiro (pais punitivos)
como os de abandono, abuso, pri- diz respeito à punição de um dos
vação emocional. Com esse modo modos criança devido ao seu “mau
ativo, a criança/adolescente acredi- comportamento”. Nesses casos, os
ta que ninguém é capaz de perceber
as “injustiças” que ela acredita es- Os modos criança são inatos, sendo assim,
tar sofrendo. O modo criança feliz
diz respeito ao momento no qual a
todas as crianças têm o potencial de
pessoa sente que suas necessidades manifestá-los de quatro formas: modo criança
emocionais foram atendidas.
Os modos de enfrentamento vulnerável ou ferida, modo criança zangada,
disfuncionais são: o capitulador modo criança impulsiva e modo criança feliz
complacente, no qual a pessoa se
submete às pessoas e situa-
ções, mantendo seu
conf lito. No caso
dos adolescentes,
por exemplo, eles se
submetem a desejos e
interesses do grupo de
amigos temendo perdê-
-los; o protetor desliga-

Esquemas iniciais
desadaptativos (EIDs) se
IMAGENS: SHUTTERSTOCK

organizam a partir de uma


atmosfera nociva no núcleo
familiar e nas experiências
escolares

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dossiê

adolescente deve ser capaz de moni-


 
PARA SABER MAIS
ˆ
torar, cuidar e curar os outros mo-
dos disfuncionais, encontrando for-
A IMPORTÂNCIA DO PAPEL DA FAMÍLIA mas saudáveis de obter a satisfação
de suas necessidades de conexão,
O s esquemas iniciais desadaptativos (EIDs), que obstaculizam o de-
senvolvimento da personalidade saudável, se organizam a partir de
uma atmosfera nociva presente no núcleo familiar, nas experiências es-
autonomia e desempenho, autocon-
trole e livre expressão de ideias e
colares e nos grupos de amigos. Eles se originam, grosso modo, nas
sentimentos de forma equilibrada.
condições de privação de necessidades psicológicas básicas não atendi-
das, gerando crenças de desconexão e rejeição; uma visão de incapaci- Etapas
dade ligada a um senso de autonomia e desempenho prejudicados; falta
de limites precisos, o que leva a comportamentos impulsivos e mimados; A terapia do esquema para ado-
lescentes consiste em três eta-
pas principais: identificação, psico-
um forte direcionamento a suprir as necessidades dos outros e, ainda,
uma expectativa de punição ou exigências que levam à supervigilância educação e modificação de EIDs e
do ambiente e à inibição de comportamentos mais espontâneos. modos de esquema, tanto nas crian-
ças e adolescentes quanto
em seus pais/cuidadores
diretos.
O conceito de modo
de esquema é trabalhado
extensamente nos protoco-
los por meio de diferentes
técnicas, como teatro de
fantoches – técnica utiliza-
da na etapa cujo objetivo é
avaliar, psicoeducar e mo-
dificar modos presentes na
criança, relacionando-os às
situações de conf lito reais
(pontes para a vida). Com
as mesmas finalidades,
usam-se “clipcharts”, nos
quais se inserem os modos
dentro de uma represen-
tação gráfica do próprio
adolescente, ou ainda a téc-
adolescentes começam a pensar que a altos padrões de performance. nica das cadeiras, na qual cada uma
são inadequados, incapazes, sem Os pensamentos giram em torno delas representa um modo que deve
valor e podem se punir de diferen- de: “Seja forte!”, “Seja o melhor!”; ser explicitado pela criança ou ado-
tes maneiras, como, por exemplo, “Sempre há algo para melhorar!”. lescente quando estes se sentam na
em casos mais graves, infringindo- O décimo e último modo iden- respectiva cadeira.
-se cortes (automutilação) enquan- tificado por Young et al. (2003) é o Da mesma forma, os pais são
to pensam: “Você não merece...”; modo sábio e inteligente. A criança/ avaliados e psicoeducados. Busca-se
“Você não é digno...”; “Você não
tem o direito...”. A criança vulnerável agrupa grande
O modo pai/mãe exigentes é a
cobrança de padrões altos de de-
parte dos EIDs como os de abandono,
sempenho. Neste caso, a criança abuso, privação emocional. Com esse modo ativo,
e o adolescente apresentam um
perfeccionismo que os leva a so-
a criança/adolescente acredita que ninguém é
frimento, sentindo-se algemados capaz de perceber as “injustiças” que ela sofre
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Abordagens psicoterapêuticas
À medida que a
terapia dos pais e
dos filhos evolui,
assistimos ao
nascimento ou ao
ressurgimento de
relações entre pais
e filhos nas quais
as necessidades
psicológicas
de conexão e
pertencimento
vão emergindo O conceito de modo de esquema é trabalhado extensamente nos protocolos por meio de diferentes
técnicas, como teatro de fantoches

diminuir o efeito dos modos disfun- Buscar a conexão saudável entre emoções e comportamentos; encon-
cionais dos pais na relação com os pais e fi lhos, senso de competência trar o equilíbrio dinâmico de dar e
filhos. Não é incomum encontrar- e eficácia em todos os membros da receber auxílio e afeto e aprender que
mos pais com seus modos criança família; verificar em pais e fi lhos a há formas adequadas para expressar
ativos procurando educar seus fi- capacidade de se autocontrolar e ge- qualquer ideia e sentimento são as
lhos adolescentes, ou ativando seus renciar de forma equilibrada suas metas da terapia do esquema.
pais punitivos e exigentes quando
não conseguem alcançar objeti-
REFERÊNCIAS
vos em suas práticas de educação,
AMERICAN PSYCHOLOGICAL ASSOCIATION. Dicionário de Psicologia APA. Porto Alegre:
sentindo-se frustrados, ineficazes Artmed, 2010.
e cobrando exageradamente de si e BACH, B., LOCKWOOD, G. & YOUNG, J. E. A new look at the schema therapy model:
de seus filhos. Outros ainda evitam organization and role of early maladaptive schemas. Cognitive Behaviour Therapy, n. 47, p.
suas tarefas de orientar e educar, ou 328-349, 2018.
hipercompensam exagerando habi- EDWARDS, D. & ARNTZ, A. Schema therapy in historical perspective. In: Van Vreeswijk, M.,
lidades que lhes faltam. Em muitas Broersen, J. & Nadort, M. (Eds.). The Wiley-Blackwell Handbook of Schema Therapy (p. 3-26).
ocasiões, compreendem que esses Chichester: Wiley & Sons, 2012.
modos se perpetuam há gerações FREEMAN, A. & RIGBY, A. Transtornos de personalidade entre crianças e adolescentes: é um
diagnóstico improvável? In: Reinecke, M. A., Dattilio, F. M. & Freeman, A. (Eds.). Terapia Cognitiva
em suas famílias e sabem que não
com Crianças e Adolescentes: Relatos de Casos e a Prática Clínica (p. 499-532). São Paulo:
é simples conscientizarem-se para LMP Editora, 2009.Lopes, R. F. F. Terapia do esquema para crianças. In: Federação Brasileira de
combater suas formas desadaptadas Terapias Cognitivas. Neufeld, C. B, Falcone, E. M. O. & Rangé, B. (Orgs.). Procognitiva – Programa
de lidar com conf litos. À medida de Atualização em Terapia Cognitivo-Comportamental: Ciclo 2 (p. 47-123). Porto Alegre:
que a terapia dos pais e dos filhos Artmed Panamericana (Sistema de Educação Continuada a Distância, v. 4), 2016.
evolui, assistimos ao nascimento LOOSE, C., GRAAF, P. & ZARBOCK, G. Schematherapie mit Kindern und Jugendlichen. Weinheim,
Basel: Beltz Verlag, 2013.
ou ao ressurgimento de relações
entre pais e filhos nas quais as ne- LOPES, R. F. F. & LOPES, E. J. Meu Livro de Terapia do Esquema: Psicoeducando Adolescentes
sobre Modos de Esquemas. Novo Hamburgo: Sinopsys, 2019.Reis, A. H. O Jogo dos Modos:
cessidades psicológicas de conexão Terapia do Esquema com Crianças e Adolescentes. Campo Grande: Episteme Editora, 2018.
e pertencimento vão emergindo, e Scortegagna, L. Baralho Interativo de Esquemas e Modos: Psicoeducação e Dinâmica Relacional
núcleos familiares, muitas vezes, se com Adultos e Adolescentes. Novo Hamburgo: Sinopsys, 2019.
sentem “família” pela primeira vez YOUNG, J. E., KLOSKO, J. S. & WEISHAAR, M. E. Schema Therapy: a Practitioner’s Guide. New
em muito tempo. York: The Guilford Press, 2003.

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psicologia jurídica por Renata Bento

Preso numa
vida pretérita
A DOR PELA RUPTURA DE UMA
RELAÇÃO GERA DIFICULDADE EM
SUPERAR OS OBSTÁCULOS E SEGUIR EM
FRENTE, FAZENDO COM QUE A PESSOA
SE TORNE REFÉM DE SI PRÓPRIA

N
ota-se que muitas pessoas Tudo isso não será resolvido com
quando se separam têm gran- uma sentença judicial, apenas uma par-
DE DIlCULDADE EM SUPERAR OS te disso. É bem verdade que em não
obstáculos e seguir em frente HAVENDO MELHOR ALTERNATIVA  RECORRE
com suas vidas. Ficam amarguradas e -se ao Judiciário. Todavia, no tribunal
EMBUSCADEALGOQUEJUSTIlQUEADISSO serão avaliadas as situações objetivas.
lução da união, tornando-se reféns de O que quer dizer que, apesar da neces-
SI PRØPRIAS EOU IMPORTUNANDO A VIDA sidade do processo judicial, o tribunal
do(a) outro(a), principalmente através NÎOSERÉOMELHORLOCALPARACUIDARDOS
DOS lLHOS 0RESOS NUMA VIDA PRETÏRI CONmITOSEMOCIONAIS
TA COMDIlCULDADESNOPRESENTEESEM O processo judicial é muitas vezes
expectativa de esperança no futuro. É utilizado inconscientemente com esse
NATURAL QUE NO INÓCIO SE TENHA MUITA lM E NESSESENTIDO SEOBSERVAQUEHÉ
dor pela ruptura, até mesmo quando a BRIGAS INlNITAS EM QUE SE ESPERA UMA
separação já era apontada como a me- restituição de todo investimento emo- cional depositado naquela relação; uma
LHOR ALTERNATIVA PARA O CASAL 3EPARAR  solução para a qual ninguém, tampou-
de fato, não é simples. co o Judiciário, tem competência. Nes-
Nesse sentido, digo da dor e da O DIVÓRCIO É se caso, trata-se de atravessar o luto (a
NECESSIDADEDEELABORA¥ÎO ODIVØRCIO DOR  E DE RESSIGNIlCAR A PRØPRIA HISTØ
CONSIDERADO UMA
pode ser considerado uma grande cri- RIA EISSOPODERÉSERFEITOPELAPRØPRIA
se da vida adulta porque desorganiza GRANDE CRISE DA PESSOA COM ACOMPANHAMENTO PSICO
TUDO  DEIXANDO A PESSOA COM VELHOS VIDA ADULTA PORQUE LØGICO &ALAR SOBRE AS DORES EM LOCAL
e novos problemas, o que requer um apropriado pode ajudar a desbloquear
IMENSO TRABALHO INTERNO %SSE TRA DESORGANIZA TUDO, a vida emocional e fazer nascer a espe-
BALHO PODE COME¥AR PELA QUEBRA DA DEIXANDO A PESSOA rança de uma realidade diferente.
idealização da família perfeita, já que !LGUMAS PESSOAS SAEM TÎO MACHU
família perfeita está longe de existir. COM VELHOS E cadas da relação que acreditam que não
Além disso, vem a angústia por se sen- NOVOS PROBLEMAS E irão mais se relacionar amorosamente e
tir fracassado na construção de uma SEFECHAMNACREN¥ADEQUETODASUADIS
casa representada por esse ideal de re-
REQUER UM IMENSO posição emocional deverá ser deposita-
lação e de família. TRABALHO INTERNO DANACRIA¥ÎODOSlLHOS%NTRETANTO NÎO

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com sentimentos de dor, culpa ou trai-
ção, torna-se quase impossível acreditar
que possa existir alguma via de espe-
rança em um novo cenário. Aí está o
engano, passada a maior turbulência, se
ESTÉ DIANTE DE UMA REDElNI¥ÎO DA VIDA
FAMILIARQUESUGEREAPRENDERACONHECER
E DELIMITAR SEU PRØPRIO TERRITØRIO  ESTA-
belecer seus padrões, buscar acordos,
tentar cultivar a comunicação a respeito
DOSlLHOSEEVITARIMPORTUNAREM SEMU-
tuamente sem necessidade. Aos poucos,
começarão a adquirir capacidades que
LHES PERMITIRÎO DIZER UM ADEUS LENTO
MASDElNITIVOÌSUAANTIGARELA¥ÎOCON-
jugal, e desse modo deixar livre o espa-
ço para estabelecer outra.
Com muita frequência, se nota, em
PERÓCIA PSICOLØGICA  QUE AS DIlCULDA-
des mais comuns estão relacionadas à
falta de compreensão e elaboração da
PRØPRIA DOR E Ì FALTA DE PERCEP¥ÎO DE
QUEÏPRECISOMODIlCARAFORMACOMO
SELIDAEOUFALACOMAQUELAPESSOAQUE
um dia fez parte de sua intimidade, isso
serve tanto para as brigas quanto para
a forma amorosa que pode ter existi-
do. As duas formas são nocivas: buscar
BRIGARTODOOTEMPO INSULTAR HUMILHAR
OU AGREDIR VERBALMENTE PODE SIGNIl-
car ressentimento, entre outras coisas.
A forma amorosa com intimidade con-
funde e aprisiona emocionalmente o(a)
ex-cônjuge. Ambas demonstram que
PERCEBEM OUNÎOACREDITAM QUEOSl- cada um tem o seu lugar; além disso, ainda não se está confortável ou não
LHOSTAMBÏMNECESSITAM PARAOSEUDE- é bastante positivo que observem que ENTENDEUQUEHOUVERUPTURADARELA¥ÎO 
senvolvimento e amadurecimento emo- seus pais não estão paralisados ape- isto é, ainda não se separou emocional-
cional, que seus pais, adultos, sigam em nas nos cuidados com eles, que, sim, MENTE¡PRECISORESPEITOPELAHISTØRIA
frente com sua vida pessoal equilibrada, cuidam deles e os preservam, mas pretérita para se criar um novo modo
além dos cuidados com a prole. Muitas que também têm outras necessidades, de se relacionar.
vezes, na impossibilidade de lidar com COMOOTRABALHO OSAMIGOSEUMNOVO Quando bem elaborada a separação,
o vazio interno, por exemplo, permitem relacionamento. Tudo isso em equilí- SEUREmEXOSERÉVISTOEXTERNAMENTEEM
QUE O lLHOA  CONCRETAMENTE OCUPE O BRIOSIGNIlCAQUEAVIDAESTÉSEGUINDO SUA PRØPRIA VIDA  EM SUAS RELA¥ÜES  NA
ESPA¥OLIVREEMSUAPRØPRIACAMA MUI- e isso é muito positivo. FORMA COMO LIDA COM OS lLHOS E COM
TAS VEZES JUSTIlCANDO A DOR EMOCIONAL Quando os pais sofrem demasiado o(a) ex-cônjuge.
IMAGENS: SHUTTERSTOCK/ ARQUIVO PESSOAL

DOlLHO MASNÎOOBSERVANDOAPRØPRIA
Desse modo, oferecem à criança um
Renata Bento é psicóloga, especialista em criança, adulto, adolescente e família.
lugar que não pertence a ela, criando, Psicanalista, membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro. Perita em
assim, um novo problema. Vara de Família e assistente técnica em processos judiciais. Filiada à IPA – International
&AZBEMPARAOSlLHOSTEREMOPRØ- Psychoanalytical Association, à Fepal – Federación Psicoanalítica de América Latina e à
Febrapsi – Federação Brasileira de Psicanálise. renatabento.psi@gmail.com
prio espaço em sua casa, e saberem que

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recursos humanos por João Oliveira

O QUE VALE NO VALE


VALE AQUI?
ÁREA RICA, COM UMA ABUNDÂNCIA DE JOVENS TALENTOS
COM IDEIAS DISRUPTIVAS, NO VALE DO SILÍCIO EXISTE
UMA CULTURA ORGANIZACIONAL QUE SERVE DE EXEMPLO

O
Vale do Silício não é um ter- existe uma cultura organizacional, ton, Tel Aviv e Los Angeles. São Paulo
ritório demarcado no mapa aparentemente única. Se isso é um aparece na lista como um ecossistema
com linhas precisas. Ocupa, fato que pode ser transformado em promissor, mas em uma posição distan-
na Califórnia, uma área que um protocolo de ação, por que o mes- te das demais.
começa no sul da baía de São Francisco mo sucesso não ocorre em outras áre- Todos os indicadores, incluindo o
e inclui muitas cidades como: Redwood as no mundo? NÞMERODEEMPRESASEOSRESULTADOSl-
City, Menlo Park, Palo Alto, Los Altos, Não é por falta de tentativas. Muitas nanceiros do Vale do Silício, destoam
IMAGENS: SHUTTERSTOCK E ARQUIVO PESSOAL DO AUTOR

Mountain View, Sunnyvale, Cuperti- cidades criaram modelos semelhantes DEFORMASIGNIlCATIVADEQUAISQUEROU-


no, Santa Clara e San Jose. Nelas estão com incentivos a startups de tecnologia, tras áreas que, teoricamente, competem
as maiores (e mais prósperas) empresas MASORESULTADOlCOULONGEDESERIGUAL pelo primeiro lugar em agrupamento de
desta era de inovação digital. O aparente Segundo o Global Startup Ecosystem startups de tecnologia. Pelo que se pode
centro gravitacional de tudo isso é a Uni- Report 2019, elaborado pela Startup Ge- notar, mesmo que sejam replicadas as
versidade de Stanford, em Palo Alto. NOME OPERlLDEHOJECOLOCAO6ALEEM mesmas condições de apoio técnico e
Com uma abundância de jovens primeiro lugar seguido, de muito longe, lNANCEIRO PELAPARTEGOVERNAMENTAL O
talentos com ideias disruptivas, lá por Nova York, Londres, Pequim, Bos- resultado não se repete.

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O segredo do que se observa hoje, MUITAS CIDADES colocada à disposição dos colaborado-
como sucesso alcançado, faz parte de res, foi ressaltado algo muito interessan-
uma cultura organizacional impossível
CRIARAM MODELOS TEA.ETmIXAINDAENTREGA$6$SMENSAL-
de ser transcrita como um protocolo de SEMELHANTES mente a milhões de usuários. Como uma
uma única empresa, pois é a própria es- empresa que é líder mundial em streaming
trutura mental do Vale. Podemos tentar
COM INCENTIVOS ainda carrega esse peso? A resposta foi
desmembrar em alguns itens: A STARTUPS DE direta: é um mercado de milhões de
1 – Qualquer ideia deve ser validada: dólares. Embora a tecnologia esteja à
TECNOLOGIA,
Em uma reunião em 14 de junho/2019, na disposição, muitas pessoas, por motivos
The Vault, em São Francisco (CA-EUA), MAS TODOS OS quaisquer, preferem o velho DVD. A Ne-
com Fernando Figueiredo, brasileiro que INDICADORES TmIX QUECOME¥OUDESSAFORMA NÎOABRE
é co-founder e CEO da Oaktech, empresa mão desses clientes e mantém toda es-
de estratégia global e internacionalização, DESTOAM DE FORMA trutura para atendê-los, mesmo que o re-
lCOUCLAROQUEACULTURAACEITAQUALQUER SIGNIFICATIVA torno não seja o mesmo do modelo atual.
ideia nova desde que possa ser validada. 6 – Pensar diferente sempre: A con-
Um exemplo disso é LiLou, o porquinho
DE QUAISQUER sultora sobre o ecossistema do Vale,
terapêutico do aeroporto de São Francis- OUTRAS ÁREAS Mariangela Smania, quando conduz o
co. Alguém teve a coragem de apresentar seu treinamento “Path to Innovation”
UM PROJETO QUE AlRMAVA A IMPORTÊNCIA torar e escalar interface de programação pelo campus da Universidade de Stan-
de um porco circulando pelo aeroporto de aplicativos e microservices. A base do ford, reforça a estrutura valiosa do De-
para acalmar os passageiros nervosos, e pensamento é que quando você distribui sign Thinking, olhar o todo e os detalhes
o gestor teve a coragem de colocar essa o mercado pagador retorna aceitando o para inovar. Não basta apenas saber da
ideia em prática para ser validada. Hoje preço da credibilidade alcançada. necessidade e ter a solução, muitas pes-
é um sucesso! 4 – O talento deve ser valorizado: soas desenvolveram produtos e serviços
2 – Desenvolvimento de grupos para Vinícius Depizzol, brasileiro do estado fantásticos que não tiveram êxito ou fo-
trocas de ideias: Laís de Oliveira, bra- do Espírito Santo, um dos principais de- ram ultrapassados rapidamente pela con-
sileira que desponta como diretora de signers no escritório da Microsoft Cor- corrência. O pensamento disruptivo é um
Desenvolvimento de Comunidades na poration na Market St., em São Francis- talento, mas pode e deve ser replicado
Startup Genome (essa mesma que faz o co, disse que hoje, na cultura do Vale, com a utilização de técnicas apropriadas.
levantamento dos ecossistemas de star- há um grande cuidado das empresas São apenas alguns pontos que pode-
tups), com sede em São Francisco, nos para manter seus colaboradores o mais mos extrair da cultura reinante no Vale
fala da importância da criação de gru- seguros e confortáveis possível. Não é que, pelo que vemos, apresenta resul-
pos com origens diversas. As comuni- o horário de saída ou entrada no prédio tados. Este texto trata de um pequeno
dades podem, pela sua miscigenação, da empresa que vai trazer a solução da resumo das principais ideias que nos foi
gerar ideias novas, parcerias produtivas demanda. Muitos colaboradores passam possível colher no mês de junho de 2019,
E ALÏMDETUDO lNANCIAMENTOSMÞTUOS mais tempo trabalhando em casa do que quando estivemos imersos nesse ambien-
Os projetos podem se intercambiar – si- na empresa e, com responsabilidade e te do Vale do Silício e tivemos a oportu-
NERGIA n  GERANDO DESAlOS IMPOSSÓVEIS engajamento, apresentam os resultados nidade de ter encontros – verdadeiras aulas
de serem alcançados por uma só pessoa: em seus devidos prazos. – com muitos executivos de várias empre-
parceria é tudo nesse ambiente. 5 – Não dispensar o passado por sas. Esta coluna retrata um pouco do que pude
3 – Para ter abundância deve-se com- conta do futuro: Com Martin Spier, ar- apreender deles sobre a cultura organizacional
partilhar: Bruno Solis, da Kong Inc., hoje QUITETODEPERFORMANCEDA.ETmIX NUMA do Vale. Não é a chave do segredo, mas
executivo de Contas para a América La- conversa no Steins Beer Garden em uma porta importante que vem dando
tina com sólida experiência em vendas Cupertino, CA – EUA, sobre cultura or- RESULTADOS SIGNIlCATIVOS NA INOVA¥ÎO DE
de sucesso, fala com orgulho dos mais de ganizacional e a liberdade que deve ser grandes e pequenas empresas.
600 mil usuários de seu sistema que não
pagam um centavo sequer. No entanto, O prof. dr. João Oliveira é doutor em Saúde Pública, psicólogo e diretor de Cursos
do Instituto de Psicologia Ser e Crescer (www.isec.psc.br). Entre seus livros estão:
o faturamento da Kong é de vários mi- Relacionamento em Crise: Perceba Quando os Problemas Começam. Tenha as Soluções!;
lhões de dólares. Sua base é oferecer pla- Jogos para Gestão de Pessoas: Maratona para o Desenvolvimento Organizacional; Mente
taformas de código aberto e serviços em Humana: Entenda Melhor a Psicologia da Vida; e Saiba Quem Está à sua Frente – Análise
Comportamental pelas Expressões Faciais e Corporais (Wak Editora).
nuvem para quem deseja gerenciar, moni-

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psicologia social por Dayse Serra

Gênero e conflitos familiares


A FAMÍLIA É O PRIMEIRO LUGAR DE ACOLHIMENTO
E DE SEGURANÇA DO SER HUMANO, MAS NO
CAMPO DA IDENTIDADE DE GÊNERO AINDA
HÁ MUITO O QUE APRENDER A RESPEITAR

D
entro de uma visão sistêmica, o gênero, especialmente quando na SUA IDENTIDADE !TÏ SE DElNIREM  ESSES
AFAMÓLIANUCLEARNASCEQUAN CONSTRU¥ÎO DA SEXUALIDADE UM lLHO Ï CONmITOSVÎODESDEAINSEGURAN¥A APE
do nasce uma criança. Para HOMOSSEXUAL #OMPORTAMENTO ULTRA go extremo à religiosidade como forma
ESSA ABORDAGEM  CASAL NÎO Ï passado? Vivemos tempo de aceitação de lutar contra o seu devir,AFASTAMEN
FAMÓLIAESIMDUASPESSOASQUEINICIAM plena das diferenças de toda ordem? TO TOTAL DE AMBIENTES RELIGIOSOS  AFAS
A CONJUGALIDADE #OM A CHEGADA DE .ÎOÏESSEORELATODOSADOLESCENTESE TAMENTO DE FAMILIARES DA FAMÓLIA AM
uma criança, seja por nascimento ou adultos quando têm a oportunidade de PLIADA  DIlCULDADES DE APRENDIZAGEM 
POR ADO¥ÎO  NASCEM DOIS TIPOS DE CA CONVERSAR SOBRE O ASSUNTO .O DECOR DIlCULDADESDERELACIONAMENTOCOMOS
SAIS OCASALCONJUGALQUEPODEPERDU RER DE MINHA EXPERIÐNCIA EM ESCOLAS  pares nos ambientes sociais, doenças
RARPORTODAAVIDA ATÏCHEGARÌFASEDO TRABALHANDO DIRETAMENTE COM ADO PSICOSSOMÉTICAS E MESMO TENTATIVAS
NINHOVAZIO QUANDOOSlLHOSSAEMDE LESCENTES E TAMBÏM NA PRÉTICA CLÓNICA DESUICÓDIO.ÎOTERUMLUGAR SENTIR SE
casa e constroem suas próprias vidas, COMOPSICOPEDAGOGA TIVEAOPORTUNI EXCLUÓDO  FAZ COM QUE MUITOS TENHAM
OU TERMINAR COM O DIVØRCIO OU A VIU DADEDEACOMPANHARINÞMEROSCASOSE ideação suicida e quadros depressivos.
VEZ*ÉOCASALPARENTALÏETERNO MES FAZERREmEXÜESSOBREOTEMA Os jovens e adultos relatam sobre a
MO QUE HAJA A SEPARA¥ÎO / VÓNCULO Primeiramente, durante a formação DIlCULDADEQUETIVERAMQUANDOOSPAIS
ENTREOCASALPERMANECEPELAEXISTÐN DASEXUALIDADE OADOLESCENTE NAMAIO hDESCOBRIRAMvASUAVERDADEIRAIDENTI
CIA DOS lLHOS QUE FAZEM PARTE DO NÞ ria das vezes, costuma viver muitos DADESEXUALOUAANGÞSTIAQUESENTIRAM
CLEOFAMILIAREPELOSVÉRIOSPAPÏISPA CONmITOS INTERNOS E EXPERIMENTAR MUI quando revelaram aos seus familiares.
rentais que são inaugurados. Quem era TO SOFRIMENTO POR TER DÞVIDAS SOBRE A #OME¥AM PELA CONSCIENTE E CLARA DE
apenas sogra passa a ocupar o lugar de CLARA¥ÎOQUEUMlLHOHÏTERONÎOPRECI
avó, quem era apenas marido passa a sa sentar para conversar com seus pais
SERPAI OSCUNHADOS TIOS EASSIMPOR
VIVEMOS TEMPO DE EFAZERAhGRANDEREVELA¥ÎOv EOSlLHOS
diante. O poder do nascimento de uma ACEITAÇÃO PLENA HOMOSSEXUAIS  SIM ! ESTRANHEZA E A
CRIAN¥AÏMUITOGRANDE POISMODIlCA CERTEZA DE QUE A ACEITA¥ÎO DA DIVERSI
EHIERARQUIZAAFAMÓLIA
DAS DIFERENÇAS DE dade de gênero começa a partir dessa
!NTESDEUMlLHOEXISTIRCONCRETA TODA ORDEM? NÃO REmEXÎO3EFOSSENATURAL NÎOPRECISA
MENTE  ELE JÉ Ï ELABORADO NO UNIVERSO RIA SER ANUNCIADO  REVELADO / IDEÉRIO
É ESSE O RELATO
simbólico e muitos planos são feitos de ter decepcionado as expectativas
para ele. Quando perguntamos se a DOS ADOLESCENTES DOSPAISEOFATODENÎOSESENTIRPLENA
GRÉVIDA PREFERE MENINO OU MENINA  Ï E ADULTOS mente inserido nos eventos familiares
COMUMESCUTAREMBORAÌSVEZESHAJA ESTÎO NAS DECLARA¥ÜES MAIS COMUNS
UMA PREFERÐNCIA NO SEU ÓNTIMO  hTAN QUANDO TÊM A !lRMAM TAMBÏM QUE  VIA DE REGRA 
TOFAZ CONTANTOQUEVENHACOMSAÞDE OPORTUNIDADE DE QUANDO NÎO SÎO EXPULSOS DE CASA  HÉ
SERÉBEM VINDOv uma aceitação maior por parte das
!REALIDADENÎOCOSTUMACONlRMAR
CONVERSAR SOBRE A MÎESDOQUEDOSPAIS EALGUMASCONDI
A FRASE DA PRIORIDADE DA SAÞDE SOBRE HOMOSSEXUALIDADE ¥ÜESSÎOCOLOCADASPARAACONVIVÐNCIA 

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tais como não levar em casa a pessoa FUTURO UMA UNIÎO HOMOAFETIVA PODE CASA %M VÉRIOS CASOS OUVEM OS PAIS
com quem se relaciona, “respeitar” o RIA TRAZER UM NETO ATRAVÏS DA ADO¥ÎO se perguntando claramente “onde nós
ambiente familiar evitando falar sobre /SCONmITOSENTREOSPAISTAMBÏMSÎO erramos na educação dele?”. Esse des
sua vida particular, assumir tarefas do comuns quando um culpa o outro pela CONFORTO TRAZ AFASTAMENTO  MÉGOAS E
MÏSTICAS ANTES NÎO REALIZADAS  DENTRE criação, pelas ausências ou comporta O SENTIMENTO QUE CAUSA VERGONHA E
OUTRASSITUA¥ÜESQUECOLOCAMOSUJEITO mento opressor, na busca de uma res HUMILHA¥ÎOAOSFAMILIARES
em um lugar de menor valor. posta sobre o porquê da identidade do /S AMIGOS TAMBÏM COSTUMAM
A violência simbólica ou declarada lLHODIFERIRDOSSEUSSONHOSEPLANOS ser, na grande maioria, pessoas com a
OCORRE TAMBÏM NOS ESPA¥OS ESCOLARES Vamos encontrar outros dados mesma identidade sexual para evitar a
E PROlSSIONAIS  ALÏM DA PRØPRIA FAMÓ MUITO CURIOSOS &ILHOS GAYS COSTU REJEI¥ÎO BEMCOMOOSLUGARESESCOLHI
lia, que costuma fazer o primeiro mo MAM SAIR DA CASA DOS PAIS E HABITAR dos para o lazer. Assim constroem uma
vimento de exclusão, seja mantendo a SOZINHOS OU DIVIDINDO MORADIA COM rede de segurança e empoderamento
questão velada ou com ofensas diretas. AMIGOS MUITO MAIS CEDO QUE F ILHOS para a conquista de direitos civis e en
As mães costumam responder que HÏTEROS  UMA FORMA DE SE DISTANCIAR contrar forças para seguirem em frente
ACEITARAM PORQUE AMAM SEUS lLHOS DOMAL ESTARVIVIDODENTRODAPRØPRIA assumindo quem realmente são.
incondicionalmente, mas temem a vio
IMAGENS: SHUTTERSTOCK/ ACERVO PESSOAL

LÐNCIA EXTERNA  A HOMOFOBIA E O SOFRI


MENTOQUEOSlLHOSTERÎONASOCIEDADE
por toda a vida. Os pais declararam Dayse Serra é doutora em Psicologia pela PUC- Rio, mestre em Educação
Inclusiva pela UERJ, professora da Universidade Federal Fluminense. Escritora,
DE FORMA MAIS ENFÉTICA A RECUSA E O GG
G^ GIGGG'+ 9H
G Ô ^‚IG
G
lamento de que não poderão ser avós, Abenepi, membro do Conselho Editorial do Colégio Pedro II.
ignorando a possibilidade de que no

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NEUROBIOLOGIA

TRÊS
CÉREBROS
Alvo de inúmeros estudos
ao longo dos anos,
o cérebro humano
é um sistema complexo
e dinâmico, que
permite incontáveis
análises e sínteses,
relacionadas
com diferentes
abordagens
Por Daniel Lascani

Daniel Lascani é jornalista, palestrante,


consultor empresarial. Pós-graduado
em Psicologia Analítica (PUC-Rio);
Leader Coach e Mental Coach (IBC),
autor e apresentador do Curso On-line
PNL & Oratória, autor do livro Psique
3.0 (NEA, Portugal), professor da
Unicreci/Creci-RJ. Diretor do Instituto
Lascani - www.institutolascani.com.br

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P
arte de nosso cérebro pode ser analisada por
meio da divisão entre os dois hemisférios ce-
rebrais, o direito e o esquerdo, bem como seus
respectivos pensamentos, relativos a cada um
desses hemisférios. Durante muitos anos, essa
divisão cartesiana simbolizou um modelo de mapa cere-
bral, em diversos estudos, tais como em livros, cursos e
palestras. Entretanto, pesquisas mais aprofundadas, como
as realizadas na última década pela neurocientista brasi-
leira Suzana Herculano-Houzel, demonstraram que usa-
mos todo o nosso cérebro para qualquer pensamento ou
ação. Nesse contexto, os indicadores de que determinadas
regiões cerebrais estão relacionadas a pensamentos especí-
ficos, trata-se de diferenças sutis em relação à totalidade de
sinapses neuronais ocorrentes para qualquer pensamento.
Outro exemplo dessa mesma análise é o fato de o he-
misfério direito ser apontado como uma região onde preva-
lecem os pensamentos da nossa criatividade, e o hemisfério
esquerdo, os pensamentos da memória e do conhecimento.
Em uma ótica distribucionista, é possível analisarmos, des-
de já, que a maior parte de nossas ideias e criatividades de
modo geral, é possível somente com base em nossas referên-
cias de memória/conhecimentos, contidas no hemisfério es-
querdo, dentre outras intra-associações, que já constatam o
conceito distribucionista.
Assim como essas referências vistas acima, há, ainda,
muitas outras postuladas, que auxiliam no entendimento do
cérebro. Isso significa que em uma análise mais superficial
podemos utilizar tais referências, mas, em análises mais pro-
fundas, percebe-se que o cérebro é bem mais distribucionista
do que localizacionista.
Os dois hemisférios, direito e esquerdo, citados são as
regiões mais mapeadas, principalmente em estudos sobre
comportamento humano, como forma didática de aprendi-
zado. Por outro lado, mesmo com as confirmações distribu-
cionistas, dentro da complexidade do cérebro há, também,
referências consolidadas de conceitos localizacionistas que se
correspondem com essa mesma dualidade (distribucionismo
e localizacionismo).
Nesse contexto, assim como há as duas dimensões de he-
misférios, direita e esquerda, que representam o desenvolvi-
mento de nosso neocórtex, nosso cérebro ainda conta com mais
duas dimensões, que juntas ao neocórtex formam três. Essa
divisão trina já foi muito estudada ao longo dos anos e ainda é
objeto de pesquisa por grandes pesquisadores. Tais matrizes fo-
ram denominadas como: cérebro trino ou três cérebros.

Divisão evolutiva
IMAGENS: SHUTTERSTOCK

C onforme demonstrado em nossa neuroanatomia, há


uma divisão evolutiva, contendo três cérebros: o cére-
bro reptiliano, que é o sistema dos répteis (nossa consciência

psique ciência&vida 59
NEUROBIOLOGIA

irracional); o cérebro límbico, que é o


dos mamíferos (nossa consciência emo-
cional); e o neocórtex, que nos diferencia
de todas as outras espécies da natureza
(nossa consciência racional).
No campo do estudo evolutivo, nos-
so neocórtex foi a última camada, até
agora, que mais se desenvolveu, em ter-
mos qualitativos de sinapses, na evolução
dos vertebrados – o que permitiu a evo-
lução da fala e da escrita humana. Trata-
-se de nossa consciência concreta, envol-
vendo nossos pensamentos racionais,
cartesianos, tal como nossas memórias,
medições, dentre outras. Também é a úl-
tima camada do cérebro a se desenvolver, O neocórtex foi a última camada que mais se desenvolveu, em termos qualitativos de sinapses, o que
após nosso nascimento. Por essas razões, permitiu a evolução da fala e da escrita
muitas mães têm dificuldade de relacio-
namento com seus filhos quando ainda Muitas vezes uma pessoa não consegue
bebês e, também, na adolescência. Isso
ocorre porque, nessa fase, o bebê não criar empatia com a outra, ainda que tenha
chegou ainda no pico de desenvolvimen- demonstrado grande habilidade racional,
to do sistema límbico e, na adolescência,
no pico de desenvolvimento do neocór- como um conhecimento técnico. É preciso
tex. O sistema límbico se desenvolve, em estar com uma boa energia, boa intenção
média, até os 5 anos de idade, e o neo-
córtex até os 20 anos. Por essas razões, o Muitas vezes uma pessoa não con-
período da adolescência está sendo con- segue criar empatia com outra, ainda
siderado até essa faixa etária. que tenha demonstrado grande habili-
Já o cérebro reptiliano, nascemos dade racional, como, por exemplo, um
com este pronto. É o primeiro, em nossa conhecimento técnico sobre determi-
escala neuroanatômica, localizado acima nado assunto. Não basta ter conheci-
de nossa medula espinhal. É o primeiro a mento, é preciso estar com uma boa
se desenvolver na gestação e é o mais an- energia, boa intenção.
tigo, em nossa evolução. Nele emergem
nossas percepções e nossos instintos Energia
mais primitivos, tais como medo, sono, Um treinador ou um professor,
fome, proteção, humanidade, sobrevi- por exemplo, precisam emanar uma
Cérebro trino
O conceito de cérebro trino foi de-
vência, defesa e ataque, ação e reação, boa energia, uma boa intenção, sobre
senvolvido em 1970, pelo neurocien- dentre outros. a mensagem que será compartilhada
tista norte-americano Paul MacLean No campo do comportamento, em com seus alunos. Um tom de voz sem
(1913 -2007). Foi validado pela comu- nosso cérebro reptiliano é, também, de entusiasmo, por exemplo, nos dá sono,
nidade científica na década de 1990 e onde emerge nossa energia. Isso se tra- ainda que o conteúdo seja muito bom.
inspira autores de todas as partes do duz em diferentes comportamentos, Já o contrário, muitas vezes, um deter-
planeta até os tempos atuais. Seu tra- tais como nossa intenção, nosso tempe- minado conteúdo não é tão atrativo,
balho demonstrou que há três cére- ramento. E, embasadas em outros estu- mas a energia do emissor sim. De modo
bros: reptiliano, límbico e neocórtex.
dos científicos, essas são as questões que geral, qualquer conhecimento está ao
mais influenciam nos relacionamentos alcance de todos, mas a nossa energia
IMAGENS: SHUTTERSTOCK

humanos. Já nosso lado racional, que, a é única. Nossos conhecimentos são ra-
priori, é o que mais valorizamos, é o que cionais, nossa energia é irracional. O
menos conta. lado límbico, por exemplo, explica nos-

60 psique ciência&vida www.portalespacodosaber.com.br


sa relação de grande identificação com Um tom de voz reunimos o reptiliano com o límbico,
cachorros, pelo fato de possuírem cére- nosso lado racional fica muito peque-
bro límbico. Esse mesmo sistema é res- sem entusiasmo, no. Embora sejamos animais racionais,
ponsável, ainda, por nossos sonhos e por exemplo, nos nossas raízes irracionais são muito for-
todos os nossos pensamentos, que são tes em nossa existência. Conforme vi-
lembranças inconscientes de natureza dá sono, ainda mos, percepções relativas a fome, sono,
onírica. Mas nosso cérebro reptiliano que o conteúdo sobrevivência podem afetar rápida e
é o que possui maior influência em diretamente toda nossa racionalidade.
toda comunicação e relação humana, seja muito bom. Tal conceito, se for bem estudado
justamente por se tratar de uma ma- Já o contrário, e aplicado, pode se tornar uma grande
triz localizacionista, de onde emergem habilidade de autoconhecimento e, por
nossos instintos mais fundamentais. muitas vezes, consequência, para se conhecer melhor
Uma pessoa, por exemplo, com fome, um determinado o outro. Esse conhecimento permite um
ou sem dormir, ou ainda com frio não mapeamento humano, que pode ser uti-
consegue avançar em nenhum raciocí- conteúdo não lizado para identificar estados emocio-
nio lógico sem antes resolver tais ne- é tão atrativo, nais, racionais e irracionais.
cessidades irracionais. Em uma análise neuroanatômica,
Nossa fome, conforme visto acima, mas a energia do se o cérebro reptiliano está situado
não é racional, é reptiliana. Em uma aná-
lise comparativa sobre os três cérebros,
emissor, sim abaixo do sistema límbico, e o límbico
posicionado abaixo do neocórtex, e,
tendo como base nosso conceito de ape- em cada atmosfera dessas, há uma re-
tite, é correto afirmarmos que nossa per- Reptiliano dução de influência comportamental,
cepção de fome nasce em nosso cérebro
reptiliano; a de “olho grande”, ou gula,
no cérebro límbico; e a administração de
S egundo estudos de neurolinguís-
tica, principalmente em sua parte
relacionada à imagem e comunicação
conforme a porcentagem citada acima
(55% linguagem reptiliana, 37% lím-
bica, e 7% racional), podemos obser-
dieta, por exemplo, em nosso neocórtex. humana, o cérebro reptiliano corres- var essa redução de porcentagem de
Com base em todos os exemplos vis- ponde a 55% de toda nossa comuni- cada cérebro, de forma geométrica,
tos, assim como há um distribucionismo cação; o sistema límbico 35% e nos- simbolizada por um triângulo, ou pi-
entre os dois hemisférios corticais, há, so neocórtex 7%. Portanto, quando râmide tal como:
também, entre as três dimensões neu-
roanatômicas, que formam o conceito PARA SABER MAIS
de cérebro trino. De forma que nossos
traços irracionais, emocionais e racionais
se ramificam e nossa personalidade é um CONSCIÊNCIA TRINA É UMA
resultado dessas intraconexões. ESPÉCIE DE LEITOR HUMANO
Pesquisas recentes a respeito do cé-
rebro trino confirmam que o cérebro
reptiliano é o que mais exerce influência
E m termos de mercados competitivos, como o
de vendas, ter consciência de nossa natureza tri-
na é muito importante, como uma espécie de leitor
sobre o sistema límbico e o neocórtex. humano, para mapear necessidades e “estados de
No campo externo, o cérebro reptiliano espírito” de clientes. Principalmente, conhecermos
é o que mais tem influência em nossa sobre nosso cérebro reptiliano e sua influência. O
imagem/comunicação, por ser também fator determinante é o nosso carisma, nosso entu-
responsável pelos movimentos involun- siasmo, nossa intenção. Ou seja, a junção de nosso
tários de nossa linguagem corporal, tais cérebro límbico e reptiliano. Muitas vezes, percebe-
como respiração, postura, caminhar, mos que gostamos de algumas pessoas, e não sa-
dentre outros aspectos neurolinguísti- bemos a razão, tendo até motivos para não gostar;
cos. Sendo assim, ao analisarmos que e, em situações opostas, não gostamos de outras e,
nosso cérebro reptiliano exerce maior in- também, não sabemos a razão, mesmo tendo mo-
fluência corporal do que verbal, conclui- tivos para gostar. Existe algo primitivo e, ainda, com
-se que o cérebro reptiliano prevalece em um aditivo emocional, que nos une ou nos separa.
nossa comunicação.

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NEUROBIOLOGIA

PARA SABER MAIS O lado límbico


explica nossa
CONFORMIDADES relação de
N a pirâmide de Maslow, nos primeiros degraus estão as necessidades fisioló-
gicas, tais como fome, sono, segurança, dentre outras; mais acima estão as identificação
necessidades mais emocionais, relacionadas ao amor, família, amizades; já nos com cachorros,
últimos degraus, direcionadas ao pico, há as realizações pessoais.
pelo fato de
Vejamos as imagens abaixo e suas conformidades:
Nocórtex:
possuírem cérebro
Funções intelectuais
superiores límbico. Esse
moralidade,
criatividade,
Sistema Límbico:
Emoções
mesmo sistema
espontaneidade,
solução de problemas,
ausência de preconceito, Complexo é responsável
aceitação dos fatos Reptiliano:

auto-estima, confiança, conquista,


Sobrevivência
por sonhos e
respeito dos outros, respeito aos outros

amizade, família, intimidade sexual


todos os nossos
segurança do corpo, do emprego, de recursos,
pensamentos,
da moralidade, da família, da saúde, da propriedade

respiração, comida, água, sexo, sono, homeostase, excreção


lembranças
inconscientes de
natureza onírica
7% - NÉOCORTEX bora o neocórtex nos diferencie de todas
38% - LÍMBICO as outras espécies, ainda assim é muito mordiais, que precisam estar atendidas
55% - REPTILIANO presente o lado emocional e, mais ainda, para, somente depois, poder se trabalhar
Tal escala piramidal pode, ainda, o irracional, em tudo que sentimos e em no campo da racionalidade.
nesse contexto geométrico e por ana- todas as nossas relações. A racionalidade, O mesmo pode ser visto na descri-
logia, ser conjugada com outra consa- mesmo sendo bem desenvolvida, é muito ção piramidal de Maslow. Enquanto não
grada pesquisa. Pois essas porcentagens vulnerável. Questões como medo, fome, resolvermos as necessidades primordiais,
apresentadas, relativas ao cérebro trino sono, frio são necessidades humanas pri- não conseguiremos transpassar para ou-
e suas ramificações de necessidades, ir- tros degraus. No cérebro trino, enquanto
racional, emocional e racional, podem se não resolvemos as questões primitivas,
complementar aos estudos da pirâmide não conseguimos raciocinar sobre as
das necessidades, do psicólogo norte- Muitas mães têm questões humanas racionais.
-americano Abraham Harold Maslow
‚I
G

 Quando o cérebro reptiliano entra
(1908-1970), que analisou as principais relacionamento em ação prevalece o lado irracional. Por
necessidades humanas, também, atra- com seus bebês, isso, por exemplo, o dito popular sobre
porque eles
vés de uma simbologia piramidal. Por não chegaram
não se decidir nada quando se está de
assim dizer, o cérebro trino, natural, ainda no pico de cabeça quente. Em situações mais extre-
é uma versão literal da pirâmide de desenvolvimento mas, tais questões transcendem para um
Maslow, original. do sistema nível de consciência muito mais irracio-
Se conjugarmos tal pirâmide, límbico nal do que racional.
com nossos três cérebros, vere-
mos que as divisões de ambos Conjugação
os estudos se encontram em
concordância. Com base na E m uma ótica psicológica, com base
nas psicologias, tanto a freudiana
IMAGENS: SHUTTERSTOCK

neuroanatomia, na prática po- quanto a junguiana, é possível conjugar,


demos observar a força do lado simbólica e empiricamente, por exemplo,
irracional sobre o racional. Em- que o neocórtex está mais relacionado ao

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ego (complexos), e o cérebro reptiliano
ao self (arquétipos).
E tal como a pirâmide de Maslow,
outros estudos ainda podem ser conju-
gados com o do cérebro trino, como a
analogia freudiana, que compara a mente
com um iceberg. Nesse caso, o ego (men-
te consciente) é representado, em um
iceberg, como apenas uma pequena parte
do que somos, e o self (mente inconscien-
te), como a maior parte do que somos.
Já a psicologia junguiana, através dos
arquétipos, nos indica o quanto a mente
inconsciente tem muito mais influência
sobre a vida do que a mente consciente. No cérebro reptiliano emergem os instintos e as percepções mais primitivas, tais como medo, sono,
Mas fica claro, em todas as teorias, fome, proteção, humanidade
que o neocórtex é o hemisfério mais re-
lacionado à mente consciente; o límbi- Uma vez resolvidas as necessidades
co, ao subconsciente; e o reptiliano, ao
inconsciente. primordiais, reptilianas, devemos deixá-las
O sistema límbico atua de forma in- dormentes, sem que cheguem nas
termediária entre essas camadas. Mas,
ao mesmo tempo, também dentro dessa dimensões de nosso comportamento
complexidade, é correto afirmar que há
um pouco do ego, por exemplo, no cére- riamente, nos dois hemisférios corticais. -se encontrar uma mesma expressão,
bro reptiliano, e um pouco de self no neo- Na natureza trina é preciso frear tal como a famosa “lei da selva”, quando
córtex, e muito de ambos no cérebro lím- alguns aspectos do cérebro reptiliano deveríamos aproveitar mais a “dádiva
bico. Há um pouco das características e ativar outros, justamente pelo fato de biológica” do pensamento cartesiano e
de cada cérebro distribuído em cada um termos um neocórtex, racional, analíti- racional: a consciência.
dos três cérebros, assim como tal distri- co e cartesiano, bem desenvolvido para Dessa forma, muitas literaturas, prin-
buição/ramificação se reflete, secunda- avaliar cada situação. O grande desafio cipalmente as de correntes filosóficas, já
é buscarmos aumentar a porcentagem destacaram o quanto o ser humano não
do neocórtex racional. Uma vez resol- está utilizando o que tem de melhor, que
vidas as necessidades primordiais, rep- é o lado racional. Na contramão da maior
tilianas, devemos deixá-las dormentes, vantagem biológica, estamos automati-
sem que cheguem nas dimensões de zados, agindo e reagindo sem raciocinar
nosso comportamento. Pois, ao que com a qualidade que podemos.
parece, o ser humano se encontra em Contudo, é fundamental termos
plena hipnose reptiliana, deixando-se, consciência do nível de complexidade
inconscientemente, dominar por seus que envolve a natureza psíquica e cere-
instintos primitivos, em vez de explorar bral, para que possamos equilibrar os
Relações o que nos diferencia de todas as outras eixos necessários para a sobrevivência,
Curiosamente, a menor parte envolvida espécies, que é o potencial de consciên- desde a racionalização até a evolução e
em todas as nossas relações (social, fa- cia racional. realização.
miliar, pessoal) é a racional. E as maiores Ao contrário dessa corrente, o ser Estudemos, portanto, e criemos
partes são a límbica e a reptiliana, ou humano, historicamente, está automa- equilíbrio entre os mundos externo e
seja, inconsciente, subliminar. tizado em padrões de ações e reações, interno, entre os lados irracional, emo-
defesas e ataques e proteções territo- cional e racional; entre os degraus das
riais. Essas são características clara- necessidades; entre a mente consciente e
mente reptilianas. No cunho popular, inconsciente; sobretudo, um eixo pleno,
em diversas culturas diferentes, pode- entre o cérebro trino e a realidade.

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divã literário por Carlos São Paulo

ASSASSINO INTERIOR
O FUNCIONAMENTO DA CONSCIÊNCIA NOS LEVA
A DIZER: EU TENHO UM CORPO. ESSE EU É UMA
DIMENSÃO PSÍQUICA QUE REGE AS EXPERIÊNCIAS
CONSCIENTES E SE RELACIONA COM A ALMA

Q
uem somos nós? Somos um rior” que destruiu o corpo que habitava. ce por meio do que chamamos de sím-
corpo ou temos um corpo? O Eu é um complexo sujeito da cons- bolos, que nada mais são do que a forma
Se temos, quem em nós é o ciência, mas não de toda a comunidade do oculto se revelar. Assim, o jardim que
“assassino interior” que quer psíquica. Construímos, ao longo da vida, Noelle cuidava com todo carinho com-
destruí-lo quando a insuportabilidade do outros complexos que são capazes de pensava, na sua psique, o incômodo dos
existir é o estilo dominante da consciên- atuar quando os afetos, que dialogam na seus atos inconscientes.
cia? Talvez nunca possamos saber essas psique, tornam-nos vencedores do Eu re- A linguagem da consciência é literal,
respostas enquanto não soubermos olhar gente da consciência. mas a da alma é simbólica. A compen-
para o sentido da vida e para a ideologia Noelle foi um bebê rejeitado. Amada sação é uma autorregulação do sistema
da morte como duas linhas paralelas que pela mulher que a adotou, cresceu as- psíquico, mas, em casos de uma psicose
SEENCONTRAMNOINlNITO sistindo a luta dessa mãe como parteira latente, o Eu frágil facilmente é dominado
No romance de Diana Chamberlain, leiga, mas que às escondidas resolvia a pelo “assassino interior”.
Segredos e Mentiras, Noelle é uma parteira SITUA¥ÎOAmITIVADEMUITASFAMÓLIASQUEA Temos dois centros de decisões: o Eu
que morreu sem conseguir terminar a car- procuravam. e o Self. Enquanto o Self quer uma trans-
ta suicida que revelaria a uma mãe o crime Poderíamos nos perguntar como essa formação e fala ao Eu por metáfora, o Eu
que cometera 16 anos antes. Ela roubara outra mãe que a rejeitou atuava em Noelle é literal e abre caminhos a essa transfor-
um bebê cuja mãe estava em coma. Esse como um complexo, que poderia ser, para mação da ideia da morte concreta. Quan-
roubo tinha como razão repor a uma ou- ela, ainda que de forma inconsciente, a ra- do nos relacionamos com o Self, a expres-
tra mãe o recém-nascido que ela havia zão de matar o bebê de uma mãe e substi- são é simbólica, mas, sem essa relação, ela
matado em estado de total inconsciência. tuí-lo pelo bebê sequestrado de uma outra é literal.
O bebê morto foi enterrado como uma mãe. Dessa forma ela conseguiu que uma O impulso para uma vida mais plena
semente e sobre ele foi feito um jardim criança fosse criada por uma mãe adoti- e o impulso para a morte se confundem
especial. Noelle cuidou desse jardim, no va sem que nenhuma das duas soubesse, na busca da transformação. Se tivéssemos
fundo de sua casa, como quem cuida de e deixou uma mãe biológica sofrendo por acesso a Noelle como paciente, em lugar
uma criança com vida. TERPERDIDOSUAlLHA de tentar reverter heroicamente a determi-
Tara e Emy eram suas amigas-irmãs, No modelo junguiano, podemos pen- nação da voz que diz “eu quero morrer”, o
que foram surpreendidas pelo suicídio de sar que, antes de surgir um Eu, havia um mais correto seria deslocar a questão para
Noelle, pois ela nunca apresentou sinais todo inconsciente que chamamos de Self, uma perspectiva simbólica: “o que precisa
de depressão, ansiedade, vazio existencial o arquétipo do destino, que precisa de um morrer em você?” ou “quem deseja mor-
ou qualquer outro sintoma que poderia Eu para se realizar em consciência. rer em você?”. Procuraríamos dessa forma
não tornar aquele ato tão surpreendente. A relação entre o Eu e o Self aconte- as pistas sobre o “assassino interior” que
Os mesmos remédios que lhe aliviavam habita a psique. Precisamos dar a ela uma
as dores físicas foram transformados em oportunidade de elaborar os lutos que es-
veneno pelo “assassino interior”, que a fez tão em jogo.
ingerir sua dose letal. Segredos e Mentiras A psicologia analítica é uma ciência
Podemos pensar em qual teria sido Autora: Diana dos processos inconscientes. Ficamos
o sofrimento da alma de Noelle que fez Chamberlain atentos à maneira em que o oculto se re-
Editora: Arqueiro
esse Eu ceder lugar ao “assassino inte- vela. Noelle teve, como a mãe que a ado-
Páginas: 288

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tou, uma parteira não autorizada e que A LINGUAGEM DA CONSCIÊNCIA É LITERAL, MAS
constantemente transgredia para trazer
novas vidas ao mundo. Noelle então com- A DA ALMA É SIMBÓLICA. A COMPENSAÇÃO É
pensa tornando-se uma enfermeira-partei- UMA AUTORREGULAÇÃO DO SISTEMA PSÍQUICO
ra autorizada, mas passa sua vida também
como uma transgressora, transformando EM QUE O EU FRÁGIL FACILMENTE É DOMINADO
o seu crime em um jardim, símbolo de um
espaço sagrado, que guarda um segredo CURAENCONTRARUMSIGNIlCADODECOMO da alma para se revelar em momentos
protegido por uma mentira. foram construídas aquelas ideias por ESPECIAIS E DE GRANDE SIGNIlCADO /S
IMAGENS: SHUTTERSTOCK, DIVULGAÇÃO E ARQUIVO PESSOAL DO AUTOR

Nascimento e morte são opostos e, ao TRÉSDESSESIGNIlCADO¡COMOAVIDADE problemas podem ser solucionados; os


mesmo tempo, uma unidade. Uma coisa uma semente: expressa-se em vegetação mistérios, apenas vividos. O complexo
não existe sem a outra. Noelle pode ter depois que a enterramos. É assim que materno poderia ter sido o “assassino
desistido de viver por um segredo jamais o oculto se revela, plantado, cuidado interior” que fez Noelle se libertar de to-
revelado nem a ela mesma. No entanto, e fertilizado. O oculto é a necessidade dos os segredos e mentiras.
as amigas precisavam encontrar razões e,
nesses casos, sempre as encontram e cre-
em nelas. Carlos São Paulo é médico e psicoterapeuta junguiano.
Quando alguém conta ao analista o É diretor e fundador do Instituto Junguiano da Bahia.
carlos@ijba.com.br / www.ijba.com.br
seu sofrimento, ele apenas escuta e pro-

psique ciência&vida 65
cinema Por Eduardo J. S. Honorato e Denise Deschamps

Hiperconectividade
BLACK MIRROR MANTÉM UM BOM
FÔLEGO EM SEUS EPISÓDIOS, QUE
42!:%-4%-!315%*/'!-#/-!3
MUDANÇAS OPERADAS NAS RELAÇÕES
HUMANAS E NA VIDA COTIDIANA
PELAS NOVAS TECNOLOGIAS

V
ISTA MUITAS VEZES COMO DISTOPIA  A SÏRIE DA .ETmIX
pode ser considerada mais provocativa, levando à
conclusão de que fala muito mais do aqui e agora,
como defende em seu novo livro, Isso (não) é muito
“Black Mirror”, o pesquisador brasileiro em cibercultura André
Lemos. Em uma entrevista publicada no site da Eduf ba, ele
toca em um aspecto interessante que sublinharemos. Diz ele:
“A série trata de problemas atuais, mas com roupagem velha. As
questões são as mesmas (memória, vigilância, relações sociais,
corpo, mente, poder, morte…). Mas essas questões hoje estão
revestidas de uma performatividade algorítmica e de agências
EXTREMASDEOBJETOSDIGITAISQUEASÏRIENÎOCONSEGUEALCAN¥AR
COMEXCE¥ÎODEALGUNSEPISØDIOS v

ACOMODADAS AOS HÁBITOS


É verdade que as mudanças com as quais já lidamos na
atualidade foram já de tal maneira acomodadas aos hábitos que
as temos como algo que faz parte da vida. Se pensarmos no pri-
meiro episódio da série, lá em sua primeira temporada, onde os
FAMOSOShLIKESvTOMAMOLUGARDODINHEIROEDOSTATUS PODERE
mos talvez pensar no mundo do trabalho com que sonha grande
parte dos jovens neste momento, monetarizar, como chamam,
suas atuações nas redes sociais. O fato é que cada vez mais as ati-
vidades nas diversas redes sociais vão tomando o já escasso tem-
po do sujeito no mundo, criando comportamentos novos que
GERAMQUESTIONAMENTOS CRÓTICASOUDEFESASAPAIXONADAS(OJEÏ
mais que comum entrar em um elevador, estar em uma sala de
ESPERAETCEVERIlCARTODASASPESSOASCOMPESCO¥OSCURVADOS 
OLHOS PARA BAIXO  CHECANDO ALGUMA COISA PELO SEU CELULAR OU
utilizando-o para trocar mensagens com alguém a quilômetros
ou algumas vezes até apenas a metros de distância. O coração
SALTAACADASINALDEMENSAGEMRECEBIDAOUAVISANDOhLIKEv*ÉHÉ
necessidade em muitos locais, inclusive nos consultórios de psi-
canálise, de solicitar que se desligue ou ao menos se retire o som

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dos aparelhos celulares, o que sabemos
que hoje provoca um certo mal-estar,
uma vez que cada sujeito sente-se com-
pelido a checar a todo momento o que se
comenta na virtualidade. Há inclusive o
grande risco de, nessa busca de curtidas,
acabar por repassar notícias sem fonte
CONlÉVEL ALGUMASVEZESPROVOCANDOATÏ
SITUA¥ÜES BIZARRAS COMO  POR EXEMPLO 
anunciar a morte de alguma personagem
pública, provocando sustos entre seus
afetos e certa angústia no sujeito vítima
da notícia ao saber dela.
No episódio Smithereens, veremos o No episódio Smithereens, veremos o personagem central, Christopher Michael Gilheany, sequestrar um
personagem central, o viúvo Christopher funcionário, de uma empresa desenvolvedora e administradora de uma rede social
Michael Gilheany, interpretado por An-
drew Scott, sequestrar um funcionário, CADA VEZ MAIS AS ta, em uma lanchonete, todos ao celular,
*ADEN $AMSON )DRIS  DE UMA EMPRESA só será entendida quase que nos minutos
desenvolvedora e administradora de
ATIVIDADES NAS lNAIS$ENTRODOCASOQUEAMARRAATRA
uma rede social de grande uso. Tudo que DIVERSAS REDES ma, um outro se descortinará através da
ele reivindica é falar com o inventor dela, relação de Chris com Hayley Blackwood
SOCIAIS VÃO
o CEO Billy Bauer (Topher Grace), para (Amanda Drew), sua colega no grupo de
contar sua trágica história. Um toque de 4/-!.$//*£ mútua ajuda sobre luto, ela que há pouco
ironia e o espectador verá mais adiante ESCASSO TEMPO HAVIAPERDIDOSUAlLHA QUESESUICIDARA 
que esse agora milionário se encontra OSDOISTERÎOUMENCONTROSEXUALEELALHE
$/35*%)4/./
em algum lugar muito deserto e desli- CONTARÉ QUE TENTA ACESSAR A CONTA DA l
gado de quase todas as maneiras de se MUNDO, CRIANDO lha em uma rede social chamada Persona
comunicar que invadem a privacidade, a COMPORTAMENTOS (sugestivo o nome) para tentar entender
ordem é de não incomodá-lo sob nenhu- se ali haveria alguma pista para o suicídio
ma hipótese, e será essa orientação que
NOVOS QUE GERAM de Kristen. Os administradores da plata-
acabará por criar toda a tensão, já que ha- QUESTIONAMENTOS, forma não lhe permitem o acesso, se ofe-
verá uma longa espera para que a ordem CRÍTICAS OU DEFESAS recendo apenas para fazer um memorial
do sequestrador seja atendida, uma vez PARAOPERlL%MBORAESSEFATOPASSEQUA
que os funcionários desse grande empre- APAIXONADAS SEDESPERCEBIDO TEMSIDOUMACOMPLEXA
sário farão tudo para que seu chefe não POLÐMICA PENSAR SE OS PERlS EM REDES
lQUE SABENDO DO QUE ESTÉ SE PASSANDO sempre descritos como gênios com há- sociais podem ou não ser herdados por
O criador e escritor do episódio, Charlie BITOSEXCÐNTRICOS OSRAPAZESDESENVOLVE parentes que assim teriam acesso a muito
"ROOKER  EXPLICA QUE AS PARTES FALTANTES dores do Vale do Silício. mais do que a pessoa real quis que fosse
EMEXPLICA¥ÎOPARAOSDESFECHOSSEDÎO conhecido, já que em todas as redes há
muito mais como um cuidado de não OLHAR A ATUALIDADE ÉREASDEMENSAGENSPRIVADASECONlGURA
REDUZIRQUESTÜESCOMPLEXASAUMAEXPLI O episódio abre informando o ano ções de privacidade. Essa é uma discussão
cação banal do que por falta de amarra- em que o fato se passa, 2018, talvez com que ainda está bem longe de chegar a um
¥ÎODASPONTAS ELASSÎODEIXADASSOLTAS a intenção bem colocada de falar de algo consenso. Há pesquisadores produzindo
não ao acaso, mas intencionalmente, por que remeta a um olhar sobre a atualidade, REmEXÜESEDADOSARESPEITODESSEFATOTÎO
respeito, segundo ele. Se há um episódio a náusea de Chris observando à sua vol- RECENTE6OCÐGOSTARIAQUESEUSPERlSEM
IMAGENS: DIVULGAÇÃO E SHUTTERSTOCK

que corrobora a tese de que Black Mirror


fala muito mais de situações já presentes
Prof. dr. Eduardo J. S. Honorato é psicólogo e psicanalista, doutor
e não de uma distopia, esse episódio é em Saúde da Criança e da Mulher. Denise Deschamps é psicóloga e
Smithereens. A conclusão de Chris com a psicanalista. Autores do livro Cinematerapia: Entendendo Conflitos.
qual Billy concordará toca em aspectos Participam de palestras, cursos e workshops em empresas e
universidades. Coordenam o site www.cinematerapia.psc.br
quase folclóricos que envolvem os quase

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4%-/3(/*%15%,)$!2#/-#/)3!3#/-/ %VIDENTEMENTE ISSO TAMBÏM Ï VERDADE 
A POSSIBILIDADE DE COMUNICA¥ÎO INSTAN
/3"/!4/30/4%.#)!,):!$/36)!7%" TÊNEA COM PRATICAMENTE QUALQUER LUGAR
15%!4).'%-5-0!4!-!24/4!,-%.4% DO PLANETA MUDOU RELA¥ÜES E AMPLIOU O
$%34254)6/!3&!+% .%73!-0,)&)#!- ACESSOÌINFORMA¥ÎO-ASTAMBÏMÏVER
DADE QUE MUITO DO QUE COMPÜE A MAL
#/.#%)4/33%-2%30!,$/#)%.4°&)#/% DADE HUMANA TAMBÏM FOI DESPEJADO NO
6)2!,):!-$)3#533š%33%-3%.4)$/ mundo web – se a arte imita a vida, a web
TAMBÏM4EMOSHOJEQUELIDARCOMCOI
redes sociais pudessem ser acessados por RESPONDERÉENTÎOh4ALVEZISSOSEJAPAR sas nefastas como os boatos potencializa-
OUTROSMÎE PAI PARCEIROA lLHOSETC  te do problema” (não levar em conta o dos a um patamar totalmente destrutivo,
São as famosas cartas guardadas no fun- SENTIR %ACERTOU PORQUENOlNALOQUE as fake-news INmUENCIANDO TANTOS ASPEC
DODOARMÉRIOOUOSVELHOSDIÉRIOS HÉO INTERESSAVAA#HRISÏQUETUDOPARECESSE TOS ATÏMESMOOPOLÓTICO AAMPLIlCA¥ÎO
DIREITODESELEROCONTEÞDO4ERACESSOA MENOSDECISÜESALGORÓTMICASEGANHASSE DE CONCEITOS SEM RESPALDO CIENTÓlCO 
ESSEMATERIALMUDAALGUMACOISA ASPECTOS DE DECISÜES HUMANAS ORIENTA como assistimos espantados a discussão
!CONVERSADE"ILLYE#HRISSOBREO DASPORÏTICA COMPAIXÎOEBOMSENSO ATUAL SOBRE O FORMATO DO PLANETA 4ERRA
poder viciante das redes e o quanto de #HRISNÎOACUSAAREDEPORSEUINFOR (ÉTAMBÏMAOUTRAESTRADADENAVEGA¥ÎO
INTENCIONAL HÉ EM SUA FORMULA¥ÎO PARA TÞNIO SABEBEMQUEACULPA SEELAEXIS CONHECIDA COMO dark net, onde o pior e
QUE ISSO ACONTE¥A  INCLUSIVE  SEGUNDO TIR ÏTOTALMENTEDESUARESPONSABILIDADE  O MAIS PERVERSO NO HUMANO CORRE SEM
conta Billy, com pesquisas empreendi- JÉ QUE FEZ UMA INFELIZ ESCOLHA AO PEGAR QUALQUER CONTROLE -AS PODEMOS SUPOR
DASPARACRIARATUALIZA¥ÜESQUELEVEMA O CELULAR PARA OLHAR ENQUANTO DIRIGIA QUE AS MAXIESTRUTURAS QUE FAZEM COM
que o usuário atinja elevados níveis de Isto remete a uma importante discussão QUE O PIOR DAS RELA¥ÜES HUMANAS ACABE
dopamina. Billy diz que tudo fugiu ao TAMBÏM BEM CONTEMPORÊNEA SOBRE USO muitas vezes como fator predominante
SEUCONTROLE EMBORATENHACRIADOAPLA ElNALIDADE!STECNOLOGIASUMDIAFORAM são anteriores ao atual desenvolvimento
TAFORMA HOJE NELA CAPTURADAPELOMER CRIADAS POR DIFERENTES INTEN¥ÜES  MUITAS TECNOLØGICO MASÏFATOQUEASNOVASFER
cado, ele já não tem qualquer poder de delas, inclusive, oriundas de pesquisas que RAMENTASAMPLIlCARAMTAMBÏMOPODER
COMANDO!NTESELEHAVIADISCUTIDOCOM TINHAMRELA¥ÎOCOMESTRATÏGIASDEPAÓSES DADESINFORMA¥ÎO
SEUSASSESSORESQUEODESACONSELHAVAM EM GUERRA  OUTROS lNS MAIS SUAVES LHES
A FALAR COM #HRIS E EM DETERMINADO FORAMDADOSEHOUVEATÏMUITOSPESQUI -/$/)-0/3)4)6/
MOMENTO SUA ASSESSORA DIRETA LHE DIZ SADORESQUECHEGARAMAACREDITARQUEAS (OJE A SOLIDÎO HUMANA GANHOU NO
QUE NÎO SE DEVE CONlAR EM SENTIMEN ferramentas web mudariam o mundo real vos contornos, novos disfarces, novos
tos, porque ele sentia que o sequestrador PARAMELHOR PROPONDOATÏUMCONCEITO PALIATIVOS TAMBÏM  E CADA VEZ MAIS SE
QUERIA ALGO DIFERENTE DE DINHEIRO  "ILLY DE hINTELIGÐNCIA COLETIVAv ,ÏVY  0IERRE  TORNAUMCONCEITOEXTEMPORÊNEOJÉQUE
ATOTALSOLIDÎOÏHOJEQUASEIMPRATICÉVEL 
o que não quer dizer que o abandono seja
MENORQUEANTES/SUJEITOHOJEPODEES
TARABANDONADOEMPLENAHIPERCONECTI
vidade, a solidariedade vem se tornando,
A CADA DIA MAIS  UM PENDURICALHO DE
hLIKESv FA¥AAPENASQUANDOOCLIQUEREN
DERMUITASCURTIDAS ÏANOVAORIENTA¥ÎO
DIANTEDAAMPLIlCA¥ÎOPELOCIBERESPA¥O
DO CONCEITO DE hCOMUNIDADEv / PRAG
MATISMO NAS RELA¥ÜES ATINGIU PATAMAR
NUNCAALCAN¥ADOANTES OBVIAMENTEQUE
isso não tem a ver apenas com as novas
tecnologias, mas poderíamos questionar
se elas não foram capturadas por um
modo impositivo que sustenta que algu-
\ GGIGÈ IG
G‚
I G 
Ô 
G
 MASVIDASVALEMMAISQUEOUTRAS REmEXO
G9G  GGIG G 
GGG I I
 de um mundo onde a desigualdade ainda

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sustenta as relações de poder. Tudo está,
CADA VEZ MAIS  EM MODO EXPOSI¥ÎO  E
este modelo já está muito presente tam-
bém no mundo off-line. Algumas pessoas
SE QUEIXAM QUE A SIMPLES PERGUNTA hC
OMOVOCÐESTÉvTEMCAUSADOSITUA¥ÜES
embaraçosas, obrigando a ouvir um la-
MENTO INTERMINÉVEL EM UMA EXPOSI¥ÎO
que antes era fora do tom da elegância
e da polidez. E Chris, em seu pedido de
resgate, remete a isso. Ele precisa contar * `
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GGHG
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G II 
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sua tragédia para alguém que de certa G
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p o
forma o julga responsável por ela. A em-
patia que ele busca não vem fácil, mos- AS TECNOLOGIAS É apenas uma distração momentânea.
trando que é necessário se despir de re- Terminar desse jeito pareceu correto
gulamentos para que se colocar no lugar UM DIA FORAM PARA MIM &OI DELIBERADOv %SSA ESCO
do outro possa realmente acontecer. Do CRIADAS POR lha, talvez um pouco frustrante para o
lugar de privilégio que Billy ocupa, ele espectador, imprime qualidade a esse
DIFERENTES
sinceramente se esforça para entender a tocante episódio de uma série que veio
angústia incontornável de Christopher. INTENÇÕES, MUITAS COMO UMA lLOSOlA CONTEMPORÊNEA
Nossa sociedade avança ainda a pas- DELAS, INCLUSIVE, DADA EM EXTRATO POR UM CONTA GOTAS
sos lentos no sentido de romper premis- Sem dúvida um dos melhores episó-
ORIUNDAS DE
sas entendidas como de autopreservação. dios da série. Voltando à tese de André
Estamos longe ainda de pensarmos o PESQUISAS QUE Lemos, citado no início, não podería-
coletivo humano como um só organis- TINHAM RELAÇÃO mos pensar que coisas “Black Mirror” se
mo junto a tudo que compõe o ambiente RElRAM A ALGO FUTURO  MAS SIM A ALGO
onde se vive. Ainda vivemos um pouco ao
COM ESTRATÉGIAS que pode ser, como ele diz ser: “Não
ESTILODOh0AIDA(ORDAvQUE&REUDABOR DE PAÍSES EM porque essa realidade ainda vai chegar,
dou com tanta propriedade, até por isso GUERRA mas justamente por ela já ter ido além.
a potência transformadora que a web foi /S DESAlOS E PROBLEMAS QUE AS 4)#
DESARTICULADA E FRAGMENTADA  A EXEMPLO questrado, sua história encontra uma (tecnologias de informação) nos apre-
do próprio homem contemporâneo. Es- IDENTIlCA¥ÎO EM CADA SUJEITO QUE NÎO sentam hoje são bem maiores do que os
tamos longe de pensar como Pierre Lévy se engessou, embora tudo aquilo que QUEASÏRIECONSEGUEVISLUMBRARv
e acreditar que: “Se nossas sociedades se denuncia aconteça concomitantemente O futuro é pura incerteza em um
contentarem em ser inteligentemente di- ALINOLOCALDOFATO COMOEXEMPLIlCAM momento em que tudo, não somente a
rigidas, com certeza falharão em seus ob- OS ADOLESCENTES QUE lLMAM TUDO E JO comunicação, se encontra em estado
jetivos. Para ter alguma chance de viver gam na web sem maiores preocupa- instável e com risco de grandes reações
melhor, elas devem se tornar inteligentes ções quanto ao que isso poderia agra- adversas. Cabe ao sujeito do amor recap-
NAMASSAv,ÏVY  4EMOSASSISTIDO var, na delicada situação de risco, para TURARSUASDESCOBERTASEDEIXARQUE%ROS 
a muitos avanços na construção de uma OSEQUESTRADOESTAGIÉRIO*ADEN.ÎOHÉ pulsão de vida, vença essa capacidade de
inteligência de informação em grupo, lM DElNIDO PELO CRIADOR DO EPISØDIO  destruição que tem sido ameaçadora nos
mas, por outro lado, assombrados, temos ele alegou que: “Não mostrar o destino tempos atuais. Como considerava Freud
constatado o galopante crescimento do deles sempre foi parte disso. Nós quise- o amor, “como não menos essencial para
poder do embrutecimento (e emburreci- mos mostrar que o dia mais importan- a sobrevivência da raça humana do que
mento) em massa. te para a vida dessas pessoas vira uma TAISCOISASCOMOATECNOLOGIAv&REUD 3 
IMAGENS: DIVULGAÇÃO E SHUTTERSTOCK

espécie de enfeite no dia dos outros. Breves Escritos  


SEM FIM
/lMDESmithereens realmente nos Black Mirror – Smithereens‡@sG
Ge=t `
ˆ:

hÔd
DEIXA EM FRANGALHOS  FAZ EM PEDA¥OS =;<D:GhÔd<DC :G ‚IGhÔd<AG: hÔd- 9
%G#G*#G :  H hÔd G! :"ÈdGG9
todos os envolvidos, o que seria vi-
‚IhÔI ^‚IG:+G^
 d G
/

G\ IG
LÎO DESPERTA A COMPAIXÎO ATÏ NO SE

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ADOLESCÊNCIA

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A transição
EMOCIONAL
Uma das fases mais
decisivas e conturbadas
na vida do ser humano,
a adolescência provoca
grandes transformações,
que envolvem mudanças
biológicas, cognitivas e
socioemocionais
Por Elaine Guadanucci Llaguno

Elaine Guadanucci Llaguno é advogada da União,


com formação em Psicanálise pela Sociedade
Paulista de Psicanálise, curso de Aprimoramento
em Adolescência (Sedes Sapientiae) e
especialização em Teoria Psicanalítica (PUC-
IMAGENS: SHUTTERSTOCK

SP-Cogeae). É voluntária com atendimento


psicanalítico na ONG ABCP – Associação
Beneficente & Comunitária do Povo.

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ADOLESCÊNCIA

“P
rimeiro aspecto Diz-se que a infância é o tempo
a se abordar é
o que vem a ser de ensaiar, já a adolescência é o tempo de
a adolescência? estrear. “A puberdade é a hora dos
Etimologica-
mente, ‘adolescência é um termo de primeiros: primeiro sutiã, primeira maquiagem,
origem latina, do verbo adolescere, primeiro cigarro, primeiro beijo etc.”
que significa desenvolver-se, cres-
cer’; é próximo, no entanto, do termo inteligência; e, por último, o socioemo- encontrar adolescentes de todas as ida-
addolescere, que significa adoecer. A cional, que traz alterações no relaciona- des, afinal temos que reconhecer que
proximidade entre os dois sentidos mento com as pessoas, na emoção, na há uma criança e um jovem dentro de
é sugestiva e anuncia a dimensão de personalidade e nos contextos sociais. cada um de nós.
crise a que ficou associado este ter- Uma segunda indagação também Diz-se que a infância é o tempo de
mo, desde a modernidade...” (Tiago se faz necessária: onde começa e onde ensaiar, já a adolescência é o tempo de
Corbisier Matheus, 2007, p. 18). termina o processo adolescente? Bem, estrear. “A puberdade é a hora dos pri-
Essa etapa pode ser definida como esses limites são variáveis de acordo meiros: primeiro sutiã, primeira ma-
o período desenvolvimentista de transi- com a cultura, a época, a sociedade, as quiagem, primeiro cigarro, primeiro
ção entre a infância e a vida adulta, que condições econômicas, a geografia etc. beijo etc.” ( Jacques André, 2001, p. 31).
envolve mudanças biológicas, cogniti- De qualquer modo, é possível As mudanças biológicas que ocor-
vas e socioemocionais. O processo bio- falarmos de forma mais elástica em rem nessa fase são visíveis e de todos
lógico envolve mudanças físicas no cor- adolescência considerando-a entre as sabidas, as transformações no corpo,
po do indivíduo; o processo cognitivo idades de 10/11 a 22/24 anos. Na clí- com o aparecimento de pelos pubianos
envolve mudanças no pensamento e na nica, no entanto, parece que podemos e nas axilas, o crescimento dos órgãos
genitais masculino e feminino, o cres-
cimento desordenado do corpo (ore-
PARA SABER MAIS lhas, nariz e membros crescem primei-
ro que o dorso), de modo que a cada
dia que o jovem se olha no espelho vê
ISOLAMENTO DO ADOLESCENTE alguém diferente e não se reconhece.
NÃO É SAUDÁVEL Há o desenvolvimento hormo-
nal e a variação de humor, com uma
É bastante comum o isolamento ou afastamento do adolescente. No entanto,
quando ele pode ser considerado preocupante? Quan-
do o “quero ficar sozinho” não é saudável? Se o isolamento
se tornar profundo, com falta de interação com familiares e
amigos de sua idade, deixando-o demasiadamente solitá-
rio, e por um período substancial de tempo; o isolamento
pode ser um problema quando atrasa o desenvolvimento
do jovem e, com isso, o impede de adquirir uma série de
competências afetivas, sociais e instrumentais, a exemplo do
adolescente que se isola de tal maneira que acaba por não
aprender sobre questões afetivas, sociáveis, não vivencia a
amizade, a paixão adolescente, a descoberta da sexualida-
de etc.; o isolamento pode ser preocupante, ainda, quando
perturba o curso habitual do desenvolvimento e causa um
sofrimento evidente para ele e para a família; é a situação
do adolescente que se afasta, se isola e se sente infeliz. É
preciso reconhecer que muitas vezes é difícil distinguir o
saudável do doente, mas é por isso que se faz necessário
compreender e estar atento ao comportamento do jovem
e às suas demandas.

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avalanche de emoções e sensações.
Neurologicamente, estudos revelam
que o cérebro do adolescente é uma
obra em andamento, daí a pertinência
da discussão que se dá sobre a respon-
sabilização, especialmente criminal,
dos jovens que ainda não completaram
18 anos. Assim, podemos pensar que a
questão deixa de ser meramente jurídi-
ca ou política e passa à esfera da garan-
tia dos direitos humanos.
E psiquicamente, o que ocorre
com os jovens?
É possível entender que com a
adolescência há a fragmentação do su-
jeito, de seu corpo, de seu psiquismo e O processo socioemocional traz alterações no relacionamento dos adolescentes com as
de suas referências, é um “maravilhoso pessoas, na emoção, na personalidade e nos contextos sociais
renascer”, é um “segundo nascimento”
(Tiago Corbisier Matheus, 2007, p. A individuação é uma luta do adolescente
34). É um processo complexo diante do
qual se faz necessária a compreensão da por autonomia e diferenciação, ou identidade
identificação, do luto, da idealização/ pessoal. Por isso, muitos jovens fazem
desidealização e da individuação.
A identificação é um fenômeno tatuagens, colocam piercings, pintam os cabelos
que ocorre já com o bebê e nos per- de laranja, cor-de-rosa ou azul, usam roupas
segue a vida toda. A primeira identifi-
cação se dá com os genitores ou com exóticas na busca da sua identidade
aqueles que devem cuidar do bebê.
Na adolescência, a identificação na infância há a idealização dos pais,
também pode se manifestar de forma na adolescência eles são desidealiza-
muito intensa. A Psicanálise conhece dos e passam de rainha/rei para pes-
a identificação como “a mais antiga soas que não sabem de nada, não en-
manifestação de uma ligação afetiva a tendem nada, são desconstruídos; os
uma outra pessoa”. Esta, todavia, é am- jovens precisam “matar” os pais para
bígua, vale dizer, tanto pode expressar poderem viver.
afeto como desejo de eliminar o outro
(Freud, in Psicologia das Massas e Aná- Desprendimento
lise do Eu, p. 60).
Esse processo pode explicar no
jovem não só a identificação com gru-
Os pais
Até chegar à adolescência, o processo de
vida requer e exige grandes transforma-
A importância desse processo é
revelada por Freud ao afirmar
que a adolescência é uma fase dolo-
pos, com gangues, como com ídolos, ções. Sigmund Freud (1909, p. 420) explica rosa que implica no desprendimento
que “para a criança pequena, os pais são
personagens (cosplayer, por exemplo) da autoridade dos pais (Freud, 1909,
inicialmente a única autoridade e a fonte de
etc. Também a idealização precisa ser p. 420), o que é absolutamente ne-
toda crença. Tornar-se como ele ou ela –
compreendida. Podemos dizer que como o genitor de seu próprio sexo –, ser
cessário que se faça, posto que “o
ela consiste em todas as “fantasias” grande como o pai e a mãe, é o desejo progresso da sociedade se funda na
que criamos em relação aos nossos mais intenso e de mais graves consequên- oposição entre as duas gerações”. As-
pais e em relação aos outros no decor- cias dessa época da vida”. sim, o adolescente terá que fabricar
rer da vida. para si um novo referencial.
IMAGENS: SHUTTERSTOCK

Todavia, isso vai se desconfigu- Isso pode ajudar a compreender


rando com o progressivo desenvolvi- os muitos conflitos que afloram en-
mento intelectual. Assim, enquanto tre pais e filhos nessa fase. Some-se a

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ADOLESCÊNCIA

dade pessoal. Não é de se es-


tranhar, assim, que muitos
jovens façam tatuagens,
coloquem piercings, pintem os ca-
belos de laranja, cor-de-rosa ou azul,
usem roupas exóticas na busca de
uma marca de singularidade, da sua
identidade.
O processo de individuação
ou o processo de desenvolvi- Luto
mento da personalidade da Quando falamos dos diversos lutos da
pessoa encontra seu ápice adolescência temos que relembrar os en-
nessa fase, quando os pais, sinamentos de Freud. O processo de luto
a sociedade, os amigos lhe pela perda é doloroso e implica no desin-
cobram decisões, defini- vestimento do sujeito no objeto perdido
ções. Isto, aliado a toda e no investimento em um novo, o que não
alteração hormonal, é fácil nem simples. Podemos dizer que na
adolescência há um colapso do “ego ideal”,
biológica, psíquica e
ou seja, descobre-se que não se será um
emocional, represen- astronauta, nem o super-herói, nem famoso
ta uma sobrecarga e que essas são apenas fantasia de criança.
da qual o adoles-
cente pode não
dar conta. Por isso
é importante a par-
ticipação dos pais
nessa empreitada.
Uma questão re- Na realidade, ocorre que eles sen-
corrente trazida pelos tem a verdadeira tensão entre a de-
pais diz respeito ao afas- pendência dos pais e a necessidade de
tamento ou isolamento dos ado- se libertarem. Já os pais querem que
O cérebro do adolescente é uma obra em lescentes. Eles se distanciam da os filhos sejam independentes, con-
andamento, o que prova a pertinência da família e se aproximam dos amigos tudo acham difícil “deixá-los partir”.
discussão sobre a responsabilização criminal e de conteúdos que reafirmem quem Devemos nos lembrar, no entanto,
dos jovens que não completaram 18 anos querem ser. Esse comportamento, que essa despedida é imprescindível a
embora angustiante para os pais, cada ser humano, faz parte do seu de-
isso o narcisismo dos próprios pais e a pode ser saudável, uma vez que estão senvolvimento.
“guerra” está declarada. vivenciando mudanças físicas, bio- O certo é que existe uma linha tê-
Há também o luto vivido pelos lógicas e, também, psíquicas, como nue entre dar suficiente independên-
jovens. Os adolescentes vivem o luto vimos. O “retiro” dos jovens é conse- cia aos adolescentes e protegê-los
pela perda do corpo infantil, da infân- quência do processo de individuação de falhas de julgamentos naturais da
cia, da bissexualidade e dos pais ideali- ao qual nos referimos linhas acima. imaturidade. As tensões podem levar
zados. Não é pouca coisa.
Um outro processo também corre
em paralelo: é a individuação que se
Uma questão recorrente diz respeito ao
verifica durante toda a vida, que vai afastamento dos adolescentes. Eles se
assumindo diferentes contornos em
cada fase e que encontra seu ápice na
distanciam da família e se aproximam dos
adolescência. amigos e de conteúdos que reafirmem quem
Poderíamos dizer que a indivi-
duação é uma luta do adolescente por
querem ser. O comportamento, embora
autonomia e diferenciação, ou identi- angustiante para os pais, pode ser saudável
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Os pais
querem que os
filhos sejam
independentes,
contudo acham
difícil “deixá-los
partir”. Devemos
nos lembrar, no
entanto, de que
essa despedida é
imprescindível a
cada ser humano, O processo de identificação na adolescência pode explicar o reconhecimento do jovem com
faz parte do seu grupos, gangues, com ídolos, personagens como o cosplayer, por exemplo

desenvolvimento to, seu silêncio. Contudo, também é angústia. Precisam ganhar indepen-
importante que os pais saibam que é dência e autonomia.
a conflitos familiares, certamente, e possível estabelecer uma relação de A passagem pela adolescência,
os estilos de parentalidade dos geni- parceria – o que não é o mesmo que poderíamos dizer, é um “tornar-se
tores podem influenciar sua forma e ser amigo –, com diálogo e muita ne- sujeito de modo inteiro” (Bernard
desfecho. De outro lado, o monito- gociação. Na verdade, pode ser uma Penot, 1995, p. 33).
ramento eficaz depende do quanto fase de grande aprendizado para toda
eles deixam seus familiares saberem a família. REFERÊNCIAS
sobre sua vida e essas revelações po- Enfim, vê-se que os adolescentes ANDRÉ, Jacques (Org.). Feminilidade adolescente.
dem depender da atmosfera que os têm que elaborar as perdas da infân- In: REZENDE, Marta Cardoso (Org.). Adolescência:
Reflexões Psicanalíticas. Rio de Janeiro: Nau, 2001.
pais estabeleceram. cia e dar conta da carga de respon-
sabilidades que começa a aparecer. BLOS, Peter. Adolescência: uma Interpretação Ontem,

Espaço Eles buscam respostas, eles sentem


Hoje e Amanhã. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

C omo lidar com isso? Nesse mo- FINCO, Nina. A bolha dos ultrajovens. Revista
Época, p. 62-68, São Paulo, maio 2018.
mento, é preciso abrir espaço
FREUD, Sigmund. As transformações da
para o filho e ter consciência de A identificação
puberdade. In: FREUD, Sigmund. Três Ensaios
que eles se afastaram pela ne- ocorre já sobre a Sexualidade (1901-1905). São Paulo:
cessidade de elaboração das com o bebê Companhia das Letras, v. 6, 2016.
inúmeras mudanças pelas e persegue a
. Psicologia das Massas e Análise
pessoa durante
quais estão passando, porque do Eu (1920-1923). São Paulo: Companhia das
toda a vida, Letras, v. 15, 2011.
faz parte do seu desenvolvi-
mas a primeira
mento e crescimento e de que identificação
. O romance dos neuróticos. In:
FREUD, Sigmund. O Delírio e os Sonhos na
sobre isso não há controle. se dá com os Gradiva, Análise da Fobia de um Garoto de
Não podemos parar o tempo. pais ou com Cinco Anos e Outros Textos (1906-1909). São
É preciso que os pais deem aqueles que Paulo: Companhia das Letras, v. 8, 2015.
orientação, acolhimento, mas é devem cuidar MATHEUS, Tiago Corbisier. Adolescência:
imprescindível que acreditem na do bebê Clínica Psicanalítica. São Paulo: Casa Psi, 2007.

semeadura que fizeram até então, e PENOT, Bernard. Adolescência: a importância


deixem os filhos “partirem”. da noção de adolescência para uma
concepção psicanalítica de sujeito. Boletim
É importante respeitar o es- da Associação Psicanalítica de Porto Alegre,
paço do adolescente, o isolamen- v. 5, n. 11, Porto Alegre, 1995.

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PERlL Por Anderson Zenidarci

O REI
Na vida adulta,
Michael começa
a demonstrar
o transtorno

`‚I9G G

do POP
uma série de
transformações no
rosto, para mudqr
seus traços. As
muitas alterações
na aparência
geravam estudos
/4!,%.4/ de especialistas

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ICHAEL *OSEPH *ACKSON NASCEU
EM 'ARY  )NDIANA  NOS %5! 
EM   E ERA O SÏTIMO DE
NOVE lLHOS DE *OSEPH E +A-
THERINE!FAMÓLIAHUMILDEVIVIAEMUMA
CASA COM APENAS DOIS QUARTOS 3EU PAI CIADOTALENTODOSlLHOSRESOLVEUGANHAR $URANTEAINFÊNCIA ELEEOSIRMÎOSSO-
TRABALHAVAEMUMAUSINASIDERÞRGICAE  DINHEIROCOMISSO FRERAMCONSTANTEABUSODESEUPAI QUEBA-
COMO HOBBY  TOCAVA GUITARRA E ERA EM- ! PRIMEIRA APRESENTA¥ÎO OlCIAL DE TIAFREQUENTEMENTENELESEOSATERRORIZAVA
PRESÉRIO MUSICAL SEM SUCESSO ! MÎE  -ICHAEL FOI AOS  ANOS  QUANDO APA- PSICOLOGICAMENTE
EXTREMAMENTERELIGIOSA4ESTEMUNHADE RECEU COM O GRUPO 4HE *ACKSON &IVE /PAITINHA-ICHAELCOMOALVOPRIN-
*EOVÉ TOCAVAPIANONOSCULTOS0ORVON- AO LADO DOS QUATRO IRMÎOS !OS POU- CIPAL DE SUA CRUELDADE  DIZIA QUE ELE ERA
TADEDELA MASCONTRAODESEJODOPAI OS COS -ICHAEL PASSOU A SER UMA ATRA¥ÎO MUITO FEIO  CRITICAVA O ROSTO E RIA DE SEU
lLHOSTORNARAM SEPRATICANTESRELIGIOSOS DENTRO DO CONJUNTO 0OIS  ALÏM DE TER NARIZhENORME HORRÓVELEDEFORMADOv DAS
E PASSARAM A FAZER A EVANGELIZA¥ÎO DE UMA VOZ PECULIAR E MUITO AlNADA  SE ORELHAS CRITICAVAOCORPO ASMÎOS%NlM 
PORTAEMPORTA DESTACAVADOSDEMAISIRMÎOSPORSERO OBULLYINGPATERNOERATÎOINTENSOEDIÉ-
$EACORDOCOMASREGRASRÓGIDASDO CA¥ULA DO GRUPO  PELA NATURALIDADE AO RIOQUE-ICHAELTINHAACESSOSDEVÙMITO
CBS TELEVISION/WIKIMEDIA COMMONS

PAI  OS lLHOS ERAM MANTIDOS TRANCADOS DAN¥AREPORCRIARPASSOSDEDAN¥A&OI QUANDOOPAISEAPROXIMAVADELEGRITANDO 


EMCASAENQUANTOELETRABALHAVAATÏTAR- CONSIDERADOUMMENINOPRODÓGIOESEU EM ALGUMAS SITUA¥ÜES URINAVA NA ROUPA
DEDANOITE EELESPEGAVAMESCONDIDOA SUCESSO E GENIALIDADE CAUSAVAM CERTO ENQUANTOSEUPAIOPUNIAlSICAMENTE
GUITARRA E COME¥ARAM A TOCAR E CANTAR CONSTRANGIMENTOPARAOSDEMAISMEM- 0ORTANTO  APESAR DO SUCESSO PREMA-
SOZINHOS 1UANDO O PAI TEVE CONSCIÐN- BROSDOGRUPO TURO  -ICHAEL DISSE QUE NA INFÊNCIA FOI

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SOLITÉRIO ATERRORIZADO OPRIMIDOEEXTRE- OlCIALIZOU-ICHAELCOMOCANTOR
MAMENTEINFELIZ EQUEQUANDOIADECAR- PRINCIPAL OS IRMÎOS PASSARAM A
ROAOESTÞDIOGRAVAREVIAOUTRASCRIAN- backing vocal EELEIMPRESSIONAVA
¥ASNOPARQUEBRINCANDOESEDIVERTINDO  COMAVOZDEGRANDEALCANCE-I-
ELE CHORAVA 3UA ROTINA ERAM ENSAIOS CHAEL NÎO QUERIA MAIS PERTENCER
EXAUSTIVOSPORMUITASHORAS DIARIAMEN- AO CONJUNTO MUSICAL  MAS O PAI
TE  ACOMPANHADOS DE PUNI¥ÜES SEVERAS NÎOPERMITIAPORTERUMCONTRATO
DOPAIPORQUALQUERFALHA4UDOERAMO- ASSINADO ! SITUA¥ÎO lCOU INSU-
TIVO DE GRITOS  AGRESSÎO FÓSICA E CASTIGO  PORTÉVELE APØSINÞMEROSEGRA-
ATÏ UM ATRASO DE  MINUTOS )NCLUSIVE VÓSSIMOS CONmITOS FAMILIARES E
NÎODEIXAVAQUEOSlLHOSOCHAMASSEM JURÓDICOS ELECONSEGUEFAZERUMA
DEPAIESIMDESENHOR*OE RUPTURATOTALPESSOALEPROlSSIO-
!MÎENÎOINTERVINHANAFORMACOM NAL  COM O PAI E EM  INICIA
QUE O PAI CONDUZIA A hEDUCA¥ÎO DOS l- SUACARREIRASOLOCOMODISCOOff   GGGhÔ‚I G
( I G GAG9
LHOSv  POIS TAMBÏM SOFRIA AGRESSÜES POR the Wall. /SUCESSOFOIESTRONDO- quando apareceu com o grupo The Jackson Five ao lado
PARTEDOMARIDO SO!PARTIRDAÓ FOIOMAIORASTRO dos quatro irmãos. Aos poucos Michael passou a ser uma
atração dentro do conjunto.
1UANTO MAIS -ICHAEL FAZIA SUCESSO  DAMÞSICAPOPPORDUASDÏCADAS 
MAISSEUPAIOPUNIAPORQUALQUERCOISA  ACUMULANDO MILHÜES DE FÎS  SU-
MASTODOSAPANHAVAMDECINTOFREQUEN- CESSOSEFORTUNA hUMAETERNACRIAN¥AISOLADA PROBLEMÉTICA 
TEMENTE %LE TAMBÏM DESCREVE QUE NA -ICHAEL *ACKSON  O h2EI DO 0OPv  SE AUTODESTRUTIVA SEMLIMITESEEXCÐNTRICAv
INFÊNCIAVIVEUCOMMEDOTODOOTEMPO  DESTACOU COMO CANTOR  COMPOSITOR  DAN- 1UANDOADULTO COME¥AADEMONSTRAR
ATÏQUANDODORMIA POISSOFRIADETERROR ¥ARINO  COREØGRAFO  PRODUTOR  ARRANJADOR OTRANSTORNODISMØRlCO REALIZAUMASÏRIE
NOTURNOEPESADELOSRECORRENTESDEESTAR MUSICAL lLANTROPO PACIlSTAEEMPRESÉRIO DE TRANSFORMA¥ÜES NO ROSTO  PARA ALTERAR
EMPERIGODEVIDAENÎOCONSEGUIADIZER -ASASMUITASSEQUELASDESUASVIVÐN- SEUS TRA¥OS !LISA O CABELO E ACRESCENTA
ISSO PARA NINGUÏM COM RECEIO DE MAIS CIAS PAIDOMINADOREDESTRUTIVOMÎEMUI- UMAPRØTESECAPILARPARADARVOLUMEECO-
UMAPUNI¥ÎO TORELIGIOSAAFAMAPRECOCEOISOLAMENTO ME¥A A PERDER A COR NEGRA  lCANDO COM
/ COME¥O DA CARREIRA MUSICAL ELE DAS PESSOAS COMUNS A INTENSA SENSIBILI- APELEBRANCA/NARIZCRITICADOPELOPAI 
CRIAN¥A LEVADOPELOPAI FOIEMBOATESDE DADEPOUCOEXTERNALIZADAONÎOMODELO PASSAASERUMAOBSESSÎO REALIZAPELOME-
strippersFEMININASEPALCOSDEPROSTÓBULOS FAMILIARFUNCIONALACARÐNCIAEFRAGILIDADE NOS SEIS CIRURGIAS PARA AlNÉ LO ACABOU
.ESSE CONTEXTO  AS AVENTURAS SEXUAIS DE EMOCIONALAGRANDEDIlCULDADEDASRELA- PERDENDOACARTILAGEM -UDOUOFORMATO
SEUS IRMÎOS O INmUENCIARAM E AFETARAM ¥ÜESFAMILIARES OPOUCOCONTATOCOMUM DOROSTOCOMPRØTESEDEQUEIXOEMAXILAR
SUAVIDAAFETIVA*ÉADULTO -ICHAELREVELOU COTIDIANOSAUDÉVEL TUDOISSOMOLDOUDE- NÎOACEITA¥ÎODESI QUERERSEROUTRO 
QUElNGIAGOSTARDAQUILO MASQUENAVER- FORMOU SUAPERSONALIDADEPARASETORNAR -ASELECONlRMAVAAPENASDUASCIRUR-
DADESESENTIAATERRORIZADOCOMAQUELASSI- GIASDESREALIZA¥ÎO 
TUA¥ÜESEMQUEESTEVEPRESENTEJUNTOCOM !0%3!2$/35#%33/ !SMUITASALTERA¥ÜESNAAPARÐNCIAGE-
SEUPAIEIRMÎOS.ÎOSABIACOMOSECOM- RAVAMESTUDOSDEESPECIALISTAS QUETAM-
PORTARElCAVACONFUSOCOMOQUEPRESEN-
02%-!452/  BÏMACREDITAVAMQUEELETERIASESUBMETI-
CIAVA %NTRAVA EM CONmITOS MORAIS  POIS -)#(!%,$)33% DOAUMTRATAMENTOINTENSIVOELONGOCOM
TEVE UMA FORMA¥ÎO RELIGIOSA RÓGIDA  POR HIDROQUINONA EOU ÉCIDO TRANEXÊMICO
PARTEDAMÎE!OSANOS FOR¥ADOPELOSIR-
15%.!).&ª.#)! PARACLAREARAPELE
MÎOS -ICHAEL INSEGUROETÓMIDO PERDEU &/)3/,)4£2)/% %MENTREVISTAÌAPRESENTADORA/PRAH
AVIRGINDADEEMUMADASBOATESEMQUESE 7INFREY  *ACKSON NEGOU E AlRMOU SOFRER
%842%-!-%.4%
APRESENTAVAMEGANHOUMAISUMTRAUMA DEVITILIGO UMADOEN¥AEMQUEOCORREA
PARACARREGARVIDAAFORA ).&%,):15!.$/ PERDA DA PIGMENTA¥ÎO  E TAMBÏM DE LÞ-
$URANTEAADOLESCÐNCIA SOFREUDEDE- )!!/%34·$)/ PUS AMBASASDOEN¥ASAUTOIMUNES
PRESSÎO PROFUNDA POR NÎO ACEITAR ESTAR %M  CONSTRUIU UM RANCHO QUE
CRESCENDO ENQUANTOSUAPELEPASSAVAPOR '2!6!2%6)!/542!3 CHAMOU DE .EVERLAND  EM HOMENAGEM
UM PERÓODO DE ALTO GRAU DE ACNE 4INHA #2)!.—!3./ ÌHISTØRIADO0ETER0ANQUESERECUSAVAA
MEDODESERADULTOESERCOMOSEUPAIE CRESCER COMUMPARQUEDEDIVERSÎOPAR-
IRMÎOS1UERIAhDEIXARDEEXISTIRv
0!215%"2).#!.$/  TICULARCOMRODA GIGANTE CARROSSEL MON-
/ GRUPO  JÉ FAZENDO MUITO SUCESSO  %,%#(/2!6! TANHA RUSSA CINEMA ZOOLØGICO/CANTOR

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PERlL
DISSEQUEASSIMPODERIACURTIRUMPOUCO
DAINFÊNCIAQUENUNCATEVE
AUTOIMAGEM NEGATIVA
3UAVIDAAMOROSAESEXUALSEMPREFOI
MOTIVO DE ESPECULA¥ÜES #ASOU SE DUAS A s pessoas com transtorno dismórfico corporal (TDC) possuem uma preocupa-
ção excessiva com um ou mais “defeitos ou falhas” em sua aparência física, acre-
ditam parecer feias, sem atrativos, anormais ou deformadas. Esses defeitos, na maioria
VEZES  PRIMEIRO COM ,ISA -ARIE 0RESLEY 
lLHA DO ASTRO %LVIS 0RESLEY DUROU DOIS das vezes, não são perceptíveis para as outras pessoas que as veem. São angustiadas,
ANOS  O SEGUNDO FOI COM A ENFERMEIRA inseguras e descontentes com sua corporalidade de forma geral ou mesmo com uma
DA CLÓNICA DE SEU DERMATOLOGISTA  $EBBIE parte do corpo (o rosto, por exemplo). São preocupadas com a percepção de assi-
2OWE COMQUEMTEVEDOISlLHOS0RINCE metria de áreas corporais e veem qualquer nuance de alteração (milimétrica) como
E0ARISACREDITA SE PORINSEMINA¥ÎOARTI- algo monstruoso e horripilante. Isolam-se, têm vergonha de sua aparência e querem
lCIAL /CASALSESEPAROUAPØSTRÐSANOSE
corrigi-la, cirurgicamente, para ficarem “perfeitas”, porém essa perfeição nunca será
alcançada, já que sempre encontram algo novo a ser corrigido. Desenvolvem o trans-
OCANTORlCOUCOMAGUARDADASCRIAN¥AS
torno obsessivo-compulsivo por cirurgias e procedimentos estéticos. O TDC ocorre
%LETEVEUMTERCEIROlLHO 0RINCE-ICHAEL
para 1,8% a 2,4% da população, geralmente começa na adolescência. Psiquicamente,
*ACKSON)) FRUTODEINSEMINA¥ÎOARTIlCIAL
a pessoa apresenta autoimagem negativa, sensação crônica de abandono e rejeição,
! MÎE DA CRIAN¥A FOI MANTIDA NO ANONI-
não aceitação do que se é (e de sua vida) e sente-se não merecedora de amor.
MATO PROVAVELMENTEUMABARRIGADEALU-
GUEL%SSASSITUA¥ÜESSØlZERAMAUMENTAR
ASESPECULA¥ÜESSOBRESUASEXUALIDADE
-ICHAEL FOI ACUSADO DE PEDOlLIA HO- AS FAMÓLIAS DOS MENINOS 3UA IRMÎ  ,A
MOSSEXUAL ALGUMAS VEZES  POR DIFERENTES 4OYA OACUSOUDESERPEDØlLOEDISSEQUE
MENINOS /S RELATOS  MUITO PARECIDOS  Ï MOSTRARIAPROVASAQUEMPAGASSEMIL
QUETUDOACONTECIANORANCHO.EVERLAND  DØLARES  DEPOIS RECUOU NA ACUSA¥ÎO 0OR-
ONDEELEOSLEVAVAPARABRINCAR TANTO NADAFOIPROVADO MAISBOATOSSUR-
%MDEZEMBRODE -ICHAELRECE- GIAMEASDÞVIDASCONTINUARAM
BEUVÉRIASACUSA¥ÜESFEITASPORUMMENOR %LE ERA HIPOCONDRÓACO  TOMAVA MUI-
DEANOS ASQUEIXASERAMDEPEDOlLIA TOSREMÏDIOSETINHAINCLUSIVEUMMÏDICO
!POLÓCIARESOLVEUVASCULHARAPROPRIEDADE PARTICULAR DESENVOLVEU4/#COMFOBIAÌ
.EVERLANDÌPROCURADEPROVASDEASSÏDIO CONTAMINA¥ÎOPORBACTÏRIASEVÓRUS$OR-
SEXUAL -ICHAEL CHEGOU A APARECER ALGE- MIAEMCAMAHIPERBÉRICAPARANÎOENVE-
MADONADELEGACIA PAGOUUMAlAN¥ADE LHECER0ASSOUOSÞLTIMOSANOSCOMFOBIA
MILHÜESDEDØLARESENÎOFOIDETIDO SOCIAL RECLUSONORANCHO MASSEMPREVI-
4ODAS AS ACUSA¥ÜES FORAM RETIRADAS  GIADOPELAMÓDIA Michael criou um mundo para si, onde era o
PORÏMELEFAZIAACORDOSMILIONÉRIOSCOM 0ORTANTO  -ICHAEL APRESENTAVA COM- menino que nunca pode ser na infância
PROMETIMENTOSPSÓQUICOS SOCIAIS DECON-
DUTAECOMPORTAMENTO CRIOUUMMUNDO UMAGRANDETURNÐESTAVASENDOPREPARADA
/°$/,/4!-"¡- PARA SI  ONDE ERA O MENINO QUE NUNCA EELEANUNCIOUSUAVOLTAAOSPALCOS
$%3#2%6%15%6)6%5 PÙDESERNAINFÊNCIA EQUEERAINADEQUADO 0ORÏM NOPERÓODODOSENSAIOSDATUR-
QUERERSERAGORA POISSEESPERAVADELESER nê This Is ItOCANTOR VISIVELMENTEANSIOSO 
#/--%$/4/$// OADULTOQUEERADEVERIASER  OBSESSIVO E ESTRESSADO  SOFREU UMA PARA-
4%-0/ !4¡15!.$/ 3UASINÞMERASECARASEXCENTRICIDA- DACARDÓACAEMORREUEMSUACASA AOS
DESlZERAMCOMQUESUAFORTUNAACABAS- ANOS EMCONSEQUÐNCIADEUMAOVERDOSE
$/2-)! 0/)33/&2)!
SEEELEFALIU DE0ROPOFOL UMANESTÏSICOQUEELEUSAVA
$%4%22/2./452./ %M EMUMATENTATIVADERETOMAR PARADORMIR5MAPERGUNTASEMPREFOIE
%0%3!$%,/3 OTOPODOSUCESSOEEQUILIBRARASlNAN¥AS  SERÉFEITAQUEMFOI-ICHEL*ACKSON

2%#/22%.4%3$% Anderson Zenidarci é mestre em Psicologia pela PUC-SP, supervisor e


%34!2%-0%2)'/ palestrante. Coordenador e professor do curso de especialização em Transtornos e Patologias
Psíquicas pela Facis, professor de pós-graduação no curso de Psicologia de Saúde Hospitalar
%.§/#/.3%'5)! na PUC-SP. Atua há mais de 30 anos em atendimento clínico em diversos segmentos da
Psicologia, com especial dedicação à psicossomática, transtornos e patologias psíquicas.
350%2!2/0!6/2
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MOMENTO DO LIVRO

A RELÍQUIA
“Ele é o Proust da língua portuguesa”, afirmou
o jornal The New York Times ao se referir a Eça de
Queirós. Assim como o escritor francês, o mais
importante romancista português do século XIX
trabalha sua narrativa a partir da observação das
vidas interior e exterior de seus personagens, sem
perder o olhar crítico dos valores e costumes, da
política e da religião. Com a obra A Relíquia, ele
concorreu ao prêmio D. Luis da Academia Real de
Ciências. Em 1887, época da publicação do livro,
Eça já entendia que seu tempo era consumido
pelas incertezas da inteligência e angustiado pelos
tormentos do dinheiro. Como um verdadeiro
clássico, ele continua atual.
Livro: A Relíquia
Número de páginas: 180
Editora: Lafonte

À venda nas bancas e na loja Escala: www.escala.com.br


em contato

RESILIÊNCIA COMO SAÍDA


Ouço há muito tempo que a depressão é um dos problemas mais frequentes da sociedade
moderna e que será a doença mais prevalente nas próximas décadas no mundo. É realmente
preocupante. Por isso, acho importante abordagens do tipo que a Psique ofereceu aos leito-
res na edição 161. O artigo mostra o avanço da depressão e um dado interessante é que ela
não escolhe determinado grupo social, ou seja, o aumento atinge indistintamente pessoas de
diferentes níveis de renda. O mesmo acontece com nível de escolaridade, etnia e sexo. O im-
portante é buscar saídas para minimizar o problema e, conforme o material da revista, muito
POUCOOUQUASENADAÏINVESTIDOEMPROlLAXIAPRIMÉRIA QUEVISAEVITARODESENVOLVIMENTODE
doenças em pessoas com ou sem fatores de risco evidentes para tal desenvolvimento. Nesse
contexto, a resiliência pode ser importante.
26/06/2019 09:13
Luiz Carlos Bittencourt, por e-mail
NOTÍCIA

TRATAMENTO FALSO PARA CUIDADOS PALIATIVOS


AUTISMO TRAZ AMEAÇAS Saudações ao pessoal da Psique. Uma das coisas mais difíceis de lidar na vida
À SAÚDE DE CRIANÇAS é com a morte. O tema, por si só, provoca, além do medo, uma curiosidade que
nunca será satisfeita, pois, af inal, estamos diante do desconhecido. Para a Psi-
A chamada “solução mineral mi- canálise, isso acontece porque as experiências vividas pelo ser humano, “desde
lagrosa” (MMS, em inglês) ganha
a vida intrauterina, deixam traços, marcas profundas que serão reativadas no
espaço a cada dia como se fosse um
decorrer do tempo, quando nos depararmos com situações semelhantes àquelas
TRATAMENTOElCIENTEPARAOAUTISMO
já vividas”, diz o artigo da edição 161 da revista. No entanto, é indiscutível que
No entanto, especialistas alertam
para o perigo que o produto oferece uma das maiores dores emocionais do ser humano é a perda de alguém amado,
para as crianças. O MMS é o dió- e o processo de lidar com isso é doloroso e longo. Entretanto, a revista alerta
xido de cloro, substância corrosiva que de algum tempo para cá surgiram intervenções médicas que ajudam na hu-
usada industrialmente e que não é manização do processo da morte. Por isso é importante entender o que são os
aconselhada para consumo. A dra. cuidados paliativos.
Joana Portolese, coordenadora da Tatiana dos Santos, por e-mail
EQUIPEMULTIPROlSSIONALDOAMBULA
tório do Programa de Transtornos VIOLÊNCIA NA ESCOLA
do Espectro Autista do Instituto de Cada vez me convenço mais que o universo da Psicologia é tão amplo que pode
Psiquiatria da USP (Protea), revela
SERVIR PARA FAZER ANÉLISES DE TODOS OS FENÙMENOS SOCIAIS .ESSE CASO ESPECÓlCO
que as principais consequências da
A QUE ME RElRO FOI O TEMA ESCOLHIDO PELA REVISTA PARA A ENTREVISTA PRINCIPAL QUE
ingestão do produto são vômito,
foi publicada no número 161. Trata-se
diarreia, irritação e lesão das muco-
sas. É bom destacar que o autismo
de uma tendência que assusta a todos,
é crônico, ou seja, não existe cura. ESPECIALMENTE QUEM TEM lLHOS EM
O mais indicado é um tratamento idade colegial: a violência no ambien-
MULTIPROlSSIONAL COMATEN¥ÎOPARA te escolar. Esse lugar tem vivenciado
as diferentes áreas do desenvolvi- um momento crítico, que vem se in-
mento do paciente, segundo a dra. TENSIlCANDO A CADA DIA !S INSTITUI
Mirian Revers, médica ligada ao ções de ensino, que deveriam ser ape-
Protea. O programa, iniciativa do nas um espaço de aprendizado e troca
Instituto de Psiquiatria da USP, é de informações, se transformaram em
coordenado pela dra. Helena Bren- um lugar de agressões físicas, verbais
tani. O ambulatório tem o intuito
e de vandalismo. A psicanalista Jane
de diagnosticar casos que possam
Patrícia Haddad faz uma excelente
se enquadrar no espectro autista e
explanação sobre o tema e responde
orientar pais a respeito de tratamen-
tos adequados. algumas questões fundamentais para
Fonte: Jornal da USP e Rádio USP tentar entender os motivos disso.
Adriana dos Santos, por e-mail

80 psique ciência&vida
PSIQUE CIÊNCIA & VIDA é uma publicação mensal da EBR _
Empresa Brasil de Revistas Ltda. ISSN 1809-0796. A publicação não

LINHA DIRETA se responsabiliza por conceitos emitidos em artigos assinados ou


por qualquer conteúdo publicitário e comercial, sendo esse último
de inteira responsabilidade dos anunciantes.
1UALQUERMUDAN¥ANOManual Diagnóstico e ANO 12 - EDIÇÃO 162
Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), refe- um pouco os critérios. Frances calculava
DIRETORA EDITORIAL
rência mundial da Psiquiatria, pode tirar mi- que a incidência de casos fosse aumentar de Ethel Santaella

LHÜESDEPESSOASDOCAMPODANORMALIDADE forma discreta. Mas os ajustes somaram-se a


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Consciente disso, o psiquiatra americano UMACOMBINA¥ÎODEFATORESSOCIAISECULTU GRANDES, MÉDIAS E PEQUENAS AGÊNCIAS E DIRETOS
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Allen Frances, líder da equipe que elaborou RAISQUEAINDÞSTRIAFARMACÐUTICANÎODEIXOU
REPRESENTANTES Interior de São Paulo: L&M Editoração,
A REDA¥ÎO DA QUARTA EDI¥ÎO  RECUSOU PRATI escapar. E o índice de diagnósticos disparou Luciene Dias – Rio de Janeiro: Marca XXI, Carla Torres, Marta
Pimentel – Santa Catarina: Artur Tavares – Regional Brasília:
CAMENTE TODAS AS SUGESTÜES DE TRANSTORNOS no mundo. Entrevista completa com ele, pu- Solução Publicidade, Beth Araújo.

a serem incluídos no manual. Mas com re- BLICADANAEDI¥ÎO PODESERCONFERIDANO


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! !SSOCIA¥ÎO "RASILEIRA DE 0SIQUIATRIA !"0  tro, Rio de Janeiro. Alguns temas selecionados:
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ESTÉ ORGANIZANDO O  "RAZILIAN *OURNAL OF neuroimagem em Psiquiatria; neurobiologia do Gráfica Oceano, com emissão zero de fumaça, tratamento de
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Psiquiatria contemporânea. O objetivo é ofere- Nardi, Geraldo Busatto, Humberto Correa, AGOSTO 2019
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ALIZA¥ÎOEABORDAGENSTERAPÐUTICASINOVADORAS 7AINBERGE:AINAB3AMAAN)NFORMA¥ÜESEINS EDITORA: Gláucia Viola
EDIÇÃO DE ARTE E DIAGRAMAÇÃO: Monique Bruno Elias
em diversos transtornos mentais. O evento será CRI¥ÜES HTTPSABPBRASILMEDBRSYMPOSIUM COLABORARAM NESTA EDIÇÃO: Daniel Lascani; Deborah
realizado nos dias 7 e 8 de outubro no Riocen- php. Fonte: Associação Brasileira de Psiquiatria Souza; Ederaldo José Lopes; Elaine Guadanucci Llaguno;
Lucas Vasques Peña; Renata Ferrarez Fernandes Lopes;
Wilson Vieira Melo. REVISÃO: Jussara Lopes. COLUNISTAS:
Anderson Zenidarci; Carlos São Paulo; Denise Deschamps;
Dayse Serra; Eduardo J. S. Honorato; Elaine Cristina Siervo;
CONSELHO EDITORIAL Flora Victoria; Guido Arturo Palomba; João Oliveira; Júlio
Furtado; Marco Callegaro; Maria Inere Maluf; Michele Muller;
AICIL FRANCO é psicóloga, mestre e doutora em Psicologia KARIN DE PAULA, psicanalista, doutora pela PUC-SP, professora Nicolau José Maluf Jr.; Renata Bento. O Conselho Editorial
Clínica pela USP. Professora no IJBA e na Escola Bahiana de e supervisora clínica universitária e do CEP, autora do livro e a Redação não se responsabilizam pelos artigos e colunas
Medicina e Saúde Pública, Salvador, BA. $em? Sobre a Inclusão e o Manejo do Dinheiro numa Psicanálise, e assinados por especialistas e suas opiniões neles expressas.
de vários outros artigos publicados.
ANA MARIA FEIJOO é doutora em Psicologia pela Universidade
&EDERALDO2IODE*ANEIRO AUTORADELIVROSEARTIGOSCIENTÓlCOS  LILIAN GRAZIANO é psicóloga e doutora em Psicologia pela USP,
parecerista de diversas revistas e responsável técnica do COMPØS GRADUA¥ÎOEM0SICOTERAPIA#OGNITIVA#ONSTRUTIVISTA FALE CONOSCO
Instituto de Psicologia Fenomenológico-Existencial do RJ. É professora universitária e diretora do Instituto de Psicologia
DIRETO COM A REDAÇÃO
Positiva e Comportamento. Atua em clínica e consultoria.
ANA MARIA SERRA é PhD em Psicologia e terapeuta cognitiva psique@escala.com.br
pelo Institute of Psychiatry, Universidade de Londres. Diretora LILIANA LIVIANO WAHBA, psicóloga, PhD, professora da PUC-
do Instituto de Terapia Cognitiva (ITC), atua em clínica, faz SP. Presidente da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica. PARA ANUNCIAR
treinamento, consultoria e pesquisa. Presidente honorária, ex- anunciar@escala.com.br
Coeditora da Revista Junguiana. Diretora de Psicologia da Ser
presidente e fundadora da ABPC. SÃO PAULO: (11) 3855-2100
em Cena - Teatro para Afásicos.
SP/CAMPINAS: (19) 98132-6565
ANDRÉ FRAZÃO HELENE é biólogo, mestre e doutor em MARISTELA VENDRAMEL FERREIRA é doutora em Audiologia SP/RIBEIRÃO PRETO: (16) 3667-1800
#IÐNCIASNAÉREADE.EUROlSIOLOGIADA-EMØRIAE!TEN¥ÎO pela University of Southampton – Inglaterra, mestre em RJ: (21) 2224-0095
PELA5NIVERSIDADEDE3ÎO0AULO ONDETAMBÏMÏPROFESSORNO $ISTÞRBIOSDA#OMUNICA¥ÎOPELA05# 30 ESPECIALISTAEM RS: (51) 3249-9368
curso de Biociência e coordena o Laboratório de Ciências da Psicoterapia Psicanalítica pelo Instituto de Psicologia da USP. BRASÍLIA: (61) 3226-2218
#OGNI¥ÎONO)NSTITUTODE"IOCIÐNCIAS SC: (47) 3041-3323
MÔNICA GIACOMINI, presidente da Sociedade Brasileira de
CLÁUDIO VITAL DE LIMA FERREIRA é psicólogo, Psicologia Hospitalar – biênio 2007/09. Especialista em ASSINE NOSSAS REVISTAS
IMAGENS: SHUTTERSTOCK E 123RF/ARQUIVO CIÊNCIA E VIDA

doutor em Saúde Mental pela Unicamp, pós-doutorado em Psicologia Hospitalar, psicóloga clínica junguiana, psicóloga www.assineescala.com.br / (11) 3855-2117
Saúde Mental pela Universidade de Barcelona-Espanha, do Instituto de Ortopedia e Traumatologia do HCFMUSP e
professor associado de Psicologia da Universidade Federal de supervisora titular do Aprimoramento em Psicologia Hospitalar VENDA AVULSA REVISTAS E LIVROS
Uberlândia. Autor de Aids e Exclusão Social. em Ortopedia. (11) 3855-1000

DENISE TARDELI GRADUA¥ÎOEM0SICOLOGIAE0EDAGOGIA PAULA MANTOVANI é graduada em Psicologia pela Universidade ATACADO REVISTAS E LIVROS
-ESTRADOEM%DUCA¥ÎOEDOUTORADOEM0SICOLOGIA%SCOLARE Paulista, psicanalista, consultora editorial do programa de (11) 3855-2275 / 3855-1905
do Desenvolvimento Humano, ambos pela USP. Pesquisadora ENTREVISTASDA&.!#EMEMBROCORRESPONDENTEDO%SPA¥O atacado@escala.com.br
na área da Psicologia Moral e Evolutiva. Professora Moebius de Psicanálise de Salvador (BA).
universitária. LOJA ESCALA
PEDRO F. BENDASSOLLI é editor da GV Executivo, psicólogo Confira as ofertas de livros e revistas
DENISE GIMENEZ RAMOS é coordenadora do Programa de graduado pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e www.escala.com.br
Estudos Pós-Graduados da PUC-SP e membro da Sociedade doutor em Psicologia Social pela USP. É também professor da
Brasileira de Psicologia Analítica. &UNDA¥ÎO'ETULIO6ARGASEDA%30- ATENDIMENTO AO LEITOR
De seg. a sex., das 9h às 18h. (11) 3855-1000
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DOAR para GANHAR


EMBORA HAJA LEIS QUE RESTRINJAM O USO DE BICHOS
VIVOS PARA TESTES, AINDA SÃO CORRIQUEIROS, ATÉ NA
ÁREA DA PSICOLOGIA COMPORTAMENTAL, INCLUINDO
PRIVAÇÃO DE PROTEÇÃO MATERNA E INFLIÇÃO DE DOR

D
IZEM QUE AS PESQUISAS EM ANI- manas, nos livros históricos, no cinema e vida em laboratório é horrível, equivale
MAISSÎONECESSÉRIASSOBAJUS- nos quadros, desde os tempos d’antanho à de um ser humano dentro de hospital,
TIlCATIVA DE QUE FUTURAMENTE ATÏHOJE UMAVEZQUENÎOEXISTECÎOBEM CONlNADO  PRIVADO DE TUDO  CUJA ÞNICA
farão bem para os humanos. tratado que não se afeiçoe ao seu tratador mudança em sua rotina angustiante é tão
Porém, na vida tudo tem limite, a co- e vice-versa, lembrando o lugar comum somente por conta de algum novo proto-
meçar por ela mesma. segundo o qual o melhor amigo do ho- colo ou experimento. Seguem na linha de
Então vem a pergunta: quais irracio- MEM Ï O CÎO  NÎO SENDO EXAGERO DIZER que isso pode causar sofrimento enorme,
nais podem ou não ser usados em pesqui- que o melhor amigo do cão é o homem. por isolamento longo, choques, privação
sas? A questão, para os moderados que Recorde-se que alguns cientistas en- DECOMIDAEÉGUA SEPARA¥ÎODElLHOTES
ACEITAM A PESQUISA  RESOLVE SE CASO SEJA tendem que cães e gatos são indispen- de suas mães e acabam não sobrevivendo
aplicado o princípio da sincronicidade sáveis para testar drogas e outros expe- ou, se vivos permanecerem, a maioria é
AFETIVA/USEJASERATOFORAFETIVOAOHO- rimentos, pois são seres bem superiores MORTAAPØSOlMDOEXPERIMENTO
mem e vice-versa, não poderá ser usado, aos, por exemplo, ratos e cobaias. De A verdade é que existem outros mé-
tal qual, por igual motivo, a cobra, a rã, o outra banda, há quem argumente que, TODOSALTERNATIVOS SEGUROSEElCAZES QUE
peixe e a aranha, se afetivos ao homem e mesmo sendo o cão e o gato insubstituí- poderiam substituir perfeitamente essas
vice-versa, não deveriam ser usados nos veis, a maldade que disso resultará não práticas condenáveis.
EXPERIMENTOS CIENTÓlCOS !CRESCENTAM JUSTIlCAAATITUDE Para nós, aqueles que trabalham com
os moderados que, assim como o homem E existem também os que são absolu- animais em experimentos são, no mí-
repele a cobra que o ataca, achega-se ao tamente contrários a toda e qualquer for- nimo, insensíveis ao sofrimento alheio.
CÎOQUELHEÏlEL EISSOTEMREGISTRONOS MADEUSODEANIMAIS SEJAMQUAISFOREM  !DEMAIS  A JUSTIlCATIVA DE QUE AS hCO-
JARROS EGÓPCIOS  NAS ESCULTURAS GRECO RO- para a vivissecção. Argumentam que a baias” (independentemente de quais fo-
REM ESTARIAMCONTRIBUINDOPARAOhBEM
DAHUMANIDADEvÏJUSTIlCATIVASIMPLØRIAE
parece estar aquém da complexidade que
o tema requer, pois o bem é uma qualida-
de universal e o seu contrário (o mal) so-
mente existe como privação daquela con-
dição. Assim, consequentemente, aquele
argumento não se sustenta por si só. Em
OUTRAS PALAVRAS  NINGUÏM PODE SER FELIZ
DIANTEDADESGRA¥ADOPRØXIMO SEJAESTE
ARQUIVO PESSOAL/ROVENA ROSA/AGÊNCIA BRASIL

um animal racional ou não.

Guido Arturo Palomba


é psiquiatra forense e
membro emérito da
Academia de Medicina
de São Paulo.

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