Você está na página 1de 10

TEA - AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM

CAPÍTULO 6:
TEA - AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM

“ Existem diferenças individuais no desenvolvi-


mento da linguagem, tanto nos períodos em que
determinadas características devem aparecer
quanto na velocidade e na qualidade dessa lin-
guagem. Esses fatores estão relacionados a capa-
cidades internas de cada indivíduo e ao ambiente,
que deve ser rico em estímulos e possibilitar di-
versas experiências. A linguagem mostra-se por
uma clara ligação entre gestos, palavra, sintaxe
e a intenção comunicativa ou o desejo e o querer
transmitir a uma ou a várias pessoas uma men-
sagem para que a mesma seja retribuída

(SCHEUER, 2002)

– 56 –
U N ID A D E 3: TEA E A AQUISIÇÃO DA LI NGUAGEM
TEA - AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM

Muitas vezes, as crianças parecem compreender tudo o que


ouvem, mas estudos sobre o desenvolvimento da linguagem mos-
tram que o ambiente ou o lugar onde a linguagem está sendo pro-
duzida facilita a compreensão. Por outro lado, na ausência desse
ambiente (rico de objetos com os quais a criança experien-
cia seu mundo e amplia seus conhecimentos), a compre-
ensão da linguagem por si só se torna muito difícil ou limitada.
No início, a criança compreende poucos elementos de uma frase
e somente parece compreendê-los porque se apóia no que vê ou
manipula no ambiente, bem como porque quando o outro fala ne-
cessita vê-lo, observar seus movimentos, gestos, expressões faciais,
analisar a entonação da fala e relacionar todos esses aspectos ao
lugar em que o discurso está sendo produzido.
Segundo Scheuer (2002), na verdade não se sabe com exati-
dão o quanto a criança pequena compreende, mas sabe-se bem que
ela adquire linguagem por meio de uma série de estratégias não-
-linguísticas ou contextuais que facilitam esse processo, o que pode
ser verificado no tipo de respostas que dá às solicitações de seus
pais. Tais perguntas, quando diretas (o quê?), são mais facilmen-
te compreendidas e, consequentemente, respondidas por meio de
ações ou da linguagem. Por outro lado, perguntas indiretas (de
quem?) ou que envolvem outras relações são de difícil compreen-
são. No entanto, as respostas das crianças devem tornar-se diversi-
ficadas e mais complexas na medida em que ampliam o significado
que atribuem ao mundo que as cerca e do qual fazem parte.
Sem dúvida, desenvolver linguagem é mais do que falar. É
ser um interlocutor ativo nas diferentes relações sociais, e isso
quer dizer que a linguagem deve comunicar sobre o que o indiví-
duo deseja, quer, conhece, sente etc. Essa linguagem também deve
refletir que o indíviduo compreendeu o sentido nela implicado,
mas nem sempre explicitado. Ou melhor, as intenções, os desejos,
– 57 –
U N ID A D E 3: TEA E A AQUISIÇÃO DA LI NGUAGEM
TEA - AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM

as vontades, as necessidades dos outros devem ser interpretadas


para que a criança possa interatuar (SCHEUER, 2002).
Por meio da comparação com outras crianças de mesma ida-
de ou com filhos mais velhos que já passaram pela mesma fase ou
período, os pais (ou professores/cuidadores), normalmente,
são os primeiros a identificar regressos, atrasos ou ausência de de-
senvolvimento da linguagem.
No que diz respeito às crianças com transtornos invasivos do
desenvolvimento, constata-se que apresentam problemas para fa-
zer de sua comunicação um instrumento eficiente para dizer sobre
suas necessidades, desejos e vontades (SCHEUER, 2002).
No caso de crianças diagnosticadas com TEA, durante o de-
senvolvimento da linguagem, formas não verbais de comunicação
(gestos, expressões faciais, olhar, etc.) ficam comprometi-
das, e, consequentemente, elas não produzem as primeiras pala-
vras oralmente no período de tempo em que deveria ocorrer ou, até
mesmo, em tempo algum.
Chama-nos à atenção os resultados obtidos pela pesquisa
realizada na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
(FFLCH) pela fonoaudióloga Cibelle Alburquerque de la Hi-
guera Amato:

A fonoaudióloga relacionou a função da comunica-


ção ao desenvolvimento sociocognitivo de 45 crianças
normais de zero a 36 meses (divididas em dois gru-
pos com 39 e 6 participantes cada) e de 20 autistas
com diagnósticos estabelecidos por psiquiatras. A inten-
ção do estudo foi caracterizar a função da comunicação
e o desempenho sociocognitivo, assim como comparar e

– 58 –
U N ID A D E 3: TEA E A AQUISIÇÃO DA LI NGUAGEM
TEA - AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM

identificar elementos comuns ou paralelos entre crianças


normais e autistas.
Durante os 36 meses de filmagens trimestrais, o com-
portamento das mães de crianças normais tornou-se cada
vez mais natural, por terem se familiarizado com as gra-
vações. Quanto às atividades escolhidas por elas para
serem realizadas durante os 30 minutos de gravação, as
mães que conversavam e interagiam muito com seus fi-
lhos buscavam fazê-lo por jogos e brincadeiras; em con-
trapartida, quando a mãe apenas se dispunha a ficar com
a criança durante as filmagens, escolhia atividades como
banho, comida ou trocas de fraldas.
A resposta aos estímulos demonstrou que as crianças
normais cujas mães estavam mais presentes brincavam
mais. Nos casos de uma maior ausência diária da mãe,
a criança preferia brincar sozinha e, apesar de querer
um contato físico com ela, não estabelecia brincadeira.
“Tanto em um caso quanto no outro, entretanto, pode-se
perceber que a mãe consegue estabelecer uma comunica-
ção mais rica por entender o que a criança quer”, rela-
ta a pesquisadora.
As mães puderam fazer escolhas a respeito das
atividades que realizariam trazendo naturalidade
para o processo.
Nas filmagens realizadas com crianças autistas, a pre-
ocupação das mães se concentrou no bom comportamento
do filho e nos brinquedos ou jogos que haviam levado para
a sala de gravação. Por sua vez, as crianças limitavam-se
a brincar com o material levado pela mãe possivelmen-
te por não ser conhecido por elas. “As crianças autistas,

– 59 –
U N ID A D E 3: TEA E A AQUISIÇÃO DA LI NGUAGEM
TEA - AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM

reflete a pesquisadora, agiram como bebês de 4 meses, as-


sim como as mães que podem ter se adaptado para agir
de acordo com as necessidades do filho”.
A partir dos dados coletados, a fonoaudióloga concluiu
que não se pode falar em um atraso de linguagem em
crianças autistas. O que ocorre são percursos diferentes
no desenvolvimento da linguagem desde o início. Bebês
normais diminuem a vocalização, continuam a usar ges-
tos, aumentam a verbalização e a interatividade. Crian-
ças autistas continuam a utilizar gestos porque necessi-
tam deles para se comunicar e mantém a interatividade
sempre baixa (MONTEIRO, 2011).

A partir desses resultados, é necessário lembrarmos do que


Lacan diz sobre a fase do espelho e o Outro primordial (mãe): a
criança somente entrará na fase do espelho se houver, num pri-
meiro momento, o olhar do Outro primordial. O não olhar des-
se Outro – e um consequente fracasso na instauração da fase do
espelho – acarretará, segundo a perspectiva lacaniana, na melhor
das hipóteses, dificuldades da criança no nível da relação especular
com o outro, ou poderá desembocar em algo infinitamente mais
grave, como uma síndrome autística. Ou seja, a linguagem/inte-
ração/comunicação se sustenta e se amplia/desenvolve na relação
com o Outro.
A necessidade de nos comunicarmos está baseada na neces-
sidade de interação. As crianças autistas precisam ser estimuladas
a se comunicarem e a participarem de um processo de interação,
fazendo uso, assim, da linguagem verbal ou não verbal. O Outro
primordial precisa também garantir que a comunicação ocorra,
enriquecendo a conversa e procurando compreender, dar sentido
ao que a criança está propondo.
– 60 –
U N ID A D E 3: TEA E A AQUISIÇÃO DA LI NGUAGEM
TEA - AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM

Numa conferência em Caracas, Lacan (1988) confronta-se


com a seguinte indagação de Lagache: “Como o Sr. vê a questão
da criança autista?”. Lacan responde: “Não tenho experiência
com a criança autista, mas, em algum lugar, a língua aconteceu
nessa criança” (p. 4). Então, cabe aos especialistas e estudiosos
compreender este lugar e estimular a linguagem dessas crianças
guiando e também se deixando guiar para que a verdadeira intera-
ção aconteça.

– 61 –
 EXERCÍCIOS PROPOSTOS - UNIDADE 3

1) A definição de linguagem como ferramenta, espelho, lugar, foi proposta por:

(a) Lacan.
(b) Saussure.
(c) Louis Hjelmslev.
(d) Franchi.
(e) Joseph Jaworski.

2) Considere as seguintes afirmações:


I) A partir dos dois anos de idade, a criança passa a diferenciar perguntas de
não-perguntas e também passa a ajustar suas respostas.
II) Crianças negligenciadas ou severamente institucionalizadas não apren-
dem a falar.
III) As repetições, nos autistas, apresentavam um caráter rígido e
estereotipado.
Quais alternativas são verdadeiras:
(a) I e II apenas.
(b) II e III apenas.
(c) I apenas.
(d) I, II e III.
(e) III apenas.

3) Para Albano (1990), a criança depende de quatro condições básicas e


imprescindíveis para o desenvolvimento da linguagem, exceto:

(a) a presença de um interesse subjetivo na criança, isto é, uma dis-


posição de brincar. Crianças embrutecidas ou emocionalmente
desorganizadas não aprendem a falar.
(b) a existência de pelo menos um sistema sensório-motor íntegro.

62
EX ER C ÍC IO S PROPOSTOS - UNI DADE 3
(c) a inserção em um meio onde a linguagem faça parte de rotinas
significativas.
(d) a presença de uma língua minimamente autorreferenciada que
contenha alguns mecanismos gramaticais.
(e) a existência de pelo menos dois sistemas sensório-motor
íntegros.

4) Forma de afasia em que o paciente repete mecanicamente palavras ou


frases que ouve. Essa definição refere-se a(o):

(a) Distúrbio da fala.


(b) Ecolalia.
(c) Atraso na fala.
(d) Gagueira.
(e) Desordem de pensamento.

5) Como o autista tem grave alteração de comunicação, mais especifica-


mente no desenvolvimento da linguagem, um especialista que é impres-
cindível para o tratamento precoce dessa criança é o:

(a) Psicólogo.
(b) Neurologista.
(c) Fonoaudiólogo.
(d) Psiquiatra.
(e) Pediatra.

6) Existem diferenças individuais no desenvolvimento da linguagem, tanto


nos períodos em que determinadas características devem aparecer quan-
to na velocidade e na qualidade dessa linguagem. Esses fatores estão
relacionados:

(a) a capacidades externas de cada indivíduo e ao ambiente.


(b) a incapacidades internas de cada indivíduo e ao ambiente.
(c) a capacidades internas de cada indivíduo e ao clima.
(d) a capacidades internas de cada indivíduo e ao ambiente.
(e) a incapacidades externas de cada indivíduo e ao ambiente.

63
EX ER C ÍC IO S PROPOSTOS - UNI DADE 3
7) No caso da criança diagnosticada com TEA, durante o desenvolvimento
da linguagem, formas não verbais de comunicação não ocorrem. São
elas, exceto:

(a) Expressões faciais.


(b) Gestos.
(c) Apontar para um determinado objeto.
(d) Olhar.
(e) Formular frases.

8) Analise as afirmações a seguir:


I) Os pais (ou professores/cuidadores), normalmente, são os primeiros a
identificar que há algo de errado no desenvolvimento da linguagem.
II) Crianças com transtornos invasivos do desenvolvimento apresentam
problemas para fazer de sua comunicação um instrumento eficiente.
III) Crianças com transtornos invasivos do desenvolvimento não apresen-
tam problemas para fazer de sua comunicação um instrumento eficiente.
Quais alternativas são verdadeiras:
(a) I apenas.
(b) II apenas.
(c) III apenas.
(d) I e II apenas.
(e) Todas são verdadeiras.

9) “Não tenho experiência com a criança autista, mas, em algum lugar, a


língua aconteceu nessa criança”. Quem disse essa frase?

(a) Lagache.
(b) Lacan.
(c) Gaiato.
(d) Scheuer.
(e) Monteiro.

64
EX ER C ÍC IO S PROPOSTOS - UNI DADE 3
10) As crianças autistas precisam ser estimuladas a se comunicarem e a par-
ticiparem de um processo de interação, fazendo, assim, uso da lingua-
gem verbal ou não verbal.

(a) O outro primordial precisa também garantir que a comunicação


ocorra, enriquecendo a conversa e procurando compreender,
dar sentido ao que a criança está propondo.
(b) O outro primordial precisa garantir que a comunicação ocorra,
enriquecendo a conversa e procurando fazer-se compreender.
(c) O outro primordial não precisa garantir que a comunicação
ocorra, isto é tarefa da criança que precisa ser forçada a falar.
(d) O primordial (criança autista) precisa também garantir que a
comunicação ocorra, procurando compreender o outro dando
sentido à sua linguagem.
(e) O outro primordial precisa também garantir que a comunicação
ocorra, enriquecendo a conversa e procurando compreender,
mas evitando a linguagem não verbal.

65

Você também pode gostar