Você está na página 1de 8

DIAGNÓSTICO PRECOCE: RELATO DE CASO

UNIDADE 3:
TEA E A AQUISIÇÃO
DA LINGUAGEM
Caro(a) Aluno(a)
Seja bem-vindo(a)!
Nesta unidade, estudaremos a aquisição da linguagem na
criança com TEA. O linguista francês Louis Hjelmslev, ao falar so-
bre a linguagem, caracteriza-a como uma ferramenta, um espelho,
um lugar. Ferramenta por ser veículo de comunicação; espelho por
refletir e traduzir o ser humano que se revela pela linguagem que
utiliza; lugar porque reflete a pessoa no meio físico-social onde
vive. O escritor Joseph Jaworski diz que “é através da linguagem
que criamos o mundo, porque ele não é nada até o descrevermos”.
Quando o descrevemos, criamos distinções que governam as nossas
ações. A linguagem não descreve o mundo que vemos, mas vemos
o mundo que descrevemos. Isto posto, percebemos a importância
da linguagem para o ser humano e como o seu desenvolvimento e
interação dependem dela. Já estudamos a existência da linguagem
verbal e não verbal, que podem ser usadas de modo isolado ou de
maneira concomitante a fim de se complementarem.
Contudo, as crianças diagnosticadas com Transtorno do Espectro do
Autismo apresentam aspectos não usuais das habilidades de comunica-
ção, o que pode trazer implicações para o seu desenvolvimento pleno.

– 48 –
Conteúdos da Unidade
Acompanhe os conteúdos desta unidade. Se preferir, vá assi-
nalando os assuntos à medida que for estudando.

9 TEA: Aquisição da Linguagem – conceitos iniciais;


9 TEA - Aquisição da linguagem.

Bons estudos!!!
– 49 –
TEA: AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM – CONCEITOS INICIAIS

CAPÍTULO 5:
TEA: AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM
– CONCEITOS INICIAIS

“ Para Geraldi (1995), a linguagem é funda-


mental para o desenvolvimento humano. Ela
permite aos sujeitos compreenderem o mundo e
nele agir, e desta maneira é a forma mais usual
de encontros, desencontros e confrontos de posi-
ções, porque é por ela que estas posições se tor-
nam públicas. A linguagem é, assim, dialógica
por natureza; é vista como ação, como um traba-
lho do sujeito sobre a língua visando à significa-
ção. Através do processo de aquisição, a criança
se constitui como sujeito da linguagem e, ao mes-
mo tempo, constrói o seu conhecimento de mundo
sempre por intermédio do outro

(DELFRATE et al., 2009)

– 50 –
U N ID A D E 3: TEA E A AQUISIÇÃO DA LI NGUAGEM
TEA: AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM – CONCEITOS INICIAIS

Nesse contexto, vale ressaltar os comentários de Franchi


(1976) sobre a aquisição da linguagem. Para o autor, adquirir a
fala significa muito mais do que adquirir um conjunto de regras.
Quando se aprende a falar, não se adquire apenas um conjunto
de “funções”, modos e características de expressá-las, nem isso
ocorre em consequência do exercício de diferentes atos efetivos de
linguagem ou de assimilação de convenções e do domínio de um
formulário de policiamento da prática “comunicativa”. Aprender a
falar é também dominar e desenvolver sistemas de regras formais
recursivas (DELFRATE et al., 2009).
Rêgo e Carvalho trazem em seu texto a perspectiva estrutu-
ralista-lacaniana sobre a linguagem que vem subverter essa con-
cepção, introduzindo, no campo de estudos da linguagem, o sujeito
do inconsciente, destruindo a noção de sujeito da filosofia clássica,
reflexivo, psicológico, que tem controle sobre si e sobre o mundo.
O indivíduo não usa a língua como instrumento, mas é assujeitado
por ela, deixando-se muitas vezes surpreender pelos chistes, atos
falhos e lapsos. Nessa perspectiva, o inconsciente é estruturado
como linguagem, ou seja, “o inconsciente é, no fundo dele, estrutu-
rado, tramado, encadeado, tecido de linguagem” (Lacan, 1986,
p. 139).
De qualquer modo, a linguagem tem papel importante na so-
ciedade e para o ser humano.
Para Albano (1990), a criança depende de quatro condições
básicas e imprescindíveis para o desenvolvimento da linguagem. A
primeira seria a presença de um interesse subjetivo, isto é, uma dis-
posição para brincar. Crianças embrutecidas ou emocionalmente
desorganizadas não aprendem a falar. A segunda seria a existência
de pelo menos um sistema sensório-motor íntegro (audiovisual
ou visomanual). A terceira seria a inserção em um meio onde a

– 51 –
U N ID A D E 3: TEA E A AQUISIÇÃO DA LI NGUAGEM
TEA: AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM – CONCEITOS INICIAIS

linguagem faça parte de rotinas significativas. Crianças negligen-


ciadas ou severamente institucionalizadas não aprendem a falar.
A quarta e última condição seria a presença de uma língua mini-
mamente autorreferenciada que contenha alguns mecanismos gra-
maticais, sinalizando a própria organização para que a descoberta
da sua estrutura possa se proceder eficientemente, seguindo uma
direção mais ou menos determinada. Dessa forma, direcionando
a discussão para o autismo, a criança autista não teria a primeira
condição: interesse subjetivo em interagir com o outro.
Para Fernandes (2006), a partir dos dois anos de idade, a
criança passa a diferenciar perguntas de não-perguntas e também
passa a ajustar suas respostas. Essa participação nas trocas verbais
requer habilidades conversacionais básicas, como capacidade de
iniciar, interagir, responder apropriadamente e manter a interação
(DELFRATE et al., 2009).
Delfrate (2009) relembra um sintoma da síndrome autís-
tica: a dificuldade de interação, descrita na literatura desde o seu
descobrimento por Kanner, em 1947. As crianças com autismo es-
tudadas pelo autor apresentavam falha no contato afetivo, obsessi-
vidade na manutenção da rotina e movimentos repetitivos, sendo
que algumas delas não desenvolviam a fala e, as que o faziam, não
apresentavam intenção de se comunicar.
Kanner acreditava que o afastamento social estaria conecta-
do à impossibilidade da criança desenvolver a linguagem de ma-
neira funcional, uma vez que aprendiam as palavras, mas não se
apropriavam dos conceitos.
Segundo Carvalho e Avelar (2002), nos autistas, as produções
que causam o efeito de estranhamento seriam, sobretudo, as repe-
tições - imediatas ou diferidas - da fala do outro. Essas repetições
apresentam uma natureza ecolálica. Por sua vez, as ecolalias levaram

– 52 –
U N ID A D E 3: TEA E A AQUISIÇÃO DA LI NGUAGEM
TEA: AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM – CONCEITOS INICIAIS

Kanner (1943/1997) a afirmar que o autista, de forma imediata ou


diferida, reproduz, como um papagaio, tudo aquilo que é dito.
Ainda no que se refere à linguagem no autismo, vários autores
(LASNIK-PENOT, 1997, entre outros) observaram que as re-
petições apresentavam um caráter rígido e estereotipado, o que não
acontece com crianças que não apresentam esse distúrbio do funcio-
namento psíquico. Segundo Lasnik-Penot (1997), tais verbalizações
dos autistas não poderiam, portanto, ser chamadas de repetições, no
sentido metapsicológico do termo, uma vez que elas têm a tendência
de se tornar estereotipias (RÊGO; CARVALHO, 2006).
Para a referida autora, “essas repetições consistem num es-
vaziamento do ato, de tudo o que é de um valor pré-simbólico,
restando apenas o vestígio de um trabalho humano que apenas
começou a acontecer” (p.16). Portanto, talvez não se pudesse
nem falar em repetição, mas em reprodução (RÊGO; CARVA-
LHO, 2006).
As autoras Rego e Carvalho continuam:

“Ao discutir sobre a ecolalia, Rodriguez (1999) propõe


que tal manifestação verbal estaria indicando, no autis-
mo, uma posição diante da língua que se caracterizaria
como um permanecer literalmente fora, isto é, uma po-
sição subjetiva de exclusão. Diante disso, pode-se supor
que, mesmo no sintoma, o autista estabelece uma relação
singular com a língua. Vale ressaltar que esse perma-
necer fora não implicaria uma ausência de língua, mas
estaria significando uma determinada posição diante
dela” (2006).

É esta análise mais apurada a respeito da linguagem/comu-


nicação que Delfrate et al (2009) também traz para discussão:

– 53 –
U N ID A D E 3: TEA E A AQUISIÇÃO DA LI NGUAGEM
TEA: AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM – CONCEITOS INICIAIS

“ As listas de sintomas apresentados na litera-


tura sobre a síndrome autística não têm contem-
plado a análise das práticas dialógicas e das in-
terações dos sujeitos. De forma geral, são citadas
dificuldades em certos comportamentos de conví-
vio social, como se diferentes interlocutores e dife-
rentes práticas sociais não afetassem as posturas
do sujeito. Além disso, deixa-se de analisar outros
mecanismos de significação, como a linguagem
não verbal (os gestos, as expressões faciais) em
contextos dialógicos.

Fernandes (2006) relata que o foco terapêutico evoluiu de
considerações e motivações comportamentais para uma aborda-
gem que enfatiza os aspectos pragmáticos da linguagem. Com re-
lação às técnicas comportamentais, uma das grandes críticas refe-
ria-se à sua pouca transferência para situações cotidianas, ou seja,
não havia generalização dos aspectos enfocados em situações na-
turais de interação. Isso levou pesquisadores e clínicos a buscarem
procedimentos terapêuticos mais naturais que promovessem não
apenas a adequação da linguagem, mas também questões como
melhores competências interacionais, levando o interlocutor em
consideração. Alguns estudos focalizaram a eficácia terapêutica em
termos de medidas padronizadas, mas não enfocaram a ação direta
do terapeuta. Algumas diretrizes são relatadas como importantes
aspectos da ação do terapeuta de crianças do espectro autístico,
entre elas: maior simetria na relação com o paciente; adoção de
um posicionamento real quanto à comunicação com o outro, no
qual não entender e não ser entendido fazem parte do processo

– 54 –
U N ID A D E 3: TEA E A AQUISIÇÃO DA LI NGUAGEM
TEA: AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM – CONCEITOS INICIAIS

comunicativo; consistência entre funções e meios; e o trabalho


com as funções e meios comunicativos, tornando-os cada vez mais
funcionais (DEFRALTE et al., 2009).
Como o autista tem grave alteração de comunicação, mais
especificamente no desenvolvimento da linguagem, a figura do
fonoaudiólogo é imprescindível para o tratamento precoce dessa
criança (DEFRALTE et al., 2009).
É evidente que a aquisição da linguagem para qualquer
criança é muito importante, já que a comunicação nos permite de-
senvolver e evoluir de muitas maneiras. Nesse sentido, apesar de a
criança com TEA apresentar dificuldades nesse aspecto, especia-
listas perceberam que não apenas deveriam se ater à comunicação
verbal, mas observar as relações entre linguagem e interação, seja
ela verbal ou não verbal. Essa conexão parece ser um caminho para
que a aquisição da linguagem ocorra.

– 55 –

Você também pode gostar