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TRANSTORNO DO ESPECTRO DO AUTISMO: EPIDEMIOLOGIA

CAPÍTULO 2:
TRANSTORNO DO ESPECTRO DO
AUTISMO: EPIDEMIOLOGIA

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UNIDADE 1:TRANSTORNO DO ESP EC TR O D O A U TISMO : H ISTÓRICO E EPI DEM I OLOGI A
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Segundo Volkmar e Wiesner (2019), apesar de inúmeros es-


tudos epidemiológicos do autismo já terem sido conduzidos, sua
interpretação é complicada devido às diferenças nos resultados,
aos critérios diagnósticos utilizados e a outros fatores. Há um cres-
cente interesse em saber se a incidência do transtorno está aumen-
tando, principalmente por conta de mensagens do serviço público
transmitidas na mídia sugerindo que ele é muito comum.
No entanto, muitas dessas alegações se baseiam em regis-
tros escolares ou em diagnósticos atribuídos na escola para fins
educacionais, e bem sabemos que frequentemente um diagnóstico
de autismo é desejável para que possam ser obtidos mais servi-
ços (um problema referido como substituição diagnósti-
ca). Além do mais, crianças diagnosticadas pelas escolas ou por
clínicos inexperientes têm maior probabilidade de superar ou
“perder” seu diagnóstico com o passar do tempo (BLUMBERG;
ZABLOTSKY; AVILA; COLPE; PRINGLE; KOGAN, 2016
apud VOLKMAR; WIESNER, 2019).
Alguns clínicos, por conhecerem a complexidade do diagnós-
tico, têm evitado fornecer pareceres médicos sem uma equipe mul-
tidisciplinar, o que é extremamente indicado.

“ Uma recente revisão abrangente (HILL; ZU-


CKERMAN; FOMBONNE, 2014) observou que a
prevalência de autismo (examinando os estudos
mais atuais) é de cerca de 1 em cada 152 crianças.
Os autores dessa revisão não encontraram evi-
dências que apoiem um crescimento importante
na ocorrência da condição. Obviamente, quanto
mais rígidos forem os critérios empregados, mais
baixos serão os índices observados, sobretudo se

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os dados estiverem baseados no exame direto, e


não no registro escolar

(VOLKMAR; WIESNER, 2019)

O primeiro estudo epidemiológico sobre o autismo, segun-


do Klin (2006), foi elaborado por Victor Lotter, em 1966. Nesse
estudo, houve um índice de prevalência de 4,5 em 10.000 crianças
em toda a população de crianças de 8 a 10 anos de Middlesex, um
condado a noroeste de Londres. Depois desse estudo, muitos ou-
tros foram realizados e milhões de crianças foram pesquisadas ao
redor do mundo. Os índices de prevalência resultantes são
menos drásticos:

● 1 autista (prototípico) a cada 1.000 crianças;


● mais de quatro indivíduos com transtorno do espectro do
autismo a cada 1.000 nascimentos.

Os TEAs são claramente de 3 a 5 vezes mais comuns em


homens. Em grupos com QI mais baixo, isso é muito menos pro-
nunciado, mas, naqueles com maior capacidade intelectual, a pre-
dominância aumenta. Há algumas sugestões de que índices mais
altos de deficiência, em geral em mulheres, podem refletir um risco
genético ainda mais forte (RUTTER; THAPAR, 2014). Estudos
que relacionam classe social e autismo nos Estados Unidos costu-
mam observar índices de prevalência mais baixos em crianças ne-
gras e hispânicas, uma diferença que não é observada de forma tão
consistente em outros países com abordagens mais uniformes de
avaliação e assistência médica (VOLKMAR; WIESNER, 2019).
Somente no Brasil, estima-se que desde 2012 tenhamos mais
de 2 milhões de autistas. É um número considerável se levarmos

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em conta que até alguns anos atrás não havia estudos epidemioló-
gicos no país.
Veja o quadro abaixo:

Figura 2-1: Epidemiologia sobre autismo

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OBSERVAÇÕES:
a mudança no texto de 1 para 152 crianças para 1 a cada 45
(imagem anterior) é uma evolução, se assim podemos dizer,
do autismo nas pesquisas epidemiológicas que vêm ocorrendo
desde 2004.

O autismo pode ocorrer em qualquer classe social, raça ou


cultura, sendo que cerca de 65% a 90% dos casos estão associados
à deficiência mental (GADIA; TUCHMAN; ROTTA, 2004).
Como descrevem Volkmar e Wiesner (2019), houve muita
confusão quanto às causas do autismo no início. A especulação co-
meçou na década de 1950, concentrando-se nos fatores psicosso-
ciais. Entretanto, durante as décadas de 1960 e 1970, começaram
a acumular evidências mostrando que o transtorno era uma condi-
ção com base cerebral e fortemente genética.
Foram necessárias várias décadas para que ficasse claro que
o autismo era um transtorno com forte base cerebral. Em seu rela-
to original, Kanner (1943) enfatizou que a condição era congênita
(ou seja, presente desde o nascimento, se não antes), mas
também observou que as crianças de sua amostra eram atraentes
(ou seja, não dismórficas) e que seus pais eram notavelmente
bem-sucedidos (VOLKMAR; WIESNER, 2019).
Essas observações, atreladas à confusão diagnóstica sobre a
psicose infantil e à forte abordagem psicossocial comumente utili-
zada na compreensão da doença mental, levaram os primeiros pro-
fissionais a sugerir psicoterapia para “remediar” as dificuldades
no vínculo parental que presumivelmente causava autismo. Com
o tempo, tornaram-se claras as fortes evidências de que o autis-
mo tinha base cerebral, devido ao frequente desenvolvimento de

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transtorno convulsivo durante a infância (VOLKMAR; WIES-


NER, 2019).
Inúmeras teorias especulam sobre qual região ou quais regi-
ões do cérebro podem estar envolvidas, embora, com o tempo, por
conta de nosso crescente conhecimento sobre a complexidade do
“cérebro social”, os modelos tenham se tornado mais sofisticados
(PELPHREY; SHULTZ; HUDAC; WYK, 2011; VOLKMAR,
2011). Alguns estudos de neuroimagem foram realizados, além
de procedimentos mais incomuns, como autópsias. Os primeiros
atestam um aumento no crescimento da amígdala (região do
cérebro relacionada a questões emocionais), entre 2 e 4
anos de idades, que ao longo do tempo desacelera e, no final da
adolescência, apresenta pouca diferença de tamanho. Na autópsia,
foram verificadas diferenças na estrutura cortical, sobretudo nas
regiões do cérebro envolvidas no processamento socioafetivo – de
modo específico, a amígdala, o hipocampo, o septo, o giro do cín-
gulo anterior e os corpos mamários, isto é, regiões fortemente in-
terconectadas que compreendem o sistema límbico. Um trabalho
mais recente utilizou a tecnologia de células-tronco para replicar
o desenvolvimento cerebral precoce (VOLKMAR; WIESNER,
2019). Fatores genéticos também foram e ainda são estudados.
Nas primeiras análises de gêmeos autistas, constatou-se os fatores
genéticos na etiologia do transtorno. Posteriormente, novos estu-
dos corroboraram os resultados obtidos anteriormente e ainda de-
monstraram uma vulnerabilidade dos familiares para uma ampla
gama de transtornos neuropsiquiátricos. A linha de pesquisa, neste
sentido, explodiu, de forma que muitos trabalhos foram realizados
sobre o assunto nos últimos anos. Tem ficado clara a importância
da influência genética no autismo em um pequeno grupo de ca-
sos (nitidamente menos de 10%), nos quais são identificadas
associações com a síndrome do cromossomo X-frágil e esclerose

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tuberosa. Tais associações são importantes em termos de traba-


lhos iniciais, pois o rastreio dessas condições e de sua presença
têm implicações no aconselhamento genético de pais e familiares
(VOLKMAR; WIESNER, 2019). Mais comumente, parecem
ser vários os genes envolvidos no transtorno, os quais também es-
tariam envolvidos na expressão potencial de uma vasta gama de
condições (o “fenótipo mais amplo”).
Considerando-se que a taxa de concordância em gêmeos
idênticos é de menos de 100%, alguma importância potencial pode
ser atribuída a questões relacionadas ao risco obstétrico ou a fato-
res ambientais – talvez interagindo com a vulnerabilidade genética
(LYALL; SCHMIDT; HERTZ-PICCIOTTO, 2014). Pesquisas
abordaram a relevância de possíveis fatores ambientais ou toxinas
específicas, mas seus resultados não foram conclusivos para com-
provar fortes conexões ambientais (VOLKMAR; WIESNER,
2019). As pesquisas sobre o autismo aumentaram nos últimos
anos nos EUA, o que foi possível pelo apoio federal e privado. A
variedade de técnicas para a compreensão deste transtorno tam-
bém tem evoluído, são exemplos disso: RNMf, eletrencefalograma
(EEG) e novos métodos, como acompanhamento visual. O traba-
lho sobre os mecanismos genéticos está agora começando a ser li-
gado a outras áreas, entre elas o desenvolvimento e a conectividade
do cérebro (VOLKMAR; WIESNER, 2019).
Volkmar e Wiesner (2019) explicam que a medicina baseada
em evidências aborda a tomada de decisão inicial fundamentada
em pesquisas bem conduzidas. No desenvolvimento de recomen-
dações como orientações práticas, vários níveis de apoio costumam
ser identificados (os procedimentos variam um pouco), em
geral dando maior credibilidade aos tipos mais fortes de apoio
(metanálises de diversos estudos, revisões sistemáticas e
ensaios controlados randomizados bem conduzidos).
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Em geral, os níveis intermediários de apoio derivam de es-


tudos de caso controlados, particularmente se estes forem bem
conduzidos e livres de confusões e potenciais vieses. Os níveis de
evidência mais fracos são os relatos de caso ou, em última análise,
a opinião clínica. É importante notar que alguns procedimentos
são de uso comum, mas jamais foram submetidos a um ensaio ran-
domizado (p. ex., saltar de aviões com e sem paraquedas!)
(VOLKMAR; WIESNER, 2019).

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 EXERCÍCIOS PROPOSTOS - UNIDADE 1

1) Considerando as informações apresentadas, avalie as afirmações:


I) A condição conhecida como transtorno autista foi inicialmente descrita
pelo Dr. Leo Kanner, em 1943.
II) O médico relatou o que havia observado em 11 crianças portadoras, o
que chamou de “um distúrbio inato do contato afetivo”.
III) As crianças observadas apresentavam o interesse habitual por outras
pessoas e pelo contato com o ambiente social.
É correto o que se afirma em:
(a) I apenas.
(b) I e II.
(c) I, II e III.
(d) I e III.
(e) III apenas.

2) A expressão “mães geladeiras” foi usada para designar:

(a) As mães que haviam realizado fertilização in vitro, pois eram


condições em que as crianças apresentavam as características
do espectro autismo.
(b) Designavam as mães que moravam em regiões mais frias e,
por isso, apresentavam maiores chances de gerarem crianças
autistas.
(c) Era a crença de que o autismo era causado por pais não emocio-
nalmente responsivos a seus filhos.
(d) Era a crença de que o autismo era causado por pais emocional-
mente responsivos a seus filhos.
(e) Nenhuma das alternativas.

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EX ER C ÍC IO S PROPOSTOS - UNI DADE 1
3) Com base no texto ao lado, a qual
característica da criança com es-
pectro autismo a tirinha se refere?

(a) Resistência à mudança


ou insistência na
monotonia.
(b) Maneirismos motores
estereotipados.
(c) Inabilidades de
comunicação.
(d) Ecolalia.
(e) Resistência ao convívio
social.

4) A imagem ao lado retrata uma ca-


racterística muito peculiar da crian-
ça autista, descrita inicialmente
pelo Dr. Kanner, em 1943, como:

(a) Resistência à mudança ou


insistência na monotonia.
(b) Maneirismos motores
estereotipados.
(c) Habilidades de comunicação.
(d) Ecolalia.
(e) Distúrbio inato do contato afetivo.

5) Considerando as informações apresentadas, avalie as afirmações:


I) O padrão de desempenho no autismo costuma ser diferente daquele ob-
servado no retardo mental sem autismo, apresentando resultados díspares
em várias partes do teste de QI.
II) O autista apresenta pontos fortes em habilidades não verbais, mas gran-
de debilidade em tarefas verbais ou mais relacionadas à sociabilidade.
III) Crianças com autismo têm alguma habilidade incomum, como dese-
nhar, tocar um instrumento, memorizar coisas ou, até mesmo, calcular os
dias da semana para eventos no passado ou no futuro.

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EX ER C ÍC IO S PROPOSTOS - UNI DADE 1
É correto o que se afirma em:
(a) I, II e III.
(b) I e II apenas.
(c) I e III apenas.
(d) III apenas.
(e) I apenas.

6) Nos últimos anos, numerosos estudos têm apresentado contribuições


para a compreensão do autismo.
A esse respeito, assinale a afirmativa correta.
(a) O diagnóstico de autismo pode ser feito através do relato dos
professores.
(b) Os diagnósticos realizados a partir de registros escolares têm se
mostrados muito eficientes nos últimos anos.
(c) A criança autista não é afetada por mudanças no meio ambiente.
(d) O gesto da criança de apontar objetos para os pais ou cuidadores
é fundamental para o diagnóstico diferencial do autismo.
(e) Uma equipe multidisciplinar é fundamental para um diagnósti-
co preciso.

7) Analise as afirmações abaixo e considere somente as verdadeiras:


I) O primeiro estudo epidemiológico sobre o autismo, segundo Klin (2006),
foi elaborado por Victor Lotter, em 1966. Nesse estudo, houve um índice de
prevalência de 4,5 em 10.000 crianças.
II) O índice de prevalência de crianças autistas tem diminuído consideravel-
mente nos últimos anos.
III) Nos EUA, os pesquisadores têm recebido apoio federal e privado a fim
de buscarem uma melhor compreensão etiológica do transtorno.
(a) Apenas I é verdadeira.
(b) I e II são verdadeiras.
(c) I e III são verdadeiras.
(d) Apenas II é verdadeira.
(e) II e III são verdadeiras.

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EX ER C ÍC IO S PROPOSTOS - UNI DADE 1
8) Enquanto a medicina clínica dedica-se ao estudo da doença no indivíduo,
analisando caso a caso, a epidemiologia busca:

(a) Estudar quantitativamente a distribuição dos fenômenos de


saúde/doença e seus fatores condicionantes e determinantes
nas populações.
(b) Analisar aspectos estritamente genéticos para compreender me-
lhor as doenças que se instalam na população.
(c) Estudar os aspectos sociais que podem causar transtornos men-
tais na população.
(d) Analisar as condições biológicas que podem afetar a humanidade.
(e) Estudar o cérebro humano para compreender seu funcionamento.

9) Os estudos epidemiológicos sobre o autismo tiveram grande relevância


para a compreensão do transtorno. Eles ainda continuam e são necessá-
rios, pois só no Brasil temos mais de 2 milhões de autistas. Os primeiros
resultados obtidos mostraram que o autismo era uma condição:

(a) Genética.
(b) Social.
(c) Psicossocial.
(d) Com base cerebral e fortemente genética.
(e) Com base em fatores ambientais.

10) Considere as seguintes afirmações:


I) Os TEAs são claramente de 3 a 5 vezes mais comuns em homens.
II) A medicina baseada em evidências aborda a tomada de decisão inicial
fundamentada em pesquisas bem conduzidas.
III) Pesquisas abordaram a relevância de possíveis fatores ambientais ou
toxinas específicas, mas seus resultados não foram conclusivos para com-
provar fortes conexões ambientais.
São verdadeiras as afirmações feitas em:
(a) I, II e III.
(b) I e II apenas.
(c) III apenas.
(d) II apenas.
(e) nenhuma afirmação está correta.

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