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DIAGNÓSTICO PRECOCE: RELATO DE CASO

CAPÍTULO 4:
DIAGNÓSTICO PRECOCE:
RELATO DE CASO

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UNIDADE 2 :T RANSTORNO DO ESPEC TR O D O A U TISMO – D IA G N ÓSTICO E E STUDO DE CASO
DIAGNÓSTICO PRECOCE: RELATO DE CASO

Além do Manual Diagnóstico e Estatístico de Doenças Men-


tais V (DSM-V), existe também a Escala de Classificação do Autis-
mo na Infância (CARS) cujo objetivo é avaliar quantitativamente
o espectro do autismo, a fim de definir o grau do distúrbio em uma
criança e ajudar a determinar quais abordagens terapêuticas serão
mais eficazes.
Como discutido anteriormente, a intervenção precoce é o me-
lhor caminho para permitir o desenvolvimento normal da criança,
afinal os estudos mostram que quanto mais tarde o diagnóstico da
doença for realizado mais consolidados estarão os sintomas. O tra-
tamento é mais efetivo quando iniciado antes dos 3 anos de idade.
Portanto, o diagnóstico nos primeiros anos de vida é essencial.
Neste momento, faz-se necessário analisarmos um relato de
caso para compreendermos melhor o que temos estudado até ago-
ra e entendermos plenamente o efeito do diagnóstico precoce.

C.F.S., 12 anos. Relato fornecido pela mãe (médica):


com menos de um ano de idade já era um bebê muito sé-
rio, raramente sorria para os outros além dos pais e da
irmã. Não interagia com estranhos, era alheio a brinca-
deiras, não obedecia a comandos verbais simples como,
por exemplo, olhar determinado objeto. Não reconhecia o
próprio nome quando chamado, não tinha a curiosidade
comum às outras crianças de sua idade. Pessoas aponta-
vam que ele não estabelecia contato visual com ninguém,
exceto a mãe.
Com um ano de idade, aprendeu a falar a palavra mãe
e a bater palmas, porém o fez apenas durante algumas se-
manas. A partir de então, não aprendeu novas palavras e
apenas vocalizava sons aleatórios, não respondendo a es-
tímulos sociais. Passava muito tempo brincando sozinho

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e parecia não saber usar os brinquedos, preferindo brin-


car com a embalagem, por exemplo. Gargalhava sozinho
e sem motivo. Passava muito mais tempo do que outras
crianças assistindo televisão.
Não sabia apontar para os objetos que queria, e, em
vez disso, usava a mãe como instrumento para consegui-
-los. Não parecia reconhecer situações de perigo ou medo
(como carros). Passou a apresentar comportamentos
estereotipados, como esfregar os dedos e soprar a mão.
Com um ano e meio de idade, a mãe começou a descon-
fiar que poderia sofrer de autismo. Levou-o para fazer
audiometria e BERA (Exame do Potencial Evocado
Auditivo do Tronco Encefálico), ambos com resulta-
dos normais. Nesta época, entrou na escola, mas não me-
lhorou suas habilidades sociais.
Aos 2 anos, foi levado a um psicanalista, o qual dis-
se que o paciente possuía “traços autistas” e que poderia
melhorar mediante estímulos. Não convencida, a mãe o
levou a um psiquiatra, que desconfiou de Síndrome de As-
perger, porém não mudou a conduta previamente estabe-
lecida. Aos 2 anos e meio, foi levado a outro psiquiatra, o
qual diagnosticou definitivamente o quadro de autismo.
Foi, então, encaminhado para terapia de estímulos cogni-
tivos e comportamentais com psicóloga, diariamente e de
forma intensiva.
No início, não dava atenção à terapeuta e parecia re-
sistir às sessões. Porém, gradualmente houve sinais de
melhora: passou a olhar quando era chamado e parecia
mais curioso em relação ao mundo. Aos 3 anos, parou de
usar fraldas descartáveis e aprendeu a usar o banheiro

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sozinho. Apesar de ainda não falar, a mãe percebeu que


já sabia ler algumas palavras (apontava para elas se
solicitado). Identificava partes do corpo e objetos, pas-
sou a reconhecer todos os membros da família. Aprendeu
a abraçar e o contato visual melhorou um pouco.
Nesta época, ainda apresentava comportamentos ob-
sessivos (em relação a aparelhos tecnológicos, lo-
gomarcas e fechaduras, principalmente). Passou
a apresentar sintomas de maior agitação, como correr,
pular e gritar fora de contexto, especialmente quando se
encontrava em multidões (comportamentos que man-
tém até hoje). Aos 4 anos e meio, a mãe resolveu testar
um tratamento com risperidona e levá-lo a um fonoau-
diólogo. A partir daí aprendeu a falar mais palavras e,
antes dos 5 anos, aprendeu a falar definitivamente (não
com a entonação normal e nem a manter uma con-
versa complexa).
Parecia mais feliz e disposto a se relacionar
com a família.
Em relação à cognição, até os 9 anos de idade conseguiu
acompanhar bem a escola. Desde então, tem demonstra-
do dificuldade (especialmente com matemática) e só
estuda e aprende aquilo que lhe desperta interesse. Hoje,
aos 12 anos, demonstra vontade, mas dificuldade em se
relacionar com estranhos, ainda não conseguindo man-
ter contato visual ou uma conversa completa (CANUT et
al, 2014).

Notamos, pelo relato, que o paciente apresentava sinais ca-


racterísticos da doença desde o primeiro ano de vida: não interagia

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com estranhos, não pedia colo, não tinha interesse por brinquedos,
não obedecia a comandos verbais, não olhava quando era chamado
e não apontava diretamente para o que queria. Além disso, apre-
sentava risos e gargalhadas sem motivo, seus comportamentos
eram estereotipados (hábito de soprar a mão e obsessão por
logomarcas e fechaduras), possuía um contato visual pobre,
coordenação motora fina prejudicada, hiperlexia (que envolve a
capacidade de leitura precoce e a obsessão por números
e letras), dificuldade de socialização e sinais de maior agitação.
Com base nesses sintomas, percebe-se que o paciente se
encaixa nos critérios de déficits qualitativos de interação social e
de comunicação, além de apresentar alterações de comportamen-
to que fazem parte do quadro clínico do Transtorno do Espectro
Autista, segundo o DSM-V. Os piores prognósticos estão relacio-
nados diretamente com o diagnóstico tardio da doença. No caso
em questão, a precocidade da análise e o olhar atento da mãe fo-
ram primordiais para o bom desenvolvimento da criança em idade
propicia, pois permitiu ao paciente restabelecer funções motoras,
cognitivas e comportamentais adequadas para sua idade. É impor-
tante ressaltar que seu bom prognóstico só foi possível por meio da
adoção do tratamento antes da cristalização dos sintomas.
Segundo Canut et al (2014), o tratamento deve ser baseado
na estimulação do desenvolvimento de funcionalidades, na com-
pensação das limitações funcionais e na prevenção de uma maior
deterioração de suas capacidades, de modo que o indivíduo seja
reintroduzido no meio social ao apresentar uma melhora significa-
tiva em âmbito emocional, cognitivo e linguístico.
De acordo com Laznik (2000):

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“ Sabemos que provavelmente há uma “psi-


cossomática” do autismo, isto é, que o não uso
psíquico do aparelho neuronal vai conseguir le-
sá-lo. A hipótese, mais ou menos implícita, que
sustenta esta investida em direção ao precocíssi-
mo, é que haveriam (sic) meios de recolocar em
funcionamento estruturas em vias de constitui-
ção. [...] Diante desta patologia, luta-se contra o


relógio

(2000, p. 76).

Cabe aos psicólogos, por meio da difusão de conhecimento,


contribuir no sentido de tornar o encontro de médicos da primeira
infância com duplas mãe/bebê também um espaço para a avalia-
ção do laço Outro primordial/bebê, de modo que possam “imagi-
nar que nem tudo vai necessariamente bem num lactante, mesmo
se suas funções biológicas são ritmadas como convém” (2000,
p. 79).
Lidar com o autismo se mostra uma árdua tarefa para os
pais. Segundo Laznik, num quadro de autismo, muitas vezes é im-
possível, para os pais, realizar funções básicas do Outro primor-
dial, indispensáveis para o sujeito advir. Essa impotência toma as
figuras parentais quando suas tentativas e investimentos em dire-
ção à criança autista são fracassados.
No caso relatado, temos uma médica/mãe que observa-
va com atenção seu filho e notou que, apesar de aparentemente
ter uma criança saudável, existiam comportamentos que fugiam
aos padrões.

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Dados obtidos no Centro de Atenção Psicossocial Infantil


evidenciam o início de um tratamento, para as crianças diagnosti-
cadas com autismo e psicose infantil, mais tarde do que o espera-
do. Isso acontece, segundo Visani e Rabello (2012), por três moti-
vos aparentes: a não realização da detecção precoce; a demora por
parte de instituições e/ou profissionais de saúde em estabelecer o
diagnóstico e realizar um encaminhamento; a insegurança na rea-
lização de um tratamento adequado à patologia por parte de pro-
fissionais e instituições de saúde.
Como as autoras afirmam (2012), em 78,6% dos casos de
crianças autistas, os pais já haviam percebido algo de errado com
seus filhos antes de um diagnóstico formal por parte de algum pro-
fissional ou instituição de saúde. Nesses casos, sinais foram per-
cebidos, em 36,4% dos casos, quando a criança tinha um ano ou
menos; em 27,3%, aos dois anos; e, em 18,2% dos casos, quando a
criança tinha três anos.
Isso nos mostra que, apesar de não compreenderem plena-
mente, os pais conseguem detectar comportamentos anormais
nos pequenos.
Em 63,6% dos casos, a principal razão que levou os pais a
imaginarem algo de errado com seus filhos foi a ausência de lin-
guagem. Mesmo com essa percepção parental precoce, principal-
mente no caso do autismo, o diagnóstico formal e o início de um
tratamento não ocorreram de imediato.
Este período entre percepção e tratamento, conta com passa-
gens por profissionais e instituições de saúde. Em alguns casos, as
crianças chegam a “visitar” mais de cinco profissionais e, por isso,
acabam iniciando o tratamento em idades avançadas.
Visani e Rabello (2012) alertam que os métodos disponíveis
para a detecção precoce do autismo permitem a identificação de

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traços da psicopatologia em questão em bebês a partir dos três me-


ses de idade. Porém, os dados obtidos revelam o fato de o diagnós-
tico formal, no caso do autismo, ser dado aos dois anos em 21,4%
dos casos; aos três anos, em 14,3%; aos quatro anos, em 28,6%; aos
cinco anos, em 18,6%; e aos seis anos, em 7,1% dos casos.
A desordem do espectro autista é uma doença de alta com-
plexidade que deve ser abordada de maneira multicêntrica, visan-
do uma melhora integral do paciente. O diagnóstico precoce de-
termina, portanto, o prognóstico da doença, visto que quanto mais
tardia a percepção do autismo mais consolidados estarão os sin-
tomas. É importante ressaltar que o diagnóstico é essencialmente
clínico e que não tem o objetivo de criar um “rótulo” para a crian-
ça, mas viabilizar um tratamento adequado que diminua as perdas
pessoais e sociais.
Os relatos e as suspeitas dos pais devem ser investigados e
utilizados de maneira a auxiliar os profissionais da saúde em seu
diagnóstico, pois revelam uma capacidade de percepção inicial da
patologia anterior à dos profissionais e instituições de saúde.
Para evitar os descaminhos entre a percepção de sinais gera-
dora de preocupação, por parte dos pais, e o primeiro diagnóstico
formal da patologia, seguido do início do tratamento, é preciso tra-
balhar junto de profissionais e instituições de saúde.

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 EXERCÍCIOS PROPOSTOS - UNIDADE 2

1) Considere as afirmações a seguir e avalie a sua veracidade.


I) O Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) é um transtorno do desenvol-
vimento neurológico, cujas características são dificuldades de comunicação
e interação social.
II) A presença de comportamentos e/ou interesses repetitivos ou restritos é
uma característica do TEA.
III) Os sintomas do TEA só são consistentemente identificados a partir dos
24 meses de idade.
(a) Apenas I é verdadeira.
(b) Apenas II é verdadeira.
(c) I, II e III são verdadeiras.
(d) Apenas I e II são verdadeiras.
(e) Apenas III é verdadeira.

2) O autismo é um transtorno de desenvolvimento que geralmente aparece


nos três primeiros anos de vida e compromete as habilidades de comu-
nicação e interação social. Sobre o transtorno do espectro autista (TEA),
assinale a alternativa CORRETA.
I) O diagnóstico do autismo é clínico, feito através de observação direta do
comportamento e de uma entrevista com os pais ou responsáveis. Os sin-
tomas costumam estar presentes antes dos 2 anos de idade, sendo possível
fazer o diagnóstico por volta dos 6 meses de idade.
II) Não existe cura para autismo, mas um programa de tratamento precoce,
intensivo e apropriado melhora muito a perspectiva de crianças pequenas
com o transtorno.
III) O autismo inclui um amplo espectro de sintomas. Portanto, uma avalia-
ção única e rápida não pode indicar as reais habilidades da criança. O ideal é
uma equipe de diferentes especialistas.
(a) I, II e III estão corretas.
(b) Apenas I e II estão corretas.

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EX ER C ÍC IO S PROPOSTOS - UNI DADE 2
(c) Apenas I está correta.
(d) Apenas II e III estão corretas.
(e) Apenas III está correta.

3) Nos sistemas classificatórios, a diferença fundamental entre transtorno


autista e transtorno de Asperger refere-se:

(a) ao atraso geral clinicamente importante na linguagem.


(b) à adesão aparentemente inflexível a rotinas e a rituais não
funcionais.
(c) aos maneirismos motores estereotipados e repetitivos.
(d) ao comprometimento acentuado no uso de múltiplos comporta-
mentos não verbais.
(e) à ausência de reciprocidade emocional ou social.

4) Atualmente agrupam-se sob a denominação de Transtornos do Espectro


Autista os seguintes transtornos:

(a) autismo, síndrome de Rett e transtorno global do desenvolvi-


mento sem outra especificação.
(b) síndrome de Rett, síndrome de Asperger e dificuldades de
aprendizagem.
(c) transtorno desintegrativo da infância, síndrome de Asperger e
síndrome de Rett.
(d) autismo, dificuldades de aprendizagem e síndrome de Down.
(e) síndrome de Rett, síndrome de Asperger e síndrome de Down.

5) No caso relatado, a mãe da criança procurou ajuda médica:

(a) Quando ela atingiu a idade escolar e não sabia escrever coisa
alguma.
(b) Quando percebeu que a criança, apesar de ficar muito bem com
adultos, recusava-se a brincar com crianças.
(c) Ao notar que a criança não interagia com brinquedo algum.
(d) Quando ela atingiu 1 ano e meio de idade e apresentava uma
soma de comportamentos que não eram típicos da faixa etária.
(e) Quando percebeu que a criança só falava mamãe.

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EX ER C ÍC IO S PROPOSTOS - UNI DADE 2
6) Na grande maioria dos casos, a principal razão que levou os pais a ima-
ginarem algo de errado com seus filhos foi:

(a) A falta de interação com as demais crianças.


(b) A ausência de linguagem.
(c) A percepção de uma agitação incomum.
(d) Ao notarem que as crianças não gostavam de receber carinho.
(e) A falta de demonstração de afeto.

7) Visani e Rabello (2012) alertam que os métodos disponíveis para a detec-


ção precoce do autismo permitem a identificação de traços da psicopato-
logia em questão em bebês a partir dos:

(a) Três meses de idade.


(b) Dois meses de idade.
(c) Dois anos de idade.
(d) Três anos de idade.
(e) Dezoito meses de idade.

8) Dados obtidos no Centro de Atenção Psicossocial Infantil evidenciam o


início de um tratamento, para as crianças diagnosticadas com autismo e
psicose infantil, mais tarde do que o esperado. Isso acontece por alguns
motivos, exceto:

(a) a não realização da detecção precoce.


(b) a demora por parte de instituições e/ou profissionais de saúde
em estabelecer o diagnóstico.
(c) a demora em realizar um encaminhamento.
(d) a insegurança na realização de um tratamento adequado à pato-
logia por parte de profissionais e instituições de saúde.
(e) a não percepção por parte dos pais da atipicidade em seus filhos.

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