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TAVARES, C. N. V.. A (de)terminação da estrutura na oralidade em língua estrangeira: um estudo das dissonâncias
nas histórias de aprendizagem de uma língua estrangeira.. In: FIGUEIREDO, Célia Assunção; JESUS , Osvaldo Freitas
de. (Org.s). Lingüística In Focus - Lingüística Aplicada: aspectos da leitura e do ensino de línguas. 1ed.Uberlândia:
EDUFU, 2005, v. , p. 49-81.
Introdução:
Dentro deste quadro, vê-se acentuado o papel da oralidade, de modo que falar uma
língua tem sido representado como saber esta língua (GUILHERME CASTRO, 2004). As
demais habilidades e as demais competências necessárias para se tornar competente
comunicativamente (CANALE & SWAIN, 1980) parecem ocupar lugar de menor
importância. A aprendizagem de línguas estrangeiras enquanto objeto de estudo tem sido
tradicionalmente contemplada nos trabalhos de LA sob o ponto de vista do processo de
ensinar-aprender, considerando os envolvidos (professor e aprendiz) como sujeitos sociais,
cognoscentes e reflexivos, e, portanto, capazes de gerenciar o processo, usar
sistematicamente a língua, de modo a estabelecer soluções para os problemas relativos a
aprendizagem. Da mesma forma, a língua é tida como um instrumento de comunicação,
algo sistemático e externo ao sujeito. Seu caráter opaco e assistemático tem sido
considerado como resíduo do sistemático, e portanto, problemático de se pesquisar dentro
da perspectiva tradicional da LA.
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Entretanto, neste artigo busca-se encarar a pergunta inicial sob um outro ângulo que
não o metodológico. Assim, não há a intenção aqui de respondê-la, mas de problematizar a
relação dos sujeitos-aprendizes com a língua estrangeira. Neste sentido, este trabalho
circunscreve-se teórica e metodologicamente nas Teorias do Discurso de linha francesa e
lança outras luzes para o problema da aprendizagem de língua estrangeira, campo de
pesquisa tradicional da LA. Deste modo, a problemática aqui investigada se beneficia desse
caráter interdisciplinar da LA.
Com base em Foucault (1990, 1996a), podemos dizer que, assim como a sociedade,
a aprendizagem é constituída também pela normalização, condição própria de sua
possibilidade. Assim, embora movidos pelo desejo de serem "fluentes" na língua
estrangeira – o que no imaginário os colocaria na posição de "dominadores" da língua -, os
sujeitos-aprendizes encontram-se ora defendendo a oralidade a qualquer preço, ora
ressentindo-se da falta de estruturação deste aprendizado. Ao sujeito-professor ainda é
conferido o papel de detentor do saber e lhe é cobrado que assuma esta posição em
detrimento da tão acalentada autonomia proclamada pelo discurso das abordagens
comunicativistas. Nota-se, portanto, que os sujeitos-aprendizes de uma língua estrangeira
ocupam posições discursivas contraditórias. Seus dizeres apontam para discursos
heterogeneamente constituídos que dizem muito acerca das representações sobre o que é
aprender uma língua estrangeira, sobre como os diversos dizeres se relacionam e
constituem os dizeres dos sujeitos-aprendizes e como estes se inscrevem discursivamente
na enunciação sobre o processo de aprendizagem.
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Segundo Santos (2004), o analista do discurso também se coloca em um lugar discursivo para analisar os
sentidos de uma manifestação discursiva. A análise que será empreendida enfocará as relações estabelecidas
entre os sujeitos e seus discursos, considerando-se os processos de identificação e as circunscrições
instauradas na ordem dos discursos.
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especificidade própria enquanto prática social. Desta perspectiva, a língua não é vista como
um instrumento do qual o sujeito pode lançar mão para se comunicar intencionalmente, o
qual pode dominar por ser pautado por regras lingüísticas e gramaticais ou seqüências
comunicativas (SERRANI, 1998). Na verdade, vários trabalhos têm demonstrado que
sujeito e língua encontram-se em uma ligação estreita, pois ao enunciar o sujeito representa
a si e ao mundo mediante a cadeia lingüística discursiva (CORACINI, 1995, SERRANI,
1998, 2001, ORLANDI, 2001, CORACINI & BERTOLDO, 2003, dentre outros). Tal
representação, entretanto, longe de ser intencional ou controlada, está sujeita a deslizes,
equívocos, ambigüidades que sinalizam um dizer que escapa de qualquer controle ou
determinação, constitutivo do processo discursivo.
Pêcheux & Fuchs (1997), contudo, ressaltam que ao sujeito é necessário manter a
ilusão de que está na origem (esquecimento no. 1) e no controle dos sentidos que produz
(esquecimento no. 2), sob o risco de desestabilizar sua estrutura, seus pontos de ancoragem
e as atividades de linguagem.
Este artigo não abordará a questão do sujeito com maior abrangência devido à
escolha de enfocar prioritariamente o discurso. Porém, a fim de esclarecer melhor a questão
a que nos propomos - a saber, a heterogeneidade discursiva de sujeitos-aprendizes de língua
estrangeira e sua relação com a inscrição dos sujeitos no campo discursivo relativo ao
processo de aprendizagem – encaramos o sujeito na concepção de Foucault, enquanto uma
posição discursiva.
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Não é objetivo deste artigo discutir a distinção língua estrangeira/segunda língua. Optamos pelo primeiro
termo por compactuar com a visão de que a língua que se aprende determina uma posição outra e que ela se
distingue da língua materna por não ser a língua em que a mãe (enquanto significante) está interditada. Para
maiores detalhes, ver Melman, 1992.
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De acordo com Gregolin (2004), para Foucault, um único e mesmo indivíduo pode
ocupar diferentes posições enunciativas e papéis de diferentes sujeitos em uma série de
enunciados. Portanto, "o que torna uma frase em um enunciado é o fato de podermos
assinalar-lhe uma 'posição de sujeito'" (GREGOLIN, 2004:32). A análise de um enunciado
precisa levar em conta qual posição deve e pode ocupar o indivíduo para ser seu sujeito.
Conforme Foucault (1986:109) postula:
É exatamente tal concepção de sujeito enquanto posição a ser ocupada que levou
Foucault a discutir a noção de autor dos enunciados, entendendo-o como aquele que é
responsável por agrupar os dizeres, dar-lhes unidade e origem de significações no discurso:
“O autor é aquele que dá a inquietante linguagem da ficção suas unidades, seus nós de
coerência, sua inserção no real" (FOUCAULT, 1996a:28). Tal perspectiva corrobora para a
idéia de que os discursos são constituídos por uma heterogeneidade fundante, pois todos os
enunciados se articulam a outros. Faz-se necessário discutir, justamente, as relações que os
enunciados possuem entre si e, paradoxalmente, aquilo que possuem de singular. Deste
modo, Foucault (1986) percebe nos enunciados tanto a repetição quanto a singularidade
coexistindo simultânea e dialeticamente. A análise dos mesmos deve, assim, considerar a
regularidade e a dispersão. Gregolin (2004:29) acrescenta:
É a partir desta elaboração teórica a respeito dos enunciados que Foucault constrói o
conceito de formação discursiva, mais tarde retomado por Pêcheux nos trabalhos de
Análise do Discurso francesa. De acordo com Foucault (1986:43),
Pêcheux & Fuchs (1997) postulam que os sentidos de uma seqüência discursiva
podem ser construídos na medida em que se percebe tal seqüência como pertencente a esta
ou àquela formação discursiva.
Fernandes foca seu estudo no histórico e social. A nosso ver, entretanto, há uma
dimensão psíquica que também atravessa os dizeres e pode ser pontuada, dentre outros
sinais, pela contradição. Neste ponto, vale discorrer sobre a noção de heterogeneidade
constitutiva amplamente estudada por Authier-Revuz (1998).
O discurso comunicativista
Franzoni, entretanto, assinala que tal ênfase no caráter autêntico dos materiais
trabalhados em sala de aula não assegura tal aprendizagem, pois mesmo a conscientização
de como trabalhar os materiais não garante a aprendizagem. E isso se deve ao fato de que o
material didático não é o único mediador no processo, os contatos que os sujeitos-
aprendizes estabelecem com a língua estrangeira não são transparentes e que cada sujeito-
aprendiz é um sujeito histórico e, por isso, estabelecerá uma relação particular com cada
material e tarefa de comunicação ou de aprendizagem. Cumpre, pois, encarar os materiais
didáticos como instrumentos, não como centrais no processo.
as implicações de enunciar em uma situação pedagógica e fora dela. Caso não consiga em
dado momento, é papel do professor conscientizá-lo desta diferença.
Em relação à comunicação, Franzoni aponta para o peso que tal conceito assume na
pedagogia de línguas. A fim de compreender os desdobramentos da valorização deste
elemento, resumiremos o percurso crítico que a autora faz da literatura referente ao
ensino/aprendizagem de língua estrangeira em LA. Franzoni se baseia em autores que são
considerados como referência devido à relevância e repercussão de suas propostas dentro
da LA e identifica quatro conceitos recorrentes na definição do que se entende como
comunicação em LA.
dificuldade é uma preocupação para os lingüistas aplicados, que vêem como objetivo
principal do ensino de línguas capacitar o aprendiz a "manipular" o discurso, "lidar" com
ele. Desta constatação, Widdowson elabora uma concepção de discurso que gira em torno
de pares dicotômicos: correto/incorreto, usage/use, coesão/coerência, significação/valor,
habilidades lingüísticas/capacidades comunicativas. A dicotomização do conceito de
discurso nos remete à dicotomia saussureana langue/parole, referida pelo próprio
Widdowson. O extremo ligado às habilidades lingüísticas daria conta da língua enquanto
que o ligado às capacidades comunicativas da fala.
Devemos considerar a comunicação como um processo pelo qual dois (ou mais)
indivíduos, cada um com um background de experiências diferente, usam a fala
partindo de um modelo de língua parcialmente partilhado, mas sempre distinto,
visando a um entendimento entre si e os requisitos da situação social em que estão
envolvidos. (TRIM, 1984:125, apud FRANZONI, 1992:75)
Os dizeres
Nos recortes dos depoimentos que iremos analisar são recorrentes as representações
de que oralidade e gramática são opostos.
1. MÁRIO:3 -...então, eu acho assim, que você aprende ali no livro, no workbook, na
gramática, é muito importante, mas eu acho assim, tinha que ter, o aluno tinha que
ter um contato maior ... com a parte mesmo de tá falando a língua, tal, sei lá, ter
alguns laboratórios, alguma coisa assim, eu acho que seria muito, muito produtivo...
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Todos os verdadeiros nomes dos sujeitos desta pesquisa foram substituídos por nomes fictícios para
resguardar a integridade dos sujeitos.
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2. MÁRIO: eu acho... eu sinto isso, eu sinto que, assim, que se eu hoje não partir pra
esse caminho, eu não vou avançar; então assim, paralelo ao curso que eu tô fazendo
de inglês, eu tô pensando em procurar um professor, um professor particular pra eu,
pra tá enfocando mais essa questão de conversação, da conversação, pra tá... e
usando a escola pra me dar um suporte pra parte da gramática. Eu acho assim, que
se eu fizer isso eu deslancho rapidinho.
Baghin-Spinelli (2002) observou que os cursos de idiomas são representados como
espaços de legitimação do saber em língua estrangeira no discurso da Prática de Ensino de
Língua Inglesa. Nesta posição-sujeito, Mário referenda tal representação parcialmente, pois
para ele a escola4 é responsável por prover o aprendizado formal. A "conversação",
altamente valorizada por ele, só será possível com um "professor particular". Se fizermos
uma analogia entre os dois recortes, poderíamos dizer que a escola (o ensino formal) está
para a gramática, assim como o professor particular (o ensino informal) está para a fala. Se
a escola não atende totalmente às expectativas de Mário sobre o que ele representa como
sendo aprender uma língua estrangeira (já que para ele a escola não destina tempo
suficiente para a conversação), por que ele insiste em permanecer na escola? O recorte 3
pode nos dar algumas pistas.
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Quando Mário diz escola se refere ao instituto de idiomas em que está matriculado.
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lado, Mário percebe que a fluência prescinde da precisão gramatical. Quando enuncia:
"deixar de lado essa questão de tá falando errado", podemos reconhecer em seu dizer a
tradicional distinção entre use/usage postulada por Widdowson, em que o uso da língua
deve ser mais valorizado do que a forma. No mesmo recorte, porém, Mário se remete ao
papel normativo que o professor assume ao corrigir, ao esclarecer a regra, ao julgar o dizer
do aluno como certo ou errado. Tal papel de professor é minimizado nas abordagens
comunicativas e referendado nas metodologias estruturais. O desejo de se libertar das
regras, das convenções da língua, expresso pela frase "deixar de lado", se contradiz com a
necessidade de haver um professor que determine a norma. Talvez a escola e o professor
constituam lugares de ancoragem para o sujeito-aprendiz de língua estrangeira que teme o
risco do exílio de sua identidade, de seu lugar discursivo ilusoriamente garantido na língua
materna5.
O discurso jurídico discrimina entre o que é lícito e ilícito, entre o que permite a lei
e o que proíbe, estabelece as fronteiras, os limites e cerceia a liberdade dos indivíduos ao
mesmo tempo em que expressa seus direitos.
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Para mais detalhes sobre relação entre língua estrangeira, identidade e exílio, ver Revuz, 2001.
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Uma oposição de idéias é introduzida no recorte pela conjunção embora (eu não
aprendi pensar em inglês, na estrutura da língua, não aprendi, embora eu sabia que
algumas regras) e da conjunção mas (eu sabia as regras mas eu não sabia pensar) . Dalva
se vê sabedora das regras (apesar de não lembrar do nome do tempo verbal) e as regras não
implicaram o aprendizado da língua. Para ela, a função de aprender uma língua estrangeira
é comunicar algo de si, passa pela intenção de comunicar algo autêntico que vai além do
saber as regras da língua. A gramática e a comunicação são contrastivamente simbolizadas
respectivamente como passiva e ativa.
Além disso, o não saber pensar na língua estrangeira nos remete ao discurso
cartesiano em que linguagem e pensamento estão em estreita relação. A linguagem, neste
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Para Haroche (1992), a gramática se constitui uma técnica de normalização por ser
um instrumento exterior ao sujeito que impõe às palavras o caráter de transparência dos
sentidos, de clareza, de completude. Ou seja, ela convoca o sujeito a inscrever-se na
enunciação como aquele que sabe e que obedece às regras. O sujeito é o lugar de coerções
na gramática e na língua.
5. ZÉLIA: Porque não adianta nada você ter um conhecimento assim, que te dá uma
base segura, porque, eu achei que foi fundamental, a gramática. É, eu, eu só parei
nesse estágio pela idade e, e a minha, eu acho assim, que eu preciso de rapidez na
minha, enquanto a pronúncia, não é? Então foi aonde eu parei com a gramática.
se refere à gramática como base segura. Tal metáfora nos remete novamente às
considerações de Haroche (1992).
Podemos ainda conjeturar que o uso da preposição com na frase parei com a
gramática introduz uma ambigüidade. Se pensarmos no sentido de parar de fazer algo, de
interromper uma atividade, reforçamos a idéia de exclusão: não é possível falar a língua
concentrando-se nas regras, ou seja, uma idéia exclui a outra. Mas há um outro sentido
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possível que seria o de parar junto com a gramática. Ao interromper a aprendizado das
regras e aventurar-se na fala, pode ser que Zélia tenha se sentido parada, seu aprendizado
não progrediu. Esse sentido advém pelo dêitico aonde, que denota um ponto no espaço e no
tempo. Tal ambigüidade permite que o sujeito escape, na enunciação, da determinação das
regras e faça inserções subjetivas que nos possibilitam entrever um pouco do que está
subjacente ao dizer. É aqui que se poderia ver a vontade do sujeito, que escapa daquilo que
é pertinente à ordem. É nestes pontos que se pode inscrever a voz do inconsciente que
também constitui o dizer. Os dizeres sobre a aprendizagem de línguas valorizam a oralidade
como sendo a habilidade prioritária. É comum a ênfase nesta habilidade em contextos
educativos que se pautam pelo comunicativismo. Assumir no dizer o peso que Zélia atribui
à gramática seria ocupar uma posição discursiva frontalmente oposta às formações
discursivas que compõem este campo. Através de uma ambigüidade, porém, ela consegue
inscrever na enunciação o discurso não previsto.
O recorte 6 talvez elucide um dos motivos de o inglês ser tão procurado como
língua estrangeira.
Considerações finais
sistema fechado e perfeito que o sujeito precisa aprender a usar. O próprio aprendiz é visto
como um indivíduo mestre de seu dizer, capaz de ser conscientizado sobre o que é preciso
para aprender a língua. Tal constatação reforça a idéia de que o processo de aprendizagem
de uma língua estrangeira é em si mesmo uma técnica normalizadora que dita as formas
mais "corretas" para um sujeito inscrever-se na língua.
A análise buscou apontar tal fato ao assinalar as contradições nos dizeres dos
sujeitos-aprendizes e mostrar que o processo de aprendizagem de uma língua envolve
conflitos inclusive da ordem do que se pode enunciar. Por exemplo, assumir uma posição
dogmática a favor da aprendizagem da gramática é algo impensável. De igual forma, uma
posição intermediária entre a gramática e a oralidade aparece como pouco provável. Pelo
contrário, uma exclui a outra.
Haroche (1992) assinala que, para alguns autores, há uma distinção entre língua e
fala, conforme postula:
Por outro lado, "deixar de lado a gramática" e falar a língua estrangeira pode
representar o desejo de dizer do seu próprio desejo, de fugir das regras, dos limites
impostos pela língua materna, dizer-se em uma língua que o sujeito representa como
estranha. Porém, sob o risco de terem suas identidades ameaçadas, de transgredirem os
limites já fixados pela inscrição primeira da língua materna, alguns sujeitos permanecem
ancorados às regras, que lhe dão a segurança ilusória de domínio de algo da língua
estrangeira.
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