Você está na página 1de 8

VIDYA, v. 24, nº 42, p. 109-116, jul./dez., 2004 - Santa Maria, 2007.

ISSN 0104 -270 X

A PERSPECTIVA FUNCIONAL DA LINGUAGEM DE HALLIDAY E O ENSINO DE


LÍNGUA PORTUGUESA
THE HALLIDAY’S FUNCTIONAL PERSPECTIVE AND THE
PORTUGUESE LANGUAGE TEACHING

DULCE TAGLIANI*

RESUMO ABSTRACT

Neste ar tigo, fizemos uma tentativa de relacionar a This paper presents a tentative to relate the
perspectiva de linguagem trabalhada por Halliday com Halliday’s language functional perspective and some
aspectos relacionados ao ensino de língua por tuguesa, aspects of Por tuguese language teaching. From the
visto que tal prática faz par te de um projeto maior author’s perspective the language is a system of
de pesquisa, envolvendo também o livro didático de significations that is inherent to human existence.
por tuguês. Assim, a par tir da percepção do autor Considering that the various contex ts of language
de que a linguagem constitui-se em um sistema de use have direct influence on what is said and how is
significações que medeia a existência humana, e said, we emphasize the impor tance of considering
considerando que os contex tos de uso da linguagem this aspects to make each person be able to interact
exercem influência direta sobre o que é dito e como on any situation of language use.
é dito, procuramos destacar a impor tância de se
Keywords: Language; Functional perspective;
considerar tais aspectos num tipo de ensino que esteja
Por tuguese teaching.
voltado realmente para a formação de um indivíduo
capaz de interagir nas mais diversas situações de uso
da linguagem.
Palavras-chave: Linguagem; Perspectiva funcional;
Ensino de por tuguês.

* Professora do Curso de Letras da Fundação Universidade Federal do Rio Grande - FURG.

109
INTRODUÇÃO de contribuir para um redimensionamento do
processo de ensino da língua materna. Daremos
Os estudos recentes sobre a linguagem destaque neste trabalho a uma discussão proposta
têm demonstrado uma preocupação crescente por Halliday (1998), que enfoca a natureza
com a linguagem no contex to escolar, mais funcional e interativa da linguagem, relacionando-
especificamente com o trabalho desenvolvido a com a constituição social do homem. Nesse
nas escolas com relação à língua materna. sentido, pretendemos associar tais aspectos às
Pesquisadores como Franchi, Rojo, Batista, considerações sobre o ensino de língua materna
Marcuschi, Costa Val, Dionisio, Bezerra, entre nas escolas brasileiras e também com o uso do
outros, demonstram, em seus trabalhos, tal livro didático em tais práticas educativas.
preocupação.
Temos, essencialmente, uma escola voltada LINGUAGEM, SOCIEDADE E ENSINO
ao ensino da variedade padrão da língua. Dessa
forma, o ensino de Língua Por tuguesa está Tradicionalmente, os estudos sobre a lingua-
vinculado a uma perspectiva gramatical que não gem e o ensino de língua materna abordam as
envolve a realidade social do aluno em sua prática. questões referentes à linguagem sob a perspec-
O trabalho feito volta-se, basicamente, para tiva lógico-gramatical e pragmático-discursiva.
aspectos formais e estruturais, desconsiderando Isso significa dizer que a linguagem é estudada,
a natureza funcional e interativa da língua no primeiro caso, com base em três níveis princi-
(MARCUSCHI, 2003). pais: fonológico, mor fológico e sintático. Dessa
Considerando, ainda, o contex to escolar, temos forma, a busca do sentido se dá pela ar ticulação
o uso bastante comum de livros didáticos nas desses níveis de análise lingüística e da sua rela-
diferentes disciplinas, distribuídos pelo Programa ção com a realidade ex traverbal. Por outro lado,
Nacional do Livro Didático (PNLD). Na disciplina na abordagem pragmático-discursiva, o estudo
de Língua Por tuguesa, não é diferente. Apesar de da linguagem considera as seqüências tex tuais
inúmeras críticas, o livro didático de por tuguês produzidas e a situação de comunicação recor-
é uma realidade nas escolas, visto seu papel de rente. Nessa perspectiva, “os níveis lingüísticos
facilitador da vida do professor e, principalmente, são concebidos como de natureza heurística
seu papel de sujeito no processo de ensino- (metodológica) e não ontológica (essência da
aprendizagem (FREGONEZI, 2003). Além disso, constituição da linguagem)”. A origem das Gra-
muitos estudos atestam que o livro didático vem máticas Tradicionais e os estudos do tex to na es-
passando por transformações significativas, “que cola enquadram-se nessas perspectivas (ROJO e
se configuram como um fruto legítimo da virada BATISTA, 2003, p. 102).
pragmática”, ou seja, da consideração do uso da Tais abordagens, no entanto, desconsideram
linguagem como objeto privilegiado de reflexão aspectos sociais e históricos que são inerentes
(RANGEL, 2005, p. 14). à linguagem. Assim, desde o século passado
Considerando os problemas relativos ao vêm ganhando espaço teorias que consideram a
ensino de língua materna, inúmeras concepções linguagem como “um fenômeno sócio-histórico
de linguagem vêm sendo discutidas com o objetivo que resulta da ar ticulação de aspectos de

110
110
natureza ex tralingüística ou pragmática e de de qualquer contex to de produção do discurso.
natureza lingüística ou formal” (ROJO; BATISTA, A linguagem da sala de aula não considera as
2003, p. 103). nuances das variedades lingüísticas que estão
Nesse sentido, Halliday (1998, p. 19) apresenta ali interagindo. A escola também é um contex to
um questionamento impor tante: “De que outro de interação entre indivíduos que trocam, entre
modo pode-se considerar a linguagem senão em outras coisas, experiências distintas. E isso tudo
seu contex to social?” [tradução minha]. Essa se reflete significativamente na linguagem do
questão é fundamental em qualquer estudo que aluno (escrita e falada).
pretende relacionar linguagem e sociedade, visto O reconhecimento da relação entre língua e
que no desenvolvimento de qualquer indivíduo a sociedade é impor tante, visto que uma não existe
língua desempenha papel fundamental, na medida sem a outra: não há homem social sem linguagem
em que é por meio dela que tais indivíduos e não há língua sem homem social. Um dos
interagem em diversos grupos sociais - família, motivos do fracasso no ensino de linguagem na
escola, universidade, trabalho, etc., adotando a escola pode ter origem na falta de conhecimento
cultura, os modos de pensar e atuar, as crenças da natureza das relações entre língua e sociedade:
e os valores desses grupos. mais especificamente, os processos pelos quais
Com base em tais aspectos, Halliday (1998, um indivíduo se transforma em um ser social
p. 64) acrescenta que são os usos do dia-a-dia (HALLIDAY, 1998, p. 22).
da linguagem que servem para transmitir ao Em suas considerações, Halliday (1998, p. 24)
indivíduo as qualidades essenciais da sociedade destaca que o indivíduo com a capacidade de falar
e a natureza do ser social. O autor entende por e entender, de ler e escrever, não pode deixar
`usos da linguagem’ a seleção de opções dentro de ser considerado de uma perspectiva social.
do sistema lingüístico em contex tos de situações É por meio da língua que o homem se integra em
reais. Nesse sentido, o trabalho da linguagem na um grupo e interage com seu semelhante. Nesse
escola assume papel fundamental, visto que a processo, a língua assume papel essencial, visto
relação entre a linguagem e o homem social não que através das trocas lingüísticas realizadas é
é, na maioria das vezes, considerada no contex to que se determina a posição dos indivíduos no
escolar. grupo.
Essa é uma das grandes discussões que No entanto, essa relação entre a linguagem e
envolvem as práticas educativas, principalmente o contex to social é sempre dialética, no sentido
as práticas de língua por tuguesa. O que se de que ela “simboliza o sistema social, criando
questiona é um ensino de língua materna voltado e sendo criado por ele” (HALLIDAY, 1998,
apenas para o aprendizado da norma padrão da p. 237). Nas relações estabelecidas dentro do
língua, em sua modalidade escrita. Obviamente, sistema social, por meio da linguagem, é que
esse é um dos objetivos do ensino da língua, se constituem os diferentes papéis sociais.
isso é inquestionável, visto que a variedade não- A par tir do momento em que o indivíduo par ticipa
padrão o aluno já domina. Porém, é a forma de um grupo social, ele obviamente estará
como tal prática é desenvolvida que precisa desempenhando determinado papel social.
ser rediscutida. Trabalha-se a linguagem fora

111
Esse aspecto é considerado, pelo autor, im- Assim, o referido autor (1998, p. 29) explica
por tante dentro de um contex to educacional: a que uma teoria funcional não está relacionada com
linguagem vista como compor tamento direciona processos mentais, mas com processos sociais
para a formação do indivíduo, ou seja, a formação que contribuem para o aprendizado da língua
de sua personalidade é, em si, um processo so- materna. Esse aprendizado é interpretado como o
cial, e, em vir tude dessas funções sociais, a lín- “domínio de um potencial de compor tamento por
gua desempenha papel fundamental (HALLIDAY, par te do indivíduo”. Dentro dessa perspectiva, a
1998, p. 26). Na escola, por exemplo, inúmeras linguagem é considerada uma forma de interação.
relações sociais são estabelecidas, seja entre Por meio dela ocorre o aprendizado, aspectos
professor e aluno (com papéis distintos), seja culturais são transmitidos de uma geração a
entre aluno e aluno (com papéis semelhantes), outra, e assim por diante.
entre professor e professor (também com papéis Ao considerar o processo de aprendizagem
semelhantes), ou, ainda, entre professor e dire- de uma língua fundamentado pela perspectiva
ção (com papéis distintos). Em alguns casos, re- funcional, e interpretando esse processo como o
lações hierárquicas são estabelecidas, e a lingua- domínio progressivo de algumas funções básicas
gem contribui sobremaneira para tal distinção. de linguagem e a constituição de significados,
Ao considerar a sociedade como centro do o autor considera que a linguagem cumpre
processo em que a capacidade lingüística se determinadas funções gerais em todas as culturas,
interpreta como o meio pelo qual se desenvol- independentemente dos diferentes meios - físico
vem e se mantêm as diversas relações sociais ou material (HALLIDAY, 1998, p. 34):
em que o indivíduo par ticipa, Halliday (1998, - a linguagem interpreta toda e qualquer experiên-
p. 27) adota o critério funcional da língua, ou cia do mundo que nos rodeia, e também de nosso
seja, o que o indivíduo pode fazer com ela. Nes- mundo interno (consciência);
se sentido, podemos resgatar aqui alguns pro- - a linguagem tem que expressar algumas rela-
blemas do ensino de língua por tuguesa. Como ções lógicas elementares;
citamos anteriormente, as críticas em relação a linguagem expressa a par ticipação de qualquer
a essa prática recaem principalmente sobre um indivíduo em situações de discurso; expressa os
tipo de ensino prescritivo, predominantemente papéis que assumimos, nossos valores, nossos
sem relação com as diversas situações comu- sentimentos e nossas atitudes;
nicativas nas quais os alunos estão inseridos. - a linguagem terá a função de vincular tudo o que
Desse modo, a abordagem funcional da língua, se diz com o contex to em que se diz, ou seja, de-
abordada por Halliday, é ex tremamente útil no verá organizar o discurso de forma per tinente.
contex to escolar, já que, a par tir dela, podemos Nesse sentido, grande par te de nossa
apresentar ao aluno as diferentes possibilidades conduta é mediada pela língua, no sentido de que
de uso de sua língua, entre as quais o uso ade- o indivíduo é socializado em sistemas de valores
quado da variedade padrão. A associação entre e modelos de conduta, ao mesmo tempo em que
determinado uso com a situação comunicativa o apreende. Assim, Halliday afirma que a cultura
correspondente pode ser de grande valia para o forma nossos padrões de compor tamento
aprendizado do aluno. (1998, p. 35).

112
112
Novamente, podemos remeter tais aspectos vivenciará fora da escola. Os tex tos produzidos
para o contex to educacional. Como a criança no contex to escolar, por exemplo, são, na maioria
desconhece a variedade lingüística trabalhada das vezes, exclusividade da escola (as redações),
na escola, porque seu dialeto é outro, alguns e desconsideram todos os parâmetros da situação
lingüistas acreditam que o fracasso na escola comunicativa que envolve “o lugar e o momento
esteja relacionado à teoria do déficit lingüístico. da produção, o emissor e o receptor, a instituição
Tal concepção considera todo dialeto deficiente, social onde se dá a interação, os papéis sociais
desprovido de alguns elementos essenciais, do produtor e do destinatário e o objetivo da
principalmente os estruturais. Segundo Halliday, interação, além do conteúdo temático e o gênero
exatamente por considerar a possibilidade da do tex to” (REINALDO, 2005, p. 92).
deficiência lingüística de seus alunos é que o A par tir da perspectiva social é que podemos,
professor os direciona ao fracasso, já que eles segundo Halliday (1998, p. 41), explicar mais
não se compor tam de acordo com o estereótipo adequadamente o que é linguagem, porque
lingüístico ensinado (HALLIDAY, 1998, p. 36). podemos verificar suas situações de uso,
Em contrapar tida, alguns lingüistas consideram considerando os fatores não-lingüísticos que
que não há deficiência e sim diferença lingüística, ser vem como meio regulador. Obviamente, não se
na medida em que os alunos, na escola, interagem pode enumerar todo o conjunto de usos possíveis
através de uma variedade distinta daquela da linguagem como um todo - em muitos casos
considerada padrão. Assim, o problema está em o falante pode utilizar a linguagem de maneiras
se considerar a variedade do aluno como inferior, distintas em uma mesma situação, o que torna o
por ser diferente daquela da escola - está criado conceito de uso da linguagem bastante complexo.
o estigma social que, juntamente com outras No entanto, é através desse conceito que podemos
questões, colabora para o fracasso escolar. explicar a variação que encontramos na linguagem
Alguns estudiosos, como Bernstein (apud e a sua própria natureza (diferentes estilos, níveis
HALLIDAY, 1998, p. 37), consideram o fracasso de formalidade, etc.). Encontramos, em nosso dia
escolar como um problema social e não a dia, níveis de variação lingüística (hierarquias
lingüístico, visto que, segundo ele, é o contex to dialetais ou variação dialetal) que representam
cultural que tem papel fundamental nesse a base do poder da sociedade (dialeto padrão),
processo, já que está enraizado na linguagem em oposição a variedades não-padrão (dialetos),
e é transmitido por ela. Além disso, o referido que podem representar diferentes classes com
autor nos diz que a determinação da configuração diferentes objetivos: linguagem de protesto,
cultural e lingüística é feita pela estrutura social linguagem de ghetto, etc. Assim, o `dialeto é um
e pelas relações sociais constituídas na família e meio de expressão da consciência de classe e da
em outros grupos sociais. consciência política” (HALLIDAY, 1998, p. 239).
Nesse sentido, a escola tem um alto poder de A relação dialética entre linguagem e
limitação lingüística, em função de orientar seus sociedade fica clara nas afirmações feitas, já
alunos apenas para as experiências escolares, que a linguagem é criada pela sociedade e, por
não havendo uma preparação desse aluno para sua vez, contribui para criar a sociedade. Nesse
as diferentes experiências que ele cer tamente sentido, os dialetos expressam a diversidade da

113
estrutura social, tanto que os diferentes registros de modo que sabemos que registro necessitamos
expressam a diversidade do processo social. para par ticipar daquela situação. Não seria esse
No contex to educacional, a variação é de suma um dos objetivos do ensino de língua por tuguesa
impor tância, já que a capacidade de domínio de na escola? Capacitar o aluno a par ticipar
diferentes variedades adequadas a diferentes das diferentes situações em que a linguagem
situações de uso está diretamente relacionada ao medeia as experiências humanas? No ensino de
êxito lingüístico do aluno. A linguagem funciona por tuguês por meio do livro didático, a língua é
em contex tos de situação, sem os quais ela se trabalhada como sendo homogênea e monolítica
torna ar tificial e inútil. Tais contex tos referem- (apenas a escrita), sem a consideração de
se a características (concretas e imediatas ou noções como dialeto, variante, sotaque, registro,
abstratas e remotas) per tinentes ao discurso que estilo, gíria e norma, noções centrais na relação
está sendo produzido (HALLIDAY, 1998, p.42). escola - sociedade (MARCUSCHI, 2005, p. 24).
Essa noção também é impor tante para a Segundo esse autor, seria interessante trabalhar
escola. Ela necessita que o aluno possa utilizar com diferentes níveis de uso da língua e suas
a linguagem de maneira determinada, mais formas de realização - desde o mais coloquial até
especificamente, para aprender. A linguagem é o mais formal.
um meio de aprendizagem para todos quando Os aspectos relacionados ao sistema educa-
chegam à escola. Porém, a abordagem da escola tivo também são uma preocupação de Halliday.
fica limitada a objetivos metalingüísticos. Segundo ele, é necessário interessar-se pelo que
Outra questão impor tante trazida por Halliday o falante diz, mas também mostrar as possibili-
é “que tipo de fator de situação determina qual dades do que ele pode vir a fazer por meio da
tipo de seleção lingüística?”. A variação da língua linguagem. O tex to deve ser estudado em todo
de acordo com seu uso é comum em todas as seu potencial, o que indica a necessidade de ado-
línguas, mas o que não se sabe é sobre a natureza ção de uma perspectiva funcional. Um exemplo
dessa variação - essa noção de registro envolve apresentado pelo autor refere-se ao processo de
o fato em si, quem par ticipa e as funções que ensino de leitura e escrita. Ao questionar sobre
desempenha a linguagem, além de constituir uma `o que é aprender a ler e a escrever’, Halliday
forma de predição: ao conhecermos a situação considera tal processo como uma ex tensão do
e o contex to social de uso da língua, podemos potencial funcional da língua. Se a criança não é
dizer muito sobre a linguagem que se produzirá orientada para os tipos de significado que o pro-
(1998, p. 47). fessor considera próprios da leitura e da escri-
Isso significa dizer, segundo Halliday (1998, tura, então esse processo está fora de contex to,
p. 245), que o sistema lingüístico se organiza de tal porque, “fundamentalmente, como na história da
forma que o contex to social serve para antecipar raça humana, ler e escrever são uma ex tensão
o tex to. E exemplifica dizendo que, ao chegarmos das funções da linguagem. Isso é também o que
a uma reunião, podemos nos situar rapidamente deve ser para a criança” (1998, p. 79).
porque captamos o campo, as relações que se Tais aspectos, normalmente, não são
estabelecem e o modo da situação, de tal maneira abordados no trabalho escolar com tex tos.
que podemos ter uma idéia do que está sendo dito, Esses servem, basicamente, para um trabalho

114
114
formal de organização gramatical e estrutural. sidera as orientações dadas pelo MEC por meio
Tais tex tos são utilizados totalmente fora de seu dos PCN. Alguns deles ainda não perceberam
contex to de produção e consumo. Dessa forma, os que a maioria dos livros já estão adaptados às
objetivos do autor, as condições de produção, os novas orientações e trazem tex tos representati-
aspectos ideológicos que perpassam esse tex to, vos de diversos gêneros, com obser vações que
além da consideração do provável leitor, deixam demonstram, de forma ainda tímida, a preocu-
de ser considerados. Assim, um trabalho mais pação dos autores em contex tualizar os tex tos
produtivo com tex tos também não é realizado. escolhidos para compor a obra.
Aliás, esta é uma das grandes dificuldades do Tal diversidade tex tual mostra a preocupa-
professor de por tuguês: o trabalho com o tex to. ção de alguns autores em colocar seu público
Nesse sentido, muitos professores acabam consumidor (o aluno) em contato com diver-
utilizando, indiscriminadamente, em suas aulas, sas situações de uso da linguagem, apesar
o livro didático. Este é, se bem utilizado, muito de aparecer apenas para a leitura. São tex tos
útil como apoio à prática pedagógica do pro- que transitam do registro mais formal ao me-
fessor de por tuguês. Mas o que ocorre, muitas nos formal, contemplando diversas variedades
vezes, é que o professor, por não ter tempo ou lingüísticas, assim como suas modalidades.
condições de preparar suas aulas, acaba por No entanto, considerando-se a produção de tex tos,
seguir fielmente as orientações dos livros didá- não há orientação metodológica suficiente para
ticos, sem uma visão crítica dele e, principal- a produção desses diferentes gêneros tex tuais
mente, sem conseguir visualizar a concepção (REINALDO, 2005, p. 92).
de linguagem que embasa a teoria e as práti- Assim, considerando os aspectos discutidos,
cas do material didático. Nesse contex to, uma existe a possibilidade de uma guinada no processo
concepção nítida de língua (falada e escrita), ensino-aprendizagem de por tuguês, o que fará
evitando relações dicotômicas, é fundamental com que o professor dê ao aprendiz a possibilidade
(MARCUSCHI, 2005a, p. 30). de significar, por meio da linguagem, em todos os
Inúmeras pesquisas, entre elas Rojo (2003), tipos de situação ou contex tos sociais gerados
Dionísio e Bezerra (2005), têm demonstrado o pela cultura.
processo evolutivo pelo qual os livros didáticos
vêm passando. Muitas obras já estão adequadas CONSIDER AÇÕES FINAIS
às orientações dadas pelos Parâmetros Curri-
culares Nacionais (PCN) no que refere a um Ao finalizarmos este tex to, gostaríamos de
trabalho mais efetivo com diferentes gêneros destacar a impor tância que os estudos lingüísti-
tex tuais e, conseqüentemente, com diferentes cos apresentam com relação não só ao aprimo-
situações de uso da linguagem. Porém, alguns ramento de abordagens teóricas, mas também às
professores ainda não perceberam a impor tân- práticas educativas no atual contex to brasileiro.
cia de tais orientações. As percepções dos inúmeros autores que estu-
Em uma pesquisa recente, por meio da qual dam a linguagem são de fundamental impor tância
tentamos perceber como o professor se “rela- para qualquer pesquisador que se interesse pelos
ciona” com o livro didático “adotado” por sua estudos lingüísticos e suas diversas especialida-
escola, verificamos que a maioria deles descon- des - sociais, psicológicas, cognitivas, enfim.

115
Considerando o contex to educacional, mais continua calado, porque não traz da escola um
especificamente o processo de ensino-apren- aprendizado de língua que lhe possibilite atuar
dizagem de língua por tuguesa, tais estudos são em diferentes situações. A escola, nesse sentido,
primordiais. Já passamos, e muito, do tempo tem um impor tante papel, embora pareça ainda
em que tanto professores quanto alunos possu- não tê-lo percebido. Ao refletir uma sociedade
íam o mesmo nível de letramento e per tenciam desigual, ela tem um grande trunfo: capacitar seu
à mesma classe social e cultural. Nessa época, aluno lingüisticamente para que ele possa, por
os alunos iam à escola justamente para praticar a meio da linguagem, par ticipar de forma efetiva
metalinguagem, isto é, tecer considerações sobre das lutas que se travam no seu interior.
uma variedade lingüística que já dominavam.
Porém, com a democratização do ensino, REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
alunos e professores de diferentes níveis de
FREGONEZI, D. Livro didático de língua por tuguesa:
letramento e classes sociais passaram a conviver
liberdade ou opressão? In: LEFFA, V. (org.). Tela 2
em um mesmo ambiente, a escola. O objetivo (Tex tos em Lingüística Aplicada) [CD-ROM]. Pelotas:
do ensino continua o mesmo, trabalhar apenas Educat, 2003.
aspectos formais do idioma. HALLIDAY, M. A. K. El languaje como semiótica
Nesse sentido é que as novas abordagens lin- social - la interpretación social del lenguaje y del
güísticas parecem estar contribuindo. A par tir de significado. Santafé de Bogotá, Colômbia: Fondo de
Cultura Econômica, 1998.
grandes discussões e questionamentos sobre o
tema, aos poucos, a concepção que se tem sobre MARCUSCHI, L. A. Oralidade e ensino de língua: uma
questão pouco “falada”. In: DIONISIO, A.; BEZERRA,
o trabalho com a linguagem, o que ela significa e M. A. (orgs.) O livro didático de português: múltiplos
o que ela pode significar, isso está sendo revisto. olhares. 3. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005.
Dessa forma, trabalhos que consideram a ______. Compreensão de tex tos: algumas reflexões.
linguagem numa perspectiva social são impres- In: DIONISIO, A; BEZERRA, M. A. (orgs.) O livro
cindíveis nesse contex to. O trabalho de Halliday, didático de português: múltiplos olhares. 3. ed. Rio
como pudemos perceber, traz grandes contri- de Janeiro: Lucerna, 2005b.
buições, em função de considerar a linguagem ______. Gêneros tex tuais: definição e funcionalidade.
funcionalmente. A sociedade evolui constante- In: DIONISIO, A.; MACHADO, A.; BEZERRA, M. A.
(orgs). Gêneros tex tuais e ensino. 2. ed. Rio de
mente, vivemos na era da informação, novas Janeiro: Lucerna, 2003.
situações são criadas a cada dia, e a linguagem
REINALDO, M. A. A orientação para a produção de
tem papel fundamental nesse processo. tex to. In: DIONISIO, A.; BEZERRA, M. A. (orgs.) O livro
As inúmeras situações comunicativas a didático de português: múltiplos olhares. 3. ed. Rio
que estamos expostos diariamente fazem com de Janeiro: Lucerna, 2005.
que estejamos, cada vez mais, capacitados RANGEL, E. Livro didático de língua por tuguesa: o
lingüisticamente para podermos interagir numa retorno do recalcado. In: DIONISIO, A.; BEZERRA,
M. A. (orgs.) O livro didático de português: múltiplos
sociedade globalizada. Um dos principais fatores
olhares. 3. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005.
excludentes é a linguagem. Na escola, como o aluno
ROJO, R.; BATISTA, A. A. Livro didático de língua
não “domina” a variedade lingüística trabalhada,
portuguesa, letramento e cultura da escrita.
ele se cala. Quando esse aluno sai da escola, ele Campinas: Mercado de Letras, 2003.

116
116

Você também pode gostar