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INSTITUTO SUPERIOR DE EDUCAÇÃO

CURSO DE PEDAGOGIA

THIAGO DE ARAUJO DUARTE

A IMPORTÂNCIA DA REPRESENTATIVIDADE NEGRA NA LITERATURA


INFANTIL BRASILEIRA

RIO DE JANEIRO
2021
THIAGO DE ARAUJO DUARTE

A IMPORTÂNCIA DA REPRESENTATIVIDADE NEGRA NA LITERATURA INFANTIL


BRASILEIRA

Monografia apresentada à Coordenação do Instituto Superior de


Educação/ISE, à coordenação do Curso de Pedagogia e à
Professora Doutora Julia Oliveira Costa Nunes, como requisito
parcial para a conclusão do Curso de Pedagogia.

Professor Orientador: Profª Drª Julia Oliveira da Costa Nunes

RIO DE JANEIRO
2021
CATALOGAÇÃO BIBLIOTECA CENTRAL
CENTRO UNIVERSITÁRIO GAMA E SOUZA
DUARTE, Thiago de Araujo. A importância da representatividade negra na literatura infantil
brasileira. 2021, 47 fls. Monografia (Graduação em Pedagogia) Coordenação do Instituto
Superior de Educação. Coordenação do Curso de Pedagogia. UNIGAMA.

Literatura infantil, representatividade, identidade negra


THIAGO DE ARAUJO DE DUARTE

A IMPORTÂNCIA DA REPRESENTATIVIDADE NEGRA NA LITERATURA


INFANTIL BRASILEIRA

Monografia apresentada à Coordenação do Instituto Superior de


Educação/ISE, à coordenação do Curso de Letras-Licenciatura e à
Professora Doutora Julia Oliveira Costa Nunes, como requisito
parcial para a conclusão do Curso de Letras-Licenciatura.

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________________________
Professora Doutora Julia Oliveira Costa Nunes – UNIGAMA (Orientador)

_______________________________________________________________
Professor Doutora Dennis da Silva Castanheira – UFF

______________________________________________________________
Professora Mestre Luana da Silva Cruz – UFRJ

______________________________________________________________
Professora Doutora Janaína de Fátima Silva Abdalla – UNIGAMA (Suplente)

Aprovado (a) com a nota/conceito: ________

Rio de Janeiro, _______de______________ de ___________.


Dedico esse trabalho a Deus por ter me dado força
e foco para não desistir dos meus sonhos, e aos
meus pais, e a cada familiar, pois sempre me
apoiaram e acreditaram em mim. Dedico
especialmente a minha vó Rozalina Maria Milagre
de Araujo, pois sei que onde quer que estela, ela
está sempre me vigiando e torcendo pelo futuro do
seu neto como ela sempre falava. Te amarei
eternamente, vozinha.
AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus por me ajudar a passar por esse


momento incrível que foi o sonho de realizar uma graduação.
Também não posso deixar de agradecer primordialmente a meus
pais que sempre me deram todo apoio do mundo e por me
ensinarem a persistir e nunca desistir de meus sonhos. Um
agradecimento especial a minha mãe por ter me ajudado também
financeiramente a concluir o nosso sonho que é me ver formado.
Eu sei como foi difícil, mas tenho certeza que todo esforço não
foi em vão. Te Amo mãe. Agradeço também aos meus tios e
primos, pois o apoio de cada um nessa jornada foi fundamental
para mim. Gostaria também de agradecer a todos os meus
amigos, em especial a Adriana e Anna Esther que sempre me
deram total apoio e palavras de conforto para não desistir dos
meus sonhos. Além disso, quero destacar graciosamente a minha
parceira que fiz amizade nesse tempo de graduação e que levarei
para o resto da vida: Stephany Dias. Ela foi a pessoa com quem
eu mais me identifiquei na graduação e esteve sempre ao meu
lado nos momentos mais difíceis, obrigado por toda a ajuda eu
realmente não sei do que seria de mim sem essa grande mulher.
Além disso, não poderia deixar de agradecer aos demais
professores e também honrar a minha querida orientadora Julia
Nunes por quem eu tenho um imenso carinho, admiração e
inspiração. Muito obrigado professora Julia por ter me aceitado
como o seu orientando, elaborar esse trabalho junto de você foi
uma experiência incrível e que eu lembrarei e levarei
eternamente para o resto de minha vida. A senhora é minha
maior fonte de inspiração.
Não há melhor palco
para um pensamento que dança
do que o lado de dentro
da cabeça das crianças.
(Emicida, 2018)
RESUMO

O presente trabalho apresenta uma pesquisa a respeito da representatividade


negra na literatura infantil brasileira e como isso afeta de forma positiva as crianças
negras. Para isso, faz-se menção sobre o histórico tanto da literatura infantil de forma
geral quanto da brasileira, expondo um breve percurso da importância dela num âmbito
nacional, onde se aborda a realidade brasileira em detrimento do que vinha sendo
importado da Europa. Além disso, fala-se da importância da leitura e do papel do
professor e a análise de três livros para entender como aconteceu a evolução da
caracterização de personagens negros nas histórias infantis e também levando as que
não são a se sensibilizarem e entender como é fundamental a discussão. É importante
entender que a literatura infantil é muito importante à formação do indivíduo,
permitindo que ele tenha autonomia e desenvolva o seu senso crítico e ainda
proporciona o prazer pela leitura. Sabe-se que, infelizmente, há ainda uma certa
estigmatização dos negros seja na literatura ou em qualquer outro veículo, como é o
caso do colorismo e a pigmentocracia os quais são um tipo de racismo que faz a acepção
das pessoas seja pela tonalidade de suas peles ou pelas suas características fenotípicas.
Além disso, a discussão sobre esse tipo de racismo, leva a refletir o porquê de parte dos
discentes levarem para as salas de aula histórias em que, embora protagonistas, os
personagens negros são escritos sob o viés de um autor branco o qual, na maioria das
vezes, venha desenvolve-los de forma estereotipada, diferentemente de um autor negro
o qual já apresenta mais autonomia para abordar tanto as dificuldades enfrentadas por
sua etnia como também sobre a cultura e costumes dela. Através disso, mostra-se como
é importante que as crianças tenham referenciais nos quais elas possam se espelhar e
assim se sentirem representadas, inclusas e aceitas.

Palavras-chave: Literatura infantil, representatividade, identidade negra


Sumário

1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 7

2. LITERATURA INFANTIL: UM BREVE HISTÓRICO ............................................. 9

2.1. A literatura infantil brasileira .............................................................................. 12

2.2. A importância da leitura e o papel do professor ................................................. 14

3. REPRESENTATIVIDADE NEGRA NA LITERATURA INFANTIL ..................... 19

3.1. O estereótipo negro no passado ........................................................................... 24

3.2. A representação contemporânea do negro ........................................................... 29

3.3 Exemplificando metodologias de ensino: um plano de aula ................................ 35

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 41

REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 43
7

1. INTRODUÇÃO

Sabe-se que a literatura infantil é um forte instrumento na formação das crianças,


principalmente as que serão foco nessa pesquisa: as crianças negras. Acontece que esse
tipo de arte permite aos pequenos ter acesso e a desenvolverem o prazer pela leitura,
proporcionado a eles autonomia, senso crítico e expansão de seu conhecimento de
mundo.
Não obstante, salienta-se ainda que através da literatura infantil essas crianças
passem pelo processo de construção de identidade, como diz Cavalleiro:

As imagens suscitadas tanto pelas ilustrações quanto pelas descrições


e ações da personagem negra podem ser utilizadas de maneira
construtiva, de modo que contribuam para a autoestima das crianças
negras, bem como para a sensibilização das não negras.”
(CAVALLEIRO, 2001, p.196)

Com isso, acredita-se que a criança negra, através das histórias infantis, terá meios
de se identificar com personagens os quais fazem parte de seu biotipo, dando-lhe meios
de conhecer a cultura e costumes de seus ancestrais e também a se sentir aceita e
representada. Além disso, como a autora diz, essas narrativas também servem para que
as crianças não negras entendam como é importante que se tenha essa
representatividade a fim de mostrar a elas que há minorias as quais não têm os mesmos
privilégios que elas, mas que, de forma lenta, estão buscando exercer seus direitos de
forma igualitária.
Com o presente trabalho, pretende-se fazer uma reflexão acerca da importância da
representatividade do negro na literatura infantil de forma que as crianças negras
possam se espelhar e se aceitar de forma prazerosa através das personagens que
condizem às suas características. Para tanto, a pesquisa e a reflexão foram baseadas nos
seguintes objetivos específicos:

a) apresentar o estado da arte, ou seja, a revisão da literatura, do tema;


b) discutir através de três livros selecionados a evolução da inserção dos
personagens negros na literatura, desde o seu papel como coadjuvante ao
protagonismo;
8

c) expor a importância do resgate cultural e racial da comunidade negra através da


literatura infantil.

Desse modo, no capítulo 2, apresentou-se um breve histórico da literatura infantil


numa perspectiva geral e num viés brasileiro, baseando-se, majoritariamente, nos
estudos de Lajolo & Zilberman. Além disso, discorreu-se a respeito do prazer da leitura
e do papel do professor enquanto mediador da disciplina, levando em consideração os
documentos BNCC e PCN. Por sua vez, o capítulo 3 ficou encarregado da discussão da
literatura infantil como instrumento para a construção identitária da criança, levando em
consideração a representatividade e também a emancipação das personagens negros nas
histórias infantis. Para isso, analisou-se três livros selecionados: "O Picapau Amarelo"
(LOBATO, [1938] 2020), "Menina bonita do laço de fita" (MACHADO, [1986] 2016) e
"Amoras" (EMICIDA, 2018). Por fim, apresentou-se uma das possibilidades de
metodologias de como se trabalhar, em sala de aula, a representatividade negra através
de histórias infantis protagonizadas por negros.
9

2. LITERATURA INFANTIL: UM BREVE HISTÓRICO

Pode-se entender a literatura como “uma arte, a arte da palavra, isto é, um produto
da imaginação criadora, cujo meio específico é a palavra, e cuja finalidade é despertar
no leitor ou ouvinte o prazer estético.” (COUTINHO, 1955, p. 71). A partir disso, é
possível notar que ela é uma manifestação da arte através dos textos escritos, resultando
assim em um misto de sentimentos que atingem os leitores. Por exemplo, em um livro,
o leitor consegue esboçar diversas reações, tais como: diversão, comoção, indignação,
reflexão sobre a sua própria realidade.
Verifica-se o quão importante é o ensino da literatura, principalmente da que será
tratada no presente trabalho: a literatura infantil. Isso se dá pelo motivo de que ela é
fundamental para que o homem, quando criança e está passando pelo seu processo de
ensino aprendizagem, construa a sua identidade, formando-se, assim, cidadão e tenha
um vasto conhecimento de mundo através da subjetividade que a disciplina
proporciona.
Para Nelly Novaes Coelho (1991), a literatura infantil tem como características:

Abertura para a formação de uma nova mentalidade, além de ser um


instrumento de emoções, diversão ou prazer, desempenhada pelas
histórias, mitos, lendas, poemas, contos, teatro, etc..., criadas ela
imaginação poética, ao nível da mente infantil, que objetiva a
educação integral da criança, propiciando-lhe a educação humanística
e ajudando-a na formação de seu próprio estilo. (COELHO, 1991, p.
5).

Dessa forma, entende-se que a literatura, mais precisamente a que é tratada nesse
trabalho: a literatura infantil amplia o conhecimento de mundo e a construção do
pensamento social do ser humano, sendo ela de grande importância no desenvolvimento
e aprendizado das crianças.
Ao fazer uma breve análise da literatura infantil até a contemporaneidade,
percebe-se que ela passou por diversos momentos até se concretizar de fato a ideia de
que era um tipo de literatura em que seu público-alvo era as crianças. Em síntese, Lajolo
& Zilberman (2007) explicam que ela começa a aparecer no século XVII quando,
durante o classicismo francês, há histórias escritas que foram tratadas como um tipo de
literatura adequada às crianças, como foi o caso das Fábulas, de La Fontaine editadas
10

entre 1668 e 1694, As aventuras de Telêmaco, de Fénelon, em 1717, e os Contos da


Mamãe Gansa, de Charles Perrault em 1697.
No entanto, Lajolo & Zilberman (2007) pontuam que as primeiras obras
publicadas visando o público infantil aparecem no mercado na primeira metade do
século XIII. Verifica-se, então, que a literatura infantil começa a ser mais concreta
quando o mundo passa do sistema feudal para a consolidação do sistema capitalista.
Isso acontece devido a dois grandes atos da humanidade: a Revolução Industrial e a
Revolução francesa.
Se por um lado, a revolução industrial proporcionou diversas transformações no
solo inglês, tais como detrimento do sistema feudal, crescimento político, construções
de máquinas que vinham substituir o trabalho manual; por outro lado, a revolução
francesa marca a revolta da burguesia, isto é, da classe média a fim de derrubar a
monarquia. É a partir dessa ascensão da burguesia que duas instituições são
incentivadas a trabalharem a seu favor: a família e a escola.

A primeira dessas instituições é a família, cuja consolidação depende,


em alguns casos, da interferência do Estado absolutista que,
interessado em fraturar a unidade do poder feudal, ainda atuante,
estimula um modo de vida mais doméstico e menos participativo
publicamente. Esse padrão vem a ser qualificado como moderno e
ideal, elevando-se como modelo a ser imitado por todos. (LAJOLO &
ZILBERMAN, 2007, p. 16).

Entende-se que a instituição família foi um meio mais prático da burguesia ganhar
um maior apoio da população, tendo em vista que a classe burguesa pregava a
preservação de um modo de vida mais doméstico e também do estilo de vida familiar
em que há uma divisão do trabalho entre os membros: o pai era o patriarca, o qual dava
sustento a família; enquanto a mãe estava ligada às atividades domésticas. Por sua vez,
essa ideia da burguesia acaba gerando um novo beneficiário que até então não tinha
muito valor à sociedade da época: a criança.
Observa-se, então, que, nesse momento, as crianças começam a obter um papel
mais relevante à sociedade, o que resulta no surgimento da literatura infantil, tendo em
vista que, com o capitalismo, o mercado literário infantil teria uma grande busca.
Quanto a escola, as autoras observam: “Tendo sido facultativa, e mesmo
dispensável até o século XVIII, a escolarização converte-se aos poucos na atividade
compulsória das crianças, bem como a frequência às salas de aula, seu destino natural”
11

(idem, 2007, p. 16). Antigamente, a escola não era democrática, fazendo com que
apenas parte da população tivesse acesso à escolarização. Os que tinham esse acesso
ainda podiam escolher se frequentavam ou não as instituições. Entretanto, com as ideias
burguesas, a escola passa a ser aberta a todos, sob a ótica de que, quanto mais gente
letrada, mais alto será a proliferação do comércio de livros voltados ao público infantil.
Desse modo, mesmo que as primeiras obras literárias infantis tenham surgido na
França, é na Inglaterra que a sua divulgação ganha mais força, por ela ser o epicentro do
comércio naquela época. A literatura, como dita anteriormente, é tida como mercadoria,
no entanto, para que ela vendesse, dependia que a população fosse letrada, uma vez que
haveria procura pelos livros.
É importante ressaltar que “a fascinação pelos anos da infância, um fenômeno
relativamente recente” (HEYWOOD, 2004, p. 13). A noção de criança passou por
diversas transformações até chegar no que de fato é ser criança na contemporaneidade.
Quando se faz uma relação da literatura infantil com a essa noção de criança, sob o
contexto da revolução industrial e francesa, pode-se perceber que, nessa época, elas
eram tratadas como auto informativas, isto é, desde o momento em que os pequenos
começassem a ler, por exemplo, ela já estava sendo preparada para a vida adulta. Nesse
sentido, elas só tinham valor para a sociedade a partir do momento em que fosse capaz
de ler e compreender os textos escritos.
Diferentemente, nos dias atuais, a noção de criança que é considerada pelo
Referencial Curricular Nacional para a Educação (Brasília, 1998) é de que “as crianças
possuem uma natureza singular, que as caracterizam como serem que sentem e pensam
o mundo de um jeito próprio”. A criança é capaz de criar um pensamento único sem que
ela precise da ajuda de um adulto ou ainda pensar como tal. Os livros infantis surgem,
exatamente, na expectativa de fazer com que fosse derrubado o modo de como os
adultos queriam que as crianças enxergassem o mundo ao modo deles, tendo em vista
que, através da literatura a criança conseguirá expandir a sua imaginação e ter
autonomia.
Além disso, quando se fala em literatura infantil, não se pode deixar de citar duma
das características primordiais que faz parte dos conteúdos desses livros: os contos de
fadas, tendo em vista que é um gênero textual que se dispõe de personagens simples e
fáceis de serem compreendidos pelas crianças, como é o caso dos heróis os quais
sempre travão uma grande batalha contra o mal. Farias e Rubio (2012) colocam que “A
essência do conto de fadas é o de abstrair conceitos formadores de caráter, uma vez que
12

estabelece relação entre ‘bem e mal’, ‘certo e errado’.” Os contos de fadas, portanto, ao
tratarem dessas antíteses que existem na vida, transmitem aos pequenos a ideia de que
esses empecilhos podem ser superados, ajudando-os a lidar com as suas frustrações e
seus medos, e ainda permitindo a eles a se identificar com as personagens e a
problematizar de forma significativa as demais situações abordadas nas histórias.

2.1. A literatura infantil brasileira

Muito diferente da Europa, a literatura infantil só chegou ao Brasil mais


especificamente no final no século XX. Antes disso, no século XIX, era comum a
tradição da contação de histórias oralmente sobre o “misticismo e o folclore das culturas
indígenas, africanas e europeias” (HERMES, KIRCHNER, c2019, p. 3). Ao fazer um
parâmetro com o contexto do Brasil nessa época, é possível observar que a literatura
infantil chega sob o contexto de mudança no regime político no Brasil, o qual era regido
por um sistema monárquico e, quando esse sistema é derrubado, passa a ser uma
República que é adotada em 1889.
Com este novo regime, o país começou a passar por diversas transformações,
dentre elas “uma política econômica que favorecesse o café” (LAJOLO &
ZILBERMAM, 2007, p. 22), tendo em vista que era o seu principal produto de
exportação do naquela época. Além disso, houve também as leis abolicionistas, a fim de
que “substituísse de vez a mão-de-obra escrava pela assalariada” (LAJOLO &
ZILBERMAM, 2007, p. 22), visto que o tráfico de escravos começava a ser proibido
em diversos países, sem contar também que aqueles que eram traficados acabavam
fugindo.
Por sua vez, essa transformação na economia com um maior foco na exportação
do café, fez com que o país tivesse uma aceleração na modernização urbana, resultando
então no surgimento da literatura infantil no solo brasileiro. Segundo Lajolo &
Zilbermam (2007: 23), “Decorrente dessa acelerada urbanização que se deu entre o fim
do século XIX e o começo do XX, o momento se torna propício para o aparecimento da
literatura infantil.” Ou seja, ao passo que o país vai se industrializando, começa a existir
mais consumidores em consonância com produtos que objetivam alcançar novos
públicos, como é o caso dos livros infantis.
No entanto, no Brasil “(...) a literatura infantil tem início com obras pedagógicas
e, sobretudo adaptações de obras de produções portuguesas, demostrando a dependência
13

típica das colônias” (CUNHA, 1999, p. 23). Com essa grande modernização e
aparecimento do mercado literário, começa uma grande atenção no que diz respeito a
escola e principalmente a alfabetização, uma vez que, para que esse mercado tivesse
uma maior eficiência, era preciso que a população soubesse ler. Porém ainda era muito
comum a falta de material didático nas escolas brasileiras.
Nesse sentido, começa a aflorar, então, a ideia que Lajolo & Zilbermam destacam:

Nas lamentações da ausência de material de leitura e de livros para a


infância brasileira, fica patente a concepção, bastante comum da
época, da importância do hábito de ler para a formação do cidadão,
formação que, a curto, médio e longo prazo, era o papel que se
esperava do sistema escola que então se pretendia implantar e
expandir. (LAJOLO & ZILBERMAM, 2007, p. 26).

A partir disso, os docentes brasileiros começaram a produzir os próprios materiais


didáticos os quais mais uma vez foram um ponto para mostrar como o país estava se
modernizando aos poucos. Logo, acaba que há uma grande expansão no mercado
literário e desse meio profissionalizante de produzir tanto os materiais pedagógicos
quanto livros infantis.
Não obstante, como mencionou Cunha (1999), ainda havia um transtorno: a
importação de livros infantis, mais precisamente os europeus. Ocorre que as histórias
ainda não eram patrióticas, ou seja, feitas sobre a realidade brasileira, mas, sim, eram
importadas de outros países, sendo a tarefa dos tradutores traduzir os livros, tais como
Contos seletos das mil e uma noite, Robinson Crusoé, Viagens de Gulliver. Só que
ainda vale mencionar que muitas dessas traduções eram feitas por Portugal, o que
acabava gerando um certo conflito com o leitor brasileiro, porque as línguas acabavam
entrando em divergência devido as suas diferenças.
É nesse sentido que surge o anseio de que o Brasil comece a fazer livros infantis
que tenham uma realidade fidedigna a brasileira. Na metade do século XX, em 1921
mais precisamente, estreava o ponto de partida para a um tipo de literatura infantil
patriótica, a obra de Monteiro Lobato: Narizinho Arrebitado, após ter se preocupado
com a literatura infantil, a qual, por sua vez, devido ter sido bem recebida, passou a ser
componente nas escolas públicas de São Paulo (LAJOLO & ZILBERMAM, 2007).
Dentre as características marcantes de Lobato, há a literatura fantástica em que o
saudoso autor se utiliza de castelos, sítios, fazendas, fadas, personagens que compõe o
14

folclore brasileiro, desde boneca de pano a sabugo de milhos construídos pela


prosopopeia (MEDEIROS, PEREIRA & ANTONIO 2012).
De acordo com Zilbermam (1981):

O papel exercido por Monteiro Lobato no quadro da literatura infantil


nacional tem sido seguidamente reiterado, e com justiça. É com este
autor que se rompe (ou melhor, começa a ser rompido) o círculo da
dependência aos padrões literários provindos da Europa,
principalmente no que diz respeito ao aproveitamento da tradição
folclórica. Valorizando a ambientação local predominante na época,
ou seja, a pequena propriedade rural, constrói Monteiro Lobato uma
realidade ficcional o que acorre pela invenção do Sítio do Pica Pau
Amarelo.” (ZILBERMAM, 1981, p. 48).

Dessa maneira, através do que foi exposto, percebe-se que com Lobato fazendo
parte do mercado literário infantil, as obras começam a ganhar um grande destaque para
a realidade que compõe o espaço brasileiro, indo de encontro aos padrões das obras
europeias. Além disso, é possível notar que o autor foi o ápice para impulsionar o
mercado literário infantil brasileiro, dando assim oportunidades para autores que
também posteriormente viriam compor este tipo de literatura.

2.2. A importância da leitura e o papel do professor

Outro ponto muito importante que merece um grande destaque é a importância da


leitura estimulada não só pela literatura, mas também pela escola, visto que é através da
primeira que a segunda consegue efetivar o processo de construção cidadã do sujeito.
De acordo com o PCN:

Um leitor competente é alguém que, por iniciativa própria, é capaz de


selecionar, dentre os trechos que circulam socialmente, aqueles que
podem atender a uma necessidade sua. Que consegue utilizar
estratégias de leitura adequada para abordá-los de formas a atender a
essa necessidade. (PCN, 1998, p. 15).

Não obstante, a BNCC diz:

O Eixo Leitura compreende as práticas de linguagem que decorrem da


interação ativa do leitor/ouvinte/espectador com os textos escritos,
orais e multissemióticos e de sua interpretação, sendo exemplos as
15

leituras para: fruição estética de textos e obras literárias; pesquisa e


embasamento de trabalhos escolares e acadêmicos; realização de
procedimentos; conhecimento, discussão e debate sobre temas sociais
relevantes; sustentar a reivindicação de algo no contexto de atuação da
vida pública; ter mais conhecimento que permita o desenvolvimento
de projetos pessoais, dentre outras possibilidades. (BRASIL, 2017, p.
71).

Nessa linha de raciocínio, quando se olha para a escola, a qual até então tem uma
ideia democrática, percebe-se que seu objetivo é formar pessoas com autonomia do
pensamento crítico. Desse modo, é aqui que entra o papel fundamental da leitura no
ambiente escolar, tendo em vista que, como já foi citado, ela permite ao homem ter um
maior conhecimento de mundo e explorar a sua imaginação.
No entanto, nem sempre a teoria se aplica a prática, pois:

A escola tem como meta formar leitores críticos e autônomos capazes


de desenvolver uma leitura crítica do mundo, mas [...] no ambiente
escolar a leitura muitas vezes é praticada tendo em vista o consumo
rápido de textos, ao passo que a troca de experiências, as discussões
sobre os textos, à valorização das interpretações dos alunos torna-se
atividades relegadas a segundo plano. (SILVA, 2003, p. 515 apud
DUARTE & MATEUS, c2017, p. 1-2).

Muitas vezes a leitura, na instituição escola, acaba sendo desfalcada, resultando


em uma certa defasagem no desenvolvimento crítico da criança. Por isso que é preciso
que se tenha discussões que envolvam as histórias estão sendo lidas a fim de que cada
criança mostre o seu ponto de vista já que cada uma faz uma leitura diferente daquilo
que está sendo lido.
Candido (2008: 6) afirma: “O processo de humanizar requer o exercício da
reflexão, a aquisição do saber, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso
de beleza, a percepção da complexidade do mundo.” Ao analisar a fala do autor, chega-
se à conclusão de que a literatura de forma geral dá esse suporte de humanização através
dos sentimentos, dos questionamentos que o leitor vai ter enquanto está lendo. É nesse
sentido que a leitura se torna eficiente na formação cidadã dos alunos, uma vez que ele
conseguirá ter autonomia crítica, conhecerá outras culturas e, principalmente, exercer o
seu papel de cidadão na sociedade. Isso fica claro, por exemplo, no livro Amoras, do
rapper Emicida, o qual traz uma temática sobre a exaltação da cultura negra; como será
abordado no próximo capítulo.
16

Ressalta-se ainda que, para o prazer da leitura ser despertado no aluno, é preciso
entender qual é o papel do professor mediante a essa situação. De acordo com Magda
Soares:

É função e obrigação da escola dar amplo e irrestrito acesso ao mundo


da leitura, e isto inclui a leitura informativa, mas também a leitura
literária; a leitura para fins pragmáticos, mas também a leitura de
fruição; a leitura que situações da vida real exigem, mas também a
leitura que nos permita escapar por alguns momentos da vida real
(SOARES, 2008, p. 33).

Através dessa colocação, verifica-se que o papel do professor em relação a


literatura é de ser o mediador, ou seja, uma espécie de ponte entre o livro e o leitor. Essa
ideia é reforçada ainda quando se faz uma análise do hábito da leitura em relação aos
alunos, tendo em vista que muitos deles têm mais contato com os livros através da
escola; logo, essa instituição se torna a maior responsável pela formação do indivíduo
leitor.
É importante para a BNCC:

Envolver-se em práticas de leitura literária que possibilitem o


desenvolvimento do senso estético para fruição, valorizando a
literatura e outras manifestações artístico-culturais como formas de
acesso às dimensões lúdicas, de imaginário e encantamento,
reconhecendo o potencial transformador e humanizador da
experiência com a literatura. (BRASIL, 2017, p. 87)

Isto é, esse papel é efetivado quando o docente consegue preparar o aluno para a
leitura. Por sua vez, ele conseguirá entender que há diversos tipos de culturas e
costumes, os quais merecem respeito, junto a capacidade de elaborar textos escritos e
interpretar aspectos implícitos, ou seja, aspectos que vão além do que está escrito nos
textos.
Outrossim, é preciso que o docente se disponha de alguns pontos relevantes para
se ensinar a literatura para os alunos. Dentre eles, há o que Filipouski (2005: 224) cita:
“Para [a leitura literária] ser desenvolvida na escola, é fundamental que os professores
tenham construídos previamente seu repertório de leitura literária, isto é, que sejam
leitores de literatura”. Nesse sentido, o professor precisa ter um contato com o livro
antes de trabalhá-lo em sala de aula, uma vez que é essencial que o docente tenha
entendimento sobre qual é o assunto das histórias que ele vai levar à sala de aula, e
17

também conhecer as histórias dos livros que a escola exige e do porquê eles serem
exigidos.
Graça Paulino (2005: 63) afirma o seguinte “a leitura literária deve ser processada
com mais autonomia tendo os estudantes direito de seguir suas próprias vias de
produção de sentidos, sem que estes deixem, por isso, de serem sociais.” O docente
precisa compreender que há uma infinitude de gêneros textuais e que cada um deles
desempenha um papel social. Junto a isso, entender que cada aluno tem a sua própria
interpretação e por causa disso nunca impor que os pequenos pensem igual a eles já que
as interpretações de cada um são diferentes.
Santos e Paiva (c2016, p. 4 apud ABRAMOVICH, 1997, n.p) “discute como
desenvolver, por intermédio da literatura, o potencial crítico da criança.” Nesse sentido,
quando o docente seleciona um livro que tenha um potencial qualitativo, proporcionará
a criança a desenvolver um pensamento crítico em consonância com a sua formação de
leitor a fim de entender o que acontece tanto nas histórias quanto no mundo em que ela
está inserida.
A Literatura infantil, como visto, proporciona as crianças um misto de
sentimentos ao passo em que lê as obras literárias, contribuindo ainda tanto para o
prazer da leitura quanto para a sua formação cidadã e autonomia do seu pensamento. É
comum ainda, que ao lerem os livros, elas passem por um processo de construção de
identidade.

Estou chamando de identidade a representação que temos de nós


mesmo, que garante sentimento de coesão e de existência [...] a
origem desse sentimento deve ser buscada no processo de
individuação-separação da criança de sua mãe e é ele que permite a
distinção entre mim e o outro. Nele estão presentes o reconhecimento
do “si mesmo” e o desejo de ser reconhecido pelo outro. Ele é uma
conquista e não um dado primário e, ao longo da vida, é modificado
pelas experiências. (BARRONE, 2007, p. 114).

Entende-se então que a criança, quando tem contato com as obras literárias,
consegue se identificar com os momentos em que as personagens da história estão
passando, proporcionando a ela uma certa autonomia, ou seja, não precisa que um
adulto imponha o que ela deve pensar no seu modo de ver o mundo. Além disso,
proporciona meios para que os pequenos entendam e resolvam conflitos internos que as
mesmas podem estar presenciando.
18

No entanto, é comum ver que nem todas as crianças, aqui mais especificamente a
criança negra, se sentem representadas. Envolve nesse caso toda uma questão em torno
da construção das personagens, levando em consideração as questões étnico-raciais e os
estereótipos giram em torno dessa comunidade. Desse modo, como será abordado no
próximo capítulo, buscou-se nesse trabalho discutir a importância da representatividade
do negro na literatura infantil e como isso afeta a vida das crianças.
19

3. REPRESENTATIVIDADE NEGRA NA LITERATURA INFANTIL

Mediante ao que tem sido falado sobre literatura infantil, um dos pontos que
merece destaque a ser discutido é o seu papel dela na construção da identidade,
principalmente, no que diz respeito a identidade construídas pelos que estão à margem,
como é o caso dos negros os quais serão tratados no decorrer desse capítulo. Para
entender melhor esse processo identitário causado pela literatura, retoma-se a ideia de
que a ela sempre vai causar um misto de sentimentos em seus leitores; logo, a partir
disso, percebe-se que esse é um dos motivos fundamentais na construção de identitária
do indivíduo, uma vez que ele poderá se espelhar nos personagens dos livros.
Como foi visto anteriormente, a literatura infantil se caracteriza por desenvolver o
campo imaginário e crítico da criança, e agora a construção identitária das mesmas. O
mundo da literário voltado para as crianças sempre teve uma forte presença dos contos
de fadas, principalmente os que são de fora do Brasil, o que por sua vez, resulta que a
criança tenha uma interligação do que é imaginário e o que é real, já que esse gênero
textual mescla tanto o campo da realidade quanto o da imaginação.
A partir desse exposto sobre a literatura infantil, começa uma certa problemática
em torno do estereótipo que é criado sobre as personagens desses contos de fadas. Isso
fica reforçado quando se percebe que a maioria dos contos infantis europeus foram
importados pelo Brasil. Quando se olha para a famosa história a Branca de Neve, por
exemplo, Rhodes et. al. (2017: 2) afirmam que as crianças as quais não se encaixam no
padrão da personagem brancas têm duas opções: ou se identificam com a Branca de
neve, o que faria com que elas estivessem negando a sua identidade, ou repelir a
personagem já que ela não apresenta o mesmo biotipo delas.
Os autores ainda indagam “Qual criança, normal, não se apaixonaria por anões,
abóboras se transformando em carruagens, etc? Até as adultas!” (idem, 2017, p. 2). Por
sua vez, essas observações dos autores reforçam a ideia de que essas histórias
contribuem mais ainda para as crianças negarem a si mesma do que repelir a
personagem. Aliás, todos querem ser vistos como a personagem do conto já que ela
apresenta boas qualidades como a beleza, a gentileza e ainda se comunica com os
animais. Infelizmente, essa visão só corrobora com a questão do estereótipo e não
identificação à construção da identidade da criança negra.
Ao analisar a questão que envolve os negros na literatura, os autores afirmam:
“No passado, o negro era praticamente ausente nas obras literárias infantis, em algumas
20

raras aparições, sua presença era tão somente para enfatizar a raça, quase sempre mudo
e serviçal” (idem, 2017, p. 2). Além disso, ao analisar a situação do negro também nas
obras literárias, a autora Flora Sussekind (1982: p.15) diz: “um eterno abrir e fechar
portas, entrar e sair de cena, ou a obedientes cumprimentos de ordem. Chega-se à
conclusão que o negro só tinha presença nas histórias de acordo com as situações
análogas aos contextos decadentes em que eles sempre estiveram inseridos.
Não obstante, os autores trazem uma reflexão sobre o apagamento do negro na
literatura que, segundo eles (idem, 2017, p. 2), ocorre em detrimento do branco, fazendo
com que os brasileiros sintam uma certa repulsa da cultura negra. Conclui-se que esse
fato não se passa de um racismo estrutural, isto é, atitudes que foram ficando
internalizadas na sociedade com o passar do tempo a fim de que uma etnia passe a ser
melhor que a outra. Por sua vez, esse apagamento do negro acaba destoando o real
sentido de literatura, já que ela representa a cultura de um povo e ainda a sua identidade.
Luiz Henrique Silva de Oliveira ao fazer uma análise do negro na literatura
brasileira, do século XX, diz o seguinte: “majoritariamente foram os autores brancos
que cumpriram a função de escrever, ‘de fora para dentro’, os afrodescendentes”
(OLIVEIRA, 2014, p. 15). Percebe-se que a maioria desses personagens, quando
apareciam em algum livro, era justamente representado de acordo com o que o escritor
branco traçava sobre ele. A explicação mais plausível para esse fator era a falta de
oportunidades ou até mesmo rejeição dos negros no mercado literário, sendo assim
reinando a visão do branco ao retratar os personagens de acordo como eles viam ou
achavam que eram.
Como se sabe, a literatura contribui para a ampliação do conhecimento de mundo
e construção do pensamento social da criança, permitindo que elas, quando leem ou
escutam histórias possam se identificar com as personagens, já que cada um dispões de
características que mais as chamam atenção seja o mais belo, corajoso, que sempre
ajuda. Isso, por sua vez, corrobora para a construção identitária dessa criança.
Entretanto, quando se olha para a criança negra, percebe-se que nem sempre ela
consegue ter essa disposição de personagens já que nem sempre elas se assemelham a
seu biotipo devido a questão do racismo ou até mesmo pela falta de representatividade
dos contos que são oriundos da Europa.
Atualmente, no Brasil, pode-se dizer que há um certo aumento nas produções
literárias infantis feitas por negros para as crianças negras. Por sua vez, isso acaba
facilitando a criança a ter uma maior aceitação e também um exemplo a quem se
21

espelhar, tendo em vista que, quando um escritor negro escreve para uma criança negra,
ele tem ciência que ali irá mostrar toda a cultura negra àquela criança, com o intuito
dela moldar o seu senso crítico de acordo com as mazelas sociais que os negros ainda
perpassam. Diferente, por exemplo, de quando se vê um escritor branco retratando
algum personagem negro como principal, tendo em vista que ele vai transpor naquelas
personagens a sua visão idealizada de como é ser um negro. Essa perspectiva do branco
em representar personagens negros acaba resultando num fenômeno bem recorrente
nessas obras: o colorismo.
Ao se falar sobre o colorismo, é preciso fazer um breve recorte de como ele surgiu
e como afeta a sociedade em geral. É inegável que o Brasil é um país miscigenado, ou
seja, há diversas pessoas que são diferenciadas por suas cores, já que o país vivenciou o
período de colonização pela Europa. Devido a esse histórico, surge então a necessidade
de fazer a separação entre as raças que são tratadas como superiores brancos e mestiços
e as inferiores: negros.
Tainan Silva, em sua pesquisa sobre o colorismo, pontua:

O colorismo, assim, surge como um tipo de discriminação baseado na


cor da pele onde, quanto mais escura a tonalidade da pele de uma
pessoa, maior as suas chances de sofres exclusão em sociedade.
Também denominado de pigmentocracia, o colorismo tende a elaborar
e definir alguém pela própria cor da pele, é dizer, a tonalidade da cor
da pele será fundamental para o tratamento que receberá pela
sociedade, independentemente da sua origem racial. (SILVA, 2017, p.
2).

O colorismo é uma forma de discriminação racial que surge com o intuito de fazer
a divisão dos indivíduos pela cor da pele. É nesse ponto que então entra uma outra
denominação para o colorismo: a pigmentocracia a qual seria uma forma de excluir uma
pessoa que tem a pele mais pigmentada como é o caso dos negros os quais são mais
retintos, ou até mesmo, como Silva (2017) coloca: os aspectos fenotípicos, isto é, os
cabelos que podem ser crespos, o nariz que é um tanto largo e arredondado, visto que,
essas características, são vistas em pessoas de descendência africana, influenciando
mais ainda que haja a discriminação propagada pelo colorismo. Nesse sentido, é
possível perceber que só o padrão branco, de cabelos lisos e olhos claros são bem
aceitos, enquanto o negro é visto como feio e ruim.
22

Além disso, vale destacar que a pigmentocracia contribui para a manutenção desse
colorismo não só por pontuar as diferenças de brancos e negros, mas também pelas
diferenças entre os próprios negros. Acontece que, há ainda uma divisão feita entre a cor
dos negros que são mais retintos, isto é, que têm a pele mais escura e os negros que são
caracterizados como negros de pele mais clara. Silva (2017) diz “Ainda que não
considerados como brancos, tem-se que os negros de pele mais clara gozam da
possibilidade de serem tolerados em ambientes de predominância branca.” Viavelmente,
tal fato ocorre pelo simples motivo de que o negro que tem a pele mais clara, por mais
que ele não exerça todos os direitos que uma pessoa branca tem o privilégio, tem uma
facilidade de ser mais aceito na pelo homem branco. Aline Djork afirma o seguinte:

O colorismo funciona como um sistema de favores, no qual a


branquitude permite a presença de sujeitos negros com a identificação
maior de traços físicos mais próximos do europeu, mas não os eleva
ao mesmo patamar dos brancos, ela tolera esses “intrusos”, nos quais
ela pode reconhecer-se em parte, e em cujo ato de imitar ela pode
também reconhecer o domínio do seu ideal de humano no outro.
(DJORK, 2015, n.p).

É evidente que nas falas da autora há sim uma classe de negros – de peles mais
claras – que serão mais aceitos pela branquitude, visto que, neles, é possível encontrar
traços que convergem com o homem branco. Entretanto, como Silva (2017) coloca, por
mais que essa aceitação aconteça, o colorismo não tem a intenção de fazer com que esse
negro de pele mais clara seja mascarado no ambiente da branquitude, isto é, como um
acolhimento. Pelo contrário: “A tolerância por pessoas negras cujos traços físicos são
mais aceitos pela branquitude em espaços que essa mesma branquitude pretendia manter
exclusivo, ressalta tão somente como o racismo ainda é camuflado em sociedade”
(SILVA, 2017, p. 12). Dessa forma, é perceptível que essa pigmentocracia só faz
perpetuar a discriminação racial, resultando ainda no surgimento de uma segregação
inter-racial a qual surge por essa necessidade de que querer branquear a população
negra do país.
Na perspectiva da Literatura infantil brasileira, corroborando com o que foi
tratado sobre o colorismo e a pigmentocracia, quando se analisa personagens negros que
foram elaborados por escritores brancos é muito comum que se veja ocorrências do
colorismo. Acontece que as personagens acabam sendo submetidas a um único tipo de
tonalidade em sua pele, chegando a ser tratada como marrom para designar a tonalidade
23

restrita apenas aos negros que são mais claros, ou seja, os que estão mais próximos dos
traços da branquitude, enquanto o negro mais retinto acaba ficando à margem. Por sua
vez, acaba restringindo de forma negativa a identidade racial da criança negra.
Para Gomes (2005: 42), “reconhecer-se numa identidade supõe, portanto,
responder afirmativamente a uma interpelação e estabelecer um sentido de
pertencimento a um grupo social de referência.” Ou seja, sabendo que a literatura
infantil é um instrumento que vai auxiliar a criança, mais especificamente a criança
negra, no seu processo de construção de identidade, é importante que ela tenha
elementos que sirvam de referência como personagens que seja representados de
acordo com seu biotipo e traços fenotípicos para que a criança possa se sentir
representada de forma positiva.
Além disso, vale retomar o papel do professor nesse assunto, pois, como Oliveira
e Ferreira (2020) afirmam, é de fundamental importância que haja discussão a respeito
de raça nas salas de aula. Esse motivo se dá justamente porque existem muitas crianças
negras que acabam não se reconhecendo como negra, tendo em vista, por exemplo, pela
falta de representatividades que são positivas. Sobre esse viés, Gomes se refere à
identidade negra:

Sendo entendida como um processo contínuo, construído pelos negros


e negras nos vários espaços – institucionais ou não – nos quais
circulam, podemos concluir que a identidade negra também é
construída durante a trajetória escolar desses sujeitos e, nesse caso, a
escola tem a responsabilidade social e educativa de compreendê-la na
sua complexidade, respeitá-la, assim como às outras identidades
construídas pelos sujeitos que atuam no processo educativo escolar e
lidar positivamente com a mesma (GOMES, 2005, p. 44).

Partindo dessa colocação, percebe-se o quão importante será para os alunos que a
escola e o professor, mais especificamente quando se trata de trabalhar com textos
literárias para o atuem nesse processo de construção da identidade do aluno, trazendo
discussões a respeito das questões raciais e da representação e aceitação do aluno negro.
É nesse sentido que a literatura infantil entra como uma dentre as diversas
possibilidades de discussão para essa questão, já que, os livros infantis, além de
ajudarem no processo de formação do leitor e explorar a imaginação e o conhecimento
de mundo das crianças, ainda traz ilustrações, por exemplo, que destacam o perfil das
personagens como cabelo, cor de pelo, traços físicos.
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Pensando nisso, buscou-se discutir a representação do negro na literatura


brasileira e como isso influencia no processo de construção de identidade da criança.
Para isso, foram selecionados alguns livros que se fará observações de como o negro foi
evoluindo, ganhando espaço nas narrativas infantis, sob o olhar de um autor negro e por
de um autor branco. Além disso, será abordado como o professor pode trabalhar essas
histórias em sala de aula de modo que instrua aos alunos como essa questão da
representatividade é importante tanto paro o negro quanto para o entendimento do
branco.

3.1. O estereótipo negro no passado

Como se sabe, os primeiros livros os quais serviram de base para o surgimento da


literatura infantil nasceram na Europa, fazendo com que fosse retratado uma realidade
bem colocada para as crianças que eram originárias dos países de lá. Ao se tratar da
literatura brasileira, tem-se como destaque o escritor que vinha mudar essa realidade:
Monteiro Lobato.
Nascido em 1882, na cidade de Taubaté, em São Paulo, e morrido em 1948, o pai
da literatura infantil, como ficou conhecido Lobato, foi uma figura muito importantes
para a ascensão da literatura infantil brasileira, tendo em vista que o saudoso autor foi
um dos pioneiros a fazer com que os livros infantis tivessem uma grande carga de
elementos que exaltavam a cultura dos brasileiros o que acabava corroborando para que
a criança brasileira começasse a passar por um processo de construção de identidade,
haja vista que, agora, ela teria em mãos narrativas que faziam jus a sua realidade.
Segundo Zilberman:

O papel exercido por Monteiro Lobato no quadro da literatura infantil


nacional tem sido seguidamente reiterado, e com justiça. É com este
autor que se rompe (ou melhor, começa a ser rompido) o círculo da
dependência aos padrões literários provindos da Europa,
principalmente no que diz respeito ao aproveitamento da tradição
folclórica. Valorizando a ambientação local predominante na época,
ou seja, a pequena propriedade rural, constrói Monteiro Lobato uma
realidade ficcional o que acorre pela invenção do Sítio do Pica Pau
Amarelo. (ZILBERMAN, 1981, p. 48).
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Sendo assim, em suas obras, é comum que o leitor encontre elementos que são de
praxe nos livros voltados ao público infantil: castelos, fadas, príncipes, monstros;
entretanto, mais do que isso, Monteiro ainda mesclou em suas narrativas elementos que
são imprescindíveis da base cultural brasileira como é o caso do folclore. Não obstante,
o escritor, além dessas características, utiliza uma linguagem acessível as crianças, o
que torna a leitura dos livros mais divertidas e atraentes à curiosidade dos pequenos,
sem contar. Com isso, o pai da literatura infantil conseguiu fazer com que muitas
crianças pudessem ter referência de personagens os quais tinham características comuns
à sua realidade, proporcionando a elas, então, a construção de sua realidade.
No entanto, ao se tratar dessa construção identitária, é indiscutível que, mesmo
Lobato tenha sido um gênio e um grande autor para a literatura infantil brasileira, as
suas obras são um tanto problemáticas quando se trata das personagens negras
construídas por ele. A partir disso, selecionou-se uma de suas obras mais conhecidas e
aclamadas “O Picapau Amarelo”, o qual foi o décimo sétimo livro de sua coletânea
chamada “Sítio do Picapau Amarelo”, a fim de discutir como era a representação do
negro em um livro infantil um pouco mais antigo.
Em “O Picapau Amarelo”, a história central se passa no Sítio de Dona Benta,
onde moram as personagens do mundo real – a vó Dona Benta, os seus netos Pedrinho e
Narizinho, e a empregada Tia Nastácia – e as personagens que compõe o mundo
fantástico – a boneca Emília, o sabugo de milho Visconde de Sabugosa e aquelas que
virão passear pelo sítio, tais como: O Pequeno Polegar, Dom Quixote, Branca de Neve e
os sete anões, Belerofonte entre outros. Em um determinado dia, os moradores do Sítio
recebem uma carta de um personagem que mora no “mundo das fábulas” O Pequeno
Polegar. Através disso, os moradores do sítio têm a brilhante ideia de trazer todos os
reinos do mundo das fábulas para o mundo real, começando então o clímax de uma
história cheia de diversão e de aventuras.
É nesse sentido que se pode identificar a genialidade do autor em duas óticas. A
primeira é justamente a sua excelente ideia em mesclar as personagens as quais são
cânones das mais diversas famosas narrativas infantis, como as que estão nos Contos de
Fadas, nos Contos das Mil e uma Noites e nas Mitologias. O resultado disso, por sua
vez, é proporcionar ao leitor uma ampla imersão cultural, retratando a forma como cada
personagem do imaginário infantil é retratado nos diferentes países.
Já o segundo ponto que é possível destacar é o paradoxo que o livro traz entre o
mundo real e o mundo das mentiras. Magno Silveira afirma:
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Fisgar a atenção do leitor com textos que remetem a novos portais de


fantasia é uma façanha que Lobato alcança à perfeição em O Picapau
Amarelo. Porém, antes de mergulhar o leitor no mundo das
maravilhas, o autor aplica uma catequese sobre a crença no
impalpável e no que habita a imaginação (SILVEIRA, 2020, p. 238).

Isto é, se por um lado o Sítio de Dona Benta é bem popular para o “mundo de
mentira; por outro, observa-se que o lugar não é parte desse mundo dos contos de fadas,
mas sim do real.
A partir disso, entende-se que para Lobato excluir os elementos que fazem parte
da construção do imaginário infantil é também excluir tudo o que é impalpável. O autor
traz essa discussão usando a imagem de um ser divino:

Deus, por exemplo – disse Narizinho. – Todos creem em Deus e


ninguém anda a pegá-lo, cheirá-lo, apalpá-lo.
(LOBATO, [1938] 2020, p. 9).

Desse modo, é interessante que, a não exclusão desses elementos, resulta na


ampliação da imaginação dos leitores, permitindo que eles não esnobem o que seria
abstrato, já que essa seria uma das maneiras mais fácil e formidável da criança ter uma
autonomia no seu modo de expandir a sua imaginação e tentar resolver seus conflitos.
Apesar de toda essa importância, o pai da literatura infantil apresentou alguns
problemas no que diz respeito a construção de alguns personagens, mais
especificamente as que são negras como a Tia Nastácia. Como já foi visto, Lobato foi
genial em fazer com que muitas crianças brasileiras, finalmente, pudessem se desfrutar
de histórias que condiziam com mais fidelidade à sua realidade, fazendo assim com que
elas passassem por um processo na sua construção identitária ao se identificar com as
características das personagens. Entretanto, pode-se afirmar que esse resgate da
identidade nacional de lobato acabou excluindo algumas crianças brasileiras de se
identificarem com aqueles personagens que apresentavam uma descrição mais
condizente a sua.
Verifica-se que a personagem de Lobato parte de um negro que seguia um certo
estereótipo na literatura. A princípio, Tia Nastácia é uma mulher negra, empregada e
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não estudada. A personagem quase não tem fala na história, e, quando aparece, é para
indicar que está fazendo alguma comida

Pra tudo há remédio, Seu Sancho. Ali no forno tem uma perna de
porco assando, dessas da gente comer e berrar por mais. Tenha
paciência. Daqui a meia hora tá no ponto...
(LOBATO, [1938] 2020, p. 128).

Ainda a respeito dessa discussão, há um episódio antes desse bastante peculiar.


Sucede-se que, em uma passagem, o reino o qual está instalado o castelo de Branca de
Neve acaba sendo inundado pelo Mar dos piratas (referente a história de Peter Pan),
fazendo com que as personagens discutam como salvar a Branca e a como capturar o
malvado Capitão Gancho para o Sítio.
As personagens, a partir disso, conseguem salvar e trazer Branca para o Sítio de
Dona Benta. Em dado momento, Branca de neve está no colo da vó de Pedrinho e
Narizinho enquanto todos os outros debatiam como poderiam conseguir atrair o
Gancho. De repente, aparece Tia Nastácia mais uma vez sendo representada como
empregada, e ao ver Branca no colo de Dona Benta diz o seguinte:

[...] Estavam nesse debate, quando Tia Nastácia entrou com o café.
- Ué Sinhá! Então está de neta nova? – Disse ao ver Branca no colo de
Dona Benta
(LOBATO, [1938] 2020, p. 107).

É interessante notar nesse ainda a forma como Tia Nastácia se refere a Dona
Benta “sinhá”. Essa palavra pode ser definida como o modo que os negros escravizados
se referiam a seus donos. Partindo dessa ideia, essa caracterização da personagem leva a
entender que ela é retratada não só como uma simples empregada, mas como também
uma mulher que foi escravizada e que tem o papel apenas de servir as vontades de sua
senhora. Além disso, ainda leva a entender que ela é uma personagem ignorante por não
conhecer uma das personagens mais famosas das histórias infantis.
Há ainda dois outros pontos que merecem ser destacado. O primeiro diz respeito
ao excesso da utilização da palavra “negra” (9) ou ainda “preta” (14), as quais,
contabilizam uma soma de 23 vezes, todas as vezes que a Tia Nastácia aparece na
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história. Muitas vezes, dá-se a entender que o autor se utilizou desses termos não para
exaltar a negritude da personagem, mas sim de zombar pelo fato dela ter esse biotipo. O
segundo está relacionado à personagem ser a única que tem um dialeto marcado, isto é,
entende-se que o negro, diferente das outras personagens “cultas”, era aquele que não
“sabe falar português”.

Nossa Senhora! Isto vai virar o “hospiço”. Sinhá não se lembra


daquela vez que eles entupiram a casa de reizinhos e príncipes e
princesas? Nossa Senhora, onde iremos parar?
[...]
A negra deu uma risada.
- Ché, Sinhá! Tudo é muito bonito e fácil no “papé”. Mas eu
quero ver! O Visconde tomará conta
(LOBATO, [1938] 2020, p. 20).

Sinhá diz que limão é bom contra uma tal doença de navio
chamada de “escrubuto”– explicou ela, estropiando a palavra
“escorbuto”.
(LOBATO, [1938] 2020, p. 170).

Ao trazer esses aspectos para a construção da identidade das crianças negras,


pode-se dizer que, ao pegar um livro como O Picapau Amarelo, elas acabam sendo
passíveis desse fator justamente, por conta da única personagem que representa a sua
classe ser submissa a sua senhora, ter características preconceituosas de acordo com a
sua cor e ainda por cima por não ser culta. Por sua vez, isso acaba acudindo a criança a
achar que a sua raça é inferior, fazendo com que ela, como já foi mencionado
anteriormente, tenha duas opções: ou se enxergar nas outras personagens ou na que
realmente está “mais ligada às suas características”.
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3.2. A representação contemporânea do negro

Diferente do que foi discutido a respeito de Lobato, numa perspectiva mais


contemporânea é possível notar que as histórias infantis têm evoluído no tratamento das
personagens negras. Por sua vez, isso tem gerado resultados interessantes no que diz
respeito a construção da identidade da criança, principalmente da criança negra, haja
vista que agora é mais acessível para elas encontrarem narrativas as quais se disponham
de personagens de seu biotipo como protagonistas das mais diversas histórias as quais
ainda são criadas por autores que são negros. No entanto, é preciso enfatizar que ainda
há uma problemática na construção de personagens negros, geralmente acometida
quando um autor branco decide escrever uma história a qual terá o negro como
personagem principal, tendo em vista que, de certa forma, essas personagens ainda sim
são estereotipadas por eles.
Segundo Bettelheim (2002):

Para que uma estória realmente prenda a atenção da criança, deve


entretê-la e despertar sua curiosidade. Mas para enriquecer sua vida,
deve estimular-lhe a imaginação: ajudá-la a desenvolver seu intelecto
e a tornar claras suas emoções; estar harmonizada com suas
ansiedades e aspirações; reconhecer plenamente suas dificuldades e,
ao mesmo tempo, sugerir soluções para os problemas que a perturbam.
Resumindo, deve de uma só vez relacionar-se com todos os aspectos
de sua personalidade - e isso sem nunca menosprezar a criança,
buscando dar inteiro crédito a seus predicamentos e, simultaneamente,
promovendo a confiança nela mesma e no seu futuro.
(BETTELHEIM; 2002, p.5)

Desse modo, percebe-se que quando uma criança negra não consegue se
identificar com as personagens que representam o seu biotipo, ela vai acabar se sentindo
como um inferior, como sem importância, o que acaba, por sua vez, prejudicando-a
futuramente. Foi pensando assim que se buscou falar de forma geral a respeito de livros
infantis em que o protagonista é negro, levando em consideração uma perspectiva de um
escritor negro e de um escritor branco e como isso corrobora na construção identitária
da criança afrobrasileira.
É inegável como a obra “Menina bonita do laço de fita”, de Ana Maria Machado,
mesmo tendo sido lançada em 1986, ainda é uma das mais conhecidas quando se quer
discutir, por exemplo em sala de aula, a representatividade por meio da literatura
30

infantil. O livro conta a história de um coelho que queria ser preto e de uma menina bem
pretinha. A princípio, a garotinha não tem nome, mas é conhecida como a Menina
bonita do laço de fita. A história é contada por um narrador que, logo na primeira página
do livro, descreve a menina:

Os olhos dela pareciam duas azeitonas pretas, daquelas bem


brilhantes. Os cabelos eram enroladinhos em bem negros, jeito fiapos
da noite. A pele era escura e lustrosa, que nem pelo de pantera-negra
quando pula na chuva.
(MACHADO, [1986] 2016, p. 3).

No decorrer das páginas, o leitor se depara com um coelho branco que era vizinho
da menina. Ele estava sempre elogiando-a e fazendo perguntas para saber como ela era
preta, pois o sonho dele era ter uma filha igual a garota:

- Ah, quando eu casar quero ter uma filha pretinha e linda que
nem ela...
Por isso, um dia ele foi até a casa da menina e perguntou:
- Menina bonita do laço de fita, qual é teu segredo pra ser tão
pretinha?
(MACHADO, [1986] 2016, p. 7-8).

No entanto, mediante a essas perguntas do coelho, a menina nunca sabe o porquê


de ter nascido tão pretinha assim, o que faz com que ela dê respostas inusitadas ao
coelho. O animal, por sua vez, acaba tentando ficar preto igual a menina de acordo com
o que ela ia respondendo a ele.

A Menina não sabia, mas inventou:


- Ah, deve ser porque eu caí na tinta preta quando era
pequenina...
O coelho saiu dali, procurou uma lata de tinta preta e tomou
banho nela. Ficou bem negro, todo contente
Mas aí veio uma chuva e lavou todo aquele pretume, ele ficou
branco outra vez.
(MACHADO, [1986] 2016, p. 8-9).
31

Certo dia, entretanto, o coelho faz a mesma pergunta à menina a qual, dessa vez,
está acompanhada da mãe. Antes mesmo da garota responder a pergunta do coelho:

[...] a mãe dela, que era uma mulata linda e risonha, resolveu se
meter e disse: - Artes de uma avó preta que ela tinha...
(MACHADO, [1986] 2016, p. 15).

A partir disso, o coelho tem a ideia de procurar uma coelhinha pretinha para que
eles pudessem se casar e assim terem um filhote pretinho. Só que, além de nascer uma
coelhinha preta, na ninhada teve filhotes de diversas cores.

Tinha coelho pra todo gosto: branco bem branco, branco meio
cinza, branco malhado de preto, preto malhado de branco e até uma
coelha bem pretinha. Já se sabe, afilhada da tal menina bonita que
morava na casa ao lado.
(MACHADO, [1986] 2016, p. 21).

A coelhinha pretinha, por sua vez, feliz por ter nascido assim, sempre que alguém
a questionava a mesma pergunta que o seu pai fazia à Menina, respondia:

- Conselhos da mãe da minha madrinha...


(MACHADO, [1986] 2016, p. 22).

Analisando a obra, pode-se ver que o livro aborda de forma simples a diversidade
cultural, permitindo assim que as crianças negras mais especificamente possam se
identificar com a Menina bonita do laço a qual tem a sua negritude exaltada no texto.
Além disso, destaca-se de forma implícita na ninhada dos coelhos uma alusão do Brasil
o qual é conhecido por ser um país miscigenado a inversão de status, tendo em vista que
há um personagem branco fazendo de tudo para tentar ser negro. Ainda ensina os
pequenos que há todo um passado ligado à sua ancestralidade para que eles, assim como
as meninas, pudessem ter nascidos negros, por mais que isso tenha sido tratado de
forma rasa no livro que é quando a mãe fala brevemente que é por conta da avó da
personagem. Enfim, a forma como o negro é tratado no livro é um avanço e tanto para o
32

que antes era visto como uma demonização, tendo suas características como feias ou
apenas aparecendo nas narrativas para servir a seus senhores.
Todavia, por mais que o livro seja uma ótima opção para se trabalhar a
representatividade do negro, Machado, assim como alguns autores negros que possam
vir escrever sobre personagens negros, acaba em alguns pontos traçando pontos que são
um tanto problemáticos. Um desses pontos é que o livro já pelo título e capa dá a
entender que a história será de uma menina negra, o que não é excluído em sua
totalidade, tendo vista que fala sim sobre uma garotinha que é pretinha. Entretanto, é a
personagem branca (coelho) que ganha mais destaque em sua busca insaciável para
tentar se transformar em negra a todo custo, destaque ainda para a mãe que é não é
negra mais sim designada como mulata que nada mais é, biologicamente, o resultado do
cruzamento entre um branco com o negro. A segunda está ligada com a zero falta de
conhecimento da menina em saber de suas origens o que a faz dar respostas
mirabolantes para cada pergunta que o coelho faz, dando a entender que se não fosse
por ele, talvez, ela nunca soubesse de onde veio.
Outrossim, é como o narrador caracteriza a cor da menina, comparando-a com
uma pantera. Por mais que isso talvez não soe como constrangedor, é interessante notar
que os negros na maioria das vezes são comparados com animais, fazendo com que sua
imagem seja denegrida. Olhando a construção de personagens brancos é muito comum
ver que ela é feita de forma simples, sem que haja uma animalização. Ressalta-se ainda
uma passagem em que a mãe da menina faz tranças no cabelo dela as quais são
enfeitadas com o laço de fita e o narrador diz:

Ainda por cima, a mãe gostava de fazer trancinhas no cabelo


dela e enfeitar com laço de fita colorido. Ela ficava parecendo uma
princesa das Terras da África, ou uma fada do Reino do Luar.
(MACHADO, [1986] 2016, p. 4).

Interessante notar que esse trecho traz uma qualificação muito simplória a respeito
da negritude da menina, porém é um tanto estranho quando se observa que a menina,
por ser negra, tem o seu direito limitado a ser alguém reconhecida apenas por um lugar
só de negros que é a África, diferente de uma princesa branca a qual será tratada apenas
como princesa.
33

Talvez não tão conhecida quanto a citada anteriormente, porém mais recente, a
obra “Amoras”, de Emicida, o qual é negro e adaptou sua música e para livro, tem uma
grande relevância à literatura afro-brasileira infantil por abordar a construção da
identidade do negro. Publicada em 2018, o livro, contado em forma de poesia, traz a
satisfação do eu lírico, no caso, a de um pai ao ensinar a sua filha sobre a
representatividade negra e como isso pode ser prazeroso para o desenvolvimento da
autoconfiança dela.
Em Amoras, a história se dá quando um dia o pai está passeando com a filha num
pomar onde há amoreiras, isto é, árvores que dão amoras. A partir disso, ele mostra à
filha a beleza das amoras o que por sua vez faz com que a menina reflita e chegue à
conclusão de qual era a sua identidade, tendo em vista que é nesse momento que a
menina começa a pensar como ser negro também é doce.

Em um passeio
Com a pequena no pomar,
explico que as pretinhas
são o melhor que há.

As pretinhas são o melhor que há.

Amoras
Penduradas a brilhar,
quanto mais escuras, mais doces.
Pode acreditar.
(EMICIDA, 2018, p. 16-20).

Então a alegria
acende os olhos da menina;
que conclusão incrível
alcançou a pequenina?
(EMICIDA, 2018, p. 22).

Fez as palavras soarem


como canto
ao brincar com as frutinhas
34

com sabor de acalanto.

Me olhou nos olhos


Muito bem, e disse:
Papai, que bom, porque eu sou pretinha também!
(EMICIDA, 2018, p. 36)

Em relação a caracterização da personagem, é possível notar a utilização


metafórica para mostrar, de forma conotativa, traços que são convergentes ao biotipo
negro, tais como as jabuticabas metaforizando os olhos, por serem ambos bem pretos e
os cabelos sendo representados pelas nuvens, os quais, devido a forma, faz uma alusão
ao black power1.

E os pensamentos dos pequenos,


como surgem?
Com olhos de jabuticaba
E cabelos de nuvem.
(EMICIDA, 2018, p. 12)

Além dessa aceitação, o rapper trouxe para o livro elemento que fazem referência
à cultura negra, como na religião a mitologia yorubá² em consonância com grandes
ativistas que lutaram pelos direitos dos negros:

Não há melhor palco


Para um pensamento que dança
Do que o lado de dentro
Da cabeça das crianças.

Pode olhar,
lá tudo é puro e profundo
que nem Obatalá, o orixá
que criou o mundo.

1
Um tipo de penteado usado por homens e mulheres negras que é simbolizado pela resistência e
empoderamento negro.
² Mitologia que está relacionada as religiões africanas, baseando-se em uma vida harmônica e em
comunidade.
35

(EMICIDA, 2018, p. 5-7)

Forte como um
lutador no ringue
e gentil
como Martin Luther King,

ela apanha amoras


dos galhos e do chão.
Ao vê-la, Zumbi dos Palmares diria:
- Nada foi em vão.
(EMICIDA, 2018, p. 24-28)

Ao fazer isso, o autor transmite a ideia de como é importante mostrar tais


elementos aos pequenos a fim de que eles possam reconhecer e se orgulhar de como
eles são.
Através disso, verifica-se como é interessante discutir ambos os livros, uma vez
que possuem a mesma proposta que é falar sobre representatividade, mas que são
abordados de forma diferentes a começar, por exemplo, que em Menina bonita do laço
de fita, tem-se uma autora branca escrevendo sobre uma personagem negra; já no outro,
tem-se um autor negro escrevendo sobre uma personagem negra. Por mais que o de
Machado seja o mais lembrado para se trabalhar representatividade na literatura infantil,
ele ainda sim é um típico livro que é passivo de construções um tanto superficiais que
dizem respeito a comunidade negra. Por sua vez, o de Emicida já traz um maior
aproveitamento para se trabalhar a representatividade, justamente pelo autor ser negro e
ter um contato maior com a cultura e conseguir transpassar de forma mais profunda e
autônoma sobre o assunto.

3.3 Exemplificando metodologias de ensino: um plano de aula

Seguindo o que foi discutido nessa pesquisa, elaborou-se uma atividade com o
tema: Identidade Negra na Literatura Infantil a fim de mostrar uma forma de se
trabalhar na prática o que foi abordado aqui nesse trabalho. Para isso, levou-se em
consideração a discussão da identidade do negro, utilizando como base o livro Amoras,
do Emicida. A atividade foi aplicada na disciplina de Língua Portuguesa para uma
36

classe do terceiro ano do ensino fundamental na escola privada Unidade Educacional


Gama e Souza no bairro de Olaria, no Rio de Janeiro. É interessante dizer que a
atividade foi executada um dia antes do Dia da Consciência Negra, fazendo com que,
através do tema, o aluno também entenda o porquê dessa data ser celebrada. De forma
geral, a intenção foi fazer o aluno entender e refletir sobre a importância da
representação do negro e de sua cultura, pois é importante, segundo a BNCC:

Desenvolver o senso estético para reconhecer, fruir e respeitar as


diversas manifestações artísticas e culturais, das locais às mundiais,
inclusive aquelas pertencentes ao patrimônio cultural da humanidade,
bem como participar de práticas diversificadas, individuais e coletivas,
da produção artístico-cultural, com respeito à diversidade de saberes,
identidades e culturas. (BRASIL, 2017, p. 65).

A aplicação desse trabalho apresentou quatro objetivos, sendo o específico:


refletir sobre a importância de história infantis que tenham personagens negros não
estigmatizados e como isso se torna fundamental à construção identitária das crianças.
Os outros foram especificamente embasados em: proporcionar o prazer pela leitura;
debater sobre os valores etnoculturais da comunidade negra; apresentar a importância da
celebração do dia da consciência negra, levando em consideração as seguintes
habilidades da BNCC:

• (EF15LP10) Escutar, com atenção, falas de professores e colegas,


formulando (BRASIL, 2017, p. 95);
• (EF15LP18) Relacionar texto com ilustrações e outros recursos gráficos.
(BRASIL, 2017, p. 97);
• (EF15LP15) Reconhecer que os textos literários fazem parte do mundo
do imaginário e apresentam uma dimensão lúdica, de encantamento,
valorizando-os, em sua diversidade cultural, como patrimônio artístico da
humanidade. (BRASIL, 2017, p. 97)

Além disso, precisou-se de alguns materiais como:

• O livro: Amoras;
• Tesoura;
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• Cartolinas;
• Lápis;
• Cola;
• Fita;
• Cartolinas;
• Material impresso.

A metodologia foi dividida em cinco momentos. No primeiro, o professor


apresentou aos alunos a capa e o título do livro, para saber quais seriam as suas
primeiras impressões pelos elementos verbais e não verbais que estavam presentes,
seguindo a competência EF15LP18, da BNCC (2017). Dentre as respostas, algumas
crianças responderam acreditar que o livro falava sobre a fruta amoras, já outras sobre
uma história de um menino(a) negro(a) que gostava muito de amoras. Não obstante,
Ainda foi perguntado a eles se conheciam o livro e o autor. Todos disseram não
conhecer o livro, porém, em relação ao autor, alguns conheciam, mas pelo fato dele ser
um grande contribuidor para o rap nacional.

Figura 1 - Capa do Livro Amoras (EMICIDA, 2018)

O segundo momento foi dedicado a leitura do livro. Num primeiro momento, o


professor solicitou aos alunos que cada um fizesse a leitura do livro individualmente.
Importante ressaltar que, por conta da pandemia de covid-19, todo o cuidado foi
aplicado, pois, sempre que uma criança acaba de ler e dava o livro a outra criança,
passava-se álcool em gel em suas mãos. Depois dessa leitura individual, o professor
perguntou se todos haviam gostado da história e a resposta foi positivamente unânime.
38

Em seguida, foi a vez da leitura coletiva em que o professor foi lendo para eles,
enfatizando não só os elementos verbais, mas também os não verbais.
A terceira etapa ficou encarregada da discussão do livro, de acordo com as duas
habilidades da BNCC (2017) EF15LP10 e EF15LP15, a qual foi elaborada com os
seguintes questionamentos, sendo alguns deles referentes as respostas que os alunos
deram nas perguntas da primeira parte.

1- Quem eram as personagens principais da história?


2- Por que o pai fala sobre as frutas amoras?
3- Por que a menina fica feliz e diz: “Papai, que bom, porque eu sou pretinha
também!” (EMICIDA, 2018, p. 36)?
4- Vocês notaram que há uma parte que fala de uma religião?

Figura 2 - Páginas do livro Amoras (EMICIDA, 20218, p. 36 e 7)

As perguntas estavam totalmente relacionadas em fazer as crianças refletirem


sobre a importância de discutir a construção da identidade daquela personagem e como
o pai se utilizou de aspectos voltados para a cultura negra a fim de despertar esse
sentimento pela filha, trazendo um paralelo com as questões da realidade dos negros.
A quarta etapa, por sua vez, foi feita especificamente para perguntar às crianças se
elas já tinham ouvido falar sobre os dois personagens que o pai cita à menina: Martin
Luther King e Zumbi dos Palmares. O professor mostrou aos alunos a imagem impressa
de cada um deles, e falou quem foram esses dois grandes homens e como eles foram e
são importantes para a comunidade negra. Além disso, aproveitou-se para fazer uma
39

ponte sobre o Dia da Consciência Negra e explicar aspectos do tipo: O porquê desse dia
ser importante e ser celebrado; explicar o que era racismo e também o porquê de não
existir racismo com pessoas brancas; falar que devemos respeitar uns aos outros e que
qualquer discriminação é crime.

Figura 3 – Martin Luther King (esq.) e Zumbi dos Palmares (dir.) (Fonte:
Google Imagens)

Na quinta e última etapa, foi proposto às crianças a criação de um cartaz para


celebrar a importância do Dia da Consciência Negra. Para isso, precisou-se de alguns
materiais, tais como: cartolinas, lápis tesoura e cola. O procedimento aconteceu com a
ajuda de outra professora. Os professores cortaram a cartolina preta em 6 quadrados os
quais foram entregues às crianças e pedido para que elas contornassem suas mãos e em
seguida cortar a fim de que ficasse a imagem da mão delas. O segundo passo foi os
professores desenharem em outra cartolina preta o rosto do perfil de uma mulher,
simbolizando uma mulher negra. Logo em seguida, se fez as flores para simbolizar o
cabelo dela e foi pedido para que cada aluno colasse na cartolina as mãos que fizeram.
Como último passo, escreveu-se embaixo de cada mão palavras que condiziam com as
dificuldades que os negros sofrem como: injustiça, preconceito, vergonha, violência,
humilhação e desrespeito, e também foi impresso, na escola, as frases: “Consciência
negra chega de...” e “Viver com igualdade é saber respeitar as diferenças.”
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Figura 4 – Cartaz: Consciência Negra Chega de... (Fonte: autor, 2021)

Dessa maneira, foi interessante notar que a atividade conseguiu atingir o objetivo
maior que era de mostrar as crianças a importância da diversidade, principalmente
utilizando a literatura. Permitiu a elas entenderem como é fundamental a tanto a
representatividade, tendo em vista que permite às pessoas poderem se identificar e
assim passarem por sua construção identitária, como também é importante que não se
discrimine e que todos possam ter todos os direitos exercidos de forma equalitária.
41

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como visto, por mais que tenha sido tarde, a independência das histórias literárias
infantis vindas da Europa foi de grande importância para o Brasil, tendo em vista que o
país pôde produzi histórias as quais estão de acordo com a realidade que é vivenciada
por muitos brasileiros. Lobato foi uma figura emblemática para a ascensão de uma
literatura infantil fidedigna a realidade brasileira, haja vista que o autor primordialmente
rompe com os padrões literários que chegavam da Europa, valorizando, assim, a os
costumes e valores culturais como preservação do ambiente local e do folclore. Além
disso, consegue elevar o mercado literário infantil, abrindo espaço para diversos autores
que viriam a participar desse comércio.
A literatura infantil se torna necessária na sala de aula, justamente, por fazer com
que as crianças além de sentir o prazer pela leitura, tenham meios de se sentirem
inclusas e representadas pelos protagonistas das mais diversas narrativas. A Base
Nacional Comum Curricular (BNCC) ajuda o professor a entender o quão importantes
são esses aspectos do Eixo Literatura para os alunos, uma vez que, através desse eixo,
eles terão contato com uma ampla diversidade cultural e também o desenvolvimento do
seu senso crítico, discutindo e debatendo assuntos que são relevantes à sociedade. Para
isso, o discente, quando trabalhar com a representatividade com histórias infantis,
precisa ter um amplo campo de pesquisa sobre as questões étnico-raciais em
consonância com maneiras para que o tema da representatividade possa ser aplicado de
forma contínua.
Por mais que seja de forma lenta, é possível notar que as histórias infantis têm
evoluído no que diz respeito ao tratamento de personagens negros, propiciando à
criança negra a sua aceitação e a se identificar com as qualidades das personagens que
fazem parte de seu biotipo. Ao se olhar para a obra O Picapau Amarelo, de Lobato, vê-
se que autor foi muito importante para a literatura infantil brasileira, porém isso não
impediu que o pai da literatura infantil cometesse problemas na caraterização de suas
personagens como foi o caso das que eram negras, fazendo com que os leitores negros
se sentissem excluídas e ridicularizados. Ana Maria Machado, por sua vez, traz questão
da representatividade negra em sua obra Menina bonita do laço de fita de forma
simpática e divertida. Porém a autora de certa forma cria a personagem negra é de forma
superficial e estereotipada. Além do mais, o protagonismo que, a princípio, pensa-se ser
da menina acaba sendo do coelho branco. No entanto, em Amoras, de Emicida, há uma
42

construção fiel da personagem negra, abordando aspectos dos valores afro como a
culturais, a religião, personagens que são emblemáticos na luta pela igualdade racial, a
afetividade, a aceitação das crianças negras. É sobre esse viés que é importante notar a
diferença do tratamento da perspectiva de uma pessoa branca escrevendo sobre negros e
de negro escrevendo sobre personagens negros. Infelizmente, por questões, raciais tais
como o colorismo e a pigmentocracia, é muito comum que se trabalhe com autores
brancos, o que acaba ainda deixando a discussão sobre a representatividade negra
estigmatizada, no entanto cabe aqui dizer que o professor terá mais facilidade em
trabalhar as questões da representatividade negra ao selecionar livros em que o
protagonista, além de ser negro, foi desenvolvido por um autor negro, tendo em vista
que esse tem mais conhecimento e autonomia para transpassar as questões que
concernem os costumes e valores afro-brasileiros.
A pesquisa desenvolvida apresentou uma proposta pedagógica de como se
trabalhar a representatividade negra em sala de aula, levando em consideração aspectos
através do livro Amoras, tais como a aceitação, a afetividade, a sensibilização das
crianças não brancas e também valores culturais da comunidade afro-brasileira como a
religião, a ancestralidade. Além do mais, uma forma didática de como se aplicar a todo
esse conhecimento de forma prática a fim de fazer com que a criança possa fixar o que
aprendeu.
Mediante a tudo que foi discutido sobre a representação do negro na literatura
infantil, conclui-se que a pesquisa mostrou como é imprescindível a atuação da
literatura infantil na formação das crianças, principalmente no que diz respeito as
crianças negras, trabalhando o seu processo de aceitação por meio da representatividade
negra nas histórias infantis. Ao trazer essas questões para a sala de aula, o discente deve
primordialmente saber selecionar o(s) livro(s) que deseja trabalhar com sua turma, os
materiais e também a elaboração de um plano de aula, tendo em vista que fará com que
o ele atinja de forma efetiva o ensino-aprendizagem das crianças. É crucial que
professor não fique só na teoria, mas de forma prática traga meios o tanto que a criança
negra se sinta inclusa e representada nas mais diversas histórias, quanto para que a
criança branca se sensibilize que há grupos que não se dispõe do mesmo privilégio que
elas.
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