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INSTITUTO FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E


MATEMÁTICA

ALINNY RODRIGUES EMERICH PORTELA

DE QUE COR? PRETA, DA COR DA PELE: (RE)CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE


ÉTNICO-RACIAL DA CRIANÇA COM A LITERATURA INFANTIL

VITÓRIA
2020
ALINNY RODRIGUES EMERICH PORTELA

DE QUE COR? PRETA, DA COR DA PELE: (RE)CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE


ÉTNICO-RACIAL DA CRIANÇA COM A LITERATURA INFANTIL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


graduação em Educação em Ciências e
Matemática do Instituto Federal do Espírito Santo,
modalidade Mestrado Profissional, como requisito
parcial para a obtenção do título de Mestre em
Educação em Ciências e Matemática.

Orientador: Prof. Dr. Edmar Reis Thiengo

VITÓRIA
2020
(Biblioteca do Centro de Referência em Formação e em Educação a Distância - Cefor)

P843q Portela, Alinny Rodrigues Emerich.


De que cor? Preta, da cor da pele: (re)construção da identidade étnico
racial da criança com a literatura infantil / Alinny Rodrigues Emerich Portela.
- 2020. 112 f. : il ; 2210KB.

Orientador: Edmar Reis Thiengo

Dissertação (Mestrado) Instituto Federal do Espírito Santo, Cefor,


Mestrado Profissional em Educação em Ciências e Matemática, 2020.

1. Ciências – estudo e ensino. 2. Identidade étnico racial. 3. Literatura


infantil. I. Thiengo, Edmar Reis . II. Instituto Federal do Espírito Santo.

CDD: 507
Bibliotecário/a: Viviane Bessa Lopes Alvarenga CRB/06-ES nº 745
Tia Nastácia não sei se vem. Está com vergonha,
coitada, por ser preta. — Que não seja boba e venha
— disse Narizinho — eu dou uma explicação ao
respeitável público... — Respeitável público, tenho a
honra de apresentar [...] a Princesa Anastácia. Não
reparem ser preta. É preta só por fora, e não de
nascença. Foi uma fada que um dia a pretejou,
condenando-a a ficar assim até que encontre um
certo anel na barriga de um certo peixe. Então, o
encanto quebrar-se-á e ela virará uma linda princesa
loura.

(Monteiro Lobato, Reinações de Narizinho)

Era uma vez uma menina linda, linda. Os olhos


pareciam duas azeitonas pretas brilhantes, os
cabelos enroladinhos e bem negros. A pele era
escura e lustrosa, que nem o pelo da pantera negra
na chuva. Ainda por cima, a mãe gostava de fazer
trancinhas no cabelo dela e enfeitar com laços de fita
coloridas. Ela ficava parecendo uma princesa das
terras da África, ou uma fada do Reino do Luar.

(Ana Maria Machado, Menina bonita do laço de fita)


Dedico a minha família.
AGRADECIMENTOS

Ao meu Deus, pelo cuidado, proteção e força, por sempre abrir as portas certas. Por
ser para mim o meu Deus, meu Pai, meu Amigo e Consolador. Te amo, Aba!

Ao meu esposo, meu maior incentivador nesta vida! Aquele que está sempre com
um sorriso estampado no rosto dizendo “Você vai longe!”. A minha Mel, minha doce
Mel! Filha, obrigada por orar junto comigo para que eu conseguisse alcançar meus
objetivos, por me acompanhar com seus rabiscos durante minhas leituras.

A minha mãe, por tanto amor, cuidado e abdicação. Por sempre vibrar com minhas
conquistas; ao meu pai, pelo exemplo de garra, honestidade e dedicação. Mesmo
ele não estando mais aqui, sei que se alegra por mais esse ciclo concluído em
minha vida. Esta vitória também é sua, meu pai!

A minha irmã, minha segunda mãe. Obrigada pelo tempo, dedicação e amor
destinado a nossa família. Agradeço, também, ao meu cunhado, pela presença em
nossas vidas, pelo exemplo de inteligência e inspiração em tantas áreas para mim.
Enfim, a toda minha família e amigos que sonharam comigo e me dão força ao longo
da minha caminhada.

Ao meu orientador, por todo conhecimento compartilhado, por ser tão generoso
comigo sempre. Creio que em tudo existe um propósito e sei que não poderia ter
orientador mais humano do que ele. Agradeço os ensinamentos, a paciência e a
dedicação a mim, nas diferentes fases que vivi durante o mestrado. Você fez a
diferença em minha vida.

A todos os professores que passaram pela minha vida, da “Tia Maria” a todos os
professores do mestrado, por compartilharem seus ensinamentos e auxiliarem
minha formação.

Aos amigos que torceram por mim durante todo o processo vivido, obrigada por
tudo. Aos amigos conquistados no EDUCIMAT, em especial a Flávia, Joel e Michele,
os que mais de perto convivi e aprendi a admirar, obrigada, os guardarei em meu
coração para sempre. A todos meus amigos, muito obrigada!

Ao programa EDUCIMAT, por me proporcionar uma formação de qualidade e


oportunizar momentos inesquecíveis de minha formação como professora e pessoa.

A todos os envolvidos nesta pesquisa, especialmente, as crianças que me fizeram


ver que há muito a ser feito quanto às relações étnicas raciais, mas que também me
mostraram o quanto é possível contribuir para a formação ética do ser humano.
RESUMO

Este trabalho discute a influência da literatura infantil no processo de (re)construção


da identidade étnico-racial da criança negra. Objetiva-se, nesta pesquisa, responder
à seguinte pergunta: como a literatura infantil pode contribuir para a (re)construção
da identidade étnico-racial na infância? Entre os referenciais teóricos, para
compreender a história social da criança e da infância, destacam-se Philippe Ariés,
que se refere à infância como uma invenção da modernidade e fruto de um processo
histórico. Discute-se o potencial da literatura infantil na formação identitária das
crianças com aporte de Maria Aparecida Silva Bento e Edith Piza, que direcionam as
análises para a construção da identidade e comunicação, sugerindo tendências para
um desenvolvimento amplo e significativo do caráter da criança. Baseado em
Guacira Louro, o trabalho defende que o espaço escolar é influenciador em relação
aos processos de construção de identidade. Trata-se de uma pesquisa qualitativa,
inspirada no método da pesquisa-ação, fundamentada em Michel Thiollent e René
Barbier. Na aplicação, buscou-se atuar de forma efetiva e, assim, estimular
possíveis mudanças a respeito da temática da equidade racial no espaço
pesquisado. Após a produção de dados, ficou evidente como a literatura influenciou
a mudança de postura das crianças ao se autorretratarem pela segunda vez, o que
mostrou como é importante que o cotidiano escolar oferte referências positivas sobre
a cultura e estética africana. O produto educacional desta pesquisa é um livro
composto pelas experiências da pesquisadora no transcurso deste estudo, que visa
a contribuir para a prática pedagógica de educadores que desejam trabalhar essa
temática em seu cotidiano escolar.

Palavras-chave: Criança. Identidade. Branquitude. Relações étnico-raciais.


Literatura infantil.
ABSTRACT

This paper aims to discuss the influence of children's literature on the process of (re)
construction of the ethnic-racial identity of black children. The objective of this
research is to answer the following question: how can children's literature contribute
to the (re) construction of ethnic-racial identity in childhood? In the theoretical
frameworks, to understand the social history of children and childhood, Philippe Ariés
stands out, who refers to childhood as an invention of modernity and the result of a
historical process. It discusses the potential of children's literature in the identity
formation of children with input from Maria Aparecida Silva Bento and Edith Piza,
who directed the discussions towards the construction of identity and communication,
suggesting expectations for a broader and significant development of the child's
character. It also explains, based on Guacira Louro, that the school space is a
relevant and influential one in relation to the processes of identity construction. This
is a qualitative research based on Michel Thiollent and René Barbier. In the practical
part, we sought to act effectively and, thus, to stimulate possible changes regarding
the theme of racial equity in the researched space. After the data production, it
became evident how the literature influenced the change in children's posture when
they self-portrayed themselves for the second time, which showed how essential it is
that the school routine offers positive references about African culture and aesthetics.
The educational product of this research is a book composed by the experiences of
the researcher in the study process, which aims to contribute to the pedagogical
practice of educators who wish to work on this theme in their school routine.

Keywords: Child. Identity. Whiteness. Ethnic-racial relations. Children's literature.


LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Material disponibilizado para pintura .............................................................. 68


Figura 2 – Autorretrato de Lázaro ...................................................................................... 69
Figura 3 – Autorretrato de Milton ........................................................................................ 70
Figura 4 – Autorretrato de Mariele ..................................................................................... 70
Figura 5 – Autorretrato de Carolina Maria ........................................................................ 71
Figura 6 – Autorretrato de Nelson ...................................................................................... 72
Figura 7 – Autorretrato de Thaís ........................................................................................ 72
Figura 8 – Autorretrato de Conceição................................................................................ 73
Figura 9 – Autorretrato de Otelo ......................................................................................... 74
Figura 10 – Autorretrato de Machado................................................................................ 74
Figura 11 – Autorretratos com mudança de cor .............................................................. 75
Figura 12 – Autorretrato de Sheron ................................................................................... 78
Figura 13 – Autorretrato de Aílton ...................................................................................... 78
Figura 14 – Autorretrato de Elisa........................................................................................ 79
Figura 15 – Capa do livro “Como as histórias se espalham pelo mundo” ................... 82
Figura 16 – Capa do livro “As tranças de Bintou”............................................................ 83
Figura 17 – Capa do livro “Bruna e a galinha d’angola” ................................................. 88
Figura 18 – Capa do livro “Obax” ....................................................................................... 89
Figura 19 – Autorretrato de (1º e 2º) Elza ......................................................................... 92
Figura 20 – Autorretrato de (1º e 2º) Ruth ........................................................................ 93
Figura 21 – Autorretrato de (1º e 2º) Leci ......................................................................... 94
Figura 22 – Autorretrato de (1º e 2º) Lázaro .................................................................... 94
Figura 23 – Autorretrato de (1º e 2º) Milton ...................................................................... 95
Figura 24 – Autorretrato de (1º e 2º) Djamila ................................................................... 96
Figura 25 – Autorretrato de (1º e 2º) Mariele ................................................................... 97
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO: CABELO, CABELEIRA, CABELUDA, DESCABELADA...... 13


1.1 TRAJETÓRIAS E NARRATIVAS CONSTITUÍDAS E CONSTITUINTES:
REMEXENDO EM MINHA GAVETAS .................................................................... 14
1.2 DO PROBLEMA AOS OBJETIVOS DA PESQUISA ............................................. 16
1.3 JUSTIFICATIVA .......................................................................................................... 17
1.4 ANTES DE PERCORRER O CAMINHO ................................................................ 19
2 ENTRE TRANÇAS, CACHOS E DREADS ............................................................ 24
2.1 A HISTÓRIA DA CRIANÇA E DA INFÂNCIA ......................................................... 25
2.2 O RACISMO NA CONSTITUIÇÃO DA SOCIEDADE BRASILEIRA .................. 29
2.3 POTENCIAL DAS HISTÓRIAS INFANTIS NA FORMAÇÃO DA IDENTIDADE
DA CRIANÇA............................................................................................................... 35
2.4 DESCONSTRUÇÃO DO RACISMO NO AMBIENTE ESCOLAR ....................... 40
2.5 IDENTIDADE E SOCIEDADE................................................................................... 45
2.6 A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE ÉTNICO-RACIAL ....................................... 49
3 ENTRE TURBANTES, LENÇOS E LAÇOS .......................................................... 58
3.1 O ESPAÇO E OS SUJEITOS DA PESQUISA ....................................................... 59
3.2 FASES DA PESQUISA .............................................................................................. 60
3.2.1 Fase exploratória: diagnóstico dos alunos a serem pesquisados ............. 61
3.2.2 Fase do planejamento ............................................................................................. 62
3.2.3 Fase da ação .............................................................................................................. 62
3.2.4 Fase de avaliação ..................................................................................................... 63
3.3 SOBRE A ANÁLISE DE DADOS.............................................................................. 63
4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS: CABELOS AO VENTO .......... 65
4.1 O PRIMEIRO ENCONTRO ....................................................................................... 66
4.2 A APRESENTAÇÃO COM AUTORRETRATO ...................................................... 76
4.3 NÃO ERA UMA VEZ .................................................................................................. 79
4.4 DEPOIS DO “FIM” ...................................................................................................... 90
5 PRODUTO EDUCATIVO........................................................................................... 98
6 CONCLUSÃO.............................................................................................................. 99
REFERÊNCIAS......................................................................................................... 101
APÊNDICE A – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
DOS PARTICIPANTES DA PESQUISA............................................................... 107
APÊNDICE C – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO DO
RESPONSÁVEL PELO MENOR DE IDADE ....................................................... 108
APÊNDICE D – TERMO DE ASSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
PARA MENOR DE IDADE ...................................................................................... 110
APÊNDICE E – FICHA/QUESTIONÁRIO ............................................................ 111
13

1 INTRODUÇÃO: CABELO, CABELEIRA, CABELUDA, DESCABELADA

Lelê não gosta do que vê. Joga pra lá, puxa pra cá. Jeito não dá, jeito não
tem. De onde vem tantos cachinhos? A pergunta se mantém (O cabelo de
Lelê, de Valéria Belém).

O racismo no Brasil é um legado da colonização que, mesmo com o findar da


escravidão, continua afetando boa parte da população, independente dos
segmentos da sociedade. Contudo, para discutir sobre o racismo, é preciso entender
toda a agressividade evidente de ódio racial e também situações de racismo
implícito ou simbólico. O racismo pode ser caracterizado como todo e qualquer
comportamento que discrimine, deprecie ou diferencie alguém, com base em fontes
não científicas, em relação a algum grupo social ou étnico, e no conceito de que há
raças humanas e uma seja superior à outra (MUNANGA, 2004).

A escola, entre outras funções, é um lugar de potencial para intervir na formação de


opinião, no conceito e na consciência das crianças a respeito da igualdade entre
culturas e valores. Porém, observa-se, no contexto escolar, durante a ocorrência de
um episódio racista que, muitas vezes, o professor silencia e a escola, definida como
lugar de todos, acaba se apossando de um padrão, forçando todos a se adequarem
a esse padrão; e quem não se enquadra, muitas vezes, se vê excluído e
discriminado (CAVALLERO, 2001).

Entretanto, se a escola é um dos lugares que contribui para a formação do sujeito, é


fundamental refletir sobre a presença dela na sociedade, pois ela se destina à
promoção do homem. Nesse sentido, para discutir a importância desse espaço de
formação, como ambiente transformador social, tem-se apoio na fala de Freire
(2007). Para ele, “Se o meu compromisso é realmente com o homem concreto, com
a causa de sua humanização, de sua libertação, não posso por isso mesmo
prescindir da ciência, nem da tecnologia, com as quais me vou instrumentando para
melhor lutar por esta causa” (FREIRE, 2007, p. 22).

O trabalho de desconstrução do racismo deve começar cedo, na Educação Infantil,


quando a identidade da criança está em processo de formação e o primeiro desafio
é produzir o real entendimento da identidade e da equidade racial, focando na
14

diversidade cultural étnica. Lima (2005) ressalta que é na Educação Infantil que são
formados os primeiros embriões dos valores humanos, os costumes e os princípios
éticos e democráticos da criança. Isso evidencia que é na infância que essa temática
deve ser trabalhada na sala de aula.

1.1 TRAJETÓRIAS E NARRATIVAS CONSTITUÍDAS E CONSTITUINTES:


REMEXENDO EM MINHAS GAVETAS

A narrativa apresentada nesta pesquisa está entrelaçada à minha história de vida,


ela remete a um olhar singular, pois esse fio condutor trouxe memórias de algumas
idas e vindas, de descobertas, de encontros e de reencontros de passados e
presentes vividos.

Iniciei o curso de Ciências Biológicas e, na metade do curso, consegui um estágio


no Centro de Controle de Zoonoses da Prefeitura de Serra/ES. Naquele espaço tive
a oportunidade de acompanhar bem de perto o cotidiano escolar, pois o setor para o
qual fui direcionada, “Educação em Saúde”, era responsável por dar palestras às
escolas. O intuito das palestras era despertar interesse e conhecimentos a respeito
de doenças causadas por algumas pragas urbanas, fato esse que legitimou, em
mim, o desejo de lecionar. Continuei nesse estágio até o término da faculdade de
Ciências Biológicas.

Em 2013, tive minha primeira experiência em regência de sala, na rede estadual.


Nesse percurso, tive a oportunidade de ingressar na Faculdade de Pedagogia e me
especializei nas duas graduações. Em 2016, fui convidada, por uma professora da
graduação, a participar de um grupo de estudos na Ufes, que pesquisavam sobre o
combate ao racismo e assuntos relacionados à população negra. Esse meu contato,
já no primeiro encontro, me conduziu a uma imensa reflexão, visto que até então eu
havia assumido minha branquidade que, segundo Piza, é vista como “identidade
branca negativa”, ou seja, um movimento de negação da supremacia branca
enquanto expressão de humanidade” (PIZA, 2005, p. 7).

Não havia em mim, até aquela época, a consciência de que eu ocupava um lugar de
privilégio, socialmente falando, por ter tom de pele mais clara, cabelos loiros e olhos
15

claros. A inquietação gerada motivou-me a ler alguns autores que discorriam sobre a
questão do negro e, assim, pude compreender que, se existe uma camada não
privilegiada, há também a camada privilegiada. Com certeza, foi um momento
desconfortante, mas libertador.

Após inúmeras leituras, comecei a viver e compreender minha branquitude que,


segundo Piza (2005), é oposto à branquidade. Para ela, branquitude é “Um
movimento de reflexão a partir e para fora de nossa própria experiência enquanto
brancos. É o questionamento consciente do preconceito e da discriminação que
pode levar a uma ação política antirracista” (PIZA, 2005, p. 7). Isso será visto com
mais profundidade posteriormente.

Assim, em meio a tantas inquietações, surgiu o desejo de contribuir e compreender


como meu aluno pensava e sentia, e mais, refletir o que eu, como professora, estava
fazendo para que, pelo menos, em minha sala, brancos e negros se relacionassem e
contribuíssem em seus próprios processos de formação de identidade. Afinal,
quantos jovens, melhor dizendo, crianças, não sofrem com a crise de identidade e
não aceitam seu biótipo, cabelo, estatura, seus traços ou sua cor? Afinal, qual a
origem dessa não aceitação? Onde é produzida? Falando especificamente do negro,
por que ele não se aceita? Ou o padrão Eurocêntrico, da sociedade atual, faz com
que ele não se encontre? Afinal, qual a origem dessa não aceitação? Diante dessa
realidade, é fundamental estimular os estudantes e cidadãos a criar um autoconceito
positivo sobre si mesmo, bem como aceitar e respeitar suas diferenças.

Somado a isso, a curta vivência com o grupo ampliou meu olhar sobre algo que, até
então, era inexistente; assim, a cada encontro, minha consciência se alargava a
respeito de como, no cotidiano, naturalizamos algumas realidades sociais e
inviabilizamos a sociedade negra. Compreendi, desse modo, que, como
pesquisadora branca, assumo um lugar de privilégio que, como negra, não teria.

Por isso comecei em minha prática como professora e, de certa forma, como
observadora, (pois docentes têm uma ótica de que é possível vivenciar de vários
ângulos o que ocorre no cotidiano escolar), ver a outra face da escola, presenciar o
racismo dentro do ambiente escolar sob várias perspectivas, porém agora com novo
16

olhar, um olhar não mais indolente. A partir de então nasceu o desejo de pesquisar
essa exclusão que tanto afeta a aprendizagem, analisar quem são os sujeitos que
mais reprovam e cruzar dados entre a exclusão e a negritude, além de associar
essas práticas à evasão escolar.

E no universo escolar amplo, como professora também da EJA, conseguia


visualizar, em outra dimensão, os reflexos dessa exclusão, pois essa modalidade de
ensino é composta justamente por indivíduos ocupantes do lugar de exclusão. Ficou
evidente que os alunos dessa modalidade eram, majoritariamente, negros, o que
antes nunca havia percebido e relacionado com o contexto histórico, todavia, agora
estava claro, não mais eram invisíveis aos meus olhos.

1.2 DO PROBLEMA AOS OBJETIVOS DA PESQUISA

Diante das questões expostas, surgiram inquietações que trouxeram a certeza de


que o projeto a ser desenvolvido poderia colaborar para a erradicação dessas
práticas preconceituosas dentro das escolas, práticas que, muitas vezes, acontecem
e a maioria finge não ver. Ao assumir, então, minha branquitude (Piza, 2005), havia
algo a contribuir como branca, pessoa que agora entende e vive a constante
reflexão a partir e para fora de sua própria experiência como branca.

Diante dessa realidade e intentando modificá-la, o objetivo do projeto de pesquisa foi


trabalhar a questão da identidade nas crianças e, por meio de atividades lúdicas,
problematizar questões que possibilitassem trabalhar a formação e o
empoderamento da identidade étnico-racial dessas crianças. Isso porque estimular a
emancipação desses indivíduos é uma forma de trabalhar para que elas cresçam
respeitando as diferenças e tenham um autoconceito bem formado de si mesmas,
pois nenhuma criança nasce racista, mas aprende a ser.

Dessa forma, o projeto problematizou o processo de (des)construção da identidade


étnico-racial, o combate ao racismo, estimulou a (re)construção da autoestima e
procurou descobrir maneiras de fomentar o desenvolvimento da identidade étnico-
racial entre as crianças. Nesse sentido, buscou respostas para o seguinte problema:
17

como a literatura infantil pode contribuir para a (re)construção da identidade étnico-


racial da criança negra?

O objetivo central deste trabalho foi compreender a influência da literatura infantil,


com protagonistas negros, no processo de (re)construção da identidade étnico-racial
da criança negra. Considerando a importância de alcançar o objetivo anteriormente
citado, entretanto, para obter êxito na pesquisa foi preciso pontuar outros objetivos
que contribuíram para especificar o olhar da pesquisadora e, dessa forma,
compreender algumas questões pertinentes da pesquisa.

Assim, a seguir, os objetivos específicos deste estudo foram desdobrados em:


 Verificar como as crianças negras se identificam e as relações que
estabelecem com suas características fenotípicas.
 Discutir o uso de elementos que valorizam a cultura e a estética africana
presente na literatura infantil com as crianças em estudo.
 Oportunizar momentos com as crianças visando estimular o desenvolvimento
da identidade étnico-racial por meio da contação de histórias.
 Refletir com as crianças sobre as mudanças no processo de autoidentificação
delas.
 Produzir um livro para compartilhar as experiências vivenciadas no processo
deste estudo.

1.3 JUSTIFICATIVA

O racismo na escola tem sido a causa de sofrimentos psíquicos em crianças, jovens


e adultos negros, e a discriminação é um fenômeno que atravessa diversos
segmentos de todas as sociedades. A escola também é um espaço de manifestação
da discriminação, evidenciando não apenas os conflitos já existentes entre
estudantes e professores, mas também manifestações relacionadas a fatores
estruturais de exclusão social. Essa prática não gera apenas consequências na vida
escolar do aluno, mas também afeta, diretamente, seu futuro social. Em longo prazo,
essas sanções discriminatórias influenciam os índices de criminalidade que já são,
significativamente, maiores entre os jovens afrodescendentes.
18

Entre os diversos dispositivos legais que abordam situações relacionadas às


pessoas negras afro-brasileiras, a Lei nº 10.639/03 visa fazer um resgate histórico
para que essas pessoas conheçam mais o Brasil e o contexto histórico em que ele
foi formado, compreendendo, assim, melhor sua própria história. Essa lei altera a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e traz a obrigatoriedade de incluir o
ensino de História e da cultura afro-brasileira dentro das disciplinas que já fazem
parte das grades curriculares dos ensinos fundamental e médio. Contudo, apesar do
enorme ganho com a promulgação da lei, infelizmente, vive-se, no cotidiano escolar,
sua não aplicabilidade, o que permite que ações preconceituosas persistam entre os
muros da escola e as crianças afrodescendentes permanecem sendo foco dessas
práticas.

Assim, é fundamental investigar essas atitudes, bem como a escola deve intervir,
por meio de trabalhos interdisciplinares, para esclarecer e combater essa prática
discriminatória e nociva. Entre as inúmeras ofensas, por exemplo, vocábulos
relacionados à cor da pele são utilizados com grande carga racista, muitas vezes de
maneira naturalizada, sem que haja uma intervenção sistemática em relação ao
problema.

Convém citar que, a partir do final do século XVIII, conforme o racionalismo


começava a substituir a fé como autoridade, a ciência se converteu no principal
método para justificar os princípios e as práticas. Nas sociedades em que havia uma
discriminação sistemática de determinados grupos raciais, procuraram justificar essa
discriminação com argumentos científicos: o perigo biológico da mistura de raças;
que o preconceito é um fenômeno natural e essencial do processo evolutivo e é
necessário para a eficácia do processo para assegurar a integridade do patrimônio
genético; e determinados grupos estão menos dotados do que outros de certas
características cognitivas (SANSONE; PINHO, 2008).

O transcurso da história da humanidade mostrou como essas ideias foram e


continuam sendo prejudiciais a determinados grupos. Por isso, para minimizar os
efeitos nocivos, nas últimas décadas, o Brasil vem consolidando um novo cenário
em torno das políticas sociais dirigidas a determinados grupos historicamente
renegados. Houve uma mudança de paradigma em que a diversidade adquire um
19

significado próprio, o qual propicia avanços no que se refere aos direitos desses
grupos (FORDE, 2018, p. 283). Contudo, muito ainda falta ser feito, inclusive
relacionado às consolidações das leis cujo objetivo é promover a igualdade racial.

1.4 ANTES DE PERCORRER O CAMINHO

Entre as várias pesquisas de dissertações e teses produzidas, em nível nacional,


com os descritores “identidade étnico-racial e combate ao racismo; construção de
identidade na criança; literatura infantil e o desenvolvimento da identidade na
criança” foram selecionados alguns que contribuíram para as reflexões deste
trabalho, além de dar visibilidade a essas investigações.

Na busca por pesquisas sobre a temática “identidade étnico-racial e combate ao


racismo”, algumas se destacaram e foram fundamentais para o embasamento
teórico dessa pesquisa. Entre delas destacou-se a pesquisa apresentada em 2016,
“Loira você fica muito mais bonita: Relações entre crianças de um EMEI da cidade
de São Paulo e as representações étnico-raciais em seus desenhos1”, que visou
enfatizar a importância de se pesquisar o racismo na Educação Infantil. O trabalho
de dissertação da pesquisadora Ana Carolina Batista de Almeida Faria, da
Universidade de São Paulo, objetivou compreender as relações raciais na infância
expressa por meio de desenhos. O trabalho foi realizado em uma Escola Municipal
de Educação Infantil (EMEI) da periferia de São Paulo, com crianças de 4 e 5 anos.
A pesquisa colocou em discussão como é, para a criança, ser negra e ter o cabelo
crespo, e porque para ela essa é uma questão não tão desejada.

A pesquisa mostrou que, apesar de a professora ser negra e ter responsabilidade


com o debate étnico, a carência na divulgação de personagens e personalidades
positivas negras no cotidiano faz com que meninas cada vez mais anseiem pela
estética branca, padrões que fogem etnicamente da sua naturalidade, gerando uma
não aceitação de si mesmas. Assim, embora muitos pensem que discutir questões
étnico-raciais no Brasil esteja superado, devido ao mito da democracia racial, essa

1 Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/48/4813 4/tde-11082016-125924/pt-br.php.


Acesso em: 14 mar. 2018.
20

pesquisa evidenciou como ainda há muito para avançar nas discussões étnico-
raciais e, assim, modificar o quadro atual do país.

Na temática “construção de identidade na criança”, destacou-se a dissertação de


Daniele Cristina Rosa, defendida em 2012, intitulada “A construção da identidade
racial de crianças negras na Educação Infantil”. A pesquisadora da Universidade
Tuiuti, do Paraná, fez uma investigação teórica acerca da visão de um grupo de
professoras da Educação Infantil sobre como acontece a construção da identidade
racial. Em seu referencial teórico, foram utilizados textos sobre identidade de
WoodWard (2009), Hall (2009,2001), Silva (2009, 2005), Austin (1998). O referencial
teórico apresenta, inicialmente, um breve histórico sobre o atendimento à infância no
contexto brasileiro com teóricos como Merisse (1997), Marcílio (2006), Kuhlmann
Júnior (2006, 2005, 1999, 1998), Rosemberg (1987), Civilett (1991), Kramer (1995),
Didonet (2001), Haddad (1991).

Nessa mesma perspectiva é a tese de Marlene de Araújo, da Universidade Federal


de Minas Gerais, intitulada “Infância, Educação Infantil e Relações étnico-raciais”2.
Foi defendida em 2015, objetivou compreender as relações entre infância, educação
infantil e relações étnico-raciais, por meio de análise de documentos oficiais, em
níveis nacional e local, e utilizou também a narrativa de gestores (as), docentes e
familiares responsáveis pela educação de crianças até cinco anos. A discussão tem
como objeto central o lugar da criança negra como sujeito das políticas e das
práticas da Educação Infantil nas perspectivas dos (as) gestores (as), educadoras e
responsáveis. Nesse sentido problematizou os aspectos formativos na escola que
expressam a valorização, a negação e a ignorância da identidade étnica-racial das
crianças, principalmente, as crianças negras.

A investigação foi conduzida por meio de uma pesquisa de cunho qualitativo,


desenvolvida em um centro de educação infantil público municipal. As estratégias
adotadas foram: grupos focais e entrevistas semiestruturadas. O estudo evidenciou
que as educadoras e as mães reconheceram a presença de preconceitos étnico-

2 Disponível em: http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/ bitstream/handle/1843/BUB D-


AQQFT4/marlene___tese_final_08.05. 17.pdf?sequence= 1. Acesso em: 25 ago. 2018.
21

raciais no interior da instituição escolar e sua influência negativa na construção


identitária das crianças negras.

Na temática “Literatura afro-brasileira: práticas antirracistas no Ensino Fundamental”


a dissertação de André Luiz Amancio de Sousa, de 2016, foi relevante. O objetivo
desse estudo foi discutir questões relacionadas à literatura e ao universo infantil,
além de oferecer possibilidades para enfrentar a exclusão racial e atender à
determinação da Lei nº 10.639/2003, que trata da obrigatoriedade do ensino de
questões étnico-raciais. O estudo teve por base compreender a identidade negra
como um elemento de identificação pautado em conceitos de diferenças e
semelhanças socialmente definidos e construídos por meio de práticas discursivas
inscritas em relação de poder, que localizam os sujeitos em posições sociais e
históricas.

Outro trabalho relevante foi o da Luciana Araújo Figueiredo, defendido em 2010, na


Universidade Federal da Grande Dourados, com o título “A criança negra na
literatura brasileira: uma leitura educativa”. A dissertação teve como eixo central
explicitar como foi construída, por meio dos tempos, a relação da Lei do Ventre Livre
com as crianças negras e não negras e, sobretudo, as identidades étnicas no Brasil.
Realizou um estudo sobre crianças e infâncias negras, considerando as tramas
sociais contidas, principalmente nas obras literárias, e sugeriu fontes para construir
uma educação com respeito à diversidade.

A pesquisa recorreu aos textos literários produzidos por Machado de Assis,


especificamente, “Memórias Póstumas de Brás Cubas” (1881); por José Lins do
Rego, “Menino do Engenho” (1932); por Gilberto Freyre, “Casa Grande e Senzala:
formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal” (1933);
“Sobrados e Mucambos: decadência do patriarcado rural no Brasil” (1936), e por
Graciliano Ramos, “Infância” (1945). O propósito foi refletir sobre a infância da
criança negra durante o passado de escravidão, considerando os letais
desdobramentos dessa instituição no presente. O trabalho destaca algumas obras
literárias que podem colaborar para a construção da identidade das crianças negras.
As análises revelaram que as produções contemporâneas, sob influência das lutas
22

sociais, têm produzido novas formas de representação da criança e da cultura negra


nos materiais literários.

Na busca por pesquisas que explanam como é possível ocorrer a desconstrução do


racismo, destacou-se a tese de Nelma Gomes Monteiro, da Universidade Federal do
Espírito Santo, defendida em 2010, com o título “Afirmar as diferenças étnico-raciais
como processo de enunciação para o enfrentamento ao racismo na educação
infantil”3. Foi desenvolvida no cotidiano da UMEI Normília dos Santos – unidade
municipal da educação infantil e teve como objeto de estudo o racismo e a afirmação
das diferenças étnico-raciais como processo de enunciação de outras/novas práticas
pedagógicas.

Nesse trabalho, o cotidiano foi utilizado como ferramenta de pesquisa, o que


possibilitou a desobstrução das relações inter-raciais que foram obstaculizadas pela
cultura de discriminação do preconceito e do estereótipo e podem ter impedido a
vida de fluir. A pesquisa ancorou-se em diferentes vertentes, as quais possibilitaram
construir um alicerce teórico que corroborou para a escrita do trabalho. A tese retrata
a trajetória da mulher negra, sua relação com o cabelo e discorre sobre a trajetória
dos processos de produção de subjetividades que marcaram a vida de muitas
mulheres negras, trajetória essa marcada pela tríplice opressão da sociedade:
social, racial e de gênero, que produz movimentos do cotidiano resultantes das
relações coletivas vivenciadas, ou não, na casa, na escola, na rua e em tantos
outros lugares.

Outro estudo com a mesma temática foi o de Roseli Figueiredo Martins, da


Faculdade de Ciência e Tecnologia da Unesp, intitulado “A identidade de meninas
negras: o mundo do faz de contas”4, defendido em 2006. Apesar de ser uma
pesquisa que não tem como foco crianças da Educação Infantil, foi utilizada pela
significativa contribuição ao investigar como ocorre a construção da identidade racial
nas crianças. A pesquisadora, nos entremeios do mundo do faz de conta, tentou

3 Disponível em: http://portais4.ufes.br/posgrad/teses/nometese. Acesso em: 18 set. 2018.


4 Disponível em: https://repositorio.unesp.br/handle/11449/92330. Acesso em: 17 set. 2018.
23

observar, mais de perto, como meninas negras se inserem nesse mundo de


fantasias, e, baseadas nelas e por meio delas, constroem suas identidades.

Diante dos resultados obtidos na busca, os estudos sobre a desconstrução do


racismo na Educação Infantil ainda são incipientes. Há um longo caminho a ser
percorrido, com espaço para novos estudos na área que mostrem a importância de
se pesquisar e entender o problema do racismo na atualidade. Além de
compreender que pesquisar essa temática é mais do que uma pesquisa na
educação, trata-se de uma pesquisa para a vida, é tentar buscar a harmonia em um
país assolado pelo preconceito, pela intolerância e violência.
24

2 ENTRE TRANÇAS, CACHOS E DREADS

Toda pergunta exige resposta. Em um livro vou procurar! Pensa Lelê num
canto a cismar.
A pergunta se mantém. Fuça aqui, fuça lá.
Mexe e remexe até encontrar o tal livro, muito sabido!, Que tudo aquilo pode
explicar. Lelê gosta do que vê! (Valéria Belém in: O cabelo de Lelê).

Neste tópico buscou-se um aporte teórico que dialogasse com o tema pesquisado e
contribuísse para elucidar o caminho da pesquisa. A fim de tornar mais clara e
concisa as discussões, serão abordados tópicos de forma a articulá-los no nível de
uma interpretação teórica que complementem o tema pesquisado e, assim, seja
possível discutir todas as complexas relações desta pesquisa.

A pesquisa bibliográfica envolveu diversos autores, os quais alicerçaram as


inquietudes levantadas, visando compará-los ao abordar temas similares neste
estudo. Não se trata de revisar toda a teoria por meio da metodologia aplicada, nem
tampouco de esgotar o assunto em questão, e sim percorrer um caminho que
conduza à discussão desse tema tão pertinente. Nesse aspecto, analisar os autores
pesquisados tem o objetivo de aprofundar mais a temática.

Assim, sem perder de vista nenhuma informação coletada e valorizando o suporte


teórico dos autores que colaboraram com esta pesquisa, destacam-se, entre eles,
Abramowicz (2010), que ressalta a importância de se trabalhar no cotidiano escolar
tendo as diferenças por mote da ação educativa. Aborda, nesse sentido, a temática
das diferenças como suporte para uma educação inclusiva.

Para entender a visão e o conceito da infância, o aprofundamento tem a colaboração


de Ariés (1981), que estudou o conceito de infância ao longo da história ocidental. O
autor discorre sobre quando as crianças pararam de ser vistas e tratadas como
adultos em miniaturas, conquistando um lugar individualizado, auxiliando, dessa
forma, a compreender a história social da criança. E visando compreender a
importância de saber como ocorre a relação adulta com o universo infantil em sua
diversidade, de maneira reflexiva, o auxílio veio de Sarmento (2002), que provoca
reflexões diante de uma “gramática das culturas da infância”, refletindo sobre o
25

imaginário infantil e suas significâncias. E Bakhtin (2003), dá o suporte quanto ao


uso da linguagem.

Bauman (2005), um dos maiores teóricos da atualidade, discorre em seus estudos


sobre a identidade. Em relação a isso, analisar essa temática e os estudos desse
autor contribuiu sobremaneira para elucidar como a identidade tornou-se essencial
para compreender a “modernidade líquida”. Já Hall (2004) compreende que o sujeito
se constitui na interação com a sociedade, em um contínuo diálogo, ou seja, para
ele, a identidade é algo construído. Desse modo, como os autores, nesta pesquisa
ficou evidente que a identidade não é fixa nem permanente, mas formada e
transformada de maneira contínua, inclusive sofrendo influência de onde o indivíduo
está imerso culturalmente.

Já Freire (2007), estimulou uma reflexão sobre a importância de uma educação


emancipatória, baseando-se na necessidade de se pensar a formação docente
direcionada à emancipação e à autonomia do ser humano, com prioridade para a
formação integral do aluno. Forde (2018) e Munanga (1996) contemplam os
movimentos sociais negros, provocando uma reflexão acerca do protagonismo
social. Para compreender a relação entre aprendizagem e desenvolvimento,
Vygotsky (1989) foi o aporte que possibilitou compreender como os sujeitos se
desenvolvem e formam as funções psicológicas superiores por meio da apropriação
da cultura humana.

2.1 A HISTÓRIA DA CRIANÇA E DA INFÂNCIA

A infância é fruto de transformações sociais. Na antiguidade, a criança tinha status


nulo, não recebia tratamento diferenciado e era tratada como adulto em miniatura.
Esse tratamento só foi alterado com o avanço da cidadania e a conquista de direitos,
recebendo, então, a criança um olhar especial e um tratamento diferenciado.
Conforme esclarece Kuhlmann Jr:

[...] infância tem um significado genérico e, como qualquer outra fase da


vida, esse significado é função das transformações sociais: toda
sociedade tem seus sistemas de classes de idade e a cada uma delas é
associado um sistema de status e de papel (KUHLMANN JR, 1998, p. 16).
26

A criança era vista como um ser produtivo, substituível e com função utilitária. Aos
sete anos já trabalhavam, frequentavam lugares, como bares, com seus pais e
tinham uma vida sem qualquer censura. Sua existência no meio social dependia
totalmente da vontade do pai e, se a criança nascesse deficiente ou do sexo
feminino, poderia ter tratamento diferenciado, sendo enviada para prostíbulos, era
vendida ou morta.

Conceitos como criança e infância são culturalmente determinados e historicamente


construídos, não foram termos que sempre existiram. Ao pensar a história da criança
e da infância, logo se volta ao passado, mas, ao contrário do que se veicula, esses
conceitos foram construídos recentemente na história humana. Em suas pesquisas,
Ariés (1981) afirma que a criança sempre existiu, porém o olhar diferenciado para
ela e o sentimento de infância eram inexistentes até o século XVI; tornou-se
realidade a partir dos séculos XVII E XVIII. Essa demarcação de épocas pode ser
confirmada por meio dos estudos de Carvalho, que explica:

A aparição da infância ocorreu em torno do século XIII e XIV, mas os sinais


de sua evolução tornaram-se claras e evidentes, no continente europeu,
entre os séculos XVI e XVIII no momento em que a estrutura social vigente
(Mercantilismo) provocou uma alteração nos sentimentos e nas relações
frente à infância (CARVALHO, 2003, p. 47).

Segundo Ariés, (1981), a infância não era uma herança tradicional, e sim uma
invenção da modernidade, como consequência de um processo histórico. Ainda para
o referido autor, esse sentimento de infância foi marcado por uma busca da
moralidade na educação das crianças, por um interesse psicológico. O sentimento
de infância tornou-se, então, fruto de uma construção histórica baseada nas
relações sociais e não apenas em função das particularidades da criança.

A não diferenciação da criança era notória até mesmo nos trajes, já que elas eram
vestidas como adultos, não havia uma identidade própria para os trajes infantis
como existe hoje. Os trajes mostravam como a infância era pouco particularizada na
vida real. A Idade Média vestia de forma indiferente todas as fases da idade,
diferenciando apenas o nível hierárquico social. Nada, no traje medieval, separava a
criança do adulto. A partir do século XIV, contudo, os trajes começaram a ser
diferenciados, principalmente, os dos meninos.
27

O benefício do sentimento de infância priorizou os meninos, enquanto meninas


continuaram mais tempo no modo tradicional que não as diferia dos adultos. Pela
caracterização dos trajes é possível concluir que a particularização da infância,
durante muito tempo, se restringiu aos meninos e privilegiou, em primeira instância,
as famílias burguesas ou nobres. O benefício desse sentimento se retardou ao
chegar às crianças do povo, como os filhos de camponeses e artesãos, ou seja, as
crianças de situação menos favorecida socialmente continuaram a usar o mesmo
traje dos adultos. Para as meninas e os filhos de pobres, o antigo modo de vida, que
não diferia crianças de adultos, ainda era uma realidade.

A inexistência de representatividade da vida da criança na Idade Média teve como


principal motivo a indiferença por uma fase da vida que se mostrava tão instável e,
ao mesmo tempo, tão representativa. A criança, muitas vezes, era vista como
substituível e, até mesmo, como descartável, e os adultos apoiavam-se na fala
“criança faz-se outra”. Há registros, inclusive, de casos de canibalismo, em que
crianças serviam de alimento na ausência de comida.

Não se pensava, como normalmente se pensa hoje, que a criança tinha a


personalidade de um homem. Elas morriam em grande número. Essa insignificância
é confirmada pela fala de Aries:

Essa diferença era uma consequência direta e inevitável da demografia da


época. Persistiu até o século XIX, no campo, na medida em que era
compatível com o cristianismo, que respeitava na criança batizada a alma
imortal [...] a criança era tão insignificante, tão mal entrada na vida, que não
se temia que após a morte ela voltasse para importunar os vivos. [...] Merian
colocou as criancinhas numa espécie de zona marginal, entre a terra de
onde elas saíram e a vida em que ainda não penetraram, e da qual estão
separadas por um pórtico com a inscrição Introitus ad vita. Até hoje nós
não falamos em começar a vida no sentido de sair da infância? Esse
sentimento de indiferença com relação a uma infância demasiado frágil, em
que a possibilidade de perda é muito grande, no fundo não está muito longe
da insensibilidade das sociedades romanas ou chinesas, que praticavam o
abandono das crianças recém-nascidas. [...] não nos devemos surpreender
diante dessa insensibilidade, pois ela era absolutamente natural nas
condições demográficas da época (ARIES, 1981, p. 57).

Ariés (1981) ainda descreve que foram vários os fatores que cooperaram para o
processo de formação do sentimento de infância. O processo de escolarização foi
um marco que separou as crianças dos ambientes em que conviviam com adultos.
28

Outro fator de diferenciação foi a produção de brinquedos voltados, especificamente,


para as crianças e, por último, mas não menos importante, foi o crescimento do
sentimento de família que, com o processo de escolarização, se organizou em volta
da criança, dando ênfase e considerando a escola como primordial na educação de
seus filhos. Com a modernidade, a família ganhou nova importância, adquiriu função
moral e espiritual e colocou como primordiais a afeição e a educação na criação das
crianças. A escola tinha, assim, a responsabilidade de preparar as crianças para a
vida adulta, disciplinando-os e preparando-os para o futuro.

Ariés (1981) afirma que a transformação que a criança e a família sofreram ocupa
lugar central na dinâmica social. Assim, ao longo da história, novos conceitos da
representação da infância foram descobertos e formados e esse processo, em que a
criança passou a ser vista de maneira diferente, ocorreu de forma gradativa. No
século XVIII, a infância moderna era vista com liberdade e estimulava-se a
autonomia e a independência; já no século XIX, as crianças eram tratadas como
adultos em miniatura e, no século XX, elas começaram a ser vistas como seres de
direitos e em fase de desenvolvimento; essa visão ocorreu devido à forte influência
de psicólogos e dos educadores.

A concepção de que a infância se originou de uma perspectiva social é afirmada por


Ariés (1981) e também por Charlot (1986, p. 108), que afirma que “A imagem de
criança assume, nos sistemas filosóficos e pedagógicos, as dissimulações do
aspecto social dessas contradições, por trás de considerações morais e
metafísicas”. Indica que a infância é um dado social-histórico, construído não por
interesses humanistas, e sim por meio de interesses políticos, culturais e
econômicos.

É possível observar que há poucos registros de pesquisas sobre a infância,


principalmente, no passado. Kuhlmann Jr (1998) afirma que poucas foram e são as
pesquisas sobre a infância e faz uma análise histórica, registrando fatos importantes
para compreender mais esse fundamental momento da vida da criança. Para o
autor, é necessário empreender a construção das relações entre a história das
crianças e a estrutura social. Ele afirma que “O fato social da escolarização se
explicaria em relação aos outros fatos sociais, envolvendo a demografia infantil, o
29

trabalho feminino, as transformações sociais da infância etc” (KUHLMANN JR, 1998,


p. 15).

Desse modo, é preciso compreender como ocorreram as representações de infância


para reconhecê-las como produtoras atuantes da história, conforme afirma
Kuhlmann Jr (1998). Ao considerar a criança como sujeito histórico, deve-se fazer
um recorte teórico do estudo da criança. Os discursos e as práticas de socialização,
ao se dirigirem à criança,

[...] constroem um imaginário sobre a infância, produzindo modelos de


gestos, hábitos, comportamentos que são material de socialização nos
processos de formação de tais atores. A criança é também produto de tais
práticas e discursos (SARMENTO, 2002, p. 20).

Com base na análise de Sarmento (2002), a criança tem formação simbólica


diferenciada e o mundo adulto forma a fonte de sua experiência social e o material
de suas formas de expressão. Conforme o autor afirma, “Nas interações com os
adultos, mediadas por produtos culturais a ela dirigidos, a criança recebe, significa,
introjeta e reproduz valores e normas tidos como expressões da verdade”
(SARMENTO, 2002, p. 2). Observa-se que os acontecimentos ocorridos na história
do pensamento, em relação à infância, serviram para estruturar as caracterizações a
respeito da criança, principalmente, do ponto de vista psicológico.

2.2 O RACISMO NA CONSTITUIÇAO DA SOCIEDADE BRASILEIRA

O Brasil é um país extremamente plural, formado por diversas culturas e etnias,


oriundas de diversas partes do mundo. O racismo, no país, é uma realidade de
raízes profundas, e sua origem remete ao período colonial da nossa história. As
práticas racistas no Brasil iniciaram-se paralelamente à exploração do território por
Portugal.

A colonização portuguesa seguiu à risca os preceitos do mercantilismo, buscando


maximizar, em todos os aspectos possíveis, a exploração do território e da
população nativa. Isso fez com que o Brasil cumprisse seu papel de colônia e seus
30

habitantes, de colonizados, cuja função era prover riquezas e impulsionar o


crescimento e o enriquecimento de sua metrópole.

Segundo Silveira (1999), no processo de aceleração da vida, considerando-se a


manutenção de comportamentos que colaboraram com a construção de um grande
império territorial e que fomentavam a constituição de uma sociedade colonial, as
elites dirigentes foram impulsionadas a forjar uma ideologia discriminatória,
atingindo, assim, a estrutura do universo simbólico. Dessa forma, o racismo europeu
fortaleceu-se por meio de organizações científicas, ganhou credibilidade e foi vista
como uma teoria de concepção “objetiva” do mundo, influenciando,
significativamente, a política. Segundo Silveira:

[...] o racismo nunca cresceu na Europa do século passado como uma


doutrina harmoniosa, criada por um grupo coeso de conspiradores, mas
nem por isso deixou de ser muito bem deliberado, pois foi o resultado de um
trabalho sistemático de numerosos especialistas a serviço de (ou afinados
com) uma política de conquista e subordinação. Esses provedores de
modelos éticos, valores cívicos e aspira ações coletivas, mesmo quando
eventualissimamente discordaram da agressão colonial ou da escravização
dos africanos, deixaram fora de discussão a superioridade do europeu. A
vigência deste racismo científico oficializado ocasionou mudanças nos
modos de legitimação do poder e reestruturou, em escala mundial, o
imaginário coletivo, a educação pública, os padrões da credibilidade e os
mecanismos de formação da opinião. O racismo científico foi, portanto, uma
parte importantíssima da estruturação, pela primeira vez na história da
humanidade, de uma hegemonia abrangendo todo o globo terrestre
(SILVEIRA, 1999, p. 90).

Ainda para Silveira (1999), o mundo, tão imenso e disperso, estava se tornando
apenas um, sendo regido pelo homem branco que usava o saber científico da época
como mote para suas teorias. A história afirmava que os humanos haviam sido
vítimas de seus conceitos errados, até que, graças à ciência ocidental saneadora,
muda o rumo, trazendo a liberdade. O desejo dos que comandavam esse processo
era de colocar ordem no caos em que as coisas estavam impondo autoridade dos
superiores “naturais” pela força ou razão. Esse foi um dos fortes motivos que fez
com que a ideia de raça se tornasse assunto central na reflexão dos cientistas
sociais (SILVEIRA, 1999).

Munanga (2003) define o conceito de raça, tal como empregado hoje, que nada tem
de biológico. É um conceito carregado de ideologia, pois, como todas as ideologias,
31

ele esconde um fato não proclamado: a relação de poder e de dominação. Uma das
concepções sobre raça e racismo defende que a ideia de raça teria surgido no
século XIX, intitulado como racismo científico ou racialismo.

Silveira (1999) afirma que:

Os novos teóricos da superioridade da raça branca identificaram-na então


com a vanguarda das demais raças, cientificamente apresentadas como
refratárias ao progresso, supersticiosas, ignorantes, rotineiras,
irresponsáveis, infantis, preguiçosas, despóticas e até mesmo animalescas,
imorais e sanguinárias. Estava assim consolidado, sob forma científica, o
mito de fundação da ordem ocidental. A saga do homem branco
determinava que ele teria de carregar, segundo os famosos versos de
Kipling, “um fardo”: diante das “raças inferiores” teria de assumir uma
pesada e sagrada tarefa, uma “missão civilizadora”, dar uma resposta
satisfatória às necessidades dos “cativos” da ignorância e do “paganismo”.
Este tema da missão civilizadora era tanto mais forte quanto parecia
desinteressado e altruísta. Propagar o Cristianismo, a Ciência e a Indústria
para que o outro também pudesse viver melhor, eis a palavra-de-ordem
maciçamente professada pelos marqueteiros da expansão ocidental. O
cientista tornava-se assim um neomissionário, ao lado do padre, do militar e
do homem de negócios. Porém o mais prestigioso dentre os pares, “a
vanguarda da vanguarda (SILVEIRA, 1999, p. 94).

A teoria de hierarquização racial (biológica) teria justificado as ações coloniais e


segregacionistas que exterminaram populações denominadas inferiores, dando
origem ao ódio racial, bem como a políticas antiassimilacionistas e de
antimiscigenação. Esse racismo foi denominado “racismo científico”, o qual
classificava populações por aparência, acreditava que o tamanho do cérebro definia
as raças “inferiores” e alegava que os europeus e os norte-americanos brancos
teriam o cérebro maior do que de outras raças (HEILBORN; ARAÚJO; BARRETO,
2010).

Acerca do mencionado anteriormente, Forde (2018) explica:

Os ocidentais brancos se ocuparam não apenas de proclamar uma suposta


superioridade diante dos africanos negros, mas também em desumanizá-
los, impondo-lhes uma imagem selvagem, reservando ao ocidental branco a
condição político-epistêmica de representar uma normatividade reguladora
da humanidade (FORDE, 2018, p. 59).

A chamada ciência craniológica diferenciou dois tipos estremos de crânio pelo


tamanho e forma, o dolicocéfalo e o braquicéfalo. Os brancos arianos seriam os que
tinham o primeiro tipo, superior ao segundo, tido como característico dos semitas e
32

outras raças. A ciência craniológica tinha o intuito de demonstrar a inferioridade


racial de grupos que diferiam da cor branca, forjando, assim, a inferioridade dos
negros pela medição do rosto. Ao observar que os negros eram mais prognatas do
que os brancos em suas feições, por exemplo, na área do nariz, davam como certo
que eles se encontravam mais perto da linhagem de classificação dos primatas
(HEILBORN; ARAÚJO; BARRETO, 2010).

Heilborn, Araújo e Barreto (2010) afirmam ainda que, com o passar dos anos, o
“racismo científico” do século XIX foi desmantelado como ciência, por intermédio das
argumentações da antropologia moderna. Contudo, mesmo com a vinda de novas
teorias científicas, que desmentem a existência de raças, o racismo continua se
perpetuando em nossa sociedade. O escravismo dos afrodescendentes alternou as
práticas racistas mais agressivas e exclusivistas e, mesmo assim, a convivência
íntima não foi alterada, embora hierarquizada, entre dominados e dominantes,
distinguidos pela cor e origem.

A construção da raça como teoria científica e o surgimento do racismo como


fenômeno estruturante da história mundial, no século XIX, originaram-se de três
processos. Um, da consolidação do Estado nacional como forma, por excelência, de
ordenamento político e territorial europeu e, outro, das relações intensificadas da
Europa com os outros povos, com base na expansão europeia na era
contemporânea imperialista. Há, desse modo, um processo intraeuropeu e outro
extraeuropeu (HEILBORN; ARAÚJO; BARRETO, 2010).

A segunda teoria, drasticamente diferente da anterior, compreendia o racismo como


uma derivação do etnocentrismo, ou seja, o racismo aqui se basearia na idealização
de algumas sociedades, grupos e culturas como modelos a serem seguidos, para
julgar negativamente as demais que fugissem ao padrão. Nessa visão, o racismo
seria uma forma de julgar o outro pela aparência e hierarquizar grupos humanos
pela diferença social. Nessa teoria, o racismo aparecia como algo naturalizado, tinha
uma roupagem científica no contexto europeu, desenvolveu-se de forma mais radical
e se universalizou por meio da expansão colonial e da globalização, com as
migrações em massa.
33

Para Forde (2018),

No núcleo dessa construção identitária brasileira, o racismo articula uma


subjetividade capaz tanto de legitimar e validar a crença no determinismo
biológico das características morais, cognitivas e comportamentais dos
diversos grupos humanos, quanto de imprimir, em determinados grupos
humanos, uma ideia de mácula passível de ser transmitida hereditariamente
aos seus descendentes (FORDE, 2018, p. 59).

Havia, também, uma terceira posição, a qual considerava o racismo como um


fenômeno específico da modernidade e que se originou a partir da secularização, ou
seja, do afastamento da religião. Foi uma maneira de classificar e explicar o mundo,
com o surgimento do Iluminismo, movimento cujas ideias guiaram grandes
transformações europeias e uma das suas pretensões era promover reformas
sociais e políticas com instrumentos científicos por meio do racionalismo. Adotaram
modelos como o fisicalismo, que utilizava modelos físicos para compreender e
transformar a sociedade, mas depois prevaleceu o modelo da ciência natural
(biológico). A Revolução Francesa, um dos principais movimentos oriundos do
Iluminismo, tinha seu lema “igualdade, liberdade e fraternidade” como base filosófica
dos direitos humanos. Paradoxalmente, esse movimento pela igualdade humana
gerou desigualdades profundas que perpetuam até os dias atuais.

Certamente, existem várias outras teorias e formas de conceber a cronologia do


racismo e do racialismo na história. Contudo, este estudo limitar-se a essas três, por
acreditar que são as mais significantes e representativas do conjunto de teorias
sobre o tema, em que a tenacidade da ideia raça se valeu ao longo do tempo de
argumentos religiosos, biológicos, culturalistas e nacionalistas quase sempre
entrelaçados.

Tem-se como exemplo o desenvolvimento da sociedade americana que, subsidiada


pelo trabalho escravo, trouxe ao debate a questão da mestiçagem. Assim, a
miscigenação delimitou em partes as especulações europeias sobre o parentesco
entre os africanos e macacos, dando espaço para a teoria da humanidade única
(HEILBORN; ARAÚJO; BARRETO, 2010). Entretanto, as teorias de degeneração da
raça acreditavam que uma espécie era infértil e a outra inferior.
34

Tanto no início quanto no findar da escravidão houve interesses políticos e


econômicos. O interesse econômico usou o povo negro como fantoches em suas
mãos; primeiro, foram usados como mão de obra escrava para subsidiar o progresso
da pátria e, posteriormente, por conta da revolução industrial que regia a economia
mundial devido ao capitalismo instaurado que sinalizava que quanto mais houvesse
assalariados para servirem o mercado consumidor, melhor seria. A Inglaterra foi um
dos primeiros países a apoiar a abolição da escravatura no Brasil e alegavam fazê-lo
por razões humanitárias. Entretanto, o que estava implícito eram interesses
econômicos, uma vez que o Brasil era um grande produtor de açúcar e, por não
pagar mão de obra, pois contava com mão de obra escrava, conseguia comercializar
o açúcar mais barato do que a Inglaterra (HEILBORN; ARAÚJO; BARRETO, 2010).

Todavia, o Brasil vinha tentando adiar o fim da escravidão, mesmo passando por um
cenário instável e de grande tensão social. Na última década do período imperial
brasileiro, a questão da escravidão era algo importante a ser solucionada. Assim,
sob forte pressão dos países europeus, principalmente a Inglaterra, o Brasil,
atrasadamente, sancionou, no dia 13 de maio de 1888, a Lei Áurea, com um texto
sucinto e direto como pode ser observado a seguir:

A lei libertava cerca de 700 mil escravizados em um país com cerca de 15 milhões
de habitantes. Importante destacar que o número na época não era tão expressivo,
tendo em vista um grande contingente de libertos já existentes no país. Mesmo que
esse processo tenha sido gradual e lento, não se pensou em um plano de
realinhamento social para a população negra, e a consequência foram milhares de
negros pobres, ignorantes, famintos e desempregados pelo país.

[...] o Brasil teve de lidar depois da abolição com o “problema” posto pelos
ex-escravos e descendentes de africanos. A solução adotada pela nação
para este “problema” fornece a chave para o entendimento das relações
raciais no Brasil Republicano. Esta solução não implicou um sistema de
segregação racial semelhante ao dos Estados Unidos, mas o
branqueamento e a integração simbólica dos brasileiros não-brancos
através da ideia da democracia racial [...] (HASENBALG, 1990, p. 2).

Embora com trabalho disponível, os senhores preferiram contratar imigrantes


brancos para trabalharem, pois, para eles, era inadmissível pagar ao negro pelo
35

serviço que sempre foi feito sem honorários. Apropriamo-nos das palavras de Moura
para explanar o quão desumano era ser negro nesse sórdido processo:

[...] a disputar a sua sobrevivência social, cultural e mesmo biológica em


uma sociedade secularmente racista, na qual técnicas de seleção
profissional, cultural, política e étnica são feitas para que ele permaneça
imobilizado nas camadas mais oprimidas, exploradas e subalternizadas
(MOURA, 1994, p.160).

Em suma, para classificar o racismo, é imprescindível entender toda agressividade


evidente de ódio racial e também situações de racismo implícito ou simbólico.

2.3 POTENCIAL DAS HISTÓRIAS INFANTIS NA FORMAÇÃO DA IDENTIDADE


DA CRIANÇA

Estudar aspectos relacionados à cultura infantil propõe muitas discussões,


principalmente quando apresentam noções de que possuem mundos específicos,
próprios. E esse fato já permite pensar a diversidade cultural. Assim, nessa
perspectiva, o percurso traçado por esta pesquisa possibilitou perceber a
diversidade desses dois segmentos, em que os conhecimentos da criança divergem
em relação aos do adulto e a capacidade intelectual é, por muitos, ignorada. Dessa
forma, é preciso direcionar os olhos para as culturas infantis.

O sistema educacional e o espaço educativo devem estar atentos ao que oferta ao


discente, deve ter como prioridade a diversidade do campo infantil. Todavia, o que
se percebe é um controle hierárquico vertical, proposto com base no mundo adulto.
Assim, há práticas pedagógicas muitas vezes excludentes e discriminatórias que
não contemplam culturas curriculares infantis e étnicas.

O preconceito está tão enraizado nas práticas educativas pela ideologia dominante
que as desigualdades sociais são visíveis, principalmente, no que tange às
produções das/para as crianças negras. É importante abordar essas diversidades a
fim de fazer perceber a criança como um indivíduo produtivo em seu espaço de
interação. Dessa forma, busca-se, na literatura infantil, seu espaço de pertencimento
cultural.
36

As histórias infantis, em sua maioria, invadem o imaginário das crianças e estão


presentes em todas as etapas da vida do ser humano. Mesmo que a cada faixa
etária a literatura mostre sentidos e valores diferentes, eles sempre mexem com os
sentimentos do leitor, já que, a cada leitura, conseguem extrair diferentes
significados e trazem algo novo, dependendo de suas necessidades e interesses
momentâneos. Com o poder de transitar entre o imaginário e o mundo real, a
literatura infantil consegue, de maneira mágica, fazer com que, principalmente as
crianças, resolvam, internamente, problemas tidos por elas como insolúveis. O poder
mágico da imaginação é capaz de fazer com que a criança se entenda e entenda o
mundo a sua volta.

Ao contrário do que se pensa, nem sempre houve uma literatura direcionada para as
crianças. Na verdade, ela nem atendia a uma parcela restrita de pessoas nem fazia
parte de momentos coletivos abertos a todas as idades. Inclusive, em alguns
momentos sociais, uma pessoa narrava histórias e emocionava os ouvintes, mas
poucas vezes as crianças eram contempladas, devido à natureza bárbara e iníqua
de muitas histórias.

No passado, a infância não era reconhecida e a formação das crianças não era algo
que trazia preocupação à família, já que o mundo doméstico não era dissociado da
sociedade. As pessoas trabalhavam em um lugar que era a extensão de casa, não
havia uma distância clara entre casa e trabalho, nem entre o mundo da criança e do
adulto. A partilha ocorrida posteriormente fez com que adultos e crianças se
separassem e os contos, então, ficaram em casa com os pequenos. Com essa
partilha, houve uma espécie de refinamento nas histórias infantis, buscando alinhar
cada vez mais a infância. A partir da modernidade começou uma distinção entre
produtos para adultos e produtos para crianças e, com o passar do tempo, cada
idade passou a ter seus produtos de forma bem delimitada (CORSO; CORSO,
2006).

Com o passar dos anos, as narrativas foram se diversificando devido à


popularização dos livros que atendiam à corte, à burguesia e à sociedade em
processo de alfabetização. Com o passar do tempo e o chegar da tecnologia, o
37

cinema e a TV tomaram a cena e arrastaram, assim, a tradição de narrativas


mágicas para o público infantil.

O fato mais importante na criação de uma criança é ajudá-la a encontrar significado


na vida e para sua própria existência. Para alcançar isso, é preciso vivenciar muitas
experiências. Segundo Bettelheim, se a criança for criada de modo que a vida se
torne mais significativa ela não se tornará dependente de ajuda especial. Ao buscar
por experiências específicas para dar sentido à vida, Bettelheim citou a importância
e o impacto do cuidado dos pais para com a criança, para que ela se efetive; em
segundo lugar, destacou a herança cultural adquirida, quando transmitida de
maneira correta. Quando mais novas, é a literatura que capta melhor esse tipo de
informações (BETTELHEIM, 2005).

A literatura direciona as crianças para a descoberta de sua identidade e da


comunicação, sugerindo expectativas para desenvolver com mais profundidade em
seu caráter.

No início de sua aquisição da estrutura narrativa, meninos e meninas dão-


se por satisfeitos em reconhecer e nomear o conteúdo das imagens e veem
as histórias como episódios desconexos. À medida que crescem,
aumentando sua capacidade para estabelecer nexos causais entre as
ações representadas e para colocar o que está ocorrendo nas ilustrações e
no interior de um esquema progressivo. Sabemos, sem dúvida, que este
avanço resulta mais fácil para aqueles que tenham ouvido contar muitas
histórias e que aprenderam a levar em conta os acontecimentos das
páginas anteriores para atribuir um sentido às histórias dos livros
(COLOMER, 2007, p. 55).

Comprovou-se, assim, a importância da literatura na formação da identidade de uma


criança, uma vez que sua herança cultural, depois dos pais, é formada por aquilo
que ela ouve ou lê em suas historinhas. Daí a importância de haver livros que
tragam, em sua essência, assuntos que vão auxiliá-las a lidar com seus problemas
interiores e viverem em harmonia na sociedade.

Diante dessa realidade, os professores devem prescindir de textos infantis como


subsídios para estimular a mente das crianças, a fim de que elas se sintam
preparadas para lidar com seus difíceis problemas interiores. De acordo com
Bettelheim, para as crianças, quando a aquisição de habilidades, inclusive a da
38

leitura, fica sem sentido e o “ler” não acrescenta nada em sua vida, este, então,
pode se tornar destituído de valor.

Nesse sentido, é preciso auxiliar os alunos a direcionar o olhar para além do texto;
ver que quando leem, estão mais do que treinando sua habilidade em leitura, estão
em busca, embora de forma inconsciente, por algo que irá auxiliá-las a interpretar
suas emoções. A ideia de que uma pessoa aprendendo a ler enriquece sua vida
torna-se uma promessa vazia ao se deparar com histórias que não dão sentido à
vida e, tampouco, às adversidades encontradas nela. Além de não conseguem
transmitir às crianças em estágio de desenvolvimento algo que lhes garanta
substância para seu desenvolvimento no mundo.

A comunicação literária se produz desde o início e o que progride é a


capacidade de construir um sentido através dos caminhos assinalados. Isto
sustenta a ideia educativa de que a formação leitora deve se dirigir desde o
começo ao diálogo entre o indivíduo e a cultura, ao uso da literatura para
comparar-se a si mesmo com esse horizonte de vozes, e não para saber
analisar a construção do artifício como um objeto em si mesmo, tal como
assinalamos antes. O trabalho escolar sobre as obras deve orientar-se,
pois, para a descoberta do seu sentido global, a estrutura simbólica onde o
leitor pode projetar-se. A literatura oferece então a ocasião de exercitar-se
nessa experiência e aumenta a capacidade de entender o mundo. Tal
recompensa é o que justifica o esforço de ler (COLOMER, 2007, p. 62).

Existe dentro da criança uma forte necessidade de entender o mundo no qual ela
está inserida e sua importância nele. Contudo, a maturidade psicológica que dá
significado à própria vida não é adquirida em uma determinada fase ou idade. Para
ser bem-sucedida, a criança necessita de uma educação que a conduza ao
comportamento moral que trará significância para sua existência.

É imprescindível deixar que a criança, por si, alcance certa maturidade, saiba
compreender suas emoções e resolva, sozinha, seus conflitos internos. As
interpretações adultas, embora corretas, retiram da criança a oportunidade de sentir
que ela mesma enfrentou com sucesso uma situação insolúvel.

Compreendendo o importante papel da literatura na infância é fundamental que as


escolhas literárias abranjam a diversidade existente na escola em seu cotidiano. Em
relação à escolha de textos literários com temas afrodescendentes, poucas escolas
valorizavam essa temática, fruto do preconceito enraizado e do modelo eurocêntrico
39

difundido em vários segmentos da literatura adulta e infantil. Todavia, com a


implantação da Lei nº 10.639/2003, fundamentada na Resolução nº 1/2004, do
Conselho Nacional de Educação, que determina como obrigatório o ensino da
História e Cultura Afro-Brasileira no currículo da Educação Básica, observa-se um
crescimento na produção e no consumo de obras literárias que valorizam as culturas
negras.

O Programa Nacional de Biblioteca da Escola (PNBE) tem disponibilizado obras com


temas étnico-raciais para atender o universo infantil. Isso, associado à Lei nº
10.639/2003 tem corroborado para ampliar aspectos de uma educação que valorize
as diversidades. Diante dessa possibilidade, é relevante levar para essa discussão
obras literárias no segmento afrodescendente. Assim, para dar continuidade a esta
pesquisa, foram selecionadas obras da literatura infantil que trouxessem à baila a
tradição africana, com protagonistas negros, e que permitissem um diálogo com
questões da identidade afro-brasileira.

De acordo com o Plano Nacional de Implementação das Diret rizes


Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-raciais e para
o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana1, a Lei 10639, que
estabelece o ensino da História da África e da Cultura Afro-brasileira nos
sistemas de ensino, foi uma das primeiras leis assinadas pelo Presidente
Luís Inácio Lula da Silva. Isto significa o reconhecimento da importância da
questão do combate ao preconceito, ao racismo e à discriminação na
agenda brasileira de redução das desigualdades. A Lei 10.639 é datada de
9 de janeiro de 2003, e a mesma veio alterando a Lei 9.394, de 20 de
dezembro de 1996, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, para incluir no currículo oficial das redes de ensino a
obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e dar
outras providências (SILVEIRA, 2015, p. 628).

Apesar de a Lei nº 10.639/2003 ter sido uma grande conquista, sua prática não foi
tão eficiente, pois os educadores não tiveram a oportunidade de participar de uma
formação para uma prática docente que contemplasse um currículo que, apesar de
novo, corroborava para uma reflexão relevante. Isso porque esse currículo revela e
discute as discriminações raciais enfrentadas pelo povo negro no percurso da
história. Discutir essas injustiças e a história da África no espaço educativo, mesmo
que obrigado, é uma conquista e, ao mesmo tempo, um desafio.

Essas políticas educacionais representam a pertinência e a necessidade de


se viabilizar uma prática pedagógica, na qual a diversidade cultural seja
40

trabalhada visando à formação de uma sociedade híbrida e plural, em que o


diálogo entre as diferenças culturais possa enriquecer os espaços de
aprendizagem (MARQUES, 2006, p. 4).

Assim, a literatura infantil afro-brasileira tem o intuito de expor a falta de discussões


que reforçam o negro como indivíduo inferior àquele que não é negro. Desse modo,
é preciso criar referências que tornem possíveis quebrar os paradigmas que fazem
com a criança negra negue suas características de origem afrodescendente. Nessa
perspectiva é que se pretende entender o papel da criança negra na construção do
currículo, bem como sua participação real e prática no espaço educativo.

Ao ler uma história infantil, em que a criança se veja identificada, dificuldades


internas são externalizadas, tornando-as compreensíveis quando representadas
pelas histórias. Assim, a literatura é de suma importância no crescimento infantil,
que consiste em algo além de normas de comportamento; elas são terapêuticas,
uma vez que seus leitores se tornam pacientes que encontram as próprias soluções
pela admiração do que a história parece representar acerca de suas dificuldades e
conflitos internos naquele período da vida.

A capacidade de lidar com conteúdos da sabedoria popular e conteúdos essenciais


da condição humana é o que faz com que a literatura infantil seja perpetuada com
tanto potencial de geração a geração. Todavia, apenas a publicação de obras de
literatura que contemplem as origens africanas não é suficiente, como dito
anteriormente, para solucionar tais problemas, se não houver uma formação
continuada dos profissionais que atuam nesses espaços educacionais.

2.4 DESCONSTRUÇÃO DO RACISMO NO AMBIENTE ESCOLAR

O racismo, ainda hoje, é uma questão de grande embate na sociedade atual. Apesar
de o Brasil ser conhecido como o país da diversidade, vivenciamos, diariamente,
práticas racistas que, muitas vezes, são ocultas por uma sociedade indolente que
acredita viver uma democracia racial. Nossa amalgamação cultural faz parte de
nossa identidade, do que é ser brasileiro, no entanto, a política brasileira
desconsidera a pluralidade social. O resultado é a formação de povos que
41

desprezam a pluralidade social, bem como a pluralidade de interesses e de


necessidades.

A discriminação é um fenômeno que atravessa diversos segmentos e ambientes de


todas as sociedades. A escola também é um espaço em que a discriminação se
manifesta, evidenciando não apenas os conflitos já existentes entre estudantes e
professores, mas também manifestações relacionadas a fatores estruturais de
exclusão social. Segundo Miskolci (2010), as questões que excluem e tentam
hegemonizar os alunos não podem ser ignoradas, e o professor deve aproveitar a
oportunidade para discutir o diverso.

A escola é um ambiente que, muitas vezes, reproduz padrões, coloca o indivíduo em


um lugar outorgado pela sociedade em que ele está inserido. Louro (1997) afirma, a
respeito do ambiente escolar, que “Ali se aprende a olhar e se olhar, se aprende a
ouvir, a falar e a calar; se aprende a preferir”. As preferências construídas e a escola
tendem a contribuir para a perpetuação desse padrão socialmente imposto. Miskolci
(2010) aduz que o espaço escolar é um ambiente que classifica o que é “normal”,
onde quem não se amolda aos padrões é tido como estranho. A escola, em muitas
situações, ensina a estranhar os tidos como diferentes, não se refere apenas à
“raça”, mas também à religião, ao gênero e tantos outros. Ensina o oprimido a se
silenciar diante das práticas preconceituosas e a não externar seus sentimentos.
Esse modelo vai de encontro ao modelo de instituição que deve educar, bem como
respeitar as particularidades de cada indivíduo, de forma a contribuir com uma
sociedade mais justa (MISKOLCI, 2010).

Ao pensar na discriminação daqueles considerados como fora do padrão que ocorre


no ambiente escolar, é preciso discutir e refletir sobre as consequências e os efeitos
dessa discriminação no desenvolvimento escolar do aluno. Nesse contexto,
Rosemberg (1987) constatou, por meio das PNAD27, que, no Brasil, o alunado
negro em comparação ao alunado branco tem um índice de exclusão e reprovação
escolar bem maior. A reprovação, na 1ª série, é 12% maior entre o alunado negro.
Desse modo, é preciso provocar reflexões sobre o que esses dados apontam, eles
não podem ser apenas dados estatísticos. Assim, é importante olhar sob uma nova
42

ótica quem são os alunos que mais reprovam e traçar dados entre negritude,
exclusão e reprovação.

Dentro dessa realidade, o silenciamento do professor diante de práticas racistas não


deve ser visto como neutro, é fundamental compreender que, à medida que o
silêncio perdura, o mal também se manifesta e ele fica dormente à dor do outro,
tornando-se, assim, cúmplice do racismo alheio. O silêncio dos educadores, diante
do incômodo causado por um estudante diferente dos demais não deve ser visto
como neutro. Se diante de uma situação em que há exclusão, o professor se
manifestar adequadamente, reestabelecendo o respeito em relação ao insultado,
todos irão se deparar com uma nova forma de agir e pensar. Quebrar o silêncio,
promovendo discussões, é um dos primeiros passos para sair da inércia e, para
isso, é preciso implantar práticas emergentes para modificar a realidade na qual
vive.

Para Gonçalves, o silêncio na escola é considerado um ritual pedagógico que age a


favor da discriminação. Ele explica que a omissão dentro das escolas frente às lutas
antirracistas, as comemorações que reforçam o estereótipo, as atitudes e o uso de
termos religiosos, tentando mascarar as práticas racistas, juntamente com o
silenciamento do professor diante das práticas preconceituosas na escola, são
rituais que reiteram a discriminação no âmbito escolar. Para o autor, as práticas
escolares são vistas como rituais pedagógicos, desde as mais simples até as mais
sofisticadas. Gonçalves ainda afirma que:

Ora, se as práticas escolares, das mais simples às mais sofisticadas, são


rituais pedagógicos, isto significa dizer que, ao ser incorporada pela escola,
uma ação, por mais ingênua e despretensiosa que possa parecer, tem força
pedagógica. Parafraseando Castoriadis: tudo aquilo de que o pedagógico se
apoderou é igualmente pedagógico (GONÇALVES, 1985, p. 200).

Em seus estudos, o autor sustenta que, em todos os rituais pedagógicos que


alimentam a discriminação, o silêncio que é imposto como regra nos rituais é visto
como elemento comum a todos. Diante disso, é fundamental educar a criança negra
para quebrar esse silêncio, pois, segundo ele, há ainda uma linguagem não verbal,
cuja leitura é captada no interior da escola; essa linguagem fala pelo silêncio com
gestos, tom de voz, e diferenciação no tratamento, entre outros.
43

O silenciamento, além de reproduzir um ritual pedagógico, também é capaz de


transformar. Por isso, diante de práticas discriminatórias, urge quebrar o silêncio, e o
racismo e o preconceito devem ser cada vez menos, naturalizados e aceitos na
sociedade, sobretudo nas escolas, lugar de formação não só apenas do aluno, mas
também do cidadão.

O cuidado com a linguagem é outro passo para o reconhecimento e o respeito às


diversidades, sendo, nesse sentido, de suma importância estar vigilantes para
perceber toda e qualquer discriminação como o racismo, o sexismo e o
etnocentrismo. Vygotski (1989) enfatiza que a linguagem não se resume apenas a
um instrumento da comunicação, mas é um instrumento que tem influenciado a
cultura dos povos. Assim, as crianças captam, do contexto em que vivem, falas e
práticas, e acabam internalizando o que presenciam, tornam-se reprodutoras de
práticas racistas em seu dia a dia e fazem com que o racismo internalizado seja
propagado de geração a geração. Infelizmente, esse fenômeno não é algo do
passado, mas um dos maiores problemas enfrentados nas escolas brasileiras a ser
desestruturado, assim como os de âmbito classistas propagados por ideologias
capitalistas.

Diante do exposto, concorda-se com Silva, que afirma:

É preciso entender que não se trata de simples rejeição a pensamentos, de


mudança de pontos de apoio para compreender fenômenos – no nosso
caso processos educativos –, mas de necessidade de nova mentalidade
(SILVA, 2005, p. 32).

A nova mentalidade é, na verdade, o esforço para desconstruir a proposta feita por


colonizadores de territórios e de mentes que tentaram, e em grande parte
conseguiram, influenciar o jeito de ser, pensar e viver, reproduzindo o modelo de
vida Europeu. Trata-se de uma árdua e complexa tarefa, mas necessária, para nos
libertar, cotidianamente, desse modelo de educação ainda repleto de resquícios da
dominação colonial, dominação essa que omitia a história do negro e afirmava que
sua história começou com a chegada do europeu e com a missão de civilizá-lo. É
lamentável constatar que esse pensamento ainda vigora em nossa sociedade,
44

gerando inúmeras práticas, as quais resultam em intolerância, em ódio, em


desigualdades e em injustiças (ABRAMOWICZ, 2010).

Nesse cenário, a escola, como um espaço influenciador, em que fatores sociais e


culturais exercem um papel crucial no processo de formação do cidadão, tem suma
importância no sentido de repensar o modelo de escola existente, pois esse vai
refletir no futuro modelo de sociedade.

Figueira (1991) lembra que:

[...] o jovem é influenciado por uma série de meios de socialização


diferentes da escola. Assim, a família pode (e possivelmente o faz) embutir
comportamentos preconceituosos e discriminadores. O mesmo se afirma,
por exemplo, a respeito dos meios de comunicação, em especial a
televisão, que através da sua programação e de propagandas insistem em
colocar o negro em posições socialmente inferiores ou o representa através
de estereótipos como o do sambista, bom de bola etc. Contudo, a escola
tem um papel extremamente importante na formação do jovem: sendo um
veículo de socialização primária, goza de função ideológica privilegiada pela
sua atuação sistemática, constante e obrigatória junto ao alunado
(FIGUEIRA, 1991, p. 34).

De forma urgente, é preciso pensar também o modelo de sociedade desejado e


trabalhar com astúcia para que a escola não seja um lugar com pensamento
homogêneo. Isso porque, esse espaço forma cidadãos que podem construir um
novo modelo de sociedade e desconstruir o modelo de sociedade que insiste em
naturalizar as diferenças.

Ao pensar em heterogeneidade, convém ressaltar que, na área da língua


portuguesa, especificamente no campo dos livros didáticos, ela apresenta lacunas
significativas. A baixa representatividade do negro em livros didáticos, por exemplo,
é um assunto que merece atenção, pois, embora no país, aproximadamente 50,7%
dos habitantes sejam considerados negros, nas únicas imagens deles nos livros
estão acorrentados, remetendo à memória do período de escravidão e sempre
associados de forma pejorativa. Ao analisar os livros didáticos, Pinto (1987) notou
que as personagens negras sempre estão revestidas de atributos que corroboram
imagens negativas e estigmatizantes, em contrapartida “Todos os itens indicadores
de uma posição de destaque na ilustração privilegiam os personagens brancos”
(PINTO, 1987, p. 88). Para a autora, esses livros fomentam o estereótipo sobre o
45

grupo negro e “O negro raramente vive as estórias em contexto familiar” (PINTO,


1987, p. 89).

Nesse sentido, Silva (1995) complementa:

O livro didático, de modo geral, omite o processo histórico e cultural, o


cotidiano e as experiências dos segmentos subalternos da sociedade, como
o índio, o negro, a mulher, entre os outros. Em relação ao segmento negro,
sua quase total ausência nos livros e sua rara presença de forma
estereotipada concorrem em grande parte para a fragmentação da sua
identidade e autoestima. [...] Não é apenas o livro o transmissor de
estereótipos. Contudo é ele que, pelo seu caráter de ‘verdadeiro’, pela
importância que lhe é atribuída, pela exigência social do seu uso, de forma
constante e sistemática logra introjetar na mente das crianças, jovens e
adultos, visões distorcidas e cristalizadas da realidade humana e social. A
identificação da criança com as mensagens dos textos concorre para a
dissociação da sua (SILVA, 1995, p. 47).

Fica evidente que o sistema formal de educação pouco colabora para que o aluno
consiga se identificar, de forma positiva, com o modelo escolar. Essa não
identificação pode estar relacionada com o baixo rendimento e os altos índices de
reprovação escolar, em relação aos negros, seguido de evasão. Desse modo, é
imprescindível estimular posturas e promover ações pedagógicas de combate ao
racismo no âmbito escolar, pois essas práticas racistas, uma vez no cotidiano
escolar, provocam distorções de conteúdo e de estereótipos étnicos.

2.5 IDENTIDADE E SOCIEDADE

Discutir identidade e identidade negra é extremamente complexo, uma vez que a


relação entre brancos e negros ainda é marcada pela característica de subordinação
do negro ao branco pelo sistema escravocrata, característica essa que produziu
relações de poder ainda com reflexos nos dias atuais. Acerca do tema, Hall (2006)
explica que “As velhas identidades que por tanto tempo estabilizaram o mundo
social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o
indivíduo moderno, até aqui visto como um sujeito unificado” (HALL, 2006, p. 7).
Disso decorre que a chamada “crise de identidade”, muito falada atualmente, tenha
explicação no fato de que o ser humano está passando por um amplo processo de
mudança social, e isso interfere em seu eu. Ainda para Hall,
46

As identidades podem funcionar, ao longo de toda sua história, como pontos


de identificação e apego apenas por sua capacidade de excluir, para deixar
de fora, para transformar o diferente em “exterior”, em abjeto... as unidades
que as identidades proclama, são na verdade, construídas no interior do
poder e da exclusão (HALL, 2006, p. 110).

Hall (2006) afirma que um tipo diferente de mudança estrutural contribuiu para a
transformação das sociedades no final do século XX, e essas transformações estão
também mudando a identidade pessoal dos indivíduos, abalando a ideia que cada
sujeito tem de si. O autor chama esse deslocamento de “descentração do indivíduo”
e diz que esta constitui uma crise de identidade do indivíduo.

Para explicitar melhor essa relação de poder e exclusão que a formação das
identidades pode gerar no sujeito, as palavras de Castells (1999) alicerçam essa
ideia, pois ele também acredita que a identidade é uma construção social. Para o
autor, quem constrói a identidade coletiva são os mesmos autores responsáveis pela
diferenciação do conteúdo simbólico sobre o qual essa identidade é construída,
trazendo à tona as relações de poder que definirão as identidades coletivas e a
construção da exclusão. Castells (1999) define três formas e origens para a
construção de identidades coletivas.

Identidade Legitimadora: Introduzidas pelas instituições dominantes no


intuito de expandir e racionalizar sua dominação em relação aos autores
sociais.
Identidade de Resistência: criada por atores que se encontram em
posições/ condições desvalorizadas e/ou estigmatizadas pela lógica da
dominação, construindo assim, trincheiras de resistência e sobrevivência
com base em princípios diferentes dos que permeiam as instituições da
sociedade, ou mesmo opostos a estes últimos.
Identidade de projeto: quando os atores sociais se utilizam de qualquer
tipo de material cultural ao seu alcance, constroem uma nova identidade,
capaz de redefinir sua posição na sociedade, e ao fazê-lo, de buscar a
transformação de toda a estrutura social (CASTELLS, 1999, p. 24).

A identidade de resistência e a identidade de projeto consistem em pensar em novos


modos de vida, modos de vida próprios, que têm como política de identidade uma
política própria, a qual deve ser articulada e construída pelos movimentos sociais.
Cada construção de identidade coletiva, mencionada por Castells, pode produzir um
diferente resultado. A formação coletiva da identidade legitimadora pode contribuir
para a formação da sociedade civil, com suas instituições e organizações, já a
identidade de resistência pode resultar na formação de uma comunidade que se
47

ergue para combater e lutar contra os mecanismos de opressão. Quanto à


identidade de projeto, seria o levante de um grupo que produz um projeto de vida
diferente, permitindo, assim, a transformação da sociedade. Nesse sentido, é
relevante ter uma definição sólida a respeito da própria identidade, de o indivíduo
saber, compreender e aceitar quem é, para que, por meio dessa concepção,
encontre elementos que vão possibilitar a construção de sua identidade de
resistência aos mecanismos de opressão. Para os negros, no Brasil, a construção
da identidade de resistência significa lutar contra o padrão hegemônico que os
exclui, inferioriza e os impede de ascender.

Para Madalena (2013, p. 1), “Se pudéssemos resumir o arcabouço de conceitos e


desdobramentos doutrinários que a identidade possui em apenas uma palavra, esta
seria pertencer”. E para Hall (2006, p. 8), “O próprio conceito com o qual estamos
lidando, “identidade” é demasiadamente complexo, muito pouco desenvolvido e
muito pouco compreendido na ciência social contemporânea para ser
definitivamente posto à prova”. Nilma Lino Gomes afirma que a identidade:

[...] é um processo que envolve inúmeras variáveis, causas e efeitos, a


autora ao conceituar a identidade, salienta que a reflexão possui duas
dimensões, pessoais e sociais, e segundo ela, essas não podem ser
consideradas separadamente (GOMES, 2007, p. 43).

A respeito do pertencimento e da identidade, Madalena (2013) afirma que:

Não possuem a solidez perpétua, mas sim a finitude de um mecanismo que


exerce um poder de transformação contínua. As identidades estão em
constante trânsito, provenientes de diversas fontes, quais sejam aquelas
disponibilizadas por terceiros ou acessíveis através de nossa própria
escolha. Esse fenômeno humano se fortalece pela centralidade que o
homem assume como indivíduo considerado portador de cultura, inteligente,
biologicamente maduro e ligado a outros seres humanos na ação e no
sentimento coletivo (MADALENA, 2013, p. 1).

Portanto, a identidade do sujeito vai mudando conforme suas experiências sociais e


ele não nasce com uma identidade, pois ela é construída no caminhar do sujeito e,
mesmo quando ela é construída, pode ser modificada de forma contínua. Bauman
(2005) expressa que estamos em um mundo fluído e assumimos várias identidades,
que podem ser mutáveis, visto que nossas identidades são mostruários de nossas
48

essências, por isso não devemos armazená-las em uma caixa e jogá-las no sótão
empoeirado.

No tocante à identidade, Bauman (2005, p. 18) afirma ainda que as “identidades”


flutuam no ar, algumas da própria escolha do indivíduo, mas outras infladas e
lançadas pelas pessoas à sua volta, e é preciso estar em alerta constante para
defender as primeiras em relação às últimas”. Hall (2000), ao levantar o
questionamento “Quem precisa de uma identidade?” aponta para uma “explosão
discursiva” a respeito do conceito de identidade e denuncia a forte tendência de
diversas áreas disciplinares em criticar a ideia de identidade “integral, unificada e
originária”. O que haveria seria um “eu inevitavelmente performativo”, ou seja, um
sujeito composto por diversas identidades.

Tomando como verdade o fato de as identidades serem construídas dentro do


discurso, concorda-se com Brandão quando afirma que “O sujeito só constrói sua
identidade na interação com o outro” (BRANDÃO, 2004, p. 76). Daí surge a
importância da relação interpessoal no processo de construção identitária. Para
explicar a busca por uma identidade, conforme Bauman (2005), esse anseio vem
justamente do desejo de segurança, alicerçado na verdade de que a identidade não
nasce com o sujeito, mas é construída em sua trajetória. Assim, o processo de
construção da identidade é um processo em que o indivíduo está buscando
segurança para que consiga declarar seu pertencimento e, dessa forma, se
descobrir.

O empoderamento possibilita a emancipação do indivíduo e, também, promove a


consciência coletiva necessária para superar a dependência social e a dominação
política. O empoderamento devolve poder e liberdade de decidir e controlar seu
próprio destino, com responsabilidade e respeito ao próximo. Apesar de ser um
termo multifacetado, “o processo de empoderamento é apresentado a partir de
dimensões da vida social em três níveis: psicológica ou individual; grupal ou
organizacional; e estrutural ou política” (KLEBA, 2009, p. 1). O empoderamento
pessoal possibilita ao indivíduo o processo de emancipação, traz a autonomia e a
liberdade quando, em grupo, é capaz de promover respeito recíproco e sentimento
49

de pertencimento. O empoderamento estrutural viabiliza o envolvimento, a


corresponsabilização e a participação mútua na cidadania.

Segundo alguns autores, como Vasconcellos (2003), Silva e Martínez (2004), Oakley
e Clayton (2003), Wallerstein (2002), é possível definir empoderamento como um
processo dinâmico que envolve diversos aspectos, tais como o cognitivo, o afetivo e
os condutais. Empoderar significa dar poder, dar autonomia pessoal e coletiva,
principalmente, a indivíduos ou grupos que viviam submetidos a relações de
opressão, discriminação e dominação social (KLEBA, 2009). A busca pela equidade
gera empoderamento, pois ocorre em um contexto de mudança social e
desenvolvimento político, e promove qualidade de vida por meio da cooperação.

2.6 A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE ÉTNICO-RACIAL

Este tópico aborda a construção da identidade das crianças negras, ampliando a


discussão para a escola como um potente ambiente de socialização e de
contribuição para a construção da identidade racial. Cavallero (2001), em suas
pesquisas, explica que as imagens positivas ou negativas de um determinado grupo
podem ser aprendidas no decorrer da formação das crianças, destacando a
importância de se conhecer a qualidade do acompanhamento escolar infantil como
espaço potente para transformação da construção de identidade racial. E Gomes
aponta que:

Ao final do processo de socialização a criança não só domina o mundo


social circundante, como já incorporou os papéis sociais básicos – seus e
de outros, presentes e futuros – mas, acima de tudo, já adquiriu as
características fundamentais de sua personalidade e identidade (GOMES,
1990, p. 60).

De acordo com Cavallero, “A identidade resulta da percepção que temos de nós


mesmos, advinda da percepção que temos de como os outros nos veem”
(CAVALLERO, 2001, p. 24). Para esse autor, uma das mais importantes fases da
constituição social do sujeito é quando ele consegue reconhecer seu próprio corpo
situado no meio em que vive. Assim, a identidade é construída processualmente, de
forma dinâmica e o decorrer da existência do indivíduo permite a formação de sua
personalidade.
50

Na sociedade brasileira, é possível observar a maneira como o negro é visto, ou


seja, sempre de forma negativa, e o branco de forma positiva. Essa visão
preconceituosa, construída historicamente a respeito dos negros, tem forte influência
da ideologia do branqueamento e do etnocentrismo.

O etnocentrismo é uma forma de sentir-se superior em relação à outra cultura. O


eurocentrismo, há tempos deixou de indicar apenas a origem geográfica de um
indivíduo. Atualmente, o termo implica em um novo sentido racial; contém uma
conotação de uma relação de dominação social.

No caso do eurocentrismo, houve, historicamente, essa sensação decorrente do


domínio sobre outras civilizações, que eles acreditavam serem inferiores a eles e,
devido a isso, mereciam menos respeito. A história está repleta de exemplos desse
domínio cultural, inclusive entre os próprios europeus, como foi o caso do Império
Romano ao tornar o cristianismo a religião oficial e utilizar a igreja como instrumento
de organização do Império e poder sobre os demais povos europeus.

Mais adiante, o conceito moderno de raça, provavelmente, surgiu com as diferenças


encontradas pelos conquistadores ao se depararem com as diferenças biológicas
existentes nos grupos conquistados, como os índios e os negros. O povo dominado/
colonizado passou a ocupar uma posição de inferioridade, na visão do europeu, não
apenas nos traços físicos, mas, inclusive, nos aspectos culturais. Dessa forma, a
raça tornou-se um critério de classificação do poder.

Na América dominada e colonizada por europeus, a ideia de raça foi utilizada como
uma maneira de legitimar a dominação imposta pela “conquista” deles. Assim, se
transformou em uma nova maneira de legitimar as práticas de relações de
superioridade e inferioridade entre dominados e dominantes.

Os cientistas travaram luta intelectual e científica, no sentido de marcar


perpetuamente algumas raças como inferiores, contribuindo muitas vezes
para a formulação de “justificações” para o extermínio e exclusão daquelas
que os mesmos consideravam inferiores. Os seus resultados teóricos e
ideológicos causaram morte cultural e identitária (PINHEIRO, 2014, p. 29).
51

Raça e identidade racial foram utilizadas como meios para classificar socialmente
determinado grupo. A imagem do europeu se consolidou com atributos da
supremacia branca do “bom”, enquanto aquele que não era europeu, “não era bom,
era maligno”. Era uma percepção negativa que persiste até os dias atuais. Surgiu,
assim, a ideia de opressão de um povo sobre outro. Esse eurocentrismo pressupõe
uma hegemonia cultural, promove a negação de outras realidades sociais e,
consequentemente, origina preconceitos.

No final do século XIX e início do século XX, a ideologia do branqueamento foi


bastante aceita no Brasil, pois seria uma maneira de resolver o problema deixado
pelo grande período de escravização do negro. O branqueamento, termo usado por
Gilberto Freyre em 1962, revela a noção que o indivíduo branco tem da sua posição
na sociedade e populariza a ideia de democracia racial.

Os defensores da ideia de branqueamento acreditavam que, com a mestiçagem, os


problemas sociais do negro iriam se dissolver junto com a mescla da pigmentação
da pele. Era o reflexo do pensamento de uma elite branca que acreditava ser
superior aos indivíduos não brancos.

No Brasil, Cardoso afirma que o termo branquitude foi utilizado em primeira


instância, em 1962, por Gilberto Freyre, que critica tanto a utilização do
termo branquitude como negritude, já que defendia a existência da
democracia racial brasileira através da mestiçagem. Apesar de ser Freyre o
primeiro a utilizar o termo branquitude, foi Alberto Guerreiro Ramos o
primeiro a propor uma discussão sobre o assunto. “Esse autor utilizava o
termo ‘brancura’, que significaria para nossa literatura científica atual
o conceito branquitude” (CARDOSO, 2011, p. 83, grifo do autor).

No Brasil, o termo branqueamento é utilizado para explicar a percepção de


mestiçagem quanto à estrutura de classes. Dessa forma, o branqueamento é um
conceito social e está diretamente relacionado à própria história do país, uma vez
que ocorre em sociedades que foram dominadas e lideradas por brancos, os quais
acreditavam que a mestiçagem seria um caminho para alcançar, no futuro, uma
população predominantemente branca.

A ideologia de branqueamento não é específica do Brasil, já que o europeu


acreditava que essa mistura de raças produziria seres inferiores que poderiam,
52

inclusive, ser uma ameaça para a raça branca, daí a ideia da segregação. A ideia da
segregação, no Brasil, não era tão forte, pois a miscigenação já existente no país
era irreversível.

De forma similar a dos demais países americanos, o Brasil foi colonizado por um
país europeu e, para explorar a terra e seus recursos e consequente domínio, os
africanos foram trazidos com o intuito de serem usados como mão de obra escrava.
Esse fato, por si só, já representava a dominação, o poder que serviria como
opressão para as futuras gerações.

Dessa forma, é possível afirmar que, no Brasil, assim como em outros países, a
ideia de raça também foi e é influenciada pela relação de escravidão e colonização.
Há pessoas que se veem como brancos em uma tentativa de negação da condição
de seus antepassados. Todavia, a classificação racial de um indivíduo vai além da
classificação da cor da sua pele, está ligada à visão que tem de si em relação aos
demais. Em outras palavras, a raça se define pelas relações sociais e pelo próprio
indivíduo.

Contudo, foi no início do século XX que as questões relacionadas com a branquitude


começaram a ser discutidas no Brasil com a divulgação de trabalhos da
pesquisadora Edith Piza, a qual coadunava com ideias da norte-americana Ruth
Frankemberg.

Edith Piza sugere que o branco, ao perceber que possui identidade racial,
assemelha-se a uma pessoa que se choca com uma porta vidro. Isto é, o
branco não enxergaria sua identidade racial porque uma das características
dessa identidade seria se expressar enquanto invisível. Portanto, quando o
branco percebe-se enquanto grupo racial, o efeito é tamanho, que a autora
compara ao impacto do choque de uma pessoa distraída em uma porta de
vidro (CARDOSO, 2011, p. 85).

Mais recentemente, outros pesquisadores têm discutido o tema. Entre eles, Passos
(2013) afirma que “O conceito de branquitude refere-se ao espaço sociocultural de
privilégios e de poder conferidos aos indivíduos da população branca. Em nosso
entendimento a ideologia do branqueamento é o fundamento que dá suporte para a
branquitude brasileira” (PASSOS, 2013, p.16).
53

Outro nome de relevância que tem contribuído para a discussão sobre


branqueamento é Maria Aparecida Bento. Segundo ela, “[...] a branquitude pode ser
definida como traços da identidade racial do branco brasileiro a partir das ideias
sobre branqueamento” (BENTO, 2002, p. 29). Assim, de acordo com a referida
autora, o branco se silencia para que possa manter a sua ideia de poder e acaba
construindo uma relação de proximidade com seus pares, porém mantém à distância
os não brancos, criando, desse modo, uma hierarquia social.

Apesar de os termos branquitude e branquidade serem utilizados atualmente com o


intuito de discutir a condição de superioridade do branco, Edith Piza (2005) traz
outra ressignificação para esses termos. Para ela,

Quanto à outra hipótese, quando ele sustenta que as gerações mais novas
tendem a ser mais flexíveis e que isso levaria ao questionamento da própria
branquitude, estou de acordo com Guerreiro Ramos. Neste ponto levanto a
hipótese de que o movimento negro tem colaborado nesse aspecto. Ou
seja, com a emergência do tema branquitude, os brancos que desaprovam
o racismo tendem a questionar seus privilégios raciais. Os primeiros a
realizarem esta autoreflexão talvez sejam os próprios brancos anti-racistas
teóricos e ativistas. Pessoas especialistas sobre “o outro”, no caso o negro,
que começam a refletir sobre a própria branquitude[...] (PIZZA, 2005 apud
CARDOSO, 2011, p. 87).

Muitos estudos comprovam que grande parte da população negra enfrentou no


passado e enfrenta ainda hoje grandes dificuldades referentes à construção de uma
identidade racial negra. As razões que fundamentam essas dificuldades são de
várias ordens, observando o hábito cultural do Brasil, muito marcado pelo ideal de
branqueamento e pelo mito da democracia racial construído ao longo da história,
como já mencionado anteriormente. A democracia racial é a ideologia que tenta
mostrar a existência de uma igualdade social entre brancos e negros, que eles
vivem harmonicamente e desfrutam das mesmas oportunidades. Abdias do
Nascimento enfatiza sua opinião a respeito da democracia racial, ressaltando que
ela representa:

Uma democracia cuja artificialidade se expõe para quem quiser ver, só um


dos elementos que a constituíram detém todo poder em todos os níveis
político-econômico: o branco. Os brancos controlam o poder de disseminar
informações; o aparelho educacional, eles formulam os conceitos, as armas
e os valores do país. Não está patente que neste exclusivismo se radica o
domínio quase absoluto desfrutado por algo tão falso quanto a essa espécie
de democracia racial (NASCIMENTO, 2002, p. 86).
54

Com base nessa falsa democracia, que claramente privilegia o ser pela cor de sua
pele, é fundamental entender o porquê da dificuldade em se aceitar negro e
construir, assim, a própria identidade racial. Souza (1983) afirma que a dificuldade
pode ser atribuída ao alto preço pago pela população negra pelo massacre de sua
identidade racial. Segundo ela, esse “massacre” nasce do forte desejo de ascender
socialmente, identificando sempre essa população com o passado da escravidão e
desvencilhando os valores originais e próprios da população negra. É como se a
história do negro, antes e após a escravidão, fosse anulada, e sua história se
resumisse ao período de escravidão.

Entretanto, superar essa dificuldade demanda a concretização de alguns processos


que auxiliam o indivíduo negro a se sentir plenamente estabelecido em uma
sociedade. Ao se referir à sociedade, esta é a que hoje, como argumenta Souza,
tenta negar aos indivíduos da população negra o reconhecimento de sua identidade,
fazendo com que o fato de embranquecer seja um fator fundamental para sua
“integração”. Seria como dizer de forma indireta ao negro que, para ele ter o
sentimento de pertença, ele deveria se enquadrar no padrão em que a maioria da
população está fortemente inserida, que é regido pela ideologia do branqueamento.

Ao identificar essa construção de identidade racial como processo social, cultural e


político, implicada em poder, para Hall (2004), a identidade corresponde a um
processo de identificações constituído na linguagem do senso comum. Decorre do
reconhecimento de alguma origem comum ou de características concebidas de
outros grupos que partilham o mesmo ideal e é constituído processualmente, como
algo que nunca será completo, mas sempre em processo. Dessa maneira, esse
processo pode ser entendido também como uma “metamorfose”, em que o indivíduo
está sempre passando por sucessivas transformações.

Para Ferreira (2000), a identidade é vista como uma categoria, além de pessoal; é
considerada uma referência, como o indivíduo se vê e se aceita, como ele se
autorreconhece e se constitui. Assim, é preciso que, nesse processo, ele se
relacione como o outro e seja frequentemente submetido à dinâmica do processo de
viver. Ferreira (2000) aduz que, nesse processo, o indivíduo assume papel de
autoria, constrói a si e ao seu mundo. Dessa maneira,
55

Identidade tem relação com individualidade – referência em torno da qual o


indivíduo se constrói; com concretude- não uma abstração ou mera
representação do indivíduo, articulando-se com a vida concreta, vivida por
um personagem concreto, alicerce de uma sociedade igualmente concreta e
constituída ao longo do tempo; com a socialidade - só pode existir um
contexto social; com historicidade- vista como configuração localizada
historicamente, inserida dentro de um projeto e que permite ao indivíduo
alcançar um sentido de autoria na sua forma particular de existir
(FERREIRA, 2000, p. 48).

Como é possível observar, a autora sugere que o desenvolvimento da identidade


afrodescendente brasileira ocorra em quatro estágios fundamentais: submissão,
impacto, militância e articulação.

No estágio de submissão, os valores da cultura branca, tidas como superiores, são


referências para que o afrodescendente construa sua identidade. Nesse estágio, o
indivíduo se submete à ideologia predominante no mundo, aceitando sua
inferioridade racial, desvalorizando sua identificação com o mundo afro. Nesse
estágio, as condições sociais e econômicas são encaradas como fruto da falta de
capacidade pessoal dos indivíduos negros. No estágio de “impacto”, a identidade
caracterizada pela pessoa centrada nos valores brancos começa a ser
desestabilizada porque ele consegue perceber a não aceitação por parte do mundo
branco, sugerindo nova direção na ressocialização.

A fase da “militância” é marcada pelo desabar das velhas estruturas que o regiam e,
ao mesmo tempo, pela construção de uma nova estrutura pessoal, referenciada,
agora, nos valores da cultura africana. Até essa fase, o negro se encontrava
submergido na visão do negro sob a ótica da cultura branca. O estágio de militância
é um importante estágio para o desenvolvimento da identidade racial negra, pois,
nele, o indivíduo se desprende do pensar do outro e busca um próprio, nesse
momento já de acordo com sua nova perspectiva. Esse estágio favorece a
recuperação dos valores da cultura e da história do negro, interferindo, de forma
positiva, no desenvolvimento de uma identidade e da autoestima do indivíduo negro.

Por fim, no último estágio, o da “articulação”, o indivíduo desenvolve uma nova


identificação de si, em que a população negra torna-se o principal grupo de
referência ao qual o indivíduo pertence; seu vínculo com esse grupo acontece pelas
qualidades do próprio grupo. Assim, constitui-se uma nova identidade e isso
56

possibilita ao indivíduo ser o sujeito autor de sua própria identidade, em vez de ser
definido pelo outro por meio de postulados universais elaborados por um
posicionamento dominante.

Para a autora, a construção da identidade racial colabora para que o indivíduo


exercite sua capacidade de pensar, criar, agir, participar e transformar a sociedade
por força própria. A construção dessa identidade possibilita o combate ao racismo,
pois o âmago dele está em uma sociedade hierárquica que se nega a reconhecer a
influência africana (NASCIMENTO, 2003).

É possível afirmar que a dominação e consequente discriminação são maneiras de


privar os direitos de uma pessoa. Desse modo, é fundamental estudar essas
práticas sociais e, nesse sentido, contribuir para um futuro com mais igualdade.

Entre as inúmeras atividades que podem aproximar as realidades


branquitude/negritude, na área da educação, a literatura exerce importante
influência. Nessa perspectiva, a influência da literatura para a sociedade
contemporânea é inegável, apesar de não ser seu primeiro objetivo, pois temas
como desigualdade e preconceitos raciais podem revelar a invisibilidade dos negros
ou reproduzir estereótipos. Contudo, ao fazer uma rápida análise das obras
nacionais direcionadas ao público infanto-juvenil, elas são poucas, mesmo em um
país de maioria afrodescendente. Isso corrobora para que muitos indivíduos
miscigenados não reconheçam suas raízes africanas ou aqueles que o fazem não
se sentem representados nas obras disponíveis. Essa situação contribui para manter
a discriminação do negro. Acerca do tema, Forde (2018) afirma que:

Um dos principais focos do racismo ocidental tem sido o processo identitário


dos não brancos, hora significando-os como não humanos, hora como
quase humanos e hora como humanos de menor valor social. As linhas de
cor/raça manipuladas em nome do racismo estigmatizam e desqualificam os
não brancos e, ao fazê-lo, lhes imputam um processo de marginalização e
opressão social justificado por uma suposta inferioridade racial (FORDE,
2018, p. 213).

A raça e a classe social não são teorias que devem ser estudadas separadas uma
da outra quando se tem como objetivo estudar os propósitos de transformação da
sociedade e questões relacionadas à opressão social. Ao buscar uma sociedade
57

mais justa e mais igual, é preciso entender e explicar as relações intrínsecas que
ocorrem entre essas duas variantes históricas. Essas reflexões conduzem a
argumentos para a investigação do tema deste trabalho.
58

3 ENTRE TURBANTES, LENÇOS E LAÇOS

Depois do atlântico, a África chama. E conta uma trama de sonhos e


medos. De guerras e vidas e mortes no enredo. Também de amor no
enrolado cabelo (Valéria Belém in: O cabelo de Lelê).

Ao procurar pela opção metodológica mais adequada para esta pesquisa, entre as
várias existentes, optou-se por aquela que aproximaria a pesquisadora dos sujeitos
a serem estudados, para que, assim, fosse possível compreender melhor seus
sentimentos e ações. Todavia, mais que isso, o desejo não foi apenas constatar
algo, mas intervir na realidade e, por meio dessa intervenção, trazer possíveis
contribuições ao grupo, pois o compromisso foi ir além de observar e, nesse sentido,
gerar uma ação positiva sob a observação realizada; dessa forma, optou-se pela
pesquisa-ação.

A pesquisa-ação é um método que pode ser utilizado para elaborar diagnósticos,


identificar problemas e buscar soluções. Com esse método, o pesquisador pode
elaborar sua análise com base em uma realidade no qual está envolvido. Para
Thiollent (2009), a pesquisa-ação pode ser classificada como um tipo de pesquisa
social de base empírica, é desenvolvida associada a uma ação ou à resolução de
um problema no qual os pesquisados e os pesquisadores se encontram envolvidos
de modo cooperativo e participante. O autor enfatiza que a pesquisa-ação não tem
um padrão ou um passo a passo de como executar a pesquisa e nem sempre a
pesquisa-ação é resposta a uma demanda explícita (THIOLLENT, 2009, p. 3).

Thiollent (2009) define o método da pesquisa-ação como aquele que:

[...] consiste em acoplar pesquisa e ação em um processo no qual os atores


implicados participam, junto com os pesquisadores, para chegarem
interativamente a elucidar a realidade em que estão inseridos, identificando
problemas coletivos, buscando e experimentando soluções em situação real
(THIOLLENT, 2009, p. 2).

O ponto forte nesse tipo de pesquisa é o envolvimento de todos os integrantes para


solucionar problemas reais do cotidiano a ser estudado. Em síntese, uma pesquisa
se classifica como pesquisa-ação “[...] quando houver realmente uma ação por parte
59

das pessoas ou grupos implicados no problema sob observação” (THIOLLENT,


2009, p. 15).

Em todas as etapas metodológicas desta pesquisa, a pesquisadora acadêmica


contará com instrumentos que a auxiliarão na produção de dados, bem como
câmera fotográfica, produções (desenhos, textos, pintura, recortes e colagem) e o
diário de itinerância que, segundo Barbier (2007, p. 133), “É um instrumento de
investigação”, um “Bloco de apontamentos no qual cada um anota o que se sente, o
que se pensa, o que medita o que poetiza o que retém de uma teoria, de uma
conversa”, os quais servirão como aporte para as análises.

3.1 O ESPAÇO E OS SUJEITOS DA PESQUISA

A pesquisa foi realizada em uma escola da rede estadual localizada no município de


Serra/ES, cujos alunos são, em sua maioria, pertencentes à população de baixa
renda. De acordo com as informações obtidas com a profissional da secretaria,
grande parte dos alunos conta com auxílio do governo para sobreviver. A escola é
composta por estudantes do Ensino Fundamental I e II, funciona nos turnos
matutino, vespertino e noturno, com turmas da EJA. A instituição atende as crianças
do bairro onde está localizada, bem como de bairros adjacentes. Devido ao baixo
poder aquisitivo das famílias, a escola tem dois ônibus, financiados por verba
estadual, que levam e buscam as crianças de bairros distantes.

Por já ter lecionado nessa escola, tinha ciência dos frequentes episódios de racismo
ocorridos, dentro e fora da sala de aula. Aplicar a pesquisa no local de trabalho
diário teve pontos positivos e negativos. Conhecer a realidade em que estava
inserida fez com que tivesse a certeza de que aquele lugar e as crianças precisavam
de uma vivência na temática pesquisada. Trabalhar na escola significava, de certa
forma, estar ambientada ao cotidiano daquele espaço educativa, porém, algumas
vezes, por ser “familiar”, era mais vista como professora do que pesquisadora e, em
alguns momentos, esse vínculo permanecia.

A escola pesquisada localiza-se na Cidade Continental, bairro periférico do


município de Serra. Esse bairro surgiu a partir de um loteamento, projetado pelo
60

Conjunto Habitacional (CHC), foi construído pela Cooperativa Habitacional do


Espírito Santo (Cohab) e financiado pela Caixa Econômica Federal. Cidade
Continental é dividido em cinco setores, nomeados como: África, Ásia, América,
Oceania e Europa. A escola pesquisada encontra-se no setor Ásia do conjunto
habitacional. A unidade escolar funciona em três turnos e oferta apenas o Ensino
Fundamental I e II, mas no período noturno, a modalidade EJA é disponibilizada aos
alunos defasados.

Muitos alunos recebem auxílios do governo no orçamento familiar, como o “Bolsa


Família”. . A escola se divide em dois pavimentos: no térreo há um hall de entrada
com acesso às escadas, ao refeitório, à secretaria, à sala dos professores, aos
banheiros, à sala da direção, a um miniauditório e a uma quadra e um grande
espaço livre, onde as crianças passam os momentos de recreio; o segundo
pavimento tem 10 salas de aula, uma biblioteca e a sala da coordenação.

A turma pesquisada era formada por 35 alunos, sendo que, desses, quatro eram
faltosos. Os alunos tinham entre 10 e 13 anos; 18 dos 31 alunos eram meninos e 13
meninas. Dos 31 sujeitos pesquisados, 19 eram, de acordo com a minha
heteroatribuição, negros, ou seja, 61% da turma. Porém, apenas seis alunos se
autodeclararam como negros no questionário respondido. Optou-se em realizar a
pesquisa nessa faixa etária por supor que, nessa fase, o retorno seria por meio de
respostas concretas, eles compreenderiam melhor o tema e também por
compreender que estão em processo de construção de suas identidades.

Com o intuito de proteger os alunos, seus nomes verdadeiros não foram utilizados,
mas sim nomes de personalidades negras que muito contribuíram, e contribuem,
socialmente, por meio da literatura, da música, da informação ou entretenimento.

3.2 FASES DA PESQUISA

A organização desta pesquisa social, orientada de acordo com os princípios da


pesquisa-ação, foi desenvolvida em fases, a saber: exploratória, planejamento, ação
e avaliação.
3.2.1 Fase exploratória: diagnóstico dos alunos a serem pesquisados
61

Esta fase foi de grande importância para o resultado obtido, pelo fato de encaminhar
as subsequentes fases da pesquisa. Nela foi possível diagnosticar a situação e as
necessidades dos envolvidos no estudo. Embora a pesquisadora lecione na escola
no período vespertino e conheça o espaço físico, a direção da escola e a realidade
social da comunidade na qual a escola está inserida, houve um encontro para
conhecer o corpo pedagógico do período matutino e apresentar a proposta da
pesquisa.

Convém ressaltar que a única professora que teve contato direto com a pesquisa foi
a professora regente de sala, a qual foi convidada a responder a um questionário
(APÊNDICE B), no intuito de diagnosticar o campo de pesquisa, no caso, o quarto
ano. Foi explicado à professora o termo de conhecimento e as implicações de sua
participação na pesquisa, por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
(TCLE) (APÊNDICE A), de acordo com orientações da Resolução nº
466/2012/Conep.

Após esse contato com a equipe pedagógica, as famílias dos alunos receberam um
documento, uma autorização, para assinar e permitir a participação do aluno na
pesquisa. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) (APÊNDICE C)
contém informações a respeito da metodologia, o objetivo da pesquisa e, ainda,
esclarece os riscos e os benefícios que a pesquisa poderia acarretar. Todos os
documentos foram escritos de forma simples, visando uma leitura fácil e
compreensível.

Com a autorização dos pais, no primeiro encontro com os alunos, a pesquisadora se


apresentou e explicou o motivo de estar ali, sempre tendo o cuidado de usar uma
linguagem simples e concernente à faixa etária deles. Ao agir assim, cumpriu o que
foi proposto por Barbier, que afirma que o pesquisador é “Obrigado a reconhecer as
possibilidades imaginárias das pessoas em função da própria cultura delas e de
propor-lhes mecanismos de investigação apropriados” (BARBIER, 2007, p. 125), e
conforme orientações da Resolução nº 466/2012/Conep. Essa etapa da observação
foi composta por dois encontros.
3.2.2 Fase do planejamento
62

De posse do diagnóstico sobre a realidade e os pontos a serem pesquisados, a


pesquisadora elaborou o questionário (APÊNDICE E), que foi aplicado aos alunos, e
fez o planejamento das ações que seriam desenvolvidas antes, durante e após as
contações das histórias.

3.2.3 Fase da ação

Esta fase, como o próprio nome já diz, consistiu na parte prática das ações
anteriores.

A primeira atividade foi a produção de um autorretrato. Nessa etapa, os alunos,


orientados pela pesquisadora, tiveram um momento de apresentação coletiva por
meio de autorretratos. A sala foi organizada em semicírculo e as crianças
produziram os autorretratos coloridos e, em seguida, mostraram para a turma “se
apresentando”. Em seguida, responderam a um pequeno questionário (APÊNDICE
E). Considerando que os desenhos são linguagens que têm uma representação
visual impregnada de simbologia (DERDYK, 1989), as falas e os desenhos
produzidos pelos sujeitos servirão como fontes de análises para compreender as
representações hegemônicas e naturalizadas que a sociedade brasileira tem da
população negra.

Como segunda atividade, houve a apresentação dos autorretratos, pois foi


combinado anteriormente com a turma que haveria uma apresentação coletiva dos
desenhos e que cada um mostraria sua produção. Ao mostrar seu autorretrato e se
apresentar, interessava-nos analisar como os alunos se expressariam por meio da
fala.

Já a terceira atividade foi a contação de histórias com personagens negros


protagonistas e sujeitos sociais. Nese momento a pesquisadora começou as
contações de histórias que ressaltam o negro como personagem principal. Segundo
Ramos, “A literatura infantil, quando criteriosamente selecionada, pode ser
considerada porta-voz importante na construção da identidade étnico-racial e de
conhecimentos sobre diferentes culturas africanas” (RAMOS, 2007).
63

Por fim, na quarta atividade eles fizeram um novo autorretrato. Assim, como última
atividade, os alunos deveriam fazer um novo autorretrato, era uma oportunidade
para representarem a si mesmos, demonstrando suas características fenotípicas. A
finalidade dessa produção foi estabelecer uma comparação com a primeira
atividade.

3.2.4 Fase de avaliação

Nesta etapa, os resultados obtidos das ações realizadas no contexto da pesquisa


foram conferidos e se procedeu à escrita da análise das ações anteriores, bem como
suas consequências em curto e médio prazo. Após a realização das atividades, os
dados foram registrados e a pesquisadora elaborou o produto educacional, cujo
objetivo é servir de inspiração para outros profissionais que desejam realizar o
trabalho de fortalecimento da identidade étnico-racial com as crianças. O produto é
constituído pelas narrativas da pesquisadora e as produções dos educandos.

3.3 SOBRE A ANÁLISE DE DADOS

Considerando que o material principal para esta pesquisa foram os desenhos e a


entrevista com os alunos, a análise dar-se-á, principalmente, pela comparação dos
primeiros desenhos feitos antes das contações das histórias com os desenhos feitos
após esse momento. O objetivo foi responder à questão inicial, isto é, como ocorre
“o processo de (re)construção da identidade étnico-racial na infância por intermédio
da literatura infantil”, bem como permitir problematizar, potencializar e ressignificar
as ações pedagógicas do educador.

Após a produção de dados, buscou-se verificar se os resultados obtidos


correspondiam aos resultados esperados pelas questões da pesquisa. A análise
dessas informações permitiu interpretar os fatos não cogitados e propor
modificações da pesquisa. O interesse na análise dos desenhos feitos foi
compreender como as histórias com protagonistas negros poderiam influenciar a
visão que eles tinham de si mesmos.
64

Vale ressaltar que ao optar por utilizar alguns dos princípios da pesquisa-ação, as
orientações descritas por Thiollent (1994) também foram significativas. Por se tratar
de uma pesquisa na área social, envolvendo diferentes sujeitos com suas histórias
de vida, não é aceitável o pesquisador adotar uma postura passiva perante as
produções e as concepções dos alunos.

E para acompanhar os processos formativos, utilizou-se a técnica de registro das


percepções cotidianas em um diário de itinerância, próprio para essa finalidade,
junto com as entrevistas. Esse diário foi fundamental para que, ao final de cada
encontro, a pesquisadora anotasse as próprias impressões das experiências.
Também contribuiu para manter um recorte cronológico dos eventos da pesquisa. A
pesquisa foi qualitativa, de caráter exploratório, utilizou o método de análise de
conteúdo para interpretar o posicionamento dos alunos depois de ouvirem as
histórias com protagonistas negros e como elas influenciaram a visão que eles
tinham de si mesmos, principalmente, os alunos negros.
65

4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS: CABELOS AO VENTO

Lelê gosta do que vê. Vai à vida, vai ao vento, brinca e solta o sentimento
(Valéria Belém in: O cabelo de Lelê).

Em 2017, fui professora da escola em que foi realizada a pesquisa e presenciei


muitas situações com meus alunos, em sua maioria negros, muitos dos quais
passavam por discriminações entre seus pares, o que me motivou a realizar esta
pesquisa naquela escola. Recordo-me do caso de uma aluna que era vista como
muito dramática por alguns colegas e funcionários, pois, toda semana, estava na
coordenação reclamando que os colegas a chamavam de “cabelo de palha de aço”
ou diziam que ela era feia, “beiço de mula”, “saci”, e vários outros apelidos.

Acompanhei-a várias vezes à coordenação; ouvi, inclusive, colegas de trabalho


dizerem que ela era difícil, que não deveria dar ouvido a tudo e que tinha complexo,
não se aceitava. Muitas vezes, como professores, presenciamos algumas práticas
racistas, o silêncio impera, ou acabamos corroborando com essas práticas, mesmo
sem perceber. Contudo, esse silêncio deve ser banido e os profissionais devem,
sim, se posicionar com firmeza diante dos fatos ocorridos.

Ciente dessa realidade latente no cotidiano da escola, um dos desafios enfrentados


seria a produção de dados, que ocorreu por meio da contação de histórias com
personagens negros como protagonistas. As contações eram acompanhadas de
conversas, em que o tema abordado era problematizado, criando assim,
oportunidade para os alunos exporem seu pensamento a respeito do tema
abordado. Os sujeitos elaboraram desenhos ao longo da aplicação da pesquisa
representando a si mesmos, expressando suas visões sobre suas características
fenotípicas. Isso porque “O desenho como linguagem para a arte, para a ciência e
para a técnica, é um instrumento possuindo grande capacidade de abrangência
como meio de comunicação e de expressão” (DERDYK, 1989, p.20).

Derdyk (1989), ainda sobre o uso do desenho e fazendo referência a Mèredieu


(1974), afirma que:
66

O desenho, bem como o sonho, pode participar de dois níveis de leitura.


Podemos detectar o “conteúdo manifesto” do desenho que seriam as
imagens ali presentes no papel e o “conteúdo latente”, que trata das
mensagens subliminares, escondidinhas também ali no papel. Esta possível
interpretação sugere ser o desenho uma atividade que, além de envolver
uma operacionalidade prática, o manejo de materiais e instrumentos, pode
envolver um resgate de uma simbologia complexa que existe por detrás da
representação visual por meio de signos gráficos, fruto do intenso exercício
mental, emocional, intelectual que o ato de desenhar promove (MÈREDIEU,
1974, apud DERDYR, 1989, p. 54).

Tanto as falas quanto os desenhos coletados tornaram-se a parte que forneceu o


material necessário de aporte para a análise dos dados. Com apoio em Barbier
(2004) e Thiollent (2004), é importante ressaltar que a pesquisa-ação não se limita à
explicação, previsão, descrição e avaliação de fenômenos, aspectos comuns em
uma pesquisa, mas sim gerar ideias que possam contribuir e promover mudanças no
aspecto social do ambiente pesquisado.

4.1 O PRIMEIRO ENCONTRO

Ao considerar que nenhum discurso é neutro, para compreender as falas e os


desenhos produzidos pelos alunos, foi preciso fazer uma profunda análise das
representações coletadas, inclusive também de algumas representações
hegemônicas e naturalizadas que, muitas vezes, encontram-se enraizadas no
cotidiano. Assim, concordamos como Bakhtin que “Cada enunciado é um elo na
corrente complexa organizada de outros enunciados” (BAKHTIN, 2003, p. 272).

Desse modo, à medida que os desenhos eram produzidos pelos sujeitos desta
pesquisa, o objetivo era registrar, ao máximo, as falas produzidas por eles, pois os
desenhos não poderiam ser analisados sem ter um vínculo com o que era dito pelos
alunos. Durante o processo de confecção dos desenhos, comumente as crianças
comparavam os seus trabalhos e interferiam na produção dos colegas, provocando,
de certa forma, mudanças significativas no comportamento de algumas em relação
as suas próprias falas e produções. Vale ressaltar que o que ocorreu foram
mudanças de discurso de determinadas crianças ao se depararem com a
reprovação por parte de um colega de seu trabalho.
67

Saber como as crianças se identificam em relação à sua cor era de extrema


importância para começar a produção de dados, por isso essa foi uma das
perguntas do questionário. Desse modo, considerando que “[...] a posição dos
indivíduos sobre sua cor é extremamente influenciada pelas relações sociais [...]”
(OLIVEIRA, 1999, p. 48), optou-se por esse caminho, ou seja, como essa autora em
sua pesquisa, quando escolheu a autodefinição para descobrir como os sujeitos se
identificariam. Neste estudo, assim como Oliveira (1999), utiliza-se o termo cor como
sinônimo de raça.

Nesse momento da pesquisa, o objetivo foi observar se o processo de identidade e


pertencimento desses alunos era formado por meio de suas representações
desenhadas de suas características fenotípicas. Durante o primeiro encontro,
momento em que as crianças preenchiam o questionário e confeccionavam o
autorretrato, ao circular entre os grupos, perguntei aos alunos qual era a cor deles.
Enquanto solicitava que se autodeclarassem em relação à cor, era comum perdurar
o silêncio, às vezes, porém, interrompido pelas intervenções dos colegas que
opinavam sobre qual cor o outro deveria dizer. Uma fala marcante, de um aluno
chamado Ailton, durante esse encontro merece destaque. Enquanto perguntava em
um grupo de meninos como eles se autoclassificavam em relação à própria cor, um
dos alunos que, pela minha classificação era negro, demorou a responder, então,
Ailton disse o seguinte:

– Você é preto “fi”, tem pra onde correr não... Provocou o riso dos c olegas 5 .

A fala em tom irônico, só reforça a representação do negro em nossa sociedade


eurocêntrica. O termo falado pela criança “não tem como fugir”, expressa a
camuflagem da identidade étnica, escondendo-se atrás dos ideários da mestiçagem,
visando o embranquecimento.

A atividade em questão, confecção do autorretrato, foi a primeira atividade


desenvolvida por eles, sendo que cada aluno recebeu uma folha branca. Ao explicar

5 As falas dos sujeitos (as partes correspondentes às falas diretas) da pesquisa serão registradas
com recuo de 4cm, alinhamento justificado, espaçamento 1, fonte 10, e foram registradas no Diário
de Itinerância em ago. 2019.
68

o que seria feito, foi esclarecido que, além de desenhar, deveriam colorir bem bonito
e não deixar nenhum espaço do desenho em branco.

Em uma mesa foram disponibilizadas várias opções de lápis de cor, giz de cera e
canetinhas e cujas versões de lápis de cor tivessem uma diversidade mais ampla de
tons que se aproximam dos tons de pele. Há alguns anos não existia uma grande
diversidade desse material, mas hoje existe uma boa oferta. O intuito era mostrar a
diversidade nos tons, mesmo que pequena, para verificar se as crianças
escolheriam uma cor mais parecida com a delas ou escolheriam a famosa “cor de
pele”.

Figura 1 – Material disponibilizado para pintura

Fonte: Elaborado pela autora (2020)

Nessa fase inicial, o material apenas foi mostrado disponibilizado, caso eles
quisessem utilizar. Contudo, mesmo ofertando-os, alguns alunos compartilharam
seus materiais entre o grupo e poucos utilizaram o material disponível. Importante
ressaltar que praticamente todos os alunos pediram uma nova folha, pois muitos
desenhavam e apagavam, marcando muito a folha; alguns pediram pela terceira ou
quarta vez uma nova folha. Essa atividade mostrou o quão difícil estava sendo fazer
o autorretrato.

Ficou evidente ao observá-los fazendo a atividade que a maioria dos alunos e


alunas desenhou a si mesmo(a) de cabelos lisos, olhos verdes ou azuis e pele mais
clara do que seu tom natural, mesmo que não fosse sua característica física. Entre
os alunos que se autodeclararam negros, três não se pintaram como tal, quatro
meninas desenharam seus cabelos crespos, sendo que uma o fez crespo e loiro
(essa aluna era negra).
69

Lázaro foi o primeiro aluno a terminar o desenho, sinalizando quando terminou. Ao


me aproximar de sua mesa, ele me mostrou seu desenho, porém a parte do rosto
estava muito clara. Então, perguntei:

– Você já pintou tudo?


– Sim, já terminei.
– Tem algo que deseja pintar ainda? Olhe para seu desenho, não vai pintar
a pele?
– Já pintei! É que minha pele é branca, sou branco, olha (mostrando seu
braço para que eu visse e concordasse que ele era branco).

Vale ressaltar que esse aluno tem cabelos escuros e, pela minha heteroatribuição6,
tem tom de pele parda.

Figura 2 – Autorretrato de Lázaro

Fonte: LÁZARO (2019), participante da pesquisa

Ao continuar a conversa com ele, perguntei:

- Legal seu desenho, que cor você usou para pintar seu tom de pele?
- Salmão, a cor de pele, sabe? (Procurou o lápis para me mostrar).

Durante a fase de confecção dos autorretratos, com intuito de registrar falas que
pudessem corroborar com nossa análise, ia circulando entre os grupos e

6 A identificação racial é realizada por meio da autoatribuição e/ou da heteroatribuição de pertença,


conforme o quesito cor ou raça utilizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística – IBGE.
70

perguntando aos alunos sobre seus traços e escolhas de cores. Era muito comum
ouvir entre eles:

– “Passa o “cor de pele?”

Figura 3 – Autorretrato de Miltom

Fonte: Elaborado pela autora (2019)

Ao parar em um dos grupos, perguntei a uma das alunas:

– Que lindo seu desenho, Mariele, qual cor você usou? Apontei para o
rosto, no desenho.
– Foi “o cor de pele”, esse aqui. Mostrou o lápis salmão.

Figura 4 – Autorretrato de Mariele

Fonte: Elaborada pela autora (2019)


71

– Mas, cor de pele? Retruquei.


– Sim, tia, cor de pele. Outra coleguinha respondeu. E eu provoquei:
– Mas, gente, cor da pele de quem? Por que vocês chamam ele assim?
– Ah, porque todo mundo chama ele assim. Igual, esse é o vermelho,
aprendi assim.
– Mas, vocês têm a pele cor rosa? Perguntei problematizando; puxei uma
cadeira e sentei ao lado do grupo.
– Não, mas se pintar mais escuro vai ficar feio.
– Ué, mas feio por quê?
– Porque sim, olha que bonitinho meu rostinho rosinha clarinho, ficou
fofinho. Disse Carolina, mostrando seu autorretrato.

Figura 5 – Autorretrato de Carolina Maria

Fonte: CAROLINA MARIA (2019), participante da pesquisa

É possível notar, na fala dessas alunas, o quanto o ideal do branqueamento está


enraizado no gosto, naquilo que é considerado belo e feio, em nossas escolhas e,
principalmente, associar o ser negro a ser feio.

Apesar de o processo de branqueamento físico da sociedade ter


fracassado, seu ideal inculcado através de mecanismos psicológicos ficou
intacto no inconsciente coletivo brasileiro, rondando sempre as cabeças de
negros e mestiços. Este ideal prejudica qualquer busca de identidade
baseada na negritude e na mestiçagem (MUNANGA, 2004, p. 16).

Assim considerando, aquilo que é classificado como bonito é uma construção social
perversa, pois faz com que a criança negue sua identidade, suas raízes, sua cultura.
Dessa forma, é fundamental desconstruir esse ideário de branqueamento para, em
seguida, deixar fluir a beleza do diverso, do que se manifesta para além do que é
posto por um grupo dominante.
72

Figura 6 – Autorretrato de Nelson

Fonte: Elaborada pela autora (2019)

Sem querer interferir nas produções, ao continuar a passear pela sala, muitos
estavam se pintando com o tal lápis “cor de pele”. Em um dos grupos, Thais, uma
das alunas, estava desenhando seus cabelos, que eram bem cacheados,
preenchendo todos os espaços da folha com seus cachos. Ao passar ao lado,
elogiei:

– Nossa, que cachos lindos!


– Obrigada. Agradeceu com um sorriso no rosto.

Figura 7 – Autorretrato de Thaís

Fonte: Elaborada pela autora (2019)

O sorriso recebido após o elogio feito foi proporcional ao sorriso do seu autorretrato.
É possível afirmar, com segurança, que a autopercepção da Thaís de si mesma é
muito positiva. Nesse grupo, porém, apesar de três das quatro meninas não se
73

pintarem de rosa claro, elas pintaram seus olhos de verde, mesmo tendo olhos
castanho-escuros.

Figura 8 – Autorretrato de Conceição

Fonte: Elaborada pela autora (2019)

Outro grupo, formado por quatro meninos, chamou muito a atenção porque três
deles se pintaram de rosa “pink”. Ao me aproximar do grupo, já quase no final da
atividade, questionei:

– E vocês, meninos, foi difícil fazer o autorretrato?


Dois disseram que sim e dois disseram que não.
– Que cor é essa que vocês usaram para pintar a pele?
Otelo, um menino pardo disse:
– Ah, foi o rosa, o “cor de pele” dele acabou.
– Mas e meus lápis, vocês não quiseram pegar emprestado?
– A gente usou o nosso mesmo. Continuaram a pintar as roupas.
Um deles, se chama Gil, menino negro, que não havia se pintado de rosa
pink, então, perguntei.
– E você? Não se pintou de rosa?
– Eu não, não era para pintar o mais parecido? Eu usei o marrom, eles não
quiseram usar o marrom porque falaram que ia ficar feio, mas eu tô nem aí.
– Mas e você acha que é feio? Perguntei.
– Sei lá... Em silêncio, Gil continuou a pintar.

É possível observar que, na ausência do lápis intitulado “cor de pele”, os alunos


preferiram se pintar de rosa “pink” do que de marrom. Foi comum escutar, entre
eles, que o marrom é feio, muito escuro. Machado, um dos alunos, que terminou
primeiro seu autorretrato, não pintou a pele; ele se autoclassificou como pardo.
Então, perguntei:
74

– Esqueceu de pintar sua pele?


– Não, é porque eu sou branco, o papel já é branco, precisa pintar?
– Então, você é da cor desse papel? Indaguei.
– Não, mas sou branco.

Figura 9 – Autorretrato de Otelo

Fonte: Elaborada pela autora (2019)

Machado, assim como muitas outras crianças, se reconhece como branco, embora
perceba que não é tão branco como o papel em que ele pinta seu autorretrato.
Possivelmente, ele usou esse argumento para não precisar fazer a pintura, ou seja,
simplesmente estava se poupando de realizar a atividade completa.

Figura 10 – Autorretrato de Machado

Fonte: MACHADO (2019), participante da pesquisa


75

Dos 32 alunos que realizaram a atividade, apenas cinco se pintaram como negros
(com lápis marrom escuro), 19 utilizaram o lápis “cor de pele”, três usaram rosa pink,
um usou laranja e quatro não pintaram a pele.

Gráfico 1 – Utilização dos lápis de cor

3,12 % 12,5 %

“cor de pele”
9,37 % marrom escuro

rosa pink
59,37 %
laranja
15,62 %
não pintaram a pele

Fonte: Elaborado pela autora (2019)

Nenhum dos alunos se coloriu com uma cor mais escura, todos eles, sem exceção,
se pintaram com tons mais claros do que o natural, de acordo com minha
heteroatribuição. Três alunos começaram a se pintar de uma cor e mudaram no
decorrer da atividade, como é possível observar nos desenhos a seguir.

Figura 11 – Autorretratos com mudança de cor

Fonte: Elaborada pela autora (2019)


76

Possivelmente, após começar a pintura, perceberam o contraste da cor marrom


sobre o papel branco e optaram por deixar mais claro, sem, todavia, fazer um novo
desenho. Vale lembrar que, até esse momento, a pesquisadora não havia feito
nenhuma inferência quanto à raça ou cor da pele. Provavelmente, a escolha foi
simplesmente por um gosto estético da pintura feita por eles e para não precisar
refazer a atividade.

4.2 A APRESENTAÇÃO COM AUTORRETRATO

Após a confecção do autorretrato, para o dia seguinte ficou combinado com a turma
que haveria uma apresentação coletiva e cada um mostraria sua produção. Ao
mostrar o autorretrato e se apresentar, o interesse era analisar como os alunos iriam
se expressar por meio da fala.

Os alunos foram organizados em semicírculo, no intuito de ampliar o campo de visão


de cada um, fazendo, assim, com que todos tivessem a oportunidade de se verem.
Primeiramente, a pesquisadora se apresentou, mostrando seu autorretrato para que
eles vissem, ouvissem e se sentissem mais à vontade. Os alunos deveriam começar
falando o nome, mostrar o autorretrato e dizer como e porque desenhou e se pintou
daquela maneira.

Com o propósito de quebrar o gelo, a pesquisadora iniciou a apresentação. Contudo,


mesmo explicando como deveriam proceder naquele momento, alguns alunos não
seguiram os comandos dados e se esquivaram, dizendo apenas o nome; alguns não
quiseram nem mostrar o desenho. Apesar disso, convém destacar algumas
participações que resultaram em uma reflexão mais profunda sobre a importância de
se trabalhar a temática, pesquisada neste estudo, no cotidiano escolar. Entre elas, a
de Sheron, que é uma aluna nitidamente negra, mas em sua autoclassificação não
se identificou nem como parda. Ao produzir seu autorretrato, Sheron, que tem
cabelos crespos, pele negra e olhos castanhos escuros, pintou sua pele na cor
salmão, com olhos verdes e cabelos lisos cor marrom. Em sua apresentação Sheron
disse:
77

– Eu sou Sheron e essa sou eu (mostrando o desenho).

Essa atitude despertou nossa atenção pelo fato de os próprios colegas denunciarem
uns aos outros. No caso de Sheron, por exemplo, Airton disse:

– Olha lá no desenho, Sheron tem olho verde... – e riu.

Ailton, durante a realização das atividades, procurava chamar a atenção e agitar a


sala, dizendo coisas que fizessem seus colegas rirem, como no caso da
apresentação de Sheron. A colega, contudo, não satisfeita com a interrupção,
respondeu prontamente.

– O desenho é meu, eu faço do jeito que eu quiser.

Essa postura permite deduzir que aquele era o jeito dela de se representar.
Visivelmente, não era a forma como ela seria classificada, mas sim como ela, talvez,
gostaria de ser. A atitude de Sheron e de tantos outros remete, mais uma vez, à
discussão do quanto o eurocentrismo e o ideal do branqueamento está presente no
cotidiano.
Ailton, o aluno que interrompeu Sheron, tem pele negra e cabelo pintado de loiro; em
sua apresentação, não se identificou como negro e, ao se autoclassificar, disse que
era moreno. Sua apresentação despertou nossa atenção:

– Bom, eu sou o Ailton – fez sinal com a mão (sinalizando o “V” usando os
dedos indicador e médio).

A cada frase que ele falava, ria. Como era importante que ele prosseguisse com a
fala, foi estimulado a continuar:

– Então, Caique, apresenta seu desenho para nós, o que pensou ao


desenhar...
– Ah, sei lá... Esse sou eu, tipo assim, eu sou uma mistura do meu pai com
minha mãe. Eu tenho um pouco dele e dela. Tanto por fora quando por
dentro.
– É mesmo? Como assim?
– É, as coisas boas eu puxei dela e as ruins dele... Riu olhando para os
colegas, provocando o riso da sala. E continuou:
– Olha meu olho pequeno, nariz bonitinho e a inteligência, puxei dela. Mas
aí o cabelo ruim, a cor e as palhaçadas, foi por parte dele mesmo – e riu.
– Mas por que isso que você me disse é ruim? Sua cor, o cabelo, o que é o
“cabelo ruim”?.
– De pico, né, que não é liso. Mas falei brincando, tô zuando...
78

O rápido diálogo com Ailton remete a falas tão comuns no cotidiano, que relacionam
a inteligência ao homem branco e a beleza aos padrões de beleza branca e
presentes na mídia. Isso, porém, gera questionamentos a respeito do que muitas
vezes é dito: “O negro que não se aceita”, “Isso é mimimi”. Entretanto, será mesmo
que o negro não se aceita ou o padrão de beleza normalizado não inclui as
características afro? Essa é uma discussão que precisa ser introduzida nas salas de
aula e propiciar, aos alunos, momentos para refletir sobre o belo e o diverso,
principalmente, no que se refere à formação de um povo.

Figura 12 – Autorretrato de Sheron

Fonte: SHERON (2019), participante da pesquisa

Figura 13 – Autorretrato de Aílton

Fonte: AÍLTON (2019), participante da pesquisa

Durante a apresentação, alguns alunos quiseram falar apenas seus nomes e


mostrar seus autorretratos, assim respeitando a vontade de cada um, foi feito dessa
forma. Contudo, observei que, em sua maioria, os alunos que se “embranqueceram”
79

ao pintar, na fala demonstraram saber que não têm aquela cor, apesar de a pintura
estar diferente da realidade.

Vale destacar que, durante a produção de dados, em muitos momentos, foram


utilizadas expressões como “O desenho é meu, não é? Então, eu faço do jeito que
quiser”. Tal fato revela que eles se representavam como queriam e não como eram.

Um caso que destoou dos demais foi o da aluna Elisa que, ao contrário da maioria,
se pintou mais escura. Segundo ela, o branco é “tão sem graça” e “queria ter uma
corzinha a mais”.

Figura 14 – Autorretrato de Elisa

Fonte: ELISA (2019), participante da pesquisa

4.3 NÃO ERA UMA VEZ...

Ao prosseguir com a pesquisa, dentro do universo da literatura, as histórias foram


selecionadas visando contemplar tópicos que valorizassem a cultura africana. Cada
história tem um tema específico, o qual foi explorado pela pesquisadora em suas
problematizações com os alunos, temas como pertencimento étnico-racial,
sabedoria ancestral, convergindo para os valores intrínsecos à cultura africana, para
a importância da identidade étnico-racial e o potencial da valorização das diferenças
como fator positivo.
80

Durante a pesquisa, o objetivo foi ampliar o contato do aluno com a literatura que
evidenciasse o negro de forma positiva, pois esse poderia ser um dos caminhos
essenciais para que ele tivesse a oportunidade de ver imagens positivas da sua
raça/etnia e isso colaborasse para seu pertencimento étnico-racial. Nesse sentido, a
inclusão de literatura afro-brasileira no cotidiano escolar é um dos caminhos para
fortalecer e estimular a autoestima positiva na criança, resgatando nela sua
identidade étnico-racial.

Assim, após o período da primeira produção do autorretrato, com o intuito de


oportunizar aos alunos um contato com elementos da cultura africana e
personagens negros como protagonistas, iniciou-se o período de contação de
histórias. Foram analisadas histórias que atendessem os objetivos propostos nesta
pesquisa, porém, devido ao curto período de aplicação, foram selecionados livros
não muito extensos, mas que abordassem o negro como ser social e histórico e o
ilustrassem sem sua imagem estereotipada.

O interesse foi descobrir o quanto os alunos conheciam a África e falar um pouco


sobre sua importância. Em vários momentos, oportunizados pelas histórias que
traziam a cultura africana em seu enredo, a África foi abordada como local onde a
cultura surgiu, sendo pioneira para muitas culturas.

O dicionário Aurélio define cultura como o “Conjunto de características humanas que


não são inatas, e que se criam e se preservam ou aprimoram através da
comunicação e cooperação entre indivíduos em sociedade”. Historicamente falando,
durante o século XIX, muitos estudos procuraram hierarquizar as culturas humanas
existentes ou extintas. Segundo Santos (1996), a visão europeia estava embutida
nessa escala evolutiva e legitimava o processo que vivia de expansão e da
consolidação do domínio de países classificados como capitalistas sobre os povos
do mundo.

Todo esse cenário serviu para sustentar ideias racistas que consideravam o povo
não europeu como inferior. Opondo-se à hierarquização, surgiu a ideia do
relativismo na avaliação das culturas. Ainda de acordo com Santos (1996), a
avaliação de cada cultura, do conjunto das culturas existentes, varia dependendo de
81

onde parte a observação e a análise. Para o autor, ambas as visões são


equivocadas, pois, segundo ele, não existe superioridade ou inferioridade de
culturas ou traços culturais de maneira absoluta, não há lei natural que classifique as
características de uma cultura como superior à de outra, todavia, existem processos
históricos que trazem relações e marcas entre elas.

Diante dessa realidade, concorda-se com Santos (1996), quando afirma não ser
possível refletir sobre culturas e ignorar as desigualdades. Assim, é importante que a
sociedade admita o quão desigual todos somos e o quanto as relações desiguais de
poder hierarquizam povos e nações. Pelo exposto, é imprescindível iniciar as
contações, mostrando histórias que revelam uma África diferente da estereotipada e
que, possivelmente, as crianças estão acostumadas a ver em livros e meios de
comunicação de massa. Para isso, a seguir, será apresentado o trabalho
desenvolvido com as quatro obras escolhidas.

1) Como as histórias se espalharam pelo mundo

O livro de Rogério Andrade Barbosa e Graça Lima conta uma mágica viagem que
transporta o leitor ao continente africano, mostrando suas lindas cores, sons, gestos
e formas em suas ilustrações e no enredo. Um sabido ratinho conduz a trama; ele
tudo vê, ouve e observa as múltiplas faces dos diversos grupos humanos que
habitam na África. Por esse atento olhar, são mostrados vários costumes e tradições
do povo africano.
82

Figura 15 – Capa do livro “Como as histórias se espalharam pelo mundo”

Fonte: BARBOSA; LIMA (0000)

Por meio dessa interessante história viaja-se a lugares desconhecidos e cheios de


mistérios e é possível visualizar diferentes aspectos da cultura africana, como a vida
de mulheres nas savanas e carregando seus filhos amarrados às costas, a
execução de tarefas domésticas, o trabalho dos sábios ferreiros, as danças, as
pirâmides do Egito, entre outras. Para cada história ouvida pelo ratinho, sem ser
percebido, ele carregava fios coloridos e, ao final de cada dia, os guardava em um
baú. Um dia, um forte vento abriu esse baú e espalhou os fios coloridos, levando as
histórias para todas as partes do mundo, explicando, dessa maneira, como as
histórias se espalharam.

Para iniciar essa contação, o mapa mundi foi apresentado aos alunos na sala e eles
foram estimulados a responder à pergunta: “Quem conhece a África? ”. Entre as
respostas, surgiram: “é um país”, “lugar muito triste, com muitas crianças
magrinhas”, “acho que é o lugar mais pobre do mundo”. Respostas como essas
foram comuns nesse primeiro momento. Contudo, ao perguntar de onde conheciam
essas informações, quase todos disseram “é o que vejo na televisão”.

Com o início da atividade, mostrando o mapa da África e explicando que vários


países fazem parte desse continente, como esperado, nenhuma criança tinha uma
visão positiva sobre a África; a imagem é a do senso comum, construída com o
interesse em ocultar a história do continente.
83

Vale ressaltar que a construção e a consolidação sobre a África por meio do não
conhecimento dos fatos históricos produz preconceito, que se constitui em
informações de caráter racistas, produzidas em um imaginário pobre e
preconceituoso, desprovido de informações verdadeiras. Essa, certamente, foi uma
estratégia de dominação da Europa.

Em suma, a cultura africana, que tanto contribuiu para a formação social do povo
brasileiro, foi ocultada por muito tempo. E a necessidade de dominar o grupo dos
escravizados corroborou para que esse ocultamento prevalecesse (LIMA, 2004).

2) As tranças de Bintou

O livro “As tranças de Bintou”, de Sylviane A. Diouf, conta a história de uma menina
que vive na África e sonha em ter tranças longas, enfeitadas com pedras coloridas e
conchinhas, como as de sua irmã mais velha e de outras mulheres de seu convívio.
O livro elege a fantasia como valor capaz de trazer o sentido mais importante da
infância. Suas belas ilustrações permitem, ao leitor, ter uma visão da cultura
africana. O livro, por meio de sua história, propicia uma reflexão a respeito de alguns
valores importantes a serem debatidos. A história se passa em algum país do
continente africano e permite, ao leitor, conhecer um pouco das tradições e de
nomes africanos.

Figura 16 – Capa do livro “As tranças de Bintou”

Fonte: DIOUF (2004)


84

Em alguns trechos, a história mostra o quão importante é o respeito aos ancestrais


na cultura africana e é possível observar o quanto a sabedoria dos mais velhos é
valorizada. O texto não menciona o nome do país africano em que a história se
passa, mas é possível deduzir que a história transcorre na África pelos nomes e
ilustrações que retratam o colorido típico da cultura africana, e pelas tradições
encontradas no decorrer da história.

Durante a atividade na sala de aula com esse livro, enquanto os alunos escutavam a
história, era visível a atenção de todos ao momento. Ao fazer perguntas referentes à
história, eles respondiam, unanimemente, que não conheciam a obra e que nunca
haviam visto ou lido antes. No final, com os alunos posicionados em círculo, houve
um período de reflexão sobre a história, e eles deveriam dizer o que mais haviam
gostado. Espontaneamente, ninguém se pronunciou, mas ao começar a fazer
algumas perguntas, no intuito de estimular a participação deles, isso funcionou, pois
eles começaram a interagir. Durante o diálogo, uma fala despertou a atenção, a da
Maria Julia, uma aluna negra que disse:

– A Bintou me lembrou uma coisa, a época em que eu queria pintar meu


cabelo de loiro e minha mãe não deixava. Eu ficava só o ódio.

Os colegas riram.

– É mesmo? Mas por quê?


– Ué, eu queria ficar platinada, mas minha mãe não deixava, falava que só
quando eu fosse adulta. Ela tem e eu não podia.
Essa aluna é negra, tem cabelo pintado de loiro e alisado.
– Então, você a convenceu, né? Perguntei, já que a aluna estava com os
cabelos loiros.
– Ela me deu de natal.

Gomes (2004) aborda a forma de camuflar o pertencimento étnico-racial, por meio


do estilo de cabelo. Os estilos de cabelos podem “Representar um processo de
reconhecimento das raízes africanas assim como de reação, resistência e denúncia
contra o racismo e ainda expressar um estilo de vida” (GOMES, 2004, p.138). Por
vivenciar experiências dolorosas, muitas vezes, desde a infância, pessoas negras
desenvolvem mecanismos de defesa, não necessariamente para resguardar a
identidade, mas para mitigar o sofrimento (INOCÊNCIO, 2006, p.187).
85

Durante as discussões sobre esse livro, a participação das meninas foi mais
presente do que a dos meninos. Diante dessa observação é possível afirmar que
para as mulheres, o cabelo tem uma marca social diferente da dos homens. Outra
fala relevante para refletir sobre a relação do cabelo com a identidade foi a de Iza:

– Mas pelo menos no final da história, ela (Bintou) gostou do cabelo dela,
né?
Respondi:
– Sim, ela agora via seu cabelo como macio, bonito, negro e brilhante.
Depois de tudo que ela passou, começou a admirar e gostar de seu cabelo
e entender as tradições de seu povo. Um silêncio pairou no ar, então,
perguntei:
– E nós, gostamos do nosso cabelo?

Muitas crianças, contudo, principalmente as meninas, disseram não à pergunta se


gostavam do próprio cabelo, e não somente as negras, mas também as meninas de
cabelos lisos e loiros. Disseram:

– Não é que não gosto, mas queria que ele fosse diferente.
– Diferente como? Perguntei.
Uma aluna em tom de risada disse:
– A gente queria um cabelo Pantene, tia. E todos riram.

O “cabelo Pantene”, citado por uma das meninas, se trata do “cabelo de Gisele”,
modelo brasileira e garota propaganda da referida marca que está há muitos anos
entre uma das marcas mais populares de xampu no Brasil. O ocorrido reforça o que
já se sabe: o quanto a televisão e as mídias, de maneira geral, influenciam o belo e
o ideal de beleza, e o quanto a não representatividade negra influencia a identidade
de meninas e de meninos brasileiros que não veem seu padrão de beleza
representado sem estar associado a uma imagem negativa.

Segundo Inocêncio (2006), o cabelo “[...] tornou-se uma referência tão forte na
afirmação da identidade da população branca que inegavelmente repercutiu na
formação das imagens acerca do cabelo afro, constituídas pelo pensamento
europeu” (INOCÊNCIO, 2006, p.187). Ao pensar sobre isso, quantos professores já
não presenciaram cenas racistas em que alunos sofreram preconceitos e até mesmo
eram xingados por terem cabelo afro.
86

Cotidianamente, escuta-se, no espaço escolar, falas como “As negras que alisam
seus cabelos não se aceitam, deveriam assumir e não alisar” ou “A mãe dessa
criança deveria prender o cabelo dessa menina, não dá para ela vir assim para
escola”. Inclusive, em um conselho de classe, uma professora, colega de trabalho,
comentou:

– Queria saber se a escola poderia entrar em contato com a família dessa


aluna, pedindo que a criança não viesse mais com o cabelo solto para evitar
que sofresse chacotas, o cabelo dela é muito “armado”, e as crianças já
estão fazendo piadas e, daqui a pouco, a “piolhada” está tomando conta.
Parece que a família não vê, está na hora de cortar, gente.

A fala dessa professora é, infelizmente, um reflexo da sociedade em que vivemos,


que faz com que negros e negras, para serem aceitos, neguem suas raízes,
costumes e traços. A fala pronunciada “o cabelo tem que ser cortado”, reverbera em
nosso cotidiano quando mulheres, para serem aceitas no mercado de trabalho, por
exemplo, têm que cortar seus cabelos ou alisarem. O ideal do branqueamento, está
mais presente em nosso cotidiano do que podemos imaginar, a naturalização de
falas e posturas como essas fazem com que os negros se vejam fora de um padrão
imposto pela sociedade e por se verem fora desse padrão.

A falta de qualificação voltada para relação étnico-racial, resulta em atitudes como a


desta professora e o silêncio dos que a cercava. A falta de preparo e o preconceito
introjetado em nós, faz com que situações como estas aconteçam e continuem
acontecendo. Confesso que muitas vezes presenciei falas como essas e não me
levantei, não fui contra, mesmo sem concordar. Hoje, depois das formações, e
vivências me considero menos tolerante e indolente. Porém, sei que o conhecimento
me empoderou para saber me portar frente à atos discriminatórios. Por isso, é tão
importante que a temática faça parte das pautas e formações docentes, pois só
assim multiplicaremos a indolência à discriminação e ao racismo velado.

Muitas vezes, atitudes racistas partem dos próprios profissionais que deveriam
educar as crianças para respeitar as diferenças, de fazer compreender que uma
aluna com cabelos black power tem o mesmo direito de ter seus cabelos longos
como outra de cabelos lisos. Infelizmente, essas práticas racistas estão presentes
87

no cotidiano e camufladas como “cuidado com o próximo”. Porém, a preocupação


deve ser em trabalhar o respeito à diversidade e não “pedir que cortem os blacks”.

As tantas falas e cenas relatadas neste estudo se direcionam ao que Gomes (2004)
denomina de “dupla inseparável”, o cabelo e a cor da pele. Segundo a autora, a
forma de enxergar essa “dupla” no imaginário social brasileiro pode ser considerada
como expressão dos sentidos do cabelo crespo e também ajuda a compreender e
desvelar as nuances do sistema brasileiro de classificação racial, que, além de
cromático, é estético corpóreo (GOMES, 2004, p.137).

3) Bruna e a galinha d’angola

Bruna é uma menina negra, que vive muito só e mora com sua avó, que é africana.
A história escrita por Gercilda de Almeida e ilustrada por Valéria Saraiva conta que a
menina, certo dia, ganhou de sua avó uma galinha d’angola, a qual passou a ser sua
companhia, além de atrair a presença de várias crianças que se tornaram amigas de
Bruna. Na história, a galinha de Bruna ciscava no terreno e, em um belo dia, achou
um baú cheio de panos que a avó da menina havia perdido assim que chegou ao
Brasil. A partir daquele dia, a avó de Bruna, por meio das estampas, contava muitas
histórias para ela, para suas amigas e toda vizinhança. As crianças aprendiam a
pintar tecidos e vivenciavam práticas do cotidiano africano. Umas das histórias
contadas pela avó contém uma versão para a criação do mundo em um dos panos
em que estão estampados um pombo, uma galinha d’angola e um lagarto.
88

Figura 17 – Capa do livro “Bruna e a galinha d’angola”

Fonte: ALMEIDA (2011)

Essa história estimula a compreender mais profundamente alguns aspectos da


cultura africana. Nessa atividade, as crianças escutaram atentamente à história e, no
final, houve diálogos sobre o que ouviram. Algumas falas nessa etapa foram bem
interessantes:

– Nossa, eu nem sabia que lá na África era assim.


– Assim como?
– Esses costumes deles, eu nunca ouvi falar.
– E você achou legal?
– Sim, gostei de saber que lá não tem só tristeza.

Essa fala revela o quanto o termo África é estereotipado e o quão urgente é mostrar
aos alunos uma visão mais realista desse continente, que exerceu e exerce uma
influência imensa na formação do povo brasileiro.

4) O livro “Obax”

O livro de André Neves conta a história de uma menina chamada Obax, destemida e
aventureira. Ela vivia em uma região considerada perigosa para uma criança. Obax
era um pouco solitária e vivia suas aventuras sem muitos amigos e, por isso,
adorava inventar histórias. Certo dia, a menina disse ter visto uma chuva de flores, o
que causou dúvida nos mais velhos, já que o clima da Savana não era favorável à
chuva, muito menos para uma chuva de flores. Obax estava muito brava por não
terem acreditado em sua história e decidiu provar a todos que o que falava era real.
89

Com seu amigo elefante deu a volta ao mundo, tentando buscar algo que provasse a
veracidade de sua história. Ao retornar ao mundo, deparou-se com seus familiares
preocupados com seu sumiço, porém, logo ficaram alegres com as tagarelices de
Obax, que contou tudo o que vivera com seu amigo elefante. Novamente, os adultos
duvidaram de Obax, afinal, dar a volta ao mundo nas costas de um elefante era um
tanto quanto estranho.

A menina, dessa vez, não se entristeceu, já que apresentaria Nafisa (o elefante) e


todos acreditariam. Ela, rapidamente, pediu que todos saíssem da cabana e fossem
para o lado de fora para que pudesse comprovar os fatos; ao chegar lá, havia
apenas uma pedra em formato de elefante e Nafisa não se encontrava onde Obax o
deixara. Novamente, todos duvidaram das histórias da menina, o que a deixou
novamente muito brava e, assim, enterrou a pedra para que ninguém nunca mais
zombasse de suas aventuras. Na manhã seguinte, no lugar onde Obax havia
enterrado a pedra, um lindo e forte Baobá nasceu, mas não era uma Baobá comum,
este era muito grande e forte como um elefante, e sua copa estava repleta de flores
coloridas com a presença de muitos pássaros nunca antes vistos por ali. Quando
Obax, então, se aproximou, e os pássaros bateram com força suas asas, fazendo
com que as flores se desprendessem dos galhos, provocando, assim, uma imensa
chuva de flores.

Figura 18 – Capa do livro “Obax”

Fonte: NEVES (2011)


90

Obax ensina as pessoas a serem perseverantes e lutarem por aquilo que acreditam,
mesmo quando não acreditam em si mesmos. As crianças gostaram muito da
história e pediram para mostrar a foto de uma Baobá. Esse momento foi oportuno
para mostrar fotos na internet de Baobás e conversar sobre a planta como elemento
cultural. E como essa foi a última contação de história, foi solicitado às crianças que
produzissem novamente um autorretrato para ter como lembrança delas nos
registros.

4.4 DEPOIS DO “FIM”

Após o momento da contação das histórias, apresentamos aos alunos uma “nova
história” da África, explicitando as contribuições, os feitos e as riquezas desse povo.
Uma apresentação em slides mostrou “A África como você nunca viu”. Ficou
evidente e estava estampada no rosto de cada um a surpresa ao (re)conhecer uma
África “diferente”.

Como última atividade, as crianças deveriam fazer um novo autorretrato para


arquivar nos registros a lembrança dos dias passados com elas. Assim, neste tópico
há alguns exemplos dos novos autorretratos, estabelecendo comparações entre os
já mostrados anteriormente e os últimos desenhos produzidos. Contudo, os novos
autorretratos não serão apresentados, somente aqueles com questões relevantes e
que merecem ser discutidas neste momento da pesquisa.

Ao solicitar às crianças que fizessem outro autorretrato para guardar como


recordação, muitas delas pediram para ver o que produziram anteriormente, pois
sabiam da pasta que continha todo material produzido em parceria. Foi interessante
observar que, ao ver um colega pedindo, outros também pediram e, assim, a maioria
solicitou seu primeiro autorretrato.

Convém esclarecer que quando a maioria quis ter ao lado seu primeiro autorretrato,
surgiu um temor de que as produções pudessem ser influenciadas, pois o objetivo
era averiguar se após todas as discussões, oriundas das contações e das vivências
ao longo desse curto trajeto, as crianças mostrariam, por meio dos desenhos, alguns
traços de pertencimento, já que tantos se embranqueceram ao se pintar e, até
91

mesmo, adotaram traços e características capilares diferentes das suas. Surgiu


também o pensamento de que ao ter o desenho em que elas, em sua maioria, se
embranqueceram, se isso não iria influenciar e fazer com que o novo desenho fosse
uma cópia do primeiro. Por isso os questionei:

– Mas para que vocês querem um desenho antigo? Vamos fazer um novo.
Uma aluna respondeu:
– Foi muito difícil fazer o primeiro, deixa a gente ver, se desenhar não é
fácil.

Outra pergunta surgiu:


– Mas se você já tem o primeiro, porque temos que desenhar outro.

Assim, para elaborar o novo autorretrato, foi explicado que quem não quisesse não
precisava produzir outro, era apenas um convite, mas que ficaríamos muito felizes
com esse novo autorretrato. Ficou disponível também, como da primeira vez, o
material da pesquisadora em uma mesa que estava no centro dos grupos; mostrei
as canetinhas, o giz e o lápis, ressaltando que esse material que disponibiliza vários
tons de pele é novo no mercado e que ele contribui para trabalhar a diversidade no
cotidiano. Foi um momento também de abordar a importância de refletir sobre a
nomenclatura, utilizada erroneamente, do lápis salmão, considerado por eles cor de
pele, e discutir que não existe uma única cor de pele, sendo, nesse sentido, inviável
intitular um lápis como cor de pele. Muitas crianças utilizaram o material
disponibilizado e algumas, inclusive, misturaram as cores, tentando alcançar uma
cor mais real do seu tom de pele. As produções, mesmo com o primeiro autorretrato
ao lado, passaram por muitas mudanças, e a fala tão escutada no início “passa o cor
de pele? ”, não foi tão comum.

A atividade desse dia enfatizou o quanto é imprescindível o negro estar


representado em todas as esferas da sociedade. As crianças precisam se ver
representadas nas mídias de forma positiva, precisam ver a influência negra nas
academias, na história, na ciência.

Dos 31 alunos que produziram o primeiro autorretrato, dois faltaram o último


encontro. Em um total de 29 crianças, 15 se pintaram como negros, utilizando
diferentes tons de marrom, três ainda utilizaram o lápis “cor de pele”, e 11 alunos
92

utilizaram os tons mais claros de tons de pele disponibilizados nas caixas de lápis de
cor emprestadas pela pesquisadora, dando ao desenho um tom de pele pardo.

Gráfico 2 – Novo uso dos lápis de cor

marrom escuro
marrom mais claro
rosa claro

faltaram

Fonte: Elaborado pela autora (2019)

Uma fala marcante nessa última produção foi a da aluna Elza:

– Tem como colocar a foto daquela mulher que é cientista e Miss? Meu
cabelo parece com o dela, queria desenhar olhando; é mais fácil.

A mulher a quem ela se referiu era Kara McCullough, cientista nuclear e coroada
Miss Estados Unidos em 2017, uma das personalidades negras introduzidas na sala
se aula para discutir não só a estética, mas também aspectos científicos.

Figura 19 – Autorretrato de Elza (1º e 2º)

Fonte: ELZA (2019), participante da pesquisa


93

Essa aluna havia se desenhado, no primeiro autorretrato, com cabelos longos e lisos
ondulados e a cor da pele rosada. Ela é uma criança visivelmente negra, embora
não tenha um tom de pele muito escuro. É possível estabelecer a comparação
vendo o antes e o depois produzido pela mesma aluna.

Os desenhos a seguir permitem observar as mudanças. E como o filósofo chinês


Confúcio dizia, "Uma imagem vale mais que mil palavras”, então, a seguir serão
apresentadas as imagens produzidas pelos alunos, compartilhando, assim, o que
vimos e vivemos juntos.

Figura 20 – Autorretrato de Ruth (1º e 2º)

Fonte: RUTH (2019), participante da pesquisa

Observa-se que Ruth manteve os cabelos cacheados, todavia, trocou o lápis “cor de
pele” pelo marrom, mesmo pressionando-o um pouco para manter o tom claro.
94

Figura 21 – Autorretrato de Leci (1º e 2º)

Fonte: LECI (2019), participante da pesquisa

Leci, no segundo desenho, além de marcar mais os seus cachos e trocar o lápis “cor
de pele” pelo marrom, também eliminou as bolinhas vermelhas que, geralmente, são
características de pessoas de pele clara.

Figura 22 – Autorretrato de Lázaro (1º e 2º)

Fonte: LÁZARORUTH (2019), participante da pesquisa

Lázaro, notadamente pardo e com cabelos escuros, no primeiro desenho optou por
não pintar a pele, pois disse que era branco, inclusive, mostrou o braço para
95

confirmação. No segundo desenho utilizou o lápis marrom, com pouca pressão para
pintar. Coincidentemente, ou não, no primeiro autorretrato desenhou uma camisa
com mangas maiores e gola alta, a qual cobria mais a sua pele; no segundo
autorretrato, a camisa não tinha mangas e era possível ver seu pescoço, o que
revelava mais a sua pele.

Além de todos os aspectos observados, é relevante mencionar a preocupação de


Lázaro em se afirmar branco. Esse discurso, mesmo que inconsciente, reafirma a
superioridade branca e dilui as diversidades de uma sociedade heterogênea como a
brasileira, trazendo à tona séculos de uma falsa democracia racial.

Figura 23 – Autorretrato de Miltom (1º e 2º)

Fonte: MILTOM (2019), participante da pesquisa

Os autorretratos de Miltom são díspares: o primeiro tem um tom de pele claro,


seguido de cabelos também claros; já no segundo, notadamente, ele utilizou o
marrom para pintar a pele e coloriu os cabelos com um preto muito marcante.
Chama a atenção o sorriso presente no segundo desenho, bem como a cor alegre
que preenche o fundo.
96

Ao fazer essa análise, ficou claro que a literatura ofereceu elementos para que
Miltom ressignificasse o olhar que tinha de si mesmo, assumindo um novo olhar e
bem mais positivo sobre sua origem e a cultura de seus antepassados. Porém, isso,
certamente, ocorrerá quando a criança afrodescendente brasileira puder se enxergar
não apenas como vítima, mas, principalmente, como parte da formação da
sociedade.

Assim, denunciar atos de racismo é tão importante quanto apresentar, aos


pequeninos de origem africana, motivos para que sintam orgulho de sua
ascendência e de sua cultura. E a literatura infantil colabora para derrubar
estereótipos construídos.

Figura 24 – Autorretrato de Djamila (1º e 2º)

Fonte: DJAMILA, participante da pesquisa (2019)

Assim como Miltom, Djamila, de loira com cabelos claros, pele rosa e olhos verdes,
em seu segundo autorretrato se desenhou com cabelos marrons, pele mais escura e
olhos pretos.
97

Figura 25 – Autorretrato de Mariele (1º e 2º)

Fonte: MARIELE, participante da pesquisa (2019)

Mariele, durante a confecção do primeiro autorretrato, ao usar o lápis “cor de pele”


disse que estava usando aquela cor porque se pintasse mais escuro ficaria feio. No
segundo autorretrato ela utilizou o marrom e com uma tonalidade bem forte, além de
deixar os cachos de seu cabelo bem mais marcados.
98

5 PRODUTO EDUCATIVO

Descobre a beleza de ser como é herança trocada no ventre da raça do pai,


do avô, de além-mar até… O negro cabelo é pura magia, encanta o menino
e a quem se avizinha (Valéria Belém, in: O cabelo de Lelê).

O produto educacional consiste em um livro, no qual é compartilhada, de maneira


breve, a experiência vivenciada durante a pesquisa, juntamente com um portfólio
mostrando as produções dos autorretratos produzidos pelos pesquisados,
estabelecendo uma comparação entre o antes e o depois.

O livro contém esclarecimentos sobre alguns princípios pedagógicos que guiaram


nosso fazer durante o percurso. Muitos desejam iniciar trabalhos que abordem a
diversidade étnico-racial na infância, mas poucos se sentem capacitados para tal.
Assim, alguns princípios pedagógicos foram muito importantes para seguir o
percurso traçado até o fim. Além disso, maior do que a vontade de realizar e aplicar
esta pesquisa, havia o anseio de oferecer algo para que outros também fossem
contagiados pelo desejo de ajudar o aluno a reconhecer e valorizar as diferenças
que nos permeiam, tanto negros quanto brancos. Daí o anseio de estruturar este
produto.

Ademais, compartilhar a experiência vivenciada é essencial para fazer com que


outros se inquietem e se unam na luta contra a discriminação e contra o atual
sistema hegemônico. Isso porque “O entender-se com o outro, reconhecendo as
diferenças a partir de sua identidade, torna-se um desafio constante no fazer
pedagógico” (KNAPP, 2004). Dias (2012), sobre esse desafio, afirma que é
necessário requerer o princípio da coragem e, assim, deixar uma experiência como
uma semente.
99

6 CONCLUSÃO

Lelê já sabe que em cada cachinho existe um pedaço de sua história


Que gira e roda no fuso da terra de tantos cabelos que são a memória.
Lelê ama o que vê! E você? (Valéria Belém, In: O cabelo de Lelê).

Utilizar a literatura infantil com protagonistas negros, abordando o negro como


sujeito histórico, sem ter sua imagem distorcida ou estereotipada, pode contribuir
para a construção de uma identidade étnico-racial positiva. Provavelmente, na
realidade brasileira, esse não é o único caminho, porém durante a produção de
dados para esta pesquisa ficou evidente a relevância da literatura infantil como
portadora de uma linguagem que aproximou e sensibilizou as crianças, contribuindo
com todo o processo.

Durante a produção de dados para esta pesquisa ficou evidente como as histórias
influenciaram as escolhas das crianças durante a produção dos novos autorretratos,
na última atividade proposta. Ao caminhar entre os grupos de alunos, percebemos o
processo de produção, escutamos e coletamos os materiais para a discussão
conjunta. Personagens dos livros lidos, como Obax, Bintou, Bruna e as demais
personalidades reais mostradas nas aulas eram citadas como referências no
momento da produção do desenho. Desse modo, mesmo em um período curto,
durante o qual as crianças tiveram contato com a literatura que valorizava o negro e
sua ancestralidade, ficaram evidentes as mudanças positivas no comportamento ao
desenharem a si mesmas, ao assumirem suas características físicas, revelando o
pertencimento racial. Isso permite imaginar o que um trabalho contínuo seria capaz
de fazer, ou seja, provavelmente, surtiria um efeito ainda maior, e isso refletiria nas
questões que vivenciamos envolvendo o racismo, por exemplo. Nesse sentido,
confirmaria a necessidade de o professor levar essa temática para sua sala de aula.

Por ser uma pesquisa-ação, este estudo buscou produzir, nas práticas, instrumentos
de mudança que pudessem interferir na realidade dos alunos. A ida a campo não
tinha o intuito de constatar e explicar fatos, mas buscar agir de forma operante por
uma real mudança naquilo que, para mim, como professora na instituição, já era
constatado. Ao observar a produção dos autorretratos, após as contações, foi
possível perceber muitas mudanças.
100

O processo de embranquecimento, visível no primeiro autorretrato, não foi visto


como uma decisão neutra. Ao disputarem os lápis que dariam aos desenhos um tom
de pele mais claro, ao clarear cabelos e olhos, surgiram indícios que evidenciavam,
fortemente, o quanto as diferentes mídias reforçam e valorizam a estética branca. A
negação da negritude nos desenhos ocorreu, em sua maioria, na primeira produção,
o que permite afirmar, enfaticamente, que as crianças precisavam mesmo receber
referências positivas sobre a cultura e a estética africana.

Os benefícios desta pesquisa são reais e relevantes para expandir estudos que
visam o combate ao racismo e a reafirmação do pertencimento racial. Destacam-se
como benefícios a seus participantes o fortalecimento da identidade, a contribuição
para o processo de (re)construção da autoestima, que influencia de maneira direta o
processo de aprendizagem em sala, o contato com diferentes literaturas com
personagens negros de origem africana que, geralmente, não estão disponíveis nas
escolas.

Vale destacar que, durante a pesquisa, os alunos participaram de um ambiente de


aprendizagem com um elemento curricular de extrema importância e, em todas as
atividades propostas, esta pesquisa oportunizou experiências pautadas no respeito
por si e pelo outro. Além disso, ofereceu condições e disponibilizou recursos para
que usufruíssem seus direitos civis, humanos e sociais possibilitando-lhes, assim,
novas formas de sociabilidade. Ao compreender que a identidade não é algo
imposto, mas sim construída e reconstruída o tempo todo, é imprescindível que as
crianças tenham contato com todo tipo de material que coloque em evidência o
negro, não mostrando apenas seu sofrimento, mas, sobretudo, sua resistência, suas
conquistas e influências. Nessa perspectiva, é fundamental que a literatura infantil
com personagens negros e sobre a história da África se torne constante no cotidiano
escolar, sendo igualmente importante e urgente mergulhar os professores nessas
literaturas, oportunizando o acesso a essas produções e os sensibilizando sobre sua
relevância e importância.
101

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107

APÊNDICE A – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO


DOS PARTICIPANTES DA PESQUISA

Eu,_________________________________________________________________________,
RG Nº ______________________ servidor(a) da EEEF “Francisco Alves Mendes” na função de
________________________________, declaro estar ciente de minha participação voluntária na
pesquisa científica intitulada “DE QUE COR? PRETA, DA COR DA PELE: (RE)CONSTRUÇÃO DA
IDENTIDADE ÉTNICO-RACIAL DA CRIANÇA COM A LITERATURA INFANTIL” que tem como
objetivo compreender a influência da literatura infantil no processo de (re)construção da identidade
étnico-racial na infância, através de leituras e produções de desenhos e autorretratos. A pesquisa
será desenvolvida pela pesquisadora Alinny Rodrigues Emerich Portela e orientada pelo pesquisador
Prof. Dr. Edmar Reis Thiengo, no âmbito do Programa de Pós -Graduação em Educação em Ciências
e Matemática do Instituto Federal do Espírito Santo, acontecerá em doze encontros que ocorrerão no
momento das aulas em atividades lúdicas em que o aluno será convidado a se autorretratar, ouvirá
histórias, que por sua vez trazem como protagonistas personagens negros, os alunos participarão de
rodas de conversas que os levarão a frequentes reflexões sobre o pertencimento racial a identidade
étnico-racial e a valorização das diferenças. Sendo assim, autorizo a utilização das informações
coletadas por meio de registros em diário de bordo, entrevistas e observações, desde que sua
divulgação seja por nome fictício, a fim de resguardar o sigilo necessário. O meu consentimento é
dado na condição de que não haverá minha identificação em nenhum tipo de publicação, escrita ou
não. Estou ciente de que em qualquer etapa do estudo, terei acesso a pesquisadora responsável pelo
endereço Rua Bem te vis, 40- Bairro Morada de Laranjeiras- Serra-ES ou pelo endereço eletrônico
alinnyemerick@gmail.com ou pelo telefone (27) 99224-9519. Ademais, declaro ter sido informado(a)
de que a minha participação não representa riscos para mim, pelo contrário, a experiência pretende
contribuir para minha formação profissional e educacional confiada ao Instituto Federal do Espírito
Santo. Estou ciente também que poderei entrar em contato com o Comitê de Ética em Pesquisa em
Seres Humanos do Instituto Federal do Espírito Santo, para obter maiores informações sobre ela no
endereço Rua Avenida Rio Branco, 50 – Santa Lúcia, Cep: 29056-255 – Vitória – ES, ou pelos
telefones (27) 3357-7518, ou (27) 3357-7500- ramal 3088 ou até mesmo pelo e-mail:
etica.pesquisa@ifes.edu.br. Além disso, estou ciente de que não terei nenhum custo com a pesquisa
nem receberei nenhuma vantagem financeira sobre ela. Sei que posso recusar minha participação no
estudo e que, a qualquer momento, posso retirar meu consentimento, sem necessidade de
justificativa. Fui informado(a) dos objetivos do presente estudo de maneira clara e detalhada e
esclareci minhas dúvidas. Recebi uma via original deste Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido. Assim, manifesto meu livre consentimento em participar da referida pesquisa.

_______________________________________ Data: ______/______/_______

Assinatura do Participante
108

APÊNDICE C – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO


DO RESPONSÁVEL PELO MENOR DE IDADE

Caro Responsável/Representante Legal,

Gostaríamos de obter o seu consentimento para o(a) menor


_______________________________________________________ participar como voluntário(a) da
Pesquisa intitulada “DE QUE COR? PRETA, DA COR DA PELE: (RE)CONSTRUÇÃO DA
IDENTIDADE ÉTNICO-RACIAL DA CRIANÇA COM A LITERATURA INFANTIL”, que tem como
objetivo compreender a influência da literatura no processo de (re)construção da identidade étnico-
racial na infância, através de leituras de e produções de desenhos e autorretratos. Será desenvolvida
na EEEB “Francisco Alves Mendes”, na qual o(a) menor é aluno(a) regular, sob a responsabilidade
da pesquisadora Alinny Rodrigues Emerich, o qual pretende desenvolver uma pesquisa a respeito
da construção da identidade étnico-racial no ambiente escolar. O estudo acontecerá em doze
encontros, que ocorrerão no momento das aulas em atividades lúdicas em que o aluno será
convidado a se autorretratar, ouvirá histórias, que por sua vez trazem como protagonistas
personagens negros; os alunos participarão de rodas de conversas que os levarão a frequentes
reflexões sobre o pertencimento racial, a identidade étnico-racial e a valorização das diferenças. A
forma de participação consiste no desenvolvimento de atividades propostas durante as aulas
regulares, nas quais serão realizadas contações de histórias e atividades de desenhos . Ao utilizar
algumas ferramentas de observação e registros escritos como produção de dados, enquanto o(a)
aluno(a) participa das atividades, informaremos que ele(a) poderá sentir-se constrangido(a) ou
inibido(a) ao realizar alguma atividade proposta, no entanto, a pesquisadora se compromete a tomar
todos os cuidados para o seu não constrangimento durante o desenvolvimento das atividades
citadas, e caso ele(a) não queira participar de forma alguma será coagido. Se permitir a participação
do(a) menor, estará contribuindo para avanços em pesquisas a respeito do desenvolvimento da
identidade étnico-racial, respeito ao próximo e forte contribuição para o processo de (re)construção
da autoestima. Gostaríamos de destacar que durante a pesquisa o aluno participará de um ambiente
de aprendizagem com um elemento curricular de extrema importância e em todas as ativi dades
propostas esta pesquisa estará oportunizando aos alunos(as) experiências pautadas no respeito por
si e pelo outro, oferecendo condições e recursos para que as crianças usufruam seus direitos civis,
humanos e sociais possibilitando assim a elas novas formas de sociabilidade. A participação do(a)
aluno(a) em nesta pesquisa poderá trazer benefícios para sua autoestima, respeito ao próximo e
empoderamento em sua identidade racial. Se depois de consentir a participação do(a) menor, quiser
desistir de sua permissão, informo que o(a) senhor(a) tem o direito e a liberdade de retirar seu
consentimento em qualquer fase da pesquisa, seja antes ou depois da coleta dos dados,
independente do motivo e sem nenhum prejuízo à sua pessoa. O(A) senhor(a) não terá nenhum a
despesa com esta pesquisa e também não receberá nenhuma remuneração. Os resultados da
pesquisa serão analisados e publicados, mas a identidade do(a) menor não será divulgada, sendo
guardada em sigilo. Para qualquer outra informação, poderá entrar em cont ato com o pesquisador no
endereço Rua Bem te Vis Nº 40, no Bairro Morada de Laranjeiras, Serra- ES ou pelo telefone (27)
109

99224-9519, ou também poderá entrar em contato com o Comitê de Ética em Pesquisa – Ifes, na Rua
Avenida Rio Branco, 50 – Santa Lúcia, CEP: 29056-255 – Vitória – ES, telefone (27) 3357-7518, ou
(27) 3357-7500- ramal 3088.

Consentimento Pós–Informação

Eu,__________________________________________________________________, portador(a) do
RG nº _________________________, confirmo que a pesquisadora Alinny Rodrigues Emerich
Portela, explicou-me os objetivos desta pesquisa, bem como a forma de participação e os
instrumentos de produção de dados. As alternativas para a participação do(a) menor
_________________________________________________ também foram discutidas e recebi uma
via original deste Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Eu li e compreendi este Termo de
Consentimento, portanto, eu concordo em dar meu consentimento para o(a) menor participar como
voluntário desta pesquisa.

____________________________ Data: ______/______/_______

Assinatura do responsável
ou representante legal

________________________________________

Assinatura do Pesquisador Responsável


110

APÊNDICE D – TERMO DE ASSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO


PARA MENOR DE IDADE

Eu,_________________________________________________________________________,
aluno(a) da EEEB “Francisco Alves Mendes” quero dizer aqui que estou sabendo da minha
participação voluntária na aplicação da pesquisa científica intitulada “DE QUE COR? PRETA, DA
COR DA PELE: (RE)CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE ÉTNICO-RACIAL DA CRIANÇA COM A
LITERATURA INFANTIL”, que tem como objetivo compreender a influência da literatura no processo
de (re)construção da identidade étnico-racial na infância, através de leituras e produções de
desenhos e autorretratos. A pesquisa será desenvolvida pela pesquisadora Alinny Rodrigues Emerich
Portela e orientada pelo pesquisador Prof. Dr. Edmar Reis Thiengo, através do Programa de Pós-
Graduação em Educação em Ciências e Matemática do Instituto Federal do Espírito Santo ,
acontecerá em doze encontros, que ocorrerão no momento das aulas em atividades lúdicas em que o
aluno será convidado a se autorretratar, ouvirá histórias, que, por sua vez, trazem como protagonistas
personagens negros, os alunos participarão de rodas de conversas , que os levarão a frequentes
reflexões sobre o pertencimento racial a identidade étnico-racial e a valorização das diferenças.
Quero dizer aqui que autorizo a utilização das informações coletadas por meio de registros no
caderno da pesquisadora Alinny e seus amigos colaboradores, desde que sua divulgação seja por um
nome diferente do meu, com o objetivo de ficar em segredo tudo o que eu fizer. Estou sabendo que
não vão me identificar em nenhum tipo de publicação. Estou sabendo também de que em qualquer
etapa do estudo posso fazer contato com o pesquisadora Alinny no endereço Rua Minas Gerais
Nº40, Bairro Morada de Laranjeiras, Serra-ES, ou pelo endereço eletrônico
alinnyemerick@gmail.com, ou pelo telefone (27) 99224-9519. Além do mais, quero dizer aqui que fui
informado de que a minha participação na pesquisa pode me causar alguns constrangimentos, mas a
pesquisadora Alinny cuidará para que eles não aconteçam ou, se acontecerem, que sejam mínimos.
A Alinny me disse que se eu quiser, eu também posso entrar em contato com o Comitê de Ética em
Pesquisa em Seres Humanos do Instituto Federal do Espírito Santo, onde esta pesquisa foi aprovada,
para obter maiores informações sobre ela através do endereço Rua Avenida Rio Branco, 50 – Santa
Lúcia, Cep: 29056-255 – Vitória – ES, ou pelo telefone (27) 3357-7518 ou (27) 3357-7500- ramal
3088, ou também pelo e-mail: etica.pesquisa@ifes.edu.br. Além disso, a Alinny me disse que não
preciso me preocupar com nenhum custo quanto a minha participação na pesquisa dele e também
que não vou receber nenhum dinheiro por isso. Sei que posso dizer a Alinny, em qualquer momento,
que não vou mais querer participar da sua pesquisa, caso eu assim quiser, não precisando explicar
nada para ela. Estou sabendo dos objetivos deste estudo de maneira clara e detalhada e tirei minhas
dúvidas sobre ele. Recebi também uma via original desta carta com minha autorização. Assim, quero
dizer aqui que desejo participar desta pesquisa.
_______________________________ Data: ______/______/_______
111

APÊNDICE E – FICHA/QUESTIONÁRIO

1) Alguns dados:
a. Nome: _______________________________________________________
b. Sexo: ( ) Feminino ( ) Masculino
c. Data de nascimento: ___/___/___ Naturalidade: _____________________
d. Qual a sua cor/raça:
( ) Branco(a) ( ) Pardo(a) ( ) Preto(a) ( ) Amarelo(a) ( ) Indígena(a)

2) Você gosta de histórias infantis? Qual a sua preferida?


___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
_______________________________________________________

3) Descreva seu personagem favorito.


___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
_______________________________________________________

4) Na sua opinião, o que é ser bonito(a)?


___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
_______________________________________________________

5) Como você se descreveria, fisicamente, para alguém que nunca te viu?

___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
_______________________________________________________

6) O que mais gosta em você? O que menos gosta?


___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
______________________________________________________
112

7) Complete a frase a baixo:

Sou bonito(a), pois...

___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
______________________________________________________

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