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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO”

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DOCÊNCIA PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA

EDSON RODRIGO DE AZEVEDO

ONDE ESTÃO AS PRINCESAS AFRICANAS? DAS PRÁTICAS DOCENTES AO


PROGRAMA NACIONAL DO LIVRO DIDÁTICO E LITERÁRIO

BAURU
2021
EDSON RODRIGO DE AZEVEDO

ONDE ESTÃO AS PRINCESAS AFRICANAS? DAS PRÁTICAS DOCENTES AO


PROGRAMA NACIONAL DO LIVRO DIDÁTICO E LITERÁRIO

Dissertação apresentada como requisito parcial


para obtenção do título de Mestre à
Universidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho” – Faculdade de Ciências,
Câmpus de Bauru – Programa de Pós-
graduação em Docência para a Educação
Básica, sob orientação do Prof. Dr. Fábio
Fernandes Villela

BAURU
2021
Dedico esta dissertação aos maiores amores da minha vida:
Aos meus pais: Edson e Cristina, minhas irmãs: Dani e Bia, ao meu
companheiro Danilo e à minha doce e amada Maria Luiza.
AGRADECIMENTOS

Registro aqui os meus agradecimentos a pessoas que fizeram parte deste processo de
pesquisa e que de alguma maneira estiveram presentes neste caminho de desafios, descobertas
e possibilidades.
À minha família, pais Edson e Cristina, irmãs Daniela e Ana Beatriz e minha doce e
amada sobrinha Maria Luiza. Obrigado por torcerem por mim, por me acolherem sempre e por
serem a minha família. Nada disso seria possível se não fosse a presença e a existência de vocês.
Amo-os muito!
Ao meu companheiro de vida, Danilo, que sempre acreditou em mim e no meu trabalho
enquanto pesquisador até antes de eu mesmo acreditar. Obrigado por todo amor, incentivo e
apoio neste caminho.
À UNESP, Câmpus de Bauru/SP, pela acolhida e por todo trabalho realizado.
Ao Programa de Pós-Graduação em Docência para a Educação Básica e sua equipe,
em especial à Edineia, pela atenção durante todo o percurso.
Aos amigos e colegas da turma do Programa de Pós-Graduação em Docência para a
Educação Básica da turma 2019 pelo apoio e pela força, em especial aos amigos Rossane e
Vitor pela parceria e pelas tantas coisas vividas, risadas e angústias, nos caminhos para Bauru.
Aos meus colegas e amigos de profissão da rede municipal na qual atuo e aos
professores que participaram desta pesquisa.
Aos professores Monica Galindo e Eli Vagner pela leitura atenciosa e por terem
aceitado o convite de suplentes.
Aos professores Leandro Passos e Vitor Machado pelas contribuições valiosas e
precisas no exame de qualificação durante o desenvolvimento deste trabalho e pela leitura
atenciosa.
Ao meu orientador Professor Fábio Fernandes Villela por ter me acolhido neste
processo e por toda atenção, todo suporte e trabalho, fazendo com que, por meio da nossa
parceria, esta pesquisa fosse realizada. Agradeço por cada reunião, nossas chamadas no Google
Meet, conversas no WhatsApp e por tudo o que me ensinou. Muita gratidão por tudo!
E, por fim, agradeço a todos os pesquisadores negros e negras, ativistas e pessoas que
lutam por igualdade, vez e voz do povo negro.
RESUMO

Diante das práticas docentes e à luz da Lei nº 10.639/03, que torna obrigatória nos currículos
escolares a temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, o presente trabalho apresenta uma
discussão teórica a respeito do racismo e suas implicações no contexto escolar, tendo,
sobretudo, como objetivo geral investigar o protagonismo negro nas narrativas clássicas infantis
por meio de uma pesquisa a respeito das escolhas literárias presentes nas práticas pedagógicas
docentes em uma escola pública do interior paulista de ensino fundamental I (1º ao 5º ano) e da
análise das obras selecionadas no Programa Nacional do Livro Didático e Literário na edição
de 2018 por meio de um questionário estruturado. Como abordagem metodológica, foi realizada
uma análise quantitativa e qualitativa, de cunho bibliográfico e documental. A partir deste
trabalho de análise, buscou-se estabelecer diálogos e relações com as políticas públicas de
incentivo à formação de leitores e seus desencadeamentos nas práticas de leitura realizadas nas
escolas que tenham como foco o protagonismo negro e, para isso, o trabalho teve alguns aportes
teóricos, como as pesquisas e estudos de Araújo (2010, 2015), Dias (2015), Debus (2007, 2009,
2012, 2017), Gomes, (2003, 2005, 2018), Munanga (2003, 2005), Silva (2015, 2018), dentre
outros. Por fim, e após a análise das obras selecionadas para o PNLD Literário 2018 e das
discussões teóricas realizadas, o trabalho ainda apresenta como possibilidade didática o produto
educacional intitulado “Baú africano: conhecendo as princesas africanas” contendo encartes
com reescritas e narrativas sobre seis princesas africanas da cultura ioruba, banto e zulu, dentre
outras propostas didáticas que permitam o (re)conhecimento dessas personagens, possibilitando
assim a valorização da literatura infantil de matriz africana e afro-brasileira no contexto
educacional.

Palavras-chave: Lei 10.639/03. Pedagogia Histórico-crítica e a educação das relações étnico-


raciais. Princesas Africanas. Programa Nacional do Livro Didático e Literário.
ABSTRACT

In view of teaching practices and in the light of Law No. 10.639/03 that makes mandatory in
school curricula the theme "Afro-Brazilian History and Culture" the present work presents a
theoretical discussion about racism and its implications in the school context having, above all,
as a general objective to investigate the black protagonism in classical children's narratives
through a research on the literary choices present in the pedagogical practices of teachers in a
public school in the interior of São Paulo elementary school I (1st to 5th grade) and the analysis
of the works selected in the National Program of The Textbook and Literary in the 2018 edition
through a structured questionnaire. As a methodological approach, a quantitative and qualitative
analysis of bibliographic and documentary nature was performed. From this analysis work, we
sought to establish dialogues and relations with public policies to encourage the formation of
readers and their triggers in reading practices carried out in schools that focus on black
protagonism and, for this, the work had some theoretical contributions such as the research e
estudos de Araújo (2010, 2015), Dias (2015), Debus (2007, 2009, 2012, 2017), Gomes, (2003,
2005, 2018), Munanga (2003, 2005), Silva (2015, 2018), among others. Finally, and, after the
analysis of the works selected for the Literary PNLD 2018 and the theoretical discussions
carried out, the work still presents as a didactic possibility the educational product entitled
African Chest: knowing the African princesses containing inserts with rewritten and narratives
about 6 African princesses of Yoruba, Banto and Zulu culture among other didactic proposals
that allow the (re)knowledge of these characters, thus enabling the valorization of children's
literature of African and Afro-Brazilian origin in the educational context.

Keywords: Law 10.639 / 03. Historical-critical pedagogy and the education of ethnic-racial
relations. African princesses. National Textbook and Literary Program.
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Capa do Jornal do Brasil, 04 de dezembro de 1988 ............................................... 29


Figura 2 - Capa do Caderno B – Jornal do Brasil.................................................................... 30
Figura 3 - Foto publicada no Jornal do Brasil, Caderno B ...................................................... 31
Figura 4 – Mercado de trabalho............................................................................................... 38
Figura 5 – Representação política ........................................................................................... 38
Figura 6 – Percentual de matrícula por cor/raça segundo as etapas de ensino - Brasil ........... 39
Figura 7 – Educação– taxa de analfabetismo .......................................................................... 40
Figura 8 – Percentual de matrícula poor cor/raça segundo as etapas de ensino - SP .............. 41
Figura 9 - Campanha publicitária – Sabão Fairy, 1900 ........................................................... 47
Figura 10 - Campanha Publicitária – Krespinha ..................................................................... 48
Figura 11 - Produto Krespinha ................................................................................................ 49
Figura 12 - Campanha Pátria Amada Brasil – Pró-Brasil ....................................................... 50
Figura 13 - Ilustração da p. 48 do livro “Xixi na Cama” ........................................................ 63
Figura 14 - Trecho do livro “Xixi na Cama” ........................................................................... 64
Figura 15 – Obras selecionadas no PNLD Literário 2018 e o protagonismo negro................ 73
Figura 16 – Tempo de atuação na Educação Básica do grup de docentes entrevistados ........ 77
Figura 17 - Número de livros lidos pelos professores de temática africana/afro-brasileira .... 78
Figura 18 – Motivos que dificultam o trabalho com a literatura de matriz africana e afro-
brasileira apontados pelos docentes entrevistados.................................................................... 79
Figura 19 - Glossário no livro “Amoras” ................................................................................ 82
Figura 20 - Paisagem africana ilustrada no livro “Obax”........................................................ 83
Figura 21 – Professores e as histórias de princesas africanas ................................................. 83
Figura 22 - Capa do Livro “Rapunzel e o Quibungo” ............................................................. 88
Figura 23 - Capa do livro “O casamento da princesa” ............................................................ 98
Figura 24 - Desenhos – Oficina Princesas Africanas .............................................................. 99
Figura 25 - Capa do Livro “Omo-Oba: Histórias de Princesas” ........................................... 101
Figura 26 - Comunicado enviado aos pais ............................................................................ 104
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Categorias das obras literárias – PNLD 2018 ....................................................... 57


Quadro 2 - Temas sugeridos nas obras literárias do PNLD 2018 ........................................... 57
Quadro 3 - Livros selecionados para o PNBE – 2003 a 2013 ................................................. 62
Quadro 4 - Categoria 4 (1º ao 3º ano do Ensino Fundamental) .............................................. 66
Quadro 5 - Categoria 5 (4º e 5º anos do Ensino Fundamental) ............................................... 66
Quadro 6 - Obras selecionadas do PNLD Literário 2018 que trazem as temáticas africanas e
afro-brasileiras .......................................................................................................................... 70
Quadro 7 - Livros de temática africana apontados pelo grupo docente .................................. 81
Quadro 8 - Obras selecionadas pela Unidade Escolar............................................................. 85
Quadro 9 - Encaminhamentos prática-teoria-prática .............................................................. 92
Quadro 10 - Planejamento da oficina ...................................................................................... 97
Quadro 11 - Planejamento da Proposta – Baú Africano: conhecendo as princesas africanas
................................................................................................................................................ 105
Quadro 12 - Proposta de projeto de trabalho......................................................................... 109
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 13

1 O RACISMO E O CONTEXTO ESCOLAR: UM DEBATE SOCIOLÓGICO................... 17

1.1 Um debate sociológico sobre o racismo ......................................................................... 17

1.2 Conceitos e concepções: o que eles nos dizem? ............................................................. 18

1.2.1 Identidade e identidade negra ...................................................................................... 19

1.2.2 Raça e racismo ............................................................................................................. 20

1.3 O mito da democracia racial: os estudos de Gilberto Freyre e Florestan Fernandes ...... 24

1.4 O racismo e o contexto escolar: um cenário de desafios e possibilidades ...................... 33

1.5 Dados estatísticos brasileiros: o que eles nos revelam? .................................................. 37

1.6 O discurso escolar e o racismo: mito ou realidade? ........................................................ 43

2 A LITERATURA INFANTIL E O PROTAGONISMO NEGRO NAS NARRATIVAS .... 53

2.1 As políticas públicas de incentivo à leitura: do Programa Nacional Biblioteca da Escola


ao Programa Nacional do Livro Didático e Literário ........................................................... 55

2.2 O protagonismo negro nas obras selecionadas para o PNBE, o PNLD Literário e os
impactos da Lei nº 10.639/03 ................................................................................................ 59

2.3 PNLD Literário 2018 e a temática africana e afro-brasileira: uma análise sobre as obras
selecionadas .......................................................................................................................... 68

2.4 As práticas docentes e o protagonismo negro nas obras de literatura infantil: quais os
diálogos possíveis?................................................................................................................ 75

2.5 O PNLD e as narrativas clássicas infantis: onde estão as princesas africanas? .............. 86

3 UMA POSSIBILIDADE DIDÁTICA: CONHECENDO AS PRINCESAS AFRICANAS . 91

3.1 A pedagogia histórico-crítica: um breve olhar para o contexto escolar.......................... 91

3.2 Contextualizando a proposta ........................................................................................... 93

3.2.1 As etapas do produto educacional: por que, para que, como? ..................................... 93

3.3 Desenhando as princesas africanas: relatos de uma oficina ............................................ 96

3.4 “Baú africano - conhecendo as princesas africanas”: pensando no planejamento........ 100


3.4.1 Construindo a proposta didática: um diálogo com a pedagogia histórico-crítica ...... 105

3.4.2 Ampliando a proposta: materiais complementares .................................................... 110

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 112

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 115

APÊNDICE – Produto Educacional. Baú africano: conhecendo as princesas africanas ........ 123

ANEXO A – Questionário para os professores ...................................................................... 141

ANEXO B – Parecer Consubstanciado do Comitê de Ética .................................................. 143

ANEXO C – Termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) ....................................... 146


13

INTRODUÇÃO

A temática que trazemos como ponto de partida para a nossa pesquisa, por vezes,
configurou-se em um contexto invisibilizado e carregado de silenciamentos, inferioridades e
até mesmo de um processo histórico velado e perpetuamente vivenciado nos diversos espaços
sociais, sobretudo o escolar. Aliás, é neste cenário que emergem as problematizações aqui
explicitadas e, para tanto, torna-se importante registrarmos os percursos profissionais e
pedagógicos que culminaram no desenvolvimento e nas inquietações que este trabalho
apresenta.
Desde o início da minha trajetória acadêmica, debrucei-me sobre as questões voltadas
à literatura infantil e à formação de leitores e, dentro desse espectro, a diversidade de temáticas
presentes nos livros foi algo que começou a ocupar um espaço maior na minha trajetória e que,
a partir do contato direto com as crianças nas escolas, ganhou proporções ainda maiores. Nessa
aproximação diária com os alunos, iniciei um trabalho pautado em propostas de leitura que
pudessem potencializar, na rotina e na prática educativa, um olhar para a diversidade cultural
presente nas narrativas infantis. Com base nisso, foi possível notar que os contos clássicos
infantis sempre estiveram presentes nas rotinas escolares e até mesmo no imaginário infantil,
desencadeando, de maneira processual e natural, o reconhecimento, a valorização e até mesmo
a unicidade de estereótipos e características nas personagens apresentadas nas histórias. A
respeito das narrativas clássicas, traremos aqui uma das definições de Ítalo Calvino (1993) em
que os “clássicos são aqueles livros que chegam até nós trazendo consigo as marcas das leituras
que procederam a nossa e atrás de si os traços que deixaram na cultura ou nas culturas que
atravessaram”.
Com o passar do tempo, e durante o cotidiano pedagógico, busquei planejar e
desenvolver ações educativas com o objetivo de fazer um levantamento das percepções que as
crianças tinham sobre as características das princesas. Uma das práticas realizadas foi uma roda
de conversa sobre essas personagens e suas representações, complementada com uma proposta
na qual as crianças tinham de desenhar uma princesa tendo como base as referências que elas
já tinham ouvido nas histórias. A partir dessas propostas, notei que muitas crianças tinham, de
maneira muito sólida, um ideal de representação dos personagens das histórias clássicas,
sobretudo as princesas: brancas, loiras, olhos claros, cabelos lisos, dentre tantas imagens
historicamente reproduzidas nas ilustrações das narrativas.
Portanto, diante desse contexto, surgiu no processo da práxis pedagógica a seguinte
inquietação: se vivemos em um espaço escolar multifacetado, plural e diverso, por que as
14

personagens clássicas dessas narrativas não dialogavam com a realidade multicultural presente
e visível na sala de aula? Como as crianças negras poderiam se reconhecer nas imagens ali
apresentadas, uma vez que o perfil dominante é o eurocêntrico? Foi então que, a partir desse
lugar e dessa realidade, deu-se uma das maiores inquietações e problematizações que, para mim,
são as gêneses da atual pesquisa: como as princesas africanas são representadas na literatura
infantil? Quais os estereótipos trazidos nos livros? Que espaço as princesas negras ocupam nas
narrativas infantis, sobretudo nos contos clássicos?
Essas questões foram fundamentais para chegarmos aos objetivos dessa pesquisa e,
portanto, para tornar possível esse movimento teórico-metodológico pautado em aspectos
qualitativos e quantitativos de cunho bibliográfico e documental, escolhemos alguns
instrumentos que poderiam nos permitir uma ampliação desses estudos e investigações com
base na realidade de um contexto educacional público, sendo a aplicação de uma pesquisa
(questionário) para docentes de uma escola pública e a análise dos documentos do Programa
Nacional do Livro Didático e Literário (PNLD). Assim, passaremos agora a apresentar os
pressupostos que embasaram o presente trabalho, apresentando as etapas e os percursos
utilizados durante sua realização.
Partindo das problematizações mencionadas, a pesquisa aqui apresentada teve como
objetivo geral investigar a presença do protagonismo negro nas narrativas infantis nas práticas
docentes de uma escola pública localizada na região periférica de um município do interior de
São Paulo, fazendo uma discussão sobre o racismo presente no contexto escolar e, a partir disso,
estabelecer relações e análises com o edital e o guia do PNLD do ano de 2018. Além disso, a
pesquisa teve também como objetivo específico elaborar um produto educacional trazendo a
reescrita de 6 princesas africanas da cultura iourubá, banto e zulu no sentido de possibilitar o
reconhecimento e a valorização da cultura africana e afro-brasileira presente nestas narrativas.
Para tanto, a pesquisa foi organizada em 3 capítulos: 1) O racismo e o contexto escolar: um
debate sociológico; 2) A literatura infantil e o protagonismo negro nas narrativas; e 3) Uma
possibilidade didática: conhecendo as princesas africanas.
No capítulo 1, apresentamos algumas concepções pautadas em um debate que tenha
como centralidade os estudos da Sociologia acerca do racismo e suas implicações no contexto
escolar. Sendo assim, retomamos alguns conceitos sobre raça e racismo presentes nas Ciências
Sociais, as contribuições de sociólogos na abordagem dessas temáticas, além de estabelecermos
diálogos com os estudos de Kabengele Munanga, Gilberto Freyre, o mito da democracia racial
e as pesquisas de Florestan Fernandes (2013) sobre o referido assunto. No sentido de
potencializar as discussões, também nos debruçamos sobre as investigações e os estudos
15

acadêmicos sobre a temática, apresentando dados estatísticos, os desafios e as possibilidades


do trabalho voltado à diversidade cultural no cenário educativo.
Dando continuidade, no capítulo 2, as discussões versam sobre a literatura infantil e o
protagonismo negro nas narrativas, com base em uma pesquisa realizada com docentes de uma
escola pública municipal do interior paulista por meio de um questionário estruturado a respeito
de práticas docentes voltadas à leitura em sala de aula e da escolha dos livros lidos, perpassando
também pela diversidade das temáticas presentes nas obras literárias selecionadas, sobretudo a
africana e a afro-brasileira. Realizamos, ainda, a análise de documentos e registros educacionais
que demonstravam o processo de escolha do acervo literário da referida escola, tais como o
edital e o guia do PNLD no ano de 2018, pautando-nos nos títulos que traziam o negro como
protagonista das narrativas.
Além disso, investigamos, neste capítulo, a presença das princesas africanas nos livros
selecionados para a edição do PNLD 2018 por meio da leitura das sinopses apresentadas e
descritas no Guia, assim como a inserção ou não destas obras nas práticas de leitura realizadas
nas escolas. Vale a pena ressaltar que a escolha de analisar um edital do PNLD está atrelada à
potência que essas políticas públicas de incentivo à leitura tem nos espaços escolares, haja vista
que, a partir de tais políticas, o acesso à diversidade literária nas escolas públicas brasileiras foi
bastante ampliado.
Por fim, o capítulo 3 traz uma possibilidade didática que tem como objetivo fazer com
que as princesas africanas sejam reconhecidas nos espaços escolares por meio da literatura
infantil e das práticas voltadas à formação de leitores. Para isso, apresentamos o produto
educacional “Baú Africano: conhecendo as princesas africanas”, trazendo a construção de um
baú contendo encartes com perguntas norteadoras, narrativas reescritas contando a história de
seis princesas africanas, além da proposição de encaminhamentos didáticos a partir do objeto
de aprendizagem elencado, perpassando pelas contribuições da Pedagogia Histórico-Crítica,
dentre outras concepções que embasam a proposta didática.
Sendo assim, o trabalho aqui apresentado é resultado de um processo dialógico,
investigativo e científico, pautado nas inquietações e problemáticas mencionadas, na
perspectiva de que o apagamento e o silenciamento da cultura africana e afro-brasileira nos
espaços e contextos educacionais seja uma temática cada vez mais latente de estudos,
transformações e, sobretudo, de processos de descolonização dos currículos escolares, sobre os
quais abordaremos, juntamente com suas implicações, no decorrer desta pesquisa a partir dos
estudos de Silva (2015 e 2018) e Gomes (2003, 2005). Nesse sentido, evidenciamos que tratar
sobre as temáticas raciais no cotidiano escolar é um grande desafio para a realidade do contexto
16

educacional brasileiro. Apesar de termos diversas legislações vigentes que, em 2003, ganharam
mais força, ainda é visível que as redes de ensino negligenciam a temática e, por vezes, as
minimizam em datas específicas, segmentando-as, fazendo com que deixem de dialogar com a
história e a cultura do povo africano, trazendo, muitas vezes, uma abordagem preconceituosa e
historicamente racista.
17

1 O RACISMO E O CONTEXTO ESCOLAR: UM DEBATE SOCIOLÓGICO

1.1 Um debate sociológico sobre o racismo

Ao nos debruçarmos sobre as discussões que aludem ao racismo e suas implicações no


contexto escolar, torna-se relevante fundamentar-nos nas contribuições que os estudos da
Sociologia potencializaram, sobretudo nas pesquisas que versam sobre o mito da democracia
racial na formação da sociedade brasileira, desde os primórdios até os tempos atuais.
Para tanto, buscaremos elucidar conceitos já discutidos por pesquisadores e
sociólogos, no sentido de promover uma discussão que evidencie as relações entre as questões
raciais e os contextos educacionais, pautada em um viés sociológico.
Os apontamentos e debates sobre o racismo e suas implicações nos diversos contextos
não constituem algo inédito, tampouco novo, na sociedade brasileira, conforme afirma Paiva:

As discussões sobre a questão negra brasileira circulam entre a desigualdade


e a diferença entre os homens, ganhando maior destaque no século XVIII. No
entanto, é no século XIX que surge a noção do “racismo científico”, a partir
da afirmação da superioridade europeia e inferioridade de outros povos não
europeus. Nesse século, o racismo aparece como um instrumento de
imperialismo que apresentava uma justificativa “natural” para a hegemonia
dos povos da Europa Ocidental sobre o resto do mundo. (PAIVA, 2018, p.
183).

Como vimos, os diálogos sobre o racismo e seus encaminhamentos já circulavam


desde séculos passados, revelando um processo histórico marcado por conflitos e luta de
classes, dentre tantas questões sociais que, por vezes, sistematizaram períodos racistas
historicamente reproduzidos.
Ainda nesse contexto, faz-se necessário sinalizar que, diante do cenário marcado por
debates sociais a respeito do racismo, há formas diferentes de abordagem sobre alguns conceitos
e concepções que versam sobre o tema, assim como apontado por Durkheim:

Se os conceitos fossem apenas ideias gerais, não enriqueceriam muito o


conhecimento, pois o geral, como já dissemos, não contém nada mais que o
particular. Mas, se eles são, antes de tudo, representações coletivas,
acrescentam àquilo que nossa experiência pessoal pode nos ensinar tudo que
a coletividade acumulou de sabedoria e de ciência ao longo dos séculos.
Pensar por conceitos não é simplesmente ver o real pelo lado mais geral: é
projetar sobre a sensação uma luz que a ilumina, a penetra e a transforma.
(DURKHEIM [1917], 2010, p. 175).
18

Além dessa concepção, é importante ressaltar que outros sociólogos também se


debruçaram sobre a discussão acerca das questões e conceitos de raça, como, por exemplo, os
estudos de Guimarães (2003), nos quais o autor nos aponta que é possível constatar que

[...] as raças são, cientificamente, uma construção social e devem ser estudadas
por um ramo próprio da sociologia ou das ciências sociais, que trata das
identidades sociais. Estamos, assim, no campo da cultura, e da cultura
simbólica. Podemos dizer que as ‘raças’ são efeitos de discursos; fazem parte
desses discursos sobre origem. As sociedades humanas constroem discursos
sobre suas origens e sobre a transmissão de essências entre gerações. Esse é o
terreno próprio às identidades sociais e o seu estudo trata desses discursos
sobre origem. Usando essa ideia, podemos dizer o seguinte: certos discursos
falam de essências que são basicamente traços fisionômicos e qualidades
morais e intelectuais; só nesse campo a ideia de raça faz sentido. O que são
raças para a sociologia, portanto? São discursos sobre as origens de um grupo,
que usam termos que remetem à transmissão de traços fisionômicos,
qualidades morais, intelectuais, psicológicas, etc., pelo sangue (conceito
fundamental para entender raças e certas essências) (GUIMARÃES, 2003, p.
96).

Sendo assim, pensando nos conceitos construídos coletiva e historicamente ao longo


da humanidade, nos debruçaremos sobre alguns termos que, embasados por discussões e
estudos de referenciais teóricos e por pesquisadores, contribuirão para a pesquisa aqui realizada.

1.2 Conceitos e concepções: o que eles nos dizem?

A discussão sobre as relações sociais e raciais no Brasil, por meio da definição de


conceitos e concepções, é marcada por um cenário bastante diverso, perpassado por questões
políticas e ideológicas, além de perspectivas culturais, econômicas, dentre outras.
Em suas pesquisas, Gomes aponta que o uso desses conceitos gera diversos
desentendimentos e afirma que, portanto,

Os termos e conceitos revelam não só a teorização sobre a temática racial, mas


também as diferentes interpretações que a sociedade brasileira e os atores
sociais realizam a respeito das relações raciais. Nesse contexto, é importante
destacar o papel dos movimentos sociais, em particular, do Movimento Negro,
os quais redefinem e redimensionam a questão social e racial na sociedade
brasileira, dando-lhe uma dimensão e interpretação políticas. Nesse processo,
os movimentos sociais cumprem uma importante tarefa não só de denúncia e
reinterpretação da realidade social e racial brasileira como, também, de
reeducação da população, dos meios políticos e acadêmicos. (GOMES, 2005,
p. 39).
19

Apresentaremos aqui os conceitos e termos com base nos estudos de pesquisadores


sobre o tema, alicerçados, ainda, no diálogo entre eles, estabelecendo discussões sobre os
diferentes pontos de vista, no sentido de contextualizá-los com a temática do racismo. Serão
apresentadas as seguintes definições: identidade, raça e racismo. Tais definições contribuirão
de maneira significativa para o desenvolvimento desta pesquisa, pois embasarão discussões
importantes acerca da temática racial refletida e presente em diversos espaços e contextos,
como, por exemplo, o escolar, que será abordado durante este trabalho.

1.2.1 Identidade e identidade negra

As concepções e teorias a respeito do termo identidade são inúmeras: desde as


características de aspecto pessoal até as mais complexas. No entanto, abordaremos aqui uma
definição sistematizada por Munanga, em que

A identidade é uma realidade sempre presente em todas as sociedades


humanas. Qualquer grupo humano, através do seu sistema axiológico sempre
selecionou alguns aspectos pertinentes de sua cultura para definir-se em
contraposição ao alheio. A definição de si (autodefinição) e a definição dos
outros (identidade atribuída) têm funções conhecidas: a defesa da unidade do
grupo, a proteção do território contra inimigos externos, as manipulações
ideológicas por interesses econômicos, políticos, psicológicos, etc.
(MUNANGA, 1994, p. 177-178).

Desse modo, ao pensarmos em identidade, ampliaremos essa definição ao


estabelecermos relações com a identidade negra. Para isso, nos pautamos em um processo
gradativo, no qual a identidade negra se constrói diante de uma realidade historicamente racista.
Refletir sobre esse processo nos coloca diante de um desafio: como a identidade negra é
entendida? Diante dessa questão, Gomes afirma que

A identidade negra é entendida, aqui, como uma construção social, histórica,


cultural e plural. Implica a construção do olhar de um grupo étnico/racial ou
de sujeitos que pertencem a um mesmo grupo étnico/racial, sobre si mesmos,
a partir da relação com o outro. Construir uma identidade negra positiva em
uma sociedade que, historicamente, ensina aos negros, desde muito cedo, que
para ser aceito é preciso negar-se a si mesmo é um desafio enfrentado pelos
negros e pelas negras brasileiros(as). (GOMES, 2005, p. 43).

Neste sentido, trazemos aqui trechos de um relato de Frantz Fanon (2008) na obra
“Pele negra, máscaras brancas”, publicado em 1952, em que o autor nos aponta uma realidade
social que, por vezes, pode ser vista nos dias atuais. Trata-se de um processo de descoberta
20

atravessado por processos sociais racistas e de invisibilidade e que implicam na construção de


uma identidade negra positiva:

Eu existia em triplo. Ocupava determinado lugar. Ia ao encontro do outro... e


o outro, evanescente, hostil, mas não opaco, transparente, ausente,
desaparecia. A náusea.... Eu era, ao mesmo tempo, responsável pelo meu
corpo, responsável pela minha raça, pelos meus ancestrais. Lancei sobre mim
um olhar objetivo e descobri a minha negridão, minhas características étnicas
e, então, detonaram o meu tímpano com a antropofagia, com o atraso mental,
o fetichismo, as taras raciais, os negreiros (FANON, 2008, p. 106).

Na obra de Fanon (2008), o autor nos convida a uma profunda reflexão a respeito da
violência dos processos de colonização e do racismo, e de como tais processos podem fazer que
a identidade negra seja negligenciada, dentre outras provocações que o livro apresenta.
Portanto, podemos afirmar que a construção de uma identidade negra é permeada por
questões sociais e políticas, dentre outras, e, para ampliar nossas discussões, trataremos agora
de alguns conceitos e definições sobre raça e racismo.

1.2.2 Raça e racismo

As discussões acerca dos termos raça e racismo não são novas e, portanto, geram uma
diversidade de entendimentos e definições, como, por exemplo, o conceito mais biológico
apresentado no século XIX. Ainda no contexto histórico do termo raça, Antônio Sérgio
Guimarães aborda em seu livro “Preconceito racial: modos, temas e tempos” um levantamento
sobre os registros sociais e definições de raça, como é possível ver neste trecho:

As pesquisas etnográficas dos anos 1950, no Brasil, preferiam falar de “raças


sociais”, ao invés de “raças históricas”. Tal terminologia assenta-se num fato
inconteste: se a ideia de raças humanas não tem realidade empírica, ou seja,
se as raças não existem na natureza, mas continuam a habitar o imaginário de
muitas sociedades humanas, é porque longe de serem simples superstições
exorcizáveis pelo esclarecimento, são construções sociais, que têm função e
realidade sociais. Assim sendo, os critérios pelos quais as raças são
percebidas, mudam de sociedade para sociedade, e até mesmo de época para
época (GUIMARÃES, 2008, p. 35).

Além disso, nos seus estudos, Guimarães (1999) aprofunda as discussões sobre o
conceito de raça, tratando de uma temática de estudos das Ciências Sociais e contrastando com
a ideia classificatória, voltando-se às questões que envolvem a realidade social atrelada à
dimensão de mundo. Diante dessas premissas, o autor afirma que
21

‘Raça’ é um conceito que não corresponde a nenhuma realidade natural. Trata-


se, ao contrário, de um conceito que se denota tão-somente uma forma de
classificação social, baseada numa atitude negativa frente a certos grupos
sociais, e informada por uma noção específica de natureza, como algo
endodeterminado. A realidade das raças limita-se, portanto, ao mundo social.
Mas, por mais que nos repugne a empulhação que o conceito de ‘raça’ permite
– ou seja, fazer passar por realidade natural, preconceitos, interesses e valores
sociais negativos e nefastos –, tal conceito tem uma realidade social plena, e
o combate ao comportamento social que ele enseja é impossível de ser travado
sem que se lhe reconheça a realidade social que só o ato de nomear permite
(GUIMARÃES, 1999, p. 09).

Sendo assim, ao nos referirmos à definição de raça, apesar da complexidade das


definições, entenderemos aqui como um processo de construção social, cultural e político,
determinando posições diferentes assumidas pelos diversos grupos sociais que, no contexto
brasileiro, não se categoriza no sentido biológico, mas sim no sentido cultural, social e político.
Em continuidade às discussões aqui apresentadas, faremos o levantamento de algumas
definições a respeito do termo racismo. Guimarães (2008, p. 11) nos aponta que “o racismo
surge, portanto, na cena política brasileira, como doutrina científica, quando se avizinha à
abolição da escravatura e, consequentemente, à igualdade política e formal entre todos os
brasileiros, e mesmo entre estes e os africanos escravizados”. Diante disso, Florestan
Fernandes1 (2013), retoma esse período histórico afirmando que “na verdade, a Abolição
constitui um episódio decisivo de uma revolução social feita pelo branco e para o branco”,
legitimando esse movimento racista, sistematizado a partir dessas premissas históricas.
Kabengele Munanga, ao definir o racismo, nos aponta que,

Por razões lógicas e ideológicas, o racismo é geralmente abordado a partir da


raça, dentro da extrema variedade das possíveis relações existentes entre as
duas noções. Com efeito, com base nas relações entre “raça” e “racismo”, o
racismo seria teoricamente uma ideologia essencialista que postula a divisão
da humanidade em grandes grupos chamados raças contrastadas que têm
características físicas hereditárias comuns, sendo estas últimas suportes das
características psicológicas, morais, intelectuais e estéticas e se situam numa
escala de valores desiguais. Visto deste ponto de vista, o racismo é uma crença
na existência das raças naturalmente hierarquizadas pela relação intrínseca
entre o físico e o moral, o físico e o intelecto, o físico e o cultural. O racista
cria a raça no sentido sociológico, ou seja, a raça no imaginário do racista não
é exclusivamente um grupo definido pelos traços físicos. A raça na cabeça
dele é um grupo social com traços culturais, linguísticos, religiosos, etc. que
ele considera naturalmente inferiores ao grupo a qual ele pertence. De outro
modo, o racismo é essa tendência que consiste em considerar que as
características intelectuais e morais de um dado grupo, são consequências
diretas de suas características físicas ou biológicas. (MUNANGA, 2003, p. 8).

1
Veremos mais sobre os estudos de Florestan Fernandes durante o capítulo.
22

As definições apresentadas por Munanga (2003) disparam reflexões importantes sobre


o racismo e, segundo o próprio autor, é necessário que as discussões sejam pautadas em
questões sociais pois “o uso generalizado do racismo pode constituir uma armadilha ideológica,
na medida em que pode levar à banalização dos efeitos do racismo, ou seja, a um esvaziamento
da importância ou da gravidade dos efeitos nefastos do racismo no mundo (p. 10)”. Vale
lembrar que os pressupostos elencados por Munanga abarcam questões carregadas de vivências
e experiências cotidianas, uma vez que a partir da sua negritude, o autor se debruçou sobre as
temáticas que envolvem as relações raciais que evidenciam o negro como sujeito dessas
relações e não como objeto dos estudos.
Ainda no que tange ao racismo, Gomes (2008, p. 52) afirma que

O racismo é, por um lado, um comportamento, uma ação resultante da aversão,


por vezes, do ódio, em relação a pessoas que possuem um pertencimento racial
observável por meio de sinais, tais como: cor da pele, tipo de cabelo, etc. Ele
é por outro lado um conjunto de ideias e imagens referente aos grupos
humanos que acreditam na existência de raças superiores e inferiores. O
racismo também resulta da vontade de se impor uma verdade ou uma crença
particular como única e verdadeira. (GOMES, 2008, p. 52).

No fim da década de 1970, Hasenbalg (1979, p. 114) traz uma definição para o racismo
permitindo um enfoque maior nas desigualdades sociais, na estrutura de classes e nas diversas
hierarquias sociais: “o racismo, como construção ideológica incorporada em e realizada através
de um conjunto de práticas materiais de discriminação racial, é o determinante primário da
posição dos não-brancos nas relações de produção e distribuição”.
Como já visto, muitas podem ser as definições de racismo. Portanto, visando a dialogar
com os estudos mais recentes relativos ao tema, nos debruçaremos agora sobre a pesquisa
realizada por Almeida (2019) e descrita na obra “Racismo Estrutural”. Em seus estudos, o
citado autor classifica o racismo em três concepções: individualista, institucional e estrutural,
as quais são assim descritas:

Concepção individualista: O racismo, segundo essa concepção, é concebido


como uma espécie de “patologia” ou anormalidade. Seria um fenômeno ético
ou psicológico de caráter individual ou coletivo, atribuído a grupos isolados;
ou ainda, seria o racismo uma “irracionalidade” a ser combatida no campo
jurídico por meio de aplicações de sanções civis – indenizações por exemplo
– ou penais. [...]
Concepção institucional: Sob esta perspectiva, o racismo não se resume a
comportamentos individuais, mas é tratado como o resultado de um
funcionamento das instituições, que passam a atuar em uma dinâmica que
confere, ainda que indiretamente, desvantagens e privilégios com base na raça.
[...]
23

Concepção estrutural: Em resumo: o racismo é uma decorrência da própria


estrutura social, ou seja, de modo “normal” com que se constituem as relações
políticas, econômicas, jurídicas e até familiares, não sendo uma patologia
social e nem um desarranjo institucional. O racismo é estrutural (ALMEIDA,
2009, p. 35-47. Grifo nosso).

Nessa última concepção, o pesquisador define outros conceitos embasados pela


definição do racismo estrutural, desdobrando-os em dois processos: político e histórico.
Político, porque na sociedade há uma sistematização da discriminação que perpassa algumas
dimensões, tais como: institucional, tendo o Estado como o centro das relações políticas da
sociedade contemporânea; e ideológica, apresentando um imaginário social de unificação
ideológica, cuja criação e recriação será papel do Estado e de outras instituições. Já na definição
do racismo enquanto processo histórico, observamos que a sistematização de sua estrutura
estabelece ligações com as especificidades das diversas formações sociais e que, nesse sentido,
apresenta trajetória marcada pelos fatos e episódios históricos (ALMEIDA, 2009).
Ainda sobre o racismo, faz-se necessário apresentarmos aqui os marcos legais e
jurídicos que versam sobre os crimes de preconceito de raça e cor e também sobre a injúria
racial. No cenário brasileiro, temos a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, que define os crimes
resultantes de preconceito de raça ou de cor, e o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de
1940, o Código Penal Brasileiro, que, no artigo 40, trata das questões relacionadas à injúria:

Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de


discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência
nacional. (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97). (BRASIL, 1997, p.
1).

§ 3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor,


etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de
deficiência:(Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003). Pena - reclusão de
um a três anos e multa. (Incluído pela Lei nº 9.459, de 1997)”. (BRASIL,
1940).

A partir da legislação aqui mencionada, ressaltamos a importância de endossá-las e


legitimá-las, pois, pautadas em premissas legais e jurídicas, as questões que abarcam práticas
racistas historicamente enraizadas na sociedade brasileira podem sair de um senso comum,
naturalizado e marcado por negacionismos, para reflexões e ações concretas no combate ao
racismo.
Dando continuidade à discussão acerca dos conceitos anteriormente explicitados, a
seguir trataremos de aspectos relacionados a preconceito e democracia racial e também de um
24

mito historicamente construído e, por vezes, cultuado na sociedade contemporânea: o mito da


democracia racial.

1.3 O mito da democracia racial: os estudos de Gilberto Freyre e Florestan Fernandes

Como vimos, o debate a respeito da temática racial no Brasil não é novo. Porém, é
fundamental refletirmos sobre ela no âmbito acadêmico e, sobretudo, nos diversos estudos e
debates sociais. Com o objetivo de potencializar nossas discussões, traremos aqui dois
pesquisadores: Gilberto Freyre e Florestan Fernandes. Partindo de visões antagônicas sobre a
formação da sociedade brasileira, estabeleceremos um debate sobre as questões raciais
evidenciadas e teorizadas por ambos.
De início, tomamos como base a concepção apresentada por Domingues (2003/2004,
p. 116), em que “democracia racial, a rigor, significa um sistema racial desprovido de qualquer
barreira legal ou institucional para a igualdade racial, e, em certa medida, um sistema racial
desprovido de qualquer manifestação de preconceito ou discriminação”. Ainda nesse contexto,
Nascimento nos aponta de que maneira o conceito da democracia racial surgiu no país:

[...] erigiu-se no Brasil o conceito de democracia racial; segundo esta, pretos


e brancos convivem harmoniosamente, desfrutando iguais oportunidades de
existência. (...) A existência dessa pretendida igualdade racial constitui o
‘maior motivo de orgulho nacional’ (...). No entanto, “devemos compreender
democracia racial como significando a metáfora perfeita para designar o
racismo estilo brasileiro: não tão óbvio como o racismo dos Estados Unidos e
nem legalizado qual o apartheid da África do Sul, mas eficazmente
institucionalizado nos níveis oficiais de governo assim como difuso no tecido
social, psicológico, econômico, político e cultural da sociedade do país.
(NASCIMENTO, 2016, p. 92).

À luz dessas concepções, um dos mitos de origem da formação do povo brasileiro


foram desenvolvidos nos estudos de Gilberto Freyre. Em “Casa-grande e senzala”, publicado
em 1933, o autor explicita de maneira ideológica a transição da supremacia branca do século
XIX para a suposta democracia racial defendida pelo autor. Freyre também pretendeu
demonstrar que o processo de miscigenação foi algo peculiar do povo brasileiro, trazendo à
tona aspectos que a tornaram positiva. Além disso, é possível notar que sua teoria estabeleceu
diálogos com autores deterministas geográficos e raciais, os quais categorizavam malefícios à
sociedade brasileira pela mistura de raças (PAIVA, 2015).
Domingues contextualiza a origem do mito da democracia racial:
25

Mas, afinal, como surgiu o mito da democracia racial? As ideologias são


imagens invertidas do mundo real e as relações sociais de dominação as
produzem para ocultar os mecanismos de opressão. Assim, o mito da
democracia racial era uma distorção do padrão das relações raciais no Brasil,
construído ideologicamente por uma elite considerada branca, intencional ou
involuntariamente, para maquiar a opressiva realidade de desigualdade entre
negros e brancos. Havia, no Brasil, os elementos para a fabricação ideológica
do mito da democracia racial. Desde o período colonial, passando pela época
do Império, a classe dominante foi treinada a ver os negros como seres
inferiores, mas, simultaneamente, aprendeu a abrir exceções para alguns
indivíduos negros e mulatos. O espaço na sociedade para o negro era cedido
desde que não se colocasse em risco o domínio da “raça branca”. Contudo, o
mito da democracia racial inverteu o eixo da questão: transformou a exceção
em regra; o particular em universal; casos isolados em generalizações.
Aproveitaram-se os raros exemplos de negros e “mulatos” que se projetaram
socialmente e os adotaram como modelo do sistema racial. (DOMINGUES,
2004, p. 278-279).

Freyre evidencia e, de certo modo, quase legitima a existência do mito da democracia


racial, oferecendo um novo modelo para a sociedade multirracial do país, invertendo o antigo
pessimismo e introduzindo os estudos culturalistas como alternativas de análise e, de certa
maneira, estetizando a democracia racial brasileira: somos todos mulatos (SCHWARCZ, 2012).
A obra de Freyre ainda endossa um racismo velado na sociedade brasileira em que,
segundo Munanga (2003),

O racismo brasileiro na sua estratégia age sem demonstrar a sua rigidez, não
aparece à luz; é ambíguo, meloso, pegajoso, mas altamente eficiente em seus
objetivos. Essa ideologia é difundida no tecido social como um todo e
influencia o comportamento de todos – de todas as camadas sociais, até
mesmo as próprias vítimas da discriminação racial. Discutir a questão da
pluralidade étnica, e em especial da sua representação nas instituições públicas
e nas demais instituições deste país, ainda é visto como um tabu na cabeça de
muitas pessoas, pois é contraditória à ideia de que somos um país de
democracia racial (MUNANGA, 2003, p. 215).

Ainda em um culto a uma “mistura bem-feita e original” pautada em uma cultura


homogênea, apesar de raças tão diversas (SCHWARCZ, 2012), vejamos um trecho do poema
de Manuel Bandeira (1993), que exalta o trabalho descrito da obra de Freyre: “Livro que à
ciência alia / A profunda poesia / Que o passado evoca / E nos toca / A alma do brasileiro / Que
o portuga femeeiro / Fez e o mau fado quis / Infeliz!”.
26

Neste viés literário, apresentaremos um poema do escritor Cuti2, publicado no livro


“Poemas da Carapinha” no ano de 1978 que desconstrói essa ideia de que no Brasil vivemos
uma democracia racial:

Sou negro
Negro sou sem mas ou reticências
Negro e pronto!
Negro pronto contra o preconceito branco
O relacionamento manco
Negro no ódio com que retranco
Negro no meu riso branco
Negro no meu pranto
Negro e pronto!
Beiço
Pixaim
Abas largas meu nariz
Tudo isso sim
- Negro e pronto!
- Batuca em mim
Meu rosto
Belo contra o novo imposto
E não me prego em ser preto
Negro pronto
Contra tudo o que costuma me pintar de sujo
Ou que tenta me pintar de branco
Sim
Negro dentro e fora
Ritmo – sangue sem regra feita
Grito – negro – força
Contra grades contra forcas
Negro pronto
Negro e pronto. (CUTI, p.9).

Os versos de Cuti nos revelam um outro olhar sobre as questões raciais apresentando
um processo de desconstrução de representações negativas e estereotipadas, além de afirmar e
valorizar a identidade negra combatendo imagens cristalizadas e inferiorizadas sobre a
negritude. O poema soa como um grito de resistência, identidade e de empoderamento negro
contrastando com a ideia apresentada por Manuel Bandeira, principalmente no que diz respeito
“à alma do brasileiro” e à veneração de uma democracia racial mitológica.
Para continuar nossas discussões, traremos outra perspectiva: as contribuições e
estudos do sociólogo Florestan Fernandes3 (2013). Em sua obra, Fernandes sinaliza aspectos

2
Cuti é pseudônimo de Luiz Silva. Nasceu em Ourinhos-SP, a 31.10.51. Formou-se em Letras (Português-Francês)
na Universidade de São Paulo, em 1980. Mestre em Teoria da Literatura e Doutor em Literatura Brasileira pelo
Instituto de Estudos da Linguagem – Unicamp (1999/2005). Foi um dos fundadores e membro do Quilombhoje-
Literatura, de 1983 a 1994, e um dos criadores e mantenedores da série Cadernos Negros, de 1978 a 1993.
3
Doutor em Sociologia pela USP, foi professor da mesma instituição na década de 1960.
27

que, de certa maneira, desmistificam o mito da democracia racial, como pode ser visto no livro
“O negro no mundo dos brancos”, o autor afirma que:

A ideia de que existiria uma democracia racial no Brasil vem sendo fomentada
há muito tempo. No fundo, ela constitui uma distorção criada no mundo
colonial, como contraparte da inclusão de mestiços no núcleo legal das
“grandes famílias” – ou seja, como reação a mecanismos efetivos de ascensão
social do “mulato”. O fundamento pecuniário da escravidão e certos efeitos
severamente proscritos, mas incontornáveis da miscigenação, contribuíram
para que se operasse uma espécie de mobilidade social vertical por infiltração,
graças à qual a composição dos estratos raciais dominantes teve de adquirir
certa elasticidade. No entanto, mau grado a extensa variabilidade do fenômeno
ao longo do tempo e do espaço, tomou-se a miscigenação como índice de
integração social e como sintoma, ao mesmo tempo, de fusão e de igualdade
raciais (FERNANDES, 2013, p. 43-44).

Na obra “A integração do negro na sociedade de classes”, Fernandes (1978) nos aponta


que a ordem social e o sistema capitalista exigiam um indivíduo idealizado e que esse perfil não
correspondia ao negro, sobretudo ao marginalizado. Além disso, o autor ressalta o abandono do
negro após a abolição ao afirmar que a Abolição constitui um episódio decisivo de uma
revolução social feita pelo branco e para o branco. Neste mesmo contexto e partindo dos estudos
de Fernandes, Paiva afirma que

a democracia racial trazia um ideal falso: o imaginário de que o negro não


passava por problemas no Brasil; em segundo, a não existência de distinção
racial na sociedade brasileira; em terceiro, a ideia de que o prestígio social e
de poder foram indistintos e igualmente acessíveis a todos, sobretudo em São
Paulo; quarto, a noção de que o negro estaria satisfeito com a sua condição e
estilo de vida e, por último, a ausência de justiça social com referência ao
negro excetuando-se que foi resolvido pela revogação do estatuto servil e pela
universalização da cidadania. (PAIVA, 2015, p. 186-187).

No contexto brasileiro, muitos pesquisadores estabeleceram diálogo com os estudos e


com a obra de Florestan Fernandes, como, por exemplo, Lilia Moritz Schwarcz (2012), cujo
livro “Nem preto, nem branco, muito pelo contrário” evidencia um dos aspectos levantados por
Florestan em relação ao mito da democracia racial e suas implicações no cenário brasileiro atual
a partir de dados estatísticos:

[...] Florestan Fernandes diagnosticava a existência de um racismo


dissimulado e assistemático, percebido a partir dos dados estatísticos. Nos
resultados do censo de 1950, o sociólogo encontrava não só diferenças
regionais (com uma grande maioria de negros e mulatos no Nordeste) como
concentrações raciais de privilégios econômicos, sociais e culturais. O
conjunto das pesquisas apontava, portanto, para novas facetas da
‘miscigenação brasileira’. Sobrevivia como legado histórico um sistema
28

enraizado de hierarquização social que introduzia gradações de prestígio com


base em critérios como classe social, educação formal, localização regional,
gênero e origem familiar e em todo um carrefour de cores e tons. Quase como
uma referência nativa, o “preconceito de cor” fazia as vezes das raças,
tornando ainda mais escorregadios os argumentos e mecanismos de
compreensão da discriminação. Chamado por Fernandes de ‘metamorfose do
escravo’ o processo brasileiro de exclusão social desenvolveu-se a ponto de
empregar termos como preto ou negro — que formalmente remetem à cor da
pele — em lugar da noção de classe subalterna, um movimento que com
frequência apaga o conflito e a diferença (SCHWARCZ, 2012, p. 72).

Fica evidente que os estudos de Florestan Fernandes foram fundamentais para que o
mito da democracia racial, sustentado até então, pudesse ser analisado à luz de uma sociedade
atual racista que por vezes naturaliza as práticas de preconceito racial e que, “[...] pode ser uma
cruel mistificação da desigualdade, da intolerância, do preconceito, do etnicismo ou do racismo
como ‘argamassas’ da ordem social vigente, da lei e da ordem [...] (IANNI, 2004, p. 25).
Ainda sobre o mito da democracia racial e sua presença naturalizada na realidade
contemporânea, Munanga, em uma entrevista para o Portal Geledes no ano de 2016, afirma que,

Esse mito (da democracia racial) já faz parte da educação do brasileiro. E esse
mito, apesar de desmistificado pela ciência, a inércia desse mito ainda é forte
e qualquer brasileiro se vê através desse mito. Se você pegar um brasileiro até
em flagrante em um comportamento racista e preconceituoso, ele nega. É
capaz dele dizer que o problema está na cabeça da vítima que é complexada,
e ele não é racista. Isso tem a ver com as características históricas que o nosso
racismo assumiu, um racismo que se constrói pela negação do próprio
racismo”. (MUNANGA, 2016, p.1).

Diante dessas discussões, apresentaremos a seguir um registro histórico que ilustra de


maneira significativa o mito de uma democracia racial, sobretudo na sociedade brasileira. A
publicação abaixo refere-se à capa do periódico Jornal do Brasil4, edição nº 00240, de 04 de
dezembro de 1988. Uma das matérias da capa traz o seguinte título: O “apartheid” vertical.

4
O Jornal do Brasil é um tradicional jornal brasileiro, editado na cidade do Rio de Janeiro, capital do estado
homônimo. Foi fundado em 1891 pelo jornalista Rodolfo Epifânio de Sousa Dantas e, atualmente, pertence ao
empresário Omar Resende Peres Filho.
29

Figura 1 - Capa do Jornal do Brasil, 04 de dezembro de 19885

Fonte: Biblioteca Nacional

Como descrito acima, esse trecho nos revela de maneira pontual os reflexos de uma
sociedade brasileira racista que, por vezes, naturaliza as relações e práticas discriminatórias.
Cenas como essa configuram uma realidade imersa pelo mito da democracia racial que se faz
presente na contemporaneidade. Na mesma edição, é possível ver que a manchete do Caderno
B faz referência à obra “Casa-Grande e Senzala”, de Gilberto Freyre, publicada em 1933 e que,
como já vimos aqui, tratava da formação do povo brasileiro em um viés “democraticamente
racial”.

5
Legenda: O “apartheid” vertical: À primeira vista, trata-se do engenho mais inofensivo do mundo. No Brasil, no
entanto, o elevador, em princípio um agente do progresso e do conforto, transformou-se num instrumento de
discriminação social e racial. Ao se adotar a divisão entre elevador “social” e “de serviço”, e ao confinar-se ao
segundo as empregadas domésticas e outros serviçais, legalizou-se no país um apartheid que não existe nem na
África do Sul. No prédio 117 da Rua Dona Mariana, em Botafogo, na Zona Sul do Rio, há uma aberração. Ali,
onde há um só elevador, moradores antigos dividiram-se em dois, improvisando uma porta no meio – de forma
que, mesmo que a viagem seja a mesma os patrões não tenham de encarar os empregados durante o percurso.
30

Figura 2 - Capa do Caderno B – Jornal do Brasil6

Fonte: Biblioteca Nacional

6
Legenda: Manchete do Caderno B, Jornal do Brasil, 04 de dezembro de 1988.
31

As matérias publicadas nesse caderno versam sobre a instalação de elevadores em


condomínios nobres do Rio de Janeiro e a segregação dos chamados elevadores de serviço, aos
quais empregadas domésticas (na sua maioria negras) e demais funcionários teriam acesso.
Dentre os textos, um dos que mais chamam atenção intitula-se O Apartheid Vertical
estabelecendo relações entre o fato histórico e a verticalização dos elevadores, mas também
uma relação verticalizada entre moradores e funcionários, brancos e negros, perpassando pelos
conceitos de superioridade e inferioridade tão legitimados nesses contextos sociais.
Outro detalhe que demonstra um cenário marcado por uma falsa democracia racial
pode ser encontrado no seguinte trecho da matéria: “o elevador de serviço é a senzala móvel do
Brasil deste final de século XX”. A legenda da foto abaixo também elucida as relações
hierárquicas carregadas de preconceito.

Figura 3 - Foto publicada no Jornal do Brasil, Caderno B7

Fonte: Biblioteca Nacional

7
Legenda: Uma portaria típica: seu direito começa quando o meu tapete acaba.
32

Na imagem podemos ver de maneira explícita a segregação entre dois elevadores: o


“social” e de “serviço”. No último, uma mulher negra aguarda o “seu” elevador enquanto um
outro está disponível, mas não pode ser usado devido às normas do condomínios cariocas na
época. Nesta imagem temos a evidência de um racismo velado, trazendo marcas de um processo
naturalizado embasado pelo mito da democracia racial.
Fica evidente que os estudos de Florestan Fernandes e as premissas elencadas por
Gilberto Freyre carregam em seu bojo posições antagônicas e que nos colocam diante de uma
análise dos contextos sociais, além dos discursos de uma sociedade democraticamente racial.
Ademais, os estudos de Fernandes em diálogo com as imagens e excertos jornalísticos
anteriormente apresentados ressaltam que o “mito da democracia racial surgiu como um legado
da escravidão, um falseamento da realidade, que implicou o desenraizamento dessa população,
que carregaria consigo pesadas marcas históricas” (SCHWARCZ, 2013, p. 20).
No que tange à leitura das imagens apresentadas acima, trazemos ainda as
contribuições de Schwarcz (2015) para este trabalho. No seu livro “As barbas do imperador: D.
Pedro, um monarca dos trópicos”, a autora faz uma análise criteriosa de imagens e as relaciona
com os diversos períodos históricos, visando contextualizá-los. Portanto, quando realizamos
uma breve análise das imagens publicadas no Jornal do Brasil, retomamos esse movimento
metodológico da pesquisadora apresentado pela seguinte reflexão:

[...] penso que é chegada a boa hora de “lermos imagens” em sentido paralelo
ao que destrinchamos um documento amarrotado, um texto clássico, um
documento cartorial, uma notícia de jornal [...] além de vasculhar usos de
imagens não como ilustrações, mas como documentos que, assim como os
demais, constroem modelos e concepções. Não como reflexo, mas como
produção de representações, costumes, percepções, e não como imagens fixas
e presas a determinados temas ou contextos, mas como elementos que
circulam, interpelam, negociam (SCHWARCZ, 2014, p. 391).

Ainda nesta perspectiva, Schwarcz (2015) reforça a ideia da relação entre texto e
imagem perpassando por questões éticas, das relações de poder e do conhecimento,
corroborando a pesquisa de Mitchell (2009), segundo a qual deve-se fornecer uma teoria à
imagem, uma vez que ela se comporta como uma instância privilegiada de formação de
representações, entendendo-se representação como processo e relação, além de um sistema de
transferência de valores e intercâmbios, cultura política, realidades pragmáticas e imaginários
utópicos (MITCHELL, 2009).
São essas relações que buscamos evidenciar, por meio da breve análise das imagens,
aqui expostas e referenciadas. Ressaltamos, porém, que, de acordo com Schwarcz,
33

Há qualquer coisa de previsível, mas também de misterioso no ato de analisar


imagens. Por um lado, tudo parece fácil, já que não há quem não possa ‘ver’
e assim admirar uma obra de arte. Mas da mesma maneira como se deixam
compreender de imediato, essas mesmas obras carregam lá seus segredos,
genealogias e historicidades que pedem calma e cuidado: mais do que apenas
‘olhar’, quem sabe seja bom começar a ‘ler’ imagens. (SCHWARCZ, 20014,
p. 423).

As imagens até aqui apresentadas nos revelam processos históricos ainda presentes no
nosso cotidiano; são imagens repletas de camadas: sociais, histórias, políticas e que sinalizam
a necessidade de ações de combate ao racismo cada vez mais presentes e sólidas no cenário
brasileiro. Fazer a leitura dessas imagens nos (re)posiciona diante de práticas racistas e
cristalizadas nas diversas esferas sociais, projetando-nos para um trabalho árduo de
descolonização.
Neste sentido, a pesquisadora Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva (2015) reforça as
marcas histórias e os desafios impostos diante desse processo de descolonização. Segundo a
autora,

Passo importante, nesse sentido, é deixar de admitir que a história do Brasil


continue sendo escrita no singular, ou a partir unicamente de uma visão
eurocêntrica. As histórias e culturas que constituem o povo brasileiro têm de
ser igualmente valorizadas, estudadas do ponto de vista de suas raízes
indígenas, africanas, asiáticas, europeias. E certamente esse é um esforço
complexo, exige desconstruir ideias preconcebidas, abolir atitudes
desrespeitosas, aprender a respeitar, compreender e articular distintos pontos
de vista, visões de mundo, experiências de vida, construções de
espiritualidade, de pertencimentos étnico-raciais. (SILVA, 2015, p. 170).

Por fim, evidencia-se que as questões raciais são diversas e carregam vestígios de
colonização, os quais nos colocam diante de um cenário que, por séculos, legitima e naturaliza
o racismo, insistindo em neutralizar os processos históricos que revelam práticas racistas que,
desde séculos passados, ocupam o imaginário brasileiro perdurando ainda em pleno século XXI.
Tais marcas podem ser vistas nas diversas esferas sociais, sobretudo no contexto escolar, tópico
que trataremos a seguir, no sentido de estabelecer relações com as práticas educativas e o
racismo no discurso escolar.

1.4 O racismo e o contexto escolar: um cenário de desafios e possibilidades

As narrativas e discussões elencadas até aqui sinalizaram que o debate sobre o racismo
nos diversos contextos sociais nos coloca diante de um cenário marcado por fatos históricos
34

que, por vezes, legitimou as práticas racistas e a herança colonizadora que ainda se faz presente
no cotidiano. Nesse sentido, estabeleceremos um diálogo com as relações em que o racismo se
configura e se legitima no contexto escolar por meio de práticas enraizadas e naturalizadas nos
espaços escolares.
Silva (2015) já sinaliza que, ao pensarmos nos espaços escolares e nas ações de
combate ao racismo,

Há, pois, que se construir linguagem de combate a preconceitos contra os


afrodescendentes e contra todos os que são agredidos, prejudicados por
discriminações. Há que se elaborar e avaliar procedimentos e materiais de
ensino que valorizem as diferenças presentes nas comunidades escolares,
entre elas, sem as minimizar outras, as étnico-raciais. Há que fazer, das
escolas, lugares de fortalecimento de identidades étnico-raciais, o que exige
busca de novas pedagogias. (SILVA, 2015, p. 174).

Nesta busca de novas pedagogias, Silva também aponta algumas ações que precisam
ser potencializadas nos contextos educacionais e o papel que deve ser assumido pelos docentes
nestes espaços:

Valorizar e criar condições para que estudantes negras e negros fortaleçam


sua negritude e os demais reconheçam e respeitem as contribuições, para a
nação brasileira, dos africanos e seus descendentes, sem deixar de valorizar,
é claro, as dos povos indígenas, assim como dos europeus, dos asiáticos e
seus descendentes, é tarefa central da ação de docentes em todos os níveis de
ensino, nos diferentes componentes e matérias curriculares. Trata-se de
complexa tarefa que incide, obviamente, na identidade profissional dos
docentes. (SILVA, 2015, p. 175).

Ao longo dos anos, a escola tem sido um espaço marcado por diversas transformações
e que, nesse sentido, tentam estabelecer diálogos com as mudanças presentes na sociedade.
Diante desse pressuposto, é preciso considerar que, ao mesmo tempo em que as mudanças
sociais acontecem, os sujeitos que nela atuam deparam-se com desafios cada vez mais latentes
quanto à função social da escola.
Portanto, é possível elencar que a escola tem, dentre tantas outras, a função de
socializar os conhecimentos historicamente acumulados, possibilitando que os sujeitos
envolvidos os relacionem com o contexto social em que estão inseridos e, a partir disso, sejam
capazes de fazer melhores escolhas, além de contribuir ativamente na formação de cidadãos
autônomos e críticos, que saibam se posicionar diante das fragilidades e potencialidades que os
cercam e, assim, tomar decisões mais assertivas.
35

Diante dessas premissas, Paiva (2015, p. 187) também sinaliza que “a sociedade parece
trazer, a partir do silêncio e da negação, ações constantes no cotidiano escolar, que não devem
passar desapercebidas”. Os cenários e espaços educacionais são carregados de vivências que
reforçam a negligência das temáticas raciais no contexto escolar. Ainda nesse sentido, Gomes
(2005, p. 147-148) explicita em seus estudos que não podemos nos eximir do desafio de trazer
à tona as discussões sobre o racismo e as práticas escolares, uma vez que

[...] o racismo está presente na escola brasileira. Esse é um ponto importante


porque rompe com a hipocrisia da nossa sociedade diante da população negra
e mestiça desse país e exige um posicionamento dos(as) educadores(as). Essa
constatação também contribui para desmascarar a ambiguidade do racismo
brasileiro que se manifesta através do histórico movimento de
afirmação/negação. No Brasil, o racismo ainda é insistentemente negado no
discurso do brasileiro, mas se mantém presente nos sistemas de valores que
regem o comportamento da nossa sociedade, expressando-se através das mais
diversas práticas sociais (GOMES, 2005, p. 147-148).

Gomes (2005, p. 146) ainda reforça que, diante do racismo brasileiro ora velado, ora
explícito nos diversos contextos e práticas sociais, também se faz necessário um olhar atento
para o discurso de alguns educadores no sentido de que, segundo a pesquisadora,

Ainda encontramos muitos(as) educadores(as) que pensam que discutir sobre


relações raciais não é tarefa da educação. É um dever dos militantes políticos,
dos sociólogos e antropólogos. Tal argumento demonstra uma total
incompreensão sobre a formação histórica e cultural da sociedade brasileira.
E, ainda mais, essa afirmação traz de maneira implícita a ideia de que não é
da competência da escola discutir sobre temáticas que fazem parte do nosso
complexo processo de formação humana. Demonstra, também, a crença de
que a função da escola está reduzida à transmissão dos conteúdos
historicamente acumulados, como se estes pudessem ser trabalhados de
maneira desvinculada da realidade social brasileira. (GOMES, 2005, p. 146).

Gomes aponta uma realidade ainda presente no cenário educacional brasileiro, o que
também está ligado aos processos formativos docentes que, ao tratarem das questões raciais,
banalizam os conteúdos, diminuem e restringem os processos e marços históricos do povo negro
a simples datas comemorativas, como, por exemplo, o dia 13 de maio (“abolição”), reforçando
assim o apagamento da história e cultura africana reduzindo-as a episódios superficiais e que
por vezes carregam significados equivocados e que não possibilitam reflexões e construção de
conhecimentos.
Os apontamentos realizados a respeito do discurso docente sobre o racismo e as
práticas escolares também nos colocam diante dos estudos realizados por Munanga (2005, p.
11), uma vez que, segundo o pesquisador,
36

O racismo é tão profundamente radicado no tecido social e na cultura de nossa


sociedade que todo repensar da cidadania precisa incorporar os desafios
sistemáticos à prática do racismo. Neste sentido, a discussão sobre os direitos
sociais ou coletivos no sistema legal e por extensão no sistema escolar é
importantíssima. (MUNANGA, 2005, p. 11).

Munanga (2005) afirma que se faz necessária uma reflexão sobre os direitos sociais ou
coletivos nos espaços escolares à luz dos desafios no combate ao racismo. Neste sentido,
ressaltamos a luta do Movimento Negro, em que, para Domingues (2007), pode ser entendido
como:

[..] a luta dos negros na perspectiva de resolver seus problemas na sociedade


abrangente, em particular os provenientes dos preconceitos e das
discriminações raciais, que os marginalizam no mercado de trabalho, no
sistema educacional, político, social e cultural. Para o movimento negro, a
"raça", e, por conseguinte, a identidade racial, é utilizada não só como
elemento de mobilização, mas também de mediação das reivindicações
políticas. Em outras palavras, para o movimento negro, a "raça" é o fator
determinante de organização dos negros em torno de um projeto comum de
ação. (DOMINGUES, 2007, p. 102).

Partindo deste entendimento sobre o Movimento Negro, destacamos que a sua atuação
também esteve presente em discussões importantes da política e esfera educacional. Gomes
(2018, p. 31) afirma que desde o início do século XX, as organizações negras já reivindicavam
a inclusão dos negros na escola pública como recurso argumentativo nos debates educacionais
de 1940 a 1960. Ainda segundo a autora,

É possível dizer que até a década de 1980 a luta do Movimento Negro, no que
se refere ao acesso à educação, possuía um discurso mais universalista. Porém,
à medida que este movimento foi constatando que as políticas públicas de
educação, de caráter universal, ao serem implementadas, não atendiam à
grande massa da população negra, o seu discurso e as suas reinvindicações
começaram a mudar. Foi nesse momento que as ações afirmativas, que já não
eram uma discussão estranha ao interior da militância, emergiram como uma
possibilidade e passaram a ser uma demanda real e radical [...]. (GOMES,
2018, p. 33).

A luta do Movimento Negro também esteve presente em diversas outras pesquisas,


como, por exemplo, no trabalho de Araújo (2015), em que a autora aponta que,

Diversas ações, em nível nacional e internacional (como a Marcha Zumbi dos


Palmares, em Brasília, em 1995, e a 3 a Conferência Mundial contra o
Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas Correlatas de
Intolerância, promovida pela Organização das Nações Unidas, em Durban –
África do Sul, em 2001) passaram a fortalecer no seio das entidades do
Movimento Negro um consenso sobre a necessidade da adoção de políticas
37

afirmativas como única maneira de lidar com as desigualdades raciais que se


mantinham nas políticas universalistas. (ARAÚJO, 2015, p. 64).

Vimos então que, a partir dos estudos de Gomes (2018) e Araújo (2015), a atuação do
Movimento Negro foi um fator importante para a discussão de políticas públicas educacionais
e, portanto, para elucidar as relações entre o racismo e contexto escolar.
Veremos agora os dados estatísticos que revelam informações a respeito das questões
raciais presentes na escola e as pesquisas sobre a temática. Porém, vale lembrar que, segundo
Fazzi8 (2012), “os estudos sobre o preconceito racial entre crianças no Brasil se relacionam com
a discussão da escola enquanto um mecanismo de diferenciação social e reprodutora do
preconceito” e, por isso, à luz destes dados, ampliaremos nossas discussões e seus reflexos no
contexto escolar.

1.5 Dados estatísticos brasileiros: o que eles nos revelam?

Ao abordarmos as questões raciais no contexto escolar brasileiro, nos colocamos


diante de uma necessária análise dos dados estatísticos levantados por órgãos e instituições
oficiais que mapeiam e sistematizam essas informações.
No material produzido em 2018 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), intitulado Desigualdades Sociais por Cor ou por Raça no Brasil, são descritos e
apresentadores indicadores sociais importantes, como pode ser visto no seguinte trecho:

O combate às desigualdades sociais no Brasil tem sido objeto de estudiosos e


formuladores de políticas públicas envolvidos no diagnóstico e na execução
de medidas para sua redução. Entre as formas de manifestação dessas
desigualdades, a por cor ou raça ocupa espaço central nesse debate, pois
envolve aspectos relacionados às características do processo de
desenvolvimento brasileiro, que produziu importantes clivagens ao longo da
história do País. Como consequência, há maiores níveis de vulnerabilidade
econômica e social nas populações de cor ou raça preta, parda e indígena,
como demonstram diferentes indicadores sociais que vêm sendo divulgados
nos últimos anos (IBGE, 2018, p. 01).

Partindo dos dados apresentados pelo IBGE (2018), sistematizaremos abaixo as


informações referentes a mercado de trabalho, educação e representação política. A pesquisa
abarca outras informações e apontamentos, porém, aqui traremos apenas alguns para apresentar,

8
Rita de Cássia Fazzi no livro “O drama racial de crianças brasileiras – Socialização entre pares e preconceito”
publicado pela Editora Autêntica em 2012 apresenta pesquisas realizadas em escolas públicas de Belo Horizonte
acerca das questões de preconceito vividas no contexto escolar.
38

mesmo que inicialmente, um panorama a respeito do contexto brasileiro. Os dados apresentam


uma análise pautada nas desigualdades sociais por cor ou raça, de acordo com os dados
coletados pelo Instituto.

Figura 4 - Mercado de trabalho

Cargos Gerenciais - 2018

30%

70%

Ocupados por brancos Ocupados por pretos ou pardos

Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de População e Indicadores Sociais

Os dados da figura 4 revelam que 68,6% dos cargos gerenciais do mercado de trabalho
brasileiro são ocupados por brancos; já os pretos ou pardos ocupam apenas 29,9% dos cargos
gerenciais, reforçando assim a desigualdade visível em diversas áreas. Dando continuidade,
observaremos agora a representatividade negra na esfera política, analisada aqui com base nos
Deputados Federais eleitos em 2018.

Figura 5 - Representação Política

24%

76%

Branca Preta ou Parda

Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de População e Indicadores Sociais


39

Diante da figura 5, notamos que os reflexos de um contexto social que, por vezes,
naturaliza as desigualdades sociais, também são facilmente visíveis no quadro político e na sua
representação9, pois apenas 24,4% dos Deputados Federais eleitos são negros ou pardos.
Veremos agora os dados levantados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas a
partir do Censo da Educação Básica10 realizado no ano de 2019. No gráfico abaixo, os dados
apresentados versam sobre o percentual de matrículas por cor/raça segunda as etapas de ensino
no Brasil sendo: Creche, Pré-escola, Ensino Fundamental Anos Iniciais e Anos Finais, Ensino
Médio, Ensino Profissional e Educação de Jovens e Adultos.

Figura 6 - Percentual de matrículas por cor/raça segundo as etapas de ensino - Brasil

80

70

60

50

40

30

20

10

0
Creche Pré- Escola Anos Iniciais Anos Finais Ensino Médio E.P. EJA

Branca Preta/Parda Amarela/ Índigena Não declarada

Fonte: INEP (2019)

9
No ano de 2020, o TSE decidiu que a distribuição dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha
(FEFC) – também chamado de Fundo Eleitoral –, assim como o tempo de propaganda eleitoral na televisão e no
rádio, deve ser proporcional ao total de candidatos negros que o partido apresentar para a disputa eleitoral,
garantindo assim a igualdade de condições para o pleito eleitoral.
10
O Censo Escolar da Educação Básica é um levantamento estatístico anual coordenado pelo Inep e realizado em
colaboração com as secretarias estaduais e municipais de educação e as escolas públicas e privadas de todo o país.
A pesquisa proporciona a obtenção de estatísticas das condições de oferta e atendimento do sistema educacional
brasileiro, na educação básica, reunindo informações sobre todas as suas etapas e modalidades de ensino, e
compondo um quadro detalhado sobre os alunos, os profissionais escolares em sala de aula, os gestores, as turmas
e as escolas. Os dados e informações apuradas pela pesquisa subsidiam a operacionalização de importantes
políticas públicas, programas governamentais e ações setoriais nas três esferas de governo (federal, estadual e
municipal).
40

Com base na figura 6, podemos afirmar que, com exceção da etapa Creche, o número
de matrículas de alunos negros e pardos apresenta-se em maior quantidade, principalmente na
Educação de Jovens e Adultos. Neste sentido, nos debruçamos sobre outro gráfico elaborado a
partir das pesquisas e dados do IBGE que revelam um contraponto desse cenário: a taxa de
analfabetismo é maior entre a população preta ou parda do que entre a população branca.
Tais dados revelam que a escola que acolhe e realiza matrículas (na maioria de alunos
negros) é a mesma que exclui esses alunos, gerando níveis de analfabetismo maiores que a
população branca, tanto no contexto urbano quanto no rural.

Figura 7 - Educação – taxa de analfabetismo

35,00%

30,00%

25,00%

20,00%

15,00%

10,00%

5,00%

0,00%
Total Urbano Rural

Branca Preta ou parda

Fonte: IBGE (2018)

Como já vimos, a figura 7 demonstra o percentual de matrículas por cor/raça a nível


nacional. Portanto, no sentido de potencializar nossas discussões, apresentaremos a seguir os
dados referentes ao Censo Escolar do Estado de São Paulo devido à localização onde esta
pesquisa foi realizada.
Os dados obtidos e apresentados no gráfico abaixo são referentes ao ano de 2019 e
estão presentes no documento: Resumo Técnico do Estado de São Paulo Censo da Educação
Básica 2019.
41

Figura 8 - Percentual de matrículas por cor/raça segundo as etapas de ensino – SP


80

70

60

50

40

30

20

10

0
Creche Pré- Escola Anos Iniciais Anos Finais Ensino Médio E.P. EJA

Branca Preta/Parda Amarela/ Índigena Não declarada

Fonte: INEP (2019)

À luz dos dados da figura 8, observamos que, diferente do cenário nacional, o número
de matrículas de alunos declarados brancos no Estado de São Paulo é maior em todas as etapas
de ensino, o que nos coloca diante de desafios ainda mais latentes. Sendo assim, muitas
discussões surgem no contexto educacional sobre práticas de combate ao racismo. Tais
discussões começaram a ser ainda mais sistematizadas nas escolas a partir da promulgação da
Lei nº 10.639/0311, da Lei nº 11.645/08, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional de 199612, dentre outros marcos importantes que foram resultado de lutas do
Movimento Negro durante um longo período, conforme visto anteriormente nesta pesquisa.
No livro “Um olhar além das fronteiras – educação e relações raciais”, Gomes nos
apresenta um panorama sobre as relações entre o contexto escolar e o racismo:

Há, na educação escolar, um imaginário pedagógico que tende a considerar


que a questão racial não é uma tarefa restrita aos professores e professoras que
assumem publicamente uma postura política diante da mesma ou um assunto
de interesse somente dos(as) professores(as) negros(as). A implementação da
Lei 10.639/03 também encontra os cursos de formação de professores em
nível superior com pouco ou nenhum acúmulo sobre a temática racial e,
muitas vezes, é permeada pela resistência a sua própria inserção nos currículos

11
Abordaremos mais sobre a Lei nº 10.639/03 no próximo capítulo desta pesquisa.
12
A LDBEN nº 9.934/96 estabelece as diretrizes e bases da educação nacional e foi promulgada em 20 de
dezembro de 1996.
42

dos cursos de Pedagogia e Licenciatura. Essa situação revela uma contradição.


Se o Brasil acredita ser uma democracia racial e propala a existência da
harmonia racial, por que a discussão sobre a questão racial e a diversidade não
se constitui em um dos eixos da reflexão educacional e dos currículos
escolares brasileiros? Como pode o Brasil ser uma sociedade que lida tão bem
com a ancestralidade africana e com a presença negra na sua conformação
histórica e cultural se há um desconhecimento quase generalizado sobre a
história, a cultura, as relações políticas, as formas de luta e resistência e os
problemas que afligem a África, a diáspora africana e a realidade da população
negra brasileira? (GOMES, 2010, p. 103).

A pesquisa de Gomes (2010) revela os inúmeros desafios com os quais os professores


e professoras se deparam e que, sobretudo, precisam assumir para que as questões raciais sejam
realmente discutidas nas escolas e integrem de maneira permanente os planejamentos e práticas
educativas.
No sentido de estabelecer um diálogo com novos olhares para os currículos das escolas
brasileiras, as pesquisadoras Bernardo, Figueiredo e Maciel (2017) organizaram uma pesquisa
intitulada “Racismo e educação: (des)caminhos da Lei nº 10.639/03”, a qual trouxe
contribuições importantes para o contexto escolar, evidenciando algumas premissas
promulgadas na legislação brasileiras, mas que estavam distantes de ações concretas e reais nas
escolas. Dentre os estudos realizados, as pesquisadoras abordam as perspectivas acerca dos
conteúdos da Lei nº 10.639/03, assim sendo:

No que diz respeito à implementação dessa lei, evoca-se a necessidade de


promover um currículo descolonizado, isto é, menos eurocentrado e mais
aberto às perspectivas africanas e afro-brasileiras. Esse processo implica a
seleção de conteúdos e a adoção de perspectivas mais afinadas com a história
do africano e do negro brasileiro. Essa descolonização do currículo leva em
conta diferentes aspectos entre os quais o questionamento da linguagem
utilizada na formulação dos conteúdos. Sabemos que a construção de um
currículo diferente do hegemônico não está atrelada apenas a esses aspectos.
Contudo, a revisão dessa linguagem também pode ser útil à reformulação tanto
do currículo quanto da própria prática pedagógica (BERNARDO,
FIGUEIREDO e MACIEL, 2017, p. 81).

Em diálogo com Gomes (2010), as pesquisadoras também sinalizam que os currículos


precisam ser revisitados e que, nesse sentido, contemplem a diversidade do contexto social
brasileiro e que levem em considerações diversos aspectos que, por muitas vezes, serão
traduzidos em práticas escolares. O trabalho das pesquisadoras ainda contou com a investigação
de escolas públicas do Estado de São Paulo pautando-se na realidade interna destes contextos
em torno do enfrentamento ou não do racismo no âmbito escolar (BERNARDO, FIGUEIREDO
e MACIEL, 2017).
43

Dentre algumas conclusões e apontamentos da pesquisa, verificou-se que


as sutilezas do racismo no ambiente escolar podem ser captadas tanto na esfera
discursiva, quando os professores relatam: “aqui na minha escola não tem
racismo, apenas bullying”, como também nos quadros estatísticos que revelam
a desigualdade entre alunos brancos e negros nas escolas brasileiras
(BERNARDO, FIGUEIREDO e MACIEL, 2017, p. 24).

A fim de potencializar os estudos a respeito do racismo presente no contexto escolar,


olharemos para dados de pesquisas recentes sobre a temática realizadas em escolas públicas de
São Paulo no ano de 2017.

1.6 O discurso escolar e o racismo: mito ou realidade?

Conforme já apontamos anteriormente, a escola é um espaço social repleto de


interações. A partir disso, o contexto escolar assume um papel importante na construção de
identidade e nas relações sociais, dentre as quais destaca-se a presença e as marcas do racismo
estrutural que perdura há séculos nos diversos contextos sociais.
Para potencializar as discussões acerca de práticas racistas nas escolas, Bernardo,
Figueiredo e Maciel (2017) realizaram uma pesquisa na rede pública de ensino do Estado de
São Paulo13 e, a partir dos movimentos metodológicos das pesquisadoras, uma das constatações
evidenciadas no trabalho se refere ao dia a dia dos espaços escolares, assim descritas:

O cotidiano das escolas investigadas é marcado pela presença constante do


racismo. Ao fazer essa afirmação, estamos nos referindo a praticamente todas
as situações vivenciadas pelos professores e alunos em diversos contextos:
reuniões, aulas, momentos de recreação, etc. Ao analisar algumas formas de
racismo, deparamo-nos com dois aspectos interligados: as chamadas
brincadeiras de conteúdo racial entre os alunos e o seu enfrentamento, por
parte dos professores e gestores. Nesse contexto, as nuances do racismo são
perceptíveis na forma como os professores veem os alunos negros. A esses
alunos são atribuídas características capazes de anular o seu pertencimento
racial e negar qualquer manifestação racista. [...] Os indícios de racismo
mapeados nas escolas foram, na maioria das vezes, apresentados como
qualquer outro tipo de preconceito ou como elementos que fazem parte do
repertório da vida dos adolescentes que não se caracterizaria como uma
intenção de insultar o outro (BERNARDO, FIGUEIREDO e MACIEL, 2017,
p. 27).

13
A pesquisa também foi realizada por um grupo de pesquisadores que formam o Núcleo Relações Raciais:
memória, identidade e imaginário, com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
(FAPESP).
44

Vemos que as observações registradas na pesquisa sinalizam a naturalização das


práticas raciais no contexto escolar ou, ainda, reforçam um apagamento do preconceito racial,
gerando um silenciamento e até mesmo um processo de negação em torno do racismo. Outras
pesquisas sobre a temática trazem relatos de crianças e suas experiências vivenciadas no
contexto escolar. Um desses exemplos pode ser visto no trabalho realizado por Cavalleiro:

No parque, aproximo-me de um grupo que brinca. De repente, inicia-se um


tumulto. Shirley (negra) chega perto de Fábio (branco), o xinga de “besta”, e
ele revida. Letícia (branca) passa a participar da discussão, com vários
xingamentos. Letícia e Catarina (negra), até então brincando juntas,
principiam a se xingar também. Catarina diz a Letícia: “Fedorenta”, e esta
responde: “Fedorenta é você”. Catarina, então, diz: “É você, tá!”. Letícia
responde: “Eu não; eu sou branca, você que é preta!”. Catarina fica paralisada
e não diz mais nada. Até então virada de frente para Letícia, dá-lhe as costas
e começa a xingar Fábio. Catarina segundos depois desfere-lhe um golpe na
cabeça. O menino chora. A professora, percebendo a confusão, se aproxima
do grupo e adverte a menina Catarina, que mais uma vez ouve tudo calada.
Silêncio, seguido de reação violenta. O que se pode ver naquele parque infantil
é nada mais que uma pequena reprodução da história do negro em nosso país.
Impotente diante da pressão racista, ele parte para a violência e,
consequentemente é penalizado. Isso transforma-se em estigma.
(CAVALLEIRO, 2017, p. 53).

A pesquisadora ainda descreve:

Outro exemplo é o fato de duas meninas negras caminhando pelo parque,


quando um menino esbarra em uma delas e lhe diz em tom de deboche:
“Desculpa, neguinha!”. Depois parte gargalhando, junto com o amigo que
também ri muito. A menina arregala os olhos, mas continua a sua caminhada,
sem nada dizer (CAVALLEIRO, 2017, p. 53).

Tais práticas e registros apontados pelas pesquisadoras evidenciam de maneira


explícita a existência e força do mito da democracia racial, assim como os reflexos dessa
(pseudo) democracia presente no cotidiano das escolas brasileiras, demonstrando ainda práticas
raciais preconceituosas. Outro exemplo pode ser visto na pesquisa de Sarzedas (2007) em que
a autora descreve relatos de professores sobre o trabalho com as questões raciais na escola,

O fato de não perceber o racismo faz com que as professoras não percebam as
práticas discriminatórias existentes na escola. Em uma das reuniões
pedagógicas, talvez sentindo necessidade de colocar o assunto em pauta – em
grande parte pela minha presença – a diretora sugere que as professoras
definam de que forma iriam trabalhar com o racismo na escola. Nesse
momento presencio o seguinte diálogo entre as professoras: — Não sei se é
necessário trabalhar o racismo, não. Na minha aula não tem nada que eu possa
fazer. Como as crianças só ficam brincando e jogando, as crianças “pretas”
até se saem melhor. Porque já viu, eles (negros) são sempre melhores nos
45

esportes. Tem o Pelé, o Ronaldinho Gaúcho. Aí quem sai em desvantagem são


os branquinhos, que têm menos força física. Lá na minha aula não tem
discriminação não. (Ana Luísa) — Eu também acho. Na minha sala não tem
preconceito não. Todas as crianças se dão bem. Aqui no bairro está cheio de
“preto”, eles já estão acostumados e não discriminam não. Até a gente se
acostumou. (Maria) — A gente pode aproveitar as comemorações, usar o
folclore, o Zumbi. Assim acho que eles teriam uma boa imagem da África e
dos negros. (Rebeca) — É acho que isso está bom. (Maria) — Eu concordo.
(Ana Luísa e Maria) (SARZEDAS, 2007, p. 104-105).

Vemos neste trecho a realidade ainda presente nos contextos escolares que banalizam
o racismo e suas práticas e que corroboram os estudos de Cavalleiro (2005, p. 71), em que,
segundo a autora, “na escola a existência de racismo é negada. Não são reconhecidos os efeitos
prejudiciais do racismo para os negros, não se buscam estratégias para a participação positiva
da criança negra, mesmo quando se reconhece a existência da discriminação no cotidiano
escolar” – ideias e premissas com as quais concordamos e que observaremos no campo da
literatura infantil de que trataremos no capítulo 02 desta pesquisa.
Esses e tantos outros relatos também dialogam com a pesquisa realizada por Villela e
Costa (2013, p. 7019), a qual constatou que nas ações discriminatórias no ambiente escolar os
alunos “consideram que a maioria das discriminações vem em forma de ‘brincadeira’14, ou seja,
pode ter grande carga de maldade, mas vem lacrada por um envoltório de algo mais ‘leve’, mais
aceitável, e não algo ‘pesado’ como um xingamento preconceituoso”. Essa visão, além de estar
presente na perspectiva do aluno, também perpassa a ação docente enraizada por séculos.
Corroborando essas ideias, Bento (2002) nos coloca diante de uma reflexão a respeito da
democracia racial brasileira:

[...] é uma espécie de pacto, um acordo tácito entre os brancos de não se


reconhecerem como parte absolutamente essencial na permanência das
desigualdades sociais no Brasil. Eles (os brancos) reconhecem as
desigualdades raciais, só que não associam essas desigualdades raciais à
discriminação e isto é um dos primeiros sintomas da branquitude. Há
desigualdades raciais? Há! Há uma carência negra? Há! Isso tem alguma coisa
a ver com o branco? Não! É porque o negro foi escravo, ou seja, é legado
inerte de um passado no qual os brancos parecem ter estado ausentes.
(BENTO, 2002, p. 26).

14
Sobre a pesquisa realizada por Villela e Costa (2013), podemos agregar à discussão o conceito de racismo
cordial, em que, nesta abordagem, as práticas racistas são vistas como passionais, provocando um silenciamento
que, por vezes, se naturaliza. Aqui nesta pesquisa não ampliaremos a discussão sobre o racismo cordial; no entanto,
registramos os trabalhos realizados por TURRA, C. & VENTURI, G. (1995) na obra Racismo cordial: a mais
completa análise sobre preconceito de cor no Brasil. In: LIMA, Marcus Eugênio & VALA, Jorge. As novas formas
de expressão do preconceito e do racismo. Estudos de Psicologia (pp. 40 - 411), 2004.
46

Diante desses apontamentos, colocamo-nos diante de um outro viés presente na esfera


educacional: a formação de professores. Pautada em currículos e propostas eurocêntricas, a
abordagem das temáticas raciais que problematizam no cotidiano escolar discussões potentes
na desmitificação de uma democracia racial ainda é extremamente invisibilizada. Sendo assim,
partimos da concepção de que as práticas educativas estão voltadas a uma cultura dominante.
Oliveira e Costa (2013) ressaltam os vestígios de uma formação eurocêntrica:

Desde pequenos aprendemos algumas coisas, tais como: “o negro foi


escravo”, “na África só tem pobreza e miséria”, “a princesa Isabel libertou os
escravos”, “dia 13 de maio é dia dos escravos”, e por aí vai... Quando
crescemos com estas ideias, muito delas aprendidas na escola, reforçamos
mais ainda o preconceito através de outros termos e frases: “moça escurinha”,
mas educada”, “moço pretinho, mas nem parece”, “preta feia”, “preta
horrorosa”, “fome negra”, “lista negra”, “moreninho, mas honesto”, “preto de
alma branca”, “só podia ser preto”, “samba de crioulo doido”, “ovelha negra
da família”, “olha o beiço do negão”, “nariz de crioulo”, “cabelo ruim” e muito
mais... (OLIVEIRA e COSTA, 2013, p. 269).

Os termos acima elencados dialogam, por vezes, com o cotidiano escolar desde muito
cedo, nos discursos, nas práticas, na escolha dos brinquedos infantis, nas relações sociais
vividas na escola, no processo de aceitação e/ou rejeição entre crianças e adultos partindo da
cor da pele, dentre tantas outras situações que mascaram e velam o racismo no espaço escolar.
Portanto, pensar em propostas de uma educação que combata o racismo é refletir em
políticas públicas potentes, assim como na necessidade de uma formação de professores voltada
às questões raciais. Sabe-se que:

Para um professor não é fácil administrar essas delicadas faces da identidade


e da diversidade. Ao longo de muitos anos estamos sendo formados nos
marcos das desigualdades, dentro de uma ideologia que reforça a
hierarquização das relações e das oportunidades. Não é por menos que uma
criança reclama que “eu não sou chamada para brincadeira de menina bonita”.
Assim, a não construção de um repertório nos marcos da diversidade nos
impede de tocar nas feridas das falas e das brincadeiras preconceituosas de
nossos alunos e de valorizar as diferentes contribuições de povos de diferentes
origens (OLIVEIRA e LINS, 2012, p. 348-349).

Partindo desses desafios no campo da docência, é preciso também destacar as marcas


históricas em que as questões raciais eram abordadas na produção infantil, tanto simbólica
quanto real, e que, consequentemente, refletiram e continuam refletindo na rotina das escolas.
Essas produções eram encontradas com facilidade em propagandas publicitárias (nacionais e
internacionais), nos brinquedos – como, por exemplo, as bonecas exclusivamente loiras –,
47

dentre tantos outros meios que contrastavam com a democracia racial tão sacralizada desde
então.
No início do século passado, era comum encontrar campanhas que traziam uma
abordagem racista e que, em alguns casos, eram protagonizadas por crianças, como pode ser
visto na figura 9:

Figura 9 - Campanha publicitária – Sabão Fairy, 1900

Fonte: Geledes (2013)

A imagem apresenta uma criança branca com um sabão na mão perguntando à criança
negra: “Por que sua mãe não lava você com sabão Fairy?” (tradução nossa). Muito mais do que
a imagem pode dizer por si só, fica evidente, nesta campanha, o apelo à higienização, à cultura
hegemônica e ao branqueamento, tão disseminados nos diversos contextos sociais. Além disso,
a presença de crianças no contexto da campanha mascara a realidade cruel e racista, herança de
uma cultura eurocêntrica e escravocrata. Ademais, vale ainda ressaltar que a campanha carrega
marcas da política do branqueamento que, no Brasil, também despontava, conforme nos aponta
Benedicto:
48

Com o término da escravidão no Brasil, e o advento da República, o projeto


de nação delineado e executado pelas elites nacionais, tinha no branqueamento
do povo seu ponto central. Convencidas da ideia de inferioridade dos africanos
e indígenas as elites políticas e intelectuais do país, se perguntavam como
resolver o problema negro, a saber, como construir uma nação civilizada –
leia-se branca e ocidental – em um país de maioria negra? (BENEDICTO,
2016, p. 88)

Já no contexto brasileiro, encontramos exemplos publicitários similares ao


apresentado anteriormente:

Figura 10 - Campanha Publicitária – Krespinha

Fonte: Propagandas Históricas (2013)

Como visto, a propaganda divulgada em 1952 trazia uma garotinha negra com os
cabelos crespos presos com fitas anunciando: “No Rio, todos me conhecem. Sou Krespinha –
a melhor esponja para a limpeza da cozinha. As paulistas também vão me querer bem”. A
campanha, que circulava nos meios impressos, endossava o discurso racista, presente na
sociedade, que se materializa nesse tipo de produção. Assim como na imagem anterior, aqui
também é utilizada a figura de uma personagem infantil abordando uma temática tão recorrente
no discurso escolar e nas crianças negras: o cabelo crespo.
49

Todas essas abordagens apresentadas, por mais que pareçam estar distantes do
contexto social atual, ainda estão presentes no cotidiano, como é possível ver em uma matéria
publicada no site BBC News Brasil, no dia 18 de junho de 2020, com a seguinte manchete:
“Bombril retira ‘krespinha’ do mercado: acusações de racismo fazem marcas reverem
produtos”. Em pleno século XXI, uma empresa resolve relançar o produto “Krespinha” em seu
catálogo de vendas e, a partir de articulações do Movimento Negro e de outros grupos sociais,
resolveu retirar o produto do catálogo.

Figura 11 - Produto Krespinha

Fonte: BBC News Brasil (2020)

Ainda no contexto brasileiro, podemos ver o quanto as questões raciais são tratadas
com banalidade e de maneira naturalizada nas mais diversas esferas, inclusive nas campanhas
políticas. Um exemplo recente desta banalização pode ser visto na Campanha Pátria Amada
Brasil do atual Governo Federal, conforme a figura a seguir.
50

Figura 12 - Campanha Pátria Amada Brasil – Pró-Brasil

Fonte: Reprodução/Diário do Centro do Mundo (2020)

Na figura 12, notamos de maneira explícita que as políticas públicas que reconhecem
e valorizam a diversidade da população brasileira ainda são um grande desafio. Observamos na
imagem que todas as crianças são brancas e que, desse modo, revelam o racismo brutal que
domina os espaços sociais de decisão e que marginalizam a população negra, dentre outras. São
evidências e sinais de um viés político racista e que se perpetua em cartazes e campanhas como
esta aqui apresentada e que assim reforçam ainda mais a necessidade de ações afirmativas no
combate ao racismo enraizado por séculos. São exemplos como este, dentre tantos outros, que
dialogam muito com os estudos de Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva (2018), em que a autora
afirma que

Episódios de desrespeito, até mesmo de violência, agressões, em diferentes


sociedades, se repetem cotidianamente, mundo a fora, tomando um caráter de
“normalidade”. Engajamento político é confundido com intolerância, direitos
são interpretados como vantagens, pertencimento étnico-racial como
superioridade ou desprestígio, bens públicos são geridos como se fossem
privados. Em nome de direitos humanos, com diferentes objetivos [...]
(SILVA, 2018, p. 138).

Portanto, dentre as discussões apresentadas, podemos afirmar que refletir sobre o


racismo no contexto escolar nos projeta para muitos desafios, sendo um deles o de nos
apropriarmos de que o mito da democracia racial fomenta outros mitos paralelos: “enfeitam”
51

uma realidade racista extremamente contemporânea, além de velar situações enfrentadas


cotidianamente nos espaços escolares, nos currículos e nas práticas pedagógicas.
Portanto, uma das formas de criarmos relações e propostas cada vez mais afirmativas
no combate ao racismo encontra-se na escola, por meio de práticas plurais que respeitem a
cultura negra, que promovam ações educativas afirmativas, assim como Munanga afirma:

[...] cremos que a educação é capaz de oferecer tanto aos jovens como aos
adultos a possibilidade de questionar e desconstruir os mitos de superioridade
e inferioridade entre grupos humanos que foram introjetados neles pela cultura
racista na qual foram socializados. Apesar da complexidade da luta contra o
racismo, que consequentemente exige várias frentes de batalhas, não temos
dúvida de que a transformação de nossas cabeças de professores é uma tarefa
preliminar importantíssima. Essa transformação fará de nós os verdadeiros
educadores, capazes de contribuir no processo de construção da democracia
brasileira, que não poderá ser plenamente cumprida enquanto perdurar a
destruição das individualidades históricas e culturais das populações que
formaram a matriz plural do povo e da sociedade brasileira. (MUNANGA,
2005, p. 17).

Diante do contexto escolar brasileiro e do espaço que as escolas públicas ocupam


diante de um cenário marcado pelo racismo nas suas diversas linguagens e que, na maioria das
vezes, configura-se como uma realidade velada e silenciada, Gomes (2018, p. 134) ressalta o
papel dos espaços escolares no sentido de que,

No Brasil, a escola, principalmente a pública, é resultado de uma luta popular


pelo direito à educação e entendida como parte do processo de emancipação
pessoal. No entanto, essa mesma escola se construiu historicamente enquanto
uma instituição reguladora marcada por regras, normais e rituais, pela divisão
dos conteúdos, pelo cognitivismo, pela ideia do conhecimento científico como
única e privilegiada forma de saber, pela ordem e pelo disciplinamento dos
corpos. Com esse histórico, a escola pública, mesmo sendo um direito social,
se esquece de que ela é a instituição que mais recebe corpos marcados pela
desigualdade sociorracial acirrada no contexto da globalização capitalista.
Corpos diferentes, porém discriminados por causa da diferença. Corpos
sábios, mas que tem o seu saber desprezado. (GOMES, 2018, p. 134).

Sendo assim, as possibilidades e desafios com os quais os professores se deparam são


inúmeros. Nas escolas públicas brasileiras, o trabalho com as questões raciais ainda precisa ser
potencializado. As pesquisas aqui apresentadas mostram que, mesmo após tantas ações e até
mesmo legislações, a naturalização do racismo e de suas práticas ainda é uma realidade presente
no contexto escolar. Porém, apesar de tantas negligências, políticas públicas educacionais
voltadas ao combate ao racismo despontaram no Brasil em 2003. As ações trazidas por tais
políticas implicaram no início de um processo de formação de professores, publicação de
52

materiais e diretrizes educacionais, incentivo e ampliação de recursos para as ações afirmativas


e também a produção de materiais voltados à literatura infantil de temática africana e afro-
brasileira, mas ainda há um longo caminho a ser percorrido, já que, ao falarmos do espaço da
escola, reforçamos os estudos de Gomes (2003) pois,

[...] quando pensamos a escola como um espaço específico de formação,


inserida num processo educativo bem mais amplo, encontramos mais do que
currículos, disciplinas escolares, regimentos, normas, projetos, provas, testes
e conteúdos. A escola pode ser considerada, então, como um dos espaços que
interferem na construção da identidade negra. O olhar lançado sobre o negro
e sua cultura, na escola, tanto pode valorizar identidades e diferenças quanto
pode estigmatizá-las, discriminá-las, segregá-las e até mesmo negá-las.
(GOMES, 2003, p. 171-172).

Portanto, para ampliar nossas discussões sobre as relações entre o racismo e o contexto
escolar, no próximo capítulo, abordaremos as relações entre a literatura infantil e o
protagonismo negro nas narrativas, no sentido de analisar a potencialidade das discussões
raciais nos diversos contextos, sobretudo no escolar, e, assim, notarmos que as relações sobre
o mito da democracia racial apresentadas até então estão cristalizadas e refletidas nas mais
diversas linguagens e práticas, inclusive a literária.
53

2 A LITERATURA INFANTIL E O PROTAGONISMO NEGRO NAS NARRATIVAS

A literatura infantil, nas últimas décadas, tem sido tema centralizador de muitas
pesquisas e transformações no cenário acadêmico e editorial, passando de um caráter moralista,
instrumental e de cunho meramente didático, para um meio possível de potencializar visões de
mundo e refletir características do universo estético e simbólico infantil.
A partir da década de 1970, a literatura infantil configurou-se como um período
marcado por grandes avanços (CADERMATORI, 2006; SANDRONI, 1985) em que, além do
aumento dos programas de incentivo à leitura, o mercado editorial ampliou suas publicações e
a literatura nacional ganhou força com a promulgação da Lei nº 5.692/7115, em diálogo com a
produção em larga escala de obras infantis, favorecendo um cenário caracterizado pelo
capitalismo recém-inaugurado no país.
Portanto, à luz dessas premissas históricas que versam sobre a literatura infantil, é
preciso destacar a especificidade do texto literário para a infância: a criança. Sendo assim, nos
deparamos com diversos desafios e peculiaridades a respeito dessa temática, pois a formação
literária perpassa por processos que, por vezes, são legitimados nos espaços escolares. Nesse
sentido, Lajolo nos convida a pensar nas relações entre a literatura para a infância e as práticas
escolares, fazendo-se necessário

[...] compreender que a literatura infanto-juvenil é um produto tardio da


pedagogia escolar: que ela não existiu desde sempre, que, ao contrário, só se
tornou possível e necessária (e teve, portanto, condições de emergir como
gênero) no momento em que a sociedade (através da escola) necessitou dela
para burilar e fazer cintilar, nas dobras da persuasão retórica e no cristal das
sonoridades poéticas, as lições de moral e bons costumes que, pelas mãos de
Perrault, as crianças do mundo moderno começaram a aprender. (LAJOLO,
1994, p. 33).

Com base no trecho acima, observa-se que pensar na literatura infantil é refletir sobre
sua função não apenas no âmbito educacional, mas sim na perspectiva histórica e político-
pedagógica em que as narrativas são produzidas e publicadas. Além disso, é pensar no lugar
que a literatura ocupa nos espaços escolares e nas práticas cotidianas no sentido em que,
segundo Umberto Eco (2003, p. 12), “as obras literárias [...] propõem um discurso com muitos

15
Lei de Diretrizes e Base de 1971 - Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971. Em 1971, o governo militar instituiu
a Reforma do Ensino de 1º e 2º Graus, depois de tramitação sumária no Congresso. A Lei nº 5.692 mudou a
organização do ensino no Brasil na época, passando a ter como principal objetivo a profissionalização.
54

planos de leitura e nos colocam diante das ambiguidades, da linguagem e da vida” e, ainda
mais: são capazes de criar identidade e comunidade.
Durante este capítulo, abordaremos os diálogos entre a literatura infantil e as relações
étnico-raciais e, neste sentido, a pesquisadora Eliane Debus (2012) nos afirma que ao pensar na
potência deste diálogo é preciso ressaltar que

O reconhecimento da Literatura Infantil e sua interface com a Educação das


Relações Étnico-Raciais no âmbito da Educação Infantil têm importância
inquestionável para a formação humana das crianças. Nesta perspectiva, a
linguagem literária e sua capacidade humanizadora pode contribuir para a
vivência, mesmo que ficcionada, de experiências que tragam à cena um
fabulário positivo em relação aos africanos aqui escravizados e, por
consequência, aos seus descendentes. Numa sociedade étnico-plural como a
brasileira, faz-se necessário, todos os dias, lembrar quem fomos para
esquecermos o que somos. (DEBUS, 2012, p.14).

Nesse cenário, emerge a necessidade de ambientes escolares e profissionais da


educação que, pautados na perspectiva da literatura enquanto criação de identidade e
comunidade, possibilitem espaços e tempos em que as narrativas infantis estejam presentes no
cotidiano e assumam o seu caráter emancipatório, ressaltando ainda o papel por meio do qual a
literatura pode problematizar reflexões sobre práticas antirracistas para o universo da infância,
tanto no espaço escolar quanto em outros espaços socioeducativos (DEBUS, 2017). Ainda
segundo a autora, o trabalho voltado às questões raciais nos espaços escolares deve considerar
que

As crianças precisam conhecer o mundo que as cerca, dar sentido e significado


aos elementos e aspectos presentes no seu dia a dia. Podem ter acesso a esses
conhecimentos mediante a leitura literária, encontrando, nas narrativas,
elementos como a ludicidade e a fantasia, importantes para a formação leitora
e a construção de um repertório abrangente e diverso, que englobe as
diferenças culturais, sociais, étnicas, presentes nas sociedades. Para tanto, é
indispensável o entendimento de que a identificação da leitura literária, como
produtora de identidade e inclusão social, pode promover o conhecimento
sobre a pluralidade cultural da sociedade brasileira. (DEBUS, 2012, p. 95-96).

Para isso, nos últimos vinte anos, visando a ampliar as propostas de trabalho com a
formação literária de alunos e professores, algumas políticas públicas de incentivo à leitura
começaram a ganhar espaço nas escolas públicas brasileiras, como, por exemplo, o PNBE, do
qual trataremos a seguir, descrevendo-se seus pressupostos, objetivos e encaminhamentos, bem
como os dados que o compõem. Ainda neste capítulo, nos debruçaremos sobre as narrativas
55

que trazem o protagonismo negro no sentido de potencializar no contexto escolar práticas e


ações afirmativas no combate ao racismo.

2.1 As políticas públicas de incentivo à leitura: do Programa Nacional Biblioteca da Escola


ao Programa Nacional do Livro Didático e Literário

Criado em 1997, o Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE), executado pelo


Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e contando com o trabalho de
parceria da Secretaria da Educação Básica (SEB) do Ministério da Educação (MEC), trazia
como um dos seus maiores objetivos a formação literária de alunos e professores,
potencializando nas escolas públicas brasileiras de Educação Infantil, de Ensino Fundamental,
e, a partir do ano 2008, nas escolas de Ensino Médio e de Educação de Jovens e Adultos e
Educação Especial, a seleção, a distribuição e o acesso de obras literárias.
O Programa, no seu início, pautava-se nas seguintes resoluções, de acordo com a
Portaria nº 584, de 28 de abril de 1997:

Art. 1º - Instituir o Programa Nacional Biblioteca da Escola, com as seguintes


características básicas:
a) aquisição de obras de literatura brasileira, textos sobre a formação histórica,
econômica e cultural do Brasil, e de dicionários, atlas, enciclopédias e outros
materiais de apoio e obras de referência;
b) produção e difusão de materiais destinados a apoiar projetos de capacitação
e atualização do professor que atua no ensino fundamental;
c) apoio e difusão de programas destinados a incentivar o hábito de leitura;
d) produção e difusão de materiais audiovisuais e de caráter educacional e
científico (BRASIL, 1997, p. 8519).

No documento, é possível verificar que as obras seriam categorizadas de acordo com


temáticas voltadas à formação histórico-cultural do Brasil, tendo como objetivo incentivar o
hábito de leitura. Sendo assim, apesar dos objetivos iniciais dialogarem com os pressupostos de
uma política voltada à formação de leitores, é possível verificar com clareza alguns pontos
importantes capazes de revelar as concepções do perfil leitor a ser formado, como, por exemplo,
os critérios de seleção das obras, sua qualidade literária, a variedade dos gêneros literários, etc.
Em 2010, após 13 anos do início do PNBE, o Decreto nº 7.084/2010 apresenta os objetivos e
as diretrizes dos programas de materiais didáticos executados pelo MEC, no qual o PNBE está
integrado, trazendo nos artigos 2º e 3º:
56

Art. 2º. São objetivos dos programas de material didático:


I – melhoria do processo de ensino e aprendizagem nas escolas públicas, com
a consequente melhoria da qualidade da educação;
II – garantia de padrão de qualidade do material de apoio à prática educativa
utilizado nas escolas públicas;
III – democratização do acesso às fontes de informação e cultura;
IV – fomento à leitura e o estímulo à atitude investigativa dos alunos; e
V – apoio à atualização e ao desenvolvimento profissional do professor.
Art. 3º. São diretrizes dos programas de material didático:
I – respeito ao pluralismo de ideias e concepções pedagógicas;
II – respeito às diversidades sociais, culturais e regionais;
III – respeito à autonomia pedagógica dos estabelecimentos de ensino;
IV – respeito à liberdade e o apreço à tolerância;
V – garantia de isonomia, transparência e publicidade nos processos de
avaliação, seleção e aquisição das obras (BRASIL, 2010, p. 1-2).

Com base no trecho do documento, verifica-se que o Programa, ao longo dos anos, foi
ganhando uma ampliação significativa, principalmente no que diz respeito à democratização do
acesso às fontes de informação e cultura e, sobretudo, nos processos de escolha das obras
literárias, respeitando as especificidades dos diversos contextos educacionais brasileiros.
Contudo, o Programa Nacional Biblioteca da Escola teve sua última distribuição entre
os anos de 2014 e 2015. A partir de então, o Programa foi extinto, sem previsões de
continuidade. Diante desse cenário, em meados de 2017, foi expedido o Decreto nº 9.099, de
18 de julho, unificando as ações de aquisição e distribuição de livros didáticos e literários,
anteriormente contempladas pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e pelo
Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE). A proposta assumiu uma nova nomenclatura
(PNLD Literário) e passou a incluir outros materiais de apoio à prática educativa, além das
obras didáticas e literárias: obras pedagógicas, softwares e jogos educacionais, materiais de
formação e materiais destinados à gestão escolar, entre outros (BRASIL, 2017).
Em 2018, foi lançado um Edital de Convocação para o Processo de Inscrição e
Avaliação de Obras Literárias para o Programa Nacional do Livro e do Material Didático
(PNLD Literário 2018 – Edital 02/2018) a partir do Decreto que unificou os Programas, além
de estar em consonância com a Base Nacional Curricular Comum16. Nesse novo formato, pode-
se destacar alguns objetivos, dentre eles:

2.1.2 Apoiar a formação dos acervos das escolas públicas, ampliando as


oportunidades de uso individual dos estudantes de literatura de qualidade
durante o ano letivo;

16
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um documento de caráter normativo que define o conjunto
progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades
da Educação Básica. O documento foi homologado em 2017.
57

2.1.3 Contribuir com o desenvolvimento de competências e habilidades dos


estudantes, em conformidade com a Base Nacional Curricular Comum-BNCC
(BRASIL, 2018, p. 2).

Portanto, nessa edição do Programa, nota-se que a proposta ainda era potencializar os
acervos literários das escolas públicas alinhados às políticas e documentos educacionais
vigentes, porém, outras alterações foram apresentadas no Edital, podendo promover
questionamentos sobre a formação do leitor sem fazer uso meramente didático das obras
selecionadas, uma vez que o PNLD era um programa estritamente voltado aos livros didáticos
e não literários. O edital trouxe na sua integralidade as categorias em que as obras literárias
poderiam ser inscritas, conforme descrito no quadro abaixo:

Quadro 1 - Categorias das obras literárias – PNLD 2018

Categoria Faixa Etária


Categoria 1 (Creche I) Obras literárias voltadas para as crianças de 0 a 1 ano e seis meses;
Obras literárias voltadas para crianças de 1 ano e 7 meses a 3 anos
Categoria 2 (Creche II)
e 11 meses;
Categoria 3 (Pré-escola) Obras literárias voltadas para crianças de 4 a 5 anos e 11 meses;
Obras literárias voltadas para os estudantes do 1º ao 3º ano do
Categoria 4
ensino fundamental;
Obras literárias voltadas para os estudantes do 4º e 5º anos do
Categoria 5
ensino fundamental;
Obras literárias voltadas para os estudantes do 1º ao 3º ano do
Categoria 6
ensino médio.
Fonte: FNDE (2018)

As categorias acima demonstram que as obras literárias inscritas no Edital deveriam


atender às peculiaridades de cada etapa da Educação Básica, respeitando as especificidades de
cada faixa etária: da Educação Infantil, dos anos iniciais do Ensino Fundamental e do Ensino
Médio. Em complemento às categorias, o documento ainda elencava as seguintes sugestões de
temáticas nos livros:

Quadro 2 - Temas sugeridos nas obras literárias do PNLD 2018

Categoria Temas
a) Descoberta de si;
b) A casa e a família;
Categoria 1 (Creche I)
c) O mundo natural e social;
d) Outros temas.
58

Categoria Temas
a) Descoberta de si;
b) Família, amigos e escola;
Categoria 2 (Creche II) c) O mundo natural e social;
d) Diversão e aventura;
e) Outros temas.
a) Descoberta de si;
b) Família, amigos e escola;
Categoria 3 (Pré-escola) c) O mundo natural e social;
d) Diversão e aventura;
e) Outros temas.
a) Descoberta de si;
b) Família, amigos e escola;
Categoria 4 c) O mundo natural e social;
d) Diversão e Aventura;
e) Outros Temas.
a) Autoconhecimento, sentimentos e emoções;
b) Família, amigos e escola;
c) O mundo natural e social;
Categoria 5
d) Encontros com a diferença;
e) Diversão e aventura;
f) Outros temas.
a) Projetos de vida;
b) Inquietações das Juventudes;
c) O jovem no mundo do trabalho;
d) A vulnerabilidade dos jovens;
e) Cultura digital no cotidiano do jovem;
Categoria 6 f) Bullying e respeito à diferença;
g) Protagonismo juvenil;
h) Cidadania;
i) Diálogos com a sociologia e a antropologia;
j) Ficção, mistério e fantasia;
k) Outros temas.
Fonte: FNDE (2018)

Os temas elencados acima nortearam o processo de inscrição das obras literárias para
o atual Programa. Percebe-se que há uma “progressão temática” nas categorias de acordo com
as características específicas da faixa etária. Entretanto, no decorrer dessa pesquisa, pretende-
se analisar os temas descritos nas Categorias 4 e 5 (1º a 5º anos do Ensino Fundamental), com
foco no protagonismo negro das obras selecionadas, com vistas a estabelecer relações com os
critérios de escolha que respeitem e legitimem os pressupostos da diversidade cultural descritos
nos editais anteriores do PNBE e, mais recentemente, no PNLD Literário.
59

Além disso, vale a pena ressaltar que as políticas públicas educacionais, sejam de
incentivo à leitura ou outras instâncias, carregam marcas de uma cultura neoliberalista,
conforme afirma Knebel:

Nosso sistema educacional é moldado segundo interesses econômicos, sociais


e ideológicos de países dominantes. As propostas neoliberais com relação à
educação seguem a lógica de mercado, restringindo à ação do estado a garantia
da educação básica e deixando os outros níveis sujeitos às leis de oferta e
procura, como é o caso da educação infantil, a qual o município deve assumir.
(KNEBEL, 2018, p. 253).

Portanto, os critérios elencados nas políticas públicas de incentivo à leitura e formação


de leitores, assim como os programas educacionais descritos a seguir, apontam indícios dessa
discussão neoliberal e da educação pautadas em um viés capitalista e, por vezes, eurocêntrico.
Araújo (2010) já nos aponta que, ao falarmos sobre o eurocentrismo nas narrativas infantis, é
necessário considerarmos que “a desigualdade na caracterização de personagens negras em
relação a brancas, aliada à estereotipia e às explícitas manifestações racistas, fizeram da
literatura um dos maiores fomentadores do preconceito racial no Brasil” (p. 67). A seguir,
ampliaremos a discussão sobre os programas de incentivo à leitura por meio da análise do
último edital do PNLD Literário no ano de 2018 e a presença do protagonismo negro nos títulos
selecionados.

2.2 O protagonismo negro nas obras selecionadas para o PNBE, o PNLD Literário e os
impactos da Lei nº 10.639/03

Como visto anteriormente, os programas de políticas públicas de incentivo à leitura e


formação de leitores passaram por diversas transformações: do início marcado por obras que
abarcavam questões voltadas à formação do país, em seus diversos aspectos, até mais
recentemente à unificação de livros didáticos e literários. Apesar das nuances apresentadas nas
edições do Programa e em seus editais, acredita-se que ele possibilitou que obras literárias de
qualidade17 chegassem aos acervos das escolas públicas brasileiras e fomentassem, nas práticas
e ambientes escolares, propostas voltadas à formação literária, tanto dos alunos quanto dos
profissionais da educação.

17
O termo “obras de qualidade” apresentadas neste trabalho se relacionam com os critérios de escolha
estabelecidos e previstos nos Editais do PNLD Literário citado nesta pesquisa, tais como: Qualidade do texto
verbal e do texto visual; Adequação de categoria, de tema e de gênero literário; Projeto gráfico-editorial e
Qualidade do material de apoio
60

Nesse sentido, o cenário educacional brasileiro, a partir de 2003, passou por inúmeras
transformações e avanços no que diz respeito às pautas educacionais. A partir de então, diversas
políticas públicas voltadas à educação marcaram um novo período para as escolas brasileiras,
dentre elas, a Lei nº 10.639/03, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional,
incluindo no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e
Cultura Afro-Brasileira” (BRASIL, 2003).
A promulgação da Lei nº 10.639/03 é um marco histórico e social que possibilitou
avanços significativos no processo de (re)construção e valorização da história e cultura africana
e afro-brasileira nos diversos contextos, sobretudo os escolares. Diante desse cenário, a escola
assume um papel fundamental no sentido de potencializar ações positivas e práticas
pedagógicas planejadas e pautadas no processo de construção histórico-cultural (GOMES,
2002).
Para elucidar e potencializar as práticas educativas que, a partir de então, deveriam
estar inseridas nas rotinas das escolas e em outras esferas, o Ministério da Educação lançou, em
2004, um documento importante com o objetivo de transpor as premissas teóricas promulgadas
na Lei nº 10.639/03 em práticas afirmativas de combate ao preconceito e ao racismo nos espaços
escolares: as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e
para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Dentre tantos princípios e pontos
norteadores, as Diretrizes destacam que,

Para obter êxito, a escola e seus professores não podem improvisar. Têm que
desfazer mentalidade racista e discriminadora secular, superando o
etnocentrismo europeu, reestruturando relações étnico-raciais e sociais,
desalienando processos pedagógicos. Isto não pode ficar reduzido a palavras
e a raciocínios desvinculados da experiência de ser inferiorizados vivida pelos
negros, tampouco das baixas classificações que lhe são atribuídas nas escalas
de desigualdades sociais, econômicas, educativas e políticas (BRASIL, 2004,
p. 15).

Assim sendo, com relação ao processo de (re)significação das práticas escolares


voltadas às relações étnico-raciais, o documento traz em seu bojo diversas ações afirmativas no
combate ao preconceito e ao racismo capazes de potencializar e (re)construir práticas
pedagógicas que evidenciem a pluralidade cultural e combatam o racismo presente no cotidiano
das escolas e nas relações estabelecidas nesses contextos,

[...] rompendo com a visão depreciativa do negro, para que se possam oferecer
subsídios para a construção de uma verdadeira identidade negra, na qual seja
visto não apenas como objeto de história, mas sim como sujeito participativo
61

de todo o processo de construção da cultura e do povo brasileiro


(MUNANGA, 2005, p. 10).

Para além do rompimento de uma visão estereotipada de práticas escolares que, por
vezes, negligenciaram a temática africana e afro-brasileira em seus currículos, outras ações
educativas são contempladas nas Diretrizes que, a partir de 2004, precisariam ser assumidas e
vivenciadas no cotidiano escolar. Por se tratar de uma pesquisa com foco na literatura infantil,
destacam-se a seguir algumas destas ações a respeito da produção literária e das relações étnico-
raciais:

[...] os sistemas de ensino e os estabelecimentos de Educação Básica, nos


níveis de Educação Infantil, Educação Fundamental, Educação Média,
Educação de Jovens e Adultos, Educação Superior, precisarão providenciar:
[...] - Introdução, nos cursos de formação de professores e de outros
profissionais da educação: de análises das relações sociais e raciais no Brasil;
de conceitos e de suas bases teóricas, tais como racismo, discriminações,
intolerância, preconceito, estereótipo, raça, etnia, cultura, classe social,
diversidade, diferença, multiculturalismo; de práticas pedagógicas, de
materiais e de textos didáticos, na perspectiva da reeducação das relações
étnico-raciais e do ensino e aprendizagem da História e Cultura dos Afro-
brasileiros e dos Africanos.
[...] Edição de livros e de materiais didáticos, para diferentes níveis e
modalidades de ensino, que atendam ao disposto neste parecer, em
cumprimento ao disposto no Art. 26A da LDB, e, para tanto, abordem a
pluralidade cultural e a diversidade étnico-racial da nação brasileira, corrijam
distorções e equívocos em obras já publicadas sobre a história, a cultura, a
identidade dos afrodescendentes, sob o incentivo e supervisão dos programas
de difusão de livros educacionais do MEC – Programa Nacional do Livro
Didático e Programa Nacional de Bibliotecas Escolares (PNBE) (BRASIL,
2004, p. 23-25, grifo nosso).

Diante das premissas e ações elencadas no documento, o mercado editorial passou por
um período marcado por movimentações na publicação e em suas produções literárias. Tais
mudanças refletem o viés mercadológico que, por vezes, permeia o cenário literário e que, por
consequência, pode negligenciar ou estereotipar a pluralidade cultural, sobretudo no que diz
respeito ao protagonismo negro nas obras infantis. Em outra perspectiva, Debus (2017, p. 37)
afirma que

As exigências da Lei n. 10.639/2003 culminaram com o florescimento de um


nicho mercadológico a partir da necessidade de livros que tematizem e
problematizem as questões étnico-raciais, por meio da representação de
personagens negros como protagonistas e narrativas que focalizem o
continente africano como múltiplo: desfazendo ideias enraizadas como
aquelas que trazem os personagens negros em papéis de submissão e/ou
retratando o período escravista, bem como a representação do continente
africano pelo viés do exótico. (DEBUS, 2017, p. 37).
62

A respeito do cenário apresentado nas publicações editorais das narrativas infantis, é


possível levantar diversas pesquisas que analisam a produção literária a partir da promulgação
da Lei nº 10.639/03 (DEBUS, 2006) e dos documentos orientadores que chegaram aos espaços
escolares e que, a princípio, deveriam estar inseridos nos currículos e, sobretudo, nas práticas
docentes. Uma das pesquisas realizadas revela dados importantes a respeito dos editais do
Programa Nacional da Biblioteca Escolar a partir de 2003, ano marcado pela legalidade de uma
política pública voltada às temáticas africanas e afro-brasileiras nas escolas. O trabalho das
pesquisadoras objetivou mapear as obras selecionadas nos editais do PNBE dos anos 2003,
2006, 2008, 2009, 2011 e 2013, realizando um levantamento de dados sobre o protagonismo
negro presente nas narrativas que faziam parte dos acervos que as escolas receberiam
(SEGABINAZI, SOUZA e MACEDO, 2017). Com base nessa análise, as obras selecionadas
nesse recorte temporal (2003-2013) revelam os seguintes dados:

Quadro 3 - Livros selecionados para o PNBE – 2003 a 2013

Títulos selecionados para Títulos que apresentam o


Ano do Edital
compor o acervo negro como protagonista
2003 38 1
2006 225 11
2008 100 11
2009 300 20
2011 150 9
2013 60 8

Fonte: Editais do PNBE (FNDE). Elaboração própria.

A partir dos dados da tabela, nota-se que, dos mais de 870 livros selecionados para
compor os acervos das bibliotecas escolares, apenas 60 traziam o negro como protagonista, o
que representa uma quantidade inferior a 7% dos títulos. Dentre tais obras, vale a pena ressaltar
um título que foi selecionado no edital do PNBE em 2006, cuja escolha diverge dos princípios
elencados em editais do programa.
Espera-se que a diversidade cultural seja minimamente respeitada e o protagonismo
negro seja representado de maneira afirmativa, possibilitando o combate ao preconceito e
racismo. Porém, a história escrita por Drummond Amorim, intitulada “Xixi na Cama”, teve sua
primeira publicação em 1979, pela Editora Dimensão. Selecionado para compor o acervo das
63

bibliotecas escolares em 2006, seu enredo marca a “saga” de um menino negro adotado por
uma família branca. Os relatos presentes na narrativa não dialogam em nada com os
pressupostos do programa e, sobretudo, sistematizam de maneira preconceituosa e “agressiva”
o cotidiano do personagem principal apelidado de “Xixi na Cama”. Um dos trechos e sua
ilustração demonstram o cenário em que o menino negro vivencia situações constrangedoras:

Figura 13 - Ilustração da p. 48 do livro “Xixi na Cama”

Fonte: AMORIM (1985)

A figura 13 escancara as marcas do racismo presente na literatura infantil por meio da


narrativa visual que apresenta um menino negro deitado sendo violentamente agredido por um
menino branco. Tal representação revela vestígios de um processo historicamente racista e que
esteve presente nos acervos de escolas públicas brasileiras e, neste sentido, concordamos com
as pesquisas de Lima (2005), em que a autora afirma que nesta obra “a humilhação, no martírio
do menino negro, é um dos casos mais violentos como construção simbólica apresentada para
as crianças”.
64

Figura 14 - Trecho do livro “Xixi na Cama”

Fonte: AMORIM (1985)

Os termos descritos nesse trecho presentes na figura 14 demonstram a insensibilidade


e o preconceito presentes na narrativa que, apesar das evidências e do teor extremamente
pejorativos, foi selecionada para compor o acervo das bibliotecas escolares. Essas observações
e apontamentos não objetivam apenas criticar tal escolha, mas sim elucidar os inúmeros
desafios relativos ao trabalho com a literatura infantil com foco no protagonismo negro.
Em síntese, as discussões apresentadas até aqui refletem o processo historicamente
construído de omissões e apagamento da cultura e literatura de temática africana e afro-
brasileira nas escolas que, apesar do início de uma movimentação editorial, ainda carrega
fragilidades e sinaliza desafios atuais na produção e seleção de obras literárias que tragam o
negro como protagonista. Além disso, uma observação crítica-reflexiva sobre os títulos
selecionados evidencia a necessidade de um diálogo cada vez mais preciso referente à
diversidade cultural presente nos contextos sociais brasileiros, sobretudo nos escolares, com o
intuito de potencializar escolhas literárias capazes de superar as distorções e estereótipos já
produzidos e publicados em décadas anteriores. Neste sentido, Ramos e Amaral afirmam que

A opção por obras que privilegiem culturas diversas, entre elas a africana, é
uma forma de permitir que as crianças construam seu imaginário com imagens
provindas de várias culturas. Abrir espaço e acolher outras, outras culturas nas
65

leituras a serem feitas pela criança brasileira é, pois, uma tentativa de


contribuir para que o discurso literário seja de fato dialógico, de modo que não
se tenha uma história única circulando no imaginário dos estudantes. Temos
tantas histórias quantos são os seus narradores, quantas são as culturas
privilegiadas. Trata-se de uma iniciativa que busca apagar o discurso
monológico em prol das outras vozes que compõem o cenário nacional.
(AMARAL, RAMOS, 2015, p. 204).

Sendo assim, fica claro que as escolhas das obras literárias dos Editais nº 01 e 02/2018
do PNLD Literário carregam intencionalidades que, por vezes, silenciam as vozes de povos e
culturas negligenciadas nas práticas leitoras e educativas até os tempos atuais.
Após tais análises, verificamos que, apesar das fragilidades apontadas, a Lei nº
10.639/03 trouxe para o campo editorial reflexões importantes a respeito da diversidade cultural
que deveria estar presente na literatura infantil, o que mobilizou equipes e sistemas de ensino
para que observassem de maneira criteriosa a qualidade literária e estética das obras
apresentadas.
Conforme descrito anteriormente, a pesquisa terá como foco a investigação das
categorias dos anos iniciais do Ensino Fundamental e, posteriormente, trará uma análise das
obras selecionadas no edital lançado em 2018 trazendo o negro como protagonista.
No que diz respeito às orientações e indicadores presentes no edital, foi possível
observar diversas mudanças, dentre elas a possibilidade de escolha das obras literárias pelo
grupo docente das escolas. Para auxiliar nesse processo de análise e escolha dos livros, o
Ministério da Educação disponibilizou para as unidades escolares um Guia do PNLD Literário
2018, trazendo alguns pressupostos como:

[...] considerou-se que as obras literárias, em língua portuguesa, da Educação


Infantil (creche e pré-escola), dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (1º ao
5º ano) e do Ensino Médio (1º ao 3º ano) podem potencializar, entre os(as)
estudantes de todas essas etapas, a capacidade de reflexão quanto a si próprios,
aos outros e ao mundo que os cerca. Essas obras podem também proporcionar
o contato com a diversidade em suas múltiplas expressões por meio de uma
interação – e gradativamente crítica – com a cultura letrada, sem descuidar da
dimensão estética dessa cultura (BRASIL, 2018, p. 12).

Além das concepções aparentemente genéricas a respeito da diversidade cultural que


nortearam as escolhas, as obras selecionadas para essa edição do atual programa de distribuição
dos livros literários foram divididas em temas que, segundo os documentos norteadores,
precisariam ser levados em consideração durante todo o processo de escolha, conforme
registrado nos quadros a seguir.
66

Quadro 4 - Categoria 4 (1º ao 3º ano do Ensino Fundamental)

Temas Enfoque da Obra


Personagens/ sujeitos líricos vivenciando a percepção do corpo, dos
Descoberta de si
sentimentos, das ações e da linguagem.
Primeiras experiências interpessoais e sociais das crianças,
Família, amigos e escola permitindo a construção de percepções e questionamentos sobre si e
sobre o outro.
Das descobertas e relações pessoais a esferas mais amplas, como a
escola, a cidade, o meio ambiente (paisagens naturais, aquáticas,
O mundo natural e social plantas, animais) e até mesmo o universo. Devem ser destacados
temas que abordem contextos regionais e locais e que estimulem o
respeito ao outro e o reconhecimento da diferença.
Ir além da realidade imediata da criança e estimular a imaginação e
Diversão e aventura o envolvimento com a leitura, tanto pelo trabalho com a linguagem
quanto pelo desenvolvimento da narrativa.
Tema livre desde que nomeado, definido e justificado, junto com a
Outro tema
categoria a que pertence.

Fonte: Brasil (2018, p.36). Grifo nosso.

Quadro 5 - Categoria 5 (4º e 5º anos do Ensino Fundamental)

Temas Enfoque da Obra


Percepção do corpo, construção da identidade e processos de
Autoconhecimento, amadurecimento, bem como a relação de personagens/sujeitos
sentimentos e emoções líricos com suas emoções e sentimentos, tais como o amor, a
alegria, o luto e a dor.
Personagens que estejam em interação com o mundo que lhe é
imediato, na relação com família, amigos e professores, permitindo
Família, amigos e escola
a construção de percepções e questionamentos sobre si e sobre o
outro.
Das descobertas e relações pessoais a esferas mais amplas, como a
cidade, o meio ambiente (paisagens naturais, aquáticas, plantas,
O mundo natural e social
animais) e até mesmo o universo. Devem-se destacar contextos
regionais e locais.
A descoberta e o contato entre diferentes esferas culturais, sociais,
geográficas etc., bem como entre indivíduos de diferentes etnias,
Encontros com a diferença raças e/ou o encontro com pessoas com deficiências. Na interação
com a diferença, deve-se destacar a necessidade de atitude
respeitosa e convívio pacífico.
Ir além da realidade imediata da criança e que estimulem a
Diversão e aventura imaginação e o envolvimento com a leitura, tanto pelo trabalho com
a linguagem quanto pelo desenvolvimento da narrativa.
Tema livre desde que nomeado, definido e justificado, junto com a
Outro tema
categoria a que pertence.

Fonte: Brasil (2018, p. 36-37). Grifo nosso.


67

À luz das tabelas que nortearam as escolhas e os temas das obras literárias selecionadas
para o PNLD 2018, verifica-se que no quadro 4 (categoria 04) há um apagamento dos temas
relacionados à cultura africana e afro-brasileira. Pode-se apontar, ainda, mesmo que de maneira
superficial, que o tema intitulado “O mundo natural e social” sinaliza uma relação muito
pequena no trabalho com a diversidade cultural no trecho da descrição: “devem ser destacados
temas que abordem contextos regionais e locais e que estimulem o respeito ao outro e o
reconhecimento da diferença” (grifo nosso).
Já no quadro 5 é possível notar que o tema “Encontros com a diferença” traz uma
tentativa de estabelecer algumas relações com as diferentes culturas, porém, pautadas na
perspectiva da descoberta, do contato e das interações, o que sinaliza um cenário aparentemente
vago a respeito das obras infantis que trazem perspectivas afirmativas em relação ao
protagonismo negro, pois não define critérios sólidos e explícitos para que a escolha das obras
literárias contemplem a diversidade étnico-racial brasileira, incluindo a africana e afro-
brasileira, apresentando ainda uma visão superficial em vez de possibilitar e garantir um regaste
histórico-cultural presentes em obras na produção literária.
Os termos utilizados nos temas e nas descrições (“reconhecimento e encontros com a
diferença”) traduzem os processos de negação que, por séculos, acompanham os espaços
escolares e suas práticas, enraizadas no eurocentrismo em diversos aspectos, inclusive os
literários. São terminologias que, para além do léxico, generalizam as temáticas africanas e
afro-brasileiras nas obras literárias, passando apenas pelo viés da aceitação, e não pelo combate
ao racismo, pela representatividade nos livros e por propostas afirmativas em relação ao povo
negro.
Ainda nesse sentido, a pesquisadora Rosa Vani Pereira (2010, p. 11) afirma que
“historicamente a negação de direitos fundamentais, a negação da identidade, da dignidade do
outro pauta-se em interesses políticos e econômicos e constituem um exercício arbitrário de
poder”. Tal afirmação dialoga muito com o período em que o recente edital do PNLD foi
oficializado, pois, à época, o cenário político brasileiro passava por muitas transformações e
retrocessos no que diz respeito às políticas públicas. Portanto, generalizar e não deixar claro a
necessidade de critérios pontuais sobre as temáticas africanas e afro-brasileiras, assim como as
descrições que nortearam as escolhas das obras literárias, possivelmente abriu caminho para
que o apagamento das diversas culturas estivesse presente nos ambientes e espaços escolares.
No que diz respeito à importância do trabalho com a diversidade na escola, Pereira reforça que
68

É possível mudar a forma como lidamos com a diferença, e a escola é um lugar


muito fértil para que isso aconteça, porque é um espaço onde a diversidade
está em toda a parte, Por ser um lugar onde os diferentes se encontram para
construir conhecimento, na escola é possível promover diálogos entre formas
de ver o mundo, é possível desconstruir representações sociais que sustentam
as desigualdades. Na escola aprendemos por meio dos livros, das palavras e
dos silêncios dos professores; aprendemos na hora dos recreios, dos
corredores, aprendemos sobre temas que não são oficialmente tratados,
aprendemos com os olhares e imagens expostas no material didático.
(PEREIRA, 2010, p. 13)

Assim sendo, a escola é um local privilegiado para o rompimento de práticas


silenciadoras que, por séculos, ocupam grande espaço nos currículos e nas propostas escolares.
E, nesse sentido, um dos caminhos possíveis que podem legitimar as ações pedagógicas é o
trabalho voltado à diversidade cultural presente na literatura infantil.
A seguir, apresenta-se uma análise do Edital do PNLD 2018 pautada nos títulos
selecionados contidos no Guia do PNLD entregue para as escolas, com foco nas obras que
trazem o negro como protagonista.

2.3 PNLD Literário 2018 e a temática africana e afro-brasileira: uma análise sobre as
obras selecionadas

Como citado anteriormente, a edição de 2018 do PNLD Literário permitiu que as


escolas públicas escolhessem as obras literárias que fariam parte dos acervos. Para tanto, foi
disponibilizado on-line um documento com orientações a respeito dos critérios de escolha, as
especificidades dos acervos de acordo com as turmas e etapas da Educação Básica, assim como
as resenhas dos títulos selecionados e regidos pelo Edital de 2018. Dentre as orientações que
compunham o Guia PNLD 2018 (BRASIL, 2018) e que abordavam as questões relacionadas
aos processos avaliativos dos livros, destaca-se:

[...] a avaliação pedagógica das obras literárias deste PNLD 2018 - Literário
incidiu em quatro dimensões, aplicadas às obras inscritas em qualquer um dos
níveis de ensino recobertos por esta edição do Programa: 1.1. Qualidade do
texto verbal e do texto visual; 1.2. Adequação de categoria, de tema e de
gênero literário; 1.3. Projeto gráfico-editorial; 1.4. Qualidade do material de
apoio (BRASIL, 2018, p. 13).

As dimensões acima elencadas nortearam, em tese, a seleção e as escolhas realizadas


pelas escolas, além de estabelecerem diálogos e relações com os Projetos Políticos Pedagógicos
das unidades escolares, com as especificidades das redes e sistemas de ensino e propósitos
69

educacionais. Com o objetivo de sistematizar as obras selecionadas do atual programa, a seguir


apresenta-se uma análise quantitativa das resenhas dos livros selecionados para as turmas do
Ensino Fundamental (1º a 5º ano), com foco nas questões de representatividade e protagonismo
negro nas obras. Para tal análise, foi realizada a leitura do Guia enviado às escolas e
disponibilizado em meios digitais com observações relacionadas aos aspectos textuais e
imagéticos.
Tendo como base a leitura das resenhas, foi possível verificar que, para a edição do
PNLD 2018, foram selecionados ao todo 400 títulos de obras infantis, contemplando-se os mais
diversos gêneros literários: conto, crônica, poesia, dentre outros. Os títulos também estavam
pautados nos critérios e temas já descritores anteriormente, apresentando as seguintes
informações: a) título da obra; b) autoria; c) código do livro; d) editorial; e) tema(s); f) categoria;
g) gênero; h) número de páginas; i) ano e número da edição. Outro ponto observado é que, ao
lado dessas informações, o guia apresentava a capa do livro, o que permitiu verificar, mesmo
que de maneira inicial, a representatividade presente nas imagens das obras literárias.
Após a leitura e análise do Guia, os dados abaixo demonstram as observações e
características que traziam as representações das temáticas africanas e afro-brasileiras presentes
nos títulos selecionados.
70

Quadro 6 - Obras selecionadas do PNLD Literário 2018 que trazem as temáticas africanas e afro-brasileiras

Página
Qtde. Título do Livro Autoria Tema Categoria Gênero
(guia)
Alafiá e a Marcel Tenório da Costa (Marcel
Ensino Conto, crônica,
pantera que Tenório), Olavo Costa Frade de Paula Diversão e aventura, O
01 Fundamental - 1º novela, teatro, texto 112
tinha olhos de (Olavo Costa), Theo de Oliveira (Theo mundo natural e social
ao 3º Ano da tradição popular
rubi de Oliveira)
Autoconhecimento,
sentimentos e emoções, Ensino Conto, crônica,
Aminata, a
02 Marie Therese Kowalczyk (Maté) Família, amigos e escola, O Fundamental - 4º novela, teatro, texto 118
tagarela
mundo natural e social, Ano e 5º Ano da tradição popular
Outros temas
Blimundo: o Ensino Conto, crônica,
Celso Sisto Silva (Celso Sisto), Elma
03 maior boi do O mundo natural e social Fundamental - 4º novela, teatro, texto 168
Maria Neves da Fonseca (Elma)
mundo Ano e 5º Ano da tradição popular
Bolota - uma Ensino Conto, crônica,
A Descoberta de Si, O
04 certa jabuticaba Iray Maria Galrao (Iray Galrao) Fundamental - 1º novela, teatro, texto 170
mundo natural e social
muito esperta ao 3º Ano da tradição popular
Luís Lázaro Sacramento de Araújo Ensino Memória, diário,
Caderno sem Diversão e aventura, Família,
05 Ramos (Lázaro Ramos), Maurício Fundamental - 4º biografia, relatos de 190
rimas da Maria amigos e escola
Negro Silveira (Maurício Negro) Ano e 5º Ano experiências
Luís Lázaro Sacramento de Araújo Ensino Memória, diário,
Cadernos de A Descoberta de Si, Família,
06 Ramos (Lázaro Ramos), Maurício Fundamental - 1º biografia, relatos de 192
rimas do João amigos e escola
Negro Silveira (Maurício Negro) ao 3º Ano experiências
André Luís Neves da Fonseca (André Ensino Conto, crônica,
Cartas a povos
07 Neves), Fábio Henrique Lima de Castro Encontros com a diferença Fundamental - 4º novela, teatro, texto 202
distantes
Monteiro (Fábio Monteiro) Ano e 5º Ano da tradição popular
Ensino Conto, crônica,
Cinco fábulas da
08 Gustavo Damiani, Júlio Emílio Braz O mundo natural e social Fundamental - 1º novela, teatro, texto 223
África
ao 3º Ano da tradição popular
71

Página
Qtde. Título do Livro Autoria Tema Categoria Gênero
(guia)
Conto, crônica,
Ana Maria Martins Machado (Ana Ensino novela, teatro, texto
Histórias
09 Maria Machado), Laurent Nicolas Encontros com a diferença Fundamental - 4º da tradição 338
africanas
Cardon (Laurent Cardon) Ano e 5º Ano
popular
Autoconhecimento,
Histórias de Carlos Alberto de Carvalho (Carlos sentimentos e emoções, Ensino Conto, crônica,
10 ouvir da África Alberto de Carvalho), Fábio Osmar de Diversão e aventura, Família, Fundamental - 4º novela, teatro, texto 340
fabulosa Oliveira Maciel (Fábio Maciel) amigos e escola, O mundo Ano e 5º Ano da tradição popular
natural e social
Janete Lins Rodriguez, Josilane Maria A Descoberta de Si, Família, Ensino Conto, crônica,
Kiriku e a
11 do Nascimento Silva, Maria Carmelita amigos e escola, O mundo Fundamental - 1º novela, teatro, texto 376
feiticeira
Lacerda natural e social ao 3º Ano da tradição popular
André Praça de Souza Telles (André Ensino Memória, diário,
12 Martin e rosa Telles), Raphaële Frier (Raphaële Frier), Encontros com a diferença Fundamental - 4º biografia, relatos de 421
Zaü (Zaü) Ano e 5º Ano experiências
Carmen Lucia Da Silva Campos
(Carmen Ensino Conto, crônica,
Meu avô Encontros com a diferença,
13 Fundamental - 4º novela, teatro, texto 433
africano Lucia Campos), Laurent Nicolas Cardon Família, amigos e escola
Ano e 5º Ano da tradição popular
(Laurent Cardon)
Bell Hooks, Chris Raschka, Ellen Ensino
Meu crespo é de Cristina
14 A Descoberta de Si Fundamental - 1º Poema 439
rainha
Nascimento Lopes (Nina Rizzi) ao 3º Ano
Olelê - uma A Descoberta de Si, Diversão Ensino Conto, crônica,
Fábio Simões Soares (Fábio Simões),
15 antiga cantiga e aventura, O mundo natural Fundamental - 1º novela, teatro, texto 622
Marilia Pirillo (Marilia Pirillo)
da África e social ao 3º Ano da tradição popular
Ombela: a Autoconhecimento, Ensino Conto, crônica,
Ndalu de Almeida (Ondjaki), Rachel
16 origem das sentimentos e emoções, Fundamental - 4º novela, teatro, texto 624
Marques Caiano (Rachel Caiano)
chuvas Diversão e aventura Ano e 5º Ano da tradição popular
72

Página
Qtde. Título do Livro Autoria Tema Categoria Gênero
(guia)
Rosângela Maria de Queiroz Bezerra A Descoberta de Si, Família, Ensino Memória, diário,
Os tesouros de
17 (Rosinha), Sônia Regina Rosa de amigos e escola, O mundo Fundamental - 1º biografia, relatos de 642
Monifa
Oliveira Dias de Jesus (Sônia Rosa) natural e social, Outros temas ao 3º Ano experiências
Maria Cristina Agostinho de Andrade
Ensino Conto, crônica,
Rapunzel e o (Cristina Agostinho), Ronaldo Simões
18 Diversão e aventura Fundamental - 1º novela, teatro, texto 720
quibungo Coelho, Walter Roberto Lara (Walter
ao 3º Ano da tradição popular
Lara)
Zumbi, o Conto, crônica,
Ensino novela, teatro, texto
menino que Gilberto Tome, Janaína Passos Amado
19 Encontros com a diferença Fundamental - 4º da tradição 812
nasceu e morreu Baptista de Figueiredo
Ano e 5º Ano
livre popular

Fonte: FNDE (2018). Elaboração própria


73

Com base nos dados acima, verifica-se que, dentre os 400 títulos selecionados, apenas
19 trazem a temática africana e afro-brasileira e/ou apresentam o negro como protagonista,
representando aproximadamente 5% das obras selecionadas, conforme a figura 15.

Figura 15 - Obras selecionadas no PNLD Literário 2018 e o protagonismo negro

5%
Outras temáticas

Temática africana, afro-


95% braasileira e/ou
protagonismo negro

Fonte: Elaboração própria.

Dentre os 19 títulos selecionados, ainda é possível sistematizar e quantificar os títulos


de acordo com os temas: 3 títulos se enquadram no tema “Diversão e aventura”, 3 títulos no
tema “Autoconhecimento, sentimentos e emoções”, 2 títulos são caracterizados como “O
mundo natural e social”, 6 títulos como “A descoberta de si” e 5 títulos são categorizados em
“Encontros com a diferença”.
Desse modo, fica evidente que, apesar das legislações vigentes a respeito das práticas
e ações no combate ao racismo, no sentido de potencializar nos ambientes escolares propostas
e práticas pedagógicas voltadas à diversidade cultural, observa-se um cenário de negligências
e minorias, até os dias de hoje, reveladas e explícitas nas políticas públicas educacionais, de
maneira mais específica nas propostas de incentivo à leitura. Este cenário não é inédito, pois
outras pesquisas realizadas sobre o protagonismo negro das obras selecionadas em editais
anteriores ao de 2018 (Edital nº 01 e 02/2018) também apresentam dados, como, por exemplo,
o trabalho de Bernardes (2018)18, em que a autora Debus (2020), após a análise de títulos
selecionais para os programas de incentivo à leitura (PNBE), afirmam que:

18
Bernardes (2018) faz uma análise de 360 títulos selecionados nos editais do PNBE nos anos de 2008, 2010, 2012
e 2014.
74

O PNBE nas quatro edições da Educação Infantil (2008, 2010, 2012 e 2014)
promoveu o envio de títulos para essa etapa da Educação Básica, mas estudos
demonstram que o protagonismo negro não ocupou um espaço de visibilidade
no conjunto do acervo, tal como evidenciam que o racismo não está na pauta
de discussões e acaba sendo reforçado. Após analisar os livros, ficou
comprovado que nos acervos do programa além da pouca representatividade
de personagens negras, a representação, na sua maioria, dá-se de forma
estereotipada e com pequena participação nas narrativas. (BERNARDES,
DEBUS, 2020, p. 143).

Diante disso, reforçamos a potência da literatura como uma das ações no combate do
racismo no contexto escolar e as possibilidades que os livros e as narrativas que trazem o
protagonismo negro podem possibilitar um espaço de construção positividade de identidade,
rompendo com estereótipos inferiorizados. Essa ideia também corrobora Bernardes e Debus,
uma vez que

A literatura, nesse contexto, pode ser um elemento essencial para a


desconstrução desse tipo de relação construída na nossa sociedade, pois a
linguagem literária proporciona, mesmo que pela ficcionalidade, a vivência de
experiências que possibilitam aprendizagens negativas ou positivas. Nesse
sentido, a depender da forma como as personagens são representadas, seja na
linguagem visual (ilustração) ou verbal (escrita), podem reforçar preconceitos
ou modificar e transformar conceitos. Para tanto, é indispensável o
entendimento de que a identificação da leitura literária, como produtora de
identidade e inclusão social, pode promover o conhecimento sobre a
pluralidade cultural da sociedade brasileira. (BERNARDES, DEBUS, 2020,
p. 143).

Além disso, o processo histórico de silenciamento e invisibilidade a respeito das


produções afro-brasileiras tem seu apagamento desde a época colonial, conforme destacado:

No caso da literatura, essa produção sofre, ao longo do tempo, impedimentos


vários à sua divulgação, a começar pela própria materialização em livro.
Quando não ficou inédita ou se perdeu nas prateleiras dos arquivos, circulou
muitas vezes de forma restrita, em pequenas edições ou suportes alternativos.
Em outros casos, existe o apagamento deliberado dos vínculos autorais e,
mesmo textuais, com a etnicidade africana ou com os modos e condições de
existência dos afro-brasileiros, em função do processo de miscigenação
branqueadora que perpassa a trajetória desta população (DUARTE, 2005, p.
113-114).

Portanto, com o propósito de elucidar e estabelecer diálogos mais próximos com as


realidades escolares, organizou-se uma pesquisa com os docentes de uma escola pública de um
município do interior paulista a respeito de algumas questões voltadas ao trabalho com as
práticas leitoras, a frequência das propostas realizadas, dentre outros aspectos relacionados e
descritos a seguir.
75

2.4 As práticas docentes e o protagonismo negro nas obras de literatura infantil: quais os
diálogos possíveis?

Dentre as diversas propostas pedagógicas que permeiam as rotinas escolares, nota-se


que, nos últimos anos, as práticas de leitura ganharam um espaço maior no cotidiano das
escolas. Diversas pesquisas apontam que, apesar das inúmeras deficiências no cenário
educacional, o investimento em formação continuada com foco na formação de leitores a partir
das políticas educacionais nos últimos 10 anos resultou em avanços no que diz respeito às
práticas de leitura nas salas de aula. Além de programas de incentivo à leitura já citados
anteriormente, um dos exemplos pode ser visto na promulgação de diretrizes educacionais e
programas de formação como as Diretrizes Curriculares da Educação Básica (BRASIL, 2013),
o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa19 (BRASIL, 2013), dentre outros.
No sentido de estabelecer relações entre a ação docente e as escolhas das obras
selecionadas do PNDL no ano de 2018, foi realizada uma pesquisa em uma escola pública do
interior paulista por meio de um questionário para os professores intitulado “A literatura de
matriz africana e afro-brasileira nas práticas pedagógicas” com o objetivo de fazer um
levantamento quantitativo e qualitativo de informações referentes às propostas e práticas de
leitura, dentre outros aspectos, tais como: tempo de atuação na Educação Básica; frequência do
trabalho com as propostas de leitura; os gêneros literários mais lidos para as turmas; a
quantidade de livros de temática africana ou afro-brasileira já lidos e/ou conhecidos pelo grupo
docente; a quantidade de livros de temática europeia e/ou outras já lidos e/ou conhecidos;
questões relacionadas ao PNLD (participação no processo de escolha dos livros, etc.) e, por
fim, questionamentos a respeito das obras conhecidas pelos professores que traziam o negro
como protagonista, sobretudo nas narrativas clássicas infantis (contos de fadas), apresentando
em seus enredos a presença e representatividade das personagens clássicas deste gênero
literário: as princesas africanas. A respeito do gênero contos de fadas, traremos aqui uma das
definições feitos por Volobuef (2011) sobre estas narrativas em que

os contos de fadas ostentam tamanha proximidade entre si por derivarem de


antigos mitos germânicos, os quais outrora haviam sido amplamente
difundidos. Conforme o caráter mítico foi resvalando no esquecimento, as

19
O PNAIC – Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa é um compromisso formal e solidário assumido
pelos governos Federal, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, desde 2012, para atender à Meta 5 do
Plano Nacional da Educação (PNE), que estabelece a obrigatoriedade de “Alfabetizar todas as crianças, no
máximo, até o final do 3º (terceiro) ano do Ensino Fundamental. Dentre as propostas formativas, incluía-se a
formação literária contando ainda com a distribuição de kits de livros para o acervo das salas de aula, com diversas
obras literárias infantis. O PNAIC foi extinto no ano de 2018.
76

narrativas foram mantidas vivas enquanto efabulação ficcional. Os contos


seriam, assim, versões modificadas pela imaginação (ou seja, transformadas
em ficção) de antigas narrativas que outrora tinham valor sagrado
(VOLOBUEF, 2011, p. 20).

Porém, apesar da definição vista acima, e que posteriormente será retomada por Ítalo
Calvino, no capítulo 3 desta pesquisa apresentaremos um outro gênero que dialoga com as
princesas africanas que serão apresentadas: o realismo animista.20
Em continuidade à descrição da pesquisa realizada com os professores,
apresentaremos agora o contexto da Unidade Escolar na qual a pesquisa foi realizada. A escola
está localizada na região periférica de uma cidade no interior paulista, atende alunos de 1º a 5º
ano do Ensino Fundamental, contando com aproximadamente 600 alunos nos períodos
matutino e vespertino e com 20 professores. No ano de 2018, a Instituição de Ensino participou
de todo o processo de escolha das obras literárias do PNLD para compor seu acervo, desde o
cadastro no sistema do Ministério da Educação, o recebimento do Guia on-line com as resenhas
dos títulos selecionados até a escolha dos livros pelo grupo docente, pautando-se em critérios
pré-determinados que serão apresentados no decorrer dessa pesquisa.
Por meio de um questionário composto por 11 questões (sendo elas objetivas e
dissertativas e presentes nesta pesquisa no anexo A), participaram da pesquisa 20 professores.
Após a leitura e análise do material coletado, apresentaremos a seguir os dados e observações
realizadas pelo grupo de professores no sentido de estabelecer diálogos possíveis entre as
práticas pedagógicas realizadas no cotidiano das escolas e o trabalho com a literatura infantil
com foco no protagonismo negro nas narrativas clássicas infantis.
Um dos primeiros pontos analisados foi o tempo de atuação na Educação Básica. Tal
análise permitiu mapear o perfil do grupo docente a respeito da experiência profissional e os
possíveis encaminhamentos acerca dessa experiência, uma vez que, segundo Tardif, os “saberes
docentes” também se (re)constroem nas práticas experienciais:

Os saberes experienciais [...] são saberes práticos (e não da prática: eles não
se superpõem à prática para melhor conhecê-la, mas se integram a ela e dela
são partes constituintes enquanto prática docente) e formam um conjunto de
representações a partir das quais os professores interpretam, compreendem e
orientam sua profissão e sua prática cotidiana em todas as suas dimensões.
Eles constituem, por assim dizer, a cultura docente em ação. (TARDIF, 2014,
p. 48-49).

20
No capítulo 3 desta pesquisa traremos a definição do termo realismo animista pautando-nos nos estudos de
Garuba (2012).
77

Nessa perspectiva, com base nos dados obtidos por meio do questionário, o grupo
docente da Unidade Escolar pesquisada pode ser assim representando no que tange à
experiência profissional na Educação Básica:

Figura 16 - Tempo de atuação na Educação Básica do grupo de docentes entrevistados

15%
40%
Menos de 1 ano
25% 1-3 anos
3-5 anos
20% 5 anos ou mais

Fonte: Elaboração própria

Como apresentado na figura 16, o grupo de professores apresenta um perfil


heterogêneo em relação ao tempo de atuação na docência: 8 professores atuam há mais de 5
anos, 4 professores possuem de 3 a 5 anos de experiência, 5 professores estão atuando no
período de 1 a 3 anos e 3 professores lecionam na Educação Básica há menos de 1 ano.
Dando continuidade, analisaremos agora a frequência do trabalho com as propostas de
leitura realizadas pelos professores no cotidiano das aulas. A partir das respostas, viu-se que
todos os professores relataram que o trabalho com leitura (leitura em voz alta pelo professor) é
realizado de forma diária, ou seja, os alunos ouvem histórias e têm acesso aos livros de literatura
infantil durante todos os dias da semana, de maneira permanente e contínua. Tais informações
revelam que o trabalho com a leitura nas escolas pode ser considerado uma prática presente nas
rotinas, corroborando os programas de incentivo de leitura já apontados nesse trabalho.
Para além da frequência do trabalho com as propostas de leitura, é preciso destacar a
importância dessas práticas no sentido de que o texto literário partilha com os leitores,
independentemente da idade, valores de natureza social, cultural, histórica e/ou ideológica por
ser uma realização da cultura e estar integrado em um processo comunicativo (DEBUS, 2017).
78

Na sequência, os professores também apontaram os gêneros literários mais frequentes


dentre os títulos selecionados e lidos por eles para as turmas. Dentre as escolhas realizadas,
elencam-se as seguintes informações: 95% dos professores relataram que nas suas escolhas
literárias o gênero mais frequente embasa-se nos contos (inclusive as narrativas clássicas
infantis, contos de fada, etc.) e o restante (5%) seleciona leituras de outros gêneros literários
como: fábulas, poesia, textos informativos, etc.
Ao nos debruçarmos sobre a predominância do gênero conto (especificamente do
conto clássico), é possível perceber que ele é facilmente encontrado nos acervos das bibliotecas
escolares, nos editais dos programas de incentivo à leitura e, consequentemente, ocupam um
espaço maior nas propostas e práticas literárias.
Uma vez que a pesquisa apontou a frequência diária nas propostas de leitura em sala
de aula, olharemos agora para os temas apresentados nas narrativas e nos enredos das histórias
infantis, conforme mostra a figura 17:

Figura 17 – Número de livros lidos pelos professores de temática africana/afro-brasileira

5%
30%

65%

Nenhum 01 a 05 5 ou mais

Fonte: Elaboração própria

Segundo as respostas e registros dos professores, 13 deles afirmaram que no último


ano leram entre 1-5 livros de temática africana e/ou afro-brasileira para suas turmas, o que
representa 65% do grupo participante da pesquisa. Ainda neste contexto, 1 docente (5%)
apontou que no último ano selecionou de 5 a 10 obras para serem lidas nas aulas e, por fim, 6
professores apontaram que no último ano não leram nenhum livro sobre a temática africana
e/ou afro-brasileira, representando assim 30% do grupo.
Por outro lado, a pesquisa ainda revelou que, no que diz respeito aos livros e histórias
escolhidas que trazem em suas narrativas as matrizes europeias e/ou outras matrizes que não a
79

africana, o quadro apresentado foi bastante diferente, pois 100% dos professores afirmaram que
no último ano leram 10 ou mais obras que traziam tais temáticas (europeias). Este quadro, em
síntese, legitima, de certo modo, o quanto a literatura infantil tem sido compartilhada nas rotinas
e práticas escolares apenas pelo viés eurocêntrico que, por vezes, é predominante no cenário
literário, dentre tantos outros.
Ainda nesse contexto, Debus ressalta os diálogos entre as práticas literárias e o
protagonismo negro nas narrativas infantis, além de provocar reflexões sobre as relações de
poder presentes na literatura e seus sujeitos:

[...] a relação entre o produtor do texto de recepção infantil (adulto) e o leitor


(adulto/criança) promoveu, em seu nascedouro, uma construção textual e um
protocolo de leitura no qual a criança, compreendida como receptor passivo,
por meio de personagens modelares, absorve exemplos de bom
comportamento e valores a serem seguidos. Por outro lado, aquele que alicerça
os modelos – os protagonistas das narrativas- apresenta características
vinculadas aos grupos mantenedores do poder, por certo não contemplando a
diversidade étnica, silenciando a representação de personagens negros,
indígenas, asiáticos entre outros. (DEBUS, 2017, p. 29).

Tendo como norteadores os dados até então apresentados, acrescenta-se a essa análise
os apontamentos do grupo docente sobre os possíveis motivos pelo qual o trabalho com a
literatura infantil de matriz africana e/ou afro-brasileira ainda é pouco realizado nas escolas,
conforme a figura 18:

Figura 18 - Motivos que dificultam o trabalho com a literatura de matriz africana e afro-
brasileira apontados pelos docentes entrevistados

30% Falta formação continuada


a respeito do tema

O acervo das bibliotecas


escolares tem um número
70% pequeno das obras dessa
temática

Fonte: Elaboração própria


80

Os resultados demonstram que, para a maior parte do grupo docente, o motivo pelo
qual o trabalho com a literatura infantil de temática africana e afro-brasileira é pouco explorado
nas escolas é o número pequeno das obras no acervo das bibliotecas escolares; a outra parte do
grupo (6 professores) acredita que há uma carência de propostas e pautas formativas a respeito
do tema, o que, de certa maneira, dificulta o trabalho docente.
Vale a pena ressaltar que tais informações evidenciam e retomam cenários já
apresentados anteriormente, como, por exemplo, o edital do PNLD Literário 2018, em que, das
400 obras selecionadas, apenas 19 traziam a temática africana e afro-brasileira
(aproximadamente 5%). Além disso, conforme já apontado, as pesquisas recentes
(SEGABINAZI, SOUZA e MACEDO, 2017) também demonstram que nos últimos editais do
PNBE os livros que traziam o negro como protagonista apresentavam números bastante
reduzidos, revelando um processo ainda embrionário sobre a temática africana e afro-brasileira.
Quanto às ações afirmativas (aqui já citadas), as políticas públicas de formação
continuada de professores apresentaram avanços a partir do ano de 2003, especificamente em
relação às relações étnico-raciais no ano de 2004, com a publicação das “Diretrizes
curriculares nacionais para a educação das relações étnico-raciais e para o ensino de história e
cultura afro-brasileira e africana”.
Porém, apesar dessas iniciativas, o trabalho voltado à formação de professores nessa
temática ainda é bastante negligenciado, refletindo-se nos currículos escolares e demonstrado
de maneira parcial e representativa nos dados apontados pelos professores. Tais constatações
também convergem com os estudos de Nilma Lino Gomes. Segundo a pesquisadora, “é
necessária uma formação político-pedagógica que subsidie um trabalho efetivo com a questão
racial na instituição escolar. Boa vontade só não basta!” (GOMES, 1995).
Outro ponto analisado na pesquisa versou sobre a participação dos docentes no
processo de escolha dos livros com base no Guia do PNLD Literário 2018. As respostas
indicaram que, dos 20 professores atuantes na Unidade Escolar, apenas 5 participaram do
processo de escolha, sendo que o restante do grupo estava atuando em outra escola e/ou rede
de ensino. Diante disso, a maioria dos professores entrevistados não soube informar a
quantidade de livros de matriz africana e afro-brasileira selecionados pela escola no presente
edital.
No viés da pesquisa realizada com os professores, buscou-se realizar um levantamento
do número de livros de temática africana conhecidos pelo grupo durante suas trajetórias
escolares e/ou profissionais. Dentre os títulos elencados, verificaram-se os seguintes títulos:
81

Quadro 7 - Livros de temática africana apontados pelo grupo docente

Título do livro Autor Professores que conhecem o livro


Menina bonita do laço de fita Ana Maria Machado 6
O menino marrom Ziraldo 2
Obax André Neves 1
Amoras Emicida 2

Fonte: Elaboração própria

Além desses apontamentos, 5 professores relataram conhecer de 1 a 5 livros, mas não


souberam dizer os títulos, e 3 docentes afirmaram não conhecer nenhum livro sobre tal temática.
Ao observarmos os dados, é possível estabelecer reflexões importantes que tangem à
representatividade e ao protagonismo negro presente nas narrativas apontadas pelos
professores. O livro “Menina bonita do laço de fita” de Ana Maria Machado teve sua primeira
edição no ano de 2000, pela Editora Ática. O livro, que traz no seu bojo a história de um coelho
branco que queria ter uma filha “pretinha” como a menina, tem sido bastante utilizado nas
escolas desde então. Porém, há diversas reflexões em que o enredo da história é problematizado,
assim como os encaminhamentos meramente didáticos do seu uso, como, por exemplo, pode
ser visto na pesquisa de Araújo (2015) em que a pesquisa afirma que

A intelectualidade, no caso específico da personagem Menina bonita, por


exemplo, fica relegada a um segundo plano, já que a mesma, como bem
apontou Oliveira (2003) apresenta poucas ou fragmentadas informações sobre
sua história, podendo-se inferir, portanto, uma espécie de alienação por parte
da personagem, que não se interessa em conhecer suas origens. (ARAÚJO,
2015, p.73).

Nesse mesmo caminho, outro livro apontado pelos professores foi “O menino
marrom”, de Ziraldo, que teve sua primeira edição lançada em 1986. Na história, dois meninos
(um negro e branco) vivem diversas aventuras. Esse título, apesar de trazer em seu bojo a
proposta de apresentar o negro de forma diferente de como era apresentado na década de 1980
(associado à pobreza, marginalidade, passividade), também suscita várias discussões a respeito
da representatividade e identidade do personagem. As duas obras, por mais que tenham
aparecido nos relatos dos professores como obras de representativa negra, não dialogam com o
protagonismo negro aqui apresentado, uma vez que não estabelecem relações históricas e
culturais, mas que ressaltam os estereótipos historicamente construídos e presentes nas
narrativas infantis.
82

Foram citadas duas obras que podem ser classificadas como mais contemporâneas:
“Obax” (NEVES, 2010) e “Amoras” (EMICIDA, 2018). Os livros apresentam perspectivas
voltadas à representatividade positiva do negro, trazendo em seus enredos outras possibilidades
de narrativa. Tais obras, em síntese, não têm o objetivo de moralizar as temáticas voltadas ao
preconceito e/ou racismo, mas sim de oportunizar narrativas em que o negro assuma um lugar
de protagonista, não apenas pela tonalidade da pele. No livro “Amoras”, o autor nos apresenta
de uma forma bastante poética as reflexões de uma menina negra e, além disso, traz no final
um glossário com saberes da cultura africana, como podemos ver na figura 19.

Figura 19 - Glossário no livro “Amoras”

Fonte: EMICIDA (2018)

Já em “Obax”, o autor revela a história de uma menina solitária, que saiu pelo mundo
para viver diversas aventuras. O livro mostra a diversidade da cultura africana, utilizando cores
e paisagens que evidenciam tal cultura, conforme visto na figura 20:
83

Figura 20 - Paisagem africana ilustrada no livro “Obax”

Fonte: NEVES (2010)

Dando sequência, a pesquisa ainda revelou dados relacionados à presença de


personagens clássicos nas histórias e narrativas infantis conhecidas pelos docentes, como pode
ser visto na figura 21:

Figura 21 - Professores e as histórias de princesas africanas

30%

70%

Conhecem Não conhecem

Fonte: Elaboração própria

Nesse sentido, verificou-se que, dos 20 docentes da Unidade Escolar, 14 dizem não
conhecer nenhum livro em que apareça uma princesa africana, enquanto apenas 6 relatam
conhecer pelo menos uma história em que as princesas africanas aparecem.
84

Diante desses dados, pode-se concluir que o protagonismo negro ainda é apresentado
de maneira fragmentada e reduzida, tanto pelos acervos e pelas obras literárias quanto pelos
processos formativos e pelas práticas docentes. Em um dos seus trabalhos, Cavalleiro faz uma
análise destes processos históricos de silenciamento nas propostas das escolas infantis,
afirmando que

O silêncio que atravessa os conflitos étnicos na sociedade é o mesmo que


sustenta o preconceito e a discriminação no interior da escola. De modo
silencioso ocorrem situações, no espaço escolar, que podem influenciar a
socialização das crianças, mostrando-lhes diferentes lugares para pessoas
brancas e negras [...] No espaço escolar há toda uma linguagem não verbal
expressa por meio de comportamentos sociais e disposições – formas de
tratamento, atitudes, gestos, tons de voz e outras –, que transmite valores
marcadamente preconceituosos e discriminatórios, comprometendo assim, o
conhecimento a respeito do grupo negro. (CAVALLEIRO, 2017, p. 98).

Nesse cenário de silenciamentos, as informações levantadas na pesquisa com os


professores demonstraram que, apesar de uma lei promulgada há 17 anos, a qual garante nas
escolas ações de combate ao preconceito e ao racismo, passando pelas práticas leitoras, há uma
grande lacuna encontrada nos espaços escolares, negligenciando assim o trabalho e acesso de
obras literárias que trazem o negro como protagonista.
No sentido de estabelecer relações entre os aspectos teóricos e práticos e potencializar
as reflexões sobre o trabalho com a literatura infantil com foco nas narrativas que trazem a
temática africana e afro-brasileira, foi possível analisar também a ata de escolha dos livros
selecionados para compor o acervo da Unidade Escolar em questão. Para tanto, vale a pena
ressaltar alguns critérios nos quais as escolas se pautaram no que diz respeito à quantidade e
distribuição dos livros para as turmas, sendo que, após a análise das obras selecionadas, os
docentes deveriam escolher um número específico de obras literárias já determinado no edital
do programa, assim como as orientações enviadas às escolas.
O processo de escolha dos livros foi realizado da seguinte maneira: ao receberem o
Guia de Livros do PNLD 2018, os professores observaram e fizeram a leitura das resenhas
apresentadas. A partir dessa leitura, o grupo docente escolheria a seguinte quantidade: 35 livros
para as turmas de 1º a 3º ano e 50 obras para as turmas de 4º e 5º ano. Além do número que
deveria compor o acervo das salas, é preciso acrescentar especificidades em relação às turmas
de 4º e 5º anos, pois, além do acervo da sala (50 livros), os docentes ainda selecionaram 2 títulos
adicionais, intitulados como “Livro do aluno”: cada aluno teria um exemplar individual para
uso na sala e/ou outros espaços.
85

Com os dados relacionados à quantidade de livros por turma já expostos,


continuaremos a análise da ata da seleção dos títulos realizada pelos docentes da Unidade
Escolar com foco nas obras literárias de abordagem à temática africana e afro-brasileira. Ao
todo, foram selecionados 205 títulos, conforme registrado na Ata de Escolha analisada nesta
pesquisa. Dentre as obras selecionadas, foi possível elencar os seguintes dados:

Quadro 8 - Obras selecionadas pela Unidade Escolar

Turma Livros selecionados Livros – Temática africana/afro-brasileira


1º ano 35 Nenhum livro
2º ano 35 4
3º ano 35 Nenhum livro
4º ano 50 4
5º ano 50 1

Fonte: Ata de Escolha dos livros do PNLD da unidade escolar, 2018. Elaboração própria

Nas turmas de 1º e 3º ano não foi encontrado nenhum livro que trazia a temática
africana e afro-brasileira em sua narrativa, conforme é possível observar no quadro acima. Por
outro lado, nas turmas de 2º ano foram selecionadas as seguintes obras: “Rapunzel e o
Quibungo” (Maria Cristina Agostinho de Andrade, Ronaldo Simões Coelho e Walter Roberto
Lara); “Meu crespo é de Rainha” (Bell Hooks, Chris Raschka e Ellen Cristina Nascimento
Lopes); “Kiriku e a feiticeira” (Janete Lins Rodriguez, Josilane Maria do Nascimento Silva e
Maria Carmelita Lacerda); e “Os tesouros de Monifa” (Rosângela Maria de Queiroz Bezerra e
Sônia Regina Rosa de Oliveira Dias de Jesus). Já nas turmas de 4º ano, os 4 títulos selecionados
foram: “Histórias Africanas” (Ana Maria Martins Machado e Laurent Nicolas Cardon);
“Blimundo: o maior boi do mundo” (Celso Sisto Silva e Elma Maria Neves da Fonseca);
“Ombela: a origem da chuva” (Ndalu de Almeida e Rachel Marques Caiano); e “Caderno sem
rimas da Maria” (Luís Lázaro Sacramento de Araújo Ramos e Maurício Negro Silveira). Por
fim, nas salas de 5º ano, apenas um título foi selecionado, sendo: “Zumbi, o menino que nasceu
e morreu” (Gilberto Tome e Janaína Passos Amado Baptista de Figueiredo).
Dentre os 205 títulos selecionados pela Unidade Escolar, apenas 9 trazem a temática
africana e afro-brasileira em suas narrativas, reforçando o processo histórico e ainda vivenciado
nos ambientes escolares no que diz respeito ao número reduzido de obras que valorizem a
diversidade cultural e étnica presente nas diversas realidades brasileiras.
86

2.5 O PNLD e as narrativas clássicas infantis: onde estão as princesas africanas?

Como já vimos até aqui, as políticas públicas de incentivo à leitura potencializaram


nas escolas públicas avanços a respeito do trabalho literário, seja voltado à formação de
professores, seja por meio dos acervos que chegaram às bibliotecas escolares do país. Tendo
em vista tais ações, pode-se afirmar que “a leitura como prática presente nas atividades
pedagógicas e nos contextos escolares potencializa habilidades, produz conhecimentos, além
de contribuir na construção de representações e do imaginário infantil” (LAJOLO, 1994).
Neste sentido, ao nos debruçarmos sobre os editais anteriores do Programa Nacional
da Biblioteca da Escola, encontramos um grande número de obras literárias que, por vezes,
trazem em seu bojo as narrativas clássicas infantis: os contos de fadas. Ao nos referenciarmos
aos contos clássicos, é importante observar uma das sínteses apresentadas por Ítalo Calvino

Os clássicos são livros que exercem uma influência particular quando se


impõem como inesquecíveis e também quando se ocultam nas dobras da
memória, mimetizando-se como inconsciente coletivo ou individual [...] Os
clássicos são aqueles livros que chegam até nós trazendo consigo as marcas
das leituras que procederam a nossa e atrás de si os traços que deixaram na
cultura ou nas culturas que atravessaram (ou mais simplesmente na linguagem
ou nos costumes). (CALVINO, 1993, p. 10-11).

Assim, o papel assumido pelos contos clássicos – narrativas populares que povoam
boa parte dos livros de literatura infanto-juvenil – permeiam o cenário literário por séculos. No
âmbito da literatura infantil, as narrativas clássicas, em sua maioria, são denominadas contos
de fadas: gênero literário que ocupa um lugar já consolidado nas práticas de leitura realizadas
nas escolas. Ainda nesse contexto, os acervos das bibliotecas escolares geralmente trazem
títulos diversos dos clássicos contos de fadas que, de maneira quase unânime, carregam na
essência de suas narrativas e enredos uma personagem muito presente: as princesas. A leitura
dos contos protagonizados por tais personagens possibilita relações diretas com o imaginário
infantil, assim como afirmam Saldanha e Souza (2016, p. 03):

A literatura infantil está repleta de personagens com as quais as crianças se


identificam. Entre esses seres ficcionais, as princesas configuram um modelo
do que seja esperado da figura feminina. Alicerçada na literatura europeia, as
princesas delineadas na nossa literatura infantil são, em sua maioria,
construídas nesse padrão europeu: brancas, de olhos azuis. Esse ideal é ainda
mais afirmado com a divulgação das princesas da Disney. Todas essas
representações hegemônicas produzem efeitos na formação identitária de
nossas crianças que tomam esses padrões como espelho, muitas vezes
revelando a impossibilidade de identificação. Assim, imersos num mundo de
imagens, somente algumas se apresentam às crianças como legítimas, visto
87

que padronizam um modelo, ditando formas de comportamentos e valores


culturais através dos discursos propagados pelos artefatos culturais, entre os
quais o livro de literatura infantil. (SALDANHA, SOUZA, 2016, p. 03).

Nesse sentido, pode-se afirmar que em grande parte das obras publicadas, tanto na
literatura infantil quanto nos trabalhos cinematográficos, as personagens princesas apresentam
características eurocêntricas que se perpetuam ao longo dos anos e que estão frequentemente
presentes nas escolas. Pesquisas realizadas sobre a temática puderam revelar, por meio de uma
investigação nos acervos do PNBE, uma fragilidade latente na publicação de obras em que as
narrativas infantis clássicas trouxessem o (re)conhecimento da memória das princesas africanas
em seus enredos (SEGABINAZI, SOUZA e MACEDO, 2017).
As pesquisadoras fizeram um levantamento bibliográfico em todas as edições do
PNBE e, dentre os resultados obtidos, foi possível observar que, apesar dos avanços relativos à
promulgação da Lei nº 10.639/03, o número de obras em que o protagonismo negro é pautado
nas princesas africanas ainda era extremamente pequeno, legitimando assim um processo
histórico de apagamento da cultura africana e afro-brasileira presente na literatura infantil.
Diante desse quadro e com base na análise da edição do PNLD Literário 2018, afirma-
se que o cenário atual não é muito distante daquele apontado pelas pesquisadoras. Ao
investigarmos as obras literárias que trazem o negro como protagonista e, especificamente,
abarcam o (re)conhecimento das princesas africanas, encontramos apenas uma obra: “Rapunzel
e o Quibungo”, escrita em 2012 por Maria Cristina Agostinho de Andrade, Ronaldo Simões
Coelho e Walter Roberto Lara e publicada pela Mazza Edições. Como critério de análise,
buscou-se, além das características relacionadas às representações nas imagens, as descrições
na resenha do livro presentes no guia:

A obra Rapunzel e o Quibungo, adaptação ao conto de Rapunzel proposta por


Cristina Agostinho e Ronaldo Simões Coelho, traz ilustrações de Walter Lara
para contar a história de uma menina que vive aventura semelhante ao
percurso das princesas dos contos de fadas europeus. Com suas longas tranças,
Rapunzel é sequestrada pelo Quibungo, uma espécie de bicho-papão, por
cantar lindamente. Vive numa torre de bambu, no alto de uma castanheira, até
que o príncipe Dakarai aparece para salvá-la. Contudo, a narrativa ambienta-
se na Bahia, apresentando personagens negros e seres mitológicos brasileiros.
Exemplar do gênero conto literário, o texto corresponde às convenções do
conto: apresenta narrativa curta, com enredo simples e poucos personagens,
envolvidos em ações narrativas que conduzem ao clímax emocionante e ao
desfecho fantástico. Dessa forma, a construção do texto enriquece o repertório
de formas literárias do aluno, dialogando com o seu horizonte de expectativas.
A proposta possibilita que o leitor compare as alterações da adaptação
apresentada, em relação à versão europeia. A abordagem do tema é adequada,
ao resgatar uma narrativa amplamente conhecida, inserindo-a em outro
88

contexto mais próximo do leitor brasileiro e narrando uma aventura em que as


crianças são protagonistas, inclusive na solução do problema. O texto visual
que evidencia interação com o texto verbal, explorando recursos com vistas à
experiência estética. A visualidade explora com cuidado e delicadeza a
ambientação da narrativa em espaço brasileiro e a representação positiva da
negritude, aspecto relevante para a construção da identidade racial das
crianças (BRASIL, 2018, p. 721).

Os termos grifados acima nos chamam a atenção para dois pontos importantes: a) ao
trazer na sua descrição que a proposta possibilita uma comparação à versão europeia, pode-se
afirmar que há uma tentativa de promover o (re)conhecimento de outra proposta imagética da
personagem princesa, que, por séculos, foi representada de maneira única e estereotipada; b) no
que diz respeito à representação positiva da negritude, a narrativa potencializa características
importantes e que, de certa maneira, contribuirão com o processo de identidade e
representatividade racial das crianças brasileiras nos espaços escolares. Para elucidar tais
apontamentos, vejamos a imagem da capa do livro na figura abaixo:

Figura 22 - Capa do Livro “Rapunzel e o Quibungo”

Fonte: COELHO (2012) Arquivo pessoal

Na imagem, a personagem retratada dialoga com as características do povo negro,


rompendo com a visão europeia reproduzida por séculos em que as princesas são,

[...] geralmente de pele muito clara e de cabelos loiros. Algumas ainda


crianças, outras mal entradas na adolescência. Têm uma vida tranquila e feliz,
até que, em determinado momento, passam por provas e provações, mas são
salvas por jovens príncipes, belos, educados e ricos, que por elas arriscam a
89

própria vida e com os quais elas se casam, sendo, então, “felizes para sempre”.
Pertencem aos contos de fadas, são europeias e suas histórias aconteceram há
muito e muitos anos (ROCHA, 2009, p. 21).

Portanto, apesar da representatividade negra estar presente na narrativa por meio de


uma adaptação de um conto clássico de matriz europeia, a obra, em seu enredo, não traz um
resgate histórico de uma personagem genuinamente africana, que poderia apresentar, por
exemplo, a riqueza da ancestralidade das mulheres guerreiras africanas, cujas histórias são
negligenciadas e silenciadas nos diversos espaços, sobretudo nos ambientes escolares.
Ainda nesse viés e a respeito de obras similares ao título aqui mencionado, Segabinazi,
Souza e Macedo concluem que

[...] torna-se claro a ausência de uma pesquisa aprofundada por partes dos
autores para a construção de uma narrativa que resgate os valores africanos.
Temos princesas dotadas dos mesmos hábitos, comportamentos e linguagens
da história europeia que já nos foi contada. Dessa forma, reforçamos nos
nossos questionamentos: se estamos falando de uma literatura afro-brasileira,
por que não resgatar as histórias africanas? Por que não apresentar as princesas
africanas esquecidas? Se o espaço que há tanto tempo foi negado, agora fora
conquistado, por que os autores ainda estão reproduzindo os clássicos contos
populares europeus? Que identidade afro-brasileira está sendo construída? Se
essa for apenas para fins estéticos, certamente, há muito que se avançar.
(SEGABIZINI, SOUZA, MACEDO, 2017, p. 230-231).

As perguntas levantadas pelas pesquisadoras ainda estão presentes nos diversos


contextos escolares, pois, como já visto nessa pesquisa, ainda há uma baixa representatividade
das princesas negras africanas nas narrativas infantis. Por outro lado, nas obras já publicadas e,
no caso da obra selecionada para o PNLD Literário 2018 (Rapunzel e o Quibungo), o modelo
europeu é simplesmente adaptado, trazendo apenas marcas de representatividade imagética,
desconsiderando a historicidade sociocultural do povo africano.
Ainda de acordo com as pesquisadoras,

[...] inserir princesas negras na literatura infantil e juvenil, não se trata apenas
de modificar a cor da pele, o maior objetivo deveria ser o de contribuir para a
propagação da cultura desse povo que por tanto tempo foi esquecido, a fim de
cooperar para a consolidação da identidade das princesas africanas nos contos
populares contemporâneos. Para isso, faz-se necessário um resgate de uma
literatura genuinamente de matriz afro-brasileira ou africana e não uma troca
de cores e traços, que talvez possa confundir o leitor (SEGABINAZI, SOUZA
e MACEDO, 2017, p. 238-239).

Portanto, fica evidente que, mesmo diante da edição de políticas públicas de incentivo
à leitura e formação de leitores com novos formatos, o velho silenciamento e apagamento da
90

história e da cultura dos povos africanos nas narrativas infantis, especificamente no que diz
respeito às princesas negras africanas, ainda se faz presente. Resta-nos o desafio de
potencializar, nos espaços escolares, análises e reflexões cada vez mais minuciosas sobre a
qualidade dos títulos que chegam aos acervos das escolas na dimensão literária e estética, no
sentido de possibilitar, além do resgate histórico, o (re)conhecimento das princesas negras
africanas que, muito mais do que a simples representatividade estampada nos tons de pele,
revelam a ancestralidade e a cultura secular do povo africano historicamente apagado e
invisibilizado.
No próximo capítulo e à luz das discussões até aqui realizadas, apresentaremos uma
possibilidade didática que terá como objetivo potencializar nos contextos escolares o
reconhecimento e a valorização do protagonismo negro nas narrativas infantis por meio das
princesas africanas.
91

3 UMA POSSIBILIDADE DIDÁTICA: CONHECENDO AS PRINCESAS AFRICANAS

Durante os percursos de pesquisa apresentados até aqui, verificou-se que as reflexões


e discussões a respeito de práticas educativas que valorizam a diversidade racial no ambiente
escolar caminha em um ritmo lento e descompassado e que, apesar de diversas ações
afirmativas em algumas políticas públicas, como, por exemplo, os programas de livro literário,
o contexto escolar ainda carrega um cenário marcado por invisibilidades e silenciamentos do
protagonismo negro nas suas diversas linguagens.
A respeito do exposto acima, buscaremos neste capítulo apresentar, de maneira breve,
algumas premissas da Pedagogia Histórico-Crítica e suas contribuições para a proposta
educativa aqui apresentada, perpassando por uma possibilidade didática que contribua de
maneira significativa para o reconhecimento das personagens infantis (princesas africanas) nos
ambientes escolares.

3.1 A pedagogia histórico-crítica: um breve olhar para o contexto escolar

Os estudos e pesquisas que versam sobre a Pedagogia Histórico-Crítica21 estabelecem


relação direta com o trabalho do sociólogo Demerval Saviani que, durante sua trajetória, nos
convida a um olhar para a teoria crítica da educação e o seu papel, haja vista que, segundo ele,
“o papel de uma teoria crítica da educação é dar substância concreta a essa bandeira de luta de
modo a evitar que seja apropriada e articulada com os interesses dominantes” (SAVIANI, 2008,
p. 36).
A partir desse pressuposto, as contribuições da Pedagogia Histórico-Crítica (PHC) nos
levam ao diálogo com práticas educativas que valorizam a escola como um lugar multifacetado,
dialógico e transformador, capaz de possibilitar espaços de mudança por meio dos
conhecimentos historicamente acumulados, conforme Turini aponta em sua pesquisa:

[...] uma educação escolar que possibilite a formação de indivíduos que


consigam identificar as contradições presentes na sociedade e sejam capazes
de realizar intervenções que provocam a superação dessas. Isso se dá pelo
desenvolvimento de uma visão mais elaborada e aprimorada sobre a realidade,
o que só é possível a partir da apropriação de conhecimentos sistematizados.
Todos possuem uma visão sobre a realidade circundante. Mas quando nos

21
A Pedagogia Histórico-Crítica traz em sua essência a concepção de que o papel da educação escolar é possibilitar
aos indivíduos o acesso aos conhecimentos historicamente sistematizados pela humanidade. Em 1984, após
estudos, adota-se a denominação “pedagogia histórico-crítica” que se difundiu de maneira mais forte com a
publicação, em 1991, do livro “Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações”, escrito por Dermeval
Saviani.
92

apropriamos de conhecimentos sistematizados, nosso olhar aprimora-se, pois


só então, estamos munidos de conhecimentos suficientes para
reinterpretarmos uma determinada realidade com melhores condições de
análise. Para a PHC, a escola é o espaço para que essa apropriação aconteça.
(TURINI, 2019, p. 84).

Ainda diante dessa perspectiva, Saviani (2014) em uma das suas pesquisas, traz à tona
que, para potencializar o trabalho com a Pedagogia Histórico-Crítica no contexto escolar,
alguns encaminhamentos precisam ser garantidos. Em um sentido mais amplo, o autor sinaliza
que, nesse processo teórico-metodológico, dentre tantos pontos norteadores, é preciso
evidenciar que

[...] o método pedagógico tem como ponto de referência a prática social. A


educação é entendida como uma mediação no interior da prática social. Esta,
portanto, se constitui ao mesmo tempo como o ponto de partida e o ponto de
chegada da educação. O primeiro momento do método implica, pois, a
identificação da forma como a prática social se apresenta na sociedade atual
sendo, pois, comum a professores e alunos (SAVIANI, 2014, p. 30).

A partir dessa referência, pensar na prática social é se colocar diante das questões já
abordadas anteriormente, relacionadas ao racismo no contexto escolar, por exemplo. A partir
dessa abordagem teórica, são necessários outros encaminhamentos apresentados por Saviani e
Duarte (2012) e também estudados por Gasparin (2012), tais como: problematização,
instrumentalização, catarse e prática social final descritos no quadro 9, os quais serão abordados
em uma proposta de projeto de trabalho durante esse capítulo.

Quadro 9 - Encaminhamentos prática-teoria-prática

Prática Social Prática Social


Inicial do Problematização Instrumentalização Catarse Final do
Conteúdo Conteúdo

1) Listagem do 1) Identificação e 1) Ações docentes e 1) Elaboração 1) Intenções do


conteúdo e discussão sobre discentes para teórica da aluno.
objetivos. os principais construção de síntese, da nova Manifestação da
problemas postos conhecimento. postura mental. nova postura
2) Vivência pela prática social Relação aluno x Construção da prática, de nova
cotidiana do e pelo conteúdo. objeto do nova totalidade atitude sobre o
conteúdo: conhecimento pela concreta. conteúdo e da
2) Dimensões do mediação docente. nova forma de
a) O que o aluno conteúdo a serem 2) Expressão agir.
já sabe: visão da trabalhadas. 2) Recursos prática da
retomada financeiros e síntese. 2) Ações do
empírica. materiais. Avaliação: deve aluno. Nova
atender às prática social do
dimensões conteúdo, em
93

Prática Social Prática Social


Inicial do Problematização Instrumentalização Catarse Final do
Conteúdo Conteúdo
b) Desafio: o trabalhadas e aos função da
que gostaria de objetivos. transformação
saber a mais? social.
Fonte: Gasparin (2012)

Além disso, diante do cenário educacional brasileiro, marcado por currículos


eurocêntricos e colonizados, fazem-se fundamentais práticas que possibilitem um currículo
plural e que valorizem a diversidade, como ressalta Gomes:

A proposta de uma educação para a diversidade está no cerne da Lei 10.639/03


e de tantas outras legislações educacionais brasileiras que trazem para o
currículo a discussão sobre o trato democrático das diferenças. Ela exige
mudanças de postura pedagógica, o desafio do diálogo intercultural e
intergeracional, a superação de preconceitos e estereótipos e uma postura
aberta e democrática frente ao diverso. (GOMES, 2008, p. 152).

Em diálogo com essas perspectivas e abordagens, a proposta que apresentaremos


baseia-se em uma possibilidade didática que mobilize, nos contextos escolares, um olhar
voltado à importância e valorização do trabalho com a diversidade cultural presente na
sociedade brasileira por meio de um baú contendo encartes com questionamentos, propostas
didáticas e também trazendo releituras de 6 narrativas infantis sobre as princesas africanas.

3.2 Contextualizando a proposta

A proposta didática aqui apresentada caracteriza-se como um objeto de aprendizagem


denominado “Baú Africano: conhecendo princesas africanas”. Este produto educacional é
composto por um baú feito de papel e um e-book em forma de encartes, contando a história de
6 princesas africanas. Além disso, o material também traz um encarte com referências de livros
infantis cujas narrativas são protagonizadas por princesas negras. A seguir, apresentaremos as
etapas do produto, sua descrição detalhada, as propostas de planejamento e ações prévias que
desencadearam sua elaboração.

3.2.1 As etapas do produto educacional: por que, para que, como?

Estudos realizados e apresentados nessa pesquisa demonstram que, apesar de avanços


nas legislações educacionais brasileiras e até mesmo em algumas práticas escolares, o
94

apagamento e a invisibilidade do protagonismo negro ainda é uma realidade presente nas


narrativas infantis e nas diversas áreas educacionais.
Apesar desse cenário repleto de invisibilidade, destacamos que, nos últimos anos, o
trabalho voltado à diversidade cultural presente no cotidiano das escolas e a necessidade de
políticas públicas que garantissem e legitimassem tal trabalho puderam ser vistos em
documentos educacionais, alguns já apresentados aqui, como da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação nº 9.394/96, alterada pela Lei nº 10.639/03; as Diretrizes Curriculares Nacionais para
a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira
e Africana.
Sendo assim, os sistemas de ensino brasileiros encontram-se diante de desafios latentes
e necessários, os quais demandam mudanças nos currículos escolares, alinhadas às concepções
genuínas que garantam, no espaço escolar, o trabalho com a cultura africana e afro-brasileira
em suas diversas linguagens, com o intuito de minimizar os impactos de um abismo cultural
produzido e cultuado nos estabelecimentos de ensino. A respeito da potência do trabalho
voltado à diversidade, Morin destaca que,

Os que veem a diversidade das culturas tendem a minimizar ou a ocultar a


unidade humana; os que veem a unidade humana tendem a considerar como
secundária a diversidade das culturas. Ao contrário, é apropriado conceber a
unidade que assegure e favoreça a diversidade, a diversidade que se inscreva
na unidade. (...) a desintegração de uma cultura sob o efeito técnico-
civilizatório é uma perda para toda a humanidade, cuja diversidade cultural
constitui um dos mais preciosos tesouros. (MORIN, 2002, p. 57).

Para potencializar as discussões acerca dos currículos escolares e as relações étnico-


raciais, Nilma Lino Gomes (2012) apresenta a necessidade de uma descolonização dos
currículos:

[...] a descolonização do currículo implica conflito, confronto, negociações e


produz algo novo. Ela se insere em outros processos de descolonização
maiores e mais profundos, ou seja, do poder e do saber. Estamos diante de
confrontos entre distintas experiências históricas, econômicas e visões de
mundo. Nesse processo, a superação da perspectiva eurocêntrica de
conhecimento e do mundo torna-se um desafio para a escola, os educadores e
as educadoras, o currículo e a formação docente. Compreender a naturalização
das diferenças culturais entre grupos humanos por meio de sua codificação
com a idéia de raça; entender a distorcida relocalização temporal das
diferenças, de modo que tudo aquilo que é não-europeu é percebido como
passado e compreender a ressignificação e politização do conceito de raça
social no contexto brasileiro são operações intelectuais necessárias a um
processo de ruptura epistemológica e cultural na educação brasileira. Esse
processo poderá, portanto, ajudar-nos a descolonizar os nossos currículos não
95

só na educação básica, mas também nos cursos superiores. (GOMES, 2012, p.


107, 108).

Ainda sobre o processo de descolonização, a autora descreve os desafios presentes no


contexto escolar:

Descolonizar os currículos é mais um desafio para a educação escolar. Muito


já denunciamos sobre a rigidez das grades curriculares, o empobrecimento do
caráter conteudista dos currículos, a necessidade de diálogo entre escola,
currículo e realidade social, a necessidade de formar professores e professoras
reflexivos e sobre as culturas negadas e silenciadas nos currículos. No entanto,
é importante considerar que há alguma mudança no horizonte. A força das
culturas consideradas negadas e silenciadas nos currículos tende a aumentar
cada vez mais nos últimos anos. As mudanças sociais, os processos
hegemônicos e contra-hegemônicos de globalização e as tensões políticas em
torno do conhecimento e dos seus efeitos sobre a sociedade e o meio ambiente
introduzem, cada vez mais, outra dinâmica cultural e societária que está a
exigir uma nova relação entre desigualdade, diversidade cultural e
conhecimento. (GOMES, 2012, p. 102).

Diante dessa realidade, destaca-se a importância de planejar ações e práticas


educacionais que nos levem a superar tais demandas, pautadas no diálogo entre as ações e o
meio social, capazes de promover aprendizagens multiculturais cada vez mais significativas,
conforme os estudos de Libâneo:

Por meio da ação educativa o meio social exerce influências sobre os


indivíduos e estes, ao assimilarem e recriarem essas influências, tornam-se
capazes de estabelecer uma relação ativa e transformadora em relação ao meio
social. Tais influências se manifestam através de conhecimentos,
experiências, valores, crenças, modos de agir, técnicas e costumes acumulados
por muitas gerações de indivíduos e grupos, transmitidos, assimilados e
recriados pelas novas gerações. (LIBÂNEO, 2013, p. 17).

Tais pressupostos acerca das relações sobre o meio social nos colocam diante do papel
assumido pela escola quando falamos em práticas que privilegiem certas culturas em detrimento
de outras e que, muitas vezes, ignoram os processos históricos aos quais essas culturas foram
expostas. Tais ideias corroboram Libâneo, pois, segundo o autor,

[...] a escola é um meio insubstituível de contribuição para as lutas


democráticas, na medida em que possibilita às classes populares, ao terem
acesso ao saber sistematizado e às condições de aperfeiçoamento das
potencialidades intelectuais, participarem ativamente do processo político,
sindical e cultural. Uma pedagogia voltada para os interesses populares de
transformação da sociedade compreende o trabalho pedagógico e docente
como o processo de transmissão/assimilação ativa dos conteúdos escolares,
inserido na totalidade mais ampla do processo social. É uma pedagogia que
96

articula os conhecimentos sistematizados com as condições concretas de vida


e de trabalho dos alunos, suas necessidades, interesses e lutas. (LIBÂNEO,
2013, p. 39).

Diante do papel exercido pela escola, voltamos à ausência de personagens negros


protagonistas, sobretudo nos clássicos infantis, que perdura há séculos no cenário educacional
brasileiro. A propósito, é desse lugar que emerge o produto educacional aqui descrito e seu
objetivo: possibilitar o reconhecimento e valorização das princesas africanas por meio de
narrativas que tragam tais personagens e suas histórias. Dentre esses objetivos, um dos pontos
de partida para a elaboração dessa proposta dialoga com as pesquisas de Oliveira, as quais
apontam:

[...] nas narrativas infanto-juvenis brasileiras, os personagens negros, sendo


ou não os protagonistas da estória, são caracterizados de maneira inovadora,
rompendo com os estereótipos que os inferiorizavam em virtude da associação
à sujeira, pobreza, feiura, passividade, entre outros predicativos geralmente
atribuídos a eles? (OLIVEIRA, 2003, p. 103).

Portanto, a partir dessas questões e no sentido de potencializar o trabalho com a


proposta aqui descrita, apresentaremos uma possibilidade de planejamento que possibilite um
espaço de aprendizagem e transformações, além de relatos e ilustrações sobre uma oficina de
desenho com a temática “princesas africanas”.

3.3 Desenhando as princesas africanas: relatos de uma oficina

Como aqui já explicitado, a proposta de elaborar um e-book contando narrativas sobre


princesas africanas surge da necessidade de fazer com que as práticas educativas voltadas à
literatura contribuam para a ampliação cultural dos alunos e, até mesmo, valorizem a identidade
negra das crianças, sobretudo no espaço escolar.
Sendo assim, apresentaremos agora uma proposta didática (oficina) intitulada: “No
mundo das princesas, negro também é realeza” realizada com crianças de 8-9 anos no ano de
2019 com duração de 3 horas. Essa proposta foi relevante para o planejamento e
desenvolvimento do produto aqui apresentado, pois tinha como objetivo promover o
reconhecimento e a valorização do protagonismo negro nas narrativas infantis (princesas
africanas) por meio de uma atividade literária e uma oficina de desenhos utilizando materiais
como papel colorido, cola e tinta guache, partindo de algumas referências apresentadas. A
proposta apresentava o seguinte planejamento:
97

Quadro 10 - Planejamento da oficina

Atividade Proposta Recursos/ Encaminhamentos


1- Roda de Diálogo com os alunos sobre os contos
clássicos e as princesas que já conhecem. Como são as
---
princesas que vocês já ouviram nas histórias e contos de
fadas?
2- Leitura da obra: O casamento da princesa – Celso Materiais utilizados: Livro (já possuo o
Sisto. livro físico e também em PPT)
3- Conversa sobre a obra lida e as características da
---
princesa apresentada.
4- Exposição dialogada das princesas africanas (fotos e Materiais utilizados: Projetor
pequenos textos) – Apresentação em PPT
5- Apresentação da proposta de desenho das princesas Materiais necessários: cartolina ou papel
africanas utilizando papeis coloridos, cola, lápis de cor, cartão, papel camurça, lápis de cor, giz de
giz de cera, tinta guache. cera, lápis grafite, tinta guache, pincel.
*Sugestão: as produções dos alunos poderão ficar
guardadas para uma possível exposição do trabalho
realizado.

Fonte: Arquivo Pessoal

Partindo do planejamento acima, a proposta buscou promover, entre as crianças, um


espaço de ampliação de repertório cultural, valorização da cultura africana e afro-brasileira e,
sobretudo, a presença do protagonismo negro nas narrativas infantis. Dentre as ações realizadas
na oficina, destacamos a roda de diálogo e sobre tal ação estabelecemos relações com as
premissas dos círculos de cultura de Paulo Freire (1991), descritos no trabalho de Dantas e
Linhares (2014) e assim definidos:

Tendo como princípios metodológicos o respeito pelo educando, a conquista


da autonomia e a dialogicidade, os círculos de cultura, tais como foram
sistematizados por Freire, podem ser didaticamente estruturados em
momentos tais como: a investigação do universo vocabular, do qual são
extraídas palavras geradoras. Esse mergulho permite ao educador interagir no
processo, ajudando-o a definir seu ponto de partida que se traduzirá no tema
gerador geral, vinculado a ideia de interdisciplinaridade e subjacente à noção
holística de promover a integração do conhecimento e a transformação social.
(DANTAS, LINHARES, 2014, p. 73).

Outra atividade proposta e realizada durante a oficina foi a leitura do livro “O


Casamento da Princesa”, de Celso Sisto (2010), conforme a figura 23.
98

Figura 23 - Capa do livro “O casamento da princesa”

Fonte: SISTO (2009)

O livro apresenta a história de uma princesa africana chamada Abena e de seu


casamento. Durante a oficina, o livro foi lido para as crianças e, em seguida, houve uma
conversa sobre o que elas observaram a respeito das características físicas dessa princesa. Um
dos pontos de maior atenção está no espanto das crianças ao perceberem uma princesa sem
cabelos e negra.
Na roda de diálogo, foi possível verificar que, para a totalidade das crianças, uma
princesa se caracteriza por outros modelos, sobretudo os eurocêntricos. Foi extremamente
notável a percepção que as crianças tinham e os estereótipos construídos socialmente sobre a
personagem princesa, naturalizado e perpetuado nas narrativas clássicas infantis e que
consolidam uma imagem única e europeia. Tal observação resgata a visão historicamente
construída a respeito dos estereótipos e, sobre isso, Piza afirma que

Os estereótipos também não podem ser vistos como preconceitos irracionais


e inválidos. Ou seja, do ponto de vista da autocognição, os estereótipos
desempenham funções de percepção de si e do seu grupo que tentam adequar
o indivíduo a uma dada realidade. As formas distorcidas de percepção podem
vir de processos sociais de cognição, quando a distorção de um grupo pelo
outro envolve dimensões políticas. (PIZA, 1998, p. 27).

Portanto, a partir disso, é possível pensar em práticas educativas que busquem romper
com estes estereótipos. Dentre as atividades propostas, a oficina trazia a propositura da
99

realização de desenhos de princesas africanas partindo de observações e imagens mostradas em


slides como uma atividade final. Para elucidar tal processo, traremos algumas imagens dos
desenhos realizados na oficina (figura 24) e que compõem o acervo pessoal do pesquisador.

Figura 4 - Desenhos – Oficina Princesas Africanas

Fonte: Arquivo pessoal

Com base nas imagens acima, é possível destacar que, apesar do trabalho prévio
realizado com a leitura do livro, que trazia a personagem africana, e da roda de conversa a
respeito dessas características, podemos notar que em um dos desenhos houve a tentativa de
ilustrar uma princesa africana, mas sem a utilização de lápis de cor para caracterizar a pele
negra da princesa apresentada, evidenciando assim o processo histórico de naturalização do
apagamento da cultura negra em todas as suas perspectivas. As observações realizadas nos
desenhos apresentados na figura 12 partem do método de análise de imagens e representações
de Schwarcz (2014) e que, neste sentido, são vistas

Não como reflexo, mas como produção de representações, costumes,


percepções, e não como imagens fixas e presas a determinados temas ou
contextos, mas como elementos que circulam, interpelam, negociam. Uso o
termo “representação”, que tem com certeza uma larga tradição e merece uma
série de concepções políticas, sociológicas, semióticas e estéticas.
(SCHWARCZ, 2014, p. 393).

O trabalho feito a partir dessa oficina permitiu novos olhares para o planejamento do
produto aqui já mencionado. Durante todo o período das ações realizadas, ficou evidente que
100

quando as crianças referenciavam as personagens princesas elas apareciam sempre pautadas em


características eurocêntricas. Tais observações e apontamentos foram pontos de partida para a
concepção da possibilidade didática aqui apresentada e, portanto, elencaremos agora o
planejamento da proposta e seus encaminhamentos.

3.4 “Baú africano - conhecendo as princesas africanas”: pensando no planejamento

Ao nos debruçarmos sobre o processo de planejamento, algumas etapas foram


imprescindíveis, tais como: levantamento e escolha das princesas africanas, reescrita das
narrativas e histórias das princesas, escolha dos materiais a serem utilizados, dentre outros
aspectos que fundamentam a proposta. Sendo assim, durante a pesquisa acerca das obras que
contemplavam as personagens princesas africanas, foi realizada a escolha de um livro contendo
histórias de 6 princesas africanas escritas por Kiusam de Oliveira22 intitulado “Omo-Oba:
Histórias de Princesas” para referenciar o processo de reescrita das narrativas. Um dos pontos
de destaque do livro pode ser encontrado no texto de apresentação, escrito pela própria autora.
Nele, Oliveira afirma que

As histórias desse livro mostram como princesas se tornaram, mais tarde,


rainhas. Essas histórias vêm de fontes tradicionais conhecidas, contadas e
recontadas pelo povo africano (iourubano) e afro-brasileiro, nas quais uma
mulher chama Oduduwá criou o planeta Terra e, se uma mulher teve esta
capacidade, o poder está com ela. (OLIVEIRA, 2009, p. 7).

O livro traz a história de 6 princesas africanas sendo: 1) Oiá e o búfalo interior, 2)


Oxum e seu mistério, 3) Iemanjá e o poder da criação do mundo, 4) Olocum e o segredo do
fundo do oceando, 5) Ajê Xalugá e o seu brilho intenso e 6) Ododuá e a briga pelos setes anéis.
A obra é ilustrada por Josias Marinho, trazendo aspectos importantes de valorização da cultura
africana e afro-brasileira, além de estabelecer diálogo com a narrativa textual.

22
Kiusam de Oliveira é doutora pela Universidade de São Paulo, contadora de histórias e escritora. Em suas obras,
a autora busca valorizar a cultura negra por meio do empoderamento das identidades negras e, dentre suas
publicações infantis, se destaca o livro “O mundo no black power de Tayó”.
101

Figura 5 - Capa do Livro “Omo-Oba: Histórias de Princesas”

Fonte: OLIVEIRA (2009)

A partir do livro “Omo-Oba: Histórias de princesas” (figura 25) e da escolha referente


ao produto educacional, é possível estabelecer relações a respeito dos mitos africanos e de suas
relações explicitadas nas narrativas. A escolha da obra para referenciar essa proposta educativa
está intimamente ligada ao apagamento da cultura africana e afro-brasileira em suas diversas
linguagens. Neste sentido, nos debruçamos sobre pesquisas realizadas sobre tal temática e
trazemos os estudos realizados por Passos, Passos e Nascimento (2019, p. 08), segundo os quais
“no que diz respeito aos orixás, são seres sobrenaturais que, conforme o mito e o rito iorubá,
orientam o mundo dos vivos e regem as forças da natureza. (...)” e também nas pesquisas de
Prandi (2001), em que, segundo o autor,

[...] os orixás são divindades que receberam de Olorum ou Olodumere a


incumbência de criar e governar o mundo, ficando cada um deles responsável
por alguns aspectos da natureza e certas dimensões da vida em sociedade e da
condição humana. (PRANDI, 2001, p.21).

Passos, Passos e Nascimento (2019, p.08) afirmam que “a cada orixá é associada uma
cor, alguns animais e instrumentos, tais como espada, machado, sabre, cajado, espelho, arco e
flecha, chave, pilão, etc. De acordo com o mito iorubá, cada orixá possui sua história, seu
símbolo e seus ritos”. Na obra de Kiusam de Oliveira (2009), essa relação entre os orixás e as
princesas africanas revela-se durante todo o livro, fazendo referências aos elementos da
102

natureza, além de aspectos rituais e simbólicos, possibilitando o acesso dessas histórias


ancestrais e carregadas de herança cultural nos espaços escolares por meio da literatura infantil.
Ainda nesse sentido, vale a pena ressaltar que as temáticas africana e afro-brasileira
nem sempre estiveram presentes nas práticas leitoras das escolas brasileiras, conforme já
apresentamos nessa pesquisa. Portanto, trazer tal temática como eixo centralizador do produto
educacional aqui elencado e, em seu bojo, contemplar as histórias das princesas africanas no
viés mitológico, dialoga muito com os estudos de Ford presentes no livro “O herói com rosto
africano – Mitos da África”, em que o autor nos aponta que

[...] a literatura não recebe bem a mitologia africana. Os mitologistas


ocidentais, inclusive o falecido Joseph Campbell, escrevem pouco e quase
sempre com zombaria sobre a mitologia africana, rebaixando as contribuições
africanas ao nível das lendas populares, em lugar de colocá-las no patamar das
mitologias superiores, reservado para as culturas orientais e ocidentais.
(FORD, 1999, p. 09-10).

Sendo assim, fica evidente que as narrativas que trazem as questões voltadas à
mitologia africana ocuparam, por vezes, um lugar de inferioridade no cenário educacional e
literário brasileiro e é a partir dessas premissas que a proposta didática “Baú Africano:
conhecendo as princesas africanas” objetiva que as histórias que abarcam tais temáticas estejam
inseridas nas propostas didáticas e no planejamento curricular.
Além disso, a proposta de planejar e apresentar narrativas nas quais os mitos aparecem
como um dos pilares corrobora os estudos de Prandi (2001, p. 24), para quem “o mito é a chave
para ‘alcançar’ não apenas o passado, mas também o presente e o futuro”. Um trabalho com a
literatura infantil de matriz africana e afro-brasileira, que permita a ampliação do repertório
cultural das crianças, configura-se como elemento importante na construção de um currículo
cada vez mais descolonizado e eurocêntrico. Ainda à luz do trabalho com os mitos por meio de
histórias nos contextos escolares, Hofbauer, em uma de suas publicações, nos mostra a
importância dessas histórias, no sentido de que,

Na concepção iorubana tradicional do mundo, as histórias míticas oferecem


uma orientação importantíssima, uma espécie de referência última para a vida
terrestre. É por meio delas que os sacerdotes buscam avaliar o mundo da
concretude. Os mitos servem para interpretar a realidade: eles afirmam e
reafirmam as verdades iorubanas e dão dicas de como deve se comportar para
ter sucesso. A cosmologia iorubana expressa nos mitos apresenta-se tanto
como princípio quanto como meio e como fim: está na origem do mundo e é
instrumento tanto para interagir com o mundo como para mantê-lo tal como
descrito nos mitos. (HOFBAUER, 2001, p. 253).
103

Ao tratarmos das narrativas sobre as princesas africanas que farão parte do produto
educacional, ressaltaremos os estudos de Harry Garuba (2012) a respeito do realismo animista.
Segundo o autor, o termo é utilizado para

[...] descrever essa prática predominantemente cultural de harmonizar um


aspecto material físico, frequentemente animado, com o que outros podem
considerar um conceito abstrato. O realismo animista, creio, é um conceito
muito mais abrangente, do qual o realismo mágico pode ser dito como sendo
um subgênero, com suas próprias características de conexão e sua diferença
formal. Pela repetição e pela diferença, o realismo mágico sinaliza de uma vez
por toda sua dependência ao código de capacitação do discurso animista e seu
“realismo” representacional também marca a sua diferença. Para ser mais
preciso, o materialismo animista se subdivide na técnica representacional do
realismo animista, que pode uma vez mais se subdividir no gênero do realismo
mágico. (GARUBA, 2012, p. 246).

Ao trazermos princesas como Oyá, Iemanjá, dentre outras, abarcamos nas narrativas
do produto essas relações sinalizadas por Garuba e ainda objetivamos que “a literatura, talvez,
possa fornecer um exemplo conveniente, pois sendo um ato de linguagem ela é necessariamente
atraída pelo antropológico e, portanto, naturalmente se entrega ao imaginário e ao fantástico”
(Garuba, 2012).
Portanto, elaborar e apresentar as narrativas por meio das reescritas propostas no
produto “Baú Africano: conhecendo as princesas africanas” possibilitará a ampliação no
repertório cultural dos alunos, além de estabelecer tentativas de romper com as práticas
minimalistas e que, por vezes, caracteriza o trabalho com os mitos africanos por um viés exótico
e preconceituoso. A respeito dos desafios voltados ao trabalho voltado à cultura africana e afro-
brasileira, registraremos aqui um dos reflexos desses processos naturalizados e preconceituosos
que ocupam os espaços escolares.
Um destes exemplos pode ser visto na matéria publicada no portal da Revista Fórum
do dia 19 de março de 2018, cujo título é “Pais de alunos de escola no RJ tentam censurar livro
sobre cultura africana”. Trata-se do livro “Omo-Oba: Histórias de princesas”, de Kiusam de
Oliveira (2009), referenciada no produto educacional aqui apresentando. Na matéria, podemos
observar que um grupo de pais entrou em contato com a instituição de ensino solicitando a
retirada do livro na lista de obras solicitadas partindo da justificativa de que a cultura africana
não é vista como objeto de importância para a formação cidadã do povo brasileiro.
As “reinvindicações” expostas por um grupo de pais ganharam visibilidade quando
uma das mães de aluno da referida escola postou em suas redes sociais um comunicado enviado
104

pela coordenação pedagógica da instituição fazendo uma pesquisa sobre a aquisição do livro,
conforme pode ser visto na imagem abaixo.

Figura 26 - Comunicado enviado aos pais

Fonte: Portal Revista Fórum (2018)

Com a divulgação do comunicado nas redes sociais e depois de ações de grupos


diversos e do Movimento Negro 23, a instituição decidiu rever a prática de censura explícita e
emitiu um comunicado dizendo que “cometeu um erro ao anunciar livro opcional à obra ‘Omo-
Oba: Histórias de Princesas’, da autora Kiusam de Oliveira, para alunos cujos pais
questionaram a sua utilização em aulas de História”. Após a publicação de matérias sobre o
comunicado da instituição escolar, a escritora Kiusam de Oliveira registrou em uma nota seu
posicionamento:

Omo-Oba é um livro que privilegia o recontar de mitos africanos pouco


conhecidos pelo público brasileiro em geral. O livro apresenta seis histórias
de rainhas, na figura de princesas, com o objetivo de fortalecer a personalidade
de meninas, independente de raça/cor, etnia, condições socioeconômicas. Tais
rainhas são nossas ancestrais, uma vez que há comprovações científicas de

23
No capítulo 1 apresentamos algumas ações e lutas do Movimento Negro.
105

que a África é o Berço da Humanidade. A forma com que eu as apresento


neste livro é sem nenhuma conotação religiosa, mergulhadas que estão na
história e nos aspectos da cultura afro-brasileira, através de uma narrativa com
personagens negras cheias de afeto e de empoderamento, o que é uma raridade
em bibliotecas brasileiras. Ele atende perfeitamente as leis 10.639/03 e
11.645/08 que obriga o ensino da História da África e das Culturas Afro-
brasileira nas escolas em todos os seus segmentos. O livro é altamente
premiado, além de ser um espelho para o ser negro no país. Fui professora da
Educação Infantil por 23 anos e atualmente sou professora na Universidade
Federal do Espírito Santo, dando continuidade ao meu trabalho de
fortalecimento e formação de crianças, jovens e adultos negros. Durante estes
anos, foram várias as situações de confrontos de alunos negros com a ausência
de príncipes e princesas como eles nas literaturas infantil e juvenil brasileira.
Assim sendo, resolvi publicar histórias de rainhas negras que fazem parte da
história, da cultura e da humanidade. Pode parecer pouco, mas num país
racista e eurocêntrico como o Brasil, tais princesas têm sido a defesa de
crianças negras na luta contra a sua invisibilidade, a discriminação racial e o
racismo (REVISTA FÓRUM, 2018, p. 01).

A partir de exemplos como esse, fica evidente que o presente trabalho poderá
contribuir, de maneira significativa, na superação do apagamento da cultura africana nas
realidades educacionais brasileiras que, por séculos, reproduzem a unicidade cultural em suas
práticas.

3.4.1 Construindo a proposta didática: um diálogo com a pedagogia histórico-crítica

Para elucidar o processo de construção e realização da proposta e potencializar o


trabalho com o objeto de aprendizagem aqui descrito, apresentaremos um quadro organizador
das etapas da proposta didática, a qual está alicerçada em alguns encaminhamentos didáticos
que permitem estratégias diversificadas na realização do trabalho, tais como: rodas de conversa,
leituras, confecção do baú africano, dentre outros.

Quadro 11 - Planejamento da Proposta – Baú Africano: conhecendo as princesas africanas

Atividade Materiais
Descrição
proposta utilizados
Nesta etapa, deve-se apresentar a proposta com o produto
educacional “Baú Africano: conhecendo as princesas
1.
africanas”, instigando algumas perguntas como: O que a
Apresentação da palavra baú nos lembra? -
proposta
(espera-se que as crianças demonstrem interesse e relacionem
o objeto Baú a algo precioso, etc.)
106

Atividade Materiais
Descrição
proposta utilizados
Em um segundo momento, será realizada uma roda de
conversa a respeito da personagem princesa e, para isso,
algumas perguntas poderão ser norteadoras:
a) Vocês já ouviram histórias em que aparecem princesas? Se
sim, quais?
b) Como eram as princesas nessas histórias (características
físicas, etc.)?
2.
c) Quais podem ser as características de uma princesa
Roda de -
verdadeira?
Conversa
d) Será que só existem essas princesas nas histórias?
e) Vocês já ouviram alguma história de princesas que não são
essas tão conhecidas? Se sim, quais?
Por fim, sugere-se que os alunos façam o desenho de uma
princesa com as características que eles conheçam. Estes
desenhos serão utilizados em oportunidades posteriores para
problematização.
Nesta etapa, será apresentando o Baú Africano contendo as 6
histórias reescritas com as histórias das princesas africanas.
Para isso, seguem sugestões de encaminhamentos:
3.
a) Estão lembrados que nas aulas passadas falamos sobre o
Apresentação do Baú e as
objeto baú e sobre as princesas africanas? Hoje vamos
Baú Africano: narrativas
conhecer um baú com histórias de princesas africanas.
conhecendo africanas
princesas Neste momento, o professor poderá fazer a leitura das impressas
africanas narrativas, dando luz à beleza das histórias e das personagens,
os símbolos, os elementos que compõem as narrativas, etc. O
momento deve ser voltado à leitura e apreciação das
narrativas, tanto escritas quanto visuais.
4. Após a leitura e apreciação das histórias, sugere-se que o
Confecção de professor organize um momento para que os alunos
um baú pelos confeccionem e montem seu próprio baú com as histórias das Estrutura do baú
alunos e princesas africanas. e as narrativas
ilustração de Por fim, os alunos também poderão criar uma nova princesa impressas
uma princesa africana, por meio de um desenho que use algumas das
africana referências culturais apresentadas.

Fonte: Elaboração própria

Tendo em vista o quadro acima, partiremos para a ampliação da proposta,


estabelecendo diálogos com os estudos de Gasparin (2012) e com as contribuições da Pedagogia
Histórico-Crítica, mencionada anteriormente. Em sua obra “Uma didática para a pedagogia
histórico-crítica”, Gasparin (2012) aborda elementos pautados no método dialético prática-
teoria-prática, possibilitando uma aprendizagem ainda mais significativa de conteúdos. Para
tanto, ele nos aponta que um dos caminhos possíveis para estabelecer relações e aprendizagens
107

significativas e que dialoguem com as ações educacionais e contextos sociais dos alunos é
realizar o levantamento prévio dos conhecimentos dos estudantes. Segundo o autor,

Este é o momento em que, coletivamente, os alunos, estimulados e orientados


pelo professor, são desafiados a mostrar todo o conhecimento que possuem
sobre os itens do tema em questão. Consiste no levantamento sobre a vivência
prática, cotidiana dos educandos em relação ao conteúdo a ser ministrado.
Além disso, eles também demonstram o que já sabem teoricamente sobre esse
mesmo conteúdo, antes que a escola o sistematize. É a sua visão de totalidade
e relação a esse objeto de estudo, expressando o senso comum, o perceptível,
em que tudo é natural, pois ‘as coisas são assim mesmo’. É a explicitação da
totalidade empírica, do todo caótico (GASPARIN, 2012, p. 25).

Além das premissas elencadas a respeito do levantamento dos conhecimentos prévios


dos alunos como um estratégia didática que relacione prática e teoria, Gasparin (2012) afirma
que é preciso estimular nos alunos um olhar para as relações teóricas e práticas atreladas à
realidade atual, fazendo com que as propostas e os conteúdos trabalhados pelos professores no
contexto escolar ganhem dimensões sociais. Sobre isso, o pesquisador afirma que

Este é o momento em que são apresentadas e discutidas as razões pelas quais


os alunos devem aprender o conteúdo proposto, não por si mesmo, mas em
função de necessidades sociais. É importante evidenciar porque esse
conhecimento é socialmente necessário no mundo atual. Mostram-se,
paralelamente, as diversas faces sociais que os conceitos carregam consigo.
Esse processo leva o aluno, aos poucos, a descobrir novas dimensões dos
conceitos em questão. O conteúdo começa a ter sentido para o aluno
(GASPARIN, 2012, p. 43).

Os apontamentos sobre a construção do sentido dos conteúdos para os alunos têm, nas
últimas décadas, suscitado, nos processos de formação continuada docente, reflexões
importantes e que englobam não apenas o papel dos educadores e dos alunos, mas também das
relações vivenciadas entre eles no espaço escolar. Masetto aborda a importância do papel
docente e seu caráter mediador no processo de ensino e aprendizagem a partir da seguinte
perspectiva:

Por mediação pedagógica entendemos a atitude, o comportamento do


professor que se coloca como um facilitador, incentivador ou motivador da
aprendizagem, que se apresenta com a disposição de ser uma ponte entre o
aprendiz e sua aprendizagem – não uma ponte estática, mas uma ponte
‘rolante’, que ativamente colabora para que o aprendiz chegue aos seus
objetivos. É a forma de se apresentar e tratar um conteúdo ou tema que ajude
o aprendiz a coletar informações, relacioná-las, organizá-las, manipulá-las,
discuti-las, debatê-las com os seus colegas, com o professor e com outras
pessoas (interaprendizagem), até chegar a produzir um conhecimento que seja
significativo para ele, conhecimento que se incorpore ao seu mundo
108

intelectual e vivencial, e que o ajude a compreender que sua realidade humana


e social, e mesmo a interferir nela. (MASETTO, 2000, p. 144).

A partir das contribuições de Gasparin (2012) e Masetto (2000), apresentaremos agora


uma proposta de projeto de trabalho docente-discente na perspectiva histórico-crítica, visando
a ampliar o trabalho com o produto educacional “Baú-Africano: conhecendo as princesas
africanas”. Para tanto, utilizaremos as premissas e estudos de Gasparin (2012), realizando
adaptações de acordo com o contexto e com as questões abordadas.
109
Quadro 12 - Proposta de projeto de trabalho

Prática Teoria Prática


Prática inicial do conteúdo Problematização Instrumentalização Catarse Prática social final do conteúdo
1) Listagem do conteúdo. Objetivos do 1) Identificação e 1) Ações docentes e 1) Elaboração da Intenções e ações do aluno. Novas
trabalho: Reconhecer e valorizar as discussão sobre os discentes para síntese. Nova postura. práticas sociais.
princesas africanas na literatura infantil, principais problemas:
construção do
a fim de valorizar também a cultura porque a maioria das
conhecimento.
O que aprendemos? Vamos divulgar e realizar este
africana e afro-brasileira no contexto princesas é branca?
trabalho com outras turmas?
escolar.
2) Recursos humanos
Qual a importância de
Apresentação da e materiais.
valorizarmos e Que tal analisarmos os livros que
2) Vivência cotidiana do conteúdo. proposta: conhecer
conhecermos as temos na nossa sala e na biblioteca da
Levantamento dos conhecimentos algumas princesas
Nesta etapa vamos princesas africanas? nossa escola?
prévios dos alunos. africanas.
explorar os materiais
a) Vocês já ouviram histórias em que do baú, ler as histórias,
aparecem princesas? Se sim, quais? Existe apenas um Quais as princesas que aparecem
criar novas princesas e
modelo de princesa nestes livros?
b) Como eram as princesas nessas também construir o
nas histórias?
histórias (características físicas, etc.)? próprio baú a partir
c) Quais podem ser as características de dos materiais Que tal conversarmos com a gestão da
uma princesa verdadeira? planejados. O que podemos escola para juntos adquirirmos livros
aprender com as que valorizam a cultura africana e
d) Será que só existem essas princesas
histórias aqui afro-brasileira e que as ações não
nas histórias? Recursos: Baú
apresentadas? sejam apenas em datas específicas?
e) Vocês já ouviram alguma história de africana, contendo os
princesas que não são essas tão encartes.
conhecidas? Se sim, quais?

Mobilização.

Fonte: Gasparin (2012). Adaptações do pesquisador.


110

Partindo do quadro acima, com descrições e encaminhamentos didáticos sobre a


proposta elencada, acreditamos que as relações e os diálogos entre teoria e prática poderão ser
cada vez mais alinhados, gerando boas situações de aprendizagem nos diversos contextos
escolares. Além das sugestões de projetos de trabalho, os materiais que compõem o produto
educacional “Baú Africano: conhecendo as princesas africanas” são os seguintes: a) molde do
baú planificado; b) encartes com questões norteadoras; c) 6 narrativas com reescritas de
histórias das princesas africanas, além de uma proposta didática de uma oficina de desenho.

3.4.2 Ampliando a proposta: materiais complementares

No sentido de ampliar as propostas desencadeadas pelo produto educacional “Baú


africano: conhecendo as princesas africanas”, realizamos um levantamento de livros infantis
que trazem em seus enredos a personagem princesa africana como protagonista das narrativas.
Uma das obras selecionadas pode ser vista no material “Revista de (in)formação para agentes
de leitura: Princesas africanas”, no fascículo 19. O material apresenta 22 textos, entre artigos e
histórias, nos quais as princesas africanas são protagonistas, contando com lindas ilustrações.
Ainda sobre o material, Prado, organizador dos textos, afirma que dentre os propósitos
dessa edição estão:

[...] ajudar os professores a reconhecer e positivar as diferenças, combater o


racismo e o preconceito étnico-racial; ela não pode se propor a oferecer
respostas, mas a ajudar a instalar perguntas que desconstruam
comportamentos e pré-julgamentos. Sendo assim, com o excepcional
conteúdo que se segue e que é oferecido às futuras gerações de brasileiros,
deixo no ar uma homenagem a todas as princesas negras (e africanas) que
nunca estiveram em nosso imaginário e às outras tantas que não puderam
comparecer a esta edição. (PRADO, 2009, p. 09-10).

Ao fim do caderno “Leituras Compartilhadas”, podemos encontrar sugestões de


referências teóricas para embasar e ampliar os estudos sobre o trabalho com a cultura africana
e afro-brasileira nas escolas, além de livros, narrativas infantis e filmes que trazem a cultura
africana e também a temática das princesas.
Diante do exposto, vale a pena ressaltar que todo trabalho pedagógico voltado à
promoção de um ambiente escolar multicultural deve resgatar o contexto histórico em que a
cultura africana foi sendo negligenciada e apagada. Dias (2015) afirma que possibilitar práticas
educacionais nas escolas possibilita que as crianças possam vivenciar experiências
significativas, ainda mais
111

[...] de modo mais perceptível numa etapa na qual predomina o pensamento


mágico. Provavelmente signifique construir possibilidades de novos
imaginários infantis nos quais a diversidade seja uma marca. Sons, ritmos e
movimentos de diferentes grupos culturais deveriam permear as experiências
vividas pelas crianças pequenininhas, possibilitando as viagens mais incríveis
no universo da criação. O espaço da fantasia e da imaginação é parte integrante
do modo como a criança apreende e interage socialmente nessa fase e as
histórias das culturas africanas, afro-brasileiras e indígenas estão permeadas
de seres mágicos, heróis e algozes que poderiam fazer parte do imaginário
infantil, enriquecendo o repertório infantil. (DIAS, 2015, p.590).

Neste sentido, as propostas aqui apresentadas e sugeridas são pontos de partida para
que as práticas educativas sejam cada vez mais plurais, multiculturais e que, sobretudo, não
perpetuem histórias e culturas únicas em seus currículos. Além disso, o trabalho, na perspectiva
cultural, por meio de narrativas literárias, possibilita nas crianças,

O mesclar do imaginário com a realidade, construídos nas e pelas culturas


infantis, nas quais as crianças estão mergulhadas e nos mergulham, precisam
estar permeados de elementos das heranças culturais afro-brasileiras para que
elas possam compor o universo de suas invenções de modo menos monolítico
e mais plural, mais rico, menos eurocêntrico e mais multicultural. (DIAS,
2015, p.591).

Sendo assim e diante dessas possibilidades, espera-se que esse produto educacional
contribua de maneira significativa para as aprendizagens dos alunos, principalmente no que diz
respeito à valorização e ao reconhecimento do povo e da cultura africana como o berço da
humanidade e também como casa de ricas e diversas culturas que, por séculos, tem sido
invisibilizada. Por fim, entendemos essas propostas como um começo, que se construirá com
práticas e currículos cada vez menos colonizados.
112

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao chegarmos nas considerações finais desta pesquisa, é possível concluir que as


discussões sobre o racismo e as suas implicações no contexto escolar se sustentam nas mais
diversas esferas sociais. Os estudos da Sociologia nos revelam que essas discussões carregam
marcas de diversos processos históricos hegemônicos e que, assim, ainda no cotidiano e na
realidade atual, se apresentam e se constroem de maneira explícita nas mais diversas relações:
sociais, políticas, culturais, dentre outras.
Diante disso, notamos que um dos pilares dessa “construção bem-feita” está
intrinsicamente ligada ao mito da democracia racial defendido por Freyre e que posteriormente
foi se contradizendo e sendo “desconstruída” com os estudos de Kabengele Munanga e
Florestan Fernandes. Este mito desde então vem trazendo seus vestígios na sociedade e
fomentando a negação e a naturalização de um racismo estruturado e cultivado até a
contemporaneidade. Vimos também algumas concepções sobre o racismo estabelecendo
diálogos com o contexto escolar permeado por desafios e possibilidades.
Falar das relações entre o racismo e o contexto escolar, sobretudo, é evidenciar o
caráter emancipatório deste espaço na vida de crianças e jovens negros. Porém, vimos nesta
pesquisa que a escola, apesar de ser um espaço privilegiado de construção de uma identidade
negra positiva enviesada por ações afirmativas no combate ao racismo nas suas mais diversas
formas, tem sido marcada por um espaço de silenciamento, de apagamento e, até mesmo, um
ambiente negado para que a cultura africana e afro-brasileira seja integralmente respeitada e
valorizada como essência da nossa humanidade.
Posto isto, verificamos também que os reflexos de uma sociedade democraticamente
racial ocupam os espaços escolares em diversas linguagens, inclusive a literária, analisada nesta
pesquisa. Após a análise de obras selecionadas para o PNLD Literário, foi possível concluir
que, mesmo após mais de 15 anos de uma legislação que tornou obrigatório o ensino da história
e cultura africana e afro-brasileira nas escolas, os livros que trazem o protagonismo negro nas
suas narrativas atingem apenas 5% do total de livros analisados. Olhando para as práticas
educacionais por meio da pesquisa realizada com 20 professores de uma escola pública, também
notamos que mais de 40% deles não conhecia nenhum livro que tratava das temáticas raciais.
Esses dados endossam a constatação de que a escola e suas práticas são espaços de perpetuação
da naturalização do racismo.
Com base nesses dados, apresentamos ainda nesta pesquisa os estudos de Silva e
Gomes sobre a necessidade de uma descolonização dos currículos e, neste sentido,
113

concordamos integralmente com as pesquisadoras, pois, mesmo com os marcos legais que
foram conquistados após muitas lutas do Movimento Negro, os currículos escolares, na sua
maioria, ainda são eurocêntricos. Os marcos históricos, as narrativas literárias (aqui
apresentadas e analisadas no edital 01/2018) e os conteúdos escolares quase sempre são vistos
pela ótica da branquitude, haja vista as campanhas publicitárias que compõem este trabalho e
alguns recortes de livros aqui apresentados. Portanto, romper com esta realidade que invisibiliza
a história e a cultura negra devem ser pontos norteadores de discussão nas instituições de ensino
e, consequentemente, conteúdos discutidos e narrados nas escolas e nos currículos de maneira
sistematizada e contínua.
A respeito dos livros selecionados e da análise realizada no guia do PNLD Literário e,
ainda, no diálogo com os dados da pesquisa com os professores, podemos afirmar que o objetivo
proposto nesta pesquisa foi alcançado, uma vez que, a partir da investigação da presença do
protagonismo negro nas narrativas infantis e da pequena representatividade negra presente nos
livros, constatamos que o trabalho com a diversidade cultural e literária apresenta uma grande
lacuna nas práticas escolares e também nas políticas públicas de incentivo à leitura e formação
de leitores.
No sentido de minimizar essas lacunas, elaboramos o produto educacional intitulado
“Baú-Africano: conhecendo as princesas africanas” e suas possibilidades didáticas, atingindo
também uma especificidade objetivada neste trabalho: possibilitar nas escolas a diversidade
literária e o protagonismo negro nas narrativas. Durante a elaboração do produto, tivemos como
pontos de partida os estudos aqui realizados e a oportunidade de fomentar nos espaços
educacionais o reconhecimento de personagens negras nas histórias infantis por meio das
princesas africanas. Assim, nos debruçamos sobre as histórias da cultura iorubá, banto e zulu
resgatando narrativas sobre princesas e deusas africanas. O produto também contou com a
produção de encartes com perguntas problematizadoras e outras possibilidades didáticas, como
a realização de uma oficina de desenhos de princesas africanas, por exemplo. Ainda a respeito
do produto educacional, ressaltamos aqui que ele não foi aplicado em sala de aula, porém, os
estudos para o processo de sua elaboração perpassaram as experiências docentes e observações
do pesquisador e que, deste modo, a aplicação deste objeto educacional nos projetam para novas
pesquisas, possibilitando novos estudos sobre a temática.
Por fim, diante dos estudos e dados apresentados nesta pesquisa, afirmamos que é
extremamente necessária a discussão permanente sobre as questões raciais e suas implicações
em diversos contextos, sobretudo o escolar, resultando em posturas e ações afirmativas efetivas
no combate ao racismo. Evidenciamos ainda que tais ações precisam partir de práticas
114

educativas antirracistas pautadas na diversidade cultural que se faz presente na formação do


povo brasileiro, assumindo assim um papel emancipatório nas relações escolares. No que tange
à literatura infantil, concluímos que há um grande desafio sobre a presença do protagonismo
negro nas narrativas, o que nos coloca diante de um cenário de lutas e consolidação das políticas
educacionais que vigoram no país, para que cada vez mais os livros tragam em seu bojo a
história e cultura dos povos africanos e afro-brasileiros ocupando lugares que, por séculos, são
negados. Sendo assim, finalizamos dizendo que os estudos e discussões aqui apresentadas,
assim como o produto educacional desenvolvido neste trabalho, podem e devem ser
disparadores e suscitar novas pesquisas e estudos acadêmicos, possibilitando que a história e a
cultura negra não sejam perpetuamente invisibilizadas e, assim, assumam o lugar genuíno e
legítimo de berço da nossa humanidade.
115

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123

APÊNDICE – Produto Educacional. Baú africano: conhecendo as princesas africanas


124
125
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127
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141

ANEXO A – Questionário para os professores

PESQUISA – A LITERATURA DE MATRIZ AFRICANA E AFRO-BRASILEIRA NAS


PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
1) Você atua na educação como professor de Educação Básica I há quanto tempo?
( ) Menos de1 ano.
( ) 1-3 anos.
( ) 3-5 anos.
( ) Mais de 5 anos.

2) Nas suas práticas pedagógicas, qual a frequência do trabalho com propostas de leitura
realizadas pelo professor (leitura em voz alta)?
( ) Pelo menos 1 vez na semana.
( ) 2-3 vezes na semana.
( ) Diariamente.
( ) Outra. Qual? ______________________________________________

3) Dentre os títulos lidos para as turmas que você trabalha e/ou trabalhou qual(is) os gêneros
literários mais frequentes?
( ) Conto (inclusive as narrativas clássicas infantis, contos de fada)
( ) Fábulas
( ) Poesia
( ) Textos informativos, jornalísticos e instrucionais
( ) Outros. Quais? ____________________________________________

4) Nas propostas de leitura, quantos livros de matriz africana ou afro-brasileira você já leu para
os seus alunos no último ano?
( ) 1-5 livros.
( ) 5-10 livros.
( ) 10 ou mais.
( ) Não li nenhum livro sobre essa temática.

5) E quantos livros de matriz europeia (ou outra matriz) você leu para os seus alunos?
Observação: livros de matriz europeia: contos de fada clássicos, etc.
( ) 1-5 livros.
( ) 5-10 livros.
( ) 10 ou mais.
( ) Não li nenhum livro sobre essa temática.

6) Na sua opinião, qual(is) o(s) motivos(s) pelo qual o trabalho com a literatura de matriz
africana e afro-brasileira é pouco trabalhado?
( ) Falta formação continuada a respeito do tema.
( ) O acervo das bibliotecas escolares tem um número pequeno das obras dessa temática.
( ) Os professores não conhecem livros dessa temática.
( ) Não é um trabalho pertinente para ser realizado em sala de aula.
( ) Eu acho que o trabalho com a literatura de matriz africana e afro-brasileira é
plenamente trabalhado nas escolas.
142

7) No ano de 2018, o Ministério da Educação lançou um edital do Programa Nacional do Livro


Didático e Literário disponibilizando para as escolas de Educação Básica um Guia com as obras
selecionadas que nortearam as escolhas dos livros pela equipe docente das unidades escolares.
Você participou deste processo de escolha na unidade escolar em que atuava no ano de 2018?
( ) Sim.
( ) Não.
( ) Não sei informar.

8) Se sim, quantos livros de matriz africana e afro-brasileira foram selecionados pela sua
escola?
( ) 1-5 livros.
( ) 5-10 livros.
( ) Mais de 10 livros.
( ) Nenhum livro.
( ) Não sei informar.

9) Durante toda a sua trajetória escolar, quantos livros de matriz africana e afro-brasileira você
conhece?
( ) 1-5 livros.
( ) 5-10 livros.
( ) Mais de 10 livros.
( ) Não conheço nenhum livro.

Caso conheça, cite alguns títulos:


___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________

10) Dos livros de matriz africana e afro-brasileira que você conhece, em quais deles é possível
encontrar um/uma personagem protagonista da realeza (princesa)?
( ) Não conheço nenhum livro em que apareça uma princesa africana.
( ) 1-5 livros.
( ) 5-10 livros.
( ) Mais de 10 livros.

11) Você acredita que há dificuldades na organização e principalmente na realização de


atividades didático-pedagógicas, inclusive as literárias com a abordagem da história e da cultura
afro-brasileira e africana nas unidades escolares?
( ) Sim
( ) Não.

Justifique:
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
143

ANEXO B – Parecer Consubstanciado do Comitê de Ética


144
145
146

ANEXO C – Termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE)


TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Eu, ________________________________________, brasileiro (a), estado civil: ____________,


profissão: ____________________, residente e domiciliado: _______________________________,
portador (a) do RG: _________________________, estou sendo convidado a participar de um estudo
denominado: DAS PRÁTICAS DOCENTES AO PROGRAMA NACIONAL DO LIVRO DIDÁTICO
E LITERÁRIO: ONDE ESTÃO AS PRINCESAS AFRICANAS cujos objetivos e justificativas são:
Investigar o protagonismo das personagens negras nas narrativas clássicas infantis através das práticas
docentes e do Programa Nacional do Livro Didático e Literário. Neste sentido, esta pesquisa contribuirá
de maneira significativa na ampliação do repertório literário presente nas salas de aula, assim como a
valorização da literatura afro-brasileira no planejamento docente, implicando num processo de
construção de práticas pedagógicas que combatem o racismo e o preconceito, frutos de um processo
histórico cultural de apagamento da temática africana e afro-brasileira nos contos clássicos. A minha
participação no referido estudo será no sentido de responder um questionário com perguntas a respeito
dos livros lidos em sala de aula e outros aspectos como: frequência das leituras, quais os critérios de
seleção dos livros lidos, que temáticas estes livros trazem e por fim, se os docentes já leram histórias da
temática africana ou afro-brasileira tendo o negro como protagonista.
Fui alertado de que, da pesquisa a se realizar, posso esperar alguns benefícios, tais como: contribuir de
maneira significativa nas pesquisas que possibilitam que os docentes possam estabelecer critérios de
escolha dos livros literários pautando-se na diversidade étnica e cultural.
Recebi, por outro lado, os esclarecimentos necessários sobre os possíveis desconfortos e riscos
decorrentes do estudo, levando-se em conta que é uma pesquisa, e os resultados positivos ou negativos
somente serão obtidos após a sua realização. Assim, não haverá riscos diante do exposto.
Estou ciente de que minha privacidade será respeitada, ou seja, meu nome ou qualquer outro dado ou
elemento que possa, de qualquer forma, me identificar, será mantido em sigilo.
Também fui informado de que posso me recusar a participar do estudo, ou retirar meu consentimento a
qualquer momento, sem precisar justificar, e de, por desejar sair da pesquisa, não sofrerei qualquer
prejuízo à assistência que venho recebendo. Os pesquisadores envolvidos com o referido projeto são
Edson Rodrigo de Azevedo, mestrando no Programa de Pós Graduação em Docência para a Educação
Básica da Universidade Paulista UNESP Campus Bauru – SP e com ele poderei manter contato pelos
telefones (17) 99203-7686 e (17) 3304-8615. É assegurada a assistência durante toda pesquisa, bem
como me é garantido o livre acesso a todas as informações e esclarecimentos adicionais sobre o estudo
e suas conseqüências, enfim, tudo o que eu queira saber antes, durante e depois da minha participação.
Enfim, tendo sido orientado quanto ao teor de todo o aqui mencionado e compreendido a natureza e o
objetivo do já referido estudo, manifesto meu livre consentimento em participar, estando totalmente
ciente de que não há nenhum valor econômico, a receber ou a pagar, por minha participação.
Em caso de reclamação ou qualquer tipo de denúncia sobre este estudo devo ligar para Seção Técnica
de Pós-Graduação da Faculdade de Ciências nos seguintes contatos: (14) 3103-6077 ou 3103-9426 ou
mandar um email para stpg@fc.unesp.br.

São José do Rio Preto, ____ de _______________________ de 2020.

________________________________
Nome e assinatura do sujeito da pesquisa

___________________________________________________________
Nome(s) e assinatura(s) do(s) pesquisador(es) responsável(responsáveis)

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