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Rio de Janeiro
Fevereiro 2019
Para Abel e Roberto, por me ensinarem como ser uma pessoa inteira.
Ao pai, por me ensinar como ser forte sem perder a ternura;
Ao tio, mesmo à distância, por me ensinar a amar.
I
AGRADECIMENTOS
II
RESUMO
III
ABSTRACT
This dissertation research has as its object the alchemical processes (POPKEWITZ,
2001) through which the teaching of geographic knowledge was articulated as a school
subject, in fundamental education in times of democracy, as well as its discursive
effects of fabrication (HACKING, 2007) kinds of people, emphasizing the ideals of
democratic and scientifically capable citizens, as well as that of the effective teachers.
Through my participation in the Grupo de Estudos em História do Currículo, I was
able to get acquainted with – and take part in the construction of a discursive approach
to make a History of the Curriculum of the Present (see, FERREIRA, 2013 and 2015;
FERREIRA; SANTOS, 2017 ), which I operationalized to carry out this investigation.
I considered as a possibility that the classificatory principles of differentiation between
subjects - based on the notions of democratic citizenship, child development, scientific
training and teaching effectiveness - constituted at a given socio-historical moment,
were embedded through alchemical processes as a historical transcendental
(KIRCHGASLER, 2017) in the conceptual and institutional infrastructures of school
education in the Brazilian context. Such historical transcendentals are continually
reframed by different contemporary discursive strands, but they still operate through a
cosmopolitan system of reasoning (POPKEWITZ, 2009), instantiating a comparative
classificatory logic that reactivates lines of differentiation between kinds of people.
The research proposed, as such, a comparative and discontinuous analysis
(KIRCHGASLER, 2017) between two distinct socio-historical moments – between
the end of the Estado Novo regime in 1946 and the Military Coup in 1964, and from
the 1988 Constitution on –, in order to investigate the alchemical processes operated
over geographic knowledge, both in the constitution of Social Studies as a school
subject, and in the curricular policy currently in place in Brazil, the Base Nacional
Comum Curricular (BNCC) (BRASIL, 2018).
Key-words: alchemy of school subjects, discursive approach, Curriculum History,
History of the Present, democratic education, geographic knowledge
IV
Lista de Abreviaturas e Siglas
V
ÍNDICE
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 1
1
Educação, destinada a habilitar professores primários (FERNANDES, 2008), além de se
organizarem, ao longo das décadas 1940 e 1950, experiências pedagógicas a partir das
perspectivas escolanovistas com ela em diversos estados – como em Minas Gerais e no
Rio Grande do Sul, assim como sua introdução nos Ginásios Vocacionais em São Paulo
–, de acordo com Luciana Stumbo Moraes (2017). Justamente por essa dualidade política
e epistemológica é que a temática dos processos históricos de constituição da disciplina
Estudos Sociais me despertou o interesse. Para entender a maneira como foi construído o
meu objeto de investigação nesta tese, entretanto, é preciso revisitar certos momentos de
minha própria trajetória acadêmica.
Ao longo de minha graduação na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
cursando a Licenciatura em Geografia, aspectos da formação do professor de Geografia
me inquietaram. Dentre as várias reflexões acerca de uma identidade profissional própria
frente ao curso de Bacharelado e de como a formação inicial recebida me permitiria atuar
profissionalmente, uma questão logo me chamou a atenção: que a formação recebida
privilegiava o terceiro e quarto ciclos (quinto ao nono ano) do ensino fundamental, assim
como o ensino médio, em detrimento dos anos iniciais do ensino fundamental. Ao iniciar
o meu envolvimento com a pesquisa acadêmica, participando do Programa Institucional
de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC), formulei, então, um questionamento: como os
professores dos anos iniciais desenvolvem seu trabalho com o ensino dos conteúdos
geográficos?
A partir de tais reflexões, participei em 2011 de um esforço investigativo com
diários de classe1 de professores atuantes nos anos iniciais da rede pública do Rio de
Janeiro, com a intenção de analisar o planejamento e a avaliação promovida por elas sobre
suas próprias práticas. Na análise realizada, ficou explicitado que “[...] a Geografia
continua ocupando um espaço secundário no planejamento e na preocupação dos
professores” (PEDRO; STRAFORINI, 2011, p. 978). Na ocasião, ficou evidente, para
mim, um descompasso entre a atuação cotidiana dos professores dos anos iniciais e aquilo
que tanto a academia quanto o Estado consideram ideal para este segmento de
escolarização. Em 2012, ao aprofundarmos a análise dos resultados nesta pesquisa, foi
possível complexificar a compreensão deste descompasso, reconhecendo nele o que, para
1
PEDRO, G. STRAFORINI, R. Práticas Curriculares de Geografia em escolas públicas do RJ – a
perspectiva dos professores: Um estudo dos diários de classe. In.: Anais do I Seminário de Currículos,
Culturas, Cotidianos e Formação de Educadores. Vitória: UFES – Programa de Pós-Graduação em
Educação, v.1, p.969-979, 2011.
2
Maurice Tardif e Claude Lessard (2007, p. 36), configura uma tendência de pesquisa na
área de ensino: a de produzir “críticas resolutas das visões normativas e/ou moralizantes
da docência”, se preocupando mais em afirmar o que os professores deveriam ou não
fazer, ao invés de se perguntar realmente o que acontece no cotidiano escolar.
A partir de tal experiência, produzi, entre 2013 e 2015, uma dissertação de
mestrado2 que teve seu esforço investigativo orientado pela hipótese de que a formação
dos professores que atuam nos anos iniciais está tradicionalmente enraizada no antigo
curso de Magistério, informalmente chamado de curso Normal, e mais recentemente
relacionada aos cursos de Pedagogia. Se, por um lado, a formação dos professores que
atuam nos anos iniciais foi então articulada como sendo tradicionalmente enraizada
nesses dois cursos – ambos generalistas –, por outro lado, a partir da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996) e da publicação, no ano seguinte, dos
Parâmetros Curriculares Nacionais para as séries iniciais do ensino fundamental
(BRASIL, 1997) trouxeram as disciplinas Geografia e História como componentes
curriculares independentes, com o desmembramento oficial dos Estudos Sociais.
Tais aspectos, argumentei, evidenciavam os embates em torno de quais
conhecimentos e que professores deveriam ensinar conteúdos de História e de Geografia
no ensino fundamental. Para Thierry Philippot (2013), por exemplo, a Geografia na escola
primária representa a dificuldade dos professores generalistas de serem experts em tudo,
não identificando com clareza o objeto, os trâmites e as finalidades da disciplina escolar
Geografia. Por esse motivo, segundo o autor, muitas vezes estes professores priorizam os
conteúdos de Língua Francesa, Matemática e Ciências, considerando os mesmos
prioritários frente aos conteúdos de outras áreas. Nesse movimento, “os saberes escolares
disciplinares dão pouco o tom às práticas de ensino desses docentes da escola primária.
Eles parecem estar, mesmo, às margens dessas práticas. São tantos elementos, que
questionam a própria perenidade das disciplinas escolares na escola primária”
(PHILIPPOT, 2013, p. 91).
Com estas considerações em mente, minha dissertação de mestrado teve como
objetivo entender os dilemas docentes (ZABALZA, 1994) com que os professores dos
anos iniciais do ensino fundamental se deparavam ao ensinar conhecimentos geográficos
nos anos iniciais do ensino fundamental. Para atingir tal intuito, fiz um levantamento
2
PEDRO, G. Dilemas de professores ao ensinarem Geografia: a permanência dos Estudos Sociais nos anos
iniciais do Ensino Fundamental. 2015, 133p. (Dissertação em Geografia) – Instituto de Geociências,
Universidade Estadual de Campinas, Campinas.
3
documental acerca da legislação a reger o ensino dos conteúdos e temas entendidos como
geográficos – mesmo durante o período em que os Estudos Sociais estavam em vigor –,
além de realizar entrevistas com três professores em uma escola pública de Campinas, no
estado de São Paulo.
A noção de uma cultura escolar, como entendida por Francisco Rodriguez
Lestegás (2002), que seja particular aos anos iniciais, distinta das outras etapas de
escolarização, foi uma das principais reflexões assumidas na dissertação. A partir do
diálogo estabelecido entre as entrevistas colhidas e o levantamento bibliográfico realizado
sobre o tema, foi possível delinear alguns elementos que participam da constituição dessa
cultura escolar específica: (a) a maior parte das profissionais que ali atuam são mulheres;
(b) as profissionais apresentam um perfil polivalente-generalista, tendo o costume ou
tradição de ensinar todas as disciplinas escolares de forma integrada; (c) os documentos
curriculares não são, necessariamente, concebidos levando em conta a prática dos
professores, sendo implementados normalmente de forma horizontalizada e sem o suporte
institucional para fazer valer as mudanças propostas; (d) a introdução do conhecimento
especializado no currículo oficial, assim, não costuma ser bem recebido ou, pelo menos,
não é interiorizado no cotidiano de fato; (e) a vivência dos alunos como ponto de partida
para a aprendizagem, e que se desenvolve em círculos concêntricos do mais próximo para
o mais distante, de maneira hierarquizada e linear, ainda é uma crença preponderante no
segmento contemplado; e, por fim, (f) a ausência de um claro pertencimento de
determinados conteúdos a campos epistemológicos específicos, seja por causa de uma
dificuldade de compreensão dos alunos ou devido a maneira como se desenrolam as
práticas dos professores, ficando muitas vezes obscuro qual disciplina está sendo
trabalhada.
Dessa maneira, pude articular, a partir da análise das entrevistas, as noções de
dilemas extrusivos e dilemas intrusivos. Enquanto os primeiros dizem respeito a questões
manifestas na prática dos docentes e que se encontram fora do controle dos mesmos –
tendo, assim, uma escala de origem alheia ao seu universo subjetivo –, os últimos dizem
respeito a crenças e referenciais próprios a cada profissional e se manifestam em suas
práticas de dentro pra fora. A diferenciação entre estes dois grupos de dilemas foi
importante na medida em que tornou possível observar como as subjetividades das
entrevistadas se manifestavam no contexto da prática (BOWE; BALL; GOLD, 1992 apud
MAINARDES, 2006) em que atuavam, mas também como forças provenientes de outros
4
contextos de formulação curricular – o contexto de produção textual e o contexto de
influência – que podem influir concretamente no dia a dia dos professores.
Ainda que o uso das noções de dilemas extrusivos e dilemas intrusivos tenha me
permitido investigar questões relativas às políticas de currículo sem assumir uma
perspectiva macroestrutural, uma pausada reflexão sobre estes conceitos ocasionou
questionamentos sobre os sujeitos. Mesmo que as práticas docentes sejam marcadas por
dilemas enraizados dentro e fora do universo subjetivo dos professores e que estes dilemas
sejam diferentes entre si, como se constituem estes valores e crenças supostamente
individuais? Percebendo que a noção de uma cultura escolar particular aos anos iniciais
aponta para certas recorrências no âmbito escolar entre questões estritamente subjetivas
de diferentes professores, como estas se configuram?
Foi em meio a esses questionamentos que ingressei no Doutorado em Educação
na Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 2016. Nele, participando do Grupo de
Estudos em História do Currículo, pude me aproximar (e participar) da construção de
uma abordagem discursiva para fazer História do Currículo do Presente (ver, por
exemplo, FERREIRA, 2013 e 2015; FERREIRA; SANTOS, 2017), em diálogo com a
teorização do discurso foucaultiana. A partir deste movimento, pudemos reformular estes
questionamentos por meio de outras lentes teórico-metodológicas. Afinal, como pensar
sobre que regularidades discursivas (FOUCAULT, 2015) dão forma à maneira como
vemos, pensamos e atuamos sobre as coisas no mundo, em um determinado momento
sócio-histórico? Nesse contexto, como se articulam os processos de fabricação
(HACKING, 2007) discursiva dos sujeitos escolares?
Por conta de minha trajetória acadêmica e, em particular, dos questionamentos
formulados ao longo da escrita da dissertação de mestrado, estas perguntas foram
mobilizadas para pensar, inicialmente e de forma entrelaçada, sobre o ensino do
conhecimento geográfico nos anos iniciais do ensino fundamental, na sua relação com a
constituição histórica da disciplina Estudos Sociais no Brasil. Na ocasião, pude delinear
como objeto de investigação os efeitos discursivos de subjetivação (FOUCAULT, 1995)
das práticas pedagógicas dos Estudos Sociais associadas aos saberes geográficos
escolares nesse nível de ensino da educação básica. Atento aos aspectos conflituosos da
constituição da disciplina escolar como objeto discursivo (FOUCAULT, 2015, p. 50) no
tempo presente, direcionei meu olhar para a primeira metade do século XX, relacionando
os Estudos Sociais aos discursos do Movimento Escola Nova, os quais mobilizavam
sentidos de reforma, democratização e criticidade no ensino (FRANÇA, 2013).
5
O enfoque em retóricas de educação democrática associadas aos Estudos Sociais
– aspecto que, em primeiro momento, se mostrava somente um caminho profícuo de
investigação acadêmica – se tornou um imperativo a partir da configuração do golpe de
estado contra a presidenta eleita Dilma Rousseff, consubstanciado na cassação de seu
mandato ao fim do processo de impeachment em 31 de agosto de 20163. Afinal, o Brasil
vive uma crise institucional em nosso sistema de representação política, tendo
presenciado a subversão de uma eleição presidencial democrática por meio de frágeis
argumentações jurídicas e de motivações políticas ambíguas. Esta crise tem produzido
reverberações controversas e impopulares em diversos setores da sociedade: na questão
de investimentos públicos em serviços sociais4, na legislação trabalhista5, na Educação
Básica, por meio de reformas curriculares decididas unilateralmente e implementadas a
toque de caixa. Nesse contexto, tanto os sentidos de democracia mobilizados em
diferentes tempos históricos quanto as condições enunciativas (FOUCAULT, 2015) da
emergência de discursos sobre educação democrática vieram para o centro da construção
do meu objeto de pesquisa.
Durante o processo de doutoramento, tive a oportunidade, por meio do Programa
de Doutorado-Sanduíche no Exterior (PDSE) da Capes, de passar seis meses entre 2018
e 2019 como Visiting Scholar na University of Wisconsin – Madison (UW-Madison),
Estados Unidos, junto ao professor Thomas Popkewitz. Pude, então, me aproximar ainda
mais da perspectiva teórico-metodológica sociocultural (POPKEWITZ, 1997) com a qual
o Grupo de Estudos em História do Currículo tem forte interlocução. Este movimento
não apenas foi útil ao ampliar as articulações que já estavam em curso entre os grupos de
pesquisa da UFRJ e da UW-Madison, mas também me propiciou uma maior familiaridade
com conceitos como Cosmopolitismo (POPKEWITZ, 2007), sistemas de pensamento
3
Reconheço, destarte, a natureza contenciosa em alguns circuitos deste enunciado. Tendo em vista que este
constitui parte de minha justificativa para o delineamento do objeto de pesquisa de um certo modo e não de
outros, não sendo nem objeto nem parte central do referencial, é suficiente então admiti-lo como
posicionamento pessoal, alinhado com produções e autores como: JENKINGS, DORIA, CLETO (Orgs.).
Por que gritamos Golpe? São Paulo: Boitempo, 2016; CURY, REIS, ZANARDI (Orgs.). Base Nacional
Comum Curricular: dilemas e perspectivas. São Paulo: Cortez, 2018; RODRIGUES, PEREIRA, MOHR.
O Documento "Proposta para Base Nacional Comum da Formação de Professores da educação Básica"
(BNCFP): dez razões para temer e contestar a BNCFP. In: Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em
Ciências, v. 20, jan-dez 2020, dentre tantos outros.
4
AMORIM, F. PEC do Teto é aprovada em votação final e congela gastos por 20 anos. UOL Notícias, 13
dez 2016. Disponível em < https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2016/12/13/pec-que-
congela-gastos-do-governo-por-20-anos-e-aprovada-em-votacao-final.htm>.
5
CAVALINNI, M. Reforma trabalhista é aprovada no senado: confira o que muda na lei. G1 Globo
Economia, 11 jul 2017. Disponível em: < https://g1.globo.com/economia/noticia/reforma-trabalhista-e-
aprovada-no-senado-confira-o-que-muda-na-lei.ghtml>.
6
(POPKEWITZ; LINDBLAD, 2016) e alquimia das disciplinas escolares (POPKEWITZ,
2001), que emergiram como potentes ao longo de minhas análises e reflexões realizadas
na tese.
Em consonância com a abordagem discursiva para a História do Currículo do
Presente que me propus a desenvolver, levando em conta a interlocução da mesma com
traços significativos das formulações teórico-metodológicas foucaultianas, fui levado a
uma postura de descontinuidade dos acontecimentos como uma característica que os
produz (FERREIRA, 2013), desnaturalizando verdades reificadas e tornando visíveis as
relações discursivas que tornaram sua emergência possível. Tal postura significou não
apenas a rejeição da mobilização de categorias e de interpretações atravessadas por
sentidos de continuidade, linearidade ou unidade anteriores a análise, como também
condicionou uma delimitação porosa do objeto da tese, ao mesmo tempo dando direção
ao processo investigativo mas também dando-lhe maleabilidade o suficiente para que
houvesse espaços para sua reconfiguração ao longo do processo. Durante a leitura e
análise de documentos que constituíram o arquivo da pesquisa – o Estudos Sociais para
Crianças numa Democracia (MICHAELIS, 1970) e o Introdução Metodológica aos
Estudos Sociais (CARVALHO, 1957) –, pude perceber que as elaborações acerca dos
programas de Estudos Sociais sendo formuladas entre as décadas de 1940 e 1960
abarcavam não apenas os anos iniciais, mas também os anos finais do ensino fundamental
– escola elementar, no contexto estadunidense. Dessa maneira, tornei meu escopo de
análise mais abrangente, optando por focalizar agora todos os graus do ensino
fundamental, ao invés de apenas os anos iniciais.
Meu objeto de pesquisa foi sendo construído, portanto, em meio ao próprio
movimento de fazer pesquisa, com a noção de alquimia das disciplinas escolares
(POPKEWITZ, 2001) assumindo centralidade no processo. Ele passou a focalizar os
processos alquímicos por meio dos quais os conhecimentos geográficos viram disciplina
escolar no ensino fundamental em tempos de democracia, tendo como objetivo principal
compreender seus efeitos de fabricação (HACKING, 2007) nos sujeitos escolares, com
ênfase nos ideais de cidadãos democráticos e cientificamente capazes e de professores
eficazes para a formação da criança. No diálogo com Michel Foucault (1975, 1977, 1988,
1995, 2001, 2006a, 2006b, 2007, 2009 e 2015) e curriculistas como Thomas Popkewitz
(1997, 2001, 2007, 2009, 2010, 2011, 2012a, 2012b, 2012c e 2014), busco compreender
como estas práticas discursivas têm produzido regimes de verdade que vem
normatizando/normalizando quem são estes sujeitos, os conhecimentos que devem
7
aprender/ensinar e como devem exercer seus papéis na sociedade. O recorte temporal
desta pesquisa se debruçou sobre dois momentos específicos da história nacional, onde a
experiência democrática pôde dinamizar e atualizar discursos no campo da escolarização
brasileira: (a) entre o fim do Estado Novo em 1946 e o Golpe Militar em 1964; (b) o
período que teve início a partir do processo de redemocratização do país marcada pela
Constituição de 1988, focalizando o documento de reformulação curricular em escala
nacional mais recentemente promulgado, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC)
(BRASIL, 2018).
No movimento investigativo proposto, foi necessário perscrutar os diferentes
estratos discursivos históricos, não sobrepostos e sim imbricados, no tempo presente. Ele
me permitiu desnaturalizar certas verdades e observar as condições de possibilidade de
emergência (e existência) de certos acontecimentos, porque se realizaram desta e não de
outra maneira. Para investigar a alquimia das disciplinas escolares (POPKEWITZ, 2001)
tanto nos Estudos Sociais como disciplina escolar quanto na Base Nacional Comum
Curricular (BNCC) (BRASIL, 2018), foram necessários olhos frescos, capazes de
enxergar novidades em narrativas sedimentadas. Tendo em vista estas reflexões, tracei os
seguintes objetivos específicos:
1. Por meio de diferentes levantamentos bibliográficos, tecer uma rede de sentidos
contingenciais que circulam no tempo presente nos campos do Currículo e da
Educação em Geografia acerca da disciplina escolar Estudos Sociais, assim como
sobre o ensino democrático e a integração curricular;
2. Elaborar uma grade de inteligibilidade (FOUCAULT, 1988) de maneira a
construir, interpretativamente, as condições enunciativas (FOUCAULT, 2015)
que possibilitaram a emergência de certos discursos (e não outros) sobre o ensino
dos conhecimentos geográficos em tempos democráticos;
3. Realizar uma análise comparativa e descontínua entre os dois momentos
históricos contemplados, evidenciando regularidades discursivas (FOUCAULT,
2015) em meio a processos alquímicos (POPKEWITZ, 2001) que produziram os
conhecimentos geográficos em diferentes disciplinas escolares, atuando como
transcendentais históricos (KIRCHGASLER, 2017);
4. Interpretar, em diferentes momentos históricos no país, as linhas de diferenciação
entre sujeitos (estudantes e professores) que vieram sendo elaboradas a partir de
procedimentos de classificação e hierarquização, por meio uma lógica
comparativa cosmopolita (POPKEWITZ, 2009, p. 380).
8
Com estes objetivos em mente, no primeiro capítulo da tese – Desmontando
continuidades: uma abordagem discursiva para as disciplinas escolares –, procuro
estabelecer o referencial teórico-metodológico por meio do qual enquadrei o objeto aqui
investigado, assim como os procedimentos de interpretação dos quais lancei mão na
constituição de minhas reflexões e análises. Pausada atenção foi dada às noções de
regularidades discursivas, funções enunciativas e descentramento do sujeito
(FOUCAULT, 1995), orientando uma postura investigativa pouco preocupada em
produzir julgamentos de valor acerca dos conteúdos de verdade daquilo que se investiga.
Diferentemente, a ideia foi entender as condições enunciativas em um dado momento
sócio-histórico que possibilitam a formulação de certos enunciados como legítimos, ao
invés de outros. De maneira a focalizar as questões pertinentes ao ensino dos
conhecimentos geográficos em tempos democráticos, articulei as diferentes
operacionalizações dadas aos conceitos de Cosmopolitismo, de sistemas de pensamento
e de alquimia das disciplinas escolares (POPKEWITZ, 2001), assim como ao de
fabricação de tipos de pessoas (HACKING, 2007), com vistas a compor e analisar os
documentos que passaram a constituir o meu arquivo de pesquisa.
No segundo capítulo, intitulado Contextualizando sentidos: abordagens e
regularidades, busquei situar a pesquisa no campo de conhecimento na qual foi
desenvolvida, visando a não apenas delinear o contexto mais amplo no qual o trabalho
investigativo se desenrolou, mas também identificar quais enunciados vêm produzindo o
objeto em questão. Dialoguei com alguns dos trabalhos mais recentes do Grupo de
Estudos em História do Currículo (VILELA, 2013; SANTOS, 2017; MARSICO, 2018;
CHARRET, 2019; OLIVEIRA, 2019), de maneira a constituir uma narrativa acerca da
construção da abordagem discursiva que vem sendo feita coletivamente. Além disso,
apresentei os resultados de dois levantamentos bibliográficos. O primeiro destes foi
realizado em quatro acervos online diferentes no âmbito de artigos acadêmicos, entre
2011 e 2016: os anais o Encontro Nacional de Pós-Graduação em Geografia (ENPEG)
– em especial os grupos de trabalho nomeados Ensino de Geografia e Formação de
Professores de Geografia; os anais do Encontro da Associação Nacional de Pós-
Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), em especial o grupo de trabalho
denominado Currículo; os acervos da Revista História da Educação mantida pela
Associação Sul-Rio-Grandense de Pesquisadores em História da Educação (ASPHE/RS);
a Revista Brasileira de Educação em Geografia, que é mantida por um corpo editorial
9
diverso e interinstitucional. O segundo levantamento foi realizado no âmbito das teses e
dissertações recentes sobre Estudos Sociais, tendo sido consultado o catálogo de teses e
dissertações da Capes, entre os anos de 2011 e 2019, nas áreas de Avaliação em
Educação, Ensino, Geografia, Geociências, História e Interdisciplinar, em algumas das
instituições públicas da região Sudeste.
No terceiro capítulo – Historicizando os Estudos Sociais em tempos
democráticos: a Escola Nova como parte da grade de inteligibilidade –, elaborei a
construção de uma grade de inteligibilidade possível para investigar a organização
discursiva da disciplina Estudos Sociais entre os anos de 1946 e 1964 a partir de três
feixes. No primeiro deles estão os deslizamentos que ocorreram no campo da Pedagogia
no início do século XX, aproximando-o de formulações científicas da Psicologia, da
Biologia e da Sociologia como ferramentas que estabeleceram condições enunciativas
diferentes sobre a prática educacional e os sujeitos escolares, operacionalizando noções
de aluno biologicamente e psicologicamente constituídas (SAVIANI, 2007;
KIRCHGASLER, 2017), noções de professor e de sua formação calcados em uma
cientificização das ciências sociais (AZEVEDO et al., 2010; MICHAELIS, 1970;
CARVALHO, 1954), e um projeto de sociedade sociologicamente orientado
(POPKEWITZ, 2012b). O segundo feixe discursivo que elenquei neste aparato
interpretativo foi o Cosmopolitismo como um sistema de pensamento (POPKEWITZ;
LINDBLAD, 2016) que, por meio de regimes de verdade que organizam teses culturais
sobre modos de vida, corporificaram valores acerca da agência humana,
autoaperfeiçoamento, hospitalidade, compaixão, participação política e capacitação
científica como um projeto emancipatório da humanidade, do qual a escola fez parte
formando os futuros cidadãos cosmopolitas. O último feixe discursivo articulado foi o
movimento escolanovista no contexto brasileiro, a partir da década de 1920, considerado
pelos sentidos que mobilizou acerca da Educação, criticando um certo modelo
mnemônico e cientificista de ensino confessional (AZEVEDO et al., 2010). Ele propunha,
ao invés disso, uma educação laica, universal e gratuita, que trouxesse para o centro do
processo educacional o próprio aluno, privilegiando suas experiências e aprendizagens,
propiciando formas de convivência democráticas e de respeito à individualidade. O
movimento da Escola Nova foi trazido nesse capítulo em uma dupla inscrição, uma vez
que ele é parte da grade de inteligibilidade e, simultaneamente, é analisado a partir dela.
No quarto capítulo, intitulado Estudos Sociais (1946-1964) e as fabricações do
cidadão democrático e do professor eficaz: entre descontinuidades e linhas de
10
diferenciação, operacionalizei a grade de inteligibilidade construída para analisar os
discursos acerca do programa da disciplina escolar Estudos Sociais, por meio da leitura
dos manuais didáticos Estudos Sociais para Crianças numa Democracia (MICHAELIS,
1970) e Introdução Metodológica aos Estudos Sociais (CARVALHO, 1957). Tal análise
me auxiliou a reconhecer alguns dos processos alquímicos de fabricação dos sujeitos
escolares a partir dos objetivos, saberes escolares e procedimentos didáticos
recomendados para a disciplina escolar. Estes, por sua vez, possibilitaram a delineação
de tipos ideais de sujeitos escolares e os movimentos de abjeção dos sujeitos indesejáveis
articulados discursivamente por estes projetos.
No quinto capítulo – Uma História do Presente para os Estudos Sociais:
princípios classificatórios no ensino de geografia na BNCC –, considerei a possibilidade
de que alguns dos movimentos de inclusão e abjeção, elaborados discursivamente por
meio da disciplina escolar Estudos Sociais, na primeira metade do século XX, tenham se
imbricado tacitamente nas “infraestruturas conceituais e institucionais”
(KIRCHGASLER, 2017, p. 88) da educação escolar. Em tal movimento, princípios
classificatórios como o desenvolvimento da criança, o papel da escola na formação para
a cidadania e em prol da democracia, e a importância do estudante cientificamente capaz
foram articulados como “transcendentais históricos” (KIRCHGASLER, 2017, p. 89), sem
levar em conta os processos históricos de formulação destes princípios. Produzi tais
articulações analisando a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (BRASIL, 2018),
assumindo que tais princípios classificatórios poderiam estar sendo operacionalizados por
meio do ensino de conhecimentos geográficos no ensino fundamental, e visando a
historicizar linhas de divisão entre os sujeitos escolares muitas vezes invisíveis, uma vez
que naturalizadas.
Por fim, nas considerações finais, retomei as ideias elaboradas ao longo da tese,
dando ênfase nas articulações contingenciais possíveis estabelecidas entre os processos
alquímicos dos conhecimentos geográficos de transformação em disciplina escolar, tanto
com os Estudos Sociais entre 1946 e 1964 quanto com o componente curricular Geografia
articulado pela BNCC no tempo presente; explorei os desafios teórico-metodológicos de
realizar a comparação histórica comparativa e descontínua proposta, assim como as
possíveis aberturas para estudos futuros, investigando tanto outras disciplinas quanto
aprofundando a compreensão dos processos alquímicos nos conhecimentos geográficos.
11
CAPÍTULO I
Desmontando continuidades: uma abordagem discursiva para as
disciplinas escolares
12
sabemos”. Isso não significa, entretanto, que o currículo constitui uma estratégia de
controle por um poder centralizado, exercido verticalmente por meio de aparatos
estruturais. Ele, igualmente, não pressupõe uma intencionalidade unilateral de um grupo
(ou grupos) por meio da qual mecanismos de regulação são implementados. A ideia de
regulação social da qual lanço mão se relaciona à interface entre saber e poder na
perspectiva foucaultiana, sendo articuladas a partir de regimes de verdade (FOUCAULT,
2007), que irão legitimar o que pode (e o que não pode) ser dito acerca dos objetos, dos
saberes e dos sujeitos. Com vistas a operar com tal perspectiva curricular, na próxima
seção explicito alguns cuidados teórico-metodológicos primeiros.
13
que fala ao invés de simplesmente nomear o que existe no mundo [...] modificando-se a
própria relação sujeito-objeto estruturante do projeto moderno”. O pós-estruturalismo
pode ser visto, portanto, como um contraponto ao estruturalismo, reconhecendo alguns
de seus pressupostos e desconstruindo/propondo novas abordagens acerca de outros.
No entanto, a noção de um sistema invariante é, ainda, segundo as autoras, o
principal ponto de cisão entre eles. Afinal, ao postular uma ordenação invariante, a teoria
estruturalista não leva em conta a construção sócio-histórica dessas estruturas,
alavancando entraves para a compreensão da passagem de um sistema de relações para
outro. Já o pós-estruturalismo, a partir do reconhecimento da ausência de relações fixadas
entre dois significantes, entende que as relações diferenciais entre significantes não são
um ”fato” da linguagem e que, assim, não há significados estanques a eles associados.
Sob essa perspectiva, significantes apenas podem ter seus sentidos estabelecidos,
provisoriamente, por meio de uma formação discursiva histórica e socialmente
contingente (LOPES; MACEDO, 2011). Isso significa que o discurso apresenta uma
relação imbricada com poder, pois ao passar a entender a linguagem como desestruturada
(ou estruturada provisoriamente), “a capacidade de unificar um discurso é em si um ato
de poder [...], o poder de significar, de criar sentidos e hegemonizá-los” (LOPES;
MACEDO, 2011, p. 40). É o poder como função do discurso, do qual faz parte também
o conhecimento, aqui entendido como aquilo que pode ser dito como verdade no bojo de
determinado momento social e histórico.
É importante apontar que, desde o final dos anos de 1960, os debates educacionais
situaram firmemente o conhecimento (seleção/distribuição/legitimação) no cerne das
questões curriculares. É necessário compreender que, mesmo que a noção de
conhecimento tenha se distanciado do enfoque central do campo curricular na virada pós-
estrutural, isso se deu a partir de deslizamentos conceituais importantes, na medida em
que o mesmo se torna parte de uma questão mais abrangente sobre as práticas discursivas.
Para Carmen Teresa Gabriel e Marcia Serra Ferreira (2012), por exemplo, é nesse
contexto que as noções de conhecimento escolar e de disciplina escolar se deslocam tanto
no campo teórico quanto nos processos de significação do termo “escola democrática”.
De acordo com as autoras, nas lutas hegemônicas por significar o campo do Currículo no
cenário contemporâneo, os termos “conhecimento” e “cultura” ora tornam-se
equivalentes, ora “o significante currículo perde força ao se confundir com cultura”
(GABRIEL; FERREIRA, 2012, p. 235). No que se refere ao significante “escola
democrática”, em muitos casos as críticas à ciência moderna e à escola como transmissora
14
da mesma têm sido transferidas para as noções de conhecimento escolar e de disciplina
escolar. Em ambos os casos, segundo elas, certos sentidos de conhecimento passam a ser
fixados em detrimento de outros sentidos possíveis, os quais poderiam nos auxiliar a
produzir “outras articulações entre Currículo, diferença e poder, desafiando as cadeias
discursivas hegemônicas e investindo em novos sentidos para o político no campo
acadêmico e na democratização da escola pública brasileira” (GABRIEL; FERREIRA,
2012, p. 229, grifos originais).
Um dos efeitos desse deslizamento com o qual me interessa operar é o
reconhecimento da ligação do conhecimento com a produção de subjetividades. Esse é
um aspecto que tem crescentemente interessado o Grupo de Estudos em História do
Currículo na proposição de uma abordagem discursiva para as investigações dos
currículos em perspectiva histórica (ver, por exemplo, FERREIRA, 2013 e 2015;
FERREIRA; SANTOS, 2017) e no âmbito do qual esse estudo se insere. Afinal, no
diálogo com Michel Foucault e alguns de seus interlocutores no campo (em especial,
Thomas Popkewitz), assumimos que o poder está profundamente imbricado tanto com a
ideia de saberes quanto com a noção de subjetivação. É por conta disso que, na próxima
seção, abordo como a História do Presente foucaultiana me permite articular a
constituição dos saberes com a produção de regimes de verdade.
6
FOUCAULT, M. Entrevista ao Le Monde (fev. 1975). In: ERIBON, Didier. Michel Foucault - uma
biografia. São Paulo: Cia das Letras. 1990.
15
(FERREIRA, 2013, p. 83). No que se refere à noção de temporalidade, no diálogo com
historiadores como Reinhart Koselleck (2006 e 2014) e François Dosse (2013), temos
operado no referido grupo com a ideia de que é do presente que equacionamos passado e
futuro. Afinal, no pensamento foucaultiano, é preciso reconhecer que:
[...] ao menos desde Nietzsche, a filosofia tem por marca diagnosticar e
não procurar mais dizer uma verdade que possa valer para todos e por
todas as épocas. Eu procuro diagnosticar, realizar um diagnóstico do
presente: dizer o que somos hoje e o que significa, hoje, dizer o que nós
dizemos. (FOUCAULT, 2001, p. 606)
Assim, ainda que não pretenda aqui realizar uma reflexão filosófica, minha
investigação produz uma análise histórica do presente, focando na disciplina escolar
Estudos Sociais em períodos democráticos. Estou particularmente interessado no
conjunto de regras discursivamente construídas sobre o que pode (e o que não pode) ser
dito sobre o tema, produzindo enunciados que existirão em um contexto discursivo
eminentemente contemporâneo. Dito de outra maneira, isso é assumir que a reflexão
histórica é realizada a partir de preocupações e ditames de um tempo atual, mesmo que
se debruçando sobre um objeto cronologicamente removido, e atende o propósito de
pensar direta ou indiretamente sobre o momento em que se vive.
A História do Presente é, portanto, parte importante da grade de inteligibilidade
que utilizo para observar e construir o meu objeto de estudo. De acordo com o referencial
teórico-metodológico com o qual esta pesquisa opera, qualquer ordenamento inteligível
requer um sistema de elementos ou grade sobre a qual semelhanças e diferenças possam
ser lançadas. Isso significa que quando agrupamos objetos juntos, ou os distinguimos uns
dos outros, com base em propriedades compartilhadas ou diferentes, é esse sistema de
propriedades que compõe a grade em questão. A realidade é feita inteligível – ou seja, ela
não é por si só – não apenas por uma grade, mas por todo um complexo de grades, disposto
em três níveis (FOUCAULT, 2007). De acordo com Foucault (2007), o nível mais básico
desse complexo são os códigos primários, que incluem grades constituídas por linguagem
(as palavras que aplicamos às coisas), os esquemas da percepção dos sentidos e as
diversas práticas, técnicas e valores culturais. Essas grades são “básicas”, pois se referem
ao empírico, ou melhor, às coisas no mundo que estão acessíveis a nós por meio de
experiências sensíveis. Ainda que dependam de uma grade a priori para conferir-lhes
sentido, esses códigos primários são, inicialmente, mais facilmente acessíveis, sendo
antes vivenciados quase que automaticamente. No outro extremo dessa escala de grades,
16
em uma escala mais abstrata, é que encontramos os esquemas de compreensão conceitual,
os sistemas de categorias e teorias científicas.
No nível “intermediário” está a grade com a qual Foucault (2007) mais se
preocupa e pela qual mais demonstra interesse, tendo nomeado a mesma de episteme. É
a partir dela que se formam e que é possível acessar os princípios da ordem em si, em um
determinado momento sócio-histórico; ela é a ordem “contínua e graduada ou fracionada
e descontínua, ligada ao espaço ou constituída a cada instante pelo impulso do tempo,
semelhante a um quadro de variáveis ou definida por sistemas separados de coerências
[...]” (FOUCAULT, 2007, p. xxi). É a episteme, portanto, que nos fornece esse senso de
ordem, o que permite, também, criticar outras redes nos níveis de codificação teórica e
primária.
A abordagem de Michel Foucault, por vezes chamada de arqueológica, se rebela
contra tendências da pesquisa histórica na primeira metade do século XX que
consolidavam certas “continuidades irrefletidas pelas quais se organizam, de antemão, os
discursos que se pretende analisar” (FOUCAULT, 2015, p. 30). Noções como as de
“tradição”, “influência”, “desenvolvimento e evolução”, “mentalidade e espírito”
constituem para o autor relações entre objetos e fenômenos de uma mesma época que, a
título de explicação e condicionado por uma certa maneira de pensar, remetem a uma
unidade que antecede os próprios objetos e fenômenos. Categorias como “ciência”,
“literatura” e “política”, ele afirma, ainda que tenham se articulado como formações
discursivas coesas a partir do século XIX e terem potência explicativa para analisar em
hipóteses retrospectivas os objetos da Idade Média ou mesmo da Antiguidade, não faziam
parte da organização do campo discursivo desses momentos históricos. O “autor” e a
“obra” como unidades de análise são particularmente problemáticas para Michel
Foucault, pois, por mais que tenham sido privilegiadas por diversos campos de estudo, a
pressuposição de uma coerência interna inerente a elas é falaciosa. Afinal, para o autor,
aquilo que se assume como coerência interna é variável e relativo, uma vez que “só se
constrói a partir de um campo complexo de sentidos”, campo esse que não é acessível de
maneira orgânica ou que se apresenta imediatamente; é uma operação interpretativa que
constitui a unidade ao invés de precedê-la (FOUCAULT, 2015, p. 28).
As críticas anteriormente apresentadas não são pormenores procedimentais, mas
um componente significativo do que o autor propunha como postura investigativa: a
rejeição (temporária) de formas de continuidade prévias à análise que, ao invés de serem
úteis para a problematização de um objeto, conferiam-lhe uma estabilidade indevida e
17
dificultavam o escrutínio do mesmo. A descontinuidade emerge, então, como uma
importante proposta metodológica no sentido de desestabilizar “verdades” sedimentadas,
desnaturalizando-as com o intuito de tornar visíveis as relações discursivas que tornaram
possível a irrupção daquele acontecimento ao invés de outros possíveis (FOUCAULT,
2015). Nessa perspectiva, segundo Marcia Serra Ferreira (2013), a descontinuidade dos
acontecimentos não é um aspecto a ser combatido; ela é uma característica que produz os
nossos objetos e valida as nossas análises.
No diálogo com a abordagem arqueológica foucaultiana, Inês Araújo (2007, p. 3)
destaca que “entre as coisas se estabelece algo que funciona como sua lei interna”, mas
que o próprio olhar de quem realiza a análise, de quem constrói uma grelha conceitual e
traz atenção para um ou outro aspecto de determinado objeto, também participa desse
ordenamento. Para a autora, a linguagem, evidentemente, tem um papel nessa dinâmica,
mas a preocupação primeira de quem desenvolve esse tipo de trabalho não está na “forma
entre significante e significado, [uma vez que] o horizonte da análise do discurso
extrapola o das regras sintáticas e semânticas” (ARAÚJO, 2007, p. 3-4). Ademais, a
noção de grade de inteligibilidade “enfatiza a porosidade do presente e as possibilidades
de mudança e resistência” (POPKEWITZ, 2012a, p. 15, tradução nossa).
O discurso emerge, portanto, como um conceito central para entender a proposta
teórico-metodológica desta pesquisa. Com Michel Foucault (2015, p. 56), ainda que os
discursos sejam feitos de signos, “o que fazem é mais que utilizar esses signos para
designar coisas. É esse mais que os torna irredutíveis à língua e ao ato da fala”. Ao
desatrelar o discurso de perspectivas lógicas e linguísticas, esse autor distancia o seu
campo de investigação da preocupação com a “verdade ou falsidade das proposições
científicas [...], a investigação da consistência, coerência ou validade de uma teoria
científica, tampouco as fontes ou fundamentos para todo e qualquer conhecimento, [uma
vez que] a questão é a da produção histórica, concreta do saber” (ARAÚJO, 2007, p. 7).
Segundo Inês Araújo (2007, p. 6), “o objeto do arqueólogo é o discurso, cujas unidades
são os enunciados; estes formam as práticas discursivas que configuram uma episteme, a
qual pertence ao saber de uma época”.
Isso significa que os discursos, em uma relação intrínseca com a episteme de um
determinado momento histórico, “são práticas organizadoras da realidade [...] que
estabelecem hierarquias, distinções, articulando o visível e o dizível”, tendo um papel na
“organização das relações entre indivíduos, instituições e organizações sociais mais
amplas” (SOMMER, 2007, p. 58). No entendimento dos mesmos como produção
18
concreta – e não ontológica – do saber, o exercício de analisar práticas discursivas
significa localizar objetos de saber que surgem “em uma exterioridade que talvez seja
paradoxal, pois ela não reenvia a nenhuma forma de interioridade” (FOUCAULT, 2015,
p. 148-149). Dessa maneira, o discurso tem um suporte histórico, institucional, e uma
materialidade que permite ou proíbe a sua realização. A maneira pela qual Foucault
buscou operacionalizar essa empreitada foi por meio da noção de regularidades
discursivas e da delimitação do que ele caracterizou, em contraste com outras áreas do
conhecimento – como a Filosofia Analítica inglesa e a Linguística –, como enunciado. É
sobre tais noções que me detenho na próxima seção.
7
FOUCAULT, Michel. Power/Knowledge: selected interviews and other writings1972-1977. (Trad.) Colin
Gordon et al. Nova York: Pantheon Books, 1980.
19
questões relativas ao conhecimento daquelas que outros campos de investigação
utilizavam à época. Ele se refere, em específico, aos filósofos analíticos ingleses,
preocupados com cadeias de inferências, e aos linguistas, atentos às cadeias de diferenças
em um sistema de linguagem. Observe a sua proposição:
No caso em que se puder descrever, entre um certo número de
enunciados, semelhante sistema de dispersão, e no caso em que entre os
objetos, os tipos de enunciação, os conceitos, as escolhas temáticas, se
puder definir uma regularidade (uma ordem, correlações, posições e
funcionamentos, transformações), diremos, por convenção, que se trata
de uma formação discursiva – evitando, assim, palavras demasiado
carregadas de condições e consequências, inadequadas, aliás, para
designar semelhante dispersão [...]” (FOUCAULT, 2015, p. 47).
20
daquilo que se fala, ou seja, “os sistemas segundo os quais separamos, opomos,
associamos, reagrupamos, classificamos, derivamos” (FOUCAULT, 2015, p. 51) uns dos
outros os objetos que procuramos compreender.
As modalidades enunciativas, outra das regras de formulação das formações
discursivas, dizem respeito à suposta coerência interna de certas formas de enunciar
discursos e quem é capaz de utilizá-los. A delimitação das modalidades enunciativas se
dá, para o autor, a partir de três perguntas, as quais se referem a quem fala, de onde fala
e como fala. A primeira pergunta tem como preocupação compreender os seguintes
aspectos: quais, dentre todos os sujeitos falantes, têm boas razões para o uso e a produção
de efeitos que uma modalidade enunciativa proporciona; qual a singularidade que a
capacidade de operar com aquela linguagem proporciona ao sujeito na interação com a
sociedade; o sistema de diferenciação e relações desses tipos de sujeito, tanto com outros
grupos similares, capazes de operar com outras modalidades enunciativas, e também com
a sociedade. Ou seja, a preocupação é com o conjunto de relações discursivas, exteriores
ao sujeito e, de certa forma, às modalidades enunciativas que permitem que certas coisas
sejam ditas a partir de certas posições de sujeito em determinado momento sócio-histórico
(FOUCAULT, 2015, p.61).
Na trama discursiva necessária para falar sobre as posições de sujeito, a segunda
pergunta se refere aos lugares institucionais a partir dos quais certos enunciados são feitos
possíveis, destacando que estes não são constantes invariáveis. Além disso, o espaço
físico não é a importância que Michel Foucault (2015) visa salientar com essa linha de
questionamento, e sim novamente as relações discursivas que aquela configuração sócio-
histórica possibilitou acontecer, o local onde certos discursos são aplicados e de onde
recebem parte de sua legitimidade enquanto verdadeiros para a sociedade e época às quais
pertence. Por fim, a terceira pergunta também serve à função metodológica de delinear
os contornos das posições de sujeito, tendo menos a ver com atos realizados
individualmente, e sim com a “situação que lhe é possível de ocupar em relação aos
diversos domínios ou grupos de objetos” (FOUCAULT, 2015, p. 63). Toda essa linha de
questionamento busca compreender o conjunto de técnicas e instrumentos utilizados em
comum, as formas específicas de se questionar, de ouvir, de se exercer que são próprias
do discurso operados por quem ocupa contingencialmente uma posição de sujeito. As
proposições teórico-metodológicas da noção de modalidade enunciativa põem em
deslizamento alguns pressupostos sobre o sujeito moderno, tomado como pura instância
fundadora da racionalidade, trazendo o enfoque, ao invés disso, para as posições que estes
21
ocupam, salientando “um conjunto em que podem ser determinadas a dispersão do sujeito
e sua descontinuidade em relação a si mesmo” (FOUCAULT, 2015, p. 66).
A formação de conceitos, última das regras de formulação das formações
discursivas, se depara com o seguinte problema: a possível desordem de uma análise
preocupada com as dispersões, ao invés de se ater às continuidades prévias estabelecidas
pelos múltiplos campos de conhecimento. Em tal movimento, o ato de “desnaturalizar”
fatos reificados apresenta como problema a necessidade de um sistema de ocorrência que
não seja baseado em uma sistematicidade lógica. Para esse fim, Michel Foucault (2015,
p .67-68) propõe um campo enunciativo em que, “antes de querer repor os conceitos em
um edifício dedutivo virtual”, o autor sugere a análise de um “conjunto de regras para
dispor em séries enunciados, um conjunto obrigatório de esquemas de dependências, de
ordem e de sucessões em que se distribuem os elementos recorrentes que podem valer
como conceitos”.
A esse campo enunciativo, o autor atribui como características constitutivas e
imbricadas umas às outras: o campo de presença, em que enunciados já formulados são
reutilizados no mesmo tipo de discurso, almejando a legitimidade que este possui; o
campo de concomitância, em que domínios de objetos e discursos entre si distintos atuam
sobre os mesmos enunciados; o campo da memória, em que enunciados que não são mais
admitidos como “verdadeiros” ainda interagem com outros discursos, estabelecendo
“laços de filiação, gênese, transformação, continuidade e descontinuidade histórica”
(FOUCAULT, 2015, p. 69). Tendo especificado os conteúdos do campo enunciativo,
Michel Foucault (2015) apresenta como parte final das regras de formação dos conceitos
os procedimentos de intervenção, que podem ser aplicados legitimamente aos enunciados.
Neste ponto da escrita, talvez pelo uso extensivo do termo, acredito ser necessário
esclarecer que a ideia de legitimidade na abordagem foucaultiana não diz respeito a
julgamentos de valor acerca do que é verdadeiro ou falso, mesmo que esse julgamento
leve em conta a época em que se vive; a preocupação de Michel Foucault foi menos com
uma economia da verdade, e mais com a política da veridição (BECKER; EWALD;
HARTCOURT, 2012, p. 5). O seu interesse e potência é explorar os jogos de poder
relacionais que configuram as formas e os sujeitos que têm a legitimidade para dizer
aquilo que se constitui como verdade, em dada época. Essas considerações significam,
teórico-metodologicamente, a suspensão temporária das relações de causa e
consequência, assim como dos encadeamentos lógicos tidos como observações objetivas
da realidade. Diferentemente, elas ressignificam os acontecimentos como parte dos feixes
22
discursivos que fixam certos conceitos, em determinado momento sócio-histórico, no
interior de uma cadeia de relações discursivas que precisam ser interpelados para
compreender as condições de existência de certo enunciado, ao invés de outros.
Como já explicitado, outra noção da qual lanço mão, além das formações
discursivas, são os enunciados, ou melhor, as funções enunciativas. Para Michel Foucault
(2015, p. 95), a descrição e compreensão das formações discursivas, como proposição
metodológica, serve o objetivo de “construir unidades igualmente abstratas e
problemáticas, em vez de acolher as que eram apresentadas com indubitável evidência,
ou, pelo menos, com uma familiaridade quase perceptiva”. Porém, que unidades abstratas
e problemáticas são essas, que objeto é este, o enunciado, o qual esse olhar metodológico
nos permite descrever? Ainda que compartilhando semelhanças, o enunciado não se
refere a uma frase, de um ponto de vista linguístico, na medida em que os elementos que
um sistema de linguagem formal lhe exige não são sempre necessários. Esse é o caso de
uma árvore genealógica, uma equação matemática ou um gráfico representando uma
curva de crescimento, exemplos que expressam enunciados, mas que escapam à
formalidade gramatical da frase.
O enunciado tampouco é idêntico ao ato ilocutório da filosofia analítica. Ainda
que ambos os conceitos levem em conta “[...] o que se produziu pelo próprio fato de ter
sido enunciado – e precisamente esse enunciado (e nenhum outro) em circunstâncias bem
determinadas” (FOUCAULT, 2015, p. 100), o ato ilocutório requer mais de um conjunto
de enunciados para ganhar forma e só faz sentido como unidade após encerrado. O
enunciado foucaultiano, por sua vez, possui uma unidade em si mesmo, podendo
estabelecer (e com frequência estabelecendo) relações com outros enunciados, mas não
necessitando dos mesmos para a sua delimitação. Assim, o esforço para encerrar o
enunciado em um sistema invariante, seja ele de linguagem ou de deduções gradativas, é
insuficiente, como aponta o próprio autor:
O enunciado não é uma unidade do mesmo gênero da frase, proposição ou
ato de linguagem; não se apoia nos mesmos critérios; mas não é tampouco
uma unidade como um objeto material poderia ser, tendo seus limites e a
sua independência. Em seu modo de ser singular (nem inteiramente
linguístico, nem exclusivamente material), ele é indispensável para que se
possa dizer se há ou não frase, proposição, ato de linguagem; e para se
dizer se a frase está correta (ou aceitável, ou interpretável), se a proposição
é legítima e bem construída, se o ato está de acordo com os requisitos e se
foi inteiramente realizado (FOUCAULT, 2015, p. 104-105).
23
O enunciado é, então, colocado em um lugar de certa forma intermediário, uma
vez que não se conforma, exclusivamente, aos arranjos linguísticos, e nem pode ser
totalmente explorado quando limitado apenas à materialidade que lhe compõe. De fato, a
própria ideia é mais apropriada como uma função (enunciativa) do que uma unidade para
a qual se tenta, em vão, estabelecer limites cristalinos. De acordo com Michel Foucault
(2015, p. 105):
Mais que um elemento entre outros, mais que um recorte demarcável em
um certo nível de análise, trata-se, antes, de uma função que se exerce
verticalmente em relação às diversas unidades, e que permite dizer, a
propósito de uma série de signos, se elas estão aí presentes ou não. O
enunciado não é, pois, uma estrutura (isto é, um conjunto de relações entre
elementos variáveis, autorizando assim um número talvez infinito de
modelos concretos); é uma função de existência que pertence,
exclusivamente, aos signos, e a partir da qual se pode decidir, em seguida,
pela análise ou pela intuição, se eles “fazem sentido” ou não, segundo que
regra se sucedem ou se justapõem, de que são signos, e que espécie de ato
se encontra realizado por sua formulação (oral ou escrita). [...] ele não é
em si mesmo uma unidade, mas sim uma função que cruza um domínio de
estruturas e de unidades possíveis e que faz com que apareçam, com
conteúdos concretos, no tempo e no espaço.
Isso significa que, neste estudo, sempre que analisar enunciados, estarei olhando
ou para uma frase, ou para uma proposição, ou para um ato ilocutório, para algumas de
suas partes, ou para todas essas coisas ao mesmo tempo. A função enunciativa não precisa
ser categoricamente seccionada dessas outras unidades, pois as atravessa
contingencialmente no movimento discursivo de atribuição de sentidos. Do ponto de vista
teórico-metodológico, o enunciado nos desafia com a tentação de tentar imobilizá-lo em
uma cadeia de significantes invariáveis para, em seguida, apenas escapar pelas frestas. Se
nenhum enunciado é igual ao outro, mesmo que os signos que ativa sejam muito
parecidos, se tem conteúdos concretos manifestos e específicos no tempo e no espaço, o
próprio conceito é uma maneira de evitar o engessamento provocado pelas continuidades
a priori (FOUCAULT, 2015).
Utilizar as formações discursivas e as funções enunciativas para dar novos
contornos ao meu objeto de investigação me fez enveredar por todas essas noções, ainda
que não tenha feito aqui uma análise pormenorizada das especificidades de cada uma.
Afinal, não tive a pretensão ou intenção de fazer um inventário taxonômico dos conceitos
arqueológicos de Foucault, nem mesmo acho útil fazê-lo. A escrita de A Arqueologia do
Saber nunca teve como propósito a postulação de uma metodologia fechada e pronta,
24
reproduzível, sob o risco de se tornar outra das continuidades irrefletidas que buscou
desconstruir. Se por esse caminho estou me enveredando, não é por uma filiação teórico-
metodológica a priori, e sim por ser produtivo à pesquisa. Assumo que é suficiente o
entendimento de que operacionalizo o objeto desta tese como enunciados foucaultianos
que constituem o discurso, e que os mesmos são acessíveis a partir da análise de suas
formações discursivas. Isso requer certos cuidados metodológicos na delimitação dos
mesmos, ao invés de utilizar sem intenção continuidades anteriores a análise.
Esses cuidados, à guisa de síntese, se referem a deslocamentos que venho
produzindo no âmbito (e junto) do Grupo de Estudos em História do Currículo. É nesse
contexto que as continuidades prévias à análise dão lugar à descontinuidade dos
acontecimentos. É também nele que o sujeito autônomo e racional da modernidade é
estremecido pela formulação de posições de sujeito. Em tal movimento, assumo que a
noção de enunciado cria possibilidades de emergência para fora de análises condicionadas
pela busca por regularidades e funcionando no interior de sistemas invariáveis,
progressivamente dedutivos de explicação do mundo. Esse enfoque abre mão de uma
certa forma de ordenamento epistemológico, fazendo necessário o emprego de uma
abordagem teórico-metodológica que possa, simultaneamente, organizar objetos de
estudo e produzir enunciados sobre eles sem criar uma nova estrutura invariante. A
escolha por uma abordagem discursiva a partir do uso dos referidos conceitos – formações
discursivas e funções enunciativas – é produtiva nesse sentido. Ela é útil no esforço
investigativo que buscou deslocar as narrativas sedimentadas sobre a disciplina escolar
Estudos Sociais no Ensino Fundamental e, nesse movimento, conseguir compreender as
condições históricas que possibilitaram a existência de discursos sobre o ensino de
conhecimentos geográficos em tempos de democracia no Brasil. Uma importante questão
para pensar sobre essas condições históricas é aquilo que Thomas Popkewitz (2009)
chama de sistemas de pensamento, em específico, o modo como enuncia o
Cosmopolitismo que permeia a modernidade, ideias que são exploradas a seguir.
25
democracia no Brasil, ora A primeira noção – a de sistema de pensamento – pode ser
entendida per se, ou seja, como qualquer arranjo de “um sistema particular de regras e
padrões que ordenam problemas, julgamentos, e os sistemas de retificação que são feitos
para moldar” (POPKEWITZ; LINDBLAD, 2016, p. 729, tradução nossa). De outro
modo, como modos de legitimar certos saberes como verdadeiros em um determinado
momento sócio-histórico, os quais servem à governamentalidade da vida social moderna.
Um exemplo dessa questão pode ser visto em Charles Bazerman (), quando o
autor, ao falar sobre o campo da Psicologia nos Estados Unidos, argumenta que o uso
“apropriado” do estilo de pesquisa sancionado pela Associação Americana de Psicologia
(APA) em cursos de ensino superior garante passagem e acesso dos estudantes na sua
disciplina acadêmica. Isso significa que os movimentos de normatização e de regulação
das práticas de pesquisa e de ensino na psicologia norte-americana não são escolhas
estilísticas ou vertentes teóricas divergentes apenas; a organização programática da forma
“apropriada” dos psicólogos se conduzirem em seu campo de escolha passam a estabilizar
papéis, relacionamentos, objetivos e práticas da comunidade acadêmica. O esforço de
homogeneizar práticas a partir de um rigor científico para eliminar aquelas tidas como
pouco confiáveis, buscando legitimidade para suas respectivas comunidades epistêmicas,
é um movimento que todo campo de conhecimento vivenciou, em maior ou menor grau.
Assim, não há um julgamento de valor sobre o acontecimento em si, mas sim um
apontamento de possíveis efeitos desse movimento que podem ter passados
desapercebidos: a uniformização a partir dos critérios de rigor científico não apenas
direcionam e, assim, limitam o escopo de qual exatamente é o objeto de uma determinada
disciplina, mas também orientam, e assim estreitam as possibilidades de estratégias que
seus participantes poderiam usar.
Bruno Latour, em seu célebre trabalho Visualization and Cognition: Thinking with
Eyes and Hands (1986), traz uma outra forma de pensar acerca dos sistemas de
pensamento. Através da noção de móveis imutáveis, o autor descreve como as sociedades
científicas, por meio de uma série de processos – como o desenvolvimento de inscrições,
uma cultura visual comum e consistência ótica – foram capazes de acumular espaço e
tempo. A concentração em objetos como mapas náuticos, a linguagem matemática e
representações gráficas de procedimentos estatísticos, por exemplo, permitiu que
determinados conhecimentos e práticas fossem condensados, sendo ao mesmo tempo
imediatamente reconhecíveis, inteligíveis aos iniciados, e se movimentassem pelo
mundo. Para Bruno Latour (1986), a formulação histórica desses móveis imutáveis serviu
26
ao propósito de conquistar situações gradualmente mais favoráveis nas disputas
agonísticas acerca de qual conhecimento pode ser tido como legítimo. Ainda que de um
outro ponto de vista, sua análise também dá visibilidade a um certo tipo de suporte
material que se fez necessário na consolidação da legitimidade daquilo que definimos
como racionalidade científica. Esse processo produziu um sistema de pensamento
pautado em um suporte material que condensa conhecimentos e práticas, produzindo
objetos e métodos compreensíveis aos cientistas; ao mesmo tempo, e por conta disso,
constituiu uma situação que condicionou e condiciona até hoje como a ciência
deveria/poderia ser praticada, e por quem.
Outro interessante exemplo pode ser visto em Hunter Heyck (2012), em que o
autor argumenta que, após a II Guerra Mundial, os cientistas sociais foram forçados a
abandonar a convicção em uma sociedade humana plenamente racional frente às
barbáries cometidas durante o conflito. Com isso, surge a figura daquilo que o autor
chamou de humano irracional nas ciências sociais. O ideal da racionalidade, entretanto,
não foi tão facilmente deixado de lado; esses pesquisadores, desacreditados da capacidade
da ciência de produzir indivíduos plenamente racionais, investiram em uma perspectiva
teórico-metodológica que almejavam administrar as escolhas de populações inteiras a
partir de análises probabilísticas de tendências de escolhas. Esse enquadramento
epistemológico passou a organizar como governos, marketing e a própria pesquisa
acadêmica pensou e atuou sobre populações, pelo menos por um tempo. Isso significa
que não apenas os campos de conhecimento que observam certos objetos os fazem
cognoscíveis de jeitos diferentes e específicos, mas os estilos de raciocínio que fazem
certas práticas mais legítimas que outras também informam o que pode ser entendido
como “fato” ou “verdade” em determinado momento sócio-histórico. As ciências sociais,
de uma maneira geral, como aponta Hunter Heyck (2012), e a pesquisa educacional em
particular, não são exceções.
Para operacionalizar a noção de sistemas de pensamento como ferramenta
analítica na formulação de uma História do Currículo como História do Presente, na
direção que vem sendo trilhada por Thomas Popkewitz, e levando em conta as
considerações tecidas anteriormente, assumo que os métodos e conceitos sendo utilizados
pelas pesquisas no campo educacional não constituem apenas diferentes formas de olhar
para um determinado objeto. Diferentemente, eles reificam possibilidades como verdades
a priori, limitando como os objetos e práticas são compreendidos, assim como as
possibilidades por meio das quais certos sujeitos podem produzir enunciados legítimos
27
em determinados momentos históricos.
O Cosmopolitismo pode ser entendido, então, como um sistema de pensamento.
Ele é caracterizado por Thomas Popkewitz (2012b) como a corporificação de uma tese
histórica radical própria da modernidade sobre o poder da razão e ciência humanas. A
aspiração do Cosmopolitismo é vir a ser um modo de viver no qual a liberdade individual
produziria progresso humano coletivo e felicidade individual, ideal para o qual é central
a valorização da “agência humana guiada pela razão e racionalidade (ciência)”
(POPKEWITZ, 2012b, p.41, tradução nossa). No campo educacional, ele atua como uma
tese cultural que atravessa – e, assim, dá forma epistemologicamente – as instituições,
objetivos, ideais e práticas por meio das quais entendemos o que é escola, ao menos a
partir da segunda metade do século XX até os dias de hoje: a autonomia e cidadania
pretendida para os alunos; a valorização da razão e da racionalidade científica como
conteúdos/conhecimentos desejáveis a serem transmitidos; o objetivo de uma escola
igualitária e democrática para produzir uma sociedade que seja igualmente mais
igualitária e democrática; a “missão” de equipar seus sujeitos com ferramentas de
emancipação etc. É importante salientar, entretanto, que ainda que o Cosmopolitismo
possa ser usado para pensar sobre questões educacionais, para Thomas Popkewitz
(2012b) é uma tese cultural radical que atravessa todo o modo de pensar da Modernidade,
o que inclui a educação e a escola.
A partir de tal delineamento, é possível entender de que maneira os ideais
cosmopolitas são úteis para pensar sobre a democracia no âmbito educacional e sobre a
escola como um todo. Como ferramentas analíticas, as noções de sistemas de pensamento
e de Cosmopolitismo servem para “desnaturalizar” esses sistemas particulares de regras
e padrões que ordenam o mundo epistemologicamente, deslocando-os de uma posição
reificada e abrindo possibilidades de escrutínio dos pressupostos que, de outra maneira,
passariam desapercebidos. Além disso, não é apenas o mundo que é feito cognoscível
para a sociedade a partir de sistemas de pensamento; estes também contribuem para a
constituição de dispositivos discursivos para a fabricação de tipos específicos de pessoas.
Nesse processo, em meio a um complexo jogo de saber e poder, ao lançar mão da razão
e de um modo comparativo de raciocínio para planejar transformações no mundo, visando
uma sociedade mais igualitária e justa, esse mesmo modo comparativo de raciocínio
produz o que Thomas Popkewitz (2001) chama de duplo gesto. Afinal, ao buscar a
inclusão gradativa de todos na sociedade cosmopolita, é preciso definir quem são aqueles
sujeitos que “pertencem” e estão incluídos, simultaneamente definindo os que “não
28
pertencem” e estão excluídos, reinscrevendo a exclusão no planejamento e nas práticas
escolares.
Isso significa entender o poder de maneira positiva (ou produtiva). Afinal, ainda
que admita que “os mecanismos de sujeição não podem ser estudados fora de sua relação
com os mecanismos de exploração e dominação”, Michel Foucault (1995, p. 236) defende
que estes “mantêm relações complexas e circulares com outras formas”, sendo mais do
que apenas extremidades de estruturas mais fundamentais da sociedade. Nesse
movimento, ele toca em um dos deslocamentos mais importantes promovidos por seu
trabalho: o afastamento (e não a negação) de uma rígida interpretação de poder –
estrutural, relacionada com a ideia de repressão, estatal e centralmente exercida – em
direção a uma preocupação com os efeitos de poder, presente nas relações, exercido
individualmente e condicionado pela liberdade.
De fato, o autor se recusa a pensar no poder a partir de seus efeitos negativos
exclusivamente, isto é, como repressão ou censura. Diferentemente, Michel Foucault
(1975, p. 161) o entende como produtor de “domínios de objetos e rituais de verdade. O
indivíduo e o conhecimento que dele se pode ter se originam nessa produção”. A
positividade produtiva do poder o correlaciona diretamente com o saber, não
simplesmente por ser capaz de favorecê-lo ou de torná-lo útil, mas porque “não há relação
de poder sem a constituição correlata de um campo de saber, nem saber que não suponha
ou constitua ao mesmo tempo relações de poder” (FOUCAULT, 1975, p. 30). Isso
significa entender que, antes de uma atividade do conhecimento produzir um saber servil
a um poder autônomo, são os processos e lutas que atravessam e constituem o “binômio”
poder-saber que “determinam as formas e os campos possíveis do conhecimento”
(FOUCAULT, 1975, p. 30).
A positividade produtiva do poder se relaciona, principalmente, com os processos
de subjetivação dos indivíduos. Segundo Foucault (1995, p. 231), o objetivo de seus
trabalhos “não foi analisar o fenômeno de poder nem elaborar fundamentos de tal análise
[...] ao contrário, foi criar uma história dos diferentes modos pelos quais, em nossa
cultura, os seres humanos tornaram-se sujeitos”. O entendimento do sujeito como
produção histórica provoca deslocamentos no entendimento do sujeito moderno, força-
motriz do progresso e relacionado com uma perspectiva realista, e também do sujeito em
uma tradição fenomenológica, protagonista na interpretação do mundo a partir das
experiências sensíveis. O sujeito, em uma abordagem foucaultiana do saber, “não é uma
29
substância”, mas sim “uma forma, e esta forma não é, sobretudo nem sempre, idêntica a
si mesma" (FOUCAULT, 2006, p. 275), rejeitando perspectivas que referenciem uma
essência totalizada para o sujeito, como explica Inês Araújo:
O que alguém disse, como o fez e com que intenção, se o que disse está ou não
conforme os fatos: tudo isso está relacionado a alguém determinado, autor
responsável por aquelas enunciações, é o campo da ciência e da história das
ideias. Já na esfera dos enunciados discursivos, domínio da arqueologia do
saber, o lugar do sujeito é vazio, podendo ser ocupado por aquele que
preencher certas condições, tais como normas institucionais ou jurídicas, ou
ter o direito por ser capacitado ou estar apto pelo status ou função que ocupa.
Essas condições dirão quem pode legitimamente ocupar a posição de sujeito
(ARAÚJO, 2000, p. 104, grifos originais).
30
Posso afirmar que, na História do Currículo que veio sendo formulada no Brasil,
as proposições de Ivor Goodson (1995) trouxeram potentes ferramentas para pensar os
processos de constituição dos currículos acadêmicos e escolares, sendo formulado em um
campo de conflitos entre diferentes comunidades disciplinares não apenas sobre seus
aspectos intrínsecos, mas também seus objetivos e potencialidades. Essas comunidades
disciplinares são entendidas pelo autor como grupos heterogêneos que compartilham
valores e interesses, mas como um movimento no qual são travadas constantes disputas
entre diferentes tradições sobre os sentidos legitimados contingencialmente para o que
aquela disciplina deve ou não deve ensinar, quais conteúdos devem ser ressaltados ou
suprimidos, como seus profissionais devem ser treinados etc. (GOODSON, 1997),
colocando “em movimento os processos de estabilidade e de mudança curricular”
(FERREIRA, 2015, p. 267).
A ideia de tradição inventada – conceito de que o autor se utiliza em diálogo com
Eric Hobsbawm e Terrence Ranger (1985) – ocupa um papel central nessa teoria. Nela,
Ivor Goodson (1995) significa o processo de construção do currículo como uma espécie
de invenção de tradição na qual se formula “um conjunto de práticas e ritos: práticas
normalmente regidas por normas expressas ou tacitamente aceitas; ritos – ou natureza
simbólica – que procuram fazer circular certos valores e normas de comportamento
mediante repetição” (HOBSBAWM; RANGER, 1985, p. 1 apud GOODSON, 1995, p.
27). Tais formulações são particularmente úteis nas disputas por legitimidade e na fixação
contingencial de sentidos de educação, conhecimento e ensino entre comunidades
disciplinares, tanto em seu interior quanto perante outras comunidades, pois
“automaticamente implica em continuidade com o passado. De fato, onde é possível, o
que tais práticas e ritos buscam é estabelecer continuidade com um passado histórico
apropriado” (HOBSBAWM; RANGER, 1985, p. 1 apud GOODSON, 1995, p. 27).
A teoria de Ivor Goodson, entretanto, assumidamente constituída em um
arcabouço crítico, possui uma interpretação da produção curricular que, mesmo
dialogando com outros elementos que não são totalmente teleológicos ou estruturais, é
“dependente das questões de poder relativas à classe social” (JAEHN; FERREIRA, 2012,
p. 261). O deslocamento realizado pelo grupo de pesquisa acompanhou uma tendência
mais ampla do campo curricular brasileiro, caminhando entre as teorias
convencionalmente chamadas de críticas em direção às pós-críticas. Esse movimento foi
mapeado por Marlucy Paraíso (2004) entre os anos de 1993 e 2003 no Grupo de Trabalho
(GT) de Currículo, promovido pela Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa
31
em Educação (ANPEd) em seus encontros anuais. O crescimento considerável do número
de pesquisas a trabalhar com perspectivas e conceitos entendidos como pós-críticos foi
uma tendência identificada pela autora, desembocando na análise e subsequente
agrupamento dos trabalhos que operavam com esse referencial teórico-metodológico em
três linhas de investigação principais: (a) de relações de poder na educação; (b) questões
acerca do sujeito, subjetividade e identidade; e (c) conhecimentos, verdades e discursos
enquanto saberes educacionais que são artificialmente construídos. Nesse movimento de
categorizações contingentes, os conceitos e preocupações das pesquisas pós-críticas
salientadas pela autora operavam, como aponta André Santos, “[...] com conceitos
desenvolvidos por Michel Foucault ou privilegiavam temáticas semelhantes ou vizinhas
às que o teórico trabalhou” (SANTOS, 2017, p. 59). Para a autora, durante o período
contemplado pela sua investigação, o campo educacional foi povoado por:
[...] uma multiplicidade de pesquisas e trabalhos que pensam a educação,
a pedagogia, o currículo e outras práticas educativas de modo diferente do
que até então vinha sendo pensado. Tais trabalhos passam a utilizar outras
categorias para pensar e fazer a pesquisa em educação no Brasil. De modo
geral, eles apontam para a abertura e a multiplicação de sentidos, para a
transgressão e a subversão daquilo que anteriormente já havia sido
significado no campo educacional (PARAÍSO, 2004, p. 286).
Foi em meio a esse movimento mais amplo do campo curricular brasileiro que
emergiu, no Grupo de Estudos em História do Currículo, o desenvolvimento de uma
abordagem discursiva para os estudos históricos que vinham sendo realizados. É nele,
portanto, que me insiro, interessando-me por reflexões que assumem a positividade
produtiva do poder, em particular pela obra de Thomas Popkewitz. Com o Grupo de
Estudos em História do Currículo, assumo que o deslocamento aqui explicitado não exige
o total abandono das formulações prévias realizadas com Ivor Goodson, uma vez que são
possíveis reinterpretações e hibridizações entre esta e o presente curso de reflexões com
Thomas Popkewitz. Afinal, como destacam Jaehn e Ferreira (2012), ambos estão
interessados nas relações entre conhecimento e poder na produção curricular, mesmo por
meio de lentes teóricas distintas. Outro ponto de aproximação entre o trabalho desses
autores é o entendimento de que disciplinas não são “entidades monolíticas, mas
amálgamas mutáveis, que se formam a partir da articulação dos interesses de grupos
sociais diversos” (Goodson, 1995, p. 120), atentando assim ao aspecto contingente da
escolarização e permitindo pensar os processos de reforma escolar não mais como
32
evoluções ou progressões lineares, e sim como emergentes das circunstâncias históricas
nas quais se configuraram (JAEHN; FERREIRA, 2012).
Penso que é impossível, dessa maneira, pensar a constituição de tal esforço
investigativo na ausência da perspectiva construcionista e sócio-histórica de Ivor
Goodson, uma vez que esta constituiu, hegemonicamente, aquilo que entendemos como
História do Currículo no Brasil. Isso significa que essa perspectiva fez parte do modo
como viemos nos interessando por temas e preocupações, como viemos delimitando os
nossos próprios objetos e como viemos definindo as nossas trajetórias teórico-
metodológicas. Uma leitura “outra” da disciplina Estudos Sociais, separada da
interpretação hegemônica que a comunidade acadêmica de Geografia lhe atribuiu durante
e após a Ditadura Militar não teria sido possível em um arcabouço explicativo mais rígido,
que não desconstruísse o caráter totalizante da “disciplina”, presente em outras teorias
curriculares mais ortodoxas. Sem o destaque para a relação entre saber e poder operado
por Goodson, questionamentos sobre outras formas de pensar as relações de poder, o
sujeito e a subjetivação talvez não tivessem emergido, mas com certeza não teriam
emergido da maneira como o fizeram. Nesse sentido, a trajetória teórico-metodológica
desta pesquisa foi marcada pelo autor e precisa reconhecê-lo nesta etapa; por outro lado,
as reflexões posteriores ao longo do processo de doutorado levaram minhas indagações e
preocupações a se inclinarem mais na direção de uma abordagem discursiva desvinculada
de Ivor Goodson, dando preferência desse modo à perspectiva sociocultural de Thomas
Popkewitz.
As diferentes maneiras de se pensar sobre o processo de escolarização e disputas
curriculares só são possíveis no âmbito de um regime de verdade (Foucault, 2007). Os
enunciados de um determinado momento histórico acerca de práticas pedagógicas, textos
oficiais do Estado que versam sobre educação, os problemas percebidos e possíveis
soluções para o sistema educacional, a formação de professores – e, assim, o tipo de
professor que deve ou pode dar aula –, os contextos socioeconômicos que prejudicam o
desempenho discente – e, assim, as condições ideais, ou melhor, o tipo de aluno “ideal”
a partir do qual (e para quem) a escola é pensada – podem ser pensadas, então, “como
conjuntos de singularidades historicamente construídos que geram princípios para os atos
de ensino” (POPKEWITZ, 2001, p. 47). Isso significa compreender que “as prioridades
arroladas no ensino não são apenas ‘crenças’ pessoais, mas categorias e singularidades
produzidas que ordenam o que é examinado como sendo as práticas de ensino”
(POPKEWITZ, 2001, p. 47).
33
Debruçando-se sobre os casos da educação científica e matemática nos Estados
Unidos na primeira metade do século XX, Thomas Popkewitz (2010) argumenta que os
princípios de ordenamento dessas disciplinas escolares foram gerados historicamente,
almejando a produção de um tipo particular de cidadão necessário para o Estado
Moderno. Tal ordenamento da educação institucional foi operacionalizado por meio de
ferramentas de tradução específicas, com inspiração nas teorias da Psicologia daquele
período. A partir desse exemplo, é possível observar uma perspectiva mais ampla que
permeia a obra do autor, em que “teorias são ‘corporificadas’ em estilos de raciocínio que
ordenam e classificam o que é visto e onde se atua na escolarização”, fornecendo os
“princípios gerados para ordenar como julgamentos são feitos, conclusões são traçadas,
soluções recebem plausibilidade e faz das existências gerenciáveis” (POPKEWITZ,
2014, p. 13, tradução nossa). As teorias, dessa maneira, são estilos de raciocínio que
produzem teses culturais sobre modos de viver e cujos princípios incluem indivíduos em
determinadas categorias, fixando assim critérios de pertencimento a esses rótulos e
parâmetros para o que é “normal” na escola. Esses princípios também inscrevem
diferenças, divisões e exclusões, pois também fixam quem não se encaixa nos moldes de
“normalidade”. Esse jogo simultâneo de afirmação e negação forma “uma grade de
inteligibilidade para o mundo e para as individualidades da educação” (POPKEWITZ,
2001, p. 47). Afinal, a afirmação de uma identidade a partir de um certo conjunto de
características é necessariamente acompanhada pela negação de todas as outras que a ele
não pertencem.
Essa perspectiva teórica, ou seja, o entendimento dos regimes de verdade como
construções sócio-históricas que legitimam, contingencialmente, o que pode e o que não
pode ser dito em diferentes contextos, com práticas discursivas que
normatizam/normalizam os diferentes tipos de sujeito, suscita uma outra forma de ler o
mundo. Popkewitz (2001, p. 114) focaliza esse tipo de questão no âmbito da
escolarização, reconhecendo certas particularidades, como os dispositivos inter-
relacionados que operacionalizam “a rede dos discursos [que] forma a racionalidade do
ensino e de suas pessoas razoáveis”. Um conceito importante para pensar tais
particularidades é o de alquimia das disciplinas (ou matérias) escolares. De acordo com
o autor, esta se encontra:
[...] incorporada na estrutura dos discursos que organizam, diferenciam e
normalizam as ações do ensino e das crianças. Por isso, a importância da
alquimia das matérias escolares não está apenas no fato de apresentar um
conhecimento "oficial" através dos livros didáticos e do currículo escolar, mas
de reimaginar a ancoragem do conhecimento como aquela dos "objetos"
34
lógicos, hierárquicos e não-temporais (Popkewitz, 2001, p. 105, grifos
originais).
36
dos discursos em circulação na comunidade acadêmica educacional e, em especial, de
textos curriculares do tempo presente para o ensino de Geografia.
A escolha pela aproximação dos discursos de democracia se deu devido ao
contexto sócio-histórico no qual a disciplina se constituiu, ou seja, coincidindo com o
movimento da Escola Nova. Este defendia ideais tidos por seus proponentes como
“críticos” e democráticos para a Educação Básica, imediatamente antecedendo a
configuração do regime da Ditadura Militar no país. Sabemos que hoje, com toda a
instabilidade política e institucional pela qual passa o país, o campo educacional ainda
defende como objetivo e ideal da escola a promoção da igualdade, da cidadania e da
democracia. Que procedimentos e efeitos sentidos hoje ao se pensar o ensino de Geografia
e História pode dialogar com o que se pretendia com os Estudos Sociais entre as décadas
de 1930 e 1960? Ademais, quais os rebatimentos não-pretendidos, que duplos gestos são
operados por meio da educação pública nos sujeitos escolares?
Com essas perguntas em mente, busquei delimitar o meu arquivo de pesquisa.
Organizei esse arquivo em três frentes: (i) um levantamento bibliográfico que, mais do
que situar esta pesquisa no contexto maior do campo da Educação em escala nacional,
constitui um acervo empírico que me permitiu acessar, a partir de um referencial
foucaultiano, algumas das superfícies discursivas que objetivam/subjetivam os sujeitos
escolares do ensino fundamental a partir de saberes e práticas de ensino geográficos; (ii)
manuais didáticos e documentos pedagógicos que versam sobre as formulações e
possíveis implementações da disciplina Estudos Sociais no âmbito escolar brasileiro
durante as décadas de 1930 a 1960, buscando compreender os procedimentos alquímicos
que produzem fabricações de tipos de sujeitos “democráticos” no campo educacional
brasileiro naquele período. Nesse momento da análise, fiz a escolha expandir o escopo do
recorte temporal inicial para o início dos anos 1930, para estabelecer diálogos com o
Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932), anterior à constituição do regime
autoritário durante o Estado Novo, para investigar os sentidos de educação democrática
mobilizados pelo movimento escolanovista, considerados aqui condições enunciativas da
disciplina escolar Estudos Sociais durante as décadas de 1940 e 1950; (iii) documentos
contemporâneos que buscam estabelecer objetivos, metas e práticas para o ensino de
Geografia e História, com vistas a analisar como tais documentos, hoje em dia, dialogam
com os processos de subjetivação previamente explorados, para assim entender quais os
duplos gestos que foram e são operacionalizados no ensino das “Ciências Sociais” e em
nome de uma “educação democrática”.
37
Na primeira frente de trabalho – o levantamento bibliográfico –, consultei os anais
de dois eventos acadêmicos: o Encontro Nacional de Pós-Graduação em Geografia
(ENANPEGE), em especial os grupos de trabalho nomeados Ensino de Geografia e
Formação de Professores de Geografia; o Encontro da Associação Nacional de Pós-
Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), em especial o grupo de trabalho
denominado Currículo, entre 2011 e 2016. Estes foram escolhidos por serem organizados
por associações que almejam promover sinergia e integração entre os diversos programas
de pós-graduação em suas respectivas áreas no âmbito nacional, sendo pontos nodais
importantes a partir dos quais foi possível construir a empiria desta pesquisa, ou seja, as
práticas discursivas que versam sobre disciplinas escolares e sobre o ensino de Geografia.
Além disso, trabalhei com dois periódicos científicos, a saber: a revista História da
Educação, mantida pela Associação Sul-Rio-Grandense de Pesquisadores em História da
Educação (ASPHE/RS), com o apoio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e da
Universidade Federal de Santa Maria; a Revista Brasileira de Educação em Geografia,
que é mantida por um corpo editorial diverso e interinstitucional, com uma política de
acesso livre que disponibiliza suas publicações online gratuitamente. Por fim, foi
consultado o catálogo de teses e dissertações da CAPES, entre os anos de 2011 e 2019,
nas áreas de Avaliação em Educação, Ensino, Geografia, Geociências, História e
Interdisciplinar, em algumas das faculdades públicas da região Sudeste, visando observar
o que tem sido enunciado nesse âmbito da produção acadêmica do país.
Os Estudos Sociais como disciplina escolar receberam notoriedade e foram
implementados em escala nacional durante a ditadura militar no Brasil, mais
especificamente, a partir do Parecer no 895/71, que efetivou as licenciaturas curtas de 1o
grau. Os Estudos Sociais já eram, entretanto, uma realidade para os anos iniciais, o
chamado Ensino Primário, desde meados de 1930, quando o Departamento de Educação
do Distrito Federal publicou o Programa de Ciências Sociais, no qual era mencionada
essa disciplina escolar para os cinco primeiros anos da escola elementar. Ademais,
apareceu também, nessa mesma época como “matéria escolar” na Escola de Professores
do Instituto de Educação, destinada a habilitar professores primários (FERNANDES,
2008). Ela se insere no contexto brasileiro, portanto, através de articulações discursivas
realizadas no âmbito do movimento nomeado de Escola Nova. Com o ensino devendo ser
pautado na e a partir das vivências e demandas práticas dos alunos, o agrupamento de
áreas do conhecimento em disciplinas escolares como os Estudos Sociais foi enunciado
como uma proposição teórico-metodológica na qual “alargam-se os campos de trabalho,
38
interpretam-se tópicos de disciplinas diferentes; multiplicam-se as interdependências e
apagam-se, também, as delimitações precisas” (CARVALHO, 1957, p. 15).
Quando examinados, nos dias de hoje, os discursos que marcaram a trajetória da
implantação dos Estudos Sociais no ensino fundamental do país, é possível delinear
relações possíveis com discursos educacionais articulados contingencialmente na década
de 1930 pelo movimento escolanovista, voltados para a elaboração de uma sociedade
harmônica e equilibrada, sem divergências e conflitos, resultante da contribuição
igualitária de indivíduos. Entre as décadas de 1940 e 1960, a disciplina foi uma das
mediadoras fundamentais na concretização do projeto social referido; entretanto, isto não
ocorreu de imediato e nem ganhou a totalidade da escola e da sociedade civil. Outro
discurso emerge na década de 1970, durante a Ditadura Militar.
Assim, na segunda frente de trabalho, assumindo a Escola Nova como um
importante contexto discursivo do período, analisamos três documentos que se
propuseram a falar explicitamente sobre a disciplina escolar Estudos Sociais, suas
proposições, objetivos e sujeitos. Foram eles: (a) o Manifesto dos Pioneiros da Educação
Nova de 1932, e o Manifesto dos Educadores: mais uma vez convocados de 1959; (b)
Estudos Sociais para Crianças numa Democracia, manual originalmente publicado em
1956 por John U. Michaelis, professor da Escola de Educação da Universidade de
Berkeley; (c) Introdução Metodológica aos Estudos Sociais, a versão analisada tendo sido
publicada em 1957 por Carlos Delgado de Carvalho, figura importante no movimento da
Escola Nova, tendo estudado nos Estados Unidos na década de 1920.
Com vistas a uma análise de certa forma comparativa, busquei investigar, então,
os processos históricos que articularam sentidos sobre possíveis princípios
classificatórios no âmbito da educação escolarizada na primeira metade do século XX, e
como esses princípios – operacionalizados como transcendentais históricos – produzem
linhas de diferenciação entre sujeitos escolares no presente a partir do ensino de
conhecimentos geográficos, por meio de ressignificações e descontinuidades. Assim, na
terceira frente de trabalho, o principal documento contemporâneo que focalizei foi a Base
Nacional Comum Curricular para o ensino fundamental, em específico a seção
denominada “a Área de Ciências Humanas”, ainda que tenha elaborado ao longo de sua
leitura o entrecruzamento com discursos de outras fontes do contexto educacional
contemporâneo, após o processo de redemocratização em 1988. Com essas considerações
em mente, sigo para o Capítulo II, que trata da análise do levantamento bibliográfico de
artigos acadêmicos, teses e dissertações realizado.
39
CAPÍTULO II
Contextualizando sentidos: abordagens e regularidades
40
necessitou, assim, também uma breve explanação das produções realizadas nos últimos
anos pelo grupo. É sobre essa questão que trata a seção inicial do presente capítulo.
41
sujeitos falam ou são silenciados” (VILELA, 2013, p. 62). O descentramento do sujeito
e a produção discursiva dos sentidos curriculares, então, podem ser apontados como
importantes deslocamentos que foram de grande valia para o grupo de pesquisa.
Mais recentemente, André Vitor Fernandes dos Santos defendeu, em 2017, tese
de doutorado intitulada Regularidades discursivas sobre mudança curricular e a
produção de subjetividades no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Elencando
como objeto de investigação o Exame Nacional do Ensino Médio desde a sua concepção,
ao fim da década de 1990, até o momento em que a tese foi redigida, o autor atribuiu
especial destaque a reformulação do mesmo, que se deu em 2009. Ele lança mão, então,
da abordagem discursiva para fazer História do Currículo no/do presente, tendo sua tese
sido realizada em um momento de maior aprofundamento do movimento teórico-
metodológico do Grupo de Estudos em História do Currículo, com maior aproximação
com as formulações de Thomas Popkewitz na UW-Madison. André Santos (2017)
argumenta que as noções de competências e habilidades, contextualização, princípios da
psicometria e Teoria da Resposta ao Item (para nomear apenas alguns dos feixes por ele
explorados), na interface discursiva e relacional com às tradições da disciplinas escolares,
constitui aquilo que vem sido entendido como conhecimento no âmbito institucional
educacional, de maneira ampla, e pelo ENEM, especificamente. A perspectiva por meio
da qual o autor interpelou seu objeto fica evidente no seguinte trecho:
Um rápido olhar para elas [as matrizes de referência do ENEM] nos
permite entender as habilidades e competências lá presentes como
enunciados que, apesar de dialogarem em maior ou menor grau com
formações discursivas que tradicionalmente organizam o ensino –
como as disciplinas escolares –, têm condições de emergência distintas
daquelas nas quais irrompem os enunciados típicos de uma disciplina
escolar (SANTOS, 2017, p. 33-34).
42
uma instituição de ensino superior específica – a Universidade Federal do Rio de Janeiro
–, a autora operacionaliza as formulações teóricas de Michel Foucault e alguns de seus
interlocutores no campo do Currículo, em particular Thomas Popkewitz, para pensar
como o entrecruzamento de diferentes discursos vem produzindo subjetividades docentes
acerca da Educação de Jovens e Adultos e da experiência do estágio curricular
direcionada a este segmento. A alquimia das disciplinas escolares é também empregada
neste trabalho, mas elegantemente ressignificada para pensar não exclusivamente sobre o
âmbito escolar regular, tido como normal, mas especialmente na disputa pela atribuição
de sentidos no ensino para sujeitos entendidos como fora da norma. Para a autora, isso
ocorre em uma modalidade de ensino que é atravessada por questões como “a relação
entre o estudante adulto e o mundo do trabalho, o compromisso com um caráter
emancipador da educação, a centralidade dos conhecimentos cotidianos e a integração
curricular” (MARSICO, 2018, p. 140), tendo como um importante diferencial as
experiências da vida adulta não apenas como um ponto de significação da Educação de
Jovens e Adultos, mas também como um elemento constituinte da especificidade do
conhecimento na modalidade. Nesse movimento, as noções de alquimia das disciplinas
escolares e fabricação de tipos de sujeitos são acompanhadas pelas ideias de abjeção e de
produção das diferenças (POPKEWITZ, 2007, p. 35), todas exploradas para delinear os
limites discursivos daqueles que são entendidos como sujeitos da modalidade.
Mais recentemente, duas teses produzidas no Grupo de Estudos em História do
Currículo (NEC/UFRJ) continuaram trilhando esse caminho: A Integração Curricular
nas Reformas do Ensino Médio: estabilidade e mudança no embate entre as áreas de
conhecimento e as disciplinas escolares (CHARRET, 2019); Formação de Professores
em Ciências Biológicas: significando a educação ambiental como inovação curricular
(OLIVEIRA, 2019). A primeira delas (CHARRET, 2019) versa sobre as disputas de
sentido entre os significantes área de conhecimento e disciplina escolar que vieram sendo
estabelecidas no âmbito dos currículos voltados para o Ensino Médio, com pausada
atenção na aprovação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) em 2018. Tendo em
vista a trajetória de Heloize da Cunha Charret ligada ao ensino de Física, ela assume um
especial interesse na área de Ciências da Natureza prevista pela BNCC, abrangendo
enunciados produzidos e disputados nas disciplinas Física, Química e Biologia.
Novamente em diálogo com Michel Foucault e alguns de seus interlocutores no
campo do Currículo (tais como Stephen Ball e Thomas Popkewitz), a autora
operacionaliza noções como práticas enunciativas, regulação social, subjetivação e
43
fabricação em diálogo com o ciclo contínuo de políticas (BOWE; BALL; GOLD, 1992)
para pensar sobre os diferentes contextos no processo de enunciação de textos das
políticas e os efeitos de poder produzidos sobre práticas docentes e aprendizagem
discentes entendidas como ideais. Neste movimento, demarcam-se também aquelas
práticas e sujeitos que não pertencem a tais ideais, uma vez que fabricados como
destoantes da norma. Um importante elemento teórico-metodológico que tem sido tratado
na construção coletiva da referida abordagem discursiva refere-se à escolha de uma
perspectiva historiográfica para a construção de uma História do Presente, afastando-se
da necessidade da construção artificial de continuidades entre acontecimentos distintos e
longos arcos explicativos, articulados a partir de relações de causalidade. Tanto Heloize
Charret (2019) quanto Juliana Marsico (2018), por exemplo, lançam mão da noção de
estratos do tempo formulada por Reinhart Koselleck (2014), assumindo que “a história
se estabelece a partir de acontecimentos que não se sucedem ou se encadeiam em uma
mera disposição cronológica, mas que se depositam por meio de diferentes
temporalidades” (CHARRET, 2019, p. 21), estando assim presentes e atuando
simultaneamente. Nesse mesmo movimento, Marcia Serra Ferreira e André Vitor
Fernandes dos Santos (2017, p. 62), em diálogo com historiadores como Reinhart
Koselleck e Paul Ricouer, assumem “o presente investigado equacionando tanto as
tradições curriculares quanto os projetos de futuro”.
Na outra tese de doutorado mais recente, Cecília Santos de Oliveira (2019) propôs
uma investigação sobre a construção discursiva da noção de Educação Ambiental nos três
cursos existentes de Licenciatura em Ciências Biológicas da Universidade Federal do Rio
de Janeiro, encontrando seis disciplinas explicitamente nomeadas em função da temática
em questão. A partir da compreensão de que, no âmbito do currículo, emergem diversas
disputas por validação e hegemonização de um conjunto de conhecimentos em detrimento
de outros, a autora evidencia uma regulação dos sentidos possíveis para a Educação
Ambiental na formação inicial de professores. Um conceito central para a análise
realizada pela autora foi o de inovação curricular, sendo produzido em meio ao binômio
estabilidade/mudança que situa “a Educação Ambiental como uma inovação curricular,
que não é ligada à Prática como Componente Curricular [...] onde as inserções
curriculares ocorrem por meio de diálogos com tradições anteriormente estabelecidas”
(OLIVEIRA, 2019, p. 259). Tal leitura só foi possível a partir de análises diferenciadas
da noção de Educação Ambiental, suscitadas por um aporte de questionamentos que, no
diálogo com Michel Foucault, deslocaram fixações essencializadas e que apostam em
44
compreensões possíveis das relações entre saber e poder que constituem o social.
Essa pesquisa se insere, portanto, em todo esse processo, que se encontra em
constante transformação na construção conjunta de uma abordagem discursiva para a
História do Currículo, tal como veio sendo formulada em Ferreira (2013 e 2015) e Márcia
Serra Ferreira e André Vitor Fernandes dos Santos (2017). Fiz isso aqui mobilizando
conceitos como história do presente (DOSSE, 2013; KOSSELECK, 2014), formações
discursivas e funções enunciativas (FOUCAULT, 2015), alquimia das disciplinas
escolares (POPKEWITZ, 2001) e fabricação de tipos de pessoas (HACKING, 2007). Tal
mobilização intencionou delinear minha análise sobre a história da disciplina escolar
Estudos Sociais no ensino fundamental em tempos democráticos, e as condições
enunciativas que permitiram, em diferentes momentos históricos, que determinados
enunciados fossem formulados e não outros.
Esta empreitada teórico-metodológica na qual embarcamos, todos juntos, me
equipou como pesquisador a partir de uma perspectiva da História do Presente, do
descentramento do sujeito, da produção discursiva dos sentidos curriculares e da
fabricação, por meio de processos alquímicos, do professor e da criança no espaço
escolar. Tais deslocamentos, em minha trajetória acadêmica, significaram novas
perguntas e, de fato, novas formas de questionamento para interpelar o meu objeto de
estudo, começando por o que tem sido enunciado a respeito da disciplina escolar Estudos
Sociais para o ensino fundamental? Para responder a essa e outras perguntas, iniciei
realizando um primeiro levantamento bibliográfico exploratório de artigos acadêmicos
sobre Estudos Sociais, democracia e integração curricular, assim como sobre alguns dos
sentidos que estes termos mobilizam.
45
ALBUQUERQUE, 2009; MORAES, 2012; CAMARGO, 2013; PHILIPPOT, 2013),
tomando o cuidado, porém, de não cristalizar sentidos previamente fixados nesses textos
ou mesmo nos documentos históricos que já havia coletado no arquivo da pesquisa e
iniciado algum alguma análise preliminar.
Com tal decisão, produzi outros três levantamentos a partir dos seguintes
descritores: um primeiro, combinando os termos Geografia e História; um segundo,
usando o termo democracia; um terceiro, utilizando o termo integração curricular,
depois interdisciplinaridade ou transversalidade. A escolha das três primeiras palavras-
chave é coerente com o que venho apresentando até agora neste capítulo, mas a adição
dos termos integração curricular, interdisciplinaridade e transversalidade, ainda que
brevemente explorados no capítulo introdutório, requer maiores justificativas.
Assumo que a emergência de uma disciplina escolar nomeada Estudos Sociais,
assim como a disciplina escolar Ciências investigada por Marcia Serra Ferreira (2005,
2007 e 2014), ocorre em meio a enunciados que apostam na integração curricular como
um modo potente de iniciar os estudos escolares de áreas disciplinares distintas. Além
disso, no tempo presente, as reformas educacionais iniciadas nos anos de 1990 vieram
operando com conceitos como habilidade, competência, interdisciplinaridade e
contextualização que passam, explicitamente, a disputar espaço com a organização
disciplinar na constituição dos currículos escolares. De forma paralela, inicia-se o embate
entre as noções de área de conhecimentos e de disciplina escolar, essa última a estrutura
que tem sido hegemônica na organização dos currículos no ensino básico nacional
(SOBREIRA, 2012a e 2012b). Defendo, portanto, ao lado de outros estudos elaborados
no âmbito do Grupo de Estudos em História do Currículo (ver, por exemplo, SANTOS,
2017; CHARRET, 2019), que a noção de integração curricular, ainda que polissêmica,
tem regulado o modo como pensamos a melhoria da educação básica no país.
O levantamento foi realizado entre os anos de 2011 e 2016. Os quatro acervos
online que foram escolhidos para este levantamento foram os anais de dois congressos
acadêmicos e dois periódicos científicos, todos proeminentes na área e relacionados ao
meu objeto de estudo. No primeiro caso, foram eles: o Encontro Nacional de Pós-
Graduação em Geografia (ENANPEGE), nos grupos de trabalho Ensino de Geografia e
Formação de professores de Geografia; a Reunião da Associação Nacional de Pós-
Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), no grupo de trabalho Currículo. Estes
foram escolhidos por serem organizados por associações que almejam promover sinergia
e integração entre os diversos programas de pós-graduação em suas respectivas áreas no
46
âmbito nacional, sendo pontos nodais importantes a partir dos quais foi possível construir
a empiria dessa pesquisa, ou seja, as práticas discursivas que versam sobre disciplinas
escolares e o ensino de Geografia. No segundo caso, os periódicos científicos consultados
foram: a Revista História da Educação, que é mantida pela Associação Sul-Rio-
Grandense de Pesquisadores em História da Educação (ASPHE/RS), com o apoio da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul e da Universidade Federal de Santa Maria; a
Revista Brasileira de Educação em Geografia, que é mantida por um corpo editorial
diverso e interinstitucional. Os trabalhos analisados foram, exclusivamente, os artigos
acadêmicos, não tendo sido considerados as resenhas e os dossiês encomendados e/ou
produzidos pelos seus respectivos comitês editoriais. A escolha por estes dois veículos se
justifica pela especificidade dos assuntos que estas publicações se propõem a tratar e a
proximidade dos mesmos com os objetivos da presente pesquisa.
Realizei a análise em duas etapas: na primeira, fiz uma descrição superficial da
distribuição de trabalhos selecionados e suas palavras-chave, formulando alguns
agrupamentos e ponderando possíveis explicações para a distribuição ter acontecido dessa
maneira; na segunda, após a leitura dos artigos, explorei alguns dos sentidos sendo
mobilizados pelos enunciados encontrados nos mesmos. A partir de um acervo de 413
trabalhos presentes nos quatro arquivos de trabalhos científicos apresentados entre 2011
e 2016, o levantamento aqui realizado encontrou apenas 36 trabalhos pertinentes8 à nossa
pesquisa, um número que representa pouco menos de 9% do total de trabalhos
contemplados. Este resultado é um indício de que, mesmo tendo lançado uma rede
abrangente, os Estudos Sociais em tempos democráticos como um objeto de pesquisa,
assim como o campo conceitual no qual está inserido, não parecem estar na ordem do
discurso acadêmico.
É preciso salientar, destarte, que entre os 36 trabalhos destacados, escolhi registrar
a ocorrência dos termos em si, e não apenas a quantidade de textos onde estes aparecem.
Isto, na prática, significou que o total de registros nas tabelas a seguir excede o total de
artigos destacados devido à ocorrência de dois ou mais termos relevantes no mesmo
artigo. As palavras-chave mais representativas encontradas foram interdisciplinaridade e
democracia, tendo respectivamente 16 e 12 artigos com que se associam. É possível
perceber na Tabela 01 a presença destes termos em praticamente todos os anos
contemplados, apontando para – ao menos nos acervos com que escolhemos trabalhar –
8
Os dados catalográficos e resumos dos artigos acadêmicos estão dispostos no Anexo I - Levantamento
dos artigos acerca do objeto da pesquisa, 2011-2016
47
um interesse contínuo por questões que os autores julgaram associadas de alguma forma
com estes conceitos. Em contrapartida, as palavras-chave menos recorrentes foram
transversalidade e Estudos Sociais, tendo respectivamente 1 e 2 artigos com que se
associam, ambos ocorrendo em apenas um ano dentre os contemplados.
Em 2015, os registros pertinentes à palavra-chave interdisciplinaridade
mostraram um acréscimo acentuado, em grande parte por conta dos 9 trabalhos
encontrados nos anais do XI ENANPEGE, suscitando o questionamento se o aumento no
número de trabalhos interessados com o termo teria sido por conta da orientação temática
do encontro naquele ano; entretanto, o tema do evento A diversidade da Geografia
Brasileira: escalas e dimensões da análise e da ação aparentemente não justifica o
incremento da quantidade de registros encontrados. Ademais, também não aparenta haver
um fio condutor entre os artigos neste ano, nem entre os objetos e áreas de interesse de
seus autores ou filiação preferencial a algum grupo de trabalho em particular, uma vez
que 4 foram apresentados no grupo de trabalho Formação de professores de Geografia,
enquanto 5 foram apresentados no grupo de trabalho Ensino de Geografia.
48
associava integração curricular com interdisciplinaridade (ROSA, 2011); outro
intitulado Desafios e Diálogos do Ensino-Aprendizagem da Geografia e as Práticas
Interdisciplinares na Escola Básica, apresentado em 2015 no XI ENANPEGE e que
associava os termos completar e completar (SANTOS, 2015). A especificidade do que
este projeto busca investigar pode ser um dos fatores para explicar esta questão, entretanto
é possível formular grupos entre alguns dos conceitos utilizados – tais como Estudos
Sociais com Geografia + História, assim como integração curricular com
interdisciplinaridade e transversalidade –, pois foram construídos historicamente, na
pesquisa educacional brasileira, minimamente associados entre si.
Antes disso, porém, ao observar a ocorrência das palavras-chave por acervos
consultados, pude tecer considerações interessantes. É possível perceber na Tabela 02,
por exemplo, que não houve registros de trabalhos que discorressem sobre Estudos
Sociais ou Geografia + História nas Reuniões Nacionais da ANPEd, evento que foi
selecionado para observar os discursos circulando no campo curricular nacional. Estes
termos apareceram de forma pouco expressiva e apenas em eventos associados
diretamente às comunidades disciplinares de Geografia e História, respectivamente.
Para dar continuidade a nossa análise, julgamos importante também elucidar como
foi operacionalizado o levantamento dos artigos através da associação direta entre
Geografia + História. O interesse pela ocorrência desses dois termos presentes,
simultaneamente, em produções acadêmicas se deu, especificamente, no que tange às
possibilidades do ensino integrado destas duas disciplinas escolares, de maneira a
investigar regularidades discursivas acerca dos Estudos Sociais, no ensino fundamental,
em tempos democráticos. Como campos epistemológicos, apostei que os dois termos
49
poderiam aparecer simultaneamente, mas associados a questões teórico-metodológicas
dos autores e pesquisas sendo descritas. Expressões foram encontradas, como “história
da disciplina escolar Geografia” e “distribuição geográfica de cursos superiores de
História”, mas que não foram levadas em conta nos registros explorados nesta seção.
Esta ressalva se fez necessária porque, ainda que de forma reduzida, os artigos que
em seus resumos continham as expressões Geografia e História associadas ao ensino de
ambas às disciplinas escolares ainda colocam em circulação discursos sobre práticas e
abordagens integradoras destes componentes curriculares. No entanto, como junto à
Revista História da Educação não encontramos nenhum trabalho que trouxesse tal
associação, essa reflexão aqui produzida esteve limitada, no recorte promovido por este
levantamento, à comunidade disciplinar da Geografia. Outro ponto relevante é que, dentre
os três textos que versam sobre o ensino articulado dos conteúdos geográficos e históricos
no âmbito escolar, dois deles focalizam a questão nos anos iniciais da escolarização: um
intitulado Refletindo sobre o espaço vivido: o lugar na construção dos conhecimentos
geográficos, apresentado em 2015 na Revista Brasileira de Educação em Geografia
(MACÊDO, 2015); outro intitulado Cotidiano, sujeitos e territórios nos anos iniciais da
escolarização, apresentado também em 2015 no XI ENANPEGE (FERNANDES;
SOBRINHO, 2015). Estas investigações foram realizadas, de maneira pouco
surpreendente, desassociadas de qualquer discussão ou reconstrução histórica da
disciplina Estudos Sociais.
Mesmo os dois artigos que continham a expressão-chave Estudos Sociais não
abordavam diretamente a disciplina escolar em si. O trabalho La emergencia de los
nuevos saberes geograficos escolares: pensamientos visuales y narrativos, apresentado
em 2013 na Revista Brasileira de Educação em Geografia (CARO, 2013), traz uma
discussão mais abrangente sobre uma possível “ambivalência” epistemológica do campo
geográfico que transita entre as ciências sociais e estudos ambientais e que, no âmbito
escolar, raramente possui plena autonomia de outros componentes curriculares. Já o
trabalho Do Schüler-Zeitung ao O Ateneu: marcas da cultura escolar nas páginas dos
periódicos (São Leopoldo/RS, 1964-1973), apresentado também em 2013 na Revista
História da Educação (GRAZZIOTIN; FRANK, 2013), realiza um estudo de caso sobre
um periódico secundarista em uma escola confessional no Rio Grande do Sul, e a
influência que a publicação teve no engajamento político-social do corpo discente.
A preocupação de alguns destes artigos com o ensino integrado de Geografia e
História, focalizando a sua possível existência apenas no ensino fundamental e, em alguns
50
casos, na reconstrução histórica de certas práticas discursivas concernentes a saberes
sociopolíticos, assim como a ausência da disciplina escolar Estudos Sociais nas
discussões travadas por tais trabalhos acadêmicos, parecem sinalizar para certa rejeição
do componente curricular no campo da pesquisa educacional. Esta renúncia deliberada
pode ser vista como efeito das contendas travadas ao longo das décadas de 1970 e 1980
pelas comunidades disciplinares de Geografia e História no sentido de se legitimarem
enquanto disciplinas autônomas e independentes (REIS, 2005, p. 38).
Voltando a atenção novamente para a Tabela 02, nota-se que nenhum dos termos
pelos quais procuramos foram encontrados em todos os acervos consultados, sendo que
os que tiveram maior ocorrência em quase todos os anais de evento e arquivos de
periódicos foram, novamente, democracia e interdisciplinaridade. No que tange às
discussões sobre democracia, os artigos selecionados focalizaram, em sua maioria, as
relações entre escolarização e o compromisso com possíveis sentidos de um projeto
democrático. A proeminência de tal temática se deu, em grande parte, devido ao
levantamento de artigos operacionalizado com esta palavra-chave em acervos do campo
educacional. Tendo em vista o objeto e questões desse estudo, dois desses trabalhos
chamam a atenção, ambos publicados na Revista História da Educação: o primeiro,
intitulado ESCOLA e Nova Escola: faces de um velho sonho (REVAH, 2013), discute as
diferenças e similaridades entre duas publicações realizadas pelo Grupo Abril, uma
durante o período da Ditadura Militar e outra após a redemocratização do Brasil; o
segundo, intitulado A constituição da esfera especializada das ciências da educação na
democracia portuguesa (LOPO, 2016), discorre sobre a evolução histórica da ciência da
educação para as ciências (no plural) da educação entre 1976 e 1987, apontando para
análises históricas preocupadas com a especificidade de discursos educacionais em
períodos democráticos.
No que tange às discussões sobre interdisciplinaridade, é interessante notar que,
mesmo que documentos oficiais – como os Parâmetros Curriculares Nacionais para o
Ensino Médio (PCNEM) (BRASIL, 1999), as Orientações Curriculares Nacionais para o
Ensino Médio (OCNEM) (BRASIL, 2006) e os Parâmetros Curriculares para o Ensino
Fundamental (PCNEF) (BRASIL, 1997) – entendam esta como um caminho para a
integração curricular, os artigos acadêmicos selecionados em nosso levantamento não
fazem explicitamente essa correlação. A palavra-chave transversalidade, por sua vez,
apresentou apenas um registro.
51
Vale reforçar, então, que, por um lado, um dos principais resultados desta análise
foi a constatação de que, mesmo em um levantamento de escopo limitado, investigações
acadêmicas sobre os Estudos Sociais – ou sobre o ensino de Geografia e História pensado
de forma polivalente – não tem sido frequentes; por outro lado, termos correlatos (ou por
mim reformulados dessa maneira) como democracia, integração curricular e
interdisciplinaridade têm sido alvo de maior interesse. De todo modo, em outra etapa da
pesquisa – qual seja, em 2019 – realizei um segundo levantamento, agora no catálogo de
teses e dissertações da CAPES, buscando expandir esse acervo. É sobre a análise desse
segundo levantamento que trata a próxima seção deste capítulo.
52
Reconheço, destarte, que os recortes cronológicos, espaciais e epistemológicos
utilizados pelo levantamento foram traçados a partir de critérios aparentemente
subjetivos. Espero, que ao longo da explanação que se segue, que tais preocupações sejam
até certo ponto arrefecidas. Não totalmente, decerto, por não ter como intenção a
organização de uma ferramenta metodológica que se proponha objetiva no sentido
quantitativo da palavra. Afinal, para autores como Robert Bogdan e Sari Bliken (1994),
faz tempo que as promessas de objetividade do pensamento estritamente positivista, de
uma progressão contínua e linear em direção às verdades científicas não atendem mais às
problemáticas e objetivos do campo investigativo da Educação. Além disso e,
principalmente, a partir da perspectiva foucaultiana que vem sido explorada nessa tese,
entendo os enunciados aqui colocados a partir da minha posição de sujeito de doutorando
em educação como constituintes e constituídos por regimes de verdade, regulados por
condições enunciativas e atravessados por uma série de discursos que não são
exclusivamente meus (FOUCAULT, 2015).
Reconheço, portanto, que o afunilamento aqui produzido a partir dos recortes
cronológicos e espaciais para esse segundo levantamento foram de natureza pragmática,
almejando que pudessem ser suficientemente extensos para que seus possíveis resultados
trouxessem um número considerável de teses e dissertações com as quais dialogar, porém
não extenso em demasia de maneira a tornar essa etapa do trabalho impraticável. A
escolha pelas universidades públicas da região Sudeste, ainda que reflita um problema
brasileiro de concentração territorial de produções acadêmicas e distribuição de recursos
(SIDONE; HADDAD; MELA-CHACO, 2016, p. 16), foi feita pelo reconhecimento da
escassez de trabalhos que focalizam a disciplina escolar Estudos Sociais como alvo de
interesse, apostando nesta mesma concentração9 como uma possível solução para atingir
uma maior densidade discursiva sobre o objeto.
A decisão acerca recorte epistemológico que precisava ser realizado foi mais
trabalhosa, na medida em que me exigia uma decisão anterior à análise de com quais
instâncias de delimitação (FOUCAULT, 2015, p. 51) e modalidades de enunciação
(FOUCAULT, 2015, p. 61) eu iria operar. Tendo em vista o caráter de contextualização
desse levantamento e os riscos de mobilizar sentidos naturalizados, escolhi os descritores
a partir da posição de sujeito que contingencialmente ocupo. Foram eles: Educação e
Ensino, por ser o espaço institucional de onde falo hoje, o Programa de Pós-Graduação
9
No triênio 2007-2009, o Sudeste foi responsável por 54,3% das produções acadêmicas nacionais
(SIDONE; HADDAD; MELA-CHACO, 2016, p. 24).
53
em Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro; Geociências e Geografia, por
conta da minha formação inicial, Licenciatura em Geografia pela Universidade Federal
do Rio de Janeiro e Mestrado em Geografia pela Universidade Estadual de Campinas, em
seus respectivos Institutos de Geociências, e como os discursos que me atravessaram e
atravessam tiveram na seleção do meu objeto de longa data e meus questionamentos sobre
o mesmo; História, por ser um dos campos de conhecimento do grupo no qual estou
inserido – o Grupo de Estudos em História do Currículo –, além de, a partir da década de
1990, a História ter sido reintegrada ao currículo escolar junto à Geografia, na retomada
institucional da democracia no Brasil; Interdisciplinar, por reconhecer que os Estudos
Sociais em tempos democráticos não se constitui como um campo de conhecimento que
lhe é próprio, sendo antes uma disciplina escolar formulada no tensionamento entre
diversos campos de saberes. Esta última categoria foi assertivamente informada por uma
série de enunciados prévios a análise; porém, ao longo do processo de delinear
contingencialmente a minha posição de sujeito, pude perceber o quanto essas
características também me atravessam e as minhas trajetórias, a interdisciplinaridade
como parte importante dos discursos que me constituem como sujeito.
Foram encontrados 7 trabalhos, 3 teses e 4 dissertações10, que serão explorados a
seguir. Cinco destes trabalhos foram defendidos em programas de pós-graduação em
Educação, um foi defendido em um programa de História e o último em um programa de
Geografia. O que busquei articular foram as maneiras possíveis por meio das quais os
enunciados tracejados nesses trabalhos constituíram os limites discursivos para os
Estudos Sociais em tempos democráticos, ou seja, entre as décadas de 1930 e 1960. Essa
delimitação específica que atribuo ao objeto significa, até certo ponto, desconsiderar
muitos outros enunciados que tratam dos Estudos Sociais a partir do golpe militar de 1964
como uma ferramenta ideológica do regime ditatorial. A escolha pela desconsideração
destes enunciados, em um primeiro momento, não significa compreender que se tratam
de duas coisas totalmente distintas, a disciplina escolar democrática e a autoritária. Elas
não são, ainda que não sejam idênticas. Enunciados não faltam que carregam sentidos
sobre os Estudos Sociais, e que, no mesmo sopro, o tratam como um monolito ao longo
do século XX.
Metodologicamente, como já explicitado nesse estudo, fui compelido a rejeitar
narrativas sobre continuidades causais, já que a descontinuidade dos acontecimentos é
10
Os dados catalográficos e resumos das dissertações e teses estão dispostos no Anexo II - Levantamento
das dissertações e teses sobre Estudos Sociais, 2011-2019.
54
uma característica que produz nossos objetos e valida as nossas análises (FERREIRA,
2013). Isso não significa negar relações discursivas possíveis sobre o que se formulou
para a disciplina nos projetos dos proponentes da Escola Nova e aquilo que se organizou
no currículo prescritivo pela Ditadura Militar. Diferentemente, a partir da perspectiva
teórico-metodológica da qual lanço mão, o objeto Estudos Sociais, no ensino
fundamental, em tempos democráticos não é uma unidade em si, mas foi produzido em
meio às relações discursivas que lhe fixam sentidos contingencialmente, que lhe dá
contornos cognoscíveis e faz dele inteligível em determinado momento sócio-histórico
(FOUCAULT, 1995, p. 51). Este feixe de relações discursivas é o objeto que busco
delinear aqui. Tendo em vista que o enfoque desta seção é direcionado aos enunciados
acerca da disciplina escolar Estudos Sociais em tempos democráticos, assumo que a
leitura dos mesmos tenha sido de grande valia para os capítulos seguintes da tese.
O primeiro trabalho encontrado foi a dissertação intitulada Entre Propostas e
Reformas: trajetórias e disputas na organização curricular do ensino de História (1971-
1987) (MARTINS, 2016). Logo em sua introdução, a autora vincula a disciplina Estudos
Sociais às “intencionalidades que compunham o ensino idealizado pelo governo a partir
da Lei 5692/71 e como este se apresentou como um instrumento político do governo para
formar os interesses legitimados pelos militares” (MARTINS, 2016, p. 15). O que
chamou atenção neste trabalho foi o interesse pelas possíveis similaridades e
afastamentos entre os projetos de Estudos Sociais concebidos pelos proponentes da
Escola Nova no início do século XX, e o currículo que foi implementado pela Ditadura
Militar a partir da década de 1970, apontando que para os escolanovistas “os Estudos
Sociais possuíam [...] como objetivo o desenvolvimento de uma criticidade perante os
problemas sociais e políticos de sua nação, nos estudantes”, afirmando ainda que
pensavam que tais práticas resultariam “na formação de cidadãos preocupados com as
questões nacionais, de seu país essencialmente democrático” (MARTINS, 2016, p. 39).
A autora aponta, também, que um diferencial do projeto de Estudos Sociais dos
precursores da Escola Nova residia na metodologia proposta de ensino, onde “a
organização do trabalho docente seria feita exclusivamente pelos próprios professores da
educação básica, baseando-a na convergência da realidade social dos alunos”, a partir da
qual “seria possível que esses dotassem de mais sentido prático o conhecimento escolar”
(MARTINS, 2016, p. 42). Segundo ela, outra característica que marcava aquela
metodologia de ensino era a interdisciplinaridade, ainda que saliente que os
escolanovistas não pensavam na extinção de outros componentes curriculares como a
55
Geografia e a História, mas como estratégia pedagógica. Por fim, em consonância com
Elza Nadai (1986), Martins (2016) coloca que, no contraste entre os projetos da Escola
Nova e da Ditadura Militar, “pode-se detectar, assim, dois momentos peculiares na
história [...] dos Estudos Sociais no Brasil: um, aliado ao pensamento progressista
educacional [...] e outro, assumido como uma das expressões de política antidemocrática
e autoritária” (NADAI, 1986, p. 5 apud MARTINS, 2016).
O segundo trabalho encontrado foi a minha própria dissertação de mestrado, que
foi intitulada Dilemas de professoras ao ensinarem Geografia: a permanência dos
Estudos Sociais nos anos iniciais do Ensino Fundamental (PEDRO, 2015). Operei, à
época, com a hipótese de que certas práticas docentes vinham sendo formuladas
contemporaneamente, nos anos iniciais do ensino fundamental, como sendo herdadas dos
Estudos Sociais, mesmo após a sua extinção na década de 1990. Nesse sentido,
categorizei Estudos Sociais como um código disciplinar, em diálogo com Ana Cláudia
Urban (2011), e o associei com uma tradição de atuação polivalente nos anos iniciais,
em diálogo com Thierry Philippot (2013). Ambos os conceitos produziram um certo
efeito de fixação, engessando de certo modo as possibilidades de leitura dos Estudos
Sociais e manufaturando uma continuidade entre acontecimentos que, para a abordagem
discursiva aqui sendo empregada, são necessariamente descontínuos. Na ocasião,
estabeleci relações antagônicas entre a Geografia e os Estudos Sociais, decerto, quando
afirmei que pesquisas do início dos anos 1990 estavam preocupadas em “compreender
como conceitos e temas geográficos eram desenvolvidos (ou não) em sala de aula” pelos
Estudos Sociais, delineando assim que as investigações acerca “dos anos iniciais [era
feita] por uma ótica normativa e/ou moralizante, tentando entende-los a partir de uma
estrutura disciplinarizante” (PEDRO, 2015, p. 31). Também explorei as relações
possíveis da disciplina com seu projeto proposto pelo movimento escolanovista,
afirmando que este tinha “como objeto de estudo a própria sociedade para melhor
entender os caminhos que essa precisaria trilhar, [...] entendendo que uma democracia
moderna não podia desinteressar-se da vida social e do ambiente em que se encontrava”
(PEDRO, 2015, p. 41). Por fim, relacionei as continuidades produzidas acerca dos
Estudos Sociais com a noção de dilemas docentes de Miguel Zabalza (1994), apontando
as exigências curriculares de desenvolvimento de práticas docentes específicas ao ensino
de Geografia e de História nos anos iniciais como rupturas tanto de um código disciplinar
e de uma tradição polivalente nos anos iniciais.
O terceiro trabalho consultado foi a dissertação de mestrado intitulada O ensino
56
de Geografia nos anos iniciais do ensino fundamental: a perspectiva a partir da análise
dos livros didáticos aprovados pelo PNLD 2013 (PASCAL, 2016). Na análise, o autor
operou com a hipótese da permanência das práticas dos círculos concêntricos presentes
em antigos materiais de Estudos Sociais. Nesta correlação, Pascal (2016, p. 53) também
coloca a disciplina em uma relação de antagonismo com a Geografia, afirmando que, no
momento histórico da promulgação da Lei 5692/71, “a Geografia não colaborava para a
realização dos objetivos políticos e ideológicos” da Ditadura Militar, resultando na
“introdução dos Estudos Sociais e Educação Moral e Cívica [...] em todos os graus da
rede de ensino”.
A prática dos círculos concêntricos, a permanência que o autor salienta das
práticas dos Estudos Sociais para os livros didáticos de Geografia mais contemporâneos,
é negativada no diálogo com Helena Callai (2005, p.230 apud PASCAL, 2016, p. 109)
ao apontar que “esse procedimento constitui mais um problema do que uma solução, pois
o mundo é extremamente complexo e, em sua dinamicidade, não acolhe os sujeitos em
círculos que se ampliam sucessivamente do mais próximo para o mais distante”. Ela
também é negativada no diálogo com Valéria Marques (2008, S/N apud PASCAL, 2016,
p. 110) quando esta estabelece como objetivo o rompimento com a prática dos círculos
concêntricos, apesar de que “em muitas escolas a Geografia e a História ainda são
trabalhadas como Estudos Sociais nas Séries Iniciais do ensino fundamental, o que nos
mostra que ainda não conseguimos romper com essa forma de organização curricular”.
Por fim, ela ainda é negativada no diálogo com Aléxia Pádua Franco (2009, p.70 apud
PASCAL, 2016, p. 115), autora que defende que os materiais didáticos de Estudos Sociais
são encontrados “muitos pontos de permanência vistos como negativos (não
desenvolvimento das noções de tempo e espaço e nem do espírito investigativo; visão
idealizada da sociedade sem contradições e conflitos; transmissão de preconceitos e
estereótipos [...])”, dentre outros. Com a maior parte das críticas trazidas pela dissertação
aos Estudos Sociais foram derivadas de diálogos com outras autoras, assumo que os
enunciados encontrados são produtores de significados hegemônicos sobre o tema.
O quarto trabalho selecionado foi a tese Propostas Curriculares para o Ensino de
Estudos Sociais: circulação e apropriações de representações de ensino de História e de
aperfeiçoamento de professores (Espírito Santo, 1956-1976) (FRANÇA, 2013). Logo de
início, Aldaíres França (2013, p. 27) estabelece vínculos com as formulações curriculares
sobre Estudos Sociais que dialogam com o projeto da Escola Nova, afirmando procurar
problematizar “as representações de ensino de Estudos Sociais/História que circularam
57
por meio de publicações pedagógicas [...] e foram apropriadas nas propostas curriculares
do estado do Espírito Santo no período de 1956 a 1976”. Ademais, o autor define como
objetivo também “discutir como essas práticas culturais [...] potencializaram o processo
de normatização de uma história a ser ensinada e a organização das políticas de
aperfeiçoamento de professores” (FRANÇA, 2013, p. 27).
Para o autor, a disciplina Estudos Sociais e suas redes de disseminação no Brasil
foram também uma estratégia geopolítica de “aproximação entre as políticas educacionais
do país e os interesses políticos e econômicos do governo estadunidense” (FRANÇA,
2013, p. 32), afirmação a partir da qual entendeu que o processo de importação do(s)
modelo(s) estadunidense(s) de “ensino dos Estudos Sociais, [...] não ocorreu como mera
transposição de ideias, mas foram apropriadas de forma inventiva e adequaram-se a
variáveis históricas”, suscitando por vezes certo “descompasso com a realidade da cultura
escolar brasileira, resultando em sucessivas reformas educacionais instáveis e
incoerentes” (FRANÇA, 2013, p. 100). Estabeleceu diálogo com Elza Nadai (1988),
autora que lhe proporcionou uma “visão da trajetória histórica do ensino de Estudos
Sociais”, fortalecendo “a crítica às representações consensuais que circulam sobre o
ensino de Estudos Sociais” (FRANÇA, 2013, p. 38) para pensar sobre a disciplina em
diferentes contextos e a partir de diferentes projetos educacionais. Um dos enunciados
decorrentes desta leitura é que, entre as décadas de 1930 e 1960, o programa de Estudos
Sociais tinha como objetivo apresentar “um projeto social relacionado à cidadania,
comunidade e democracia, ampliando o espaço da crítica social, sem se preocupar,
entretanto, com a negação da sociedade de classes” (FRANÇA, 2013, p. 40). O autor tece,
então, considerações sobre como as representações dos alunos e professores ideais nos
manuais didáticos de Ralph C. Preston e John U. Michaelis contribuíram para a
normatização das práticas de ensino em História (FRANÇA, 2013, p. 106). Este trabalho,
por conta de seu enfoque, objeto e perspectivas teórico-metodológicas, operacionaliza um
conjunto robusto de enunciados acerca dos Estudos Sociais em períodos de democracia
com os quais estabeleci relações mais afinadas nos capítulos seguintes.
O quinto trabalho destacado foi a dissertação de mestrado intitulada “Conteúdos
Importantes” em História no Currículo da Educação Básica: um estudo a partir da
disciplina Estudos Sociais no Colégio Pedro II (MORAES, 2012). A autora trabalha com
um currículo bastante específico de Estudos Sociais, uma vez que é mantido até hoje nos
anos iniciais do ensino fundamental pelo Colégio Pedro II. Além disso, Moraes (2012, p.
35) operacionaliza a disciplina escolar como contexto discursivo, indicando que ela não
58
é o seu “objeto de investigação privilegiado, mas sim o pano de fundo onde [pretende]
analisar o processo de seleção dos conteúdos históricos legitimados como importantes
nas séries iniciais”. De todo modo, ela afirma que os Estudos Sociais, já nas suas
“primeiras formulações [...] no início do século XX, estão presentes algumas percepções
dicotômicas e binárias que cristalizaram nos discursos pedagógicos [...] tensões como as
que opõem conteúdos ora à metodologia, ora a valores/atitudes” (MORAES, 2012, p. 36).
Também em diálogo com Elza Nadai (1988), a autora afirma que a “defesa dos Estudos
Sociais traz com força o argumento pedagógico da importância de superar uma
perspectiva conteudista, associada ao academicismo e ao enciclopedismo, percebidos
como distantes da realidade dos alunos” (MORAES, 2012, p. 37). Após uma descrição
das disputas curriculares que se desenrolaram em torno dos Estudos Sociais nos anos
1970 e 1980, Moraes (2012, p. 40) reinscreve a disciplina novamente como contexto
discursivo, entendendo-a como “resultante de processos de hibridização, que envolvem
fluxos de cientificidade oriundos tanto do campo da História como de outras áreas das
ciências sociais, recontextualizados nos limites do sentido escolar”.
O sexto trabalho destacado foi a tese de doutorado Professores de História em
Cena: trajetórias docentes na escola pública paulista – 1970-1990 (LOURENÇO, 2011).
Este é o trabalho que mais se distancia do objeto aqui delineado, uma vez que focaliza
quase que em sua totalidade as configurações curriculares dos Estudos Sociais durante a
Ditadura Militar. A autora buscou problematizar as transformações pelas quais passou o
sistema escolar brasileiro durante o período ditatorial, em especial para as Humanidades,
com a eliminação das disciplinas História e Geografia entre a 1ª e 8ª séries para a
implementação dos Estudos Sociais. A partir de manuais didáticos, marcos legislativos e
entrevistas com professoras que lecionaram na disciplina escolar no período, a autora
buscou contribuir para o maior entendimento sobre a cultura escolar da época.
O sétimo e último trabalho consultado foi a tese de doutorado intitulada A
disciplina Estudos Sociais nos anos iniciais do Colégio Pedro II: disputas e negociações
curriculares em perspectiva (MORAES, 2017). A autora, cuja dissertação também foi
analisada neste levantamento, retoma a discussão acerca do currículo específico do
Colégio Pedro II relativo aos Estudos Sociais. Logo de início, Luciana Stumbo Moraes
(2017, p. 14) afirma que “a disciplina Estudos Sociais no Colégio Pedro II pode ser
compreendida como resultado de um processo permanente de disputas entre tradições
disciplinares, a partir de critérios políticos, epistemológicos e pedagógicos”, retomando
alguns enunciados já previamente explorados aqui sobre a utilidade dos Estudos Sociais,
59
na primeira metade do século XX, na superação de perspectivas conteudistas e de
percepções dicotômicas/binárias que provocam tensionamentos entre conteúdos,
metodologia e valores/atitudes. Em diálogo com Paul Ricouer e Yves Chevallard11, a
autora afirma que “as estruturas narrativas acadêmicas instituintes das disciplinas História
e Geografia não são as mesmas daquela do conhecimento escolar em Estudos Sociais”,
salientando que tal enunciado não necessariamente resulta que sejam percebidas em “uma
relação hierárquica ou que não existam estreitas relações entre elas” (MORAES, 2017, p.
70). Este trabalho opera com um aporte teórico-metodológico pós-fundacional, sendo não
apenas interessante na interface com minhas perguntas e objetivos de pesquisa, como
também produzindo uma série de sentidos ressignificados acerca dos Estudos Sociais. Foi
útil, portanto, no estabelecimento de relações mais imbricadas nos seguintes capítulos.
Foi interessante notar como os trabalhos constituídos a partir de uma perspectiva
crítica produziram enunciados que mobilizaram sentidos de poder e de currículo bastante
estruturados – como Martins (2016), por exemplo, que dialoga com formulações
gramscianas de hegemonia e de intelectuais – e que suscitaram reflexões acerca dos
processos múltiplos de constituição curricular voltadas para intencionalidades
institucionais e movimentos de resistência, também singularizados e autocentrados.
Leituras realizadas a partir de tais perspectivas podem ser equacionadas com aquilo que
autores como Daniel Friederich, Bryn Jastaad e Thomas Popkewitz (2010) denominam
de pedagogia crítica, que no contexto da produção acadêmica educacional brasileira são
numerosas e instigantes. Para esses autores, o trabalho intelectual e prático realizado por
elas em “nome da democracia e da igualdade foi capaz, em muitos casos, de melhorar
condições de vida para as pessoas envolvidas, assim como o entendimento de certos
processos que envolvem a educação” (FRIEDERICH; JAASTAD; POPKEWITZ, 2010,
p.584). Entretanto, por traços epistemológicos que lhes são próprios, assumem
pressupostos teóricos que mais imobilizam sentidos do que lhes dariam fluidez.
Outros enunciados recorrentes se referiram ao estabelecimento, discursivamente,
de relações epistemológicas percebidas como quase inerentes entre Estudos Sociais,
Geografia e História. Seja na forma de antagonismos em disputas curriculares por
território, recursos e/ou legitimidade (PEDRO, 2015; MARTINS, 2016; PASCAL, 2016)
seja a partir de abordagens pós-estruturais a pensar sobre representações ou construções
11
Os trabalhos consultados pela autora são, respectivamente: CHEVALLARD, Y. La Transposición
Didáctica: del saber sabio al saber enseñado. Argentina: Editora Aique, 1991. RICOEUR, P. Tempo e
narrativa. Tomo I, II e III. Trad. Claudia Berliner. São Paulo: Editora WMF – Martins Fontes, 2010.
60
discursivas (MORAES, 2012; FRANÇA, 2013; MORAES, 2017), o entrelaçamento
epistemológico entre estas disciplinas escolares é uma regularidade discursiva
interessante de explorar. As relações antagônicas poderiam ser justificadas
superficialmente a partir dos atritos decorrentes da Lei 5692/71 entre as diferentes
comunidades disciplinares (GOODSON, 1993) que tiveram seus esforços
momentaneamente desarticulados por este movimento. A Sociologia, entretanto – ainda
que não tenha sido uma Área de Avaliação consultada no catálogo de teses e dissertações
da CAPES –, que também foi uma comunidade disciplinar cujos conteúdos foram
atribuídos aos Estudos Sociais, pouco frequentemente é associada a esse trinômio.
Trabalhos de Geografia referenciam os conteúdos de História e vice-versa na interface
com os Estudos Sociais, e até mesmo manuais didáticos dão predileção às questões
espaciais e históricas em seus conteúdos, como veremos em capítulos posteriores. O
enunciado que delineia os Estudos Sociais como resultante de processos de hibridização,
envolvendo fluxos de cientificidade advindos de diversas áreas das ciências sociais,
recontextualizados nos limites do sentido escolar (MORAES, 2012, p. 40) parece
sintetizar contingencialmente esse entrelaçamento epistemológico satisfatoriamente.
Por fim, as recorrências discursivas que abordei nesta etapa do levantamento
bibliográfico dizem respeito à enunciados que foram reconhecidos em meio às
descontinuidades do objeto Estudos Sociais em tempos de democracia, em especial a
partir das contribuições do projeto escolanovista na constituição da disciplina escolar.
Seja a partir de conceitos que produz certa cristalização conceitual – como código
disciplinar e tradição polivalente de práticas nos anos iniciais (PEDRO, 2015) –, ou como
tendo esta estruturas narrativas acadêmicas instituintes que lhes são próprias como
conhecimento escolar (MORAES, 2017, p. 70), a enunciação das contribuições da Escola
Nova atribui aos Estudos Sociais outras possibilidades de objetivos e metodologias, como
a superação de perspectivas conteudistas no ensino escolar, e um projeto social que tinha
como alvo o ensino voltado para a cidadania, comunidade e democracia, ampliando o
espaço da crítica social ao invés de escasseá-lo (FRANÇA, 2013, p. 40).
A partir desse levantamento e leitura das teses e dissertações aqui apresentadas,
foi possível a elaboração de algumas perguntas: Que objetivos pedagógicos e políticos
foram sendo articulados a partir dos discursos acerca dos Estudos Sociais em tempos
democráticos? Quais as teses culturais corporificadas nestes enunciados? Quais os
procedimentos metodológicos que a disciplina escolar propôs para alcançar estes
objetivos? Quais os sujeitos escolares envolvidos nestes procedimentos, e como vieram
61
sendo fabricados por meio destes enunciados e procedimentos pedagógicos? Com essas
perguntas em mente, conduzi a análise dos documentos nos próximos capítulos.
62
CAPÍTULO III
Historicizando os Estudos Sociais em tempos democráticos: a Escola
Nova como parte da grade de inteligibilidade
12
Thomas Popkewitz, assim como Ivor Goodson e outros autores de língua inglesa, utilizam o termo
matéria para os componentes do currículo escolar, em contraste com o termo disciplina, que é por eles
usado somente para os componentes do currículo universitário. Aqui, acompanhando os autores brasileiros,
uso o termo disciplina em ambos os casos: disciplina escolar e disciplina acadêmica.
63
totalizante feita a partir da associação com uma instrumentalização ideológica da
Ditadura Militar e aproximando-se dos ideais do que, à época, era entendido por educação
democrática através do projeto da Escola Nova.
O presente capítulo se propõe, então, a dar início a leitura e análise dos textos
selecionados para compor o arquivo nesta tese, tendo sido organizado da seguinte
maneira: teci algumas considerações sobre uma grade de inteligibilidade (FOUCAULT,
1988; ARAÚJO, 2007; KIRCHGASLER, 2017) possível para a leitura dar novos
contornos ao objeto Estudos Sociais em tempos democráticos, em diálogo com as noções
de Cosmopolitismo (POPKEWITZ, 2001), assim como com outros feixes discursivos
elencados ao longo da análise da empiria, buscando assim compreender a fabricação
(HACKING, 2007) de tipos de sujeitos escolares a partir dos processos alquímicos de
articulação da disciplina escolar. Em seguida, elaborei uma breve explanação a respeito
das articulações discursivas realizadas entre os anos de 1945 e 1964 acerca da disciplina
Estudos Sociais. Ao longo desse movimento, estabeleci diálogos com alguns enunciados
da década de 1930, escapando contingencialmente do meu recorte temporal, para
investigar sentidos mobilizados a respeito da noção de educação durante os diferentes
projetos da Escola Nova para democratizar, tornar crítica e relevante a educação
escolarizada no Brasil. Fui até a década de 1930 porque assumi o movimento
escolanovista como condição enunciativa da disciplina escolar Estudos Sociais no Brasil.
Delimitei, então, dois documentos principais para a construção do capítulo: (a) o
Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932; (b) o Manifesto dos Educadores:
mais uma vez convocados de 1959.
64
de outro modo, guarda relações estreitas com a noção de condições enunciativas, ou seja,
às configurações discursivas e suas interrelações que permitiram que certos enunciados
fossem formulados de uma certa maneira ao invés de outras, em um regime de verdade.
Entretanto, é importante salientar que, na rejeição de leituras essencialistas ou que
se dedicam a busca de momentos fundacionais para a interpretação dos acontecimentos
(FOUCAULT, 1977, p. 142, tradução nossa), os procedimentos de interpretação
históricos não revelam sentidos de verdade absolutos que arremetem a uma origem
metafísica. Diferentemente, eles são “apropriações violentas e clandestinas de um sistema
de regras, que em si mesmo não tem significado essencial, para impor direção, para
dobrar-lhe a uma nova vontade, para forçar-lhe a participação em um jogo diferente”
(FOUCAULT, 1977, p. 151, tradução nossa). Nesse sentido, a grade de inteligibilidade
que proponho para a leitura dos Estudos Sociais em tempos democráticos é apenas uma
das grades possíveis de serem elaboradas por meio dos sentidos mobilizados nesta tese,
uma construção discursiva de um aparato interpretativo para o objeto em questão.
Apresento-a neste momento, a partir de escolhas organizacionais e interpretativas da
escrita, salientando que a mesma foi elaborada no decorrer da leitura e subsequente
análise dos documentos e dos entrecruzamentos de sentidos encontrados. Empreendi este
esforço para, de certo modo, ainda que tomando precauções para não pré-determinar o
objeto de análise, direcionar o olhar ao longo deste processo investigativo com vistas a
dar contornos contingencialmente reconhecíveis àquilo que pretendi historicizar.
O primeiro movimento neste processo é apontar que os enunciados observados
nos documentos analisados a seguir foram articulados em um campo de conhecimento
relativamente coeso no início do século XX da Pedagogia. Nesse sentido, é possível
apontá-la como uma modalidade de enunciação (FOUCAULT, 1995, p. 61) para
formulações versando sobre ensino e aprendizagem, a partir da qual peritos em educação
mobilizaram sentidos acerca deste objeto. Segundo Dermeval Saviani (2007), havia no
Brasil no início do século XX uma disputa entre diferentes grupos por quem ocuparia a
posição de perito em educação: um relacionado a um ensino clássico prescritivo (o como
ensinar) no país associado, frequentemente, ao ensino religioso; outro relacionado a um
ensino reformista que, segundo o autor, trazia maior atenção à psicologia da
aprendizagem (o como aprender). O movimento da Escola Nova brasileiro, associado ao
segundo grupo, tinha como uma de suas preocupações centrais justamente trazer para o
bojo da discussão educacional nacional formulações científicas – em especial as da
65
Psicologia, da Biologia e da Sociologia – como ferramentas no planejamento da
sociedade e do desenvolvimento da criança.
Além disso, a instância de delimitação (FOUCAULT, 1995, p. 51) e as posições
de sujeito (ARAÚJO, 2000) a partir de onde foi possível articular enunciados acerca dos
Estudos Sociais, o próprio objeto sendo uma disciplina escolar com fortes relações
discursivas com os movimentos de renovação educacional do início do século XX, se
constituíram nas instituições de ensino superior, e não nas escolas jesuíticas. Da mesma
maneira, os objetos educacionais sobre os quais se debruçava, a partir dos horizontes
epistemológicos apresentados naquele momento sócio-histórico específico, foram não
apenas saberes e práticas docentes, mas também noções de aluno biologicamente e
psicologicamente constituídas (SAVIANI, 2007; KIRCHGASLER, 2017), noções de
professor e de sua formação calcados em uma cientificização das Ciências Sociais por
este sujeito mobilizada (AZEVEDO et al., 2010; MICHAELIS, 1970; CARVALHO,
1954) e um projeto de sociedade sociologicamente orientado (POPKEWITZ, 2012b).
Articulei, então, como primeiro feixe discursivo da grade de inteligibilidade aqui
proposta, os deslizamentos que ocorreram no campo da Pedagogia no início do século
XX e que estabeleceram condições enunciativas diferentes das que estavam até então
colocadas sobre a prática educacional e os sujeitos escolares.
O próximo feixe discursivo articulado foi o movimento escolanovista no contexto
brasileiro, considerado pelos sentidos que mobilizou acerca da Educação. A Escola Nova
foi um movimento de renovação educacional que se configurou no início do século XX,
com articulações em diversos países da Europa Ocidental e americanos, com especial
destaque aos Estados Unidos, em termos de produção e escopo de influência das ideias
propostas em outros territórios. O movimento criticava um certo modelo mnemônico e
cientificista de ensino escolarizado, propondo, ao invés disso, teorias pedagógicas,
organizações curriculares e práticas didáticas que trouxessem para o centro do processo
educacional o próprio aluno, privilegiando suas experiências e aprendizagens e
propiciando formas de convivência democráticas e de respeito à individualidade. Estes
movimentos de renovação foram significados como a “expressão de novas condições
sociais caracterizadas pela industrialização e urbanização que se intensificaram com o
término da Primeira Guerra Mundial” (NADAI, 1988, p. 5). No Brasil, semelhante
movimento se organizou, com traços reformistas, democráticos e utilitaristas,
posicionando-se dessa maneira como críticos do modelo jesuítico até então vigente no
país (SILVA, 2012, p. 1). Ele estabeleceu relações discursivas entre a Pedagogia e a
66
Psicologia e, em menor grau, com a Biologia (CARVALHO, 1957, p. 92) a partir da
noção de fases de desenvolvimento biológico e cognitivo da criança, assim como com a
Sociologia (CARVALHO, 1957, p. 77) como chave para uma reflexão sobre fenômenos
sociais e para o planejamento eficiente da sociedade. Ele delineou no país contornos de
ampliação do pensamento liberal em prol de uma educação laica, universal e gratuita,
assim como por uma reconstrução permanente da experiência e da aprendizagem na vida
dos indivíduos.
As necessidades de uma civilização moderna em constante mudança, colocando
em contínua transformação os modos de vida pela aceleração progressiva do
desenvolvimento científico e tecnológico das sociedades, foi uma das principais questões
que a Escola Nova brasileira se propôs a abordar. Ainda que tais necessidades sejam, em
si mesmas, uma construção discursiva, a resposta dos movimentos educacionais
reformistas do início do século XX foi a construção do cidadão cientificamente capaz,
munido de racionalidade para lidar com problemas modernos em constante evolução e,
por fim, democráticos, visando uma comunidade internacional dos homens
(MICHAELIS, 1970, p. 242), em suma, cosmopolitas.
O último feixe discursivo que elenquei neste aparato interpretativo foi o
Cosmopolitismo como um sistema de pensamento (POPKEWITZ; LINDBLAD, 2016)
por meio do qual enunciados articulam legitimidade em um regime de verdade, e através
de teses culturais sobre modos de vida que discursivamente dão direção às organizações
sociais de uma época. O Cosmopolitismo, como já colocado anteriormente, é para
Thomas Popkewitz a corporificação de uma tese histórica radical, própria da
Modernidade, que diz respeito à agência humana, participação e ciência como um projeto
emancipatório da humanidade, a partir da qual “o indivíduo iluminado deposita fé na
aplicação de razão e racionalidade ao direcionar mudanças, e para o autoaperfeiçoamento
e progresso da sociedade, através do respeito pela diversidade e hospitalidade e
compaixão pelo Outro” (POPKEWITZ, 2009, p. 379, tradução nossa). Para o autor, este
animus perpassou todos os aspectos da vida na Modernidade, inclusive e,
especificamente, a escola, que teve seus objetivos, práticas e funções sociais organizadas
por este projeto, almejando fazer da criança o futuro cidadão desta sociedade cosmopolita.
A noção do Outro, delineada no contraste com o cidadão cosmopolita, é relevante para
compreender os processos de subjetivação realizados pelas instituições modernas como
por exemplo, a escola.
67
A razão, como empregada pela Modernidade europeia, fez sua a função de
reconhecer e diferenciar o Outro, a partir de práticas classificatórias e firmes delimitações
epistemológicas. Dessa maneira, os princípios cosmopolitas universalizantes sobre o que
a humanidade deveria ou poderia ser – livre, racional e compassiva –, e o potencial
emancipatório pretendido pela escolarização visando a implementar estes princípios,
operacionalizaram uma lógica comparativa. Nela, temos o ideal da criança que satisfazia
as expectativas e as métricas delineadas pela escola para o pertencimento, inscritos nesse
ideal sentidos de esperança e de pertencimento ao projeto de sociedade pretendido. A
partir dessa lógica comparativa, entretanto, as práticas pedagógicas trouxeram consigo,
igualmente, a idealização dos opostos, “a criança que não pertence e, portanto, era
excluída das qualidades e características inscritas do cosmopolitismo” (POPKEWITZ,
2009, p. 380, tradução nossa), reinscrevendo assim sentidos de exclusão em um discurso
de inclusão.
Outra faceta do Cosmopolitismo relevante de explorar é como, no contexto
estadunidense da virada do século XIX, este se entrelaçou discursivamente com outras
duas narrativas: a do excepcionalismo estadunidense (JONES, 2012) e a da Questão
Social (SOMEK, 2011). O excepcionalismo estadunidense é uma narrativa
longitudinalmente cultivada nos Estados Unidos para, no posicionamento de Reece Jones
(2012, p. 21), “superar a inegável diversidade e ausência de uma justificativa étnica para
ser um estado-nação”. Tal narrativa se ampara na religião protestante dos colonizadores
anglo-saxões para articular como traços unificadores nacionais duas crenças, a afirmação
de que os direitos dos cidadãos republicanos foram concedidos por Deus e que, por esse
motivo, o país possui como nação o apontamento divino de exercer um papel de
excepcionalidade na história da humanidade. Esta narrativa se entrelaça com o
Cosmopolitismo por meio da construção discursiva do sujeito cientificamente capaz e
racional, outro elemento da excepcionalidade estadunidense que foi constituído a partir
das expectativas para a escola. Para Thomas Popkewitz (2012b, p. 44), a narrativa de
“esperança redentora do futuro da República foi contada na história da escola”, instituição
que “corporificava as narrativas que juntaram a razão cosmopolita com o bem comum,
enquanto uma narrativa de salvação sobre uma nação redentora”. Não exclusivamente
uma instituição de administração e governamentalidade das populações, a escola moderna
no contexto dos Estados Unidos no final do século XIX se tornou um nexo por meio do
qual a esperança de um projeto social poderia tomar forma através da possibilidade de
formação de sujeitos inscritos com as qualidades e características cosmopolitas. O outro
68
lado da moeda desta esperança, a partir da lógica comparativa iluminista, seriam os
sujeitos que não se adequavam àquelas normas, explicita ou implicitamente enunciadas,
receio a partir do qual foi articulada nas Ciências Sociais, de maneira difusa, a Questão
Social.
De maneira sucinta – pois o que importa para esta tese são os sentidos que se
articularam com a Educação –, abordo aqui a Questão Social, assumindo que, por mais
que não haja “uma definição canônica para o termo”, de toda maneira “desde o século
XIX qualquer referência a ela tem invocada a imagem das massas trabalhadoras
empobrecidas e miseráveis e o desafio de eleva-las [...] ao nível de membros plenamente
participantes da sociedade moderna” (SOMEK, 2011, p. 7, tradução nossa). Nos Estados
Unidos, durante o início do século XX, a narrativa da excepcionalidade da nação e do
cidadão norte-americano guiado pela razão foi colocada em questão por conta dos
problemas resultantes da transição de uma sociedade predominantemente rural para uma
eminentemente urbano-industrial. Nesse contexto, “o conto épico da nação estava sendo
desafiado pelo que estava sendo chamado de A Questão Social, apresentada pelas
condições e pessoas da nova vida urbana – os pobres, os imigrantes, os grupos raciais”
(POPKEWITZ, 2012b, p. 46). A resposta dada à Questão Social por alguns dos cientistas
sociais da época foi a assimilação, por meio da ressocialização, das culturas de países
estrangeiros às proposições cosmopolitas, processo no qual a escola foi tida como central
(POPKEWITZ, 2012b).
As considerações que apresentei a respeito da narrativa do excepcionalismo
estadunidense e sobre como as Ciências Sociais responderam às demandas sociais
produzidas pela chamada Questão Social não são, sobremaneira, as principais feições do
feixe discursivo que quis salientar ao me referir ao Cosmopolitismo – ainda que ambas
apresentem articulações possíveis com o material analisado, como tratarei mais adiante.
Busquei apresentar, principalmente, como a razão e a racionalidade científica passam a
incorporar as condições enunciativas acerca da educação escolarizada, tanto em seu
planejamento quanto nos sujeitos que esta pretendeu formar; como a razão da
modernidade europeia, por meio de uma lógica classificatória e comparativa, produziu
discursivamente tipos ideais de cidadãos e suas contrapartes desviantes da norma, em
movimentos de subjetivação e abjeção; e como o Cosmopolitismo, em específico, a partir
de movimentos similares de subjetivação e abjeção, ao delinear objetivos de inclusão
universal a partir de ideais de ser humano, reinscreve no sistema de saberes e práticas por
meio do qual mobiliza sentidos a exclusão como parte integrante deste sistema. Por fim,
69
ainda que defenda que, através de particularidades culturais e ressignificações, o
Cosmopolitismo seja uma recorrência discursiva na retórica educacional em diversos
países e não exclusivamente nos Estados Unidos, “o indivíduo ‘iluminado’ não é a mesma
pessoa em fabricação no Brasil, Bélgica, Japão ou Reino Unido” (POPKEWITZ, 2009,
p. 380). Foi a partir dessas articulações discursivas que propus aqui a construção de uma
grade de inteligibilidade possível para compreender como se fez objeto cognoscível a
disciplina escolar Estudos Sociais em tempos democráticos.
13
Segundo Fernandes (2008), Anísio Teixeira liderou uma comitiva brasileira aos Estados Unidos com
onze professores, entre 1929 e 1930, com o objetivo de promover o intercâmbio internacional no campo da
Educação.
70
estadunidenses com o projeto pedagógico e a formulação de uma identidade
epistemológica para a disciplina escolar. Os Estudos Sociais se configuraram no bojo do
projeto político do New Deal de Franklin Roosevelt, onde a autora (NADAI, 1988, p. 2)
identifica um projeto dominante para a disciplina escolar que, entretanto, recolheu em si
uma coletânea de temas e objetivos não coincidentes, chegando a aparentar uma
divergência de natureza. Para Altemar Figueiredo Bustorff Quintão e Maria Adailza
Martins de Albuquerque (2009, p. 5), se faz clara uma falta de coesão interna ao projeto
norte-americano, ao ponto de afirmarem que:
Numa tentativa de unificar a Geografia e a História, surge a disciplina
escolar Estudos Sociais nos Estados Unidos, com o desenvolvimento da
Sociologia. O objetivo era adaptar a sociedade após a crise de 1929.
Apesar de alguns autores desejarem a continuação dos Estudos Sociais,
não havia uma produção científica para se ter base para chamá-la de
Ciência.
Elza Nadai (1988) procurou reconhecer um padrão nas práticas utilizadas junto à
disciplina para atender as demandas do contexto histórico na qual foi organizada. Por
conta da dispersão que a sistematização proposta pela autora parece ter encontrado com
as leituras históricas acerca dos Estudos Sociais no início do século XX, me pareceu
profícuo pormenorizá-la, apresentando alguns atravessamentos discursivos que a
ressignificaram de alguma maneira. A linguagem da qual lanço mão ao longo da leitura
de Elza Nadai (1988) e de outros autores nesta seção – linguagem como atravessamentos
e formulações discursivas, enunciados e objetos epistemológicos – não é necessariamente
a mesma linguagem utilizada por eles na descrição dos acontecimentos que, por ora,
temos como preocupação em comum. Ou seja, esta atividade descritiva, interpretação e
síntese está sendo instantaneamente colocada por meio das lentes teórico-metodológicas
que utilizo nesta pesquisa.
Em linhas gerais, Nadai (1988) estabelece quatro momentos com diferentes
características no processo de implementação dos Estudos Sociais no Brasil, dois dos
quais se referem aos movimentos de imposição e resistência ao currículo dos Estudos
Sociais durante a Ditadura Militar, com os quais intencionalmente não estabeleci
profunda interlocução neste capítulo. O primeiro momento é delineado pela autora no
início da década de 1930, “[...] quando no contexto da divulgação/absorção do ideário da
escola pragmática norte-americana no Brasil, são realizadas as primeiras discussões a
respeito do assunto” (NADAI, 1988, p. 1). As alterações metodológicas e pragmáticas
propostas pelos Estudos Sociais e articuladas discursivamente durante este recorte
71
cronológico construído pela autora foram, por um lado, duramente criticados por
apostarem na “[...] importação de novidades estrangeiras, o comportamento imitativo do
que se passa nos países adiantados, sem a devida crítica ideológica” (NADAI, 1988, p.
4); por outro lado, foram associados diretamente com o “movimento de renovação
educacional que [...] caracterizou a década de 1920 e início da década seguinte” (NADAI,
1988, p. 4), expressando preocupações articuladas a partir transformações significativas
na organização territorial brasileira após o término da Primeira Guerra Mundial, como o
espessamento de fluxos de imigração para o país, e a aceleração de processos de
urbanização e industrialização.
O movimento de circulação da noção dos Estudos Sociais como disciplina escolar
no Brasil não foi, para Aldaíres França (2013), um movimento orgânico, tendo sido em
parte o resultado de uma aproximação entre as políticas educacionais nacionais com as
dos Estados Unidos a partir de acordos bilaterais, firmados visando a atender os interesses
políticos e econômicos daquele governo. Nesse sentido:
Tal aproximação intensificou a circulação de representações sobre a
democracia, a preservação da paz; o entendimento nas relações
internacionais; a melhoria da vida em comunidade e da vida familiar, a
tentativa de inculcação dos valores morais; e o uso da ciência para o
bem da humanidade, incorporadas aos saberes próprios da disciplina de
Estudos Sociais/História (FRANÇA, 2013, p. 32).
72
ao contexto nacional. É possível elencar, a título de exemplo, “o envolvimento da escola
com a vida social e comunitária”, de tal maneira afirmando o papel da instituição na
organização de uma sociedade mais democrática e harmoniosa, que atribuem-lhe a função
de “subordinar as ideias à metodologia, em benefício da clareza” (MORAES, 2017, p.
36). Ainda que neste momento, para Elza Nadai (1988), houvesse poucas oportunidades
institucionais de implementação efetiva de reformas curriculares visando os Estudos
Sociais, é em 1934 que Delgado de Carvalho publica o Programa de Ciências Sociais
junto ao Departamento de Educação do Distrito Federal, à época encabeçado por Anísio
Teixeira, no qual deixa claro suas propostas para o ensino de Estudos Sociais: o
envolvimento da escola com a vida social, exercendo seu papel de “reguladora da
evolução social” (FERNANDES, 2008, p. 2).
O objeto de estudo da disciplina escolar era a própria sociedade para melhor
entender os caminhos que essa precisaria trilhar, criticando contundentemente o
distanciamento entre a escola e a sociedade, entendendo que uma democracia moderna
não podia desinteressar-se da vida social e do ambiente em que se encontrava. Isso
encontra sintonia com as diretrizes escolanovistas, as quais defendiam que a escola
deveria se preparar para enfrentar a sociedade moderna, calcada em uma doutrina
democrática “pautada na solidariedade social, no espírito de cooperação e na construção
de um ambiente dinâmico de conexão com a região e a comunidade” (FERNANDES,
2008, p .2). Apesar de, no título de sua obra, fazer referência ao termo Ciências Sociais,
Carlos Delgado de Carvalho (CARVALHO, 1957) já a diferencia dos Estudos Sociais,
afirmando que a primeira diz respeito à produção científica, enquanto a segunda, ainda
que pertencente ao mesmo campo do saber, se ocupa de ensinar. Assim, sem a
preocupação explícita de fazer progredir as Ciências Sociais, os Estudos Sociais como
disciplina escolar teriam a função de guiar os alunos a conclusões práticas, instrutivas e
úteis.
O ensino dos Estudos Sociais pautado nas (e a partir das) vivências e demandas
práticas dos alunos fez com que a distinção radical entre disciplinas escolares deixasse de
ser necessária, em especial entre a História e a Geografia, na medida em que estas “não
ofereciam condições de maleabilidade suficientes para o trabalho interdisciplinar em
direção aos objetivos defendidos” (NADAI, 1988, p. 7). É importante salientar,
entretanto, que nem a História ou a Geografia “perdiam suas respectivas identidades”
disciplinares, segundo os contornos dados ao momento pela autora; “pelo contrário, dos
debates travados entre os seus professores e pelo trabalho coletivo elas se explicitavam
73
cada vez mais intensamente, tanto em seu objeto quanto em seus métodos” (NADAI,
1988, p. 9). O caráter utilitário da disciplina, assim como sua característica de integração
disciplinar, estava alinhado com as propostas de John Dewey de uma aprendizagem a
partir das experiências vividas no convívio social:
Os conteúdos escolares, segundo o pensamento de John Dewey, devem
ser apresentados segundo o estágio de desenvolvimento de quem
aprende e o seu ensino não deve se processar de forma isolada,
necessariamente disciplinar ou compartimentada. Assim, um dos focos
de sua reflexão foi a estreita e delicada relação entre a História e a
Geografia. Dewey afirma que ao esquecer a complementaridade dessas
disciplinas, a primeira se tornaria apenas um conjunto de datas ou
ensino de acontecimentos considerados importantes, já a segunda se
apresentaria como um conjunto de fragmentos desconexos (MORAES,
2017, p. 36).
75
conhecimentos escolares voltados para uma função unicamente erudita, desconectados da
realidade social e, portanto, sem muita contribuição para a criança ampliar seus
conhecimentos na relação entre a realidade e a ciência – agora também aquela que fazia
parte das classes populares; (iii) a indicação metodológica, de seleção e de organização
de conteúdos, iniciando com temas da realidade mais “próxima” da criança, das esferas
de relações sociais mais “íntimas”, como a família, para partir para a compreensão de
vivências sociais mais complexas, que se pretendia que não deixassem de refletir e
solicitar o mesmo princípio de solidariedade; (iv) a formação de indivíduos a partir da
perspectiva de um novo cidadão, agora disciplinado por convicções internas adquiridas
nos estudos de seu papel na realidade social. Associada a essas propostas estava também
uma problematização sobre as diferenças entre os modos de vida urbano e rural, sua
diversidade de relações como parte do universo brasileiro, ainda que dando direção a um
projeto de sociedade que almejasse um futuro “moderno”, ou seja, urbano e industrial.
Aldaíres França (2013, p. 40) discorda de não ter havido distinções entre os
Estudos Sociais entre as décadas de 1930 e 1960, por entender que “as variáveis históricas
provocaram mudanças de concepção [de] sociedade, educação, escola, ensino e
professor”, afirmando desse modo que ainda que a disciplina tenha se estabelecido “como
um ponto de interseção entre a educação e a cidadania, não se limitou a conformidade do
indivíduo ao sistema produtivo, mas a sua formação integral”. O autor afirma ser possível
identificar três possíveis enfoques para os Estudos Sociais durante o período, sendo o
mais antigo e predominante deles denominado de citizen transmission, focalizando a
seleção de alguns valores para, em um esforço doutrinário da juventude, estabelecê-los
como basilares e, portanto, necessários de serem defendidos. O segundo enfoque
destacado por ele são os funcionalistas, que deram prioridade à formação para a cidadania
e o desenvolvimento de habilidades para o trabalho, e que se fortaleceu no contexto
brasileiro na década de 1960. O terceiro e último enfoque chama-se reflective inquiry,
tendência que “se alinhou na década de 1930 a perspectiva educacional progressista e
pragmática de John Dewey; e, na década de 1960 fundamentou-se no pensamento de
Edwin Fenton” (FRANÇA, 2013, p. 40). Este último enfoque dado aos Estudos Sociais
defendia uma educação social voltada para a formação cidadã, entendida nesta
perspectiva como mobilizando sentidos de “preparação do indivíduo/cidadão para
conviver e participar das mudanças sociais” (OLIVEIRA, 1993, p. 50 apud FRANÇA,
2013, p. 40).
76
De todo modo, os Estudos Sociais para Elza Nadai (1988) foram, entre as décadas
de 1940 e 1960, um dos mediadores fundamentais na concretização do projeto social dos
escolanovistas. Entretanto, isto não ocorreu de imediato e nem ganhou a totalidade das
escolas e da sociedade civil, circulando principalmente como discursos pedagógicos que
foram corporificados em pontuais experimentos na escola formal. Apenas a partir do
golpe militar de 1964 e das reformas educacionais que se seguiram, sustentado em
discursos de cidadania vinculados às noções de progresso e ordem social, a disciplina
escolar tomou os contornos de uma política em escala nacional, por força da imposição
legal e institucional para todo o primeiro grau (1ª a 8ª séries), apesar das múltiplas
resistências detectadas nos vários setores da sociedade civil. Os dois últimos momentos
delimitados na análise da autora dizem respeito, respectivamente, ao período no início da
década de 1970, “quando no contexto das políticas que se seguiram ao golpe militar em
1964, ocorreram reformas no sistema educacional abrangendo todos os graus e a criação
da licenciatura curta”; e o período compreendido entre as décadas de 1970/1980, “quando
no bojo de sua institucionalização, ocorreu também o movimento de resistência e de luta
contra sua implantação” (NADAI, 1988, p. 1).
As considerações apresentadas por Aldaíres França (2013) são bem vindas, na
medida em que dão novos contornos, diversificados, acerca dos processos de
implementação curricular e formulações discursivas sobre a disciplina escolar Estudos
Sociais. Os objetivos desse projeto de ensino, considerando as especificidades dos
enfoques apontados pelo autor, podem ser contingencialmente agrupados como visando
à formação cidadã em uma sociedade democrática, assim como ao desenvolvimento das
habilidades sociais julgadas necessárias para um determinado tipo de convívio, tendo
como seu enfoque as pessoas, as ações entre elas e as relações destas com o meio social
e físico. Retomo aqui as perguntas com as quais encerrei o capítulo anterior, dando-lhes
novas articulações a partir da leitura realizada até o momento: se os objetivos pedagógicos
e políticos sendo articulados a partir dos discursos sobre Estudos Sociais entre as décadas
de 1930 e 1960 almejam a formação do cidadão em uma sociedade democrática, quais
sentidos atravessam tal noção de cidadão e de democracia neste contexto? Assumindo
que os Estudos Sociais buscam o desenvolvimento de habilidades sociais necessárias para
um determinado tipo de convívio, em teoria democrático, que habilidades são essas e que
procedimentos metodológicos a disciplina escolar propõe para desenvolvê-las? Se a
formação cidadã seria o “resultado final” do processo, como são pensados os professores
e as crianças ao longo do mesmo? Se a sociedade democrática é o projeto para o qual,
77
nestes discursos, a escola deve contribuir, quais são as teses culturais sobre organização
social e modos de vida imbricados nos enunciados sobre Estudos Sociais? Atravessando
estes questionamentos estão os sentidos mobilizados sobre educação democrática
propostos pela Escola Nova brasileira no início do século XX (NADAI, 1988;
FERNANDES, 2008; MORAES; 2012; PEDRO, 2015; FRANÇA, 2013) de maneira que,
para uma melhor compreensão dos Estudos Sociais em tempos democráticos, um olhar
pausado sobre os discursos do movimento educacional se mostraram úteis.
78
ponto no qual destrincharam outros quatro, as linhas gerais do plano, o ponto nevrálgico
da questão, o conceito moderno de universidade e o problema universitário no Brasil e
o problema dos melhores; (j) a unidade de formação de professores e a unidade de
espírito; (l) o papel da escola na vida e sua função social; por fim, (l) a democracia, um
programa de longos deveres.
O Manifesto dos Educadores, mais uma vez Convocados foi, por sua vez,
publicado em 1959, e buscou reafirmar os preceitos estabelecidos em décadas anteriores
pelo movimento da Escola Nova, à data de intensos debates na esfera pública acerca da
elaboração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Após o encerramento da
“ditadura em meados dos anos quarenta, alguns dos pioneiros foram chamados para a
elaboração” desta peça legislativa, projeto que foi concluído e engavetado por quase uma
década, sendo apenas no “final dos anos cinquenta [que] ele haveria de ser retirado e
colocado em debate, gerando uma enorme polêmica entre escola pública e escola
privada”14 (AZEVEDO et al., 2010, p. 102). Nesse sentido, foi dada maior ênfase no
documento à constitucionalidade dos argumentos em favor de uma educação pública, esta
como um dever do Estado para com o povo brasileiro frente à ineficiência de modelos
escolares privados de colocar em efeito aprendizagens verdadeiramente vitais e
necessárias em sociedades modernas e democráticas15. O Manifesto dos Educadores,
mais uma vez Convocados foi organizado ao longo das seguintes linhas: (a) um pouco de
luz sobre a educação no país e suas causas; (b) deveres para com as novas gerações; (c) o
Manifesto de 32 e o projeto de Diretrizes e Bases; (d) a escola pública em acusação; (e)
violentas reações a essa política educacional em outros países; (f) as duas experiências
brasileiras de “liberdade de ensino”; (g) Em face da Constituição, já não há direito de
escolha; (h) a educação – monopólio do Estado? (i) educação para o trabalho e o
desenvolvimento econômico; (j) para transformação do homem e de seu universo; (l) a
história não avança por ordem...
Como já explicitado, nesta seção me propus a analisar os discursos e os sentidos
mobilizados acerca do movimento nomeado de Escola Nova no país, em específico sobre
o projeto educacional em elaboração e seus pressupostos teórico-metodológicos, e as
características dos sujeitos escolares por ele articuladas, sobre o tipo de aluno que se
14
Pós-escrito pelo então Ministro de Estado da Educação, Fernando Haddad.
15
Tais enunciados foram produzidos em meio a argumentos contrários dos partidários da escola privada no
país, que acusaram a defesa da educação pública como dever do Estado como uma forma de monopólio
educacional a infringir a liberdade dos cidadãos brasileiros.
79
pretende formar e o tipo de professor que se julga necessário para empreender a tarefa.
Procurei, dessa maneira, delinear possíveis relações com o ensino de Estudos Sociais em
tempos democráticos nas etapas seguintes.
Uma questão a partir da qual começar é a de quais problemas sociais esse discurso
delineou como responsabilidade da escola. Estes afirmam que cabe ao Estado,
organizando a educação pública em estrutura orgânica através de meios que tornem o
ensino efetivo, o acesso à escola “a quem a estrutura social do país mantém em condições
de inferioridade econômica para obter o máximo de desenvolvimento de acordo com suas
aptidões vitais” (AZEVEDO et al., 2010, p. 44). Foi atribuída à escola a função, dentre
outras, de mediadora das desigualdades econômicas identificadas como mazela social.
Este ponto é retomado no Manifesto dos Educadores, mais uma vez Convocados,
entrelaçando-o com os processos de urbanização e industrialização que, na década de
1950, estavam acontecendo no Brasil:
Na impossibilidade de alongar-nos na análise de cada uma delas,
bastará apontá-las. O rápido crescimento demográfico, nestes últimos
trinta anos; o processo de industrialização e urbanização que se
desenvolve num ritmo e com intensidade variáveis de uma para outra
região; as mudanças econômicas e socioculturais que se produziram,
em consequência, são alguns dos fatores que determinaram esse
desequilíbrio e desajustamento entre o sistema de educação e as
modificações surgidas na estrutura demográfica e industrial do país
(AZEVEDO et al., 2010, p. 72).
80
homem passou a dominar as forças naturais, e é pelo disciplinamento do espírito por meio
de uma educação científica que o homem irá direcionar as forças sociais (AZEVEDO et
al., 2010, p. 14-15). As transformações propostas ao sistema educacional da época, nestes
documentos e a partir destes preceitos, atribuem à escola função de:
[...] transformação de nosso regime educacional de acordo com o
manifesto, não tem apenas, por si, o espírito atual e vivo que lhe está
imanente, e os fundamentos científicos e filosóficos em que se apoia,
mas a consciência do papel que a escola deve desempenhar, não só na
formação do espírito e da unidade nacional, como na aproximação dos
homens e no restabelecimento do equilíbrio social, realizando pela
integração da escola na sociedade (socialização da escola) a integração,
no grupo e na vida social, do indivíduo cada vez mais isolado entre um
grupo familiar que se atrofia e se desagrega e uma sociedade tornada
imensa. (AZEVEDO et al., 2010, p. 29).
82
o amor à pátria, o sentimento democrático, a consciência de
responsabilidade profissional e cívica, a amizade e, a união entre os
povos (AZEVEDO et al., 2010, p. 90).
83
Sobre o ideal de aluno elaborado como futuro cidadão a ser formado neste projeto
de escola, um sentido importante mobilizado é o das práticas educacionais como “funções
vitais”, ou seja, “que se propõe, antes de tudo, a desenvolver ao máximo a capacidade
vital do ser humano” por meio de uma função educacional pensada como processo
unificado “cujos diferentes graus estão destinados a servir às diferentes fases de seu
crescimento” (AZEVEDO et al., 2010, p. 46), de maneira a levar à plena formação todas
as partes constitutivas de uma totalidade biológica, o indivíduo. Aqui podem ser
encontradas, simultaneamente, proposições acerca da organização do projeto educacional
em pauta e afirmações sobre a aprendizagem do indivíduo como um encadeamento lógico
de fases de desenvolvimento psicobiológico. As formulações escolanovistas tinham como
um dos traços distintivos do que nomearam escola tradicional a aplicação dos
conhecimentos das Ciências Sociais e Biológicas no planejamento, pois alcançavam “por
toda a parte o estudo científico e experimental da educação, a libertaram do empirismo,
dando-lhe um caráter e um espírito nitidamente científico e organizando, em corpo de
doutrina, pesquisas e experiências, os princípios da educação nova” (AZEVEDO et al.,
2010, p. 48).
A racionalidade científica, como sistema de pensamento (POPKEWITZ;
LINDBLAD, 2016), articulara para o discurso escolanovista regras e padrões acerca dos
contornos epistemológicos que poderiam ser dados aos seus objetos, e os sentidos
mobilizados neste contexto produziram efeitos de regras discursivas que regularam as
práticas de ensino e os sujeitos escolares (FERREIRA; SANTOS, 2017) que visavam
enquadrar. De outro modo, o entendimento do ser humano, a partir das teorias científicas
do início do século XX, enquanto formado por diferentes e progressivas fases de
desenvolvimento psicobiológico, constituintes de uma totalidade orgânica, elaboraram
um tipo específico de sujeito escolar contendo estas características, para o qual projetos
educacionais adequados foram formulados, sedimentando sentidos tanto sobre estas
práticas quanto sobre o sujeito em si. O “ponto de vista sociológico” exerce efeitos de
poder sobre o professor e sobre o projeto de escola, tendo em vista que, da mesma maneira
“em que os progressos da psicologia aplicados à criança começaram a dar à educação
bases científicas, os estudos sociológicos [...] nos trouxeram uma consciência mais nítida
da sua função social e da estreiteza relativa de seu círculo de ação” (AZEVEDO et al.,
2010, p. 63).
Resumindo, salientei as seguintes considerações da análise sobre os sentidos
mobilizados pelo discurso escolanovista brasileiro: a articulação da Questão Social
84
(SOMEK, 2011) com as funções da nova educação sendo proposta; os traços
cosmopolitas de valorização da democracia e conhecimento científico no discurso
educacional, e como estes valores se relacionam com a esperança de uma sociedade
melhor e com o medo de fracasso deste projeto (POPKEWITZ, 2012b); a caracterização
da criança a partir de critérios psicobiológicos de fases de desenvolvimento do corpo e da
cognição, a caracterização do professor como ‘competente’ ou ‘capaz’ a partir do
desenvolvimento de um “ponto de vista sociológico” (CARVALHO, 1957). Fiz estes
destaques por interpretá-los como teses culturais que foram inscritas no tecido da
organização escolar por meio de uma lógica racional/comparativa como práticas e saberes
de classificação e de exclusão dos sujeitos escolares que, por sua vez, foram úteis na
análise dos manuais didáticos Estudos Sociais para Crianças numa Democracia
(MICHAELIS, 1970) e Introdução Metodológica aos Estudos Sociais (CARVALHO,
1957). É essa a análise que faço no próximo capítulo.
85
CAPÍTULO IV
Estudos Sociais e as Fabricações do cidadão democrático e do professor
eficaz: entre descontinuidades e linhas de diferenciação
86
IV. 1. Os Estudos Sociais para Crianças numa Democracia
16
Seções específicas deste manual foram disponibilizadas no Anexo III – Recortes do manual didático: Os
Estudos Sociais para Crianças numa Democracia
87
grupos, inculcando valores morais e espirituais e utilizando a ciência para o
bem de toda a humanidade (MICHAELIS, 1970, p. 3-4).
17
May V. Sagoe, Qualitative Wholes: Classroom Experiments, Journal of Educational Psychology, n.27,
1936; Ellsworth Collings, An Experiment with a Project Curriculum, Nova York: Columbia University,
1937; K. I. Tyler, Spelling as Secondary Learning, Teachers College Contributions to Education, n.781.
Nova York: Columbia University, 1939; E. E. Oberholtzer, An Integrated Curriculum in Practice, Teachers
College Contribution to Education, n.694. Nova York: Columbia University, 1937; dentre outros.
88
de ensinar Estudos Sociais, poucos enunciados explícitos foram encontrados nesse
manual didático. As formulações acerca do aluno que se pretende formar e sobre a
disciplina que se pretende ensinar, sobremaneira, também dizem das expectativas a
respeito do docente. Visando a alcançar o objetivo de promover os valores e processos
democráticos com os estudantes, o professor deve possuir conceitos claros a respeito da
temática, levando em conta as diferentes inferências que esses valores e processos
democráticos podem apresentar em sala de aula e avaliando os meios práticos de utilizá-
los (MICHAELIS, 2010, p. 16-17). Caberia ao professor, a partir da perspectiva de
Estudos Sociais apresentada, a “simplificação de ideias complexas”, o que lhe exigiria:
“desenvolver fundos adequados de experiência e compreensão através de experiências
diretas correlatas, o uso de materiais audiovisuais e da discussão das questões sugeridas”
(MICHAELIS, 2010, p. 346); formular programas e métodos de avaliação eficazes,
desenvolvidos cooperativamente com os alunos e a comunidade escolar; exercer o papel
de mediador em sala de aula em atividades coletivas, dando preferência a estas e
distanciando-o de práticas tradicionais expositivas; ser capaz, sobretudo, de identificar
“problemas, falsos conceitos, necessidades, sentimentos, preferências e aptidões para
ação de grupo que podem ser utilizados no planejamento de futuras experiências”
(MICHAELIS, 2010, p. 396), sendo a prática pedagógica compreendida como uma
atividade contínua e aberta para replanejamentos.
Os objetivos dos Estudos Sociais enunciados no manual didático em questão são:
a formação da criança como pessoa democrática, “guiada por valores democráticos, que
seja leal ao sistema de vida americano [...] e que saiba apreciar os sacrifícios e
contribuições feitos para promover a vida democrática neste país [EUA] e no resto do
mundo” (MICHAELIS, 2010, p. 14); o desenvolvimento de tipos de comportamento,
habilidades e proficiências sociais para ação em grupo, assim como pensar com espírito
crítico e construtivo, no sentido de “operar modificações condizentes com os ideais e
processos democráticos” (MICHAELIS, 2010, p. 15). É significativo destacar o relevo
dado no texto à importância dos progressos científicos e educacionais sobre o sistema de
vida estadunidense. O ensino dos Estudos Sociais, compreendido como fundamental para
o desenvolvimento de comportamentos e ideais democráticos e cívicos, deveria ser
desenvolvido sem nenhum tipo diferenciação a partir de preconceitos de sexo, contexto
social ou qualquer outra característica que não seja pertinente aos níveis de aprendizagem
e desenvolvimento da criança.
As contribuições que os Estudos Sociais poderiam trazer para a formação da
89
criança dizem respeito à sua autorrealização como indivíduo autônomo, ao
estabelecimento harmonioso e eficiente de relações humanas, à eficiência econômica
como um membro produtivo da comunidade e ao desenvolvimento de uma
responsabilidade cívica (MICHAELIS, 2010, p. 10-11). Nesse movimento, o documento
estabelece como valores e processos democráticos que pretende inculcar em seus alunos
os seguintes aspectos: (a) o governo de um grupo só é eficaz quando há governo pelo
grupo, o bem-estar humano, a felicidade e a boa vontade para com os outros é
fundamental; (b) deposita-se fé na capacidade dos homens para se governarem com
sabedoria; a ausência dos governados é um elemento básico do processo democrático; (c)
a autodeterminação e a autodireção em consonância com o bem-estar do grupo são
aspectos importantes da vida democrática; (d) a liberdade de pesquisa, com o livre
exercício da inteligência em torno de todos os problemas, é essencial; (e) a decisão da
maioria, com salvaguarda dos direitos da minoria, é usada para determinar as normas de
ação; (f) cada indivíduo é respeitado, recebendo justiça igual e iguais oportunidades; (g)
a responsabilidade e a liberdade individuais andam de mãos dadas (MICHAELIS, 1970,
p.17-21). O desenvolvimento de comportamentos democráticos toma a frente como o
principal benefício (ou efeito) na formação do aluno que cursaria os Estudos Sociais.
A proficiência científica, em específico com as Ciências Sociais, é relacionada
com a capacidade do estudante de fazer uma leitura crítica dos fenômenos sociais, em
diferentes escalas espaciais e temporais, com autonomia como indivíduo na formulação
de questões e de soluções próprias para os problemas de sua comunidade. Torna-se
necessária, então, a familiaridade com técnicas de escrita e interpretação de textos de
naturezas diversas, assim como a leitura e confecção de mapas, gráficos, dados
estatísticos etc. A correlação entre atitudes democráticas, conhecimentos científicos,
caráter universal e inclusivo da educação e a identidade nacional dos Estados Unidos
corporificam os ideais do Cosmopolitismo (POPKEWITZ, 2012b) que já apontam uma
direção possível para interpretar os processos de subjetivação (FOUCAULT, 1995) do
aluno nesta proposta disciplinar: o aluno patriótico, democrático e cientificamente capaz.
Os valores de inclusão inscritos no projeto educacional dos Estudos Sociais, com maior
relevo dado à formulação explícita da salvaguarda dos direitos da minoria perante as
vontades da maioria (MICHAELIS, 1970, p.20), em contraste com a afirmação
inequívoca de um ideal de criança e de cidadão, produzem, alquimicamente, saberes e
práticas de inclusão e exclusão.
90
A alquimia das disciplinas escolares (POPKEWITZ, 2001) é um conjunto de
processos discursivos de construção das disciplinas escolares por meio dos quais se
constituem lógicas de organização de práticas de ensino, inscrevendo normas de
classificação, separação e exclusão dos sujeitos escolares. Na formulação dos saberes
escolares na interface com os acadêmicos, um elemento que operacionaliza estes
processos de subjetivação alquímicos é a desvinculação dos mesmos da construção social
do conhecimento, apresentando o mundo e os eventos a partir da perspectiva de uma
disciplina escolar como objeto da lógica, uma entidade estável. Ou seja:
Enquanto as disciplinas [acadêmicas] envolvem conjuntos de ideias rivais
sobre pesquisa (podemos chamá-los de paradigmas), as matérias escolares
tendem a tratar o conhecimento como um conteúdo inconteste e claro para as
crianças aprenderem ou com eles resolverem problemas. Os conceitos e as
generalizações são encarados como estruturas lógicas, não-temporais, que
funcionam como bases a partir das quais ocorre a aprendizagem. Até mesmo
os métodos de pesquisa são considerados entidades lógicas que seguem
algumas regras de método científico que existem fora dos processos sociais,
tais como aprender as "habilidades de laboratório" ou as práticas de entrevista.
Desse modo, no ensino, é possível falar que a aprendizagem das crianças
envolve a compreensão e má compreensão dos conceitos, como se estes fossem
entidades de conhecimento estáveis e fixas (POPKEWITZ, 2001, p. 35).
91
seguintes níveis: primário, do 1º ao 4º grau, abrangendo crianças na faixa etária entre 6 e
9 anos; intermediário, composto pelos 5º e 6º graus, abrangendo as crianças na faixa etária
entre 10 e 11 anos; elementar superior, composto pelo 7º e 8º graus, abrangendo as
crianças entre os 12 e 13 anos. É para este último segmento da educação básica que os
Estudos Sociais, no documento elaborado, está direcionado, ainda que, em alguns pontos,
faça considerações acerca de outras faixas etárias.
Esta organização em seriações e faixas etárias é útil pois, ainda que argumente
que “cada criança tem o seu ritmo próprio de crescimento e desenvolvimento”
(MICHAELIS, 1970, p. 424), o manual didático estabelece parâmetros e normas para
mensurar aprendizagem efetiva e desenvolvimento da criança, a partir de critérios
psicobiológicos. O autor afirma, por exemplo, que a maior parte dos currículos
organizados de Estudos Sociais acompanha as práticas daquilo que chamou-se no Brasil
de modelo de círculos concêntricos (NASCIMENTO, 2019; PASCAL, 2016; CALLAI,
2005), ou seja, onde conteúdos são abordados a partir das realidades mais próximas dos
alunos, seu contexto social e econômico, avançando para o ensino de contextos mais
afastados e complexos na medida em que estes vão envelhecendo18. Esta organização
curricular e prática pedagógica são defendidas e recomendadas nos discursos sobre os
Estudos Sociais nos Estados Unidos na década de 1950, justamente por acompanhar o
ritmo das mudanças nas capacidades de foco, abstração e elaboração de ideias sofisticadas
da criança, na medida em que esta desenvolve suas capacidades cognitivas diretamente
relacionadas à sua faixa etária. Se traça, assim, relações entre a prática de círculos
concêntricos não apenas aos critérios psicobiológicos de organização do currículo, mas
também com o desenvolvimento gradual e linear da criança em sua capacidade afetiva e
ideais democráticos. Afinal, “à medida que esta [a criança] amadurece o seu conceito de
comunidade deve desenvolver-se, incluindo compreensões cada vez mais amplas e
profundas” (MICHAELIS, 1970, p. 242).
Enfatizando a noção de eficiência, o manual didático Estudos Sociais para
Crianças numa Democracia (MICHAELIS, 1970) estipula os seguintes parâmetros para
a elaboração de um programa eficaz: (a) basear-se em um ponto de vista desenvolvido
por forma cooperativa; (b) a estrutura do plano deve ser desenvolvida cooperativamente
pelas autoridades escolares em consulta com peritos de ensino; (c) relacionar-se com a
vida da comunidade; (d) dar ampla margem ao planejamento cooperativo, sob a
18
Uma proposta de programa de Estudos Sociais organizado em progressões concêntricas no Anexo III –
Recortes do manual didático: Os Estudos Sociais para Crianças numa Democracia
92
orientação do professor; (e) as experiências e o conteúdo das disciplinas, dentro da
estrutura, devem ser aqueles que forem essenciais à vida democrática; (f) as experiências
e conteúdos mais úteis ao desenvolvimento de civismo democrático devem ser
selecionados entre o rico patrimônio de experiências acumulado pelo homem; (g) as
experiências, conteúdos e materiais necessários ao desenvolvimento do programa devem
ser organizados em unidades; (h) ser flexível e sujeita a revisão; (i) ser planejado com
referência à características e às necessidades das crianças. Relaciona-se, assim,
discursivamente, a noção de eficiência ao planejamento e execução de práticas de ensino
cooperativas tanto com os alunos quanto com peritos da área de educação, visando o
desenvolvimento de comportamentos democráticos e priorizando habilidades úteis para a
comunidade. O planejamento e seus ocasionais remanejamentos devem ser realizados em
função das características e necessidades das crianças, em um processo no qual as
expectativas a respeito do que a criança deveria querer ou poder fazer em determinado
momento do processo de escolarização também são vinculados à critérios
psicobiológicos.
É possível perceber, a partir do até então delineado, que uma das principais ênfases
da disciplina Estudos Sociais sendo articulada é comportamental, com o incentivo a
posturas atitudinais democráticas por meio da construção de noções de comunidade que
sejam gradualmente expandidas para comportar relações de solidariedade com grupos
progressivamente mais diversos. Esta observação se sustenta quando, em um dos critérios
recomendados para a avaliação dos alunos – a avaliação em função dos objetivos do
programa –, o autor afirma que esta “é facilitada quando se definem os objetivos em
termos de comportamento [... e] quando se formulam os propósitos” nestes termos, “é
possível ter uma percepção clara do significado envolvido” (MICHAELIS, 1970, p. 419).
O autor elenca como características de uma criança desenvolvendo corretamente o senso
de responsabilidade pretendido pela disciplina escolar quando esta ajuda a planejar meios
de enfrentar necessidades e problemas, trabalha nos seus problemas individuais, coopera
com outras na solução de problemas coletivos, segue os planos e instruções do grupo,
ajuda outras crianças quando precisam de auxílio, solicita auxílio quando ela própria
precisar, e trabalha bem sem supervisão. Este tipo de avaliação requer do professor uma
supervisão quase constante, uma observação exaustiva e contínua, que deve ser
acompanhada por extensa documentação, registros do que o professor observou em diário
e fichas individuais dos alunos (MICHAELIS, 1970, p. 418).
À guisa de síntese, o programa de Estudos Sociais articulado no manual didático
93
em análise articula um projeto de ensino que se propõe universal e inclusivo, oferecido
sem distinções entre alunos provenientes de diferentes contextos sociais. Ele enuncia
objetivos que enfatizam os resultados comportamentais e atitudinais dos alunos,
elaborado por um professor moderador-supervisor, organizado a partir de critérios
psicobiológicas do que, como e em que momento as crianças deveriam estar aprendendo,
visando a formação de um cidadão de postura democrática, patriótico e cientificamente
capaz. A afirmação de um sujeito inscrito de características cosmopolitas, a partir da
racionalidade moderna que emprega uma lógica comparativa (POPKEWITZ, 2009, p.
380), expulsa do campo do desejável os tipos de sujeitos que não se conformam a estes
moldes. Na escola, este movimento é corporificado a partir da alquimia das disciplinas
escolares, a partir de avaliações e notas, mas também a partir da organização do currículo,
da seleção dos conteúdos e como estes são ensinados. No manual didático, por exemplo,
em uma proposta curricular do estado de Pensilvânia, a articulação dos conteúdos para o
3º grau da educação elementar foi disposta da seguinte forma:
3º Grau. A Comunidade Maior. As Coisas que Nos Rodeiam na Vida Diária
(com relevo sobre a ciência), Onde Trabalham as Pessoas na Nossa
Comunidade e O Que Fazem, Como se Sabe o que as Outras Pessoas Fazem e
Pensam (comunicações), o Uso que o Homem Faz da Água e os Efeitos sobre
Êle MICHAELIS, 1970, MICHAELIS, 1970, MICHAELIS,
1970, MICHAELIS, 1970, os Índios que Aqui Viviam Antes de Nós,
Feriados e Datas Especiais (MICHAELIS, 1970, p. 51, grifos nossos).
19
Um exemplo da afirmação da identidade anglo-saxã através dos Estudos Sociais neste manual foi
disponibilizada no Anexo III – Recortes do manual didático: Os Estudos Sociais para Crianças numa
Democracia
94
apresentadas como características biológicas de seu desenvolvimento. Como já
explicitado, a desvinculação de todos estes enunciados dos processos de construção social
do conhecimento científico por meio de uma alquimia das disciplinas escolares apresenta
os Estudos Sociais, para alunos e professores, como objetos estáveis, uma vez que
logicamente elaborados (POPKEWITZ, 2001).
Nessa proposta de ensino, que enfatiza o condicionamento comportamental e
atitudinal da criança e que avalia a aprendizagem a partir destes critérios, foram se fixando
sentidos de gênero20. É o que ocorre, por exemplo, ao afirmar que “o desenvolvimento
social caracteriza-se pela emergência de valores de grupo e atitudes sociais, separação
dos sexos, formação de ‘cliques’ e um aumento de interesse e aptidão nas atividades
cooperativas” (MICHAELIS, 1970, p. 81, grifos nossos). O papel social atribuído à
mulher é elaborado conjuntamente como parte natural do seu desenvolvimento biológico
e cognitivo, afirmando que entre os 11 e 12 anos de idade:
meninos se ocupam mais com as coisas mecânicas, feitura de modelos, a
ciência, os jogos de meninos e a vida ao ar livre, enquanto as meninas revelam
interesses culturalmente estimulados pela vida do lar, reuniões, trabalhos de
costura, jogos de menina e outras ‘coisas que meninas fazem’ (MICHAELIS,
1970, p. 78, grifos nossos).
20
Imagens de propostas pedagógicas associadas às diferenciações de gênero foram disponibilizadas no
Anexo III – Recortes do manual didático: Os Estudos Sociais para Crianças numa Democracia
95
momentos, explicitamente, que ao longo do desenvolvimento da criança é natural a
expectativa de que cresça o interesse pelo sexo oposto e a formação de relações
heterossexuais (MICHAELIS, 1970, p. 88). Como efeito de tal enunciação, o manual
didático obviamente retira a homossexualidade do campo da normalidade.
Argumenta-se, também, que as crianças costumam demonstrar tendências de
resolução de conflitos por meio da violência, mas que tais tendências vão dando lugar a
resoluções construtivas na medida em que os estudantes amadurecem. Nesse contexto,
entretanto, as “classes inferiores” são caracterizadas por uma permanência deste
temperamento agressivo, sendo “mais predispostas a lutar pra conseguir o que desejam
do que crianças da classe-média ou superior” (MICHAELIS, 1970, p. 82). Em um
programa de ensino que afirma como desejável e que, de fato, elabora como um de seus
objetivos a formação de cidadãos com atitudes de solidariedade, cooperação e trabalho
em conjunto para resolver os problemas da comunidade, a atribuição de características
sociais de maior propensão ao conflito imbricadas com características psicobiológicas de
desenvolvimento da criança produz efeitos de subjetivação entre alunos de diferentes
contextos socioeconômicos. O delineamento de aluno fora da norma cria linhas de
diferenciação entre os sujeitos escolares por meio das quais o professor é conduzido a
olhar com mais frequência para os alunos “de classe inferior”, buscando estabelecer uma
supervisão contínua, avaliações e atos de ensino para a correção de desvios do padrão
esperado.
No documento analisado, as “diretrizes de uma avaliação eficaz” (MICHAELIS,
1970, p. 416) para um programa da disciplina escolar Estudos Sociais incluem: (a) a
avaliação, a partir do ponto de vista do professor, organizada de forma a incentivar
cooperação; (b) a avaliação como parte integrante da instrução; (c) a avaliação como
processo contínuo; (d) a avaliação como processo cooperativo entre professores, alunos,
pais, supervisores e coordenadores; (e) a avaliação em função dos objetivos do programa;
(f) a autoavaliação das crianças; (g) a avaliação interpretada em termos do
desenvolvimento da criança; (h) a utilização dos dados avaliatórios para continuamente
melhorar as experiências de aprendizagem. É possível observar no item a avaliação
interpretada em termos do desenvolvimento da criança as seguintes recomendações para
as ações educativas e de avaliação:
Cada criança tem o seu ritmo próprio de crescimento e desenvolvimento. Seu
modo de ser inconfundível, sua personalidade, seu fundo de experiência, seus
progressos, interesses, problemas e necessidades devem ser considerados em
todas as fases da apreciação. [...] As normas prestam serviço, todavia, como
quadros de referência para aferir os progressos de um indivíduo ou de um
96
grupo. Quando uma criança inteligente decai para um nível muito inferior à
média, impõe-se o estudo das razões de tal desvio. Quando um grupo ‘se desvia
da norma’, os motivos devem ser investigados. Em todos os casos, a primeira
pergunta é: ‘Porque existem desvios?’ e não ‘Que devemos fazer para trazê-
los de volta ao normal?’ Uma vez determinadas as razões do desvio e
estabelecidas as necessidades da criança ou grupo, tratar-se-á de proporcionar
as experiências de aprendizagem mais significativas para o indivíduo ou grupo
(MICHAELIS, 1970, p. 424-425).
97
História, a Economia, a Sociologia, a Política, a Geografia Humana e a Antropologia
(CARVALHO, 1957, p. 14). O entrecruzamento de um maior número de disciplinas
acadêmicas na alquimia da disciplina escolar Estudos Sociais aponta para uma postura
epistemológica elaborada no tomo, afirmando que a “fusão das matérias resulta do fato
da ciência ser UNA; nós é que a subdividimos para comodidade do estudo, do ensino, da
própria limitação do espírito” (CARVALHO, 1957, p. 15). salientando ainda que “nas
ciências sociais, o isolamento é difícil, artificial: política, economia, história, sociologia,
em certo grau de estudo, se completam de tal modo que caem as divisões fixadas para sua
mais fácil apreensão” (CARVALHO, 1957, p. 87).
O caso brasileiro se diferencia, por um lado, das articulações das disciplinas
acadêmicas estabelecidas no livro Estudos Sociais para Crianças numa Democracia, que
enfocaram Geografia, História e Civismo (MICHAELIS, 1970, p. 39) na elaboração que
produziu os Estudos Sociais nos Estados Unidos. Por outro lado, ambas as propostas se
aproximam em uma explícita distinção entre as Ciências Sociais e a disciplina escolar
Estudos Sociais, tendo como objetivo não “propriamente a investigação, mas sim o
ensino, a vulgarização” (CARVALHO, 1957, p. 12). Este enunciado se articula a partir
do entendimento que os alunos são consumidores de fatos sociais, e não descobridores,
ainda que isso não signifique um desmerecimento ou empobrecimento do professor de
Estudos Sociais, este possuindo um papel ainda mais delicado do que o do cientista,
exercendo funções:
de orientador, de guia, de conselheiro, de auxiliar e colaborador de
jovens que se acham em fase decisiva de sua vida social. Deve, pois, o
mestre ter uma sólida cultura geral, vistas largas, perspectivas sociais e,
além de tudo, se manter continuamente a par da evolução social,
política, econômica do mundo em que vive (CARVALHO, 1957, p.
129).
98
de Modernidade como tendência irrefreável e progressiva, atribuindo-lhe um caráter
teleológico (TENORIO, 2009, p. 487) que é também delineado nos manifestos
escolanovistas (AZEVEDO et al., 2010).
Este sentido de Modernidade articula-se, no entanto, com a noção de civilização
ao invés de com o sistema de vida americano, formulando ressignificações que
distanciam, de certo modo, o discurso acerca dos Estudos Sociais brasileiro das narrativas
do excepcionalismo estadunidense (JONES, 2012) e salvacionistas de uma pátria
redentora (POPKEWITZ, 2012b). Ele se aproxima de uma noção de patriotismo
internacional (CARVALHO, 1957, p. 108), defendendo o papel dos Estudos Sociais em
“dar ao educando o sentido mundial, indispensável ao homem educado moderno”
(CARVALHO, 1957, p. 113). Ainda que reconhecendo as transformações radicais que o
avanço tecnológico produziu nos modos de vida dos povos e como os processos
acentuados de urbanização e de industrialização passaram a exigir técnicas mais robustas
de interpretação e administração dos fenômenos sociais, o ensino democrático por meio
dos Estudos Sociais formulou como uma de suas preocupações a possibilidade da
fragmentação sócio-política do Brasil entre as décadas de 1930 e 1960, dando ao jogo de
esperanças e medos relativos ao projeto social cosmopolita (POPKEWITZ, 2012b, p. 44)
outros contornos:
O desajustamento social, provocado pelo isolamento, a apatia, o
egoísmo do homem que se fecha em si mesmo, resulta da falta de
cooperação nos anos de aprendizagem, muitas vezes. A simples
ignorância priva o indivíduo do conhecimento de seu próprio papel
social. Daí a necessidade de despertar no jovem esta consciência das
funções que pode desempenhar na estrutura social a que pertence.
99
Constitucional outorgada em 10 de novembro de 1937 [...], em conformidade com as
ideias centralizadoras que voltaram a dominar, ao ser instaurado no país o Estado
autoritário” (AZEVEDO et al., 2010, p. 77), referindo-se ao Estado Novo; e a formulação
de discursos no campo educacional em prol da desarticulação da educação publicamente
administrada, significando este pressuposto constitucional como monopólio estatal sobre
as iniciativas de ensino. Para o discurso escolanovista, estes enunciados foram
significados como representativos de um embate “entre os partidários da escola pública e
os da escola particular” na década de 1950, uma atualização de uma disputa histórica “que
se travou e recrudesce ora nesse, ora naquele país, entre a escola religiosa (ou o ensino
confessional), de um lado, e a escola leiga (ou o ensino leigo), de outro” (AZEVEDO et
al., 2010, p. 78).
Para a retórica escolanovista, a educação pública como um direito conquistado
tem seus sentidos imbricados aos de sociedade democrática que, por sua vez, atrela-se à
noções de progresso e de Modernidade inexoráveis a partir do desenvolvimento do
espírito humano por meio da educação. A proposta articulada no manual didático
Introdução Metodológica aos Estudos Sociais apresenta como objetivo da disciplina
escolar a “estruturação de atitudes” (CARVALHO, 1957, p. 74), posicionando no campo
do desejável comportamentos de harmonia e cooperação em sociedade como
consequência lógica do desenvolvimento humano, expelindo posturas radicalistas,
partidarismos incondicionais e o extremismo das soluções. Enquanto o Cosmopolitismo
salvacionista estadunidense mobilizou sentidos para a escola de continuidade por meio
de uma narrativa unificadora de excepcionalismo da nação (JONES, 2012), os discursos
escolanovistas configuraram condições enunciativas para os Estudos Sociais no contexto
brasileiro, mobilizando sentidos para a escola como parte integral da construção de uma
civilização moderna a partir da noção de patriotismo internacional. A elaboração destes
elementos cosmopolitas no campo educacional brasileiro contribuiu para a configuração
do que Elza Nadai (1988, p. 4) chamou de “traços alienígenas” na renovação
metodológica e programática suscitada pelos Estudos Sociais. Ela contribuiu, também,
para aquilo que Aldaíres França (2013, p. 53) indicou como o entrelaçamento da educação
brasileira na teia do american way of life, mobilizando sentidos de ruptura com o ideário
nacionalista e modelo nacional-desenvolvimentista da época.
A Questão Social, no âmbito da escola, corporificou medos de ruptura a
continuidade atribuídos ao projeto cosmopolita nos Estados Unidos por meio da figura
dos pobres, dos imigrantes e dos grupos raciais (POPKEWITZ, 2012b, p. 46) como
100
desviantes da norma, produzida a partir dos cidadãos democráticos, cientificamente
capazes e patrióticos. A proposição articulada pelo projeto de Estudos Sociais
escolanovista, entretanto, corporificou a esperança da constituição de um modo de
organização social diferente do vigente, que entrelaçou sentidos de democracia,
cientificidade e cooperação internacional. A partir da racionalidade científica e de uma
lógica comparativa, ela produziu o duplo gesto (POPKEWITZ, 2001), que deu contornos
ao medo do fracasso do projeto educacional da Escola Nova. Nos discursos analisados
nesta tese, esse duplo gesto não encontrou sua representação, exclusivamente, na figura
das minorias, imigrantes problemas sociais decorrentes da urbanização e industrialização.
O medo do fracasso do projeto educacional da Escola Nova se deu também nos discursos
autoritários e de desarticulação da escola pública em favor da escola privada. Argumento,
então, que os sentidos mobilizados para a escola durante as décadas de 1930 e 1960 pela
disciplina Estudos Sociais no contexto brasileiro buscaram dar conta tanto dos problemas
sociais suscitados pela Questão Social (SOMEK, 2011) quanto pelo que ressignifiquei,
contingencialmente, como a Questão Democrática. Retomo o diálogo com essa
conceitualização mais à frente, pois acho importante primeiro elaborar melhor os
processos alquímicos operados pelos discursos articulados no manual didático aqui
analisado.
Os objetivos articulados que a Educação propõe por meio dos Estudos Sociais,
neste manual didático, foram reunidos em um conjunto suscinto de características:
1 – Conhecer e compreender os conceitos sociais e os valores das
instituições.
2 – Desenvolver, no indivíduo, a capacidade de estudar, ler e interpretar,
com senso crítico, o que leu, ouviu ou viu.
3 – Despertar a personalidade do educando, desenvolvendo seus
interesses culturais e seu senso de responsabilidade.
4 – Integrar o indivíduo na sociedade democrática em que deve viver,
promovendo sua cooperação como bom cidadão.
5 – Compreender a interdependência das Nações no mundo moderno,
respeitando as funções particulares dos diferentes grupos e contribuindo
à compreensão internacional (CARVALHO, 1957, p. 65).
101
construídas entre alunos e professores, sendo necessárias avaliações contínuas ao longo
de todo o processo, com atenção voltada para as características atitudinais da criança. O
próprio espaço da sala de aula no qual se realizam as atividades dos Estudos Sociais deve
ter “feições democráticas”, visando “uma cooperação social mais perfeita”
(CARVALHO, 1957, p. 145). Tal feição se caracteriza pela determinação em comum dos
fins a alcançar e pela elaboração conjunta dos planos para alcançá-los, assim como dos
métodos escolhidos, da avaliação dos resultados e da escolha de novos objetivos para
continuar a ação cooperativa. Em tal movimento, é formulado explicitamente o objetivo
de “estruturar atitudes” necessárias em uma sociedade democrática, dentre elas: (a) a de
respeito às instituições vigentes, sem impedir uma crítica serena de suas falhas; (b) a de
compreensão e de tolerância em face de outros modos de pensar, sentir e agir, combatendo
o etnocentrismo; (c) a de ponderação e reflexão crítica antes de aceitar interpretações
unilaterais e simplistas; (d) a de aceitação esclarecida das mudanças culturais valiosas;
(e) a de desenvolver o ideal de colaboração nas atividades construtivas (CARVALHO,
1957, p. 74).
A perspectiva educacional e os procedimentos propostos para a disciplina escolar
Estudos Sociais, que visavam a “formação do caráter” (CARVALHO, 1957, p. 80) da
criança, são operacionalizadas a partir da noção de Espírito. Os sentidos mobilizados
acerca desta noção não têm necessariamente relações com àqueles articulados por
discursos católico-cristãos, referindo-se antes a formulações morais e éticas na condução
das leituras de mundo suscitadas pelas Ciências Sociais. Os fatos positivos, próprios de
uma modalidade empírica de análise, são elaborados como essenciais para tomar as
decisões mais acertadas possíveis sobre os fatos sociais. Tais decisões, entretanto, são
caracterizadas como juízos de valores, próprios de modalidades éticas de reflexão, sendo
necessária, assim, que a educação busque “alargar o horizonte espiritual do educando,
[além de] fornecer elementos que o levem a pensar bem, isto é, dotá-lo de juízo crítico”
(CARVALHO, 1957, p. 201).
A elaboração do currículo de um programa de Estudos Sociais recomendada pelo
manual didático deve ser realizada levando em conta cinco bases21: a filosófica, a sócio-
econômico-política, a psicológica, a administrativa e a científica. Por conta dos sentidos
mobilizados sobre a disciplina escolar como polivalente, que operacionaliza conteúdos
21
A partir do diálogo com os parâmetros que o professor T. H. Schutte estabeleceu, em 1938 (Teaching the
social studies on the secondary school level).
102
de diversas disciplinas acadêmicas, também se prescreve o método de trabalho por
Unidades, tal como é feito nos Estados Sociais estadunidense:
A Unidade, em Estudos Sociais, é geralmente focalizada num aspecto
significativo das relações humanas. [...] Na História, é favorecida a
constituição de unidades pela cronologia; em Geografia, pelos gêneros
de vida; em Sociologia, pelos processos sociais de concorrência,
conflito, ajustamento, assimilação e outros (CARVALHO, 1957, p.
161-162).
103
reduzida de enunciados que mobilizaram sentidos sobre crianças a partir de critérios
étnico-raciais reduz as diferenciações por linhas psicobiológicas, por outro lado, a
ausência da questão também constitui enunciados, especialmente se levados em
consideração outros discursos que à época também circulavam na Pedagogia, em políticas
educacionais de embranquecimento e do mito da democracia racial (PEREIRA;
ARAÚJO, 2017).
As diferenciações por linhas psicobiológicas que encontraram maior recorrência
foram as de construção social dos papéis de gênero, formulando, por exemplo, que entre
os 11 e 12 anos de idade aprofunda-se a diferenciação entre os sexos, diversificando-se o
interesse que manifestam, sendo os meninos mais atentos às coisas e aos esportes e as
meninas ao trato com as pessoas: “para os meninos é o jornal, a equipe, o jogador popular,
a marca de automóvel, o modelo de avião”, enquanto que “para as meninas, os cuidados
da casa, dos animais caseiros, da moda e dos desportes elegantes” (CARVALHO, 1957,
p. 99, grifos nossos). Nesse manual didático, o interesse pelas Ciências não foi formulado
como uma tendência natural dos meninos, o que em uma proposta de sociedade
democrática condicionada pelo cidadão ser cientificamente capaz é relevante de notar.
No entanto, o interesse pelo jornal em um manual didático para o ensino de Ciências
Sociais, que traça como objetivo que o cidadão seja capaz de compreender e se envolver
com as questões sociais de sua comunidade, constitui uma diferenciação entre os gêneros
que mobiliza sentidos de cidadania enunciando as mulheres como menos engajadas.
O modelo de círculos concêntricos (NASCIMENTO, 2019, p. 295; PASCAL,
2016; CALLAI, 2005) articula-se, neste documento, com as fases de desenvolvimento da
criança, constituindo uma regularidade discursiva entre as duas propostas de Estudos
Sociais analisadas neste capítulo. Formula-se que, na fase da segunda infância, entre os
sete e oito anos de idade, “o ensino da Geografia é tido por inadequado”, cabendo ao
professor apenas “ajudar os alunos a observar fatos geográficos em que eles vivem”
(CARVALHO, 1957, p. 96); na terceira infância, entre os oito e dez anos, a criança “nas
coisas só vê detalhes, pois seu conhecimento é analítico e suas percepções deixam de ser
globais e vagas” (CARVALHO, 1957, p. 98), sendo capaz de articular conceitos mais
complexos, assim como estabelecer relações imediatas entre eles; a partir dos 11 ou 12
anos em diante, “dá-se uma alteração psicológica passando a criança a dominar o mundo
exterior em vez de ser dominado por ele”, se tornando capaz de “abstração, percebendo
relações que existem entre fatos concretos diversos” (CARVALHO, 1957, p. 98). A
prática pedagógica, então, onde conteúdos são abordados a partir das realidades mais
104
próximas dos alunos, seu contexto social e econômico, avançando para o ensino de
contextos mais afastados e complexos na medida em que vão envelhecendo, sustenta-se
nos sentidos mobilizados à época acerca da noção de desenvolvimento social e
psicobiológico da criança.
O professor idealizado para atuar neste projeto de Estudos Sociais atende a função
de despertar em seu aluno “atitudes em relação às pessoas e às coisas, que o levem a ter
consciência do lugar que ocupa na sociedade (CARVALHO, 1957, p. 66). A preocupação
com a formação de caráter ético e a estruturação de atitudes democráticas, como visto
anteriormente, recebe significante relevo, ainda que a expectativa de uma boa conduta
tem seus sentidos discursivamente articulados como “uma transformação íntima”,
cabendo ao professor “desenvolver mais os processos de ensino do que os seus produtos”
tendo em vista que “a livre aceitação [do aluno] é o esteio de um ensinamento”
(CARVALHO, 1957, p. 70). Na medida em que as relações sociais se tornam mais
complexas:
os mestres incumbidos das duas disciplinas: História e Geografia,
deveriam ser, não somente perfeitamente preparados como os de
Português, de Física, de Biologia ou de Matemáticas, mas, também
apresentar qualidades indispensáveis que aos outros mestres faltariam
talvez. A personalidade de um professor de Estudos Sociais necessita
de predicados como sejam, atitudes, capacidade de apreciação, ideais,
cidadania de tipo superior; a ele, incumbe manter, em grupos sociais
discentes, um conceito democrático e uma prática das inter-relações
sociais na altura das instituições de seu país. (CARVALHO, 1957, p.
119).
106
senso crítico dos alunos, da capacidade de ler inteligentemente os fenômenos sociais e de
tomar decisões objetivas sobre a melhor maneira de operar mudanças. A Sociologia,
enquanto postura epistemológica moderna, também tem relevância neste
entrecruzamento de sentidos, pois transpôs para as Ciências Sociais a crença na
possibilidade de uma sistematização das “estruturas sociais”, visando prevê-las, antecipá-
las e conduzir o desenrolar das mesmas (AZEVEDO et al., 2010, p. 26), possibilidade
essa da qual faz parte integral a função da escola em sociedade.
O ensino destes conhecimentos científicos e práticas democráticas é
operacionalizado em sala de aula a partir das noções de questões vitais (MICHAELIS,
1970, p. 4) e de espírito, esta última relacionada ao exercício de um juízo crítico em
termos éticos e morais (CARVALHO, 1957, p. 201). Os sentidos produzidos e fixados,
por meio dos discursos sobre Estudos Sociais e sobre a Escola Nova no contexto
brasileiro, acerca do tipo de profissional necessário para o ensino da disciplina escolar
não são pormenorizados. Ainda assim, a estes sujeitos são atribuídas características como:
uma postura democrática em todos os momentos, servindo como exemplo que pudesse
ser seguido pelos alunos (CARVALHO, 1957, p. 119); uma preocupação com a formação
do caráter ético da criança, visando a estruturação de atitudes democráticas em seus
pupilos (CARVALHO, 1957, p. 70); ser versado e capaz de ensinar conhecimentos e
práticas dos diferentes ramos das Ciências Sociais, com especial atenção dada à Geografia
e História. No contexto brasileiro, estabelecendo relações entre a leitura dos dois manuais
didáticos aqui analisados e dos documentos escolanovistas, evidencio a formulação da
necessidade de uma educação superior nessa área, para além daquela em
estabelecimentos de ensino secundário (AZEVEDO et al., 2010, p. 25). Por fim, este
sujeito deve ser capaz, a partir de avaliações e de observações continuadas, identificar
nos alunos não apenas o domínio dos conteúdos e das práticas das Ciências Sociais, mas
também o desenvolvimento de comportamentos e atitudes democráticas ao longo do
curso. Para realizar tais avaliações e observações, certa familiaridade com critérios
psicobiológicos de desenvolvimento da criança são necessários em uma nova formação.
Os sentidos fixados, por meio dos discursos sobre Estudos Sociais analisados,
acerca do tipo cidadão que se pretendia formar foram inscritos com características
específicas de democracia – de cooperação internacional e de uma sociedade harmoniosa
por meio da compreensão – e de capacitação científica – através de uma lente moderna
que articulava as Ciências Sociais como capazes de sistematizar, prever e conduzir o
desenrolar dos fenômenos sociais. O Cosmopolitismo (POPKEWITZ, 2012b) foi
107
operacionalizado como um sistema de pensamento (POPKEWITZ; LINDBLAD, 2016)
que corporifica uma tese histórica radical sobre agência humana, ciência, participação,
inclusão e hospitalidade para com o Outro como um projeto emancipatório da
humanidade. O cidadão democrático e cientificamente capaz, assim, tem traços
cosmopolitas. Estes ideais estabeleceram um sistema particular de regras e de padrões
que ordenaram epistemologicamente os problemas, os julgamentos e os procedimentos
de correção aos desvios da norma. Assumo que este sistema contingencial de atributos
contribuiu para a constituição histórica da instituição escolar no Brasil, participando da
elaboração de suas funções sociais, de seus procedimentos de ensino e de seus arranjos
particulares de conhecimento.
Os discursos sobre os Estudos Sociais na década de 1950 nos Estados Unidos
constituíram sentidos de continuidade entre as esperanças do projeto cosmopolita,
democrático e inclusivo, com as pretensões da narrativa do excepcionalismo
estadunidense (JONES, 2012) como nação redentora. Dessa maneira, aos sentidos de
cidadão democrático e cientificamente capaz foram articuladas as noções de patriotismo
e American Way of Life (MICHAELIS, 1970, p. 4). A partir de uma lógica comparativa
que caracteriza o pensamento moderno, o contraste das esperanças corporificadas no
projeto cosmopolita eram os medos do seu fracasso, corporificado no final do século XIX
e início do século XX pela Questão Social (SOMEK, 2011) nos sentidos mobilizados para
subjetivar “os pobres, os imigrantes, os grupos raciais” (POPKEWITZ, 2012b, p. 46).
No contexto brasileiro, entretanto, esses discursos produziram rupturas entre o
modelo escolar vigente, predominantemente o ensino confessional (AZEVEDO et al.,
2010, p. 79). Afinal, aos sentidos de cidadão democrático e cientificamente capaz, foram
articuladas as noções de civilização humana – ao invés de uma narrativa nacional – e de
patriotismo internacional (CARVALHO, 1957, p. 108), contrariando o ideário
nacionalista da época (FRANÇA, 2013, p. 53) e encontrando resistências a sua
implementação por conta destes atritos. Ao longo da análise aqui realizada, delineei como
os discursos educacionais escolanovistas significavam também um projeto de sociedade
civilizatória no Brasil, ou seja, a partir do ensino democrático e científico a ideia era
estreitar “o abismo existente entre o progresso material da nossa civilização e o atraso
mental do momento” (CARVALHO, 1957, p. 73). A partir de uma lógica comparativa
que caracteriza o pensamento moderno, as esperanças de uma sociedade democrática e
harmoniosa, corporificada no projeto escolanovista, eram contrastadas com os medos do
seu fracasso. Tais fracassos foram corporificados entre os anos de 1946 e 1964 não apenas
108
na figura dos alunos desviantes da norma, mas também nas retóricas políticas autoritárias
que ameaçavam desarticular o sistema democrático e republicano de governo
(AZEVEDO et al., 2010, p. 77), e o risco de se abdicar da educação pública universal
como direito constitucional, através da retóricas de privatização do ensino mobilizadas
pela educação confessional. Condensei contingencialmente estas preocupações no que
chamei de a Questão Democrática.
Reconheço, destarte, que as diferentes questões difusas acerca de como reduzir a
desigualdade (SOMEK, 2011, p. 7, tradução nossa) que se espraiaram por diferentes
campos das chamadas Humanidades por quase todo o século XX na chamada Questão
Social são um objeto discursivo muito mais resiliente ao escrutínio. Não proponho a
Questão Democrática como uma conceitualização radical, e sim como uma ferramenta
contingencial de reflexão que penso ser útil. De fato, sujeitos autoritários e elitistas já
estavam expelidos do campo do desejável por processos de abjeção (POPKEWITZ, 2001)
nas propostas de Estudos Sociais no início da década de 1930. De qualquer maneira, a
escola a partir de princípios cosmopolitas, foi compreendida como instituição importante
no processo de ordenamento e direcionamento social, e os discursos escolanovistas
analisados significaram os riscos da privatização do sistema educacional e de
autoritarismo por parte do Estado como antítese não só do projeto educacional proposto,
mas também a modos de vida democráticos e republicanos. Elaboro, então, a Questão
Democrática menos como um grande aparato explicativo ou analítico, e sim como uma
inflexão sutil capaz de explicitar que, no contexto brasileiro entre os anos de 1946 e 1964,
nas esperanças do projeto escolanovista – ou seja, com traços cosmopolitas – de articular
uma sociedade democrática e harmoniosa promovidos pela educação, estão inscritos os
medos do seu fracasso; e que estes medos não encontraram sentidos exclusivamente na
criança que não pertence, mas também na possibilidade na desarticulação de certos
pressupostos constitucionais e institucionais para o exercício da democracia e da
educação democrática.
Os sujeitos escolares, como já explicitado, foram fabricados por meio dos
processos alquímicos (POPKEWITZ, 2001) que produziram a disciplina Estudos Sociais,
que incluem as avaliações que conectam os conhecimentos escolares às subjetividades
dos alunos, mas também (e simultaneamente) por meio da organização curricular, do
parcelamento de conteúdos e das práticas utilizadas. A organização em seriações por
graus, com faixas etárias correspondentes, é um histórico exemplo desse processo. O
conceito de desenvolvimento é entrecruzado por discursos biológicos, psicológicos e
109
sociológicos, entrelaçando características físicas, psicológicas, emocionais e sociais
como parte do mesmo contínuo de crescimento. Dessa maneira, características
psicobiológicas se misturam com expectativas sociais sobre a criança, fixando sentidos
acerca de comportamentos ideais por gênero, sexualidade, etnia e classes sociais, com o
estabelecimento de parâmetros de diferenciação entre sujeitos ao longo destas linhas. Este
traço dos processos alquímicos é particularmente importante de se levar em conta ao
historicizar os Estudos Sociais entre os anos de 1946 e 1964. Devido às particularidades
do momento sócio-histórico em que a disciplina escolar se articulou discursivamente,
tanto suas práticas pedagógicas quanto suas formas de avaliação dão atenção pausada e
continuada a critérios comportamentais e atitudinais, onde comportamentos que fujam
das expectativas sociais foram sendo assumidos como fora da norma e precisavam de
correção.
Não busquei, com essa análise, formular interpretações de denúncia ou de
julgamento de valor, nem acredito surpreender alguém afirmando que sentidos de valores
democráticos coexistam e, de fato, reforcem processos de exclusão. O que procurei foi
historicizar os processos discursivos que, por meio de práticas alquímicas, deram forma
aos parâmetros classificatórios operacionalizados pelos Estudos Sociais entre 1964 e
1964, desnaturalizando-os como objetos lógicos e estáveis (POPKEWITZ, 2001, p. 35).
Considero a possibilidade de que algumas destas linhas de diferenciação tenham se
imbricado tacitamente nas “infraestruturas conceituais e institucionais”
(KIRCHGASLER, 2017, p. 88) da educação escolar como princípios classificatórios –
como o desenvolvimento da criança, o papel da escola na formação para a cidadania em
prol da democracia, a importância do estudante cientificamente capaz e o professor eficaz
para elaborar os processos de ensino-aprendizagem deste tipo de aluno – articulados como
“transcendentais históricos” (KIRCHGASLER, 2017, p. 89), sem levar em conta os
processos históricos de formulação destes princípios. Desse modo, busquei investigar, no
próximo capítulo, como estas linhas de diferenciação produzem hoje efeitos de
subjetivação por meio dos discursos em circulação na comunidade acadêmica
educacional e dos textos curriculares no tempo presente, em especial para o ensino de
Geografia. Para realizar essa tarefa, passo para a análise da Base Nacional Comum
Curricular e de seus documentos correlatos.
110
CAPÍTULO V
Uma História do Presente para os Estudos Sociais: princípios
classificatórios para o ensino de Geografia na BNCC
Nesse capítulo, fiz uma análise dos currículos recentes, em uma perspectiva descontínua
que promoveu diálogos entre os Estudos Sociais analisado nos Capítulos III e IV e o
ensino de Geografia enunciado no documento da Base Nacional Comum Curricular
(BNCC) que é voltado para o ensino fundamental. Para realizar essa tarefa, dos capítulos
anteriores trouxe a interpretação de que os objetivos e práticas dos Estudos Sociais, entre
os anos de 1946 e 1964, foram formulados no entrecruzamento de diversos feixes
discursivos que constituíram suas condições enunciativas (FOUCAULT, 2015): os
princípios educativos mobilizados pelo discurso do movimento reformista da Escola
Nova acerca do ensino público e escolarizado (AZEVEDO et al., 2010) criaram
parâmetros para o que foi entendido como educação democrática; o tipo de cidadão que
a disciplina escolar se propôs a formar – democrático, cientificamente capaz e patriótico
– foi delineado por arranjos culturais, epistemológicos, sociológicos e psicobiológicos
bastante específicos ao momento sócio-histórico de sua articulação; no contexto
brasileiro, o professor efetivo no ensino de seus conteúdos e práticas recebeu contornos
de um profissional com formação no ensino superior, com espírito (CARVALHO, 1957)
democrático e conhecimento não apenas de sua área de especialização, mas também com
domínio adequado de saberes de Psicologia, Biologia e Sociologia, de maneira a realizar
avaliações pontuais e contínuas sobre o desenvolvimento comportamental e cognitivo de
seus alunos, afirmados como necessários à criança para vir a ser o cidadão esperado.
A organização dos Estudos Sociais como disciplina escolar operacionalizou uma
abordagem integradora para o ensino das Ciências Sociais e suas diferentes áreas
disciplinares. Tal abordagem partiu de uma postura epistemológica de que estas
constituem uma ciência una (CARVALHO, 1957, p. 54), que seccionou os conteúdos por
meio de uma estrutura de seriação em graus por faixa etária, e os distribuiu em um
gradiente crescente de complexidade – da menor, mais próxima do cotidiano dos alunos,
para a maior, afastando-se para escalas mais distantes e abstratas de análise – através de
critérios psicobiológicos de desenvolvimento cognitivo da criança, constituindo o que
veio a ser chamado de modelo dos círculos concêntricos (NASCIMENTO, 2019;
PASCAL, 2016; CALLAI, 2005). Todos estes elementos participaram da alquimia
111
(POPKEWITZ, 2001) da disciplina escolar Estudos Sociais entre os anos de 1946 e 1964,
produzindo efeitos de subjetivação (FOUCAULT, 1995), ou ainda, de fabricação
(HACKING, 2007) de tipos de sujeitos escolares.
Venho aludindo, ao longo do trabalho, a uma possível distinção entre as noções
de subjetivação e fabricação, dando preferência a esta última sem muito explorá-la. É
verdade que, de certa maneira, administrei até aqui o uso destes dois termos quase como
intercambiáveis, na medida em que apresentam algumas características similares. Afinal,
fui aproximando a noção foucaultiana de como certos campos de conhecimento tidos
como legítimos22 em determinado momento histórico criam objetos discursivos ao
“delimitar seu domínio, de definir aquilo de que fala, de dar-lhe status de objeto – ou seja,
de fazê-lo aparecer, de torna-lo nomeável e descritível” (FOUCAULT, 2015, p. 50-51)
da noção de que “aqueles tipos de pessoas não teriam existido, enquanto tipos de pessoas,
até terem sido classificados de tal maneira” (HACKING, 2007, p. 288, tradução nossa).
Nesse mesmo movimento, assumi que as práticas discursivas de classificação que
constituem tais delimitações entre sujeitos são realizadas por meio de relações de
alteridade, “no seu interior e em relação ao outro” (FOUCAULT, 1995, p. 231) ou, dito
de outro modo, sociedades como enunciados de pertencimento para um grupo de pessoas
“implicam outras pessoas, os excluídos” (HACKING, 2007, p. 286, tradução nossa)
desse mesmo pertencimento. Por fim, a construção das diferenciações entre sujeitos por
meio de tais práticas discursivas constituem efeitos de subjetivação, “o modo pelo qual o
ser humano torna-se um sujeito” (FOUCAULT, 1995, p. 232) e se reconhece a partir de
certas características, “concebidas como e experienciadas como jeitos de ser uma pessoa”
(HACKING, 2007, p. 285, tradução nossa).
Entretanto, a partir daqui me pareceu necessário demarcar melhor certas
diferenciações, tendo em vista que, ao longo da leitura de alguns documentos e da
formulação de ideias focalizadas neste capítulo, optei por lançar mão de alguns aspectos
específicos à fabricação – ou, pelo menos, por ela mais bem explorados –, na medida em
que Ian Hacking (2007) afirma que algumas das especificidades de seu trabalho, ainda
que presentes nas proposições teórico-metodológicas foucaultianas, são por estas tratadas
implicitamente. Durante a elaboração do seu conceito de fabricação, o autor estabelece
diálogos com Michel Foucault, posicionando parte de suas formulações em um campo
que denominou de nominalismo histórico, investigando os efeitos de poder que o ato de
22
Vale ressaltar que tanto Ian Hacking (2007) quanto Michel Foucault (2015) estabelecem interlocuções
com o conhecimento científico, em diferentes momentos sócio-históricos.
112
nomeação exerce sobre os sujeitos e as condições sócio-históricas para sua enunciação.
Elenca cinco elementos interativos e não-sequenciais neste processo de fabricação
(HACKING, 2007, p. 298-297), que apresentam maior ou menor importância no
arcabouço explicativo, a depender de qual tipo de sujeito é focalizado e a partir de qual
perspectiva. São eles: (a) a classificação, onde um ato de nomeação, a partir de algum
objetivo ou preocupação social, constitui um tipo de pessoa que previamente não existia
daquela maneira; (b) os indivíduos em si, agrupados a partir de um conjunto de
características pensadas como comuns a todos e que justificam a necessidade pela
classificação; (c) as instituições como espaços que atribuem legitimidade à categorização
como objeto discursivo, fazendo a ressalva de que Ian Hacking (2007) não pensa
exclusivamente em termos de sítios de produção dos conhecimentos acadêmicos, mas
também a partir de outras entidades deliberadamente organizadas e estruturadas para
abordar a questão; para falar sobre a fabricação da criança autista, ele utiliza como
exemplo programas semanais de treinamento de terapeutas; (d) o corpo de conhecimento
em constante evolução que trata do objeto discursivo, constituído não apenas por saberes
experts, operacionalizados pelos profissionais treinados, mas também os saberes
populares compartilhados por boa parte da população interessada que, mesmo sem o rigor
procedimental exigido dos saberes experts, produz efeitos discursivos de subjetivação;
(e) e os próprios experts, que:
geram ou legitimam o conhecimento (d), julgam sua validade, e o usam
em suas práticas. Eles trabalham em (c) instituições que garantem sua
legitimidade, autenticidade e status enquanto experts. Eles estudam,
tentam ajudar, ou aconselhar no controle, das (b) pessoas que são (a)
classificadas como sendo de um dado tipo (HACKING, 2007, p. 297,
tradução nossa).
113
eles mudaram, não são mais as mesmas pessoas que antes. O alvo se moveu” (HACKING,
2007, p. 293, tradução nossa). A contínua gama de interações e ressignificações entre
nome e nomeados que faz com que os alvos estejam sempre em movimento, por conta do
que Ian Hacking (2007) chamou de efeito looping.
Este nominalismo histórico e dinâmico de Ian Hacking (2007, p. 295) me foi útil,
portanto, para pensar sobre as categorias e distinções entre os sujeitos escolares, pois me
permitiu entendê-las como invenções ou, dito de outra forma, como uma articulação de
objetos discursivos ao invés da descoberta de um objeto ontológico. Estas invenções são
organizadas discursivamente como respostas a demandas ou preocupações da sociedade,
estruturando padrões tidos como razoáveis no momento histórico que é produtor das
expectativas que visa a satisfazer. Tais padrões nos possibilitam certos modos (e não
outros) de pensar sobre tais questões e desenvolver linhas de ação possíveis para atuar
sobre o que foi constituído como problema social.
Isso significa entender que a fabricação de sujeitos escolares entra e é parte de um
mundo por meio do qual a sociedade e seus indivíduos, os quais esperamos que se tornem
sujeitos autônomos e capacitados para operar transformações no mundo, são
redesenhados. Tais colocações me permitiram um olhar mais abrangente sobre os
princípios classificatórios delineados no capítulo anterior – tais como projetos ideais de
sujeito e linhas de inclusão e exclusão –, mas também sobre as inscrições nas maneiras
como as pessoas estruturam experiências e pensam sobre o que é prático e útil. Afinal, a
fabricação é enunciada como um espaço discursivamente formulado sobre o qual a
sociedade pode atuar para operar transformações, e onde os próprios sujeitos passam a
pensar sobre si mesmos e suas escolhas do seu interior (POPKEWITZ, 2012c, p. 173-
174). Como já explicitado, este conceito me pareceu profícuo para os objetivos do
presente esforço investigativo, ainda que o efeito looping (HACKING, 2007, p. 293), ao
enfocar as interações dinâmica entre nome e nomeado, possa representar um certo risco
na produção de sentidos de continuidade.
Aqui, contornando esse risco, pude elaborar uma análise de certa forma
comparativa e descontínua entre diferentes momentos históricos de articulação de
discursos sobre educação democrática associados ao ensino de conteúdos geográficos.
Foram eles: entre 1946 e 1964, a partir da disciplina escolar Estudos Sociais sendo
articulada no bojo do movimento da Escola Nova; atualmente, a partir das prescrições
curriculares para a disciplina escolar Geografia formuladas na Base Nacional Comum
Curricular para o ensino fundamental (BRASIL, 2018). Tal escolha não significa dizer
114
que não há relações possíveis de serem articuladas entre os Estudos Sociais que vinha
sendo organizado anteriormente à Ditadura Militar com outros momentos sócio-
históricos. Há, sem dúvida, outras ressignificações e deslizamentos que podem ser
produzidos nas maneiras como o ensino de conhecimento geográfico, no ensino
fundamental, fabricou sujeitos escolares democráticos ao longo do século XX. Focalizar
as regularidades discursivas (FOUCAULT, 2015) sobre este tipo de ensino nos dois
períodos destacados de forma descontínua foi uma maneira de contornar a tentação de
produzir unidades “irrefletidas pelas quais se organizam, de antemão, os discursos que se
pretende analisar” (FOUCAULT, 2015, p. 30), entendendo tais unidades como
constituídas por uma operação interpretativa, ao invés de precedê-la.
Com estas considerações em mente, retomo, então, os princípios classificatórios
anteriormente delineados a partir do ensino de conhecimentos geográficos – sobre o
desenvolvimento da criança, o papel da escola na formação para a cidadania em prol da
democracia, e a importância do estudante cientificamente capaz, assim como a noção do
professor eficaz para o ensino de tais conteúdos e os processos alquímicos de integração
curricular. Ao longo deste capítulo, considerei como possibilidade que estes princípios
constituíssem transcendentais históricos, ou seja, que tenham sido inscritos no discurso
educacional por meio de processos alquímicos como objetos lógicos e estáveis
(POPKEWITZ, 2001, p. 35). Estes transcendentais históricos, imbricados tacitamente nas
infraestruturas conceituais e institucionais (KIRCHGASLER, 2017, p. 88) da educação
escolar no contexto brasileiro, foram ressignificados por diferentes feixes discursivos
contemporâneos, mas ainda operam por meio de um sistema de pensamento cosmopolita
(POPKEWITZ, 2009), uma lógica comparativa de classificação que reativa linhas de
diferenciação entre sujeitos escolares. A Questão Democrática que levantei não como um
grande arcabouço explicativo, mas como uma sutil inflexão, permeou partes das reflexões
aqui travadas. Lançando mão deste enquadramento teórico-metodológico, realizei a
análise da Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2018).
Tal análise, entretanto, não enfocou toda a extensão do documento, tendo
suscitado, ao invés disso, um olhar direcionado a seções específicas, tendo em vista os
interesses explorados na tese pelos processos alquímicos que produziram, historicamente,
os Estudos Sociais, com efeitos no ensino dos conhecimentos geográficos no ensino
fundamental. Nesse sentido, a leitura e análise do documento se limitou: à Introdução,
onde se explicitam os seus conceitos principais e linhas gerais de organização; à seção
intitulada A Etapa do Ensino Fundamental, com pausada atenção sobre as competências
115
específicas delineadas para o segmento; à seção A área de Ciências Humanas, visando a
compreender os procedimentos por meio dos quais seus limites epistemológicos foram
traçados, e com pausada atenção sobre as competências específicas delineadas para a área;
por fim, às seções Geografia no Ensino Fundamental – Anos Iniciais e Geografia no
Ensino Fundamental – Anos Finais, nas quais se delineiam as competências, unidades
temáticas, objetos de conhecimento e habilidades específicas do componente curricular,
assim como as linhas de diferenciação elaboradas por meio das expectativas sobre o
estudante nos anos iniciais e nos anos finais do segmento.
No presente capítulo, me propus, em um primeiro momento, a realizar uma leitura
descritiva, visando caracterizar os contornos discursivos da BNCC a partir dos principais
conceitos por ela mobilizados, a saber: aprendizagens essenciais, direitos de
aprendizagem e desenvolvimento, regime de colaboração articulado aos sentidos de
igualdade e equidade que se propôs a satisfazer, dando ênfase pausada às noções de
competências e habilidades como preceitos organizacionais do documento em questão,
explorando também as noções de áreas e unidades temáticas como eixos estruturantes na
distribuição de saberes através das diferentes seriações em grau. Em um segundo
momento, procurei investigar os processos alquímicos de transformação dos
conhecimentos geográficos em disciplina escolar e seus efeitos de fabricação nos sujeitos
escolares, a partir da reflexão sobre a formação do cidadão em prol da democracia, o
desenvolvimento da criança, o estudante cientificamente capaz e o professor eficaz nos
processos de ensino-aprendizagem na proposta curricular em pauta.
116
os direitos de aprendizagem e desenvolvimento. Ambas as noções, ainda que vagamente
definidas no documento em si, são caracterizadas como um conjunto de aprendizagens
“orgânico e progressivo que todos os alunos devem desenvolver ao longo [...] da
Educação Básica”, conjunto este estruturado pela BNCC, que é orientada “pelos
princípios éticos, políticos e estéticos [...] como fundamentado nas Diretrizes Curriculares
Nacionais da Educação Básica” (doravante DCN, BRASIL, 2018, p.7, grifo nosso), assim
como garantir a todos os alunos o acesso à uma educação que atenda um patamar a qual
todos têm direito.
Para dar contornos mais visíveis às ideias que foram articuladas como dando
direção à constituição do documento, consultei os princípios fundamentados pelas DCN,
assim elencados: (a) éticos – valorização da autonomia, da responsabilidade, da
solidariedade e do respeito ao bem comum, ao meio ambiente e às diferentes culturas,
identidades e singularidades; (b) políticos – dos direitos de cidadania, do exercício da
criticidade e do respeito à ordem democrática. (c) estéticos – valorização da sensibilidade,
da criatividade, da ludicidade e da diversidade de manifestações artísticas e culturais
(BRASIL, 2013, p. 87-88). Em seções subsequentes deste capítulo, em específico no que
diz respeito ao ensino de conhecimentos geográficos, interpelar estes princípios me foi
útil para entender a organização curricular proposta, assim como os princípios
classificatórios que mobilizam.
Outro sentido de continuidade que a BNCC articulou com as políticas
educacionais brasileiras recentes foi através da reafirmação do compromisso com o pacto
interfederativo, afirmando a autonomia dos entes federados, uma vez que “os sistemas e
redes de ensino devem construir currículos, e as escolas precisam elaborar propostas
pedagógicas que considerem as necessidades, as possibilidades e os interesses dos
estudantes, assim como suas identidades linguísticas, étnicas e culturais” (BRASIL, 2018,
p. 15). Este compromisso, de tal maneira enunciado, se relaciona explicitamente com a
noção de regime de colaboração, também vagamente definida, referindo-se aos termos
estabelecidos na Lei nº13.005/2014, que promulgou o Plano Nacional de Educação
(doravante PNE):
Art. 7º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios atuarão em
regime de colaboração, visando ao alcance das metas e à implementação das
estratégias objeto deste Plano.
[...] § 4º Haverá regime de colaboração específico para a implementação de
modalidades de educação escolar que necessitem considerar territórios étnico-
educacionais e a utilização de estratégias que levem em conta as identidades e
especificidades socioculturais e linguísticas de cada comunidade envolvida,
assegurada a consulta prévia e informada a essa comunidade.
117
[...] § 6º O fortalecimento do regime de colaboração entre os Estados e
respectivos Municípios incluirá a instituição de instâncias permanentes de
negociação, cooperação e pactuação em cada Estado.
§ 7º O fortalecimento do regime de colaboração entre os Municípios dar-se-á,
inclusive, mediante a adoção de arranjos de desenvolvimento da educação
(BRASIL, 2014, grifos nossos).
118
pensamento (POPKEWITZ; LINDBLAD, 2016) estabelece regras e padrões na
organização do sistema escolar, e possíveis ressignificações de suas teses culturais sobre
modos de vida no contexto brasileiro contemporâneo fizeram parte das análises realizadas
neste capítulo.
O segundo motivo pelo qual salientei as contendas de alguns setores do campo
educacional brasileiro com a formulação e implementação da BNCC foi para reiterar que,
nesta seção, me limitei à descrição dos principais elementos que deram os contornos
discursivos à proposta curricular a partir da minha interpretação, sem atravessá-la, ao
menos por ora, por argumentos de legitimidade ou ilegitimidade. Esta ressalva é
importante porque, ao retornar às noções de aprendizagens essenciais, direitos de
aprendizagem, regime de colaboração, igualdade e equidade articuladas no documento, a
afirmação de que são vagamente definidas não decorre de uma desaprovação pessoal de
seus usos, e sim por interpretar tal ambiguidade como significativa para a análise. De todo
modo, os objetivos, garantias, procedimentos e valores que estes descritores buscam
delinear foram operacionalizados no discurso da BNCC por meio dos conceitos de
Competências e Habilidades.
As competências são descritas pelo documento como “a mobilização de
conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e
socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana,
do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho” (BRASIL, 2018, p. 8). Visando
a estabelecer sentidos de continuidade com as políticas públicas educacionais brasileiras,
o texto da BNCC afirma a noção de competências como sendo possível de inferir a partir
das formulações da Lei de Diretrizes e Bases (doravante LDB) acerca das finalidades
gerais do Ensino Fundamental e Médio. Dá especial destaque aos parâmetros utilizados
pelos exames padronizados internacionais de classificação de sistemas educacionais
implementados pela “Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE), que coordena o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA, [...]) e
da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco, [...])”
(BRASIL, 2018, p. 13). Avaliações em larga escala de comparações internacionais, como
o PISA, nas últimas décadas têm se expandido “radicalmente e, muitas vezes, é usada na
formulação de políticas, a fim de identificar e encontrar soluções para as crises
internacionais” (POPKEWITZ & LINDBLAD, 2016, p. 732). Dessa maneira, não é
surpreendente que seus critérios avaliativos sejam levados em conta na formulação de
documentos curriculares contemporâneos. É significativo, porém, que a noção de
119
competências, como um dos princípios organizacionais da BNCC, lhe dando forma e
direcionamento, articule sentidos de legitimidade e necessidade a partir deste tipo de
avaliação.
As habilidades, por sua vez, não recebem definição explícita única; porém, por
serem um dos eixos por meio dos quais a BNCC foi organizada, diferentes menções ao
termo lhe conferem contornos discursivos mais ou menos delineáveis. Como foi possível
observar, uma relação estabelecida pelo próprio documento relativa às habilidades é desta
como um elemento quase intercambiável com as competências, alinhando-se ao texto da
LDB, alterado por força da lei nº 13.415/2017:
Art. 35. A. A Base Nacional Comum Curricular definirá direitos e
objetivos de aprendizagem do ensino médio, conforme diretrizes do
Conselho Nacional de Educação, nas seguintes áreas do conhecimento
[...]
Art. 36. § 1º A organização das áreas de que trata o caput e das
respectivas competências e habilidades será feita de acordo com
critérios estabelecidos em cada sistema de ensino (BRASIL, 2017;
ênfases adicionadas).
Trata-se, portanto, de maneiras diferentes e intercambiáveis para
designar algo comum, ou seja, aquilo que os estudantes devem aprender
na Educação Básica, o que inclui tanto os saberes quanto a capacidade
de mobilizá-los e aplicá-los (BRASIL, 2018, p. 12).
120
cultural (BRASIL, 2018, p. 19).
As diferentes especificidades, tanto das modalidades de ensino quanto das
temáticas enumeradas, devem ser “contempladas em habilidades dos componentes
curriculares, cabendo aos sistemas de ensino e escolas, de acordo com suas
especificidades, tratá-las de forma contextualizada” (MEC, 2018a, p. 20). O
estabelecimento de uma diretriz nacional curricular, da maneira como foi articulada no
discurso, é uma necessidade para garantir a igualdade de acesso e permanência a um
mesmo patamar de qualidade por meio da educação pública para todos os brasileiros; a
autonomia dos entes federativos, em teoria, para formularem currículos específicos as
suas especificidades territoriais lhes capacita para satisfazer as diferentes necessidades de
diferentes alunos em contextos de amplas desigualdades educacionais, garantindo assim
promoção da equidade. Os princípios de inclusão cosmopolita por meio da escolarização
(POPKEWITZ, 2007) são, assim, mobilizados pela maneira como competências e
habilidades são operacionalizadas na BNCC, ao mesmo tempo em que tem seus sentidos
de igualdade e equidade seccionados como componentes independentes.
As noções de aprendizagens essenciais e de direitos de aprendizagem e
desenvolvimento, de certo modo, podem ser entendidas como os objetivos gerais da
reforma curricular, articulando sentidos de necessidades e de soluções educacionais para
o sistema escolar nacional. Ambas, entretanto, também são delineadas a partir da interface
com as competências e habilidades, por meio de enunciados como “as habilidades
expressam as aprendizagens essenciais que devem ser asseguradas aos alunos nos
diferentes contextos escolares” (MEC, 2018a, p. 29). De certo modo, as primeiras
deveriam ser condicionadas pelas últimas; porém, devido à caracterização imprecisa e
genérica que atribuem contornos discursivos ao objeto ‘aprendizagens significativas’,
seus desdobramentos, as ‘habilidades’, mais bem detalhadas e operacionalizadas
enquanto preceito organizacional da BNCC, acabam por condicionar os sentidos que
deveriam expressar. De maneira similar, o enunciado “as aprendizagens essenciais
definidas na BNCC devem concorrer para assegurar aos estudantes o desenvolvimento de
dez competências gerais, que consubstanciam, no âmbito pedagógico os direitos de
aprendizagem e desenvolvimento” (MEC, 2018a, p. 8, grifo nosso) exemplifica como o
conceito de competências acaba por condicionar as noções de aprendizagens essenciais e
direitos de aprendizagem, ao invés do contrário.
As dez competências gerais apontadas na citação anterior, se inter-relacionam e
se desdobram no tratamento didático proposto para Educação Básica ao longo de suas
121
três etapas, a saber, a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e o Ensino Médio. No que
tange na organização e distribuição dos saberes escolares na BNCC, são mantidas as
seriações por grau associados à faixas etárias correlatas ao desenvolvimento
psicobiológico da criança. Nesse sentido, além das dez competências gerais estabelecidas
globalmente, foram elaboradas também competências e habilidades específicas para cada
etapa da Educação Básica. A organização e distribuição dos saberes escolares seguiu
linhas de estruturação para a distribuição de saberes por seriação as noções de áreas de
conhecimento e unidades temáticas. Tratei-as como eixos estruturantes e não como
preceitos organizacionais, pois ainda que tenham sido centrais na compartimentalização
e tratamento didático dos conhecimentos no documento, estes também foram
condicionados pelo direcionamento elaborado pelas competências e habilidades.
As áreas delimitadas pela BNCC para o ensino fundamental foram, em
concordância com o Parecer CNE/CEB nº 11/201023, as seguintes: (a) Linguagens,
abarcando os componentes curriculares Língua Portuguesa, Arte, Educação Física e
Língua Inglesa, esta última oferecida apenas nos anos finais do segmento, entre o 6º e 9º
anos; (b) Matemática; (c) Ciências da Natureza, relacionada ao ensino do componente
curricular Ciências; (d) Ciências Humanas, abarcando os componentes curriculares
Geografia e História; e, por fim, (e) Ensino Religioso. Organizadas desse modo24,
competências e habilidades específicas foram formuladas para cada área de conhecimento
específico, levando em conta que aquelas que comportam mais de um componente
curricular – como é o caso das Ciências Humanas – competências e habilidades
particulares foram formuladas para cada um destes, sendo as de Geografia, em particular,
aquelas que me interessaram nesta análise.
Como apontei no início do capítulo, meu interesse nesta análise é explorar a
possibilidade de alguns princípios classificatórios (KIRCHGASLER, 2017), articulados
discursivamente pela disciplina Estudos Sociais entre os anos de 1946 e 1964 a partir de
um conjunto específico de condições sócio-históricas, estarem inscritos nas práticas de
ensino contemporâneas como transcendentais históricos. Os princípios classificatórios
aos quais estou atentando são a formação do cidadão democrático, o desenvolvimento
enquanto noção que articula expectativas sociais e características psicobiológicas ao
23
BRASIL. Conselho Nacional de Educação; Câmara de Educação Básica. Parecer nº 11, de 7 de julho de
2010. Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de 9 (nove) anos. Brasília: Diário
Oficial da União, 9 de dezembro de 2010, Seção 1, p. 28.
24
Esta sistematização pode ser mais bem observada no Anexo IV – Seções analisadas da BNCC.
122
longo do processo de escolarização, o aluno cientificamente capaz como aquele capaz de
realizar as esperanças do projeto de sociedade cosmopolita (POPKEWITZ, 2012b), e o
professor eficaz, capaz de trazer este projeto à fruição.
Nesse sentido, me aproximei da BNCC assumindo-a como a reforma curricular
mais extensa e significativa em escala nacional dos últimos anos, entretanto, sem
necessariamente enfocar as contendas travadas acerca entre seus processos de formulação
e implementação com as críticas a sua legitimidade formuladas pela comunidade
acadêmica educacional. Tais críticas inevitavelmente participaram em alguns momentos
da delineação dos contornos discursivos dos alunos e professores pretendidos pela BNCC,
porém, o enfoque da análise foram os processos alquímicos articulados acerca dos
conhecimentos geográficos, e seus efeitos de fabricação dos sujeitos escolares. Por esse
motivo, decidi direcionar minha leitura a partir das seções relativas ao ensino de
Geografia nos anos iniciais e finais do ensino fundamental. Tendo em vista a proposta de
uma análise comparativa e descontínua entre os princípios classificatórios, inscritos como
transcendentais históricos nas infraestruturas conceituais e institucionais
(KIRCHGASLER, 2017, p. 88) da educação escolarizada no Brasil, organizei meu olhar
para as seções supracitadas, com ênfase nos processos de subjetivação relativos às noções
de cidadania democrática, desenvolvimento da criança, estudante cientificamente capaz
e o professor eficaz.
25
A lista completa das dez competências gerais estão disponíveis no Anexo IV – Seções analisadas da
BNCC
123
[...] 4. Utilizar diferentes linguagens – verbal (oral ou visual-motora, como
Libras, e escrita), corporal, visual, sonora e digital –, bem como conhecimentos
das linguagens artística, matemática e científica, para se expressar e partilhar
informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e
produzir sentidos que levem ao entendimento mútuo.
124
explorar a implantação dos Common Core Curriculum em alguns estados nos EUA, pôde
observar resultados como “a privatização do sistema público [de ensino], [...] a utilização
de avaliações padronizadas e a subalternização e revolta dos professores” (SÜSSEKIND,
2014, p. 1521); ao explorar os efeitos da constituição de uma Base Nacional na Suécia, a
autora afirma que o ensino de democracia através dos exercícios unificados suscitados
por um currículo único nacional “mostra-se muito pouco democrático, já que os
significados dados pelos estudantes são diferentes dos oferecidos nos exercícios”,
produzindo efeitos de subjetivação onde as crianças sentem-se péssimas cidadãs “que não
possuem o entendimento comum desejado sobre democracia” (SÜSSEKIND, 2014, p.
1521). Outro ponto no qual as autoras concordam é que, de maneira pouco variante, a
fixação de um currículo único posiciona os sistemas de ensino nacional em uma rede de
avaliações de larga escala e materiais didáticos padronizados, controlado de fora da
escola, que exerce efeitos de regulação das práticas de ensino-aprendizagem.
Outro pressuposto articulado pela BNCC é o do respeito ao pacto interfederativo
na organização curricular brasileira em sua implementação, princípio operacionalizado
discursivamente a partir da noção de regime de colaboração como um dispositivo a
garantir tanto valores de igualdade a partir da garantia de um currículo comum a todos os
brasileiros, quanto de equidade, suscitando flexibilidade na organização dos currículos
estaduais e municipais de forma a atender as necessidades específicas de seus alunos.
Para Larissa Rodrigues, Beatriz Pereira e Adriana Mohr (2020), entretanto, a BNCC foi
“elaborada de forma verticalizada e sem efetivo diálogo com a comunidade escolar
acadêmica” (RODRIGUES; PEREIRA; MOHR, 2020, p. 20), sentimento ecoado por
Roberto Jamil Cury, Margarida Reis e Teodoro Adriano Zanardi (2018), ao defenderem
que a condução do processo de implementação da reforma curricular foi realizada a partir
do compromisso com “autoritarismo, conservadorismo e claro compromisso com a lógica
do capital” do governo após o Golpe de 2016, visando a situar a escola pública em “lógica
do mercado e do apostilamento através de um projeto que visa homogeneizar a diferença”
(CURY; REIS; ZANARDI, 2018, p. 98).
Estas leituras são realizadas a partir de um referencial teórico-metodológico
declaradamente crítico-marxista, porém puseram em evidência como, nos últimos anos,
as alterações realizadas à LDB (1996), por força da lei nº 13.415/2017, introduziram no
texto os direitos e objetivos de aprendizagem, assim como as competências e habilidades,
como metas educacionais e compromissos normativos do Estado com o público, ao
mesmo tempo mobilizando sentidos de necessidade e de obrigatoriedade para a
125
formulação de uma base curricular comum. Uma terceira questão que focalizei nestes
diálogos sobre os contornos discursivos da BNCC foi a discussão se esta constitui
diretrizes ou prescrições curriculares, articuladas através da noção de direitos de
aprendizagem. Novamente para Roberto Jamil Cury, Margarida Reis e Teodoro Adriano
Zanardi (2018), o texto curricular elabora um “projeto normativo que estabelece um
documento prescritivo”, que “traz uma concepção de currículo travestida de direitos de
aprendizagem que, sob a óptica tecnicista e meritocrática, constituem-se em deveres de
aprendizagem” (CURY; REIS; ZANARDI, 2018, p. 66). Em tal movimento, ele
incorpora “o imperativo de ideias como individualização, competição, responsabilização
e empreendedorismo com vistas a formar o trabalhador flexível do futuro mediante o
desenvolvimento de competências e habilidades de caráter praticista e tecnicista”
(RODRIGUES; PEREIRA; MOHR, 2020, p. 35).
A partir destas interpretações concorrentes àquilo que foi articulado
explicitamente pelo texto da BNCC, tomando como referência o campo enunciativo
(FOUCAULT, 2015) das pesquisas educacionais brasileiras, é possível delinear outros
contornos discursivos para sentidos de educação democrática sendo mobilizados. Um
deles segue atento às demandas dos dispositivos de regulação educacionais exercidas a
partir das avaliações padronizadas internacionais, de comparação e de larga escala
(SÜSSEKIND, 2014); outro o vê de maneira verticalizada, sem ampla consulta às
comunidades de pesquisadores e profissionais da educação, a partir da construção de
sentidos de urgência (CURY; REIS; ZANARDI, 2018), calcados discursivamente nas
necessidades do sistema de ensino e na obrigatoriedade constitucional de atende-las;
outro ainda percebe que operacionalizam competências e habilidades de caráter praticista
e tecnicista, que valorizam as noções de individualização, competição, responsabilização
e empreendedorismo como as formas mais eficazes de atingir seus objetivos educacionais
(RODRIGUES; PEREIRA; MOHR, 2020).
Entretanto, ainda é um discurso que participa da disputa de sentidos hegemônicos
sobre como significar as noções de educação e de cidadão democráticos. De maneira
sintética, as dez competências gerais da BNCC articulam sentidos onde o papel da escola
está na formação do cidadão – através de princípios éticos, democráticos, inclusivos e
solidários, assim como através de uma abordagem científica que lhe permita exercer sua
curiosidade intelectual através da investigação, reflexão e uma a análise crítica –, de
maneira que os estudantes passem a exercer sua cidadania com liberdade, autonomia,
consciência crítica e responsabilidade, visando um projeto de sociedade democrática,
126
justa e inclusiva através do entendimento mútuo, da cooperação e resolução de conflitos
(BRASIL, 2018, p. 9-10). Desse modo, caracterizei contingencialmente as dez
competências gerais da BNCC como regularidades discursivas (FOUCAULT, 2015),
condicionadas pelos regimes de verdade sobre aquilo que pode e não pode ser dito no
momento sócio-histórico de sua elaboração, articulando enunciados a partir de um
sistema de pensamento cosmopolita (POPKEWITZ, 2012b), com valores e regras sobre
como pensar a educação escolarizada, assim como as linhas de ação possíveis na
formulação de reformas.
De fato, tais noções assim delineadas poderiam estabelecer diálogos com os
discursos do movimento Escola Nova brasileiro na primeira metade do século XX, como
as ideias interpeladas nos livros Estudos Sociais para Crianças numa Democracia
(MICHAELIS, 1970) e o Introdução Metodológica aos Estudos Sociais (CARVALHO,
1957), no terceiro capítulo desta tese. As formulações encontradas nestes manuais
didáticos teciam objetivos, a partir do ensino das Ciências Sociais, voltados para a
estruturação de comportamentos e posturas democráticas através de noções de simpatia,
cooperação, harmonia, compreensão e comunidade (AZEVEDO et al., 2010, p. 10;
MICHAELIS, 1970, p. 11), de maneira a dar conta dos desafios organizacionais que a
aceleração dos processos de urbanização e industrialização apresentavam à sociedade
(CARVALHO, 1957, p. 72-73). A instituição escolar encontrou-se no entrecruzamento
entre as esperanças do sucesso do projeto societário cosmopolita e os medos do seu
fracasso (POPKEWITZ, 2012b, p. 44). Assim, quando o BNCC afirma o papel das
competências e habilidades a serem desenvolvidas na Educação Básica como
consubstanciações das aprendizagens essenciais e dos direitos de aprendizagem e de
desenvolvimento da criança, está também afirmando a instituição neste sistema de
pensamento cosmopolita, reatualizando esperanças de um tipo específico de cidadão e
expulsando do campo do desejável os sujeitos que não se conformam a este projeto.
Diferentes objetivos educacionais e projetos de sociedade corporificados em sentidos
distintos de cidadão democrático, entretanto, a cidadania democrática ainda operando
linhas de classificação e diferenciação entre os sujeitos escolares.
Focalizando os processos alquímicos dos conhecimentos geográficos ao se
tornarem disciplinas escolar no ensino fundamental, com seus efeitos de fabricação nos
sujeitos escolares por meio das linhas divisórias relativas às noções de cidadania
democrática, desenvolvimento da criança e estudante cientificamente capaz, comecei a
explorar as dez competências gerais da BNCC como discursos acerca dos objetivos
127
educacionais e de formação da criança. Um mergulho em direção às competências
específicas do componente curricular Geografia deram contornos mais bem delineados
àquilo que me propus a observar:
1. Utilizar os conhecimentos geográficos para entender a interação sociedade/
natureza e exercitar o interesse e o espírito de investigação e de resolução de
problemas.
2. Estabelecer conexões entre diferentes temas do conhecimento geográfico,
reconhecendo a importância dos objetos técnicos para a compreensão das
formas como os seres humanos fazem uso dos recursos da natureza ao longo
da história.
3. Desenvolver autonomia e senso crítico para compreensão e aplicação do
raciocínio geográfico na análise da ocupação humana e produção do espaço,
envolvendo os princípios de analogia, conexão, diferenciação, distribuição,
extensão, localização e ordem.
4. Desenvolver o pensamento espacial, fazendo uso das linguagens
cartográficas e iconográficas, de diferentes gêneros textuais e das
geotecnologias para a resolução de problemas que envolvam informações
geográficas.
5. Desenvolver e utilizar processos, práticas e procedimentos de investigação
para compreender o mundo natural, social, econômico, político e o meio
técnico-científico e informacional, avaliar ações e propor perguntas e soluções
(inclusive tecnológicas) para questões que requerem conhecimentos científicos
da Geografia.
6. Construir argumentos com base em informações geográficas, debater e
defender ideias e pontos de vista que respeitem e promovam a consciência
socioambiental e o respeito à biodiversidade e ao outro, sem preconceitos de
qualquer natureza.
7. Agir pessoal e coletivamente com respeito, autonomia, responsabilidade,
flexibilidade, resiliência e determinação, propondo ações sobre as questões
socioambientais, com base em princípios éticos, democráticos, sustentáveis e
solidários (BRASIL, 2018, p. 366, grifos nossos).
128
direitos humanos, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de
grupos sociais, [...] sem preconceitos de qualquer natureza” (BRASIL, 2018, p. 10) e, em
seguida, para a seguinte competência específica da Geografia: “construir argumentos com
base em informações geográficas, debater e defender ideias e pontos de vista que
respeitem e promovam a consciência socioambiental e o respeito à biodiversidade e ao
outro, sem preconceitos de qualquer natureza” (BRASIL, 2018, p. 366). Estas leituras
reforçam a leitura previamente estabelecida de que as competências e habilidades foram
articuladas como preceitos organizacionais da BNCC como um todo, tendo em vista os
movimentos de repetição à guisa de reforçar a importância das mesmas ao longo das
prioridades e práticas recomendadas tanto para as áreas de conhecimento quanto para os
componentes curriculares. De todo modo, estes movimentos de contraste possibilitaram
o destaque da ênfase dada, neste documento, no tratamento do componente curricular
Geografia às questões socioambientais.
O uso do termo componente curricular para se referir às disciplinas escolares
marca, segundo Heloize Charret (2019), um processo de ressignificação das mesmas pela
BNCC, “realizado de forma tão assertiva que, ao longo de todo o documento legal, o
termo disciplina não é sequer mencionado, a não ser por meio de citações literais de outros
documentos normativos” (CHARRET, 2019, p. 60). Para a autora, esse é um movimento
que pretende inserir o componente curricular como uma nova entidade no conjunto de
núcleos estruturantes do currículo. Tais disputas por sentido, afirma Heloize Charret
(2019), são articuladas por meio das noções de áreas de conhecimento, competências e
habilidades, e centradas no debate sobre integração curricular. Na BNCC, as áreas de
conhecimento destinadas ao Ensino Fundamental são cinco ao todo, organizadas dessa
maneira para favorecer a comunicação entre os conhecimentos e saberes dos diferentes
componentes curriculares, se interseccionando “na formação dos alunos, embora se
preservem as especificidades e os saberes próprios construídos e sistematizados nos
diversos componentes curriculares” (BRASIL, 2018, p. 27). Ainda que também
vagamente definidas, são elaboradas pela BNCC como campos de circulação onde
diferentes competências e habilidades podem ser operacionalizadas horizontalmente por
meio de diferentes componentes curriculares.
O tensionamento entre estas duas lógicas, a de integração curricular e outra de
organização disciplinar, foi também notado por Hugo Heleno Costa & Alice Casimiro
Lopes (2016), que travam uma discussão sobre se os discursos de integração reafirmam
a estrutura disciplinar na política do currículo. Se utilizando dos conceitos de comunidade
129
disciplinar e currículo como campos de disputa por sentidos, os autores pensam os textos
curriculares oficiais como resultantes de processos de caráter híbrido. Eles não
representam, portanto, exclusivamente, espaços epistemológicos com limites claramente
definidos, mas são produções políticas e sócio-históricas resultantes do embate discursivo
entre comunidades para promover suas visões de mundo sobre educação, currículo e, em
particular, sobre o ensino de Geografia (COSTA; LOPES, 2016, p. 183).
A partir desse enquadramento teórico, Hugo Heleno Costa & Alice Casimiro
Lopes analisaram os textos oficiais que versam sobre a organização curricular para o
Ensino Médio, como os PCNEM e OCNEM. A nomeação explícita da área de Ciências
Humanas nestes documentos – Geografia, Filosofia, História e Sociologia – já é um
movimento marcado em direção a um dos possíveis sentidos de integração curricular, o
de interdisciplinaridade (COSTA & LOPES, 2016, p.185). Os autores não abordam a
BNCC diretamente, tendo em vista que sua versão mais recente não havia sido publicada
à época da escrita do artigo com qual dialogo; entretanto, a proposta pedagógica elaborada
pelo documento de circulação horizontalizada de competências e habilidades por meio de
diferentes componentes curriculares, ao mesmo tempo em que se preservam as
especificidades e os saberes próprios construídos e sistematizados nestas unidades, é
significativa para pensar a integração curricular ao longo de linhas interdisciplinares.
Como colocam os autores, uma perspectiva de integração curricular pensada a
partir dos “conceitos, estruturas, formas e domínios do saber de referência” do campo
acadêmico, faz com que os parâmetros através dos quais são pensadas as disciplinas
escolares as disciplinas escolares se situem no próprio conhecimento de referência, sendo
também “nesse domínio que são analisadas as possibilidades de integração” (COSTA &
LOPES, 2016, p.191). A partir de uma abordagem de áreas de conhecimento, as
disciplinas escolares não são abordadas necessariamente como tecnologias de
organização curricular disputadas historicamente. Isso decorre do seu apagamento do
texto da BNCC; quando emergem, porém, são tratadas como análogas ao saber científico
em si, o que reifica, de certo modo, os seus sentidos disciplinares, limitando as
possibilidades para outras formas de pensar a integração curricular, caso tal abordagem
não seja desafiada. Heloize Charret (2019, p. 70) conclui que “o discurso de
interdisciplinaridade, com seus múltiplos sentidos, estabeleceu forte influência no
processo de estabilização das disciplinas no âmbito das propostas de integração
curricular” na BNCC.
130
Retomando, então, a discussão das competências específicas ao componente
curricular Geografia, outros elementos significativos articulados nesta lista de
competências específicas foi o reforço do estatuto de ciência aos conhecimentos
geográficos, com a afirmação de práticas e procedimentos próprios do campo – como a
linguagem cartográfica e a geotecnologia – importantes na formação do aluno
cientificamente capaz, assim como na do raciocínio geográfico por meio da mobilização
dos conceitos de analogia, conexão, diferenciação, distribuição, extensão, localização e
ordem (BRASIL, 2018, p. 360). Segundo os discursos articulados pela BNCC, o
desenvolvimento do pensamento espacial é a principal contribuição da Geografia aos
alunos da Educação Básica como um todo, visando a estimular “o raciocínio geográfico
para representar e interpretar o mundo em permanente transformação e relacionando
componentes da sociedade e da natureza” (BRASIL, 2018, p. 360) através da apropriação
de conceitos geográficos de maneira a exercer plenamente sua cidadania. A afirmação do
indivíduo cientificamente capaz como ideal ao exercício efetivo de sua cidadania reativa
princípios classificatórios através dos quais se estabelecem linhas de divisão entre os
alunos formados adequadamente e os “desviantes” da norma, corporificando medos de
fracasso do projeto cosmopolita (POPKEWITZ, 2012b, p. 44) escolar, que não satisfazem
todo seu potencial de desenvolvimento.
131
realizando uma das funções dos processos alquímicos (POPKEWITZ, 2001, p.110) e
produzindo efeitos de fabricação sobre os sujeitos escolares.
(a) O sujeito e seu lugar no mundo, onde nos anos iniciais do ensino fundamental “busca-
se ampliar as experiências com o espaço e o tempo vivenciadas pelas crianças [...] por
meio do aprofundamento de seu conhecimento sobre si mesmas e de sua comunidade,
valorizando-se os contextos mais próximos da vida cotidiana” (MEC, 2018a, p.362). Nos
anos finais do ensino fundamental, por sua vez, “procura-se expandir o olhar para a
relação do sujeito com contextos mais amplos, considerando temas políticos, econômicos
e culturais do Brasil e do mundo” (MEC, 2018a, p.362);
132
(c) Mundo do trabalho aborda, nos anos iniciais do ensino fundamental, “os processos e
as técnicas construtivas e o uso de diferentes materiais produzidos pelas sociedades em
diversos tempos”, assim como “as características das inúmeras atividades e suas funções
socioeconômicas nos setores da economia e os processos produtivos agroindustriais”
(MEC, 2018a, p.363), enquanto que nos anos finais do ensino fundamental são
incorporadas ao programa a produção processual dos espaços agrário e industrial em suas
relações campo/cidade, focalizando “as alterações provocadas pelas novas tecnologias no
setor produtivo, fator desencadeador de mudanças substanciais nas relações de trabalho,
na geração de emprego e na distribuição de renda em diferentes escalas” (MEC, 2018a,
p.363);
(d) Formas de representação e pensamento espacial, onde é enfatizado nos anos iniciais
do ensino fundamental “por meio do exercício da localização geográfica, a desenvolver
o pensamento espacial, que gradativamente passa a envolver outros princípios
metodológicos do raciocínio geográfico, como os de localização, extensão, correlação,
diferenciação e analogia espacial” (MEC, 2018a, p.364), ao passo que nos anos finais
“espera-se que os alunos consigam ler, comparar e elaborar diversos tipos de mapas
temáticos, assim como as mais diferentes representações utilizadas como ferramentas da
análise espacial” (MEC, 2018a, p.364);
(e) Natureza, ambientes e qualidade de vida, por fim, visa articular epistemologicamente
a unidade da geografia, estabelecendo entrelaçamentos entre a geografia física e geografia
humana. Nesse sentido, são enfatizadas nos anos iniciais do ensino fundamental “as
noções relativas à percepção do meio físico natural e de seus recursos” (MEC, 2018a,
p.364), em contraste com os anos finais do ensino fundamental, onde “essas noções
ganham dimensões conceituais mais complexas, de modo a levar os estudantes a
estabelecer relações mais elaboradas, conjugando natureza, ambiente e atividades
antrópicas em distintas escalas e dimensões socioeconômicas e políticas” (MEC, 2018a,
p.364).
133
ao enfoque em conhecimentos geográficos que focalizam a vivência do aluno, os
procedimentos propostos pela BNCC operacionalizam um método análogo ao dos
círculos concêntricos (NASCIMENTO, 2019; PASCAL, 2016; CALLAI, 2005), prática
tão criticada da disciplina Estudos Sociais.
Esta questão, entretanto, não é de fácil resposta, na medida em que, até muito
recentemente, a formação docente era “um ponto em aberto na BNCC, o que dificulta [...]
a consolidação de uma Base Nacional Comum Curricular democrática, federativa e
diferenciada” (CURY; REIS; ZANARDI, 2018, p. 11). O pouco que se estabeleceu no
documento curricular sobre a formação de professores, à data de sua publicação, foi:
134
articulação das noções de competências e habilidades enquanto preceitos organizacionais
para as reformas curriculares que se pretendem realizar. É ponto de algum consenso no
campo educacional que exames como estes produzem, nas práticas do professor e na
organização dos sistemas educacionais públicos, efeitos de regulação formulados fora da
escola às práticas docentes e efeitos de homogeneização do ensino e do aluno,
enfraquecendo sentidos de diversidade e diferença (SÜSSEKIND, 2014; CURY; REIS;
ZANARDI, 2018; OLIVEIRA, 2018).
135
princípios classificatórios que produzem linhas discursivas de diferenciação – e assim, a
partir de um sistema de pensamento cosmopolita que opera uma lógica comparativa de
classificação (POPKEWITZ, 2009, p. 380), linhas também de inclusão e exclusão.
136
do campo enunciativo (FOUCAULT, 2015, p.69) da pesquisa acadêmica educacional,
entretanto, são articulados discursos que, primeiramente, situam a reforma curricular em
uma rede de sentidos que visam a privatização do ensino e condicionado pelos parâmetros
das avaliações comparativas internacionais de larga escala (SÜSSEKIND, 2014, p. 1521),
e também enquanto autoritária em sua formulação e implementação, rompendo o pacto
interfederativo entre União, estados e municípios na organização do sistema de ensino
público brasileiro (CURY; REIS; ZANARDI, 2018). Chamo atenção, por ora, ao fato de
que a disputa pela significação do objeto discursivo “cidadão democrático” se dá em dois
momentos sócio-históricos distintos, com objetivos educacionais díspares e sentidos
destoantes, porém o cidadão democrático mantêm-se enquanto campo de disputa.
137
(POPKEWITZ, 2010) são, em ambos os casos, a estudante cientificamente capaz, e este
alvo está em movimento (HACKING, 2007, p.293)! O professor eficaz para a formação
deste(s) tipo(s) de cidadão democrático e cientificamente capaz, de igual maneira, não
articulam sentidos similares nos dois períodos contemplados: se o professor concebido
pelo movimento escolanovista necessitou do ensino de nível superior, não apenas para
desenvolver se tornar ele mesmo cientificamente capaz, mas também enquanto processo
de valorização da profissão docente como um todo (AZEVEDO et al., 2010, p. 59),
precisando de conhecimentos básicos de Biologia, Psicologia e Sociologia de maneira a
conduzir avaliações pontuais e continuadas sobre seus alunos para desenvolver
comportamentos e estruturar atitudes (CARVALHO, 1957, p. 74); a formação dos
professores é pouquíssimo contemplada pela BNCC, sendo formulada uma hipótese a
partir da análise do documento preliminar BNCFP (MEC, 2018b) de que a expectativa
para o professor eficaz, a partir dos discursos formulados através da reforma curricular,
seja “um alinhamento entre o que se espera que se aprenda pelos alunos na educação
básica e o que se espera que os professores aprendam e ensinem” ((RODRIGUES;
PEREIRA; MOHR, 2020, p.30).
138
As fabricações (HACKING, 2007) do cidadão democrático, cientificamente capaz
e do professor eficaz são vistas, assim, não apenas como um processo de subjetivação da
criança, mas como a abertura de um espaço discursivamente formulado sobre o qual a
sociedade pode atuar para operar transformações, e onde os próprios sujeitos passam a
pensar sobre si mesmos e suas escolhas do seu interior (POPKEWITZ, 2012c, p. 173-
174). O papel da escola na formação do cidadão científico em prol de uma sociedade
democrática pensada enquanto um transcendental histórico (KIRCHGASLER, 2017)
atua, então, como um objeto discursivo articulado a partir das condições sócio-históricas
de uma determinada época, mas que, ao ser inscrito nas infraestruturas conceituais e
institucionais da educação escolarizada, é naturalizado como parte integrante dos modos
de falar e pensar sobre os processos de ensino-aprendizagem, tendo seus sentidos
disputados, mas não a sua presença.
139
CONSIDERAÇÕES INTERSTICIAIS:
Possíveis Caminhos e Elaborações Contingenciais
140
Este aparato interpretativo foi particularmente relevante no âmbito de deslocar
certos sentidos naturalizados acerca dos Estudos Sociais, associados os discursos que lhe
deram contornos ideológicos e autoritários durante a Ditadura Militar a partir de 1964
(PASCAL, 2016, p.53), me permitindo tornar visível o programa curricular e projeto
educacional constituído entre os anos de 1949 e 1964 associado à ideais de democracia,
cientificidade e progresso. A grade de inteligibilidade construída também me auxiliou na
articulação dos princípios classificatórios a partir dos quais pude refletir e elaborar
procedimentos de análise para os processos alquímicos de conhecimentos geográficos e
os efeitos de fabricação nos sujeitos escolares – o cidadão democrático, o
desenvolvimento psicobiológico da criança, o estudante cientificamente capaz e o
professor eficaz.
Durante a leitura dos manuais didáticos Estudos Sociais para Crianças numa
Democracia (MICHAELIS, 1970) e o Introdução Metodológica aos Estudos Sociais
(CARVALHO, 1957), o cidadão democrático, o desenvolvimento psicobiológico da
criança, o estudante cientificamente capaz e o professor eficaz foram os fios condutores
através dos quais organizei a análise. Ainda que os movimentos de abjeção
(POPKEWITZ, 2007, p. 35) tenham feito parte deste movimento, me pareceu profícuo
investigar em maior detalhe os processos de fabricação dos sujeitos abjetados. A minha
aproximação da Base Nacional Comum Curricular (MEC, 2018a) foi feita à título de
investigar, em específico, como os discursos por mobilizados pelo documento ativavam
os princípios classificatórios e as linhas de diferenciação entre sujeitos, a partir da
alquimia dos conhecimentos geográficos ali operacionalizados. Elaborar para a BNCC
uma grade de inteligibilidade de maneira a construir, interpretativamente, as suas
condições enunciativas (FOUCAULT, 2015) que possibilitam a emergência de certos
discursos (e não outros) parece útil, em especial pelo atual momento que o país atravessa.
Por fim, não há dúvidas que uma das empreitadas teórico-metodológicas mais
significativas que realizei durante o desenvolvimento da pesquisa foi a participação no
Grupo de Estudos em História do Currículo, e de colaborar na construção de uma
abordagem discursiva para fazer História do Currículo do Presente. A organização de
uma análise histórica comparativa e descontínua parece uma abordagem interessante de
explorar mais a fundo, tanto operacionalizando-o para a investigação de outras disciplinas
escolares, quanto para o aprofundamento da compreensão dos processos alquímicos nos
conhecimentos geográficos, a partir de outros pontos de vista.
142
Referências Bibliográficas:
143
<http://portal.mec.gov.br/seed/arquivos/pdf/tvescola/leis/lein9394.pdf>. Acesso em 05
julho 2013.
BRASIL. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Brasília, DF: Diário Oficial da União,
2014. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-
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154
ANEXO I - Levantamento dos artigos acerca do objeto da pesquisa, 2011-2016
2011
155
metodologia aplicada durante os encontros de formação. Nosso olhar sobre os “atos de
currículo”, utilizando o conceito de Macedo, leva-nos a interpretar que pensar o currículo
a partir do coletivo implica em “complexidades”, no sentido que atribui Morin, teoria que
entendemos como um caminho possível, tendo em vista que prioriza a problematização
dos sentidos; a compreensão dos processos e busca abranger a multidimensionalidade do
ser humano. Nessa perspectiva, o que ora se apresenta, busca registrar as ações
desenvolvidas e refletir sobre alternativas curriculares capazes de tornar a escola
efetivamente como um espaço democrático de direito e de práticas emancipatórias.
Palavras-chave: diretrizes curriculares, complexidades, formação.
156
Ciclo de Políticas de Ball, na Teoria do Discurso de Laclau e nas discussões do campo do
currículo produzidas por Lopes e entende as políticas de currículo como lutas discursivas
pela constituição de representações. Nessa perspectiva, identifico sentidos particulares de
qualidade que foram hegemonizados discursivamente no contexto de produção dos textos
e busco entender as articulações e negociações que criam cadeias de equivalências em
torno de tais sentidos. Tendo em vista que o discurso de qualidade será reinterpretado
pelo corpo social da educação, sendo hibridizado às concepções que os leitores carregam,
concluo que a possibilidade de ampliação da cadeia de equivalência em torno da defesa
da educação de qualidade reforça o caráter democrático da produção de políticas
curriculares.
Palavras-chave: currículo; políticas de currículo; qualidade.
2012
157
seguintes etapas: pesquisa bibliográfica e cartográfica; pesquisa de campo; aula-passeio
ao Centro de Lançamento de Foguetes da Barreira do Inferno, em Natal/RN; palestras,
observações telescópicas, oficinas para realização de atividades práticas como o relógio
do sol, réplica de foguete, bússola; discussão em sala de aula dos dados coletados,
exposição com o material confeccionado e mobilização envolvendo a comunidade escolar
e Poder Público. De acordo com os resultados, o trabalho interdisciplinar entre a
Geografia e a Astronomia produziu um espaço privilegiado para a construção e
popularização do conhecimento científico pautado na realidade vivenciada pelo aluno,
sempre com um olhar crítico e construtivo, a qual, muitas vezes, é ignorada no trabalho
escolar.
Palavras-chave: Ensino de Geografia, Astronomia, Abordagem Interdisciplinar
(v.2, n.4, 2012) Poder, Cultura e Território: a educação de jovens, adultos e idosos
como luta e resistência em Presidente Prudente – SP
Rafael Rossi, Maria Peregrina de Fatima Rotta Furlanetti
Este ensaio tem como finalidade expor entendimentos oriundos da pesquisa que
desenvolvemos atualmente, com relação às dificuldades inseridas na meta por uma
educação formal de qualidade às pessoas jovens, adultas e idosas. Além disso,
apresentamos reflexões sobre o ambiente institucional escolar como território restrito que
exclui e impede o acesso das pessoas jovens, adultas e idosas à educação formal. Nesse
aspecto, é necessário recorrer à cultura popular como aporte que contribui no sentimento
de coletividade para fortalecimentos de reivindicações, a fim de que possam prosperar
ações de agentes preocupados com uma educação com maior justiça social e patamares
mais efetivos de democracia.
Palavras-chave: Poder, Educação de Pessoas Jovens e Adultas, Cultura Popular,
Território, Luta
158
2013
(v.3, n.6, 2013) Outro Olhar sobre o Lugar: manejar as lentes para redescobrir o
espaço vivido
Hanilton Ribeiro de Souza, Luciana Cristina Teixeira de Souza
Tendo como referência a importância da relação com a cidade como espaço vivido e as
diversas maneiras de percebê-la, neste trabalho buscamos partilhar as experiências
construídas conjuntamente entre professores/as do curso de Licenciatura em Geografia
da Universidade do Estado da Bahia (UNEB – Campus V – Santo Antonio de Jesus/BA)
e discentes do ensino médio do Colégio Estadual Polivalente de Castro Alves, localizado
no município de mesmo nome. Reunimos reflexões oriundas das nossas experimentações
analisando produções inovadoras como resultado das atividades elaboradas pelos/os
sujeitos envolvidos nas práticas vivenciadas no cotidiano escolar em confronto com
pensamentos e ideias forjadas no cotidiano acadêmico dos/as autores/as. Para tal feito, a
premissa mais importante aqui confere ao mundo das imagens o potencial de descobertas
e construção de conhecimento em sua interface com o mundo da educação. Ademais,
procuramos evidenciar a importância da construção coletiva e interdisciplinar orientada
pela concepção curricular presente nas proposições das práticas indicadas pelos/os
professores/as em Geografia.
Palavras-chave: Geografia, Ensino, Cidade, Imagem, Fotografia.
159
representa a possibilidade de tangenciar alguns aspectos referentes à cultura escolar de
uma instituição de confissão luterana, representativa da Região do Vale do Rio dos Sinos.
Observa-se que O Ateneu foi um espaço de afirmação e construções identitárias de um
grupo de jovens estudantes secundaristas. Quanto aos discursos relativos ao regime
ditatorial, percebe-se que as manifestações presentes no periódico aparecem, em sua
maioria, de forma velada. No entanto, também é possível entender que os estudantes
preocupavam-se com as questões sociais e políticas do país, pois, no ano de 1963, há
registros de que nessa escola formou-se o Departamento de Estudos Políticos e Sociais
Brasileiros - DEPSB - como órgão do Grêmio Estudantil. Nos registros do caderno de
atas do DEPSB não só alunos, mas também um professor se reuniam normalmente no
turno da noite para debater o que eles registraram como sendo temas atuais da política
brasileira e internacional.
Palavras-chave: cultura escolar, periódicos estudantis, memória, ditadura militar.
(v. 17, n. 39, jan./abr., 2013) ESCOLA e Nova Escola: faces de um velho sonho
Daniel Revah (Brasil)
Este artigo compara as edições inaugurais de dois periódicos educacionais do Grupo
Abril: ESCOLA e Nova Escola. O primeiro é editado durante a ditadura militar, entre
outubro de 1971 e abril de 1974, totalizando 27 números. O segundo é lançado logo após
a retomada do regime democrático, em março de 1986, sendo editado até hoje, numa
média de dez números anuais. Cerca de 15 anos separam o início das duas publicações,
ambas dirigidas aos professores do 1º Grau e muito semelhantes quanto à sua forma
material. Outra característica comum e indissociável dessa forma material é o uso dos
recursos do jornalismo e a sua venda em bancas de jornal. Apesar dessas semelhanças, a
sua repercussão no campo educacional diferiu sobremaneira, pois a revista ESCOLA foi
um fracasso do ponto de vista comercial e não parece ter alcançado relevância entre seus
destinatários; ao contrário de Nova Escola, que teve forte penetração entre os professores.
Ao comparar as edições inaugurais, este trabalho pretende analisar o modo como cada
periódico busca situar-se diante de seus leitores, mas também em face de conjunturas
políticas bem diversas (ditadura versus democracia). Com essa finalidade, serão
focalizados e analisados os editoriais de apresentação e as capas da primeira edição, junto
com as reportagens correspondentes e outros elementos dessas edições considerados
importantes para desenvolver a questão proposta.
Palavras-chave: Grupo Abril, ESCOLA, Nova Escola, impresso educacional.
160
compreensão da escola como implementadora da política. Identificamos na escola um
ambiente de mobilização, adaptações e negociações na realização das políticas que sugere
o poder de intervenção dos profissionais do contexto da prática na ressignificação das
políticas educacionais.
Palavras-chave: políticas educacionais, reforma do ensino médio, ciclo de políticas.
2014
161
. Revista História da Educação (UFRGS)
162
(v.5, n.10, 2015) REFLETINDO Sobre o Espaço Vivido: o lugar na construção dos
conhecimentos geográficos
Helenize Carlos de Macêdo
O ensino de Geografia nas escolas da educação básica tem como objetivo a formação para
a cidadania, ou seja, proporcionar a leitura espacial, entendendo as relações
socioespaciais no decorrer da história e suas implicações no mundo atual, de forma que
os discentes tenham uma visão crítica sobre sua realidade e possam intervir sobre ela.
Porém, para que o ensino da Geografia alcance os seus objetivos, se faz necessário que
os professores busquem incorporar metodologias que privilegiem a construção de
conhecimentos, e que estes privilegiem a realidade dos alunos. Nesse sentido, o estudo
da Geografia a partir do lugar se mostra oportuno, tendo em vista aproximar os saberes
cotidianos e os saberes escolares, contribuindo para uma aprendizagem significativa.
Assim, esse trabalho objetiva discutir a importância do estudo do lugar nas aulas de
Geografia, e relatar uma experiência vivenciada em sala de aula com os alunos do 6o ano,
da Escola Municipal de Ensino Fundamental Severino Marinheiro, Juazeirinho – PB.
Utilizou-se como metodologia, a pesquisa bibliográfica e a análise dos textos produzidos
pelos alunos. Os resultados foram satisfatórios e demonstraram a importância do estudo
do lugar, das experiências dos alunos na construção dos conhecimentos geográficos e
sobre o tema problemas ambientais.
Palavras-chave: Estudo do Meio, Anos Iniciais da Escolarização, Ensino de História,
Ensino de Geografia.
. XI ENANPEGE
163
conhecimento”, que orientaram as categorias teórico-metodológicas de análise. A adoção
das categorias centrais de Habermas, trabalho (ação instrumental) e comunicação (ação
comunicativa), tendo em vista um conceito de formação dos profissionais de Educação
capazes de interligar o processo do ensino nas IES com diferentes conhecimentos e
saberes, favorece a interdisciplinaridade e compreensão crítica e integral da realidade
complexa. Dessa forma, o novo conceito de competência não deveria se orientar somente
no entendimento funcional e fenomenológico das novas estruturas de trabalho e dos novos
papéis sociais, mas teria que refletir sua essência crítica. Nossa intenção é, pois, discutir
um conceito pedagógico de competência, que reflita o conteúdo e a práxis emancipatória
à luz de autores vinculados à Teoria Crítica. A elaboração de um conceito de competência
emancipatória implica uma reflexão interdisciplinar. Neste sentido, pretendemos situar
algumas questões relevantes: as mudanças no trabalho do futuro e as consequências para
a formação dos professores de Geografia; o conceito de competência comunicativa na
visão da Teoria Crítica e as perspectivas teórico-políticas do trabalho pedagógico do
professor de Geografia como profissional comunicativo-transformativo; o movimento de
profissionalização na docência em Geografia a partir do paradigma do professor
reflexivo-crítico.
Palavras-chave: Racionalidade Pedagógica. Formação Docente. Ensino de Geografia.
Profissionalização Docente. Trabalho Pedagógico.
164
os recursos tecnológicos na escola é uma tarefa que precisa de parceiros, pessoas
dispostas a fazer do ensino um campo dinâmico para a formação intelectual do indivíduo,
já que muitas metodologias adotadas por professores tem tornado a escola um espaço
desestimulante para muitos alunos. É necessário também dar voz ao educando para que
ele possa construir seus próprios conceitos, responder às suas próprias indagações e
assimilar diferentes conteúdos a partir do seu olhar crítico.
Palavras-chave: Tecnologia Digitais de Informação e Comunicação; Práticas
Pedagógicas; Ensino de Geografia.
165
(GT: Formação de Professores de Geografia) O Estado da Arte da Pesquisa Sobre
Geotecnologias no Ensino de Geografia: Contribuições para a Formação de
Professores
Elizabete Pazio, Marquiana de Freitas Vilas Boas Gomes
Este trabalho apresenta os resultados preliminares da pesquisa de mestrado na
Universidade Estadual do Centro Oeste-Unicentro, a qual visa investigar o uso de
geotecnologias pelos professores do ensino de Geografia no Ensino Médio, do Núcleo
Regional de Educação de Pitanga, PR. Particularmente objetiva-se compreender como se
dá a inserção das tecnologias espaciais na educação básica, as potencialidades e os limites
encontrados pelo professor de Geografia quanto a esta inclusão no currículo e na sua
prática pedagógica. Neste texto, apresenta-se a primeira fase da pesquisa, a qual revisitou
a literatura pertinente ao tema com vistas a entender o estado da arte do uso de tecnologia
na formação de professores de Geografia. Compreende-se que novos desafios são
enfrentados pelos diversos setores da sociedade, em especial na educação escolar, por
meio do desenvolvimento tecnológico nas diferentes esferas do cotidiano, principalmente
referente às tecnologias da informação e comunicação, e, neste aspecto, muitos autores
têm divulgado a importância da inclusão digital no currículo escolar com vistas a
contribuir para a inserção social do cidadão. No âmbito da Geografia, as geotecnologias
são cada vez mais acessíveis pelo barateamento e sua inclusão nas ações cotidianas
(automóveis, aparelhos celulares, máquinas agrícolas). Assim como, muitas propostas já
são compartilhadas entre os professores nos cursos de formação e/ou pelas redes sociais.
Em pesquisa realizada nos periódicos da CAPES e repositórios de Universidades Públicas
nos Programas de Pós Graduação: Mestrado e Doutorado em Geografia, entre os anos
2000 / 2015, tendo como metodologia o uso de palavras-chave, dentre elas:
Sensoriamento Remoto; Geotecnologias; Ensino de Geografia; Formação de professores,
encontrou-se dezesseis trabalhos sobre o assunto, os quais pesquisaram a aplicação do
sensoriamento remoto na formação de professores ou no ensino de Geografia. Estas
pesquisas indicam que entre as contribuições destas tecnologias no ensino de Geografia
estão: a compreensão das complexidades do espaço habitado, o domínio de técnicas de
representação cartográfica, diversificação do modo de ensinar e aprender Geografia,
estimula a participação e o desenvolvimento cognitivo, dentre outros. Entre os limites
estão: a falta de estrutura e adequação para o uso do SIG (GIS) e do Google Earth, GPS,
pouca intimidade de muitos professores com as TIC. Nos Anais do Simpósio Brasileiro
de Sensoriamento Remoto na temática educação de 2001/2013 foram apresentados
noventa e oito trabalhos abordando a temática pesquisada. Neles, destaca-se o aspecto
positivo encontrado pelos pesquisadores, dentre eles: a interdisciplinaridade, interesse
dos alunos que se colocam em posição ativa ao aprendizado, maior interação, permite a
construção dos conceitos trabalhados. Já entre as dificuldades estão: à precariedade dos
equipamentos presentes nas Escolas, à atualização dos profissionais de educação frente à
utilização dessas novas tecnologias e a precariedade para o acesso à internet. Porém, um
fator interessante está no próprio Ensino de Geografia, em que medida as geotecnologias
permitem construir conceitos, habilidades e valores que superam a condição
convencional? Para além da superação das dificuldades pelo professor, entende-se que é
necessário pensar como estas tecnologias farão diferença na construção do conhecimento
geográfico.
Palavras-chave: Ensino de Geografia; Geotecnologias; Formação de professores.
166
(GT: Ensino de Geografia) As Contribuições do Ensino de Geografia para a
efetivação da Interculturalidade nas Escolas Indígenas de Nioaque/Ms
Francieli De Oliveira Meira
O presente trabalho relaciona-se à pesquisa de mestrado que desenvolvemos junto ao
Programa de Pós Graduação em Geografia da Universidade Federal da Grande Dourados
(UFGD). A pesquisa tem por objetivo desenvolver um diagnóstico referente à educação
escolar indígena, no município de Nioaque (MS), no que tange às práticas de ensino de
Geografia, como contribuição para a efetivação de uma Educação Escolar Intercultural.
O município de Nioaque está localizado no sudoeste do estado de Mato Grosso do Sul e,
de acordo com o censo do IBGE (2010) possui uma população de 14.391, sendo a maior
parte da população residente na zona rural. A pesquisa vem sendo desenvolvida na Terra
Indígena do município de Nioaque/MS que possui uma área de 3.029 hectares, com
população de aproximadamente 1.800 habitantes distribuídos em quatro aldeias, sendo
elas: Água Boa, Brejão, Cabeceira e Taboquinha. A grande maioria da população
indígena é da etnia Terena, mas também se fazem presentes indígenas da etnia Atikun.
Na Terra Indígena foram delimitadas para realização da pesquisa as seguintes escolas:
Escola Municipal Indígena 31 de Março; Escola Municipal Capitão Vitorino; Escola
Municipal Leôncio Marques e a Escola Estadual Indígena de Ensino Médio Angelina
Vicente. Os procedimentos metodológicos adotados envolvem a análise dos Projetos
Político Pedagógicos das escolas indígenas selecionadas, assim como dos projetos
interdisciplinares que são desenvolvidos nas mesmas e as práticas dos professores que
ministram a disciplina de Geografia. De acordo com informações levantadas junto às
Secretarias de Educação do município de Nioaque e de Estado da Educação de Mato
Grosso do Sul, bem como por meio de conversas preliminares com professores,
coordenadores pedagógicos e diretores das escolas delimitadas para a pesquisa, verifica-
se que a maioria defende que a educação escolar indígena deva ser intercultural. Por outro
lado, também há profissionais que defendem que a educação escolar deva seguir os
mesmos parâmetros e concepções das demais escolas localizadas na área urbana do
município, pois entendem que se a educação escolar indígena for diferenciada, estes
estudantes podem ser prejudicamos no mercado de trabalho competitivo que está posto
na sociedade que vivenciamos. Em vista dessas divergências presentes, podemos verificar
que ainda existe um distanciamento entre a proposta intercultural presente nos
documentos oficiais e as práticas desenvolvidas no cotidiano das escolas. Diante disso,
nosso maior intuito é apontar, a partir das concepções e das práticas dos professores de
Geografia possibilidades para que essa disciplina contribua no sentido de efetivar a
proposta de educação intercultural nas escolas indígenas.
Palavras-chave: Interculturalidade; Ensino de geografia; Educação escolar Indígena.
167
em relação às dificuldades apresentadas pelos professores que atuavam em salas de aula
do 1º ao 5º ano, ao transporem didaticamente os conhecimentos cartográficos, onde no
curso com as oficinas o objetivo era trabalhar com uma metodologia que os auxiliassem
a se apropriarem também dos conceitos e habilidades relativos à linguagem cartográfica,
bem como articulassem às suas próprias realidades, podendo assim, transpôr tais
conhecimentos aos seus alunos. Partindo de uma de uma abordagem pautada pela
pesquisa qualitativa interpretativa, concluímos que o encaminhamento da proposta
metodológica do curso com suas oficinas, foi apropriada e profícua, na medida em que
valorizamos a participação efetiva tanto dos professores como dos alunos, no qual
procuramos propiciar-lhes os procedimentos necessários para que pudessem trabalhar
com mais autonomia e segurança ao tratar da linguagem cartográfica, como a desenvolver
um trabalho interdisciplinar a partir de um tema da geografia do lugar e suas
representações. O aporte teórico fundamentou-se do desenvolvimento cognitivo em
Piaget e Inhelder (1993), Vygostsky (2008) e na cartografia com ênfase no ensino com
os autores Bertin (1986), Martinelli (1991), Lacoste (1988), Passini (2012), Simielli
(2000), Callai (2010), Castellar (2005, 2011), Straforini (2008) e Cavalcanti (2008), todos
esses corroboram com a ideia da cartografia como linguagem para a elaboração de mapas
e roteiros criados a partir da observação do cotidiano. Essas atividades didáticas
estimulam a apropriação de conceitos cartográficos e a apropriação de uma linguagem
simbólica. Neste sentido, espera-se que o professor ao apropriar-se desses conceitos,
tenha clareza da sua importância em sala de aula para que seus alunos utilizem elementos
da cartografia para representar os lugares de vivência e auxiliar na compreensão do
mundo. A partir da formação continuada aos professores, procuramos incentivá-los de
maneira que aos poucos possam superar possíveis obstáculos de sua formação inicial que
tiveram, ao ensinarem a leitura da linguagem cartográfica.
Palavras-chave: Alfabetização Cartográfica e Geográfica; Anos Iniciais; Formação de
Professores.
168
em estudantes do ensino médio de uma escola pública estadual, de tempo integral. No
ano de 2014, além das atividades didáticas estruturadas em parceria entre a universidade
e a escola pública, buscou-se, por meio de observações em sala de aula e aplicação de
questionários, investigar como a proposta do novo ensino médio se realiza a partir da
interpretação dos estudantes sobre o currículo, focando nas interações entre as disciplinas
de Geografia e Sociologia. No presente trabalho, além da descrição das atividades
desenvolvidas, almejamos apresentar e discutir alguns dos resultados obtidos por meio de
análise dos questionários, respondidos por estudantes do Ensino Médio que participaram
do projeto, levando em conta as particularidades, sentidos e significados que a escola
carrega para os educandos em questão. A análise sugere que a interdisciplinaridade
aparece como um campo amplo de estudos que se afirma diante de contradições vigentes
em nossa sociedade atual e na prática escolar se desdobra, com o esforço de profissionais
da área da educação, em aulas e projetos multidisciplinaridade e interdisciplinares,
segundo o estudo das respostas dos estudantes. Do mesmo modo, nas respostas dos
estudantes, a Geografia aparece como campo disciplinar que contribui para a construção
de uma concepção ampla de Natureza, que contempla a preservação e questão ambiental,
além do sentido da localização espacial.
Palavras-chave: Educação Geográfica; currículo; interdisciplinaridade.
169
aprendidos nas oficinas do projeto, foram utilizados na sala de aula, ela tornou-se mais
proveitosa e interessante para os alunos, pois a abordagem foi mais contextualizada e
interdisciplinar. Os instrumentos que foram utilizados, serviram para mostrar que o
interesse e a participação do aluno no desenvolvimento dos conteúdos, tornou-se um
ponto positivo e que ocorreu uma maior fixação/aprendizagem; maior interatividade entre
os alunos, proporcionada pelos trabalhos em grupo; maior interatividade entre professor
e alunos. Permitiu também, aos professores, identificar as diferentes concepções sobre o
lugar, cidade, urbano e uso do solo e se apropriarem delas. Palavras-chave: Sequências
didáticas; Ensino-aprendizagem; Interdisciplinaridade; inovações metodológicas.
Palavras-chave: Sequências didáticas; Geografia escolar; Ensino-aprendizagem;
Interdisciplinaridade.
170
propiciou uma discussão sobre as práticas disciplinares, interdisciplinares e transversais
na escola e possibilitou a elaboração de curso de extensão para alunos e professores do
Colégio Estadual Arêa Leão em Nova Iguaçu-RJ, além da ação extensionista que em
muito prima pelo funcionamento constitutivo da Universidade brasileira pública de
qualidade, alicerçada no tripé: ensino-pesquisa-extensão e acima de tudo aprofundando o
diálogo da Universidade com a Educação Básica.
Palavras-chave: Ensino de Geografia; interdisciplinaridade; escola pública.
171
. Revista História da Educação (UFRGS)
(v. 19, n. 45, jan./abr., 2015) Pragmatismo e idealismo: o debate entre pioneiros e
católicos em dois manuais no Brasil dos anos de 1930
Maria de Lourdes Pinheiro, Maria Cristina Menezes (Brasil)
Na década de 1930 acentuava-se o debate educacional brasileiro entre dois grupos rivais,
que se utilizaram do livro como um dispositivo estratégico para divulgar ou censurar
concepções pedagógicas com a intenção de consolidar um determinado modelo escolar.
Neste contexto e por uma perspectiva histórico-cultural, o presente trabalho apresenta
uma discussão sobre dois impressos de coleções pedagógicas que circularam no Brasil:
Democracia e educação, de John Dewey (1936) e A filosofia da educação sob o ponto de
vista democrático, de Herman Harrel Horne (1938).
Palavras-chave: coleções pedagógicas, estratégia, práticas, modelo escolar.
2016
172
mudanças sócio-espaciais de seus respectivos tempos, nunca abandonaram totalmente as
concepções já estabelecidas na tradição da geografia escolar, sejam elas mais arraigadas
no campo do saber geográfico ou no educacional. Assim, novos discursos, roupagens ou
traduções são apresentados para velhas questões desse campo disciplinar, num processo
de bricolagem em que alguns discursos são recontextualizados, outros são hibridizados,
e aqueles, aparentemente antagônicos, são interditados. Concluímos, ainda que
parcialmente, que esses documentos correspondem cada qual ao seu tempo e em seu
conjunto na atualidade em um mosaico textual normativo que, ao mesmo tempo em que
conflitam entre si por definição de hegemonia discursiva, também compartilham de
discursos equivalentes e continuam presentes nas práticas curriculares dos docentes.
Palavras-chave: Ensino de geografia, Currículo, Cotidiano escolar.
(v.6, n.11, 2016) Cotidiano, Sujeitos e Territórios nos Anos Iniciais da Escolarização
Maria Lidia Bueno Fernandes, Antônio Fávero Sobrinho
O presente artigo apresenta reflexões a respeito do Ensino da Geografia e da História nos
anos iniciais da escolarização, considerando as possibilidades de estabelecer diálogo de
natureza pedagógica entre ambas. Nesse sentido, relata a experiência desenvolvida na
Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, em que o Distrito Federal tornou-se
objeto de ensino em sala de aula. Para tanto propõe que a abordagem pedagógica
denominada estudo do meio seja incorporada à formação do futuro pedagogo em sua
atuação profissional. Dessa forma, considera o desafio de trabalhar com a realidade
cotidiana do profissional em formação na perspectiva de sua aproximação com conceitos
da Geografia e da História. Em termos teóricos a pesquisa respalda-se nas obras de:
Santos, Cavalcanti e Callai, no que diz respeito à discussão acerca do conhecimento
geográfico, de Revel e Pesavento acerca das reflexões sobre a micro-história e de Alarcão
e Brzezinski sobre formação docente. Como síntese, pode-se reconhecer o potencial
transformador das disciplinas que estabelecem diálogo com os conhecimentos prévios
dos alunos e com sua vida cotidiana. Percebe-se, com a pesquisa, o potencial do estudo
do meio como aliado em sala de aula.
Palavras-chave: Estudo do Meio, Anos Iniciais da Escolarização, Ensino de História,
Ensino de Geografia.
173
(v.6, n.12, 2016) Espaço Geográfico e Interdisciplinaridade: natureza do
conhecimento geográfico no saber escolar
Sidelmar Alves da Silva Kunz, Remi Castioni
O objetivo deste trabalho é relacionar os pressupostos da categoria espaço geográfico com
a perspectiva interdisciplinar de lidar com o conhecimento científico. Tal investigação
visa contribuir para o aprimoramento do debate a respeito do saber geográfico que, em
virtude das transformações sociais, demanda superação dos novos desafios no cenário do
escolar. Este estudo é norteado pela compreensão epistemológica, num viés crítico, sobre
a natureza do conhecimento geográfico a partir de pesquisa bibliográfica com vistas a
explorar conceitos filosóficos, educacionais e geográficos que envolvam essa temática.
As reflexões apontam que o espaço geográfico como objeto específico de análise
geográfica é, concomitantemente, um potencial integrador das dimensões da realidade e,
por conseguinte, da interdisciplinaridade.
Palavras-chave: Interdisciplinaridade, Espaço geográfico, Conhecimento geográfico.
. Revista História da Educação (UFRGS)
(v. 20, n. 49, maio/ago.) Debating education and political reform: the Freinet
movement and democratisation in Spain (1975-1982) - Debates sobre educação e
reforma política: o movimento Freinet e a democratização na Espanha (1975-1982)
José Luis Hernández Huerta, Alba María Gómez Sánchez (Espanha)
Em meados dos anos 1960, ressurgiu na Espanha o movimento Freinet, primeiro sob o
nome de Asociación para la Correspondencia y la Imprenta Escolar - Acies - e, em
seguida, passou a ser denominado Movimiento Cooperativo de Escuela Popular MCEP.
Em pouco tempo, a organização contava com mais de uma centena de membros e
seguidores, que, juntamente com o processo de transição à democracia, possibilitou que
se empreendessem vários projetos, evidenciando um duplo caráter, pedagógico e político,
das atividades da Acies/MCEP, entre os quais se destacaram os congressos, jornadas e
seminários de formação e aperfeiçoamento profissional, assim como o boletim
Colaboración (1976-1985), que foi o órgão de expressão e comunicação dos professores
freinetianos espanhóis. Durante o período analisado, a Acies/MCEP se configurou como
um dos movimentos de Renovação Pedagógica da Espanha mais ativos e dinâmicos. Este
artigo indaga quais as contribuições do movimento freinetiano espanhol para a
democratização do ensino durante o período mencionado, particularmente os debates
políticos-pedagógicos sobre os princípios e fins da educação pública, a forma de
compreendê-la, os problemas que envolviam a existência de uma educação privada
subsidiada e o papel da escola como agente de desenvolvimento comunitário e cenário de
participação cívica. Para tanto, utilizamos a coleção do boletim Colaboración como
principal fonte documental, um exemplo representativo da imprensa pedagógica
espanhola dos anos 70 e 80 do século 20, que contribuiu para a configuração do
imaginário pedagógico vigentes nessas décadas e posteriores.
Palavras-chave: Freinet, Espanha, imprensa pedagógica, renovação pedagógica, transição
democrática, Colaboración.
(v. 20, n. 50, set./dez. 2016) A constituição da esfera especializada das ciências da
educação na democracia portuguesa - The establishment of the specialised sphere of
educational sciences in the portuguese democracy
Teresa Teixeira Lopo (Portugal)
Neste artigo documenta-se a constituição da esfera especializada das Ciências da
Educação na democracia portuguesa, entre 1976 e 1987. Analisa-se a evolução histórica
da ciência da educação às ciências, no plural, da educação, o processo da sua
174
institucionalização universitária e a relação entre oportunidades discursivas e visibilidade
do seu campo disciplinar, assim como atores relevantes. Os resultados dessa análise
sugerem que foram as oportunidades discursivas proporcionadas pelo governo que,
convocando a partir de 1986 a expertise científica dos especialistas em Ciências da
Educação, contribuíram decisivamente para a infraestruturação desta esfera
especializada.
Palavras-chave: ciências da educação, esfera pública especializada, Portugal
175
ANEXO II - Levantamento das dissertações e teses sobre Estudos Sociais, 2011-2019
2011
2012
176
escolares, os conteúdos se mantêm em pauta associados a uma idéia de qualidade. Assim,
assumo uma perspectiva que percebe a escola como um lócus de produção de
conhecimento, mas lugar este que o produz envolvendo questões sociais e políticas mais
amplas, sendo titular de epistemologias próprias. Em linhas gerais, como objetivo central
neste trabalho de pesquisa, procurei compreender e analisar o que tem sido fixado
enquanto “conteúdo importante” em História por meio das Provas Institucionais de
Estudos Sociais do 5º ano de escolaridade no Colégio Pedro II, evidenciando o papel
desempenhado pela relação do conteúdo com o conhecimento escolar, nas esferas da
transposição didática e na construção discursiva sobre a própria disciplina. Concentrando
o foco de análise em entrevistas com as atuais coordenadoras de Estudos Sociais nas
diferentes Unidades I da instituição, em Documentos Curriculares e em Portarias
Avaliativas que regulam a disciplina citada, busquei construir um mapa para compreensão
discursiva dos sentidos de importância atribuídos aos conteúdos em História e fixados
através dos enunciados nas questões das Provas Institucionais de Estudos Sociais no
quinto ano de escolaridade do Colégio. A análise mostrou, por meio dos sentidos atrelados
ao acervo empírico, traços que indicam disputas hegemônicas em torno das narrativas
histórico escolares
2013
177
escolar (Dominique Julia). Os resultados revelam que as representações de ensino de
Estudos Sociais e de aperfeiçoamento de professor foram apropriadas nas propostas
curriculares do estado do Espírito Santo e se constituíram a partir de movimentos de
histórias conectadas, não como mera transposição de ideias importadas, mas como
apropriações inventivas que foram legitimadas na cultura escolar por meio de políticas
curriculares e políticas de aperfeiçoamento de professores. Assim, ao aperfeiçoar o
professor pretendia-se aperfeiçoar a sociedade, a educação, a escola e o ensino.
2015
Título: O ensino de geografia nos anos iniciais do ensino fundamental: uma perspectiva
a partir da análise dos livros didáticos aprovados pelo PNLD 2013
Autor: Guilherme Macedo Pascal
179
que existe uma questão de ordem semântica, sobretudo nos estudos mais focados no
ensino de Geografia. Verifica-se que as obras analisadas não praticam o que se propõe a
fazer, evidenciando seu caráter tecnicista a serviço da aquisição da linguagem.
2017
Título: A disciplina Estudos Sociais nos anos iniciais do Colégio Pedro II: disputas e
negociações curriculares em perspectiva
Autora: Luciene Maciel Stumbo Moraes
180
soma aos trabalhos produzidos no campo curricular que continuam apostando na
dimensão incontornável do conhecimento (GABRIEL, CASTRO 2013; GABRIEL, 2013,
2015, 2016) para a produção de uma leitura política do social. O estudo explicita a
assunção de uma postura epistêmica que percebe a escola como um lócus de produção de
conhecimento, envolvendo questões sociais e políticas. Esse tipo de conhecimento se
caracteriza por uma epistemologia própria, resultante de operações discursivas que
evidenciam a relação estabelecida - deste lugar especifico - com os conteúdos, os
objetivos, as atividades/estratégias didáticas por meio do processo de transposição
didática (CHEVALLARD, 1991) na sua trajetória de construção. Nessa perspectiva, esta
pesquisa busca refletir sobre o conhecimento escolar na/da disciplina Estudos Sociais no
Colégio Pedro II, considerando o recorte temporal 1984-2016, a partir do diálogo com a
Teoria do Discurso (LACLAU & MOUFFE, 2004) para problematizar as narrativas
(RICOEUR, 2010) (re)construídas nesses processos, destacando a importância atribuída
aos conceitos de tempo e espaço na produção do conhecimento a ser ensinado/aprendido
no âmbito desta disciplina. Este estudo opera com o entendimento de conhecimento
escolar em Estudos Sociais como uma (re)configuração narrativa, onde objetivos e
conteúdos disciplinares se articulam mobilizando perspectivas teórico-metodológicas
diversas. Como empiria, ele trabalha com diferentes textos: Planos Gerais de Ensino
(1984, 1986, 1988, 1996/1997), Projeto Político Pedagógico (2002), PPP para os Anos
Iniciais (2008), FACTAS, ofícios, portarias e decretos. Na composição do acervo
empírico foram incorporadas entrevistas realizadas com três professoras da instituição
que acompanharam a implantação, consolidação da proposta e os movimentos
curriculares da área de Integração Social/Estudos Sociais ao longo dos anos aqui
privilegiados. A análise aponta a presença de traços que indicam disputas por hegemonia
em torno das narrativas na/da disciplina, por meio da fixação de sentidos de categorias
formuladas nos diferentes campos disciplinares que configuram o conhecimento em
Estudos Sociais.
181
ANEXO III - Recortes do Manual Didático: Os Estudos Sociais para Crianças
numa Democracia
182
Proposta do autor para um programa de Estudos Sociais
183
Proposta do autor para um programa de Estudos Sociais
184
Proposta do autor para um programa de Estudos Sociais
185
Exemplos de programa de currículos estaduais para Estudos Sociais nos EUA
186
Exemplos de programa de currículos estaduais para Estudos Sociais nos EUA
187
Exemplos de programa de currículos estaduais para Estudos Sociais nos EUA
188
Exemplos de programa de currículos estaduais para Estudos Sociais nos EUA
189
Exemplos de programa de currículos estaduais para Estudos Sociais nos EUA
190
Representação de ensino patriótico nos Estudos Sociais
191
Representação de papéis de gênero em Estudos Sociais
192
Representação de papéis de gênero em Estudos Sociais
193
Proposta de avaliação eficaz para programas de Estudos Sociais
194
Proposta de avaliação eficaz para programas de Estudos Sociais
195
ANEXO IV – Seções Analisadas da BNCC
196
197
198
199
200
201
202
203
204
205
206
207
208
209
210
211
212
213
214
215
216
217
218
219
220
221