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ROSANA EVANGELISTA DA CRUZ
organizadora

O DIREITO À EDUCAÇÃO
E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ
Valdemir Paiva Paula Zettel
EDITOR-CHEFE DESIGN DE CAPA

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DIREÇÃO EDITORIAL DIAGRAMAÇÃO E PROJETO GRÁFICO

Katlyn Lopes
DIREÇÃO EXECUTIVA

DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)


BIBLIOTECÁRIA: MARIA ISABEL SCHIAVON KINASZ, CRB9 / 626
O direito à educação e a política educacional no
D598 Piauí [rescursos eletrônicos]/ organização de Rosana Evangelista da Cruz - 1.ed. –
Curitiba: Editorial Casa, 2022.
540p.: il.; 23cm

ISBN 978-65-5399-045-6

1. Direito à educação. 2. Política educacional – Piauí. I. Cruz, Rosana Evangelista (org.).

CDD 344.07 (22.ed)


CDU 37:34

1ª edição – Ano 2022


Copyright © Editorial Casa, 2022

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PREFÁCIO

Inicialmente, faz-se necessário discorrer um pouco sobre o


contexto e a singularidade que envolveram a produção deste livro,
cujo prefácio fomos provocadas a escrever.
Esta obra é resultado da feliz articulação de um grupo de pes-
soas que apoiam, coordenam e executam atividades de pesquisa, no
âmbito do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Políticas e Gestão da
Educação (Nuppege), vinculado ao Departamento de Fundamentos
da Educação (DEFE) e ao Programa de Pós-Graduação em Educação,
do Centro de Ciências da Educação (CCE), da Universidade Federal
do Piauí (UFPI).
O Nuppege foi criado em 2003, na UFPI, inicialmente, por um
coletivo de professoras e professores que se uniram com o propó-
sito de avaliar as políticas educacionais no Brasil e Piauí para melhor
acompanhar e estar presente na definição dos horizontes dessas
políticas, visando à garantia do direito à educação. Ao longo dos
anos, o núcleo foi agregando outros sujeitos que labutam no campo
da educação, transformando-se em espaço não só de estudo e refle-
xão, mas de militância e luta contra os ataques a esse direito em um
Estado que já enfrenta muitas adversidades, onde a escola é muito
mais que lugar de estudo: é lugar de alimento, livros e abrigo para os
filhos das trabalhadoras e dos trabalhadores.
Não foi sem razão que do estudo coletivo que derivou o engaja-
mento nas lutas. As contradições das políticas educacionais que afetam
o Brasil inteiro, no Piauí, somam-se a outros problemas, e mesmo os
mais rasos, para serem superados, demandam ações mais concretas.
No ano de surgimento do núcleo, já se vislumbrava, no estado
do Piauí, não só o trabalho pedagógico de professoras e professores,
mas uma militância educacional que encontrou lugar no Nuppege.
Foi a partir da participação de integrantes de movimentos sociais
no núcleo que se passou a promover profícuo trânsito entre o co-
nhecimento sobre as políticas educacionais e a materialidade das
lutas no enfrentamento aos ataques e à retirada de direitos, inclusive
os constitucionais, como estamos vendo se agigantar, especialmente
nos últimos cinco anos.
Podemos dizer que, hoje, o coletivo que forma o Nuppege tem
em comum o estudo, a pesquisa, a extensão, o debate acerca das
questões relativas à educação, além de uma militância que tem como
foco principal a defesa do direito a uma educação pública e popular,
democrática, gratuita, laica, inclusiva e socialmente referenciada.
Com esse espírito é que a sequência cotidiana das discus-
sões teóricas e da luta efetiva pelo direito à educação, evidenciando
a singularidade do coletivo que forma o Nuppege, tornou viável a
constituição do Observatório da Política Educacional Piauiense:
monitoramento da ação estatal e direito à educação, um projeto in-
terinstitucional que conta com a participação de três instituições de
ensino superior do estado (UFPI, UESPI e IFPI), cujo objetivo é analisar
como as políticas educacionais têm contribuído para a ampliação ou
para a restrição desse direito no estado.
A materialidade do projeto expressa-se na constituição de
células de pesquisa que se debruçam sobre o processo de formula-
ção, implementação e avaliação de políticas educacionais nos níveis
federal, estadual e municipal, inclusive as efetivadas em colaboração
intergovernamental para a educação básica e superior.
O Nuppege, atualmente, organiza-se em células com as quais
mantém diálogos permanentes no coletivo, tendo como resposta
a realização de pesquisas de menor porte que abordam diferentes
aspectos da política educacional no Piauí, algumas consubstanciali-
zadas nos capítulos que compõem este livro, com reflexões sobre as
temáticas: Educação infantil; Educação de Jovens e Adultos; Educa-
ção do Campo; Ensino Superior; Gestão da Educação; Financiamento
da Educação e a Produção de Conhecimento sobre política educa-
cional. Prefaciar esta obra a várias mãos é mais um desafio, tendo
em vista as condições adversas de sobrevivência e de condições de
trabalho por conta da pandemia da Covid- 19, compelindo o distan-
ciamento social e fechamento dos espaços coletivos, a exemplo da
sala de reuniões do Nuppege, além da sobrecarga de trabalho que
isso resultou para nós, professores e professoras, o que nos levou a
criar outros caminhos de diálogos.
Recebemos como privilégio a possibilidade de prefaciar este
livro a sete mãos e com isso, poder contribuir para a publicação de
conhecimentos produzidos pelo grupo, assim como para o fortaleci-
mento do debate sobre os temas tratados nos capítulos que com-
põem a presente obra, os quais expressam a realidade das políticas
públicas para a educação no Brasil e no Piauí.
A obra que ora vem a público apresenta trabalhos que se
frutificaram a partir de teses, dissertações e monografias cujos te-
mas são resultados de pesquisas voltadas, direta ou indiretamente,
ao direito à educação. Logo, trata-se de uma publicação oportuna
no cenário atual, quando a educação, a ciência e a cultura sofrem
contínuos e profundos ataques de um governo ultraneoliberal e ne-
gacionista que transformou tais áreas em potenciais inimigos, com
prejuízos inestimáveis à sociedade.
São produções teóricas, empíricas e analíticas autorais que
dialogam com o estado da arte no Brasil, no tocante à política educa-
cional, em face das especificidades do estado do Piauí, contribuindo
para ampliar a cena, no sentido de que determinados territórios ainda
são invisibilizados pelo peso das desigualdades regionais.
Evidenciar a política educacional no Piauí representa a opção
de ter como ponto de partida a materialidade em que as pesqui-
sadoras e os pesquisadores promovem a sua produção e atuação.
Ademais, denota a produção de conhecimento por meio da qual se
busca um processo de totalização em que a realidade mais ampla
não invisibiliza nem neutraliza a realidade local.
É também um sinal de compromisso com a transformação,
pois ao sobrelevar dados qualitativos, quantitativos, medidas adota-
das e(ou) negligenciadas por gestores do estado, dos sistemas e das
escolas situadas na realidade de desfavorecimento socioeconômico
do Piauí – quando comparada a outras unidades federadas – tam-
bém questiona sobre afazeres, visando a superação dessa realidade
que é marcada em sua origem pela escolarização tardia, situada no
processo de interiorização da colonização brasileira que teve como
objetivo primeiro, no território piauiense, a fixação de fazendas de
gado, uma espécie de extensão das famílias não-proprietárias.
Os resquícios desse processo, marcado pelo coronelismo e
mandonismo, ainda persistem na política educacional praticada no
estado, tendo em vista a baixa intensidade na participação e no
controle social das ações; a ingerência das chefias políticas e econô-
micas nas decisões; os baixos investimentos orçamentários – quase
totalmente restritos às obrigações constitucionais –; o modo de
distribuição da rede escolar, de escolha de dirigentes, de ingresso
no serviço público; e tantas outras situações cujas funcionalidades
advindas da base histórica que as constituíram, as tornam facilmente
aderentes às retiradas de direitos orquestradas pelo governo federal
e pelos organismos internacionais.
Apesar do peso dessa base histórica que, de alguma forma,
incide na produção de conhecimento, não encontramos nos textos
uma postura fatalista, mas a perspectiva dialética que atravessa as
produções, expressando as mediações e esperanças que o grupo de
autoras e autores carrega consigo ao participarem do Nuppege, um
espaço que, em uma postura político-pedagógica e epistemológica,
busca distanciar-se do individualismo concorrencial e produtivista
reinante na produção acadêmica, alimentando-se e, ao mesmo tem-
po, colaborando com a organização da sociedade em movimentos
sociais e em outros coletivos comprometidos com a transformação.
Ciente do tamanho dos desafios a enfrentar pelo nível dos
ataques e do desmonte da escola pública, e pela negação do direi-
to à educação – contexto que não oferece outra alternativa senão
lutar por todos os canais possíveis – o coletivo que se organiza no
Nuppege se desafiou a produzir esta obra, que recomenda e convida
à leitura.

Coordenadoras das Células de Pesquisa do


Observatório da Política Educacional Piauiense:
monitoramento da ação estatal e direito à educação

Maria da Penha Feitosa - UFPI


Educação Superior

Magna Jovita Gomes de Sales e Silva – SEMEC/SEDUC


Financiamento da Educação

Lucineide Barros Medeiros - UESPI


Educação do Campo

Maria Carmem Bezerra Lima - UESPI


Educação Infantil

Enayde Fernandes Silva - UESPI


Produção de conhecimento em política educacional do/no
Piauí

Marli Clementino Gonçalves - UFPI


Educação de Jovens e Adultos

Samara de Oliveira Silva - UESPI


Gestão de Sistemas e Unidades Escolares
APRESENTAÇÃO

Na história recente, as sociedades de classes esmeram-se na


criação de variados tipos de direito, com tendência a utilizá-los como
instrumento político de manutenção da ordem social e conformação
da desigualdade que caracteriza esse formato de sociedade.
O direito à educação faz parte do conjunto de prerrogativas
sociais, e embora tenha como inspiração a justiça e a igualdade entre
as pessoas, no Brasil o seu reconhecimento deu-se pela primeira vez
na Constituição Federal de 1988, como preconiza o Art. 205, segundo
o qual a educação é “direito de todos e dever do Estado e da família,
onde será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade,
visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”, quando da
instituição do Estado Democrático de Direito no País (BRASIL, 1988,
p. 106).
Ocorre que nas condições atuais de ataques aos direitos
sociais e diante de uma nítida política entreguista, antinacional e
ultraneoliberal, de forte teor ideológico e fundamentalista, com im-
pactos negativos na formação de consciências e no funcionamento a
contento dos sistemas de ensino, o direito à educação é mortalmente
ameaçado, distanciando a sociedade cada vez mais da justiça e da
igualdade pela via desse direito.
Há mais ou menos metade de uma década, o Brasil não vis-
lumbra no horizonte educacional políticas que coloquem em primeiro
plano a educação como um direito humano inalienável. Pelo contrá-
rio: as políticas públicas voltadas para a educação no País, embora
necessárias, não se mostram eficientes para garantir uma educação
com qualidade social a toda a população, o que constitui uma nega-
ção do direito à educação como assegurado na Constituição Federal
e nas legislações complementares, como a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (LDB) e o Plano Nacional de Educação (PNE).
No Piauí, a rede estadual e as redes municipais de educa-
ção, embora desenvolvam políticas educacionais, em articulação
intergovernamental ou por iniciativa local, elas nem sempre estão
voltadas à qualificação da oferta educacional. Ao ponderar o caráter
dessas políticas, pesquisadores e movimentos sociais e sindicais
problematizam que algumas colocam em risco o próprio direito
à educação, a exemplo da militarização das escolas, das parcerias
público-privadas, da institucionalização dos “cheques escolares” ou
“vouchers educacionais”, as quais inserem perspectivas reacionárias
e mercadológicas nos sistemas de ensino.
As políticas educacionais despertam o interesse da sociedade
civil organizada e do meio acadêmico porque envolvem a educação,
direito humano inalienável, condição para o pleno desenvolvimento
do indivíduo. Tais políticas, dada a sua importância, representam
campo fértil para debates e reflexões, assim como para a produção
de conhecimento cujo objetivo seja refletir sobre os diferentes as-
pectos das políticas educacionais implementadas pelo poder públi-
co e avaliar seus efeitos, seus limites e suas potencialidades para a
efetivação do direito à educação.
O livro ora apresentado expõe os resultados de pesquisas rea-
lizadas no âmbito do Projeto Interinstitucional intitulado Observatório
da política educacional piauiense: monitoramento da ação estatal e
direito à educação, com vigência de 2021 a 2025. Com efeito, esta in-
vestigação direciona-se pela seguinte questão de pesquisa: como as
políticas educacionais desenvolvidas no Piauí têm contribuído para a
ampliação ou para a restrição do direito à educação no estado?
Tendo isso em vista, este estudo desenvolve-se em um con-
texto em que as políticas educacionais se revelam ineficientes no
tocante à garantia do direito constitucional a uma educação com
qualidade social para toda a população, mas especificamente em
um cenário de retrocessos no âmbito das políticas públicas, as quais
destituem direitos e impulsionam os interesses do capital, em âmbito
nacional e internacional.
A susodita pesquisa é iniciativa do Núcleo de Estudos e
Pesquisas em Políticas e Gestão da Educação (Nuppege), coletivo
vinculado ao Departamento de Fundamentos da Educação (Defe) e
ao Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEd) da UFPI, que
conta com cerca 50 pesquisadores, entre doutores/ras, mestres, es-
pecialistas, graduados/as e graduandos/as de diferentes instituições
de ensino superior. O Observatório, cuja materialidade são as Células
de Pesquisa, dedica-se à produção de conhecimentos que contri-
buirão para o pensamento crítico, a ampliação do saber científico e a
mobilização de ações em defesa do direito à educação.
Logo, a obra é fruto do esforço interinstitucional de pesqui-
sadores e pesquisadoras da UFPI, da Universidade Estadual do Piauí
(Uespi) e do Instituto Federal de Educação do Piauí (IFPI), envolvendo
diferentes campi dessas instituições (Teresina, Parnaíba, Floriano,
Picos, São Raimundo Nonato, Oeiras, Bom Jesus, Uruçuí, Piripiri).
O trabalho desse coletivo materializa-se pela formação de
sete Células de Pesquisa, conforme interesse temático dos par-
ticipantes: educação infantil; Educação de Jovens e Adultos (EJA);
educação do campo; ensino superior; gestão de sistemas e unidades
escolares; financiamento da educação e produção de conhecimento
em políticas educacionais do/no Piauí. Por conseguinte, tais células
são compostas por pesquisadores/as com diferentes graus de for-
mação, o que permite um rico processo de troca de experiências e
de aprendizagens entre os participantes.
O conjunto de pesquisadores e pesquisadoras reconhece a
necessidade de monitoramento das políticas educacionais, princi-
palmente porque as mudanças governamentais implicam redirecio-
namentos das ações, as quais nem sempre partem de uma avaliação
quanto à eficácia e efetividade dessas políticas para a garantia do
direito à educação.
Nesse sentido, o coletivo reconhece a primordialidade de
investigar como as políticas educacionais desenvolvidas no âmbito
da educação básica e do ensino superior no Piauí desvelam os mo-
vimentos de garantia ou negação de direitos educacionais e de luta
da sociedade pelo direito à educação pública, gratuita, democrática
e com qualidade social.
O resultado das inquietações e pesquisas desenvolvidas pelos
membros do Observatório da política educacional piauiense apre-
senta-se neste livro, que se estrutura em 21 capítulos, distribuídos em
cinco partes temáticas, com exceção do primeiro, que consiste no
texto O direito à educação em contexto de crescente desigualdade
social e educacional, de autoria de Maria da Penha Feitosa (UFPI) e
Rosana Cruz (UFPI), por meio do qual as pesquisadoras efetivam uma
discussão sobre o direito à educação como elemento fundante da
produção da humanidade, em um contexto de avanço de perspectivas
reacionárias no âmbito do Estado e da sociedade, desempenhando,
no conjunto da obra, a função de análise da conjuntura educacional
do Brasil e do Piauí.
A Parte I, que se destina ao tema Políticas para a educação
infantil, reúne um conjunto de quatro capítulos que tratam de dife-
rentes aspectos das políticas para a primeira infância. A propósito,
a educação infantil, por muitas décadas, mesmo com oferta restrita,
desempenhou função assistencialista e compensatória, focalizada
nas populações mais pobres, porque a classe trabalhadora era con-
siderada incapaz de assegurar os cuidados de sua prole. O atendi-
mento na pré-escola, por sua vez, restringia-se à etapa meramente
preparatória para os processos de alfabetização.
A superação dessas concepções, em benefício da compre-
ensão da educação infantil como direito da criança e da família, se
constituiu em um longo processo social que permitiu uma compre-
ensão mais acurada sobre a especificidade da primeira infância,
reconhecendo a criança pequena como sujeito social de direitos
que tem no brincar a chave de seu processo de desenvolvimento e
aprendizagem, embora, nas políticas públicas, essa perspectiva ainda
conviva com concepções conservadoras e retrógradas, as quais de-
vem ser superadas, mesmo em sua faceta economicista. No entanto,
deve-se reconhecer o avanço na legislação ao incluir a educação
infantil como primeira etapa da educação básica, em que pese o
financiamento ainda estar aquém das condições para o alcance das
metas de atendimento previsto no PNE 2014-2024.
No esteio dessa discussão, na Parte I da presente obra, o pa-
pel dos organismos internacionais no desenvolvimento de políticas
focalizadas para a educação infantil é destacado, por Carmen Lima
(UFPI) e Marcelo Silva (UFU), como elemento indutor de um modelo
de atendimento que reitera a negação do direito à educação.
Essa negação apresenta-se nas políticas públicas educacio-
nais para o atendimento das crianças de 0 a 5 anos em Teresina-PI,
como aborda Zélia Maria Silva (UFPI), e na conformação da oferta
de creches de Parnaíba-PI, relacionada ao atendimento municipal e
particular na cidade litorânea, a partir da discussão de Fabrícia Teles
(Uespi) e Camila Araújo (Uespi).
O impacto do contexto da pandemia de Covid-19 no atendi-
mento da primeira etapa da educação básica também é abordado
nessa parte do livro, com a análise das políticas públicas para a edu-
cação infantil no âmbito da educação teresinense, assunto articulado
por Isabel Cristina Fontineles (Uespi), Carlos Barbosa (Uespi/UFPI) e
Ana Raquel Uchôa (Uespi).
As Políticas para a educação de jovens e adultos e para a edu-
cação do campo são tratadas na Parte II do livro, em quatro capítulos.
A EJA é uma modalidade de educação historicamente secundarizada
na política educacional brasileira, em que pese o índice alarmante de
analfabetismo que assola o País, expressão de negação do direito à
educação. Nesse sentido, Efigênia Neres (UEMA) trata da EJA como
política de ação afirmativa e direito humano, a partir das categorias
gênero-raça-classe, demonstrando que a exclusão educacional, para
além da questão de classe social, intensifica-se quando se conside-
ram as mulheres negras, sobremaneira as do campo.
Ainda sobre a temática da EJA, Francislene Castro (UFPI),
Jefferson Oliveira (UFPI) e Marlúcia Meneses (Semec) abordam essa
modalidade no Piauí, discutindo como as políticas educacionais têm
reafirmado a negação dos direitos educacionais de jovens e adultos
nesse estado, que desponta com a segunda maior taxa de analfabe-
tismo do País.
No que se refere à educação do campo, é histórica a exclusão
da população que vive e trabalha na zona rural, herança colonial que
subordinou os camponeses aos interesses latifundiários, deman-
dando organização e luta pela mudança da situação de exploração.
Nessa seara, Lorena Morais (Uespi), Maria Clara Costa (UFPI) e Marli
Gonçalves (UFPI) resgatam e problematizam as lutas em defesa da
educação na reforma agrária, mediante a abordagem da trajetória
histórica dos movimentos sociais no Brasil.
Tratando da mesma temática, a partir da discussão sobre as
escolas do meio rural piauiense e a negação do direito às tecnologias
digitais da informação e da comunicação, Lucineide Medeiros (Uespi),
Jullyane Santana (USP) e Rhayra Lima (Uespi) discorrem sobre os
limites das políticas de inclusão digital por meio da ampliação do
acesso a computadores, conexão à rede mundial de computadores
e a outras tecnologias digitais voltadas à comunidade escolar, e à
população próxima às escolas do campo.
A Parte III do livro debruça-se sobre as Políticas para o ensino
superior, contendo quatro artigos. Reputando que o ensino superior
no Brasil, historicamente, volta-se à formação de uma elite intelectual
e profissional, políticas de democratização do acesso à classe traba-
lhadora ainda são recentes. No entanto, é nesse nível de ensino que
predomina a hegemonia do capital privado, tanto na oferta quanto
no acesso ao fundo público, viabilizado por políticas e programas,
com suporte na legislação, que viabilizam a transferência de recursos
públicos para o setor privado e a sua mercantilização, o que fere a
compreensão da educação como direito social que implica a obriga-
ção do Estado em sua oferta, visando à socialização do conhecimento
historicamente produzido.
Envolvida nas reflexões sobre o ensino superior, Maria da
Penha Feitosa (UFPI) discute o trabalho docente nas universidades
federais brasileiras, em meio às transformações na relação trabalho-
-capital, construindo sólida revisão da literatura para fundamentar as
análises sobre a temática. A trajetória de implementação e de expan-
são do ensino superior privado no Piauí, no período compreendido
entre 1930 e 1980, é tecida por Geraldo Carvalho (UFPI). Ademais, a
avaliação do ensino superior tem espaço nas discussões envidadas
por Maria Carmem Lima (Uespi) e Maria Jéssica Borges (Uespi), que
apresentam as percepções dos alunos dos cursos de licenciatura e
bacharelado da Uespi/Picos acerca do Exame Nacional de Desem-
penho dos Estudantes (Enade). Especificamente sobre a produção
acadêmica, Maria de Jesus Rodrigues Duarte (Uespi) constrói um pa-
norama analítico sobre o tema financiamento da educação na UFPI, a
partir das teses e dissertações do PPGEd.
As Políticas para a formação de professores, assunto da Parte
IV do livro, são abordadas em três capítulos. Por oportuno, o tema é
amplamente estudado e envolve uma complexidade de interesses
das mais variadas ordens, de âmbito político, cultural e econômico.
É evidente disputa entre diferentes projetos de formação de profes-
sores. Por um lado, perspectivas que concebem a educação como
atualização histórico-cultural da humanidade, defendendo que a for-
mação de professores deve se pautar em um projeto de emancipação
e autonomia do ser humano, de modo que reafirme nos educandos
o seu papel de sujeitos capazes de transformar a sua realidade. Essa
perspectiva não desvincula a formação dos elementos relacionadas à
autonomia, à carreira, ao salário e às condições de trabalho da cate-
goria profissional. Por outro lado, concepções de formação pautadas
na racionalidade técnica, circunscrita ao papel de formar indivíduos
funcionais às necessidades do mercado de trabalho, formando mão
de obra e consciências adaptáveis aos interesses do capital.
Nessa parte do livro, Maria Carmem Lima (Uespi) disserta sobre
a formação inicial de professores da educação infantil, problemati-
zando a manutenção do ensino médio normal como requisito mínimo
para atuar nessa etapa da educação básica. O perfil formativo dos
professores de Física no Piauí e suas relações com a qualidade da
oferta tem espaço nos estudos de Denilson Silva (IFPI) e Luís Carlos
Sales (UFPI). Ademais, as relações entre políticas educacionais e os
interesses de pesquisa na formação inicial de professores nos cursos
de Licenciatura em Pedagogia da UFPI são abordados por Maria do
Socorro Soares (UFPI), Maria Deuseny Oliveira (UFPI) e Ednilson Cro-
nemberger (UFPI).
A Parte V trata de Políticas, gestão e financiamento da educa-
ção, contemplando cinco artigos. A gestão educacional constitui um
campo amplo de pesquisas, retratando os sistemas e as unidades
escolares em um contexto que conflita perspectivas que defendem
processos de democratização do ensino e aquelas que propõem a
inserção da racionalidade empresarial e mercadológica, propagando
o gerencialismo e a meritocracia nos sistemas educacionais, negando
o próprio sentido da educação.
Em relação ao financiamento da educação, essa mesma lógica
apresenta-se, pois o neoliberalismo entranhado na gestão da máqui-
na pública, com influência dos organismos internacionais, professa a
diminuição do tamanho e do papel do Estado, com o redirecionamen-
to das demandas sociais para a esfera do mercado e a focalização
das políticas públicas, em contraposição à defesa de ampliação dos
recursos da educação para assegurar a universalização e qualidade
da oferta educacional.
Embrenhado nesse debate, Valdeney Costa (Uespi) ocupa-se
do princípio da colaboração nas relações intergovernamentais em
Programa de Educação Integral em Tempo Integral. Por sua vez, Luís
Carlos Sales (UFPI), Magna Jovita Silva (Semec) e Rosana Cruz (UFPI)
resgatam o processo de elaboração do Plano Estadual de Educação
do Piauí, em um cenário de forte incidência popular e conflito entre
Estado e sociedade, e analisam a configuração da meta sobre o fi-
nanciamento da educação no referido plano.
Os demais artigos tratam da gestão e do financiamento, no
contexto da pandemia de Covid-19. Nesse ensejo, Lucineide Me-
deiros (Uespi) e Samara Silva (Uespi) problematizam o papel dos
gestores escolares e o trabalho remoto no Piauí durante a pandemia;
Lucineide Soares (Uespi), Lucine Almeida (UFPI) e Marina Soares
(Uespi/USP) tratam da gestão democrática das escolas públicas e
dos desafios para as mães, pais e/ou responsáveis de estudantes da
rede estadual de educação básica do Piauí no âmbito da pandemia;
Marlúcia Meneses (Semec), Ana Paula Moura (IFPI) e Léia Silva (IFPI)
debatem os desafios de assegurar uma política que garanta o direito
à alimentação escolar na rede estadual do Piauí durante a pandemia
de Covid-19.
O conjunto dos 21 capítulos desta obra, de autoria de pesqui-
sadores e pesquisadoras de diferentes Instituições de Ensino Superior,
participantes do Observatório da Política Educacional Piauiense, como
expresso nesta breve apresentação, assumiu o desafio de se debruçar
sobre as políticas educacionais realizadas pela rede estadual e pelas
redes municipais de educação do Piauí, refletindo uma contribuição
importante para avaliar os processos de garantia, restrição ou nega-
ção do direito à educação, movimento necessário para avançar na
produção de conhecimento sobre a temática e no monitoramento da
ação estatal pela comunidade científica, bem como pelos movimentos
sociais e sindicais que lutam em defesa da educação pública, gratuita,
democrática, popular e com qualidade social.

Rosana Evangelista da Cruz


Coordenadora da pesquisa interinstitucional
Observatório da política educacional piauiense:
monitoramento da ação estatal e direito à educação
SUMÁRIO

O DIREITO À EDUCAÇÃO EM CONTEXTO DE


CRESCENTE DESIGUALDADE SOCIAL E EDUCACIONAL . . . . . . . . . . . . . . . 23
Maria da Penha Feitosa
Rosana Evangelista da Cruz

PARTE 1
POLÍTICAS PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43

O PAPEL DOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS NO DESENVOLVIMENTO


DE POLÍTICAS FOCALIZADAS PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL . . . . . . . . . . . . . 45
Carmen Lucia de Sousa Lima
Marcelo Soares Pereira da Silva

POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS DA EDUCAÇÃO INFANTIL: REFLEXÕES SOBRE


O ATENDIMENTO DAS CRIANÇAS DE 0 A 5 ANOS NO CONTEXTO DOS ANOS DE 1990
E INÍCIO DOS ANOS 2000 (TERESINA- PIAUÍ). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69
Zélia Maria Carvalho e Silva

CRECHES DE PARNAÍBA: LEVANTAMENTO DO ATENDIMENTO NAS REDES


MUNICIPAL E PARTICULAR ENTRE 2005-2019. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93
Fabrícia Pereira Teles
Camila Dutra Araújo

EDUCAÇÃO INFANTIL E PROCESSOS HISTÓRICOS EM TEMPOS DE PANDEMIA: UM


BREVE OLHAR SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS E OS DESAFIOS DA EDUCAÇÃO
TERESINENSE (2020-2021) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109
Isabel Cristina da Silva Fontineles
Carlos Lopes Barbosa
Ana Raquel Rodrigues Uchôa

PARTE 2
POLÍTICAS PARA A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E A EDUCAÇÃO DO CAMPO. 133

A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS COMO POLÍTICA DE AÇÃO AFIRMATIVA E


DIREITO HUMANO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 135
Efigênia Alves Neres

A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO PIAUÍ: REAFIRMAÇÃO DA NEGAÇÃO DO


DIREITO DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS NO BRASIL. . . . . . . . . . . . . . . . . 155
Francislene Santos Castro
Jefferson de Sales Oliveira
Marlúcia de Sousa Meneses
AS LUTAS EM DEFESA DA EDUCAÇÃO NA REFORMA AGRÁRIA:
TRAJETÓRIA HISTÓRICA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL. . . . . . . . . .177
Lorena Raquel de Alencar Sales de Morais
Maria Clara de Sousa Costa
Marli Clementino Gonçalves

ESCOLAS DO MEIO RURAL PIAUIENSE E A NEGAÇÃO DO DIREITO ÀS TECNOLOGIAS


DIGITAIS DA INFORMAÇÃO E DA COMUNICAÇÃO. . . . . . . . . . . . . . . . . . 203
Lucineide Barros Medeiros
Jullyane Frazão Santana
Rhayra Vitória Almeida de Sousa Lima

PARTE 3
POLÍTICAS PARA O ENSINO SUPERIOR . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 225

O TRABALHO DOCENTE NAS UNIVERSIDADES FEDERAIS BRASILEIRAS E AS


TRANSFORMAÇÕES NA RELAÇÃO TRABALHO E CAPITAL: REVISÃO DE LITERATURA.227
Maria da Penha Feitosa

O ENSINO SUPERIOR PRIVADO NO PIAUÍ: DO SURGIMENTO À EXPANSÃO DOS


ANOS OITENTA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 257
Geraldo do Nascimento Carvalho

AVALIAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR: PERCEPÇÕES DOS ALUNOS DOS CURSOS DE


LICENCIATURA E BACHARELADO DA UESPI/PICOS ACERCA DO ENADE. . . . . . . . 283
Maria Carmem Bezerra Lima
Maria Jéssica Lima Borges

O PANORAMA ANALÍTICO DA PRODUÇÃO ACADÊMICA EM FINANCIAMENTO DA


EDUCAÇÃO NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ: AS TESES E DISSERTAÇÕES DO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 313
Maria de Jesus Rodrigues Duarte

PARTE 4
POLÍTICAS PARA A FORMAÇÃO DE PROFESSORES . . . . . . . . . . . . . . . . . 342

FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL NIVELADA PELA


NOÇÃO DE MÍNIMO: O LUGAR DO ENSINO MÉDIO NORMAL MAGISTÉRIO. . . . 343
Maria Carmem Bezerra Lima

O PERFIL FORMATIVO DOS PROFESSORES DE FÍSICA NO PIAUÍ:


UM ESTUDO COMPARATIVO E OS AVANÇOS NA QUALIDADE. . . . . . . . . . . . 371
Denilson Pereira da Silva
Luís Carlos Sales
POLÍTICA EDUCACIONAL: INTERESSES DE PESQUISA NA FORMAÇÃO INICIAL DE
PROFESSORES NO CURSO DE PEDAGOGIA DA UFPI. . . . . . . . . . . . . . . . . 393
Maria do Socorro Soares
Maria Deuseny Pereira Oliveira
Ednilson da Silva Cronemberger

PARTE 5
POLÍTICAS, GESTÃO E FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO. . . . . . . . . . . . . . 409

O PRINCÍPIO DA COLABORAÇÃO NAS RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS EM


PROGRAMA DE EDUCAÇÃO INTEGRAL EM TEMPO INTEGRAL . . . . . . . . . . . . 411
Valdeney Lima da Costa

O PLANO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO DO PIAUÍ: PROCESSO DE ELABORAÇÃO E


CONFIGURAÇÃO DA META SOBRE FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO. . . . . . . . 437
Luís Carlos Sales
Magna Jovita Gomes de Sales e Silva
Rosana Evangelista da Cruz

GESTORES ESCOLARES E TRABALHO REMOTO NO PIAUÍ EM


TEMPO DE PANDEMIA POR COVID-19 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 465
Lucineide Barros Medeiros
Samara de Oliveira Silva

A GESTÃO DO TRABALHO REMOTO DIANTE DA PANDEMIA DE COVID-19 SOB O


OLHAR DAS MÃES, PAIS E/OU RESPONSÁVEIS DE ESTUDANTES DA REDE ESTADUAL
DE EDUCAÇÃO BÁSICA DO PIAUÍ. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 487
Lucineide Maria dos S. Soares
Lucine R. V. B. de Almeida
Marina Gleika Felipe Soares

ALIMENTAÇÃO ESCOLAR NA REDE ESTADUAL DO PIAUÍ: DESAFIOS PARA A


EFETIVAÇÃO DO DIREITO EM TEMPOS DE PANDEMIA. . . . . . . . . . . . . . . . 503
Marlúcia Lima de Sousa Meneses
Ana Paula Monteiro de Moura
Léia Soares da Silva

SOBRE OS/AS AUTORES/AS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 521

ÍNDICE REMISSIVO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 531z


O DIREITO À EDUCAÇÃO
EM CONTEXTO DE CRESCENTE
DESIGUALDADE SOCIAL E EDUCACIONAL

Maria da Penha Feitosa


Rosana Evangelista da Cruz

Relatórios divulgados por agências nacionais e internacionais


sobre a desigualdade social escancaram uma realidade de ameaças
constantes à vida no planeta, com maiores consequências para as
regiões mais pobres. Há décadas esse diagnóstico se repete, e desde
1995 a contagem tem sido progressiva em se tratando de concen-
tração de riqueza e renda. Enquanto os mais ricos acumulam capital,
utilizando os mais aviltantes meios, mais de 160 milhões de pessoas,
ano a ano, são empurradas para as condições mais degradantes de
existência humana, situação agravada exponencialmente em virtude
da pandemia de Covid-19.
O Relatório “Desigualdade Mundial” informa que, nos últimos
26 anos, o grupo que representa 1% da população mais rica do plane-
ta concentrou 38% da riqueza global, enquanto os 50% mais pobres
ficaram com 2%. Isso posto, contabiliza-se que um seleto grupo de
520 mil bilionários detém, hoje, 11% da riqueza global, uma vez que só
em 2020 ganharam o equivalente a US$ 3,7 trilhões. Olhando para
a América Latina, a riqueza média dos 10% mais ricos é 630 vezes
superior à faixa dos 50% mais pobres (OXFAM, 2021).
O Brasil, seguindo a tendência mundial, aparece entre os mais
desiguais. Em 2020, o País atingiu o pior nível de concentração das
duas últimas décadas, quando quase metade da riqueza, 49,6%, foi
para as mãos do 1% mais rico. De acordo com o novo Relatório da
Oxfam (2021), no Brasil, são 55 bilionários, com fortuna total estimada
em US$ 176 bilhões. Desde março de 2020, quando a pandemia foi

23
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

declarada, o País ganhou dez novos bilionários. O aumento da riqueza


desses indivíduos durante a pandemia foi da ordem de 30% (US$
39,6 bilhões), enquanto 90% da população teve uma redução de
0,2%, entre 2019 e 2021. Os vinte maiores bilionários do País, juntos,
têm mais riquezas (US$ 121 bilhões) do que 128 milhões de brasileiros
que representam 60% da população.
No estado do Piauí, uma das unidades da Federação que se
apresenta entre as que contam com os maiores índices de exclusão
e desigualdades socioeconômicas, as políticas promovidas pelo
governo federal, alinhadas aos interesses do capital, intensificam as
desigualdades e a pobreza, exigindo dos movimentos sociais em ge-
ral e da comunidade científica a crítica e a ação efetiva para reverter
políticas que, de forma acelerada, negam direitos fundamentais à
população, a exemplo do direito à educação, notadamente aquela
destinada aos filhos da classe trabalhadora. Trata-se, pois, de um
dos estados que teve a situação mais agravada na última década,
justamente por ter vivido os maiores ataques à saúde e à educação,
que constituem as áreas sociais públicas mais procuradas por parte
da população pobre.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), em 2019, no Piauí, aproximadamente 457 mil
pessoas estavam em situação de extrema pobreza. Isso significa
que 14% da população do Estado vivia com rendimento domiciliar
per capita mensal inferior a R$ 151, ou R$ 5,5 por dia. Diante dessa
realidade, 248 mil pessoas sobrevivem com até R$ 89 mensais,
sendo que um contingente de 1,4 milhão, dentre os três milhões de
habitantes, vive em condição de pobreza extrema, o que equivale
a 43,4%, quase metade da população do Estado (CIDADE VERDE,
2020).
Em face desses dados, evidencia-se que a compreensão
das consequências do desmonte das políticas sociais do governo
federal no Piauí demanda um olhar mais apurado sobre as especi-
ficidades de um Estado que já acumula muitas lacunas no tocante

24
O DIREITO À EDUCAÇÃO
EM CONTEXTO DE CRESCENTE DESIGUALDADE SOCIAL E EDUCACIONAL

aos direitos sociais. Somadas a um contexto de desmonte das


garantias do Estado Democrático de Direito, uma das conquistas
mais significativas da Constituição Federal de 1988, essas lacunas
se aprofundam e se materializam em ameaças reais à educação, aos
direitos humanos e à vida.
A propósito, o ponto alto do desmonte dos direitos elemen-
tares à vida em sociedade no Brasil concretizou-se com a Emenda
Constitucional 95 (EC 95), promulgada em 15 de dezembro de 2016,
que instituiu um novo regime fiscal no País, que congela por vinte
anos os investimentos em serviços públicos, com maiores prejuízos
sobretudo nas duas áreas que têm relação direta com as necessida-
des da população pobre que mais sofre com a ausência do Estado:
a educação e a saúde. É contra esses ataques que se levantam as
múltiplas vozes dos movimentos sociais e populares, assim como
aquelas que ecoam de grupos e núcleos de estudos no âmbito da
academia. O Piauí tem se colocado nas fileiras dessa resistência pela
mobilização e luta pelo direito à educação, mediante um constante e
sistemático monitoramento das políticas educacionais, com o intuito
de estar presente na definição de seus horizontes.
Além desses ataques, outras frentes se desenham, como, por
exemplo, a que ocorre no campo ideológico. A conjuntura não poderia
ser mais propícia a que os objetivos econômicos dos ultraneoliberais
fossem indissoluvelmente imbricados com a guerra cultural. O gover-
no federal, além de ir contra os princípios constitucionais, atacando
as instituições democráticas e caminhando na contramão de todos
os avanços nacionais e internacionais sobre os direitos humanos e
da educação, adota uma agenda que, em uma sequência de ações
inimagináveis, tem deixado a sociedade perplexa, tanto pelo grau de
ignorância quanto pelo contexto insalubre e corrupto no qual gover-
no e seguidores vêm se movimentado ao longo de mais ou menos
metade de uma década.
A campanha rasteira e difamatória contra a educação, a cul-
tura e a ciência, como a que vivenciamos na atualidade, soma-se aos

25
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

ataques às condições de produção da existência. De forma assom-


brosa, é possível conectarmo-nos com pensamentos externados no
século XIX, como, por exemplo, o fez Jennychen Marx, na França, em
1871, em referência a situações degradantes vividas na época: “até
seria possível tratar com silencioso desprezo um governo que ficou
louco, e rir das farsas em que os calças-largas do governo fazem suas
trapalhadas diversionistas, não fossem essas farsas a tragédia de
milhares de homens, mulheres e crianças” (GABRIEL, 2013, p. 551).
No Brasil atual, as declarações estapafúrdias e “diversionistas”
do atual presidente da República e de membros de sua equipe de
governo, especialmente e justamente os que têm aportado na pasta
da educação, desenvolvem verdadeira guerra em campo aberto, na
tentativa de imprimir mudanças estruturais no espaço intelectual
brasileiro. Deveras, a disputa por consciências, que sempre esteve
presente na luta de classes, nunca nos havia obrigado a viver situa-
ções tão desastrosas e constrangedoras.
Enquanto para muitos a política obscurantista e ultraconser-
vadora de ataques à educação, à ciência e à vida intelectual brasileira
permanecem no nível do inacreditável e do assombro, para outros,
não são simples rompantes de anti-intelectuais que desprezam a
universidade, os critérios de verdade científica e o conhecimento ou
atitudes tresloucadas que se operam inocentemente no vazio da ig-
norância. Têm intencionalidades. Para Maria Carlloto, por exemplo, há
que se atentar para questões de fundo desse momento. E ao refletir
sobre o papel histórico do intelectual brasileiro nesse cenário, alerta
para o fato de que “podemos estar diante de uma transformação
muito mais profunda do espaço intelectual brasileiro ou, se quiser-
mos, de uma mudança estrutural na sua ordenação e funcionamento”
(2019, p. 123).
Também preocupado com o crescente avanço da pseudo-
ciência e das explicações místicas ou mesmo “inocentes” dos pro-
blemas sociais, Carl Sagam (1999) escreveu “O mundo assombrado
pelos demônios: a ciência vista como uma vela no escuro, em que

26
O DIREITO À EDUCAÇÃO
EM CONTEXTO DE CRESCENTE DESIGUALDADE SOCIAL E EDUCACIONAL

propõe o conceito de analfabeto científico, retirando a problemática


do individual e a lançando para o coletivo. A sociedade contempo-
rânea, para o autor, caracteriza-se como um ente deslumbrado com
as facilidades da autoajuda, assim como com as coisas do espírito
e das escrituras. Ficaria o autor estupefato tivesse a triste sina de
ter de respirar o mesmo ar que respiram os terraplanistas, coach/
coaching e afins. Intencionalidade ou ignorância? Prudentemente,
ficamos com a primeira assertiva.
Relacionar tudo isso à educação ou à falta dela, ou melhor, à
educação enquanto espaço de formação de valores e consciências
– no âmbito da lógica societária do capital – remeteria a simplificar
uma situação sobre a qual não se tem parâmetro na história do Brasil.
Poderia ser até relativamente fácil, não fosse o fato de que, hoje, vi-
vemos a extrapolação desses efeitos em todos os limites imagináveis
do insano que essa relação possa produzir. Trata-se de uma situa-
ção nem nos momentos de maior pessimismo chegamos perto de
imaginar, embora soubéssemos que a crise do capitalismo (não no
capitalismo), ao ameaçar o poder dos dominadores, fatalmente, e em
algum momento, ressuscitaria as “forças ocultas” que nós mesmos
teimamos em não ver e que, agora sabemos, há tempos dormitava
em um perigoso processo de fermentação. Não obstante, explodiu e
hoje exala o odor a que o mundo inteiro assiste o Brasil suportar.
Perscrutar essa relação pode denotar que estamos tratando
de coisas distintas ou mesmo culpabilizando a educação por todos
os infortúnios, sendo ela mesma o alvo dos ataques. No entanto, essa
impressão se desmancha no ar, a partir das análises de Mészáros
(2008), quando menciona que as reformas no sistema capitalista,
mesmo aquelas recheadas das melhores intenções, são utópicas,
limitadas e limitantes. As limitações e restrições impostas pelo pró-
prio sistema e pelos seus antagonismos de classe impedem o pleno
desenvolvimento da liberdade, sendo o limite a “regra geral” que
move o próprio sistema e toda a sua lógica de sustentação. As refor-
mas educacionais no capitalismo sofrem, portanto, desses limites e

27
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

restrições, enraizados nos antagonismos estruturais de classes que


fazem prevalecer os valores do capital em detrimento dos advindos
da formação do indivíduo sujeito social-humano-histórico.
É histórica a defesa, na perspectiva teórica e na luta de edu-
cadores/as, trabalhadores/as por uma educação da qual resultem
valores advindos dos conhecimentos que sabiamente nos legou
Paulo Freire, de uma educação para a emancipação e para a for-
mação do sujeito social-humano-histórico para além da escola. Na
obra de Paulo Freire, nas pedagogias pensadas e praticadas por ele,
inscreve-se todo o conteúdo humano-histórico-político do termo
emancipação, na qual fica claro que é na relação entre educação e a
ação política de intervenção no mundo que ocorrem as possibilida-
des de emancipação.
Nesse sentido, difícil falar em educação para a emancipação
sem falar da relação necessária com a prática, do engajamento do
ser social à vida em sociedade, uma vez que isoladamente, a ação
educativa não transforma, torna-se um fim em si mesma e repetidora
de conceitos. A educação libertadora acontece, qualitativamente,
a partir da práxis humana coletiva no âmbito da luta de classes e
“só faz sentido se os oprimidos buscarem a reconstrução de sua
humanidade e realizarem a grande tarefa humanística e histórica dos
oprimidos – libertar-se a si e aos opressores” (FREIRE, 2002, p. 30).
Como uma grande conquista política, a educação liberta-
dora só se mantém na práxis humana como luta contínua em favor
da libertação dos indivíduos, a educação enquanto lugar de infinitas
possibilidades da emancipação para a liberdade. Uma perspectiva que
deixa claro que “se os homens são produtores desta realidade e se
esta, na inversão de práxis, volta-se sobre eles e os condiciona, trans-
formar a realidade opressora é tarefa histórica, é tarefa dos homens”
(FREIRE, 2002, p. 16), o que inclui não só que se tenha uma concepção
progressista de educação, mas a necessidade de transformar a prática
enquanto ação política educativa nas relações sociais.
Nesse ponto, cabe uma indagação: estamos investindo nossas
forças por uma educação para a emancipação, a liberdade e o univer-

28
O DIREITO À EDUCAÇÃO
EM CONTEXTO DE CRESCENTE DESIGUALDADE SOCIAL E EDUCACIONAL

salismo ou apenas a defendemos? A propósito, Paro (2020) compre-


ende o universalismo como a consciência de que não existimos no
singular, no sentido de saber que a preocupação com o próximo tem
o mesmo peso que o cuidado com o distante; que a formação política
emancipatória precisa chegar a todas as pessoas; compreender uma
consciência como um valor construído coletivamente, materializada
na capacidade do humano-histórico-político de posicionar-se dian-
te do real, formular objetivos, fazer opções conscientes que possam
gerar preocupação com o mundo, com o respeito à vida, assim como
preconizou Paulo Freire. Seria esse o potencial libertador das práticas
educativas? Estamos no caminho das experiências que responderão
ao plano emancipatório?
Talvez estejamos pela primeira vez, hoje, no Brasil, desde que Paulo
Freire formulou seus pensamentos sobre a emancipação pelo processo
educativo, diante do mais contundente retrocesso de todos esses valo-
res, que são os que mais sofrem na atualidade em virtude das restrições
das determinações reguladoras do sistema capitalista: a emancipação e
a liberdade pela via da educação para a formação de uma consciência
política, crítica e universalista. Os desafios são imensos!
Reiteramos a luta contra a educação que remete tão somente
à formação para a profissionalidade e para a solução de problemas
criados pelo próprio capitalismo. No ponto de partida da defesa de
uma educação para a liberdade está a ideia de que é pela educação
que o ser humano transcende o natural para intervir na realidade
social, e superar o natural leva o ser humano a se posicionar diante
do real, criando valores e estabelecendo objetivos. A ação de criar
valores e estabelecer objetivos orientados a um fim, por vontade
própria, cria a liberdade, e criar a liberdade, nesses termos é, por es-
sência, um ato educativo. O exercício da liberdade, por transcender
o natural, é conquista do processo educativo na formação do huma-
no-histórico-político, lugar contrário ao estado de natureza. Criar a
liberdade, nesses termos, constitui um ato educativo, vez que o ser
humano é um ser social de relações, aberto à convivência coletiva em

29
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

sua realidade, que “não apenas está no mundo, mas com o mundo”
(FREIRE, 1982, p. 39). O estar com o mundo define suas relações com
os pares e o diferencia dos outros animais, sendo o trabalho o lugar
por excelência dessa particularidade.
Acontece que no capitalismo, pelos próprios princípios que o
sustentam e pelos critérios de classe ora mostrados, as condições
para que a maioria dos seres humanos saia do estado de nature-
za são historicamente frágeis, do ponto de vista da educação, nos
moldes que as classes dominantes gerenciam. A realidade social nos
diz que não é só isso, ou somente isso. O ser humano constrói a sua
liberdade quando cria as condições de existência e pode, de maneira
consciente, fazer opções e atender às suas necessidades primeiras e
históricas. Mas ele não faz isso sozinho, depende de outras pessoas.
Por isso, para estar em condições de construir a própria existência,
fazer opções e criar a própria liberdade, ele precisa do outro. Não por
um sentimento parcelar de empatia, mas por um valor construído a
partir do reconhecimento da importância do próximo em sua vida, ou
seja, pela consciência universalista referida, possível por um processo
de reflexão e estudo, tornando possível atitudes e saberes a respeito
do fato de que somos genéricos, históricos, sociais, inconclusos e
precisamos dos outros.
Os discursos e as práticas obscurantistas, fundamentalistas e
anticientificistas que estamos presenciando no Brasil levam à reflexão
sobre o que foi feito com o projeto ético e emancipador de educação
gestado nas décadas que nos separam de 1930, ano de instituciona-
lização das primeiras universidades, de surgimento do Ministério da
Educação no bojo do movimento da Escola Nova que, entre outros
princípios, definiu o caráter laico, racional e crítico da educação
nacional. Onde estavam “guardados” e em que escola estudaram
os jovens que hoje se manifestam em favor do projeto suicidário em
curso? De quem é a responsabilidade de tudo isso, considerando-se
que existe uma classe que domina a economia, consequentemente,
a política, a cultura, o conhecimento, as decisões que geram políticas
para os sistemas educacionais?

30
O DIREITO À EDUCAÇÃO
EM CONTEXTO DE CRESCENTE DESIGUALDADE SOCIAL E EDUCACIONAL

Apenas para efeito de ilustração do dito, temos como exemplo


a “dispensa” dos quadros do Conselho Nacional de Educação (CNE)
de intelectuais autores dos mais progressistas projetos de educação
do Brasil, pessoas ligadas a entidades históricas que sempre estive-
ram na luta em defesa de um projeto de educação elevada para o
País, assim como da formação de professores/as, para abrigar mili-
tares e membros de igrejas evangélicas afinados com projetos como
o Escola sem partido, o que causa indignação, mesmo sabendo que
as indignações e os porquês não podem nos cegar para questões
de fundo. Com estas, e sem muito esforço, embora consternados,
percebemos como e por que a educação nos moldes do que o siste-
ma capitalista permitiu construir muito se tem desviado do foco dos
elementos fundantes da educação libertadora, da formação do ser
humano-histórico em sua integralidade, crítico, com o sentimento de
universalidade no mundo, subsidiário da educação como ato históri-
co de apropriação da cultura e de todos os seus valores, inclusive o
do respeito à vida.
A vida é comum, mas na sociedade capitalista, de classes, as
condições de produção da vida não o são, pois estão restritas a uma
minoria que, como referido, detém e controla a economia, tem poder
sobre os meios de produção e, por conseguinte, sobre a política, o
sistema jurídico, os instrumentos e canais que estabelecem regras,
valores, saberes, comportamentos, enquanto os trabalhadores/as
produzem riqueza, vendendo o único bem que possuem, que é sua
força de trabalho. Para esses produtores, foi dito que essa seria a
única forma de se manter vivo. Ao produzirem para atender às neces-
sidades de outras pessoas – e fazem isso como se essas necessida-
des fossem suas – eles produzem a própria existência.
Como os produtores da riqueza não têm os meios para pro-
duzir, produzem também a sua própria submissão, submetendo-se
triplamente. Primeiro, pelo modo como produzem; segundo, pelo
próprio produto que produzem, que não é seu nem servirá, grosso
modo, para suprir as suas próprias necessidades; terceiro, porque

31
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

recebem uma educação que não só fortalece essa lógica, mas a omi-
te. Eis o retrato das sociedades em que o capital tem primazia, o qual
nunca esteve tão escancaradamente estampado.
Então, se os produtores de riqueza produzem sua submissão,
não produzem o que precisam e não têm acesso a uma educação
que esclareça a sua condição de classe que produz e é explorada,
para que possa se enxergar enquanto classe e ser capaz de construir
a própria liberdade, desconfiamos que temos aqui, senão a resposta,
mas uma forte referência do caminho árduo de reflexões e debates
que deveremos travar sobre o que temos e sobre o que queremos ter
de educação em nosso País.
A forma como a educação e a ciência estão sendo tratadas le-
va-nos a refletir sobre o sentido das reformas educacionais, que já são
restritas e limitadas historicamente pelas determinações do capital. E
o que dizer, hoje, se quem as elabora e pode decidir sobre os destinos
futuros teve sua capacidade cognitiva assaltada e ignora que uma
educação para a liberdade é possível? Como agir diante do fato de que
a educação que liberta desmantelaria o sistema e isso não interessa
nem ao governo, nem aos tecnocratas ultraliberais da educação, estes
que montam estratégias de defesa do capital e, consequentemente,
da classe para a qual trabalham, e disputam encarniçadamente as
consciências para que tais estratégias sejam benéficas à manutenção
do sistema capitalista e de sua lógica não emancipadora?
Não à toa, Mészáros (2008) alerta sobre a natureza utópica
das reformas no capitalismo, mesmo aquelas que ocorrem na esteira
das mais genuínas boas intenções, intentando promover mudanças,
assim como sobre a razão dos sucessivos fracassos pelas determi-
nações fundamentais do capitalismo, enquanto reguladoras do sis-
tema. Estamos falando de determinações irreformáveis e incorrigíveis
dentro do sistema capitalista.
Se no capitalismo o que está em jogo é exatamente o perigo
que representam a liberdade e a consciência universalista. Assim é
que sobre a mesa da burguesia, classe que domina e controla a força

32
O DIREITO À EDUCAÇÃO
EM CONTEXTO DE CRESCENTE DESIGUALDADE SOCIAL E EDUCACIONAL

do capital, está um projeto de sociedade e de educação contrário


aos valores humanos aqui apresentados, alienando e aprofundando a
desigualdade, humilhando e escravizando os produtores de riqueza e
aumentando imensuravelmente o poder dos mais fortes. O governo
é apenas mais um representante dessa classe. Ainda se mantém em
riste porque precisa cumprir os desígnios para os quais chegou ao
poder. Com efeito, o discurso e a prática obscurantistas e anticienti-
ficistas que presenciamos boquiabertos no Brasil de hoje são armas
utilizadas na disputa pelas consciências e em favor do projeto de
manutenção da hegemonia do capital.
Em conformidade com essas estratégias, o governo Bolsonaro
criou o Auxílio Brasil, que extinguiu o Bolsa Família, e outros, como o
Auxílio Criança Cidadã que, por não possuir provimento orçamentá-
rio, depende de nova margem orçamentária, possibilitada por força
da PEC dos Precatórios. Com isso, o governo aprova o primeiro pro-
grama nacional de “cheques escolares” ou “vouchers educacionais”.
Trata-se do deslocamento de recursos públicos para um dos princi-
pais redutos da guerra cultural, que é o Ministério da Cidadania, que
passa a ter o poder de “distribuir” os cheques escolares, chamados
de vouchers.
Dessa forma, o governo atende, simultaneamente, a duas
estirpes de fundamentalistas: os ideológicos e os econômicos. Com
os vouchers, o governo federal destrói a educação pública, laica, não
mercantil, enquanto desloca recursos públicos às escolas particu-
lares de grupos privados fundamentalistas religiosos, difusores do
negacionismo científico, utilizando mão de obra precarizada e não
sindicalizada de professores, atendendo, dessa forma, a toda a sua
base de apoio composta por fundamentalistas ideológicos e do mer-
cado (SARDINHA; LEHER, 2021).
Outro ponto de estrangulamento social é o comprometimento
do governo federal com o pagamento da dívida pública, que se faz da
forma mais abusiva que se tem notícia na história do País, atingindo
sobremaneira as áreas sociais. Segundo dados da Auditoria Cidadã

33
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

da Dívida Pública, no que se refere ao orçamento federal executado


(pago) em 2020, do montante de R$ 3,535 trilhões, 39% foram des-
tinados à amortização e aos juros da dívida, enquanto a educação
assimilou apenas 2,49% desse orçamento, e a saúde, 4,26%.
Na linha dos impactos da EC 95, sobre o corte de verbas fe-
derais para a educação básica e superior, Tanno (2021) ressalta que o
orçamento do MEC, de 2015 para 2020, tem sofrido restrições, prin-
cipalmente nos repasses vinculados à educação básica e à educação
profissional, com queda de mais de 20,7% no período. De acordo com
a mesma fonte, no orçamento federal previsto para 2022, de R$ 4,363
trilhões, consta nada menos que 56,65% para juros e amortizações
da dívida, enquanto que, para a educação, o governo destina 2,31% e,
para a saúde, 2,91%.
Em relação ao ensino superior no Piauí, as restrições orçamen-
tárias do governo federal chegam a comprometer o funcionamento
de serviços básicos, especialmente por conta do processo de ex-
pansão e reestruturação vivido pelas Instituições de Ensino Superior
(IES) nos dois primeiros decênios dos anos 2000, que ampliou suas
estruturas físicas e de pessoal sem os devidos aportes financeiros
em longo prazo, representando uma política governo que levou às IES
à estagnação, comprometendo o caráter público dessas instituições.
Com o argumento de manter serviços ativos, as administra-
ções superiores terceirizam serviços, captam recursos em empresas
privadas, mediante contrapartidas que incluem a cessão dos espa-
ços físicos das instituições a essas empresas. Dados da Pró-Reitoria
de Planejamento (Proplan) da UFPI sobre o orçamento da instituição
apresentam cifras estarrecedoras. No quesito Capital, em 2018, a
UFPI obteve 23 milhões de reais; em 2019, 9,4; em 2020, 7,8; em 2021,
o montante de apenas 2,8 milhões, portanto, pouco mais de 12% do
operado em 2018 (UFPI, 2021).
A redução de investimentos e adoção de políticas negadoras
do direito à educação podem ser verificadas, ainda, nas ações desen-
volvidas pelo governo do Estado do Piauí em várias áreas, apesar de

34
O DIREITO À EDUCAÇÃO
EM CONTEXTO DE CRESCENTE DESIGUALDADE SOCIAL E EDUCACIONAL

se nomear de oposição ao governo de Jair Bolsonaro (2019-2022). À


Universidade Estadual do Piauí (Uespi) nunca foi assegurada a auto-
nomia, especialmente no que refere ao seu financiamento, visto que,
diferentemente de outras universidades estaduais do País, que têm
a definição dos recursos previstos em suas constituições estaduais
(CONCEIÇÃO; NOVAIS; CASTRO, 2020), a Uespi não conta com dota-
ção específica para a sua manutenção, sofrendo, sistematicamente,
cortes que afetam a qualidade do ensino.
O Piauí tem definida em sua Constituição Estadual a aplicação
de 30% dos recursos provenientes de impostos e transferências para
a manutenção e o desenvolvimento do ensino. No entanto, o governo
estadual e os governos municipais não respeitam a legislação, com
a anuência do Tribunal de Contas do Estado, aplicando o mínimo de
25% previsto na Constituição Federal. Teoricamente, o aumento no
percentual vinculado na rede estadual seria para a manutenção da
IES mantida pelo Estado, visto que esse investimento deveria ocorrer
“somente quando atendida plenamente a responsabilidade constitu-
cional do referido ente com a educação (no caso dos estados, ensino
fundamental e médio) e ainda em percentuais superiores ao mínimo
vinculado” (SILVA; ADRIÃO; ALMEIDA, 2020, p. 9-10).
As políticas econômicas desenvolvidas pelo governo federal res-
soaram no Piauí, com aprovação da PEC do Teto dos Gastos (nº 47/2016)
também no Estado, inspirada na EC 95/2016, com vigência de dez anos
(PIAUÍ, 2016), aprovada sob forte esquema de segurança, apesar dos
protestos dos servidores do Estado que argumentavam PEC que invia-
biliza as políticas públicas de corte social (PORTAL G1, 2016).
Ademais, não parece ser casual a tentativa de militarização
das escolas estaduais, iniciada em 2015, sob a justificativa de com-
bater o avanço da violência na sociedade: “a intenção da Secretaria
de Educação do Piauí - Seduc-PI era a militarização de 14 escolas, em
2016, sendo uma em cada região da capital e nas maiores cidades do
Estado” (SOARES et al., 2019, p. 791). Os movimentos sociais coloca-
ram-se contra o projeto, denunciando que ele “objetivava interiorizar

35
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

e intensificar um modelo de educação para as populações pobres e


periféricas que negava o próprio direito à educação” (idem, p. 791).
A partir de ação política e jurídica dos movimentos sociais, ocorreu
a intervenção do Ministério Público, “recomendando a suspensão
de implantação de quaisquer escolas militarizadas no âmbito da
SEDUC-PI” (SOARES et al., 2019, p. 792), daí porque o processo foi
interrompido, graças à prontidão das entidades que defendem a
educação pública no Estado.

Processos acelerados de privatização e mercantilização
da educação que ocorrem no Estado, com a influência e presença
sistemática de organismos internacionais na gestão pública, estão
levando à propagação de modelo gerencialista na administração da
máquina pública, ou Pedagogia Gerencial do Capital, como disposto
por Souza (2021), que nega processos de gestão democrática do en-
sino. Exemplo dessa situação é a substituição paulatina da eleição de
diretores, inserida na rede estadual em 1995, por processos seletivos
internos, mediante a criação de banco de gestores. Os candidatos
aprovados, “no ato da nomeação, assinam o Contrato de Gestão e
apresentam o Plano de Gestão, contendo as propostas e Metas de
Desempenho a serem implementadas”, incluindo a avaliação anual
dos diretores, que pode levar, a partir dos resultados alcançados, à
bonificação ou à exoneração (SILVA; ALMEIDA; SOARES, 2021, p. 188).
A influência de organismos internacionais na gestão pública
da educação estadual é antiga e perpassa projetos de “cooperação”
desde os anos 1980, com intensificação nos anos 1990 (CRUZ, 2005),
mas com determinadas características no contexto atual, pela ab-
sorção da lógica gerencialista que influencia a gestão, o currículo e
a avaliação, inclusive com o financiamento da criação do Sistema
de Avaliação da Rede Estadual de Educação do Piauí (Saepi), com a
participação do Banco Internacional para Reconstrução e Desenvol-
vimento (Bird) (SILVA; ALMEIDA; SOARES, 2021).
Destaca-se que tal lógica se intensifica pela participação de
atores do sistema financeiro nacional, tratado por Souza (2020, p.

36
O DIREITO À EDUCAÇÃO
EM CONTEXTO DE CRESCENTE DESIGUALDADE SOCIAL E EDUCACIONAL

332) como “empresariamento, mercadorização, mercantilização e


privatização da educação ‘pública’-estatal”, como no caso do Institu-
to Unibanco, em parcerias sistemáticas voltadas à reforma do ensino
médio, ou com a presença do Instituto Airton Sena e do Todos pela
Educação, que influenciam a gestão educacional (SILVA; ALMEIDA;
SOARES, 2021). A educação está subsumida aos interesses do capital.
Nessa perspectiva, a Reforma do Ensino Médio, no esteio da
Base Nacional Comum Curricular (BNCC), leva ao rebaixamento da
formação do educando e à precarização do trabalho docente, em
consonância com os ditames dos interesses capitalistas de âmbito
nacional e internacional (SANTOS; SOUSA; SANTOS, 2021). Em que
pese a oposição do governo estadual às políticas do governo federal,
explicitada nos meios de comunicação, a proposta de currículo do
Piauí para o Ensino Médio está em conformidade com a “padroniza-
ção dos itinerários formativos”, permitindo “a educação a distância
dentro dos 40% da carga horária (para ser assumido por parcerias
privadas” (SILVA et al., 2021, p. 79). A discussão sobre a implementa-
ção da BNCC “tem ocorrido de forma aligeirada e sem diálogo com
os professores, sindicatos e sociedade civil organizada” (idem, p. 80),
já que foi restrita a duas audiências públicas no Conselho Estadual
de Educação, negando a possibilidade de participação efetiva da
comunidade educacional que será impactada com essas mudanças.
A secundarização do Plano Nacional de Educação por parte do
MEC também se observa em âmbito estadual e municipal. Os planos
do Piauí foram aprovados em 2015, mas não foram assumidos como
orientadores das políticas educacionais, mesmo após longo processo
de elaboração com ampla participação social em conferências de
educação. Os planos viabilizariam as políticas de Estado no campo edu-
cacional, mas, devido à submissão da gestão dos recursos públicos aos
interesses econômicos, o planejamento participativo é secundarizado.
O relatório de monitoramento do terceiro ciclo do Plano
Nacional de Educação evidencia a situação de negação do direito
à educação no Piauí: somente 28,8% das crianças de zero a três

37
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

anos têm acesso às creches; apenas 69,3% das pessoas de 16 anos


têm o ensino fundamental concluído; 66,3% da população de 15 a 17
anos frequenta o ensino médio ou tem a educação básica concluída,
mesmo sendo essa etapa de ensino obrigatória no Brasil; o Piauí é o
segundo estado com menor acesso de pessoas com deficiência à
educação básica (76,7%); conta com uma taxa de alfabetização de
84%, sendo o Estado com a segunda maior taxa de analfabetismo
funcional (26,4%); tem uma taxa líquida de escolarização no ensino
superior de 25,4%; apresenta percentual significativo de docentes
nos anos finais do ensino fundamental (59,6%) e no ensino médio
(40,5%) sem a formação adequada na área em que lecionam. Sa-
lienta-se o não cumprimento do Piso Salarial Profissional Nacional
para o magistério da educação básica por parte da rede estadual e
de muitos municípios, entre outros problemas que denunciam que o
direito à educação tem sido negado no Piauí.
O projeto do governo federal para a educação básica e superior,
a cultura e a ciência no Brasil concorre para reduzir gastos, desfaz o que
já foi conquistado, ignora as vinte metas do PNE (2014-2024), em es-
pecial a que se refere ao aumento das matrículas da educação básica
em tempo integral e ao funcionamento do ensino superior, colocando
em risco as instituições públicas de pesquisa, ciência e inovação.
A tarefa que nos interpela coletivamente nessa travessia co-
meça por reconhecer que o momento exige muito mais que riso e
sarcasmos. As duas agendas do governo federal na atual conjuntura
são demasiadamente perversas e não permitem que nos deixemos
levar pelo diversionismo e trapalhadas dos “calças-largas” do gover-
no. São farsas que comprometem a vida de milhares de trabalhadores
e trabalhadores e a vida do planeta. A situação requer o reconheci-
mento de que estamos diante não de simples mediocridades postas
a serviço de uma obra de desmonte da história, mas de um projeto
obscurantista, anti-intelectualista, ultraconservador de sociedade e
de educação que se desenrola e se fortalece dia após dia diante dos
nossos olhos.

38
O DIREITO À EDUCAÇÃO
EM CONTEXTO DE CRESCENTE DESIGUALDADE SOCIAL E EDUCACIONAL

O debate teórico e a ação direta estão no horizonte daqueles/


as que acreditam que uma sociedade em que a educação seja, de
fato, um direito é possível. Uma educação que desenvolva todos as
dimensões e sentidos humanos, que construa uma consciência de
classe e uma postura socialista a ponto de se assumir como tal, as-
sumir no sentido de dizer e defender, mas também de pensar e agir a
partir de uma prática que tenha como princípio a preocupação com
o outro, com a vida, com o planeta, com a construção de uma socie-
dade igualitária como constructo de uma educação que favoreça a
que tal construção se torne cada vez mais próxima, desarticulando a
barbárie na qual nos vemos mergulhados.
Obviamente, trata-se de um processo que passa por uma
mudança qualitativa das condições objetivas de reprodução da vida,
a fim de que os produtores da riqueza possam ser sujeitos históricos
na produção de suas condições de existência, produzindo e con-
sumindo conforme as suas necessidades. A materialidade da vida
junto com a formação política pauta a defesa intransigente do direito
a educação. A prevalência da formação do humano-histórico livre,
dotado de consciência universalista de cuidado com o mundo e com
a preservação da vida, extensiva a todos e a todas, será o passo de-
cisivo na construção de uma sociedade verdadeiramente socialista.

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O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

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42
PARTE 1

POLÍTICAS PARA A
EDUCAÇÃO INFANTIL
O PAPEL DOS ORGANISMOS
INTERNACIONAIS NO DESENVOLVIMENTO
DE POLÍTICAS FOCALIZADAS PARA A
EDUCAÇÃO INFANTIL

Carmen Lucia de Sousa Lima


Marcelo Soares Pereira da Silva

1 INTRODUÇÃO

As políticas contemporâneas de Educação Infantil (EI) nos


países subdesenvolvidos têm sido amplamente influenciadas por mo-
delos informais, baixo investimento público e forte influência de orga-
nismos multilaterais, os quais vêm delineando políticas para a EI desde
meados da década de 1970 – a exemplo da Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e do Fundo de
Emergência Internacional das Nações Unidas para a Infância (Unicef) –,
repercutindo na eclosão de movimentos de luta por creches em vários
lugares do País, no fim dos anos 1970, com o aumento significativo da
participação da mulher no mercado de trabalho.
Nessa direção, Rosemberg (2003) acrescenta que o período
que compreende o fim dos anos 1970 e final dos anos 1980 corres-
ponde à implantação de um paradigma de EI de massa, alinhado a
cânones do Unicef e da Unesco para os países subdesenvolvidos,
que preconizavam uma educação pré-escolar compensatória de “ca-
rências” a populações pobres, apoiada em recursos da comunidade,
visando a despender poucas verbas do Estado para a sua expansão.
Rosemberg (2001), ao promover uma análise acerca da pro-
dução literária atinente à problemática da EI, encontra evidências de
que existem duas grandes tendências contemporâneas quanto aos
seus objetivos: uma para os países desenvolvidos; outra para aqueles

45
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

em desenvolvimento. Porém, nesta análise, convém destacar apenas


a segunda orientação.
Para os países em desenvolvimento, particularmente para a
América Latina dos anos 1990, o principal escopo que vem sendo
proposto à EI é o de prevenção do impacto da desigualdade eco-
nômica (mortalidade, desnutrição infantil). Trata-se de um conjunto
de estratégias fundamentadas nas propostas do Banco Mundial (BM)
que, de acordo com Moreira e Lara (2012), intentam atacar a pobreza
nos países periféricos por meio de políticas sociais, a fim de prevenir
situações politicamente críticas no mundo.
Na EI, em particular, essa situação evidencia-se pela proposta
para a infância, elaborada pelo BM e por outras agências internacio-
nais, como a Unesco, a Comissão Econômica para a América Latina
e o Caribe (Cepal) e o Banco Internacional para Reconstrução e De-
senvolvimento (BIRD). O documento do BM para o Brasil, intitulado
Relatório da Primeira Infância: Foco sobre o Impacto das pré-escolas
(2001), expressa o realce “[...] na pré-escola como uma intervenção
efetiva no desenvolvimento da primeira infância, especialmente para
a melhoria da situação dos grupos mais pobre da população” (BAN-
CO MUNDIAL, 2001, p. 08).
Nessa mesma linha de pensamento, Moreira e Lara (2012, p.
74), ao analisarem a Descentralização, focalização e qualidade que
aparecem descritas como encaminhamentos políticos da lógica fun-
cionalista neoliberal, expressos nos documentos do BM, ressaem que,
“especificamente na educação, a equidade aparece nos documentos
e nos discursos do Banco com um sentido contencionista, sendo o
grande princípio orientador das políticas educacionais propostas
para os países pobres e mais populosos do mundo”.
Percebe-se, assim, a notória presença da teoria do capital
humano no relatório do Banco Mundial, ao anunciar que

[...] um programa nacional abrangente de serviços de


desenvolvimento da primeira infância pode ser uma forte
arma contra a pobreza ao construir o capital humano, um

46
O PAPEL DOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS NO DESENVOLVIMENTO
DE POLÍTICAS FOCALIZADAS PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL

dos melhores investimentos que um país pode fazer em


seu desenvolvimento. (BANCO MUNDIAL, 2001, p. 08).

Nessa perspectiva, a EI no Brasil é definida nessa política como


uma parcela representativa do capital humano. Portanto, investir nas
crianças pobres da primeira infância, além de focalizar com equidade,
representa uma ação considerada discursivamente como resultado
de um futuro bem-estar e desenvolvimento.
Essa problemática permanece, tendo em vista as políticas
discriminatórias para a educação da criança pobre e a transferência
de responsabilidades do poder público no tocante à educação da
primeira infância, na medida em que indica as igrejas e as comu-
nidades organizadas para a implantação de Centros de Recreação,
propostos como programas de emergência para atender às crianças
pequenas, passando por um período mais recente, a década de 1990,
com as propostas do BM chegando ao presente.
Nesse âmbito, levantamos a seguinte problemática: qual o pa-
pel dos organismos internacionais no desenvolvimento de políticas
focalizadas para a EI?1
Para a realização deste estudo, tomamos como fonte de dados
os elementos coletados por meio de pesquisa bibliográfica e docu-
mental, envolvendo a análise de fontes documentais disponibilizadas
nos sites oficiais.
Nessa perspectiva, é fundamental compreender o contexto
capitalista e as orientações macroeconômicas que delineiam a
política de EI, empreendendo-se uma análise acerca do papel dos
organismos internacionais no desenvolvimento de políticas focaliza-
das para a EI, a partir das orientações dos documentos internacionais
voltados para esse segmento.

1  O presente estudo articula-se à pesquisa de doutoramento desenvolvida no âmbito do


Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Uberlândia.

47
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

2 ORIENTAÇÕES MACROECONÔMICAS QUE DELINEIAM A


POLÍTICA DE EI

Nas últimas décadas do século XX, são notórias as discussões


que envolvem a criança, a infância e a EI, enquanto objetos de estudos
e pesquisas que versam sobre a questão da garantia do direito às
crianças de 0 a 6 anos ou 0 a 5 anos de idade à educação. Essa temá-
tica é pautada em diferentes conferências, reuniões e fóruns mundiais
e regionais. Tomando como exemplo, elencam-se o Fórum Mundial de
Educação: Marco de Dakar, realizado no Senegal, em 2000, precedido
das Conferências de Jomtiem (1990) e de Nova Delhi (1993), sendo
que esta última resultou na Declaração de Nova Delhi.
É nesse panorama que organismos internacionais como o BM
e o Fundo Monetário Internacional (FMI), entre outros, investem no
financiamento de políticas públicas para os países em desenvolvi-
mento. Com realce no Fórum Mundial de Educação: Marco de Dakar,
por imprimir as recomendações para o delineamento de políticas
para o século XXI, lançamos um olhar sobre a Declaração de Dakar -
Educação para todos (2000), pois afiança que

o Marco de Ação de Dakar é um compromisso coletivo


para a ação. Os governos têm a obrigação de assegurar
que os objetivos e as metas de EPT sejam alcançados e
mantidos. Essa responsabilidade será atingida de forma
mais eficaz por meio de amplas parcerias no âmbito de
cada país, apoiada pela cooperação com agências e ins-
tituições regionais e internacionais. (DAKAR, 2000, p. 8).

Os compromissos assumidos na Declaração de Dakar fazem


parte do modelo de gestão desenhado pelos organismos e pelas
agências internacionais como forma de regulação e responsabilização
por parte dos governos, no que alude ao desenvolvimento das ações
e cumprimento das metas estabelecidas por esses organismos.
Na esteira das influências do BM sobre a reforma da educação
brasileira nos anos 1990, é possível identificar que nessa década,

48
O PAPEL DOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS NO DESENVOLVIMENTO
DE POLÍTICAS FOCALIZADAS PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL

aprofundam-se as relações entre esse organismo internacional e o


governo brasileiro, impactando profundamente os rumos das polí-
ticas educacionais adotadas no País desde então. Não obstante,
denota-se a necessidade de atualização das discussões sobre a
relação entre os organismos internacionais e as políticas públicas
educacionais brasileiras na primeira década do século XXI, porquanto
as mudanças conjunturais e estruturais na economia, na política no
País e no mundo refletiram consideravelmente sobre a natureza e o
sentido dessas políticas. Em razão disso, novos documentos foram
escritos, assim como novas categorias e novos discursos (RABELO,
JIMENEZ; SEGUNDO, 2015).
Mesmo tendo sido a sua atuação desde os anos 1970, foi
somente a partir dos anos 1990 que o BM definiu a educação básica
como alvo principal, incluindo a EI, propondo políticas educacionais
homogêneas para todos os países da América Latina e do Caribe.
A propósito, Campos (2008, p. 72) cita que

o Projeto Principal de Educação (PPE), o qual tinha alcan-


ce regional. Era organizado a partir de três objetivos: a)
assegurar a escolarização das crianças e jovens em idade
escolar e oferecer uma educação geral mínima de 8 a 10
anos; b) eliminar o analfabetismo e a ampliar os serviços
educacionais para os adultos; e c) melhorar a qualidade
e a eficiência da educação. Estes objetivos, após duas
décadas de ação do projeto, não foram plenamente
atendidos e, em 2001, na 7ª reunião do Comitê Regional
Intergovernamental do Projeto Principal de Educação na
América Latina e Caribe (PROMEDLAC VII), foi solicitado
a UNESCO a elaboração de um novo projeto, tomando-se
a decisão de encerramento do PPE.

Tais projetos têm influenciado vigorosamente os governos


locais na formulação de políticas e estratégias de educação pública,
e na definição do modelo de desenvolvimento a ser seguido por eles.
Na realidade educacional brasileira, os sistemas escolares passaram
a ser reestruturados com base no pressuposto da educação como
útil para o desempenho do mercado, defendendo-se a ideia de que a

49
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

expansão educacional potencializaria o desenvolvimento econômico,


com repercussão na regulação das políticas públicas educativas
forjadas na tensão entre dimensões globais e locais, cujos desdo-
bramentos se fizeram sentir tanto em termos de currículos escolares
quanto nas formas de organização e gestão dos sistemas de ensino,
e das unidades escolares (CAMPOS, 2008).
As justificativas apresentadas pelo BM em suas propostas são
de cunho econômico e científico, denominando-as “programas de
desenvolvimento infantil”, por intermédio de ações que envolvem a
educação e o cuidado infantil como forma de promover a saúde e o
desenvolvimento da criança.
Tais propostas são operadas, geralmente, no campo da infor-
malidade, conforme esclarecem Barbosa e Marquez (2019, p. 6):

a participação das organizações não-governamentais,


que para o Banco, são as entidades privadas sem fins
lucrativos que executam programas sociais, está pre-
vista no componente de desenvolvimento da primeira
infância, buscando beneficiar as chamadas atividades
alternativas ou programas informais organizados pela
comunidade, como creches comunitárias e outros
serviços educativos, selecionados pelas Secretarias de
Educação, priorizando os municípios onde existam este
tipo de instituição.

Nesse cenário, a educação assume papel primordial, qual


seja combater a pobreza e “as desigualdades sociais”. Isso posto,
as políticas públicas, com relevo para as políticas educacionais,
passam a ser delineadas em documentos oriundos de organismos
internacionais, os quais são produzidos pelo BM2 a partir de uma
lógica economicista, servindo como parâmetro para a proposição de
políticas educacionais nos países periféricos – com destaque aqui
para as políticas de EI no Brasil.

2  O Banco Mundial (BM) tem um papel importante na fundamentação de políticas, pois sua
missão é combater a pobreza e promover o desenvolvimento social e econômico dos países
em desenvolvimento, por meio de empréstimos, assessoramento às políticas, assistência
técnica e serviços de intercâmbio de conhecimento. O BM define e financia, no mundo,
programas associados a investimentos do Fundo Monetário Internacional (FMI).

50
O PAPEL DOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS NO DESENVOLVIMENTO
DE POLÍTICAS FOCALIZADAS PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL

Em consonância com Rossetti-Ferreira, Ramon e Silva (2002),


o BM apropriou-se do discurso de que investir no desenvolvimento
da criança pequena abre “janelas de oportunidade” para o indivíduo,
posteriormente. Logo, se esse período não for aproveitado, as possi-
bilidades de desenvolvimento serão prejudicadas.
Ao problematizar os modos como as crianças são considera-
das nos cálculos do governo, a partir de documentos produzidos por
analistas econômicos e endereçados a gestores públicos, Carvalho
(2016) opera analiticamente com os conceitos de governamenta-
bilidade e governamento,3 capital humano e risco, evidenciando as
relações de poder que integram esses processos.
Nessa lógica, o autor supracitado utiliza como materialidade
investigativa ilustrativa da aliança entre economia e EI os seguintes
documentos produzidos pelo BM:

1). Como investir na primeira infância: um guia para a


discussão de políticas e a preparação de projetos de
desenvolvimento da primeira infância; 2) EI: programas
para a geração mais importante do Brasil. [...], com base
no eixo, foram evidenciadas três unidades de análise: 1)
A gramática da expertise econômica; 2) O investimento
em DPI como lema importante do Brasil. Ambos os docu-
mentos foram selecionados pelo fato de focalizarem a EI
e de divulgarem e promoverem uma gramática e práticas
sobre como potencializar o desenvolvimento de crianças
pobres. A leitura dos documentos resultou na definição
de um eixo temático e de três unidades de análise. O
eixo temático definido foi “estratégias de gestão de
riscos e produção de capital humano”, pelo fato de tais
aspectos constituírem prontidão escolar e da prontidão
para a vida; 3) Os programas de DPI e a gestão de riscos.
(CARVALHO, 2016, p. 231).

Ao realizar uma análise das propostas políticas existentes nos


documentos, o supracitado autor verifica, em face de uma expertise
de cunho econômico, os modos como se intensificam os investimen-

3  Carvalho (2016) utiliza o termo governamento em vez de governo, nos casos em que estiver
sendo tratada a questão da ação ou do ato de governar.

51
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

tos políticos para as crianças, e sobreleva que tais investimentos são


alicerçados na noção de desenvolvimento infantil que coloca esse
segmento em um espaço de produção de capital humano.
O documento, intitulado O investimento em DPI como lema
importante do Brasil, é um dos registros produzidos pelo BM que
relevam a aliança entre economia e EI.

Intervenções no Desenvolvimento da Primeira Infância


são essenciais para aumentar a produtividade do Brasil
como um todo e para proporcionar oportunidades iguais
a toda a população. Esses programas beneficiam mais os
pobres do que os demais e os pobres precisam muito
desses benefícios. Intervenções na educação desem-
penham um papel-chave. As creches e as pré-escolas
oferecem oportunidades para a estimulação cognitiva e
não cognitiva, e para o desenvolvimento. Essas oportuni-
dades podem ajudar as crianças no sucesso acadêmico
e no acesso ao mercado de trabalho futuro. (BANCO
MUNDIAL, 2001, p. 1).

No âmbito das orientações dos organismos internacionais, as


políticas destinadas para a EI se concentram no desenvolvimento
de habilidades que objetivam a formação de um indivíduo produtivo
e empreendedor de si mesmo, designadas como políticas para o
Desenvolvimento da Primeira Infância (DPI).4
Com efeito, as crianças oriundas de classes menos favoreci-
das economicamente são vistas como um capital humano no qual se
deve investir, mediante um conjunto de habilidades que o capacitem
para atuar no contexto do mercado de trabalho competitivo, que
tem como fim regular o Estado neoliberal contemporâneo. Assim,
na visão economicista, a infância, que está à margem das condições
de vida consideradas produtivas pelo Estado, é tomada como um
risco social que demanda intervenção, acompanhamento e avaliação
(CARVALHO, 2016).

4 Desenvolvimento na Primeira Infância (DPI) refere-se a todas as atividades destinadas a


promover o desenvolvimento cognitivo, emocional e comportamental em crianças com
idade entre zero e cinco anos.

52
O PAPEL DOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS NO DESENVOLVIMENTO
DE POLÍTICAS FOCALIZADAS PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL

Então, a estratégia para a redução do risco social, sobretudo


em países subdesenvolvidos, é o desenvolvimento de um conjunto
de ações que permitam aos países se prevenirem desses riscos,
reduzindo os danos financeiros que, eventualmente, venham a ser
causados pela falta de práticas que potencializam o desenvolvimen-
to das crianças para uma vida adulta economicamente produtiva,
sendo a população pobre o foco do governo, e este último, pautado
em uma lógica de racionalidade do governamento da conduta das
crianças, parte de um paradigma universal que toma como referência
as crianças das camadas médias e altas da sociedade.
Na verdade, os programas educacionais operacionalizados
pelos países pobres, além de potencializarem o capital humano in-
fantil, apoiam-se em uma racionalidade política que procura incluir
a todos, seguindo um padrão universal, sem, contudo, considerar os
aspectos culturais, sociais e econômicos desses países. Trata-se de
uma conceitualização moldada por uma perspectiva disciplinar, pau-
tada em uma concepção de desenvolvimento linear, pois trabalha
com um modelo de criança ideal em uma lógica econômica e política
específica, qual seja o neoliberalismo. Tal lógica acarreta uma visão
de mundo descontextualizada, isenta de valores, desconsiderando,
assim, as distintas culturas, os antecedentes econômicos, as carac-
terísticas étnicas e religiosas. As histórias individuais de vida, por sua
vez, constroem diferentes experiências de ser criança e múltiplos
mundos da infância, os quais não podem ser pautados em práticas
universais a serem desenvolvidas em todos os países (MOSS, 2005).
Nessa acepção de linearidade do desenvolvimento, que indica
quem é a criança, o que ela pode ser, o que ela pode fazer e quais
ações não são permitidas nesta ou naquela idade, o desenvolvimento
infantil descrito de forma linear pela expertise econômica não permi-
te que a criança tenha outra possibilidade de desenvolvimento.
Contribuindo com essa discussão, Rossetti-Ferreira, Ramon e
Silva (2002) esclarecem que mediante análise crítica de dados ma-
croeconômicos, sociais e do discurso oficial que norteia as políticas

53
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

para a primeira infância nos países em desenvolvimento, as políticas


delineadas por agências multilaterais, como o BM e os governos locais,
tratam os programas voltados para a EI como forma de intervenção
social que visam à superação das desigualdades.
As referidas autoras pontuam, ainda, que embora sejam
políticas aparentemente fundamentadas no direito da criança e da
família, especialmente quando se trata de crianças pobres, negras e
residentes na zona rural, constituem políticas assentadas no discurso
da necessidade e no lema “atender pobremente a pobreza” (grifo das
autoras), já evidenciado nos documentos oriundos do BM, agência
responsável por orientar e subsidiar os programas voltados para o
segmento em epígrafe.
Dessa forma, as susoditas autoras consideram que a necessi-
dade urgente de expansão do atendimento, principalmente às crian-
ças das camadas pobres, reputadas pelas agências internacionais e
pelos governos como populações em situação de risco ou de vulne-
rabilidade social, justificam a implantação de uma série de políticas
compensatórias mediante programas de baixo custo.
A esse respeito, Rossetti-Ferreira, Ramon e Silva (2002, p. 26)
lembram que “os programas, grosso modo, procuram situar-se em
uma perspectiva de direitos enquanto o discurso e os documentos
do Banco Mundial”, comumente, estão atrelados mais a uma questão
de necessidades. À vista disso, os países do bloco latino-americano
são marcados por uma desigualdade socioeconômica tão forte que
acabam influenciando drasticamente na concepção e implantação
de políticas e programas que se justificam, geralmente, como via de
intervenção social e meio de ajudar aqueles que necessitam, evitan-
do eventuais consequências ou riscos sociais.
Destarte, o documento Investimento em DPI, como lema im-
portante do Brasil destaca os programas de intervenção social como
necessários para garantir o sucesso das crianças no Brasil.

Análises de programas de Desenvolvimento na Primeira


Infância demonstram que intervenções voltadas para

54
O PAPEL DOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS NO DESENVOLVIMENTO
DE POLÍTICAS FOCALIZADAS PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL

uma área têm grandes repercussões em outras áreas.


Programas de nutrição vêm afetando o desenvolvimento
cognitivo, programas de transferência de renda têm
melhorado a saúde e intervenções em educação e cui-
dados com crianças afetam a saúde e o comportamento.
(BANCO MUNDIAL, 2001, p. 3).

Sobre esse aspecto, convém ressaltar que os programas de


intervenção são marcados, historicamente, pela necessidade de pro-
teger a sociedade dos efeitos da pobreza e prevenir a marginalização.
É inegável que as dimensões sociais da pobreza e da indigência exis-
tentes nomeadamente nos países em desenvolvimento requerem
políticas focalizadas e até emergenciais, no sentido de amenizar os
efeitos produzidos em crianças submetidas a todo tipo de privação.
Contudo, tais políticas só promoverão inclusão se forem
ancoradas na perspectiva do direito. Portanto, as políticas para a
educação e o cuidado infantil não podem se resumir em ajuda aos
necessitados, em uma educação para submissão e para a exclusão, já
que podem, inclusive, colaborar para a construção de uma cidadania
assistida e tutelada. Tais políticas devem ter como objetivo máximo a
promoção da autonomia e o exercício da cidadania, e para alcançar
esses objetivos, é preciso oferecer uma educação de boa qualidade
enquanto direito, e não como uma necessidade (ROSSETTI-FERREIRA;
RAMON; SILVA, 2002).
É meritório considerar que as políticas focalizadas para a EI
se ampliaram com a entrada de organizações internacionais como a
Unesco e a Unicef no âmbito da EI. A inserção dessas organizações,
sobretudo na América Latina, implicou não apenas incentivos e polí-
ticas de indução à expansão desse nível de atendimento educacional
via instituições não-formais, mas também uma mudança no modus
operandi desses organismos, que ampliaram o seu raio de atuação
do tradicional binômio saúde-nutrição, envolvendo-se em projetos
educativos destinados à infância e à juventude (ROSEMBERG, 2001).
Aliás, Campos (2013, p. 198) ressai que a atuação desses
organismos com “ênfase na educação como estratégia de alívio da

55
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

pobreza e de promoção da equidade organiza-se a partir da lógica


das políticas redistributivas compensatórias, afastando-se da ideia
de políticas redistributivas estruturais”. Logo, em vez de combater
as causas estruturais da pobreza, fomenta-se o desenvolvimento de
políticas compensatórias e focalizadas.
Por cúmulo, surge a reorientação da universalidade de diversos
programas compensatórios de cunho assistencialista, direcionados
a diferentes públicos-alvo, com foco na população pobre. Diante
dessa lógica, vários programas e projetos foram iniciados na América
Latina e no Caribe, com a definição de metas e proposição de ações
e orientações para os países.
Campos (2013) releva que as orientações dos organismos
internacionais e/ou das agências financiadoras não podem ser inter-
pretadas como ações diretas do contexto econômico-político sobre
o Estado, pois antes se devem considerar as interações e complexi-
dades envoltas nesses contextos, já que se trata de países com dife-
rentes interpretações desse conjunto de variáveis – se consideradas
as suas tradições de política social e educativa.
Nesse sentido, Campos (2013) chama a atenção para a neces-
sidade de se analisar tais orientações, tomando como referência os
novos conceitos introduzidos por projetos/planos e agenda, concen-
trando suas análises, principalmente, nos documentos elaborados
pela Unesco e pelo Unicef, entre os quais cita:

Síntesis regional de indicadores de la primera infancia


(UNESCO, 2004); Informe de seguimiento de la EPT e
nel mundo: bases sólidas: atención y educación de la
primera infancia (UNESCO, 2007); Proyecto regional de
educación para América Latina y el Caribe (UNESCO,
2002); Modelo de acompañamiento-apoyo, monitoreo
y evaluación para América Latina y el Caribe (UNESCO,
2002); Situação mundial da infância 2007: mulheres
e crianças: o duplo dividendo da igualdade de gênero
(UNICEF, 2007); Pobreza infantil en América latina y El
Caribe (CEPAL; UNICEF, 2010); Metas educativas 2021:
la educación que queremos para la generación de los
Bicentenarios (OEI, 2010). (CAMPOS, 2013, p. 198).

56
O PAPEL DOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS NO DESENVOLVIMENTO
DE POLÍTICAS FOCALIZADAS PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL

Ao detectar, precipuamente, a partir da década de 1990, a


emergência de novos marcos regulatórios para a EI, a referida autora
destaca como ponto comum entre os documentos as indicações
para a educação de crianças. Nos anos 2000, suas análises relatam
um indicativo crescente da EI como estratégia de combate à pobreza,
constituindo medida paliativa para aliviar os resultados das políticas
econômicas que se fundamentam na ideia de gastos mínimos para
a área social. Nesse sentido, por tratar-se de uma área social, a EI
requer poucos investimentos.
Ainda de acordo com Campos (2013), os documentos indi-
cam uma segmentação por idade na organização da educação para
as crianças de 0 até 6 anos de idade, sendo que para as crianças
menores de 3 anos, guiam-se pela nutrição, proteção e educação às
famílias. Já para as crianças acima de 4 anos, as indicações dos do-
cumentos estão mais voltadas para escolaridade futura, ratificando,
portanto, o modelo dicotômico de creche e pré-escola que marcou
a EI durante muito tempo no Brasil, sendo objeto de muitas críticas e
discussões por parte de pesquisadores e movimentos sociais.
Tais orientações ganham novos contornos na educação bra-
sileira, tendo em vista a aprovação da EC n° 59, de 11 de novembro
de 2009, que prevê a obrigatoriedade da educação para crianças a
partir de 4 anos de idade.
Nessa direção, a EI passa a ocupar uma posição central, pre-
cipuamente a partir dos anos 2000, sendo essa etapa da educação
considerada chave para o desenvolvimento das capacidades huma-
nas da população pobre. Isso porque, de acordo com as indicações
dos documentos analisados, quanto mais cedo a criança é educada,
maiores serão suas chances de desenvolvimento psicofísico e social.
À vista disso, investir na expansão das capacidades huma-
nas das pessoas pobres é indispensável. Isso porque o conceito
de capacidade humana é mais abrangente, nada mais sendo que o
desenvolvimento como um processo de expansão das liberdades
humanas. Assim, para que haja redução da pobreza, é necessário

57
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

que o Estado atue para aumentar essas liberdades, por meio das ca-
pacidades dos pobres, sem significar apenas a formação de capital
humano, tampouco a defesa da existência de um Estado que garanta
os direitos sociais. Mas, contrariamente, a defesa é de um Estado
assistencialista e caridoso que deverá atuar apenas nos segmentos
mais pobres. Desse modo, o Estado seria necessário apenas em um
primeiro momento, quando teria o papel de ampliar as capacidades
dos pobres. Já em um segundo momento, uma vez capacitados, o
Estado seria desnecessário, já que cada indivíduo seria responsável
pelo seu desenvolvimento pessoal no mercado (UGÁ, 2004).
À vista dessa realidade, a pobreza é vislumbrada como resulta-
do da incapacidade individual, sendo os pobres vistos como sujeitos
com privação de capacidades básicas. O Estado teria, então, o papel
de supri-las, mediante a garantia de serviços sociais básicos, como
educação e saúde, capacitando-os e livrando-os de suas privações.
Nesse âmbito, emergem estratégias de políticas focalizadas
na educação para os chamados segmentos vulneráveis da popu-
lação, por meio da reatualização de antigas práticas de educação
compensatória, com o crescimento de políticas sociais seletivas
focalizadas, que colocam em xeque a concepção de universalidade,
já que a valorização do princípio da focalização é considerado, dis-
cursivamente, como algo dotado de superioridade democrática, uma
vez que respeita as individualidades e as diferenças das pessoas.
Coadunando essa discussão, Coraggio (1996, p. 86) argumen-
ta que

as propostas estratégicas de focalização do Banco Mun-


dial para atacar a pobreza explicariam por que o BM, que
tradicionalmente direcionou investimentos para a infra-
estrutura e o crescimento econômico, aparece cada vez
mais como uma agência propulsora de investimentos em
setores sociais e da reforma do conjunto das políticas
sociais, no sentido de prevenir situações politicamente
críticas no mundo.

58
O PAPEL DOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS NO DESENVOLVIMENTO
DE POLÍTICAS FOCALIZADAS PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL

A focalização na pobreza evidencia-se na EI, mormente nas


propostas para a infância elaboradas pelo BM e por outras agências
internacionais, a exemplo da Cepal, da Unesco e do BID. Sobreleva-se,
por oportuno, o documento do BM para o Brasil, intitulado Relatório da
Primeira Infância: foco sobre o impacto das pré-escolas (2001), em
que enuncia a focalização na pré-escola como política de interven-
ção efetiva que contribuirá com a melhoria de grupos da população
mais pobre (BANCO MUNDIAL, 2001).

Para avaliar o impacto da EI, é avaliada a taxa interna de


retorno da educação pré-escolar sobre as despesas
do serviço. Esta análise consiste nos seguintes passos:
primeiro, os benefícios da educação pré-escolar são
estimados em termos do desempenho futuro da criança
na escola e no mercado de trabalho (capacidade de ge-
ração de renda) e em termos de sua situação nutricional.
São selecionados apenas benefícios que podem ser ava-
liados em termos financeiros, a fim de embasar o estudo
e permitir comparações de custos. Segundo, é estimado
o custo de se educar uma criança na pré-escola. Tercei-
ro, é calculada a taxa interna de retorno e a disposição
em pagar pela educação pré-escolar, comparando-se
os custos e benefícios de fornecimento dos serviços.
(BANCO MUNDIAL, 2001, p. 12).

Percebe-se, pois, que a criança, longe de ser reconhecida


como sujeito social de direitos e participante da construção da
realidade histórica, é vista mais como produto do capital mun-
dializado que, por meio da educação, trata a primeira infância e a
pobreza como focos das estratégias políticas e econômicas, cujo
desempenho na escola está direcionado à capacidade de geração
de renda, que parte da relação custo-benefício. Logo, as políticas
recomendadas pelos organismos internacionais aos países periféri-
cos – no caso, o Brasil – estão interligadas nesse contexto mundial
e os países-membros direcionam os rumos da EI com políticas e
ações demandadas mundialmente.

59
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

Ancoradas nos discursos do atendimento da primeira infân-


cia como prioridade no desenvolvimento sustentável dos países, as
políticas recentes de educação no Brasil, para o século XXI, são orien-
tadas pelas metas fixadas no Marco de Ação Dakar (UNESCO, 2001).
A propósito, o Fórum Mundial de Educação para Todos, rea-
lizado em abril de 2000, em Dakar/ Senegal, como referido outrora,
teve como objetivo avaliar os progressos alcançados na década e
estabelecer novas metas. Assim, “o Marco de Ação Dakar fixou seis
metas, sendo que a primeira delas consiste em Expandir e melho-
rar o cuidado e educação da criança pequena, especialmente para
as crianças pequenas mais vulneráveis e em maior desvantagem”
(UNESCO, 2001, p. 06-07). Percebe-se, nessa meta, a ênfase na
infância pequena e na determinação da pobreza como estratégia
política para o desenvolvimento sustentável dos países pobres.
No tocante às metas definidas em Dakar, o Brasil, além da le-
gislação que garante os direitos ao atendimento às crianças de 0 a 6
anos, considerada avançada, sancionou a Lei nº 10.172/01, que aprovou
o PNE, de duração decenal, estabelecendo metas para a EI, tomando
como base as recomendações mundiais, expressas nos documentos
divulgados pelos organismos internacionais, patenteando a priorida-
de com a educação e o cuidado infantil na primeira infância, embora
dependa da anuência dos Estados signatários (BRASIL, 2001).
A Unesco caracteriza-se como uma agência das Nações
Unidas especializada em educação, tendo como principal enfoque o
aprimoramento da educação mundial por meio de acompanhamento
técnico, do estabelecimento de parâmetros e normas, de projetos
e redes de comunicação. O Ministério da Educação (MEC), ressal-
tando a importância de sua parceria com a referida agência, afirma
que no âmbito das Nações Unidas, a Unesco tem a responsabilidade
de “fortalecer, na mente dos homens, os pilares da paz, mediante o
desenvolvimento da cooperação internacional em suas esferas de
competência e, dentre outras, a da educação, considerada primordial
nas perspectivas de desenvolvimento humano” (BRASIL, 2005, p. 2).

60
O PAPEL DOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS NO DESENVOLVIMENTO
DE POLÍTICAS FOCALIZADAS PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL

Ao analisar as orientações da Unesco para a EI, cumpre realçar


que o discurso da supracitada agência é que a educação da criança
de 0 a 6 anos é um direito constitucional, um compromisso assumido
pelo Brasil no Marco de Ação Dakar e no PNE (BRASIL, 2001).
Corroborando Campos (2012b), é visível a institucionalização
da EI no Brasil, decorrente tanto da obrigação assumida pelo Estado,
a partir dos documentos de que é signatário, quanto da própria pres-
são social. Entretanto, segundo a mesma autora, a responsabilidade
pública é mais visível nos segmentos etários de 4 e 5 anos, esquivan-
do-se do atendimento às crianças menores de 3 anos.
Essa observação pode ser ratificada nos dados de atendi-
mento que comprovam, por um lado, uma aproximação com a uni-
versalização da educação de 4 e 5 anos (pré-escola), e por outro,
um parco crescimento no atendimento das crianças de 0 a 3 anos
(creche). Somado a isso, valida-se o recorte da obrigatoriedade da
educação básica no Brasil a partir da EI.
Com relação ao atendimento na etapa pré-escolar, é possível
verificar um aumento insignificante no atendimento, no ano de 2016
(considerando que esse foi o prazo estabelecido pelo PNE/2014 para
a universalização dessa etapa), se comparado ao ano de 2006, cujo
atendimento foi maior, indicando que esse fato pode estar associado
ao cumprimento imediato da Meta 21 do PNE 10.172/01, que se refere
à aplicação de 10% dos recursos de Manutenção e Desenvolvimento
do Ensino - MDE não vinculados ao Fundo de Manutenção e Desen-
volvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério
(Fundef), prioritariamente, em EI.
Além disso, em muitos municípios brasileiros, a Lei nº 11.274/06,
que amplia o ensino fundamental e passa a atender às crianças a
partir de 6 anos de idade, ainda não estava em vigor, fazendo com
que essas crianças permanecessem na EI.

61
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

Tabela 1- Atendimento da EI no Brasil (2006-2016)


Ano Creche Pré-Escola Total
2006 1.427.942 5.588.153 7.016.095
2007 1.579.581 4.930.287 6.509.868
2008 1.751.736 4.967.525 6.719.261
2009 1.896.363 4.866.268 6.762.631
2010 2.064.653 4.692.045 6.756.698
2011 2.298.707 4.681.345 6.980.052
2012 2.540.791 4.754.721 7.295.512
2013 2.730.119 4.860.481 7.590.600
2014 2.891.976 4.964.015 7.855.991
2015 3.043.548 4.916.525 7.960.073
2016 3.233.739 5.034.353 8.268.092
Fonte: elaborado pela autora, com base nos microdados do Censo Escolar (2006-2016).

A preocupação centrada nos anos mais próximos da escola-


ridade justifica-se pela prática pautada na lógica da fragmentação e
do curto prazo, partindo do entendimento de que a antecipação do
ingresso das crianças na EI garantirá maior sucesso em sua escolari-
dade futura.
Assim, na lógica do BM (1990), aumentando-se o capital
humano, sobretudo da população pobre, oportuniza-se a ela a com-
petitividade por melhores empregos no mercado. Com relação às
indicações para as crianças até 3 anos, referem-se a ações voltadas
para a estimulação cognitiva precoce para o seu desenvolvimento
intelectual, como assinala o documento final das Metas Educativas
2021 (OEI, 2012, p. 36): “o desenvolvimento cerebral dos primeiros
anos afeta tanto a saúde mental e física quanto o comportamento
pelo resto da vida”.
O referido documento afirma, ainda, que

é imprescindível garantir que as crianças pequenas te-


nham as condições básicas de alimentação e de saúde e
estimulação variada; que as famílias recebam apoio para
atender às necessidades e garantir o desenvolvimento e
a educação de seus filhos; e que as crianças sejam pro-
gressivamente incorporadas a situações educacionais
organizadas, que contribuam para seu amadurecimento
e aprendizagem. (OEI, 2012, p. 36).

62
O PAPEL DOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS NO DESENVOLVIMENTO
DE POLÍTICAS FOCALIZADAS PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL

É possível verificar que as ações indicadas no documento


Metas educativas 2021: a educação que queremos para a geração
dos Bicentenários (OEI, 2012) se apresentam de forma dicotômica,
na medida em que reforçam a necessidade de desenvolvimento de
ações voltadas para as crianças pobres, enquanto sugerem o papel
da EI como estratégia focalizada para o combate à pobreza.
De acordo com Campos (2013), há um desvio de compro-
misso da política social para a satisfação das necessidades sociais
na definição de dois objetivos distintos para a EI, sendo um para as
crianças até 3 anos e outro para as de 4 e 5 anos. Assim, a concepção
de equidade utilizada na focalização das políticas para a EI afasta o
debate relativo à justiça e à igualdade, de modo que os efeitos na EI
se traduzem em antigas práticas e formas de organização da área.
No entendimento de Campos (2013), na lógica da equidade
expressa nos documentos internacionais, as desigualdades geradas
seriam justas, porquanto surgiriam em um contexto em que haveria
a presença da distribuição igualitária de oportunidades. Logo, a edu-
cação teria papel fundamental na distribuição de viabilidades, sendo
considerada uma estratégia de redução das disparidades sociais, já
que estariam sendo abertas “janelas de oportunidades”. Nessa lógica,
o mérito de reduzir as desigualdades sociais seria somente do aluno,
já que ele só deveria aproveitar as chances que lhe são oferecidas.
Isso revela certa contrariedade, já que não se pode falar em merito-
cracia (quando cada pessoa é responsável pelo seu sucesso, pelos
próprios métodos) se as pessoas têm pontos de partida diferentes.
No tocante à garantia do direito à EI, quando submetida à
lógica perversa da focalização, acaba produzindo um efeito negativo,
já que promove a cisão entre quantidade e qualidade (expansão sem
qualidade), e ampliação do direito de uns (crianças de 4 e 5 anos)
em detrimento do encolhimento do direito de outros – no caso, das
crianças de 0 a 3 anos.
Contribuindo com essa temática, ao analisar a Lei nº 13.257/2016,
que regulamenta o Marco Legal da Primeira Infância, Didonet (2016,

63
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

p. 48) considera-a um avanço importante para o monitoramento das


políticas públicas voltadas para a infância no Brasil, e ressai a relevân-
cia da implementação do texto legal, visto que tal dispositivo prevê
que a “finalidade última do monitoramento, da coleta sistemática de
dados e da avaliação é, precisamente, o cumprimento mais completo,
nas dimensões qualitativa e quantitativa, [...] em vista da qualidade de
vida e desenvolvimento integral das crianças”.
No que alude aos elementos que compõem a oferta dos ser-
viços à avaliação do desenvolvimento infantil no campo da EI, o autor
referido ressalta, ainda, que

o patamar sobre o qual se deve construir um projeto


de avaliação, seja das políticas, das ações integradas,
ou mesmo das setoriais, são os direitos da criança. O
objetivo de umas e de outras seria, portanto, a realização
desses direitos. No entanto, algumas instituições de
ensino demonstram o interesse por medidas de rendi-
mento, quantificação de conhecimentos aprendidos ou
posicionamento das crianças em escalas de desenvolvi-
mento linear com objetivo de comparar com metas por
idade ou com outros grupos de crianças, havendo risco
iminente de distorção no desenvolvimento integral e de
exclusões das crianças, daí a necessidade de retorno ao
ponto de partida. (DIDONET, 2014, p. 50).

Para o susodito autor, deve-se partir da criança como sujei-


to, da pessoa integral, do desenvolvimento global e harmônico, do
respeito ao ritmo individual de cada criança, da concepção de de-
senvolvimento processual e não linear, pois se essa visão não estiver
impregnada nas políticas e em suas ações integradas, estaremos
compartimentando a atenção e, pior, contribuindo para a fragmenta-
ção da pessoa.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo envolveu a análise dos dados obtidos por meio


das fontes documentais disponibilizadas nos sites oficiais, focalizan-

64
O PAPEL DOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS NO DESENVOLVIMENTO
DE POLÍTICAS FOCALIZADAS PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL

do as recomendações das agências internacionais e as metas locais


concernentes à política de atendimento da EI.
Em face do exposto, conclui-se que a criança, longe de ser
reconhecida como sujeito social de direitos e, portanto, participante
da construção da realidade histórica, é vista mais como um produto
do capital mundializado que por meio da educação, trata a primeira
infância e a pobreza como focos de estratégias políticas.
Assim, as políticas recomendadas pelos organismos interna-
cionais aos países periféricos – no caso, o Brasil – estão interligadas
nesse contexto mundial, onde os países-membros direcionam os
rumos da EI com políticas e ações demandadas mundialmente.

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67
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

68
POLÍTICAS PÚBLICAS
EDUCACIONAIS DA EDUCAÇÃO INFANTIL:
reflexões sobre o atendimento das crianças
de 0 a 5 anos no contexto dos anos de 1990 e
início dos anos 2000 (Teresina- Piauí)

Zélia Maria Carvalho e Silva

1 INTRODUÇÃO

A definição das políticas educacionais públicas direcio-


nadas à criança não ocorreu de forma rápida. Ao contrário, foi um
processo lento que somente sofreu alterações após a mobilização
de movimentos sociais; as mudanças socioeconômicas das famílias
urbanas e industrializadas; a evolução das pesquisas relacionadas ao
desenvolvimento infantil; a ideia dos benefícios trazidos não só para
a criança, mas para toda a família, de que a frequência escolar em
uma instituição de ensino infantil traria benefícios a todos; e o reco-
nhecimento dos direitos das crianças pelas políticas internacionais,
especialmente no que se refere ao direito à Educação Infantil (EI) de
qualidade para crianças menores de cinco anos de idade (CAMPOS
et al., 2011).
A criança passou por muitos contextos sociais sendo reputada
como um sujeito esquecido, invisível e sem voz. Ela era vista não como
um indivíduo que conta com direitos e é capaz de produzir cultura.
A mudança de percepção em relação a esse segmento começou a
se consolidar em nosso meio com a promulgação da Constituição
Federal de 1988 (CF/88).
A partir desse dispositivo legal, a criança passou a ter direito
a uma educação formal, que vai além daquela recebida pela família,
com normatizações e propostas pedagógicas claras e consistentes,

69
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

além de ter o Estado como parceiro e responsável por assegurar às


crianças menores de cinco anos uma educação pública e de qualida-
de. Isso, porém, não significou a efetividade dessa proposta.
Vale lembrar que antes da CF/88, já existiam instituições
que cuidavam e educavam as crianças. No entanto, essas institui-
ções educativas não tinham tal exigência formal nem faziam parte
do sistema educacional. Assim, a nova maneira de olhar a criança
brasileira fez com que os movimentos sociais lutassem por creches
e pré-escolas enquanto prerrogativa das crianças e dever do Estado,
visando a melhorar o cuidado e a educação desses sujeitos.
É oportuno ressaltar que a implementação de uma política
pública necessita de um compromisso constante do Estado. Con-
tudo, não devemos esquecer de que a concretização, assim como a
intencionalidade dessa política, é formulada no espaço do município.
Logo, é no plano local que as práticas são executadas e concretiza-
das. Nessa perspectiva, percebemos que “[...] as políticas públicas
para as crianças pequenas são fragmentadas, pois estão dispersas
entre os órgãos federais, estaduais e municipais de educação, nas
áreas de bem-estar social, saúde, trabalho e direitos da infância”
(ROSEMBERG, 2012, p. 3) – assim como as políticas sociais conside-
radas básicas de assistência social, saúde e educação, as quais são
planejadas e executadas pelos órgãos responsáveis de forma isolada
(KRAMER, 2005).
Isso influencia negativamente a responsabilidade do Estado
para com a oferta de EI de qualidade, uma vez que a falta de diálogo
entre essas instâncias e a forma como cada uma interpreta essa po-
lítica – no sentido de omissão ou colaboração para com a educação
de crianças da primeira infância – desvela a importância ou não que
cada uma dá à educação e ao caráter implícito nas políticas educa-
cionais implementadas, isto é, se a ênfase está relacionada mais aos
aspectos educacionais ou assistenciais.
Esta pesquisa, que tem como tema Políticas públicas edu-
cacionais da educação infantil: reflexões sobre o atendimento das
crianças de 0 a 5 anos no contexto dos anos de 1990 e início dos

70
POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

anos 2000 (Teresina-Piauí), denota uma relevante iniciativa para


problematizar o papel das políticas públicas educacionais nacionais
direcionadas às crianças de primeira infância, destacando seus re-
flexos em nível local, especificamente na capital do estado do Piauí.
A mudança da visão da sociedade em relação à educação das
crianças da primeira infância e o reconhecimento desse segmento,
enquanto sujeito, é resultado de um processo de mobilização social e
de reflexão daqueles que fazem a educação, seja exercendo o papel
de formador, formando ou pesquisador, bem como da sociedade civil
como um todo.
Podemos considerar que a sociedade contemporânea tem
discutido a necessidade de planejar políticas públicas que reduzam
as desigualdades de acesso das crianças da primeira infância na
EI. Sabemos que “leis e políticas são meios, instrumentos de ação;
crianças são pessoas, sujeitos. Nelas estão a razão e o sentido da
legislação e das práticas administradas” (NUNES; CORSINO; DIDONET,
2011, p. 9). Isso posto, esta pesquisa propõe-se a investigar o seguinte
problema: como ocorreu o atendimento das crianças da EI no Piauí e
em Teresina na década de 1990 e nos anos iniciais de 2000?
As políticas públicas da EI vem sendo alvo de discussões em
nível mundial, desde os anos 1990, com a reforma do Estado. Não
obstante, ainda se concebe a conveniência de envidar mais estudos
e reflexões sobre essas políticas, a fim de que se efetivem os direitos
da criança de 0 a 5 anos. Tendo isso em vista, esta investigação tem
como objetivo analisar como se processou o atendimento às crian-
ças da EI no Piauí e em Teresina na década de 1990 e início da década
de 2000.
Este trabalho é resultado de uma pesquisa desenvolvida no
Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEd) da Universidade
Federal do Piauí (UFPI), da dissertação de mestrado que teve como
tema História e Memória da Educação Infantil em Teresina: 1968
-1996. Como aporte metodológico, utilizamos a pesquisa bibliográ-
fica, fundamentada em Campos (2002); Rosemberg (2002); Libâneo

71
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

(2012); Peroni (2006), entre outros. Também se promoveu uma pes-


quisa documental em documentos oficiais da Secretaria Estadual de
Educação (SEDUC), da Secretaria Municipal de Educação (SEMEC) e
do Ministério da Educação (MEC).
O trabalho divide-se em quatro seções, além da introdução
e das considerações finais. A primeira, intitulada de Reflexões sobre
as políticas da EI, a partir das reformas do Estado, aborda o posicio-
namento do Estado para com as crianças de 0 a 5 anos, a partir das
reformas implementadas; a segunda seção, A EI no cenário político
brasileiro da década de 1990, enfatiza as influências da ideologia ne-
oliberal na EI; a terceira, intitulada Atendimento das crianças da EI no
Piauí nos anos de 1990, discute, por intermédio de dados estatísticos,
como ocorreu o atendimento às crianças em creches e pré-escolas;
e por último, As políticas de EI no contexto de Teresina nos anos de
1990 e início dos anos 2000, apresenta uma reflexão sobre o atendi-
mento do município de Teresina em relação à educação de crianças
de 0 a 5 anos.
Acreditamos que a reflexão proposta neste estudo poderá
colaborar com os debates e as pesquisas sobre as políticas públicas
de EI, contribuindo com a sociedade na compreensão da realidade
da educação de crianças menores de cinco anos.

2 REFLEXÕES SOBRE AS POLÍTICAS DA EI A PARTIR DAS


REFORMAS DO ESTADO

As pesquisas sobre as políticas públicas direcionadas à edu-


cação de crianças de 0 a 5 anos vêm sendo ampliadas em nosso
País, suscitando análises cada vez mais fundamentadas que, além de
incentivarem a continuidade de investigações nessa área, também
ajudam na compreensão da realidade das instituições infantis. Isso
é resultado da mobilização social e de pesquisas desenvolvidas no
âmbito dos programas de pós-graduação das universidades públicas.

72
POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

Segundo Guimarães (2002, p. 44),

Cresce a consciência, no mundo inteiro, sobre a impor-


tância da educação das crianças de 0 a 6 anos (agora 5
anos), em estabelecimentos específicos com orientações
e práticas pedagógicas apropriadas, como decorrência
das transformações socioeconômicas verificadas nas úl-
timas décadas, e também apoiada em fortes argumentos
consistentes advindos das ciências que investigaram o
processo de desenvolvimento da criança.

Nas últimas décadas, testemunharam-se no Brasil mudan-


ças significativas em relação às legislações que garantem à EI em
creches e pré-escolas para crianças de 0 a 5 anos de idade. Nessa
lógica, o texto da CF/88 ampliou as obrigações do Estado para com a
educação e reforçou a ideia de crescimento econômico, levando em
consideração a igualdade social e o bem-estar da sociedade.
Aliás, esse dispositivo legal concedeu aos cidadãos “[...] o di-
reito de serem assistidos pelo Estado em suas necessidades básicas,
como a de educação e a de saúde, às quais todos têm direito ao
acesso gratuito” (CRAIDY, 2002, p. 57).
Portanto, trata-se de uma visão bem diferente daquelas deter-
minadas em décadas anteriores, 1960 e 1970, quando havia a defesa
da expansão da economia, fundamentada na teoria desenvolvimen-
tista, tendo o Estado o papel principal de articulador e planejador
absoluto das políticas que levariam o País ao mais alto patamar de
crescimento, sem ao menos consultar a opinião da população, mas
se apresentando como uma instituição assistencialista.
O contexto social em que a CF/88 foi implantada no Brasil
ainda não havia sido abalado pela nova ordem econômica mundial
que tinha o Banco Mundial (BM) como líder do processo. Naquele
momento, o papel do Estado era promover o bem-estar social, isto é,
a organização, o financiamento e a aplicação de objetivos por meio
de políticas sociais setoriais em que o destaque seriam os objetivos
sociais com equidade, solidariedade e integração social.

73
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

Nos anos de 1990, o Estado sofreu algumas mudanças em con-


sequência das políticas econômicas de ajuste, a partir das ideias do
neoliberalismo, tendo como resultado a diminuição nos gastos sociais,
ocasionando certo retrocesso em alguns setores, a exemplo da EI. A
proposta do Estado mínimo reduziu a participação deste na oferta de
serviços públicos que proporcionassem bem-estar social à população.
Por conseguinte, revela-se a exclusão social de alguns setores – como
é o caso da educação de crianças da primeira infância –, o aumento da
desigualdade e da acumulação de capital (HARVEY, 1996).
Dessa forma, para Didonet (2016, p. 24), em entrevista exclusiva
ao Portal MultiRio, fica evidente que a “escolha está entre a prote-
ção ao capital financeiro e o investimento social”. Nesta perspectiva,
o autor pontua que “[...] A grande questão é como salvaguardar as
crianças em tempos de crise financeira [...] os primeiros a sofrer são
elas, aumentam a mortalidade, a morbidade, a desnutrição, o trabalho
infantil, o abandono da escola”.
Nesse período, por intermédio das legislações – tais como
CF/88, Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – Lei nº 8.069/90,
LDB, nº 9394/96 – e das lutas sociais, a sociedade brasileira passou
a caminhar no sentido de reconhecer a especificidade da EI, exigindo
sua regulamentação e a criação de instituições específicas, capazes de
atender à demanda de crianças menores de seis anos (agora 5 anos).
De acordo com Rosemberg (2002, p. 73), “[...] Tais iniciativas
atestam a inclusão da Educação Infantil no sistema oficial de políticas
educacionais, digamos a passagem da clandestinidade ou da impro-
visação para um nicho específico, estruturado, formalizado”.
Com efeito, é necessário atentar para o fato de que a legitima-
ção da EI pela CF/88, enquanto política social, fez-se sentir de forma
mais intensa, ainda que o contexto histórico tenha atrelado a edu-
cação a outros setores, e vice-versa, caracterizando-se como uma
política social que viesse ajudar no processo de redemocratização.
O cenário brasileiro dos anos 1990 é marcado pelo paradigma
econômico, com relevo na eficiência e na redução do papel do Estado,

74
POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

que passa a direcionar alguns programas à população considerada


carente, fornecendo a ela o mínimo necessário para a sua sobre-
vivência. Essa ideia de isenção do Estado também é disseminada
mundialmente por meio do paradigma da liberdade econômica, ba-
seada no discurso da eficiência e qualidade que vem atuar também
no reordenamento da ação do Estado, limitando sua ação em relação
à implantação de políticas públicas (LIBÂNEO, 2003).
Emerge nesse contexto um novo líder, o BM, que passa a de-
terminar as regras da política educacional brasileira, estabelecendo
que ela passasse a ter enfoque sistêmico para facilitar o controle.
Com isso, seria necessário manter uma administração eficiente e o
uso de tecnologias educacionais para que chegasse à qualidade total.
No campo da EI, o BM estipulou que fosse desenvolvida a con-
cepção de desenvolvimento infantil nos programas desse nível de
ensino, com o intuito de combater a pobreza de crianças menores de
seis anos, ficando a política de EI subordinada à de desenvolvimento
da criança, constituindo “[...] um apêndice e uma prolongação ante-
cipada, uma estratégia preventiva ao fracasso escolar” (TOMMASI;
WARDE; HADDAD, 2009, p. 175). Isso trouxe à cena a mesma discussão
de décadas anteriores em relação à questão assistencialista como se
tratava essa clientela.
Diante disso, percebemos que as áreas que, historicamente,
vinham sendo esquecidas pelo poder público – como é o caso da
educação de crianças na faixa etária da EI – sofreram consequ-
ências negativas com a postura do Estado em transferir algumas
de suas atribuições para outras instâncias, o mercado, as ONGs
ou para a iniciativa privada. Por cúmulo, assiste-se a um avanço do
processo de mercantilização da EI. O agravante disso é a falta de
suporte financeiro, especialmente dos municípios, para custear as
despesas com a demanda da EI, levando o poder público a realizar
parcerias com o setor privado nos espaços de responsabilidade do
Estado (CURY, 2002).
Depreendemos que atualmente, há um debate de grupos
antagônicos em relação à EI, o que podemos assimilar no documento

75
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

de 2011 da Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação


(CLADE):

[...] De um lado, a ideia de que assim como todo ser hu-


mano, também as crianças têm direito a uma educação
de qualidade desde o nascimento; de outro, a posição de
que investir em educação desde a tenra idade se con-
figura como estratégia de desenvolvimento econômico,
sendo as crianças parte do capital humano que, uma vez
“educado” no momento certo, pode gerar “alta taxa de
retorno.” (CORREA, 2019, p. 83).

Esses embates sobre o sentido e a finalidade da EI mostram


que a criança ainda não tem, de fato, reconhecido um dos seus
direitos fundamentais, que é o da educação, e que as ideias eco-
nomicistas e utilitaristas, nomeadamente aquelas implantadas pela
comunidade internacional, estão bem próximas da teoria de capital
humano, enfatizando a ideia de que há “[...] necessidade de justificar
com argumentos produtivistas e instrumentais a alocação de re-
cursos públicos nesta etapa”, não sendo, portanto, tão necessário
perceber na criança um valor em si mesma (PENN, 2008, p. 8).
Por esse ângulo, a problemática em que se situa esta pesqui-
sa está relacionada às políticas públicas de EI, implementadas pelo
poder público em um cenário de muitas discussões, principalmente
no que diz respeito à redefinição do papel do Estado para com a EI,
especialmente a partir da reforma. Esse processo de definição de
novas políticas públicas trouxe muitos conflitos de interesses para a
sociedade, apresentando lutas de diferentes grupos pelo poder, per-
passando, em alguns momentos, as próprias esferas estatais. Logo, a
compreensão conceitual de Estado e governo é importante para que
nos situemos em relação às políticas direcionadas à EI.
As ponderações de Hofling (2001, p.31) sobre essa discussão
denotam o

Estado como conjunto de instituições permanentes


– como órgãos legislativos, tribunais, exército e outras

76
POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

que não formam um bloco monolítico necessariamen-


te – que possibilitam a ação do governo; e Governo,
como conjunto de programas e projetos que parte da
sociedade(políticos, técnicos, organismos da sociedade
civil e outros) propõe para a sociedade como um todo,
configurando-se a orientação política de um determina-
do governo que assume e desempenha as funções de
Estado por um determinado período).

A referida autora relata que é bastante complexa essa rela-


ção entre Estado e governo, uma vez que ambos estão interligados,
sendo que a distância do papel que cada um exerce na elaboração,
implementação e execução das políticas públicas é tênue, ou seja,
um influencia o outro, mesmo que caiba ao Estado o papel de imple-
mentar as políticas públicas e ao governo, executá-las.
É oportuno salientar que as políticas públicas também são
consideradas sociais, já que têm como característica a redistri-
buição de benefícios sociais para a população, trazendo, com isso,
uma redução das desigualdades sociais impostas pela sociedade
capitalista. Aliás, para Hofling (2001, p. 40), “mais do que oferecer
serviços – entre eles a educação – as ações públicas, articuladas
com as demandas da sociedade devem se voltar para a construção
de direitos sociais”.

3 A EI NO CENÁRIO POLÍTICO BRASILEIRO DA DÉCADA DE 1990

O contexto brasileiro da década de 1990 é marcado por refor-


mas no Estado, caracterizadas como políticas de ajustes, regulação
ou estratégias econômicas, com “[...] uma rigorosa disciplina fiscal,
privatização, redução dos gastos públicos, reformas (tributárias, pre-
vidência), liberalização comercial, desregulamentação da economia e
flexibilização das relações trabalhistas” (SILVA, 2003, p. 68).
Tendo isso em vista, “[...] a reforma dos sistemas educacionais
tornara-se prioridade, especialmente nos países em desenvolvimen-
to em vista o atendimento das necessidades e exigências geradas

77
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

pela reorganização produtiva no âmbito das instituições capitalistas


mundiais” (LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI, 2012, p. 43).
Vale lembrar que a ideologia neoliberal incentiva a redução
do papel do Estado no serviço público, precipuamente na educação,
fomentando a submissão das políticas educacionais ao mercado
global. Dessa forma, avulta-se uma mudança no papel do Estado para
com as políticas educacionais na década de 1990.
Em consonância com Peroni (2006, p. 14), o Estado passa a

[...] racionalizar recursos e esvaziar o poder das institui-


ções, já que instituições democráticas são permeáveis
às pressões e demandas da população, além de serem
consideradas como improdutivas, pela lógica de merca-
do. Assim, a responsabilidade pela execução das políti-
cas sociais deve ser repassada para a sociedade: para os
neoliberais através da privatização (mercado), e para a
terceira via pelo público não estatal (sem fins lucrativos).

Nesse ambiente de incentivo à privatização da educação e


modernização da educação pública por meio de princípios e valo-
res mercadológicos, o Estado propõe-se a continuar financiando a
educação pública. No entanto, a sua condução ficaria sob a respon-
sabilidade de organizações públicas não estatais.
Os anos de 1990 ensejam no Brasil um discurso de mo-
dernização, apesar de o País se encontrar endividado e em crise
econômica. Estávamos passando por um período de transição de
governo, saiu José Sarney – que governou de 1985 a 1990 – e entrou
o governo Fernando Collor de Melo, que assumiu a presidência em
um período curto, de 1990 a 1992. Na acepção de Vicentino e Dorigo
(2010), Collor defendia a ideia do Estado mínimo, do livre mercado,
das privatizações e, consequentemente, da adequação do Brasil ao
neoliberalismo mundial.
Essa política de ajuste, com contenção nos gastos no momen-
to pós-Constituinte, leva o País a regredir, em termos de desenvol-
vimento de políticas sociais, e a vivenciar momentos contraditórios,

78
POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

pois apesar de mencionar no texto da Constituição brasileira seus


avanços - no sentido de fazer valer os direitos do cidadão –, manifes-
ta que os sujeitos excluídos pelo poder público, como é o caso das
crianças de 0 a 5 anos, continuam suprimidos, já que a priorização
era o ensino fundamental (CAMPOS, 2002).

4 ATENDIMENTO DAS CRIANÇAS DA EI NO PIAUÍ NOS ANOS


DE 1990

No Plano Estadual de Educação apresentado pela Secretaria


Estadual do Piauí para o período de 1991/1995, pelo Secretário de
Educação, Sr. Átila Lira, as prioridades do sistema eram voltadas ao
ensino fundamental, daí porque o objetivo era dotar todo o estado
desse nível de ensino e elevar o padrão do ensino ministrado.
É significativo lembrar que a população do estado do Piauí
tem evoluído, com tendência de concentração na zona urbana, de-
vido ao movimento migratório oriundo não só das áreas rurais, mas
também de áreas urbanas menores para as cidades maiores, como é
o caso de Teresina, Parnaíba, Picos e Floriano, que oferecem melhores
condições de vida.
Em conformidade com o PNAD/IBGE de 1989, a população do
Piauí estava distribuída como mostra o Quadro 1.

Quadro 1 – Distribuição da população do Piauí, por zona de domicílio


POR SITUAÇÃO DE DOMICÍLIO TOTAL %
Urbana 1.335.035 51
Rural 1.294.209 49
Fonte: PNAD/IBGE (1989).

Notamos que já havia, no fim dos anos 1980, uma predispo-


sição à urbanização da população no Piauí. Tal característica se ma-
nifestava em todo o Brasil, então as pessoas fugiam do campo, que
não oferecia condições de vida, e migravam para as cidades. Essa si-
tuação agravou-se devido à crise econômica que o País atravessava,

79
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

com uma inflação atingindo “[...] um recorde histórico de 84, 32% ao


mês, chegando ao limite da hiperinflação, com o índice acumulado de
4853, 90% nos doze meses anteriores [...]” a março de 1990(PILLETI;
ARRUDA, 2005, p. 477).
Esse quadro de instabilidade econômica trouxe para os gru-
pos já excluídos, como é o caso das crianças de 0 a 5 anos de idade,
no início dos anos 1990, um baixo atendimento.

[...] De uma população de 538.592 nesta faixa etária (de


0 a 6 anos), o atendimento é de apenas 96.397, o que
corresponde a 16,46%, em todas as redes de ensino. Do
total de atendimento, a rede estadual beneficia a 27, 192
crianças, enquanto a rede municipal atende a 51.508, que
corresponde a 28,20% e 53, 43% respectivamente. [...] O
Estado do Piauí priorizou a atendimento à criança na faixa
etária de 4 a 6 anos e para uma população de 231. 872,
o sistema atende a 77, 126 crianças, o que representa 33,
36%. [...] Com relação ao número de escolas, a rede mu-
nicipal detém 1.270 estabelecimentos, enquanto a rede
estadual concorre com 353 unidades, do total de 1.865
pré-escolas existentes no Estado do Piauí. (PIAUÍ, 1991).

É possível depreender, pela análise do Quadro 2, que real-


mente, o atendimento prioritário à criança da EI estava direcionado
à faixa etária de 4 a 6 anos, tendo o município um percentual de
atendimento maior do que o estado e a rede privada menor que do
município e do estado.

Quadro 2 - Dependência Administrativa – Piauí


Ano Federal Estadual Municipal Particular Total
- 4 anos 22 2.339 7.727 2.298 12.386
4 anos 84 6.699 12.864 5.329 24.976
5 anos 86 8.526 14.001 6.054 28.667
6 anos 82 8.257 12.711 2.433 23.483
+ 6 anos 15 1.371 4.205 1.294 6.885
Total 285 27.192 51.508 17.408 96.397
Fonte: MEC/ SAG/CPS/CIP/ SAEP (1989).

80
POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

Consideramos que esses percentuais mais elevados de aten-


dimento na pré-escola se devem ao fato de essa já ser considerada
uma etapa de preparação da criança para o ensino fundamental,
nível de ensino que apresentava altos índices de retenção nos anos
iniciais. Já em relação às crianças de 0 a 3 anos, na modalidade cre-
ches, o atendimento deixou a desejar em todas as redes de ensino,
mesmo com a implantação, em Teresina, no ano de 1978, de creches
municipais comunitárias (SILVA, 2008).
Essas creches,

[...] inicialmente sob a administração da Secretaria


Municipal do Trabalho e Ação Comunitária, hoje são
administradas pela Secretaria Municipal da Criança e do
Adolescente – SEMCAD. São dezessete unidades opera-
cionais atendendo a 2.701 crianças de 3 meses a 6 anos
de idade em suas necessidades básicas de educação,
saúde, nutrição, socialização e lazer. (TERESINA, 1997, p. 15).

Convém ressaltar que em 1990, no plano do governador que


assumiu o estado do Piauí, Freitas Neto, a educação das crianças
foi contemplada, atendendo às normatizações legais dispostas na
CF/88 e no ECA, que encaram a educação como direito das crianças.
Assim, atendendo às políticas direcionadas à criança, o governo cria
em 1991, na Secretaria Estadual de Educação (SEED) “[...] o Departa-
mento de Educação Pré-Escolar (DEPRE), com estrutura semelhante
aos demais departamentos já existentes, com vistas a desenvolver
prioritariamente ações educativas junto à criança na faixa etária de 4
a 6 anos [...]” (PIAUÍ, 1998).
Até então, com a extinção da Divisão de Educação Pré-Es-
colar, em 1987, parte dos técnicos foram integrados à Divisão de
Supervisão Pedagógica do 1º Grau, “[...] sendo os demais remanejados
para o SERSE, que passou a atender um maior número de crianças
em idade pré-escolar, desenvolvendo ações de cunho pedagógico e
administrativo[...]” (PIAUÍ, 1998, p. 25).

81
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

A criação do DEPRE auxiliou a gerência do estado em relação


à EI, assim como no repasse de informações sobre o atendimento
da criança de 0 a 6 anos. Essa discussão é apresentada na proposta
da Política da EI do MEC, cujo documento enfatiza que “[...] às infor-
mações disponíveis são incompletas, havendo indícios de que um
número razoável de creches e pré-escolas funcionam sem registro,
não sendo essas incluídas nos levantamentos oficiais” (SEF/DPE/
COEDI, 1993, p. 26).
Observando o Quadro 3, atina-se que houve expansão no
atendimento educacional às crianças de 0 a 6 anos. Todavia, algu-
mas taxas ainda são baixas, principalmente para a população de
menor renda e que reside na zona rural. O percentual de maior de
atendimento, em 1996, permanece assim distribuído: primeiro, na
rede municipal; depois, estadual; e, por último, privada. A tendência
de atendimento da educação de crianças de 0 a 5 anos tende a
continuar a crescer na rede municipal, em virtude da determinação
legal estabelecida na LDB nº 9.394/96, que em seu Art. 11, incumbiu os
municípios de oferecerem a EI em creches e pré-escolas.
Contudo, o Estado ainda, continua com percentual de atendi-
mento elevado, apesar de a LDB ter formalizado, em seu Art. 10, que o
ente público deveria “[...] assegurar o Ensino Fundamental, e oferecer,
com prioridade, o Ensino Médio[...]” (BRASIL, 1996).
Aliás, a mesma Lei deu o prazo de três anos para que as cre-
ches e pré-escolas se integrassem aos sistemas municipais, a partir
da publicação dessa Lei. Entretanto,

[...] esse processo demorou mais do que três anos para


ser concretizado na maioria dos Estados brasileiros,
assim como no Piauí. No ano que completaria o prazo
de integração, ou seja, em 1999, de acordo com o Censo
Escolar do MEC, o Piauí ocupava o penúltimo lugar em
número de matrículas entre os Estados do Nordeste, fi-
cando à frente somente de Alagoas, com 52. 262. Estado
pequeno geograficamente como Sergipe apresentou
um número um pouco maior com 82.135. A diferença de
matrículas dos Estados vizinhos, Maranhão e Ceará, era

82
POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

significativa. O Maranhão com 206. 030 e o Ceará com


251. 474[...]. (SILVA, 2016, p. 295).

Dados da Semec dão conta de que o processo de transição


das escolas infantis da rede estadual para a municipal se deu a partir
de 2004, oito anos após a promulgação da LDB, quando “[...] foram
repassadas 07 unidades de EI com atendimento de 1.122 crianças
distribuídas em 50 turmas (1º e 2º períodos e alfabetização” (TERE-
SINA, 2006, n.p.).
Impende lembrar que a Semec passou a assumir a demanda
de EI atendida pela Semcad, em parceria com a Secretaria do Traba-
lho Cidadania e Assistência Social (SEMTCAS), somente a partir do
ano de 2004.

Quadro 3 - Educação pré-escolar – Estabelecimentos – Piauí (1991 e 1996)


Dependência
Administrativa/ 1991 1996 Crescimento
Localização
Valor absoluto % Valor absoluto % %
1897 2.701
Total 42,4
100 100
3 2
Federal -33,3
0,2 0,1
341 539
Estadual 58,1
18,0 20,0
1.211 1.707
Municipal 41,0
63,8 63,2
342 453
Particular 32,5
18,0 16,8
970 1.275
Urbana 31,4
51,1 47,2
927 1.426
Rural 53,8
48,9 52,8
Fonte: MEC/INEP/SEEC (1996).

De acordo com Campos et al. (2011), a EI ganhou destaque no


decorrer das últimas décadas, mas de maneira desigual. Percebemos
isso quando consideramos os seguintes aspectos: idades e realida-
des sociais, culturais e políticas no País. Dessa forma, coadunamos

83
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

os dados contidos no Quadro 4, referentes à evolução do número de


matrículas na EI pré-escola, por dependência administrativa, apre-
sentado pelo MEC/Inep no ano 2000.

Quadro 4 - Evolução do número de matrículas na EI pré-escola, por dependência


administrativa
Ano Dependência Administrativa Total
Federal Estadual Municipal Privada
1996 2. 477 759.187 2.489.225 1.019.487 4.270.376
1997 2. 205 606.858 987.432 987.432 4. 292.208
1998 1.380 396.361 2.725.755 987.624 4.111.120
1999 1.025 379.927 2.799.427 1.049.864 4.230.243
2000 1.247 335.682 2.995.244 1.089.159 4.421. 332
Fonte: Ministério da Educação-MEC/INEP (1998, 1999, 2000).

Pela análise dos dados do MEC/ INEP, apresentados no quadro


anterior, concebemos que em nível federal e estadual, houve decrés-
cimo no atendimento às crianças da pré-escola, o que se justifica
pelo fato de a LDB nº 9394/96 ter determinado que a oferta da EI
seria de responsabilidade do município. Não obstante, notamos que
mesmo com essa normatização, o estado continuou a ofertar matrí-
culas nessa etapa durante toda a década de 1990. Ademais, houve
redução de 1996 para 1997 nas matrículas da rede privada, cujo índice
melhorou somente a partir de 1999.
Em relação aos dados estatísticos das creches, o Censo Escolar
de 1999 do MEC/Inep, revelou dados, conforme dispõe o Quadro 5.

Quadro 5 – Matrícula, em 31/3/99, por localização e dependência administrativa (1999)

Fonte: MEC/INEP/SEEC (2000).

Depreendemos do exposto no Quadro 5 que a rede municipal


absorvia o maior número de atendimento de matrículas de creches,

84
POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

tanto na zona urbana quanto rural, ficando a zona privada em segundo


lugar no atendimento às crianças de 0 a 3 anos, apresentando, inclusi-
ve, um número razoável de matrículas na zona rural. Por sua vez, a rede
estadual aparece em terceiro lugar nas duas zonas – urbana e rural.
Outro ponto que deve ser relevado é que de acordo com o
Relatório do Departamento de Educação Pré-Escolar da Secretaria
de Educação,

[...] O atendimento a esse nível educacional ainda não é


satisfatório à demanda existente, pela falta de investi-
mento técnico e financeiro, bem como, pela insuficiência
e inadequação de espaços físicos, de equipamentos e
materiais pedagógicos. [...] A preocupação central do
DEPRE, na tentativa de minimizar estas dificuldades foi a
de buscar uma ação integrada entre Educação Infantil e
Ensino Fundamental [...]. (PIAUÍ, 2000).

Constatamos, pois, que embora tenha havido expansão na


oferta do número de matrículas das crianças de 0 a 5 anos no Brasil,
esse crescimento ainda não foi suficiente, por dois motivos: pela
demanda, que era maior do que a oferta, principalmente em relação
às creches; e, segundo, no tocante a fazer cumprir o que era estabe-
lecido nas legislações.

5 AS POLÍTICAS DE EI NO CONTEXTO DE TERESINA NOS ANOS


DE 1990 E INÍCIO DOS ANOS 2000

As transformações econômicas e políticas ocorridas na


sociedade no início do século XXI proporcionaram mudanças na
estrutura das famílias, no processo de urbanização das cidades e na
participação das mulheres no mercado de trabalho. Isso repercutiu
também na implementação de políticas educacionais relacionadas
ao atendimento de crianças de 0 a 5 anos em Teresina.
Uma delas diz respeito às Diretrizes Curriculares do município
de Teresina, segundo as quais

85
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

[...] Em 1999, o Plano Decenal de Educação para Teresi-


na – PDET, prioriza o atendimento, em 10 anos, de 60%
das crianças de 0 (zero) a 3(três) anos e, de 100% das
crianças de 4(quatro) a 6 (seis) anos na Educação Infantil
com a incorporação das crianças de 6 (seis) anos na
Educação Infantil com a incorporação das crianças de 6
(seis anos no Ensino Fundamental; a universalização do
atendimento às crianças de zero a seis anos, visando ao
seu desenvolvimento global, e harmônico[...] e ampliação
da oferta de Educação Infantil, de forma a atender à
demanda manifesta. (TERESINA, 2008, p.15).

Inferimos, então, que a meta proposta pelo PDET era maior


para a pré-escola do que para as creches, e talvez a justificativa para
essa realidade seja o fato de a oferta das matrículas da EI serem
gerenciadas também pela SEMCAD e SEMTCAS.
Outra política do município de Teresina que reforça a educa-
ção das crianças de 0 a 5 anos foi a normatização da Lei Orgânica
do Município no ano de 2000, ao determinar, em seu Art. 213, incisos
I e III, que o atendimento em creches e pré-escolas às crianças de
zero a 6 anos ficaria sob a responsabilidade municipal, atendendo à
determinação da LDB nº 9.394/96 (TERESINA, 2008).
A partir de 2006, a Semec, passou a assumir toda a oferta da
EI de Teresina. Nesse ensejo, criou uma coordenação específica de EI,
composta por

[...] uma coordenadora, 03 (três) superintendentes ad-


juntas e 17 (dezessete) superintendentes escolares para
atenderem às 51 (cinquenta e uma) Creches/ Pré Escolas
municipais; 60 (sessenta) comunitárias; 15 (quinze)
filantrópicas com monitoramento da gestão pedagógica,
num total de 126 (cento e vinte e seis). Unidades de 45
(quarenta e cinco) Filantrópicas sem monitoramento
da gestão, totalizando 171 (cento e setenta e um) uni-
dades. Atualmente, 17. 953 (dezessete mil novecentos e
cinquenta e três) crianças atendidas, sendo 7. 941 (sete
mil novecentos e quarenta e uma) em Unidades Munici-
pais; 8. 380 (oito mil trezentos e oitenta) em unidades
comunitárias e 1. 632 (mil seiscentos e trinta e dois em

86
POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

unidades filantrópicas, com monitoramento pedagógico.


Nas 45 (quarenta e cinco) instituições filantrópicas sem
monitoramento pedagógico, são beneficiadas 4.414
(quatro mil quatrocentos e quatorze) crianças, onde a
SEMEC repassa subvenções de merenda escolar, cessão
de professores etc. (TERESINA, 2008, p. 16).

Esses dados estatísticos, descortinados pelas Diretrizes Curri-


culares do Município de Teresina - 2008, referentes ao ano de 2006,
chamam a atenção para a demanda por creches e pré-escolas, que
“[...] tem crescido por iniciativa da comunidade organizada, dos pais e
da opinião pública [...]”, após as determinações dos dispositivos legais
ao apresentarem a educação como direito de todos (TERESINA, 1997).
Visando a satisfazer a expansão dessa demanda, foi criado “[...]
O Projeto Creche Comunitária, implantado em 1993[...] para prestar
atendimento a crianças de 3 a 6 anos de idade das vilas, parques
e assentamentos, pertencentes a famílias em situação de extrema
pobreza [...]” (TERESINA, 1997).
Nesse contexto, vimos que o número de creches/pré-escolas
comunitárias sempre foi maior na oferta de matrículas de crianças de
0 a 6 anos (agora cinco anos).

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O reconhecimento da EI como primeira etapa da educação


básica representou um avanço em relação às responsabilidades do
estado para com a educação de crianças de 0 a 5 anos. Isso deve-
-se, particularmente, às lutas promovidas pelos movimentos sociais
“[...] no sentido do desenvolvimento, implantação e implementação
de políticas no âmbito da administração pública, envolvendo União,
Estados e municípios de um lado e, de outro, família, sociedade e ins-
tituições/organizações sociais” (CARNEIRO, 2012, p. 220). Todavia, só
isso não é suficiente, pois para a operacionalização dos dispositivos
legais, faz-se necessária a fiscalização de todos.

87
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

Esta pesquisa desvendou que a oferta de matrículas de crian-


ças na etapa de creches e pré-escolas ainda é insuficiente em nível
nacional e local para atender à demanda, principalmente em relação
às creches. No caso de Teresina, concebemos que a sociedade civil
tem contribuído nesse atendimento, por meio de instituições comu-
nitárias e filantrópicas.
Assimilamos, portanto, que existe uma contradição entre as
políticas internacionais e nacionais ao reconhecerem a importância da
EI para a formação do cidadão e do seu direito a uma educação de
qualidade. No que alude às esferas administrativas, não conseguiram
até agora, nem em regime de parceria, atender à demanda. Assim,
embora o atendimento educacional nessa etapa venha apresentando
expansão em todo o País, as matrículas ainda são limitadas, essencial-
mente para as crianças que vivem em zonas de vulnerabilidade social.
Acredita-se que a reflexão proposta neste estudo poderá
colaborar com os debates e as pesquisas sobre as políticas públicas
de EI, levando à sociedade a compreensão da realidade da educação
de crianças menores de cinco anos.

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do Piauí – UFPI. Piauí, 2008.
SILVA, Zélia Maria Carvalho. Gestão da educação infantil em Teresina: desve-
lando sua história no período de 1985 a 1996. Artigo publicado no Congresso
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TERESINA. Decreto nº 6403, de 20 de junho de 2005. 2007.
TERESINA. Prefeitura Municipal. Diretrizes Curriculares do Município de Tere-
sina. Secretaria Municipal de Educação e Cultura-SEMEC, 2008.
TERESINA. Prefeitura Municipal de Teresina. Secretaria Municipal da Criança e
do Adolescente – SEMCAD. Atenção ao Pequeno Cidadão: perfil das crianças,
famílias, professores e organizações comunitárias parceiras, no contexto social
das creches municipais e comunitárias PMT/ SEMCAD. Teresina, 1997.
TERESINA. Secretaria Municipal de Educação-SEMEC. Relatório da Educação
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TERESINA. Secretaria Municipal de Educação-SEMEC. Relatório de Transição
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TOMMASI, Lívia de; WARDE, Mirian Jorge; HADDAD, Sergio (org.). O Banco
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91
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

92
CRECHES DE PARNAÍBA:
levantamento do atendimento nas redes
municipal e particular entre 2005-2019

Fabricia Pereira Teles


Camila Dutra Araújo

1 INTRODUÇÃO

Nos últimos séculos, a creche,, no âmbito da educação infantil,


vem se expandindo, ganhando visibilidade a partir de debates que
defendem a sua importância e necessidade para o desenvolvimento
das crianças pequenas e bem pequenas, em todo o mundo. No Brasil,
influenciado por esse movimento, oriundo sobretudo de países da
Europa, com suas lutas feministas a favor da creche como espaço de
educação inicial, essa ideia também vem crescendo vertiginosamen-
te nos últimos anos.
Contextualizando a evolução desses movimentos, pode-se
destacar a Revolução Industrial, que teve início no século XVIII, na
Inglaterra, e propagou-se para uma grande parte do hemisfério norte,
durante os séculos XIX e XX. A necessidade de mão de obra, reduzida
com o número de homens mortos na guerra e o aumento do custo
de vida nos centros urbanos, levaram a mulher a também trabalhar
nas indústrias. Com essa inserção da mulher no mercado de trabalho,
surgiu a necessidade de criar um espaço capaz de atender às crian-
ças de lares economicamente menos favorecidos. Na Europa, essas
instituições passaram a ser conhecidas como Salas de Asilo, Escola
Maternal, as Creches (KULMANN JR, 2007).
Foi durante os séculos XIX e XX que emergiram as primeiras
creches. A princípio, surgiram na Europa e somente no século XX
começaram a mostrar-se no Brasil. Naquele momento, as creches

93
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

atendiam não só aos(às) filhos(as) das mães que precisavam traba-


lhar, mas também os das chamadas mães “incompetentes”, assim
denominadas por não cuidarem de seus filhos de forma adequada.

[...] a creche surgiu também para atender os filhos das


“mães incompetentes”, assim consideradas por não
serem boas donas-de-casa e não cuidarem adequa-
damente de seus filhos, não evitando os perigos que
pudessem levá-los à vagabundagem e à morte. Desta
forma, caracterizou-se como uma relação de favor entre
as associações provedoras e as famílias. (ADORNI, 2001,
p. 02).

Durante algum tempo, as creches foram vistas como espaço


assistencialista, com a finalidade apenas de oferecer às crianças os
cuidados necessários para manterem suas integridades e para que
seus pais pudessem trabalhar e os sustentar (DANTAS, 2005). Tor-
nou-se, então, o local mais adequado para “guarda” desses sujeitos.
Desde o fim do século passado, as creches estão deixando de
ser consideradas apenas assistencialistas, ou seja, de desempenhar
apenas a função de cuidar, passando a serem vistas, inclusive, como
instituições que buscam desenvolver e estimular a criança, contri-
buindo para a educação integral, cognitiva, emocional, social, entre
outras, acatando a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB) – Lei nº 9394/96.
O interesse pelo tema da educação infantil, especialmente a
creche, sobreveio a partir de um estágio extracurricular realizado nos
anos de 2018 e 2019 em uma escola da rede privada da cidade de
Parnaíba-PI. Ao viver a experiência, foi possível perceber a crescente
procura por matrícula para essa etapa da educação infantil. As ob-
servações que foram igualmente verificadas durante o estágio em
escola pública demonstram que existe uma procura considerável por
atendimento às crianças menores de três anos. Sobre isso, levanta-
-se a questão: nos últimos anos, realmente houve a expansão das
creches públicas e privadas no município de Parnaíba-PI?

94
CRECHES DE PARNAÍBA: LEVANTAMENTO
DO ATENDIMENTO NAS REDES MUNICIPAL E PARTICULAR ENTRE 2005-2019

Isso posto, o presente trabalho propõe-se a apresentar os


resultados da pesquisa desenvolvida nos anos de 2020 e início de
2021, com o Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Infantil,
Atividades e Múltiplas Linguagens (EdAML), vinculado à Universidade
Estadual do Piauí – Campus Alexandre Alves de Oliveira.
A pesquisa teve como objetivo geral investigar o movimento
de implantação de creches no município de Parnaíba-PI, procurando
mapear sua expansão. Especificamente, almejou-se levantar o nú-
mero de escolas das redes públicas e privadas dentro do recorte
temporal 2005 a 2019; e identificar o período com maior incidência
de registros de creches na cidade de Parnaíba-PI.
A metodologia adotada para a investigação foi a abordagem
quali-quantitativa, na tentativa de relacionar fatos de natureza subje-
tiva e natureza numérica. Adotaram-se como procedimentos básicos
de pesquisa os estudos bibliográficos e documentais, haja vista que
o tema necessita de levantamento de informações históricas já
produzidas em outros trabalhos científicos. Ademais, utilizaram-se
documentos oficiais e dados sobre a quantidade de oferta de creche
no município de Parnaíba, disponíveis em tabelas estatísticas do
Portal Abrinq,1 como fonte de produção de dados.
Para facilitar a compreensão do desenvolvimento da pesquisa,
o presente artigo foi estruturado em quatro seções, iniciando-se
com esta. A segunda mostra a contextualização e os fundamentos
teóricos sobre o tema creches. A terceira seção traz os dados da
pesquisa, enquanto a quarta seção apresenta as considerações finais
do estudo.

1  A Fundação Abrinq significa Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos, um programa


sem fins lucrativos com a finalidade de fazer com que empresas assumam responsabilidades que
assegurem o direito das crianças e dos adolescentes. Site: www.fadc.org.br.

95
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

2 DESENVOLVIMENTO DAS CRECHES E SUA FUNÇÃO NA VIDA


DAS CRIANÇAS

Refletindo sobre os aspectos históricos relacionados às


creches, atina-se que a educação das crianças sempre foi mediada
pelos adultos, cabendo às pessoas responsáveis e aos indivíduos de
seu convívio repassar costumes, tradições e crenças a elas, para que,
desse modo, sejam incluídas na sociedade.
A propósito, Ariés (1981, p. 50) afirma que “[...] à arte medieval
desconhecia a infância ou não tentava representá-la. É difícil crer que
essa ausência se devesse à incompetência ou à falta de habilidade. É
mais provável que não houvesse lugar para a infância nesse mundo”.
Assim, a família enxergava as crianças como miniadultos que não
precisavam de cuidados específicos, sendo que o que as diferenciava
era somente a estatura física, uma vez que eram capazes de realizar
as mesmas tarefas que os adultos, excluindo, com isso, a sua infância.

[...] no mundo das fórmulas românticas, e até o fim do


século XIII, não existem crianças caracterizadas por uma
expressão particular e sim homens de tamanho reduzido.
Os registros da época apontam que a criança participava
ativamente das reuniões, festas, danças e atividades
domésticas junto com os adultos e com eles aprendia
sobre a cultura, que era repassada de uma geração a
outra, principalmente por meio da oralidade. (ARIÉS, 1981,
p. 51).

A partir do século XV, os adultos passaram a observar mais as


crianças, notando que elas precisam se relacionar mais com pessoas
de mesma faixa etária. Durante o século XVI e XVII, com esse novo
olhar sobre as crianças, passa-se a conceber também uma distinção
quanto às suas vestimentas, adequando-se de acordo com a idade
de cada um (HENICK; FARIA, 2015).
Com o passar dos anos, as creches ganharam mais notorieda-
de e diversas esferas da sociedade começaram a reivindicar esses
espaços como parte do direito à educação das crianças em todas

96
CRECHES DE PARNAÍBA: LEVANTAMENTO
DO ATENDIMENTO NAS REDES MUNICIPAL E PARTICULAR ENTRE 2005-2019

as categorias sociais. A pressão que esses setores realizaram junto à


Assembleia Constituinte resultou em um acontecimento importan-
tíssimo na história da creche brasileira: a aprovação das principais
reivindicações na Constituição de 1988. Dentre as mais importantes,
os artigos consideram os indicativos à inclusão da creche no sistema
escolar e à educação da criança de zero a seis anos por meio dessas
instituições e da pré-escola (HADDAD, 1993).
Foi a partir da Constituição Federal de 1988 que a educação
das crianças de zero a seis anos passou a ser direito do cidadão,
sendo dever do Estado oferecê-la. Antes disso, essa educação tinha
como objetivo apenas o amparo e a assistência. Então, esse fato
trouxe algumas mudanças significativas: enquanto as constituições
antigas traziam o atendimento à infância somente na condição
assistencialista, a de 1988, além de se preocupar com a assistência
das crianças, começou a se dedicar à educação, especificamente
(BRASIL, 1998).
Deveras, a Constituição Federal conferiu ao Estado a obriga-
ção de garantir o atendimento às crianças de zero a seis anos em
creches e pré-escolas, explicitando que compete à União oferecer
assistência técnica e financeira aos estados, ao Distrito Federal e aos
municípios para que possam garantir igualdade de oportunidades e
padrão mínimo de qualidade. Essa Constituição (Art. 211, § 2º), atribui
que os municípios atuem sobretudo no ensino fundamental e na
educação infantil (BRASIL, 1998).
Em suma, durante todo o contexto histórico da educação
infantil no Brasil, as creches eram vistas apenas sob um caráter as-
sistencialista, pois com expansão das indústrias, as mulheres foram
inseridas no mercado de trabalho e precisavam de um espaço para
deixar seus filhos, de modo que eles estivessem seguros e elas pu-
dessem trabalhar tranquilas.
No Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil
(RCNEI), afirma-se que

97
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

o atendimento institucional à criança pequena, no Brasil


e no mundo apresenta ao longo de sua história concep-
ções bastante divergentes sobre sua finalidade social.
Grande parte destas instituições nasceu com o objetivo
de atender exclusivamente às crianças de baixa renda,
(RCNEI, 1998, p. 17).

Com o decorrer do tempo, esses espaços de educação in-


fantil foram deixando seu caráter meramente assistencial, passando
a constituir um caráter pedagógico. Sendo assim, além de cuidar da
integridade das crianças, começaram a ser promovidas atividades
pedagógicas com o intuito de proporcionar uma educação mais
acurada às crianças inseridas nessas instituições.
É notável perceber que houve uma procura crescente por
escolas de educação infantil de 1990 até os dias atuais. No entendi-
mento de Rizzo (2003), “[...] o aumento significativo no atendimento
em creches acabou refletindo uma tendência à universalização da
Educação Infantil”. Acredita-se que a crescente demanda justifica-se
não só pela necessidade dos pais de trabalhar, mas também por ser
esse o espaço responsável por desenvolver atividades que contri-
buem significativamente para o desenvolvimento da criança.
Cotidianamente, na convivência dos bebês em uma creche,
percebe-se entre eles maior desenvolvimento, o que contribui com
suas relações interpessoais, pois ali eles expressam suas emoções.
Mesmo não se comunicando verbalmente, eles procuram outros
meios para que haja comunicação com seus pares e com os adultos.

A criança é essencialmente um ser sensível à procura de


expressão. Não possui ainda a inteligência abstraideira
completamente formada. A inteligência dela não pre-
valece e muito menos não alumbra a totalidade da vida
sensível. Por isso ela é muito mais expressivamente total
que o adulto. Diante duma dor: chora – o que é muito
mais expressivo do que abstrair: “estou sofrendo”. A
criança utiliza-se indiferentemente de todos os meios
de expressão artística. Emprega a palavra, as batidas do
ritmo, cantarola, desenha. Dirão que as tendências dela

98
CRECHES DE PARNAÍBA: LEVANTAMENTO
DO ATENDIMENTO NAS REDES MUNICIPAL E PARTICULAR ENTRE 2005-2019

ainda não se firmaram. Sei. Mas é essa mesma vagueza


de tendências que permite para ela ser mais total. (FARIA,
1999, p. 51).

A creche tem como papel não só cuidar, mas também ampliar


a linguagem cognitiva, social e emocional, por meio de atividades
lúdicas desenvolvidas por profissionais aptos, a fim de despertar o
interesse da criança, devendo sempre respeitar a singularidade e o
tempo de desenvolvimento de cada sujeito inserido naquele espaço,
consequentemente despertando a coordenação motora, a autono-
mia e o desenvolvimento emocional.

O trabalho direto com as crianças pequenas exige que


o educador tenha uma competência polivalente. Ser
polivalente significa que ao educador cabe trabalhar com
conteúdo de naturezas diversas que abrangem desde cui-
dados básico essenciais até conhecimentos específicos
provavelmente das diversas áreas do conhecimento. Este
caráter polivalente demanda, por sua vez, uma formação
bastante ampla profissional que deve tornar-se ele tam-
bém um aprendiz, refletindo constantemente sobre sua
prática, debatendo com seus pares, dialogando com suas
famílias e a comunidade e buscando informações neces-
sárias para o trabalho que desenvolve. São instrumentos
essenciais para a reflexão sobre a prática direta com as
crianças a observação, o registro, o planejamento e a
avaliação. (BRASIL, 1998, p. 41).

Em resumo, é fundamental enfatizar a importância de que o


profissional que atua no berçário tenha consciência de sua participa-
ção durante o processo de desenvolvimento das crianças pequenas,
pois elas muitas vezes se expressam de inúmeras formas, e para que
sejam compreendidas, é ideal que o profissional seja capacitado para
colaborar no auxílio do desenvolvimento dos bebês.

99
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

2.1 Creches: espaço de desenvolvimento para crianças

Em alusão à relevância das creches, nota-se que os bebês, a


partir do momento de seu nascimento, aos poucos, passam a ser in-
seridos em sociedade. Sendo assim, seus pais, familiares e responsá-
veis encarregam-se de passar a eles saberes, memórias emocionais,
culturais e sociais, bem como as regras para viver em sociedade. Em
relação à educação, seus responsáveis optam por espaços que além
de educar, ofertem comodidade e segurança a seus filhos.
A LDB, na seção II, cita que

Art. 29. A Educação Infantil, primeira etapa da educação


básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral
da criança até 5 anos de idade, em seus aspectos físico,
psicológico, intelectual e social, complementando a ação
da família e da comunidade.

Art. 30. A Educação Infantil será oferecida em:

I – creches, ou entidades equivalentes, para crianças de


até três anos de idade; II – pré-escolas, para as crianças
de 4 quatro a 5 (cinco) anos de idade. (BRASIL, 2017, p. 22).

Dada a diversidade de culturas e costumes, cada criança é


criada de acordo com aqueles em que ela está inserida. Os bebês,
ao ingressarem na educação infantil, em uma turma de berçário,
passarão a conviver diariamente com outras crianças, estabelecendo
vínculos que serão fundamentais para o seu desenvolvimento, em um
ambiente no qual eles poderão fazer novas descobertas, ampliando o
seu contato com o universo ao redor.
Nessa perspectiva, é oportuno manter uma rotina desde a
fase inicial da criança, pois assim esta passará a ter autonomia sobre
seus hábitos, seguindo a rotina e as regras que lhes são ensinadas
desde cedo, além de facultar que elas entendam o tempo em que
deve ocorrer cada ação.

100
CRECHES DE PARNAÍBA: LEVANTAMENTO
DO ATENDIMENTO NAS REDES MUNICIPAL E PARTICULAR ENTRE 2005-2019

De acordo com Barbosa (2006, p. 35), “[...] as denominações


dadas à rotina são diversas: horário, emprego do tempo, sequência de
ações, trabalho dos adultos e das crianças, plano diário, jornada etc.”.
Portanto, por meio da rotina, as crianças podem entender
melhor a sequência de suas ações e o tempo em que elas ocorrem.
Em sala, por exemplo, elas perceberão que existe um tempo para a
acolhida, para as atividades, para brincar, lanchar, e assim por diante,
identificando, inclusive, que existe uma ordem para tais aconteci-
mentos. É meritório sobrelevar que ao se fixar uma rotina, deve-se
sempre levar em consideração as especificidades de cada um.
Com efeito, a inclusão da creche na sociedade motivou a obri-
gatoriedade das instituições de oferecerem atendimento às crianças
de zero a três anos de idade com objetivo educacional. Dessa forma,
a creche passa a configurar-se não mais como agência de guarda e
assistência, mas como uma instituição educacional, desenvolvendo
novas responsabilidades para o sistema escolar.
Em consonância com Rizzo (2003), atualmente, a creche
é vista como um ambiente que oferece, proporciona e estimula o
desenvolvimento integral e harmonioso da criança, isso de maneira
saudável, durante os seus primeiros anos de vida, sendo responsável
pelo cuidado integral da criança na ausência de sua família.

3 A EXPANSÃO DAS CRECHES NO BRASIL, NO PIAUÍ E EM


PARNAÍBA: ANÁLISES E DISCUSSÃO

Como dito na introdução, a pesquisa foi desenvolvida com o


objetivo de investigar o movimento de implantação de creches no
município de Parnaíba-PI, procurando mapear a expansão de suas
matrículas. Guiadas por essa intenção, obtivemos os resultados dis-
cutidos, os quais estão descritos nos parágrafos seguintes.
Para começar, a Tabela 1 revela os dados encontrados no
site da Fundação Abrinq, de onde foram retiradas as informações
referentes à taxa de matrícula em creches, no Brasil, no Piauí e em
Parnaíba, entre os anos 2005 e 2019.

101
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

Tabela 1 – Taxa bruta de matrículas em creche


ANO BRASIL PIAUÍ PARNAÍBA
2005 1.414.334 (10%) 21.748 (8,6%) -
2006 1.427.942 (9,9%) 22.334 (8,7%) -
2007 1.579.581 (12%) 24.486 (9,6%) -
2008 1.739.188 (13,7%) 25.854 (10,2%) -
2009 1.896.363 (15,3%) 28.965 (10,5%) -
2010 2.074.579 (19%) 29.542 (15,5%) 302 (3,4%)
2011 2.307.177 (20,7%) 31.049 (15,6%) 215 (2,4%)
2012 2.548.221 (22,7%) 34.454 (17,2%) 499 (5,5%)
2013 2.737.245 (23,5%) 36.222 (18%) 573 (6,3%)
2014 2.897.928 (24,7%) 39.491 (19,5%) 1.076 (11,7%)
2015 3.049.072 (25,7%) 38.971 (19,2%) 1.280 (14%)
2016 3.238.894 (27,7%) 42.032 (20,7%) 1.498 (16,3%)
2017 3.406.796 (28,3%) 47.055 (23,1%) 1.526 (16,6%)
2018 3.587.292 (29,7%) 51.263 (24,8%) 1.767 (18,9%)
2019 3.755.092 (30,9%) 54.016 (26,1%) 1.732 (18,5%)
Fonte: Ministério da Educação (Mec), Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacional Anísio Teixeira (Inep), Diretoria de Estatísticas Educacionais (Deed)2 (2020).

A obtenção dos dados organizados na tabela acima desvelam


um crescimento considerável entre os anos de 2005 e 2019, em rela-
ção à taxa bruta de matrículas nas creches, no Brasil. Observa-se que
nacionalmente, no ano de 2005, houve uma taxa bruta de 1.414.343
matrículas em creches, ou seja, cerca de 10% da população brasileira,
alcançando, no ano de 2019, uma taxa crescente de 30,9% - um total
equivalente a 3.755.092 matrículas.
No estado do Piauí, não foi diferente: de 2005 a 2019, o número
de matrículas expandiu-se. Em 2005, o índice era de 8,6%, um valor
de 21.748, chegando a 2019 com uma taxa crescente de 26,1% - um
total equivalente a 54.016 matriculados.
No município de Parnaíba, é notório validar que havia ausência
no que diz respeito ao número de matrículas em creches, entre os anos

2  FUNDAÇÃO ABRINQ. Taxa bruta de matrícula em creches. 2020. Disponível em: https://
https://observatoriocrianca.org.br/cenario-infancia/temas/educacao-infantil/1081-taxa-bruta-
de-matricula-em-creches?filters=1,77;17,77;852,77 Acesso em: 17 jan. 2021.

102
CRECHES DE PARNAÍBA: LEVANTAMENTO
DO ATENDIMENTO NAS REDES MUNICIPAL E PARTICULAR ENTRE 2005-2019

de 2005 e 2009, no banco de dados pesquisado. Contudo, em 2010,


foram registradas, exatamente, 302 matrículas, ou seja, 3,4% do total
de crianças registradas nos dados. Curiosamente, no ano seguinte,
assistiu-se a uma queda de 2,4% no total de matrículas, o que corres-
ponde a um total decrescente de 215 matrículas nessa faixa etária.
A partir de 2012, o índice de matrícula no município de Parnaíba
dobrou, em relação ao ano de 2011, o que significa dizer que disparou
para 5,5%, isto é, foram 499 crianças matriculadas em creches - e esse
número vêm crescendo a cada ano. Em 2019, assimilou-se um valor
absoluto de 1.732 matrículas, equivalente a cerca de 18,5%, e dentro
do interstício da pesquisa, no município, o ano de 2018 corresponde
ao período com maior índice de matrículas: foram 1.767 matrículas de
crianças menores de três anos, refletindo uma taxa total de 18,9% de
crianças matriculadas nas redes públicas e privadas.
Embora os dados revelem crescimento, ainda estamos longe
de alcançar a meta mínima estabelecida pelo Plano Nacional de Edu-
cação (PNE), aprovado em 2014.

Meta 01: Universalizar, até 2016, a educação infantil na


pré-escola para as crianças de 4 (quatro) a 5 (cinco)
anos de idade e ampliar a oferta de educação infantil em
creches de forma a atender, no mínimo, 50% (cinquenta
por cento) das crianças de até 3 (três) anos até o final da
vigência deste PNE. (BRASIL, PNE 2014-2024)

A meta fala de ampliar a oferta de vagas em creches para aten-


der, ao menos, 50% de crianças de 0 a 3 anos de idade. Em contra-
partida, os dados apresentados nos anos de 2014 a 2019 indicam um
crescimento lento, no que alude às matrículas em creches no Brasil.
As propostas lançadas pelo PNE ainda estão em fase de an-
damento, e precisam ser mais desenvolvidas, ensejando melhoria na
educação. Tendo em vista que a lei entrou em vigor há seis anos,
espera-se que os planos estaduais e municipais sejam adaptados
conforme a necessidade dos alunos.

103
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

Na Tabela 2, criada a partir do site da Fundação Abrinq, mos-


tra-se o levantamento do número de estabelecimentos de educação
infantil (creches), segundo dependência administrativa, em Parnaí-
ba-PI, tanto na rede pública quanto na privada, entre os anos de 2010
e 2019.

Tabela 2 – Número de estabelecimentos de Educação Infantil (creches) segundo


dependência administrativa em Parnaíba-PI
ANO 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019
REDE PÚBLICA 06 03 15 17 32 41 38 33 37 41
REDE PRIVADA 02 02 05 05 12 11 16 15 16 17
Fonte: Ministério da Educação (Mec), Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacional Anísio Teixeira (Inep), Diretoria de Estatísticas Educacionais (Deed)3 (2020).

De acordo com as informações expostas na Tabela 2, os resul-


tados encontrados no site da Fundação Abrinq denotam que em 2010,
o município de Parnaíba contava apenas com oito estabelecimentos
de educação infantil, passando, no ano de 2019, a disponibilizar 58
estabelecimentos. Essa expansão associa-se à necessidade que os
pais têm de trabalhar fora de casa, e dos benefícios que a educação
infantil traz para as crianças.
Depreende-se, ainda, que entre os anos de 2010 e 2019, o
número de estabelecimentos de educação infantil na rede pública é
consideravelmente maior que o número de creches na rede privada.
Em 2010, por exemplo, havia seis instituições de educação infantil na
rede pública, enquanto que a privada contava apenas com duas cre-
ches. No ano seguinte, esse valor caiu: três creches na rede pública; a
rede privada continuou com dois estabelecimentos.
Com o passar dos anos, esses índices só cresceram, preci-
puamente no que diz respeito à rede pública, alcançando, em 2019,
um total de 41 instituições. Na rede privada, testemunhou-se um

3  FUNDAÇÃO ABRINQ. Número de estabelecimentos de educação infantil (creches)


segundo dependência administrativa. 2020. Disponível em: https://observatoriocrianca.
org.br/cenario-infancia/temas/educacao-infantil/860-numero-de-estabelecimentos-de-
educacao-infantil-creches-segundo-dependencia-administrativa?filters=852,1344;852,1345
Acesso em: 20 jan. 2021.

104
CRECHES DE PARNAÍBA: LEVANTAMENTO
DO ATENDIMENTO NAS REDES MUNICIPAL E PARTICULAR ENTRE 2005-2019

pequeno aumento no decorrer dos anos, passando a contar com 17


estabelecimentos de educação infantil no ano de 2019.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo em vista as experiências da docência em escolas


privadas e públicas, o tema creche brotou assegurando o papel de
pesquisadora presente no ofício de ser professora. Nesse percurso
da pesquisa, o interesse gerou algumas questões que foram respon-
didas, entre outras que emergiram.
Inicialmente, o atendimento às crianças de educação infantil
pautava-se no assistencialismo. Com o passar do tempo, criaram-se
leis que garantem o direito de bebês receberem educação para além
da instituição familiar. A título de exemplo, elencam-se: o Estatuto
da criança e do Adolescente (ECA); a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB – Lei nº 9.394/96); as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Infantil.
No tocante ao atendimento de bebês e crianças pequenas,
alude-se que deve ser realizado por profissionais qualificados para
esse fim, e em local com estrutura física adequada, de modo que
favoreça o contato com diferentes experiências de aprendizagens,
lançando mão de elementos como: cenários de brincadeira; conta-
ção de histórias; artes plásticas e visuais; roda de conversa; jogos
de quebra-cabeça; peças de encaixe, entre outros – desde que
estimulem a imaginação, a coordenação motora, o desenvolvimento
social e emocional.
Outrossim, é imprescindível a participação da família em
conjunto com a instituição, pois ambas precisam trabalhar juntas,
estabelecendo confiança mútua para que o aprendizado seja mais
bem aproveitado pela criança.
As lutas sociais e as leis educacionais para essa etapa vêm
favorecendo discussões que buscam contribuir com a qualidade no
atendimento educacional para bebês. Nesse contexto, é preciso que

105
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

as creches deixem de ser vistas apenas sob caráter assistencial e


passem a assumir, igualmente, a função educacional, contribuindo
com os processos de ensino e aprendizagem infantil.
Nessa direção, o acesso das crianças logo em seus primei-
ros anos de vida em instituições de educação infantil é de suma
importância, pois além do cuidado, esses ambientes oferecem uma
educação voltada para a ampliação dos aspectos sociais, cognitivos,
físicos, motores e emocionais desse segmento.
Sobre a questão de nos últimos anos haver expansão das cre-
ches no município de Parnaíba-PI, sublinha-se, conforme apresentado
nos dados, um significativo movimento de implantação e expansão de
creches naquele local. Especialmente sobre o crescimento do núme-
ro de escolas das redes públicas e privadas no recorte temporal da
pesquisa, entre os anos de 2010 e 2019, identificado como o período
com maior incidência de registros de creches naquela cidade.
Portanto, o número de matrículas nessas instituições tem-se
expandido, embora ainda esteja longe da meta, porquanto o objetivo
do PNE é ampliar essa oferta, e de acordo com os dados apresen-
tados, o índice de crescimento sofreu uma pequena queda em 2011
mas logo disparou. Porém, isso não é suficiente para atingir a meta
estabelecida pelo PNE.
Logo, é preciso lutar para que as creches sejam reconhecidas
como espaços educacionais capazes de desenvolver atividades que
ampliem de forma benéfica o desenvolvimento infantil. Nessa pers-
pectiva, o município de Parnaíba-PI vem crescendo e a sua rede de
ensino, idem.
O presente artigo pretendeu contribuir com a discussão
sobre o tema creche. Assim, a partir das considerações aventadas,
almeja-se auxiliar novas pesquisas, servindo como base para outras
pessoas realizarem novos estudos.

106
CRECHES DE PARNAÍBA: LEVANTAMENTO
DO ATENDIMENTO NAS REDES MUNICIPAL E PARTICULAR ENTRE 2005-2019

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107
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

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108
EDUCAÇÃO INFANTIL E PROCESSOS
HISTÓRICOS EM TEMPOS DE PANDEMIA:
um breve olhar sobre as políticas públicas e os
desafios da educação teresinense (2020-2021)

Isabel Cristina da Silva Fontineles


Carlos Lopes Barbosa
Ana Raquel Rodrigues Uchôa

1. INTRODUÇÃO

Ao indagarmo-nos sobre a história da educação, devemos in-


terpretá-la como fonte de trabalho e pesquisa que resultará em uma
formação, permitindo o trânsito do conhecimento na sociedade, a
partir de um conjunto de habilidades que se conjugam para perceber
e desvendar os códigos educacionais das diferentes linguagens da
ciência, das artes e das tecnologias, em vários contextos. Educação
que também no quadro acadêmico-científico – que é o espelho da
sociedade –, possui, atualmente, uma imagem que evidencia certos
desacordos de consensos em seus mais variados processos históri-
cos, mas que como fator ético de construção da cidadania, levou-nos
ao que somos hoje (DAVID, 2015).
Como algo que está presente em todas as sociedades, os
processos históricos na educação, assim como em outras ciências,
são permeados por mudanças ao longo dos tempos. Tais mudanças
no tempo que justificam a nossa intervenção histórica, pois estudar a
história da educação em seus mais diversos contextos proporciona o
conhecimento do passado da humanidade em seus múltiplos para-
digmas, possibilitando novas perspectivas.
Portanto, concebemos a necessidade de analisar esses
processos. Nessa lógica, entendemos que o momento atual em que

109
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

vivemos – pandemia de Covid-19 nos anos 2020 e 2021 – poderá


ou não resultar em mudanças de postura nas relações interpesso-
ais e, em grande medida, mudanças na didática e nas relações de
aprendizagem. Entre tais mudanças ou paradigmas, podemos citar
a introdução ou a forma de encarar/receber as tecnologias inseridas
no processo ensino-aprendizagem.
Dessa forma, pesquisadores como Lévy (2000) nos ajudam
a entender que as novas formas de produção, divulgação e arma-
zenamento de conhecimentos e informações tornaram-se possíveis
pela interconexão dos computadores em rede mundial, provocando
grandes rupturas nos processos pedagógicos tradicionais.
Aliás, David (2015), em seu trabalho sobre a educação on-line,
alerta para a importância de iniciarmos as discussões sobre o ensino
remoto nos dias atuais, hoje uma temática bastante considerável.
Assim, o presente capítulo busca discutir os processos his-
tóricos da educação brasileira a partir de uma análise sobre o mo-
mento atual que a educação pública infantil no município de Teresina
está vivendo, tendo em vista a pandemia de coronavírus, situação
vivenciada no mundo todo desde 2020, obrigando – por motivos de
saúde pública – todos os segmentos da sociedade a suspenderem
suas atividades e implementarem o isolamento social.
Dentre os setores mais atingidos pela pandemia, está o da
educação, que foi bastante prejudicado, obrigando as escolas a
pararem suas atividades letivas, em um primeiro momento, sendo
posteriormente implementado o ensino remoto.
À vista dessa realidade, promoveu-se um trabalho de cunho bi-
bliográfico e de campo, lançando um olhar descritivo sobre a realidade
local. Para tanto, realizamos revisões bibliográficas em busca dos con-
ceitos-chave a serem discutidos e aplicados na pesquisa, no sentido
de fundamentar as reflexões e ajudar a entender melhor o momento
atual como sendo parte de um processo histórico educacional.
Ademais, tivemos a análise documental de documentos
levantados que dão suporte ao trabalho, como o Plano Nacional de
Educação (PNE), a Lei de Diretrizes Bases da Educação (LDB) e a

110
EDUCAÇÃO INFANTIL E PROCESSOS HISTÓRICOS EM TEMPOS DE PANDEMIA: UM BREVE OLHAR
SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS E OS DESAFIOS DA EDUCAÇÃO TERESINENSE (2020-2021)

Constituição Nacional de 1988, bem como os decretos vigentes do


ano de 2020 e 2021, os quais determinaram o fechamento das es-
colas devido à pandemia do novo coronavírus. Também cumprimos
análise de reportagens da imprensa local e em nível nacional, a fim de
vislumbrar os acontecimentos ligados às decisões governamentais e
a Políticas Públicas aplicadas sobre a situação.
Dessa forma, realizamos entrevistas com dois docentes e uma
diretora de escola (por meio digital, obedecendo ao isolamento so-
cial) da rede municipal de ensino, em Teresina. De acordo com Junior
(2011), a entrevista é uma das técnicas mais utilizadas, atualmente,
em trabalhos científicos. Ela permite ao pesquisador extrair uma
quantidade muito grande de dados e informações que possibilitam
um trabalho bastante rico.
Então, o critério de seleção desses sujeitos levou em con-
sideração se estavam atuando na rede municipal de educação, no
período anterior e posterior à pandemia, e se presenciaram ou vi-
venciaram momentos de turbulência no âmbito da educação e em
nível municipal. A entrevista foi executada pela Plataforma Google
Meet (meio virtual) e pelo google questionário, a partir de perguntas
objetivas e reflexivas.

2. EDUCAÇÃO E POLÍTICAS PÚBLICAS: RUPTURAS,


PARADIGMAS E PROCESSOS HISTÓRICOS

A educação, enquanto concepção de disseminar conheci-


mento (ainda de forma restrita), surgiu em um tempo longínquo e,
ao mesmo tempo, riquíssimo, do ponto de vista histórico e cultu-
ral. Trata-se do período de antes da consolidação da denominada
Antiguidade Clássica,1 quando se acredita ter iniciado a história da
Antiguidade Oriental2 e da cultura do modo de produção asiático. No
Antigo Egito, o processo educativo não era voltado exclusivamente

1  Período contextualizado entre os séculos VIII a. C e V d. C o qual se originou o chamado


mundo greco-romano;
2  Termo usado para se referir ao período de tempo da hegemonia dos povos da África e
Oriente Médio;

111
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

para ler, escrever e calcular, nem para o aprendizado profissional, mas


para a vida política de forma restrita aos filhos da classe dominante
(MANACORDA, 2006).
De lá para cá, a educação insere-se em uma trajetória espeta-
cular, repleta de acontecimentos recheados de paradigmas, rupturas
abruptas, mudanças e permanências históricas importantes. Nesse
sentido, entendemos que os acontecimentos históricos estão, em
majoritariamente, imbricados com a educação. Tão importante
quanto a história antiga, podemos citar como exemplo o período
conhecido como Idade Média,3 quando a educação estava centrada
no estudo das artes liberais, voltada para a conversação, da qual
faziam parte a Gramática, a Dialética e a Retórica (COSTA, 1999).
Após esse longo período, no fim da Idade Média, já no século
XV, o mundo já não era mais o mesmo: a Reforma Protestante e a
Contra Reforma marcaram o início de grandiosas mudanças sociais
em âmbito religioso e educacional, considerando a Igreja Católica e
sua reação à expansão protestante, que resultou no desencadeamen-
to das missões jesuíticas cujo objetivo era evangelizar, catequizar e
tornar cristãos ‘novos’ os habitantes das terras recém-descobertas.4
Assim, a chegada da Companhia de Jesus ao Brasil marcou o início
da “educação formal” brasileira. Esta correspondia a uma gigantesca
ordem de caráter religioso e militar da Igreja Católica, formada por
padres, tendo como principal missão o combate aos infiéis, inten-
tando barrar a Reforma Protestante de Martinho Lutero e, ao mesmo
tempo, arregimentar novos fieis (CONCEIÇÃO, 2017).
Resumidamente, assimilamos que o início da história da educa-
ção se deu no período colonial brasileiro, com a chegada da Compa-
nhia de Jesus (CONCEIÇÃO, 2017), o que resultou, em grande medida,
em grande transformação social, ligando intimamente a educação à
chegada dos jesuítas à “Terra de Santa Cruz”5 (BUENO, 2003).

3 Período histórico entendido por historiadores entre os séculos V e XV, um contexto de


transformações importante para a educação de modo geral.
4  Essa expansão ocorreu devido as “Grandes Navegações”
5  Ainda no início dos anos 1500, o Brasil foi batizado por Pedro Alves Cabral de Ilha de Vera
Cruz, D. Manuel mudou para Terra de Santa Cruz, mas nenhum dos dois nomes “pegou”, e por

112
EDUCAÇÃO INFANTIL E PROCESSOS HISTÓRICOS EM TEMPOS DE PANDEMIA: UM BREVE OLHAR
SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS E OS DESAFIOS DA EDUCAÇÃO TERESINENSE (2020-2021)

Não obstante, foi durante a Primeira República que outra


grande transformação se manifestou: a descentralização políti-
co-administrativa que constituiu um sistema federativo dividindo
as responsabilidades a partir da aplicação de políticas públicas na
oferta de ensino na rede pública entre as esferas do poder – União,
Estados e Municípios (ARAÚJO, 2007, p. 71).
Isso posto, validamos a importância dos processos históricos,
sejam sociais ou naturais. Visando a refletirmos sobre o cenário atual,
antes da pandemia, 258 milhões de crianças e jovens foram excluídos
da educação, no ano de 2018, um dado um tanto quanto assustador,
repercutindo uma das consequências da pobreza no País. Infor-
mações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua
(PNAD) de 2020 revelam dados da educação referentes ao ano de
2019 (antes da pandemia), momento em que as desigualdades de
acesso e permanência se tornavam mais presentes (SANTOS, 2021).
Segundo esse levantamento, datado de 2019, havia cerca de 11
milhões de pessoas analfabetas com 15 anos ou mais de idade. Con-
soante a PNAD, esses jovens podem não completar o ensino médio, e

isso significa 10,1 milhões de jovens, 58,3% homens e


41,7% mulheres, que ou por terem abandonado ou nunca
terem frequentado, não haviam concluído o nível bási-
co de ensino. Fazendo o recorte de cor ou raça, 27,3%
eram brancos e 71,7% pretos ou pardos. Os motivos para
terem abandonado ou não terem frequentado foram,
predominantemente, necessidade de trabalhar e falta de
interesse, no caso dos homens. Para as mulheres, a falta
de interesse, a necessidade de trabalhar e a gravidez
foram os mais apontados, além de afazeres domésticos.
(SANTOS, 2021, p. 03).

Portanto, desvelam-se aí problemas que uma sociedade


extremamente desigual enfrenta. Destarte, a chegada da pandemia

muitos anos, o Brasil passou a ser conhecido como Terra dos Papagaios, como os marujos
chamavam. Somente com o início da exploração do Pau-Brasil após 1530 é que se passou
a ser chamado de Brasil, há indícios do nome Brasil nos anos 1600 e 1700 em mapas de
respeitáveis cartógrafos dessa época.

113
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

só sublinhou o que educação escolar e professores estavam vivendo


outrora. Isso porque escola, por vezes, foi designada como um lugar
de garantia de segurança alimentar e proteção das mais múltiplas
formas de violência.
Em uma audiência pública sobre o processo de escolha de
diretores de escolas no Brasil, o docente da Universidade de São
Paulo (USP), Vitor Henrique Paro, tece críticas ao sistema educacional
do Brasil. Na mesma audiência, avulta que a educação é importante
demais para entregá-la a variações do mercado e as boas intenções
de amadores (TV SENADO, 2013).
Dessa forma, a educação precisa ser tratada de forma singular.
O educador não produz um produto, pois o fazer do professor é fazer
o mundo fazer. Pensemos, então, que antes de procurarmos as so-
luções, devemos encontrar o problema, não apenas formar pessoas
que passem de ano, que tenham um diploma, pois o direito à cultura
se dá por inteiro e não parcialmente.
Mesmo com a Constituição de 1988, somente a partir da década
de 1990, passou-se a discutir a criação de políticas públicas educacio-
nais direcionadas ao suporte financeiro governamental. Nesse ensejo,
o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental
(Fundef) e o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação
Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) são
exemplos de políticas públicas que tiveram como escopo a divisão
de responsabilidades, sendo criadas pela Emenda Constitucional nº
14/1996, regulamentadas pela Lei 9.424/1996 e Emenda Constitucional
nº 53, de 19 de dezembro de 2006, e pela Lei 11.494, de 20 de junho de
2007, respectivamente (BRASIL, 1996, 2007).
Identificamos que as políticas públicas são um conjunto de
fazeres e deveres, ou seja, “[...] um conjunto de ações e decisões do
governo, voltadas para a solução (ou não) de problemas da sociedade
[...].” (LOPES; AMARAL, 2008, p. 18).
Almejando valorizar ainda mais esse conceito, reporta-se que

114
EDUCAÇÃO INFANTIL E PROCESSOS HISTÓRICOS EM TEMPOS DE PANDEMIA: UM BREVE OLHAR
SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS E OS DESAFIOS DA EDUCAÇÃO TERESINENSE (2020-2021)

trata-se de uma política de caráter social que gera in-


terpretações variadas dada a polissemia de cada termo,
[...] as políticas públicas surgiram como instrumentos que
evidenciam tanto as tensões e pressões da sociedade
civil sobre o Estado, como estratégia de contenção esta-
tal. (FONTINELES, 2019, p. 70).

Assim, pode-se inferir que todas as políticas públicas têm


intencionalidades, as quais mudam sempre que a legislação se altera
ou há mudança entre os grupos no poder. De acordo com Easton
(1984), por volta de 1960, envidou-se uma discussão que resultou na
adoção de políticas públicas sobre influência de terceiros, as quais
geraram um sistema com diversas faces e fases. Assim, durante mui-
to tempo, o significado desse termo transformou-se, a ponto de os
responsáveis não cumprirem com o seu papel.
Essa fala fica mais clara com a citação de Dye (1984) acerca
do que seria uma política pública: o que o governo escolhe fazer ou
não fazer. Podemos refletir que as políticas públicas, na maioria das
vezes, acontecem apenas no papel, fazendo com que a sociedade
seja a mais prejudicada com isso.
Por conseguinte, a decisão do governo de “não fazer nada”
causa problemas graves no seio social, gerando desigualdades e
descontentamentos para com os governos. Quando falamos de
políticas públicas para a educação, logo pensamos em um sistema
educacional de qualidade. Fazendo jus ao que diz o Art. 205 da Cons-
tituição Federal de 1988,

a educação, direito de todos e dever do Estado e da


família, será promovida e incentivada com a colaboração
da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da
pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho. (BRASIL, 1988, p. 123).

Em todas as etapas da educação, é fundamental que as po-


líticas públicas se articulem, porque vivemos em um País desigual.
Segundo o Manual de Políticas Públicas, “As sociedades contem-

115
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

porâneas se caracterizam por sua diversidade, tanto em termos de


idade, religião, etnia, língua, renda, profissão, como de ideias, valores,
interesses e aspirações” (LOPES; AMARAL, 2008, p. 6).
Diante disso, denota-se a necessidade de estabelecer polí-
ticas diferenciadas que atendam a cada setor dessa população tão
heterogênea. Em âmbito educacional, precisamos pensar primeiro
na educação infantil enquanto direito da criança, resguardado pela
LDB que, em seu Art. 2º, baseia-se nos “princípios de liberdade e nos
ideais de solidariedade humana”, tem por finalidade “o pleno desen-
volvimento do educando [...]” (BRASIL, 2012, p.1).
Desse modo, a educação de qualidade é essencial para o
desenvolvimento de aspectos sociais e cognitivos que perpassam
as competências e as habilidades inerentes a isso, possibilitando à
criança familiaridade, interesse e conhecimento pela língua escrita,
identificando, por exemplo, seus usos e suas funções. Logo, entende-
mos a educação como um conjunto de conhecimentos condiciona-
dos para a educação do indivíduo.
É oportuno pensar nesses processos educacionais dentro de
suas especificidades, e não como uma etapa preparatória, pois se-
ria preocupante apenas imaginar a educação infantil apenas como
uma introdução para o ensino fundamental. Assim, é inescusável
promover o processo educacional a partir de políticas públicas
que considerem a criança como um ser que explora o mundo, le-
vantando hipóteses sobre objetos naturais e não naturais que as
cercam, interagindo e construindo conceitos, concepções e valores,
resultando em um ser pensante.
Por isso, após um longo processo histórico de grandes trans-
formações e paradigmas, a educação atualmente se baseia (em tese)
na consciência acerca da construção de conhecimentos que se
relacionam com uma educação voltada para a qualidade e que pode
ser entendida como um “trabalho de formação para a cidadania [...]e
ter consciência dos direitos e deveres próprios e alheios (OLIVEIRA,
2011, p. 54).

116
EDUCAÇÃO INFANTIL E PROCESSOS HISTÓRICOS EM TEMPOS DE PANDEMIA: UM BREVE OLHAR
SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS E OS DESAFIOS DA EDUCAÇÃO TERESINENSE (2020-2021)

Nessa direção, emergem questões pertinentes ao momento


vivido, a saber: como garantir aos indivíduos (na fase infantil) essa
educação, em tempos de pandemia? Como as políticas púbicas po-
dem e devem ser aplicadas hodiernamente, e como elas estão sendo,
verdadeiramente, aplicadas?
Compreendemos que as políticas públicas direcionadas cor-
retamente são indispensáveis nesse momento. Então, a partir desse
apanhado histórico e de dados pertinentes para este trabalho, res-
saímos um contexto de crise em todo o mundo. A propósito, Santos
(2021, p. 01) reflete que os “resultados apontam que 2020 foi o ano
em que o Brasil… enfrentou dificuldades para garantir educação para
a maioria da população.
A susodita autora avulta, inclusive, que todos os problemas
encarados no ano de 2020 não foram causados pela pandemia
apenas, mas foram a ponta do iceberg, cuja consequência está nas
desigualdades historicamente vividas que refletem nas questões
econômicas, políticas e sociais, resultando na exclusão e no desres-
peito aos direitos humanos fundamentais (SANTOS, 2021).
A pandemia de coronavírus fez com que governos se mobili-
zassem de forma a manter suas economias e os modos de vida da
melhor forma possível. Hoje, sabe-se que a missão de educar está
diante de um novo obstáculo, tendo em vista a necessidade de iso-
lamento social que o mundo experiencia.
Por cúmulo, manter o ano letivo nessas condições tornou-se
um desafio e, por conseguinte, fazer com que todos os alunos da rede
municipal de ensino, em Teresina, concluam o ano letivo, transfor-
mou-se em um grande problema a ser enfrentado pelas autoridades
de educação e para os que estão diretamente envolvidos com os
trabalhos nas instituições de ensino.

117
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

2.1 Educação infantil: os desafios das políticas públicas


em tempos de pandemia

No ano de 1918, uma epidemia de influenza, que ficou conhecida


como gripe espanhola, atingiu todos os continentes. O Brasil acompa-
nhava de longe a situação, a partir de publicações em periódicos que,
aos poucos, revelavam uma tragédia na Europa. Não demorou muito
para o problema bater à nossa porta: no mês de setembro daquele
ano, a ‘espanhola’ chegou ao País, a bordo do paquete inglês Deme-
rara atracando em vários portos, entre eles, o de Recife, de Salvador
e do Rio de Janeiro. Com efeito, Salvador foi a primeira cidade a ser
noticiada, com mais de setecentos infectados. Naquele momento, o
País vivia um clima de disputas políticas e insatisfação populacional,
particularmente na Bahia, que sofria com uma grave crise financeira, e
grande parcela de sua população vivia de forma miserável. A pobreza
e as condições insalubres de sobrevivência eram generalizadas entre
as classes populares. Não por acaso, a grande massa populacional foi
a mais atingida pela moléstia (SCHWARCZ, 2020).
A pandemia de Covid-19 (SARS-CoV-2), mais conhecida por
coronavírus, tem-se caracterizado como um dos maiores desafios
sanitários em escala global deste século. Em abril, pouco tempo de-
pois do início da epidemia na China, em 2019, registravam-se mais de
2 milhões de casos e 120 mil mortes no mundo. A princípio, o Brasil
acompanhou tudo de longe, pelas publicações e reportagens jorna-
lísticas nos mais variados meios de comunicação que, aos poucos,
revelavam novamente uma tragédia, dessa vez no mundo todo. Não
demorou muito, em fevereiro do mesmo, ano a Covid-19 chegou ao
Brasil das mais variadas formas, embora a primeira notícia de uma
pessoa infectada tenha ocorrido no dia 26 de fevereiro, homem de 61
anos, residente da capital paulista que tinha feito viagem para a Itália,
foi o primeiro registro de contaminação da doença (G1, 2020).
Em entrevista de Teixeira (1959, p. 290), ao ser questionado
sobre a situação do ensino no Brasil, respondeu:

118
EDUCAÇÃO INFANTIL E PROCESSOS HISTÓRICOS EM TEMPOS DE PANDEMIA: UM BREVE OLHAR
SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS E OS DESAFIOS DA EDUCAÇÃO TERESINENSE (2020-2021)

A escola tem sido quase sempre o último dos refúgios


para o preconceito, a rotina, o dogma, o tradicionalismo
cego ou os interesses mais egoísticos. Pobre escola! É
a mais humilde, a mais mandada das instituições e ao
mesmo tempo o bode expiatório de todas as nossas
deficiências. Dela tudo se espera e nada se permite.
Quanto mais abandonada, mais culpada fica de tudo que
nos sucede.

Mais de 62 anos depois, a fala acima evidencia a realidade


da pandemia, pois ao tempo em que a sociedade brasileira viu a
importância da escola e dos profissionais da educação, a realidade
demonstrou que a nossa educação continua não sendo prioridade.
Para Santos (2021), o desenvolvimento do processo educativo escolar
trouxe não somente aprendizados, mas desafios e uma enorme ex-
clusão digital, pois a maioria das famílias brasileiras, segundo a PNAD,
não tinham microcomputadores, apenas celulares para atenderem
a dois ou três filhos que estudavam no mesmo horário. Portanto, o
ano de 2020 revelou paradoxos e as consequências de más escolhas
que, em sua maioria, resultarão em muitas discussões futuras, evi-
denciando os processos históricos mencionados outrora.
A dúvida inicial dizia respeito à estratégia mais adequada para
o combate à pandemia, se o ‘isolamento vertical’ ou o ‘isolamento
horizontal’, dominando o debate em diferentes instâncias, envolven-
do pesquisadores e profissionais direta ou indiretamente envolvidos
no enfrentamento da epidemia (WERNECK; CARVALHO, 2020).
Na ocasião, o País vivia um clima de disputas políticas e in-
satisfação populacional, sendo que boa parte da população mais
pobre ainda vive em condições miseráveis, além de a grande massa
populacional estar sendo a mais atingida pela pandemia.
Entrementes, a educação é um dos setores que sofrem bas-
tante com a pandemia, daí porque o ‘desenvolvimento integral’ da
criança da educação infantil se tornou uma missão tão difícil, devido
ao isolamento social (medida adotada pela maioria dos governadores
e prefeitos no Brasil), uma das práticas necessárias ao combate e à

119
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

proliferação do coronavírus, obrigando todas as escolas a aderirem


ao ensino remoto. Sabemos que educar é uma missão complexa e
desafiadora, e a sala de aula, na perspectiva do educador, carac-
teriza-se por ser um ambiente de desafios e, ao mesmo tempo,
realização educacional e profissional. Assim, depreendemos que um
dos principais processos de aprendizagem está na interatividade, em
uma inter-relação constante entre professor-aluno, fatores internos
e externos (LIBÂNEO, 2010).
Visando ao desenvolvimento integral da criança, designou-se a
necessidade de implantar documentos norteadores para o processo
ensino-aprendizagem na primeira etapa da educação básica. A título
de exemplo, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Infantil (DCNEI) de 2010, em seu texto, entre outras coisas, definem o
currículo para essa primeira etapa do ensino, como sendo um

conjunto de práticas que buscam articular as experiên-


cias e os saberes das crianças com os conhecimentos
que fazem parte do patrimônio cultural, artístico, am-
biental, científico e tecnológico, de modo a promover o
desenvolvimento integral das crianças de 0 a 5 anos de
idade. (BRASIL, 2010, p.1).

Não obstante, é preciso compreender as políticas públicas


que tornam esse processo orgânico no interior das escolas e fora
delas. A educação infantil, em sua totalidade, visa a um ensino que
trabalhe de forma integral a construção de um currículo. A LDB/96,
diferentemente das outras leis, apresenta uma democratização e
universalização do ensino, proporcionando que, como base legisla-
tiva, haja a oportunidade de que todas as classes sociais sejam be-
neficiadas com direitos e um ensino de qualidade. A qualidade sobre
a qual nos referimos diz respeito ao alcance do desenvolvimento
integral que, nesse momento, está ameaçado pela pandemia que se
agravou ainda mais no ano de 2021, após um 2020 cheio de dúvidas
e retrocessos.

120
EDUCAÇÃO INFANTIL E PROCESSOS HISTÓRICOS EM TEMPOS DE PANDEMIA: UM BREVE OLHAR
SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS E OS DESAFIOS DA EDUCAÇÃO TERESINENSE (2020-2021)

O mês de julho de 2020 foi marcado pelas discussões em


âmbito federal, estadual e municipal em torno da retomada de to-
das as atividades econômicas do País. Todos os setores idealizaram
protocolos próprios de segurança sanitária para o tal retorno: seja
na construção civil (setor que em muitos lugares, foi o primeiro a
retornar), na área de vendas e lojistas – todos buscaram orientações
baseadas, primeiramente, nas diretrizes da Organização Mundial da
Saúde (OMS) e depois, de órgãos municipais de saúde.
No dia 9 de julho de 2020, em uma reunião dos deputados fede-
rais do Piau em uma sessão plenária virtual, o deputado federal Gustavo
Neiva (PSB) disse que o retorno de todas as atividades não essenciais
deve acontecer “de forma responsável, organizada e bem planejada,
com abertura gradual e seguindo todos os protocolos de saúde pública,
para segurança de todos” (PARLAMENTOPIAUÍ, 2020, p.1).
Entre decretos exigindo o uso de máscaras e protocolos de
segurança nos estabelecimentos (como o oferecimento de álcool em
gel para os clientes e funcionários), o mês foi marcado por promessas
de retornos e discussões a respeito da melhor forma de voltar. Assim,
no setor da educação, a partir do dia 20 do mês de julho de 2020,
entabularam-se várias discussões em torno de uma grande incógni-
ta: como fazer para retornar com as aulas presenciais em segurança?
Como abrir novamente a portas das escolas para um retorno sem
riscos de provocar uma nova infecção em massa?
Nesse quadro, as principais questões giram em torno de me-
didas que devem ser tomadas (e que serão eficazes) para evitar que
o retorno às aulas presenciais seja responsável por uma nova onda
de contaminação. Há quem defenda que as aulas presenciais só
deveriam retornar no ano de 2021 e, inclusive, em muitas das capitais
brasileiras, ainda não havia data certa para o retorno das aulas, pois,
logicamente, as muitas realidades existentes nos quatro cantos do
Brasil impediam que todos voltem às salas de aula ao mesmo tempo.
A primeira cidade no País a retornar com as aulas presenciais
foi Manaus (AM), no dia 10 de agosto de 2020, após mais de 100

121
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

dias de atividades educativas suspensas por conta da pandemia. O


estado do Amazonas foi o primeiro no País a retomar as atividades,
e esse retorno iniciou-se após o sofrimento (não só no Amazonas,
mas em quase todo o restante do País) entre os meses de abril e
maio, período no qual o Estado passou por um colapso no sistema de
saúde e no sistema funerário, por conta da pandemia que já infectou
mais de 107 mil pessoas e matou mais de 3 mil em todo o Estado. O
governo então, iniciou de forma gradual a tão sonhada reabertura do
comércio e das escolas6 (G1, 2020).
No ano de 2020, a partir do mês de junho, as aulas na rede
municipal de ensino de Teresina ficam suspensas, conforme se cons-
tata no Decreto nº 1.858, de 25 de junho de 2020, que dispõe sobre
a prorrogação da suspensão das aulas na Rede Pública Municipal de
Ensino de Teresina (TERESINA, 2020), diz o seguinte:

Art. 1º Fica prorrogada a suspensão das atividades edu-


cacionais presenciais, nas Unidades de Ensino da Rede
Pública [...] Parágrafo único. Fica mantido o Regime Espe-
cial de Atividades Pedagógicas não Presenciais, conforme
disposto no Decreto Municipal nº 19.810, de 04.06.2020
[...] enquanto permanecerem as medidas de isolamento
previstas de combate à Covid-19 [...] (TERESINA, 2020).

Nesse período, a professora “A”, docente da CMEI “Tio


Patinhas”, em Teresina-PI, vivia a expectativa para o retorno.
Mesmo sem saber ainda como isso ocorreria, ela disse: “gostaria
muito que retornasse logo, mas ao mesmo tempo tenho medo,
pois não sei se poderei contrair o Covid-19 e infectar as crianças”
(A, 2020). O medo da professora era duplicado – era o caso de

6  “A retomada das aulas presenciais na rede pública estadual de ensino, em Manaus, será a
partir do dia 10 de agosto. O anúncio foi feito pelo governador Wilson Lima, durante entrevista
coletiva na manhã desta terça-feira (28) no Centro Educacional de Tempo Integral (Ceti) Elisa
Bessa Freire, no bairro Jorge Teixeira. São 220 mil alunos na capital. A volta às salas de aula
será de maneira gradativa e híbrida, segundo o Governo. Os primeiros a retornarem - no dia
10 de agosto - são os estudantes do Ensino Médio regular e da modalidade de Educação de
Jovens e Adultos (EJA). Dia 24 de agosto, retornam os alunos do Ensino Fundamental (anos
iniciais e finais)”.

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EDUCAÇÃO INFANTIL E PROCESSOS HISTÓRICOS EM TEMPOS DE PANDEMIA: UM BREVE OLHAR
SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS E OS DESAFIOS DA EDUCAÇÃO TERESINENSE (2020-2021)

muitas outras professoras da rede municipal de ensino – pois


além de professora, é mãe de alunas e não tem certeza se levará
suas duas filhas de volta à escola nesse momento (ano 2020).
A professora “B”, também da CMEI “Tio Patinhas”, em Teresina,
relata que está muito difícil manter um ensino de qualidade na edu-
cação infantil com o uso do ensino remoto, pois a “clientela” da escola
se compõe de famílias carentes, em sua maioria, e o uso da internet
e de equipamentos eletrônicos para acompanhar as aulas, como
celulares ou notebooks, tornou-se algo inviável para muitas famílias,
“sem falar na incapacidade que, seja pelo trabalho ou disposição de
alguém a acompanhar as aulas e ajudar da resolução das atividades,
muitas famílias tem que acompanhar seus filhos durante as aulas
remotas em sua casa” (B, 2020).
Dessa forma, as aulas remotas do ensino infantil em Teresina,
seguiram até o fim do ano de 2020.
Após um breve recesso, o ano de 2021 teve início, com as mes-
mas incertezas do ano anterior. A diretora “A” da CMEI “Cebolinha”,
Teresina-PI, quando perguntada como está sendo o ensino remoto
durante a pandemia, no ano de 2021, as dificuldades anteriores são
as mesmas, mas percebemos um fio de esperança no fim de sua fala,
quando ela expõe:

O ensino remoto na educação tem sido um novo mo-


delo de ensinar e um desafio. Quando nos remetemos a
educação infantil o desafio é ainda maior, pois envolve
todo o contexto familiar que na maioria das vezes não é
favorável para o ensino e aprendizagem das crianças. Os
desafios foram inúmeros como: o nível escolaridade dos
responsáveis (pai) ou (mãe), para acompanhamento na
realização das atividades das crianças; a falta de internet,
pois, a falta da mesma dificulta de forma direta e é o
principal instrumento básico para o ensino dos alunos de
forma remota; a falta da presença professor-aluno difi-
culta na interação social com os mesmos; a ‘infrequência’,
ou seja, a não participação dos alunos nas aulas remotas
aumentaram de forma brusca e acelerada. Uma coisa
boa a se dizer seria a possibilidades do reconhecimento

123
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

das famílias sobre o importante papel do professor, não


digo só a valorização, mas de como é importante o aluno
está na escola. (A, 2021).

Podemos verificar, então, que o ensino municipal em Teresina,


no ano de 2021, manteve-se com o mesmo caráter, onde a casa se
tornou um ambiente escolar no qual, na maioria das vezes, as famílias
não possuem condições de auxiliar seus filhos - questões que deve
ser analisadas e discutidas. “As aulas da rede pública de Teresina
deverão retornar de forma remota, segundo o Secretário Municipal de
Educação, Nouga Cardoso. O anúncio foi feito nesta quarta-feira (27),
após reunião com o Vice-Prefeito e Secretário de Finanças, Robert
Rios” (SEMEC, 2021).
Com o agravamento dos casos e das mortes por coronavírus
no Brasil, em 2021, as aulas continuaram firmes, de forma remota, por
orientação da prefeitura, por meio de decretos municipais que, por
sua vez, estão alinhados ao governo do estado.
Dessa forma, o isolamento social na educação teresinense
segue por todo o primeiro semestre de 2021, e tais normativas se
dão sempre por meios de decretos, como justificado na publicação
no Diário Oficial do dia 14 de abril do corrente ano, em Atos do Poder
Executivo, o Decreto nº 20.840 diz o seguinte:

Dispões sobre a adoção de medidas sanitárias para


enfrentamento da calamidade na saúde pública de im-
portância decorrente do novo coronavírus (COVID-19) no
município de Teresina, no período de 13 ao 18 de abril de
2021, [...] CONSIDERANDO que a constituição Federal de
1988, em seu art. 30, inciso I, dispõe que compete aos
municípios editar atos normativos sobre assuntos de
interesse local; [...] (TERESINA, 2021).

Como dito, a Constituição de 1988 respalda tais decretos e


normativas publicados pelos governos locais. Nesse sentido, enten-
de-se que essas políticas públicas visam à contenção das aglome-
rações isolando, na medida do possível, as pessoas. Nesse quadro,

124
EDUCAÇÃO INFANTIL E PROCESSOS HISTÓRICOS EM TEMPOS DE PANDEMIA: UM BREVE OLHAR
SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS E OS DESAFIOS DA EDUCAÇÃO TERESINENSE (2020-2021)

a educação teresinense, em 2021, foi intensamente permeada por


decretos e normativas publicadas no site oficial da Secretaria de
Educação de Teresina, onde é possível ter uma visão mais clara sobre
o percurso educacional teresinense e suas normativas.
A partir de janeiro de 2021, ao ser publicado que “Semec
define que as aulas da rede municipal em 2021 serão remotas” (SE-
MEC, 2021), as discussões a despeito dos rumos que a educação
teresinense deveria tomar se inicia com a nova gestão na prefeitura.7
Nessa publicação, o novo Secretário de Educação, o professor Nouga
Cardoso, assim se manifestou:

O momento em que vivemos é de grande apreensão em


relação a propagação da Covid-19. Então, nós não poderí-
amos nesse momento expor nossas crianças, nossos pro-
fessores a essa situação, mesmo a gente tendo o cuidado
em seguir os protocolos e distanciamento nas nossas
escolas, é melhor não arriscar agora. (SEMEC, 2021).

As discussões não se encerram, pois ainda não se sabe o que


esperar sobre o desenvolvimento da pandemia nesse novo ano. As
dúvidas são muitas, e professores e pais de alunos não sabem direito
como será a retomada das aulas. Então, mais uma publicação com
comunicado se fez necessário, daí porque no dia 12 de fevereiro, a Se-
mec publicou um aviso com o título: Semec esclarece sobre retorno
as aulas, dizendo o seguinte: “A [...] (Semec) informa que organizou o
calendário escolar 2021 considerando o contexto de pandemia, com
aulas no formato híbrido. A previsão de início é para o dia 1 de março.
[...]” (SEMEC, 2021).
As autoridades educacionais de Teresina realmente pensaram
na implantação do retorno das aulas no formato híbrido, como de-
monstra o teor do encontro realizado pela Semec no dia 18 de feve-
reiro, com os pedagogos da rede para o planejamento desse retorno

7  O ano de 2021 é marcado pelo fato de que o novo prefeito, Dr. Pessoa, assume a prefeitura
após vencer o candidato Firmino Filho (que colocou seu então secretário de educação para
concorrer), que vinha de uma série de mandatos consecutivos.

125
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

(SEMEC, 2021). Mas isso não foi possível, devido ao agravamento do


número de casos com professores infectados e com a população,
como um todo. Assim, no dia 24 de fevereiro de 2021, publica-se o
seguinte aviso no site: Semec suspende início das aulas no formato
híbrido e decide por sistema remoto (SEMEC, 2021).

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As mudanças educacionais que ocorrem de forma variada ao


longo da história são características comuns (lógico dentro de um
universo multifacetado) no mundo todo. Segundo Freire (1987 apud
GESSER, 2002), um processo histórico educacional autêntico deveria
ser culturalmente fundamentado para que a história nos permitis-
se adquirir experiências de mudanças passadas, a partir das quais
aprenderemos. Portanto, a educação de hoje não é e nunca será con-
siderada a mesma de ontem, pois as mudanças históricas, em todos
os âmbitos científicos, atuam a partir do princípio das mudanças e
permanências que devem ser analisadas e discutidas.
A partir do excerto acima, entendemos que as ciências, so-
bretudo das humanidades, inevitavelmente, sofrerão ao longo dos
tempos com os processos históricos, os quais estão entranhados
nos acontecimentos sociais e são até mesmo naturais. Nesse sentido,
nós, pesquisadores, devemos encará-los como fonte de discussões
que objetivam o bem comum, em nosso caso, a educação.
Isso posto, observamos a importância desse debate sobre as
transformações educacionais em momentos históricos (se é que elas
ocorreram ou ainda ocorrerão), e depreendemos que continuarão por
muito tempo, dada a complexidade e o alcance mundial dos fatos.
As reflexões tornam-se relevantes do ponto de vista educa-
cional, no que tange à elaboração de políticas públicas agregadas aos
currículos educacionais de cada região. Parcialmente, podemos dedu-
zir que o momento vivido hoje por todos é delicado e para a educação
(assim como em outros setores), requer reflexões multidisciplinares
em um quadro de evolução e transformações do momento vivido.

126
EDUCAÇÃO INFANTIL E PROCESSOS HISTÓRICOS EM TEMPOS DE PANDEMIA: UM BREVE OLHAR
SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS E OS DESAFIOS DA EDUCAÇÃO TERESINENSE (2020-2021)

Tais modificações se refletirão, certamente, a partir das con-


sequências da pandemia em todos os setores. Nesse momento, mais
que nunca, entendemos que educar é, sobretudo, uma missão difícil
e desafiadora. A sala de aula é, em grande medida, um ambiente de
desafios diários, ressaltados sobremaneira nos anos letivos de 2020 e
2021. Sabemos que os desafios para o educador podem ser vencidos
graças às discussões educacionais levantadas, nas quais este traba-
lho objetiva se enquadrar e, dessa forma, ajudar a entender e replicar
conhecimentos e reflexões para melhor atender a esse tempo.
Falar sobre educação durante uma pandemia, identificando
quais setores foram afetados, ligados a ela; discutir a educação e o
que aconteceu a partir da situação mundial vivida em âmbito federal,
estadual e municipal; revelar como foi para os professores da rede
municipal de Teresina lidar com as tecnologias para que, de alguma
forma, conseguissem ir adiante com sua prática docente; refletir
sobre como os pais receberam essa novidade (ou não) e como foi o
dia a dia do aprendizado de seus filhos; e ainda como será o retorno
às atividades “normais” no contexto dos anos 2020 e 2021 – tudo
isso é bastante relevante do ponto de vista cientifico acadêmico,
ensejando uma reflexão bastante aprofundada sobre os processos
históricos da educação.
Assim, entender que nesses processos, a educação em tem-
pos de pandemia, de alguma forma, entrará para os cânones das dis-
cussões educacionais curriculares nos próximos anos será bastante
caro ao nosso crescimento intelectual, pois ao refletirmos sobre o
que estamos vivendo na educação, fatalmente, observaremos para-
digmas, do ponto de vista didático-educacional, quebrados.
Portanto, o ensino piauiense, no contexto de pandemia, sofreu
(levando em consideração as transformações ao longo dos tempos
ou processos históricos) sob vários sentidos, e muitas transforma-
ções desafiaram a consolidação de uma educação de qualidade no
ensino municipal teresinense, suscitando novos desafios a serem
enfrentados.

127
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

A partir do ano de 2020, o ‘problema’ agravou-se ainda


mais, em face das medidas sanitárias de combate à pandemia do
coronavírus, resultando em uma enorme necessidade de uso das
tecnologias da educação para que o ensino remoto, em substituição
ao presencial, fosse implantado. Nesse cenário, o uso de tecnologias
em sala de aula tornou-se realidade necessária e urgente.
Em Teresina, assim como em todas as capitais brasileiras e
demais cidades, o ensino remoto tornou-se a solução momentânea
para a continuidade do ano letivo. As dificuldades constatadas foram
muitas, mas também mudanças positivas poderão ser sentidas em
determinado tempo ou só poderão ser sentidas com o passar do
tempo. Nesse quadro, apreendemos que nenhum processo histórico
ou qualquer mudança profunda é fácil de ser detectada. Assim, ao
olhar o tornado de dentro dele, nunca saberemos onde pararemos.
E somente a partir do momento em que pudermos olhar para a
tempestade após ela acontecer, poderemos saber quais foram os
estragos, e se eles aconteceram ou não.
Diante disso, com a advertência de que “não se deve fazer
indagações que não possam ser respondidas” (SILVA, 2014, p. 23),
acreditamos, conscientemente, que a profundidade, complexidade e
importância das problemáticas são tão relevantes quanto o conheci-
mento de suas possíveis respostas. Assim, esperamos colher muitos
frutos de discussões sobre o momento atual vivido, em um futuro
não muito distante.
Ao retornarmos à indagação inicial sobre os processos edu-
cacionais históricos que devemos encarar como parte de nosso
trabalho de pesquisador da educação, concebemos que os mo-
mentos vividos nos deixam marcas, pois desde os tempos antigos,
inevitavelmente, os homens sempre procuravam conhecer as suas
origens, a partir dos mais diversos vestígios e marcas, ainda que os
fatos caiam no ostracismo eminente e somente muito tempo depois
sejam redescobertos, quando emerge em alguém a vontade (fora de
tal contexto temporal) de as trazer de volta ao centro de discussões,

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EDUCAÇÃO INFANTIL E PROCESSOS HISTÓRICOS EM TEMPOS DE PANDEMIA: UM BREVE OLHAR
SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS E OS DESAFIOS DA EDUCAÇÃO TERESINENSE (2020-2021)

buscando certa riqueza de informações e detalhes – sob o risco de


ficar em prejuízo quanto à veracidade dos fatos – sobre marcas que,
em nosso caso, serão feridas cicatrizadas ou não deixadas na educa-
ção pela pandemia (SOUZA, 2019).
As marcas deixadas na rede municipal de ensino em Teresina
jamais serão esquecidas e, em grande medida, serão ressignificadas,
atualizadas e, provavelmente, reaproveitadas no sentido de que é
pela história que descobrimos e redescobrimos a vida humana como
era e como ela se modificou com o passar dos anos (SANTOS, 1991).
Portanto, pensar em educação em um contexto é pensar
nesse contexto como “a ação educativa que se processa de acordo
com a compreensão que se tem da realidade social em que se está
imerso” (ROMANELLI, 1978, p. 23).
Logo, os processos históricos são dados no tempo e nomea-
dos, discutidos ou contextualizados no momento da construção nar-
rativa dos fatos pelas ciências. Assim, as conclusões de hoje poderão
ser diferentes das conclusões de amanhã, e o olhar sobre a relação
entre educação, pandemia e políticas públicas dos anos 2020 e 2021
poderá ser diferente em outro contexto histórico.

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2019. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/19/12/
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TEIXEIRA, Anísio. O ensino cabe à sociedade. Revista Brasileira de Estudos
Pedagógicos,. Rio de Janeiro, v.31, n.74, 1959. p. 290-298, 1959.Disponível em:
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TERESINA. Decreto nº 20.840 de 13 de abril de 2021. Atos do Poder Executivo.
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TERESINA. Decreto nº 19.858 de 25 de junho de 2020. Teresina: Prefeitura
Municipal de Teresina, 2020.
WERNECK, Guilherme Loureiro; CARVALHO, Marilia Sá. A pandemia de COVID-19
no Brasil: crônica de uma crise sanitária anunciada. Cad. Saúde Pública, 2020.

132
PARTE 2

POLÍTICAS PARA A
EDUCAÇÃO DE JOVENS
E ADULTOS E A
EDUCAÇÃO DO CAMPO
A EDUCAÇÃO DE JOVENS
E ADULTOS COMO POLÍTICA DE AÇÃO
AFIRMATIVA E DIREITO HUMANO

Efigênia Alves Neres

1. INTRODUÇÃO

O presente texto expõe alguns resultados de estudos e expe-


riências vivenciadas ao longo de pesquisa desenvolvida em nível de
Mestrado no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universi-
dade Federal do Piauí (PPGEd/UFPI), no biênio 2018-2020.
Na dissertação intitulada Histórias que se cruzam na EJA: as
trajetórias de vida de mulheres afrodescendentes de sucesso educa-
cional, problematizamos como mulheres afrodescendentes interpre-
tam sua trajetória de vida e sua passagem pela Educação de Jovens
e Adultos (EJA), e quais as implicações provenientes disso em suas
formas de organização da vida e no enfrentamento de suas dificulda-
des socioculturais, com base nas questões de gênero-raça-classe.
Neste artigo, especificamente, buscamos realizar um estudo
sobre as relações entre a EJA e as políticas de ação afirmativa, o que
implica pensar essa modalidade da educação como uma política
pública que visa à inclusão social da população afrodescendente e à
garantia do direito a educação.
Sobre as trajetórias de vida das duas mulheres afrodescen-
dentes participantes da pesquisa e as suas relações com a EJA,
intentamos questionar: quais experiências de vida fizeram com
que elas percebessem a EJA como possibilidade de conclusão da
escolarização básica e garantia do direito à educação escolar? Qual
a importância da EJA na vida dessas mulheres afrodescendentes,
frente às realidades das vidas social e escolar?

135
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

As categorias de gênero-raça-classe descritas neste trabalho,


com o uso do hífen, tem como intencionalidade apresentar a ideia
de indissociabilidade, em que recorremos à categoria da intersec-
cionalidade, termo cunhado por uma jurista estadunidense, chamada
Kimberlé W. Crenshaw (1989), para apontar a interdependência das
relações de poder de gênero, de raça e de classe, as quais mulheres
afrodescendentes enfrentam cotidianamente, devido ao pertenci-
mento racial, sexual e à sua realidade de pobreza socioeconômica.
Acreditamos que o mais importante sobre as relações inter-
seccionais entre essas três categorias centrais é que cada uma pos-
sa servir de disparadora para mover as discriminações, e as outras
servem como suporte para a manutenção das exclusões e violências
explícitas-implícitas.
Utilizamos uma metodologia de cunho qualitativo, inspirada
nas orientações de Minayo (2012), Richardson (2015) e Chizzoti (2011).
Como método de investigação, lançamos mão da História de Vida,
baseada nos estudos de Josso (2004) e Souza (2006). Como técni-
cas para acessar as informações relevantes, adotamos as Entrevistas
de Histórias de Vida (REIS, 2017) e o Memorial de Formação (PRADO;
CUNHA; SOLIGO, 2008).
Para análise dos dados do estudo, inspirações vieram das
contribuições de Bardin (2011), Poirier, Valladon e Raybaut (1999),
privilegiando a proposta da Análise de Conteúdo, que nos ajudou a
entender como a dominação e a desigualdade são representadas,
reproduzidas e combatidas por textos orais e escritos, no contexto
social e político das duas mulheres afrodescendentes participantes
da pesquisa.
Com essas escolhas teórico-metodológicas, foi possível
delinear um espaço investigativo onde as mulheres participantes
podiam se colocar e se fazer sujeitas de suas histórias e compreen-
sões, e assim, viabilizar uma aproximação mais acurada em relação
ao entendimento daquilo que elas realmente depreenderam de suas
próprias vidas e atuações.

136
A EDUCAÇÃO DE JOVENS
E ADULTOS COMO POLÍTICA DE AÇÃO AFIRMATIVA E DIREITO HUMANO

Para o desenvolvimento deste trabalho, inspiramo-nos nas


produções de Arroyo (2014, 2017), Carreira (2014), Boakari (2010) e
Guimarães (2013), bem como em dados apresentados pela Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD, 2019), disponibilizados
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os quais nos
ajudam a repensar as trajetórias educacionais e de vida de mulheres
afrodescendentes, além de seus itinerários na EJA.

2. INTER-RELAÇÕES ENTRE AS HISTÓRIAS DE VIDA DAS


MULHERES AFRODESCENDENTES NA EJA

Refletir sobre as trajetórias de vida de mulheres afrodescen-


dentes e, em especial, suas vivências na passagem pela EJA, leva-nos
a compreender o quanto se faz necessário contar nossas próprias
histórias – porque esse é um lugar que não costuma ser dado gratui-
tamente para nós.
Olhar para nossas histórias, do nosso modo, com os nossos
próprios interesses, significa resgatar nossas memórias e, sobretudo,
valorizar os comportamentos positivos de superação das adversida-
des, de transformação e de crescimento. Remete a ocupar um lugar
de fala que nos foi usurpado. “Aqui o falar não se restringe ao ato de
emitir palavras, mas de poder existir” (RIBEIRO, 2017, p. 64).
Pensamos lugar de fala como determinado espaço criado para
refutar a historiografia tradicional e a hierarquização de saberes con-
sequente da hierarquia social que, ao silenciar-nos estruturalmente
e historicamente, faz com que mulheres afrodescendentes sejam
tratadas de maneira subalternizada, restringindo suas vozes epistê-
micas, desvalorizando saberes e barrando-desviando oportunidades
de acessar de forma lógica-humana a universidade e outros espaços
de poder.
Quando falamos de resgatar nossas memórias, acreditamos
que elas ultrapassam a dimensão individual, pois as ideias de uma
pessoa nunca são somente suas, porquanto nenhuma lembrança

137
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

existe distanciada da sociedade em que se viveu relações entre pes-


soas. A memória, nessa perspectiva, não é individual, mas formada
pela vivência de uma pessoa em diversos grupos, ao mesmo tempo.
É a soma das várias memórias coletivas que se alocam do ser e repre-
sentam a sua parcela individual de experiência. Maurice Halbwachs,
nos anos 1920-1930 sublinhou que a memória deve ser entendida
como um fenômeno coletivo e social, construído coletivamente,
submetido a flutuações, transformações e mudanças constantes
(POLLAK, 1992).
As experiências de vida e educacionais das duas participantes
desta pesquisa, Maria Eloiza (54 anos) e Fabiana (36 anos),1 são mar-
cadas por inúmeras situações que geraram interrupções em seus pro-
cessos de escolarização. Tais eventos, na maioria das vezes, estavam
relacionados às dificuldades financeiras enfrentadas por suas famílias
e pelo fato de residirem na zona rural, onde não havia escolas que
ofertassem os anos finais do ensino fundamental e o ensino médio.
Pensar nessas e outras questões levam-nos a vislumbrar nas
inter-relações o que é individual e coletivo nas narrativas de histórias
de vida, além de tentar compreender como as categorias de gênero-
-raça-classe se configuram nessas trajetórias. A maneira como essas
experiências foram vivenciadas exerce influências nas vidas pessoais
e profissionais, determinam “escolhas”, “opções”, posicionamentos e
retratam parte da realidade vivida pela maioria da população afro-
descendente, vinda da zona rural, no que diz respeito ao acesso e à
permanência nas instituições de ensino.
Observamos que Maria Eloiza e Fabiana, apesar de viverem
na zona rural em períodos diferentes, passaram por situações seme-
lhantes no que alude às dificuldades de acesso e continuidade nos
estudos, devido à falta de escolas públicas e transporte escolar nas
comunidades em que viviam. Oriundas de famílias de baixa renda,
os pais não tinham condições financeiras de as manter na cidade de

1  A identificação real dos nomes foi opção das próprias participantes da pesquisa, ao
afirmarem que essa opção pelo uso do nome próprio está relacionada com a afirmação de
suas próprias identidades e, por consequência, a valorização de suas histórias de vida.

138
A EDUCAÇÃO DE JOVENS
E ADULTOS COMO POLÍTICA DE AÇÃO AFIRMATIVA E DIREITO HUMANO

Campo Maior/PI estudando, o que ocasionou várias interrupções na


escolarização básica.
Essa circunstância denota o quanto as escolas multisseriadas
da zona rural constituem um desafio às políticas públicas do campo,
uma vez que representam historicamente um quadro de ausência do
Estado e de gestão deficitária. Por essa razão, têm sido constante-
mente criticadas pela baixa eficiência e qualidade (ou abandono e
precarização).

[..] o problema das turmas multisseriadas está na au-


sência de uma capacitação específica dos professores
envolvidos, na falta de material pedagógico adequado
e, principalmente, a ausência de infraestrutura bási-
ca – material e de recursos humanos – que favoreça a
atividade docente e garanta a efetividade do processo
de ensino aprendizagem. Investindo nestes aspectos, as
turmas multisseriadas poderiam se transformar numa
boa alternativa para o meio rural, atendendo aos anseios
da população em dispor de uma escola próxima do local
de moradia dos alunos, sem prejuízo da qualidade do
ensino ofertado, especificamente no caso das séries
iniciais do ensino fundamental. (INEP, 2006, p. 19).

Sobre a avaliação do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas


Educacionais Anísio Teixeira (Inep) do ano de 2006, além dos proble-
mas citados acima, em consequência da falta de uma política edu-
cacional que garantisse o processo de escolarização da população
do campo, outros somaram-se: professores sem a devida formação
profissional ou sem formação continuada; um grande número de pro-
fessores com contrato temporário, tornando impossível a efetivação
de qualquer política pública; ou seja, há a falta de professores efeti-
vos que possam garantir um atendimento digno e de qualidade aos
alunos/as do campo, pois ainda de acordo com o Inep (2006), dos
86.129 estabelecimentos de ensino rurais, 50.176 (37,4%) escolas são
exclusivamente multisseriadas, com professores unidocentes, pouco
qualificados e mal remunerados.

139
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

Situações como essas fazem-nos reconhecer que embora


muitos anos tenham se passado desde a promulgação da Cons-
tituição de 1988, segundo a qual todos têm direito à educação, as
dificuldades de inserção da população afrodescendente no sistema
educacional ainda permanecem. A baixa escolaridade dessa popu-
lação está conectada aos percalços enfrentados tanto na entrada
quanto na permanência no sistema educacional.
A maioria das famílias afrodescendentes está concentrada na
classe trabalhadora e esse aspecto gera um círculo de disparidades
em que essa parcela da população sofre as consequências prove-
nientes do capitalismo, e em seu processo de reprodução, geram
grandes desigualdades sociais: desemprego; concentração de renda;
diferenças salariais entre homens e mulheres; violência etc.
O Gráfico 1 esquematiza dados que apontam indicadores da
realidade descrita acima

Gráfico 1 – População geral brasileira por cor ou raça (2018)

Fonte: adaptado pela autora do texto, de acordo com o documento Estudos e Pesquisas
Informação Demográfica e Socioeconômica, n. 41, do IBGE (2019).

140
A EDUCAÇÃO DE JOVENS
E ADULTOS COMO POLÍTICA DE AÇÃO AFIRMATIVA E DIREITO HUMANO

Quadro 2 – Desigualdades sociais por cor ou raça no Brasil (2018)


PRETOS ESPECIFICIDADES
INDICADORES BRANCOS
E PARDOS DE CÁLCULOS
Distribuição da população
segundo a classe de 90% de
Distribuição de renda 27,7% 70,6% pessoas em ordem crescente
de rendimento domiciliar per
capita.
1. Sem coleta de lixo
2. Sem abastecimento de
água por rede geral
1. 12,5% 1. 6,0%
3. Sem esgotamento sa-
2. 17,9% 2. 11,5%
Condições de moradia nitário por rede coletora ou
3. 42,8%, 3. 26,5%
pluvial
(Resultado: favorecimento da
proliferação de doenças e da
mortalidade infantil).
Inferior a US$ 1,90/dia (pes-
soas com rendimento mensal
Taxa abaixo da linha da
8,8% 3,6% domiciliar per capita abaixo
pobreza
das linhas de pobreza – com
total: 6,5%)
Brancos: 3,9% de toda a
amostra
No meio urbano: No meio urbano: Pretos e pardos: 9,1% da
6,8% 3,1% amostra
Taxa de analfabetismo
No meio rural: No meio rural: Taxa de analfabetismo, se-
20,7% 11,0% gundo a situação do domicí-
lio (pessoas de 15 ou mais
anos de idade).
Distribuição dos estudantes
Frequência no ensino
55,6% 78,8% de 18 a 24 anos, segundo o
superior
nível de ensino frequentado.
Cargos gerenciais ocupados
pela população referenciada
Mercado de trabalho –
29,9% 68,6% aqui. Muitas vezes, ocorre
cargos gerenciais
aproveitamento dos cursos re-
alizados por cada população.
População na força de traba-
lho: soma de subutilização;
Mercado de trabalho – da força de trabalho poten-
29,0% 18,8%
subutilização cial; entre outras característi-
cas de cada população refe-
renciada aqui.
População de 15 a 29 anos,
Uso de internet 84,3% 92,5%
que acessam a Internet.
Deputados federais eleitos
Representação política 24,4% 75,6%
em 2018.
Fonte: criado/editado pela autora, de acordo com o documento Estudos e Pesquisas
Informação Demográfica e Socioeconômica, n. 41, do IBGE (2019).

141
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

No que concerne à escolaridade, segundo dados da PNAD


Contínua (2019, Módulo Educação), a desvantagem da população
preta ou parda em relação à branca continuou evidente.
Em 2018, a taxa de analfabetismo da população preta ou
parda com 15 (quinze) anos ou mais de idade no Brasil passou de
9,8%, no ano de 2016, para 9,1%, em 2018. A proporção de pesso-
as de 25 anos ou mais de idade com pelo menos o ensino médio
completo ampliou-se de 37,3% para 40,3%. Ambos os indicadores,
porém, permaneceram aquém dos observados na população branca,
cuja taxa de analfabetismo era 3,9%, e a proporção de pessoas com
pelo menos o ensino médio completo era 55,8%, considerando os
mesmos grupos etários mencionados, em 2018.
O pior cenário em relação ao analfabetismo refere-se às pes-
soas pretas ou pardas residentes em domicílios rurais. De um total de
9,1% de analfabetos pretos ou pardos com 15 (quinze) anos ou mais
de idade, 20,7% viviam no meio rural, e 6,8%, no meio urbano.
Mesmo uma pessoa leiga poderá perceber as disparidades das
taxas nesses dados, que se mostram como um espelho da realidade
sociorracial no nosso País. Por isso, a escolarização oferecida (conse-
quência social-racial) aos afrodescendentes, em especial àqueles/as
oriundos do campo – tanto em aspectos quantitativos quanto quali-
tativos – é precária. A segregação espacial, as dificuldades financeiras
da família, a necessidade do trabalho precoce, ou seja, vários aspectos
expõem essa população pertencente à classe mais pobre do País a
uma escolarização menos intensa, mais instável e de pior qualidade
em relação à oferecida para a população mais favorecida e branca. O
resultado desse processo é a acumulação de desvantagens, redun-
dando em uma realização escolar muito abaixo do aceitável.
Por exemplo, um entrave para a equalização do indicador
de estudantes cursando o ensino superior reside na menor taxa de
ingresso da população preta ou parda nesse nível de ensino, com-
parada à da população branca. Em 2018, a taxa de ingresso era de
35,4% na população preta ou parda, e de 53,2% na população branca.

142
A EDUCAÇÃO DE JOVENS
E ADULTOS COMO POLÍTICA DE AÇÃO AFIRMATIVA E DIREITO HUMANO

Um fator que auxilia a compreensão desses resultados consiste na


maior proporção de jovens pretos ou pardos que não dão seguimen-
to aos estudos por terem de trabalhar ou procurar trabalho. De fato,
em 2018, entre jovens de 18 a 24 anos com ensino médio completo
que não estavam frequentando a escola por tais motivos, 61,8% eram
pretos ou pardos.
Mesmo diante de toda essa conjuntura de exclusão, negação
de direitos e desvantagem em relação aos demais, há muitas fa-
mílias de afrodescendentes que estimulam os/as seus/suas filhos/
as a frequentar a escola, como se essa fosse a única forma de sair
da pobreza e ascender social e economicamente. Como exemplo,
temos as narrativas de vida das famílias de Maria Eloiza e Fabiana.
Portanto, o papel da família é estruturador na constituição identitária
desses/as sujeitos/as. Unidos por laços afetivos, os seus membros
não compartilham apenas o mesmo teto: buscam força, resistência,
proteção ampla e apoio.
Com suas resistências e táticas, essas duas mulheres conse-
guiram subverter a lógica da história de brasileiras de descendência
africana, quebrando paradigmas e estruturas por meio da educação,
especificamente na EJA – reputada como outro marcador de desigual-
dade e exclusão. Embora ao longo de suas trajetórias de vida pessoal e
educacional estivessem em constante situação de “desvantagem”, no
meio do caminho, elas foram criando táticas de enfrentamento a todas
as situações de opressão e negação que sofriam. Conseguiram chegar
aos lugares que, pela lógica eurocêntrica e capitalista, não eram “natu-
ralmente destinados” a elas, tampouco eram “comuns” à sua presença.
Na EJA e com ela, elas forjaram caminhos e construíram espaços de/
para uma participação social mais ativa.
Neste trabalho, entendemos como táticas as ações utilizadas
como respostas objetivadas às práticas de exclusão secular por
essas mulheres afrodescendentes para alcançar a mobilidade social;
as inúmeras ações envidadas por elas para terem acesso à escola
e permanecerem nela; suas lutas diárias; os confrontos; o agir nas

143
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

incertezas e, ao mesmo tempo, acreditando que somente rompendo


com essas estruturas conseguiriam alcançar os objetivos desejados.
Por meio de suas táticas no campo da educação formal, conseguiram
desenvolver respostas renovadas a fim de escrever suas próprias
histórias à sua maneira.
Cada uma delas, singularmente, foi capaz utilizar os espaços,
as ocasiões e as possibilidades encontradas nas “lacunas” do sistema
a seu favor. Sobre essas práticas cotidianas, a que chamamos nesta
discussão de táticas, Certeau (1994, p. 100-101) explica que

[...] a tática é um movimento “dentro do campo de ação


do inimigo” [...] e no espaço por ele controlado. Ela não
tem portanto a possibilidade de dar a si mesma um
projeto global nem de totalizar o adversário num espaço
distinto, visível e objetivável. Ela opera golpe por golpe,
lance por lance. Aproveita as ocasiões e delas depende,
sem base para estocar benefícios, aumentar a proprie-
dade e prever saídas. O que ela ganha não se conserva.
Este não-lugar lhe permite sem dúvida mobilidade, mas
numa docilidade aos azares do tempo, para captar no vôo
as possibilidades oferecidas por um instante. Tem que
utilizar, vigilante, as faltas que as conjunturas particulares
vão abrindo na vigilância do poder proprietário. Ai vai
caçar. Cria ali surpresas. Consegue estar onde ninguém
espera. É astucia.

A lógica das táticas é que, conscientes das regras do sistema,


agimos sobre elas, no sentindo de subvertê-las, criando espaços
para aquilo que foge da “regra”, que não está previsto. Por meio das
astúcias, dos enfrentamentos e dos afrontamentos, construímos
novos sentidos e novas narrativas sobre as histórias desenvolvidas
com as nossas marcas.
Elas são maneiras de atuarmos sobre as estratégias que, por
sua vez, são planejadas para lugares e tempos precisos, com objeti-
vos projetados para “todos”. Acontece que nesse “todos”, muitos de
nós não estão incluídos. As táticas funcionam, então, como um saber
que se apoia na memória, nas redes de pertencimento, nas frestas

144
A EDUCAÇÃO DE JOVENS
E ADULTOS COMO POLÍTICA DE AÇÃO AFIRMATIVA E DIREITO HUMANO

do estabelecido nas estratégias. Elas não acontecem em lugares nem


com objetivos fixos e amplos: são práticas cotidianas no tempo da
experiência; aproveitam os lugares já estabelecidos em suas pos-
sibilidades esquecidas ou não previstas pelo sistema que criou as
estratégias; e forjam poderes singulares para criar lugares singulares
aos seus praticantes culturais. Como também afirma Certeau (1994,
p. 101), “a tática é a arte do fraco” que aprende a ser forte.
Desse modo, ao utilizarem as táticas que lhes apareciam
no cotidiano e perceberem os resultados positivos, Maria Eloiza e
Fabiana, quando retornaram à escola na modalidade EJA, foram per-
cebendo que por meio da educação escolar, o saldo positivo não
seria somente a conclusão da escolarização básica. Elas passaram
a desejar mais, a enxergar que a partir dali poderiam romper com a
condição de pobreza e desigualdade em que viviam, ingressando no
ensino superior, garantindo uma profissão, a inserção no mercado de
trabalho e mobilidade social e econômica.
Dessa maneira, perscrutando as memórias das mulheres afro-
descendentes participantes desta pesquisa, assimilamos que resistir
à situação socioeconômica em que estavam se tornou tarefa diária. A
cada dificuldade enfrentada ao longo do percurso educacional, Maria
Eloiza e Fabiana criavam motivos cotidianos para tentar alterar a
lógica estrutural que as impedia de continuar frequentando a escola.
Dessa forma, a EJA, como lugar de estratégia, foi aproveitada
pelas mulheres em apreço a partir da ausência de poder (as brechas)
ou abandono/precarização do Estado. Com astúcia e coragem, elas
perceberam elementos que abririam possibilidades criadoras de
acesso à educação institucionalizada.
Para Boakari (2010), isso desvela as várias táticas de resistência
construídas por mulheres afrodescendentes como forma de romper
com os estigmas negativos naturalizados no imaginário social e de se
tornar cidadã reconhecida socialmente, além de possibilitar um mo-
vimento de subversão contra os que definem o espaço acadêmico
como não pertencente às pessoas afrodescendentes e pobres.

145
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

Destarte, entendemos que o acesso à escolarização se cons-


titui como lugar de resistência, lutas, transformações e mudança da
realidade. Em um contexto social de discriminação, racismo e sexismo
em que mulher afrodescendente está inserida, a educação escolar é
um mecanismo que possibilita essa mudança social.
Quando ela conclui a escolarização básica e entra na uni-
versidade, inicia determinado movimento de transformação e de
construção de uma identidade profissional, na medida em que outras
mulheres também poderão se ver representadas e capazes de aces-
sar esses mesmos espaços em pé de igualdade com outras mulheres
de origem não africana.
Sobre a construção de uma identidade profissional, as partici-
pantes da pesquisa assim se posicionaram:

Hoje, posso dizer com muito orgulho para os meus filhos,


esposo, e familiares que sou uma mulher de sucesso,
graças a modalidade de ensino EJA, pois mesmo em meio
as dificuldades, de minha vida educacional e profissional
consegui alcançar o que desejava. Sou muito grata por
tudo que conquistei e ainda irei conquistar. (MEMORIAL
DE FORMAÇÃO FABIANA, 2019).

Quando olho para o passado da menina de 8 anos em


uma zona rural, sem condições materiais para correr atrás
de um futuro melhor, mas que correu atrás e conseguiu
estudar em uma das melhores universidades do Estado
- a Universidade Federal do Piauí, que após ter passado
pela experiência da escola como auxiliar de secretaria;
professora; diretora de escola e está conseguindo dá
uma contribuição para a educação do seu Estado, na
modalidade em que foi acolhida, enquanto técnica
na coordenação de ensino da Secretaria de Estado da
Educação e ainda no município como coordenadora
pedagógica, sinto que o destino foi generoso comigo. Sou
muito grata por tudo! (MEMORIAL DE FORMAÇÃO MARIA
ELOIZA, 2019).

146
A EDUCAÇÃO DE JOVENS
E ADULTOS COMO POLÍTICA DE AÇÃO AFIRMATIVA E DIREITO HUMANO

Diante desses relatos, compreendemos que a saída da EJA


e a passagem pela universidade, além de ampliar o capital cultural
dessas mulheres, oferecendo melhores oportunidades de ingresso
no mercado de trabalho, também avultou o capital social, abrindo
avenidas de mobilidade e status que normalmente estariam fechadas
para os/as sujeitos/as da população afrodescendente.
Para Martins (2013), a colocação profissional em posição con-
dizente com a formação na universidade permite alcançar melhorias
nas condições materiais de vida, tanto no plano pessoal quanto
familiar, com efeitos multiplicadores para toda a comunidade em que
vivem. Essas oportunidades, que são de naturezas distintas, além
de permitirem a ampliação do capital econômico, ajudam a garantir
direitos, contribuindo fortemente para a conquista da cidadania por
mais pessoas, por intermédio das conquistas do grupo.

3 A EJA COMO DIREITO HUMANO E POLÍTICA DE AÇÃO AFIRMATIVA

Durante as narrativas das mulheres afrodescendentes parti-


cipantes da pesquisa, evidenciamos a importância da EJA em seu
percurso educacional e do quanto essa modalidade, apesar de to-
das as limitações históricas, contribuiu para a garantia do direito à
educação escolar; a conclusão da escolarização básica; o acesso ao
ensino superior em uma universidade pública; a inserção na esfera do
trabalho; e a melhoria da qualidade de vida.
A partir de suas histórias, conseguimos depreender como elas
encararam a possibilidade de retomar os estudos na escola. Com
efeito, essa oportunidade única garantiria a elas contar uma nova
narrativa, de rompimentos, de saída do lugar a que estavam “destina-
das”. O retorno à escola aparece para essas duas mulheres afrodes-
cendentes como espaço e momento em que poderiam semear os
seus sonhos e desejos de sair da condição social em que estavam e
adquirir o conhecimento que lhes havia sido negado historicamente.

147
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

A partir dessas narrativas, é possível pensar em outro projeto


de escola e de EJA que assuma as radicalidades humanas que os/as
alunos/as conferem aos seus itinerários pela educação, pelo direito a
uma vida justa, digna e humana (ARROYO, 2017).
Sobre a importância da EJA em suas trajetórias educacionais,
as participantes da pesquisa afirmam:

A oferta da EJA em minha vida fez toda diferença, tendo


em vista que minha história de vida é semelhante à de
muitas alunas da EJA, que por diferentes motivos são for-
çadas a abandonar a escola, e que não encontram opor-
tunidades para retornar e dar continuidade aos estudos,
tendo que se conformar com uma vida limitada, tanto
financeiramente quanto de conhecimentos, de exclusão
em todos os sentidos. Por essas e outras razões é que
se fazem necessárias políticas públicas que garantam a
alfabetização na idade certa, mas que garantam também
o acolhimento daqueles que por diversas razões não
puderam concluir os estudos na idade certa. (MEMORIAL
DE FORMAÇÃO MARIA ELOIZA, 2019).

A EJA foi para mim como é para qualquer outro, que


como eu não foi possível estudar no tempo certo. A EJA
dar-nos a oportunidade de maneira bem mais rápida. Já
pensou, hoje 9 anos após ter retomado minha trajetória
escolar, já estou concluindo meu curso superior, caso não
fosse a EJA estaria bem longe de concluir meus estudos.
Levei 4 anos para concluir meus estudos básicos na EJA,
caso não fosse possível, regularmente seriam 8 anos, por
isso a importância da EJA na vida de jovens e adultos
como eu. (MEMORIAL DE FORMAÇÃO FABIANA, 2019).

Ao refletir sobre as falas de Maria Eloiza e Fabiana, notamos


que a EJA assume, no âmbito das políticas educacionais para pes-
soas como as duas mulheres da pesquisa, um papel estratégico na
luta pela garantia da educação enquanto direito humano, por seu
potencial transformador e de superação das desigualdades sociais,
raciais e de gênero historicamente existentes no País.

148
A EDUCAÇÃO DE JOVENS
E ADULTOS COMO POLÍTICA DE AÇÃO AFIRMATIVA E DIREITO HUMANO

O grande desafio dessa modalidade de ensino é que ela


passe a ser reconhecida pela sociedade e pelos gestores educa-
cionais como agência ligada diretamente ao perfil dos/as sujeitos/
as que atende, em sua maioria, constituída por mulheres e homens
afrodescendentes que vivem na periferia e no campo, e integram a
população mais pobre da sociedade.
Então, é preciso que se implementem políticas públicas espe-
cíficas destinadas ao público que atende a essa EJA afrodescendente
e pobre, de modo que sejam capazes de tornar reais as igualdades de
condições e oportunidades ao acessar e permanecer na escola, bem
como uma saída bem-sucedida, por meio do ingresso no ensino supe-
rior e inserção no mercado de trabalho com qualificação universitária.
Para isso, concebemos a necessidade de construção e imple-
mentação consistente de um conjunto de estratégias chamadas de
políticas de ações afirmativas que favoreçam os grupos socialmente
discriminados por questões de gênero, raça, classe e etnia que, em
decorrência disso, experimentam uma situação geral desfavorável
em relação a outros segmentos sociais.
Na acepção de Guimarães (2013, p. 93), essas estratégias da
gestão pública implicam

Na formulação de políticas abertamente não universais,


com o intuito de beneficiar de forma diferenciada grupos
discriminados, permitindo que, a médio e longos prazos
- definidos em termos de segunda e terceira gerações,
eles possam alcançar condições econômicas, sociais
e culturais equânimes. Portanto, as ações afirmativas
têm como propósito o reconhecimento de que pessoas
sujeitas a desigualdade devem receber tratamento dife-
renciado para fins de promoção de justiça social.

Assumindo esse conjunto de estratégias de enfrentamento


às desigualdades persistentes e estruturantes, a EJA chama atenção
não somente para a desigualdade de renda, mas também para outras
discriminações tão consideráveis quanto as políticas universais ba-

149
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

seadas em fatores como, raça, gênero, campo/cidade, idade, geração,


deficiência, entre outros semelhantes.
Isso significa dizer que a EJA precisa ultrapassar o desenvol-
vimento de ações pontuais e transformar-se em política de reco-
nhecimento positivo das diferenças, que vai além do universalismo
individualista, porque ao ignorar as diferenças, termina ocultando-as
e segregando-as como inferioridades. Assim, a ideia é que os direitos
políticos e educacionais sejam reconhecidos e ratificados em políti-
cas de ações afirmativas do Estado.

É a ausência de políticas afirmativas que leva a ineficiên-


cia igualitária das políticas com pretensão universalista.
Estas políticas se tornam paliativas em uma sociedade
com relações sociais, econômicas, políticas e culturais
tão inferiorizantes dos grupos diferentes. Políticas univer-
salistas que têm ignorado a polarização racista e sexista,
consequentemente não têm conseguido desracializar as
próprias políticas nem distributivas nem compensatórias.
A defesa de políticas de ação afirmativa dá prioridade a
essa desracialização e a intervenção nessa longa história
de segregação/inferiorização com base no pertencimen-
to a um coletivo racial, étnico, sexual, do campo ou das
periferias (ARROYO, 2014, p. 170).

Nesse sentido, trazemos para o cerne da discussão uma série


de indicações que poderiam levar o Brasil a assumir a EJA em sua
agenda de política educacional, não apenas como modalidade que
garante uma segunda oportunidade de conclusão da escolarização
básica, mas como política de ação afirmativa que garanta o acesso
e a permanência da/o aluna/o no mundo dos estudos. Isso de forma
que haja respeito às diferenças, à diversidade, às lutas, às resistências
e às histórias das/dos sujeitas/os que a compõem.
Em nosso entendimento, colocar as questões de gênero-
-raça-classe é condição primordial nesse processo de garantia de
educação escolar sob todas as formas eficientes-eficazes, enquanto
direito humano a todas/os na sociedade contemporânea. Por cúmulo,
nesse contexto contemporâneo onde a informação e o conhecimen-

150
A EDUCAÇÃO DE JOVENS
E ADULTOS COMO POLÍTICA DE AÇÃO AFIRMATIVA E DIREITO HUMANO

to diversificado são matéria-prima para atuação consciente, a EJA


continua relevante e merecendo atenção crítica continuada.
Para Carreira (2014), inicialmente, é oportuno que ampliemos
nossos olhares para disseminar e divulgar pesquisas e diagnósticos
sobre os impactos das desigualdades de gênero-raça-classe na
EJA, a fim de garantir a formulação, o planejamento e a avaliação de
políticas especificas. Igualmente, faz-se necessário construir uma
proposta político pedagógica antidiscriminatória, antimachista, an-
tirracista e contra todas as formas excludentes, que dialogue com o
mundo do trabalho e fortaleça a cultura das/os sujeitas/os da EJA e,
gradativamente, de toda a sociedade.
Além disso, é urgente garantir a implementação, de maneira
planejada, da Lei 11.645/2008, promovendo a inclusão da temática
História e cultura afro-brasileira e indígena, a educação das relações
étnico-raciais nas escolas, bem como também na formação inicial e
continuada de professores/as. Somado a isso, é cabível articular as
políticas de EJA com as políticas de promoção da igualdade de gênero,
de raça e de classe, colocando essa modalidade no mapa dos progra-
mas de superação da miséria e da pobreza no Brasil (BRASIL, 2008).
Nesse sentindo, entendemos a EJA como espaço de transfor-
mação, de reconhecimento das memórias e lutas de seus sujeitos\as
coletivos, como direito à educação, à cultura, à diversidade e a uma
vida digna. Espaço esse em que é possível ter a esperança de mudar
de lugar social.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A produção deste texto levou-nos a evidenciar que as traje-


tórias educativas das mulheres afrodescendentes participantes do
estudo revelam que elas utilizaram o acesso à EJA como tática para
subverter o sistema e chegar ao ensino superior, valendo-se dessa
oportunidade descoberta-nutrida por elas como ferramenta para
superar as dificuldades impostas pelas condições de ser mulher
afrodescendente e pobre no Brasil.

151
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

Essas mulheres, por intermédio de várias táticas, modificaram


a lógica e ocuparam lugares que não eram comuns a elas, pois em
uma sociedade euronormativa e excludente como a nossa, o lugar
historicamente predeterminado para essas mulheres seria a cozinha,
os baixos salários, a subalternidade, a subserviência e a inferioridade.
Outra lição desvelada nas trajetórias dessas mulheres foi a ne-
cessidade de discutir a EJA enquanto política pública que ultrapassa a
ideia de uma modalidade de ensino proporcionadora de conclusão da
escolarização básica para aqueles/as que não tiveram acesso ao ensi-
no na idade esperada, ou continuidade dos estudos na “idade regular”.
A EJA deve ser vista como política de ação afirmativa, no
sentido de encarar a educação como um direito humano, garantido
a homens e mulheres uma educação de qualidade, viabilizando a
transformação das condições materiais e culturais da vida, permitin-
do a emancipação humana, levando à diminuição da desigualdade de
oportunidade de acesso e possibilitando a permanência na escola.
Conseguir cursar o ensino superior e alcançar o sucesso de-
sejado, sendo uma mulher afrodescendente e pobre, natural da zona
rural e egressa da EJA, em uma sociedade em que a maioria nesse
grupo ainda tem baixa escolaridade e recebe remuneração inferior,
representa por si só uma forma de resistência, de afrorresiliência, que
não é somente individual, pois foram longos os caminhos, envolvendo,
inclusive, o apoio de outras pessoas para chegar ao nível atual.
Foram muitas batalhas para que as duas mulheres desse grupo
pudessem frequentar a escola, e como são poucas deste grupo de
brasileiras, muitas resistências e esforços de mulheres e homens e de
famílias afrodescendentes para possibilitar a sua educação. Não po-
demos perder de vista que foram inúmeras as pessoas nesse grupo
que sequer tiveram ou ainda têm o direito de sonhar em completar o
ensino básico com êxito, muito menos entrar na universidade.
Conquistar o sucesso educacional por meio do acesso à EJA,
para essas mulheres, significou não só o rompimento com padrões
socioeconômicos, mas a reconstituição dos espaços de privilégios,

152
A EDUCAÇÃO DE JOVENS
E ADULTOS COMO POLÍTICA DE AÇÃO AFIRMATIVA E DIREITO HUMANO

contestando estereótipos e rompendo paulatinamente com o isola-


mento, com o apartheid social silenciado e mascarado. Significa dar
visibilidade para um segmento da população que, muitas vezes, foi
reconhecido como um estrangeiro em suas próprias terras, espaços
habitados por elas/es há séculos.
Dessa maneira, chegamos ao fim deste texto, patenteando que
ser mulher afrodescendente no Brasil ainda é lutar constantemente
para o rompimento de barreiras – muitas explícitas e tantas outras
ainda invisibilizadas. Nessa lógica, romper barreiras é acessar espaços
de protagonismos, entrar em profissões variadas, participar de movi-
mentos sociais, fazer jus e compor os estratos sociais com maior po-
der aquisitivo, entre outros, a fim de alcançar o exercício da cidadania,
desafiando os poderes instituídos e os preconceitos históricos.
Não obstante todos os desafios concernentes a essa moda-
lidade de ensino, muitas vezes descartável e menosprezada, cada
vez mais se faculta que as pessoas de um segmento da população
historicamente marginalizado e excluído consigam se fazer incluídas,
participando da sociedade e afirmando seu direito.

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153
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

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154
A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO
PIAUÍ: reafirmação da negação do direito
das políticas educacionais no Brasil

Francislene Santos Castro


Jefferson de Sales Oliveira
Marlúcia de Sousa Meneses

1 INTRODUÇÃO

O direito à Educação para os Jovens e Adultos (EJA) permanece


sendo um paradigma fronteiriço para aqueles que não tiveram acesso
na idade recomendada pela Constituição Federal de 1988 ou que não
atingiram determinados rendimentos na escola do século XXI.
O acirramento entre as forças políticas com discurso ultra-
conservador, aliado às políticas de cunho neoliberal implementadas
no sistema educacional brasileiro, especialmente a partir da década
de 1990, voltadas para o atendimento das demandas do mercado e
não à solidariedade, justiça social, sustentabilidade e tantas outras
urgentes questões que a realidade do contexto atual carece, têm
reafirmado a exclusão escolar daqueles que não puderam ter acesso
ou completar seu ciclo de escolarização.
Essa exclusão se revela quando verificamos, conforme dados
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que, em
2019, ainda existiam no Brasil cerca de 11 milhões de pessoas com
15 anos ou mais, sem saber ler nem escrever. O estado do Piauí
ocupa o segundo lugar do País em número de analfabetos, pois 16%
da sua população nessa faixa etária ainda não concluíram seu ciclo
de alfabetização. Essa realidade materializa a dívida histórica com a
classe trabalhadora e que necessita estudar, mas não tem seu direito
à educação efetivado em decorrência dessa conjuntura nacional que

155
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

ressoa em âmbito local e que submete o público da Educação de


Jovens e Adultos a uma condição subalternizada.
Para refletirmos criticamente acerca dos processos de ex-
clusão, isto é, a negação do direito a educação que os sujeitos da
EJA têm sido submetidos no País, esse capítulo tem como objetivo
a analisar os demarcadores legais que preconizam o direito a EJA no
contexto dos processos reformistas de cunho neoliberal no Brasil e
seus reflexos no estado do Piauí.
Para tanto, utilizamos como metodologia a análise documental,
fundamentada nas legislações que tratam do direito EJA, nas infor-
mações extraídas do Laboratório dos Dados Educacionais a luz das
reflexões de Amorim (2018), Paiva (2004), Fávero (2009), Rodrigues
e Moura (2014), Haddad (2015), Shiroma (2005), entre outros. Dessa
forma, este capítulo está estruturado em três sessões: As políticas
neoliberais seus efeitos na Educação de Jovens e Adultos; A EJA em
declive em meio aos processos de reformas e desmontes; e Reafir-
mação da negação do direito à EJA: a realidade piauiense.

2 AS POLÍTICAS NEOLIBERAIS E SEUS EFEITOS NA EDUCAÇÃO


DE JOVENS E ADULTOS

A educação, enquanto direito de todos, inclusive daqueles que


não tiveram acesso a ela na idade apropriada, tem sofrido resistência/
dificuldade no seu processo de materialização, além de ataques que
vêm retirando a garantia desse direito no âmbito da própria legisla-
ção, reflexo das influências das políticas neoliberais implementadas
no Brasil a partir da década de 1990, com o escopo de buscar a
produtividade e eficiência da máquina administrativa, propondo que
a lógica da educação passe do âmbito social e político para seguir,
sem qualquer adaptação, à lógica do mercado (BRASIL, 1988).
O Estado brasileiro, objetivando adequar-se às orientações
do paradigma neoliberal, passou por inúmeras reformas, e as políti-
cas educacionais não ficaram isentas desse processo. Nesse sentido,

156
A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO PIAUÍ: REAFIRMAÇÃO
DA NEGAÇÃO DO DIREITO DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS NO BRASIL

enquanto resultado do processo de reforma e reestruturação do


Estado, tais políticas compreenderam o ensino fundamental, então
educação básica, como elemento determinante ao desenvolvimento
econômico e à redução da pobreza (CHILANTE; NOMA, 2009).
Nesse contexto, e com base no texto Constitucional que
afirma a educação como direito de todos, a educação brasileira
testemunhou inúmeras transformações, tendo como pauta de dis-
cussão a democratização e a universalização do acesso, a qualidade
da oferta, bem como a inclusão de todos no sistema educacional.
Dessa forma, marcos legais, como a Constituição Federal de 1988;
a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)/96; o Plano
Nacional de Educação (PNE) (2014); o Plano de Desenvolvimento da
Educação (PDE); as Diretrizes Curriculares para a EJA (2000); e as
Diretrizes Operacionais da EJA (2010) reafirmaram e asseguraram o
direito à educação.
Todavia, o problema não está na ausência da legislação,
mas em políticas públicas educacionais que são influenciadas por
políticas de cunho neoliberal que entendem a educação como uma
mercadoria, passando a ter um valor no mercado, perdendo, assim, a
sua essência, que é a de formação integral do ser humano, o que im-
possibilita, na prática, a efetivação de leis que garantem a educação
como um direito de todos (DI PIERRO, 2005).
Destarte, a EJA não está isenta e a finalidade de sua criação,
que é reparar a negação do direito à educação àqueles que por mo-
tivos diversos não puderam ter acesso ou não puderam concluir seu
processo de escolarização, permaneceu com caráter compensatório
até a contemporaneidade. Dessa forma, as conquistas adquiridas na
Constituição Federal de 1988, no âmbito da educação – fruto de lutas
constantes da sociedade civil organizada e de movimentos sociais,
por meio dos Fóruns de EJA e da comunidade científica, em especial,
o GT 18 da Associação Nacional de Pós-Graduação em Educação
(Anped) –, foram sendo dissolvidas após a segunda metade da dé-
cada de 1990.

157
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

A implementação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento


do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), em
1996, cujos recursos financeiros foram destinados, especificamente,
ao ensino fundamental, desfavoreceu a oferta da EJA. A premissa de
que focalizar as políticas educacionais na população de 15 a 17 anos
(ensino fundamental, então educação básica) se relaciona com a
compreensão de que o surgimento de novos analfabetos acabaria,
erradicando assim, o analfabetismo (PAIVA, 2004).
A década de 1990 também foi marcada pelo rebaixamento da
idade de realização de exames para o Supletivo, por lei assegurado.
Para o acesso ao ensino fundamental, ficou estabelecida a idade
mínima de 15 anos ou mais; para o ensino médio, acima de 18 anos.
Ao mesmo tempo, a EJA continuou com seu caráter Supletivo e de
aceleração do ensino regular.
Todavia, a aprovação da LDB/96 representou um importante
avanço à EJA, ao elevá-la a uma modalidade da educação básica com
o propósito de restaurar o direito à educação para aqueles que tive-
ram seu direito negado ao longo da história. Ademais, a EJA passou ao
status de política de Estado, possibilitando a promoção e a elevação
dos índices de escolaridade, especialmente para aqueles que não
tiveram acesso ou condições de concluir o processo educacional na
idade esperada. Dessa forma, ao menos legalmente, a LDB rompeu os
percursos históricos da EJA, no sentido de ser esquecida e despres-
tigiada, além de compreendida como anexo do ensino regular.
Enquanto política social, a EJA apresenta a possibilidade de pro-
porcionar aos discentes a ampliação da escolaridade e a consequente
melhoria das condições de trabalho e qualidade de vida, suscitando o
processo de igualdade social. Contudo, como tal política permaneceu
sendo influenciada pelos interesses do capital, a EJA continuou sendo
usada como instrumento de manutenção do status quo.
Em uma análise da modalidade nos anos 2000, Fávero (2009)
afirma que ela ganhou novas perspectivas, em virtude da aprovação
do Parecer nº 11/2000, do Conselho Nacional de Educação (CNE), e da

158
A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO PIAUÍ: REAFIRMAÇÃO
DA NEGAÇÃO DO DIREITO DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS NO BRASIL

Resolução nº 1/2000, de 5 de julho de 2000, da Câmara de Educação


Básica (CEB), que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para
Educação de Jovens e Adultos, normatizando-a em âmbito nacional.
Esse documento determina diretrizes à oferta da EJA, de cunho obri-
gatório, no que tange às questões de estrutura e duração de cursos,
currículo, formação de professores, entre outros. Cabe ressaltar que
a oferta da modalidade está sujeita, ainda, às Resoluções CNE n° 2, de
7 de abril de 1998a; n° 03, de 26 de junho de 1998b;nº2 de 19 de abril
de 1999a e n° 04, de 8 de dezembro de 1999b, quanto ao ensino fun-
damental, ensino médio e educação profissional, respectivamente.
A compreensão de que as políticas educacionais tiveram
avanços com a promulgação da Constituição de 1988, sobretudo as
referentes à EJA, é, para Amorim (2018), uma crença, à medida que a
“universalidade de direitos no Estado burguês é sempre uma questão
meramente formal” (AMORIM, 2018, p. 149). Isso significa que o avan-
ço na legislação não implica, necessariamente, a implementação da
política, o que requer uma análise sobre todos os seus aspectos, em
prol da efetivação do direito à educação da EJA.
Isso pode ser observado na Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de
2001, que instituiu o Plano Nacional de Educação (PNE) (2001-2011),
pois mesmo tendo reafirmado direitos, teve a previsão de recursos
financeiros vetados para o alcance de suas metas, impossibilitando
o atendimento das reivindicações dos trabalhadores por meio das
organizações sindicais, grupos estudantis e movimentos sociais (RO-
DRIGUES et al., 2016).
Para mais, mesmo com a inserção da EJA nas políticas de fun-
dos, com o Fundo de Manutenção de Desenvolvimento da Educação
Básica (Fundeb), regulamentado pela Lei nº 11.494/2007, em 2007
– que gerou grandes expectativas para o aumento de matrículas
na modalidade –, estudos como os realizados por Carvalho (2014),
Castro (2020), Rodrigues e Moura (2014), Ventura (2016), demons-
tram que houve uma diminuição das matrículas em EJA no Brasil nos
últimos anos.

159
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

Em 2008, a CEB realizou um reexame do Parecer CNE/CEB nº


11/2000 e uma adequação da Resolução CNE/CEB nº 1/2000, que ins-
tituem as Diretrizes Curriculares Nacionais para a EJA. Definiu, ainda,
as Diretrizes Operacionais para a EJA, por meio da Resolução nº 3 de
junho de 2010, particularmente no que se refere à questão da idade
mínima para ingresso na modalidade, à certificação dos exames, ao
disciplinamento e à orientação para os cursos de EJA, desenvolvidos
por meio da Educação a Distância. Para Costa e Machado (2017), a
preocupação em elaborar tal diretriz é resultado da conjuntura sobre
o debate acerca do direito à educação.
Nesse mesmo cenário, foi aprovado o PNE, por força da Lei n°
13.005/2014 – novo PNE –, com vigência até 2024. No Plano, as Metas
8, 9 e 10 tratam da modalidade. A propósito, a Meta 8 objetiva reduzir
as desigualdades, ampliar para, no mínimo, 12 anos, a escolaridade
da população (pobres, negros, população residente em áreas rurais
etc.), restrita aos jovens e adultos entre a faixa etária de 18 a 20 anos,
concedido apenas àqueles que compõem o grupo etário que melhor
representa a força de trabalho no País, o que configura a limitação da
extensão desse direito, reafirmando negação de direito à educação
para todos aqueles, sem distinção, que não puderam completar seu
processo de escolarização por fatores diversos (CASTRO, 2020).
Embora a Meta 9, cujo objetivo é elevar a taxa de alfabetização
para 95,3%, tenha sido alcançada em 2019 (93,4%), são inúmeras as
desigualdades regionais e sociais que permanecem de forma signifi-
cativa. Além disso, bem distante de ser alcançada está a Meta 10, que
tem por finalidade garantir que, no mínimo, 25% da oferta de EJA do
ensino fundamental e médio seja integrada à educação profissional,
uma vez que apenas 0,6% e 3,1% das matrículas de EJA no ensino
fundamental e médio, respectivamente, estavam no âmbito da edu-
cação profissional.
Neste sentido, observamos que os demarcadores legais e
assecuratórios do acesso à EJA, não necessariamente, representam
a inclusão e a permanência com qualidade e justiça social para seus

160
A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO PIAUÍ: REAFIRMAÇÃO
DA NEGAÇÃO DO DIREITO DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS NO BRASIL

educandos, fazendo com que os fóruns, movimentos e coletivos


sociais e acadêmicos permaneçam em constante observação das
múltiplas políticas neoliberais e precarizadas na contemporaneidade,
como veremos a seguir.

3 A EJA EM DECLIVE EM MEIO AOS PROCESSOS DE REFORMAS


E DESMONTES

A mítica social de uma educação para todos e com justiça


social tem ao longo dos últimos anos sido utilizada como estandarte
manifesto dos movimentos sociais, coletivos, instituições, pesquisa-
dores e outros corpos sociais articuladores na defesa da EJA.
A modalidade, historicamente é marcada por retrocessos,
encontros e desencontros em seu nicho estruturante, enquanto
política educacional para jovens, adultos e idosos, público-alvo da
modalidade. Cabe-nos a reflexão crítica sobre como a EJA vêm
sendo precarizada, desmontada e tendo seus principais integrantes
afastados das discussões que construíram as últimas legislações que
a operacionalizam em estados e municípios.
O ano de 2016 foi um demarcador histórico desse processo
de desmonte, quando se assistiu ao processo de impeachment da
Presidenta Dilma Rousseff, um período de austeridade política e fim
dos espaços democráticos de direito. Para a educação, em especial,
a retirada dos movimentos sociais das representações do Fórum
Nacional de Educação (FNE) e do Conselho Nacional de Educação
(CNE) demonstra o distanciamento que se queria entre governo e
movimentos sociais.
Nessa tônica de esvaziamento de diálogos dos espaços demo-
cráticos, os governos de Michel Temer (2016-2018) e Jair Bolsonaro
(2019 - atualmente), a EJA foi perdendo espaço na política educa-
cional, mesmo tendo em seu PNE três metas com temáticas voltadas
para a erradicação do analfabetismo e elevação da escolaridade da
população adulta integrada à educação profissional.

161
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

Como materialização do desmonte, tivemos a aprovação da


Emenda Constitucional nº 95 de 2016, que congelou os investimen-
tos públicos em educação, saúde e assistência social por 20 anos,
estabelecendo um teto de gastos a partir da inflação do ano anterior,
destacando-se a inviabilização da implementação do PNE a partir
desse movimento.
Para a EJA, o fechamento, no ano de 2019, da Secretaria de
Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão pelo
Ministério da Educação (Secadi-Mec), representou um movimento
de parte do movimento sistêmico autoritário e com características
fascistas. Lembrando que a gestão presidencial do País foi eleita sob
a pauta conservadora da tradicional família e armamentista.
A Secadi-Mec foi criada no ano de 2005, e nesse período
articulou, junto aos movimentos sociais, como os Fóruns de EJA do
Brasil, Secretarias de Educação e outras frentes de mobilização pelo
direito à educação, um avanço nas políticas assistivas à EJA, o que
culminou nas Metas 8, 9 e 10 do PNE.
As Diretrizes Operacionais nº 1, aprovadas em 28 de maio
2021, pelo CNE, têm sido objeto de discussão entre os movimentos
dos Fóruns de EJA do Brasil, da comunidade científica e dos demais
movimentos sociais, devido aos seus dispositivos de desmonte e
retrocesso, principalmente no que diz respeito ao direito da pessoa
jovem e adulta ter acesso à educação.
A normativa do CNE, em seu contexto, faz um alinhamento da
EJA à Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e ao Plano Nacional
de Alfabetização (PNA). Tal processo de alinhamento é um contexto
de violência à modalidade, como pondera a professora Analise Silva
(2020),1 de que “[A base] está sendo construída para os pobres deste
país e não com os pobres deste país”.

1  Fala de Analise da Silva, professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), membra
titular do Fórum Nacional de Educação e representante do Fórum de Educação de Jovens e
Adultos (Fórum EJA). Disponível em: http://www.observatoriodaeducacao.org.br/index.php/
sugestoes-de-pautas/48-sugestoes-de-pa utas/1601-2016-06-09-21-28-42. Acesso em:
23 de dezembro, 2021.

162
A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO PIAUÍ: REAFIRMAÇÃO
DA NEGAÇÃO DO DIREITO DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS NO BRASIL

Após a breve observação desses movimentos políticos e


sociais, situamo-nos no contexto desses processos de reforma edu-
cacional recorrente dos anos 1990 à segunda década do século XXI,
e especialmente no estabelecimento de mecanismos legais como
reverberadores do ideário de educação pública em cada período.
No ínterim de 1990 a 2021, as legislações educacionais passa-
ram de um discurso mais economicista para uma concepção mais hu-
manitária na política educacional, como salienta Shiroma et al. (2005,
p. 02), com as crescentes discussões em torno da temática justiça,
equidade, coesão social, empoderamento, oportunidade e segurança.
Nesse contexto afirmativo e de disputas, a EJA ganha força
por meio de seus movimentos sociais, como os Fóruns de EJA, e
da Comissão Nacional de Educação de Jovens e Adultos (CNAEJA),
espaço que existia dentro da Secadi-Mec.
Esses coletivos trouxeram para o centro da discussão das
políticas para a modalidade, quilombolas, indígenas, populações do
campo, das periferias, entre outros segmentos e comunidades tradi-
cionais, como atestam Costa e Machado (2017, p. 141).
Tais grupos trouxeram contribuições para uma nova significa-
ção da modalidade, como reflete Arroyo (1998, p. 155), com a visão
universal de que a educação representa “não apenas no sentido de
para todos, mas de dar conta da universalidade, pluralidade, omni-
lateralidade das dimensões humanas e humanizadoras a que todo
indivíduo tem direito por ser e para ser humano”.
Então, observamos como o espaço esvaziado por esses grupos
no eixo central das pautas de EJA no Brasil provocam o desmonte
institucionalizado no direito ao acesso, à permanência e à qualidade.
Constatamos como materialização desse afastamento o retorno de
uma EJA supletiva, como a abertura dos 50% da modalidade à distân-
cia, voltada tão somente para a certificação em massa, como preconiza
o Exame Nacional de Certificação de Jovens e Adultos (Enceja).
Outra questão notada nas Diretrizes Operacionais da EJA
(2021) diz respeito à concepção de educação compensatória para a

163
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

modalidade na Base Comum Curricular (BNCC) e no PNA, seguindo a


concepção de tempo perdido, abandono e retorno, tratando de ma-
neira “genérica” e sem grandes aprofundamentos as possibilidades
de aprendizagens do público da modalidade, apontando breves su-
gestões aos educadores que considerem os conhecimentos prévios
dos educandos.
Não considera, pois, os dados levantados por pesquisadores
da modalidade que discutem sobre o novo público jovem da EJA, que
tem ganhado cada vez mais espaço na sala de aula da modalidade,
como já indicava Haddad (2015) – aliás, educandos frutos das polí-
ticas de correção de fluxo para diminuição da distorção idade-série
em salas de aula do ensino básico regular.
Portanto, além da do clássico público da EJA, apontado pela
BNCC e pelo PNA, de analfabetos e pessoas adultas que não estão na
escola, a modalidade, na contemporaneidade, possui jovens que já
estão na escola e vêm passando por processos de exclusão interna,
e também são sujeitos do direito à aprendizagem. Promove-se então,
um processo que Pierre Bourdieu (2001) conceitua em seu ensaio
Os Excluídos do Interior como um movimento produzido pelas he-
gemonias de poder para colocar os alunos de classes inferiores em
condições de subalternidade.
Além do mais, as metodologias, técnicas e a concepção de
currículo estabelecidas pelas Diretrizes, não dialogam com os saberes
tradicionais, compreendidos como elementos fundamentais, para a
construção de uma prática libertadora, como Paulo Freire (1967) re-
alça. A Carta Aberta do Grupo de Trabalho nº 18 da Anped manifesta
o marcante retrocesso demonstrado pelas Diretrizes da EJA de 2021.
Além de retornar à concepção apostilada da modalidade,
autorizando sua oferta sendo 50% a distância e Supletiva, também
condiciona a metodologia de alfabetização ao somente ao método
fônico, não considerando outras abordagens que dialoguem com
às concepções de aprendizagens do aluno adulto como às práticas
andragógicas de ensino sugerem.

164
A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO PIAUÍ: REAFIRMAÇÃO
DA NEGAÇÃO DO DIREITO DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS NO BRASIL

A Carta Aberta do GT 18 da Anped denuncia que a organiza-


ção curricular da EJA não é respeitada dentro do contexto da BNCC,
fazendo breves e desarticuladas menções à modalidade, o que en-
tendemos como um processo de projeto desarticulador contra a EJA,
e como veremos a seguir, os números demonstram essa desestrutu-
ração que reflete diretamente na evasão e no número de matrículas.

4 REAFIRMAÇÃO DA NEGAÇÃO DO DIREITO À EJA: A REALIDADE


PIAUIENSE

A realidade da negação do direito à EJA no Estado do Piauí


é mais escancarada do que no panorama nacional, uma vez que o
Estado apresenta o segundo maior índice de analfabetismo do País,
com a população de 15 anos ou mais apresentando uma taxa de 16%,
conforme levantamento realizado pela Pesquisa Nacional por Amos-
tra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), em 2020.
Ademais, a negação do direito ao acesso EJA é ainda mais evi-
dente quando comparamos o número de matrículas da zona urbana
e da zona rural, conforme apresentado no Gráfico 1, a seguir:

Gráfico 1 – Número de matrículas de EJA por área e localidade – Piauí (2016-2020)

Fonte: elaborado pelos autores a partir das informações do Laboratório de Dados


Educacionais-UFPR (2016-2020).

165
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

Quadro 1 – Número de matrículas de EJA por área e localidade – Piauí – Piauí (2016-
2020)
Área/localidade 2016 2017 2018 2019 2020
Zona urbana 124.150 152.634 159.809 107.747 89.493
Zona rural 18.388 25.597 24.862 22.739 17.728
Total 142.538 177.231 184.671 130.486 107.221
Fonte: elaborado pelos autores a partir das informações do Laboratório de Dados
Educacionais-UFPR (2016-2020).

Os dados do Quadro 1, informam que, não muito diferente do


que ocorreu ao longo da história, entre os anos de 2016 a 2020, as
matrículas de EJA, centraram-se na zona urbana do Estado do Piauí,
evidenciando a continuidade da exclusão educacional e a urgente
necessidade de políticas que garantam o acesso e a permanência do
direito a educação à população do campo. Enquanto houve uma re-
dução significativa de 28% (34.657) no número de matrículas da zona
urbana no período em análise; no que tange a zona rural a redução foi
de apenas 3,5% (660), dado relevante que demanda novos estudos
para identificar as possíveis causas que explicam essa realidade, que
não é objetivo desse trabalho.
Ao analisarmos o número de matrículas por dependência ad-
ministrativa constatamos que a rede estadual de ensino foi a maior
ofertante da modalidade na etapa do Ensino Fundamental, conforme
as informações apresentadas no Quadro 2, a seguir:

Quadro 2 – Número de matrículas EJA – ensino fundamental, por dependência


administrativa – Piauí (2016-2020)
Dependência administrativa 2016 2017 2018 2019 2020
Estadual 62.375 90.236 99.403 46.896 38.071
Municipal 35.999 47.759 46.677 45.189 37.100
Privada não conveniada sem fins lucrativos 153 97 108 54 27
Privada não conveniada com fins lucrativos 221 177 42 89 180
Privada não conveniada com fins lucrativos 339 368 322 340 270
Privada conveniada com fins lucrativos 0 3 27 0 0
TOTAL 99.087 138.640 146.579 92.565 75.648
Fonte: elaborado pelo Laboratório de Dados Educacionais, a partir dos microdados do
Censo Escolar/INEP (2016-2020).

166
A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO PIAUÍ: REAFIRMAÇÃO
DA NEGAÇÃO DO DIREITO DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS NO BRASIL

Os dados do Quadro 2 informam que as matrículas de EJA no


Estado do Piauí saíram, em 2016, de 99.087 matrículas, para 75.648,
em 2020, atingindo seu ápice, em 2018, com um total de 146.579 de
alunos matriculados no ensino fundamental; possivelmente fruto da
campanha de busca ativa realizada pela Secretaria Estadual de Edu-
cação (SEDUC – PI), cujo objetivo era atender duzentos mil alunos na
educação de jovens e adultos (PIAUÍ, 2018). Essa ação corrobora para
que a rede estadual ensino a se mantenha como a maior responsável
pelas matrículas dessa modalidade no Estado ao longo da história
Destacamos que a inciativa da busca ativa escolar na EJA, é
uma das estratégias dos Planos de Educação. Os números do Quadro
2, revelam que essa ação quando executada com efetividade abrem
vias democráticas para o acesso dos cidadãos não escolarizados
que estão fora da escola e que passam a ter seu direito assistido.
Contudo, na rede estadual de ensino houve uma redução sig-
nificativa no número de matrículas (61.332) entre os anos de 2018 a
2020, a maior redução nesse período foi de 52.507 matrículas (2018-
2019), demonstrando uma queda superior ao período pandêmico
que foi de 8.827 matrículas, em 2020; evidenciando que, embora o
período da covid19 tenha dificultado o acesso e a permanência no
processo de escolarização do público de EJA, a drástica redução no
número de matrículas, tem como um dos fatores a descontinuidade e
a ausência de políticas de inclusão de alunos dentro da escola.
Diferentemente da importante redução no número de ma-
trículas da rede estadual de educação, nas redes municipais houve
uma certa regularidade na quantidade de alunos atendidos além de
um acréscimo de 1.101 matrículas no período pesquisado. Pontuamos
que esse crescimento é ínfimo diante da necessidade de escolariza-
ção da população jovem e adulta nos municípios piauienses, o que
demanda mais ações que garantam a ampliação do direito à EJA. As
matrículas na rede privada, nos três tipos encontrados representa-
ram uma pequena parcela das matrículas em EJA no Piauí.

167
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

O atendimento do público da EJA na última etapa da educa-


ção básica também se centrou na rede estadual de educação como
demonstra o Quadro 3, a seguir:

Quadro 3- Número de matrículas, EJA - ensino médio, por dependência administrativa–


Piauí (2016-2020)
Dependência administrativa 2016 2017 2018 2019 2020
Federal 11 65 0 0 7
Estadual 27.837 30.486 32.303 30.185 25.996
Municipal 212 273 328 241 194
Privada não conveniada sem fins 259 280 117 77 70
lucrativos
Privada não conveniada com fins 311 320 284 347 134
lucrativos
Privada conveniada com fins lucra- 0 21 4 0 0
tivos
TOTAL 28.630 31.445 33.036 30.850 26.401
Fonte: elaborado pelo Laboratório de Dados Educacionais, a partir dos microdados do
Censo Escolar/INEP (2016-2020).

De acordo com as informações contidas no Quadro 3, obser-


vamos que a rede federal apresentou uma inexpressiva quantidade de
matrículas no período em análise, chegando a zerar seu atendimento
nos anos de 2018 e 2019 – reflexo da desvalorização da modalidade
nessa dependência administrativo, dificultando o cumprimento da
meta 10, do Plano Nacional de Educação (2014-2024), que trata da
EJA integrada à Educação Profissional. A rede estadual piauiense
concentra uma quantidade maior de matrícula, com momentos de
oscilação que vem acontecendo em toda a série histórica em análise.
Embora a LDB em seu art. 10, inciso VI, preconiza que a obriga-
toriedade da oferta de EJA no Ensino Médio seja de responsabilidade
do Estado, os dados apresentados no Quadro 3, demonstraram que
as redes municipais tiveram participação no atendimento ao público
de EJA nessa etapa da Educação Básica.
A redução do número de matrículas de EJA no Estado do
Piauí, conforme discutido anteriormente, resultou no fechamento de

168
A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO PIAUÍ: REAFIRMAÇÃO
DA NEGAÇÃO DO DIREITO DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS NO BRASIL

escolas ao longo do período em análise. Segundo informações do La-


boratório de dados educacionais da Universidade Federal do Paraná
(UFPR), em 2016, existiam no Estado 1.284 escolas que atendiam a
modalidade e, em 2020, 1.061, o que representa uma redução de 123
unidades de ensino que deixaram de ofertar a EJA.
Ao compararmos a redução do número de matriculas entre
2018 e 2019 com o fechamento de escolas de EJA no mesmo período,
verifica-se um processo de reafirmação da negação do direito à edu-
cação ainda mais acentuado nesse período. Esse cenário coincide,
com o período de austeridade política vivenciada no País e que
impactou diretamente a modalidade. Essa irresponsabilidade com a
garantia de direitos de direitos por parte do Estado brasileiro reforça
e legitima a não vinculação da educação como tempo de direitos.
Nessa perspectiva, a EJA é condicionada ao não conhecimento de
seus educandos e seus educadores como sujeitos do direito e pro-
fissionais da garantia de direito (ARROYO, 2017). Essa realidade da
negação do direito a EJA por meio do fechamento de escolas, pode
ser observada no Quadro 5, a seguir:

Quadro 5 – Quantidade de escolas com atendimento EJA, por dependência


administrativa (2016-2020)
Dependência Admistrativa 2016 2017 2018 2019 2020
Federal 5 6 6 3 2
Estadual 442 434 426 415 390
Municipal 827 911 876 808 661
Privada 10 8 7 5 8
Total 1.284 1.359 1.314 1.231 1.061
Fonte: Laboratório de Dados Educacionais (2016-2020).

Os dados do quadro 5, demonstram ainda que, mesmo com o


aumento do número de matriculas vivenciado na rede estadual de en-
sino, em 2018, o processo de fechamento das escolas que atendem o
público de EJA teve continuidade. No que refere as redes municipais,
84 novas escolas passaram a ofertar a modalidade de ensino entre os

169
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

anos de 2016 e 2017. Contudo, observou-se uma queda significativa


(250 escolas), nos anos seguintes.
A redução da quantidade de escolas que possibilitaria a ga-
rantia do direito a EJA a para aqueles que não tiveram acesso e/ou
não completaram seu processo de escolarização, tem como um dos
elementos a falta de políticas públicas para EJA; situação reiterada
pela nova gestão presidencial (2019-Atualmente), discutido ante-
riormente. Essa realidade corrobora com o pensamento de Moura
(2003), no qual afirma que, ao longo da história da EJA no Brasil, houve
interrupções constantes que promovem a manutenção do projeto de
Nação que o Estado Capitalista deseja para sua população jovem e
adulta não escolarizada.
A negação do direto ao acesso à EJA no Piauí fica mais evidente
quando na comparação entre a quantidade de escolas que ofertam a
modalidade por área e localidade, conforme o Quadro 6, a seguir:

Quadro 6 – Escolas com atendimento de EJA, por área e localidade (2016-2020)


Área da localidade 2016 2017 2018 2019 2020
Urbana 740 732 720 699 650
Rural sem especificação 482 573 534 472 363
Rural - Área de assentamento 39 34 30 35 31
Rural - Terra indígena 0 1 0 0 0
Rural - Área remanescente de qui- 13 11 20 25 17
lombos
Rural - Unidade de uso sustentável 5 5 4 0 0
Total 1.279 1.359 1.308 1.231 1.061
Fonte: Laboratório de Dados Educacionais (2016-2020).

As informações contidas no Quadro 6, mostram que os terri-


tórios de ofertas da Educação de Jovens e Adultos do Estado do Piauí
tem uma clara disposição de oferta centrada no perímetro urbano,
sendo a zona rural relegada a uma condição inferior. A despeito dessa
questão, Arrayo (2017) afirma que as iniciativas de EJA tem endereço
social certo. “Os trabalhadores empobrecidos, populares, negros,

170
A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO PIAUÍ: REAFIRMAÇÃO
DA NEGAÇÃO DO DIREITO DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS NO BRASIL

das periferias e dos campos, pensados e inferiorizados como sem


direitos a ter direitos” (p.105).
Nessa direção, observamos ainda que a redução na quanti-
dade do número de escolas que realizavam o atendimento de EJA
na zona urbana foi de 90 estabelecimentos de ensino, enquanto que,
na zona rural (Área de assentamento/terra indígena/áreas remanes-
centes de quilombolas/ unidade de uso sustentável), esse número
atingiu 128 escolas, bastante superior ao perímetro urbano. Todavia,
vale destacar que, na zona rural, entre os anos de 2016 e 2017, houve
um crescimento importante de 91 unidades de ensino que passaram
a ofertar a modalidade, o que demanda um estudo especifico para
identificar as possíveis causas desse aumento, o que não foi objetivo
desse trabalho.
Outra analise relevante a ser discutida diz respeito a territo-
rialidade étnica e das áreas de assentamentos, que mesmo com uma
menor quantidade de redução do número de escolas (8), mantiveram
uma estabilidade no funcionamento dessas unidades de ensino du-
rante a série história. Segundo Streck (2013), as relações de interesses
sociais que se estabelecem em um determinado espaço nos levam a
refletir sobre a territorialidade e a inquestionável política do espaço e
de disputa para a manutenção das hegemonias ou possibilidade de
transformação sociais.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As políticas neoliberais implementas no Brasil a partir da déca-


da de 1990 concebem a educação num viés mercadológico, voltada
para a profissionalização e a certificação para atender o mercado de
trabalho, desconsiderando a real função da educação que é, além de
repassar de geração em geração o saber historicamente construído,
contribuir para formação e emancipação do ser humano. Outro aspec-
to de relevância para destacar foi o aumento no número de demarca-
dores legais para a implementação de políticas públicas voltadas para

171
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

a EJA, embora não tendo o suficiente para a efetivação do acesso ao


direito a educação com qualidade para o público da modalidade.
A Emenda Constitucional Nº 095 e o impeachment da Presi-
denta Dilma Roussef, foram fatos históricos que contribuíram para o
desmonte de setores do Ministério da Educação e de Órgãos Cole-
giados como a Câmara Nacional de EJA-CNAEJA e a SECADI-MEC,
que favoreciam a modalidade com o planejamento e execução de
políticas públicas voltadas para a EJA.
A análise dos dados revela que a EJA no Piauí tem sido um
retrato da situação nacional, que é de desmonte e reafirmação da
negação do direito, pois a redução nas matrículas e do atendimento
por escolas desvela que as condições oferecidas aos estudantes não
garantem o acesso, a permanência e uma educação de qualidade
– elementos indispensáveis que compõem o direito à educação-
perpetuando com isso, a política de exclusão. Os dados confirmam
que iniciativas como a busca ativa escolar é uma ação que contribui
significativamente para o aumento do número de matrículas em EJA,
oportunizando o acesso ao processo educacional a um maior número
de sujeitos que compõem o público de EJA.
Por fim, a implementação de leis e políticas que preconizam
a educação como direito de todos, inclusive para aqueles que não
tiveram acesso ou não puderam, por diversos motivos, completar
seu processo de escolarização, por se só, não garantem o acesso e
permanecia a uma educação de qualidade por parte daqueles que
não concluíram seus estudos e/ou estão fora do sistema educacional,
o que demanda do poder público maiores esforços para garantir a
efetivação do direito a educação para esses sujeitos.

REFERÊNCIAS

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o Projovem como negação da formação humana. São Paulo: Instituto Lukács,
2018.

172
A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO PIAUÍ: REAFIRMAÇÃO
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176
AS LUTAS EM DEFESA
DA EDUCAÇÃO NA REFORMA AGRÁRIA:
trajetória histórica dos movimentos
sociais no Brasil

Lorena Raquel de Alencar Sales de Morais


Maria Clara de Sousa Costa
Marli Clementino Gonçalves

1 INTRODUÇÃO

A história do Brasil é marcada por um processo de dominação


social, política econômica e cultural, caracterizada pela exclusão e
por múltiplas injustiças sociais. Nesse contexto, manifestaram-se
intensas lutas sociais, favorecendo a insegurança dos movimentos
sociais na busca de transformações na realidade vivenciada pela
maioria da população excluída e marginalizada. Assim, os movimentos
sociais emergem como sujeitos coletivos que se organizam por meio
de lutas e demandas socais desveladas no processo de organização,
mobilização e pressão da sociedade (GOHN, 1997).
Segundo Gohn (1997), para analisar os movimentos sociais,
é necessário compreendê-los enquanto processos de lutas sociais
voltados para a mudança das condições existentes na realidade so-
cial que, por sua vez, contém limitações econômicas e/ou opressão
sociopolítica e cultural, as quais ditam regras para controle das ações
e dos mecanismos de formação dos sujeitos sociais. Portanto, tra-
ta-se de um processo de luta histórica das camadas sociais que se
encontram em situação de dominação e subordinação, procurando
nas revoluções o ponto que desencadeará a ruptura da “ordem” do-
minante e da hegemonia do poder das elites, por meio do confronto
das forças sociopolíticas em luta.

177
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

Na construção histórica das lutas populares no Brasil, po-


demos destacar, a princípio, o movimento indígena que, no período
colonial, lutava (e ainda hoje o faz) para manter-se em seu território,
na terra em que desde o início habitavam e integravam como parte
da construção sociocultural. Também o movimento em torno da
liberdade dos negros escravizados, que fortaleceu a construção de
quilombos como refúgio para combater a ordem da exploração do
trabalho escravo durante muitos séculos no Brasil.
Corolário desse processo de lutas, as ligas camponeses per-
ceberam as estratégias de dominação utilizada por parte das elites
brasileiras, em relação ao poder político e econômico, então busca-
ram ganhar mais espaços de participação em relação às condições
de vida de homens e mulheres camponesas.
Este texto analisa, ainda que suscintamente, a trajetória dos
movimentos sociais no Brasil, evidenciando, em forma de síntese,
aqueles voltados às necessidades e à realidade dos povos do campo,
sobretudo à atuação do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem
Terra (MST), em âmbito nacional e no estado do Piauí.
Os procedimentos metodológicos adotados foram a revisão
bibliográfica sobre a temática que, de acordo com Gil (1999, p. 59-60),
deve conter os seguintes procedimentos: levantamento bibliográfico
preliminar; busca das fontes; leitura do material; redação do texto. A
orientação metológica do autor foi assim estabelecida, considerando
o percurso para alcançar o objetivo proposto.
Nessa perspectiva, o artigo divide-se em três seções: Trajetó-
ria de luta dos movimentos sociais do campo no Brasil; MST: origem,
atuação e luta pela educação; A atuação do MST no Piauí; e as pers-
pectivas de lutas no campo.

178
AS LUTAS EM DEFESA DA EDUCAÇÃO NA REFORMA AGRÁRIA:
TRAJETÓRIA HISTÓRICA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL

2 TRAJETÓRIA DE LUTA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS DO CAMPO


NO BRASIL

Em consonância com Ghedini (2007), historicamente, no Bra-


sil, é possível conceber que as lutas e resistências dos movimentos
sociais do campo foram marcados por duas demandas, a saber: o
acesso à terra; e o acesso às condições de trabalho na terra. Essas
duas questões são pautas integrantes da organização de movimen-
tos como o MST. Assim, o acesso à terra e às dimensões ligadas ao
trabalho na terra confere uma identidade aos trabalhadores, de onde
se organizam em lutas como Movimento dos Posseiros, Luta dos
Foreiros, Movimento dos Sem-Terra, entre outros.
A subordinação social, econômica e política dos camponeses
em relação aos proprietários de terra é resultado da parceria entre
Estado e latifundiáriios, que construíram barreiras para dificultar o
acesso, a posse e o uso da terra no Brasil. Desde o período colo-
nial, é possível detectar estratégias adotadas por parte da elite que
representava a oligarquia rural, em parceria com Estado. A título de
exemplo, apontamos o trabalho escravo, que se arrastou até o século
XIX; a lógica das sesmarias para a divisão de terra em capitanias
hereditárias; a Lei da terra, de 1850, em meados do século XIX, que
tornava obrigatória a posse das terras por meio da compra, ou seja,
quem não tivesse condições de as comprar não as possuiria, deixan-
do grande parcela dos camponeses de fora do acesso à terra.
A estratégia de articulação das elites resultou na redefinição
das condições de existência dos camponeses, fortalecendo a lógica
da mão de obra explorada, pois mesmo deixando de ser escrava, o
seu detentor não perdeu a condição de explorado pelo trabalho, sem
as condições necessárias ao trabalho e à subsistência no campo.
Vendo-se à mercê da sociedade, sem acesso e posse da terra, o
camponês é obrigado a vender sua mão de obra, barata, explorada.
Marques (2003) contribui com essa assertiva ao afirmar que

179
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

somente no contexto de crise do trabalho escravo e com


a necessidade de se assegurar uma oferta de mão de
obra livre, é que foi promulgada a Lei de Terras em 1850,
proibindo a aquisição de terras devolutas por outro meio
que não a compra. São, assim, redefinidas as condições
de existência do campesinato, que, a partir daí fica impe-
dido formalmente de se estabelecer na terra por meio da
posse. Inaugura-se a forma de propriedade capitalista da
terra, instituindo-se o conflito entre esta e a territoriali-
dade camponesa. (MARQUES, 2003, p. 184).

A partir das condições camponesas visivelmente ameaçadas,


criam-se subterfúgios duas opções: migrar para outras áreas; ou re-
sistir a essas condições, por meio da luta. Por cúmulo, essa dualidade
e contradição na vida do camponês tonifica o conflito da luta pela
terra como pauta para a organização dos movimentos sociais.
Entre as décadas de 1930 a 1950, assistiu-se à organização dos
movimentos socais fortalecendo um cenário marcado por grandes
lutas por políticas públicas e transformações sociais, almejando não
apenas o acesso à terra, mas um novo conceito de reforma agrária
como principal bandeira de luta, transcendendo o direito à moradia
e perpassando todas as condições necessárias para a qualidade de
vida dos camponeses da época.
Nesse período, surgiram alguns movimentos sociais importan-
tes em meio a grandes tensões políticas e ideológicas, influenciadas,
principalmente, pelo cenário político internacional de disputas, seja
pelos problemas gerados pela Primeira Guerra Mundial ou pelos
conflitos vivenciados entre dois blocos de países mundialmente divi-
didos entre capitalismo e comunismo. Ademais, esse foi um período
marcado pela ascensão de forças conservadoras, representada prin-
cipalmente pelo nazismo alemão e fascismo italiano, que combatiam
violentamente a diversidade cultural no mundo. As forças conser-
vadoras demostraram ainda mais a necessidade e ascenso que as
lutas, sobretudo no campo, estavam ganhando no combate às forças
hegemônicas que se fortaleciam a cada ação exercida, tonificando,
inclusive, o caminho que levasse, no Brasil e no mundo, à reforma

180
AS LUTAS EM DEFESA DA EDUCAÇÃO NA REFORMA AGRÁRIA:
TRAJETÓRIA HISTÓRICA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL

agrária e às políticas agrárias capazes de garantir as condições ne-


cessárias aos povos do campo e das cidades (MEDEIROS, 1989).
A industrialização, que já dava seus primeiros passos no início
do século XX, firmou-se na década de 1930 com incentivo do Estado,
e nos anos 1950, potencializou-se, ganhando mais articulações dian-
te das decisões políticas e econômicas. O processo de urbanização
também se intensificou nesse período, tendo em vista que os incha-
ços nas cidades é uma consequência do fortalecimento da indústria
que, por ter como absorver mão de obra nas fábricas, vendia a ideia
de que a vida na zona urbana seria próspera e feliz. Isso posto, novos
grupos sociais marginalizados nas grandes cidades e outros interes-
ses edificaram-se, gerando novas necessidades nesse segmento. Por
conseguinte, cortiços, favelas e vilas transformaram-se no fenômeno
da febre industrial que trouxe uma multidão às cidades, exigindo mais
assistência social, mais políticas públicas e direitos à população, que
crescia a cada novo alvorecer (MEDEIROS, 1989).
O crescimento desenfreado, causado pelo processo de in-
dustrialização e urbanização, encontra um obstáculo, pois a agricul-
tura não acompanhou o desenvolvimento das zonas urbanas. Nesse
cenário, a produção de alimentos era predominantemente voltada à
exportação, e somente os pequenos produtores produziam alimen-
tos para o mercado interno, não conseguido abastecer a população
interna. Logo, o desequilíbrio entre a agricultura e a indústria reforçou
a estratégia de extensão das atividades agrícolas mais primitivas no
País, pois a pequena produção de alimentos no campo já não satisfa-
zia à demanda da sociedade, fortalecendo a ideia de grandes produ-
ções de alimento associada à economia interna, à industrialização, ao
comércio e ao lucro, especialmente do agronegócio. Constituiu-se,
dessa forma, “certa unanimidade quer entre intelectuais, quer entre
forças políticas sobre a necessidade de eliminar o ‘atraso’ que reinava
no campo.” (MEDEIROS, 1989, p. 17).
Nesse processo de industrialização no Brasil, nas primeiras
décadas do século XX, podemos ressair o movimento operário in-

181
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

fluenciado pelo pensamento marxista e pelas ideias revolucionárias


que se espalharam pela Europa, no século XIX, buscando fatores
geradores de consciência social. Tais ideias chegaram ao Brasil via
partido comunista e influenciaram também a organização política
dos trabalhadores rurais no Brasil.
Em conformidade com Gohn (1997, p. 172), o conflito existente
entre capital e trabalho produz a luta de classes, daí temos a classe
operária industrial, que priorizou o processo de luta social, organi-
zando-se em movimento operário. Tais movimentos, junto com o
partido político de esquerda, buscariam transformar a sociedade das
desigualdades sociais sem opressão ou oprimidos. O enfoque dado à
classe operária está pautado no papel que ela exerce no processo de
produção e nas próprias contradições sociais do capitalismo, ou seja,
a classe operária seria principal agente para o novo devir histórico,
por representar a negação de seu oponente básico: a burguesia.
Assim, a articulação dos interesses da burguesia industrial e da
oligarquia rural em relação ao fenômeno do crescimento populacional
acelerou-se em diversas partes do Brasil, trazendo consigo revoltas,
em virtude das precárias condições existenciais da classe trabalhado-
ra, que passava a se organizar pleiteando direitos alusivos ao trabalho.
Em meio aos conflitos que se expandiram em todo o País,
surgem no campo movimentos que igualmente passaram a questio-
nar as condições de trabalho dos camponeses, pois a chegada do
processo de industrialização ali motivou muitos desempregados a
se questionarem sobre direitos sociais. Paralelamente aos conflitos
de terra e salariais que emergiram nos diversos pontos do País, em
Pernambuco, destacaram-se as Ligas Camponesas.
Nesse contexto, a década de 1950 foi marcada por profundas
transformações nas relações de trabalho, sobretudo pelas lutas so-
ciais no Nordeste brasileiro. De acordo com Medeiros (1989), tais mu-
danças são caracterizadas pela morada e pelo aforamento de terras,
ou seja, o “direito de gozo perpétuo de imóvel mediante a obrigação
de não o deteriorar e de pagar um foro anual, certo e invariável”.

182
AS LUTAS EM DEFESA DA EDUCAÇÃO NA REFORMA AGRÁRIA:
TRAJETÓRIA HISTÓRICA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL

Com o rompimento das relações de trabalho, com a não


concessão de terras voltadas ao plantio do trabalhador (sítio) ou
pelo aumento abusivo do foro, ampliaram-se os conflitos na região.
Ainda segundo o referido autor, o primeiro conflito relacionado ao
surgimento das ligas ocorreu no engenho Galileia, em Vitória de Santo
Antão, Pernambuco, em 1955, que também visava à defesa de alguns
foreiros ameaçados de despejo (MEDEIROS, 1989).
No Rio Grande do Sul surgiu, no fim dos anos 1950, os acampa-
mentos de trabalhadores sem-terra, o que resultou na constituição
do Movimento dos Agricultores Sem Terra (Master), com o intuito de
institucionalizar ações de utilidade pública direcionadas aos povos
do campo, especialmente no que tange ao acesso à terra no estado.
Ainda nesse período, criou-se o Instituto Gaúcho de Reforma Agrária
(Igra), para auxiliar o processo institucional de lutas na criação de
núcleos para a instalação dos sem-terra (MEDEIROS, 1989).
Influenciados pelo debate da Conferência Internacional de Tra-
balhadores Agrícolas, ocorrido em 1953, na cidade de Viena, o Partido
Comunista Brasileiro (PCB) agiu no sentido de eleger os representan-
tes do Brasil e fazer uma pauta de reivindicações para participarem
da conferência, resultando no I Encontro Nacional dos Trabalhadores
Agrícolas, realizado em setembro de 1953, em São Paulo e no Recife,
reunindo, simultaneamente, os estados do Centro-Sul, Norte e Nor-
deste. Outro acontecimento histórico marcante na construção dos
movimentos sociais do campo foi a fundação da União dos Lavradores
e Trabalhadores Agrícolas do Brasil (Ultab), em 1954, quando os orga-
nizadores militaram em defesa dos camponeses e da organização de
associações e dos sindicatos em muitos estados do Brasil.
Nessa época, também aconteceu a II Conferência Nacional dos
Lavradores e Trabalhadores Agrícolas, em São Paulo, onde a luta pela
reforma agrária seria o caminho a ser trilhado pelos trabalhadores ru-
rais, passando a ver o latifúndio como adversário, pois era entendido
como “[...] expressão do atraso econômico, social e político e seus
aliados: as companhias imperialistas, “que monopolizam o comércio

183
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

dos principais produtos agrícolas e que dominam imensas áreas de


terra no país”(MEDEIROS, 1989, p. 33).
A legalização dos sindicatos de trabalhadores rurais, na
década de 1960, permitiu a tímida, porém relevante, participação
dos movimentos sociais nas decisões políticas do País, a partir da
formalização do PCB. Outra força emergente nas pautas de políticas
agrárias é “no Rio Grande do Sul nos anos 1960, com o Movimento
dos Agricultores Sem Terra (Master). Este movimento tinha como
principal reivindicação ‘terra para quem nela trabalha’” (MARQUES,
2004, p. 189).
Nesse processo de organização dos movimentos sociais, o
latifúndio passa a ser reputado como o principal inimigo a ser com-
batido nas lutas e reivindicações da classe trabalhadora do campo,
tendo em vista que o monopólio da terra denotava o principal desafio
para a superação da pobreza no campo, daí porque era sinônimo de
atraso econômico, social e político.
A reforma agrária passa a ser vista, então, como horizonte de
luta dos camponeses, pois por meio dela se teria acesso à terra, pas-
sando a ressignificar socialmente e politicamente a luta camponesa
no Brasil. A partir desse encontro, foram elaboradas reivindicações
gerais a fim de unificar estrategicamente a diversidade dos movi-
mentos que surgiam na época. Por conseguinte, criou-se um plano
organizativo com elemento inovador, que foi a criação de uma enti-
dade para exercer nacionalmente o papel de força combinatória, com
o direcionamento das lutas, que foi a Ultab, a qual “ [...] representava
um esforço do PCB de encaminhar, de acordo com seus objetivos
estratégicos e táticos, as lutas que brotavam aqui e ali.” (MEDEIROS,
1989, p. 34).
Por sua vez, o Movimento de Educação de Base (Meb) foi
igualmente importante e surgiu em 1961, com foco na alfabetização,
tendo em vista a conscientização e organização dos trabalhadores,
contribuindo no fortalecimento das lutas sociais e na organização
dos movimentos no campo, bem como com a reforma agrária no País.

184
AS LUTAS EM DEFESA DA EDUCAÇÃO NA REFORMA AGRÁRIA:
TRAJETÓRIA HISTÓRICA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL

Esse movimento contava com o apoio do governo João Goulart, que


se mostrava interessado pelos movimentos de reforma agrária, por-
quanto estava ligado às ideias progressistas que a concebiam como
algo essencial para a completa modernização do País.
O MEB surgiu a partir de escolas radiofônicas que recebiam
orientações da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
para apoiar o processo de formação política dos trabalhadores, por
meio da sindicalização em diversos pontos do País, com orientação
na perspectiva de sindicalismo cristão que se distancia da conce-
pção política, econômica e social das lutas de classe, defendendo
os direitos dos trabalhadores e uma reforma agrária com base na
propriedade familiar, que estrategicamente tinha como objetivo prin-
cipal o combate ao comunismo (MEDEIROS, 1989).
Apesar do crescente fortalecimento dos movimentos sociais
nesse período da década de 1960, eles começaram a ser penalizados
por serem comparados com a revolução cubana e as ideias marxis-
tas, daí o Estado adotou medidas que dificultaram a organização dos
trabalhadores e reforçaram a política de colonização.
Após alcançados os avanços dos movimentos sociais do campo,
a partir da década de 1950, com a legalização do sindicato, a organiza-
ção de acampamentos, as propostas de reforma agrária por parte dos
governos, a criação de órgãos institucionais responsáveis pela melhoria
nas condições de vida no campo, as ideias de transformar conflitos em
espaços de decisões e força política ganhou força, de modo que o golpe
militar foi utilizado como subterfúgio para estagnar esse fortalecimento
vindo dos movimentos sociais e da classe trabalhadora.
Ainda nesse clima de fortalecimento dos movimentos sociais
antes do golpe militar, uma das conquistas relevantes foi a criação da
Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (Contag),
resultado de muitos encontros e discussões a respeito da sindica-
lização no campo, em janeiro de 1964, assumindo os compromissos
públicos “[...] da luta pelo reforço e ampliação dos sindicatos, bem
como da unidade do movimento.” (MEDEIROS, 1989, p. 78).

185
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

No entanto, dois meses após a criação da Contag, veio o


golpe militar, que resultou no fechamento de sindicatos, na prisão e
perseguição das lideranças políticas e no enfraquecimento das lutas
trabalhadoras e do sindicalismo rural (MEDEIROS, 1989).
O regime militar instituído a partir de 1964, caracterizado como
um período obscuro, retrógrado e violento – que se estendeu até me-
ados dos anos 1985 – ensejou mudanças e consequências danosas à
construção da identidade camponesa e, consequentemente, da luta e
do horizonte de esperanças por acesso à terra. Após a tomada de poder,
os militares ratificam mais uma vez a estratégia de combate a mudanças
na estrutura fundiária do Brasil, de modo que as decisões políticas e
econômicas do País ficam novamente nas mãos das elites brasileiras.
Foi um período de muita repressão aos movimentos que até o
início da década de 1960, estavam em grande desenvolvimento, com
a ampliação de forças nas pautas reivindicadas, nomeadamente no
tocante ao acesso à terra. Entrementes, as injúrias e pressões aos
movimentos sociais na época buscavam fazer “[...] de forma pública e
aberta que estas manifestações fossem diminuindo e mesmo desa-
parecendo juntamente com as entidades criadas pelos camponeses”
(GHEDINI, 2007, p. 51).
A forte penalização e o controle dos movimentos sociais en-
fraqueceram suas ações, nas ideias de Ghedini (2007, p. 52), para
quem o “silêncio imposto pelo golpe militar resultou em um crescen-
te aumento da violência, da expulsão da terra e da expropriação do
trabalho dos camponeses” pois os “proprietários podiam agir livre e
impunemente, beneficiados também pela censura à imprensa”.
Foi com o Ato Institucional nº 5, em 1968, que a violência
acentuada contra os movimentos sociais e as forças contrárias ao
regime ganhou maior fôlego. Fecharam-se, então, os espaços para
manifestação das diversas forças sociais, dando ênfase às ações que
levariam a política econômica ao chamado “milagre brasileiro”.
Na época, concebeu-se um rápido crescimento econômico
baseado na concentração de capitais e de renda, desde o nível pessoal

186
AS LUTAS EM DEFESA DA EDUCAÇÃO NA REFORMA AGRÁRIA:
TRAJETÓRIA HISTÓRICA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL

ao regional, segregando ainda mais as Regiões do Brasil, uma vez que se


deu preferência ao Sul, sugestionando que o Norte e o Nordeste eram
formados de sujeitos ignorantes, toscos, sem futuro, sem renda, sem
produção, ou seja, os povos camponeses foram mais estigmatizados.
Ao mesmo tempo em que a repressão no período da ditadura
militar enfraqueceu as pautas das reivindicações para melhores
condições de vida no campo, por parte das mobilizações sociais,
assistiu-se ao revigoramento dos movimentos sociais no decorrer da
década de 1970, em um contexto histórico vinculado às diversas lutas
existentes no período, a exemplo de greves operárias e lutas contra
as ideologias conservadoras pregadas pelo militarismo da época.
Portanto, o “movimento pela Reforma Agrária não é resultado apenas
da vontade dos camponeses, mas associa-se ao ressurgimento das
greves operárias e à luta contra o regime militar”, ou seja, “está arti-
culado a um processo mais amplo de luta pela democratização da
sociedade” (GHEDINI, 2007, p. 53).
Na contramão da repressão e do extermínio dos espaços de
luta, criam-se outros movimentos intentando, em meio ao regime
autoritário e violento, criar alternativas de luta pela reforma agrária
no Brasil. A propósito, a Comissão Pastoral da Terra (CPT), criada
em 1975, passou a promover encontros das lideranças e dos vários
grupos que influíam nas lutas da reforma agrária, nas regiões e nos
estados. Seu surgimento está relacionado aos efeitos da política
de ocupação da Amazônia, investida pelos governos militares, e da
repercussão da carta pastoral de D. Pedro Casaldáliga, que explicita
a participação da igreja em conflitos com o latifúndio, passando a
dar apoio a posseiros, indígenas, peões e outros marginalizados. Na
época, o documento foi visto como denúncia da realidade, e a ação
da igreja na região foi cruelmente reprimida (MEDEIROS, 1989).
A CPT foi uma entidade de apoio às lutas dos trabalhadores,
caracterizando-se pelo trabalho de articulação e assessoria no em-
bate dos camponeses, elaborando ações em um eixo de trabalho
com apoio aos movimentos e às organizações populares. Sua ativi-

187
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

dade era voltada ao suporte à formação dos camponeses visando


à organização popular, perpassando as práticas sindicais concretas.
Dessa forma, a CPT, por ser vinculada à CNBB, pôde tirar proveito do
prestígio da igreja para conseguir representação para canal de de-
núncia da violência, em um período de intensa repressão, passando a
adquirir relevância na formação da consciência nacional voltada aos
problemas que revestiam o campo (MEDEIROS, 1989).
O conjunto de ações e mobilizações que davam voz e vez aos
movimentos sociais do campo ganharam espaço, em meio ao enfra-
quecimento e esgotamento das estratégias advindas da elite rural
em parceria com os militares, resultando no Encontro Nacional de
Agricultores, em janeiro de 1984, na cidade de Cascavel – PR, quando
se oficializou o surgimento do MST, enaltecendo a identidade deno-
minada então como “Sem Terra”. (GHEDINI, 2007).
O MST foi sendo construído aos poucos, nas lutas, como um
grupo organizado que buscavam maiores transformações por inter-
médio da reforma agrária. Para Marques (2003, p. 190), “[...]A CPT tem
um papel decisivo na gênese do MST, tanto por seu trabalho de cons-
cientização junto aos camponeses, como por promover a articulação
inicial das lutas empreendidas em diferentes pontos do país.”
O MST estrutura-se como organização em 1984, dando o
primeiro passo no sentido de sua consolidação como movimento
social autônomo. Não obstante, foi a partir dos anos 1990 que atingiu
uma efetiva dimensão nacional, mediante articulação com outros
movimentos, passando a ver na luta por acesso à terra a ponte para
outros direitos fundamentais, como a educação. Na esperança por
uma nova república, agora em processo de redemocratização, com a
Constituição de 1988, contraditoriamente, acirra os conflitos entre os
movimentos sociais do campo e os latifundiários, e nesse antagonis-
mo social, ambos se fortalecem (MARQUES, 2003).
No decorrer desse período, depreendem-se os motivos que
tencionam os avanços da luta pela reforma agrária. Dentre eles,
salientamos o “acúmulo de desempregados disfarçados ou mão de

188
AS LUTAS EM DEFESA DA EDUCAÇÃO NA REFORMA AGRÁRIA:
TRAJETÓRIA HISTÓRICA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL

obra excedente no âmbito da produção agrícola familiar e de traba-


lhadores sem-terra e sem função econômica nas vilas e pequenas
cidades” (MARQUES, 2003, p. 192).
Tais questões geram o aumento das tensões sociais no campo
e o avanço da luta pela reforma agrária. O MST passa a preocupar-se
com pautas que transcendem o acesso à terra, pois percebe que
somente o acesso a ela não facultaria mudanças estruturais nas con-
dições de vidas dos camponeses. Dessa forma, o movimento passou
a lutar também por educação, formação dos camponeses, saúde,
equidade de gêneros, agroecologia, entre outros temas relevantes
para a construção de outro projeto de sociedade.
A partir de 1988, José Sarney tornou-se o primeiro presiden-
te após o processo de redemocratização do País, espelhando uma
possível mudança no tratamento até então dado à questão agrária.
Nesse processo de transformações políticas e sociais, instituiu-se o
Ministério da Reforma e Desenvolvimento Agrário (Mirad), organizado
com 17 “grupos de ação”, compostos por técnicos e com participa-
ção de um trabalhador rural ou pessoa diretamente ligada às suas
organizações, com o propósito de auxiliar na elaboração de um Plano
Nacional de Reforma Agrária, documento que foi anunciado no IV
Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais, cujos pontos princi-
pais eram: prioridade à reforma agrária por parte do governo; poten-
cializar o Estatuto da Terra (em sentido reformista); indenização das
terras desapropriadas de acordo com o valor declarado, para fins de
cobrança do imposto territorial rural; o programa básico do Plano era
o de assentamento; em quinze anos, assentar cerca de sete milhões
de trabalhadores rurais, entre outros (MEDEIROS, 1989).
Apesar de ancorado em uma lógica reformista, a elaboração
desse plano trouxe de volta a esperança para o camponês, trabalha-
dor rural, representando um rompimento com a política agrária dos
governos que antecederam, sobretudo, pela forma como foi gestada
e pelos princípios que guiaram a sua formulação – algo que fez re-
nascer a crença dos trabalhadores e do movimento sindical rural no
atendimento das velhas e repetidas reivindicações.

189
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

No entanto, para a decepção dos movimentos e dos campo-


neses, esse plano permaneceu no papel, visto que as forças contrárias
à reforma agrária ainda eram maiores (MIRALHA, 2006). Desse modo,
além de marcada por grandes conquistas por parte dos movimentos
sociais, a década de noventa também demonstra as contradições
existentes entre as lutas e as políticas públicas a que se submetem
os povos do campo.
Segundo Miralha (2006, p. 161), “[…] devido à pressão dos
movimentos sociais de luta pela terra [...]o governo federal, com a
presidência de Fernando Henrique Cardoso, começa a acelerar os
processos de desapropriação de terras e a intensificar a implantação
de assentamentos rurais.”
Os assentamentos implantados no governo Fernando Henri-
que Cardoso (FHC) evidenciaram carências relacionadas às condi-
ções dadas aos assentados quanto ao crédito fundiário, à extensão
rural, à educação, ao lazer e à saúde. Em relação à situação agrária do
Brasil, retomamos a esse ponto-chave que vai agregar novas pautas
ao MST e à luta social, a exemplo da formação dos agricultores e
agricultoras para melhor compreender as reivindicações realizadas
pelo movimento.
Nesse seguimento, Miralha (2006, p.161-163) afirma que “[...]
não se tem realizado reforma agrária no Brasil, mas sim, uma política
de distribuição de terras com pouca preocupação quanto ao futuro
do assentado na terra.”
Essa política de assentamentos rurais não favoreceu os povos
camponeses, pois a desapropriação de latifúndios para a realização
de assentamentos rurais, por meio da compra de terras pelo Esta-
do, com pagamento da dívida agrária, a preços que só interessam
aos grandes proprietários, “não é reforma agrária e sim um ‘negócio
agrário’”. (MIRALHA, 2006, p. 163).

190
AS LUTAS EM DEFESA DA EDUCAÇÃO NA REFORMA AGRÁRIA:
TRAJETÓRIA HISTÓRICA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL

3 MST: ORIGEM, ATUAÇÃO E LUTA PELA EDUCAÇÃO

A situação agrária do Brasil, caracterizada pelo monopólio e


pela extrema desigualdade social no campo, permitiu o surgimento
das lutas camponesas e a constituição de importantes movimentos de
massa, como o MST que, assim como outros movimentos sociais, re-
presenta a resistência e a luta contra a intensa concentração fundiária
e a exploração do trabalho, almejando conquistar melhores condições
de vida para os povos do campo, além de uma sociedade justa.
Assim, o MST torna-se grande protagonista nas lutas realiza-
das no processo de redemocratização da sociedade brasileira. Além
disso, considerando o fortalecimento do MST e a sua inserção cada
vez maior na população brasileira, depreende-se o aumento das
pressões sociais, por meio de ocupações e marchas, e a abertura de
novas mobilizações dentro dos movimentos evidencia a necessidade
de formação dos trabalhadores do campo.
Como destacado, após vinte anos de muita repressão – da di-
tadura civil-militar – o MST surge em parceria com outros movimentos
para reforçar pautas de luta, nomeadamente no campo, dando conti-
nuidade à luta pela reforma agrária, com atuação que oficialmente teve
seu início nos anos 1984, no Paraná, Região Sul do Brasil. Dessa forma,
encontramos um movimento que “[…]combina luta institucional e luta
direta e que, pela organicidade, reproduz a dinâmica que propõe para
as relações sociais.” (MEDEIROS, 2010, p. 67).
O MST realizou seu primeiro congresso em Curitiba, demons-
trando a sua amplitude e o seu fortalecimento em nível nacional. No
referido evento, reuniram-se cerca de 1.500 (mil e quinhentos) dele-
gados, representando 20 (vinte) estados. Segundo Medeiros (1989), a
maior representatividade era dos estados do Sul, e o primeiro congres-
so do movimento patenteou o rápido crescimento das organizações
dos sem terra. Nesse encontro, elaboraram-se blocos de resoluções,
a saber: os relacionados à demanda pela reforma agrária, sob controle
dos trabalhadores; desapropriação de terras com área acima de 500

191
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

hectares; distribuição imediata por parte dos estados e da União;


expropriação das terras das multinacionais; extinção do Estatuto da
Terra e criação de novas leis; ocupações de terras ociosas públicas
como caminho para a realização da reforma agrária, tonificando com o
lema“Terra não se ganha, se conquista (MEDEIROS, 1989).
O MST começa a preocupar-se com as condições básicas e
necessárias a serem materializadas por meio de políticas públicas
nos assentamentos da reforma agrária. Para ampliar suas pautas de
lutas, o movimento percebeu a importância do acesso à educação
para assentados, conscientizando-os da necessidade de mudan-
ças estruturais na sociedade, assim como do manejo na produção
agrícola, enquanto alternativas para o seu trabalho. Passou, então, a
buscar formação dos agricultores e agricultoras e contribuir decisi-
vamente na construção do movimento por uma educação do campo,
que ganhou respaldo ainda na década de 1990.
Com a preocupação do MST em relação à educação como
pauta de luta do movimento, surgiram momentos que ilustraram os
primeiros passos para a concretização dessa pauta, a partir do olhar
dado à escola dos assentamentos, que segundo Caldart (2012), são:
a luta pela escola na luta pela terra – nesse primeiro momento, as
famílias assentadas e acampadas começam a sentir a necessidade de
uma escola para seus filhos, e exigem como pata de luta a existência
da instituição escola nos assentamentos; a inserção da escola em uma
organização social de massa – ter uma escola somente não atendia a
todas as necessidades dos assentados; a escola do MST e a formação
dos sujeitos de um projeto popular de educação e de País – a edu-
cação, a instituição escola e o próprio movimento são vistos como um
conjunto de elementos pedagógicos na formação do sem-terra.
O modo de organização do MST, além de estar diretamente
pautado na mobilização dos trabalhadores e trabalhadoras, busca
transformar a realidade e garantir direitos sociais. Assim, organiza-se
nacionalmente, com a participação no Fórum Nacional da Reforma
Agrária, na coordenação dos movimentos sociais e de campanhas

192
AS LUTAS EM DEFESA DA EDUCAÇÃO NA REFORMA AGRÁRIA:
TRAJETÓRIA HISTÓRICA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL

permanentes ou conjunturais, internacionalmente integradas à Via


Campesina, que congrega os movimentos sociais do campo dos
cinco continentes (MST, 2014).
As principais bandeiras de luta do movimento são pensadas
em torno de um projeto social popular que envolve: a) reforma agrária
popular, para garantir acesso, posse e uso da terra a todos os que
trabalham nela; b) acesso à cultura, à educação, ao conhecimento e
à valorização dos saberes populares; c) o desenvolvimento, baseado
em uma economia que estimule a produção de bens, possibilitando a
eliminação da pobreza e da desigualdade social; d) o sistema político,
de modo que o Brasil crie e se utilize de maneira permanente de
mecanismos de participação e decisão direta da população nas di-
versas instâncias que envolvem a decisão do poder político e social;
e) soberania nacional e popular, reivindicando políticas e práticas dos
governantes, que possam garantir a plena soberania povo brasileiro
(MST, 2014).
Nessa perspectiva, o MST organiza suas ações a partir de três
objetivos principais: lutar pela terra; lutar pela reforma agrária; e lutar
por mudanças sociais no País. Assim, o movimento é comparado às
lutas existentes em vários países da América-Latina, em que “El Mst
y el Movimiento Zapatista son fruto de ese contexto histórico de
exclusión, caracterizado por asimetrías de un desarrollo económico y
de um proyecto de modernidad sumamente excluyentes.” (BARBOSA,
2015, p. 24).

En realidad, el desarrollo económico de Brasil se carac-


teriza, históricamente, por una profunda concentración
agraria que perdura hasta la actualidad. En razón de ella,
la histórica insurgencia campesina ha dejado su marca
e inspirado a aquellos que siguen resistiendo. Algunos
ejemplos de la denuncia histórica en contra del latifundio
de la tierra son el “Quilombo de los Palmares”, la “Guerra
de Canudos” y las “Ligas Campesinas”; todos ellos movi-
mentos que inspiraron fuertemente la lucha política del
Mst y que siguen nutriendo el debate político interno del

193
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

Movimiento con respecto a la cuestión de la tierra y la


reforma agraria. (BARBOSA, 2015, p. 74).

De acordo com as reflexões da susodita autora, o MST inspira-


-se nas lutas históricas travadas pelo povo do campo, representadas
pela resistência das ligas camponesas, dos sertanejos da Guerra de
Canudos, dentre outros que lutaram contra a exploração e a opres-
são, sobretudo na construção da identidade dos sem-terra, com o
horizonte de luta pela terra e da reforma agrária do País.
A contestação social em que simbolicamente o MST está
se tornando sinônimo tem adquirindo força “cultural e simbólica”,
porquanto suas ações se agarram nas questões que mexem com a
própria estrutura social de um País historicamente caracterizado pela
forte existência do latifúndio. Logo, suas ações são consideradas jus-
tas, pois não há “argumentos éticos contra a ideia de que a terra, bem
natural e carregado de uma simbologia quase mágica, deve estar nas
mãos de quem deseja trabalhar e a fará produtivamente, aplacando a
fome de milhões de pessoas” (CALDART, 2012, p. 22).
Existem, portanto, três grandes momentos da história do MST:
o primeiro representa a articulação e organização da luta pela terra,
com vistas à construção de um movimento de massa com caracte-
rísticas populares, de caráter nacional; o segundo está relacionado
ao processo de constituição do MST como organização social interna
do movimento de massas; e, por fim, o terceiro momento consiste
na inserção do movimento de massas e da organização social do
MST, lutando por um projeto renovador de desenvolvimento para o
Brasil. Cada uma dessas fases possui singularidades históricas, mas
desginam os sem-terra como os cultivadores e frutos da trajetória,
construindo sua identidade em cada um desses momentos (CAL-
DART, 2012, p. 65).

194
AS LUTAS EM DEFESA DA EDUCAÇÃO NA REFORMA AGRÁRIA:
TRAJETÓRIA HISTÓRICA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL

4 A ATUAÇÃO DO MST NO PIAUÍ E AS PERSPECTIVAS DE LUTA


NO CAMPO

Durante muito tempo, grande parcela da população piauiense,


composta por agregados, vaqueiros, posseiros e meeiros, foi explora-
da, vivendo na subordinação pela pequena elite agrária ou latifundi-
ária. No entanto, essa sujeição a que se encontrava a maior parte da
sociedade foi também o principal combustível para conflitos, revoltas
e lutas, principalmente para o surgimento dos movimentos sociais
que tinham como agenda a inversão da situação agrária no Brasil e
no estado.
No sentido inverso do processo de fortalecimento e consoli-
dação do capital nas relações de produção no campo, concentrando
ainda mais a propriedade privada nas mãos da elite, “os movimentos
sociais levantam a bandeira da reforma agrária, propõem a redistribui-
ção de terras e de riquezas, ocupam áreas consideradas improduti-
vas, exigem trabalho e escola para seus filhos/as” (GONÇALVES,2009,
p. 26).
A atuação dos movimentos sociais no estado acompanha
os desdobramentos ocorridos historicamente no Brasil, isto é, não
difere muito da história do MST em nível nacional. No período entre os
anos de 1940 e 1964, quando se realizaram os primeiros encontros e
congressos camponeses, testemunharam-se lutas e resistência pela
conquista da terra.
Acompanhando essa explosão de manifestações por parte do
MST no Brasil, o Piauí começou a dar seus primeiros passos frente à
luta pela reforma agrária, a partir do

1° Congresso Nacional do MST, as CDBs e a CUT passaram


a fazer articulações e a formar as lideranças no Sudeste
Piauiense. Havia na região uma luta de posseiros resis-
tindo à expulsão. A preocupação do MST era justamente
preparar uma primeira ocupação, para ser a base da
formação do Movimento no Estado. Os agentes pastorais
e outras entidades que atuavam na luta pela reforma

195
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

agrária não incluíam a ocupação entre as formas de lutas


locais. Até junho de 1989, o MST ainda não havia conse-
guido seu intento. (ANDRADE, 2009, p. 63).

As articulações entre os movimentos sociais no Piauí e as


movimentação no Brasil no período de redemocratização passaram
a ganhar espaço, apesar de até junho dos anos 1989, o MST não ter
conseguido realizar ações concretas quanto à luta pela reforma
agrária no estado. Com o passar dos anos, ocorreram alguns eventos
relevantes no estado, associados às lutas pela terra, como a 1ª Ro-
maria da Terra, no município de Oeiras, organizada pela CPT, tendo a
participação de 8 mil trabalhadores, em outubro de 1988; em janeiro
de 1989, sem terras articulados ao MST e à CPT ocuparam a Assem-
bleia Legislativa para reivindicar contra a votaçãode um projeto de
lei que destinava 450 mil hectares (de terras públicas) para grupos
privados; no início de junho de 1989, o MST já estava organizado e
realizou sua primeira ocupação no estado – a ocupação da Fazenda
Marrecas, em São João do Piauí, ocorreu no dia 10 de junho de 1989, e
contou com a participação de 120 famílias (MORISSAWA, 2001, p.188).
Em consonância com Andrade (2009), “a cidade de São João
do Piauí, local da primeira ocupação de terra realizada no Estado pelo
MST, se destaca por abrigar o maior número de assentamento, o que
representa uma espacialização e territorialização de assentamentos
organizados politicamente pelo MST.” (ANDRADE, 2009, p. 66).
Outro acontecimento no período de avanço das ações do MST
no Piauí, em 1989, foi a ocupação da fazenda Zebulândia, que foi be-
neficiada com projetos financiados por parte do governo federal, para
criação do gado Nelore, mas na época em que houve a ocupação da
fazenda, ela encontrava-se sem atividade produtiva (ANDRADE, 2009).
As ações do MST no fim da década de 1980 intensificaram-se
no Piauí, ampliando a participação do movimento nas lutas pela re-
forma agrária no estado. Nos vários processos de ocupação de terras
improdutivas realizados no estado, o MST teve o apoio de Sindicatos
de Trabalhadores Rurais, da CPT, Central Única dos Trabalhadores
(CUT) e de partidos políticos de esquerda (ANDRADE, 2009).

196
AS LUTAS EM DEFESA DA EDUCAÇÃO NA REFORMA AGRÁRIA:
TRAJETÓRIA HISTÓRICA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL

As dificuldades socioeconômicas vividas pelos camponeses


piauienses resultaram em conflitos de diferentes formas. O desen-
volvimento do MST no estado do Piauí, de modo semelhante a outros
estados do País, surgiu ligado à Igreja Católica, seja por intermédio
da CPT ou das Comunidades Eclesiásticas de Base (CEBs), formadas,
essencialmente, por membros da Igreja Católica. As CEBs e a CPT
exerceram papel fundamental no processo de construção do movi-
mento no Piauí, por meio da conscientização dos camponeses, pois
discutiam a necessidade de lutarem pelos seus direitos e propaga-
ram as ideias voltadas para luta pela terra (AGUIAR; SANTOS, 2018).
Com o passar do tempo, as mobilizações no estado ganharam
cada vez mais força, permitindo a expansão do movimento e, con-
sequentemente, das conquistas, sendo que entre os anos de 1989 e
2009, o MST do Piauí estava organizado em 24 assentamentos, com
1.844 famílias, em uma área de 65.586,67 hectares de terras. Dos 24
assentamentos, 22 são projetos de assentamentos federais criados
pelos Incra, e apenas dois são projetos de assentamentos estaduais
sob a responsabilidade do governo do estado (ANDRADE, 2009, p. 65).
Em vinte anos de atuação (1989 a 2009), o MST passou a
desenvolver atividades em todas as regiões do estado, com assenta-
mentos que totalizavam 5 mil famílias, e acampamentos com 2.300
famílias (GONÇALVES, 2009, p. 39).
Diante desse contexto de luta pela terra, o MST assumiu,
também, a bandeira de luta pelo direito à educação dos povos do
campo. Por corolário da luta do movimento pelo direito à educação,
em meados dos anos 2009, havia em todos os assentamentos do
MST uma escola de ensino fundamental, de acordo com pesquisa
realizada por Gonçalves (2009). Contudo, apesar das conquistas na
área educacional, muitas dessas escolas construídas nos assenta-
mentos funcionavam em precárias condições materiais, assim como
era insatisfatória a formação dos educadores.
Com relação à atuação do MST na formação profissional, é
possível identificar a realização de cursos conquistados em âmbito

197
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

nacional, assim como estadual, em parceria com “instituições públi-


cas visando garantir a formação técnica em nível médio e superior”
(GONÇALVES, 2009, p. 39-40).
No que alude à formação profissional do MST, as conquistas
são grandes no estado, pois em um levantamento feito pelo setor
de educação do movimento, no Piauí, foram levantados mais de 20
cursos de nível médio e superior, em que jovens e adultos do MST es-
tudaram, assim como em outros estados e países, como é o caso de
quatro jovens que cursavam medicina em Cuba (GONÇALVES, 2009).
Muitos desses cursos realizados no estado, em ensino médio,
técnico ou superior foram feitos em parceira, organização e finan-
ciamento por parte do Programa Nacional de Educação na Reforma
Agrária (PRONERA), concretizando mais uma conquista do movimen-
to nas lutas por educação no campo.
Tanto em âmbito nacional quanto estadual, o MST tem
mostrando grande resistência frente aos desafios impostos pela
sociedade capitalista, contribuindo com assentamentos e educação
pensada por esse movimento. A formação com base no MST tem
base em princípios de luta pela terra e implementação de políticas
de reforma agrária popular no País, bem como formação da militância
tendo fundamentada em trabalho não alienado.
Dessa forma, a educação do movimento busca estabelecer
uma articulação entre trabalho, formação da identidade militante e
dialética. Essa proposta pedagógica pensada pelo movimento con-
tribui significaativamente para a construção da base teórica e prática
da educação do campo, tendo a pedagogia do movimento, pedagogia
do oprimido e pedagogia socialista como tríade no direcionamento
de sua formação pedagógica, política e filosófica.
+

198
AS LUTAS EM DEFESA DA EDUCAÇÃO NA REFORMA AGRÁRIA:
TRAJETÓRIA HISTÓRICA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como analisamos nesta discussão – que trata da constituição


dos movimentos sociais no Brasil –, sempre existiu um movimento
histórico sobre a questão agrária e os movimentos sociais, criado
como consequência de um conflito instituído entre os proprietários
capitalistas e a territorialidade camponesa, cujas lutas e estratégias
fortaleceram historicamente as forças antagônicas da sociedade
dividida em classes e representada por seus polos de interesses.
Os movimentos sociais constituem elementos que permeiam
tais lutas, as quais se complementam e se articulam, possibilitando
aglutinação de forças, trocas de experiências, acúmulo de apren-
dizagens, derivando a potencialização das lutas sociais – em uma
compreensão dialética dos movimentos que perpassam os fatos, as
contradições e as forças políticas históricas que resultaram na cons-
tituição das lutas relacionadas às continuidades e descontinuidades
constituídas dentro desse processo.
A história do MST está imbrincada com o processo histórico
de resistência do movimento camponês e de luta pela terra no Brasil.
Nesse caso, o MST é um movimento que está comprometido com a
luta por terra por meio da reforma agrária, buscando transcender o
acesso à terra, chegando a um conjunto de ações políticas, socioe-
conômicas e lutas que vão além do campo, visando a uma mudança
estrutural na sociedade envolvendo os indivíduos, sejam eles do
campo ou da cidade.
A atuação do MST, a partir do processo de redemocratização
do Estado brasileiro, teve a preocupação de realizar movimentos de
base nos diversos espaços do País, ampliando suas lutas em níveis
estaduais. Com isso, buscou organizar-se em diretórios estaduais
para aprimorar a participação nas lutas pelas necessidades locais de
cada região e estado, assim como a organização no estado do Piauí.

199
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

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200
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201
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

202
ESCOLAS DO MEIO RURAL PIAUIENSE E A
NEGAÇÃO DO DIREITO ÀS TECNOLOGIAS
DIGITAIS DA INFORMAÇÃO E DA
COMUNICAÇÃO1

Lucineide Barros Medeiros


Jullyane Frazão Santana
Rhayra Vitória Almeida de Sousa Lima

1 INTRODUÇÃO

A temática desta discussão traduz um fenômeno ainda recen-


te da educação no Brasil, institucionalizado na década de 1990 como
parte das ações da política educacional brasileira, primeiramente, em
forma de projetos e programas pontuais e contingentes, tendo como
expressão inaugural o Programa Nacional de Educação na Reforma
Agrária (Pronera), por meio do qual foram financiadas ações de al-
fabetização de pessoas jovens e adultas, de acesso à escolarização,
de formação inicial e continuada na graduação e na pós-graduação
de docentes para a educação básica e superior, e a formação de
técnicos em áreas como agronomia, agroecologia, agropecuária, de-
senvolvimento sustentável, entre outras.
Nos anos 2000, deu-se um passo importante, no sentido de
situar a Educação do Campo como política pública de caráter perma-
nente, por força do Decreto 7.352/2020, permitindo que a oferta da
educação básica e superior fosse formalmente integrada ao regime
de colaboração entre estados e municípios, visando ao alcance das
metas e estratégias contidas no Plano Nacional de Educação (PNE).
Frente a esse objetivo, determinou-se, também, que a União criasse

1  A produção contou com o apoio do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica


(PIBIC/CNPq/UESPI) 2020/2021.

203
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

e implementasse mecanismos capazes de garantir a manutenção e


o desenvolvimento da Educação do Campo com vistas à superação
das defasagens históricas.
Dentre esses mecanismos está a contribuição para a inclusão
digital, por meio da ampliação do acesso a computadores, conexão à
rede mundial de computadores e a outras tecnologias digitais, bene-
ficiando a comunidade escolar e a população próxima às escolas do
campo. Um dos objetivos listados no decreto está voltado à produção
de recursos didáticos, pedagógicos, tecnológicos, culturais e literários
que atendam às especificidades formativas das populações do campo.
Esse quadro motivou os propósitos de realização do trabalho
apresentado que almeja analisar a situação de infraestrutura das
escolas do meio rural nos itens de apoio tecnológico e de acesso
à informação, em diálogo com os desafios da Educação do Campo,
considerando a situação de pandemia por Covid-19, que impôs dis-
tanciamentos sociais, a suspensão de aulas presenciais nas escolas e
a instituição do sistema de aulas remotas e não presenciais – quadro
que evidenciou o isolamento informacional da escola do meio rural
no Brasil e no Piauí.
Partimos da compreensão de que essa realidade nos levou ao
encontro da contradição que persiste historicamente no processo de
produção da escola do meio rural: a sua baixa qualidade, não apenas
no tocante aos aspectos de provimento de recursos humanos e de
desenvolvimento pedagógico, mas também à infra-estrutura. Então,
apesar da emergência da sociedade informatizada, no meio rural per-
siste uma escola isolada, seja pela falta de aparatos de equipamentos
comunicacionais, pela baixa qualidade dos equipamento existentes
ou, ainda, pela total falta de internet ou por contar somente com
internet de baixíssima qualidade.
O processo de acercamento teórico ao tema sobrelevou ele-
mentos de destaque que foram agrupados em três eixos de análise:
escola do meio rural e exigências da Educação do Campo; infraestru-
tura de apoio tecnológico na escola; e qualidade da escola.

204
ESCOLAS DO MEIO RURAL PIAUIENSE E A NEGAÇÃO
DO DIREITO ÀS TECNOLOGIAS DIGITAIS DA INFORMAÇÃO E DA COMUNICAÇÃO

Após apresentar informações sobre a construção metodoló-


gica, situamos a escola rural e a educação existente no contexto de
determinada territorialização que se move a partir dos interesses do
capital em detrimento da realização do direito. Em seguida, aponta-
mos os dados da pesquisa documental, cotejados com os desafios
de construção da Educação do Campo que, além de uma alternativa à
educação rural, projeta determinado tipo de escola onde é indispen-
sável o usufruto das Tecnologias Digitais da Informação e da Comu-
nicação (TDIC), não como valores em si, mas como parte do conjunto
que imprime qualidade social e ético-política à escola, considerando
também tensões e contradições que incidem nessa produção.

2 DELINEAMENTO METODOLÓGICO

Nossas escolhas metodológicas têm em vista as dinâmicas de


investigação construídas historicamente no campo da educação e
dos estudos sobre a política educacional, sendo o processo de inves-
tigação também parte da dinâmica de produção do conhecimento,
ou seja, a investigação realiza-se como um ato educativo. Adotamos,
para a realização da pesquisa, a perspectiva dialética que, do ponto
de vista metodológico, “permite conhecer a realidade concreta no
seu dinamismo e nas inter-relações” (GAMBOA, 2007, p. 34).
Por essa orientação, os dados da pesquisa foram tomados
como materialidade do real, síntese de múltiplas determinações sim-
ples e complexas, considerando, ao mesmo tempo, que para este real
ser alcançado, devemos ir além da abstração, e quando isso acontece,
podemos atingir um novo real, concreto, ou seja, o concreto pensado.
Aliás, Gamboa (2007) ressalta que o concreto é concreto porque é a
síntese e a unidade do diverso.
Tomamos como universo específico da pesquisa 24 mu-
nicípios do Piauí, situados nos 12 territórios de desenvolvimento,
instituídos na Lei Complementar nº 87/2007, que estabelece o Plane-
jamento Participativo Territorial para o Desenvolvimento Sustentável

205
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

do Estado do Piauí. Os municípios foram escolhidos de acordo com


dois critérios: ser o de mais baixo e ser o de mais elevado Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH) em cada um dos territórios.
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) informa
que o IDH compara indicadores nos itens riqueza, alfabetização, edu-
cação, esperança de vida, natalidade, entre outros, com o intuito de
avaliar o bem-estar de uma população, especialmente das crianças.
O índice varia de zero a um e é divulgado pelo Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), em relatórios anuais.
Reputando o conjunto de indicadores que formam o IDH, to-
mamos como referência para a definição dos 24 municípios partici-
pantes da pesquisa os indicadores do elemento educação, conforme
dados publicados pela Fundação Centro de Pesquisas Econômicas
e Sociais do Piauí, que tomou como base dados do Censo de 2010
(PIAUÍ, 2016). Assim, os municípios considerados na pesquisa são os
que constam na Tabela 1 deste artigo, com os respectivos IDHs e as
vinculações regionais.
A maior parte dos dados foi alcançada junto aos microdados
do Censo Escolar, considerando o que foi apurado pelo Censo no ano
de 2020. Concebemos que os documentos não estão livres de impre-
cisões, contradições e ideologias, daí porque foi necessário os analisar,
tendo em vista informações explícitas e implícitas (FRANCO, 2008).
Nesse processo de análise, recorremos a situações-chave,
identificadas a partir do exercício da crítica totalizante (ZEMELMAN,
1999). Na construção operacional, seguimos as orientações de Fran-
co (2008), quando aduz que é importante utilizar referenciais de
diferenciação e, em seguida, de agrupamento, a partir de critérios
definidos na leitura inicial dos documentos (FRANCO, 2008, p. 59).

206
ESCOLAS DO MEIO RURAL PIAUIENSE E A NEGAÇÃO
DO DIREITO ÀS TECNOLOGIAS DIGITAIS DA INFORMAÇÃO E DA COMUNICAÇÃO

3 A ESCOLA RURAL E SEU PROCESSO DE TERRITORIALIZAÇÃO

A situação da escola do meio rural, no âmbito da contradição


do direito e da negação não explícita, demonstra a lógica de um
desenvolvimento calcado em resultados econômicos, na desigual-
dade e na seletividade do atendimento que privilegia determinados
territórios, modos de vida e setores da população. Segundo Ghedini
(2017), o meio rural, nesse contexto, está submetido a uma trama
atravessada por permanente disputa material e simbólica, e a escola
é integrante indispensável na existência desse arranjo, servindo para
assegurar, de modo instrumentalizado, a adaptação de trabalhadores
ao trabalho que melhor responda aos interesses dos negócios nacio-
nais e internacionais.
A materialidade dessa escola do meio rural, via de regra,
apresenta-se em construções arquitetônicas precárias; mobiliário
insuficiente, inadaptado e sucateado, geralmente reaproveitado de
escolas urbanas; quadro de professores incompleto e com formação
generalista e estagnada; baixas condições de trabalho e de salário;
contratos de trabalho precários; turmas multisseriadas e difíceis
condições de permanência dos estudantes, tanto devido a aspectos
interiores ao processo escolar quanto por situações externas, como
a sobrevivência, que se impõem, resultando em experiências de
escolarização curtas e rebaixadas, do ponto de vista da qualidade
socialmente necessária.
Quando nos referimos ao território, trazemos à cena o meio
geográfico rural, que é diverso e marcado por construções políticas
que se estendem às identidades sociopolíticas de seus habitantes.
De modo geral, o meio rural constitui-se por demarcações de caráter
administrativo, baseadas em marcos naturais de delimitação; já o
território se forma a partir das relações.
No entendimento de Saquet (2008), o território é uma forma-
ção que conjuga elementos históricos, sociais e naturais; abriga rela-
ções de poder em que subsiste dominação, hegemonia, resistência,

207
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

luta e contra-hegemonia; bem como redes distintas e demarcadas


por identidades e diferenças.
É a partir dessa concepção que o espaço ou o meio rural pode
abrigar diferentes territórios e territorialidades, ou seja, diferentes
configurações físicas, políticas, identitárias e relacionais, fazendo com
que determinado espaço se altere ou conserve certas características.
O meio rural brasileiro, em seu movimento promovido pelos grupos
humanos, abriga conflitos que fazem parte do processo de formação
da sociedade brasileira, cuja base é colonial, escravocrata, patriarcal
e voltada a negócios de grupos políticos e econômicos privilegiados
em cada momento histórico.
O tipo de uso e a concentração da terra abarcam a centralida-
de desses conflitos, em que camponeses a defendem como matéria
da vida familiar e comunitária, negociável como meio de produção de
riqueza voltada à acumulação mantenedora de posições socioeco-
nômicas privilegiadas nas relações de poder.
Assim, quanto mais se ampliam as desigualdades entre esses
dois segmentos, mais a concentração da terra e a produção dela
decorrente se convertem em ativos definidores de decisões políticas
no estado e na sociedade, assegurando a condição de classe social
cuja existência define uma dinâmica que incide a partir do espaço
local e se estende em escala mundial. É nessa dinâmica que se
processa a tensão entre a territorialização camponesa do trabalho
e do pertencimento, e a territorialização mercantil da exclusão e da
maximização de lucros.
A educação escolar no País, como uma construção instalada
na lógica colonial, foi colocada desde os primeiros momentos a ser-
viço da reprodução dos interesses dominantes, e mesmo quando foi
elevada à condição de direito de todos, manteve-se em um quadro
de profundas exclusões que podem ser classificadas em dois grupos
principais: a exclusão no acesso e a exclusão na qualidade. Por vezes,
essas duas dimensões associam-se, a exemplo da situação de infra-
estrutra das escolas do meio rural.

208
ESCOLAS DO MEIO RURAL PIAUIENSE E A NEGAÇÃO
DO DIREITO ÀS TECNOLOGIAS DIGITAIS DA INFORMAÇÃO E DA COMUNICAÇÃO

4 A ESCOLA RURAL NA RELAÇÃO COM INTERESSES DO CAPITAL

Entendemos que investigar a infraestrutura de apoio tecnoló-


gico em escolas do meio rural é perscrutar o processo de territoria-
lização desse lugar, porquanto indica o tipo de tratamento dado aos
direitos e às demandas da população camponesa, que depende da
escola pública para se manter no meio rural e para buscar condições
de dignidade.
Trata-se de um item relacionado diretamente à qualidade
da escola e da educação. Contudo, indiretamente, também informa
sobre o acesso, a permanência, as condições pedagógicas, metodo-
lógicas, administrativas, de ensino e de aprendizagem, pois em uma
escola desprovida de meios tecnológicos em tempos de avanço dos
trâmites que se fazem cada vez mais por meios remotos; da partici-
pação em redes de largo alcance para manejo de dinâmicas admi-
nistrativas; e de uso de plataformas para o ensino-aprendizagem, a
falta desse tipo de insumo pode trazer prejuízos irreparáveis à vida
de estudantes, de seus famílias e de suas comunidades.
Com os avanços tecnológicos, atribuíram-se à escola de-
terminados itens que passaram a compor determinado padrão de
qualidade, gerando interfaces com a qualidade do ensino, da apren-
dizagem e da própria escola (CASTELLS, 1999; PEREIRA; LOVO, 2019).
Dados do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da
Sociedade da Informação (Cetic), do ano de 2018, informam que na
Região Nordeste é onde estão as escolas do meio rural com o menor
percentual de computadores de mesa e portáteis, 34%, enquanto na
Região Sul, é de 89%. Se comparadas as escolas públicas e particu-
lares, a situação é de 43% contra 95%, respectivamente. Em relação
à internet, 31% das escolas rurais do Nordeste têm acesso, ficando
acima somente da Região Norte, com 14%, enquanto na Região Sul é
de 84%. As particulares da Região Nordeste têm 94% de cobertura,
enquanto as públicas somente 34%.2

2  Disponível em: https://cetic.br/pt/tics/educacao/2018/escolas-rurais/B2A/. Acesso em: 24


ago. 2021.

209
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e


Estatística (IBGE), baseado na Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios Contínua (PNAD Contínua) do ano de 2019, o Brasil atingiu
uma taxa de analfabetismo das pessoas de 15 anos ou mais de idade
estimada em 6,6%, ou seja, havia uma população de 11 milhões de
analfabetos(as). No estado do Piauí está a segunda maior taxa de
analfabetismo, entre pessoas de 25 anos ou mais, considerando-se
os estados federados. Entre as pessoas de 15 anos ou mais, o Piauí
está em terceiro lugar, em relação aos estados com índices mais
elevados: são 16% de pessoas não-alfabetizadas, ou seja, duas vezes
e meia maior que o índice do Brasil. Além disso, a diminuição desses
índices vem ocorrendo de modo bastante lento.
A distinção territorial na situação do analfabetismo mostra
que a Região Nordeste concentra mais pessoa não-alfabetizadas:
quase seis em cada dez no País está ali, onde há 13,9% de pesso-
as nessa situação. Vislumbrando outro dado geográfico, dessa vez
comparando os territórios urbano e rural, identificamos que naquela,
o analfabetismo chega a 17,1%, isto é, encontra-se 83,9% abaixo da
média geral nacional, um índice mais elevado que do Brasil, do Nor-
deste e do Piauí.
Essa realidade retrata a negação do direito à educação e à
escola, e explicita as contradições entre a perspectiva do direito e
a da promoção das políticas públicas. Sobre a educação, a Consti-
tuição Federal de 1988 manifesta que é um direito público subjetivo,
e a agência responsável pela sua realização institucional, a escola,
deve existir baseada em princípios listados no Art. 206, dentre os
quais, destacamos: o I - igualdade de condições para o acesso e a
permanência; e o VII - garantia de padrão de qualidade.
O processo de territorialização do meio rural e de sua escola
denotam que essa é reservada especialmente aos setores populares,
pois aquele que lida com os grandes negócios que cada vez mais
se ampliam no meio rural, inclusive na Região Nordeste do País e no
estado do Piauí, encaminha os seus filhos à escolas tidas como de
excelência nos grandes centros urbanos no País ou no estrangeiro.

210
ESCOLAS DO MEIO RURAL PIAUIENSE E A NEGAÇÃO
DO DIREITO ÀS TECNOLOGIAS DIGITAIS DA INFORMAÇÃO E DA COMUNICAÇÃO

Rufo e Sobrinho (2015, p. 1) reiteram que na região sudoeste


do Piauí, em decorrência da expansão da fronteira agrícola, “[...] gran-
des agricultores sulistas instalam os grandes projetos de agricultura
moderna nas áreas dos platôs, o que determina novas dinâmicas e
realidades no Estado do Piauí”.
Verifica-se que o agronegócio proporciona o aumento no
dinamismo econômico via ampliação da mão de obra assalariada no
setor agrícola, especialmente na região do Matopiba (território que
envolve faixa do Maranhão, Tocantins, Piauí e Pará). Não obstante,
consoante o Ipea, ao mesmo tempo, promove a diminuição dos pos-
tos de trabalho, pois “[...] como o Matopiba é uma região de fronteira
agrícola, existe ainda um grande número de áreas recém-abertas ou
em processo de abertura, estágio em que se ocupa mais mão de
obra de baixa qualificação e, portanto, com menores salários” (BRA-
SIL, 1990, p. 53).
De acordo com Leal (2014, p. 3), essa dinâmica faz parte da
lógica do capital que “[...] busca os espaços atrativos com disponi-
bilidade de terras, incentivos fiscais, mão-de-obra barata e fraca
organização sindical, condições de fluidez de informações, capital e
pessoas para garantir sua reprodução de forma rentável.”
A escola, nesse contexto, apresenta-se como uma prova do
cumprimento da obrigação constitucional de oferta de vagas e prepara-
ção da mão de obra desejável pelo mercado, mas não necessariamente
do atendimento ao direito com a qualidade formalmente prevista.
Isso posto, o assujeitamento do território aos empreendimen-
tos mercantis degradadores dos recursos naturais e dos modos de
vida também submete o trabalho e o trabalhador, oferecendo uma
pequena dose de escolarização, suficiente para que não se liberte e,
ao mesmo tempo, sirva aos propósitos agronegocistas.

5 ESCOLA RURAL E ISOLAMENTO INFORMACIONAL

Analisamos a infraestrutura das escolas, relativa ao Censo


Escolar de 2020, que é uma pesquisa estatística declaratória rea-

211
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

lizada anualmente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas


Educacionais Anísio Teixeira (INEP), autarquia vinculada ao Ministério
da Educação (MEC) , em regime de colaboração entre a União, os
estados, o Distrito Federal e os municípios.
Um dos itens do formulário respondido pelas escolas partici-
pantes do Censo é o de Caracterização e infra-estrutura, por meio do
qual analisamos dados de um conjunto de itens pré-estabelecidos,
referentes à dependência administrativa denominada laboratório de
informática. Adicionalmente, examinamos dados relativos ao item
equipamentos, identificando se funcionam com suporte de rede local
a cabo ou se estão interligados em uma rede local sem fio (wireless),
ou seja, por meio de wi-fi (sem cabos), entre outros.
Procuramos, ainda, identificar se há internet via banda larga
ou não-discada. Investigamos a existência ou não de equipamentos,
em termos quantitativos, para uso técnico e administrativo, e de es-
tudantes. De modo específico, consideramos os itens computador,
antena parabólica, impressora, copiadora, TV, DVD e datashow, que
são os componentes da lista de itens do Censo.
Conhecer a situação de infraestrutura das escolas no meio
rural remete à oportunidade de verificar se há barreiras impeditivas
à qualidade da educação. Porém, a falta de suporte tecnológico e
informacional não constitui barreira em si, mas é a interface de uma
problemática mais ampla e mais complexa. Por isso, representam
mediações para aproximações sucessivas, daí exigirem conhecimen-
to de outros componentes da realidade socioeconômica.
Destacamos, conforme a Tabela 1, os seguintes: i) a população
residente total, de acordo com dados da Coordenação de População
e Indicadores Sociais (COPIS) – ano ano base 2019 (considerando
residentes no município com data de referência em 1º de julho de
2020), e dados da Sinopse do Censo Demográfico (IBGE/2010); ii) to-
tal de escolas públicas urbanas e rurais do município, de acordo com
o Censo Escolar – ano base 2020; iii) total de escolas públicas no
meio rural, considerando o que representa, em termos percentuais; e
iv) os respectivos IDH.

212
ESCOLAS DO MEIO RURAL PIAUIENSE E A NEGAÇÃO
DO DIREITO ÀS TECNOLOGIAS DIGITAIS DA INFORMAÇÃO E DA COMUNICAÇÃO

Tabela 1 – Cenário dos municípios de mais baixo e mais elevados IDH nos contextos
territoriais do Piauí
Total de es- Total de
População colas públi- escolas %
IDH
Território Municípios total do cas (urbanas públicas população
educação
município e rurais) do no meio rural
município rural
Parnaíba 153.078 109 22 6 0,604
Planície
litorânea Cocal
6.153 12 7 69 0,315
dos Alves
Piripiri 63742 64 28 28 0,533
Cocais São João da
6.042 6 4 60 0,351
Fronteira
Campo Maior 46.833 38 12 26 0,566
Carnaubais Assunção do
7.846 16 10 55 0,382
Piauí
Teresina 864.845 465 67 6 0,707
Entre Rios Pau D’Arco
4.045 6 3 86 0,376
do PI
Ipiranga do
9.811 10 3 39 0,583
Piauí
Vale do
Sambito São Miguel
da B. 2.452 5 3 36 0,413
Grande

Vale do Guari- Picos 78.222 77 31 21 0,621


bas Paquetá 3.945 13 10 87 0,384

Oeiras 37.085 39 18 39 0,547


Vale do São
Canindé Francisco do 6.420 16 11 69 0,336
Piauí
São
Raimundo 37.029 25 10 35 0,587
Serra da Capi- Nonato
vara Lagoa do
Barro do 4.655 11 7 79 0,358
Piauí
Floriano 59.935 61 17 14 0,633
Vale dos Rios
Piauí e Itaueiras Brejo do Piauí 3.875 7 4 63 0,354

Guadalupe 10.499 11 2 5 0,542


Tabuleiro do
Alto Parnaíba Baixa Gr.
11.586 16 8 39 0,446
do Ribeira

Chapada das Bom Jesus 25.179 21 7 23 0,562


Mangabeiras Gilbués 10.690 30 22 43 0,380
Caldeirão Gr.
5.776 9 5 71 0,486
Chapada Vale do Piauí
do Itaim Betânia
6.205 7 4 73 0,342
do Piauí
Fonte: elaborado pela autora, com base em dados do Censo Escolar/2020 (2021).

213
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

Os municípios mais populosos nesse cenário são Teresina e


Parnaíba, e também têm os mais elevados IDH, o que nos permite
depreender que são os que promovem e concentram mais políticas
públicas que contribuem para alavancagem do índice que, conforme
já mencionado, é formado com dados da economia, esperança de
vida ao nascer e educação. Na economia, geralmente tem-se a maior
fragilidade, devido ao desfavorecimento histórico, tanto da Região
Nordeste quanto do estado Piauí na composição do Produto Interno
Bruto (PIB), apesar de esses municípios se destacarem igualmente
em virtude das marcantes desigualdades internas existentes.
Na educação, ganham relevo por promoverem a maior oferta
de vagas escolares, compatível com a demanda existente, especial-
mente na Educação Infantil e no Ensino Fundamental, evitando velhos
fenômenos conhecidos, como a distorção idade-série, a evasão, a
repetência, assegurando determinada média de anos escolares para
as pessoas adultas com mais de 25 anos.
Na assistência à saúde, há maior provimento de medicamentos,
vacinas e atendimento materno-infantil. Os dois municípios referidos
são também os que apresentam mais baixos percentuais de popula-
ção rural, ambos com 6%, o que pode ajudar a explicar essa situação,
tendo em vista os baixos índices predominantes nesse território.
No entanto, há municípios desse conjunto que contam com
elevado percentual de população rural, tais como Paquetá, Pau D’arco
do Piauí e Lagoa do Barro do Piauí: 87%, 86% e 79%, respectivamente.
Todavia, quando observamos o número de escolas, identificamos
que são: dez; três e sete, respectivamente. Logo, os municípios com
maior população rural não são os que têm o maior número de esco-
las, inclusive porque podem contar com adensamento populacional
diferente e também com ações de nucleação, fenômeno que tem
sido bastante observado no Piauí, associado a fechamento e(ou)
paralização de escolas. Os municípios com maior número de escolas
no meio rural são: Teresina, com 67; Picos, com 31; Piripiri, com 28;
e Parnaíba, com 22. Deduzimos que, apesar de Parnaíba estar bem
situada quanto ao IDH, tem um baixo número de escolas em termos
comparativos com os demais municípios do grupo.

214
ESCOLAS DO MEIO RURAL PIAUIENSE E A NEGAÇÃO
DO DIREITO ÀS TECNOLOGIAS DIGITAIS DA INFORMAÇÃO E DA COMUNICAÇÃO

A seguir, na Tabela 2, destacamos a situação em que se en-


contram as escolas existes no meio rural do Piauí, no que diz respeito
a equipamentos. Consideramos os itens antena parabólica, impres-
sora, copiadora, TV, DVD e equipamento multimídia.

Tabela 2 – Equipamentos existentes em escolas do meio rural piauiense


Total
Antena Equip.
Território Municípios escolas Impres. Copiad. TV DVD
paraból. multimídia
rurais
Parnaíba 22 3 8 3 10 11 6
Planície
Litoranea Cocal dos
7 0 1 0 1 0 3
Alves
Piripiri 28 8 10 4 25 17 15
Cocais São João da
4 1 3 0 3 3 2
Fronteira
Campo
12 4 6 8 11 11 7
Maior
Carnaubais
Assunção do
10 2 3 1 5 6 1
Piauí
Teresina 67 7 58 32 58 46 53
Entre Rios Pau D’Arco
3 1 3 0 3 3 0
do PI
Ipiranga do
3 0 2 0 3 3 3
Vale do Piauí
Sambito São Miguel
3 0 2 0 1 0 0
da B. Grande

Vale do Picos 31 3 17 19 22 21 17
Guaribas Paquetá 10 1 7 3 2 2 0
Oeiras 18 3 13 6 18 15 17
Vale do São
Canindé Francisco do 11 5 6 11 8 9 4
Piauí
São
Raimundo 10 4 8 5 8 7 6
Serra da Nonato
Capivara Lagoa do
Barro do 7 0 6 1 7 7 6
Piauí

Vale dos Rios Floriano 17 5 12 3 17 15 8


Piauí e Brejo do
Itaueiras 4 0 1 0 0 0 0
Piauí

continua

215
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

continuação
Total
Antena Equip.
Território Municípios escolas Impres. Copiad. TV DVD
paraból. multimídia
rurais
Guadalupe 2 1 1 0 1 1 1
Tabuleiro do
Alto Parnaíba Baixa G. do
8 2 2 2 5 3 2
Ribeira

Chapada das Bom Jesus 7 2 7 6 5 2 6


Mangabeiras Gilbués 22 1 3 3 5 3 0
Caldeirão Gr.
5 0 2 0 2 2 3
Chapada Vale do Piauí
do Itaim Betânia do
4 4 4 3 3 3 4
Piauí
Fonte: elaborado pela autora, com sabe em dados do Censo Escolar/2020 (2021).

Os dados indicam que Teresina também assegura destaque


no que alude ao provimento dos itens analisados, enquanto Parnaíba
apresenta uma situação ruim, se comparada a outros municípios
com IDH mais baixos, a exemplo de Picos, Oeiras, Piripiri, Floriano, São
Francisco do Piauí. Contudo, considerando a tipologia dos equipa-
mentos, como TV e DVD, identificamos que em alguns municípios,
existem em maior número que antena parabólica. Tendo em vista que
cada escola carece, geralmente, de apenas uma antena, podemos
depreender que a maior parte das TVs funcionam sem antena ou,
não sendo esse o caso, que estão subutilizadas.
No conjunto das escolas de Teresina, há 58 TVs e sete antenas;
em Piripiri, 25 TVs e oito antenas; em Picos, 22 TVs e três antenas; e
em Floriano, 17 TVs e cinco antenas. O município de Brejo do Piauí tem
quatro escolas, nenhuma TV nem antena parabólica. Essa realidade
também pode ser analisada considerando a disponibilidade de inter-
net na escola, pois grande parte do material pedagógico gravado em
fitas cassete e VHS, para projeção em DVD, já pode ser acessado em
plataformas de acesso via internet.
Esses aparelhos também vem dando lugar aos projetores
multimídia ou datashow, cuja funcionalidade é maior, pois a depender
do tipo, podem projetar som e imagem de fotografias, vídeos, filmes,
planilhas e slide. Esse tipo de equipamento foi identificado em maior

216
ESCOLAS DO MEIO RURAL PIAUIENSE E A NEGAÇÃO
DO DIREITO ÀS TECNOLOGIAS DIGITAIS DA INFORMAÇÃO E DA COMUNICAÇÃO

número nos seguintes municípios: em Teresina, há 53 projetores e


67 escolas; Picos, 31 escolas e 17 projetores; Piripiri, 28 escolas e 15
projetores; Parnaíba, 22 escolas e somente seis projetores; merece
destaque o caso de Oeiras, que conta com 18 escolas e 17 projetores.
No conjunto dos 24 municípios, cinco não contam com qual-
quer projetor multimídia. Impressoras e copiadoras também são itens
importantes nos processos pedagógicos escolares, especialmente
na educação infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental. São
muito utilizados na reprodução de materiais, o que se intensificou
no período pandêmico, mas de acordo com os números da Tabela
2, também não cobrem o total de escolas existentes nos municípios.
Pereira e Lovo (2019) situam essa discussão no contexto da
inclusão/exclusão digital, vinculadas a barreiras socioeconômicas e
territoriais impeditivas do acesso às TDICs. Ressaltam que as ações
oficiais voltadas a essa finalidade foram iniciadas no Brasil a partir
da década de 1980. Mas como podemos constatar, o alcance das
escolas do meio rural é ainda muito restrito, inclusive a tecnologias já
consideradas ultrapassadas.
Tendo em vista os apelos comunicacionais da atualidade,
as TDICs devem ocupar os diversos espaços da escola. Entretanto,
ainda é comum encontrarmos nas escolas do meio rural itens como
computadores (já considerados elementares) ainda sendo utilizados
basicamente para os serviços burocráticos de comunicação com os
sistemas de informação dos órgãos oficiais, para repasses de dados
necessários à composição dos processo de avaliação e controle, em
muitos casos, com suporte precário para trabalhar com bases de
dados atuais.
Quanto a disponibilidade de internet nas escolas do meio rural,
a situação é igualmente preocupante, senão mais grave, como se pode
observar na Tabela 3. Dentre os 24 municípios investigados, na metade
não há laboratório de informática em suas escolas do meio rural.

217
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

Tabela 3 – Laboratório de internet, computadores de mesa e portáteis e laboratórios de


informática nas escolas do meio rural
Total de Comput. Tablet
Laboratório de Total de
Território Municípios escolas Internet portátil por por
informática computador
rurais aluno aluno
Parnaíba 22 1 15 2 3 1
Planície
litorânea Cocal dos
7 0 1 3 0 0
Alves
Piripiri 28 1 18 17 1 1
Cocais São João da
4 0 1 2 0 0
Fronteira
Campo Maior 12 4 8 6 4 0
Carnaubais Assunção do
10 0 7 4 1 1
Piauí
Teresina 67 3 62 39 41 13
Entre Rios Pau D’Arco
3 0 1 0 0 0
do PI
Ipiranga do
3 0 3 3 0 0
Vale do Piauí
Sambito São Miguel da
3 0 2 1 0 0
B. Grande

Vale do Picos 31 14 27 15 3 0
Guaribas Paquetá 10 0 5 1 0 0

Oeiras 18 10 17 15 10 0
Vale do Canindé São Francisco
11 2 5 0 0 0
do Piauí
São Raimun-
10 1 8 7 2 0
Serra da do Nonato
Capivara Lagoa do Bar-
7 0 2 4 0 0
ro do Piauí
Floriano 17 5 10 1 1
Vale dos Rios
Piauí e
Itaueiras Brejo do Piauí 4 0 0 0 0 0

Guadalupe 2 1 2 1 1 1
Tabuleiro do
Alto Parnaíba Baixa Gr. do
8 0 5 5 1 0
Ribeira

Chapada das Bom Jesus 7 3 6 3 2 0


Mangabeiras Gilbués 22 0 3 1 0 0
Caldeirão Gr.
5 1 3 2 2 0
do Piauí
Chapada Vale
do Itaim Betânia do
4 0 4 4 1 0
Piauí

Fonte: elaborado pela autora, baseada em dados do Censo Escolar/2020 (2021).

218
ESCOLAS DO MEIO RURAL PIAUIENSE E A NEGAÇÃO
DO DIREITO ÀS TECNOLOGIAS DIGITAIS DA INFORMAÇÃO E DA COMUNICAÇÃO

De modo geral, o número de escolas é sempre maior que o


número de computadores existentes no município e utilizados por
escolas do meio rural. O mesmo acontece em relação à internet: em
dez dos 24 municípios, há zero computador portátil e tablet por aluno.
As TDICS, além de serem, elas mesmas, políticas públicas, são
também janelas para o acesso a outras políticas, inclusive as educa-
cionais. De acordo com Pereira e Lovo (2019), desde os anos 1980,
ações vêm sendo implementadas para a garantia desse acesso, a
exemplo do Projeto Formar, em 1989, para capacitar professores; do
Programa Nacional de Informática na Educação (Proninfe), em 1996,
e o Programa Nacional de Tecnologia Educacional (Proinfo), ambos
voltados ao uso das tecnologias na rede de ensino, sendo que o último
também objetivou a distribuição de equipamentos tecnológicos e
“[...] a oferta de conteúdos e recursos multimídia e digitais oferecidos
pelo Portal do Professor, pela TV e DVD Escola, pelo Domínio Público e
Banco Internacional de Objetos Educacionais.” (PEREIRA; LOVO, p. 166).
Em contraposição à naturalização desse tipo de escola e de
política educacional, a Educação do Campo aparece afirmando a
necessidade de assegurar uma qualidade social à escola do meio
rural, e quando ela se movimenta sintonizada com a libertação da
terra, com a proteção ao meio ambiente, com a produção saudável e
sustentável de vidas, trabalho e alimentos, converte-se em escola do
campo. Isso inscreve outra proposta político-pedagógica, curricular,
organizativa dos tempos, dos espaços e das condições de ensino-
-aprendizagem. Os itens que compõem a estrutura material do es-
paço escolar comunicam sobre essa mudança, pois ela precisa, pelo
menos, contar com o que, em média, as demais escolas brasileiras
dispõem para funcionar.
Vale salientar que quando falamos em Educação do Campo,
colocamos em foco determinada população e determinado território.
De acordo com o Decreto 7.352/2010, que dispõe sobre a política
de Educação do Campo e o Pronera, a população do campo a ser
atendida envolve: agricultores familiares; extrativistas; pescadores

219
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

artesanais; ribeirinhos; assentados e acampados da reforma agrária;


trabalhadores assalariados rurais; quilombolas ; caiçaras; povos da
floresta; caboclos; e outros que produzam suas condições materiais
de existência a partir do trabalho no meio rural.
A discussão e os embates sobre a educação em escolas do
campo vêm desde a década de 1990, quando ocorreram as primeiras
ações formais com o apoio do poder público. Molina e Jesus (2004)
sinalizam que a construção se faz a partir de uma organização que
deu corpo ao Movimento por Uma Educação do Campo, o qual orien-
tou, do ponto de vista dos princípios e das diretrizes, a formatação da
política e sua estruturação em órgãos oficiais, especialmente junto
ao Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA)3 e ao Instituto Na-
cional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), onde foi instalado, no
ano de 1998, o Pronera, atendendo à reivindicação dos movimentos
sociais do campo.
A proposta da Educação do Campo também conformou uma
concepção de escola. Nessa diração, Caldart (2002, p. 34) realça
que apesar de a Educação do Campo não caber em uma escola, tem
papel fundamental e deve constituir-se a partir da inversão da lógica
que “se estuda para sair do campo”. Deve ser, portanto, um espaço
de afirmação de outras matrizes pedagógicas, em diálogo com a
realidade e a sua necessária transformação, pois a escola existente
traduz o tipo de função atribuída ao meio rural desde a fundação
da sociedade brasileira, marcado pela exploração extrativista, por
relações de opressão, voltadas à concentração de terra, de riquezas
e de poder (PRADO JR., 2014, 2011; STEDILE, 2005).
A escola serviu, ao longo do tempo, como um dos instrumentos
de manutenção dessa estrutura, como destaca Florestan Fernandes
(1975), ao afirmar a existência de uma modernização conservadora
no Brasil. Por cúmulo, a escola rural manteve-se pequena e precária,

3  O MDA foi extinto pela Medida Provisório 726/2016, e suas competências, transferidas para
o Ministério do Desenvolvimento Social. O Decreto 8.786/2016 subordinou a sua estrutura ao
Ministro de Estado Chefe da Casa Civil da Presidência da República.

220
ESCOLAS DO MEIO RURAL PIAUIENSE E A NEGAÇÃO
DO DIREITO ÀS TECNOLOGIAS DIGITAIS DA INFORMAÇÃO E DA COMUNICAÇÃO

servindo como uma espécie de estágio para que seus frequentado-


res se descobrissem sem “vocação” para os estudos ou como um
trampolim para os impulsionar a sair do meio rural, rumo às cidades.
Nesse sentido, a precariedade imperante na escola do meio
rural não apenas requer o provimento de equipamentos atualizados
e compatíveis com as exigências atuais da comunicação em tempo
real, mas também a sua transformação além do sensível, das dinâ-
micas materiais, alcançando o plano dos sentidos e dos princípios
sobre escola, educação e sociedade.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Identificamos a situação de infraestrutura das escolas do


meio rural nos itens de apoio tecnológico e de acesso à informação, a
partir da lista de itens do Censo Escolar de 2020, em articulação com
a discussão sobre os desafios da Educação do Campo, considerando
24 municípios do Piauí, situados nos 12 territórios de desenvolvimen-
to, instituídos na Lei Complementar nº 87/2007.
Concluímos que a realidade de infraestrutura das escolas
denota um contexto com muitos desafios quanto à qualidade dos
processos escolares e, precipuamente, dos processos pedagógicos,
que cada vez mais são integrados em redes de informações, de mate-
riais de apoio didático. Sem falar que a gestão escolar também exige
a utilização permanente de plataformas a serem alimentadas com
dados necessários à movimentação do sistema de ensino. Faltam às
escolas equipamentos elementares como impressoras, copiadoras e
projetores multimídia, prevalecendo outros que já se encontram em
desuso, como DVD e TV.
Identificamos que os estudantes do meio rural são, ao mesmo
tempo, excluídos do território, do protagonismo político, das condi-
ções econômicas, da educação escolar e das TDIC, ou seja, estão
imersos em exclusões sucessivas que acompanham o processo
histórico, em face das invenções e do arrepio das garantias legais.

221
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

Podemos afirmar que a situação da escola do meio rural jus-


tifica os baixos IDHs no Piauí, ao tempo em que contribuem para a
composição deles, ou seja, são situações que se interconectam em
movimento de retroalimentação. A mudança desse quadro requer in-
tervenções que qualifiquem o espaço escolar em seu conjunto, sendo
indispensável dotar essas instituições de equipamentos e suporte que
favoreçam a utilização das TDICs, assegurem o direito à educação e,
ao mesmo tempo, alterem a racionalidade e o fazer político que asse-
gura a condição atualmente existente ao meio rural, estendendo-se à
escola e à política educacional. Para isso, é necessário buscar outras
referências, daí a Educação do Campo se apresenta como uma alter-
nativa a apontar possibilidades para essa construção.

REFERÊNCIAS

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IPEA, 1990.
CALDART, Roseli. Por uma educação do campo: traços de uma identidade em
construção. In: KOLLING, Edgar Jorge; CERIOLE, Paulo Ricado; CALDART, Roseli
Salete. Educação do campo: identidade e politicas públicas. Brasília: Articula-
ção por uma Educação do Campo, 2002.
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e terra, 1999.
FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil: ensaios de interpreta-
ção sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.
FRANCO, Maria Laura Publisi Barbosa. Análise de conteúdo. 3. ed. Brasília:
Liber Livro Editora, 2008.
GAMBOA, Silvio Sanchez. Perspectiva em educação: métodos e epistemologia.
Chapecó: Argos, 2007.
GUEDINI, Maria Cecília. A produção da educação do campo no Brasil: das refe-
rências históricas à institucionalização. Jundiaí: Paco Editorial, 2017.
LEAL, Manuela Nunes. Agronegócio da soja no Piauí: novas dinâmicas no
espaço urbano. In: VII CONGRESSO BRASILEIRO DE GEÓGRAFOS. Anais [...].
Vitória, 2014. Disponível em: www.cbg2014.agb.org.br › resources › anais › 14.
Acesso em: 13 mar. 2021.

222
ESCOLAS DO MEIO RURAL PIAUIENSE E A NEGAÇÃO
DO DIREITO ÀS TECNOLOGIAS DIGITAIS DA INFORMAÇÃO E DA COMUNICAÇÃO

MOLINA, Mônica Castagna; JESUS, Sônia Meire Santos Azevedo de. Contri-
buições para a construção de um projeto de educação do campo. Brasília:
Articulação Nacional Por uma Educação, 2004.
PEREIRA, Tamires Lopes; LOVO, Ivana Cristina. Um breve panorama da utiliza-
ção das TDICs pelas escolas rurais. Educação em debate, Fortaleza, ano 41, n.
78, jan./abr. 2019.
PIAUÍ, Fundação Centro de Pesquisas Econômicas e Sociais do Piauí (CEPRO).
O IDH dos municípios do Piauí por território de desenvolvimento. Teresina:
CEPRO, 2016.
PRADO JR., Caio. Formação do Brasil contemporâneo: colônia. São Paulo:
Companhia das Letras, 2011.
PRADO JR., Caio. A questão agrária no Brasil. São Paulo: Companhia das
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RUFO, Tiago Fernandes; SOBRINHO, Fernando Luiz Araújo Sobrinho. O proces-
so histórico de formação territorial do estado do Piauí e as transformações
recentes na mesorregião do sudoeste piauiense. Brasília: Espaço & Geografia,
v. 18, n. 1, p. 121-160, 2015.
SAQUET, Marcos Aurélio. Por uma abordagem territorial. In: SAQUET, Marcos
Aurelio; SPOSITO, Eliseu Savério (org.). Por uma abordagem territorial. São
Paulo: Expressão Popular: UNESP: Programa de Pós-Graduação em Geografia,
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STEDILE, João Pedro. A questão agrária no Brasil: o debate tradicional – 1500-
1960. 1. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2005
ZEMELMAN, Hugo. Los Horizontes de la Razón II: historia y necesidad de uto-
pía. Barcelona: ANTHROPOS/El Colegio de México, 1999.

223
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

224
PARTE 3

POLÍTICAS PARA O
ENSINO SUPERIOR
O TRABALHO DOCENTE
NAS UNIVERSIDADES FEDERAIS
BRASILEIRAS E AS TRANSFORMAÇÕES
NA RELAÇÃO TRABALHO E CAPITAL:
revisão de literatura

Maria da Penha Feitosa

1 INTRODUÇÃO

A reflexão aliada à luta em defesa de políticas públicas que


possam gerar condições de vida digna na sociedade tem mobilizado
grande parcela dos trabalhadores e trabalhadoras de todo o mundo,
seja nos movimentos sociais ou na academia. No Brasil, no campo
da educação, o eixo tem sido a reunião de forças em torno de estra-
tégias pela defesa do direito à educação, por ser hoje um dos mais
atacados pelos governos de perfil ultra neoliberal que se instalaram
no poder nos últimos cinco anos.
No Piauí, o enfrentamento das problemáticas na educação
tem recebido substancial apoio da academia, por meio de pesquisas
geradoras de conhecimentos sobre os mais diferentes temas que,
direta ou indiretamente, buscam contribuir para uma intervenção
mais efetiva e fundamentada teoricamente na definição dos hori-
zontes das políticas educacionais no Estado. Não só isso, mas que o
direito à educação seja de fato assegurado e materializado de forma
democrática, laica e com qualidade. As condições de realização do
trabalho docente e suas implicações na vida dos profissionais da
educação têm merecido especial atenção nessa conjuntura.
O presente texto centraliza a reflexão nas políticas para o
ensino superior, analisando, especialmente, o trabalho docente nas

227
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

universidades federais brasileiras, associado à ideia de intensificação,


em um contexto de transformações no mundo do trabalho, no atual
estágio de desenvolvimento do capitalismo. Trata-se de parte do es-
tudo teórico realizado em pesquisa de doutorado em educação que
teve como tema As universidades federais brasileiras e o movimento
de intensificação do trabalho docente: um estudo sobre a UFPI, tese
defendida em 2019, na Universidade Federal de Uberlândia. O esfor-
ço teórico tem sido no sentido de compreender essa realidade de
forma a poder intervir mediante ação coletiva no enfrentamento dos
ataques ao trabalho docente, consequentemente aos professores
e professoras que, segundo Leher (2017), diante do irracionalismo a
que estamos sendo submetidos, “têm mantido acesa a chama do
conhecimento, em prol da liberdade e da emancipação humana. Nas
escolas e universidades têm demonstrado emocionante coerência,
inteligência e vigor para impedir que a educação pública seja engol-
fada pelas manifestações da crise que transtorna o país [...]” (p.01).
Analisar o trabalho docente nas universidades federais brasi-
leiras não se mostra tarefa das mais fáceis, tendo em vista a quanti-
dade de interpretações que envolvem a problemática, especialmente
em um contexto de transformações no mundo do trabalho em plena
crise de um sistema que atua em várias frentes, e das formas mais
enganadoras possíveis, a fim de manter intacta a regra geral que o
conserva vivo e atuante na acumulação de riqueza e exploração da
força de trabalho.
Nessa reflexão, inicialmente, dois aspectos precisam estar
claros: como o trabalho docente se localiza nesse cenário e por que
aparece associado à ideia de intensificação, característica que se
traduz em precarização das condições de trabalho dos profissionais
da educação, tanto na esfera pública quanto na esfera privada e em
todos os níveis de ensino.
Para explicitar tais questões, tendo como foco o trabalho
docente em instituições públicas, recorremos, no primeiro caso, ao
pensamento de Mészàros (2011), resgatando a análise que ele faz

228
O TRABALHO DOCENTE NAS UNIVERSIDADES FEDERAIS BRASILEIRAS
E AS TRANSFORMAÇÕES NA RELAÇÃO TRABALHO E CAPITAL: REVISÃO DE LITERATURA

sobre a relação de reciprocidade entre as duas principais dimensões


do sistema capitalista, a infraestrutura ou base material e a superes-
trutura jurídico-política-ideológica.
No segundo caso, buscamos estudos realizados por Santana
e Silva (2018), Meirelles (2018), entre outros, sobre o sentido do termo
intensificado enquanto característica do trabalho docente no en-
quadramento referido. Nos tópicos a seguir, discutiremos a situação
de intensificação em que se encontra o trabalho docente, a partir
de contribuições de autores e autoras que analisam a temática, em
publicações entre 2006 a 2018, como descrito nas referências.

2 O TRABALHO DOCENTE EM INSTITUIÇÕES PÚBLICAS EM


MOMENTO DE IMPORTÂNCIA PRIMORDIAL

Dispomos, hoje, de robusta literatura sobre a intensificação do


trabalho docente no Brasil, tanto em relação ao setor privado quanto
público. No setor privado, essa condição é engendrada na relação dire-
ta que o dono do estabelecimento educacional mantém com o capital,
sustentada pela crescente exploração de mais-valia no atual quadro
de crise do capitalismo. No setor público, diante das transformações
no mundo do trabalho e do perfil do Estado capitalista cada vez mais
próximo do setor privado, a tendência é se reconhecer que, mesmo
nessa esfera de poder, o trabalho docente alimenta a engrenagem
metabólica do sistema capitalista, na medida em que a intensificação
se mostra cada vez mais clara, com algumas diferenciações pontuais
em relação ao setor privado, vez que a exploração no contexto referido
atinge a todos e a todas que vivem da força de trabalho.
Dizer que isso ocorre apenas pela metamorfose de formas
jurídicas, políticas e ideológicas indiferentes à geração de riquezas no
mundo seria simplificar o debate, uma vez que se trata de questão que
tem suporte material, opera mediante uma contextualidade-mundo,
inserida que está na relação dialética de reciprocidade entre as duas
principais dimensões do sistema capitalista, quais sejam a infraes-
trutura e a superestrutura. Senão vejamos.

229
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

Segundo Mészàros (2011, p. 81), são os momentos de crise e


subcrises do sistema capitalista os mais sensíveis à relação de reci-
procidade. É quando esse sistema mostra de forma mais contundente
suas contradições, uma vez que “todos os complexos sociohistóricos
reais caracterizados pela ‘reciprocidade’ em seu modo de funciona-
mento têm algum ‘uebergreifends moment1’”. A questão posta não é
se a reciprocidade existe ou não, mas por que existe, observando-se
as especificidades das formações sociais e o movimento de ascen-
dência ou declínio de reprodução da vida no mundo.
Partindo dessa compreensão, o fator primordial de impulso
das transformações no mundo do trabalho com efeitos em todos
os ramos de trabalho teria sido, em um primeiro momento, a crise
estrutural do sistema capitalista (década de 1970), e no segundo
momento, as “subcrises” ou declínios periódicos (MÉSZÁROS, 2011).
Aliás, o movimento se dá assim como explana o referido autor:
enquanto dura a fase ascendente do desenvolvimento social, as con-
tradições dormitam e a tendência é se ter a impressão de que há uma
finalidade orgânica entre superestrutura e infraestrutura, que faz com
que se veja a superestrutura como um “círculo vicioso de determina-
ções engastadas com os imperativos materiais do sistema produtivo
estabelecido e, portanto, não possa ser reconhecida como fator signi-
ficantemente autônomo” (MÉSZÁROS, 2011, p. 81, grifo do autor).
Dessa forma, reduz-se a margem de intervenção da superes-
trutura, e falar de determinação recíproca, nesses momentos, para
Mészáros (2011, p. 81), constitui redundância, uma vez que a repro-
dução do sistema não se mostra organicamente problemática, não
havendo necessidade de se pensar em reciprocidade.
Diferentemente, nas fases de declínio do desenvolvimento
social, materializadas na crise estrutural do sistema capitalista que
já dura muitas décadas, com interstícios de pequenas crises (ou
subcrises), as forças superestruturais tendem a ser dominantes
e bem-sucedidas em suas funções de regulação e reprodução do

1  Termo utilizado por Mészáros (2011, p. 81) para definir um ‘momento’ ou fator de importância
primordial.

230
O TRABALHO DOCENTE NAS UNIVERSIDADES FEDERAIS BRASILEIRAS
E AS TRANSFORMAÇÕES NA RELAÇÃO TRABALHO E CAPITAL: REVISÃO DE LITERATURA

sistema, tendo em vista a ‘“circularidade prática’ que tende a preva-


lecer entre os imperativos materiais e as dimensões superestruturais
de um sistema plenamente articulado – e, nesse sentido, orgânico”
(MÉSZÀROS, 2011, p. 81, grifo do autor), assim como ocorre nos pe-
ríodos de transição de uma sociedade para outra, “pois, sob tais
condições, tanto o fundamento produtivo como a superestrutura da
ordem estabelecida devem ser radicalmente reestruturados”, tarefa
irrealizável sem a intervenção ativa de fatores superestruturais, que
“deve ser feito de modo que, repetindo, todos os níveis de prática
social, inclusive as mais mediadas práticas ‘culturais’, possam trazer à
tona e coalescer em um novo quadro ‘orgânico’ de intensificação da
economia e da estabilidade” (MÉSZÀROS, 2011, p. 81-82).
Logo, as regras da relação dialética de reciprocidade entre
as duas principais dimensões citadas têm nas reformas do sistema
jurídico-político um eixo de comando para a criação, transformação
e execução das políticas educacionais.
Sem apartar-se da premissa marxista de que é a base mate-
rial quem prepondera nessa relação, reconhecendo que os homens
têm de, em primeiro lugar, comer, vestir, beber, abrigar-se para de-
pois ocupar-se da política, das leis, das representações religiosas,
da arte, da educação, Mészáros (2011) pondera que isso não se dá
por uma correspondência mecânica, de mão única, mas a partir de
um movimento recíproco que, embora relativo, opera no geral como
um intercâmbio que faz com que particularidades da superestrutura
engendrem mecanismos de retroalimentação da infraestrutura que,
em última instância, subsidia materialmente o conjunto do sistema.
Nessa relação, ressaltando-se a força da ideologia, chega-
-se a conceber a ideia de que a superestrutura e suas orientações
político-jurídicas é quem determinam. A mediação entre as duas
dimensões referidas dá-se por meio das condições operacionais
postas em determinadas situações enquanto categorias explicativas
do real, e começam a fazer sentido nas formas de planejamento e de
organização das práticas adotadas pelo modelo do aparato fiscal e

231
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

legal das relações sociais, bem como de produção, assim como nas
políticas a partir das quais se executam as determinações materiais
em seu conjunto.
Nesse sentido, todo o aparato de leis que regulam os sistemas
educacionais, o trabalho docente, a metamorfose das instituições
universitárias, incluindo a natureza e a utilização do conhecimento
que produzem, inscreve-se no que Mészàros (2011) chama de “novo
conjunto de condições operacionais viáveis e regras praticáveis de
reciprocidade” (p.81/82).
Assim, agem e se metamorfoseiam como se tivessem so-
berania própria, o que é ilusório, uma vez que o suporte material
que mantém a propriedade privada é o mesmo que movimenta o
sistema jurídico sob o qual se regulam, e por meio dele, todos os
outros sistemas. Ao desnudar-se esse aparato, outras relações de
hegemonia e de dominação aparecem, assim como aludem Silva Jr.
e Schugurensky (2016, p. 15, grifo nosso): “a superestrutura, síntese
dialética de elementos da sociedade civil e da sociedade política,
em sua relação também dialética com a estrutura econômica, é o
espaço da hegemonia e da dominação da classe no poder ou de
seus representantes”.
Na perspectiva dos autores revistos, no atual momento de de-
clínio do desenvolvimento econômico-social no sistema capitalista,
quando a superestrutura se configura como espaço de hegemonia
e de dominação, momento de aumento da exploração da força de
trabalho, o trabalho docente, por dentro dos sistemas educacionais,
subsistemas da superestrutura, atua na reprodução ampliada de
capital por determinados canais de mediação na relação de re-
ciprocidade dialética referida: pela formação de força de trabalho,
seguindo regras estabelecidas pelo capital; pela ação do Estado no
escoamento de recursos públicos para empresas privadas; e, ainda,
pela privatização direta dos serviços públicos.
Isso posto, ressalte-se que assim como no setor privado, em
que o trabalho docente produz mais-valia que corre diretamente para
alimentar o capital, a tendência é que no setor público, o trabalho

232
O TRABALHO DOCENTE NAS UNIVERSIDADES FEDERAIS BRASILEIRAS
E AS TRANSFORMAÇÕES NA RELAÇÃO TRABALHO E CAPITAL: REVISÃO DE LITERATURA

concorra também para essa produção pela relação de proximidade


que o Estado capitalista neoliberal mantém com o capital privado.
No contexto de transformações no mundo do trabalho emergem
tipos diferenciados de ocupações, e a formação passa a ocorrer de
acordo com o novo sujeito que se quer formar para atender às novas
configurações do sistema. O emprego decorre da competência, fle-
xibilidade e adaptabilidade às condições exigidas pelo empregador.
Portanto, emprega-se o trabalhador ou a trabalhadora proativo/a,
que tem espírito de competição, de iniciativa e de protagonismo, e,
mais importante: que seja capaz de fazer além do trabalho para o
qual foi contratado. Então, corre paralelo o discurso da meritocracia
e a prática escolar que elege o empreendedorismo como alavanca
para o desenvolvimento do País.
O termo intensificado, ao qual nos referimos, não passou
despercebido na história do trabalho no mundo. Ser associado
agora, relativamente ao trabalho docente, como dito por boa parte
da literatura que analisa essa categoria, em meio às transformações
no mundo do trabalho no contexto referido, é um fato histórico. Para
Santana e Silva (2018), ao longo da história do trabalho, existiram
momentos de ampliação e redução da intensificação do labor em
geral, como ocorreu, por exemplo, na Revolução Industrial, quando se
assistiu à exacerbação do ritmo de trabalho.
Aplicada ao trabalho docente, essa intensificação segue
alguns critérios, ocorrendo, como diz Apple (1995), citado por San-
tana e Silva (2018, p. 283): “dentro de um processo mais recente
de racionalização e controle praticados nas instituições de ensino
ao longo de sua história, que envolve tanto o controle estatal como
os interesses industriais”. No contexto estudado por Apple (apud
SANTANA; SILVA, 2018, p. 283), “a intensificação do trabalho docente
relaciona-se especialmente à parte administrativa e burocrática do
tempo de trabalho dos professores com a sobrecarga de tarefas e
registros de prestação de contas do ensino e da aprendizagem, bem
como ao movimento de proletarização da categoria docente”.

233
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

Pode-se conceber trabalho intensificado, portanto, como


todo aquele cuja realização se torna árdua, ou seja, aquele com o
qual se dispendem não só energias físicas, mas esforço intelectual
em função das capacidades mentais, dos saberes e do envolvimento
pessoal e afetivo que requer, e que vem sendo transformado em
sofrimento ou adoecimento – aos quais Santana e Silva (2018, p. 284)
assim se referem: “pode emergir de um conflito entre a vontade de
fazer bem o seu trabalho, de acordo com as novas regras implícitas
na profissão, e a pressão que os leva a certas condutas para aumen-
tar a produtividade”, em obediência à lógica que vai se firmando nas
Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes) com consequências
práticas na definição do que vem a ser, hoje, o lugar do trabalho do-
cente no mundo do trabalho.
Os autores citados lembram os efeitos do trabalho por com-
putadores fixos ou portáteis, por sistemas de comunicação, celulares
e outros aparelhos:

que se sucedem freneticamente uns aos outros no


mercado, tende a romper com o padrão dos tempos
de trabalho separados nitidamente dos tempos de
não-trabalho. As fronteiras passam a ficar mais difusas
e os tempos de trabalho invadem os de não-trabalho,
afetando a vida individual e a coletiva. (SANTANA; SILVA,
2018, p. 284).

No que diz respeito ao trabalho docente aqui tratado, que se


realiza pela interação entre um tipo específico de instituição – a univer-
sidade pública federal – e um segmento específico de trabalhadores,
quais sejam os docentes do magistério superior, essa condição não
se mostra tão clara, inicialmente. A universidade vive seu cotidiano,
toma decisões e adota, rotineiramente, políticas gerais e específi-
cas com a intenção de fazer valer as atividades que a constituem
enquanto instituição universitária, ou seja, que faz pesquisa, ensino
e extensão e orienta que os docentes as adotem em seu trabalho e
em sua vida, por meio de regras e normatizações que cria de acordo

234
O TRABALHO DOCENTE NAS UNIVERSIDADES FEDERAIS BRASILEIRAS
E AS TRANSFORMAÇÕES NA RELAÇÃO TRABALHO E CAPITAL: REVISÃO DE LITERATURA

com as necessidades de cada momento. No entanto, nada a difere


de qualquer instituição na sociedade capitalista, mesmo porque nela
há “concentração de grandes volumes de capital, desenvolvimento
e estímulo de competição sem limites e sem fronteiras” (MEIRELLES,
2018, p. 228).
Após esclarecidos os dois aspectos acima levantados, con-
tinuamos as reflexões tendo em mente as considerações iniciais
(tópico 1, primeiro parágrafo). Descreve-se, nos tópicos que seguem,
como se dá a relação dialética entre a forma como o trabalho docente
se localiza no movimento de rearticulação das forças produtivas no
atual estágio do capitalismo no mundo e por que sofre transforma-
çõesa ponto de no contexto referido ser considerado intensificado.

3 A UNIVERSIDADE PÚBLICA FEDERAL COMO RECEPTORA DAS


POLÍTICAS NEOLIBERAIS DE CARÁTER GLOBALIZANTE

A queda nas taxas de lucro das grandes corporações capi-


talistas, causada, em grande medida, pelo pesado investimento em
máquinas e tecnologias na revolução técnica e tecnológica em curso,
tem sido apontada pela maioria dos teóricos que discutem a relação
capital-trabalho como a grande causadora do aumento da explora-
ção da força de trabalho.
É na força de trabalho da massa de trabalhadores e trabalha-
doras assalariadas, cada vez mais intensificada e precarizada, que a
burguesia promove a recuperação dos lucros para a superação da
crise do capitalismo. E nesse ensejo, não tem medido esforços para
transformar o mundo do trabalho, tanto por meio da introdução e do
uso indiscriminado de novas tecnologias quanto por intermédio de
reformas na legislação trabalhista, de forma a torná-la cada vez mais
flexível, a serviço dos lucros e a serviço do capital.
Se antes, o maquinário e a tecnologia serviam para diminuir
o tempo necessário à produção de quantidades cada vez maiores
de mercadorias, traduzindo-se em mais-valia relativa – momento

235
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

em que a legislação e os trabalhadores organizados em sindicatos


não permitiam extrapolar esse tempo – hoje, isso não representa
mais empecilho. Isso porque as constantes flexibilizações do tempo
trabalhado, inseridas nas leis trabalhistas em favor da classe patronal,
desarticularam de vez as “barreiras” que regulamentavam as horas
trabalhadas, causando não só intensificação, mas uma profunda
precarização do trabalho.
Analisando-se a crise do sistema capitalista de 2008-2009,
uma espécie de subcrise na crise estrutural da década de 1970,
Mészáros (2011) faz um paralelo entre uma e outra, e aponta uma
diferença substancial. A mais recente, além de ter uma dimensão
global, ataca sobremaneira o trabalho e, com ele, as condições de
vida social, tendo efeitos fortemente destrutivos do ponto de vista
social e natural.
Para o supracitado autor, esta é mais grave e mais severa do
que aquela, dado o seu caráter verdadeiramente global, pela primeira
vez na história. Diz textualmente o autor que “a grave crise em curso
de nossa época histórica é estrutural no sentido preciso de não po-
der ser superada nem mesmo com os muitos trilhões das operações
de resgate dos Estados capitalistas” (MÉSZÁROS, 2011, p. 137).
A educação, especialmente a superior, vislumbrada no ce-
nário das políticas neoliberais de caráter globalizante por Azevedo
e Catani (2013, p. 274), comporta elementos novos a partir da rela-
ção que tem com empresas privadas e com a internacionalização
do conhecimento, do compartilhamento da cultura e da circulação
internacional de ideias, à luz da categoria da contradição, “uma vez
que esse compartilhamento pode adquirir o sentido humanista da
solidariedade e da civilidade, ou o sentido coisificante da expansão
capitalista e da mercadorização (commodification)”.
Para os autores citados, na análise dessa problemática, há que
se atentar para “o tratamento científico-histórico de um lado, não
descartando, por outro, que essa aproximação investigativa também
carrega sentimentos, sejam os de afinidade ou mesmo de contrarie-
dade” (AZEVEDO; CATANI, 2013, p. 274).

236
O TRABALHO DOCENTE NAS UNIVERSIDADES FEDERAIS BRASILEIRAS
E AS TRANSFORMAÇÕES NA RELAÇÃO TRABALHO E CAPITAL: REVISÃO DE LITERATURA

Ademais,

a circulação de ideias e a educação, inclusive a superior,


necessariamente, implicam em compartilhamento de
cultura e de conhecimento. Isso pode ocorrer tanto em
nível restrito, para as elites, quanto de maneira ampla,
sem discriminação de classes; tanto em plano nacio-
nal, com vista à unificação, como internacional, para
a promoção da solidariedade entre os povos. Assim,
conceber “cultura como civilidade” e “cultura como
solidariedade”, de acordo com Eagleton (2000, p. 112),
pode significar somente a reunião de “inimigos jurados”;
porém, também pode, de forma inversa, transformar es-
sas junções (cultura/civilidade e cultura/solidariedade)
em potentes “aliados”. (AZEVEDO; CATANI, 2013, p. 274,
grifo dos autores).

A internacionalização da educação superior, vista do ponto de


vista da cultura globalizante, assim como a circulação de ideias para
além das fronteiras nacionais, baseiam-se em dois princípios contra-
ditórios subscritos na solidariedade internacional e na concorrência
em um mercado global de educação e conhecimento – expressões
que, na visão de Azevedo e Catani (2013, p. 285), “são como oximoros,
isso é, um termo silencia o outro. Em geral, quando essas expressões
aparecem ao mesmo tempo em uma política de internacionalização
é devido à força de retórica”.
Também na perspectiva de Antunes (2011, p. 13), a noção de
neoliberalismo globalizante como fator de aproximação e abertura
de fronteiras para os mercados de trabalho apresenta contradições.
Nessa direção, seus efeitos não atingem apenas o trabalho contra-
tado e regulamentado, herança do período taylorista e fordista, mas
atacam, em primeiro plano, as duras conquistas da luta da classe
trabalhadora ao longo do século XX, atingindo o trabalho – seja pro-
dutivo ou improdutivo, material ou imaterial.
Daí emerge a imposição de condições de trabalho precariza-
do que sinalizam mudanças estruturais na configuração da força de
trabalho em escala global, especialmente o trabalho relativamente

237
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

contratado e regulamentado, “que está sendo substituído por dife-


rentes formas de superexploração e autoexploração” (ANTUNES, 2011,
p. 13). Nesse quesito, inscrevem-se as políticas de sucateamento
das universidades públicas federais, consequentemente, do trabalho
docente no ensino superior.
Então, não há como desvincular o fenômeno da intensifica-
ção do trabalho do neoliberalismo globalizante como movimento de
sustentação do capital nas crises. Os governos neoliberais guardiões
do capital atuam em várias frentes no ataque aos direitos dos traba-
lhadores e trabalhadoras: ao tempo em que alteram profundamente
o universo do trabalho, minam as forças da organização sindical,
esvaziando o campo da luta coletiva.
Em consonância com Antunes (2011), isso ocorre seja pelo
movimento internacional de desregulamentação, desindustrialização
e de flexibilização das leis, seja pela privatização dos serviços públi-
cos e pelo sucateamento de setores que sempre constituíram a parte
mais vulnerável das políticas sociais, como a educação e a saúde. No
Brasil, isso ocorre pela retração da força de trabalho industrial e am-
pliação da tendência à subproletarização, por meio da terceirização
e do subemprego, seguindo tendência apontada por Marx (ANTUNES,
2011). Paralelo a esse processo ou como subsidiário dele, “há o cres-
cimento das ocupações no setor de serviços, tendência apontada
por Braverman (1977), já amplamente visível no setor do comércio,
das comunicações e transportes” (ANTUNES, 2011, p. 43).
Deveras, as políticas do governo para as universidades pú-
blicas federais brasileiras têm avançado nessa seara, ao imprimir
constantes cortes de recursos a essas instituições, que têm o impor-
tante papel de administrar e assessorar a ciência no desenvolvimento
técnico-científico, além de fomentar o desenvolvimento do ensino,
da formação, da pesquisa e da extensão em sua relação com a so-
ciedade. Por conseguinte, transferem para o trabalho docente e para
a vida dos trabalhadores e trabalhadoras da docência não avanços e
desenvolvimento que conquistaram ao longo de suas histórias, mas

238
O TRABALHO DOCENTE NAS UNIVERSIDADES FEDERAIS BRASILEIRAS
E AS TRANSFORMAÇÕES NA RELAÇÃO TRABALHO E CAPITAL: REVISÃO DE LITERATURA

as consequências da subproletarização, levando-os à intensificação


do trabalho, com consequências para a vida pessoal e acadêmica.
Dentre os pontos mais relevantes envolvendo as Ifes, elen-
cam-se: o congelamento total dos salários, o que tem levado muitos
docentes a buscarem alternativas para a complementação de salá-
rio; a crescente terceirização dos serviços; uma política de avaliação
de desempenho de caráter punitivo, com exigência sistemática de
produção acadêmica, constituindo o que se passou a denominar de
“produtivismo” acadêmico; vive-se insegurança na carreira, com a
ausência de uma legislação e organização que garantam regras claras
de reajustes salariais; mudanças nos processos de contratação de
docentes equiparados, que passam a ser comparados com trabalha-
dores de empresas privadas; também pelas constantes mudanças
nas regras de aposentadoria, que retiram direitos; além do enfraque-
cimento da capacidade de resistência das lutas coletivas.
Nesse cenário, quanto mais esforço para dar conta de
quantidade e diversidade maior de trabalho em meio às exigências,
porquanto os docentes do ensino superior são levados a preencher
cadastros e formulários que lhes chegam constantemente, sem que
tenham tempo sequer para conhecer sua natureza e a que vieram,
mais intensificado e precarizado fica o trabalho, mais distantes e
menos tempo terão para refletir sobre a sua condição. No campo
aberto da competição e das disputas por financiamento de projetos,
a busca por ganhos individuais ou de grupos em detrimento da luta
coletiva tornou-se uma prática comum que os mais novos, muitos
advindos de instituições privadas, incorporam e dela não se apartam,
como se fosse a regra de todo o sempre.
Com efeito, nos momentos de crises, as contradições das
instituições universitárias federais são colocadas à mostra. Enquanto
permitem que se conheçam as implicações para o trabalho docente,
que se torna intensificado, desvelam um novo tipo de intelectual aca-
dêmico: aquele que, como diz Tragtenberg (2009, p. 6), “despe-se de
qualquer responsabilidade social quanto ao seu papel profissional:

239
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

a política das ‘panelas’ acadêmicas de corredor universitário e a


publicação a qualquer preço de um texto qualquer se constituem no
metro para medir o sucesso universitário”.
Na compreensão da problemática, detivemos nossa atenção
em pesquisa realizada por Sguissard e Silva Jr. (2009, p. 125-126), por
concentrar elementos dos quais mais nos aproximamos, do ponto de
vista dos objetivos propostos nesta pesquisa. A propósito, desnudam
os autores uma realidade marcada pela intensificação e precarização
do trabalho docente em uma escala ascendente, apontando como
causas: o fato mais evidente e talvez de maior repercussão sobre a
intensificação e precarização do trabalho docente, o que se traduz
na “política” de financiamento da educação superior pública federal;
a evolução/involução da remuneração salarial; a correlação entre
o crescimento de matrículas na graduação e pós-graduação e o
crescimento das funções ou do quadro docente (regime de traba-
lho), assim como do quadro de funcionários técnicos-administrati-
vos; a evolução da relação professor/alunos é uma decorrência da
correlação desses estados e o aumento do coeficiente da relação
professor/alunos que se somam ao aumento de atividades buro-
cráticas ou laboratoriais, que significa a redução de 40% do corpo
técnico-administrativo do conjunto das Ifes da amostra, assim como
o aumento de 50% da produção intelectual publicada per capita dos
professores vinculados à pós-graduação.
Dado significativo levantado pelos pesquisadores com as en-
trevistas junto aos docentes das instituições pesquisadas diz respeito
à profunda relação de afetividade que mantêm com a instituição que
os acolheu – muitos ainda enquanto estudantes. Nos depoimentos,
ficaram evidentes os fortes laços que os unem aos seus lugares de
trabalho e às atividades que realizam, atrelados ao valor que atribuem
à docência em uma instituição pública federal e à forma como ingres-
saram – ressalte-se, por meio de concursos altamente concorridos –,
especialmente quando comparados com outros tipos de trabalhos e
profissões. O orgulho por estarem em uma instituição pública federal
falou alto em todas as universidades pesquisadas.

240
O TRABALHO DOCENTE NAS UNIVERSIDADES FEDERAIS BRASILEIRAS
E AS TRANSFORMAÇÕES NA RELAÇÃO TRABALHO E CAPITAL: REVISÃO DE LITERATURA

Nessa perspectiva, concebe-se um prazer manifesto por parte


dos docentes entrevistados em ser responsável por formar alguém,
orientar e produzir conhecimentos, mesmo que seja em horários e
em quantidade de horas que extrapolam o tempo normal de traba-
lho. De acordo com Sguissardi e Silva Jr. (2009), esse sentimento
íntimo de valorização do ser professor de uma instituição federal,
por um lado, e o prazer em trabalhar em condições adversas, por
outro (quantidade de trabalho, tempo envolvido, responsabilidade e
comprometimento afetivo, trabalhos extras dentro do permitido, às
vezes até sem remuneração), guarda muitos sentidos.
Para os autores,

não é um prazer real, mas ele adquire sentido no contex-


to de uma cultura, que se tornou dominante, que valoriza
o produtivismo acadêmico, a sociabilidade produtiva ou,
por exemplo, a “produção” que, para ser valorizada, pre-
cisa ser publicada no exterior, nos veículos de divulgação
científica dos países centrais e sob a chancela de suas
instituições de pesquisa, além de em sua língua, o inglês,
latim moderno, símbolo da dominação na atual fase do
capital mundializado (SGUISSARDI; SILVA JR., 2009, p.
141-142, grifos dos autores).

Os pesquisadores chamam a atenção para os reflexos des-


se sentimento também no esvaziamento dos espaços das lutas
coletivas, mesmo diante de problemas que há muito passaram do
nível do suportável, a exemplo do sucateamento das universidades
e congelamento salarial, como identificado pelas pesquisas. Outra
questão levantada trata da importância dada à chamada “extensão
de currículo”, que favorece “complementações salariais na forma
de bolsa de produtividade, com taxa de bancada2, financiamentos
de variadas naturezas por órgãos estatais ou privados, nacionais ou
internacionais” (SGUISSARDI; SILVA JR., 2009, p. 141).

2  Recurso concedido por agências de fomento à pesquisa (CNPq/CAPES) a bolsistas e


pesquisadores credenciados como orientadores em programas de pós-graduação stricto
sensu.

241
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

Aqui também se vê, com bastante clareza, o “enviesamento


ideológico” de que fala Saviani (1981) e que está implícito na concep-
ção de carreira e de política salarial do magistério superior, itens que
nem de longe ofuscam o brilho nos olhos de quem estudou muito
para estar ali como docente de uma instituição federal de ensino.
Isso tem elevado peso e significado na problemática do re-
conhecimento dos docentes como classe trabalhadora tal qual os
demais trabalhadores. No tópico que segue, continuaremos essa
discussão, ressaltando o sentido da docência no trabalho intensifi-
cado – obviamente, um sentido especificamente relacionado ao que
vimos tratando até aqui.

4 O SENTIDO DA DOCÊNCIA NO TRABALHO INTENSIFICADO NO


PROCESSO DE MERCANTILIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO

O sentido da docência, nos termos acima discutidos por


Sguissardi e Silva Jr. (2009, p. 141), “adquire sentido, também, se con-
siderados o individualismo e a competição cada vez mais presentes
no trabalho intensificado e precarizado, em que se forja a sociabili-
dade produtiva requerida pelo Estado (privatizado) e pelo mercado”.
Nessa lógica, Ferraz (2008, p. 11) denomina esse fenômeno
de “captura total da subjetividade dos trabalhadores pelo capital”,
enquanto Alves (2000) o designa de “subsunção intelecto-afetiva do
trabalho ao capital”3. E para que isso seja possível, os agentes do
capital procuram refinar o mais possível os mecanismos de domina-
ção no processo de trabalho, com a intenção de fazer com que os
trabalhadores interiorizem a chamada “gaiola de ferro”.4 A ideia é

3  Em síntese, se no primeiro momento do processo de trabalho capitalista, a subsunção do


trabalho ao capital era formal e passa a ser real, com o desenvolvimento da grande indústria,
atualmente, ela aprofunda-se dando lugar à subsunção intelecto-afetiva do trabalho ao
capital (FERRAZ, 2008).
4  Expressão utilizada por Weber para definir o trabalho industrial que, na visão dele,
aprisionava o operário, mantendo-o sob controle à medida em que ditava as normas inclusive
do seu tempo fora da indústria. Sentido que hoje pode ser estendido à ordem racionalista
burocratizada do capitalismo que aprisiona boa parte da humanidade, senão toda.

242
O TRABALHO DOCENTE NAS UNIVERSIDADES FEDERAIS BRASILEIRAS
E AS TRANSFORMAÇÕES NA RELAÇÃO TRABALHO E CAPITAL: REVISÃO DE LITERATURA

fazê-lo incorporar mais profundamente a ética da compe-


titividade e do individualismo, além de valores que vão de
encontro aos seus próprios interesses de classe, de modo
a quebrar possibilidades de solidariedade de classe, além
de tentar fazer com que os trabalhadores interiorizem
princípios ideológicos que os comprometam subjetiva e
ativamente com as metas do capital, sem que seja ne-
cessário a presença física dos agentes encarregados do
efetivo controle sobre o trabalho. (FERRAZ, 2008, p. 11).

Sobre a naturalização do produtivismo acadêmico, Santos


(2010, p. 149) pronuncia-se dizendo que a universidade pública passa
a produzir ciência e tecnologia para o capital internacional a partir do
movimento reformista desencadeado pela Reforma do Aparelho do
Estado, em 1995, no Brasil, e que é a partir desse movimento que se
cria uma nova cultura universitária, “por meio de práticas individua-
listas, concorrenciais e produtivistas”.
A proposta desse novo ideário acadêmico é justamente na-
turalizar essas práticas, de forma que os sujeitos envolvidos com a
produção do conhecimento científico não tenham outra opção senão
aceitar os financiamentos de pesquisa, muitas vezes, sem o conhe-
cimento dos processos subjacentes aos seus resultados. Como diz,
“a naturalização desses elementos na prática universitária de alunos
e professores envolvidos com a pesquisa nos leva a deduzir um pro-
cesso de mercadorização da ciência”, quando

o saber perde então a sua condição de “valor de uso”


e passa a ser avaliado como algo que existe para ser
vendido e que também existe para ser consumido com
vistas a uma nova produção. Fornecedores e usuários do
conhecimento passam a ter uma relação com o saber
como “valor de troca”. O seu valor é determinado por
uma realidade extrínseca a ele; ele é, segundo a definição
clássica, a expressão do trabalho humano socialmente
necessário para produzi-lo. (...) o saber tornou-se a
principal força de produção. (LYOTARD, 2008, p. 129 apud
SANTOS, 2010, p. 149).

243
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

O que sempre foi caro ao trabalho docente nas instituições


universitárias, espaço por excelência da crítica a tudo o que possa
empobrecer a compreensão da exploração capitalista pelo peso da
ideologia, começa a dar sinais de exaustão, exatamente por estar
vivendo o seu contrário no novo ethos acadêmico que coloca todos
em um mesmo ritmo de competição e individualismo, em busca
de alternativas isoladas. O que poderia gestar solidariedade, em se
tratando de trabalho em grupos ou em núcleos, ocorre de modo con-
trário, na ausência de condições de trabalho e salariais adequadas.
Corroborando Ferraz (2008, p. 17),

transforma-se em um instrumento de potencialização


da competitividade e de enfraquecimento de uma
possível solidariedade de classe; estabelece clivagens
ao segmentar os trabalhadores entre os aqueles que
cumprem as metas e aqueles que não as cumprem,
criando divisão política e ideológica; gera uma sensação
constante de estresse e insegurança, com relação ao
anseio de manutenção dos patamares de produtividade,
determinados pelas agências de fomento (transfiguradas
agora nos capatazes dentro da universidade); transforma
a produção do conhecimento em uma linha de produção,
onde a qualidade perde espaço para a quantidade.

E para compensar a política de corte de verbas nas univer-


sidades, que tem causado paralisação de muitas atividades e pro-
jetos, intensifica-se o trabalho em meio à política de administração
de escassez. Nesse contexto, as exigências de produção, criação
e participação nos núcleos ou grupos de pesquisa; o trabalho que
se realiza em setores da gestão; e as reuniões sistemáticas em
conselhos somam-se ao processo crescente de perdas salariais e
de direitos. Outrossim, insegurança – inclusive da permanência do
caráter público da universidade (que há muito vem sofrendo o cerco
do privatismo) –; perda de autonomia e do perfil que a referenciava
socialmente; presença de professores com contratações precariza-
das – os conhecidos professores substitutos;5 e atuação de traba-
lhadores terceirizados em atividades-meio.

5  Sguissardi e Silva Jr. consideram que o professor substituto se tornou imprescindível na


universidade, uma vez que “a sua insegurança se tornou a segurança dos professores efetivos

244
O TRABALHO DOCENTE NAS UNIVERSIDADES FEDERAIS BRASILEIRAS
E AS TRANSFORMAÇÕES NA RELAÇÃO TRABALHO E CAPITAL: REVISÃO DE LITERATURA

Tudo isso contribui para o quadro de trabalho intensificado e


precarizado. Daí porque é que “uma boa parte dos docentes-pesqui-
sadores dedicam um tempo nada desprezível a preencher relatórios,
alimentar estatísticas, concorrer a editais, promover visibilidade para
sua pesquisa e seu departamento, com o fito de levantar fundos,
para si ou para a própria instituição”, como avultam Mancebo et al.
(2006, p. 50), e “cada dia mais ocupados e preocupados com seus
respectivos diretórios de pesquisa, do CNPq e da Capes, com seus
vínculos a grupos de pesquisas nacionais e internacionais e com a
produção intelectual requerida”, em conformidade com Sguissardi e
Silva Jr. (2009, p. 146-147).
Contribuindo com essa discussão, Mancebo et al (2006, p. 47,
grifo dos autores) acrescentam que as atividades docentes foram
duplamente atingidas pelas novas ordenações assumidas pelo Esta-
do brasileiro, assim como pelo que decorreu dessas ordenações para
o ensino superior. Se por um lado, o docente é configurado como
trabalhador de um “sistema produtivo-industrial, imerso numa nova
organização do trabalho, por outro, o produto do seu trabalho – ‘força
de trabalho competente’ e ‘tecnologia e conhecimento científico’,
fundamentais na dinâmica do novo funcionamento socioprodutivo –
também é afetado”.
A explicação para esses dois aspectos tem singular impor-
tância para a compreensão do que vimos discutindo, o que nos força
a estender a citação, como segue:

Em relação ao primeiro aspecto, as mudanças e conse-


quências são múltiplas e, quase sempre, desastrosas: (1)
precarização do trabalho docente, visível até mesmo nas
grandes universidades públicas6, onde proliferam as (sub)

na carreira”, inclusive a segurança da própria manutenção de muitos cursos de graduação e


mesmo de pós-graduação e, indiretamente, dos próprios programas de pós-graduação, das
linhas e dos projetos de pesquisa (2008).
6  Ver SGUISSARD, Valdemar; SILVA JUNIOR, João dos Reis. Trabalho intensificado nas federais:
pós-graduação e produtivismo acadêmico, São Paulo: Xamã, 2009.
Na obra, os autores expõem resultado de pesquisa realizada em 15 universidades do Sudeste
do Brasil, tendo como amostra sete dentre elas.

245
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

contratações temporárias de professores; (2) intensifi-


cação do regime de trabalho, donde decorrem aumento
do sofrimento subjetivo, neutralização da mobilização
coletiva e aprofundamento do individualismo competiti-
vo, atingindo, obviamente, não somente os trabalhadores
precários, mas acarretando grandes consequências para
a vivencia e a conduta de todos aqueles que trabalham
nas instituições de ensino superior; (3) flexibilização do
trabalho, em cujo nome novas atribuições são agendadas
para os professores, muitas das quais desenvolvidas,
anteriormente, por funcionários de apoio, de modo que
o docente agora é responsável não apenas pela sala de
aula e pelo desenvolvimento de sua pesquisa, mas por
um crescente número de tarefas, como o preenchimento
de inúmeros relatórios e formulários, a emissão de pare-
ceres, a captação de recursos para viabilizar seu trabalho
e até para o bom funcionamento da universidade; e, por
fim (4) submissão a rigorosos e múltiplos sistemas avalia-
tivos onde a eficiência do professor e sua produtividade
são objetivadas em índices.

Em relação ao segundo aspecto – os produtos do tra-


balho do professor – faz-se necessário destacar para
análise as duas principais atividades docentes: (1) o en-
sino e a neoprofissionalização do sistema de educação
superior e (2) a produção do conhecimento e a ênfase na
produção de conhecimento economicamente útil, isto é,
comercializável (MANCEBO et al., 2006, p. 47).

Ao tempo em que enreda os trabalhadores docentes no clima


de utilidade, adapta-os ao processo de flexibilidade do trabalho,
em uma situação de rebaixamento dos salários e quebra do cará-
ter público das Ifes. Enquanto são privatizadas por dentro, adotam
o modelo do “economicamente útil”, que tem na produtividade
e na rentabilidade empresarial suas bases. Sobre esse formato de
universidade, Lemos (2011, p. 111) ressalta que “demanda professores
flexíveis, capazes de se adaptar rapidamente aos cursos relâmpagos,
a avaliações quantitativas por produção, a prazos reduzidos e a resul-
tados de aplicação imediata”.

246
O TRABALHO DOCENTE NAS UNIVERSIDADES FEDERAIS BRASILEIRAS
E AS TRANSFORMAÇÕES NA RELAÇÃO TRABALHO E CAPITAL: REVISÃO DE LITERATURA

Quando se analisa essa concepção de universidade, fica claro


o crescente estreitamento de sua função pública e a neutralização
da sua função política, profundamente ofuscada pela função econô-
mica, assim como pontuam Silva Jr. e Schugurensky (2016, p. 8): “nas
universidades, a autonomia desaparece, em seu lugar, de acordo com
o credo da eficiência, a racionalidade das corporações mundiais é
imposta, reduzindo de pronto sua natureza pública”.7
As leis, ao restringirem a participação do Estado no financia-
mento do público, simultaneamente reforçam o processo de mer-
cantilização do conhecimento, alterando a função social e política
da academia, introduzindo nela uma cultura mercantil orientada para
objetivos econômicos. Como salientam Silva Jr. e Schugurensky (2016,
p. 11), é possível observar isso nos planejamentos estratégicos das uni-
versidades estatais, em que está explícita a busca por financiamentos
privados, em uma racionalidade que “induz e impulsiona a mobilidade
acadêmica internacional desde a graduação, mestrados, doutorados,
pós-doutorados, pesquisador visitante e professor visitante”.
Nesse contexto, o perfil dos professores recém-contratados
altera-se, ou seja, quanto mais amplo o perfil, mais aproximado do tra-
balho com grants, mais chances de ser aceito pela análise do currículo.
Nessa nova cultura acadêmica, os perfis dos concursos bus-
cam o trabalhador docente que com mais facilidade se familiarize
com as novas tendências, pois precisa se acostumar ao trabalho
intensificado (a universidade já o contrata para uma disciplina de ca-
ráter geral), cumprir metas e fazer com que o seu esforço seja cana-
lizado para gerar produtos para serem licenciados e comercializáveis.
Nessa conformação universitária, “os reitores de grande maio-
ria das instituições são, agora, administradores profissionais e a ges-
tão acadêmica é subordinada à primeira” (SILVA JR.; SCHUGURENSKY,
2016, p. 11). As consequências desse movimento para a gestão, a
pesquisa, o trabalho do professor, os tipos de cursos de graduação

7  Ver SILVA JR., João dos Reis; SCHUGURENSKY, Daniel. O trabalho do professor na universidade
brasileira: hegemonia e neoamericanismo. In: Revista HISTEDBR on-line, Campinas, n. 67, p.
5-22, mar. 2016. ISSN: 1676-2584.

247
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

e de pós-graduação não poderiam ser mais claras. A exigência de


publicação em revista de prestígio mundial é apenas mais uma peça
no jogo mercadológico da nova universidade, e não mais vale mera-
mente a socialização do conhecimento.
Em alusão ao esclarecimento da questão, Ferraz (2008) apon-
ta aspectos meritórios para a compreensão tanto do “fenômeno da
precarização” do trabalho na universidade quanto da negação da luta
política contra essa precarização. Alguns desses aspectos trazemos
aqui de forma resumida.
Primeiro aspecto: os professores ingressantes na universida-
de, a partir da década de 1990, formados desde a educação básica
segundo a nova orientação, antes referida, é que, segundo Ferraz
(2008, p. 17), há muito, manejam os instrumentos de conformação
dessa nova universidade e cultura acadêmica – daí a grande aderên-
cia desses docentes a tal projeto, como identificado pelo autor.

Criadas as condições para o aprofundamento da nova


hegemonia do capital na universidade pública, perce-
be-se uma grande aderência dos docentes a tal projeto.
Isto se dá entre professores mais antigos, como também
entre os mais novos. Entre a nova geração de professo-
res, a situação tende a ser mais grave. Esta geração se
insere na carreira no momento em que a nova sociabi-
lidade proposta pelo capital se capilariza no ambiente
universitário, ou seja, no contexto político-ideológico da
hegemonia neoliberal e no momento em que a univer-
sidade pública se aproxima mais do ethos empresarial.
Este profissional sucederá uma geração de professores
que viveram um momento importante de luta em defesa
da democratização e de fortalecimento da universidade
pública. A nova geração de docentes do ensino superior
constitui-se, em sua maioria, de jovens profissionais
formados já na conjuntura de avanço do neoliberalismo
(a partir dos anos 90), tanto na universidade quando nos
mais diversos espaços da sociedade brasileira e que, de
certa forma, tende a incorporar elementos dessa nova
hegemonia em sua prática.

248
O TRABALHO DOCENTE NAS UNIVERSIDADES FEDERAIS BRASILEIRAS
E AS TRANSFORMAÇÕES NA RELAÇÃO TRABALHO E CAPITAL: REVISÃO DE LITERATURA

São exatamente esses professores que, na visão de Ferraz


(2008), mostram tendência a uma situação de maior vulnerabilidade
ideologicamente, muitos pelo fato de não terem vivido o debate dos
anos 1980 sobre o papel social da universidade, pois chegaram à uni-
versidade no auge do clima do “produtivismo despolitizante” (2008),
do enfraquecimento do conceito de público e do aprofundamento
das relações da universidade com o setor privado.
Para o referido autor, o comportamento gerado a partir dessa
vivência não poderia ser outro senão o individualismo, a competição
e a não problematização das condições de trabalho a que são sub-
metidos, muitas vezes por não relacionarem essas condições com o
cenário político no seio do qual são engendradas, acontecendo o que
o autor em apreço identifica como o individualismo que transforma
a universidade “em local onde se privilegiam apenas os projetos
pessoais, dissociados de interesses coletivos ou de classe” (FERRAZ,
2008, p. 17).
O segundo aspecto tem a ver com as próprias ambiguidades
inerentes ao perfil do trabalhador docente, que “é de classe média,
com elevado patamar de qualificação e incorpora de forma profunda
a ideologia da meritocracia. Este trabalhador se aproxima daquilo que
determinadas correntes da Ciência Política denomina por situação
contraditória de classe” (WRIGHT, 1981 apud Ferraz, 2008, p. 18). Vive,
pois, uma contradição que o leva a negar a sua condição de classe.
Isso porque

apesar da sua situação de classe o colocar na condição


de proletariado (é obrigado a vender a sua força de tra-
balho para sobreviver), a sua posição na sociedade con-
tribui para produzir a seguinte ambiguidade: é proletário,
mas não se identifica com o conjunto do proletariado por
estar próximo dos padrões de remuneração e consumo
da média e alta burocracia do Estado burguês, bem
como dos segmentos da pequena burguesia (FERRAZ,
2008, p. 18).

249
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

O terceiro aspecto tem relação com a natureza do trabalho.


Independentemente de sua condição contraditória de classe, os tra-
balhadores docentes constituem uma categoria que exerce o trabalho
intelectual e isso os coloca em confronto, do ponto de vista do status,
com os segmentos que exercem o trabalho manual, como reza a longa
tradição que trata este sob uma escala inferior. Contraditoriamente,
isso é fato presente em situação de precarização salarial e de trabalho.
Ferraz (2008, p. 18) chama a atenção para o fundamental des-
se terceiro aspecto: a barreira político-ideológica e cultural fincada
na base do movimento docente e que “dificulta as alianças com os
segmentos do movimento sindical associados ao trabalho manual ou
que estejam em uma condição de proletarização e de precarização
mais acentuada”.
O quarto e último aspecto elencado por Ferraz (2008, p. 18)
diz respeito ao tipo de heterogeneidade que o segmento docente
vive nas universidades públicas. Esse talvez seja o aspecto que mais
tem influenciado a fragmentação e o consequente distanciamento
do segmento docente dos espaços da luta coletiva, uma vez que isso
não ocorre por um acaso, mas como esclarecem Previtali e Fagiani
(2015, p. 59), porque “a cada passo dado na introdução de inovações
técnicas e/ou organizacionais, há uma oportunidade para a destrui-
ção de formas de resistência ao controle do trabalho à exploração”.
Isso posto, denota-se que as inovações que minam as formas
de resistência estão em todos os lugares e setores, que vão desde a
desarticulação das atuais direções sindicais até as políticas de favore-
cimento de alguns grupos, como é o caso das bolsas de produtividade.
Para culminar, Ferraz (2008, p. 18) enfatiza que isso não seria
um problema em si, caso não motivasse o prejuízo do afastamento
das lutas coletivas, porque “a fragmentação dos interesses e da
própria categoria faz parte de uma ampla estratégia de desmonte
das estruturas de organização dos trabalhadores, promovida pelos
agentes do capital incumbidos de redefinir a sua hegemonia”.
O autor citado fala da fragmentação causada pela atual tênue
fronteira entre o público e o privado, que se estabeleceu na universi-

250
O TRABALHO DOCENTE NAS UNIVERSIDADES FEDERAIS BRASILEIRAS
E AS TRANSFORMAÇÕES NA RELAÇÃO TRABALHO E CAPITAL: REVISÃO DE LITERATURA

dade, em uma relação que se estreita cada vez mais, seja por meio de
fundações ou de políticas que priorizam as demandas do mercado.
Para ele, uma das finalidades dessa relação consiste em

potencializar, nas universidades, o mecanismo de venda


de serviços e produtos científicos e tecnológicos. Dessa
maneira, cresce a influência do mercado no controle
dos rumos da produção científica nessas instituições, e
aqueles setores que não atendam diretamente às suas
[do mercado] demandas imediatas tendem a ser margi-
nalizados, no que se refere aos recursos para a pesquisa.
São criados, assim, verdadeiros feudos dentro das univer-
sidades que, por conta do seu próprio campo de ensino e
pesquisa, se beneficiam dessa relação. Isso é mais visível,
por exemplo, em setores vinculados ao Agronegócio e às
áreas Tecnológicas. (FERRAZ, 2008, p. 18).

A esses fatores acrescenta-se a heterogeneidade causada,


em nível de sistema, pelo modelo de universidades diferenciadas
em todo o Brasil, como preconizado nas cartas de intenções de or-
ganismos internacionais e que gradativamente vão aparecendo nos
próprios documentos legais das reformas.
Em se tratando de instituição, apontamos, ainda, as dis-
crepâncias salariais causadas (1) pelo regime de classes ou níveis
de carreira somente ascendentes, com o cumprimento de metas
de produção e de qualificação, o que deixa em escala de salário
bem inferior aqueles que não produzem para alcançar os índices
exigidos para progressões; (2) a incorporação de planos econô-
micos aos salários dos mais antigos professores, conquistada por
meio de ações judiciais e que os colocam, do ponto de vista do
salário, em situação superior aos demais, mesmo em relação aos
que ingressaram na instituição já com título de doutor, sem falar
na diferenciação de salários de outros segmentos, como professor
titular e professor associado, como consta no Plano da Carreira e
Cargos do Magistério Superior Federal.
Então, o perfil dos trabalhadores docentes aqui colocado, tan-
to no que diz respeito à condição de classe quanto como segmento

251
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

da categoria de professores, somadas às determinações objetivas e


subjetivas do fenômeno da precarização, na visão de Ferraz (2008, p.
18), “acentuam ainda mais as dificuldades para mobilizar o conjunto
do movimento docente, nas universidades públicas”, seja para se
juntar em prol de pautas específicas ou para assumir outras lutas
junto com demais trabalhadores, sendo esse segundo movimento
infinitamente e concretamente mais difícil.
Nesse sentido, a “sobrecarga de trabalho temporária” na
produção de trabalhos dentro de prazos estabelecidos, pode trans-
formar-se em “sobrecarga crônica e persistente”, que contribui para
a desmobilização e o afastamento do professor dos espaços de ação
coletiva (FERENC; MIZUKAMI, 2008, p. 120).

5 CONCLUSÃO

Dentre as considerações que ainda podemos fazer acerca da


reflexão que por ora concluímos, pontuamos apenas algumas que,
em nossa compreensão, precisam ser olhadas com singular consi-
deração, principalmente quando se está em uma guerra em campo
aberto contra os direitos humanos e contra a educação como um
desses direitos.
Corroboramos com o pensamento dos autores aqui referidos,
cientes de uma realidade que revela também, de um lado, a capaci-
dade dos trabalhadores e das trabalhadoras da docência no ensino
superior nas universidades federais de vivenciarem com coragem
as adversidades, mesmo diante do empobrecimento, em virtude do
congelamento dos salários e da perda de direitos conquistados com
muita luta, embora para muitos/as a intensificação ainda seja enca-
rada como sinônimo de profissionalismo, movidos e movidas por um
forte sentimento de dedicação profissional.
Por outro lado, temos a alternativa de atentar ainda para o que
a nova cultura universitária faz na potencialização da competitivi-
dade, gerando o enfraquecimento da solidariedade de classe, uma
das consequências mais perigosas da intensificação do trabalho do-

252
O TRABALHO DOCENTE NAS UNIVERSIDADES FEDERAIS BRASILEIRAS
E AS TRANSFORMAÇÕES NA RELAÇÃO TRABALHO E CAPITAL: REVISÃO DE LITERATURA

cente – considerando todos os elementos novos que o comportam


no contexto em que vimos discutindo. Um exemplo é a não muito
sutil segmentação dos trabalhadores e trabalhadoras docentes que
coloca de um lado os que cumprem as metas de produtividade e os
que aparentemente não as cumprem, criando uma divisão política
e ideológica no interior dos espaços de trabalho, provocando cons-
tante divisão, estresse e insegurança na luta pela manutenção dos
patamares de produtividade. Continuemos o debate.
Por fim, nesse longo período de transição, a tarefa coletiva que
nos compete enquanto sujeitos da história deve ser na perspectiva
transformadora. Isso implica em não apenas interpretar o mundo,
mas em transformá-lo pela atividade prática, assim como nos legou
Marx, “a vida social é essencialmente prática”, e “todos os mistérios
que seduzem a teoria para o misticismo encontram a sua solução
racional na práxis humana e no compreender desta práxis”8.
Como, até que se prove o contrário, não há receitas prontas
para exercitarmos a nossa práxis transformadora, seguimos pelos
caminhos que estão a nosso favor, e dentre estes está a reflexão alia-
da à organização coletiva no sentido da preservação da unidade dos
trabalhadores e trabalhadoras que fazem do fazer docente seu lugar
de vida. Embora esta organização ainda não esteja incorporada de
forma integral à agenda da categoria em seu conjunto, a luta contra
todas as formas de precarização do trabalho e, por consequência, da
vida em sociedade, não pode esmorecer, o que pressupõe buscar
compreender como esta se construiu ao longo das transformações
históricas no mundo do trabalho.

8 Marx, Karl. Teses sobre Feuerbach. 1845. Disponível em: https://www.marxists.org/ portugues/
marx/1845/tesfeuer.htm

253
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

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254
O TRABALHO DOCENTE NAS UNIVERSIDADES FEDERAIS BRASILEIRAS
E AS TRANSFORMAÇÕES NA RELAÇÃO TRABALHO E CAPITAL: REVISÃO DE LITERATURA

SANTANA, Kátia de Cássia; SILVA, Eduardo Pinto e. As condições da expansão


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comenta desafios e celebra o fazer docente, de 16 de outubro de 1017. Portal
Conexão: https://conexao.ufrj.br/2017/10/artigo-do-reitor-roberto-leher-home-
nageia-professores/]

255
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

256
O ENSINO SUPERIOR PRIVADO NO PIAUÍ:
do surgimento à expansão dos anos oitenta

Geraldo do Nascimento Carvalho

1 INTRODUÇÃO

O presente texto expressa o título (igual) e o conteúdo (altera-


ções assinaladas em nota de rodapé) do segundo capítulo da Disser-
tação de Mestrado intitulada Educação mercadoria: a expansão do
ensino superior privado no Piauí (1990 a 2005), apresentada por este
autor ao Programa de Pós-Graduação em Educação Universidade
Federal do Piauí (PPGEd/UFPI), no ano de 2008).
O referido capítulo, convertido no presente texto, apresenta
uma abordagem, especificamente, da trajetória do ensino superior
privado no Piauí no período compreendido entre 1930 e 1980, con-
siderando que a trajetória desse nível de ensino no período sub-
sequente ao da dissertação, 1990 a 2005, está disposta em outro
capítulo do texto dissertativo.
Este texto, além da introdução e da conclusão, está dividido
em duas partes: A institucionalização do ensino superior privado no
Piauí: entre os anos de 1930 e 19601; ESVALE: um caso isolado na ins-
titucionalização do ensino superior privado no Piauí?2. A primeira tem
como base uma pesquisa bibliográfica envolvendo literatura nacional
e estadual acerca do surgimento, do desenvolvimento e da expan-
são do ensino superior privado no Brasil, mas fundamentalmente,
no Piauí. Na segunda, apresenta-se a pesquisa empírica utilizada na
dissertação do mestrado.

1  Título original: Capítulo 2 - O ensino superior privado no Piauí: do surgimento à expansão dos
anos oitenta
2  Título original: CESVALE: primeira instituição de ensino superior privado no Piauí

257
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

2 A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR PRIVADO


NO PIAUÍ: entre os anos de 1930 e 1960

De acordo com a literatura que trata do ensino superior no


Piauí, a oficialização da Faculdade de Direito, em 25 de março de 1931,
e a sua instalação efetiva, em 14 de abril do mesmo ano, constituem o
marco inicial do processo histórico de criação e evolução do ensino
superior privado no estado do Piauí. Essas datas estão em sintonia
com as primeiras mudanças na política educacional estabelecidas no
princípio do governo de Getúlio Vargas, instalado com a “Revolução
de 1930”, em especial, por meio do Decreto Federal nº 19.851, de 11
de abril daquele ano, que introduziu modificações na organização do
ensino superior no Brasil.
Como expressa o discurso de Ariosto Serra, interventor no
Maranhão, referindo-se à Faculdade de Direito do Piauí, quando de
sua inauguração, a criação da faculdade traduzia “uma das finalida-
des do programa patrioticamente imposto pela obra revolucionária”
(SERRA apud SANTOS NETO, 1998, p. 81).
Esse programa “patrioticamente imposto” fazia parte do
processo de centralização política e administrativa assumido pelo
governo Vargas logo no início de seu primeiro governo. Inaugurava-
-se, naquele momento, um “Estado mais centralizado, e o poder se
desloca cada vez mais do âmbito local e regional para o do governo
central” (FÁVERO, 2000, p. 29).
Do ponto de vista econômico, o País ingressava em uma nova
fase, de crescente industrialização e urbanização. Como corolário,
ampliavam-se as atividades econômicas, industriais, comerciais e
de serviços. A população urbana acompanhava esse progresso e
também se diversificava: trabalhadores, classe média e burguesia
compunham o novo cenário da luta de classes no País e estabeleciam
novas demandas ao governo.
É nesse contexto que a política educacional brasileira ganha
caráter nacional e o projeto universitário de Vargas é elaborado. Por

258
O ENSINO SUPERIOR PRIVADO NO PIAUÍ:
DO SURGIMENTO À EXPANSÃO DOS ANOS OITENTA

meio da Reforma Francisco Campos, promulga-se o Estatuto das


Universidades Brasileiras, que trata, em primeira instância, da reorga-
nização da Universidade do Rio de Janeiro e da criação do Conselho
Nacional de Educação, entre outras medidas. A instituição universitária
que nasce nesse período tem por objetivo o preparo técnico e político
administrativo da nova elite profissional e dirigente do País, capaz de
assegurar a continuidade da estrutura de poder em formação.
A institucionalização da Faculdade de Direito significou a rea-
lização de uma antiga aspiração da intelectualidade piauiense, como
fica evidenciado no texto de Higino Cunha (1935), citado por Santos
Neto (1998, p. 77):

Era uma antiga aspiração da elite intelectual do Piauí.


Desde o advento da República no Brasil, que decretou a
autonomia dos Estados, atribuindo-lhes a faculdade de
criar e dirigir institutos de ensino secundário e superior,
oficiais e particulares equiparados, algumas unidades da
Federação se apressaram em utilizar a nova regalia cons-
titucional. Parece que no Norte foi o Ceará quem primeiro
criou sua Faculdade de Direito. Outros não tardaram em
seguir-lhe o exemplo, destacando-se entre eles o Ama-
zonas, o Pará e o Maranhão, inaugurando diversos institu-
tos de ensino superior com grande aproveitamento para
a cultura espiritual desta região brasileira. Ficava assim o
Piauí na penumbra entre esses focos de luz vizinhos.

Tratava-se da realização de um sonho que se tornou possível


graças ao contexto de mudanças políticas, econômicas, jurídicas e
educacionais aberto no cenário nacional e local, a partir dos eventos
de 1930. A criação dessa faculdade satisfazia uma dupla finalidade:
desenvolver a cultura jurídica no estado; e possibilitar o preenchi-
mento dos “cargos da judicatura piauiense”, ou seja, a preparação
de quadros para as funções políticas da direção estatal. Assim, a pri-
meira instituição de ensino superior surge no Piauí pela mesma razão
por que surge a universidade no Brasil, “quando as condições sociais
e culturais exigiram novas formas culturais, especialmente, novas

259
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

instituições pedagógicas, o que só veio a ocorrer com a urbanização


iniciada nos anos 30” (PASSOS, 1997, p. 39).
Segundo Brito (1996, p. 85), o privilegiamento dos cursos
de direito ganha projeção na Primeira República, diante do “enfra-
quecimento do coronelismo rural e o surgimento da classe urbana
industrial”. O Piauí, seguindo essa tendência nacional, com a criação
da Faculdade de Direito, privilegia a formação de bacharéis em direito
em detrimento da formação profissional para o campo agropastoril,
base econômica dessa sociedade na época. E isso parece revelar
algo latente: a necessidade de a classe economicamente dominante
(que não era a classe urbana industrial, mas a comercial) preparar-se
para manter sob seu controle o poder político por meio de um esta-
do que se reorganiza e se fortalece rapidamente por exigências das
mudanças já referidas.
Citado por Santos Neto (1998), Nascimento (1994), ao estudar
o coronelismo no Piauí daquele período, afirma que a vitória em 1930,
no Piauí, de uma fração desse coronelismo, “ligado ao comércio”,
divergindo do “grupo oligárquico dominante” é quem, ao perceber as
mudanças, define-se pelo apoio à Aliança Liberal no Piauí, ligando-se
a setores minoritários (SANTOS NETO, 1998, p. 90).
Papel meritório também desempenhou o tenentismo, por
meio do “Clube 3 de Outubro”, nas mudanças locais dos anos 1930:
“Percebe-se, pois, o tenentismo como bloco de poder, influindo nas
decisões do Governo Provisório local” (NASCIMENTO, 1994 apud
SANTOS NETO, 1998, p. 91).
Dessa forma, a Faculdade de Direito do Piauí

nasce em contexto de mudanças reais ou imaginárias e


é obra de intelectuais articulados na arena do poder es-
tatal, expressão no geral da fração vitoriosa nas jornadas
então em curso, tendo como pano de fundo as históricas
aspirações tenentistas expressas no Piauí notadamente
nas interventorias militares do capitão Lemos Cunha e
do tenente Landri Sales. (SANTOS NETO, 1998, p. 91).

260
O ENSINO SUPERIOR PRIVADO NO PIAUÍ:
DO SURGIMENTO À EXPANSÃO DOS ANOS OITENTA

Dessa forma, a Faculdade de Direito do Piauí “nasceu da ini-


ciativa privada como resultado do esforço de alguns intelectuais”, em
um contexto de “grande valorização dos cursos jurídicos no país”,
mas em articulação com o Estado, pois

a formação versátil dos cursos de direito possibilitava


aos bacharéis adaptar-se com relativa facilidade às no-
vas condições políticas e sociais de uma sociedade em
mudança. Daí o bacharelismo dominante, notadamente
na área política e cultural, e a consequente proliferação
das faculdades de direito. (BRITO, 1996, p. 85).

O apoio do governo do estado foi imprescindível para a insta-


lação e a manutenção dessa faculdade, mas não resta dúvida quanto
à sua natureza privada. Sobre a natureza jurídica da Faculdade de
Direito, Santos Neto (1998, p. 90) diz que “os sujeitos envolvidos são,
em geral, ligados ao serviço público oficial, mas que pautam suas
ações a partir da invenção de um lugar distinto na esfera da socieda-
de civil, que se define como particular, privado”.
Quanto ao custeio da nascente faculdade, o Art. 2º dos Esta-
tutos aprovados pela assembleia de sua fundação estabelece que
ela “será mantida e custeada com recursos da receita que arrecadar,
pelas quotas, auxílios e subvenções de qualquer espécie que lhe
forem concedidos pelos poderes públicos da União, do Estado ou
dos Municípios” (SANTOS NETO, 1998, p. 79-80).
Denota-se que desde o início, seus criadores já contavam com
o “auxílio” e as subvenções do Estado e que, de fato, passados pouco
mais de dois anos, o Estado assume total responsabilidade (jurídica)
sobre a faculdade citada, que passa a ser estadualizada pelo Decreto
nº 1.471, de agosto de 1933, ante alegações de dificuldades financeiras
com a sua manutenção.
No entanto, a instituição foi desoficializada em 1938, em
função das mudanças na política educacional do Estado Novo, que
minimizava a função do Estado como educador. Assim, a faculdade
reassume o estatuto de privada, não lhe faltando, porém, apoio do

261
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

interventor estatal, a exemplo de local para o seu funcionamento –


prédio, subvenções etc.
Somente no fim da ditadura Vargas, a custo de muito esforço,
consegue-se o reconhecimento da Faculdade de Direito do Piauí pelo
Decreto Lei nº 17.551, de 9 de janeiro de 1945. Finalmente, na década
de 1950, a Faculdade de Direito é federalizada (Lei nº 1.254, de 4 de
fevereiro de 1955). Seu ciclo, enquanto faculdade isolada, encerra-se
com a sua incorporação pela Fundação Universidade Federal do Piauí
(FUFPI), em l968/1971. Desta forma, a Faculdade de Direito do Piauí
nasce privada, mas parece destinada a ser pública.
O segundo passo da trajetória do ensino superior privado no
Piauí é a criação da Faculdade Católica de Filosofia do Piauí (FAFi), em
l6 de junho de 1957, também pelo esforço e conjugação de interesses
privados locais e como expressão da criação da Faculdade Nacional
de Filosofia (FNFi), pelo governo Vargas, em 4 de abril de 1939, por
força do Decreto-Lei nº 1.190.
A propósito, Fávero (2002, p. 34) aponta três finalidades da
FNFi: preparar intelectuais para as altas atividades culturais de ordem
desinteressada ou técnica; preparar trabalhadores para o exercício
do magistério do ensino secundário e normal; e realizar pesquisas
nos vários domínios da cultura.
Não obstante a inclusão da pesquisa como uma de suas fi-
nalidades, a ênfase maior foi dada ao ensino, limitando-a, em muitos
casos, à formação de professores. Isso foi identificado por Fávero
(2002, p. 35) na Exposição de Motivos do Ministro Capanema, quan-
do afirma que

O ensino secundário será o mais beneficiado com esse


dispositivo que [...] não apenas estrutura o vasto organis-
mo da Faculdade Nacional de Filosofia, estabelecimento
federal padrão do ensino destinado à preparação do
magistério secundário, mais ainda, estabelece que a
partir de 1943, não possa ser admitido, como professor
do ensino secundário, candidato que não tenha passado

262
O ENSINO SUPERIOR PRIVADO NO PIAUÍ:
DO SURGIMENTO À EXPANSÃO DOS ANOS OITENTA

por aquele estabelecimento ou por outro congênere


reconhecido.

Aliás, a criação da FAFi no Piauí envolveu interesses da Igreja


Católica, de intelectuais, além de autoridades locais. Portanto, assim
como a Faculdade de Direito, nasceu como instituição privada, cuja
composição social expressa também o ecletismo presente na origem
dessa instituição. Mas foi a Igreja Católica, por intermédio do Arce-
bispo Dom Avelar Brandão Vilela, quem liderou o processo de efetiva
instalação da FAFi piauiense, como indica o depoimento do Prof. Wall
Ferraz no Seminário Presente do passado: a Faculdade Católica de
Filosofia na história da educação do Piauí:

Realmente, foi da vontade indomável de um homem que


resultou a criação da FAFI. Dom Avelar Brandão Vilela,
arcebispo chegado a Teresina, inovador, pensando dife-
rente, movimentou-se em criar várias instituições como
a Rádio Pioneira e uma delas a Sociedade Piauiense de
Cultura, entidade que vinha a ser a mantenedora da Fa-
culdade Católica de Filosofia do Piauí. Homem de pres-
tígio no sul do país, não resta dúvida, principalmente nos
meios governamentais, Dom Avelar consegue a criação
da Faculdade Católica de Filosofia do Piauí, obrigando
o Estado a ceder um prédio para o funcionamento da
referida faculdade, prédio que ainda hoje existe na praça
Saraiva e para cuja direção, inicialmente chamou o prof.
Clemente Fortes. (FERRAZ, 2002, p. 21).

Além do curso de Filosofia, a FAFi oferecia cursos de Geografia,


História, Letras, entre outros, como Matemática e Física, em convênio
com a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene).
Assim, a FAFi é saudada não só como espaço de manifestações de
resistência à ditadura militar, sobretudo do movimento estudantil,
mas também de acesso amplo para a mulher em cursos superiores e
preparação para a transição de faculdades isoladas para a Universi-
dade Federal do Piauí.3

3  ANAIS DO SEMINÁRIO PRESENTE DO PASSADO: a Faculdade Católica de Filosofia na História


da Educação do Piauí. Teresina: EDUFPI, 2000. p. 10.

263
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

Em consonância com o Prof. Wall Ferraz (2002, p. 23), foi na


FAFi que se viu formar o primeiro núcleo de jovens universitários que
passou a adotar uma posição crítica, até mesmo de rebeldia, frente ao
sistema vigente, sendo muitos deles até sacrificados pela ação militar.
“A Faculdade chegou a ser, uma ou duas vezes, invadida por polícia”.
Dentre os objetivos da FAFi, merece destaque a formação de
professores. Na verdade, como visto antes, essa era a finalidade prin-
cipal reservada às Faculdades de Filosofia no Brasil. Malgrado o seu
funcionamento já em 1958, o reconhecimento dos cursos só foi publi-
cado no Diário Oficial da União em julho de 1964, já adequados à Lei
nº 4024/61, primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação brasileira.
O apoio do Estado também foi decisivo na sobrevivência da
FAFi. Além de prédio para instalação e funcionamento, cedido pelo
governo local, a instituição contou com subvenções sociais no orça-
mento da União, via parlamentares piauienses no Congresso Nacional
e convênio com a Sudene, com vistas à capacitação de professores.4
Ainda em âmbito local, “houve consignação de dotações nos exercí-
cios de 1958, 1959, 1960, 1961, 1962, 1964, 1967 e 1969.”(P. 23).
A FAFi nasceu no clima das chamadas reformas de base, recla-
madas pelo Brasil entre a segunda metade dos anos de 1950 e início
dos anos 1960. No plano local, o contexto era marcado pela inclusão
do Estado no Plano de Metas do governo Juscelino Kubitscheck, o
que possibilitou a sua integração ao Nordeste e ao País como um
todo, mediante a construção de estradas.
Em primeiro de março de 1971, a FAFi foi incorporada à Uni-
versidade Federal do Piauí (UFPI), encerrando o seu ciclo como
faculdade isolada, mas não a sua história de expressivo significado
político-cultural e pedagógico que, como tal, muito contribuiu para o
desenvolvimento do ensino superior no Estado do Piauí.
O movimento pela criação da terceira Instituição de Ensino
Superior (IES) privada no Piauí, a Faculdade de Odontologia, teve iní-
cio em 1947, por meio do “Movimento Pró-Faculdade de Odontologia
do Piauí” (BRITO, 1996, p. 88).

4  Essa formação dava-se nas cidades de Recife e Fortaleza.

264
O ENSINO SUPERIOR PRIVADO NO PIAUÍ:
DO SURGIMENTO À EXPANSÃO DOS ANOS OITENTA

Esse movimento foi iniciado a partir de uma reunião de pes-


soas ligadas à área de saúde (dentistas, médicos, farmacêuticos),
promovida pelo Pe. Alberto de Freitas Santos, à época diretor do
Colégio São Francisco de Sales, o “Diocesano”. Então, a Faculdade de
Odontologia foi igualmente criada no âmbito das iniciativas privadas,
desta feita, por um grupo de profissionais da área de saúde.
Em 1958, o Cartório “João Crisóstomo” concedeu o registro de
personalidade jurídica ao movimento e um ano depois, já sob a lide-
rança do Professor Oscar Olímpio Cavalcante,5 o movimento trans-
formou-se em Sociedade Civil Faculdade de Odontologia do Piauí,
mantenedora da Faculdade de Odontologia do Piauí. Em seguida, por
meio de uma assembleia, efetivou-se a sua criação. No entanto, o
Decreto nº 48.525, autorizando o funcionamento da recém-nascida
Faculdade, só veio a público em 15 de julho de 1960, de acordo com
Ferro (2005).
Passada a primeira fase, de 1947 à autorização do MEC e ao
seu funcionamento, em 1961, veio a luta pelo reconhecimento e a
manutenção da faculdade. Aqui os esforços não foram menores e
isso não seria possível sem a intervenção do Estado, como revela o
depoimento de um dos professores fundadores, mencionado por
Ferro (2005).

O problema do reconhecimento era muito grande, em


virtude da nossa falta de recurso. Por mais que nos es-
forçássemos, buscando contribuições, os recursos eram
sempre diminutos para o que o MEC aprovasse nossa
escola de odontologia.
Foi exigida a criação de uma sociedade mantenedora, que
veio a ser a Sociedade Civil Faculdade de Odontologia, da
qual fui presidente. Com esta sociedade empurramos um
pouco para frente a instituição, e sob a responsabilidade
financeira dela começamos os cursos do primeiro ano,

5  O Professor Oscar Olímpio Cavalcante, além de Bacharel em Direito, era Odontólogo e,


nessa condição, mantinha em Teresina um estabelecimento comercial para a venda de
material odontológico – talvez, na época, o único existente na capital. Foi em sua gestão
como Presidente do “Movimento Pró-Faculdade de Odontologia do Piauí” que o projeto da
Faculdade de Odontologia se efetivou.

265
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

com quatro disciplinas: História, Anatomia, Microbiologia


e Materiais dentários.
Então resolvemos pedir o apoio do governador Petrônio
Portela, pedindo que encampasse, que assumisse a
responsabilidade financeira da faculdade. Nessa ocasião
eu já tinha sido escolhido diretor e fui ao Rio, onde por
intermédio do professor Diolindo Couto, conseguimos a
aprovação no Conselho Federal de Educação, no Gover-
no do Presidente Castelo Branco, da nossa escola.
Tive então a satisfação de trazer, na minha volta, o
reconhecimento da escola, já sob a responsabilidade
financeira do Estado. Conseguimos neste ano, se não me
engano em 1966, a colação de grau de quatro turmas,
as quatro primeiras turmas que estavam aguardando o
reconhecimento da escola.
Daí para cá tudo ficou mais fácil. (CASTELO BRANCO, 1981
apud FERRO, 2005, p. 69-70).

Nota-se que o reconhecimento só foi possível em virtude da


garantia do Estado, que se comprometeu com a doação do espaço
físico para a instalação e o funcionamento da instituição. Reconhe-
ce-se aqui o mesmo caminho trilhado pela FAFi: após a negativa do
MEC, depois de frustradas tentativas dos proprietários da Faculdade
de Odontologia do Piauí para obter o reconhecimento da instituição,
restou ao Estado assumir o ônus da empreitada. Fica evidente pelo
depoimento do professor Castelo Branco que o reconhecimento foi
concedido mediante a estadualização da faculdade.
O fato é que a faculdade não possuía prédio nem instalações
adequadas para o seu funcionamento. E isso porque a elite que a
criou não estava disposta a empenhar recursos próprios no empre-
endimento. Ao contrário: parece ter sido criada com a intenção de
estadualização. Ou o Estado assumia para garantir o funcionamento
de uma Faculdade de Odontologia no Piauí, por absoluta falta de
condições de sua mantenedora, ou a Faculdade de Odontologia do
Piauí não se viabilizaria.
Na passagem a seguir, Ferro (2005), por meio de depoimento
do professor Castelo Branco, dá mais informações sobre esse fato.

266
O ENSINO SUPERIOR PRIVADO NO PIAUÍ:
DO SURGIMENTO À EXPANSÃO DOS ANOS OITENTA

Logo depois foi criada a Fundação do Ensino Superior


(FESPI) – também no governo Petrônio Portela – para a
criação da Faculdade de Medicina, e, com a criação da
UFPI, foram absorvidas as faculdades de Odontologia, de
Medicina, juntamente com a velha Faculdade de Direito,
a Faculdade de Filosofia, mantida pela Arquidiocese,
mais a Faculdade de Administração de Parnaíba. Essa é
a história da Faculdade de Odontologia do Piauí, da sua
criação até sua encampação pela Universidade. (FERRO,
2005, p. 71).

Por sua vez, a Faculdade de Administração do Piauí, criada e


implantada entre os anos 1968 e 1971, concomitante à criação e im-
plantação da FUFPI, tem de diferente, em relação às anteriores, o fato
de que sua articulação se dá a partir da Federação das Indústrias do
Estado do Piauí (FIEPI), portanto, de interesses de classes empresa-
riais e não de grupos de profissionais liberais, do clero, de intelectuais
ou mesmo do governo.
Em essência, a ideia de uma instituição de ensino superior em
Parnaíba remonta ao início dos anos 1960, quando o então prefeito
da cidade, José Alexandre Caldas Rodrigues, publicou um “decreto
municipal criando a Faculdade de Economia, sob o patrocínio da
Prefeitura” (ATHAYDE, 1980 apud SANTOS NETO, 1998, p. 121).
Nessa mesma ocasião, a Associação Comercial do Estado
agendou um debate sobre a criação de uma instituição semelhante,
em Teresina. Ao que parece, uma disputa entre a elite comercial par-
naibana e a teresinense evitou que a ideia vingasse, tanto lá quanto
aqui. Essa ideia retornou mais tarde,

[...] quando o presidente Costa e Silva se viu a braços


com a necessidade de resolver o que fazer com a grande
quantidade de estudantes excedentes em todas as uni-
versidades do Brasil... Se dirigiu à Confederação Nacional
da Indústria, que na ocasião se reunia em Porto Alegre,
Rio Grande do Sul, solicitando a colaboração da entidade
para se dirimir o problema. (ATHAYDE, 1980 apud SANTOS
NETO, 1998, p. 122).

267
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

Naquela oportunidade, cogitou-se, sem êxito, a criação de


uma escola de Ciências Econômicas em Parnaíba, cujas vagas aber-
tas seriam oferecidas ao governo federal. Foi, portanto,

Partindo dessas ideias, que os representantes da Fe-


deração das Indústrias do Piauí trouxeram a Parnaíba
o propósito de fundar uma escola superior que fosse
mais condizente com as necessidades do mercado de
trabalho parnaibano. Para consecução desse plano, a
Federação do Piauí conseguiu [...] a vinda a Parnaíba do
professor Manoel Orlando Ferreira, membro do Conselho
Federal de Educação e funcionário da Confederação,
para orientar a fundação de uma Faculdade que de
acordo com as necessidades da terra indicou-se a de
Administração de Empresas. (ATHAYDE, 1980 apud SAN-
TOS NETO, 1998, p. 122).

A cidade de Parnaíba, sede da nova faculdade, representava,


no período, um dos polos econômicos mais dinâmicos do Estado. Por
essa razão, lá foram instalados a FIEPI, o Serviço Social da Indústria
(SESI), o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial  (SENAI) e o
Serviço Social do Comércio (SESC).
Ao integrar a UFPI, quando de sua criação, a Faculdade de Ad-
ministração, segundo Santos Neto (1998, p. 124), só existia no papel,
mas havia um processo tramitando no Conselho Federal de Educação
para a sua efetiva implantação.

Mas como foi possível incluir uma Faculdade que até


então existia somente “no papel” e que nem a formali-
dade da autorização se cumprira, ainda? Não é difícil en-
contrar-se e compor-se uma resposta: aquilo fora uma
decisão tipicamente política, lavrada sob os auspícios e
acordos de lideranças, além das vistas grossas de ilus-
tres filhos da Parnaíba operando no cenário brasiliense
em favor de sua terra.

Por exigência legal, a entidade mantenedora, a Fundação


Educacional de Parnaíba, foi criada em 1966, tendo como finalida-
de expressa em seus estatutos “criar e manter, na mesma cidade,

268
O ENSINO SUPERIOR PRIVADO NO PIAUÍ:
DO SURGIMENTO À EXPANSÃO DOS ANOS OITENTA

escolas superiores ou faculdade”. Chegando ao Conselho Federal


de Educação, o pedido de autorização recebeu parecer favorável
do então conselheiro, João Paulo dos Reis Veloso,6 da Câmara de
Planejamento. A influência desse ilustre parnaibano no processo foi
registrada pelo professor Cândido Athayde7 nos seguintes termos: “A
influência de Reis Veloso foi real, pois ele é um dos signatários do
Parecer nº 57/69-CP, aprovado em 07 de fevereiro de 1969 Processo
1.136/68-CFE” (SANTOS NETO, p. 124).
Registre-se, finalmente, que a criação da Faculdade de Ad-
ministração é parte do processo de criação da UFPI, assim como o
processo de sua legalização. Segundo Santos Neto (1998, p. 125), essa
faculdade “configura a medida final necessária e justificadora para
que se criasse a própria UFPI naquele ano de 1968, na forma da Lei
5.528, de 12 de novembro”.
No tocante à Faculdade de Medicina, a primeira criada pelo
próprio Estado, teve seu funcionamento autorizado em 30 de novem-
bro de 1967, mas sua inauguração só aconteceu em 30 de março de
1968. Ressalte-se, no entanto, que, tanto as faculdades anteriormente
criadas quanto a de medicina nasceram a partir de interesses privados
manifestados na arena da sociedade civil, e para que tais pretensões
fossem contempladas, articulações foram feitas com o Estado, sem o
qual tais motivações não seriam efetivamente satisfeitas.
Esse conjunto de IES constituiu o núcleo básico de criação
FUFPI, entre os anos de 1968 e 1971, encerrando a primeira fase da
história das IES privadas no Piauí – 1931 a 1971, partindo da Faculdade
de Direito à institucionalização da FUFPI, que se deu pela aglutinação
das citadas faculdades isoladas, seguindo uma tendência que já se
verificava em nível nacional, quando da instalação da primeira univer-
sidade brasileira, a Universidade do Rio de Janeiro, estabelecida por
Decreto Governamental, segundo Feitosa (2006 apud FÁVERO, 1980).

6  Parnaibano de grande influência em Brasília, ocupava a Secretaria Geral do Ministério do


Planejamento.
7  Cândido de Almeida Athayde. Médico. Empresário. Vereador e Prefeito de Parnaíba.
Presidente da Fiepi.

269
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

O segundo momento no processo de criação das instituições


de ensino superior privadas no Piauí consiste na criação do Centro de
Estudos Superiores do Vale do Parnaíba (Cesvale), em 1985. Embora
se trate de um caso aparentemente isolado, não se pode ignorá-lo.
Afinal, sobre sua existência, deve-se alguma explicação.
O Cesvale seria uma manifestação tardia das reformas privati-
zantes dos anos 1960/1970? Seria um sinal das mudanças que viriam
nos anos 1990, com as reformas do Estado em franca aceleração na
segunda metade daquela década? Ou seria um fato isolado, inde-
pendente dos acontecimentos nacionais, de natureza conjuntural ou
estrutural?

3 CESVALE: um caso isolado na institucionalização do


ensino superior privado no Piauí?

O projeto inicial dos idealizadores e fundadores desse esta-


belecimento de ensino, encaminhado ao Ministério da Educação no
ano de 1977, previa a criação da Faculdade Integrada Vale do Parna-
íba, e não do Cesvale. Essa mudança de Faculdade para Centro foi
realizada pelo próprio MEC, segundo o diretor-geral da instituição,
Professor José Airton Veras Soares,8 que declarou: “Na época, o MEC
desenvolvia dois segmentos para o ensino superior: Faculdades
integradas e Centros de Ensino. Como o nosso era uma instituição
de pequeno porte, ele optou então que a gente colocasse Centro”
(SOARES, 2007 apud CARVALHO, p.77)A Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional – Lei nº 4024, de 1961, foi um instrumento legal
importante a favor da expansão do ensino privado no Brasil. Para
Sampaio (2000), a novidade dessa lei está relacionada à preocupação
de regulamentar os mecanismos de expansão do ensino superior. Ao
criar uma nova sistemática, definiu três órgãos que poderiam decidir
acerca da criação de novos cursos: as universidades, que gozavam
de autonomia; os Conselhos Estaduais de Educação; e o Conselho
Federal de Educação.

8  Sócio-fundador e atual diretor-geral do Cesvale

270
O ENSINO SUPERIOR PRIVADO NO PIAUÍ:
DO SURGIMENTO À EXPANSÃO DOS ANOS OITENTA

Ao Conselho Federal de Educação, criado pela Lei 4024/61,


cabia decidir pela abertura de cursos e estabelecimentos privados;
pelo funcionamento dos estabelecimentos isolados de ensino su-
perior, federais e particulares; bem como pelo reconhecimento de
universidades, mediante aprovação de seus regimentos e estatutos
(SAMPAIO, 2000, p. 55).
Sobre a permissão ao ensino em instituições isoladas, mantida
pela dita lei, Anísio Teixeira assim se expressou:

A educação superior passou a ser algo de uniforme e


homogênea, que se expande como se expande a escola
primária. O fato de a Lei de Diretrizes e Bases estabele-
cer a liberdade à iniciativa particular de ministrar ensino
em todos os graus, assegurando aos estabelecimentos
privados, legalmente autorizados, o reconhecimento
para todos os fins dos estudos neles realizados veio dar
grande impulso ao ensino particular, por um lado, atraído
pela procura social da educação e, por outro, incentivado
pela sanção pública generosamente estendida ao ensino
privado sem outra exigência que a da autorização legal.
(TEIXEIRA, 1968 apud SAMPAIO, 2000, p. 56).

Feito isso, o Conselho Federal de Educação, via Portaria nº


4/63, estabeleceu as normas para autorização e reconhecimento de
escolas de nível superior: condição jurídica da mantenedora; condi-
ções fiscais e materiais; capacidade financeira; recursos docentes;
condições materiais e culturais do meio; real necessidade do curso
para a região; regimento; currículo; e normas acadêmicas de funcio-
namento (TRAMONTIN; BRAGA, 1985 apud SAMPAIO, 2000, p. 57).
Isso posto, as exigências que norteavam a atuação do supraci-
tado conselho eram, essencialmente, de natureza burocrática. Estava,
portanto, facilitada a criação de instituições e cursos, e disso resultou
uma fantástica expansão do sistema de ensino superior que, em vinte
anos (1960 a 1980), elevou o número de matrículas de 200.000 para
1,4 milhão, alcançando maiores taxas de crescimento entre 1968 e 1971.

271
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

Sobre os objetivos da instituição quando de sua criação, o


diretor-geral do Cesvale assim se manifesta:

Foi trazer educação de nível superior para o Estado do


Piauí. Por quê? “O Estado do Piauí só contava com a Uni-
versidade Federal e um campus em Parnaíba, então nós
observamos uma lacuna e resolvemos fundar o Cesvale
em 1976 com o objetivo de tentar minimizar esses pro-
blemas. (SOARES, 2007).

Adiante, ao falar da influência do contexto econômico, político


e educacional daquele momento de criação da instituição, reafirmou
que “no primeiro momento nós pensamos na carência, a carência
de vagas aqui era muito grande, e de cursos” (SOARES, 2007 apud
CARVALHO, 2008, p.79).
A carência de vagas e de cursos no Piauí obrigava muita gente
a buscar estudos superiores em outros centros. Em nosso caso, o
principal era Recife/PE, uma prática antiga que vinha ainda dos
tempos da Colônia. Por essa razão, Airton Soares cursou jornalismo
em Recife e lá conheceu seus futuros sócios no empreendimento: o
professor João Soares Melo Sobrinho9 (inspetor federal do MEC) e
Francisco Gabriel Batista,10 de Floriano, bancário do Banco do Brasil,
prestes a aposentar-se. Sobre como se conheceram, diz:

Então nós nos conhecemos, tivemos essa grata felicidade


de nos conhecer. Eu viria para cá para implantar o projeto
e depois eles viriam, como aconteceu. O professor Ga-
briel já morava em Recife há uns doze anos, porque ele
foi transferido aqui para o Banco do Brasil, então, como
já estava cumprindo a missão de instituição financeira e
como ele era um homem que realmente tinha uma visão
muito boa, ele vislumbrou essa possibilidade da gente
botar esse empreendimento aqui no estado, que só
de funcionamento nós já vamos com vinte e dois anos.
(SOARES, 2007).

9  Sócio-fundador do Cesvale.
10 Idem.

272
O ENSINO SUPERIOR PRIVADO NO PIAUÍ:
DO SURGIMENTO À EXPANSÃO DOS ANOS OITENTA

Fica evidente que a visão empreendedora, de mercado, nor-


teou o projeto dessa instituição, que encontrou amparo na realidade
econômica daquele momento, qual seja a existência de uma demanda
reprimida e a abertura do aparato político-jurídico, facilitada pela LDB
4024/61. E isso se confirma com maior clareza quando se questiona
sobre as principais fontes de receita da instituição, no início e hoje:

No início foram os mantenedores, os sócios mantene-


dores que tiveram que colocar, fazer um capital e esse
capital foi que proporcionou, todo ele privado, não teve
contrapartida de nenhuma instituição pública. Porque
veja bem, o professor Suassuna (João Soares Melo
Sobrinho) e eu não tínhamos dinheiro, nós entramos
com trabalho e o professor Gabriel, um empreendedor,
sempre foi um empreendedor, ele bancou financeira-
mente a instituição e nós entramos com a mão-de-obra.
O professor Gabriel com o capital, espécie, o dinheiro,
sem recursos de outras fontes. Na época existiam duas
modalidades: empresa privada com fins lucrativos e a
outra de caráter filantrópico. Nós não optamos pela fi-
lantrópica, apesar das isenções de impostos. Aqui é uma
empresa privada e partimos para empresa privada mes-
mo, com fins lucrativos, foi por isso que sempre tivemos
autonomia. (SOARES, 2007).

Fica patente que o negócio era bom para ganhar dinheiro, e


a mercadoria a ser comercializada era a educação de nível superior,
pois havia uma demanda reprimida, puxada pelo mercado de tra-
balho, que já pressionava o governo desde os anos sessenta, com
a chamada crise dos excedentes. Assim, foi administrada pelos go-
vernos militares utilizando a expansão privada como solução. Além
da política orientadora da Lei 4024/61, posteriormente, a abertura
privatista foi reforçada pela Lei nº 5.540/68, que tratou da reforma
universitária. Essa última influenciou decisivamente a grande expan-
são dos anos 1968, 1970 e 1971.
De acordo com o diretor-geral da instituição, o ano de 1976 foi
de preparação do projeto de criação. Em 1977, ainda no governo do
presidente Ernesto Geisel, o projeto foi protocolado no Mec, mas o

273
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

funcionamento da Instituição só foi autorizado em 1985, já no governo


de José Sarney. Como justificar toda essa demora?
Sampaio (2000), apoiada em Klein (1996), afirma que na
década de setenta, já em um ambiente de relativo controle sobre
a universidade, a política do governo voltou-se para a Pós-Gradu-
ação, que alcançou uma nova feição, em face dos planos nacionais
de Pós-Graduação e do Plano de Incentivo e Desenvolvimento da
Capacitação de Docentes (PICD).
Com efeito, a política de expansão do ensino superior privado
já não é mais a prioridade em meados da década de setenta, quando
da solicitação de abertura do Cesvale. Esse fato justifica, portanto, a
demora do Mec na autorização para o funcionamento da instituição.
A principal tendência na expansão do ensino superior privado
dos anos sessenta e setenta efetivou-se, no entendimento de Sam-
paio (2000), pela multiplicação de instituições de pequeno porte,
muitas das quais resultantes da transformação de antigas escolas
secundárias. Essa tendência é resultado da opção política do MEC, e
isso justifica a não autorização de uma faculdade – como pleitearam
seus idealizadores –, mas sim de um centro.
Ainda de acordo com Sampaio (2000), a expansão do setor
privado deu-se, sobretudo, pela criação de novas carreiras nas áreas
sociais e em novas áreas profissionalizantes. Baseada em estudos de
Schwartzman (1990b), a referida autora relaciona os cursos típicos
dos anos setenta: psicologia; ciências contábeis; administração;
magistério de ciências; arquitetura e urbanismo; pedagogia; ciências
biológicas; educação física; estudos sociais; nutrição; e estatística.
A decisão do Mec em autorizar o funcionamento apenas
do curso de Ciências Contábeis, contrariando o pleito original, que
incluía Direito, também segue essa tendência e está de acordo
com a tendência que classifica esses cursos dentro das chamadas
“carreiras modernas”, incluindo-se aí o curso de Ciências Contábeis.
A criação do Cesvale seguiu, ainda, a inclinação segundo a qual os
novos estabelecimentos direcionaram seus cursos para as novas
possibilidades do mercado.

274
O ENSINO SUPERIOR PRIVADO NO PIAUÍ:
DO SURGIMENTO À EXPANSÃO DOS ANOS OITENTA

Ressalte-se, ainda, que a criação do Cesvale encontrava am-


paro no Art. 18 da Lei 5.540/68, que estabelece que “além dos cursos
correspondentes a profissões reguladas em lei, as universidades e os
estabelecimentos isolados, poderão organizar outros para atender às
exigências de sua programação específica e fazer face às peculiari-
dades do mercado de trabalho regional” (DAVIES, 2004, p. 98).
A natureza da economia piauiense, fortemente baseada no
setor de serviços, tendo o comércio como atividade de destaque,
senão a principal, foi determinante para determinar o curso fundante
do Cesvale.
Dessa forma, além da UFPI e da Universidade Estadual do
Piauí (Uespi), federal e estadual, respectivamente, a década de 1980
encerrava-se contando com uma instituição de ensino superior de
natureza particular, classificada na categoria de Centro de Ensino
Superior. Nesse contexto, tem-se a UFPI, criada em 1968, como parte
da grande expansão registrada nesse nível de ensino naquele período
– que compreende os anos 1968, 1970 e 1971 –; quanto à Uespi e ao
Cesvale, criados em 1984 e 1985, respectivamente, pode-se conce-
bê-las como manifestações tardias do mesmo fenômeno.
Conforme dito anteriormente, em texto específico da disser-
tação, objeto de posterior conversão em artigo análogo a este, ana-
lisamos o ensino superior privado a partir dos anos 1990, seguindo
até 2005. Trata-se do período mais denso da pesquisa realizada no
âmbito do mestrado, pois representa a análise do momento de maior
expansão do ensino superior privado no Estado e dele se indagará
sobre as razões da expansão, sua natureza e suas especificidades, no
cenário da política educacional brasileira e piauiense.
No texto citado, busca-se identificar, pela análise contextu-
al da reestruturação produtiva e reforma do Estado, a natureza do
processo expansionista do ensino superior privado no Piauí, na cor-
relação de forças entre o público e o privado, item de fundamental
relevância para responder a esta e outras questões não reveladas
pela simples manifestação aparente dessa expansão.

275
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

Concordando com Ribeiro (1997), observa-se que o conheci-


mento do processo histórico de desenvolvimento da educação es-
colar se dá mediante análise da sua relação com o desenvolvimento
econômico, político e sociocultural da sociedade brasileira, portanto,
mediante uma análise da relação histórica entre superestrutura na
qual se insere a organização escolar e a infraestrutura ou base eco-
nômica como chave para a compreensão do fenômeno escolar.
Afinal, como observa Engels (2004), a estrutura econômica
da sociedade em cada época histórica constitui a base real cujas
propriedades explicam, em última análise, toda a superestrutura
integrada pelas instituições jurídicas e políticas assim como pelas
ideologias religiosas, filosóficas etc
Sabe-se da histórica relação de dependência da sociedade
brasileira com os países de economia capitalista desenvolvida. Como
consequência, depreende-se uma subordinação do sistema econô-
mico, político e social ao sistema capitalista mundial. Essa situação
de dependência e subordinação, marca da nossa origem até hoje não
superada, submete-nos à atual dominação externa.
Ao discutir o sistema educacional e a superação da depen-
dência econômica, política e sociocultural do Brasil e da América
Latina, Berger (1980) parte da seguinte constatação: o sistema edu-
cacional, tanto lá quanto aqui, manteve-se alheio à prática e afastado
da realidade social específica. Tendo isso em vista, não atuou no sen-
tido da superação da histórica situação de dependência dos países
da região. Assim, coloca-se a questão: o sistema educacional pode
funcionar como fator essencial de dinamização de uma sociedade
como a brasileira? Responde o dito autor: não pode haver autonomia
do sistema educacional em relação à sociedade em situações de
dependência, como no caso do Brasil (BERGER, 1980).
Nesse sentido, não se pode falar de um sistema educacional
independente de fatores econômicos, políticos e culturais, inter-
nos e externos, pois se acredita que os fatores econômicos não
só condicionam como, em última instância, determinam o sistema
educacional.

276
O ENSINO SUPERIOR PRIVADO NO PIAUÍ:
DO SURGIMENTO À EXPANSÃO DOS ANOS OITENTA

Em um sistema político-econômico que divide os indivíduos


em classes sociais (proprietários e não-proprietários) e opõe uns
aos outros pelos interesses contraditórios e inconciliáveis, separados
que estão pela propriedade privada, não é possível ter um sistema
educacional que não carregue as marcas dessa dualidade.
Dessa separação entre proprietários e não-proprietários dos
meios de produção decorre a relação de dependência, portanto, de
dominação de uns sobre os outros. Assim, a natureza de classes da
sociedade reflete-se também no sistema educacional que, por sua
vez, estará subordinada aos desígnios da classe economicamente
dominante.
Visto historicamente, percebe-se como o sistema educacional
brasileiro é influenciado pelos interesses econômicos e simbólico-
-culturais externos. No início da Primeira República, fim do século XIX
e início do século XX, foi marcado pelo positivismo e, mais tarde, nos
anos trinta, pelo nacionalismo exacerbado de feição nazifacista. No
pós-guerra, seguiu-se o alinhamento ocidental hegemonizado pelos
Estados Unidos, até hoje dominante.
Nas décadas de sessenta e setenta, sob a égide dos go-
vernos militares, a educação brasileira foi orientada pelos acordos
MEC/ United States Agency for International Development  (USAID) no
interesse do capital estrangeiro “associado” ao brasileiro, com mais
proveito do primeiro. Corroborando Berger (1980), nesse contexto de
industrialização, o sistema educacional muda de função, visando ao
fortalecimento desse desenvolvimento, passando de educação de
consumo para educação de consumo e produção.
Assim posta a questão, não é demasiado dizer que a política
educacional brasileira dos governos militares, entre 1964 e o início da
década de oitenta, teve como eixo o fortalecimento do desenvolvi-
mento dependente, visto que o êxito econômico se deu em proveito
das empresas estrangeiras, com o resultado da elevação da produti-
vidade. Nesses termos, segundo Berger (1980), a educação brasileira
no contexto ora referido atuou como fator de acumulação de capital,
pela qualificação geral do potencial da força de trabalho.

277
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

O Estado militar, ao adotar a estratégia privatizante, estabele-


ceu as condições para a expansão do ensino privado, notadamente
os de 2º e 3º graus que, vinculada diretamente à organização capita-
lista, transferiu grandes somas de recursos ao capital privado. Desde
então, o Estado vem cada vez mais se desresponsabilizando com a
educação pública e com as políticas sociais, afetando sensivelmente
o direito à educação das classes trabalhadoras. Desse modo, o corte
no orçamento da educação e das demais políticas sociais, a partir
dos anos 1990, faz parte da nova-velha estratégia privatizante adota-
da pelo Estado.
Nesse cenário e pelo que foi exposto até aqui, não é difícil
concluir que a criação do Cesvale atende a necessidades e pecu-
liaridades locais do mercado de trabalho e corre na esteira de uma
política deliberada do governo, no sentido de transferir o atendi-
mento da demanda crescente por ensino superior ao setor privado.
Quando perguntado quantos cursos o Cesvale tem hoje e quais são,
o diretor-geral da instituição não deixa dúvidas quanto à relação da
oferta de cursos segundo a demanda do mercado de trabalho.

Naquela época qualquer curso que viesse dava certo,


então, colocamos contabilidade como carro chefe e
depois o curso de administração. Nós recebemos muitos
pedidos do curso de administração, porque o nosso
curso também é pioneiro da rede privada, então hoje nós
temos uma demanda 84 muito boa, um curso moderno,
muito procurado, aí trouxemos o secretariado executivo,
mas o mercado não corresponde e o direito que está
numa aspiração (SOARES, 2007).

Depreende-se da fala do professor Soares (2007) que naque-


le período de criação do Cesvale, no ano de 1985, já se gestava, pelo
menos em nível local, a grande demanda que serviria de base para
a expansão da década de noventa. É o que se revela quando ele diz
que “qualquer curso que viesse dava certo”. Mas há uma ressalva:
qualquer curso que estivesse dentro das chamadas “carreiras mo-
dernas”. Tanto é que a instituição adotou como carro-chefe o curso

278
O ENSINO SUPERIOR PRIVADO NO PIAUÍ:
DO SURGIMENTO À EXPANSÃO DOS ANOS OITENTA

de Ciências Contábeis e em seguida, o curso de Administração, “um


curso moderno, muito procurado”, segundo o professor.
O advento da Nova República, com o fim do regime militar,
em 1985, não alterou as diretrizes políticas delineadas pelos militares
para o ensino superior brasileiro. A propósito, Minto (2006, p. 146)
afirma que a chamada Nova República não só deu continuidade às
políticas militares como tentou fazer valer, no âmbito do ensino supe-
rior, as medidas não efetivadas por aquele regime. A impossibilidade
de mudanças, alertada por Florestan Fernandes, deu-se pela relação
de forças políticas formada no contexto do que ele denominou de
“transição transada” (FERNANDES, 1989 apud MINTO, 2006, p. 146).
Não obstante os avanços estabelecidos na Constituição Fe-
deral de 1988, apontando mudanças em relação ao período anterior,
a eleição de Collor de Mello, em 1989, tanto impediu qualquer preten-
são nesse sentido quanto indicou o “caminho pelo qual trilhariam, no
país, não só a educação como as políticas sociais em geral” (MINTO,
2006, p. 146).
Esse caminho é claramente demarcado a partir da eleição de
Fernando Henrique Cardoso, em aliança PSDB/PFL, para a presidência
da República. Com a sua posse, as reformas do ensino superior são
definitivamente sancionadas, em meio às mudanças constitucionais
no âmbito da Reforma do Estado.
Conclui-se, pelo exposto, por duas perspectivas distintas: a
institucionalização do ensino superior no Piauí, entre os anos de 1930
e 1960, embora tenha ocorrido por meio de iniciativas privadas, refle-
te mais as necessidades do desenvolvimento político-econômico e
sociocultural associado à educação – aí inserida a dimensão humana
e o direito à educação – e menos as necessidades estritamente da
comercialização da educação como mercadoria.
Ressalte-se, por oportuno, que as instituições desse período
nasceram privadas, mas pareciam carregar a intenção de serem pú-
blicas, porquanto todas constituíram o núcleo de fundação da UFPI,
em 1971, seguindo tendência nacional daquele período, momento em

279
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

que se torna público o direito à educação superior no Estado, em que


pese o seu caráter elitista.
Nesses termos, pode-se dizer que no primeiro período, havia a
intenção de fazer valer o direito à educação superior, embora restrito
às elites econômicas e políticas da classe dominante estadual, dife-
rentemente do segundo momento, que reflete a onda privatista dos
anos sessenta e setenta, potencializada pela primeira LDB, de 1961, e
pela reforma militar da educação superior, de 1968.
No segundo momento, instala-se a mercantilização propria-
mente dita da educação superior no Piauí, com a criação do Cesvale,
na segunda metade dos anos 1980. É essa mercantilização que será
fortalecida e ampliada a partir da última década do século XX.

REFERÊNCIAS

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FEITOSA, M. P.; SALES, L. C.; CRUZ, R. E. da. Educação superior brasileira: 1991-
2004. Brasília: INEP, 2006.
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Educação Nacional. Brasília, DF: MEC.
BRITO, Itamar Sousa. História da educação no Piauí. 1. ed. Teresina: EDUFPI,
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DAVIES, Nicholas. Legislação educacional federal básica. São Paulo: Cortez,
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ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado.
São Paulo: Centauro, 2002.
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FEITOSA, Maria da Penha. A educação superior pública estadual no Piauí:
aspectos da origem e o processo de expansão nos anos 1990. Teresina: UFPI,
2006. Dissertação de Mestrado.

280
O ENSINO SUPERIOR PRIVADO NO PIAUÍ:
DO SURGIMENTO À EXPANSÃO DOS ANOS OITENTA

FERRO, Leonardo Borges. Educação e saúde: o ensino odontológico no Piauí –


História, memória e realidade. Teresina: UFPI, 2005. Dissertação de Mestrado.
MINTO, Lalo Watanabe. As reformas do ensino superior no Brasil: o público
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PIAUÍ. ANAIS do seminário do passado: a Faculdade Católica de Filosofia na
história da educação do Piauí. Teresina: EDUFPI, 2000.
PIAUÍ. UFPI. Educação e compromisso (jan./dez.1991). Teresina: Universidade
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RIBEIRO, Maria Luisa dos Santos. História da educação brasileira: a organiza-
ção escolar. 19. ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2003.
SAMPAIO, Helena Maria S. O ensino superior no Brasil: o setor privado. São
Paulo: Hucitec: FAPESP, 2000.
SANTOS NETO, Antônio Fonseca. A organização universitária e suas interfaces
com as estruturas de poder no Piauí. Teresina: UFPI, 1998. Dissertação de
Mestrado.

281
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

282
AVALIAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR:
percepções dos alunos dos cursos de
licenciatura e bacharelado da UESPI/Picos
acerca do Enade

Maria Carmem Bezerra Lima


Maria Jéssica Lima Borges

1 INTRODUÇÃO

O ato de avaliar caracteriza-se como parte fundamental do


sistema educacional. Sua prática é bastante discutida e até mesmo
problematizada em razão, principalmente, dos diferentes fins para os
quais seus resultados são utilizados que variam desde a adoção de
ações para melhorar a qualidade do ensino ofertado, à meritocra-
tização como política de incentivo aos que alcançam melhores re-
sultados em detrimento de ações que promovam a equidade, o que
demanda, consequentemente, melhores investimentos na educação.
No que se refere ao ensino superior, com a aprovação da Lei
nº 10.861, de 14 de abril de 2004, foi instituído o Sistema Nacional
de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), formado por três com-
ponentes principais, onde um deles é a avalição de desempenho
dos alunos, que se dá por meio da aplicação do Exame Nacional
de Desempenho dos Estudantes (Enade), realizado pelo Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep)
que é ligado ao Ministério da Educação (MEC) e encarregado de sua
operacionalização.
Sabendo-se que a realização do Enade é uma realidade que
está posta para todas as Instituições de Ensino Superior (IES) do País,
e tendo em vista que muitos alunos poderão enfrentá-lo, questiona-
-se: o que dizem os alunos dos Cursos de Licenciatura e Bacharelado

283
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

da Universidade Estadual do Piauí (UESPI)/Picos acerca do Enade


enquanto exame avaliativo dos cursos superiores?
A esta problemática somam-se algumas questões norteado-
ras, a saber: que conhecimentos prévios têm os alunos acerca do
Enade? Os professores dos cursos ofertados pela instituição avaliam
a aprendizagem dos alunos no formato do Enade? O que os cursos
fazem para ajudar os alunos quanto à dinâmica desse exame?
Nessa direção, o objetivo geral desta pesquisa foi investigar
as percepções dos graduandos dos Cursos de Licenciatura e Bacha-
relado da UESPI/Picos acerca do Enade enquanto instrumento de
avaliação dos cursos e, consequentemente, das IES. E como obje-
tivos específicos, propõe-se: verificar o que os alunos sabem sobre
o Enade; indagar se há relação entre a avaliação da aprendizagem
aplicada pelos professores em seus respectivos cursos e o modelo
de prova do Enade; conhecer possíveis iniciativas que os cursos de
licenciatura e bacharelado promovem para preparar os seus alunos
para a realização dessa avaliação.
Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa, realizada
com os acadêmicos dos Cursos de Licenciatura (Letras/Português,
Biologia e Pedagogia) e Bacharelado (Agronomia, Enfermagem e Di-
reito) da UESPI, utilizando-se de questionário como instrumento de
coleta de dados. O estudo teve como base teórica a contribuição
dos autores/as: Peroni (2003); Griboski (2012); Canan e Eloy (2016);
Blasis (2013); Freitas e Coelho (2019), entre outros.
Este artigo, que resulta de um Trabalho de Conclusão de
Curso (TCC), traz, inicialmente, uma introdução, contextualizando o
objeto da pesquisa, apresentando a problemática, os objetivos gerais
e específicos e a justificativa. Na sequência, discorre-se sobre o refe-
rencial teórico, a metodologia da pesquisa, as análises e a discussão
dos dados, finalizando-se com as considerações finais.

284
AVALIAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR: PERCEPÇÕES DOS ALUNOS
DOS CURSOS DE LICENCIATURA E BACHARELADO DA UESPI/PICOS ACERCA DO ENADE

2 DO PROVÃO AO ENADE: algumas considerações

As primeiras inciativas governamentais de avaliação do ensino


superior, com o objetivo de atestar sua qualidade e, mais implici-
tamente, regular esse nível de ensino, datam da década de 1980,
período em que duas iniciativas implementadas se destacaram: o
Programa de Avaliação de Reforma Universitária (Paru), criado em
1983, e extinto um ano depois, sem chegar a um consenso sobre
os dados recolhidos; e o Grupo Executivo para a Reformulação do
Ensino Superior (Geres), criado em 1986. O Geres aprofundou mais a
ideia de avaliação apresentando em seu relatório final a vinculação
entre autonomia e avaliação. Assim, defendia que o Estado deveria
ser o regulador da qualidade do ensino nas IES públicas, uma vez que
são financiadas pelo poder público. Propunha, então, a implantação
de um sistema de avaliação de desempenho, visando a controlar os
resultados efetivos do ensino (ZANDAVALLI, 2009).
Em 1993, houve a tentativa de implementação do Programa de
Avaliação Institucional das Universidades Brasileiras (Paiub), criado
a partir de uma proposta da Associação Nacional de Dirigentes de
Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), apresentada ao
Ministério da Educação (MEC). O referido programa

defendia princípios como a aceitação da necessidade


de avaliação por todos os segmentos envolvidos; o
reconhecimento da legitimidade e da pertinência dos
princípios norteadores e dos critérios adotados; o envol-
vimento direto de todos os segmentos da comunidade
acadêmica na execução e implementação de medidas
para a melhoria do desempenho institucional e individu-
al. (BRASIL, 1993, p. 4-5).

Efetivamente, a avaliação do ensino superior teve início com


a aprovação da Lei nº 9.131, de 25 de novembro de 1995, que insti-
tuiu o Exame Nacional de Cursos (ENC), conhecido como Provão,
que ficou em vigência no período de 1996 a 2003, sendo aplicado

285
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

apenas aos estudantes concluintes, com o objetivo de avaliar os


cursos de graduação.
Com a implementação do Sinaes, o Enade passou a substi-
tuí-lo, e seu objetivo foi ampliado, passando a integrar a avaliação
de cursos e instituições, e a expressar o desenvolvimento da apren-
dizagem dos estudantes ingressantes e concluintes dos cursos de
graduação, em consonância com as Diretrizes Curriculares Nacionais
(DCN) dos cursos.
Enquanto exame de avaliação,

o Enade aferirá o desempenho dos estudantes em rela-


ção aos conteúdos programáticos previstos nas diretri-
zes curriculares do respectivo curso de graduação, suas
habilidades para ajustamento às exigências decorrentes
da evolução do conhecimento e suas competências para
compreender temas exteriores ao âmbito específico de
sua profissão, ligados à realidade brasileira e mundial e a
outras áreas do conhecimento. (BRASIL, 2004, s/p).

Com essa reconfiguração, o Enade passa a constituir um


elemento fundamental na estrutura do Sinaes, uma vez que este é
composto pelos processos de Avaliação de Cursos de Graduação e
de Avaliação Institucional. Criado pela Lei n° 10.861, de 14 de abril de
2004, o Sinaes materializa-se por meio de três eixos, a saber: a ava-
liação das instituições, dos cursos, e do desempenho dos estudantes
pretendendo avaliar a partir de tais eixos aspectos como o ensino, a
pesquisa, o corpo docente, o desempenho dos alunos, entre outros.
Com base nas avaliações organizadas pelo Sinaes e, por
conseguinte, dos resultados, é possível traçar um panorama sobre
a qualidade dos cursos e IES no País. Dessa forma, seus processos
avaliativos são supervisionados pela Comissão Nacional de Avaliação
da Educação Superior (Conaes), e a operacionalização fica sob res-
ponsabilidade do Inep.
Desse modo, o principal objetivo do Sinaes é “assegurar o
processo nacional de avaliação das instituições de educação su-

286
AVALIAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR: PERCEPÇÕES DOS ALUNOS
DOS CURSOS DE LICENCIATURA E BACHARELADO DA UESPI/PICOS ACERCA DO ENADE

perior, dos cursos de graduação e do desempenho acadêmico de


seus estudantes” (BRASIL, 2004, Art. 1º, s/p). Logo, se os cursos apre-
sentarem resultados indesejáveis, serão estabelecidos os devidos
encaminhamentos e procedimentos a serem adotados.
O Enade é componente curricular obrigatório para os cursos
de graduação pertencentes aos Sistema Federal de Educação Supe-
rior e para as IES estaduais que aderirem ao Sinaes. Aliás, é obrigatório
aos alunos escolhidos, pois é condição essencial para a emissão do
histórico escolar deles. Assim, caso haja um imprevisto e o aluno não
consiga realizar o exame, devem ser tomada as devidas providências,
como apresentar dispensa oficial pelo MEC, na forma estabelecida
em regulamento.

2.1 Caminhos percorridos pelo Enade

Desde a sua criação, em 2004, até os dias atuais, mudanças


ocorreram no sentido de ampliar o alcance do exame, a fim de con-
templar uma quantidade maior de estudantes e ensejar maior con-
fiabilidade nos resultados. Nessa perspectiva, uma primeira alteração
ocorreu em 2009, quando se alterou a forma de seleção, que até
então era em caráter amostral, passando para o modo censitário.
Esse novo formato favoreceu a universalização da participação
no exame, uma vez que abrangia todos os estudantes ingressantes e
concluintes inscritos pelas IES que são, portanto, convocados a fazer
a prova. Essa decisão implicou no aumento significativo do número
de participantes que anualmente realizam a prova.
Até 2010, a inscrição dos alunos pelas IES seguia os seguintes
critérios: ingressantes – cumprimento de 7 a 22% da carga horária
mínima dos cursos de graduação (Bacharelados e Licenciaturas) ou
entre 7 e 25% da carga horária dos cursos superiores de tecnologia;
para os concluintes, cumprimento de pelo menos 80% da carga ho-
rária mínima dos cursos de graduação ou pelo menos 75% da carga
horária dos cursos tecnológicos, e que sejam prováveis concluintes
no ano do exame (GRIBOSKI, 2012).

287
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

O cálculo dos estudantes aptos a realizarem o exame passou


por redefinição quando da publicação da Portaria nº 40/2007, repu-
blicada em 29 de dezembro de 2010, quando passou a considerar
ingressantes todos aqueles que tivessem matrícula inicial no curso
no ano do exame, e concluintes aqueles que tivessem matrícula no
ano de conclusão do curso concomitante ao ano de realização do
Enade daquela área.
Segundo Griboski (2012), essa modificação visava a propor-
cionar melhoria da organização da gestão acadêmica na inscrição
dos estudantes, tornando mais fácil a identificação daqueles que são
do ano inicial e do ano final, e estarão aptos para a prova, sem a ne-
cessidade de análise do percentual cumprido no currículo do curso.
Outra mudança presente nesta Portaria, consoante a referida
autora, diz respeito à possibilidade de substituição da participação
dos estudantes ingressantes dos cursos da educação superior no
Enade pela participação no Enem, ou seja, os estudantes que partici-
param do Enem não precisarão realizar o Enade quando estiverem no
primeiro ano do curso de graduação.
Em relação à sua composição, de acordo com a Nota Técnica
do Inep (2019, s/p), é constituída por dois componentes: “Formação
Geral (FG): composto de 10 questões, sendo 8 de múltipla escolha
e 2 discursivas. Conhecimentos Específicos (CE): composto de 30
questões, sendo 27 de múltipla escolha e 3 discursivas”.
Sobre isso, a Nota Técnica do Inep (2019, s/p) dispõe em seus
itens 3.2 e 3.3:

A partir das questões de Formação Geral, espera-se que


os graduandos evidenciem a compreensão de temas
que transcendam ao seu ambiente próprio de formação
profissional específico e que sejam importantes para a
realidade contemporânea. Essa compreensão vincula-se
a perspectivas críticas, integradoras e à construção de
sínteses contextualizadas e avalia aspectos como cla-
reza, coerência, coesão, estratégias argumentavas, uti-
lização de vocabulário adequado e correção gramatical
do texto. O componente de Conhecimentos Específicos,

288
AVALIAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR: PERCEPÇÕES DOS ALUNOS
DOS CURSOS DE LICENCIATURA E BACHARELADO DA UESPI/PICOS ACERCA DO ENADE

por sua vez, contempla a particularidade de cada área


de avaliação do Enade, tanto no domínio dos conheci-
mentos, quanto nas habilidades esperadas para o perfil
profissional, e investiga os conteúdos do curso por meio
da exploração de diferentes níveis de complexidade.

Quanto à sua execução, o Enade tem periodicidade trienal


para cada área do conhecimento, isto é, de três em três anos os
alunos dos cursos selecionados passarão pelo exame.
No entanto, com relação à participação dos alunos é neces-
sário melhorar, porquanto a experiência tem mostrado que existe
certa desmotivação dos mesmos diante do exame, o que remete
para a imprescindibilidade de um movimento de conscientização da
comunidade acadêmica acerca da importância dessa avaliação, bem
como do seu aspecto orientador na constituição do currículo e do
rumo dos cursos.

2.2 O Enade: instrumento de avaliação da aprendizagem


ou de gestão?

Como visto, o Enade é um instrumento formal de cunho indi-


vidual aplicado aos estudantes de cursos de graduação para avaliar
seus conhecimentos e suas habilidades, e buscar um diagnóstico
a respeito do ensino superior no País. Assim, tem como finalidade
verificar não somente a aprendizagem dos estudantes de graduação,
mas, para além disso, vislumbrar a qualidade dos cursos nas demais
IES do Brasil.
O Enade vem ganhando, com o passar do tempo, um impor-
tante espaço como avaliação em larga escala dos cursos superiores
do Brasil. Hoje, é uma das principais ferramentas utilizadas para esse
fim, responsável por analisar o rendimento dos discentes, fundamen-
tando-se, principalmente, nos conteúdos programáticos previstos
nas DCN dos cursos.

289
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

Nessa perspectiva, Canan e Eloy (2016) chamam atenção em


seu estudo Políticas de avaliação em larga escala: o ENADE interfere
na gestão dos cursos? ao mencionarem que o Enade tem se caracte-
rizado como, além de parâmetro avaliativo, um promotor de um ran-
queamento entre cursos e universidades. Ademais, enquanto política
mais ampla de avaliação em larga escala, tem impactado a gestão
dos cursos que, na procura de bons resultados, geram estratégias de
gestão vinculadas ao preparo dos alunos para a prova.
Logo, o Enade mostra-se um instrumento de interesse para
os demais cursos e universidades, em virtude das notas atribuídas
aos cursos e às penalizações que estes sofrem se a avaliação for
considerada insatisfatória, isso porque o resultado obtido por esse
mecanismo implica diretamente a visibilidade das universidades,
pois de acordo com o que Canan e Eloy (2016) apontam, isso não é
muito diferente do antigo provão.
Isto pode ser identificado pela forma como é instituída, com
testes padronizados para medir o nível de conhecimento dos acadê-
micos no fim dos cursos, deixando de lado a valorização do processo
de ensino-aprendizagem e a produção cultural, científica, entre ou-
tras. Trata-se de interferências diretas herdadas dos pensamentos
neoliberais e do “Estado Avaliador” em sua função na educação, que
ganhou vulto com a implantação das avaliações em larga escala. De
acordo com Afonso (2001 apud SILVA, 2017, p. 4-5)

enfatiza que o tratamento delas, com a promoção de


um “ethos competitivo” com base em pressões por
resultados, ranqueamento de melhores indicadores, pre-
dominando a racionalidade mercantil e instrumental com
a valorização de índices de resultados quantificáveis,
sem a consideração de outros contextos educacionais,
é a principal herança que a reforma estatal disponibilizou
para a educação, particularizando o caso brasileiro.

É possível observar que o Enade tem se configurado não so-


mente como um parâmetro avaliativo da aprendizagem, mas também

290
AVALIAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR: PERCEPÇÕES DOS ALUNOS
DOS CURSOS DE LICENCIATURA E BACHARELADO DA UESPI/PICOS ACERCA DO ENADE

como promotor de um ranqueamento entre os cursos e as universi-


dades, isto porque o resultado obtido por esse implica diretamente
na visibilidade das universidades.
De acordo com Canan e Eloy (2016. p. 632), “a perspectiva
da avaliação que se constrói somente a partir das leis do mercado é
perigosa”. Todavia, essa avaliação torna-se uma importante estratégia
para os cursos na construção de uma gestão pautada na melhoria e
qualidade de ensino, pois as universidades podem usar seus resultados
como referencial e a partir disso planejar novas ações para a educação.
O Enade, quando pensado como avaliação, de fato, verificadora
da educação e um instrumento de avaliação da aprendizagem, exerce
um papel de suma importância, representando uma ferramenta para
a melhoria da educação, uma vez que oferece um conjunto de infor-
mações que possibilitam às IES refletirem sobre suas posturas diante
das fragilidades presentes nesse nível de ensino. Nesse sentido, Dias
Sobrinho (2010, p. 214) diz que “muito mais que a constatação de
um estado, é uma interrogação sobre o processo de aprendizagem
e de formação, com o objetivo de conhecer os avanços, superar as
dificuldades e atribuir um sentido ao processo educativo”.
A avaliação possibilita olhar para questões voltadas também
para a gestão, identificando como anda a organização pedagógica,
a gestão acadêmica, a construção curricular dos cursos, os planeja-
mentos das disciplinas, o processo ensino-aprendizagem nas univer-
sidades, entre outras questões.
Tendo isso em vista, Canan e Eloy (2016, p. 637) falam que

é preciso que se trabalhe de forma conjunta: instituição,


comunidade, governo, docentes, discentes para que o
resultado obtido por meio da prova direcione para um
caminho positivo, que contribua para a melhora na edu-
cação e não apenas a critique. Assim, ficará evidente o
papel das avaliações em larga escala como ferramentas
para aprimorar e oferecer novas alternativas para as
instituições de ensino, possibilitando novos caminhos
a serem seguidos em relação aos interesses do sistema
de ensino.

291
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

De posse dos dados obtidos nas avaliações, toda a comunida-


de acadêmica, os docentes, os gestores e toda a categoria adminis-
trativa podem utilizar essas informações como forma de intervenção
visando à promoção de ações de melhoria da qualidade dos cursos
de graduação.
Em face do exposto, atina-se que a avaliação converte-se
em uma importante estratégia para os cursos, com vistas a uma
gestão pautada na melhoria e qualidade de ensino, pois a partir de
seus resultados, as IES têm um referencial para planejar novas ações
voltadas à educação.

3 METODOLOGIA

Para os fins pretendidos neste estudo, desenvolveu-se uma


pesquisa de natureza qualitativa, que segundo Minayo (2001, p. 22),

responde a questões muito particulares. Ela se preocupa,


nas ciências sociais, com um nível de realidade que não
pode ser quantificado. Ou seja, ela trabalha com o univer-
so de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e
atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo
das relações, dos processos e dos fenômenos que não
podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis.

A pesquisa foi realizada na UESPI, Campus Professor Barros


Araújo, na cidade de Picos-PI, e dela participaram estudantes dos cur-
sos de Licenciatura (Pedagogia, Biologia e Letras/Português) e Bacha-
relado (Agronomia, Enfermagem e Direito). Dessa forma, cinco alunos
de cada curso contribuíram com a pesquisa, totalizando 30 pessoas.
Para a coleta de dados, utilizou-se questionário contendo
perguntas abertas, fechadas e semiabertas/fechadas. Conforme
Marconi e Lakatos (2003, p. 201), o questionário “é um instrumento
desenvolvido cientificamente, composto de um conjunto de pergun-
tas ordenadas de acordo com um critério predeterminado, que deve
ser respondido sem a presença do entrevistador”.

292
AVALIAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR: PERCEPÇÕES DOS ALUNOS
DOS CURSOS DE LICENCIATURA E BACHARELADO DA UESPI/PICOS ACERCA DO ENADE

4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

Os dados foram organizados de acordo com a classificação


dos participantes quanto ao curso de graduação – Licenciatura ou
Bacharelado – e quanto ao estágio em que se encontram no curso,
considerando como iniciantes aqueles que se encontram do primeiro
ao terceiro bloco; medianos, do quarto ao sexto bloco; e concluintes,
do sétimo ao décimo bloco.
Desse modo, os participantes iniciantes de Licenciatura estão
nomeados como G1, G2, G3 e G4; os medianos, G5, G6, G7 e G8; e
os concluintes, G9, G10, G11, G12, G13, G14 e G15. Já os participantes
iniciantes de Bacharelado foram nomeados como G16, G17, G18, G19
e G20; os medianos, G21, G22, G23, G24, G25, G26; e por último, os
concluintes, G27, G28, G29 e G30.

4.1 Visões dos alunos acerca do Enade

O primeiro eixo foi organizado a partir de questões que tratam


dos conhecimentos que os alunos têm a respeito do Enade, quanto
ao seu conceito e como ele é estruturado/constituído, a fim de iden-
tificar como esse exame é entendido pelos graduandos.
O Quadro 1 revela o que dizem os participantes sobre o exame,
se já ouviram falar sobre ele e, em caso afirmativo, o que sabem a seu
respeito, justificando sua resposta. Vejamos o que dizem.

293
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

Quadro 1 - O Enade para o aluno


LICENCIATURA
Estágio no curso Participante Contribuição
G1, G2, G3, G4 É uma avaliação aplicada aos estu-
dantes de nível superior anualmente,
Iniciantes
com o objetivo de avaliar os cursos
de ensino superior brasileiro.
G5, G6, G7, G8 Trata-se de uma avaliação para saber
Medianos o nível de aprendizagem dos alunos
do nível superior.
Concluintes G9, G10, G11, G12, G13, G14 É uma prova escrita, aplicada anual-
mente, usada para avaliação dos cur-
sos de ensino superior.
BACHARELADO
Estágio no curso Participante Contribuição
G16, G17, G18, G19, G20 Trata-se de um método de avaliação
Iniciantes para saber como anda o desempenho
dos alunos dos cursos superiores.
G21, G22, G23, G24, G25, É o exame nacional para avaliar a qua-
Medianos G26 lidade do aprendizado dos cursos su-
periores.
G27, G28, G29, G30 É o exame nacional de desempenho
de estudantes que é uma prova com
o objetivo de avaliar a qualidade do
Concluintes
ensino superior, tendo como base o
conhecimento dos estudantes que
realizam o exame.
Fonte: dados da pesquisa, 2021.

De acordo o exposto no Quadro 1, todos os participantes das


etapas iniciantes, medianos e concluintes de Bacharelado e Licen-
ciatura dos cursos que participaram desta pesquisa já ouviram falar
a respeito do Enade, e entendem de maneira geral que é um exame
que avalia o ensino superior no Brasil como um todo, avaliando o
desempenho dos alunos e dos cursos nas instituições de ensino.
Desse modo, o Enade

consiste num instrumento de avaliação a diagnosticar,


geralmente a cada três anos, as habilidades acadêmicas
e as competências profissionais que os estudantes são
capazes de demonstrar, em conexão com suas percep-
ções sobre sua instituição e com conhecimentos gerais
não necessariamente relacionados com os conteúdos
disciplinares. (DIAS SOBRINHO, 2010, p. 212).

294
AVALIAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR: PERCEPÇÕES DOS ALUNOS
DOS CURSOS DE LICENCIATURA E BACHARELADO DA UESPI/PICOS ACERCA DO ENADE

É fundamental que os discentes tenham conhecimento sobre


o Enade e estejam em sintonia com o assunto, de modo que fiquem
familiarizados com o contexto no qual estão inseridos e saibam que o
seu curso está sendo supervisionado com o intuito de melhorar cada
vez mais, pois esse é a real função do exame.
Ainda de acordo com Dias Sobrinho (2010), o Enade não tem
pretensão de avaliar a aprendizagem, mas ser um instrumento que
contribui para o processo de aprendizagem.
O Quadro 2 destaca os conhecimentos sobre a estrutura da
prova, a fim de depreender se os estudantes conhecem a sua organi-
zação e em caso afirmativo, como é constituído.

Quadro 2 - A estrutura da prova Enade para o aluno


LICENCIATURA
Estágio no curso Participante Contribuição
G1, G2, G3 Desconhecem a estrutura.
G4 Sim, é composta em sua es-
trutura de questões objetivas
Iniciantes e discursivas, divididas em
duas partes contendo forma-
ção geral e específica, além
de um questionário de per-
cepção sobre a prova.
G5, G6, G7 Desconhecem a estrutura.
G8 Desconhece a estrutura do
Medianos exame, porém, fala que é uma
avaliação que ajuda os gradu-
andos a desenvolver-se mais.

Concluintes G9, G10, G11, G12, G13, G14, G15 Desconhecem a estrutura.

BACHARELADO
Estágio no curso Participante Contribuição

Iniciantes G16, G17, G18, G19, G20 Desconhecem a estrutura.

Medianos G21, G22, G23, G24, G25, G26 Desconhecem a estrutura.


G28, G29, G30 Desconhecem a estrutura.

Concluintes G27 Sim, conhecimentos gerais de


acordo com a área de estudo
de cada curso.
Fonte: dados da pesquisa, 2021.

295
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

Nota-se que dentre os iniciantes de Licenciatura, somente o


participante G4 conhece a estrutura e, como dito, fala que é com-
posta por questões objetivas e discursivas, divididas em duas partes,
contendo formação geral e específica, além de um questionário de
percepção sobre a prova. Tanto os medianos quanto os concluintes
demonstraram não conhecer sobre a estrutura do exame. Quanto
aos iniciantes, medianos e concluintes de Bacharelado, apenas G27
conhece a dinâmica, explicando que é composta por conhecimentos
gerais de acordo com a área de estudo de cada curso. Como se
constata nos dados coletados, embora todos tenham ouvido falar,
apenas dois participantes conhecem a estrutura da prova.
A propósito, a prova do Enade é constituída, de acordo a Nota
Técnica do Inep (2019), de dez questões de formação geral e 30 de
conteúdo específico, elaboradas com o objetivo de aferir as habilida-
des acadêmicas; as competências profissionais básicas das áreas; o
conhecimento dos conteúdos básicos e profissionalizantes; além de
apresentar questões transdisciplinares.
Analisando esse conjunto de respostas, apesar de todos
conhecerem o exame e descreverem a sua finalidade, nota-se que
pouco ou nada sabem no que tange aos aspectos mais estruturais
da prova e, como visto, a maioria dessas respostas vieram, principal-
mente, daqueles que são concluintes, o que chama a atenção, pois
estão há mais tempo nos cursos e já deveriam conhecer a estrutura
do exame. Isso é preocupante e revela a necessidade de estabelecer
ações institucionais no sentido de aproximar os alunos desse assunto.
O eixo a seguir aborda o que os alunos sabem sobre a fun-
cionalidade do exame e se se sentem preparados para realizá-lo de
maneira que consigam atingir um bom resultado.

296
AVALIAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR: PERCEPÇÕES DOS ALUNOS
DOS CURSOS DE LICENCIATURA E BACHARELADO DA UESPI/PICOS ACERCA DO ENADE

4.2 Enade: importância e expectativas do aluno frente


ao exame

Após buscar saber se os graduandos conhecem o exame,


reputou-se necessário conhecer as concepções dos participantes
a respeito dele, daí porque nesse eixo se elencam questões que tra-
tam da importância atribuída ao exame e como os alunos se sentem
diante dele.
Nessa direção, o Quadro 3 apresenta os resultados do ques-
tionamento se os estudantes acham importante que os seus cursos
(Licenciatura e Bacharelado) sejam avaliados.

Quadro 3 - Importância da avaliação de curso para o aluno


LICENCIATURA
Estágio no curso Participante Contribuição
G1, G4 Sim, para verificar os futuros profissionais que estão
indo para o mercado de trabalho.
Iniciantes
G2, G3 Sim, para saber o desempenho dos alunos e habilidades
necessárias a formação geral profissional.
G5 Sim, para avaliar o conhecimento dos alunos para ver se
está bom ou ruim.
G7 Sim, é a partir dessa avaliação que se pode desenvolver
Medianos um melhor trabalho com os discentes.
G6, G8 Sim, importante para que o ensino superior forme
cidadãos aptos para o mercado de trabalho.
G9 Sim, uma maneira justa de saber o rendimento de
aprendizagem.
G10 Sim, se o curso em especifico for avaliado de forma não
muito positiva, pode-se despertar um interesse em
ofertar melhor qualidade de ensino-aprendizagem, afim
Concluintes de que o curso não venha a ser retirado da universidade.
G11, G12, G13, Sim, percebem que é possível observar o nível dos
G14 graduandos, a qualidade dos cursos superiores, de
modo que com essas respostas possibilitem uma
melhor qualidade de ensino e também contribuam para
a formação de bons profissionais futuramente.

continua

297
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

continuação

LICENCIATURA
Estágio no curso Participante Contribuição
BACHARELADO
Estágio no curso Participante Contribuição
G16, G20 Sim, descrevem que é necessário para saber se os
alunos estão sendo bem preparados, para que se
tornem bons profissionais e se estão inteirados dos
conteúdos essenciais para sua futura profissão.
G17 Sim, pois acredito que seja importante analisar o
Iniciantes andamento dos cursos, tendo em vista a dificuldades
apresentas e de alguma forma conseguirem sanar
através dos resultados.
G18, G19 Sim, pois colabora para o desenvolvimento gradual e
positivo da instituição, observando quais as melhorias
podem ser feitas e o que preservar.

G21, G22 Sim, é importante saber como está o aprendizado do


aluno, se está apto a concorrer às vagas no mercado de
trabalho.
G23 Sim, é de suma importância principalmente pelo fato de
que o ensino superior atualmente mostrasse bastante
Medianos defasado.
G24, Sim, é uma excelente forma de saber se a metodologia
de ensino aplicada está sendo eficaz.
G25, G26 Sim, se não fossem avaliadas as instituições não
cobrariam o suficiente dos discentes e docentes e
sanar as deficiências do ensino.
G27, G28 Sim, é importante que os cursos sejam avaliados para
que a IES saiba se os cursos por ela ofertados são
realmente bons, e poder dessa forma, ser usado com
base de pesquisa para estudantes que buscam uma
Concluintes melhor qualidade de ensino, a escolher a instituição que
deseja fazer parte.
G29, G30 Sim, ter noção do conhecimento dos alunos e saber o
índice de rendimento do curso.
Fonte: dados da pesquisa, 2021.

Diante dos dados revelados no quadro acima, deduz-se que


todos os participantes, tanto de Licenciatura quanto de Bacharelado,
em todos os blocos participantes, consideram importante a avaliação
dos cursos, respondendo cada um à sua maneira, mas denotando
que conseguem ter uma visão positiva a respeito da importância do
exame, pois todos deram a entender que é um exame que avalia o
ensino superior no Brasil com aspectos voltados para a qualidade

298
AVALIAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR: PERCEPÇÕES DOS ALUNOS
DOS CURSOS DE LICENCIATURA E BACHARELADO DA UESPI/PICOS ACERCA DO ENADE

de ensino das instituições, os conhecimentos dos alunos, os futuros


profissionais que adentrarão no mercado de trabalho, dentre outros.
Considera-se, pois, que é de suma importância que os estudan-
tes tenham conhecimento e saibam a finalidade do exame em pauta, a
fim de apreender o porquê de a avaliação existir nesse meio. Por isso, é
oportuno fazer esse questionamento para que os estudantes reflitam
sobre suas aprendizagens e seus conhecimentos para a vida pós-uni-
versidade, isto é, o que estão levando para sua vida profissional.
Na sequência, o Quadro 4 trata justamente do sentimento dos
alunos perante a realização do exame, fazendo uma investigação se
os participantes estão preparados para realizá-lo ou se sentiriam
alguma dificuldade, e se sim, quais seriam essas dificuldades.

Quadro 4 - Sentimento do aluno frente ao Enade


LICENCIATURA
Estágio no Participante Contribuição
curso
G1, G2, G3 Respondem não se sentirem preparados. Apresentando
dificuldades como não terem visto todas as matérias do
Iniciantes curso e por não conhecerem o modelo da prova.

G4 Sente-se preparado.
G5, G6, G7 Sentem-se preparados.
Medianos G8 Sentiria dificuldade em lembrar de conteúdos impor-
tantes para a prova ministrados no início do curso.
G9, G13, G14, G15 Respondem não se sentirem preparados. Apresentando
Concluintes dificuldades como não tiverem preparação suficiente,
não estão familiarizados e não conhecerem o modelo
como é composta a prova.
G10, G11, G12 Sentem-se preparados.
continua

299
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

continuação
BACHARELADO
Estágio no Participante Contribuição
curso
G16, G18, G20 Respondem não se sentirem preparados. Apresentando
dificuldades como serem iniciantes nos cursos e não
Iniciantes terem base suficiente para a realização da prova.

G17, G19 Sentem-se preparados.

G21, G22, G25, Respondem não se sentirem preparados. Apresentan-


G26 do dificuldades como não ter muito conhecimento da
prova e não lembrarem dos conteúdos ministrados nos
blocos anteriores.
Medianos G23 Sente-se preparado.

G24 Não, a deficiência de professores e a falta de organiza-


ção por parte da instituição estão atrapalhando a qua-
lidade do ensino.
G27, G20 Sentem-se preparados.
G28 Não conheço a estruturada prova e isso poderia ser uma
Concluintes dificuldade.

G29 Não.
Fonte: dados da pesquisa (2021).

Como indicam os dados coletados, dentre os iniciantes, me-


dianos e concluintes dos cursos de Licenciatura, apenas sete parti-
cipantes afirmaram que se sentem preparados para realizar a prova;
por outro lado, oito disseram que não, justificando como dificuldades
o fato de não terem visto todas as matérias do curso; não conhece-
rem o modelo da prova; terem dificuldades em lembrar de conteúdos
importantes para a prova, ministrados no início do curso; não terem
preparação suficiente; e não estarem familiarizados com a prova.
Quanto aos iniciantes, medianos e concluintes dos cursos de
Bacharelado, cinco participantes respondem que se sentem prepa-
rados; outros dez não se sentem preparados, apresentando dificul-
dades, como serem iniciantes nos cursos; não terem base suficiente
para a realização da prova; não terem muito conhecimento da prova;
não lembrarem dos conteúdos ministrados nos blocos anteriores; e
não conhecerem a estrutura da prova.

300
AVALIAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR: PERCEPÇÕES DOS ALUNOS
DOS CURSOS DE LICENCIATURA E BACHARELADO DA UESPI/PICOS ACERCA DO ENADE

Apesar de alguns participantes mostrarem segurança quanto


à realização do exame (12 participantes), ainda se observa que a
maioria (18 participantes) demonstra dificuldades, principalmente
por não conhecerem o modelo e não lembrarem dos conteúdos já
vistos durante os cursos.
Como visto nos dois quadros, todos têm consciência de que
avaliar os cursos superiores é um passo significativo, e, de certo
modo, entendem a importância dessa avaliação para a melhoria da
educação. Porém, uma parte deles ainda não se sente preparada para
a realização do exame, podendo ser esse um dos principais motivos
para que eles se sintam desmotivados ao realizá-lo.
A esse respeito, Griboski (2012, p. 189) aduz que

com relação à participação dos estudantes no Enade, há


muito a ser feito para a conscientização da comunidade
acadêmica acerca da importância da avaliação e do seu
aspecto orientador na constituição do currículo dos
cursos. Diante dessa percepção, o Enade precisa ser
urgentemente repensado, a começar pela motivação do
estudante para participação.

Ainda de acordo com Griboski (2012), o principal aspecto a ser


considerado antes mesmo do resultado alcançado é a participação
dos estudantes no processo avaliativo, sendo esse o aspecto central
para saber a qualidade do curso que está sendo formado.
Dessa forma, a gestão dos cursos deve estar à frente para con-
tribuir na motivação dos estudantes dos demais cursos, mostrando
a importância dele, e não somente isso, mas promovendo meios que
expliquem a sua funcionalidade, pois essa avaliação deve ser vista e
pensada como peça relevante no debate sobre a qualidade do ensino
superior ofertado.
Em face dessa realidade, a próxima categoria pretende anali-
sar a posição da coordenação e dos professores dos cursos perante
a prova, na visão dos estudantes.

301
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

4.3 Iniciativas no âmbito dos cursos de graduação


acerca do Enade

Este eixo está organizado de acordo com dados obtidos


correspondentes às ações desenvolvidas pelas coordenações dos
cursos e pelos professores. Então, buscou compreender quais ini-
ciativas são trabalhadas pela comunidade acadêmica da instituição
a respeito do exame.
O Quadro 5 mostra os resultados da investigação visando a
identificar se os participantes sabem se as coordenações de seus
cursos proporcionam alguma iniciativa para aproximar os alunos do
Enade.

Quadro 5 - A coordenação de curso frente ao Enade


LICENCIATURA
Estágio no Participante Contribuição
curso
G1, G2, G3 Descrevem que existem iniciativas como palestras e
que a coordenação já explicou como ocorre e qual o
seu objetivo.
Iniciantes
G4 Não, quanto a falta de iniciativa diz que pode existir pro-
fissionais incapazes de atuar na sua área de formação.

G5, G6, G7, G8 Descrevem que existem iniciativas como palestras, mi-
Medianos nicursos e conversas sobre a importância da realização
do exame.
G12, G13 Descrevem quanto a falta de iniciativa que a coordena-
Concluintes ção deveria fazer uma aproximação através de aulas e
provas estilo Enade e deveriam tornar isso como uma
opção principal no decorrer do curso.
G9, G14, G15 Descrevem quanto a falta de iniciativa que falta muita
informação na universidade aprendemos de forma su-
perficial; ninguém discute nada sobre ele; seria bom ser
explicado direitinho
G10 Os professores de meu curso sempre tocam no assunto.

G11 Prefere não opinar.


continua

302
AVALIAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR: PERCEPÇÕES DOS ALUNOS
DOS CURSOS DE LICENCIATURA E BACHARELADO DA UESPI/PICOS ACERCA DO ENADE

continuação

BACHARELADO
Estágio no Participante Contribuição
curso
G16 Não, acha que seja tão necessário esse tipo de iniciativa.

G17, G18 Não, acreditam que por serem iniciantes ainda não vi-
Iniciantes ram iniciativas.
G19 Não.
G20 Não, descuidada.
G21, G24, G25 Sim, descrevem que existem iniciativas por meio de pa-
lestras, aulas preparatórias e incentivos.
G22 Não, descreve quanto a falta de iniciativa que é uma fal-
ta de conscientização por parte da coordenação.
Medianos
G23 Não, descreve que não vê a falta de iniciativa como um
ponto negativo.
G26 Não, a falta de iniciativa resulta no despreparo dos aca-
dêmicos.
G27 Sim, não exatamente direcionada somente ao Enade,
mas, em sala de aula pelos próprios professores que
estimulam os nos alunos a ter um melhor desempenho
para adquirir conhecimento no decorrer do curso e com
eventos.
G28 Não.
Concluintes G29, G30 Sim, descrevem que existem iniciativas através de pre-
paratório.
Fonte: dados da pesquisa, 2021.

Os dados acima revelam que os graduandos se dividem muito


nas respostas. Dos participantes da Licenciatura, oito responderam
que existem iniciativas; enquanto seis afirmaram que não; e apenas
um participante preferiu não opinar. Dentre os estudantes de Ba-
charelado, nove falaram que não existem iniciativas; e seis, que sim.
No total, 14 participantes responderam afirmativamente, seja por
meio de palestras, minicursos, conversas, incentivos; e outros e 15
relataram que não existem iniciativas, e que a falta delas pode ocor-
rer porque existiam profissionais incapazes; por falta de informação
sobre o assunto; por falta de conscientização, descuido; e ainda isso
não representa um ponto negativo.

303
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

Tais resultados, se por um lado, foram positivos, pois eviden-


ciam que existem algumas iniciativas, por outro, foram negativos, pois
essas ações não chegaram a todos os participantes, o que leva a
crer que ainda há carência no sentido de que as coordenações dos
cursos invistam em ações que priorizem o exame nas instituições,
não se restringindo apenas aos estudantes que passarão por ele.
Nessa lógica, o Enade deve ser utilizado na gestão como um
instrumento a mais no processo pedagógico, tomando os devidos
cuidados para que seus resultados não fiquem restritos à prática do
ranqueamento, sem qualquer finalidade pedagógica.
Sendo assim, deve “ser olhado e analisado como um dos
aspectos a ser considerado no contexto da avaliação no âmbito
da instituição. Isso não significa diminuir sua importância para a
instituição refletir processos e ressignificar práticas” (CANAN; ELOY,
2016, p. 638).
O Quadro 6 mostra o resultado da análise se os participantes
já ouviram alguns/uns professores declararem alguma vez que suas
provas se assemelham com o tipo de prova do Enade.

Quadro 6 - Relação entre as provas do curso e o modelo Ene dead avaliação


LICENCIATURA
Estágio no curso Participante Contribuição
G1, G2 Não.
G3, G4 Responderam que não, mas, os profes-
Iniciantes sores deveriam se espelhar no exame
para preparar melhor os alunos da gra-
duação para a prova.
G5 Fala que não e acha muito importante,
assim dá para saber o rendimento dos
Medianos alunos e do curso.

G6, G7, G8 Não.


continua

304
AVALIAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR: PERCEPÇÕES DOS ALUNOS
DOS CURSOS DE LICENCIATURA E BACHARELADO DA UESPI/PICOS ACERCA DO ENADE

continuação

LICENCIATURA
G9, G10 Não. Respondem que seria muito inte-
ressante trazer provas no mesmo estilo
do Enade.
G11 Fala que não e que falta interesse para
com os alunos e a qualidade de ensino
da universidade.
Concluintes
G12, G13 Respondem que não, mas, se as provas
fossem no modelo Enade os alunos es-
tariam mais preparados para sua reali-
zação.
G14, G15 Não.

BACHARELADO

Estágio no curso Participante Contribuição


G16, G19 Não.
G17 Responde, que não e que não sente um
estimulo muito grande para tirar notas
boas no enade, porém, acredita que isso
vem da capacidade dos professores de
ensinar, acho que a maioria dos profes-
Iniciantes sores tem doutorado, então eles são
bons e os alunos estudam e as notas
são um extra desse processo de apren-
dizagem.
G18 Nunca mencionaram.
G20 Há um certo descuido da parte deles.

G21, G22, G23 Não.


G24 Responde que não, e acredita que o mo-
delo não influencia muito à qualidade do
Medianos ensino.
G25, G26 Respondem que não e que as avaliações
seria uma forma excelente de nos prepa-
rar para o dia do exame.
G27 Não, seria importante para nos preparar
para a mesma.
Concluintes

G28, G29, G30 Não.


Fonte: dados da pesquisa, 2021.

Como se pode verificar, todos os participantes das gradua-


ções, tanto iniciantes, medianos quanto concluintes afirmaram que
não perceberam qualquer iniciativa por parte dos professores no que

305
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

tange à relação entre as avaliações da aprendizagem dos cursos e as


provas no modelo Enade. No entanto, a maioria mencionou que seria
importante que as avaliações se espelhassem nesse exame, pois seria
uma forma de os preparar para a realização do Enade, com exceção
do participante G24, que acredita que o modelo não influencia muito
à qualidade do ensino.
Então, para realizar uma boa prova, é necessário um conjunto
de ações, podendo ser uma delas a aproximação dos graduandos
com as provas do Enade, por meio da avaliação da aprendizagem em
sala de aula. Sobre essa questão, Canan e Eloy (2016, p. 626) decla-
ram que

o ótimo resultado obtido no ENADE pode ser fruto de


um conjunto de práticas implantadas no curso, em que o
aluno, desde o primeiro semestre, é motivado a aprender
e conduzir-se de acordo com as linhas gerais da profis-
são e incentivado a refletir na lógica da questão da prova.

Quanto às provas no modelo Enade e as que são aplicadas em


sala de aula, os participantes disseram que não há semelhanças, o que
sugere que os professores não têm tanta preocupação em estimular
seus alunos a se prepararem para o exame. Aliás, quanto a isso, al-
guns estudantes manifestaram que seria interessante a utilização de
questões similares às requeridas no exame, o que leva a pensar que os
instrumentos de avaliação empregados pelos professores no processo
de formação dos futuros profissionais é um instrumento que não tem a
mesma natureza e finalidade avaliativa proposta pelo Enade.
No Quadro 7, que é o último, o intuito é aprofundar o conheci-
mento a respeito das provas aplicadas em sala de aula, a fim de com-
preender se os participantes conseguem perceber se há professores
que adotam esse modelo.

306
AVALIAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR: PERCEPÇÕES DOS ALUNOS
DOS CURSOS DE LICENCIATURA E BACHARELADO DA UESPI/PICOS ACERCA DO ENADE

Quadro 7 - Percepções do aluno acerca do modelo de prova aplicada pelo professor


LICENCIATURA
Estágio no curso Participante Contribuição
G1 Sim.
Iniciantes
G2, G3, G4 Não.
G5, G7, G8 Não.
Medianos
G6 Sim.
Concluintes G9, G10, G11, G12, G13, G14, G15 Não.
BACHARELADO
Estágio no curso Participante Contribuição
G16 Sim, devido as questões se-
rem bem especificas, a nível
Iniciantes de Enade.

G17, G18, G19, G20 Não.


G21, G22, G23, G24, G25 Não.

Medianos G26 Sim, porque todos são profis-


sionais capacitados e exce-
lentes.

G27 Sim, por avaliações que explo-


ram nossos conhecimentos a
longo prazo, como relacionar
Concluintes
conteúdos já explorado

G28, G29, G30 Não.


Fonte: dados da pesquisa, 2021.

A partir desses dados, assimila-se que dentre os iniciantes dos


cursos de Licenciatura, somente o participante G1 respondeu afirma-
tivamente que existe relação entre as provas dos cursos; enquanto os
outros disseram que não. Do lado dos medianos, G6 respondeu que
sim; e os demais, que não. Os concluintes todos respondem que não.
Quanto aos cursos de Bacharelado, dos iniciantes, apenas o partici-
pante G16 percebe essa relação, devido ao fato de as questões serem
bem específicas, em nível de Enade; mas os demais responderam
negativamente. Dentre os medianos, só o participante G26 mencionou
que sim; e os outros, que não. E por fim, dos concluintes, somente o
G27 comentou haver avaliações que exploram conhecimentos em lon-
go prazo, relacionando conteúdos já explorados no decorrer do curso
com assuntos de disciplinas atuais; e os demais, que não. Desse modo,

307
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

de 30 graduandos, cinco ratificaram que percebem a semelhança


entre as provas organizadas pelos professores com o modelo Enade,
enquanto a grande maioria diz que não.
Percebe-se na discussão dessa categoria que tantos os pro-
fessores quanto a coordenação dos cursos ainda não atentaram para
o Enade como um assunto a ser mais relevado nas instituições de
ensino, pois ainda não é trabalhada, de fato, como um tema que deve
estar na pauta do dia. Em virtude disso, o que se observa é que se
trata de um assunto pouco discutido, mostrando que as iniciativas
no âmbito da comunidade educacional para com o exame ainda são
tentativas isoladas e muito superficiais.
Contudo, é preciso entender que as práticas avaliativas dos
professores da educação superior devem utilizar o Enade como ins-
trumento no trabalho pedagógico, pois

[...] o ENADE deve ser refletido nas instituições de ensino


durante toda a trajetória percorrida pelos acadêmicos e
não apenas no ano em que o curso será avaliado, caben-
do aos professores a função de expor para seus alunos a
importância de realizar uma boa prova para diagnosticar
o que o curso acarretou durante esse ciclo de três anos,
bem como, se a Universidade contribuiu para uma boa
formação tanto profissional quanto para a vida de cida-
dão. (CANAN; ELOY, 2016, p. 638).

Por oportuno, é importante sensibilizar e resgatar os reais


princípios da avaliação para que ela tenha sentido e significado. Para
tanto, é preciso que esse exame seja vislumbrado como um dos
aspectos a ser considerado no contexto da avaliação no âmbito das
IES, compreendendo também que o Enade é uma oportunidade de a
universidade avaliar não só o nível dos estudantes, mas também de
promover uma autoavaliação.
Diante disso, apesar de todos os participantes em diferentes
estágios dos cursos compreenderem o que é o Enade, a sua impor-
tância, o modelo de prova ainda é desconhecido pela maioria dos

308
AVALIAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR: PERCEPÇÕES DOS ALUNOS
DOS CURSOS DE LICENCIATURA E BACHARELADO DA UESPI/PICOS ACERCA DO ENADE

participantes, daí porque muitos não se sentem preparados para


realizar o exame.
Embora as coordenações dos cursos possibilitem algumas
iniciativas, nem todos tiveram contato com essas ações. Os professo-
res, por sua vez, não contribuem para a aproximação dos seus alunos
e realização de uma boa prova, pois se constatou que os alunos não
percebem semelhanças nas provas aplicadas por eles e o modelo de
prova do Enade.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa revelou que os graduandos dos cursos pesqui-


sados, tanto iniciantes, quanto medianos e concluintes conhecem
o Enade e sabem de sua importância para avaliar aspectos fun-
damentais relacionados à educação superior no Brasil, porquanto
apontam satisfatoriamente essa avaliação. Porém, a grande maioria
dos participantes desconhece a estrutura da prova, sendo essa uma
das reclamações mais trazidas por eles, pois o fato de não terem
conhecimento disso acaba gerando sentimento de insegurança em
realizar o exame.
Ademais, consideram que há ações por parte das coorde-
nações dos cursos, ainda que tímidas, envidadas por intermédio de
palestras, minicursos e outros meios. No entanto, são ações pontuais,
que não conseguiram atingir a todos, daí porque devem ser traba-
lhadas com mais afinco, a fim de deixar o aluno mais bem preparado
para a realização do exame.
O fato de que as provas realizadas em sala de aula pelos pro-
fessores não se aproximam do modelo Enade e, mesmo que se apro-
ximassem, muitos não saberiam identificar, por não conhecerem o
modelo de prova do exame, demonstra que há lacunas no tratamento
da questão no âmbito da universidade. Isso ocorre, talvez, pelo fato
de não haver um debate acadêmico buscando envolver o professor

309
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

na preparação dos estudantes para o Enade por meio da avaliação da


aprendizagem realizada em sala de aula.
Isso tudo leva a inferir que o Enade é uma temática pouco dis-
cutida e que carece ser mais explorada no ambiente universitário, o
que leva a crer que ainda há certa desvalorização em relação ao exame,
pois poucos são os espaços que são atribuídos a ele, mesmo sabendo
da relevância que ele tem na composição das notas dos cursos.
Portanto, é preciso que se dispense um olhar mais atencioso
por todos os envolvidos na comunidade acadêmica, especialmente
daqueles que estão à frente do processo ensino-aprendizagem, a
fim de que o Enade seja encarado como uma forma de diagnóstico
e ultrapasse o sentido que o aproxima de controle, possibilitando
melhorias no ensino superior, pois certamente, se isso ocorrer, os
ganhos serão apreendidos por todos.
Por fim, a pesquisa indica que as coordenações dos cursos
devem apreciar o Enade como parte do processo pedagógico, então
os professores devem alinhar a avaliação da aprendizagem com a
metodologia empregada pelo Enade, intentando aproximá-las e, con-
sequentemente, preparar os alunos para esse momento, visto que eles
sabem do que se trata, reconhecem a importância do exame para o
ensino superior e as IES, mas não se sentem familiarizados com ele.
Isso posto, acredita-se que esta pesquisa pode servir de
estímulo para futuros estudos na área, de modo que a comunidade
acadêmica para qual a pesquisa foi dirigida possa refletir sobre pos-
síveis ações para melhor a prática e realização desse exame.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Superior. Comissão


Nacional de Avaliação. Documento básico: avaliação das universidades brasi-
leiras. Brasília: SESu, 1993.
BRASIL. Lei nº 10.861, de 14 de abril de 2004. Presidência da República Casa
Civil Subchefia para Assuntos Jurídicos. Brasília, DF, 14 abr. 2004.

310
AVALIAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR: PERCEPÇÕES DOS ALUNOS
DOS CURSOS DE LICENCIATURA E BACHARELADO DA UESPI/PICOS ACERCA DO ENADE

CANAN, Silvia Regina; ELOY, Vanessa Taís. Políticas de avaliação em larga


escala: o Enade interfere na gestão dos cursos? Práxis Educativa, v. 11, n. 3, p.
621-640, set./dez. 2016.
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FISSIONALIZAÇÃO DOCENTE (SIPD/CÁTEDRA UNESCO). Anais [...]. Curitiba,
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cedentes históricos do SINAES. Avaliação, Campinas, Sorocaba, v. 14, n. 2, p.
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311
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

312
O PANORAMA ANALÍTICO
DA PRODUÇÃO ACADÊMICA EM
FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO NA
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ:
as teses e dissertações do Programa
de Pós-Graduação em Educação

Maria de Jesus Rodrigues Duarte

1 INTRODUÇÃO

Discutir a produção do conhecimento é partir do pressuposto


de que, no âmbito da educação, quando se fala em pesquisa para a
produção e difusão do conhecimento, a centralidade dos Programas
de Pós-Graduação (PPGs) stricto sensu é consenso na literatura
nacional. No Brasil, esses programas estão concentrados, em sua
maioria, em universidades e institutos públicos de pesquisa aos
quais estão vinculados a maioria dos pesquisadores doutores que,
na educação superior, atuam nos cursos de mestrado e doutorado
(OLIVEIRA, 2015).
Importante salientar que desde a implementação da pós-gra-
duação no Brasil, a estratégia proposta pelo parecer CFE nº 977/65
(BRASIL, 2020) foi a consolidação da pós-graduação nas universida-
des como espaço de fomento para a pesquisa e, por consequência,
geração de conhecimento que contribuísse para o desenvolvimento
do País.
O panorama da pesquisa em educação, protagonizado pelos
Programas de Pós-Graduação em Educação (PPGEs) é vastamente
analisado na literatura (ANDRÉ, 2006; ROMANOWSKI, 2002; SÁNCHEZ
GAMBOA, 1987).

313
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

Salienta-se que o campo de estudos em educação abrange


um grande conjunto de subáreas com características particulares e
objetos de estudo diferentes (a exemplo de ensino, currículo, história
da educação, gestão escolar, políticas educacionais etc.), constituindo
espaço de lutas e debates acirrados em virtude da grande diversidade
de teorias e da composição de sua própria história (GATTI, 2003).
No que concerne, especificamente, à Política Educacional, vá-
rios são os estudos dentro dos PPGEs que abordam esse campo de
investigação. Tais pesquisas produzem análises a respeito da produ-
ção acadêmica no contexto dos programas, da teorização (FÁVERO;
TONIETO, 2016), da delimitação do objeto (MENDES; PERRELA; CRUZ,
2019) e dos aspectos teórico-metodológicos (JACOMINI; SILVA, 2019).
Essas investigações buscam apontar as características e
tendências das pesquisas acadêmicas, elaborando indicativos para a
superação de lacunas ou dificuldades do campo em estudo, trazendo
à luz as questões teórico-metodológicas que perpassam a produção
acadêmica em política educacional.
Dentro desse arcabouço de estudos que tratam da Política
Educacional, o tema Financiamento da Educação vem crescendo
consideravelmente nas produções científicas dos PPGEs em univer-
sidades públicas, de modo geral (DAVIES, 2006; PINTO, 2000).
O aumento das produções tem exigido o desenvolvimento
de estudos que se debrucem sobre os diferentes aspectos da in-
vestigação sobre a temática. Nesse sentido, observam-se trabalhos
denominados de ‘estado da arte’, ‘estado do conhecimento’, ‘revisão
bibliográfica’ ou mesmo ‘levantamentos bibliográficos’ sobre finan-
ciamento da educação, dentre os quais se destacam: Cruz e Jaco-
mini (2017); Davies (2014); Gomes et al. (2007); Santos (2013); Souza
(2019); Velloso (2001).
Nessa perspectiva, uma revisão do conhecimento produzido
sobre um tema “é um passo indispensável para desencadear um pro-
cesso de análise qualitativa dos estudos produzidos nas diferentes
áreas do conhecimento”, contribuindo, sobremaneira, para aclarar o
objeto foco do estudo (ROMANOWSKI; ENS, 2006, p. 43).

314
O PANORAMA ANALÍTICO DA PRODUÇÃO ACADÊMICA
EM FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ

A consulta a esses trabalhos possibilitou um mapeamento


geral das pesquisas sobre a temática e oportunizou, conforme
indicado por Romanowski e Ens (2006, p. 41), “uma visão geral do
que vem sendo produzido na área e uma ordenação que permite”
perceber “a evolução das pesquisas”, facultando a percepção dos
enfrentamentos e limites dessas produções que, apesar do grau de
profundidade atingido, deixam lacunas que interessam diretamente
à pesquisa empreendida.
Logo, esta pesquisa justifica-se pela ausência de estudos de
revisão sobre a produção em Financiamento da Educação no Pro-
grama de Pós-Graduação em Educação (PPGEd) do estado do Piauí,
sendo oportuno traçar um panorama sobre essa produção acadêmica,
visando a compreender o que tem sido produzido e os caminhos per-
corridos na elaboração desses trabalhos, colaborando para o preen-
chimento de uma lacuna existente nos estudos sobre esse tema no
recorte temporal (2003-2019) e espacial (Piauí) determinado.
Esta pesquisa insere-se, pois, entre os estudos de revisão que
tratam da produção do conhecimento na pós-graduação em edu-
cação, com atenção especial ao tema Financiamento da Educação,
contribuindo para a compreensão da constituição e do fortalecimen-
to da referida temática no campo das políticas educacionais, a partir
da análise de um conjunto de trabalhos que “resultaram de investiga-
ções de natureza teórica ou empírica” (MAINARDES, 2018, p. 3).
A pesquisa pautou-se no seguinte objetivo geral: compreender
o panorama da produção acadêmica em Financiamento da Educação
no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Fede-
ral do Piauí (UFPI). Tendo isso em vista, o trabalho traça um panorama
analítico referente à produção acadêmica sobre financiamento da
educação, apresentando a quantidade de trabalhos por instituição
e ano, os orientadores na temática foco, os subtemas abordados nas
teses e dissertações do PPGEd da UFPI e as características da Linha
de Pesquisa sobre a qual a temática foco está vinculada no programa
em análise.

315
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

A primeira etapa deste estudo consistiu na escolha do banco


de dados, mediante o levantamento das teses e dissertações sobre
financiamento da educação produzidas no PPGEd da UFPI. A escolha
das expressões indexadoras teve como orientação as palavras-chave
utilizadas na coleta dos trabalhos classificados no eixo seis da pesquisa
nacional A produção acadêmica em políticas educacionais no Brasil:
características e tendências 2000-2010 (SILVA et al., 2014), e nos eixos
temáticos dos grupos de trabalho dos encontros da Associação Na-
cional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca).
Dessa forma, os descritores utilizados foram: financiamento
da educação; controle social do financiamento da educação; gasto
público e educação; Fundef; Fundeb; recursos públicos; conselho de
acompanhamento; controle social do Fundeb; conselho de acompa-
nhamento do Fundef; políticas de financiamento da educação básica
e superior; planos de carreira e remuneração de professores; relações
público-privadas no financiamento da educação.
A partir desses descritores, foi possível identificar, pelo título,
19 produções que discorriam sobre a temática. A priori, não se esta-
beleceu uma data inicial para busca das produções foco da pesquisa,
pois o interesse era localizar o maior número possível de trabalhos, a
fim de traçar um perfil abrangente do objeto. À vista disso, o ano de
2003 foi estabelecido como marco inicial por ser o período em que
foi localizada a primeira dissertação de mestrado oriunda do PPGEd
da UFPI. O ano de 2019 foi definido como marco final por ser anterior
ao de conclusão da pesquisa, considerando que os bancos de da-
dos utilizados no levantamento necessitam de um tempo hábil para
atualização e processamento dos dados. Assim, objeto de estudo
considerou o intervalo de 2003 a 2019.
No segundo momento da pesquisa, procedeu-se a leitura
dos resumos, da introdução e do capítulo metodológico (quando
presente no estudo) das teses e dissertações, por compreender que
a leitura dessas partes seria suficiente para a análise ora proposta.
Cabe ressaltar que este trabalho tomou um recorte temporal (2003-

316
O PANORAMA ANALÍTICO DA PRODUÇÃO ACADÊMICA
EM FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ

2019) e espacial (Piauí) determinado, mas é parte de uma pesquisa


maior, na qual foi realizada uma análise epistemológica da produção
acadêmica nas nove Instituições Federais de Ensino Superior (IFES)
do Nordeste brasileiro.
No que concerne aos objetivos da pesquisa, este estudo pos-
sui uma natureza exploratória e descritiva, nos termos de Gil (2008,
p. 27), porquanto intenta revelar aspectos ainda não sistematizados
sobre a produção de conhecimento nas pesquisas sobre financia-
mento da educação no recorte escolhido, e trazer as características
inerentes ao campo investigado.
Quanto aos procedimentos técnicos para produção e análise
de dados, o trabalho foi dirigido por pesquisa documental e análise de
conteúdo proposto por Bardin (2016), orientado pelas etapas de pré-
-análise, exploração do material, tratamento dos resultados obtidos e
interpretação. A revisão da literatura e o conjunto de procedimentos
metodológicos adotados na pesquisa resultaram no panorama da
produção apresentado na sequência.

2 A PRODUÇÃO ACADÊMICA EM FINANCIAMENTO


DA EDUCAÇÃO NO PIAUÍ: o que revelam as teses e
dissertações do PPGED da UFPI

O PPGEd da UFPI produziu 19 pesquisas sobre financiamento


da educação, no período de 2003 a 2019. As dissertações de mes-
trado (n=18) concentraram 95% da produção acadêmica no período,
enquanto 5% corresponderam às teses de doutorado (n=1). A preva-
lência de dissertações sobre teses – o que já vem sendo demons-
trado em pesquisas que fazem levantamentos de produções na área
da política e gestão educacional (BELLO; JACOMINI; MINHOTO, 2016;
SCAFF, 2016; WITTMANN; GRACINDO, 2001) e, especificamente, em
financiamento da educação (CRUZ; JACOMINI, 2017; DUARTE, 2018) –
está em consonância com o maior número de programas e/ou cursos
de mestrado certificados pela Coordenação de Aperfeiçoamento de

317
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

Pessoal de Nível Superior (Capes). A produção, por ano, apresenta-se


a seguir (Gráfico 1).

Gráfico 1 – Número de teses e dissertações sobre financiamento da educação, por ano,


no PPGEd da UFPI (2003 – 2019)

Fonte: elaborado pela autora, com base nos dados da pesquisa (2020).

Pela análise do Gráfico 1, visualiza-se o comportamento da


produção sobre financiamento da educação no espaço temporal de
17 anos na instituição pesquisada. Nesse interstício, a quantidade de
trabalhos manteve-se de forma linear, com maior número de estu-
dos no ano de 2003 (21%) – no comparativo com os demais anos –,
cuja produção girou, em média, de um a dois trabalhos/ano. Um dos
fatores contributivos para esse percentual alcançado em 2003 foi a
implantação do Fundef, em 1998, suscitando novos interesses pela
compreensão desse novo objeto de estudo (política de fundos para
o financiamento da educação) no campo de pesquisa em política
educacional (SANTOS, 2013; SOUZA, 2019).
Em relação aos temas investigados, o Gráfico 2 apresenta a
sistematização dos assuntos abordados nos trabalhos que com-
preenderam o universo da pesquisa, revelando os percentuais para

318
O PANORAMA ANALÍTICO DA PRODUÇÃO ACADÊMICA
EM FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ

garantir uma percepção mais acurada dos temas mais estudados.


Agrupados por temáticas específicas, tomando por base as palavras-
-chave e a leitura dos resumos dos 19 trabalhos sobre financiamento
da educação, foi possível constituir uma visão mais ampla sobre a
produção da área.

Gráfico 2 – Temas abordados nas teses e dissertações sobre financiamento da


educação no PPGEd da UFPI (2003 – 2019)

Fonte: elaborado pela autora, com base nos dados da pesquisa (2020).

Considerando a categorização das temáticas, o tema mais


presente relaciona-se às políticas de valorização profissional, com
seis trabalhos, representando 32% do total de estudos analisados.
Em geral, esses estudos têm como pano de fundo a valorização do
magistério prevista no Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do
Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) e Fundo
de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valoriza-
ção dos Profissionais da Educação (Fundeb). Assim, as investigações
abordam os seguintes aspectos: condições de trabalho (FONTINELES,
2008); formação, carreira e remuneração dos profissionais da edu-
cação (FONTINELES, 2017); lei do Piso Salarial Profissional Nacional

319
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

(PSPN) (SOARES, 2016); Estatuto do Magistério e o Plano de Cargo


Carreira e Remuneração (PCCR) (CASTRO, 2014; SILVA, 2011). Apenas
um trabalho se diferencia na abordagem, por debruçar-se sobre a
política de remuneração meritocrática (LUSTOSA, 2013).
Nos estudos sobre a valorização do magistério, igualmente
como em outros aspectos das pesquisas sobre financiamento da
educação, no corpus desta investigação, a política de fundos é o
cenário principal, uma vez que os anos de análise da pesquisa com-
preendem todo o processo de implantação e utilização dos fundos
contábeis Fundef e Fundeb.
Em consonância com Cruz e Jacomini (2017), Davies (2006) e
Pinto (2000), o Fundef teve sua origem no contexto das mudanças
aprovadas pela Emenda Constitucional (EC) nº 14/96, regulamentada
pela Lei nº 9.424/96. Basicamente, esse fundo, de natureza contábil e
de âmbito estadual, subvinculou parte dos recursos da educação de
estados e municípios ao ensino fundamental, adotando como crité-
rio de redistribuição entre o estado e seus municípios o número de
matrículas. A União complementaria os recursos quando o per capita,
no âmbito de cada estado, fosse inferior ao valor aluno-ano. Esse
valor era definido pelo próprio governo federal e deveria pauta-se em
um padrão mínimo de qualidade – aspecto que não foi respeitado
durante a vigência do Fundef –, assim como a fórmula de cálculo
prevista em lei, o que gerou os chamados precatórios do Fundef. Do
total do fundo, cada ente federado deveria usar, no mínimo, 60% para
a remuneração dos profissionais do magistério em efetivo exercício,
visando à sua valorização.
Coadunando Davies (2006) e Pinto (2007), em substituição ao
Fundef, entrou em vigência o Fundeb. Aprovado pela EC nº 53/2006
e regulamentado pela Lei nº 11.494/2007, com duração até 2020, o
fundo trouxe algumas mudanças importantes, a saber: aumento dos
recursos subvinculados – impostos e percentuais – e inclusão de to-
das as etapas e modalidades da educação básica, exceto a educação
a distância; aumento da participação da União na complementação

320
O PANORAMA ANALÍTICO DA PRODUÇÃO ACADÊMICA
EM FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ

do fundo (10%); definição de um prazo para implementação do Piso


Salarial Profissional Nacional para os profissionais do magistério, en-
tre outras medidas.
Importante ressaltar que nas conclusões dos seis trabalhos
sobre valorização, os autores consideram que mesmo com os avanços
do Fundeb em relação ao Fundef, os dois fundos não foram capazes
de promover plenamente a valorização do magistério. Também a Lei
nº 11.738/2008, que assegura o PSPN, apesar de ter elevado o venci-
mento da categoria em geral, por meio da incorporação dos itens da
remuneração, não contemplou o objetivo proposto no que diz respei-
to à carreira, uma vez que as políticas governamentais adotadas ao
longo desses anos não permitiram essa valorização (CASTRO, 2014;
SILVA, 2011; SOARES, 2016). 
Esses resultados corroboram os estudos de Davies (2006),
Jacomini, Minhoto e Camargo (2012), e Pinto (2007), segundo os
quais, embora tenham assegurado uma política de melhoria salarial
para os docentes, os fundos não estabeleceram regulamentações
efetivas que propiciassem a referida valorização dos profissionais da
educação, especialmente no período de vigência do Fundef.
Além das seis pesquisas que trataram da valorização dos pro-
fissionais da educação, três estudos foram agrupados em controle
social, representando 16% do total de trabalhos analisados. O Fundef
e o Fundeb tiveram papel meritório no interesse por esse tema, por-
que estabeleceram os Conselhos de Acompanhamento e Controle
Social (CACS) para ensejar o cumprimento de suas finalidades no
financiamento educacional, com a participação da sociedade e a
melhoria da atuação dos órgãos estatais de fiscalização dos recursos
da educação.
Em relação aos resultados, os estudos demonstraram que os
conselhos foram instituídos, o que é um avanço para a sociedade.
Sem embargo, mantêm dependência do poder público para o seu
funcionamento (MEIRELES, 2005); persistem vícios no processo de
eleição de seus membros, o que reforça a tutela estatal; e eviden-

321
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

cia-se a precariedade de formação de conselheiros para o exercício


do seu papel, o que ocasiona limitações em sua função de controle
social (SOARES, 2011; SOUSA, 2003).
Essa realidade, constatada nas teses e dissertações, ratifica as
afirmações de Davies (2010, p. 59), para quem não basta ter “represen-
tantes da sociedade civil em conselhos”, pois para que haja eficácia,
devem ser mais qualificados para propor mudanças que, significativa-
mente, apontem para a superação de desigualdades sociais.
No conjunto dos 19 trabalhos analisados nesta pesquisa, três
(16%) tiveram como foco o atendimento educacional no ensino fun-
damental. Dois deles debruçaram-se sobre a oferta em rede estadual
de educação, com ênfase nas rupturas e permanências provocadas
pelo Fundef, concluindo que houve resultados positivos para a
realidade educacional, mas aquém do esperado pela comunidade
atendida (FONTINELES, 2003; SOUSA NETO, 2003).
Nos outros dois trabalhos, analisou-se o desempenho da gestão
municipal após sua implementação, concluindo que existe fragilidade
estrutural dos sistemas em razão das descontinuidades administrati-
vas que comprometem a educação, afetando a gestão educacional e a
eficácia da política do Fundef nos municípios (PIRES, 2004).
Na temática Custo/Gasto por Aluno, também foram agrupa-
dos três trabalhos (16%), analisando o custo-aluno/ano da educação
infantil, tendo como cenário a política de fundos para o financiamen-
to da educação. Entre eles, um estudo avaliou a matriz analítica do
Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi), tendo como escopo analisar
e calcular o custo aluno/ano dos Centros Municipais de Educação
Infantil (SOUSA, 2014). Os outros dois que compõem essa temática
referiram-se, de modo geral, ao gasto por aluno na educação básica,
almejando avaliar a correspondência entre os níveis dos gastos em
educação pública e a equivalência quantitativa de matrículas nas
esferas estadual e municipal (FREITAS, 2003; SILVA, 2008).
A insuficiência de recursos, principalmente para a educação
infantil, foi um dos resultado apontado nos estudos. Averiguou-se que

322
O PANORAMA ANALÍTICO DA PRODUÇÃO ACADÊMICA
EM FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ

o princípio da igualdade de oportunidades, como função precípua da


educação e do federalismo fiscal, está longe da realidade educacional
brasileira, ocasionando a progressiva diminuição do gasto por aluno,
o que leva a educação pública à pauperização.
Nos trabalhos sobre Programas de Descentralização, foram
agrupados dois estudos (10%) sobre diferentes ações federais: um
tratou do Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar (Pna-
te); o outro, do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae).
Os achados das pesquisas evidenciaram: participação incipiente da
União no Pnate, ainda restrito à oferta do transporte escolar rural;
transporte terceirizado como principal forma de oferta; e fontes para
tais despesas decorrentes do Pnate, dos recursos oriundos do Fun-
deb e dos demais recursos de manutenção e desenvolvimento do
ensino (MOURA, 2015).
No Pnae, concluiu-se que as condições de atendimento do
programa apresentam fragilidades no tocante à qualidade da ali-
mentação, à estrutura dos refeitórios, à equipe de merendeiras e aos
valores repassados, os quais são insuficientes para o alcance dos
objetivos designados (MENESES, 2019).
A Política de Assistência Estudantil (PAE) foi referenciada em
um trabalho (5%), explicitando o formato e problematizando os limi-
tes de seu financiamento. Os resultados da pesquisa informaram que
não são estabelecidos, em nível nacional ou local, recursos pré-de-
terminados para o PAE, o que inviabiliza a efetivação da política para
todos os estudantes que dela necessitam, tornando-se instrumento
de manutenção das condições de desigualdades sociais entre o
segmento (FRANCO, 2019).
Na categorização Financiamento da Educação Profissional, o
estudo (5%) trata sobre formas de organização e financiamento do
Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e ao Emprego (Pro-
natec), evidenciando o imbricamento das parcerias público-privadas
que transformam o espaço público em lócus privado, “contribuindo
para o fortalecimento de um mercado educacional no qual a iniciativa

323
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

privada se beneficia duplamente, seja pela formação de mão de obra,


seja pelos recursos públicos recebidos para a gestão direta” (NAS-
CIMENTO, 2016, p. 9). Portanto, o direito à educação é remetido para
a esfera do mercado, fortalecendo o privado, reforçando a dualidade
estrutural que permeia a educação profissional e favorecendo a sua
mercantilização.
Isso posto, o conjunto dos 19 trabalhos revelou esforço para
a produção de conhecimento sobre diversos aspectos atinentes ao
financiamento da educação. Contudo, observou-se a carência de
pesquisas nas temáticas: financiamento da educação infantil; ensino
médio; Educação de Jovens e Adultos (EJA) e ensino superior, com
foco no Piauí. Também se percebeu a ausência de trabalhos que
analisassem mais políticas de descentralização e suas repercussões
no Estado como, por exemplo, o Programa Dinheiro Direto na Escola
(PDDE) e o Pronacampo.
Entretanto, os trabalhos perscrutados trouxeram riqueza de
subtemas, concebendo-se convergência no entendimento acerca da
necessidade de maiores aportes de recursos visando a uma educa-
ção com o básico para a qualidade, direito assegurado constitucio-
nalmente aos cidadãos deste País.
Considerando que a diversidade de pesquisas contribui para
o fortalecimento do campo em estudo, procurou-se entender como
elas foram desenvolvidas, a partir da análise das linhas de pesquisa
do PPGEd da UFPI, como será tratado a seguir.

3 A IMPORTÂNCIA DA LINHA DE PESQUISA NA CONSTRUÇÃO


E FORTALECIMENTO DA TEMÁTICA FINANCIAMENTO DA
EDUCAÇÃO

Com o intuito de provocar uma compreensão mais acurada


da importância da linha de pesquisa no fortalecimento da temática
investigada, reputa-se a necessidade de contextualizar, além da linha
de pesquisa do PPGEd, foco deste estudo, uma breve descrição

324
O PANORAMA ANALÍTICO DA PRODUÇÃO ACADÊMICA
EM FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ

sobre o programa no qual a linha está inserida e a sua ementa. Ainda


nesse caminho, evidenciar-se-á a produção científica já publicizada
(artigos, capítulos de livros e livros autorais) dos pesquisadores, a fim
de captar sua inserção no campo de estudos sobre financiamento
da educação e alguns elementos que possibilitem apreender melhor
essas condições de produção.
A expansão do ensino superior e da Pós-Graduação, a partir
da década de 1970, favoreceu a consolidação da pesquisa em edu-
cação, resultando em ampliação das temáticas de estudo, sobretudo
dos anos 1980 em diante, com o fim da ditadura militar, gerando uma
efervescência de pesquisas que precisavam ser publicizadas (GATTI,
1983, 2001; SANTOS, 2008; SANTOS; AZEVEDO, 2009).
À medida que os PPGs foram se ampliando, a Capes, a partir
da década de 1990, propôs mudanças na organização deles. Segundo
Santos e Azevedo (2009), a ampliação dos PPGEs e a pluralidade de
temas emergentes chamaram a atenção para a necessidade de revi-
são sobre as áreas de concentração, uma vez que antes de elaborar
a pesquisa, exigia-se dos alunos que cursassem várias disciplinas,
o que dificultava o tempo de titulação. Com isso, a Capes propôs
que os PPGs fossem organizados em linhas de pesquisa, conforme
aduzem Santos e Azevedo (2009, p. 341):

[...] as disciplinas tornaram-se secundárias e o que


importava era que o aluno desde o início dos cursos
possuísse um projeto vinculado a uma linha. Em tese,
isso significava colocar a pesquisa como o centro do
desenvolvimento do curso e também supunha maior
articulação e aproximação entre os pesquisadores, já
que o desenvolvimento de linhas de pesquisa previa a
formação de grupos que a integrassem.

Essa estruturação a partir de linhas de pesquisa constitui re-


ferência central para a docência, a definição de núcleos de estudos, o
delineamento da temática da produção científica dos docentes, bem
como das teses e dissertações dos discentes.

325
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

A propósito, Severino (2012) compreende que as linhas con-


gregam grupos de pesquisas, representando um centro temático, no
qual os pesquisadores com interesses afins se aglutinam e, em algum
momento, compartilham ideias, instalações e equipamentos. Logo,
podem ser entendidas como “[...] um núcleo temático suficientemen-
te delimitado [...]”, com vistas a expressar “[...] a especialidade e as
competências dos docentes do programa” (SEVERINO, 2012, p. 90).
Essa estrutura dos PPGEs, constituída por núcleos ou linhas de
pesquisa, reúne os pesquisadores e os projetos de pesquisas neles
desenvolvidos.

O termo linha foi definido pela CAPES para dar um sen-


tido de homogeneidade às estruturas dos programas e
facilitar o processo de avaliação, na medida em que, ao
definir que cada programa deveria ser organizado por
linhas de pesquisas, esse tipo de organização tornou
possível delimitar melhor os critérios para uma avaliação
nacional homogênea. (SANTOS, 2008, p. 124).

Destarte, uma variedade de linhas e grupos de pesquisa sobre


temáticas diversas na área da educação começou a ser definida nos
PPGEd’s, constituindo, para os docentes, uma referência para defi-
nição de grupos de estudos, como também para nortear os objetos
de investigação das dissertações, teses e demais produções de
conhecimento desenvolvidas no interior desses programas.
Para Severino (2012, p. 90), as linhas de pesquisa devem ser
sempre constituídas e desenvolvidas por um “sujeito coletivo” e
que toda atividade, ainda que mediada pelo agente individual, deve
resultar de uma produção grupal, superando o trabalho individual e
solitário do pesquisador.
Para o supracitado autor, é preferível um programa que possua
poucas linhas com vários docentes e discentes pesquisadores que
“muitas linhas com pouco pesquisadores em cada uma”, pois esse
trabalho coletivo com produção dentro das temáticas relacionadas à
linha de pesquisa são agentes fortalecedores para o campo que está

326
O PANORAMA ANALÍTICO DA PRODUÇÃO ACADÊMICA
EM FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ

em processo de constituição e/ou fortalecimento (SEVERINO, 2012,


p. 90).
Aliás, Bourdieu (1983), discutindo o campo científico, informa
que a dinâmica do mundo social faz surgir mais problemas sociais
que precisarão ser respondidos, fomentando o surgimento de novos
temas, grupos e formas de pesquisar que buscarão reconhecimento
legítimo frente à comunidade científica. Inclusive porque novos te-
mas e novos problemas sociais movimentam o campo de conheci-
mento, trazendo interesses que se traduzem em novas percepções
para esses campos. Outro ponto importante é o caráter formativo
do processo de construção dos saberes, agregando estudantes da
graduação e pós-graduação, objetivando superar essa dupla rede no
ensino superior, em que à graduação cabe o papel da docência, e à
pós-graduação, a pesquisa e a extensão (CURY, 2004).
Portanto, mesmo considerando que o registro oficial na Capes
se dê por linhas, a IFES que se organiza por núcleo compreende que
este não é apenas “[...] um espaço físico aglutinador de pesquisa-
dores onde se encontram as linhas de pesquisa”, mas um espaço
coletivo de docentes/pesquisadores e alunos com vistas à produção
de conhecimento consistente, integrado e convergente (SANTOS,
2008, p. 126).
De qualquer forma, neste estudo, adotou-se a nomenclatura
Linha de Pesquisa, determinada pela Capes, para analisar o espaço
de produção sobre financiamento da educação no PPGEd da UFPI.
Durante a década de 1980, a referida instituição buscou várias
alternativas para viabilizar a implantação de seu primeiro mestrado,
objetivo alcançado em 1991, pelo Centro de Ciências em Educação
(CCE), o único dos cinco centros de ciências que, naquele momento,
mais oferecia condições físicas e corpo docente qualificado para a
sua implantação. Contudo, o Mestrado em Educação da UFPI passou
por algumas reformulações para adequar-se aos critérios exigidos
pela Capes.

327
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

Uma das primeiras reformulações aconteceu na avaliação


do biênio 1996/1997, quando a “Comissão concluiu que a proposta
do Mestrado era inadequada e que precisava urgentemente de um
redirecionamento” (BRASIL, 1998, p. 3). Como corolário, o programa
resolveu elaborar uma nova proposta, estabelecendo como Área
de Concentração Análises educacionais, e criando duas linhas de
pesquisa: Formação e práticas pedagógicas do educador e Temas
interdisciplinares em educação.
Em conformidade com a descrição ementária, a linha 1 desen-
volveria

[...] análises sobre questões relacionadas à formação e


práticas pedagógicas do educador, procurando construir
conhecimentos de sua identidade profissional, con-
substanciados em saberes, práticas, profissionalidade e
políticas docentes. (BRASIL, 1998a, p. 1).

Observa-se que o estudo sobre política aparece apenas como


um complemento, pois o foco da linha eram os estudos pautados
na formação e prática do docente. Nesse momento, não havia qual-
quer explicitação dos objetos/temas que caracterizam as políticas
educacionais. No entanto, ainda em 1998, o programa passou por
mais algumas reformulações, renomeando a área de concentração
para Educação, e as linhas de pesquisa para Ensino, formação do
professor e práticas pedagógicas e Educação, movimentos sociais
e políticas públicas. A validação da nova nomenclatura e opção por
manter apenas duas linhas de pesquisa em funcionamento seguiu
orientação dos consultores da Capes, em visita ao programa, em
maio de 2000 (BRASIL, 2000).
Assim, segundo a ementa da linha 2, Educação, movimentos
sociais e políticas públicas, ela: “desenvolve, numa perspectiva in-
terdisciplinar, análises relativas à história e memória da educação,
a constituição e implementação de políticas educacionais e as re-
lações entre educação e diversidades e práticas culturais” (BRASIL,
2012, p. 1).

328
O PANORAMA ANALÍTICO DA PRODUÇÃO ACADÊMICA
EM FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ

Apesar da mudança em sua nomeação e em seu ementário,


a linha 2 do programa ainda demonstra grande abrangência, tratan-
do não apenas de estudos no âmbito da política educacional, mas
também de outros aspectos relacionados à educação especial e
inclusiva, relação dos movimentos sociais com o Estado (políticas
públicas) e a sociedade, “principalmente nas lutas em prol da escola
pública gratuita” (BRASIL, 2012a, p. 4).
Dessa forma, estudos que abordem a temática Financiamento
da educação aparecem, pontualmente, em projetos de pesquisa ca-
dastrados no PPGEd da UFPI por apenas dois docentes (BRASIL, 2012a).
Em 2010, o PPGEd da UFPI apresentou proposta do curso de
Doutorado em Educação, que foi aprovado para funcionar em 2011,
com a linha de pesquisa Formação docente e prática pedagógica, vinte
anos após a implantação do Mestrado em Educação (BRASIL, 2011).
Nesse constante processo de aprimoramento do programa,
em 2019, o PPGEd passou por nova reestruturação em suas linhas de
pesquisa dos cursos de Mestrado e Doutorado em Educação1 para dar
conta das especificidades dos estudos dos docentes. No bojo dessa
reorganização, aconteceu a delimitação da linha Políticas educacionais
e gestão da educação, dando maior coesão a uma área de pesquisa
cada vez mais ampla, conforme depreendido do descritivo abaixo:

A Linha de Pesquisa Políticas Educacionais e Gestão da


Educação contempla estudos relacionados às ações do
Estado e da sociedade no campo educacional, inves-
tigando o processo de formulação, implementação e
avaliação das referidas políticas nos níveis municipal, es-
tadual e federal, inclusive as efetivadas em colaboração
intergovernamental. A Linha investiga as políticas para

1  As Linhas de Pesquisa (LPs) receberam uma nova nomenclatura em agosto de 2019, quando
o Programa de Pós-Graduação em Educação da instituição passou por reformulações,
instituindo as seguintes LPs em substituição às anteriores, para o curso de Mestrado e
Doutorado: Linha 1 – Formação de Professores e Práticas da Docência; Linha 2 – Formação
Humana e Processos Educativos; Linha 3 – Educação, Diversidades/Diferença e Inclusão;
Linha 4 – História da Educação; Linha 5 – Políticas Educacionais e Gestão da Educação.
Disponível em: https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/consultas/coleta/linhaPesquisa/
listaLinhaPesquisa.jsf. Acesso em: 09 jan. 2021.

329
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

a educação básica e superior, envolvendo temas como:


níveis e modalidades da educação no Brasil; gestão de
sistemas e unidades escolares; avaliação em larga escala;
planos, programas e projetos; política de valorização dos
profissionais da educação (formação, remuneração e
condições de trabalho); financiamento da educação e
ações da sociedade civil e dos movimentos sociais rela-
cionados ao direito à educação. (UFPI, 2021, grifo nosso).

Essa particularidade na descrição da linha demonstra o mo-


vimento voltado para fortalecimento e reconhecimento do campo
Política educacional como área própria e com diversos objetos de
estudo (políticas para educação básica e superior; avaliação em larga
escala; valorização dos profissionais da educação; financiamento da
educação etc.) que, por si, já revelam a amplitude da linha.
Bourdieu (1983), em sua discussão sobre o campo científico,
salienta que a complexidade que permeia as questões sociais faz
surgir novos objetos, grupos de pesquisa e formas de pesquisar que
buscarão reconhecimento frente ao mundo científico.
Essa diversidade de objetos/temas de estudo presentes no
detalhamento da linha pesquisada, evidenciou a urgência da espe-
cificidade na criação da linha em foco, uma vez que “a ciência é um
campo social como outro qualquer, com suas relações de força e
monopólios, suas lutas e estratégias, seus interesses e lucros [...]”,
desvelando o que seus ocupantes têm em comum, e os diversos in-
teresses ligados à própria constituição/existência do campo (BOUR-
DIEU, 1983, p. 1).
Essa configuração de caráter mais homogêneo da ementa
da linha de pesquisa foi constituída ao longo dos anos de existência
do programa da UFPI, e atende a interesses específicos do grupo
que a forma. Nesse ponto, retoma-se Bourdieu (1983), quando ele
assegura que não há conhecimento desinteressado, portanto, os
programas, intentando manter as linhas, acatam os vários ajustes
sugeridos pela Capes e promovem os arranjos necessários às
ementas para dar conta dessas determinações, procurando, mes-
mo assim, manter a identidade.

330
O PANORAMA ANALÍTICO DA PRODUÇÃO ACADÊMICA
EM FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ

Tendo analisado o contexto histórico de criação/instituição


das linhas de pesquisa do PPGEd da UFPI, reputa-se conveniente
compreender a qual linha os estudos sobre financiamento da edu-
cação foram vinculados no momento de sua construção. Aliás, cabe
esclarecer que apesar das diversas mudanças pelas quais as linhas
de pesquisa passaram, na configuração do Quadro 1, optou-se por
usar a nomenclatura que ela mantinha na época de conclusão dos
referidos trabalhos.

Quadro 1 – Linhas de pesquisa do PPGEd da UFPI com trabalhos sobre Financiamento


da Educação (2003 – 2019)
IFES Linha de pesquisa com produções sobre financiamento T D Total
da educação
Educação, movimentos sociais e Políticas públicas 0 18 18
UFPI
Formação docente e práticas educativas 1 0 1
Total 1 18 19
Fonte: elaborado pela autora, com base nos dados da pesquisa (2020).

As dezenove produções que identificaram as linhas estão


vinculadas a duas linhas de pesquisa diferentes, porém com con-
centração de 95% (n=18) dos estudos em apenas uma delas, assim
elencadas: dezoito dissertações estão na linha Educação, movimen-
tos sociais e políticas públicas; e uma tese na única linha de pesquisa
do curso de Doutorado, Formação docente e práticas educativas.
Esse quantitativo de produções trouxe a percepção da neces-
sidade de o programa possuir uma linha com maior especificidade
para tratar do campo de estudos da política educacional. Essa ho-
mogeneidade dentro da linha de pesquisa, face à especificidade de
sua nomenclatura, fomenta um número maior de produções dentro
desse campo abrangente, possibilitando demarcar suas particulari-
dades em relação aos outros campos e contribuindo, sobremaneira,
para a sua consolidação. Portanto, linhas de pesquisa que trazem em
sua nomenclatura a especificidade da política educacional, possuem
um quantitativo maior de estudos sobre financiamento da educação
e suas subtemáticas.

331
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

As dezenove pesquisas foram orientadas por cinco profes-


sores, destacando-se: o professor Luís Carlos Sales (UFPI), com dez
estudos na linha de pesquisa Educação, movimentos sociais e polí-
ticas públicas; a professora Rosana Evangelista da Cruz, com quatro
orientações; e professor Antônio José Gomes, com três orientações;
já os docentes Maria do Carmo Alves do Bomfim e Paulo Rômulo de
Oliveira Frota contam com uma orientação de pesquisa, cada um.
Para além do entendimento de que os fatores citados contri-
buíram em demasia para a produção em financiamento da educação,
não se pode deixar de citar a relevância da disciplina de mesmo nome
nos cursos de graduação, pois para muitos pesquisadores, foi esse
contato inicial que os motivou e fomentou o sentimento de inquieta-
ção para melhor compreensão da temática foco desta investigação.
Conforme Cruz, Oliveira e Soares (2018), em trabalho que
apresenta o modo como se constitui o componente Financiamento
da educação nos currículos dos cursos de Pedagogia das IFES loca-
lizadas nas capitais do Nordeste brasileiro, a inclusão de disciplinas
que abordam o referido componente como parte dos projetos peda-
gógicos favorece a discussão do tema.
Não obstante, as susoditas autoras pontuam que se faz ne-
cessária a criação de disciplina específica dentro dos currículos dos
cursos de graduação, pois ao ser abordado como elemento condi-
cionado pelas políticas mais gerais, limita a construção desse objeto
(financiamento da educação) como campo de conhecimento e estu-
do. Nos achados encontrados em seus estudos, as IFES que trazem,
especificamente, o tema como disciplina, coadunam seus resultados
com os encontrados nesta pesquisa, ressaindo que a referida ins-
tituição faz parte das que mais produziram sobre financiamento da
educação no período pesquisado.
Depreende-se, por oportuno, a importância das linhas de
pesquisa, além da própria especificidade da disciplina nos cursos de
graduação, como elementos que atuam fortemente na consolidação
das temáticas dentro de determinada área macro, como é o caso do
Financiamento da educação dentro da área Política educacional.

332
O PANORAMA ANALÍTICO DA PRODUÇÃO ACADÊMICA
EM FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo propôs-se a traçar o panorama da produ-


ção acadêmica sobre Financiamento da educação a partir da análise
de teses e dissertações do PPGEd da UFPI, no período de 2003 a
2019. A pesquisa realizada insere-se no âmbito dos estudos definidos
como de revisão, os quais são muito relevantes, nomeadamente para
os programas de pós-graduação, pelo fato de permitirem verter um
olhar crítico sobre o conhecimento produzido, apontando tendências
e lacunas, além do próprio processo de construção do conhecimento.
Nesse sentido, esta investigação versou sobre os rumos e as
possibilidades das pesquisas sobre financiamento da educação no
contexto de consolidação da referida temática no PPGEd da UFPI, es-
paço empírico deste estudo. O caminho demonstrou as singularidades
dessa área de pesquisa na atualidade, evidenciando os temas de es-
tudo que têm sido privilegiados, a importância das linhas de pesquisa
para o fortalecimento da temática foco, entre outros aspectos.
Partindo desse movimento, a pesquisa traçou um panorama
analítico das dezenove produções sobre financiamento da educação
no programa da instituição já referida, constatando a prevalência
de dissertações (95%) sobre teses. Por sua vez, a produção sobre
a temática, no período analisado (2003-2019), manteve-se linear,
apresentando quantitativo maior de trabalhos no ano de 2003, fato
que remete a finalizações de estudos que avaliavam as políticas do
Fundef e naquele momento entregavam seus produtos. Concernente
aos subtemas, comprovou-se maior discussão sobre os aspectos
da valorização do magistério (planos de carreira, piso salarial etc.),
seguidos por atendimento educacional, controle social e custo/gasto
por aluno.
Ainda almejando assimilar os aspectos inerentes à construção
da temática no campo Política educacional, no tocante ao PPGEd da
UFPI, mapearam-se as linhas de pesquisa do programa, trazendo a
percepção de que aquela que possui característica mais homogê-

333
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

nea, ou seja, toma a política educacional como objeto privilegiado


de estudos e conta com docentes e linha de pesquisa direcionada à
temática no programa, produziu mais sobre o tema investigado.
Em face do exposto, deduz-se que o crescimento da pro-
dução em financiamento da educação se relaciona diretamente às
escolhas dos temas de pesquisa que, por sua vez, estão vinculados
aos interesses científicos e políticos dos agentes do campo, sendo
as estratégias individuais e coletivas de pesquisa, em sua maioria,
pautadas por ações de cooperação entre os pesquisadores, contri-
buindo para o fortalecimento da temática em apreço como parte da
política educacional e como um campo de conhecimento que está
em processo de constituição no estado do Piauí.

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341
PARTE 4

POLÍTICAS PARA A
FORMAÇÃO DE
PROFESSORES
FORMAÇÃO INICIAL
DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO
INFANTIL NIVELADA PELA NOÇÃO DE MÍNIMO:
o lugar do Ensino Médio Normal Magistério

Maria Carmem Bezerra Lima

1 INTRODUÇÃO

Dentre as questões que mobilizam os professores da Edu-


cação Infantil estão as que dizem respeito ao seu reconhecimento
profissional, haja vista que a trajetória histórica desse segmento da
Educação Básica tem sido marcada por uma lógica que via os espaços
de educação e de cuidado das crianças pequenas como substitutos
da família, um lugar de guarda e de socialização da criança nos anos
iniciais de sua vida.
Por conseguinte, essa visão doméstica refletia nas escolhas
das pessoas, predominantemente do sexo feminino, a quem seria en-
tregue a tarefa de cuidado e educação das crianças; escolhas feitas,
aliás, com base em concepções que vislumbravam a mulher como
alguém naturalmente apta a cuidar e educar as crianças pequenas.
Esse modelo socialmente construído da mulher como edu-
cadora nata trouxe várias implicações que ainda hoje reverberam no
perfil e no conhecimento que deve ter quem for atuar na Educação
Infantil como professora/or.
Segundo Oliveira (2002), o modelo materno de cuidado e edu-
cação da criança pequena não reconhece a exigência de profissiona-
lização, daí porque as exigências impostas ao profissional dessa etapa
educacional são mínimas, bastando, então, que essa pessoa conte
apenas com algumas habilidades, a exemplo de paciência, capacidade
para expressar afeto e domínio com crianças – negando, dessa forma,

343
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

a necessidade de treinamento específico para o desempenho de tais


tarefas. Com efeito, tais estereótipos repercutiram na vinculação entre
atividade docente e a maternagem, denotando um obstáculo à profis-
sionalização dos docentes desse segmento educacional.
Essa concepção da Educação Infantil como extensão da fun-
ção materna enfraquece, portanto, a profissionalização daqueles e
daquelas que atuam nessa área. Isso porque essa noção sugere que
o docente dessa etapa educacional precisa fazer uso apenas de co-
nhecimentos do senso comum, levando a supor que a prática desses
profissionais não precisa ser embasada teoricamente. Depreende-
-se, pois, a incompreensão de que a educação nos primeiros anos
de vida consiste em um dos principais alicerces para a constituição
do sujeito, guardando singularidades que as diferenciam das demais
etapas de ensino.
Se a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da educação
nacional, Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, por um lado, trouxe
alguns avanços, sob vários aspectos, como a formação de professo-
res, por exemplo, por outro, ainda admite o ingresso de docentes na
Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental apenas
com o nível médio na modalidade Normal Magistério, mesmo com
todas as alterações pelas quais a lei tem passado.
Este artigo é parte de uma pesquisa de Doutorado em Edu-
cação concluída em 2016, na qual se fez o mapeamento do perfil de
formação inicial dos professores que atuavam na Educação Infantil
no estado do Piauí, tendo como recorte o ano de 2013. Trata-se
de uma pesquisa quantitativa que lançou mão dos Microdados do
Censo Escolar de 2013, publicados pelo Instituto Nacional de Estudos
e Pesquisas Educacionais (Inep), cujos dados, atinentes à formação
docente, foram tratados mediante o uso do SPSS versão 20.
Para fins de atualização desses dados, utilizaram-se informa-
ções extraídas da Sinopse do Censo Escolar da Educação Básica de
2020, publicadas pelo Inep, a fim de que se tenha uma visão atualizada
sobre o quadro atual, embora esses dados não tenham passado pelo

344
FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL
NIVELADA PELA NOÇÃO DE MÍNIMO: O LUGAR DO ENSINO MÉDIO NORMAL MAGISTÉRIO

tratamento estatístico no SPSS para desagregá-los, como ocorreu


durante o doutorado.
Ante o exposto, questiona-se: em que medida a formação
de professores para atuar na Educação Infantil no estado do Piauí,
ainda é nivelada pela noção do mínimo? Em consonância com essa
problemática, tem-se por objetivo investigar o perfil de formação
inicial de professores da Educação Infantil no que tange à exigência
mínima imposta pelo Art. 62 da LDB 9394/96.

2 A FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO OLHO DO FURACÃO

Se existe um tema que vem à baila quando o assunto é, por


exemplo, qualidade da educação, é formação inicial de professores,
apontado como o principal indicador, como mostram diversos estu-
dos realizados sobre o tema (LIMA, 2010).
Não obstante, o fato é que após duas décadas e meia da
aprovação da LDB/96, e quase uma década e meia do fim da Década
da Educação (1997-2007) – período em que diversos compromissos
foram firmados, como o de formar o professorado brasileiro em nível
superior até o fim da referida década –, não resolvermos o problema
do déficit de formação em nível superior dos professores brasileiros,
e muito disso se deve às iniciativas que buscavam soluções rápidas e
baratas, reafirmando o imediatismo e o improviso no enfrentamento
de questões dessa natureza, como é próprio da mentalidade política
predominante no Brasil, retroalimentando uma pendência antiga em
nossa história educacional.
Isso posto, em meio ao sentimento de frustração que nos as-
solava, víamos a tarefa de cuidar e educar nossas crianças pequenas
ser entregue a professores sem formação adequada, ou seja, sem
curso superior, embora somente no penúltimo ano de vigência da
Década da Educação tenham sido aprovadas as Diretrizes Curricu-
lares Nacionais do Curso de Pedagogia, atribuindo a este a tarefa de
formar professores para atuar na Educação Infantil e anos iniciais do
Ensino Fundamental.

345
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

Em meio aos embates políticos em torno de uma possível mu-


dança no Art. 62 da LDB/96, em 20 de abril de 2009, entrou em tra-
mitação, na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei (PL) nº 5.395/09,
propondo alterações no referido artigo, o qual, se aprovado, passaria
a ter a seguinte redação:

A formação de docentes para atuar na educação básica


far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de
graduação plena, em universidades e institutos supe-
riores de educação, admitida, como formação mínima
para o exercício do magistério na educação infantil,
a oferecida em nível médio, na modalidade Normal.
(BRASIL, 2009, s/p., grifo nosso).

Entre os argumentos em defesa desse texto, estava que

na nova redação proposta para o caput do artigo, trata-


-se de elevar a formação mínima exigida para docentes
que atuem no ensino fundamental: a formação de nível
médio, na modalidade normal, passaria a ser admitida
apenas para os professores que atuem na educação
infantil. Trata-se de medida importante de valorização
do magistério e que em muito contribuirá para a ele-
vação da qualidade da educação básica, no nível do
ensino fundamental. (BRASIL, 2009, s/p., grifo nosso).

Vê-se nessa proposição uma verdadeira afronta a toda uma


história que vem sendo construída em favor de uma nova concepção
de criança, de infância e de Educação Infantil que tem resultado em
uma imensa produção bibliográfica e subsidiando a construção de
vários marcos legais. Como exemplo, citam-se os Referenciais Cur-
riculares Nacionais para a Educação Infantil (RCNEI) e as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI), ambos fron-
talmente desrespeitados ante uma proposição que nivela por baixo
aqueles que estarão à frente dos processos de cuidados e educação
da criança pequena. É como se para a criança da primeira infância,
qualquer coisa servisse, enquanto para o Ensino Fundamental seria o
que se tivesse de melhor a oferecer.

346
FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL
NIVELADA PELA NOÇÃO DE MÍNIMO: O LUGAR DO ENSINO MÉDIO NORMAL MAGISTÉRIO

Concorda-se com Kishimoto (1999, p. 74) quando diz que

educação infantil foi inserida na educação básica, portan-


to, seus profissionais requerem o mesmo tratamento dos
outros que nela atuam. É preciso eliminar preconceitos
arraigados da tradição brasileira, como o de que o profis-
sional que atua com crianças de 0 a 6[1] anos não requer
preparo acurado equivalente ao de seus pares de outros
níveis escolares, o que demonstra o desconhecimento da
natureza humana e de sua complexidade, especialmente
do potencial de desenvolvimento da faixa etária de 0 a
6 anos. Pensar em uma política de formação profissional
para a educação infantil requer, antes de tudo, a garantia
de um processo democrático que permita a ascensão na
escolaridade, em todos os níveis, e a valorização dessa
formação no patamar de outros cursos.

Ao ser encaminhado para o Senado Federal, o PL 5.395/09


passou por revisão e foi aprovado, resultando em Substitutivo do
Senado, sob o nº PL 280/09, apresentando a seguinte redação para
o Art. 62 da LDB 9.394/96 que trata, como referido, da formação
docente, acrescentando-lhe três parágrafos, dos quais dois estão
expostos abaixo:

Art. 62. A formação de docentes para atuar na educação


básica far-se-á em nível superior, em curso de licencia-
tura, de graduação plena, em universidades e institutos
superiores de educação, admitida, como formação mí-
nima para o exercício do magistério na educação infantil
e nos 5 (cinco) primeiros anos do ensino fundamental, a
oferecida em nível médio na modalidade normal.
......................................................................................................................................
§ 7º Os docentes com a formação em nível médio na mo-
dalidade normal terão prazo de 6 (seis) anos, contado da
posse em cargo docente da rede pública de ensino, para
a conclusão de curso de licenciatura de graduação plena.
§ 8º O descumprimento do prazo previsto no § 7º torna o
docente inabilitado para o prosseguimento do exercício
do magistério no ensino fundamental.” (NR). (BRASIL,
2009, s/p).

1  Para constar: à época da escrita desse artigo por Kishimoto, essa era a faixa etária da
Educação Infantil. Hoje, como já dito anteriormente, ela compreende de zero a cinco anos.

347
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

Se essa nova redação, por um lado, serviu para alinhar o limite


de atuação do professor, ajustando-se à lei que ampliou o Ensino
Fundamental para nove anos e encolheu a Educação Infantil, por ou-
tro, manteve a dualidade quanto ao lócus da formação superior pro-
pondo que ela ocorra nas universidades ou nos institutos superiores
de educação. Ademais, acentuou essa dualidade quando manteve a
formação de nível médio como possibilidade de exercício profissional
no magistério, admitindo dois perfis profissionais para atuarem em
uma mesma etapa de ensino.
Como se isso não bastasse, o acréscimo do 7º e 8º parágrafos
instaurou medo e insegurança, assim como quando da instauração
da Década da Educação, tendo em vista o prazo que o professorado
teria para se adequar à formação e as consequências que lhes seriam
impingidas se isso não ocorresse no tempo previsto.
Após cumprir os trâmites no Poder Legislativo e passar pelos
embates e pelas discussões necessárias, chegou-se à versão final do
PL 5.395/09, agora transformado em Lei Ordinária 12.796/2013, que
foi encaminhada ao Poder Executivo para sanção.
No que alude, especificamente, ao artigo e aos parágrafos
citados anteriormente, a decisão final do Executivo foi pelo veto do
§ 7º, do Art. 62, pelas razões expressas na Mensagem nº 119, de 04
de abril de 2013, encaminhada ao Presidente do Senado Federal,
segundo a qual

O texto não prevê consequências ao descumprimento


da regra, gerando incerteza sobre o destino do profissio-
nal que não concluir os estudos no prazo determinado.
Além disso, diante da significativa expansão de vagas na
educação infantil, a exigência de formação em nível su-
perior para essa etapa, no curto prazo apresentado pela
medida, atinge sobremaneira as redes municipais de
ensino, sem a devida análise de viabilidade de absorção
desse impacto. (BRASIL, 2013, s/p.).

Em consequência do veto do § 7º do Art. 62, o Art. 87-A


também foi vetado, pois dizia que “o disposto nos § 7º e § 8º do

348
FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL
NIVELADA PELA NOÇÃO DE MÍNIMO: O LUGAR DO ENSINO MÉDIO NORMAL MAGISTÉRIO

Art. 62 não se aplica aos docentes com formação em nível médio na


modalidade normal que se encontrarem em exercício na educação
infantil ou nos anos iniciais do ensino fundamental, em rede pública,
na data da publicação desta Lei.” (BRASIL, 2009, s/p).
Isso posto, em 04 de abril de 2013, é publicada a Lei nº 12.796
que modifica a LDB/96, mas não altera a questão mais nevrálgica da
lei, que é a formação do professor, optando por manter no cenário
brasileiro dois grupos de professores atuando nos anos iniciais do
Ensino Fundamental e na Educação Infantil: aqueles formados nos
cursos de formação docente de nível médio Normal Magistério; e os
licenciados em Pedagogia, embora saibamos que outras licenciaturas
ainda ocupam um lugar que, por direito, é do pedagogo (LIMA, 2016).
Isso causou não só frustrações, mas também perplexidades,
pois passadas quase duas décadas de aprovação da LDB 9.394/96,
ainda se insiste em admitir como formação mínima para o exercício
de magistério na Educação Infantil e primeiros anos do Ensino Fun-
damental o nível médio na modalidade Normal Magistério desconsi-
derando as investigações e estudos sobre o desenvolvimento infantil
que comprovam a necessidade de profissionais mais bem prepara-
dos, com formação aprofundada para atenderem à faixa etária não
afeta a abstrações, especialmente a tenra idade.
O fato é que essa dualidade continua a nutrir os debates em
torno da formação inicial do professor como condição imprescindível
para a sua profissionalização, tendo de um lado os que são favoráveis à
permanência da exigência mínima da formação em nível médio no Nor-
mal Magistério e do outro os que defendem a formação em Pedagogia.
Sobre esse embate, discorre-se a seguir, ao falarmos sobre o
primeiro desses dois cursos, ou seja, o curso Normal, situando o seu
percurso histórico até chegar aos dias atuais.

349
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

2.1 O curso normal magistério na formação de professores:


entre a exigência mínima e aparente extinção

Os primeiros cursos Normais brasileiros foram criados em


algumas cidades pouco depois da proclamação da Lei de 15 de ou-
tubro de 1827. Inicialmente, em Minas Gerais, Niterói e na Província do
Rio de Janeiro, em 1835; em seguida, na Bahia (1836), no Ceará (1845)
e em São Paulo (1846), todos sob a responsabilidade das províncias,
o que significa dizer que “foram abertas por opção dos dirigentes de
cada Estado e estavam condicionadas à disponibilidade de verbas,
sempre escassas, tendo em vista as dificuldades materiais que todas
enfrentaram” (VICENTINI; LUGLI, 2009, p. 32).
A precariedade da estrutura, em parte, contribuiu para que o
curso Normal tivesse por muito tempo uma existência incerta, atrain-
do poucos alunos para manter-se em atividade, o que levou esses
cursos a sucessivos fechamentos e reaberturas. A Escola Normal de
São Paulo, por exemplo, foi aberta em 1846, fechada em 1867, reaberta
em 1876, fechada em 1877 e reaberta em 1880. Ou seja, em um inter-
valo de 34 anos, passou por três (re)aberturas e dois fechamentos,
sendo que o maior período em que ficou aberta durou 21 anos.
Vale ressaltar que o curso Normal do qual se está falando
não é aquele que normalmente circula em nosso imaginário, sendo
cursado em espaços com estrutura física, durante certo período de
tempo. Na verdade,

essas escolas foram, até meados do século XIX, estabe-


lecimentos a cargo de um único professor, que lecionava
a totalidade das matérias. Estas correspondiam aos co-
nhecimentos do curso de primeiras letras, acrescidas do
ensino do método Lancaster ou do método simultâneo.
O modo de organização dessas escolas não era seriado:
os alunos estudavam até que o professor os considerasse
aptos para o exame, que então era realizado por uma co-
missão julgadora de notáveis locais, tal como no caso da
Escola Normal de Niterói. (VICENTINI; LUGLI, 2009, p. 34).

350
FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL
NIVELADA PELA NOÇÃO DE MÍNIMO: O LUGAR DO ENSINO MÉDIO NORMAL MAGISTÉRIO

As primeiras mudanças só vieram a ocorrer com o ressurgi-


mento do curso, a partir de 1850, sendo a Escola Normal de Niterói,
recriada em 1859, a pioneira em buscar inovações, ao estabelecer um
currículo que deveria ser desenvolvido por professores especialistas,
que seriam encarregados de cátedras específicas. Isso motivou o
debate acerca das vantagens de se introduzir disciplinas científicas
no currículo (Física, Química, Botânica etc.).
Mas o surgimento da escola normal como espaço de profis-
sionalização dos professores públicos das primeiras letras só veio
ocorrer quando, durante a Primeira República (1890-1930), foram
constituídos os sistemas estatais de ensino, sendo São Paulo o pio-
neiro, servindo de exemplo para as reformas de ensino em outras pro-
víncias: “o que marcou a educação do primeiro período republicano
foi essencialmente a (lenta) organização de estruturas burocráticas
de controle estatal” (VICENTINI; LUGLI, 2009, p. 37).
Como instrumentos de organização, estavam a contratação
de inspetores de ensino remunerados pelo Estado e a instituição
do diário de classe. Em termos materiais, as mudanças começam a
ocorrer a partir dos prédios, agora planejados para serem escolas,
seguindo uma estrutura básica. Quanto aos professores que ensi-
navam nessas escolas, eram de notório saber (autodidatas), muitas
vezes, com diploma universitário em diversas áreas.
De acordo com Vicentini e Lugli (2009), não se pode dizer que
havia no Brasil, durante a Primeira República, um modelo único de
formação de professor. O que havia eram modelos que propunham
articulações diferentes entre os elementos da cultura geral e da cul-
tura profissional. A propósito, o elemento comum a quase todos eles
era o curso primário complementar.
Porém, o alto custo das Escolas Normais por demandarem
prédios próprios e professores especializados, fez com que sua dis-
seminação ocorresse lentamente, e por funcionarem em quantidades
pequenas, não atendiam às demandas de formação de professores. A
saída encontrada para garantir que todos os alunos tivessem professo-
res minimamente preparados foi transformar o curso primário comple-

351
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

mentar em curso de formação de professores que, mesmo passando


a assumir tamanha atribuição, não teve seu currículo alterado. A única
mudança feita foi o acréscimo de um ano de prática de ensino, ao fim do
curso, realizada em escola modelo anexa à Escola Normal.
Entre as décadas de 1950 e 1960, assistiu-se a uma expansão
considerável do ensino Normal, mas esse crescimento ocorreu, pre-
dominantemente, na rede de ensino privada, só que muitas dessas
escolas não eram submetidas ao controle e à fiscalização do Estado,
o que tornava inviável a validade oficial dos seus diplomas.
O crescimento desordenado de cursos gerou muitas críticas
em relação aos critérios de equiparação para os cursos particulares
e públicos, pois os cursos vinculados à rede privada apresentavam
pouca exigência em relação à qualidade do ensino. Outrossim, a cria-
ção de cursos noturnos levou a perdas, em termos de rendimento dos
estudos, pois além do cansaço dos alunos, por trabalharem durante
o dia, o estágio ficava comprometido, em virtude de as escolas do
ensino regular só funcionarem no diurno.
O currículo do curso passou, também, a ser motivo de críticas,
uma vez que ao se aproximar mais do curso ginasial e colegial, des-
caracterizou as funções de preparo profissional. Logo, a preparação
dos professores declinou, passando de um curso em dois níveis,
destinado exclusivamente à formação profissional, para um curso
secundário, de caráter geral, com algumas disciplinas específicas.
Esses foram alguns dos motivos que levaram o curso normal a cair
no desprestígio.
Com a promulgação da Lei nº 5.692/71, o ensino normal foi
reformulado, resultando em um curso de habilitação específica do
magistério. De acordo com Vicentini e Lugli (2009), essa transfor-
mação desestruturou a preparação profissional dos professores das
primeiras séries do 1º grau, pois a incorporação do curso normal nos
moldes da estrutura do 2º grau diminuiu consideravelmente os es-
paços das disciplinas específicas. Além disso, havia falta de conexão
entre os conteúdos das disciplinas, de tal forma que os alunos não
sabiam como os articular com as situações reais de ensino. O estágio

352
FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL
NIVELADA PELA NOÇÃO DE MÍNIMO: O LUGAR DO ENSINO MÉDIO NORMAL MAGISTÉRIO

foi outro elemento duramente atacado diante do precário controle e


acompanhamento, resumindo-se à mera etapa de observação.
Vale ressaltar, contudo, que cada estado no Brasil possuía uma
organização diferenciada para a formação de professores. Portanto,
havia variações quanto ao número maior ou menor de professores
leigos, regentes de ensino e normalistas nos sistemas de ensino.
Isso significa dizer que a implementação do curso de magistério não
seguiu o mesmo ritmo em todos os locais, daí porque se estabelece-
ram várias modalidades de formação aceitáveis para o exercício da
docência, sendo o tempo mínimo admitido três anos.
A trajetória até aqui apresentada evidencia que a experiência
da formação de professores na escola normal no Brasil é antiga, tanto
quanto os problemas que a acompanham desde a época do Império,
quando as primeiras escolas foram fundadas, com o objetivo de for-
mar os professores leigos. Mas, como bem afirma Carvalho (2013, p.
41), o governo brasileiro, ao longo de todo esse percurso, “ao invés de
contribuir para que fossem criadas as condições de fortalecimento
da escola normal frente à incapacidade da educação superior vir a
assumir a formação de todos os professores, o argumento da transi-
toriedade contribuiu para torná-la cada vez mais precária”.
No entanto, as idas e vindas que marcaram a trajetória da
escola normal do Brasil não podem servir como pano de fundo para o
seu esquecimento, pois ignorar sua história remete a desconsiderar
que durante quase um século, a formação de professores no País foi
mantida sob sua guarda.
Apesar de sua aparente extinção, o curso normal ainda encon-
tra espaço em algumas regiões do País, em razão de ainda existirem
professores lecionando sem a exigência mínima adequada. Todavia,
a permanência do curso normal magistério como lócus de formação
inicial para pessoas que não estão em exercício dá sinais de que
continuaremos a conviver com o problema de déficit de professores
sem curso superior, e a comprometer o alcance das metas previstas
no PNE 2014-2024.

353
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

Embora essa formação esteja respaldada na LDB/96, ela não


é a desejável pelas razões expostas ao longo deste trabalho. No
entanto, compreendemos que enquanto a lei resguardar esse tipo
de formação, ela continuará a existir, mesmo contrariando o que a
ciência diz sobre as necessidades formativas dos professores da
primeira infância e dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Ou seja,
continuará a prevalecer a ideia do baixo custo em relação aos gastos
com a formação de professores.
A Figura 1 ilustra a oferta do curso Normal Magistério no ano
de 2014.

Figura 1 – Estados brasileiros onde existiam matrículas no curso Normal em 2014


AM 80
PA 00
AP 82
RR 00
AC 00
RO 00
TO 82
MA 4.023
PI 00
CE 837
RN 656
PB 2.373
PE 14.615
AL 4.376
SE 00
BA 2.309
MT 961
GO 00
DF 00
MS 171
SP 455
MG 15.194
ES 00
RJ 20.643
PR 18.657
SC 4.712
RS 10.975
Fonte: www.google.com.br; Inep/2014. Adaptado pela pesquisadora

O mapa acima indica que apesar da perda de espaço e pres-


tígio desse curso, e do deslocamento da formação inicial de profes-

354
FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL
NIVELADA PELA NOÇÃO DE MÍNIMO: O LUGAR DO ENSINO MÉDIO NORMAL MAGISTÉRIO

sores para o nível superior, o próprio sistema público ainda depende


da escola normal para sanar problemas de formação de professores
para os anos iniciais que ainda não foram resolvidos, para que pos-
sam atender, pelo menos minimamente, ao que diz o Art. 62 da LDB
9.394/96.
Passados mais de cinco anos entre a defesa da Tese e a es-
crita deste artigo, é lamentável dizer que, ao contrário do que muitas
pessoas pensam, o curso Normal Magistério continua vivo no Brasil,
em uma clara demonstração de que a opção pelo rebaixamento da
formação de professores para atuarem na Educação Infantil ainda
continua presente na mentalidade de muitos gestores brasileiros.
Nesse sentido, dados da Sinopse Estatística do Censo Escolar
da Educação Básica de 2020 registram a existência de 68.126 ma-
trícula no ensino médio normal magistério, assim distribuídas pelos
seguintes estados: Amazonas (246); Pará (60); Maranhão (1.087);
Ceará (207); Rio Grande do Norte (67); Paraíba (705); Pernambuco
(1.268); Bahia (328); Minas Gerais (9.382); Rio de Janeiro (21.890); São
Paulo (326); Paraná (16.566); Santa Catarina (4.440); Rio Grande do
Sul (10.900); Mato Grosso do Sul (623); Mato Grosso (11); Goiás (20).
Vê-se, portanto, que em todas as regiões brasileiras, há a presença
desse curso, sendo a Região Sul a que apresenta o maior quantitativo
de matrículas, e a Região Norte com o menor número (BRASIL, 2020).
Quando se comparam esses dados com os de 2014 (vide
Figura 1) percebe-se que em alguns estados, não há mais matrículas.
É o caso de Alagoas, que em 2014, tinha 4.336; Amapá, que tinha 82;
Tocantins, com 82. Além disso, em 2014, alguns haviam zerado a ma-
trícula, e em 2020, retornaram. É o caso do Pará e de Goiás. Enquanto
a maioria, em 2020, diminuiu o número de matrícula, comparado a
2014, outros aumentaram, como Rio de Janeiro, que em 2014, tinha
20.643 e hoje conta com 21.890.
Diante dessa permanência do curso Normal Magistério em um
tempo em que as demandas da prática docente se complexificam,
mesmo em se tratando de docência na Educação Infantil que tem um

355
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

público com singularidades e especificidades que os cursos de for-


mação em nível médio não alcançam em seus currículos, cabe então,
questionar: que tipo de professor o curso normal magistério forma?
Mesmo reconhecendo a importância que teve/tem o curso
normal para a história da formação do professorado brasileiro, é pre-
ciso analisar suas potencialidades e suas limitações. Nesse sentido,
Monlevade (2008, p. 141-142, grifos do autor) aponta quatro limita-
ções que devem ser consideradas quando o assunto é a formação
em nível médio no Curso Normal. Ei-las:

a primeira limitação é crucial: a imaturidade dos es-


tudantes na idade do ensino médio, de 15 a 18 anos.
Imaturidade não somente para a escolha vocacional
como para o aprofundamento nas teorias e práticas
pedagógicas. Sem dúvida, é um dado a se considerar. Um
rapaz e uma moça de classe média alta, a quem nada
falta e para quem sobram as opções, têm sua adoles-
cência prolongada ad infinitum, enquanto os embates
da vida não os forcem a assumir uma alternativa, ainda
que provisória. Os adolescentes de classes populares
chegam mais cedo à idade das responsabilidades, pela
prática do trabalho, urgência das escolhas e desafios das
oportunidades. [...]
A segunda limitação é a atual falta de adequação de
suas propostas curriculares às variadas situações de
trabalho a serem enfrentadas por seus concluintes.
Realmente, é bem diferente formar uma professora para
a creche e a pré-escola, para os anos iniciais do ensino
fundamental, para a educação de jovens e adultos, para
as várias situações de inclusão ou atenção especializada
da educação especial, para a educação indígena ou do
campo. As limitações provêm não do Normal em si, mas
das inadequações das atuais propostas pedagógicas. Os
múltiplos e diferentes objetivos têm que ser considera-
dos, principalmente nas práticas de ensino supervisio-
nadas (antigos estágios), que, aliás, também apresentam
problemas nos cursos de pedagogia e nas licenciaturas.
À terceira limitação já me referi de passagem: a oferta de
cursos de magistério se pautou pelo facilitário e não por
critérios de política pública cientificamente planejada.
Estive numa cidade de 30 mil habitantes com três cursos

356
FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL
NIVELADA PELA NOÇÃO DE MÍNIMO: O LUGAR DO ENSINO MÉDIO NORMAL MAGISTÉRIO

normais: dois estaduais e um municipal. Será impossível


absorver metade das concluintes nas redes de ensino
local, o que faz dos diplomas um passaporte de emigra-
ção. Falta aqui uma política educacional das autoridades
estaduais, às quais compete oferecer o ensino médio.
Urge uma racionalização da oferta de qualidade. Onde
estão os planos estaduais de educação?
À qualidade se reporta uma quarta limitação, que é
forçoso reconhecer. A maioria dos cursos normais atuais
herdou defeitos do tempo da profissionalização compul-
sória, agravados pelo fato de os adolescentes trazerem
do ensino fundamental pouca base de aprendizagem.
Entretanto, exemplos ainda vivos ou recentemente desa-
tivados mostram que a qualidade do Normal é possível.

Nota-se que as observações acima são pertinentes e tradu-


zem a realidade brasileira que, de forma direta, interfere nas nossas
escolhas, e destacam a complexidade da sociedade atual, que não
encontra ressonância nos currículos escolares. Também denunciam
a ausência de planejamento das políticas públicas como condição
para o sucesso de sua efetivação e, por fim, a qualidade duvidosa da
maioria dos cursos.
Mas, mesmo com o reconhecimento das limitações de uma
formação em nível médio no curso Normal, Monlevade (2008, p. 144,
grifo do autor), chama a atenção para que não caiamos na ilusão de
“achar que formação inicial em nível superior, só por ser oferecida
formalmente como ‘superior’, possa ser assimilada numa qualidade
superior à que foi dada em nível médio”.
Em outros termos, não é o simples fato de ter uma formação
feita em uma universidade ou faculdade que concederá grau superior
ao professor que lhe garantirá melhor qualidade formativa, pois como
bem sabemos, há uma infinidade de cursos com estruturas adminis-
trativas, curriculares e pedagógicas precárias que funcionam como
meros reprodutores de diplomas no mercado, em nada contribuindo
para a melhoria da qualidade da prática pedagógica dos professores.
Basta ver a quantidade de cursos fechados ou que ficam sob
acompanhamento após os resultados das avaliações aplicadas pelo

357
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

Inep/Mec. Mas isso mostra, ao mesmo tempo, um esforço em melho-


rar a qualidade da educação superior para que permaneçam somente
instituições que apresentem um padrão de qualidade, seguindo, pelo
menos, os critérios mínimos estipulados pelo MEC.
Por isso mesmo, a nossa luta deve ser no sentido de não nos
acomodarmos diante da escolha entre o ruim e o pior, ou seja, em
acharmos que entre ter um curso superior mal feito e um ensino
médio razoável, é melhor este, que aquele e isso bastaria.
Destarte, defendemos a ideia de que a formação em nível
médio na modalidade normal magistério só deve existir para atender
às demandas de formação inicial dos professores que estão em exer-
cício e que não têm sequer a formação mínima, ou seja, para os casos
de professores que têm somente o Ensino Fundamental, realidade
ainda presente no Censo Escolar da Educação Básica de 2020, que
desvelou a existência de 1.191 professores com Ensino Fundamental
atuando no segmento Creche e 988 professores atuando na Pré-Es-
cola (BRASIL, 2020).
Obviamente, para que eles cheguem à educação superior,
precisam antes, obter a formação em nível médio, o que, para a do-
cência, só deve ser alcançado por meio do curso normal magistério.
Portanto, é preciso que sejamos contrários à abertura de vagas para
formação inicial em nível médio na modalidade normal magistério
para quem ainda vai ingressar no magistério – seja via concurso pú-
blico ou outra forma de contratação –, fato ainda muito comum nos
municípios brasileiros.
Está claro, portanto, que formar todos os docentes em nível
superior é uma meta a ser alcançada, o que vem nutrindo os deba-
tes, especialmente no que se refere ao curso normal de nível médio
como lócus destinado à formação de professores para a Educação
Infantil e os anos iniciais do Ensino Fundamental. Não por acaso, ela
constituiu-se em uma questão polemizada na Conae/2010 quando
da construção do PNE atual.

358
FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL
NIVELADA PELA NOÇÃO DE MÍNIMO: O LUGAR DO ENSINO MÉDIO NORMAL MAGISTÉRIO

Nessa perspectiva, a sua manutenção como espaço de for-


mação dividiu a posição dos educadores. Segundo Scheibe (2010),
essa polêmica ocorreu, particularmente, pela posição favorável da
Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE) à sua
permanência, tendo duas razões para tal:

A alegação da impossibilidade de, a curto prazo, dar


conta de formar todos os docentes em nível superior,
particularmente aqueles que se destinam à educação
infantil e aos anos iniciais do ensino fundamental; uma
tradição de estudos mais voltados à prática docente
(instrumental) nos cursos de nível médio do que a dos
cursos de pedagogia. (SCHEIBE, 2010, p. 993-994).

Para a autora, a conveniência dessa posição, no entanto, pre-


cisa ser questionada, por entender que tais razões “não podem estar
acima da compreensão de que é necessário aprimorar o estudo dos
que se formam como docentes e que uma formação básica integral
anterior ao início do processo de profissionalização não é dispen-
sável” (SCHEIBE, 2010, p. 994). Contudo, ela acrescenta que parece
ser pertinente a proposição CNE de estabelecer no PNE um prazo
para extinção do curso normal como possibilidade de qualificação
do professor para a Educação Infantil e para os anos iniciais do Ensi-
no Fundamental denotando uma possível saída para o impasse, pois
tal reivindicação é necessária para que se possa atingir um patamar
mais aprimorado de formação docente.
Porém, o que se constatou, quando da aprovação do PNE
2014-2024, é que não se tratou do assunto no sentido de definir tais
prazos, deixando, portanto, a questão em aberto, o que certamente
continuará como tema para os debates que virão e para os próximos
embates teóricos.
Isso pode ser visualizado, por exemplo, na Meta 15 e Estratégia
15.8 da Lei nº 13.005, de 20 de junho de 2014, que instituiu o PNE para
a vigência de 2014 a 2024. Eis o que elas dizem:

359
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

Meta 15: garantir, em regime de colaboração entre a União,


os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no prazo
de 1 (um) ano de vigência deste PNE, política nacional de
formação dos profissionais da educação de que tratam
os incisos I, II e III do caput do art. 61 da Lei no 9.394, de
20 de dezembro de 1996, assegurado que todos os pro-
fessores e as professoras da educação básica possuam
formação específica de nível superior, obtida em curso
de licenciatura na área de conhecimento em que atuam.
Estratégia 15.8: Valorizar as práticas de ensino e os está-
gios nos cursos de formação de nível médio e superior
dos profissionais da educação, visando ao trabalho
sistemático de articulação entre a formação acadêmica
e as demandas da educação básica. (BRASIL, 2014, p. 24,
grifo nosso).

Está claro, portanto, que os cursos de nível médio de formação


de professores continuarão a existir, primeiro porque para atender ao
exposto no inciso I do Art. 61 da LDB atual, é preciso, também, manter
abertos os cursos normais; segundo porque só pode haver práticas
de ensino e estágio onde existem cursos ativos.
Convém observar, contudo, que a aprovação do PNE se deu
mais de um ano depois que a Lei nº 12.796/13, que alterou a LDB, foi
sancionada. E, como já se sabe, a formação em nível médio continuou
sendo aceita como formação mínima. Logo, o PNE não poderia ir na
direção contrária do que diz a lei maior da educação. Não precisa
dizer que a morosidade com a qual foi conduzido o processo de
construção do novo PNE não se deu por acaso. E, mesmo depois
de deixar o País órfão de um PNE por quase quatro anos, aspectos
determinantes para a melhoria da qualidade da educação brasileira
continuaram adormecidos no manto da lei.
Mas há outra questão, extremamente polêmica, sobre as
implicações que a formação mínima poderá trazer, a qual se con-
sidera importante tratar: referimo-nos à grande pressão para que
os professores apresentem melhor desempenho, principalmente no
sentido de os estudantes obterem melhores resultados nos exames
nacionais e internacionais.

360
FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL
NIVELADA PELA NOÇÃO DE MÍNIMO: O LUGAR DO ENSINO MÉDIO NORMAL MAGISTÉRIO

Que isso guarda uma relação direta com a lógica produtivista


e mercadológica que se impôs à educação, acredita-se não haver
dúvidas, pois o que se constata cada vez mais é a presença de uma
“pedagogia de resultados”, no dizer de Saviani (2007), que se guia,
pela concepção de educação como produto econômico, e não como
produto social.
No entanto, conforme postula Avalos (2002 apud GATTI;
BARRETO, 2009, p. 228), enfatizar a responsabilidade por resultados,
controlada externamente por sistemas de avaliação, não é o me-
lhor caminho para fortalecer o desempenho docente. Não se deve,
contudo, negar o suposto que o professor aceite a responsabilidade
pela aprendizagem dos alunos em diversos contextos e com diver-
sas capacidades como uma responsabilidade que é sua, embora
compartilhada com o sistema, com as famílias e, primordialmente,
com as instituições formadoras. Ou seja, bons resultados não podem
se configurar como “favor da escola”, mas, como o mínimo que se
espera dela, e isso tem relação direta com a formação do professor.
Acreditamos que quanto mais nivelada pelos modelos básicos
da formação, como é o caso do ensino médio normal, for essa forma-
ção, provavelmente, menores serão as possibilidades da elevação do
patamar da qualidade social da educação, pois a complexidade do
trabalho docente, mais ainda nas condições atuais de transforma-
ção cultural de crianças, adolescentes, jovens e adultos, requer um
perfil de formação que dificilmente será construído em estruturas
formativas dessa natureza. Porém, ao se dar ênfase à formação do
professor como requisito para o sucesso da escola, não estamos
querendo dizer que ela, por si só, dará conta disso, pois há outros
fatores – internos e externos – que concorrem juntos e que fogem
do seu alcance.

361
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

2.2 O lugar do ensino médio normal magistério no chão


da escola: participação na composição dos quadros
docentes das escolas públicas e privadas de educação
infantil do Piauí

Ao contrário do que muitas pessoas imaginam e, conforme já


mostrado anteriormente, o curso Normal Magistério não está extinto
no Brasil. É verdade que desde que a LDB/96 foi aprovada, ele perdeu
espaço e prestígio para a formação de nível superior. Mas como se
sabe, a própria LDB, ao mesmo tempo em que preconiza, no Art. 62,
que para atuar na Educação Básica o docente deve ter formação de
nível superior, admite a formação de nível médio como suficiente para
atuação na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental. 
O fato é que esses cursos continuam em funcionamento em
muitos estados brasileiros – como já evidenciava a Sinopse Estatís-
tica da Educação Básica de 2014 e de 2020, ambas disponíveis no
sítio do Inep –, e em vários deles, com um número significativo de
matrículas. O Piauí, de acordo com esses dados, não é um desses
casos, haja vista não haver qualquer registro de matrícula de aluno
nesse tipo de curso. No entanto, não se pode deixar de reconhecer
que a entrada tardia do ensino superior no Piauí e a forma seleta
como ele se materializou fez da Escola Normal lugar privilegiado de
formação de professores.
No que se refere ao lugar ocupado por esse curso no chão da
escola, ou seja, qual é a participação dele na composição dos qua-
dros docentes das escolas públicas e privadas de Educação Infantil,
a pesquisa realizada em nível de doutoramento mostrou o exposto
na Tabela 1.
Para fins das análises dos dados, na pesquisa, utilizou-se a
versão 20.0 do SPSS, que foi de suma importância para a extração e
o tratamento dos dados, pois oferece uma série de vantagens, já que
foi concebido especialmente para satisfazer os requisitos da análise
estatística aplicada às Ciências Sociais.

362
FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL
NIVELADA PELA NOÇÃO DE MÍNIMO: O LUGAR DO ENSINO MÉDIO NORMAL MAGISTÉRIO

Tabela 1 - Professores com ensino médio normal magistério, por GRE, atuando na
educação infantil, em 2013
ENSINO MÉDIO NORMAL
TOTAL
MAGIS.
MAGISTÈRIO TOTAL GERAL MAGISTÉRIO DOCENTES
GRE ESP. INDÍG.
POR GRE
Docentes % Docentes % Docentes % Docentes
4ª GRE –
146 100,0 0 0,0 146 8,1 1801
Teresina
16ª GRE –
58 100,0 0 0,0 58 20,4 285
Fronteiras
9ª GRE –
103 100,0 0 0,0 103 21,1 489
Picos

1ª GRE –
122 100,0 0 0,0 122 23,4 522
Parnaíba

8ª GRE –
70 100,0 0 0,0 70 25,9 270
Oeiras

3ª GRE –
144 100,0 0 0,0 144 30,8 468
Piripiri
5ª GRE
- Campo 129 100,0 0 0,0 129 33,3 387
Maior
7ª GRE –
78 33,0 1 0,4 79 33,4 237
Valença
11ª GRE –
51 100,0 0 0,0 51 34,2 149
Uruçuí
10ª GRE –
137 100,0 0 0,0 137 34,5 397
Floriano
12ª GRE -
São João 90 34,6 1 0,4 91 35,0 260
do Piauí
6ª GRE
– Regene- 112 35,0 1 0,3 113 35,3 320
ração
17ª GRE –
54 100,0 0 0,0 54 35,5 152
Paulistana
13ª GRE
- São
94 100,0 0 0,0 94 35,7 263
Raimundo
Nonato
15ª GRE –
126 100,0 0 0,0 126 39,0 323
Corrente
14ª GRE -
88 41,7 1 0,5 89 42,2 211
Bom Jesus
18ª GRE
- Grande 359 45,4 1 0,1 360 45,5 791
Teresina
2ª GRE –
438 100,0 0 0,0 438 52,6 833
Barras
TOTAL 2399 29,4 5 0,1 2404 29,5 8158
Fonte: Mec/Inep, 2013. Elaborada por esta pesquisadora.

363
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

Os dados apresentados na Tabela 1 revelam que a média geral


de professores com formação em nível médio na modalidade normal
magistério, atuando em 2013, é 29,5%. Ou seja, quase um terço dos
professores em exercício na Educação Infantil, nesse ano, possuía a
formação mínima exigia pela lei. No entanto, quando observamos o
desempenho individual de cada GRE, é visível que em somente cin-
co delas se registra uma média de professores com essa formação
abaixo da média geral do estado. São elas: 4ª GRE (8,1%); 16ª GRE
(20,4%); 9ª GRE (21,1%); 1ª GRE (23,4%); e 8ª GRE (25,9%). Portanto,
nessas GREs, há predominância de professores com curso superior.
Destacamos no ranking das GREs em referência o caso da 4ª
GRE – Teresina, onde se registra um baixo percentual de professores
com o ensino médio normal magistério, uma vez que apenas 8,1% do
total de docentes dessa GRE possui esse grau de formação. Uma das
razões que podem explicar tal aspecto positivo nessa GRE seria, por
exemplo, o fato de ela compreender apenas a cidade de Teresina,
que é sede das duas maiores Instituições de Ensino Superior (IES)
públicas que ofertam, além de outras, a Licenciatura em Pedagogia, o
que facilita o acesso aos cursos de graduação oferecidos.
Além do mais, não podemos deixar de mencionar o papel da
gestão municipal, que é quem legalmente responde pela Educação
Infantil, como agente indutor na captação de professores para ampliar
a sua qualificação e, com isso, possibilitar a melhoria dos indicadores
de qualidade da educação oferecida pelo munícipio, elevando-os
a patamares mais altos, uma vez que a formação tem uma relação
direta com os resultados.
A busca por qualificação na GRE em referência pode ser
explicada ainda, pela questão do salário e da carreira docente, que
ganharam maior visibilidade a partir da década de 1990, no bojo das
reformas educacionais implementadas nessa época.
Nesse contexto, Gatti e Barreto (2009, p. 248) postulam que

a existência de planos de carreira para o magistério é


um princípio que foi consolidado na Constituição de

364
FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL
NIVELADA PELA NOÇÃO DE MÍNIMO: O LUGAR DO ENSINO MÉDIO NORMAL MAGISTÉRIO

1988. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,


de 1996, em seu artigo 67 estabelece que os sistemas
de ensino deverão promover a valorização dos profis-
sionais da educação, por estatutos e planos de carreira
que garantam: ingresso exclusivamente por concurso
público de provas e títulos, aperfeiçoamento profissio-
nal continuado, com licenciamento remunerado para
isso, piso salarial, progressão funcional baseada na
titulação e na avaliação de desempenho, período reser-
vado a estudos, planejamento e avaliação, e condições
adequadas de trabalho.

As responsabilidades definidas para os municípios pela


CF/1988 e pela LDB de 1996 indicam o papel central que os dirigen-
tes municipais de educação passaram a ter na gestão das políticas
públicas educacionais em nível local e a enorme responsabilidade
que receberam no sentido de prover uma educação de qualidade a
cada aluno de sua rede.
Diante dessa realidade, Souza e Faria (2004, p. 930) afirmam
que a Carta Magna de 1988 possibilitou aos municípios criarem seus
próprios sistemas de ensino, atribuindo a eles “autonomia relativa na
formulação de políticas educacionais, em específico para a Educa-
ção Infantil e o Ensino Fundamental, uma vez que, até então, a esfera
municipal detinha, apenas, sistema administrativo”.
Esse processo ficou mais conhecido como descentralização
que, de acordo com Azevedo (2002, p. 54), passou a ser “difundida
como um poderoso mecanismo para corrigir as desigualdades edu-
cacionais, por meio da otimização dos gastos públicos”, passando a
ser considerada como um instrumento de modernização gerencial da
gestão pública, pois se acreditava em suas possibilidades de promo-
ver a eficácia e a eficiência dos serviços concernentes.
Em outro extremo da Tabela 1, estão as 13 GREs cuja média
de professores com formação em nível médio ficou acima da média
geral do estado. São elas: 3ª GRE (30,8%); 5ª GRE (33,3%); 7ª GRE
(33,4%); 11ª GRE (34,2%); 10ª GRE (34,5%); 12ª GRE (35,0%); 6ª GRE

365
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

(35,3%); 17ª GRE (35,5%); 13ª GRE (35,7%); 15ª GRE (39,0%); 14ª GRE
(42,2%); 18ª GRE (45,5%); e 2ª GRE (52,6%).
Observa-se que há certo equilíbrio de percentuais de profes-
sores que possuem escolaridade em nível médio com o curso Normal
Magistério, pois das 13 GREs aqui relacionadas no ranking dentre as
que possuem média superior à média geral do estado, em pelo menos
dez delas, o percentual de professores com esse grau de formação
apresenta-se na casa dos 30,0%. Chama a atenção ainda o fato de
termos na 2ª GRE (Barras) o maior percentual de professores com essa
formação, totalizando 52,6%. Ou seja, mais da metade dos professores
da referida GRE ainda não conseguiram ascender em sua formação.
Quando contrapomos o quantitativo de professores com
Normal Magistério atuando na Educação Infantil, em 2013, no Piauí,
que totalizava 2.404 docentes, com os dados obtidos na Sinopse do
Censo Escolar de 2020, que mostra a existência de 2.549 docentes
– sendo 1.058 da creche e 1.491 da pré-escola – percebemos certa
estabilidade nesse quantitativo.
Tendo em vista que os dados de 2020, diferentemente dos
de 2013, não passaram por tratamento estatístico no SPSS para de-
sagregá-los, certamente, nesse total de professores, existem aqueles
que atuam nas duas etapas da Educação Infantil e foram, portanto,
contados duplamente. Mas independentemente disso, o fato de ain-
da existirem professores com essa formação atuando na Educação
Infantil e ainda apresentando tendência estável, deixa evidente que
a noção de mínimo ainda está presente nessa etapa da educação
brasileira, quando o assunto é formação de professores.
Acrescente-se, ainda, que por não ter passado pelo tratamen-
to estatístico, igualmente, poderá haver, dentre os 2.549 professores
com Ensino Médio que não seja na modalidade normal magistério, o
que torna a situação ainda mais preocupante, pois nem ao mínimo
exigido pela LDB/96 esses professores atenderiam.

366
FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL
NIVELADA PELA NOÇÃO DE MÍNIMO: O LUGAR DO ENSINO MÉDIO NORMAL MAGISTÉRIO

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Caracterizando a formação dos professores que atuam na


Educação Infantil do estado do Piauí, quanto à formação inicial prevista
pela LDB 9.394/96 para atuar nessa etapa de ensino, no que se refere
à exigência mínima, qual seja o curso Normal Magistério, constatamos
que em 2013, quase um terço (2.404) do total de professores (8.158)
tinha formação em nível médio na modalidade normal magistério.
São, portanto, professores que do ponto de vista da legalida-
de, não estão em desacordo com a lei, pois atendem aos requisitos
mínimos. Porém, quando se pensa no que isso pode implicar na
formação da primeira infância, de modo que esteja em consonância
com a concepção de criança e de infância ratificada nos princípios
que constam nas DCNEIs e nas finalidades previstas pela LDB/96, há
que se questionar em que medida isso poderá ser alcançado.
Não se trata de ignorar a importância do curso Normal que,
por mais de um século, formou o professorado brasileiro, mas é pre-
ciso reconhecer que a forma como a escola funciona hoje, impõe ao
professor a necessidade de um permanente repensar no tocante à
relação ensino-aprendizagem o que, entende-se, só se torna possível
na medida em que ele se qualifica. Juntam-se aos professores que
não atendem às exigências legais para atuar na Educação Infantil
aqueles cuja formação é em nível médio, e não magistério, pois não
foram preparados para a docência, mas para outras funções.
O mapeamento do perfil de formação permitiu, ainda, concluir
que há muito por fazer pelos professores de Educação Infantil do
estado do Piauí, no ensejo de oferecer a eles uma formação inicial
adequada, no caso, em nível superior, para o que se faz necessário
atuar em várias frentes. Nesse sentido, podem-se mencionar algumas
iniciativas governamentais, como o Programa de Formação Nacional
de Professores (Parfor), para professores em exercício, sem curso
superior; e a Universidade Aberta do Brasil (UAB), que oferece cursos
na modalidade EaD, alvo de muita polêmica. Contudo, atina-se que é

367
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

preciso avançar na oferta de cursos em regime presencial nos turnos


diurno e noturno, com vistas a atender às diversas demandas pesso-
ais dos interessados.
Ademais, deve-se viabilizar a formação em nível superior, por
meio da oferta de cursos de Pedagogia não só para professores em
exercício – atendendo somente à exigência mínima –, mas também
para os que não satisfazem os requisitos da lei, pois mesmo tendo o
Ensino Médio, ele não é na área do magistério; mas também para pro-
fessores cuja formação em nível superior advém de outras áreas que
não a Pedagogia, e que adquiram essa graduação como uma segunda
licenciatura, uma vez que a pesquisa de Doutorado identificou 45
áreas de formação atuando na Educação Infantil a fim de tirar esses
professores da condição de leigos.
O quadro aqui descrito mostra que ainda temos fragilidades
no campo da formação inicial que não deveriam mais existir, tendo
em vista que já estamos há quase duas décadas e meia de aprovação
da LDB/96 sem dar uma solução para o déficit de professores sem
curso superior em Pedagogia para atuar na Educação Infantil.
Mudar essa realidade requer um esforço conjunto entre
governo estadual, governos municipais e instituições de educação
superior, no sentido de buscar estratégias que não se resumam a
medidas paliativas e pontuais, mas que encarem o problema de fren-
te, executando projetos em parceria que efetivamente produzam os
resultados necessários e esperados.

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estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para dispor sobre a for-

368
FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL
NIVELADA PELA NOÇÃO DE MÍNIMO: O LUGAR DO ENSINO MÉDIO NORMAL MAGISTÉRIO

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370
O PERFIL FORMATIVO
DOS PROFESSORES DE FÍSICA NO PIAUÍ:
um estudo comparativo e os avanços
na qualidade

Denilson Pereira da Silva


Luís Carlos Sales

1 INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, muito se tem discutido sobre a centralidade


do papel do professor nos programas educacionais, e sua responsa-
bilização pelos resultados do processo educativo nos sistemas de
atendimento educacional, especialmente após a promulgação da Lei
de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) nº 9.394/96, a implantação
da política de fundo para o financiamento da educação básica (Fun-
def e Fundeb) e, mais recentemente, de forma transversal, as dis-
cussões voltadas para a implementação do Custo Aluno Qualidade
(CAQ), previsto no Plano Nacional de Educação (PNE) de 2014.
Estudos realizados com base em documentos oficiais publi-
cados por órgãos do governo federal apontam que as redes públicas
de ensino, em todo o País, já vêm enfrentando problemas de déficit
no quadro de professores m relação à formação exigida, legalmente,
para atuarem nas diferentes etapas da educação básica (INEP, 1999,
2003, 2009).
Nessa perspectiva, este texto insere-se entre aqueles que se
propõem a investigar essa realidade, a partir de uma análise sobre
o perfil formativo dos professores, tendo nos microdados do Censo
Escolar do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (Inep) a principal fonte do campo empírico.

371
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

Embora as grandes diretrizes da política educacional sejam


gestadas em âmbito nacional, no campo das redes públicas e pri-
vadas, elas assumem suas especificidades. É nesse sentido que se
faz necessário compreender como o estado do Piauí incorpora em
suas políticas as determinações emanadas pela legislação como, por
exemplo: os efeitos práticos da legislação que estabeleceu prazo para
que todos os professores concluíssem curso superior (Lei 9.394/96,
Art. 62); as Diretrizes Operacionais para a implantação do Programa
Emergencial de Segunda Licenciatura para Professores em Exercício
na Educação Básica Pública (Parecer CNE/CP Nº 8/2008 e Resolução
CNE/CP Nº 1/2009 ); a Política Nacional de Formação de Profissionais
do Magistério da Educação Básica (Decreto nº 6.755/09).
Entende-se que o modelo de financiamento da educação
básica implementado no País a partir da política de fundos acarre-
tou significativas mudanças nas diferentes redes de ensino, como o
crescimento das matrículas e, consequentemente, a necessidade de
aumento do quadro de profissionais habilitados para aturarem nas
etapas e modalidades dessa etapa do ensino.
Por outro lado, o esforço para a qualificação de professores
em nível superior para a atuação na educação básica, especifica-
mente na disciplina Física, justifica-se por ainda haver no Brasil um
déficit de formação de docentes. A Resolução nº 2, aprovada pelo
Conselho Pleno do Conselho Nacional de Educação (CNE), aborda
essa questão, ao dispor sobre a criação de programas especiais de
formação pedagógica de professores para as disciplinas do ensino
fundamental, médio e médio profissionalizante. Aliás, essa resolução
procurou atender ao disposto no Parecer nº 4 de 1997, que revelava a
falta de docentes nos anos finais do ensino fundamental e do ensino
médio, e que esse atendimento deveria considerar as necessidades
locais por não ocorrer de maneira idêntica em todo o País, mas era
crível a maior frequência nas áreas de Matemática, Química, Geografia
e Física. Tal estudo ainda explicitou que o número de docentes com
formação inicial específica em sua área de atuação era baixo (CON-
SELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 1997; PINTO, 2014; SILVA, 2015).

372
O PERFIL FORMATIVO DOS PROFESSORES DE FÍSICA NO PIAUÍ:
UM ESTUDO COMPARATIVO E OS AVANÇOS NA QUALIDADE

De acordo com pesquisa da Organização para a Cooperação e


Desenvolvimento Econômicos (OCDE), diversos fatores acometem o
déficit docente, mas são resultados de um só fator: a falta de atrati-
vidade da carreira para o magistério básico, por uma ausência de po-
líticas efetivas de valorização da carreira, apoiadas na tríade carreira
salarial – formação inicial e continuada de qualidade – e condições
de trabalho (OCDE, 2006; SILVA, 2015).
A LDB – Lei 9.394/1996 denota a necessidade de repensar
a formação de docentes no Brasil, apresentando do Art. 61 ao 67 os
percursos e passos a serem seguidos para o êxito quanto à formação
de professores. No Art. 61, são explicitados os fundamentos da forma-
ção dos profissionais da educação, visando a atingir os objetivos nos
diferentes níveis e nas múltiplas modalidades, assim como as caracte-
rísticas de cada fase do desenvolvimento do educando. Em seu Art. 62,
estabeleceu que a condição mínima para o exercício da docência para
a atuação na educação básica seria a formação em nível superior, em
curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institu-
tos superiores de educação. Esse artigo foi alterado pela Lei nº 12.056,
de 13 de outubro de 2009, acrescentando parágrafos que dão ênfase
e importância à formação docente e às políticas educacionais, e que
haja um regime de colaboração entre os entes federativos, municípios,
estados e União. Deixa claro, ainda, que a formação inicial deve, prefe-
rencialmente, ser na modalidade presencial.
Com a LBD já contando com mais de duas décadas desde a
sua publicação, ainda representa um desafio homogeneizar as ações
de formação inicial e continuada em todo o País com vistas ao alcance
da formação mínima exigida pela lei. Com a instituição da Política Na-
cional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica,
em 2009, o governo federal apresenta um esforço em conjunto com
estados e municípios na tentativa de assegurar a formação em cursos
de licenciatura, principalmente em disciplinas em que há escassez
latente, como é o caso de Física, objeto deste texto.

373
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

A compreensão das mudanças legais impostas pela Emenda


Constitucional (EC) nº 59, que em sua redação aduz que a educação
básica obrigatória e gratuita passa a ser dos 4 (quatro) aos 17 (de-
zessete) anos de idade, sendo assegurada a todos que não tiveram
acesso na idade própria, ratifica que até 2016 era o prazo previsto
para a universalização da educação básica no Brasil (BRASIL, 2009).
Ademais, impende sobrelevar a Lei 11.738/2008, que instituiu
o Piso Salarial Profissional Nacional (PSNP) para profissionais do
magistério público da educação básica, regulamentando disposição
constitucional, passando a ter validade a partir de 27 de abril de 2011,
quando o Supremo Tribunal Federal (STF) a declarou constitucional
(BRASIL, 2008).
Tais mudanças na legislação implicaram modificações nas
redes de ensino, nos níveis municipal, estadual e federal, com o
crescimento no número de matrículas e a necessidade de ampliar a
quantidade de profissionais do magistério habilitados para atuarem
na educação básica. Conforme Silva (2015), faz-se mister conhecer
as demandas locais e as áreas com maior vulnerabilidade em relação
ao déficit de professores para que a proposição de políticas públicas
permanentes de formação docente sejam efetivas e ataquem as
áreas que comportam tais demandas.
Com a escassez de estudos quantitativos sobre o déficit de
docentes na disciplina de Física no estado do Piauí para a atuação no
ensino médio, estes pesquisadores sentiram-se estimulados a com-
preender tal fenômeno frente à realidade com que se deparavam nos
estudos sobre formação de professores, e pelo fato de que o Curso
de Licenciatura em Física, no decorrer dos semestres, desnuda a re-
dução no número de discentes e baixa procura no preenchimento de
vagas ofertadas, suscitando questionamentos acerca da atratividade
da área para os discentes ingressarem na profissão, chegando, inclu-
sive, a questionamentos sobre como uma área em que há demanda
no mercado de trabalho não conseguia reter os acadêmicos e per-
manecer com formação abaixo da demandada pelas redes escolares
por anos seguidos.

374
O PERFIL FORMATIVO DOS PROFESSORES DE FÍSICA NO PIAUÍ:
UM ESTUDO COMPARATIVO E OS AVANÇOS NA QUALIDADE

Isso posto, resta o questionamento sobre qual seria, então, o


perfil formativo inicial dos docentes que atuam na disciplina de Física,
tendo em vista a escassez existente nessa área e a necessidade de
contribuir para a compreensão dessa situação, promovendo refle-
xões capazes de contribuir para a academia.
À vista disso, este texto tem como questão de pesquisa: qual
o perfil formativo dos professores que ministram o conteúdo progra-
mático Física no ensino médio, no estado do Piauí, e como se dá sua
adequação à área de conhecimento em que atua?
Para responder a essa questão, objetiva-se investigar o perfil
formativo dos professores que ministram o conteúdo programático
Física no ensino médio, no estado do Piauí, evidenciando sua ade-
quação à área de conhecimento de atuação, considerando o período
de 2008 e 2017.
A fim de garantir a qualidade do ensino, não é suficiente ape-
nas ter um professor em sala de aula: é preciso que ele, além de atuar
em sua área de formação, qualifique-se e participe de formações
continuadas, elevando a sua titulação – movimento que repercute
positivamente na qualidade das aulas e, consequentemente, em ga-
nhos remuneratórias para os professores, em função dos planos de
carreira que reconhecem a titulação como um valor.
A partir dessas considerações, reputou-se necessário elencar
outro objetivo específico: comparar a titulação dos professores que
ministram a disciplina Física, considerando o período de 2008 e 2017.
Vale destacar que a melhoria na titulação de um grupo de professo-
res tem impacto na qualidade da educação e, igualmente, no custo
da rede de ensino.
A seguir, apresenta-se a metodologia empregada na pesquisa.

2 METODOLOGIA

O estudo ora apresentado, quanto aos fins, é uma pesquisa de


abordagem quantitativa, sendo classificada como descritivo-analíti-

375
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

ca por terem sido cumpridos levantamentos de dados secundários


do quantitativo de turmas e docentes que atuam no ensino médio no
estado do Piauí, nos anos de 2008 e 2017, tendo como fonte de dados
os Microdados do Censo Escolar da Educação Básica do Inep dos
anos de 2008 e 2017. Esses microdados são organizados por banco
de escola, turma, docente, aluno e relacionam o código da turma, da
escola e do docente.
As informações relevantes para a pesquisa foram extraídas
dos Microdados do Censo Escolar dos anos referidos, utilizando o
Programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), partin-
do das funções: dados/selecionar casos; dados/agregar; analisar/
estatísticas descritivas/frequências/tabela; e analisar/ estatísticas
descritivas/frequências/tabela de referência cruzada. Em seguida,
empregou-se o Microsoft Excel 2016 para a elaboração de tabelas
com os dados extraídos e as informações referentes a turmas, de-
pendência administrativa, formação inicial e pós-graduação.
Para a organização das tabelas e posterior análise das turmas
de Física da educação básica e formação docente com Licenciatura
ou Bacharelado em Física no Piauí, por dependência administrativa,
criaram-se três categorias, a saber: Licenciatura em Física; Bachare-
lado em Física; e outras formações.
Ademais, cumpriu-se um estudo bibliográfico voltado a ana-
lisar as obras disponíveis e localizadas sobre as seguintes temáticas:
políticas de formação de professores; escassez docente; e análise
da legislação brasileira que regulamenta as políticas de formação
no País, assim como as diretrizes básicas da educação e o PNE. Isso
porque a pesquisa bibliográfica abrange todo o material secundário
usado, seja de referência teórica ou empírica, tais como artigos em
periódicos científicos, livros técnicos, teses e dissertações, ou mate-
rial secundário em bases de dados (LAKATOS; MARCONI, 2002).
Já pesquisa documental tem como característica a utilização
de documentos e/ou materiais que ainda não foram analisados e que,
de acordo com a questão e os objetivos da pesquisa, podem ter valor
científico (GIL, 2010).

376
O PERFIL FORMATIVO DOS PROFESSORES DE FÍSICA NO PIAUÍ:
UM ESTUDO COMPARATIVO E OS AVANÇOS NA QUALIDADE

A seguir, apresenta-se a fundamentação teórica da pesquisa.

3 AS POLÍTICAS DE FORMAÇÃO NO BRASIL

No Brasil, segundo o Inep, no ano de 2008, o número total de


matrículas no ensino médio era 8.366.100, e no Piauí, 185.457. Já em
2017, no Brasil, foram 7.930.384 matrículas, enquanto no Piauí, esse
número chegou a 118.540 matrículas no ensino médio. Como referido
por Moura (2015), essa situação, aliada aos baixos indicadores de
educação, mostram a urgência da adoção de ações de apoio por
parte do Estado para o enfrentamento dos desafios nessa etapa de
ensino, sendo a formação continuada e o incremento das instituições
formadoras um componente primordial para o alcance de tais me-
lhorias (MOURA, 2015).
As Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio, que fo-
ram definidas pela Resolução CNE/CEB nº 02/2012, são vistas como
um instrumento meritório para a busca de qualidade social no ensino
médio em todo o País. Essa resolução mostra que o ensino médio não
é somente uma fase formal da educação, direcionada para o ensino
superior, mas almeja a preparação do ser humano, devendo ele ser
integrado ao espaço escolar (MOURA, 2015).
A LDB – Lei nº 9.394/96, m seu Art. 62 dispõe que “[...] a for-
mação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível
superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universi-
dades e institutos superiores de educação [...]” (BRASIL, 1996, p.26).
Dessa forma, as instituições de ensino superior devem comprome-
ter-se nesse processo.
Corroborando Coelho (2003), a universidade, nomeada-
mente nos cursos de licenciatura, devem produzir trabalhadores
intelectuais com pensamento real sobre historicidade, tendo a
universidade papel ímpar para a excelência na formação, pois es-
ses profissionais prepararão os discentes do ensino médio para o
mundo do trabalho, garantindo-lhes uma formação que possibilite
o ingresso no ensino superior.

377
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

Para Gatti et al. (2019), o ensino médio é etapa mais desafia-


dora e problemática em diversos países, inclusive no Brasil. Nesse
contexto, um componente primordial nessa engrenagem é o profis-
sional docente, pois a partir dele se garantirá a formação adequada e
sólida que se espera para os jovens brasileiros.
Não obstante, para haver efetividade nesse processo, é ines-
cusável empreender melhorias no perfil formativo do professor com
vistas ao atendimento da crescente demanda por profissionais no
ensino médio. Nessa persecução, o Estado desenvolveu políticas de
formação, a exemplo do Programa de Apoio a Planos de Expansão
e Reestruturação das Universidades Federais (Reuni) – estabelecido
pelo Decreto Presidencial nº 6093/07 –, como parte do Plano de
Desenvolvimento da Educação e tendo como um de seus objetivos
a ampliação do acesso e da permanência na universidade (BAPTISTA
et al., 2013).
Deveras, o Reuni assume um papel importante no aumento do
número de vagas e implantação de políticas de permanência, visando
ao melhor aproveitamento da estrutura física, com investimentos em
recursos humanos para garantir a qualidade da educação pública e o
combate à escassez de professores. O plano investiu, ainda, em con-
tratação de servidores administrativos, aquisição de equipamentos
para bibliotecas, laboratórios, salas de aula, recuperação e construção
de instalações, ambientes de professores e órgãos administrativos,
vislumbrando a elevação gradual da Taxa de Conclusão Média dos
Cursos de Graduação Presencial (TCG) para 90%, além de redução
da evasão, ocupação de vagas ociosas e aumento da oferta de vagas
no turno da noite (REUNI, 2007; BAPTISTA et al., 2013).
Destarte, a universidade é compreendida como um local em
que o compromisso com a formação de docentes críticos, reflexivos e
com profissionalidade se faz uma constante para atender aos anseios
da sociedade. Assim, Nóvoa (1995) afirma que os dilemas da profis-
são docente envolvem o pedagógico, o político e o conhecimento,
sendo todos eles aspectos utilizados durante o desempenho de suas

378
O PERFIL FORMATIVO DOS PROFESSORES DE FÍSICA NO PIAUÍ:
UM ESTUDO COMPARATIVO E OS AVANÇOS NA QUALIDADE

atividades e nas relações com os educandos, com seus familiares e


com a comunidade.
Diante disso, a formação de professores contribuirá para que
a educação cumpra sua missão que, de acordo com Morin, Ciurana
e Motta (2009, p. 98), e “fortalecer as condições de possibilidades
da emergência de uma sociedade mundo composta por cidadãos
protagonistas, conscientes e criticamente comprometidos com a
construção de uma civilização planetária”.
Em seguida, o PNE (2014-2024), instituído pela Lei nº
13.005/2014, em sua Meta 15, busca assegurar que todos os pro-
fessores da educação básica tenham formação específica de nível
superior, a ser obtida em curso de licenciatura na área específica
em que atuam, por meio de uma política nacional de formação dos
profissionais da educação em regime de colaboração entre a União,
os estados, o Distrito Federal e os municípios. Por sua vez, a Meta 16
propõe-se a garantir a todos os profissionais de educação básica
formação continuada em sua área de atuação e formação em nível de
pós-graduação para 50% dos professores da educação básica, até
2024. Assim, o PNE aponta para a necessidade de se ter, em toda a
educação básica, professores com formação em nível superior e uma
política de formação continuada (BRASIL, 2014).
Outrossim, com a melhoria da formação dos professores, vis-
lumbra-se o aprimoramento da qualidade do ensino, indo ao encontro
da proposta do CAQ, que foi construído a partir de um amplo debate,
com a participação da sociedade civil e incidência efetiva na elabo-
ração do PNE. Com efeito, o CAQ dá sentido prático aos conceitos de
padrão mínimo de qualidade presentes na legislação educacional, ao
estabelecer os insumos e o financiamento para garantir uma escola
de qualidade.

379
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

4 OS ESTUDOS SOBRE POLÍTICAS DE FORMAÇÃO DE


PROFESSORES NO PIAUÍ E A ESCASSEZ

Em revisão dos estudos realizados no Piauí, assimila-se, den-


tre as produções encontradas, a recorrência a temas atinentes aos
profissionais do magistério público das redes estadual e municipal
de ensino, focando, especialmente, análises acerca dos impactos das
políticas de financiamento da educação pública para a educação
básica no Brasil, sobretudo nos últimos anos (Fundef/Fundeb).
A propósito, Fontinelles (2008) discute o impacto do Fundef
na valorização do magistério na rede municipal de educação de
Teresina na perspectiva do docente sem, no entanto, correlacionar
formação com atuação e condições de trabalho. O trabalho de Fon-
tenelles (2003) retrata a situação do magistério e do atendimento ao
aluno da rede estadual de ensino do Piauí no período de 1988 a 2000.
Por seu turno, Sousa Neto (2003) debate o impacto do Fundef
no atendimento ao aluno do ensino fundamental da rede estadual de
educação em Teresina, de 1996 a 2002. Por oportuno, constata-se
que trabalhos concluídos cotejando diferentes variáveis de identifi-
cação do perfil desses profissionais no Piauí ainda são inexistentes.
Recentemente, três trabalhos importantes foram realizados
no Piauí, os quais guardam grande relação com o estudo realizado
neste texto, notadamente por analisar a escassez de professores
utilizando os microdados do Inep. A tese de Silva (2015), intitulada
Formação inicial de professores e oferta educacional: desafios para
garantir docentes para as diversas áreas do conhecimento na edu-
cação básica do Piauí, analisa a relação entre oferta e demanda de
docentes na Rede Pública Estadual de Ensino do Piauí, no período de
2001 a 2011, a fim de investigar possíveis déficits de professores com
formação inicial específica para atuar no ensino médio e apontar
prováveis causas. A referida tese, apesar de sua contribuição para
o campo, não aprofundou a análise sobre a disciplina Física, dando
maior ênfase ao déficit no âmbito da Rede Pública Estadual de Ensino
do Piauí.

380
O PERFIL FORMATIVO DOS PROFESSORES DE FÍSICA NO PIAUÍ:
UM ESTUDO COMPARATIVO E OS AVANÇOS NA QUALIDADE

Dois outros trabalhos foram realizados no Piauí, dignos de


destaque: a tese de Lima (2016), Quem são os professores da pri-
meira infância? Um estudo sobre o perfil formativos dos professores
que atuam na Educação Infantil no estado do Piauí no contexto Pós
LDB 9.394/96; e a dissertação de Rodrigues (2019), O perfil formativo
de professores da Educação Infantil: compatibilidade entre a for-
mação e a exigência da função docente. Apesar de sua relevância
para o estado da arte, ambos mantêm foco na educação infantil, não
contribuindo diretamente com a discussão sobre a oferta disciplina
Física no Piauí, nas dependências administrativas federal, estadual,
municipal e privada.
Em estudo sobre a escassez de docentes no Brasil, Pinto
(2014) mostrou que é possível notar que há ausência de professores
habilitados para atuarem em um conjunto de disciplinas, sendo que
o relatório intitulado Escassez de Professores no Ensino Médio, do
Conselho Nacional de Educação (CNE, 2007), reforçou a necessidade
de formação de professores, principalmente nas áreas de Ciência
da Natureza: Biologia, Química, Física e Matemática, sendo 235 mil
professores nessas áreas no ano de 2001.
Com as informações do Inep, no ano de 2001, a carência
de docentes com formação em Física superava a marca de 23 mil
professores no Brasil. Precisamente, eram 23.514, sendo que entre
os anos de 1990 e 2001, o número de licenciados era de 7.216. No
mesmo estudo de Pinto (2014), após o cruzamento de dados de
demanda, concluintes e razão concluintes/demanda, identificou que
a disciplina de Física possui um gargalo e que a quantidade de con-
cluintes estava longe do ideal, denotando um problema persistente
nessa área (PINTO, 2014; IFPI, 2016).
Também foi motivo de análise por parte do Inep, em estudo
publicado em 2009, a relação entre a habilitação do docente e a
disciplina em que atua na educação básica, cujos resultados mos-
traram que havia um elevado percentual de professores atuando em
disciplinas fora de sua área de formação (INEP, 2009).

381
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

Essa estratégia de contratação de profissional com determi-


nada habilitação para atuar em disciplina em que há necessidade
de habilitação específica na educação básica é utilizada por muitas
redes de ensino para suprir a falta de docentes habilitados, sendo
designada de “escassez oculta” (GATTI et al., 2009; SILVA, 2015).
De acordo com Silva (2015), apesar da implementação de
políticas de formação de professores nos últimos anos, mediante
debates entre sociedade e governos sobre o déficit docente, ainda
persiste a carência de professores em diferentes componentes cur-
riculares. Essa discussão não tem sido recente e continua a lançar
desafios sobre o tema. Uma vez que ao Estado cabe o dever de
garantir o acesso de todos à educação, atesta-se que esse mesmo
ente deve desenvolver as condições necessárias para que o discente
permaneça na escola, de modo que a aprendizagem seja de qualidade
para todos os níveis, as etapas e as modalidades. Tudo isso perpassa
um planejamento das políticas de formação de professores.
Para Silva (2015), os sistemas escolares reagem de duas ma-
neiras diferentes sobre a escassez de professores: uma forma seria
reduzir as exigências de qualificação; e a segunda, aumentar a carga
de trabalho dos docentes, situações essas que são comuns no Brasil,
não sendo diferente no estado do Piauí. Tais reações afetam direta-
mente a qualidade do ensino ofertado e criam dificuldades para um
diagnóstico sobre o déficit docente, bem como da necessidade de
desenvolvimento de políticas públicas que o combatam.

5 O PERFIL FORMATIVO DOS DOCENTES DE FÍSICA NO ESTADO


DO PIAUÍ

A seguir, nas Tabelas 1 e 2, apresenta-se, a partir da quanti-


dade de turmas da disciplina Física existentes nas escolas de ensino
médio do Piauí, o perfil formativo dos professores do Piauí que atuam
nas referidas turmas, organizado por dependência administrativa,
considerando os anos de 2008 e 2017.

382
O PERFIL FORMATIVO DOS PROFESSORES DE FÍSICA NO PIAUÍ:
UM ESTUDO COMPARATIVO E OS AVANÇOS NA QUALIDADE

Tabela 1 – Turmas de Física da educação básica e formação docente com Licenciatura


ou Bacharelado em Física no Piauí, por dependência administrativa (2008)
FORMAÇÃO
DEPENDÊNCIA ADMI-
NISTRATIVA (ESCOLA) LICENCIATURA OUTRAS FOR- TOTAL
BACHARELADO
MAÇÕES
12 29 36 77
FEDERAL
(15,6%) (37,6%) (46,7%) (1,2%)
507 1435 2780 4722
ESTADUAL
(10,7%) (30,4%) (59,9%) (76,5%)
7 18 336 361
MUNICIPAL
(1,9%) (4,9%) (93,2%) (5,8%)
88 328 595 1011
PRIVADA
(8,7%) (32,4%) (58,9%) (16,4%)
614 1810 3747 6171
TOTAL
(9,9%) (29,3%) (60,8%) (100%)
Fonte: elaborado pelos autores, com base em MEC/INEP (2008).

De acordo com os microdados do Inep, em 2008, ano seguinte


à implantação do Reuni, no Piauí, havia 6.171 turmas com a disciplina
de Física. Nesse universo, atuando no ensino médio nas redes federal,
estadual, municipal ou privada, encontravam-se: somente 9,9% de
professores com Licenciatura em Física; e 29,3% com Bacharelado
em Física.
Logo, 90,1% do total de docentes não tinham a formação mí-
nima exigida para o desempenho da função. Então, a situação é mais
grave na rede estadual de ensino, uma vez que 89,3% dos professores
que davam aula de Física não possuíam Licenciatura em Física no ano
de 2008.

383
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

Tabela 2 – Turmas de Física da educação básica e formação docente com Licenciatura


ou Bacharelado em Física no Piauí, por dependência administrativa (2017)

DEPENDÊNCIA FORMAÇÃO
ADMINISTRATIVA OUTRAS
LICENCIATURA BACHARELADO TOTAL
(ESCOLA) FORMAÇÕES
153 18 20 191
FEDERAL
(80,1%) (9,4%) (10,5%) (2,6%)
2.499 141 3358 5998
ESTADUAL
(41,6%) (2,3%) (56%) (80,7%)
4 0 147 151
MUNICIPAL
(2,6%) (0%) (97,4%) (2%)
714 19 360 1.093
PRIVADA
(65,3%) (1,7%) (32,9%) (14,7%)
3.370 178 3.925 7.473
TOTAL
(45%) (2,3%) (52,6%) (100%)
Fonte: elaborado pelos autores, com base em MEC/INEP (2017).

Após realizar a análise dos dados do perfil formativo dos pro-


fessores que atuavam nas turmas de Física de 2008, adotou-se o
mesmo procedimento em referência ao ano de 2017, como mostra a
Tabela 2, a fim de avaliar se houve melhoria no déficit de professores
com formação adequada para ministrar as turmas de Física.
No ano de 2017, conforme os microdados do Inep, apresentados
na Tabela 2, no Piauí, havia 7.433 turmas ofertando a disciplina de Física
no ensino médio. Nesse universo de turmas, 45,0% dos professores
que ali atuavam tinham Licenciatura em Física, e 2,3%, Bacharelado
em Física – distribuídos nos quadros de lotação das redes federal,
estadual, municipal ou privada. Portanto, 55,0% do total não tinham a
formação mínima exigida para o desempenho da função.
Vale destacar que a situação das turmas de Física na rede
estadual de ensino melhorou, pois em 2007, o déficit de professores
com formação adequada era de 89,3%, e foi reduzido para 41,6%.
Ademais, a rede estadual de ensino é a que possui a maior quanti-
dade de turmas de Física, dentre todas as redes de ensino do Piauí
(5.998), correspondendo, percentualmente, a 80,7%.

384
O PERFIL FORMATIVO DOS PROFESSORES DE FÍSICA NO PIAUÍ:
UM ESTUDO COMPARATIVO E OS AVANÇOS NA QUALIDADE

Os resultados das análises das Tabelas 1 e 2 evidenciam que


em uma década, assistiu-se a uma considerável evolução no número
de docentes com Licenciatura em Física, partindo de 9,9% do total,
em 2008, para 45%, em 2017, representando um crescimento ex-
pressivo frente aos desafios da carreira, além de contribuir para a
aproximação do alcance da Meta 15 do PNE, que determina que “[...]
todos os professores e as professoras da educação básica possuam
formação específica de nível superior, obtida em curso de licencia-
tura na área de conhecimento em que atuam” (BRASIL, 2014, p.263).
Para mais, outra exigência é colocada pela LDB/1996, ao estabelecer
que não basta ter curso superior, a formação, de acordo com o Art.
62, deve ser em curso de Licenciatura.
Apesar da melhoria constatada, entre 2008 e 2017, os resul-
tados apresentam um grande desafio pela frente, para alcançar o
objetivo do PNE, mas já mostram um avanço, sublinhando que o Reuni
possibilitou o crescimento da oferta de professores formados para
atuar na disciplina Física.
Em relação aos professores de Física, é oportuno conhecer
o nível de sua formação continuada, investigando a quantidade de
professores que estão em nível de doutorado, mestrado, especiali-
zação ou apenas graduação. A Tabela 3 sintetiza essas informações,
categorizando as quantidades por dependência administrativa.

Tabela 3 – Titulação dos professores com formação em Física no Piauí, por dependência
administrativa (2018)

DEPENDÊNCIA
GRADUAÇÃO ESPECIAL. MESTRADO DOUTORADO TOTAL
ADMINISTRATIVA

3 4 0 0 7
FEDERAL
(42,9%) (57,1%) (0%) (0%) (1,7%)
233 46 0 0 279
ESTADUAL
(83,5%) (16,5%) (0%) (0%) (68,4%)
50 4 0 0 54
MUNICIPAL
(92,6%) (7,4%) (0%) (0%) (13,2%)
continua

385
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

continuação

DEPENDÊNCIA
GRADUAÇÃO ESPECIAL. MESTRADO DOUTORADO TOTAL
ADMINISTRATIVA

56 11 1 0 68
PRIVADA
(82,4%) (16,2%) (1,5%) (0%) (16,7%)
342 65 1 0 408
TOTAL GERAL
(83,8%) (15,9%) (0,2%) (0%) (100%)
Fonte: elaborado pelos autores, com base em MEC/INEP (2008).

Em 2008, dos 408 professores de Física, a maioria (83,8%) pos-


suía apenas graduação; 15,9%, especialização; apenas um, mestrado;
não havendo registrado qualquer professor com doutorado. A rede
federal era a que dispunha de mais professores com pós-graduação
em nível de especialização (57,1%), havendo predomínio de docentes
nas demais dependências administrativas apenas com Graduação.
Na Tabela 4, a seguir, apresenta-se a mesma organização da
Tabela 3, com destaque para a formação continuada dos professores
de Física referente ao ano de 2017, para avaliar se houve melhoria na
formação dos professores dez anos depois.

Tabela 4 – Titulação dos professores com formação em Física no Piauí, por dependência
administrativa (2017)

DEPENDÊNCIA
GRADUAÇÃO ESPECIAL. MESTRADO DOUTORADO TOTAL
ADMINISTRATIVA

7 16 15 0 38
FEDERAL
(18,4%) (42,1%) (39,5%) (0%) (9,2%)
166 111 5 0 282
ESTADUAL
(58,9%) (39,3%) (1,8%) (0%) (68,1%)
0 3 0 0 3
MUNICIPAL
(0%) (100%) (0%) (0%) (0,7%)
60 26 5 0 91
PRIVADA
(66%) (28,5%) (5,5%) (0%) (22%)
233 156 25 0 414
TOTAL GERAL
(56,3%) (37,7%) (6%) (0%) (100%)
Fonte: elaborado pelos autores, com base em MEC/INEP ( 2017).

386
O PERFIL FORMATIVO DOS PROFESSORES DE FÍSICA NO PIAUÍ:
UM ESTUDO COMPARATIVO E OS AVANÇOS NA QUALIDADE

Em relação à quantidade de professores de Física que atu-


avam no ensino médio, comparando 2008 (408 professores) com
2017 (414 professores), verifica-se que houve, nesse interstício, um
aumento de apenas seis professores de Física no Piauí.
Após analisar a titulação dos professores de Física do ano de
2008 (Tabela 3), foi realizado o mesmo procedimento em relação
a 2017, a partir da Tabela 4, almejando avaliar se houve melhoria no
formação continuada do professores com formação adequada para
ministrar as turmas de Física, mensurada pela titulação dos profes-
sores por dependência administrativa.
Em 2017, dos 414 professores de Física, 56,3% tinham apenas
graduação; 37,7%, especialização; 6%, mestrado. Também não foram
registrados docentes com doutorado em 2017. Inferiu-se um cres-
cimento significativo de professores com especialização (37,7%) em
todas as redes de ensino, e uma consequente redução no percentual
de professores com graduação, uma vez que em 2008, a maioria de-
les possuía apenas graduação (83,8%), e nove anos depois (2017), o
percentual de professores de Física com graduação caiu para 56,3%,
implicando, consequentemente, o aumento de professores com
especialização e mestrado no Piauí atuando em turmas de Física no
ensino médio.
Essa ampliação do número de professores com especialização
e mestrado tem reflexos positivos na qualidade das aulas e, por conse-
guinte, em ganhos remuneratórios para os professores, em função dos
planos de carreira que reconhecem a titulação como um valor, impac-
tando financeiramente na rede de ensino em que o professor atua.
Esses resultados mostram que a Meta 16 do PNE, que busca
garantir a todos os profissionais de educação básica formação con-
tinuada em sua área de atuação e formação, em nível de pós-gradua-
ção, alcançando 50% dos professores da educação básica, até 2024,
apesar de conquistar avanços, ainda tem um caminho de desafios
pela frente para a sua completa execução (BRASIL, 2014).
Finalmente, um resultado surpreendente é que foram encon-
trados 567 profissionais, representando 13,3% do total de docentes

387
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

de Física, que não se enquadravam como graduado, especialista,


mestre ou doutor, ou seja, hipoteticamente, pode-se dizer que ainda
há docentes de Física que possuem somente o ensino médio/magis-
tério no estado do Piauí.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os números da pesquisa revelaram que houve avanço signifi-


cativo no número de docentes com Licenciatura em Física. Em uma
comparação entre os anos de 2008, início do Reuni, e 2017, conce-
beu-se que esse avanço ainda se mostra distante da meta proposta
no PNE e da exigência da LDB que as redes de ensino tenham em
seus quadros professores com Licenciatura em sua área de atuação.
Em relação à formação continuada dos professores, tendo
em vista o período analisado (2008 e 2017), constatou-se que houve
melhoria significativa na titulação dos professores que atuavam no
ensino médio no Piauí ministrando a disciplina Física, ficando patente
o crescimento no percentual de professores com especialização e
mestrado, com impacto na redução de docentes com graduação que
atuavam nas turmas de Física no ensino médio no ano de 2017, último
do período analisado. Esse crescimento deve impactar, inclusive, a
qualidade das aulas e os ganhos remuneratórios para os professores,
em função dos planos de carreira que reconhecem a titulação como
um valor, interferindo financeiramente na rede de ensino em que o
professor atua.
Esses resultados, apesar dos avanços em relação ao atendi-
mento da Meta 16 do PNE, demonstram que ainda existe um caminho
de desafios pela frente, visando ao alcance dessa meta do PNE.
Um resultado que ainda surpreende é que foram encontrados
567 profissionais, representando 13,3% do total de docentes de Fí-
sica, que não se enquadravam como graduado, especialista, mestre
ou doutor, podendo-se dizer que ainda há docentes de Física que
contam somente com o ensino médio/magistério no estado do Piauí.

388
O PERFIL FORMATIVO DOS PROFESSORES DE FÍSICA NO PIAUÍ:
UM ESTUDO COMPARATIVO E OS AVANÇOS NA QUALIDADE

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389
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

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REUNI. Reestruturação e Expansão das Universidades Federais. Diretrizes Ge-
rais. Brasília, 2007. Disponível em: http://www.reuni.ufscar.br/diretrizes-reuni.
Acesso em: 12 abr. 2019.

390
O PERFIL FORMATIVO DOS PROFESSORES DE FÍSICA NO PIAUÍ:
UM ESTUDO COMPARATIVO E OS AVANÇOS NA QUALIDADE

RODRIGUES, Sandra Regina de Moraes Cunha. O perfil formativo de professo-


res da educação infantil: compatibilidade entre a formação e a exigência da
função docente. 2020. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade
Federal do Piauí, Teresina, 2020.
SOUSA NETO, Marcelo. O impacto do FUNDEF no atendimento ao aluno do
ensino fundamental da rede estadual de educação em Teresina (1996-2002):
conquistas, limites e potencialidades. (Mestrado em Educação) – Centro de
Ciências da Educação da Universidade Federal do Piauí, Teresina, 2003.
TEIXEIRA, Adla Betsaida Martins; DE ALMEIDA FREITAS, Marcel. Mulheres
cientistas nos Cursos de Física e de Educação Física na Universidade Federal
de Minas Gerais. Instrumento-Revista de Estudo e Pesquisa em Educação, v.
18, n. 1, 2016.

391
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

392
POLÍTICA EDUCACIONAL:
interesses de pesquisa na formação inicial de
professores no Curso de Pedagogia da UFPI

Maria do Socorro Soares


Maria Deuseny Pereira Oliveira
Ednilson da Silva Cronemberger

1 INTRODUÇÃO

A formação de professores para a educação básica, categoria


amplamente investigada no campo da educação, continua a pautar
debates públicos da ordem do dia, dada a sua complexidade, sobre-
tudo, enquanto política pública que divide interesses de múltiplos
âmbitos – político, cultural, econômico.
É nesse nível de formação acadêmica, a graduação, que
situamos questões que deram origem a duas pesquisas de inicia-
ção cientifica, realizadas entre agosto de 2018 e julho de 2019, na
Universidade Federal do Piauí (UFPI), com o entendimento de que “a
pesquisa, o ensino e a extensão são indissociáveis na universidade
e, por isso mesmo, as três funções são institucionais no seu todo
e, como funções permanentes, devem estar presentes no conjunto
universitário” (CURY, 2004, p. 778).
Acredita-se, pois, que a iniciação à pesquisa na graduação
faculta o desenvolvimento do senso crítico e de uma postura inves-
tigativa frente à realidade, necessária à atuação do futuro professor,
também na educação básica, espaço demasiadamente necessitado
de uma intervenção profissional qualificada, enquanto recurso de
enfrentamento da barbárie que se vem instalando na educação
(CÁSSIO, 2019).

393
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

Desta feita, associamo-nos aos interesses de uma pesquisa


nacional sobre a produção acadêmica na área de políticas educacio-
nais no Brasil (SILVA; JACOMINI, 2019), a qual deu esteio à proposição
de projetos de pesquisa também no âmbito do Núcleo de Estudos
e Pesquisas em Políticas e Gestão da Educação da UFPI (NUPPE-
GE), entre os quais, aquele intitulado Questões epistemológicas e
metodológicas da produção acadêmica em políticas educacionais:
a constituição do campo na UFPI, composto por dois planos de
trabalhos desenvolvidos na modalidade de Iniciação Científica (IC),
com o intuito de analisar a produção sobre política educacional em
duas bases bibliográficas distintas, a saber: textos de Trabalhos de
Conclusão de Curso (TCC) apresentados no Curso de Pedagogia da
UFPI, Campus de Teresina, no período de 2000 a 2010; e textos de
autoria de estudantes e/ou egressos da UFPI, apresentados no I, II e III
Seminários de Administração da Educação, ocorridos em 2010, 2013
e 2016, respectivamente.
O Seminário Nacional de Administração Educacional (SNAE)
vem sendo realizado pela UFPI com o escopo de contribuir para a am-
pliação dos espaços de estudos, produção e socialização de conheci-
mentos no campo das políticas de educação, em torno do que reúne
pesquisadores e estudiosos, de modo a colaborar para a atualização,
difusão e socialização de conhecimentos produzidos na área.
Do mesmo modo, o SNAE contribui para o desenvolvimento
da formação acadêmica e para o fortalecimento da participação
de pessoas com atuação tanto do campo das organizações sociais
populares quanto diretamente nos sistemas de educação – munici-
pal, estadual e federal – e de escolas públicas cuja influência, quiçá,
coincida com a melhoria da qualidade da educação pública.
A princípio e por dedução, o conhecimento propalado nos
textos objetos das pesquisas referidas tem influência dos estudos
realizados em disciplinas do currículo de graduação. No caso da
composição curricular do Curso de Pedagogia da UFPI/ Campus
sede, a área de fundamentos políticos e administrativos da educação

394
POLÍTICA EDUCACIONAL: INTERESSES DE PESQUISA NA FORMAÇÃO
INICIAL DE PROFESSORES NO CURSO DE PEDAGOGIA DA UFPI

apresenta um movimento de ampliação de disciplinas e, consequen-


temente, da carga horária, entre 1975 e 2002, correspondente ao
período entre a criação do curso e a segunda reformulação curricular
dele, respectivamente. A partir de 2009, a tendência inverteu-se, e
a área de política educacional no currículo passou a ter redução, em
relação às disciplinas ofertadas e à carga horária correspondente
(SOARES, 2016).
Esse movimento, que resulta de um processo mais amplo, no
que alude às reformas educacionais, sugeriu questões formuladas
para as pesquisas de IC suprareferidas, quais sejam: como se ca-
racteriza a produção em política educacional, na UFPI, e mais espe-
cificamente, no curso de formação de professores/Pedagogia e no
Seminário Nacional de Administração Educacional?
Os procedimentos das investigações fundaram-se no interesse
pela compreensão do “[...] universo dos significados, dos motivos, das
aspirações [...]” (MINAYO, 2007, p. 21), tecidos nos textos analisados,
em base essencialmente documental, “[...] com o objetivo de extrair
informações em fontes primárias” e de natureza exploratória, enquanto
“[...] um primeiro passo para a realização de uma pesquisa mais apro-
fundada” (OLIVEIRA, 2013, p. 31-32; 65). Para a organização, interpreta-
ção e análise dos dados, tomamos por base referenciais a análise de
conteúdo (BARDIN, 2011), interpretada também por Franco (2018).
A base de dados das pesquisas constituiu-se, portanto, dos
textos de TCC já referidos, dos livros de programações e resumos, e
dos Anais do I, II e III SNAE, realizados na UFPI, entre 2010 e 2016.
No conjunto dos três livros de programas e resumos dos se-
minários publicados, foram identificados um total de 232 trabalhos,
dos quais 103 são de autoria de estudantes e/ou egressos da UFPI.
No entanto, desse último conjunto, somente 86 trabalhos estão re-
lacionados a temas de políticas educacionais. Por sua vez, os textos
de TCC apresentados ao Curso de Pedagogia, no período de 2000
a 2010, disponíveis na biblioteca setorial da UFPI/CCE até a data da
busca realizada em função da pesquisa/IC, somam um total de 192

395
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

textos, dos quais 41 tratam de temáticas relacionadas ao campo das


políticas educacionais
Portanto, somam-se 127 textos classificados com base em
uma proposta apresentada por Bello, Jacomini e Minhoto (2014), ao
definirem eixos temáticos para análise das pesquisas em políticas
educacionais, como segue: organização da educação, planejamento
da educação, administração da educação, gestão da educação; ava-
liação em larga escala e avaliação institucional; qualidade da educa-
ção, qualidade de ensino; estado e reformas educacionais; políticas
de formação de professor, carreira docente; financiamento da edu-
cação, controle social do financiamento da educação; abordagens
teórico-metodológicas em pesquisas sobre políticas educacionais;
análise e avaliação de programas e projetos no campo educacional;
políticas inclusivas.
Nessa lógica, buscamos aporte para a compreensão do ob-
jeto das pesquisas em consonância com as temáticas. Assim, sobre
política educacional, o interesse volta-se à investigação em autores
como Azevedo e Aguiar (2001), Mainardes (2009); Bello, Jacomini e
Minhoto (2014); e Souza (2016). Sobre produção acadêmica e iniciação
à pesquisa, como recursos de qualificação da formação inicial em nível
de graduação, recorremos a Pinho (2019), Bridi (2011) e Cury (2004).
Na sequência do texto, apontaremos as contribuições das
leituras realizadas em função das aprendizagens e do alcance dos
objetivos das investigações.

2 PESQUISA COMO PRINCÍPIO DE FORMAÇÃO

Vislumbrando as novas abordagens no campo da educação


e, mais precisamente, da formação de professores, há uma que se
refere à pesquisa como princípio educativo presente, inclusive, como
conteúdo de diretrizes curriculares para a formação de professores
em nível de graduação, ou seja, licenciatura. Práticas de iniciação à
pesquisa na graduação, desse modo, são estimuladas no ambiente

396
POLÍTICA EDUCACIONAL: INTERESSES DE PESQUISA NA FORMAÇÃO
INICIAL DE PROFESSORES NO CURSO DE PEDAGOGIA DA UFPI

dos cursos de formação inicial e apoiadas, em alguma medida, por


programas de fomento à pesquisa, a exemplo do Conselho Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Em 1988, o CNPq, agência mantida pelo governo brasileiro
e que possibilita o financiamento de projetos de pesquisa, criou o
Programa de Iniciação Cientifica (Pibic), que visa a apoiar a pesquisa
por meio de concessão bolsas de IC a estudantes de graduação no
ensino superior.
Segundo Pinho (2017, p. 4),

no Brasil, dada a trajetória de investimentos em estudos


e pesquisas por parte das agências financiadoras, desde
a década de 1950, é possível perceber que a participa-
ção dos alunos da graduação ainda era bastante tímida
até os anos 2000. A inserção nos programas de Iniciação
Científica pode ser considerada um ponto estratégico
deste programa, no recrutamento de novos talentos para
a produção de ciência, tecnologia e inovação no País.

Em sintonia com o raciocínio acima, Bridi (2011, p. 01) refere-se


à IC como algo que “[...] insere os alunos de graduação na realização
de pesquisas científicas, tal atividade é considerada na literatura
como um espaço de formação geral, acadêmica e profissional do
universitário”. Práticas de IC, nessa perspectiva, ampliam as possibi-
lidades de formação do graduando.
Partindo desse entendimento, assimila-se que a iniciação à
pesquisa integra os propósitos de formação nos cursos de gradu-
ação. Nessa mesma direção, o Projeto Político Pedagógico do Curso
de Pedagogia da UFPI/Campus de Teresina, refere-se ao TCC, nos
termos a seguir:

o TCC resulta de pesquisa e é elaborado pelo aluno, sob


a orientação de um professor do curso e/ou docente da
UFPI, tendo como objeto a produção acadêmica que deve
expressar as aprendizagens e habilidades desenvolvidas no
seu campo de atuação profissional, bem como os conheci-

397
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

mentos produzidos no decorrer do curso (PPP DO CURSO


DE PEDAGOGIA DA UFPI CAMPUS DE TERESINA, 2018).

Como componente curricular obrigatório, o TCC representa


outra estratégia de iniciação à pesquisa, pois favorece experiências
relacionadas à investigação, ou seja, à vivência de dinâmicas que re-
querem o desenvolvimento de capacidades relacionadas à busca e/ou
produção de informações, bem como seleção, categorização e análise
de dados e, ainda, sistematização dos conhecimentos produzidos.
Ainda que o graduando não tenha, necessariamente, realizado
IC, o TCC faculta a inserção dele na cultura investigativa, da pesquisa,
do que resulta a produção de conhecimento acadêmico nas mais di-
ferentes áreas do conhecimento, incluindo aquela referente à política
educacional.

3 PESQUISA EM POLÍTICA EDUCACIONAL: UM CAMPO EM


CONSTRUÇÃO

O campo de pesquisas em política educacional é ainda con-


temporâneo no Brasil. Em Oliveira (2010), encontramos, por exemplo,
um esforço de definição da categoria política educacional, assim
como em Souza (2016), cujo empenho se deu no sentido de definir
os objetos de estudo desse campo de conhecimento.
Por sua vez, Bello, Jacomini e Minhoto (2014) desenvolveram
estudo com o fim de analisar a produção acadêmica da área, no que
diz respeito a programas de pós-graduação no Brasil, no período
e 2000 a 2010, de modo que a leitura desses textos, assim como
a participação em eventos da área, tem estimulado iniciativas de
pesquisas acadêmicas promovendo a ampliação da produção e a
disseminação de conhecimentos acerca das políticas de educação.
A educação formal constitui um direito constitucional cuja
garantia se dá no campo da oferta de políticas públicas educacionais
que compreendem, além do acesso e da permanência, a qualidade
da educação, associando-se, entre outros, a aspectos como o provi-

398
POLÍTICA EDUCACIONAL: INTERESSES DE PESQUISA NA FORMAÇÃO
INICIAL DE PROFESSORES NO CURSO DE PEDAGOGIA DA UFPI

mento de equipamentos públicos, a exemplo das escolas, a formação


inicial e continuada de profissionais da educação, as políticas de
financiamento e de apoio aos estudantes, entre outros.
Para Souza (2016, p. 77),

a discussão sobre as políticas educacionais e os conflitos


subjacentes oportuniza e amplia as condições de se
avaliar a ação, os produtos e os impactos das políticas
educacionais e, especialmente, de se reconhecer que isto
tudo tem uma intimidade marcante com a luta pelo poder.

Corroboramos o autor no que tange ao fato de que os estu-


dos no campo das políticas educacionais devem ser, efetivamente,
compreendidos como um direito de todos, e cujas demandas são
tomadas como objetos de estudos e pesquisas acadêmicas em
perspectiva de apropriação de conhecimentos necessárias à con-
quista e às garantias sociais no campo da educação, assim como da
apropriação de conhecimentos a respeito da produção do próprio
saber em área específica das políticas educacionais.
O debate sobre as políticas educacionais é tão polêmico
quanto importante, e no Brasil, até o presente, são ainda raros os tra-
balhos que se propuseram a discutir a abordagem metodológica para
a pesquisa sobre políticas públicas nessa área (MAINARDES, 2009).
No entanto, impende reconhecer os esforços de produção na área,
como referem Azevedo e Aguiar (2001), assim como a diversidade de
espaços nos quais tais debates se produzem.
Isso posto, o evento SNAE, que tem sido promovido pela UFPI/
Campus de Teresina-PI, sob a coordenação do NUPPEGE, é reputado
como um desses espaços de discussão e socialização da produção
nessa área. Até a realização das pesquisas de IC, aqui tratadas, já
haviam sido realizadas três edições do evento, em 2010, 2013 e 2016,
com os temas: Reforma do Estado e políticas educacionais: o púbico
e o privado em questão e Encontro Estadual da Associação Nacional
de Política e Administração da Educação (ANPAE); O Plano Nacional
de Educação, o regime de colaboração e os desafios para gestão

399
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

educacional; e a gestão da política nacional de educação: desafios


contemporâneos para a garantia do direito à educação.
Na sequência, apresentaremos os dados produzidos a partir
de registros daquele espaço de qualificação da formação própria da
finalidade do ensino superior que, de acordo com Cury (2004, p. 778),
“[...] cumpre importante função estratégica para o desenvolvimento do
país, das instituições e das pessoas”. Para o susodito autor, “a gradu-
ação e a pós-graduação são âmbitos específicos do ensino superior,
devendo cumprir finalidades próprias e complementares”, enfatiza.

4 PRODUÇÃO EM POLÍTICA EDUCACIONAL NA UFPI

O NUPPEGE/UFPI, aberto à participação de docentes e discen-


tes da graduação e da pós-graduação, tanto da UFPI quanto de outras
Instituições de Ensino Superior, além de pesquisadores, professores
da educação básica, da rede estadual e municipal de educação, de
Teresina e outros municípios, tem contribuído determinantemente
para a formação de pesquisadores nesse campo específico de co-
nhecimento no estado do Piauí.
Por cúmulo, o SNAE, incorporado ao Encontro Estadual da As-
sociação Nacional de Política e Administração da Educação/ANPAE, é
uma das ações coordenadas pelo NUPPEGE com fins de fortalecimen-
to dos núcleos de pesquisa e da rede de pesquisadores nordestinos
da área de política e gestão da educação, do debate e da troca de
experiências entre pesquisadores, gestores e professores das esco-
las públicas e de estruturação da ANPAE regional Piauí (PROJETO DO
III SNAE, NUPEGGE/UFPI, 2015).
A estrutura organizativa do SNE inclui a definição de Grupos
de Trabalho (GTs) que servem como apoio prévio à realização de
inscrições, uma referência para a organização dos espaços de rea-
lização das atividades acadêmicas durante a promoção do evento,
assim como à sistematização da produção intelectual resultante.

400
POLÍTICA EDUCACIONAL: INTERESSES DE PESQUISA NA FORMAÇÃO
INICIAL DE PROFESSORES NO CURSO DE PEDAGOGIA DA UFPI

Os dados apresentados no Quadro 1 ilustram que as configu-


rações dos GT’s se modificaram ao longo das edições do SNAE.

Quadro 1 – Temas e denominação dos Grupos de Trabalhos (GT’s) do SNAE (2010,


2013, 2016)
Seminário Nacional de Administração Educacional
2010 2013 2016
Tema: a Reforma do Estado Tema: O Plano Nacional de Tema: A gestão da política na-
e Políticas Educacionais: Educação, o regime de cola- cional de educação: desafios
O púbico e o privado em boração e os desafios para contemporâneos para a ga-
questão e Encontro Estadu- gestão educacional rantia do direito à educação.
al da Associação Nacional
de Política e Administração
da Educação (ANPAE)
GT-1 Política para Educação GT-1 Política para Educação GT-1 Política e gestão da edu-
Básica: Infantil, Fundamen- Básica: Infantil, Fundamental e cação básica
tal e Média Média GT-2 Política e gestão da Edu-
GT2 Política de Valorização GT-2 Política de Valorização cação Superior
dos Trabalhadores da Edu- dos Trabalhadores da Educa- GT-3 Políticas e práticas de
cação ção formação dos docentes e diri-
GT-3 Políticas de formação GT-3 Políticas de formação de gentes escolares
de Professores Professores GT-4 Planejamento da Educa-
GT-4 Política de Financia- GT4 - Política de Financiamen- ção, cooperação federativa e
mento da Educação to da Educação regime de colaboração entre
GT-5 Políticas para Educa- GT5 - Políticas para Educação sistemas na educação
ção Superior Superior GT-5 Políticas Públicas e Fi-
GT-6 Políticas de Inclusão GT6 - Políticas de Gestão Edu- nanciamento da Educação
Educacional: Educação es- cacional GT-6 Gestão pedagógica, or-
pecial, Diversidade Sexual, GT7- Políticas de Inclusão Edu- ganização curricular e qualida-
Diversidade Étnico-Racial, cacional: Educação especial, de da educação
Educação Infantil, Educação Diversidade Sexual, Diversida- GT-7 Educação e direitos hu-
de Jovens e Adultos de Étnico-Racial, Educação do manos, diversidade cultural e
Campo, Educação de Jovens e inclusão social
Adultos GT-8 Regulação, avaliação e
qualidade da educação: agen-
das e realidades locais.
Fonte: dados da pesquisa (2019).

De acordo com os dados desvelados no Quadro 1, o SNAE,


nas três primeiras edições, colocou em pauta temas mobilizadores
do debate político hodierno em torno da educação, quais sejam: as
tensões entre o público e o privado; o PNE; o regime de colaboração;
as tendências de gestão; a garantia do direito a educação pública,
gratuita e de qualidade, entre outros.
Em relação à denominação dos GTs, constata-se que a pro-
posta do primeiro SNAE (2010) contemplou, além dos níveis e seg-

401
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

mentos da educação, as políticas de valorização dos profissionais da


educação, incluindo as de formação, financiamento e inclusão. Por
conseguinte, essas temáticas (GTs) foram mantidas nas outras duas
edições do evento, com o acréscimo da temática Políticas de gestão
– GT 06, em 2013.
Em 2016, as temáticas acrescidas dizem respeito às Políticas
de planejamento da educação, cooperação federativa e regime de
colaboração entre sistemas na educação (GT 4 – 2016); Gestão pe-
dagógica, organização curricular e qualidade da educação (GT 6); e
Regulação, avaliação e qualidade da educação: agendas e realidades
locais (GT 8).
Compreendemos, portanto, que o aumento quantitativo dos
GTs e as respectivas denominações tem relação direta com a ne-
cessidade de alcançar, no âmbito do evento, a ampliação do debate
em torno de importantes questões educacionais, que são igualmente
objetos de estudos e pesquisas na área de política educacional.
O Quadro 2 apresenta dados referentes à produção acadêmi-
ca de estudantes e egressos da UFPI, no tocante ao SNAE, em suas
três primeiras edições.

Quadro 2 – Trabalhos de autoria de estudantes e egressos da UFPI


Autoria de
Total de traba-
Ano de reali- estudantes
Evento lhos apresen- %
zação e egressos
tados
da UFPI

I Seminário Nacional de Administração Educacional 2010 76 22 28,9%

II Seminário Nacional de Administração Educacional 2013 36 22 61,1%


III Seminário Nacional de Administração Educacional 2016 120 59 49,17%
Total 232 103
Fonte: dados da pesquisa (2019).

Os registros do I, II e III SNAE dão conta de um total de 232


trabalhos publicados, dos quais 103 foram produzidos por egressos/
estudantes da UFPI, e 129 por autores de outras instituições e/ou de
instituições não identificadas nos resumos. De acordo com os dados

402
POLÍTICA EDUCACIONAL: INTERESSES DE PESQUISA NA FORMAÇÃO
INICIAL DE PROFESSORES NO CURSO DE PEDAGOGIA DA UFPI

apresentados, constata-se o crescimento no número de trabalhos


apresentados na área de política educacional na UFPI, no SNAE, entre
os anos 2010 e 2016, correspondentes ao intervalo entre as três pri-
meiras edições do evento.
Além disso, embora em 2010 e 2013, a quantidade de trabalhos
apresentados por estudantes e egressos da UFPI seja a mesma, ou seja,
22 textos, o acréscimo na produção pode ser identificado se compara-
dos os percentuais deles em relação ao total dos trabalhos apresenta-
dos nas edições do evento, 28,9% e 61,1%. Em 2016, a soma dos trabalhos
apresentados supera a dos dois primeiros seminários, juntos.
Aliás, esse acréscimo substancial de trabalhos apresentados no
III SNAE pode ser resultado da participação de cursistas do Programa
de Apoio aos Dirigentes Municipais de Educação (Pradime), iniciativa
do Ministério da Educação (MEC), por intermédio da Secretaria de
Educação Básica (SEB), em parceria com a União dos Dirigentes Muni-
cipais de Educação (Undime) e as Instituições Federais de Ensino Su-
perior (Ifes), para dar suporte aos dirigentes municipais nessa missão.
No Piauí, o programa foi desenvolvido mediante curso de ex-
tensão, aperfeiçoamento, totalizando 180 horas, finalizando-se com a
apresentação de TCC dos cursistas no III SNAE, em 2016.

Quadro 3 – Quantitativo de trabalhos por eixos temáticos na área de política educacional


Quant.
EIXOS DA PESQUISA NACIONAL de tra- %
balhos
Eixo 1: Organização da educação, planejamento da educação, administração da edu-
34 40
cação, gestão da educação
Eixo 5: Políticas de Formação de professor, carreira docente 19 22
Eixo 9: Políticas inclusivas 11 13
Eixo 6: Financiamento da educação 6 7
Eixo 4: Estado e Reformas educacionais 5 6
Eixo 8: Análise e avaliação de Programas e projetos 5 5
Eixo 2: Avaliação em larga escala e avaliação institucional 4 5
Eixo 3: Qualidade da educação, qualidade de ensino 2 2
Eixo 7: Abordagens teórico-metodológicas 0 0
Total 86 100
Fonte: dados da pesquisa (2019).

403
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

Conforme exposto pelos dados, os eixos 1, 5 e 9, que tratam,


respectivamente, dos temas: Organização da educação, planejamen-
to da educação, administração da educação, gestão da educação;
Políticas de formação de professores, carreira docente; e Políticas
inclusivas, concentram o maior número de trabalhos, representan-
do, juntos, 75% dos textos analisados.
Ainda sobre esse grupo de trabalhos, salienta-se o fato de o
Eixo 1 – Organização da educação, planejamento da educação, ad-
ministração da educação, gestão da educação receber quantidade
maior que a soma dos eixos 5 e 9
Na sequência, os temas: Financiamento da educação; Estados
e reformas educacionais; Análise e avaliação de programas e pro-
jetos; Avaliação em larga escala e avaliação institucional, recebem,
juntos, o correspondente a 25% dos trabalhos apresentados. O Eixo
7 – Abordagens teórico-metodológicas, não recebeu trabalhos.
O mesmo recurso de classificação dos textos foi utilizado para
a base de dados produzida a partir dos TCC do Curso de Pedagogia
da UFPI/ Campus de Teresina, no período de 2000 a 2010. O Quadro
4 mostra a classificação deles.

Quadro 4 – Classificação dos trabalhos por eixos temáticos na área de política


educacional
Quantidade
Eixos da pesquisa nacional %
de trabalhos
Eixo 1: Organização da educação, planejamento da educação, administração da
14 34,15%
educação, gestão da educação
Eixo 5: Políticas de Formação de professor, carreira docente 6 14,63%
Eixo 9: Políticas inclusivas 6 14,63%
Eixo 3: Qualidade da educação, qualidade de ensino 5 12,19%
Eixo 8: Análise e avaliação de programas e projetos 4 9,76%
Eixo 4: Estado e Reformas educacionais 3 7,32%
Eixo 6: Financiamento da educação 2 4,88%
Eixo 2: Avaliação em larga escala e avaliação institucional 1 2,44%
Eixo 7: Abordagens teórico-metodológicas 0 0
Total 41 100%
Fonte: dados pesquisa (2019).

404
POLÍTICA EDUCACIONAL: INTERESSES DE PESQUISA NA FORMAÇÃO
INICIAL DE PROFESSORES NO CURSO DE PEDAGOGIA DA UFPI

Também os temas: Organização da educação, planejamento


da educação, administração da educação, gestão da educação;
Políticas de Formação de professor, carreira docente; e, Políticas in-
clusivas, correspondentes aos eixos 1, 5 e 9, somam, juntos, a 63,41%
dos textos.
Os demais temas: Qualidade da educação, qualidade de en-
sino; Análise e avaliação de programas e projetos; Estado e reformas
educacionais; Financiamento da educação; Avaliação em larga escala
e avaliação institucional, referentes aos Eixos 3, 8, 4, 6 e 2, recebem,
juntos, 36,59% dos textos. Igualmente nessa base de dados, o Eixo 7,
Abordagens teórico-metodológicas, não recebe trabalhos.
O Quadro 5 apresenta o pareamento dos dados produzidos
em ambas as pesquisas, com o fim de análise do conjunto da pro-
dução.

Quadro 5 – Pareamento dos dados em ambas as bases: TCC e SNAE


TCC SNAE
Eixos da pesquisa nacional Quant. Quant Total %
textos .textos

Eixo 1: Organização da educação, planejamento da educação, ad-


14 34 48 37,8%
ministração da educação, gestão da educação

Eixo 5: Políticas de formação de professor, carreira docente 6 19 25 19,7%

Eixo 9: Políticas inclusivas 6 11 17 13,4%


Eixo 6: Financiamento da educação 2 6 08 6,3%
Eixo 8: Análise e avaliação de programas e projetos 4 5 09 7,1%
Eixo 4: Estado e Reformas educacionais 3 5 08 6,3%
Eixo 2: Avaliação em larga escala e avaliação institucional 1 4 05 3,9%
Eixo 3: Qualidade da educação, qualidade de ensino 5 2 07 5,5%
Eixo 7: Abordagens teórico-metodológicas 0 0 0 0%
Total 41 86 127 100%
Fonte: Relatórios das pesquisas IC (OLIVEIRA, 2019; CRONEMBERGER, 2019).

O conjunto da base de dados analisados soma 127 textos,


que tratam de temas relativos às políticas educacionais. Quando
organizados e classificados nos eixos já apresentados, fica evidente

405
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

o pareamento dos Eixos 1, 5, 9 e 7 entre as duas pesquisas, no que se


refere à quantidade decrescente de textos que os compõem.
Há uma patente concentração de textos no Eixo 1, relacionado
aos descritores: Organização da educação, planejamento da educa-
ção, administração da educação, gestão da educação, com 37,8%,
equivalente a 48 textos. Na sequência, o Eixo 5, referente aos descri-
tores Políticas de formação de professor, carreira docente, aparece
com 19,7%, correspondente a 25 textos. O Eixo 9, alusivo a Políticas
inclusivas, com 17 textos, correspondente a 13,4% do total. Por fim, o
Eixo 7, sem qualquer trabalho. Os demais Eixos: 8, 6, 4, 3, 1, recebem
quantidade de textos variada, mas em uma relação decrescente, os
temas aparecem na seguinte ordem: Análise e avaliação de progra-
mas e projetos, 9 textos (13,4%); Financiamento da educação, 8 textos
(6,3%); Estado e reformas educacionais, 8 textos (6,3%); Qualidade
da educação, qualidade do ensino, 7 textos (5,5%); e Avaliação em
larga escala e avaliação educacional, 5 textos (3,9%).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O recorte de tempo coberto pelas pesquisas de IC apresen-


tadas neste texto compreende dezesseis anos, ou seja, de 2000 a
2016. Nesse interstício, o Curso de Pedagogia da UFPI/Campus de Te-
resina passou por duas reformulações, em 2002 e 2009. Na primeira,
a tendência mais evidente foi aquela de ampliação das disciplinas
que compõem a área de Fundamentos políticos e administrativos da
educação, e respectiva carga horária, que passou de 315h/a, em 1983,
para 570h/a em 2002, sob a justificativa de prover a formação de um
profissional cônscio em relação aos problemas sociais e da respon-
sabilidade de atuação em diversos níveis dos sistemas educacionais.
Contudo, em 2009, assistiu-se à redução dessa mesma
área para 300h/a, com a justificativa de atendimento às diretrizes
curriculares nacionais para a formação de professores, em nível de

406
POLÍTICA EDUCACIONAL: INTERESSES DE PESQUISA NA FORMAÇÃO
INICIAL DE PROFESSORES NO CURSO DE PEDAGOGIA DA UFPI

graduação, as quais dão ênfase à formação para a gestão e para a


ampliação do campo de atuação de egressos do curso de pedagogia.
Desse modo, atina-se para a necessidade redistribuir os es-
paços do currículo visando a inclusão de novas disciplinas, de modo
que se pudesse corroborar a proposta. Essa movimentação curricu-
lar, que foi analisada por Soares (2016), tem ressonância na produção
em política educacional nos anos subsequentes às reformulações,
a exemplo da predominância de trabalhos na área da gestão e de
funções do pedagogo.
Além dessas, outras características e tendências podem ser
identificadas como consequência de análises dos dados trazidos
pelas pesquisas em política educacional, na graduação, no campo
da UFPI.

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407
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

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408
PARTE 5

POLÍTICAS, GESTÃO E
FINANCIAMENTO DA
EDUCAÇÃO
O PRINCÍPIO DA COLABORAÇÃO NAS
RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS EM
PROGRAMA DE EDUCAÇÃO INTEGRAL EM
TEMPO INTEGRAL

Valdeney Lima da Costa

1 INTRODUÇÃO

Para além de questões conceituais, o debate sobre a educação


integral em tempo integral pode ser problematizado a partir de ques-
tões educacionais mais amplas. Sendo assim, temas que integram
o campo político-administrativo, como federalismo, municipalização,
sistema nacional de educação, financiamento, regime de colabora-
ção, necessitam de aprofundamento por parte dos pesquisadores,
em seus estudos sobre a predita temática.
Ciente da complexidade inerente às questões que envolvem
as relações tecidas entre a União e as instâncias subnacionais no
desenvolvimento de políticas públicas educacionais, direcionamos
nossas reflexões, neste capítulo, para problematizar o princípio da
colaboração nas relações intergovernamentais em educação, espe-
cificamente no que se refere à educação integral em tempo integral.
Como parte importante dessa questão, ressaltamos a não re-
gulamentação - até o momento da escrita desse texto- do regime de
colaboração ou mesmo a institucionalização do Sistema Nacional de
Educação (SNE), na perspectiva de que as instâncias governamentais
possam cumprir legalmente suas responsabilidades educacionais,
entre outras atribuições.
No desenvolvimento teórico-metodológico deste estudo,
utilizamos como referencial teórico os estudos de Coelho (2009,
2014, 2016), Silva e Silva (2013), Maurício (2016), Mol (2013, 2014), que

411
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

discutem a educação integral em tempo integral; Araújo (2012, 2013),


Sena (2018), que abordam o princípio da colaboração nas relações
intergovernamentais, na área da educação.
Por cúmulo, na incursão teórica aqui realizada, consideramos
o movimento de correlação de forças entre setores ligados ao poder
público estatal e segmentos ligados à sociedade civil, na tentativa
de regulamentação do regime de colaboração em educação pela via
da legislação complementar, por um lado ou, por outro, pela via da
materialização de práticas de gestão intermunicipal que se autode-
nominam regimes de colaboração, a exemplo dos Arranjos de De-
senvolvimento da Educação (ADEs), encaminhados por organismos
privados da sociedade civil.
Além de uma revisão bibliográfica, entabulamos um estudo
documental, baseado nos cadernos de apresentação (cadernos pe-
dagógicos) e operacionalização (manuais operacionais) do Programa
Mais Educação, iniciativa federal desenvolvida entre os anos de 2007
a 2016 com o objetivo de fomentar a educação integral em escolas
públicas do País.
Dessa forma, organizamos este capítulo em quatro seções.
Na introdução, apresentam-se o tema, a justificativa, o objetivo e os
aspectos teóricos- metodológicos do estudo. No primeiro tópico do
desenvolvimento, tratamos do regime/formas de colaboração nas
relações intergovernamentais, no âmbito do federalismo brasileiro.
No segundo, delineamos uma síntese das principais discussões
acerca da educação integral em tempo integral. Na terceira seção,
dedicamo-nos à descrição das formas de colaboração nas relações
intergovernamentais, no âmbito do Programa Mais Educação. Fina-
lizamos com as considerações, quando evidenciamos as reflexões
estabelecidas a partir deste estudo.

412
O PRINCÍPIO DA COLABORAÇÃO NAS RELAÇÕES
INTERGOVERNAMENTAIS EM PROGRAMA DE EDUCAÇÃO INTEGRAL EM TEMPO INTEGRAL

2 RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS, REGIME/FORMAS DE


COLABORAÇÃO

A compreensão sobre a questão federativa é importante na


problematização das relações intergovernamentais e de suas impli-
cações na área da educação. Ao pensar sobre o federalismo, Araújo
(2013) compreende-o como uma organização política e territorial do
poder, fundamentada na duplicidade de soberania entre os entes
federados e o governo central. Para a susodita autora, os diferentes
contextos históricos do federalismo ensejaram diversos sentidos
atribuídos a ele, de modo que ao menos três tipologias são identi-
ficáveis, no âmbito das relações intergovernamentais entre os entes
federados: o federalismo dual; o centralizado; e o cooperativo.
No primeiro tipo – específico do modelo norte americano –,
vigora a coexistência de poderes (central e subnacionais) em prol
de objetivos comuns. Já no segundo, o poder concentra-se na ins-
tituição central; enquanto no terceiro, busca-se a integração entre
os poderes dos entes federados, por meio do estabelecimento de
competências ou da divisão de responsabilidades.
No Brasil, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu as bases
do regime federativo atualmente vigente, na medida em que definiu
o princípio da cooperação nas relações intergovernamentais entre
União, estados, Distrito Federal e municípios, reconhecendo este como
ente federado autônomo e estabelecendo o federalismo tripartite.
O princípio da cooperação federativa, distinto1 do regime de
colaboração – porém, a ele imbricado –, é reforçado no parágrafo
único do Art. 23 da Constituição Federal de 1988. No entanto, ainda
não foi regulamentado por lei complementar. Com efeito, a inexistên-
cia dessa normatização e, portanto, a indefinição sobre as respon-
sabilidades das instâncias administrativas, sobretudo em relação à

1  Na visão Cury (2015), embora distintos, os regimes de cooperação e de colaboração não


estão separados. Compreende esse autor que o primeiro se refere tão somente aos entes
federativos, enquanto o segundo incorpora os sistemas de educação, que abrange, também,
a rede particular credenciada pelos Conselhos de Educação.

413
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

matéria educacional, acentua a competição política e administrativa


entre os entes federados, no âmbito do Estado federativo brasileiro.
Por regime de colaboração, Araújo (2013, p. 788) designa “um
instituto jurídico e político que regulamenta a gestão associada dos
serviços públicos, sendo afeto às competências materiais comuns
previstas no Art. 23 da Constituição Federal de 1988”. Aliás, a referida
autora reforça a diferenciação existente entre regime de colaboração
e formas de colaboração, no sentido de que o primeiro termo cor-
responde a uma regulamentação legal e administrativa que abarca os
aspectos mais gerais de uma política pública; já a segunda alude aos
aspectos mais pontuais da política educacional, como a parceria na
oferta do transporte escolar entre as redes de ensino, por exemplo.
A mesma pesquisadora adverte sobre os ADEs, considera-
dos como outras formas de regramento colaborativo nas relações
intergovernamentais e que desvirtuam o necessário debate da regu-
lamentação do regime de colaboração, via lei complementar.
Sena (2018), ao referir-se a regime de colaboração, afirma a
necessidade de abordá-lo no contexto geral mais amplo da Cons-
tituição Federal de 1988. Assim, o Art. 211 da Lei Magna define, entre
outras competências, a atuação de cada ente federado nos níveis
de ensino da educação escolar, bem como a organização dos sis-
temas de ensino por meio de regime de colaboração e as formas
de colaboração entre esses sistemas, tendo em vista a garantia de
universalização do ensino obrigatório.
Nota-se que em um mesmo artigo da lei, reporta-se tanto ao
regime quanto às formas de colaboração que, como sabemos, são
aspectos distintos. Portanto, atentando ao texto legal, inferimos que
para o legislador, a recomendação constitucional é a de que a organi-
zação dos sistemas de ensino entre União, estados e municípios deve
ocorrer por meio do regime de colaboração, pois conforme sabemos,
precisa ser regulamentado por Lei complementar, segundo o Art.
23 da mesma Carta Magna. Uma vez estruturados, esses sistemas
devem estabelecer entre si as formas de colaboração destinadas a
assegurar a oferta do ensino obrigatório.

414
O PRINCÍPIO DA COLABORAÇÃO NAS RELAÇÕES
INTERGOVERNAMENTAIS EM PROGRAMA DE EDUCAÇÃO INTEGRAL EM TEMPO INTEGRAL

A proposição de formas de colaboração na condução e exe-


cução de políticas revela-se prescrita, igualmente, no texto da Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) sobretudo nos
incisos dos Arts. 9º, 10, 11 e 74. Importante frisar que antes mesmo
da aprovação dessa Lei, a Emenda Constitucional nº 14/1996 – que
criou o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fun-
damental e de Valorização do Magistério (Fundef) – alterou artigos
do capítulo da educação na Constituição, cujos efeitos afetaram,
inclusive, as relações intergovernamentais. Uma das novidades dessa
normatização foi exatamente a criação de um fundo de manutenção
e desenvolvimento do ensino fundamental, com vistas a assegurar a
universalização e a remuneração salarial dos professores em efetivo
exercício em sala de aula.
O regime de colaboração, embora referenciado na legislação
federal,2 até o momento da redação final deste texto, ainda não havia
sido institucionalizado. Isso posto, Araújo (2013) coaduna da ideia
de que os debates em torno dessa regulamentação são suprimidos
por práticas de colaboração intergovernamentais, materializadas por
meio da celebração de convênios, pactos contratuais ou mesmo
acordos político-partidários entre as próprias instâncias administra-
tivas, “que nem sempre concorrem para o preceito constitucional do
regime de colaboração” (OLIVEIRA; GANZELI, 2013, p. 1043).
No entendimento de Araújo (2012), após a aprovação do
Parecer da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de
Educação (CEB/CNE) nº 09/2011, outras possibilidades de interlo-
cução entre as instâncias administrativas públicas e privadas foram
gestadas, a exemplo dos ADEs.
Diga-se de passagem, essa ideia de arranjos esteva presente
anteriormente no Pano de Desenvolvimento da Educação (PDE) ela-
borado no ano de 2007 – documento que, ao agregar o Compromisso
Todos Pela Educação, deu voz e vez à atuação proativa do empresa-

2  Conforme se observa em artigos da Carta Magna brasileira, bem como nos últimos Planos
Nacionais de Educação (2001-2010 e 2014-2024), além de passagens na Lei nº 9.394/96 e
nas legislações que criaram o Fundef e, posteriormente, o Fundeb.

415
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

riado brasileiro e a organizações sociais na discussão e formulação


de políticas da educação nacional.
Na perspectiva de debater o regime de colaboração em edu-
cação, determinados institutos ou organizações sociais vem propon-
do ações para influenciar o Estado brasileiro na formulação de uma
agenda de políticas públicas, mas de maneira desburocratizada. Entre
essas organizações, citamos o Movimento Colabora, que agrega dife-
rentes instituições parceiras no debate sobre questões educacionais, a
exemplo do regime de colaboração e da escola de tempo integral. São
partícipes desse movimento o Banco Interamericano de Desenvolvi-
mento (BID), institutos e fundações ligadas ao Todos pela Educação.
A influência desses organismos privados também se ma-
nifesta no planejamento educacional. Em relação às metas do PNE
(2014-2024), notamos que em suas estratégias, ora se recomenda a
realização das ações governamentais em regime de colaboração, ora
se fala em práticas de cooperação e/ou colaboração.
Nesse sentido, a expressão regime de colaboração é utilizada
literalmente nas estratégias das Metas 1, 6, 7, 9, 15 e 16, enquanto as
menções às referidas práticas são destacadas em estratégias das
Metas 1, 2, 3 ,7 e 8.
Na Meta 6, que nos interessa focalizar, por referir-se à educa-
ção básica em tempo integral, a questão do regime de colaboração é
citada mais explicitamente nas estratégias 6.2 e 6.3, indicando esta a
institucionalização e a manutenção de programa nacional de expan-
são e reestruturação das escolas públicas, ao passo que aquela re-
porta à criação de programa de edificação de prédios escolares com
modelo arquitetônico e mobiliário condizente com o atendimento em
tempo integral.
Apesar de não mencionadas ipsis litteris nas estratégias da
Meta 6, a nosso ver, formas de colaboração intergovernamentais,
sobretudo parcerias com a sociedade civil, poderão emergir na edu-
cação em tempo integral, com a recomendação das estratégias 6.4,
6.5 e 6.6, porquanto preconizam a articulação da escola a outros

416
O PRINCÍPIO DA COLABORAÇÃO NAS RELAÇÕES
INTERGOVERNAMENTAIS EM PROGRAMA DE EDUCAÇÃO INTEGRAL EM TEMPO INTEGRAL

espaços educativos, culturais e esportivos; oferta de atividades da


jornada ampliada na rede pública por parte das entidades privadas de
serviço social; e estímulo à participação de entidades beneficentes
nas atividade de ampliação da jornada escolar, mediante concessão
de gratuidade ou redução de tributos.
As duas últimas atendem aos interesses das instituições
privadas, particularmente aquelas que acreditam desenvolver ações
de responsabilidade social, apesar de concebidas como parcerias
público-privadas. (MAURÍCIO, 2016).
Como sabemos, com a aprovação do PNE 2014-2024, estabe-
leceu-se a criação de um Sistema Nacional de Educação (SNE)3 e, na
prática, a institucionalização do regime de colaboração na educação.
Não obstante, cabe reforçar que o mesmo plano abre espaço para as
relações intergovernamentais horizontais, ao propor o fortalecimento
do regime de colaboração intermunicipal a partir de adesão aos ar-
ranjos de desenvolvimento da educação – estratégia que pode tornar
as municipalidades vulneráveis à atuação de organizações sociais ou
àquelas ditas de interesse da sociedade civil.
Exposta até aqui a problemática da questão federativa e suas
implicações para a área educacional, na seção seguinte, continua-
mos provocando discussões acerca da educação integral em tempo
integral.

3 SOBRE EDUCAÇÃO INTEGRAL EM TEMPO INTEGRAL

O tema da educação integral em tempo integral vem rece-


bendo atenção dos candidatos nas últimas campanhas eleitorais,
para cargos nas três esferas administrativas. No pleito presidencial
de 2018, por exemplo, três dos quatro candidatos mais votados abor-

3  Em tramitação no Congresso Nacional, por meio do Projeto de Lei (PL) nº 25/2019, de


autoria da deputada professora Dorinha (DEM-TO) e demais projetos apensados. Paralelo
aos projetos da Câmara, tramita também o projeto de lei complementar nº 235/2019, de
autoria do senador Flávio Arns (REDE-PR), aprovada em plenário no dia 09 de março de 2022,
aguardando, até o momento de escrita desse texto, análise da Câmara dos Deputados.

417
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

daram as temáticas do presente estudo em seus planos de governo:


o presidenciável Fernando Haddad (PT) propôs a expansão da oferta
da educação integral; a proposta de Ciro Gomes (PDT), que também
defendia a creche em tempo integral, indicava a implantação da
educação de tempo integral, a partir do ensino fundamental II até o
ensino médio; para o candidato Geraldo Alckmin (PSDB), a propo-
sição foi a consolidação do modelo de escolas de período integral,
assim como a ampliação em 50% das matrículas em tempo integral
no ensino médio, até o ano de 2026; finalmente, a proposta do can-
didato eleito, Jair Bolsonaro (PSL), não possuía qualquer referência à
educação integral e/ou à escola em tempo integral. Lígia/
O interesse político pela educação integral em tempo integral
justifica-se, sobretudo a partir da aprovação do PNE 2014/2024 (CO-
ELHO, 2016) que, como sabemos, incorporou a educação em tempo
integral como uma de suas metas. Introduzindo algumas proposições
formuladas na Conferência Nacional de Educação (CONAE) de 2014,
o PNE 2014/2024, aprovado por meio da Lei nº 13.005/2014, também
reforça a necessidade de oferta da educação em tempo integral,
conforme recomendação da Meta 6, propõe a oferta de educação em
tempo integral em, no mínimo, 50%(cinquenta por cento) das unidades
escolares públicas, de maneira a contemplar, pelo menos, 25% (vinte e
cinco por cento) dos (as) alunos (as) da educação básica. (BRASIL, 2014).
Em estudo sobre essa meta específica do PNE 2014/2024,
Coelho (2016) reflete sobre os projetos de sociedade, de concepção
de educação em tempo integral e de tempo subjacentes na com-
posição da Meta 6 do plano. Articulando a análise dessa meta com
suas estratégias, e em relação às outras metas, a supracitada autora
afirma que a vertente do aluno em tempo integral é enfatizada pelo
simples fato de que a ampliação de jornada não será para todos os
alunos. Em sua leitura, “uma proposta de educação com essas carac-
terísticas remete a um projeto de sociedade marcado pelo pensa-
mento e ações mais direcionadas a grupos determinados e, portanto,
a políticas menos universalizantes e coletivas” (COELHO, 2016, p. 116).

418
O PRINCÍPIO DA COLABORAÇÃO NAS RELAÇÕES
INTERGOVERNAMENTAIS EM PROGRAMA DE EDUCAÇÃO INTEGRAL EM TEMPO INTEGRAL

Em razão da proliferação de conceitos sobre educação inte-


gral, seja no espaço acadêmico ou em propostas e/ou documentos
governamentais, é necessário diferenciá-los, pois embora próximos,
carregam concepções distintas.
Colaborando para elucidar essas diferenciações, Coelho
(2016) enfatiza que tempo integral e educação integral, muitas vezes,
são associados como sinônimos em debates, na elaboração de do-
cumentos oficiais ou na produção acadêmica. Entendendo o primeiro
como uma jornada escolar ampliada que se passa na escola ou em
outros lugares, mas em articulação com o seu projeto pedagógico,
por educação integral a autora compreende o trabalho educativo
que entremeia as diferentes formas de conhecimentos e saberes que
alicerçam, sob uma perspectiva sócio-histórica, a formação humana.
Na acepção de Silva (2013) na esfera da sociedade civil, tem
sido cada vez mais frequente o interesse pela educação integral por
organismos privados, que passaram a atuar de modo recorrente na
formulação de políticas educacionais em debates promovidos pelos
governos federal, estaduais e municipais, ressaindo-se: Centro de
Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec); Instituto Paulo Frei-
re; e Associação Cidade Escola Aprendiz.
A propósito, Maurício (2016, p. 95) assevera que foi a partir
da criação do Prêmio Itaú-Unicef, em 1995, que se estabeleceram
conexões entre a Fundação Itaú Social – da qual o Cenpec é uma ex-
tensão –, partindo da temática da educação integral. Recorrendo às
informações contidas no endereço eletrônico dessa instituição, para
esta pesquisadora “[...] a educação integral como estratégica para a
melhoria da qualidade da educação e para a promoção da equidade”
é o entendimento basilar da referida fundação. Para a universalização,
essa educação apresenta como caminhos o trabalho conjunto entre
organizações não governamentais e as escolas, por intermédio de
atividades no contraturno escolar, em espaços educativos diversos,
além de ações de assessoria na elaboração, na operacionalização e
no monitoramento de políticas públicas e planos educacionais de
educação integral de estados e municípios.

419
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

Em consonância com Costa (2017), as proposições sobre a


jornada ampliada formuladas pelo Cenpec e sistematizadas desde
os anos 2000, fortaleceram a defesa pela ampliação da participação
de ONGs e de educadores sociais na escola pública, na perspectiva
das parcerias público-privadas e da gestão descentralizada das
políticas sociais. Concomitante a esses aspectos, a centralidade da
educação integral passou a focar o sujeito (entendido como sujeito
de direitos), assegurando-lhe proteção integral, complementada
com instrução formal.
Outro espaço de divulgação da concepção de educação in-
tegral em uma perspectiva empresarial (SILVA, 2018) é a Plataforma4
virtual do Centro de Referências em Educação Integral (CREI), apoiada
por cerca de 14 organizações – integrantes também do Movimento
Todos pela Educação – como a Associação Cidade Escola Aprendiz,
a Fundação Itaú Social, o Instituto Natura e o próprio Cenpec, que
dispõe de farto material direcionado, segundo o sítio, a orientar ges-
tores educacionais no processo de planejamento, implementação,
monitoramento e avaliação de políticas de educação integral nas
redes/sistemas de ensino.
No tutorial disponível na referida plataforma, é possível o
acesso e a realização de download – a gestores e comunidade em
geral – dos dois cadernos temáticos que apresentam conceitos, prin-
cípios, e em outro, as etapas necessárias para pôr prática a Política
de Educação Integral, revelando, portanto, os pressupostos do CREI.
Em relação ao primeiro caderno, denominado Conceitos, princípios e
estratégias estruturantes, é possível encontrar quatro princípios da
política de educação integral: equidade, inclusão, sustentabilidade,
contemporaneidade. Apresenta-se também nessa coletânea o
marco legal, a matriz curricular, o plano de formação, a avaliação e a
gestão em rede da educação integral.
No segundo volume, chamam a atenção os três formatos apre-
sentados pelo Guia para a implementação da referida “política”. São

4  Disponível em: https://educacaointegral.org.br/na-pratica. Acesso em: 22 de novembro de


2021.

420
O PRINCÍPIO DA COLABORAÇÃO NAS RELAÇÕES
INTERGOVERNAMENTAIS EM PROGRAMA DE EDUCAÇÃO INTEGRAL EM TEMPO INTEGRAL

eles: implementação da política de educação integral SEM ampliação


de tempo e SEM parcerias (convênios); implementação da política
de educação integral COM ampliação de tempo e SEM parcerias
(convênios); implementação da política de educação integral COM
ampliação de tempo e COM parceiras (convênios).
Ao que parece, as três possibilidades de implementação da
política de educação integral propostas na plataforma do CREI, de
fato, buscam contemplar a diversidade dos municípios brasileiros,
que são dotados de capacidades técnicas, financeiras e operacionais
distintas. A primeira possibilidade, que difere das duas últimas por
não pressupor um tempo ampliado, é passível de questionamento
para muitos estudiosos, ao considerarem que “é quase impossível ou
pelo menos muito difícil, pensar em educação integral sem pressupor
um tempo ampliado/integral que a possibilite” (COELHO, 2009, p. 93).
De acordo com a supracitada pesquisadora,

[...] é importante dizer que falar sobre educação integral,


para nós, pressupõe falar, também, em tempo ampliado/
integral na escola: com o tempo escolar ampliado, é pos-
sível pensar em uma educação que englobe formação e
informação e que compreenda outras atividades – não
somente as conhecidas como atividades escolares –
para a construção da cidadania partícipe e responsável.
(COELHO, 2009, p. 93).

Maurício (2015, p. 87), ao formular a questão Por que é neces-


sário estender a jornada escolar para oferecer a educação integral?,
responde que essa educação possui como pressuposto a possibi-
lidade de impacto transformador na educação, acrescentando que
as circunstâncias da educação brasileira colocam a escola de tempo
integral como indispensável, se é que se objetiva assegurar a cidada-
nia das crianças brasileiras.
Retomando a discussão sobre a concepção da política de
educação integral veiculada na plataforma do CREI, é oportuno rei-
terar que ela se expressa em diferentes textos e materiais didáticos

421
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

produzidos por vários especialistas e, consoante adverte essa orga-


nização, baseadas em experiências de sucesso Brasil afora. Soma-se
a essa produção teórica os trabalhos de assessoria de projetos
demandados pelas gestões governamentais – espaço propício para
a difusão da dimensão prática dessa concepção.
Portanto, é possível afirmar que a noção empresarial de
educação integral esteve presente na formulação do Programa Mais
Educação, reputado como indutor da educação integral em tempo
integral nas escolas públicas brasileiras (LECLERC; MOLL, 2012). A
respeito desse programa, passamos, na seção seguinte, a uma breve
descrição de seus pressupostos teórico-metodológicos.

4 RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS NA EDUCAÇÃO


INTEGRAL EM TEMPO INTEGRAL

Nesta seção, discorremos sobre as formas de colaboração


nas relações intergovernamentais no desenho do Programa Mais
Educação, considerado uma proposta concreta de educação integral
em tempo integral para s as escolas públicas do país e que vigorou
entre os anos de 2007 e 2016.5
A criação do Programa Mais Educação não ocorreu de forma
isolada – se pensarmos que foi um dos componentes do PDE de 2007
ao lado de outros programas criados pelo Ministério da Educação na
gestão presidencial de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2011). No en-
tanto, diferentemente de alguns desses programas, apresentou regu-
lamentação específica, ampliada e alterada nos anos subsequentes.
A Portaria Interministerial nº 17/2007 foi a primeira6 legislação
de amparo do programa que o instituiu com a finalidade de colaborar
na formação integral de crianças, adolescentes e jovens, mediante a

5  Reformulado e renomeado – Programa Novo Mais Educação, a partir da Portaria n. 1144, de 14


de outubro de 2016, no Governo de Michel Temer (2016/2017).
6  Concomitante a esta foi publicada também no mesmo dia a Portaria Interministerial nº
19/2017, que definiu as diretrizes para a cooperação entre o Ministério da Educação e do
Ministério do Esporte, visando à construção de quadras esportivas em espaços escolares das
redes subnacionais de ensino, selecionados mediante critérios pré-estabelecidos.

422
O PRINCÍPIO DA COLABORAÇÃO NAS RELAÇÕES
INTERGOVERNAMENTAIS EM PROGRAMA DE EDUCAÇÃO INTEGRAL EM TEMPO INTEGRAL

interlocução de ações, de projetos e de programas do Governo Fede-


ral (BRASIL, 2007c). Tinha como proposta a articulação de diferentes
Ministérios (Educação, Cultura, Esporte, Desenvolvimento Social e
Combate à Fome), além de incentivo à participação da família, da
comunidade, de organismos não-governamentais e da esfera privada
nas atividades oferecidas.
A justificativa para a criação desse programa educacional
é apresentada e apoiada tendo em conta algumas considerações
expostas no documento da portaria: a) a ampliação progressiva da
jornada escolar, conforme previsto no Art. 34 da LDBEN de 1996,
possibilitando, além do aumento da convivência escolar de crianças,
adolescentes e jovens, a oferta de atividades formativas e outros
espaços educativos propícios ao desenvolvimento desses sujeitos;
b) a proteção integral de crianças e adolescentes, bem como a ga-
rantia de todos os seus direitos fundamentais por parte da família e
da sociedade – recomendação indicada no ECA , em consonância
com o Art.227 da Constituição Federal de 1988; c) a proteção social
a ser dada pelo Estado a crianças e adolescentes, bem como aos
jovens e às famílias em situação de vulnerabilidade, risco ou exclusão
social, conforme sinaliza a Política Nacional de Assistência Social; d)
a compreensão de um conceito amplo de educação, como esclarece
o Art. 1º da LDBN; e) a relevância da integração e promoção da inter-
setorialidade das políticas sociais em prol da inclusão de crianças,
adolescentes, jovens e das famílias; f) a democratização do acesso
às atividades esportivas, sendo estas parte integrante da formação
integral dos sujeitos-alvo do programa; g) a função das atividades
diversificadas no contraturno escolar, pois previnem o desligamento
de laços familiares dos sujeitos atendidos, percepção reconhecida
pelo Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de
Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária.
Para além dos motivos expostos no texto da Portaria Inter-
ministerial nº 17/2007, é mister ressaltar que a criação do programa
fez parte de um conjunto de ações elaboradas pelo Ministério da

423
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

Educação para intervir nos indicadores educacionais da educação


básica brasileira, notadamente em relação à melhoria da qualidade
do ensino, finalidade que perpassava todo o PDE, bem como em
atendimento às diretrizes IV e VII do Plano de Metas Compromisso
Todos pela Educação.
Apesar de o texto da portaria enfatizar que a finalidade do
programa era suscitar a formação integral a crianças, adolescen-
tes e jovens, três anos depois, por meio do Decreto nº 7.083/2010,
reformulou-se o propósito do programa, que passou a ter como a
intenção a colaboração para a melhoria da aprendizagem por meio
da extensão do tempo de permanência de crianças, adolescentes
e jovens matriculados em unidades escolares públicas, por meio do
oferecimento de educação básica em tempo integral” (BRASIL, 2010).
O decreto presidencial supracitado não apenas regulamentou
o Programa Mais Educação, mas, sobretudo, ratificou7 juridicamente a
questão da educação básica em tempo integral que, como designado
em capítulo anterior, passou a ser considerada, para fins deste pro-
grama, como a jornada escolar igual ou superior a sete horas diárias,
vivenciada por meio de atividades realizadas no espaço escolar ou
fora dele, sob a supervisão do primeiro. Diferentemente da portaria,
por meio desse aparato legal, definiu-se a fonte de financiamento
para as ações do programa – o Fundo Nacional de Desenvolvimento
da Educação (FNDE) –, que repassaria recursos às escolas e ins-
tâncias subnacionais atendidas por meio do PDDE e do Programa
Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), respectivamente.
Em relação à cobertura do programa, o Decreto nº 7.083/2010
sinalizava que a cada ano, o Ministério da Educação definiria os crité-
rios de prioridade do atendimento, considerando a realidade escolar,
o IDEB e as situações de vulnerabilidade social dos estudantes. Esse
aspecto, por sinal, rendeu-lhe críticas em âmbito acadêmico, por

7  A disposição sobre a jornada escolar da educação básica em tempo integral foi inicialmente
mencionada no Decreto n° 6.253/2007, que trata do Fundeb, regulamenta este fundo contábil
e dá outras providências. Apesar dessa definição legal, curiosamente, a Lei n° 9.394/96, até o
presente momento de escrita desta tese, ainda não incorporou essa definição em seu Art. 34.

424
O PRINCÍPIO DA COLABORAÇÃO NAS RELAÇÕES
INTERGOVERNAMENTAIS EM PROGRAMA DE EDUCAÇÃO INTEGRAL EM TEMPO INTEGRAL

representar uma focalização no que tange aos beneficiários, e por


configurar uma educação compensatória.
Em resposta às críticas, a interlocutora da coordenação na-
cional do programa à época, professora Jaqueline Moll (2014, p. 254),
argumentava que

Mesmo priorizando, nesses primeiros anos, as escolas


periféricas e que atendem populações mais pobres, não
se trata de uma ação focal, mas de uma ação a ser gra-
dualmente universalizada na educação brasileira, con-
forme o disposto no novo Plano Nacional de Educação.
Em flagrante modificação de estratégia governamental
relacionada à educação dos mais pobres, não se trata de
uma escola compensatória para os pobres, mas de uma
ação reestruturadora de todo sistema de ensino, que co-
meça onde as dificuldades e necessidades são maiores.

No entanto, a natureza focalizada no programa tornou-se


evidente a partir do momento em que, a cada ano, outros critérios
de atendimento eram estabelecidos. Assim, por exemplo, se na im-
plementação, em 2008, foram estabelecidos critérios relacionados à
assinatura do termo Compromisso Todos pela Educação; a ser capital
de estado; cidades das regiões metropolitanas com mais de 200.000
moradores; a escolas municipais ou estaduais com IDEB inferior a 2.9;
para o ano de 2012, o Ministério da Educação, em articulação com
o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome adotou
como parâmetro para atendimento a seleção de unidades escolares
onde a maioria dos estudantes fosse oriunda de famílias beneficiárias
do Programa Bolsa Família (LECLERC; MOLL, 2012).
A seleção de estudantes oriundos de famílias beneficiárias do
Programa Bolsa Família, utilizado como critério de atendimento do
Programa Mais Educação, buscava, de certa forma, alinhar as ações
desse programa às diretrizes do Plano Brasil sem miséria, lançado em
2011, no governo presidencial de Dilma Rousseff, visando ao enfrenta-
mento da extrema pobreza, por meio de ações e programas diversos,
coordenados em diferentes áreas sociais.

425
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

Para Moll (2014, p. 571), “o Mais Educação foi identificado


como estratégico para enfrentamento de situações de vulnerabili-
dade social das famílias, em especial no desafio da ruptura do ciclo
intergeracional da pobreza”.
A condicionalidade em ser escola com famílias beneficiárias do
Programa Bolsa Família para participação no Programa Mais Educação
acarretou a ampliação da cobertura para esse público-alvo que, se-
gundo a autora anteriormente referenciada, passou “de 388 em 2008
(28% do total de escolas no Mais Educação naquele ano) para 17 mil
escolas em 2012 (54% do total de escolas), atingindo mais de 32 mil
escolas em 2013 (65% do total de escolas) ” (MOLL, 2014, p. 577).
A cada ano, portanto, o Mais Educação modificava-se, seja
incluindo algum novo critério de adesão, inclusão de outra atividade
nos macrocampos existentes ou mesmo redirecionando alguma
ação ou orientação antes original. Tais alterações eram sinalizadas
nos chamados Manuais operacionais do programa e em resoluções
publicadas pelo FNDE. Apesar das mudanças no que tange à opera-
cionalização do programa, seus pressupostos conceituais permane-
ceram, em relação ao formato original.
Almejando orientar as redes escolares de estados e muni-
cípios para a efetivação do Programa Mais Educação, o Ministério
da Educação, por meio das Secretarias de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade (Secad) e de Educação Básica (Seb),
organizaram documentos de apresentação do programa em volumes
que abordavam temas diversos, a exemplo de: concepção de educa-
ção integral; desenho curricular; formação (continuada) dos sujeitos
envolvidos com o programa; relação escola-comunidade; gestão in-
tersetorial; papel indutor do Estado; e parceria com a sociedade civil.
Os materiais8 de apresentação do Mais Educação, organizados
pelo MEC, faziam referência a outros estudos realizados por organi-

8  A primeira série de publicações de documentos sobre o programa foi organizada por meio
de três cadernos temáticos, lançados no ano de 2009. O primeiro caderno, denominado
Gestão Intersetorial no Território, apresenta as propostas da educação integral e da gestão
intersetorial, bem como a implementação do programa no território e sua operacionalização
nas escolas. O segundo volume, intitulado Educação Integral: texto referência para o debate

426
O PRINCÍPIO DA COLABORAÇÃO NAS RELAÇÕES
INTERGOVERNAMENTAIS EM PROGRAMA DE EDUCAÇÃO INTEGRAL EM TEMPO INTEGRAL

zações da sociedade civil (Cidade Aprendiz, CENPEC/Fundação Itaú


Social) e que versavam sobre temáticas relacionadas à educação in-
tegral, na lógica das cidades educadoras. Ei-los: Bairro Escola – passo
a passo; Cadernos CENPEC – Educação integral; Muitos lugares para
aprender; Tecendo redes para a educação integral. Essas organiza-
ções, justapostas ao Instituto Paulo Freire, passariam a influenciar
programas de educação integral pelo País, por meio de assessoria
a projetos, formação de gestores e demais formadores envolvidos, e
realização de estudos ou notas técnicas.
Além dos cadernos citados, outros documentos foram elabo-
rados posteriormente à implementação do programa, no sentido de
esclarecer gestores, professores e comunidade escolar em geral sobre
fundamentos e execução dele, a exemplo dos volumes denominados
Programa Mais Educação: passo a passo, e Manuais operacionais da
educação integral – estes publicados no período de 2007 a 2014.
Outrossim, foram realizados cursos de extensão e de especialização,
promovidos pelas universidades federais, além de seminários nacio-
nais e reuniões de grupos de trabalho com coordenadores locais do
programa em vários estados brasileiros.
Silva & Silva (2013) sintetizam bem a gestão do Programa Mais
Educação, afirmando que ela se realiza de forma intersetorial, inter-
ministerial e intergovernamental. O programa é intersetorial porque
busca a articulação entre diferentes áreas sociais (educação, saúde,
cultura, assistência social, esportes, meio ambiente), e é intermi-
nisterial porque propõe a ação conjunta de diferentes Ministérios
(Educação, Esportes, Cultura, Desenvolvimento Social e Combate à
Fome, Ciência e Tecnologia, Meio Ambiente e Secretaria Nacional da
Juventude da Presidência da República). A terceira característica da
gestão do programa, segundo os autores, explica-se por fomentar

nacional, conforme anunciava o próprio título, divulgava as bases conceituais da educação


integral que fundamentava o referido programa. O terceiro caderno, nomeado Rede de
Saberes Mais Educação, fornecia as orientações metodológicas para a elaboração de
propostas pedagógicas de Educação Integral, enfatizando a mandala dos saberes.

427
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

a parceria entre o Estado e as organizações comunitárias e/ou da


sociedade civil.
Especificamente em relação ao caráter interministerial, cabe
frisar que era desejada a articulação dos demais programas de
governo – oriundos dos demais Ministérios – com o Programa Mais
Educação. Dentre essas ações, ressaímos: Programa Segundo Tem-
po (Ministério dos Esportes); Programa de Erradicação do Trabalho
Infantil (Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à fome);
Escola Aberta; e Escola que Protege (Ministério da Educação), pro-
gramas mencionados na parte introdutória deste trabalho.
No que se refere à terceira característica enumerada pelos au-
tores supracitados – intergovernamental –, tanto os cadernos quanto
as legislações do programa reforçam sua pertinência e viabilidade.
No arcabouço legal, a participação da sociedade civil (inclusas aqui
as frações empresariais) no Programa Mais Educação já havia sido
assegurada no § 2º do Art.4 da Portaria Interministerial nº17/2007, e
reiterada no § 3º do Art.4 do Decreto nº 7.083/2010,

[...] O Programa Mais Educação poderá contar com a par-


ticipação de ações promovidas pelos Estados, Distrito
Federal, Municípios e por outras instituições públicas
e privadas, desde que as atividades sejam oferecidas
gratuitamente a crianças, adolescentes e jovens e que
estejam integradas ao projeto político-pedagógico das
redes e escolas participantes (BRASIL, 2007, grifo nosso)

[...] No âmbito local, a execução e a gestão do Programa


Mais Educação serão coordenadas pelas Secretarias de
Educação, que conjugarão suas ações com os órgãos
públicos das áreas de esporte, cultura, ciência e tec-
nologia, meio ambiente e de juventude, sem prejuízo de
outros órgãos e entidades do Poder Executivo estadual
e municipal, do Poder Legislativo e da sociedade civil.
(BRASIL, 2010, grifo nosso).

Como sabemos, essas orientações legais para ações de ins-


tituições privadas ou demais órgãos oriundos da sociedade civil no

428
O PRINCÍPIO DA COLABORAÇÃO NAS RELAÇÕES
INTERGOVERNAMENTAIS EM PROGRAMA DE EDUCAÇÃO INTEGRAL EM TEMPO INTEGRAL

PMEd não são estranhas, se pensarmos que parte delas ensejou a


formulação do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação,
incorporado pelo PDE, do qual o referido programa fez parte.
Considerado uma estratégia indutora para a construção da
proposta de educação integral no País, o Programa Mais Educação,
não diferentemente de outros programas do governo federal, pareceu
ter despertado interesse de secretários de educação dos estados e
municípios, e também escolares, particularmente pela previsão de
recursos materiais e financeiros que seriam destinados às escolas
participantes (LECLERC; MOLL, 2012).
Assim como ratificado outrora, a cada ano, o programa definia
os critérios para a adesão das escolas, que deveriam realizar inscri-
ção no Sistema Integrado de Monitoramento e Controle (Simec), para
posterior seleção pela SEB. Uma vez escolhidas as unidades escolares,
em conformidade com os critérios pré-estabelecidos, o Ministério
da Educação repassava os recursos do programa baseados no plano
de atendimento da escola, que informava, entre outros aspectos, o
número de participantes e a oferta de atividades dos macrocampos
escolhidas pela comunidade escolar.
Os recursos financeiros destinados às unidades escolares ou
às entidades executoras para realização do Pmed eram provenientes
do PDDE/Educação Integral, enquanto aos estados e municípios eram
repassados diretamente recursos provenientes do Pnae/Educação
Integral – ambos por meio de resoluções publicadas e atualizadas
pelo FNDE. Os valores contábeis repassados às escolas públicas par-
ticipantes do programa seriam proporcionais ao número de alunos
participantes, informados pelas secretarias estaduais e municipais
na plataforma Simec.
De acordo com os Manuais Operacionais9 da Educação Integral,
organizados pelo FNDE/MEC, no que tange ao repasse financeiro feito
às unidades escolares executoras, era considerado como de custeio

9  Importante frisar que os manuais operacionais de 2008 e 2009 não utilizaram a classificação
custeio x capital para o financiamento do programa. Nesses documentos, apenas se informava
que os gastos deveriam ser para pagamento de monitores, contratação de pequenos serviços,
compra de materiais de consumo e de kits definidos no manual (BRASIL, 2008, 2009).

429
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

(ressarcimento com as despesas de transporte e alimentação dos


monitores); compra de materiais pedagógicos a serem utilizados nas
atividades, conforme os kits sugeridos; obtenção de outros materiais
de consumo e/ou contratação de serviços destinados ao desenvol-
vimento das atividades da educação integral e de capital (compra
de bens ou materiais relacionados aos kits indicados, assim como
na compra de outros bens definitivos necessários à realização das
atividades do programa).
A coordenação do programa deveria ser realizada mediante
esforços tanto do governo quanto da comunidade e da sociedade ci-
vil. Nesse sentido, segundo o caderno intitulado Gestão intersetorial
do território, a partir do Programa Mais Educação, convocar-se-ia a
participação de instâncias representativas das três esferas adminis-
trativas situadas nesses territórios. Assim, criou-se, em nível federal, o
Fórum Interministerial Mais Educação, e nas instâncias subnacionais,
os Comitês Metropolitano e Local.
O Fórum Interministerial, de natureza normativa e deliberativa,
era composto por representações dos Ministérios envolvidos e se-
cretarias federais, estaduais e das municipalidades. Na composição
do Comitê Metropolitano, participavam as secretarias estaduais e
municipais, representantes do Conselho de Direitos da Criança e do
Adolescente, as universidades e as unidades escolares recebedoras
do PDDE e outros conselhos estaduais e municipais. Já os Comitês
Locais do programa eram formados pela presença do diretor da
escola, pelo professor comunitário, pelo representante do Comitê
Metropolitano, professores, educadores e representantes de outros
programas (não) governamentais (BRASIL, 2009b).
Segundo Moll (2013, p. 77), a organização dos comitês10 nos
diferentes territórios (local, metropolitano, regionais e estaduais) favo-
receria o enraizamento da educação integral, à medida que a atuação
dessas instâncias de gestão intensificasse os processos de interlocu-

10 Diniz Junior (2017) adverte que os comitês do Programa Escola Aberta espelharam a criação
dos Comitês de Educação Integral, no âmbito do Programa Mais Educação.

430
O PRINCÍPIO DA COLABORAÇÃO NAS RELAÇÕES
INTERGOVERNAMENTAIS EM PROGRAMA DE EDUCAÇÃO INTEGRAL EM TEMPO INTEGRAL

ção entre gestores estaduais, municipais, escolares, universidades e


a sociedade civil, fomentando o que, para a autora, representaria um
“importante movimento de educação integral” pelo País.
A criação desses comitês,11 sob o prisma da participação, em
verdade, seria importante para executar a descentralização, já que
em relação ao programa, esse princípio impacta as três instâncias
administrativas no momento em que organiza seus mecanismos de
gestão de acordo com as especificidades desses comitês (SILVA;
SILVA, 2013).
Como dito até aqui, o Programa Mais Educação, sendo uma
iniciativa federal, requereu a colaboração das instâncias subnacio-
nais para a operacionalização de suas ações, mediante oferta de
atividades diversificadas as crianças e adolescentes das escolas
públicas brasileiras. Apesar da delimitação do desenho do referido
programa, ancorado em dispositivos legais e documentos (cadernos
temáticos) que apresentavam suas bases conceituais, jurídicas, além
dos pressupostos teórico-metodológicos para a sua implementação/
operacionalização, entendemos que em algumas realidades brasi-
leiras, seja em nível de estados ou de municípios, esses programas
educacionais, quando implementados na prática, podem assumir
outras conotações distintas do plano legal ou conceitual.

5 CONSIDERAÇÕES

A partir deste estudo, evidenciamos que a questão federativa


constitui um desafio no Brasil, especialmente no que se refere à re-
gulamentação do regime de colaboração via institucionalização do
Sistema Nacional de Educação. Em tempos de recessão econômica,
pandemia e redução da estrutura administrativa do Estado, como
observamos na conjuntura política e econômica brasileira nos anos

11 No Piauí, a Portaria nº 0127/2012, emitida pelo gabinete do secretário estadual de educação,
definiu a composição do Comitê Territorial de Políticas Públicas em Educação Integral do
Piauí, assim como nomeou os representantes institucionais, totalizando 42 participantes
(PIAUÍ, 2012, p. 6-7).

431
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

2020 e 2021, parece-nos que o tratamento da questão se arrasta


demoradamente-característico das relações políticas - se consi-
deramos que segundo o PNE 2014/2024 tal sistema dever-se-ia ser
aprovado até 2016.
Na ausência da institucionalização do Sistema Nacional de
Educação e de regulamentação do regime de colaboração, são pra-
ticadas formas de colaboração distintas entre os entes federativos
nos programas de educação integral em tempo integral. Ademais,
surgem ações de iniciativa da esfera privada na idealização e ope-
racionalização desses programas, a exemplo do que ocorreu com o
Programa Mais Educação.
Como frisamos neste texto, existem distintos entendimentos
sobre o que seja educação integral, assim como as disputas ideológi-
cas atinentes ao termo em questão, fato que merece ser considerado
na discussão sobre a temática da educação integral em tempo integral.
Com base nos documentos do Programa Mais Educação,
ressaltamos que ele representa uma iniciativa federal destinada à
educação básica com o propósito de fomentar a educação integral
para crianças, adolescentes e jovens de escolas públicas do País, a
partir da oferta de atividades diversificadas em uma jornada escolar
integral, na qual os tempos e os espaços são redimensionados. Essa
perspectiva de mudança afetaria as relações da escola com a co-
munidade, do poder público com iniciativas não governamentais e
privadas, bem como a dos profissionais da educação escolar e outros
trabalhadores e/ou voluntários da comunidade, em geral.
Por outro lado, entendemos que o financiamento do Programa
Mais Educação foi um diferencial, em termos de iniciativas federais
de educação em tempo integral, tendo em vista o montante de
recursos repassados às escolas participantes, seduzindo, portanto,
muitos municípios.
Em síntese, encaminhamos a presente discussão afirmando
que a questão do financiamento público eclode como ingrediente
principal na discussão das formas de colaboração intergovernamental,

432
O PRINCÍPIO DA COLABORAÇÃO NAS RELAÇÕES
INTERGOVERNAMENTAIS EM PROGRAMA DE EDUCAÇÃO INTEGRAL EM TEMPO INTEGRAL

especificamente – em nosso caso – na educação em tempo integral.


Sem financiamento, como sabemos, não há como se fazer política,
particularmente em municípios que, por não possuírem arrecadação
tributária própria, tornam-se dependentes de transferências federais
e estaduais.
Nesse contexto, o debate sobre o sistema nacional de educa-
ção, ancorado no regime de colaboração, articula-se como a questão
cerne do pacto federativo em educação. Nesse sentido, reforçamos,
a partir desse texto, nosso entendimento de que a efetivação de po-
líticas públicas de educação no país – especificamente, neste caso,
a de educação em tempo integral, requerem, entre outras demandas,
a institucionalização desse sistema, alicerçado no regime de colabo-
ração, definindo assim as responsabilidades educacionais dos entes
federados, especialmente e seus aspectos legais, administrativos,
financeiros e operacionais.

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433
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

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434
O PRINCÍPIO DA COLABORAÇÃO NAS RELAÇÕES
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435
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

436
O PLANO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO DO PIAUÍ:
processo de elaboração e configuração da
meta sobre financiamento da educação

Luís Carlos Sales


Magna Jovita Sales e Silva
Rosana Evangelista da Cruz

1 INTRODUÇÃO

O planejamento educacional no Brasil tem suporte no dis-


positivo constitucional que prevê aprovação de lei que estabelece
o Plano Nacional de Educação (PNE), de duração decenal, com o
propósito de articular o sistema nacional de educação em regime
de colaboração e definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de
implementação para assegurar a manutenção e o desenvolvimento
do ensino, visando à erradicação do analfabetismo; à universalização
do atendimento escolar; à melhoria da qualidade do ensino; à forma-
ção para o trabalho; à promoção humanística, científica e tecnológica
do País; e ao estabelecimento de meta de aplicação de recursos
públicos em educação como proporção do Produto Interno Bruto,
conforme Art. 214 da Constituição Federal (BRASIL, 1988).
Assim, o texto constitucional remete a uma concepção de
plano que ultrapassa uma gestão governamental, portanto deline-
ando um horizonte para o setor que expressa uma política menos
conjuntural com vistas a enfrentar os problemas que dificultam a ga-
rantia do direito à educação, perspectiva assimilada na Constituição
Estadual do Piauí, em seu Art. 226, que estabelece que ocorrerá a
aprovação de lei instituindo o Plano Estadual de Educação (PEE), de
duração plurianual (PIAUÍ, 1989).
O processo que envolveu o planejamento educacional no
Brasil, nos últimos anos, tem como marco a realização de conferên-
cias de educação que aconteceram desde 2008, quando ocorreu a
Conferência Nacional de Educação Básica (Coneb). Essa experiência
levou à realização das Conferências Nacionais de Educação (Conaes),
precedidas das etapas preparatórias de âmbito municipal, intermu-
nicipal e estaduais, realizadas entre os anos de 2009 e 2014, com o
envolvimento da sociedade, importante possibilidade de incidência
social na construção de políticas educacionais no País, devido à ar-
ticulação entre sistemas de ensino, órgãos educacionais, parlamento
e sociedade civil.
O processo vivenciado nas duas Conaes (2010 e 2014) foi
fundamental para direcionar a organização das conferências no Piauí.
As etapas preparatórias para a Conae no estado foram coordenadas
por comissões organizadoras e pelo Fórum Estadual de Educação
(FEE), vivência determinante para a participação da sociedade civil
no processo de elaboração do PEE, resultando na aprovação da Lei n°
6.733, de 17 de dezembro de 2015.
Isso posto, o presente artigo debruça-se sobre esse processo
e resulta de pesquisa direcionada pelas sequintes questões: como
foi o processo de elaboração do PEE? Quais atores sociais estiveram
envolvidos nesse processo? Qual a configuração PEE no que se refere
ao financiamento da educação? Quais aspectos do PEE constituem
avanços em relação ao PNE, para o financiamento da educação?
Quais aspectos do PEE estão aquém das propostas aprovadas para o
financiamento da educação pública estadual na Conferência Estadu-
al de Educação (CONEd)?
Dessa forma, tem-se como objetivos: resgatar o processo de
elaboração do PEE do Piauí; identificar os atores que participaram
desse processo; e analisar o financiamento da educação no PEE,
apontando avanços e retrocessos em relação ao PNE e às delibera-
ções da CONEd.

438
O PLANO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO DO PIAUÍ: PROCESSO
DE ELABORAÇÃO E CONFIGURAÇÃO DA META SOBRE FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO

O aporte teórico da pesquisa perpassa por autores como


Davies (2014), Souza (2016), Medeiros (2016), entre outros. A metodo-
logia consistiu em análise documental, tendo como fontes: a minuta
do PEE, aprovada na CONEd, o PNE e PEE, e os registros das reuniões
da Comissão de Sistematização do Fórum Estadual de Educação do
Piauí, do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Políticas e Gestão da
Educação (Nuppege) e do Comitê Piauiense da Campanha Nacional
pelo Direito à Educação.
O presente artigo, além desta introdução, contém quatro se-
ções. A primeira retrata o processo de elaboração do PEE; a segunda
analisa a meta 20, que se refere ao financiamento da educação; a
terceira sistematiza e analisa as estratégias do PEE, em sua relação
com o PNE; e a quarta tece as considerações finais do estudo.

2 O PROCESSO DE ELABORAÇÃO DO PEE DO PIAUÍ

O processo de elaboração do PEE do Piauí ocorreu a partir


de experiência participativa na elaboração do PNE, mediante as
conferências de educação realizadas em 2010 e 2014, as quais foram
momentos importantes de mobilização da sociedade para incidir
sobre as políticas educacionais, na perspectiva de sua configuração
como política de Estado, já que envolveu a articulação entre sistemas
de ensino, órgãos educacionais, parlamento e sociedade civil.
A metodologia das duas conferências, coordenadas por co-
missões organizadoras ou pelo Fórum Nacional de Educação (FNE),
perpassou a elaboração de documento-referência, discutido e
emendado em conferências municipais, intermunicipais e estaduais.
A I Conae ocorreu em março de 2010, com o tema Construin-
do o Sistema Nacional Articulado: o Plano Nacional de Educação,
Diretrizes e Estratégias de Ação, precedidas pelas etapas municipais
e estaduais, no ano de 2009. Essa Conae “mobilizou cerca de 3,5
milhões de brasileiros e brasileiras, contando com a participação de
450 mil delegados e delegadas nas etapas municipal, intermunicipal,

439
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

estadual e nacional, envolvendo, em torno de 2% da população do


País” (CONAE, 2010, p. 8).
Em que pese ter contado com ampla participação social, o
resultado da primeira Conae foi incipientemente incorporado no Pro-
jeto de PNE nº 8.035/10, devido a acordo realizado entre a comissão
organizadora e o governo federal, o que exigiu ampla participação
da sociedade em sua tramitação no parlamento, mediante apre-
sentação de emendas. O avanço significativo da I Conae resultou na
criação do FNE, órgão de Estado responsável pela convocação, pelo
planejamento e pela coordenação das Conaes, criado pela Portaria
nº 1.407/2010 e alterado pela Portaria nº 502/2012 – embora esse
mesmo Fórum tenha sido esvaziado no contexto do golpe que levou
à destituição da presidenta Dilma Roussef.
A II Conae, cujo tema foi O PNE na articulação do Sistema
Nacional de Educação: participação popular, cooperação federativa
e regime de colaboração, prevista, inicialmente, para ocorrer ainda
durante a tramitação do PNE, foi adiada, em uma estratégia do gover-
no para minimizar as pressões da sociedade civil organizada sobre
o próprio governo e parlamento, por um PNE sintonizado com os
avanços aprovados durante a I Conferência. Dessa forma, a II Conae
ocorreu somente em novembro de 2014, após a aprovação do PNE,
em junho daquele ano.
Essa conferência nacional foi igualmente precedida da reali-
zação de conferências preparatórias livres e conferências municipais,
intermunicipais, estaduais e distrital de educação, realizadas entre os
2012 e 2013, processo que “garantiu a participação de aproximada-
mente 1,9 milhões pessoas” (CONAE, 2014, p. 8).
Na fase nacional da conferência, realizada em novembro de
2014, “foi registrada a participação de 3.958 (três mil e novecentos e
cinquenta e oito) pessoas, sendo 2.673 (dois mil, seiscentos e setenta
e três) delegados credenciados” (CONAE, 2014, p. 10).
Os processos vivenciados em ambas as conferências nacio-
nais foram fundamentais para direcionar a organização das Conaes
do Piauí. A conferência realizada em 2015 dedicou-se ao PEE. Essa
conferência esteve sob a responsabilidade do Fórum Estadual de

440
O PLANO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO DO PIAUÍ: PROCESSO
DE ELABORAÇÃO E CONFIGURAÇÃO DA META SOBRE FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO

Educação (FEE), “espaço de interlocução entre a sociedade civil e o


Estado”, criado em decorrência da deliberação da Etapa Estadual da
Conae 2010 (CONED-PI, 2015, p. 8). É atribuição FEE propor, monitorar
e avaliar a execução de políticas públicas de educação no estado,
assim como elaborar o PEE, alinhado com as metas do PNE, Lei nº
13.005/2014, referência para a elaboração dos Planos Municipais de
Educação do Piauí.
No período de elaboração do PEE, o Fórum Estadual era cons-
truído por 22 entidades, representantes de diferentes segmentos:
poder público; trabalhadores da educação; movimentos sociais ou
sindicais; universidades; comunidade científica; Sistema S; conselhos
da educação; pais; municípios; estabelecimentos de ensino privado; e
dirigentes municipais de educação. O Quadro 1 elenca essas entidades.

Quadro 1 – Entidades do Fórum Estadual de Educação


Nome Sigla
1 Associação de Pais de Alunos do Piauí APA/PI
2 Associação Piauiense de Municípios APPM
3 Campanha Nacional pelo Direito a Educação CNDE
4 Central Única dos Trabalhadores CUT/PI
Comissão de Acompanhamento do Plano Decenal de Educação de
5 CAAPDET
Teresina
6 Conselho de Acompanhamento e Controle Social do FUNDEB-PI CACS/PI
7 Conselho Estadual de Educação do Piauí CEE/PI
8 Fórum Estadual da Educação de Jovens e Adultos FEJA-PI
9 Fórum Estadual de Educação do Campo FOPEC
10 Núcleo de Estudos e Pesquisas em Políticas e Gestão da Educação NUPPEGE/UFPI
11 Secretaria de Estado de Educação e Cultura SEDUC
12 Secretaria Municipal de Educação de Teresina SEMEC
13 Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial SENAC/PI
14 Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SENAI/PI
15 Serviço Social da Indústria SESI/PI
Serviço Social do Transporte e Serviço Nacional de Aprendizagem do
16 SEST/SENAT/PI
Transporte
17 Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado do Piauí SINEPI
18 Sindicato dos Trabalhadores em Educação Básica Pública do Piauí SINTE/PI
19 União dos Dirigentes Municipais de Educação UNDIME/PI
20 União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação UNCME/PI
21 Universidade Estadual do Piauí UESPI
22 Universidade Federal do Piauí UFPI
Fonte: CONEd-PI (2015).

441
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

A construção do PEE teve início no ano de 2013. Naquele


momento, a Secretaria Estadual de Educação definiu procedimentos
próprios de elaboração, mediante a previsão de apenas três semi-
nários externos envolvendo as Gerências Regionais de Educação e
as secretarias municipais, sem ponderar sobre a necessidade de
democratização da participação na elaboração do documento-base,
que deveria incluir um diagnóstico participativo. Essa proposta levou
à reação de um conjunto de 18 entidades,1 a partir da elaboração de
documento e negociação com a presidência do FEE para se assegu-
rar maior participação “nas decisões, destacadamente na elaboração
do diagnóstico que, segundo a compreensão do grupo, naquele mo-
mento estava a cargo basicamente de técnicos, principalmente da
SEDUC” (MEDEIROS, 2016, p. 271).
A ação política das entidades, negando processos tecno-
cráticos de planejamento, resultou na revisão dos procedimentos.
Dessa forma, a metodologia do trabalho, após a aprovação do PNE,
em 2014, envolveu o fortalecimento das Comissões Permanentes do
Fórum Estadual, a organização do cronograma e a constituição de
equipes com membros do FEE e técnicos da Seduc/PI, que tinham
a atribuição de elaborar o diagnóstico, as metas e estratégias para o
PEE, considerando o documento final da Conae 2014 e PNE aprovado
em junho de 2014.
Dessa forma, as equipes foram organizadas em eixos temáti-
cos, compreendendo: caracterização do estado do Piauí; educação
infantil; ensino fundamental; ensino médio; Educação de Jovens e
Adultos (EJA); educação profissional; inclusão e diversidade; edu-

1  Conforme Medeiros (2016), das 18 entidades que elaboraram o documento, sete eram
membros do FEE (APA-PI; Comitê Piauí da CNDE; FOPEC; MIEIB; NUPPEGE; SINTE-PI; UNCME).
As outras 11, participaram das plenárias e conferências de educação com suas representações
até a aprovação da minuta de PEE: Associação dos Docentes da Universidade Federal do
Piaui (ADUFPI); Centro de Estudos Educação e Sociedade (CEDES); Comissão Pastoral da
Terra (CPT); Comitê Estadual de Educação em Direitos Humanos do Piauí (CEEDHPI); Corpo
de Assessoria Jurídica Estudantil (CORAJE); Instituto da Mulher Negra do Piauí (AYABAS);
Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA); Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra
(MST); Movimento Nacional dos Direitos Humanos (MNDH); Núcleo de Estudos e Pesquisas
em Africanidades e Afrodescendência (IFARADA/UFPI); Rede de Educação do Semiárido
Brasileiro (RESAB/PI).

442
O PLANO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO DO PIAUÍ: PROCESSO
DE ELABORAÇÃO E CONFIGURAÇÃO DA META SOBRE FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO

cação superior; valorização do magistério; gestão e financiamento;


avaliação e monitoramento (CONED-PI, 2015, p. 8).
Os trabalhos das equipes foram socializados em plenárias
abertas, envolvendo, aproximadamente, 350 pessoas, entre técnicos
da Seduc e representantes de conselhos, organizações, movimentos
sociais e sindicais, além de membros do FEE. Ao todo, foram dez
plenárias, realizadas no auditório do Tribunal de Contas do Estado,
sendo as cinco primeiras para apresentação e qualificação do diag-
nóstico da situação da educação no Piauí – quando os participantes
e convidados puderam colaborar, levantando indicadores.
Após novo ciclo de trabalho das equipes, aconteceram mais
cinco plenárias para apresentação das diretrizes, metas e estraté-
gias do PEE, momento em que os participantes contribuiram com a
qualificação do texto, conferindo um caráter de produção coletiva ao
documento-base do PEE.
O referido documento foi discutido em conferências ou ple-
nárias em 224 municípios do estado, ocasiões em que se elegeram
delegados para as dezenove conferências intermunicipais, realizadas
de março a maio de 2015, com cerca de 3.000 pessoas. Nesse con-
texto, foram eleitos 900 delegados para a conferência estadual, que
ocorreu dias 1 e 2 de junho de 2015, com a participação de diversos
segmentos da sociedade civil e educacional, os quais consolidaram e
aprovaram proposições para o PEE, visando a referenciar as políticas
educacionais nos dez anos seguintes à sua publicação em todo o
sistema de ensino do Piauí.
O resultado do trabalho foi apresentado pelo FEE à Seduc como
minuta de PEE com 190 páginas, incluindo texto de lei, diagnóstico,
metas e estratégias, com vistas à realização dos trâmites necessários
à formatação em Projeto de Lei e ao encaminhamento ao Legislativo.
Durante o processo coordenado pelo FEE, houve participação ativa
dos técnicos da Seduc, embora a gestão estadual não se fizesse
presente em todos os momentos do processo. Após a entrega da
minuta, ocorreu a intervenção governamental no documento, antes
do envio para a Assembleia Legislativa do Piauí (Alepi).

443
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

Essa intervenção iniciou-se após a entrega da minuta do PEE


à Seduc, mediante avaliação técnica das Superintendências de En-
sino (Supen) e de Ensino Superior (Supes), as quais emitiram a Nota
Técnica Conjunta SEDUC/SUPEN/SUPES nº 001/2015, com alterações
nas Metas 5, 13, 17, 18 e 20, relacionadas à alfabetização, à ampliação
de mestres e doutores no ensino superior, à valorização dos pro-
fissionais da educação, à gestão e ao financiamento da educação,
respectivamente. A referida nota indicava a necessidade de análise
minuciosa, pela Seduc e pela Assesoria Jurídica, das metas relacio-
nadas à valorização dos profissionais da educação e ao financiamen-
to da educação, tendo sido encaminhada ao Conselho Estadual de
Educação (CEE).
O CEE recebeu a demanda com a solicitação de urgência, dado
o interesse da Seduc de enviar para a Alepi a proposta de PEE no prazo
de um ano, estipulado no PNE (artigo 8º) para que os estados, o Distrito
Federal e os municípios elaborassem seus correspondentes planos de
educação, em consonância com o Plano Nacional (BRASIL, 2014).
Dessa forma, o CEE organizou quatro grupos de trabalho “no
qual os Conselheiros foram divididos em grupos caracterizados pela
afinidade com as temáticas propostas no PEE” (PIAUÍ, 2015b, p. 1). Esse
trabalho resultou em algumas considerações, limitadas em função do
tempo e do fato de não ter sido encaminhado o diagnóstico do Plano,
como atesta o documento do Conselho:

Faz-se mister destacar, num exame raso da matéria,


tendo em vista a exiguidade do tempo e que não
foram repassados a este Conselho os diagnósticos
que orientaram a definição das metas e estratégias,
considerados imprescindíveis para o contraponto do
conteúdo (situação real versus situação projetada), que
muitas metas precisam de um exame mais aprofundado
no que concerne à situação administrativo-financeira
do Estado, uma vez que se sustentam audaciosas per
si, a exemplo das metas 1, 3, 6, 9, 11, 18 e 20. Do mesmo
modo, estão absolutamente passíveis de uma revisão
ampla, diante de algumas inconsistências de conteúdo,

444
O PLANO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO DO PIAUÍ: PROCESSO
DE ELABORAÇÃO E CONFIGURAÇÃO DA META SOBRE FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO

forma, redação; entre outras, boa parte das estratégias


que, neste contexto, não estão sendo analisadas na sua
completude, dadas as condições supramencionadas.
(PIAUÍ, 2015b, p. 3).

Destarte, em um documento de seis páginas, o CEE teceu


considerações sobre o conjunto de estratégias aprovadas na Con-
ferência de Educação, mas emitiu posição mais contundente em re-
lação à educação profissional e superior, reconhecendo os desafios
para a sua oferta, com as seguintes ponderações:

são modalidades que exigem, na sua execução, volumo-


sas somas de recursos financeiros e de pessoal adequa-
damente preparado. Com efeito, no projeto ora focado,
aparentemente muito generoso, não se vislumbra a
maneira como se obteria, concretamente, os meios para
viabilizá-las em tão curto espaço de tempo, numa época
de orçamentos em crise. (PIAUÍ, 2015b, p. 5).

No entanto, os recursos para o financiamento da expansão da


oferta foram claramente previstos na Meta 20, aprovada na Confe-
rência de Educação, como será tratado adiante.
Após esse processo, o Projeto de Lei foi encaminhado à Alepi,
em 6 de julho (PL nº 24/2015), com efetiva alteração em relação ao
aprovado na Conferência de Educação. Depreende-se que a Seduc
e o CEE, sem hegemonia no processo de elaboração do Plano, exe-
cutaram uma intervenção, reduzindo suas proposições em relação
às metas e estratégias, descaracterizando grande parte do trabalho
efetivado na conferência.
Essa situação levou à reação das entidades da sociedade
civil implicadas no processo, especialmente o Comitê Estadual da
Campanha Nacional pelo Direito à Educação; o Fórum Estadual do
Movimento Interfóruns da Educação Infantil do Brasil (Mieib); o Fórum
Piauiense de Educação do Campo (Fopec); a Central Única dos Tra-
balhadores (CUT); o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras em
Educação Pública do Estado do Piauí (Sinte); e o Nuppege.

445
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

Conforme explicita Medeiros (2016, p. 272), havia a expectativa


de que, após a entrega da minuta do PEE à Seduc, “o procedimento
fosse basicamente de legitimação do que foi produzido com a par-
ticipação social, em meio a discussões coletivas, tensões, conflitos
e disputas”. A minuta de PEE foi uma longa construção coletiva, cujo
ápice foi a discussão e aprovação da proposta de PEE na Plenária
Final da CONEd , daí porque a reação das entidades.
Essa reação iniciou por meio de negociação com a Presidên-
cia da Alepi para a realização de audiência pública, no começo do
segundo semestre de 2015. O impacto da atividade, que teve reper-
cussão na imprensa local, com denúncias das entidades sobre o es-
vaziamento do Plano, inclusive pela supressão do diagnóstico, levou
o poder público a chamar as entidades para reuniões de negociação
com gestores da Seduc e, posteriormente, com a chefia do gabinete
do governador e parlamentares da base governista, mediadas pela
coordenação responsável pela articulação com os movimentos so-
ciais no estado.
As referidas ações resultaram na recuperação de algumas
proposições, que foram materializadas no momento da aprovação do
PEE, Lei nº 6.733, de 17 de dezembro de 2015, embora o diagnóstico
tenha sido extirpado do PEE. Algumas metas foram descaracterizadas,
como as relacionadas à democratização da gestão, à valorização dos
profissionais da educação e ao financiamento da educação, assim
como houve a supressão e reconfiguração de partes das estratégias,
como expressa a Tabela 1.

Tabela 1 – Dados quantitativos: PNE, PEE e texto (documento) do PEE aprovado na CEE
do Piauí (2015)
Composição dos Planos de Educação PNE PEE CONEd-PI
Número de artigos 14 14 14
Número de metas 20 20 20
Número de estratégias 254 406 488
Estratégias do Eixo Financiamento da Educação (Meta 20) 12 34 52
Fonte: elaborada pelos autores, com base em Brasil (2014), Piauí (2015c) e CONEd-PI
(2015).

446
O PLANO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO DO PIAUÍ: PROCESSO
DE ELABORAÇÃO E CONFIGURAÇÃO DA META SOBRE FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO

Como ilustra a Tabela 1, as quantidades de artigos contidos


nas leis que instituem o PNE e o PEE são as mesmas (14), quantidade
igualmente observada no texto aprovado na CONEd-PI. Ademais, são
iguais as quantidades de metas que compõem os três documentos.
No entanto, em relação ao número de estratégias, são observadas
diferenças significativas nas quantidades apresentadas. A CONEd-PI
propôs 488 estratégias, mas essa quantidade caiu para 406 no per-
curso entre a conferência e a aprovação do PEE na Alepi. A redução
de 82 estratégias reprensenta, pois, um indício de supressão de
avanços educacionais propostos no texto produzido na Conferência
Estadual. Apesar dessa redução, observa-se que em relação ao PNE,
o PEE possui 152 estratégias a mais.
Em relação à Meta 20, objeto deste artigo, foi a que contou
com o maior número de proposições de estratégias. Nela igualmente
se observa redução significativa, uma vez que foram aprovadas 52
estratégias, embora essa quantidade tenha caído para 34 no movi-
mento entre a conferência e a aprovação do PEE na Alepi. A redução
de 18 estratégias, de certa forma, representa vetos às propostas ad-
vindas da sociedade civil organizada. Em relação ao PNE, o PEE possui
22 estratégias a mais. Essa superioridade quantitativa de estratégias
no PEE pode representar avanços, porquanto o esforço propositivo
dos delegados da Conae-PI está relacionado à tentativa de melhorar
o texto do PNE no plano estadual.
A publicação da Lei aprovando o PEE, em 17 de dezembro de
2015, encerra um longo processo que envolveu a elaboração do pri-
meiro PEE do Piauí, que explicitou os tensionamentos entre Estado e
sociedade no processo de elaboração de uma política pública rela-
cionada à garantia do direito à educação. Esse processo, como refere
Medeiros (2016, p. 272), permitiu “identificar uma faceta perigosa nos
processos de planejamento com participação social, o poder de par-
ticipação desprovido do poder de decisão, limitando a construção
democrática novamente aos limites da tecnocracia”.

447
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

Como resultado da ação das entidades, logo em seguida, no


processo de eleição da nova coordenação do FEE, visando a assegurar
a hegemonia da Seduc, várias entidades foram excluídas no processo
de recomposição do FEE, inclusive de algumas com assento no FNE,
o que levou a novos embates e ações para a sua reversão.
As entidades entenderam que houve a exclusão casuística de
entidades da sociedade civil do referido Fórum, devido ao receio de
ocorrer disputa pela sua coordenação, em um contexto de troca de
secretários de educação dentro da mesma coalisão – o que ocorreu
no segundo semestre de 2015. Nesse cenário, foram publicadas duas
portarias, em menos de quatro meses, tratando da composição do
FEE, nas quais entidades atuantes da sociedade civil foram excluídas.
A Portaria GSE/ADM nº 0246, de 22 de julho de 2015, publica-
da no Diário Oficial do Estado de 5 de agosto de 2015, recompõe a
“comissão” do Fórum e dá competência para que ela faça “o acom-
panhamento do Plano Estadual de Educação – PEE e a organização
da Conferência Estadual de Educação”; e a Portaria GSE/ADM nº 0319,
de 3 de novembro de 2015, cria o FEE.
As portarias excluíram instituições que faziam parte do FEE e
que participaram ativamente de sua construção – como a Campanha
Nacional pelo Direito à Educação –, e mantiveram instituições que
não participaram de reuniões do Fórum ou da elaboração do Plano.
Ressalta-se que a Portaria que cria o Fórum (nº 0319/2015 ) é do dia 3
de novembro de 2015, publicada no Diário Oficial no dia 4 de novem-
bro de 2015, portanto, no mesmo dia em que foi realizada a eleição do
coordenador, o Superintendente de Ensino Superior, representante
da Secretaria de Educação, em reunião com a participação de 13
instituições e 24 votantes, sendo 12 representantes da Seduc.

448
O PLANO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO DO PIAUÍ: PROCESSO
DE ELABORAÇÃO E CONFIGURAÇÃO DA META SOBRE FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO

A reação da sociedade civil ocorreu por força da publicação


de uma Carta Denúncia, assinada por 12 entidades2 (CAMPANHA
NACIONAL PELO DIREITO À EDUCAÇÃO, 2015), e pela provocação do
FNE, que se omitiu sobre o problema, possivelmente pelo fato de que,
no Piauí, o governo de estado era do Partido dos Trabalhadores (PT),
mesmo campo de hegemonia do FNE. Assim, as entidades repudiaram
a condução unilateral de composição do FEE-PI, que desrespeitou as
deliberações da CONEd e o princípio da gestão democrática.
A reversão dessa situação ocorreu, parcialmente, em 2016,
quando já consolidada a coordenação geral do FEE pelos gestores da
Seduc. Nesse processo, o FEE tornou-se uma instância burocrática
do sistema, tendo paralisado suas atividades. As entidades, no con-
texto de esvaziamento do FNE, que também vivenciou o processo
de exclusão de entidades e posterior saída dos movimentos mais
combativos, engajaram-se nas conferências populares de educação,
realizadas em 2017 e 2021, deslegitimando o FEE como instância de
gestão democrática do sistema estadual de educação do Piauí.

3 O FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO NO PEE DO PIAUÍ

O financiamento da educação está contemplado na Meta 20


do anexo II do PEE (Lei nº 6.733, de 17 de dezembro de 2015). A referida
meta tem 34 estratégias, sendo que 16 versam sobre o financiamento,
enquanto 18 dezoito tratam da gestão e do controle social dos recur-
sos da educação do Piauí. Assim, a Meta 20 do PEE do Piauí segue as
configurações da Meta 20 do PNE, ao definir questões referentes ao

2  Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca); Associação


Nacional de Política Educacional e Administração Escolar (ANPAE/PI); Central Única dos
Trabalhadores (CUT/PI); Centro de Estudos em Educação e Sociedade (CEDES); Comitê
Estadual da Campanha Nacional de Direito à Educação; Fórum Piauiense de Educação do
Campo (FOPEC); Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST/PI); Movimento
Interfórum de Educação Infantil do Brasil (MIEIB/PI); Núcleo de Estudos, Pesquisa e Extensão
em Educação e Sociedade (NEPES/UESPI); Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão em
Educação Popular e Educação do Campo/UESPI; Núcleo de Estudos e Pesquisas em Políticas
e Gestão da Educação da Universidade Federal do Piauí (NUPPEGE/UFPI); e Sindicato dos
Trabalhadores em Educação Básica Pública do Piauí (SINTE/PI).

449
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

financiamento, à gestão e ao controle social para o planejamento da


política educacional no estado por um período de dez anos.
Abordando, inicialmente, a Meta 20, estabelecida no PNE,
destaca-se o texto aprovado na Lei nº 13.005/2014: Meta 20 -
Ampliar o investimento público em educação pública de forma a
atingir, no mínimo, o patamar de 7% (sete por cento) do Produto
Interno Bruto (PIB) do País no 5º (quinto) ano de vigência desta Lei
e, no mínimo, o equivalente a 10% (dez por cento) do PIB ao final do
decênio (BRASIL, 2014).
O PNE estabeleceu, em consonância com o disposto na
Constituição Federal, os percentuais de investimento público em
educação para os dez anos de sua vigência, alcançando, como meta
intermediária, o patamar de 7% do PIB do País no 5º ano e, no mínimo,
o equivalente a 10% do PIB no fim do decênio. A aprovação da Meta 20
do PNE sem vetos representou um progresso, especialmente porque
foi fruto da luta da sociedade civil organizada.
No campo acadêmico, existe um debate sobre a configuração
e a viabilidade dessa meta, na perspectiva de cumprimento dos
percentuais nela estabelecidos. Sobre essa questão, Davies (2014)
aponta como principal problema o fato de não terem sido definidos
percentuais de progressividade de implementação entre a realidade,
no momento de aprovação do PNE, e o objetivo de alcançar 7% do PIB
no quinto ano e 10% no fim do decênio.
O supracitado autor adverte que, nesses termos, os órgãos
responsáveis pelas ações de monitoramento e a sociedade em geral
teriam dificuldades de acompanhar a execução da referida meta,
bem como de exigir do poder público o cumprimento progressivo de
aplicação de recursos financeiros em períodos mais curtos.
A materialização da crítica de Davies (2014) expressa-se nos
dados do Relatório do Terceiro Ciclo de Monitoramento do PNE, pu-
blicado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (Inep), em 2020. Tais dados revelam a distância que
o Brasil se encontra para o cumprimento da Meta 20, inclusive do

450
O PLANO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO DO PIAUÍ: PROCESSO
DE ELABORAÇÃO E CONFIGURAÇÃO DA META SOBRE FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO

percentual intermediário de 7% do PIB até o quinto ano de vigência


do plano, que não logrou êxito.
Conforme exposto no referido relatório, o Brasil apresentou
queda do gasto público em educação pública, no tocante ao PIB em
períodos consecutivos (2015, 2016 e 2017, e no resultado preliminar
para 2018). Os dados do Inep informam relativa estagnação dos
gastos públicos em educação, em torno de 5% e 5,5% do PIB, com
indicativo de queda no gasto público em educação pública. Essa si-
tuação representa um grande desafio para a efetividade da Meta 20,
condição que põe em xeque não somente o cumprimento da referida
meta, mas a execução de todas as propostas e estratégias do PNE no
prazo estabelecido.
Em análise preliminar sobre os limites e avanços do PNE
(2014-2024), preconizados na Meta 20, França (2016) aponta que
os recursos existentes no momento de sua aprovação seriam insufi-
cientes para alcançar o patamar de 10% do PIB, mesmo considerando
a projeção de novos investimentos em educação para os próximos
dez anos.
Por oportuno, deve-se considerar que a Emenda Constitu-
cional (EC) nº 95, que estabeleceu teto de gastos públicos para os
próximos vinte anos, tem papel importante na restrição dos investi-
mentos em políticas sociais, inclusive as educacionais, em benefício
dos interesses do grande capital nacional e internacional.
No que se refere ao PEE, na construção da Meta 20, durante o
processo preparatório e a execução da CONEd, discutiu-se se seria
adequado simplesmente reproduzir o texto nacional no plano de
âmbito estadual. No contexto da conferência, definiu-se que deveria
ser expressa no PEE a colaboração do poder público estadual e dos
poderes públicos municipais no esforço nacional de alcançar os 10%
do PIB em educação.
Nesse sentido, o seguinte texto foi aprovado na Conferência
Estadual:

451
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

Meta 20 - Contribuir com o esforço nacional de am-


pliação do investimento público em educação pública,
referente aos percentuais do PIB previstos na meta 20 do
Plano Nacional de Educação, mediante o aumento dos
percentuais vinculados à manutenção e desenvolvimen-
to do ensino, de forma a atingir, no mínimo, o patamar
de 30% (trinta por cento) no Estado do Piauí e em todos
seus municípios no 5º (quinto) ano de vigência desta
Lei e, no mínimo, o equivalente a 35% (trinta e cinco por
cento) ao final do decênio (CONED-PI, 2015, p. 86).

No tocante à Conferência Estadual, realizada com a participa-


ção de mais de 900 delegados dos 224 municípios do Piauí, e repre-
sentação de todos os segmentos da educação, compreendeu-se que
a participação do Piauí no esforço nacional dar-se-ia na ampliação
dos recursos da educação estadual e municipal, assegurando, inicial-
mente, o cumprimento da Constituição do Estado, que já estabelece,
em seu Art. 223, o investimento de 30% dos recursos provenientes,
impostos e transferências em educação:

Art. 223 – O Estado e seus Municípios aplicarão, anu-


almente, 30% (trinta por cento), no mínimo, da receita
resultante de impostos, compreendida a proveniente
de transferências, na manutenção e desenvolvimento
do ensino, permitida a utilização de até 5% (cinco por
cento) desse montante na capacitação, qualificação e
requalificação profissional e de mão-de obra. (Redação
dada pela Emenda Constitucional Estadual nº 13, de
21.12.2000) (PIAUÍ, 1989).


Dessa forma, assegurava-se que aqueles municípios que
acompanharam, em suas leis orgânicas, a Constituição Estadual,
referente aos 30% em educação, assim como o governo do estado,
já deveriam garantir a aplicação do percentual estipulado, dando o
prazo de cinco anos para os demais ampliarem seu investimento. Em
seguida, a partir dos sexto ano, todos deveriam ampliar seus investi-
mentos em educação para alcançar os 35% até o fim do decênio.

452
O PLANO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO DO PIAUÍ: PROCESSO
DE ELABORAÇÃO E CONFIGURAÇÃO DA META SOBRE FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO

Importante destacar que o estado e seus municípios não


têm respeitado esse dispositivo legal, com anuência do Tribunal de
Contas do Estado, que não cobra o cumprimento da Constitução do
Estado do Piauí pelos entes sob a sua jurisdição.
Em que pese o avanço aprovado na CONEd, com a intervenção
do poder público estadual na minuta do plano estadual, conforme já
retratado, houve desconfiguração de várias propostas, entre elas a da
Meta 20 que, na Lei nº 6.733/2015, aprovada, assumiu uma redação
genérica, como expresso a seguir:

Meta 20 - Garantir o investimento público em educação


a que se refere o inciso VI do art. 214 da Constituição
Federal e os recursos públicos aplicados na forma do
art. 212 da Constituição Federal, do art. 60 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias e do art. 223
da Constituição Estadual do Piauí investidos na oferta
pública direta, e contribuir com o esforço nacional de
ampliação do investimento público em educação públi-
ca, referente aos percentuais do PIB previstos na meta
20 do Plano Nacional de Educação. (PIAUÍ, 2015c).

A nova redação da Meta 20 do PEE não explicita que o Art.


223 da Constituição Estadual determina 30% de investimento em
educação, e retira a proposta de ampliação dos recursos vinculados
para 35% no fim do decênio. Dessa forma, em que pese a Lei destacar
que os recursos seriam investidos na “oferta pública direta”, avalia-se
que a Meta 20 do PEE aprovado é sucinta, quando propõe apenas a
garantia de investimento público em educação com base no que já
estabelece a CF de 1988, no Art. 214, inciso VI; no Art. 212; no Art. 60,
do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias; e no Art. 223 da
Constituição Estadual do Piauí, sem prever qualquer acréscimo aos
percentuais já praticados.
O fato observado no PEE-PI não é isolado no Brasil, consoante
indicam Fernandes e Gouvea (2017), em pesquisa sobre a Meta 20
dos planos municipais de dez capitais brasileiras. A referida pesqui-
sa apontou que, nos planos analisados, os entes federados não se

453
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

comprometeram com a ampliação dos recursos, apresentando, em


sua maioria, redação genérica que não notabiliza o compromisso do
poder público em relação aos recursos da educação.
Na compeensão de Souza (2016, p. 279),

[...] os governos estaduais poderiam contribuir para o


aumento de recursos na educação pública através de
seus PEEs e, com isso, colaborar para o país alcançar
a meta 20 do Plano Nacional de Educação; porém, a
maioria construiu um plano com meta e estratégias que
dificilmente trarão aumento significativo de recursos
para a educação pública do país.

Assim, embora uma das diretrizes do PEE do Estado do Piauí


(Lei n° 6.733/2015) denote existir comprometimento por parte do
estado com o alcance da meta de aplicação de recursos públicos em
educação, como proporção PIB, conforme a Meta 20 do PNE, o PEE
não explicita esse envolvimento, considerando que não dá qualquer
indicação de aumento do percentual de recursos a ser aplicado em
educação. Por isso, não se sabe como o poder público pode “con-
tribuir com o esforço nacional de ampliação do investimento público
em educação pública, referente aos percentuais do PIB previstos na
Meta 20 do Plano Nacional de Educação” (PIAUÍ, 2015c).
Atesta-se, portanto, o descompromisso do governo estadual
para com a educação pública do Piauí, fato reforçado pela aprovação
de EC estadual que estabeleceu um Teto dos Gastos (nº 47/2016), em
consonância com a política federal de contenção de investimentos
em políticas públicas (EC nº 95/2016), penalizando a classe traba-
lhadora, que necessita da ação estatal para ter assegurados os seus
direitos de cidadania.
Salienta-se que o aumento do PIB na educação pública, nos
patamares previstos no PNE, não depende tão somente do esforço
da União, pois é necessário que estados, Distrito Federal e municí-
pios delineiem metas e estratégias capazes de ensejar o aumento
de recursos públicos para a educação pública (SOUZA, 2016), como
proposto na CONEd do Piauí.

454
O PLANO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO DO PIAUÍ: PROCESSO
DE ELABORAÇÃO E CONFIGURAÇÃO DA META SOBRE FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO

Adicialmente, Souza (2016, p. 266) analisou as metas e estra-


tégias referentes ao financiamento da educação nas Leis dos PEEs
de 26 estados brasileiros e do Distrito Federal, e concluiu que 13
planos aprovados até 2016 reproduziram ipsis litteris a Meta 20 do
PNE, assumindo apenas uma retórica legal, uma vez que não vieram
acompanhadas de estratégias para as viabilizar, do ponto de vista
orçamentário e financeiro. O Piauí encontra-se entre os estados
cujo PEE, na meta que trata do financiamento, não prevê qualquer
esforço orçamentário para aumentar o percentual de recursos para
a educação.
O parágrafo 3º do Art. 5º do PEE estabelece que a meta
progressiva de investimento público em educação será objeto de
avaliação no quarto ano de vigência do Plano, podendo ser ampliada,
por meio de lei, com o intuito de atender às necessidades financeiras
das demais metas. Ressalta-se que até o momento de fechamento
deste texto, passados seis anos de aprovação do Plano, a referida
meta não foi submetida ao monitoramento pelos órgãos competen-
tes, situação similiar às demais metas do plano estadual.
A ausência de monitoramento denota consequências negati-
vas, como a fragilidade nas decisões estratégicas a serem tomadas
durante a vigência do Plano por parte do gestor, o que limita a ação
dos órgãos de controle social, remetendo à ausência de transpa-
rência e ao déficit da qualidade de informação para a sociedade,
conforme apontam os auditores do Tribunal de Contas do Estado do
Piauí (2020).
Outrossim, essa generalidade do PEE impede que entidades
que lutam em defesa da educação pública no estado tenham parâ-
metros mais claros para a cobrança em relação à oferta de educação
pública, popular, gratuita, laica, inclusiva e com qualidade social,
desde a educação infantil até a pós-graduação.
As instâncias responsáveis pelo monitoramento e pela avalia-
ção do PEE encontram-se informadas nos incisos I, II, III, V do Art. 5°
da Lei nº 6.733/2015, aos quais cabem a execução, o monitoramento

455
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

contínuo e a realização de avaliações periódicas do PEE do Piauí. São


elas: a Secretaria Estadual de Educação; a Comissão de Educação da
Alepi; o CEE; e o FEE. Destaca-se que o FEE teria papel central, como
instância que conduziu a elaboração do PEE.
Contudo, não interessa ao poder público que esse monitora-
mento seja efetivo, daí os processos de esvaziamento e manipulação,
como tratado anteriomente

3.1 As estratégias da Meta 20 do PEE do Piauí e do PNE

Neste item, responde-se à questão: quais aspectos do PEE


constituem avanços em relação ao PNE, para o financiamento da
educação? Nesse ensejo, realiza-se uma análise categorial das es-
tratégias presentes nos dois planos: PEE e PNE. Para efeito de compa-
ração, na Tabela 2, encontram-se as principais categorias presentes
nas 34 estratégias do PEE e nas 12 estratégias do PNE, revelando a
frequência com que cada categoria aparece nos respectivos planos.
Tabela 2 – Categorização das estratégias presentes nos Planos PNE e PEE (Piauí)
CATEGORIAS PEE PNE
Contribuição com fontes de recursos 6 3
Recursos em MDE 4 1
Participação no orçamento 3 0
Expansão do atendimento para grupos marginalizados 3 0
Mecanismo de transparência 3 1
Controle social 3 1
CAQi/CAQ 3 5
Regime de colaboração 2 1
Salário educação 1 1
Secretários de educação como ordenadores de despesas 1 0
Valorização dos trabalhadores da educação 1 0
Autonomia universitária 1 0
Mais recursos para merenda escolar 1 0
Gestão democrática das escolas 1 0
Transporte escolar 1 0
Lei de Responsabilidade Social 0 1
Total 34 14
Fonte: elaborado pelos autores, com base em Brasil (2014) e Piauí (2015c).

456
O PLANO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO DO PIAUÍ: PROCESSO
DE ELABORAÇÃO E CONFIGURAÇÃO DA META SOBRE FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO

Pela análise da Tabela 2, verifica-se que praticamente em


todas as estratégias categorizadas, o PEE apresenta quantidade
maior de categorias, com exceção da Lei de Responsabilidade Social
e CAQi/CAQ, sendo que essa última pode ser justificada porque, para
viabilizar o CAQ, é necessário uma participação financeira maior da
União. Destaca-se que essa meta no PNE representa um avanço,
decorrente da ação da socidade civil organizada, com destaque para
a atuação da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
A análise das estratégias indica que os delegados que aprova-
ram o PEE, como os de muitos estados e municípios brasileiros, não
se limitaram ao texto da Meta 20 e ao conteúdo das estratégias, ou
seja, não copiaram na íntegra o texto do PNE. O que se observou no
Piauí foi um avanço propositivo, sobretudo nas estratégias, como se
mostra a seguir.
Em relação à categoria Contribuição com fontes de recursos,
aparece no PEE seis vezes e no PNE, apenas três. Dentre as seis
categorias do PEE, observa-se preocupação em garantir fontes de
financiamento permanentes e sustentáveis para todos os níveis,
etapas e modalidades da educação básica, bem como assegurar
o cumprimento, por parte do governo estadual, do disposto no Art.
223 da Constituição do Estado do Piauí, referente à aplicação dos
recursos provenientes de impostos e transferências na Manutenção
e Desenvolvimento do Ensino (MDE).
Ademais, propõe-se que se reformulem as leis orgânicas dos
municípios, especialmente aquelas que não contemplam a aplica-
ção mínima de 30% dos recursos vinculados à manutenção e ao
desenvolvimento do ensino, preocupando-se, ainda, com a garantia
de ressarcimento de eventuais perdas de recursos da educação,
decorrente de políticas de renúncia e guerra fiscal, mediante o re-
estabelecimento proporcional para as despesas de manutenção e
desenvolvimento de ensino.
Recursos em MDE foi a segunda categoria com maior frequên-
cia, e refere-se à aplicação de recursos. Nesse sentido, o PEE acres-

457
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

centa aos recursos vinculados à educação, nos termos do Art. 212


da Constituição Federal, os repasses da parcela da participação no
resultado ou da compensação financeira pela exploração de petróleo
e gás natural, os royalties de todos os gêneros tecnológicos, cientí-
ficos e outros recursos, com a finalidade de cumprimento da meta
prevista no inciso VI do caput do Art. 214 da Constituição Federal, em
conformidade com a Lei Federal nº 12.858, de 9 de dezembro de 2013.
As categorias Participação no orçamento e Expansão do
atendimento para grupos marginalizados surgem em terceiro lugar.
Em relação à Participação no orçamento, nota-se a preocupação
dos delegados em assegurar que os planos orçamentários (PPA, LDO
e LOA) tenham suas informações rigorosamente alimentadas nos
sistemas de informações públicas, em conformidade com a classifi-
cação orçamentária, de forma fidedigna, permitindo transparência na
execução e que os conselhos estaduais e municipais, sobretudo do
Fundo de Manutenção de Desenvolvimento da Educação Básica e de
Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), e a sociedade
civil, participem da construção do PPA.
Os delegados conseguiram, inclusive, materializar no PEE suas
preocupações em democratizar, descentralizar, desburocratizar a
elaboração e a execução do orçamento, planejamento e acompa-
nhamento das políticas educacionais em todos os níveis, etapas e
modalidades de ensino, de forma a promover o acesso de toda a
comunidade local e escolar aos dados orçamentários e à transpa-
rência na utilização dos recursos públicos da educação, garantindo
mecanismos de participação direta no orçamento.
Em relação à categoria Expansão do atendimento para grupos
marginalizados, consta nas estratégias, como proposta, que se ga-
rantam financiamentos públicos, a criação e expansão de unidades
escolares públicas no campo para o atendimento aos povos das
águas, das florestas, do campo, quilombolas e indígenas, partindo
de metodologia adequada (alternância, entre outras) e oferecendo
cursos que atendam às necessidades locais.

458
O PLANO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO DO PIAUÍ: PROCESSO
DE ELABORAÇÃO E CONFIGURAÇÃO DA META SOBRE FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO

Ademais, propõem assegurar recursos que deem suporte


para a oferta da EJA nas áreas rurais e em zonas periféricas da zona
urbana, devido às condições geográficas e socioeconômicas da re-
alidade na qual a comunidade está inserida, bem como ampliar os
recursos públicos destinados à expansão, melhoria e reestruturação
das instituições públicas de ensino profissional, fortalecendo o seu
caráter público, gratuito e com qualidade socialmente referenciada.
Por fim, em quarto lugar tem-se as categorias Mecanismo
de transparência e Controle social. Elas expressam as maiores
preocupações dos delegados que, no PEE, conseguiram aprovar o
fortalecimento dos mecanismos e os instrumentos que assegurem,
nos termos do parágrafo único do Art. 48 da Lei Complementar no 101,
de 4 de maio de 2000, a transparência e o controle social na utiliza-
ção de recursos públicos aplicados em educação, especialmente a
realização de audiências públicas, a criação de portais eletrônicos de
transparência e a capacitação de membros de conselhos de acom-
panhamento e controle social do Fundeb, com a colaboração entre
o Ministério da Educação, as Secretarias de Educação dos Estados, e
os Tribunais de Contas da União e do Estado do Piauí.
Os delegados conseguiram aprovar, inclusive, mecanismos que
possibilitem o acompanhamento de políticas educacionais em todos
os níveis, etapas e modalidades de ensino, de forma a promover o
acesso de toda a comunidade local e escolar aos dados orçamentários
e à transparência na utilização dos recursos públicos da educação, ga-
rantindo mecanismos de participação direta no orçamento, tomando
como exemplo a metodologia do orçamento participativo.
Outrossim, propõem assegurar leis e programas para tornar
públicas e transparentes as receitas e despesas do total de recursos
destinados à educação em cada sistema público de ensino estadual
e municipal, e assegurar a efetiva fiscalização da aplicação desses
recursos, por meio dos Conselhos de Educação, do Ministério Públi-
co, dos Tribunais de Contas, além de diversos segmentos e setores

459
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

da sociedade, considerando diferentes níveis, etapas e modalidades


de educação.
As demais categorias, com exceção de Salário educação,
aparecem apenas no PEE (uma vez) e mostram a preocupação dos
delegados com questões importantes da área de educação, as quais
não foram contempladas no PNE, a exemplo das categorias: Autonomia
universitária; Valorização dos trabalhadores da educação; Gestão de-
mocrática das escolas; Mais recursos para merenda escolar; Transpor-
te escolar; e Secretários de educação como ordenador de despesas.
Embora a categoria Salário educação apareça tanto no PNE
quanto no PEE, uma única vez, constata-se avanço no texto formu-
lado no PEE, tendo em vista que detalha como serão aperfeiçoados
e ampliados os mecanismos de acompanhamento da arrecadação
do salário educação, ao designar a criação de mecanismos de trans-
parência sobre a execução dos recursos da contribuição social, e
salário educação em meios de comunicação (Diário Oficial, jornais,
internet, entre outros).

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise do processo de elaboração do PEE e de seus resulta-


dos indica que os delegados da Conferência Estadual foram bastante
propositivos, pois aprovaram 488 estratégias contra 254 contidas no
PNE, revelando o esforço coletivo na busca de solução para os graves
problemas que atingem a educação no estado do Piauí. Todavia, esse
processo foi parcialmente barrado, levando à exclusão de 82 estra-
tégias do texto aprovado na CONEd-PI, sendo18 atinentes à Meta 20,
referentes ao financiamento da educação.
A proposta de ampliação de impostos, aprovada na CONEd-PI,
extensiva a todos os municípios, passando dos atuais 30% para 35%,
significaria um esforço do estado do Piauí para aportar mais recursos
para a educação, contribuindo para o empenho nacional de amplia-
ção do investimento público em educação pública previsto na Meta
20, a fim de atingir, no mínimo, o patamar de 7% do PIB do País no

460
O PLANO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO DO PIAUÍ: PROCESSO
DE ELABORAÇÃO E CONFIGURAÇÃO DA META SOBRE FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO

quinto ano de vigência do PNE e, no mínimo, o equivalente a 10% do


PIB no fim do decênio.
Não é tarefa fácil de mensurar o que se deixou de avançar no
setor educacional em virtude da exclusão de um número elevado de
estratégias do texto aprovado na CONEd-PI. A problematização so-
bre os reais motivos da supressão dessas estratégias informam que
isso decorreu da lógica gerencial estabelecida na Seduc do Piauí e da
concepção limitada sobre o significado de democratização da edu-
cação, minimizando o papel da Conferência de Educação e, portanto,
perdendo uma oportunidade histórica de inclusão das proposições
da sociedade no primeiro PEE do Piauí.
Nas condições de retrocessos e de negação dos direitos sociais,
com a atual política implementada pelo governo Bolsonaro, a educa-
ção é afetada não somente na esfera federal, mas também estaduais
e municipais. Os relatórios do monitoramento do PNE, produzidos pelo
Inep, têm revelado que o PNE não tem sido tomado como referência
para as políticas educacionais. Ao contrário: medidas como a EC nº
95, que estabelece congelamento dos gastos por 20 anos, e que tem
sua versão no estado do Piauí, indicam que o direito à educação não é
referência para as políticas governamentais no setor.
Em relação à Meta 20 do PEE do Piauí, fica patente a neces-
sidade de ação conjunta da sociedade civil organizada que atua em
defesa da garantia de uma educação pública, popular, gratuita, laica,
inclusiva e de qualidade social, em todos os níveis, etapas e modali-
dades do ensino, no sentido de cobrar do poder público ações que
materializem o PEE e que, portanto, viabilizem mais recursos para a
educação, a fim de que se possa assegurar a oferta educacional no
estado em condições de atendimento dignas.
Deveras, dados publicados em âmbito nacional pelos relató-
rios de monitoramento do Inep, e em âmbito local pelo relatório do
TCE, acendem sinal de alerta sobre os prejuízos que o País poderá
contabilizar caso os rumos da política educacional brasileira não
tomem outra direção.

461
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

REFERÊNCIAS

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil.


Promulgada em 5 de outubro de 1988. Brasília, DF, 1988. Disponível em: http://
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ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc95.htm. Acesso em: 12 jan. 2022.
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para as áreas de educação e saúde de parcela da participação no resultado ou
da compensação financeira pela exploração de petróleo e gás natural, com a
finalidade de cumprimento da meta prevista no inciso VI do caput do art. 214
e no art. 196 da Constituição Federal; altera a Lei nº 7.990, de 28 de dezembro
de 1989; e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12858.htm. Acesso em: 12 jan. 2022.
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462
O PLANO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO DO PIAUÍ: PROCESSO
DE ELABORAÇÃO E CONFIGURAÇÃO DA META SOBRE FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO

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O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

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464
O PLANO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO DO PIAUÍ: PROCESSO
DE ELABORAÇÃO E CONFIGURAÇÃO DA META SOBRE FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO

GESTORES ESCOLARES
E TRABALHO REMOTO NO PIAUÍ EM
TEMPO DE PANDEMIA POR COVID-19

Lucineide Barros Medeiros


Samara de Oliveira Silva

1 INTRODUÇÃO

O Comitê Piauí da Campanha Nacional pelo Direito à Educação,


o Núcleo de Estudos e Pesquisas em Políticas e Gestão da Educação
(Nuppege/UFPI) e o Sindicato dos Trabalhadores em Educação do
Piauí (Sinte-PI) publicam os resultados da Consulta pública para
gestores (as) da Rede Estadual de Educação Básica do Piauí sobre o
trabalho remoto diante da pandemia de Covid-19.
Essa consulta foi realizada entre os dias 08/06/2020 e 28de
junho de 2020/06/2020, teve como objetivo de conhecer os limites
e as possibilidades que os (as) gestores (as) da rede estadual de
educado Piauí estão enfrentando diante da adoção do ensino remoto
implementado pela Seduc-PI, verificando as condições cotidianas
de acesso à internet, uso dos equipamentos, tipos de atividades
realizadas, grau de satisfação, dentre outros, no contexto da crise
provocada pela pandemia, após a suspensão das aulas presenciais
da rede estadual de educação do Estado do Piauí.
Os dados foram coletados a partir de um questionário con-
tendo 21 perguntas de múltipla escolha (via Formulário on-line no
Google). Assim, foram analisados por uma Comissão de Sistematiza-
ção composta por membros do Comitê Piauí da Campanha Nacional
pelo Direito à Educação. Os resultados da análise são disponibilizados
em forma de Relatório, apresentados no site e nas redes sociais do
Sinte-PI, do Comitê Piauí e Nuppege/UFPI.

465
No estado do Piauí, as universidades, escolas públicas e priva-
das mantiveram as atividades suspensas a partir do dia 16 de março
de 2020, conforme Decreto Estadual nº 18.884. Posteriormente,
ocorreu nova publicação de prorrogação da suspensão das aulas até
30 de abril de 2020, conforme o Decreto nº 18.913, de 30 de março
de 2020.
Ademais, em 26 de março de 2020, o Conselho Estadual de
Educação do Piauí (CEE/PI) publicou a Resolução nº 061/2020, que
dispõe sobre o regime especial de aulas não presenciais para institui-
ções integrantes do Sistema Estadual de Ensino do Piauí, em caráter
de excepcionalidade e temporalidade, enquanto permanecerem as
medidas de isolamento previstas pelas autoridades sanitárias na pre-
venção e combate ao novo coronavírus (CARTA AO CNE/CCE, 2020).
Logo após, a Seduc/PI editou, em 6 de abril de 2020, estra-
tégias e diretrizes sobre o regime especial de aulas da Rede Pública
Estadual de Ensino do Piauí, com vigência durante o decreto que
suspende as aulas no ambiente escolar. Em 30 de abril do mesmo
ano, publicou o Decreto nº 18.966, determinando a prorrogação da
suspensão de aulas presenciais até 31 de julho de 2020.
Nessa conjuntura, evidenciamos desafios relacionados ao
trabalho remoto de gestores escolares no processo de continuidade
das atividades em escolas públicas do Piauí no período da pande-
mia por Covid-19, situando esse fenômeno no âmbito de medidas
adotadas pelo governo brasileiro que, devido ao momento intenso
de avanço da pandemia, recomendou a continuidade das atividades
escolares por meios não presenciais, tencionando mitigar problemas
ocasionados pela suspensão das aulas presencias.
A problemática estrutural existente na base de organização do
trabalho na escola e, mais diretamente no trabalho de gestores(as),
constitui-se como mediação para alcançar determinados fins defini-
dos no contexto da política educacional hegemônica, ocasionando,
por vezes, tensões, quando entram em choque com valores e propó-
sitos voltados à promoção da liberdade e da humanização.

466
GESTORES ESCOLARES E TRABALHO REMOTO NO PIAUÍ EM
TEMPO DE PANDEMIA POR COVID-19

A propósito, Mendes (2013, p. 11) destaca que o tipo de gestão


escolar realizada sempre “traz consigo uma concepção de Estado, de
homem, de sociedade e de mundo”. Isso torna-se possível por meio
do trabalho, ou seja, da relação entre as pessoas e o meio em que
se encontram, guiada por condutas preestabelecidas em decisões
estruturadas em ordenamentos formais.
No entendimento de Paro (2016), o conceito de gestão escolar
vem sofrendo mudanças importantes no processo histórico, as quais
incidem nas concepções sobre a escola e sua função social. Na lógica
neoliberal, de acordo com Freitas (2018), a política educacional está
voltada ao cumprimento de determinada eficiência identificada com
valores de mercado e ações que promovam a sua expansão.
Assim, partimos da compreensão de que a manutenção do
funcionamento das escolas no período de pandemia – quando a Or-
ganização Mundial de Saúde (OMS) recomendou a adoção de medidas
de distanciamento social –, sem a garantia de condições operacionais
que preservassem a saúde e a vida de estudantes e trabalhadores(as),
resvala uma dimensão quanto ao uso funcional da pandemia para o
cumprimento de finalidades existentes na base de intenções que es-
truturam a função da escola a serviço do avanço do capital, para tanto,
fazendo uso do trabalho dos gestores. Sob outra dimensão, desnuda
preocupações e dificuldades enfrentadas por gestores(as) para evitar
a ampliação da exclusão escolar dos(as) estudantes.
Diante do contexto temporal de realização da coleta de dados
que subsidia a presente discussão, estrutura-se este estudo a partir
dos seguintes passos: inicialmente, apresentamos explicações e
considerações a respeito da metodologia implicada no trabalho; em
seguida, reflexões sobre a gestão escolar e as mudanças do mundo
do trabalho, tendo em vista as aulas não presencais durante a pan-
demia, com destaque aos resultados da consulta pública junto aos
gestões da rede estadual de educação do Piauí.

467
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

2 SOBRE A CONSTRUÇÃO METODOLÓGICA

A discussão ancora-se em dados de uma consulta realizada


pelo Comitê Piauí da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, o
Nuppege/UFPI e o Sinte-PI, voltada para gestores(as) da Rede Esta-
dual de Educação Básica do Piauí sobre o trabalho remoto diante da
pandemia de Covid-19.
Realizada entre os dias 8 e 28 de junho de 2020, estabeleceu
como objetivo conhecer os limites e as possibilidades diante da
adoção do ensino remoto implementado pela Seduc-PI, verificando
as condições cotidianas de acesso à internet, uso dos equipamentos,
tipos de atividades realizadas, grau de satisfação, entre outros, no
contexto da crise provocada pela pandemia, após a suspensão das
aulas presenciais na referida rede.
Os dados foram coletados por meio de um questionário com
21 perguntas de múltipla escolha (via Formulário on-line no Google),
amplamente divulgado com o apoio direto do Sinte-PI, que congrega
trabalhadores em educação em todo o estado. Findado o prazo de
coleta, os dados foram sistematizados e analisados por uma comis-
são, composta por membros do Comitê Piauí da Campanha Nacional
pelo Direito à Educação. Os resultados da análise foram disponibili-
zados em forma de Relatório, no site e nas redes sociais do Sinte-PI,
do Comitê Piauí e NUPPEGE/UFPI.
Em sintonia com Franco (2011, p. 103), levamos em considera-
ção que o ato investigativo em educação “implica o reconhecimento
do caráter dialético e dialógico da construção da realidade educa-
tiva”, desse modo, exigindo das pessoas que investigam a opção
por procedimentos que captem o real, o máximo possível, em seus
movimentos e contradições. Daí a necessidade de um questionário
amplo, visando a abarcar aspectos subjetivos e da objetividade que
implica a natureza do trabalho do gestor escolar.
Na escolha do referencial teórico-analítico, procuramos não
perder de vista a complexidade que integra a política educacional na

468
GESTORES ESCOLARES E TRABALHO REMOTO NO PIAUÍ EM
TEMPO DE PANDEMIA POR COVID-19

atualidade, considerando as dimensões estrutural e conjuntural da


situação de pandemia, e os apelos para a continuidade das aulas, vo-
calizados nos meios de comunicação diante das medidas adotadas
pelos governos.
Isso posto, buscamos no referencial teórico-analítico a cons-
trução de sentidos para o significado das informações fornecidas
pelos(as) gestoras, por meio da mediação do pensamento crítico
totalizante, que não negligencia as singularidades e especificidades
locais, a exemplo daquelas que traduzem a realidade da educação no
estado do Piauí.

3 GESTÃO ESCOLAR, MUDANÇAS NO MUNDO DO TRABALHO E


AULAS NÃO PRESENCIAIS

Paro (2017, p. 40) denuncia que “a verdadeira função da


escola, todo mundo sabe disso, tem sido legitimar a inferioridade
dos inferiores, garantir a dominação sobre as populações que mais
precisam da escola”. Essa contradição está colocada na base de
produção da escola capitalista, mas é tensionada permanentemente
pela perspectiva do direito de que, segundo a Constituição Federal
de 1988, deve alcançar a todas em pessoas com determinado padrão
de qualidade social.
Os(as) gestores(as) escolares estão entre as pessoas que
mais sofrem a tensão para fazer com que a escola se reproduza a
partir desse padrão desejável pelas forças dominantes. Por outro
lado, podem incidir mais diretamente na alteração das dinâmicas ad-
ministrativas, por operarem diretamente na promoção e no controle
de rotinas e procedimentos. Vale salientar que, conforme Marx (1977,
p. 24), “não é a consciência dos homens que determina o seu ser, é o
ser social que, inversamente determina a sua consciência”.
Esse processo realiza-se no sistema educacional e na escola
sob uma multiplicidade de medidas sistemicamente articuladas,
porém, na atualidade, ganha destaque o processo de privatização.

469
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

Aliás, Freitas (2018, p. 104) chama atenção para os mecanismos de


controle dos processos de gestão pela “introdução de concepções
e formas de gestão privadas nas redes públicas”. Junto com isso, “ao
redor da escola floresce um mercado de consultorias e assessorias
destinadas a lidar com todas essas exigências”. Há também uma
escala no aprofundamento da dependência da escola às tecnologias,
tornando-a “apêndice das plataformas interativas em sala de aula,
sendo mais facilmente adaptável aos planos de gestão de resultados
e à flexibilização da força de trabalho”.
Motta (2000) situa essas mudanças no contexto da reestrutu-
ração produtiva que adotou um modelo flexível de acumulação, pro-
movendo novas necessidades tecnológicas que incidem diretamente
no caráter organizacional e de gestão não apenas de empresas e insti-
tuições, mas do próprio trabalho, visando a aumentar a produtividade,
geralmente sob o manto do desenvolvimento e da inovação.
Esse processo recai nas dimensões de espaço e tempo: os
horários e locais de trabalho podem movimentar-se, extrapolando o
regime, as jornadas e os espaços previstos nos contratos de trabalho,
o que não foi difícil de concretizar na ambiência escolar, considerando
que o trabalho sempre transitou dos prédios escolares às residências
dos(as) trabalhadores(as).
O prédio escolar como espaço formal de realização da jorna-
da vem saindo de cena com o avanço dos processos de educação a
distância. Todavia, essa situação também vem atraindo críticas e po-
sicionamentos de defesa das relações interpessoais em tempo real
no processo ensino-aprendizagem, representando certo constran-
gimento ao avanço do mercado de venda de insumos tecnológicos
para a educação. Contudo, os impedimentos de aulas presenciais
adotados na pandemia tornaram imperativos outros medos de co-
municação entre escola e comunidade.
Desse modo, o CEE/PI fez constar no Art. 4º de sua Resolução
nº 061/2020 que “os gestores das unidades escolares, para terem os
dias letivos em período especial admitidos no cômputo do calendário

470
GESTORES ESCOLARES E TRABALHO REMOTO NO PIAUÍ EM
TEMPO DE PANDEMIA POR COVID-19

terão as seguintes atribuições para execução do regime especial de


aulas não presenciais”:

I - Planejar e elaborar, com a colaboração do corpo do-


cente, as ações pedagógicas e administrativas a serem
desenvolvidas durante o período supracitado respeitando
as medidas de prevenção à disseminação do vírus, com o
objetivo de viabilizar material de estudo e aprendizagem
de fácil acesso, divulgação e compreensão por parte dos
estudantes e seus familiares, bem como divulgar, junto à
comunidade escolar, as formas de prevenção e cuidados,
de acordo com os órgãos de saúde;

II – divulgar o referido planejamento entre os membros


da comunidade escolar;

III – preparar material específico para cada etapa e


modalidade de ensino, com facilidades de execução e
compartilhamento, como: vídeo aulas, conteúdos organi-
zados em plataformas virtuais de ensino e aprendizagem,
redes sociais e correio eletrônico;

IV – organizar o material específico respeitando o mo-


mento de isolamento social e a convivência social, de
modo a manter a coerência entre o que é ensinado e
as atividades não presenciais, a serem realizadas pelos
estudantes, cuidando para não sobrecarregar os estu-
dantes e suas famílias com atividades excessivas;

V – zelar pelo registro da frequência dos estudantes, por


meio de relatórios e acompanhamento da evolução nas
atividades propostas realizadas;

VI– organizar avaliações dos conteúdos ministrados


durante o regime especial de aulas não presenciais, para
serem aplicadas na ocasião do retorno às aulas presen-
ciais. (CEE/PI, 2020).

Como se pode observar, há uma carga de trabalho a ser


desenvolvido em uma conjuntura totalmente nova e adversa. Além
disso, embora não se possa encontrar, explicitamente, em algum

471
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

documento, uma situação de obrigatoriedade quanto à realização do


trabalho, alinhado a um padrão de relação entre gestores do sistema
educacional, no caso da Seduc/PI, e gestores escolares que, muito
embora situados publicamente sob o manto da gestão democrática,
na prática, aproximam-se cada vez mais dos moldes da relação em-
presarial entre patrão-empregado(a), e esta tende a reproduzir-se
na relação entre gestores(as) escolares, professores(as) e demais
trabalhadores(as) da escola.
A garantia desse padrão tem relação direta com o tipo de
escolha dos dirigentes escolares na atualidade, em que os processos
de eleição direta de gestores(as), especialmente diretores(as), pela
comunidade escolar, dá lugar a outras modalidades de escolha, com
a interferência direta das secretarias, fazendo com que a relação
político-pedagógica se converta em relação política de indicação à
cargos, gerando dívida de favores e obediência, em detrimento dos
interesses da comunidade escolar.

4 CARATERIZAÇÃO DE GESTORES PARTICIPANTES DA


CONSULTA PÚBLICA

De acordo com informações do Laboratório de Dados Educa-


cionais, coletadas a partir dos Microdados do Censo Escolar (Inep)
no estado do Piauí, no ano de 2020, havia 641 escolas da rede pública
estadual, 91,41% das quais localizadas nas zonas urbanas. Participaram
da pesquisa 22 gestores de 13 municípios piauienses onde ocorre
o atendimento educacional na rede estadual de educação do Piauí,
como ilustra o Gráfico 1.

472
GESTORES ESCOLARES E TRABALHO REMOTO NO PIAUÍ EM
TEMPO DE PANDEMIA POR COVID-19

Gráfico 1 – Municípios dos gestores

Fonte: Comitê Piauí da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (2020).

O Gráfico 1 indica Picos com a maior adesão de gestores res-


pondentes, totalizando 22,7%, seguidos dos municípios de José de
Freitas, Pio IX, Oeiras e Monsenhor Hipólito. Os demais municípios
contaram com 4,5% de respondentes em termos de participação.
Vale sobrelevar que houve baixa participação dos gestores, consi-
derando as mais de 650 escolas existentes na rede estadual do Piauí
(SEDUC-PI, 2019).

5 A GESTÃO E OS DESAFIOS PARA ASSEGURAR O DIREITO À


EDUCAÇÃO NA PANDEMIA

A gestão escolar implica diferentes agentes individuais e co-


letivos, a exemplo dos espaços colegiados voltados à discussão e às
decisões, seja para fins pedagógicos ou administrativos, atendendo
às orientações contidas no modo de organização da política educa-
cional brasileira.
À vista disso, as discussões sobre democratização da educa-
ção escolar orientam a escolha de gestores escolares responsáveis
pelas funções de direção em processos seletivos envolvendo a
comunidade escolar. Não obstante, essa perspectiva vem perdendo
força e demonstra a realidade em que avançam os processos de
indicações políticas de mandatários para essas funções, imprimindo
dificuldades à ação livre desses agentes e à autonomia escolar.

473
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

Nesse cenário, enfrentamos diversas dificuldades de acesso


a esses agentes, seja pela escassez de contatos ou pela resistência
em responder, com receio de que esse ato entre em choque com
a orientação institucional. Isso indica a necessidade de maior apro-
fundamento da consulta, a fim de apreender a situação desses(as)
gestores(as) nos demais municípios do estado, principalmente da
região sudoeste piauiense, que não teve respondente.
Quando questionados sobre a função que exercem na escola,
os resultados são apresentados no Gráfico 2.

Gráfico 2 – Função que os(as) gestores(as) exercem

Fonte: Comitê Piauí da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (2020). Nota: 1,1%
EJA (Amarelo).

Verificamos que 54,5% dos(as) gestores(as) respondentes a


essa consulta pública são coordenadores(as) pedagógicos(as) nas
escolas; 36,4% exercem outras funções; e 9,1% são diretores(as) de es-
colas. Quanto aos conselheiros(as) escolares, não houve respondentes.
Sobre a localização geográfica das escolas em que atuam
esses(as) gestores(as) durante o período letivo, observa-se o Gráfico
3 a seguir.

474
GESTORES ESCOLARES E TRABALHO REMOTO NO PIAUÍ EM
TEMPO DE PANDEMIA POR COVID-19

Gráfico 3 – Localização geográfica da escola em que os(as) gestores(as) atuam

Fonte: Comitê Piauí da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (2020).

Em consonância com o disposto no Gráfico 3, quanto à localiza-


ção da escola em que estão vinculados, os(as) gestores(as) estão assim
distribuídos: 86,4% na zona urbana; e 13,6% na zona rural. Vislumbra-se,
pois, o desafio de apurar com maior cuidado a realidade da zona rural,
tendo em vista a reconhecida dificuldade de acesso da comunidade
escolar, de modo geral, e de modo particular dos(as) gestores(as).
Quando indagados(as) receberam orientações específicas
sobre o funcionamento das escolas no período da pandemia, as
respostas encontram-se dispostas no Gráfico 4.

Gráfico 4 – Orientações específicas sobre o funcionamento da escola no período da


pandemia

Fonte: Comitê Piauí da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (2020).

475
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

No Gráfico 4, pode-se aferir que 81% dos participantes in-


formaram ter recebido orientações, enquanto 19% afirmam não ter
sido orientados sobre o funcionamento das escolas no período da
pandemia.
Ressalta-se que não foi possível verificar a qualidade dessas
orientações e se elas são suficientes para colocar em andamento
as determinações da Seduc-PI. Quanto aos 19% que não receberam
orientações, revela um dado preocupante, porquanto representa
um índice elevado diante da complexidade que exige esse tipo de
atividade, ainda mais contabilizando como dias letivos.
Foi perguntado, ainda, se na escola em que esses(as) ges-
tores(as) atuam há oferta de matrícula para alunos da educação
especial, cujos resultados estão no Gráfico 5.

Gráfico 5 – Oferta de matrícula para estudantes com deficiência

Fonte: Comitê Piauí da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (2020).

Verifica-se que 59,1% dos(as) gestores(as) respondentes afir-


maram que têm matrícula de alunos da educação especial na escola,
porém não é possível saber se esses(as) estudantes, de fato, mantêm
vínculo de frequência com a escola.
Além disso, os dados apresentam uma situação curiosa: 40,9%
dos(as) gestores(as) informaram que nas escolas em que atuam não

476
GESTORES ESCOLARES E TRABALHO REMOTO NO PIAUÍ EM
TEMPO DE PANDEMIA POR COVID-19

há matrícula de estudantes da educação especial. Quanto às orien-


tações específicas para os(as) estudantes da educação especial
durante a pandemia, as respostas estão constantes no Gráfico 6.

Gráfico 6 – Orientações específicas para estudantes da educação especial em relação


ao funcionamento das instituições durante a pandemia

Fonte: Comitê Piauí da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (2020).

Os(as) gestores(as), em sua ampla maioria (90,5%), respon-


deram que não foram dadas orientações específicas para alunos da
educação especial em atividades remotas durante a pandemia; e
somente 9,5% informaram ter recebido tais orientações.
Trata-se de uma situação grave, tendo em vista a realidade
de exclusão desse público, que requer não apenas a sua inserção via
matrícula, mas principalmente apoio pedagógico especializado.
Quanto às orientações para os alunos da EJA durante a pan-
demia, as respostas estão ilustradas no Gráfico 7.

477
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

Gráfico 7 - Orientações específicas para estudantes da EJA em relação ao funcionamento


das instituições durante a pandemia

Fonte: Comitê Piauí da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (2020).

Nesse ponto, representando 27,3% dos(as) gestores(as) adu-


ziram que não foram dadas orientações específicas para alunos da
educação de jovens e adultos em atividades remotas durante a pan-
demia; ao que 50% afirmaram que receberam orientações; e 22,7%,
não existem matrículas de jovens e adultos na escola em que atuam.
Apesar do elevado índice de analfabetismo no estado do Piauí,
nota-se pelas informações dessa consulta negligência quanto ao tra-
tamento de uma das principais políticas voltadas à superação dessa
realidade, o que indica sérios entraves no combate à evasão e na
garantia da universalização do ensino, sobretudo a favor desse público.
Ao serem questionados(as) sobre as medidas adotadas pelas
escolas em que atuam em relação às atividades remotas, os resulta-
dos estão ilustrados no Gráfico 8.

478
GESTORES ESCOLARES E TRABALHO REMOTO NO PIAUÍ EM
TEMPO DE PANDEMIA POR COVID-19

Gráfico 8 – Medidas tomadas pela escola onde atuam os(as) gestores(as) em relação
às atividades remotas

Fonte: Comitê Piauí da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (2020).


*Nota: 4,5% (verde) Outra medida.

Sobre as medidas de manutenção do calendário letivo, a subs-


tituição das práticas pedagógicas realizadas nas instituições de ensino
por atividades remotas foram mantidas, segundo os(as) gestores(as),
por 81,8% dos(as) respondentes; enquanto 13,6% informaram que
houve antecipação das férias escolares; e 4,5%, que foi implementada
outra medida. Nenhum(a) dos(as) gestores (as) informou a suspensão
do calendário letivo para ser reorganizado após a pandemia.
Quando questionados(as) sobre os meios propostos para
a realização das atividades remotas, 86,4% dos(as) gestores(as)
responderam que por meio do WhatsApp; 77,3%, material impresso
entregue pela escola; 36,4%, canais de comunicação da instituição
ou da secretaria; 13,6%, outros meios; 4,5% pelo Facebook; 4,5% pelo
Instagram; e 4,5% pela Rádio. Destaca-se que nessa questão, poderia
ser marcada mais de uma opção.
Quando indagados como são propostas as atividades remo-
tas, os resultados são apresentados no Gráfico 9.

479
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

Gráfico 9 - Meio como são propostas as atividades remotas

Fonte: Comitê Piauí da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (2020).

A parcela de 33,3% dos(as) gestores(as) respondentes infor-


maram que as atividades remotas são repassadas diretamente às
crianças; 19% afirmaram que realizam por meio de orientações às
famílias; e quase metade (47,6%), que entram em contato de outra
forma não especificada na consulta.
Observamos que não há orientação que expresse um plane-
jamento voltado ao conjunto dos(as) estudantes matriculados(as), e
nesse sentido, é possível que parte considerável não esteja integra-
do(a) às atividades cotidianas na escolas. Outrossim, o repasse de
atividades por si só não garante a qualidade satisfatória do processo
ensino-aprendizagem, pois requer acompanhamento e orientação
para evitar o problema de acesso às informações, sites indevidos,
entre outros aspectos prejudiciais a adolescentes e crianças.
Adicionalmente, questionou-se se houve levantamento para
verificar as condições de acesso de famílias e alunos aos meios/re-
cursos digitais utilizados. Apuramos que essas condições não foram
verificadas em 22,7%; 40,9% informaram que foi realizado levanta-
mento junto às famílias; 22,7%, levantamento a partir dos dados dis-
poníveis sobre o perfil das famílias; e 27,3%, afirmaram que a adoção
de atividades remotas aconteceu com base em outras informações.

480
GESTORES ESCOLARES E TRABALHO REMOTO NO PIAUÍ EM
TEMPO DE PANDEMIA POR COVID-19

Assim, avulta-se que a relação entre escola e comunidade


precisa ser aperfeiçoada, e nesse sentido, é possível que nesse
período de pandemia as condições de acesso a aulas remotas aos
estudantes esteja comprometida, em razão do distanciamento entre
escola e comunidade, que perdura na realidade escolar brasileira.
A depender do tipo de atividade adotada pela escola no
período da pandemia, pode mostrar-se totalmente inviável, dadas
as condições de contato com os(as) estudantes. Por exemplo: no
caso da zona rural, onde se tem grandes distâncias e dificuldades
de transporte escolar; mas também na periferia das cidade, onde há
dificuldades de acesso à internet e aos meios digitais.
Quando questionados(as) como é estabelecida a relação com
famílias e estudantes no período de pandemia, os(as) gestores(as)
informaram que 95,5% se dá por meio de WhatsApp; 54,5%, por cha-
madas telefônicas; 18,2% em momentos de diálogo on-line agendado
com gestores e professores(as); 13,6% pelo uso de recursos como
messenger, SMS; 9,1% em Chat, na plataforma on-line para conversa;
4,5% em site com informações; e 18,2% outros. Nessa questão, pode-
ria ser marcada mais de uma alternativa.
Sobre o maior foco dessas ações, em relação aos estudantes
e às famílias, eis o que se alcançou: para 63,6%, orientações sobre
a entrega do material impresso aos estudantes que não acessam
internet; 50% afirmam que para manutenção/fortalecimento da
relação da instituição com os(as) estudantes; 36,4% para sugestão
de materiais a serem disponibilizados aos estudantes, como livros,
materiais não estruturados; 31,8% para esclarecimentos de dúvidas
das famílias; 13,6% por outros motivos; e 9,1% para a transmissão de
informações aos (às) estudantes e famílias sobre os auxílios e bene-
fícios governamentais, no contexto da Covid-19.
No que tange a outras ações realizadas junto aos estudantes
e às famílias, 63,6% dos(as) gestores(as) informaram que não são
realizadas outras ações; 18,2%, que são realizadas ações relativas à
alimentação; 13,6%, ações relativas à saúde; 9,1%, ações sobre higiene;
e 9,1%, outras ações.

481
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

Nesse ponto, destaca-se que a finalidade da educação


não está sendo cumprida, pois fica reduzida à função conteudista,
negligenciando a concepção humana e pedagógica que nesse mo-
mento de crise exige um grande processo de conscientização para
a prevenção e esclarecimento sobre as implicações decorrentes da
pandemia, como higiene, alimentação, saúde, levantamentos sobre
a renda das famílias e outras questões que suscitariam um cuidado
com a vida humana.
Sobre a opinião dos(as) gestores(as) a respeito das maiores
dificuldades com as quais os(as) profissionais da educação estão
tendo de lidar no período da pandemia, 86,4% informaram que há
dificuldades na falta de formação para o uso de tecnologias e mídias
diversas; 63,6%, dificuldades em organizar materiais acessíveis que
atendam às demandas dos alunos da EJA; 59,1%, acesso aos meios
digitais; 50%, em organizar materiais acessíveis que atendam às de-
mandas dos alunos da educação especial; 36,4%, ter compatibilidade
dos trabalhos domésticos com o trabalho remoto; e 31,8%, outros.
A respeito das maiores dificuldades com as quais os(as)
estudantes estão tendo de lidar no período da pandemia, os resul-
tados foram: 100% dificuldades de acesso aos meios digitais; 59,1%
ausência de condições materiais; 59,1% sobrecarga emocional, 40,9%
responder às especificidades das demandas dos estudantes da EJA;
22,7% responder às especificidades das demandas dos estudantes
da educação especial; 27,3% outros; e 4,5% falta de tempo.
As situações indicadas pelos(as) gestores(as) diante da
multiplicidade de dificuldades elencadas apontam necessidade de
atenção dos órgãos de promoção, considerando que tem relação
direta com o processo ensino-aprendizagem.
Com relação à indagação se a Seduc-PI destinou alguma verba
específica para impressão de material a ser entregue aos estudantes
que não têm acesso à internet, os resultados estão ilustrados no
Gráfico 10.

482
GESTORES ESCOLARES E TRABALHO REMOTO NO PIAUÍ EM
TEMPO DE PANDEMIA POR COVID-19

Gráfico 10 – Na escola onde atua veio alguma verba específica para impressão de
material para ser entregue aos estudantes que não tem acesso à internet

Fonte: Comitê Piauí da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (2020).

Observa-se que 36,4% dos(as) gestores(as) afirmam terem


recebido verba específica para impressão de material para entregar
aos alunos que não têm acesso à internet; enquanto 63,6% afirmam
ser insuficiente a verba recebida para esta finalidade.
Assim, foi questionado se o material impresso está sendo en-
tregue aos estudantes que não têm acesso à internet pelas escolas
em que esses gestores(as) atuam, cujos resultados estão no Gráfico 11.

Gráfico 11 – Entrega de material impresso aos estudantes que não têm acesso à internet

Fonte: Comitê Piauí da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (2020).

483
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

Nessa questão, 63,6% dos(as) gestores(as) informaram que


estão entregando o material impresso aos estudantes sem acesso à
internet; 36,4% não estão entregando e os que entregam afirmam ser
insuficiente.
Quando questionado em relação ao retorno dessas atividades
entregues no material impresso, os resultados estão dispostos no
Gráfico 12.

Gráfico 12 - Os professores e a escola têm o retorno das atividades ou eventuais dúvidas


dos estudantes que não têm acesso à internet e que receberam o material impresso?

Fonte: Comitê Piauí da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (2020).

Nessa questão, 40,9% dos(as) gestores(as) responderam


que os(as) professores(as) e a escola têm retorno dessas atividades
impressas; 59,1% afirmam que não têm retorno e os que têm retorno,
este é insuficiente.
Atina-se, em face do exposto, que as condições de trabalho
na gestão escolar implicam mobilização de pessoas e de processos
integrando a dinâmica escolar. A situação de isolamento social e de
contatos restritos aos meios digitais, via internet ou mediante entrega
de materiais impressos, repercute em acúmulo de responsabilidades
e de preocupações no contexto de cada unidade escolar, recaindo
principalmente sobre gestores e professores.

484
GESTORES ESCOLARES E TRABALHO REMOTO NO PIAUÍ EM
TEMPO DE PANDEMIA POR COVID-19

Essa conjuntura tem provocado fortes pressões sobre esses


agentes, tornando-os vulneráveis a processos de adoecimentos e so-
brecarga de trabalho, sem a devida garantia da eficácia da qualidade
desse modelo de atividades remotas, podendo até recair sobre eles
a responsabilidade dos fracassos atribuídos a essa complexidade em
que estão inseridos e a aversão dos(as) estudantes ao ensino.

REFERÊNCIAS

CEE/PI. Conselho Estadual de Educação (PI). Resolução CEE/PI nº 061/2020.


Disponível em: http://www.ceepi.pro.br/. Acesso 14 mar. 2022.
GHEDIN, Evandro; FRANCO, Maria Amélia Santoro Franco. Questões de método
na construção da pesquisa em educação. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2011.
FREITAS, Luiz Carlos. A reforma empresarial da educação: nova direita, velhas
ideias. São Paulo: Expressão Popular, 2018.
MARX, Karl. Contribuições à crítica da economia politica. São Paulo: Martins
Fontes, 1977.
MENDES, Valdelaine da Rosa. Reflexões sobre os conceitos de homem, liber-
dade e Estado em Marx e as politicas educacionais. In: PARO, Vitor Henrique
(org.). A teoria do valor em Marx e a educação. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2013.
MOTTA, Helena. Crise reforma do estado brasileiro. Juiz de Fora: EFJF, 2000.
PARO, Victor Henrique. A gestão da politica nacional de educação: desafios
contemporâneos para a garantia do direito à educação. In: CRUZ, Rosana Evan-
gelista da; SILVA, Samara de Oliveira (org.). Gestão da Politica de educação:
desafios contemporâneos para a garantia do direito à educação. Teresina:
EDUFPI, 2017.
SEDUC/PI. Seduc Piauí Inicia Periodo de Matrículas Online para Aulas Remo-
tas.Disponível em: https://www.seduc.pi.gov.br/noticia/Seduc-inicia-periodo-
-de-matriculas-online-para-novas-vagas/7804|/. Acesso em: 7 jul. 2020.

485
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

486
A GESTÃO DO TRABALHO REMOTO DIANTE
DA PANDEMIA DE COVID-19 SOB O OLHAR
DAS MÃES, PAIS E/OU RESPONSÁVEIS
DE ESTUDANTES DA REDE ESTADUAL DE
EDUCAÇÃO BÁSICA DO PIAUÍ

Lucineide Maria dos S. Soares


Lucine R. V. B. de Almeida
Marina Gleika Felipe Soares

1 INTRODUÇÃO

O Comitê Piauí da Campanha Nacional pelo Direito à Educação,


o Núcleo de Estudos e Pesquisas em Políticas e Gestão da Educação
da Universidade Federal do Piauí (NUPPEGE/UFPI) e o Sindicato dos
Trabalhadores em Educação do Piauí (SINTE-PI) publicaram os re-
sultados da Consulta Pública para mães, pais e/ou responsáveis por
estudantes da Rede Estadual de Educação Básica do Piauí sobre o
trabalho remoto diante da Pandemia de Covid-19.
Realizada entre os dias 8 de junho de 2020 e 28 de junho
de 2020, a consulta teve como objetivo conhecer os limites e as
possiblidades que mães, pais e/ou responsáveis por estudantes da
rede estadual do Piauí estão enfrentando diante da adoção do ensi-
no remoto implementado pela Secretaria Estadual de Educação do
Piauí (SEDUC-PI), no contexto de crise provocada pela pandemia de
Covid-19, após a suspensão das aulas presenciais da referida rede,
verificando: as condições cotidianas de acesso à internet; o uso dos
equipamentos; os tipos de atividades realizadas; o grau de satisfação,
entre outros aspectos.

487
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

Os dados foram coletados a partir de um questionário com


27 perguntas de múltipla escolha (via Formulário online no Google),
os quais foram analisados por uma Comissão de Sistematização,
composta por membros do Comitê Piauí da Campanha Nacional pelo
Direito à Educação. Os resultados da análise foram disponibilizados
em forma de relatório, apresentados no site e nas redes sociais do
SINTE-PI, e nas redes sociais do Comitê Piauí e do Nuppege/UFPI.
No Piauí, as universidades e escolas públicas e privadas sus-
penderam suas atividades a partir do dia 16 de março de 2020, em
atendimento ao Decreto Estadual nº 18.884. Posteriormente, ocorreu
nova publicação, com a prorrogação da suspensão das aulas até 30 de
abril de 2020, conforme o Decreto nº 18.913, de 30 de março de 2020.
Ressalta-se que em 26 de março de 2020, o Conselho Estadu-
al de Educação do Piauí (CEE/PI) publicou a Resolução nº 061/2020,
que dispõe sobre o regime especial de aulas não presenciais para
instituições integrantes do Sistema Estadual de Ensino do Piauí, em
caráter de excepcionalidade e temporalidade, enquanto permanece-
rem as medidas de isolamento previstas pelas autoridades sanitárias
na prevenção e no combate ao novo coronavírus.
Logo após, a SEDUC-PI editou, em 6 de abril de 2020, estra-
tégias e diretrizes sobre o regime especial de aulas da rede pública
estadual de ensino do Piauí, com vigência durante o decreto que
suspende as aulas no ambiente escolar. Ademais, em 30 de abril de
2020, publicou o Decreto nº 18.966, que determinou a prorrogação
da suspensão de aulas presenciais até 31 de julho do mesmo ano.

2 CARATERIZAÇÃO DE MÃES, PAIS E/OU RESPONSÁVEIS POR


ESTUDANTES PARTICIPANTES DA CONSULTA PÚBLICA

Participaram da pesquisa 87 mães, pais e/ou responsáveis por


estudantes de 18 municípios piauienses onde ocorre o atendimento
educacional na rede estadual de educação do Piauí, como mostra o
Gráfico 1.

488
A GESTÃO DO TRABALHO REMOTO DIANTE DA PANDEMIA DE COVID-19 SOB O OLHAR DAS MÃES, PAIS E/OU
RESPONSÁVEIS DE ESTUDANTES DA REDE ESTADUAL DE EDUCAÇÃO BÁSICA DO PIAUÍ

Gráfico 1 - Municípios das mães, pais e/ou responsáveis de estudantes

Fonte: Consulta Pública/ Comitê Piauí da Campanha Nacional pelo Direito à Educação
(2020).

O Gráfico 1 indica a capital do estado do Piauí, Teresina, com


a maior adesão de respondentes (mães, pais e/ou responsáveis por
estudantes), totalizando 47,7%, seguidos de Pio IX, Parnaíba, Oeiras e
União. Dentre as cidades com maior adesão à consulta pública, estão
as que contam com o maior potencial de desenvolvimento no estado
e maior índice populacional; os demais municípios alcançaram 9,3%
e 4,7%, em termos de participação. Isso denota a necessidade de
maior aprofundamento da consulta, a fim de apreender a situação
dos estudantes da rede estadual do Piauí sob o olhar das mães, pais
e/ou responsáveis nos demais municípios do Estado.
Às mães, pais e/ou responsáveis por seus/suas filhos/as es-
tudantes na rede estadual do Piauí foi perguntado em que etapa e
modalidade de educação estudam, a localização geográfica da escola
e se durante o período de estudo, residem na localidade informada.
Os dados alcançados estão dispostos no Gráfico 2.

489
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

Gráfico 2 – Etapa/modalidade de ensino que os filhos (as) cursam

Fonte: Consulta Pública/ Comitê Piauí da Campanha Nacional pelo Direito à Educação
(2020).
Nota: 1,1% EJA (Amarelo).

Considerando-se que o ensino médio é de responsabilidade


federativa das redes estaduais de educação, verifica-se que 62,1%
das mães, pais e/ou responsáveis por estudantes da rede estadual
do Piauí, participantes dessa consulta pública, estão nessa etapa de
ensino; 36,8% são estudantes no ensino fundamental, provavelmente
nos anos finais; e na EJA são 1,1%. Quanto à educação especial, não
houve respondentes.
Quanto à localização da escola a que estão vinculados, 98,9%
dos(as) filhos(as) dos respondentes estão na zona urbana; enquanto
1,1%, na zona rural. Isso posto, alude-se ao desafio de apurar com maior
cuidado a realidade da zona rural, tendo em vista esses estudantes
terem maior dificuldade de acesso.
Sobre a localização geográfica dos estudantes durante o perí-
odo letivo, reporta-se ao Gráfico 3.

490
A GESTÃO DO TRABALHO REMOTO DIANTE DA PANDEMIA DE COVID-19 SOB O OLHAR DAS MÃES, PAIS E/OU
RESPONSÁVEIS DE ESTUDANTES DA REDE ESTADUAL DE EDUCAÇÃO BÁSICA DO PIAUÍ

Gráfico 3 – Durante o período letivo, seu filho(a) mora na cidade onde também estuda

Fonte: Consulta Pública/ Comitê Piauí da Campanha Nacional pelo Direito à Educação
(2020).

Em conformidade com o Gráfico 3, quando indagados(as) se


os(as) filhos(as) moram na cidade onde também estudam, mães, pais
e/ou responsáveis por estudantes da rede estadual do Piauí assim
se manifestaram: 88,5% responderam que sim; e 11,5%, que não. É
possível inferir que os estudantes da zona rural estão vinculados
às escolas urbanas, devido ao fechamento daquelas escolas, e que
durante a pandemia, mantiveram-se em seus locais de origem, que
não são, necessariamente, coincidentes com a localização da escola
em que estão matriculados.
Devido à baixa cobertura da oferta do ensino médio nos
municípios piauienses, denota-se que há mobilidade de parte dos
estudantes tanto da zona rural para a zona urbana quanto entre mu-
nicípios. Porém, em virtude da pandemia, houve uma tendência ao
retorno desses estudantes às suas residências, com isso enfrentaram
maiores dificuldades quanto ao acesso à internet e, consequente-
mente, às atividades remotas.

491
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

O município e a zona (rural ou urbana) em que se encontram


as famílias tornaram a situação do ensino remoto mais complexa e/ou
agravada, considerando, principalmente, a baixa qualidade de acesso
à internet em municípios que não estão integrados a um serviço de
internet estável e com velocidade satisfatória.

3 CONDIÇÃO/SITUAÇÃO DE SAÚDE PESSOAL E DA FAMÍLIA

Quando perguntados(as) se fazem parte do grupo de risco


do coronavírus ou se convivem com pessoas desse grupo, 65,5%
das mães, pais e/ou responsáveis por estudantes da rede estadual
do Piauí que participaram da consulta pública informaram que não
fazem parte dele; por outro lado, 34,5% participam.
Quanto à convivência com portadores de comorbidades rela-
cionadas aos problemas de hipertensão, doenças respiratórias crô-
nicas e diabetes, 50,6% afirmaram que residem com pessoas desse
grupo de risco; e 49,4%, que não residem. Além disso, 8% informaram
ter pessoas em casa com casos confirmados ou suspeitos de estar
com Covid-19.
Em função da falta de uma política de testagem em massa e
também de atendimento hospitalar da população do Piauí, os dados
relacionados às informações sobre pessoas que foram acometidas pelo
vírus podem não corresponder à realidade da situação de infecção.
Ressalta-se que quanto mais avançada a idade das pessoas
que compõem o núcleo familiar, maior o risco de acometimento pelo
coronavírus, e não é incomum a convivência de mais de uma família
no mesmo domicílio, geralmente por necessidade de cuidados, devi-
do à idade avançada ou às deficiências.
Quando perguntado às mães, pais e/ou responsáveis por
estudantes da rede estadual do Piauí sobre o acesso à internet em
sua casa para o desenvolvimento das atividades escolares do ensino
remoto pelos estudantes, 90,8% afirmaram dispor de internet em
casa; e 9,2%, não contam com esse serviço.

492
A GESTÃO DO TRABALHO REMOTO DIANTE DA PANDEMIA DE COVID-19 SOB O OLHAR DAS MÃES, PAIS E/OU
RESPONSÁVEIS DE ESTUDANTES DA REDE ESTADUAL DE EDUCAÇÃO BÁSICA DO PIAUÍ

Ainda sobre as condições para estudo no espaço doméstico,


mães, pais e/ou responsáveis por esses estudantes revelaram se
existe estrutura adequada à realização das atividades escolares no
ensino remoto, cujo resultado se apresenta no Gráfico 4.
Gráfico 4 - Condições para estudo dos estudantes no espaço doméstico

Fonte: Consulta Pública/ Comitê Piauí da Campanha Nacional pelo Direito à Educação
(2020).

A consulta revelou que 36,8% das mães, pais e/ou responsáveis


por estudantes da rede estadual do Piauí afirmaram que dispõem de
condições em seu espaço doméstico. No entanto, 63,2% responderam
que as condições estão entre parcialmente satisfatória ou não satis-
fatória em seu espaço doméstico, no que alude às atividades remotas.
Vale ressaltar a existência de baixa cobertura de internet no
Piauí, apesar de iniciativas recentes divulgadas pelo governo do es-
tado para prover municípios com acesso, via fibra ótica, por meio de
contratos de parceria público-privada. Ainda assim, a maior parte do
estado não conta com cobertura com regularidade e boa qualidade.
Atestam-se, ainda, dificuldades relacionadas à falta de ambientação
das residências de famílias de baixa renda para o estudo, com espaços
compartilhados e mobílias inadequadas para as atividades escolares.

493
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

4 SOBRE A QUALIDADE DO ACESSO À INTERNET NOS DOMICÍLIOS

Sobre a via de acesso à internet que empregam em casa,


26,4% utilizam 4G com dados móveis; 35,6%, 3G com dados móveis;
23%, internet via rádio; 40,2%, internet por cabo ou fibra ótica; e 24,1%
não souberam responder. Nessa questão, poderia ser marcada mais
de uma opção.
No tocante à qualidade do sinal de internet de que dispõem, as
respostas foram: muito boa (4,6%); boa (34,5%); regular (33,3%); de ruim
a péssima (27,5%). A propósito, o uso de internet 4G define a qualidade
da terceira geração da telefonia móvel para a transmissão de dados. O
estado do Piauí, em setembro de 2019, ainda contava com seis municí-
pios sem cobertura, tanto de 3G quanto de 4G (BUCCO, 2019).
No ensino regular presencial, algumas escolas contavam com
o serviço de internet, mas o isolamento social inviabilizou a possibli-
dade de uso no ambiente escolar. Assim, restou às famílias presentes
nesses municípios recorrerem a pacotes de dados, mesmo enfren-
tando limitações quanto ao seu poder econômico e às condições de
uso, sendo que geralmente, o serviço é compartilhado por todas as
pessoas residentes no domicílio. Há casos em que mesmo podendo
pagar pelo acesso, não há condições estruturais para viabilizar uma
internet de boa qualidade, por não existir qualquer sinal de rede de
internet na zona rural.
Quanto as dificuldades para a realização de atividades remo-
tas pelos estudantes, apresentam-se os resultados no Gráfico 5.

494
A GESTÃO DO TRABALHO REMOTO DIANTE DA PANDEMIA DE COVID-19 SOB O OLHAR DAS MÃES, PAIS E/OU
RESPONSÁVEIS DE ESTUDANTES DA REDE ESTADUAL DE EDUCAÇÃO BÁSICA DO PIAUÍ

Gráfico 5 - Dificuldades para realização de atividades remotas pelos estudantes

Fonte: Consulta Pública/ Comitê Piauí da Campanha Nacional pelo Direito à Educação
(2020).

Pelas informações fornecidas pelo(as) respondentes, 77% das


mães, pais e/ou responsáveis por estudantes informaram que o(a/s)
filho(a/s) têm dificuldade parcial (20,7%) e total (56,3%) para a rea-
lização de atividades remotas; e somente 23% disseram não terem
dificuldades.
Dentre as principais dificuldades encontradas para a realiza-
ção das atividades remotas pelos(as) filhos(as), oito foram elencadas,
sendo que nessa questão, poderia ser marcada mais de uma opção
– são elas: má qualidade da conexão de internet (37%); indisponibi-
lidade de aparelhos tecnológicos (27%); dificuldades metodológicas
para trabalhar com o ensino a distância (26%); falta de habilidades
com as ferramentas de ensino a distância (22%); dificuldade em con-
seguir adequar o tempo de estudo com os afazeres em casa (10%);
outras (15%); não se aplica (9%); e problemas de saúde que dificultam
o trabalho no computador (4%).
Em relação às principais dificuldades, nas quatro primeiras
listadas (má qualidade da conexão de internet, indisponibilidade de
aparelhos tecnológicos, dificuldades metodológicas para trabalhar
com o ensino a distância e falta de habilidades com as ferramentas
de ensino a distância), nota-se uma multiplicidade de adversidades
que são comuns à maior parte dos sujeitos.

495
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

Quanto ao grau de satisfação sobre a seguinte indagação:


os alunos têm dificuldades em acompanhar as aulas a distância,
sozinhos, em casa? Como respostas, têm-se: concordo totalmente
(54%); concordo (29,9%); indeciso (3,4%); discordo (8%); e discordo
totalmente (4,6%).
Os que concordam totalmente e concordam parcialmente
totalizaram 83,9%, portanto, a ampla maioria de mães, pais e/ou res-
ponsáveis por estudantes expressaram a dificuldade dos filhos(as)
de acompanharem as atividades remotas em casa.
Considerando a situação socioeducacional e econômica
de famílias residentes em Pio IX, um dos três municípios que mais
responderam à consulta pública, têm-se, com base nos dados
do   Fundo de Emergência Internacional das Nações Unidas para a
Infância (Unicef), disponíveis no site Fora da Escola Não Pode, o nível
de instrução dos pais, mães ou responsáveis: 78% não têm instrução
ou têm o ensino fundamental incompleto; 16,2% cursaram o funda-
mental completo ou médio incompleto; 5,8% possuem ensino médio
completo ou superior. No tocante à renda média domiciliar, 86,3%
estão na faixa de até 1/2 salário mínimo; 10%, de 1/2 a 1 salário mínimo;
e 2,8%, mais de 1 salário mínimo (PIO IX – PI, 2020).
As dificuldades indicadas acima demonstram um quadro
que reflete o baixo poder aquisitivo das famílias que mantém filhos
estudando em escola pública, o que se consubstancializa na precá-
ria condição de acesso e uso de internet, além da falta de políticas
públicas de ampliação da condição de conectividade. Deveras, parte
considerável dessas necessidades não podem ser sanadas com
medidas adotadas somente pelas famílias, sendo necessário maior
empenho do estado, por meio de política públicas.
Perguntou-se, ainda, por meio de quais equipamentos os
filhos(as) têm acesso à internet em casa, para assistir às aulas remo-
tas. Nessa questão, seria possível marcar mais de uma opção. Eis os
achados: pelo computador (20,7%); notebook (25,3%); tablet (19,5%);
celular (63,2%); e tem mais de um equipamento para acessar (21,8%).
Portanto, a maior parte dos(as) respondentes disseram fazer
uso de equipamentos portáteis, com prevalência do uso de celular,

496
A GESTÃO DO TRABALHO REMOTO DIANTE DA PANDEMIA DE COVID-19 SOB O OLHAR DAS MÃES, PAIS E/OU
RESPONSÁVEIS DE ESTUDANTES DA REDE ESTADUAL DE EDUCAÇÃO BÁSICA DO PIAUÍ

que se destaca em relação aos demais equipamentos. Todavia,


observa-se que esse equipamento não é adequado ao processo de
estudo contínuo que, por vezes, tem duração diária de até quatro
horas ou mais.
Além disso, observou-se a existência de a situação de compar-
tilhamento de aparelhos, especialmente em famílias mais numerosas
e de baixa renda. Há casos em que os pais, mães e/ou responsáveis
saem para trabalhar e precisam utilizar parte dos equipamentos da
casa, restringindo as condições de uso dos(as) estudantes. Além
disso, a qualidade dos equipamentos nem sempre é compatível com
as atividades de uso das plataformas, transporte de dados etc.
Quando questionados(as) sobre essa questão, 36% das mães,
pais e/ou responsáveis respondentes afirmaram que a quantidade de
equipamentos é suficiente para todos(as) os(as) que residem com
ele(a); por outro lado, 31,4% informaram que é parcialmente suficien-
te; e 32,6%, que não são suficientes para todos(as).
Quanto ao fato de os filhos(as) realizarem as atividades esco-
lares por meio remoto, 80,5% disseram que sim; e 19,5%, que não. No
Gráfico 6 ilustra-se a situação de acesso desses estudantes ao Canal
Educação.

Gráfico 6 – Acesso ao Canal Educação (aulas disponibilizadas pela Seduc/PI no


YouTube ou na TV Antares) para estudos

Fonte: Consulta Pública/ Comitê Piauí da Campanha Nacional pelo Direito à Educação
(2020).
*Nota 4,6% (Amarelo), mensalmente.

497
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

Sobre o acesso ao Canal Educação, que divulga as aulas


propostas pela SEDUC/PI, no YouTube ou na TV Antares, 25,3% das
mães, pais e/ou responsáveis relataram que os(as) estudantes aces-
sam diariamente; 19,5%, semanalmente; 4,6%, mensalmente; e 50,6%
não acessam. Logo, tem-se um percentual expressivo de quem não
acessa, e apenas 19,5% acessam diariamente, evidenciando a não
regularidade no acompanhamento dessas aulas on-line.
Para além das questões acima expostas, é necessário verificar
o investimento financeiro realizado pela SEDUC-PI, no que alude ao
desenvolvimento das ações direcionadas para a mediação tecnológi-
ca, principalmente pelo Canal Educação. No Portal da Transparência
do Governo do Estado do Piauí, consta que foi investido, de janeiro a
maio de 2020, cerca de R$ 7.694.065, 14 em despesas com mediação
tecnológica (PIAUÍ, 2020).
Para assistir às aulas com mediação tecnológica, os recursos
que os(as) estudantes estão utilizando são: videoaulas gravadas
(40,2%); videoaulas ao vivo ou lives (25,3%); formulários de exercícios
(44,8%); Canal Educação (14,9%), pelo YouTube ou pela TV Antares;
E-books e bibliotecas virtuais (6,9%); textos digitais (25,3%); Podcast
(3,4%); mensagens privadas (25,3%); Chats e fóruns (5,7%); material
impresso entregue pela escola (21,8%); e outros (9,2%). Nessa ques-
tão, também havia a possibilidade de indicar mais de uma opção.
Quanto aos recursos tecnológicos que vêm sendo utilizados,
destaca-se o uso de videoaulas gravadas, que exigem o manejo de
plataformas, limitando a participação do(a) estudante, no que se
refere à apresentação de dúvidas e incompreensões. Nesse caso, in-
fere-se que em situação de isolamento, mães, pais e/ou responsáveis
acabam sendo o suporte para tirar dúvidas e ajudar nas atividades
escolares remotas.
Contudo, há várias limitações em relação à formação profis-
sional didático-metodológica que é própria dos(as) professores(as),
além da escolarização dessas famílias, pois de acordo com o IBGE, o
analfabetismo de pessoas de 15 anos ou mais no Piauí é o segundo

498
A GESTÃO DO TRABALHO REMOTO DIANTE DA PANDEMIA DE COVID-19 SOB O OLHAR DAS MÃES, PAIS E/OU
RESPONSÁVEIS DE ESTUDANTES DA REDE ESTADUAL DE EDUCAÇÃO BÁSICA DO PIAUÍ

maior no País (ARAÚJO, 2019) e sua população tem, em média, apenas


7,4 anos de estudo (ROCHA, 2018).
Em se tratando das ferramentas que os(as) estudantes estão
utilizando para substituir as aulas presenciais durante a pandemia,
têm-se: WhatsApp (73,6%); Canal Educação (16,1%), pelo YouTube ou
pela TV Antares; material impresso entregue pela escola (10,3%); Ins-
tagram (1,1%); Skype (9,2%); Zoom (8%); Google Class Room (25,3%);
Google Hangout Meet (4,6%); YouTube (33,3%); e-mail (21,8%); Chat
(6,9%); outro(s) (6,9%). Nessa questão, também havia a opção de
identificar mais de um item.
Apesar de constatar uma variedade de mídias, observa-se
pelas respostas que se referem a tecnologias não adequadas para
uso em ambiente virtual de aprendizagem, sendo predominante a
utilização de redes sociais, principalmente o WhatsApp.
Quando questionados(as) se os(as) filhos(as) sabem operar a
tecnologia necessária para acessar uma aula a distância, com qua-
lidade, pais, mães e/ou responsáveis responderam: concordo total-
mente (16,1%); concordo (43,7%); indeciso (14,9%); discordo (13,8%);
discordo totalmente (11,5%).
Quanto a avaliação das atividades e às condições ofertadas
pela SEDUC-PI, mães, pais e/ou responsáveis por estudantes foram
perguntados(as) sobre a retomada das atividades escolares de
forma remota, a partir de mediação tecnológica: 43,7% dos respon-
dentes avaliaram negativamente; 41,4%, positivamente; e 14,9% não
souberam opinar. Com relação às condições que a SEDUC/PI oferece
para a realização remota das atividades escolares, 48,3% avaliaram
negativamente; 33,3%, positivamente, e 18,4% não souberam opinar.
Em relação, ainda, ao grau de satisfação com as medidas edu-
cacionais tomadas pela Seduc/PI diante da pandemia de Covid-19,
45,9% mostraram-se muito insatisfeitos e insatisfeitos; 12,6%, indife-
rentes; e 41,3%; muito satisfeitos e satisfeitos.
Tais dados indicam que as medidas adotadas pela secretaria
em apreço devem passar por uma avaliação mais aprofundada em

499
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

relação às decisões tomadas, as quais representam a adoção de uma


política no contexto da pandemia de Covid-19, envolvendo diversas
questões e dificuldades que requerem uma tomada de posição pela
SEDUC-PI, considerando a escuta de toda a comunidade educacio-
nal e, em especial, de pais, mães e/ou responsáveis que estão lidando
diretamente com a política educacional executada.
Contudo, após o terceiro mês de adoção dessas medidas, a
SEDUC-PI não informou sobre quais posicionamentos adotaria visando
à solução dos problemas decorrentes da falta de equipamentos e de
internet de qualidade, do planejamento das atividades de ensino, entre
outros que se caracterizavam como ações de violação e negligência ao
direito público subjetivo dos (as) adolescentes e jovens à educação.
Indagados(as) se são realizadas outras ações (relativas à hi-
giene, alimentação, saúde e a renda familiar) junto aos estudantes
e às famílias, 72,4% dos (as) respondentes mencionaram que não;
8% informaram que são realizadas ações relativas à alimentação; 8%,
ações relativas à higiene; 10,3%, ações relativas à saúde; 5,7%, ações
relativas à situação da renda familiar; e 9,2%, outras ações.
Nesse sentido, frisa-se que a finalidade da educação não
está sendo cumprida, pois se restringe à função conteudista, negli-
genciando a concepção humana e pedagógica. Entrementes, nesse
momento de crise, necessita-se de um processo de conscientização
sobre a prevenção e as implicações decorrentes da pandemia, abor-
dando assuntos como higiene, alimentação, saúde; levantamento
sobre a renda das famílias; entre outras questões que contribuiriam
para um cuidado com a vida humana.

REFERÊNCIAS

ARAÚJO, Gilcilene; ROMERO, Maria. PI tem a segunda maior taxa de anal-


fabetismo do país entre pessoas com 15 anos ou mais, aponta IBGE. Portal
G1. 2019. Disponível em: https://g1.globo.com/pi/piaui/noticia/2019/06/19/
pi-tem-a-segunda-maior-taxa-de-analfabetismo-do-pais-de-pessoas-com-mais-
de-15-anos-aponta-ibge.ghtml. Acesso em: 6 jul. 2020.

500
A GESTÃO DO TRABALHO REMOTO DIANTE DA PANDEMIA DE COVID-19 SOB O OLHAR DAS MÃES, PAIS E/OU
RESPONSÁVEIS DE ESTUDANTES DA REDE ESTADUAL DE EDUCAÇÃO BÁSICA DO PIAUÍ

BUCCO, Rafael. Até setembro, 52 cidades brasileiras ainda não tinham 3G nem
4G. Telesíntese: Portal de Telecomunicações, Internet e TICs. 2019. Disponível
em: https://www.telesintese.com.br/ate-setembro-52-cidades-brasileiras-ain-
da-nao-tinham-3g-nem-4g/. Acesso em: 1 jul. 2020.
PIAUÍ. Governo do Estado. Portal da Transparência. 2020. Disponível em:
http://transparencia.pi.gov.br/apex/f?p=101:37:13138822550710. Acesso em:
23 jun. 2020.
PIO IX – PI. Fora da escola não pode! Disponível em: http://www.foradaescol-
anaopode.org.br/exclusao-escolar-por-municipio/PI/2208205-Pio_IX. Acesso
em: 1 jul. 2020.
ROCHA, Carlos. Número de anos de estudo aumenta e taxa de analfabetismo
reduz no Piauí, diz IBGE. Portal G1. 2018. Disponível em: https://g1.globo.com/
pi/piaui/educacao/ingressouniversitario2018/noticia/numero-de-anos-de-es-
tudo-aumenta-e-taxa-de-analfabetismo-reduz-no-piaui-diz-ibge.ghtml. Acesso
em: 6 jul. 2020.

501
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

502
ALIMENTAÇÃO ESCOLAR
NA REDE ESTADUAL DO PIAUÍ:
desafios para a efetivação do
direito em tempos de pandemia

Marlúcia Lima de Sousa Meneses


Ana Paula Monteiro de Moura
Léia Soares da Silva

1 INTRODUÇÃO

A alimentação escolar é um direito humano assegurado por


meio de programa suplementar, conforme Art. 227 da Constituição
Federal de 1988 (CF/88). Contudo, desde 1950, quando da elaboração
do Plano Nacional de Alimentação e Nutrição, denominado Conjuntura
Alimentar, pela primeira vez, estruturou-se um programa de merenda
escolar em âmbito nacional, sob a responsabilidade pública.
Desde então, objetivando assegurar o direito à alimentação
escolar, o programa vem distribuindo recursos financeiros entre as
escolas públicas brasileiras, os quais precisam ser complementados
pelos gestores municipais e estaduais. Dessa forma, o programa
atende às escolas públicas de todo o País, contribuindo para a per-
manência de milhões de estudantes que se alimentam diariamente
nos estabelecimentos de ensino.
No Brasil, a crise sanitária e de calamidade pública anunciada
pela Organização Mundial de Saúde (OMS), provocada pela dissemi-
nação do vírus da Covid-19, no ano de 2020, levou a medidas restri-
tivas de fechamento em vários setores da economia, que passaram a
adotar trabalhos home office, a exemplo das escolas, que instituíram
o ensino remoto, seguindo as orientações e os protocolos, inclusive o
distanciamento social.

503
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

Diante da suspensão das aulas presenciais, conforme a Por-


taria SEDUC-PI/GSE/ADM nº 110/2020, de 20/03/2020, e Decreto nº
18.913, de 30/03/2020 – criados em virtude da pandemia – o direito
à alimentação escolar ficou comprometido, pois a ausência dos es-
tudantes nos estabelecimentos de ensino, inviabilizava a execução
do programa.
Porém, visando cumprir uma das diretrizes do Programa Na-
cional de Alimentação Escolar (Pnae), referente à universalidade do
atendimento de todos os estudantes da educação básica das esco-
las públicas, o Ministério da Educação, em parceria com o Ministério
da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, elaboraram orientações de
planejamento, recebimento e distribuição de alimentos para garantir
o direito à alimentação (BRASIL, 2020).
Com o retorno das atividades remotas de ensino nas escolas
estaduais de Teresina, capital do estado do Piauí, percebeu-se uma
demora na distribuição do Cartão Pnae, atendendo apenas aos be-
neficiários do Bolsa Família. Posteriormente, ampliou-se o programa,
com a distribuição de kits de alimentação a todos os estudantes.
Então, subentende-se que embora seja uma política pública univer-
sal, esse direito não foi assegurado, visto que a distribuição ocorreu
de maneira injusta e lenta.
Diante do exposto questiona-se: O direito à alimentação, no
contexto pandêmico, foi garantido a todos os estudantes das escolas
estaduais localizadas em Teresina-PI? Quais os desafios para a im-
plementação do direito à alimentação escolar a todos os estudantes
da rede estadual do Piauí, no ano de 2020, em meio à pandemia?
Reconhecendo a importância e a primordialidade do progra-
ma, o presente estudo tem por objetivo analisar a execução do Pnae
na rede estadual do Piauí, em Teresina, durante o ano de 2020, sendo
fundamentado em aportes teóricos como: Sperandio; Moraes (2021);
Arretche (2010); Meneses (2019); Amorim, Ribeiro Junior e Bandoni
(2020), entre outros. Ademais, documentos legais orientam esta in-
vestigação, a exemplo da Lei nº 13.987/20; da Portaria SEDUC-PI/GSE/

504
ALIMENTAÇÃO ESCOLAR NA REDE ESTADUAL DO PIAUÍ: DESAFIOS PARA
A EFETIVAÇÃO DO DIREITO EM TEMPOS DE PANDEMIA

ADM nº 110/20; do Decreto nº 18.913/20; da Resolução nº 2/20, entre


outros. Nessa perspectiva, a metodologia da pesquisa baseia-se na
abordagem qualitativa de natureza descritiva, do tipo documental,
ancorada em leis, resoluções, bem como em artigos científicos que
abordam a temática.
O estudo justifica-se pela necessidade de colaborar com as
pesquisas que tratam do Pnae, no tocante à garantia do direito à
alimentação assegurada pelo programa, instituído pela Lei 11.947, de
16 de junho de 2009, que foi alterada pela Lei 13.987, de 07 de abril de
2020, a fim de instigar os gestores públicos e a sociedade em geral
para o acompanhamento, monitoramento e controle dessa política.
Portanto, este capítulo organiza-se em quatro seções, a
começar pela introdução, seguido da contextualização do Pnae em
âmbito nacional. Na sequência, discute-se a implementação do pro-
grama nas escolas públicas estaduais do Piauí, na cidade de Teresina,
destacando as etapas/modalidades atendidas, os recursos financei-
ros aplicados e o quantitativo de alunos matriculados. Finalmente,
apresenta-se a conclusão da pesquisa.

2 A POLÍTICA DE ALIMENTAÇÃO ESCOLAR NO CONTEXTO DE


PANDEMIA DA COVID-19

O ano de 2020 foi marcado por uma pandemia, o vírus


SARS-CoV-2, popularmente conhecido como Coronavírus, trouxe a
ameaça de uma doença mundialmente conhecida como Covid-19,
causando medo na população, que se manteve em casa, cumprindo
isolamento social conforme orientações da OMS, o que suscitou
mudanças bruscas e inesperadas na rotina de todos.
Nesse cenário, setores econômicos, sociais, entre outros,
tiveram de fazer adaptações e adotar procedimentos para evitar a
propagação do vírus. A crise na saúde reverberou outras adversi-
dades, acentuando ainda mais os problemas sociais existentes no
País, singularmente pela falta de emprego e renda da população mais

505
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

empobrecida, obrigando os governos a incorporar medidas assisten-


cialistas por meio de programas sociais, de ajuda financeira como,
por exemplo, o auxílio emergencial.
As instituições de ensino públicas e privadas foram fechadas
e, consequentemente, suspensas à distribuição da alimentação,
deixando estudantes da rede pública em condições de insegurança
alimentar, pois “para muitos estudantes, a alimentação escolar é
a principal, ou única, refeição do dia” (SPERANDIO; MORAES, 2021,
p. 2).
Para amenizar essa situação, foram debatidas e apresentadas
alternativas visando atender aos estudantes, resultando na Lei 13.987,
de 07 de abril de 2020, regulamentada pela Resolução CD/FNDE
nº 2/2020, que autorizou a distribuição de kits de alimentação ou
Cartão Pnae.
Sobre essa iniciativa, as supracitadas autoras esclarecem que

a não definição de critérios, por parte do governo federal,


para cumprimento do PNAE, dando aos gestores locais
autonomia para decisão, tem permitido diversas modali-
dades de distribuição dos gêneros alimentícios (por kits,
cestas básicas e refeições prontas, por exemplo), além
da concessão de auxílio financeiro por diferentes formas
de repasse. (SPERANDIO; MORAES, 2021, p. 9).

É oportuno destacar que cada gestor público tem responsa-


bilidade e compromisso social no sentido de planejar a distribuição
desses kits ou do Cartão Pnae, considerando a realidade local dos
estudantes. Sem tais critérios, fica inviável garantir o direito à alimen-
tação e a segurança nutricional dos estudantes.

3 PROGRAMA NACIONAL DE ALIMENTAÇÃO ESCOLAR (PNAE)


NA REDE ESTADUAL DE TERESINA-PI

Para um entendimento mais acurado da realidade do Pnae na


rede estadual de ensino, optou-se pela série histórica de 2010 a 2020,

506
ALIMENTAÇÃO ESCOLAR NA REDE ESTADUAL DO PIAUÍ: DESAFIOS PARA
A EFETIVAÇÃO DO DIREITO EM TEMPOS DE PANDEMIA

a fim de verificar com precisão o número de matrículas da rede e a


implicação disso no recebimento dos recursos advindos do programa.
Conforme dados do Pnae, disponibilizados pelo Fundo Na-
cional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), no ano de 2020,
por meio da Secretaria Estadual de Educação do Piauí (Seduc-PI),
em Teresina, o programa atendeu as etapas do ensino fundamental
e médio, as modalidades de educação quilombola; Educação de
Jovens e Adultos (EJA), bem como os estudantes em Atendimento
Educacional Especializado (AEE) e do ensino médio integral.
As informações dispostas a seguir, no Quadro 1 e Gráfico 1, for-
necidas pelo Laboratório de Dados Educacionais, a partir dos micro-
dados do Censo Escolar do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
(Inep), referem-se, inicialmente, ao montante de recursos financeiros
recebidos para custear o Pnae, no período de 2010 a 2020, como
demonstrado abaixo.

Quadro 1 – Recursos Financeiros Pnae


ANO MONTANTE RECEBIDO
2010 21.108.681,60
2011 21.294.600,00
2012 20.345.436,00
2013 21.106.059,20
2014 18.482.668,00
2015 18.584.192,00
2016 18.190.560,00
2017 28.439.518,40
2018 28.517.670,80
2019 29.886.908,40
2020 27.212.200,40
Fonte: Laboratório de Dados Educacionais/Inep (2020).

507
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

Gráfico 1 – Recursos financeiros Pnae

Como demonstram o Quadro 1 e Gráfico 1, durante os anos de


2014 a 2016, houve uma queda nos investimentos que, em 2020, con-
tinuaram a decair devido à redução de matrículas. Já no ano de 2017,
incorporou-se um reajuste no valor per capita, conforme Resolução
CD/FNDE/MEC nº 1, de 8 de fevereiro do mesmo ano, evidenciando
o crescimento no montante de recursos, sendo alterado no ano de
2019 pela retirada da Educação Indígena e do Programa Mais Educa-
ção (ensino fundamental), conforme dados do FNDE.
Em 2020, durante o contexto pandêmico, verificou-se uma
diminuição dos recursos para a rede estadual de ensino, devido à
redução do número de matrículas. Essa realidade foi evidenciada em
nível nacional, sendo “registradas 47,3 milhões de matrículas nas 179,5
mil escolas de educação básica no Brasil, cerca de 579 mil matrículas
a menos em comparação com o ano de 2019, o que corresponde a
uma redução de 1,2%” (BRASIL, 2020, p. 15).
Os valores investidos no Pnae, discutidos em nota técnica
pelo Observatório da Alimentação e pela Associação Nacional de
Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca), constatam a
insuficiência de recursos e que, portanto, precisam ser aumentados.

508
ALIMENTAÇÃO ESCOLAR NA REDE ESTADUAL DO PIAUÍ: DESAFIOS PARA
A EFETIVAÇÃO DO DIREITO EM TEMPOS DE PANDEMIA

A referida nota técnica faz uma projeção em alusão aos valores do


programa a partir de 2022, evidenciando a necessidade de aumento
dos recursos.
O Quadro 2 apresenta o quantitativo de matrículas na rede
estadual de Teresina-PI durante o período de 2010 a 2020.

Quadro 2 – Quantitativo de matrículas


ANO NÚMERO DE MATRÍCULAS
2010 248.805
2011 243.379
2012 239.292
2013 228.365
2014 221.682
2015 209.796
2016 213.880
2017 211.253
2018 211.406
2019 207.846
2020 197.415
Fonte: Laboratório de Dados Educacionais/INEP (2020).

Um dos critérios de repasse dos recursos do Pnae, por meio


do FNDE, para a aquisição de gêneros alimentícios aos estados e
municípios, corresponde ao número de alunos matriculados na rede
de ensino. Na pandemia, os recursos foram mantidos, assim como a
complementação pelos estados e municípios.
Pela análise do Quadro 2, denota-se diminuição das matrícu-
las em 2020, justificada pelos fatores de evasão e abandono escolar
ocasionados por um ensino remoto inacessível aos estudantes, que
não tiveram as condições propícias para admiti-lo, tendo em vista as-
pectos como a qualidade no sinal de internet e falta de computador/
tablets, entre outros – como confirma o resultado da consulta pública
realizada com estudantes da rede estadual de educação básica do
Piauí, sendo 48,9% dos respondentes da cidade de Teresina, sobre
o trabalho remoto em meio à pandemia da Covid-19, divulgado pelo
Comitê-PI da Campanha Nacional pelo direito à Educação (CNDE):

509
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

Quando questionados se conseguem assistir filmes ou


baixar arquivos pesados com a internet que dispõem,
33,2% minha internet é boa, 46,5% às vezes, depende
do horário e 20,3% a minha internet não dá para isso.
Para 66,8% com a internet que dispõem não conseguem
baixar arquivos pesados ou somente em determinados
horários. (MEDEIROS et al., 2020, p. 6).

Comparando os Quadros 1 e 2, conjectura-se que

a redução nos valores orçamentários do PNAE é parte do


lamentável encolhimento das despesas dos programas
universais de assistência financeira da União na educa-
ção básica; além do PNAE, foram reduzidas despesas nos
programas Dinheiro Direto na Escola e Livro e Material
Didático. Em manifestações da FINEDUCA (2020, 2021),
este fato foi alertado, bem como sua relação com o ajus-
te fiscal decorrente da Emenda nº 95/2016, que estabe-
leceu um teto para o gasto primário da União. Recursos
a menos põe em risco a manutenção do atendimento à
alimentação escolar, pelo menos nos moldes que vinha
sendo oferecido, os quais, em muitas redes de ensino,
ficam aquém de suas possibilidades de contribuir com
a segurança alimentar e nutricional dos educandos. Os
valores per capita do PNAE, durante o período, não foram
majorados numa proporção que permitisse avanços no
sentido de suplementar recursos para assegurar alimen-
tação adequada na escola. A execução orçamentária
decrescente, fruto de decisões políticas, seguramente é
o motivo para tal. (FINEDUCA, 2021).

Em consonância com os dados analisados é possível aferir


uma implicação negativa nos cortes orçamentários para a educação,
especificamente ao direito à segurança alimentar e nutricional de
crianças e jovens atendidos pela rede estadual de ensino do Piauí,
sobretudo na capital, Teresina. Aliás, essa realidade demonstra a
fragilidade do estado em assegurar um direito constitucional.

510
ALIMENTAÇÃO ESCOLAR NA REDE ESTADUAL DO PIAUÍ: DESAFIOS PARA
A EFETIVAÇÃO DO DIREITO EM TEMPOS DE PANDEMIA

3.1 Operacionalização do Pnae nas escolas públicas


estaduais de Teresina-PI

A gestão do Pnae durante muito tempo foi centralizada, isto


é, caracterizada pela compra de gêneros pelas Secretarias de Edu-
cação, os quais eram distribuídos para as escolas. A outra forma de
operacionalização do programa é a descentralização de recursos, por
meio de repasses para essas instituições, que fazem a aquisição dos
produtos junto aos seus fornecedores.
Na acepção de Arretche (2010), a forma de gestão descentra-
lizada permite o acesso a alimentos in natura, estando mais próximo
dos hábitos alimentares de cada região, além de fortalecer o comér-
cio local e a agricultura familiar.
A rede estadual de educação do Piauí desenvolve a gestão do
programa de forma descentralizada, uma vez que a escola recebe o
recurso financeiro e compra os gêneros alimentícios. Cabe sublinhar
que mesmo no período de pandemia, essa forma de repasse dos
recursos manteve-se.
Nesse contexto, algumas medidas foram tomadas, a exemplo
da Medida Provisória nº 01, de 02 de abril de 2020, transformada
em Lei 7.374, de 11 de maio do mesmo ano, autorizando a distribui-
ção de gêneros alimentícios em estoque, adquiridos com recursos
financeiros recebidos pela conta do Pnae, como também o repasse
de recursos financeiros do programa, de acordo com as condições
logísticas dos gestores locais durante o período de suspensão das
aulas nas escolas públicas de educação básica, em razão da situação
de emergência e calamidade pública.
Desse modo, o governo do estado do Piauí criou, em 13 de abril
de 2020, o Programa “Merenda em Casa”, como medida de caráter
emergencial devido à suspensão das aulas em todas as 658 escolas
da rede estadual do Piauí. Com esse programa, as famílias passaram
a receber o valor de R$ 60,00 (sessenta reais), por estudante, para a
compra de alimentos, a partir de 16 de abril daquele ano, restringindo-
-se, inicialmente, às famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família.

511
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

Vale destacar que “o Cartão PNAE é um cartão de pagamento


para uso no território nacional, no âmbito do Programa, cujo objetivo
é possibilitar a utilização dos recursos em consonância com a Lei
nº 11.947/2009” (PIAUÍ, 2020, n.p.). No caso do estado do Piauí, essa
iniciativa foi realizada apenas uma vez.
O Guia de alimentação escolar elaborado pela CNDE ressalta
que o cartão magnético traz prejuízo à agricultura familiar, porquanto
os beneficiários realizam suas compras em grandes supermercados,
deixando de adquirir os gêneros de pequenos comerciantes e agri-
cultores familiares.
Além disso, a utilização do cartão limitou o direito dos es-
tudantes da educação básica à alimentação escolar, pois todos os
estudantes da rede pública de ensino são de baixa renda, mesmo
não inscritos em programas sociais (PIAUÍ, 2020). Tal situação foi
criticada por não atender a todos os alunos da rede estadual de edu-
cação, pela morosidade na iniciativa de expandir o atendimento e,
principalmente, por contrariar o princípio da universalidade do Pnae.
Com a aprovação da redação final do Projeto de Lei, somente
em 03 de junho de 2020 foi garantido o direito à alimentação a todos
os alunos matriculados na rede estadual de educação durante o
período de suspensão de aulas, por meio da distribuição de kits de
alimentação que

deverão ser compostos, preferencialmente, por alimen-


tos in natura e minimamente processados, buscando-se
manter o fornecimento semanal de porções de frutas,
hortaliças, tubérculos e raízes, priorizando aquelas de
maior durabilidade. O que reforça a importância de se
manter as compras de alimentos frescos e saudáveis da
agricultura familiar (CNDE, 2020, p. 12).

Amorim, Ribeiro Junior e Bandoni (2020) ressaltam a relevân-


cia da agricultura familiar para fortalecer a economia local e a renda
familiar dos agricultores, além de contribuir para uma alimentação
saudável dos estudantes em suas casas. De fato, os kits de alimenta-

512
ALIMENTAÇÃO ESCOLAR NA REDE ESTADUAL DO PIAUÍ: DESAFIOS PARA
A EFETIVAÇÃO DO DIREITO EM TEMPOS DE PANDEMIA

ção para os estudantes representam uma estratégia imprescindível


para reduzir os impactos negativos da pandemia, tanto na alimenta-
ção escolar quanto na agricultura familiar (BICALHO; LIMA, 2020).
Destaca-se que o direito à alimentação está igualmente
disposto no Art. 4 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Eca),
ratificando que “[...] os recursos orçamentários devem ser utilizados
com prioridade para esse público, não cabendo o discurso da falta
ou limitação de recursos para atender a todos os estudantes, mesmo
no contexto de pandemia” (SPERANDIO; MORAES, 2021, p. 9).
Cabe, então, ao Conselho de Alimentação Escolar (Cae) o pa-
pel de fiscalização e assessoria de todo o processo de distribuição
da alimentação escolar que se manteve nesse período, com a distri-
buição dos kits. O Quadro 3 revela os valores por nível e modalidade
de ensino na rede estadual de Teresina-PI.

Quadro 3 – Valores diários por nível/modalidade de educação


Nível e modalidade de educação Valores per capita
Creches R$ 1,07
Pré-escola R$ 0,53
Escolas indígenas e quilombolas R$ 0,64
Ensino fundamental e médio R$ 0,36
EJA R$ 0,32
Ensino integral R$ 1,07
Programa de Fomento às Escolas de
R$ 2,00
Ensino Médio em Tempo Integral
Alunos que frequentam o AEE no
R$ 0,53
contraturno
Fonte: FNDE (2020).

Diante dos valores designados, estima-se que um aluno do


ensino fundamental ou médio receberia, mensalmente, uma média
de R$ 7,201 (sete reais e vinte centavos), necessitando de com-
plementação do governo do estado para a aquisição de alimentos

1  O cálculo do valor per capita é o valor recebido por cada etapa/modalidade multiplicado
pelo total de dias letivos no mês.

513
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

necessários para a segurança alimentar nutricional dos estudantes,


ou seja, trata-se de valor per capita insuficiente.
Esse seria um dos fatores para a não oferta da quantidade
de gêneros suficientes, motivo de matérias jornalísticas, como da
Pública,2 que destaca esse déficit, pois o que estava sendo distribu-
ído em forma de kits de alimentação não dava para suprir dez dias
de alimentação nutricional dos estudantes, apesar da diferença de
valores entre modalidades e etapas. A Figura 1 ilustra a insuficiência
de gêneros alimentícios nos kits distribuídos pela rede estadual de
ensino em Teresina-PI.

Figura 1 - Kit de alimentação entregue em escola da rede estadual de ensino em


Teresina-PI

Fonte: dados da pesquisa (2020).

2  A Revista Pública da Agência de Jornalismo Investigativo [página na internet] publicada no


dia 7 de maio de 2020, por Mariana Correia, menciona na reportagem que os valores “baixos
e problemas na distribuição dos benefícios deixam famílias em situação de insegurança
alimentar; agricultura familiar também sofre com fornecimento suspenso”. Disponível em:
https://apublica.org/2020/05/auxilio-merenda-nao-garante-nem-10-dias-de-alimentacao-
para-alunos-sem-aula/. Acesso em: 1 nov. 2021.

514
ALIMENTAÇÃO ESCOLAR NA REDE ESTADUAL DO PIAUÍ: DESAFIOS PARA
A EFETIVAÇÃO DO DIREITO EM TEMPOS DE PANDEMIA

O Guia Covid-19 sobre alimentação escolar, elaborado pela


CNDE, aponta que, “mesmo em alguns estados ou municípios que
criaram um cartão alimentação específico, é preciso ressaltar que os
valores, fora da compra em larga escala, não serão suficientes para
garantir segurança nutricional durante um mês” (CNDE, 2020, n.p.).
Por esse ângulo, Meneses (2019) notabiliza que os valores per
capita eram insuficientes para atender aos padrões determinados
pelo Pnae mesmo antes da pandemia. Isso transparece a necessidade
de aumento no valor per capita do programa, conforme referendado
por Amorim, Ribeiro Junior e Bandoni (2020).
Contudo, percebe-se que a burocracia em cada estado des-
cortinou a necessidade e a urgência de garantir o direito universal à
alimentação, em virtude da dificuldade na distribuição dos recursos.
Enquanto a forma de ensino remoto avançava, o atendimento ao
estudante ocorria a passos lentos. Assim, ações diversificadas nos
estados e municípios mostraram a ineficiência desses entes, que não
tiveram a agilidade necessária que o momento demandava.

4 CONCLUSÃO

A alimentação escolar, reconhecida como um direito universal,


contribui para a permanência e segurança alimentar dos estudantes
matriculados nas escolas públicas em todo o País. No caso da capital
do Piauí, Teresina, a rede estadual de ensino enfrentou desafios para
garantir o direito à alimentação durante o período pandêmico.
Com o início das aulas remotas em abril de 2020, eviden-
ciou-se uma restrição de direito à alimentação, pois apenas os es-
tudantes beneficiários do Bolsa Família foram atendidos por meio do
cartão magnético. Aproximadamente dois meses depois, cumpriu-se
a distribuição de kits de alimentação, concretizando o atendimento
de forma universal.
Uma vez que a composição desses kits exigia itens da agri-
cultura familiar, a pretexto da redução dos recursos já mencionados,

515
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

ocorreu o fracionamento de alguns gêneros alimentícios, como abó-


boras, melancias, entre outros. Na verdade, a realidade demonstra que
os recursos já eram insuficientes, e com a pandemia, acentuou-se
essa problemática, por causa da distribuição individual dos alimentos.
Entre os desafios para a implementação do direito à alimen-
tação escolar a todos os estudantes da rede estadual do Piauí, no
ano de 2020, em meio à pandemia, a Seduc-PI adotou medidas
para garantir a alimentação e segurança nutricional dos estudantes.
Nessa ocasião, criou o Programa “Merenda em casa”, que distribuiu
kits de alimentação para as famílias. Não obstante, verificou-se que a
composição dos kits, no que concerne à quantidade, foi limitada. Ou-
trossim, a pesquisa comprovou a demora na organização e posterior
distribuição desses kits para todos os alunos.
Nesse cenário, a alimentação escolar, em meio ao déficit orça-
mentário, ficou ainda mais prejudicada. Por essa razão, considera-se
a necessidade de revogação da Emenda Constitucional 95/2016, que
congela os gastos sociais do estado, inviabilizando os investimentos
em educação e limita a ampliação dos recursos dos programas, o
que dificulta a efetivação de direitos constitucionais.

REFERÊNCIAS

ALEPI. Assembleia Legislativa do Piauí. Aprovada redação final do projeto de


distribuição de merenda escolar no Piauí. 2020. Disponível em: https://www.
alepi.pi.gov.br/noticia.php?idNoticia=10236. Acesso em: 11 nov. 2021
AMORIM, A. L. B. de; RIBEIRO JUNIOR, J. R. S.; BANDONI, D. H. Programa Nacio-
nal de Alimentação Escolar: estratégias para enfrentar a insegurança alimentar
durante e após a COVID-19. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro,
RJ, v. 54, n. 4, p. 1134-1145, 2020. Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.
br/ojs/index.php/rap/article/view/81908. Acesso em: 18 nov. 2021.
BICALHO, Daniela; LIMA, Tácio de Mendonça. O Programa Nacional de Alimen-
tação Escolar como garantia do direito à alimentação no período da pandemia
da COVID-19. DEMETRA: Alimentação, Nutrição & Saúde, [S.l.], v. 15, p. e52076,
out. 2020. ISSN 2238-913X. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/
index.php/demetra/article/view/52076/35698. Acesso em: 19 nov. 2021.

516
ALIMENTAÇÃO ESCOLAR NA REDE ESTADUAL DO PIAUÍ: DESAFIOS PARA
A EFETIVAÇÃO DO DIREITO EM TEMPOS DE PANDEMIA

BRASIL. Emenda Constitucional 95, de 15 de dezembro de 2016. Altera o Ato


das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o Novo Regime
Fiscal, e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc95.htm. Acesso em: 19 nov. 2021.
BRASIL. Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Assessoria de
Comunicação Social do FNDE. Mais de 12 mil estudantes do Piauí rece-
bem kits de alimentação escolar. Disponível em: https://www.fnde.gov.br/
index.php/acesso-a-informacao/institucional/area-de-imprensa/noticias/
item/13761-mais-de-12-mil-estudantes-do-piau%C3%AD-recebem-kits-da-ali-
menta%C3%A7%C3%A3o-escolar. Acesso em: 18 nov. 2021.
BRASIL. Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Ministério da Edu-
cação. Resolução nº 26, de 17 de junho de 2013. Dispõe sobre o atendimento
da alimentação escolar aos alunos da educação básica no âmbito do Programa
Nacional de Alimentação Escolar – PNAE. 2013.
BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Tei-
xeira. Censo da educação básica 2020: resumo técnico [recurso eletrônico].
Brasília: Inep, 2021. 70 p.
BRASIL. Lei 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança
e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 16
jul. 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm.
Acesso em: 10 nov. 2021.
BRASIL. Lei nº 12.982, de 28 de maio de 2014. Altera a Lei nº 11.947, de 16 de
junho de 2009, para determinar o provimento de alimentação escolar adequada
aos alunos portadores de estado ou de condição de saúde específica. 2014.
BRASIL. Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020. Dispõe sobre as medidas
para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacio-
nal decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019. Disponível em:
https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/medida-provisoria-n-934-de-1-de-abril-
-de-2020-250710591. Acesso em: 12 nov. 2021.
BRASIL. Lei nº 13.987, de 07 de abril de 2020. Altera a Lei nº 11.947, de 16
de junho de 2009, para autorizar, em caráter excepcional, durante o período
de suspensão das aulas em razão de situação de emergência ou calamidade
pública, a distribuição de gêneros alimentícios adquiridos com recursos do
Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) aos pais ou responsáveis
dos estudantes das escolas públicas de educação básica. 2020.
BRASIL. Medida Provisória nº 934, de 2020. Estabelece normas excepcionais
sobre o ano letivo da educação básica e do ensino superior decorrentes das

517
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

medidas para enfrentamento da situação de emergência de saúde pública de


que trata a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020. Diário Oficial, 2020.
BRASIL. Ministério da Educação. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abasteci-
mento. Orientações para a execução do PNAE durante a situação de emergên-
cia decorrente da pandemia do coronavírus (COVID-19). 2020. 26 p.
BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídi-
cos. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 1988.
BRASIL. Resolução CD/FNDE/MEC nº 1, de 8 de fevereiro de 2017. Altera o va-
lor per capita para oferta da alimentação escolar do Programa de Alimentação
Escolar - PNAE. Disponível em: https://www.fnde.gov.br/index.php/acesso-a-
-informacao/institucional/legislacao/item/10900-resolu%C3%A7%C3%A3o-c-
d-fnde-mec-n%C2%BA-1,-de-8-de-fevereiro-de-2017. Acesso em: 18 nov. 2021.
BRASIL. Resolução FNDE nº 06, de 08 de maio de 2020. Dispõe sobre o aten-
dimento da alimentação escolar aos alunos da educação básica no âmbito do
Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE. Diário Oficial, 2020.
BRASIL. Resolução nº 2, de 9 de abril de 2020. Dispõe sobre a execução do
Programa Nacional de Alimentação Escolar - PNAE durante o período de estado
de calamidade pública, reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de
março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional
decorrente do novo coronavírus - Covid-19. Disponível em: http://www.in.gov.
br/web/dou/-/resolucao-n-2-de-9-de-abril-de-2020-252085843). Acesso em: 12
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agosto de 2010. Dispõe sobre as atribuições do nutricionista, estabelece
parâmetros numéricos mínimos de referência no âmbito do Programa de Ali-
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MEDEIROS, L. B. et al. Resultado da consulta pública de estudantes da rede
estadual de educação básica do Piauí sobre o trabalho remoto diante da

518
ALIMENTAÇÃO ESCOLAR NA REDE ESTADUAL DO PIAUÍ: DESAFIOS PARA
A EFETIVAÇÃO DO DIREITO EM TEMPOS DE PANDEMIA

pandemia de covid-19. 2020. Disponível em: https://campanha.org.br/acervo/


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-diante-da-pandemia-de-covid-19-para-estudantes-da-rede-estadual-de-educa-
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MENESES, Marlúcia Lima de Sousa. A política de alimentação escolar no
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leisestaduais.com.br/pi/decreto-n-18913-2020-piaui-dispoe-sobre-a-suspen-
sao-dos-servicos-de-transporte-intermunicipal-de-passageiros-na-modalidade-
-rodoviario-como-medida-de-seguranca-sanitaria-excepcional-para-o-enfrenta-
mento-a-covid-19. Acesso em: 18 nov. 2021.
PIAUÍ. Lei nº 7.374, de 11 de maio de 2020. Autoriza, em caráter excepcional, a
distribuição imediata aos pais ou responsáveis dos estudantes nelas matricu-
lados, de gêneros alimentícios em estoque ou de recursos financeiros à conta
do PNAE, durante o período de suspensão das aulas nas escolas públicas de
educação básica em razão de situação de emergência ou calamidade pública.
2020.
PIAUÍ. Medida Provisória nº 01, de 02 de abril de 2020. Autoriza, em caráter
excepcional, a distribuição imediata aos pais ou responsáveis dos estudantes
nelas matriculados, de gêneros alimentícios em estoque ou de recursos finan-
ceiros à conta do PNAE, durante o período de suspensão das aulas nas escolas
públicas de educação básica em razão de situação de emergência ou cala-
midade pública, e dá outras providências. Disponível em: https://www.pi.gov.
br/wp-content/uploads/2020/04/DOE-SUPLEMENTAR-DIA-02-DE-ABRIL-DE-
-2020-MEIDA-PROVIS%C3%93RIA-N%C2%BA-01-2.pdf. Acesso em: 1 nov. 2021.
PIAUÍ. Orientações para habilitação e uso do Cartão PNAE. Disponível em:
https://www.seduc.pi.gov.br/diretrizes/Orienta%C3%A7%C3%A3oes%20Cart%-
C3%A3o%20PNAE/8/ Acesso em: 1 nov. 2021.
PIAUÍ. Portaria SEDUC-PI/GSE/ADM nº 110/2020, de 20 de março de 2020.
Revoga a Portaria SEDUC-PI/GSE/ADM Nº 109/2020 e dispõe sobre as medi-
das a serem adotadas no âmbito da SEDUC-PI (Sede, Gerências Regionais de
Educação, Unidades Escolares e demais unidades administrativas) em relação
à pandemia de COVID-19 (coronavírus) e dá outras providências. 2020.

519
O DIREITO À EDUCAÇÃO E A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PIAUÍ

PIAUÍ. Secretaria Estadual de Educação do Piauí. Alimentação escolar. Disponí-


vel em: https://seduc.pi.gov.br/alimentacao/. Acesso em: 17 nov. 2021.
PÚBLICA. Agência de Jornalismo Investigativo [página na internet]. Auxílio
merenda não garante nem 10 dias de alimentação para alunos sem aula.
Disponível em: https://apublica.org/2020/05/auxilio-merenda-nao-garante-
-nem-10-dias-de-alimentacao-para-alunos-sem-aula/. Acesso em: 1 nov. 2021.
SPERANDIO, N.; MORAIS, D. de C. Alimentação escolar no contexto de pande-
mia: a ressignificação e o protagonismo do Programa Nacional de Alimentação
Escolar.  Segurança Alimentar e Nutricional, Campinas, SP, v. 28, n. 00, p.
e021006, 2021. DOI: 10.20396/san.v28i00.8661396. Disponível em: https://
periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/san/article/view/8661396. Acesso
em: 31 out. 2021.

520
SOBRE OS/AS AUTORES/AS

ANA PAULA MONTEIRO DE MOURA


Mestra em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal do Piauí (PPGEd/UFPI). Graduada em Pedagogia pela
UFPI. Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Políticas e Gestão da
Educação da UFPI (Nuppege/UFPI). Professora do Ensino Básico, Técnico e
Tecnológico do Instituto Federal do Piauí, Campus São Raimundo Nonato
(EBTT-IFPI/CASRN). Membro do Colegiado do Curso de Licenciatura em
Matemática e Física do IFPI/CASRN. Coordenadora de Estágio Supervisio-
nado nas Licenciaturas do IFPI/CASRN. E-mail: anapaula.moura@ifpi.edu.br.
ORCID iD: https://orcid.org/0000-0001-6347-4340.

ANA RAQUEL RODRIGUES UCHÔA


Graduanda do Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia pela Universidade
Estadual do Piauí (Uespi). Pesquisadora pelo Programa de Bolsas de Iniciação
Científica (Pibic), investigando as condições de trabalho dos professores
no município de Teresina-PI. Professora Substituta das séries iniciais pela
Secretaria Municipal de Educação e Cultura (Semec). Atualmente, investiga
as condições de trabalho dos professores como proposta no projeto de
pesquisa interinstitucional intitulado Observatório da política educacional
piauiense: monitoramento da ação estatal e direito à educação. Integra o
Programa de Residência Pedagógica no Município de Teresina. Foi monitora
de políticas educacionais e organização da educação básica (Uespi). Parti-
cipou como pesquisadora voluntária dos Programas Pibic e  Programa Ins-
titucional de Bolsas em Extensão Universitária (Pibeu), trabalhando gênero
e educação. Participou como bolsista do Programa de Bolsas de Iniciação
Científica (Pibid). Publicou e apresentou trabalhos nos eixos temáticos: va-
lorização dos professores; olhares sobre a Base Nacional Comum Curricular
(BNCC); avaliação na educação infantil; impactos do Pibid na educação
de Teresina; prática, didática, currículo na Educação de Jovens e Adultos
(EJA); e condições de trabalho dos professores. Técnica em informática pelo
Instituto Federal do Maranhão – Campus Coelho Neto. E-mail: anauchoa@
aluna.uespi.br

521
CAMILA DUARTE ARAUJO
Graduada em Pedagogia pela Uespi – Campus Parnaíba. Professora com ex-
periência na etapa da educação infantil em escolas de rede privada da cida-
de de Parnaíba-PI. Integrante do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação
Infantil, Atividades e Múltiplas Linguagens (EdIAML). E-mail: cd.araujo2010@
hotmail.com. ORCID iD: https://orcid.org/0000-0003-4086-5626

CARLOS LOPES BARBOSA


Mestre em História do Brasil pelo Programa de Pós-Graduação da UFPI.
Pesquisador Júnior do Grupo de Trabalho História, Cultura e Subjetividade.
Cadastrado no Diretório de Grupos de Pesquisa do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (DGP/CNPq) e certificado pela
Pró-Reitoria de Pesquisa da UFPI (PROPESQ/UFPI) na área de história, arte
e cultura, com ênfase em história/cinema experimental e juventude (1960-
1970). Graduado em História pela Uespi. Professor tutor junto ao Centro de
Educação Aberta (Cead), no Curso de Graduação em História, modalidade a
distância (UFPI). Graduando no Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia.
E-mail: carlosbarbosa@aluno.uespi.br

CARMEN LUCIA DE SOUSA LIMA


Graduada em Pedagogia pela UFPI. Mestra em Educação pela UFPI. Doutora
em Educação pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Atualmente,
é professora adjunta da UFPI, lotada no Departamento de Fundamentos da
Educação (Defe), onde é Chefe do Departamento. Atuou por vários anos
como professora na educação básica. Tem experiência na área de educação,
com ênfase nos temas: políticas para o financiamento e gestão da educa-
ção; políticas educacionais e a relação público e privado; políticas para a
educação infantil. É membro do NUPPEGE. É associada à Associação Nacio-
nal de Política e Administração da Educação (Anpae) e Associação Nacional
de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca), e membro efetivo
do Fórum de Educação Infantil do Piauí (FEIPI/MIEIB). E-mail: carmenlima@
yahoo.com.br ORCID iD: https://orcid.org/0000-0001-9384-5704

DENILSON PEREIRA SILVA


Doutor em Educação pelo PPGEd/UFPI. Mestre em Administração pelo Pro-
grama de Pós-Graduação em Administração da Universidade de Fortaleza
(UNIFOR). Especialista em Administração Pública pela UFPI. Graduado em
Administração pela UFPI. Atuou como professor substituto no IFPI e na

522
Uespi. Professor formador na modalidade EaD dos Cursos de Especialização
em Gestão Pública, Gestão Pública Municipal e Gestão em Saúde do NEAD/
UESPI/UAB. Atualmente, é professor do Departamento de Gestão e Negócios
no IFPI. E-mail: denilson@ifpi.edu.br

EDNILSON DA SILVA CRONEMBERGER


Graduado em Pedagogia. Pós-Graduando em Políticas Educacionais e Edu-
cação Democrática. Professor da Secretaria Municipal de Educação em São
João do Piauí/PI. Licenciado em Pedagogia pela UFPI. Membro do Nuppege/
UFPI. Foi bolsista nos programas de formação de professores Pibid e Resi-
dência Pedagógica (RP/Capes). Pesquisador iniciante no Programa de Inicia-
ção Científica Voluntária (ICV/UFPI). Representante discente nos Conselhos
Superiores da UFPI (CONSUN/CAD). Áreas de interesse: educação, estado e
sociedade; produção de conhecimento em política educacional; políticas
de formação de professores. E-mail: ednilson1995@hotmail.com

EFIGÊNIA ALVES NERES


Mestra em Educação na linha de pesquisa Movimentos Sociais, Políticas
Públicas e Educação, pela UFPI. Especialista em Gestão e Supervisão Es-
colar com Docência no Ensino Superior pela Faculdade Evangélica do Meio
Norte. Psicopedagoga pelo Instituto Sinapses. Pedagoga pela Universidade
Federal do Piauí (2015). Integra o Núcleo de Estudos Roda Griô - Gênero,
Educação e Afrodescendência (GEAfro/PPGED/UFPI); o Núcleo de Estudos
e Pesquisas em Políticas e Gestão da Educação (Nuppege/PPGED/UFPI); e
o Fórum de Educação de Jovens e Adultos do Piauí. Professora no Curso de
Pedagogia da Universidade Estadual do Maranhão (Uema) – Campus Timon.
Estuda temas que envolvem a EJA e as relações étnico-raciais e de gênero
na educação. E-mail: efigeniaufpi@hotmail.com. ORCID iD: https://orcid.
org/0000-0002-1383-3189

FABRICIA PEREIRA TELES


Doutora em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem PUC/SP. Mestra em
Educação pela UFPI. Especialista em Educação Infantil e Docência do Ensino
Superior. Graduada em Pedagogia pela UFPI. Foi docente das redes pública
e municipal (educação básica) da cidade de Parnaíba-PI. Integra os grupos
de pesquisa Linguagem Aplicada em Contexto Escolar (LACE/PUC-SP) e
Práticas Pedagógicas Histórico-Culturais em Formação de Professores e
Práticas Pedagógicas (GEHFOP/Uespi). Líder do Grupo de Estudos EdIAML/

523
Uespi. Coordenadora do Núcleo Pedagogia do Programa de Residência Pe-
dagógica – Campus Prof. Alexandre Alves de Oliveira (Uespi). Prof.ª adjunta II
da Uespi e Prof.ª titular do Programa de Mestrado Profissional em Ensino de
História (Profhistória). Tem experiência na área da educação, especialmente,
nos temas: educação infantil; prática pedagógica; formação de professores;
currículo; múltiplas linguagens. E-mail: fabriciateles@phb.uespi.br. ORCID iD:
https://orcid.org/0000-0003-0510-3394

FRANCISLENE SANTOS CASTRO


Graduada em Pedagogia e Mestra em Educação pela UFPI. Especialista em
Supervisão Educacional pela Uespi. Atualmente, é doutoranda do pelo PP-
GEd/UFPI. Docente no ensino fundamental e na lodalidade EJA. Membro do
NUPPEGE; do Comitê Piauí da Campanha Nacional pelo Direito à Educação; e
do Fórum Piauiense de Educação de Jovens e Adultos; Representante Titular
do Fórum EJA Piauí no Fórum Municipal de Educação de Teresina. ORCID id:
https://orcid.org/0000-0001-9563-0774

GERALDO DO NASCIMENTO CARVALHO


Graduado em Ciências Sociais pela UFPI. Mestre em Educação pela UFPI.
Doutor em Educação pela UFU. Professor efetivo da UFPI, vinculado ao Curso
de Pedagogia do Campus Amílcar Ferreira Sobral (UFPI/CAFS). Participa do
NUPPEGE/CCE/UFPI, por meio da célula da educação superior, com pesqui-
sas na área de política educacional, educação superior, trabalho e educação.
ORCID id: https://orcid.org/0000-0002-5790-329X

ISABEL CRISTINA DA SILVA FONTINELES


Doutora e Mestra em Educação pela UFPI. Especialista em Didática do Ensi-
no Fundamental e Supervisão Escolar pela UESPI. Graduanda e Licenciatura
Plena em Pedagogia pela UFPI. professora adjunta da UESPI. Atua em política
de valorização do magistério, discutindo Fundef, Fundeb, Planos de Carreira
e Piso Salarial Profissional dos Professores. Pesquisa, ainda, sobre as políti-
cas de formação e sobre BNCC e a BNC-Formação. Atualmente, é membro
e pesquisadora do Nuppege e NEEPE. Participa do projeto de pesquisa
interinstitucional intitulado Observatório da Política educacional piauiense:
monitoramento da ação estatal e direito à educação. Coordenadora de área
do Pibid-Pedagogia. E-mail: ic.fontineles@hotmail.com. ORCID id: 0000-
0003-4062-5083

524
JEFFERSON DE SALES OLIVEIRA
Mestrando em Educação pelo PPGEd/UFPI. Especializando em Educação de
Jovens e Adultos pela Faculdade Faveni. Graduado em Licenciatura Plena
em História pela Universidade de Santo Amaro (Unisa). Membro do Fórum
Piauiense de EJA; do Nuppege; e do Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa em
Práticas Curriculares e Formação de profissionais da Educação (NIPPC).
E-mail: jeffersonsallesthe@gmail.com. ORCIDid: https://orcid.org/0000-
0003-4342-3903

JULLYANE FRAZÃO SANTANA


Doutoranda em Educação na Universidade de São Paulo (USP) – Campus de
Ribeirão Preto. Mestre em Educação pela UFPI. Licenciada em Pedagogia pela
UFPI – Campus Ministro Reis Veloso. Membro do Nuppege; do Núcleo de Pes-
quisa em Educação do Campo (Nupecampo-UFPI); do Nespem; do Comitê
Piauí da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e do Fórum Piauiense de
Educação do Campo (Fopec). E-mail: jullyanefrazao@gmail.com

LÉIA SOARES DA SILVA


Mestra em Educação pelo PPGEd/UFPI. Especialista em Docência na escola
de tempo integral pela UFPI. Graduada em Pedagogia pela UFPI. Professora
do EBTT-IFPI/CASRN. Membro do Núcleo Docente Estruturante (NDE) do
Curso de Licenciatura em Matemática e Física do IFPI/CASRN. E-mail: leia.
silva@ifpi.edu.br. ORCID iD: https://orcid.org/0000-0003-4910-7354.

LORENA RAQUEL DE ALENCAR SALES DE MORAIS


Mestra em Educação pela UFPI. Graduada em Pedagogia pela UFPI. Especia-
lista em Metodologia da Educação no Ensino Superior, pelo Centro Universi-
tário Internacional (Uninter). Professora efetiva da UESPI – Campus Cerrados
do Alto Parnaíba – Uruçuí. Membro do Nupecampo-UFPI; e do Educação Po-
pular e Educação do Campo (EPEC/Uespi). Possui experiência com pesquisa
e extensão nas áreas: práticas educativas; educação popular, com ênfase
em educação do campo e movimentos sociais. E-mail: lorenaraquel@urc.
uespi.br. ORCID iD: https://orcid.org/0000-0001-7734-7326

LUCINE RODRIGUES VASCONCELOS BORGES DE ALMEIDA


Mestranda em Educação pela UFPI. Graduada em Pedagogia pela UEMA.
Pós-Graduada em Gestão Pública pelas Faculdades Integradas de Jaca-
repaguá (FIJ). Atualmente, é professora efetiva da Seduc-PI. Pesquisadora

525
Colaboradora do Nuppege. Vem atuando em pesquisas principalmente nas
seguintes temáticas: remuneração de professores de escolas públicas de
educação básica no contexto do Fundef/Fundeb e do PSPN; financiamento
da educação pública, com estudo na área de políticas educacionais. Mem-
bro da Campanha Nacional pelo Direito à Educação Comitê Piauí. ORCID iD:
https://orcid.org/0000-0003-4528-0934

LUCINEIDE BARROS MEDEIROS


Graduada em Pedagogia pela UFPI. Mestra em Educação pela UFPI. Doutora
pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), com atividades
acadêmicas na Universidad Pedagógica Nacional da Colômbia. É professora
adjunta da Uespi. Tem experiência na área de educação, com ênfase em
movimentos sociais e educação, atuando principalmente nos seguintes
temas: educação popular; educação do campo; educação e participação
popular. ORCID iD: http://orcid.org/0000-0002-1538-2705

LUCINEIDE MARIA DOS SANTOS SOARES


Doutora em Educação pela USP. Mestra em Educação pela UFPI. Graduada
em Licenciatura Plena em Pedagogia pela Uespi. Atualmente, é professora
adjunta da Uespi. Pesquisadora colaboradora do Nuppege/UFPI. Vem atu-
ando em pesquisas principalmente nos seguintes temas: financiamento da
educação pública; controle social dos recursos do Fundef/Fundeb; valoriza-
ção dos profissionais da educação; gestão pública; e políticas educacionais
brasileiras. Membro da Campanha Nacional pelo Direito à Educação Comitê
Piauí. ORCID iD: https://orcid.org/0000-0002-7016-2676

LUIS CARLOS SALES


Graduado em Engenharia Civil pela UFPI. Mestre em Educação pela UFPI.
Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN). Atualmente, é professor titular da UFPI. Professor do PPGEd/UFPI.
Pesquisador do Nuppege/UFPI. Tem experiência na área de educação,
atuando principalmente nos seguintes temas: educação; representações
sociais; financiamento da educação; política educacional; e formação de
professores. Foi Coordenador do PPGEd/UFPI e vice-coordenador do Fórum
de Coordenadores de Programas de Pós-Graduação em Educação (FOR-
PREd). Foi assessor pedagógico da Secretaria Municipal de Educação de
Teresina. Coordenador do Fórum Municipal de Educação de Teresina. Diretor

526
do Centro de Ciências da Educação (CCE) da UFPI. Atualmente, é Pró-Reitor
de Planejamento e Orçamento da UFPI. E-mail: lwis2006@gmail.com

MAGNA JOVITA GOMES DE SALES E SILVA


Doutora em Educação pela UFPI. Mestra em Educação pela UFPI. Graduada
em Pedagogia pelo Centro Universitário Internacional. Licenciada em Geo-
grafia pela Uespi. Atualmente, é professora do quadro efetivo da Secretaria
Municipal de Educação de Teresina e professora aposentada pela Secretaria
Estadual de Educação do Estado do Piauí. Ministra aula pela Universidade
Aberta do Brasil da UFPI (professora visitante). Tem experiência na área de
educação, com ênfase em educação, atuando principalmente nos seguintes
temas: política educacional; formação docente; remuneração; e condições
de trabalho. E-mail: magnajgss@hotmail.com

MARCELO SOARES PEREIRA DA SILVA


Doutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Professor titular na Faculdade de Educação da UFU. Coordena o Fórum
Nacional de Coordenadores de Programas de Pós-Graduação em Educa-
ção (Forpred-2021-2023). E-mail: marcelospsilva@hotmail.com. ORCID iD:
https://orcid.org/0000-0001-7668-5673

MARIA CARMEM BEZERRA LIMA


Doutora e Mestra e Educação pela UFPI. Graduada em Pedagogia pela UFPI e
em Geografia pela Uespi. Docente do quadro efetivo do curso de Pedagogia
da Uespi – Campus de Picos. Tem experiência na área de educação, atuando
principalmente nos seguintes temas: educação infantil; política educacional;
formação de professores; e currículo. Pesquisadora na área de educação in-
fantil. Membro do Fórum de Educação Infantil do Piauí (Feipi). Foi professora
da educação básica na Seduc/PI e na Semec de Teresina, onde também
atuou como gestora de instituições escolares por quase dez anos. E-mail:
mariacarmem@pcs.uespi.br. ORCID iD: 0000-0002-4172-8618

MARIA CLARA DE SOUSA COSTA


Graduada em Pedagogia pela UFPI. Membro do Núcleo de Nupecampo;
do Nuppege; do Fopec; e da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
Desenvolve pesquisas nas áreas de política educacional e educação do
campo. E-mail: mcsousa.co@gmail.com

527
MARIA DA PENHA FEITOSA
Doutora em educação pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), mes-
tre em educação pela Universidade Federal do Piauí (UFPI), graduada em
História pela UFPI e em Pedagogia pela Faculdade do Baixo Parnaíba (FAP).
Atualmente é professora adjunta da UFPI, no Campus Amílcar Ferreira Sobral
(CAFS), em Floriano-PI, lotada no curso de Pedagogia, atuando na área de
História da Educação. Pesquisa o campo da educação, com ênfase em His-
tória da Educação e políticas educacionais. É membro do Núcleo de Estudos,
Pesquisas e Extensão em Políticas e Gestão da Educação (NUPPEGE), no
qual coordena a Célula do Ensino Superior. ORCID: https://orcid.org/0000-
0001-6396-9423

MARIA DE JESUS RODRIGUES DUARTE


Mestra pelo PPGEd/UFPI. Graduada em Pedagogia pela UFPI. Bacharela em
Administração pela Universidade Norte do Paraná. Especialista em Gestão
Estratégica de Pessoas pela Universidade Estácio de Sá. Professora substi-
tuta da Uespi. Integrante do Nuppege/UFPI. E-mail: mariajesus34533@gmail.
com. ORCID id: http://orcid.org/0000-0002-7519-348X

MARIA DEUSENY PEREIRA OLIVEIRA


Graduada em Pedagogia. Pós-Graduanda em Atendimento Educacional
Especializado-Educação Especial e Inclusiva. E-mail: deusenyoliveira@
hotmail.com

MARIA DO SOCORRO SOARES


Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Mestra em Educação pela UFPI. Graduada em Pedagogia pela UFPI. Espe-
cialista em Educação – Supervisão Escolar pela Uespi. Atualmente é pro-
fessora adjunta da Professora adjunta da UFPI/CSHNB-Picos-PI. Membro do
Nuppege/CCE/UFPI. Atua principalmente nos seguintes temas: formação de
professores; estágio curricular supervisionado; financiamento e gestão da
educação; e educação para a convivência com o semiárido. E-mail: mspi-
cos@hotmail.com

MARIA JÉSSICA LIMA BORGES


Graduada em Pedagogia pela UESPI – Campus de Picos-PI. Email: jessesbor-
ges17@gmail.com. ORCID id: 0000-0001-6477-9576

528
MARINA GLEIKA FELIPE SOARES
Doutoranda em Educação pela USP. Mestra em Educação pela UFPI. Graduada
em Direito e em Licenciatura Plena em Pedagogia. Professora da UESPI. Pes-
quisadora e colaboradora do NUPPEGE/UFPI; e do Grupo de Pesquisa E-RE-
SISTÊNCIA: Grupo de Estudos e Pesquisas em Política, História, Formação e
Diferenças na Educação da UESPI. Vem atuando em pesquisas principalmente
nos seguintes temas: remuneração de professores de escolas públicas de
educação básica no contexto do Fundef/ Fundeb e do PSPN; financiamento
da educação pública e avaliação educacional; com estudo nas áreas de ges-
tão e políticas educacionais. Membro da Campanha Nacional pelo Direito à
Educação Comitê Piauí. ORCID id: https://orcid.org/0000-0002-8788-0965

MARLI CLEMENTINO GONÇALVES


Doutora, Mestre, Pedagoga em Educação pela UFPI. Especialista em Edu-
cação do Campo e Desenvolvimento pela Universidade de Brasília (UnB).
Professora Adjunta da UFPI – Campus Ministro Petrônio Portela – Teresina.
Coordenadora Adjunta do Nupecampo. Integra o Nuppege/UFPI. Tem ex-
periência em educação, com ênfase em educação do campo; juventudes
e movimentos sociais do campo; e política educacional. É professora do
Programa Escola da Terra. E-mail: marliclementino@ufpi.edu.br

MARLÚCIA DE SOUSA MENESES


Mestra pelo PPGEd/UFPI. Especialista em Desporto Escolar pelo IFPI. Gra-
duada em Educação Física pela UESPI. Professora da educação básica na
Seduc/PI e Secretaria Municipal de Educação (Semed/Timon-MA). Inte-
grante do Nuppege/UFPI; e da Campanha Nacional pelo Direito à Educação
- Comitê Piauí. E-mail: marluciaedf@gmail.com. ORCID id: https://orcid.
org/0000-0002-7802-0218 .

RHAYRA VITÓRIA ALMEIDA DE SOUSA LIMA


Graduanda no Curso de Pedagogia da Uespi – Campus Poeta Torquato Neto.
Bolsista do PIBIC/CNPq/Uespi. ORCID id: https://orcid.org/0000-0002-
6386-5138

ROSANA EVANGELISTA DA CRUZ


Graduada em Pedagogia e em Serviço Social pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo. Mestra e Doutora em Educação pela USP. Atualmen-
te, é professora associada na UFPI. Pesquisadora do Núcleo de Estudos e

529
Pesquisas em Política e Gestão da Educação. Tem experiência na área de
educação, com ênfase em política educacional, atuando principalmente
com o tema gestão e financiamento da educação. Membro da Rede Nacio-
nal de Pesquisa em Financiamento da Educação e da Campanha Nacional
pelo Direito à Educação. ORCID id: http://orcid.org/0000-0002-8341-0835

SAMARA DE OLIVEIRA SILVA


Doutora em Educação pela Unicamp. Mestra em Educação pela UFPI. Gradua-
da em Licenciatura Plena em Pedagogia pela UFPI. Doutora em Educação - Fa-
culdade de Educação da UNICAMP, Mestre em Educação pela UFPI, Graduada
em Licenciatura Plena em Pedagogia, Especialista em Psicologia da Educação
pela UFPI. Atualmente é professora Adjunta da Universidade Estadual do Piauí,
pesquisadora colaboradora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Políticas
Educacionais e Gestão da Educação - NUPPEGE (UFPI), membro do Núcleo
de Estudos em Educação e Sociedade - NEPES/ UESPI. Vem atuando em
pesquisas principalmente nos seguintes temas: Financiamento da Educação
no Contexto do Fundeb; Políticas Educacionais para o Ensino Médio; Gestão
escolar e Políticas Educacionais. Coordenadora do Curso de Licenciatura Ple-
na em Pedagogia da UESPI (2012-2015; e atual biênio 2019-2021), coordenou
o Subprojeto do Programa de Iniciação Docência (PIBID-CAPES 2013-2015).
ORCID id: https://orcid.org/0000-0002-3578-9940

VALDENEY LIMA DA COSTA


Professor adjunto na Uespi – Camp­us de Bom Jesus/PI. Doutor e Mestre em
Educação pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio).
Graduado em Pedagogia pela Universidade Estadual do Ceará (Uece). Realiza
pesquisas sobre políticas públicas de educação integral e jornada ampliada.
Atualmente, é professor adjunto I - da Uespi , lotado no Curso de Pedagogia.
Integrante do Núcleo de Estudos e Pesquisas Tempos, Espaços e Educação
Integral (NEEPHI), vinculado à Unirio. E-mail: valdeneylima@bjs.uespi.br

ZÉLIA MARIA CARVALHO E SILVA


Mestra em Educação pela UFPI. Especialista em Gestão Escolar pela PUC/
MG, e Docência do Ensino Superior pela Uespi. Professora efetiva do Curso
de Pedagogia – CAFS/UFPI. Membro do Grupo de Estudos Biografia de Edu-
cadores (Gebe/UFPI); e do Nupegge/UFPI. Pesquisadora do Grupo de Estu-
dos e Pesquisas em Políticas, Avaliação e Infâncias (Geppai), da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). E-mail: zeliamariac@gmail.com. ORCID
iD: https://orcid.org/0000-0003-0175-5969.

530
ÍNDICE REMISSIVO

A
acesso à terra 179, 180, 183, 184, 186, 188, 189, 199
A educação 111
agricultura familiar 511, 512, 513, 514, 515
alimentação escolar 19, 338, 503, 504, 506, 510, 512, 513, 515, 516, 517, 518,
519
Alimentação Escolar 323, 424, 504, 513, 516, 517, 518, 520
as políticas públicas 114
assistência 50, 70, 89, 90, 97, 101, 162, 181, 214, 337, 427, 510
assistencial 98, 106
assistencialismo 105
assistencialista 14, 56, 58, 73, 75, 94, 97
atendimento de crianças de 0 a 5 anos 85
aulas continuaram firmes de forma remota 124
avaliação 6, 13, 17, 36, 52, 64, 66, 99, 139, 151, 217, 239, 284, 285, 286, 289, 290,
291, 292, 294, 295, 297, 298, 299, 301, 304, 306, 308, 309, 310, 311, 326,
328, 329, 330, 361, 365, 370, 396, 401, 402, 403, 404, 405, 406, 420,
443, 444, 455, 499, 521, 529
Avaliação 36, 66, 67, 283, 285, 286, 310, 311, 334, 335, 340, 403, 404, 405,
406, 530

B
berçário 99, 100
Bourdieu 327

C
campo 317
camponeses 16, 178, 179, 180, 182, 183, 184, 186, 187, 188, 189, 190, 195, 197, 208
capitalismo 27, 29, 30, 32, 140, 172, 175, 180, 182, 228, 229, 235, 242
CFE nº 977/65 313
Comissão Pastoral da Terra 187, 442
CONAE 418, 440, 463
Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura 185

531
Conferência de Educação 445, 461
Conselho Estadual de Educação 37, 441, 444, 464, 466, 485, 488
Conselhos de Acompanhamento e Controle Social 321
Contag 185, 186
controle social 8, 316, 321, 322, 333, 338, 340, 396, 449, 450, 455, 459, 526
CPT 187, 188, 196, 197, 442
creche 57, 61, 88, 93, 94, 95, 97, 98, 99, 101, 102, 105, 106, 107, 108, 356, 366,
418
creches 93, 94, 96, 97, 100, 102, 103, 104, 106
Cruz e Jacomini 314
Custo Aluno-Qualidade Inicial 322

D
Desempenho 17, 36, 283
direito 155
direito à alimentação 19, 503, 504, 505, 506, 512, 513, 515, 516
direito à educação 4, 5, 6, 7, 8, 9, 11, 12, 13, 14, 15, 19, 24, 25, 34, 36, 37, 38, 96,
107, 135, 140, 147, 151, 155, 157, 158, 159, 160, 162, 169, 172, 197, 210, 222, 227,
278, 279, 280, 324, 330, 400, 401, 437, 447, 461, 463, 485, 521, 524
direito às tecnologias 16
direito humano 11, 12, 15, 148, 150, 152, 503
direitos humanos 25, 117, 252, 401

E
educação 4, 5, 6, 7, 8, 9, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31,
32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 41, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 52, 55, 57, 58, 59,
60, 61, 62, 63, 65, 66, 67, 69, 70, 71, 72, 73, 74, 75, 76, 77, 78, 81, 82, 86, 87,
88, 89, 90, 91, 93, 94, 96, 97, 98, 100, 103, 104, 105, 106, 107, 108, 109, 110,
111, 112, 113, 114, 115, 116, 117, 119, 120, 121, 123, 124, 125, 126, 127, 128, 129, 130,
131, 132, 135, 140, 143, 144, 145, 146, 147, 148, 150, 151, 152, 154, 155, 156, 157,
158, 159, 160, 161, 162, 163, 166, 167, 168, 169, 171, 172, 173, 174, 175, 176, 178,
188, 189, 190, 192, 193, 197, 198, 200, 201, 203, 205, 206, 208, 209, 210,
212, 213, 214, 217, 220, 221, 222, 223, 227, 228, 231, 236, 237, 238, 240, 246,
248, 252, 255, 263, 271, 272, 273, 274, 276, 277, 278, 279, 280, 281, 283,
286, 288, 290, 291, 292, 301, 308, 309, 311, 313, 314, 315, 316, 317, 318, 319,
320, 321, 322, 323, 324, 325, 326, 327, 328, 329, 330, 331, 332, 333, 334,
335, 336, 337, 338, 339, 340, 341, 343, 344, 345, 346, 347, 348, 349, 351,
353, 356, 357, 358, 359, 360, 361, 362, 363, 364, 365, 366, 368, 369,

532
370, 371, 372, 373, 374, 375, 376, 377, 378, 379, 380, 381, 382, 383, 384,
385, 387, 389, 390, 391, 393, 394, 396, 398, 399, 400, 401, 402, 403,
404, 405, 406, 408, 411, 412, 413, 414, 415, 416, 417, 418, 419, 420, 421, 422,
423, 424, 425, 426, 427, 429, 430, 431, 432, 433, 434, 435, 437, 438, 439,
440, 441, 442, 443, 444, 445, 446, 447, 448, 449, 450, 451, 452, 453,
454, 455, 456, 457, 458, 459, 460, 461, 462, 463, 464, 465, 468, 469,
470, 472, 473, 476, 477, 478, 482, 485, 488, 489, 490, 500, 504, 507,
508, 509, 510, 511, 512, 513, 516, 517, 518, 519, 521, 522, 523, 524, 525, 526,
527, 528, 529, 530
Educação 2, 5, 6, 9, 11, 13, 18, 30, 31, 35, 36, 37, 39, 40, 41, 42, 45, 47, 48, 49, 50,
60, 65, 66, 67, 69, 71, 72, 74, 76, 79, 81, 83, 84, 85, 86, 88, 89, 90, 91, 94,
95, 97, 98, 100, 102, 103, 104, 105, 107, 109, 110, 114, 118, 120, 122, 124, 125,
129, 130, 131, 132, 135, 142, 146, 153, 154, 155, 156, 157, 158, 159, 160, 161, 162,
163, 167, 168, 170, 172, 173, 174, 175, 176, 184, 198, 200, 201, 203, 204, 205,
212, 214, 219, 220, 221, 222, 223, 254, 257, 259, 263, 264, 266, 268, 269,
270, 271, 280, 281, 283, 285, 286, 287, 310, 313, 314, 315, 316, 319, 322, 323,
324, 327, 328, 329, 331, 332, 334, 335, 336, 337, 338, 339, 340, 341, 343,
344, 345, 346, 347, 348, 349, 355, 358, 359, 362, 364, 365, 366, 367,
368, 369, 370, 371, 372, 373, 376, 378, 381, 389, 390, 391, 394, 399, 400,
401, 403, 407, 408, 411, 412, 413, 415, 416, 417, 418, 419, 420, 422, 423, 424,
425, 426, 427, 428, 429, 430, 431, 432, 433, 434, 435, 437, 438, 439, 440,
441, 442, 444, 445, 446, 448, 449, 452, 453, 454, 456, 457, 458, 459,
461, 462, 463, 464, 465, 466, 468, 473, 474, 475, 476, 477, 478, 479, 480,
483, 484, 485, 487, 488, 489, 490, 491, 493, 495, 497, 498, 499, 504,
507, 508, 510, 511, 517, 518, 519, 520, 521, 522, 523, 524, 525, 526, 527,
528, 529, 530
educação básica 6, 13, 15, 18, 19, 34, 38, 41, 49, 61, 87, 89, 90, 100, 120, 129, 157,
158, 168, 203, 248, 311, 316, 320, 322, 330, 336, 337, 340, 346, 347, 360,
369, 370, 371, 372, 373, 374, 376, 377, 379, 380, 381, 382, 383, 384, 385,
387, 393, 400, 401, 416, 418, 424, 432, 457, 504, 508, 509, 510, 511, 512,
517, 518, 519, 521, 522, 523, 526, 527, 529
educação brasileira 48, 57, 90, 110, 130, 132, 157, 277, 281, 337, 360, 366, 421,
425
Educação de Jovens e Adultos 6, 9, 13, 122, 135, 156, 159, 162, 163, 170, 173, 174,
175, 176, 324, 401, 441, 442, 507, 521, 523, 524, 525
educação infantil 324
Educação Infantil 9, 45, 47, 69, 71, 74, 85, 86, 88, 90, 91, 95, 97, 98, 100, 104,
105, 107, 120, 174, 214, 322, 343, 344, 345, 346, 347, 348, 349, 355, 358,

533
359, 362, 364, 365, 366, 367, 368, 369, 381, 390, 401, 445, 449, 522,
523, 527
Educação superior 254, 280
EJA 13, 15, 122, 135, 137, 143, 145, 146, 147, 148, 149, 150, 151, 152, 153, 155, 156, 157,
158, 159, 160, 161, 162, 163, 164, 165, 166, 167, 168, 169, 170, 171, 172, 173, 174,
324, 442, 459, 474, 477, 478, 482, 490, 507, 513, 521, 523, 524, 525, 529
elites 177, 178, 179, 186, 237, 280
emancipação 17, 28, 29, 152, 171, 228
Enade 17, 283, 284, 286, 287, 288, 289, 290, 291, 293, 294, 295, 296, 297, 299,
301, 302, 303, 304, 305, 306, 307, 308, 309, 310, 311
ensino fundamental 35, 38, 61, 79, 81, 97, 116, 138, 139, 157, 158, 159, 160, 166,
167, 197, 320, 322, 337, 340, 346, 347, 349, 356, 357, 359, 369, 372, 380,
390, 391, 415, 418, 442, 490, 496, 507, 508, 513, 524
ensino médio 18, 37, 38, 41, 113, 138, 142, 143, 158, 159, 168, 198, 324, 338, 355,
356, 357, 358, 361, 362, 363, 364, 372, 374, 375, 376, 377, 378, 380, 382,
383, 384, 387, 388, 390, 418, 442, 490, 491, 496, 507, 519
ensino municipal 124, 127
ensino municipal em Teresina 124
ensino superior 6, 13, 16, 17, 34, 38, 141, 142, 145, 147, 149, 151, 152, 227, 238, 239,
245, 246, 248, 252, 254, 257, 258, 259, 262, 264, 267, 270, 271, 274, 275,
278, 279, 281, 283, 285, 289, 294, 297, 298, 301, 310, 324, 325, 327, 336,
362, 377, 397, 400, 444, 517
escolaridade 57, 62, 123, 140, 142, 152, 158, 160, 161, 347, 366
escolas do meio rural 16, 204, 208, 209, 215, 217, 218, 219, 221
estado da arte 314
estado do conhecimento 314, 340
estudos de revisão 315
expansão 17, 34, 45, 50, 54, 55, 57, 63, 73, 82, 85, 87, 88, 94, 95, 97, 101, 104,
106, 112, 197, 211, 236, 255, 257, 270, 271, 273, 274, 275, 278, 280, 325, 348,
352, 416, 418, 445, 458, 459, 467

F
feministas 93
financiamento da educação 13, 17, 18, 41, 89, 240, 314, 315, 316, 317, 318, 319,
320, 322, 324, 325, 327, 330, 331, 332, 333, 334, 335, 336, 337, 339, 341,
371, 372, 380, 396, 437, 438, 439, 444, 446, 449, 455, 456, 460, 464,
526, 529, 530
Financiamento da Educação 314, 315

534
FNDE 424, 426, 429, 506, 507, 508, 509, 513, 517, 518
formação de professores 17, 31, 154, 159, 262, 264, 344, 345, 350, 351, 352,
353, 354, 355, 358, 360, 362, 366, 369, 373, 374, 376, 379, 381, 382, 389,
393, 395, 396, 404, 406, 523, 524, 526, 527, 528
Fórum Estadual de Educação 438, 439, 440, 441, 463
Fundação Abrinq 95, 101, 104
Fundeb 41, 114, 159, 174, 175, 316, 319, 320, 321, 323, 336, 371, 380, 415, 424, 458,
459, 524, 526, 529, 530
FUNDEB (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e
de Valorização dos Profissionais da Educação) 114
Fundef 316
FUNDEF 130, 337, 338, 340, 391
FUNDEF (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental)
114
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valori-
zação dos Profissionais da Educação 114, 130, 319
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental 61, 114,
130, 158, 173, 319, 415
Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação 424, 507, 517

G
gasto público 316, 451
gênero 15, 56, 135, 136, 138, 148, 149, 150, 151, 153, 521, 523
Graduação 5, 13, 47, 71, 135, 157, 174, 223, 257, 274, 286, 313, 315, 325, 329, 334,
335, 336, 341, 378, 386, 464, 519, 521, 522, 526, 527

I
industrialização 181, 182, 258, 277
infância 14, 46, 47, 48, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 59, 60, 64, 65, 66, 70, 71, 74,
88, 89, 90, 96, 97, 108, 346, 354, 367, 369, 381, 390
infraestrutura de apoio tecnológico 204, 209
iniciação à pesquisa 393, 396, 397, 398
início da história da educação 112

L
Lei de Diretrizes Bases da Educação (LDB) 110
Ligas Camponesas 182
Linha de Pesquisa 315

535
linhas de pesquisa 327
luta de classes 26, 28, 182, 258
lutas populares 178

M
Master 183, 184
maternagem 344
matrícula 94, 103
matrículas 101, 102, 103, 159
MEB 185
mercadorização da ciência 243
mercantilização 16, 36, 37, 75, 247, 280, 324, 338
meritocratização 283
Movimento de Educação de Base 184
Movimento dos Agricultores Sem Terra 183, 184
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra 449
MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA 201
Movimentos Sociais 523
MST 178, 179, 188, 189, 190, 191, 192, 193, 194, 195, 196, 197, 198, 199, 200, 201,
442, 449
mudanças educacionais 126
mulheres afrodescendentes 135, 136, 137, 143, 145, 147, 151, 154

N
negação 157
neoliberal 46, 52, 72, 78, 90, 155, 156, 157, 227, 233, 248, 467
Normal Magistério 343, 344, 349, 354, 355, 362, 366, 367

O
organismos internacionais 8, 15, 18, 36, 47, 48, 49, 50, 52, 56, 59, 60, 65, 66,
251

P
pandemia 7, 15, 19, 23, 24, 110, 111, 113, 117, 118, 119, 120, 122, 123, 125, 127, 128, 129,
132, 204, 431, 465, 466, 467, 468, 469, 470, 475, 476, 477, 478, 479, 481,
482, 487, 491, 499, 500, 503, 504, 505, 509, 511, 513, 515, 516, 518, 519,
520
pandemia do Coronavírus 117

536
panorama 315
panorama analítico 333
parlamento 438, 439, 440
PARLAMENTOPIAUÍ 121
Paulo Freire 28, 29, 66, 164, 419, 427
PDDE 324, 424, 429, 430
Pedagogia 18, 36, 40, 42, 131, 284, 292, 332, 336, 345, 349, 364, 368, 369, 393,
394, 395, 397, 404, 406, 407, 408, 521, 522, 523, 524, 525, 526, 527,
528, 529, 530
permanências históricas importantes 112
Piauí 315
Piso Salarial Profissional Nacional 38, 319, 321, 374
Plano Estadual de Educação 18, 79, 437, 448, 463, 464
Plano Nacional de Educação 11, 37, 39, 65, 103, 107, 110, 157, 159, 168, 173, 203,
369, 371, 389, 399, 401, 425, 434, 437, 439, 452, 453, 454, 462, 463
PNAD (2020) - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua 113
Pnae 323, 424, 429, 504, 505, 506, 507, 508, 509, 511, 512, 515
Pnate 323
política de ação afirmativa 15, 150, 152, 153
Política Educacional 6, 9, 19, 40, 314, 408, 434, 449
políticas 157
políticas compensatórias e focalizadas 56
políticas educacionais 5, 6, 12, 13, 16, 18, 19, 25, 37, 41, 46, 49, 50, 69, 70, 74, 78,
85, 91, 148, 155, 156, 158, 159, 227, 231, 314, 315, 316, 328, 338, 339, 340,
365, 373, 394, 395, 396, 399, 405, 408, 419, 433, 435, 438, 439, 443,
458, 459, 461, 521, 522, 526, 528, 529
Políticas educacionais 329
pós-graduação 313, 327
Pós-Graduação 5, 13, 47, 71, 135, 157, 174, 223, 257, 274, 313, 315, 325, 329, 334,
335, 336, 341, 464, 519, 521, 522, 526, 527
PPGEd 315
Pré-Escola 62, 358
processos históricos 109, 110, 113, 119, 126, 127, 129
processos históricos da educação brasileira 110
produção acadêmica 8, 17, 40, 239, 314, 315, 316, 317, 333, 337, 394, 396, 397,
398, 402, 408, 419
produção de conhecimento 317
produção do conhecimento 205, 243, 244, 246, 313, 315, 339, 407

537
produtivismo acadêmico 241, 243, 245, 255
Produto Interno Bruto 214, 437, 450
profissionalização 171, 343, 344, 349, 351, 357, 359
Programa de Pós-Graduação em Educação 5, 13, 47, 71, 135, 174, 257, 315, 329,
341, 464, 519, 521
Programa Nacional de Alimentação Escolar 323, 424, 504, 516, 517, 518, 520
Programas de Descentralização 323
programas de pós-graduação 72, 241, 245, 333, 336, 337, 398
Programas de Pós-Graduação 313
Programas de Pós-Graduação em Educação 313

R
Raça 153
reciprocidade dialética 232
recursos financeiros 158, 159, 429, 445, 450, 503, 505, 507, 511, 519
Recursos financeiros 507
recursos públicos 316
reformas do Estado 72, 270
reformas educacionais 27, 32, 364, 395, 396, 404, 405, 406
responsabilidade do Estado 70, 75, 168
revisão bibliográfica 178, 314, 412
revisão do conhecimento 314

S
Secretaria Estadual de Educação do Piauí 487, 507, 520
Severino 326
sistema capitalista 27, 29, 31, 32, 229, 230, 232, 236, 276
sistema educacional 70, 114, 115, 131, 140, 155, 157, 172, 276, 277, 283, 469, 472
subproletarização 238, 239
sujeito coletivo 326
superexploração 238

T
TDIC 205, 221
tecnologias digitais da informação e da comunicação 16
Tecnologias Digitais da Informação e da Comunicação 205
temática 315
temáticas 319

538
Teresina 13, 15, 40, 41, 69, 71, 72, 79, 81, 85, 86, 87, 88, 90, 91, 110, 111, 117, 122, 123,
124, 125, 127, 128, 129, 130, 132, 154, 174, 175, 200, 213, 214, 215, 216, 217, 218,
223, 263, 265, 267, 280, 281, 335, 336, 337, 338, 339, 340, 341, 363, 364,
380, 390, 391, 394, 397, 399, 400, 404, 406, 407, 435, 441, 463, 464,
485, 489, 504, 505, 507, 509, 510, 511, 513, 514, 515, 519, 521, 524, 526,
527, 529
territorialidades 208
territorialização 196, 205, 208, 209, 210
teses e dissertações 316
Trabalho docente 254, 255
transformações educacionais 126

U
Ultab 183, 184
União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil 183
universidades federais 17, 228, 252, 254, 255, 427
urbanização 79, 85, 181, 258, 260

V
valorização do magistério 319, 320, 321, 333, 337, 346, 380, 390, 443, 524
valorização profissional 319

539

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