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Assunção - Paraguai
2017
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Assunção - Paraguai
2017
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CDD 370.115
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, aos meus amigos queridos e aos meus familiares, em especial,
minha amada irmã Cintia, meus pais Nelson e Élia pela força, incentivo e por terem
apostado e acreditado em mim.
Enfim, a todos que colaboraram direta e indiretamente neste estudo, minha gratidão.
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(Cora Coralina)
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RESUMO
Esta tese de doutorado examina a apropriação do material didático apostilado
sistematizado pelos professores de língua portuguesa. Tem por objeto averiguar a
relação entre as práticas dos professores na rede pública municipal com um material
sistematizado apostilado, compreendendo como esses professores fazem uso de tal
material padronizado e o que pensam sobre isso. Trata-se de uma pesquisa
qualitativa que optou por coletar e avaliar dados por meio da aplicação de
questionário a professores de língua portuguesa do ensino fundamental, ciclo II - 6º
ao 9º ano. A investigação foi desenvolvida em quatro escolas municipais, na cidade
de Santa Gertrudes, interior de São Paulo, cujo material didático pedagógico
adotado pela secretaria municipal de educação é apostilado e sistematizado. Para
dar suporte à pesquisa, recorreu-se ao estudo bibliográfico de autores da filosofia,
da educação e da sociologia. Entre outros, destacam-se Michel Foucault, a partir de
seu conceito de “poder”; Pierre Bourdieu, com as noções de “campo” e “poder
simbólico” e Norbert Elias, em suas abordagens sobre “configuração”, “redes”,
“teias”, “tramas”, “inter-relações” e “interdependências”. Quanto aos resultados, esta
pesquisa revelou que o material didático sistematizado, adotado pela rede pública
municipal de ensino, advém de um sistema de franquia educacional que, embora
organize, defina e programe a atividade docente, não apenas estabelece parâmetros
e regras que direciona o funcionamento, mas também controla os comportamentos,
os procedimentos e os resultados de diretores, coordenadores, alunos e, sobretudo,
dos professores que se apropriam acriticamente do material.
RESUMEN
Esta tesi doctoral analiza la apropiación que hacen los profesores de lengua
portuguesa del material didáctico presentado en forma de cuadernillo sistematizado.
Tiene por objeto averiguar la relación entre las prácticas de los profesores de la red
pública municipal y el material sistematizado cuadernillo, para entender como estos
profesores hacen uso de ese material estandarizado y lo que piensan de él. Se trata
de una investigación cualitativa que optó por recoger y evaluar datos realizando
encuestas a los profesores de lengua portuguesa de la educación primaria, ciclo II -
6º a 9º año. La investigación se desarrolló en cuatro escuelas municipales, en la
ciudad de Santa Gertrudis, interior del estado de San Pablo, cuyo material didáctico
pedagógico fue adoptado por la secretaría municipal de educación. Para dar soporte
a la investigación, se recurrió al estudio bibliográfico de autores de filosofía, de
educación y de sociología. Entre otros, se destacan Michel Foucault, a partir de su
concepto de “poder”; Pierre Bourdieu, con las nociones de “campo” y “poder
simbólico” y Norbert Elias, en su abordaje sobre “configuración”, “redes”, “telas”,
“tramas”, “inter-relaciones” e “interdependencias”. En lo referente a los resultados,
esta pesquisa reveló que el material didáctico sistematizado, adoptado por la red
pública municipal de enseñanza, adviene de un sistema de franquía educacional
que, aunque organice, defina y programe las actividades docente, no sólo establece
los parámetros y reglas que dirige el funcionamiento, sino que también controla los
comportamientos, los procedimientos y los resultados de directores, coordinadores,
alumnos y sobretodo, de los profesores que se apropian acríticamente del material.
ABSTRACT
This doctoral thesis examines the appropriation of the didactic material systematized
by the Portuguese language teachers. It aims to ascertain the relationship between
teachers' practices in the municipal public network with a systematized apostilled
material, understanding how these teachers make use of such standardized material
and what they think about it. It is a qualitative research that chose to collect and
evaluate data through the application of a questionnaire to Portuguese-speaking
teachers of primary education, cycle II - 6th to 9th grade. The research was
developed in four municipal schools, in the city of Santa Gertrudes, in the interior of
São Paulo, whose teaching didactic material adopted by the municipal education
department is apostilled and systematized. To support the research, we resorted to
the bibliographic study of authors of philosophy, education and sociology. Among
others, stand out Michel Foucault, from his concept of "power"; Pierre Bourdieu, with
the notions of "field" and "symbolic power" and Norbert Elias, in their approaches to
"configuration", "networks", "webs", "plots", "interrelations" and "interdependencies".
Regarding the results, this research revealed that the systematized teaching
material, adopted by the municipal public school system, comes from an educational
franchise system that, although it organizes, defines and schedules the teaching
activity, not only establishes parameters and rules that guide the functioning, but also
controls the behaviors, procedures, and outcomes of principals, coordinators,
students and, above all, teachers who acritically appropriate the material.
LISTA DE SIGLAS
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................. 15
1.1 Problema ..................................................................................... 16
1.2 Justificativa ................................................................................. 17
1.3 Hipótese ........................................................................................ 18
1.4 Objetivos ....................................................................................... 19
1.4.1 Objetivo Geral ............................................................................... 19
1.4.2 Objetivos Específicos .................................................................. 19
1.5 Questão Investigativa ................................................................ 19
2 REVISÃO DA LITERATURA ......................................................... 20
2.1 As apostilas e o discurso de modernização .............................. 21
2.1.1 Sistemas apostilados de ensino nas instituições públicas e
privadas: breve histórico ............................................................ 29
2.1.2 Os sistemas de ensino no mercado educacional ..................... 37
2.1.3 A comercialização dos sistemas de ensino para o ensino
privado e público........................................................................ 41
2.1.4 Apostilas: símbolo de eficiência? ............................................... 44
2.2 O município de Santa Gertrudes - SP e a implantação de
sistemas de ensino apostilado ................................................... 47
2.2.1 A história do município de Santa Gertrudes ............................. 48
2.2.2 Aspectos gerais da política e administração municipal de
Santa Gertrudes ............................................................................ 52
2.2.3 A organização da educação no município de Santa Gertrudes 54
2.2.4 Secretaria Municipal de Educação ............................................. 55
2.2.5 A Rede Municipal de Ensino: educação infantil ........................ 57
2.2.6 O Ensino Fundamental ................................................................ 59
2.2.7 Ensino Médio ................................................................................ 61
2.2.8 O Ensino Superior ........................................................................ 63
2.2.9 A Municipalização do Ensino no município de Santa
Gertrudes ...................................................................................... 64
2.2.10 Conselho Municipal de Educação .............................................. 68
2.2.11 Conselho Municipal de Acompanhamento e Controle Social
do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino
Fundamental e de Valorização do Magistério de Santa
Gertrudes ...................................................................................... 70
13
1 INTRODUÇÃO
O interesse pelo tema desta pesquisa está associado à minha caminhada
profissional e originou-se a partir de minhas inquietações enquanto docente. O
projeto apresentado por mim à Universidad Columbia, em Assunção - PY, e
orientado pela Profa. Dra. Cláudia Cristina Fiorio Guilherme, diz respeito “à
implantação do material didático apostilado sistematizado e a relação do uso desse
material, pelos professores de língua portuguesa, nas séries iniciais do ensino
fundamental II, 6º ao 9º ano, na rede pública de ensino, no município de Santa
Gertrudes - SP”.
Em 2001 concluí o curso de Letras e iniciei minha carreira docente como
professor de Português, mais especificamente com aulas de redação nos primeiros,
segundos e terceiros anos do ensino médio e cursinho pré-vestibular, com turmas de
aproximadamente 40 e 120 alunos respectivamente, cujos sujeitos tinham idade
entre 15 a 21 anos.
Ao lecionar em uma escola particular de uma cidade, no interior de São
Paulo, percebi que era comum a compra de uma franquia de material didático que
implicava num pacote que continha: o nome da escola, a rede a qual ela se
vinculava, a metodologia de trabalho, grade curricular e o material pedagógico
apostilado.
Entre minhas observações como professor notei que o material apostilado
adotado pela instituição de ensino particular, considerado moderno e atual, limitava
as aulas de redação, reduzindo os textos a certos gêneros numa tipologia didática,
isto é, caracterizada pela narração, descrição e argumentação; e concentrava as
aulas, bem como o material didático, na exposição das fases de cada sequência,
principalmente da argumentação, com o gênero escolar dissertação, definido como
um texto composto de introdução (dado), desenvolvimento (justificativa) e conclusão.
Na escola privada, em que lecionava na ocasião, os alunos citados se
preparavam para enfrentar o vestibular, razão pela qual não poderiam desprezar as
condições de produção de textos, marcada, a priori, pela pressão social e familiar
sobre eles.
A proposta de produção da redação era sugerida, pela instituição escolar,
com um tema determinado ao gênero do texto, e como já citei, numa tipologia
didática um tanto sectária. Como se tratava de uma atividade “simulada”, visto que o
material utilizado advinha de uma franquia, a avaliação se aproximava das
16
1.1 Problema
Quando se transpõem essa discussão, tratando mais especificamente, da
constituição da autonomia do professor, entende-se que ela não pode ser concebida
como resultado de um movimento que ocorre exclusivamente na esfera individual,
pressupondo, pois, passar por processos formativos que possibilitem a constituição
de uma autonomia pessoal e profissional.
Assim sendo, a autonomia do profissional da educação, se constitui no
entrelaçamento de dois processos: o da autonomia profissional e da autonomia
social, abrangendo uma dimensão, cujo compromisso vai além da esfera pessoal e
se firma, acima de tudo, no campo profissional.
Nessa perspectiva, a autonomia docente é vista como um processo de
emancipação o que quer dizer que ela é percebida como um processo coletivo que
visa à transformação das condições institucionais e sociais de ensino. Em outras
palavras, a autonomia do professor é um processo que busca uma ação consciente
1
A autonomia docente trata-se de um assunto relevante, cuja pauta é abordada por muitos teóricos e
pesquisadores nas diversas áreas, dentre elas a educacional. Por não ser a “autonomia” o foco de
minha Tese de doutorado e sequer de minha investigação, convido o leitor a uma leitura e pesquisa
sobre o assunto a partir das produções acadêmicas arroladas no Portal de periódicos da CAPES
(http://www.periodicos.capes.gov.br/).
17
1.2 Justificativa
A partir dessa minha trajetória, surgiu o interesse em prosseguir com o
doutorado. Sem dúvida, por fazer parte da realidade de algumas escolas, dentre
elas também a rede municipal pública, o ensino apostilado não deve ser excluído
das nossas análises e críticas ao sistema educacional brasileiro. Isso se deve, uma
vez que “as apostilas costumam ser a “pedra bruta” garimpada por representantes
comerciais de editoras que submetidas a processos editoriais, daria origem a livros
produzidos e comercializados por editoras” (BATISTA, 2000, p. 53).
18
1.3 Hipótese
Os exames feitos até aqui revelam que o uso do material didático apostilado
sistematizado tenciona a prática pedagógica eminentemente relacional do professor,
19
1.4 Objetivo
Para concluir as duvidas das que nos trouxe a esta pesquisa elencamos os
objetivos que pretendemos que solucionem nossa inquietação.
2 REVISÃO DA LITERATURA
A produção Acadêmica nos Programas de Pós-Graduação no Estado de São
Paulo, nos trouce ao levantamento dos trabalhos entre os meses de abril e maio de
2016, atualizados no mês de junho, teve como intuito consultar a produção
acadêmica na área da Educação, sobre este tema, no período de 2000 a 2016.
Consultou-se, no Banco de Dissertações e Tese, oito programas de pós-graduação,
presentes em quatro universidades públicas do estado de São Paulo.
Dentre elas a Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR), Universidade
Estadual Paulista (UNESP); Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP); e a
Universidade de São Paulo (USP), bem como duas Universidades Particulares,
respectivamente, a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC - SP) e a
Universidade Nove de Julho (UNINOVE).
A princípio a investigação foi realizada pela leitura dos títulos dos trabalhos
disponíveis no banco de dissertações e teses dos programas de pós-graduação.
Foram encontrados aproximadamente 5486 títulos, sendo 3325 de dissertações e
2161 de teses. Foram selecionados, por relevância, o total de nove trabalhos, cuja
temática tratou do “ensino apostilado”, ou seja, 0, 16% dos 5486 títulos consultados.
Assim, em relação ao levantamento da UNESP, campus de Rio Claro-SP,
foram encontradas três dissertações de Mestrado. O primeiro, defendido em meados
de 2008 é de autoria de Egle Pessoa Bezerra, orientado pela Profª Drª Theresa
Adrião, com o título “Parceira público-privada nos municípios de Brotas e
Pirassununga: Estratégias para a oferta de ensino?”.
A dissertação versa sobre a constituição de parcerias entre a administração
pública brasileira e o setor privado, ressaltando seus reflexos para a educação nos
municípios paulistas de Brotas e Pirassununga. Esse trabalho toma por base as
condições jurídicas e administrativas deste novo aparato, e sua adoção pelos
municípios paulistas de Pirassununga e Brotas.
O segundo trabalho corresponde à autoria de Alessandra Aparecida Caim,
também orientado pela Profª Drª Theresa Adrião, defendido em 2009, com o título “O
atendimento ao Ensino Fundamental: Análise de parcerias de dois municípios
paulistas e o setor privado na aquisição de Sistema de ensino”.
O estudo teve como objetivo investigar e analisar a implantação e as
consequências das parcerias público-privadas estabelecidas entre a administração
pública municipal e a iniciativa privada, no estudo de dois casos intencionalmente
21
Essa pesquisa partiu de uma análise documental baseado nas leis e decretos
que regulamentam o processo de municipalização do ensino fundamental no Estado
de São Paulo e dos documentos que fizeram parte do processo de concorrência
pública para contratação da empresa.
Cabe, no entanto, ressaltar que para ampliar a busca de teses e dissertações,
garantindo uma visão de âmbito nacional, também foi consultado, além do “Banco
de Teses”, parte do Portal de Periódicos da Capes/MEC. O levantamento de dados
revelou um total de 188 trabalhos que compreendem a palavra “apostila”.
Analisando os títulos desses trabalhos encontrados, nota-se que a maioria
está relacionada com apostilas específicas de áreas técnicas, como, por exemplo,
“O discurso da ciência e o de sua aplicação: um estudo sobre a apostila de
treinamento na extensão rural”. Ao restringir a uma análise mais apurada dos títulos,
o número se reduz para quatorze trabalhos.
Desses trabalhos, seis foram discutidos no levantamento dos Programas de
Pós-Graduação do Estado de São Paulo e dois foram desenvolvidos no ano de
1998, não se enquadrando no período de pesquisa aqui aventado, ou seja,
referentes aos anos de 2000 a 2013.
Portanto, há cinco trabalhos que envolveram a temática do ensino apostilado
e foram produzidos no período estipulado. Entre esses, quatro trabalhos são
direcionados a disciplinas e temas específicos. Finalmente, dentre os trabalhos
mencionado, encontrou-se apenas um relacionado a análise do “ensino apostilado”,
enquanto uma forma de política educacional, envolvendo, de maneira geral, a
atividade docente.
Esse trabalho se trata de uma dissertação, produzida no Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade de Uberaba, no ano de 2008. Com o
título “Os pacotes didáticos e a autonomia do professor”, elaborado por Fernanda
Borges de Andrade, sob a orientação da Profa. Dra. Célia Maria de Castro Almeida.
A pesquisa teve como objetivo verificar “se” e “como” professores da educação
básica exercem sua autonomia docente quando trabalham com os “pacotes
didáticos”. Foram sujeitos da pesquisa professores e diretores de quatro escolas
particulares da cidade de Uberaba - MG.
Nota-se que as pesquisas apresentadas apontam elementos importantes
sobre o ensino apostilado, tais como: a parceria “público-privada” para a oferta deste
material didático ou relações de quase mercado; a vivência dos professores frente a
24
que por suas vezes, foram subdivididos em matérias, com aulas, seguindo uma
numeração durante o ano letivo.
Tal fragmentação do saber, cujas informações encontram-se contidas na
apostila, é considerada valiosíssima pelos autores elaboradores. Entretanto, reforça
e legitima o discurso oficial e sensibilizador das redes de ensino privado franqueado,
redefinindo com isto sua marca empresarial (slogan), na instituição escolar, cujo
espaço social, todo ele instituído e institucionalizado, se trata de um “campo de
forças”.
Segundo Bourdieu (1989, p. 373 - 375):
O campo é um universo complexo de relações objetivas de
interdependências entre subcampos ao mesmo tempo autônomos e
unidos pela solidariedade orgânica, ou seja, um conjunto de agentes
suscetíveis de serem submetidos a participações reais e unidos por
interação ou ligações reais e diretamente observáveis. É um campo
de lutas pelo poder, entre detentores de poderes diferentes; um
espaço de jogo, tendo em comum o fato de possuir uma quantidade
de capital específico (econômico ou cultural especialmente)
suficiente para ocupar posições dominantes cujas estratégias são
destinadas a conservar ou a transformar as relações de força.
capaz de produzir efeitos reais, sem gasto aparente de energia (BOURDIEU, 1977,
p. 408-411).
Em sua obra, “A economia das trocas simbólica”, sobretudo no capítulo em
que discorre sobre “Sistemas de Ensino e Sistemas de Pensamento”, Bourdieu
(1999), discorre longamente sobre as modificações sofridas por dado campo do
saber quando este é submetido ao processo de escolarização, ou seja, quando ele
se torna uma disciplina escolar.
Ele exemplifica, com o caso da literatura, argumentando que, a partir de sua
introdução nos currículos, ela se torna objeto de classificações (gêneros, escolas,
autores), de hierarquia e de distinções (textos clássicos mais dignos de serem
conservados pela transmissão escolar). E também de uma ordenação e uma
organização de natureza propriamente escolar, na forma de manuais didáticos e
coletâneas que selecionam excertos e passagens de obras, por exemplo.
Além disso, os professores se veem obrigados a organizar o conhecimento
que transmitem aos alunos de modo a prepará-los para as exigências do sistema de
ensino, tais como exames e concursos. E o fazem mediante modelos e práticas de
exercícios, de questões e de instrumento de avaliação, os quais conferem ao saber
uma feição que seria tipicamente escolar. Nas palavras de Bourdieu (1999, p. 206;
210-211):
Contudo, também parece ingênuo querer ignorar que a escola, pela
própria lógica de seu funcionamento, modifica o conteúdo e o espírito
da cultura que transmite (...). Para transmitir esse programa de
pensamento chamado cultura, a escola deve submeter a cultura que
transmite uma programação capaz de facilitar sua transmissão
metódica. (...) Destarte, o programa de pensamento e de ação, que a
escola tem a função de transmitir, deriva uma parte importante de
suas características concretas das condições institucionais e dos
imperativos propriamente escolares.
Isso faz parecer que esta educação a qual reproduz a ideologia da classe
dominante está voltada exclusivamente para o incremento da capacidade, entendida
como o simples aprimoramento da força de trabalho. Esse tipo de educação, e por
que não falar da escola, se transforma em uma verdadeira fábrica de mão de obra,
preocupando-se mais com as demandas mercadológica do que com a construção do
conhecimento.
Tal modelo negligencia o docente e se preocupa com o rendimento qualitativo
e quantitativo, necessário para cobrir a demanda do mercado na reprodução
capitalista. Não se trata de desenvolvimento e, até mesmo, de capacitação para o
trabalho, entendido democraticamente, isto é, com o objetivo de entender a
aquisição dos saberes intelectuais, materiais e culturais igualitariamente para todos.
28
2
O conceito de “práxis”, como agir individual e social, está no centro de toda a filosofia inaugurada
por Karl Marx e pelo seu modo de abordar os problemas da produção e da ciência. Nos chamados
Manuscritos econômico-filosóficos de 1844, que Gramsci não teve a possibilidade de conhecer, Marx
escrevia: “Assim como a sociedade produz o homem enquanto homem, ela é produzida por ele”.
Essa ideia de que a “produção” ou “práxis humana” engloba não apenas o trabalho, mas também
todas as atividades que se objetivam em relações sociais, instituições, carecimentos, ciência, arte,
etc., atravessa todo o pensamento de Marx e constitui o seu princípio fundamental. O termo “filosofia
da práxis”, do qual fala Gramsci, não é um expediente linguístico, mas uma concepção que ele
assimila como unidade entre teoria e prática. Discutindo sobre a undécima tese de Marx, que propõe
mudar o mundo e não mais interpretá-lo, Gramsci escreve nos Cadernos que essa tese “não pode ser
interpretada como um gesto de repúdio a qualquer espécie de filosofia”, mas como “enérgica
afirmação de uma unidade entre teoria e prática. [...] Deduz-se daí, também, que o caráter da filosofia
da práxis é, sobretudo, o de ser uma concepção de massa”. E, em outro local, repete: “Para a filosofia
da práxis, o ser não pode ser separado do pensamento, o homem da natureza, a atividade da
matéria, o sujeito do objeto; se essa separação for feita, cai-se numa das muitas formas de religião ou
na abstração sem sentido”.
29
Logo, se existe uma ideologia dominante, também pode existir uma contra
ideologia que venha a combater e servir para a libertação das classes subjugadas.
Se a escola produz uma educação que se identifica e justifica uma relação de
dominação, ela também pode criar condições de libertação ou ao menos estabelecer
a crítica, livrando o indivíduo dos descaminhos do senso- comum e da fragmentação
do saber e do conhecer que deformam o conhecimento.
Enfim, diante das pesquisas que já foram desenvolvidas, pretendo, na
dissertação desta pesquisa, aprofundar alguns elementos já investigados. Além do
mais, considerar a perspectiva dos professores, ou seja, averiguar na atividade
destes docentes a ligação entre suas práticas e as formas de relação com um
material didático apostilado, adotado pela secretaria de educação, no município de
Santa-Gertrudes-SP.
Quanto “O nível de formação dos professores é muito básico, não é óbvio que
eles dominem o conteúdo. Com apostilas eles se sentem mais seguros”, diz Paula
Louzano, pesquisadora e consultora da Fundação Lemann. Conforme o estudo, o
planejamento “em pormenor”, dos sistemas de ensino, aula a aula, possibilita que o
professor deixe de privilegiar os conteúdos e assuntos que ele tem mais facilidade.
“Os professores deixam de pular assuntos que eles não entendem e perdem menos
tempo passando matérias na lousa” (LEMANN, 2014, s. p.).
O estudo teve como medida o resultado dos alunos de escolas municipais do
Estado de São Paulo na Prova Brasil. Foram comparadas escolas que utilizam
sistemas estruturados de ensino desde 2006, instituições que adotaram os
apostilados em 2008 e aquelas que não o utilizam. A diferença entre as escolas que
utilizam os sistemas apostilados e as que não os utilizam foi de 9 (nove) pontos em
Leitura e 10 (dez) pontos em Matemática. “É o equivalente a quase meio ano escolar
a mais”, disse Paula Louzano, pesquisadora da Fundação Lemman (LEMANN,
2014).
A pesquisa da Fundação Lemman, também, evidenciou que das dez cidades
de São Paulo com o mais adequado Índice de Desenvolvimento da Educação
Básica (Ideb), sete usam materiais apostilados. O Ideb é um dos indicadores oficiais
mais relevantes, da educação brasileira, e leva em conta rendimento dos alunos em
exames nacionais, taxa de repetência e evasão escolar (LEMANN, 2014).
Pesquisas recentes de autores como Adrião et al. (2009a), cuja pesquisa tem
como observação de análise o estado de São Paulo, indicam que as empresas, que
distribuem sistemas apostilado de ensino, deslumbram-se de nova possibilidade
para o mercado de atuação, sobretudo, com o alargamento, ou seja, a expansão, do
processo de municipalização do ensino.
Nesse quadro, observam-se, com preocupação, os municípios na
organização de seus sistemas de ensino. Na tentativa de soluções imediatistas, há
uma ampliação no número das parcerias municipais com entidades privadas no que
diz respeito à aquisição da demanda educacional (ADRIÃO et al., 2009).
Para Adrião et al. (2009a), o Estado de São Paulo já representa mais de um
terço das cidades paulistas que utilizam apostilas de origem privada. E mantém todo
acompanhamento de sua política pedagógica coordenada pelos grandes grupos
educacionais do país, tais como as redes de ensino: Coc, Anglo, Objetivo e Positivo.
36
Pieroni (1998) afirma que a escassez de fiscalização dos órgãos torna difícil a
obtenção de dados não apenas no tocante à exorbitante quantidade de franquias,
mas também, a partir da utilização dos sistemas de ensino:
O ponto central deste modelo de ensino franqueado é a venda e a
aplicação de um conjunto de material didático apostilado para
escolas que se transformam em unidades parceiras ou franqueadas
dos autodenominados sistemas de ensino. As escolas franqueadas,
por sua vez, não precisam deixar claro para os órgãos fiscalizadores
que estão ligadas a qualquer outro grupo de educação privada. [...]
Essa situação fantasma torna inviável a obtenção de números totais
concretos e confiáveis sobre [...] quantas são as unidades
franqueadas dos sistemas de ensino do país. (PIERONI, 1998, p. 7-
23).
Dessa forma, vê-se o movimento das engrenagens dos grandes grupos, que
comercializam as apostilas, focando a expansão do negócio. Se nas escolas
particulares já há a tendência da multiplicação de escolas que utilizam a marca dos
sistemas, torna-se imprescindivelmente importante para o ramo buscar novas
43
escola como se ela fosse uma empresa, que deve ser eficiente e
obter resultados.
3
Publicação, distribuição e comercialização exclusiva, em todo o território nacional, de 5.230
exemplares.
48
fazenda ficou para dona Antônia dos Santos Silva Prates, irmã da marquesa Três
Rios, casada com o conde de Prates.
Começa aí o período de mais alto grau de elevação da fazenda, visto que em
1895 até 1910, o conde construiu uma das maiores e mais modernas estruturas de
plantação, benefício e comercialização de café. Isso, implicou em carpintaria,
ferraria, selaria, tulha de café, máquinas de benefício, armazéns, marcenaria,
escola, cinema, cocheiras, currais, barragens, aquedutos, igreja, mirantes, usina a
vapor para fornecimento da energia elétrica.
Tal estrutura se mantém preservada até os dias de hoje, com mais de 22.000
metros quadrados de construção (CARLI, 2008). Na passagem do século XIX para
XX, na fazenda, havia aproximadamente dois mil colonos estrangeiros de diversas
nacionalidades: portugueses, alemães, espanhóis, austríacos, japoneses, bem como
italianos, os quais eram a maior parte. Depois da década de 1920, ocorreu a
migração brasileira, sobretudo de cearenses, fato que superou a imigração
estrangeira naquela região (CARLI, 2008).
Em 1927, o distrito de Santa Gertrudes, pouco antes de sua emancipação
política, cunhou sua atividade cerâmica. Nessa ocasião, os pequenos ranchos das
famílias Buschinelli, Paraluppe, Rocha, Almeida, Rodrigues, Pacheco e Pascon
começaram a produzir telhas e tijolos artesanais. O transporte, o armazenamento, a
secagem, bem como o cozimento da argila se davam de acordo com os recursos
precários existentes. Isso tornou Santa Gertrudes conhecida como a capital da telha
– “a cidade dos pés e coração vermelho” (CARLI, 2008, p. 37).
Foi o senhor Carlos Buschinelli o pioneiro do pólo cerâmico. Seus filhos, e
respectivos descendentes, criaram a maior parte das indústrias de cerâmicas
representadas, em especial, pelas famílias Buschinelli e Paraluppe, inter-
relacionadas por vínculos de parentesco. Após a crise econômica mundial, que
prejudicou o mercado em 1929, o desenvolvimento econômico de Santa Gertrudes
passou a se fundamentar nas indústrias cerâmicas que se desenvolveram,
ganhando relevante projeção.
Entre 1940 a 1950, o município contava com 16 fábricas em funcionamento. A
partir de 1986, os métodos de produção artesanal foram abolidos e substituídos por
um sistema mais moderno, ou seja, o de “monoqueima” tecnologia que igualou os
pisos produzidos em Santa Gertrudes a outros produzidos no país. Em 24 de
51
foram encontrados. De 1969 a 1972 (Antônio Filier); 1973 a 1976 (Waltimir Ribeirão);
1977 a 1982 (Antônio Filier), dos partidos Aliança Renovadora Nacional.
De 1983 a 1988 (Waltimir Ribeirão) do Partido do Movimento Democrático
Brasileiro; 1989 a 1992 (Coronel Libertário Palubo), do Partido Democrático
Trabalhista. De 1993 a 1996 (Waltimir Ribeirão) do Partido do Movimento
Democrático Brasileiro. De 1997 a 2000 (João Carlos Vitte) do Partido da Frente
Liberal. De 2001 a 2004 (João Carlos Vitte) do Partido da Social Democracia
Brasileira. De 2004 a 2008 (Waltimir Ribeirão) do Partido do Movimento Democrático
Brasileiro; e de 2009 a 2014 (João Carlos Vitte), do Partido Democratas 4.
4
Fonte: Elaborado com base em documentos encontrados na Câmara Municipal de Santa Gertrudes-
SP.
55
pessoal no serviço municipal, o outro sofre a pressão por ser oposição, e aqueles
que trabalhavam vinculados à gestão oposta também”.
E acrescenta:
Dizemos que há os azuis e os vermelhos, quando os azuis estão no
comando, os vermelhos sofrem pressão; quando os vermelhos estão
à frente da administração municipal, a pressão cai nos azuis. Aqui é
como uma roda gigante, ora se está em cima, ora embaixo.
(FREITAS, 2005, p. 59).
5
Para maiores informações a respeito da vida pessoal e da formação e atividades intelectuais de
Elias, ver: ELIAS, Norbert. “Norbert Elias por ele mesmo”. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
81
6
Em “O Processo Civilizador” de Norbert Elias (1897 - 1990), o autor analisa a história dos costumes
a partir da formação do Estado Moderno e suas influências sobre a civilização. Nessa, que é
reconhecida como sua maior obra, Elias leva-nos a pensar no que aconteceria se um homem da
sociedade contemporânea fosse, de repente, transportado para uma época remota de sua própria
sociedade. É possível que encontrasse um modo de vida muito diferente do seu, alguns hábitos e
82
costumes lhe seriam atraentes, convenientes e aceitáveis do seu ponto de vista, enquanto outros
seriam inadequados. Estaria diante de uma sociedade que, para ele, não seria civilizada. No
Processo Civilizador, Elias procura analisar questões fundamentais como quais os motivos e de que
forma ocorreu essa mudança.
7
Civilização é um dos conceitos-chave para a compreensão do pensamento elisiano. Embora seja
apropriação de um “termo nativo” (utilizado na França e na Inglaterra, a partir do século XVI,
principalmente) e implique uma realidade específica, empiricamente observável, tal ideia é também
uma abstração teórica, um modelo de interpretação da história e da sociedade. Entendida como um
processo e constituída a partir de uma rede de interdependência funcional (ELIAS, 1994b), a idei a de
civilização se apresenta ao pesquisador social como um interessante instrumento teórico na medida
em que convoca a atenção para os detalhes da vida cotidiana numa perspectiva de mudança social.
83
8
A obra “Os Estabelecidos e os Outsiders”, trata-se de um modelo de análise formulado em um
estudo de comunidade realizado nos anos 60 no povoado inglês de Wiston Parva.
85
9
Para maiores detalhes, ver o capítulo “Considerações sobre o método”. In: Elias. Norbert. Os
Estabelecidos e os Outsiders: sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.
10
Idem.
11
Ibidem.
86
12
Para mais detalhes ou aprofundamento sobre a discussão consultar os livros: “A Sociedade dos
Indivíduos” (1994b); “Introdução à Sociologia” (1986).
13
Para mais detalhes e aprofundamentos sobre este conceito, ver: “Introdução à Sociologia” (1986),
em particular as páginas 140-145.
90
O poder, diria Elias, tem a ver com o fato que existem grupos ou indivíduos
que: “podem reter ou monopolizar aquilo que a outros necessitam, como, por
exemplo, comida, amor, segurança, conhecimento etc. Portanto, quanto maior as
necessidades desses últimos, maior é a proporção de poder que detêm os
primeiros” (ELIAS, 1994b, p. 53).
E diz ainda:
Nas relações entre pais e filhos e entre senhor e escravo, as
oportunidades de poder são distribuídas muito desigualmente.
Porém, sejam grandes ou pequenas as diferenças de poder, o
equilíbrio de poder está sempre presente onde quer que haja uma
interdependência funcional entre pessoas. Sob esse ponto de vista, a
utilização simples do termo “poder” pode induzir em erro. Dizemos
que uma pessoa detém grande poder, como se o poder fosse uma
coisa que se metesse na algibeira. Esta utilização da palavra é uma
relíquia de ideias mágico-míticas. O poder é uma característica
estrutural das relações humanas - de todas as relações. (ELIAS,
1986, p. 81).
Foucault (2004, p. 187) nos revela que “é preciso estudar o poder colocando-
se fora do campo delimitado pela soberania jurídica e pela instituição estatal. É
preciso estudá-lo a partir de técnicas e táticas de dominação”.
instituição do sujeito através da lógica disciplinar, que vem sendo substituída pela
lógica do controle.
Foucault (2004) questiona a neutralidade das práticas pedagógicas e as trata
como produtoras de experiências de si, que articulam a produção de sujeitos
singularizados, emaranhados nesta teia de poder-saber. “Poder” e “Saber”
estrategicamente entrelaçados permitem que o conhecimento tenha uma
qualificação de histórico e social.
Foucault (2004, p. 167) diz que “o poder disciplinar, ao contrário, se exerce
tornando-se invisível”. Em compensação, impõe aos que se submete um princípio da
visibilidade obrigatória, atenção sobre o papel relacional e social da educação,
considerando-a não só como o processo escolar, mas como um processo que
ocorre em diversas instâncias sociais, durante toda a vida humana
ininterruptamente.
Quando se pensa em educação, tendo na instituição escolar sua principal
fonte, é necessário questionar que cuidados se têm com os educadores? Conhece-
se a formação pessoal e profissional desses educadores que se reflete no ato
pedagógico? Quanto se conhece das comunidades escolares? Esse conhecer se faz
necessário para que práticas educativas que resistam a qualquer tipo de
assujeitamento possam ser propostas.
A ética do cuidado propõe que se lance um olhar diferente sobre os
educadores e as comunidades escolares, pois para compreender-se a singularidade
de cada ser é necessário conhecer-se a sua formação, enquanto pessoa, por meio
de processos que lhes constroem a subjetividade.
É uma possibilidade de implementar-se práticas educativas que relativizem o
poder disciplinar, o controle, possibilitando que lemas como convivência, diálogo,
pluralismo, alteridade, diferença, não permaneçam na retórica, mas que, sobretudo,
possibilitem que se questione sobre como a educação pode contribuir para que o ser
humano não se destrua.
É importante, na educação em suas diversas formas, criar-se uma pedagogia
do cuidado, que reconheça o outro em sua diferença e alteridade, para evitar que se
continue de forma acrítica a alimentar a boa consciência, a superioridade moral e
uma falsa imagem de satisfação consigo mesmo.
Para Foucault, a ética deixa de ser o estudo dos juízos morais referentes à
conduta humana a partir de um código, para ser o modo como o indivíduo se
99
essa não só como o processo escolar, mas como um processo que ocorre em
diversas instâncias sociais, durante toda a vida humana ininterruptamente.
Quando se pensa em educação, tendo na instituição escolar sua principal
fonte, é necessário questionar que cuidados se têm com os educadores? Conhece-
se a formação pessoal e profissional desses educadores, a qual se reflete no ato
pedagógico? Quanto se conhece das comunidades escolares?
Esse conhecer se faz necessário para que práticas educativas que resistam a
qualquer tipo de assujeitamento possam ser propostas. A ética do cuidado propõe
que se lance um olhar diferente sobre os educadores e as comunidades escolares,
pois para compreender-se a singularidade de cada ser é necessário conhecer-se a
sua formação enquanto pessoa, através de processos que lhes constroem a
subjetividade.
Experimentar essa nova ética se fará possível quando se tiver a oportunidade
de, não em outro lugar, mas no próprio lugar que se ocupa, começar-se, como
educadores, a questionar: Por que estou aqui? Qual o papel que a educação
representa nesta sociedade? Como uma prática pedagógica se constitui? A quem
serve? O que e quem ela transforma? Como ela poderia ser para vencer os próprios
limites e se libertar junto com o homem?
É importante, na educação em suas diversas formas, criar-se uma pedagogia
do cuidado, que reconheça o outro em sua diferença e alteridade, para evitar que se
continue de forma acrítica a alimentar a “boa” consciência, a superioridade moral e
uma falsa imagem de satisfação conseguem mesmo.
Para Foucault (2004), ética deixa de ser o estudo dos juízos morais referentes
à conduta humana a partir de um código, para ser o modo como o indivíduo se
constitui a si mesmo como sujeito de suas próprias ações.
A ética do cuidado é, desse modo, um exercício de vida, que deve acontecer
em todo o processo de nossa existência, princípio de desenvolvimento pessoal e
social. Organização prática, de nossos atos, que se inicia em ter cuidado consigo.
E, nessa relação encontram-se, intrinsecamente, nossos deveres para com a
humanidade, os concidadãos e a família, educadores, e com o mundo em que se
vive, permitindo que essa nova ética seja assumida como uma atitude, uma maneira
de ser, tornando-se prática comum.
E que se passe, segundo Foucault (2004), a problematizar o que as pessoas
pensam que são. Quem é o outro e onde se vive, de forma a se constituir uma
101
14
Neste item, retomo o conceito de Norbert Elias, no que se refere à “figuração”, mas me atenho,
sobretudo, às concepções de “habitus” e “campos” aproximando-as aos conceitos de “habitus” e de
“campos” em Pierre Bourdieu, uma vez que estes dois autores utilizam os mesmos termos com
perspectivas diferentes, mas não excludentes.
102
O próprio Pierre Bourdieu (2000) considera a corte descrita por Elias (2001)
como um excelente exemplo para explicitar seu conceito de campo:
[...] em “A sociedade de Corte”, capta mecanismos ocultos, invisíveis,
baseados na existência de relações objetivas entre os indivíduos ou
as instituições. A corte, tal como Elias a descreve, é um belíssimo
exemplo do que chamo um campo em que, como num campo
gravitacional, os diferentes agentes são arrastados por forças
insuperáveis, inevitáveis, num movimento perpétuo, necessário para
manter as hierarquias, as distâncias, os afastamentos. (BOURDIEU,
2000, p. 48).
Uma perspectiva de análise com base nas longas durações não poderia se
privar desse princípio. O campo bourdieusiano, por seu turno, é descrito como um
conjunto de agentes disputando posições de poder, também uma espécie de rede
de inter-relações que se conforma e se estrutura de determinada maneira,
importando menos a contingência histórica e mais as razões de não mudar
facilmente. Tanto a figuração quanto o campo estão perpassados pelo habitus.
Landini (2007) argumenta que a noção de habitus está associada à ideia de
que as ações encerram intenções objetivas que ultrapassam as intenções
conscientes:
Os habitus constituem princípios de um arbítrio cultural,
principalmente na sua acepção de cultura prática: é o sentido prático,
o saber prático, evoluindo estrategicamente segundo uma lógica
prática entre a acumulação de capital cultural e a legitimação social.
(LANDINI, 2007, p. 3- 4).
Dadas as análises, poderíamos dizer que tanto Elias (1986) como Bourdieu
(1983) desenvolvem o conceito de habitus da seguinte forma: Elias tem uma visão
de longo prazo nas sociedades, figurações, e pretende explicar a constituição e
surgimento dos habitus nessas longas durações. Exemplo claro se dá em seu livro
“Os Alemães”, onde, para explicar a constituição desse povo na sua personalidade e
idiossincrasias, retrocede a fatos históricos como a unificação tardia, o
desmoronamento do I Reich e a guerra entre Prússia e Áustria.
Podemos, neste sentido, chamar a análise de Elias de vertical, enquanto se
aprofunda na história buscando uma explicação na gênese dos acontecimentos. Já
Bourdieu (1983), ao identificar o habitus, concentra sua análise na imutabilidade das
estruturas sociais, mais especificamente em como se dá tal imutabilidade. Se a
ênfase de seu olhar recai sobre o campo, privilegiando a relação entre os agentes
que cristalizam o habitus, podemos dizer que o autor, mais centrado no presente,
nos forneceu uma análise horizontal dos fenômenos sobre os quais se debruçou.
Temos, então, em nossos dois autores a utilização do mesmo termo com
perspectivas diferentes, mas não excludentes. Elias (2000), trabalhou em termos
civilizacionais na maioria de suas obras, mas mostrou em “Os Estabelecidos e os
Outsiders” (ELIAS, 2000), como sua teoria também pode servir para pensar nas
diferenças de poder em pequenos grupos, como o caso da cidade operária que foi
rebatizada, ficticiamente, de Winston Parva.
No caso desse estudo específico, o autor chegou à conclusão de que o grupo
dominante era o que residia há mais tempo na cidade. Isso lhes possibilitou realizar
uma rede de relações mais sólidas e lhes permitiu excluir os habitantes mais
recentes dos cargos de poder e dos lugares de visibilidade.
Mais que isso, esses últimos acreditavam de fato que eram pessoas de menor
honra e valor que os habitantes mais antigos, graças a mecanismos como a “fofoca
depreciativa”. Isso pode explicar como uma “mentalidade”, ou um habitus, pode ser
gerado no curto espaço de algumas décadas e justificar que um grupo, mais
esmerado, pudesse manter-se no poder.
110
Obviamente, algo semelhante pode ser dito sobre o trabalho de Norbert Elias,
cujas contribuições passam longe de ter sido explorada a contento. Ele próprio
defendia que as ciências humanas não dispunham de termos realistas para melhor
112
lidar com a realidade social e que isso demandaria duas ou três gerações de
pesquisas e investigações sérias. Certamente, a leitura e o aprofundamento das
ideias desses dois autores podem também contribuir, e muito, para o avanço geral
da pesquisa educacional e das ciências humanas.
É nesse rol de conceitos, nos quais a instituição escolar tem inscritos seus
atores, em especial os docentes, no que diz respeito à sua atividade pedagógica
mediada pelo material apostilado, é que pretendemos compreender como uma ou
várias formações sociais estão definidas de maneira específica nas relações
existentes entre os sujeitos sociais. E de que maneira as dependências recíprocas
que ligam os indivíduos e os grupos uns aos outros estabelecem códigos e
comportamentos originais.
113
3 METODOLOGIA
Para dar suporte à pesquisa, recorri ao estudo bibliográfico de autores na
filosofia e na educação como, Foucault a partir de seu conceito de “poder”, e em
especial na sociologia, entre os quais Bourdieu, apropriando-me de alguns de seus
valiosos conceitos como: “habitus 15”, “campo” e “poder simbólico”, por ele utilizado.
Também foram relevantes as contribuições de Norbert Elias (2001), sobretudo
os conceitos de “configuração”, “redes”, “teias”, “tramas”, “inter-relações”,
16
“interdependências” e “habitus social ”.
Entre seus apontamentos, Elias (1994b p. 13-14), lida com a noção de
indivíduo dentro de uma reflexão mais ampla que é a relação entre indivíduo e
sociedade. Ele concebe a sociedade como uma rede de funções que as pessoas
exercem, umas sobre as outras interdependentemente.
A instituição escolar possa ser compreendida como uma configuração,
conceito preciso utilizado por Norbert Elias, uma rede de inter-relações nas quais as
tensões vão se construindo nas malhas e teias de interdependência desta
instituição.
Comparativamente, nesta abordagem, as instituições escolares são como
uma “trama”, tal como Norbert Elias compreendia a sociedade de Corte do Rei Luís
XIV no Palácio de Versalhes, na França, no século XVIII. A configuração da corte
constituída de seus rituais e cerimoniais sustentavam naquela sociedade o controle
e o poder do Rei. Tal controle e poder eram tecidos nos fios de cada uma das teias
de relações que compunha a sociedade daquela época (ELIAS, 2001).
Nesta perspectiva, a instituição escolar pode ser entendida tal como uma
organização (corte), cujas tensões (conjunto de exigências - Ex: pacote pedagógico,
metodologia, horários, interdições, e em especial o material apostilado
15
De acordo com Bourdieu (1983), para que um campo funcione (p. 89), "é preciso que haja objetos
de disputas e pessoas prontas para disputar o jogo, dotadas de “habitus” (p. 94) que impliquem no
conhecimento e reconhecimento das leis imanentes do jogo, dos objetos de disputas, etc.". O
“habitus”, sistema de disposições adquiridas pela aprendizagem implícita ou explícita, que funciona
como um sistema de esquemas geradores, é gerador de estratégias que podem ser objetivamente
afins aos interesses objetivos de seus autores sem terem sido expressamente concebidos para esse
fim”.
16
Norbert Elias se refere ao habitus social como uma “segunda natureza”. Assim, o habitus muda com
o tempo, porque a experiência de uma nação, ou de seus membros, está em processo contínuo de
mutação, esta, por sua vez, relacionada com os grupos sociais. Os grupos em posição superior, a fim
de se distinguir dos outros grupos, criam novos padrões de comportamento, padrões que, com o
passar do tempo, também são adotados pelos outros grupos. “[...] com o passar do tempo, os novos
padrões de comportamento deixam de ser conscientes para tornarem-se uma segunda natureza – é a
essa segunda natureza que se refere quando fala em mudanças na estrutura da personalidade”
(LANDINI, 2007, p. 5-6).
114
sistematizado), podem tratar-se, por alusão, de tramas e fios de teias nas malhas de
inter-relações.
Além do desvelamento crítico, esta abordagem pode ajudar instrumentalizar e
a refinar o olhar do professor na compreensão de sua atividade docente à medida
que ela vai se constituindo no espaço e no tempo, nas brechas e fissuras da sala de
aula.
Conta também com uma EMEIEF, cinco EMEI e três creches municipais.
Todas, com exceção das creches, utilizam, desde abril de 2013, sistemas de ensino
apostilados, ligados à rede Dom Bom.
No ano de 2004 a 2005, o município de Santa Gertrudes implantou a parceria
“público-privada”, cuja vigência, na ocasião, se efetivou com o Sistema Objetivo
Municipal de Ensino (SOME), para aquisição de material didático apostilado. De
2006 até 2012, implantou o material UNO de ensino, ligado à Editora Moderna; e em
abril de 2013, a partir de nova licitação, adotou o sistema Dom Bosco, vinculado à
empresa Pearson17.
O termo “parceria”, para representar a relação entre administração pública e
setor privado, vai além de um simples contrato de compra e venda, visto que se trata
da transferência para o setor privado da função de elaboração e operacionalização
de política pública, até então oferecida pelo Estado, com vistas à concretização de
objetivos de interesse público. E, pelo conjunto de ações oferecidas pela iniciativa
privada, a qual passa a manter uma relação constante com a administração pública
parceira (BEZERRA, 2008).
Para caracterizar os termos “público e privado”, adota-se a perspectiva
jurídico-administrativa apresentada por Luiz Fernandez Dourado e Maria Sylvia
Simões Bueno (2001). Para eles, “o público identifica-se pela manutenção/gestão do
poder governamental ou de entidades de direito público e o privado pela gerência e
propriedade de pessoas físicas ou jurídicas de direito privado” (DOURADO; BUENO,
2001, p. 96).
Assim sendo, a escolha para esta pesquisa, da cidade de Santa Gertrudes-
SP, remete-nos a reforma da educação pública ocorrida no Estado de São Paulo,
nos anos de 1995-1998. De acordo com Cain (2009, p. 7):
A política do governo estadual, introduzido no primeiro governo de
Mário Covas (1995-1998) e ratificada nacionalmente pelo Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e
Valorização do Magistério (Fundef), possivelmente induziu a
17
A Pearson, maior empresa de soluções educacionais do mundo, oferece publicações, conteúdo,
tecnologia, consultoria e certificação em mais de 60 países. Entre suas tradicionais marcas estão o
jornal Financial Times, a revista The Economist e os selos editoriais Longman, Penguin, Prentice Hall
e Addison Wesley. Na esfera educacional, a Pearson oferece também certificações internacionais,
por meio da Edexcel, e ambientes virtuais de aprendizado, com o eCollege e o Fronter, além de
soluções para avaliação educacional. No Brasil, a referida empresa destaca-se por sua inovação em
tecnologia educacional, oferecendo uma biblioteca virtual com mais de 1.000 títulos que podem ser
lidos e pesquisados on-line, livros customizados e sob demanda, conteúdo para educação a distância
e consultoria em conteúdo e metodologia educacionais.
116
De acordo com Minayo (2004, p. 93), “categorias analíticas são aquelas que
retêm as relações sociais fundamentais e podem ser consideradas balisas para o
conhecimento do objeto nos seus aspectos gerais”.
A partir destas perspectivas, procurou-se identificar algumas categorias para
análise que surgiram das respostas ao questionário coletado e relacioná-las à
bibliografia pertinente.
18
Para Bourdieu, o campo é um universo complexo de relações objetivas de interdependências entre
subcampos ao mesmo tempo autônomos e unidos pela solidariedade orgânica de uma verdadeira
divisão do trabalho de dominação. Diz respeito a uma população, ou seja, um conjunto de agentes
suscetíveis de serem submetidos a participações reais e unidos por interação ou ligações reais e
diretamente observáveis (1989, p. 373-374).
19
A identidade dos professores participantes foi mantida em sigilo, tal como consta no Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido que se encontra junto aos anexos desta pesquisa.
120
Com relação ao trabalho com material, às vezes, sinto-me “restringido”. Tenho essa
sensação, em especial, em relação ao tempo que temos para executar com os alunos
cada uma das aulas proposta. Além disso, me agonia a colossal quantidade de
conteúdos que vêm pré-estabelecidos e que devem ser ensinados aos alunos. Apesar
disso tudo, tento compreender, embora angustiado, o material como uma ferramenta
facilitadora de minhas aulas, já que os conteúdos vêm pré-determinados e não preciso
elaborá-los (Docente C).
A sensação que tenho é de estar “meio encurralada”, pois ainda que eu tenha de
cumprir à risca todo material da apostila, acho que ela me dá um direcionamento sobre
dos conteúdos que terei de ministrar no dia a dia, aula a aula. Mas, não elimino o fato,
nem mesmo a necessidade, de “ter e poder” exercitar outras possibilidades de
conteúdos àquela aula dada. Isso seria, para mim, como um “exercício de fuga ao
sistema”, isto é, à franquia que elabora estes materiais apostilados. Nesse caso, teria
liberdade e autonomia de abordar outros e diferentes conteúdos que pudessem somar
à aprendizagem de meu aluno, mesmo sabendo que o material já vem com conteúdos
pré-elaborados (Docente E).
Quase sempre, ao chegar à aula, me sinto “sufocado”, uma vez que gostaria de não só
ter, mas também exercitar minha autonomia enquanto professor. E, além disso, poder e
conseguir trazer à sala outros materiais ou mesmo ministrar aulas de forma
diferenciada, não sendo nem “cobrado” e nem “policiado” pelo sistema no qual estou
integrado (Docente F).
Tenho 56 aulas semanais, aulas estas que dou em escolas particulares e escolas
públicas. Pontos positivos do material: aulas muito detalhadas e tarefas pontuais
referentes a cada uma dessas aulas. Pontos negativos: textos longos demais e pouco
interessante para o aluno, além, é claro, do excesso de aula e da programação que
além exigente é muito cobrada de mim. Isso me faz sentir tencionado, preso, isto é,
123
Tenho 38 aulas semanais. Acredito que o material atende, digamos que, quase
totalmente, as necessidades dos alunos com os textos e atividades que lá estão
contidos. Essa seja, talvez, a questão “positiva” dos apostilados. Porém, a demasiada
quantidade de atividades oferecidas pelo material, me obriga a executar os conteúdos
de maneira “superficial” não possibilitando que eu tenha tempo necessário para trazer
aos alunos, e oferecer a eles, outros e novos conteúdos contextualizantes, de
determinadas aulas, que considero imprescindíveis ao aprendizado (Docente E).
Hoje conto com 40 aulas semanais, ministradas na rede privada e pública. Pontos
positivos: os diversos de textos que o material traz, sobretudo e relação aos gêneros
textuais, que utilizo com os alunos, nas aulas de produção textual. Pontos negativos do
material apostilado: Os exercícios propostos, são, na maioria das vezes,
gramaticalmente descontextualizados e, devido a isso, os alunos apresentam extrema
dificuldade em elaborá-lo (Docente F).
Atualmente tenho 39 aulas semanais, aulas estas que dou em escola da rede pública
de ensino, isto é, municipal, e rede particular. Para mim, a principal virtude do material
é uniformização do conteúdo. Isso me parece oportuno, pois não causa prejuízo ao
aluno que pede transferência para outra escola do município, ou de outro, que trabalhe
com o mesmo material apostilado. Além disso, ter em mãos um material com aulas
pré-elaboradas não exige que eu elabore um planejamento anual, que poderia, caso eu
mesmo elaborasse, conter incoerências. Os pontos negativos que considero mais
relevantes que considero são: a contínua e exaustiva preocupação dos professores no
que diz respeito ao cumprimento da programação da apostila, bem como o limitante e
escasso tempo que não nos permite complementar as aulas com material de apoio
(Docente G).
pontos negativos, sinto falta de trazer aos meus alunos materiais que complementariam
a aula ministrada naquela semana. E ainda, o pouco e tencionador “tempo” para
ministrar o vasto conteúdo que deve ser dado, aula a aula (Docente H).
Sim, executo a programação no prazo certo, ou seja, no tempo que a coordenação exige de
mim. Mas, considero uma “proeza” cumprir em tempo hábil a programação, embora,
confesso, desenvolvi tal destreza, porque trabalho há muito tempo com os cadernos
didáticos apostilados e, portanto, tenho uma certa experiência com o manejo desses
materiais (Professor R).
Acho cruel a programação, já que é necessário “poupar” tempo, para depois resgatá-lo. É
uma pressão sem fim. A forma como tenho que cumprir a programação pré-determinada,
bem como executar o conteúdo, assunto ou informação, só para atender a exigência do
material e da coordenação, é cruel (Docente F).
Claro que há possibilidade de levar outros materiais à sala de aula, além daqueles
propostos pela apostila. Porém, isso é bem raro de acontecer e quando o faço, isso só
é permito com o aval da direção e da coordenação. Além disso, eu só posso levar à
sala outros conteúdos, quando revisitados antecipadamente pela direção e com uma a
condição: não estar atrasado com o conteúdo do material apostilado. Aí sim, sou
autorizado a comtemplar outro material extra, xerocá-lo por conta própria e levá-los à
sala. Ainda assim, tenho de me certificar de que o conteúdo, a parte, não foi ou será
abordado pela apostila. A impressão que tenho é a de que a autoridade da apostila
está acima da autoridade do professor, especialmente no que diz respeito à seleção
das informações de cada aula (Docente D).
Na disciplina que atuo, português, é um tanto quanto difícil atrelar aulas extras ao
material da apostila, devido ao escasso tempo de execução definido pela
programação bimestral. Mas, quando possível, isso só se dá com a autorização
antecipada, não só da coordenação, mas também da direção da escola. E, ainda
assim, dependendo da necessidade de cada turma de alunos, devo apenas sugerir
atividades, cujos conteúdos sejam relevantes, mas que não foram mencionados pela
apostila (Docente E).
Ainda, de acordo com o Docente “F”, o Docente “A”, e o Docente “E”, existe,
sim, a possibilidade de serem questionados, não só pela direção, mas também pela
coordenação, se as aulas apostiladas não forem cumpridas à risca, ou seja,
integralmente, e em sua totalidade.
Trazer para minhas turmas, nas minhas aulas, outro tipo de material, que não seja o da
apostila, é raríssimo. Quando não me sinto satisfeito com determinada aula da apostila,
sugiro uma troca, ou seja, preparo um material que considero mais relevante e didático e
o utilizo. Entretanto, para evitar futuros transtornos, peço aos alunos que escrevam, na
página da apostila, que aquela aula e aquela atividade foi realizada em “folha-extra”,
para uma possível verificação da coordenação, que já vistou e aprovou,
antecipadamente, a atividade. Até hoje, nunca tive problemas, nem contratempos, porém
sei que corro o risco de algum questionamento como: já que a rede utiliza o material
apostilado, tal material e tal conteúdo pré-elaborado já não é bom o suficiente?
(Docente F).
Sem dúvida, é quase inexiste a oportunidade de levarmos à sala de aula, aos alunos,
outros conteúdos que não sejam aqueles contemplados pela apostila. Entretanto,
quando consigo trazer e adicionar algo diferenciado, faço consciente de que o material
extra esteja contextualizado ao conteúdo da apostila. No que diz respeito ao programa
estabelecido pela escola e pelos cadernos apostilados eu executo. E quanto à
programação pré-determinada dos cadernos apostilados, sim, considero de extrema
exigência e rigidez, sobretudo porque não me possibilita ir além, ou seja, diversificar
(Docente A).
Sim, a possibilidade de incorporação existe, tais como textos, filmes e músicas que, na
medida do possível, eu utilizo. Tais aparatos promovem a leitura crítica em
complementação à apostila. Porém, ressalto que o uso extra deste material é muito
restrito e que antes de utilizá-los, preciso ter o consentimento prévio não só da
coordenadora, mas também da diretora. Quanto à programação a considero exigente
sim, em especial em detrimento tempo estabelecido. Sim, há exigências produzidas
pelo material que me tenciona a prática pedagógica. Uma delas trata-se do fato deste
material apostilado não permitir que o educando construa o seu conhecimento, uma
vez que oferece fórmulas prontas. Além do que, observo o aluno passivo diante à
apostila (Docente B).
Até hoje sempre consegui cumprir a meta da escola e atendo ao cumprimento todas as
aulas e conteúdos que o caderno apostilado propõem. Acho exigente a programação,
pois como já disse não abre tantos espaços para o docente desenvolver “aulas
práticas”, já que o tempo que temos para cumprir com os cadernos apostilados é muito
curto. Assim, considero que aquilo que mais tenciona minha prática pedagógica é a
limitação do tempo (Docente D).
129
É difícil cumprir a programação, mas cumpro. Quando tenho que abordar um assunto
que não considero muito significante, faço uma explicação rápida e, assim, consigo
“economizar” tempo que, futuramente será utilizado para um assunto mais complexo
exigido pelo caderno apostilado (Docente F).
A meu ver quando se trabalha “apostilado” fica muito difícil em relação ao conteúdo,
utilizar material extra-apostila, principalmente quando o aluno sabe que a instituição
leva em consideração na avaliação apenas o que a apostila já traz. É o mesmo o que
acontece em concursos públicos em que o candidato só estudará “aquela apostila”, em
especial se a aprovação estiver atrelada apenas a ela. Sim, eu cumpro a programação
exigida em razão das avaliações que serão propostas aos alunos a partir delas.
Considero exigente a programação apostilada, uma vez que toda ela está vinculada à
avaliação, no caso da escola, ao Saresp e Prova Brasil. Enfim, pior que seja o material,
o professor especialista, redobra o seu conhecimento dos assuntos para que a todo o
momento possa ensinar ao aluno aquilo que o material não contempla (Docente H).
Dou aulas na rede pública municipal de ensino desde fevereiro de 2012 (Docente D).
132
Ministro aulas na rede pública de ensino há oito anos. Tenho licenciatura em Letras
pela Puccamp (Docente G).
Dou aulas na rede pública de ensino há oito anos. Sou formado em Letras - Faculdade
Particular (Docente C).
Atuo na rede pública de ensino há cinco anos. Cursei Letras em Instituição Particular
(Docente E).
Leciono faz sete anos, apenas em escolas públicas municipais. Minha graduação foi
concluída em Instituição particular (Docente F).
Trabalho na rede pública de ensino há oito anos. Cursei Letras pela PUC - Instituição
Particular (Docente H).
Minhas relação pedagógicas com os alunos tem se tornado cada vez mais “refinadas” e
penso que trabalhar com o material apostilado na rede pública de ensino, ainda que em
condições de muita pressão, é o que tem ajudado nesse exercício professoral. Em
minha opinião, o pequeno espaço de tempo que a programação impõem, ainda seja o
fator limitante de meu trabalho como docente, pois noto que meus alunos não retém o
conteúdo, todos juntos, em uma mesma sintonia. Proporia à rede que elaborassem
aulas extra apostila, sobretudo aquelas que os cadernos não contemplam, ou melhor
ainda, que eu pudesse levar tais conteúdos sem cobrança ou fiscalização do direção e
134
coordenação e que, além disso, houvesse um tempo maior a fim de que as aulas
pudessem ser ministradas sem atropelo (Docente D).
Sim, creio ser possível compreender minha atividade docente usando o material
apostilado, pois ainda que os conteúdos sejam “engessados”, considero boa parte dos
exercícios pelo menos adequados ao aprendizado. Para mim o cumprimento da
programação é uma preocupação que me persegue o tempo todo, porém, depois de
certo tempo de tanto sermos pressionados e cobrados, nos encaixamos ao ritmo. Meu
lema é: “sempre que possível substituir e complementar os conteúdos a partir de
material extra-apostila”. Isso é claro, se direção e a coordenação aprovar antes
(Docente G).
“G” e do Docente “F”, seguem ligadas à importância de se ter uma direção que nos
ouvisse, nos desse atenção que merecemos receber.
Observa-se, também, nas respostas, a necessidade dos professores em
relação à presença de um coordenador pedagógico competente, bem como a
autonomia dos docentes para elaborar e separar os conteúdos.
20
As referências sobre o poder que abordo neste capítulo acerca dos conceitos de Norbert Elias são
frutos de entrevista por ele concedida a Peter Lucas e publicada com o título “Conocimiento y Poder”
e à obra “Os Estabelecidos e os Outsiders”, escrito em parceria com J.Scotson.
141
fornecendo, deste modo, elementos mais palpáveis sobre as trocas nas estruturas
sociais.
A instituição escolar, por alusão, nas sociedades mais diferenciadas de hoje,
se configura também como umas das principais cadeias organizativas de que se
servem diferentes grupos com o intuito de controlar e dirigir uns aos outros. Tal fato
se deve, uma vez que um dos pilares de sua manutenção depende hoje em parte
monopólio do conhecimento, cujo poder é movimentado no interior das relações
interdependentes.
Como diz Elias (2000, p. 23):
A peça central dessa figuração é um equilíbrio instável de poder, com
as tensões que lhe são inerentes. Essa é também a pré-condição
decisiva de qualquer estigmatizarão eficaz de um grupo outsider por
um grupo estabelecido.
Muitas das características narradas até aqui ajudam a delimitar qual o real
papel desempenhado pelos professores no interior deste quadro, cujo grande astro e
centro da dinâmica empresarial, que envolve as relações do sistema Dom Bosco de
Ensino, com suas unidades franqueadas ou parceiras municipais, trata-se do
material sistematizado apostilado.
144
5 CONCLUSÃO E RECOMENDAÇÕES
Certamente, a maior dificuldade e, ao mesmo tempo, o maior desafio deste
trabalho, tenha sido a necessidade de estabelecer limites entre minha atividade
docente e meu trajeto enquanto pesquisador.
Acredito que, ao elegermos um tema de pesquisa, não podemos nos afastar
de nossa história, de nós mesmos, de nossas caminhadas, sonhos e esperanças e
ideais. Por isso, a escolha da inquietação não pode ser aleatória e, no meu caso, ela
se deu como fruto do desejo de atrelar a prática docente, relacional, a uma reflexão
intelectual, não só revestida, mas também atrelada de sentido.
Nessa direção e desde o princípio desta pesquisa de doutorado, pensei em
instrumentalizar e refinar meu olhar, enquanto pesquisador ao relatar, na dissertação
desta Tese, como o docente compreende sua atividade eminentemente relacional,
ou seja, como professor reconhece sua prática, à medida que ela vai se constituindo
nas malhas tensas de inter-relação, de quatro instituições, municipais públicas, de
ensino.
Para tal, as categorias de Poder, em Foucault; as de “Configuração”,
“Interdependência” e “Inter-Relação”, de Norbert Elias; e as de “Campo de Força”,
“Habitus” e “Poder Simbólico” em Bourdieu, aplicadas na análise dos dados da
pesquisa bibliográfica e de campo, permitiram estabelecer as relações entre o
processo de alienação e domesticação.
Sobretudo, a domesticação e opressão a que são submetidos os professores
com a estrutura pedagógica criada pelo município. Além do papel do mercado
educacional e a relação entre ambos, no contexto do capital, para a mercantilização
da educação.
E, ainda mais, arriscar dizer, por exemplo, que os didáticos apostilados
buscam o intento de ensinar “tudo” a “todos”. Dessa forma, permanecem numa visão
que não só reduz, mas também simplifica a atividade didática. Tal afirmação se
deve, pois acreditamos que as publicações didáticas persistem em uma antiga
concepção de ensino, que crê ser “suficiente” à transmissão e memorização dos
conteúdos para efetivar o processo formativo.
Outro aspecto relevante é o fato de serem as apostilas uma fatia importante
do mercado editorial, o que nos leva a deduzir que o interesse econômico das
editoras influenciou, e continua a influenciar, de forma direta, o uso das publicações
didáticas em ambiente escolar.
145
21
Propedêutica é uma palavra de origem grega que se refere ao ensino. Pode ser um curso ou parte
de um curso de introdução de disciplinas nas áreas de artes, ciências, educação e outras. Pode ser
entendida como um curso introdutório que supre a necessidade básica de conhecimento em um
assunto, mas não dá capacidades profissionais.
http://www.portaleducacao.com.br/pedagogia/artigos/51484/o-que-e-propedeutica
146
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em: 22 set. 2013.
.
164
1) Introdução
Você está sendo convidado (a) a participar de uma pesquisa que estudará a
implantação do material didático apostilado sistematizado e a relação do uso desse
material, pelos professores de língua portuguesa, nas séries iniciais do ensino
fundamental II, 6º ao 9º ano, na rede pública de ensino, no município de Santa
Gertrudes - SP. Você foi selecionado, porque atua no espaço educacional e tem a
formação em Letras. O objetivo do projeto é verificar junto aos professores de
Língua Portuguesa, especificamente os que atuam nas séries do ensino
fundamental ciclo II – 6º ao 9º ano, em quatro escolas municipais investigadas, como
suas relações se estabelecem de fato.
2) Procedimentos do Estudo
3) Riscos e desconfortos
Não há.
4) Benefícios
Espera-se que, como resultado deste estudo, você possa auxiliar novos professores
a compreender sua função docente.
5) Tratamento Alternativo
6) Acompanhamento e Responsabilidade
7) Garantia de Esclarecimento
O sujeito deverá saber que serão acompanhados pelos pesquisadores e que terão
todas as suas dúvidas esclarecidas.
8) Participação
Sua participação neste estudo é muito importante e voluntária. Você tem o direito de
não querer participar ou de sair deste estudo a qualquer momento, sem penalidades
ou perda de qualquer benefício ou cuidados a que tenha direito nesta instituição.
Você também pode ser desligado do estudo a qualquer momento sem o seu
consentimento nas seguintes situações: (a) você não use ou siga adequadamente
as orientações/tratamento em estudo; (b) você sofra efeitos indesejáveis não
esperados; (c) o estudo termine. Em caso de você decidir retirar-se do estudo, favor
notificar o profissional e /ou pesquisador que esteja atendendo-o.
Você não terá nenhum gasto com a sua participação no estudo e também não
receberá pagamento pelo mesmo.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Mérito Científico do Centro
Universitário Hermínio Ometto – UNIARARAS, coordenado pela Profa. Dra. Miriam
de Magalhães Oliveira Levada, que poderá ser contatado em caso de questões
éticas, pelo telefone 19-3543-1439 ou e-mail: comiteetica@uniararas.br ou pelo
endereço Av. Dr. Maximiliano Baruto, nº 500 – Jd. Universitário – Araras/SP.
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Nome :..................................................................................................................
RG: ............................Data de nascimento: ..... / ..... / .... Sexo: M ( ) F( )
Endereço: ............................................ nº.................... Apto: ............................
Bairro: ................................Cidade: .................. Cep: ................Tel: .................
______________________________
Assinatura do Declarante
_____________________________
Assinatura do Representante Legal
_____________________________
Assinatura do Pesquisador
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