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M a n u a l de R edação

Fo
Curso de
ren se
l in g u a g e m e Construção
de T exto no D ir e it o

Vl C T D R
Ga b r ie l
Rd d r íg u e z

2- E d iç ã o a m p l ia d a

COM C A P ÍTU LO SO B R E
M o n o g r a f ia J u r íd ic a
D ad os Internacionais de C a t a lo g aç ão n a P ublicação (CIP)
(C â m a r a B rasileira do L ivro, S P , B rasil )

Rodríguez, Victor Gabriel de Oliveira


Manual de redação forense: curso de linguagem e construção de texto no
direito / Victor Gabriel de Oliveira Rodríguez. — 2. ed. ampl. com capítulo
sobre monografia jurídica. - Campinas: LZN Editora, 2004.

Bibliografia.

1. Redação forense I. Título.

02-4241 CDU-340.113.2

Í n d ic e p a r a C a t á l o g o S is t e m á t ic o

1 . R e d a ç ã o fo re n s e : D ire ito 340.113.2

Copyright © by Victor Gabriel Rodrigues.


Copyright © by LZN Editora Informática Comércio e Representação Ltda.

Diagramação
Elaine Cristina de Oliveira

Revisão
Ademar Lopes Junior

Capa
Equipe LZN

Reservados a propriedade literária desta publicação e


todos os direitos para a língua portuguesa pela

LZN Informática e Editora Ltda.


Av. Marechal Rondon, 301 • Jd. Chapadão
CEP: 13070-172 • Campinas • SP
Fone/Fax.: (19) 3236.7588
www.lzn.com.br

Tradução e reprodução proibidas; total ou parcial.


Lei n- 9.610, de 19 de fevereiro de 1998.

ISBN: 85-88387-15-8 Impresso no Brasil


À memória de meu pai,
Antônio Rodríguez Jimenez.

“Que el andar acaballo, Sancho, a unos


hace cabaUeros, y a otros, caba/lenhos.”
Cervantes

| V|
Sumário

Introdução.............................................................................................................1
A redação como parte da advocacia.........................................................1
Sanando dúvidas preliminares....................................................................2

lição 1. O conceito de texto....................................................................... 11


1.1 O texto............................................................................................... 11
1.2 A competência textual..................................................................... 16
1.3 Resumo.............................................................................................21
1.4 Exercícios........................................................................................22
Anexo de Notas...........................................................................................25

Lição 2. Vocabulário e vocabulário jurídico.............................................27


2.1 Vocabulário: Conceito e alcance...................................................... 27
2.2 Texto e seleção vocabular................................................................. 29
2.2.1 Seleção vocabular e clareza: Levando o leitor em conside­
ração ............................................................................................30
2.2.2 Seleção vocabular e sentido........................................................34
2.2.3 Seleção vocabular e vocabulário jurídico: Linguagem técni­
ca X jargão..................................................................................37
2.2.4 Seleção de palavras e sustentabilidade: o preciosismo........45
2.3 Exercitando o uso do vocabulário.............................................. 48
2.4 Vocabulário jurídico. As formas de referência e tratamento .... 51
2.5 Os brocardos e expressões latinas.......................... .................. 63
2.6 Palavras e expressões maisusuais do latim ................................66
2.7 Superlativos.....................................................................................79
2.8 Resumo............................................................................................140
2.9 Exercícios.......................................................................................141
Anexo de Notas...................................................................................... 153
Lição 3.Iniciando o texto jurídico:
O direcionamento, a qualificação e narração dos fatos....................... 155
3.1 O início da petição: O encaminhamento...................................155

[VII|
3.2 O número dos autos e a referência..............................................157
3.3 O parágrafo inicial: O nome das partes e o tipo de ação....... 158
3.4 A narração dos fatos...................................................................... 160
3.4.1 Características do texto narrativo..........................................162
3.4.2 Primeiro passo: Selecionar os fatos a serem narrados....... 164
3.4.3 A função argumentativa da narração.....................................176
3.4.4 A seleção dos fatos e a prova processual: Fatos contro­
versos e incontroversos............................................................179
3.4.5 Quando narrar os fatos.............................................................182
3.4.6 Conclusão................................................................................... 184
3.4.7 O modo de dispor os fatos selecionados..............................185
3.4.7.1 O decurso do tempo e os tipos de narrativa: Linearidade
e não-linearidade....................................................................... 185
3.4.7.2 As funções da narração alinear...............................................188
3.4.8 Os meios de enunciar o transcurso do tempo..................... 193
3.4.8.10 tempo verbal.................................................................195
3.4.8.1.10 tempo verbal em relação ao momentoda enunciação 195
3.4.8.1.2Tempo verbal em relação a outraação narrada no texto 197
3.4.8.2Outras formas de demarcar o tempo: A utilização de
advérbios e locuções adverbiais.............................................201
3.4.9 Os erros mais comuns nas narrações jurídicas.................... 202
3.5 Relembrando................................................................................... 205
3.6 Exercícios........................................................................................ 207
Anexo de Notas..............................................................................213
Lição 4. Argumentação jurídica........................................................215
4.1 Introdução........................................................................................ 215
4.2 Características do texto argumentativo......................................217
4.3 O argumento: Conceito e alcance...............................................219
4.4 Iniciando a argumentação: O leitor como alvo dotexto..........224
4.5 Selecionando os elementos: Os tipos deargumento.................227
4.5.1 Argumento de prova................................................................. 228
4.5.1.1 A prova testemunhai................................................................233
4.5.1.20 argumento de prova técnica...............................................234
4.5.1.30 argumento de prova documental...................................... 236
4.5.2 Outros tipos de argumento...................................................... 238
4.5.2.1 O argumento ab autoritatem...................................................... 239
4.5.2.20 argumento contrario setisu...................................................... 215

Iviu1
4.5.2.30 argumento a simili ou por analogia...........................248
4.5.2.40 argumento a jortion...............................................................253
4.5.2.50 argumento a completudine......................................................256
4.5.2.60 argumento a coherentia..........................................................258
4.5.2.70 argumento psicológico.........................................................260
4.5.2.80 argumento ao absurdo.........................................................261
4.5.2.90 argumento de senso comum...............................................263
4.5.2.10 O argumento de competêncialingüística.......................... 265
4.5.2.11 O argumento de fuga........................................................... 266
4.6 Ordenando os argumentos............................................................269
4.7 O cuidado na seleçào de argumentos:A coerência...................270
4.8 Várias teses em uma mesma perição. Teses principais e teses
subsidiárias.......................................................................................272
4.9 A conclusão da peça argumentativa:O pedido......................... 274
4.10 A sentença como lugarda argumentação...........................276
4.11 Conclusão................................................................................27 8
4.12 Resumo....................................................................................279
4.13 Exercícios................................................................................281
Anexo de Notas......................................................................................285
Lição 5. Escrevendo: Estrutura da frase e pontuação......................... 287
5.1 Introdução........................................................................................ 287
5.2 A estrutura da frase........................................................................289
5.3 Frase, oração e período.................................................................291
5.3.1 A frase............................................................................................291
5.3.2 A oração........................................................................................ 292
5.3.3 O período..................................................................................... 292
5.4 Estudando a oração.......................................................................293
5.4.1 Termos essenciais da oração: sujeito e predicado.................293
5.4.1.1Tipos de sujeito.........................................................................296
5.4.1.2Tipos de predicado.............................. ....................................255
5.4.2 Termos integrantes da oração: Complemento
verbal, complemento nominal, agente da passiva.................300
5.4.2.1 Complemento verbal: Objeto direto e objeto indireto......300
5.4.2.2 Complemento nominal............................................................... 302
5.4>2.3Agente da passiva.....................................................................303
5.4.3 Termos acessórios da oração: Adjunto adverbial, adjunto
adnominal, aposto e vocativo................................................... 304
5.4.3.1 Adjunto adnominal................................................................... 304
5.4.3.2Adjunto adverbial..................................................................... 305
5.4.3.3 Aposto......................................................................................... 307
5.4.3.4Vocativo...................................................................................... 308
5.4.4 Conclusão....................................................................................308
5.5 Uso da vírgula dentro da oração..................................................308
5.5.1 Ordem dos termos da oração..................................................309
5.5.2 Não use a vírgula......................................................................... 310
5.5.3 Use a vírgula..................................................................................311
5.6 O período com mais de uma oração.............................................313
5.6.1 As orações subordinadas..........................................................314
5.6.1.1 Orações subordinadas substantivas.........................................315
5.6.1.2 Orações subordinadas adjetivas...............................................319
5.6.1.3 Orações subordinadas adverbiais.............................................323
5.6.1.4Orações subordinadas reduzidas..............................................327
5.6.2 Orações coordenadas...................................................................331
5.6.2.1 Orações coordenadas assindéticas...........................................332
5.6.2.2 Orações coordenadas sindéticas..............................................332
5.7 A vírgula entre as orações do período..........................................334
5.7.1 As orações subordinadas substantivas................................... 334
5.7.2 Orações subordinadas adjetivas...............................................335
5.7.3 Orações subordinadas adverbiais.............................................336
5.7.4 Orações subordinadas reduzidas..............................................336
5.7.5 Orações coordenadas.................................................................337
5.8 Conclusão e Exercícios...................................................................338
Anexo de Notas........................................................................................ 350

Lição 6. Desenvolvimento de frase e parágrafo na narração jurídica.


Dicas de construção.......... ...........................................................................351
6.1 Introdução...........................................................................................351
6.2 O estilo............................................................................................... 352
6.3 A expressão do período...................................................................352
6.4 O estudo do parágrafo.....................................................................364
6.4.1 O tópico írasal e o parágrafo da petição................................ 365
6.5 A petição em seu estilo. Algumas recomendações.................... 369
6.5.1 O uso do computador................................................................370
6.5.2 A forma da petição..................................................................... 371

| X|
6.6 Resumo................................................................................................373
Anexo de Notas.........................................................................................374

Liçao 7. Evitando os erros mais comuns...................................................375


Exercícios...................................................................................................402

Liçao 8. A monografia...................................................................................409
8.1 Introdução...........................................................................................409
8.2 Vamos falar em ciência?.................................................................. 410
8.3 Atribuindo cienrificidade ao escrito: A originalidade................410
8.4 A monografia final de curso de direito......................................... 413
8.5 Cienrificidade do texto jurídico. Veridicidade científica........... 420
8.6 Citações e referências...................................................................... 422
8.7 Estrutura da monografia e etapas de elaboração........................427
8.8 Dicas especiais de redação............................................................... 433
8.9 Conclusão...........................................................................................434
Anexo de Notas.........................................................................................436

Bibliografia......................................................................................................439

[XI]
Introdução

A redação como parte da advocacia


Se advogar nào se faz exatamente uma arte, constitui, no mínimo, ati­
vidade por demais complexa. O operador do direito, especialmente o advo­
gado, lida diariamente com multifacetado trabalho: as reuniões, as audiên­
cias, os plenários, as sustentações orais, os estudos, as pesquisas, a reda­
ção dos prazos, dentre outras que possam surgir no dia-a-dia do escritório.
Para exercer com competência essa profissão, o advogado deve apre­
ender, em primeiro lugar, o assim denominado conhecimento jurídico.
Durante a faculdade, então, tenta-se transmitir ao máximo ao estudante,
futuro profissional, o conjunto de sistema normativo, o ordenamento ju­
rídico e seu funcionamento, seja no direito material ou no processual.
Esse conhecimento, que tende a ser acrescido gradativamente ainda em
ambiente exterior ao propriamente acadêmico, é parte mais que relevante
do instrumental intelectual a que o profissional é obrigado a recorrer em
qualquer tarefa que deseje realizar em seu trabalho. Qualquer teoria jurí­
dica, das mais simples às mais complexas, das mais concretas às mais
abstratas, que o advogado venha a assimilar, tem valor prático inequívo­
co, porquanto virá a contribuir, direta ou indiretamente, no seu trabalho
posterior, vale dizer em sua defesa alguma demanda específica.
Mas engana-se aquele que entende que o estudo do advogado deve-
se cingir às questões jurídicas e que, embora reconheça os outros aspec­
tos que complementam sua atividade, a exemplo da boa redação, prefere
pensar sejam estes adquiridos, somente, com a prática e a experiência
diária. Ou, então, que nasçam com a índole de cada um, como um dom
inerente à personalidade. Nessa linha, equivocada, de pensamento, a es­
crita, longe de ser uma técnica, consistiria em uma arte, uma virtude ine­
rente àquele que, por alguma desconhecida razão idiossincrática, conse­
gue expor no papel suas idéias com clareza e, assim, persuadir aquele a
quem as suas petições são dirigidas.
2 Manual de Redação Forense

Esse pensamento nào é incomum, mas merece, nesta introdução,


ser combatido, porque nào verdadeiro.
Redigir é exteriorizar, em palavras, idéias em ordem e método. Para
nosso objetivo, aqui, significa expor fatos de forma clara e combinar con­
ceitos e idéias, com o objetivo de persuadir. E a competência para fazê-lo
nào é, nitidamente, uma questão de arte, mas de técnica apurada. E, nes­
ta obra, pretende-se desenvolver um pouco dessa técnica específica, a
redação do texto jurídico, cujo domínio constitui um dos aspectos que
devem integrar o leque de conhecimento do advogado, para a completitude
de sua atividade.
Por constituir técnica e teoria próprias, a redação merece estudo
diferenciado. Embora a leitura seja, via de regra, um dos grandes métodos
para que se apreendam as técnicas de escrita, é certo que somente ela,
sem qualquer outro direcionamento, nào é bastante para que o aluno as
apreenda. Por isso que os anos de faculdade que o bacharel atravessa para
conseguir formar-se, com a leitura de numerosos textos jurídicos, nào lhe
garantem, por si só, a capacidade de redação competente e célere de boas
petições, ainda que lhe sirvam como instrumento de linguagem e de cons­
trução de método de pensamento, o que é parte da atividade redacional.
Um estudo dirigido, conciso mas completo, é o que ora nos propo­
mos a fazer, procurando ajudar o profissional da advocacia a, no seu tra­
balho diário, construir textos claros, coerentes e persuasivos, que sejam
capazes de exteriorizar toda a teoria jurídica de que ele se sabe conhece­
dor, adequando-a ao caso concreto e, assim, produzindo o Direito da sua
melhor forma. Para que isso aconteça, será necessário revisitar alguns
conceitos de teoria do texto e da gramática, para, concomitantemente,
demonstrar-se sua aplicabilidade à redação dirigida à atividade advocatícia.

Sanando dúvidas preliminares

Como pode es/e manual colaborar comigo?


A presente obra nasceu do trabalho em sala de aula, em curso de
redação forense que há tempo administramos. Tal experiência fez com
que o autor conhecesse algumas das dúvidas mais comuns àqueles que se
propõem ao estudo das técnicas redacionais e, assim, entende-se por bem,
logo de início, solver algumas delas, para que o curso se inicie com clare­
za em seus propósitos e premissas.
Introdução 3

A primeira dessas dúvidas pode ser enunciada da seguinte forma:


existe uma teoria que realmente possa contribuir para que, através de seu
estudo, venha o profissional a melhorar sua construção textual, escreven­
do de forma mais organizada, clara e rápida?
A resposta é afirmativa. A teoria a ser apresentada, como aliás é
atinente a qualquer teoria, contribui e muito para a construção textual,
até porque é constituída e exposta especificamente para essa finalidade.
O aprendizado de conceitos, ilustrados com exemplos e postos em práti­
ca através de exercícios fará, por um lado, com que o aluno se desprenda
de alguns vícios e erros da escrita e, por outro, que conheça outras possi­
bilidades de construção textual e variantes lingüísticas, que lhe ampliarão
o leque de modos de expressar idéias, estes que lhe estarão sempre dispo­
níveis no momento de redigir, aumentando a clareza e a objetividade de
seu texto. Com o fim dos vícios e erros e em virtude do aumento das
possibilidades de escrita, haverá, primeiramente, mais segurança ao es­
crever e, ainda, maior rapidez na seleção das palavras que servem como
forma de exteriorizar suas teses. E esses dois fatores, a segurança e a
maior possibilidade de seleção, resultarão na redação mais célere (além
de mais correta), fator tão decisivo e premente no cotidiano dos escritóri­
os de advocacia.
Portanto, rever as teorias de construção textual resulta, no mínimo,
em uma metodologia clara, apta a colaborar com o profissional do direito,
nessa parte tão relevante de sua tarefa. Mas, se é afirmado que as lições
aqui expressas são relevantes para a construção de boas petições, como
explicar que algumas pessoas, que não estudaram as mesmas teorias, te­
nham capacidade notória para a redação?
Aqueles que dominam a técnica da escrita, que constroem boas
petições e que têm facilidade para, na redação, aclarar suas idéias, com
certeza conhecem com certa profundidade a estrutura da língua e, ainda
que não a estudem com constância, dominam suas regras, pois, caso con­
trário, é impossível a construção textual competente. Com esse domínio,
toma-se mais fácil expor as idéias num percurso claro ao receptor, orde­
nado e conciso, sem repetições desnecessárias e com um conteúdo
argumentativo capaz de levar alguém a convencer-se a respeito de sua
razão, sejam complexos ou simples os fatos e conceitos articulados.
Assim, quem se admira com o texto de um colega que, sendo co­
nhecedor do mesmo arcabouço jurídico que o seu, constrói uma petição,
4 M anual de Redação Forense

um recurso ou um parecer de maneira muito competente, certamente deve


ver nele alguém que se dedicou, ainda que em tempo mais remoto, ao
estudo da estrutura textual e o praticou acertadamente. Nada diferente,
portanto, do conhecimento jurídico específico: não há outro método, que
não o estudo teórico e a aplicação prática constantes, para adquiri-lo.
E é a isso que, no campo da redação, nesta nos propomos a fazer.
Para a advocacia de boje, adianta ainda a boa conslr/rçào textual?
Muitos advogados atuais, em aula, quando adentramos ao aspecto
teórico do texto, seja quanto à gramádea ou quanto à argumentação, for­
mulam a pergunta, de forma mais ou menos direta, se, no trabalho foren­
se atual, ainda é necessário estudar para adquirir uma boa escrita, tendo
em vista a objetividade que deve haver na exposição dos fatos e das teses
em juízo.
A questão é bastante pertinente e parte de uma premissa aparente­
mente correta. Dois fatores atuais parecem, realmente, revelar ao advo­
gado a desnecessidade de grandes cuidados com os textos que produz. O
primeiro deles é o acúmulo de trabalho existente tanto nos escritórios
quanto nas varas judiciais e o segundo, conexo a esse, é a observável
dinamização da linguagem que ocorre em todos os campos .profissionais
neste novo milênio.
Tem-se aconselhado aos operadores do direito que sejam cada vez
menos prolixos em suas exposições, e que, portanto, façam petições mais
sucintas, objetivas, sem grandes delongas na exposição. Os magistrados
de nosso país, assoberbados pelo acúmulo de processos em suas salas,
tendo de proferir uma quantidade desumana de decisões para poder man­
ter em dia seu serviço, raras vezes têm tempo disponível suficiente para
apreciar em detalhes as argumentações que lhe são endereçadas e por isso
seria preferível, sempre, escrever pouco, mostrar os fatos sem se interes­
sar em detalhes não cruciais ou em recursos lingüísticos que, cm vez de
persuadir, acabam, por esse motivo, desviando a atenção do interlocutor
- o destinatário do texto argumentativo —, afastando-o das questões real­
mente importantes para o deslinde favorável da demanda.
Não se pode esquecer, tampouco, que o acúmulo de trabalho não é
monopólio dos magistrados e está presente, e muito, nos escritórios de
advocacia. Os casos se acumulam, os prazos são exíguos e parecem cola­
borar não apenas para a celeridade da justiça, mas, principalmente, para
Introdução 5

que nào exista tempo hábil para a elaboração de argüiçòes mais volumo­
sas e, aparentemente, completas. Diante dessa premissa, mais que notó­
ria, o advogado pode passar a pensar que sua petição, como um todo,
merece menor trabalho, sendo a boa redação sinônimo de prolixidade e
arcaísmo, por demais inadequada à consecução de resultados. Nesse con­
texto, importaria a capacidade de articular a petição de forma mais sucin­
ta possível, “acertando” a tese pleiteada e deixando ao magistrado a aná­
lise pura dos elementos probatórios colhidos na instrução do processo,
sendo despiciendas grandes interferências textuais que, a bem da verda­
de, correm o risco de, ao se aprofundarem em detalhes, nào serem inte­
gralmente apreciadas.
Esse posicionamento, como visto acima, tem sua lógica própria,
mas parte de uma observação reduzida da realidade e de uma idéia equi­
vocada a respeito da escrita competente. Primeiramente, a boa escrita
nào significa, forçosamente, a escrita dclongada, prolixa e repleta de pre-
ciosismos. Na verdade, escrever bem é escrever com clareza, ordem e
método, sem precisar delongar-se em idéias de pouca relevância para o
resultado final da demanda. Um dos fatores pelo qual se constrói o bom
texto é a seleção dos argumentos e elementos a serem enunciados, ou
seja, a capacidade de delongar-se naquilo que é mais importante, e ser
sucinto quanto ao que é, no contexto, periférico. Portanto, nesse primeiro
ponto, o estudo da construção textual é, novamente, fator essencial, vez
que visa a —ao contrário de tornar o texto mais complexo e, portanto,
menos acessível ao interlocutor —fazer o texto claro até mesmo àquele
que dispõe de pouco tempo para a ele se ater, permitindo a leitura fluen­
te, sem confusões de estilo.
Mas é natural que, a partir do momento em que o profissional se
sente mais seguro ao redigir, ordenando idéias com maior coerência e fa­
zendo-as fluir no texto escrito, procure ser mas cuidadoso em sua exposi­
ção textual, e, assim, passe a expor ao Poder Judiciário sua tese em maio­
res detalhes, não deixando premissas por analisar e preocupando-se em
construir uma fundamentação mais convincente para sua tese. articulan­
do argumentos que outrora seriam dispensáveis. Essa reação é natural e
nào deve, de maneira alguma, ser entendida como prolixidade inútil, ina­
dequada portanto ao ritmo de trabalho atual e à sobrecarga de processos
por que passa o nosso Poder Judiciário. Afinal, uma argumentação deta­
lhada, quando necessária, nào pode ser motivo para nào apreciação pelo
6 M anual de Redação Forense

destinatário do texto, sob pena de estar ele furtando-se ao dever que lhe
impinge sua função.
A defesa escrita deve, por força constitucional, ser apreciada pelo
Poder Judiciário em sua íntegra. Nenhum acúmulo de serviço congênere
pode ser invocado frente ao princípio da ampla defesa, do devido proces­
so legal, ou, ainda, do princípio de que a lei não pode afastar da aprecia­
ção do Poder Judiciário lesao ou ameaça a direito, todos eles elevados à
função de garantia fundamental do artigo 5U da Carta Constitucional.
Voltaremos a isso mais adiante, quando tratarmos da decisão judicial como
espaço argumentativo, mas vale o alerta: quando relevante, o bom texto,
ainda que mais extenso, merece apreciação e assim o Direito resguarda
caminhos, até última instância, para que todos os argumentos expendidos
pela parte sejam devidamente analisados e sopesados antes de que se
profira qualquer decisão. Então, quando se entra na seara da argumenta­
ção mais detalhada, do texto mais conclusivo, e preciso lembrar-se de
que, quando ele se faz imprescindível, deve desse modo ser construído e,
para tanto, é evidente a necessidade de capacidade redacional mais apu­
rada. E esse o caso, por exemplo, dos recursos formulados ao Supremo
Tribunal Federal e ao Supremo Tribunal de Justiça, que exigem, por força
de entendimento sumular, argumentação mais detalhada até para que se­
jam admitidos. Isso também será objeto de estudo posterior.
Se, então, a sobrecarga de trabalho, seja do advogado, seja do desti­
natário de suas petições, nào pode ser invocada como fator da desneces­
sidade de recorrer-se ao estudo do texto como instrumental do trabalho
da advocacia, por outro o dinamismo das relações de comunicação atuais
tampouco serve para que se entenda o estudo da língua portuguesa e das
técnicas de seu uso eficiente como algo menos primordial para o opera­
dor do direito.
É certo que vários recursos e necessidades vêm, hoje, a tomar mais
dinâmica a comunicação e isso, vez por outra, é entendido como permis­
sivo para uma linguagem menos apurada, com menor cuidado com a lín­
gua pátria e menor necessidade de construções textuais coerentes e coe­
sas, ou, em outras palavras, a língua escrita toma-se cada vez menos usu­
al e, então, ainda quando imprescindível, constrói-se de forma menos
complexa.
Os recursos multimídia e os elementos audiovisuais são cada vez
mais difundidos e isso, a princípio, nada tem de criticável, desde que o
Introdução 7

profissional do direito nào os entenda como um fim em si mesmo e reco­


nheça que a Justiça, apesar de, em sua operacionalidade, ser muito auxili­
ado pelos recursos da informática, nào irá afastar-se do bom e velho texto
escrito como instrumento de constituição do processo e, por conseqüên­
cia, da prática do próprio direito. No dia-a-dia dos escritórios de advoca­
cia, e do mercado em geral, extremamente competitivo, busca-se, com o
recurso a meios de informatização, minimizar o gasto do escasso tempo
dos advogados. A jurisprudência e a doutrina em CD-ROMs, tal como a
facilidade do recorte de trechos outros textos armazenados em suporte
magnético, constituem inegável otimizador do tempo dos profissionais,
sufocados por prazos, permitindo a construção célere de longas petições,
muitas vezes com teses prontas aproveitadas de um ou outro escrito an­
terior. Da mesma forma são a comunicação em tempo real ou a consulta
a terminais interligados pela World Wide Web, hoje incríveis instrumentos
do trabalho de pesquisa rápida dos operadores do Direito.
Mas a partir do momento em que a informática difunde-se a ponto
de se transformar em meio de cognição, em forma de apreensão de seu co­
nhecimento —como ocorre quando o profissional capta o posicionamento
dos tribunais através de ementas selecionadas pela máquina ou, pior, quan­
do entrega seu conhecimento das normas gramaticais a um revisor de
texto eletrônico —a tecnologia assume face deletéria. Isso porque o meio
passa a influir no resultado, simplificando o trabalho imediato do advoga­
do mas poupando-o de atividade primordial para o desenvolvimento de
seu raciocínio sobre o abstrato (que interfere na construção argumentativa)
e de sua própria expressão, a partir do seu repertório intertextual, por­
quanto este se restringe.
De fato, neste último aspecto, a arte literária perde campo na co­
municação virtual o profissional atado à comunicação multimídia perde o
contato com a erudição mais vasta que lhe é essencial na atividade suasória
forense, na engenharia de suas peças argumentativas.
Esse efeito pode ser amplamente constatado nos grandes escritó­
rios: o advogado iniciante, que com facilidade constrói prolixas petições
com teses a que está habituado a lidar, depara-se com dificuldades quan­
do é hora de inovar, quando sua tese tem de diferir do já anteriormente
construído: privado das rápidas respostas que a topologia da máquina
pode lhe fornecer, seu raciocínio abstrato e sua enunciação são pouco
adequadas ao percurso argumentativo diferenciado de conteúdos padro­
8 Manual de Redação Forense

nizados. A inovação do direito pretere comentários e jurisprudências a


que tem acesso em tempo real, e exige complexa construção argumentativa
que, então, a máquina nào pode subsidiar. A repetição de conteúdo é a
pior conseqüência da informática no escritório.
O profissional, quando os recursos da informática lhe interferem
nas formas de cogniçào, depara-se com duplo paradoxo. O primeiro: di­
ante da informática, cuja tendência é a de ampliar o acesso a trabalhos do
mundo inteiro, como uma Alexandria virtual acessível ao toque do botão,
fica o operador privado do contato com textos aprofundados da cultura
em geral —que somente são lidos nos bons e velhos livros —o que lhe
reduz a atividade argumentativa e sua enunciaçào. Seu ângulo de apreen­
são da cultura, que se deveria tornar mais obtuso, é progressivamente
mais agudo.
E o segundo paradoxo, corolário daquele, diz respeito à inovação
do Direito. A informática, que vem reconstruindo ritmo e modalidades
da comunicação, transformando esta em signo por excelência da moder­
nização, é, mediatamente, óbice à inovação por iniciativa do trabalho do
advogado, pelo percurso aqui já tracejado. O mesmo processo que deter­
mina o progresso generalizado é o que contribui para a estagnação dos
subsídios intelectuais do surgimento das novas teorias. Ao mesmo tempo
em que o advogado se torna cada vez mais inovador, com os recursos da
máquina, seu texto, pela menor inovação, envelhece.
Portanto, como nem sempre pode o advogado contar com teses
prontas, o recurso à informática é meramente instrumental, armazenan­
do arquivos, permitindo a correção rápida, a impressão mais limpa e esté­
tica de quantas cópias forem necessárias. E nào muito mais que isso. A
boa linguagem escrita ainda é fundamental, ao menos na atividade do
advogado.
Quem lê Rui Barbosa conhece a qualidade de seus textos e a contri­
buição que teve para o conhecimento jurídico. Seus discursos sào famo­
sos, nào apenas no que concerne ao Direito. Político, Ministro da Fazen­
da, Rui escreveu belos discursos com a finalidade eleitoral. Aquela épo­
ca, a campanha eleitoral era realizada, pelo candidato, somente no palan­
que e, cntào, a oratória contava, muito mais que hoje, como objeto de
arençào do político, que em textos orais por eles proferidos via a única
oportunidade de opor seu carisma e apresentar suas propostas. Hoje em
dia, as campanhas eleitorais, devido aos meios de comunicação de massa,
Introdução 9

aprimoraram-se muito, implicando toda uma linguagem diferenciada, pró­


pria da comunicação audiovisual. Em vez de bons textos para discursa,
visando à persuasão do público presente, legiões de publicitários,
marqueteiros c outros profissionais da comunicação arquitetam, com pre­
cisão cirúrgica, vídeos e outras imagens, acompanhadas de textos curtos
escritos em ouldoors ou gravados diante das câmeras c difundidos a mi­
lhões de pessoas através da televisão.
Quanto à política, então, é até possível afirmar-se que os discursos
de Rui Barbosa são meras referências históricas, porquanto esse tipo de
comunicação se encontra, hoje, em desuso, dando lugar à linguagem vi­
sual. Mas o Direito, ao contrário das campanhas eleitorais, preserva a
linguagem escrita, os debates de idéias e, portanto, a construção textual
argumentativa. Demorará para que o processo judicial alcance linguagem
outra que nào a argumentação —sem desprezo ao princípio da oralidade —
em texto escrito, em língua culta, repletas de formalidades que sào intrín­
secas à solenidade e autoridade que revestem o Poder Judiciário, como
instituição garantidora da justiça. Nesse contexto, então, os discursos do
mestre Rui sào, como forma brilhante de enunciar idéias, muito próximos
ao textos forenses atuais, se comparados à mutaçào por que passaram
outros contextos de comunicação, a exemplo das campanhas políticas,
ressalvada, evidentemente, a evolução que a própria língua culta vem
sofrendo.
Não se quer dizer, aqui, que o discurso judiciário, o texto forense
nào tenha sua evolução e que seja obrigatória a preservação de valores e
linguajares antiquados e rançosos, como característica do advogado. Muito
ao contrário, a língua tem sua evolução e o dinamismo do direito exige,
sim, alterações constantes. No entanto, afirma-se, com toda a certeza,
que o texto escrito, argumentativo, nos melhores moldes da retórica, ain­
da é pertinente à atividade forense, principalmente quando se trata de
teses ou fatos mais complexos, que merecem maiores esforços do patrono
para explanação e convencimento a respeito do posicionamento que lhe é
favorável. O advogado, porque lida com demandas nos Tribunais, deve
preservar a capacidade argumentativa, pois ela, ainda, é típica de sua
profissão e, portanto, seu estudo deve-lhe servir como obrigatória ativi­
dade complementar.
A boa escrita é obrigação do advogado, e o conhecimento da língua
culta e das técnicas de construção de texto, por tudo isso, lhe sào essenciais.
10 M anual de Redação Forense

Reconheço a importância do texto argumentativo para a vida do


advogado. Tenho conhecimento jurídico mas, na hora de elaborar
minha petição, sinto dificuldade de colocar minhas idéias no papel. O
que me falta?
Nào é raro o caso do profissional que tem boa desenvoltura ao
falar, conhece as teses jurídicas, faz audiências e até sustentações orais
com competência mas, na hora de escrever, sente dificuldade de expor
nos papéis suas idéias. Tem ele a noção de que o puro conhecimento
gramatical nào lhe adianta para solver esse problema, e procura um ensi­
no mais pragmático, que lhe faça construir qualquer texto com compe­
tência e, principalmente, com maior facilidade. Insatisfeito com o tempo
que despende em redigir suas petições, seus recursos, memoriais, contra­
tos ou relatórios, procura um método de, por assim dizer, desinibir-se
diante da palavra escrita, tornando mais fluente tanto o ato de escrever
como a própria leitura de suas peças, que por vezes parecem ser pouco
claras ao leitor.
Escrever não é um obstáculo intransponível. Esta obra pretende
colaborar com o aprendizado do profissional nessa matéria, voltando seu
estudo ao trabalho jurídico. Lidas as lições e feitos os exercícios, garante-
se o aprimoramento da redação e da argumentação, qualquer que seja a
situação em que o profissional se encontre em sua tarefa voltada à advo­
cacia. Os modelos apresentados buscam, mais que impingir padrões de
escrita, poupar o aluno de modelar aquilo que é genérico, adaptando-os a
seu estilo pessoal e ao caso concreto, no que for necessário alterar.
Lição 1
O conceito de texto

Sumário:
1 . 1 0 texto. 1.2 A competência textual. 1.3 Resumo. 1.4 Exercícios.

1.1 O texto
Na introdução, defendemos a importância da redação para o advo­
gado e, para fazê-lo, reiteramos a necessidade de conhecer os elementos
teóricos da construção do texto. Diante disso, a primeira lição que se faz
oportuna nasce desta questão: o que é um texto?
O texto é o conjunto de enunciados lingüísticos com unidade de
sentido. Ressalta, daí, a sua primeira característica: o texto, para ser ca­
racterizado como tal, deve conter unidade. E isso que o distingue, primor­
dialmente, de um emaranhado de palavras.
Para entender, leiamos atentamente o texto abaixo, fragmento do
conto “A Causa Secreta”, de Machado de Assis:
0 desconhecido declarou1 chamar-se1 Fortunato Gomes da
Silveira, ser1 capitalista, solteiro, morador1 em Catumbi. A ferida foi
reconhecida grave. Durante o curativo ajudado2 pelo estudante,
Fortunato serviu1 de criado, segurando1 a bacia, a vela, os panos,
sem perturbar1 nada, olhando1 friamente para o ferido, que gemia3
muito. No fim, entendeu-se1 particularmente com o médico, acompa­
nhou-o1até o patamar da escada e reiterou1ao subdelegado a decla­
ração de estar1 pronto a auxiliar as pesquisas da polícia. Os dois
saíram,45ele e o estudante ficaram12 no quarto.
Garcia estava2 atônito. Olhou2 para ele, viu2-o sentar1 tranqüila­
mente, estirar1 as pernas, meter1as mãos nas algibeiras das calças,
e fitar1 os olhos do ferido. Os olhos eram claros, cor de chumbo,
moviam-se devagar, e tinham a expressão dura, seca e fria. Cara
magra e pálida; uma tira estreita de barba, por baixo do queixo, e de
uma têmpora, outra, curta, ruiva e rara. Teria1quarenta anos. De quan­
do em quando, voltava-se1 para o estudante, e perguntava1 alguma
coisa acerca do ferido; mas tomava1 logo a olhar para ele, enquanto
o rapaz lhe dava2 a resposta. A sensação que o estudante recebia2

1111
12 Manual de Redação Forense

era de repulsa ao mesmo tempo que de curiosidade; não podia ne­


gar2 que estava assistindo a um ato de rara dedicação, e se era1
desinteressado como parecia, não havia2 mais que aceitar o coração
humano como um poço de mistérios.

O fragmento de texto traz cinco personagens diferentes e, para or­


ganizar a narrativa, faz diversas referências a eles, para que o leitor acom­
panhe seu sentido, combinando palavras que lhe permitem o entendi­
mento. As cinco personagens são, na ordem em que aparecem no frag­
mento recortado:
1. Desconhecido, Fortunato.
2. Estudante (Garcia).
3. Ferido.
4. Médico.
5. Subdelegado.
A ação narrada gira em tomo dessas cinco personagens, c o texto
necessita mostrar ao leitor a participação de cada um deles nas diversas
ações descritas. Para que isso aconteça, o autor traz uma série dc palavras
que têm o fim de identificá-las, relacionando-as com todos os atos prati­
cados no decorrer da narrativa. No curto fragmento acima, demos desta­
que a trinta e uma ações, cujos agentes sào definidos pelos números de
cada personagem, estabelecidos acima. Assim, por exemplo, todas as ações
marcadas com o número 1 foram praticadas por Fortunato.
Mas é obvio que o texto, quando originariamente escrito, nào trazia
essas legendas, e mesmo assim qualquer leitor consegue precisar, ainda
que para tanto use de atenção mais apurada, quem pratica cada ação, sem
que o autor necessite repetir, para as trinta e uma ações destacadas, em
mesmo número o nome ou denominação de cada agente. Isso ocorre por­
que o texto nào é um simples amontoado de palavras, mas sim um
ordenamento delas, cujos sentidos se combinam a todo o momento, e
dando elementos para que a racionalidade do leitor compreenda o senti­
do de tal combinação, desde que formulado o texto de modo a permiti-lo.
Então, por exemplo, ao afirmar que “0x dois saíram, ele e o estudante
ficaram no quarto'\ (linha 7) o autor estabelece ações, expressamente, para
quatro personagens, sem utilizar o nome de nenhuma delas.
Conseguiu esse efeito porque contou com outros elementos do tex­
to, que permitem essa interpretação. Os dois que ficaram no quarto sào,
Lição 1: O conceito de texto 13

evidentemente, Fortunato e Garcia. O primeiro é identificado pelo pro­


nome ele, quem vinha praticando as ações principais descritas nos perío­
dos anteriores; o segundo é identificado pela palavra estudante, uma vez
que o autor, no início do texto, que nào foi recortado, assenta que Garcia
estudava medicina. Os dois que saíram são, entào, o médico e o subdelegado,
e esse entendimento se faz claro através de uma relaçào de exclusão:
aqueles que ficaram, evidentemente, nào saíram.
O leitor pode objetar essa relaçào contrario sensit, dizendo que ela
pode causar erro: se dois (Fortunato e Garcia) ficaram, os dois que saíram
não podem ser determinados por força lógica, uma vez que havia mais
três personagens ali: o médico, o subdelegado e o ferido. Como saber,
entào, que o ferido nào foi um dos que saíram?
Essa relaçào, realmente, nào aparece na frase recortada, mas outros
elementos podem vir a conceder esse sentido: o ferido “gemia muito” e
tinha em si um mal considerado “grave”. Seu curativo foi feito por um
médico, assistido por um estudante, em que se utilizaram “panos, bacia e
vela”. Nào seria admissível, portanto, que, nessa situação, tal persona­
gem viesse a deixar o quarto em que fora tratada momentos antes. Diante
disso, nào apenas se comprova que a frase da linha 7 determina com
precisão, de forma explícita, as ações de quatro personagens, mas também,
implicitamente, fo i determinada uma ação para um quinto, o qual, assim como
Fortunato e o estudante, ficou também naquele cômodo. Isso pode ser
confirmado no parágrafo seguinte, em que se nota que estes três últimos
continuaram no quarto.
Portanto, sem citar o nome de qualquer delas, a frase em negrito
prescreve as ações de todas as personagens. No entanto, para entendê-lo,
como foi visto, é necessário combinarem-se as idéias espalhadas por todo
o texto. Isso significa afirmar que, em um texto, uma parte não pode ser
dissociada do todo, porque, assim, se perderia a unidade de sentido, que é
essencial para sua compreensão. Tal frase, se nào inserida naquele texto,
certamente nào traria o mesmo sentido. Esse sentido, entào, depende do
contexto em que cada elemento está inserido.
O contexto, por vezes, extrapola os elementos contidos apenas no
que escreve o autor. Quando se disse que Machado de Assis, na frase
negritada acima, determinou implicitamente a açào de ficar no quarto ao
ferido, nota-se que ele o fez apelando para o conhecimento de mundo
do leitor: fornecendo elementos a respeito da gravidade do estado da
14 Manual de Redação Forense

personagem, espera que se depreenda que, naquela situação, o enfermo


nào sairia do quarto, excluindo-o do rol das personagens que poderiam tê-
lo feito.
Por isso, um texto sempre conta com que o leitor tenha um mínimo
de informações a respeito da realidade, para que possa entendê-lo.
Situação análoga ocorre na frase da segunda linha, “A ferida foi
reconhecida grave”, em que o autor nào identifica os agentes (quem reco­
nheceu como grave a ferida?), porque espera que o leitor depreenda que
quem era capaz de tal monheàmento seria a personagem do medico ou,
entào e apenas, a personagem do médico e do estudante de medicina.
Mesmo assim, o texto, contando com as informações dadas anteriormen­
te, permite ao leitor a mesma compreensão, desde que se tenha como
premissa uma unidade entre a frase citada e a competência peculiar de
uma das personagens, médico.
Talvez o aluno nào formule esta pergunta, pela obviedade do caso,
mas é importante r^ssaltá-la: se o autor conta com um mínimo conheci­
mento de mundo do leitor, como fez ao prever que jamais se imaginasse
que um ferido, naquele estado, viesse a sair do quarto, podendo deixar
implícita essa informação e, entào, completar o sentido de todo o resto,
como prever que esse mesmo conhecimento de mundo nào se vá alterafi
Nos dias de hoje, ou em um futuro próximo, devido ao avanço da medicina,
nào pode um ferido grave ser curado de seu mal e vir a levantar-se e ausen-
tar-se do quarto em que foi tratado segundos depois da intervenção médica?
Realmente, as circunstancias de conhecimento de mundo com as
quais o autor conta são passíveis de alteração. E isso nos traz uma nova
característica do texto. Ele é sempre determinado por uma condição his­
tórica, pessoal e situacional. Isso significa que qualquer redação deve ser
lida nào apenas em seus limites expressos, os espaços que delimitam seu
início e seu fim. Outras circunstâncias fazem parte de seu contexto, como
a época em que foi escrito, a pessoa do autor e o papel social que ele
desempenha, em relaçào àquele escrito.
Por exemplo, um texto de jornal que exponha em sua manchete
“Governador quer criar imposto para aumentar as verbas da segurança”.
Para que o leitor entenda a manchete, tem de conhecer o jornal e levar em
conta a data de sua publicação. O “Governador” será diverso se a man­
chete for veiculada no “Jornal do Brasil” ou em “O Estado de São Pau­
lo”, da mesma forma que sua identificação será diferente entre um jornal
Lição 1: O conceito de texto 15

publicado hoje e um da década passada. Assim, o nome do jornal, as


pequenas letras que indicam onde é sua redação e a data que vem impres­
sa no alto da folha sào todos elementos relevantes, exteriores ao próprio
texto da manchete, mas que sào imprescindíveis para que se lhe compre­
enda o sentido. Da mesma forma, um artigo publicado no jornal identifi­
ca e qualifica seu autor, pois o leitor deve saber um mínimo de predicados
a respeito dele para que possa fazer eficiente compreensão do texto: afir­
mações de um líder sindical, evidentemente, assumem contexto e sentido
diverso daquelas ditas por um dirigente da Fiusr.
No ambiente judiciário nào é diferente: o juiz, ao tomar conheci­
mento dos fatos de um processo penal, por exemplo, deve levar em con­
sideração o seu autor e o momento do escrito. Ao ler a narração dos fatos
em uma denúncia redigida por um representante do Ministério Público,
sabe ou deveria saber que está diante de uma narração dotada de parciali­
dade e então, nào pode ser levado, sem outros elementos, a entender um
fato criminoso antes que o defensor apresente sua versào para os mesmos
fatos, as quais também serão parciais. Isso porque, em cada um dos tex­
tos, o leitor —no caso, o juiz —tem outros elementos, exteriores ao pró­
prio texto, que lhe transformam o sentido, qual seja o papelsoáaldo autor,
naquele contexto: acusação ou defesa.
De modo semelhante, uma decisão jurisprudencial que fundamen­
te seu entendimento condenatório na asserção de que a negativa do acu­
sado de prestar esclarecimentos é indício que favorece a acusação nào
pode ser entendido sem que se o situe em determinada época de tempo.
Tal fundamento da decisão, que hoje pode ser visto com repúdio, em face
do que dispõe o artigo 5Ü, inciso LXIII, da Constituição Federal, em tem­
pos anteriores à promulgação desta poderia ser entendido como pertinen­
te a todo seu conjunto, porque a Lei Maior ainda nào trazia determinação
expressa do direito do acusado ao silêncio. O texto nào pode ser isolado
de seu momento de construção, e de todas as circunstâncias que são,
então, peculiares àquele momento.
Sendo assim, o texto é um conjunto lingüístico que tem, de for­
ma intrínseca, unidade de sentido e que, de forma extrínseca, nào pode
ser divorciado de uma série de outros elementos, exteriores a ele, que lhe
interferem na produção de sentido.
16 Manual de Redação Forense

Texto:
Elementos internos - intimamente ligados entre si
Elementos externos —conhecimento de mundo do leitor
momento histórico
características pessoais do autor
papel social do autor no momento da produ­
ção do texto.
= significação.

1.2 A competência textual


Entender o conceito simples de texto nào serve, apenas, para
embasamento teórico. E certo que mesmo no texto menos competente,
construído com mais duvidosa clareza c possível identificar-se unidade
de sentido e interferência de fatores externos. Entretanto, é necessário
que se entenda que uina redaçào pouco clara, que traz intelecçào com­
prometida, nào faz boa unidade de sentido ou entào nào faz bom uso das
informações que lhe são exteriores, nào atingindo, entào, o leitor de for­
ma eficiente.
As características do texto nào nascem de forma espontânea, sendo
uma conseqüência da atividade de criação humana. Textos confusos, com
sentido dúbio nào proposital, por exemplo, podem ser criados, se o autor
nào tiver cuidado ao escrever, lembrando-se dessas características do texto
e estudando o modo de as aplicar corretamente. Para um primeiro exem­
plo, leia-se atentamente o texto abaixo, uma notícia publicada em jornal:1
Presos matam policia! de escolta, fogem e fazem cinco reféns
Um investigador morto, outro baleado em um carro da Policia Civil
e cinco pessoas mantidas como reféns em um sobrado. Esse é o
balanço da tentativa de fuga de dois presos do 14e Distrito Policial,
ontem, em Pinheiros, na zona oeste de São Paulo, quando retornavam,
sob escolta, de uma consulta médica. Após três horas e meia de
negociação, eles se entregaram. A arma usada no crime era de um
dos policiais e foi tomada pelos detentos, que estavam no banco
traseiro, algemados.
O transporte dos presos para tratamento do Pronto-Socorro da
Lapa começou às 11h. Dois carros do 14^ Distrito Policial, um Gol e
um Santana, sairam com quatro detentos para levá-los ao médico.
Os presos tinham inflamações na pele. Em cada um dos veículos,
dois investigadores e dois detentos.
Lição 1: O conceito de texto 17

O Gol foi o primeiro carro a voltar. Logo atrás, veio o Santana, com
os presos Paulo Mendes das Neves, de 20 anos, e Mauro Borges da
Silva, de 36. Na esquina das Ruas Simão Álvares e Inácio Pereira da
Rocha, Neves aproveitou um descuido do investigador Willian Ruy
Teixeira, de 38, e tomou sua pistola calibre 380.
Foram pelo menos dois disparos: um na cabeça de Teixeira e
outro na nuca do investigador Mauro Aparecido Gomes, de 35, que
morreu. Além de estar com as mãos algemadas para frente, Neves
tinha os braços entrelaçados com os de Silva. Os dois sairam do
carro e correram cerca de 100 metros pela Rua Simão Álvares, onde
invadiram uma sede da associação Comercial de São Paulo.
Mendes dominou três funcionários que estavam no térreo do so­
brado. Todos subiram para o piso superior, onde mais dois funcioná­
rios foram tomados como reféns. Os policiais baleados foram leva­
dos ao Hospital das Clínicas.
Mais de 100 policiais cercaram o sobrado. A negociação começou
com Mendes exigindo um carro e munição para fugir. Como a fuga foi
negada, exigiu a presença da imprensa, do juiz corregedor Maurício
Lemos Porto Alves e de seu pai, Osias Hermes Alves. A todo mo­
mento, aparecia na janela com a arma apontada para a cabeça de
um refém.
Por volta das 13h20, fez um disparo em direção à parede da sala.
Dez minutos depois, com a chegada do juiz, o primeiro refém foi solto.
Às 14h, ao vero pai, soltou uma refém. O delegado Carlos Eduardo Duar­
te de Carvalho, do Grupo Especial de Resgate (GER), negociou a ren­
dição do detento, que tirou o pente da arma e o jogou para o delegado.
O leitor, ao interpretar o texto acima, que vem com negritos nos­
sos, entende já que ele conta com unidade de sentido, narrando um even­
to criminoso, retomando elementos anteriores que permitem ao interlocutor
entender o que se passara com os presos que eram transportados nas via­
turas policiais.
Diante da leitura da matéria jornalística, procure responder com
certeza: quem é o p a i cuja presença o criminoso Paulo Mendes das Ne­
ves exigiu para que os reféns fossem libertados?
A resposta, ao contrário do que parece, nào é evidente. A origem
da confusào está na frase da linha 55, que diz “Como a fugafoi negada, exigiu
a presença da imprensa, do jui% corregedor Maurício Lemos Porto Alves e de seu
pai, Osias Hermes Alves”. No modo como foi escrita, a frase traz uma am­
bigüidade. Perceba-se que nào é possível identificar se Osias é pai do
preso ou pai do juiz-corregedor. O pronome seuy no caso, pode fazer refe­
rência tanto ao fugitivo quanto ao jui* corregedot\ termo este que lhe é
imediatamente anterior.
18 Manual de Redação Forense

Essa falta de clareza prejudica a intelecçào do texto, porquanto as


ligações entre os elementos que o compõem, como se vê, nào é clara. O
leitor pode argüir, em discordância com o apontado, que a ambigüidade
da oraçào destacada (fator interno) nào contamina todo o texto, pois ou­
tros elementos, externos, dão-lhe unidade de sentido. Nesse caso, entào,
assim como no exemplo do texto de Machado de Assis, o autor teria con­
tado com um mínimo de conhecimento de mundo2 do leitor, sendo lógico
que o fugitivo, ao ser cercado pela polícia, nào teria qualquer razào para
chamar a presença do pai dojui\ corregedor; mas sim de seu próprio pai, o que
é muito mais razoável.
Mas quem tentar sanar a dúvida sem recorrer a esse elemento exte­
rior, caçando no texto outros fatores internos que façam essa identifica­
ção, pode chegar a conclusão diferente. Seria fácil determinar a relação
familiar, se comparados os nomes das pessoas envolvidas. Assim, se o
homem chamado pelo fugitivo fosse pai deste, deveriam ambos ter sobre­
nomes relacionados. Se o leitor fizer essa comparação, mudará de idéia:
Osias Hermes Alves é o nome do “pai”, Paulo Mendes das Neves é o
nome do fugitivo e Maurício Lemos Porto Alves é o nome do juiz-
corregedor. Nesse contexto, também tendo em conta um elemento exteri­
or ao texto, a possível coincidência de sobrenomes que pode haver entre
pai e filho, o leitor será levado a convencer-se que Osias, o homem que
foi chamado a comparecer à cena do crime, é pai do juiz-corregedor, pois
somente entre essas duas personagens há identidade de nomes.
Entào, se seria razoável que o detento chamasse à sua presença o
próprio pai, também seria razoável que seu pai tivesse com ele um sobre­
nome em comum, o que nào ocorre. Permanece a ambigüidade, nào sen­
do possível dar ao texto um sentido único.
O autor teve outra oportunidade de desfazer o equívoco: no último
parágrafo, escreve:
Dez minutos depois, com a chegada do juiz, o primeiro refém foi
solto. As 14h, ao ver o pai, soltou uma refém.
Desperdiçou essa oportunidade. Na frase, já no fim da matéria, a
ambigüidade (duplicidade de sentido) permanece: “ver o pai” significa
“ver o próprio pai”, ou “ver o pai do juiz”, retomando a palavra jui^
imediatamente anterior a essa oraçào?
Nào se pode dizer. Temos, para a leitura desse texto, entào, a com­
binação de alguns fatores:
Lição 1: O conceito de texto 19

Elemento interno: (ambíguo) exigiu a presença do juiz corregedor e


seu pai = pai do fugitivo ou = pai do juiz.
Elemento externo (conhecimento de mundo):
1. razoabilidade: o preso teria interesse em chamar o próprio pai.
(pai = pai do fugitivo)
2. Sobrenome: o “pai” tem sobrenome idêntico somente ao do juiz.
(pai = pai do juiz).
O texto, entào, nào permite definição a respeito de elemento im­
portante de sua narrativa, a identificação de uma característica relevante
de um personagem, o que pode vir a lhe alterar todo o contexto. Para que
o problema fosse sanado, bastaria, no momento da redação, pequena alte­
ração na ordem das palavras, para que a matéria viesse assumir a unidade
desejada. Compare, entào, a frase original com as criadas abaixo:
Como a fuga foi negada, exigiu a presença de seu pai, Osias Hermes
Alves, da imprensa, do juiz corregedor Maurício Lemos Porto Alves.
Como a fuga foi negada, exigiu a presença da imprensa, do juiz
corregedor Maurício Lemos Porto Alves e do pai deste, Osias Hermes
Alves.
Nas duas reconstruções acima, o sentido aparece mais evidente,
nào gerando margem a dúvidas. Na primeira, Osias é pai do fugitivo e, na
segunda, pai do juiz corregedor. Ambas as frases assumem, dessa forma,
um sentido unívoco, ou seja, que dá margem a apenas uma interpretação.
Na frase original, houve sentido equívoco, ou seja, que permite mais de
uma interpretação, fugindo à unidade.
Portanto, a unidade do texto é essencial, mas nào representa uma
característica natural dele, necessitando que o autor se esforce para con-
segui-la, caso contrário pode nào alcançar seu objetivo, a comunicação
clara de suas idéias.
Existem, no entanto, mensagens que sào propositadamente equí­
vocas, o que quer dizer que as dubiedades de sentido são criadas pela
intenção do próprio autor. Os textos publicitários sào o melhor exemplo
disso, pois, neles, essa equivocidade funciona como elemento atrativo da
mensagem, em um fenômeno denominado polissema, ou seja, a atribuição
de mais de um sentido à mesma palavra. Uma excelente propaganda de
instituição bancária, ao anunciar o débito automático em conta corrente
das despesas mensais do cliente, afirmava “Suas despesas sào de nossa
20 M anual de Redação Forense

conta”. Essa mensagem trazia duplo significado: a “ser de nossa conta”


pode significar tanto “estào em nossa conta corrente” como também “sào
problema nosso” ou “sào de nossa alçada”, como quando alguém diz “isso
nào é da sua conta”, ou seja “isso nào é problema seu”. Para assumir esse
segundo sentido, o autor da mensagem conta com elemento externo ao
texto, o conhecimento do leitor sobre essa expressào popular.
Nesse caso específico, o autor da mensagem pretende utilizar
como forma de atrativo ou de persuasào esse duplo sentido que seu texto
assumiu.
Mas tal intençào de duplicidade de sentido, salvo raras exceções,
nào se aplica ao universo jurídico. Nele, ao contrário do que pode aconte­
cer no texto publicitário, a unidade de senddo é essencial, pois raras ve­
zes a equivocidade assume algum escopo, alguma intençào comunicati­
va. Por isso se diz que a redaçào de um contrato, por exemplo, nào pode
deixar lacunas ou trazer expressões que dêem margem a ambigüidade,
pois ela representa, nesse contexto, dúvida ou insegurança para a inter­
pretação do texto o que, evidentemente, não tem, no contrato, feição
intencional.
Vejamos, entào, o exemplo abaixo:
1. O promitente-vendedor se compromete a entregar as chaves do
imóvel, na data aprazada, ao promitente-comprador, ficando a
preservação do imóvel por sua conta e risco.

2. A intimação do oficial de justiça deve ser acompanhada por um


policial federal, e esse funcionário público deverá ser enérgico
para fazer cumprir o mandado.
Nos dois casos, o texto nào recupera a unidade de sentido que lhe é
essencial, porque causa equivocidade em sua interpretação. No primeiro
exemplo, um texto de contrato, é impossível saber-se se a preservação do
imóvel deve ficar por conta e risco do promitente-vendedor ou do
promitente-comprador. No segundo exemplo, nào se determina se quem
deve ser enérgico é o oficial de justiça ou o policial federal, pois ambos
sào funcionários públicos, nào podendo esse termo, entào, retomar apenas
um dos anteriores, porque nào é capaz de diferenciá-los.
Essa falta de unidade de sentido, de forma semelhante ao que ocor­
re no texto de jornal, nào foi intencional e, ao contrário do que ocorreu no
Lição 1: O conceito de texto 21

texto publicitário, nào funcionou como elemento atrativo da mensagem,


mas como meio de induzir o leitor ao erro, deixando de definir elemento
essencial. A significação nào unívoca decorre, nos exemplos acima, nào
da intenção do autor, mas sim de erro ao redigir.
As conseqüências da falta de clareza podem ser as mais diversas.
Pode-se, por bom senso ou pela interpretação do texto em conjunto, recu­
perar o sentido da expressão unívoca ou, num caso mais grave, tomar
impossível a interpretação do pensamento que o redator quis exteriorizar. E
o caso da cláusula contratual ambígua, que pode dar ensejo, por um sim­
ples defeito de redação, a uma demanda judicial de grande complexidade.
Por isso, a unidade de texto nào é natural, mas força do intelecto hu­
mano. Essa unidade pode deixar de existir, quando passamos a dizer que o
texto é equivoco, mas isso só deve acontecer se essa característica de senti­
do decorrer da intenção do autor. Caso contrário, o texto pode ser ineficiente.
A competência textual revela-se, dessa forma, como sendo a capa­
cidade de expressar-se no texto conforme uma intenção. Com essa compe­
tência, o autor exprime exatamente o que deseja, transmite sua mensa­
gem, seja em petiçào, seja em um contrato, de forma a nào deixar qual­
quer dúvida ou lacuna no texto, conseguindo, por conseqüência, o resul­
tado esperado (no contrato, o de definir a obrigações criadas entre as
partes, na petiçào, o de persuadir o leitor, na matéria jornalística, o de
narrar fatos com clareza etc).
Ser competente ao escrever significa conseguir colocar em nossa
redação tudo e apenas aquilo que temos a intenção de dizer, de modo
claro e conciso.

1.3 Resumo
Neste capítulo, vimos que:
a) A principal característica do texto é sua unidade de significado.
b) Essa unidade de significado nào é natural de qualquer redaçào,
devendo ser trabalhada.
c) Um bom texto, do ponto de vista dessa característica, é aquele
que assume unidade de sentido, nào confundindo o leitor.
d) Alguns textos há, como os textos de publicidade, que admitem
mais de uma forma de leitura, mais de um sentido, mas isso nào
é, via de regra, adequado ao texto jurídico.
22 M anual de Redação Forense

e) A mensagem que dá sentido único de interpretação chamamos


univoca e equívoca a mensagem que nào permite interpretação clara
de seu sentido.
f) O texto e sua unidade decorrem, entào, de uma intenção comuni­
cativa.
g) Competente é o autor que consegue se expressar no texto con­
forme sua intencào.
Veremos, a seguir, como essa intençào ocorre no uso da palavra.
Para fixar esses primeiros conceitos, c aconselhável que se façam os exer­
cícios que seguem.

1.4 Exercícios
I. Leia o quanto segue para responder às questões 1 a 4
É sempre importante reler os textos que escrevemos antes de passá-
los a seus destinatários finais. As vezes, o que é claro para aqueles que
elaboram o texto pode ser ambíguo para o leitor. Exemplo disso é a situ-
açào de que dá conta o julgado abaixo, copiado do Boletim da AASP nu
2.138, p. 250:
Indenização - furto de veiculo em estacionamento de shopping
center- Apelante que, ao oferecer estacionamento, e tolerar o estaci­
onamento de lojista, recebe formalmente para guarda os veículos e
demais pertences das pessoas que confiam nos serviços ofereci­
dos, e que tacitamente são contratados. Ausência de impugnação à
existência de mercadoria no interior do veículo e ao valor pleiteado
pela autora. Responsabilidade da Seguradora que abrange apenas
o veículo e exclui qualquer outro bem deixado sob guarda do segura­
do. Suficiência da prova do estacionamento e do furto. Não
prevalecimento, contra o segurado, da cláusula redigida pela se­
guradora que dispõe que a cobertura de furto só prevalecerá nos
casos em que ficou comprovada a destruição ou rompimento de
obstáculo à subtração do veículo, porque sua redação não permite
saber se a destruição ou rompimento de obstáculo diz respeito ao
veículo, ou ao local destinado ao estacionamento. Honorários cor­
retamente fixados. Ação procedente. Recursos improvidos (19 TAC -
3* Câmara; Ap. 823.764-3 - São Paulo - SP; Rei. Juiz Carvalho Viana;
j. 17/11/98, v.u.; ementa)

Como diz o relator do julgado cuja ementa acima está copiada, a


redaçào de um contrato, provavelmente elaborado pelo corpo jurídico da
seguradora, nào permite saber se a destruição ou rompimento de obstá­
culo diz respeito ao veículo ou ao local destinado ao estacionamento.
Lição 1: O conceito de texto 23

Suponhamos que um advogado do corpo jurídico da empresa tenha


redigido uma minuta de contrato, em que uma das cláusula fosse a seguinte:
Cláusula décima - A seguradora somente se obriga ao ressarci*
mento dos prejuízos com o sinistro, caso o furto haja sido cometido
mediante destruição ou rompimento de obstáculo.

Lendo essa cláusula, um advogado mais experiente aponta sua obs­


curidade, afirmando nào estar definido se o obstáculo refere-se ao estaci­
onamento ou ao veículo. Propõe, entào, que a redaçào da cláusula seja
alterada, para que passe a assim constar no original.
Cláusula décima - O ressarcimento dos prejuízos causados com o
sinistro só serão ressarcidos pela seguradora caso o automóvel dei­
xado no estacionamento do shopping center contratante haja sido fur­
tado mediante destruição ou rompimento de obstáculo que nele exista.

Diante disso, responda:


1) A nova redaçào da cláusula, sugerida pelo advogado mais experiente,
conseguiu definir o que antes nào era possível compreender? Por quê?
2) Que se pode dizer em relação ao pronome ele, em negrito no texto da
segunda redaçào da cláusula?
3) Como deveria ser redigida a cláusula caso a intenção do contrato fos­
se referir-se a rompimento de obstáculo existente no veículo?
4) Como deveria ser redigida a cláusula caso a intençào do contrato fos­
se referir-se a rompimento de obstáculo existente no estacionamento?
As frases abaixo permitem dupla interpretação. Algumas delas, por
conta dessa equivocidade, assumem até certo humor. Explique quais sào
os dois sentidos de interpretação que cada frase pode assumir:
5) O réu assaltou um banco e seu comparsa também.
6) O asno do seu pai está preso no mata-burros.
7) Meu cliente encontrou o gerente do banco indo fazer um saque em
sua conta corrente.
8) “Gel para facilitar o penteado dos cabelos com maior volume”.
9) O juiz foi pessoalmente ao gabinete do desembargador pedir que mu­
dasse seu julgado.
10) Compareci hoje ao julgamento do Hermelindo, mas ele foi adiado.
24 M anual de Redação Forense

Respostas:
1) Nào. Prevalece a indefinição. Embora se tenham acrescentado outras palavras, permane­
ce o texto sem dizer ao certo se os obstáculos encontram-se no estacionamento ou no
veículo.
2) O pronome “ele” pode estar referindo-se tanto a “automóvel” quanto a “estaciona­
mento”. Isso dá margem a ambigüidade.
3) Cláusula décima —O ressarcimento dos prejuízos causados com o sinistro só serão
ressarcidos pela seguradora caso o automóvel deixado no estacionamento do shopping
ccnter contratante haja sido furtado mediante destruição ou rompimento de obstáculo
que exista no veículo.
4) Cláusula décima —O ressarcimento dos prejuízos causados com o sinistro só serào
ressarcidos pela seguradora caso o automóvel deixado no estacionamento do shopping
center contratante haja sido furtado mediante destruição ou rompimento de obstáculo
que neste exista.
5) O réu assaltou o banco e assaltou também seu comparsa.
O réu e seu comparsa assaltaram o banco.
6) Seu pai, que é um asno, está preso no mata-burros.
O asno que pertence a seu pai está preso no mata-burros.
7) Meu cliente encontrou o gerente do banco que estava indo fazer um saque na conta
corrente dele mesmo, gerente.
Meu cliente encontrou o gerente do banco que estava indo fazer um saque na conta
corrente do correntista.
Meu cliente, que ia fazer um depósito em sua própria conta corrente, encontrou o
gerente do banco.
8) Gel para facilitar a pentear cabelos muito volumosos.
Gel para facilitar a dar mais volume ao penteado dos cabelos.
9) O juiz foi pessoalmente ao gabinete do desembargador pedir que mudasse o julgado
dele, juiz.
O juiz foi pessoalmente ao gabinete do desembargador pedir que este alterasse seu
próprio julgado.
10) O julgamento foi adiado.
Hermelindo foi adiado.
Lição 1: Q conceito de texto 25

Anexo de Notas

1 f ornai da Tarde, 22/10/98, Cidade 15-A.


2 “Se o conhecimento lingüístico é necessário para o cálculo da coerência, todos os estudi­
osos são unânimes ao afirmar que tal conhecimento é apenas parte do que usamos para
interpretar um texto e, portanto, para estabelecer sua coerência. O estabelecimento do
sentido de um texto depende em grande parte do conhecimento de mundo dos seus usuári­
os, porque é só este conhecimento que vai permitir a realização dos processos cruciais para
a compreensão...” Koch, Ingedore Grunfeld Yillaça //;; Texto e Coerência, 5* edição, Sào
Paulo: Corte? Editora, 1997, Sào Paulo p. 60.
Lição 2
Vocabulário e vocabulário jurídico

Sumário:
2.1 Vocabulário: Conceito e alcance. 2.2 Texto e seleçào vocabular. 2.2.1 Sele­
ção vocabular e clareza: Levando o leitor em consideração. 2.2.2 Seleçào vocabular e sentido.
2.2.3 Seleçào vocabular e vocabulário jurídico: Linguagem técnica X jargão. 2.2.4 Seleçào de
palavras e sustentabilidade: O preciosismo. 2.3 Exercitando o uso do vocabulário. 2.4
Segue: vocabulário jurídico. As formas de referência e tratamento. 2.5 Os brocardos e ex­
pressões latinas. 2.6 Palavras e expressões mais usuais do latim. 2.7 Os superlativos. 2.8
Resumo. 2.9 Exercícios.

2 .1 Vocabulário: Conceito e alcance


Se pretendemos dar uma noçào completa de téxto, é preciso que
comecemos, sistematicamente, pelo mais simples: a palavra.
O texto é formado de palavras que se combinam, assumindo um
sentido único e preciso.
Palavra, então, é parte da linguagem, podendo ser constituída
por sons ou por representação desses mesmos sons, servindo para ex­
pressar idéias.
O conjunto de palavras próprias de um povo chama-se idioma ou
língua.
A palavra, como conjunto de letras que representam sons, é chama­
da vocábulo. Como representação de uma idéia, se chama termo. Dessa
forma, a palavra “réu” é um vocábulo%enquanto composta pelas letras r-e-u,
e um termoy enquanto encerra a idéia de componente do pólo passivo do
processo.
O conjunto de palavras é denominado vocabulário c, o conjunto
de palavras dispostos em ordem alfabética denomina-se léxico ou dicio­
nário.1Quando se diz que alguém tem bom vocabulário, significa afirmar-
se que tem à sua disposição um grande conjunto de palavras que lhe ser­
vem para expressar idéias.
28 M anual de Redação Forense

Se as palavras sào parte do modo de expressào de idéias, fica bas­


tante claro que, quanto maior o vocabulário que uma pessoa conheça,
maiores sào as possibilidades de exteriorizar suas idéias com competên­
cia. Portanto, a aquisição de um bom vocabulário é essencial para a escri­
ta e para a construção do texto.
Mas há quem diga que a aquisição do vocabulário nào serve apenas
para exteriorizar idéias, mas também para assimilá-las e construí-las. Othon
Moacyr Garcia, da Academia Brasileira de Filologia, cita pesquisa formu­
lada por membro do Laboratório de Engenharia Humana de Boston, em
que testou o vocabulário de cem alunos de um curso para executivos.
Cinco anos depois, “verificou que os dez por cento que haviam revelado
maior conhecimento ocupavam cargos de direçào, ao passo que dos vinte
e cinco por cento mais Traços* nenhum alcançara igual posição”.2
Embora nào conheçamos o teor ou os métodos da pesquisa citada,
ela parece confirmar algo que se observa da realidade. A palavra serve
como forma de construção de raciocínio. A partir do momento em que
aprendemos a falar, nosso raciocínio lógico passa a ser formulado através
de palavras. Sào elas que permitem que o que é abstrato se torne passível
de constituir uma razào, de fazer parte de um todo maior, de ser fragmen­
tado, de ser combinado com outros elementos, de ser interpretado e in­
cluído em um juízo mais abrangente. Por isso, quem conhece melhor o
vocabulário tem grandes probabilidades de dar-se melhor em qualquer
profissão, especialmente naquelas que exigem grande atividade comuni­
cativa. E a operacionalidade do Direito assim o exige.
Nào faz muito tempo, a ovelha Dolly tornou-se uma polêmica mun­
dial. Obra de um cientista, surgiu o animal a partir de uma célula, nào
fecundada, da própria màe. Esse processo, amplamente discutido quando
do surgimento da conquista científica, foi denominado clonagem. A clonagem,
a partir de então, virou objeto das discussões mais acirradas, de fundo
científico, ético, moral, religioso e até mesmo jurídico. Todos eles faziam
referência ao termo clonagem e ao nome da ovelha mais famosa do mundo,
Dolly. Essas duas palavras vieram a constituir vários textos, pensamen­
tos, que nào seriam possíveis se elas nào existissem. Quem nào conhecia
o termo clonagem evidentemente nào poderia emitir qualquer opiniào a
respeito do fenômeno de reprodução artificial pela simples reprodução
do código genético de uma célula introduzido em uma outra. Clonagem,
então, passou a ser a representação de todo um estudo científico que demo-
Lição 2: Vocabuiário e vocabulário jurídico 29

rou anos para chegar ao estagio atual, e a única forma de apreendê-lo, dis­
cuti-lo e sobre ele construir um raciocínio era conhecer a aludida palavra.
Quem conhece o vocábulo clonagem e seu significado (o termo
clonagem) inclui em sua visào de mundo todo um complexo fenômeno da
engenharia genética. Essa palavra, entào, nào é apenas a forma de uma
pessoa exteriori^ar a outra o fenômeno da engenharia genética, mas repre­
senta, mais que isso, o modo como o fenômeno passou a fa^er parte de seu
conhecimento. E isso acontece com todas as palavras que vêm a nosso voca­
bulário: elas abrem espaço para a inclusào em nosso pensamento de todo
o seu conceito, sua origem, e portanto nào sào apenas uma forma de
extern ri^ar um conceito, mas também de apreendê-b e raciocinar sobre ele.
Isso tudo para afirmar que ter maior vocabulário significa, primei­
ramente, ter maior possibilidade de expressar as idéias e, em segundo
lugar, ter mais elementos para formar o raciocínio, uma vez que este, antes
mesmo de ser transmitido a outrem, já é formado de palavras.
Nesse ponto, somos brindados por nos comunicarmos em língua
portuguesa. Ela, mais que outras, oferece um léxico vasto, com palavras
de sentido específico, além de uma fartura de sinônimos que permitem
uma expressão vasta, adequada para qualquer tipo de mensagem, em qual­
quer tipo de ambiente. Conhecê-las todas é tarefa impossível, mas sem­
pre um bom dicionário vem a suprir suficientemente qualquer tipo de
dúvida, seja na leitura, seja na escrita.
Mas usar essas palavras com competência é tarefa um pouco mais
árdua. Vejamos, entào, o que nos é relevante a respeito desse tema.

2.2 Texto e seleção vocabular


Construir um texto é um ato personalíssimo de criação. As palavras
utilizadas sào aquelas que fazem parte do conhecimento do autor, que
lhe vieram à mente no momento da escrita, que são de seu gosto pessoal,
que lhe significam mais, que existem em seu conhecimento.
Quando construímos um texto jurídico, temos de selecionar pala­
vras adequadas para exteriorizar nossas idéias e argumentos. As palavras
sào várias e muitas delas podem ser utilizadas para expressar um mesmo
conceito. E um árduo trabalho selecionar qual pode vir a melhor expres­
sar um deles, e por isso e que se diz que um dos trabalhos do texto é a
seleçào vocabular, a escolha das palavras que dele farão parte.
30 M anual de Redaçào Forense

Graças à infinidade de palavras que nossa língua elenca em seu


léxico, podemos escolher dentre várias, graduando-as a nosso meio, à oca­
sião, ao lugar e a intençào que existe ao comunicar. Parafraseando nosso
Direito Administrativo, podemos dizer que a escolha de palavras depen­
de de um juízo de conveniência e oportunidade. Assim, o meio e a ocasiào
representam e elementos que influem na escolha de palavras adequadas,
por uma convenção social.
Da mesma forma que utilizamos roupas adequadas para cada oca­
siào, nossas palavras também mudam de um ambiente para outro. Se,
quando vamos sustentar oralmente perante o Tribunal nos vestimos de
paletó e gravata, cobertos por um beca, representando um estilo formal,
nossas palavras, ao nos dirigirmos aos magistrados, em um ato de cons­
trução do Direito e da Justiça, também se revestem de formalidades ne­
cessárias. Igualmente, quando estamos entre amigos, em um fim de sema­
na, nào nos vestimos de paletó e beca, e nossa linguagem, em conversas
informais, apresenta um nível mais coloquial, simples. No entanto, para
que possamos selecionar as palavras adequadas a cada momento e ambi­
ente, é preciso que conheçamos o vocabulário em seus diversos níveis.

2.2.1 Seleção vocabular e clareza: Levando o leitor em


consideração
Vejamos os textos abaixo, comparando-os:
- I -

ACATEDRAL
Entre brumas, ao longe, surge a aurora
O hialino orvalho aos poucos se evapora,
Agoniza o arrebol.
A catedral ebúmea do meu sonho
Aparece, na paz do céu risonho,
Toda branca de sol.
E o sino canta em lúgubres responsos:
“Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus” 3

-II-
0 País passava por um momento de efervescência política. Parti­
dários e adversários do monopólio se engalfinhavam em disputas
oratórias que celebrizaram a sede do Clube Militar. Ao final, ficou
claro que a opinião pública estava dividida e Getúlio, ao apresentar
Liçào 2: Vocabulário e vocabulário jurídico 31

seu projeto de legislação para o petróleo, propôs a criação da


Petrobrás, mas não se atreveu a incluir o monopólio, certo de que
não seria aprovado. Foi a bancada da União Democrática Nacional, o
poderoso partido de oposição que fazia tudo para infernizar a vida de
Getúlio, que apresentou, sob a liderança de Bilac Pinto, a emenda
que criou o monopólio e o colocou sob a guarda da Petrobrás. Na­
quele tempo, acreditava-se que o subsolo brasileiro fosse um fan­
tástico mar de petróleo, armazenado sobretudo no Pantanal e na
Amazônia.4

—III —
Prova de amor ou desconfiança?
Ê difícil responder a esta pergunta quando o papo é ciúme. Ele
pode pintar no namoro de várias formas e ser o principal motivo para
um lance não dar certo.
Por outro lado, o ciúme pode também ser o tempero que o seu
namoro precisa para fugir da rotina. Afinal, depois de uma briga da­
quelas por causa do ciúme do gato, vocês ficam no maior lovet não
ficam? Mas, para não piorar o clima na hora do ciúme, existem algu­
mas regrínhas que você precisa conhecer.5

Os três textos acima transcritos são, como o leitor pôde perceber,


bastante diferentes. O primeiro deles, do simbolista Alphonsus de Gui-
maraens, é um poema com linguagem bastante apurada. Como era estilo
próprio dos poetas da passagem do século XIX para o XX, predominam
as palavras rebuscadas, colhidas à exaustão, selecionadas em trabalho
suado, lapidado, do poeta. Com esse labor, encontrava e utilizava vocá­
bulos que hoje não sào - como nào eram à época - , via de regra, do
conhecimento comum dos leitores, fazendo com que tenhamos de procu­
rar o dicionário para entendermos o significado de alguns termos utiliza­
dos, que aparecem destacados no texto copiado. Pergunta-se: o que é
uma catedral ebúrnea? E um responso, o que significa?
O segundo texto, uma matéria jornalística recente, conta permeios
políticos do governo de Getúlio Vargas, e, optando por uma linguagem
culta, traz clareza e precisão ao se expressar, utilizando palavras que de­
monstram bom vocabulário —como “efervescência” e “engalfinhavam” —
mas que nào impedem o leitor médio da compreensão de seu sentido, o
qual pode ser captado pela maioria das pessoas a quem o texto é dirigido.
No terceiro texto, os trechos grifados revelam o uso de linguagem
coloquial, com gírias variadas, procurando imitar a linguagem oral daque­
les que constituem o universo de leitores do meio em que o texto foi
.32 Manual de Redação Forense

publicado, a Revista Todateen. Como seu próprio nome sugere, a revista é


voltada para um público jovem, procurando transformar-se em um atrati­
vo de informação e, ao mesmo tempo, entretenimento para aqueles que
ainda nào chegaram à idade adulta. Dessa forma, os jornalistas que para
ela redigem devem fazer com que seu vocabulário se aproxime daquele
usado no cotidiano dos seus leitores em potencial, com o objetivo de
impor sua mensagem da forma mais clara e agradável possível. Imagine
se o texto daquela revista fosse assim redigido:
-IV-
É fatigoso redargüir a tal inquirição quando a tertúlia versa sobre
ciúme. Ele pode vicejar no relacionamento afetuoso dos júvenes por
variegadas feições e ser o móvel mais proeminente para uma ocor­
rência afetuosa não vir a ter bom êxito.
Por outra banda, o ciúme pode também ser o diferencial que seu
namoro torna imprescindível para furtar-se ao fastio do cotidiano.
Afinal, após uma homérica desinteligência advinda do ciúme do seu
dileto, vocês amam-se com arrebatamento, não? Mas para não
empiorar a cur.juntura no ímpeto do ciúme, há alguns preceitos so­
bre os quais você precisa versar.
Com certeza, a revista nào venderia qualquer exemplar. A escolha
das palavras segue a oportunidade e, como parte disso, deve procurar ser
clara ao leitor. O público jovem da revista de que foi recortado o texto III
nào aceitaria ler um trecho como o acima inventado, porque nào lhe seria
claro. Da mesma forma, o autor do texto II sabe que, na revista em que
escreve e dada a seriedade do assunto que expõe, o seu leitor nào aceita­
ria um texto repleto de gírias e, por via de conseqüência, pouco preciso,
pois espera por algo mais sério e formal. O leitor do texto I, o poema, ao
se deparar com ele, sabe estar diante de uma construção artística, que
visa à estética, ao rebuscado, às experimentações da língua e, portanto,
sabe que as palavras utilizadas, pouco comuns, servem ao estilo do autor
e devem, portanto, ser aceitas como tal.
Os três primeiros textos, em estilos bem diversos, fazem bom uso
da seleção vocabular, cada qual para o seu meio, cada um dirigido para o
leitor específico. Uma má seleção de palavras estaria representada no tex­
to IV, que, apesar de ser precisa em seu sentido, nào seria adequada ao
meio e ao leitor a que é dirigido. Se a linguagem do texto IV poderia fazer-
se insuportável ao teenagery ao adolescente, nào é apenas porque pareceria
cansativa, mas porque o significado de algumas palavras, para ele, nào
seria claro, tornando difícil e, daí, chata, sua leitura.
Lição 2: Vocabulário e vocabulário jurídico 33

Portanto, para que se escolham as palavras que devem vir a fazer


parte de um texto é necessário, primeiramente, perguntar se o sentido
delas é claro para o leitor potencial. Da mesma forma que dissemos que,
para ler um texto, é necessário conhecer o autor, seu papel social, e as
circunstâncias e o momento da redaçào, ao escrevê-lo é necessário ter em
conta essas mesmas características em relaçào ao leitor.
Em outras palavras, ao iniciarmos a construçào de um texto qual-
quer, devemos ter um mínimo de informações a respeito daqueles para
quem o texto se dirige, para adaptar sua linguagem, e até seu conteúdo,
àqueles que o devem ler. Ainda que seja um público meramente presumi­
do. Esse deve ser atingido com a mensagem, e, dependendo do caso, deve
criar interesse por sua leitura, deve apreender da melhor forma o conteú­
do que se quer transmitir.
As particularidades de cada leitor ou cada grupo de leitores sào
essenciais para aquele que deseja redigir. Em verdade, é impossível ima­
ginar um texto efetivamente construído erga omnes\ pois cada auditório,
cada leitor tem sua característica, seus elementos psicológicos, seu co­
nhecimento de mundo. As palavras utilizadas em um texto podem pare­
cer adequadas a um leitor mais erudito, da mesma forma como podem ser
ininteligíveis a outro de menor grau de erudiçào.
Nem sempre, no entanto, escrever com palavras mais rebuscadas é
mais difícil. Foi o saudoso José Paulo Paes, poeta também conhecido por
suas obras voltadas ao público infantil, que afirmou que quem escreve
para crianças deve escrever da mesma forma que escreve para adultos. Só
que melhor. Tem razão o poeta. Em alguns casos, escrever com palavras
mais simples pode-se tomar tarefa mais complicada, pois o importante é
selecionar os vocábulos adequados à transmissão de uma idéia, para cada
momento.
Em toda a atividade forense, é evidente que se deve preferir a
linguagem culta, formal, e podem ser selecionadas, para expressar as
idéias do texto, palavras mais raras ou mais técnicas, desde que não se
tenda ao exagero. Presume-se que um juiz de direito, um advogado ou um
desembargador conheçam palavras mais apuradas e então o vocabulário
mais vasto será tanto símbolo de maior erudição quanto forma de contri­
buição para uma expressão mais específica, com linguagem técnica carac­
terística à ciência do direito.
34 Manual de Redação Forense

Mas nem sempre o advogado se dirige a pessoas de grande vastidào


vocabular. Um tribuno do júri nos contou, certa vez, que, em uma de suas
defesas, fez uma citação jurisprudencial. Ressaltou, em extensa sustenta­
ção, que a jurisprudência dos Tribunais eram todas favoráveis a sua tese,
explanando-as todas durante a fala. No fim de seu texto oral, como con­
clusão, pediu aos jurados que não decidissem em desconformidade com a
jurisprudência, como que pedindo para que apoiassem sua tese, na vota­
ção. Já terminada sua fala, foi surpreendido por uma questão formulada
pelo jurado: “mas, afinal, o que significa ‘jurisprudência*?”.
A palavra “jurisprudência”, usada à exaustão quando em argüi-
ções feitas aos juizes togados, foi totalmente inócua para aquele jurado
que, graças à sua ousadia, conseguiu, já no fim da fala do advogado, en­
tender o que significava aquele ponto mais que relevante da argüição
defensiva. Parece tola a dúvida, mas teria o advogado de defesa que, ao
produzir seu discurso, procurar colocar-se no lugar de seu ouvinte', se não tivesse
cursado a faculdade de Direito, será que saberia o significado do vocábu­
lo jurisprudência? E, mais: será que conheceria sua origem, sua importância
e sua função na construção do direito? Muito provavelmente, nào. Aque­
la palavra, sem prévia explicação, nào poderia atingir o ouvinte leigo, por­
que se tomaria, como se tomou, incompreensível.
O que seria preferível ao advogado, naquela oportunidade do júri?
Utilizar linguagem rebuscada, altamente técnica, com palavras que reve­
lem erudição aos jurados, ou ser claro ao expressar-se, com termos cujo
significado pudessem seus ouvintes captar? Com certeza, a segunda op­
ção. Em havendo necessidade de usar a palavra jurisprudência, utna consi­
deração prévia seria necessária, levando-se em conta o destinatário da
mensagem, o juiz popular, nào bacharel.
Como conclusão, é certo que, para o profissional do direito, a sele­
ção vocabular é instrumento importante, e as palavras mais eruditas sào
eficientes para o seu meio. No entanto, é preciso definir se todos os ter­
mos utilizados serão compreendidas pelo destinatário do texto, dada a
vastidào de vocabulário que nossa língua possui, e se sào elas oportunas
para o ambiente em que sào proferidas.

2.2.2 Seleção vocabular e sentido


Se a palavra é um enunciado que representa uma idéia, fica claro
que uma boa seleção vocabular passa, também, pela exata correlação en­
Lição 2: Vocabulário e vocabulário jurídico 35

tre a representação utilizada no texto, o vocábulo, e o sentido que se


pretende expressar com ele.
O sentido que uma palavra admite em determinado idioma é dado
por uma convenção social, em tese, arbitrária. Isso importa em dizer que
nào existe, necessariamente, uma relaçào lógica para que cada palavra
assuma determinado significado, mas sim uma origem histórica, que re­
monta as influencias de cada língua e sua evolução até os dias atuais. Mas
é o bom e velho dicionário que vem a ditar quais sào as palavras do ver­
náculo e quais os significados que elas assumem na língua, servindo-nos,
sempre, como base para o trabalho textual.
Quando uma palavra é empregada com exata correlação entre o
vocábulo e a idéia que se pretende expressar, dizemos que ela foi empre­
gada com propriedade. Se o sentido que o autor pretendeu dar a ela nào
corresponde àquele convencionado em sociedade, que se encontra inscri­
to no dicionário, dizemos que houve impropriedade lexical. 6
Nào sào raros os casos de impropriedade lexical, mesmo em textos
com linguagem culta. Vejamos alguns exemplos, bastante comuns em nosso
meio:
CPP - Artigo 28. “Se o órgão do Ministério Público, ao invés de
apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito policial
ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar
improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou
peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a denún­
cia, designando outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou
insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará obriga­
do a atender”.
u0 inquilino locou o imóvel há exatos cinco anos e vinha pagando
seus alugueres à proprietária regularmente, até setembro do ano
passado, quando deixou de honrar as prestações.”
u0 venerando acórdão ora atacado não concedeu a indenização
pleiteada, mas reconheceu, expressamente, que houve, no presente
caso, lucro fabuloso por parte da empresa ré, ora recorrida. Nesse
ponto, a fundamentação vai de encontro aos argumentos expendidos
pelo recorrente."
“0 réu confessou o delito apenas no distrito policial, quando pre­
so em flagrante. É relevante afirmar-se que a mídia noticia, quase
diariamente, ocorrências de maus-tratos a presos em delegacias de
polícia, e não seria novidade se aqui assentássemos que o réu con­
fessou o delito sob tortura. Por esse motivo; as declarações presta­
das diante da autoridade policial merecem pouquíssima credibilidade
desse DD. Juízo. A negativa de autoría do réu é o que mais se adequa
à prova colhida na instrução processual."
36 M anual de Redação Forense

Todos os textos acima copiados apresentam expressões, em negrito,


que denotam a impropriedade lexical. Seus autores, ao redigir, seleciona­
ram palavras ou expressões cujo sentido original nào se coaduna com o
significado que quiseram impingir ao texto.
A expressão ao invés de significa ao contrário dey sendo adequada,
entào, apenas quando se comparam elementos com sentido diametralmente
opostos. Assim, pode-se dizer “ao invés de ser credor, é devedor”, mas
nào se pode, com propriedade, dizer “ao invés de oferecer denúncia, re­
quereu arquivamento” pois denunciar e pedir arquivamento nào sào figu­
ras de sentido antônimo. Nesse caso, a expressào correta seria “em ve% dey\
a qual tem o significado de “em lugar de*\ sendo, esta sim, adequada para
indicar escolha entre alternativas, nào exatamente contrárias.
No segundo fragmento, a impropriedade está no verbo “locar”, pois
quem loca oferece em aluguel, mas nào toma de aluguel. O locador loca; o
locatário aluga.
O terceiro fragmento traz também erro comum, mas bastante peri­
goso. Quis seu autor dizer que a fundamentação do acórdào, naquele ponto
específico, concordava com as razões do recorrente. Ir de encontro é ir contra,
no caso, discordar de algo. A expressào correta deveria ser “ir ao encontro dos
argumentos expendidos pelo recorrente”, pois somente dessa forma o au­
tor estaria, em seu recurso, transmitindo ao leitor a idéia em que havia
pensado.
Da mesma forma, no quarto fragmento, nào se pode dizer que o
Juiz tem credibilidade no depoimento prestado em delegacia. E o depoi­
mento inquérito que tem credibilidade ou nào perante o Juízo, mas o juízo
deve, ou nào, crédito às declarações do réu. E o verbo adequar, porque é
defectivo, nào assume a forma de presente do indicativo, adequay sendo a
construção correta para o caso “... a negativa de autoria do réu é a que
mais está adequada à prova colhida na instrução processual”.
Por isso, palavras têm de ser selecionadas nào apenas por sua for­
ma, mas pelo conteúdo que indicam, nào se podendo utilizá-las arbitraria­
mente, sem que, antes, certifique-se o autor de que elas existem e, caso
seja positiva a resposta, se o significado delas, no dicionário, corresponde
com fidelidade àquele que se deseja transmitir.
Lição 2: Vocabulário e vocabulário jurídico________________________________ 37

2.2.3 Seleção vocabular e vocabulário jurídico:


Linguagem técnica Xjargão.
Ao cuidarmos da seleção das palavras, devemo-nos ater ao chama­
do vocabulário jurídico. Todos sabemos que o advogado tem, por assim
dizer, uma linguagem própria, peculiar à sua classe. Isso importa em afir­
mar que algumas palavras do universo do léxico português, apesar de se­
rem, em tese, acessíveis a qualquer falante, sào mais utilizadas pelos ad­
vogados, por uma série de motivos. O anos de faculdade e, conseqüente­
mente, de leitura de obras jurídicas fazem com que o estudante de direito
vá, aos poucos, trazendo para seu universo de conhecimento variados
termos cujo sentido foi apreendido e que lhe fazem parte do raciocínio.
Entào, em sendo essas palavras constituintes de seu modo de pensar, por­
que refletem conceitos que somente vieram a integrar, constituir seu inte­
lecto através daqueles vocábulos, será difícil livrar-se deles, mesmo quan­
do nào estiver travando uma discussào propriamente jurídica. Imagine­
mos, entào, o seguinte diálogo:
— 0 juiz está errado, não foi pênalti, foi falta. Veja o replay.
— Não dá pra saber, o zagueiro da direita está encobrindo justa­
mente a linha da área, e o juiz não deve ter conseguido distinguir se
a falta ocorreu na linha, dentro ou fora da área.
— Pois então. Não deveria, então, ter marcado pênalti.
— Deveria sim, ninguém mandou o jogador fazer falta naquele
espaço. Todo jogador experiente deve saber que o juiz não é
onipresente, às vezes não consegue acompanhar a jogada. Se mar­
cou fora da área, mas próxima a ela e distante do árbitro, contou com
o risco do pênalti. Além disso, se o juiz não viu exatamente o lance,
como parece, também poderia estar cometendo uma injustiça se
marcasse apenas falta, não é?
— Sim, mas in dubio pro reo.
— 0 quê?

Discutindo sobre futebol, um dos argüentes revelou ser operador


ou estudante de direito, através do uso de um locução típica de sua clas­
se, embora nào fosse aquela a ocasiào mais pertinente para utilizá-la. En­
tretanto, pelo percurso que a conversa tomou, seu raciocínio foi levado
ao conceito de a dúvida militar em favor do acusado, o que era certamen­
te aplicável ao caso esportivo então debatido.
38 M anual de Redação Forense

A locuçào latina, imprópria para o ambiente informal em que se


desenrolava a conversa, pode ter sido utilizada por três motivos princi­
pais: o primeiro, o de que o conceito de a dúvida favorecer ao acusado é
representado, na mente do falante, pela própria locuçào latina, ou seja, a
locuçào significa, para aquele que a disse, o próprio conceito, sendo por­
tanto indissociáveis um e outro. O segundo motivo seria a força
argumentativa da locuçào: ao se dizer uma locução latina, revela-se, no
mínimo, que o conceito que ela exprime nào é novo, que muito há por trás
dessa frase, que não foi ela criada naquele momento específico, simples­
mente para procurar fundamentar um posicionamento, no mínimo,
passional, como é o futebol. E o terceiro motivo poderia ser configurado
na própria vontade de o falante demonstrar ao ouvinte que estava, na­
quele momento, trazendo para a seara jurídica toda a discussão, fechando
então o espaço argumentativo de seu interlocutor, que quase nada conhe­
ce a respeito do direito.
Muito se debate a respeito da linguagem jurídica, e essa discussão
extrapola o ambiente dos operadores do direito e se transforma em uma
tênue mas abrangente controvérsia no seio da sociedade. Não é raro ou-
virem-se críticas a respeito do vocabulário dos operadores do direito, em
geral inacessíveis ao público comum. A “linguagem complicada” dos ad­
vogados é famosa até no humor popular.
Para os juristas, esse tema chega por uma perspectiva diversa, mas
cujo cerne nào é muito diferente: o vocabulário jurídico arcaico, que não
se coaduna com a modernidade dos tempos e da própria língua e, princi­
palmente, com a dinamização que os advogados devem enfrentar em seu
dia-a-dia, porquanto este exige comunicação direta e intensa com profis­
sionais de outras áreas, que anseiam por maior clareza para a administra­
ção do trabalho em equipe ou da relaçào advogado-cliente.
Nosso objetivo não é, aqui, resolver uma questão tão antiga, mas
ao menos desenvolver uma distinção que oriente o profissional ao seleci­
onar palavras adequadas no momento de redigir seu texto ou elaborar sua
fala, em relação à pertinência do uso de alguns termos típicos do vocabu­
lário jurídico.
Em primeiro lugar, é preciso destacar que todas as áreas do conhe­
cimento têm uma linguagem específica, técnica. Não são apenas os advo­
gados que adquiriram um vocabulário próprio a seu meio, mas também os
médicos, geólogos, os economistas etc. Quantas vezes, nós mesmos, ad-
Lição 2i Vocabulário e vocabulário jurídico________________________________ 39

vogados, que contamos, geralmente, com noçào suficiente de economia,


nào nos encontramos com alguma dificuldade para entender a terminolo­
gia de alguns profissionais dessa área, quando procuram explicar algum
fenômeno de sua análise, e temos a impressão de que aquele mesmo fato
poderia haver sido enunciado de forma bem mais clara? Pois bem, no
direito isso também ocorre, mas nosso costume em lidar com a termino­
logia jurídica às vezes nos impede de percebermos que alguns dos desti­
natários de nosso texto, oral ou escrito, nào a compreendem com eficiência.
A terminologia específica de cada área do conhecimento sào pala­
vras que podem até ser encontradas no dicionário comum da língua, mas
que sào aplicadas, com sentido diverso ou nào, freqüentemente para os
operadores daquele campo restrito mas aprofundado de conhecimento.
Mas essa terminologia pode ser utilizada de duas formas diferentes: a
primeira, como modo de enunciar todo um trabalho conceituai que está
por detrás de cada vocábulo proferido, assumindo um sentido específico;
a segunda, como forma de transmitir aos demais ouvintes que aquele que
fala pertence a um grupo fechado, hermético. Os usos, entào, diferem
bastante em seu aspecto prático.
A linguagem jurídica pode ser entendida, primeiramente, como uma
linguagem técnica. Isso significa afirmar que muitas das palavras que utiliza­
mos em nossas petições, apesar de parecerem complexas ou preciosas,
têm função de definir conceitos do Direito de que aquele que redige nào
se pode afastar. Qualquer paráfrase, ou seja, qualquer palavra que procu­
rasse “traduzir” para a linguagem comum uma terminologia específica
nào o conseguiria fazer com precisão, motivo pelo qual o uso de alguns
termos do vocabulário jurídico sào inafastáveis.
Para que isso seja reconhecido, façamos um breve exercício. Procu­
re, leitor, despojar-se de seu conhecimento jurídico, e interpretar, como
um leitor leigo, os fragmentos abaixo:
A) Art. 5e, LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus
bens sem o devido processo legal.
B) O advogado mostrou que o homicídio simples não constitui
crime hediondo e defendeu, em excelente tese, que mesmo o homi­
cídio qualificado, por vezes, não deve ser visto como tal.

É possível, sem o conhecimento jurídico, interpretar ambos os tex­


tos, entendê-los, mas, com certeza, se isso assim for feito, grande parte do
conteúdo das mensagens será perdida.
40 Manual de Redação Forense

Um leitor comum provavelmente iria, no fragmento A, entender


que, sem processo, ninguém pode ser preso ou sofrer constriçào em seu
patrimônio. Mas o dispositivo constitucional diz muito mais que isso: nào
basta que haja processo, é preciso o “devido processo legal” ? Para o leitor
leigo, embora esteja o texto em língua portuguesa, com termos de fácil inte-
lecçào, o conceito técnico de devido processo legal não é transmitido. Os
advogados sabem o que o conceito significa, sua origem, a importância e
os efeitos do due process o f !awy mas isso porque conhecem a linguagem
técnica. O máximo que o leitor comum pode fazer é perguntar-se se exis­
te processo devido ou indevido, ou se existe processo legal e ilegal, porém
isso nào lhe “traduz” todo o significado da expressào, porque esta abran­
ge um complexo teórico restrito, em tese, aos que conhecem o Direito.
Da mesma forma, o texto B. O crime hediondo é aquele crime abje­
to, vil, e esse adjetivo é conhecido do leitor leigo nas letras jurídicas. Para
ele, pois, pareceria absurdo que o homicídio, o mais grave dos crimes, nào
seja hediondo. Mas a palavra hediondo, dentro da tese a que o texto faz
referência, nào assume o mesmo valor semântico, o mesmo significado
do dicionário.
Quando o advogado fala em crime hediondo, refere-se à enumeração
taxativa da lei específica (8.072/90), e remete a todos os efeitos que ela
determina para esses delitos que enumera. Pode-se dizer que o homicídio
é um crime grave, repugnante, indesejado, violento, mas isso nào significa, tec­
nicamente, hediondo. Se o leitor comum, na dúvida sobre o significado de
tal palavra, procurar substituir por qualquer desses sinônimos, nào alcan­
çará o mesmo significado, a nào ser que procure o valor técnico do termo,
o qual nào admite sinonímia. E evidente que o delito é denominado hedi­
ondo por causa da origem primeira, comum desse adjetivo, mas a partir do
momento que foi criada a lei que define os crimes hediondos, o valor semân­
tico de tal palavra não remete propriamente ao significado do dicionário} mas àquele
insculpido no texto legal
Portanto, muitos dos vocábulos que o advogado utiliza, e que por
vezes parecem complicados, pedantes, antigos, empregados somente para
que o leigo nào os entenda, sào absolutamente necessários, pois assu­
mem valor técnicoy muito mais aprofundado que outros sinônimos que pos­
sam ser encontrados em uso comum, nào tccnico.
A essas expressões de sentido técnico nenhuma crítica se há de
fazer, pois são elas a única maneira, por vezes ainda insuficientes, de
Lição 2: Vocabulário e vocabulário jurídico 41

expor com precisão os conceitos do direito, cuja complexidade é inevita­


velmente crescente.
Se o advogado nào se pode livrar da linguagem técnica, porque esta
lhe é imprescindível na redaçào de seus textos, algo há na linguagem jurí­
dica que nào traz sentido tào específico e uso tào imprescindível. Trata-
se do jargão. Entendê-lo-emos melhor após lermos o texto abaixo, de
Machado de Assis, em que Brás Cubas narra sua experiência na faculdade
de Direito:
E foi assim que desembarquei em Lisboa e segui para Coimbra.
A Universidade esperava-me com suas matérias árduas; estudei-as
muito mediocremente, e nem por isso perdi o grau de bacharel; de­
ram-mo com a solenidade do estilo, após os anos da lei; uma bela
festa que me encheu de orgulho e de saudades - principalmente de
saudades. Tinha eu conquistado em Coimbra uma grande nomeada
de folião; era um acadêmico estróina, superficial, tumultuário e petu­
lante, dado ás aventuras, fazendo romantismo prático e liberalismo
teórico, vivendo na pura fé dos olhos pretos e das constituições es­
critas. No dia em que a universidade me atestou, em pergaminho,
uma ciência que eu estava longe de trazer arraigada no cérebro,
confesso que me achei de algum modo logrado, ainda que orgulho­
so. Explico-me: o diploma era uma carta de alforria; se me dava a
liberdade, dava-me a responsabilidade. Guardei-o, deixei as mar­
gens do Mondego, e vim por ali fora assaz desconsolado, mas sen­
tindo já uns ímpetos, uma curiosidade, um desejo de acotovelar os
outros, de influir, de gozar, de viver, - de prolongar a Universidade
pela vida adiante...
(...)
Não digo que a Universidade me não tivesse ensinado alguma;
mas eu decorei-lhe só as fórmulas, o vocabulário, o esqueleto.
Tratei-a como tratei o latim: embolsei três versos de Vjgílio, dois de
Horácio, uma dúzia de locuções morais e políticas, para as despe­
sas da conversação. Tratei-os como tratei a história e a jurispru­
dência. Colhi de todas as coisas a fraseologia, a casca, a ornamen­
tação ...7

Machado de Assis se destaca nào apenas pela forma invejável com


que se expressa com precisào, mas também pelo senso de observação da
realidade. Que fez Cubas em seu curso de direito? Recolheu algumas pa-
lavras, a fraseologia “para as despesas da conversação”. E certo, e isso
bem observa o autor, que os operadores do direito têm uma linguagem
própria, que nem sempre é técnica. Se o personagem estudou as matérias
jurídicas “muito mediocremente”, é certo que nào se aplicou ao sentido
técnico de todos os termos, mas ainda assim conseguiu retirar do direito
sua “ornamentação”.
42 M anual de Redação Forense

Brás Cubas (em uma observação que parece atual, pois muitos ba­
charéis, lamentavelmente, ainda agem como tal personagem) fez simples­
mente colher de todas as suas matérias uma série de palavras que sào
cristalizadas nessa área do conhecimento,
/
como termos mais usuais, sem
necessariamente serem técnicas. E ao conjunto dessas expressões que
denominamos jargão* O jargão é a gíria profissional. E a “ornamentação”
que dá a forma da linguagem, em aplicação, em nosso caso, ao Direito.
Lembremo-nos da gíria do jovem. O que ela representa? Represen­
ta uma série de palavras que sào utilizadas no dia-a-dia dos falantes, e
que assumem valor significado muito semelhante a outros vocábulos da
língua portuguesa, que deixam de ser utilizados por eles. Quando o jovem
diz que algo é “da hora”, hoje, significa dizer que é bom, interessante,
emocionante ou outro sinônimo qualquer. Não há, evidentemente, signi­
ficado técnico em tal expressào; ao contrário, seu sentido é muito mais
amplo, difuso, que qualquer outra palavra que se lhe atribua em sinonímia.
No direito, algumas expressões assumem o mesmo valor da gíria do
jovem, posto que aplicáveis a um contexto mais eficiente. Vejamos o
texto abaixo:
O condutor afirma que deu voz de prisão ao meliante, o qual em­
preendeu fuga do local dos fatos, em desabalada carreira, adentrando
a um estabelecimento comercial de venda de roupas, onde tomou
por refém um indivíduo; ato continuo, quando o meliante fazia men­
ção de agredir um cidadão, o condutor disparou a arma, alvejando a
perna do meliante, que passou a claudicar, ato contínuo, não conse­
guindo empreender nova fuga, o condutor o algemou, prontamente
providenciando sua condução ao nosocômio...
A exordial ministerial apresentou uma miríade de falsas afirma­
ções, que não passam de bazófias que devem ser repelidas por
esse Douto Areópago, como foram pelo Tribunal Popular, quando
proferida defesa por este mesmo causídico.

Em ambos os textos, as expressões grifadas nào mais sào que ter­


mos de jargào. Um “estabelecimento comercial de venda de roupas” nada
mais é, no contexto, que uma “loja de roupas”, assim como a “exordial
ministerial” é uma “denúncia”. “Claudicar”, “mancar” ou “coxear” sào
sinônimos, mas nào é raro que somente o primeiro verbo seja apareça nas
peças redigidas em delegacia ou, até mesmo, por advogados, juizes e pro­
motores que exercem sua função no Direito Penal. Da mesma forma, o
que seria o “nosocômio” senão o hospital? O que justificaria o uso de
Lição 2: Vocabulário e vocabulário jurídico 43

uma linguagem tào arcaica, tào antiga ou complicada, se nada há que lhe
altere o sentido em relaçào a uma linguagem comum?
Nada justifica. O jargào serve como um dos sinais distintivos da
linguagem, mas utilizar algumas expressões em repetiçào, que nào mais
sào que forma de revelar-se como membro de uma classe, a dos operado­
res do Direito, no caso, nào é sinal de boa expressão, de bom texto, de
construção clara. Ao contrário, revela-se como pobreza de estilo, como fal­
ta de conhecimento ou de segurança para a utilização de outros termos
de nossa língua que nào somente se expressam com o mesmo valor, como
também utilizam uma linguagem mais corrente e permitem troca por ou­
tros termos, sinônimos, que acabam por organizar uma construção textu­
al, no mínimo, de leitura mais fluente.
Ao redigir, entào, o autor deve distinguir o que é termo técnico,
insubstituível e com carga semântica determinada, daquilo que é propri­
amente um jargào. Não se afirma que o jargào nào se possa utilizar nunca,
pois ele, como qualquer outro termo, também é parte do universo de
linguagem que o autor tem à sua disposição. Entretanto, ao contrário do
termo técnico, a gíria profissional nào deve ser repetida várias vezes em
um texto, pois o leitor sabe que ele pode ser trocado por outras palavras
de valor semelhante, do uso corrente da língua, ao contrário do termo
técnico, cuja repetiçào se admite, em tese, por lhe faltarem sinônimos
com a mesma carga de significado.
Vale a pena lembrar, sobre isso, a liçào do professor Mário Ferreira
dos Santos, versando sobre a linguagem no Direito: “Deve-se escrever com
as palavras que usamos na linguagem comum. Por isso convém evitar-se
os arcaísmos, expressões raras e obsoletas. Quando o discurso, a palestra
ou o relato refiram-se a temas científicos e filosóficos deve ser empregada
a terminologia em uso nessas ciências. A finalidade dessa regra é garantir
a clareza que é uma das qualidades principais de um bom estilo”.y
Desenvolveremos posteriormente o conceito de estilo, mas já pare­
ce óbvio que escrever bem é escrever com clareza, levando-se em conta o
interlocutor, aquele a quem o texto se dirige. Usar termos da linguagem
corrente, sem os chamados preciosismos não significa, de forma alguma, ter
uma linguagem menos culta. As palavras da linguagem corrente sào vári­
as e suficientes para que o autor se expresse de modo claro e bastante
persuasivo, transmitindo suas idéias eficientemente aos seus potenciais
leitores, geralmente os membros do Poder Judiciário.
44 Manual de Redação Forense

Apenas quando os termos utilizados sào técnicos, nào se deve per­


guntar se se tratam de expressões complicadas, obsoletas, pedantes ou
pouco inteligíveis. O que se pode fazer, nesses casos, é especular o uni­
verso de conhecimento do leitor, perguntando-se se, para ele, aqueles
termos técnicos sào claros. Vejamos como isso ocorre no fragmento abaixo:
Caro senhor Demerval:
Honrados com sua contratação, temos a expor que encontramos
uma possível solução para seu caso. Ainda que haja condenação
transitada em julgado, ou seja, à qual não cabe qualquer recurso
judicial, encontramos uma nulidade por infringência ao princípio do
contraditório.
Isso significa dizer que, no seu caso, em determinado momento,
o promotor de justiça se manifestou mas o juiz não deu oportunidade
para que seu advogado contra-argumentasse as palavras da acusa­
ção. Por isso, houve uma falha que deve ser sanada, e, para que isso
aconteça, é necessário que se refaçam os atos processuais, inclusi­
ve a sentença do juiz que, com a nossa defesa, pode vir a absolvê-lo.

O último parágrafo do texto seria absolutamente dispensável caso


este se dirigisse a um operador do direito. No entanto, como se pode
notar pelo seu teor, trata-se de uma carta a um cliente, provavelmente
nào conhecedor do Direito, e, por isso, os termos técnicos utilizados no
primeiro parágrafo foram “traduzidos” no segundo. Esse desenvolvimen­
to tornou o texto mais extenso, porém mais claro.
*
E evidente que a explicação do segundo parágrafo nem de longe
conseguiu expor todos os efeitos ou conceitos dos vocábulos técnicos
anteriormente redigidos, mas foi dito o suficiente para que o leitor enten­
desse seu conteúdo, no que realmente lhe interessava. Nào há, no texto,
qualquer jargão, e por isso ele se torna eficiente para alcançar e convencer
o leitor quanto à contratação do escritório que lhe envia a missiva. O
autor da carta, nào se conseguindo livrar dos termos técnicos, porque
estritamente necessários para a transmissão de sua mensagem, explicou-
os, ainda que minimamente, para que viessem a ser compreendidos por
um leitor leigo.10
Nào se pode esconder, no entanto, que, em alguns casos, o jargào é
utilizado com o intuito de não se fazer entender. E essa, por vezes, uma
tarefa da comunicação, que, ainda que rara, segue uma intenção bem deter­
minada. Leia-se, abaixo, uma paráfrase de discurso recente de um mem­
bro do alto escalão da economia governamental:
Lição 2: Vocabulário e vocabulário jurídico 45

Com a escalada do câmbio, a balança comercial pode-se dese­


quilibrar momentaneamente, a ponto de deixar com que os insumos
para a indústria tornem-se menos acessíveis em larga escala. Isso
significa dizer que, a médio prazo, é possível, sim, que essas indús­
trias pensem em flexibilizar o preço final de seus produtos.
Em tal declaração, que disse o ministro? Que, com o desequilíbrio
no câmbio, o aumento do dólar, os preços irão flexibih^ar-se. Flexibilizar
significa tornar flexível, ou seja, “subir” ou “descer”.
Mas, analise bem o parágrafo: naquele contexto, seria possível uma
queda nos preços? Nào, com certeza, os preços somente tendem a subir.
Flexibilização de preços significa, entào, aumento de preços. Diante disso,
toda a fala do ministro poderia ser resumida em: “como o dólar disparou
frente ao real, os preços ao consumidor brasileiro fatalmente irào au­
mentar”. Essa mensagem seria clara e nào se afastaria da linguagem cul­
ta, apesar de usual, mas parece evidente que tal clareza nào interessava,
de maneira alguma, ao membro do governo. Sua intençào era ser eufêmico,
dizer a verdade de forma velada, e para isso utilizou-sc de expressào que
já se cristalizou entre os economistas, a “flexibilização”. O ministro pre­
cisava assumir essa possibilidade, mas nào queria ser muito incisivo, pois
ela militava a seu desfavor.
Detalharemos esse enfoque mais adiante, quando virmos o uso
argumentativo da seleçào de palavras, mas vale lembrar que, na redaçào,
é impossível numerar um Index de palavras que jamais devem ser utiliza­
das. Mesmo o jargào o pode ser, mas desde que se o faça moderadamente
e, principalmente, com uma intenção determinada, como no caso acima.
Caso contrário, deve ser aplicado com restrições, sem exageros, principal­
mente em textos enviados a leigos.

2.2.4 Seleção de palavras e sustentabilidade:


O preciosismo
O preciosismo, na definição de Napoleào Mendes de Almeida, é “o
uso de palavras, expressões e construções ou antigas (mais propriamente
o vício se denomina, entào, arcaísmo) ou inusitadas, esquisitas, rebusca­
das, de forma que o pensamento se torne de difícil compreensão”.11
Selecionar palavras preciosas e arcaicas, antigas, é característica da
linguagem do operador do direito, característica até inerente dado o
tradicionalismo e a sobriedade de que a Justiça como um todo, por sua
importante função social, reveste-se.
46 Manual de Redação Forense

Embora muitos jargões jurídicos sejam arcaísmos, nem todo arcaís­


mo utilizado pelo advogado pode ser definido como jargào. Este se dife­
rencia daquele porque é termo compreendido pela maioria dos profissio­
nais, como uma gíria, conforme já explicado. O arcaísmo ou preciosismo
(o primeiro como subclasse do segundo) significa, para nós, aquela pala­
vra de sentido obscuro, buscada no dicionário pelo próprio autor, para
tornar sua linguagem aparentemente mais culta, mais rebuscada. E pala­
vra de uso mais raro. Vejamos o exemplo abaixo, retirado, sem qualquer
alteração, de um texto de aluno:
(...) O requerente falou com o gerente da empresa e este lhe dis­
se que não tem qualquer controle sobre os títulos enviados à protes­
to, pois isso é trabalho do setor de cobrança. (...)
Foi com muito aferro e pertinácia que o requerente logrou seu
bom nome no mercado, não podendo, agora, adquirir qualquer crédi­
to no mercado, porque seu nome foi enviado à protesto. Está sendo
o requerente submetido a dano moral, que obsecra seja ressarcido,
posto que somente o ressarcimento monetário poderá compensar a
dor sofrida.

As palavras afenv e pertinácia nào sào de uso comum da língua e


tampouco sào classificadas como jargão jurídico, pois nào se restringem
ao ambiente judiciário. Sào termos rebuscados, retirados do dicionário
para dar ao texto uma imagem de mais culto. Ambas as palavras poderiam
ser substituídas por um sinônimo de maior clareza, a exemplo de “esfor­
ço”. Do mesmo modo, obsecrar significa pedir, suplicar, sendo correta sua
utilização do ponto de vista semântico, de significado, mas criticável quan­
to ao estilo, quanto à adequação da palavra no texto, que deve ser dotado,
como já vimos, de unidade.
A unidade do texto se dá, também, quanto ao nível da linguagem
utilizada. Nào se pode colocar na petição palavras tão rebuscadas, que se
aproximam da linguagem mais clássica, se outras passagens do texto nào
sustentam esse vocabulário. No texto acima, há erros gramaticais (como o
mau uso da crase, antes de palavra masculina) e a impropriedade lexical
(pode-se dizer que alguém se submete ao dano?). Ademais, a regência culta
do verbo falar nào admite a preposição com (na linguagem culta, fala-se a
alguém, não com alguém) e a expressão posto que, na linguagem culta, tem
valor concessivo12 (embora) e nào explicativo. Isso que significa que, no
todo do texto, há trechos que mais se aproximam da linguagem oral, cor­
rente. Esses trechos não combinam com palavras tào antiquadas quanto
' Lição 2: Vocabulário e vocabulário jurídico 47

aferro, pertinácia e obsecrar. Pode-se dizer que o texto nào sustenta o uso
de tais vocábulos.
Em outras palavras, podemos dizer que a petiçào, no seu todo, nào
sustenta a linguagem adequada para o uso de palavras arcaicas, que, por
isso mesmo, constituem mais um vício de linguagem que uma propriedade
de estilo. Se o texto deve ter unidade de significado, deve ter também
uma unidade de linguagem, o que significa afirmar que qualquer palavra
preciosa, antes de aprimorar o texto, faz somente destoar do resto do voca­
bulário selecionado para enunciar seu conteúdo.
Qualquer palavra de requinte selecionada para o texto deve ter,
entào, sustentabilidade dentro dele, ou seja, deve aparecer no meio de uma
linguagem toda culta, para que nào haja desarmonia. E, além de
desarmônico, o texto com preciosismo ou arcaísmo pode ter sua leitura
comprometida, porque muitas vezes esses termos preciosos ou arcaicos,
ainda no meio jurídico, contrariamente ao que ocorre com o jargão, cor­
rem o risco de nào serem compreendidos pelo leitor.
Já vimos que é preferível ser claro a utilizar uma linguagem rebus­
cada. Temos, neste contexto, de perceber mais: que uma linguagem cui­
dadosa c erudita nào significa, necessariamente, linguagem “preciosa”.
Isso é importante que seja ressaltado, pois muitos autores confundem
linguagem culta com uso de termos inusitados, antigos, arcaicos e de sig­
nificado pouco preciso para o leitor médio. Vejamos, para exemplificar, o
texto abaixo, retirado da obra “Ensaio sobre a cegueira”, de José Saramago:
Um estômago que trabalha em falso acorda cedo. Alguns dos
cegos abriram os olhos quando a manhã ainda vinha longe, e no seu
caso não foi tanto por culpa da fome, mas porque o relógio biológico,
ou lá como se costuma chamar-lhe, já se lhes estava desregulando,
supuseram eles que era dia claro, então pensaram, Deixem-me dor­
mir, e logo compreenderam que não, al estava o ressonar dos com­
panheiros, que não dava lugar a equívocos. Ora, é dos livros, mas
muito mais da experiência vivida, que quem madruga por gosto ou
quem por necessidade teve de madrugar, tolera mal que outros, na
sua presença, continuem a dormir à perna solta, e com dobrada
razão no caso de que estamos falando, porque há uma grande dife­
rença entre um cego que esteja a dormir e um cego a quem não
serviu de nada ter aberto os olhos.13

Perceba o leitor que as palavras utilizadas no texto, de autor portu­


guês, sào variadas e assumem sentido preciso e bastante claro, nào obstante
o estilo próprio do autor, de frases longas, com mescla de pensamentos
48 M anual de Redação Forense

distintos. Mas aqui nào nos interessa o estilo literário do autor, mas sim­
plesmente a seguinte observação: existe alguma palavra, no texto recor­
tado, arcaica, rebuscada ou de sentido obscuro? A toda evidência, nào.
Todos os vocábulos utilizados sào de linguagem corrente.
Nào se pode dizer que o autor se utiliza de linguagem pouco culta,
coloquial, e muito menos que seu texto não é eficiente, pois não foi gra
tuitamente que a obra mereceu o Nobel de literatura. Na verdade, o que
determina a eficiência e o estilo do texto nào é o emprego de algumas
poucas palavras raras selecionadas a dedo, mas sim a seleçào constante de
termos claros e precisos para enunciar a idéia que se quer transmitir ao leitor.
O que determina a boa seleçào de vocábulos é sua coerência, nào
uma ou outra palavra rara.
Todo falante da língua conhece um universo de palavras bem maior
do que o utilizado em sim fala. Somos capazes de entender vários termos
e, mesmo assim, nào os utilizar com eficiência quando vamos construir
uma petição. O qv* determina a boa seleçào e o bom uso das palavras é a
utilização no caso concreto de todas elas, colocando em prática as pala­
vras de que temos conhecimento.
É assim que se fundamenta a distinção entre léxico ativo e léxico pas­
sivo. Léxico ativo é o conjunto de palavras que o leitor conhece e que real­
mente usa em sua conversação, e léxico passivo sào as palavras que o leitor
conhece, reconhecendo seu significado quando as lê ou ouve, mas nào as
utiliza efetivamente em seu texto, por insegurança ou por falta de prática.
Por isso nào se diz que o enriquecimento do vocabulário, com a
apreensão contínua de novos termos de nossa língua nào seja importante.
Mas necessitamos mais que isso: precisamos fazer com que as palavras
apreendidas sejam, adequadamente, utilizadas em nosso texto, com vari­
edade e precisão, pois assim conseguimos construir bom estilo, sem ter­
mos de recorrer a termos de uso menos comum e inteligível.

2.3 Exercitando o uso do vocabulário


Temos, agora, mais elementos para partir para um exercício mais
prático: a apreensão do vocabulário.
Sabemos que conhecer cada vocábulo que se insere em nosso léxi­
co é um meio a mais de enunciar um texto e de expressar com maior
exatidão e até estilo as idéias que precisamos expor no texto.
Lição 2: Vocabulário e vocabulário jurídico 49

Toda palavra que se incorporar ao nosso léxico, sem dúvida repre­


senta uma contribuição no momento de redigir, na hora de se expressar,
principalmente para o advogado, que se depara em seu cotidiano com
situações tào diversas, com teses distintas, com realidades concretas di­
ferentes e amplas, sendo, entào, maior ainda o leque de termos que deve
utilizar ao se dirigir ao cliente ou ao Poder Judiciário.
A principal fonte de vocábulos é, como já exposto, o dicionário.
Existem diversos tipos deles, mas aqui se aconselha, principalmente, os
dicionários de definições, os de sinônimos e os jurídicos. Neles estào elen-
cadas as palavras de nossa língua e, ainda que os dicionários da língua
portuguesa ainda devam aprimorar-se, para poder mostrar a completitude
e riqueza do nosso léxico, há tempos eles sào fonte de consulta de todos
aqueles que escrevem texto, inclusive dos autores literários mais notá­
veis. Nào existe aquele que dispense o dicionário porque tem conheci­
mento vocabular suficiente: um advogado pode ter vários argumentos
para nào consultar freqüentemente o “pai dos burros”, menos dizer que
nào tem dúvidas quanto a alguns termos de nossa língua. Hoje em dia,
com a publicação em CD —ROM do texto integral de bons dicionários, a
consulta é ainda mais fácil, valendo a pena, sempre, ter um à mão.
É na consulta ao dicionário que se encontra a base para a apreen­
são do vocabulário passivo. Nào se recomenda, entretanto, que se faça
uma leitura continuada de suas páginas, pois isso pouco contribui na
memorização e, menos ainda, na incorporação das palavras no léxico ati­
vo. E bem assim que o professor Otlion Moacyr Garcia ensina:
Quaisquer que sejam os exercícios para o aprimoramento do vo­
cabulário, é obvio que o dicionário constitui, por assim dizert a última
instância, a que recorremos sempre que desejamos saber o sentido
exato das palavras. Em si mesmo, entretanto, o simples manuseio
do léxicos, dissociado de situações reais, nem sempre traz grande
proveito, em que pese à opinião de muitos, que acreditam ser esse o
único e melhor meio de adquirir vocabulário. Alguns chegam mesmo
a recomendar, ou pelo menos a praticar, a leitura assídua dos
calepinos‘ leitura que consideram não apenas imprescindível, mas
também amena e divertida. É possível. A verdade, entretanto, é que
as palavras procuradas nos dicionários só se incorporam de fato
aos nossos hábitos lingüísticos quando as ouvimos ou lemos.14

A leitura é o principal meio de fazer com que o vocabulário se ex­


panda. Ler sempre com o dicionário ao alcance é atividade obrigatória a
todos os operadores do direito, que sempre se vào deparar com palavras
50 Manual de Redação Forense

novas. Essas palavras podem ser simplesmente ignoradas pelo leitor, que
buscará seu significado por outros elementos do texto, ou simplesmente,
ainda que inconscientemente, poderá deixar de lado aquele trecho que
nào lhe pareceu claro em busca de outras informações que seguem na
leitura. Se fizer isso, como é freqüente, desperdiçará grande oportunidade
de trazer ao seu léxico termos que podem vir a enriquecer e facilitar sua
escrita: consultar no dicionário os termos lidos e compreender seu signi­
ficado permite utilizá-los com segurança e pertinência em ocasiões pos­
teriores. E assim, conhecendo o valor, o estilo e as possibilidades de uso,
vai-se construindo linguagem mais primorosa.
\
As vezes, entretanto, acessar o significado de vários vocábulos, por
meio da consulta em dicionário das palavras lidas ou ouvidas não é sufi­
ciente para que o estudante os aplique em seu texto. Pode-se perceber isso
com uma atitude simples: lendo-se uma boa peça, escrita por um colega,
vemos palavras bem utilizadas, cujo teor conhecemos mas, mesmo as­
sim, não as usaríamos se estivéssemos redigindo peça jurídica de igual
teor. Por que isso acontece? Porque conhecer muitas palavras nào signifi­
ca utili%á-lar. podemos incorporar vários vocábulos em nosso léxico pas­
sivo, não os transferindo para o léxico ativo, este que, com certeza, é bem
mais reduzido que aquele.
Para que ocorra essa transferência, para que se possa utilizar todas
as palavras conhecidas, principalmente a de uso menos freqüente, é ne­
cessário exercitar, praticar. Procurar, a cada texto escrito, alterar palavras
por sinônimos, buscar novas possibilidades de expressar a mesma idéia,
de modo adequado. Um exercício dirigido, dos mais eficientes para o de­
senvolvimento do vocabulário ativo é a paráfrase. Parafrasear um texto
significa “traduzi-lo na mesma língua” expressar de forma diferente todo
o conteúdo de um texto-origem, resumindo-o, ampliando-o, atualizando-
o ou, simplesmente, colocando-o em uma linguagem diferente, alterando
suas palavras, sua estrutura, enfim, sua enunciaçào. Na paráfrase mais
comum, é fornecido um texto ao estudante, que deve, a partir dele, cons­
truir um novo texto, com o mesmo conteúdo, mas evitando ao máximo
repetir suas palavras ou suas frases. Com isso, treina-se a sinonímia, a
substituição de vocábulos por outros do mesmo teor, que, ao serem escri­
tos, passam a fazer parte do vocabulário ativo do estudante.
Nos exercícios do fim do capítulo encontram-se propostas para prá­
tica desse método, com maiores explicações.
Lição 2: Vocabulário e vocabulário jurídico 51

2.4 Vocabulário jurídico. As formas de referência


e tratamento
A vida em sociedade exige regras de convivência em todos os mei­
os. O respeito, a formalidade e as regras de boa convivência, etiqueta e
protocolo variam conforme a sociedade e o ambiente, ou, de forma mais
específica, mudam de acordo com o a comunidade, o tempo, o ambiente
e o papel social.
Devido à dinamizaçào das relações no mundo moderno, muitas re­
gras de protocolo vêm sendo suprimidas, o que pode ser considerado uma
evolução ou uma regressão, dependendo do ponto de vista de cada um.
Nào são necessárias grandes elucubrações para que se demonstre isso:
sabemos que, há algumas décadas, as famílias, ao menos as mais tradici­
onais, faziam das refeições mais importantes do dia um acontecimento,
apesar de rotineiro, cerimonioso. A figura do patriarca à ponta da mesa,
chefiando o repasto, determinava o momento de rezar, de iniciar a refei­
ção, de trocarem-se os pratos e os talheres de prata, de pedir a sobremesa
ou o café, ou de se abandonar a mesa.
Mas não é difícil notarmos que a família que tenta preservar essa
tradição, ainda hoje, ao menos nas grandes cidades, faz esforço inócuo. E
raro encontrar toda ela reunida, pois os compromissos de cada integrante
sào vários: o pai chega tarde do trabalho, a filha faz faculdade à noite, o
irmão mais novo tem aula de inglês. A mulher também trabalha e nào tem
tempo de preparar pratos vários para o jantar, o marido e pai ajuda na
cozinha, mas tampouco se dispõe a preparar algo que exija muito esforço.
A empregada doméstica, se existe, nào se submete a isso. Ninguém almo­
ça em casa e, na refeição noturna, estão todos ocupados. Os talheres de
prata, usuais nas famílias mais abastadas de antigamente, hoje estão guar­
dados no armário, sào pesados, incômodos, nào vão à máquina de lavar
louças. As ocasiões cerimoniosas, com todo o protocolo familiar, hoje
são raras e parecem distantes de todos, que nào sentem sua falta. O patri­
arca mais antigo, que procurar manter a tradição, será frustrado e verá
que nào pode exigir um jantar cerimonioso de seus parentes que durante
o dia almoçaram, em poucos minutos, num fast joody onde sequer há ta­
lheres. Se encontrar com um filho durante a refeição, este comerá rapida­
mente e subirá ao quarto para seus estudos, talvez sem sequer pedir li­
cença para levantar-se.
52 M anual de Redação Forense

Para esse patriarca, essa atitude significaria menor respeito a sua


figura ou a sua autoridade? Certamente que nào. O respeito existe, mas se
exterioriza de forma mais dinâmica, por força do ritmo de vida de todos
ali. E esse dinamismo de relações que faz sucumbir algumas regras de
convivência social nào é monopólio do ambiente familiar, estendendo-se
a outras instituições sociais, como a empresa, o escritório e a escola.
No Direito, porém, essa tendência é refreada, às vezes de maneira
artificial. Para quem nunca se colocou de pé quando o professor entrava
em sala de aula, nào é atitude natural que se levante ao ingresso do juiz
em uma sala de audiência. No Tribunal do Júri, no entanto, essa tradiçào
é mantida pelo aviso do meirinho aos presentes à sala de julgamento, que,
na aproximaçào do magistrado, pede aos presentes que se ponham de pé,
e entào é obedecido, porque, naquele ambiente, a atitude se justifica: o
juiz representa a autoridade e a sobriedade da Justiça, e essa forma de
reverência, apesar de poucas vezes vir naturalmente dos cidadàos, é com­
preendida como necessária, ao menos diante do aludido aviso.
E assim o ambiente forense preserva, em todo o mundo, muitos
dos protocolos e solenidades que nasceram em tempos antigos, e as for­
mas de tratamento e de referência sào provas disso. Elas se constituem
algumas expressões cristalizadas, seja na própria gramática, seja na praxe
do dia-a-dia, acabam-se impregnando na linguagem e no vocabulário jurí­
dico de modo indelével.
Assim, sabemos que, em petiçào, devemo-nos dirigir ao juiz atra­
vés do pronome de tratamento Vossa Excelência, bem como nos referir à
sentença como “respeitável”, ao acórdào como “venerando”, ao Tribunal
como “Egrégio”. E certo que muitas vezes a expressào, usada apenas
pela praxe, acaba-se distanciando de seu valor original (responda o leitor:
qual o significado exato da palavra “egrégio”? E “colenda”?), mas ainda
assim continua tendo seu significado que, embora não seja propriamente
técnico, é plenamente adequado ao protocolo, à linguagem específica do
contexto forense.
Essas formas de tratamento e de referência procuram manter o ní­
vel solene, sóbrio e respeitoso das relações com o Poder Judiciário. Mos­
trar respeito, ainda que haja discórdia, com a parte contrária ou com o
julgador, é essencial na disputa forense.15 Dessa forma, o conflito, que é
essencial à disputa pelo Direito, reveste-se de nobreza, de altivez, que se
refrata na linguagem utilizada. Evidente, entretanto, nào bastarem os pro­
Lição 2: Vocabulário e vocabulário jurídico 53

nomes de tratamento para manter o alto nível e a lhaneza nos debates e


entào, contrario sensuy nào seria a inexistência de algumas palavras que fa­
zem parte do vocabulário forense, adjetivando poucos substantivos, que
transformariam a petiçào em peça altiva: outros elementos da linguagem,
como a ausência de argumentações que recaem para a pessoa que litiga na
parte adversa também vêm dar a urbanidade necessária ao texto escrito.
Mas não se pode negar que as formas de tratamento estào de
tal maneira arraigadas à linguagem jurídica que seu desuso no texto escri­
to significaria, hoje, falta de formalidade inaceitável, ao menos nos foros
das capitais.
Por isso que, aqui, tratando do vocabulário jurídico, enunciamos
algumas dessas formas de tratamento, com o intuito de que o leitor as use
devidamente, todas as vezes que necessário for avocar no texto pessoas ou
coisas16 que, no interior do processo, exijam modo especial de referência.

Cargo Fórmula Invocação


Abade, prior, superior, Paternidade Revmo. Dom (Padre)
Yisitador de ordem religiosa
Abadessa Caridade Revma. Madre
Advogado ver item 4
Almirante Excelência Exmo. Sr. Almiranter
Arcebispo Excelência Reverendíssima Exmo. E Revmo. Dom
Arquiduque Alteza A Sua Alteza Arquiduque
Bispo Excelência Reverendíssima Exmo. e Revmo. Dom
Brigadeiro Excelência Exmo. Sr. Brigadeiro
Cardeal Eminência Reverendíssima Exmo. e Revmo. Cardeal
(Eminência) Dom
Cônego Reverendíssima Revmo. Sr. Con.
Cônsul Senhoria Ilmo. Sr. Cônsul
Coronel Senhoria limo. Sr. Cel.
Deputado Excelência Exmo. Sr. Deputado
Desembargador Excelência Exmo. Sr. Desembargador
Duque Alteza (Sereníssimo Senhor) A Sua Alteza Duque
Embaixador Excelência Exmo. Sr.
Frade Reverendíssima Revmo. Sr. Fr.
Freira Reverendíssima Revma. Ir.
General Excelência Exmo. Sr. General
Governador do Estado Excelência Exmo. Sr. Governador
Imperador Majestade (Senhor) A Sua Majestade Imperador
Irmà (Madre, Sóror) Reverendíssima Revma. Ir. (Madre, Sóror)
54 M anual de Redação Forense

Juiz Excelência (Mcritíssimo juiz) Exmo. St. Dr. (Meritís


Juiz)
Major Senhoria limo. Sr. Major
Marechal Excelência Exmo. Sr. Marechal
Ministro Excelência Exmo. Sr. Ministro
Monsenhor Reverendíssima Revmo. Sr. Mons.
Piidrc Reverendíssima Revmo. Sr. Padre
Papa Santidade (Santíssimo Padre), A Sua Santidade Papa
Beatitude (Ao Beatíssimo Padre)
Patriarca Excelência Reverendíssima Exmo. e Revmo. Dom
Beatitude (Ao Beatíssimo Padre)
Prefeito Excelência Exmo. Sr. Prefeito
Presidente de Estado Excclênda Exmo. Sr. Presidente
Príncipe, pdncesa Alteza (Sereníssimo Senhor, A Sua Alteza Príncipe
Sereníssima Senhora) (Princesa)
Rei, rainha Majestade (Senhor, Senhora) A Sua Majestade Rei
(Rainha)
Reitor (de universidade) Magnificência (Magnífico Exmo. Sr. Reitor
Reitor)
Reitor (de seminário) Revercndíssimo Revmo. Sr. Pc.
Secretário de Estado Excelênda Exmo. Sr. Secretário
Senador Excelência Exmo. Sr. Senador
Tenente-Coronel Senhoria limo. Sr. Ten.-Cel.
Vereador Excelência Exmo. Sr. Vereador
Demais autoridades Senhoria limo. Sr.
Oficiais c particulares

Para utilizar as fórmulas de tratamento: os pronomes de tratamento


1. As fórmulas de tratamento, acima descritas, transformam-se em
pronomes de tratamento quando sào precedidas de Sua ou de
Vossa. Podem, também, ser utilizadas no plural:
Suas Excelências^ os desembargadores, decidiram por nào conhe­
cer do recurso.
Vossas Excelências, Senhores Jurados, devem-se ater aos argu­
mentos menos subjetivos, a exemplo do laudo pericial.
Sua(s) emprega-se quando fazemos referência à pessoa:
Sua Excelência o Vice-Presidente da República realizará o de­
bate principal de nosso congresso.
Vossa(s) emprega-se quando nos dirigim os diretam ente à pes­
soa: Vossa Excelência deve fazer constar em ata todas as declara­
ções do depoente.
Lição 2: Vocabulário e vocabulário jurídico 55

Nota: Existe fundamento para a distinção entre “Sua” e “Vos­


sa”, ao referir-se a uma pessoa e ao dirigir-se diretamente a ela.
Tal distinção ocorre porque a fórmula ou o pronome de trata­
mento constitui um recurso para a substituição da invocação da
pessoa pela invocação de uma qualidade que lhe e inerente. As­
sim, quem diz “Sua Santidade o Papa” passa, em um recurso
retórico, a nào se referir diretamente ao Sumo Sacerdote mas sim
à santidade que ele carrega. Ao rei, ao/
que tem de majestoso; ao
juiz, à excelência que traz consigo. E assim que, referindo-se ao
magistrado, diz-se “Sua Excelência = A excelência dele” e, ao se
dirigir a ele, utiliza-se “Vossa Excelência = A excelência de vói\
2. Os pronomes de tratamento relacionam-se sempre com elemen­
tos gramaticais da terceira pessoa, (Ele —Eles), notadamente os
verbos e pronomes. Isso traz, para nossa escrita, algumas conse­
qüências importantes que vale esmiuçar, pois nào sào raros er­
ros nesse sentido:
2.a O verbo é sempre conjugado na terceira pessoa do singular
ou plural:
Vossas Excelências deveis pronunciar-se a esse respeito (er­
rado).
Vossas Excelências devem pronunciar-se a esse respeito
(certo - Eles devem).
2.b Os pronomes possessivos utilizados (meu, minha, teu, tua,
seu, sua, nosso, vosso, seu) quando se usam os pronomes de
tratamento, sào sempre os de terceira pessoa do singular ou
plural.
Vossa Excelência, em vossa obra doutrinária, expõe
o mesmo posicionamento apresentado em razões de apela­
ção (errado).
Vossa Excelência, em sua obra doutrinária, expõe o mesmo
posicionamento apresentado em razões de apelação (correto).
2.c Os pronomes oblíquos utilizados devem ser o da terceira
pessoa (se/a(s)/lhe/).
Vossas Excelências não atenderam ao reclame da defesa,
que lhes expôs a contradição e a obscuridade existentes na r.
decisão embargada.
56 Manual de Redação Forense

Nota: Na forma oblíqua, nào há óbice a que os pronomes de


tratamento apareçam substituídos pelo pronomes oblíquos
de terceira pessoa /lhe/lhes/, assim como nào é menoscabo
fazer a mesma construção através do possessivo seu(s) sua(s).
Esses pronomes servem para evitar a excessiva repetição
do tratamento, que Fica implícito quando utilizados.
Evite, entào, este tipo de construção:
Vossas Excelências deveriam proceder a melhor análise dos
argumentos expendidos pelo apelante. No acórdão de Vos­
sas Excelências, foram reiteradas a Vossas Excelências três ar-
güiçòes de nulidade.
Prefira, para evitar a repetição, a construção abaixo:
Vossas Excelências deveriam proceder a melhor análise dos
argumentos expendidos pelo apelante. Em seu acórdão, fo-
tnm-lbes reiteradas três argüiçòes de nulidade {seu e lhes já
trazem implícito, no contexto, a referência ao tratamento
“Vossas Excelências”).
3. Existem adjetivos que, devido às formalidade do discurso jurí­
dico, encontram-se impregnados na redação de peças enviadas
ao Poder Judiciário. Esses adjetivos podem ser entendidos como
forma de referência, e devem ser utilizados para que, no míni­
mo, se demonstre conhecimento da linguagem usual no foro.
Sào os principais:
Substantivo Adjetivo
sentença respeitável sentença
acórdào venerando acórdão
Tribunal Egrégio Tribunal
Câmara, Turma Julgadora Colenda Câmara
Relator Culto Relator
D efensor N obre D efensor
Patrono Culto Patrono
Prom otor, Procurador de Justiça N obre P rom otor
juiz M eritíssim ojuiz
Juízo Digníssimo Juízo
Julgador Inclito Julgador
)Jção 2: Vocabulário e vocabulário jurídico 57

Esses adjetivos sâo utilizados, muitas vezes, nos vocativos das pe­
tições enviadas a juízo, como que chamando os leitores principais da peça
para atentar para os argumentos que passarào a ser apresentados, em cons­
truções comuns, notadamente em razões de recurso, como:
Razões de apelação:
Apelante: Tício da Silva.
Apelada: J ustiça Pública.
Origem: processo nu 1/00, da Digníssima Primeira Vara Criminal do foro
central da Capital deste Estado de Sào Paulo.
Egrégio Tribunal,
Colenda Câmara,
Culto Relator,
Nobre Procurador de Justiça!
O ora apelante, irresignado com a respeitável sentença do Meritissimo
Juiz de primeira instância, que o condenou a cinco anos de reclusão, em
regime inicial fechado, vem, nesta, mostrar as razões que o fazem pedir a
reforma da ferida decisão monocrática, conforme ora se passa a expor.
Surgem, também, no endereçamento de petições, como:
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DO EGRÉGIO TRI­
BUNAL DE ALÇADA CRIMINAL DESTE ESTADO DE SÂO PAU-
LO - CULTO RELATOR DA APELAÇÃO CRIMINAL N“ 0001/00 -
DOUTOR PRUDENTE DE MORAIS.
Autos de nQ0001/00
Ref.:
Embargos de declaração.

Aparecem também no corpo do texto, toda vez que forem utilizados


os substantivos que merecem, para sua referência, essa adjetivaçào de rotina:
Mas a nobre acusação recusa-se a enfrentar esse argumento, preferindo
tergiversar a respeito de outros elementos dos autos que esta defesa, por
considerá-los irrelevantes, prefere nào articular. Mas a respeitável senten­
ça, rechaçando as periféricas alegações ministeriais, houve por bem dar
guarida à tese defensiva, e assim bem o fez, uma vez que o distinto promo­
tor de justiça em momento algum a rebateu.
58 M anual de Redação Forense

Mas é no corpo do texto que essa adjetivaçào hermética, padroni­


zada, tende a ser quebrada. A adjetivaçào que se impinge a alguns termos
do texto jurídico, que retomam pessoas ou coisas dignas de maior respei­
to, pode, por vezes, vir a se tornar repetitiva, pelo número de retomadas
que o autor tem de fazer, em sua exposição. Para livrar-se dessa excessiva
repetiçào, alguns profissionais optam pela abreviação desses adjetivos;
Nem a r. sentença de fls. 111 nem o v. acórdào de fls. 222 apreciaram os
fundamentos da defesa, motivo pelo qual ora se recorre a essa C. Corte dc
Cassaçào.
A abreviação nem sempre é recomendada, porque dá ainda mais
realce à colocaçào da partícula abreviada como mera formalidade, em
vez de expressão carregada de sentido. A alternativa que se tem, para
evitar a repetiçào, é que sejam variados esses adjetivos, como no exemplo
abaixo:
A nspeitáve! sentença de primeira instância condenou o ora apelante, as­
sentando haver concorrido com culpa grave para o dano. Nessa mesma
sábia decisào, assentou-se que parcela da responsabilidade deveria ser atri­
buída ao Estado.
O redator pode, entào, utilizar-se dessas formas de adjetivaçào e
referência padronizadas, abreviando-as se assim o desejar, ou variá-las,
utilizar sinônimos que assumem significação bastante próxima daquelas
de praxe, sempre elogiosas, conforme visto nos exemplos acima. De qual­
quer modo, é importante que o faça com uma intenção, pois esses adjeti­
vos, que constituem uma prática da linguagem forense, podem funcionar
como elemento retórico, com força argumentativa, dependendo da utili­
zação que deles faz o autor do texto.
Para entendermos, vejamos os exemplos abaixo:

- I -

É por isso que o ora recorrente vem-se manifestar contra os ter­


mos do v. acórdão recorrido, que sequer se prestou a fundamentar
sua decisão, mais parecendo um texto pronto, modelo, que, confor­
me se vem demonstrando, em nada se aplica ao caso concreto.

-II-
A magnífica sentença prolatada pelo merítíssimo juiz de primeira
instância é inatacável em seus sábios fundamentos, não merecen­
do qualquer guarida as razões do apelante, as quais, ainda que
Lição 2: Vocabulário e vocabulário jurídico 59

prolatadas por culto patrono, somente pretendem protelar o feito, a


execução imediata da judiciosa e prudente decisão de primeira ins­
tância, que não merece qualquer reforma.

No primeiro fragmento, o autor do texto, pouco satisfeito com o


acórdão a que se refere, buscando a reforma de seu teor, ao que parece,
com argumentos incisivos, prefere utilizar somente o adjetivo abreviado
(v. = venerando), deixando claro que tal referência elogiosa somente se
faz pela praxe. No segundo fragmento, os adjetivos que acompanham os
termos jurídicos, além de nào aparecerem abreviados, variam-se, fugindo
daqueles utilizados na praxe forense, o que mostra ao leitor que os elogi­
os sào carregados de sentido. O profissional que enuncia o texto, como se
depreende do conteúdo deste, realmente encontra-se satisfeito com os
termos a que se refere (sentença, juiz, decisào), e por isso pretende fazer-
lhes apresentação honrosa, vez que isso atende a seus interesses no deslinde
da causa.
Entào, ainda que essas referências pertençam ao vocabulário jurí­
dico como praxe, como forma respeitosa —porém estandardizada —de se
referir às partes do processo, aos julgadores e alguns elementos a eles
ligados, pode o operador do direito tirar proveito delas para utilizá-las
como elemento retórico, ou seja, elementos que contribuem para a persu­
asão do leitor.
Basta trabalhar os efeitos causados por suas variações.
4. Muito se questiona, também, quanto à forma de tratamento que
devemos dispensar aos advogados e promotores de justiça. Pro­
curamos aqui elucidar essa questào, que, por se tratar de tema
que causa divergência em nosso meio, procuramos fundamen­
tar, ainda que brevemente.
A maioria das gramáticas indica, nào sem razào, que a fórmula “Ex­
celência” e os pronomes de tratamento “Vossa/Sua Excelência” sào ex­
clusivos de Desembargadores, Juizes e outras tantas autoridades milita­
res ou civis. Nào se discute que sua posição como figura de importância
faz merecer esse relevo, e, por isso, os envelopes e endereçamento feito
às autoridades judiciárias, em nosso caso específico, trazem a fórmula
“Excelentíssimo Senhor Juiz”, “Excelentíssimo Senhor Desembargador”...
Para os advogados, por nào constituírem, no estrito significado do
termo, autoridade, o pronome de tratamento seria o “Vossa/Sua Senho­
60 Manual de Redação Forense

ria”, ou a fórmula “Ilustríssimo senhor”, o que pareceria bastante ade­


quado, caso nào se analisassem outros fatores prementes nesse contexto.
Ocorre que, se os pronomes de tratamento diferenciam cargos, posi­
ções ou papéis sociais que a pessoa ocupa, presumindo uma qualidade ineren­
te a cada um deles (excelência, santidade, majestade, alteza...) surge evi­
dente a afirmaçào de que os diferentes tratamentos comportam uma or­
ganização de hierarquia que acaba por defini-los.
Sabe-se, no entanto, que, entre juiz, promotor e advogado não há,
na demanda, relação hierárquica, por força de dispositivo legal, como
abaixo se lê:
LEI 8.906 DE 4/7/1994- DOU 5/7/1994
Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil - OAB
Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados
do Brasil - OAB.
TlTULO I - Da Advocacia (artigos 19a 43)
CAPlTULO II - Dos Direitos do Advogado (artigos 6Se 7ft)
TEXTO:
ART. 69- Nâo há hierarquia nem subordinação entre advogados,
magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tra-
tar-se com consideração e respeito recíprocos.
Parágrafo único. As autoridades, os servidores públicos e os
serventuários da justiça devem dispensar ao advogado, no exercício
da profissão, tratamento compatível com a dignidade da advocacia e
condições adequadas a seu desempenho.

A ausência de subordinação e a “consideração e respeito recípro­


cos”, ou, em termos mais adequados, a “consideração e respeito equiva­
lentes”^ tornam forçosa a conclusão de que o tratamento feito entre essas
personagens deve ser, também, equivalente. Portanto, nào se justifica, ao
menos à luz desse dispositivo legal, que o magistrado seja tratado por
“Vossa Excelência” e o advogado por fórmulas que dão indícios de se reve­
larem hierarquicamente inferiores, como “Senhor” ou “Vossa Senhoria”.
Em sustentações orais ou plenários do Júri- ao menos neste Esta­
do de Sào Paulo, em que se ressalta a relaçào cordial com as partes em
litígios judiciais —é comum que os advogados, nessas ocasiões trajados
com beca, sejam tratados por Vossa Excelência, o mesmo nào ocorrendo
nas manifestações escritas, sendo rara a colocação “Exmo. Sr. Advoga­
do”, ou “Sua Excelência o advogado Fulano”. Exigir tal colocação pode
parecer, a princípio, pedante ou pretensiosa, mas nada mais se trata do
Lição 2: Vocabulário e vocabulário jurídico 61

que fazer cumprir o “respeito recíproco” de que trata o artigo de lei acima
recortado, que se revela como garantia da devida operacionalidade da
Justiça, por várias razões que constituem mérito em que aqui nào nos
podemos estender. Qualquer reverência por parte do advogado que se
revele como exclusiva do magistrado pode tomar ares de subordinação do
patrono, e isso representaria entrave à operacionalidade do Direito.
E essa paridade de tratamento já se encontra presente nas formas
de referência ao trabalho dos advogados, pelos próprios membros da ma­
gistratura —principalmente os partícipes dos Tribunais —que, ao redigi­
rem suas decisões, fazem construções do ripo:
Nas doutas razões de apelaçào, o culto patrono articulou argumentos
que, nào bastante revelarem seu amplo conhecimento jurídico e raro em­
penho profissional, carecem de maior razão.
Todavia, o trabalho de funcionários de cartório muitas vezes nào
respeita essa paridade. É o caso das referências que fazem aos represen­
tantes das partes no processo, quando envolvem Promotor ou Procurador
de Justiça e advogado. Nào é nada incomum haver publicações em Diário
Oficial nos seguintes termos:
Sustentou oralmente o advogado Dr. Caio da Silva e fez uso da
palavra o Excelentíssimo Senhor Procurador de Justiça Tício Ferreira.

Nào é necessário mais explicar como esse tipo de construção de lin­


guagem e tratamento ofende a igualdade entre as partes e os termos da lei.
Portanto, o tratamento paritário entre as partes e o magistrado, que
já ocorre em nas formas de referência, deve-se estender aos pronomes de
tratamento, e é por isso que se fundamenta o tratamento do advogado,
dentro do foro, pela fórmula Excelentíssimo Senhor, reforçando a
inexistência de subordinação entre patrono e magistrado.
E, se assim o for, à toda evidência deve o advogado conceder o
mesmo tratamento à parte adversa, seja seu colega ou membro do Minis­
tério Público, mantendo a altivez do discurso judiciário e, mais ainda,
evitando que o embate entre posicionamentos e argumentos, natural das
contendas forenses, transfira-se à pessoa que representa a parte contrária,
o que é inadmissível porque nada nobre.
5. Uma das fórmulas de representar o respeito, sem a utilização de
fórmulas de tratamento, é o uso da letra maiúscula.
62 Manual de Redação Forense

Sabe-se que uma das funções da letra inicial maiúscula (além de


indicar o início da frase ou a designaçào de nome próprio) é revelar res­
peito a cargos e funções.
Portanto, pode-se escrever dessa forma:
Juiz e Promotor de Justiça parecem abraçar o mesmo entendi­
mento, o de que a aludida testemunha, que prestou seu depoimento
somente em Juízo, foi parcial em suas afirmações.

Percebe-se que “Juiz” c “Promotor de Justiça”, embora nào seja


substantivos próprios, aparecem com letra inicial maiúscula, revelando a
importância do cargo referido. Tal uso é permitido, desde que siga critéri­
os. Nào se deve, assim, fazer a construçào abaixo:
O Promotor de Justiça chegou a pedir a absolvição, mas o
meritíssimo juiz não acatou esse entendimento.

Perceba-se que, com o uso indiscriminado da letra maiúscula, a


figura do Promotor pareceu mais enaltecida que a do juiz, uma vez que
estúltima nào contou com iniciais maiúsculas. Assim, se o autor optar por
utilizar a inicial maiúscula para revelar respeito a um cargo qualquer, deve,
para manter o paralelismo, a harmonia de construçào, fazer o mesmo com
todos as demais figuras que mereçam a mesma reverência.
Nota: O uso cuidadoso da inicial maiúscula, bem como de todas as
formas de tratamento e referência, posto que por vezes possam parecer
detalhes irrelevantes, traspassam conteúdo significativo, principalmente
ao leitor mais detalhista, valendo a pena atentar para seu correto uso.
Repare, por exemplo, como foi usada a inicial maiúscula no provimento
nu 688/99, do Conselho Superior da Magistratura do Estado de Sào Pau­
lo, abaixo copiado cm trechos:17
Artigo 32- 0 Ofício do Juizado Especial Criminal do Foro Regio­
nal VII (Itaquera) será integrado pelas seguintes seções:
(...)
b) Seção processual e de audiências - responsável pelo cumpri­
mento de despachos judiciais, aberturas de vista ao Ministério Pú­
blico e aos Advogados das partes, praticando tudo o que for neces­
sário para o bom andamento do processos, realização de audiênci­
as e registro de sentenças.
(...)
Artigo 10- A autoridade policial, ao tomar conhecimento da ocor­
rência, lavrará termo circunstanciado, que encaminhará imediata­
Lição 2: Vocabulário e vocabulário jurídico 63

mente ao Juizado, e, considerando a peculiaridade de cada caso,


determinará que as partes compareçam de pronto ou em prazo de­
terminado pelo Juízo, ao Juizado Especial.
Parágrafo único - A parte será cientificada de que poderá compa­
recer acompanhada de advogado da sua confiança e que, na falta
deste, ser-lhe-á designado um advogado dativo pelo Juízo.
(...)
Artigo 12 - Na audiência preliminar, presente o representante do
Ministério Público, o autor do fato, a vítima e, se necessário, o repre­
sentante civil, acompanhados por seus advogados, o Juiz esclare­
cerá sobre a possibilidade da composição dos danos e da aceitação
da proposta de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade.

Nos termos por nós negritados, no texto acima, as maiúsculas fo­


ram utilizadas para iniciar palavras que representam cargos importantes.
Entretanto alguns desses termos, em momentos diferenciados assumi­
ram iniciais minúsculas, revelando incômodo destrato ao cargo. Isso ocor­
reu nos artigos 10, § único e no artigo 12. Neste, lê-se o nome advogado
iniciado em minúscula, ladeado pelo termo ////~, iniciado em maiúscula, o
que, embora pudesse nào ser a intençào do autor, por esse mero detalhe
acabou por, sem fundamento, menoscabar a figura do advogado diante da
do magistrado, no próprio texto normativo.
Nota 2: E comum, no entanto, que se utilizem as iniciais maiúscu­
las para se referir ao órgão, enquanto se utilizem as minúsculas para iniciar
o substantivo que determina o cargo ou profissão, como no exemplo abaixo:
A Ordem dos Advogados deve ser saudada por tão brilhante re­
presentação que lhe fez o ilustrado advogado aqui presente, bem
como o Ministério Público, que, por meio do culto procurador de
justiça nomeado, mostrou sua combatividade para defender o
posicionamento assumido desde o início da demanda.

Quaisquer que sejam os critérios escolhidos, nào se pode utili­


zar um tratamento a uma parte sem o dar a outra, a não ser que se tenha
para tanto uma intençào clara.

2.5 Os brocardos e expressões latinas


É inevitável, em se tratando de vocabulário jurídico, referir-se aos
brocardos e expressões latinas.
Os brocardos são máximas jurídicas, frases que exprimem princí­
pios do direito. Como nosso direito tem origem latina, muitas das expres-
64 M anual de Redação Forense

soes que enunciam seus princípios basilares permaneceram no vocabulá­


rio daqueles que o cultuam, ou foram resgatados das épocas em que o
latim era língua viva, corrente, forma de enunciaçào das construções de
raciocínio que eram elaboradas àquele tempo.
Por exemplo, o brocardo (es/is unus, íestis nullus (testemunha única,
testemunho nulo) mostra uma rejeição, aparentemente desde os tempos
romanos, à validade do depoimento de uma única testemunha. A utiliza­
ção em uma petição da expressão demonstra que tal rejeição é antiga e
que, permanecendo por meio da referida máxima, nào deve deixar de ser
acatada pelo julgador.
As expressões sào denominações antigas de institutos que ainda
prevalecem no direito, servindo como linguagem técnica, específica de
nossa área de atuaçào. Sào exemplos aberractio ictus, que significa o erro de
execução. Na doutrina e na jurisprudência, devido à existência de tal ex­
pressão latina, ela é mais utilizada que seu próprio correspondente em
língua portuguesa, por parecer mais técnica.
Portanto, podem-se firmar duas funções para as expressões e bro-
cardos latinos. A primeira delas é a linguagem apurada, posto que o Direi­
to atual mantém ou recupera, pela denominação original, os institutos
que, na maioria da vezes, surgiram no Direito Romano. Assim, as expres­
sões latinas revelam técnica da linguagem, pela referência específicas a
tais institutos. Por outro lado, servem as aludidas expressões —ainda no
que atine à linguagem —para revelar erudição do enunciador, porque
constituem termos de rara aplicação e conhecimento.
Nesse ponto, importante frisar, também, que as expressões latinas
podem, entào, vir caracterizar a linguagem preciosa, arcaica ou estrangei­
ra. Como conseqüência disso, é necessário que o profissional as use com
comedimento, lembrando-se da necessidade de clareza e sustenlabilidade
de seu discurso, como já visto neste mesmo capítulo.
A segunda função, mais pertinente aos brocardos jurídicos, é argu-
mentativa. Os brocardos, por sua origem, funcionam como axioma, como
sentença que não necessita de maior demonstração (vide, adiante, argu­
mento de senso comum. Vejamos o exemplo abaixo:
O Ministério Público pretende punir aquele que concedera entre­
vista a jornal sem que, antes, o jornalista faça prova inequívoca de que
divulgara, em sua matéria, com fidelidade, o que afirma haver colhido do
Lição 2: Vocabulário e vocabulário jurídico 65

entrevistado. Mas o artigo 3 7 ,1, da Lei de Imprensa mostra, com clareza,


na linha de sua responsabilidade sucessiva, que o responsável pelo crime
contra a honra divulgado em matéria jornalística é aquele que lançara o
texto à publicação, ou seja, o jornalista. Depois de a defesa alegar a apli­
cação de tal artigo, a acusação pretende-lhe impingir nova interpretação,
totalmente descabida, porquanto in claris cessat interpretatio.
A locução latina serviu para o autor do texto acima como recurso
argumentativo. In claris cessat intetpretatio (no claro cessa a interpretação) é
um princípio antigo, que nào pode ser negado pelo julgador: este sabe que
nào deve discutir interpretação da lei quando seu texto assim nào o per­
mite. Portanto, mais que demonstrar erudiçào ou ser técnico, o autor pro­
curou, com esse brocardo, tomar indiscutível o preceito legal que lhe in­
teressa. Com a invocação do brocardo, o autor poupa-se de maior esforço
argumentativo, porquanto a afirmação latina, por sua propriedade e anti­
güidade —advinda da fonte romana do direito —, toma-se dogmática, in­
discutível.
O Direito e o latim são, ainda hoje, ao menos nas sociedades que
adotaram princípios do Direito Romano, quase que indissociáveis e, por­
tanto, a utilização de termos dessa língua morta tem ainda grande cabi­
mento. Todavia, o efeito argumentativo de outras locuções nào latinas,
como axiomas perpetrados por sua propriedade indiscutível, também nào
se pode desconsiderar. Trabalharemos as propriedades argumentativas em
capítulo posterior, mas, para que o leitor conte com maior opçào de voca­
bulário, recomenda-se a leitura da listagem abaixo, que traz seleção de
locuções e brocardos latinos.
Terminando nosso capítulo, trazemos outros elementos cuja leitura
pode ajudar o aluno a ampliar seu vocabulário. Sào os “superlativos”, as
“nomenclaturas de crimes”, os “masculinos e femininos”, os “homófonos
e parônimos”, os “antônimos” e, por fim, as “palavras raras”, que podem
ajudar quando se desejarem construir termos preciosos.
A leitura completa desse anexo com certeza fará com que o leitor
acrescente uma ou outra palavra ou expressão a seu vocabulário ativo, e,
se tiver curiosidade pelos tão variados vocábulos de nossa língua, com
certeza fará um exercício agradável.
66 M anual de Redação Forense

2.6 Palavras e expressões mais usuais do latim18


AB ABSURDO: partindo do absurdo.
AB ACTIS: para cuidar dos autos.
AB AETERNO: de toda a eternidade, sempre.
ABERRATIO DELICTI: desvio do delito. Erro por parte do criminoso
quanto à pessoa da vítima.
ABERRATIO ICTUS: erro do alvo. Dá-se quando o delinqüente atinge,
por imperícia, pessoa diversa da que visava.
AB HOC ET AB HAC: a torto e a direito. Discorrer alguém sobre o que
nào entende.
AB IMO CORDE: do fundo do coração, sinceramente.
AB INCUNABULIS: desde o princípio, desde a origem.
AB INITIO: desde o começo.
AB INTEGRO: estado originário, inteiramente.
AB INTESTATO: sem deixar testamento.
AB IRATO: movido pela cólera.
AB ORE AD AUREM: da boca ao ouvido; em segredo, discretamente.
AB ORIGINE: desde a origem.
AB OVO: desde o ovo; desde o começo.
AB OVO (USQUE) AD MALA: do princípio ao fim.
ABSENTE REO: estando o réu ausente.
AB UNO DISCE OMNES: por um se conhece a todos.
AB URBE CONDITA: da fundação da cidade.
ABUSUS NON TOLLIT USUM: o abuso nào impede o uso.
ABYSSUS ABYSSUM INVOCAT: um abismo atrai outro abismo.
A CAPITE AD CALCEM: da cabeça aos pés.
ACCESSIO TEMPORIS: acréscimo do tempo (passado com o atual).
ACCESSORIUM SEQUITUR PRINCIPALE: o acessório segue o principal.
Lição 2: Vocabulário e vocabulário jurídico 67

ACCIPIENS: pessoa que recebe um pagamento; recebedor.


ACTA EST FABULA: terminou a peça.
ACTIO AD EXHIBENDUM: açào para fins de exibir. Açào para exigir a
apresentação, em juízo.
ACTIO AESTIMATORIA /QUANTI MINORIS: ação estimatória (= de
avaliação)/(açào) de quanto menor preço.
ACTIO COMMUNI DIYIDUNDO: acào a fim de dividir a coisa comum.
ACTIO DE EDENDO: ação de exibição. Açào para fins de se apresen­
tar em juízo (um documento).
ACTIO DE IN REM VERSO: ação regressiva.
ACTIO FAMILIAE (H)ERCISCUNDAE: ação de partilhar a herança.
ACTIO JUDICATI: ação de coisa julgada. Ação (execução de) sentença
transita em julgado.
ACTIO LEGIS AQUILIAE: ação da Lei Aquília.
ACTIO LIBERA IN CAUSA: açào (criminosa) livre em sua causa (=ori-
gem). Ato (criminoso) voluntariamente (assumido) em sua origem causai.
ACTIO REDHIBITORIA: ação redibitória. Açào de devolução (da coisa
por vício oculto).
AD ARBITRIUM: arbitrariamente.
AD ARGUMENTANDUM TANTUM: somente para argumentar.
AD AUGUSTA PER ANGUSTA: aos bons resultados pelos caminhos
ásperos. Não se vence na vida sem lutas.
AD CALENDAS GRECCAS: para as calendas gregas. Para o “Dia de São
Nunca”, pois os gregos nào tinham calendas (mês do calendário romano).
AD CAUTELAM: por precaução.
AD CORPUS: expressào usada para indicar a venda de imóvel, sem a
medida de sua área, por oposição à venda ad mensuram.
AD DIEM: até o dia.
AD EXEMPLUM: por ou para exemplo.
AD FINEM: até o fim.
68 Manual de Redação Forense

AD GLORIAM: pela glória.


AD HOC: para isso. Diz-se de pessoa ou coisa preparada para determina­
da missào ou circunstância.
AD HONORES: para as honras, como título de glória.
AD IMPOSSIBILE/NEMO TENETUR: ninguém é obrigado ao impos­
sível/ às coisas impossíveis.
AD INSTAR: à semelhança.
AD ÍNTERIM: provisoriamente.
AD JUDICEM DICERE: falar perante o juiz.
AD JUDICIA: para o juízo. Diz-se do mandato judicial outorgado ao ad­
vogado pelo mandante.
AD LITEM: para o litígio,. Relativo ao processo em causa.
AD LITTERAM: literalmente.
AD MENSURAM: conforme a medida, venda estipulada de acordo com
o peso ou a medida.
AD NEGOTIA: para os negócios. Refere-se ao mandato outorgado para
fins de negócio.
AD PRAETERITUM: para o passado.
AD PERPETUAM REI MEMORIAM: para lembrança perpétua da coi­
sa. Em jurisprudência designa a vistoria judicial realizada para resguardar
ou conservar um direito a ser futuramente demostrado no autos da ação.
AD QUEM: para quem. Diz-se do juiz ou tribunal a que se recorre de
sentença ou despacho de juiz inferior. Dia marcado para execução de
uma obrigação.
AD REFERENDUM: para ser referendado. Diz-se do ato que depende
de aprovação ou ratificação da autoridade ou poder competente.
AD SOLEMNITATEN: para a solenidade.
AD SUBSTANTIAM ACTUS: para a substância do ato. Diz-se do instru­
mento público, quando exigido como formalidade solene.
Lição 2: Vocabulário e vocabulário jurídico 69

AD UNGUEM: com a unha. Alusào ao brilho que se obtém passando a


unha sobre uma superfície.
AEQUO PULSAT PEDE: bate com o pé igual.
AFFECTIO SOCIETATIS: o interesse societário.
A FORTIORI: com mais razão.
ALBO LAPILLO NOTARE DIEM: marcar o dia com pedra branca. Ser
feliz durante o dia.
ALEA JACTA EST: a sorte foi lançada.
ALIBI: em outro lugar. Meio de defesa pelo qual o acusado alega e prova
que, no momento do delito, se encontrava em lugar diverso daquele onde
o fato delituoso se verificou.
ALTER EGO: outro eu.
A MAXIMA (POENA): apelativo a máxima pena.
AMICUS CERTUS IN RE INCERTA CERNITUR: o amigo certo se
manifesta na ocasião incerta.
AMICUS PLATO, SED MAGIS AMICA VERITAS: gosto de Platão,
porém prefiro a verdade.
AMOR ETTUSSIS NON CELANTUR: o amor e a tosse nào se escondem.
ANIMUS DOMINI: intenção de (ser) proprietário (=senhor/dono).
APUD ACTA: junto aos autos. Nos autos.
AUDIATUR (E l) ALTERA PARS: ouça-se (= que seja ouvida) também
a parte contrária.
BIS DE EADEM RE NE SIT ACTIO: nào haja ação, duas vezes, sobre
a mesma coisa.
BREVITATIS CAUSA: por motivo de brevidade.
BUSILLIS: o ponto inteligível de uma questão.
CEDANT ARMA TOGAE: cedam as armas à toga (= à paz).
COGITO, ERGO SUM: penso, logo existo.
CONCESSA (MAXIMA) VENIA: caso se conceda a permissão.
70 M anual de Redação Forense

CONDICIO POTESTATIVA: condição potestatíva.


CONDICIO SINE QUA(NON): condição necessária, imprescindível.
CONFESSUS PRO JUDICATO HABETUR/EST: o confesso (= o que
confessa) é tido por julgado.
CONTRARIO (SENSU): contrariamente, no sentido contrário.
CUI PRODEST?:a quem aproveita (= interessa)?
CURRENTE CALAMO: fluente a caneta; ao correr da pena.
CUSTOS LEGIS: o guardião da lei.
DA MIHIFACTUM, DABO T1BIJUS: dá-me o fato, (que) te darei o direito.
DATA (MAXIMA) VENIA: dada a permissão.
DAT, DONAT, DICAT: dá, dedica e consagra.
DE LEGE FERENDA: nos moldes da lei que deve ser baixada (= pro­
mulgada).
DE MOTO PROPRIO: por impulso próprio.
i

DOMINUS LITIS: o dono da lide.


ELECTA UNA VIA, NON DATUR REGRESSUS AD ALTERAM: es­
colhida uma via, não se dá (= não é permitido) o regresso para outra.
ERGA OMNES: relativamente a (= para com/contra) todos.
ERROR IN JUDICANDO/IN PROCEDENDO: erro ao julgar, ao pro­
cessar.
EXCEPTIO NON ADIMPLETI CONTRACTUS: exceção do contrato
não (devidamente/pontualmente) cumprido.
EXCEPTIO PLURIUM CONCUMBENTIUM: exceção dos inúmeros
amantes.
EXCEPTIO VERITATIS: exceção da verdade.
EX CONTRACTU: nascida do contrato.
FIAT JUSTITIA, PEREAT MUNDUS: faça-se justiça, ainda que pereça
o mundo.
FUMUS BONIJURIS: fumaça (= aparência) do bom direito.
Lição 2: Vocabulário e vocabulário jurídico 71

IBIDEM: no mesmo lugar.


IN ALBIS: em branco.
INAUDITA ALTERA PARTE: não (sendo) ouvida a outra parte.
IN CLARIS CESSAT INTERPRETATIO: nas coisas claras cessa a in­
terpretação, nào há margem para diversas interpretações.
INCLUSIO UNIUS, EXCLUSIO ALTERIUS: inclusão de um (pessoa/
coisa), exclusão de outro( de outrem/outra coisa).
IN DUBIO, PRO REO: na dúvida, em favor do réu.
IN FRAUDEM CREDITORUM: em fraude dos credores.
IN TOTUM: no todo, integralmente.
INFRA MUROS/PARIETES: dentro dos muros/das paredes. Na inti­
midade.
INTER CRIMINIS: o caminho do crime; as fases por que passa o crime.
JURA NOVIT CURIA: o juiz é quem conhece e sabe interpretar o direito.
JUS PERSEQUENDI: o direito de agir em juízo.
JUS PUNIENDI: o direito de punir.
LAPSUS CALAMI: erro que escapou na escrita.
LEX SPECIALIS DEROGAT GENERALI: a lei especial revoga a geral.
LONGA MANUS: mão longa.
MORE UXORIO: à moda matrimonial.
MUTATIS MUTANDIS: mudadas as ( - aquelas) coisas que devem ser
mudadas.
NEC VI, NEC CLAM, NEC PRECÁRIO: nem pela força, nem clandes­
tinamente, nem precariamente.
NE SUTOR ULTRA CREPIDAM: não julgue o sapateiro além da sandália.
NON LIQUET: não está claro.
NOTITIA CRIMINIS: notícia do crime.
NUMERUS CLAUSUS: número fechado (= taxativo).
ONUS PROBANDI: o ônus da prova.
72 M anual de Redação Forense

PACTA SUNT SERVANDA: os pactos devem ser observados (cumpridos).


PERICULUM IN MORA: perigo(pela) demora.
PERSONA (NON) GRATA: pessoa(não) bem aceita/bem recebida.
POSTERIORES LEGES AD PRIORES PERTINENTE, NISI
CONTRARIAE SINT: as leis posteriores pertencem às anteriores, a nào
ser que sejam contrárias.
POSTQUAM TEMPUS DILATIONIS CURRERE INCIP EST
CONTINUUM ET IN EO COMPUTANTUR DIES SOLEMNES,
FESTIVE ATQUE FERIATI: Depois que começa a correr, o tempo de
dilação é contínuo e nele se computam os dias solenes, festivos e feriados.
POSTREMUM TOTUS DIES COMPLETUS ESSE DEBET: O último
dia deve ser completo, inteiro.
PRETIUM DOLORIS: indenização pelo dano moral.
PUNCTUM SALIENS: perto relevante.
QUANDO BENE SE GESSERIT: enquanto se comportar bem.
QUANTUM LIBEAT: quanto lhe agrade, à vontade.
QUANTUM SUFFICIT: o suficiente, o estritamente necessário.
QUIA NOMINOR LEO: porque me chamo leào. Para estigmatizar aque­
les que abusam de sua força ou posição.
QUID INDE?: e então? Qual a conseqüência disso?
QUID JURIS?: qual a solução que o direito oferece?
QUINIMIS PROBAT, NIHIL PROBAT: quem prova demais nada prova.
QUIDQUID DELIRANT REGES, PLECTUNTUR ACHIVI: quando os
reis deliram, os gregos sào açoitados. O povo paga pelos desvarios dos
governantes.
QUIETA NON MOVERE: nào mexer no que está quieto.
QUI HABET AURES AUDIENDI AUDIAT: quem tem ouvido para
ouvir, ouça.
QUIS TULERIT GRACCHOS DE SEDITIONE QUAEREN-TES?:
quem suportará que os Gracos se queixem de sedição ? Quem empregou
Lição 2: Vocabulário e vocabulário jurídico 73

um meio para conseguir determinado fim nào tem força moral para con­
denar esse meio.
PRAESCRIPTIO ENIM JURIS PUBLICI EST: a prescrição é de Direito
Público.
PRAESUMPTIO CEDIT VERITATI: a presunção cede à verdade.
PRAESUMPTIO EST CONJECTURA SEU DIVINATIO IN REBUS
DUBIIS COLLECTA EX ARGUMENTIS VELINDICIIS PER RERUM
CIRCUMSTANTIAS FREQUENTER EVENIENTIBVUS: presunção é
a conjetura ou adivinhação coligida nas coisas duvidosas, de infícios ou ar­
gumentos, pelas circunstâncias das coisas que frequentemente acontecem.
PRAESUMPTIO JURIS ET DE JURE: presunção absoluta.
QUOD DEUS AVERTAT: Deus nos livre.
QUOD VOLUMUS FACILE CREDIMUS: facilmente cremos aquilo que
desejamos.
QUOT CAPITA , TOT SENSUS: quantas cabeças, tantas sentenças.
RATIO JURIS: razão dó direito. Motivo que o hermenauta encontra no
direito vigente para justificar a interpretação ou solução que dá a uma
regra jurídica ou a certo caso concreto.
RATIO LEGIS: a razão da lei. Espírito que inspira a lei e deve ser objeto
de investigação dos intérpretes e comentadores que procuram esclarecer
o seu texto.
REFORMATIO IN MELIUS/IN PEJUS: reforma para melhor/para pior.
RES INTER ALIOS JUDICATA ALIIS NEQUE NOCET NEQUE
PRODEST: a coisa julgada nào pode aproveitar e nem prejudicar senào
às próprias partes.
RES JUDICATA PRO VERITATE HABETUR: a coisa julgada é tida
por verdade. Axioma jurídico, segundo o qual aquilo que foi objeto de
julgamento definitivo nào pode ser novamente submetido a discussão.
RES NULLIUS: coisa de ninguém, isto é, que a ninguém pertence.
REUS ABSOLVITUR ETIAM SI NIHIL PRAESTITERIT: o réu deve
ser absolvido mesmo que nada alegue.
74_____________________________________________ Manual de Redação Forense

RIRA MIEUX QUI RIRA LE DERNIER: ri melhor quem ri por último.


ROGATIO LEGIS: propositura da lei.
SALUS POPULI SUPREMA LEX ESTO: a salvação do povo seja a su­
prema lei.
SCINTILLA CONTEMPTA EXCITAVIT MAGNUM INCEN-DIUM:
pequena centelha ateou um grande incêndio. Coisas pequenas podem ter
graves conseqüências.
SANUM MENTE, LICET AEGROTUM CORPORE, LICET RECTE
TRANSIGERE: aquele que tem a mente sã, ainda que seja doente do
corpo, retamente transige.
SCIENTI AC VOLENTI ET INTELLIGENTI, FRAUS FIERI NON
POTEST: não se pode fazer fraude ao que sabe, ao que quer e entende.
SCRIBITUR AD NARRANDUM, NON AD PROBANDUM: escreve-
se para narrar, não para provar.
SED ET SI FUERIT SUBSECUTUM EX EO VEL OB ID QUOD
INTERDICENTE LEGE FACTUM EST, ILLUD QUOQUE CASSUM
ET INUTILE ESSE PRECIPIMUS: mas se seguir daquilo ou por aquilo
que foi feito sob proibição da lei, mandamos que seja vão e inútil.
SEMPER VESTIGIA VOLUNTATIS SEQUIMUR: seguimos sempre os
vestígios da vontade.
SINE DIE: Sem data fixa.
SINE IRA ET STUDIO: sem ódio e sem preconceito.
SI QUIS INDEBITUMIGNORANS SOLVIT, PER HANC ACTIONEM
CONDICERE POTEST: se alguém pagou o indevido ignorando, pode
repetir por esta ação.
STULTITIAM SIMULARE LOCO SUMMA PRUDENTIA EST: simu­
lar tolice em circunstância oportuna é grande prudência.
SUB JOVE: debaixo de Júpiter, ao relento.
SUB JUDICE: sob o juízo. Diz-se da causa sobre a qual o juiz ainda não
se pronunciou.
SUBLATA CAUSA TOLLITUR EFFECTUS: eliminada a causa, desa­
parece o efeito.
Lição 2: Vocabulário e vocabulário jurídico 75

SUI GENERIS: do seu gênero; peculiar.


SUO JURE: por direito próprio.
SUO TEMPORE: em seu tempo.
SUS MINERVAM DOCET: o porco ensina a Minerva. Sempre que al­
guém pretende ensinar outrem aquilo em que ele é especializado.
TANTUM DEVOLUTUM, QUANTUM APPELLATUM: tanto foi de­
volvido quanto apelado (recorrido).
TEMPUS EDAX RERUM: tempo devorador das coisas.
TEMPUS EST OPTIMUS JUDEX RERUM OMNIUM: o tempo é o
melhor juiz de todas as coisas.
TEMPUS LENIT ODIUM: o tempo abranda o ódio.
TERMINUS AD QUEM: termo a que. Ponto que determina o fim de
uma acào.
j

TERMINUS A QUO: termo do qual. Ponto que marca o início de uma


ação.
TESTIS UNUS, TESTIS NULLUS: testemunha única, testemunha nula.
TIMEO DANAOS ET DONA FERENTES: temo aos gregos ainda quan­
do oferecem presentes. Episódio da Eneida, referente ao cavalo de Tróia
deixado como oferta aos deuses.
TIMEO HOMINEM UNIUS LIBRI: temo o homem de um só livro.
TOLLITUR QUAESTIO: dissipa-se a discussão.
UBICUMQUE SIT RES, PRO DOMINO SUO CLAMAT: onde quer
que esteja a coisa clama pelo seu dono. Princípio jurídico que resume o
direito de propriedade.
UBI NON EST JUSTITIA, IBI NON POTEST ESSE JUS: onde nào
existe justiça nào pode haver direito.
ULTIMA RATIO: última razão. Argumento decisivo e terminante.
UMA VOCE: de comum acordo.
VADE MECUM: vai comigo. Diz-se dos livros de conteúdo prático e
útil, e formato pequeno.
76 M anual de Redação Forense

VANITAS VANITATUM ET OMNIA VANITAS: vaidade das vaidades,


e tudo é vaidade.
VENI, VIDI.VICI: vim, vi, venci.
VERBA VOLANT, SCRIPTA MANENT: as palavtas voam, os escritos
permanecem.
VINCIT OMNIA VERITAS: a verdade vence todas as coisas.
VOX CLAMANTIS IN DESERTO: a voz do que clama no deserto. Uti­
lizado para mostrar quando alguém é voz única para defender uma opi­
nião, ou quando o pedido de alguém é, reiteradamente, ignorado.
Liçâo 2: Vocabulário e vocabulário jurídico_________________________________ 77

Nomenclatura de crimes
Animicida —o que mata a alma.
Assassínio —ato da eliminação da vida.
Assassino —indivíduo que mata alguém.
Deicida —que, ou que matou Deus.
Filicida —morte que os judeus deram a Cristo.
Filicídio - pessoa que mata o próprio filho.
Fratricida —autor de fratricídio; relativo a guerras chis.
Fratricídio —assassínio de irmão.
Homicida —pessoa que pradca homicídio.
Homicídio - assassínio, morte de uma pessoa praticada por outra.
Infanticida —assassínio do recém-nascido até sete dias após o nascimen­
to; morte do próprio filho.
Genocida —pessoa que pratica o genocídio.
Genocídio —ato de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional,
étnico, racial ou religioso.
Latrocida —pessoa que mata o ladrão.
Latrocídio —ato de matar o ladrão.
Latrocínio —ato de roubar à mão armada.
Liberticida —pessoa que destrói ou procura destruir as liberdades ou imu-
nidades de um país.
Liberticídio —destruição da liberdade política de um país.
Magnaticida - assassino de um grande capitalista.
Magnaticídio - ato de a pessoa matar um magnata.
Magnicida - assassínio de um magno; de uma pessoa ilustre.
Mariticida - mulher que mata o marido.
Matricídio —ato de a pessoa matar a própria mãe.
Morticínio —grande número de mortes.
78 Manual de Redação Forense

Parricida - pessoa que mata o pai ou seus ascendentes.


Parricídio - crime de parricida.
Regicida - pessoa que mata um rei ou uma rainha.
Regicídio - assassínio de rei ou rainha.
Republicida - pessoa que destrói uma república.
Republicídio - ato de republicida.
Suicida - pessoa que se mata a si própria.
Suicídio - ato ou efeito de suicidar-se.
Tiranicida - pessoa que assassina um tirano.
Uxoricida —aquele que assassina a própria mulher.
Uxoricídio - assassínio da mulher pelo próprio marido.
Lição 2: Vocabulário e vocabulário jurídico 79

2.7 Superlativos
Acre —acérrimo. Crível —credibilíssimo.
Afável —afabilíssimo. Cru —cruíssimo.
Ágil - agilíssimo, agüimo. Cruel - crudelíssimo, cruelíssimo.
Agradável —agradabilíssimo. Descortês —descortesíssimo.
Agro —agérrimo. Dessemelhante - dissimflimo.
Agudo —aculíssimo, acuüssimo, Dicaz —dicacíssimo.
agudíssimo. Difícil —dificílimo, dificilíssimo.
Alto —altíssimo, supremo, sumo, Divino —diviníssimo.
supérrimo.
Doce —dulcíssimo, docíssimo.
Amargo —amarguíssimo, amarís-
Dócil —docílimo, docilíssimo.
simo.
Amigo —amicíssimo, amiguís- Douto —doutíssimo.
simo. Eficaz —eficacíssimo.
Antigo —antiguíssimo, antiquís- Exemplar - exemplaríssimo.
simo. Fácil - facílimo, facilíssimo.
Áspero —asperíssimo, aspérrimo. Falaz —falacíssimo.
Atroz —atrocíssimo. Feliz —felicíssimo.
Audaz —audacíssimo. Feroz —ferocíssimo.
Baixo —baixíssimo, ínfimo. Fiel —fidelíssimo.
Belaz - belacíssimo. Fraco —fraquíssimo.
Benéfico —beneficentíssimo. Frágil - fragüimo.
Benévolo —benevolentíssimo. Frio - friíssimo, frigidíssimo.
Bom —boníssimo, ótimo. Gago —gaguíssimo.
Breve —brevíssimo. General - generalíssimo.
Capaz - capacíssimo. Geral—geralíssimo, generalíssimo.
Célebre - celebérrimo. Grácil —gracílimo.
Célere - celérrimo. Grande - grandíssimo, grandecís-
Coisa —coisíssima. simo, máximo.
Comum —comuníssimo. Hábil - habilíssimo.
Cortês —cortesíssimo. Humilde —humüimo, humildís­
Cristào —cristianíssimo. simo.
80 Manual de Redação Forense

Imenso —imensíssimo. Nobre —nobilíssimo, nobríssimo.


Incrível - incredibilíssimo. Notável —notabilíssimo.
Indelével —indelebilíssimo. Novel —novelíssimo.
Infame - infamérrimo, infamís- Núpero —nupérrimo.
simo. Pagào —paganíssimo.
Infinito - infinitíssimo. Parco —parquíssimo, parcíssimo.
Inimigo —inimicíssimo. Pcco - pequíssimo.
íntegro —integérrimo. Pequeno —pequeníssimo, mínimo.
Irregular - irregularíssimo. Pertinaz - pertinacíssimo.
Jovem —juveníssimo. Pessoal —personalíssimo, pes-
Junto —juntíssimo. soalíssimo.
Livre —libérrimo. Pio - piíssimo, pientíssimo.
Loquaz —loquacíssimo. Pobre - paupérrimo, pobríssimo.
Macio —maciíssimo. Pouco —pouquíssimo.
Magnífico —magnificentíssimo. Procaz —procacíssimo.
Magro —magríssimo, magérrimo, Pródigo —prodigalíssimo.
macérrimo. Próprio —propriíssimo.
Malédico —maledicentíssimo. Próspero —prospérrimo.
Maléfico - maleficentíssimo. Provável - probabilíssimo.
Malévolo - malevolentíssimo. Público —publicíssimo.
Mau —malíssimo, péssimo. Pudico —pudicíssimo.
Mendaz —mendacíssimo. Pugnaz —pugnacíssimo.
Mesmo —mesmíssimo. Pulcro —pulquérrimo, pulcríssimo.
Minaz —minacíssimo. Quieto —quietíssimo.
Mirífico - mirificentíssimo. Rapaz —rapacíssimo.
Mísero —misérrimo. Rico -riquíssimo.
Miúdo - minutíssimo. Ruim —péssimo.
Módico —modicíssimo. Rústico —rusticíssimo.
Móvel - mobilíssimo. Rebelde —rebeldíssimo.
Muito —muitíssimo. Revel —revelíssimo.
Munífico - munificentíssimo. Sábio —sapientíssimo.
Negro - negérrimo, negríssimo. Sagaz —sagacíssimo.
Lição 2: Vocabulário e vocabulário jurídico 81

Sagrado —sacratíssimo. Tanto —tantíssimo.


Salaz —salacíssimo. Tenaz —tenacíssimo.
Salubre —salubérrimo. Terrível —terribilíssimo.
São - saníssimo. Teatro, tétrico —tetérrtmo.
Sério —seríssimo. Úbere, ubertoso —ubérrimo.
Semelhante - simílimo, semelhan- Útil —utilíssimo.
tíssimo.
Vadio —vadiíssimo.
Senil - senílimo.
Vago - vaguíssimo.
Sensível —sensibilíssimo.
Vão - Vaníssimo.
Simil —simílimo.
Veloz —velocíssimo.
Simples - simplicíssimo.
Só —sozíssimo. Verdade —verdadíssimo.
Soberbo - superbíssimo, soberbís- Visível —visibilíssimo.
simo. Vivaz —vivacíssimo.
Solaz —solacíssimo. Voraz —voracíssimo.

Masculinos e Femininos
Abade —abadessa. Alemão —alemã.
Abegão - abega. Alentejão - alentejona.
Açafrão —açafroa. Alfaiate —alfaiata, modista.
Adrião —adriana. Algibebe —algibeba.
Adulão —adulona. Almirante - almiranta.
Aeromoço —aeromoça. Alvação —alvaçà.
Afegão —afegã. Amigalhão —amigalhona.
Ajudante —ajudanta. Anão —anã.
Alazão —alazà. Ancião —anciã.
Alcaide—alcaidessa, alcaidina. Anfitrião - anfitrioa.
Alcaiate —alcaiata. Aprendiz - aprendiza.
Aldeão —aldeã. Arameu - araméia.
Aldravào —aldravona. Asneirão - asneirona.
Alegrote —alegrota. Ateu —atéia.
82 Manual de Redação Forense

Ator —atriz. Chão —chã.


Autocrata —autocratriz. Charlatão —charlatã.
Aviador - aviadora, aviatriz. Chefe —chefa.
Avô - avó. Chim —china.
Azeitào —azeitona. Chinês —chinesa.
Babão - babona. Chiru —chirua.
Bambalhão - bambalhona. Cidadão —cidadã.
Barão —baronesa. Cinqüentão —cinqüentona.
Barregão —barregâ. Cintrão —cintrã.
Beirão —beiroa. Cirurgião —cirurgiâ.
Bisavô —bisavó. Coimbrào —coimbrà.
Bispo - episcopisa. Coirmão —coirmã.
Bizarrão - bizarrona. Comarcão —comarcã.
Bonachão - bonachona. Comediante —comedianta.
Bonacheirão - bonacheirona. Compadre —comadre.
Bretão —bretã, bretoa. Concidadão —concidadã.
Brigalhào - brigalhona. Conde —condessa.
Brigão - brigona. Cônego —cônega, canonista.
Bugio- bugia. Confrade —confrada, confratiça,
Bugre - bugra. confreira.
Caiser - caiserina. Consogro —consogra.
Campeão - campeã. Cônsul —consulesa.
Canhoto - canhota. Contramestre —con trames tra.
Cantor - cantora, cantarina, Co-réu —co-ré.
canta triz. Corifeu —coriféia
Capiau - capioa. Cortesão —cortesã.
Capitão - capità, capitoa. Cristào —cristã.
Castelão —castelã. Cru —crua.
Catalão - catalã. Czar —czarina.
Cavaleiro —amazona, cavaleira. Dançarino —dançarina.
Cavalheiro —dama. Deão —deã.
Lição 2: Vocabulário e vocabulário jurídico 83

Decurião —decuriã. Filho-famílias —filha-famílias.


Deputado —deputada. Filhote—filhota.
D esem bargador — desembar- Flâmine —flamínica.
gadora. Folgazão —folgazona.
Desirmao - desirmà. Folião —foliana.
Deus —deusa, déia, diva. Frade —freira.
Diabo —diaba, diáboa. Frei —soror.
Diácono - diaconisa. Funcionário —funcionária.
Doge —dogesa, dogaresa. Garçào —garçoa.
Dom - dona. General - generala.
Donzel —donzela. Genitor —genitora, genetriz.
Doutor —doutora. Genro —nora.
Druida —druidisa, druidesa. Gigante —giganta.
Duque —duquesa. Giganteu —gigantéia.
Egeu —egéia. Gineto —gineta.
Eirante - eiranta. Glutão —glutona.
Eleitor —eleitora, eletriz. Gouli —gouliana.
Embaixador —embaixatriz. Governador - governadora, go­
Entradote —entradota. verna triz.
Ermitão —ermitã, ermitoa. Grão —grã.
Escrivão —escrivà. Grito —grita.
Esgueirào —esgueiroa. Guardião - guardiã.
Espiào - espiã. Guri —guria.
Esquimó - esquimoa. Hebreu —hebréia.
Etíope —etiopisa. Herói —heroina.
Europeu - européia. Hierofante —hierofanta —hiero-
Fanfarrão - fanfarrona. fântide.
Fautor - fautora, fautriz. Histrião - histriã.
Felá - felaína. Homem —mulher.
Fêmeo - fêmea. Hortelão - horteloa.
Feriado —feriada. Hóspede - hóspeda.
Filisteu —filistéia. Idumeu - iduméia.
M anual de Redação Forense

Ilhéu —ilhoa. Marechal—marechala.


Incréu —incrédula. Margrave —margravina.
Infante - infanta. Marquês - marquesa.
Interventor - interventora. Marrão —marrã.
Irmão —irmã. Mau —má.
Japão —japoa. Meão —meã.
Jogral —jogralesa. Melão —meloa.
Membro —membra.
Juiz —juíza. Mestrào —mestrona.
Ladrão —ladra. Mestre —mestra.
Landgrave - landgravina. Ministro —ministra.
Mocetào —mocetona.
Lapão - lapoa.
Moleirão —moleirona.
Latagào—latagona.
Moleque —moleca.
Lavrador —lavradeira.
Monge —monja.
Lentilhão —lentilhoa.
Nabateu —nabatéia.
Leonês —leonesa.
Narigào —narigona.
Linguarão —linguarona.
Negrote —negrota.
Locomotor - locomotora, loco
motriz. Núncio - núncia.
Loução - louçã. Obrigado - obrigada.
Oficial —oficiala.
Machão —machoa, machona.
Macho - fêmea, macha. Órfão —órfã.
Maestro, maestrino —maestrina. Padrasto —madrasta.
Maganão, magano —magana. Padre —madre.
Malandrim - malandrina. Padrinho —madrinha.
Mamão —mamoa. Pagão —pagã.
Mamelão —mameloa. Pai —mãe.
Mandão - mandona. Papa —papisa, papesa.
Mandarim - mandarina. Parente —parenta.
Mangào - mangona. Parmesão —parmesà.
Manicuro —manicura. Parvalhào —parvalhona.
Marajá —marrani. Parvo —parva, parvoa.
Lição 2: Vocabulário e vocabulário jurídico 85

Patife —patifa. Santarrào —santarrona.


Patriarca —matriarca. Sandeu —sandia.
Patrão —patroa. São - sã.
Peão —peã. Secarrào - secarrona.
Pedinchão —pendichona. Semideus—semideusa.
Perfurador —perfixradora, perfu- Senador —senadora, senatriz.
ratriz. Senhor —senhora.
Petiz —petiza. Sensaborão —sensaborona.
Pierrô —pierrete. Sermão —sermoa.
Pigmeu —pigméia. Serventuário—serventuária.
Piton —pitonisa. Servidor —servidora.
Podão - podoa. Soberbão - soberbona.
Poeta —poetisa. Sultão —sultana.
Povo - póvoa. Superior —superiora.
Presidente —presidenta. Tabaréu —tabaroa.
Produtor —produtora, produtriz. Tabelião —tabelioa.
Professor —professora. Taful - tafula.
Profeta —profetisa. Tecelão —tecelã, teceloa.
Quarentão —quarentona. Temporão —temporã.
Rabão - rabona. Tetravô —tetravó.
Rabino —rabinisa. Torresão —torresã.
Rajá, rane - rani. Trabalhador - trabalhadeira.
Rapaz —rapariga. Trineto —trineta.
Rei - rainha. Trintão - trintona.
Remau - remá. Trisneto —trisneta.
Réu - ré. Turrão - turrona.
Rico-homem —rica-dona. Tutor - tutora.
Rio —ria. Ultor —ultriz, ultrice.
Romão —romã. Valentão - valentona.
Rudo —ruda. Vão - vã.
Sacerdote —sacerdotisa. Varão —varoa, virago.
Sacristão —sacristà. Velhacão —velhacoa.
86 M anual de Redação Forense

Velhaquete —velhaqueta. Visconde - viscondessa.


Velhote - velhota. Zagal —zagala.
Vendilhão —vendilhona. Zombeirào —zombeirona.
Vilão —vilã.

Homófonos e Parônimos
Abriu —do verbo abrir.
Abril —4“ mês do ano.
Aça —mulato.
Assa —do verbo assar.
Acedia —inércia.
Assedia —do verbo assediar.
Acender —pôr fogo a.
Ascender -elevar-se.
Acento—inflexão da voz.
Assento - base.
Acenso —ant. oficial.
Assenso - assentimento.
Acerto - ajuste.
Asserto - proposição afirmativa.
Acessório —pertences.
Assessório —diz respeito ao assistente ou adjunto.
Aceto - o mesmo que vinagre.
Asseto - injúria.
Achada - ato de achar.
Axada —mês do calendário hindu.
Ache —espécie de manto antigo.
Axe —esfoladura, ferida.
Lição 2: Vocabulário e vocabulário jurídico 87

Acistia - ausência da bexiga urinária.


Assistia —do verbo assistir.
Aço - ferro temperado.
Asso —do verbo assar.
Açodai - instigar.
Açudar —represar (água) no açude.
Adoçado —tomado ou feito doce.
Adossado —de costado com costas.
Afear —tornar feio.
Afiar —aguçar.
Afim —parente por afinidade.
A fim de - preposição.
Alcaçuz - planta.
Alcaçus —aves.
Algozo —do verbo algozar.
Algoso —que tem algas.
Alomear - nomear.
Alumiar - dar luz a.
Alvaraz —lepra branca.
Alvarás - autorização de certos atos ou direitos.
Amaçar - fazer massagem.
Amassar —converter em massa.
Amarugem —sabor levemente amargo.
Amarujem —do verbo amarujar.
Amazia —ausência ou falta de mamas.
Amasia - do verbo amasiar.
Anovear —multiplicar por nove, pagar anóveas.
Anoviar —cobrir de nuvens.
Anticéptico —contrário ao cepticismo.
Antisséptico —contrário ao pútrido, desinfetante.
88 M anual de Redação Forense

Apreçamento —ato de avaliar.


Apressamento —ato de acelerar.
Apreçar - marcar o preço de.
Apressar —dar pressa a.
Área - superfície.

Aria —cantiga.
Arraçar - ser de boa raça.
Arrassar - corrente de metal.
Arrear - pôr arreios, aparelbar, enfeitar.
Arriar —afrouxar, abaixar.
Arreio —aparelho de bestas.
A reio —locução adverbial.
Arremeção - medida agrária.
Arremessão - ato de arremessar bruscamente.
Asar —guarnecer de asas.
Azar —má sorte, ocasionar.
Asceta —contemplativa.
Aceta - do verbo acetar.
Asseta —ferir ou matar com seta; do verbo assetar.
Ascendimento —subida.
Acendimento —ateamento.
Ascensão - subida.
Ascensão - ardor da febre.
Ascético —místico.
Acético - ácido.
Asinha - advérbio e diminutivo de asa.
Azinha —fruto da azinheira.
Assidrado - da cor da sidra.
Acidrado —semelhante à cidra.
Lição 2: Vocabulário e vocabulário juridico 89

Assoar —limpar (o nariz) de mucosidades.


Assuar —vaiar.
Aveào —planta gramínea.
Avião —aparelho de aviação.
Babugem —baba.
Babujem —do verbo babujar.
Baia —trave ou compartimento nas cavalariças.
Baía —golfo pequeno.
Balça —matagal ; ramais do coral.
Balsa —charco; doma; jangada.
Batocar —fechar com batoque.
Batucar - dar pancadas repetidas, dançar o batuque.
Bicheiro —vendedor de bilhetes do jogo do bicho.
Bixeiro - lugar onde nào bate a luz solar.
Boça - cabo de navio.
Bossa —aptidào.
Bocal —embocadura.
Bucal —relativo à boca.
Bofar —lançar do bofe.
Bufar —soprar.
Bofete —tabefe.
Bufete —aparador.
Bolçada —golfada.
Bolsada —acervo de minério.
Bolçado - leite coalhado que as crianças bolçam.
Bolsado —entufado.
Bolçar —golfar.
Bolsar —fazer bolsas.
Bolhento —que forma bolhas.
Bulhento —que faz bulha, barulho.
90 M anual de Redação Forense

Braçagem —trabalho braçaL


Brassagem —operação da misturas necessárias ao fabrico da cerveja.
Brisa —aragem.
Briza —gênero de plantas.
Brocha —prego.
Broxa —pincel.
Brochar - pregar com brochas.
Broxar —pincelar, pintar com broxa.
Bucheiro —tripeiro.
Buxeiro —árvore.
Bucho —estômago.
Buxo —árvore.
Caçado —apanhado na caça.
Cassado —anulado.
Cachão —borbotão; vento.
Caxão - casa aduaneira.
Cacheta —ficar em ponto baixo, no jogo.
Caxeta - árvore.
Cacho —conjunto de flores ou frutas.
Caxo —moeda de ouro.
Cacique —chefe indígena.
Cassique —gênero de aves.
Caço —frigideira; concha.
Casso —do verbo cassar.
Canonisa - cônega.
Canoniza —do verbo canonizar.
Cardeal —principal, prelado, ave, planta.
Cardial —relativo à cardia.
Cartucho —carga de arma de fogo.
Cartuxo - frade da Cartuxa.
Lição 2: Vocabulário e vocabulário jurídico 91

Cear —comer a ceia.


Ciar —ter ciúmes, remar para trás.
Cebo —alimento.
Sebo —substância animal; livraria que vende livros usados.
Ceca —na loc. Ceca e meca.
Seca —conversa longa; maçada; estopada.
Cedo —adv. e s. m.
Sedo —do verbo sedar.
Cédula - documento.
Sédula —feminino de Sédulo; cuidadoso.
Cegar —tornar ou ficar cego.
Segar —ceifar.
Ceia —refeição; do verbo ceiar.
Seia —vila de Portugal.
Ceita - tributo.
Seita —facção.
Cela - aposento de religiosos; nas penitenciárias.
Sela —arreio de cavalgadura.
Celada —armadura de ferro.
Selada —depressão na lombada de um monte.
Celagem —cariz; semblante.
Selagem - ato de selar.
Celária - gênero de polipeiros.
Selária —antigo imposto.
Celeiro —depósito de provisões.
Seleiro - fabricante ou vendedor de selas.
Celeto - inseto.
Seleto —excelente; escolhido.
Celha —pêlo.
Selha —vaso.
92 M anual de Redação Forense

Cem -numeral.
Sem —preposição, designação de falta, exclusão.
Cementar —modificar as propriedades (de um metal).
Cimentar - ligar com cimento.
Cemento —substância com que se rodeia um corpo para o cementar.
Cimento - espécie de amálgama.
Cena - espetáculo.
Sena —carta ou dado com seis pintas.
Cenáculo —refeitório; convivência.
Senáculo - lugar onde o senado romano celebrava sessões.
Cenário - decoração; relativo a ceia.
Senário - que consta de seis unidades.
Cenatório —que diz respeito a ceia.
Senatório - relativo ao senado.
Cenho —rosto carrancudo.
Senho —sinal.
Cênio - fachada nos teatros antigos.
Sênio —velhice.
Censo —recenseamento.
Senso —juízo.
Censual —relativo ao censo.
Sensual —relativo aos sentidos.
Censualista —recebedor de censos.
Sensualista —relativo ao sensualismo.
Cepiâo —reprod. do latim (caepio-onis).
Cipiào - reprod. do latim (scipio-onis).
Céptico - que duvida.
Séptico —que causa infecção.
Céreo - de cera.
Cério —fruto, metal.
Lição 2: Vocabulário e vocabulário jurídico 93

Ceres —cereais.
Seres —habitantes da China; entes.
Cério —fruto, metal.
Sério —grave.
Cerra —do verbo cerrar.
Serra —instrumento cortante, montanha; do verbo serrar.
Cerração —nevoeiro denso.
Serração —ato de serrar.
Cerrado —denso, terreno murado; parricípio do verbo cerrar.
Serrado —particípiò de serrar.
Cervo - veado.
Servo —criado, serviçal.
Cessão —ato de ceder.
Sessão - tempo que dura uma assembléia.
Cessar —parar.
Sessar —joeirar, peneirar.
Cetáceo —mamífero com forma de peixe.
Setáceo —cerdoso, áspero.
Cevar —nutrir, saciar.
Sevar —ralar.
Chá —infusão de folhas para bebidas.
Xá —título do soberano da Pérsia.
Chácara —quinta.
Xácara - poesia popular.
Chara —costume.
Xara —seta.
Charada —adivinha.
Xarada - estação do calendário hindu.
Charrasca —espécie de toutinegra.
Xarrasca - aparelho de pesca.
94 Manual de Redação Forense

Cheque - ordem de pagamento.


Xeque - perigo; chefe de tribo árabe.
Cheta - qualquer importância monetária; ousadia; liberdade.
Xeta —gesto de beijo feito de longe.
Chiba —cabra nova.
Xiba —batuque.
Chila —abóbora.
Xila —imundice.
Chileno —natural do Chile.
Xileno —carboneto.
Chistoso —gracioso.
Xistoso —em que há xisto.
Chucho—calafrio; sezões.
Xuxo —peixe de Portugal.
Ciar —ter ciúmes.
Siar —fechar as asas para descer rapidamente.
Ciclo —série de fenômenos determinados pelas mesmas causas.
Siclo —moeda de prata.
Cidra - fruta.
Sidra —vinho de maçàs.
Cila - espécie de narciso.
Sila - sinal cabalístico.
Cilha - cinta para firmar a cela ou carga das cavalgaduras.
Silha - pedra em que se assenta a colméia.
Cilhar - apertar com cilhas.
Silhar - pedra para revestimento de paredes.
Cilício - cinto, ciliciense.
Silício - metalóide.
Cina - árvore.
Sina —sorte.
Lição 2: Vocabulário e vocabulário jurídico 95

Cinceiro —nevoeiro espesso.


Sinceiro —salgueiro.
Cinema —sala de projeções cinematográficas.
Sinema —parte da coluna das orquídeas que representa os filetes dos
estames.
Cinta —tira de pano.
Sinta - do verbo sentir.
Cio —apetite sexual dos animais.
Sio —gênero de plantas.
Círia —força muscular.
Síria —natural da Síria.
Círio - vela de cera.
Sírio —relativo à Síria; natural desta.
Cisào —ato de cindir.
Sisão - ave.
Cita —relativo à Cítia ; citaçào, flexào do verbo citar.
Sita —gênero de aves.
Cocha —gamela.
Coxa - parte da perna entre a virilha e o joelho.
Cocheira —casa onde se guardam carruagens ou se alugam animais.
Coxeira —manqueira de animal.
/

Cochim —cidade da índia.


Coxim —almofada para assento.
Cocho —tabuleiro.
Coxo - que coxeia.
Comprimento —extensão.
Cumprimento —ato de cumprir, saudação, flexào do verbo cumprimentar.
Concelho - município.
Conselho —parecer.
96 M anual de Redação Forense

Concerto —sessão musical; harmonia.


Conserto - remendo; reparação.
Concilio —assembléia de prelados católicos.
Consílio - conselho.
Copé —choupana.
Cupé —carruagem.
Corço —cabrito selvagem.
Corso —cardume de sardinha; pirataria; desfile de carruagens.
Coringa —pequena vela triangular usada à proa das canoas de embono;
moço de barcaça.
Curinga —nome que tem no jogo de pôquer a carta que muda de valor
segundo a combinação que o parceiro tem em mão.
Corisa —inseto.
Coriza —humor daó fossas nasais.
Coser —costurar.
Cozer —cozinhar.
Costear —navegar junto a uma costa.
Custear -prover às despesas de .
Cotícula —pedra de toque.
Cutícula —película, parasita que vive debaixo da pele de um animal.
Deão - dignatário eclesiástico.
Dião —antropônimo.
Decente - decoroso.
Descente - que desce.
Desasado —derreado.
Desazado —impróprio; maljeitoso.
Desconcertado —descomposto; disparatado.
Desconsertado —desaranjado.
Descrição - ato de descrever.
Discrição —qualidade de discreto.
Lição 2: Vocabulário e vocabulário jurídico 97

Desfear —afear.
Desfiar - reduzir a fios.
Deslaçar —desfazer a laçada.
Deslassar - tornar frouxo.
Despensa - copa.
Dispensa —ato de dispensar.
Despercebido —nào percebido, nào notado.
Desapercebido —Desacautelado, desguarnecido.
Destinto —destingido.
Distinto —que sobressai.
Eça —apelido.
Essa —catafalco, pronome.
Elidir —eliminar.
Ilidir —refutar.
Emaçar —reunir em maço.
Emassar —converter em massa.
Embalçar —meter nas balças ou nos matagais.
Embalsar —pôr (o vinho) em balsa ou doma.
Emergência —açào de emergir.
Imergência —açào de imergir.
Emergir —sair de onde estava mergulhado.
Imergir —mergulhar.
Emérito —insigne, jubilado.
Imérito —nào merecido.
Emerso - que emergiu.
Imerso —mergulhado.
Emigração - ato de emigrar.
Imigração - ato de imigrar.
Eminente —excelente.
Iminente —sobranceiro, pendente.
98 M anual de Redação Forense

Emissão —ato de emitir, pôr em circulação.


Imissào - ato de imitir, fazer entrar.
Empossar - dar posse.
Empoçar —formar poça.
Encachar —cobrir com encacho.
Encaixar —meter em caixa ou encaixe.
Enchó —armadilha para perdizes.
Enxó —instrumento de carpinteiro.
Enervar —privar de força física ou moral; excitar os nervos.
Inervar —forrar de nervos; fazer nervuras em.
Entremês —trigo tremes.
Entremez —farsa.
Envazar —meter em vaza.
Envasar —envasilhar.
Escanção —copeiro.
Escansão —elevação de ritmo; ato ou maneira de escandir.
Espectador —o que observa a um ato.
Expectador —o que tem expectativa.
Espedir —despedir; estar moribundo.
Expedir —enviar.
Esperto —fino, inteligente, vivo.
Experto —perito.
Espiar —espreitar.
Expiar —sofrer pena ou castigo.
Espiraçào —ato de soprar.
Expiração - expulsão do ar pelos pulmões.
Esplanada - terreno plano.
Explanada —particípio do verbo explanar.
Estase —estagnação do sangue.
Êxtase —arrebatamento íntimo; enlevo.
Lição 2: Vocabulário e vocabulário jurídico 99

Estasiado—ressequido.
Extasiado —arrebatado.
Estático - firme.
Extático —absorto.
Esterno - osso dianteiro do peito.
Externo —que está por fora.
Estirpe —raiz, linhagem.
Extirpe —flexào do verbo extirpar.
Estofar —cobrir de estofo
Estufar —meter em estufa.
Estrato —filas de nuvens.
Extrato —coisa que se extraiu de outra.
Estrear —usar pela primeira vez.
Est-riar —fazer estrias em.
Estrema - limite de terras, marco.
Extrema - verbo extremar.
Estremado —demarcado.
Extremado —extraordinário.
Estropear —fazer tropel.
Estropiar - deformar.
Facha —acha de armas.
Faixa - banda, flexào do verbo faixar.
Facho —archote.
Faixo - flexào do verbo faixar.
Fês —plural de fê.
Fez —barrete turco; verbo fazer.
Fiúsa - desusado.
Fiúza - confiança.
Ganço —ganho.
Ganso —ave.
100 Manual de Redação Forense

Gás —fluido aeriforme.


Gáz —medida de extensão.
Gasear - sujeitar à ação de gases.
Gazear —canto da garça; faltar às aulas.
Giba —corcova.
Jiba —erva medicinal.
Giga - canastra.
Jiga —dança.
Gingo —flexão do verbo gingar.
Jingo —patriota exagerado, cachimbo.
Goano - goense.
Guano —adubo.
Graça —favor.
Grassa —do verbo grassar.
Guache —pintura.
Guaxe —ave.
Hipinose - diminuição da quantidade de fibrina.
Hipnose —sono provocado.
Imisçào —mistura.
Imissào —ato ou efeito de imitir.
Incerto —que ou quem nào está certo.
Inserto —introduzido.
Incipiente - que está em começo.
Insipiente —ignorante.
Insolar —expor ao sol, tomar doente pela açào do soL
Insular —insulano; tornar semelhante a uma ilha; isolar.
Intenção —propósito.
Intensào - prep. órgàos da fala para pronunciar um fonema.
Intercessào —ato de interceder.
Interseção —ato de cortar.
Lição 2: Vocabulário e vocabulário jurídico 101

Irisar —dar as cores do íris a.


Irizar —ser atacado do iriz.
Invicto —invencível.
Invito —constrangido.
Laçada —nó corredio.
Lassada —tornada lassa.
Laçaria - ornatos.
Lassaria —do verbo lassar.
Laceira —latada.
Lasseira —frouxa.
Laço —nó que se desata facilmente.
Lasso —fatigado.
Lambugem —guloseima.
Lambujem —do verbo lambujar.
Leào - Antropônimo; antigo reino da Espanha.
Lião —cidade francesa.
Liça —lugar destinado a torneios.
Lissa —cordel vertical no tear.
Limnografia —descrição dos lagos.
Linografia —escrita em tela.
Liso —de superfície plana.
Lizo —do verbo lizar.
Loções —plural de loção.
Luções —habitantes de uma das Filipinas.
Lucho —flexào do verbo luchar.
Luxo - fausto, flexào do verbo luxar.
Maça —clava; pilão.
Massa —mistura de farinha de trigo.
Maçagem —ato de maçar o milho.
Massagem - compressão das partes musculares e articulações.
Maçaroca - espiga de milho.
Massaroca —dinheiro.
Maceira —macieira.
Masseira - tabuleiro pata amassar o pão.
Maçudo - maçador; monótono.
Massudo - que tem aspecto de massa.

Manoal —meloal.
Manual —relativo à mão; compêndio.
Março —3o mês do ano.
Marso - filho de Circe, poeta romano.
Matacão - pedregulho.
Mata-cão —planta venenosa.
Meada - porção de fios.
Miada —miar de muitos gatos.
Meado - parte média; mistura de milho e centeio.
Miado - mio; particípio de miar.
Mear —dividir no meio.
Miar - dar mios.
Mesinha —diminutivo de mesa.
Mezinha —medicamento.
Mexelhão - que mexe nos objetos.
Mexilhão —molusco.
Mocho —ave noturna.
Moxo - relativos aos Moxos; o de sua tribo.
Moleta - pedra de moer tinta.
Muleta —bastão de apoio.
Montarás - do verbo montar.
Montaraz —montanhoso; silvestre.
Montesinho —montes.
Montezinho - diminutivo de monte.
Lição 2: Vocabulário e vocabulário jurídico 103

Moral - relativo aos bons costumes.


Mural —relativo a muro.
Morcegar —subir ou descer de um veículo em movimento.
Morsegar —mordiscar ou mordicar; picar, morder.
Morcegào —morcego grande.
Morsegão - beliscão.
Muchacha —rapariga moça.
Muxaxa - árvore.
Noçào —conhecimento.
Nuçào —anuência.
Nós —pronome pessoal.
Noz —fruto da nogueira.
Notação —ato de notar.
Nutaçào —oscilação do eixo terrestre; meneio de cabeça.
Notar - marcar.
Nutar —oscilar.
Óptico —relativo à visão; oculista.
Ótico - concernente ao ouvido ou à otite.
Ostiário -clérigo que recebeu a Ordem do ostiariato.
Hostiário —caixa em que se guardam hóstias nào consagradas.
Paço - palácio real ou episcopal
Passo —marcha.
Pacto - ajuste.
Pato —ave.
Peão - indivíduo que anda a pé; peça de xadrez.
Pião - brinquedo.
Pear - lançar peias a.
Piar —dar pios.
Poceiro —grande cesto de vime.
Posseiro —quinhoeiro.
104 M anual de Redação Forense

Pojante —que navega com vento favorável.


Pujante —que tem muita força.
Polmão —inchação.
Pulmão —órgão respiratório.
Ponhais - flexão do verbo pôr.
Punhais —plural de punhais.
Presar —aprisionar.
Prezar —estimar muito.
Processão —procedência.
Procissão —préstito religiosa
Pucho —planta.
Puxo —do verbo puxar.
Quera —valente; forte.
Cuera —o mesmo que unheira.
Rabugem —mau humor.
Rabujem —do verbo rabujar; ser impertinente.
Racha - fenda.
Raxa —pano.
Racheta - fendazinha.
Raxeta —tecido.
Rasão —pau redondo.
Razão —juízo.
Recreação - recreio.
Recriação —ato de recriar.
Recrear —proporcionar recreio a.
Recriar —criar de novo.
Refogar - fazer ferver em gordura.
Refugar - rejeitar como inútil.
Remeca - flexão de remediar.
j

Remessa - ato de remeter; flexão de remessar.


Lição 2: Vocabulário e vocabulário jurídico 105

Remiçào —resgate.
Remissão —perdão.
Resina- substancia oleosa.
Rezina —diz-se de, ou pessoa teimosa, ranzinza.
Retenção —ato ou efeito de reter
Retensão —muita tensão.
Riso —ato de rir.
Rizo —do verbo rizar; colher os rizes.
Roído - particípio de roer.
Ruído—rumor.
Rossio - praça.
Rocio —orvalho.
Ruço —pardacento.
Russo - habitante ou língua da Rússia.
Sanção - aprovação.
Sansào —espécie de guindaste.
Seção —divisão; parte.
Sessão —tempo durante o qual se reúne uma corporação.
Cessão —ato de ceder.
Serina —albumina do soro.
Cerina —um dos princípios que constituem a cera.
Serro —espinhaço.
Cerro —outeiro.
Serva —criada; escrava.
Cerva - fêmea do cervo.
Sessaçào —açào de sessar.
Cessação —ato de cessar.
Sesta —hora de descanso.
Sexta - redução de sexta-feira; hora canônica; intervalo musical.
106 Manual de Redação Forense

Sesto —nome de cidades gregas.


Sexto —numeral e nome próprio.
Sica —punhal.
Cica —adstringência de certos frutos; palmeira.
Silício —metalóide.
Cilício —cinto ou cordào; tormento.
Simào —macaco.
Cimao —por baixo do braço.
Singeleira —rede para apanhar peixes miúdos.
Cingeleira —dona, alugadora ou condutora de uma junta de bois.
Sínico —relativo à China ou aos chineses.
Cínico —impudente; desavergonhado; assecla de antiga seita filosófica
g*ega.
Sinopse —resumo.
Cinopse —ato de cindir.
Sita —gênero de aves a que pertence o picanço.
Cita —referência a um trecho ou a uma opinião autorizada.

Soão —vento do Oriente.


Suão —do sul, vento do sul.
Soar —produzir som.
Suar - transpirar.
Soez —reles.
Suez —canal entre o mar Mediterrâneo e o mar Vermelho.
Sortir —abastecer.
Surtir —ressultar.
Tacha —prego; defeito.
Taxa —imposto.
Tachar —censurar.
Taxar —determinar a taxa de.
Lição 2; Vocabulário e vocabulário jurídico 107

Tacho —utensílio de barro ou metal.


Taxo —do verbo taxar.
Tença - pensílio.
Tensa —retesada.
Terço —do verbo terçar.
Terso —puro.
Tês —plural de tê.
Tez —epiderme do rosto.
Tensào —estado do que é tenso.
Tençào —intento.
Terçol —tumorzinho na pálpebra.
Tersol —toalha que o padre utiliza na hora da missa.
Testo —tampa de vasilhas.
Texto —as próprias palavras de um autor; livro ou escrito.
Torço —do verbo torcer.
Torso —busto de pessoa ou estátua, torcido.
Tris —voz onomatopáica do ruído de coisa que se parte, como vidro.
Triz —vara; momento; um tudo-nada.
Trocar - permutar, substituir.
Trucar - propor a primeira parada, no jogo de truque.
Ura —verme.
Hura —planta.
Urge —flexão de urgir.
Urje —peixe.
Vasa —lodo.
Vaza - conjunto de cartas jogada em cada lance.
Veaçào —caça de animais bravios.
Viaçào —transporte por caminhos ou ruas; serviço de veículos.
Veador —caçador.
Viador —viajante, passageiro.
108 M anual de Redação Forense

Verçudo —cheio de folhas.


Versudo —muito acamado; pão nas searas.
Viagem —jornada.
Viajem - do verbo viajar.
Vosear —tratar por vós.
Vozear —falar em voz alta.
Xácara —poesia.
Chácara —quinta.
Xama —indígenas dos Xamas.
Chama —labareda; luz.
Xama te —termo do jogo.
Chá mate - erva-mate.
Ximango - espécie de gavião.
Chimango - tenaz.
Xoxo —beijoca.
Chocho —sem suco.
Xué —espécie de sapo.
Chué —reles.
Lição 2: Vocabulário e vocabulário jurídico 109

Antônimos

Aba, sopé —cimo, cume. Acariciar —maltratar.


Abaixar —elevar. Aceitar —recusar.
Abaixo - acima. Acelerar —retardar.
Abalado —firme. Acender - apagar.
Abandono —amparo. Acertar - errar.
Abastadamente —parcamente. Acessório —essencial.
Abjeto - nobre, estimado. Achar - perder.
Abnegação —egoísmo. Acumular —dissipar.
Abolido - restaurado. Acusar —defender.
Abominar —estimar, prezar. Adelgaçar - engrossar.
Aborígine - alienígena. Adensar —rarefazer.
Aborrecimento —contentamento. Adiante - atrás.
Abrasadamente - friamente. Adição —subtração.
Abreviar —alongar, prolongar. Admiração —desprezo.
Abrir - fechar. Adorar —execrar, detestar.
Abrochar —desabrochar. Adormecer - despertar.
Ab-rogar —restaurar. Adquirir —dispor.
Abrupto —suave. Advena —autóctone.
Absoluto —relativo. Adventício —previsto.
Absolver —condenar. Afabilidade - grosseria.
Abster - participar. Afamado - obscuro.
Abstinência —intemperança. Afável - grosseira
Abstrato —concreto. Afear —alindar.
Absurdo —lógico, sensato. Afetação - naturalidade.
Abundância —falta, carência, es­ Afetuoso - indiferente.
cassez. Afinidade - repulsão.
Acabar —começar. Afirmar —negar.
Acalmar - agitar, excitar. Afobado, apressado —calmo.
Acanhado —desembaraçado. Afrouxar —apertar.
Ação - inércia, inação. Agarrar —soltar, largar.
110 M anual de Redação Forense

Agil - moroso, embaraçado. Amplo —resumido, acanhado.


Agiraçào - tranqüilidade. Analfabeto —culto, polido.
Aglomerar, agregar - disseminar, Análise —síntese.
desagregar. Analogia - diferença.
Agrupar —dispersar. Anào —gigante.
Aguçar —embotar. Anarquia —desordem —ordem.
Agudo - grave. Ancião —jovem.
Ajudar —prejudicar. Aneiro, precário, incerto —dura­
Alargar —apertar. douro, persistente.
Alarmar - serenar, tranqüilizar. Anemia —pletora.
Alegria —tristeza. Angélico —diabólico.
Alfa - ômega. Animação —desânimo, frieza.
Algemar - libertar. Anômalo —regular, normal.
Alheio —próprio. Anorexia —apetite.
Aliar - desunir, separar. Anormal —normal, regular.
Aliviar —agravar. Antagonista —amigo, partidário.
Alongar - encurtar, encolher. Antártico —ártico, boreal, seten­
Alquebrado - vigoroso. trional.
Alvo - negro. Antecedente —subseqüente.
Amaldiçoar - abençoar. Anteceder —suceder.
Amansar —enfurecer. Antepor - pospor.
Amar - odiar, detestar. Anterior —posterior.
Amargo - doce. Antes —depois.
Amaricado, efeminado —másculo. Antigo —contemporâneo, moder­
Ambiesquerdo —ambidestro. no, novo.
Ambiquidade —clareza, precisào. Antiquado —moderno, atual.
Amedrontar - encorajar. Antonímia —sinonímia.
Amesquinhar —enaltecer. Antônimo —sinônimo.
Amigo - inimigo, adversário. Anular —manter.
Amor —antipatia, aversào, ódio. Anverso —verso, reverso.
Amotinar - pacificar. Aparente —real.
Amparo —abandono. Apatia —vivacidade.
Lição 2: Vocabulário e vocabulário jurídico 111

Apaziguar —amotinar. Arrogância —afabilidade, ameni­


Apego - desprendimento. dade.
Apertado —amplo. Arrogante - modesto.
Apirético - febril. Arrugado - liso, desenrugado.
Aplacar —alvoroçar, amotinar. Arrico —antártico, austral, meri­
Aplaudir —apupar, patear, vaiar. dional.
Aplicado, estudioso —negligente, Artificial - natural.
vadio. Ascendência —descendência.
Apocalítico —inteligível, claro. Ascender —descer.
Apócrifo —autêntico. Asnaricamente —inteligentemente.
Apogeu —perigeu. Aspereza —suavidade.
Apógrafo —autógrafo. Áspero —plano, liso.
Apologia, encômio, defesa —cen­ Aspirar —expirar.
sura, arguição. Asqueroso —atraente.
Apreciar —depreciar. Assiduidade —irregularidade, ne­
Apressado —vagaroso. gligência.
Aprisionar —libertar. Astúcia —fraqueza, lealdade.
Apropriado —inoportuno. Atacar —defender, proteger.
Aprovado - reprovado. Ateísmo - deísmo.
Aproveitar —desperdiçar. Atemorizar - tranqüilizar.
Aprumado —curvado. Atenção - distração, desatenção.
Apto —inapto. Atencioso, cortês —grosseiro, in-
Aquecer, aquentar —esfriar, arre­ civil, descortês.
fecer. Atender, deferir —indeferir.
Aquietar —inquietar. Atenuar - agravar.
Ardor - frieza. Ateu —deísta.
Aridez - fertilidade, amenidade. Atinado, sagaz —imprudente,
Aristocracia —democracia, dema­ bronco.
gogia. Ativo —indolente, passivo.
Arranjar-desarranjar, transtornar. Adético —franzino, raquítico.
Arrefecer —aquecer. Atoniar, debilitar —avigorar.
Arriar —suspender. Atração —repulsão.
112 Manual de Redação Forense

Atraente —repelente. Baixa —alta, elevação.


Atrás —adiante. Baixa-mar —preamar.
Atraso —adiantamento. Baixar —elevar, subir.
A travancar - desatravancar, Baixeza —grandeza, nobreza.
desobstruir. Baldadamente —proficuamente.
Atrevido, corajoso, ousado, petu­ Baldo —profícuo.
lante —tímido. Balofo —denso, sólido.
Atrofiado - robusto, vigoroso. Bambear —esticar, enrijar.
Atual —passado, antigo. Bambo —retesado, decidido.
Audacioso —tímido, pusilânime. Banal —original, diferente, distin­
Aumento —diminuição, redução. to.
Ausente —presente. Barbaria —civilização.
Auspicioso —desanimador. Base - cimo, vértice.
Austral —boreal. Básico —secundário, adiáforo.
Autêntico —apócrifo, falso. Bastardo —legítimo.
Autorizar - proibir. Basto, compacto - ralo, rarefeito.
Auxiliar —estorvar, prejudicar. Beleza - fealdade.
Avançar —recuar, retrogradar. Belicoso —pacífico.
Avarento —generoso, pródigo. Belo - horrorendo, horrível.
Avareza - prodigalidade, liberali­ Bem —mal.
dade. Bem-criado —malcriado.
Aversão —simpatia, afeição. Bem-estar —mal-estar.
Avigorar —debilitar. Bem-visto —mal-visto.
Aviltação —nobilitação. Bendito —maldito.
Aviltante - nobilitação. Beneficiência —maleficiência.
Aviltante - honroso, nobilitante. Beneficiado - prejudicado.
Avir-se —desavir-se. Benefício —dano, perda.
Azedado —abrandado, suavizado. Beneplácito —reprovação.
Azedar —adocar.
J
Benevolência —malevolência,
Azedo —doce. hostilidade.
Azedume —doçura, brandura. Benfazejo - malfazejo.
Baço —lustroso, brilhante. Benquisto - malquisto.
Lição 2: Vocabulário e vocabulário jurídico 113

Berço —túmulo. Calma —tumulto.


Bisonho —hábil, experiente. Calmaria —agitação.
Boçal —fino, polido. Calmo —inquieto, excitado.
Bom —mau, malévolo. Caloroso —glacial.
Bonançoso —agitado, revolto. Caminhar —estacionar.
Bondoso - maldoso. Cancelar —restabelecer.
Bonito —feio. Cândido, inocência —malícia.
Borrasca —bonança. Canhestro —destro.
Branco —preto. Cansar —descansar, repousar.
Brancura - negrura. Canseira —repouso.
Brandura —dureza. Caos —cosmos.
Braveza —mansidão. Capacidade —incapacidade, impe-
Bravo —manso. rícia.
Bravura —covardia. Carência —fartura, abundância.
Breve —longo, prolixo. Carestia, careza —barateza.
Brigão —pacífico. Caridade —desumanidade, egoís­
mo.
Brilhante —fosco, obscuro.
Caridoso - desumano.
Brilho —obscuridade.
Caro —barato.
Brincalhão - grave, circunspecto.
Carregado - descarregado, alivia­
Brio - covardia.
do.
Brioso —covarde.
Casado - solteiro.
Bronco —esperto, atilado.
Casar —desquitar, divorciar.
Brutalidade - delicadeza.
Casebre —palácio.
Brutalizar —civilizar.
Castiço - viciado.
Bruto, grosseiro —cortês.
Castidade - sensualidade, impu­
C á -lá . reza.
Cacheado —liso, corrido. Castigar —premiar.
Cair —erguer-se, levantar-se. Castigo —prêmio, recompensa.
Calado - loquaz. Castro —sensual, desonesto.
Calar - falar. Categórico - evasivo.
Cálido, quente, calor —frio. Catilinária, acusação - louvor.
114 Manual de Redação Forense

Catingoso, fétido —perfumado, Clarificar —turvar.


oloroso. Claro - escuro, turvo, confuso.
Cativo —livre. Clemência - inclemência, cruel­
Cautela —imprudência. dade.
Caviloso —franco. Coato, coagido —livre.
Ceder - resistir. Covarde —valente.
Cedo —tarde. Cobardia —valentia, coragem.
Célebre —desconhecido, obscuro, Coesão —cisão.
ignorado. Coibição —permissão.
Célere —lento, moroso. Cólera - serenidade, moderação,
Celeridade - lentidão. calma.
Celeste —infernal. Coligir —dispersar.
Censura —elogio, aprovação. Colocar —deslocar.
Céptico —crente. Colossal —microscópico.
Cerimonioso —simples, familiar. Columbino, puro —corrompido.
Certeza —incerteza, dúvida. Combalido —robusto, vigoroso.
Cessar —continuar. Começar - terminar.
Chegada —partida. Comezinho —extraordinário.
Chegado —afastado. Comiseração —impassibilidade,
Cheio —vazio. indiferença.
Cheiroso - inodoro. Comovido —empedernido, in­
sensível.
Chorar - rir.
Compacto —rarefeito.
Cimentar - abalar.
Cômpar - díspar.
Cimo - aba , sopé.
Compendiar - desenvolver.
Cínico - cândido, casto.
Compendioso —extenso, prolixo.
Cinismo —candura, reserva, pudor
Complexo —simples.
Circunspecto - leviano, faceto,
brincalhão. Complicação —simplificação.
Circunstanciar - resumir. Compor —decompor, descompor.
Civilidade - grosseria. Comprar —vender.
Civilizado —ignorante, grosseiro. Comprimento —curteza.
Clarear - escurecer. Comprimir —dilatar, estender.
Lição 2: Vocabulário e vocabulário jurídico 115

Comum - raro. Constrangido —liberto.


Concatenar —soltar, desligar. Constringir - alargar.
Côncavo - convexo. Construção —demolição.
Conceder - negar. Contestar —admitir, conceder.
Concentrar —dispersar, disseminar. Contigente —necessário, essencial.
Conchegar —afastar. Continuado—interrompido, inter-
Conciso —prolixo, difuso. rupto.
Concluir —começar, encetar. Contínuo —intermitente.
Conclusão —início. Contração —dilataçâo.
Concordar —discordar. Contraditar —confirmar.
Concreto —abstrato. Contradizer —confirmar, aprovar.
Condensar —dilatar, diluir. Contrariar —anuir, admitir.
Condescendente —intransigente. Contrário —favorável.
Condizer —desdizer. Contristar —alegrar.
Confiado —desconfiado, receoso. Convergir —
Confirmar - desmentir. Convexo —côncavo.
Conforme —diferente. Cópia —original.
Confortar - debiliatar. Corado —pálido.
Confundir —discernir, esclarecer, Coragem —medo, covardia.
distinguir. Corar —empalidecer.
Confusão - ordem, clareza. Corcovar —aprumar-se, emper­
Confuso - claro, nítido. tigar-se.
Congênere —diferente, diverso. Corporal, corpóreo —espiritual.
Conglobar - dispersar. Corpulento —delgado.
Congregar - desagregar, separar. Crédito —débito, descrédito.
Conhecer - ignorar. Credor —devedor.
Consentir - proibir. Crente - descrente, incrédulo.
Conseqüente —antecedente, in­ Crespo —liso, macio.
conseqüente. Criar —destruir.
Consolação —aflição, amargura, Cru —cozido, suave, humano.
angústia. Cruel —clemente, humano.
Consonância —dissonância. Cuidadoso, cuidoso —descuidado.
116 M anual de Redação Forense

Culto - inculto. Democrata —aristocrata.


Cúpido —desinteressado, genero­ Demolição - construçào.
so, indiferente. Demora - rapidez, pressa, brevi­
Curioso, indiscreto - discreto, in­ dade.
diferente, reservado, recatado. Denodo —covardia.
Curto —longo, duradouro. Denso —rarefeito.
Curvar —endireitar. Dependente - independente, au­
Curvo - reto. tônomo.
Custoso, árduo —barato, fácil. Depreciar —valorizar, enaltecer.
Débil —forte, vigoroso. Deprimir —elevar, exaltar.
Debilitante —reconfortante, tônico. Derradeiro —primeiro.
Débito —crédito. Derrota —vitória.
Decadência —progresso. Derrubar —erguer.
Decidido —hesitante. Desabrido —ameno, amável.
Declinar - subir, progredir. Desabrigar —abrigar, asilar.
Dedução —indução. Desacordadamente —sensatamen­
Defeito —virtude. te, ponderadamente.
Defensiva —ofensiva. Desacordante —concorde.
Definido —indefinido, vago. Desacostumado - afeito, cos­
Defunto —vivo. tumado.
Degelar - gelar. Desafinado —afinado, harmônico.
Degelo —congelação. Desafogado - acanhado.
Deísmo —ateísmo. Desafortunado - feliz, venturoso.
Deixar —segurar, impedir. Desafronta —afronta, ultraje.
Deleitar - aborrecer. Desagravo —agravo, ofensa.
Deletério - salubre, vital. Desajeitado - destro, hábil.
Delicadeza - indelicadeza, gros­ Desajoujar - ajoujar, oprimir.
seria, rigor. Desalento —animo.
Delicado - grosseiro, robusto. Desalijar —carregar.
Dispnéia —eupnéia. Desalmado - caridoso, com­
Delicioso —execrável. passivo.
Delonga —pontualidade. Desalumiado - claro, inteligente.
Lição 2: Vocabulário e vocabulário jurídico 117

Desamanhar - amanhar, compor. Desconsentimento —anuência,


Desamor —afeição, amor. permissão.
Desânimo —ânimo, coragem. Descontar - acrescentar, aduzir.
Desapego —afeição, interesse. Descontentamento - satisfação.
Desaperrar —armar. Descorar —corar, enrubescer.
Desarraigar —arraigar, radicar. Descoroçoar —animar.
Desarranjado —arranjado, orde­ Desdita —felicidade, ventura.
nado. Desembaraço —acanhamento,
Desarrazoado —arrazoado, ra­ embaraço.
j

zoável. Desembestado —comedido.


Desaso —aptidão, cuidado. Desembuçado —disfarçado, enco­
Desassanhar —açular, assanhar. berto.
Desassazonado, verde —maduro, Desentendimento —açuidade, in­
oportuno. teligência.
Desenterramento, desenterro —
Desassisado —assisado, prudente.
inumaçào.
Desastrado —jeitoso, propício.
Desenvolver —atrasar, encurtar.
Desastre —sorte, bom êxito.
Desesperado —calmo.
Desataviado —prudente, sensato.
Desfaçado —cândido.
Desbotado - corado, vivo.
Desgosto —contentamento, gos­
Descabeçado —ajuizado, prudente. to, prazer.
Descaído —florescente, vigoroso. Desgraçado —ditoso, feliz.
Descansado - agitado, precipitado. Desinteligência - acordo, har­
Descansar - fatigar. monia.
Descapacitar —percapacitar, per­ Desirmào - acasalado, empare­
suadir. lhado.
Descendência —ascendência. Desleixar-se - aplicar-se, esme-
Descer —subir. rar-se.
Descoalhar —coagular, coalhar. Desleixo - capricho, esmero.
Descomposiçào —ordem. Desletrado —culto.
Desconceituar —elogiar, louvar. Deslumbrante —humilde, mo­
desto.
Desconcordante —concorde, har­
mônico. Desmazelo —cuidado, capricho.
118 M anual de Redação Forense

Desmedido —moderado. Deteriorar —aperfeiçoar, melhorar.


Desmedrado —vicoso. Determinado —incerto, vago.
Desmemoriar-se —recordar-se. Detestar —amar.
Desmentir —confirmar. Detestável —adorável, ótimo.
Desnaturado —humano, compas­ De trair —gabar.
sivo. Detrator —apologista.
Desnortear —nortear, orientar. Deve —haver.
Desolação —consolação. Diante - atrás, depois.
Desonrante , desonroso —digni- Dianteira - traseira.
ficante, nobilitante.
Diérese, trema - crase, sinérese,
Desordem —ordem. Diferença —semelhança, analogia.
Despachado —acanhado, tímido. Diferençar —identificar.
Despercebido —notado, observado. Difícil - fácil.
Desperdiçar —aproveitar, econo­
Difusão - concisão, concentração.
mizar.
Difuso —conciso, resumido.
Despertar - adormecer.
Dilaçào —presteza, pontualidade.
Despesa - economia, receita.
Dilapidar - poupar.
Despido - vestido.
Dilataçào —contração, compreen­
Despiedado —clemente, piedoso.
são.
Despontado —pontudo.
Dilatar - comprimir.
Despretensão —pretensão, vai­
Diligente —indolente.
dade.
Diminuição —aumento.
Desprezo —consideração, estiam,
respeito. Direito —esquerdo, torto.
Despropositado - arrazoado, sen­ Discorde —acorde.
sato. Discrepância —concordância,
Destemperar —concertar, temperar. identidade.
Destra —sinistra. Disfarçadamente - abertamente.
Destruição —construção. Dispensar —obrigar, exigir.
Desvalido —protegido. Dispersão —união.
Desvantagem —proveito, vanta­ Displicente - agradável.
gem. Disseminar —aglomerar.
Desviado - perto, próximo. Dissentir —assentir.
Lição 2: Vocabulário e vocabulário jurídico 119

Dissímil —semelhante. Econômico —desperdiçado, dis­


Dissimulação —franqueza. sipado, dispendioso.
Dissipaçào —economia. Edificação —destruição.
Dissoluto —austero. Edificante - escandaloso.
Dissolver —reunir, combinar. Efeito —causa.
Dissonância —consonância, asso- Egoísmo —abnegação, altruísmo.
nância. Egresso —ingresso.
Dissuadir —persuadir. Eivado —perfeito, puro.
Distante - próximo. Elegância —grosseria, vulgaridade.
Distinto —confuso, medíocre, Elementar —transcendente.
vulgar. Elevação —abaixamento, depres­
Distração —atenção. são.
Diurno —noturno. Elogiar —apoucar, depreciar.
Divergência —convergência. Elogio —censura.
Diversidade —unidade. Emagrecer —engordar.
Divertir —enfadar, aborrecer. Embaciado —brilhante.
Dividir —multiplicar, reunir. Embaraçar —desimpedir, facilitar.
Dobrez —lealdade, sinceridade. Embelecer, embelesar —desfear.
Doce - azedo, ríspido. Emborrascar —serenar.
Dócil - indócil. Embotoado - afiado, aguçado.
Doente —sào. Embrandecer - endurecer.
Doesto —louvor. Embranquecer - enegrecer.
Doido - sensato. Embravecer —amansar.
Dubiedade - segurança. Embuziar —limpar, assear.
Dúbio - certo, positivo. Emendar - estragar.
Duradouro - efêmero, passageiro. Emergir —imergir.
Durar —acabar. Eminência - depressão.
Duro —brando, mole. Eminente - inferior, baixo.
Dúvida - certeza, convicção. Empachar —desembaraçar.
Duvidar —crer. Empalidecer - corar, enrubescer.
Economia —dissipaçào. Empestar —desinfetar.
120 Manual de Redação Forense

Empirismo —dogmatismo, meto- Enfraquecer —fortalecer.


dismo. Enfurecer - amansar.
Emporcalhar —limpar. Engrandecer —apoucar.
Enaltecer —depreciar. Engrossar —adelgaçar.
Encalmar —refrescar. Enjeitar —aceitar, aprovar.
Encantamento —desencantamen- Enlaçar —desligar, soltar.
to, desilusão. Enlear —desatar.
Encapelar —amainar, serenar. Enlodar - limpar.
Encarecer - baratear. Enobrecer —aviltar, deslustrar.
Encarrilar —descarrilar. Enodoar —limpar, ilibar.
Encerrar —começar, tirar. Enorme —pequeno.
Encetar - concluir. Enrascar —desenrascar, livrar.
Encher —esvaziar. Enrubescer - descorar, empalide­
Encobrir —descobrir, revelar. cer.
Encolerizar - acalmar. Esanchar - limitar, reduzir.
Encolher - alargar, estender. Entender —ignorar.
Entenebrecer —alegrar, clarear.
Encolhido —enérgico, desenvol­
vido. Entesar —afrouxar.
Ecômio —censura. Entibiar - afervorar.
Encorajar - acovardar, desanimar. Entorpecer - endireitar.
Encrespar —alisar, serenar. Entrada —saída.
Encurtar — encompridar, au­ Entravar —desembaraçar.
mentar. Entregar —receber.
Endurecer —amolecer. Entrevar —aclarar.
Enegrecer - clarear, esbranquecer. Entristecer - alegrar.
Energia —fraqueza, moleza. Entusiasmo —indiferença, frieza.
Enervar —fortificar. Envilecer —enobrecer.
Ênfase - naturalidade, simpli­ Enviperar —acalmar.
cidade. Enxovalhado —limpo, puro.
Enfermidade —saúde. Enxuto —molhado.
Enfermo - sào, normaL Epílogo —prólogo.
Enfesta - sopé. Episódico - essencial.
Lição 2: Vocabulário e vocabulário jurídico 121

Eqüidade —iniqüidade, injustiça. Esmorecer —alentar.


Erguer-baixar. Espalhar, esparramar - juntar,
Ermo —povoado. reunir.
Erradio - fixo. Esparso - reunido.
Errado —certo. Espaventoso —humilde, modesto.
Errante —fixo, sedentário. Especializar, especificar —gene­
Erro —certeza. ralizar.
Esbanjar - poupar. Especial —comum, geral.
Esbelto —desajeitado, desgra­ Especulativamente — pratica­
cioso. mente.
Escabroso —decoroso, liso. Esperança —desespero.
Escaldar - refrescar. Esperto —indolente, simplório.
Escancarar —cerrar, fechar. Espesso —tênue, raro, delgado.
Escandaloso —edificante, exemplar. Espetaculoso —modesto, simples.
Escangalhar —consertar. Espiritual —literal, material.
Escassear - abundar. Esplendente —embaçado.
Escassez —fartura, abundância. Espúrio —legítimo.
Esclarecer —escurecer. Esquálido —asseado, distinto.
Esconder - patentear, revelar. Esquecer - lembrar, recordar-se.
Escorralho —nata. Esquentadiço —calmo.
Escorreito —achacado, vicioso. Esquerdo —direito.
Escravidão —liberdade. Essencial —acessório.
Escravo - liberto, livre. Estabelecer —abolir, destruir.
Escuridão - claridade, luz. Estável —instável.
Escuro - claro, fácil. Estender - limitar, restringir.
Escusar - acusar, carecer. Estéril —fecundo, fértil.
Esfogueado —calmo, descansado. Estima —desprezo.
Esforçado - fraco, pusilânime. Estimular —acalmar.
Esforçar - enfraquecer, entibiar. Estorvar —auxiliar, facilitar.
Esfriar - aquecer. Estreitar - alargar.
Esmerado —defeituoso, grosseiro. Estreiteza —largueza, vastidào.
Esmero - desleixo. Estreito —amplo, largo.
122 M anual de Redação Forense

Estreme - mesclado, misturado. Eximir —constranger, sujeitar.


Estudado —espontâneo, natural. Exorável —inexorável.
Estultícia - inteligência. Exórdio - peroraçào.
Estupidez —delicadeza, inteligên­ Exotérico —esotérico.
cia, sagacidade. Experiência —inexperiência.
Esviscerado —compassivo. Experimentalmente —teorica­
Eterno —efêmero, transitório. mente.
Evasivo —categórico, positivo. Expirar - inpirar.
Eventual —certo, infalível. Explícito —implícito.
Evidência —incerteza. Exportar —importar.
Evitar —procurar. Extemporâneo —oportuno, prepa­
Exacerbar —acalmar . rado.
Exageração —atenuação. Extensivo —compreensivo, inten­
Exagitar —acalmar. sivo.
Exaltação —calma, serenidade. Extenso - acanhado, pequeno,
Exaltar —aviltar, rebaixar. reduzido.
Exangue —pletórico. Exterior —interior.
Exasperar -acalmar. Extraordinário —normal, ordiná­
rio, vulgar.
Exceção —princípio, regra.
Extrínseco —intrínseco.
Excelente, detestável, mau.
Exuberante —escasso.
Excelso - baixo, vulgar.
Exumação —inumação.
Excêntrico —concêntrico.
Fabulado, fabuloso - real.
Excepcional - normal, ordinário,
regular. Face —costas, reverso.
Excesso - deficiência, falta. Faceto - austero, grave, sério.
Exceto - inclusive. Fácil —difícil.
Excentuar, excluir - incluir. Factício —natural, verdadeiro.
Excomungar - abençoar. Factível —impossível, impraticável.
Excursão - incursão. Fadiga —descanso.
Execração - amor, bênção. Falso —autêntico, leal, verdadeiro.
Exigente —condescendente. Familiar —cerimonioso.
Exíguo - amplo, grande. Famoso —desconhecido, obscuro.
Lição 2: Vocabulário e vocabulário jurídico 123

Farto —faminto, sequioso. Firmeza —fraqueza.


Fastidioso —interessante. Fleuma —calor, entusiasmo.
Fastígio —base, sopé. Flexíloquo —claro, preciso.
Fastio —apetite. Flexível - inflexível, intransigente.
Fasto —nefasto, simplicidade. Força —debilidade, fraqueza.
Fatigar —descansar. Forçado —facultativo, livre, vo­
Fatuidade —modéstia. luntário.
Favor - desfavor, oposição. Forçoso - desnecessário.
Fealdade - beleza, formosura. Formar —deformar.
Fechado —aberto. Fornido - desprovido, magro.
Fecundo - estéril. Fortalecer —enfraquecer.
Feio —bonito, formoso. Fortaleza, fortidào —fraqueza.
Feliz —infeliz, desgraçado. Fortuito —necessário, previsto.
Feracidade —esterilidade. Fraco —forte.
Feral —alegre, risonho. Fraldoso, prolixo —lacônico.
Feraz —estériL Franjado - singelo.
Fereza —brandura. Franqueza - vareza, dissimulação.
Férreo —brando, terno. Franzino - forte, robusto.
Fértil —estéril. Fraquear —avigorar-se.
Fervente —frio, morno. Fraqueza —ânimo, vigor.
Ferver —arrefecer. Frente —retaguarda, traseira.
Férvido —calmo, frio. Freqüência —exceção, raridade.
Ficção —realidade. Frescal —deteriorado, salgado.
Fidalgo - plebeu. Fresco —alterado, quente.
Fido, fiel - infiel. Frio —ardente, calor, quente.
Filógino —misógino. Frisado - liso.
Fim —começo, origem. Frívolo - grave, sério.
Final - início. Frouxidão —atividade, energia,
Fingido —sincero, verdadeiro. rijeza.
Finito - infinito. Frugal —intemperante.
Fino - grosso, ordinário. Frutuosamente —debalde, inutil­
Firme - fraco, vacilante. mente.
124 Manual de Redação Forense

Frutuoso —estéril, inútil. Grosseiro —cortês, delicado, fino,


Fugaz —demorado, duradouro. polido, civilizado, distinto.
Fugitivo ~ duradouro, permanente. Grosso —delicado, fino, insignifi­
cante.
Fundar —arrasar, destruir.
Guerra —paz.
Funesto —favorável, propício.
Guerreiro —pacífico.
Fúria —calma, tranqüilidade.
Gula —temperança, sobriedade.
Furtivo - aberto, público, patente. Hábil - desajeitado, inábil.
Fútil - grave, importante, sério. Habilitado —inabilitado, inapto.
Futuro - passado. Habitado —desabitado, ermo.
Ganhar - perder. Habitual - excepcional, extraor­
Gasto —conservado. dinário.
Generalizar - partícularizar. Harmônico —desafinado, inar­
Genérico - específico. mônico.
Generoso —egoísta, mesquinho. Hesitação —firmeza.
Hesitante —firme, resoluto.
Gênio - nulidade.
Heterodoxo - ortodoxo.
Gentil - desgracioso, feio, rude.
Heterogêneo —homogêneo.
Genuíno - adulterado, impuro.
Higiênico - anti-higiênico.
Geral - especial, particular.
Hipócrita —sincero.
Germano —adulterado.
Homogêneo —heterogêneo.
Gigante —anào, pigmeu.
Honesto - desonesto.
Glacial —ardente, caloroso. Honra —desonra.
Glória - desonra, ignomínia. Humilde —arrogância, orgulho,
Glorificar —humilhar. soberba.
Gorar —vingar. Humilhar —exaltar.
Gordo —magro. Ideal —real.
Grado, graúdo —miúdo. Idêntico —diferente.
Grande —pequeno, ordinário. Identidade —dessemelhança.
Grandeza - pequenez. Ignávia —coragem, destemor.
Grandioso —medíocre. Ignavo —dinâmico, valente.
Grato —desagradável, ingrato. Ignóbil —digno, elevado, nobre.
Grave - agudo, frívolo, cômico. Ignominiar - dignificar, louvar.
Lição 2: Vocabulário e vocabulário jurídico 125

Ignorado —célebre, conhecido. Impassível —impressionável.


Ignorância —conhecimento, ins­ Impavidez —desânimo, timidez.
trução. Impávido - medroso.
Igual - acidentado, desigual, dife­ Impedido —desembaraçado, livre.
rente.
Impedir —consentir, desimpedir,
Ilegítimo —legítimo. facilitar.
Iligar —desatar. Imperativamente —humildemente.
Ilimitado —limitado, restrito. Imperecível —efêmero, transitório.
Iluminar —escurecer. Imperícia —competência, perícia.
Ilusório —real, verdadeiro. Impérvio —transitável.
Imaginário, imaginoso —real. Impetuosidade —apatia, moleza.
Imanente —transcendente, transi­ Impetuoso —apático, sossegado.
tório.
Impiedoso —compassivo.
Imanidade —benignidade, huma­
Implacável - clemente.
nidade.
Implantar —transplantar.
Imarcescível —efêmero, marces-
cível. Implexo - claro, desembaraçado,
simples.
Imaterial —materiaL
Implícito —explícito, expresso.
Imbecil - inteligente.
Impolido - fino, polido.
Imbele - destemido, forte, valente.
Impolítico - cortês, polido.
Imenso - insignificante, microscó­
pico, pequeno. Impoluto - corruto, poluído.
Imergir - emergir. Imponderado —ponderado, refle­
tido.
Imoderaçào - comedimento, mo­
deração. Imponência —humildade, modés­
Imodesto —modesto, pudico. tia.
Imoral - moral. Importado - exportado.
Imorredouro —efêmero, tran­ Importante - insignificante.
sitório. Impotência - potência, vigor.
Imóvel - móvel, mutável. Imprecatado —precavido.
Impaciência - calma, paciência. Imprecisão —exatidão, precisão.
Imparcialidade —paixão, parciali­ Impremeditado —intencional, pre­
dade. meditado.
126 M anual de Redação Forense

Impressionável —indiferente, in­ Incivil —cortês, polido.


sensível. Inclito —humilde, obscuro.
Imprestabilidade —serventia. Incluir —excluir.
Imprevidente —precavido, previ­ Inclusive —exclusive.
dente.
Incogitado —calculado, premedi­
Imprevisto —calculado, precavi­ tado.
do, previsto.
Incógnito —conhecido.
Improbo —fácil, probo.
Inconseqüente —coerente, lógico.
Improducente —fértil.
Inconsideraçào —prudência, refle­
Improdutivo —fecundo, produtivo. xão, ponderação.
Improficiência —capacidade, pro­ Inconsistência —consistência, fir­
ficiência. meza.
Impróspero —feliz, próspero. Inconstante —perseverante, cons­
Improvar —aprovar. tante.
Impróvido —previdente. Inconversável —comunicativo,
Imprudente —discreto, prudente. conversável.
Impuro —castiço, puro. Inculpar —defender, desculpar.
Imudável —móvel, mudável. Incultura —civilização, cultura.
Imundícia, imundície —asseio, Incursão - excursão.
limpeza. Indecisão —decisão, precisão, re­
Inábil - hábil. solução.
Inaçào - ação. Indeciso —claro, decidido, nítido.
Inadequado —adequado, próprio. Indefinido - definido, preciso.
Inafirmativo —decidido, resoluto. Indelével —efêmero, passageiro.
Inalheável, inalienável —alienável. Indigência - riqueza, opulência.
Inapetência - apetite. Indigente —abastado, rico.
Inarmônico —harmônico. Indiligente - ativo, diligente.
Inartificioso —artificioso, rebus­ Indiscreto - discreto, reservado.
cado. Individual —geral.
Inatividade - ação, atividade. Individualizar - generalizar.
Inaugurar - encerrar. Indisperdício —desperdício.
Incauto —precavido. Indocilidade —docilidade, obe­
Incerto - certo, seguro. diência.
Lição 2: Vocabulário e vocabulário jurídico 127

Indocível —inteligente. Insólito —comum, habitual.


Indolência —atividade, vivacidade. Insônia —sono.
Indulgência —severidade. Instabilidade —estabilidade.
Inédito —conhecido, publicado. Instável —estável.
Ineptidão - capacidade. Instrução —ignorância.
Inepto —capaz, sensato. Intátil —tátil.
Inércia —ação. Inteiramente —incompletamente.
Inerme —armado. Inteligência —estúpido, indocível,
Inerte —ativo. tolo.
Infamante —glorioso. Inteligível —ininteligível.
Infame - nobilitante. Intemerato —corrupto.
Infâmia - glória, honra. Intemperante —moderado.
Infância —velhice. Intencional —involuntário.
Infausto - feliz, propício. Interesseiro —altruísta.
Inferior - superior. Interino —efetivo.
Infeto, infecto —limpo, puro. Interno —externo.
Infinito —finito, limitado. Interrupção —continuidade.
Infortúnio —ventura, felicidade. Interrupto —ininterrupto, conti­
Ingenuidade —malícia. nuado.
Ingresso —egresso, retirada. Intimidar —animar.
Inibir - facilitar, permitir. Intimorato —timorato, medroso.
Início - conclusão, fim. Intrepidez - cobardia, medo.
Inimizade - afeição, amizade. Intricado - claro, simples.
Iniqüidade - eqüidade. Intrínseco —extrínseco.
Injúria - elogio, louvor. Inumaçào —exumação.
Inocência —culpabilidade. Inurbano —cortês, urbano.
Inopinado —esperado, previsto. Invadir —evacuar.
Inóspito —hospitaleiro. Invalidação —confirmação, ratifi­
Inquieto —tranqüilo. cação,
ínvio —transitável.
Insânia - juízo, sensatez.
Ir —vir, voltar.
Insipiente —sábio, sensato.
Irado —calmo, sereno.
Insistir —desistir.
128 Manual de Redação Forense

Iroso - calmo, bonançoso. Lenificar —agravar, exacerbar.


Irriqueito —quieto, sossegado. Lenir —exacerbar.
Isentar —adstringir, obrigar. Lento - ligeiro, rápido.
Jeitoso —desajeitado. Lerdeador —ágil, esperto.
Jubilar —entristecer. Lerdo —esperto, lesto.
Junção —separação. Leste —ocidente, oeste.
Juntar —separar. Lesto —lerdo, vagaroso, pesado.
Juvenil —senil. Letárgico —ativo, rápido.
Juvenilidade, juventude —velhice. Letícia —tristeza.
Lá - cá. Levar —trazer.
Laborioso —preguiçoso. Leve —pesado.
Labrego —delicado, polido. Leveza —prudência.
Labreguismo —civilidade. Leviandade —ponderação.
Labrosta —cortês, polido. Leviano —ponderado, refletido.
Lacônico —longo, prolixo. Levitaçào —gravitação.
Lactar —ablactar, desmamar. Lhaneza —afetação, fingimento.
Lagrimoso, lacrimoso —risonho, Lhano —afetado, rebuscado.
sorridente.
Liberal —avarento.
Laico —eclesiástico.
Liberdade —escravidão, sujeição.
Lampinho - barbado.
Libertar - prender, escravizar.
Lapuz - educado, fino, polido.
Ligeiro —pesado.
Lapuzice —delicadeza, civilidade.
Liliputiano —enorme, gigantesco.
Largo —acanhado, avarento, es­
Limpeza - sujidade.
treito.
Límpido —embaciado.
Lato - restrito.
Lindeza —fealdade.
Laudável - repreensível.
Líquido —sólido.
Lauto —modesto, sóbrio.
Leal - desleal, hipócrita. Livre - preso, dependente.
Ledo —carrancudo, triste. Longanime - mau, medroso.
Legítimo —falso, ilegítimo. Longo —curto.
Lembrado —esquecido. Loquaz - calado.
Lenidade - aspereza, rigor, seve­ Louco —sensato.
ridade. Loucura —siso.
Lição 2: Vocabulário e vocabulário juridico ______________________________129

Louvar - censura, critica, doesto. Malbaratador —econômico, segu­


Lucidez —obscuridade. ro.
Lucrar —perder. Malcontente —contente.
Lucro —prejuízo. Malcriado —cortês, delicado.
Lúgubre —alegre, festivo. Maldade —bondade.
Luto —alegria, regozijo. Maldição - bênção.
Luxo —modéstia. Maléfico —benéfico.
Luz —trevas. Malfadar —aditar.
Macambúzio —alegre, prazenteiro. Malfeitoria —benfeitoria.
Maciço - oco. Maligno —benigno.
Maciez, macieza —dureza. Malpropício —apropriado, propí­
Macio —áspero, duro, rude. cio.
Macróptero —micróptero. Malquerença —afeição, amizade.
Maçudo —agradável, atraente. Malquisto —benquisto.
Maduro —verde. Malsão —são, saudável.
Magnanimidade —mesquinhez. Maluco —ajuizado, sensato.
Magnificente —agarrado, mesqui­ Manchado —imaculado, limpo.
nho. Manchar —ilibar, limpar.
Magnífico —reles, mesquinho. Mandrião —diligente, trabalhador.
Magnitude - insignificância. Mandu —esperto, ladino.
Magno - insignificante. Maneável - indócil, inflexível.
Mágoa - júbilo, prazer. Maneiro - pesado.
Magro —gordo, robusto. Manente —instável, vário.
Maior —menor. Maniatar, manietar —libertar.
Maioria - minoria. Manifestar —encobrir, ocultar.
Mais —menos. Maninho —fecundo, fértil.
Mal —bem. Mansidão —braveza.
Mal-afortunado —feliz. Marmóreo - sensível.
Mal-agradecido —reconhecido. Masculino - feminino.
Mal-andança —felicidade. Másculo —efeminado.
Malandrar - trabalhar. Material —espiritual.
Malas-artes —feliz. Máximo —mínimo.
130 Manual de Redação Forense

Mazorral - cortês, polido. Micróptero —macróptero.


Meândrico —claro, simples. Migalheiro - liberal.
Mediano —extraordinário. Milionário —paupérrimo.
Meditabundo —alegre. Míngua —fartura, abundância.
Medrado —esmarrido. Minuciosamente —por alto, vaga­
Medrar —definhar, desmedrar. mente.
Medroso —animoso, valente. Minuir —aumentar.
Meigo —áspero, rude. Minúsculo —maiúsculo.
Meiguice - dureza, sequidão. Mirim —açu, guaçu.
Melancólico - alegre, expansivo. Mirrar —medrar, viçar.
Melhorar —piorar. Misantropia —filantropia.
Melodioso —desarmônico. Miséria —abundância, prosperida­
Meneável —inflexível. de, riqueza.
Menor - maior. Misericordioso —cruel, duro.
Menos - mais. Misógino - filógino.
Menoscabar —exaltar, louvar. Mitigar —aumentar, exasperar.
Menoscabo —elogio, louvor. Miúdo —graúdo.
Menosprezo —acatamento, consi­ Moço —velho.
deração. Modernismo —antigüidade, ar­
Mentira —verdade. caísmo.
Menencóreo - alegre, bem-hu- Modesto —faustoso, vaidoso.
morado. Modorrento —esperto, perspicaz.
Mérito - desmérito. Mole - duro, rijo.
Meritório - condenável, indigno. Moleza —ânimo, pureza, rijeza, fir­
Mesmamente —diversamente. meza.
Mesquinhez —generosidade, libe­ Molhar —enxugar, secar.
ralidade. Molificar —endurecer, enrijecer.
Mesto - alegre, prazenteiro. Momentâneo —duradouro, pro­
Mesurado - descomedido, estou­ longado.
vado, imprudente. Monotonia - diversidade, varie­
Microscópico - enorme, gigan­ dade.
tesco. Montanhoso —plano.
Lição 2: Vocabulário e vocabulário jurídico 131

Montante - jusante. Nascer —morrer.


Montar —apear, desmontar. Nativo —artificioso, estrangeiro.
Monumental —insignificante, vul­ Natural —artificial.
gar. Naturalidade - afetação, artificia­
Morbífico, morbígeno, morbígero lidade.
—saudável, salubre. Necessário —dispensável, supér­
Morboso —curado, são. fluo
Momo —agitado, ativo. Necessidade —abastança, dispen-
Moroso —rápido. sabilidade, fartura.
Morredouro —duradouro, imortal. Nédio, gordo —magro.
Morrer —nascer, viver. Nega —jeito, vocação.
Mostrar —ocultar. Negação —afirmação.
Movediço —estável, firme. Negligência —aplicação, cuidado.
Movimento —quietaçào. Negligente —aplicado, atencioso.
Mucudo —fraco. Negregado —feliz.
Mudar —conservar, manter. Negro —branco, claro.
Mudo —palrador, tagarela. Nenhum —todos.
Muito —pouco. Neologismo —arcaísmo.
Mulherico - másculo, viril. Nervoso —brando, calmo.
Multimilionário - paupérrimo. Néscio —atilado, inteligente.
Multiplicação —divisão. Netos —avós.
Nevoeiro - claridade, luz.
Multíplice - simples, singular.
Nevoento - claro, limpo.
Múltiplo - simples.
Nimiedade - carência, falta.
Mundano - espiritual.
Nítido —embaçado.
Mundice - imundice.
Nobre —plebeu.
Munificência - mesquinhez.
Nocente, nocivo —conveniente,
Murcho —viçoso.
útil, vantajoso.
Nababo - pobretão.
Noite - dia.
Nacarado —descorado. Nomeadamente - geralmente, in­
Nacional —estrangeiro. distintamente.
Nanico —agigantado, alto. Nomeado —desconhecido, obs­
Não —sim. curo.
132 Manual de Redação Forense

Normal - anormal, irregular. Olvidar —recordar.


A

Norte —Sul, meio-dia. Omega —alfa, início.


Nortear - desnortear, desorientar. Ominoso - feliz, venturoso.
Notável - imperceptível, vulgar. Onerar —aliviar.
Noturno —diurno. Opaco —transparente.
Novo —antigo, velho. Oprimir —aliviar.
Nu - coberto, vestido. Opulência —miséria, pobreza.
Nupérrimo —antigo. Ordinário —superior.
Nutrido - fraco, magro. Orgulho —humildade.
Obediente —desobediente. Oriente —ocidente.
Óbito —nascimento. Origem —fim, termo.
Obituário —natalidade. Original —comum, vulgar.
Obnóxio —altivo, benéfico. Oscilatório —firme, seguro.
Obrigatório - facultativo. Ostentoso —modesto.
Obscurecer —aclarar, iluminar. Otimista —pessimista.
Obsoleto —atual, moderno. Ousado - tímido.
Obtuso —agudo, perspicaz. Paca —ladino, esperto.
Obverso, anverso —reverso. Pacato —sanhudo.
Ocasional —previsto, propositado. Pachorrento —desembaraçado, ex­
Ocidental - oriental. pedito.
Ócio —ocupaçào, trabalho. Pacóvio - inteligente, sagaz.
Oculto —conhecido, manifesto, Palidejar —corar, ruborizar-se.
patente. Panegirizar —desacreditar, difa­
Ocupação - abandono, ociosidade. mar.
Ocupado —desocupado, ocioso. Par - ímpar.
Ocupar —abandonar. Parabém - pêsame.
Odiar - amar, querer. Paralizaçào - movimento.
Ódio - afeto, amor. Parar - andar, prosseguir.
Odorífero - inodoro. Parcamente - largamente.
Oeste - Leste. Parcimônia —desperdício.
Ofensiva —defensiva. Particular —comum, geral.
Olvidado —lembrado. Partidário —adversário.
Lição 2: Vocabulário e vocabulário jurídico 133

Parvo —hábil, inteligente. Perseverança —inconstância.


Passado —futuro, porvir. Perseverante —versátil.
Passivo —ativo. Perseverar - abandonar, renunciar.
Patentear —encobrir, ocultar. Persistente —volúvel.
Pateta —fino, perspicaz, sagaz. Personalizar —impessoalizar.
Patível —incompatível. Perspicaz —bronco.
Patrocinar —combater. Persuadir —dissuadir.
Patusco —grave, sério. Pertinácia —inconstância.
Paulatino —rápido. Perto —longe.
Paupérrimo —riquíssimo. Pesado —leve, rápido, maneiro.
Paz —guerra. Pestífero —saudável, benfazejo.
Pejo (pudor) —despejo, cínico. Pigmeu —gigante.
Pejorar —exaltar, louvar. Pingue —insignificante, magro.
Pejorativo —elogioso. Pio - ímpio.
Penetrador —bronco, rombo. Piorar - melhorar.
Penúria —opulência. Plácido —agitado, colérico.
Pequenez —grandeza. Plangente —alegre, ruidoso.
Pequeno —grande, elevado. Plantar —arrancar.
Perda —ganho, benefício. Plausível —inadmissível.
Perder - achar, ganhar. Plebeu —nobre.
Perdurável - efêmero, passageiro. Pletora - carência, deficiência.
Perene - interrompido, passageiro. Pluralidade - unidade, singulari­
Perfeição - defeito, imperfeição. dade.
Pérfido - fiel, leal, sincero. Pobreza - riqueza.
Permanecente - passageiro. Poda - acréscimo.
Permanente - provisório. Poético - antipoético, impoético.
Permissão - proibição. Policômico - monocromo.
Pernicioso - salutar, benéfico. Polidez - grosseria.
Peroraçào - exórdio. Politeísmo —monoteísmo.
Perpétuo —efêmero, breve. Poltrão —valente.
Perplexidade —decisão, resolução. Pompa —modéstia, singeleza.
Perrengue —forte, valente. Pontudo - rombo, obtuso.
13-1 M anual de Redação Forense

Pormenor —pormaior. Pretume —brancura.


Pospor-prepor. Primeiro —derradeiro, último.
Possante - franzino, fraco. Princípio —fim.
Posterior —anterior. Prisco —atual, moderno.
Póstumo —ântumo. Privado —público.
Pouco —muito. Pró —contra.
Poupado —desperdiçado. Problemático —certo, claro, posi­
Pranto - riso. tivo.
Prática —teoria. Probo —desonesto, ímprobo.
Prazer —aflição. Procela —bonança.
Preamar —baixa-mar. Procrastinar —abreviar, precipitar.
Precaução —descuido. Prodigalidade —economia, parci­
Precedente —subseqüente, ulte- mônia.
rior, posterior. Pródigo —avaro, econômico.
Preceder —seguir, suceder. Profundo —superficial.
Precipitação —prudência, refle­ Profusão —parcimônia.
xão. Progredir —retrogradar.
Preciso - dispensável, impreciso, Progresso —decadência, declínio,
vago. retrocesso.
Precoce - tardio. Proibição —autorização, permis­
Predecessor - sucessor. são.
Prefácio —epílogo, posfácio. Prolifero, prolífico, prolígero —es­
Preguiçoso —ativo. téril.
Prejudicial —útil, proveitoso. Prolixo - curto, lacônico.
Prender —soltar. Prolongar - encurtar.
Presença - ausência. Pronto —lento, vagaroso.
Preso - livre, solto. Propício - contrário, desfavorável.
Pressa - demora, lentidão. Prosaísmo —elevação, sublimidade.
Pretensão —modéstia, simplici­ Proscrever —reintroduzir.
dade. Próspero —adverso, infausto.
Preternatural —comum, vulgar. Prossecução —interrupção.
Preto —alvo, branco. Prostrar —erguer.
Lição 2: Vocabulário e vocabulário jurídico 135

Proteção —opressão. Rebuçado —claro, manifesto.


Proteger —perseguir, tiranizar. Recente —antigo.
Proveitoso —inconveniente, no­ Receoso - destemido, resoluto.
civo. Recolhido - amplo, expansivo.
Provisional —efetivo. Recompensa —punição.
Provisório —definitivo, efetivo. Reconciliação —desavença, desu­
Próximo —afastado, remoto. nião.
Público —particular, secreto. Reconhecer —desconhecer.
Puníceo —desmaiado, pálido. Reconhecimento —ingratidão.
Punir —premiar, recompensar. Recordação —esquecimento.
Purificar —contaminar, sujar, vi­ Recrear —aborrecer, enfadar.
ciar. Recrudescer —ceder, decrescer.
Puro —impuro, viciado. Recuar —avançar.
Purpúreo —descorado, pálido. Recurvado —aprumado, direito.
Pusilânime —audaz, corajoso. Redução —aumento, ampliação.
Pusilanimidade —audácia, denodo. Redundante —conciso.
Quebrado —inteiro. Reduzir —ampliar, dilatar.
Queimoso —fresco, frio. Refletido —leviano.
Q uestionável — indiscutível, Refrear - desenfrear.
inquestionável. Refreável —irrefreável.
Quieto —agitado. Refrescar - aquecer.
Quimera —realidade. Refrigerador - aquecedor.
Radicar —arrancar, desarraigar. Regenerar - degenerar.
Ralo —denso, espesso. Relativo - absoluto.
Rápido —lento, vagaroso. Religioso - ímpio, leigo.
Raquítico - forte, vigoroso. Remanchào —desembaraçado, li­
Rarefazer —condensar. geiro.
Raro - freqüente, vulgar. Remansado —agitado.
Rasgar —cerzir, coser, unir. Remate —começo, início.
Rasteiro —elevado, nobre. Remoto - imediato, próximo.
Real - fictício, imaginário. Repelente —atraente.
Realidade —fantasia, ficção. Repentino —lento, previsto.
136 Manual de Redação Forense

Repentinoso - ponderado. Ricaço - pobretào.


Repousar - agitar, fatigar. Ricamente —pobremente, modes­
Repreensão —louvor, aprovação. tamente.
Reprovar - aprovar. Rigidez - brandura, flexibilidade,
Repugnante —atraente, racional. moleza.
Repulsão —atração, simpatia. Rígido —flexível.
Reservado —público. Rigor —brandura, clemência.
Resfolegado —agitado. Rir —chorar.
Resfriar —aquecer. Risonho —macambúzio, triste.
Resignação —protesto, revolta. Ríspido —brando, suave.
Resistência —cedência, submissão. Roborar —contradizer, enfraque­
cer, negar.
Resistir —ceder.
Robusto —débil, fraco.
Resolução —hesitação, irreso-
luçào. Rombo —agudo, esperto.
Resolvível —irresolvível. Ronçaria —atividade, diligência.
Respeitável —desprezível. Ronceiro —ligeiro, rápido.
Restrição —ampliação. Rosado —descorado, pálido.
Restrito —amplo, lato. Rosar-se —empalidecer.
Resumido - ampliado, desenvol­ Rubidez —palidez.
vido. Rude —cortês, delicado, polido.
Retardar —acelerar, apressar. Rugoso - liso, polido.
Retraimento —expansão. Ruim —bom.
Retroceder —avançar, progredir. Ruína - fortuna, prosperidade.
Retrocesso —progresso. Rusticidade - civilidade, urbani­
Reunir —dispersar, espalhar. dade.
Revelado —secreto. Sabedor - ignorante, néscio.
Revelar - ocultar. Sabiamente - imprudentemente,
Reverenciar —desacatar, desres­ tolamente.
peitar. Sábio —ignorante, ingênuo.
Reverso - anverso. Saboroso - insulso.
Revolta —submissão. Sacro —profano.
Revolucionar —acalmar. Sadio —doentio.
Lição 2: Vocabulário e vocabulário jurídico ______________________________137

Sagaz —bronco, ingênuo. Sempre —nunca.


Sagrado —profano. Sem-sal —espirituoso, picante.
Saída —entrada. Senil - jovem.
Salgado —insulso. Senilidade —juventude, mocidade.
Salvação —perdição. Sênior —júnior.
Saliência —reentrância. Sensato —insensato, leviano.
Sandio - judicioso, sensato. Separação —aproximação, união.
Sápido - insípido. Separado —anexo, unido.
Sarabulhento —liso. Separar —ajuntar , reunir, unir.
Satisfação —contrariedade, des­ Sepultamento —exumação.
contentamento. Sequaz —adversário.
Secante - atraente, deleitoso. Sério —burlesco, faceto, grave, ri­
Seco —afável, molhado, úmido. sonho.
Secretamente - publicamente, Serôdio - precoce, temporão.
abertamente. Servidão - autonomia, liberdade.
Secreto —divulgado, sabido. Servil - elevado, nobre.
Sectário —adversário. Severo —brando, indulgente.
Secular - eclesiástico, monacal, Sibilino —claro.
regular. Silêncio —barulho, ruído.
Secundário —essencial, principal. Similitude —dessemelhança.
Sedentário —nômade. Simpatia - antipatia.
Segnícia - atividade, energia, vi­ Simples —complexo, complicado,
vacidade. composto.
Seguinte —antecedente, preceden­ Simplório —esperto, sabido.
te. Simulacro —realidade.
Segurança —insegurança, perigo, Sincero —hipócrita.
risco. Singelo —afetado, composto, cor­
Segurar - deixar, soltar. rompido, dobrado.
Seguro —duvidoso, incerto. Singular - plural, vulgar.
Selvagem - civilizado. Sinistra —destra.
Selvaticamente - polidamente. Síntese —análise.
Semelhar - diferir. Sintético - analítico.
138 M anual de Redação Forense

Sisudo —gaiato, leviano. Subtração - adição.


Sobejar —faltar. Sucado —flácido.
Soberanizar —deprimir. Sucinto - extenso, prolixo.
Soberba —humildade, modéstia. Sujar —assear, limpar, purificar.
Sobrar - faltar. Suntuoso - humilde, modesto.
Sobre —sob. Superável —insuperável.
Sobrenadar —submergir. Superficial —profundo.
Sobrenatural —ordinário, vulgar. Supérfluo - indispensável, neces­
Sobrenutriçâo —subnutrição. sário.
Sobrepujamento —deficiência. Superior —inferior.
Sobriedade —intemperança. Supersticioso - desabusado.
Socancra —liberal, pródigo. Supositício —autêntico, verdadei­
Sofrível —inadmissível. ro.
Solícito —desatencioso, indiferen­ Suposto —real.
te. Supressão —conservação.
Solicitude —indiferença. Surgir —esconder-se, desaparecer.
Solidez - fragilidade. Suxar —apertar.
Solidificado - liqüefeito. Tácito —expresso.
Sólido —frágil, líquido. Taciturno —alegre, expansivo.
Solito - acompanhado. Tardador - apressado, rápido.
Soltar —amarrar, prender. Tardança —pressa, presteza.
Sombra —clarão, luz. Tarde —cedo.
Sombrio —alegre, claro, iluminado. Tardio —precoce, rápido.
Somítico - generoso, liberal. Teimoso —dócil, obediente.
Sonho - realidade. Temer —afrontar.
Sorrir - chorar. Tempestade —bonança, calma.
Sossegar - inquietar. Temporão - serôdio.
Sossego - agitação, preocupação. Tempestuoso —calmo, tranqüilo.
Sovina - liberal. Tenacidade —inconstância.
Subir - baixar, descer. Tenro - duro, velho.
Subjugar - libertar. Teoria - prática.
Submissão —altivez, arrogância. Tépido - acalorado.
LiçSo 2: Vocabulário e vocabulário jurídico 139

Terminação - começo, princípio, Ultimar - começar, encetar.


início. Último —primeiro.
Terreal —celestial. União - desunião, discórdia.
Teso —bambo, frouxo. Unido —desunido, separado.
Tibiez - calor, energia, fervor. Uniforme —diferente, variado.
Timidez —audácia, desembaraço. Urbano —descortês, ruraL
Tímido —audacioso, resoluto. Vacilaçào —decisão, firmeza.
Tingir - destmgii. Vagaroso —apressado, ligeiro.
Titubeante -firme, resoluto, se- Vaia —aplauso.
guro.
Vaidade —modéstia.
Toldado - claro, límpido.
Valente —covarde, medroso, pol-
Toldar —desanuviar, destoldar. trão.
Tolher —permitir, tolerar. Valoroso —medroso, poltrão.
Tolice —agudeza, inteligência, Vazante —enchente.
sensatez.
Veemência - brandura, doçura.
Tolo —inteligente.
Velhice —juventude, mocidade.
Tomar —dar.
Veloz - lento, vagaroso.
Tormenta —calma.
Vencedor —vencido.
Torpe —elevado, nobre.
Vender - comprar.
Torto —direito.
Verbal - escrito.
Tortuoso —junto, reto.
Verdade —mentixa.
Tosco —delicado, polido.
Vergonha —ufania.
Trabalhoso - fácil, suave.
Vestir - despir.
Tranqüilo —agitado, perturbado.
Veterano - calouro, novato.
Transitório - definitivo, durável,
permanente. Viciado - puro.
Translúcido —opaco. Vício - virtude.
Trapaceiro —probo, sério. Vida —morte.
Trazer —levar. Vigor —fraqueza.
Tredo - leal. Vigoroso - fraco.
Trevas - claridade, luz. Vil - nobre.
Triste —alegre, contente. Violência —brandura, doçura.
Ulterior —anterior. Violento - doce, manso.
140 M anual de Redação Forense

Vir - ir. Vulgar —extraordinário, invulgar.


Virtude - vício. Xacoco - elegante.
Virtuperar —enaltecer, louvar. Xingar - am im ar.
Vituperioso —dignificante. Zênite - nadir.
Viver —morrer. Zorrão, zorreiro —ativo, esperto.
Volutuoso —casto. Zumbrido - ereto, direito.
2.8 Resumo
Temos, em resumo, que:
1) A seleção vocabular é imprescindível ao bom texto.
2) Os vocábulos selecionados devem ser, antes de tudo, claros ao
leitor. Para determinar essa clareza, é necessário que se conhe­
ça um mínimo de características do leitor potencial do texto,
ainda que, para tanto, necessite-se presunção.
3) As palavras servem tanto para exteriorizar quanto para apreen­
der conceitos.
4) No âmbito forense, deve-se sempre preferir a linguagem culta.
Ocasiões há, entretanto, que se deve preferir a linguagem mais
coloquial, principalmente quando o receptor é leigo.
5) Para selecionar palavras, é necessário que se atente para sua
propriedade.
6) O vocabulário jurídico deve procurar, sempre, a objetividade.
Nele, deve-se distinguir entre linguagem técnica e jargão, sendo
a primeira a terminologia adequada para os institutos jurídicos
e o segundo a mera gíria profissional, que se deve utilizar com
maior comedimento. Sem o devido cuidado, o jargão pode apa­
recer como pobreza de estilo.
7) Pode o operador do direito utilizar a linguagem rebuscada, des­
de que a sustente durante todo o texto. O uso de um ou outro
termo antigo, de significado pouco claro, significa o preciosis-
mo, que deve ser evitado.
8) Para adquirir vocabulário, é necessário fazer com que as pala­
vras que fazem parte do léxico passivo do escritor passem para
seu léxico ativo, ou seja, venham a constituir o conjunto de pa­
lavras que o autor efetivamente aplica em seus textos.
Lição 2: Vocabulário e vocabulário jurídico 141

9) No ambiente forense, para manter a altivez e urbanidade dos


discursos jurídicos, sào de uso comum as formas de referência e
tratamento.
10) As formas de tratamento são partículas arraigadas na lingua­
gem, usadas para tratar as pessoas, tendo por base a posição
social que ocupam. Têm destaque, em relaçào a tais formas, os
pronomes de tratamento.
11) As formas de referência são adjetivos utilizados para qualificar,
enaltecendo, pessoas ou coisas que emanam dos partícipes do
ambiente judiciário. Essas formas, com uma acurada utilização,
assumem efeito argumentativo.
12) As expressões e brocardos latinos sào indissociáveis da opera­
ção do direito, e têm por função complementar a linguagem téc­
nica, a erudição na enunciação, bem como também assumir efei­
to argumentativo, porque, por vezes, enunciam princípios in­
contestáveis.

2.9 Exercícios
PARÁFRASE
Construir a paráfrase de um texto significa “traduzi-lo na mesma
língua”. Ou seja, escrever as mesmas idéias que nele constam, com pala­
vras diferentes. O grande segredo da boa paráfrase, entào, é a utilização
dos sinônimos. Não podendo repetir o termo do texto original, mas tendo
de expressar a mesma idéia, o aluno é obrigado a buscar termos de mes­
mo significado, ampliando seu vocabulário. Melhor é a paráfrase quanto
mais próxima chegar ao sentido do texto original, e quanto menos repetir
os termos neste utilizados.
Evidentemente, algumas palavras nào poderão ser alteradas, ou, se
forem, podem fazer com que o texto original afaste-se um pouquinho de
seu sentido primeiro. O importante é tentar.
Vejamos um exemplo de paráfrase:
Texto original:
Não há dúvida nenhuma que fiscal do Juizado de Menores é um
cara frustrado. É um tipo que sonhou um dia ser policial e, tendo ido
parar noutra repartição da vida, se apresentou voluntariamente ao
142 M anual de Redação Forense

Juizado para a necessária fiscalização dos menores que driblam os


pais e saem por aí como se já fossem cocorocas, quando ainda
devem esperar alguns anos para isso.
Se tem algum leitor aí duvidando do que diz aqui o filho de Dona
Dulce, o que nos parece um pouco difícil, pois jamais enganei nin­
guém no setor do jornalismo, que esse duvidador repare no jeito dos
fiscais do Juizado, quando invadem um bar para inspecionar. Repa­
rem na cara de “tira” a transpirar abuso de autoridade, que eles usam.
Morem no jeito arbitrário, tão comum ao policial de carreira.
(In: Ponte Preta, Stanislaw, in Primo Altamirando e E/as, Editora
do Autor, Rio de Janeiro, 1962, pp. 115-116)

Paráfrase:
Tenho absoluta certeza de que fiscal do Juizado de Menores é
pessoa malograda, desiludida. É alguém que aspirava à carreira
policial mas, tendo-se desencaminhado para outra vida, ofereceu
seus préstimos para a indispensável vigilância dos garotos que en­
ganam os pais e saem a passear fingindo ser maiores, ainda não
sendo.
Se algum leitor duvida de minhas palavras - o que considero
improvável, pois minhas palavras têm tido muita credibilidade - que
esse descrente atente-se à cara de “tira", a exalar arbitrariedade, que
eles exibem. Percebam o modo despótico, inerente ao policial típico.

Esse era um texto de fácil paráfrase. Construa você mesmo pará­


frases do textos abaixo, procurando a maior variação vocabular possível.
Nào se esqueça de utilizar o dicionário para ajudá-lo. Lembre-se também
de que, quanto mais técnicos forem os termos do texto original, mais difí­
cil será atribuir-lhes sinônimos. As citações tampouco devem ser alteradas.
Vamos matar todos os advogados
Quando os representantes envolvidos são advogados, a atitude
do cliente em relação a esses profissionais é um fator significativo
para a decisão de quem vai comandar as negociações. Empresários
sentem-se mais confortáveis tendo advogados na sala, mais confi­
antes em obter resultados, enquanto preservam a boa vontade entre
as partes. Eles criticam a postura costumeira dos advogados de ver
problemas por trás de tudo, exagerando para evitar ríscos, gerando
conflitos. (Isso não é novidade; até Shakespeare retratou os advoga­
dos como “pobres e arfejantes oradores de problemas".) “Tudo esta­
va indo bem até que vieram os advogados", diz o refrão popular, se­
guido pelo comentário de que os advogados são mais capazes de
estragar negócios do que de fechá-los. Em conseqüência, muitos
empresários evitam colocar advogados nos estágios iniciais das
negociações, quando em sua opinião é necessária animação, e não
problemas.
Lição 2: Vocabulário e vocabulário jurídico 143

Entendo em parte essa frustração. Muitos advogados bem inten­


cionados são técnicos demais ou criam empecilhos em momentos
delicados. Mas por outro lado isso pode ser interessante. Executivos
que concordam em princípio com o preço e o prazo muitas vezes não
percebem vários itens potenciais à espreita em muitas negociações.
O advogado chega e coloca algumas questões lógicas. Enquanto as
partes refletem, cada uma de seu lado, o advogado torna-se um
conveniente mensageiro. Ou então as partes podem achar que con­
cordaram num ponto decisivo, sem considerar um de seus aspectos
principais. O advogado, tentando eliminar a ambigüidade, enfoca o
aspecto não resolvido e todo mundo se agita.
Lembre-se também de que empresários que deixam de se acon­
selhar e fecham um negócio, e depois tentam introduzir novos ter­
mos e condições sugeridas por seus advogados, podem ser acusa­
dos de renegociar o acordo. Desde que a estrutura da transação (na
qual os advogados insistem) é geralmente vital, mas raramente neu­
tra, faz sentido ter um advogado cuidando desse aspecto desde o
início. Por outro lado, se o seu advogado é construtivo e avalia as
realidades empresariais, sua previsão visível nas negociações des­
pertará o outro lado para arranjar o que pode ser um membro da
profissão ainda mais antediluviano. Meu conselho é que se consulte
um advogado no inicio do processo. Dependendo das circunstânci­
as, porém, você pode limitar o papel inicial do advogado a um
aconselhamento particular.
(James C. Freund, in A Arte da Negociação,3aedição, Editora Best
Seller/ Nova Cultural, São Paulo, pp. 205-206.)

Meios internos de facilitação do acesso à justiça para os confli­


tos ambientais e de consumo.

Em sede doutrinária, ninguém questiona que, no âmbito do mo­


delo processual tradicional, os conflitos ambientais e de consumo
não têm acesso adequado ao aparelho judicial. De uma maneira
geral, o Poder Judiciário, na sua concepção liberal-individualista,
apresenta-se inundado - tomado mesmo - com litígios trazidos á
sua esfera por certas categorias de sujeitos, como os credores, os
locadores, os vendedores, os entes familiares, etc.

Aí está uma das razões que levam os titulares de interesses e


direitos ambientais e de consumo a desconfiar do Direito e do siste­
ma judicial, enxergando-os como instrumentos de opressão, de in­
justiça e de ineficiência. No caso específico dos conflitos de consu­
mo, embora as dificuldades de acesso à justiça sejam universais,
atingindo todas as camadas sociais, são os consumidores pobres,
porque os mais impotentes, os que apresentam maior rejeição ao
sistema de prestação de justiça vigente.
Existem dois métodos básicos de facilitação do acesso à justiça
para os conflitos ambientais e de consumo. Um, que podemos de-
144 M anual de Redação Forense

nominar interno, visa remover os impedimentos processuais ou qua-


se-processuais a uma prestação jurisdicional eficiente nessas áreas.

Outro, que podemos chamar externo, propõe-se a resolver a pro­


blemática do acesso à justiça através de mecanismos alternativos
ou complementares ao processo judicial tradicional. Os instrumen­
tos desse tipo desviam-se do processo tradicional, funcionando fora
de sua estrutura básica. Daí serem qualificados externos, já que não
se limitam a simplesmente modificar as normas de procedimento
ou afrouxar as regras de legitimidade de coisa julgada. A rigor, mani-
festam-se como verdadeiras soluções alheias ao modelo judicial
clássico.

(Benjamin, Antônio Herman V., in: Ação Civil Pública, Editora Re­
vista do Tribunal, São Paulo, 1995, pp. 112-113.)

2. A Lei Complementar 95, de 26/2/98, sob o ditame do artigo 59 da


Constituição Federal, estabelece regras para elaboração, redação e con­
solidação das leis. Em seu artigo 11, então, dispõe que:19
Artigo 11: as disposições normativas serão redigidas com clare­
za, precisão e ordem lógica, observadas, para esse propósito, as
seguintes normas:
I - para a obtenção de clareza:
a) usar as palavras e expressões em seu sentido comum, salvo
quando a norma versar sobre assunto técnico, hipótese em que se
empregará a nomenclatura própria da área em que se esteja legis­
lando.
(...)
c) construir as orações na ordem direta, evitando preciosismo,
neologismo e adjetivações dispensáveis.

Evitar o preciosismo é característica daquele que quer comuni-


car-se com clareza, e a lei deve sempre fazê-lo. No trabalho jurídico do
dia-a-dia, também, deve-se evitar linguagem muito rebuscada, principal­
mente quando o discurso inteiro não as sustentam, como vimos no pre­
sente capítulo. Em cada item abaixo existe ao menos um termo que ca­
racteriza preciosismo. Identifique-os, substituindo por um sinônimo da
linguagem culta comum.
a) A peroraçào do discurso do advogado foi clara ao pedir a absolvição
por legítima defesa.
b) Procura o réu escoimar-se da Jurisdição Penal, por suas pueris alegações.
c) E princípio em que, realmente, conspiram os mais dos doutores, esse
de que nenhum argumento da Defesa o Magistrado deve passar em
Lição 2: Vocabulário e vocabulário jurídico 145

silêncio. No caso de que se trata, posto se nào detivesse, de espaço,


no exame das alegações do réu, é certo que os aferiu segundo a craveira
genérica, isto é, fê-lo em conjunto.
d) Pede-se condenação por danos morais, com supedâneo no artigo 5Ü,
inciso X, da Constituição Federal.
e) Mas o acusado dizia já sofrer ameaças de morte por seus infensos lá
do bairro.
f) Todas essas ações e querelas judiciais só têm por conseqüência mangrar
o desenvolvimento da sociedade.
g) E vem ora o querelante vestir-se com o cretone da primariedade como
se isso o eximisse de responsabilidade.
h) Por isso, nossa metrópole não se livra da récova de migrantes que vêm
aqui tentar a sorte.
i) Não fosse o patrono da parte ex-adversa tão recru em matéria jurídi­
ca, jamais aventaria pedido como o então pleiteado.
j) Recursos como o presente, meramente protelatórios, é que caracteri­
zam a tranquibérnia que forma a azoada corriqueira no sério trabalho
do Poder Judiciário.
k) A parte contrária pretende forçar um acordo esmurrengando estes re­
querentes com reiteradas querelas, de razões plangentes como se fos­
se ela a parte imolada em um cruento sacrifício.
1) O réu-reconvinte pretende a peragraçào da linha processual, mas seus
argumentos sào totalmente baldos de maior razào.
m) A acusação enjambra-se em seus próprios fundamentos.
n) A cavilaçào e o dobrez do réu ressaltam em seu próprio depoimento,
em que nega todos os fatos já comprovados documentalmente no cor­
po dos autos.
o) A parte autora tem razào em pleitear indenização pela dor moral, pois
nào pode sofrer vitupério e doesto simplesmente por ser de condição
econômica menos favorecida.
p) Impossível acreditar na versão de que o réu estava inerme, pois todas
as testemunhas viram-no carregando um punhal.
q) A única forma de o magistrado livrar-se de tal enleio seria converter o
julgamento em diligência para determinar perícia contábil.
146 M anual de Redação Forense

r) Se o gerente de conta fosse mais cauto, não concederia empréstimos a


qualquer peralvilho janota que lhe aparecesse à frente. Esse é o mal
da sociedade moderna, as aparências.
s) Na impossibilidade de querenar a situação anterior, a obrigação de
fazer deve ser convertida em indenização.
t) As empresas construtoras deveriam atentar para tal fato, por conta da
trimegista quantia das transações que envolve a venda imobiliária.
u) Não fosse a velutina maviosidade da atual companheira, o autor ja­
mais suportaria o tantálico sacrifício de não poder ver seus filhos além
do pequeno lapso de tempo que a r. sentença determinou.
v) Depois de perder todos os seus bens, a vítima passa anos macambúzio
e ensimesmado, enquanto o golpista sai a festejar longánime e pra-
zenteiro.
\v) O contrato não é tão leonino como a parte alega, pois, se cumpridas
suas condições, revela-se mais do que questuoso ao contratante-
adquirente.
x) Sua ficha de antecedentes revela quão furbesco é seu comportamento
habitual.
y) O Direito Eleitoral será matéria cevatícia para os operadores do direi­
to, no ano que se aproxima.
z) Estes requerentes procuram ser lhanos e polidos no trato, ao contrá­
rio da parte ex-adversa, que usa a técnica de emborrascar os humores
de todos os partícipes, tornando tão dissímeis as formas de atuação
das partes no decorrer da demanda.
3. Veja abaixo um modelo de relatório de advogado para cliente:
Caio, Tício e Helena Advogados Associados.
Relatório de andamento de processo.
Data: 3/2/99
Cliente: Condomínio Edifício São Pedro.
Assunto:
Processo na 95.000001-0 / l 1 Vara Cível/ 1“ TAC/SP
Partes: Condomínio Edifício Sào Pedro X Construtora Boasorte.
Aos cuidados de Sra. Sara, síndica.
Lição 2: Vocabulário e vocabulário jurídico 147

lima. Sra. Sara:


Como já era do conhecimento de Vossa Senhoria, nossa demanda
foi vitoriosa em primeira instância, pois o Juízo determinou que a cons­
trutora demandada fizesse todas as reformas necessárias em seu edifício,
notadamente a reconstrução da fachada e da escadaria interna, bem como
obras de reparo na piscina térrea.
A construtora interpôs recurso de apelação ao Tribunal de Alçada
Civil, que obteve efeito suspensivo, ou seja: nào se poderia executar a
ordem do juiz enquanto o Tribunal nào apreciasse o recurso.
O recurso foi julgado improcedente, o que significa que aquele Tri­
bunal nào reformou a sentença do juiz e, entào, prevalece a ordem à cons­
trutora para fazer tais reformas.
A parte contrária, a construtora, interpôs “embargos de declara­
ção”, uma peça processual que visa a fazer com que o Tribunal reveja sua
decisão, o que será feito, ainda que o resultado nào seja alterado.
Estamos aguardando, entào, a apreciação, pelo Poder Judiciário, de
tais embargos.
Ao que tudo indica, a parte contrária pretende —depois de julgados
os embargos —interpor Recurso Especial ou Extraordinário, ou seja, quer
levar o caso à apreciação dos Tribunais Maiores, em Brasília.
Nosso trabalho, então, continua, para rebater as argumentações e
os apelos que a parte contrária faz, até que se esgotem as possibilidades
legais de revisào dos julgados que nos foram favoráveis.
São poucas as possibilidades de mudança desse resultado que nos é
favorável, mas ainda assim nosso escritório deve estar —como de fato
está —atento ao acompanhamento da demanda, até que a decisào seja
realmente definitiva.
À disposição de Vossa Senhoria para qualquer dúvida, subscreve-
mo-nos.
Helena Silva
Advogada.

O relatório é longo, mas sua extensão é justificável. O cliente, lei­


go, não busca os autos para checar o trabalho dos advogados, e entào é
necessário informar-lhe o que está sendo feito. Mais que isso, a cliente,
148 M anual de Redação Forense

síndica do condomínio, tem de explicar aos outros condôminos, constan­


temente, o andamento da causa. Por isso, o relatório enviado deve-se
despojar dos termos técnicos e, ainda que isso traga algum prejuízo à
precisão do relatório, este toma-se inteligível ao cliente. Esse é o ponto
mais importante.
Os itens abaixo contêm informações a respeito de processos, com
linguagem técnica. Tendo em vista o modelo acima, construa relatórios
que sejam claros ao cliente leigo, ou ao colega de trabalho nào especialis­
ta em Direito, “traduzindo” as expressões que considerar afastadas do
vocabulário do seu leitor.
a) Relatório endereçado ao departamento financeiro de sua empresa.
Em uma demanda criminal um funcionário da empresa para a
qual você advoga- a construtora Boasorte - foi condenado por lesão
corporal culposa. Ele deixara cair do décimo andar de uma constru­
ção um saco de cimento, que atingiu um cidadão que passava pela
calçada, deixando-o inválido.
A sentença condenatória penal transitara em julgado.
Com tal sentença condenatória penal em face do funcionário da
empresa, um advogado propõe ação de indenização, fazendo figurar
em seu pólo passivo unicamente a empresa Boasorte. Diz ser a
sentença criminal titulo executivo e, portanto, afasta da discussão da
demanda a culpa do funcionário, pois é objeto de coisa julgada na
seara criminal. Quer discutir apenas a responsabilidade da empresa.
Você, como advogado, lendo os autos da demanda criminal, en­
tende que não houve qualquer culpa do funcionário, e acha que pode
provar isso, se houver oportunidade de, nessa demanda civil, voltar a
discutir tal questão que foi agitada na ação penal. Você entende,
também, que a empresa Boasorte, por não haver participado do
contraditório da ação penal, pode voltar a discutir, nessa demanda
civil, a imprudência na ação do funcionário.
Todavia, para comprovar essa tese eminentemente processual,
acha importante conseguir o parecer do professor Tício, que a expõe,
brilhantemente, em sua doutrina.
Faça um relatório de toda essa situação para o departamento
financeiro de sua empresa, para justificar um pedido: os recursos
financeiros para a contratação do parecer do professor Tício.
b) Relatório dirigido a seu cliente:
Seu cliente, Mário, pede-lhe que patrocine uma causa. Ele resolveu
alugar um terreno e nele instalar uma máquina de propaganda. A máquina
era uma espécie de outdoor eletrônico, que, programado por computador,
deveria fazer anúncios de diversos produtos.
Lição 2: Vocabulário e vocabulário jurídico 149

Ele foi à empresa VEJABEM e comprou a máquina, ao mesmo


tempo em que fechava vários contratos com outros empresários, para
veicular as propagandas de produtos. Com o dinheiro que receberia por
força desses contratos, pagaria o aluguel do terreno e as prestações do
referido equipamento. Todos os contratos de propaganda marcaram o iní­
cio da veiculaçào delas para outubro de 98, pois era o prazo que a empre­
sa VEJABEM havia determinado para o início do funcionamento do
outdoor eletrônico.
Mário assinou o contrato de aquisição do produto, que dizia que ele
deveria ser instalado por outra empresa, de contratação livre do próprio
adquirente. A VEJABEM entretanto, nào entregou a máquina em outu­
bro, mas sim em novembro de 1998. O sr. Mário mandou, entào, que um
técnico particular montasse o outdoor. O técnico montou, mas, na hora de
ligá-lo, ele nào funcionou e está, até hoje, desligado, no terreno alugado.
Você entrou com uma açào ordinária em juízo contra a VEJABEM,
pleiteando perdas e danos advindas do nào funcionamento da máquina.
Nela, foram pedidos:
a) R$ 40.000,00 a título de aluguel do local onde o aparelho deve­
ria estar funcionando.
b) R$ 7.000,00 pagos pela montagem do equipamento.
c) R$ 10.000,00 por telas de acrílico que foram compradas em ou­
tra empresa para proteger o visor do equipamento contra van­
dalismo.
d) RS 80.000,00 por lucros cessantes.
e) A devolução da quantia paga pela aquisição da máquina; e
f) Danos morais a serem fixados pelo magistrado.
Iniciou-se a açào e foi designado um perito para ir analisar o apare­
lho. O perito certificou que o outdoor realmente nào funcionava a conten­
to, mas disse, também, que a instalação nào seguiu as normas que o ma­
nual de instalação determinava. Poderia ser que a instalação houvesse
prejudicado o funcionamento dos programas do computador acoplado ao
aparelho e por isso seu nào funcionamento.
Diante desse laudo, o juiz, ao proferir a sentença, declarou que:
Impõe-se neste caso uma única conclusão: tanto houve respon­
sabilidade da ré em não acompanhar a instalação do produto ou a
150 M anual de Redação Forense

demonstrar de forma inequívoca que houve falha por causa dessa


instalação, como houve responsabilidade do autor em não zelar pela
instalação conforme a especificação determinada no manual do pro­
duto, de cujo teor tinha conhecimento. Logo, a indenização pretendi­
da não pode passar da metade do pedido.

Com isso, o magistrado cortou pela metade a indenização por per­


das e danos, devido à culpa concorrente. Sc houve prejuízo, diz ele, nào
pode ser acarretado somente à parte ré. Dos R$ 80.000,00 pretendidos
como lucros cessantes, seu cliente ficará, segundo a sentença com R$
40.000,00. Dos R$ 40.000,00 pagos em aluguel, seu cliente receberia ape­
nas R$ 20.000,00. Além disso, receberia de volta tudo o que pagou pela
aquisição da máquina. E só. Pela sentença do magistrado, nào deveria ser
indenizado seu cliente nem pelas telas de acrílico, nem pela montagem do
equipamento, e muito menos por danos morais. A indenização devida a
seu cliente por força da sentença seria algo em torno de sessenta mil reais.
Diante de tal decisào, o patrono da parte contrária telefonou para
seu escritório e fez uma proposta de acordo: sua constituinte paga trinta e
cinco mil reais, para que se dê quitação a respeito de todos os pedidos
contidos naquela açào. Você acha a proposta interessante.
Redija, entào, um relatório a seu cliente - leigo em letras jurídicas —
explicando-lhe:
I. O que foi pedido na açào.
II. O que foi deferido pelo juiz, e os motivos de sua decisào.
III. A possibilidade de dar continuidade à açào, interpondo recurso
de apelação.
IV. Os efeitos que podem surgir da apelação.
V. A proposta de acordo.
VI. As vantagens e desvantagens da aceitação daquela proposta.
VILA necessidade de reservar, para pagamento dos honorários a
você devidos, a parcela de 15% do quanto for recebido.
4. Marque a alternativa correta quanto ao emprego das formas e prono­
mes de tratamento, bem como quanto à concordância de outros ele-
mentos (pronomes, verbos) em relaçào a eles:
a) Meretíssimo, estou na presente petição pedindo prazo em do­
bro, em virtude de haver réus com patronos diferentes.
Lição 2: Vocabulário e vocabulário jurídico 151

b) Vossas Excelências devem atentar para o fato de que vosso po­


sicionamento tem sido sempre mais liberal em relaçào à ques­
tão suscitada.
c) Seu comportamento com certeza será reprimido por Sua Emi­
nência, o Reitor.
d) Vossa Excelência bem sabe que, se proceder dessa maneira, sua
sentença será anulada.
e) Sua Magnificência, o general Tício, marcha com suas tropas para
as fronteiras.
5. Exercício adaptado da obra de Adriano da Gama Kury.2n
Alguns verbos sào denominados genéricos, ou seja, assumem vários
significados, que têm sinônimos em outros verbos. Quando um autor uti­
liza por demais um verbo genérico —como um curinga para substituir ou­
tras palavras —seu texto tende a repeti-lo muitas vezes, perdendo em
estilo. Exemplo de verbo genérico é o verbo “dar”.
Relacione as colunas abaixo para conceder ao verbo “dar” seu sen­
tido mais preciso. (Dica: as conjugações do verbo ajudam a achar a alter­
nativa correta).
A. Deram a vida por essa causa.
li Deu cadeiras dc rodas às instituições beneficentes.
C Deu sinais de cansaço.
D. Deram uma grande mancada.
K. Dera uma sentença desfavorável.
R Dá todo o seu carinho à esposa.
G. Darão uma festa.
II. Essa empresa não dá segurança ao cliente.
I. Deram duas horas.
J. Minhas razoes dc recurso darão quase 25 laudas.
K. Dí-lhc suas razoes.
L. Deu-nos uma excelente aula.
M. Deu uma fortuna pelo carro.
N. ( )s recursos nào dao para pagar os credores.
O. O evento criminoso //<f//-sc por volta das duas da tarde.
P. Ele agora deu de reclamar dc tudo.
Q. Hoje mc darei à leitura destes autos.
1 ( ) proferira, prolatara.
2 ( ) realizarão, oferecerão, patrocinarão.
3 ( ) perfarão, chegarão a, renderão.
4 ( ) sacrificaram, perderam.
5 ( ) pagou, ofereceu.
6 ( ) ocorreu.
152 M anual de Redação Forense

7 ) manifestou, revelou,
3 ) doou, ofertou.
9 ) cometeram.
10 ) bateram, soaram.
11 ) ministrou.
12 ) bastam, sào suficientes
13 ) dedicarei.
14 ) consagra, dedica.
15 ) cismou.
16 ) proporciona.
17 ) exponha, mostre.

6. Escolha, dentre os vocábulos entre parênteses, o mais aconselhável ao


contexto:
0 (requerente, demandante, apelante), em suas razões de ape­
lação, (afirma, assenta, alega, preleciona) que a (respeitável, magní­
fica, excelente, veneranda) sentença (de prímeiro grau de jurisdição,
de piso, monocrática) não atentou para todos os (fundamentos, ar­
gumentos) que o apelante (expendera, elencara, agitara) em suas
peças processuais.
Nenhuma razão, entretanto, a ele (assiste, dá o direito, favorece).
Afinal, em razão do quanto (determina, dispõe, manda) o inciso XXXV,
do artigo 5e da Constituição Federal, o (digníssimo, respeitável,
colendo, excelentíssimo) juízo de a quo (apreciou, viu, leu) todas as
alegações expendidas pelo (respeitável, culto, venerando) patrono
do apelante, (posto que, por isso, de qualquer forma) de modo sucinto.
O recurso de apelação foi (incoado, impetrado, interposto,
protocolado), sem dúvida, para fins protelatórios.

Respostas:
4- D
5 - (le;2g£j;4a;5m;6o;7c;8b;9d;10i;lll;12n;13q;14f;15p;16h;17k)
Lição 2: Vocabulário e vocabulário jurídico 153

Anexo de Notas

1 Estas definições sào do professor Napoleào Mendes de Almeida, in: Gramática Metódica
da Língua Portuguesa, Editora Saraiva, 40J Ediçào, 1995, §§ 5 a 12.
2 Garcia, Othon M ., in: Comunicação em Prosa Moderna , 17a Ediçào, Rio de Janeiro, Editora
Fundação Getúlio Vargas, 1997, p. 155.
3 Alphonsus de Guimaraens in: Clássicos da Poesia Brasileira , seleção e organização de
Frederico Barbosa, Editora OESP e Klick, Agosto/99, p. 166.
4 Gajardoni, Almir, “Lendas do Faroeste Político”, in; Revista Jornal dos Jornais, Ano 1, nü
6, p. 70.
s Revista Todateeiu ano 4 - nu47, Outubro/99 p. 52, Editora Alto Astral
6 Com efeito, a arte de escrever repousa essencialmente na escolha do termo justo para a
expressão das nossas idéias e dos nossos sentimentos. Por outras palavras: só escreve­
mos bem, quando, na série sinonímica, escolhermos a palavra ou o grupo de palavras que
melhor se ajustam àquilo que queremos exprimir. E nessa escolha que reside, em grande
parte, o segredo do estilo. M. R. LAPA, p. 21
7 In: SAVIOLI, Francisco Platão & FIORIN, José Luiz , Lições de Texto, Leitura e Redação,
Editora Atica, São Paulo, 1996.
H O mais que famoso Dicionário Aurélio, ao definir uma das acepções de jargào como giria
profissional\ traz como ilustração interessante texto de Lima Barreto, retirado da obra
Histórias e Sonbos%de que aqui nos apropriamos: “Para eles [os doutores javaneses] é boa
literatura a que é constituída p o r vastas compilações de cousas de sua profissão , escritas laboriosamente
em um jargào enfadonho com fingimento de língua arcaica ”.
,J SANTOS, Mário Ferreira dos, in: Curso de Oratória e Retórica, Editora Logos, Sào Paulo,
1954, vol. I, p. 29.
10 Vale a pena lembrar ao advogado iniciante que são poucos os clientes que se entusiasmam
ao ler, nos relatórios a eles enviados por operadores do direito, termos técnicos da área
jurídica que nào conseguem compreender. Principalmente quando a comunicação entre
advogado e cliente é freqüente, como no caso de departamentos jurídicos de empresas de
grande porte, bom profissional e aquele que consegue a comunicação eficiente com seus
colegas, que pertencem a outra área de atuação.
A empresa moderna cria, cada vez mais, células multidisciplinares de trabalho e, então,
aqueles que delas participam devem estar preparados para despojarem-se ao máximo da
linguagem técnica quando souberem estar travando diálogo com profissionais de outra
formação.
11 In: Gramática Metódica da Língua Portuguesa, § 880, p. 517.
12 Veja-se como a expressão posto que é utilizada, na linguagem mais antiga, com o valor
concessivo, de “ainda que”, “embora”, na passagem do conto “O Alienista”, de Machado
de Assis. Pode crer-se que a intenção do Mateus era ser admirado e invejado, p o s t o que ele não
a confessasse a nenhuma pessoa , nem ao boticário, nem ao padre Lopes, seus grandes amigos. E
154 M anual de Redação Forense

entretanto ttao fo i outra a alegação do boticário, quando o alienista Ibe disse que o albardeiro talve^
padecesse do amor das pedras , mania que ele Bacamarte descobrira e estudava desse algum tempo.
Aquilo de contemplar a casa.,?'
13 Saramago, José, in: Ensaio sobre a cegueira, Editora Companhia das Letras, 1995, Sào Paulo,
p. 99.
Livro de anotações, vocabulário. Aqui: dicionário.
u Garcia, Othon Moacyr, op. cit. p. 191.
15 E sobre tal respeito que o professor Ives Gandra da Silva Martins dita, em trecho de seu
decálogo para os operadores do Direito; “Respeita teus julgadores como deseja que te
respeitem. Só assim, em ambiente nobre e altaneiro, as disputas judiciais revelam, em seu
momento conflitual, a grandeza do Direito”. A Cultura do Jurista, in: Formação Jurídica ,
Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 130.
16 No ambiente forense, mais que em outros quaisquer, exige-se, também, a forma de
tratamento às coisas emanadas pela autoridade judiciária, o que, a nosso ver, consistem em
extremada polidez, que, por vezes, parecem modo de subserviência', é o caso de “sentença”
e “acórdão”, que nâo sào pessoas nem grupo de pessoas, mas que clamam as formas de
referência “respeitável” e ‘Venerando”, respectivamente.
17 Trechos copiados do Boletim da AASP nu2.121, de 23 a 29/8/99.
18 Fontes: Dicionário Latino-Português - José Cretella Júnior e Geraldo de Ulhoa Cintra -
Editora Anchieta, Sào Paulo, 1944 .BrocardosJurídicos—Dirceu Victor Rodrigues - Editora
Saraiva, Sào Paulo, 1953. Dicionário Micbaellis da Língua Portuguesa , Editora Melhoramen­
tos, Sào Paulo, 1996. Expressões batinas Jurídicas e Forenses, Vicente de Paula Saraiva, Edi­
tora Saraiva, 1999.
19 Vide também artigo 20 do Decreto 2.954 de 29/1/1999.
20 Kury, Adriano da Gama, in: Para Falar e Escrever M elhor o Português, Editora Nova Fron­
teira, Rio de Janeiro, 1994, pp. 265-267.
Lição 3
Iniciando o Texto Jurídico:
O Direcionamento, a Qualificação e
a Narração dos Fatos

Sumário
3.1 O início da petiçào: o encaminhamento. 3.2 O número dos autos e a
referência. 3.3 O parágrafo inicial: O nome das partes e o tipo de ação. 3.4 A narração dos
fatos. 3.4.1 Características do texto narrativo. 3.4.2 Primeiro passo: Selecionar os fatos. 3.4.3
A função argumentativa da narração. 3.4.4 A seleçào dos fatos e a prova processual: Fatos
controversos e incontroversos. 3.4.5 Quando narrar os fatos. 3.4.6 Conclusão. 3.4.7 O
modo de dispor os fatos selecionados. 3.4.7.1 O decurso do tempo e os tipos de narrativa:
Linearidade e não-tinearidade. 3.4.7.2 As funções da narração alinear. 3.4.8 Os meios de
enunciar o transcursos do tempo. 3.4.8.1 O tempo verbal. 3.4.8.1.1 O tempo verbal em
relação ao momento da enunciaçao. 3.4.8.1.2 Tempo verbal em relação a outra ação narrada no
texto. 3.4.8.2 Outras formas de demarcar o tempo: a utilização de advérbios c locuções adver­
biais. 3.4.9 Os erros mais comuns nas narrações jurídicas. 3.5 Relembrando. 3.6 Exercícios.

3.1 O início da petição: O encaminhamento


Depois de vermos alguns aspectos gerais do texto e o vocabulário ju­
rídico, importante se faz dar início ao estudo da forma de construir petições.
Sabemos que é por meio de petições que o advogado se comunica
com o Poder Judiciário, importando muito a qualidade delas não apenas
para o resultado da açào, como também para a apresentação, generica­
mente dizendo, do trabalho do advogado a todo o mercado.
As petições variam muito de profissional para profissional, de caso
para caso. E possível, no entanto, identificar nas petições algo de comum
em sua estrutura, que pretendemos transmitir no presente capítulo. A
partir dessa estrutura comum, os outros elementos abordados sào neces­
sários para que o leitor, compreendendo-os e fazendo os exercícios res­
pectivos, se encontre preparado para construir boas peças, adaptáveis a
cada um de seus casos concretos.
1155|
156 M anual de Redação Forense

A petição inicia-se com o encaminhamento. Ele é necessário para


que os funcionários do Juízo, notadamente no protocolo, saibam a que
vara encaminhar o petitório, evitando que a peça se extravie. Mais que
isso, indica também a pessoa a quem deve ser dirigido o texto, comumente
o juiz ou desembargador responsável pela instrução e pelo julgamento no
processo.
Por isso, o encaminhamento deve trazer, nessa ordem: a designação
do juiz ou desembargador acompanhada da devida fórmula de tratamen­
to, a vara, o foro ou o Tribunal.
O encaminhamento deve, por isso, vir logo no início da página,
desta forma:
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA
DIGNÍSSIMA PRIMEIRA VARA CRIMINAL DO FORO REGIONAL
DE PINHEIROS, NESTA COMARCA DE SAO PAULO.
ou
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR DESEMBARGADOR PRE- .
SIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DESTE ESTA­
DO DE SÀO PAULO.
Nota 1: é desaconselhável que se façam excessivas abreviações no
direcionamento, tais como “Exmo. Sr. Dr. Juiz dc Direito da DD. Ia Vara
Cível”.
Nota 2: Pode-se, quando conhecido aquele a quem a petição é dire­
cionada, invocá-lo nominalmente, o que ocorre com maior freqüência em
petições enviadas a julgadores do segundo grau de jurisdição, seguindo-se
a estrutura abaixo exemplificada:
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE
DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DESTE ESTADO DE SÃO
PAULO - DOUTOR DIRCEU DE MELLO.
Nota 3: Em segunda instância, quando já conhecido o relator do
processo, é aconselhável que a ele se dirijam quaisquer petições que ne­
cessitem ser juntadas aos autos, podendo-se, também, utilizar a referên­
cia nominal, como no exemplo que segue:
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR DESEMBARGADOR DO
EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DESTE ESTADO DE SÃO
Lição 3: Iniciando o texto jurídico: o direcion., a qualif. e a narração dos fatos 157

PAULO, CULTO RELATOR DA APELAÇÃO CRIMINAL NQ00000/


00 - DOUTOR TÍCIO SILVA.
Nota 4: Quando se trata de petições iniciais, não é ainda determi­
nada a vara que processará o feito, o que somente ocorrerá após a distri­
buição. Nesses casos, obviamente, o número da vara nào aparece no en­
caminhamento, devendo-se deixar um espaço para que o próprio distri­
buidor o preencha, posteriormente, como no texto que segue:
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA
DIGNÍSSIMA------ VARA CÍVEL DO FORO REGIONAL DE PI­
NHEIROS, NESTA COMARCA DE SÃO PAULO.
E importante frisar que, se, na petiçào inicial, nào se pode indicar a
vara a que o processo será encaminhado, o jui^o competente deve ser deter­
minado. Essa determinação deve ser analisada caso a caso, pois vários
sào os ditames legais que regem. Temos, por exemplo, as regras de com­
petência dos artigos 86 a 111 do Código de Processo Civil, o artigo 4Uda
Lei 9.099/95. O encaminhamento a juízo equivocado pode causar grave
retardamento no andamento da causa, por isso é recomendável que aque­
le que inicia açào esteja atento aos dispositivos que regulam a competên­
cia do juízo.

3.2 O número dos autos e a referência


Depois do encaminhamento, a petiçào deve conter o número do
processo, para indicar ae cartório em que autos deve ser ela juntada. E
recomendável, entretanto, que entre o encaminhamento e o número do
processo haja suficiente espaço em branco, para que se vá constituindo,
na primeira folha da petiçào, área no papel para que o juiz profira seu
despacho.
Também é recomendável que se insira, logo abaixo do número do
processo, uma referência. A referência é o nome da peça, o que ela repre­
senta dentro dos autos a que será juntada. Como todo procedimento tem
seus atos e manifestações específicas, a referência facilita aquele que ma­
nuseia os autos a neles achar o que procura, a situar-se diante daquele
volume. Ela se toma ainda mais importante quando os autos saem do
juízo singular e vão ao conhecimento de novo julgador, que neles procura
as peças principais. Assim, se o leitor dos autos procura pelas razões de ape-
158 M anual de Redação Forense

laçào, deverá encontrar esse título na referência da peça, nào tendo de ler
grande parte do conteúdo de cada petição do advogado para identificá-la.
Vejamos como a referência se apresenta, no exemplo abaixo:
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA
DIGNÍSSIMA PRIMEIRA VARA CRIMINAL DO FORO REGIONAL
DE SANTANA, NESTA COMARCA DE SÀO PAULO.
Autos de nü 058/99
Ref.:
Alegações finais.
(art 500 CPP)
TÍCIO LEITE, por seu advogado, nos autos da AÇÀO PENAL
r____^ ^ n /_^ ,
que lhe move a JUSTIÇA PUBLICA, vem, respeitosamente, à presença
de Vossa Excelência, apresentar suas alegações finais, nos termos do
artigo 500 do Código de Processo Penal, nos termos que seguem:
(...)

3.3 O parágrafo inicial: o nome das partes e o tipo de ação


Depois do encaminhamento, do número do processo e da referên­
cia, é necessário identificar as partes no processo. Deve-se iniciar o texto
propriamente dito da petição com o nome da parte que o patrono repre­
senta, ou seja, o nome daquele que se manifesta no processo. Essa iden­
tificação tem por função revelar de plano ao leitor qual a parte que nos
autos se manifesta, de quem provém o pedido feito no texto jurídico en­
caminhado. Além disso, permite ao cartório identificar o processo, evi­
tando que seja a petição juntada em autos estranhos, pois desse moda a
identificação nào fica por conta apenas do número dos autos que vem em
epígrafe, o qual pode conter algum erro de digitação. Portanto, para con­
firmar essa identificação da causa é que a indicação das partes deve con­
ter nào apenas, logo de início, a denominação da parte que se manifesta,
como também a denominação da parte contrária e o tipo da açào. Veja­
mos, entào, o exemplo abaixo:
TlCIO DA SILVA, por seu advogado, nos autos da ação de repara­
ção de dano que move em face de HERMES DA FONSECA, vem,
respeitosamente, à presença de Vossa Excelência expor e requerer
o quanto segue:
Lição 3: Iniciando o texto jurídico: o direcion., a qualif. e a narração dos fatos 159

Ou:
HERMETO CORIOLANO e outra, por seu advogado, nos autos da
ação de execução que lhes move o BANCO BOASORTE, vem, respei­
tosamente, â presença de Vossa Excelência, requerer a juntada do
incluso instrumento de mandato, bem como o comprovante de reco­
lhimento da respectiva taxa favorecendo a Caixa de Assistência ao
Advogado.
Nota 1: É recomendável que o nome das partes venha em desta­
que, em maiúsculas ou em negrito, novamente para facilitar a atividade
do cartório, porquanto os seus serventuários devem, com rapidez, proce­
der à leitura desses nomes. Nào é nenhuma atitude menor do advogado
tomar esse dpo de providência que tenha o propósito de tomar mais ágil
o trabalho de outros, ao contrário, revela solidariedade àqueles que tam­
bém colaboram para a celeridade de seus serviços. Existem advogados
que já entregam suas petições com dois furos feitos na lateral esquerda
das laudas, para evitar que o próprio cartório tenha que o fazer para ane­
xar a petiçào aos autos.
Nota 2: Nessa qualificação, devem constar, entào, essas informa­
ções: a indicação do nome da parte que se dirige ao juiz; em que pólo da
ação ela se encontra; qual o tipo de açào em que se manifesta; o nome da
parte contrária.
Nota 3: Nas ações penais públicas, movidas pelo representante do
MP, costuma-se, nessa qualificação, denominar-se a parte contrária por
JUSTIÇA PÚBLICA.
Nota 4: Nas petições iniciais, não basta indicar o nome das partes.
Como elas ainda nào estão identificadas no processo, uma vez que os
autos ainda não foram formados, é imprescindível que haja, no lugar des­
sa indicação, a qualificação das partes, sendo ela indispensável para que
ocorra a individualizaçào dos pólos da açào. Com a qualificação, o juízo
se torna precavido quanto à confusão entre homônimos, identifica o do­
micílio das partes para efeito de competência e citação, o estado civil
para a outorga uxória, dentre outras. Sendo assim, o artigo 282, II, do
Código de Processo Civil exige sejam as partes, na inicial, qualificadas
pela indicação do nome completo, estado civil, profissão, domicílio e
residência. Para reforçar esse detalhamento, costumam-se inserir outros
fatores de identificação, como número de cédula de identidade e CPF.
HERMELINDO DA SILVA, brasileiro, solteiro, professor, residente
à rua dos Pássaros, 2, na capital de Sâo Paulo, portador da cédula
160 Manual de Redação Forense

de identidade R.G. n9 123.456.789- 8 e inscrito no Cadastro de Pes­


soas Físicas do Ministério da Fazenda sob ne 222.222.222-40, por
seu advogado (procuração em anexo), vem à presença de Vossa
Excelência propor a presente ação de PRESTAÇÃO DE CONTAS em
face da empresa BOASORTE administração de condomínio s/c, CGC
ne 123.456.789/0001, com sede à Rua das Borboletas, nfl 3, nesta
cidade de São Paulo, pelos motivos de fato e de direftaque ora pas­
sa a expor: ^

Portanto, toda petição enviada ao Poder Judiciário deve contar com


direcionamento, o número do processo, a referência, e o parágrafo inicial
que determine a parte peticionária, a parte adversa, o tipo da ação e a
introdução simples para o início das argüições a serem nela articuladas.
A partir desse início que, apesar de padronizado, é essencialmente
importante para o trabalho do advogado e daqueles que devem encami­
nhar ou apreciar sua petição, é que se dá início ao texto propriamente
dito, individualizado, de cada peça. O texto de cada peça nào se pode
mostrar, aqui, em módulos, vez que variam de caso a caso, cabendo ao
profissional a competência de redigir, expondo o que é necessário para
que o leitor compreenda a situação delimitada e se convença da necessi­
dade de decidir de acordo com o pedido formulado. O que se pode fazer
para auxiliar essa redaçào é mostrar as técnicas pertinentes a cada espécie
de texto e, na medida do possível, trazer alguns modelos daquilo que é
invariável em cada petição, o que se fará em volume posterior.
Comecemos, então, com a primeira parte da petição: a narrativa
dos fatos.

3.4 A narração dos fatos


Após o direcionamento, o número dos autos, a referência e o pará­
grafo inicial, a petiçào inicia seu texto propriamente dito.
E comum a divisào, em grande parte das petições, entre “OS FA­
TOS” e “O DIREITO”. Essa divisão organizacional da petiçào tem fun­
ção prática muito evidente, orientando o leitor quanto a dois tipos de
textos distintos, que serào aqui trabalhados separadamente: a narrativa e
a argumentação.
Antes de iniciarmos esse tópico, é necessário frisar que a distinção,
na peça jurídica, entre narração e argumentação, ou, como se costuma
designar “Dos Fatos” e “Do Direito” tem por fim a organização e, para
nós, a didática.
Lição 3: Iniciando o texto jurídico: o direcion., a qualif. e a narração dos fatos 161

Em outras palavras, é impossível que um texto seja puramente nar­


rativo ou puramente argumentativo, podendo-se apenas dizer que um tre­
cho da petiçào tem maior conteúdo narrativo e outro, maior conteúdo
argumentativo.
Todo conflito posto à apreciação do Poder Judiciário surge de fatos.
Alguns deles sào juridicamente relevantes, porque trazem conseqüências
jurídicas, e outros são juridicamente irrelevantes, pois a lei nào lhes im­
põe qualquer efeito ou sançào. Assim, deixar, deliberadamente, de cum­
primentar um colega, visando a exteriorizar uma animosidade, pode ser
um comportamento ofensivo, mas nào constitui um fato, em si, juridica­
mente relevante. No entanto, se a pessoa, além de nào saudar o colega,
vier a proferir-lhe termos de calào, ofendendo-o verbalmente, pode co­
meter o delito de injúria, passando, dessa forma, a constituir um fato de
relevância jurídica incontestável. Ambos os atos, a falta de saudação ou a
ofensa verbal, podem atingir na mesma intensidade a honra do ofendido,
mas apenas o último fato é genericamente previsto em norma jurídica.
Aos fatos juridicamente relevantes, então, a lei prescreve conseqü­
ências, tendo por base elementos culturais e políticos que interferem em
sua elaboração. Então, cada preceito jurídico é direcionado, direta ou in­
diretamente, a £atos concretos, impondo-lhes um juízo de valor (Nas pa­
lavras e Miguel Reale Jr., “A norma constitui o momento culminante de um proces­
so no qual estão em continua tensão fato e valoi>v) 1
Evidentemente, os princípios teóricos que envolvem a relação en­
tre fato e norma sào aprofundados e complexos, nào sendo aqui oportu­
nidade de sobre eles discorrer. Basta-nos, no momento, enfatizar a assertiva
de que as normas jurídicas regem os elementos fáticos e, entào, nào é
possível argumentar sobre a aplicabilidade dos preceitos jurídicos sem que,
antes, mostrem-se os fatos que reclamam intervenção do Poder Judiciário.
Sào eles que vào determinar as normas jurídicas aplicáveis e, por­
tanto, sào elementos que, logicamente, devem ser expostos antes de qual­
quer argumentação que pretenda trazer à tona questões jurídicas propria­
mente ditas.
É por isso que a narrativa dos fatos dever preceder à articulação
das teses jurídicas (O Direito). Sobre essa narrativa, podem-se levantar
alguns princípio teóricos e dicas práticas que auxiliam no desenvolvimen­
to de textos para cada caso concreto.
162 Manual de Redação Forense

3.4.1 Características do texto narrativo


Em primeiro lugar, é interessante notar que o texto narrativo é fi­
gurativo. Isso significa dizer que ele se desenvolve por meio de figuras
que atuam, ou seja, personagens que agem de certa maneira, transfor­
mando a realidade. Vejamos como isso ocorre no texto abaixo:
0 querelado, no dia primeiro de janeiro do corrente ano, telefonou
para dois dos clientes do querelante, afirmando-lhes que os servi­
ços deste eram mal elaborados, e, mais, que o querelante era um
mau profissional. Ainda não satisfeito com tal atitude, telefonou, dois
dias depois, à secretária de um terceiro cliente, informando que lhe
estaria passando um fax. Naquela oportunidade, aproveitou para fa­
lar a ela que a mensagem do fax constituía-se de um texto que expli­
cava o descontentamento do querelado com os serviços do quere­
lante. Foi o que de fato fez: transmitiu via fax o texto de fls. 10, que
contém difamações severas, atingindo a honra objetiva do querelan­
te, como se demonstrará posteriormente.

Para comprovar a existência da difamação, o patrono do querelante


tem de narrar os fatos. Para tanto, envolveu personagens (querelante, que­
relado, secretária e três clientes) bem como coisas (fax, o texto), que assu­
mem posição no desenrolar dos acontecimentos.
Construir uma narrativa é mostrar, no texto, a ação de um personagem,
que opera uma transformação em seu meio. Em toda narrativa, alguém age e
muda o estado das coisas, alterando o assim chamado status quo ante. Se
nos propomos a construir um texto narrando fatos, é porque ha uma alte­
ração, uma mudança neles, e alguém as opera. No exemplo acima, o as­
sim denominado “querelado” operou uma mudança na situação anterior:
ligou para clientes do querelante, incutiu neles idéias que anteriormente
nào existiam, transmitiu fax para outra pessoa, difamou o querelante etc.
Todas essas são mudanças havidas no estado natural das coisas, no caso,
com efeito juridicamente relevante.
Percebamos como a transformação do status quo ocorre nas narrati­
vas abaixo:
Esbaforido, sem o gorro e com o avental rasgado, o Cozinheiro-
Chefe veio correndo pelo saguão. O jovem fez um gesto enérgico e
precipitou-se ao seu encontro:
— Como é que o senhor entra aqui neste estado?
O homem limpou no peito as mãos sujas de suco de tomate:
— Aconteceu uma coisa horrível, doutor! Uma coisa horrível!
Lição 3: Iniciando o texto jurídico: o direcion., a qualif. e a narração dos íatos 163

— Não grita, o senhor está gritando, calma - e o jovem tomou o


Cozinheiro-Chefe pelo braço, arrastou-o a um canto:
— Controle-se, mas o que foi? Sem gritar, não quero histerismo,
vamos, calma, o que foi?
— As lagostas, as galinhas, as batatas, eles comeram tudo! Tudo!
Não sobrou nem um grão na panela, comeram tudo e o que não
tiveram tempo de comer, levaram emboral
— Mas quem comeu tudo? Quem?
— Os ratos, doutor, os ratos!
(Lygia Fagundes Telles, in: Seminário dos Ratos)
- o —

Na pensão Dienensen está a Hamilton? Ali está... Dão-lhe o único


departamento disponivel, bem próximo ao seu, no mesmo andar. A
senhora tinha o quarto 33 e a ele coube o quarto 39.
Diz que desejava tomar banho, porque nos países do norte o
banho é um hábito muito freqüente. E acabava de fazer uma viagem
de 36 a 40 horas ininterruptas, tinha necessidade de tomar um ba­
nho. Mas a camareira disse que levaria meia hora para preparar-lhe
o banho e ele, atormentado pela pressa, renuncia ao banho. Faz
então uma toalete rápida, arruma-se, sai, pergunta onde pode
encontrá-la. Pergunta ao porteiro, quem, como os senhores viram
aqui, não tem uma estrutura gigantesca, seja corpórea, seja por sua
função na pensão. Ele responde “Provavelmente no Hotel Regina, no
Hotel Excelsior, lá servem um chá pela tarde...". Vai, busca ansiosa­
mente, não encontra; regressa à pensão; há quem tenha visto sua
amada. Sabe que está por ali, sente-se de novo sob sua influência,
sabe que respira seu mesmo ar, que seu tormento de amor está
realmente próximo.
(...)
É somente no instante fatal e funesto da ação fulminatória que a
idéia preordenada do suicídio evoca também de improviso a idéia da
morte de outro, e o desesperado amante chega à idéia de suicídio,
mas turbada pelo homicídio, já que os freios de sua vontade já não
funcionam. Então, ele em um ímpeto que obscurece os sentimentos
e a vontade, com a pistola à queima-roupa, com a luz acesa, dispara
três tiros contra a mulher, que se encontra nua sobre o leito.
(Ferri, in: Defesas Penais - Amor e morte.)

No primeiro texto, uma narração literária, os fatos se sucedem para


transformar a realidade que existia: em uma reunião que parecia calma, o
cozinheiro-chefe dá uma notícia que parece alarmante, a presença de ra­
tos, causando destruição. Aliás, perceba-se que a notícia propriamente
nào é de todo alarmante, os ratos podem ser expulsos, a comida que eles
164 M anual de Redação Forense

consumiram pode ser refeita, adquirida em outro estabelecimento etc.


Todavia, o texto traz uma série de outros elementos, secundários, que
impingem de relevância e gravidade a notícia que o cozinheiro profere: o
fato de o empregado entrar desesperado na sala de alguém importante
(chamado de “doutor”), o espanto que ele causou ao jovem ao adentrar, o
fato de estar “esbaforido”, desesperado, dentre outros. Então, pode-se
dizer que, em uma narrativa, existem elementos principais, que alteram
sobremaneira um estado anterior, e elementos secundários, que têm por
finalidade colaborar com os principais, construindo ou reforçando-lhes o
sentido.
No segundo texto, uma defesa feita no júri, a mudança de estado
ocorre com maior intensidade na cena do homicídio, embora na maior
parte do trecho recortado o autor, o mestre Enrico Ferri, preocupe-se em
expor aos jurados elementos preliminares de uma dessa alteração princi­
pal no status quo ante, o homicídio premente. No entanto, o advogado
entende que, antes de narrar o homicídio propriamente dito, deve contar
aos jurados elementos preliminares, que prepararão os julgadores para
aceitarem a idéia de que o homicídio foi cometido sob a emoção da pai­
xão, e, para tanto, julgou ser necessário expor a procura incessante —e até
doentia —pela mulher amada.
Essa breve análise já nos permite destacar fundamentos importan­
tes a respeito da narrativa jurídica.

3.4.2 Primeiro passo: Selecionar os fatos a serem


narrados
A —Em primeiro lugar, quem narra os fatos em uma petição deve
selecionar aqueles que contribuem para a construção de seu texto.
Na narrativa de Ferri, acima transcrita, o autor selecionou, dos fa­
tos que conhecia, alguns deles para expor aos jurados. Na petição, ocorre
da mesma forma: de todos os elementos que podem fazer parte da narra­
tiva, o autor deve, como primeiro passo, escolher aquele que julga rele­
vantes. Mas como definir quais são os fatos relevantes?
Lição 3: Iniciando o texto jurídico: o direcion., a qualif. e a narração dos fatos 165

Aquele que escreve o texto deve, como primeiro passo, definir:

I. Os fatos que sào juridicamente relevantes.


II. Os fatos que contribuem para a compreensão dos juridicamente
relevantes.
III. Os fatos que contribuem para a ênfase de outros mais impor­
tantes.
IV. Os fatos que satisfazem a curiosidade do leitor ou lhe desper­
tam interesse na leitura.

I. Os fatos juridicamente relevantes sào, como já explanado,


aqueles que importam diretamente para a aplicação da norma
jurídica. Como a norma é um paradigma de ações previsíveis,
os fatos juridicamente relevantes sào aqueles que se enquadram
em tais modelos. São, portanto, os fatos mais importantes a se­
rem narrados na petição. No discurso de Ferri, o fato juridica­
mente relevante é a morte da mulher.
É fácil identificar os fatos juridicamente relevantes nas denúncias
criminais do Ministério Público, que costumam —em nosso entender, de
forma pouco recomendável —ser sucintas para narrar os eventos crimino­
sos, furtando-se a inserir no texto elementos outros que nào aqueles que
realmente influenciam a aplicabilidade da lei penal. Vejamos o exemplo,
hipotético:

Consta do incluso inquérito policial que, no dia 13 de maio de


1996, no Bairro Bonjardim, nesta comarca de São Paulo, Hermelindo
matou a tiros a vítima Hermeto, por meio que impossibilitou a defesa
do ofendido.
Conforme apurado, Hermeto saía de um bar quando alguém o
chamou e, assim que ele se virou para olhar quem clamava seu
nome, foi surpreendido pelos disparos, sem poder esboçar qual­
quer reação.
Testemunhas reconheceram o autor dos disparos fatais como
sendo Hermelindo. O móvel do crime não foi apurado.
Desta forma, denuncio Hermelindo como incurso no artigo 121,
com a qualificadora do parágrafo segundo, inciso IV do mesmo arti­
go, o recurso que tornou impossível a defesa do ofendido, todos do
Código Penaí (...).
166 M anual de Redação Forense

Perceba-se que, no texto acima, são narrados os fatos da forma


mais sucinta possível, escolhendo-se quase que tão somente aqueles im­
prescindíveis para a qualificação jurídica do evento. A morte do ofendido
é narrada para enquadrar a conduta no artigo 121 do Código Penal, en­
quanto a curta descrição da cena do crime procura mostrar apenas o es­
sencial para justificar a qualificadora do meio que impossibilitou a defesa
do ofendido.
É certo que, durante o inquérito policial, foram juntadas provas
depoimentos, que possibilitariam trazer à narração da denúncia outros
fatos que tomariam mais detalhado o texto acusatório (qual o bar de que
a vítima saía? Ela estava embriagada? Havia brigado com alguém? O réu
esteve no bar? Houve alguma discussão entre réu e vítima? ...) mas eles
certamente em nada influenciariam na capitulação jurídica do evento, nos
moldes que a acusação almeja. Portanto, o autor do referido texto seleci­
onou, de todo o material que tinha em mãos —no caso, o inquérito polici­
al - somente fatos juridicam ente relevantes.
Ser excessivamente sucinto ao narrar os fatos é característica das
peças acusatórias, não sendo recomendável às petições de advogado, sal­
vo em casos muito simples, em que nào há mais circunstâncias a serem
expostas. Mesmo quando o advogado pretende acusar, a exemplo da for­
mulação de queixa-crime, é necessário que narre os fatos de modo mais
detalhado.
Nas peças acusatórias, entretanto, a razão para que a narrativa dos
fatos se reduza aos juridicamente relevantes é evitar que a defesa possa
ter subsídios para combater a acusação pela sua inexatidão. O Promotor
de Justiça, já conhecido por sua combatividade, Edilson Mougenot Bonfim
expõe com grande propriedade essa técnica:
Deitar-se o verbo no papel, quando da denúncia, com circunstân­
cias penalmente indiferentes - ou faticamente irrelevantes - para a
eclosão do crime, é como se disse, abrir vulnerável ponto â defesa.
Se o homicida e a vítima passearam antes do crime em determi­
nada via pública, exatamente em dado horário, e conversaram antes
com uma identificada pessoa, e tais circunstâncias nâo dizem, dire­
tamente, respeito ao fato ... jamais estes informes poderiam interes­
sar à técnica da boa denúncia.
No caso de detalhes insignificantes para o evento criminoso, caso
se confundam ou não se confirmem no curso da instrução, eles so­
mente alicerçarão o réu na invocação e cantilena de suas “dúvidas",
para possibilitar a declaração do non liquet... (...)
Lição 3: Iniciando o texto jurídico: o direcion., a qualif. e a narração dos fatos 167

Pode-se concordar parcialmente com esse posicionamento. Em ver­


dade, os “detalhes insignificantes para o evento criminoso” nào necessi­
tam ser expostos no texto da denúncia, mas é preciso rever o que se en­
tende por “insignificância”. A exposiçào de maiores detalhes, de outros
fatos que nào meramente os juridicamente relevantes têm funçào de ga­
rantia à defesa, e nào para tornar “vulnerável” a acusação. Tanto para o
Ministério Público, em sua denúncia, quanto para o advogado, a inicial
detalhada exterioriza um mínimo de segurança ao próprio sistema judici­
ário quanto ao conhecimento dos fatos narrados e, entào, funcionam, nesse
mesmo contexto como garantia à própria defesa, para que possa ela
contraditar fatos certos e nào meras generalidades. Sem a enunciaçào des­
ses fatos circunstanciais, que nào interferem diretamente na mudança da
capitulação legal, nào se pode acreditar sequer que aquele que redige o
texto acusatório tenha realmente juntado indícios suficientes para propor
sua demanda. A funçào do texto jurídico —e isso se aplica aos fatos nar­
rados na inicial —nào é o de apenas expor o que ocorrera, dentro do que é
juridicamente relevante, mas, também, persuadir a respeito da verdade
deles e, para isso, é necessário expor elementos circundantes, periféricos,
ainda que se corra o risco (que sempre existe, quando se procura persua­
dir) de abrir ponto de rebate à parte contrária. Exporemos isso, mais adi­
ante, com detalhes.
De qualquer modo, os fatos juridicamente relevantes são aqueles que
nào podem deixar de constar de qualquer exposição figurativa do texto ju­
rídico, sendo, entào, obrigatória sua seleçào, para que venham dele a constar.
Mas nào é apenas de elementos juridicamente relevantes que se
constitui a exposição dos fatos.
II. Fatos que contribuem para a compreensão dos juridicamente
relevantes estào em segundo lugar na escala de importância da­
queles que devem ser selecionados pelo autor da peça jurídica
para que venham nela a ser incluídos.
É certo que os fatos juridicamente relevantes não ocorrem isola­
dos, mas sim dentro de um contexto próprio, que deve ser exposto ao leitor,
para que se entendam as particularidades da demanda. Os fatos que con­
tribuem para a compreensão dos juridicamente relevantes funcionam como
modo de que o leitor compreenda esse contexto das ocorrências e, mais,
para que compreenda o processo em que os termos juridicamente rele­
vantes ocorreram, seu desenrolar.
168 M anual de Redação Forense

Procuremos compreender, com um exemplo inicial: vamos supor


que alguém tentasse explicar a um estrangeiro um evento extremamente
importante na História do Brasil: a abolição da escravatura. O evento
(juridicamente) relevante, no caso, seria a assinatura da Lei Aurea pela
Princesa IsabeL Mas isso, com certeza, nào bastaria para que o ouvinte
nesse a compreender todo o processo.
Seria necessário explanar a ele, por mais resumida que fosse a his­
tória, outros fatores: a forma como o escravos eram tratados, para que
seus serviços eram utilizados, os movimentos e as forças abolicionistas,
os interesses que estavam por detrás da abolição ou manutenção da es­
cravatura, as pressões que sofreu a Princesa, culminando com a assina­
tura da Lei. Só com esses fatores mínimos, o ouvinte, em uma história
que lhe aflora como novidade, pode ter elementos para compreender a
importância do feito, bem como pode formular perguntas sobre o que não
lhe pareceu claro: por que a Inglaterra se interessava pela abolição no
Brasil? O que ocorria na Europa, no ano de 1888? Por que a Princesa, e
não o Imperador, assinou tão importante lei?
No texto jurídico, ocorre da mesma maneira. O fato juridicamente
relevante nào é auto-explicável, ele necessita, para ser compreendido, de
outros fatores que, embora nào interfiram na capitulação legal, criam o
campo para a ocorrência dele, ou, no mínimo, situam o ouvinte em um
contexto maior. Vejamos:
O autor, na madrugada do dia 13 de maio de 1999, encontrava-se
em uma festa de sua faculdade, a qual, devido ao adiantado da hora,
já estava por findar-se. Procurando voltar para casa, o autor foi ao
encontro do ora réu, seu vizinho, e perguntou se este lhe poderia dar
uma carona, em seu carro, até a casa do autor. O réu não negou o
favor e dispôs-se a levá-lo, apenas afirmando que aguardasse, por­
quanto pretendia deixar a comemoração um pouco mais tarde.
Poucas horas antes do amanhecer, o réu chamou o autor para
que ambos fossem embora. 0 autor, já cansado, agradeceu a atitude
e dirigiu-se ao carro do réu, tomando assento no banco da carona.
Para seu espanto, o réu, ainda muito animado pelo ensejo da festa,
saiu em alta velocidade, dizendo que eles dois deveriam prolongar a
noitada até o nascer do sol, mas o autor expôs sua vontade de ir para
casa. O réu, gritando muito, desapontado por estar sendo compelido
a ir até a casa do autor, sendo que estava muito próximo do local das
ubadalaçõesMque pretendia fazer, imprimiu ainda maior velocidade
ao carro, e, talvez com seus reflexos mais retardados que o normal,
perdeu o controle do veículo e, na altura do número 45.502 da Av.
Nove de Julho, arrebatou-o contra um poste, causando, com o cho-
Lição 3: Iniciando o texto jurídico; o direcion., a qualií. e a narração dos fatos 169

que, vários danos ao autor, que ainda se encontra em fase de conva­


lescença.

No exemplo acima, o fato juridicamente relevante principal é o aci­


dente de trânsito, que causou danos ao autor. Outros fatos também têm
importância jurídica, como o pedido do próprio autor para ser levado
para casa, que lhe traz a posição de “carona” no veículo, sendo o trans­
porte feito por mera liberalidade do réu. A alta velocidade que o veículo
atingira antes de chocar-se com o poste também é elemento juridicamen­
te relevante, porquanto dá indício de culpa grave do motorista.
Entretanto, outros elementos fáticos descritos não têm relevância
jurídica, mas criam um contexto para o ilícito civil. E o caso, por exemplo,
da festa que estava havendo, ou do fato de o réu pretender estender a
farra depois da festa, o que o fez desapontar-se com o desejo do autor de
voltar para casa, forçando aquele a desviar-se de seu caminho pretendido.
E evidente que o fato de os personagens saírem de uma festa ou de uma
reunião, ou de o réu estar, no momento da batida, furioso ou calmo, nào
vai implicar qualquer diferença na capitulação jurídica do fato (em tese, o
artigo 159 do Código Civil), mas esses elementos devem constar da nar­
rativa, porque aumentam os elementos de compreensão do leitor.
Ao criar um “contexto” para o acidente ocorrido, o autor da peça
jurídica fornece elementos de compreensão e, até, de convencimento para
o leitor, no caso, o juiz. Se o autor da inicial dissesse, nos fatos, apenas “o
acusado era carona do réu e este, com culpa grave, abalroou seu veículo
contra um poste, causando ao réu vários danos”, o leitor nào teria conhe­
cimento de fatos importantes para a compreensão do acidente, e, entào,
não poderia aceitar a inicial. Com esses fatos, o narrador permite ao leitor
o entendimento mínimo do contexto, essencial para a instrução processu­
al e para o próprio contraditório, o direito de resposta da parte adversa.
Por exemplo, conhecendo esses fatos, o magistrado já tem elementos para
criar suas dúvidas a respeito do ocorrido: como foi a festa? Havia drogas?
O autor colaborara de algum modo para o acidente? Será que o réu acele­
rou seu carro apenas para assustar o autor, vez que com ele estava indis­
posto? Alguém na festa vira o estado do réu ao sair? Estava ele bêbado?
Portanto, os elementos fáticos que contribuem para a compreensão
dos juridicamente relevantes são aqueles que, embora não imponham con­
seqüência jurídica por eles mesmos, auxiliam o leitor na compreensão
mínima dos juridicamente relevantes. Sào eles circunstanciais, mas têm a
170 M anual de Redação Forense

relevante função explicar e individualizar os fatos sobre os quais recaem


diretamente os efeitos da norma jurídica.
Para, na narração forense, tomar o fato juridicamente relevante mi­
nimamente compreensível ao leitor, formando a individualizaçào e
contextualizaçào do evento, o autor do texto narrativo deve, sempre, pro­
curar fazer com que seu texto tenha as respostas para estas sete questões:
1. O quê: o fato, a açào. (No exemplo, o acidente)
2. Quem: os personagens, agentes. (No exemplo, autor e réu)
3. Como: o modo como se desenrolou o fato. (a saída da festa, a
aceleração do carro ...)
4. Quando: o momento ou a época em que ocorreu o fato. (ma­
drugada do dia 13 de maio de 1999)
5. Onde: lugar da ocorrência. (Av. Nove de Julho, nü 45.502)
6. Por quê: o motivo do fato. (a irritação do réu, sua imprudência
ao dirigir)
7. Por isso: resultado ou conseqüência (os danos ao autor, que
serão descritos)
Nota: Todos esses fatores, a que as questões acima recortadas pro­
curam responder, não sào necessariamente relevantes para a norma jurí­
dica, mas o sào para a compreensão do contexto, como já foi dito. Isso
não impede, entretanto, que alguns desses fatos venham a importar con­
seqüências jurídicas. Por exemplo: para o ressarcimento do dano, no exem­
plo acima, de pouco importaria se o acidente (ilícito civil) ocorrera na­
quela avenida ou em uma rua paralela, mas, sem dúvida, se o acidente,
em vez de haver ocorrido em São Paulo, tivesse lugar na cidade do Rio de
Janeiro, o foro competente seria diverso, trazendo, entào, conseqüência
jurídico-processual bastante relevante. Da mesma forma, se o ilícito ocor­
rera dia 13 ou 14 de maio de 1999 nào constitui questão juridicamente
importante, mas, se o fato houvesse ocorrido há mais de 20 anos, passaria
a incidir no contexto fático a norma insculpida no artigo 177 do Código
Civil, a prescrição da açào pessoal. Portanto, os elementos que servem
para a compreensão dos juridicamente relevantes podem vir a nestes se
transformar, se sobre eles vier a incidir efeito de norma jurídica.
Nota 2: As sete perguntas da boa narração são necessárias, princi­
palmente, nas narrações de petiçào inicial e na contestação. E nelas que o
Lição 3: Iniciando o texto jurídico: o direcion., a qualif. e a narração dos fatos 171

leitor deve tomar pé dos elementos fáticos em maiores detalhes, pois,


antes da leitura, não os conhece em absoluto, ao menos na versão que se
pretende conceber. Em peças posteriores, a própria instrução do proces­
so cuida de revelar quais são os fatos realmente importantes no deslinde
da causa e, então, alguns elementos circunstanciais podem deixar de ser
enunciados no texto narrativo, porquanto nào mais contribuem para o
entendimento do contexto pelo leitor, o qual já tem, em outras peças,
narrações mais completas.
Nota 3: Se o curso da instrução processual vai, por um lado, dis­
pensando a narração dos fatos de detalhes que outrora foram necessários
para a compreensão genérica do caso, por outro vai trazendo fatores per­
tinentes ao próprio curso da instrução, que devem também ser narrados,
pela denominação de “relato do processo” ou “relato do trâmite proces­
sual”. Sobre esse relato, que também constitui uma narração fática, dire­
mos ainda neste capítulo.
É apenas com os fatos juridicamente relevantes que o autor
mentaliza a cena dos fatos e constitui em seu pensamento um enredo
lógico para eles.
III. Existem, também, os fatos que colaboram para a ênfase de
outros, e aqueles que procuram satisfazer a curiosidade do lei­
tor ou a nele despertar o interesse pela leitura. Para entender,
vejamos a diferença entre os dois trechos narrativos abaixo:
- I -

Poucas horas antes do amanhecer, então, o réu chamou o autor


para que ambos fossem embora. O autor, já cansado, agradeceu a
atitude e dirigiu-se ao carro do réu, tomando assento no banco da
carona. Para seu espanto, o réu, ainda muito animado pelo ensejo
da festa, saiu em alta velocidade, dizendo que prolongaria a noitada
até o nascer do sol, mas o autor expôs sua vontade de ir para casa. 0
réu, gritando muito, desapontado por estar sendo compelido a ir até
a casa do autor, sendo que estava muito próximo do local das “bada-
lações" que pretendia fazer, imprimiu ainda maior velocidade ao car­
ro, e, talvez com seus reflexos mais retardados que o normal, perdeu
o controle do veículo e, na altura do número 45.502 da Av. Nove de
Julho, arrebatou-o contra um poste.

-II-
Poucas horas antes do amanhecer, então, o réu chamou o autor
para que ambos fossem embora. O autor, já cansado, agradeceu a
atitude e dirigiu-se ao carro do réu, tomando assento no banco da
172 M anual de Redação Forense

carona. Para seu espanto, o réu. ainda muito animado pelo ensejo
da festa, saiu em alta velocidade. Convidou o réu, seu carona, para
que ambos fossem a uma boate próxima, mas este negou-se a
acompanhá-lo, dizendo estar cansado. O réu continuou, enquanto
pilotava, a insistir, afirmando que haveria na boate mulheres bonitas
e que, em fim noite, seria proveitoso para ambos: deveriam prolon­
gar a noitada até o nascer do sol. O autor, entretanto, expôs sua
vontade de ir para casa, dizendo aue deveriam lembrar-se de ciue
teriam prova da faculdade na semana seguinte e que por isso seria
bom não abusar. O réu persistia no seu intento de persuadir o autor
a acompanhá-lo e, aparentemente descontrolado, fazia curvas em
alta velocidade, rangendo os pneus, atravessava semáforos fecha­
dos. assim expressava sua indignação ou desapontamento por ter
de levar a casa o autor, enouanto este, temeroso, por várias vezes
pedia para que a velocidade do carro fosse abrandada. Não foi aten­
dido, e então o acidente parecia premente: o carro era dirigido no
limite do controle humano, com freadas ríspidas, acelerações repen­
tinas, que faziam o veículo atingir velocidade absolutamente incom­
patível com as vias por que passava. O descontrole mental do réu,
talvez por causa de aloum elemento alterador do humor consumido
na festa, aflorava naquele momento. Ao entrarem na avenida Nove de
Julho, o autor iá previa o pior: percebendo que era por conta da sorte
que até o momento não se haviam acidentado, clamou ao autor que
freasse, tomasse a velocidade normal e o rumo de casa. Foi então
oue a vontade de demonstrar sua contrariedade tomou novo ímpeto:
o autor acelerou ainda mais seu carro e, na intenção de tirar um
“fino” do limite da guia, ao divisar um pedestre na calçada, perdeu
o governo do carro, que seguiu seu curso indo de encontro, em alta
velocidade, a um poste de luz.
Ambos os textos narram os mesmos fatos e têm como elementos
juridicamente relevantes o acidente e alguns aspectos da conduta do réu,
nos limites da culpa grave. Também ambos os textos trazem as circuns­
tâncias suficientes para o entendimento e individualizaçào do caso con­
creto. No entanto, o segundo texto é, perceptivelmente, mais longo e de­
talhado que o primeiro. Em que consiste esse detalhamento?
Ocorre que o segundo texto traz, além dos elementos necessários
para o entendimento do contexto em que houve os fatos juridicamente
relevantes, outros atinentes à técnica narrativa em geral. O primeiro de­
les sào os fatos que procuram satisfazer a curiosidade do leitor ou prender
a atencào à leitura.
j

Quando o autor do texto passa a inserir esses elementos na narrati­


va, é porque todos os outros estão preenchidos: já se tem os fatos juridi­
camente relevantes e os elementos minimamente necessários para o en­
tendimento de todo o contexto. A inserçào desses novos elementos, en-
Lição 3: Iniciando o texto jurídico: o direcion., a qualif. e a narração dos fatos 173

tào, só deve ser feita quando se tem certeza de sua pertinênáay caso contrario
seu efeito pode ser deletério: eles podem tornar a narrativa longa, confu­
sa, cansativa ao leitor. Isso, aliás, é muito comum em narrações que pre­
tendem ser longas.
Portanto, da gama de fatos que chegam ao conhecimento do advo­
gado, ele só deve selecionar esses últimos se tiver uma intenção clara e se
seu efeito, no texto, for benéfico.
Ao falarmos de satisfazer a curiosidade do leitor ou prender sua
atenção, invadimos de certa maneira a função literária do texto narrativo.
Afinal, são os autores da literatura que, em suas narrações, procuram des­
pertar o interesse do leitor: diz-se que um bom romance prende a atenção
do leitor até a ultima página, assim como o bom filme segura o espectador
até o último minuto. Como isso ocorre? Por meio da criação de um conflito.
Nota: Pode o leitor estranhar que, ao tratarmos da narrativa em
texto jurídico, adentremos às técnicas de produção de narrações que pren­
dam a atenção do leitor, ou lhe despertem o interesse na leitura. Afinal, a
função do texto jurídico é a de informar e persuadir e não de divertir ou
entreter. Essa assertiva é verdadeira. A função principal da narração jurí­
dica nào é, ao contrário da literária, a de emocionar e entreter, mas sim a
de informar os fatos e, de forma implícita, persuadir. Ocorre que a emo­
ção, a persuasão e o interesse sào elementos que se complementam, de
modo que a leitura agradável nào se pode dissociar da pretensão suasória,
da “adesão dos espíritos” de que nos fala Perelman. Por isso, a narraçào
que prende a atenção do leitor é, de fato, um dos fatores que torna o texto
persuasivo e claro. No entanto, vale frisar que esses elementos que bus­
cam criar o conflito sào, em verdade, de importância menor que aqueles
que trazem informações básicas para a compreensão e individualizaçào
dos fatos juridicamente relevantes. Dessa forma, o redator iniciante deve-
se preocupar em selecionar elementos apenas para informar, deixando de
lado a criaçào do conflito, até que tenha maior segurança para fazê-lo, vez
que, sem ela, os elementos fáticos menos relevantes podem transformar a
narrativa em uma construçào pouco clara, que, em lugar de prender a
atenção do leitor, vêm a confundi-lo.
Um texto prende a atenção do leitor quando neste faz criar uma
expectativa pelo desfecho. Essa expectativa nasce de um conflito, um
embate que é exposto ao leitor e que se resolve, de maneira satisfatória
ou infeliz. No entanto, para que o conflito surja no texto, é necessário
174 M anual de Redação Forense

que se inicie expondo índices, os quais indicam que um embate irá


formar-se.
O texto II, acima, procura, ainda mais do que narrar os fatos, criar
um conflito no texto, no intento de criar uma expectativa no leitor. As
passagens sublinhadas mostram os índices desse conflito, ou seja, os ele­
mentos que contribuem para que o embate surja e progrida. Ao dizer que
“O autor, entretanto, expôs sua vontade de ir para casaTdizendo que
deveriam lembrar-se de que teriam prova da faculdade na semana seguin­
te e que por isso seria bom nào abusar ” passou a expor uma discórdia
incipiente entre autor e réu, o primeiro índice de conflito. O leitor, a par­
tir desse índice, passa a perguntar-se: o que decorrerá dessa discussão? A
resposta vem a seguir: “ ... aparentemente descontrolado, fazia curvas em
alta velocidade» rangendo os pneus, atravessava semáforos fechados. ...
”A partir daí, o leitor passa a esperar o resultado final, e os elementos que
vêm a seguir fazem crescer sua expectativa, até o desfecho: “...perdeu o
governo do carro, que seguiu seu curso indo de encontro, em alta
velocidade, a um poste de luz. ...”
É dessa maneira que se selecionam fatos que produzem no leitor
uma expectativa, uma curiosidade pelo desfecho. Esses fatos, embora nào
sejam imprescindíveis para o entendimento da causa, fazem com que o
leitor crie interesse na leitura da narrativa, pois, com um conflito forma­
do, o texto ganha uma progressão até o desfecho, tornando sua leitura
atraente.
Na literatura, é comum o desenvolvimento do conflito, seja ele sub­
jetivo ou objetivo. A narração sem conflito torna-se desinteressante ao
leitor, mas isso não deve preocupar sobremaneira o advogado, pois o criar
interesse pela leitura é dispensável em seu texto, uma vez que o leitor de
suas peças, o magistrado, interessado ou nào na narrativa, deve lê-la aten­
tamente, para nào correr o risco de violar a ampla defesa ou, no mínimo,
denegar a devida prestação jurisdicional. De qualquer modo, se o advoga­
do pretender inserir em seu texto elementos nào imprescindíveis ao en­
tendimento da causa, deve fazê-lo de acordo com uma intençào, que pode
ser a de criar conflito e, conseqüentemente, expectativa do leitor pelo
desfecho da narrativa.
Nota: Criar um conflito nào é essencial para o texto jurídico, até
porque nào se podem criar elementos fáticos para figurar no texto, deven­
do ser eles sempre verdadeiros. Mas casos há que a narração de um confli­
Lição 3: Iniciando o texto jurídico: o direcion,, a qualif. e a narração dos fatos 175

to progressivo e a expectativa pelo desfecho da narração pode decidir a


causa. No Plenário de Júri, por exemplo. Nele, a acusação fala primeiro,
seguida da defesa. E garantia da defesa que manifeste-se depois da acusa­
ção, para poder responder a seus argumentos, e isso é indiscutível. Muitos
dizem, também, que é vantagem da defesa falar por último, seja depois da
fala inicial do promotor, seja na tréplica, porque seus argumentos sào
lançados em momento mais próximo do instante da decisào dos jurados.
No entanto, é preciso considerar que a acusação, por ter direito a susten­
tar o libelo antes de qualquer manifestação defensiva que nào o depoi­
mento do acusado, leva vantagem premente. Quando o promotor de jus­
tiça narra os fatos, os jurados ainda nào têm elucidado o enredo do crime.
Se a fala acusatória mantiver um conflito claro, o jurado criará uma ex­
pectativa pelo desfecho da narração ministerial, o que lhes faz prender
muito mais a atenção na fala primeira, da acusação, que na sustentação
da defesa, a qual ocorre quando os jurados já sabem o enredo do crime e
seu desfecho, abandonando, em grande parte, a expectativa, a curiosida­
de que tinham a respeito do caso, como a um filme visto pela segunda
vez. Daí que sua atenção se torna menor. Portanto, nos processos de júri,
até pela amplitude de tempo que se dá às partes para a narração e pela
pouca pertinência das argumentações jurídicas —uma vez que os julgadores
são leigos —a apresentação de elementos fáticos não juridicamente rele­
vantes é essencial, e aquele que consegue com eles fazer progredir um
conflito desperta a expectativa —e entào a atençào —do ouvinte.
IV. Mas esses fatos menos relevantes, que extrapolam a necessida­
de mínima de compreensão do leitor a respeito das circunstân­
cias dos elementos juridicamente relevantes nào servem apenas
para prender a atenção do leitor. Eles têm a função, também, de
frisar, realçar elementos que se destacam em importância na
demanda. Releia o texto II e reveja como vários elementos fáticos
ali enunciados tendem a realçar uma conduta do réu: a impru­
dência ao dirigir. Reiteram-se, no texto, elementos que, progres­
sivamente, dão indícios de sua direção perigosa, querendo ca­
racterizar a culpa grave do réu. Não se pode dizer que tal repe­
tição seja por demais cansativa, porque esses elementos progri­
dem, mas pode-se afirmar que a narração dos elementos ante­
cedentes ao acidente, em relação à conduta do réu, tem por
função, mais que auxiliar a compreensão do leitor, reforçar-lhe
o convencimento de que este agia com culpa.
176 Manual de Redação Forense

Portanto, o autor da narração jurídica deve atentar para o fato de


que a narração tem um escopo argumentativo, e alguns dos elementos
que sào selecionados para compor a narrativa vêm, ainda que de forma
implícita, a colaborar para o reforço das idéias què serào expostas na ar­
gumentação propriamente dita.
Pode o redator selecionar, para a exposição dos fatos, elementos
que busquem reforçar outros mais importantes, desde que o faça com
comedimento. Se não forem bem selecionados, os fatos podem, ao invés
de colaborar para o reforço de outros mais importantes, desviar o leitor
da atenção aos fatos principais, juridicamente relevantes.

3.4.3 A função argumentativa da narração


E preciso, aqui, abrir um breve parêntese para explanar uma teoria
importante para o operador do direito quanto ao texto narrativo jurídico.
Dissemos, no início do capítulo, que nenhum texto é puramente narrativo
ou puramente argumentativo. O que ocorre, na verdade, é que iniciamos
a petiçào dando conta dos fatos, e os fatos constituem uma espécie de
texto figurativo, em que são eles narrados de modo coerente e progressi­
vo, às vezes com a introdução de um conflito, por meio de “figuras”:
personagens, coisas etc.
O fragmento de texto que traz a argumentação propriamente dita
nào é atinente aos fatos, mas ao direito (vide próximo capítulo). Isso não
significa dizer, todavia, que quando o operador do direito passa a narrar
os fatos ele não esteja procurando desde logo persuadir, convencer. Essa
tentativa de persuasão existe a partir da narração, e vimos isso há pouco,
quando soubemos que podem-se selecionar, para a narrativa, fatos que
procuram reforçar o convencimento do leitor. Mas é necessário aprofundar.
A narração, apesar de poder-se procurar a todo custo o cunho me­
ramente informativo, ela, por nascer do intelecto humano, tende sempre
a adotar um ponto de vista inicial. E esse ponto do vista que faz com
que, ao narrar qualquer fato, de acordo com sua intenção, o autor procure
convencer a respeito de sua interpretação pessoal dos fatos narrados. Em resumo, é
impossível uma narração isenta, imparcial, e isso acontece com maior
relevo no trabalho do advogado, em que a parcialidade é garantia do pró­
prio contraditório e da dialética processual.
Lição 3: Iniciando o texto jurídico: o direcion., a qualif. e a narração dos fatos 177

No entanto, na narração dos fatos esse ponto de vista é implícito.


Ele nào é enunciado diretamente, apenas sugerido. Leiam-se os textos
abaixo, como se fossem manchetes de jornal:
CAMELÔS INVADEM O CENTRO DACIDADE E TUMULTUAM A VIDA
DO PAULISTANO.
Revoltados porque a Prefeitura resolveu retirá-los das ruas do
centro da cidade, camelôs fizeram ontem manifestação agressiva,
destruindo vitrines de lojas e tumultuando o centro da cidade, inclusi­
ve ferindo transeuntes. A policia foi obrigada a apaziguar o tumulto,
dispersando os manifestantes.
POLÍCIAAGRIDE MANIFESTANTES NO CENTRO DACIDADE.
Camelôs, que foram expulsos de seu local de trabalho nas ruas
do centro da cidade, fizeram ontem manifestação na região central. A
tropa de choque foi chamada para reprimir a manifestação, agredin­
do vários camelôs, que sairam feridos.

Ambos os textos narram o mesmo evento, mas de pontos de vista


absolutamente distintos. Pela simples leitura, pode-se responder: qual de­
les é favorável aos camelôs? Evidentemente, o segundo. Vendo a mesma
cena, a manifestação dos camelôs e a repressão dos policiais, cada autor
expôs seu ponto de vista, de forma implícita, por duas técnicas: a seleçào
de vocabulário e a seleção dos fatos a serem narrados.
A seleção do vocabulário tem seu efeito persuasivo, como vimos
no capítulo anterior: no primeiro texto, a polícia “dispersa” os manifes­
tantes, enquanto, no segundo, em oposição, a polícia os “agride”. Da
mesma forma, enquanto no primeiro texto a força policial veio “apazi­
guar o tumulto”, no segundo ela vem “reprimir a manifestação”. Pode-se
dizer que há diferença quanto aos fatos narrados, pelas oposiçòes aqui
realçadas? De certo que nào. Apenas a interpretação, o ponto de vista
varia, e se reflete no vocabulário utilizado pelos autores.
Todavia, assistindo à cena, cada repórter tem de selecionar os fatos
a serem narrados. Seria humanamente impossível narrar tudo o que fora
presenciado, pois o texto se estenderia quase ao infinito. Entào, cada re­
pórter escolhe aquilo que, em sua visão, parece-lhe mais importante. Nos
fatos mais relevantes, os textos são coincidentes: houve uma manifesta­
ção de camelôs em face de uma atitude da prefeitura e a polícia foi cha­
mada para dar fim àquela. No entanto, outros fatos foram selecionados,
atendendo à necessidade de comprovação do ponto de vista do redator.
Enquanto, no primeiro texto, narra-se que “os camelôs feriram transeun­
178 Manual de Redação Forense

tes”, no segundo texto mostra-se que “a polícia feriu camelôs”. Em se


presumindo que os jornalistas não criariam fatos, o que é inadmissível,
nem os transmitiriam em desacordo com a verdade, ambos deveria haver:
transeuntes feridos por camelôs e camelôs feridos pela polícia. No entan­
to, cada redator resolveu expor - sobre esses fatos circunstanciais - aque­
le que mais se adequava ao ponto de vista que desejavam, de uma forma
ou de outra, comprovar.
Nota: E evidente que o exemplo é hipotético. Muito discutem os
jornalistas a respeito dos meios de tornar imparcial as notícias veiculadas,
mas não se pode negar que o ponto de vista de cada jornalista, redator ou
do próprio jornal transparecem em suas narrativas.
Nas narrações jurídicas ocorre da mesma forma. Embora seja o
objetivo principal da narração dos fatos a informação do leitor, o advoga­
do mais atento aproveita-se da narrativa para, sem se desviar da verdade,
iniciar a exposição de seu ponto de vista, no intuito de a respeito dele
persuadir o leitor.
Vejamos os exemplos abaixo:
- I -

0 réu ameaçava a vítima que, aos gritos, clamava por não ser
morta. Ele pediu as jóias e, ao ouvir a negativa da vítima, que dizia
não possuir nenhuma, não teve dúvida: com frieza desumana, puxou
o gatilho do revólver encostado à cabeça da vitimada, prostrando-a
no chão, sem vida, de forma cruel, por motivo absolutamente fútil.

- II-
O réu, no intento de roubar, pediu à vítima jóias e dinheiro. Assus­
tado, temeroso e alterado, pois não é um bandido profissional, mas
incidentalmente cometendo aquele equívoco, ouviu a ríspida nega­
ção da vítima e, supondo tendo ela chance de reação, que por certo
poria sua vida em risco, em um ímpeto de emoção e medo apertou o
gatilho, temendo por sua sobrevivência.

Veja-se que ambos os trechos também trazem a narração da mesma


cena, cada um a com um ponto de vista implícito. O primeiro de acusa­
ção e o segundo, de defesa. O vocabulário e os fatos selecionados por
cada um dos narradores mostram seu intento acusatório ou defensivo,
sem, no entanto, enunciar que “cada um narra os fatos do modo que lhe
interessa”. É evidente que ambos os narradores têm sua fidelidade, sem
fugir à verdade: tanto o réu agiu de maneira torpe quanto estava assusta­
Lição 3: Iniciando o texto jurídico: o direcion., a qualif. e a narração dos fatos 179

do e realmente poderia temer por sua própria vida, em um momento tão


arriscado.
Assim, a seleção dos fatos da narrativa, principalmente aqueles que
dizem respeito ao reforço ou as circunstâncias dos juridicamente relevan­
tes, deve ser feita de acordo com as intenções da argumentação daquele
que a redige.

3.4.4 A seleção dos fatos e a prova processual: Fatos


controversos e incontroversos
Tem-se falado que a seleção dos fatos que vêm a constar da narra­
ção jurídica deve atender às intenções argumentativas do autor. Para isso,
ele deve selecionar os elementos periféricos que lhe sào favoráveis.
Seria fácil, entretanto, se o advogado pudesse deixar de narrar todos
os elementos fáticos que lhe são desfavoráveis. Um advogado, no júri, por
exemplo, deixaria de falar a respeito do homicídio pelo qual o réu foi libe-
lado, e então convenceria os jurados da inexistência de crime. ImpossíveL
O advogado nào pode fugir à verdade e, portanto, deve atender à
prova processual. Somente se deve manifestar a respeito do quanto consta
ou pode vir a constar dos autos, e isso é a garantia da boa argumentação
posterior. Se, entào, existem testemunhas suficientes que dizem haver visto
o réu cometer um assalto, disparando um tiro, o defensor, a nào ser que tenha
elementos suficientes para negá-los, deve incluir esses elementos em sua
narrativa, jamais furtando-se a enfrentar os fatos que lhe sào desfavoráveis.
No entanto, há fatos no processo que nào sào consenso entre as
partes. Quantas vezes o advogado é procurado, por exemplo, por um cli­
ente que sofre uma açào de cobrança por nào haver pago por um serviço,
mas afirma haver feito o pagamento, em dinheiro, diretamente ao prestador,
embora este o negue. Ou o cliente que sofre uma açào penal por um
crime de injúria, cuja queixa diz que ele fora à casa do querelante e o
ofendeu verbalmente, enquanto o cliente afirma jamais haver conhecido
o ofendido, e sequer saber onde ele reside.
Nesses casos, nào se pode dizer que as partes adversas narram os
mesmos eventos de pontos de vista diversos. Na verdade, as partes nar­
ram fatos diferentes, controvertidos, dissemelhantes. Será, entào, a pro­
va processual que determinará qual parte fala a “verdade”, vez que suas
versões fáticas sào diametralmente opostas.
180 M anual de Redação Forense

Quando os eventos sâo controversos, a prova processual assume


importância redobrada. E preciso, entào, buscar elementos fáticos no pró­
prio bojo dos autos, para que a narraçào conte com sustentabilidade. Veja-
se o exemplo que segue:
0 condomínio vitimado, embora afirme em sua notitia crímin/s
que tentou a qualquer custo compor a dívida com o então indiciado e
não conseguira, não assenta a verdade dos fatos. Houve, depois da
apropriação, pelo réu, de quantia da conta corrente do condomínio,
uma composição posterior, o que exclui o dolo. Assim, depois de
apropriar-se do dinheiro do condomínio vitimado, o réu procurou a
síndica e fez um acordo para a devolução da quantia, como ela mes­
mo afirma, em seu depoimento na polícia, abaixo recortado, de fis.:
Que o indiciado procurou a depoente no dia 13/5/98 e disse
que devolveria a quantia de que se apossara em dez prestações
mensais, pagando a primeira mas deixando em aberto as posterio­
res (...)•

Antes que a instrução processual se configure, como na petição


inicial, aquele que narra eventos pode não saber se eles serão controver­
sos ou nào, pois desconhece a resposta da parte contraria. Nesses casos,
pode o autor, na narrativa, deixar de expor grandes detalhes a respeito
deles, adiando para a réplica a sustentação narrativa desses elementos.
Nota 1: Quando os fatos controversos dependem de demonstra­
ções longas nos próprios autos, a exemplo de cópias de depoimentos tes­
temunhais, trechos de laudos etc. , é aconselhável que somente sejam
afirmados na narrativa “Dos Fatos”, deixando a análise da prova proces­
sual para momento posterior do texto. Isso porque a leitura dos fatos
deve ser rápida, e a tentativa de persuadir deve ser apenas sugerida nesse
trecho do texto.
Nota 2: Os fatos subjetivos raramente sào comprovados, e entào
é desaconselhável que apareçam nas narrações jurídicas, principalmente
quando se referem à parte contrária. Leia-se o exemplo:
O réu anotou toda a quantia desviado em sua caderneta, acredi­
tando que o autor jamais a leria, o que consistiu sua única falha,
pois caso não tivesse feito essas anotações o desvio de dinheiro
jamais seria descoberto.

O trecho em negrito nào pode ser comprovado, da maneira como


está escrito. Evidentemente, outros elementos, objetivos, podem dar in­
dícios desse pensamento transcrito, sendo melhor, entào, apenas sugeri-lo,
como segue:
Lição 3: Iniciando o texto jurídico: o direcion., a qualif. e a narração dos fatos 181

O réu anotou toda a quantia desviada em caderneta a que só ele


tinha acesso, procurando controlar a entrada do dinheiro que desvia­
va da empresa, provavelmente acreditando que ninguém, além dele,
jamais leria tais anotações. Foi essa sua única falha, pois, se não
redigisse tais apontamentos, o desvio talvez jamais houvesse sido
descoberto.

Os fatos controversos, ou seja, aqueles que nào sào aceitos como


verdadeiros pela parte contrária, merecem maior cuidado e demonstra­
ção, sendo o ponto de contato entre a mera narração dos fatos e o conteú­
do argumentativo. Há aqueles que preferem, na narrativa dos fatos, no
inicio da petição, proceder à exposição dos fatos incontroversos, em seu
enredo, bem como à dos fatos controversos, analisando a prova processu-
aL Outros, principalmente em petições mais longas, preferem construir o
texto narrativo, sem se preocupar com grandes demonstrações, abrindo,
posteriormente, capítulo à parte para argumentar, procurando a compro­
vação, pelas provas constantes dos autos, de suas afirmações anterior­
mente feitas a respeito dos eventos narrados. Sem dúvida que é essa a
técnica mais aconselhável quando a controvérsia a respeito da ocorrência
ou nào de um evento é elemento crucial da lide. Vejamos como isso acon­
tece no exemplo abaixo:
Diz a inicial que o autor, empresário de renome, foi â sede da
agência-ré, no dia primeiro de fevereiro do corrente ano, e a contratou
para que cuidasse de todo o material promocional do lançamento de
seu novo produto, uma coleção de discos de música popular brasi­
leira, incluindo a gravação de um comercial de televisão, com o tem­
po de duração de um minuto. Aduz, ainda, que, para a execução des­
se serviço, foi-lhe previsto o prazo de três meses, ou seja, que o
serviço deveria ser entregue no inicio de maio próximo passado. Diz
o autor que, entrando em contato com a empresa-ré, nesse mês de
maio, esta lhe informou, através do gerente, que nenhuma contratação
existiu e que, portanto, o serviço não havia sido feito. Essa atitude
negligente da empresa ré teria, então, causado vários prejuízos ao
autor.
Entretanto, a versão dos fatos apresentada pelo autor não condiz
com a verdade. O autor de fato esteve na sede da empresa-ré, mas
tão somente para pedir um orçamento do serviço a ser feito. 0 orça­
mento foi-lhe enviado, via correio, uma semana depois de sua visita
à empresa, mas jamais houve, por parte do autor, qualquer retorno
em relação a tal missiva, o que fez com que a ré entendesse, por
óbvio, que não deveria executar o serviço.
Não houve, então, qualquer contratação formal da empresa
que figura no pólo passivo da presente ação, como adiante se de­
monstrará.
182 Manual de Redação Forense

Perceba que, no texto acima, cuja narração vem exposta em forma


sucinta apenas para figurar como exemplo, o autor limita-se a narrar os
fatos a sua maneira, sem se preocupar em comprová-los, no primeiro mo­
mento. Essa narrativa dos fatos serve somente para firmar aqueles con­
troversos, remetendo para momento posterior a análise das provas que
venham a confirmar as assertivas feitas no primeiro momento. E impor­
tante essa narração fática sucinta, que nào se confunde com a argumenta­
ção, embora tenha, como já vimos, uma funçào persuasiva. É essencial,
no texto da petição, a diferenciação entre o momento arguitientativo e o
narrativo, pois a argumentação feita no momento inicial, em que o leitor
ainda procura compreender a versão dos fatos, é fator que pode vir a con-
fundi-lo, quebrando o ritmo e então a compreensão do texto narrativo.
Portanto, o narrador, mormente aquele que se encontra em respos­
ta nos autos, deve firmar os fatos controversos na oportunidade da narra­
ção, deixando para momento posterior sua comprovação, que depende da
análise probatória.

3.4.5 Quando narrar os fatos


A narração de fatos não ocorre em todas as peças processuais, mas
em grande parte delas. E certo que é nas iniciais e nas réplicas que eles
assumem maior relevância, pois é nessas peças que o juiz passa a tomar
conhecimento do objeto fatual da demanda, na versão de uma ou de ou­
tra parte. Depois de conhecidas ambas as versões, os fatos —salvo exce­
ções —nào mais podem ser alterados e, assim, a argumentação propria­
mente jurídica passa a prevalecer.
Mas, ainda que a explanação dos fatos vá, no decorrer da instrução,
perdendo sua força inicial, é certo que esta vai trazendo à tona novos
fatos, sejam do caso concreto (por exemplo, um depoimento testemunhai
que revela fatos anteriormente desconhecidos por ambas as partes), se­
jam fatos atinentes ao próprio trâmite do processo, seu andamento.
Todo e qualquer fato, que o operador do direito julgue relevante,
deve vir aos autos através de texto narrativo. Observe como isso ocorre
no exemplo a seguir:
Lição 3: Iniciando o texto jurídico: o direcion., a qualif. e a narração dos fatos 183

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA


PRIMEIRA VARA CÍVEL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DE
SÃO PAULO - SP
Autos de nü 355/64.
Ref.:
Pedido de devolução de prazo.
HERMETO CORIOLANO, por seu advogado, abaixo assinado,
nos autos da açào ORDINÁRIA de REPARAÇÃO DE DANOS que lhe
move HERMELINDO DA SILVA e outra, vem, respeitosamente, à pre­
sença de Vossa Excelência, expor e requerer o quanto segue:
No dia 25 de outubro passado, foi publicada na imprensa tópico
final da r. decisào de Vossa Excelência, cientificando as partes de seu teor
principal.
Ambas as partes, autor e réu, sucumbiram, diante do teor da respei­
tável decisào de sua lavra.
Ciente de tal fato pela publicação oficial, a parte, interessada em
interpor recurso de apelação, procurou obter cópia da respeitável decisão,
para poder fundamentar seu recurso. Este subscritor foi a cartório, na
data de ontem, 26 de outubro, com o intuito de pedir cópias xerográficas
imprescindíveis à elaboração de seu recurso.
Para sua surpresa, foi informado, naquela data, pelo serventuário
da Justiça, que os autos se encontram em carga com o nobre patrono da
parte adversa, o que impossibilita, à toda evidência, a extração das cópias
pretendidas pelo autor.
Tal carga de maneira alguma poderia haver sido autorizada pelo
cartório, porquanto o prazo para recurso de apelação é comum, está a
correr para ambas as partes.
Isto posto, para que a parte peticionária nào seja prejudicada, frus-
trando-se-lhe o acesso ao segundo grau de jurisdição, é a presente para
requerer se digne Vossa Excelência a determinar a imediata devolução
dos autos pelo culto patrono da parte adversa, determinando, também,
reabertura do prazo de apelação para a parte ora requerente, contado en­
tão a partir do momento da ciência deste subscritor de que os autos se
encontram à sua disposição em cartório, ainda que de lá nào possam ser
retirados.
184 Manual de Redação Forense

Termos em que,
pede deferimento.
São Paulo, 27 de outubro de 1990.
No caso da petição simples acima, apenas o último parágrafo é ar-
gumentativo. Todos os outros sào narração dos fatos, que, embora não
sejam complexos, configuram-se essenciais ao deferimento do pedido for­
mulado na petição e, daí, pode influenciar em toda a causa. Narrar os
fatos é, então, em primeiro lugar, selecionar aqueles que sào necessários
em cada momento processual, para o entendimento da argumentação e
do pedido.
Há casos em que o operador do direito, embora já haja narrados os
fatos principais dentro do processo, repete-os. Por exemplo, nas razões de
apelação, em que o advogado as inicia construindo o denominado “Rela­
to dos Fatos e do Processo”. Nesse relato, ele resume os fatos principais
do processo, com o intuito de que o julgador em segunda instância, que
nào acompanhou a instrução processual , tenha, pela simples leitura das
razões de apelação, noção dos fatos que originaram o processo e, além
disso, dos momentos principais marcados nos autos. O objetivo desse
relato é tornar mais célere o trabalho do julgador.
Em resumo, o autor da petição deve narrar os fatos todas as vezes
que eles sejam novos ou que entender que relatá-los, em breve resumo,
contribui para a aceitação de sua tese, tornando sua petição completa,
sem lacunas, com os elementos mínimos necessários para a compreensão
de seu pleito.

3.4.6 Conclusão
Assim, o primeiro passo da narrativa é a seleção dos fatos a serem
narrados. Sobre eles, o aluno deve lembrar que:
- Os fatos juridicamente relevantes devem ser todos seleciona­
dos para serem expostos na narrativa.
- Além deles, devem aparecer na narração dos fatos, obrigatoria­
mente, aqueles que constituem as circunstâncias mínimas para o
entendimento do caso (reveja as sete perguntas da boa narrativa).
- Podem ser selecionados outros elementos, que, embora de me­
nor importância, contribuem para criar um conflito no texto e
Lição 3: Iniciando o texto jurídico: o direcion., a qualif. e a narração dos fatos 185

fazer progredi-lo, ou, ainda, que contribuem para o convenci­


mento do leitor a respeito da veracidade dos fatos narrados,
reforçando-lhes o sentido ou intensidade.
— Os fatos controversos merecem atençào especial, principalmente
no decorrer do processo, em que eles vão se delineando, en­
quanto, concomitantemente, a prova processual surge, poden­
do ser invocada para comprovar a veracidade de um ou outro
fato, ponto em que a narrativa se encontra com a argumentação.
- Deve ser construída uma narrativa inicial em toda petiçào em
que elementos fáticos, figurativos, forem necessários para a com­
preensão da sua argumentação ou de seu pedido.

3.4.7 O modo de dispor os fatos selecionados


3.4.7.1 O decurso do tempo e os tipos de narrativa:
Linearidade e não-linearidade
O escritor iniciante ou que se encontra diante de uma narração
complexa deve, então, para iniciar seu texto, escolher aqueles elementos
que deseja narrar: os fatos juridicamente relevantes ou aqueles que cola­
boram para o entendimento, a persuasão etc.
Solucionada essa primeira fase, inicia-se a segunda etapa da narra­
ção jurídica, que agora veremos: o modo de dispor os fatos no texto. Em
que ordem fazer? Por onde começar?
Para entender essa questão, é preciso, em primeiro lugar, destacar
que a narrativa dos fatos na petiçào é demarcada por uma seqüência de
ações. São estas que, realizadas por personagens indicados no texto (au­
tor, réu, apelante, apelado, querelante, querelado, testemunha, etc) trans­
formam o status quo inicial, dando origem a um conflito que se desenvol­
ve. Se a narração progride por meio de ações em seqüência, o que as rege
é o transcurso do tempo.
Isso significa dizer que entre uma açào e outra, entre um fato e outro,
há um lapso temporal, e é a indicação do transcurso do tempo a tarefa
principal do autor da narrativa, depois de selecionar os fatos narrados.
Antes de preocupar-se com a indicação do transcurso do tempo no
texto, é necessário definir a ordem em que os fatos serão enunciados.
Fatos podem ser narrados em ordem cronológica ou em ordem
alterada. Ordem cronológica é aquela que segue o transcurso do tempo
186 Manual de Redação Forense

padrão, o tempo tal qual no relógio ou no calendário. A ordem alterada é


aquela que, por um motivo ou por outro, subverte a cronológica, narran­
do inicialmente fatos ocorridos posteriormente em relaçào a outros que,
embora hajam ocorrido antes, sào narrados depois.
Leia os textos abaixo e perceba como as narrativas sào diferentes
no que concerne à ordem dos fatos:
- I -

0 autor, no início do presente ano, terminara a construção de sua


casa, simples, no bairro em que morava. Procurando mobiliá-la, viu,
no dia 2 de fevereiro do corrente ano, matéria publicitária em jornal,
em que eram anunciados "móveis padrão cerejeira, em oferta". Achan­
do interessante o produto e atraente o preço anunciado, o autor, no
dia seguinte à leitura da matéria publicitária (encartada em docu­
mento 1), telefonou para o número ali anunciado, oportunidade em
que foi atendido por um vendedor de nome Josias. Conversando
com ele, perguntou se de fato os móveis anunciados eram feitos de
cerejeira, de madeira maciça, e esse vendedor, diante de tal ques­
tão, respondeu afirmativamente.
Confirmando preço e qualidade do produto, e diante da afirmativa
do vendedor de que os estoques do produto estavam-se esvaindo, o
autor, horas mais tarde, compareceu à loja. Pela fidelidade natural
do cliente, perguntou se o vendedor Josias ali estava, mas foi infor­
mado de que este não trabalhava naquele período. Interessado pelo
produto, efetuou a compra naquela data de 3 de fevereiro (nota fiscal
em doc. 2), com outro vendedor.
O autor recebeu o produto, uma estante para televisão e som,
uma semana depois, no dia 9 de fevereiro do corrente ano. Ao tentar
montá-lo, seguindo o manual de instruções, a madeira lateral da
estante, no momento da fixação de um parafuso, rachou-se. O autor
pôde perceber que o móvel, ao contrário do quanto lhe fora dito pelo
vendedor e sugerido pela propaganda em jornal, tratava-se de um
compensado de madeira de péssima qualidade, apenas revestido
de fina camada de cerejeira.
Foi ludibriado.

-II-
0 autor, no dia 3 de fevereiro do corrente ano, comprou uma es­
tante em loja da empresa-ré, sendo informado de que estava adqui­
rindo um produtor feito em madeira maciça. Efetuada a compra em
tal estabelecimento (nota fiscal em anexo 1), o autor recebeu, após
uma semana, o móvel em sua casa. Ao tentar montá-io, de acordo
com o manual de instruções, a madeira lateral da estante, no mo­
mento da fixação de um parafuso, rachou-se et então, o autor pôde
perceber que o móvel, ao contrário do quanto lhe fora dito pelo vende­
Lição 3: Iniciando o texto jurídico: o direcion., a qualif. e a narração dos fatos 187

dor e sugerido pela propaganda em jornal, tratava-se de um com­


pensado de madeira de péssima qualidade, apenas revestido de
fina camada de cerejeira.
Ocorre que, antes de ir à loja, o autor telefonou para lá e, atendido
por um vendedor de nome Josias, fez-lhe algumas perguntas a res­
peito do móvel, dentre as quais a se de fato os móveis anunciados
eram feitos de cerejeira, de madeira maciça, e esse vendedor, diante
de tal questão, respondeu afirmativamente.
Não bastasse isso, o autor, no dia anterior a seu comparecimento
à loja, havia lido em matéria publicitária veiculada em jornal o anún­
cio, por essa mesma empresa, de “móveis padrão cerejeira, em
oferta” (anexo 2), em que constava foto e preço da estante que, então,
passou a pretender comprar, porque precisava mobiliar sua casa
construída havia pouco tempo. Esse anúncio já insinuava, como nele
se lê, que os móveis eram de cerejeira maciça, e então o telefonema
do autor à loja da empresa-ré foi apenas uma tentativa de confirma­
ção, em que, como já se disse, foi novamente engodo.
Perceba que os fatos selecionados para figurar em um e em outro
texto sào exatamente os mesmos, mas pergunta-se: qual deles os narra
com maior clareza? A toda evidência, o primeiro. Por quê?
Pois o primeiro respeita, ao enunciar os fatos, sua ordem cronológi­
ca. Procuremos selecionar os fatos, localizando-os no tempo:
Dia 2 de fevereiro:
Leitura de anúncio em jornal.
Dia 3 de fevereiro:
Telefonema para a loja.
Visita à loja e compra do móvel.
Dia 9 de fevereiro.
Recebimento da mercadoria.
Montagem.
Descoberta de vicio de qualidade na estante.
No primeiro texto, a ordem dos acontecimentos é seguida em sua
enunciaçào, tornando-o, a princípio, mais claro. No segundo relato , ainda
que ele contenha índices que permitam ao leitor situar-se no vaivém do de­
curso do tempo, a narrativa é alinear, seguindo curso alterado de tempo.
Recomenda-se que, depois de selecionados os fatos, eles sejam nar­
rados em ordem cronológica ou linear. Afinal, o leitor espera pela nar­
rativa linear, pois está acostumado a tanto, seu raciocínio apreende com
188 Manual de Redação Forense

maior facilidade os fatos dispostos na seqüência previsível. Ademais, a


narrativa linear permite, sem grandes confusões, que se perceba o enca-
deamento lógico entre um fato e outro de maneira mais direta. Isso pou­
pa, a princípio, o autor de maiores esforços para comprovar esse mesmo
encadeamento.
Depois dessa organização preliminar, em seqüência cronológica,
fica mais fácil construir a narrativa, apenas tendo-se de lembrar de inse­
rir, no texto corrido, os fatos selecionados bem como marcar o tempo em
que ocorreram, para orientar o leitor, mostrando-lhe o que é principal.
Para dar início à narração dos fatos, portanto, a fórmula principal é
bastante óbvia: começar do começo. Narrar inicialmente o fato que ocor­
reu primeiro. A afirmação parece óbvia, mas não são poucos os operado­
res do direito que, injustificadamente subvertem essa seqüência, fazendo
complexa a intelecção de seus relatos.

3.4.7.2 As funções da narração alinear


Para construir com facilidade a narrativa, o operador do direito deve
selecionar os fatos, esquematizá-los em ordem cronológica e, então, cui­
dar de enunciá-los no texto, seguindo essa mesma ordem e fazendo as
marcações de tempo. Isso torna o texto mais objetivo, tanto para a reda­
ção quanto para a leitura.
Algumas vezes, mais raras, entretanto, a narração segue, intencio­
nalmente, seqüência alinear. Dizemos intencionalmente porque, para que,
no texto jurídico, pretenda-se subverter a ordem cronológica dos aconte­
cimentos, deve-se ter uma intenção clara, um objetivo bem evidente no
pensamento do autor. Caso contrário, repita-se, a narrativa tende a ser
bastante confusa.
Por isso, quando o autor pretende, na sua petiçào, narrar os fatos
em ordem nào cronológica, deve fixar seu objetivo para tanto. Mostrare­
mos aqui alguns deles, que podem ser seguidos, tomando-se muito cuida­
do para que nào venham mais a atrapalhar o entendimento do texto do
que a contribuir com ele.
Na literatura, a narrativa alinear é constante. Ela pode preten­
der criar um conflito, despertar um interesse. E o que ocorre no
texto abaixo, retirado dos capítulos iniciais de Dom Casmurro, de Macha­
do de Assis.
Lição 3: Iniciando o texto jurídico: o direcion., a qualif. e a narração dos fatos 189

O meu fim evidente era atar as duas pontas da vida, e restaurar na


velhice a adolescência. Pois, senhor, não consegui recompor o que
foi nem o que fui. Em tudo, se o rosto é igual, a fisionomia é diferente.
Se só me faltassem os outros, vá; um homem consola-se mais ou
menos das pessoas que perde; mais falto eu mesmo, e esta lacuna
é tudo. O que aqui está é, mal comparando, semelhante à pintura
que se põe na barba e nos cabelos, e que apenas conserva o hábito
externo, como se diz nas autópsias; o interno não agüenta tinta. Uma
certidão que me desse vinte anos de idade poderia enganar os es­
tranhos, como todos os documentos falsos, mas não a mim. Os
amigos que me restam são de data recente; todos os antigos foram
estudar a geologia dos campos santos. Quanto às amigas, algumas
datam de quinze anos, outras de menos, e quase todas crêem na
mocidade. Duas ou três fariam crer nela aos outros, mas a língua
que falam obriga muita vez a consultar os dicionários, e tal freqüên­
cia é cansativa.
Entretanto, vida diferente não quer dizer vida pior; é outra coisa. A
certos respeitos, aquela vida antiga aparece-me despida de muitos
encantos que lhe achei; mas é também exato que perdeu muito espi­
nho que a fez molesta, e, de memória, conservo alguma recordação
doce e feiticeira. Em verdade, pouco apareço e menos falo. Distra­
ções raras. O mais do tempo é gasto em hortar, jardinar e ler; como
bem e não durmo mal.
Ora, como tudo cansa, esta monotonia acabou por exaurir-me
também. Quis variar, e lembrou-me escrever um livro. Jurisprudên­
cia. filosofia e política acudiram-me, mas não me acudiram as forças
necessárias. Depois, pensei em fazer uma História dos Subúrbios
menos seca que as memórias do padre Luís Gonçalves dos Santos
relativas à cidade; era obra modesta, mas exigia documentos e da­
tas como preliminares, tudo árido e longo. Foi então que os bustos
pintados nas paredes entraram a falar-me e a dizer-me que, uma vez
que eles não alcançavam reconstituir-me os tempos idos, pegasse
da pena e contasse alguns. Talvez a narração me desse a ilusão, e
as sombras viessem perpassar ligeiras, como ao poeta, não o do
trem, mas o do Fausto: A i vindes outra vez, inquietas sombras...?
Fiquei tão alegre com esta idéia, que ainda agora me treme a
pena na mão. Sim, Nero, Augusto, Massinissa, e tu, grande Césart
que me incitas a fazer os meus comentários, agradeço-vos o conse­
lho, e vou deitar ao papel as reminiscências que me vierem vindo.
Deste modo, viverei o que vivi, e assentarei a mão para alguma obra
de maior tomo. Eia, comecemos a evocação por uma célebre tarde
de novembro, que nunca me esqueceu. Tive outras muitas, melho­
res, e piores, mas aquela nunca se me apagou do espírito. É o que
vais entender, lendo.

No início do romance, cuja história todos nós conhecemos, o per­


sonagem dá provas de que inicia narrando em um tempo (presente ao ato
da fala) e que irá inverter a ordem cronológica, passando a narrar o tempo
190 M anual de Redação Forense

pretérito. Essa subversão da ordem cronológica justifica-se, pois cria no


leitor um interesse pela narrativa, já que o narrador-personagem explica
sua necessidade de voltar ao tempo pretérito (“o fim evidente de atar as
duas pontas da vida”).
Desse modo, como a inversão segue uma intenção clara, ela é utili­
zada com eficiência.
Além dessa função, a nào-linearidade da narrativa acontece, na li­
teratura, para revelar o fluxo de pensamento, ou seja, narrando as reflexões
da personagem, tal como elas efetivamente ocorrem: idéias mescladas a
lembranças, permeando fatos ocorridos há pouco tempo com elementos
da memória mais remota, que vêm em um encadeamento de lógica pró­
pria à emoção e aos sentimentos da personagem. Veja como isso ocorre
no texto abaixo:
Voltei ao gravador, a gente sempre volta. Estou menos brilhante
do que ontem, a saliva engrossando na boca, acontece a mesma
coisa com os bichos, Rahul começa a salivar e lamber o focinho
quando está com medo. Na manhã em que Gregório -enfim, naque­
la manhã de horror em que ele foi embora, enquanto eu corria de um
lado para outro na atazanação do desespero, olhei para o Rahul que
estava na sua posição de esfinge. Lambia o focinho.
E não sei por que me vem de novo a história do rio botando para
fora aqueles peixes, talvez os melhores, os mais belos, os mais
limpos. Mas ele viajou porque foi preciso ou?... - perguntou Ananta
quando falei no assunto. Fiquei olhando com cara de idiota a sua
cara idiota. Não, queridinha, ele saiu daqui ventando só para dar
uma olhadela lá na Mona Lisa do Louvre, Ó meu pai (...)
(Lygia Fagundes Telles, in: As Horas Nuas, p. 189)

Para narrar os pensamentos da protagonista, a autora utiliza-se de


transcurso de tempo alinear, mesclando, com o brilho que lhe é peculiar,
marcações temporais distintas, na narração em primeira pessoa: inicia-se
com ação passada (o fato de voltar ao gravador), lembra-se da uma ma­
nhã fatídica em que o personagem Gregório a abandona, passa à lembran­
ça de uma história e depois à cena do questionamento de Ananta, que é
anterior ao tempo em que o trecho se iniciou, mas posterior ao abandono
de Gregório. Com essa nào linearidade, a autora, com intenção determina­
da, atinge seu objetivo: mostrar o fluxo de pensamento da protagonista.
Mas esse tipo alinearidade da narrativa literária, por seu
subjetivismo intrínseco, nào é sequer de longe aplicável ao texto jurídico.
Vale-nos, apenas, como conhecimento dos amplos rumos que pode to­
Lição 3; Iniciando o texto jurídico: o direcion., a qualif. e a narração dos fatos 191

mar a boa narração, em seus distintos objetivos. No entanto, mesmo o


texto jurídico pode, esporadicamente, adotar a não linearidade, com ou­
tros propósitos.
Quando o autor de um relato jurídico pretender dar realce a um
fato principal, inserindo-o logo no início do texto, pode construir uma
narrativa em retrospectiva ou flash back. E o que ocorre no exemplo que
segue:
O réu, no dia primeiro de outubro do corrente ano, apropriou-se de
dinheiro depositado em conta corrente pelo condomínio Flores, trans­
ferindo quantia da conta deste para sua pessoal, e então invertendo
indevidamente a posse da quantia em dinheiro, conforme dá conta o
extrato bancário (anexo 1).
0 réu teve contratados os seus serviços em novembro do ano
passado para administrar o condominio, época em que este, por
meio de seu síndico, autorizou ao réu a movimentação da única con­
ta corrente do condomínio vitimado.
Em virtude de tal autorização, as transações bancárias passaram
a ser feitas unicamente pelo réu, e vinham sendo efetuadas com
regularidade até que, no início de novembro do corrente ano, quando
já havia dinheiro depositado em grande quantia para pagamento de
reformas previstas no imóvel, bem como para proporcionar o décimo
terceiro salário aos funcionários, a assembléia geral de condôminos
constatou que suas contas estavam vazias, por conta de saque efe­
tuado, ilicitamente, pelo réu.
Chamado a explicar-se diante da assembléia, o réu segredou
passar por dificuldades financeiras, motivo que o levara a transferir o
dinheiro do condomínio vitimado para sua conta pessoal, ef pior,
gastá-lo para cobrir dívidas de sua própria empresa.

O autor do texto, satisfeito com a prova documental que resguarda


sua afirmação principal, o extrato bancário que comprova o desvio do
dinheiro pelo réu, quis dar realce a esse fato, expondo-o desde logo. Fez,
entào, uma opção: entre o entendimento completo e fácil dos fatos e o
destaque da assertiva de que houve uma apropriação comprovada por
documento bancário, preferiu a segunda alternativa. Por isso, a ordem
cronológica foi prejudicada, em favor do destaque inicial a um fator pre­
ponderante. Nesse contexto, a escolha do autor, porque seguiu uma in­
tenção clara, é justificável.
O principal inconveniente de se subverter a ordem cronológica na
narrativa é o risco de confundir o leitor quanto à seqüência, quanto à
passagem do tempo entre os fatos enunciados. Esse risco acontece, tam­
192 Manual de Redação Forense

bém, nos textos da literatura de ficçào, como vistos nos exemplos iniciais.
Entretanto, a pouca orientação quanto à passagem do tempo pode ser
uma intenção daquele que narra, constituindo, entào, um outro tipo de jus­
tificativa para a nào linearidade da narrativa.
Há algum tempo, assistimos a uma brilhante sustentação de um
colega no Plenário do Júri, que pode ser grosso modo resumida no texto
abaixo. Leia-o com atenção:
Depois da narração do nobre promotor de justiça, os senhores
jurados podem-se perguntar o que um advogado pode falar em defe­
sa do acusado. O promotor narrou a barbaridade da cena do crime,
com acerto: três tiros que traspassaram a vítima, atingindo-a pelas
costas. Foi essa, realmente, a cena do homicídio, e nada a ela pode
ser acrescido, nem pode ser retirado da narração feita pelo distinto
acusador.
Ainda assim, a defesa diverge, e muito, da interpretação dada ao
crime pelo Promotor de Justiça.
A cena do crime, tão abominável, não surgiu do vazio. Foi motiva­
da por fatores anteriores, que se desenrolaram no decorrer do tem­
po. Na antevéspera do crime, nós vimos, pelo depoimento da teste­
munha, que o réu fora ameaçado pelo vitimado, em frente a seu
próprio lar. Imaginem os senhores o que é sair da própria casa,
diante dos filhos, e deparar-se com alguém, de dedo em riste, ame-
açando-o de morte, em altos brados.
Quatro meses antes da data do crime, temos também depoimen­
tos, presenciados por Vossas Excelências, de que houve um entrevero
entre réu e vítima, talvez motivado por ciúmes, talvez por questões
financeiras, não se sabe ao certo. O que se sabe é que ambos havi­
am-se atracado na porta de um bar, e, a partir, daí, a hostilidade entre
os dois tendeu apenas a crescer. O vitimado, já falecido - mas é ne­
cessário que se diga - já tinha passagem pela policia. Era pessoa, por
assim dizer, perigosa. Desde o dia da briga no bar, sabe-se, dia a dia
o réu recebia nova ameaça, e elas referiam-se à sua própria vida.
E assim foi por vários meses, agüentando aquela pressão, o
medo da morte a cada esquina. Até o dia em que a ameaça tomou
corpo, vindo bater às portas de sua casa. Ê claro que, nesse momen­
to, a emoção aflora, o que era controlável se descontrola e libera o
anseio não de matar o inimigo com a frieza de que nos fala a acusa­
ção, mas de, simplesmente, por fim a uma ameaça que perdurava e,
pior, aproximava-se cada vez mais. A preservação da vida é instintiva,
não se trata de frieza, de dolo, de premeditação.
A emoção, por vezes, foge ao controle do mais equilibrado dos
seres humanos, e foi sabendo disso que a lei criou a figura da violen­
ta emoção.
Lição 3: Iniciando o texto jurídico: o direcion., a qualif. e a narração dos fatos 193

Evidentemente, o texto acima é um resumo minúsculo da fala ori­


ginal, mas suficiente para percebermos o alcance de sua pertinência para
nosso trabalho. Ficou claro que a narrativa utilizada pelo advogado pro­
curou fazer quase que uma inversão da ordem cronológica dos fatos, nar­
rando, de início, o último fato —o evento criminoso —passando, em seu
enredo, a “voltar no tempo”, expondo as ameaças que o réu sofda na ordem
contrária ao tempo cronológico. Qual a justificativa para tal inversão?
Sua intenção era clara: se o fato fosse narrado na forma cronológi­
ca, em primeiro lugar, a cena final, a cena do crime, teria mais alcance na
memória dos jurados, o que nào era de interesse da defesa. Ademais, a
seqüência cronológica, a enunciaçào de acordo com a sucessão natural
dos eventos, era desfavorável à tese defensiva, que se centraria na violen­
ta emoçào.
O crime nào ocorrera no dia em que a vítima ameaçara o réu à
porta da residência deste, mas dois dias depois desse último fato. Se os
eventos houvessem sido narrados em ordem linear, a narrativa do advo­
gado chocar-se-ia de frente com um fato que poderia ser assim enuncia­
do: a emoçào do réu perdurara por dois dias, para que premeditasse um
crime ? Sua reação à ameaça nào deveria ser espontânea?
Perceba-se que o enunciador nào “escondeu” esse transcurso de dois
dias entre a ameaça e o evento criminoso —o quanto configuraria atitude
eticamente condenável —mas apenas, pela disposição de fatos em sua nar­
rativa, deu menor realce a ele, o que é lícito ao retor. E isso lhe fez con­
seguir a vitória da tese de que o réu agira em violenta emoçào —como de
fato agira —embora a lei (a nosso ver, com rigor por demais irreal) pres­
creva deva a açào ocorrer kgo após injusta provocação do ofendido (sem
definir, diga-se, qual o exato alcance da expressão temporal destacada).
Assim, um outro objetivo que justifica a inversào na ordem linear
da narrativa é a necessidade de se dar menor realce ao transcurso do tem­
po, o que deve ser feito, quando necessário, com cautela extrema.

3.4.8 Os meios de enunciar o transcurso do tempo


A narrativa alinear toma mais difícil a orientação do leitor quanto
ao transcurso do tempo, por isso não se a recomenda, salvo em ocasiões
especialíssimas, como acima visto.
194 M anual de Redação Forense

Mas mesmo na narrativa linear, em ordem cronológica, a demons­


tração do percurso do tempo é essencial para o leitor. E o tempo que, por
assim dizer, rege o percurso narrativo, ao contrário, por exemplo, da argu­
mentação propriamente dita, em que o decurso do tempo nào é essencial.
Enunciar o transcurso do tempo constitui a parte mais complexa da
terceira etapa da construção da narração. Relembremo-nas:
Primeira etapa: Selecionar os fatos que devem ser narrados.
Segunda etapa:Escolher a ordem em que os fatos devem ser
narrados, preferencialmente a cronológica.
Terceira etapa: Narrar propriamente os fatos selecionados, na
ordem escolhida, enunciando sua ocorrência e situando-os no tempo.

Pouco adianta organizar os fatos em ordem cronológica, se nào se


indicar ao leitor o tempo em que eles ocorrem. Veja o exemplo abaixo:
- I -

0 autor ajuizou ação de despejo por falta de pagamento, porquê o


recorrido deixara de pagar-lhe mais de cinco meses de aluguel.
Chegou o réu a purgar a mora, mas o fez parcialmente, voltando a
deixar de pagar outros quatro meses, conforme documentos anexos.

-II-
0 autor ajuizou, em janeiro de 95, ação de despejo por falta de
pagamento, porque o recorrido deixara de pagar-lhe mais de cinco
meses de aluguel, de janeiro a maio de 94. Chegou o réu a, um mês
depois de notificado, em julho de 94, a purgar a mora, mas o fez
parcialmente, voltando a deixar de pagar outros quatro meses: agos­
to a novembro de 95, conforme documentos anexos.

Ambos os textos enunciam os fatos em ordem quase perfeitamente


cronológica, mas o segundo toma o percurso do evento narrado muito
mais claro ao leitor, pois lhe indica suas exatas datas de ocorrência, faci­
litando o entendimento dos fatos como um processo todo.
No entanto, não sào apenas as datas que situam o leitor a respeito
do tempo, pois, mesmo no primeiro fragmento do exemplo, uma
sucessividade mínima é apresentada, em fatos que ocorreram no passado.
Isso se infere pelo verbos utilizados, ou seja, pelo tempo verbal.
Narrar os fatos e situá-los no tempo significa, sempre, travar uma
relação com o momento da narração, ou seja, o tempo em que o narrador.
Lição 3: Iniciando o texto jurídico: o direcion., a qualif. e a narração dos fatos 195

enuncia serve como referência para todos os fatos narrados. É assim que
expõe o Professor José Luiz Fiorin:2
Mostra Benveniste que uma coisa é situar um acontecimento no
tempo crônico e outra é inseri-lo no tempo da língua. Para ele, o
tempo lingüístico é irredutível seja ao tempo crônico, seja ao tempo
físico. Dessa forma, o lingüista francês considera que há um tempo
específico da língua.
(...)

0 discurso instaura um agora, momento da enunciação. Em


contraposição ao agora, cria-se um então. Esse agora é, pois, o
fundamento das oposições temporais da língua.

Assim, o tempo da fala, o tempo da narração é uma referência para


o tempo da narração como um todo ou, em outras palavras, o texto narra­
tivo, em sua orientação de tempo, parte do momento do próprio discurso.
O advogado que faz uma petição tem no momento em que redige uma
referência para seu texto. Ademais, como expõem os Professores Platão e
Fiorin, pode-se determinar, além do momento da fala (da redação) um
outro marco temporal no texto, que passa, juntamente com este, a reger a
ordem dos tempos no texto.3 Veja o exemplo abaixo:
Em 6 de agosto de 1990, o autor conseguiu fazer o pagamento. Iria
fazê-lo no dia seguinte, mas decidiu adiantar-se.
O verbo inicial “conseguiu”, por estar no pretérito, indica que, em
relação ao ato da fala, o dia 6 de agosto de 1990 é passado. Mas, quando
da enunciação dessa data, ela passou a servir de referência para uma nova
ação (“fazer”), que, em relação à data de 6 de agosto, é futura. Tal data,
então, serve como um marco temporal dentro do texto.
Entenderemos melhor essa relação se virmos como essas marcas
de tempo são expressas no texto, por meio do tempo verbal e do uso das
expressões adverbiais.

3.4.8.1 O tempo verbal


3.4.8.1.1 O tempo verbal em relação ao momento da
enunciação
a) Quando o evento narrado for contemporâneo ao tempo da fala,
usa-se o tempo verbal presente:
O autor faz, deste processo, um samba do crioulo doido.
196 M anual de Redação Forense

O tempo verbal presente do indicativo enuncia:


a.l O evento que ocorre no mesmo momento cm que se fala:
O requerente encontra-se em viagem para o exterior, por­
tanto não pode comparecer à audiência.
a.2 Aquilo que perdura no tempo, prolongando-se até o momento
do ato da fala:
A lei determina seja o réu citado pessoalmente.
a.3 Indica uma açào habitual ou uma verdade, um fato real:
O reclamante cumpre seu tumo diariamente, das 8h às 17h.
Deixar de apreciar as teses defensivas é cercear a defesa.
Nota: O presente do indicativo pode vir a ser utilizado em substi­
tuição a outros tempos verbais, por uma funçào estilística, deixando, en­
tào, de indicar açào ou estado que ocorre em momento concomitante ao
ato da fala.
a.4 A flexào verbal no presente pode ser utilizada em lugar do
pretérito perfeito em algumas narrações, em construção de­
nominada “presente histórico”:
O réu chega ao bar, pendura o paletó, pede um drinque.
Saca a arma c desfecha dois tiros no homem a seu lado.
a.5 Pode ser utilizado em lugar do futuro para enunciar um acon­
tecimento próximo:
*
As 13 horas saio daqui e chego no fórum a tempo para a
audiência.
a.6 Pode ser utilizado no lugar do imperativo:
Você preenche a guia, paga-a e entrega-a diretamente para a
cartorária.
b) Quando o evento narrado é anterior ao tempo da fala, usa-se
pretérito.
O recorrente, sem qualquer sombra de dúvida, apropriou-se do
dinheiro.
c) Quando o fato é posterior ao momento da enunciaçào, usa-se o
faturo do presente:
O Poder Judiciário determinará a imissào na posse.
Lição 3: Iniciando o texto jurídico: o direcion., a qualif. e a narração dos fatos 197

3.4.8.1.2 Tempo verbal em relação a outra ação narrada no


texto
Nào é só o momento da fala que determina a relaçào temporal,
indicada por meio do verbo. Quando há várias ações narradas, o verbo
passa a indicar o momento de um evento em relação a outro evento
narrado. Diz-se, então, que um evento funciona como marco temporal
de outro, e é a relação que se pretenda dar entre ambos que passa a deter­
minar o tempo verbal que deve ser utilizado.
a) Quando o marco temporal estiver no passado, os fatos podem
ser anteriores, contemporâneos ou posteriores a ele.
a .l Em sendo o evento narrado concomitantemente ao mar­
co temporal passado, dois tempos verbais podem ser utiliza­
dos:
a. 1.1 Pretérito Perfeito:
Quando o fato pretérito vem delimitado em sua dura­
ção. Veja o exemplo abaixo:
Quando eu entrei na sala, o desembargador decidiu o caso.
Ao dizer-se que o juiz decidiu, indica-se que a açào iniciou-se e ter-
minou-se naquele mesmo momento do marco temporal.
Nota: O pretérito perfeito pode apresentar-se na forma simples e na
forma composta.
I. O pretérito perfeito simples é expresso por uma só palavra e,
como vimos, mostra que a açào foi completamente realizada.
II. O pretérito perfeito composto denota que a açào continua sen­
do realizada. Ele é formado por duas palavras, o particípio do
verbo que se pretende conjugar e o presente do verbo auxiliar:
Tenho realizado vários plenários neste ano.
Hei realizado muitos plenários neste ano.
a. 1.2 Pretérito imperfeito:
Quando consideramos que um acontecimento ainda
ocorria, durava, quando ocorreu a açào do marco tem­
poral passado, utilizamos o pretérito imperfeito.
Quando eu entrei na sala, o desembargador decidia o
caso.
198 M anual de Redação Forense

Perceba que a açào marcada pelo verbo “entrei” é o marco tempo­


ral passado. O verbo “decidir” está conjugado no pretérito imperfeito
para indicar que a ação de decidir estava-se desenrolando no momento
do marco temporal (o ato de decidir é contemporâneo ao de ter entrado).
a.2 Quando o evento narrado é ankrior ao marco temporal no .
passado, usa-se o pretérito mais-que-perfeito.
Quando entrei na sala, o desembargador decidira o caso.
Quando entrei na sala, o desembargador havia decidido o
caso.
O verbo no pretérito mais-que-perfeito indica que, no momento da
referência temporal (a entrada na sala) a açào do verbo conjugado (deci­
dir) já havia ocorrido, completamente (o ato de decidir é anterior ao de ter
entrado).
Nota: O pretérito mais-que-perfeito pode, também, ser expresso de
forma simples ou de forma composta.
O pretérito mais-que-perfeito composto é formado por duas pala­
vras: o pretérito imperfeito de um verbo auxiliar mais o particípio do ver­
bo principal. Assim, o mais-que-perfeito composto de “decidira” é “tinha
decidido”.
a.3 Quando o evento a ser narrado for posterior ao marco tem­
poral pretérito, utilizamos o futuro do pretérito.
Quando entrei na sala, o desembargador me disse que deci­
diria a questão somente depois do intervalo de sessào.
Sob a referência do marco temporal, o ato de entrar na sala, a ação
de decidir, ainda estava por acontecer, ou seja, era evento futuro. Por isso
a utilização do futuro do pretérito.
Nota: O futuro do pretérito, além de indicar ação futura em relação
a um evento no passado, pode ainda ser utilizado, como lembra Napoleão
Mendes de Almeida, com outras funções, como:
a.3.1 No período que revela hipótese, para indicar que ela é
possível, ou para indicar hipótese irreal:
Se o juiz prestasse atençào ao trabalho, absolveria.
Se o elefante voasse, seria o rei dos insetos.
a.3.2 Em oração subordinada a verbo que esteja no passado
e implique declaração (verbo de dizer).
Lição 3: Iniciando o texto jurídico: o direcion., a qualií. e a narração dos fatos 199

Disse que sustentaria oralmente.


Afirmou que sairia cedo.
Garantiu que faria o pagamento.
a.3.3 Para indicar aproximação ou imprecisão:
Seriam dez horas quando ele chegou.
Naquela época, o reclamante já teria seus dez anos de
casa.
a.3.4 Para evidenciar uma suposição:
Ganhando na loteria, eu compraria um carro,
a.3.5 para suavizar um desejo ou uma pergunta:
Gostaria de marcar uma reunião com os senhores.
Poderia me enviar uma cópia de sua petição?
Compare, novamente, os exemplos em relação ao marco temporal
pretérito:
Quando entrei na sala, o juiz decidiu a questão (contemporaneidade
em relação ao evento passado).
Quando entrei na sala, o juiz decidia a questão (contemporaneidade,
com açào que ainda perdurava em relação ao evento no pretérito).
Quando entrei na sala, o juiz decidira (ou havia decidido) a questão
(ação pretérita à açào pretérita).
Quando entrei na sala, o juiz ainda decidiria a questào (açào futura
em relação a evento pretérito).
b) Quando o marco temporal da narrativa for futuro, os eventos
também podem ser anteriores, contemporâneos ou posteriores a ele.
b.l Quando a açào narrada for anterior a uma açào futura, usa-se
o futuro do presente composto (futuro anterior), que é
formado com a ajuda do futuro de um verbo auxiliar (ter ou
haver) e o particípio do verbo que se quer conjugar.
Quando o advogado sustentar, o procurador de justiça já
haverá estudado os autos.
Quando a apelaçào for julgada, o apelante já haverá cumprido
sua pena.
200 Manual de Redação Forense

Veja que ambas as ações {estudar e cumprir) são posteriores ao ato da


fala, mas ainda assim anteriores a outro ato que funciona como marco
temporal (no exemplo, sustentar e ser julgada).
b.2 Quando a açào futura for concomitante a outra ação (também
futura), devemos fazer a seguinte construção: verbo estar
no futuro do presente seguido do verbo que se pretende con­
jugar no gerúndio.
Quando o magistrado for apreciar a petição, eu estarei redigin­
do o agravo.
Quando virar o ano, eu estareifestejando no Rio de Janeiro.
b.3 Quando o fato for posterior ao marco temporal futuro, pode-
se utilizar a seguinte construção:
Depois de ouvir as testemunhas, o juiz decidirá a causa.
Após sair a decisão, a parte a executará em juízo.
Veja como os advérbios depois e apósy acompanhando a açào futura
como marco temporal, permitem a inserção de uma nova açào, futura
(decidir e executar, respectivamente) a uma açào já futura em relaçào ao
ato da fala. O verbo que se pretende conjugar, com essa construção, fica
no futuro do presente (decidirá, executará).
Diante do que foi visto a respeito dos verbos, o leitor já tem subsí­
dios suficientes para sua correta utilização, ao menos no texto narrativo.
As dificuldades que houver, passadp esse estudo prévio, podem dizer res­
peito, principalmente, à conjugação do verbos quanto a número, tempo e
pessoa. Para facilitar a consulta, abaixo transcrevemos todas as conjuga­
ções de três verbos regulares escolhidos, cada um de conjugação diversa
(primeira, segunda e terceira conjugações).
Nunca é demais aconselhar que, na dúvida quanto à conjugação do
verbo, o aluno procure em boa gramática seus usos e formas. De nada
adianta, entretanto, consultar na gramática a conjugação do verbo sem
que, antes, saiba-se quando aplicar cada tempo verbal no texto, e por isso
a importância da presente lição. Para os advogados que utilizam o com­
putador, é importante lembrar que bons sof/wares, que trazem na íntegra
textos de dicionários renomados, apresentam toda a conjugação de qual­
quer verbo consultado ao simples toque de botão. É um recurso ágil, que,
no dia-a-dia, facilita o exame.
Lição 3: Iniciando o texto jurídico: o direcion., a qualif. e a narração dos fatos 201

3.4.8.2 Outras formas de demarcar o tempo:


A utilização de advérbios e locuções adverbiais
O trabalho com os verbos é essencial para o fluir da narrativa, prin­
cipalmente quando as ações narradas sào várias e mesclam tempos dife­
rentes. Pelos exemplos dados no subtítulo acima, o aluno já pode haver
percebido que, na narraçào jurídica, é mais comum que sejam os eventos
narrados no passado, vez que o autor do texto forense, porque narra
fatos certos, refere-se a eventos anteriores ao momento da fala, o mo­
mento em que constrói sua petiçào. Por vezes, porque algumas ações per­
duram no tempo, narram-se eventos também no presente. Isso nào signi­
fica que a enunciaçào da narraçào, com relaçào à demonstração da passa­
gem de tempo seja, para o advogado, tarefa simples. Como vimos, o pró­
prio texto estabelece marcos temporais diferentes, também geralmente
no passado, a que as outras ações narradas devem-se relacionar.
Agora já podemos ver, por exemplo, que há fulcral diferença de
sentido entre as narrações dos períodos abaixo:
Quando o autor propôs a ação de cobrança, o réu vendeu seu
único bem penhorável.
Quando o autor propôs a ação de cobrança, o réu (já) vendera seu
único bem penhorável.

Mas os advérbios e as expressões adverbiais sào também fator mui­


to importante para situar na narraçào o transcurso do tempo, indicando-o
ao leitor. Vejamos um exemplo:
O requerente, na data de ontem, recolheu as custas processuais.
O apelante, no intuito de firmar um acordo com a apelada, redigiu
uma proposta para esse fim, transmitida por fax na manhã do dia 6
de janeiro de 1996. Horas depois, a apelada telefonou-lhe, dizendo
que não estava disposta a qualquer composição.

As expressões em negrito procuram situar no tempo as ações narra­


das. As duas primeiras expressões adverbias (“na data de ontem” e “na
manhã de 6 de janeiro”) têm como referência a o ato da fala (“na data de
ontem” significa um dia antes de se escrever a petição) e a terceira expressão
realçada (“horas depois”) tem como referência um marco temporal fixado
no próprio texto, a manhã de 6 de janeiro, quando o apelante transmitiu o
fax. Assim, horas depois significa horas depois de o autor haver enviado a propos­
ta de acordo.
202 M anual de Redação Forense

Assim, várias expressões adverbiais podem ser utilizadas para cons­


truir a marcação do tempo na narrativa, seja em ações relacionadas ao
momento da escrita, seja em ações que, inscritas no texto, servem de
referência a outras. Sào exemplos dessas expressões: antes, anteriormen­
te, depois, após, no mês seguinte, no mês passado, no dia 6 de dezembro
próximo futuro, no dia 5 de outubro próximo passado, na sexta-feira que
vem, no ano que se aproxima, minutos antes, durante, ato contínuo, logo
após etc.
E dessa forma que se deve desenvolver o texto narrativo: ações
determinadas, em ordem preferencialmente cronológica e com eficiente
marcação de tempo, seja pelo uso eficiente do tempo verbal, seja por
outras indicações, como as expressões adverbiais.

3.4.9 Os erros mais comuns nas narrações jurídicas


Advertidos da falibilidade humana, todos nós podemos cometer
erros ao construir um texto. Alguns desses erros, no entanto, podem ser
sanados com uma releitura atenta. Aqui, nos prenderemos aos deslizes na
atividade narrativa. Eles podem-se dever a vários motivos, mas todos
contribuem para o mesmo efeito: tornar o texto pouco claro. Muitas ve­
zes, o autor de um relato conhece os fatos que devem ser narrados, mas
nào os consegue transmitir com clareza “no papel”. As explicações aci­
ma, se lidas com atenção, certamente contribuem para, ao menos, siste­
matizar a construção narrativa, mas, se ela ainda continua pouco clara,
fique atento para:
1. Ver se no texto não faltam elementos imprescindíveis à com­
preensão dos fatos.
Às vezes, algumas informações estào tão claras para aquele que
escreve que ele se esquece de transmiti-las a quem não a conhe­
ce. Certa feita, lemos uma petiçào de aluno que narrava um
incidente havido entre o cliente dele e um gerente de banco. A
narração parecia sem sentido, apenas porque o aluno se esque­
cera de enunciar: que seu constituinte era correntista do banco.
Pareceu-lhe muito óbvia aquela informação, mas nào era. Ao
contrário, era crucial para a compreensão do que se passava. Na
narrativa, aquilo que parece “óbvio”, dispensável, pode ser a
informação mais imprescindível para o leitor.
Lição 3: Iniciando o texto jurídico: o direcion., a qualif. e a narração dos fatos 203

2. Ver se os personagens sào todos identificados.


Como a narração ocorre porque personagens interferem no meio,
deve-se identificar, dar elementos mínimos de cada um que par­
ticipa da narrativa. Um policial, um juiz, um gerente de banco,
um patrão, um colega do empregado, a irmã da vítima, de todos
eles o leitor deve conhecer o mínimo, para que entenda sua par­
ticipação no enredo. Sem isso, corre-se o risco de aparecerem
pessoas “do nada”, “do vazio”, o que prejudica sobremaneira o
entendimento do percurso narrativo.
Nesse ponto, é importante também a boa descrição do espaço:
onde estão os personagens, quem está presente a cada cena, em
cada lugar. Muitas dúvidas que o leitor tem sào dirimidas ape­
nas com uma descrição rápida do ambiente.
3. Ver se as datas e todos os elementos que situam no tempo estão
presentes.
Pode ocorrer de o autor do texto se esquecer de mostrar a passa­
gem do tempo na narrativa. Narra, por exemplo, que o autor
teve seu veículo abalroado, mas nào informa se isso ocorreu
ontem, no ano passado ou há uma década. Diz-se, na mesma
peça, que o réu procurou o autor para compor os prejuízos, mas
não se sabe se isso ocorreu no dia do acidente, no dia posterior
ou passados mais de dez anos.
Nào se pode objetar, no entanto, que, na hipótese acima, um
boletim de ocorrência, encartado aos autos, poderia fazer com
que o leitor descobrisse o dia exato da abalroamento. A leitura
da narrativa deve permitir, por si só, um entendimento completo, sem
que o leitor necessita sair do texto, à caça de elementos exter­
nos que lhe pçrmitam a compreensão da narrativa.
4. Ver se a ordem dos fatos é linear.
Quando o leitor nào segue o percurso aqui descrito: selecionar
os fatos, colocá-los em ordem e só entào iniciar a enunciaçào
do texto, corre o sério risco de desviar-se, sem propósito, da
narrativa linear. Os fatos, principalmente em textos construídos
rapidamente, “em cima do prazo”, sào narrados na ordem em
que aparecem na mente do autor, ou seja, sào narrados à medi­
da que deles se vai lembrando (ver exercício 2). A narrativa nào
204 M anual de Redação Forense

linear “engana” o leitor, pois, se sua situação temporal nào


for muito bem delimitada, o leitor tende a im pingir uma
ordem cronológica àquilo que foi narrado subvertendo essa mes­
ma ordem.
5. Ver se o uso do tempo verbal nào está equivocado.
Na enunciação, alguns fatos podem vir a confundir o leitor, caso
nào se use o tempo verbal adequado. Quem diz “ O homicida
foi ao local onde cometera o crime” diz que o homicida, quando
visitou o local, já havia, anteriormente, cometido o crime. Mas,
se o autor quis dizer que o homicida estava chegando ao local
em que o crime ocorreria, deve enunciar “O homicida foi ao
local onde cometeria o crime” ou “...onde cometeu o crime”. O
pretérito mais-que-perfeito (cometera) mostra, na primeira fra­
se, que houve duas visitas ao local dò crime: uma no momento
do delito, outra depois do delito. E apenas um exemplo de que o
erro no uso do tempo verbal pode trazer significados muito di­
ferentes à narrativa, prejudicando seu entendimento pelo leitor.
6. Ver se nào há equívocos no uso dos advérbios ou expressões
adverbiais.
Quem diz:
0 autor foi à empresa do réu no dia 26 de janeiro de 1999, e o réu,
naquela oportunidade, disse que amanhã efetuaria o pagamento da
dívida.

Está afirmando que a dívida ainda nào vencera, pois seu pagamen­
to foi prometido para o dia seguinte ao momento em que o texto foi redi­
gido (ato da fala).
Para enunciar corretamente, deve-se utilizar um advérbio que assu­
ma como referência o marco temporal demarcado no texto (o dia 26 de
janeiro). Deve-se, entào, dizer:
0 autor foi à empresa do réu no dia 26 de janeiro de 1999, e este,
naquela oportunidade, disse que efetuaria o pagamento da dívida no
dia seguinte.

Só assim, entào, o autor mostra que o dia prometido para o adim-


plemento da dívida era o dia 27 de janeiro, ou seja, que tomou referência
esse marco para enunciar a promessa do réu. Deslizes no uso do advérbio
também podem tomar difícil o entendimento da narrativa.
Lição 3: Iniciando o texto jurídico: o direcion., a qualif. e a narração dos fatos 205

Outros elementos podem, com alguma peculiaridade, vir a tornar


menos claro o relato dos fatos, mas os acima vistos já sào mais que sufi­
cientes para deixar o leitor livre dos principais obstáculos da construçào
narrativa

3.5 Relembrando
a) A petição inicia-se com o encaminhamento, que deve conter a
designação do juiz, desembargador (ministro, promotor, delega­
do ...), acompanhada da devida fórmula de tratamento, a vara,
o foro ou o Tribunal e a comarca.
b) Em alguns casos, o encaminhamento pode conter, além de to­
dos esses dados, o nome do destinatário.
c) Depois do encaminhamento, seguido de espaço em branco, a
petiçào deve indicar o número dos autos.
d) É recomendável que se insira uma referência, o “nome da peça”,
para orientar a leitura dos autos em momento posterior.
e) O parágrafo inicial deve trazer o nome da parte que fala nos
autos, o tipo da açào, a parte adversa e uma introdução para a
alegação que se iniciará.
f) Nas petições iniciais, o primeiro parágrafo deve qualificar as
partes.
g) As petições iniciam-se, em geral, com uma narrativa dos fatos.
h) A narrativa dos fatos pode referir-se aos fatos do mundo exteri­
or ou às ações havidas no decorrer do processo.
i) A narrativa é figurativa, ou seja, contém personagens e coisas.
Os personagens, por meio de suas ações, transformam uma re­
alidade anterior.
j) O primeiro passo de quem pretende construir uma narrativa é
selecionar os fatos que serào narrados.
k) Os principais fatos a serem narrados sào os juridicamente rele­
vantes, aqueles que importam conseqüência jurídica ou aquele do
qual nasce o ponto principal para a argumentação ou o pedido.
1) Nào bastam, em narrativas mais apuradas, principalmente as
iniciais, os fatos juridicamente relevantes. E preciso que nelas
se insiram outros, circunstanciais, que levam o leitor a compre-
206 Manual de Redação Forense

ender melhor o contexto em que os fatos juridicamente relevan­


tes ocorreram.
m) Podem ser selecionados, também, fatos que contribuem para a
ênfase ou para despertar interesse na leitura. A enunciaçào desses
fatos, entretanto, traz o risco de confundir o leitor, ou de lhe des­
viar a atençào quanto aos fatos efetivamente mais importantes.
n) Selecionados os fatos, o narrador deve escolher, como segundo
passo, uma ordem sua enunciaçào no texto. Preferencialmente,
deve-se optar por narrar em ordem cronológica, linear, pois ela
facilita o entendimento. Casos há, entretanto, que, desde que
haja uma intençào clara, o autor pode optar por subverter essa
ordem, fazendo-o com cautela.
o) Os fatos podem ser controversos ou incontroversos. Os primei­
ros, por serem mais relevantes para o deslinde da demanda, me­
recem atençào especial, porque necessitam maior comprova­
ção. Costuma-se, entào, abrir, nas petições mais longas, capítu­
lo à parte para a comprovação desses fatos, que por vezes de­
pendem de investigação da prova processual.
p) A petição deve conter narração dos fatos todas as vezes que o
autor achar necessário expô-los para fundamentar um pedido.
q) O terceiro passo para a narração, após escolhida sua ordem, é
sua enunciaçào propriamente dita, ou seja, passá-los ao papel.
Nessa etapa, contam todas as habilidades do autor, como o vo­
cabulário, o conhecimento gramatical etc. No entanto, como a
narrativa é regida pelo transcurso do tempo, sua indicação é o
fator mais relevante.
r) O tempo na narrativa tem como marco referencial inicial o ato
da fala, ou seja, o momento cm que a petição é escrita.
s) Outros marcos temporais podem ser inseridos no texto, à medi­
da que a narrativa se desenvolve, sendo necessário situar os
outros eventos em relação a ele: anteriores, contemporâneos ou
posteriores?
t) O tempo verbal é uma das formas de indicar o transcurso tem­
poral na narrativa.
u) Os advérbios e expressões de valor adverbial também situam o
leitor quanto ao tempo.
Lição 3: Iniciando o texto jurídico: o direcion., a qualif. e a narração dos fatos 207

3.6 Exercícios
1. Suponha que dois colegas, que passeavam juntos, encontraram-se na
rua com Joào, um amigo que há muito nào viam. Este estava em um
carro importado, grande, brilhante, muito bem cuidado, mas também
muito antigo. Usava roupas caras, bonitas, mas com certo desleixo:
gravata mal arrumada, colarinho nào fechado. Seu semblante estava
muito bom, jovial, mas sua barba estava por fazer e os cabelos,
despenteados. Vendo a mesma cena, cada amigo fez a seguinte descri­
ção:
Primeiro:
Encontrei o João. Ele estava em um carro importado caríssimo,
brilhante, bem cuidado, com bancos de couro lindos, um deslumbre.
Seu rosto estava jovial, de quem se deu bem na vida, suas roupas
eram finíssimas, num tom desleixado, que dava certo ar de despreocu­
pação. Sorridente, cumprimentou-me rapidamente, apressado para
algum negócio, e pediu para que eu fosse conhecer seu escritório.

Segundo:
Encontrei o João. Ele estava em um carro velho, daqueles
grandalhões, que hoje em dia não valem centavo. Procurava cuidar
do carro para dar uma valorizada, mas de longe se vê que não tem
um tostão para comprar um carro novo, coitado. Seu aspecto era
desleixado, a barba por fazer, a roupa amassada, mal arrumada,
acho que suja até. Cumprimentou-me rapidamente e foi embora, fez
um convite formal de que eu o visitasse.
Com base nos textos acima, responda:
a) Qual dos dois procurou transmitir uma visào positiva a respeito de Joào?
b) O que se pode dizer a respeito do ponto de vista de cada um dos narradores?
c) Que recurso utilizaram para convencer o leitor ou ouvinte a respeito de seu ponto de
vista?
d) É possível construir uma descrição totalmente imparcial da cena acima exposta? Por
quê?
2. Exercício prático.
Os textos abaixo são narrações feitas em primeira pessoa. São enun­
ciadas como se um cliente contasse a você um caso que lhe ocorreu,
implicando, supostamente, algumas conseqüências jurídicas. Dos fa­
tos narrados, muitos sào aproveitáveis para uma peça jurídica e ou­
tros, absolutamente dispensáveis. Eles vêm, algumas vezes, fora da
ordem cronológica. Colha os fatos que entender relevantes para pro-
208 M anual de Redação Forense

por uma peça jurídica, apenas quanto à narração dos fatos. Não se preo­
cupe, por ora, em argumentar.
Proceda da seguinte maneira:
Selecione os fatos que entender relevantes.
Ponha-os na ordem que pretende narrar.
Exponha-os, em uma petiçào, fazendo o devido encaminhamento, in­
dicando o número dos autos, a referência e construindo um parágrafo
inicial.
Depois do parágrafo inicial, abra o subtítulo: “Dos Fatos” e narre-os
de forma persuasiva e bem compreensível ao leitor, com o maior nú­
mero de detalhes, pertinentes, possível.
TEXTO 1
Meu avô tinha deixado para a minha avó uma casa Atibaia. “Tinha
deixado” porque meu avô morreu, isso já faz bem uns quinze anos.
Mais um pouco, talvez. Sei que minha avó herdou tudo do velho, inclu­
sive essa casa de que estou falando. Bem, a velha ficou morando lá
depois da morte do marido, e não demorou mais que oito ou dez
meses (quem sabe um ano?), para que ela fosse encontrar com o
vovô, lá no andar de cima. Saudades, você sabe. Foi ai que minha
mãe contratou advogado, para saber dos bens da mãe dela. Eu sei
que foi feito tudo nos conformes, e a minha mãe agora é dona legiti­
ma da casa de Atibaia. A irmã dela, minha tia, aceitou ficar com um
apartamento meio espremido, em um prédio velho lá no Bom Retiro.
É trouxa a titia, a casa de Atibaia é tão melhor, mais longe, tudo bem,
mas com três quartos, uma cozinha novinha que ela comprou junto
comigo, eu fui com ela, colocamos uma cozinha novinha, daquelas
chiques, encomendadas na loja da Avenida Ibirapuera. Do aparta­
mento do Bom Retiro ninguém cuidava, também pudera, já foi com­
prado caindo aos pedaços. Mas acontece que naquela casa de Atibaia,
como ninguém foi morar lá, mamãe colocou um caseiro. No começo,
bom menino, ele a esposa e um filhinho. Eu joguei muita bola com o
Jefferson, filho dele, hoje grandão o desgraçado, foi criado com leite
Ninho à custa do dinheiro que deveria ser meu. Mas o pai dele, seu
Assis (deve ser Francisco de Assis), diz hoje que não vai sair de lá
não. Diz que está lá há mais de dez anos e ninguém foi ver o imóvel,
o que é mentira, eu bem lhe disse que eu jogava com o Jefferson, faz
no máximo sete anos, e era no campo de futebol no quintal, eu e meu
irmão plantamos grama nele. No campo, não no Jefferson. Bom,
mas eles não querem sair de lá, alegando que a casa agora é deles.
Meu pai pagava o salário deles todos os meses, depois parou, fica­
mos meio sem dinheiro, mas pagamos todos os impostos. Acho que
o fato de não termos dinheiro não justifica ele querer ficar com a
casa. Na verdade, o vizinho diz que ele usa a casa para fazer uns
cultos estranhos e incorpora uns espíritos do além. Mas isso não
Lição 3: Iniciando o texto jurídico: o direcion., a qualif. e a narração dos fatos 209

importa: eu quero tirar todos eles da casa porque vou morar lá, eu e
minha futura esposa, eu me caso mês que vem e não posso adiar o
casamento. O doutor sabe, essas coisas precisam ser rápidas, me
precipitei e... Esquece, tem como me ajudar? Eu já disse que estou
meio desprevenido.

TEXTO 2
O bar era do seu Manoel, eu estava lá refrescando a goela quando
a policia chegou e me carregou para o distrito. Disse a eles o tempo
todo que não sabia por que estava sendo preso, o que não é de todo
mentira porque ninguém me explicou nada direito, foram chegando e
me trazendo pra cá, dizendo só que eu era foragido, que há tempos
estavam atrás de mim. E estavam mesmo, meu outro advogado já
tinha me dito para eu dar sumiço, mas eu resolvi ficar aqui por São
Paulo mais um tempo, juntar um dinheiro para voltar para minha
terra. Para minha terra, bem dizer, não, porque lá eu também não
posso aparecer. Acontece que lá no interior eu era casado, tinha uma
mulher muito bonita, mas muito safada. Morreu, coitada. Eu sai do
interior com uma mão na frente e outra atrás, vim pra esta cidade
porque não conseguia suportar a dor de haver sido traído por ela.
Pela mulher, não pela cidade. Aqui eu arranjei outra, mas fiquei re­
moendo a dor do passado, e então, num belo dia, resolvi ligar para
minha ex, no interior, e a convidei para vir a São Paulo. Quando ela
chegou, na rodoviária, eu não agüentei a raiva, puxei a faca e a matei
ali mesmo, perto da Estação do Metrô. Saí correndo e tenho certeza
que ninguém me viu, mas mesmo assim, depois de uns bons seis
anos, eu fui chamado a julgamento, o oficial de justiça apareceu na
porta de casa. Foi aí que contratei advogado, um cara meia-boca, que
disse que o processo estava bem difícil para mim. Não sei por quê,
se ninguém me viu. Fui a júri e a defesa não foi boa, me condenaram,
peguei seis anos e achei que iria direto pro xadrez. Mas não fui, não.
O advogado falou que iria apelar da sentença. Passaram quase dois
anos e então o advogado me ligou, dizendo que a apelação não tinha
dado certo. Disse que eu deveria me apresentar no Fórum, que eu
não iria pra cadeia, no máximo para a colônia, pois assim determina­
va a sentença, e eu bem sei que essa tal de colônia nem existe. Achei
que ele estava me enganando, e disse isso a ele. Foi então que o
doutor falou pra eu ou me apresentar, ou sumir de vez, porque, se eu
não me apresentasse, quando eles me pegassem na rua eu iria pra
cadeia mesmo. Não me pegaram na rua, mas no Bar do Seu Manoel,
refrescando a goela. No mais, foi bem feito, porque um dia eu peguei
a falecida me traindo com o prefeito. Na época, claro, ela ainda não
era falecida. Pegar, não peguei, mas me disseram. Desde então,
esperei o dia certo pra fazer o que fiz. Isso eu conto pro senhor, por­
que, se o delegado perguntar, eu nego.
TEXTO 3
Àquela época, eu sabia e muito bem o que estava se passando.
Eu, minha esposa e um casal amigo nosso nos conhecemos todos
210 Manual de Redação Forense

na faculdade. Nos primeiros anos de formado, procuramos cada


qual nossa especialização. Eu sempre quis cirurgia plástica, gosta­
va muito de estética, sou absolutamente organizado. Os quadros do
seu hall, por exemplo, doutor, estavam todos tortos, mas agora eu já
os arrumei, pode ir lá ver. Bem, então eu me tornei cirurgião, assim
como a esposa do meu colega. Coincidentemente, ele e minha mu­
lher fizeram especialização idêntica, anestesia. Ele se tornou um
grande anestesista, minha mulher nem tanto, acomodou-se assim
que se casou, deixando até de exercer a profissão no ano em que
tivemos o Júnior. Júnior é o nosso filho, o senhor entende? Foi quan­
do o Júnior fez dois anos que nós quatro resolvemos montar a clíni­
ca. A mãe da cirurgiã plástica tinha herdado um imóvel muito grande
ali na Brigadeiro, e quis alugá-lo por um preço bem acessível, e
assim nós construímos lá a primeira sede da nossa empresa. A
empresa, de início, fazia apenas cirurgias plásticas, com duas equi­
pes. Dois casais; duas equipes. Em poucos anos, fizemos um nome
bastante significativo, contratamos colegas e montamos aquela clí­
nica na Nove de Julho, que o senhor conhece, porque se consultou
com do Dr. Felipe, um bom profissional, não? O problema foi quando
minha esposa resolveu parar de exercer a anestesia só para gerenciar
os negócios. Ela não era boa médica, eu já disse, mas tem um faro
pra negócios! Achou uma série de falcatruas, notas duplicadas, em­
préstimos levantados com gerentes amigos do outro casal de que
nós sequer tínhamos conhecimento. Dos empréstimos, não do ca­
sal. Perguntamos a nossos sócios a respeito, e eles alegaram ser
tudo absolutamente normal, mas não é verdade. Estamos endividados
e, como se não bastasse, recebemos essa ação que o senhor ora
pode ver. Dissolução de sociedade, dizendo que minha mulher fez
mau gerenciamento. Pode? Ela só descobriu a roubalheira dos ou­
tros. E veja, como podem os dois sócios entrarem com uma ação em
nome da empresa, se eíes são donos de apenas metade dela? Não
é errado isso, doutor? Se for assim, eu e minha mulher vamos entrar
com uma ação contra eles, com o nome da empresa também, pois
somos donos de cinqüenta por cento, assim como eles. Dá pra en­
tender? Olha, aqui, nestes documentos, eu comprovo que todo o
prejuízo foi causado na gerência deles, não na nossa. Quer dizer,
não comprovam exatamente que foi na gerência deles, mas compro­
va que não foi na nossa, não é mesmo? Isso sem contar que, logo
que minha esposa assumiu a gerência dos negócios, todos os ban­
cos cortaram nosso crédito, e foi aí que a crise estourou. Estamos
fazendo o máximo, mas a coisa é complicada. O senhor deve explicar
toda a situação para o juiz, pois na ação eles não contam nada disso.
Impossível amigos de tantos anos brigarem assim. Eu, inclusive,
havia sido namorado da atual mulher dele. E vou confessar-lhe uma
coisa: até depois do casamento, de ambos os casamentos, nós
tínhamos uns encontros assim, mais apimentados, dentro da clínica
mesmo. Aposto que o meu sócio descobriu e resolveu armar pra
cima de mim. Mas isso o senhor não precisa dizer não. E, se minha
mulher tirou mesmo algum por fora, lá da clínica, pra mim é que esse
dinheiro não veio, pois o que eu tenho percebido, nestes últimos
Lição 3: Iniciando o texto jurídico: o direcion., a qualif. e a narração dos fatos 211

tempos, vem só do meu consultório particular. Alguma coisa está


errada, mas isso eu vou investigar depois.

TEXTO 4
Meu problema é que o banco diz que eu assinei uma nota promis­
sória que eu nâo assinei, tenho a mais absoluta certeza. Disse ao
meu advogado antigo que a assinatura não era minha de jeito ne­
nhum, mas ele não acreditou e é por isso que eu estou procurando o
senhor. Eu fui fiador de uma funcionária minha, mas posso garantir-
lhe que não assinei essa nota cuja cópia está no processo, que
vocês chamam de autos, sabe lá Deus por quê. Ela trabalhou na
minha empresa como recepcionista, mulher atraente e bastante es­
perta, funcionária de confiança. Um certo dia pediu que eu fosse com
ela a uma concessionária de carros, ela queria comprar um carro
novo, desses populares. A princípio eu achei bastante estranho, ela
não ganhava para isso. E nem eu, que sou o dono, tinha dinheiro pra
sair por aí comprando carro zero. Meu vizinho, o proprietário da loja
ao lado, esse sim, ganha dinheiro como água, vendendo a mesma
coisa que eu. Ninguém mais vende lustres na Consolação, só ele,
amarra cachorro com lingüiça o maldito. Bom, eu então fui com ela -
a funcionária, não a lingüiça - na concessionária, e lá me informa­
ram que seria feito um contrato de leasing, do qual eu seria o fiador.
Aceitei, minha funcionária tinha seus meios de persuasão, se é que
me entende. Naquele dia, eu assinei um contrato como avalista, eu
acho, esse que está aí, com o timbre do banco. Essa assinatura é
minha. Mas posso jurar que foi isso a única coisa que assinei. Pas­
saram-se uns três ou quatro meses e uma moça do banco ligou,
dizendo que minha funcionária não pagava as prestações, e que eu
deveria responder por elas. Na hora, disse que não adiantava nada o
banco vir pra cima de mim. Estou quebrado faz tempo, afirmei, e
perguntei se ela não ligou enganado, talvez quisesse falar é na loja
ao lado, com o meu vizinho. Aquele sim tem dinheiro. Disse à moça
que me botar na Justiça era como dar rajada de metralhadora no
cemitério: atira à vontade, dona, que não faz diferença, tá todo mundo
morto mesmo! Eu sei tratar com credor, não sei? Tanto sei que ela
pressionou direto minha ex-funcionária - esqueci de dizer que a essa
altura eu já a havia dispensado - a qual apareceu na minha loja dias
depois, dizendo que eu ficasse tranqüilo, porque ela já havia feito um
novo parcelamento da dívida, e que iria honrar tudo até o fim. Tive­
mos uma conversa agradável, ela me garantindo que o banco não
mais me incomodaria. Tudo bem. Passou um ano, e então a história
se repetiu novamente. A moça do banco ligou dizendo que outras
parcelas deveriam ser pagas. Se quer dinheiro, fala com meu vizi­
nho, respondi; para cada lâmpada que eu vendo, o turco vende dez
lustres de cristal. Não adiantou, o banco agora está me acionando. O
que eu consegui perceber é que, àquela época que a mulher do
banco me ligou pela primeira vez, eles renegociaram o contrato, e foi
aí que apareceu essa nota promissória, como garantia da
renegociação. Ela é datada daquela época. Mas o senhor pode ver
212 Manual de Redação Forense

que essa assinatura não é minha, eu não participei dessa nova ne­
gociação, nem sei em que termos ela ocorreu. A ex-funcionária apa­
receu semana passada lá na loja, e eu disse que tomaria providên­
cias criminais contra ela, está na cara que foi ela quem forjou minha
assinatura nessa nota. Filho, trinta anos de comércio: assino como
fiador, mas nem chego perto de promissória. Deus me livre! Pois a
moça ficou tão apavorada quando eu falei que falsificou minha assi­
natura, que mudou logo a conversa. Se insinuou toda, me chamou
pra sair, disse que tínhamos que conversar com mais intimidade. E
eu fui, é claro. Tudo tem seu lado bom, à exceção do LP da Fafá de
Belém! O doutor não achou graça?
Lição 3: Iniciando o texto jurídico: o direcion., a qualif. e a narração dos fatos 213

Anexo de Notas

1 REALE JR., Miguel, in: Teoria do Delito, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1998,
p. 30.
2 FIORIN, José Luiz, in: As Astúcias da Enunciaçào: as categorias de pessoa* espaço e tempo.
Editora Atica, 1996, p. 142.
1 Ver PLATÃO & FIORIN, op d t , pp. 212-214.
Lição 4
Argumentação Jurídica

Sumário:
4.1 Introdução. 4.2 Características do texto argumentativo. 4.3 O argumen­
to: Conceito e alcance. 4.4 Iniciando a argumentação: O leitor como alvo do texto. 4.5
Selecionando os elementos: Os tipos de argumento. 4.5.1 Argumento de prova. 4.5.1.1 A
prova testemunhai. 4.5.1.2 O argumento de prova técnica. 4.5.1.3 O argumento de prova
documental. 4.5.2 Outros tipos de argumento. 4.5.2.1 O argumento ab autoritatem. 4.5.2.2
O argumento contrario sensit. 4.5.2.3 O argumento a simili ou por analogia. 4.5.2.4 O argu­
mento a fortiori. 4.5.2.5 O argumento a completudine. 4.S.2.6 O argumento a coberentia.
4.5.2.7 O argumento psicológico. 4.S.2.8 O argumento ao absurdo. 4.5.2.9 O argumento de
senso comum. 4.5.2.10 O argumento de competência lingüística. 4.5.2.11 O argumento de
fuga. 4.6 Ordenando os argumentos. 4.7 O cuidado na seleção de argumentos: A coerência.
4.8 Várias teses em uma mesma petiçào. Teses principais e teses subsidiárias. 4.9 A conclu­
são da peça argumentativa: O pedido. 4.10 A sentença como lugar da argumentação. 4.11
Conclusão. 4.12 Resumo. 4.13 Exercícios.

4.1 Introdução
No capítulo anterior, vimos o modo de iniciar uma petiçào genéri­
ca, bem como algumas técnicas para a boa narrativa dos fatos. Soubemos
que a narraçào é figurativa, que ela implica a participação de personagens
para uma alteração em uma situação previamente estabelecida, e que tem
um ponto de vista implícito, nào revelado, mas presente, que lhe traz um
efeito persuasivo. A narrativa é importante, entào, porque leva ao conhe­
cimento do julgador os fatos passados, sobre os quais deve o magistrado
aplicar a lei cabível.
Mas é no momento de aplicação da lei, ou melhor, da discussão a
respeito do preceito legal a ser aplicado a cada caso, que a tarefa do advo­
gado torna-se mais complexa, pois ele deve, no texto, convencer o julgador
a respeito de sua tese.
Aproveitando-se dos elementos fáticos que foram levados a conhe­
cimento do julgador por meio das provas processuais e da narração, o
autor do texto deve apresentar uma ou mais teses jurídicas, que apontam

[ 215 |
216 Manual de Redação Forense

para conseqüências legais para do caso concreto. Qualquer pessoa que


esteja minimamente acostumada ao trabalho com o Direito sabe que os
casos concretos sào sempre individuais, têm suas peculiaridades e, por
isso, apresentam resultados diferentes. E, ainda que existam casos muito
semelhantes, os resultados divergem: para fatos semelhantes, julgadores
têm interpretação diferente quanto à aplicação da norma jurídica. Cada
magistrado tem seu entendimento pessoal, cada Câmara do Tribunal aceita
ou rejeita determinada tese, e, principalmente, cada advogado faz con­
vencer, ou nào, com maior ou menor competência, o julgador a respeito
de suas razões.
Dúvida não há de que o advogado, nas lides judiciais, transforma o
resultado dos processos, determina a aceitação de sua tese, traz a seu
cliente o resultado favorável. Isso nào significa afirmar que o resultado
de cada demanda dependa apenas da atividade suasória do patrono da
parte, pois sempre está em jogo o que chamamos de “qualidade do direi­
to” e “qualidade da prova” de cada constituinte. Vejamos um exemplo:
dois clientes procuram um mesmo advogado, por serem acusados de co-
autoria em uma mesma açào delitiva: um roubo a banco. O primeiro cli­
ente é menor de 21 anos e tecnicamente primário; o segundo, maior de 21
anos e reincidente. Compulsando os autos, o advogado percebe que, para
o cliente menor, já houve o decurso do lapso prescricional, o que nào
ocorre em relaçào ao maior reincidente. Embora ambos contem com o
mesmo trabalho profissional, será mais provável que o primeiro consiga
um resultado benéfico para si, qual seja, o reconhecimento do fim da
pretensão punitiva estatal, enquanto o outro, dependendo do curso da
instrução processual, tem maior risco de ver-se condenado. A qualidade
de direito do primeiro é maior.
Mas o advogado não pode contar com a sorte de ser constituído por
clientes com qualidade de direito plena e, ainda que entenda que um cli­
ente tem direito absolutamente incontestável —o que é muito raro —deve
demonstrar a existência dessa plenitude, articulando, em percurso racio­
nal, a consistência das provas, dos preceitos legais aplicáveis ao caso con­
creto, a pertinência e os limites de seu pedido, dentre outros fatores. Por
isso se afirma que é a argumentação o principal fator para o deslinde da
causa e, assim, é nela que o advogado tem seu trabalho primordial.
A argumentação dentro do processo pode se dar de forma oral ou
escrita. A estrutura de ambas é parecida, mas a segunda nos interessa
Lição 4: Argumentação jurídica 217

com maior relevo, não só porque neste trabalho cuidamos do texto escri­
to, mas também porque, sem qualquer sombra de dúvida, a argumentação
escrita tem maior lugar no processo brasileiro, não obstante o princípio da
oralidade.

4.2 Características do texto argumentativo


Terminada a narrativa dos fatos, na petiçào, inicia-se o procedi­
mento argumentativo. Muitas vezes, a argumentação propriamente dita é
demarcada pelo subtítulo “Do Direito”, mas algumas vezes o autor da
petição prefere não o inserir , passando diretamente a enunciar sua tese,
articulando questões preliminares e depois o mérito da causa. De qual­
quer forma, o trabalho argumentativo deve vir separado da narração pro­
priamente dita, o que faz a leitura mais fácil, porque mais organizado o
texto.
É preciso considerar, primeiramente, que toda a argumentação é
parcial, ainda mais a do advogado na lide processual. Quem formula
argumentos procura convencer a respeito de uma tese e, então, se está
disposto a comprová-la, já tem seu posicionamento firmado. Dessa for­
ma, passa a procurar a adesão, para o mesmo posicionamento, daquele a
quem dirige seus argumentos. Com maior relevo isso ocorre na advoca­
cia: constituído para defender os interesses de seu cliente, o advogado
assume uma inegável parcialidade.
Tudo que o advogado disser no processo, entào, é parcial, é tenden­
cioso. Isso nem de longe significa menosprezo à sua argumentação, pois a
parcialidade da parte constitui a alavanca do processo, e o advogado é
aquele que, nos autos, fala pela parte. Se o processo representa um confli­
to, evidentemente as partes se opõem. Dessa forma, o que busca a parte na
demanda é fazer com que o magistrado venha aderir a sua razào, rejeitan­
do, por conseqüência, as alegações da parte contrária. A parcialidade, por
isso, é peça essencial dentro da dialética em que o processo se desenvolve.
A primeira característica do texto argumentativo, portanto, é que
ele tem uma parcialidade explícita. Enquanto na narração seu efeito
persuasivo é velado, ou seja, contam-se os fatos como se não houvesse par­
cialidade, na argumentação o ponto de vista é explícito: todos os argu­
mentos articulados têm por fim indisfarçável a defesa de interesses, repre­
sentados por uma tese que se pretende fazer vingar, convencendo o leitor.
218 Manual de Redação Forense

Esse convencimento é expresso por meio de idéias, argumentos,


cujo conceito veremos adiante. Por isso se diz que o texto argumentativo
é temático, ou seja, não envolve necessariamente figuras, personagens,
objetos ações, mas, primordialmente, idéias que se combinam, que se
somam ou se repelem, procurando atingir o leitor em sua racionalidade e
até em seu sentimentos, para que aceite alguma premissa ou conclusão.
Desse modo, não interessa à argumentação propriamente dita o percurso
do tempo ou a ação de personagens. Nela, nào sào os personagens que
interagem e transformam o meio, mas sim as idéias que se interagem,
dentro do próprio texto, para transformar o convencimento do leitor. A
argumentação, ao contrário da narração, depende mais das idéias e dos
conceitos que das imagens.
A argumentação, em comparação com a narração, é também mais
generalizada. Ela se encontra, sempre, relacionada com fatores externos
que determinam sua validade ou nào validade, ou seja, encontra-se sem­
pre em diálogo com fatores observáveis pelo leitor, os quais nào pode
contrariar. Perceba a diferença entre os textos abaixo:
A reclamante desejava ter, no mínimo, meia hora de almoço, mas
o reclamado determinou-lhe que cumprisse a jornada diária sem
qualquer pausa, porque seus serviços eram imprescindíveis duran­
te o horário comercial.
O Código Penal determina que é circunstância atenuante da pena
o fato de o sentenciado ser maior de 70 anos, mas a Carta Magna de
1988, lei maior e posterior, dispõe que não pode haver atenuantes
em razão de idade.

O primeiro texto, narrativo, tem em si mesmo sua razào de valida­


de. O leitor, sem conhecer outros aspectos que nào a narrativa, nào pode
contestar o fato de o patrão da reclamante nào lhe conceder horário de
almoço. Todavia, no segundo texto, argumentativo, o leitor pode perce­
ber falha grave: não existe, na atual Constituição, qualquer restrição ao
quanto dispõe o artigo 65 do Código Penal, a atenuante em razào da
idade do sentenciado. Isso porque o texto narrativo depende mais da ob­
servação da realidade de mundo, vez que os “temas” são de conheci­
mento amplo, generalizado e externos ao texto.
Com essas breves observações, podemos passar ao estudo do argu­
mento.
Lição 4: Argumentação jurídica 219

4.3 O argumento: Conceito e alcance


Nossa intenção, ao escrever uma tese jurídica, é a de persuadir
alguém. Isso significa que queremos que alguém aceite como verdadeiro
nosso ponto de vista e, se possível, aja da maneira como prescrevemos.
Assim, se iniciamos uma açào indenizatória para danos morais, descreve­
mos uma realidade e, a partir daí, procuramos fazer com que um julgador
convença-se de que existiu, naquele caso concreto, um dano indenizável.
Nosso ponto de vista, ao mover a açào, é, evidentemente, a existência
desse dano, mas precisamos fazer com que o magistrado adira a esse mes­
mo posicionamento, e entào procuramos persuadi-lo.
Mesmo em trabalhos exteriores à litigancia em juízo, a intençào de
persuadir está presente. Quem escreve um trabalho doutrinário ou um
parecer procura persuadir a respeito do acerto de sua tese ou suas obser­
vações, assim como quem aconselha uma empresa a tomar alguma medi­
da em relaçào à sua conduta para adequar-se à lei procura convencer o
empresário sobre a necessidade da adoçào desta ou daquela medida. Ain­
da em áreas exteriores ao direito é sempre presente a tentativa de persua­
são, como no cenário político, na publicidade, nas vendas, na busca de
clientes por empresas prestadoras de serviços, nas reuniões de sociedade,
nos debates sobre os mais variados assuntos etc.
Para procurar persuadir, os homens utilizam-se de vários recursos.
Nem sempre eles são argumentos, ao menos diretamente: um rosto boni­
to na televisão pode convencer muitos consumidores a adquirir determi­
nado produto, e nem por isso se está diante de um argumento. No entan­
to, se um cantor famoso faz a publicidade de uma cerveja, pode-se iden­
tificar um argumento implícito: se esse artista consome determinada mar­
ca de cerveja, é porque ela é boa. Vê-se, todavia, que tal afirmação nào
abarca todo o efeito persuasivo que a figura do artista exerce em seu
comercial, pois a empatia que a fama lhe traz é o instrumento principal
do resultado, a venda do produto, e nào está necessariamente contida em
tal afirmação. Assim, o argumento é uma forma de contribuição para a
persuasão, mas nào a única: fatores muito subjetivos influenciam na hora
de convencer, como a empatia, a estética, as cores, as impressões pesso­
ais, dentre outras.
Mas no direito, esses recursos por demais subjetivos nào são exces­
sivamente trabalhados, como o são na publicidade, por exemplo, porque
220 M anual de Redação Forense

nào dotados de grande poder de persuasão frente ao magistrado. Espera-


se que sejam a racionalidade e o conhecimento jurídico os fatores princi­
pais para que o magistrado decida favorável ou contrariamente a uma
tese, e portanto é sobre esses fatores que o advogado está apto a incidir,
transformando, influenciando e alterando. Os demais cuidados para a per­
suasão, que não os argumentos, nào sào decisivos, mas, até intuitivamen­
te, o profissional do direito sabe que deles nào se pode descuidar: a peti­
ção com boa estética, apresentável, a vestimenta elegante, a educação, a
polidez, a sobriedade quando necessária, e daí por diante. Todavia, é na
argumentação, sem qualquer dúvida, que o advogado tem mais oportuni­
dade de buscar seu resultado e, por isso, vale a pena treiná-la, praticá-la e
apreender as teorias que colaboram em seu aperfeiçoamento.
Os argumentos são elementos lingüísticos que visam à persua­
são. Dessa definição, tiramos algumas observações que devem ser desen­
volvidas, para que se entenda o alcance do estudo da argumentação que
ora se seguirá. A primeira observação é que o argumento é um elemento
lingüístico e, portanto, desenvolve-se pelos vários tipos de linguagem:
oral, escrita, gestual, ou seja, que implicam atos comunicativos.
A segunda observação é que o argumento visa à persuasão, procura
convencer. Isso importa em afirmar que o argumento nào é, ao contrário
do que muitos pensam, uma prova inequívoca da verdade. Argumentar,
desse modo, não significa impor uma forma de demonstração exata, como
na matemática. O argumento implica, isso sim, um juízo do quanto é
provável ou razoável
Argumentos não sào verdadeiros ou falsos, mas fortes ou fracos, na
medida em que, como enunciados lingüísticos, dentro de um determina­
do contexto, têm maior ou menor poder de persuasão. O conceito dc
verdadeiro ou falso cabe muito bem à lógica matemática ou das ciências
exatas como um todo, mas o direito não admite, via de regra, demonstra­
ções universais e incontestáveis, cabendo-lhe o que Chaim Perelman de­
nomina “lógica retórica”, ou seja, que a construção do raciocínio jurídico
ocorre por meio de construções argumentativas, que podem, a todo mo­
mento, ser contestadas.
Vale a pena ler, como introdução, trecho da lição de Perelman, que
desenvolve, com sua maestria, essa relação argumentativa:
Lição 4: Argumentação jurídica 221

(...)

Os desenvolvimentos da lógica formal moderna, que se situam


numa tradição cientificista, primeiro cartesiana (que confere uma im­
portância essencial às intuições evidentes) depois leibniziana (que
se vincula sobretudo ao estudo de cálculos formalizados), fizeram
afastar da lógica todos os meios de prova alheios à prova demons­
trativa, ou seja, coerciva. A lógica moderna se limita, assim, ao estu­
do das provas que ele qualificava de analíticas, omitindo todas aque­
les que ele qualifica de dialéticas, e que vêm a apoiar uma opinião ou
que se opõem a ela. Estas últimas, que se relacionam com a argu­
mentação, são, de fato, fortes ou fracas, mas jamais coercivas e, por
isso mesmo, jamais impessoais.
(Omissis)
É que as teses jurídicas são fundamentadas não em provas de­
monstrativas, mas em argumentos cuja força e pertinência podem
ser diversamente apreciadas. De fato, aquilo a que se chama uma
demonstração, em direito, não é mais que uma argumentação, e a
lógica jurídica comporta o estudo de esquemas argumentativos não
formais, próprios do contexto jurídico. Enquanto a demonstração é
impessoal e poderia mesmo ser controlável mecanicamente, toda
argumentação se dirige a um auditório que ela se empenha em per­
suadir ou em convencer, cuja adesão, às teses defendidas pelo ora­
dor, ele deve ganhar.4
(...).

Como ensina Perelman, no Direito nào prevalece a lógica formal,


mas a lógica argumentativa, aquela em que nào existe propriamente uma
verdade universal, nào existe uma tese aceita por todos a todo o momen­
to, como ocorre na matemática. Isso é notório a todo o profissional que
milita no direito: alguns juizes aceitam determinadas teses, outros nào.
Os Tribunais ora têm um entendimento da lei, ora outro. A argumentação
nào vale erga omnes, porque o argumento nào comprova diretamente a
verdade, mas dá indícios de um posicionamento acertado, razoável.
Tenhamos um exemplo: diante de uma defesa que nega a autoria do
réu para determinado crime, a acusação mostra a folha de antecedentes
do inculpado. Longa, a vida pregressa do réu registra mais de dez homicí­
dios. A folha de antecedentes é um argumento do promotor, que pode ser
decisivo para o veredicto do conselho de sentença. O defensor lamenta-
se: se o réu fosse primário, com certeza os jurados aceitariam a tese de
negativa de autoria. O que ocorreu? Os crimes anteriores do acusado
funcionaram como argumento de acusação: se o réu tem a personalidade
voltada para o crime, com tendência inegável ao homicídio, é provável que
222 M anual de Redação Forense

tenha cometido mais um. Nào é certo, universal, mas é apenas provável ou
ra^ável que isso haja ocorrido. Da mesma forma, uma testemunha que
tenha presenciado o fato criminoso e que reconheça o réu como autor do
crime, também traz um indício de verdade. É provável, diante do reco­
nhecimento, que o réu tenha cometido o crime. O depoimento de tal
testemunha funciona também como argumento para a acusação. Nenhum
dos dois argumentos indica com exatidão que a tese acusatória é falsa ou
verdadeira, mas pode-se dizer, apenas, que, com relaçào à aludida tese, o
primeiro argumento —a folha de antecedentes - é mais fraco que o segun­
do, o reconhecimento. Ambos colaboram para a mesma conclusão, a con­
firmação da autoria do crime.
Da mesma forma ocorre com as teses que visam à discussão quan­
to à aplicação e interpretação das normas legais. A interpretação varia de
acordo com o julgador e com a argumentação feita pelas partes. Se admi­
tíssemos que os argumentos jurídicos são provas cabais da verdade, cer­
tamente nào se poderia aceitar a existência de dois entendimentos distin­
tos para a mesma lei, como nào se pode aceitar que haja dois resultados
diferentes para uma mesma equaçào matemática. Mas o próprio sistema
normativo reconhece como legítima a existência de mais de um entendi­
mento distinto para a mesma lei, como ocorre no artigo 105, III, c, do
texto constitucional, que assenta ser cabível recurso especial quando a
decisào recorrida “ der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja
atribuído outro tribunal No mesmo sentido, os embargos infringentes pre­
vêem que, para o mesmo caso, com as mesmas teses articuladas, haja
entendimentos divergentes.
Podemos ir mais fundo nessa questão: pode-se articular que, se exis­
tem entendimentos divergentes para a mesma lei, ou para o mesmo caso
concreto, é porque um dos posicionamentos é equivocado, pouco lógico,
e, assim, o próprio sistema normativo faria a previsão de recursos jurídi­
cos para que um Tribunal Maior ou uma Câmara mais numerosa forneces­
se a tese, ou o entendimento, ou a corrente “verdadeira”. Essa argüição
nào procede, pois, a despeito de brilhantes teóricos do direito defende­
rem a existência de uma única interpretação legítima para a lei, nào se
pode dizer que existam interpretações “erradas” ou “ilegítimas”. O que
se pode afirmar, somente, é que existam decisões ou teses com funda­
mentos mais fortes, ou seja, com argumentos melhores que a sustentem.
Os fundamentos, que nada mais são que argumentos, sustentam uma tese
Lição 4: Argumentação jurídica 223

ou um posicionamento, mas nào lhes comprovam a verdade. Podem exis­


tir, como existem, no direito, dois posicionamentos totalmente distintos,
sem que em qualquer deles haja erro, o que ocorre é que, sempre, a verda­
de deles é “parcial”.
Tentemos esclarecer com um exemplo, uma argumentação que nào
sabe este autor dizer se é fato, mas serve-nos perfeitamente como ilustra­
ção. Conta-se que, em um plenário do júri, um promotor exibia aos jura­
dos as provas processuais. Mostrava a eles, com muita propriedade, que o
laudo elaborado pela polícia técnica concluía que havia 99% de chance
de que o projétil encontrado no corpo da vítima fatal houvesse sido dis­
parado pelo revólver de propriedade do réu. Ser-lhe-ia impossível, então,
diante de tal prova concreta, negar a autoria do crime. Diante desse
fortíssimo argumento, o defensor, em tréplica, formulou aos jurados a
seguinte pergunta retórica: “suponhamos que eu tivesse um pequeno pote
com cem balinhas de hortelã e que eu, entào, pegasse uma delas, tirasse
do papel celofane que a envolve e, dentro dela, injetasse uma dose letal
de um veneno qualquer. Em seguida, que eu embrulhasse novamente o
caramelo letal, colocasse dentro do pote com outras noventa e nove bali­
nhas idênticas, e as misturasse todas. Teria algum dos jurados coragem de
tirar do pote um caramelo qualquer, desembrulhá-lo e saboreá-lo ? Certa­
mente que nào. Pois, se ninguém se arrisca à morte ainda que haja noven­
ta e nove por cento de chance de apenas se saborear um caramelo de
hortelã, ninguém pode condenar o acusado por noventa e nove por cento
de chance de haver disparado sua arma contra a vítima”.
No caso em tela, o que ocorreu? Quem estava certo, o acusador ou
o defensor? Ambos estavam certos e, ao mesmo tempo, errados. O acusa­
dor expôs com muita propriedade o laudo que lhe favorecia, mas, ao mes­
mo tempo, deixou de dizer que o laudo certificava uma mera pmbabilida-
de. O defensor, por seu turno, articulou muito bem, em sua ilustração
exemplificativa, de que o laudo é apenas uma probabilidade, embora dei­
xasse de enunciar, obviamente, que as chances de que nào houvesse sido
o autor dos disparos, pelo quanto dizia o laudo, eram, matematicamente,
muito remotas. Nenhum dos dois deixou de dizer a verdade, mas nenhum
dos dois conseguiu prová-la cabalmente.
Está aí a característica principal do argumento. Ele nào comprova
uma tese totalmente, mesmo porque, se o fizesse, nào necessitaríamos de
juizes julgando. Um computador poderia fazê-lo sem grande dificuldade e
224 Manual de Redação Forense

o c. • /
com exatidão indiscutível. E a soma dos argumentos que deixa uma ou
outra tese mais forte, com maior sustentabilidade diante de outra .e, por­
tanto, a articulação de argumentos variados e pertinentes é importante
toda a vez que se necessite persuadir alguém. Parece-nos evidente que o
direito procura criar mecanismos para uniformizar posicionamentos e
decisões judiciais, porquanto é desejo maior de toda a sociedade que se
apliquem soluções idênticas para casos essencialmente iguais, mas, na
ocorrência da divergência entre teses, deve ser vencedora aquela que ti­
ver maiores argumentos a embasá-la, e por isso, grosso modo, diz-se que
a lógica do direito é argumentativa ou retórica.

4.4 Iniciando a argumentação: O leitor como alvo do texto


Pergunta-se ao leitor: diante do exemplo dado acima, em que o
laudo policial assenta haver 99% de probabilidade de a arma do réu haver
disparado o projétil que levou a vítima à morte, poder-se-ia condenar o
acusado como autor do homicídio?
As respost?s variam, de pessoa para pessoa. Haverá aqueles que
entendem que a probabilidade, por ser quase total, alicerçaria uma conde­
nação, e outros que entenderiam ser impositiva a absolvição, pois, inde­
pendentemente de números, o que há é uma mera probabilidade. Nào se
pode prever o juízo de cada leitor, como não se pode prever o do jurado.
A aceitação de uma ou de outra tese, de um ou de outro argumento
tem alguma relação com cada um dos ouvintes, ou, em outras palavras,
não se pode conseguir a adesão de todas as pessoas a uma argumentação,
por melhor que ela seja. Já dizia o famoso escritor que “toda unanimidade
é burra”, e de fato assim ocorre. O mesmo discurso de um político pode
encantar uma multidão de eleitores, ao mesmo tempo em que causa re­
pulsa a tantos outros.
Pergunta-se, então: quais os fatores que fazem com que um mesmo
argumento seja aceito como válido por um ouvinte, mas possa ser repu­
diado por outro?
Temos de contar, sempre que possível, com o conhecimento de
mundo daquele que se pretende persuadir. A experiência pessoal, as leitu­
ras, a vivência em geral do leitor determina, e muito, a capacidade de
persuasão de cada argumento perante ele.
Lição 4: Argumentação jurídica 225

Imaginemos uma tese jurídica que está, ultimamente, bastante em


voga: a indenização por dano moral daqueles que ficam retidos em portas
automáticas das agências bancárias. Sabe-se que muitos clientes de ban­
cos, ao procurarem ultrapassar as portas giratórias munidas de detetor de
metais que dão acesso às agências, ficam presos e vêem seu acesso impe­
dido. A situação causa humilhação: barrados, sào obrigados a várias ve­
zes se submeterem às ordens dos guardas, à visão do público amedronta­
do, em circunstâncias que, nào raro, envolvem odioso preconceito, como
o racial, por parte dos funcionários da segurança. Em uma açào de dano
moral de uma pessoa que passe por essa humilhação, provavelmente ele
irá argumentar que o banco nào tem direito de vilipendiar de tal forma os
usuários de seus serviços e, assim, pelo artigo 5ü, inciso X, da Constitui­
ção Federal, deve a instituição indenizar eventuais danos à personalida­
de. O réu, o banco, certamente terá como argumento a necessidade de
manter a segurança, nào só da agência e da quantia lá guardada, como de
todos os seus empregados e usuários.
Um ddadào qualquer, que utilize as agências bancárias e esteja acos­
tumado a, volta e meia, ser barrado em portas giratórias, certamente con­
cordará com o cabimento do dano moral em casos parelhos. Mas, se per­
guntarmos a opinião de um bancário, que já haja sofrido o incômodo de
ser assaltado em seu trabalho, o medo de ter para si apontada uma arma
de um meliante qualquer, certamente concordará com o segundo posicio­
namento, o de que barrar alguns clientes é um preço mínimo que se paga
pela segurança de todos.
Assim, a experiência pessoal determina a aceitação ou nào de uma
argumentação. Tanto o argumento do banco quanto o do vitimado pelo
constrangimento são válidos, mas influenciam com maior ou menor força
um ou outro interlocutor, dependendo de seu conhecimento de mundo,
da visào que a vida lhe dá sobre uma ou outra questão.
Claro que essa subjetividade não alcança a argumentação jurídica
com tamanha influência. Nào se pode imaginar, ou ao menos não se de­
veria imaginar, que fosse possível, seguindo o diapasão do exemplo aci­
ma, que haja um magistrado que tenha uma visào de mundo mais favorá­
vel à causa dos clientes dos bancos ou a essas próprias instituições. Na
liçào de Perelman:5
(...) Para cada auditório existe um conjunto de coisas admitidas
que têm, todas, a possibilidade de influenciar-lhe as reações. Tal
226 M anual de Redação Forense

conjunto é relativamente fácil de discernir quando se trata de um


auditório especializado: será o corpus do saber reconhecido pelos
praticantes de uma disciplina científica; será o sistema jurídico intei­
ro no qual uma decisão judiciária se insere. Salvo quando se trata de
um domínio formalizado, completamente isolável, esse conjunto é
fluido, sempre aberto. Seus contornos são particularmente vagos
quando se trata de um auditório não-especializado, ainda que a ela­
boração filosófica possa contribuir, em certas épocas, para precisá-
lo um pouco. De todo modo ele constitui, para cada auditório, um
sistema de referência que serve para testar as argumentações. (...)
Assim é que a premissa principal daquele que formula argumenta­
ções para o Poder Judiciário é a de que o julgador aceita o sistema
normativo como um todo como válido e, portanto, qualquer argumento
que sobre este recaia tem influência incontestável para no julgador, que o
aceita em razào de reconhecer o ordenamento jurídico e as regras que o
norteiam. Isso nào torna a argumentação, todavia, mais simples. O fato
de os julgadores formarem um juízo com base nos ditames normativos
nào significa que nào se encontrem diferenças de aceitabilidade de argu­
mentos entre eles. Há aqueles que dào mais valor aos princípios gerais de
justiça, enquanto outros valorizam a interpretação literal dos ditames le­
gais. Há aqueles que, no campo do direito penal, valorizam sobremaneira
o princípio da presunção de inocência, enquanto outros vêem em provas
processuais menos fortes motivo suficiente para subjugá-lo.
Por isso quem pretende argumentar deve, quando possível, colher
um mínimo de informações a respeito daquele julgador que se deve per­
suadir, para que possa prevenir-se e entender quais sào os argumentos
que sào capazes de levá-lo a abraçar o posicionamento do argumentante.
Essa tarefa parece, assim enunciada, de difícil consecução, mas nào o é
de todo. Alguns advogados, muito preocupados com o efeito persuasivo
de suas teses, e, portanto, com o resultado que almejam conseguir para o
cliente, aplicam-se a tarefa demorada, mas de conseqüências inegavel­
mente eficientes: lêem a fundamentação de vários escritos de seus
julgadores e, tomando conhecimento dos fundamentos utilizados pelos
magistrados, procuram utilizá-los como argumentos para suas peças. As­
sim, se um desembargador gosta de fundamentar vários de seus julgados
com os escritos de Nelson Hungria, parece evidente que as palavras do
renomado professor assumem grande peso em seu convencimento pesso­
al. Se o advogado, por exemplo, ao redigir memoriais, conseguir trechos
da liçào de Hungria que convalidem sua tese, terá, diante daquele julgador,
maior probabilidade de sucesso.
Lição 4: Argumentação jurídica 227

Porque argumentativo, o trabalho jurídico presta-se a esse certo sen­


tido subjetivo, de visão de mundo do interlocutor, que, por mais que se
pretenda fazer do direito uma ciência universal, nào se pode ocultar, sob
pena de se ignorarem instrumentos de inequívoco valor para aquele que
pretende persuadir.
E entào, tal qual na narraçào, o primeiro passo da argumentação é o
de selecionar os elementos que devem ser expostos, que, nesse caso, sào
os próprios argumentos. O interlocutor, no caso do presente trabalho, é o
membro do Poder Judiciário e, portanto, qualquer argumento que tenha
em vista os princípios do ordenamento jurídico pátrio é válido para man­
ter um poder suasório. Mas, ainda dentro do ordenamento jurídico, cada
interlocutor, por conta de sua visào de mundo, dos livros que leu, das
obras ou teses com que mais simpatiza, tem seus pontos prediletos, que
são aqueles a que mais facilmente adere. Se o argumentante tiver possibi­
lidade, pode usar o conhecimento de que dispõe a respeito do interlocutor
para ajudá-lo nesse primeiro passo, ou seja: selecionar os argumentos que
entende mais persuasivos para seu leitor específico.

4.5 Selecionando os elementos: Os tipos de argumento


Quando o advogado coloca-se diante de uma causa concreta, deve
elaborar uma tese de defesa dos interesses de seu cliente. Para tanto, es­
tuda a pretensão do cliente, ouve com atenção suas alegações leigas, vê,
se for o caso, a argumentação da parte contrária, tomando conhecimento
de todos os elementos fáticos e argumentativos que lhe possam ser úteis.
A partir daí, estuda, consulta, lê, até o momento em que consegue
elaborar uma tese viável para seu cliente. A tese do defensor deve ser
aquela que tem o condão de conseguir um resultado benéfico para seu
constituinte, e para tanto existem vários recursos: teses preliminares, ca­
pitulações jurídicas distintas para os fatos, agravantes e atenuantes, pres­
crição, nulidades, pedidos distintos, cálculos diferenciados etc.
O caminho para a elaboração da tese jurídica, que deve ser firmada
para que se mantenha no curso do processo, varia para cada área do Di­
reito, para cada tipo de atividade. No direito penal, por exemplo, o defen­
sor deve iniciar o estudo dos autos pela possibilidade de haver ocorrido a
prescrição da pretensão punitiva. Depois, deve checar as possíveis nuli­
dades, zelando pela efetivação do devido processo legal. Só entào deverá
228 M anual de Redação Forense

rever o mérito propriamente dito, que, além das causas de prescrição,


envolve toda a açào delitiva e a capitulação jurídica que a acusação pre­
tende a ela aplicar.
Assim, descobre-se para cada caso, por meio do estudo, a tese be­
néfica ao cliente. Não é nosso trabalho aqui perscrutar as teses jurídicas
propriamente ditas, pois nós estenderíamos ao infinito, abordando tudo o
que já foi estudado e escrito pelos operadores do direito em suas mais
diversas ramificações. Mas entre a criação ou descoberta da tese jurídica
para cada caso concreto e sua “comprovação”, ou seja, sua enunciaçào
ao leitor no intento de persuadi-lo, há um caminho extenso. Formular a
tese nem de longe significa que a petiçào está pronta, mas apenas que se
deu seu passo inicial. Deve-se transmiti-la, em ordem coerente e com
todos os detalhes específicos do caso concreto, ao julgador.
Como vimos, o ato de fazer aderir o leitor ao posicionamento que
se pretende seja adotado se faz por meio dos argumentos. Esses argumen­
tos cuidam nào apenas de comprovar a tese jurídica mas de, principal­
mente, articulá-la com os elementos do caso concreto, trazendo a indivi­
dualidade necessária ao texto suasório.
Trabalhar com os argumentos é tarefa complexa, que dá grande li­
berdade ao autor. Várias sào as possibilidades de construções
argumentativas e, entào, é importante que o advogado procure, antes de
iniciar a redação, repassá-las todas.
Procuramos neste subtítulo sistematizar os principais tipos de ar­
gumentos e de construções argumentativas, para que o leitor conheça ou
reveja algumas dessas possibilidades, e, dentro delas, adapte a suas ne-
* -n n ^
cessidades, no caso concreto. E importante dizer, antes de tudo, que a
classificação a seguir é meramente didática, pois os argumentos sào inú­
meros, criados para cada situaçào, para cada público, para cada necessi­
dade. Ainda assim, nào há dúvida de que conhecê-los é colaborar para
uma argumentação mais completa e persuasiva.

4.5.1 Argumento de prova


Cada caso que se apresenta ao advogado tem sua peculiaridade.
Por mais que dois casos sejam parecidos, nunca sào idênticos, e a experi­
ência de todos os profissionais revelam essa mesma assertiva. Por isso é
impossível construir uma argumentação igual a outra.
Liç3o 4: Argumentação jurídica 229

Quando um advogado ptocura convencer o magistrado a respeito


de uma tese, deve partir da narração dos fatos completos, como vimos no
capítulo anterior. Entretanto, sabe-se que a narrativa é parcial, surge de uma
parte interessada. A função da narrativa é, então, a de fazer o leitor com­
preender os fatos, ainda que expostos do ponto de vista, implícito, do autor.
Quando se elabora uma argumentação, fazem-se duas pretensões: a
primeira é a de que sejam comprovados os fatos anteriormente narrados, em
todos os seus detalhes. A segunda pretensão é a de que, desses fatos
advenham algumas conseqüências jurídicas determinadas.
A argumentação aparece, então, no Direito, com essas duas preten­
sões: comprovar os fatos e comprovar as conseqüências jurídicas que
advêm desses mesmos fatos.
A seleção dos argumentos, então, deve atender a esse duplo intento.
Há casos em que comprovar os fatos narrados é tarefa mais rele­
vante que comprovar as conseqüências jurídicas para esses mesmos fa­
tos. Por exemplo, na tese criminal de negativa de autoria. Se um constitu­
inte de um advogado é acusado de roubo a banco e alega não haver parti­
cipado do intento criminoso, a argumentação divide-se, entào, em dois
tópicos distintos: a comprovação do fato de o réu não estar presente na
ação delituosa e a conseqüência jurídica dessa nào participação, que no
caso seria a absolvição do acusado, pois a lei nào pode punir aquele que
não executou o fato típico. Mas essa conseqüência jurídica não exige,
nesse caso, grande esforço do argumentante, pois ela parece evidente.
Sua argumentação deve centralizar-se na comprovação dos fatos como
narrados, o que exige maior trabalho.
Casos há, entretanto, que a comprovação dos fatos exige menos do
argumentante que a demonstração das conseqüências jurídicas para esse
mesmo fato. Por exemplo, se o cliente foi preso em flagrante logo depois
de haver cometido um roubo, e, no ato da prisão, a polícia recupera todo
o provento do delito, as coisas roubadas. A acusação pretende, em virtu­
de desses fatos, a condenação por roubo consumado, mas o defensor deve
provar que esses mesmos fatos somente autorizam a condenação por rou­
bo tentado. Nesse caso, a argumentação deve-se centralizar menos na
comprovaçào dos fatos, que nào são controversos, e mais nas conseqüên­
cias jurídicas que advêm deles.
São dois tipos distintos de argumentação: um que procura compro­
var fatos e outro que tenta, com base nos fatos fixados no convencimento
do interlocutor, impor-lhe certas cbnseqüências legais.
230 M anual de Redação Forense

Essa divisão, como quase todas em redação, não é absoluta, pois


argumentos há que se encontram em zona cinzenta nessa classificação.
Mas o certo é que, ao procurar iniciar o texto argumentativo, o redator deve
primeiramente selecionar os argumentos que comprovam os fatos con­
forme narrados, pois eles sào o ponto de partida para todos os posteriores.
Os argumentos que persuadem a respeito da ocorrência dos fatos
de determinada forma sào chamados de provas.
A prova, no estudo do argumentante, é o argumento que persuade
quanto aos elementos fáticos. Em outras palavras, as provas sào, para
nós, elementos de convicção quanto aos fatos.
A prova nào é o próprio fato, mas um elemento que convence a
respeito de sua ocorrência, uma tentativa de reconstrução de um evento
passado. Assim, a prova é um argumento e, se é raro que apenas um argu­
mento funcione como elemento de convicção do interlocutor, é raro por­
tanto que apenas uma prova resolva toda a situação fática de um proces­
so. Por via de conseqüência, o argumentante deve tratar a prova como
qualquer outro argumento: deve ser a prova combinada com outras e ex­
pressa em um percurso persuasivo para que venha a convencer o leitor.
Desse modo, ela aparece no processo no decorrer de sua instrução ou
antes mesmo de ela acontecer, mas nào basta que esteja presente nas
folhas dos autos para que venha a persuadir o leitor: a prova precisa ser
articulada por aquele que argumenta, seu valor deve ser reforçado, com­
binado com outros elementos, para que venha a convencer alguém.
A argumentação, na petiçào, deve, então, chamar a atenção do lei­
tor para os elementos probatórios, com o intuito de que ele faça delas
uma valoração favorável às intenções do argumentante.
Todos os elementos que venham a fazer parte dos autos e que colabo­
rem para a compreensão dos fatos sào, entào, provas. Os depoimentos das
partes e das testemunhas, os laudos, as fotografias, as gravações, os docu­
mentos e etc, desde que venham a integrar o processo, sào todos provas.
O juiz, lendo os autos (ou, às vezes, presidindo as audiências rela­
tivas ao caso concreto), toma conhecimento das provas existentes no pro­
cesso, que sào capazes de firmar seu convencimento final. Isso nào dis­
pensa, entretanto, o advogado de, nas oportunidades que tem para argu­
mentar nos autos, trabalhar com todo o contexto probatório, realçando a
força deles em um percurso lógico.
Lição 4: Argumentação jurídica 231

Veja o exemplo abaixo, como se fosse um trecho de petição:


Diz o autor que executou serviços de funilaria no veículo do réu,
merecendo, então ressarcimento por esse trabalho. No entanto, o
veiculo do réu jamais esteve na oficina do autor, conforme comprova
o depoimento do próprio funcionário do demandante, Sr. João, nos
termos abaixo copiados, de fls. 152:
(...)
O depoente trabalhou como pintor e funileiro na oficina do autor,
de maio de 1996 a meados de 1999. Que não conhece a pessoa do
réu e que não se lembra.de que na oficina, por volta de maio de 1998,
tenha dado entrada um veículo Mustang amarelo. Que o depoente,
aliás, jamais fez serviços de funilaria em um Mustang. Que a oficina
sempre teve dois funileiros trabalhando, mas que ambos sempre
trabalharam em conjunto, não sendo possível que um funileiro exe­
cutasse um serviço e outro não.
(...)"
Ora, o carro do réu era um Mustang amarelo, mas, como o próprio
ex-funcionário do autor disse, jamais sua oficina efetuou consertos
em veículos dessa marca ou modelo, de que se depreende, inequi­
vocamente, que a oficina do demandante jamais efetuou serviços
para o réu.

O depoimento recortado na peça é uma prova, um argumento que


convence a respeito dos fatos, no caso a alegação de que o réu jamais se
utilizara dos serviços do autor. E claro que esse depoimento se encontra
nos autos e, entào, seu conteúdo é, ao menos presumivelmente, de co­
nhecimento do julgador. No entanto, o advogado, autor da peça, recorta
seu conteúdo no texto, para realçar a prova e explicar em que medida ela
serve para comprovar a razão de sua tese fática. A prova, ainda que exis­
tente no processo, deve sempre ser chamada à argumentação do profissi­
onal, na medida de seu interesse.
Mas o argumento de prova, como todo argumento, admite contes­
tação. No exemplo dado, a parte adversa pode trazer outras argüições que
busquem comprovar tese contrária, qual seja a de que o réu, dono do
carro, utilizou-se dos serviços da oficina do autor. Veja o exemplo:
O réu afirma que jamais utilizou-se dos serviços da oficina do
autor. Para tanto, traz o depoimento de João, que se diz ex-funcioná­
rio da oficina. De fato, João trabalhou com o autor, mas nunca como
funileiro, mas sim como office-boy, como demonstra o recibo de pa­
gamento de salário de fls. 168. Isso significa que ele passava mais
tempo na rua do que dentro da empresa, tendo pouco tempo de
prestar atenção aos veículos que davam entrada na mesma.
232 M anual de Redaçào Forense

Ademais, há prova inequívoca de que o automóvel do réu foi con­


sertado na oficina do autor: a fotografia juntada a fls. 171 dos autos
mostra seu “Mustang Amarelo” dentro da oficina do autor, reluzente,
novo. A fotografia foi tirada para guardar na memória o bom trabalho
dos profissionais da empresa, embora não se esperasse, jamais,
que houvesse a recusa do réu em pagar por esses serviços.

A parte contrária, como se vê, trabalha com novas provas: a pri­


meira procura desvalorizar a prova apresentada pelo réu, o depoimento
da testemunha trazida pelo réu merece pouco valor, porque nào está fa­
lando a verdade, uma vez que era office-bqy e nào funileiro. Para provar
isso, traz uma prova documental (recibo de salário). Presume-se que quem
mente a respeito de uma circunstância em seu depoimento, provavelmen­
te nào esteja dizendo a verdade em relaçào a outra.
O segundo argumento de prova procura inserir novo elemento de
convicçào: a foto do carro na oficina significa que ele lá foi consertado.
Sào esses os dois meios de se combater, em contra-argumentaçào,
o argumento de prova:
1. Apresentar argumento que diminua o valor impingido pela par­
te contrária à prova que traz.
2. Apresentar outro elemento de convicção, mais forte que a pro­
va da parte adversa.
Nota: Perceba que mesmo a argumentação probatória da parte con­
trária pode ser desvalorizada: o recibo de salário não necessariamente
impinge ao empregado a função que ele de fato exercia na empresa. A
fotografia do carro pode ser falsa e, ainda que seja verdadeira, prova que
o veículo esteve na oficina (estacionado? lavando?) mas nào que necessa­
riamente foi lá consertado etc.
Os argumentos de prova, então, podem-se estender ao infinito e
raramente uma prova é bastante para formar o convencimento do leitor.
Na maioria dos processos, quando há fatos controversos, as provas dão
indícios da possibilidade de veracidade das duas realidades que procuram
ser comprovadas, as das partes contrárias. Quem consegue convencer é
aquele que faz, argumentando, hipertrofia dos elementos probatórios que
tem a seu favor e desvalorização dos elementos que apoiam a tese contrá­
ria. Nào subsiste, então, o argumento, até de alguns membros do Poder
Judiciário, de que as provas falam por si mesmas, de que elas demonstram
por seu próprio conteúdo. Toda e qualquer prova só tem a capacidade de
Lição 4: Argumentação jurídica 233

formar convencimento (e, portanto, de persuadir) porque são transfor­


madas em argumentos de prova, seja pelo advogado, seja pelo próprio
julgador, que as transforma em fundamentos.
Entendido entào como funciona o argumento de prova e o modo
de combatê-los na argumentação, vejamos agora alguns dos casos mais
comuns de prova no trabalho forense, e o modo de utilizá-los como ins­
trumento de persuasão, nas peças escritas.

4.5.1.1 A prova testemunhai


O direito admite, salvo algumas exceções, a produçào de prova
testemunhai. As testemunhas arroladas pelas partes vêm à audiência pres­
tar declarações a respeito dos pontos pertinentes à demanda, de acordo
com o que lhes for perguntado pelo magistrado e pelas partes. Assim,
acabam colaborando para elucidar os fatos.
Por isso o depoimento testemunhai influencia no convencimento e
deve ser utilizado na peça jurídica. Embora ele conste dos autos, muitas
vezes deve ser copiado nas alegações para que se realce seu sentido e sua
pertinência ao caso, como se fez nos exemplos acima.
Quando utilizar o texto do depoimento, nào se esqueça de:
1) Escrever o nome da testemunha que proferiu o depoimento.
2) Indicar em que folha dos autos se encontra o depoimento recor­
tado.
3) Nào alterar qualquer palavra do texto citado.
4) Destacar o texto copiado, que deve sempre vir entre aspas.
5) Indicar se faz algum realce no texto (sublinha, negrito etc.).
6) Nào deixar o texto citado sem conclusão: depois de copiar o
depoimento, explicar em que medida ele colabora com a tese
exposta, em um parágrafo posterior. Simplesmente recortar sem
explicar é apenas repetir o que está nos autos, sem qualquer
efeito argumentativo relevante.
7) Evite longas transcrições, quando desnecessárias. As cópias ex­
tensas desestimulam a leitura.
Alguns fatores tornam a prova testemunhai mais persuasiva. O pri­
meiro deles é a credibilidade da testemunha. Assim, mais valiosa é a
prova testemunhai quanto mais isenta e idônea for a pessoa que profere o
234 Manual de Redação Forense

depoimento. Isso significa que a testemunha que tem interesse em defen­


der alguma das partes tem depoimento de menor credibilidade: o irmào
ou o funcionário do réu, por exemplo, têm interesse em defendê-lo e,
entào, seu depoimento, por razões evidentes, no que for favorável ao
mesmo réu, tem valor menor do que o de uma testemunha que nào guar­
da qualquer relação direta com os componentes da demanda.
Isso nào significa dizer que os interessados na demanda venham a
juízo, em seus depoimentos, necessariamente falar mentiras a respeito
dos fatos. O que ocorre é que aqueles que têm afinidade com uma das
partes bu qualquer interesse no resultado do processo tendem a adotar
uma visào de uma forma ou de outra parcial a respeito da realidade que
devem relatar, o que transforma o depoimento em algo que deve ser in­
terpretado com alguma reserva. E disso que se aproveita o argumentante
quando um depoimento traz conteúdo que contraria sua tese: deve ele,
para enfraquecer a prova testemunhai, descrever em que medida ela é
parcial.
Assim, a prova testemunhai funciona como instrumento de con­
vencimento que pode ser utilizado pelo argumentante em sua peça, desde
que o desenvolva em seu próprio texto e utilize-se do adequado procedi­
mento enunciativo ao fazer a citaçào.

4.5.1.2 O argumento de prova técnica


O argumento de prova concreta é aquele que se utiliza dos estudos
feitos por expertos de determinada área do conhecimento. Sào exemplos
os laudos técnicos que vêm a integrar os autos.
Do ponto de vista argumentativo, o laudo técnico é um argumento
que se faz incontestável ao raciocínio do advogado, pois foge a sua área
de conhecimento. Seria difícil ao advogado contestar, com argumentos
seus, por exemplo, um laudo de um engenheiro que atesta a qualidade dos
materiais utilizados em uma construção. Mas pode fazê-lo, se contar com
a ajuda de assistentes técnicos, aqueles que, contratados por cada uma
das partes, fiscalizam e “traduzem” as observações técnicas do perito.
Quando um laudo pericial é contestado, ele passa-se a constituir
uma argumentação técnica. Entretanto, quando o laudo pericial é aceito como
verdadeiro por ambas as partes na demanda, ele passa a constituir um
argumento de prova concreta.
.Lição 4: Argumentação jurídica 235

__^ ^ *
Como prova concreta, ele é incontestável. E o que ocorre na maio­
ria das lides penais, em que as provas feitas pela polícia técnica no inqu­
érito policial nào sào submetidas ao acompanhamento das partes e, en­
tào, raramente há condições ou viabilidade de contestá-las em momento
posterior, ainda que se contratem novos peritos. Por isso sào, na prática,
aceitos e nào discutidos, a nào ser que um elemento muito forte leve ao
convencimento contrário.
Sem possibilidade de contestação por causa do hermético conheci­
mento que encerra, a prova técnica passa, quando nessas condições, a
funcionar como ponto de partida para a argumentação.
Elas demonstram os fatos, procuram reproduzi-los atestá-los e o
fazem com grande grau de certeza e exatidão. Esse é o ponto positivo da
prova concreta. O ponto negativo é que a prova técnica tende a ser muito
aguda, ou seja, a tornar certo um ponto que é apenas parte do todo dis­
cutido no processo. Em outras palavras, a prova técnica muitas vezes faz
análise reducionista da realidade.
Imaginemos um debate político. Dois candidatos, um da situação e
outro da oposição, procuram cada qual defender seu ponto de vista.
Candidato da situação: nosso governo é o melhor de todos os
tempos, pois as pesquisas de todos institutos de economia compro­
vam que a inflação havida durante nossa administração é a mais
baixa de todos os tempos. Outras pesquisas mostram que a morta­
lidade infantil é a mais baixa. Outras pesquisas também compro­
vam, em unanimidade, que as exportações aumentaram.
Candidato da oposição: é certo que a inflação é a mais baixa de
todos os tempos, mas, por outro lado, as pesquisas mostram que o
desemprego é o mais alto de todos os tempos. Ademais, se há pro­
vas incontestáveis de que a mortalidade infantil baixou, bem como
que as exportações aumentaram, há dados técnicos de que o país,
ainda assim, encontra-se no maior déficit público de sua história.
Todos os argumentos apresentados, que constituem prova con­
creta, são incontestáveis e, ainda assim, a argumentação não che­
gou a seu fim. Não se pode definir qual é o melhor governo, pois a
prova técnica não responde a isso. As pesquisas, os índices, firmado
por expertos, fixam apenas parte de toda a discussão. Caberá a
cada candidato demonstrar o que é mais importante: emprego ou
inflação? Mortalidade infantil ou déficit público? Não contestam dire­
tamente a prova técnica, mas discutem seu valor para demonstrar a
tese, qual é a melhor proposta de governo.
No ambiente judiciário ocorre o mesmo. Um exame grafotécnico
pode tornar incontroverso que o réu assinou determinado documento,
236 M anual de Redação Forense

mas isso nào põe fim à argumentação. Funciona como ponto de partida
para outras discussões, sobre as quais cabem outros raciocínios, outros
argumentos: alguém que assinou um documento como fiador pode ser
desobrigado da garantia por haver renegociação da dívida, sem a sua de­
vida ciência. Um laudo da polícia pode deixar incontroverso que os projé­
teis atingiram a vítima pelas costas, mas isso nào define a cena do crime:
o acusador pode dizer que a vítima foi executada pelas costas sem ter
direito a qualquer reaçào, enquanto o defensor pode dizer que o homicida
encontrou a vítima pela frente e esta, ao ver a arma, virou-se de costas,
no momento em que os disparos já eram efetuados.
A prova técnica tende a ser aceita quando nào há elementos fortes,
também técnicos, que a contrariem. No entanto, da mesma maneira que
tende a ser forte, tende a ser restrita a alguns elementos que nào abarcam
toda a situação concreta discutida nas teses postas ao conhecimento do
judiciário. Ainda assim, funciona, e bem, como elemento de persuasão
quanto aos fatos, e deve sempre ser realçada na argumentação escrita,
explicando-se como as suas conclusões colaboram para a comprovação
da tese argüida.

4.5.1.3 O argumento de prova documental


Os documentos, particulares ou públicos, também servem de ele­
mento de convencimento quanto aos fatos ocorridos. Atas, cheques, reci­
bos, declarações públicas, carteiras profissionais, cartas, sentenças,
acórdãos, todos trazem a prova de uma realidade. Quando nào lhes é
argüida a falsidade ou a coação havida na manifestação de vontade neles
expressa, os documentos fazem também prova concreta. Funcionam, as­
sim também, como ponto de partida dos argumentos, quando nào reputa­
dos falsos, pois assim nenhuma argumentação lhes contesta o teor.
Seu trabalho como conteúdo argumentativo exige um cuidado es­
pecial. Em primeiro lugar, nào deve o argumentante referir-se a docu­
mentos que nào estão nos autos, ainda que em cópia. Quando o advoga­
do pretende referir-se a um documento que nào está nos autos, deve
providenciá-lo e requerer sua juntada aos mesmos. Quando junta docu­
mentos em uma peça argumentativa (como na inicial e na contestação)
deve numerá-los (documento 1, documento 2 etc.), para que eles fiquem
organizados nos autos e possam ser aludidos no teor da argumentação.
Lição 4: Argumentação jurídica 237

Para poupar o magistrado da leitura completa de partes desinteres­


santes de alguns documentos por vezes longos, ou ao menos para firmar
o leitor o conteúdo deles, aquele que redige a peça deve, sempre, nela
citar o teor do documento do qual pretende fazer uso argumentativo. Assim
deixa a consulta do próprio documento, nos autos, apenas para o fim de
se checar a autenticidade do mesmo, ou a fidelidade do trecho copiado,
em algum ponto que o julgador entenda relevante.
Nota: Insiste-se na necessidade de copiar na peça argumentativa
tudo o que, ainda que conste dos autos, venha a ser tomado como argu­
mento: os depoimentos, o teor dos documentos, as assertivas contidas
nos laudos etc. A leitura da peça deve ser contínua, suficiente apenas o
seu texto para que o leitor entenda todo o necessário para apreender o
conteúdo argumentativo. A remissão imprescindível a outras folhas dos
autos enfraquece muito o teor argumentativo, pois desvia a atenção do
leitor, interrompe a leitura da peça.
Portanto, ao citar trechos dos autos, seja quanto à prova testemu­
nhai, técnica ou meramente documental, evite este tipo de construção:
O relatório do procedimento administrativo do Conselho Regional
de Medicina, a fls. 156 dos autos, assenta que não havia, no hospital,
condições de atendimento mínimas, seja quanto à aparelhagem,
seja quanto ao pessoal, para que os profissionais da medicina vies­
sem a dar o atendimento suficiente a seus pacientes.
Desse modo, se houve negligência no atendimento médico do
autor, ela não se deve aos profissionais do Plantão, mas sim aos
responsáveis pela manutenção do serviço público de saúde.
Prefira, para fundamentar a argumentação, a construção abaixo:
0 relatório do procedimento administrativo do Conselho Regional
de Medicina assenta que não havia, no hospital, condições de aten­
dimento mínimas, seja quanto à aparelhagem, seja quanto ao pes­
soal, para que os profissionais da medicina viessem a dar o atendi­
mento suficiente a seus pacientes, é o que se entende das declara­
ções abaixo, copiadas do mesmo relatório, a fls. 156:

No hospital inspecionado, muitas irregularidades existem seja


quanto à aparelhagem, seja quanto à contratação dos funcionários.
As salas não têm a devida condição de higiene, a limpeza é precária,
o número de leitos é insuficiente, na falta deles, alguns pacientes
são encontrados no corredor da enfermaria, repousando e aguar­
dando atendimento em bancos de madeira ou cadeiras de rodas
com pontos de ferrugem aparentes.
238 Manual de Redação Forense

O número de médicos contratados por turno é menos do que um


terço do aconselhável para o movimento que foi constatado no pronto
socorro. Passamos, então, a descrever alguns dos elementos
inspecionados:

Desse modo, pelo quanto se depreende do relatório acima, se


houve negligência no atendimento médico do autor, ela não se deve
aos profissionais do Plantão, mas sim aos responsáveis pela ma­
nutenção do serviço público de saúde.

É fato que esse tipo de construção, com cópia —nào longa —das
provas que sào utilizadas como argumento toma a argumentação mais
extensa, mas essa extensão acaba sendo compensatória ao próprio leitor,
que não tem de desviar-se da leitura da peça para consultar o documento
referido, com o fim de compreender o que lhe é dito em argumentação.
A prova documental é, entào, modo de argumentar-se quanto aos
fatos, por meio de documentos que devem, sempre, fazer parte dos autos.
O argumento se toma mais persuasivo na medida em que o conteúdo do
documento c mais bem aproveitado no texto do profissional, para servir
de demonstração retórica de uma tese. Por isso se aconselha seja seu con­
teúdo, no quanto interessa ao argumentante, copiado na peça.

4.5.2 Outros tipos de argumento


Se os argumentos de prova dizem respeito aos fatos, outros tipos
de argumento fazem parte do repertório daquele que pretende persuadir,
valorizando os elementos que têm a seu favor.
O direito foi construído por meio de argumentação. Todas as sen­
tenças sào fundamentadas, todos as leis passam por longos debates,
argumentativos, para sua aprovação, toda doutrina argumenta quanto a
entendimentos que se podem fazer da lei, e assim por diante. Por isso
nossa atividade, mais que qualquer outra, criou ao longo de sua existên­
cia técnicas argumentativas das mais variadas.
Elas dizem respeito não apenas à comprovação dos fatos, mas a
raciocínios que procuram trilhar o melhor entendimento de todo o orde­
namento jurídico e sua aplicação no caso concreto.
Dessa forma, já temos na petição três etapas distintas:
a) A narração dos fatos, para que o leitor os compreenda com muita
clareza.
Lição 4: Argumentação jurídica 239

b) A comprovação dos fatos, para que eles sejam aceitos como


verdadeiros pelo leitor, em seus pontos controversos, o que se
faz com o argumento de prova.
c) Comprovados os fatos, deve-se passar à comprovação das con­
seqüências jurídicas que se pretende dar a eles.
Para essa última fase, nào basta o argumento de prova, mas outros
que visam a, atendendo ao complexo ordenamento jurídico, mostrar e
convencer a respeito de sua mais sábia aplicação aos fatos narrados e
comprovados.
Vejamos alguns deles.

4.5.2.1 O argumento ab autoritatem


Veja o exemplo abaixo, como se fosse um trecho de petiçào:
Parece evidente que o agente público, neste caso, tem poder dis­
cricionário de decidir conforme a conveniência e oportunidade. Mas
seu poder discricionário é limitado por regras jurídicas, as quais não
pode violar. No caso em tela, o agente público extravasou seu poder
discricionário na medida em que passou a negar a disposição de
um preceito jurídico. Por isso, deixou de ser discricionário para ser
arbitrário. O Professor José Cretella Júnior, em uma de suas obras,
faz essa distinção, realçando-lhe a importância prática, conforme re­
cortamos, com negritos nossos:
■U)
Denomina-se arbítrio a faculdade de operar sem qualquer limite,
em todos os sentidos, sem a observância de qualquer norma jurídica.
É a liberdade do ser irracional, que opera no mundo da força e da vio­
lência, onde imperam os apetites e se conhecem por limites apenas
as impossibilidades de ordem física ou material. Vence o mais forte.
Chama-se discrição a faculdade de operar dentro de certos limi­
tes, poder concedido ao agente público de agir ou deixar de agir
dentro de um âmbito demarcado pela regra jurídica.
(...)
A demarcação precisa do campo em que se movimenta a Admi­
nistração é de incontestável relevância no âmbito do direito público.
No primeiro caso, incompatível, aliás, com o Estado de Direito,
ocorrem os chamados atos arbitrários, que se concretizam através
da vontade pessoal do titular de um órgão administrativo, que age
impulsionado por paixões, caprichos ou preferência, desamparados,
portanto, de qualquer fundamento legal.
(José Cretella Jr., Curso de Direito Administrativo, Editora Foren­
se, Rio de Janeiro, 1993, pp. 222-223)
240 Manual de Redação Forense

No presente caso, como se tem demonstrado, o agente público


agiu em desacordo com a lei e, ao que parece, impulsionado por
uma preferência ou interesse pessoal. Sua decisão, retomando as
palavras do aludido professor, ét por isso "incompatível com o Esta­
do de Direito

Que fez o advogado, em sua petiçào? Ao procurar enquadrar a ati­


tude de um agente público ilegal, porque, certamente, isso era parte inte­
grante de sua tese, fez a distinçào entre ato discricionário, autorizado por
um poder discricionário emanado de texto legal, e ato arbitrário. Todavia,
essa distinçào precisava ser aceita como verdadeira pelo magistrado e,
entào, o autor da petiçào lançou mào do argumento de autoridade.
Argumento de autoridade é aquele que usa da liçào de pessoa conhe­
cida e reconhecida em determinada área do saber para corroborar a afirma­
ção do autor sobre certa matéria. Assim, como no exemplo acima, o autor
da petiçào traz a liçào de professor renomado para atestar a veracidade da
distinção argüida, no caso a existente entre discricionariedade e arbítrio.
São argumentos de autoridade, via de regra, as citações de doutrina
nas petições.
Esse tipo de argumento traz duplo efeito. O primeiro deles é a pre­
sunção de acerto no raciocínio que o argumentante toma de empréstimo.
Como a autoridade cujo pronunciamento é citado é (ou ao menos deve
ser) pessoa conhecida (ou seja, cujo nome o leitor conheça) e reconhecida
(o leitor deve conhecer a pessoa citada e reconhecê-la como autoridade
em determinado assunto), o leitor passa a presumir que seu raciocínio te­
nha bons fundamentos. No exemplo acima, o autor da petiçào, por haver
recortado curto trecho da obra de Direito Administrativo, nem de longe
traz todo o raciocínio que fundamenta a distinçào entre discricionariedade
e arbitrariedade. Na verdade, recorta apenas um fragmento que assenta
que a distinçào existe, dentro de seus limites. Entào, o raciocínio nào é,
ou melhor, nào aparece totalmente fundamentado no recorte da citação,
mas, como o texto é da lavra de pessoa conhecida e reconhecida naquela
disciplina, o leitor pmnme que existam fundamentos bastantes para alicerçar
tais conceitos e, entào, aceita como verdadeira a idéia ali presente.
Disso se extrai a conseqüência lógica de que é necessário que o
leitor reconheça essa autoridade, e nào apenas aquele que escreve o tex­
to. Por isso se deve contar com o conhecimento de mundo do leitor, para
selecionar o argumento de autoridade, sendo preferível, quando possível,
Lição 4: Argumentação jurídica 241

citar aquela de que se saiba ter o leitor maior afinidade, ou, ao menos, que
conheça seu nome como pessoa apta a avalizar a tese que se pretende
comprovar.
Nota: Deparamo-nos aqui, novamente, com a questão do auditório
especializado. Como o leitor das petições é o magistrado, sabe-se que ele
deve conhecer todos aqueles que sào autoridades reconhecidas no Direi­
to e, por isso, não nos deparamos com grandes dificuldades quanto a este
aspecto. Uma citaçào de Pontes de Miranda, por exemplo, causa efeito
persuasivo em qualquer leitor, variando sua força pelo maior ou menor
grau de afinidade que tenha o magistrado para com o referido autor. Mas,
graças à gama de livros jurídicos que as editoras, por fim, estào lançando
em nosso país, alguns autores nào sào conhecidos e reconhecidos por
todos os leitores (o que nào significa que seus escritos sejam de pouco
valor). Quando o argumentante sentir a possibilidade de o autor citado
nào ser devidamente conhecido, deve apresentá-lo ao leitor, com os
predicados que lhe impinjam o status de autoridade, antes de copiar o
trecho que pretende utilizar, deste modo: Como assenta Joel de Figueiredo
Dias, professor catedrático da Universidade de Coimbra e presidente do Instituto de
Direito Pena/ Econômico Europeu Essa apresentação, ainda que o leitor
nào conheça o professor citado, passa-lhe o status de autoridade, dando
maior força ao argumento.
Essa presunção de razào ao que diz a autoridade representa o pri­
meiro efeito suasório do argumento ab autoritatem. O segundo efeito diz
respeito à isenção presumida que tem a autoridade. O advogado, quando
se manifesta nos autos, é visto —porque é fato —como argumentante
imbuído de grande parcialidade. Nào lhe é aconselhável, por isso, criar de
próprio punho definições, conceitos ou distinções na área do direito exa­
tamente no momento de defender um cliente, pois, qualquer conceito ali
insculpido perde, inevitavelmente, sua carapaça de ciência para parecer
ao leitor construção falaciosa. Para ser mais claro, ninguém admitiria como
científica ou isenta uma definição ou interpretação jurídica criada para ser
usada em um caso concreto, defendendo um determinado interesse. Nào que isso
nào possa ser feito, mas, se o for, terá com certeza certo enfraquecimento
na intençào de buscar a adesão do leitor. Portanto, o argumento de autori­
dade, a citação da doutrina quanto aos elementos mais complexos reforça
a isençào e o acerto das assertivas citadas, vez que, no momento em que
242 Manual de Redação Forense

escreve sua doutrina —presume-se —o autor nào defende um interesse de


cliente, mas interpreta a lei de acordo com seu convencimento e seu estudo.
Assim, se digo, em um processo, que a falta de manifestação da
defesa sobre algum documento juntado aos autos implica nulidade do
processo —porque pretendo, para o bem de meu constituinte, que o pro­
cesso seja anulado —certamente meus fundamentos terão menor poder
de convencimento do que se, na mesma petiçào, eu recortar um trecho de
um livro de doutrina que defenda a mesma tese. Certamente o juiz levará
em maior conta o trecho do livro, pois presume que, ao formular a tese na
doutrina, a autoridade citada nào defendia interesses pessoais, apenas um
raciocínio objetivo.
Por esses dois efeitos —a presunção de fundamentação da autorida­
de e a presunção de isenção no momento em que escreve —o argumento
ab autoritatem é extremamente útil nas petições, e geralmente já acompa­
nha o advogado, que, ao estudar para formular sua tese, guarda os trechos
lidos que lhe colaboraram para tal formulação, no intuito de recortá-los
no momento da redação.
Nota: Para utilizar, no texto jurídico, o argumento de autoridade,
alguns cuidados devem ser tomados, seja para facilitar a leitura, seja para
comprovar a veracidade da citaçào.
Procure, em primeiro lugar, definir bem os limites da citaçào no
texto e, depois, mostrar a fonte de que se colhera o trecho copiado. Para
tanto, não esqueça nenhum dos procedimentos abaixo:
a) Inicie o texto recortado sempre por aspas, e as utilize novamen­
te para demarcar seu fim.
b) Utilize recurso que dê destaque ao trecho de citaçào: geralmen­
te, quando a citação é um tanto extensa, procura-se mudar a
fonte (o tipo de letra), ou a paragrafaçào^impondo uma margem
bem maior para o texto citado. Assim, a própria estética da pe­
tiçào demonstra que aquele trecho é recorte de outra obra.
c) Indique sempre, as alterações formais que faz no texto citado.
Isso se faz por expressões como “grifos nossos”, “sublinhas nos­
sas”. Se for pular um trecho do texto, deixando de transcrevê-lo
(o que nào é recomendável, salvo cm casos em que se quer pou­
par o leitor de longa leitura), indique pela colocação de reticên­
cias entre parênteses ou colchetes (...), ou pelo termo “omissis”.
Lição 4: Argumentação jurídica 243

d) jamais faça alterações no trecho de citação, que nào os realces


(sublinha, negrito, itálico) ou supressões de trechos desnecessá­
rios, todos com a devida indicação. Nunca insira ou corte pala­
vras de nenhum trecho copiado, qualquer que seja ele.
e) Quando houver erro no trecho copiado, nào o corrija. Insira ape­
nas, para indicar que o erro nào foi do autor da petiçào, daquele
que copia o texto, o termo “sic”, entre parênteses. Entào, se eu
cito o trecho “0 título foi enviado à (sic) cartório”, por mais
que o erro de uso do acento indicativo de crase seja fácil de
corrigir, nào devo fazer a correçào, apenas indico que o erro nào
coube a mim, que transcrevi.
f) Indique, sempre, a fonte, para que a parte contrária ou o julgador
tenha meios de conferir a fidelidade do argumentante em sua
citaçào. Se o trecho citado pertencer a um livro, indique, nesta
ordem: o nome do autor, o nome da obra, a editora, o número
da ediçào e seu ano, o local onde foi editado e o número da
página de que o texto citado foi copiado. (Ver modelo no exem-
pio no início deste subtítulo ou nas notas de rodapé das cita­
ções feitas nesta obra).
Quando o autor da petiçào toma de empréstimo as palavras da au­
toridade para fundamentar sua tese, tem poder de persuasão diretamente
proporcional à aceitação de que a autoridade goza perante o leitor. Isso,
como vimos afirmando no presente capítulo, é a funçào do argumento:
convencer. Portanto, a vantagem do argumento de autoridade é que ela
persuade, mas sua desvantagem, seu ponto fraco está no excesso de rele­
vância que se dá à pessoa da autoridade, em lugar dos fundamentos que ela
expõe. E importante que se entenda esse raciocínio para que saibamos
como combater um argumento de autoridade. Vejamos.
Como temos defendido, na argumentação nào há verdades ou men­
tiras. Os fatos podem ser expostos com insidiosa falsidade, a narraçào
pode nào ser verdadeira, mas argumentos sào apenas fortes ou fracos.
Para uma demonstração lógica, deveriam ter maior ou menor poder de
persuasão o conteúdo lógico das idéias expostas, e não preferencialmente
quem as profere. E assim que ocorre nas ciências exatas: ninguém cogita­
ria de chamar um matemático renomado para demonstrar e comprovar a
resolução de uma equação, pois qualquer matemático soluciona-a de acor­
do com as leis gerais daquela área do conhecimento. Assim, se a equação
244 Manual de Redação Forense

somente pode estar resolvida de duas formas: uma certa, outra errada.
Mas no Direito isso nào ocorre. Tem-se dado em demasia relevo a algu­
mas autoridades, que proferem teses que contam com grande força de
aceitação, como se tivessem o poder de ditar verdades. Isso porque presu­
me-se que pessoas com comprovado conhecimento jurídico têm, natural­
mente, o poder de fazer a melhor interpretação do direito em todos os
casos que lhes vierem à apreciação. Por conta disso é que surgem as cha­
madas “interpretações autorizadas “ do Direito, que nada mais sào que
interpretações provenientes de pessoas consagradas.
Deve aquele que se depara com um argumento de autoridade pro­
ferido pela parte contrária preocupar-se em combatê-lo, tendo em conta,
primeiramente, que nào basta a autoridade ditar a tese, ela deve
fundamentá-la. Assim, um dos modos de desconstituir a força persuasi-
va de um argumento de autoridade é expor que nào é a autoridade que,
por si, constitui a tese, mas sim os argumentos que usa para fundamentá-
la. Isso é muito bem expresso no aforismo latino “Amtcus P/a/us, sedi magi
amica veritas” (Gosto de Platào, mas prefiro a verdade. A expressào indica
que, ainda que Platào tenha um conjunto de idéias que representaram
conhecimento fabuloso para os de sua época, muitas vezes pode-se dele
discordar).
Presume-se que uma autoridade em determinada área de conheci­
mento sempre profira bons fundamentos. Mas isso é apenas uma presun­
ção: autoridades também erram, ainda que com menor freqüência. Não
sào poucas as petições que recortam trechos de livros com meras afirma­
ções, como se elas por si só comprovassem a tese, porém tal tipo de argu­
mentação, aos olhos do profissional mais atento, é fraca. Para prevenir-se
contra isso, o advogado deve perceber que o argumento ab autoritatem é
muito eficiente, mas tem, como todo enunciado lingüístico, suas limita­
ções: o raciocínio que leva à afirmação da autoridade deve ser sempre
reconstruído na petição e, ademais, deve-se sempre mostrar com clareza
a pertinência da citação ao caso concreto, pois a doutrina, como disse­
mos, nào é elaborada para um caso individual.
Nota: Não são deveras raros os casos em que os argumentos de
autoridade, porque muito valiosos, representam o único fundamento da
petiçào. Para evitar isso, vale uma “dica”: nunca termine o tópico com
uma citação. Toda vez que for copiada a doutrina, reserve ao menos um
parágrafo posterior para desenvolvê-la, mostrando a “razào de afirmar”
Lição 4: Argumentação jurídica 245

da autoridade citada e sua relação com o caso concreto. Evite, também,


citações muito longas, pois aquele que argumenta nào pode “deixar nas
mãos” da autoridade citada a responsabilidade e o trabalho argumentativo.
Além disso, citações longas criam grave desinteresse à leitura, como já
frisamos.
O segundo modo de combater o argumento de autoridade não é
desconstituir-lhe a fundamentação, mas encontrar outra autoridade que
defenda a tese contrária. Para nosso bem, o direito permite doutrinas
com entendimentos mais variados, portanto nào é raro que aquele que
cita a lição de renomado autor para fundamentar sua tese depare-se, em
contestação, com citaçào da liçào de outro renomado autor, defendendo
a tese contrária. Vale a pena pesquisar.
Concluindo, o argumento de autoridade é, sempre, válido àquele
que pretende persuadir, notadamente no Direito. Deve-se usá-lo, desde
que se tenha conhecimento de seus limites.

4.5.2.2 O argumento contrario sensu


O argumento contrario sensu é tipicamente jurídico e tem estrita rela­
ção com o princípio da legalidade, inscrito no inciso II do artigo 5Uda
atual Constituição Federal, que dispõe que: ninguém será obrigado a fa^er ou
deixar de fa^er alguma coisa senão em virtude de lei.
Sua origem fundamenta-se na observação de que, se uma norma
jurídica prescreve uma conduta e a ela, uma sanção, a um sujeito, deve-se
excluir de seus efeitos todos os sujeitos que não tenham sido alvo do
texto literal da lei. Assim, se o artigo 312 do Código Penal comina uma
pena para a conduta de “Apropriar-se o fu n cio n á r io p ú b lic o de dinheiro,
valor ou qualquer outro bem m óvel...” significa, contrario sensu, que aquele que
não for funcionário público não responde por esse crime.
O argumento contrario sensu, ou seja, de interpretação inversa, é uti-
Ü2ado pelo argumentante não apenas ao interpretar os dispositivos legais,
dentro do princípio da legalidade. Ele é também articulado para traba­
lhar, a favor do argumentante, jurisprudências e doutrinas, transforman­
do-lhes o sentido, de maneira lógica, para adequar-se a uma tese qual­
quer, pela interpretação por via inversa. Criemos um exemplo abaixo:
0 querelante, que se diz ofendido em entrevista jornalística
publicada em periódico, não fez prova de que o profissional da im-
246 Manual de Redação Forense

prensa tenha reproduzido fielmente as declarações do querelado.


Este está diante, então, de um processo crime por um fato que pode
haver sido cometido por outra pessoa, ou seja, o jornalista, que redi­
gira o texto publicado em jornal, pode haver criado algumas das afir­
mações que o querelante reputa ofensivas. A lei de imprensa, entre­
tanto, assegura ao entrevistado a possibilidade de somente vir a ser
participe do pólo passivo de uma demanda criminal quando existir
prova da reprodução fiel, no texto pablicado, de suas declarações
proferidas ao entrevistador. Assim é quê diz o acórdão abaixo recorta­
do em trecho:
■(...)
O querelante, porque provou desde logo que o entrevistado auto­
rizou, por escrito, a publicação dos trechos contumeliosos que fize­
ram parte da matéria jornalística apreciada, pode contra este ofere­
cer queixa-crime, diretamente.
(...)’
Ora, se o querelante pode oferecer queixa crime quando faz a prova
da autorização do entrevistado para a publicação dos ditos ofensi­
vos, depreende-se, contrario sensu, que não o pode fazer se não
realizar, anteriormente, essa mesma prova. Como no caso em tela.

Assim é muito utilizado o argumento contrario sensu. Doutrinas c


jurisprudências, muitas vezes, revelam a mesma tese que se quer defen­
der, mas do prisma inverso, por exemplo: aceita-se a incidência de uma
norma jurídica porque está presente um requisito, enquanto se quer de­
fender, no caso concreto, a não incidência dessa mesma norma jurídica,
por causa da ausência desse requisito. Nesses casos, é lícito ao advogado a
construção do raciocínio contrario sensu, que não é nada raro no cotidiano
forense.
Entretanto, essa argumentação deve ser construída com muita aten­
ção, pois tende ao engodo, e a honestidade do argumentante não permite
que se façam construções enganosas em seus textos. Veja como isso se
processa nas proposições abaixo.
O artigo 27 do Código Penal dispõe que os menores de dezoito
anos são penalmente inimputáveis. Assim, a contrario sensu, os mai­
ores de dezoito anos são criminalmente responsáveis.
Correto o raciocínio? Não. Nem todos os maiores de dezoito anos
são penalmente inimputáveis, pois os doentes mentais inteiramente
incapazes de entender o caráter ilícito de seus atos, ainda sendo
maiores de dezoito anos, também são agraciados pela inim-
putabilidade.
Diz o famoso autor que “o funcionário público que se apropria de
bens, móveis ou imóveis, comete crime'. Portanto, aquele que se
Liç8o 4: Argumentação jurídica 247

apropria de bens alheios, não sendo funcionário público, não come­


te crime.
Novamente incorreto o raciocínio. Somente o funcionário público,
na definição criminal do termo, comete o crime de peculato, o que
não significa que a atitude de apropriar-se indevidamente de bens
alheios somente seja conduta criminosa para o agente funcionário
público.
Diz a Súmula 282 do Supremo Tribunal Federal que “É inadmissí­
vel o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recor­
rida, a questão federal suscitada". Portanto, se, como ocorre no caso
concreto, o v. acórdão recorrido faz expressa menção à questão fede­
ral objeto do presente recurso extraordinário, deve ser ele admitido.
Raciocínio incorreto. Pode-se dizer que, se o acórdão em tela faz
menção á questão federal suscitada no recurso interposto, este não
pode deixar de ser admitido com base no preceito da Súmula 282.
No entanto, vários outros requisitos são necessários para essa ad­
missibilidade (ver, por exemplo, a súmula 283 do mesmo Tribunal).

Portanto, para que o argumento contrario sensu seja persuasivo, o ad­


vogado deve perceber se o raciocínio contrário é possível na argumentação
que pretende desenvolver. Sendo possível o raciocínio, o argumento per­
suade. Não o sendo, o argumento perde sua razão de convencer. Na estei­
ra do exemplo do subtítulo anterior, veja como se dá um argumento a
contrario sensu com efeito persuasivo:
O Professor José Cretella Júnior faz a distinção, pertinente ao
caso concreto, entre ato arbitrário e ato discricionário. Para ele, a
discrição é “(• ••) a faculdade de operar dentro de certos limites, poder
concedido ao agente público de agir ou deixar de agir dentro de um
âmbito demarcado pela regra jurídica (...).
No presente caso, não agiu a autoridade pública dentro dos limites
da regra jurídica. Portanto, não se pode falar em poder discricionário.

Ora, se o agente público pode agir dentro dos limites do quanto lhe
autoriza a lei, significa, contrario sensu, que ele não pode agir fora dos limites
da lei. Aí está, entào, um argumento persuasivo.
Para se combater um argumento contrario sensu, deve-se checar se
realmente não é equivocada a inversão do raciocínio de que o argumento
exsurge. Caso essa inversão não seja possível, deve-se demonstrar tal im­
possibilidade, o que desconsritui o raciocínio contrario sensu.
248 M anual de Redação Forense

4.5.2.3 O argumento a simili ou por analogia


A justiça deve tratar de maneira idêntica situações semelhantes.
Por isso, no Direito o argumento por analogia assume grande relevância e,
como se sabe, é bastante persuasivo. Assim, se um Tribunal decide que se
devem aplicar as regras do Código do Consumidor a um contrato de con­
ta corrente aberta em instituição bancária, um advogado, que pretenda
defender a mesma tese em uma petição qualquer, deve usar daquela deci­
são como argumento a seu favor.
Por mais que o direito permita teses e entendimentos diversos so­
bre a mesma lei ou valoraçào diferente para as mesmas provas, é claro a
todos que o sentido de justiça se encontra exatamente nessa pretensa
homogeneidade de decisões. Por isso, sempre o juiz será de algum modo
influenciado a decidir de acordo com o que já decidiram seus iguais, não
por qualquer subordinação ou por falta de independência funcional para
seguir seu próprio convencimento, mas principalmente para manter a eqüi­
dade no Judiciário como um todo.
Vejamos como o argumento a simili aparece no exemplo abaixo:
0 recorrente pretende ver satisfeita sua pretensão de ser aceita
sua inicial criminal, a queixa-crime, sendo então necessário que esse
Egrégio Tribunal a quo aceite como válida aquela inicial, repleta de
irregularidades.
Pretende o recorrente, inicialmente, que seja considerada válida
a procuração outorgada a seu ilustre patrono para redigir e oferecer a
queixa-crime. No entanto, conforme ficou comprovado em primeiro
grau de jurisdição, o mandato outorgado não traz menção expressa
ao fato criminoso ou sequer enuncia o nome do querelado. Esse
fato, por si só, desautoriza o recebimento da inicial, conforme tem
decidido esse mesmo Excelso Pretório, como abaixo transcreve-se:

A queixa dada por procurador exige poderes especiais e referên­


cia precisa ao fato delituoso. A menção a que se refere o art. 44 do
CPP ao fato em si é imprescindível, uma vez que o direito de queixa é
personalíssimo, e, exercido por procurador, o mandato a este confia­
do deve conter, além do nome do querelado, descrição, embora su­
cinta, do fato criminoso para que se firme a responsabilidade do
mandante. (TACRIM - SP - Apelação Criminal - Relator Passos de
Freitas - RJD 8/70)
(-)”
Assim, na esteira do quanto decide esse mesmo Tribunal, no
presente caso não se deve considerar apta a queixa-crime, vez que
Lição 4; Argumentação jurídica 249

não indica que o mandante concedera ao mandatário poderes para


propor a demanda criminal.

Como se percebe, a jurisprudência é o caso mais comum de argu­


mento a simili que encontramos no foro em geral. As decisões dos magis­
trados funcionam como fonte do próprio direito, pois é no deslinde dos
casos concretos que se interpretam e se aperfeiçoam os ditames legais
com mais intensa força.
E certo que a jurisprudência mescla-se também, ainda que em me­
nor grau, com o argumento de autoridade. Afinal, a assertiva dos magis­
trados deve ser também acatada pelo nível de conhecimento que têm a
respeito de questões jurídicas. Assim é que um julgado do Superior Tribu­
nal de Justiça tem maior força de persuasão que uma decisào de um juiz
singular de comarca pouco qualificada, pois o Ministro do STJ é reconhe­
cido como autoridade maior na área do direito que o magistrado de início
de carreira, ou, se assim nào o for, ao menos se presume que aquele tenha
conhecimento jurídico mais apurado.
Mas não basta a existência de decisões do Poder Judiciário para que
elas sirvam ao advogado como argumento pot analogia. E preciso ter a
maior segurança possível de que os casos comparados realmente são idên­
ticos. Afinal, se vale o princípio de que o direito, em seu exercício, deve
impor resultados parelhos a causas iguais, de certo que não se lhe deve
impingir a obrigatoriedade de fazer resultar de maneira idêntica casos que,
em sua essência, divergem. Por isso que o advogado não deve lançar ju­
risprudências na petição sem assegurar-se, o quanto possível, de que o
assunto a que elas se referem sejam muito próximos ao de que cuida a
causa na qual argumenta.
Por exemplo, se uma decisão jurisprudencial diz respeito à taxa de
juros aplicada em contrato de mútuo feito entre particulares, muito pos­
sivelmente o advogado não possa usá-la para fundamentar um caso em
que se discute um financiamento bancário, pois os fatos são essencialmente
diversos. E a argumentação por analogia deve ser o mais lícita possível,
colocando à disposição do leitor todos os elementos que sirvam para com­
parar a proximidade entre os casos cuja decisào deseja-se ser de igual teor.
E isso serve de alerta para os retores mais afoitos, que copiam ju­
risprudências sem o devido cuidado argumentativo. Certo está o magis­
trado que pouca importância confere à argumentação repleta de ementas
jurisprudenciais ou trechos curtos de julgados, sem que o autor se esforce
250 Manual de Redação Forense

em demonstrar que de fato apresenta um argumento por analogia. E nisso


contribuem muito os suportes jurisprudenciais que se lançam no merca­
do, servindo essa observação à prática diária do advogado.
Hoje, encontramos diversos livros e até CD-ROMs que apresentam
variados julgados, com as mais diferentes posições de entendimento que se
possam colher dos tribunais brasileiros. No entanto, os repertórios para
consulta de jurisprudência nào raro trazem apenas ementas (sumários de
julgados) ou breves trechos de acórdãos e sentenças, com um objetivo cla­
ro: proporcionar ao usuário facilidade de consulta e diversidade de maté­
rias, para que encontre rapidamente um julgado que lhe possa interessar
para argumentar por analogia. No entanto, o autor de petição que encontra
a ementa de um acórdão nesses manuais de consulta, lá encontra também
a indicação de referência para buscar, em outro suporte, o texto completo
da decisão jurisprudenciaL Somente o texto completo, ressalvadas poucas
exceções, permite ao argumentante a fértil comparação entre o texto para­
digma (a decisão jurisprudencial recortada) e o caso específico em que
trabalha. As ementas são cada vez mais entendidas como insuficientes para
persuadir.
Nesse contexto, aquele que traz um argumento por analogia deve
preferir qualidade a quantidade. Melhor do que apresentar vários julga­
dos curtos, que dêem sustento ao mesmo posicionamento, é analisar com
pormenores uma decisão mais completa, mostrando ao leitor da petição
que as razões de decidir do texto jurisprudencial casam-se com as razões
que se deseja siga o magistrado. Em trechos curtos, quase tão somente da
parte dispositiva, é difícil demonstrar tal analogia, como se tenta mostrar
no exemplo abaixo:
O réu agiu em estado famélico e, por isso, sem qualquer sombra
de dúvida, deve-se-lhe conceder a excludente do artigo 24 do Código
Penal Brasileiro, o estado de necessidade. Isso porque, como já foi
demonstrado, o réu passava por necessidades financeiras e, de­
sempregado, como tantos outros em nosso pais, não tinha qualquer
condição de subsistência, o quanto lhe forçou à execução do peque­
no delito, sem uso de qualquer violência.
É fato, como bem disse a inicial acusatória, que o furto não se
restringiu a produtos alimentícios, tendo o acusado subtraído do es­
tabelecimento comercial duas camisas e um tênis. Isso, no entanto,
não descaracteriza o estado de necessidade, como tem decidido o
Poder Judiciário:
Lição 4: Argumentação jurídica 251

Age em estado de necessidade quem, sem maus antecedentes,


necessitando de calçados, subtrai um par em estabelecimento co­
mercial. (TACrim - SP - Ap. Crim. Rei. Nelson Schiesari - JUTACRIM
68/387).
(...)"
O autor da petição sem dúvida achou, em uma completa obra de
indicação de julgados, uma decisão que lhe favorecia. No entanto, a força
argumentativa da jurisprudência copiada perde muito com o recorte ape­
nas em trecho. Veja que o texto indica onde encontrar-se a íntegra do que
na petiçào consta apenas em fragmento ( na revista Julgados do Tribunal de
Alçada Criminal, nu 68, pág. 387). A esse texto, integral, deveria recorrer o
advogado para persuadir com mais precisão e eficácia o leitor. Sem isso, a
analogia não se perfaz, pois muitos elementos sào ocultados, deixando dc
mostrar ao leitor que os casos são realmente parelhos.
E certo que, em ambos os casos, os réus passam por necessidades.
Ambos, em necessidade, furtaram sapatos. Mas o curto trecho da decisão
copiada não permite verificar-se qual a interpretação que se deve dar à
expressão “necessitar de calçados”. Nào se sabe se o réu do acórdão para­
digma ( o copiado) realmente “não tinha o que calçar”, ou se “precisava de
sapatos melhores, mais apresentáveis, mais confortáveis...”. Nào se de­
monstra se o réu do caso concreto, que furtou camisas, o fez porque “nào
tinha o que vestir” ou se as furtou porque queria roupas limpas, melhores,
ou se pretendia vendê-las. Somente com esse trecho de decisão, vários
elementos, fulcrais à comprovação da analogia, deixam de aparecer e, en­
tão, o julgador pode entender que não deva seguir o trilho da jurisprudên­
cia recortada, porquanto nào se demonstra a identidade entre os casos
comparados.
Assim, a jurisprudência é exemplo de argumento por analogia, mas,
da mesma forma em que observamos quanto ao argumento ab autoritate*?i,
ela não prevalece, ou não deveria prevalecer, apenas porque quem a prolata
tem determinada autoridade ou conhecimento inequívoco. O argumento
por analogia deve prevalecer por uma identidade de fatos e fundamentos,
que devem aparecer no texto daquele que pretende persuadir, que autori­
zam o raciocínio de se aplicar decisões idênticas para demandas seme­
lhantes em sua essência. E essa semelhança não se pode inferir apenas
por ementas, por “resumos” de um percurso racional bem mais completo,
desenvolvido no acórdão integral.
252 M anual de Redação Forense

Nota: Nesse ponto, o aluno pode cair em um dilema: já se disse que


se devem evitar as citações muito longas, pois elas causam desinteresse
evidente ao leitor. A jurisprudência é uma citação também e, portanto,
copiar longos trechos dela pode fazer com que o leitor se desinteresse por
seu conteúdo. Esse desprendimento não ocorrerá, entretanto, se o autor
da petição, em sua argumentação, fi~er realmente uso dos pontos citados
para fundamentar a analogia pretendida. Para o uso prático, deve-se pro­
ceder da seguinte forma: ler o acórdão na íntegra e dele copiar tudo o
que possa servir para aproximar o caso decidido no acórdão e os detalhes
da demanda em que se argumenta. Depois de copiado o trecho, descrever
essa proximidade, remetendo o leitor aos trechos copiados. Assim, a ana­
logia se perfaz como qualquer atividade suasória: tanto será mais convin­
cente quanto mais elementos, diferentes, forem mostrados para aproxi­
mar o caso paradigma do caso concreto.
Portanto, o argumento por analogia é bastante útil, e se revela com
maior intensidade no texto jurídico pela cópia das decisões jurispruden-
ciais. Todavia, não deve o argumentante se olvidar de que não é o número
de decisões copiadas que persuade, mas principalmente a prova de que os
casos comparados são idênticos e que o raciocínio da decisào paradigma
é adequado. Sem isso, a analogia perde seu fundamento e, daí, sua funçào
de persuadir.
Nota: Para utilizar a citação de jurisprudência, lembre-se sempre de:
a) Destacar o trecho copiado, tal como se prescreveu quanto ao
argumento de autoridade, alterando tipo de letra e/ou espaça­
mento de parágrafo.
b) Iniciar e terminar a citação com aspas.
c) Indicar no texto copiado qualquer destaque que não consta do
original (negrito, sublinha ...)
d) Não alterar o texto citado, dele retirando ou nele inserindo pala­
vras.
e) Indicar o autor do texto e sua origem (qual o relator da decisão,
o número dos autos em que se encontra, a data da publicação
ou o volume autorizado de jurisprudência).
f) Não fazer citações muito longas, se nào for aproveitar seu con­
teúdo.
Lição 4: Argumentação jurídica 253

Para que o texto de jurisprudência não represente uma ruptura no


texto da petição, procure introduzi-la, apresentando-a. Geralmente, es­
crevem-se, para esse fim, frases como “E assim que decidem nossos Tri­
bunais”, ou “A jurisprudência pátria caminha para validar essa mesma
tese, nestes termos: ...”, ou “Os julgados abaixo demonstram a razào do
requerente:

4.5.2.4 O argumento afortiori


O argumento afortiorí (= com maior razão) dividc-se em dois tipos
distintos: o argumento a minori ad maius t o a maiorí ad minus. A razào
desse tipo de argumento é a de que, se uma norma jurídica impõe uma
conduta a alguém, com ainda mais razào impõe uma conduta no mesmo
sentido, mas com maior intensidade.
O argumento a minori ad maius aplica-se no caso de prescrições ne­
gativas. Formulemos a seguinte hipótese: se uma lei prescreve que nào se
pode trafegar de noite com os faróis do veículo apagados, a fortiorí deve-
se entender que é proibido trafegar de noite com um veículo sem faróis. Se
a lei proíbe o menor, evidentemente deve proibir o maior.
O argumento a minori ad maius tem aplicação prática quando se
investiga a jurisprudência e a doutrina, e se encontra, em julgados ou em
obras da literatura jurídica, posicionamento ainda mais incisivo que aquele
que se pretende demonstrar. Veja como isso ocorre no exemplo abaixo:
O contrato trazido à execução não serve para alicerçar a ação
executória pretendida. Isso porque falta ao contrato a assinatura de
duas testemunhas, um dos requisitos do titulo executivo extrajudicial,
de acordo com o artigo 585, inciso II, do Código de Processo Civil. A
jurisprudência pátria tem entendido, ademais, que o documento me­
ramente rubricado por duas testemunhas não preenche os requisi­
tos'do titulo executivo, como se lê no julgado abaixo:

A rubrica não permite identificar-se quem é que a lavrou no docu­


mento. Assim não atende ao escopo do artigo 585 do CPC, que é o
de trazer duas outras pessoas que firmem a validade do documento.

Ora, se tem-se entendido, como acima provamos, que a mera


rubrica da testemunha não serve para conferir ao documento particu­
lar o status de titulo executivo, porquanto a lei exige seja ele assinado,
um titulo em que sequer consta a rubrica das testemunhas deve ser
254 M anual de Redação Forense

entendido, com mais razão, como inapto para sustentar ação de exe­
cução.

A petição mostra mais um exemplo de argumento a minori ad matus.


Se existe o entendimento de que a norma proíbe a executoriedade do
documento meramente rubricado por duas testemunhas —porque rubrica
não é o mesmo que assinatura —com mais razào se deve entender que ela
proíbe a executoriedade do título sem assinatura e sem rubrica.
O segundo tipo de argumento a fortiori é o argumento a maiori ad
minm . O argumento a maiori adminm é bem enunciado no brocardo “Quem
pode o mais pode o menos”. Seu raciocínio é análogo ao üpo exposto
acima, mas com aplicação para normas permissivas cm vez de proibitivas:
se a lei concede certo benefício a alguém, com certeza concede um bene­
fício menor, que está contido nele. Assim, se a lei permite que quem é
condenado a quatro anos de reclusão cumpra sua pena em regime inicial
aberto, certamente deverá permitir que o condenado a dois anos de reclu­
são cumpra sua reprimenda nas mesmas condições.
Um argumento a maiori ad minm é exposto no exemplo abaixo. Acom-
panhe-o, compreendendo como se forma o raciocínio a fortio ri
O réu é acusado pela contravenção de uvias de fato”, porque have­
ria empurrado sua ex-esposa para fora de casa, desferindo-lhe tam­
bém leve bofetada, no intuito de fazer cessar seus berros
descontrolados.
É certo que o delito de vias de fato se configura pela briga sem
lesão corporal, conforme assenta toda a doutrina e a jurisprudência,
como se lê, por exemplo, na lavra do desembargador Munhoz Gon­
çalves, com destaques nossos: “A agressão a socos e pontapés, de
que não resulta ferimentos na vítima, caracteriza contravenção de
vias de fato". (RT 451/466)

Em virtude da animosidade momentânea que houve entre o casal,


no momento da açào contraventora, a vitimada queixou-se na delegacia,
dando azo ao início da persecuçào criminal que redundou no presente
processo. Entretanto, a vitimada, agora já passada a emoçào passional
daquele momento, nào pretende de forma alguma dar continuidade ao
presente processo, conforme declarou em juízo.
Ainda assim, o Ministério Público pretende dar continuidade à açào
penal, por entender ser ela de natureza pública, nào condicionada à repre­
sentação, como ocorre com todas as contravenções penais.
Lição 4: Argumentação jurídica 255

Ocorre que a Lei dos Juizados Especiais Criminais, em seu artigo


88, inseriu, para determinados crimes de menor monta, uma medida
despenalizadora específica, qual seja a exigência de representação do ofen­
dido. Assim dispõe o aludido artigo de lei, abaixo copiado, com destaques
nossos:
Art. 88: Além das hipóteses do Código Penal e da legislação es­
pecial, dependerá de representação a ação penal relativa aos crimes
de lesões corporais leves e lesões culposas.
Mas o que é a lesão corporal dolosa leve? Nada mais é do que a
contravenção de vias de fato de que adveio resultado. Então, se a lei
determina que a ação penal para lesão corporal leve depende da
condição da representação, com mais razão deve exigir para a con­
travenção de vias de fato, que nada mais é que a agressão sem
lesão. Assim, se a efetiva lesão é agraciada com a condição da re­
presentação, o mero perigo de lesão - as vias de fato - também
merecem o mesmo beneficio.
Dessa forma, a presente ação deve ser condicionada à existência
de representação do ofendido.

O argumento do peticionário e simples e bastante persuasivo: se a


lei concede um benefício para um delito mais grave, a lesão corporal leve,
com mais razão (a for/ion) deve conceder o mesmo benefício a um crime
menos grave, a contravenção de vias de fato. Esse argumento tem por
base a lógica jurídica, a proporcionalidade entre as penas e, assim, os
benefícios legais devem também resguardar um mínimo de proporcionali­
dade. Quem pode o mais pode o menos.
Mas nem sempre este tipo de argumento tem resultado persuasivo,
pois deve-se dizer que muitos nào aceitam essa lógica específica. Para
aqueles que pretendem interpretar a letra fria da lei, nào se lhe pode
extrapolar o sentido, estendendo a significação literal de determinada nor­
ma para o mais ou para o menos, o que é argumento válido, dependendo
dos interesses que se defendem. Veja como o raciocínio afortiori construído
acima é contestado, com clareza meridiana, em obra doutrinária, que co­
menta a lei dos Juizados Especiais Criminais (negrito nosso):
A contravenção prevista no art. 21 da Lei das Contravenções Pe­
nais (vias de fato), embora configure perigo de lesão ao bem jurídico inte­
gridade física, continua, no nosso modo de entender, sendo de ação penal
pública incondicionada.
Aqui não prevalece a regra, incontestável do ponto de vista lógi­
co, de que, se a lei exige representação para o mais (lesão corpo-
256 M anual de Redação Forense

ral), também se faz necessária para o menos (vias de fato). O raci­


ocínio não é válido tendo em vista o disposto no artigo 100, § 12, do
CP, que diz mA ação pública é promovida pelo Ministério Público, de­
pendendo\ quando a lei o exige, de representação do ofendido ou de
requisição do Ministro da Justiça" 6

Na verdade, os autores nào necessitavam recorrer ao artigo 100 do


Código Penal para desconstituir o raciocínio a fortiori, pois lhes bastava o
princípio da legalidade. O que é importante no exemplo acima é a forma
de se desconstituir tal tipo de argumento: quando o autor da petiçào de­
parar-se com argumento a fortiori articulado pela parte contrária, é válido
prender-se à interpretação mais restrita da lei, pois tanto o argumento a
maiorí ad minus como o a minori ad rnaim pretendem, cada um a seu modo,
ampliar a interpretação da norma jurídica.
No entanto, argumentar a fortiori nào significa apenas estender o
sentido da norma jurídica. Significa, sim, estendê-lo com maior razão,
como ocorre no exemplo acima. Mas essa “maior razào” pode ser contes­
tada apenas recorrendo-se ao sentido literal da lei, sua interpretação no
sentido mais restrito.

4.5.2.5 O argumento a completudine


O argumento a completudine é um raciocínio jurídico que parte da
suposição de que o ordenamento jurídico é completo, ou seja, que nào
deixa de prescrever normas proibitivas às condutas que violam algum
direito ou normas permissivas para assegurar direitos que normas maio­
res garantem.
Em resumo, o argumento a completudine é aquele que parte do prin­
cípio que a lei nào pode conter lacunas, nào deve ser omissa, e que o juiz
nào pode deixar, ainda que no silêncio da lei, de apreciar e dar solução a
qualquer demanda que diga respeito a lesão ou ameaça a direito.
Esse raciocínio encontra-se assegurado pela norma positiva, como
se lê na Constituição Federal, no inciso XXXV do artigo 5“ (“tf lei não
afastará da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito*). O juiz que
se recusar a decidir uma lide comete denegaçào da justiça, e isso nào c
admissível em qualquer ordenamento jurídico. Entretanto, essa garantia
do inciso XXXV do artigo 5Uda Carta Magna é apenas o ponto de partida
para o argumento a completudine. Na verdade, este aperfeiçoa-se nos fun­
Lição 4: Argumentação jurídica 257

damentos que se encontram para fornecer a resposta ao quid juris que


surge quando a lei é omissa.
O artigo 4ü da Lei de Introdução ao Código Civil fornece caminhos
para a solução dessa questão, ao dispor que “Quando a lei fo r omissa, ojui%
decidirá de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito
Esses critérios servem, entào, para o percurso do argumento da
completitude, partindo do pressuposto que o direito nào deve deixar de
se manifestar sobre questões relevantes. Vejamos como esse argumento é
desenvolvido, no exemplo abaixo:
A acusação diz ser intempestivo o recurso de apelação interposto
pela defesa, porquanto tal interposição fora realizada passados mais
de cinco dias da data de intimação do réu.
De fato, o réu fora citado da sentença criminal condenatória no dia
22 de fevereiro, por carta precatória. A apelação fora interposta um
mês depois dessa data, em 23 de março. Entretanto, a defesa con­
tou como termo inicial do prazo de apelação não o dia da efetiva
intimação do acusado, mas sim o dia da juntada da precatória nos
autos originais. A contar dessa data, o recurso é tempestivo.
O código de processo penal não se manifesta a respeito do termo
inicial do prazo quando a intimação ocorria via carta precatória. Por
isso, diante dessa omissão da lei, deve-se usar, subsidiariamente, o
código de processo civil, que em seu artigo 241, IV, dispõe que “Co­
meça a correr o prazo: ...quando o ato se realizar em cumprimento de
carta de ordem, precatória ou rogatória, da data de sua juntada aos
autos devidamente cumprida."
Pode-se argüir que, em processo penal como o presente, não se
deva dar vigência à norma do CPC, e então teria razão a acusação
em indicar, no caso concreto, a intempestividade do recurso. Entre­
tanto, não é admissível que o Código de Processo Penal se tenha
omitido a esse respeito, pois o ordenamento jurídico não pode deixar
de apreciar tal elemento fático, o grande lapso temporal existente
entre o cumprimento da precatória e sua juntada aos autos originais.
Diante dessa omissão da lei judicial penal, deve-se tomar de em­
préstimo o ordenamento processual civil, cobrindo a lacuna legal.
Portanto, não obstante as razões da acusação, o recurso de ape­
lação da defesa é tempestivo, contando-se como termo inicial do
prazo recursal aludido a data da juntada da precatória aos autos.

No caso acima, o argumentante, vendo uma questão nào regula­


mentada pela legislação (o inicio do prazo recursal quando da intimação
por precatória, no processo penal), procurou a analogia com a legislação
civil, por não admitir que as normas jurídicas sejam incompletas para
regulamentar os fatos. Utilizou, então, do argumento a completudine.
258 M anual de Redação Forense

Percebe-se que esse ripo de argumento implica, assim como o a


fortiori, uma extensão da norma jurídica. Para combatê-lo, portanto, basta
defender-se a interpretação estrita da lei, como se vê no exemplo abaixo,
seguindo o mesmo assunto do anterior:
Diz o apelante que a interposição do seu recurso é tempestiva,
porque a lei processual penal foi omissa ao cuidar da intimação
havida por carta precatória. Para isso, argumenta com a analogia à
lei processual civil.
Mas a extensão do ordenamento processual civil às demandas
penais não deve ser admitida, porque não se deve dar à lei interpre­
tação além da que pretende o legislador. Deve-se, mais que permitir
elucubrações, jogando com o ordenamento jurídico em seu campo
mais amplo, interpretar o ditame legal. É assim o aforismo in clarus
cessat interpretatio. Diz a alínea "a” do parágrafo 59 do artigo 798 do
Código de Processo Penal que “Salvo os casos expressos, os prazos
correrão... a) da intimação." O Superior Tribunal de Justiça posiciona-
se nesse sentido:
"O prazo para interposição de recurso é contado da efetiva
intimação, e não da juntada do mandado aos autos, a teor do artigo
798, § 5a, a, do Código de Processo Penal. Orientação jurisprudencial
da Corte (DJU de 7/3/94, p. 3.697)"
Se contado o termo inicial do prazo como o dia da efetiva intimação,
o recurso é intempestivo. É o que se pretende seja reconhecido, na
simples interpretação da lei processual penal.

Assim, o argumento a completudine é muito útil ao operador do direi­


to, porque realmente o direito deve ser visto como um ordenamento com­
pleto, com sistemas próprios de suprir suas lacunas, a exemplo da analo­
gia utilizada nos textos acima destacados. E, como todo argumento, há
um que lhe contraponha: a interpretação menos extensa da lei.

4.5.2.6 O argumento a coherentia


O argumento a coherentia é, nos dizeres de Perelman, aquele que,
partindo da idéia de que um legislador sensato —e que se supòe também peifeitamen-
te previdente —não pode regulamentar uma mesma situação de duas maneiras incom­
patíveis, supoe a existência de uma regra que permite descartar uma das duas dispo­
sições que provocam a antinomia” . Desse modo, o argumento pretende de­
monstrar que, na existência de duas normas jurídicas que aparentemente
regulam o mesmo fato, deve haver um diferencial que faça com que ape­
nas uma delas incida sobre um caso concreto. Evidentemente, o argu­
Lição 4: Argumentação jurídica 259

mento tende a demonstrar que a norma jurídica que incide sobre o caso é
aquela mais benéfica à parte cujo interesse se defende.
O texto abaixo dá conta desse tipo de argumento:
O réu, segundo diz a inicial do Ministério Público, haveria feito
propaganda enganosa de produto. Isso porque o inculpado é propri­
etário de uma loja de móveis e, querendo divulgar oferta de seu pro­
duto. veiculou propaganda em jornal local, anunciando a venda de
estantes “padrão mogno", a um preço muito baixo.
Policiais da Delegacia do Consumidor, em diligência no local,
verificaram que a estante anunciada não era de mogno maciço, mas
de madeira de inferior qualidade, apenas revestida com uma pelícu­
la que imita a cor da madeira de mogno.
Em virtude da existência de tal publicidade enganosa, entende a
acusação que o ora réu deve estar incurso na pena do artigo 7^ da Lei
8.137, que dispõe que:
Art. 7e Constitui crime contra a relação de consumo:
VII. induzir o consumidor ou usuário a erro, por via de indicação ou
afirmação falsa ou enganosa sobre a natureza, qualidade do bem ou
serviço, utilizando-se de qualquer meio, inclusive a veiculação ou
divulgação publicitária.
Pena - detenção, de 2 a 5 anos, ou multa.
No entanto, a defesa tem visão muito diversa da aplicação do
ditame legal retro recortado. Na verdade, se for admitida que a propa­
ganda objeto da presente ação é de fato enganosa, o réu deveria
estar incurso em outro dispositivo legal, qual seja o artigo 66 do
Código de Defesa do Consumidor, que assim dispõe:
CDC:
Art. 61 - Constituem crimes contra as relações de consumo pre­
vistas neste Código, sem prejuízo do disposto no Código Penal e leis
especiais, as condutas tipificadas nos artigos seguintes.
Art. 66 - Fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação
relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, se­
gurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos
ou serviços:
Pena - detenção de três meses a um ano e multa.
Ora, como pode haver dois dispositivos legais vigentes, cominando
pena para a mesma conduta, a de publicidade enganosa? Como um
cânone legal pode impor a pena máxima de cinco anos para uma
conduta enquanto outro, para a mesma conduta, impõe pena máxi­
ma de apenas um ano? Teria cochilado o legislador?
Entendemos que não: o artigo 7- da Lei 8.137 deve ser aplicado
quando exista um consumidor lesado, enquanto o artigo 66 do Códi-
260 M anual de Redação Forense

go do Consumidor, com reprimenda menos draconiana, tem cabível


sua aplicação quando a publicidade enganosa não causa dano efe­
tivo, mas a mera pontencialidade dele. Ou seja, quando nenhum
consumidor é efetivamente levado a erro.
No presente caso, como não houve qualquer prova de a publici­
dade enganosa haver logrado qualquer consumidor, deve-se aplicar
o artigo de menor reprimenda, qual seja o do CDC.

Diante de dois artigos de lei que reprimiam a mesma conduta, a


publicidade enganosa, com penas muito diferentes, o argumentante pro­
curou a aplicação da lei mais benéfica à parte que defendia. Nào admitiu
que o legislador houvesse prescrito duas normas para o mesmo fato e,
entào, encontrou um diferencial: a efetiva lesào do consumidor. Assim,
procura persuadir o leitor pela aplicação do artigo de menor pena.
O efeito persuasivo desse tipo de argumento é bastante contun­
dente, na medida em que, até subjetivamente, nenhum operador do direi­
to está predisposto a admitir que o legislador, em sua tarefa, caia em
contradição. Desse modo, qualquer argumento que invoque justificativa
para configurar como ilusória a contradição do legislado», reforçando a
coerência do ordenamento jurídico, é persuasivo.

4.5.2.7 O argumento psicológico


O argumento psicológico é aquele que procura investigar a vonta­
de do legislador, no momento da elaboração da lei. Normalmente, esse
tipo de argumento é mais usados para leis com entrada recente em vigor,
pois, com o passar dos anos, a interpretação jurisprudencial concedida à
lei assume prevalência face à vontade do legislador, a qual se perde com o
passar dos anos, ainda que permaneçam escritos os fundamentos que leva­
ram à elaboração da lei, como ocorre na exposição de motivos dos códigos.
Usa o argumento psicológico, entào, quem, por alguma forma con­
segue recuperar a intenção do legislador, seja pela análise do momento
que levou à elaboração da lei, seja por outras formas de prova da vontade
do legislador, como a doutrina escrita pelos próprios elaboradores do tex­
to legal, ou pela exposição de motivos de cada lei. Esse argumento só tem
razào de ser - é evidente —quando a interpretação que se empresta ao dita­
me legal é divergente daquela que o legislador quis efetivamente alcançar.
Embora, entào, os operadores do direito tenham a tendência de
interpretar a lei pelo que ela efetivamente diz, e não pelo que o legislador
Lição 4: Argumentação jurídica 261

quis di%er, o efeito persuasivo desse argumento permanece, na medida em


que sempre subsiste a razào de que, se a lei foi elaborada para determina­
do fim, essa finalidade deve ser perseguida. Caso contrário, a lei se desvir­
tuaria de seu aspecto político, seu intento de regrar as condutas sociais,
para apenas se seguir seu preceito tal como enunciado, o qual pode-se
desvincular de seu escopo original.
Esse tipo de argumento não é raro. Como a lei é expressa por pala­
vras, ocorre imprecisões no momento de as enunciar, principalmente por
questões do uso dos vocábulos. Muitos argumentantes, entào, procuram
recuperar esse sentido original, constituindo o argumento psicológico.

4.5.2.8 O argumento ao absurdo


O argumento ao absurdo, também chamado de argumento apagógico,
é aquele que procura demonstrar a falsidade de uma proposição, da se­
guinte maneira: estende-se o sentido dessa proposição, pela aplicação das
regras lógicas do Direito, as conseqüências últimas, até se chegar a uma
conclusão inaceitável ao raciocínio comum.
Chegando a esse resultado inaceitável, prova-se que a proposição,
que se admitiu como verdadeira, tem alguma falha intrínseca, e, portanto,
nào deve ser acatada ou aceita pelo ouvinte.
Para entendermos, vejamos o exemplo abaixo.
0 Ministério Público pretende a condenação do réu pelo crime de
apropriação indébita, pois este haveria desviado dinheiro da conta
corrente da empresa vitimada para sua conta pessoal, aproveitando-
se do fato de ter poder comandar as transações bancárias da mes­
ma empresa. Assim, em havendo invertido a posse dessa quantia
em dinheiro, teria cometido o delito do artigo 168 do Código Penal.
Entende a acusação, por outro lado, que a prova principal e ine­
quívoca do delito é um instrumento de confissão de dívida, que o
acusado, após haver-se apropriado do dinheiro, assinara. Em virtu­
de da existência de tal instrumento de confissão de dívida, em que o
réu, por escrito, assume o fato de haver transferido dinheiro das con­
tas da empresa em proveito próprio, o crime estaria configurado e
provado. Por isso a condenação, sob a ótica do Ministério Público, é
impositiva.
Assumamos como verdadeira essa proposição. O réu apropria-
se de uma quantia X e, descoberto seu crime, pressionado pelos
vitimados, entrega-lhes uma confissão de dívida, assumindo dever a
eles a quantia X. Peta pretensão do Ministério Público - a condena­
ção do réu - surgiria nesse contexto fático mais um elemento: uma
262 M anual de Redação Forense

sentença condenatória criminal, dando conta da apropriação da mes­


ma quantia X.
No contexto jurídico, a partir do resultado pretendido pela acusa­
ção, a empresa vitimada teria a seu favor dois documentos: uma
confissão de divida e uma sentença condenatória criminal. Ora, am­
bos são títufos executivos: o primeiro, extrajudicial, e o segundo, judi­
cial. Ou seja, estar-se-ia dando á empresa vitimada dois títulos para
cobrar a mesma dívida. A empresa, que com o desvio de dinheiro
feito pelo acusado tivera prejuízo de X, sairia da demanda criminal
com instrumentos hábeis a cobrar do réu, no juízo civil, a quantia de
duas vezes X.
Assim, se admitido o resultado pretendido pelo nobre represen­
tante do Ministério Público, o próprio Poder Judiciário estaria favo­
recendo o enriquecimento ilícito da vitimada.
Tal resultado é inaceitável. Isso ocorre porque a condenação do
acusado é pretensão totalmente descabida. Na verdade, se houve
transação civil entre réu e vítima antes de iniciado o processo penal, a
qual se aperfeiçoou pela confissão de dívida, não há que se falar em
condenação criminal. É o que entende a jurisprudência dominante:

APROPRIAÇÃO INDÉBITA-afastamento do dolo “ Admissibilida­


de - Transação havida entre as partes antes do recebimento da de­
núncia - Inexistência de justa causa para o aforamento da ação -
Ilícito penal que se transmuda em obrigação civil - Delito não carac­
terizado-Recurso não conhecido (Relator CELSO LIMONGI, do Tri­
bunal de Justiça deste Estado de São Paulo, na Apelação Criminal n9
134.172-3, de 25 de agosto de 1994).

(-)■
Desse modo, somente há uma solução para a causa, a de que
não se condene o acusado. O vitimado deve executar sua confissão
de dívida no juízo civil, afastando da esfera criminal o caso concreto.

Que fez o argumentante, no exemplo acima? Procurou estender ao


absurdo uma proposição que parecia verdadeira, o pedido fundado de
condenação do réu. Aplicando outras normas jurídicas a essa proposição,
chegou a um resultado absurdo: a possibilidade de enriquecimento ilícito
da vitimada, por atitude do próprio Poder Judiciário.
O ouvinte, porque nào deseja um resultado inaceitável para uma
proposição, tende a convencer-se de que esta c falsa e, a partir disso, pre-
para-se para aceitar a tese da parte contrária, que vem a seguir enunciada,
como no exemplo. E aí está a força persuasiva do argumento ao absurdo.
O Direito muitas vezes assume esse tipo de argumentação, pois as
proposições legais ou as interpretações que se fazem da lei podem chegar,
Lição 4: Argumentação jurídica 263

dependendo da construçào do raciocínio feito pelo argumentante, a re­


sultados injustos. Como a justiça e a razoabilidade sempre pesam naquele
que ouve ou lê a argumentação, esse tipo de argumento tem grandes possibi­
lidades de fazer com que o ouvinte a venha a aderir à tese pretendida, na
medida em que rejeita a tese contrária, que se lhe configura como descabida.
Todavia, o descabimento da tese que o argumento ao absurdo
desconstitui nào está nela patente, evidente. O absurdo somente aparece
porque outras proposições lógicas sào admitidas como verdadeiras (no
caso do exemplo, a existência de dois títulos executivos). O bom argu­
mento é aquele que faz com que o leitor aceite todas essas proposições.
Para combater esse tipo de argumento ao absurdo, basta atacar a o per­
curso lógico que o argumentante é obrigado a construir para perfazer o
raciocínio ao absurdo. No exemplo dado, aquele que quer combatê-lo
deveria dizer que o próprio juízo civil tem seus meios para impedir que
dois títulos com a mesma origem viessem a ser executados.
Convence quem o fizer com maior competência.

4.5.2.9 O argumento de senso comum


O argumento de senso comum é aquele que traz uma afirmação
que representa consenso geral, que nào pode ser contestada porque todos
concordam com ela. No Direito, poucas teses específicas sào de senso
comum, porque a concordância quanto à interpretação da lei é rara.
Mas existem muitos princípios amplos, generalizados, que ninguém
na sociedade pode contestar. Assim, quem afirma que “o juiz deve ser
imparcial”, ou, como se costuma colocar nas razões de recurso, “o ape-
lantc exige Justiça!” está se utilizando do argumento do senso comum.
Seria impossível a parte contrária negar essa afirmação, dizendo que “o
juiz nào deve ser imparcial” ou que “nesse processo, é melhor que nào se
faça Justiça!”.
À primeira vista, um argumento que nào admite contradição seria
absolutamente vantajoso ao retor, devendo ser usado à exaustào. Mas
nào é bem assim. O argumento de senso comum tem efeito persuasivo
muito brando, pois seu alcance é por demais vago, obtuso. Nào raro, ele
serve para ambas as partes, adversas.
Assim, em um debate político, dois candidatos adversários, expon­
do programas de governo totalmente opostos, podem utilizar os mesmos
264 Manual de Redação Forense

argumentos de senso comum. Se um dos candidatos disser que “a educa­


ção é essencial para o desenvolvimento do país”, o outro concorrente nào
pode negar. Mas isso nào é persuasivo: cada parte deve provar quais sào
seus planos para o desenvolvimento da educaçào, quais os resultados pre­
tendidos, como tais resultados serào trilhados. E para isso nào bastam
argumentos de senso comum.
Esse tipo de argumento, entao, pode ser usado em petição para
persuadir o leitor, mas desde que acompanhado de outros argumentos
que lhe venham a dar sustento, caso contrário seu efeito é muito diminu­
ído. Nas petições jurídicas, eles sào utilizados mais para dar reforço, ênfa­
se a determinada colocaçào mais específica, como um recurso retórico.
Fora do contexto jurídico, os argumentos de senso comum sào menos
raros, em discursos políticos demagógicos ou em propagandas que dizem
o óbvio. Vejamos mais alguns exemplos:
a) Nosso partido tem consciência de que o país deve olhar por
seu povo.
Efeito persuasivo muito pequeno, salvo se o ouvinte já é simpati­
zante do partido, que faz discurso vazio de sentido. Como ênfase ou com­
plemento, o argumento de senso comum assume efeito persuasivo:
Propomos sejam os recursos públicos ora utilizados para paga­
mento de juros externos desviados para a construção de moradias
para os desabrigados. O país deve olhar primeiro para seu povo.

b) O consumidor deve escolher o melhor produto. Compre nos­


sa marca.
É senso comum que o consumidor deve escolher o melhor. Aliás,
sempre, cm qualquer situaçào, o ser humano busca escolher o melhor.
Argumento pouco persuasivo. Entretanto, utilizado como ênfase ou con-
clusào, tem efeito persuasivo:
Nossa marca, apesar de menos famosa, tem maior qualidade,
por vários motivos. Em vez de comprar a marca, o consumidor deve
escolher o melhor produto.

c) É essencial que o juiz seja equânime.


Afirm ação evidente, pouco persuasiva. A pergunta é: em
que consiste a eqüidade? O argumentante deve evitar esse ripo de cons­
trução. Prefira:
Lição 4: Argumentação jurídica 265

Como foi demonstrado, o digno magistrado deu muito mais opor­


tunidades de manifestação para a parte contrária do que para a parte
ora requerente. Isso desequilibrou o processo, sendo necessário
que se garanta a eqüidade dos atos.

O argumento continua sendo de senso comum, mas foi apresenta­


do em um contexto em que, embora permaneça dizendo o óbvio, apre­
senta razões para tanto, reforçando um pensamento anteriormente
construído.
Portanto, o argumento de senso comum deve ser utilizado, desde
que se tenha intenção evidente para tanto. Caso contrário, a argumenta­
ção aproxima-se do lugar-comum, e entào é facilmente combatida pela
parte contrária, que passa a pedir argumentação mais contundente ou
<CdemonStração,>da violação aos princípios aceitos por u n a n im id a d e .

4.5.2.10 O argumento de competência lingüística


O argumento de competência lingüística representa o momento em
que conteúdo e forma se encontram na hora de persuadir. A linguagem
cuidadosa, correta, as palavras bem colocadas, a pontuação bem feita,
tudo isso contribui para o convencimento do leitor. Da mesma forma que
de nada adianta, no intuito de persuadir, um discurso bem fluente sem
fundamentos vários que lhe dêem sustentação, é inócuo o uso de vários
argumentos sem a devida expressão, sem a articulação precisa, escritos de
modo pouco claro e com atentados à gramática.
Por isso é importante ressaltar que a boa linguagem funciona como
um tipo de argumento. Não significa, como já vimos em capítulo anterior,
construir uma petição caudalosa, repleta de preciosismos, mas sim uma
linguagem clara, construção de frases eficiente, ritmo mantido durante o
texto, ausência de erros de português e, mais, vocabulário técnico empre­
gado com precisão.
Nào são poucos os advogados que conseguem resultados em virtu­
de de uma boa escrita. É evidente que nào apenas ela forma o convenci­
mento do leitor, mas nào se pode negar que representa um tipo de argu­
mento. A competência lingüística é a forma que convence: é senso comum
que aqueles que trazem deslizes na linguagem acabam retirando a
credibilidade do próprio argumento. Quem articula seus argumentos com
maior competência faz com que o leitor admita a erudição e passe a presu-
266 M anual de Redação Forense

wir que o conhecimento que o argumentante demonstra no modo como


enuncia suas teses seja refratado ao próprio conteúdo que procura expressar.
Por isso, o profissional deve estar bem atualizado na terminologia
de sua área de atuação, pois seu uso no momento de enunciar seus argu­
mentos passa ao interlocutor a idéia de que aquele que lhe fala tem amplo
conhecimento jurídico, grande erudição. E todos tendem a dar razão àque­
le que demonstrar maior competência, ainda que em elementos exteriores
ou periféricos à demanda.
E já que falamos de forma, temos de tocar em outros elementos
estéticos que sào importantes para o advogado principalmente: a qualida­
de da apresentação de seu trabalho. As petições bem impressas, em papel
de qualidade, com letras bem legíveis e formatação organizada também
representam um tipo de argumento, bem subjetivo, é evidente, mas que
tem sua pequena parcela de persuasão, a qual o profissional nào pode
desperdiçar.
A defesa do argumento de competência lingüística pode parecer,
por assim dizer, hipócrita, de alguma impostura. A argumentação deveria
valer por seu conteúdo e não por sua forma, o que não é essencial no
deslinde de uma demanda. Deveria, e assim ocorre, mas ignorar-se que a
forma, o modo de expressão e o meio pelo qual as idéias sào encaminha­
das influenciam com valia na persuasão do interlocutor seria cegar-se para
um fato.
Por isso, se já se ressaltou a importância da linguagem no conceito
do profissional diante do mercado como um todo, deve-se reforçar, tam­
bém, que ela serve como elemento suasório.

4.5.2.11 O argumento de fuga


Nào é raro que, nos processos, os argumentantes fujam ao cerne da
questão discutida, desviando-se para outros assuntos. Essa prática pode
decorrer da falta de atenção daquele que procura persuadir, ou de sua real
intenção.
j

Quando tal fuga é intencional, está-se diante de um argumento. Seu


uso é reservado para poucos casos, pois raramente, ao menos no ambien­
te forense, ele realmente surte efeito persuasivo. O modo mais comum de
argumento de fuga é o apelo à subjetividade.
Lição 4: Argumentação jurídica 267

Veja o exemplo abaixo:


O réu é pessoa idônea, já com seus respeitáveis 55 anos de
idade. É certo que cometeu, como de fato confessara, ato injusto ou
ilícito, desviando dinheiro de seus clientes para o pagamento de
contas prementes de sua empresa.
Quando o réu desviou o dinheiro que lhe fora confiado por seus
clientes para o pagamento das despesas com seu estabelecimento,
certamente cria poder devolver a mesma quantia momentos depois,
quando fosse cobrado. No entanto, seus rendimentos não permiti­
ram essa devolução, e por isso o réu é neste momento acusado.
Não foi apenas o réu que teve dificuldades financeiras. Nestes
últimos tempos, com a crise econômica em que vivemos, várias em­
presas tiveram de fechar suas portas. As dívidas frente aos bancos
aumentaram muito e o inadimplemento é recorde, como noticiam
diariamente nossos jornais.
A apropriação havida não tinha o dolo de deixar os vitimados sem
seu dinheiro, é evidente, mas a situação econômica de toda nossa
sociedade acabou fazendo com que o réu não pudesse devolver a
quantia de que se apropriou em um momento de desespero. Não se
há de negar como é desesperador ver uma empresa, estabelecida
como idônea há anos, desequilibrar-se diante de um contexto eco­
nômico todo controvertido, como o atual.
Não se pode conceber que o réu, já em idade respeitável, sem
qualquer mácula em sua vida como empresário, tenha esperado por
todo esse tempo para “dar o golpe”. O que houve foi uma ação preci­
pitada, diante da tentativa, natural do ser humano, de evitar que anos
de trabalho fossem jogados à ruína.

Dentro do contexto maior em que se insere a petição hipotética


acima, o argumentante desvia-se da questào principal inserida nos autos,
para dar margem a uma discussão meramente subjetiva. E evidente que o
processo judicial nào foi inaugurado para discutir os valores do acusado,
sua profissào ou a desgraça que a política econômica nacional abateu
sobre sua vida. Mas, ainda assim, o argumentante achou por bem argüir
alguns pontos a esse respeito, visando a apelar ao subjetivismo do leitor.
O pericionário sabe que esse tipo de argumento nào lhe trará qual­
quer resultado imediato, pois nem sequer tem a pretensão de que seu
constituinte, frente ao Poder Judiciário, livre-se de sua responsabilidade
por conta de sua idade, de sua idoneidade anterior ou da situação política
do país. Todavia, sabe que, com essas argüições, o leitor pode ficar pre­
disposto a aceitar uma tese mais objetiva, ou seja, passa a “ver com me­
lhores olhos” as teses do pericionário.
268 M anual de Redação Forense

Assim ocorre quando o advogado, no tribunal do júri, fala das ma­


zelas da condenação do acusado, que será levado ao cárcere de deixará ao
deus-dará toda uma família. Da mesma forma, o promotor de justiça que
apresenta ao conselho de sentença os antecedentes do réu, procurando
com que isso faça com que os julgadores leigos venham a ficar predispos­
tos a aprovar qualificadoras em um homicídio. Os antecedentes nada têm
a ver com o caso discutido, mas nào há de se negar que eles predispõem
os jurados a maior condenação. Um advogado que, em embargos à execu­
ção de título inadimplido, procura expor a má situação econômica do
executado, certamente nào pretende que o juiz, por conta disso, nào o
condene ao imediato pagamento. Todavia, seus apelos subjetivos podem,
na medida do possível, predispor o leitor à aceitação de uma tese mais
objetiva (por exemplo, a falta de exigibilidade do título executado).
O apelo subjetivo nào é raro, mas é necessário muito cuidado ao utili­
zá-lo. Geralmente, desviar o leitor do cerne da questào a ser decidida é
recurso que prejudica o próprio argumentante. Se o peticionário expõe em
longo texto questões pouco pertinentes, o efeito mais provável é que o
leitor perca o interesse pela argumentação, que se desvia dos objetivos
propostos.
Essa questão é bem mais evidente quando um enunciado procura
atingir a pessoa do argumentante da parte contrária, em vez de atingir seus
argumentos. É a chamada argumentação “ad hominem”. Em processos
de direito de família, principalmente quando casais discutem suas mágo­
as, é comum que se envolvam elementos subjetivos na demanda, e ofen­
sas e combates, não raro, às próprias pessoas das partes e até de seus
patronos, e não às suas idéias. Cabe aos argumentantes evitarem esse tipo
de argumentação ad hominem, pois elas, definitivamente, em nada colabo­
ram para a persuasão do leitor.
Na mesma intensidade que nào se pode ignorar que as questões
subjetivas têm ainda na argumentação jurídica espaço, pois argumentar é
também trabalhar com sentimentos, deve-se perceber que qualquer fuga
ao cerne da tese sobre a qual se argumenta representa grande risco à cons­
trução textual como um todo, que pode fazer com que o leitor se desinte­
resse por todo o conteúdo desenvolvido, ou sinta dificuldade em compre­
ende-lo. A cautela no argumento de fuga é, entào, requisito básico daque­
le que, intencionalmente, ousar utilizá-lo.
Lição 4: Argumentação jurídica 269

4.6 Ordenando os argumentos


Para montar a argumentação, principalmente as mais complexas, é
necessário que o profissional faça um breve esboço das idéias que vai
apresentar em seu texto.
Depois de narrar os fatos, deve-se proceder à elaboração da tese,
ou das teses.
Com a tese elaborada, procuram-se os argumentos que podem vir a
fundamentá-la.
As teses que dizem respeito a matéria meramente processual sào cha­
madas PRELIMINARES. Como seu próprio nome sugere, devem ser ex­
postas e defendidas antes das teses que dizem respeito ao mérito da causa.
Os argumentos devem ser expostos de maneira ordenada, procu-
rando-se que as idéias venham encaixadas em um percurso.
Por isso é necessário, principalmente ao iniciante, elaborar um es­
boço da argumentação a ser construída, anotando-se os seguintes pontos
principais:
a) Os fatos que necessitam ser narrados.
b) As teses preliminares: em que ordem vão aparecer?
c) Os argumentos que sustentam essa tese (doutrina, jurisprudên­
cia, argumento a fortiori etc).
d) A comprovação dos fatos: quais sào os fatos controversos, que
merecem maior discussão? Quais as provas que serào citadas?
Quais os documentos que se irào juntar no processo? Em que
ordem devem aparecer no texto? Ou, onde se encaixa, no texto,
cada prova que dele deve fazer parte?
e) As teses principais: quais sào elas? Qual a mais importante? Em
que ordem devem aparecer?
f) Quais os argumentos que devem fundamentar cada uma dessas
teses? E possível fazer uma relação clara entre eles? Em que
ordem, entào, devem aparecer?
g) A que conclusão chegam essas teses? O que deve ser pedido ao
juiz?
Somente com essas questões todas respondidas, integralmente, é
que o argumentante pode passar a redigir sua peça. Sem essa prévia ela-
270 M anual de Redação Forense

boraçào, o risco de as dificuldades surgirem durante a elaboração da argu­


mentação é muito grande, principalmente quanto à ordem e colocação
dos argumentos no texto.
Se, para cada tese elaborada há mais de um argumento, é recomen­
dável que seja seguida esta estrutura:
I. Introdução: apresenta-se a tese e um breve resumo dos ele­
mentos fáticos que a sustentam.
II. Desenvolvimento: as provas e os argumentos que darão sus­
tentação à tese.
III. Conclusão: o resultado e o pedido que se faz diante da tese.
Assim, com introdução, desenvolvimento e conclusão, cada uma
das teses argüidas passa a ter um conteúdo completo, levando o leitor ao
entendimento de tudo o que se pretende, e por que as pretensões devem
ser acolhidas. Sem essa estrutura para cada tópico da argumentação, a
petição corre o risco de tornar-se confusa.

4.7 O cuidado na seleção de argumentos: A coerência


Construindo, a cada tese, introdução, desenvolvimento e conclu­
são, bem definidas, a escrita de cada peça se torna mais fácil, evitando
que o autor tenha de se preocupar com excessivas releituras e correções.
A introdução, como se disse, é uma enunciaçào resumida da tese
como um todo. A conclusão é a retomada dessa tese, com a enunciaçào
do pedido.
É o desenvolvimento, a colocação dos argumentos propriamente
dita, que torna a escrita mais difícil. No esboço, no rascunho que deve
fazer o redator antes de iniciar seu texto mais complexo esses argumentos
devem estar bem definidos, para evitar confusões na hora de escrever.
Assim, para cada tese se traceja um percurso argumentativo, uma linha
de raciocínio que deve ser transmitida ao leitor.
No desenvolver dos argumentos, é necessário que se observe um
fator de textualidade denominado coerência. Não basta selecionar, den­
tre os vários tipos de argumentos, os mais persuasivos e adequados ao
caso concreto, mas é necessário ver se esses argumentos se coadunam, se
pertencem a uma linha de raciocínio único. Se os argumentos nào perten­
Lição 4: Argumentação jurídica 271

cerem a essa linha única de raciocínio, está-se diante da falta de coerên­


cia, que, em seu grau máximo, se denomina contradição.
Veja o exemplo abaixo, retirado de uma redação de aluno:
Com o advento da televisão, por volta da década de 50, instaurou-
se a mídia e, com ela, vários problemas vieram, como a massificação
e despersonalização do ser humano. Aristóteles já alertava para os
males da massificação da sociedade, dizendo que o ser humano
deveria conhecer a si mesmo e a suas próprias vontades.

O aluno expôs sua tese e, para iniciar sua fundamentação, procurou


um bom recurso, o argumento de autoridade na citação de Aristóteles,
ainda que um pouco distorcida. E fato que o argumento de autoridade
pareceu, isoladamente, um bom recurso, uma vez que traz a observação,
sobre o tema discutido, de um importante filósofo, de inegável senso dc
observação da realidade humana. Todavia, dentro do percurso
argumentativo, percebe-se que o argumento de autoridade veio mais a
destruir o conteúdo da fundamentação que a colaborar com ele: se a
massificação, como afirma o texto, veio com o advento da mídia, e se este
é marcado pela criação da televisão, na década de 50, como Aristóteles,
em época anterior ao nascimento de Cristo, manifestava-se sobre esse
tema? Ou a citação foi mal utilizada, ou, ao contrário do que a tese do
texto procura comprovar, o problema da massificação é muito anterior ao
advento da televisão.
A argumentação se destrói por si mesma. Vejamos como isso ocor­
re em um texto jurídico:
O réu alega que se apropriou do dinheiro do banco em que traba­
lhava para pagar contas pessoais. Alegou não ter, no momento, con­
dições econômicas bastantes para poder fazer restituir a quantia de
que se apropriou, e fez prova dessa falta de condições.
É certo que a demora em restituir a coisa não configura o delito de
apropriação indébita, como bem alega o réu. Todavia, é inequívoco
que ele se utilizou da quantia apropriada para seu próprio benefício.
Se ele já houvesse devolvido a quantia, o resultado desta demanda
seria diverso. No entanto, sem essa devolução, não há alternativa
que não condená-lo pelo preceito do artigo 168 do Código Penal.
A argumentação parece bem construída, mas suas idéias se chocam
frontalmente, em certa medida. Ao assumir que “a demora em restituir a
coisa não configura apropriação indébita”, nào se poderia condenar al­
guém porque “ele ainda nào restituiu a coisa”, pois isso significa que o réu
um dia restituirá, mas apenas está demorando para fazê-lo.
272 M anual de Redação Forense

Zelar pela coerência dos argumentos significa saber se todos os


argumentos, no contexto em que sào inseridos, vêm realmente a colabo­
rar com a argumentação, nào se desvirtuando da linha de raciocínio esti­
pulada para persuadir o leitor. Os argumentos devem ser, é fato, selecio­
nados isoladamente, mas é importante checar se eles todos são realmente
cabíveis e coerentes quando agrupados. Isso é possível saber em dois
momentos da redação: a elaboração do esboço e a leitura, obrigatória, do
texto já pronto.
Por mais que o dia-a-dia de todos os operadores do direito seja
deveras apressado, a falta de releitura calma e atenta do texto já elabora­
do pode trazer conseqüências graves em uma demanda.
Mas é preciso ressaltar que essa coerência entre argumentos so­
mente se exige para cada uma das teses expostas. Quando há mais de uma
tese, o direito admite argumentos conflitantes, desde que separados, como
passamos a ver.

4.8 Várias teses em uma mesma petição. Teses principais e


teses subsidiárias
Nas petições simples, de curto teor, geralmente se articula apenas
uma tese, arrazoada: a necessidade de devolução de um prazo, do adia­
mento de uma audiência, da juntada de um documento. Algumas peças têm
teor meramente informativo, como a de um protocolo de um ofício etc.
Todavia, nas peças argumentativas de maior teor, de conteúdo mais
importante e decisivo para a demanda, nào é raro que várias teses sejam
articuladas ao mesmo tempo. Quando isso ocorre, o redator deve esco­
lher a ordem em que cada tese deve aparecer no texto e fazer com que
cada uma delas contenha uma introdução, um desenvolvimento e uma
conclusão. E, porque o conteúdo de cada tese e bastante específico, o
autor nào deve misturá-los e, por isso, é necessário que divida o texto
para delimitar bem onde inicia e onde termina cada uma das teses.
Essa necessidade torna-se ainda mais relevante quando notamos
que, em muitas petições, o conteúdo de uma tese pode ser logicamente
conflitante ao de outra. Assim, se uma tese defende que o réu nào come­
tera crime algum, outra, na mesma petiçào, pode assentar que o crime
cometido deve ser apenado com a reprimenda mínima. Ora, se nào há
crime, como se haveria de defender a aplicação da pena no mínimo legal?
Parece haver incoerência. Ocorre que as duas teses, embora logicamente
Lição 4: Argumentação jurídica 273

conflitantes, sào, no direito, plenamente cabíveis. A segunda tese, a pena


menor, é chamada de subsidiária, e seus argumentos sào totalmente di­
versos daqueles que sustentam a primeira tese, principal.
Nota: Tese principal é aquela que se deseja primordialmente que o
juiz acate. Tese subsidiária é aquela que se pede venha o juiz a acatar
somente no caso de rejeitar a principal.
Se ambas as teses nào vierem bem separadas, por títulos, introdu­
ções e conclusões diferenciadas, os argumentos podem vir a chocar-se,
formulando-se uma argumentação contraditória ou pouco coerente. Deve-
se, entào, separar cada tese por um título (no exemplo, “Da inexistência
de crime” e “da pena no mínimo legar’). Separando bem as teses, a argu­
mentação nào se toma contraditória: os argumentos nào se podem opor
quando defendem a mesma tese, mas, quando defendem teses diferentes,
nào há restriçào quanto a essa oposiçào.
Para deixar evidente ao leitor a separação entre teses, o redator
deve marcar bem a tese subsidiária. Isso se faz, geralmente, com partícu­
las como “por mero amor ao argumento” ou, em latim, ad argumentandum
tantim. Veja o trecho dc petição:
O réu, fiador de contrato, não deve responder a nenhuma dívida
porque, como já comprovado, houve novação daquele contrato, da
qual o fiador não participou. Portanto, o peticionário, fiador, é parte
ilegítima para figurar no pólo passivo da presente ação.
Da obrigação de o fiador responder por apenas parte da dívida.
No entanto, se Vossa Excelência entender que o requerente é
parte legítima para figurar no pólo passivo da presente demanda, o
aue se admite apenas por amor ao argumento, é certo que o fiador
deve responder somente pelos termos da dívida quanto ao contrato
que assinara, desconsiderando-se o aumento havido por conta da
novação de que não participara.

O trecho acima recortado mostra duas teses aparentemente


conflitantes: se o requerente nào pode figurar no pólo passivo da deman­
da, de que lhe interessa discutir a quantia devida? Evidentemente, trata-
se de duas teses que se excluem: se aceita a primeira, a ilegitimidade de
parte, é óbvio que a segunda se torna desnecessária. Se as teses sào
excludentes, seus argumentos nào guardam coerência, mas isso nào des­
classifica a argumentação, pois a coerência deve haver dentro de cada tese.
O que é preciso fazer, nesses casos, para guardar a coerência, é
mostrar bem ao leitor quando se inicia uma tese subsidiária, ou seja, quando
274 M anual de Redação Forense

'se iniciam os argumentos que somente devem ser levados em considera­


ção se a tese anterior for realmente rejeitada (art. 289 do CPC). É para
fazer essa ressalva que serve o trecho que no texto copiado vem marcado
pela sublinha: somente se inicia a argumentação de outra tese depois de
deixar bem claro ao leitor que esta é subsidiária.
Nesse ponto, as teses subsidiárias, o texto forense admite como
legítima a menor coerência. O advogado não pode desperdiçar a possibi­
lidade de enunciar outra tese caso a que pretende com maior ênfase não
seja admitida.

4.9 A conclusão da peça argumentativa: O pedido


Articuladas todas as teses, com seus devidos argumentos, o autor
passa ao tópico final da peça: o pedido.
De nada adianta expor argumentos com coerência, aptos a persua­
dir o juiz, se não se demonstrar de forma bem objedva e concisa o que se
pretende que o magistrado conceda ao argumentante.
Toda vez que argumentamos, pretendemos que alguém seja levado
a agir de uma maneira determinada. Formular o pedido, na petição, é
responder à questão: consideradas todas as razões expostas, como o argu­
mentante quer que seu interlocutor aja? O que ele deve fazer para aten­
der às pretensões de quem lhe escreve?
De modo resumido, então, o autor da petição, no tópico final desta,
deve demonstrar o que de fato pede ao magistrado, ou a oútro destinatá­
rio da peça.
Vejamos um modelo de pedido:
POSTO ISSO, é a presente para requerer se digne esse douto
Juízo, de:
I. conceder, por expresso, os benefícios da Justiça Gratuita ao
autor;
II. determinar a citação, por mandado, dos réus da presente ação,
pessoalmente, devidamente qualificados no preâmbulo desta, no
endereço atrás indicado, para que responda aos termos da presen­
te, no prazo legal, se quiser, sob as penas da lei, por oficial de lustica;
III. reconheça a culpa do réu no acidente havido e fixe o ressarci­
mento das quantias gastas com tratamento médico, bem como da­
queles tratamentos que necessitam ser feitos, com profissionais de
gabarito, para que haja o integral ressarcimento do dano causado;
Lição 4: Argumentação jurídica 275

IV. condene os réus a adimplir todas as cobranças das despesas


médicas, hospitalares, cirúrgicas, com exame, e outras que porventura
surgirem durante a convalescença do autor, trazendo para os autos
documento comprobatório da liquidação, no momento oportuno;
V julgue procedente o pedido de pagamento de danos morais e
materiais, com a condenação do requerido na importância corres­
pondente a 2.000 (dois mil salários minimos), ou R$ 260.000,00
(duzentos e sessenta mil reais), a titulo de dano moral, e na quantia de
R$ 54.000,00 (cinqüenta e quatro mil reais) a titulo de dano material;
VI. julgue procedente a ação para fixar a pensão pelo dano que
impede o exercício de atividade profissional, no valor de 15 salários
minimos mensais (atualmente mil seiscentos e trinta e dois reais),
além de ordenar o pagamento do acumulado de R$ 35.904, 00 (trinta
e cinco mil, novecentos e quatro reais) como lucros cessantes, como
retro exposto; e
VI. ao final, condene os réus ao pagamento das custas proces­
suais e honorários advocaticios, estes a serem arbitrados na alíquota
máxima.
Protesta, desde já, pela produção de todos os meios de prova em
direito admitidos, sem exceção.
Requer, por último, sejam concedidos os benefícios do artigo 172
e seus parágrafos do Código de Processo Civil para as diligências
do Oficial de Justiça e desse Juízo.
As intimações devem ser encaminhadas ao endereço constante
no cabeçalho desta, a saber, Rua dos Anzóis, 321.
Dá-se á presente, para efeitos fiscais, o valor de R$ 50.000,00
(cinqüenta mil reais).
Termos em que, J. com 5 anexos,
Pede deferimento.
São Paulo, 27 de maio de 1999.
JOSÉ DA SILVA
OAB/SP 123
Trata-se de um pedido em petiçào inicial, em que se cumulam vári­
as pretensões diferentes (pedidos compatíveis entre si, com as mesmas
partes, competente o mesmo juízo, no mesmo procedimento). Todas es­
sas pretensões são, então, expostas e numeradas sucintamente, cada uma
delas retomando uma argumentação anterior, desde as mais simples (a
concessão da Justiça Gratuita, o pagamento de verba de sucumbência)
até as mais complexas (danos materiais, morais, pensão etc.).
Em petições mais simples, os pedidos são também menos comple­
xos, como o abaixo:
V
276 Manual de Redação Forense

Diante do exposto, é a presente para requerer seja autorizado


vista dos autos fora de cartório, no prazo de 48 horas, para estudo e
extração de cópias.
O pedido bem formulado facilita muito a atividade do julgador. É a
respeito tão somente do pedido, em petições mais simples, de mero
andamento, que o juiz se manifesta. Quanto ao pedido acima, então,
um mero despacho “J. defiro, se em termos” significa que o peticio-
nário está autorizado a retirar os autos de cartório pelo prazo de 48
horas. Em petições mais complexas, como a inicial cujo trecho final
foi anteriormente recortado, o pedido serve para fixar as pretensões
iniciais de cada parte. Sua organização, numerada, no trecho final,
facilita a elaboração do relatório da sentença final, que deve expor
ordenadamente, logo de início, a pretensão da parte.

Para redigir o pedido basta observar-se dois pontos básicos: pri­


meiro, o que o autor realmente pretende que o julgador lhe conceda. Se­
gundo, a conclusão de cada tese elaborada, que deve finalizar-se com um
resumo do que a parte pretende. Eles, quando vários, podem aparecer na
ordem em que as teses apareceram na petição, seguindo a mesma organi­
zação que se deu ao texto inteiro. Quando o pedido é único, basta con­
cluir-se o texto com a pretensão do requerente.
Sem o pedido, o julgador pode nào compreender que atitude o reque­
rente pretende que ele tome, tornando, entào, inócua toda a argumentação.

4.10 A sentença como lugar da argumentação


Dispõe o inciso IX do artigo 93 da Constituição Federal, com des-
taques nossos:
Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão pú­
blicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulídade,
podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença, em
determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou so­
mente a estes.

Como determina a lei maior, toda decisão judicial deve ser funda­
mentada. Mas a que isso interessa quanto à argumentação?
Interessa muito. Em primeiro lugar, porque fundamentar uma deci­
são nada mais é do que argumentar: fundamentos da sentença sào argu­
mentos. E para que se argumenta? Para persuadir. Entào, se o Poder Judi­
ciário é obrigado a fundamentar seus julgados, pode-se dizer que todo ma­
gistrado, ao decidir, é obrigado a persuadir, a convencer os leitores a res­
peito do acerto de sua resolução.
Lição 4: Argumentação jurídica 277

Os leitores da sentença, pública, sào, em tese, toda a sociedade,


mas principalmente as partes envolvidas na demanda. Quando um juiz
escreve sua decisão, deve estar preocupado em persuadir as partes a res­
peito de seu posicionamento quanto ao processo, pois, se nào o fizer,
foge ao devido provimento jurisdicional. Assim, do mesmo modo que o
advogado deve-se preocupar em persuadir o magistrado com uma argu­
mentação competente, este deve convencer as partes de que sua decisão
é acertada. Caso sua fundamentação, ou argumentação, não seja suficien­
te para convencer as partes (o que nào significa agradar ambas as partes, o
que é impossível), persuadindo-as a respeito de suas razões de decidir, o
provimento jurisdicional é falho.
Para efetivar essa fundamentação, a sentença ou o acórdão devem
conter alguns requisitos: os nomes das partes, a exposição sucinta das
alegações, a motivação e a parte dispositiva.
A exata denominação das partes é essencial para fixar-se a indivi-
dualização da decisão.
A exposição sucinta das alegações é também indispensável, para
garantir ao argumentante que suas razões foram lidas e apreciadas. De
nada adiante razões bem elaboradas para persuadir o julgador se nào se
garantir às partes a devida apreciação de suas alegações e pedidos. Se, no
relatório da sentença ou acórdão, deixar de constar alguma alegação ou
pedido relevante da parte, deve-se considerar nula a decisào, pois nào se
pode admitir que o julgador deixe passar, ao ler os autos, matérias e alega­
ções que lhe são levadas a conhecimento. Se as partes têm de expor tudo
o que pretendem do Poder Judiciário, deve o julgador retribuir a tal obri­
gação, descrevendo, ainda que de modo resumido, tudo o quanto lhe foi
alegado e pedido e, assim, demonstrando que levou em consideração todo
o conteúdo argumentativo que lhe fora explanado.
*
A motivação da sentença é a argumentação propriamente dita. E
nela que o magistrado deve demonstrar por que tomou sua decisào. Como
já se viu, o direito admite várias interpretações, as provas podem ser
valoradas de diferentes maneiras, argumentações persuasivas podem ser
montadas defendendo uma tese ou uma outra, totalmente oposta. Nesse
contexto, o juiz é absolutamente livre para tomar sua decisão, mas ela
tem um limite, como afirma Perelman, o uso do desarra^oado.
O juiz pode decidir livremente, desde que argumente de forma bas­
tante para que as partes entendam seu raciocínio, possam aceitá-lo ou
tenham meios para contestá-lo.
278 M anual d e Redação Forense

A sentença, como todo trabalho do direito, é feita de argumentos.


Mas não basta que a fundamentação exponha as razões que levaram a
considerar correta uma linha de decisão: deve a motivação explicar por
que refutou as provas e os argumentos que procuravam convencê-lo mas
que não lograram resultado. Sem isso, a sentença é nula. Não cabe afir­
mar, tampouco, que o juiz, ao aceitar uma tese, refuta outra em argumen­
tação contrario sensu. Esse tipo de argumento deve ser expresso, sendo
necessário que o magistrado indique os motivos que o levaram a nào
aceitar argumentos que lhe foram endereçados.
Tudo isso para dizermos que o trabalho argumentativo do advoga­
do nào se deve restringir a refutar os argumentos da parte contrária. Quan­
do uma decisão judicial nào lhe for favorável e não explicar os motivos
pelos quais não acatou sua argumentação como válida a levar o julgador
a atender o que lhe foi pleiteado, o advogado deve, com o devido respei­
to, encará-la menos como um ato de autoridade incontestável, e mais
como uma argumentação que, se nào for satisfatória, embora deva ser aca­
tada, pode ser atacada cm seu teor argumentativo, pelos recursos próprios.
Desse modo, os recursos argumentativos que servem ao advogado
para atacar os argumentos da parte contrária lhe devem servir também
para observar o teor motivacional da sentença, quando este nào for con­
vincente a respeito das razões de decidir. Não pode o magistrado furtar-
se ao dever de construir em suas fundamentações um percurso bem arra-
zoado, convincente, apenas qnod nominor leo.
Vias jurídicas como os embargos de declaração, as razões de apela­
ção ou os recursos extraordinário e especial servem para reclamar a devi­
da motivação das decisões judiciais.

4.11 Conclusão
A argumentação é livre, e dela não se podem passar modelos, ape­
nas noções e tipos de argumentos, que ajudam a sistematizar e expandir
as possibilidades do texto jurídico no que atine à persuasão.
Construir a argumentação e o pedido com certeza é a tarefa mais
importante para quem redige no foro. Sabendo construí-la, depois de co­
nhecer os métodos de narração dos fatos, vistos no capítulo anterior, res­
ta passarmos por duas etapas: a enunciação e as questões específicas de
cada petiçào.
Lição 4: Argumentação jurídica 279

Para ajudar a “pôr no papel” as idéias que o advogado deve estruturar


antes de construir seu texto, veremos nos próximos capítulos como se
devem construir as frases, a forma de pontuar, de dar seqüência ao texto
em divisào de parágrafo e o correto uso da vírgula.

4.12 Resumo
a) A argumentação é, sem dúvida, o trabalho mais importante do
advogado. Nas lides judiciais toda argumentação é parcial.
b) O texto argumentativo rege-se por uma combinação de idéias e
por isso se diz que ele é temático.
c) Todo texto argumentativo está em restrita dependência com uma
realidade de mundo, acessível a qualquer leitor.
d) Os argumentos sào elementos lingüísticos que visam à persua­
são. Isso significa dizer que eles nào sào falsos ou verdadeiros,
mas sim eficientes ou nào para contribuir no convencimento do
ouvinte.
e) O texto argumentativo deve tentar ao máximo tomar-se ade­
quado as características do leitor, pois nào se pode negar que
em toda argumentação há um quê de emparia e subjetivismo.
f) As provas sào elementos de convencimento a respeito de fatos.
Quando elas sào exploradas em uma exposição lógica e suasória,
transformam-se em argumentos de prova.
g) Um ripo de argumento de prova é o que explora a prova teste­
munhai, e é tão mais persuasivo quanto maior for a credibilidade
e isençào de interesses do testemunho prestado.
h) A prova técnica, quando aceita como verdadeira, transforma-se
em prova concreta. Indiscutível, em geral ela nào consegue re­
solver todos os elementos dispostos em uma argumentação ju­
rídica e, portanto, transforma-se em ponto de partida para argu­
mentos maiores.
i) A prova documental merece cuidados ao transformar-se em ar­
gumento, principalmente o de serem os trechos relevantes do
documento devidamente copiados na peça argumentativa para
evitar que o leitor tenha de sair da leitura da peça para compre­
ender seu sentido.
280 M anual de Redação Forense

j) O argumento de autoridade é aquele que invoca liçào de pessoa


conhecida e reconhecida em determinada disciplina para avalizar
um posicionamento defendido na peça. Apesar de muito persu­
asivo o argumento de autoridade deve ser exposto de maneira a
que se comprove seu percurso lógico e nào valer apenas porque
proveniente de uma pessoa conhecida,
k) O argumento contrario sensu é aquele que concede a uma propo­
sição interpretação inversa. Muito utilizado no contexto jurídi­
co, seu uso deve ser cuidadoso, para que nào se aproxime da
falácia.
1) O argumento por analogia aparece principalmente no uso das
decisões jurisprudenciais, e baseia-se no princípio de que a jus­
tiça deve tratar de maneira semelhante situações idênticas. Ulti­
mamente as invocações jurisprudenciais feitas apenas por emen­
tas vêm perdendo seu crédito, porque não mostram detalhes
importantes para que se configure a analogia,
m) O argumento afortiori fundamenta-se na asserção de que se a lei
proíbe ou permite determinada conduta, com maior razào pro­
íbe ou permite uma conduta maior ou menor, respectivamente,
n) O argumento a courpletudine é aquele que usa da asserçào de que
no Direito nào deve haver lacunas,
o) O argumento a cohenntia é aquele que se utiliza da asserçào de
que dois preceitos normativos nào podem regular a mesma si­
tuação fática.
p) O argumento psicológico é o que busca a volutas legslatoris, na
dificuldade de compreender o exato sentido do texto legal, tal
qual ele fora enunciado,
q) O argumento ao absurdo é o que aplica regras jurídicas genéri­
cas e entào traz conseqüências absurdas a uma proposição que
se pretende desconstituir.
r) O argumento de senso comum é aquele que invoca princípio
genérico, indiscutível, conhecido por toda a sociedade. Seu efeito
suasório é reduzido e por isso ele deve ser utilizado como refor­
ço a um argumento mais específico,
s) Argumento de fuga é aquele que se desvia das questões princi­
pais que devem ser defendidas para buscar sensibilização por
Lição 4: Argumentação jurídica 281

meio de temas mais subjetivos. Seu uso deve ser muito comedi­
do, pois ele tem forte tendência a confundir o leitor.
t) Os argumentos devem ser dotados de coerência. Assim, o argu­
mentante deve fazer um esboço prévio de suas idéias para saber
se nào há o risco de elas se contraporem.
u) As decisões judiciais também sào peças argumentativas e é as­
sim que elas devem expor um percurso racional para convencer
as partes de seu acerto. Mais que isso, devem demonstrar que
apreciaram todos os argumentos dirigidos ao julgador e, conse­
qüentemente, refutar expressamente todos aqueles que tiveram
de ser rejeitados para que a decisào se firmasse em determinado
sentido.

4.13 Exercícios
1. O fragmento que segue foi retirado do livro “Primo Altamirando e
Elas”, de Stanislaw Ponte Preta, mais exatamente da crônica “O car­
naval, coitadinho”, redigida no início da década de 60. Para iniciar o
texto, introduzindo o assunto, o autor utiliza-se de um recurso que, no
caso, busca o efeito humorístico. Esse recurso deveria ser (ou é) um
tipo de argumento. Identifique-o, explicando, com suas palavras, como
o autor o transformou para seu propósito.
"No período de Cinzas, resta ao homem uma única alegria: re­
cordar9\ (Mareei Proust) - e você aí, que leu Proust de cima a baixo,
ficará besta consigo mesmo, por desconhecer completamente esse
pensamento do grande escritor francês. Nós também não o conhecí­
amos, mas como não nos ocorre nenhuma maneira de iniciar a re­
portagem, tacamos na página esta leviandade literária, com o mes­
mo ar inconseqüente dos foliões que ainda insistem no dar vexame
carnavalesco em nome de uma tradição que entrou pelo cano já vai
pra algum tempo.
Tá ficando cada vez pior. No outro dia, lemos num vespertino uma
reportagem que tinha este título: uO Carnaval Carioca Vai Degenerar
em Bagunça”, e o que nos deu vontade de ler foi esse “vai” aí. Vai
como, se já foi ?

2. Abaixo, transcrevemos o brilhante texto de Luís Fernando Verissimo,


intitulado “O Gigolô das Palavras”. Leia-o atentamente, para respon­
der às questões que lhe seguem:
282 Manual de Redação Forense

O GIGOLÔ DAS PALAVRAS


LUlS FERNANDO VERÍSSIMO
Quatro ou cinco grupos diferentes de alunos do Farroupilha esti-
veram lá em casa numa mesma missão, designada por seu profes­
sor de Português: saber se eu considerava o estudo da Gramática
indispensável para aprender e usar a nossa ou qualquer outra lín­
gua. Cada grupo portava seu gravador cassete, certamente o instru­
mento vital da pedagogia moderna, e andava arrecadando opiniões.
Suspeitei de saída que o tal professor lia esta coluna, se descabelava
diariamente com as suas afrontas às leis da língua, e aproveitava
aquela oportunidade para me desmascarar. Já estava até preparan­
do, às pressas, minha defesa (“Culpa da revisão! Culpa da revisão!").
Mas os alunos desfizeram o equívoco antes que ele se criasse. Eles
mesmos tinham escolhido os nomes a serem entrevistados. Vocês
têm certeza que não pegaram o Veríssimo errado? Não. Então va­
mos em frente.
Respondi que a linguagem, qualquer linguagem, é um meio de
comunicação e que deve ser julgada exclusivamente como tal. Res­
peitadas algumas regras básicas da Gramática, para evitar os vexa­
mes mais gritantes, as outras são dispensáveis. A sintaxe é uma
questão de uso, não de princípios. Escrever bem é escrever claro,
não necessariamente certo. Por exemplo: dizer “escrever claro” não é
certo, mas é claro, certo? O importante é comunicar. (E quando pos­
sível surpreender, iluminar, divertir, comover... Mas aí entramos na
área do talento, que também não tem nada a ver com Gramática.)
A Gramática é o esqueleto da língua. Só predomina nas línguas
mortas, e aí é de interesse restrito a necrólogos e professores de
Latim, gente em geral pouco comunicativa. Aquela sombria gravida­
de que a gente nota nas fotografias em grupo dos membros da Aca­
demia Brasileira de Letras é de reprovação pelo Português ainda
estar vivo. Eles só estão esperando, fardados, que o Português mor­
ra para poderem carregar o caixão e escrever sua autópsia definitiva.
É o esqueleto que nos traz de pé, certo, mas ele não informa nada,
como a Gramática é a estrutura da língua, mas sozinha não diz nada,
não tem futuro. As múmias conversam entre si em Gramática pura.
Claro que eu não disse tudo isso para meus entrevistadores. E
adverti que minha implicância com a Gramática na certa se devia à
minha pouca intimidade com ela. Sempre fui péssimo em Portugu­
ês. Mas - isso eu disse - vejam vocês, a intimidade com a Gramática
é tão indispensável que eu ganho a vida escrevendo, apesar da mi­
nha total inocência na matéria. Sou um gigolô das palavras. Vivo às
suas custas. E tenho com elas a exemplar conduta de um cáften
profissional. Abuso delas. Só uso as que conheço, as desconheci­
das são perigosas e potencialmente traiçoeiras. Exijo submissão.
Não raro, peço delas flexões inomináveis para satisfazer um gosto
passageiro. Maltrato-as, sem dúvida. E jamais me deixo dominar por
elas. Não me meto na sua vida particular. Não me interessa seu
passado, suas origens, sua família nem o que outros já fizeram com
Lição 4: Argumentação jurídica 283

elas. Se bem que não tenha também o mínimo escrúpulo em roubá-


las de outro, quando acho que vou ganhar com isto. As palavras,
afinal, vivem na boca do povo. São faladíssimas. Algumas são de
baixíssimo calão. Não merecem o mínimo respeito.
Um escritor que passasse a respeitar a intimidade da gramática
seria tão ineficiente quanto um gigolô que se apaixonasse pelo seu
plantei.* Acabaria tratando-as com a deferência de um namorado ou
com a tediosa formalidade de um marido. A palavra seria sua patroa!
Com que cuidados, com que temores e obséquios ele consentiria
em sair com elas em público, alvo da impiedosa atenção de lexicó­
grafos, etimologistase colegas. Acabaria impotente, incapaz de uma
conjunção. A Gramática precisa apanhar todos os dias para saber
quem é que manda.
a) O texto recortado, da obra de Veríssimo, é uma crônica: a partir de um elemento narra­
tivo, o autor passa a desenvolver uma argumentação. Defina: qual trecho do texto é
narrativo? Onde inicia a argumentação?
b) Com o humor que lhe é característico, Verissimo procura expor uma tese ao leitor e
comprová-la. Qual é essa tese?
c) Concordar ou nào com a tese exposta por Verissimo é uma questào de posicionamento
racional e pessoal. O fato é que seus argumentos são persuasivos e bem colocados. A
estrutura principal de sua argumentação é uma comparação, muito próxima ao argu­
mento por analogia. Qual é a comparação que o texto argumentativo estabelece? Quais
sào os elementos que a reforçam?
d) O autor afirma que “A Gramática é o esqueleto da língua. Só predomina nas línguas
mortas” . A assertiva de que A Gramática é o esqueleto da lingua é antiga. Responda: como
o autor transformou seu significado, para que ela viesse a lhe servir de argumento?
e) No trecho final do texto, o autor, para reforçar seu conteúdo argumentativo, afirma que
o escritor que se deixasse dominar pelas palavras “Acabaria impotente, incapaz de uma
conjunção.” Pergunta-se: como o autor utilizou-se da competência lingüística para,
nessa frase, reforçar a analogia existente entre o escritor e o gigoló?
f) Que quis dizer o autor, dentro de seu percurso argumentativo, ao afirmar que a Gramá­
tica precisa apanhar todos os dias? Supondo que você discorde dessa afirmação, que
traz inequívoco efeito humorístico, quais os argumentos que articularia para combatê-
la? Exponha-os.

Respostas
1. O autor, ao citar Proust, busca fundamentar seu posicionamento sobre o carnaval com
uma afirmação de pessoa de renome. Utilizou-se, portanto, de argumento de autorida­
de. O efeito humorístico consiste em Ponte Preta haver inventado, criado a citação, que ele
mesmo diz jamais haver sido escrita por Proust.
2.
a) A argumentação inicia-se no segundo parágrafo do texto.
b) A tese defendida c a de que o bom escritor nào precisa conhecer a gramática e, mais, que
deve ofendê-la, para que não seja por ela dominado, tolhido em sua criatividade.
284 M anual de Redação Forense

c) A comparação entre a tarefa do gigolô e a do escritor. Vários elementos no texto fazem


aproximação nesse sentido.
d) O duplo sentido que estabelece à palavra conjunção: ou como uma classe de palavras,
bastante simples —relativo à atividade do escritor - ou o sentido de “conjunção camal”
- relativo à atividade do gigolô.
e) “Esqueleto”, naquela oração, é usualmente interpretado como metáfora de “estrutura”.
O autor aproveitou-se muito bem da afirmação, usando o “esqueleto” como metáfora
de “morte”, porque assim lhe interessava.
f) O autor, depois de todo seu percurso argumentativo, ousou dizer que a gramática
precisa ser desrespeitada. Todavia, retoma, com aquela frase, relação textual com a afirmação
tomada como padrão do gigolô: “apanhar para saber quem e que manda”.
LiçSo 4: Argumentação jurídica 285

Anexo de Notas

1 PERELMAN, Chaim, in: Ética e Direito, Editora Martins Fontes, Sào Paulo, 1996, pp.
492-493.
2 PERELMAN, Chaim, in: Tratado da Argumentação , Editora Martins Fontes, 1996, Sào
Paulo, p. 131.
3 Pellegrini, Ada & outros, in: Juizados Especiais Criminais, Editora Revista dos Tribunais,
Sào Paulo, 1997, p. 200.
4 PERELMAN, Chaim, in: Lógica Jurídica , Editora Martins Fontes, Sào Paulo, 1998,
pp. 78-79.
Lição 5
Escrevendo: Estrutura da Frase
e Pontuação.

Sumário:
5.1 Introdução. 5.2 A estrutura da frase. 5.3 Frase, oraçào e período. 5.3.1 A
frase. 5.3.2 A oraçào. 5.3.3 O período. 5.4 Estudando a oraçào. 5.4.1 Termos essenciais da
oraçào: Sujeito e predicado. 5.4.1.1 Tipos de sujeito. 5.4.1.2 Tipos de predicado. 5.4.2Ter­
mos integrantes da oraçào: Complemento verbal, complemento nominal, agente da passi­
va. 5.4.2.1 Complemento verbal: Objeto direto e objeto indireto. 5.4.2.2 Complemento
nominal 5.4.2.3 Agente da passiva. 5.4.3 Termos acessórios da oraçào: Adjunto adverbial,
adjunto adnominal, aposto e vocativo. 5.4.3.1 Adjunto adnominal. 5.4.3.2 Adjunto adver­
bial. 5.4.3.3 Aposto. 5.4.3.4 Vocativo. 5.4.4 Conclusào. 5.5 Uso da vírgula dentro da oração.
5.5.1 Ordem dos termos da oraçào. 5.5.2 Nào use a vírgula. 5.5.3 Use a vírgula. 5.6 O
período com mais de uma oraçào. 5.6.1 As orações subordinadas. 5.6.1.1 Orações subordi­
nadas substantivas. 5.6.1.2 Orações subordinadas adjetivas. 5.6.1.3 Orações subordinadas
adverbiais. 5.6.1.4 Orações subordinadas reduzidas. 5.6.2 Orações coordenadas. 5.6.2.1
Orações coordenadas assindéticas. 5.6.2.2 Orações coordenadas sindédeas. 5.7 A vírgula
entre as orações do período. 5.7.1 As orações subordinadas substantivas. 5.7.2 Orações
subordinadas adjetivas. 5.7.3 Orações subordinadas adverbiais. 5.7.4 Orações subordina­
das reduzidas. 5.7.5 Orações coordenadas. 5.8 Conclusão e Exercícios.

5.1 Introdução
Estruturado o texto jurídico em seu esboço, com narração e argu­
mentação, o advogado passa a escrevê-lo. E o momento que chamamos
de enunciação do texto.
Vimos, quanto a esse tema, a propriedade das palavras utilizadas,
ao estudarmos o vocabulário. Mas, além das palavras, a estrutura do tex­
to jurídico passa por construções mais complexas: a frase, a oração, o
período e o parágrafo.
No ato de escrever o texto, percebe-se que existem inúmeras possi­
bilidades de fazê-lo. Para transmitir as mesmas idéias, as construções são
infinitas. E por isso dizemos que nesse momento inicia-se uma etapa to­

|287|
288 M anual de Redação Forense

talmente diferente do trabalho de quem redige: a de tornar o texto fluen­


te, a de conseguir transmitir, expressar finalmente tudo o quanto foi pre­
viamente elaborado.
Nossa função, aqui, é colaborar para que o aluno construa o texto,
no seu dia-a-dia, com maior facilidade, rapidez e competência.
De nada adianta tentar iniciar uma petição sem se ter previamente
elaborado o conteúdo e estrutura que ela vai seguir. Se alguém tentar
fazê-lo, certamente irá “empacar” no meio da redação, porque se perderá
em suas próprias idéias, dando margem a várias correções e, pior, a ter
que reiniciar o texto, pensando em nova estrutura.
A primeira dificuldade em se escrever, para quem tem domínio su­
ficiente da gramática, é, então, a de elaborar o conteúdo do texto. Já supe­
ramos essa parte, vendo vocabulário, narração e argumentação, bem como
as características do texto em si.
Mas quem redige no meio forense sabe que, elaborando a estrutura
de sua peça e todas as idéias que nela devem ser expostas, deu-se um
grande passo para a elaboração do texto, mas ainda resta um segundo
trabalho: a enunciação, a transformação de todos os argumentos em um
discurso coerente e coeso, apto a fazer com que o leitor compreenda e
apreenda a seqüência de raciocínio elaborada pelo autor.
E é nesse ponto que muitos têm dificuldades. A afirmação de que
1'tenho tudo na cabeça, mas não consigo pôr no papeL Nào sei nem como começar ” é
bastante comum. Ela pode ter duas causas principais.
A primeira é saber se realmente o autor “tem tudo na cabeça”, como
se afirma. Ou seja, nào basta ter algumas idéias e a tese, é preciso, antes
de começar a redigir o texto propriamente, que se formule uma estrutura
detalhada: elementos que devem ser narrados e sua seqüência, argumen­
tos que devem ser argüidos e sua seqüência (vide as perguntas que devem
ser respondidas antes de iniciar-se o texto, conforme capítulo anterior).
Se realmente o autor do texto tem todas as idéias estruturadas, sua
dificuldade de “pô-las no papel” surge realmente de problemas, muito
comuns, com a enunciação.
Nossa experiência como professor aponta algumas causas princi­
pais: a dificuldade de compor frases e de pontuar, além de alguns pontos
da gramática que lhe hajam caído no esquecimento.
Lição 5: Escrevendo: estrutura da frase e pontuação 289

E isso é importante frisar: o desconhecimento da estrutura da com­


posição gramatical do texto, ainda que o redator nào perceba, trazem-lhe
problemas que acabam “travando” sua escrita, tomando-a insegura e pouco
fluente. Daí a dificuldade de inscrever suas idéias no texto propriamente
dito. A dificuldade com a pontuação, com a estrutura da frase e com
pontos da gramática, entào, nào sào, como muitos pensam, questão que
possa ser suprida sem estudo. Alguns acham que, ainda que cometendo
erros na escrita, estes podem ser supridos por um corretor ortográfico de
computador ou pela revisão de um amigo que conhece bem a língua por­
tuguesa.
Tal pensamento é incorreto, pois a pouca intimidade com as regras
da gramática e da redação nào influi apenas na forma do texto já escrito.
O desconhecimento dessas regras interfere também no momento de cscrevci\
pois ele traz insegurança ao autor, ainda que nào se perceba, o que faz
lenta e mais difícil sua escrita.
Nosso objetivo, ao cuidar da enunciaçào, não é apenas (embora o
í \
seja também) o de livrar o aluno dos erros de português. E, também, o de
mostrar as possibilidades da escrita, as formas de enunciaçào, as estruturas
corretas. Isso abre caminhos e dá segurança àquele que escreve, tornando,
entào, sua escrita rápida, fluente, e assim fazendo com que o aluno “po­
nha no papel”, com bom estilo e principalmente facilidade todos os fatos e
argumentos que entender necessários.

5.2 A estrutura da frase


Todo texto é composto de unidades. As palavras sào as primeiras,
depois a frase e o parágrafo. Nào basta conhecer as palavras para se fazer
uma boa enunciaçào, é necessário conhecer essas estruturas maiores.
É nesse ponto que a gramática vai-se tomando mais detalhada. Em
comparação, aquele que compõe o texto faz como o compositor de músi­
ca. Nào basta a um músico, para compor, que conheça as notas musicais
(estruturas menores). Ele precisa conhecer as escalas musicais, as com­
posições que sào possíveis com aquelas mesmas notas. Conhecendo as
escalas, ele sabe o que fazer com as unidades menores, estruturá-las em
conjuntos mais complexos e, assim, compor boas músicas. O músico que
as conhece bem compõe com facilidade. Isso significa que este músico
seja mais criativo que outro que nào as domina? Certamente que não.
290 Manual de Redaçao Forense

Mas aquele que sabe as escalas todas conhece mais possibilidades de com­
posição, por isso suas músicas sào mais belas e, também, lhe é muito mais
fácil compor, pois o faz com segurança.
Para compor o texto é a mesma coisa. O conteúdo, que corresponde
à inspiração do músico, pode ser o mesmo para dois escritores, mas com­
porá o melhor texto aquele que souber manejar com mais habilidade as
estruturas possíveis, a frase e o parágrafo.
Um dos pontos principais da estrutura do texto, reflete-se no uso
da pontuação. E comum ao professor, entào, ouvir do aluno asserções
como “nào sei onde colocar as vírgulas” ou “é nas vírgulas que me atrapa­
lho”. Todo escritor tem dificuldades com as vírgulas, c nós as superare­
mos neste capítulo, mas é imprescindível afirmar que a dificuldade com
“as vírgulas” nào nasce, em geral, da vírgula propriamente dita, mas sim
do desconhecimento da estrutura das frases e das orações. A vírgula
condensa toda uma forma de composição de texto, nào muito simples,
que passaremos neste capítulo a estudar.
Vejamos o exemplo abaixo:1
Por outro lado,1inúmeros problemas e grande prejuízos podem
ser causados pelas ações praticadas contra o funcionamento da
própria máquina,11 como é o caso da disseminação proposital do
chamado “vírus de computador",1" destruindo programas e fichário
do usuário,lv que,v pela sua maior freqüência e pelas proporções que
vêm tomando,^ estão a merecer do legislador maior atenção e im­
portância que os limites do crime de dano nem sempre chegam a
fornecer.
No texto acima temos um período, que se inicia com a letra maiús­
cula e termina com o ponto final. Dentro do período, várias pausas, as
vírgulas. Elas não forma lançadas no texto à sorte, ou procurando aper.as
que o leitor faça, a cada vírgula, pausas para a respiração. Na verdade,
elas resumem todo um conhecimento de estrutura de frases e orações que
é necessário ter para construir um texto fluente como aquele. Vejamos
quais sào as causas do uso de cada vírgula do recorte acima:
I. Vírgula separando locuçào conjuntiva no início da oração e de­
marcando início da oração principal.
II. Vírgula separando o fim da oraçào principal e início de oraçào
subordinada adverbial comparativa.
III. Vírgula marcando início de oraçào subordinada adjetiva
explicativa reduzida de gerúndio (destruindo programas e fichário
do usuário = os quais destroem programas e fichário do usuário).
Lição 5: Escrevendo: estrutura da frase e pontuação 291

IV. Vírgula marcando fim da oraçào subordinada adjetiva explicativa


reduzida de gerúndio e início de outra oração adjetiva explicativa
nào reduzida.
V e VI. Vírgulas marcando, respectivamente, início e fim de locução ad­
verbial de causa com oraçào subordinada adjetiva restritiva.
Sabemos que parece difícil, mas é, sem dúvida, o único meio de
explicar (e então, de utilizar) as vírgulas no texto. Veja como elas depen­
dem de toda a estrutura de que a autora se utilizou para expressar sua
idéia. Entào, nào é a vírgula que decide a enunciação, mas ela é mera
conseqüência de um conhecimento de estruturas sintáticas daquele que
escreve, sem o qual lhe seria muito difícil “pôr no papel” suas idéias.
Faremos uma revisão dessas estruturas a partir de agora, e o aluno
verá nào só como lhe será fácil utilizar a vírgula, mas, o que é melhor,
como será fácil construir um texto com rapidez depois de relembrar-se
dessas estruturas.
Para isso, faremos uma revisào rápida dos termos que sào essenci­
ais para a compreensão e identificação dessas formas de composição.

5.3 Frase, oração e período


5.3.1 A frase
Frase é a unidade mínima de composição para haver sentido em
uma mensagem.
Quem diz “Justiça!”, simplesmente, profere uma frase, pois traz,
apenas nessa palavra, dependendo do contexto em que está inserida, um
sentido completo. O adjetivo “maravilhoso”, em si, nào tem significado
completo, mas quem diz “Maravilhoso!” profere uma frase, pois deixa
implícito o que é maravilhoso (possivelmente, algo que está vendo)
As frases podem ser nominais ou verbais.
Frases nominais são aquelas, mais raras, que não têm verbo.
Como verbo indica açào, a falta dele resulta na frase estática, sem açào.
Exemplo:
Justiça!
Decisão magnífica.
Fogo!
292 M anual d e Redação Forense

Bela gravata.
Realmente muito interessante.
Frases verbais são aquelas que têm ação e, então, a presença de um
ou mais verbos. Ex.:
0 recurso deve ser recepcionado por Vossas Excelências.
Não havendo recolhimento do réu à prisão, o recurso é conside­
rado deserto.
Ontem mesmo me manifestei sobre esse tema.

5.3.2 A oração
Oração é o enunciado que contém verbo ou expressão verbal, con­
juntamente com os termos que lhe sào acessórios.
Assim, se a palavra “julgar” é verbo, Eujulguei o processo é uma oração.
Sendo “absolver” um verbo, Não absolvi o acusado é uma oração.
Daí que o enunciado ‘Julgou o processo, mas não absolveu o acusado”
contém duas orações.

5.3.3 O período
Período é a frase expressa por uma ou mais de uma oração. Ele se
inicia na letra maiúscula e termina em uma pausa forte, o ponto final, o
ponto de exclamação, as reticências, o ponto de interrogação etc. Ex:
A câmara julgadora leu minhas razões, ouviu a sustentação oral
que fiz, mas sequer se convenceu do cabimento do recurso que in­
terpus.
Temos acima um só período, com cinco orações diferentes, que
compõem um sentido completo.

5.4 Estudando a oração


Vimos que um período pode conter várias orações. Geralmente,
nos textos jurídicos, quando se trabalham idéias mais complexas, os perí­
odos sào compostos de mais de uma oração. Porém, para estudar esses
períodos compostos, é necessário entender os termos que estão dentro de
cada oração, pois é a partir deles que se desenvolvem os períodos mais
complexos.
Lição 5: Escrevendo: estrutura da frase e pontuação 293

Mas, antes que se estude a vírgula nesses períodos maiores com­


postos, é preciso conhecer ou rever os termos essenciais da oraçào.

5.4.1 Termos essenciais da oração: Sujeito e predicado


Sujeito é aquilo a que se atribui a idéia contida no predicado.
Predicado é a idéia que se atribui a um determinado sujeito.
Essa definição por exclusão é a mais indicada pata se reconhecer
ambos os termos. A diferenciação exata entre sujeito e predicado é de
suprema importância, pois, como se verá, a vírgula não pode separá-los
diretamente.
Para identificar o sujeito basta perguntar ao verbo a que ou a quem
ele atribui sua açào. Ex.:
0 Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo reformou a deci­
são de piso em seu caso.
Quem reformou a decisão de piso?
0 Primeiro Tribunal de Alçada Civil (sujeito).

Seu recurso foi considerado intempestivo.


Quem foi considerado intempestivo?
Seu recurso (sujeito).

Juiz, promotor e advogado deixaram a sala de audiência.


Quem deixou a sala de audiência?
Juiz, promotor e advogado (sujeito).

5.4.1.1 Tipos de sujeito


O sujeito pode ser:
a) Simples - quando tem apenas um núcleo.
Os Ministros não leram as razões de recurso.
0 Relator deixou de apreciar argumentos relevantes da defesa.
O advogado apresentou-se brilhantemente na reunião.
A peça de defesa deixou de articular preliminares.
294 M anual de Redação Forense

b) Composto —quando há dois ou mais núcleos.


A sentença e o acórdão foram omissos.
Foi omissa sentença e acórdão.
Alegações finais, razões de apelação e embargos de declaração
serviram como prequestionamento.

c) Indeterminado - quando a identidade e a quantidade de sujei­


tos é ignorada ou escondida do leitor.
Julgarão seu processo hoje (quem julgará? Não se determina.)
Dizem que réu primário é aquele que tem muito crime pela frente.
Precisa-se de juristas.
Só se trabalha direito quando se tem boas informações.

Nota: Para construir sujeito indeterminado, como se vê, há duas


fórmulas:
I. Utilizar o verbo na terceira pessoa do plural.
II. Utilizar verbo nào transitivo direto na terceira pessoa do singu­
lar e o pronome se9que passa a funcionar como índice de indc-
terminaçào do sujeito.
d) Orações sem sujeito.
Alguns verbos, denominados de impessoais, formam oração que
nào tem sujeito. Quando isso ocorre, o verbo tem, obrigatoriamente, de
permanecer na terceira pessoa do singular.
Para o texto jurídico, o principal verbo impessoal é o verbo haver,
quando tem sentido de existir, realizar-se ou fazer, quando nào é auxi­
liar. Portanto, nesse caso, o verbo existir nào vai para o plural. Daí essas
construções:
Houve vários pedidos de adiamento, (e nào “houveram vários pedi­
dos...”)
Haverá sessões nas férias (e não “haverão sessões nas férias...”)
Houve casos em que tive de chegar ao STJ. (e nào “houveram ca­
sos...).
Outro caso de oraçào sem sujeito é o do verbo fazer, quando indi­
ca tempo. Também, nesse caso, deve ser mantido no singular:
Faz cinco anos que nào o vejo. (e nào “fa^em cinco anos...”).
Fará dois anos que nào entro na tribuna, (e não “farão dois anos...”).
Lição 5: Escrevendo: estrutura da frase e pontuação 295

Nota: apontam alguns que, no tipo de frase acima, temos sujeito


oracional e não oração sem sujeito. Procede a observação, mas o resulta­
do prático, para nós, é o mesmo: manter no singular o verbo fazer quando
indicar tempo.
e) Sujeito oracional.
Sujeito oracional é aquele constituído por uma oração. Ex.:
Cumpre apreciarmos as razões (apreciarmos as razões é sujeito
do verbo cumprir).
Parece que o MP oferecerá denúncia (que o MP oferecerá denún­
cia é sujeito).

f) Sujeito da voz passiva.


Sujeito paciente é aquele que nào age, mas sofre a açào. Ex.:
O leão foi ferido pelo tigre (o leão é sujeito paciente).
O apartamento foi vendido pelo corretor de imóveis (o apartamen­
to é sujeito paciente).
A apelação foi feita a contento.
O imóvel será leiloado amanhã.
0 julgamento realizou-se sem a presença do réu.
Quando o sujeito sofre a açào determinada pelo verbo, dizemos
que há voz passiva. Há dois tipos de voz passiva:
I. Voz passiva analítica:
É formada pelo verbo ser e um verbo no particípio:
O leão foi ferido pelo tigre.
A sentença foi bem fundamentada.

II. Voz passiva sintética'.


Formada por um verbo transitivo direto mais o pronome se, que
funciona como partícula apassivadora:
Fundamentou-se bem a sentença.
Vendeu-se o imóvel.
Venderam-se os imóveis.
Usam-se becas para sustentações orais.
Alugam-se carros.
Note bem: É importante distinguir a voz passiva sintética, com
sujeito determinado, das orações em voz ativa com sujeito indeterminado.
296 M anual d e Redação Forense

A voz passiva ocorre somente com verbos transitivos diretos, e então o


verbo deve concordar com o sujeito. O sujeito indeterminado com a par­
tícula se não ocorre com verbos transitivos diretos.
Vendem-se apartamentos ou Vende-se apartamentos?
A forma correta é V en d em -se apartamentos. O verbo vender é
transitivo direto, então há voz passiva: Vendem-se apartamentos = Apar­
tamentos sào vendidos. O verbo concorda com o sujeito.
Precisa-se de pedreiros ou Precisam-se de pedreiros?
A forma correta é P r e c is a -s e depedreiros. Embora seja a forma muito
parecida com a anterior, é certo que o verbo precisar é transitivo indireto
(preciso de alguma coisa). Entào, não pode haver voz passiva. O que
ocorre é que o sujeito é indeterminado, com a partícula se como índice de
indcterminaçào do sujeito. Nào posso dizer pedreiros são precisados, pois
esse verbo nào assume voz passiva, porque transitivo indireto.
Os exemplos abaixo só tem formas corretas:
Ouviram-se as testemunhas (= as testemunhas foram ouvidas.
Verbo ouvir é transitivo direto, então há voz passiva analítica. Verbo
ouvir concorda com o sujeito “ as testemunhas”).
Procedeu-se â oitiva das testemunhas, (e não “procederam-se”.
0 verbo proceder, nesse caso, é transitivo indireto - proceder a algu­
ma coisa. Não assume, então, voz passiva. Há apenas sujeito
indeterminado, e então o verbo deve permanecer no singular - vide
letra c, nota II.)
Prolataram-se três sentenças (voz passiva. Sujeito = três senten­
ças).
Ouviram-se oito tiros (voz passiva. Sujeito = oito tiros).
Carece-se de melhores políticos (sujeito indeterminado. Verbo
no singular).
Aqueceram-se os mercados (voz passiva. Sujeito = os merca­
dos).
Chegou-se a vários acordos (sujeito indeterminado. Verbo no sin­
gular).

5.4.1.2 Tipos de predicado


O predicado classifica-se de acordo com seu núcleo. O predicado
pode ser
1) Verbal - o núcleo do predicado é um verbo.
Eu li todas as suas anotações.
Lição 5: Escrevendo: estrutura da frase e pontuação 297

Ninguém pede ajuda.


Os autos foram relatados.
Configura-se nulidade com a falta de citação do réu.
Nota: Os verbos que podem funcionar como núcleo do sujeito sào
os verbos transitivos e intransitivos.
I. O verbo transitivo é aquele que faz uma açào transitar entre
sujeito e um complemento. Em outras palavras, sào aqueles que
exigem complemento. Há tres tipos deles:
La. Verbos transitivos diretos: sào aqueles que exigem comple­
mento sem preposição. Esse complemento é chamado obje­
to direto.
Eu disse a verdade (verbo = disse; complemento = a verdade =
objeto direto).
Ele julgou o processo (verbo = julgar; complemento = o processo
= objeto direto).
0 promotor redigiu a petição.
O empresário lesou o fisco.
A empresa economizará grandes montantes.
Não oitiva da testemunha implica cerceamento de defesa (e não
implica em cerceamento de defesa, como muitos dizem).

I.b.Verbos transitivos indiretos: exigem complemento com pre­


posição. A açào transita entre o sujeito e o complemento,
mas indiretamente, por causa da preposição. Esse complemento
é denominado de objeto indireto.
Concordamos com as cláusulas contratuais (com= preposição;
com as cláusulas contratuais = objeto indireto).
Gostamos de escritórios organizados (de = preposição; de escri­
tórios organizados é objeto indireto).
Referi-me aos seus argumentos (a = preposição; aos seus argu­
mentos = objeto indireto).

Quando o verbo exige determinada preposição para seu comple­


mento, dizemos que ele rege tal preposição. Assim, o verbo gostar rege a
preposição dey pois quem gosta, gosta de alguma coisa. A regência verbal\
entào, e a parte da gramática que estuda quais as preposições que devem,
ou nào, acompanhar o complemento de cada verbo, quando este o admi­
tir. Na dúvida quanto à preposição que deve iniciar o complemento de
298 M anual de Redação Forense

cada verbo, aconselha-se a consulta ao dicionário, o qual, em cada verbo,


sempre indica sua regência. Para quem gostar de uma análise mais
aprofundada, há dicionários específicos de regime de verbos.
I.c. Verbos transitivos direto e indireto: sào aqueles que exigem
um complemento com preposiçào e outro sem.
Dei a cópia do acórdão a seu colega.
Sujeito = eu (oculto pela desinência verbal).
Objeto direto: a cópia do acórdão.
Objeto indireto = a seu colega.
2) Nominal: o núcleo do predicado não é um verbo, mas um nome
ou expressão de valor nominal. Ex.:
A sentença é magnífica (núcleo do predicado = magnífica).
O traslado está incompleto (núcleo do predicado = incompleto).
Sua sustentação pareceu pouco convincente (núcleo = convin­
cente).
O Tribunal continua conservador.
Seu sócio anda desligado.
Os julgadores parecem cansados.
Nós estamos sem palavras.
Eles estão exaustos.
A argumentação da parte contrária é preocupante.

No predicado nominal, o núcleo do predicado, um nome, pode ser


o predicativo do sujeito ou o predicativo do objeto, conforme se refi­
ram a um ou a outro.
Há predicativo do sujeito quando o verbo é um verbo de ligação
(ser, estar, parecer, andar... como nos casos acima). É um verbo de esta­
do, vazio de sentido, que apenas liga o sujeito a seu predicativo.
Predicativo do objeto ocorre com os chamados verbos nocionais,
muito comuns no contexto jurídico. Sào verbos que indicam uma açào
(portanto nào sào verbos de ligação), são transitivos (portanto exigem um
objeto) e, também, trazem uma noção a respeito do objeto (predicativo
do objeto). No entanto, quando ocorre predicativo do objeto, temos um
predicado verbo-nominaL
Lição 5: Escrevendo: estrutura da frase e pontuação 299

3) Verbo-nominal
Diz-se que o predicado é verbo-nominal quando ele admite dois
núcleos: Um verbal e um nominal.
O primeiro caso é o do verbo nocional, que admite predicativo do
objeto, como explicado no item anterior. Vejamos os exemplos:
Os desembargadores consideraram os réus culpados.
Os desembargadores - sujeito.
consideraram - verbo nocional - primeiro núcleo do predicado.
os réus - objeto direto do verbo considerar.
Culpados - noção a respeito dos réus (=objeto). Predicativo do
objeto - segundo núcleo do predicado.

Os juizes julgaram deserta a apelação.


Os juizes - sujeito.
julgaram - verbo nocional.
a apelação - objeto direto do verbo julgar.
deserta - qualidade da apelação, que é objeto = predicativo
do objeto.

Veja que “culpados” e “deserta” sào predicativos, qualidades regidas


pelos próprios verbos (considerar e julgar, nesses casos). No entanto, não
se referem aos sujeitos (“os desembargadores” e “os juizes”) mas aos ob­
jetos diretos dos verbos (“os réus” e “a apelação”, por isso sào predicativos
do objeto. Nesses casos, como o verbo nào é de ligação, mas é um verbo
transitivo, o predicado assume dois núcleos: um é o próprio verbo (ver­
bal) e outro é o predicativo do objeto (nominal). Outros exemplos:
Eu entendo insuficientes suas alegações.
A Corte considerou intempestivo o recurso.
A sentença julgou improcedentes os embargos.
Sinto infundadas as suas razões.
*

Nota: E importante identificar o predicativo do objeto, pois ele


deve concordar sempre com o objeto. Assim, nào se pode dizer “A sen­
tença julgou improcedente os embargos”, pois “improcedente” é
predicativo do objeto e, como tal, deve concordar com o objeto direto do
verbo julgar = os embargos.
300 M anual de Redação Forense

Pode aparecer predicado verbo-nominal com predicativo do sujeito


também. Nesses casos, o verbo, que também representa um núcleo, é
intransitivo, ou seja, não admite objeto. Sem objeto, o predicativo é, por
óbvio, do sujeito. Exemplos:
Eles chegaram exaustos.
Eles - sujeito.
chegaram - verbo intransitivo - núcleo verbal do predicado,
exaustos - predicativo do sujeito - núcleo nominal do predicado.

As vitimas caminhavam distraídas.


As vitimas - sujeito.
caminhavam - verbo intransitivo - núcleo verbal,
distraidas - predicativo do sujeito.

Nota: O predicativo do sujeito, evidentemente, concorda com o


sujeito. Não se pode dizer, então, As vítimas caminhavam distraídos , pois o
adjetivo distraidas é predicativo de as vítimas, e com este deve concordar.

5.4.2 Termos integrantes da oração: Complemento


verbal, complemento nominal, agente da passiva
Sujeito e predicado sâo elementos essenciais da oração, sendo ne­
cessário sempre, ao redigir, identificá-los, para proceder à correta pontu­
ação, como se verá ainda neste capítulo. Para continuar, entào, o entendi­
mento da estrutura da oração, é necessário lembrarmo-nos de outros ter­
mos da oração, os integrantes e os acessórios. São aqueles que ora passa­
mos a estudar.

5.4.2.1 Complemento verbal: Objeto direto e


objeto indireto
Como já vimos, os verbos intransitivos nào exigem qualquer com­
plemento, pois seu sentido nào transita entre o sujeito e um objeto. Os
verbos transitivos, entretanto, exigem um complemento, que pode vir li­
gado diretamente ao verbo ou por meio de uma preposição. Daí que:
Lição 5: Escrevendo: estrutura da frase e pontuação 301

a) Objeto direto é o complemento do verbo transitivo direto. Exs.:


Queremos menos impostos.
A sociedade exige justiça.
O presidente quebrou o protocolo.
O promotor ainda não devolveu os autos.
O advogado impetrou longo e detalhado recurso de apelação.
b) Objeto indireto é o complemento do verbo transitivo indireto.
Exs.:
Rogou pelos que sofriam nos hospitais.
Pediu por um julgamento equânime.
Esse problema resultou da total falta de habilidade do profis­
sional.
O juiz procedeu ao interrogatório do acusado.

Nota 1: Há verbos que aceitam, ao mesmo tempo, objeto direto e


indireto. Sào os chamados verbos bitransirivos. Exs.:
O relator negou provimento ao recurso.
Sujeito: O desembargador.
Predicado: negou provimento ao recurso.
Verbo: negou
Objeto direto: provimento.
Objeto indireto: ao recurso.

Nota 2: Há verbos que admitem tanto objeto direto como indireto,


dependendo da construçào que se queira fazer, ou do sentido que se lhe
pretenda dar. Veja os exemplos, ambos com o mesmo verbo, em regências
diferentes:
Ontem conheci seu professor.
Seu professor = objeto direto.

A corte conheceu do recurso.


do recurso = objeto indireto (presença da preposição “de") .

Nota 3: Casos há em que o verbo, apesar de ser transitivo direto,


aceita que seu complemento venha precedido de preposição. Quando isso
ocorre, tem-se o objeto direto preposicionado. Exs.:
302 M anual de Redação Forense

Ame a Deus sobre todas as coisas.


Não entendo a ti.
Compreenderei a Vossa Excelência.
Comi do boío.
A decisão do processo prejudicou a nós.

5.4.2.2 Complemento Nominal


Complemento nominal é o elemento que completa o sentido de um
nome (adjetivo, substantivo ou advérbio). Vem sempre precedido de pre­
posição.
O desmatamento da floresta é grave (“da floresta" é complemen­
to nominal do nome “desmatamento'’).
Sinto falta dos grandes discursos.
O crédito à justiça é importante.
Veríssimo intitula-se gigolô das palavras.
Depois da acusação, fala a defesa.
O amor ao próximo é nosso mandamento.
O recurso a superior instância deve contar com efeito suspensivo.
A citação do réu deve ser feita pessoalmente.

Perceba, nos exemplos acima, que o complemento nominal refere-


sc aos nomes, que precisam de elementos para dar-lhes sentido. Sc os
verbos transitivos necessitam de complemento para terem sentido com­
pleto na oraçào, os nomes originados desses verbos também precisam de
complemento, desta vez nominal:
Desmatar a floresta (“a floresta" é complemento verbal - objeto
direto - do verbo “desmatar")
Desmatamento da floresta (“da floresta” é complemento nominal
do substantivo “desmatar").

Citar o réu (“o réu" é complemento verbal do verbo “citar”).


Citação do réu (“do réu" é complemento nominal de “citação”).

Recorrer a superior instância (ua superior instância" é comple­


mento verbal - objeto indireto - do verbo “recorrer").
Recurso a superior instância (“a superior instância” é comple­
mento nominal do substantivo “recurso”).
Lição 5: Escrevendo: estrutura da frase e pontuação 303

Costuma-se afirmar, para facilitar a identificação do complemento


nominal, que ele representa o alvo da ação indicada pelo nome. Assim, a
floresta é alvo do dcsmatamentof tal como o réu é alvo da citação etc.

S.4.2.3 Agente da passiva


Relembrar o “agente da passiva” é tarefa fácil para quem, como
nós, já reviu os conceitos de voz ativa e voz passiva. Vejamos o exemplo:
O inquilino acionou o locador (voz ativa).
O locador foi acionado pelo inquilino (voz passiva).

Na voz ativa, o sujeito é o agente (o inquilino, sujeito da oração, foi


quem “acionou”). Na voz passiva, o sujeito sofre a açào (o locador, sujei­
to da oraçào na voz passiva, sofre a açào do inquilino). Todavia, na voz
passiva, embora o sujeito nào pratique a açào, a oraçào pode indicar aque­
le que age. Portanto, aquele que age, em oraçào de voz passiva, é chamado
agente da passiva.
O leão foi ferido pelo tigre (oração em voz passiva; “tigre" é o
agente).
A prescrição foi causada pela astúcia do réu (astúcia do réu =
agente da voz passiva. A oração, na voz ativa, seria: A astúcia do réu
causou a prescrição).
O garoto foi ajudado pelo velho (o velho = agente da passiva).
Abel foi morto por Caim.
A vítima foi prontamente socorrida por militares.
Nota 1: Nào é obrigatório que conste o agente da passiva nas ora­
ções nessa voz. Ele pode ser suprimido, trazendo evidentemente menor
informação ao leitor. Exs.:
j

O leão foi ferido.


O garoto foi ajudado.
Abel foi morto.
A vítima foi prontamente socorrida.
Nota 2: Na voz passiva sintética, a que conta com o pronome se
com partícula apassivadora, não há agente da passiva.
O corretor vende apartamentos (voz ativa).
Apartamentos são vendidos pelo corretor (voz passiva analítica,
com agente da passiva).
304 M anual de Redação Forense

Vendem-se apartamentos (por quem? Voz passiva sintética, sem


agente).

5.4.3 Termos acessórios da oração: Adjunto adverbial,


adjunto adnominal, aposto e vocativo
Termos acessórios da oraçào são aqueles que não sào exigidos por
nenhum outro termo dela, ou seja, sua presença nào é obrigatória. Eles
vêm apenas complementar o senddo de outros termos ou da oraçào intei­
ra. Sào eles:

5.4.3.1 Adjunto adnominal


Os adjuntos adnominais são termos de valor nominal que modifi­
cam o sentido de um núcleo de uma função sintática. Os adjuntos adno­
minais podem ser os adjetivos, os artigos, os pronomes adjetivos, as locu­
ções adjetivas e os numerais. Os adjuntos adnominais estão destacados
nos exemplos abaixo:
Perdemos um voto no Tribunal.
As mulheres reagiram contra todas as violências que sofreram.
A bela gravata azul do jovem advogado reluzia na tribuna.
O intempestivo recurso foi vitorioso.
O juiz de alçada reclamou da caudalosa petição que o advogado
apresentara.
Dois desembargadores deram voto favorável.

Nota: Quando se trata de locuções ligadas a substantivos, é mais


complicada a identificação do adjunto adnominal, pois nào raro ele se
parece com o complemento nominal. Basta lembrar, como vimos, que o
complemento nominal tem sentido passivo, é alvo da ação sugerida pelo
substantivo.
Publicação da sentença - complemento nominal.
Publicação do diário oficial - adjunto adnominal.

No primeiro caso, a locução tem sentido passivo: a sentença é alvo


da publicação. No segundo caso, a locuçào tem sentido ativo: o diário
oficial nào é alvo da publicação, mas c aquele que publica. Muitas ambi­
güidades, por vezes, surgem da impossibilidade de definição quanto à
Lição 5: Escrevendo; estrutura da frase e pontuação 305

espécie de locução: complemento nominal ou adjunto adnominal. Veja


os exemplos:
A intimação do oficial não foi feita a contento.
O oficial intimou (C.N.) ou foi intimado (a.a.)?
Não se sabe. A frase é ambígua.

O delegado acompanhou a prisão dos policiais militares.


Os policiais militares foram presos ou prenderam?
Trata-se de complemento nominal ou de adjunto adnominal?

A conquista do Sertão Nordestino é algo memorável.


O sertão conquistou (adjunto adnominal) ou foi conquistado (com­
plemento nominal)?

O atropelamento do motociclista teve graves conseqüências.


O motociclista atropelou ou foi atropelado?
Ao utilizar locuções ligadas a substantivos por meio de preposi­
ções, aquele que redige deve estar atento para evitar ambigüidades como
essas, que se manifestam na confusão entre complemento nominal e ad­
junto adverbial.

5.4.3.2 Adjunto adverbial


Adjunto adverbial é o termo da oraçào que, como seu próprio nome
indica, tem valor de advérbio.
Ontem, salmos do trabalho mais cedo.
Ontem: adjunto adverbial (A.A.) de tempo.
do trabalho: A.A. com valor de lugar.
mais cedo: A.A. com valor temporal.

Os adjuntos adverbias são de diversos tipos, e os gramáticos os


classificam diferentemente. Para nós, nào há grande função prática em
identificar seus tipos, porquanto, para a construção do texto em geral, o
tipo de adjunto adverbial não exerce grande influência, desde que, evi­
dentemente, se conheça seu significado. Listamos alguns deles, para faci­
litar que o aluno os relembre.
306 M anual de Redação Forense

a) De tempo.
A audiência começará às duas horas.
Daqui a oito semanas, haverá o decurso do lapso prescricional.

b) De causa.
Houve perempção por inépcia da parte.
O inquérito foi arquivado por falta de provas.
Por causa de um assalto, meu cliente foi preso.

c) De adição.
Além de tudo isso, há a questão da ilegitimidade de parte.

d) De companhia.
Cheguei juntamente com o cliente.
Venha com seus familiares.

e) De concessão.
Em que pesem os argumentos da parte, sua pretensão carece
de fundamento jurídico.
Apesar da decisão do agravo, acho que ganharemos a causa.
Não obstante todas as considerações da parte contrária, a sen­
tença não merece qualquer reparo.

Nota: O termo “inobstante”, embora seja comum na redação jurí­


dica como expressão concessiva, nào existe na língua portuguesa. A ex­
pressão correta é “nào obstante”, como no exemplo acima.

f) De condição.
Sem cópia do acórdão, o traslado não fica devidamente instruido.
Somente me manifesto mediante provocação da parte.

g) De lugar.
Botou o carro diante dos bois.
As folhas caem da árvore.

O advogado, na sala de audiência, fez seu protesto.

Nota: O adjunto adverbial de lugar nào indica somente lugar “físi­


co”. Ele pode apontar um lugar por mera referência, sendo assim denomi­
nado figurado. Veja os exemplos:
Lição 5: Escrevendo: estrutura da frase e pontuação 307

Houve muita confusão neste processo.


Farei sustentação no Tribunal.
Nesta demanda, batalharei muito.

“Processo”, “Tribunal” e “demanda” nào sào propriamente luga­


res, espaços no sentido estrito do termo, mas sào considerados como ad­
juntos adverbiais dessa espécie.
h) De modo.
Com muita paciência, o juiz colheu o depoimento do acusado.
Contestava veementemente as razões do apelante.
Sem qualquer receio, a vítima reconhecera os assaltantes.

i) De intensidade.
Ando meio desligado.
O Ministro falou muito bem.
As vendas andam um pouco baixas.

j) De meio.
Deve-se ouvir a testemunha por carta precatória.
Vou a Alagoas de avião.

k) De freqüência.
Raramente ele aparece por aqui.
Faço plenários com certa freqüência.

5.4.3.3 Aposto
Aposto é o termo que tem a finalidade de explicar ou desenvolver o
sentido de outro. Veja o exemplo:
Você deverá ter a limitação do fim-de-semana, uma das penas
alternativas da nova lei.
O termo em negrito é o aposto, explicando o sentido da expressão
anterior.
Vivo em São Paulo, a maior cidade do Brasil.
Doutor Antônio, um dos grandes causídicos desta cidade, atuará
neste caso.
Para seu caso, vislumbro uma única solução: a venda de todos
os bens.
A cidade do Recife tem praias maravilhosas.
308 Manual de Redação Forense

5.4.3.4 Vocativo
Vocativo (do latim vocare, chamar) é o termo que serve para trazer
ao texto a pessoa do interlocutor, dando realce àquele com quem fala­
mos. Nas petições, o vocativo é muito usual.
Todas as alegações, Excelências, são infundadas.
Senhores jurados, nada mais resta à defesa.
Antes pudéssemos, meu povo, reverter essa situação.
Amigo Brutus, eu não esperava por isso.
Nos ninhos do ano passado, Sancho, não há mais pássaros
este ano.

5.4.4 Conclusão
Até agora, vimos todos os termos que formam a oração. A partir
deles, pode-se desenvolver o estudo do uso da vírgula e iniciar o estudo
da construção de frases. Mas sào importantes algumas observações preli­
minares.
A primeira delas é que a identificação desses termos da oraçào deve
ser reiterada, ou seja, deve estar presente sempre que se redige o texto.
Sem isso todo o estudo é inócuo, despido de qualquer resultado. Rever a
estrutura da oraçào sem dela se lembrar no momento da escrita é atitude
análoga à do advogado que estuda por longo tempo todas as teorias do
direito a respeito do instituto da posse, mas, ao mover uma açào
possessória, nào usa qualquer dos elementos que apreendeu durante o
estudo. A teoria cai no vazio.
É preciso que, ao ler e ao escrever, o aluno treine a identificação
desses termos. Perceba-se que eles dizem respeito apenas à oraçào, ou
seja, à estrutura com apenas um núcleo verbal. Mas, ainda que em
estrutura mais simples, a lembrança dos termos que compõem a oração já
nos é suficiente para vermos uma matéria bem prática: o uso da vírgula
dentro da oraçào.

5.5 Uso da vírgula dentro da oração


Nosso objetivo, ao estudar os elementos de análise sintática, é o de
montar o texto com competência, principalmente no que se refere ao uso
Lição 5: Escrevendo: estrutura da frase e pontuação 309

eficiente dos sinais de pontuação, tão necessários, mormente quando se


usam frases mais longas.
Cabe, entào, vermos de que forma os elementos da oraçào impli­
cam regras para o eficiente uso da vírgula. Desse modo, percebemos como
há razão, para todo aquele que trabalha com texto escrito, de lembrar-se
dos aspectos gramaticais, que aqui recordamos minimamente para o quan­
to nos interessa, a construçào da frase.
De fato, a vírgula no texto escrito nào representa tào-somente a
“pausa para a respiração” que se costuma dizer. Quem lê uma petiçào, no
silêncio de seu gabinete, nào “respira de acordo com as vírgulas”, mas
espera - mesmo que nào tenha consciência disso - que esse sinal de pon­
tuação lhe esclareça a relação sintática dos elementos do texto, separan­
do o que nào está intimamente ligado e deixando fluir os elementos que
guardam entre si estreita relação.
Para iniciar esse estudo, vejamos a ordem dos termos da oraçào.

5.5.1 Ordem dos termos da oração


Os termos de uma oraçào estão em ordem direta quando se dis­
põem na seqüência abaixo:
sujeito —verbo —complemento verbal —adjunto adverbial.
Assim, sào exemplos de oraçào em ordem direta:
0 Tribunal julgará seu processo amanhã.
0 advogado defendeu seu cliente com persistência.
Toda a questão será decidida na reunião.
O réu confessou o delito.

Nem sempre, no entanto, essa ordem é seguida à risca. Dependen­


do dequestões estilísticas, ou até mesmo para tomar mais evidente o
sentido de uma proposição, a ordem direta da oraçào é alterada.
Às cinco horas, terá início a reunião.
(adjunto adverbial - verbo - complemento - sujeito).

A reunião terá início às cinco horas = ordem direta.

Nota: Exemplo famoso de inversào da ordem direta da oraçào é o


exórdio de nosso Hino Nacional. Se o famoso trecho inicial houvesse
310 Manual de Redação Forense

sido composto em ordem direta, teríamos “As margens plácidas do Ipiranga


ouviram o brado retumbante de um povo heróico”. Muito diferente é,
como se sabe, o trecho no original. Por questão de estilo.
Mas nào é difícil perceber que o sentido da oração é bem mais claro
como escrito acima, na ordem direta, que na ordem inversa, como apare­
ce originariamente na letra do hino. Pela licença estilística que tiveram os
compositores de tal letra, a inversão é plenamente justificável. Mas, nas
dissertações jurídicas, nem sempre a inversão é aconselhável, nào obstante
seja muito comum no dia-a-dia forense.
Orações como:
Não pode o réu ser preso.
Eles querem que seja a lei aprovada.
Se fosse o agravo corretamente processado.

São comuns, mas nem sempre essa inversão se justifica. Quando


reiterada, a inversão, principalmente quanto à posição de sujeito e de
objeto em relaçào ao verbo, cansa e confunde o leitor, e nào representa,
como muitos pensam, sinal de enlevo e erudição.
Pode-se dizer que, via de regra, quando a oraçào segue sua ordem
direta, com seus termos naquela ordem acima, sem elementos intercala­
dos ou invertidos, nào é necessário o uso da vírgula. Mais que isso, c
sempre necessário pensar que a falta da vírgula, dentro da oraçào, e me­
lhor que seu uso, pois o aluno nunca deve utilizar a vírgula contra dispo­
sição expressa da regra gramatical.
Por isso, passamos a entender os casos em que o uso da vírgula é
proibido na norma culta.

5.5.2 Não use a vírgula


a) A vírgula nunca deve separar diretamente sujeito e predicado.
Daí a grande importância de, ao escrever, identificar-se onde
termina o sujeito, e inicia o predicado, pois lá não pode haver
vírgula.
O Egrégio Supremo Tribunal Federal decidiu favoravelmente ao
meu constituinte.
Lição 5: Escrevendo: estrutura da frase e pontuação 311

São, portanto, erradas as colocações abaixo:


A Colenda Quinta Câmara de Férias do Egrégio Primeiro Tribunal
de Alçada Civil de São Paulo, julgou todos os processos que lhe
foram submetidos.
A sentença, não foi fundamentada.
O Doutor Pedro Paulo, esteve aqui à sua procura.
Toda a jurisprudência, é favorável a meu cliente.

b) A vírgula jamais separa verbo e objeto.


O agravo conseguiu a reforma da sentença de primeira instância.

Sào erradas as construções abaixo:


Todos desejavam, sua presença.
Quero livrar-me, deste fardo.
O réu confirmou, todo seu depoimento.

c) A vírgula não deve separar nome e adjunto adnominal ou nome


e complemento nominal.
As caudalosas razões não tiveram efeito no reclame da decisão.

5.5.3 Use a vírgula


a) Para marcar a inversão ou a intercalação do adjunto adverbial
(que aparece, então, fora da ordem direta).
Ontem à noite, houve mais cinco homicídios na cidade.
Faça, se possível, uma homenagem a seus alunos.
O promotor de justiça, com fervor, postulava a condenação do réu.
Recentemente, não tenho visto decisões com esse teor.
O reclamante, presumivelmente, fala a verdade.
É o que, sucintamente, se tem a expor.
Em breve relatório, a autoridade policial deu realce ao documen­
to falso.
Nota: Quando a vírgula marca um termo intercalado, deve haver
uma vírgula no início e outra no fim desse termo. Veja o exemplo.
O reclamante, presumivelmente, fala a verdade.
Existem duas vírgulas para marcar a intercalação do advérbio. Caso
se usasse apenas uma, antes ou depois do adjunto adverbial, estar-se-ia,
312 Manual de Redação Forense

nesse exemplo, separando diretamente por vírgula sujeito e predicado, o


que já sabemos ser um erro grave. Veja o erro:
O reclamante, presumivelmente fala a verdade.
O uso de apenas uma vírgula causa a odiosa separação direta entre
elementos com ligação sintática direta. A vírgula deve isolar todo o ad­
junto adverbial, e por isso é importante conhecê-lo.
b) Para marcar a intercalação das conjunções.
O julgamento da apelação deve demorar. Peça, então, execução
provisória da sentença.
Soube que todos viriam. Contava, portanto, com minha presença.
c) Para isolar nome de lugar anteposto a data.
Brasília, 5 de outubro de 1988.
d) Para isolar expressões corretivas ou explicativas.
O governo disse que vai flexibilizar custas, ou seja, vai aumentar
tarifas e taxas de juros.
O indiciado, ou melhor, o declarante diz desconhecer qualquer
fato criminoso envolvendo seu irmão.
O fiscal disse que foi comprado, digo, que foi comprar flores no
estabelecimento do indiciado.
e) Para separar elementos coordenados, os que têm a mesma fun­
ção sintática.
Receptação, tráfico de drogas e estupro merecem penas mais
severas.
Contestarei os fundamentos da sentença, do acórdão e do des­
pacho denegatório de seguimento de recurso especial.
Falante, sorridente, simpático, conversador, o escrivão deixou
todos à vontade.
Nota: Veja como a conjunção “e”, iniciando o último elemento co­
ordenado, dispensa o uso da vírgula
f) Para demarcar a elipse do verbo.
As preliminares foram rejeitadas e o mérito, provido.
Ele fica com os melhores casos e eu, com as sobras.

Nota: Aceita-se, quando se usa o advérbio n ã o para acompanhar


verbo omitido, que a vírgula que demarca a omissão seja colocada antes
da negação. Ex.
Lição 5: Escrevendo: estrutura da frase e pontuação 313

Eu votei no atual presidente. Você, não.

g) Para isolar o aposto e o vocativo.


Esta causa, Excelências, merece especial atenção.
Pude checar, doutora, todas as certidões de seu cliente.
Meu cliente, homem renomado do mercado, não merece esse
achaque.
Sei que comprou um Rolex, relógio famoso e de alto custo.

Sào esses os casos principais de uso da vírgula. Eles nào resumem,


evidentemente, todas as possibilidades de inserçào de pausas no período,
pois foram apresentadas somente as regras que direcionam o uso da vír­
gula em períodos de uma única oraçào.
/

E a partir dessas regras, no entanto, que outras se desenvolvem,


como veremos. Importante, aqui, é guardar as necessidades principais da
vírgula na oração e, principalmente, os casos em que a pausa da escrita
não deve ser utilizada.

5.6 O período com mais de uma oração


Até o presente momento, vimos como se estrutura a oraçào, inclu­
indo a pontuaçào. O leitor percebe, no entanto, que essas dicas nào lhe
resolvem todos os problemas que possa haver de pontuaçào na escrita.
Isso é fato. Afinal, na enunciaçào das peças jurídicas utilizamo-nos de
estruturas mais complexas, ou seja, de períodos com mais de uma oraçào.
Exemplo:
0 réu, que é primário e de bons antecedentes, em momento algum
negou ser o autor do fato delituoso, o que lhe garante a atenuação da
pena, por força do quanto dispõe o artigo 65, III, d do Código Penal.

Sào orações diferentes:


1. O réu em momento algum negou
2. ser o autor do fato delituoso
3. que é primário
4. o que lhe garante a atenuação da pena
5. por força do quanto dispõe o artigo 65, III, d, do Código Penal.
O período é entào composto de cinco orações, todas elas organiza­
das de forma a tornar sua leitura compreensível e fluente. Cada oraçào é
314 M anual de Redação Forense

organizada em torno de um núcleo verbal (veja como, acima, sào os ver­


bos que determinam a existência de cada oraçào).
As orações ligam-se para formar o período, e travam entre si rela­
ções diversas, sendo uma complemento sintático de outra, ou pode entre
elas apenas haver relaçào de sentido. Para compreendermos toda a estru­
tura dos períodos, com suas diversos núcleos verbais, é necessário, tal
qual fizemos anteriormente quanto aos elementos da mesma oraçào,
conhecê-los um a um, para que o possamos identificar.

5.6.1 As orações subordinadas


Orações subordinadas sào aquelas que exercem uma funçào sintá­
tica em outra oraçào, denominada principal. As orações subordinadas,
como seu próprio nome sugere, dependem de uma outra estrutura - a
oraçào principal - para que assumam sentido completo. A oraçào subor­
dinada representa um complemento à principal. Vejamos como isso ocorre:
0 juiz julgará o caso amanhã.

Temos, na frase acima, apenas uma oraçào (há somente um verbo,


julgar). “Amanhà” é adjunto adverbial de tempo. Substitua-se esse adjun­
to adverbial por outra estrutura.
O juiz julgará o caso guando o Tribunal publicar o acórdão no
aaravo.

Toda a expressào sublinhada tem ainda sentido adverbial de tempo.


Indica-se quando o juiz julgará, assim como fazia o advérbio “amanhà”.
Entretanto, o trecho sublinhado nào se trata apenas de um adjunto adver­
bial. Agora há uma nova oraçào, vez que aparece um novo verbo, “publi­
car”. Dessa forma “quando o Tribunal publicar o acórdão no agravo” é uma
oraçào que faz as vezes de adjunto adverbial de tempo na oraçào original
(“o juiz julgará o caso”), chamada dc oraçào principal. Vejamos outros
exemplos:
Eu peço iustica.
Eu peço gue Vossas Excelências tomem a decisão mais iusta.
Na análise que já fizemos, fica fácil relembrar: o que representa,
sintaticamente, o vocábulo “justiça” na primeira frase? Objeto direto do
verbo “pedir” (verbo transitivo direto). Na segunda frase, o termo subli­
nhado continua sendo objeto direto do verbo pedir, mas agora trata-se de
Lição 5: Escrevendo: estrutura da frase e pontuação 315

uma oração (pois aparece o verbo “tomar”) que faz o papel de objeto
direto. A oraçào sublinhada, por ser parte —objeto direto —da principal, é
chamada oraçào subordinada substantiva objetiva direta. Temos, entào,
na estrutura:
Eu peço que Vossas Excelências tomem a decisão mais justa.

Uma oração principal: Eu peço


E uma oração subordinada: que Vossas Excelências tomem a
decisão mais justa.

Nas relações de subordinação, entào, ha uma oraçào principal c


outra, subordinada, que exerce uma funçào sintática naquela. E a partir
dessas funções que a oraçào subordinada assume quanto à principal que
se baseia sua classificação. As orações subordinadas podem ser:
a) substantivas.
b) adjetivas.
c) adverbiais.
Vamos conhecê-las cm mais detalhes.

5.6.1.1 Orações subordinadas substantivas


Oraçào subordinada substantiva é aquela que exerce funçào pró­
pria de substantivo na oraçào principal. Como substantivo, a oraçào su­
bordinada pode assumir o papel de sujeito, objeto direto, objeto indireto,
predicativo do sujeito, complemento nominal e aposto.
Desejamos sua presença.
Desejamos que você esteja presente.

Na primeira frase, “presença” é substantivo, objeto direto do verbo


“desejar”. Na segunda frase, “que você esteja presente” é oraçào que tem
a funçào própria do substantivo, pois substitui “presença”. A oraçào su­
bordinada, nesse caso, funciona também como objeto direto do verbo
desejar, sendo, entào, oraçào subordinada substantiva objetiva direta.
As orações subordinadas substantivas desenvolvidas sào geralmente
iniciadas pelas partículas “que” ou “se” denominadas conjunções inte­
grantes. Algumas vezes, podem vir iniciadas por pronomes interrogativos.
Perguntei quem representava o autor.
316 Manual de Redação Forense

Costuma-se utilizar uma técnica para reconhecer-se a oraçào su­


bordinada substantiva: substitui-se a oraçào pela palavra isso, pronome
que exerce a função de substantivo. Se a substituição de toda a oraçào
pela palavra isso for possível, está-se diante de uma oraçào subordinada
substantiva. Exs.:
Desejamos que você esteja presente.
Desejamos isso.
(Que você esteja presente = oração subordinada substantiva).

Corre a informação de que você ganhou mais uma causa.


Corre a informação disso.
(Que você ganhou mais uma causa = o. s. substantiva).

Perguntaram ao acusado se ele assumia a responsabilidade


delitiva.
Perguntaram ao acusado isso.
(se ele assumia a responsabilidade delitiva = o. s. substantiva).

Nota: Todas as orações subordinadas substantivas, entào, podem


ser substituídas por “isso”, conservando-se a mesma estrutura. Para que
o aluno perceba a eficiência desse método de reconhecimento, veja como
ele realmente nào funciona quando as orações que se pretende identificar
nào forem subordinadas substantivas:
Vide verso meu endereço, apareça quando quiser.
Vide verso meu endereço, apareça isso (impossível).

A procuração que se refere a crime contra a honra deve ser


específica.
A procuração isso deve ser específica (impossivel).

Ambos os trechos destacados sào orações subordinadas, mas nào


substantivas e sim adverbial temporal e adjetiva restritiva, especificamente
(veremos ambas adiante). Por esse motivo, a substituição por is s o nào faz
qualquer sentido.
As orações subordinadas sào classificadas pela funçào sintática que
exercem na oraçào principal. Isso resulta em seis tipos delas.
Lição 5: Escrevendo: estrutura da frase e pontuação 317

a) Objetiva direta.
A oração subordinada substantiva objetiva direta é aquela que tem
a função de objeto direto.
Desejamos que tenha sucesso.
O magistrado ordenou que se penhorassem as linhas telefôni­
cas.
Sabia que ele não iria sustentar tudo sozinho.
A desembargadora afirmou que não concorda com o voto do
relator.
Seu sócio perguntou se você virá hoje.

Todas as oraçòes em negrito sào objetos diretos de orações prin­


cipais.
Nota: Com a prática, o aluno conhecerá todas as orações subordi­
nadas no momento de escrevê-las. Enquanto a prática nào vem, vale este
método de reconhecimento. Acompanhe o exemplo.
A desembargadora afirmou que não concordava com o voto do
relator.
I. Para sabermos se a oraçào é subordinada, basta perceber que
ela nào faz sentido se isolada. Portanto, “que nào concordava
com o voto do relator” é oraçào subordinada, pois seu sentido
não é completo.
JL Para sabermos se a oraçào subordinada é substantiva, veja se
faz sentido a substituição por “isso”: A desembargadora afir­
mou isso. Faz sentido, a oraçào é subordinada substantiva.
III. Para saber qual o tipo de oraçào substantiva, basta ver a função
que o “isso”, na substituição, exerce na oraçào que sobra (ora­
çào principal).
A desembargadora afirmou que não concordava com o voto do
relator.
A desembargadora afirmou isso.
Isso = complemento (objeto direto) do verbo “afirmar".
Portanto, oração subordinada substantiva objetiva direta.

b) Objetiva indireta.
Oraçào subordinada substantiva objetiva indireta é aquela que
serve como objeto indireto à oração principal.
318 Manual de Redação Forense

Os pais do réu crêem em que ele se recupere.


Eu preciso de que você me prepare as razões de apelação.
O verbo “precisar*, no caso, é transitivo indireto, pois quem preci­
sa, precisa de alguma coisa (de que você me prepare as razões de
apelação = objeto indireto). Na substituição:
Eu preciso disso.
Disso = objeto indireto.

c) Subjetiva.
A oração subordinada substantiva subjetiva é aquela que funciona
como sujeito da oração principal.
É evidente que houve ameaça por arma de fogo.
É evidente isso = isso é evidente (sujeito).
O que é evidente? Que houve ameaça por arma de fogo.
É evidente = oração principal.
Que houve ameaça por arma de fogo = o. s. s. subjetiva.
É necessário que se produzam novas provas nos autos.
Parece que o juiz foi substituído.

d) Predicativa.
Oraçào subordinada substantiva predicativa é aquela que exerce,
na oraçào principal, a funçào de predicativo do sujeito.
Sua decisão é que o dano moral não é devido.
O fato é que a defesa foi mal elaborada desde o início.
As orações sào complementos do verbo de ligaçào (sua decisào
é o quê? “que o dano moral nào é devido.”) e, portanto, representam o
predicativo do sujeito da oraçào principal.
e) completiva nominal.
As substantivas completivas nominais sào aquelas que têm funçào
de complemento nominal.
Tenho certeza da sua vitória (“da sua vitória" = complemento no­
minal).
Tenho certeza de que você vencerá (o. sub. subs. completiva no­
minal).
O fato de que tenha o réu fugido não impede seu julgamento.
Mas subsiste o medo de que ele ameace as testemunhas.
Lição 5: Escrevendo: estrutura da frase e pontuação 319

f) Apositiva.
Oraçào subordinada substantiva apositiva é aquela que funciona
como aposto de um termo da oraçào principal.
Tomei uma decisão: que a partir de hoje não mais fumarei.
0 promotor fez sua proposta: que você passe a trabalhar em
obras sociais.

As orações em destaque funcionam como aposto, respectivamente,


de “decisào” e “proposta.
Das orações subordinadas substantivas, a apositiva é a única que
vem separada da principal, na ordem direta, por sinal de pontuaçào: vír­
gula ou dois pontos.

5.6.1.2 Orações subordinadas adjetivas


Orações subordinadas adjetivas sào aquelas que funcionam como
adjunto adnominal, referindo-se a um substantivo, explicando ou restrin­
gindo seu sentido. Vejamos:
0 homem elegante estava na festa (elegante - adjetivo = adjunto
adnominal de “homem”).

0 homem de terno preto estava na festa (de temo preto - adjunto


adnominal de “homem”).

0 homem que usava terno preto estava na festa

“que usava terno preto” é uma:


Oração - pela presença do verbo (usar)
Subordinada - porque não faz sentido sozinha.
Adjetiva - porque funciona como adjunto adnominal de homem
(homem elegante, homem de terno preto, homem que usava terno
preto...)
As orações subordinadas adjetivas sempre:
a) Referem-se a um nome da oraçào principal.
b) Iniciam-se por pronome relativo (que, o qual, a qual, os quais,
as quais, onde, cujo ...)
Nota 1: Regra prática para reconhecer se a partícula “que” é prono­
me relativo é substituí-la por o qual, os quais, a qual ou as quais. Sendo
possível a substituição, o “que” é pronome relativo.
320 Manual de Redação Forense

A sentença que decidiu a apelação não foi devidamente funda­


mentada.
A sentença a qual decidiu a apelação não foi devidamente funda­
mentada.
que = pronome relativo.
que decidiu a apelação = oração subordinada substantiva.

Nota 2: Perceba o aluno como, nas orações subordinadas adjetivas,


a regra da substituição de toda a oraçào pelo termo “isso” nào é possível.
A sentença que decidiu a apelação não foi devidamente funda­
mentada.
A sentença isso não foi devidamente fundamentada. (??)

As orações subordinadas adjetivas dividem-se em apenas dois ti­


pos: as restritivas e as explicativas. Conhecer a diferença entre ambas é
de suma importância para quem redige, pois nào apenas essa diferencia­
ção implica uso totalmente diverso dos sinais de pontuação, como tam­
bém, não raras vezes, sentido totalmente diverso.
Vejamos,
a) Restritivas.
As orações adjetivas restritivas sào aquelas que restringem o senti­
do do termo a que se referem. Ex.:
A r. decisão que indeferiu a produção de prova afronta o princípio
do contraditório.

Oração principal: A r. decisão afronta o princípio do contraditório.


O. subordinada adjetiva restritiva: que indeferiu a produção de
prova.

A oraçào subordinada modifica o sentido do substantivo “decisão”,


restringindo-o. No processo em que o autor faz essa alegação, pode haver
várias decisões: a que aceitou a inicial, a que decidiu o mérito em primei­
ra instância, a que rejeitou os embargos de declaração, o acórdão que
decidiu a demanda em segundo grau de jurisdição... Mas, das várias deci­
sões que podem existir no processo, o autor se refere a uma específica, a
que indeferiu a produção de prova. Daí a se dizer que, do amplo sentido
que pode ter o termo “decisão”, a oração subordinada adjetiva serviu para
restringi-lo, ou seja, torná-lo mais específico. Vejamos outros exemplos:
O prédio onde moro tem sérios problemas de construção.
Liçào 5: Escrevendo: estrutura da frase e pontuação 321

Qualquer prédio? Não. Aquele onde moro.

Meu primo que mora em Londres escreveu dizendo que vai ca­
sar-se.
Qual dos primos? Aquele que mora em Londres.

A moça que trabalha na limpeza veio pedir aumento.


Qual moça? Aquela que trabalha na limpeza.

O preceito constitucional que garante o devido processo legal é


um dos incisos do artigo quinto.
O homem que carregava uma mala preta veio conversar
comigo hoje.
Todos querem que seja condenado o homem que matou os pró­
prios irmãos.
O advogado disse que a sentença que me condenou é nula.

Nota: A oraçào subordinada adjetiva restritiva nunca vem separa­


da da oraçào principal por vírgula.
b) Explicativas.
As orações subordinadas adjetivas explicativas modificam um ter­
mo da oraçào principal que nào necessita restriçào. Assim, as explicativas
procuram apenas dar mais informações sobre ele, realçando alguma de
suas qualidades. Vejamos:
Minha mãe, que já é falecida, sempre pedia que eu não entrasse
na vida política.

“Que já é falecida” é oraçào que modifica os termos “minha màe,\


Todavia, nào se pode dizer que o restringe, pois nào é razoável imaginar
que aquele que profere a frase tenha várias màes, e esteja se referindo
àquela que já faleceu. Portanto, a oraçào “que já é falecida” serve para
dar uma informação a mais a respeito daquele termo, màe.
O artigo 43 do Código Penal, que trata das penas alternativas,
foi alterado.
A oraçào adjetiva “que trata das penas alternativas” é explicativa
porque nào há como restringir a expressão “O artigo 43 do Código Pe­
nal”. Quem vai ao CP encontra apenas um artigo 43. Qualquer informa­
ção a respeito dele é meramente explicativa, nào restringe seu sentido.
322 M anual de Redação Forense

A oração adjetiva explicativa é sempre demarcada pela vírgula, para tor­


nar-se diferente da oração restritiva, que nào a admite. Veja outros exem­
plos:
Meu pai, que não sabe dizer não, acabou cedendo às minhas
pressões.
O prefeito, que não tem sequer o primeiro grau completo, faz
belos discursos.
0 governador aprovou a licitação, que desde já conta com sus­
peita de fraude.
O discurso do Presidente, que era longo e tedioso, não surtiu o
efeito pretendido.
/

E importante deixar bem fixada a diferença entre oração subordi­


nada adjetiva restritiva e explicativa, pois ela nào é exatamente gramati­
cal, pois tem a ver com o sentido que se pretende dar ao texto. Como as
orações subordinadas adjetivas sào muito comuns na escrita jurídica —e
nào são raros os erros em seu uso —vale a pena treinar um pouco mais sua
identificação. Nunca se esquecendo que as orações explicativas sào isola­
das por vírgula, enquanto as restritivas nào a admitem, vejamos as com­
parações abaixo:
A decisão que negou nova intimação ao requerente é ilegal -
restritiva.
A decisão defls. 110, que negou nova intimação ao requerente, é
ilegal - explicativa.

Na primeira oração, o autor pretendia restringir o termo “decisão”,


uma vez que pode haver várias decisões no processo, mas ele quer afir­
mar sobre aquela que negou nova intimação. Na segunda oraçào, o autor
nào sentiu a necessidade de restringir o termo anterior, pois supõe-se
haver apenas uma decisào de fls. 110. Portanto, qualquer qualidade que
se apresente a respeito da (única) decisào de fls. 110 tem sentido
explicativo, e nào restritivo.
O Ministro da Fazenda que implantou o Plano Cruzado era um
empresário - restritiva.
O Ministro da Fazenda, que se encontra em Nova Iorque, não
quis dar entrevista - explicativa

Na primeira oração adjetiva, o autor pretendia restringir os termos


“Ministro da Fazenda”. Dos vários Ministros da Fazenda que já houve,
queria referir-se àquele que implantou o Plano Cruzado, identificando-o
Lição 5: Escrevendo: estrutura da frase e pontuação 323

ao leitor. Na segunda frase, o autor nào sentiu a necessidade de restringir


o sujeito “Ministro da Fazenda”, pois achava estar implícito que se trata
do atual ministro. Assim, a qualidade que dá a respeito do sujeito (“que
se encontra em Nova Iorque ”) é explicativa.
Meu irmâo que é músico vai para a Europa - restritiva.
Meu irmão, que é músico, vai para a Europa - explicativa.

Na oraçào restritiva, o autor dá a entender que tem vários irmàos.


Somente um deles —que é músico - vai para a Europa. Na oraçào
explicativa, o autor dá a entender que tem apenas um irmào, pois a infor­
mação “que é músico”, porque está entre vírgulas, nào procura restringir,
mas explicar. Na oração explicativa, se o sujeito da oraçào nào é o único
irmào do interlocutor, ele deixa claro que o ouvinte sabe sobre qual ir­
mào está falando. Caso contrário, a oraçào nào poderia ser restritiva, mas
explicativa. Perceba, nos exemplos, a intençào de restringir ou de explicar:
O advogado que litiga nesta causa é muito experiente.
O Doutor Mário, que litiga nesta causa, é muito experiente.

O país que tem o melhor carnaval é o que tem maior desigual­


dade.
0 Brasil, que tem o melhor carnaval do mundo, é um país de
grande desigualdade.

Meu sócio que faz direito trabalhista infelizmente não virá hoje.
Meu sócio, que comprou um carro novo, está em litígio com a
concessionária.

O bairro onde moro está uma sujeira.


O bairro do Bixiga, onde moro há anos, está uma sujeira.

Quando elemento a que a oraçào adjetiva se refere já está bem


identificado ao leitor, por qualquer motivo, a oraçào deve ser explicativa,
isolada por vírgulas. Se a informação procura definir o termo a que se
refere, identificá-lo, a oração adjetiva deve ser restritiva, sem vírgulas.

5.6.1.3 Orações subordinadas adverbiais


Orações subordinadas adverbiais sào aquelas que funcionam como
adjunto adverbial da oraçào principal. Ex.:
Mediante recibo, entrego-lhe toda a documentação que desejar.
324 Manual de Redação Forense

Se você assinar um recibo, entrego-lhe toda a documentação


que desejar.

“Mediante recibo” é adjunto adverbial em relaçào à primeira frase.


“Se você assinar um recibo” , já com um verbo, temos uma oraçào subor­
dinada adverbial, que faz as vezes de adjunto adverbial da oraçào principal.
Às duas horas, eu entrarei na sala de aula.
Quando o relógio bater duas horas, eu entrarei na sala de aula.

As duas horas: adjunto adverbial.


Quando o relógio bater duas horas: oração subordinada adverbial.

As orações subordinadas adverbiais sempre vêm iniciadas por uma


conjunção (que não é a conjunção integrante, pois essa se reserva às su­
bordinadas substantivas). Os gramáticos costumam apontar nove tipos
distintos de orações subordinadas adverbiais. Veremos todos eles, menos
para fixar propriamente sua classificação, mas mais para que possamos
identificar as adverbiais ao redigir, pois elas determinam o bom uso da
vírgula.
Vamos a eles:
a) Causai.
A oraçào subordinada adverbial causai é aquela que indica a causa
do que se declara na oração principal.
Porque suas razões foram protocoladas a destempo, deixo de
conhecer do recurso.
Deve-se conceder ao réu o direito de apelar em liberdade, visto
que em momento algum procurou frustara instrução processual.
Como a execução do crime estava apenas iniciando, é imperativo
que sua pena seja reduzida no máximo legal em virtude da tentativa.

b) Consecutiva.
Sào aquelas que evidenciam a conseqüência, o efeito do que é
dito na oraçào principal. Esse tipo de oração é geralmente iniciado pela
conjunção que, após “tanto” ou expressão equivalente.
Tão efetiva foi a intimidação causada pela arma de brinquedo que
as vítimas clamavam para que o meliante não atirasse.
Tanto queriam lesar o credor que retroagiram a data da venda do
imóvel.
Lição 5: Escrevendo: estrutura da frase e pontuação 325

O contrato foi feito de tal sorte que não se lhe pode discutir qual­
quer cláusula.

c) Condicional.
As orações condicionais, muito comuns na redação jurídica, sào
aquelas que exprimem uma condição necessária para que ocorra o que a
oraçào principal prescreve. Sào, geralmente, as orações iniciadas por “se”
ou outra conjunção de mesmo sentido.
Se cair a noite, nós não conseguiremos voltar.
Você só terá alguma chance de resultado caso redija bons
memoriais.
Vera disse que voltaria se eu lhe preparasse um bom leitão as­
sado.
Liberte-se o réu, se por al não estiver preso.
Eu aceito, desde que haja um bem em garantia, os termos do
contrato.

d) Concessiva.
Orações subordinadas adverbiais concessivas são aquelas que fa­
zem uma concessão ao quanto está sendo afirmado na oração principal.
Ou seja, assumem como verdadeira uma afirmação contrária à da oraçào
principal, o que, todavia, nào joga por terra a força desta. As conjunções
concessivas mais comuns são “embora” e “ainda que” ou equivalentes.
Não obstante o Ministério Público entenda injusto o veredito do
Conselho de Sentença, é certo que este não decidiu em desconfor-
midade com a prova processual.
Terá de refazer o contrato, ainda que pague caro por isso.
Mesmo que o cliente não esteja pagando, vou recorrer da decisão.

e) Conformativa.
As orações subordinadas adverbiais conformativas expressam a con­
formidade do quanto está na oraçào principal com uma outra assertiva,
a da oraçào subordinada. Sào as principais conjunções conformativas:
conforme, segundo e como.
As guias devem ser recolhidas diretamente no banco, como eu já
lhe mostrei.
Consoante o que ensina o professor Pontes de Miranda, contra­
to é ato bilateral.
326 M anual de Redação Forense

Somente pede-se que tudo seja feito conforme determina o ve­


nerando acórdão.
Espero que tudo aconteça como foi combinado.

f) Final.
As orações subordinadas adverbiais finais expressam a finalidade,
o escopo daquilo que é afirmado na oraçào principal. “A fim de que” é
uma forma comum de iniciar uma oração subordinada final.
A fim de que não se possa alegar ignorância, vai a presente em
duas cópias.
Eu vim para que todos tenham vida.
Para que eu possa juntá-las aos autos, as cópias devem ser
todas autenticadas.

g) Comparativa.
A oraçào comparativa representa o segundo termo de uma compa­
ração, de que faz parte a oraçào principal.
Falou como um advogado de anos de profissão.
Existe mais honestidade na palavra de um bandido que de um
político.
O homem trabalhou tanto quanto um cavalo.

Nota: Os trechos em negrito sào orações, mas o aluno pode perceber


que lhes falta verbo. Sào orações porque o verbo está elíptico, escondido.
Falou como um advogado de anos de profissão (fala).
Existe mais honestidade na palavra de um bandido que (há na)
de um político.
O homem trabalhou tanto quanto um cavalo (trabalha).

h) Temporal.
As orações subordinadas adverbiais temporais situam no tempo o
fato que é expresso na oração principal.
Assim que os autos voltarem à mesa, copie o relatório.
Quando for iniciar a sustentação, faça a saudação ao juiz presi­
dente.
Não se esqueça de ligar logo quando chegar.
Enquanto o recurso é julgado, execute provisoriamente
a sentença.
Lição 5: Escrevendo: estrutura da frase e pontuação 327

Ao mesmo tempo em que falo no telefone, jogo paciência no


computador
Falava, quando você chegou, dos males causados pelo cigarro,

i) Proporcional.
As orações proporcionais sào iniciadas por expressões como “ao
passo que”, “à medida que” e “à proporção que”, e indicam açào que
ocorre proporcionalmente à açào indicada na oraçào principal.
À medida que o promotor falava, os jurados criavam repulsa pelo
réu.
Minhas dívidas cresceram ao passo que os impostos iam au­
mentando.
Os memoriais são tão mais convincentes quanto menos deta­
lhados.
Quanto mais você gritar, menos lhe vão respeitar.

Sào esses os tipos de oração subordinada adverbial. Como todo


elemento de índole adverbial, são várias as possibilidades de construção
e sua classificação é dada pela relaçào de sentido que há quanto ao ele­
mento modificado, no caso a oraçào principal. Identificar, quando se es­
creve, uma oração adverbial é de primordial importância, também por
causa da pontuaçào.

5.6.1.4 Orações subordinadas reduzidas


Ao estudarmos as orações subordinadas nos tópicos anteriores, vi­
mos que todas elas se iniciavam ou por conjunção ou, no caso das adjetivas,
por pronome relativo. Mas existem orações subordinadas que, por meio
do uso de formas nominais do verbo, aparecem no texto de maneira redu­
zida, dispensando o uso da conjunção.
As orações reduzidas são, desse modo, aquelas que se utilizam de
uma das formas nominais do verbo (gerúndio, infinitivo e particípio)
para exprimir o mesmo sentido de uma oraçào subordinada desenvolvi­
da, esta que se inicia sempre por conjunção ou pronome relativo. Veja­
mos exemplos:
Se o réu estiver preso, seu julgamento deve ser marcado para
breve.
Se o réu estiver preso: oração subordinada adverbial condicional
desenvolvida.
328 Manual de Redação Forense

Estando preso o réu, seu julgamento deve ser marcado


para breve.
Estando preso o réu: oração subordinada adverbial condicional
desenvolvida.

Veja como o verbo “estar”, aparecendo na forma nominal de


gerúndio (estando), fez dispensar a conjunção condicional “se”, mas con­
servou o mesmo significado da oraçào desenvolvida.
Nota: Nào custa lembrar em mais detalhes quais são as formas no­
minais dos verbos. Tenhamos dois exemplos, os verbos “fazer” e “andar”:
Andar.
Infinitivo: andar.
Gerúndio: andando.
Particípio: andado.

Fazer.
Infinitivo: fazer.
Gerúndio: fazendo.
Particípio: feito.

No português, existe o chamado infinitivo pessoal ou infinitivo


flexionado. Sua utilização é mais complexa, e envolve relação entre ver­
bos c sujeitos, em lição de concordância que veremos adiante. O infinitivo
flexionado é montado com a utilização do infinitivo comum mais a termi­
nação da pessoa que rege a flexào (primeira, segunda ou terceira, do sin­
gular ou plural). Vejamos.

Infinitivo Flexionado
Andar
Eu - andar
Tu - andares
Ele - andar
Nós - andarmos
Vós - andardes
Eles - andarem

Fazer.
Lição 5: Escrevendo: estrutura da frase e pontuação 329

Eu - fazer.
Tu -fazeres
Ele - fazer
Nós - fazermos
Vós - fazerdes
Eles - fazerem

As orações reduzidas podem ser, entào, de gerúndio, de partici-


pio, ou de infinitivo, dependendo da forma nominal de que se utilizam
para evitar o uso da conjunçào ou do pronome relativo.
a) Orações subordinadas reduzidas de gerúndio.
A maioria das orações subordinadas reduzidas dc gerúndio tem fun-
çào adverbial. Mas aparecem, também, adjetivas e substantivas. Ex.:
Encontramos o preso furando um buraco na cela.
= Que furava um buraco na sala - oração adjetiva.

Acreditando jamais fosse descoberta a verdade, o acusado


mentia.
= Porque acreditava que a verdade jamais fosse descoberta -
oração adverbial causai.

Chegando a precatória, encarregue-se de seu cumprimento.


= Quando a precatória chegar - oração adverbial temporal.
Sendo eleito, construirei casas para.os menos favorecidos.
= Se for eleito - oração adverbial condicional.

Sendo o réu primário, sua pena-base é fixada no mínimo legal.


= Porque o réu é primário - oração adverbial causai.

A única maneira de se sobreviver é esta: conversando com o


inimigo.
= Que se converse com o inimigo - oração substantiva apositiva.
Nota 1: É evidente que a oraçào reduzida, por deixar de apresentar
a conjunçào, perde parte de seu sentido, que deve ser depreendido pelo
contexto. Veja o exemplo abaixo:
Chegando a documentação, eu lhe preparo todo o parecer.
A oraçào em negrito é sem dúvida uma oração adverbial. Entre­
tanto, pode assumir dois sentidos: temporal e condicional. Quem diz “che-
330 Manual de Redação Forense

gando a documentação” pode estar querendo dizer “quando a documen­


tação chegar” ou “se a documentação chegar”. A diferença de sentido
entre ambas é muito relevante, pois enquanto a primeira toma fato certo
a chegada da documentação, a segunda o põe em dúvida.
*

E assim que as orações reduzidas sào bom recurso para aquele que
escreve o texto, vez que evitam a repetiçào de conjunções. Entretanto,
deve-se estar atento para o fato de, ao reduzir-se a oraçào, nào lhe preju­
dicar o sentido.
Nota 2: As orações reduzidas devem ser empregadas com comedi-
mento, pois elas —principalmente as de gerúndio —quando usadas exces­
sivamente, tomam a leitura cansativa e o estilo pobre.
b) Orações reduzidas de particípio.
Orações reduzidas de particípio sào adverbiais ou adjetivas, e se
utilizam dessa forma nominal do verbo. Exs.:
O réu, condenado a quatro anos de detenção, cometeu
novo crime.
= Que foi condenado a quatro anos de detenção - oração adjetiva
explicativa.

Assustado com a onda de crimes, a vitima andava sempre ar­


mada.
= Porque se assustara com a onda de crimes - oração adverbial
causai.

Juntadas as contra-razões de apelação, enviem-se os autos ao


MP para parecer.
= Quando juntarem as contra-razões de apelação - oração adver­
bial temporal.

Apreciadas as questões preliminares, passo ao mérito.


= Porque apreciei as questões preliminares - oração adverbial
causai.

c) Orações reduzidas de infinitivo.


O verbo no infinitivo serve, geralmente, para a redução das ora­
ções subordinadas adverbiais e substantivas.
O réu, por estar preso há mais de três anos, faz jus ao regime
semi-aberto.
Lição 5: Escrevendo: estrutura da frase e pontuação 331

= Porque está preso há mais de três anos - oração adverbial


causai.

Eu espero ficar rico com esta causa.


= Que fique rico com esta causa - oração substantiva objetiva
direta.

O melhor a fazer é recorrer da decisão.


= Que recorramos da decisão - oração substantiva predicativa.

O governo necessita manter a taxa de juros.


= Que se mantenha a taxa de juros - oração substantiva objetiva
direta.

Ao terminar os cumprimentos, faça saudação à platéia.


= Quando terminarem os cumprimentos - oração adverbial tem­
poral.

As reduções são importantes àquele que redige, para evitar o exces­


so de conjunções, principalmente o que. Assim, quando utilizar uma ora­
ção subordinada, o redator pode pensar, para variar seu estilo, em aplicar
uma das três formas nominais do verbo para modificar seu mode de
enunciação.
E importante que se identifique na oração reduzida seu correspon­
dente desenvolvido, pois é ele que rege o uso da pontuação, como se verá
mais à frente.

5.6.2 Orações coordenadas.


Vimos como se estrutura uma oraçào, o conjunto de palavras que
gira em torno de um núcleo verbal. Vimos, também, que os períodos que
escrevemos nas redações jurídicas normalmente são compostos, ou seja,
têm mais de uma oração e, por isso, sua estruturação e sua pontuação são
mais complexos. A partir disso, estudamos as orações subordinadas, ou
seja, aquelas que exercem uma funçào sintática (objeto direto, indireto,
aposto, complemento nominal, predicativo do sujeito, sujeito, adjunto ad­
nominal e adjunto adverbial) em uma oraçào.
São, sem dúvida, as relações de subordinação a de identificação
mais complexa, pois envolvem três tipos de oração, com várias subdivisões.
332 Manual de Redaçào Forense

No entanto, existem períodos compostos por orações que nào guar­


dam nexo sintático entre si, ou seja, uma nào exerce funçào sintática na
outra. Sào as orações independentes, que nào têm relaçào entre si que
nào a de significado.
Na gramática, quando elementos de funçào sintática igual sào co­
locados lado a lado, dizemos que eles sào coordenados. Entào, as orações
que nào se subordinam, que nào trazem entre si relaçào hierárquica, de
funçào sintática, sào chamadas coordenadas. Ex.:
0 executado entrou na agência bancária, fez seu empréstimo
com o gerente, assinou contrato, levantou o dinheiro, gastou-o e
agora não paga os juros.
Todos os verbos em negrito determinam uma oraçào diferente, mas
nào se pode dizer que alguma delas seja si/botxlinada a outra, pois cada
uma determina uma açào diferente, independente uma da outra. Todas as
orações têm, isoladas, elementos sintáticos completos, nào dependendo
de outra oraçào para que possam fazer sentido ao leitor.
As orações coordenadas podem ser sindéticas e assindéticas.

5.6.2.1 Orações coordenadas assindéticas


As orações coordenadas assindéticas sào aquelas em que nào há
conjunçào, ou seja, não há conetivo para iniciá-la. No lugar do conetivo,
usa-se sinal dc pontuação, como a vírgula ou o ponto-c-vírgula.
Note bem: O ponto-e-vírgula somente pode ser utilizado para se­
parar orações coordenadas. Jamais separe por ponto-e-vírgula orações su­
bordinadas.
Um dia é da caça; outro é do caçador.
O magistrado não deu oportunidade de defesa, não ouviu as tes­
temunhas, não fundamentou o julgamento.
Entrou em casa, foi à cozinha, abriu a geladeira, tirou do congela­
dor uma vodea, bebeu tudo.
A testemunha enxerga pouco, é surda de um ouvido, tem idade
avançada.

5.6.2.2 Orações coordenadas sindéticas


Orações coordenadas sindéticas sào aquelas em que aparece a par­
tícula conetiva, um elemento de ligaçào entre a oraçào sindérica e outra
coordenada. Quando se diz:
Lição 5: Escrevendo: estrutura da frase e pontuação 333

Redigi as razões, mas ainda não as protocolei.

Há duas orações. A primeira, “Redigi as razões”, é coordenada


assindética e a segunda, “mas ainda nào as protocolei”, é coordenada
sindética, pois nela aparece a conjunção adversativa “mas”.
Sào cinco os tipos de orações coordenadas sindéricas, adiante es­
miuçados.
j

a) Aditivas.
Sào iniciadas geralmente pela conjunção “e”, embora outras haja
que expressem o mesmo de adição, de soma de idéias.
Trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua.
Comi e bebi por conta da casa.
Nem empresto dinheiro, nem assino como fiador.
0 v. acórdão não só aumentou a pena, mas também tornou mais
grave seu regime.

b) Advetsativas.
As adversarivas iniciam-se por conjunção que procura mostrar opo­
sição, contraste com idéia de outra otaçào coordenada.
Comi mas não paguei.
0 quantum da indenização merece ser majorada, todavia devem-
se observar os limites legais.
O réu chorava copiosamente, porém não parecia haver perdido
sua razão.
Você quer participar dos lucros, mas não deseja trabalhar.

c) Alternativas.
As orações coordenadas sindéricas alternativas expressam duas ou
mais idéias que se alternam ou se excluem. Geralmente, sào marcadas
pela conjunção “ou”.
Ou deixar a pátria livre, ou morrer pelo Brasil.
Recorra da decisão ou contente-se com esse resultado.
Dependendo de questões política, ora se aceita uma tendência
mais liberal, ora se cumpre a lei com draconiano rigor.

d) Conclusivas.
Iniciadas na maioria das vezes pelas conjunções “portanto” ou
“logo”, enunciam uma conclusão de uma oraçào anterior.
334 M anual d e Redação Forense

0 réu não cometeu crime depois de haver contra ele sentença


transitada em julgado, portanto não se pode falar em reincidência.
As razões do apelante são todas baseadas em prova unilateral-
mente produzidas, logo não se lhe pode dar qualquer valor.
0 genitor ainda está vivo, por conseqüência não há que se discu­
tir qualquer herança.

e) Explicativas.
As orações coordenadas explicativas exprimem o motivo, a razào
de uma afirmação anterior.
Não tire qualquer conclusão, pois você ainda não ouviu as ra­
zões da defesa.
Exponha todos os detalhes, que a causa é muito complicada.
Não fui eu quem redigiu esse texto, porque não cometo tantos
erros de grafia.

5.7 A vírgula entre as orações do período


Para completar o estudo do uso da vírgula, resta conhecer as regras
de sua aplicação para separar orações. Identificadas as orações, seus
tipos, o uso da vírgula em todo o período é trabalho simples, mera conse­
qüência. Vejamos.

5.7.1 As orações subordinadas substantivas


As orações subordinadas substantivas não são separadas por vírgu­
la da oração principal, exceção feita à subordinada apositiva. Esta, por­
que tem funçào de aposto, vem sempre isolada da oraçào principal por
meio de vírgula ou de dois pontos. Exs.:
Eu queria que você soubesse de tudo (objetiva direta).
É impossivel que não haja nada nos autos (subjetiva).
Só lhe faço uma observação: que não desrespeite seus colegas
(apositiva).

Portanto, são erradas as construções abaixo, porque separam por


vírgula a oraçào principal de oraçào subordinada substantiva (nào
apositiva):
A testemunha diz, que todos os tiros foram efetuados por uma só
arma.
Lição 5: Escrevendo: estrutura da frase e pontuação 335

O Supremo Tribunal Federal tem decidido, que não há crimes


nesses casos.
Só haveria discórdia se ele soubesse, que todos os recibos são
falsos.
Desconfiei mas não tinha certeza, de que todos os recibos eram
falsos.
Não cabe agora a afirmação, de que o autor não pode arcar com
custas.

5.7.2 Orações subordinadas adjetivas


A vírgula nas orações subordinadas adjetivas segue regras diferen­
tes para cada um dos seus dois tipos.
a) As adjetivas restritivas nào sào separadas por vírgula.
O acórdão que decidiu o agravo é visivelmente contraditório.
O funcionário que me atendeu disse que tudo estava resolvido.

Quando a adjetiva restritiva tem grande extensào, aceita-se que se


separe da oração principal por meio de uma vírgula.
O homem que me forneceu todos os formulários impressos, dis­
se para que eu recolhesse as taxas no banco do fórum

b) As adjetivas explicativas sempre sào isoladas por vírgula.


O advogado, que me pareceu muito sério, enviou sua proposta
de acordo.
A sentença de fls. 115, que decidiu o agravo, está muito bem
fundamentada.

Nota: O uso da vírgula, como se pode perceber, define o sentido


explicativo ou restritivo da subordinada adjetiva. Daí ser necessário re­
dobrada atenção, para que se evite alteração grave no sentido de todo o
período. Vejamos um exemplo:
Ganham poucas causas os advogados que têm preguiça de ana­
lisar os autos (restrítiva).
Ganham poucas causas os advogados, que têm preguiça de ana­
lisar os autos (explicativa).

Veja como a vírgula altera totalmente o sentido da frase. Na pri­


meira, a oraçào adjetiva diz que somente os advogados que têm preguiça
nào ganham as causas. Na segunda, afirma-se que todos os advogados
têm preguiça.
336 Manuai de Redação Forense

5.7.3 Orações subordinadas adverbiais


As orações subordinadas adverbiais podem ser separadas por vír­
gula da oração principal quando forem pospostas a esta.
Redija memoriais, para poder contraditar o parecer do Ministé­
rio Público.
Redija memoriais para poder contraditar o parecer do Ministé­
rio Público.

Ambos os exemplos acima sào corretos, vez que a oraçào subordi­


nada adverbial (final, no caso) vem depois da oraçào principal.
Todavia, quando a oraçào subordinada adverbial vier anteposta à
oraçào principal, ou nela intercalada, o uso da vírgula é obrigatório.
Para poder contraditar o parecer do Ministério Público, redija
memoriais.
Redija, para poder contraditar o parecer do Ministério Público,
memoriais.

Se você me garantir um bom resultado, pedirei que ingresse


com o recurso.
0 jornalista, desde que conte com autorização expressa, exime-
se da responsabilidade penal.
Tenha, antes de comparecer à reunião, todos os documentos
em mãos.
Como um político experiente, ele discursou na tribuna.

5.7.4 Orações subordinadas reduzidas


As regras que valem para as orações subordinadas desenvolvidas,
valem para as reduzidas. Por isso, é importante sua identificaçào por aquele
que redige, evitando erros grosseiros de pontuaçào.
Redigida a ata, avise-me na sala dos advogados.
Redigida a ata: oração subordinada adverbial reduzida de particí­
pio. Como vem anteposta à oração principal, necessita da vírgula.

0 promitente-vendedor afirmou ter vários outros imóveis nesta


comarca.
Ter vários outros imóveis nesta comarca: oração subordinada
substantiva reduzida em infinitivo. Por ser substantiva, não admite a
vírgula.
Lição 5: Escrevendo: estrutura da frase e pontuação 337

Encontrei seu pai, usando gravata borboleta.


Usando gravata borboleta: oração subordinada adjetiva explicativa
reduzida em gerúndio. Por ser adjetiva explicativa, necessita
de vírgula.

5.7.5 Orações coordenadas


A vírgula entre orações coordenadas seguem as regras abaixo:
a) As orações coordenadas assindéticas são sempre separadas en­
tre si por vírgulas.
Fiz a inicial, redigi a réplica, impetrei agravo de instrumento.
O indiciado surpreendeu a vitima, rendeu-a, bateu nela, tentou o
estupro.

b) As orações coordenadas sindéticas sào também isoladas por


vírgulas.
O relator e o revisor deram voto a nosso favor, mas parece que o
terceiro juiz irá negar provimento ao recurso.
Meu cliente fez o pagamento, mas não pegou recibo.
Seu recurso já foi julgado, pois a vara de origem determinou o
cumprimento do acórdão.
Ou você recorre, ou eu contrato outro advogado.
Todavia, as orações coordenadas aditivas iniciadas pela conjunção
“e” podem dispensar a vírgula.
Correu muito e ficou cansado.
O reclamante fez hora extra e trabalhou durante suas férias.

Recomenda-se, entretanto, o uso da vírgula separando orações


aditivas iniciadas pela conjunção “e” quando forem diferentes os sujeitos
de cada oração coordenada. Ex.:
O desembargador deu voto a nosso favor, e o terceiro juiz
pediu vista.

Nota: A conjunção “e” pode, raras vezes, funcionar com valor


adversativo. Nesse caso, exige vírgula. Ex.:
Usufruí dos seus serviços, e não os paguei.
338 Manual de Redação Forense

5.8 Conclusão e exercícios


Conhecer a estrutura gramatical das orações é essencial, como já se
disse. Sem esse conhecimento, com toda a certeza o texto nào se estrutu­
ra, no que concerne à enunciaçào. Entretanto, sabendo os termos grama­
ticais, a colocaçào da vírgula, os elementos imprescindíveis à oraçào, nào
apenas o aluno consegue uma escrita mais segura e rápida, como também
tem a garantia de que seu texto é estruturalmente claro ao leitor.
*
E essa a grande vantagem do estudo das regras da língua, ao menos
no nível de conhecimento do advogado. Uniformizar a escrita, tornar sua
disposição correta é a garantia de um texto cuja leitura é fluente nào só
para aquele que escreve, mas para todos que o lêem.
A partir dessa estrutura ditada pelas normas da língua, o escritor
pode criar todo o conteúdo do texto, utilizar as palavras que entender
necessárias, colocar as idéias e os argumentos que entender mais persua-
sivos. Essa estrutura tira grande parte do “entrave” no momento de es­
crever, pois a dificuldade de redigir vem, muitas vezes, do desconheci­
mento dos caminhos gramaticais da enunciaçào do texto.
Para dar continuidade ao nosso trabalho, veremos algumas dicas de
construção de frases e de parágrafos, de enumeração de idéias, para aju­
dar a conceder a “seqüência” o pefeurso de exposição nas petições mais
longas, que necessitam de maior fundamentação ou que têm maior con­
teúdo informativo.
Desse modo o aluno terá maiores elementos para dar o “recheio” a
uma petição, expor o que em cada caso há de individual, de específico.
LiçSo 5: Escrevendo: estrutura da frase e pontuação 339

RESUMO: ORAÇÕES.
PERÍODOS COMPOSTOS.
Período composto: orações subordinadas ou coordenadas.
1. Oração Subordinada: funciona como termo de uma principal.
1.1 Substantiva: composto oracional que exerce função pró­
pria do substantivo.
a) Subjetiva: tem funçào de sujeito.
b) Objetiva Direta: objeto direto.
c) Objetiva Indireta: objeto indireto.
d) Predicativa: predicativo do sujeito.
e) Completiva Nominal: complemento nominal.
f) Apositiva: aposto.
1.2 Adjetivas: têm lugar, na oração principal, de adjunto adno­
minal:
a) restritivas: individualizam um elemento no
conjunto.
b) explicativas: funcionam como explicação ou ên­
fase.
1.3 Adverbiais: desempenham função própria de adjunto ad-
verbial.
a) temporais
b) causais
c) consecutivas
d) condicional
e) comparativa
f) conforma tiva
g) concessiva
h) proporcional
0 final
Orações reduzidas
a) gerúndio
b) particípio
340 Manual de Redação Forense

c) infinitivo
2. Orações coordenadas: orações colocadas lado a lado, sem que
uma seja termo integrante da outra, ou seja, nào existindo rela-
çào sintática entre elas.
2.1 Orações coordenadas assindéticas.
2.2 Orações coordenadas sindéticas.
a) aditivas
b) adversativas
c) conclusivas
d) explicativas
e) alternativas
1. Justifique o emprego da vírgula nas orações abaixo.:
a) Freqüentemente, eles me visitam.
b) O presente caso, Excelências, merece algumas palavras de con-
sideracão.
c) O terceiro juiz pediu vista dos autos. Estes, entretanto, encon­
tram-se em cartório.
d) Eu defendo devedor principal. Meu amigo, o fiador.
e) O oficial de justiça, funcionário dotado de fé pública, certificou
a aludida citaçào.
f) O réu, ou melhor, o ora apelante pede Justiça.
g) O juiz, com certeza, nào se atentou para o fato
h) Depois da tempestade, vem a calmaria.
2. Justifique o emprego da vírgula nos períodos abaixo.:
a) Passada a tempestade, vem a calmaria.
b) Porque você disse que viria, eu mandei fazer sua comida predi­
leta.
c) Tivesse o réu devolvido a quantia de que se apropriou, o resul­
tado seria diverso.
d) O autor, caso se venha a confirmar a sentença de primeira ins­
tância, deverá arcar com os ônus de sucumbência.
e) Nào pude protocolar a petiçào, nem mesmo tirar cópia da sen­
tença.
Lição 5: Escrevendo: estrutura da frase e pontuação 341

f) Vou dar-lhe um conselho, que sempre mantenha o respeito para


com a parte contrária.
g) Sempre que puder, protocole os prazos com certa antecedência.
h) Até mesmo o promotor de justiça, que sempre foi gentil e muito
sereno, perdeu a paciência.
i) Todos os recibos estâo juntados, mas isso nào termina a contro­
vérsia dos autos.
j) Eu faço todas as audiências, e você cuida de sustentar a tese em
plenário.
k) Havendo o interesse de todos os participantes, as presentes re­
gras podem ser alteradas.
3. Leia o texto que segue, recortado da obra A co-delinqüênáa no Direito
Penal Brasileiro, para responder às questões abaixo:

Referindo-se ao artigo 117 do Código Penal italiano de 1930 aue0)


regula o assunto, diz BETTIOL, em monografia que(ll) se tomou clás­
sica, queA a negação daquela possibilidade, fruto de uma interpreta­
ção puramente formal do queBseja o delito próprio em sua tipicidade,
leva o hermeneuta a exigir de quantos concorram para a prática do
crime Qualidades aue0lí)a lei postula de um ou alguns, apenas, entre
os participantes.
U”
a) O texto foi copiado sem alterações, que nào os destaques. To­
das as partículas “que” negritadas iniciam orações subordina­
das. Os números romanos, sobrescritos a essas partículas, indi­
cam que elas são pronomes relativos e, portanto, dào início a
orações subordinadas adjetivas. Sabendo que as orações su­
bordinadas adjetivas podem ser restritivas ou explicativas,
avalie o texto e responda. Acertou a autora ao utilizar a vírgula
quanto às orações subordinadas adjetivas?
1_____________________________________________________
n _______________________________
m ___________________________________________________
b) As partículas “que” marcadas pelas letras “A” e “B” sobrescritas
sào conjunções integrantes e, portanto, iniciam orações su­
bordinadas substantivas. Pergunta-se: pode haver vírgula se­
342 M anual de Redação Forense

parando as orações principais das orações subordinadas subs­


tantivas? No exemplo concreto do texto, a vírgula deveria apa­
recer no caso A? E no caso B? Por quê?
4. Os pronomes em destaque nos exercícios abaixo marcam o início
de orações subordinadas adjetivas. Dentre cada grupo, uma alternati­
va está manifestamente incorreta quanto ao uso da vírgula. Identi-
fique-a.
a) Todos que me saudaram o faziam com sinceridade.
b) Seu primo Mário, que é um excelente advogado, mais uma vez
obteve bom resultado na demanda.
c) As razões de apelação, que reclamam a ilegitimidade de parte,
nào devem ser acolhidas.
d) A cidade, onde resido, nào tem fórum.
e) O despacho supra referido, o qual indeferiu a oitiva da teste­
munha, deve ser reformado.

a) O despacho que indeferiu a oitiva da testemunha deve ser re­


formado.
b) Cervantes, que é conhecido pela autoria da melhor obra da lite­
ratura, fazia poesias de pouca qualidade.
c) Meu irmào, que nada conhece de direito, achou a saída para
este processo.
d) O cidadão, que conseguir comprovar haver-se utilizado de nos­
so produto, será indenizado.
e) O Superior Tribunal d^ Justiça, que nào se nega a analisar as
questões mais complexas do direito pátrio, tem solucionado a
questào do modo como aqui expusemos.
5. Nos períodos abaixo, apenas uma alternativa está correta quanto ao
uso da vírgula. Assinale-a.
a) O autor afirmara, que em momento algum recebera a terceira
parcela de pagamento a que o contrato faz referência.
b) O Excelentíssimo Senhor Presidente do Tribunal de Contas, ago­
ra fará seu discurso.
c) Eu só queria saber, se o meu processo está na pauta de julga­
mento.
Lição 5: Escrevendo: estrutura da frase e pontuação 343

d) Todas as decisões serào publicadas, se as partes nào se fizerem


cientes antes.
e) O Egrégio Primeiro Tribunal de Alçada Civil deste Estado de
Sào Paulo, jamais se manifestou sobre o assunto.

a) O promotor, contestada a açào deverá fiscalizar o feito.


b) A parte reitera, ser essencial nova produção probatória.
c) Encontrei um cidadão, dormindo em serviço.
d) A decisão de fls. 110, a ser atacada em apelação, é contraditória.
e) Finalizando o acordo, redija, a ata de reunião.
6. As alternativas abaixo sào baseadas em um parágrafo da obra Direito à
Prova no Processo Pena/. de Antônio Magalhães Gomes filho. Em se
sabendo que o parágrafo, na obra original, nào contém qualquer erro
quanto à pontuação, responda: qual das alternativas abaixo demons­
tra cópia fiel do texto da obra?
a) Mas além das limitações mais aceitas, geralmente, consagradas
nos próprios estatutos processuais, verifica-se, principalmente
nas últimas décadas uma tendência ao alargamento do campo
das proibições de prova, com base na constatação de que o or­
denamento é uno e, assim, a violação de qualquer de suas re­
gras, com o propósito da obtenção de provas, deve conduzir ao
reconhecimento da ilegalidade das mesmas e, em conseqüên­
cia, à sua inaptidào para a formação do convencimento judicial.
b) Mas, além das limitações mais aceitas, geralmente consagradas
nos próprios estatutos processuais, verifica-se, principalmente
nas últimas décadas, uma tendência ao alargamento do campo
das proibições de prova, com base na constatação de que o or­
denamento é uno e, assim, a violação de qualquer de suas re­
gras, com o propósito da obtenção de provas, deve conduzir ao
reconhecimento da ilegalidade das mesmas e, em conseqüên­
cia, à sua inaptidào para a formaçào do convencimento judicial.
c) Mas, além das limitações mais aceitas, geralmente consagradas
nos próprios estatutos processuais, verifica-se, principalmente
nas últimas décadas uma tendência ao alargamento do campo
das proibições de prova, com base na constatação, de que o
ordenamento é uno e assim a violação de qualquer de suas re­
344 M anual de Redação Forense

gras, com o propósito da obtenção de provas, deve conduzir ao


reconhecimento da ilegalidade das mesmas e, em conseqüência
à sua inaptidào para a formaçào do convencimento judicial.
d) Mas, além das limitações mais aceitas, geralmente consagradas
nos próprios estatutos processuais, verifica-se, principalmente
nas últimas décadas, uma tendência ao alargamento do campo
das proibições de prova, com base na constatação de que o or­
denamento é uno c, assim a violação de qualquer de suas regras
com o propósito da obtenção de provas, deve conduzir ao reco­
nhecimento da ilegalidade das mesmas e, em conseqüência, à
sua inaptidào, para a formaçào do convencimento judicial.
e) Mas, além das limitações mais aceitas, geralmente consagradas
nos próprios estatutos processuais, verifica-se, principalmente,
nas últimas décadas, uma tendência ao alargamento do campo
das proibições de prova, com base na constatação de que o or­
denamento é uno e, assim, a violação dc qualquer de suas re­
gras, com o propósito da obtenção de provas, deve conduzir, ao
reconhecimento da ilegalidade das mesmas e, em conseqüên­
cia, à sua inaptidào para a formaçào do convencimento judicial.
7. Algumas vírgulas do texto abaixo estào numeradas. Una-as às justifi­
cativas correspondentes.
Nos contratos bilaterais,1em que há obrigações de ambas as partes,2
criam-se deveres recíprocos. Nào pode,3 portanto,4 o autor pretender
ver-se livre de suas obrigações,5 ainda que exista,6 como no caso em
tela,7 um atraso no pagamento por parte do réu. Se o reu não pagou
prestações,8 há um motivo para tanto,9 que a obra contratada nào foi
entregue no prazo combinado. Entregue a obra,10 o réu,11 com certe­
za,12 pagará prestações,13 juros,14 custas,15 mas nào arcará com quais­
quer despesas extra advindas de atraso de pagamento,16pois este deve-
se tào-somente à atitude do autor.
( ) vírgula separando oraçào coordenada assindética de oração coor­
denada sindética adversativa.
( ) e ( ) vírgulas isolando conjunçào intercalada na oraçào.
( ) e ( ) vírgulas separando elementos coordenados na oraçào.
( ) e ( ) vírgulas isolando oraçào subordinada adjetiva explicativa.
( ) vírgula marcando divisão entre oraçào subordinada adverbial con­
dicional desenvolvida e oração principal.
Lição 5: Escrevendo: estrutura da frase e pontuação 345

( ) vírgula marcando início de oraçào subordinada substantiva


apositiva.
( ) vírgula separando oraçào principal de oraçào subordinada adver­
bial concessiva.
( ) vírgula marcando divisão entre oraçào subordinada adverbial tem­
poral (ou condicional) reduzida de particípio, e oraçào principal.
( ) e ( ) vírgulas marcando intercalaçào de oraçào subordinada adver­
bial comparativa.
( ) vírgula marcando início de oraçào subordinada adverbial causai.
( ) e ( ) vírgulas isolando adjunto adverbial de modo.
8. Assinale a alternativa correta quanto à pontuaçào:
- I -

A) Ante o exposto requer sejam os presentes embargos conhecidos


para que o culto relator Dr. Hermes da Fonseca venha a decla­
rar o presente acórdào, aclarando entào todas as obscuridades
apresentadas e dessa forma, ofereça o provimento jurisdicional
que a parte merece.
B) Ante o exposto, requer sejam os presentes embargos conheci­
dos, para que o culto relator Dr. Hermes da Fonseca, venha a
declarar o presente acórdão, aclarando então, todas as obscuri­
dades apresentadas e dessa forma, ofereça o provimento juris­
dicional que a parte merece.
C) Ante o exposto, requer sejam os presentes embargos conheci­
dos, para que o culto relator, Dr. Hermes da Fonseca, venha a
declarar o presente acórdào, aclarando então todas as obscuri­
dades apresentadas e, dessa forma, ofereça o provimento
jurisdicional que a parte merece.
D) Ante o exposto requer, sejam os presentes embargos conheci­
dos, para que o culto relator Dr. Hermes da Fonseca venha a
declarar o presente acórdào, aclarando ,então, todas as obscuri­
dades apresentadas e dessa forma, ofereça o provimento
jurisdicional que a parte merece.
-II-
A) A parte apesar do quanto afirma na minuta, nào trouxe no tras­
lado que montara, as peças essenciais para o conhecimento da
346 M anual de Redação Forense

/
causa por essa Corte ad quem. E evidente que, nào cabe à agra­
vada complementar esse traslado que veio defeituoso, porque
não é dela o interesse em ver reformada a decisào interlocutória
de fls. 606 que, com acerto, decidiu pela impossibilidade da ad­
missão do recurso especial.
B) A parte, apesar do quanto afirma na minuta, nào trouxe no tras­
lado que montara, as peças essenciais para o conhecimento da
causa por essa Corte ad quem. E evidente que nào cabe, à agra­
vada complementar esse traslado que veio defeituoso, porque
não é dela o interesse em ver reformada, a decisào interlocutória
de fls. 606 que, com acerto, decidiu pela impossibilidade da ad­
missão do recurso especial.
C) A parte, apesar do quanto afirma na minuta, nào trouxe, no
traslado, que montara, as peças essenciais para o conhecimento
da causa por essa Corte ad quem. E evidente que nào cabe à
agravada complementar esse traslado que veio defeituoso, por­
que nào é dela o interesse em ver reformada a decisào
interlocutória de fls. 606, que, com acerto, decidiu pela impos­
sibilidade da admissào do recurso especial.
D) A parte apesar do quanto afirma na minuta, nào trouxe no tras­
lado, que montara, as peças essenciais para o conhecimento da
causa por essa Corte ad quem. E evidente que nào cabe à agrava­
da complementar esse traslado que veio defeituoso, porque nào
é dela o interesse em ver reformada a decisão interlocutória de
fls. 606 que, com acerto, decidiu pela impossibilidade da admis­
são do recurso especial.
E) A parte, apesar do quanto afirma na minuta, nào trouxe, no
traslado que montara, as peças essenciais para o conhecimento
da causa por essa Corte ad quem. E evidente que nào cabe à
agravada complementar esse traslado que veio defeituoso, por­
que nào é dela o interesse em ver reformada a decisào
interlocutória de fls. 606, que, com acerto, decidiu pela impos­
sibilidade da admissào do recurso especial.
—III —
A) O resultado seria visceralmente diverso se esse DD. Juízo de­
terminasse, prontamente, a citaçào do acusado para os termos
Lição 5: Escrevendo: estrutura da frase e pontuação 347

do interrogatório, em todos os endereços constantes nos autos,


inclusive aquele fornecido em distrito policial. Nessa hipótese,
tudo leva a crer em que a defesa do réu, diversamente do que
ocorreu, teria elementos que viriam a confirmar a necessidade
de que ele fosse absolvido.
B) O resultado seria visceralmente diverso, se esse DD. Juízo de­
terminasse prontamente, a citaçào do acusado para os termos
do interrogatório em todos os endereços constantes nos autos,
inclusive aquele fornecido em distrito policial. Nessa hipótese
tudo leva a crer em que, a defesa do réu, diversamente do que
ocorreu, teria elementos que viriam a confirmar a necessidade
de que ele fosse absolvido.
C) O resultado seria visceralmente diverso se esse DD. Juízo, de­
terminasse, prontamente, a citaçào do acusado, para os termos
do interrogatório em todos os endereços constantes nos autos,
inclusive aquele fornecido em distrito policial. Nessa hipótese,
tudo leva a crer, em que a defesa do réu diversamente do que
ocorreu, teria elementos que viriam a confirmar a necessidade
de que ele fosse absolvido.
D) O resultado seria visceralmente diverso se esse DD. Juízo de­
terminasse, prontamente, a citação do acusado para os termos
do interrogatório em todos os endereços constantes nos autos,
inclusive, aquele fornecido em distrito policial. Nessa hipótese,
tudo leva a crer, em que a defesa do réu, diversamente do que
ocorreu, teria elementos, que viriam a confirmar a necessidade
de que ele fosse absolvido.
-IV -
A) Os autores, pedem o adimplemento do contrato e os réus, a
homologação em Juízo de um enriquecimento ilícito. Quando o
contrato foi assinado nada foi dito a respeito do tào repisado
atraso no pagamento, que se mantém até a presente data, e as­
sim, o autor fica aguardando unicamente a boa vontade do Po­
der Judiciário para decidir a demanda ou a dos réus, para proce­
der ao pagamento.
B) Os autores pedem o adimplemento do contrato e os réus a ho­
mologação, em Juízo, de um enriquecimento ilícito. Quando o
348 M anual de Redaçào Forense

contrato foi assinado, nada foi dito a respeito do tào repisado


atraso no pagamento que se mantém até a presente data, e as­
sim, o autor fica aguardando unicamente a boa vontade do Po­
der Judiciário para decidir a demanda, ou a dos réus, para proce­
der ao pagamento.
C) Os autores pedem o adimplemento do contrato e os réus, a ho­
mologação em Juízo de um enriquecimento ilícito. Quando o
contrato foi assinado, nada foi dito a respeito do tào repisado
atraso no pagamento, que se mantém até a presente data, e,
assim, o autor fica aguardando unicamente a boa vontade do
Poder Judiciário, para decidir a demanda, ou a dos réus, para
proceder ao pagamento.
D) Os autores pedem o adimplemento do contrato e os réus a ho­
mologação em Juízo de um enriquecimento ilícito. Quando o
contrato foi assinado, nada foi dito a respeito do tào repisado
atraso no pagamento, que, se mantém até a presente data, e
assim, o autor fica aguardando unicamente a boa vontade do
Poder Judiciário para decidir a demanda ou a dos réus, para pro­
ceder ao pagamento.

Respostas
3) a)
I. errou a autora. A oração subordinada que se inicia é explicativa e, portanto, deveria vir
separada por vírgula.
II. acertou a autora. A oraçào é restritiva, nào podendo ser separada por vírgula.
IH.idem item II.
b) as orações subordinadas substantivas não vêm separadas por vírgula, à exceção das
apositivas.
Caso A: a vírgula nào determina o início da oração subordinada substantiva, mas sim o fim
de expressào adverbial.
Caso B: a ausência de vírgula é correta.
4) Alternativas: D, E, D.
5) Alternativas: D, E, C.
6) Alternativa: B.
7) Seqüência: 15,3,4,0,14,1,2,8,9,5,10,6,7,16,11,12.
8)
I. alternativa: C.
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350 Manual de Redação Forense

Anexo de Notas

* FüRKtSiRA, Ivetc $enise, ío; BrindosJttridicpfwi Homeivagema MmwrPtdm Pimtntel, Editora


Revista dos Tribunais, 1992, SSoPaulo, p, 144.
Lição 6
Desenvolvimento de frase e parágrafo
na narração jurídica. Dicas de construção

Sumário:
6.1 Introdução. 6.2 O estilo. 6.3 A expressào do período. 6.4 O estudo do
parágrafo. 6.4.1 O tópico frasal e o parágrafo da petiçào. 6.5 A petição em seu estilo. Algu­
mas recomendações. 6.5.1 O uso do computador.6.5.2 A forma da petiçào. 6.6 Resumo.

6.1 Introdução
Ao escrever, contamos com uma grande liberdade de criaçào. Po­
demos construir frases mais longas, mais curtas, parágrafos maiores ou
menores, em uma possibilidade quase infinita de combinações. Essa li­
berdade é limitada, entretanto, pelas regras gramaticais, que garantem um
mínimo de padronização da língua.
Aos poetas, aos escritores literários é lícito que essa limitação da
gramaticalidade seja algumas vezes quebrada, mas a formalidade da co­
municação no espaço jurídico nào faz bem-vinda a ousadia no que se
refere à transgressão dos dogmas gramaticais.
O que a frase tem de gramatical, em sua estrutura, já vimos no
capítulo anterior. Neste capítulo, portanto, abordaremos tópico novo, tendo
então como premissa que tudo o que se falar sobre das possibilidades de
construção do período ou do parágrafo deve respeitar aos limites impos­
tos pelas normas gramaticais que atingem tais estruturas.
Cuidaremos, aqui, dos requisitos de estilo para que a frase, o pará­
grafo e o texto todo ajudem a transmitir ao leitor com maior eficiência as
idéias e os argumentos que o autor selecionou, que entende importante
transmitir.

1351|
352 M anual de Redação Forense

6.2 O estilo
Há pessoas que conseguem reconhecer se um quadro de um pintor
famoso é autêntico vendo se os traços da pintura realmente correspondem
ao estilo do artista. Da mesma forma, alguém que conhece moda sabe
dizer, ao olhar um corte de uma roupa, quem foi o estilista que a dese­
nhou, pois cada criação deste carrega traços pessoais. Mutatis mutandi’
quando lemos a petição de um advogado mais antigo ou a doutrina de um
autor conhecido, identificamos traços de seu estilo, palavras que repete,
construções que usa com freqüência, formatação que adota etc.
O estilo é a forma personalíssima de expressão, algo que tem, no
nosso caso, o texto, da mente de quem o cria, da pessoa que o redige. Nào
há estilo correto ou incorreto, mas adequado ou não. Com o passar do
tempo, a pessoa que escreve vai criando um estilo pessoal, familiarizando-
se com certas formas de expressão que podem ser em parte alteradas, mas
que, no que há de mais geral, permanecem na mente daquele que redige,
sedimentando seu modo pessoal de redação.
Com o aprendizado, entào, é certo que o aluno vai criando seu esti­
lo, e sobre ele nào se pode interferir, a não ser no caso de algum defeito
muito grave. Por isso nào se pode dogmatizar a redaçào de peças jurídicas
além de certos limites, pois em muito ela depende de algo pessoal. Alguns
escrevem de modo prolixo, outros são mais sucintos, resumidos, dizem
apenas o essencial. Uns fazem frases longas, caudalosas, com escrita pe­
sada, palavras mais arcaicas, enquanto outros gostam de parágrafos cur­
tos, segmentados, frases resumidas, sem orações subordinadas em exces­
so, sem muitas pausas.
Esses modos pessoais de redação, que aos poucos vão-se forman­
do na escrita de cada um, devem ser respeitados, mas isso não nos obsta
dc fazer breves considerações a respeito do modo de construir o texto
jurídico, em seu desenvolvimento. Cada um, a partir disso, adapta-o a seu
gosto, a seu estilo, se já o tiver formado, mas desta lição, sem qualquer
dúvida, poderá tirar técnicas aproveitáveis, ainda que elas consistam na
observação de estilos mais diversos.
Vamos, então, ao estudo inicial: a expressão da frase.

6.3 A expressão do período


Sabemos agora que um período, que se estende da letra maiúscula
ao ponto final, pode conter vários tipos de oraçào. Coordenadas, subordi­
Lição 6: Desenv. de frase e parágrafo na narração jurídica. Dicas de constr. 353

nadas, reduzidas, intercaladas, em suas diferentes formas. Dependendo


do número de orações, a frase toma-se mais longa ou mais curta. Ade­
mais, cada oraçào pode ter termos de ordem inversa ou ordem direta,
bem como as orações subordinadas podem ser antepostas, pospostas ou
intercaladas à oraçào principal.
Desse conjunto de fatores, que agora já dominamos, podemos tirar
algumas observações relevantes à redaçào jurídica. Sào eles:
a) Procure colocar a id éia p r in c ip a l do período como oração princi­
pal.
Compare os dois períodos:
O juiz Tício, que é muito honesto, deferiu a nossa liminar.
O juiz Tício, que deferiu a nossa liminar, é muito honesto.

Ambos os períodos trazem ao leitor duas informações distintas:


- que o juiz Tício é muito honesto.
- que o juiz Tício deferiu a liminar.

Todavia, embora os períodos tragam exatamente as mesmas informa­


ções, certo é que as expressam de maneira diversa. Nesse período composto
por apenas duas orações, a diferença de expressào pode até nào ser muito
relevante, mas ela se torna maior quanto mais complexo for o período.
Na primeira frase, a idéia de que “o ju i* Tício deferiu a liminai*\ por
constituir a oração principal, tem maior realce que a idéia de que “ Tício é
honesto”, vez que essa apresenta-se como oraçào subordinada (adjetiva
explicativa). Na segunda frase, ao contrário, a idéia de que “Tício é muito
honesto” assume maior realce, por ser oraçào principal.
Veja nos exemplos abaixo, como as idéias que constam das orações
principais (em negrito) assumem, para o leitor, maior relevo.
Porque chovia muito, não consegui chegar ao fórum.
Chovia tanto que não consegui chegar ao fórum.

Quando a vítima morreu, o acusado encontrava-se em viagem


ao exterior.
A vítima morreu quando o acusado encontrava-se em viagem ao
exterior.

Portanto, ao construir períodos compostos, procure estabelecer, em


primeiro lugar, a oraçào principal, composta da idéia central. A partir
354 M anual de Redação Forense

dela, seu sentido complementar pode ser conferido pelas orações subor­
dinadas.
b) Evite, em regra, as inversões nos termos da oraçào.
Como já se disse, as inversões sào muito comuns na escrita forense.
Nem sempre, entretanto, elas trazem um resultado eficiente em uma peti­
çào. As inversões que mais devem ser evitadas sào aquelas que anteci­
pam o verbo ou o predicado como um todo ao sujeito, tais como:
Pede o perito sejam elaborados quesitos mais claros.
Disse a promotora de justiça que não cabe suspensão do pro­
cesso no presente caso.
Antecipa o requerente sua falta de disposição para firmar acordo.

Nota 1: A colocaçào das palavras deve observar a clareza. Nào


raro, a colocaçào pouco criteriosa traz ambigüidades. Vejamos:
O policial efetuou a prisão do fugitivo portando uma metralhadora.
Quem portava metralhadora? O policial ou o fugitivo? Para evitar
ambigüidade, deve-se preferir colocaçào diversa.
O policial, portando uma metralhadora, efetuou a prisão do fugitivo.
O policial efetuou a prisão do fugitivo, o qual portava uma metra­
lhadora.

Veja outro exemplo:


A apelação da sentença monocrática,1 que está quase ilegível
nos autos, foi protocolada a destempo.

Afinal, o que está ilegível: a sentença ou a apelaçào?


Nota 2: Repare que nossa língua permite colocaçào de palavras
com bastante liberdade. O sujeito pode ser colocado antes ou depois do
verbo, os adjuntos adverbiais ou orações subordinadas podem-se encai­
xar em vários lugares da oraçào, etc. No entanto, é sempre interessante
saber se a colocaçào dos termos pode seguir indiferentemente o arbítrio
do autor, ou seja, se nào há interferência na clareza da frase (nota 1) ou
no significado dos termos envolvidos. Veja o exemplo abaixo:
0 velho advogado sustentou sua tese.
0 advogado velho sustentou sua tese.

É certo que o adjetivo pode vir anteposto ou posposto ao substan­


tivo que modifica. Entretanto, o adjetivo anteposto ao substantivo tende
Lição 6: Desenv. de frase e parágrafo na narração jurídica. Dicas de constr. 355

a denotar seu significado mais subjetivo, enquanto ele, quando vem de­
pois do substantivo, tende a atribuir a este qualidade de seu significado
mais objetivo.
Desse modo “advogado velho” significa “advogado idoso” ou, pior,
“advogado senil”, enquanto “velho advogado” significa “advogado sá­
bio, experiente”. Nào se trata de uma explicaçào gramatical, mas sem
dúvida o uso tende a confirmar essa observação.
Portanto, a colocaçào de palavras deve observar, no mínimo, a cla­
reza e o significado dos termos da oraçào. Via de regra, as inversões da
ordem direta da oraçào sào pouco recomendáveis, pois tendem a trazer
menor clareza ao período. Quando feitas tais inversões, elas devem seguir
uma intencào
j clara.
c) Desejando dar realce ao adjunto adverbial, antecipe-o e/ou use-
o entre vírgulas.
Já vimos, aos estudar o uso da vírgula, no capítulo anterior, que os
adjuntos adverbiais deslocados devem vir isolados entre vírgulas. Nem
sempre, entretanto, isso ocorre na escrita comum. Veja:
Amanhã alguém deve acompanhar o julgamento da apelação.

Existe também certa liberdade quanto ao uso da vírgula para o ad­


junto adverbial deslocado. Quando ele é curto, com três sílabas ou me­
nos, pode dispensar o sinal indicativo de sua inversào. Entretanto, é certo
que seu isolamento pela vírgula lhe confere maior realce na oração. As­
sim, quando se escreve “Amanhã, alguém deve acompanhar o julgamento
da apelação.”, dá-se maior ênfase ao fato de que o acompanhamento deve
ser feito amanhã.
Tal ênfase também decorre do fato de o adjunto adverbial vir ante­
cipado. Realmente, para o fim de dar ênfase à circunstancia indicada pelo
adjunto adverbial (seja como adjunto propriamente, seja como oraçào
subordinada adverbial), sua anteposiçào ou intercalaçào constituem um
bom recurso. Veja:
Deveremos distribuir a inicial amanhã mesmo se o cliente man­
dar a procuração.
Se o cliente mandar a procuração, deveremos distribuir a inicial
amanhã mesmo.

Na primeira oraçào, que segue ordem direta, dá-se menor ênfase à


idéia da condição (o probabilidade) de o cliente enviar a procuração. Na
356 M anual d e Redação Forense

segunda oraçào, a mera probabilidade ou condição de o cliente enviar a


procuração, ainda que nào constitua oraçào principal, tem lugar mais evi­
dente, porquanto no início da oração, sendo ainda isolado, obrigatoria­
mente, por vírgula. Realce ainda maior teria a mesma idéia se assim fosse
construído o período:
Deveremos, se o cliente mandar a procuração, distribuir a inicial
amanhã mesmo.

Veja como, neste caso, a inversão na ordem direta é plenamente


justificável. Com a quebra da estrutura que a oraçào vinha desenvolven­
do, o adjunto adverbial intercalado assume ênfase ainda maior. Se o autor
entender que a idéia adverbial merece tanta relevância, deve usar da in-
tercalaçào, desde que tenha em mente que o abuso desse expediente pode
tomar difícil a leitura.
Não é insistência boba, como pensam alguns. A ordem direta da
oração é de extrema importância na leitura, pois, sabendo ou nào, o leitor
está bastante acostumado a ela. Nem sempre se podem evitar as interca-
lações ou as inversões, mas pode-se recomendar que não se as use em
excesso, pois elas sempre representam um entrave à leitura. Desse modo,
o autor pode sempre fazer inversões e intercalaçòes, desde que saiba por
que o faz e, principalmente, marque-as com muita competência por meio
do uso da vírgula.
d) Evite os ecos na escrita.
O poeta pode rimar. O texto poético permite a repetição de sons que
tornam belo o ouvir das palavras em combinação. Mas no texto em prosa,
no texto técnico, a repetição de sons é pobreza de estilo, porque não in­
tencional, e toma a leitura estranha. Faz parte do trabalho dc selecionar
palavras, também, a seleção de sons que não se repitam, de modo a evitar
os chamados ecos, ou seja, a rima no texto em prosa. Então, evite cons­
truções como:
Juridicamente, não há fomento para o aumento da verba honorária.

Sua cliente, astuciosamente, buscava outros meios para a solu­


ção da questão.
Mal alfabetizada, a empregada foi encorajada a freqüentar uma
escola especializada em ensino básico a adultos.
Não pode haver verdade maior que essa.
Lição 6: Desenv. de frase e parágrafo na narração jurídica. Dicas de constr._____357

Nesses casos, sempre há um modo ou outro de evitar inconvenien­


te rima:
Juridicamente, não há razão para a majoração da verba honorária.
Com astúcia, sua cliente buscava outros meios para solucionar a
questão.
Com parca alfabetização, a empregada motivou-se [ou motiva­
ram a empregada] a freqüentar uma escola especial para ensino
básico a adultos.
Não pode existir verdade maior que essa.

Nào há, portanto, qualquer dificuldade em se evitar a rima, pois as


substituições sào o mais variadas possível Há, apenas, que cuidar para
identificá-la, pois, principalmente se lidas em voz alta, as repetições de
som tornam a leitura desagradável.
e) evite o excesso de informações em um só período.
Este ponto merece atenção especial. Quando construímos um tex­
to, temos de várias informações a passar. Na argumentação ou na narra­
çào, procuramos organizar uma série de elementos, figurativos ou
temáticos, que têm de ser incluídas no texto. Na frase, cabem apenas
parte dessas idéias. Mas qual parte? Ou, em outras palavras, quando é
hora de iniciar e quando é hora de terminar uma frase?
A resposta para tal questão não é simples, mas subsiste em todo
aquele que escreve. Como toda questão atinente à redaçào, nào se lhe
pode dar uma resposta exata, mas podem-se desenvolver algumas diretri­
zes para a adoção de um estilo claro quanto à extensão dos períodos.
Vejamos o texto abaixo:
A administração deverá efetuar audiência pública, antes da publi­
cação do edital, toda vez que o valor estimado para uma licitação ou
para um conjunto de licitações simultâneas ou sucessivas for supe­
rior a cem vezes o quantum previsto para a concorrência de obras e
serviços de engenharia. Esta audiência destina-se a divulgar a licita­
ção pretendida, com o objetivo, inclusive, de tomar mais clara para a
população interessada a conveniência da obra ou do serviço. Todos
terão o direito de se manifestar e acesso às informações existentes,
devendo a autoridade licitante estar preparada para responder às
questões que lhe forem propostas. A audiência deverá ser divulgada
pelos mesmos meios previstos para a publicidade do edital e reali­
zada com antecedência mínima de quinze dias antes da publicação
daquele, (in: Meirelles, Hely Lopes, Direito Administrativo Brasileiro ,
24* Edição. 1999, Malheiros - SP, p. 260)
358 M anual de Redação Forense

A frase deve ter uma idéia completa, sem grandes excessos. O texto
acima é um exemplo da boa distribuição de frases. Veja que os períodos
alternam orações coordenadas e subordinadas, sem excessos nem de uma,
nem de outra. Mais, as frases, nem longas nem curtas, têm todas quase o
mesmo tamanho, sem prejuízo do conteúdo que nelas é exposto. Além
disso, todas as intercalações sào marcadas por vírgula, eficientemente.
/

E que, como já dissemos em ocasiões anteriores, todo texto tem


um ritmo que deve ser estabelecido e observado. Isso nào significa dizer
que uma petiçào deve-se preocupar com o tamanho das orações como
aspecto mais relevante de sua enunciação, mas sim que um modo de tor­
nar a leitura agradável e clara, principalmente nos textos mais longos, é
manter frases de tamanho médio, que enunciem uma idéia completa, sem
prender-se em detalhes.
Mas nem sempre os períodos sào organizados de modo a tornar
fácil a leitura. Alguns operadores do direito acumulam informações numa
mesma frase à exaustão, tornando cansativa a leitura de suas petições,
pareceres, sentenças e doutrina. Para aqueles que o fazem, vale a pena a
análise dos exemplos que seguem, adaptados de textos recortados de pe­
ças redigidas por alunos:
- I -

Apurou-se que no dia 13 de setembro de 1995 Tício da


Silva haveria feito afirmações altamente ofensivas, com grande ofen­
sa à honra do querelante, aos seus colegas de escritório, dizendo
que o querelante era pessoa de pouca honestidade e imputando-lhe
falsamente uma conduta criminosa, a de haver-se apropriado de
dinheiro, em grande quantidade, que pertenceria ao querelado, por­
quanto este tinha a receber uma comissão que acabou sendo entre­
gue ao querelante, o que nãn é verdade, pois em momento algum o
querelante recebeu qualquer quantia que não fosse devida a ele
próprio. Essa afirmação falsa foi ouvida por várias testemunhas, que
acabaram por contar ao querelante o ocorrido, ou seja, que o quere­
lado ofendeu em alto e bom som a honra do querelante para várias
testemunhas, uma inclusive que era - e ainda é - chefe do querelan­
te e do querelado, o que, sem qualquer sombra de dúvida, pôs em
risco o emprego do querelante, caso essa testemunha, seu chefe,
acreditasse nas palavras difamatórias e caluniosas que o querelado
não cansa de espalhar, e que até hoje, pelo que se sabe, vem repe­
tindo aos ventos, embora já tenha sido interpelado várias vezes pelo
querelante para que cesse com essas assertivas, as quais tanto têm
prejudicado sua honra e bom nome não apenas no ambiente de
trabalho, mas também diante de sua clientela e da sociedade como
um todo.
Lição 6: Desenv. de frase e parágrafo na narração jurídica. Dicas de constr._____359

-II-
0 dano moral, que a empresa autora pretende que seja concedi-
do em face da atitude que imputa à presente empresa ré, é totalmen­
te descabido, pois não se pode pretender seja dado dano moral à
pessoa jurídica, pois é bem sabido que o dano moral é concedido
como um meio de reparar a “dor n^lma”, de agraciar com um bene­
fício financeiro o sofrimento psicológico, e é evidente que não se
pode dizer que uma empresa tenha sofrimento psicológico ou dor na
alma, estando evidentemente a autora pretendendo locupletar-se com
a indústria do dano moral que por ai se instaura.

Não merece qualquer guarida o argumento de que o inciso X do


artigo 5a da Constituição Federal, ao assegurar a indenização do
dano moral às pessoas, sem fazer distinção entre pessoa física ou
jurídica, tenha assegurado por extensão o dano moral à pessoa jurí­
dica, vez que, como se sabe, o referido artigo constitucional é bastan­
te genérico e não lhe caberia fazer definições nem distinções entre
pessoa física e jurídica, ademais, se, como alega a autora, ela so­
freu prejuízos em seu bom nome comercial, bem como em seu cré­
dito, para isso existe a indenização por perdas e danos, que devem
ser mensurados e fixados objetivamente, no entanto, sabe-se que a
autora busca o caminho do dano moral por não conseguir comprovar
qualquer prejuízo objetivo e, então, não deve o Poder Judiciário dar
guarida à absurda pretensão de indenização à dor psicológica de
uma empresa.
Sem ordem definida, as frases longas tornam-se um labirinto de
idéias variadas, que nào se ordenam ou que, ainda que sejam expostas em
uma seqüência definida, acabam por ocultar seu núcleo por causa de ou­
tras idéias que vêm a fazer parte da mesma oraçào. Nela, o leitor perde-se
em um emaranhado de informações que nào levam a lugar algum, pois
seu raciocínio cansa-se de acompanhar um desenvolvimento longo, sem a
significativa pausa do ponto final.
A frase deve conter uma idéia principal e bem definida, e deve no
máximo fazer uma relaçào de causa-conseqüência, adiçào, comparaçào
etc. Mesmo tendo noçào disso, alguns se estendem e percebem estarem,
ao redigir, construindo, mesmo contra a vontade, períodos longos e con­
fusos. Para sanar essa dificuldade, procuramos dar algumas dicas, que
podem ajudar o aluno. Se estiver construindo frases longas, pouco claras
ao leitor, observe o seguinte:
I. Se, ao iniciar o texto como um todo, já está bem definido o que
nele será dito.
Parece dica óbvia, mas nào é. Muitos dos problemas de cons­
trução de períodos nascem do início do texto em si.
360 M anual de Redação Forense

Sem formar um esboço claro das idéias que devem pertencer à


petiçào —todos os fatos, o percurso narrativo, os argumentos e o percurso
argumentativo —tal como já abordamos, o autor inicia o texto. Nào esta­
belecido o rumo que os elementos devem tomar, “surgem” idéias no au-
tot, no momento em que redige o texto. Assim, ele insere suas idéias
momentâneas - talvez no receio de esquecê-las —somando-as a outras
sem um critério preordenado, tornando seus períodos longos, caudalosos
e confusos.
Para evitar esse problema, as dicas sào simples: evite a qualquer
custo iniciar o texto antes de saber com algum detalhamento como será
ele estruturado. Disso, já cuidamos anteriormente. Em segundo lugar:
sentindo a necessidade de incluir, por assim dizer, “de improviso” uma
nova idéia ao texto, interrompa a frase em que escreve. Inicie outra, e
veja o resultado. Normalmente idéias novas, ainda que curtas, devem ser
desenvolvidas em período isolado.
E, como última dica, vale sempre o velho feeling do autor: quando
um período estiver-se estendendo por várias linhas, interrompa-o e co­
mece um novo. Iniciar uma nova frase é sempre mais trabalhoso, pois
exige a criaçào de novos elementos de coesào (retomada de elementos
anteriores, que se encontram em outro período), mas o resultado, para o
leitor, é sempre muito proveitoso.
II. Observe sempre se nào há no período informações repetidas,
que sobram.
Vimos que todo texto deve ter unidade. Para se obter unidade, é
necessário concisão. Mais, sabemos que tudo que existe no texto é propo­
sital, cada palavra tem uma funçào, de acordo com a intenção do autor. Em
um bom texto nada deve “sobrar”, pois distrai, confunde e cansa.
Nossa experiência aponta como uma das causas dos períodos ex­
tensos, caudalosos, o excesso de informações. Informações desnecessári­
as são assaz comuns na redação de muitos operadores do Direito, e
muito do esforço do professor que ensina os advogados mais prolixos na
escrita consiste em demonstrar como, dentro da frase, por vezes sobram
informações.
Veja o exemplo abaixo:
O apelante, em suas razões de apelação, de fls. 127/139, afir­
mou, para pedir a reforma do julgado, que o título de crédito que
Lição 6: Desenv. de frase e parágrafo na narração jurídica. Dicas de constr. 361

pretendia executar, na ação de execução, é líquido porque o extrato


bancário dá conta de toda a evolução que fez o empréstimo levantado
pelo apelado perante o banco que ora move a apelação. Mas o ape­
lante, enquanto o processo se encontrava no juízo a quo, durante a
instrução processual, nunca se referira ao extrato bancário, e vem
agora criar uma nova alegação, que pretende que seja apreciada
pelo Juízo ad quemt em segundo grau de jurisdição, mas que pade­
ce de qualquer fundamento lógico.
Sobram, à toda evidência, informações no período acima. Depen­
dendo do contexto já criado para o parágrafo acima, nào seria necessário
dizer mais do que o abaixo:
O apelante afirmou, para pedir a reforma do julgado, que o título
de crédito em que se alicerça a execução é líquido porque o extrato
bancário dá conta de toda a evolução que fez o aludido empréstimo.
Mas o apelante, que nunca antes se referira a esse extrato, vem
agora criar alegação, que padece de qualquer fundamento lógico.

O abuso de informações em um texto deve-se, via de regra, a três


motivos principais. Um deles é uma exagerada ênfase que aquele que es­
creve procura dar a alguma das idéias ou fatos que põe no texto. Ao abu­
sar da ênfase pela repetição, sua atitude tem efeito oposto: ao invés de
tornar mais claro um ponto que entende relevante, faz mais confusa sua
exposição. Esse problema, no entanto, é comum a idéias maiores, e por
isso constitui ponto de estudo mais detalhado quando analisarmos o pa­
rágrafo, no item adiante.
O segundo motivo para o excesso de informações é o intuito do
autor de tornar o texto mais longo. Querendo ser prolixo —o que é muito
comum, convenhamos, a nós operadores do direito —o autor preenche o tex­
to com idéias que sobejam. O preenchimento intencional do espaço sig­
nifica querer fazer com que um mesmo conteúdo seja enunciado de for­
ma mais extensa, ocupando-se, com poucas informações, mais “papel”.
Nào se pode negar que existe a técnica de gastar maior espaço do
texto com idéias mais relevantes. Entretanto, isso nada tem a ver com
uma frase caudalosa, repleta de informações inúteis. Uma petição não é
mais ou menos persuasiva se ocupar maior o menor espaço. Qualidade de
texto nào se mede por quantidade de palavras.
O terceiro motivo para as frases longas é, em algumas vezes, a im­
pressão de que o texto exposto em frases maiores é mais elaborado. Os
períodos extensos, por esse prisma, funcionam como um dos elementos
da técnica de “ser obscuro para parecer profundo”. O operador do direito,
362 M anual de Redação Forense

notadamente o advogado, nào se pode deixar levar por essa extravagân­


cia: a obscuridade de uma petiçào leva ao fracasso do resultado que dela
se espera.
Quem relê as petições que redige e fica feliz com as frases larga­
mente desenvolvidas, cuidado: seu estilo pode ser cansativo, e —para
sermos incisivos - o leitor pode desistir de compreender alguns períodos
caso eles se revelem muito confusos.
Concluindo, a frase na redaçào jurídica deve ter definido um núcleo
central. Nào deve ser tào curta que nào se possa ter um núcleo suficiente­
mente desenvolvido, nem tào longa que seu núcleo se perca em explica­
ções e/ou repetições.
f) A frase curta, usada com moderação, serve para dar ênfase.
Os períodos com apenas uma oraçào curta e sem grandes adjuntos
raramente desenvolve uma idéia, mas muitas vezes reforça-a com muita efi­
ciência. Veja o exemplo abaixo:
O ora demandado é parte manifestamente ilegítima para
figurar no pólo passivo da presente demanda. Isso porque, embora
haja subscrito o instrumento executado, de fls. 21, na qualidade de
fiador, foi ele desobrigado dessa dívida mediante ação de exonera­
ção de fiança, conforme dá conta o anexo 2. D a í a ilegitimidade de
parte.

O núcleo curto da frase serve para que adquira realce. Evidente­


mente, tal recurso somente pode ser utilizado para idéias que possam-se
expor em poucas palavras. Por isso é comum que venham em reforço a
idéias anteriores, já explanadas no texto.
A intençào de reforçar uma idéia deve ser bem clara ao autor, caso
contrário fará repetição enfadonha, que, como já vimos no item anterior,
deve-se evitar.
g) Evite chavões, lugares-comuns e hipérbole desnecessária.
Outro modo de deixar a leitura cansativa e pobre de estilo é o uso
das frases feitas, dos exageros na escrita e na repetição de expressões
como recurso de enunciaçào. Vejamos.
É certo, como já dissemos, que com a criação do estilo pessoal,
criam-se formas dc enunciaçào que marcam a escrita de cada ser humano.
E natural que um operador do direito prefira o uso de certas expressões
que, em textos mais longos, acabam-se repetindo. Todavia, é necessário
Lição 6: Desenv. de frase e parágrafo na narração jurídica. Dicas de constr. 363

tomar cuidado com o uso de palavras ou expressões que, raras na lingua­


gem comum, repetem-se muito na escrita de um determinado autor. Certa
feita, contamos em uma petiçào de aluno, de pouco mais de dez parágra­
fos, sete vezes a expressão “por amor ao argumento”. E fato que a ex­
pressão é válida e usual para dar início a teses subsidiárias ou argumentos
de reforço, mas a excessiva repetiçào retira muito da competência lingüís­
tica do texto que, como já vimos, constitui argumento.
Além dos termos que se reiteram na escrita individual do autor,
existem aqueles que sào de uso comum no foro. E claro que, no cotidiano
forense, muitas idéias se repetem, pois uma mesma tese pode ser defendi­
da em diversos processos. Isso nào representa estilo impróprio.
Todavia, as “frases feitas” as “expressões” que representam luga­
res-comuns revelam estilo ruim, pois fazem o texto parecer, àquele que
lê, uma cópia de outros trabalhos, e, aí sim, este passa a impressão de ser
superficial, pouco aprofundado.
Vejamos algumas expressões que são “lugares-comuns” no cotidia­
no forense:
0 autor procura aproveitar-se da indústria do dano moral, partindo
para uma aventura jurídica sem fundamento.
No mérito, melhor sorte não tem o autor. Se não, vejamos.
O réu pretende acobertar-se com o manto da impunidade.
0 DD. Juízo, data maxima venia , não agiu com o acerto que lhe é
peculiar.
Na certeza de que fará, mais uma vez, a costumeira Justiça!

Para expressar os mais diferentes conteúdos, as frases sào as mes­


mas. Não se diz aqui que elas nunca devam ser utilizadas, mas é preciso
que se o faça com comedimento. Por outro lado, se a frase feita é utilizada
intencionalmente (como no argumento de senso comum ou no uso dos
brocardos jurídicos), nào pode ser ela criticada como defeito de estilo.
A hipérbole é um problema de estilo também muito comum. Como
figura de linguagem, ela consiste no exagetv no modo de enunciar uma
idéia, com efeito falsamente persuasivo.
É preferível que caia o mundo a que o Poder Judiciário acate o
teratológico pedido do autor, que pretende fazer destes autos uma
verdadeira piada , uma comédia com todos os envolvidos nesta de­
manda!
364 M anual de Redação Forense

Com isso, temos visto o que há de principal quanto ao estilo relaci­


onado à frase. Observando esses aspectos do modo de construir perío­
dos, com certeza o texto tem garantias de tornar-se mais claro no que
refere a essa parte da enunciaçào.
Em um plano maior, todavia, as idéias do texto concentram-se em
unidades mais amplas, os parágrafos. Sua formaçào também é tópico que
merece nosso estudo.

6.4 O estudo do parágrafo


Todos os nossos textos são divididos em parágrafos. Sabemos
demarcá-lo, com um afastamento da margem denotando um novo espaço
de escrita no papel.
Mas o parágrafo tem uma funçào bem característica, que deve ser
vista com maior aprofundamento quando falamos de estilo e de clareza
na escrita: ele é uma forma de organização do texto e, por isso, transfor­
ma-se em instrumento de extrema valia para manter sua unidade e sua
coerência.
Uma das funções do parágrafo é a distribuição visual do texto. Ele
serve para estabelecer certo ritmo e ordem ao que se escreve. Assim é
que existem livros que trazem parágrafos de páginas inteiras, mas é co­
mum, principalmente nos textos jurídicos, que se procure construir pará­
grafos com certa uniformidade, com uma extensão nào muito longa, para
nào desestimular a leitura.
Todavia, nào é certamente a distribuição visual que faz do parágra­
fo um importante núcleo de composição do texto. O parágrafo serve para
centralizar uma idéia, indicar que, naquela unidade visual marcada pelo
afastamento da margem, e pelo ponto-parágrafo, existe um núcleo ideal
específico, ao qual outras idéias vêm a completar-lhe o sentido.
É assim a famosa definição que o professor Othon Moacyr Garcia
dá ao parágrafo; “...uma unidade de composição constituída por um ou
mais de um período, em que se desenvolve determinada idéia central ou
nuclear, a que se agregam outras, secundárias, intimamente relacionadas pelo
sentido e logicamente decorrentes dela.”2
Embora muitas vezes o autor tome até certo ponto arbitrária sua
paragrafaçào, é certo que o leitor espera que cada parágrafo desenvolva
uma idéia central. E claro que idéias mais complexas desenvolvem-se em
Lição 6: Desenv. de frase e parágrafo na narração jurídica. Dicas de constr._____365

mais de um parágrafo, mas nunca se deve inserir, em um mesmo parágra­


fo, duas idéias nucleares, duas idéias igualmente importantes e principais.

6.4.1 O tópico frasal e o parágrafo da petição


/

E muito comum que os parágrafos, na escrita argumentativa, con­


tenham um tópico frasal. Ele consiste na exposição da idéia principal do
parágrafo em seu primeiro período, logo em seu início.
Nem todos os parágrafos têm sua idéia principal logo de início, mas
a maioria deles é assim construída. A principal idéia, exposta na primeira
frase ou oraçào ligam-se todas as demais, completando-lhe o sentido, acres­
centando-lhes conseqüências, dados, causas, ressalvas etc.
Repare nos textos abaixo como, no início do parágrafo, aparece o
tópico frasal, uma frase ou oraçào que funciona como idéia central de
todo o parágrafo:
- I -

A denegação é rara em publicidade , porque no campo comercial


os concorrentes não se atacam muito, ao contrário do que ocorre em
propaganda política. Em publicidade, cada um dos concorrentes pro­
cura exaltar seu produto, e ás vezes chega a dizer que é o melhor em
sua categoria; mas denegrir ê proibido, pois considerado uma forma
de concorrência desleal. E, pelo fato de os anunciantes não fazerem
muita censura uns aos outros, não têm necessidade de recorrer à
denegação. Mas a situação poderia se modificar se a publicidade
chamada comparativa viesse a se desenvolver.3
-II-
0 recurso impetrado vai de encontro ao que prescreve a Súmula
283 desse Supremo Tribunal Federal. Afinal, o magistral acórdão
recorrido trouxe vários fundamentos para negar a liquidez e a
executoriedade do titulo em que se fundava a ação de caráter
executório, mas o recorrente, em uma análise reducionista, não se
predispôs a atacá-los, centrando toda sua argumentação em ape­
nas uma idéia ventilada na magnífica decisão atacada. Bem por isso,
tendo em vista o referido entendimento sumular, o recurso extraordi­
nário não deve sequer ser admitido.

Sendo a idéia principal do período colocada logo de início no pará­


grafo, facilita-se a leitura e a própria escrita do texto. O leitor espera que
o início do trecho delimitado pelo parágrafo lhe exponha o que nele será
desenvolvido.
Iniciando o texto pelo tópico frasal, o autor tem um instrumento
para garantir coerência e unidade do seu texto: todas as idéias que consta­
366 M anual de Redação Forense

rem daquela unidade de construçào devem dizer respeito à afírmaçào


contida no tópico frasal. Se o autor desejar inserir alguma idéia que nào
seja logicamente decorrente daquela principal, do início do parágrafo, deve
deixá-la para momento posterior, ou iniciar um novo parágrafo.
Ao dar início um novo parágrafo, deve-se estabelecer um mínimo
de coerência, ainda ideal, com o anterior. Assim, evita-se o texto confuso,
“disperso”. Portanto, acostumando-se a construir um tópico frasal, o au­
tor tem em mãos uma grande técnica, bifásica, para manter a coerência e
a unidade de seu texto:
a) Fazer com que todas as idéias de um parágrafo refiram-se a uma
idéia nuclear nele contida.
b) Fazer com que cada parágrafo iniciado guarde uma relaçào com
o anterior.
Essa técnica de fazer com que cada parágrafo guarde uma relaçào
com o anterior torna-se ainda mais importante nas petições do advogado
em seu dia-a-dia, em que os parágrafos tendem a ser mais curtos.
Parágrafos curtos convidam à leitura e separam bem as informa­
ções que devem ser transmitidas ao leitor. Tornam bem definido cada
assunto, evitando que o leitor deixe passar alguma consideração impor­
tante “perdida” no parágrafo longo. Com o parágrafo de pequena exten­
são, o texto torna-se mais objetivo, e é ideal para os textos de petiçào, que
devem facilitar a leitura do julgador o quanto for possível, observando-se
o limite de não prejudicar a parte que argumenta.
Alguns advogados, reforçando essa objetividade, têm o costume de
numerar os parágrafos da petição. O costume nào é ruim, pois facilita a
remissão e reforça ainda mais o início do parágrafo.
Quando o parágrafo é bem curto, a necessidade do tópico frasal
diminui, pois nào há nele muitas orações e, então, é fácil estabelecer-lhe a
idéia principal. Todavia, nào deixa de ser aconselhável que se inicie o
parágrafo pela idéia que nele se afigura mais relevante.
Vejamos, a seguir, uma petiçào redigida com parágrafos numerados:

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA 53a


(QUINQUAGÉSIMA TERCEIRA) DO FORO CENTRAL DA CAPI­
TAL DESTE ESTADO DE SÀO PAULO.
Lição 6: Desenv. de frase e parágrafo na narração jurídica. Dicas de constr. 367

autos de
nu 99.00000-1

Ref.:
Juntada de procuração,
vista dos autos fora de cartório e
pedido de justiça gratuita para os primeiros peticionários.
JOAO e HELENA, brasileiros, casados entre si, aposentados, res­
pectivamente, portadores dos RG nQs 3333333 e 44444, inscritos em con­
junto no CPF sob n- 555555, residentes e domiciliados na Cidade de São
Paulo, na Rua dos Anzóis, Sào Paulo, ambos representados por seu advo­
gado TÍCIO SILVA, com escritório nesta capital, fone 555-0000, e MA­
RIA, já devidamente qualificada nos presentes autos, por seu advogado
CAIO SILVA, com escritório na Av. 4, nü 000, conjunto 1, CEP: 1111-
111, telefone, Jardim Betoven, Sào Paulo, SP, vêm, respeitosamente, à
presença de Vossa Excelência expor e requerer o seguinte:
1. Três sào os demandados nesta ação.
2. Os primeiros —casal demandado João e Helena —possuem ad­
vogado distinto daquele que patrocina os interesses da terceira
demandada - Maria —conforme se depreende das procurações
ora anexadas (anexos 1 e 2).
3. Diante disto, e considerando o quanto estabelece o artigo 191
do CPC, entenderam os patronos de apresentar este petitório
em conjunto para a juntada das procurações e obtenção da de­
vida contagem do prazo em dobro, assim como vista dos autos
fora de Cartório para a elaboração da respectiva resposta.
4. O casal João e Helena já foi citado para contestar a presente
açào.
5. A requerente Maria, neste momento, dá-se por citada da pre­
sente demanda.
6. As contestações serão entregues no fim do prazo em dobro, de
30 dias, a partir da juntada desta.
7. Entenderam os demandados de manter a vista dos autos, fora
de Cartório, no escritório do advogado Tício Silva, cujo endere­
ço está atrás indicado, o qual apresentará esta petição e retirará
o processo para a finalidade supra.
368 M anual de Redação Forense

POSTO ISSO, é a presente para requerer o seguinte:


I. Determine Vossa Excelência a juntada desta petiçào e das ane­
xas procurações, com declaração de pobreza do casal e respec­
tiva guia Gare, aos autos mencionados;
IL Defira os benefícios da Justiça Gratuita ao casal João e Helena;
IIL Ato concomitante, profira expressamente decisào, com base no
artigo 191 do CPC, determinando a contagem do prazo em do­
bro, tanto para a resposta como para eventual recurso, diante de
serem três réus com dois advogados distintos;
IV. Determine que o prazo para a contestação de todos os deman­
dados, por estar uma demandada dando-se por citada no pre­
sente ato, inicie a partir da juntada deste petitório;
V. Determine, ainda, ao Cartório anote os nomes dos subscritores
desta e respectivas OAB-SP na capa dos autos para recebimen­
tos das intimações; e
VI. Por final, defira a vista dos autos na pessoa do advogado Tício
Silva para a elaboração da defesa, sendo certo que o processo
permanecerá no escritório daquele, o qual assume a obrigação
de devolvê-lo ao Cartório, no momento oportuno.
Termos em que,
pedem deferimento.

Sào Paulo, 22 de abril de 2000.


CAIO SILVA
OAB-SP 0001
Advogado de Maria.

TÍCIO SILVA
OAB-SP 00002
Advogado de João e Helena.

Se, por um lado, o tópico frasal, nesse tipo de estruturação de pará­


grafos bem curtos, perde um pouco de sua premência, por outro a neces­
sidade de coerência entre os parágrafos aumenta na mesma proporção.
É que quando se usam estruturas menores e até numeradas, como
no texto acima, há um óbvio aumento na fragmentação do texto. E quan­
Lição 6: Desenv. de frase e parágrafo na narração jurídica. Dicas de constr._____369

do mais se fragmenta o texto - embora possa haver ganhos inegáveis em


sua objetividade —mais complexa se toma a manutenção de sua unidade.
Os números em seqüência, ao início de cada parágrafo, nào lhe
garantem linearidade na leitura. E preciso, entào, que o autor esteja bem
atento ao iniciar cada parágrafo, relendo o anterior com atenção, e saben­
do se há uma continuidade de assunto que esteja evidente ao leitor.
Se nào estiver, procure estabelecê-la, ainda que haja de tomar o
texto um tanto mais longo, fazendo uma breve referência ao quanto dito
no parágrafo anterior:
Os requerentes, no dia 20 de agosto de 1999, foram intimados para
contestar os termos da inicial da presente demanda.
Diante dessa intimação, constituíram o patrono que esta subscreve.
Este, entretanto, indo ao cartório na data de ontem, nào teve acesso aos
autos, pois os oficiais do cartório afirmaram estar este temporariamente
em correição.
De um modo ou de outro, o texto da petiçào, da sentença ou do
parecer nào se pode comparar ao da doutrina ou ao dos grandes discursos.
Para manter a atenção do leitor, para estimular a leitura, construa sempre
parágrafos mais curtos. Um parágrafo variando entre três e dez linhas
teria um padrão ideal para a escrita na petiçào, ressalvando-se a possibili­
dade de serem mais extensos ou mais curtos que essa média, dependendo
do assunto que se estiver tratando.

6.5 A petição em seu estilo. Algumas recomendações


Já sabemos que o estilo é pessoal, e que se desenvolve com o tem­
po. Desde que nào haja vícios na escrita, como os referidos alhures, o
desenvolvimento de um estilo característico da pessoa é algo salutar.
Mas demora para que cada um firme um estilo peculiar. Mesmo
firmado, construído, ele vai-se alterando, por meio da vivência, da leitu­
ra, da influência qe recebemos a todo momento, de todos os lados, em
nossa vida acadêmica e profissional.
Para aqueles que se iniciam na advocacia, entretanto, valem algu­
mas considerações a respeito da forma da petiçào, de sua apresentação,
para que sigam um padrão aceitável e condigno ao meio forense.
370 M anual de RedaçSo Forense

6.5.1 O uso do computador


Hoje em dia, sào poucos os que dispensam o computador para as ati­
vidades diárias. E fato que o computador nào pode afastar o advogado de
seu trabalho “artesanal”, o estudo dos autos, a pesquisa em livros etc., mas
constitui um instrumento indispensável ao bom escritório de advocacia.
Com o computador armazenam-se textos, facilita-se a consulta à
jurisprudência (nào se dispensando, entretanto, como já dito, a leitura e a
cópia de textos mais densos que ainda não se encontram todos disponí­
veis cm suporte eletrônico), ao dicionário, à gramática. Isso sem contar
com os inúmeros serviços que sào prestados pela Internet, a exemplo do
acesso a acórdãos dos Tribunais Superiores, e daí por diante.
Mas é importante, para nós, neste momento, o uso do computador
como meio de construção da peça jurídica. E ele que permite uma im­
pressão de qualidade indiscutível aos textos enviados ao Poder Judiciário
ou ao próprio cliente, e isso importa, e muito, no conceito que se forma
sobre o trabalho do profissional.
Se, por um lado, de nada adianta apresentar uma petiçào excelente­
mente impressa, em papel de qualidade, com boa formatação, se nela
houver erros de português, erros crassos de conhecimento do Direito ou,
ainda, uma argumentação fraca, incoerente, desconexa, de outro lado nào
se pode esconder que um bom texto, coeso, coerente, persuasivo, perde -
aos olhos da sociedade atual - muito de seu valor se apresentado de manei­
ra descuidada, como datilografado nas máquinas de escrever.
Nas grandes cidades, é certo que o uso do computador é rotineiro,
e quase nunca se encontra aquele que o dispense em seu escritório. Mas a
experiência nos mostra que nas cidades de menores, no interior do país, o
uso da máquina de escrever ainda é rotineiro em alguns escritórios. Para
aqueles que ainda a utilizam, vale a lição.
A apresentação do texto tem seu valor persuasivo até. A boa im­
pressora é indispensável, os tipos de letra bem utilizados revelam cuida­
do na apresentação do texto.
Os corretores ortográficos do computador estão longe de ser corre­
tores gramaticais, por isso não dispensam nenhum conhecimento da língua
ao autor no momento de construir o texto, mas com certeza lhe indicam
falhas na digitação, que geralmente passam despercebidas a quem digita,
até mesmo em uma releitura.
Lição 6: Desenv. de frase e parágrafo na narração jurídica. Dicas de constr._____371

E, portanto, para a forma que bom processador de textos é indispen­


sável.

6.5.2 A forma da petição


Algumas recomendações são válidas quanto à apresentação da pe-
tiçào. Vejamos:
1. Cabeçalho do escritório:
O cabeçalho do escritório deve constar na primeira página da peti­
ção, logo acima. Ele deve informar o nome da empresa ou do profissio­
nal, o endereço do escritório, completo, e o telefone.
O cabeçalho é forma de identificação e personalização do papel
utilizado, mas nào deve “chamar a atenção”. Ele deve ser sóbrio, de pre­
ferência em preto, pois sào poucos os coloridos no papel que têm a discri­
ção adequada ao ambiente forense. Nào deve tampouco ser muito gran­
de: deve ser escrito em fontes bem menores que as utilizadas no corpo do
texto, para que nào roube muito espaço da folha.
Esse cabeçalho —é recomendável —somente deve aparecer na pri­
meira folha da petiçào. Nas seguintes, é bom que apareça apenas o nome
do escritório, sem necessidade das outras informações, como o endereço
e telefone, pois isso já consta do cabeçalho da capa. O computador, ao
moldar-se o cabeçalho, dependendo do processador de texto utilizado, já
prevê um comando para que o cabeçalho da primeira página seja diferen­
ciado do das demais.
2. Estilos de fonte.
Chama-se “fonte” o estilo de letra utilizado na petiçào. As máqui­
nas de escrever antigas trazem apenas uma fonte, o tipo que, batendo
na fita, pintava no papel a letra comandada pelo datilografo. O computa­
dor permite a escolhe dentre várias fontes, bem como a escolha de seu
tamanho.
Deve-se utilizar com proveito os vários estilos de fonte. Sem ex­
cessiva variação, usar um tipo de fonte diferente para indicar as citações
e os recortes é tarefa inteligente. Permite ao leitor, por bater os olhos,
distinguir o que é texto do autor da petiçào e o que é mera cópia. A
excessiva variação dos tipos de letra, entretanto, cansa e confunde o lei­
tor, por isso é recomendável que utilize na petição apenas duas, ou três,
como regra e com critério.
372 Manual de Redação Forense

Nos anos que passamos lendo trabalhos de alunos, podemos notar


que o mais reiterado conselho que demos, nesse assunto, aos que usam o
computador fazia referência ao tamanho da fonte.
A leitura de letras muito pequenas é difícil a qualquer um, por isso
resulta em um desestímulo à leitura. Ninguém que redige deseja que al­
gum leitor se desinteresse pela leitura ou tenha dificuldade em acompanhá-
la. Principalmente aos alunos mais jovens, temos de lembrar que quase
nunca se pode garantir que o destinatário de nosso texto tenha “olhos de
lince”, visão perfeita, capaz de identificar as letras por mais miúdas que
sejam. Para todos, a leitura em fontes maiores —sem exageros, é claro —é
mais cômoda e por isso deve-se sempre garantir que as fontes sejam
selecionadas em um tamanho que façam as letras, quando impressas, se­
rem bem legíveis.
3. A disposição do texto no papel.
Outra dica importante refere-se ao espaçamento dos parágrafos na
petiçào.
Não é necessário que entre as linhas haja grande espaço, mas há
brancos imprescindíveis na petiçào.
Em primeiro lugar, é preciso reservar na petição um espaço para
protocolo e despacho. A primeira folha do texto deve conter um espaço
claro, entre o encaminhamento e o início do texto principal (o nome das
partes), suficiente para que o cartório possa bater o protocolo e para que
o magistrado possa proferir, se assim o desejar, seu despacho, de poucas
linhas, na própria petição. Por isso se recomenda que o nome das partes
somente se inicie na segunda metade da primeira folha da petiçào, dei­
xando em claro meia página para os fins já descritos.
Em segundo lugar, é sempre preciso ter em conta que a petiçào será
encartada aos autos. Esse encarte se faz por meio de dois furos na peti­
çào, como bem se sabe. Furado o papel e encartado aos autos, boa parte
da margem esquerda do papel é inutilizado. Se o peticionário escrever a
partir do início do lado esquerdo do papel, entào, boa parte de seu texto
será ilegível quando estiver ele encartado aos autos.
Por isso, é necessário construir uma margem esquerda bastante
larga, para evitar que parte do texto escrito se perca pelo ato de encartar
a petiçào ao todos dos autos.
4. O nome do peticionário e sua assinatura.
Lição 6: Desenv. de frase e parágrafo na narração jurídica. Dicas de constr._____ 373

No fim do texto, deve constar sempre o nome do pericionário e sua


assinatura. E recomendável que todas as folhas do texto sejam rubricadas,
evitando alguma falsificação, o que nào é comum, mas é bom precaver.

6.6 Resumo
a) O estilo de escrita representa modo pessoal de criação e é
construído e alterado ao longo da vida pelas idéias do autor e
pelas influências exteriores, das mais variáveis. Alguns modos
de construção de texto assumem menor clareza, e por isso o
aluno deve estar atento para alterar seu estilo —se já o tem for­
mado.
b) Escrever frases longas constitui, via de regra, recurso pouco efi­
ciente para a clareza do texto jurídico. Ademais, facilita muito
os erros de pontuação.
c) A frase deve ser construída preferencialmente em ordem direta.
Subverter a ordem direta não é, por si só, recurso de estilo.
d) Antecipações e inversões justificam-se quando dão notório realce
a um elemento da oraçào, quando buscam expressividade ou
têm a finalidade de evitar ambigüidades.
e) O aluno deve estar sempre atento para nào trazer excesso de
informações em uma só frase. O raciocínio do leitor desenvol­
ve-se por meio da soma de idéias. Entre uma e outra deve haver
pausas.
f) O parágrafo atende a dois requisitos: a distribuição espacial do
texto e a uma idéia-núcleo. Essa idéia-núcleo geralmente carac­
teriza o tópico firasal e é inserida no início de cada parágrafo.
g) Vários são os estilos de paragrafaçào do texto jurídico, mas o
redator deve sempre ter em conta que os parágrafos curtos sào
mais atraentes à leitura.
h) O computador, embora nào constitua grande recurso para a cons­
trução do texto, é essencial, nos dias de hoje, para dar-lhe a
forma final.
i) Com os recursos do computador, fica mais fácil conceder a pe­
tição elementos formais essenciais. O cabecalho, as fontes bem
j j ’

legíveis e as margens adequadas a funçào da petiçào sào alguns


desses elementos.
374 M anual de Redação Forense

Anexo de Notas

1 O uso da palavra monocrâtico foi algumas vezes criticado por autores, por esta nao existir
nos dicionários dc nossa língua. O Dicionário Micbae/is já traz verbete para esse termo e,
embora nao cuide especificamente de seu sentido jurídico, seu sentido lato é bastante
próximo deste. E que muitos dicionadstas nào cuidam de palavras que sutgem no
contexto jurídico, mas nao se pode criticar seu uso, desde que seja técnico.
2 Garcia, Othon Moacyr, op. cit. p. 203.
' D URAN DIN, Guy im A s M entiras na Propaganda e na Publicidade,JSN Editora, Sào Paulo,
1997, p. 104.
Lição 7
Evitando os erros mais comuns

Nessa altura do presente, já temos visto os principais aspectos da


escrita jurídica, as questões de vocabulário, de estrutura narrativa e
dissertativa, a construção dos parágrafos e das orações. Com esses ele­
mentos, o aluno já encontra subsídios para uma escrita mais segura e
estruturada.
Cuidamos, nos capítulos que versavam sobre a enunciaçào, de ques­
tões que procuravam fazer o aluno relembrar como se formam gramati­
calmente as frases, desvendando, com a revisào de elementos da sintaxe,
a funçào de vários elementos gramaticais, que talvez nunca se houvesse
utilizado na prática. De fato, grande falha do ensino do português em
algumas escolas é a de cindir em “redação” e “gramática” elementos que
estào indissociavelmente unidos para a construção do texto. Essa divisão
pode levar, como de fato leva, a muitos profissionais, quando instados,
anos mais tarde, a escrever largamente pela necessidade que sua funçào
lhe impõe, a não se lembrarem de que todos os elementos da gramática,
que lhe foram de modo enfadonho ensinados durante o curso normal,
procuraram principalmente fazer com que ele tivesse elementos para co­
municar-se corretamente em língua portuguesa.
As questões gramaticais, entào, nào se afastam da boa comunica­
ção. Sabemos que, de certa forma, os operadores do direito —em realce os
advogados —sào profissionais da comunicação, pois as normas jurídicas
sào enunciados comunicativos, assim como as decisões judiciais, os tex­
tos de doutrina e as petições. Com toda técnica apurada e específica que
tem o direito, ninguém pode dissentir de que seu dia-a-dia é construído
pelos textos, pela comunicação, em língua portuguesa, para nós.
Em assim sendo, a expressão gramaticalmente correta faz-se para
nós uma exigência e, dada a complexidade de nossa língua portuguesa, o
estudo dela, para o operador do direito, se faz essencial: sempre surge
uma dúvida, aparece um erro, que, por menos que se queira, pode com­

1375|
376 M anual de Redação Forense

prometer toda uma petição, uma decisào judicial, um parecer, ou até um


texto de lei. Um cliente pode-se perguntar: “como pode ser bom meu
advogado se, neste parecer, ele sequer sabe fazer a concordância do ver­
bo?”
Foi diante dessa necessidade do profissional do direito de estar sem­
pre apreendendo as questões da língua pátria, sanando dúvidas do verná­
culo que lhe apareciam (e sempre aparecem) nas suas atividades diárias
de escrita, que se criou o assim chamado “português jurídico”. Quem lê
este termo, todavia, pode criar uma impressão errada de seu significado.
A língua portuguesa é uma só: advogados, juizes, médicos, arquitetos,
engenheiros, atores ou músicos, todos eles falam o mesmo português. O
que se denomina “português jurídico” é, entào, a aplicação das regras
gramaticais aos recursos expressivos mais usuais no discurso jurídico.
É isso, grosso modo, que se desenvolve no presente capítulo. Com
a experiência da leitura reiterada de peças jurídicas proveniente de alu­
nos, bem como da própria doutrina e jurisprudência, em que nào raro
escapam construções que a norma culta desconhece, procuramos seleci­
onar os erros mais comuns em nossa redaçào solucionando-os com breve
fundamentação.
Com a leitura integral do presente capítulo, o aluno com certeza
livrar-se-á de alguns vícios de escrita, dos mais elementares aos mais com­
plexos, o que aumentará ainda mais a qualidade de seu texto.
Embora sabendo que, didaticamente, é desaconselhável mostrar
formas erradas de construçào, porque elas podem ficar na mente do alu­
no e repetirem-se, erradas, na redaçào, ousamos transgredir tal conselho e
iniciar cada item com um texto redigido de modo errado, para depois
corrigi-lo. A explicação a respeito do erro fará com que nos lembremos da
forma correta de escrita, que tanto nos importa.
Vamos, entào, a tais questões.
1. O estado de necessidade, inserido no Código Penal em
seu artigo , deve ser minuciosamente discutido no presen­
te caso.
Já vimos, nas lições passadas, o que é “particípio”. Cada verbo tem
o seu, mas há verbos (chamados de abundantes) que têm mais de um par-
ticípio. E o caso do verbo inserir. Ele admite, como particípio, as formas
inserido e inseria.
Lição 7: Evitando os erros mais comuns 377

Nesses casos, a forma irregular do pardcípio, “inserto”, deve ser


utilizada quando a oração tem sentido passivo, está na voz passiva.
A inviolabilidade do advogado foi inserta no artigo 133 da atual
Constituição.
Na voz ativa, havendo verbo auxiliar, usa-se o particípio regular:
Esse é o jurista que havia inserido a pena de morte no projeto de
lei da Câmara.

Da mesma forma, e. g., os verbos incorrer, extingnir e contraditar.


0 réu está (foi) incurso no artigo 121 do Código Penal.
Haverá ele incorrido em crime de homicídio.

Ele havia extinguido a sociedade.


A sociedade foi extinta.

O libelo será contradito em plenário.


0 juiz deu o réu como indefeso porque o advogado não tinha
contraditado o libelo.
2. A tese exposta por esta defesa vai de encontro ao m ais re­
cente posicionamento do STJ.
Quem faz essa afirmação depõe contra si próprio. Ir “de encontro
a” alguma coisa significa ir contra ela.
Se um comentarista esportivo, ao narrar uma corrida de fórmula
um, diz que o carro de Ayrton Senna foi de encontro ao carro de Alain Prost,
está afirmando que os carros chocaram-se. Todavia, se disser que Senna
foi ao encontro de Prost, entào sim está dizendo que o brasileiro aproxima-
se do francês, no intuito de ultrapassá-lo.
Ir ao encontro de significa encontrar, unir.
Ir de encontro a significa ir contra, em sentido oposto. Entào, sào
corretas as construções abaixo:
A tese do defensor do réu deve, por óbvio, ir de encontro á do
acusador.

Minha tese, porque amplamente aceita pelos maiores cultores do


direito, vai ao encontro do quanto o STJ vem decidindo.
3. Deve essa Corte admitir, conhecer e dar provimento ao
presente recurso especial.
378 M anual de Redação Forense

Construção equivocada. É certo que os três verbos da oração têm


um objeto comum, o recurso especial. Todavia, cada um dos verbos tem
uma regência diferente para seu objeto. Repare:
Admite-se o recurso (objeto direto).
Conhece-se do recurso (na acepção jurídica do verbo, objeto di­
reto com preposição de).
Dá-se provimento ao recurso (objeto direto com preposição a).

Embora se tome mais complexo, o autor deve demonstrar que co­


nhece a regência de cada verbo, e sabe que nào se deve admitir que se
utilize apenas uma delas para suprir as três regências que aparecem no
período. Na forma correta, assim deveria estar a construção.
Essa Corte deve admitir o recurso, dele conhecer, e a ele dar
provimento.

Para simplificar, rejeitando a regência da preposição pelo verbo co­


nhecer, na acepção jurídica do mesmo verbo, tem-se também:
Essa Corte deve admitir, conhecer o recurso e a ele dar provimento.

4. O laudo do esperto mostrou haver falhas de construção.


O equívoco parece óbvio, mas nào raras vezes existe a grafia errada
do termo “experto”. No sentido de “perito”, deve-se grafar com a:, e nào
com s.
Também deve-se evitar o termo expert> uma vez que há tempos
existe seu aportuguesamento, apenas com a colocação de vogal no fim da
palavra.
5. O consumidor, ao invés de pedir cobrança por boleto ban­
cário, deu cheques pré-datados.
Como se escreve? Em ve% de ou Ao invés de ? Por quê ? Veja:
Ao invés de significa ao contrário de.
Em ve% de significa em lugar de.
Portanto, somente se pode utilizar a expressão “ao invés de” quan­
do se estiver comparando elementos de sentido oposto, contrário. Assim:
O réu, ao contrário de ser devedor, é credor.
O réu, ao invés de ser credor, é devedor.
Quando nào se comparam expressões de sentido oposto, deve-se usar
a expressão em ve^ de.
Lição 7: Evitando os erros mais comuns 379

Em lugar de pagar por boleto bancário, pague com cheque.


Em vez de pagar por boleto bancário, pague com cheque.
Em vez de um carro, quero uma motocicleta.
Em vez de recurso especial, redija o extraordinário.
6. Tal jurisprudência não deve ser aceita como argumento,
pois à sua época ainda não vigia o Código do Consumidor.
A lei vigia? E melhor utilizar, para o verbo viger (e jamais vigii\ como
alguns dizem), apenas formas em que há e depois do g. Portanto, para o
pretérito imperfeito de tal verbo, prefira a construção:
Tal jurisprudência nào deve ser aceita como argumento, pois à sua
época ainda não era vigente o Código do Consumidor.
7. O posicionamento do STF, alegado nas razões do reclaman­
te, apesar de respeitável, não se a d eq u a ao caso concreto.
Como se pronuncia o verbo em destaque? Adéqua ou Adequa?
Na verdade, não se pronuncia de modo algum, pois essa conjuga­
ção verbal não existe. O verbo adequar é defectivo, ou seja, nào tem todas
as formas. No presente do indicativo, só admite a conjugação na primeira
e na segunda pessoa do plural.
Portanto, no presente caso, deve-se escrever:
0 posicionamento do STF, alegado nas razões do reclamante,
apesar de respeitável, não é adequado [ou não é pertinente] ao caso
concreto.

8. A fim de que não se alegue ignorância, vai a presente em


duas vias...
A locução que serve para iniciar orações finais deve ser separada
desta forma: a fim de. Portanto, a forma correta é:
A fim de que não se alegue ignorância.
Afímt junto, é adjetivo, relacionado a afinidade.

O devido processo legal e o contraditório sào garantias afins.


9. Diante da am eaça, o réu não teve ou tra a ltern a tiva senão
efetuar o disparo.
Alter já significa outro. Desse modo, outra alternativa é pleonasmo,
redundância. Para essa construção ficar correta, basta retirar o “outra”
que sobra, assim escrevendo:
380 M anual de Redação Forense

Diante da ameaça, o réu não teve alternativa senão efetuar o dis­


paro.
10. Se decisões nesse sentido continuarem a existir, o povo per­
derá a c r e d ib ilid a d e no Judiciário.
O Judiciário deve ter credibilidade perante o povo. Mas o povo
deve ter crédito no Judiciário. E impossível a troca dos substantivos,
pois ambos têm significados distintos. Corretamente, entào, deve-se es­
crever:
Se decisões nesse sentido continuarem a existir, o povo perderá
o crédito [a confiança] no Judiciário.
11. Se o patrono da parte adversa quizer> podemos entrar em
acordo.
Nenhuma das formas do verbo querer admite a letra z. Todas as
suas conjugações, a exemplo do pretérito perfeito ou do futuro do sub-
juntivo (quiser, quiseres ...) sào grafados com s. Portanto:
Se o patrono da parte adversa quiser, podemos entrar em acordo.

12. Tudo o que o acusado r eq u is, foi deferido.


Requerer não significa “querer outra vez”. Por isso, nào se conjuga
como o verbo “querer”, mas é verbo regular. “Requereu” é a forma corre­
ta no pretérito. Portanto:
Tudo o que o acusado requereu, foi deferido.

13. Apesar do quanto afirma o acusado, a vítima jam ais r ea v e u


algo do que lhe foi roubado.
Este sim. O verbo “reaver” é derivado do verbo haver, assumindo,
então, significado próximo ao de “haver de novo”, recuperar, recobrar.
Por isso, reaver conjuga-se como o verbo haver\ ainda que seja defectivo,
ou seja, que não tenha todas as suas formas, como várias do presente do
indicativo.
Assim, conjugando-se o verbo reaver tal qual o verbo haver, temos,
como forma adequada, a seguinte:
Apesar do quanto afirma o acusado, a vítima jamais reouve algo
do que lhe foi roubado.

14. As provas devem ser desentranhadas dos autos, p o s t o q u e


m anifestamente ilegais.
Lição 7: Evitando os erros mais comuns 381

A locuçào conjuntiva “posto que”, ainda que amplamente utilizada


em construções como essa, nào tem sentido explicativo ou causai, mas
concessivo.
Desse modo, “posto que” deve ser utilizado como “embora”, “ain­
da que” e nào no sentido de “porque”. Assim, é correto:
Posto que ilícitas, as provas nâo devem ser desentranhadas dos
autos.
O réu deve ser libertado no dia primeiro de maio, posto que seja
feriado (= ainda que seja feriado).

Para dar sentido causai ou explicativo, procure outra locuçào ou


conjunção:
As provas devem ser desentranhadas dos autos, uma vez que
manifestamente ilegais.
As provas devem ser desentranhadas dos autos, porque mani­
festamente ilegais.
1 5 . 0 título foi enviado à protesto.
Encam inhei à Vossa Excelência os memoriais.
Quantas vezes o sinal indicativo de crase é utilizado de maneira
equivocada! Estes casos sào apenas dois deles.
Crase é a fiisâo escrita e oral de duas vogais idênticas. Existe caso
de crase em outra vogal, mas merece estudo mais aprofundado, em nossa
língua, a crase do a. No português, a crase do a é marcada pelo acento
grave (')•
As duas vogais que se unem são idênticas, mas têm funçào diferen­
te. A crase pode, entào, representar a fiisào da preposição a com:
- o artigo feminino a(s).
Encaminhei o título à pessoa responsável.
(a preposição + a artigo feminino).

- ao pronome demonstrativo a(s).


Essa decisão é idêntica à do outro caso.
(a preposição: ser idêntico a alguma coisa +
a pronome demonstrativo = aquela).
- ao a inicial dos demonstrativos aquele(s), aquela(s), aquilo.
Esse caso é igual àquele que foi julgado na semana passada.
382 M anual de Redação Forense

(a preposição: ser igual a alguma coisa +


aquele, pronome demonstrativo = àquele).

I. Das três possibilidades de crase, a primeira (a preposição + a


artigo feminino) é a que traz mais possibilidade de erro. No en­
tanto, a regra é uma só:
A crase só ocorre quanto o termo regente exigir a preposição a e
o termo regido aceitar o artigo feminino a.
Disso, algumas conclusões podem ser tiradas:
a) Nào existe crase antes de palavra masculina.
Ora, se o segundo a é artigo feminino, é claro que, se existe a antes
de palavra masculina, trata-se apenas de preposição, e nào de preposição
+ artigo. Afinal, o artigo que acompanha as palavras masculinas é o o e
nào o a. Assim:
Os títulos foram enviados a protesto.

Sem sinal indicativo de crase, pois ela nào exisLe. O a antes de


“protesto”, por ser esta palavra masculina, só pode ser preposição. Da
mesma forma:
Obedeço a todos os mandamentos.
Andei a cavalo.
Escrevi a lápis.

Observação 1: Os verbos sào também considerados como gênero


masculino, pois, ao serem substantivados, sempre aparecem no gênero
masculino. “Aprender” é verbo, e, quando substantivado, surge nesta for­
ma: O aprender é fascinante. Portanto, não existe crase antes de verbo:
Serei forçado a impetrar habeas corpus.
Observação 2: Raríssimas vezes aparece crase antes de palavra mas­
culina, como na expressão “Sapatos à Luiz XIV”. Na verdade, está implí­
cita a palavra “moda”: Sapatos à (moda de) Luiz XIV.
b) Nào ocorre crase antes de pronomes em geral.
Os pronomes em geral nào aceitam o artigo feminino. Falamos
“Ela atuará no caso ” e não “A ela atuará no caso”. Portanto,
nào se pode dizer: “Passei o caso à ela”. Mas sim: “Passei o caso
a ela”. O a é apenas preposição.
Lição 7: Evitando os erros mais comuns 383

A crase só vai aparecer se o pronome aceitar artigo feminino. É o


caso dos pronomes possessivos femininos, em que, quando existir a pre­
posição a, pode aparecer a crase. Ex.:
Passei o caso à minha assistente.
Contei tudo à sua secretária.

Observação: Os pronomes de tratamento, via de regra, nào ad­


mitem artigo e, portanto, é impossível a crase. Os únicos pronomes de
tratamento que admitem artigo feminino sào dona, senhora e senhori-
ta. Excluídos esses, a crase nào existe. Portanto:
Encaminhei a Vossa Excelência os memoriais.
Peça diretamente a Sua Excelência, o governador.
c) Não pode haver crase quando um nome feminino plural vier
precedido de a sem o s indicativo de plural.
E errado escrever:
Falei à pessoas nobres.

Ora, se a crase exige a presença do a preposição e do a(s) artigo, é


evidente que, na oraçào acima, nào ela nào pode existir. Afinal, pode-se
perceber que, lá, não há artigo, uma vez que o artigo apto a modificar
“pessoas” é o plural as. Se nào existe o s, estamos apenas diante da pre­
posição. Entào:
Falei a pessoas nobres.
Referiu-se apenas a questões processuais.
O contrário ocorre, entretanto, se aparecer o s indicativo de plural,
caso em que se percebe que o autor optou por utilizar o artigo. Se houver
artigo (em se exigindo a preposição), o sinal indicativo de crase é obriga­
tório. Assim, só é correto:
Falei às pessoas nobres.
Referiu-se apenas às questões processuais.

d) Nào ocorre crase antes de nomes de cidades:


Vou a Madri.
Pois nào se usa artigo antes do nome de cidade. Dizemos: Madri é
uma cidade bonita, e jamais A Madri é uma cidade bonita. Todavia, quan­
do o nome da cidade vem determinado, ele passa a admitir o artigo femi­
nino e, conseguintemente, a crase. Portanto:
384 M anual de Redação Forense

Vou à Madri das touradas.

e) Antes de nomes próprios femininos, a crase é opcional.


Emprestei dinheiro a [à] Eva.

Note, entretanto, que a crase é opcional porque podemos utilizar,


ou nào, antes do nome próprio feminino, o artigo a. Entretanto, note-se
que usar artigo antes de nome próprio pode significar menor respeito, ou,
ao menos, denota intimidade com a pessoa de que se fala, chamando-a
pelo próprio nome. Nào se diz:
“0 João Paulo II virá ao Brasil", mas apenas uJoão Paulo II virá ao
Brasil".

Nào havendo artigo, no feminino, nào há crase. Portanto, nunca


escreve:
Jesus disse à Maria, sua mãe, que não tivesse medo. Mas sim:
Jesus disse a Maria, sua mãe, que não tivesse medo.

f) Nunca ocorre crase antes dos pronomes relativos quem e cujo,


mas ocorre antes do qual ou quais, se o masculino corresponder
a ao qual, aos quais.
Assim, é correto:
A sentença à qual me referi é esta.
Pois, se substituirmos “sentença" por “julgado”, teremos:
0 julgado ao qual me referi é este.

E é errado:
A moça à quem me dirigi é aquela.
g) Há crase toda a vez que o termo regente exigir preposiçào a e o
termo regido, feminino, admitir o artigo a. Regra prática para
saber se existe a crase é substituir o termo feminino por um
masculino. Se, em lugar do “a” original, aparecer “ao”, existe
crase. Se aparecer apenas “a” ou “o”, é sinal de que nào estào
presentes artigo e preposiçào, nào se devendo, entào, usar o si­
nal indicativo de crase.
Vejamos:
Assisti a peça de teatro.
Substitui-se peça por palavra masculina:
Lição 7: Evitando os erros mais comuns 385

Assisti ao espetáculo de teatro.


Há, então, crase.
Assisti à peça de teatro.

Redigi a petição.
Substitua por palavra masculina.
Redigi o documento.
Não há, então, crase.
Redigi a petição.

Dava assistência as irmãs carmelitas.


Dava assistência aos irmãos maristas.

Há, entào, crase:


Dava assistência às irmãs carmelitas.

h) Use sempre crase nas expressões adverbiais femininas.


Cheguei à noite.
O requerente esta à disposição desse DD. Juízo.
Esteja sempre à frente de seu concorrente.

Nas expressões adverbiais que indicam instrumento, entretanto,


pode-se deixar de colocar o sinal indicativo de crase, uma vez que, ao
substituir-se por palavra masculina, percebe-se a nào colocaçào do artigo:
Escrevi a máquina.
(Escrevi a lápis, e não “ao lápis").

Sào esses, pois, os principais casos de crase representando a fusão


da preposição a com o artigo feminino a. Todas essas regras sào, todavia,
apenas corolários da regra geral: termo regente que exige preposição e
termo regido que aceita o artigo a.
Como visto, dois outros casos de crase do a existem, de mais fácil
identificação.
Toda vez que o termo regente exigir preposição e, em seguida, hou­
ver algum dos pronomes demonstrativos aquele(s), aquela(s), aquilo,
exige-se crase, deste modo:
Referi-me àquele processo [referir-se a (preposição)+ aquele].
Isto não diz respeito àquilo.
386 M anual de Redação Forense

Prefiro isto àquilo.

Mas a letra a(s) pode expressar também um pronome demonstrati­


vo, com o mesmo significado de aquela (s). O pronome demonstrativo
equivalente, no masculino, é enunciado pela letra o(s).
Nesses casos de crase do a preposição com o a pronome adjetivo,
sempre se segue ao a o pronome relativo que (à que) ou a preposição de
(à de). Vale a regra prática de substituição por palavra masculina:
Minha petição é igual a de João.(?)
Meu recurso é igual ao de João.
Minha petição é igual à de João.

Minhas razões sâo idênticas as que você redigiu.(?)


Meus pedidos são idênticos aos que você redigiu.
Minhas razões são idênticas às que você redigiu.

A juíza a que você encaminhou o recurso é incompetente.(?)


0 juiz a que você encaminhou o recurso é incompetente.
A juíza a que você encaminhou o recurso é incompetente (não há
crase).

16. As perguntas do nobre patrono nada têm h a v e r com o pro­


cesso.
Absolutamente incorreto. “As perguntas do nobre patrono nada têm
a ver com o processo” é a única construção aceitável. Ressalte-se, em
tempo, que essa expressão guarda relaçào com a oralidade, ou seja, é re­
comendável apenas para a fala. No discurso judiciário, prefira:
As perguntas do patrono nào guardam nenhuma relaçào com o pro­
cesso.
1 7 . 0 apelante prefere desistir do recurso d o q u e ter de aguar­
dar, preso, seu julgamento.
Ninguém prefere uma coisa do que outra. Prefere-se uma coisa a
outra. Portanto:
O apelante prefere desistir do recurso a ter de aguardar, preso,
seu julgamento.

18. Dando continuidade a sua fuga, o indiciado i n g r e s s o u na


loja de móveis.
Lição 7: Evitando os erros mais comuns 387

Ingressar é sinônimo de entrar? Nem sempre. Nào é, ao contrário


do que possa parecer, mais erudito dizer “ingressar na loja de móveis”
que dizer “entrar na loja de móveis”.
“Ingresso” é a entrada, mas não em “lugares” físicos, espaços pro­
priamente ditos. Veja a diferença:
Meu filho ingressou na faculdade, obtendo primeira colocação no
vestibular.
Entrei na faculdade [no prédio da faculdade] procurei o professor.
Não o encontrei e saí.

Meu primo ingressou na maçonaria.


Naquela época, era costume ingressar em irmandades católicas.
Entrei na sinagoga e orei por nossa comunidade.

Ora, o bandido entra na loja de móveis, e nào ingressa. Assim:


Dando continuidade a sua fuga, o indiciado entrou na loja de móveis.
19. Se os presos fossem m e lh o r orientados, não voltariam a
deünqüir.
Antes de particípio, nào se deve utilizar as formas melhor ou pior.
Prefira, nesses casos, mais bem ou mais mal. Assim:
Se os presos fossem mais bem orientados, não voltariam a de-
linqüir.
Os procuradores exigem ser mais bem remunerados.
Nossos alunos estão mais mal preparados que os deles.

20. Entre e u e m eu cliente não há segredos.


Os pronomes pessoais do caso reto (eu) nào pode aparecer regido de
preposiçào. Depois de entrey entào, deve aparecer o pronome oblíquo mim.
Entre mim e meu cliente não há segredos.
Entre você e mim não há mais rancores.

21. Eu, o desem bargador Tício e o professor Caio representa­


mos o B rasil no congresso internacional.
O erro na frase acima é menos gramatical e muito mais uma ques­
tão de protocolo, polidez, educação que se reflete na enunciaçào da frase.
No Brasil, essas questões sào por vezes deixadas de lado, mas é importan­
te, principalmente em ocasiões mais solenes, sermos muito cuidadosos
388 M anual de Redação Forense

no tratamento: quando há elementos dispostos em coordenação (no caso,


o sujeito) aquele que enuncia deve referir a si próprio, sempre, como o
último desses elementos. Portanto:
O desembargador Tício, o professor Caio e eu representamos o
Brasil no congresso internacional.

22. O depoente não sabe porque o réu sempre andava armado.


O uso dos porquês traz várias dúvidas aos que escrevem. Procure­
mos, entào, sanar de vez essa questão, conhecendo todas as possibilida­
des de uso dos “porquês”:
I. Por que (separado e sem acento). Usa-se em três casos:
a) Por preposição + que pronome interrogativo, iniciando fra­
ses interrogativas em discurso direto ou indireto.
Por que seu cliente está preso?
O depoente não sabe por que o rêu sempre andava armado.

b) Por preposição + que pronome interrogativo, em expressão


equivalente a (pelo qual, pela qual, pelos quais, pelas quais).
Explique-me a razão por que (=pela qual) seu cliente está preso.
0 depoente não sabe dizer o motivo por que (=pelo qual) o réu
sempre andava armado.
c) Por preposição + que conjunção integrante (iniciando ora­
ções subordinadas substantivas).
Rezo por que seu pai seja solto.
Pedi a Deus por que diminua a violência em nossa metrópole.
Anseio por que ganhe mais esta causa.
0 júri demonstrou desejo por que o réu fosse absolvido.

II. Por quê - separado e com acento. Em dois casos:


a) Por preposição + que pronome interrogativo, no fim das
frases interrogativas, ou antes de pausa forte (quando o que
passa a ser tônico).
Seu cliente está preso, por quê?
O recurso não foi admitido por quê, se todas os seus requisitos
estavam presentes?
b) Quando há omissão de verbo utilizado em oraçào antece­
dente.
Lição 7: Evitando os erros mais comuns 389

Negar a admissão do recurso é fácil, dizer por quê é difícil (=


explicar por que o recurso não foi admitido é difícil).

III. Porquê —junto e com acento. Utilizado em apenas um caso,


quando o porquê for substantivo. Nesses casos, ele pode vir
acompanhado de artigo (o porquê) e tem valor idêntico a o
motivo.
Diga-me o porquê de seu cliente estar preso (= o motivo).
Explique o porquê da não admissão do recurso.

IV. Porque - junto e sem acento. Utilizado como conjunção, qual­


quer que seja ela.
Vim porque fui chamado.
Porque o autor jamais fez qualquer prova nesse sentido, não se
podem acatar suas reclamações.

23. O interrogatório é o momento do acusado fazer sua auto­


defesa.
O uso da combinação da preposição de com o artigo o (do) é incor­
reto nesse tipo de oraçào. Não se pode unir preposição e artigo quando o
termo que o artigo modifica é o sujeito de uma oraçào.
Isso porque, nesse caso, a preposição de nào faz relaçào com “acu­
sado”, mas sim une “momento” a “fazer”. E “momento de fazer” e nào
“momento de acusado”. Portanto, a única construção possível é:
O interrogatório é o momento de o acusado fazer sua autodefesa.
É hora de o Ministério Público manifestar-se.
Neguei o pedido de o preso passar o natal em sua residência.

24. Diz o apelante que os defeitos de construção não foram


comprovados nos laudos do experto. Este argumento, to­
davia, não merece ser acolhido.
O uso dos pronomes demonstrativos feste(s), esta(s), isto, esse(s),
essa(s), isso, aquele(s), aquela(s), aquilo] traz dificuldade àquele que es­
creve, mas vamos procurar de vez sanar todas as dúvidas a esse respeito.
Principalmente no que se refere à distinção do uso de este e esse no
discurso, nào seria erro dizer que a maioria daqueles que escrevem no
foro nào fazem a distinção correta. Isso porque a funçào do pronome
demonstrativo ultrapassa a idéia que a maioria dos usuários da língua tem
a seu respeito. Vejamos suas funções:
390 Manual de Redação Forense

A primeira e mais conhecida funçào do pronome demonstrativo é


indicar proximidade em relaçào às pessoas do discurso. Entào:
Este(s), esta(s), isto —marca posiçào próxima à primeira pessoa
do discurso, a pessoa que fala.
Esta caneta com que eu escrevo está falhando.

Esse(s), essa(s), isso - marca posiçào próxima à segunda pessoa


do discurso, a pessoa com quem se fala.
Essa caneta que você tem no bolso é muito bonita.

Âquele(s), aquela(s), aquilo - marca posiçào próxima à terceira


pessoa do discurso, aquele de quem se fala.
Aquela caneta que ele tem no bolso deve ter custado caro.

Mas não é essa a única relaçào que existe no pronome demonstrativo.


Vejamos como ele estabelece outras relações, para nós mais importantes:
Nào seria exagero dizer que, em 90% dos casos, na redação foren­
se, a relaçào que os pronomes demonstrativos este e esse nào é indicar o
que está próximo ou afastado da pessoa do discurso. Eles marcam uma
posiçào no próprio discurso, deste modo:
Este(s), esta(s), isto —fazem referência ao que ainda vai ser dito.
Nesse caso, é chamado de elemento catafórico.
Devo lhe dizer isto: suas razões foram novamente vitoriosas.
A Constituição se manifesta deste modo: “ninguém será subme­
tido a tortura nem a tratamento desumano degradante”.
Estes termos encontram-se no contrato: “Elege-se, para dirimir
qualquer pendência, o foro desta capital de São Paulo".

Veja que, quando o leitor vê o pronome adjetivo este ou o substan­


tivo isto, sabe que o significado de um termo está sendo antecipado, ou
seja, o pronome antecipa algo que será dito adiante.
- E sse(s), essa(s), isso —remetem o leitor a um termo já enun­
ciado, em uma funçào anafórica.
Diz o apelante que os defeitos de construção não foram comprova­
dos nos laudos do experto. Esse argumento [o argumento que já foi dito],
todavia, nào merece scr acolhido.
Nesses termos [nos termos que já foram enunciados], pede defe­
rimento.
Lição 7: E vitando os erros m ais comuns 391

A sentença que rejeitou a inicial merece reforma. Essa decisão [a


decisão a que já me referi] não trouxe qualquer fundamento legal
para tanto.

E essa a principal função que vemos, na petiçào jurídica, para o uso


dos pronomes este/esse, como, respectivamente antecipação/retomada
de termos do discurso.
Outras ainda há.
A distinção entre este/aquele. Ambos podem retomar (anafóricos)
elementos já enunciados. Nesse caso, este (estes, esta, estas, isto) indica
o elemento mais próximo do pronome (segundo elemento enunciado) e
aquele (aqueles, aquela, aquelas, aquilo) indica o elemento mais afasta­
do do pronome (primeiro elemento enunciado). Desta forma:
Advogado e promotor debatiam em plenário. Este sustentando
homicidio qualificado, aquele, a absolvição em negativa de autoria.

Lojistas e camelôs se enfrentaram no centro da cidade. Enquanto


estes clamavam pelo direito de trabalharem, aqueles pediam o fim
da injusta concorrência com o mercado informal.

Servem os pronomes demonstrativos, também, na indicação de tem­


po. Nesse caso:
— E ste/esta indica tempo concomitante ao do ato da fala:
Nesta data [na data de hoje], firmamos o acordo.
Este ano [o presente ano] será importante para mim.

— E sse/essa indica tempo passado há pouco.


Você sabia do prazo para contestação há duas semanas, e só vai
redigi-lo hoje? O que fez nesses dias?
A quele/aquela —indica tempo passado há muito.
O homicidio, senhores jurados, ocorreu há mais de doze anos.
Naquela época, poder-se-ia dizer que o réu era violento.

Para acertar o uso desses pronomes, então, é necessário saber de


qual dos casos se está tratando.

25. O reclam ante, no seu d ia a dia, exercia funções diversas.


“Dia a dia” tem duas construções distintas:
— D ia-a-dia. É substantivo, significando cotidiano. Portanto:
O reclamante, no seu dia-a-dia, exercia funções diversas.
392 M anual de Redação Forense

O meu dia-a-dia é extremamente aborrecedor.

- Dia a dia. E expressào adverbial, significando diariamente, dia


após dia.
0 réu, dia a dia, ia-se tornando pessoa mais amarga.
Em nossos fundos, seu dinheiro rende dia a dia.
26. A alegação do recorrente, a g r o s s o modo> procura cortar
pela metade a indenização devida.
Nào se deve dizer “a grosso modo”. A expressào correta é grosso
modo. Portanto:
A alegação do recorrente, grosso modo, procura cortar pela meta­
de a indenização devida.

27. Ou recurso especial ou recurso extraordinário demorará a


ser julgado.
Vê-se que o sujeito é composto, na frase acima, por dois núcleos:
recurso especial c recurso extraordinário. A concordância do verbo quan­
do há no sujeito núcleos ligados por ou merece especial atençào.
- se o u cria uma relaçào de exclusividade, o verbo deve ficar no
singular. Então:
Ou o seu recurso ou o meu será o primeiro da pauta (vê-se que
apenas um deles pode ser o primeiro da pauta).

- se nào houver relaçào de exclusividade, o verbo passa para o


plural:
Ou recurso especial ou recurso extraordinário demorarão a ser
julgados (leia-se: tanto recurso especial quanto recurso extraordiná­
rio demorarão a ser julgadoc. Ambos demoram).

28. Debateu-se todos os projetos hoje.


Já estudamos a voz passiva, soubemos que somente ocorre nos ver­
bos transitivos diretos e vimos que ela pode ser analítica ou sintética.
Quando sintética, o pronome “se” é chamado de partícula apassivadora.
Nesse caso, indica-se que o sujeito está presente. O sujeito da oraçào
acima é, então “todos os projetos”. Portanto, o verbo deve vir no plural:
Debateram-se todos os projetos hoje (= todos os projetos foram
debatidos hoje).

29. A maioria das testemunhas foram coagidas neste processo.


Lição 7: Evitando os erros mais comuns 393

/Vinda que muitos critiquem esse tipo de construção, nào há na


frase acima qualquer erro. Quando o sujeito coletivo (a maioria) c segui­
do de adjunto adnominal (das testemunhas), o verbo pode concordar tan­
to com o coletivo (no caso, no singular) quanto com o adjunto, no caso,
no plural. Desse modo, estào corretas todas as frases abaixo:
A maioria das testemunhas foram coagidas neste processo.

A maioria das testemunhas foi coagida neste processo

Grande parte dos alunos faltou hoje.

Grande parte dos alunos faltaram hoje.

A pilha de volumes de autos causou o desmoronamento da es­


tante do cartório.

A pilha de volumes de autos causaram o desmoronamento da


estante do cartório.

30. A Corte, em sessão de julgamento, deixaram de conhecer


do recurso que interpus.
Nessa frase, a concordância do verbo em itálico está equivocada.
Quando o sujeito é constituído unicamente de substantivo de sentido
coletivo (Corte) no singular, o verbo deve ficar no singular, caso nào haja
adjunto adnominal no plural (como havia no item anterior). Portanto, gra­
maticalmente deve-se escrever?
A Corte, em sessão de julgamento, deixou de conhecer do recur­
so que interpus.
E certo que este tipo de concordância equivocado, ‘a corte deixa­
ram de conhecer do recurso’, tem uma lógica própria. Quem escreve des­
sa forma, certamente concorda o verbo (deixar) com uma idéia no plural:
a de que os julgadores deixaram de conhecer do recurso. A palavra julgadores,
entretanto, nào aparece na oraçào, devendo o verbo concordar com o
sujeito Cortey e nào com uma idéia que se fez a respeito do sujeito.
Quando o verbo concorda com uma idéia que se faz a respeito do
sujeito, e nào com este propriamente, temos o que denominamos de con­
cordância siléptica. A frase que intitula este subitem é um exemplo de con­
cordância siléptica. E exemplo também de concordância siléptica a frase
abaixo:
A vítima foi morto a tiros.
396 M anual d e Redação Forense

Havia muito tempo que ele não cometia um crime.


Havia cinco anos que não pegava um cigarro.
3 5 .0 perito judicial não respondeu todos os quesito s apre­
sentados por este requerente.
O verbo responder, ainda que aceite voz passiva, rege a preposição a.
Portanto, o perito não responde quesitos, mas responde a quesitos,
responde a perguntas, responde às questões formuladas etc. Portanto:
0 perito judicial não respondeu a todos os quesitos apresenta­
dos por este requerente.

36. Caro Joaquim : informamo-Ihe que a aud iên cia do proces­


so na 111/95, a que o senhor deve com parecer, foi m arcad a
para o dia 7 de Agosto, um a Segunda-feira.
A frase acima tem mais de um erro. O primeiro: o uso do pronome
lhe em ênclise (depois do verbo), não faz cair o s da conjugação verbal.
Portanto, a forma correta é informamos-lhe.
Mais: nomes de dias da semana e de meses devem ser iniciados por
letra minúscula. Portanto: 7 de agosto, uma segunda-feira. Desse modo:
Caro Joaquim: informamos-lhe que a audiência do processo n8
111/95, a que o senhor deve comparecer, foi marcada para o dia 7 de
agosto, uma segunda-feira.

3 7 .0 oficial de justiça deixou de intim ar a ré. O mesmo a g iu


. com displicência, pois o endereço que consta nos autos,
de fato, pertence a ela.
Muito comum na linguagem forense, sem qualquer justificativa plau­
sível, o uso de o mesmo, substituindo pronome. Deve-se evitar o abuso
dessa expressão, porque é função do pronome a substituição dos nomes
aludidos no texto. Por exemplo:
A sentença não transitou em julgado. A mesma é objeto de recur­
so de apelação.

Nada justifica que, em lugar de a m esm a, não apareça o pronome


pessoal, vale dizer:
A sentença não transitou em julgado. Ela é objeto de recurso de
apelação.

Prefira sempre o uso do pronome correto, pois essa partícula, ainda


que com funçào relativa, nada significa para a clareza do texto. Portanto:
Lição 7: Evitando os erros mais comuns 397

0 oficial de justiça deixou de intimar a ré. Ele agiu com displicên­


cia, pois o endereço que consta nos autos, de fato, pertence a ela.

38. I n d e p e n d e n t e da interposição de recurso de apelação, a


quantia incontroversa merece execução provisória.
Independente é adjetivo. “O Brasil é um país independente”. En­
tretanto, na frase acima, a palavra grifada tem função de advérbio. Nesse
caso, deve-se usar in d e p e n d e n t e m e n t e .
Nossa tese já é vencedora, independentemente do voto do ter­
ceiro juiz.
Independentemente da interposição de recurso de apelação, a
quantia incontroversa merece execução provisória.
39. A atitude do requerido revela nítida in fr in g ê n cia ao artigo
171 do Código Penal.
A palavra em itálico não raras vezes aparece em petições e até em
doutrina. Trata-se de criação totalmente sem fundamento.
É certo que o verbo infringir significa transgredir, violar. Entretanto,
o substantivo correspondente nào é infringênáa, mas infração. Portanto, a
única grafia correta é:
A atitude do requerido revela nitida infração ao artigo 171 do Có­
digo Penal

40. A im is s ã o do título não poderia ser feita sem o aceite do


ora executado.
Convém não confundir imissão com emissão (vide lista de parônimos).
Emitir é colocar em circulação e imitir é o ato de fazer entrar (temos, por
isso, imissão na posse). Portanto, corretas estão as grafias abaixo:
A emissão do título nào poderia ser feita sem o aceite do ora
executado.
Os titulos públicos foram emitidos irregularmente.
O autor deve ser imitido na posse do imóvel.
41. A prescrição da pretensão punitiva passou d e s a p e r c e b id a
pelo órgão da acusação.
Não se pode confundir despercebido com desapercebido. Ambos os vo­
cábulos existem, mas com significados bastante distintos. Despercebido quer
dizer não notado. Desapercebido significa desacautelado, desguarnecido, des­
provido. Portanto:
398 M anual de Redação Forense

A prescrição da pretensão punitiva passou despercebida pelo


órgão da acusação.
Não posso atuar em sua defesa nessa causa, pois sou desaper­
cebido de conhecimento em direito tributário.
Não soube o que fazer na audiência. O advogado da parte contrá­
ria, mostrando recibos que davam conta da quitação da dívida, apa­
nhou-me totalmente desapercebido.
42. N a sustentação, onde a defesa ressaltou a ilegitim idade
de parte, faltou maior ênfase às questões de mérito.
Vem-se tornando cada vez mais uníssona a posição dos gramáticos
em não se usar o relativo onde quando nào se estiver referindo a lugar.
“Sustentação” nào é lugar. Portanto, sào também erradas as construções
abaixo, que nào indicam lugar:
Deve-se juntar aqui a sentença do processo onde se decidiu a
litispendência.
Na sessão plenária onde digladiamos, houve muita polidez.
No ano onde eclodiu a Grande Guerra, meu pai vivia na Espanha.

Veja como é simples a substituição por um termo gramaticalmente


aceito:
Na sustentação, em que a defesa ressaltou a ilegitimidade de
parte, faltou maior ênfase às questões de mérito.
Deve-se juntar aqui a sentença do processo no qual se decidiu a
litispendência.
Na sessão plenária na qual digladiamos, houve muita polidez.
No ano em que eclodiu a Grande Guerra, meu pai vivia na Espanha.

43. O recorrente não prequestionou a m atéria e tão pouco ata­


cou todos os fundamentos da sentença recorrida.
Entenda-se como correto o verbo prequestionar (com essa grafia),
pelo uso técnico que para nós, operadores do direito, tem o vocábulo
prequestionamento. O problema, na frase acima, nào está no “prequestionar”,
mas sim no “tão pouco”. Deve-se diferençar tão pouco de tampouco. Este
significa “também não”, enquanto aquele significa “muito pouco”.
Portanto, estão corretas as frases abaixo:
0 recorrente não prequestionou a matéria e tampouco atacou
todos os fundamentos da sentença recorrida.
Foi tão pouco o rendimento que o requerente auferiu que ele se­
quer o declarou à Receita Federal.
Lição 7: Evitando os erros mais comuns 399

44. O quesito que o perito respondeu foi formulado com pou­


ca clareza.
Sabemos que se responde a quesitos, e nào “reponde-se quesitos”,
ou, menos pior “respondem-se quesitos” (vide frase 35). Quando o obje­
to do verbo aparece substituído pelo pronome relativo (no caso, qué)y
deve-se manter a preposiçào regida pelo verbo. Portanto, nào se esqueça
da preposição.
0 quesito a que o perito respondeu foi formulado com pouca cla­
reza.
A rua em que construí a casa ainda não foi asfaltada.
Minha mãe fez o prato de que mais gosto.
0 locador deve indicar o local a que o locatário deve comparecer
para fazer o pagamento.
Você sabe o endereço para o qual devo me dirigir?

45. Bastante juizes já acatam essa nova tese.


Bastante pode ter três funções diversas: de adjetivo, de pronome
indefinido e de advérbio. Somente na última é que ele não flexiona para o
plural.
Há homens bastantes para executar a obra (adjetivo).
Manifestei-me a esse respeito bastantes vezes (pronome indefi-
nido).
Ele falou bastante na sustentação (advérbio).

Para distinguir o uso do bastante, sabendo se ele deve aparecer no


singular ou no plural, basta substituí-lo pela palavra muito. Se o muito for
para o plural, bastante também deve vir seguido do s.
Há muitos homens para executar há obra = Há homens bastantes
para executar a obra.
Ele me aconselhou muito = ele me aconselhou bastante.

Repare, apenas, que o termo bastante, quando adjetivo, deve preser­


var o significado equivalente a suficiente e nào a muito.
Há dinheiro bastante para fazer as compras = Há dinheiro sufici­
ente para fazer as compras. (Bastante, quando adjetivo, varia para o
plural. Neste caso, entretanto, como ele modifica o substantivo di­
nheiro, singular, evidentemente não vai ao plural)

46. Os desembargadores decidiram serem incompetentes para


julgar a ação.
400 M anual de Redação Forense

Pergunta-se: “os desembargadores decidiram serem incompetentes”


ou “ser incompetentes para julgar a açào”?
A dúvida procede, porque o Português tem dois tipos de infinitivo,
e raras vezes os professores da matéria cuidam dc expor as diferenças
entre ambos. Procuremos entào, em breve estudo, rever toda essa questão.
Em nossa língua, temos o infinitivo pessoal (chamado também de
infinitivo flexionado) e o infinitivo impessoal. Infinitivo impessoal é aque­
le que nào tem desinência, terminando sempre em r (comer, ler, julgar,
partir, recorrer ...). O infinitivo pessoal, como já vimos anteriormente,
apresenta desinência em número e pessoa, sendo as mesmas para qual­
quer verbo:
E u----- apelar
T u ----es. apelares
Ele----. apelar
Nós —mos. apelarmos
Vós--- des. apelardes
Eles---em. apelarem
Deve-se usar infinitivo pessoal quando o sujeito do verbo da ora­
çào principal é diferente do sujeito do verbo no infinitivo. Assim:
Os desembargadores decidiram sermos responsáveis pelo re­
sultado danoso.

Veja que o infinitivo flexionado sermos mostra que o sujeito do


verbo ser (nós) é diferente do sujeito do verbo decidir (os desembar­
gadores). Quando os sujeitos nào forem diferentes, nào há por que flexionar
os dois verbos, e então o infinitivo deve ser impessoal. Veja:
Os desembargadores decidiram ser incompetentes para julgar
a ação.

Nesse caso, o infinitivo não deve flexionar (nào se deve dizer Os


desembargadores decidiram serem incompetentes para julgar a açào),
pois o sujeito do verbo da oraçào principal, decidir, é o mesmo do sujeito
do verbo infinitivo (os desembargadores).
- Salienta Luiz Antônio Sacconi que há seis verbos que sempre
dispensam a flexào do infinitivo posposto, sendo eles: fazer,
mandar, deixar , ver, ouvir e sentir.
Lição 7: Evitando os erros mais comuns 401

Por isso:
Ouvi cantar os pássaros (e não ouvi os pássaros cantarem, muito
embora o sujeito do verbo ouvir - eu - seja diferente do sujeito do
verbo cantar - os pássaros).
Ele não deixou cair as calças ( e não caírem as calças, embora
haja sujeitos diferentes: ele - deixar; as calças- cair).
Mandei entrar os acusados.

Outras regras há para reger o uso do infinitivo, mas é preciso lem­


brar-se de que sua flexào somente deve ser usada quando estritamente
necessária. Sendo iguais os sujeitos do verbo que rege o infinitivo e deste
próprio, a flexào do infinitivo é desaconselhável.
47. Já foi protocolada petição comunicando o DD. Juízo desta
Comarca sobre o cumprimento da citação por precatória.
Deve-se comunicar algo a alguém, e nào alguém sobw algo. Portan­
to, a única forma correta é:
Já foi protocolada petição comunicando o cumprimento da cita­
ção por precatória ao DD. Juizo desta Comarca.

48. Segundo a proposta de acordo, a quantia em dinheiro limi­


taria-se a 30% do total.
Erro grave. Com verbo no tempo futuro (do presente ou do pretéri­
to), usa-se próclise (pronome antes do verbo) ou mesóclise (pronome no
meio do verbo), mas jamais a ênclise (pronome depois do verbo). Portan­
to, na linguagem culta:
Segundo a proposta de acordo, a quantia em dinheiro limitar-se-
ia a 30% do total.
Conceder-lhe-iam ao menos um voto favorável, se fizesse sus­
tentação oral.
49. Seguem anexo as guias de comprovante de pagamento.
Anexo, no caso, é adjetivo e varia em gênero c número em atençào
ao substantivo que modifica. Portanto:
Seguem anexas as guias de comprovante de pagamento.
A procuração anexa autoriza o subscritor desta a falar em nome
do requerente.
Apensos vão todos os documentos necessários à análise do
problema.
402 M anual de Redação Forense

50. O réu disse nào ser pessoa violenta e jamais andar armado. Por­
tou arma justo no dia do crime !
fu s t o é adjetivo. Justamente é a palavra correta para se usar como
advérbio, como sinônimo de logo. Assim:
O réu disse não ser pessoa violenta e jamais andar armado. Por­
tou arma justamente no dia do crime !
Justamente quando não trouxe o talão de cheque, você me lem­
brou de pagar-lhe.

Exercícios
Assinale, dentre as frases abaixo, quais delas têm erro de escrita, e justifi­
que-os:
1) O processo foi enviado à esse Douto Juízo.
2) As razões de apelação foram deixadas a apreciação de Vossa Excelên­
cia.
3) Fui convidado à proferir uma palestra.
4) Redigi à petiçào.
5) Essas razões devem ser quase idênticas aquelas que você redigiu na
semana passada.
6) Fiz alusão as questões suscitadas.
7) Tudo o que está nesse livro nos favorece. É preciso que você mostre
que ele vai de encontro a nossa tese.
8) Estou as suas ordens.
9) A lei somente passou a vigir em outubro de 1995.
10) A lei somente passou a viger em Outubro de 1995.
11) Eu nào me adeqüei à estrutura daquele escritório.
12) Redigi todos os prazos hoje afim de que possa viajar tranqüilo no feriado.
13) Nesse prazo, deve ser contado o final de semana.
14) Com essa alegação, o réu pretende criar nova figura jurídica.
15) O patrono do acusado somente comparece ao interrogatório de seu
constituinte se quizer.
16) Eu nào tenho muita credibilidade naquele cliente, pois ele nào me
pareceu falar a verdade.
Lição 7: Evitando os erros mais comuns 403

17) Nós nunca rcavemos o dinheiro que depositamos naquela empresa.


18) A vítima foi roubado em frente à delegacia de polícia.
19) Esse acórdão não tem nada haver com o caso em tela.
20) O resultado seria outro se o réu fosse melhor instruído a prestar de­
poimento.
21) Prefiro ter de trabalhar hoje do que perder o prazo.
22) Não houve nada entre mim e ela.
23) Porque você nào tira umas férias?
24) Sei que o procurador de justiça não quis dar parecer, mas por que?
25) Queria saber o motivo porque o juiz indeferiu meu pedido.
26) Por quê só agora o réu traz a lume esse documento?
27) Nunca se saberá o porque do suicídio.
28) Nunca se saberá o por que do suicídio.
29) Anseio porque você ganhe essa causa.
30) Apresentei memoriais por que achei que o parecer do procurador de­
veria ser contradito.
31) Chegou a hora da onça beber água.
32) Era medo o motivo do réu fugir do oficial de justiça.
33) Eu, o juiz e o promotor concordamos em que o réu deveria ser solto.
34) Eu, Tício e Caio comparecemos à reunião.
35) No seu dia a dia, a apelante tinha de lidar com transporte de dinheiro,
por isso andava armada.
36) A apelante tinha de lidar com transporte de dinheiro dia-a-dia.
37) Faça recurso adesivo ao invés de apelação.
38) Em vez de procurar impedir o andamento do processo, peça para o
cartório acelerar a expedição da certidão.
39) Este instrumento constitui, a grosso modo, uma confissão de dívida.
40) Na sentença, rechaçou-se todos os nossos argumentos.
41) Rezam-se por dias melhores.
42) Para aquela construção, precisam-se de mais tijolos.
43) Ou Direito Imobiliário ou Direito Administrativo tem detalhes que
eu ainda não conheço.
404 M anual de Redação Forense

44) Ou meu cliente ou a parte adversa sairão da audiência muito felizes.


45) A Colenda Quinta Câmara de Direito Privado, em votaçào unânime,
aceitaram todos os pedidos articulados em nosso recurso de apelação.
46) Há muito tempo que nào pegávamos uma causa tào grande!
47) Há horas que o depoente nào comia nada, por isso parou na estrada
para fazer um lanche.
48) Você nào respondeu tudo o que perguntei.
49) Devemos protocolar a contestação hoje, independente da intimação
do co-réu.
50) Se você ligar diretamente para o réu, e nào para seu patrono, cometerá
grave infringência a regra deontológica.
5 1 )0 ato onde foi cerceada a defesa do seu cliente foi declarado nulo
pelo Tribunal.
52) O processo que você referiu-se nào está em cartório.
53) Qual a cidade que devo ir hoje?
54) O recurso que o Tribunal negou provimento merece ser levado adian­
te.
5 5 )0 acórdào que o Tribunal decidiu por negar provimento ao recurso
deve ser alvo de embargos declaratórios.
56) Há bastante advogados nesta causa.
57) A lei dispõe nesse sentido: quem cobra dívida já recebida deve devol­
ver em dobro a quantia pleiteada.
58) A nota promissória foi juntada aos autos somente em cópia não au­
tenticada. Este documento, entào, deve ser desentranhado dos autos.
59) Os desembargadores declararam ser seus clientes responsáveis pela
dívida cobrada.
60) Os desembargadores decidiram serem incompetentes para julgar
a causa.
61) Tu deverás fazeres todas as petições desse caso.
62) O chefe mandou tu fazer todas as petições deste caso.
63) Pedimo-lhes substabelecimento de todos os casos de que cuidam.
64) Se assim for, cometerá-se um novo crime.
65)Vão anexo as cópias dos documentos citados.
Lição 7: Evitando os erros mais comuns 405

Respostas:
1) O processo foi enviado a esse Douto Juízo.
2) As razões de apelação foram deixadas à apreciação de Vossa Excelência.
3) Fui convidado a proferir uma palestra.
4) Redigi a petiçào.
5) Essas razões devem ser quase idênticas àquelas que você redigiu na semana passada.
6) Fiz alusão às questões suscitadas.
7) Tudo o que está nesse livro nos favorece. É preciso que você mostre que ele vai ao
encontro de nossa tese.
8) Estou às ordens.
9) A lei somente passou a viger em outubro de 1995.
10) A lei somente passou a viger em outubro de 1995.
11) Eu não me adaptei à estrutura daquele escritório.
12) Redigi todos os prazos hoje a fim de que possa viajar tranqüilo no feriado.
13) Nesse prazo, deve ser contado o fim de semana.
14) Com essa alegação, o réu pretende criar figura jurídica.
15) O patrono do acusado somente comparece ao interrogatório de seu constituinte se
quiser.
16) Eu não tenho muito crédito naquele cliente, pois ele não me pareceu falar a verdade.
17) Nós nunca reouvemos o dinheiro que depositamos naquela empresa.
18) A vítima foi roubada em frente à delegacia de polícia.
19) Esse acórdão não tem nada a ver com o caso em tela.
20) O resultado seria outro sc o réu fosse mais bem instruído a prestar depoimento.
21) Prefiro ter de trabalhar hoje a perder o prazo.
22) Nào houve nada entre mim e ela.
23) Por que você nào tira umas férias?
24) Sei que o procurador de justiça não quis dar parecer, mas por quê?
25) Queria saber o motivo por que o juiz indeferiu meu pedido.
26) Por que só agora o réu traz a lume esse documento?
27) Nunca se saberá o porquê do suicídio.
28) Nunca se saberá o porquê do suicídio.
29) Anseio por que você ganhe essa causa.
30) Apresentei memoriais porque achei que o parecer do procurador deveria ser contradito.
31) Chegou a hora de a onça beber água.
32) Era medo o motivo de o réu fugir do oficial de justiça.
406 M anual de Redação Forense

33) O juiz, o promotor e cu concordamos em que o réu deveria ser solto.


34) Tício e Caio c eu comparecemos à reunião.
35) No seu dia-a-dia, a apelante tinha de lidar com transporte de dinheiro, por isso andava
armada.
36) A apelante tinha de lidar com transporte de dinheiro dia a dia.
37) Faça recurso adesivo em vez de apelação.
38) Ao invés de procurar impedir o andamento do processo, peça para o cartório acelerar a
expedição da certidão.
39) Este instrumento constitui, grosso modo, uma confissão de dívida.
40) Na sentença, rechaçaram-se todos os nossos argumentos.
41) Reza-se por dias melhores.
42) Para aquela construção, precisa-se de mais tijolos.
43) Ou Direito Imobiliário ou Direito Administrativo têm detalhes que eu ainda nào
conheça
44) Ou meu cliente ou a parte adversa sairá da audiência muito feliz.
45) A Colenda Quinta Câmara de Direito Privado, em votação unânime, aceitou todos os
pedidos articulados em nosso recurso de apelação.
46) Havia muito tempo que não pegávamos uma causa tão grande!
47) Havia horas que o depoente não comia nada, por isso parou na estrada para fazer um
lanche.
48) Voce nào respondeu a tudo o que perguntei.
49) Devemos protocolar a contestação hoje, independentemente da intimação do co-réu.
50) Se você ligar diretamente para o réu, e nào para seu patrono, cometerá grave infração a
regra deontológica.
51) O ato em que foi cerceada a defesa do seu cliente foi declarado nulo pelo Tribunal.
5 2 )0 processo a que você referiu-se nào está em cartório.
53) Qual a cidade a que devo ir hoje?
54) O recurso a que o Tribunal negou provimento merece ser levado adiante.
55) O acórdão em que o Tribunal decidiu por negar provimento ao recurso deve ser alvo de
embargos declaratórios.
56) Há bastantes advogados nesta causa.
57) A lei dispõe neste sentido: quem cobra dívida já recebida deve devolver em dobro a
quantia pleiteada.
58) A nota promissória foi juntada aos autos somente em cópia nào autenticada. Esse
documento, então, deve ser desentranhado dos autos.
59) Os desembargadores declararam serem seus clientes responsáveis pela dívida cobrada.
60) Os desembargadores decidiram ser incompetentes para julgar a causa.
Lição 7: Evitando os erros mais comuns 407

61) Tu deverás fazer todas as petições desse caso.


62) O chefe mandou tu fazeres todas as petições deste caso.
63) Pedimos-lhes substabeledmento de todos os casos de que cuidam.
64) Se assim for, cometer-se-á um novo crime.
65) Vào anexas as cópias dos documentos citados.
Lição 8
A monografia

Sumário
8.1 Introdução. 8.2 Vamos falar em ciência? 8.3 Atribuindo cientificamente
ao escrito: A originalidade. 8.4 A monografia final de curso de direito. 8.5 Cientificidade do
texto jurídico. Vericidade científica. 8.6 Gtações e referências. 8.7 Estrutura da monografia e
estapas de elaboração. 8.8 Dicas especiais de redação. 8.9 Conclusão.

8.1 Introdução
Ao tratar-se de redação, como se tem tratado nesta obra, encontra­
mos enorme gama de temas a abordar. Nao é possível invadi-los todos
com profundidade, por isso a intenção tem sido a de mostrar um panora­
ma das^diversas frentes de estudo que constituem a boa escrita. Cuidando
da redação forense, como já esclarecemos, centra-se o estudo não apenas na
escrita jurídica, mas na escrita jurídica argumentativa, aquela que procura
convencer, persuadir, na atividade forense.
As questões de redação forense ter-se-iam findado no capítulo ante­
rior, pois o tema de que tratamos neste capítulo nào é pertinente à escrita
exclusiva do foro. Entretanto, o convívio do profissional e do estudante
de direito com a pesquisa jurídica tem sido tào mais próximo nos últimos
tempos - principalmente pela inclusão da (compulsória) monografia de
fim de curso, mas também pelo surgimento de vários cursos de pós-gra-
duação lato sensu —que não julgamos inconveniente lançar algumas dicas
sobre o diferencial da escrita forense e da pesquisa metodológica jurídica,
sobre o que também lecionamos.
É evidente que, aqui, abordaremos menos a metodologia, alvo de
excelentes obras da literatura nacional, e mais a redação cientifica, como
complemento necessário àqueles que adotam esta obra em cursos de re­
daçào na graduação e no pós-graduação.

[409]
410 M anual de Redação Forense

8.2 Vamos falar em ciência?


A monografia, desde a mais simples, como a chamada monografia
final do curso de direito, tem por objetivo testar o aluno, que deve de­
monstrar ser capaz de ‘produzir uma obra científica dotada de alguma
originalidade’.1
Para começarmos, entào, a cuidar da escrita científica, vale ler a
ilustração abaixo, fragmento do discurso de Langdell, no fim do século
XIX, citado por Vandevelde:2
Foi indispensável estabelecer pelo menos dois pontos: primeiro,
que o direito é uma ciência; segundo, que todo o material dessa
ciência está disponível nos livros. [...] Temos insistido também na
idéia de que a biblioteca constitui a oficina adequada de professores
e estudantes; de que ela representa, para nòs, o que os laboratórios
da universidade representam para os químicos e físicos, o que o
museu de história natural representa para os zoólogos e o que o
jardim botânico representa para os botânicos.

As duas premissas ali fixadas sào fatores diferenciais, que nos vão
apresentar relevância neste capítulo: o primeiro deles, o fato de ser o
direito uma ciênáay porque traz matéria e meios próprios de estudo e in­
vestigação. A falta da exatidão própria da matemática ou a ausência de
fórmulas e diagramas não lhe retira, ao contrário do que muitos pensam,
a qualidade da cientificidade.3
O segundo fator relevante é a necessidade, para a construção dessa
ciência, da boa pesquisa. Ela implica a consulta a fontes válidas, que
permitam ao leitor do escrito científico comprovar, se o quiser, a
veridicidade daquilo que lhe é transmitido, aceitando o percurso desen­
volvido no texto da monografia como algo fundamentado em premissas
válidas.
Ciência e pesquisa, entào, são os elementos principais do escrito
monográfico.

8.3 Atribuindo cientificidade ao escrito: A originalidade


Para que um texto conte com cientificidade, tem como primeiro
requisito a originalidade. O autor do texto científico deve, o quanto possí­
vel, “dizer algo que ainda nào foi dito, ‘descobrir’ algo, ou, pelo menos,
reconfirmar, com uma óptica diversa, o que outrora já se disse”.4
Lição 8: A monografia 411

Atribuir a um texto científico o caráter de originalidade, entretanto,


nào significa dizer que deva seu autor sair ‘criando’ ou ‘inventando’ gran­
des novidades, descobertas revolucionárias, como faz o biólogo que, com
sua equipe, cria uma nova vacina a partir de suas experiências em tubos
de ensaio.
Nào sào raros alunos que, empolgados com a necessidade de cria­
rem teses científicas, e interpretando-as como textos dotados da origina­
lidade em seu sentido mais absoluto, criam teses com pouquíssimo fun­
damento, ou entào recriam, sem o saber (por absoluta falta de pesquisa),
entendimentos já esposados e abandonados por juristas de renome. Pro­
curando fixar a ‘originalidade’ do texto, apresentam nomes novos, ‘bati­
zando’ sua ‘descoberta’ com combinações novas de palavras, nunca an­
tes vistas, mas absolutamente imprescindíveis —segundo o entendimento
desses pouco humildes pesquisadores —para designar tào inusitadas cria­
ções jurídicas.
Mas o requisito da originalidade, nos textos mais simples como a
monografia de conclusão de curso ou a dissertação de mestrado, nào é
assim tào grave. Por vezes, será suficientemente científico o escrito jurí­
dico que trouxer “... Alguma coisa nova ou apresentar uma ótica diferen­
te daquilo que já foi dito...”.5 E será também original todo aquele escrito
que apresentar argumentos inéditos para sustentar uma tese de outrem,
um entendimento já enunciado em outro escrito, com grande proprieda­
de, a que o cientista, em seu novo texto, acrescenta sustentáculo,
pesquisando e expondo fundamentos outros, que no entanto apontam
para a mesma conclusão.
Em suma, o escrito científico, para que assim o seja, deve ser útil
para um meio ao qual é direcionado —aqui o meio jurídico, evidentemen­
te. Para que tenha essa utilidade, nào pode tratar-se de uma mera cópia
de outros escritos, sem um mínimo daquele acmcimo intelectual\ o trabalho
do intelecto humano que ultrapassa a reprodução e passa a impregnar-se
de carga de reflexão, de demonstração de consciência e de nova aprecia­
ção intelectual do tema. Para os textos em que a exigência de originalida­
de é mais tênue, como a monografia de fim de curso (a que o Prof. Marchi
sugere denomine-se tese de láureàf ou a dissertação de mestrado, a origina­
lidade pode-se refratar no transcorrer do texto, em trechos pequenos como
notas e comentários do autor a comparação de teses, fontes ou pensa­
mentos distintos, de outros autores.
412 M anual de Redação Forense

Na monografia final de cursos de Direito, entretanto, parece-nos


que seu objetivo principal, de acordo com a exigência do MEC da porta­
ria nü 1.866, de dezembro de 1994, é o de mostrar o aluno que tem capa­
cidade de pesquisa e de criação científica. Nesse sentido, como se co­
mentará no próximo tópico, o requisito da originalidade perde espaço para
a criação do texto coerente e coeso, e o valor científico do texto, sempre
existente naqueles que alcançam grande qualidade, será, na maioria das
vezes, subjugado pela necessidade, importantíssima, de avaliar-se o alu­
no que é lançado ao mercado de trabalho, em sua dedicação à pesquisa e
em sua capacidade de construção de texto.
Em teses mais elaboradas, como a de doutorado, de livre-docência
ou de titularidade, o requisito da originalidade mostra-se mais rígido. A
demonstração de exaustiva pesquisa é também requisito desses tipos de
trabalho, mas a presunção de maior conhecimento do autor (que já supe­
rara, espera-se, ao menos o nível do mestrado), atribui o cerne da atenção
de seu trabalho às conclusões pessoais, realmente inéditas.
Cabe lembrar que a tese nova, de grande originalidade, é algo difícil
de construir-se e deveras raro na literatura jurídica. Pouco provável ima­
ginar-se que o intelecto humano atual construa, sem um grande fator de
excepcionalidade, uma tese que jamais haja sido referida ou inventada, e
nào apenas uma reelaboração de um pensamento anterior, com maior ou
menor nível de originalidade. Mais raro ainda é imaginar que essa criação
original esteja a cargo do aluno de graduação em fim de curso ou de tese
de mestrado que não seja fruto de um trabalho exaustivo e brilhante. Por
isso, a humildade leva sempre a crer que, embora sempre se procure, vaia-
se em busca daquilo que efetivamente é original, é muito provável que
tudo o que pareça ao pesquisador uma idéia nova já haja sido exposta por
outro autor, em outro momento. Basta na tese de láurea (em regra, pois
há exceções) pesquisar-se com maior eficiência: ou para encontrar-se a
tese ‘original’ em fundamentação de outro autor, ou para achar-se uma
falha no raciocínio ‘novo5, que o houvera impedido de ser anteriormente
explanado com seriedade científica.
Que essa observação, entretanto, não sirva de desânimo aos que
pensaram encontrar, e seus escritos, uma ‘nova teoria do direito’, mas sim
de conselho deste manual aos que ardentemente procuram por uma origi­
nalidade inatingível, em desfavor da qualidade de sua monografia.
Lição 8: A monografia 413

8.4 A monografia final de curso de direito


Considerada a novidade que apresentam as monografias de fim de
curso em geral, cabe aqui assentar algumas palavras a respeito delas. O
aluno, interessado em construí-la, nào entenda trechos destas considera­
ções como uma crítica, mas como ‘dica* sobre aquilo que deve realmente
ser apreciado em seu texto monográfico final, aproveitando e aplicando-
as na elaboração de seu trabalho, que provavelmente lhe representa uma
novidade. As finalidades da exigência da monografia de conclusão de curso
constituem ponto importante deste capítulo, principalmente após comen­
tarmos a respeito da originalidade científica do texto, para que o aluno
oriente-se a conhecer as prioridades de seu trabalho, ou seja, os aspectos
mais importantes que lhe serào avaliados —assunto nào tem sido objeti­
vamente abordado por aqueles que estào encarregados de propor e orien­
tar aludidos trabalhos.
A famosa portaria 1.886 do MEC, que introduziu, aparentemente,
profundas modificações nas diretrizes da juspedagogia, impôs a obrigato­
riedade, para a conclusão do curso de direto, da apresentação e defesa de
monografia final.7 Com essa exigência, o curso de direito passou a “per­
mitir que o graduando tivesse conhecimento e fizesse utilização da
metodologia de trabalho científico. Além disso, permite o desenvolvi­
mento da lógica da argumentação e persuasão, sendo poderoso instru­
mento de aprendizagem e desenvolvimento da pesquisa jurídica”.8
Grosso modo, aponta-se que a funçào principal da monografia de
fim de curso é a de familiarizar o aluno da graduação com a pesquisa e o
trabalho científico, o que parece bastante louvável. Nas aulas de gradua­
ção, a maioria das faculdades de direito adotam o método de herméticas
aulas expositivas, que pouco permitem a reflexão, a participação do alu­
no na construção de conhecimento. O que se tem construído, em regra,
nas faculdades de direito, é um programa voltado à pura exposição das
teorias, pouco fomentando a produção de conhecimento e a discussão a
respeito dos temas que são tratados em sala de aula.
Pois o ensino meramente expositivo, daquele professor que trans­
forma suas aulas em um elaboradíssimo resumo dos tópicos principais
que o aluno precisa conhecer sem constestar, poupa o ouvinte, até, da
leitura. Nada mais cômodo que perceber que a aula anteriormente assis­
tida já transmitira tudo o que o respectivo manual de Direito exige saiba
414 M anual de Redação Forense

o aluno para a prova, sua leitura é quase dispensável. Evidentemente,


esse método de ensino puramente expositivo, que nào fomenta à reflexão,
e pouco incentiva à leitura, é liminarmente condenável, na medida em
que “...à didática jurídica compete transfundir o discente de espectador
passivo em partícipe ativo do processo de aprendizagem inovadora do
Direito onde sào mais importantes as perguntas que as respostas, vale
dizer, ao invés de fazer dos alunos receptores de Verdades’ do cone man
shouf, que se lhes desperte o pensamento crítico pelo dálogo e debate de
problemas jurídicos atuais e futuros, motivando-lhes mais reflexào e me­
nos aceitação...,,,J
Podem-se estabelecer, desse modo, duas finalidades, interligadas
mas com diferenças, para a monografia de fim de curso jurídico. A primei­
ra delas consiste no fomento à atividade de pesquisa e o segunda, o incentivo à
leitura e a reflexão sobre um tema escolhido pelo pesquisador, como atividade
diferenciadora da atitude passiva do aluno diante das aulas expositivas
que em geral lhe são proferidas durante o curso.
Quanto à familiarização com a pesquisa, não há dúvidas de que se
trata de um nobre intento. Afastar o aluno do tecnicismo desregrado que
muitas faculdades anunciam com orgulho, deixando claro que preparam
alunos (apenas para) o ‘mercado de trabalho’, apresentando-lhe um breve
panorama de o que é a vida acadêmica e o estudo do direito desvinculado
do pragmatismo puro, do intento das provas da OAB ou dos concursos
públicos, sem qualquer dúvida, é útil. Porém, essa pretensão deve ser
vista com algumas reservas, principalmente pela obrigatoriedade da produ­
ção da monografia.
É que é necessário ser realista a ponto de perceber que a visão
mercadológica dos cursos de direito nào tem dado, em muitos casos, pri­
oridade ou qualquer ênfase à continuidade da vida acadêmica pelo aluno,
até mesmo porque muitas instituições de ensino nào mantêm regular pós-
graduação. Assim, não se pode impingir ao aluno o interesse pela vida
acadêmica e, caso se entenda que isso deva ser feito, nào é a monografia,
alocada unicamente no fim do curso, que vai dar conta de toda essa mo­
tivação. Na reta final do curso, ao contrário do que se pode pensar, preva­
lece a preocupação do aluno com as exigências do mercado de trabalho,
que está prestes a enfrentar, as quais passam longe da pesquisa acadêmi­
ca. Para fermentar o interesse pela pesquisa, parece-nos mais adequado
diluir o incentivo à iniciação científica ao longo do curso, concedendo a
Lição 8: A monografia 415

oportunidade (facultativa, portanto) aos alunos que por eles se interessa­


rem, como sugere Eduardo Bittar, “...não somente mediante a concessão
de bolsas, mas também com a efetiva realização de eventos, congressos,
encontros e concursos de monografias jurídicas, por vezes, com exclusiva
participação e direção dos próprios alunos, se possível, com a oferta de
prêmio aos primeiros ou aos mais destacados participantes”.10
A monografia de final de curso proporciona, isto sim, aos alunos
que já têm grande interesse pela pesquisa, desenvolverem-na sob a orien­
tação de professor atento, que pode perceber no aluno um bom candidato
à orientação no curso de pós-graduação. Nesse sentido, vale o trabalho
monográfico como demonstração última de capacidade e interesse da­
quele estudante que já está prestes a abandonar a graduação, mas deixa
prova de nela e por meio dela haver nutrido grande interesse pela vida
acadêmica; esta que, em virtude desse interesse diferenciado, está apenas
a iniciar-se. E assim é natural que a monografia de fim de curso, mormen­
te em faculdades públicas, possa ser excelente meio de o aluno, verdadei­
ramente interessado na continuidade da produção científica, aproximar-
se de um futuro orientador de seu curso de pós-graduação. Esse
fator, como se percebe, vai de encontro à obrigatoriedade de apresenta­
ção do texto.
Descartar a primada da importância da monografia de láurea como
oportunidade de o aluno conviver com a produção científica e nela atuar
é questão importante, nào apenas como sugestão aos professores univer­
sitários, que têm adotado o presente manual em seus cursos regulares,
mas também ao aluno que produz o texto. Ele, o aluno, como veremos,
pode ter preocupações mais prementes na construçào de seu trabalho,
nessa fase, que a originalidade científica e a exaustão na pesquisa. Nova­
mente, ressalte-se que podem aparecer textos de tese de láurea brilhantes
e originais, úteis verdadeiramente à comunidade científica, mas nào se
pode impingir essa qualidade a título de exigência ao coletivo dos que
concluem a graduação.
Segundo fator que se pode apontar como escopo principal da
monografia de láurea é o incentivo à leitura crítica, e ao estudo diverso da
mera passividade criada pela aula expositiva. Está aí também um fim
nobre do trabalho impingido ao aluno que conclui o curso de Direito.
Nào é de hoje que existe uma teoria da leitura. Ler é diferente de
ler criticamente, e é consenso que o excesso de aulas expositivas, que não
416 M anual de Redação Forense

raro clamam ao aluno a posiçào de inércia diante da legislação que lhe é


apresentada, contribui barbaramente para que essa leitura crítica não seja
desenvolvida. Em outras palavras, o aluno de graduação é encorajado a
fazer a leitura acrítica dos manuais de direito, os quais, cada vez mais
completos e técnicos, porém assumindo posicionamentos mais tênues e
afastando-se da argumentação jurídica para a construção de textos mera­
mente expositivos, representam quase sempre verdades absolutas. Com
esse procedimento didático reiterado, o aluno vai-se afastando da técnica
de leitura que, até mesmo para o mercado de trabalho, ser-lhe-ia reco­
mendável, já que a leitura “envolve várias operações cognitivas —buscar
informações, colher dados, distinguir o que é conceito, argumento, pres­
suposto, fato, opinião ou juízo de valor: verificar se as relações entre ar­
gumentos e conclusões sào pertinentes; discernir e comparar suas própri­
as idéias com as do autor e tirar conclusões; aplicar o conhecimento obti­
do à soluçào ou à discussão de um problema, etc”.11
Faz-se incontestável, entào, que a própria leitura recomendada aos
alunos de graduaçào, via de regra, induz tanto à passividade quanto o faz
a aula expositiva. Afinal, os manuais de direito, também motivados pelos
interesses comerciais das editoras, tendem a conciliar todos os posiciona­
mentos, todas as opiniões divergentes do direito, transmitindo a ilusão de
que o aluno possa ‘tudo’ conhecer, com “um livro só”.
Nesse contexto, o trabalho monográfico representaria vim afasta­
mento da leitura acrítica, na medida em que o aluno, ainda que minima­
mente, é lançado a conviver, em sua pesquisa, com opiniões diversas, e
então pode, por esforço próprio, vir a perceber que os manuais que lera,
embora apresentem posicionamentos fundamentados, nào sào incontes­
táveis. Assim, uma boa pesquisa pode dissolver a idéia de que os posicio­
namentos estudados cuno Hbrif sejam incontestáveis, apenas porque pro­
vêm de autoridades reconhecidas. Como já dissemos alhures, “...nào é
difícil imaginar que essas fontes seguras, as autoridades, ainda que repre­
sentem o raciocínio científico tào ansiado por nossa sociedade imediatista
e tecnológica, podem constituir uma falácia: a de representar um raciocí­
nio como verdadeiro apenas porque ele provém de uma fonte segura ou
renomada”.12
A conclusão de curso, por esse prisma, deve mais apresentar a ca­
pacidade de comparação e crítica de posicionamentos diferentes que a
exaustão da pesquisa, valorizando a percepção, pelo aluno, das divergên­
Lição 8: A monografia 417

cias de posicionamento existentes entre autores cuja obra pesquisara. Es­


sas diferenças, como se sabe, por vezes aparece sutis nos manuais mera­
mente expositivos. Somente uma leitura atenta, direcionada, com refe­
rências mais aprofundadas, por vezes filosóficas, será capaz de identificar
posicionamentos controversos que se diluem no corpo do texto lido, mas
que se refratam em conclusões ou premissas apresentadas, por óbvio, como
se consenso representassem. Com a leitura crítica, passo inicial da
monografia, o aluno convive com realidade importantíssima, que, esta
sim, aguarda-lhe tanto na vida acadêmica como no mercado de trabalho:
a da percepção de que nem tudo que está escrito pode ser aceito, sem
discussão, como verdade absoluta, e de que a maioria dos textos sào fruto
de trabalho de persuasão, de tentativa de conhecimento a respeito de
uma tese construída, mas que nào se pode aceitar sem reflexão.
Se encarada a monografia de láurea como uma atividade de desen­
volvimento e experiência crítica, a banca examinadora deve mais fixar-se
na capacidade, exposta no texto monográfico, de parafrasear, de traduzir
com as próprias palavras os documentos de autoridade buscados durante
*
a pesquisa. E nesse trabalho de paráfrase que se percebe o nível de com­
preensão da leitura, a qualidade de interpretação do texto, de ‘visào além
das linhas’, de combinação de pensamentos. Mas essa pretensão deman­
da, por parte do orientador, um serviço tutorial mais próximo, porquanto,
para acompanhar a leitura crítica, é imprescindível mais que a indicação
bibliográfica: o acompanhamento das conclusões tiradas pelo estudante a
cada texto lido é atividade mínima que a orientação deve propiciar. Com
o espaço de tempo progressivamente mais achatado dos professores, é
difícil a realização plena dessa pretensão.
A convivência com a pesquisa acadêmica e o desenvolvimento da
leitura crítica são, portanto, dois nobres escopos da monografia de fim de
curso. Para cada um deles, primam critérios de avaliação distintos: a sis­
temática e a amplitude da pesquisa, ao lado da qualidade da paráfrase e
da reflexão. Mas, neste manual, aconselhamos aos alunos e professores
que, na tese de láurea, busquem mais que a pesquisa e a reflexão jurídica.
Mais que objetivar a criaçào científica e a atividade da leitura —o
que, sem dúvida, possibilita ao aluno a reflexão sobre o direito - entende­
mos que a monografia de láurea deve cobrar do aluno a capacidade de cons­
trução de um texto coerente e coeso.
418 M anual de Redação Forense

Nesse ponto, encontra-se a funçào maior do trabalho de conclusão


de curso de graduação.
Nossa humilde experiência como professor, na redaçào e em maté­
ria jurídica, permite identificar a necessidade de fomento à produção textu­
al do estudante. Nào apenas a produção voltada à pesquisa científica,
nem mesmo (o que nos parece até pior) a redação de modelos de petições
para uma ‘prática5 que beira a inutilidade, mas sim a atividade da produção
escrita, em sua área de trabalho.
Pela monografia, pode o aluno aproveitar com prudência a afinida­
de que tem a uma matéria específica do direito para testar sua produção
textual, sua capacidade comunicativa, ou seja, de expressar reflexões com
ordem e coerência. E esse trabalho não é simples, e é muito mais basilar
do que possa parecer.
Ao contrário do que alguns defendem, o conhecimento das técni­
cas de construçào textual nào é aspecto periférico da monografia, como
uma mera disposição final de fatos e raciocínios de uma pesquisa anteri­
or, com observância de regras de gramática. Pode ser até que algumas
normas da metodologia sejam transmitidas aos alunos, como necessárias
e específicas dicas de redação,11 mas, sem qualquer dúvida, nào podem
representar a essência do critério de avaliaçào, assim como o
aprofundamento e a riqueza quantitativa da pesquisa nào pode sê-lo. O
texto da monografia de fim de curso nào deve ser analisado com o
formalismo da metodologia nem com a soberba pretensão de aprofundada
pesquisa jurídica, mas sim como capacitação para a comunicação escrita.
A comunicação escrita, a produção do texto coerente, que propicie
leitura fluente, é a mais relevante contribuição da monografia final de
graduação. E a boa escrita nào se absorve com o (inexistente) ‘português
jurídico’ ou com as normas de formatação de petiçào ou regras internaci­
onais de referência bibliográfica. Ela é muito mais que isso, pois enfrenta
toda a gramática, a completitude da capacidade de construção de raciocí­
nio, toda a aquisição de vocabulário. A partir da capacidade de comunica­
ção escrita mede-se o conhecimento jurídico, a absorção do tema, pois, é
claro, somente bem compreende o texto jurídico aquele que domina as
técnicas de leitura e de escrita.
Nesse sentido, vale dizer, por final, que o aluno que apresenta a
monografia de conclusão de curso nào se pode preocupar excessivamente
com normas de escrita científica além das aqui indicadas, como se hou­
Lição 8: A monografia 419

vesse uma ‘escrita própria* das monografias jurídicas, diferente da boa


redação, da boa comunicação como um todo.
De modo parelho —e esse ponto também é importante ressaltar —o
professor-examinador, diante da tese de láurea de seus orientados, deve-
se preocupar primordialmente com a construção textual do seu aluno.
Medindo sua capacidade de exposição escrita, o que nào é fácil, o profes­
sor atende ao princípio da interdisciplinaridade:14 cobra do aluno um re­
quisito cuja aplicação nào se restringe somente a sua seara de conheci­
mento —a área do direito delimitada no tema do escrito monográfico, mas
a toda a sua atividade profissional, inclusive a acadêmica. Todas as disci­
plinas ministradas na faculdade —se assim se pode dizer —verào com
bons olhos a administração de uma monografia que tenha como cerne o
aprendizado do aluno de construir um texto mais longo, amplamente fun­
damentado, nào apenas como um aprofundamento restrito e monotcmático
no Direito Civil, Penal, Comercial etc.
Deve o examinador, claro, respeitar os diversos níveis de aprendi­
zado de seus alunos. Daqueles mais fracos —que existem em muitos cur­
sos —cobram-se os níveis mínimos de construção de texto; dos mais avan­
çados, por óbvio, o conhecimento aprofundado da matéria, a pesquisa, o
estilo fluente e agradável de escrita.
Mas ouse-se dizer que nào se deve perder de vista que alguns dos
muitos alunos que deixam os cursos jurídicos de hoje nào escrevem um
texto em sentido estrito, tamanho é o grau de falta de coerência de alguns
deles. Portanto, ao professor do ensino jurídico recomenda-se especial
atençào à construção do texto de seus alunos, aproveitando a compulsó­
ria monografia final como meio de ensino e avaliação dessa capacidade.
Ao aluno, recomenda-se que venha ele a aproveitar ao máximo sua
dissertação de láurea. Que busque incansavelmente a originalidade cien­
tífica de que tratamos no tópico anterior, mas nào como fim único de seu
texto: uma escrita fluente sobre um tema único, com os cuidados que
merece um bom texto, a argumentação cuidadosa, a precisão do vocabu­
lário, o estilo na construção de frases, que convide o destinatário à leitura.
Esses sào fatores relevantes da tese de licenciatura.
*
E isso aí.
420 M anual de Redação Forense

8.5 Cientificidade do texto jurídico.


Veridicidade científica
Como segundo requisito de cientificidade do texto, tem-se a
veridicidade cientifica.
A veridicidade científica, nos dizeres de Marchi, é a “possibilidade
de se poder comprovar documentalmente aquilo que se está dizendo”.15
Isso importa em afirmar que todas as opiniões e pareceres insculpidos no
texto científico devem permitir ao leitor sua comprovação, discussão e
contestação. Daí a necessidade de constantes citações, que se apresen­
tem como referência ao leitor, como verdadeira fonte de onde surgiram as
idéias abordadas no texto.
Ao aluno iniciante na pesquisa, as exigências estritas do texto cien­
tífico quanto à identificação das fontes pode parecer, até certo ponto,
pedante, pernóstica. Certo é que o texto com excesso de referências bibli­
ográficas nào perfaz o estilo de escrita de maior clareza, pois cada remis­
são ou citação, certamente, representa um entrave à coesão, mas um en­
trave de que nào se pode prescindir, se o objetivo do texto é buscar a
cientificidade. Por isso, já que neste capítulo tratamos da construção do
texto científico, é preciso que o leitor esteja pronto a aceitar seu estilo
específico, que tem sua razào de ser, dentro de seus objetivos. Vejamos.
Se, como já afirmamos, o Direito é uma ciência, e se todo o mate­
rial dessa ciência está disponível nos livros, aquele que pretende constn/ir
ciência deve trazer, em seu trabalho, em primeiro lugar, a novidade. Sobre
ela já cuidamos, tratando da originalidade. Mas nào é só. Imaginemos,
para construirmos analogia, o trabalho de um biólogo que realiza experi­
ências, procurando criar uma vacina contra o câncer. Em suas investigações
científicas, julga haver descoberto que a ingestão da substancia ‘X’ é ca­
paz de prevenir essa grave doença. Empolgado com o valor social de sua
descoberta, a primeira pretensão do cientista é a de que aquela substân­
cia, que representa uma vacina, seja disponibilizada a toda a população
mundial, o mais rapidamente possível. Mas sabe que essa tarefa nào será
fácil: para provar à comunidade médica ou farmacêutica que aquela subs­
tância realmente traz efeitos de prevenção e cura, terá de demonstrar que
sua experiência ê cientificamente válida. Assim, deverá ter anotado, passo a
passo, toda a evolução de seus experimentos: as substâncias utilizadas, os
casos observados, o tempo decorrido, os processos científicos de que lan-
Lição 8: A m onografia 421

çara mão. Somente com essa descrição minuciosa é que aquele biólogo
haverá de permitir que sua experiência seja reproduzida pelos interessados
na industrialização da vacina que ele criara.
Aü está, então, um dos fundamentos da ciência: o de permitir a
reprodução da experiência feita. Se sua descoberta for mesmo dotada de
perfeito método científico, poderá ser reproduzida a qualquer tempo, por
qualquer pessoa, que sempre alcançará o mesmo resultado —no exemplo,
a produção da ‘vacina do câncer’. Entretanto, se nosso biólogo não hou­
ver descrito com acuidade sua experiência, não propiciará oportunidade
de sua reprodução, nào permitirá críticas, ou qualquer consideração pos­
terior a respeito de seu erro ou acerto. Em outras palavras, sua experiên­
cia, por absoluta falta de relatório, em nada contribuirá à comunidade
científica, que continuará se comportando como se o trabalho daquele
cientista jamais houvesse existido.
Quando o pesquisador escreve seu texto jurídico, deve preocupar-
se em possibilitar que suas idéias (leituras e conclusões) sejam colocadas à
prova. Como não é possível refazer experimentos em tubos de ensaio, como
é o biólogo, deve o jurista demonstrar que seu raciocínio, insculpido em
sua dissertação, baseou-se em afirmações consideradas válidas pela co­
munidade jurídica, ou seja, em obras de autores reconhecidos. Mais que
isso, deve demonstrar que fez bom uso dessas afirmações, interpretando-
as corretamente, adequando-as a seu percurso expositivo ou argumentativo
com propriedade e critério.
Por isso, o texto científico-jurídico, que se pretenda criterioso, se­
gue características bastante distintas de elaboração, se comparado ao tex­
to literário ou ao texto argumentativo das peças e recursos da atividade
no foro. A exigência de constante indicação de fonte bibliográfica deve
ser obedecida com gravidade, podendo-se afirmar que “...uma tese ou
obra jurídica (salvo um ‘manual para estudantes*), quando desprovida ou
com número reduzido de notas de rodapé [...], salvo raríssimas exceções,
não mereceria nem mesmo ser lida”.1A
A veridicidade científica, que deve ser objetivo daquele que redige
uma dissertação jurídica, passa pela constante indicação bibliográfica, a
denominação das fontes que lhe permearam o raciocínio exposto. Essa
indicação permite aos leitores checarem o que lhes é dito, eventualmente
consultando aquelas mesmas fontes, interpretando-as etc. Pode aconte­
cer, por exemplo, que um autor citado, autoridade em determinada área
422 M anual de Redação Forense

do conhecimento, já tenha abandonado o posicionamento esposado no


trabalho dissertativo, pois “a 11the authorities in the worldmight a gm on something
that thej later discover to be wrong'V7 as autoridades podem mudar de opinião
freqüente e licitamente; deve o estudante proporcionar ao leitor a oportu­
nidade de observar a assertiva da autoridade, que funciona como premis­
sa em seu texto, e perceber se ela ainda é válida, ou se aquela citaçào já
perdera seu valor, prejudicando a citaçào como um todo. Nào raro, alu­
nos, em trabalhos monográficos, citam textos com conceitos ultrapassa­
dos, preconceituosos, ou de autores que nào têm o mínimo reconheci­
mento jurídico, como se fossem válidos e atuais: esses conceitos devem
ser colocados à prova e, para tanto, deve haver indicação de sua fonte.
Alguns alunos nào gostam de fazer citações reiteradamente. Sen­
tem-se, de certa forma, diminuídos. Acreditam —claro, geralmente ape­
nas ao primeiro contato que têm com a redação científica —que exigir-
lhes constantes referências seria transformar sua monografia em mera cópia
de opiniões dos outros, porque seriam incapazes de construir, por si pró­
prios, um raciocínio jurídico. Nào é por esse prisma, por óbvio, que deve
ser encarada a necessidade de citaçào de obras cientificamente válidas.
Os maiores juristas, ao escreverem trabalhos monográficos, fazem-
no referindo-se a outros autores, salvo em casos em que o mais que notó­
rio saber faz presumir o conhecimento das fontes —o que, diga-se, é mui­
to raro.
A necessidade de constante citaçào é modo de atribuir veridicidade
científica ao texto.
E quem redige a monografia deve objetivá-la.

8.6 Citações e referências


Vistos os aspectos principais da cientificidade do texto, as demais
considerações passam a ser corolários daquelas primeiras.
Já cuidamos da citaçào quando tratamos do argumento de autoridade.
Na redação forense, na peça dialética, também é necessária a indicação
dos textos utilÍ2ados a título de argumetitum ad verecundiam, por isso a téc­
nica da citação já nos é conhecida.
As citações, quando se tratam de cópias literais dos textos citados,
devem ser colocadas entre aspas duplas ( “...” ). Nào se pode, sob qual­
quer pretexto, alterar uma citaçào literal, mesmo que nela exista um erro
Lição 8: A monografia 423

evidente, um deslize do autor ou da impressão. Por isso, quando um erro


for encontrado, deve-se utilizar a palavra “sic”, entre parênteses. Essa
palavra significa “assim mesmo”, e se faz extremamente útil em caso como
esse, porque “...dessa forma o leitor da monografia saberá que o erro está
no texto original...”.18
Caso o texto se trate de uma paráfrase,a "tradução na mesma lín­
gua’, deve-se atentar primeiramente para sua fidelidade. A paráfrase nào
pode ser a reprodução literal do texto referido (caso em que se deve fazer
a transcrição do texto ipsis litteris, acima aludida), e tampouco pode afas­
tar-se da idéia original do autor. E recomendável que, quando se tratar de
uma paráfrase, em freqüentes momentos, também por meio de notas de
rodapé, o estudante indique onde encontrar o original que ali aparece
enunciado em paráfrase.
Observe, apenas a título de exemplo, o texto abaixo, recortado de
Magalhães Noronha.2" No trecho recortado, o mestre faz duas citações,
sendo a primeira delas literal e a segunda, uma paráfrase. Veja-se:
A outra espécie, considerada no inciso, é participar da paralisa­
ção da atividade econômica, ou seja, suspensão ou cessação tem­
porária ou definitiva. Escreve Hungria: “Pressupõe que a atividade
econômica é exercida por uma pluralidade de pessoas, pois, de ou­
tro modo, não se poderia falar em participação, que implica co-ativi-
dade". [Nélson Hungria, Comentários, cit., v. 8, p. 35].
Aplica-se à espécie o que ficou dito a respeito da participação na
parede, relativamente à consumação e à natureza do delito.
Além da pena própria do delito, manda a lei que se cumule a pena
de violência. A Jorge Severiano parece que o dispositivo alcança tam­
bém a violência à coisa [Jorge Severiano, Dos crimes e das infrações
no direito do trabalho, 1944, p. 97].Não é exato. Na técnica do Código,
as expressões vioiência, ou violência a pessoa indicam apenas a
violência física, a vis corporalis.

Os trechos entre colchete aparecem, no original, em notas de rodapé.


Mas perceba-se que o autor, ao citar Hungria, fê-lo ipsis litteris, indicando
essa forma pela inserção do texto entre aspas. Ao referir-se a Jorge
Severiano, preferiu a paráfrase, nào deixando de indicar, entretanto, ao
leitor onde encontrar o trecho parafraseado.
E que o exemplo sirva também para aqueles estudantes que ainda
não aceitam pacificamente a necessidade de recurso à citação na disserta­
ção monográfica: Magalhães Noronha recorre a elas com freqüência.
424 M anual de Redaçào Forense

Inserta no texto a citaçào, deve-se fazer a referência bibliográfica.


Lembremo-nos de que citaçào (de qualidade) demonstra que a opiniào
trilhada na dissertação tem fundamento científico, enquanto a referência
bibliográfica consiste na indicação ao leitor da exata localização da fonte
citada, constituindo sua prova documental. Para que exerça eficiente pa­
pel na veridicidade documental da tese, toda citação deve permitir ao
leitor, prontamente, encontrar a fonte citada, se o quiser.
Muito se discute a respeito do método correto de fazer a indicação
bibliográfica. Hoje, com os recursos do computador, nào se perdoa que
aquele que escreve sua tese deixe de apresentar ao leitor de seu texto,
prontamente, a identificação dos textos aludidos, na mesma página em
que aparece a citaçào. Por isso, a indicação bibliográfica deve aparecer no
texto monográfico em dois momentos: a nota de rodapé e a indicação biblio­
gráfica fin a l.
Autores divergem quanto ao método utilizado para a referência bi­
bliográfica. Nào apresentaremos aqui todos eles, porquanto alguns, ou-
trora muito utilizados, caíram em franco desuso, como o sistema autor-
data. Ao estudante iniciante na monografia, para simplificar seu trabalho,
basta conhecer um método, cientificamente reconhecido, de trazer alu­
sões bibliográficas.
Consenso é, entre a comunidade científica, que a citação de nota
de rodapé “...restringe-se às informações básicas, suficientes a situarem o
leitor dentro da fonte citada (nome do autor, título da obra e página). Já a
bibliografia final, ao contrário da referência bibliográfica, é essencialmen­
te exaustiva, visto que revela todas as informações precisas e detalhadas
das fontes e documentos empregados na monografia”.21 Nào se há de
criticar, tampouco, aqueles que, em notas de rodapé, procuram trazer re­
ferências sempre completas à obra consultada, objetivando facilitar o tra­
balho do leitor, que não necessita remeter-se à bibliografia final para co­
lher todos os dados a respeito da fonte utilizada.
Na referência bibliográfica, deve o estudante citar, nessa ordem, como
elementos mínimos de identificação, os dados abaixo:
Nome completo do autor;
Título e subtítulo da obra;
Local de Edição;
Nome da editora;
Ano de publicação;
Lição 8: A monografia 425

Número das páginas.


Quanto ao nome do autor, deve-se citar o sobrenome em maiúscu­
las e, após a vírgula, o sobrenome, como no exemplo:
CRETTELLA JR.,José.
BITTAR, Carlos Alberto.
Entretanto, alguns juristas brasileiros sào conhecidos por seu nome
composto, nào sendo aceitável que, apenas por respeito a uma norma cien­
tífica de costume, ou uma regra da ABNT, desrespeite-se o costume de
toda uma comunidade jurídica. Assim, é melhor a referência:
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti.
que
MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de.
Para auxiliar nessa denominação, basta o estudante copiar da obra
citada a denominação insculpida na ficha bibliográfica, que alguns livros
trazem em suas primeiras páginas, geralmente a cargo de profissionais da
biblioteconomia. Nessas fichas, algumas vezes, exatamente porque ela­
boradas por profissionais daquela área, nào se respeita a denominação
composta do autor, mas nào será errado dela se utilizar.
É aconselhável que se evitem abreviaturas nos nomes dos autores.
Alguns professores aconselham que, nas notas de rodapé, venham os pre-
nomes dos autores abreviados, apontando-se somente a letra inicial. Pa-
rece-nos que as notas de rodapé, hoje tào discretas na disposição gráfica
que o computador proporciona, pouco comprometendo o texto principal,
porque dele alijado, nào necessitam grandes preocupações com as formas
abreviadas. Ao contrário, parece-nos mais recomendável que a nota de
rodapé seja o mais completa possível, dispensando o leitor da consulta à
bibliografia final; podem-se, por óbvio, dispensar o excesso de informa­
ções, se a alusão a uma mesma obra aparece reiterada em várias notas de
rodapé.
Quanto ao título e subtítulo da obra, a primeira recomendação que
se faz é que se adote também a referência tal qual apresentada na ficha
bibliográfica inserta na obra. Se impossível essa consulta, as regras de sua
apresentação nào são complexas.
*
E necessário que o título e o subtítulo venham sempre escritos no
tipo itálico, em letras minúsculas, utilizadas as maiúsculas para as iniciais
das palavras que os compõem (vide os exemplos nas notas de rodapé
.426 M anual de Redação Forense

deste capítulo). Para a separação entre o título e o subtítulo, utilize o


traço ou o hífen, ou —como se tem feito entre nós —os dois pontos. Assim:
Argumentação Jurídica: Técnicas de Persuasão e Lógica Informal.

Quando se tratar de citação de teses acadêmicas, deve-se indicar,


depois do título, a referência ao tipo de tese, à universidade que a propor­
cionara e a data em que fora publicada naquela instituição. O volume ou
tomo da obra deve também ser indicado, logo após o título e o subtítulo.
Assim também, o número da edição.
No que se refere ao local de edição, deve o estudante indicar a
cidade na qual a editora tem sua sede.21Vara sabê-lo, basta procurar a referên­
cia na página de rosto do livro ou em sua ficha bibliográfica, que a indica­
rá certamente, e copiá-la tal como está.
Segue ao local de edição o nome da editora. Basta citar seu nome,
sendo absolutamente dispensável precedê-lo por outra denominação, como
“Editora e Livraria ...” ou “ ... Edições Ltda.”
No pertinente ao ano de publicação, também algumas regras de­
vem ser observadas. Como já afirmamos no primeiro capítulo, todo texto,
por ser um ato personalíssimo de criação, é influenciado por circunstânci­
as várias. Nào se pode tratar um texto de Lombroso, do séc. XIX, com os
parâmetros da medicina legal atuais, do início do século XXI. Por isso, o
estudante tem como uma dc suas obrigações situar a obra no tempo, per­
mitindo que o leitor faça dela uma análise crítica.
Isso impõe duas obrigações: a primeira, de que o estudante busque
sempre a última versão da obra citada, pois o transcurso do tempo e as
freqüentes revisões, como o recebimento de críticas, impõem ao autor
alterações constantes em sua obra. A segunda, a indicação, principalmen­
te em obras mais antigas, da data da primeira publicação da obra consultada.
Não é raro que estudantes usem de edições novas de obras antigas
(cuja primeira publicação data, por exemplo, do ano de 1910) e as citem
como se modernas fossem. Ora, é importante demonstrar ao leitor que o
estudante, autor da monografia, conhece a antigüidade da obra, ainda
que tenha em mãos um exemplar novo. Assim, se tem em mãos uma edi­
ção da obra de José Frederico Marques, do ano de 2002, é importante que
expresse conhecer que a primeira edição da obra fora publicada no ano de
1954, pois o escrito deriva daquele contexto histórico, e não, por óbvio,
das circunstâncias temporais da data de reedição.
Lição 8: A monografia 427

Aliás, deve ser preocupação do estudante, sempre, diante de obras


antigas, fazer expressa referência a essa antigüidade até mesmo no corpo
de seu texto. Poucos erros sào tào fatais quanto a abordagem de um texto
fora de seu momento histórico, como um autor antigo sendo tratado como
contemporâneo: Lombroso como um médico atual, Adam Smith como
um pensador do século XXI, Kelsen como um estudioso do Direito, ain­
da vivo na Alemanha... E nào se pense que equívocos assim sejam raros.
Por isso, a data da primeira publicação de uma obra pode aparecer
entre parênteses no texto da referência, logo após o nome da obra:
FREDERICO MARQUES, José. (1954); Tratado de Direito Penal,
Campinas, Bookseller, Volume 1, 1997, p. 125.

Para a indicação do número da página, utilize a abreviação “p.”. Se


é um intervalo de páginas, deve-se usar a abreviação “pp.”, seguida do
intervalo, separado por hífen. Desse modo “pp. 155-158”.
Na bibliografia final, devem-se citar as obras consultadas na
monografia de acordo com a ordem alfabética do sobrenome do autor,
de-talhando-as ao máximo, com todos os dados disponíveis. Omite-se,
entretanto, o número da página, pois trata-se de mera referência para que
o leitor encontra a obra, e nào o eventual trecho de citaçào (este impor­
tante na indicaçào de rodapé).

8.7 Estrutura da monografia e etapas de elaboração


Vistos os detalhes técnicos da citação, deve-se questionar sobre a
estrutura do texto monográfico.
O estudante iniciante, que tem diante de si a obrigação de redigir a
monografia final, por vezes sente-se amedrontado por ter de fazer um
texto longo. Por onde começar? Bem, em primeiro lugar, deve o estudante
lembrar que sua monografia é uma prova de ordem e método. Não é neces­
sário que demonstre, ao menos na dissertação de láurea, um conhecimento
jurídico aprofundadíssimo, mas é sempre bom que busque comprovar seu
estudo e esforço, pois isso lhe será importante no decorrer de sua carreira.
Deve o estudante preocupar-se em escrever um texto claro, de lin­
guagem corrente, com estrutura muito bem pensada. Voltamos, entào, ao
ponto que sempre frisamos nesta obra: melhor será o texto quanto mais
ele demonstrar intenção e consciência. Muitas monografias demonstram preo­
cupação excessiva com o número de citações, e isso importa em um desvir-
428 Manual de Redação Forense

tuamento da cientificidade de que tratamos, pois nào basta repetir opini­


ões alheias, é preciso apenas que se demonstre um percurso racional cla­
ro. Esse percurso passa pela freqüente citaçào de obras de boa biblioteca,
mas nào representa um fim único. Mostra o estudante maior consciência de
seu texto, maior nível de intenção ao redigir sua monografia, quanto maior
for a coerência entre todas as idéias expostas.
A coerência textual —que implica, como já dissemos em outra opor­
tunidade combinação de conteúdo e forma, mas estando principal­
mente no nível do conteúdo, é a prova de método do texto científico que
mais importa, sem qualquer dúvida, à monografia de fim de curso.
Por isso, a leitura exaustiva da bibliografia, o rascunho e o sumário
sào elementos imprescindíveis ao aluno que pretende construir a boa
monografia.
Vamos refletir, muito brevemente, sobre cada uma dessas etapas,
levando em consideração, aqui principalmente, a situação do aluno que
apresenta tese de láurea, no derradeiro ano da faculdade de direito.
Primeiramente, deve o aluno escolher o tema a ser abordado em
seu trabalho. Para isso, deve pensar a respeito da áreajurídica que mais lhe
apraz, e isso nào é difícil. No decorrer do curso, o estudante já conhece as
matéria de sua preferência (geralmente, observe-se, aquela para cujo es­
tudo adquirira ou lera mais livros, extrapolando os manuais indicados em
sala de aula).
Além do gosto pessoal, deve o estudante levar em conta seus obje­
tivos profissionais e a eventual proximidade com seu orientador. Algu­
mas faculdades disponibilizam vagas limitadas de professores orientadores
para tese de láurea, e assim nào se deve o aluno frustrar-se se nào conse­
guira orientador para a matéria que desejara: nessa fase de sua vida aca­
dêmica, qualquer pesquisa é válida e sua monografia - repita-se - deve
consistir-se mais em uma prova de ordem e método, trabalho e constru­
ção de texto, pois seu conhecimento jurídico já vem sendo avaliado com
freqüência nas provas e trabalhos que faz ou entrega na faculdade, para
aprovação nas matérias ordinárias.
Depois, o aluno deve escolher o assunto e o tema. Para tanto, já
deve pesquisar. Isso porque o tema deve ter originalidade, ou, no mínimo,
relevância. O estudante pode-se arrepender muito de escolher um tema
sobre o qual há escasso material de pesquisa, ou que haja muito pouca
Lição 8: A monografia 429

divergência para se desenvolver e comentar. Tem de, utilizando de sua


experiência e seu estudo já arraigados, observar um tema que tenha faci­
lidade de desenvolver, por ter acesso a livros, por ser controverso, por ser
interessante.
A essa escolha é indispensável a consulta ao orientador, que pode­
rá sugerir temas controversos, ou algum cuja pesquisa interessa a ele pró­
prio. Nada há de demérito nisso: um orientador que defenda tese de livre-
docência sobre determinado tema pode pedir a seu aluno, ainda graduan­
do, que apresente monografia sobre o tema desenvolvido, pois sua pes­
quisa, ainda que não possa estar (seja humilde, estudante!) em nível com­
parável à do orientador, sempre lhe representará alguma colaboração (seja
humilde também, professor).
Escolhido o tema, muito provavelmente com a ajuda do orientador,
deve o aluno passar a sua pesquisa. E isso implica, como já deve saber,
leitura exaustiva.
Leitura também com método, para que o tempo não seja desperdi­
çado. Peça ao orientador a bibliografia básica, os livros mais importantes
sobre o assunto. Deles, passe para a pesquisa mais aprofundada: busque
os livros indicados nas obras lidas, e os livros indicados nas obras indicadas,
e tudo que revelar pertinência ao tema: artigos nacionais e estrangeiros,
livros que aparecem em uma busca rápida ou complexa na Internet. Leia
todos, valorizando-os. Certo que se fará muita leitura pouco útil ao traba­
lho, mas como descobri-lo senão lendo?
E nào se pode desanimar. Há momentos em que a pesquisa chega a
‘trevas espessas’, toma-se estagnada, como ocorre com o cientista que,
perto de realizar um invento em seu laboratório, vê que sua experiência
falha. Encara-a nào como um fracasso, mas como uma etapa de sua vitó­
ria futura: nào há descoberta que se perfaça na primeira tentativa, assim
como não existe pesquisa jurídica cuja primeira leitura seja totalmente
acertada para chegar-se a uma conclusão ou uma estrutura definitiva para
o trabalho finaL
Deve o estudante, para nào desperdiçar suas leituras, realizar um
fichamento de todas elas. Indicar, em fichas, o nome dos livros lidos, quais
as idéias principais retiradas de cada texto, em que páginas encontram-se,
o que cada texto deixou de certezas, quais as dúvidas que criou, quais as
sugestões que deu. Esse é o momento mais importante da elaboração da
430 M anual de Redação Forense

monografia: na leitura, o estudante já trabalha e elabora todas as idéias


que tem a respeito do tema que está estudando.
Ler, para a elaboração da monografia, é portanto, atividade muito
diversa daquela leitura simples, que se faz o manual de direito, para a
prova da graduação. A leitura de cada texto na pesquisa jurídica é criteriosa,
nào é um mero conhecimento, com resumo pobre, do quanto afirma cada
autor. Muito se fala do que seja a ‘boa leitura’, para toda a área acadêmi­
ca, mas aqui basta dizer isto: a leitura dos textos encontrados sobre o
tema (tanto na primeira leitura, como em uma segunda ou eventual ter­
ceira) é a principal oportunidade de elaboração de idéias pessoais. Por isso, o
estudante pode ler os textos em cópias retiradas de seus originais, nas
quais poderá abusar das glosas, das notas no corpo do texto lido, onde
marcará todas suas reflexões momentâneas (ás vezes, idéias sem o menor
fundamento; vez por outra, idéias decisivas para o texto como um todo).
Feitas todo o fichamento, de leituras extensas, o estudante, julgan­
do-se satisfeito com as leituras feitas e com as reflexões que atingira (e
isso demanda tempo), passa a montar estrutura lógica de seu texto. As­
sim, monta suas fichas como a um jogo de quebra-cabeças, como bem
descreve Marchi “Passando-as em resenha mediante um controle rápido
do seu conteúdo, as fichas irão sendo, pouco a pouco, dispostas e coliga­
das pelo estudioso de acordo com uma ordem lógica de idéias, vale dizer,
em correspondência a um esquema provisório de divisão das partes da
monografia ou tese”.23
Para essa etapa também é necessário muito tempo, revelando nova
oportunidade de reflexão.
Depois da pesquisa jurídica, da leitura e do fichamento dos textos,
que permitiram ao estudante identificar todos os textos que consultara (e
voltar a eles rapidamente, pois precisará citá-los quando da redaçào) e
feita essa ‘montagem’ criteriosa da bibliografia consultada, já se pode
montar o sumário de seu texto.
Esse sumário pode ser alterado no transcurso da redaçào da tese
(aliás, os programas de processamento de texto dos computadores já os
refazem automaticamente, a partir das indicações do autor no corpo do
escrito), mas o importante é que ele revele uma estrutura clara. Os pon­
tos que devem ser referidos, divididos em capítulos e seus subtítulos,
representam ‘mais de maio caminho andado’, se o estudante, nesse sumá­
Lição 8: A monografia 431

rio montado, já tem em mente (e em suas fichas) a bibliografia que vai ser
utilizada em cada tópico já determinado.
Redigido o sumário, com a referência certa a cada parte do texto,
basta o trabalho de redação.
Claro, a redação nào é um trabalho simples, de enunciaçào pura de
idéias prontas e imutáveis, pois, como vimos ao longo deste manual, é
impossível divorciar totalmente conteúdo e forma, como se o fichamento
e a organização da bibliografia e do sumário fossem a elaboração do con­
teúdo e a escrita apenas a expressão do raciocínio já formulado.24 Por isso,
nào estranhe o estudante se, ao redigir sua monografia, calhem surgir idéias
novas, comentários inéditos, revelando nova reflexão, anteriormente nào
feita.
Entretanto, essas novas idéias devem ser lançadas no texto com
parcimônia, sob pena de comprometerem sua coerência, se implicarem
alteração perceptível na linha mestra do percurso argumentativo. Ade­
mais, o surgimento de novas idéias no decorrer do texto pode revelar ao
estudante um trabalho de leitura e fichamento pouco acurado, insuficien­
te para que hajam coadunado todas as idéias e conclusões mestras, antes
do início da redação.
Na organização do sumário, portanto, o estudante já deve trazer
bem seguro todo seu plano de leitura, as assertivas que serão feitas, e, ao
máximo possível, o percurso lógico de seu texto. A preguiça nào o pode
vencer, no momento dessa elaboração prévia: deixar o surgimento das
idéias principais para o momento da redação pode ser tarefa essencial­
mente comprometedora à qualidade do texto, notadamente daquele que
se pretende científico.
A elaboração do sumário e do fichamento, e da ordem de toda a
bibliografia, repita-se, deve ser exaustiva. O estudante deve preocupar-se
em comprovar todo o estudo feito, a consulta às várias fontes, o conheci­
mento de vários dados que nào estão explícito nelas (definição das pro­
priedades de cada fonte citada, como o contexto histórico do momento
de produção do texto citado, a escola filosófica a que pertence o autor,
seus principais feitos etc.), a pertinência de cada citaçào ao contexto de­
senvolvido e a reflexão aprofundada a respeito do tema. Como se tem
dito, a monografia não é prova de genialidade, mas de estudo e método.
Do estudo e da sua elaboração surge, como exigência final do texto,
sua conclusão. A ela deve ser dedicado um capítulo separado. Em
432 M anual de Redação Forense

monografia mais simples, como a dissertação de láurea, a conclusão deve


ser uma afirmação pessoal do aproveitamento do trabalho, enquanto em
mestrado e doutorado deve o autor definir posicionamento de modo ob­
jetivo. O importante é que a conclusão não inove, nào venha afirmar —no
escopo de se fazer uma assertiva de impacto, final —algo que nào tenha
absoluta sustentabilidade no quanto anteriormente defendido.
A disposição geral da monografia, como indica Rizzatto Nunes,25
deve conter a seguinte disposição:
Capa;
Folha de Rosto;
Folha para a banca examinadora assinar;
Dedicatória;
Agradecimentos;
Sumário;
Introdução;
Capítulos;
Desenvolvimento;
Conclusão;
Apêndice;
Bibliografia;
3a e 4a Capas.
A capa inicial deve conter, nessa ordem: o nome do estudante; o
título do trabalho; a indicação do curso a que se refere a monografia (con­
clusão de curso, mestrado, doutorado, livre-docência ...); o nome da uni­
versidade, local e data.
O frontispício, também chamado de folha de rosto, deve conter, ao
menos, nessa ordem: nome da universidade; nome da Faculdade; título
da monografia; nome do autor; indicação do curso; local e data (cidade e
ano, tal qual na capa). A folha de rosto é como uma capa mais detalhada,
com todos os dados necessários à sua catalogação.
Para a elaboração da folha para a banca examinadora ou termo de
aprovaçào, é recomendável que se sigam as normas de cada instituto de
ensino, que pode ter suas preferências bem padronizadas. No mínimo,
além do título do trabalho, deve conter o nome do professor-orientador e
dos demais participantes da banca examinadora.
Lição 8: A monografia 433

A dedicatória é expressão pessoal do autor, e deve vir em folha


reparada. Geralmente, a lembrança a uma ou várias pessoas importantes.
Seu uso nào é obrigatório, e ademais nào é de todo recomendável no
texto jurídico.
O sumário deve apresentar, sucintamente, os capítulos dos traba­
lhos, bem como todos os elementos principais, que extrapolam o texto
dissertativo (Prefácio, Introdução, Dedicatória, Capítulos, Subtítulos, Con­
clusão, índice ...). Deve, também, numerar todas as páginas, lembrando-
se que, hoje em dia, essa indicação numérica pode ficar a cargo do software
de processamento de texto, se o autor preocupar-se construir seu texto
indicando os títulos sua hierarquia.
Da bibliografia e da conclusão já fizemos exposição.

8.8 Dicas especiais de redação


No que se refere às dicas de redaçào, específicas para a elaboração
da monografia, nào se há que fazer mais que rememorar técnicas já lançadas
neste manual, tanto neste capítulo, quanto, e principalmente, nos capítu­
los anteriores.
Em primeiro lugar, o fator diferencial: as interrupções constantes
para as citações das fontes sào característica peculiar do texto científico,
como já explanado em mais detalhes. Portanto, o redator da monografia
deve aceitar comprometer a fluência da leitura com a demonstração fre­
qüente da origem das idéias expostas. Assim, se as citações retiram a co­
esão, se impedem a leitura melíflua, dão credibilidade ao escrito, o que,
convenhamos, é ali mais importante.
As demais dicas de estilo sào aquelas que servem a todos os textos.
Os autores de manuais específicos para monografia costumam lembrar a
necessidade de clareza do texto, de abandono do estilo poético e precio­
so, que permeia o discurso forense, e estào corretíssimos em fazê-lo. En­
tretanto, a construçào de texto direto, objetivo, alijado das inversões pre-
tensamente poéticas, do estilo falsamente empolado, já é recomendado
aqui, reiteradamente, até para a redaçào jurídica na atividade forense.
Mas não custa lembrar que a monografia nào é o recurso ou peti­
çào. Por isso, mais um motivo para que se respeite o leitor com uma lin­
guagem clara e objetiva, muito mais próxima do estilo jornalístico que do
arcaico estilo precioso dos operadores do direito no foro em geral. O
434 M anual de Redação Forense

vocabulário técnico deve ser respeitado, mas o jargào jurídico26 tem de ser
abandonado por completo, pois nada acrescenta ao discurso científico;
ao contrário, demonstra maior intimidade com a prática e menor com a
teoria.
Por último, cabe ressaltar a necessidade de cuidado com o estilo.
Parece ousado afirmar, mas, em matéria humana, nào há boa ciência que
se faça sem arte; os textos que representam referência no Direito sào,
todos, textos que foram cuidadosamente trabalhados por seus autores no
que se refere à redaçào e ao estilo. Em todo bom texto científico,
notadamente no campo jurídico, o autor lhe agrega uma segunda preocu­
pação, a 1elaboração da mensagem p or si mesma \21 aquela ênfase estética acres­
cida à informação veiculada.
Essa ênfase nào tende ao exagero, ou melhor, é a ênfase da clareza,
do grande paradoxo da enunciaçào, o de que é melhor o estilo quanto
menos ele aparecer. O estilo elegante é aquele estilo discreto, que pouco
aparece; quando o autor do escrito (científico, principalmente), pretende
demonstrar que teve acuidade na estruturação do texto, tende ao exagero,
utilizando palavras difíceis e preciosas. Deve agir como a pessoa que,
procurando vestir-se elegantemente, lembra-se da regra de que a melhor
roupa é aquela que nào chama a atenção; se procurar demonstrar estar bem
vestido, tende ao ridículo e, paradoxalmente, perde a elegância.
Portanto, deve sim o autor da monografia preocupar-se com sua
escrita, com aquele plus que traz seu texto ao demonstrar, com discrição,
a competência lingüística, diferenciando seu texto da mera compilação, da
demonstração de conteúdo, lembrando-se de que “a língua exprime e o
estilo realça”.2R
A redaçào com estilo cuidadoso é muito importante ao estudante
que elabora monografia, pois o texto deve sempre convidar à leitura, como
já se expôs, e aqui não é diferente. Somente se deve lembrar, à exaustão,
que o estilo é de objetividade e clareza, com gramática escorreita e lin­
guagem fluente. E só.

8.9 Conclusão
Como alertado, desde o início deste capítulo, nào se pretende aqui
uma exposição detalhada da metodologia jurídica. Entretanto, como este
manual tem sido adotado em cursos jurídicos, nào nos pareceu demais
Lição 8: A monografia 435

apresentar algumas características do texto científico. De resto, nào se


alteram as demais dicas espalhadas em toda a obra, para a redação em
geral, pois a boa escrita vale para todos os objetivos, respeitadas as pecu­
liaridades. Para os textos mais aprofundados, como a tese de doutorado,
recomenda-se leitura de obras mais específicas, sobre metodologia.
Ao estudante que se vai deparar com a monografia, as dicas aqui
expostas são bastantes para a elaboração de um eficiente trabalho. Só
resta a boa pesquisa...
436 M anual de Redação Forense

Anexo de Notas

1 Cf. MARCHI, Eduardo C. Silveira. Guia de Metodologia Jurídica . Itália: Edizioni dei Grifo,
2001, p. 26.
2 VANDELVE, Kenneth J. Pensando como um Advogado. Martins Fontes Editora, 2000, SP,
p. 149.
3 Cfr. ECO, Umberto. Como se Fa^uma Tese. Sào Paulo: Ed. Perspectiva. 1999, p. 21 “...Para
alguns, a ciência se identifica com as ciências naturais ou com a pesquisa em base quanti­
tativas: uma pesquisa nao é científica se nào se conduzir mediante fórmulas e diagramas.”
4 MARCHI, Guia de... cit, p. 30.
’ NUNES, Luiz Antonio Rizzato. Manual da Monografia Jurídica. Sào Paulo, 2001, p. 28.
6 MARCHI, cit. p. 27.
7 Art. 9 Ü: para conclusào do curso, será obrigatória apresentação e defesa de monografia
final, perante banca examinadora, com tema e orientador escolhidos pelo aluno.
8 COSTA, Nelson Nery. “Projeto de Pesquisa de Monografia”. Revista da Ordem dos Advoga­
dos do Brasil%Ano XXX, nu 70, jan./jul. 2000, p. 75.
9 MELO FILHO, Álvaro. “Juspedagogia: ensinar direito o Direito”. OAB, Ensino Jurídico ,
2000, p. 44.
u>b it tv R ^ Eduardo C.B. Direito e ensino jurídico: legislafào educacional\ Sào Paulo: Atlas,
2001, p. 92.
11 CARVALHO, Marlene et SILVA, Maurício da, 'Leu, mas nào entendeu: um problema
que costuma explodir na universidade”. Ciência Hoje, nü 119, vol. 20.
12 RODRIGUEZ, Víctor Gabriel. Argumentação Jurídica , Técnicas de Persuasão e Lógica Infor­
mal. Campinas: Ed. LZN, 2001, p. 81.
13 Esclarecedora a afirmação de Miracy B. S. Gustin e Maria T. Fonseca Dias, comentando o
tema: “ O texto redigido deverá representar clareza, objetividade e precisão da linguagem.
Pra que isso ocorra é importante uma revisão do texto final cm relaçào a seu estilo,
vocabulário, correções gramaticais, símbolos, abreviações, citações etc Isso requer consul­
tas constantes ao orientador e, se necessário, a colegas ou profissionais da área de lingua­
gem c de normalização para sanar dúvidas nào solucionadas por meio dos demais expe­
dientes...” (Re)pensando apesquisa jurídica. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 134.
u “ Para além da disciplina, quantificação e especialização dos fenômenos que a experiência
ordenada produz, a a bordagem interdisciplinar busca refletir o real sem suprimir-lhe as
contradições, acentuando os ângulos de entrosamento de seus diferentes aspectos na
totalidade. Busca-se, neste modelo, uma aproximação epistemológica capaz, portanto, de
articular os pontos de integração na vida social.” SOUSA Jr., José Geraldo de, “Ensino
Jurídico :pesquisa e interdisciplinaridade”. OAB: Ensino Jurídico , Brasília, 1996, p. 96.
15 MARCHI, cit. p. 36.
16 MARCHI, cit. p. 39.
Lição 8: A monografia 437

17 GENSLER, Harry. L ogic:A nafyyng andAppraisingArguments , apud WALTON, Douglas.


A ppealto Expcrt Optnion, The Pennsylvania State University Press, 1997, p. 234.
lh NUNES, Luiz A . Rizzato. M anualda Monografia... d r . p. 86.
19 Vide 2.3, Infra.
2ü NL\GALHAES NORONHA, E. Direito Penal\vol. 3. Sào Paulo: Saraiva, 2002, p. 17.
21 LEITE, Eduardo de Oliveira. A monografia Jurídica . Sào Paulo: RT, 2001, p. 245.
22 \L\RCHI, Eduardo C.S.. Guia... cit. p. 216.
23 MARCHI. Guia de Metodologia... cit. p. 261.
24 Vide, por exemplo, o argumento de competência lingüística.
25 NUNES, L. A. Rizzato. M anual da Monografia Jurídica. Sào Paulo: Saraiva, 2001, p. 146.
26 Vide 2.2.3.
27 cf. MARTINS, Nilce Sant*anna. Introdução à Estilística. Sào Paulo: TA. Queiroz.
28 Riffatterre, apud NL\RTINS, Nilce, d t idem.
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FORENSE
VlCTDR
G a b r iel

R o d r íg u e z

A p re s e n te o b ra n a s c e u d o tra b a lh o e m s a la de a u la , cm c u rs o d e re d a ç à o
fo re n s e q u e h á te m p o s a d m in is tra m o s . T al e x p e r iê n c ia fez c o m q u e o a u to r c o n h e ­
c e s s e a lg u m a s d a s d ú v id a s m a is c o m u n s à q u e le s q u e se p r o p õ e m ao e s tu d o d a s
té c n ic a s re d a c io n a is e, a s s im , e n te n d e -s e p o r b e m , lo g o d e in íc io , s o lv e r a lg u m a s
d e la s , p a ra q u e o c u rs o se in ic ie c o m c la re z a e m s e u s p r o p ó s ito s e p re m is s a s .
R e d ig ir é e x te rio riz a r, e m p a la v ra s , id é ia s e m o rd e m e m é to d o . P a ra n o ss o
o b je tiv o , a q u i, s ig n ific a e x p o r fa to s d e fo r m a c la ra e c o m b in a r c o n c e ito s e id é ia s , c o m
o o b je tiv o d e p e rs u a d ir. E a c o m p e tê n c ia p a ra fa z ê -lo n ã o é, n itid a m e n te , u m a
q u e s tã o de a rte , m a s de té c n ic a a p u ra d a . E , n e s ta o b ra , p re te n d e -s e d e s e n v o lv e r u m
p o u c o d e s s a té c n ic a e s p e c ífic a , a re d a ç ã o d o te x to ju ríd ic o , c u jo d o m ín io c o n s titu i
u m d o s a s p e c to s q u e d e v e m in te g r a r o le q u e d e c o n h e c im e n to d o a d v o g a d o , p a ra a
c o m p le titu d e d e s u a a tiv id a d e .
U m e s tu d o d irig id o , c o n c is o m a s c o m p le to , é o q u e o ra n o s p ro p o m o s a fa ze r,
p ro c u ra n d o a ju d a r o p ro fis s io n a l d a a d v o c a c ia a, n o se u tra b a lh o d iá rio , c o n s tru ir
te x to s c la ro s , c o e re n te s e p e rs u a s iv o s , q u e s e ja m c a p a z e s d e e x te r io riz a r to d a a te o ria
ju ríd ic a de q u e e le se sa b e c o n h e c e d o r, a d e q u a n d o - a a o c a s o c o n c re to e, a s s im ,
p ro d u z in d o o D ire ito d a su a m e lh o r fo rm a . P a ra q u e is so a c o n te ç a , se rá n e c e s s á rio
re v is a r a lg u n s c o n c e ito s d e te o ria do te x to e d a g r a m á tic a , p a ra , c o n c o m ita n te m e n te ,
d e m o n s tra r-s e s u a a p lic a b ilid a d e à re d a ç ã o d irig id a à a tiv id a d e a d v o c a tíc ia .

O
C o n te ú d o do C D R O M : C o n s titu iç ã o F e d e ra l, C ó d ig o C ivil, C ó d ig o de
P ro c e s s o C iv il, C ó d ig o de D e fe s a d o C o n s u m id o r, C ó d ig o C o m e rc ia l,
L e g is la ç ã o E s p e c ia l, S ú m u la s d o s T rib u n a is E s ta d u a is e S u p e rio re s,
E s ta tu to da A d v o c a c ia e a O A B , ju ris p ru d ê n c ia p o r a s s u n to e m u ito m a is.

ISBN 8 5 - 8 8 3 8 7 - 15-S
Av. M are c h a l Rondon, 301 • Jd. C h ap adão
CEP 1 3 0 7 0 -1 7 2 • Cam pinas • SP
Fone/Fax.: (19) 3 2 8 4 .3 3 3 4
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