Você está na página 1de 34

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DA AMAZÔNIA


CAMPUS TOMÉ-AÇU
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM LINGUAGEM,
CULTURA E FORMAÇÃO DOCENTE

RENATA SILVA CUNHA

OS DESAFIOS DA TEORIA HISTÓRICO-CRÍTICA DA EDUCAÇÃO NO


CONTEXTO PEDAGÓGICO CONTEMPORÂNEO

TOMÉ-AÇU
2022
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DA AMAZÔNIA
CAMPUS TOMÉ-AÇU
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM LINGUAGEM,
CULTURA E FORMAÇÃO DOCENTE

RENATA SILVA CUNHA

OS DESAFIOS DA TEORIA HISTÓRICO-CRÍTICA DA EDUCAÇÃO NO


CONTEXTO PEDAGÓGICO CONTEMPORÂNEO

Trabalho apresentado à Universidade Federal Rural


da Amazônia em nível de Pós-Graduação Lato
Sensu como requisito final de avaliação para
obtenção do título de Especialista em Linguagem,
Cultura e Formação Docente.

Orientador: Prof. Me. Jefferson Luis da Silva Cardoso

TOMÉ-AÇU
2022
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Bibliotecas da Universidade Federal Rural da Amazônia
Gerada automaticamente mediante os dados fornecidos pelo(a) autor(a)

C972d Cunha, Renata Silva.


Os desafios da teoria histórico-crítica da educação no contexto
pedagógicocontemporâneo / Renata Silva Cunha. - 2022.
34 f.

Orientador: Prof. Me. Jefferson Luis da Silva Cardoso

1. Teorias da educação. 2. Pedagogia histórico-crítica. 3. Contexto pedagógico.


I.Cardoso, Jefferson Luis da Silva, orient. II. Título
CDD 370
5

RENATA SILVA CUNHA

OS DESAFIOS DA TEORIA HISTÓRICO-CRÍTICA DA EDUCAÇÃO NO


CONTEXTO PEDAGÓGICO CONTEMPORÂNEO

Trabalho de Conclusão de curso


apresentado à Universidade Federal Rural
da Amazônia em nível de Pós-Graduação
Lato Sensu como requisito final de avaliação
para obtenção do título de Especialista em
Linguagem, Cultura e Formação Docente.

Trabalho aprovado em 11 de janeiro de 2022

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________
Prof. Me. Jefferson Luís S. Cardoso
Orientador - UFRA

____________________________________________
Prof. Me. Marcelo Spitzner
Avaliador - UFRA

____________________________________________
Prof. Me. Walber Gonçalves de Abreu
Avaliador - UFRA
6

AGRADECIMENTOS

Primeiramente agradeço a Deus por me permitir realizar este trabalho de


conclusão e chegar ao final do curso com saúde.

Aos meus pais pelos valores ensinados desde a minha infância e à toda
minha família por sempre apoiar os meus estudos e as minhas escolhas, e por
entenderem os momentos em que precisei estar ausente.

À Universidade Federal Rural da Amazônia pela oportunidade de dar


continuidade à minha formação acadêmica ao cursar nesta instituição a pós-
graduação lato sensu em Linguagem, Cultura e Formação Docente.

À coordenação do curso e aos professores pela organização das disciplinas


ministradas que contribuíram imensamente para a aquisição de novos
conhecimentos e para minha formação ao longo do curso.

Ao professor Jefferson, meu orientador, por sua disponibilidade,


prestatividade e preocupação com o andamento do artigo e por todas as palavras de
incentivo durante a realização desse trabalho.

Aos colegas de curso que compartilharam dessa linda e árdua trajetória,


com muito carinho e afeição à Eva, Elizane, Diego e Mayara, pelas trocas e por me
transmitirem força e inspiração.

Minha gratidão a todos que me motivaram e me fortaleceram durante o


curso.
7

RESUMO

As teorias da educação constituem um campo rico em fundamentações teóricas que


contribuem para a compreensão das práticas desenvolvidas nas escolas atualmente.
Este trabalho apresenta brevemente o percurso histórico das teorias da educação e
traz o seguinte questionamento: quais os desafios enfrentados pela teoria histórico-
crítica da educação na atualidade? O objetivo da pesquisa é descrever os principais
desafios da teoria histórico-crítica no contexto pedagógico contemporâneo, a partir
da análise de artigos científicos publicados nos últimos cinco anos. Foi realizada a
pesquisa bibliográfica sobre as principais teorias da educação conforme Libâneo
(1994), Saviani (2003), Camillo e Medeiros (2018) e, também, foi realizada a busca
avançada no portal CAPES para seleção de trabalhos que discutem a temática
deste estudo, sendo selecionados dez estudos para serem analisados. O tipo de
análise realizada foi a leitura interpretativa (GIL, 2017), uma vez que permite uma
compreensão mais adequada do objeto pesquisado. Como resultados, observou-se
a disputa por espaço entre a pedagogia histórico-crítica e a persistência das
concepções tradicional e escolanovista nos contextos escolares, e destacou-se a
necessidade de aprofundar os conhecimentos docentes a respeito da pedagogia
histórico-crítica, bem como a relevância dessa teoria para prática e reflexão acerca
do papel dos professores na sociedade enquanto classe trabalhadora, que deve
intervir por melhores condições de acesso para seus educandos aos conteúdos e
saberes construídos, historicamente, pela sociedade.

Palavras-Chave: Teorias da educação; Pedagogia histórico-crítica; Contexto


pedagógico.
8

RESUMEN

Las teorías de la educación constituyen un área llena en fundamentaciones teóricas


que contribuyen para la comprensión de las prácticas desarrolladas en las escuelas
actualmente. El presente trabajo presenta con brevedad la ruta histórica de las
teorías de la educación, y trae la siguiente pregunta ¿Cuáles son los desafíos que
enfrenta la teoría histórico-crítica de la educación en la actualidad? El objetivo de la
investigación es describir los principales desafíos de la teoría histórico-crítica de la
educación em el contexto pedagógico contemporáneo, desde el análisis de artículos
científicos publicados em los últimos cinco años. Fue realizada la investigación
bibliográfica sobre las principales teorías de la educación, según Libâneo (1994),
Saviani (2003), Camillo e Medeiros (2018), además fue realizada la investigación
avanzada en portal CAPES para elección de trabajos que discuten la temática de
este estudio, siendo elegidos diez estudios para que fueran analizados; el tipo de
análisis realizada fue la lectura interpretativa (GIL, 2017) ya que permite una
comprensión más adecuada del objeto investigado. Como resultados se observó la
disputa por espacio entre la pedagogía histórico-crítica y la persistencia de las
concepciones tradicional y Escuela Nueva en los contextos escolares, y se destacó
la necesidad de profundizar los conocimientos docentes a cerca de la pedagogía
histórico-crítica, además la relevancia de esa teoría para la práctica y reflexión
acerca del papel de los profesores en la sociedad mientras clase trabajadora, que
debe intervenir por mejores condiciones de acceso para sus educandos a los
contenidos y saberes históricamente construidos por la sociedad.

Palabras-Clave: Teorías de la educación; Pedagogía histórico-crítica; Contexto


pedagógico.
9

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ................................................................................................... 10

2. A TEORIA HISTÓRICO-CRÍTICA EM DEBATE ................................................ 11

2.1 A EVOLUÇÃO DAS TEORIAS DA EDUCAÇÃO ATÉ A HISTÓRICO-CRÍTICA:


HORIZONTES DE REFLEXÃO SOCIAL .......................................................................................... 11

3. METODOLOGIA ................................................................................................ 18

4. RESULTADOS E DISCUSSÕES ....................................................................... 20

4.1 A PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA SEGUNDO A PRODUÇÃO CIENTÍFICA ATUAL: O


QUE DIZEM OS TRABALHOS PUBLICADOS NO PORTAL DA CAPES. ...................................... 20

4.2 OS PRINCIPAIS DESAFIOS DA TEORIA HISTÓRICO-CRÍTICA ....................................... 31

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 32

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 34
10

1. INTRODUÇÃO

O espaço escolar é constantemente atravessado pelas transformações do


contexto social e, consequentemente, pela emergência de novos desafios para a
formação dos sujeitos, de tal modo que as escolas não podem estar alheias as
mudanças e as novas demandas do público ao qual atende, fazendo-se necessária
a busca por alternativas que favoreçam a superação de barreiras, a inclusão e a
participação ativa de cada aluno em seu processo formativo.

Levando em consideração essa busca por respostas aos desafios que se


apresentam no contexto escolar, é possível refletir sobre as contribuições do campo
teórico da educação que podem subsidiar as práticas docentes nos diferentes níveis
de ensino e nas diversas disciplinas da educação básica, e que, além disso, possam
favorecer a ação educativa no enfrentamento das dificuldades encontradas nesses
contextos.

A teoria histórico-crítica da educação traz perspectivas relevantes ao


favorecer a aproximação entre os conteúdos do ensino e a prática social, buscando
a reflexão crítica sobre a realidade social para identificar as origens de problemas
que se refletem nas escolas e promover as mudanças necessárias. Assim, o
presente trabalho tem como pergunta problema: quais os desafios enfrentados pela
teoria histórico-crítica da educação na atualidade? O objetivo da pesquisa é
descrever os principais desafios da teoria histórico-crítica no contexto pedagógico
contemporâneo a partir da análise de artigos científicos publicados nos últimos cinco
anos.

A metodologia parte da pesquisa bibliográfica em Gil (2017), que encontrou


contribuições importantes nos estudos de Libâneo (1994), Saviani (2003), Camillo e
Medeiros (2018). Foi realizado, também, uma busca avançada no portal CAPES
para seleção de trabalhos que discutem a temática deste estudo, sendo
selecionados dez estudos para serem analisados com base na leitura interpretativa
(GIL, 2017).

A estrutura deste trabalho apresenta um breve percurso histórico das


principais teorias da educação no referencial teórico, dedicando-se ao estudo sobre
os pressupostos da teoria histórico-crítica e suas contribuições para o contexto
educacional. Em seguida, são descritos os procedimentos metodológicos da
11

pesquisa; no tópico seguinte são realizadas as análises e discussões dos


resultados; e, por fim, são feitas as considerações finais.

2. A TEORIA HISTÓRICO-CRÍTICA EM DEBATE

2.1 A EVOLUÇÃO DAS TEORIAS DA EDUCAÇÃO ATÉ A HISTÓRICO-CRÍTICA:


HORIZONTES DE REFLEXÃO SOCIAL

As discussões teóricas que pretendem abordar o campo educacional, as


ideias e os elementos que se manifestam nesse contexto pressupõem a
compreensão de que a educação passou por muitas influências teórico-
metodológicas, por transformações e por um longo processo de consolidação para
alcançar as condições nas quais se apresentam atualmente. Neste sentido, para
realizar a discussão que se propõe neste estudo, revela-se a relevância de traçar o
percurso histórico das concepções teóricas que se expressaram e que, por vezes,
ainda se expressam dentro dos espaços formais de educação.

É importante levar em consideração que, historicamente, diversas teorias da


educação disputaram por espaço no contexto educacional, no entanto, algumas
exerceram maiores influências e tiveram maior apreço dos estudiosos. Dessa forma,
esta abordagem será realizada a partir das considerações feitas por Libâneo (1994),
nas quais o autor classifica as tendências pedagógicas em liberais e progressistas
de acordo com os papéis sociais das escolas, porém ressalta que os traços de tais
tendências não são exclusivos, podendo ser divergentes em alguns aspectos e
complementares em outros.

De acordo com a abordagem de Libâneo (1994, p. 55), a pedagogia liberal


reflete o modelo de sociedade capitalista e tem marcado profundamente a educação
brasileira e as práticas docentes por meio da concepção pedagógica tradicional ou
renovada. Essa pedagogia defende a ideia de que o papel da escola é preparar os
alunos para cumprir determinadas funções na sociedade, portanto, “precisam
aprender a se adaptar aos valores e às normas vigentes na sociedade de classes
através do desenvolvimento da cultura individual.”
12

No campo da pedagogia progressista, o autor situa a pedagogia libertadora


de Paulo Freire, a pedagogia libertária e a pedagogia crítico-social dos conteúdos.
Tais tendências baseiam-se na reflexão crítica no sentido de promover a
transformação da realidade social e superar a atual forma de organização capitalista,
conforme afirma o autor, “a pedagogia progressista não tem como institucionalizar-
se numa sociedade capitalista; daí ser ela um instrumento de luta dos professores
ao lado de outras práticas sociais.” (LIBÂNEO, 1994, p. 63)

A pedagogia liberal tradicional, também conhecida como escola tradicional,


manifestou-se predominantemente por um longo período nos espaços formais de
educação, influenciando muitas práticas educativas até os dias atuais. Libâneo
(1994, p. 57) aponta que, nessa tendência, a escola tem como papel de preparar
intelectual e moralmente os alunos para que possam ocupar seus lugares no
contexto social. Portanto, os métodos são baseados na exposição verbal dos
conteúdos, valorizando-se o predomínio da autoridade do professor e “a ênfase nos
exercícios, na repetição de conceitos ou fórmulas na memorização visa disciplinar a
mente e formar hábitos.”

Segundo Camillo e Medeiros (2018) a revolução industrial suscitou


mudanças significativas nos aspectos econômico e social durante os séculos XVIII e
XIX, revelando o conflito de interesses entre a classe burguesa e o proletariado,
abrindo caminhos para o surgimento de pedagogias com orientações diferenciadas.
Nesse cenário de divergências políticas e sociais, evidenciam-se as influências no
setor pedagógico, tal como enfatizam os estudiosos abaixo:

Essa constatação entrelaça ainda o problema referente aos conteúdos e ao


método, que estão condicionados ao progresso das ciências. Assim, na
evolução histórica do período, estão implícitas mudanças oriundas das
experiências vividas durante o mesmo na sua aplicabilidade. (CAMILLO;
MEDEIROS, 2018, p. 15)

De acordo com os autores, manifestaram-se diversos modelos formativos e


teorizações na área da educação nesse período, dessa forma, compreende-se que a
orientação dos conteúdos e métodos a serem desenvolvidos era condicionada pelas
inovações da ciência da época, e influenciada pelo conflito sociopolítico e pela
disputa de interesses entre as classes sociais.
13

Partindo desse contexto de mudança, durante o século XX, o campo


educacional passa por novas transformações nos aspectos teórico e metodológico,
por meio das escolas novas que conquistaram espaço, principalmente nos Estados
Unidos e na Europa ocidental. No entanto, suas ideologias repercutiram por países
do mundo todo, ganhando a atenção de muitos estudiosos desse período (CAMBI
apud CAMILLO e MEDEIROS, 2018).

A pedagogia no século XX é reestruturada e renovada no que se refere ao


seu plano teórico, [...] fazendo assim, surgir um novo modelo pedagógico
onde a filosofia e a ciência, principalmente como pesquisa experimental,
ganham espaço [...]. (CAMILLO e MEDEIROS, 2018, p. 24)

Neste sentido, a educação passa por um intenso processo de renovação


mais focado no aluno e em sua forma de aprender com base na reflexão e nas
experiências práticas. Ressalta-se que esse movimento teve a contribuição de vários
teóricos que ampliaram as perspectivas acerca da educação, conforme destacam
Camillo e Medeiros (2018, p. 22):

[...] constatamos que este vasto percurso da educação promoveu


diversificadas visões em relação ao campo educacional, assim são citados
diversos autores de extrema contribuição para esta propagação, que
obtiveram em comum o objeto de estudo, renovação pedagógica, propostas
das escolas novas e o estudo da criança. Porém, se utilizaram de
metodologias independentes, que os diferenciavam e os destacavam em
maior ou menor proporção.

Os autores apresentam, por exemplo, a importante contribuição de John


Dewey, filósofo e educador que “se tornou um grande nome devido às suas
propostas acerca de uma teoria empírica, e sua pedagogia caracterizada por um
pragmatismo associado entre as teorias e as práticas” (CAMILLO; MEDEIROS,
2018, p. 25). Portanto, observa-se que as propostas das escolas novas apontavam
novos ideais e novos rumos para as práticas desenvolvidas nos espaços formais de
educação.

No contexto educacional brasileiro, Saviani (2003) destaca que, no final do


século XIX, críticas ganham espaço ao modelo de educação da época, que passou
a ser referido, então, como Escola Tradicional, dando força ao movimento de
14

reforma no campo educacional conhecido como “escolanovismo” no Brasil. O autor


pontua algumas mudanças substanciais na estrutura educacional orientadas por
essa teoria da educação.

Compreende-se, então, que essa maneira de entender a educação, por


referência à pedagogia tradicional, tenha deslocado o eixo da questão
pedagógica do intelecto para o sentimento; do aspecto lógico para o
psicológico; dos conteúdos cognitivos para os métodos ou processos
pedagógicos; do professor para o aluno; do esforço para o interesse; da
disciplina para a espontaneidade; do diretivismo para o não diretivismo; da
quantidade para a qualidade; de uma pedagogia de inspiração filosófica
centrada na ciência da lógica para uma pedagogia de inspiração
experimental baseada principalmente nas contribuições da biologia e da
psicologia. Em suma, trata-se de uma teoria pedagógica que considera que
o importante não é aprender, mas aprender a aprender. (SAVIANI, 2003, p.
8-9)

Portanto, destaca-se que esse movimento teórico, inaugurado em alguns


países da Europa e nos Estados Unidos, também repercutiu na realidade da
educação brasileira, manifestando suas ideias nas discussões a respeito dos novos
conceitos e fundamentos que deveriam nortear as ações a serem desenvolvidas no
campo educacional e, dessa forma, observa-se mudanças significativas no campo
teórico e metodológico da educação, mais centrado na forma que o aluno aprende,
de modo que ao professor é atribuído o papel de buscar metodologias e de
promover espaços e experiências que favoreçam o interesse e a aprendizagem do
aluno.

A tendência conhecida como Escola Tecnicista surgiu a partir da década de


1950 nos Estados Unidos, motivada pelos fundamentos da teoria comportamental
behaviorista desenvolvida por Skinner (CAMILLO; MEDEIROS, 2018). De acordo
com Libâneo (1994), no Brasil, oficialmente a Escola Tecnicista foi instituída no final
da década de 1960 por meio das Leis 5.540/68 e 5.692/71 que dispõem,
respectivamente, sobre o ensino superior e o 1º e 2º grau. No entanto, os
estabelecimentos de ensino já recebiam influências da pedagogia tecnicista desde a
década de 1950. O autor descreve o papel da escola nessa tendência:

A escola atua, assim, no aperfeiçoamento da ordem social vigente (o


sistema capitalista), articulando-se diretamente com o sistema produtivo;
para tanto, emprega a ciência da mudança de comportamento, ou seja, a
tecnologia comportamental. Seu interesse imediato é o de produzir
15

indivíduos “competentes” para o mercado de trabalho, transmitindo,


eficientemente, informações precisas, objetivas e rápidas. A pesquisa
científica, a tecnologia educacional, a análise experimental do
comportamento garantem a objetividade da prática escolar, uma vez que os
objetivos instrucionais (conteúdos) resultam da aplicação de leis naturais
que independem dos que a conhecem ou executam. (LIBÂNEO, 1994, p.
61)

Observa-se que essa tendência busca desenvolver com eficiência as


habilidades e comportamentos esperados para atender as necessidades do
mercado de trabalho. A escola privilegiava o domínio das inovações tecnológicas e
os interesses do capital.

[...] o educador e o educando não eram valorizados, [...] o educador torna-


se especialista, responsável por ‘passar’ ao aluno verdades científicas
incontestáveis. Ou seja, a escola não trabalhava a reflexão e criticidade nos
educandos. (CAMILLO; MEDEIROS, 2018, p. 47)

Na concepção libertadora, a educação é entendida como a relação entre


alunos e professores, mediada pelo contexto social no qual interagem e por meio do
qual adquirem os conteúdos de aprendizagem a partir de “temas geradores” e da
problematização de situações vivenciadas pelos alunos, possibilitando, assim,
aprofundar a consciência crítica em relação a realidade ao ponto de intervir na
transformação da conjuntura social (LIBÂNEO, 1994).

Aprender é um ato de conhecimento da realidade concreta, isto é, da


situação real vivida pelo educando, e só tem sentido se resulta de uma
aproximação crítica dessa realidade. O que é aprendido não decorre de
uma imposição ou memorização, mas do nível crítico de conhecimento, ao
qual se chega pelo processo de compreensão, reflexão e critica. O que o
educando transfere, em termos de conhecimento, é o que foi incorporado
como resposta às situações de opressão — ou seja, seu engajamento na
militância política. (LIBÂNEO, 1994, p. 66)

Dessa forma, dentro dessa concepção pedagógica, busca-se ampliar a


compreensão da realidade e despertar a consciência crítica dos sujeitos
possibilitando a mudança na forma de se relacionar em suas experiências de vida e
com o mundo ao seu redor. Portanto, a transmissão de conteúdos específicos e
externos ao convívio e à cultura dos educandos não é uma prioridade nesse modelo
de educação.
16

A tendência intitulada por Libâneo (1994) como pedagogia libertária é


inspirada no princípio de autogestão por meio da vivência grupal, buscando superar
a burocratização como mecanismo de dominação do Estado, bem como combater
toda e qualquer forma de poder no contexto educativo. Dessa forma, “os conteúdos
propriamente ditos são os que resultam de necessidades e interesses manifestos
pelo grupo e que não são, necessária nem indispensavelmente, as matérias de
estudo” (LIBÂNEO, 1994, p. 67), enquanto o professor é considerado um membro
que assume o papel de orientador ou monitor do grupo.

Ao abordar a tendência progressista crítico-social dos conteúdos, Libâneo


(1994) destaca B. Charlot, Suchodolski, Manacorda G. Skyders, e Dermeval Saviani
como os principais estudiosos nessa área. Nessa concepção, o papel da escola é,
essencialmente, a difusão de conteúdos, sendo estes indissociáveis das realidades
sociais e da significação humana e social, destacando a valorização dessa
instituição enquanto dispositivo democrático de apropriação do conhecimento à
disposição dos interesses populares. Pois, para que seja possível atender de fato a
sua clientela, é necessário garantir um ensino dos conteúdos escolares que seja
significativo para a vida dos educandos.

Para a pedagogia crítico-social dos conteúdos, o conteúdo do saber


constitui-se relativamente objetivo, tornando possível a reflexão crítica diante dos
conteúdos estudados. À vista disso, os alunos têm acesso aos conteúdos e à
relação destes com suas experiências de vida concretas. Além disso, por meio da
intervenção docente, deve-se favorecer aos alunos a análise crítica que lhes permita
ampliar suas ideias, ultrapassando suas experiências, os estereótipos e padrões da
ideologia dominante (LIBÂNEO, 2003).

Observa-se aspectos significativos da pedagogia crítico-social dos


conteúdos para as práticas pedagógicas por meio da aproximação entre os
conteúdos escolares e a realidade dos alunos, e entre professor e alunos em diálogo
com o conhecimento, tornando os conteúdos mais interessantes e favorecendo a
participação ativa dos alunos em seus respectivos processos formativos.

A pedagogia histórico-crítica se manifesta dentro da concepção crítico-social


dos conteúdos, assim, considera-se pertinente o questionamento levantado por
Saviani (2003, p. 30), perguntando se “é possível encarar a escola como uma
realidade histórica, isto é, suscetível de ser transformada intencionalmente pela ação
17

humana”, o autor questiona, ainda, a viabilidade de uma teoria crítica que possa
contribuir para a superação do problema da marginalidade, ressaltando o fato de
que a escola é determinada por fatores externos à ela, correspondentes aos
conflitos de interesses presentes no contexto social. Portanto, na concepção do
autor, a teoria histórico-crítica só pode ser concebida a partir dos interesses
daqueles que, de alguma forma, são marginalizados pela sociedade.

O autor demonstra a necessidade de compreender a natureza específica da


educação e superar as limitações decorrentes das teorias não-críticas e das teorias
crítico-reprodutivistas, e, ainda, garantir aos professores possibilidades reais de
intervenção e transformação partindo do contexto educativo (SAVIANI, 2003). Neste
sentido. É relevante buscar uma maior aproximação aos pressupostos da pedagogia
histórico-crítica, conhecer essa teoria e identificar as contribuições dessa teoria para
o plano educacional.

Num primeiro sentido, pode-se dizer que a relação entre a pedagogia


histórico-crítica e a realidade escolar presente é muito íntima. Com efeito
[...], a referida concepção pedagógica surgiu em decorrência de
necessidades postas pela prática dos educadores nas condições atuais. É,
pois, na realidade escolar presente que se enraíza a proposta da pedagogia
histórico-crítica. (SAVIANI, 2011, p. 80)

A partir dessa colocação, revelam-se as contribuições dessa teoria para o


campo pedagógico na medida em que se desenvolve, partindo da realidade
vivenciada nas escolas e das necessidades resultantes das práticas dos
professores, trazendo novas possibilidades de intervenção docente dentro de suas
condições de atuação. Para tanto, é indispensável ampliar a consciência dos
sujeitos em relação aos condicionantes da realidade social da qual fazem parte.
Saviani (2011, p. 86) disserta que:

Com efeito, a pedagogia crítica implica a clareza dos determinantes sociais


da educação, a compreensão do grau em que as contradições da sociedade
marcam a educação e, consequentemente, como o educador deve
posicionar-se diante dessas contradições e desenredar a educação das
visões ambíguas, para perceber claramente qual é a direção que cabe
imprimir à questão educacional. Aí está o sentido fundamental do que
chamamos de pedagogia histórico-crítica.
18

Ou seja, se faz necessário o olhar crítico em relação a todos os elementos


que se constituem como determinantes sociais da educação, compreender qual a
relevância do papel docente diante das contradições do modelo de sociedade atual
e, principalmente, ter nitidez em relação aos rumos que se pretende dar às práticas
educativas para que seja possível, de fato, intervir a favor da transformação dos
contextos educativo e social.

Uma pedagogia articulada com os interesses populares valorizará, pois, a


escola; não será indiferente ao que ocorre em seu interior; estará
interessada em métodos de ensino eficazes [...], serão métodos que
estimularão a atividade e iniciativa dos alunos sem abrir mão, porém, da
iniciativa do professor; favorecerão o diálogo dos alunos entre si e com o
professor, mas sem deixar de valorizar o diálogo com a cultura acumulada
historicamente; levarão em conta os interesses dos alunos, os ritmos de
aprendizagem e o desenvolvimento psicológico, mas sem perder de vista a
sistematização lógica dos conhecimentos, sua ordenação e gradação para
efeitos do processo de transmissão-assimilação dos conteúdos cognitivos.
(SAVIANI, 2003, p. 69-70)

O autor defende que o método da pedagogia crítica deve partir da prática


social comum ao professor e aos alunos, passar pela problematização dos
conteúdos, relacionando-os com a realidade para que seja possível a
instrumentalização do aluno, ou seja, a apropriação teórica e prática para a
resolução de problemas observados na prática social. Assim, chega-se ao momento
de catarse; o aluno assimila os conteúdos, ampliando seus conhecimentos culturais
que tornam-se, a partir de então, elementos de transformação social, retornando
novamente à prática social com uma compreensão mais significativa da realidade
(SAVIANI, 2003).

3. METODOLOGIA

A partir da delimitação do tema a ser aprofundado por meio desse estudo, foi
possível identificar o tipo de investigação a ser realizada, definir o percurso
metodológico e planejar os passos da pesquisa. A pesquisa em questão é de cunho
qualitativo devido sua relevância no campo das relações sociais conforme as
considerações de Flick (2009), onde os métodos de interpretação são desenvolvidos
a partir dos textos reunidos na coleta de dados.
19

Quanto ao nível da pesquisa sob o ponto de vista de Gil (2008), é um estudo


descritivo por estar em conformidade com o objetivo da pesquisa em descrever as
características de um fenômeno específico, os pressupostos e desafios da teoria
crítica da educação. De acordo com o autor, esse tipo de pesquisa é habitualmente
desenvolvido por pesquisadores sociais que demonstram preocupação com a
atuação prática.

Foi realizada a pesquisa bibliográfica pelo fato de apresentar a vantagem de


acesso a um número mais amplo de informações (GIL, 2008). A pesquisa seguiu os
passos recomendados por Gil (2008), partindo da escolha do tema, do levantamento
bibliográfico preliminar das produções acadêmicas e da formulação do problema a
ser respondido. Foi elaborado o plano provisório da pesquisa, passível de
reformulações conforme o andamento dos trabalhos.

A base de dados escolhida para a pesquisa foi o portal da Coordenação de


Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior1 (CAPES) por meio de levantamento
de artigos científicos publicados nos últimos cinco anos em periódicos da área que
contribuíram para as discussões e análises propostas sobre a pedagogia histórico-
crítica na perspectiva do contexto contemporâneo da educação. O levantamento do
material se deu por meio do mecanismo de busca avançada do portal CAPES a
partir da busca pelo seguinte tema: Teoria Histórico-Crítica da Educação e da
combinação das palavras-chave Teoria Histórico-Crítica x Educação. Por
conseguinte, foi realizado o seguinte esquema:

Esquema 1 - Seleção dos estudos

Fonte: A própria autora (2022)

1 Site em que foi realizada a busca: https://www-periodicos-capes-gov-


br.ezl.periodicos.capes.gov.br/index.php?
20

A leitura do material coletado para a análise foi realizada conforme propõe Gil
(2017); primeiramente as leituras exploratória e seletiva dos resumos dos artigos a
fim de dispensar os textos que não contribuam para o alcance dos objetivos da
pesquisa; e, em seguida, foi feita a leitura analítica, identificando ideias-chave e a
organização das ideias por ordem de importância; e, assim, foram selecionados os
dez artigos considerados mais relevantes para responder ao problema proposto pela
pesquisa.

Em seguida, a análise dos dados deu continuidade às etapas de leitura


propostas pelo mesmo autor, sendo assim, após as leituras exploratória, seletiva e
analítica dos artigos, foi feita a leitura interpretativa dos textos selecionados com o
objetivo de “relacionar o que o autor afirma com o problema para o qual se propõe
uma solução” (GIL, 2017, p. 50). A partir do levantamento bibliográfico e das
análises e discussões dos dados da pesquisa, foram formuladas algumas
considerações sobre esse estudo que culmina na socialização dos resultados
alcançados por meio da apresentação do artigo científico.

4. RESULTADOS E DISCUSSÕES

4.1 A PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA SEGUNDO A PRODUÇÃO CIENTÍFICA


ATUAL: O QUE DIZEM OS TRABALHOS PUBLICADOS NO PORTAL DA
CAPES

Após o levantamento dos artigos publicados nos últimos cinco anos,


relacionados ao tema da pesquisa no portal da CAPES, foi elaborado o seguinte
quadro que orienta as discussões nesta seção. A seleção dos artigos foi realizada
por ordem de relevância para responder ao problema da pesquisa, sendo assim,
foram escolhidos dois artigos de cada ano, entre 2017 e 2021.

Quadro 1 - Sistematização dos dados coletados no portal da CAPES

Autor(es) Título Ano


GAMA, C. N.; DUARTE, N. Concepção de currículo em Dermeval Saviani e suas 2017
21

relações com a categoria marxista de liberdade


LAVOURA, T. N.; MARTINS, L. A dialética do ensino e da aprendizagem na atividade 2017
M. pedagógica histórico-crítica
MAZARO, L. D. V.; ORSO, P. J. O processo de produção do currículo para rede pública 2018
municipal de ensino de Cascavel
NUNES, K. C. S.; BEZERRA, Escolas multisseriadas e a Pedagogia Histórico-Crítica: 2018
M. C. dos S. início de uma reflexão.
FURTADO, R. S.; SILVA, L. H. Ginástica e pedagogia histórico-crítica: primeiras 2019
C. aproximações na Escola Maria Luiza Costa e Rêgo
LOPES DE LIMA, J. F. Escola, formação humana e a contribuição pedagógica 2019
de Dermeval Saviani no cenário contemporâneo
RUCKSTADTER, V. C. M.; Trabalho educativo e conhecimento científico: a 2020
OLIVEIRA, L. A. DE; pedagogia histórico-crítica e o papel do professor
RUCKSTADTER, F. M. M.
ARRUDA, V. A. B. DE; Contribuições da teoria histórico-cultural e da pedagogia 2020
BARROS, M. S. F. histórico-crítica na educação infantil
COSTA, C. E. DA S.; PEREIRA, Construindo uma prática da pedagogia histórico-crítica: 2021
M. S. aplicação de oficinas de matemática no ensino
fundamental
CHAVES, I. A.; ROSSI, R. A importância da ciência na educação escolar: reflexões 2021
da Teoria Histórico-Cultural e da Pedagogia Histórico-
Crítica

Fonte: A própria autora (2022)

O artigo de Gama e Duarte (2017) intitulado “Concepção de currículo em


Dermeval Saviani e suas relações com a categoria marxista de liberdade” discute
alguns princípios curriculares na perspectiva da pedagogia histórico-crítica para a
seleção dos conteúdos a serem incorporados no currículo escolar. Os autores
destacam a relevância de problematizar a realidade na prática pedagógica, partindo
da compreensão de que a seleção de conteúdos e a definição dos objetivos
pressupõem determinar prioridades a partir das condições concretas de existência
humana.

Dessa forma, destaca-se o princípio da relevância social dos conteúdos, no


qual orienta-se que, por meio da organização curricular, os conteúdos estejam
articulados à compreensão das relações sociais de produção e dos determinantes
histórico-sociais da condição social dos alunos (GAMA; DUARTE, 2017). Por meio
do princípio da adequação dos conhecimentos às possibilidades sociocognitivas do
aluno, revela-se a importância de “dosar e sequenciar os conteúdos ao longo do
tempo-espaço, tendo em vista atuar na zona de desenvolvimento iminente do aluno,
22

considerando suas possibilidades e necessidades como sujeito histórico” (GAMA;


DUARTE, 2017, p. 523).

A partir dos princípios preconizados por essa teoria para a escolha dos
conteúdos curriculares, é possível problematizar a realidade social, adequar os
conhecimentos às capacidades sociocognitivas do aluno e assegurar a objetividade
e a qualidade científica dos conhecimentos ensinados. O processo de seleção dos
conteúdos curriculares não é neutro, neste sentido os autores ressaltam que a
pedagogia histórico-crítica se posiciona em defesa de um modelo de ensino público
que promova a socialização do conhecimento sistematizado.

Em relação ao artigo cujo tema é “O processo de produção do currículo para


a rede municipal de ensino de Cascavel”, de Mazaro e Orso (2018), propõe como
objetivo “socializar o processo de produção do currículo para a rede municipal de
ensino de Cascavel” (p. 1047). Os autores contextualizam a implementação da
pedagogia histórico-crítica no currículo da educação do estado do Paraná e
ressaltam que, para além da instauração de um currículo fundamentado nos
pressupostos dessa teoria, é necessário o conhecimento dos docentes sobre esses
fundamentos a fim de que sejam, de fato, incorporados na prática pedagógica de
forma coerente com a teoria.

Neste sentido, a produção do currículo para a educação no município de


Cascavel partiu das necessidades manifestadas pelos professores, na qual foi
assumida a perspectiva da pedagogia histórico-crítica para atender as
especificidades da educação local (MAZARO; ORSO, 2018). Portanto, observa-se
que esse processo corresponde aos fundamentos apontados por Saviani (2011),
onde a pedagogia histórico-crítica se desenvolve a partir da realidade das escolas e
das necessidades da prática docente.

Ressalta-se a relevância dessa iniciativa, pois tal elaboração baseada nos


pressupostos da pedagogia histórico-crítica foi realizada de forma coletiva pelos
professores da rede municipal. Todavia, esse processo demandou tempo, estudos,
planejamento, avaliação, articulação, trabalho em equipe, formação continuada e
passou por mudanças na Secretaria de Educação e pela transição de secretários,
sem perder de vista os objetivos a serem alcançados (MAZARO; ORSO, 2018).
23

Dessa forma, compreende-se que o desafio do processo de elaboração do


currículo fundamentado pela pedagogia histórico-crítica consiste em buscar o
conhecimento sobre os fundamentos e os princípios curriculares dessa teoria. Se
revelam, também, indispensáveis a persistência e o compromisso docente com a
formação e emancipação de seus alunos em meio aos contextos de constantes
mudanças.

O artigo de Chaves e Rossi (2021), “A importância da ciência na educação


escolar: reflexões da teoria histórico-cultural e da pedagogia histórico-crítica”, tem
como objetivo “explicitar e refletir sobre a relevância dos conhecimentos científicos
na educação escolar” (p. 49), baseando-se na teoria histórico-cultural e na
concepção pedagógica histórico-crítica. A discussão é desenvolvida a partir da
relação entre o processo de autoconstrução humana, trabalho e conhecimento
científico, demonstrando que o trabalho educativo é responsável por formar a
humanidade nos sujeitos, tornando-os humanos.

Os autores argumentam, ainda, sobre o papel docente e a necessidade de


“refletir com relação à defesa integral do ser humano em todas as suas dimensões
ou, por outro lado, a sua deturpação e alienação a partir dos interesses
mercadológicos” (CHAVES; ROSSI, 2021, p. 56). Neste sentido, defendem que o
ensino aconteça a partir de necessidades específicas da formação humana que
favoreçam o processo de autoconstrução por meio dos conceitos e valores
apreendidos.

O artigo ressalta o compromisso docente de dedicar-se ao planejamento,


buscar conteúdos e métodos que possibilitem a compreensão de conceitos
espontâneos pelos alunos, até que estes avancem aos conhecimentos mais
desenvolvidos, pois, apesar das dificuldades encontradas nas escolas, esse ainda é
o espaço que pode promover às classes trabalhadoras condições de acesso às
ciências e às artes (CHAVES; ROSSI, 2021).

O artigo denominado “Contribuições da Teoria Histórico-Cultural e da


Pedagogia Histórico-Crítica na Educação Infantil”, de Arruda e Barros (2020), traz
como objetivo “[...] analisar de que maneira as teorias histórico-cultural e pedagogia
histórico-crítica, embasadas no aporte filosófico materialista histórico-dialético,
poderão colaborar para a compreensão do desenvolvimento da criança nesse nível
de ensino” (p. 3). Destaca-se na abordagem das autoras dois aspectos que se
24

interpõem nas discussões a respeito da relação entre tais teorias na perspectiva da


Educação Infantil: as práticas espontaneístas e a desvalorização do trabalho
docente.

De acordo com as autoras, atualmente ainda se reproduzem muitas práticas


de cunho assistencialista na educação infantil que privilegiam o cuidar ao ato de
ensinar. Além disso, ressaltam uma forte tendência nas instituições de educação
infantil em acreditar que práticas espontaneístas favorecem o desenvolvimento
infantil e dispensam a necessidade da mediação docente no processo de
aprendizagem no qual o professor assume a condição de observador, acentuando,
assim, a desvalorização do papel desse profissional.

Diante desse contexto, Arruda e Barros (2020, p. 10) atribuem ao professor


da educação infantil o “papel fundamental de elevar a criança na sua formação por
meio de conceitos, bem como da apropriação de conhecimentos, socializando o
saber acumulado pela humanidade, em um movimento materialista histórico-
dialético”. Portanto, a partir da visão dos autores, observa-se a falta de compreensão
em relação a finalidade da educação infantil e a importância da mediação e do
planejamento pedagógico nas práticas desenvolvidas nessa etapa da educação.

O artigo de Nunes e Bezerra (2018), intitulado “Escolas multisseriadas e a


Pedagogia Histórico-Crítica: início de uma reflexão”, apresenta como objetivo
“analisar as práticas pedagógicas dos professores que atuam nas escolas
multisseriadas à luz do referencial teórico do materialismo histórico dialético, tendo
como fio condutor a pedagogia histórico-crítica” (p. 410). E por meio desse artigo, foi
possível observar algumas especificidades das escolas multisseriadas na
perspectiva da pedagogia histórico-crítica a partir de relatos dos docentes que atuam
nessa modalidade de ensino.

A pesquisa aponta a necessidade de articulação entre a escola e a família, a


falta de formação continuada ou de uma formação específica e o desconhecimento
docente sobre o planejamento coerente para atuar nessa realidade, ressaltando a
indispensabilidade de um “planejamento adequado das aulas, pois o ensino é uma
ação intencional que requer a articulação dialética entre os conceitos presentes no
cotidiano dos alunos e a formação dos conceitos científicos” (NUNES; BEZERRA,
2018, p. 422).
25

De acordo com as autoras, é preciso distinguir o que é essencial e o que é


secundário dentre os conteúdos a serem trabalhados, priorizando os saberes
sistematizados sem desconsiderar o papel social da escola. As autoras chamam à
atenção principalmente para a necessidade do “conhecimento pelos professores de
um referencial teórico mais crítico que expresse um desejo de mudança, uma prática
imbuída da inter-relação entre teoria e prática.” (p. 423). Portanto, compreende-se
que os professores não podem colocar em prática a teoria histórico-crítica da
educação, sendo essa desconhecida por eles.

Neste sentido, é pertinente a análise do artigo de Ruckstadter, Oliveira e


Ruckstadter (2020) denominado “Trabalho educativo e conhecimento científico: a
pedagogia histórico-crítica e o papel do professor”, no qual os autores trazem o
debate acerca da especificidade da educação na perspectiva da teoria histórico-
crítica, partindo da compreensão sobre a natureza humana que se estabelece por
meio do trabalho, chegando ao entendimento de que “a educação é o ato de
produzir em cada indivíduo da espécie humana, de modo direto e intencional, a
humanidade que os homens produzem coletivamente” (RUCKSTADTER; OLIVEIRA;
RUCKSTADTER, 2020, p. 7-8).

A discussão sobre a articulação entre trabalho docente e conhecimento


científico demonstra que os fundamentos da ação educativa transformadora serão
estabelecidos de acordo com a concepção teórica assumida pelo professor. No
entanto, conforme argumentam os autores, esse processo sofre constantemente a
influência de determinantes estruturais e contextuais.

Nessa perspectiva, reportam-se a Saviani (2008 apud RUCKSTADTER;


OLIVEIRA; RUCKSTADTER, 2020) para ilustrar a profunda influência do
escolanovismo no trabalho de muitos docentes que se reflete na flexibilização da
disciplina e na despreocupação com o ensino dos conhecimentos em suas práticas
educativas. Na concepção dos autores, esse impacto do escolanovismo sobre o
trabalho docente configura-se como desafio para o avanço da pedagogia histórico-
crítica, revelando a disputa por espaço com outras teorias da educação.

Destacam-se, também, outras determinações dos campos educacional e


social que intervêm nas práticas dos professores:
26

O desafio está posto no contexto das múltiplas determinações (a realidade


da estrutura capitalista, as condições de trabalho, o contexto histórico do
local em que reside e trabalha, o contexto histórico mais abrangente como
do estado e do país, as relações patrimonialistas, os limites do salário, a
reprodução social, o processo de formação Inicial e o processo de formação
continuada) nas quais o professor está inserido e que impactam sobre o
trabalho docente. (RUCKSTADTER; OLIVEIRA; RUCKSTADTER, 2020, p.
9)

Observa-se um conjunto de fatores e preocupações que se tornam


prioridades, limitando a prática docente e o processo de construção de sua
autonomia, contribuindo assim, para a reprodução de um cenário de “acomodação
alienada”. Neste sentido, é válida a colocação de Saviani (2011), de que a
pedagogia histórico-crítica reivindica a reflexão crítica sobre os determinantes
sociais e as contradições da sociedade que marcam a educação, para que seja
possível compreender como o professor deve proceder diante dessas
determinações.

Além disso, em relação ao trabalho educativo, revelam-se outros impasses:

[...] O enfrentamento das influências dos projetos educacionais neoliberais


de educação que evidenciam o espontâneo, diversidade metodológica,
aprender a aprender, ensino de atitudes e princípios morais, educação para
cidadania, ação idealista, individualista, pragmática, a afetividade como
motivador principal e vocação de aprender e ensinar, ausência dos
clássicos, desconsideração da história da luta de classes, ausência da
dimensão coletiva, responsabilização dos indivíduos pelo fracasso ou
sucesso, entre outros. (RUCKSTADTER; OLIVEIRA; RUCKSTADTER,
2020, p. 14)

Portanto, é importante levar em consideração que as atividades docentes


não podem ser analisadas fora do contexto do qual fazem parte, fazendo-se
necessária a compreensão dos desafios que se manifestam dentro das escolas e
interferem no trabalho educativo, afetando o desenvolvimento de práticas
comprometidas com a problematização da realidade tendo em vista a transformação
social, conforme propõe a teoria histórico-crítica.

No artigo seguinte, intitulado “A dialética do ensino e da aprendizagem na


atividade pedagógica histórico-crítica”, Lavoura e Martins (2017) se remetem a
Saviani (2013 apud LAVOURA e MARTINS, 2017) para explicitar que o método da
27

pedagogia histórico-crítica não deve ser interpretado como uma sequência de


passos a serem seguidos cronologicamente, e sim corresponde a momentos que:

[...] articulam-se dialeticamente no trabalho educativo, sempre considerando


a prática social dos homens como ponto de partida e de chegada da prática
educativa, tomando como momentos intermediários a problematização
dessa prática social, a instrumentalização dos alunos – compreendida como
a apropriação dos instrumentos teóricos e práticos necessários à
transformação da prática social – e a “catarse”, que corresponde à efetiva
incorporação dos instrumentos culturais, transformados em elementos
ativos de transformação social. (LAVOURA; MARTINS, 2017, p. 532)

O artigo demonstra que o aumento das produções acadêmicas, em diversas


áreas do conhecimento, relacionadas ao ensino de conteúdos na perspectiva dos
fundamentos da pedagogia histórico-crítica, aponta métodos por vezes divergentes
dos pressupostos dessa teoria para o ensino de conteúdos nas diversas disciplinas
escolares.

Partindo de tais considerações é possível dialogar com a experiência de


Furtado e Silva (2019), apresentada no artigo “Ginástica e pedagogia histórico-
crítica: primeiras aproximações na Escola Maria Luiza Costa e Rêgo”, na qual os
autores baseiam sua pesquisa-ação na abordagem crítico-superadora e na
pedagogia histórico-crítica. Na discussão sobre as aulas realizadas durante o
desenvolvimento da pesquisa, observa-se o seguinte fragmento:

[...] Houveram vários momentos em que não conseguimos realizar os cinco


“passos” em uma aula, e por esse motivo resolvemos subdividir os
momentos pedagógicos em várias aulas. Dessa forma, tiveram instantes em
que a aula aconteceu apenas com a instrumentalização, para que todos os
alunos tivessem a oportunidade de vivenciar e apreender o conteúdo.
(FURTADO; SILVA, 2019, p. 12)

Por meio desse trecho, revela-se a preocupação dos pesquisadores em


seguir passos sequenciais a fim de desenvolver sua prática conforme o método da
pedagogia crítica, e indicam, também, que houve a necessidade de “subdividir” tais
momentos ao longo das aulas. Neste aspecto, considera-se necessário
compreender que a problematização da realidade e instrumentalização dos alunos
são momentos intermediários do método da pedagogia histórico-crítica, não
28

necessariamente sequenciados, mas, sim, articulados dialeticamente no trabalho


educativo. Logo, entende-se que “subdividir” esses momentos corresponde ao
processo de “desmetodização” discutido no artigo de Lavoura e Martins (2017).

É importante ressaltar que Furtado e Silva (2019) apontam a questão da


organização do tempo escolar e limitação de materiais como algo desafiador para a
concretização das atividades com a turma e, consequentemente, para a articulação
dos momentos propostos pelo método da pedagogia histórico-crítica.

[...] De certo, a construção apresentada teve seus problemas práticos como


citamos, mas, o verdadeiro avanço para práticas sociais cada vez mais
conscientes no plano da vida cotidiano apenas são possíveis com o real
enfrentamento das contradições da própria realidade de modo qualificado
teoricamente. (FURTADO; SILVA, 2019, p. 15)

Neste sentido, para o enfrentamento das dificuldades encontradas para a


concretização do método da pedagogia histórico-crítica, é importante compreender
os possíveis motivadores que levam aos fenômenos de desmetodização e
didatização desse método, conforme os apontamentos de Lavoura e Martins (2017,
p. 532):

[...] a) a incompreensão do caráter dialético do método pedagógico, o que


leva à sua formalização expressa em passos lineares e mecânicos,
sequencialmente sistematizados a partir da lógica formal do pensamento,
incorrendo-se na didatização do ensino; b) a inadequada caracterização do
conceito de mediação presente nessa teoria pedagógica (enquanto
interposição que gera transformação), comprometendo a compreensão, por
exemplo, da relação teoria e prática e da relação forma-conteúdo-
destinatário [...].

Além disso, destaca-se a falta de compreensão em relação à distinção entre


método e procedimentos de ensino, que reflete a valorização procedimental e
também acentua a desmetodização do método da pedagogia histórico-crítica. Outra
causa apontada por tais fenômenos é a apropriação superficial da perspectiva
histórico-crítica sem o necessário aprofundamento de suas bases teórico-
metodológicas e de seus fundamentos históricos e filosóficos.

No artigo de Costa e Pereira (2021), intitulado “Construindo uma prática da


pedagogia histórico-crítica: aplicação de oficinas de matemática no ensino
29

fundamental”, as autoras descrevem a proposta também baseada na metodologia da


pedagogia histórico-crítica que desenvolveram para “tornar o saber sistematizado
dos conteúdos de grandezas e medidas com práticas de oficinas” (p. 14). O referido
estudo traz alguns apontamentos que revelam a proximidade com os momentos
indicados pela pedagogia histórico-crítica. Vejamos:

A principal diferença da abordagem tradicional para histórico-crítica para o


aluno foi possibilitar o aluno a utilizar outros espaços da escola e fora dela
para refletir a ação da matemática, compreendendo o fazer matemático nas
oficinas com ludicidade, desafios e problemas reais. (COSTA; PEREIRA,
2021, p. 27)

No trecho apresentado, é possível identificar nitidamente a problematização


dos conteúdos trabalhados para além da sala de aula, de forma contextualizada e
articulada aos outros momentos propostos pela pedagogia histórico-crítica.
Evidencia-se a viabilidade de desenvolver os passos da metodologia da pedagogia
histórico-crítica articulando os processos de problematização, instrumentalização e
catarse à prática social dos homens, conforme é proposto por Saviani (2013 apud
LAVOURA e MARTINS, 2017).

As autoras argumentam que a metodologia de ensino desenvolvida por meio


de oficinas foi motivada pela compreensão das especificidades dos alunos,
buscando corresponder as dificuldades observadas e superar metodologias
tradicionais de professores que acompanharam a turma nos anos anteriores. São
apontadas pelas autoras como limitações encontradas para o desenvolvimento do
trabalho, a adaptação da turma quanto a dinâmica de realização das oficinas e a
ausência da família no processo de aprendizagem dos alunos que apresentaram
mais dificuldades (COSTA; PEREIRA, 2021).

O artigo “Escola, formação humana e a contribuição pedagógica de


Dermeval Saviani no cenário contemporâneo”, de Lopes de Lima (2019), reúne
alguns elementos significativos relacionados nas obras de Saviani e na elaboração
de sua teoria da educação, estabelecendo relações entre educação e democracia;
as teorias educacionais e as críticas sociológicas e filosóficas na perspectiva desse
teórico, evidenciando as influências marxista e gramsciana em suas concepções
teóricas.
30

Lopes de Lima (2019) salienta o entendimento de Saviani (2010 apud


LOPES DE LIMA, 2019) no qual afirma-se que as possibilidades transformadoras da
escola foram reduzidas no movimento contemporâneo da educação, fato que se
justifica pela “ideia de formação em capital humano individual como condição a uma
melhor empregabilidade” (p. 14) e, pelo estímulo à competitividade, a discussão
ainda vai além:

[...] O neoprodutivismo estaria complementado pelo avanço de duas faces


pedagógicas: o “neoescolanovismo” e o “neoconstrutivismo”, com o
reaquecimento de um discurso de que importam mais os meios de aprender
do que o conhecer em si, colocando na prática a ênfase na adaptabilidade
dos sujeitos, mais do que na sua condição reflexiva, promovendo a redução
do rigor científico e a emergência de uma retórica pedagógica que enfatiza
o desenvolvimento de competências, a sobrevalorização do cotidiano em
detrimento da cultura como um valor, mas, na verdade, gerando
empobrecimento pedagógico da escola. (LOPES DE LIMA, 2019, p. 14)

Dessa forma, o autor traz elementos do modelo social vigente que reforçam
os discursos disseminados anteriormente pelo escolanovismo, que se reproduzem
nas práticas educativas contemporâneas, reduzindo a relevância da capacidade
reflexiva dos sujeitos e dos conhecimentos a serem adquiridos pelos mesmos,
resultando, assim, na limitação da qualidade do ensino oferecido nas escolas.

Lopes de Lima (2019) apresenta algumas críticas de outros estudiosos


acerca das fundamentações da teoria da educação formulada por Saviani e traz o
questionamento feito por Tonet (2016 apud LOPES DE LIMA, 2019, p. 17) sobre a
viabilidade de “aplicar uma concepção socialista de educação no interior da
sociedade capitalista”. A pertinência dessa inquietação revela que este pode ser um
grande desafio para a concretização dos postulados da pedagogia histórico-crítica,
pois a finalidade do atual nesse modelo de educação ainda está direcionada à
formação de sujeitos para atender as necessidades da lógica capitalista.

Neste sentido, as considerações de Lopes de Lima (2019) são


imprescindíveis para a compreensão sobre as possibilidades reais de materialização
de uma educação crítica na realidade contemporânea. O autor afirma que:

A proposta da Pedagogia Histórico-Crítica oferece recursos para pensar


fundamentos para uma educação crítica. Tem o mérito de valorizar a cultura
e o potencial do conhecimento como instrumento para a construção da
31

crítica social e o fato, primordial, de pensar uma prática didática ancorada


na realidade social, terreno gerador das problemáticas de trabalho e destino
final das reflexões feitas a partir do seu esclarecimento. (LOPES DE LIMA,
2019, p. 19)

Portanto, é inegável que a pedagogia histórico-crítica instrumentaliza as


práticas docentes no contexto contemporâneo, trazendo ricas contribuições para se
pensar um modelo de educação que desperte a consciência crítica dos sujeitos
envolvidos nesse processo e favoreça a compreensão da realidade social a partir da
valorização da cultura e da apropriação dos conhecimentos historicamente
produzidos pela humanidade.

4.2 OS PRINCIPAIS DESAFIOS DA TEORIA HISTÓRICO-CRÍTICA

As análises dos artigos permitiram identificar alguns dos principais desafios


da teoria histórico-crítica no atual contexto educacional que serão apresentados nas
próximas linhas.

Os autores evidenciam a necessidade por parte dos professores de


aprofundar seus conhecimentos sobre a teoria histórico-crítica e seus fundamentos
(NUNES; BEZERRA, 2018), (LAVOURA; MARTINS, 2017), (MAZARO; ORSO,
2018) para que seja possível a materialização efetiva nas práticas em sala de aula,
pois, embora haja o desejo de mudança da realidade, é preciso ampliar os espaços
de discussão, compreender a importância do planejamento docente, conhecer os
princípios curriculares dessa teoria, reconhecer a especificidade da educação e
refletir criticamente sobre o papel docente diante das contradições da sociedade
capitalista para atuar de forma consciente no contexto educativo e social.

A disputa por espaço com as influências do escolanovismo também se


apresenta como desafio para a teoria histórico-crítica, pois muitas práticas docentes
demonstram traços desse modelo de educação, refletindo-se na despreocupação
com o ensino dos conhecimentos e na valorização de práticas baseadas no saber
espontâneo por meio do “aprender a aprender” (RUCKSTADTER; OLIVEIRA;
RUCKSTADTER, 2020). Ressalta-se a necessidade da teoria histórico-crítica
conquistar seu espaço no cotidiano escolar a fim de romper com práticas
espontaneístas e trazer novas perspectivas para a prática docente.
32

A valorização do trabalho docente defendida pela pedagogia histórico-crítica


ainda se configura como um grande desafio diante da realidade das escolas, das
condições de trabalho do professor, dos limites salariais, dentre outros fatores que
regulam a prática e contribuem para um estado de “acomodação alienada” no qual
muitos professores limitam o seu trabalho.

Logo, é imprescindível reconhecer a importância do papel docente e do


planejamento pedagógico, incentivar a formação continuada a fim de garantir a
valorização desse profissional e proporcionar condições de trabalho que possibilitem
o desenvolvimento de práticas consistentes com as especificidades da educação
que favoreçam a aquisição dos saberes mais desenvolvidos nas diversas áreas do
conhecimento, tornando possível amadurecer a consciência sobre questões
fundamentais relacionadas à existência humana e às relações sociais (LAVOURA;
MARTINS, 2017).

E para que isso seja possível, faz-se necessário tomar conhecimento das
possibilidades propostas por essa teoria e retomar o currículo com um olhar crítico, a
fim de redefinir prioridades a partir das condições concretas da realidade, seguindo o
exemplo citado anteriormente do municipal de Cascavel, onde assumiu-se
coletivamente o compromisso de elaboração e execução do currículo na perspectiva
da pedagogia histórico-crítica.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desenvolvimento do presente trabalho favoreceu uma melhor


compreensão acerca do percurso histórico das teorias da educação e o
aprofundamento dos conhecimentos sobre a pedagogia histórico-crítica, sua
fundamentação teórica e metodológica e sobre suas contribuições para o campo
educacional.

A realização da pesquisa possibilitou a apreciação de produções científicas


sobre a pedagogia histórico-crítica em diferentes perspectivas, em diálogo com os
conhecimentos científicos, com a matemática, com a ginástica, com o papel
docente, com a concepção e o processo de elaboração curricular, com o contexto de
escolas multisseriadas e com a educação infantil. Assim, foi possível perceber que
33

essa teoria interage em vários campos, deixando contribuições significativas para os


diferentes contextos da educação.

Dentre os principais desafios identificados nas leituras dos artigos


analisados, destaca-se a necessidade, por parte dos professores, de aprofundar os
conhecimentos sobre os fundamentos, os pressupostos teórico-metodológicos e os
princípios curriculares dessa teoria; a desvalorização do trabalho docente, em
detrimento à valorização de práticas espontaneístas (aprender a aprender); a falta
de compreensão em relação ao papel da mediação docente e a importância do
planejamento nas práticas de ensino; e a disputa por espaço com a persistência das
concepções tradicional e escolanovista nos contextos escolares.

Ressalta-se que alguns artigos apresentam abordagens de cunho teórico


sobre a temática analisada, portanto não se referem especificamente a desafios do
contexto escolar, mas trazem reflexões que contribuem para a compreensão dos
fundamentos da pedagogia histórico-crítica e de determinantes que interferem
nesses espaços em direção oposta aos pressupostos dessa teoria.

O estudo sobre a pedagogia histórico-crítica enfatizou sua relevância para a


prática e reflexão docente acerca de seu papel na sociedade enquanto classe
trabalhadora, tendo em vista a garantia de condições de acesso dos alunos às
formas mais elaboradas de conhecimento, no sentido de promover uma formação
íntegra e rica de conhecimentos a fim de lhes despertar consciência crítica para a
transformação da realidade social ao seu redor.

Por fim, é importante ressaltar que a compreensão da pedagogia histórico-


crítica não se reduz ao método proposto ou a sua crítica a outros modelos de
educação, justamente por se tratar de uma teoria educacional. Logo, faz-se
necessário compreender as raízes históricas e filosóficas desse modelo, sua
concepção de homem e de mundo, assim como seu projeto de sociedade.
34

REFERÊNCIAS

ARRUDA, Viviane Aparecida Bernardes de; BARROS, Marta Silene Ferreira.


Contribuições da Teoria Histórico-Cultural e da Pedagogia Histórico-Crítica na
Educação Infantil: a socialização do saber sistematizado em questão. Revista
HISTEDBR On-line, Campinas, SP, v. 20, p. e020027, 2020. DOI:
10.20396/rho.v20i0.8655250. Disponível em:
https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/histedbr/article/view/8655250.
Acesso em: 25 ago. 2021.
CAMILLO, Cíntia Moralles; MEDEIROS, Liziany Müller. Teorias da Educação.
Santa Maria: NTE, 2018. Disponível em:
https://www.ufsm.br/app/uploads/sites/358/2019/06/MD_Teorias_da_Educa%C3%A7
%C3%A3o_Diagrama%C3%A7%C3%A3oFinal.pdf. Acesso em: 26 out. 2021.
FLICK, Uwe. Pesquisa qualitativa: por que e como fazê-la? In:______. Introdução à
pesquisa qualitativa. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2009.
CHAVES, Isis Azevedo.; ROSSI, Rafael. A importância da ciência na educação
escolar: reflexões da Teoria Histórico-Cultural e da Pedagogia Histórico-Crítica.
Colloquium Humanarum. ISSN: 1809-8207, [S. l.], v. 18, n. 1, p. 49–60, 2021.
Disponível em: https://journal.unoeste.br/index.php/ch/article/view/3931. Acesso em:
25 ago. 2021.
COSTA, C. E. da S.; PEREIRA, M. S. Construindo uma prática da Pedagogia
Histórico-Crítica: Aplicação de oficinas de matemática no Ensino Fundamental.
Boletim Cearense de Educação e História da Matemática, [S. l.], v. 8, n. 23, p. 14–
29, 2021. DOI: 10.30938/bocehm.v8i23.5155. Disponível em:
https://revistas.uece.br/index.php/BOCEHM/article/view/5155. Acesso em: 22 ago.
2021.
FURTADO, R. S.; SILVA, L. H. C. Ginástica e pedagogia histórico-crítica:
primeiras aproximações na Escola Maria Luiza Costa e Rêgo. Conexões, Campinas,
SP, v. 17, p. e019002, 2019. DOI: 10.20396/conex.v17i0.8653006. Disponível em:
https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/conexoes/article/view/8653006.
Acesso em: 3 set. 2021.
GAMA, Carolina Nozella; DUARTE, Newton. Concepção de currículo em
Dermeval Saviani e suas relações com a categoria marxista de
liberdade. Interface: Comunicação Saúde Educação, Botucatu, v. 21, p. 521-530,
2017. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/icse/a/mZKXbDZVP4KsZkgWr9x7RTg/abstract/?lang=pt#.
Acesso em: 16 set. 2021.
GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 8. ed. São Paulo:
Atlas, 2008.
GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4ª ed. São Paulo: Atlas,
2017.
LAVOURA, Tiago Nicola; MARTINS, Lígia Márcia. A dialética do ensino e da
aprendizagem na atividade pedagógica histórico-crítica. Interface: Comunicação
35

Saúde Educação, Botucatu, v. 21, p. 531-541, 2017. Disponível em:


https://www.scielo.br/j/icse/a/DVjr4Q7wKS8CR6pnRRcfKMc/abstract/?lang=pt.
Acesso em: 28 ago. 2021.
LIBÂNEO, José Carlos. Democratização da escola pública: pedagogia crítico-
social dos conteúdos. In: LUCKESI, Cipriano Carlos (org.). Filosofia da Educação.
São Paulo: Cortez, 1994. Cap. 3. p. 53-75.
LOPES DE LIMA, J. F. Escola, formação humana e a contribuição pedagógica
de Dermeval Saviani no cenário contemporâneo. Roteiro, [S. l.], v. 44, n. 2, p. 1–
26, 2019. DOI: 10.18593/r.v44i2.19902. Disponível em:
https://portalperiodicos.unoesc.edu.br/roteiro/article/view/19902. Acesso em: 3 set.
2021.
MAZARO, Leonete Dalla Vecchia.; ORSO, Paulino José. O processo de produção
do currículo para rede pública municipal de ensino de Cascavel. Revista
HISTEDBR On-line, Campinas, SP, v. 18, n. 4, p. 1046–1061, 2018. DOI:
10.20396/rho.v18i4.8653854. Disponível em:
https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/histedbr/article/view/8653854.
Acesso em: 25 ago. 2021.
MOREIRA, Helloysa Bragueto.; ZANARDINI, João Batista. A pedagogia histórico-
crítica e os desafios frente à educação. Revista HISTEDBR On-line, Campinas,
SP, v. 14, n. 59, p. 119–128, 2015. Disponível em:
https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/histedbr/article/view/8640351.Acesso
em: 19 jul. 2021.
NUNES, Klivia Cassia Silva; BEZERRA, Maria Cristina dos Santos. Escolas
multisseriadas e a Pedagogia Histórico-Crítica: início de uma reflexão. Educação:
Teoria e Prática, v. 28, n. 58, p. 408-425, 30 ago. 2018. Disponível em:
https://www.periodicos.rc.biblioteca.unesp.br/index.php/educacao/article/view/12218.
Acesso em: 28 ago. 2021.
RUCKSTADTER, V. C. M.; OLIVEIRA, L. A. de; RUCKSTADTER, F. M. M. Trabalho
educativo e conhecimento científico: a pedagogia histórico-crítica e o papel do
professor. Revista HISTEDBR On-line, Campinas, SP, v. 20, p. e020042, 2020. DOI:
10.20396/rho.v20i0.8660770. Disponível em:
https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/histedbr/article/view/8660770.
Acesso em: 28 ago. 2021.
SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia: teorias da educação, curvatura da vara,
onze teses sobre educação e política. 36. ed. São Paulo: Autores Associados:
Cortez, 2003.
________________. Pedagogia Histórico-Crítica: primeiras aproximações. 11ª ed.
Revisada. Campinas, SP: autores associados, 2011.

Você também pode gostar