Você está na página 1de 8

Cesar

Lattes,
físico
brasileiro
AMÉLIA IMPÉRIO HAMBURGER

AMÉLIA IMPÉRIO
HAMBURGER
é professora do
Departamento de Física
Geral do IF-USP e
pesquisadora do Instituto
de Estudos Avançados
(IEA-USP).
“Sempre achei que só se pode melhorar a qualidade

de vida de uma nação formando cidadãos pensantes.

Isso significa educação primária, essencialmente,

que só pode ser feita com bons professores

secundários. Para ter boa educação secundária,

precisamos de bons professores universitários. E

para isso necessitamos de pesquisa. A sensação

que tínhamos era que o Brasil poderia dar um bom

pulo se houvesse gente bem treinada e capacitada”

(Cesar Lattes, 1995).

E
vivido como essência mobilizadora que

promove e é promovido pelo político, pelo


social, pelo econômico. Lattes faleceu em
8 de março deste ano, e o homenageamos,

em linguagem “um pouco patriótica”,

expressão sua, como um brasileiro que,

muito jovem, fez descobertas científicas

sse é um pensamento de grande repercussão e que escolheu

característico da perso- trabalhar aqui, participando da criação de

nalidade de um dos pio- ambientes e instituições no país, sempre

neiros do exercício do mantendo ligações com pesquisadores de

ensino e da pesquisa em muitos países. A pesquisa sobre os raios

física em São Paulo e no Rio de Janeiro, cósmicos e sobre as partículas elementares

em anos de esperança de Brasil como país no universo tem sido forte elo entre os

em ritmo de desenvolvimento cultural, cientistas de todo o mundo.


Cesar Lattes nasceu em Curitiba, Paraná, Pompéia, engenheiros elétricos formados
no dia 11 de julho de 1924, filho de imigran- pela Escola Politécnica, com grande habi-
tes vindos do Piemonte italiano, Giuseppe lidade experimental, iniciaram no Brasil,
Lattes, natural de Turim, e Carolina Maro- com resultados de imediata repercussão
ni, de Alessandria. Seu nome de registro, internacional, a detecção de produção
Cesare Mansueto Giulio Lattes, representa múltipla dos mésons, com contadores a
essa origem. Casou-se com Martha Siqueira gás (Geiger), em arranjos adequados e com
Neto, pernambucana, matemática, que foi circuitos eletrônicos de alta resolução. Wa-
companheira por mais de cinqüenta anos, taghin vinha ao Brasil, indicado por Fermi
falecida em 2003. O casal tinha em sua a Theodoro Ramos, que implantava o corpo
casa, em Campinas, apoio e afetividade de docente com pesquisadores promissores
uma família grande, de suas quatro filhas, nos países europeus. Já trazia planos de
seus nove netos. medir a radiação cósmica e idéias origi-
Cada um de nós, pesquisadores brasilei- nais recorrentes em seus trabalhos, que o
ros, o homenageamos em nossos currículos faziam uma liderança na área. Wataghin
lattes, criados no CNPq, em 1999, como manteve contatos permanentes com Bohr,
um símbolo do que ele representa para a Heisenberg, Rutherford, Dirac, Fermi du-
física, para a ciência brasileira. A dedicação rante sua estada no Brasil e enviou, desde
de Cesar Lattes ao trabalho de pesquisa e cedo, seus colaboradores brasileiros para
de ensino, continuadamente, sua prática do trabalhar nos melhores centros. Trouxe
pensamento crítico, na acepção da palavra Giuseppe Occhialini, experimental criativo
como pensamento original, capacidade de de aguda inteligência, que trabalhara com
discernimento, de imaginação e de coragem Blackett, em Cambridge, na experiência
de descobrir coisas novas, seria a plataforma que detetou o pósitron. Lattes interagiu
básica para os candidatos aos cargos e com- muito com Occhialini, desde o curso em
promissos dos cientistas brasileiros, com a que era aluno único, revelando e medindo
responsabilidade de garantir a existência e a filmes expostos a raios X. A montagem da
continuidade de um pensamento em diálogo câmara de ionização que Occhialini deixou
internacional permanente. quando voltou à Inglaterra, Lattes fez com
os jovens físicos Ugo Camerini, italiano,
que levou para Bristol, e André Wataghin,
filho de Gleb Wataghin.
FORMAÇÃO NA UNIVERSIDADE DE
SÃO PAULO – WATAGHIN, SCHEN-
BRISTOL – OCCHIALINI E POWELL
BERG, DAMY, OCCHIALINI
Em 1946, Lattes foi trabalhar no labo-
Pois assim foi sua carreira. Cesar Lat- ratório de Cecil Powell na Universidade
tes formou-se na Faculdade de Filosofia, de Bristol, Inglaterra, onde Occhialini,
Ciências e Letras da Universidade de São que já estava lá desde 1944, estudava,
Paulo, em 1943. Imediatamente se tornou com Powell, espalhamento de partículas
assistente do professor Gleb Wataghin, co- nucleares em emulsões fotográficas. Por
nhecido de seu pai e grande incentivador de sugestão da equipe de Powell e do próprio
sua ida para a física. Trabalhou inicialmente Lattes, as emulsões foram modificadas em
em física teórica com Wataghin e também sua composição, carregando-as com bórax
com Schenberg e Schutzer, para logo se para detecção mais eficiente de partículas
dedicar à física experimental com Giuseppe nucleares. As novas emulsões mantiveram
Occhialini. Realizou pesquisas sobre raios por mais tempo as imagens dos marcos
cósmicos, linha sugerida por Gleb Wataghin da passagem das partículas pela emulsão
que, com Marcello Damy e Paulus Aulus transparente, depois de revelada.

134 REVISTA USP, São Paulo, n.66, p. 132-138, junho/agosto 2005


Foram expostas chapas por Occhialini de partículas do Laboratório de Radiações
durante suas férias nos Montes Pirineus, na de Berkeley, na Califórnia, Estados Unidos,
França, a uma altitude de 2.800 metros. Em nas experiências que Eugene Gardner con-
Bristol, Lattes, Powell, Occhialini e uma das duzia procurando mésons µ, descobertos por
microscopistas verificaram que apareciam Anderson e Neddermeyer em 1937, tinha
traços de partículas antes desconhecidas, energia suficiente no bombardeio de átomos
“um traço mais torto e menos denso que o de carbono com partículas α para produzir
do próton e que sofria mudanças de dire- mésons π. Poucas semanas depois de chegar
ção”, o que se esperava de uma “partícula a Berkeley, em fevereiro de 1948, com bolsa
com massa de 1/8 a do próton”, na época da Fundação Rockefeller, Lattes detectou
chamada de mésotron. Eram poucos os e identificou, em suas chapas especiais da
eventos observados. Havia no fim de dois Ilford, os mésons π que estavam mesmo
deles o surgimento de outro, semelhante, sendo produzidos.
de comprimento determinado. Esse achado Essas descobertas de Lattes, com Occhia-
foi anunciado na revista Nature. Lattes foi, lini e Powell na Inglaterra, e com Gardner
então, ao Departamento de Geografia da nos Estados Unidos, tiveram repercussão
Universidade de Bristol e descobriu que na imprensa internacional, e grande reper-
nas altas montanhas da Bolívia havia uma cussão na imprensa brasileira. Ao voltar ao
estação meteorológica em Chacaltaya, a Brasil Lattes foi herói nacional.
cerca de 5.000 metros de altitude, acessível Yukawa e Powell receberam prêmios
de carro. Aí o número de partículas cósmicas Nobel pela descoberta. Logo depois da des-
seria muito maior. coberta em seu laboratório, Gardner morreu.
Chacaltaya ficaria ligada ao trabalho “Esses prêmios grandiosos não ajudam a
de Lattes por toda a vida. Lattes organizou ciência” era a opinião de Lattes.
a expedição e foram expostas chapas lá, Para a USP, e particularmente para a
com a colaboração do cientista boliviano Faculdade de Filosofia, as descobertas de
Ismael Escobar, do Serviço de Meteorolo- Cesar Lattes, naquele momento, foram
gia, inclusive para a revelação precária em evidência do sucesso do empreendimento
sua própria casa. Voltando ao Rio, Lattes de Wataghin, a demonstração internacional
olhou os traços e reconheceu vários mésons da viabilidade de uma Universidade de
π decaindo em mésons µ. A descoberta foi Pesquisa no Brasil.
amplamente confirmada. Eram os descobri- O fim da guerra contra o eixo nazi-
dores de uma importante nova partícula, o fascista marca uma era de ativação geral
méson π, ou píon, que representava a força das consciências para o desenvolvimento
nuclear entre o próton e o nêutron, prevista das ciências e de aplicações. Não é por
na teoria do físico japonês Hideki Yukawa. coincidência que se davam as muitas dis-
A colaboração com Escobar se estendeu no cussões nos institutos, universidades e em
tempo. Além de Escobar, Lattes atraiu uma geral nos segmentos ativos da sociedade do
equipe grande nesses trabalhos de Cha- estado de São Paulo que levaram a artigo,
caltaya: Ugo Camerini, André Wataghin, na Constituição Estadual de 1947, que dá
Susana Lehrer (depois Souza Barros), da os princípios da Fundação de Amparo à
Argentina, e Fernando de Souza Barros, Pesquisa, a Fapesp.
Rudolph C. Thom e Ricardo Palmeira, re-
cifenses vindos do Rio de Janeiro, Klaus
Tausk, de São Paulo. CNPq E CBPF – RIO DE JANEIRO
Lattes, ainda em 1947, convidado por
Niels Bohr, que o ouvira expor num simpósio A volta de Lattes para o Brasil foi fator
em Birmingham, deu seminários no Instituto importante para a implantação, em 1951,
de Física Teórica e na Sociedade de Física da primeira agência, em nível da Presidên-
da Dinamarca e foi incentivado por Bohr cia da República, para apoio às atividades
a ir a Berkeley. Percebeu que o acelerador de pesquisa no país: o Conselho Nacional

REVISTA USP, São Paulo, n.66, p. 132-138, junho/agosto 2005 135


de Pesquisas – CNPq. No mesmo ano de demberg, Lattes voltou à USP, contratado
1951, pela iniciativa principalmente de para reger a cátedra de Física Superior
José Leite Lopes e de Lattes, com apoio de quando o professor Hans Stammreich e
personalidades políticas do Rio de Janeiro, seus assistentes Oswaldo Sala e Roberto
então capital da República, foi fundado Forneris se mudaram para o Departamento
o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, de Química.
sendo Lattes seu primeiro diretor científico. Lattes implantou um Laboratório de
O CBPF foi um dos principais centros onde Emulsões Nucleares inicialmente para
se consolidou a pesquisa em física no país, analisar uma parte das chapas expostas em
com pessoas vindas de todo o Brasil. Cesar vôo de balões, soltos no Caribe em janei-
Lattes pertenceu durante muitos anos ao ro de 1960, no International Cooperative
CBPF, de 1951 a 2005, tanto na diretoria Emulsion Flight (ICEF), organizado por M.
científica quanto no conselho científico. Schein, de Chicago, projeto de exposições
No Rio de Janeiro foi ainda professor de chapas a grandes altitudes. Organizou
titular de duas cadeiras no Departamento um grupo de pesquisas com jovens e per-
de Física da Faculdade Nacional de Fi- sistentes colaboradores, Celso Orsini, Igor
losofia da Universidade do Brasil – a de Pacca, Marilia Monteiro da Cruz, Emico
Física Atômica e a de Física Nuclear – e, Okuno, Thereza Borello, além de Eugênio
após a criação da Universidade do Rio de Lerner, que trouxe do Rio de Janeiro. Os
Janeiro, participou da instalação do Insti- resultados do programa ICEF foram publi-
tuto de Física na Ilha do Fundão, no final cados em suplemento especial do Nuovo
da década de 1960. Uma sua contribuição Cimento, em 1963.
à UFRJ foi a montagem do Laboratório de A interação com os físicos do Japão,
Geocronologia, nas dependências do atual parceria de longa duração, iniciou-se a partir
Departamento de Física dos Sólidos do de proposta escrita pelo próprio Yukawa,
Instituto de Física. em carta a Lattes, de 1959. Tiveram papel
O grande esforço de tornar o CBPF um destacado na realização dessa colaboração
centro de pesquisa experimental e teórica os professores Mário Schenberg no Brasil
teve sérios percalços em meados dos anos e Matsuo Taketani no Japão. Em 1962 che-
de 1950, prejudicando os trabalhos e a garam a São Paulo Yoichi Fujimori e Kei
saúde de Lattes. Afastou-se, de 1955 a Yokoi. Dados tirados em Chacaltaya foram
1956, para estagiar no Instituto de Física apresentados em simpósios internacionais,
Nuclear Enrico Fermi, na Universidade de em particular o Simpósio Interamericano de
Chicago, e de 1956 a 1957, na Universidade Raios Cósmicos e Física Espacial, realizado
de Minesota. Essa estadia foi profícua em perto de Chacaltaya, na Bolívia, em julho de
trabalhos científicos e repercutiu para esta- 1962, em que participavam muitos países, da
belecer laços com M. Schein e M. Koshiba, América Latina e da Europa, Índia, Japão,
a quem esteve associado em seus posteriores União Soviética. “Foram ainda realçadas
projetos, em São Paulo. propriedades de interações nucleares a ener-
Lattes voltou ao Rio por mais dois anos gias muito altas numa experiência conjunta
e, então, em 1960, foi convidado para voltar de cientistas brasileiros e japoneses usando
a São Paulo. Em documentário feito pelo uma câmara de emulsões exposta na Bolívia;
cineasta José Mariani, Lattes deixa trans- e um artigo teórico de Y. Fujimori”, comenta
parecer certa amargura pela sua saída do Kenneth Greisen em artigo que reporta o
Rio de Janeiro. simpósio na revista Physics Today, de abril
de 1963. Em fotografia do simpósio vemos
Alfredo Marques, George Schwacheim,
VOLTANDO A SÃO PAULO ambos do CBPF, Fujimori e Taketani. “Até
1967, mais de dez câmaras de emulsões
Aceitando o convite feito por Mário foram instaladas e desmontadas em Cha-
Schenberg, Walter Schutzer e José Gol- caltaya, trazidas para São Paulo, reveladas,

136 REVISTA USP, São Paulo, n.66, p. 132-138, junho/agosto 2005


processadas e analisadas ao microscópio. possibilidade de ser produzidas em acelera-
Muitos resultados desse programa foram dores de partículas. Destacam-se a produção
publicados ainda com o grupo de São Paulo, múltipla de píons e os novos fenômenos com
por exemplo, no Nuovo Cimento de 1963 e feixes de hádrons que chamaram de Cen-
1964, e no Progress of Theoretical Physics, tauro. A colaboração Brasil-Japão perdura,
no suplemento, em 1965”, como cita Igor até hoje, no Laboratório da Unicamp, des-
Pacca (2005, p. 8). tacando-se os professores Edson Shibuya e
Em 1964 Lattes foi para Pisa, com bolsa Carola Dobrigkeit Chinellato pela ligação
do CNPq, quando iniciou, naquela universi- com Cesar Lattes. A física de partículas é
dade, um grupo de geocronologia, propondo um importante campo de trabalho, havendo
a datação de rochas pela medida dos traços, grupos teóricos e também grupos experi-
em emulsões, dos fragmentos da fissão es- mentais trabalhando em aceleradores com
pontânea do urânio (isótopo 238) contido equipes e laboratórios internacionais.
em sua composição. Mais tarde criou esse
laboratório na Unicamp, estabelecendo
duradoura colaboração com Pisa. DADOS GERAIS
Em 1967, depois de se preparar para
concurso de efetivação na cátedra, não Lattes foi membro de várias academias e
competiu com J. Tiomno. A tese preparada sociedades científicas brasileiras e interna-
para o concurso se constitui num documento cionais. Entre suas muitas premiações estão
histórico sobre esses trabalhos e seus resul- o Prêmio Einstein, em 1950, e o Fonseca
tados. Foi recentemente publicada no CBPF, Costa, em 1958, concedidos pelo CNPq,
por iniciativa de Alfredo Marques. o Bernardo Houssay, da Organização dos
A convivência dos físicos japoneses Estados Americanos, em 1978, o Prêmio de
entre nós foi valiosa em várias dimensões Física, da Academia de Ciências do Terceiro
de sua cultura científica, inclusive sobre a Mundo, em 1987. Recebeu também várias
história da ciência. Essa interação merece medalhas e títulos honorários.
estudos especiais. Destacam-se M. Taketani, Na Sociedade Brasileira de Física, Lat-
Tati, Y. Fujimori, S. Hasegawa, Osada, tes foi membro do Conselho Consultivo
pelas ligações que estabeleceram com os e participou das reuniões e da criação da
centros de ciência no Brasil, inclusive com Revista Brasileira de Física, em 1969-70.
o Instituto de Física Teórica, o IFT, hoje Entre os físicos mais velhos que, em geral,
departamento da Unesp. temiam que a produção científica brasileira
não fosse ainda suficiente para sustentar
uma revista, foi dos poucos que deram forte
UNICAMP apoio. Hoje, a Brazilian Journal of Physics
é revista indexada internacionalmente.
Lattes foi então convidado para a nova Uma de suas propostas para diversificação
Universidade de Campinas, por Marcello e fortalecimento da sociedade era que o
Damy, que organizava o Instituto de Fí- presidente do conselho fosse um membro
sica. Implantou o Departamento de Raios do próprio conselho, portanto independente
Cósmicos, o Laboratório de Emulsões Nu- da diretoria.
cleares e o Laboratório de Geocronologia. Há vários documentos importantes que
Foram realizados muitos trabalhos em registram a presença bem-humorada de Lat-
colaboração internacional, especialmente tes, sua ironia inteligente, às vezes sentida
com os físicos japoneses. Da colaboração como agressiva, sua dedicação ao trabalho
Brasil-Japão participaram também a USP e preocupação com a ciência no Brasil,
e o CBPF. seu espírito cooperativo, sua significativa
Resultados importantes foram alcan- carreira científica. É importante, para to-
çados, detetando interações nucleares a marmos consciência da identidade cultural
energias muito altas, que não tiveram ainda brasileira, preservar, divulgar e valorizar a

REVISTA USP, São Paulo, n.66, p. 132-138, junho/agosto 2005 137


documentação. Parodiando Lattes, “sei que inventar-lhes um significado. “As máquinas
sem a história não há realidade objetiva”, também têm vontade”, disse em entrevista
sem a história não há identidade, o caminho televisiva a Chico Pinheiro. “Têm sua inér-
da racionalidade. cia”, diz um colega imaginativo e sábio a
quem conto a provocação.
Duas características: uma é a ligação
ANOTAÇÕES PESSOAIS profunda, sentir o mundo real do pensamen-
to científico, teórico e experimental numa
Uma das características de Cesar Lattes só existência; outra é a da personalidade
é certamente sua liberdade. Nesta homena- de desempenho atuante, tenaz, corajosa,
gem, ouso anotar, livre e brevemente, alguns impregnada de contradições expostas,
pensamentos sobre ele. mesmo que contundentes, para serem en-
As idéias da física estão impregnadas frentadas.
na sua ligação no mundo. Pensamentos de Sua trajetória é realmente muito im-
Wataghin, Bohr, Dirac, Rutherford, Yuka- pressionante. Arrasta consigo a física no
wa, Occhialini. Tem visão eminentemente Brasil. Soube sempre, a vida inteira, buscar
quântica: a descontinuidade. Partículas que conhecimentos, meios e companheiros,
se individualizam marcando sua presença e dialogar com a natureza, descobrindo
nos detetores. Desconfia dos quarks, disse fenômenos antes desconhecidos, que nos
que não se mostram, que se individualizam trazem à consciência configurações novas
no confinamento. Seriam limites a serem do universo. Em termos da física, apontou
compreendidos. possibilidades de novas teorias. Acrescenta
Um experimental que molda o mundo sentido à empreitada de Wataghin, Occhia-
das interações, espera ainda que se consiga lini, Damy, Schenberg, e nos faz históricos
imaginar como trazer essas partículas à a continuar-lhes o caminho no Brasil.
presença revelada. Há pouco tempo me telefonou. Queria
Sempre coerente, com dedicação enor- que levasse um de seus cinco microscópios
me ao trabalho. Mobilizador do pensamento que ficaram em São Paulo para ele ler, em
com idéias nem sempre aceitas ou com- sua casa, emulsões expostas e não estudadas.
preendidas. Requerem imaginação e falta Essa empreitada quase deu certo. Teria dado
de preconceito para poder assimilá-las, se fosse outra a natureza do tempo.

BIBLIOGRAFIA

CARUSO, E.; MARQUES, A. & TROPPER, A. (eds.). Cesar Lattes, a Descoberta do Méson π e Outras Histórias.
CBPF, 1999.
CARUSO & TROPPER (eds.). Perfis. CBPF/CNPq, 1997
EXPOSIÇÃO ITINERANTE. “Os Cinqüenta Anos do Méson π”, SBF, Instituto de Física e Estação Ciência da USP.
LATTES, C. Entrevista a Micheline Nussenzveig, Cássio Leite Vieira, Fernando de Souza Barros, Neusa Amato e Alfredo
Marques, para Ciência Hoje, 1995. Em “Cientistas do Brasil – Depoimentos SBPC 50 Anos”. Organização e
Edição de Vera Maria de Carvalho e Vera Rita da Costa, São Paulo, 1998.
MARIANI, J. Cientistas Brasileiros: Cesar Lattes e José Leite Lopes, 2000 (documentário em DVD).
MARQUES, A. Cesar Lattes 70 Anos. CBPF, 1994.
PACCA, I. “O ‘Boy Wonder’ Volta à USP em 1960”, in Jornal da Unicamp, 30 de março de 2005.

138 REVISTA USP, São Paulo, n.66, p. 132-138, junho/agosto 2005


textos

REVISTA USP, São Paulo, n.66, p. 132-138, junho/agosto 2005 139

Você também pode gostar