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Cadernos PDE
I
OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE
NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
DIÁLOGOS CURRICULARES COM O ENSINO DE HISTÓRIA NA EJA
Ivonir Rodrigues Ayres 1
Marlene Rosa Cainelli 2
1. Introdução
1
Professor PDE. Licenciado em História, Especialista em Avaliação e em Educação de Jovens e
Adultos e Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Maringá. Atua no CEEBJA Herbert de
Souza de Londrina, PR.
2
Professora Orientadora PDE. Doutora em História pela Universidade Federal do Paraná, Pós
Doutora pela Universidade do Minho e Professora do Departamento de História e do Mestrado em
Educação na Universidade Estadual de Londrina.
tempo na escola, na medida a oferta de ensino nesta modalidade da educação
básica é feita por disciplinas com cargas horárias de curta duração, e que o currículo
prescrito em ambos os documentos é o mesmo.
Nesta perspectiva, algumas questões foram problematizadas no referido
Projeto de Intervenção Pedagógica como a que envolve a definição de critérios para
a seleção de conteúdos a serem tratados com os educandos da EJA, os quais, em
curto espaço de tempo, possam contribuir para o desenvolvimento de suas
consciências históricas. Outra questão diz respeito aos encaminhamentos
metodológicos que devem ser adotados para assegurar o aprendizado pleno destes
educando e, ainda, de que forma os saberes acumulados em suas trajetórias de vida
possam ser efetivamente considerados na elaboração e execução das práticas
pedagógicas cotidianas.
Para tratar destas questões, foi estabelecido um diálogo com as DCE para a
História e para a EJA que nos permitiram refletir a respeito das concepções de
currículo e de conceitos presentes em ambos os documentos, como cultura, trabalho
e tempo, caros para a Educação de Jovens e Adultos, e o de consciência histórica,
fundamental para a disciplina de História. Neste processo, dialogamos ainda com os
pressupostos teóricos do campo da pesquisa denominado Educação Histórica e da
metodologia de trabalho das chamadas Aulas-Oficinas, os quais foram decisivos
para a elaboração das atividades da Produção Didático Pedagógica, implantada no
CEEBJA Herbert de Souza, de Londrina, no segundo semestre de 2015.
2. Diálogos Curriculares
3 o o
Altera a Lei n 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei n 10.639, de 9 de janeiro de
2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da
rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”.
entendem o currículo como configurador da prática, produto de ampla discussão
entre os sujeitos da educação, fundamentado nas teorias críticas e com organização
disciplinar.
Compreender este debate teórico é importante e necessário, porém, cabe
destacar que, não raras vezes, tais concepções misturam-se em nossas práticas
pedagógicas, pois são separadas no cotidiano escolar por linhas muito tênues.
Frente ao desafio de atender a um grande número de alunos matriculados em
diversas turmas com diferentes níveis de escolarização, nos vemos obrigados, em
certa medida, a padronizar as nossas aulas, tendo o livro didático como principal
material de apoio, pois, todos os educandos têm acesso a este recurso. É preciso
considerar, ainda, que a produção de qualquer outro material didático exige tempo
de sua preparação e investimentos para a sua reprodução. Desse modo, o uso do
livro didático se torna mais conveniente e, por vezes, o planejamento das aulas
acaba sendo determinado pela sequência dos conteúdos elencados no livro e pelas
atividades nele propostas. Esta prática pedagógica tende a aproximar o currículo
vivido em sala de aula da concepção de currículo vinculada ao
academicismo/cientificismo, pois os conteúdos dos livros didáticos são
correntemente interpretados como verdades decorrentes dos saberes científicos
produzidos nas academias e transpostas, por meio deste recurso, para as salas de
aula da educação básica com uma linguagem mais acessível.
Por outro lado, é possível também encontrar práticas pedagógicas centradas
apenas no interesse dos educandos, aproximando-as da segunda concepção de
currículo debatida no texto dos DCE para a História, a que reduz a escola ao papel
de instituição socializadora, ressaltando os processos psicológicos dos alunos e
secundarizando os interesses sociais e os conhecimentos específicos das
disciplinas. Não raro, observamos tais práticas em escolas que atendem jovens,
adultos e idosos, como é o caso do CEEBJA Herbert de Souza, onde lecionamos
História nos orientando pelo seu Projeto Político Pedagógico (PPP). Este, por sua
vez, se fundamenta nas Diretrizes Curriculares Estaduais para EJA, as quais
valorizam, sobremaneira, a importância das experiências vividas pelos educandos
para a construção do processo de ensino e de aprendizagem.
Com relação à concepção de currículo presente nas DCE para a EJA, em
vigor desde 2006, enfatiza-se que a sua construção deve fundamentar-se no
reconhecimento dos educandos jovens, adultos e idosos como sujeitos de direito,
sendo necessário considerar a história e condição socioeconômica de cada um
deles, a posição que ocupam nas relações de poder, bem a diversidade étnico-
racial, territorial, geracional e cultural, dentre outras, presentes nas escolas da EJA.
Considerando este perfil, as DCE apresentam como eixos articuladores a cultura, o
trabalho e o tempo.
O conceito de cultura apresentado é abrangente, compreendendo a forma de
produção da vida material e imaterial e “compõe um sistema de significações
envolvido em todas as formas de atividade social” (WILLIANS, 1992 apud PARANÁ,
2006, p. 32). A cultura, sendo um produto da atividade humana e com dimensão
histórica, se constitui em elemento de mediação entre o indivíduo e a sociedade, e,
neste aspecto, torna-se objeto da educação que se traduz, na escola, em atividade
curricular. Desse modo, pode-se compreender o currículo “como a porção da cultura
(...) que, por ser considerada relevante num dado momento histórico, é trazida para
a escola, isso é, é escolarizada” (idem, p. 32). Assim, o currículo relaciona-se com a
cultura na qual ele se organizou.
Por sua vez, o trabalho, também produto da atividade humana e, portanto,
elemento cultural, é conceituado neste documento como uma forma de produção da
vida material a partir da qual se produzem distintos sistemas de significação. É a
ação pela qual o homem transforma a natureza e transforma-se a si mesmo. Porém,
alertam os autores destas Diretrizes, a ênfase no trabalho como princípio educativo
não deve ser reduzida à preocupação em “preparar o trabalhador para atender às
demandas do industrialismo e do mercado de trabalho nem apenas destacar as
dimensões relativas à produção e às suas transformações técnicas” (ARROYO,
2001, apud PARANÁ, 2006, p. 33). É sabido que uma das principais razões pelas
quais os educandos da EJA retornam para a escola é o desejo de rápida elevação
do nível de escolaridade para atender às exigências do mercado do trabalho. Esta
expectativa de muitos educandos gera conflitos que se manifestam na dimensão do
tempo, outro eixo articulador das Diretrizes.
Cada educando que procura a EJA apresenta um tempo social e um tempo
escolar vivido, o que implica a necessidade de reorganização curricular, dos tempos
e dos espaços escolares, para a busca de sua emancipação. O tempo e o espaço
são aspectos da cultura escolar e fazem parte da ação pedagógica.
A organização do tempo escolar compreende três dimensões: o
tempo físico, o tempo vivido e o tempo pedagógico. O primeiro está
relacionado ao calendário escolar organizado em dias letivos,
horas/aula, bimestres que organizam e controlam o tempo da ação
pedagógica. O segundo diz respeito ao tempo vivido pelo professor
nas suas experiências pedagógicas, nos cursos de formação, na
ação docente propriamente dita, bem como o tempo vivido pelos
educandos nas experiências sociais e escolares. O último
compreende o tempo que a organização escolar destina para a
escolarização e socialização do conhecimento. Ainda, há o tempo
que o aluno dispõe para se dedicar aos afazeres escolares internos e
externos exigidos pelo processo educativo (PARANÁ, 2006, p. 33).
4
Para Rüsen, o termo “ontogenética” se refere ao processo histórico de constituição dos sujeitos em
desenvolvimento, em que estes se orientam no tempo, a partir da relação passado, presente, futuro.
Em outras palavras, os sujeitos se constituem à medida que tomam consciência do sentido histórico
de suas experiências temporais e passam a se orientar no tempo (PARANÁ, 2008, p. 58).
Esse tipo de consciência se expressa em narrativas críticas, as quais
valorizam os deslocamentos e problematizações em relação às presentes condições
de vida a partir de “contranarrações”. Tais concepções de aprendizagem histórica,
aliadas ao tratamento dos conteúdos escolares, promovem a consciência histórica
ontogenética, na medida em que articula a compreensão, pelos sujeitos, do
processo histórico relativo às relações de temporalidades como as permanências,
mudanças, simultaneidades, transformações e rupturas de modelos culturais e da
vida social em sua complexidade, e se expressa em narrativas ontogenéticas, as
quais propõem a transformação de modos de vida dos próprios sujeitos a partir dos
modos de vida da alteridade. Ao final deste tópico que trata da consciência histórica
e da aprendizagem histórica, o texto das DCE enfatiza que se espera por meio
dessas orientações, que a prática do professor contribua para a formação da
consciência histórica ontogenética nos alunos a partir de uma racionalidade histórica
não-linear e multitemporal.
5
History of the World in 2 Hours. Ano de produção: 2011 / Duração: 128 min. Produção: The History
Channel / País: EUA. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=KHLrxTvJBXM. Acesso em:
19 ago. 2014.
6
“Independência ou Morte” ou “Proclamação da Independência”. Quadro de Pedro Américo (1843-
1905). Óleo sobre tela, 415x760. São Paulo: Museu Paulista/USP. Disponível em
http://www.museudacidade.sp.gov.br/grito-quadro.php. Acesso em set. 2015
conheciam, mas não sabiam do que se tratava. Apenas alguns educandos mais
jovens a relacionaram à representação do dia 7 de Setembro.
A surpresa prende-se ao fato de que, enquanto professor de História,
considerávamos que a obra de Pedro Américo fosse mais conhecida, já que consta
em inúmeros livros didáticos e é sempre muito veiculada pelos meios de
comunicação por ocasião das celebrações do dia da Independência do Brasil.
Interessante também foi observar que, em alguns relatos, a cena foi descrita como
um conflito entre dois exércitos prontos para guerrearem entre si. Esta atividade nos
revelou que aquilo que para nós pode ser banal, como a imagem em questão, já
canônica para os professores de História, não o é, necessariamente, para os nossos
educandos, mesmo aqueles que já são adultos e que supostamente teriam algum
conhecimento adquirido a seu respeito em qualquer processo de escolarização.
Diante desta constatação, é possível inferir, tendo como referência a nossa prática,
que as imagens nos livros didáticos geralmente são apenas ‘vistas’ e não ‘lidas’, na
medida em que os textos escritos acabam sendo priorizados em detrimento das
imagens. Desse modo, a partir da atividade desenvolvida, é possível afirmar que
estudar imagens de forma organizada e sistemática como fonte de informação e não
apenas como ilustração, proporciona um melhor aprendizado aos educandos.
A análise de poemas musicados ou não também fizeram parte do elenco de
atividades realizadas nas Aulas-Oficinas. Podemos citar, como exemplo, o estudo
feito sobre o poema “Vozes-Mulheres” 7 (2008), de Conceição Evaristo, por meio do
qual os educados, tanto do Ensino Médio quanto do Ensino Fundamental, puderam
compreender um pouco mais a respeito da história de luta pelo direito à liberdade e
à vida com dignidade dos africanos e afro-brasileiros desde os tempos da
escravidão aos dias atuais, sob o ponto de vista as mulheres. Para além das
atividades previamente elaboradas como leitura do poema, produção de glossário,
interpretação contextualizada e narração, especificamente as educandas gravaram
vídeos 8 declamando trechos da poesia e os apresentaram na Semana da
Consciência Negra realizada de 17 a 19 de novembro aos seus colegas da escola.
7
Poema “Vozes-Mulheres”, Conceição Evaristo. In Cadernos Negros, vol. 13, São Paulo, 1990.
Disponível em: http://www.educacaopublica.rj.gov.br/cultura/prosaepoesia/0151.html. Acesso em: 29
set. 2015.
8
Vídeo-Poema Vozes Mulheres. Educandas da sede do CEEBJA Herbert de Souza. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=98Xm7XGtEjo. Educandas da APED do Parque Universidade.
Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=0gprcgRE4jY. Acesso em: 19 nov. 2015.
Também as músicas “Olhos Coloridos”, de Sandra de Sá, e “Mama África”, de Chico
Cesar, passaram pelos mesmos procedimentos pedagógicos do poema e foram
cantadas por um grupo de educandos do Ensino Fundamental ainda na Semana da
Consciência Negra.
Neste artigo, apresentamos apenas algumas experiências concretizadas a
partir do uso de fontes diversificadas, tanto escritas quanto imagéticas e também
sonoras. Variadas outras atividades foram realizadas ao longo das 32 horas
previstas para a implantação da Produção Didático Pedagógica no CEEBJA Herbert
de Souza por meio das Aulas-Oficinas. Muitas delas mereceriam artigos específicos
visando socializar o quanto aprendemos com os resultados obtidos.
3. Considerações finais
BARCA, Isabel. Aula oficina: do projeto à avaliação. In: BARCA, I. (Org.) Para uma
educação de qualidade. Actas das IV Jornadas Internacionais de Educação
Histórica. Braga: CIEd, Universidade do Minho, 2004, p. 131-144.
______. Educação com prática de liberdade. 24. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
2000.
______. Pedagogia do oprimido. 43. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.
LEE, Peter. Progressão da compreensão dos alunos em História. In: BARCA, Isabel
(Org.). Perspectivas em Educação Histórica. Actas das Primeiras Jornadas
Internacionais de Educação Histórica. Braga: Universidade do Minho, 2001, p. 13-
29.