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constitui violação do copyright (Lei no 9.610/98).
1a edição: 2023
Dados eletrônicos.
Inclui bibliografia.
ISBN: 978-65-5652-247-0
CDD – 907
Apresentação
Cristina Meneguello
Cristina Meneguello1
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Professora do Departamento de História da Unicamp, membro da Comissão Acadêmica Nacional do ProfHistória (CAN)
(2018-2020) e coordenadora do Profhistória Unicamp (2016-2020).
parte de reflexão teórica, atualização bibliográfica e análise metodológica, a maior parte dos trabalhos
traz uma dimensão propositiva, aplicável nas salas de aula. Isso permite que as dissertações não
apenas desvelem o panorama do ensino de história em prática nas salas de aula, mas sirvam de
inspiração para as atividades de outros professores, em diferentes regiões do país. As dissertações
ficam disponíveis no Portal Educapes (educapes.capes.gov.br)2, no portal do ProfHistoria e nos
repositórios das IES participantes.
Desse modo, o Prêmio ProfHistoria de Dissertação, criado no ano de 2018, visa destacar,
conforme estabelece o edital, “a qualidade da reflexão teórico-metodológica e da pesquisa realizada,
a clareza e precisão da escrita, a originalidade do trabalho e sua relevância para o desenvolvimento
da área de ensino de história, do ponto de vista científico, cultural, social e de inovação”. Em 2018,
cada IES indicou uma dissertação, escolhida a partir da análise da Comissão Acadêmica Local, para
ser analisada por uma banca de especialistas. Para a turma de 2014, foram indicadas 11 dissertações,
analisadas por uma banca presidida por mim, como membro da CAN; por Luciana Quillet Heymann
(UNIRIO) e por Margarida Maria Dias de Oliveira (UFRN), às quais expresso os agradecimentos
pela generosidade e cuidado com que leram e analisaram as dissertações indicadas.
A Comissão observou a qualidade do debate teórico-metodológico, a originalidade dos temas
e a reflexão sobre a experiência em sala de aula e a possibilidade de os resultados finais serem
adaptados e utilizados por outros professores da Educação Básica, em suas próprias realidades, tendo
premiado os seguintes trabalhos: O samba pede passagem: o uso de sambas-enredo no ensino de
História, de Fabiolla Falconi Vieira (UFSC), orientada pelos profs. drs. Nestor Habkost e Mônica
Martins da Silva; Ensino de história e o ofício do historiador: a investigação do processo de
patrimonialização do espaço físico da Escola Estadual Professor Olintho de Oliveira (Porto
Alegre/RS) com alunos e alunas do 6º ano do ensino fundamental, de Leandro Balejos Pereira
(UFRGS), orientado pela profa. dra. Mara Cristina de Matos Rodrigues; e Identidades (in)visíveis:
indígenas em contexto urbano e o ensino de história na região metropolitana do Rio de Janeiro, de
Thais Elisa Silva da Silveira (UERJ) orientada pela profa. dra. Márcia de Almeida Gonçalves. Essas
três dissertações estão publicadas do presente volume. A Comissão concedeu, ainda, menções
honrosas aos trabalhos Usos e possibilidades do podcast no ensino de História, de Raone Ferreira de
Souza (UFRJ, orientado por Ana Maria Ferreira da Costa Monteiro); Vozes, corpos e saberes do
Maciço: memórias e histórias de vida das populações de origem africana em territórios do Maciço
do Morro da Cruz/Florianópolis, de Karla Andrezza Vieira Vargas (UDESC, orientada pela profa.
dra. Nucia Alexandra Silva de Oliveira) e à dissertação Maré de cidadania: uma experiência
pedagógica com alunos da escola pública no Museu da Maré, de Benilson Mario Iecker Sancho
(UFF, orientado por Everardo Paiva de Andrade).
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O portal volta-se a possibilitar o acesso aos materiais educacionais produzidos nos cursos ofertados no âmbito do Sistema
Universidade Aberta do Brasil – UAB
O trabalho de Fabíola Fallconi Vieira, a partir de dois sambas-enredo da escola de samba Os
Protegidos da Princesa, sobre o Contestado, e da Escola de Samba Embaixada Copa Lord, sobre o
centro da cidade de Florianópolis, propõe uma sequência didática que problematiza as narrativas
históricas apresentadas. A partir da análise dos sambas, em múltiplas dimensões, apresenta todo o
material utilizado para a argumentação e um Diário de Experimentações, utilizado pelos alunos ao
longo do processo. O resultado final reflete o entrecruzamento entre narrativas oficiais e apropriações
da história, a partir de uma realidade conhecida pelos alunos e da confluência de fontes históricas em
diferentes suportes (escritas, orais e musicais).
A dissertação de Leandro Balejos Pereira situa-se no campo dos processos de
patrimonialização do espaço escolar, no encontro entre patrimônio cultural e patrimônio educativo.
Esse olhar, que se volta para dentro da própria escola como cultura material e lugar de memória,
permitiu aos alunos de 6º ano lidarem com diferentes documentos e fontes históricas ao lidarem com
o acervo documental e iconográfico da escola, culminando em uma exposição com base no próprio
acervo da instituição e na reflexão sobre os limites da produção de documentos e da memorialização.
Por fim, o trabalho de Thais Elisa Silva da Silveira propõe um material didático a ser
implementado em escolas da região metropolitana do Rio de Janeiro, em observância à Lei nº
11.645/08, que modificou a Lei nº 10.639 de 2003, incluindo a obrigatoriedade do ensino da história
e cultura indígenas no ensino básico no Brasil. Baseada na importante – embora invisibilizada –
população indígena do Rio de Janeiro, a dissertação propõe uma reflexão sobre os indígenas em
contexto urbano e sobre as potencialidades do ensino de história para propiciar uma educação e uma
vivência interculturais.
A leitura desses resultados da primeira turma do Mestrado Profissional em Ensino de História
é, certamente, uma inspiração para professores da educação básica e superior, pelo que trazem de
reflexão sobre o fazer em sala de aula. Do mesmo modo, atestam a originalidade e a qualidade do
ProfHistoria como projeto nacional, em suas possíveis contribuições para a valorização docente e
para um ensino de história inclusivo e de qualidade.
O samba pede passagem:
O uso dos sambas-enredo no ensino de história
CD – Compact Disc
Introdução
Considerações finais
Referências
Apêndices
Introdução
Meu interesse pelo samba-enredo e pelas escolas de samba vai além do mero papel
de espectadora e ouvinte de sambas. Frequento a Escola de Samba Os Protegidos da
Princesa desde 2009, um ano antes de meu ingresso na docência. Entrei na escola de
samba como ritmista da bateria e, desde então, passei a incorporar outros segmentos3 da
escola. Em 2014, me tornei diretora do departamento cultural, onde realizo uma pesquisa
sobre a história da escola que envolve registros orais, pesquisas em jornais e a
documentação já existente. Neste ano de 2015, fui eleita conselheira da escola para
integrar o grupo do conselho constituído por mais 59 pessoas. Tenho uma afinidade muito
grande com a escola e com o universo do carnaval, principalmente com os sambas-enredo.
Sou de fato uma apaixonada pelo carnaval e por seu universo musical, o que me levou a
prestar mais atenção nos sambas-enredo e em suas letras com temas históricos.
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Os principais segmentos de uma escola de samba são: a velha-guarda, composta por participantes mais antigos
da escola; a bateria, composta por ritmistas; a diretoria, que administra a escola; e, por fim, a harmonia, que cuida
para que o desfile saia conforme o planejado nos ensaios e desfile.
Na história, “tudo começa com o gesto de separar, de reunir, de transformar em
‘documentos’ certos objetos distribuídos de outra maneira” (Certeau, 1982:72). Pensando
como Certeau, o primeiro trabalho do historiador é reunir suas fontes. Esse ato, por si só,
já constitui uma escolha, que não se dá aleatoriamente sem a interferência do próprio
historiador. Toda fonte selecionada vai corresponder ao interesse do historiador, no
momento em que a escolhe, além, é claro, de representar o interesse de quem a produziu
e de quem a guardou para a posteridade. Nesse sentido, as fontes selecionadas para este
trabalho também têm sua intencionalidade. Quando decidi trabalhar com sambas-enredo
já sabia que seria necessário fazer um recorte temporal e possivelmente um recorte
temático. A princípio, cogitei utilizar todas as escolas de samba de Florianópolis, que
somam um total de seis, e pretendia não me ater a nenhum samba-enredo específico. Logo
percebi que não seria possível realizar um trabalho dessa forma e tive que realizar um
recorte específico, para o necessário aprofundamento das questões levantadas, como toda
pesquisa histórica faz.
Cabe ressaltar aqui que este trabalho não tem a pretensão de ser uma pesquisa
aprofundada sobre sambas-enredo, visto que esse tema já é bem explorado por diversas
pesquisas acadêmicas. O intuito é se apropriar de pesquisas já existentes na área da
música, da história e do ensino, utilizando-as para a construção de uma metodologia de
ensino que contribua para problematização do uso dos sambas-enredo em sala de aula
como fontes de pesquisa. Também ressalto o caráter múltiplo dessa metodologia que
poderá ser aplicada com alunos de diferentes faixas etárias da educação básica, justamente
por se constituir em um exercício intelectual em que o professor responsável pela
disciplina poderá adaptá-lo de acordo com as características da turma e das necessidades
específicas do seu planejamento. Ou seja, o que apresento neste trabalho é uma proposta
metodológica para uso de sambas-enredo em sala de aula, mas que traz uma gama de
possibilidades de escolhas que o próprio professor, ao utilizá-la, fará de acordo com suas
preferências e necessidades.
Voltado ao ensino de História do ensino básico, este trabalho está de acordo com a
proposta do curso Mestrado Profissional em Ensino de História porque se propõe a
discutir as narrativas históricas formadas através da música, em um gênero específico que
é o samba-enredo, e seu diálogo com a sala de aula por meio de análises de fontes
históricas, atendendo à linha de pesquisa Linguagens e Narrativas Históricas: Produção e
Difusão, à qual este trabalho se vincula. Além disso, oferece uma metodologia de trabalho
com samba-enredo em sala de aula, como fonte e também como linguagem, dialogando
tanto com os professores de História que podem vir a utilizar esse material, quanto com
alunos da Educação Básica. Essa metodologia de trabalho com sambas-enredo pretende
explorar sua dimensão como linguagem singular, e também como fonte histórica para
construir, por meio de determinadas estratégias de pesquisa, o conhecimento histórico
acerca das escolas de samba, suas localidades e práticas referentes ao universo do
carnaval de Florianópolis. Essa metodologia é apresentada na forma de atividades
didáticas, presentes no Guia do Professor, que foi elaborado como produto final deste
trabalho.
Esse guia está divido em três eixos principais: I) Analisando fontes musicais:
apresentação dos sambas-enredo, no qual apresento duas propostas de atividades, para
serem desenvolvidas com os alunos, a partir da análise musical e melódica do samba; II)
Conhecendo o lugar social da construção dos sambas, em que apresento duas propostas
de atividades, para serem desenvolvidas com os alunos, a partir da análise do lugar social
onde o samba é construído; III) Os usos do passado: as versões históricas contadas através
dos sambas-enredo, no qual apresento três atividades. A primeira é específica sobre o
samba do Contestado e visa discutir qual versão histórica ele apresenta acerca da guerra;
a segunda é específica sobre o samba da Felipe Schmidt e visa discutir as representações
de sociabilidades vivenciadas na rua em questão e no seu entorno e sua relação com os
mecanismos de sociabilidade vivenciados pelos alunos atualmente; e a terceira atividade
cabe aos dois sambas e visa construir coletivamente um enredo e um samba-enredo com
algum tema histórico escolhido pelos próprios alunos ou sugerido pelo professor, num
esforço de, através de uma pesquisa histórica realizada pelos alunos, construir uma versão
histórica possível de ser apresentada em uma avenida. Compondo as fontes presentes no
trabalho, tem-se: no Eixo I, áudio dos dois sambas-enredo (Os Protegidos da Princesa e
da Embaixada Copa Lord, ambos de 2012); as letras dos dois sambas-enredo; ficha de
análise de fontes musicais. No Eixo II, breve história das duas Escolas de Samba (Os
Protegidos da Princesa e a Embaixada Copa Lord); recorte de jornal; duas imagens da rua
Felipe Schmidt, uma de 1920 e outra de 2008; ficha de análise de fontes escritas; ficha de
análise de fontes iconográficas; duas entrevistas orais, uma com o compositor Willian
Tadeu, da Escola Os Protegidos da Princesa, e outra com o compositor Edu Aguiar, da
Escola Embaixada Copa Lord; ficha de análise de fonte oral. No Eixo III, letra dos dois
sambas-enredo; logomarca dos dois enredos de 2012, sobre a Guerra do Contestado e
sobre a rua Felipe Schmidt; quatro imagens do desfile de cada uma das escolas,
contemplando a comissão de frente, o carro abre-alas (primeiro carro alegórico), o
segundo e o terceiro carros alegóricos; recorte da historiografia sobre a Guerra do
Contestado; recorte da historiografia sobre as práticas de sociabilidade realizadas na rua
e no entorno dela; ficha de análise de fontes iconográficas; ficha de análise de
historiografia.
Dessa forma, após escolher quais fontes eram possíveis de ser levadas para a sala
de aula, foi necessário realizar uma extensa pesquisa para recortar, dentre tantas fontes
possíveis, quais iram compor esse material didático. Foram realizadas pesquisas nas
próprias Escolas de Samba, onde conversei com diversos componentes da Escola em
busca de informações sobre ela, além da entrevista oral realizada com um dos
compositores do samba-enredo de 2012, de cada uma das Escolas. Realizou-se, também,
uma extensa pesquisa nos meios eletrônicos e nas bibliotecas, da Universidade Federal
de Santa Catarina (UFSC) e da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) para
buscar pesquisas já realizadas acerca da história, do funcionamento e das relações sociais
presentes nessas instituições. Também foi feita uma pesquisa no jornal O Estado de Santa
Catarina, que está disponível na Biblioteca Pública do Estado de Santa Catarina, buscando
encontrar algumas resportagens acerca das transformações urbanas ocorridas durante o
século XX em Florianópolis. De igual importância, foi o levantamento sobre os trabalhos
acadêmicos que abordavam os temas pertinentes aos sambas-enredo, para ser feito um
recorte dessa historiografia e ser levado para a sala de aula. Além disso, foi necessário
fazer um levantamento fotográfico do desfile, o que acabou se tornando uma das tarefas
mais difíceis, por não ter encontrado as fontes esperadas. Outra tarefa que requer tempo
também, e que depende da disponibilidade de outras pessoas, é a entrevista oral, que optei
por realizar somente com dois compositores, justamente pela mão de obra despendida
para o feito.
Dessa forma, este trabalho está dividido em dois capítulos. O primeiro deles
discutirá o samba-enredo e as escolas de samba como objetos de análise deste trabalho,
articulando as discussões acerca do gênero musical com o ensino de história e os usos das
fontes históricas como ferramenta de trabalho na educação básica. No segundo capítulo,
apresento uma discussão acerca da construção da metodologia para a qual se propõe este
trabalho, ou seja, a metodologia sobre ensino de história com sambas-enredo. Junto com
esse trabalho será entregue, em versão impressa, um guia para o professor, contendo a
metodologia de ensino a ser aplicada em sala de aula; o Diário de Experimentações,
destinado aos alunos, e as fontes escolhidas para trabalhar nas atividades, em versão
digital, no CD anexo ao Guia do Professor e no Google Drive.4 As fontes escolhidas para
desenvolver a metodologia serão disponibilizadas impressas (exceto o áudio dos sambas)
e em versão digital no Google Drive, distribuídas de acordo com os eixos temáticos a
serem trabalhados a partir do guia do professor.
4
https://drive.google.com/open?id=0BxP3QbLsQ3kwUzVxbU9KOFM5dTA.
tiveram importância na criação das escolas de samba do Rio de Janeiro nas primeiras
décadas do século XX. Entretanto, a maioria dos estudos aponta que a criação das escolas
de samba se deu não só pela “evolução” dessas formas de experiência do carnaval, mas
também em função do momento histórico pelo qual passava o Rio de Janeiro.
Outra questão importante ressaltada por Fenerick (2002) é o fato de que durante a
década de 1920, “o termo ‘samba’ ainda não definia um ritmo preciso e diferenciado dos
demais”, sendo que um dos significados atribuídos ao termo seria “música feita por
Pixinguinha e Donga”, compositores cariocas que devido ao significado atribuído ao
termo “samba” passaram a ser considerados “sambistas” (Fenerick, 2002:21). Após os
anos 1930 o termo passa a corresponder a um ritmo mais balançado, “conhecido como
‘samba do Estácio’” e vai se definindo como gênero musical tal como é atualmente
(Fenerick, 2002:21, 88). E é somente ao longo da década de 1930 e 1940, junto à
consolidação do Estado Varguista, que o samba vai se consolidando como música popular
brasileira, no sentido de ser escolhido e reconhecido como tradição brasileira dentro do
projeto de Vargas do que seria o nacional. Nesse contexto, o advento dos meios de
comunicação em massa, especialmente o rádio, “passam a assumir uma importância
relevante no sentido de divulgar a tradição nacional escolhida, datada e costurada”
(Fenerick, 2002:53). Além disso, os meios de comunicação de massa e a escolha do samba
como referência à cultura nacional vão abrir possibilidade de projeção internacional do
Brasil, “ao menos para alguns músicos desse momento” (Fenerick, 2002:65).
É durante as décadas de 1910 e 1920 que Florianópolis vai sofrer uma série de
reformas urbanas e sanitárias que introduziram novas formas de convívio urbano e
acentuou as diferenças sociais existentes na cidade. Segundo Costa, a teoria dos miasmas
– que considerava o ar e a água veiculos doentios – e a teoria pasteuriana dos germes –
criada na década de 1870, que desmistificava a teoria dos miasmas e definia que as
doenças eram transmitidas por germes infectados – “fundamentaram as campanhas de
eliminição, no Brasil, das favelas e cortiços” (Costa, 2011:187). Apesar de Florianópolis
não participar, ao mesmo tempo, dos processos ocorridos em outras capitais como Rio de
Janeiro e São Paulo, que ocorreram a partir das décadas de 1870 até início do século XX,
a cidade sofreu um processo parecido. As ideias de modernização urbanística e de
higienização da cidade chegaram a Florianópolis com a mesma força e trouxeram a ideia
de progresso e civilização que deveria ser implantada na cidade como parte de um
processo modernizador. Ainda citando Costa (2011:196), nos jornais da época “expõe-se
claramente a preocupação com a remodelação do espaço central da cidade de
Florianópolis, com o objetivo de afastar a ideia de uma cidade colonial e atrasada”. Assim,
toda a população trabalhadora e pobre que morava no centro da cidade vai ser deslocada
e empurrada para os morros do centro da cidade.
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A Escola de Samba Os Protegidos da Princesa apresenta, em sua história e na bandeira da agremiação, que traz
o número de estrelas referente ao número de títulos conquistados, a soma de 26 títulos desde sua criação em 18
de outubro de 1948; ficando na frente de Escolas como a Portela, do Rio de Janeiro, que possuí 21 títulos e a
Mangueira, também do Rio de Janeiro, que possuí 18 títulos.
representar na avenida fatos históricos, personagens e temas que refletiam épocas, não
apenas da cultura catarinense, como também da cultura brasileira”. Assim, já passaram
na avenida sambas que homenagearam Florianópolis, poetas catarinenses, esportistas
catarinenses, figuras consagradas como Zininho6, e até mesmo personagens políticos e
temas sobre imigração, guerras, cultura folclórica etc.
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O poeta Zininho nasceu em Biguaçu, em 1929, viveu sua vida nessa localidade da Grande Florianópolis e
destacou-se por produzir mais de cem músicas, variando desde marchinhas até samba-canção. Entre as músicas
de destaque, encontram-se “A Rosa e o Jasmin”, “Princesinha da Ilha” e “Rancho de Amor à Ilha”, escolhido,
em 1965, em um concurso, como hino oficial do município de Florianópolis.
que, trabalhando com a memória da velha guarda da Embaixada Copa Lord, apresenta
um trabalho sobre a constituição da memória dessa entidade acerca das mudanças
musicais, sociais e da relação com outras escolas de samba chamadas de coirmãs, para
citar alguns trabalhos. Além disso, há livros que tratam somente da cronologia do carnaval
de Florianópolis, como o de Átila Ramos (1997), que não apresenta uma análise histórica
ou nem mesmo uma narrativa histórica acerca do Carnaval.
Este trabalho está ancorado em duas perspectivas acerca da história. A primeira está
amparada em Paul Veyne (1998), que considera a história como uma narrativa de eventos.
Para tanto, ele conclui que o papel do historiador na construção da história é o de trabalhar
com indícios, não reproduzindo o que de fato aconteceu, mas representando o passado
por meio de documentos e vestígios deixados pelos homens do passado (e presente).
Nesse sentido, o uso do documento em sala de aula, com uma visão crítica, como propõem
Pereira e Seffner (2008), pode contribuir para que o aluno compreenda os sentidos da
história, percebendo-a como uma construção e não como detentora da verdade. Da mesma
forma, Schmidt e Cainelli (2009:117), que também propõem o uso de documentos em
sala de aula, podem contribuir para a criação de uma metodologia de ensino, já que
sugerem que o professor deve seguir alguns passos para que a investigação histórica de
documentos seja realizada. As autoras propõem, também, que o professor “amplie sua
própria concepção e o uso do próprio documento”, não se restringindo somente ao
documento escrito, mas abrindo a possibilidade de uso de outros documentos, como
sonoros, iconográficos, orais etc. Assim, os sambas e as fontes, com que trabalharei em
conjunto, são vestígios da história, possíveis de serem utilizados em sala de aula na
construção do conhecimento histórico escolar como nos propõe Ana Maria Monteiro
(2007). Esse conhecimento, segundo a autora, se dá de diversas formas (aproximação aos
alunos, compreensão por parte dos alunos, o trabalho com a memória etc.) e não está
desvinculado dos saberes acadêmicos, na medida em que esses saberes também são
referência para os saberes escolares. Porém, como afirma a autora, os saberes acadêmicos
não são as únicas referências, pois o conhecimento escolar estabelece diálogo com
diversos outros discursos e narrativas acerca do passado, que são veiculados nas escolas
e nas relações dos sujeitos envolvidos no processo fora do espaço escolar. Nesse sentido,
o uso dos sambas-enredo em sala de aula dialoga com a tese da autora, pois são aqueles
constituídos de uma narrativa histórica, que não a acadêmica, mas que pode ser utilizada
em sala de aula como fonte de pesquisa como meio de problematização de narrativas
sobre o passado.
Assim como aponta Le Goff, todo documento é uma construção histórica, feita por
alguém, em algum momento, para ser deixado à posteridade. Portanto, pode-se concordar
com Hermeto (2012), quando ela fala que, para Le Goff, “potencialmente, o documento
seria toda e qualquer produção humana, já que todas informam sobre o modo de vida e a
inserção social de quem as produziu” (p. 25). A autora ainda ressalta que devemos nos
atentar para um elemento fundamental da definição de Le Goff: que para o narrador
transformar uma produção cultural em “documento-monumento”, não basta ser crítico e
problematizador, ele precisar ser histórico, ou seja, as perguntas lançadas para as fontes
devem sempre informar sobre os homens e suas relações com o tempo (HERMETO,
2012:26). Nesse sentido, a análise dos sambas-enredo partirá deste princípio: da relação
entre homens e tempo. O samba foi produzido por compositores, dentro de uma escola de
samba e para uma escola de samba, em determinado momento e contexto histórico. A
partir disso, lançar-se-á um olhar crítico para as fontes.
Como parte desse contexto, no Brasil, a partir da década de 1980, emerge uma nova
concepção de ensino de história, tornando-se possível perceber “uma ampliação dos
objetos de estudo, dos temas, dos problemas e das fontes históricas utilizadas em sala de
aula” (GUIMARÃES, 2003:36). Diversos autores discutem a utilização de documentos e
da pesquisa histórica no ensino de história.
Marcos Napolitano (2005), apesar de não discutir a relação entre música e ensino
de história, traz uma relação importante sobre a pesquisa histórica e a música. Nos seus
estudos, o samba-enredo pode ser enquadrado numa categoria mais ampla denominada
de “música popular”. Essa denominação, ao contrário do que se pensa, não é antônima da
“música erudita”, mas sim um híbrido de diferentes elementos culturais de diversas
classes sociais, etnias e regiões diferentes. Assim, o autor ressalta que a música popular
também ajuda a pensar a sociedade e a história. E, nesse sentido, ele delimita aquilo que
chamamos de música popular hoje, na qual se pode incluir o samba-enredo. Assim, diz
ele:
Aquilo que hoje chamamos de música popular, em seu sentido amplo, e particularmente,
o que chamamos de “canção” é um produto do século XX. Ao menos sua forma
“fonográfica” […] adaptada a um mercado urbano e intimamente ligada à busca de
excitação corporal (música para dançar) e emocional (música para chorar, de dor ou
alegria…). A música popular reuniu uma série de elementos musicais, poéticos e
performáticos da música erudita […], da música “folclórica” […]. Sua gênese, no final
do século XIX e início do século XX, está intimamente ligada à urbanização e ao
surgimento das classes populares e médias urbanas. Esta nova estrutura socioeconômica,
produto do capitalismo monopolista, fez com que o interesse por um tipo de música,
intimamente ligada à vida cultural e ao lazer urbanos, aumentasse. [Napolitano, 2012:11-
12]
Hermeto (2012) vai dar um salto no que diz respeito a utilização da música como
fonte histórica em sala de aula. Trabalhando com canção popular, a autora, propõe uma
intervenção que não se limita à utilização da letra da música. Ela trabalha com um modelo
de sequência de ensino que prevê uma problematização inicial, um desenvolvimento da
narrativa do ensino, a aplicação de novos conhecimentos e reflexão sobre o que foi
apreendido. Assim, para cada etapa, utiliza-se da música para a análise e a mediação do
professor na construção do conhecimento. As fontes devem ser interrogadas “tanto no
que se refere aos seus aspectos históricos mais gerais, quanto no que tange ao problema
que está sendo investigado” (Hermeto, 2012:29-30). Para análise de cada documento
utilizado, tanto a música como os documentos auxiliares para a sua interpretação,
Hermeto destaca cinco dimensões do documento: material, descritiva, explicativa,
dialógica e sensível, que serão utilizadas neste trabalho para o desenvolvimento da
metodologia apresentada no segundo capítulo.
Como não é possível levar a uma sala de aula a experiência do carnaval por
completo, pois é necessário que se viva a festa para experenciá-la, usarei um fragmento
dessa experiência, que é o samba-enredo, para aproximar os alunos do mundo
carnavalesco, despertando o interesse pela pesquisa histórica por meio da análise do
samba como fonte histórica e o cruzamento com outras fontes (fotografia, jornais e fontes
orais) que falam do carnaval, da escola de samba e do tema abordado pelo samba.
Ê caboclo ê
Visões de amor
Salve a “resistência”!
A força da tirania
Reinaria o amor
Esse samba foi produzido para o carnaval de 2012, em parceria formada pelos
compositores Willian Tadeu,8 Fred Inspiração,9 Conrado Laurindo,10 Ricardo Abrahan.11
Por meio dele, a escola homenageou os cem anos da Guerra do Contestado, escolhendo
dar voz e vida às pessoas que vivenciaram a guerra. Assim, o compositor Willian Tadeu
nos relata em entrevista como se deu a escolha do tema:
[…] a escolha do tema é uma coisa muito difícil. Essa pergunta, todo mundo e a imprensa
costumam fazer muito essa pergunta. […] as pessoas levam pro presidente [os temas], pra
algum diretor, pra alguém que faça parte do comando da Escola, pra que façam as suas
propostas chegarem [à Escola]. E aí vai dele [o presidente] definir e como ela vai decidir.
[…] Esse enredo de 2012 era de autoria da Marta Gonzaga. […] há muitos anos ela já era
apaixonada pela história do Contestado. E era uma pesquisa não acadêmica, autodidata,
digamos assim. [Ela] Gostava de ler, de ir nos lugares para conhecer. E por ser 100 anos
da Guerra do Contestado, ela resolveu apresentar essa proposta na Protegidos, e até onde
7
Letra do samba-enredo da Escola de Samba Os Protegidos da Princesa, retirado do site
https://letras.mus.br/protegidos-da-princesa/contestado-100-anos-da-insurreicao-xucra/. Os grifos foram feitos
por nós, marcando os dois principais refrãos do samba.
8
Willian Tadeu Melcher Jankovisk Leite é compositor de sambas-enredo, atuando na Escola de Samba Os
Protegidos da Princesa, desde 2008, e desenvolvendo enredos e criações para o carnaval, desde 2015, sempre na
mesma escola. Já compôs e venceu sambas em diversos carnavais do Brasil, como Porto Alegre, Manaus, Vitória
e São Paulo. É mestrando em História na Universidade Estadual de Santa Catarina – UDESC, atuando nas
pesquisas sobre narrativas das Escolas de Samba de Florianópolis.
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Frederico Freire de Lima Neibert Ferreira é compositor de sambas-enredo, atuando na Escola de Samba Os
Protegidos da Princesa, desde 2008. Possui sambas-enredo em outras Escolas do Brasil, nas cidades de Porto
Alegre, São Francisco do Sul, Biguaçu, Passo Fundo, entre outras. É Mestre em Música (Etnomusicologia), pela
Universidade Estadual de Santa Catarina – UDESC, e atua como professor de diversas disciplinas da área na
Casa da Cultura de Joinville e na Escola do Teatro Bolshoi no Brasil, onde acumula a função de pianista e
professor.
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Conrado Laurindo é compositor de sambas-enredo, atuando na Escola de Samba Os Protegidos da Princesa,
desde 2008, e na Escola de Samba Acadêmicos do Sul da Ilha, na qual é fundador e conselheiro. Iniciou
compondo sambas para a Escola de Samba Consulado do Samba, e desde então já possui sambas-enredo em
diversos locais do país: no total são 58 sambas espalhados pelo Brasil. É formado em Administração pela
Faculdade Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina - CESUSC, e possui especialização em Planejamento
e Gerenciamento Estratégico pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
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Ricardo Ávila Abraham é compositor de sambas-enredo, vinculado à Escola de Samba Os Protegidos da
Princesa, desde 2008. Além disso, é membro do Conselho Deliberativo da Escola e integrante da bateria da
Escola. Já compôs para outras Escolas do grupo de acesso de Florianópolis e para agremiações de Porto Alegre
e Passo Fundo, no Rio Grande do Sul. Também atuou como jurado do carnaval de Concórdia de Santa Catarina,
no ano de 2015. É formado em Direito, pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, atuando na área
de advocacia.
eu sei, aconteceu aquilo que eu te falei, que na ocasião encantou o presidente. […] ela
mandou essa proposta e as pessoas se encantaram pela ideia, com uma certa facilidade
até. Um tema que cativou as pessoas. [Tadeu, 2015]
Segundo a sinopse do enredo, construída por Martha Gonzaga (2011), a escola iria
recriar na avenida “o universo da época de um episódio bélico de sangrentos combates
entre a população cabocla, os poderes estadual e federal dos estados do Paraná e Santa
Catarina, no começo do século XX” (Nós somos a resistência do samba, 2011:12). Porém,
ao nos relatar sobre o processo de composição do samba a partir do enredo, Willian Tadeu
chama a nossa atenção para o fato de que mesmo seguindo a sinopse do enredo, “você
[quem compõe o samba] tem que achar um caminho que sensibilize pessoas” (Tadeu,
2015). Dessa forma, a linguagem que o samba-enredo apresenta, além de ter como
objetivo retratar a história contada pela sinopse do enredo em avenida, busca apresentar
uma “narrativa palatável pro público” e despertar nas pessoas uma empatia pelo enredo
apresentado (Tadeu, 2015). Por essa razão, a escolha por uma narrativa mais sensível em
relação a Guerra do Contestado; pois, se a narrativa não despertar “a sensibilidade das
pessoas pra Guerra do Contestado” e se for “muito dura, muito factual” e “enumerar
personagens”, não se tornará agradável ao público (Tadeu, 2015).
Eu lembro que quando a gente tava compondo, tinha uma coisa que sempre me vinha à
cabeça: a gente não tá contando a história da Guerra do Contestado, a gente tá contando
a história das pessoas que viveram a Guerra do Contestado. […] [O samba] não trata a
guerra de uma maneira fria, ele lembra que tinha pessoas vivendo aquela guerra. Como
diz meu professor Paulino, que eu tive na UDESC, […] “é que nós temos que lembrar
que estamos contando as histórias dos mortos e nós temos que respeitar os mortos”. Então
aquele samba foi muito isso. Respeitar a dor que aquelas pessoas viveram e tentar traduzir
de alguma maneira no samba. [Tadeu, 2015]
Através da fala do compositor, fica visível a escolha tomada pela Escola para
retratar a Guerra do Contestado. Busca-se dar ênfase às pessoas que participaram do
conflito, nesse caso os caboclos, como mostra a própria letra do samba. É uma escolha
deliberada, enfatiza a vida desse caboclo, sua religiosidade e sua relação com a terra, em
detrimento de outros aspectos da guerra, para tornar a narrativa mais sensível e plausível
ao público, na visão do compositor. Além disso, ao escolherem retratar o cotidiano das
pessoas que vivenciaram a guerra, é como se através dos relatos e reportagens, presentes
na pesquisa da autora do enredo, fosse possível transportar o sentimento dessas pessoas
para a avenida.
sertanejos acabaram demonstrando, tanto por discursos como por atos, que
desenvolveram uma nítida consciência das condições sociais e políticas de sua
marginalização, de que se tratava de uma guerra entre ricos e pobres, que lutavam contra
o governo que defendia os interesses dos endinheirados, dos “Coronéis” e dos
estrangeiros. [Machado, 2001:6]
Dessa forma, é possível perceber que o samba-enredo apresentado faz uma escolha
ao retratar a parte do movimento relacionada à crença religiosa. Apesar de retratar
também o conflito em relação à terra e a presença da empresa Brasil Railway, construtora
da estrada de ferro na região, não apresenta elementos que corroborem a questão
apresentada acima e não enfatizando a questão social de luta de classes. Ao que parece, a
luta de classes não é um elemento que mobiliza a sensibilidade do público, nem dá conta
de retratar a história das pessoas que vivenciaram a guerra, talvez porque se a narrativa
fosse construída em função da luta de classes – apresentada no trecho anterior –, não seria
possível uma abordagem tal como foi feita no samba. Isso deixaria de lado o elemento
mítico que a religiosidade dos sertanejos apresenta e tiraria o caráter quase divino
atribuído à presença dos monges, das virgens, das crenças e do resultado da guerra
proposto no samba, que apresenta o oeste do estado como um resquício dessa esperança
de alcançar o paraíso, ainda que através da guerra.
Ainda que o samba mencione a questão da terra presente na luta dos caboclos, opta
por não mencionar a questão da propriedade da terra que passa a ser transformada em
capital, em meados do século XIX, com a aprovação da Lei de Terras, em 1850, que
estabelecia a compra como única forma de acesso à terra. Dessa forma, na região do
Contestado, localizada no planalto de Santa Catarina e caracterizada como região de
fronteira, com “forte presença de camponeses nacionais, agregados e posseiros”, estes
sentirão também “o forte, e muitas vezes violento, efeito da transformação da terra em
capital, na mesma medida em que destinavam parte de sua produção ao mercado e
também eram homens livres” (Machado, 2001:11).
12
O pavilhão é o símbolo máximo da Escola de Samba, representado através de uma bandeira que possuí as cores
e o brasão da Escola, e, geralmente, a quantidade de títulos que ela possui.
Nesse sentido, é importante lembrar que a Escola de Samba, como já mencionado,
não tem a pretensão de contar ou retratar uma verdade histórica, nem mesmo se prender
à historiografia oficial ou acadêmica, embora por vezes as informações apresentadas
coincidam com alguns elementos historiográficos, revelando que eles fazem escolhas e
que as narrativas apresentadas não são neutras. Mas, ainda assim, tais elementos podem
ser utilizados, através de uma metodologia de ensino, como fonte histórica, que além de
apresentar uma versão histórica sobre algum tema específico, traz consigo a bagagem
cultural e a sabedoria de toda uma instituição já consolidada em nossa sociedade. Assim,
essa versão, apresentada pela Escola, tem um grande potencial para abordar a história do
Contestado, ainda que precise ser problematizada por quem a utiliza, justamente por
apresentar seja uma narrativa “eficiente” para contar uma história, seja aspectos
relevantes do cotidiano e do imaginário dos sertanejos que participaram da guerra.
1.2.2 O samba da Embaixada Copa Lord: O ponto é chic, a Felipe Schmidt é charme, Floripa é
show
Quem vem lá
É a comunidade guerreira
Esse samba foi produzido também para o carnaval de 2012, pelos compositores
Celinho da Copa Lord,14 Edu Aguiar,15 Mará,16 Tom Tom.17 O tema escolhido pela escola
13
Letra do samba-enredo da Escola de Samba Embaixada Copa Lord, retirado do site
http://wp.clicrbs.com.br/tamborim/2011/11/28/copa-lord-ouca-o-samba-
2012/?topo=67,2,18,,,67&status=encerrado. Os grifos foram feitos por nós, marcando os dois principais refrões
da letra.
14
Gilson Célio Veloso é compositor de sambas desde 1978, tendo composto 19 sambas para a Escola de Samba
Embaixada Copa Lord, entre eles o Hino da Velha-guarda da Escola.
15
Edu da Silva Aguiar é compositor desde os treze anos de idade, tendo ingressado na Embaixada Copa
Lord no ano de 1982, a convite da agremiação. A partir de 1985, começou uma parceria com Gilson Célio
Veloso (Celinho da Copa Lord), construindo e emplacando vários sambas notas dez, como o de 2012, que
fala da história da Rua Felipe Schimdt e sua relação com Florianópolis. No ano de 1984, inicia a construção
de diversos enredos para a mesma Escola, consagrando seu nome no carnaval de Florianópolis.
16
Ilsom Candido da Silva é compositor de sambas-enredo, natural de Florianópolis e filho do compositor
da Beija-Flor de Nilópolis Wilson Bombeiro. Já compôs sambas para a Embaixada Copa Lord e Unidos da
Coloninha. Atualmente, atua na Escola de Samba Dascuia.
17
Ailtom Domingos é compositor da Escola de Samba Embaixada Copa Lord (não encontramos outras
informações acerca do compositor).
de samba procura tratar de eventos, locais e práticas sociais que ocorreram na rua Felipe
Schmidt e seus arredores, ao longo dos seus anos de existência, e foi escolhido, segundo
o criador do enredo, Edu Aguiar, como “forma de exaltar o que Florianópolis tem de mais
belo, trazendo à tona algumas lembranças acerca do seu passado” (Aguiar, 2011). Assim,
em entrevista, ele nos relata em relação à escolha do tema feito pela Escola para o ano de
2012:
Ela se viu voltada pelo momento de identificação pela própria cidade. Da cidade com a
própria Embaixada Copa Lord. Que foi feito um levantamento e desse levantamento, 64%
da pesquisa as pessoas tinham uma forte interação pela Embaixada Copa Lord. E pelo
meu contato com o pessoal do Ponto Chic e com pessoas ligadas à cultura da cidade,
também sendo simpatizantes da Copa Lord. Levando essa história pra eles e focando essas
três palavras: chique, charme e show. Ficou um prato feito pra aquilo que já tava sendo
feito pela mídia em termo de divulgação da cidade como venda de produto turístico.
[Aguiar, 2016]
Dessa forma, torna-se evidente que a escolha do tema para o enredo seguiu uma
tendência percebida pelos componentes da própria Escola em relação ao momento
histórico do tempo presente vivido por Florianópolis: a promoção da capital do estado
como local turístico. Assis (2000), falando sobre esse processo de construção de
Florianópolis como capital turística, nos coloca que:
O discurso que formou a atual imagem sobre a Ilha de Santa Catarina aparece
timidamente nos anos 50 e é apropriado pelos dirigentes políticos desde a década de 60.
Nos anos 70, há um grande empenho para construir a “Florianópolis Turística” – baseado
em seus atrativos naturais – sufocando por definitivo a “Florianópolis Provinciana”. O
objetivo primordial dessa transformação era a busca por visitantes para engordar as
finanças do município. [Assis, 2000:4-5]
O samba construído pela Escola de Samba Embaixada Copa Lord reproduz essa
construção social, problematizada pela autora, que exalta Florianópolis como capital
turística do Estado de Santa Catarina e corrobora o empenho dos governantes,
especialmente através da mídia, de difundir essa ideia. E mesmo com a sacralização
dessas imagens ao longo do tempo, a autora propõe que seja realizada uma
problematização em relação a essa sacralização, demonstrando que a possível vocação
para o turismo não é algo natural e inerente a Florianópolis, e sim a apropriação de alguns
discursos que evidenciaram algumas características com potenciais de exploração – como
a questão ambiental, apresentada pela autora.
No primeiro refrão apresentado no samba, a Escola aproveita para fazer uma citação
ao carnaval (Aos carnavais do passado eu vou/ Quantas lembranças essa rua me traz), e a
si mesma (Sou Copa Lord eu sou meu samba tá em cartaz/ Felipe Schmidt teu charme é
demais), inserindo a própria Escola na narrativa relativa ao passado.
No segundo refrão, percebe-se o uso de diversos elementos já cristalizados no
imaginário social ilhéu e nos discursos turísticos em relação a Ilha de Santa Catarina.
Assim, o samba evoca Floripa como uma musa da poesia, que traz inspiração para cantar
(Floripa musa da poesia inspira a cantar). Depois vai mencionar o Rancho de Amor à Ilha,
música composta por Zininho e escolhida como hino oficial de Florianópolis, em 1965
(O rancho de amor à ilha em harmonia/ Com a brisa que vem lá do mar/ Onde o luar se
veste de magia). A evocação da figura das bruxas da Ilha de Santa Catarina também se
fará presente nesta estrofe do samba (E as bruxas soltas com seu caldeirão), contribuindo
também com o discurso construído acerca da mitologia presente nesta ilha e reforçando
a ideia de Ilha da Magia, tão consolidada no discurso turístico de promoção da Ilha (Essa
terra tem mistérios oh divina sedução). Sempre utilizando recursos poéticos, próprios à
linguagem musical dos sambas-enredo, o final desta estrofe exalta a paixão por
Florianópolis, mobilizando elementos da natureza como “o lindo sol da manhã” (E o lindo
sol da manhã encanta o meu despertar/ Num simples gesto de amor e liberdade/
Abençoando a quem sabe te amar/ Paixão no coração dessa cidade).
Como todo trabalho começa de algum ponto de partida, com este não seria diferente. Para
a construção da proposta de metodologia de ensino de História, tal como definido como
eixo central para o presente trabalho, foi necessário fazer escolhas acerca de quais
sambas-enredo seriam utilizados. Essa escolha não se deu aleatoriamente, como
explicitado no capítulo anterior, mas seguiu alguns critérios que são relevantes para o
próprio ensino de história. O primeiro critério que utilizei foi escolher um samba que
tratasse de algum tema ou processo histórico. E é claro que existem diversos sambas que
preenchem esse critério, nos mais diversos locais do país. Daí, segui, como meu segundo
critério, a escolha de um samba local, ou seja, que tivesse sido produzido por uma das
escolas de samba de Florianópolis. Por fim, optei por sambas que pudessem apresentar
um panorama macro e microrregionais, de forma a explorar contextos que direta ou
indiretamente contribuíssem para a concepção de processos históricos.
A partir da definição dos sambas, iniciou-se uma investigação histórica acerca das
escolas de samba e de seus sambas de 2012. Essa investigação pautou-se em pesquisas
acerca da história da escola, do conteúdo dos sambas-enredo, seu tema propriamente dito
(Contestado/ História de Florianópolis). Além disso, foi realizada uma entrevista oral com
um compositor de cada escola, foram selecionadas fotos e logomarcas dos desfiles e
recortes da historiografia acerca do tema que será abordado em cada samba. Assim, minha
pesquisa ficou restrita aos dois sambas escolhidos, mas a proposta desenvolvida neste
capítulo visa demonstrar como a metodologia proposta pode ser utilizada para uso desses
e também de outros sambas-enredo.
Dialogando com Bittencourt (2008), Hermeto vai esclarecer que o uso da música
como documento se dá na perspectiva proposta pela autora, que coloca que os
documentos não são produzidos originalmente na concepção de saberes escolares, mas,
que através do ato educativo, “são apropriados com finalidade didática” (Hermeto,
2012:141). Assim, o samba-enredo, neste trabalho, é usado nessa perspectiva, como
documento não produzido para o saber escolar, mas que pode ser apropriado pelo
professor com finalidade didática. Para isso, é necessário estabelecer alguns métodos que
deem conta de analisar esses documentos, de forma crítica, dialogando com os princípios
metodológicos do campo da história. E é isso que Hermeto (2012) faz: ela cria as
dimensões apresentadas acima, como forma de explorar a música como fonte histórica de
linguagem específica, considerando-a como objeto de um determinado tempo, que
mobiliza discursos específicos e sensibilidades em quem a ouve.
Dessa forma, elaborei o produto final deste mestrado, composto por um conjunto
de materiais que forma a proposta metodológica de ensino de história através de sambas-
enredo e que contém: um guia de professor, um conjunto de 23 fontes históricas e um
diário de experimentações para uso dos alunos.
2.1 O guia do professor: eixos e atividades que compõem a proposta metodológica
O guia do professor foi divido em três eixos principais, inspirados em dois projetos já
existentes, o primeiro deles é “Caixa da História: Magé”, produzido pelo grupo de
pesquisa “História de São Gonçalo: memória e identidade”, da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro, criado em 2007.18 O material contém um conjunto de atividades
elaboradas a partir de vestígios documentais relacionados ao patrimônio histórico da
própria cidade e busca contribuir para a reflexão acerca das vivências passadas de
indivíduos e da coletividade, além de contribuir para a constituição do patrimônio local e
para a reelaboração de memórias relacionadas à cidade. Além desse projeto, também me
inspirei em “A Aventura do Documento” projeto desenvolvido pelo Laboratório de
Patrimônio Cultural – LABPAC, da Universidade Estadual de Santa Catarina19, que
oferece oficinas de história contemporânea através da análise de diferentes tipos de
documento, dando ênfase às questões relacionadas ao patrimônio cultural, ainda em
andamento. E para compor a metodologia, além dos dois projetos, foi adaptada a
metodologia proposta por Hermeto (2012), para se trabalhar com a canção no ensino de
História, em relação às especificidades dos sambas-enredo.
18
Caixa da História foi elaborado por Helenice Aparecida Bastos Rocha, Luís Reznik, Marcelo de Souza
Magalhães, Márcia de Almeida Gonçalves e Rui Aniceto Nascimento Fernandes, componentes do Grupo de
Pesquisa História de São Gonçalo: memória e identidade, vinculado à Faculdade de Formação de Professores da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FFP/UERJ). O Grupo produziu duas Caixas, uma para o Município
de São Gonçalo e outra para o Município de Magé, ambos localizados no Estado do Rio de Janeiro. Ambas as
caixas apresentam propostas estruturadas em forma de atividades, construídas a partir de vestígios documentais
referenciados ao patrimônio histórico, formal e informal da localidade, como o próprio grupo descreve em
documento explicativo acerca do produto. Nas caixas apresentadas, estão presentes materiais diversos como
pranchas fotográficas, compact disk, papéis, folhetos, livretos, fac-símile de jornal, além de fichas de
apresentação do material e de proposição do que deve ser feito para a análise do mesmo. Após a produção da
Caixa da História do Município de São Gonçalo em 2006, o grupo entrou em contato com a Secretaria Municipal
de Educação, a fim de distribuí-las para as escolas da rede. Firmou-se então uma parceria para viabilizar a
realização de oficinas sobre o uso da metodologia proposta na Caixa da História com os professores do primeiro
e do segundo segmentos do ensino fundamental, visando a disseminação da proposta de ensino. (Rocha, Helenice
A. B; Reznik, Luís; Magalhães, Marcelo de S.; Gonçalves, Márcia de A.; Fernandes, Rui A. N. Caixa de História:
memória e patrimônio cultural. Texto não publicado, sem data)
19
O projeto foi coordenado pela professora dra. Janice Gonçalves e elaborado em conjunto com os bolsistas e
colaboradores do projeto ao longo de sua execução. Surgiu em 2003, tendo sido suspenso por dois períodos (julho
de 2004 e julho de 2006), e não está mais em andamento atualmente. Como um projeto de extensão, tinha como
principal objetivo discutir e propor formas e procedimentos de utilização de documentos no ensino de História,
propondo inicialmente a elaboração de “caixas pedagógicas” contendo reproduções e transcrições de documentos
(com ênfase em documentos de arquivo de acervos públicos) ou mesmo “originais” (no caso de documentos que
nascem múltiplos, como cartazes, folhetos de divulgação etc.). A proposta traz também, acompanhando os
documentos, textos que informem sobre seu contexto e indiquem sugestões de atividades em sala de aula, no
formato de oficinas. As caixas pedagógicas são disponibilizadas através de empréstimo para professores das
escolas da rede pública existentes no município de Florianópolis, que, na devolução do material, podem informar
sobre os problemas e aspectos positivos observados em sua utilização, oferecendo sugestões de aperfeiçoamento.
Além disso, são oferecidas algumas informações no site do projeto, como indicações de bibliografia acerca das
relações entre História e Documento e algumas oficinas disponíveis on-line. Disponível em:
<http://www.labpac.faed.udesc.br/aventura.htm>.
A proposta de ensino-aprendizagem, com a mediação de diversos documentos
selecionados para a metodologia de ensino apresentada, leva em conta algumas premissas
importantes para o Ensino de História, que correspondem às discussões teóricas
relacionadas ao ensino, promovidas no Brasil a partir da década de 1980, que visam
ampliar os objetos de estudo, os temas, os problemas e as fontes históricas utilizadas em
sala de aula. Além disso, pauta-se nas finalidades do Ensino de História, e da
aprendizagem como um todo, apresentadas na legislação vigente acerca do Ensino
Fundamental e Médio do país.
Corroborando a ideia de que a música mobiliza sentimentos nos sujeitos e pode ser
um material possível de compreender as relações sociais complexas, o autor Swanwick,
professor de educação musical na Universidade de Londres, explora, em seu estudo, as
dimensões psicológicas e sociológicas da experiência musical e suas implicações para a
educação em uma sociedade pluralista, enfatizando a importância da música no
desenvolvimento da mente. Ainda que explore a educação musical e proponha novas
abordagens no currículo do ensino de música na Inglaterra, e não trate a música como um
documento histórico, como propõe esta metodologia, o estudo do autor vai contribuir para
este trabalho no sentido de oferecer suporte ao uso da música no ensino de História e
reconhecê-la como evidência da necessidade humana de “fazer e interpretar o mundo
através de processos simbólicos compartilhados” e da importância da experiência musical
“à maturação, educação e desenvolvimento de pessoas jovens” dentro de uma sociedade
pluralista e multicultural (Swanwick, 2014:16-17). Assim, iniciar com a sensibilização,
pressupõe partir dos sentimentos que a música provoca no aluno e ter essa experiência
sensorial como referência inicial. Para tanto, parte-se do pressuposto que integra os
debates sobre o conhecimento escolar: isto é, de que partir da realidade dos alunos, das
suas próprias percepções, e reconhecer que ele é um sujeito ativo no mundo, com cultura
e modo de vida singular, é um passo importante para compreender as singularidades do
processo de escolarização.
Para tal reflexão, utiliza-se a proposta de Hermeto (2012) no que diz respeito à
dimensão explicativa apresentada pela autora, que visa perceber a existência de um lugar
social de produção da narrativa, identificando que alguém escreve o samba em relação ao
seu contexto, e cria uma dada interpretação para o tema escolhido.
2.1.3 Eixo III: os usos do passado – as versões históricas contadas através dos sambas-enredo
O Eixo III vai abordar as versões históricas criadas pelos sambas-enredo acerca do
passado que ele mobiliza. Assim, apresenta três atividades diferentes. A primeira trata do
samba da Escola de Samba Os Protegidos da Princesa a respeito da Guerra do Contestado,
que ocorreu no estado de Santa Catarina. A segunda trata do samba da Escola de Samba
Embaixada Copa Lord sobre acontecimentos que ocorreram na rua Felipe Schmidt e seu
entorno, no centro da cidade de Florianópolis. E a terceira atividade possível de ser
aplicada para ambos os sambas conclui a proposta didática e estimula os alunos a criarem
um enredo com tema histórico e um samba-enredo baseado nesse enredo, possível de ser
apresentado na avenida.
Nas duas atividades, referentes à versão histórica retratada pelos sambas, dialoga-
se com os estudos acerca da cultura histórica, desenvolvidos principalmente pelo autor
Jörn Rüsen (2009). E também com os estudos acerca dos usos do passado no ensino de
História, apresentados pela autora Helenice Rocha (2014), que discute a diversidade de
produtos que evocam o passado, como filmes, músicas, novelas, jogos, revistas etc., e a
forma como os professores se apropriam desses produtos para utilizá-los em sala de aula.
Assim, a cultura histórica se expressa através das narrativas criadas por aqueles que
se mobilizam a falar do passado, constituindo os produtos – filmes, novelas, jogos, livros
de ficção, músicas etc. – nos quais os usos do passado se apresentam.
Dialogando com Rüsen, Helenice Rocha explica que o autor propõe a existência
das dimensões estética, política e cognitiva no interior da cultura histórica. Assim ela nos
coloca:
os Surdos, que são apresentados como os instrumentos mais graves das baterias,
e divididos em três tipos: surdo de primeira, que tem o papel de realizar a primeira
marcação da bateria; o surdo de segunda, que realiza a segunda marcação, ou seja,
ele responde ao surdo de primeira; e o surdo de terceira, que se caracteriza por
reforçar a marcação do surdo de primeira e realizar sonoridades que permeiam a
marcação dos dois surdos anteriores, é ele o responsável pelo “balanço” da bateria
(Marcelino, 2015:49-53);
o Chocalho, que faz parte dos instrumentos mais leves da bateria, junto com o
tamborim e a cuíca, vem posicionado na frente da bateria, como os outros dois
instrumentos. Possui um som bem destacado e agudo e é tocado com um
movimento básico para a frente e outro para trás. Acompanha a subdivisão das
caixas e repiniques, ajudando a sustentar o ritmo, aparece geralmente nos refrões
e descansa na estrofe que antecede o refrão principal. O chocalho mais comum é
feito de madeira ou metal, contendo várias fileiras de platinelas fixadas. A
Protegidos da Princesa é a única escola que utiliza outro tipo de chocalho, além
desse descrito anteriormente: o chocalho balão, que é tocado por um único ritmista
e faz uma levada específica com acentos contrários aos dos chocalhos tradicionais
(Marcelino, 2015:59-61);
a Cuíca, que é um dos instrumentos mais tradicionais das baterias. ela aparece na
primeira fileira e permite diversas variações na levada (Marcelino, 2015:64);
20
Para conhecer os sons apresentados pelo autor, pode-se visitar o site criado pelo mesmo no link
http://www.ritmosebatucadas.com.br/.
2.2.2 Fonte musical: a letra dos sambas-enredo
Trata-se de uma fonte escrita, propriamente dita, mas que será analisada neste trabalho
como fonte musical, em função da sua dimensão melódica que acompanha a construção
dessa forma de escrita. Assim, a letra é sempre pensada em relação à melodia e vice-
versa. Procura-se identificar o narrador/produtor do texto, o tema, a estrutura do texto,
mas também se busca identificar os instrumentos que compõem o arranjo, tentando
relacioná-los à intenção do autor ao abordar um tipo de sonoridade e não outro.
Abrangendo a dimensão descritiva proposta por Hermeto, essa análise apresenta-se no
Eixo I da proposta, destinado à análise de fontes musicais.
Assim, apresentam-se neste trabalho as duas letras a seguir, que correspondem aos
sambas escolhidos para a metodologia de ensino.
Fonte: TAMBORIM. Copa Lord: ouça o samba 2012. Reportagem publicada em 28 nov. 2011.
Disponível em: <http://wp.clicrbs.com.br/tamborim/2011/11/28/copa-lord-ouca-o-samba-
2012/?topo=67,2,18,,,67&status=encerrado>. Acesso em: 20 jan. 2015.
Para a análise das letras dos sambas-enredo, criou-se uma ficha de análise de
samba-enredo que abarcasse os elementos mais importantes da análise dessa linguagem
específica, buscando identificar os elementos descritos acima: título, autor, ano de
produção, estrutura do texto, tema abordado, temporalidade presente no texto, processos
históricos representados pelo samba e os sujeitos da ação no samba-enredo, para que o
aluno, com o intermédio do professor, tenha elementos suficientes para relacioná-los à
produção da melodia e possa compreender quais construções acerca do passado esses
sambas apresentam. Dessa forma, apresenta-se a seguir a ficha de análise de samba-
enredo.
21
Esse breve histórico foi produzido a partir das informações encontradas na revista da própria Escola, Nós somos
a resistência do samba, produzida em 2011. Também lhe foram acrescentadas as informações referentes aos
títulos adquiridos após 2011, encontradas no site da própria Escola. Disponível em: <www.protegidos.com.br>.
Fonte: Produção da própria autora, 2015.22
Acredito ser importante utilizar como fonte uma narrativa acerca da história das
Escolas de Samba, produzida por elas mesmas. Existem algumas contradições sobre as
datas e fatos que compõem a sua fundação, porém há certo consenso nessa versão
apresentada por elas, quase como um mito fundador das próprias entidades. Além disso,
através dessas histórias, pode-se dar visibilidade aos locais onde as Escolas se
constituíram e mobilizaram uma identidade, ou seja, os morros da Caixa e do Mocotó,
espaços que por vezes são negligenciados na história de Florianópolis. Assim, abre-se a
possibilidade, também, de dar visibilidade aos sujeitos que moram nesses locais, que
participam ativamente da Escola e que não vivem somente do samba, mas possuem uma
vida, uma rotina, um trabalho além do universo carnavalesco. É possível refletir a partir
da história de Florianópolis sobre como as populações pobres foram retiradas do centro
da cidade, no início do século XX, e passaram a ocupar esses espaços nos morros,
construindo as comunidades presentes atualmente ali.
22
Esse breve histórico foi produzido através das informações encontradas no material que compõe o enredo
oficial do carnaval de 2012, da própria Escola, cedidos a mim pelo compositor e autor do enredo, Edu Aguiar.
2.2.4 Fonte escrita: recorte de jornal
O recorte de jornal apresentado como fonte neste trabalho é considerado uma fonte
escrita, mais especificamente uma fonte impressa. E como tal, possui particularidades na
análise que não devem ser desconsideradas. Assim, além do recorte de jornal apresentado
como fonte, criou-se também uma Ficha de Análise de Fonte Escrita, que procura dar
conta das especificidades da fonte e proporcionar uma análise acerca da reportagem sobre
as transformações urbanas ocorridas na cidade de Florianópolis ao longo do século XX,
para que o aluno, mediado pelo professor, consiga estabelecer um diálogo com as outras
fontes propostas na atividade em que ela aparece.
Encontrar as fontes;
Dessa forma, criou-se uma ficha de análise de fontes escritas que abarque os
elementos mais importantes da análise, buscando identificar o autor, ano de publicação,
editor, acervo a que pertence, tipo de publicação, suporte, título da notícia, tema abordado,
sujeitos da ação, local de produção e o público a quem era destinado essa publicação (no
caso o jornal como um todo), para que o aluno, com o intermédio do professor, tenha
elementos suficientes para relacionar essa produção com as outras fontes apresentadas na
atividade e possa compreender os processos de transformação urbana que ocorrem na
cidade e sua relação com a formação das Escolas de Samba de Florianópolis. Dessa
forma, apresenta-se a seguir a ficha de análise de fontes escritas.
2.2.5 Fontes iconográficas: imagens da rua Felipe Schmidt, logomarca dos enredos de 2012 e
imagens dos desfiles de 2012
As fontes iconográficas, presentes neste trabalho, são variadas e compõem três tipos
diferentes: as imagens da Rua Felipe Schmidt; as logomarcas dos enredos de 2012 das
duas Escolas de Samba; as imagens dos desfiles das duas Escolas de samba, do ano de
2012. Cada uma dessas iconografias será utilizada em momentos diferentes da proposta
metodológica, com propósitos distintos. O único elemento que será utilizado igualmente
em todas elas é a Ficha de Análise Iconográfica, produzida para dar conta de questões
pertinentes à análise de imagens. Ainda que a própria fotografia seja também uma
representação do momento do desfile, captada através de quem fotografa a cena, essas
fontes podem ser utilizadas para trazer fragmentos do desfile para a sala de aula e
problematizar, através da análise iconográfica, quais representações as Escolas
apresentaram na avenida através de suas alegorias. Já as imagens da Rua Felipe Schmidt
mostram perspectivas da mesma rua em momentos históricos distintos, um em 1920, e
outro em 2008, demonstrando, visualmente, as mudanças ocorridas no centro da cidade
de Florianópolis, ao longo do processo de urbanização da mesma.
Fonte: Rua Felipe Schmidt durante a década de 1920. Florianópolis, década de 1920. Fotografia.
Acervo: Casa da Memória.
Fonte: FILHO, Evaldo Silva. Carro Abre Alas: Os primeiros donos da terra e a natureza. Os
Protegidos da Princesa: Desfile 2012. Fotografia. Acervo: Liga das Escolas de Samba de
Florianópolis.
Figura 14. Fonte 16: fotografia do segundo carro alegórico da Escola de Samba Os
Protegidos da Princesa
Fonte: SEGUNDO Carro Alegórico: Pelos trilhos da ambição… O dragão do Contestado. Os
Protegidos da Princesa: Desfile, 2012. Fotografia. Acervo: Raphael Soares.
Figura 15. Fonte 17: fotografia do terceiro carro alegórico da Escola de Samba Os
Protegidos da Princesa
Fonte: TERCEIRO Carro Alegórico: Verá que um filho teu não foge à luta! A esperança no oeste
catarinense. Os Protegidos da Princesa: Desfile 2012. Fotografia. Acervo: Raphael Soares.
Figura 17. Fonte 20: fotografia do carro abre-alas da Escola de Samba Embaixada
Copa Lord
Fonte: KUERTEN, Guto. Carro Abre-Alas: Ponto Chic- O aroma está no ar, que cafezinho
gostoso. Embaixada Copa Lord: Desfile de 2012. Acervo: Diário Catarinense.
Figura 18. Fonte 21: fotografia do segundo carro alegórico da Escola de Samba
Embaixada Copa Lord
Fonte: KUERTEN, Guto. Segundo Carro Alegórico: Felipe Schmidt- marco zero, rua principal
que faz pulsar o coração da cidade. Embaixada Copa Lord: Desfile 2012. Fotografia. Acervo:
Diário Catarinense.
Figura 19. Fonte 22: fotografia do terceiro carro alegórico da Escola de Samba
Embaixada Copa Lord
Fonte: KUERTEN, Guto. Terceiro Carro Alegórico: A grande parada da diversidade. Embaixada
Copa Lord: Desfile 2012. Fotografia. Acervo: Diário Catarinense.
Partindo dessa premissa, criou-se uma ficha de análise de fontes iconográficas que
abarcasse os principais elementos de análise, buscando identificar: o autor, ano de
produção da imagem, acervo a que pertence, tipo de produção, local de produção, motivo
da produção, para quem foi produzida; além da descrição da imagem – se é colorida ou
em preto e branco, quais os elementos observados nela – atitudes, gestos ou ações, e que
tipo de efeito o conjunto desses elementos produz na imagem. Tudo isso para que o aluno,
com o intermédio do professor, tenha recursos suficientes para relacionar essa produção
com as outras fontes apresentadas na atividade e possa também identificar as
representações históricas criadas pela Escola de Samba acerca do tema histórico
escolhido por ela para desfilar na avenida. Dessa forma, apresenta-se a seguir a ficha de
análise de fontes iconográficas.
As fontes orais, utilizadas para a confecção deste trabalho, estão amparadas nos preceitos
da História Oral, que estabelece conceitos e diretrizes de como realizar entrevistas orais
e proceder com o tratamento das fontes produzidas a partir das entrevistas.
Figura 21. Fonte 10: entrevista oral com o compositor Willian Tadeu, da Escola de
Samba Os Protegidos da Princesa
23
https://drive.google.com/open?id=0BxP3QbLsQ3kwUzVxbU9KOFM5dTA.
Fonte: TADEU, Willian. O samba pede passagem: o uso de sambas-enredo no ensino de história.
Florianópolis, 2015. Entrevista realizada por Fabiolla Falconi Vieira.
Figura 22. Fonte 11: entrevista oral com o compositor Edu Aguiar, da Escola de
Samba Embaixada Copa Lord
Fonte: AGUIAR, Edu. O samba pede passagem: o uso de sambas-enredo no ensino de história.
Florianópolis, 2016. Entrevista realizada por Fabiolla Falconi Vieira.
Para análise das fontes orais, criou-se uma ficha de análise que abarcou os principais
elementos de análise, buscando identificar o entrevistado e sua relação com a Escola de
Samba, ano de realização da entrevista, local de realização, analisando de que forma o
entrevistado descreve os processos de escolha do enredo, realizado pela Escola, e de que
forma é feita a composição do samba-enredo, realizado pelos compositores. Dessa forma,
apresenta-se a seguir a ficha de análise de entrevistas orais.
2.2.7 Fontes historiográficas: trechos da historiografia acerca dos temas “Guerra do Contestado”
e “Rua Felipe Schmidt”
As fontes historiográficas presentes neste trabalho, como o próprio título informa, são
trechos da historiografia acadêmica pertinentes aos temas abordados pelos dois sambas-
enredo escolhidos, a Guerra do Contestado e a rua Felipe Schmidt. Tal como realizado
com as entrevistas orais, foi feito um recorte de um trecho sobre cada assunto, para que
os alunos, mediados pelo professor, possam realizar análises relacionando a historiografia
oficial ao tema abordado pelo samba.
Fonte: MACHADO, Paulo Pinheiro. Um estudo sobre as origens sociais e a formação política das
lideranças sertanejas do Contestado, 1912-1916. Campinas, 2001. xvi, 498 p. Tese (Doutorado)
– Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Departamento
de História. Disponível em: <http://www.tede.ufsc.br/teses/UNICAMP0147-T.pdf>. Acesso em:
19 set. 2016.
A partir das problematizações acerca das fontes históricas, que este trabalho foi
elaborado. Considerando o samba-enredo como um objeto de estudo, e compreendendo
que ele é construído socialmente em um determinado momento histórico, por um grupo
específico, para um grupo específico, propomos sua análise através da relação dele,
enquanto objeto, com outras fontes históricas – fotografias, recortes de jornais,
historiografia, breve história das Escolas. Assim, possibilitando aos professores e alunos
a construção do conhecimento histórico em conjunto. Partiu-se da análise de dois sambas-
enredo como exemplo, para formular a proposta que pode ser utilizada com outros
sambas, ou até mesmo ser modificada pelo professor se ele assim preferir.
O material apresentado como fonte final, converge com a proposta deste Mestrado
Profissional em Ensino de História e com a linha de pesquisa Linguagens e Narrativas
Históricas: Produção e Difusão, a qual está vinculado, pois ele apresenta como
peculiaridade o samba-enredo como uma linguagem que produz narrativas históricas e é
difundida pelas Escolas de Samba de Florianópolis. Assim, o material didático vai
trabalhar esses sambas-enredo como fontes históricas específicas, produtoras de saberes
e difusoras de narrativas históricas. Pensando no samba como fonte, optou-se não
trabalhar ele isoladamente, mas correlacionando-o com outras fontes que pudessem
auxiliar na construção de conhecimento histórico escolar. O samba-enredo, por conter
uma linguagem musical especifica, na medida em que conta uma história, torna-se um
atrativo para as aulas de história e um caminho para abordar conteúdos históricos que são
trabalhados no currículo escolar. Além disso, através dos sambas-enredo, podem-se
discutir aspectos culturais de nossa sociedade, como o Carnaval, festa já presente em
nosso calendário, e diversos outros temas como a história de Florianópolis, discutindo
urbanização, a formação dos morros e o deslocamento das populações pobres do centro
da cidade, e atualmente, o contexto das comunidades onde as Escolas estão inseridas, a
produção de saberes dessas Escolas de Samba e os sujeitos que compõe essas Escolas.
Referências
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Apêndice
[…]
As imagens se acumulam
Rolam no pó da sala
São pequenas folhas secas
Folhas de pura prata
[…]
Eu sei
O tempo é o meu lugar
O tempo é minha casa
A casa é onde quero estar
Eu sei
1. Introdução
2.3 Aprender história a partir das noções de patrimônio cultural e patrimônio escolar
4 Considerações finais
Fontes
Referências
Anexos
Apêndices
Durante o Mestrado Profissional em Ensino de História, como produto das disciplinas cursadas,
foram enumerados diversos assuntos e temas de pesquisa que procuravam refletir sobre a
complexidade e a incompletude inerentes ao ato de ensinar, e o desafio de pensar estratégias
capazes de dialogar com formulações curriculares que precisam dar conta da educação dos
sujeitos para além do conhecimento histórico. Destas construções e implosões temáticas
permaneceu a curiosidade, latente e desestabilizadora, sobre a possibilidade do ensino da
história através do patrimônio escolar; e o enfrentamento do problema da fonte na história
ensinada na educação básica.
O trabalho aqui apresentado assume a relação entre história e memória como um dos
desafios disciplinares da História no âmbito escolar e pretende refletir sobre o ofício do
historiador a partir da investigação do processo de patrimonialização do espaço escolar. Desta
forma reconhece a materialidade das instituições formais de educação como possibilidade de
atuação da História, enquanto disciplina que proporciona diferentes leituras do mundo,
inclusive a reflexão sobre a memória e a cultura material. A pesquisa aponta como objetivo
fundamental verificar quais as possibilidades de ensinar e aprender história nos anos finais do
ensino fundamental investigando o processo de patrimonialização do espaço escolar e investe
na construção de noções de documento e fontes para a história, na narrativa como mediação
entre o passado e o conhecimento histórico, bem como na noção de patrimônio cultural e seus
desdobramentos enquanto possibilidade para a educação histórica.
1
Instituição da Rede Estadual de Educação do Rio Grande do Sul. A unidade escolar oferece ensino fundamental,
atendendo no corrente ano letivo 361 estudantes, conforme Relatório de distribuição de matrículas do ensino
fundamental (9 anos) calendário 2016. Os alunos e as alunas atendidos provêm, predominantemente, das regiões
centro e sul de Porto Alegre. O quadro de recursos humanos da unidade escolar conta com 28 docentes e 6
funcionárias. A estrutura física compreende oito salas de aula, uma sala de audiovisual e laboratório de informática,
banco do livro (sem espaço destinado à leitura), refeitório, quadra de esportes e área para recreação.
2
Decreto assinado pelo governador Ildo Meneghetti e pelo secretário de Educação e Cultura Liberato Salzano
Vieira da Cunha que tem como objeto a criação de um Grupo Escolar, situado à rua José do Patrocínio, 954, em
Porto Alegre. RIO GRANDE DO SUL. Decreto Nº 6.945, de 16 de março de 1956. Publicado no Diário Oficial
do Estado do Rio Grande do Sul, 17 de março de 1956, p. 1. Disponível em: http://corag.rs.gov.br/doe.
3
O auto de interdição avaliou que a estrutura apresentava “risco iminente de colapso” e recomendou a “retirada
das pessoas” e do mobiliário do prédio. RIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Obras Públicas, Irrigação e
Desenvolvimento Urbano. 1ª Coordenadoria Regional de Obras Públicas. Auto de Interdição, 8 de agosto de 2012.
4
Assinalados em azul os dois prédios construídos na década de 1970. Marcado em rosa, o sobrado construído em
1919 e interditado em 2012.
Desde a interdição o espaço passou a ser caracterizado como “lugar proibido”. Para além
das orientações de segurança que justificam a não permanência no prédio, o “casarão”, como é
chamado, tornou-se personagem central nos discursos de professores e estudantes sobre o
“passado do Olintho”; embora muito pouco se saiba sobre o local, ele é conector entre o passado
e o presente da comunidade escolar. Embasa uma percepção romantizada do passado ao ativar
na memória, especialmente de professores, “flashes” de um tempo de ordem e relevância social,
ao mesmo tempo em que materializa a percepção de um presente desgastado, de um espaço
escolar outrora sólido e hoje marcado pelo aparecimento de “rachaduras”. Este processo
reafirma, como propõe Ulpiano Meneses, que a tradição não é um conjunto de valores
definitivamente consolidado, mas, antes, uma construção sempre exposta aos meandros da
dinâmica social. Ou seja, a memória é elaborada no presente e pela solicitação do presente, e
compõe um processo retrospectivo.5
5
Ao argumentar em favor da fronteira que separa a memória e história, embora sem ignorar os pontos de interseção
entre ambas, Meneses enfatiza a necessidade de vigilância para que os procedimentos de gestão da memória não
contaminem a história, colocando a memória como objeto a ser tratado pela história e não como alternativa ao
conhecimento histórico e tampouco da “História como duplo científico da memória”, preservando ao historiador
a função da crítica (Meneses, 1992:13-14 e 23).
6
Na listagem de bens tombados em Porto Alegre o imóvel aparece como inventariado e classificado como
estruturação. Bens Tombados e Inventariados em Porto Alegre, 2013, p. 85. E no relatório de imóveis
inventariados na municipalidade, a classificação estruturação é explicitada como a que determina as edificações
“que tomadas individualmente ou integrando conjuntos, se constituem em elementos significativos ou
representativos para a preservação da paisagem cultural do Município. São edificações que devem ser preservadas,
não podem ser destruídas ou descaracterizadas”. Inventário do Patrimônio Cultural de Bens Imóveis de Porto
Alegre, 2014, p. 2.
“excepcionalidade” para a preservação de edificações, enquanto o inventário tem foco na
preservação das características arquitetônicas de edificações de interesse “sociocultural”, que
configuram espaços de referência para a memória coletiva e estruturam a paisagem e a
ambiência da cidade. Definição esta que, mesmo instituindo a necessidade da caracterização
arquitetônica e vedando a destruição do prédio, não interdita a possibilidade de melhorias e
readequações necessárias ao uso social da construção.
***
7
Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971, que tinha como objeto estabelecer diretrizes e bases para o ensino de 1° e
2º graus.
educação orientada pelos “princípios da equidade e da qualidade”. Dialogando com a
Constituição de 1988, os preceitos do Plano Decenal serão reforçados pela nova LDB8 e, entre
1997 e 2002, pelos Parâmetros Curriculares Nacionais publicados pelo Ministério da Educação.
Não há consenso sobre a relação entre as políticas realizadas pelo MEC durante os dois
mandatos do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Para Marcelo Magalhães, a pasta que à
época era comandada por Paulo Renato Souza recebeu elogios pela implantação de
determinados aspectos da política educacional, mas também foi alvo da acusação de representar
o alinhamento brasileiro, especialmente durante os mandatos de Cardoso, com a agenda
proposta por organismos internacionais como a Unesco, o BID e o Bird (Magalhães, 2006:54).
A diretriz educacional dos mandatos de Fernando Cardoso priorizou a expansão do ensino
fundamental, oferecido pelo setor público, e da educação superior com opção pelo incentivo
estatal ao setor privado. Ao final da década do Partido da Social Democracia Brasileira e seus
aliados no poder, o Brasil tinha avançado na universalização do ensino fundamental, mas a
precariedade seguia marcando a educação infantil e a política de investimento no setor privado
mostrava seus limites. Do ponto de vista da qualidade do serviço educacional oferecido, os
instrumentos de avaliação como o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e o Exame
Nacional de Cursos Superiores, ambos criados pelo executivo federal, atestavam a insuficiência
do sistema e a acentuação de desigualdades regionais históricas (Abreu, 2010:131-132).
8
A Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, reafirma
os princípios do conjunto regulatório produzido pela União, como, por exemplo, quando no seu Artigo 26 reitera
que “Os currículos de ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada,
em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características
regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela”.
atribuiu ao MEC a responsabilidade de agir em prol da igualdade na educação nacional (Abreu,
2010:133-134 e 136).
9
BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais
da Educação Básica, 2013, p. 6.
10
Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino fundamental dividem o processo de ensino-aprendizagem
em quatro ciclos, no interior dos quais os conteúdos são organizados por eixos temáticos. Para detalhamento do 1º
e 2º ciclos e os eixos temáticos “História Local do Cotidiano” e “História das organizações populacionais”, ver:
BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: história, geografia. Vol. 1, 1997, p. 49-74. Para as particularidades
do 3º e 4º ciclos e dos eixos “História das relações sociais, da cultura e do trabalho” e “História das representações
e das relações de poder”, ver: BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: História, 1998, p. 53-76.
11
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental. Vol. 1, 1997, p. 25.
conhecimento e a valorização da pluralidade sociocultural brasileira.12 Da mesma forma, nos
parâmetros para o ensino médio, a relação entre história e memória constitui-se em
compromisso disciplinar.13 Embora seja entregue à disciplina a tarefa de livrar as novas
gerações da “amnésia social” como garantia para a configuração de identidades individuais e
coletivas, como pontua Francisco Ramos, as recomendações do MEC não discutem com
profundidade a complexa relação instituída entre história e memória (Ramos, 2010:406-407).
A apreciação centrada no patrimônio que imprime apenas a marca de grupos sociais
dominantes, uma providência da pesquisa histórica, confunde-se com a proposição balizada no
“direito à memória” de “resgate” do patrimônio de grupos identitários não representados.
Situação esta que coloca a disciplina História como agente protetora de garantias, antes de
exercer o trabalho de crítica da memória e discutir os usos do passado.
É na definição da escola básica como instituição que possui, entre outras atribuições, o
dever de garantir espaço para a formação identitária de crianças e adolescentes e a preparação
para o exercício da cidadania que o debate sobre o patrimônio cultural e a educação para o
patrimônio será considerada pelos sistemas de ensino. Serão verificadas iniciativas para
promover a patrimonialização da própria instituição escolar em diálogo com reflexões no
âmbito da pesquisa universitária sobre a temática. No início da década de 1990, o pesquisador
espanhol António Viñao Frago diagnosticava que a dimensão espacial da atividade humana de
modo geral, e da educativa em particular, era uma questão não estudada a fundo e de modo
sistemático.14
12
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental. Vol. 1, 1997, p. 25.
13
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: ensino médio: ciências humanas e suas tecnologias, 1999, p. 26-
27.
14
Antes de arrolar os trabalhos que compunham o dossiê da Revista Historia de la Educación, editada pela
Universidade de Salamanca, Frago apresentou três razões para a investida tímida dos historiadores da educação
espanhóis na questão da materialidade do espaço escolar, quais sejam: a concentração dos trabalhos do campo na
discussão do pensamento pedagógico; a dificuldade de integração entre diferentes áreas do conhecimento sobre o
assunto como medicina, arquitetura, pedagogia e políticas de administração; e, por fim, a concentração das
temáticas de pesquisa da História da Educação nas contingências disciplinares do ensino superior (Frago, 1993:11-
13).
15
Entre os trabalhos listados pelo autor, destaco: “Escuela u espacio: testimonios y textos”, de León Esteban Mateo
e Ramón López Martín; e “La arquitectura como programa”, de Agustín Escolano Benito, ambos de cunho mais
teórico e geral. Entre os estudos que discutem temas mais específicos merecem destaque: “Utilización de parques
y jardines como espacios educativos alternativos en Madrid (1900-1931), de María del Mar del Pozo Andrés; e
“Arquitectura escolar en Berlín a comienzos del siglo XX: currículum oculto y género”, de Helga Schmidt-
Thomsen e Christa Kersting, que trata da relação entre arquitetura escolar, currículo e gênero.
material escolar: entre arquivos e museus” evidencia-o como um instrumento de sistematização
das discussões no campo da História da Educação sobre objetos e temas de estudo que, nas
palavras da autora, eram até “então considerados inéditos, senão malditos”, como a memória e
sua relação com a história e o espaço educativo como lugar de memória (Menezes, 2005:14).
Também Carmem Gil, Dóris Almeida e Rosa Fátima de Souza reconhecem que no Brasil a
discussão do patrimônio escolar é recente, remontando às últimas décadas, como fruto do
alargamento teórico-metodológico da História da Educação com interesse renovado pela
instituição escolar e com variedade de objetos de pesquisa.16
16
Gil; Almeida, 2013:126; Souza, 2013:203.
O primeiro conjunto de trabalhos levantados, apesar de reconhecer o potencial educativo
do patrimônio escolar, preocupa-se centralmente com a garantia de preservação dos bens
patrimoniais escolares como fontes para a pesquisa científica ou institucional. A preservação
dialoga diretamente com a percepção da escola como lugar de memória e com a importância da
manutenção desta memória para garantir as construções identitárias da comunidade escolar17.
E, quando são evocadas possibilidades temáticas para o trabalho em sala de aula, as apostas
giram em torno da história local ou da reconstrução da história e da memória, quase como
sinônimos, da instituição ou da comunidade escolar (Gonçalves, 2006; Mogarro, 2006).
Diferentemente dos trabalhos até aqui apresentados, Francisco Ramos, Carmem Gil e
Dóris Almeida oferecem uma perspectiva na qual o próprio conceito de patrimônio existe como
tensão nos usos do passado pelo presente e, antes de ser essencialmente puro e positivo, é
resultado de disputas das mais variadas gêneses. Deste modo, a memória e seus lugares não
edificam unanimidades e, ao invés de ser defendidas, passam a ser debatidas. Por sua vez, a
disciplina História, ao “assumir o compromisso com a pluralidade cultural”, faz emergir um
espaço instável e capaz de perceber os conflitos em torno do que fazer com o passado ou do
que o passado pode fazer para ausentar o presente. O que, como assinala Ramos, leva o ensino
17
Menezes, 2005; Menezes; Moraes, 2006; Horta, 2000; Souza, 2013; Oriá, 2013.
de História à recusa de tornar-se ensino de memória. E, antes de realizar um “inventário das
diferenças” para a valorização da diversidade, cabe à disciplina “interrogar sobre as relações de
poder que residem nas produções de sentido para o pretérito, destacando conexões entre casos
mais particulares com situações mais gerais”.18
18
Ramos, 2010:399 e 409. Também nesta direção segue o argumento de Rebeca Gontijo em artigo que examina a
trajetória do termo “diversidade” relacionado às questões étnicas durante a história do Brasil. Do século XIX até
a percepção sobre a diferença nos Parâmetros Curriculares Nacionais, a diversidade esteve ligada ao mal da
mestiçagem e às tentativas de embranquecimento, passando pela valorização do mestiço como expressão da
autenticidade brasileira até figurar nos parâmetros como patrimônio sociocultural. Na atualidade, a escola passa a
ser um espaço privilegiado para o estudo da pluralidade, para a efetivação de uma “cultura de paz” e marcado pelo
“respeito mútuo” e pela “solidariedade”. Neste cenário, o reconhecimento parece passar necessariamente pela
afirmação das diferenças e a oposição entre grupos sociais pode afastar a possibilidade de compartilhamento
coletivo de determinados parâmetros. Gontijo, 2009, passim.
19
Gil; Almeida, 2013. Ver também: Gil; Possamai, 2014.
da utilização das fontes nas aulas de história.20 É corrente que entre as justificativas para o uso
de documentos que tornar-se-ão fontes na educação básica esteja a possibilidade de
proporcionar agência histórica na formação dos sujeitos que aprendem. Assim, como utopia,
também é possível encontrar uma oferta de formação cidadã que, idealmente, deve ir além da
aula. O caminho de trabalho escolhido procura dialogar com a percepção de que as fontes para
história na educação básica possam “criar e recriar o que somos, dando sentido original para o
ensino de história, em conexão com a identidade dos alunos, situados em um determinado
contexto histórico, que necessita ser entendido” (Pereira; Seffner, 2008:116). Investindo na
compreensão de que o ofício do historiador é produzir um discurso sobre um passado ordenado
pela linguagem, quando a seleção de fontes, o método e a teoria são condições e estão
condicionados ao presente. Procura-se assim afastamento da utilização dos documentos como
legitimadores de determinada narrativa do docente, da mesma forma de uma perspectiva em
que o relato seja submisso à fonte. O que se procura sugerir é a discussão na sala de aula do
ofício do historiador como um trabalho complexo, de mediação entre o documento como uma
engenharia de seu tempo, no qual não reside verdade, mas, antes, um esforço de transmissão de
uma imagem de si mesma por determinada sociedade para as gerações futuras.
A primeira parte desta exposição tem por objetivo apresentar os alunos e as alunas que
integraram o trabalho desenvolvido nas aulas de história e narrar os antecedentes da construção
de um projeto expográfico como possibilidade de ensino para a história. O texto está organizado
em quatro seções, as quais buscam contextualizar e analisar os procedimentos didáticos que
compuseram a intervenção pedagógica apresentada nesta investigação.
20
Um bom exemplo da atenção para a utilização de fontes no ensino de história escolar, para além das volumosas
publicações em eventos destinados à área da educação e ao ensino de história, é o Caderno pedagógico de história
PIBID/UFRGS (2013). Fruto da experiência no Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência, a
compilação ilustra a multiplicidade de linguagens utilizadas pelos discentes em formação no trabalho desenvolvido
na educação básica (Meinerz et. al., 2013:10-17).
segmento, é analisado um exercício de escrita autobiográfica realizado pelos alunos e alunas,
com o objetivo de compor um instrumento de investigação qualitativa sobre os estudantes
pesquisadores e estabelecer parâmetros preliminares de reflexão sobre o processo de pesquisa
e de escrita da história, quando a vida dos envolvidos no desenvolvimento da aprendizagem foi
o ponto de partida.
A terceira parte do texto procura comunicar a discussão teórica em torno das noções de
patrimônio cultural e patrimônio escolar, através da leitura de autores como Francisco Ramos,
Márcia Chuva, Nestor Canclini, Rosa Fátima de Souza e António Viñao Frago. A construção
textual também trata do percurso para a formulação de um conceito, mais ou menos complexo,
de patrimônio com os alunos e as alunas como protagonistas no debate sobre o tema.
Objetivando a inserção dos estudantes na discussão para além da conceituação proposta no livro
didático, os jovens pesquisadores foram estimulados a pensar as escolhas implicadas no uso da
definição patrimônio histórico e artístico ou na opção pela expressão patrimônio cultural. Esse
movimento exploratório ocorreu a partir de pesquisa realizada em fontes disponíveis na Internet
e tinha como objetivo o apontamento das aproximações e particularidades dos conceitos.
Em abril de 2016, os alunos e as alunas das duas turmas juntas apresentavam em média
12 anos de idade. Se enfocada a turma “A” a média demonstrou ligeiro recuo para 11 anos e 9
meses, enquanto a turma “B” mantinha 12 anos. Na relação entre média de idade e sexo, nas
duas turmas as meninas tinham em média 11 anos e 9 meses e os meninos 12 anos. E quando
proposta a mesma relação para as turmas separadamente, na turma “A” meninas e meninos
compunham 11 anos e 9 meses de idade, já na turma “B” a média de idade das meninas era
menor (de 11 anos e 6 meses) em relação aos meninos (12 anos).21
A distribuição por sexo dos alunos e das alunas participantes da pesquisa, de acordo
com os dados do gráfico anterior, evidencia o equilíbrio no percentual de meninos e de meninas
nas duas turmas, embora com predominância para os meninos. Quando analisada a turma “A”
21
Cf. dados compilados a partir do Relatório de matrícula da Secretaria da Educação do Rio Grande do Sul, 2016.
a tendência de igualdade entre sexos permanece, enquanto na turma “B” o percentual de
meninos supera o de meninas.
22
A divisão da cidade de Porto Alegre em “Regiões Territoriais” foi estabelecida para viabilizar o fluxo de
informações de infraestrutura, saneamento básico e aspectos ambientais com o objetivo de facilitar ações
emergenciais do Centro Integrado de Comando (CEIC), o mapeamento e o planejamento da necessidade de
expansão de equipamentos e serviços, considerando o crescimento da municipalidade ao longo do tempo. Mais
informações sobre os critérios utilizados para a configuração das regiões territoriais e dados sobre a cidade estão
disponíveis em: https://goo.gl/IBsKes. Acesso em: 21 de jan. 2016.
Gráfico 3. Alunos e alunas residentes por bairro de Porto Alegre
Quando examinada a trajetória escolar dos alunos e das alunas foi possível verificar que
majoritariamente sempre foram atendidos pela rede pública do Estado do Rio Grande do Sul
(65,9%), enquanto 34,1% frequentaram instituições de ensino que não estão vinculadas ao
magistério estadual. Entre os estudantes atendidos por outras redes de ensino, 50% estiveram
vinculados a escolas da rede privada, foram atendidos por redes municipais 35,7% e para 14,3%
não constam informações na documentação consultada. Além da maior parte dos alunos e das
alunas terem mantido vínculo de no mínimo seis anos exclusivamente com escolas estaduais, a
maioria significativa frequenta a Escola Professor Olintho de Oliveira desde o primeiro ano do
ensino fundamental.
A consulta aos dados sobre a composição das turmas quanto ao sexo e a idade, o local
de residência e o vínculo de alunos e alunas com as redes de educação formal permitiu construir
uma caracterização geral dos estudantes participantes das aulas de história no 6º ano do ensino
fundamental. Os alunos e as alunas possuem em média 12 anos de idade, persiste o equilíbrio
entre meninos e meninas, todos são residentes em Porto Alegre, morando prioritariamente na
região “centro” da cidade, especificamente nos bairros Centro Histórico e Cidade Baixa.
Majoritariamente sempre foram atendidos pela rede pública estadual e a maioria significativa
possui vínculo com a escola Professor Olintho de Oliveira desde o primeiro ano do ensino
fundamental.
Depois de recolhidas informações nos documentos oficiais sobre os estudantes, o
primeiro movimento disciplinar proposto foi um exercício ensaístico e autobiográfico. Cada
integrante das turmas recebeu uma folha pautada e a recomendação de escrever, no mínimo,
vinte e cinco linhas para narrar uma história autobiográfica. O título e a estrutura narrativa do
texto foram deixados a critério de cada autor/autora. Esta aproximação inicial tinha dois
objetivos principais: compor um instrumento de investigação qualitativa sobre alunos e alunas
pesquisadores e estabelecer parâmetros preliminares de reflexão sobre o processo de pesquisa
e de escrita da história, quando a vida dos envolvidos no processo de aprendizagem foi o ponto
de partida.
Bloco I – O conjunto de personagens que compuseram o enredo de cada história e a possibilidade de distintos
pontos de vista sobre os acontecimentos narrados.
Sim Não Não respondeu
a) Em sua história aparecem outros personagens
além de você? Quem? Por quê? 63,4% 7,3% 29,3%
b) Se estes outros personagens que aparecem em
seu texto fossem escrever a sua história, ela 12,2% 58,5% 29,3%
seria igual? Por quê?
Fonte: Questionário elaborado pelo autor, 2016.
Nas respostas da primeira questão do Bloco I, destacaram-se as referências ao que
alunos e alunas consideram sua família nuclear, com todos os arranjos que o uso da expressão
precisa ter em conta atualmente. Com significativa vantagem a referência familiar é feminina.
São as mulheres, na condição de mães, irmãs ou avós que merecem recordação e prestígio na
trama da existência dos estudantes respondentes da pesquisa.
Bloco I – O conjunto de personagens que compuseram o enredo de cada história e a possibilidade de distintos
pontos de vista sobre os acontecimentos narrados.
A do(a) A do(a) Não
Ambas Nenhuma
autor(a) personagem respondeu
c) Qual destas histórias estaria
certa? Por quê? 41,5% 14,6% 7,3% 2,4% 34,1%
Fonte: Questionário elaborado pelo autor, 2016.
23
Durante este texto optou-se por manter grafia e sintaxe originais dos excertos que compõem a exposição. As
possíveis incorreções de ortografia e/ou concordância serão indicadas com a expressão [sic]. Também, a autoria
das passagens inseridas na exposição preserva nomes e características pessoais de seus autores ou autoras,
identificando-os apenas por sexo e idade, respectivamente.
merecem destaque outras duas referências: “Tudo na minha história tá certa [sic]” (aluno, 15
anos) que expõe a confiança na correspondência entre o texto autobiográfico e a veracidade e,
em contrapartida, “A minha porque eu tive criatividade” (aluna, 11 anos), onde o argumento
central é uma suposta capacidade criativa da autora como fiadora de uma versão mais
qualificada sobre sua própria existência.
Bloco II – a memória, uma operação seletiva, como fonte principal acionada para a composição da narrativa e
a possibilidade da utilização de outros recursos para a investigação do passado.
A memória figura como recurso principal na formulação das narrativas produzidas pelos
respondentes. De outra parte, foi significativo o percentual de estudantes que não respondeu ao
questionamento. O que corrobora a dificuldade de conceber outras fontes para a escrita da
história foi a referência constante ao papel memorialístico dos familiares de mais idade para
dirimir dúvidas e superar lacunas nos relatos. Respostas como “eu iria pedir informação para
meu pai e minha mãe, ou também iria pensar no que me disseram antes” (aluna, 11 anos) e
“conversando com uma pessoa mais velha e documentos” (aluna, 11 anos) formaram uma
tendência onde a memória novamente apareceu como prova. A análise dos dados pode indicar
a pertinência da proposição de Fabiana Almeida e Sonia Miranda de que atualmente o discurso
da memória é pouco problematizado na escola. Essa situação coloca para a disciplina História
o desafio de reestabelecer o diálogo escolar entre memória e história, onde as operações da
primeira configuram elementos importantes na formação do conhecimento histórico e a
problematização da distinção dos dois campos auxilia na constituição de pensamento crítico
sobre as tradições que compõem a sociedade (Almeida; Miranda, 2012:267).
Bloco III – a relação entre a escrita da história e a localização dos acontecimentos no tempo e no espaço e,
consequentemente, o caráter também social de uma escrita pessoal.
Sim Não Não respondeu
f) Você escreveu seu texto em ordem cronológica?
Por quê? 29,3% 41,5% 29,3%
g) Alguns fatos de sua vida apareceriam nas
histórias pessoais de outras pessoas? Por quê? 43,9% 26,8% 29,3%
h) Para explicar os acontecimentos de sua vida
você precisou localizá-los no tempo e no 51,2% 19,5% 29,3%
espaço? Por quê?
Fonte: Questionário elaborado pelo autor, 2016.
Maioria significativa dos estudantes afirmou que não organizou sua escrita
cronologicamente ou não respondeu a indagação. No entanto, analisando mais detidamente os
escritos foi possível identificar uma quebra de continuidade entre a percepção dos autores sobre
a organização de seus textos e de como efetivamente estruturaram suas produções. Embora seja
possível admitir que as respostas demonstrem um processo pouco consciente de escrita, de outra
parte, é necessário considerar a possibilidade de que os respondentes não tivessem clareza sobre
do significado de uma exposição cronológica. Da mesma forma, quanto ao caráter social de
seus escritos a maioria dos estudantes reconheceu que a narrativa possibilitava a interlocução
com outras histórias e vidas. Novamente foi expressivo o percentual de não respondentes para
a questão o que pode indicar dificuldade interpretativa em relação ao tema, ou mesmo uma
percepção ainda pouco complexa sobre os diferentes grupos sociais nos quais os sujeitos
estabelecem relações durante a vida.
Outra construção narrativa interessante encontrada nos textos foi a que, ao propor uma
escrita retrospectiva, expôs um enredo onde os autores observaram suas vidas de uma posição
externa como, por exemplo, em: “[…] a minha vida foi muito legal, quando eu era criança eu
era muito bonita, fofinha e eu gostava bastante de fazer amizade. Eu era muito engraçada e eu
brincava bastante e depois quando eu cresci eu fiquei diferente” (aluna, 12 anos) ou “[…] tenho
11 anos e minha vida foi assim” e “essa foi a minha vida” (aluno, 11 anos). Nas três passagens
anteriores é possível identificar que os autores optaram, conscientemente ou não, por diferenciar
o tempo da escrita do presente e operaram com a noção de “infância” como sinônimo para
passado. No trecho “era uma vez uma moça que estava trabalhando e ela estava grávida. Quando
ela estava caminhando lá perto do serviço, a bolsa dela rompeu e ela foi sozinha para o hospital”
(aluna, 11 anos), o uso da terceira pessoa do singular para narrar o próprio nascimento foi outro
recurso utilizado na tentativa de distanciar-se da cena, de emprestar uma “cor distinta” ao que
“passou”. Também merece destaque a referência ao estudo do passado como uma viagem, como
explícito no trecho “hoje eu estou aqui contando minha história. Eu vou agora voltar a um bom
tempo atrás” (aluno, 11 anos). Nesta proposição, a narrativa de uma vida implica
discursivamente em um deslocamento do presente para o passado. Ambas as categorias,
presente e passado, apresentam-se suficientemente sólidas para garantir um caminho de ida e
de retorno.
Bloco IV – a diferença entre a representação narrativa do passado, a partir da seleção de elementos para
constituí-la, e o desejo de comunicar toda a complexidade da existência de uma pessoa.
i) Você acredita que depois de lerem Não respondeu ou não
Sim Não
a sua história, as pessoas podem te justificou
conhecer e entender melhor? Por
51,2% 19,5% 29,3%
quê?
Fonte: Questionário elaborado pelo autor, 2016.
Em análise preliminar deste esforço de escrita das turmas foi possível identificar
elementos comuns nos textos. Todos os alunos ou alunas presentes realizaram a tarefa,
inicialmente alguns com maior dificuldade, mas de modo geral as narrativas mostraram-se ricas
em detalhes. Um questionamento constante durante a atividade foi o destino que o relato
tomaria, se seria compartilhado com o grupo ou permaneceria apenas sob o exame do professor.
Como uma forma de “tranquilizar” os autores lhes foi garantido que o texto apenas seria
acessado pelo docente. Acordo totalmente respeitado.
24
Mesmo a década, como convenção de medida temporal, ficou distante dos relatos. O que, de certa forma, pode
ser compreendido pela idade de alunos e alunas que somadas compunham média de 12 anos em abril de 2016.
A tendência percebida nos trabalhos analisados permite afirmar que os estudantes
admitiram a possibilidade de múltiplos pontos de vista em uma mesma narrativa, no entanto
reservaram para si, como autores, o monopólio da versão mais fidedigna. A maior parte dos
trabalhos também reconheceu a importância dos personagens para a narrativa e sua relevância,
inclusive, enquanto fonte. A respeito da utilização de outros recursos e fontes para a
investigação de sua história de vida, os estudantes não identificaram possibilidades além da sua
própria memória e a de familiares. Em relação à localização dos acontecimentos no espaço, a
cidade, de residência e/ou nascimento, e a instituição escolar aparecem como referência espacial
central. A escola também é o marco temporal predominante na escrita, identificado como um
momento em que ocorre uma aceleração da vida. Por fim, majoritariamente os estudantes
expuseram que é possível através da história dar conta da complexidade que marca a existência
de uma pessoa. No caso das respostas negativas, o argumento predominante esteve relacionado
com o fato de que a seleção dos elementos que constituíram seus enredos, em detrimento de
outros, impediu a compreensão de uma vida por inteiro.
Ao expor aos alunos e às alunas definições amplas, mas ao mesmo tempo complexas,
sobre a produção e os objetivos do conhecimento histórico, procurou-se deslocar o debate da
escrita autobiográfica para o papel e os diversos sentidos que narrativas históricas assumem em
uma determinada coletividade. Além disso, e não menos importante, foi a possiblidade de
aproximação dos integrantes das turmas com noções, tais como: “investigação”,
“acontecimento”, “mudança”, “permanência” e “vestígio”, que compõem o vocabulário básico
da produção e da escrita da história. Considerando as raras manifestações orais, o debate
centrado em proposições teóricas mais complexas inicialmente pareceu intimidar os estudantes.
A conversa ganhou maior adesão quando o professor estabeleceu um exemplo para cada
definição de história propostas, possibilitando perceber que foi comum nas duas turmas a
presença de uma compreensão do conhecimento histórico como centrado no sujeito. Tal
percepção, quando confrontada pelo docente, obtinha como resposta uma perspectiva
subjetivista, onde a ação humana na história era justificada pela possibilidade do exercício do
livre arbítrio.
Helenice Rocha, ao analisar o desempenho dos alunos do 5º ano, último antes do seu
ingresso nos anos finais ensino fundamental, das redes pública e privada, a partir de números
do Sistema de Avaliação do Ensino Básico (Saeb, 2005), observou que três quartos dos alunos
da rede pública encontravam-se nos níveis de não alfabetizados, alfabetizados precariamente
ou no nível de leitura rudimentar. Significativamente 90% dos estudantes avaliados não
alcançaram o nível de leitura e escrita considerado adequado para o prosseguimento dos estudos
nas séries finais do ensino fundamental (Rocha, 2010:124). A situação coloca a questão de
como ensinar História, disciplina que prescinde de domínio mínimo de leitura e escrita, para os
alunos da educação básica.
A disciplina História não está imune à cultura escrita como referência ocidental de
racionalidade, utilizando-se da escrita como campo de saber. Seguindo Michel de Certeau,
Helenice Rocha definirá “a história [como] uma operação sobre o discurso”. O que coloca a
necessidade do domínio da leitura e da escrita, da capacidade de hierarquizar informações na
referência a eventos e processos descontextualizados. Estas especificidades da narrativa
histórica precisam ser consideradas no enfrentamento dos alunos e das alunas com a escrita da
história, pois torna a leitura um procedimento específico desta área de conhecimento. Logo, o
aprendizado em história não prescinde apenas de habilidades de leitura e escrita, mas também
da compreensão da narrativa histórica como forma de organização específica do discurso sobre
o tempo. Nesse sentido, os estudantes necessitam das competências da leitura e da escrita para
participar, a seu modo, no processo de interpretação inerente ao conhecimento histórico,
inclusive na história escolar (Rocha, 2010:128-129).
Os planos de aula apresentados até aqui foram organizados como preparação para o
debate sobre fontes históricas e o protagonismo do historiador como mediador especializado
entre o passado e sua representação narrativa: a história. No entanto, com o transcorrer das
atividades e na análise da produção escrita das turmas, optou-se por retomar a relação entre a
escrita da história e a vivência do tempo pelas sociedades humanas. Através da apresentação de
imagens e da construção de relógios de areia (ampulhetas) foram retomadas as formas
rudimentares de medida do tempo cronológico em diferentes sociedades. Também a revisão
dos movimentos de rotação e de translação possibilitou introduzir o debate sobre os períodos
curtos. E, partindo do calendário cristão, discutir períodos longos, como: século, milênio e era
(Apêndice B). A primeira consideração sobre a retomada destas noções foi a pouca
familiaridade das turmas com a expressão dos séculos em algarismos romanos, bem como a
“naturalização” do calendário cristão como ferramenta inequívoca para a organização do tempo
social. Antes de investir na problematização de que não “é o tempo que passa: o que passa é a
vida dos homens e de suas sociedades, sendo o tempo o parâmetro que mede este transcurso e
esta duração” (Petersen; Lovato, 2013:231) e suas implicações para o conhecimento histórico,
optou-se por revisar as convenções e ferramentas desenvolvidas para mensurar o tempo.
A retomada da discussão sobre a constituição de fontes históricas ocorreu com uma nova
avaliação dos escritos pessoais de alunos e alunas, através da leitura de alguns excertos25 na
aula de história. A seleção das passagens procurou oferecer exemplos que pudessem estabelecer
respostas para três questionamentos próprios do método histórico: Quem agiu? Quando
aconteceu a ação? E onde ocorreu a ação? Depois de refletir sobre a historicidade de suas
narrativas, os estudantes foram convidados a investigar, à luz das questões apresentadas, uma
25
A escolha de excertos da produção textual autobiográfica dos estudantes para leitura em sala de aula procurou
manter o anonimato de seus autores ou autoras, preservando a relação de confiança entre os integrantes das turmas
e o docente.
passagem do material didático que introduz o contato entre indígenas e europeus em terras do
continente americano:
A partir do trecho que destaca a chegada portuguesa no atual território brasileiro foi
proposto aos estudantes analisar quais os sujeitos da ação, a temporalidade e o espaço
informado pelo fragmento. Os portugueses, representados na figura de Pedro Álvares Cabral,
foram identificados como os sujeitos da ação, assim como, a partir das datas oferecidas no texto
fora possível localizar a cena em um intervalo de quatro dias, desde a chegada até a realização
da primeira celebração religiosa. No entanto, o local onde ocorre a cena motivou debate nos
grupos permitindo a reflexão sobre o espaço como “uma construção social. Tal como em
relação ao tempo, a distorção que frequentemente se produz é conceber o espaço como um
dado, obscurecendo assim a presença de uma operação social que produz a construção e a
representação do espaço”.26 Ainda que, segundo Petersen e Lovato, a questão do espaço não
tenha merecido a atenção desejável no trabalho dos historiadores, a problematização do “Brasil”
como espaço construído socialmente já no século XV revelou-se muito profícua na aula de
história no ensino fundamental.
26
Petersen; Lovato, 2013:239. Destaque em itálico das autoras.
27
Será utilizado o termo documento ou documentos, e suas variantes, tais como: documentação e registros
documentais, em uma perspectiva que procura enfatizar que a “transformação” do documento em fonte histórica
pressupõe o trabalho de questionamento do historiador, conforme definem Sílvia Petersen e Bárbara Lovato,
2013:296. A diferença é sutil, ponderam as autoras, contudo importante.
28
BRASIL. Ministério da Cultura. Fundação Biblioteca Nacional. Departamento Nacional do Livro. A carta de
Pero Vaz de Caminha. Transcrição disponível em https://goo.gl/g7bnj2. Acesso em: 10 mar. 2016.
29
BRASIL. Instituto Brasileiro de Museus (Ibram). Primeira Missa no Brasil (1858-1860). Óleo sobre tela, 270 x
357 cm, de Victor Meirelles. Disponível em https://goo.gl/uZafR3. Acesso em: 10 mar. de 2016.
30
No trecho selecionado Antonio Biá registra a história do herói Indalécio. Ao sugerir adaptações na história, Biá
também é seu protagonista mesmo em uma posição de escuta. Outro aspecto importante no fragmento é a distância
entre oralidade e escrita. NARRADORES DE JAVE. Riofilme, 2003.
selecionados objetos já utilizados no cotidiano escolar, como mimeógrafo e sineta. Nesta
primeira aproximação entre os estudantes pesquisadores e os elementos constituintes da
investigação em história operou-se com a noção de fonte histórica como “aquilo que coloca o
historiador diretamente em contato com o seu problema. Ela é precisamente o material através
do qual o historiador examina ou analisa uma sociedade humana no tempo”.31 Esta matéria-
prima, como indício do passado, “refere-se a manuscritos, livros impressos, prédios, mobília,
paisagem (como modificada pela exploração humana), bem como a muitos tipos diferentes de
imagens: pinturas, estátuas, gravuras, fotografias” (Burke, 2004:16).
31
Uma fonte histórica, segundo José Barros, possui, pelo menos, duas funções: a de permitir acesso aos fatos
históricos que o historiador pretende reconstruir ou interpretar e na condição de “testemunho” ou “discurso” de
uma época a ser investigada pelo profissional de história. (Barros, 2015:63). Ainda, Pedro Paulo Funari recupera
que a noção de fonte, como depósito abundante de informações a ser analisado pelo historiador, dialoga com o
cientificismo do século XIX e a preocupação da época com a “descoberta dos fatos verdadeiros”, (Funari,
2008:85).
32
Para posições semelhantes ver também: Barros, 2015:64; Petersen; Lovato, 2013:294; Karnal; Tatsch, 2012:13.
O documento não é qualquer coisa que fica por conta do passado, é um produto da sociedade
que o fabricou segundo as relações de forças que aí detinham o poder. Só a análise do documento
enquanto monumento permite à memória coletiva recuperá-lo e ao historiador usá-lo
cientificamente, isto é, com pleno conhecimento de causa. [Le Goff, 2003:535-36]33
É notório que uma discussão mais aprofundada sobre concepções de documento e fonte
histórica se apresenta de maneira subterrânea nos objetivos disciplinares da história no âmbito
escolar. Não obstante, uma das possibilidades que este trabalho pretende indicar é que já na
escola os estudantes sejam animados a refletir sobre o conhecimento histórico como algo que
também possui historicidade e do trabalho realizado por historiadores, como grupo social
especializado na formulação e na mediação de múltiplas representações sobre o passado. Para
tanto, procurou-se mediar o debate a partir de uma concepção na qual “nem o sujeito nem o
objeto apresentam o domínio total da mensagem no diálogo que dizemos chamar-se História”
(Karnal; Tatsch, 2012:13), reiterando o aspecto de construção permanente do conhecimento
histórico.
33
Para uma perspectiva na qual fonte e história são consideradas enquanto produtos discursivos produzidos pelo
historiador sobre os vestígios do passado, ver: Jenkins, 2011:82. Sobre o caráter textual e discursivo das fontes
históricas e as implicações para a historiografia, ver: Falcon, 2011:164 e 169.
trajetória da instituição, desde a criação como grupo escolar até tornar-se escola estadual de
ensino fundamental.
Na mesma semana outra dinâmica foi proposta, quando o trabalho com a documentação
foi realizado em duplas e focado na construção de impressões coletivas sobre o material
analisado. Foram manuscritos na lousa das salas de aula três orientações durante o processo de
leitura: fazer perguntas para o documento; ler mais de uma vez, sempre; e refletir sobre o que
“diz” a documentação. Depois que alunos e alunas efetuaram a leitura das fontes e foram
estimulados a propor hipóteses sobre o material recebido, a lousa foi dividida para a distribuição
das potenciais fontes de acordo com o conteúdo abordado. Ao final da atividade, os estudantes
propuseram a divisão dos documentos em três grupos temáticos: compra e venda do “casarão”,
criação e alteração do nome da escola e notícias sobre o personagem Olintho de Oliveira.
Na descrição das fontes foi possível identificar um padrão, permitindo a inclusão dos
alunos e alunas pesquisadores em dois grupos. No primeiro grupo o trabalho com a
documentação resultou em descrições a partir da cópia de trechos dos documentos consultados,
portanto, sem apresentar texto autoral dos alunos. Enquanto no segundo grupo foi possível
identificar construções descritivas que partiram de texto próprio dos agentes da análise,
incluindo, em alguns casos, a formulação de hipóteses preliminares sobre o potencial
explicativo de exemplares específicos no conjunto da documentação.
A seguir será discutido o conteúdo das fichas de pesquisa preenchidas pelos alunos e
pelas alunas pesquisadores. A primeira passagem que merece destaque registra a transmissão
por herança do imóvel mais antigo do conjunto edificado da escola:
No livro na página 58 do serviço registral imobiliário do teor nº 17.451 do dia 5 de abril de 1944
da propriedade do dr. Israel Baptista o terreno dele tem a largura de 21,48m e a extensão de
13,24m com dr. Tibúrcio. O tenente-coronel Candido Alves do transmitente: herança de José
Baptista partilha do valor de CR$ 70.000,0034 (aluno, 11 anos; aluno, 11 anos; aluno, 11 anos)
O excerto serve como exemplo da interação dos estudantes com os documentos, quando
mesmo defrontados com a aridez de uma certidão imobiliária conseguiram estabelecer os
personagens e a motivação da transação.
Também merece destaque as descrições nas quais é possível perceber maior riqueza de
detalhes, como: “O casarão fica na rua República nº 635 bairro cidade baixa. O casarão
assobrado [sic] era fora do alinhamento da rua. Tem uma escritura de doação no 20º tabelionato.
34
A certidão com a transcrição da folha 58 do livro “3L/1” do Serviço Registral Imobiliário trata da transmissão
de imóvel situado à Rua da República, 635, de José Baptista Soares da Silveira Souza Filho para Cypriana Baptista
de Mesquita, como herança do primeiro estabelecida em partilha de 1909. PORTO ALEGRE. Registro de Imóveis
da 2ª Zona. Certidão, Porto Alegre, 5 de abril de 1944.
35
A certidão com a transcrição da folha 294 do livro “3-CP/2” do Serviço Registral Imobiliário trata da transmissão
de imóvel de José Baptista Canabarro e Ligia Silveira Canabarro para o Estado do Rio Grande do Sul, com a
finalidade de cumprimento de carta de sentença do 2º Cartório dos Feitos da Fazenda Pública em 7/5/1969. PORTO
ALEGRE. Registro de Imóveis da 2ª Zona. Certidão, Porto Alegre, 27 de junho de 1969.
36
Cf. Registro de Imóveis da 2ª Zona. Certidão, Porto Alegre, 27 de junho de 1969.
Matrícula 58.290”37 (aluna, 11 anos; aluno, 11 anos; aluna, 12 anos), que destaca o não
alinhamento do terreno à rua e a característica assobradada da construção. Bem como, o registro
do momento da medição do terreno: “Eles no dia 17/03/1982 mediram os terrenos pra vê onde
se localiza, quantos metros tem”38 (aluno, 11 anos; aluno, 11 anos; aluno, 12 anos), enfatizando
a informação do documento que indica os procedimentos para sua formulação.
37
A certidão com a transcrição da folha 1 do livro 2, matrícula 58.290, do Serviço Registral Imobiliário atesta a
transferência por doação de imóvel do Estado do Rio Grande do Sul para o Município de Porto Alegre. PORTO
ALEGRE. Registro de Imóveis da 2ª Zona. Certidão, Porto Alegre, 28 de fevereiro de 1983.
38
Cf. Registro de Imóveis da 2ª Zona. Certidão, Porto Alegre, 27 de junho de 1969.
39
Cf. Registro de Imóveis da 2ª Zona. Certidão, Porto Alegre, 27 de junho de 1969.
40
Decreto assinado pelo Governador Ildo Meneghetti e pelo Secretário de Educação e Cultura Liberato Salzano
Vieira da Cunha que tem como objeto a criação de um Grupo Escolar, situado à rua José do Patrocínio, 954, em
Porto Alegre. RIO GRANDE DO SUL. Decreto Nº 6945, de 16 de março de 1956. Publicado no Diário Oficial do
Estado do Rio Grande do Sul, 17 de março de 1956, p.01. Disponível em: http://corag.rs.gov.br/doe.
41
Decreto assinado pelo Presidente da Assembleia Legislativa, no exercício do cargo de governador do Estado,
Alberto Hoffmann e pelo secretário de Educação e Cultura Ariosto Jaeger que nomeia o Grupo Escolar, situado à
rua José do Patrocínio, 954, de “Professor Olintho de Oliveira”. A homenagem ocorreu pouco mais de um ano da
passagem do médico dedicado à especialidade pediátrica. RIO GRANDE DO SUL. Decreto Nº 8348, de 13 de
(aluna, 12 anos; aluno, 13 anos) e na decisão da Secretaria da Educação que unificou o grupo
com uma unidade ginasial: “O secretário do Estado da Educação unifica o grupo escolar
Professor Olintho de Oliveira e cria o ginásio Sir Winston Churchill”42 (aluno, 13 anos; aluna,
12 anos). Não há nos dois casos citados marcas de uma tentativa de reescrita do conteúdo da
fonte analisada, porém, os elementos descritos denotam a capacidade de leitura em
desenvolvimento pelos estudantes.
dezembro de 1957. Publicado no Diário Oficial do Estado do Rio Grande do Sul, de 18 de dezembro de 1957:39.
Disponível em: http://corag.rs.gov.br/doe.
42
A Portaria assinada pelo secretário da Educação Substituto Plácido Steffen tem por objeto a unificação do Grupo
Escolar Professor Olintho de Oliveira e do Ginásio Estadual Sir. Winston Churchill sob o nome de Escola Estadual
de 1º Grau Professor Olintho de Oliveira. RIO GRANDE DO SUL. Portaria nº 174.848, de 8 de abril de 1980.
Publicada no Diário Oficial do Estado do Rio Grande do Sul, de 14 de abril de 1980:1. Disponível em:
http://corag.rs.gov.br/doe.
43
Cf. RIO GRANDE DO SUL. Decreto nº 8.348, de 13 de dezembro de 1957. Publicado no Diário Oficial do
Estado do Rio Grande do Sul, de 18 de dezembro de 1957:39. Disponível em: http://corag.rs.gov.br/doe.
44
Decreto assinado pelo governador Ildo Meneghetii e pelo secretário de Educação e Cultura Liberato Salzano
Vieira da Cunha que altera a lotação numérica de professores de unidades escolares do Estado. O Grupo Escolar,
situado à rua da República, 635, conta na relação anexa com 25 professores. O decreto estabelece ainda que nas
unidades escolares não relacionadas estava mantida a lotação numérica de professores definida pelo Decreto nº
4881, de 22 de fevereiro de 1954. RIO GRANDE DO SUL. Decreto Nº 6943, de 13 de março de 1956. Publicado
no Diário Oficial do Estado do Rio Grande do Sul, de 16 de março de 1956, p. 002. Disponível em:
http://corag.rs.gov.br/doe. A distribuição dos professores foi estabelecida pelo Decreto nº 1.192, de 5 de abril de
1950, que tem como objeto a regulamentação do ingresso e do reingresso no magistério primário do Estado e
define em seu artigo 13 que: “Tomar-se-á em conta, na designação da escola, quando possível, a zona de residência
do professor, respeitados, exceto em casos previstos neste decreto, os quadros de classificação e de vagas de
primeiro estágio, mencionados nos artigos 6º e 7º.”
maiores expressões da Medicina brasileira, significa para nós recordar dias já distantes da
segunda década do século, quando nos reunimos no porão da sua casa da rua de S. Antônio
(morávamos ao lado)45” (aluna, 11 anos; aluna, 11 anos; aluna, 11 anos), a opção foi copiar
parte do texto laudatório sobre o médico. O que se repete no fragmento:
[…] Era o ilustre Riograndense uma das grandes expressões da medicina brasileira – Fundador
da Faculdade de medicina desta capital, campanhas de higiene, pediatra em favor da infância o
seu devotamento pela medicina infantil vinha desde o curso acadêmico como um dos discípulos
prediletos do grande especialista professor Moncorvo46 (aluna, 11 anos).
45
Na seção “Vultos da Pátria”, Antônio Almeida traça o perfil biográfico do “Professor Dr. Olímpio Olinto de
Oliveira”. Como argumento inicial o autor enfatiza que escreve a partir de uma relação de convivência com o
personagem, através da contemporaneidade e proximidade que possuía dos filhos do biografado. O texto apresenta
dados da vida privada, da formação e da atuação profissional do personagem, quase sempre em tom laudatório.
Olímpio de Oliveira teria sido o segundo de oito irmãos, teria nascido em 5/1/1865-66 e falecido a 22/5/1956.
Realizou estudos no Rio de Janeiro, quando se especializou em pediatria, e retornou ao Estado onde clinicou e
lecionou. Casou-se na capital em 21/5/1889 e foi pai de sete filhos. Titular da cátedra de Clínica Pediátrica da
Faculdade de Medicina, em 1917, por ocasião do falecimento do dr. Luis Masson, postulou a titularidade da cátedra
de Clínica Médica, pedido que foi indeferido com a entrega da vaga ao professor dr. Aurélio de Lima Py. A
negativa fez com que Olinto de Oliveira renunciasse ao posto que ocupava e mudasse para o Rio de Janeiro, onde
instalou consultório e dirigiu o Departamento Nacional da Criança. Almeida, Antônio da Rocha. Dr. Olímpio
Olinto de Oliveira, Correio do Povo, sem data.
46
O texto enfatiza a vida profissional de Olintho de Oliveira, com especial atenção ao trabalho realizado pelo
pediatra, professor e colaborador do Jornal Correio do Povo no cuidado com a infância. É na dedicação ao trato
das crianças que Olintho galgou postos na administração pública na Capital Federal, travando disputas
especialmente com Martagão Gesteira acerca das políticas destinada à infância, e conquistou a maioria das
honrarias recebidas. Além disso, mereceu destaque a atuação do médico em atividades relacionadas à arte e às
letras, como fundador, ao lado de outros, da Academia Rio-grandense de Letras. Faleceu ontem no Rio de Janeiro
o professor Olintho de Oliveira, Correio do Povo, 23 de mai. de 1956, p. 10 e 16. Para mais da disputa entre
Olintho de Oliveira e Martagão Gesteira em torno da Divisão de Amparo à Maternidade e à Infância (DAMI) e do
Instituto de Puericultura, ver: Medeiros, Helber Renato Feydit de. O passado e o presente da puericultura através
da história do Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira. In: Anais. XXVI Simpósio Nacional de
História – ANPUH. São Paulo, jul. 2011.
47
Escrito por um médico, ex-aluno e amigo, segundo apresentação do próprio autor, a coluna enfatiza o trabalho
precursor de Olintho de Oliveira na área da pediatria. Durante o texto fica bastante evidente a relação próxima
entre autor e homenageado, mesmo que ao citar a renúncia de Oliveira a titularidade da cátedra de Clínica
Pediátrica da Faculdade de Medicina, o autor apenas tenha feito referência breve a aposentadoria do mestre, sem
esclarecer suas circunstâncias. Logo depois Raul Moreira prossegue citando o convite que recebeu de Sarmento
Leite para concorrer ao cargo deixado pelo mestre, que passou a ocupar como substituto até 1930 e depois de
forma efetiva. Moreira, Raul. Olinto de Oliveira. Correio do Povo, Porto Alegre, 25 mai. 1956, p. 16.
qual os alunos pesquisadores organizam a descrição a partir da localização da informação “na
página 16” destacando as homenagens que teria recebido o falecido e os dados sobre sua morte:
“Ele morreu quinta-feira, 24 de maio de 1956”, reiterando o que podemos interpretar como
preocupação dos estudantes em descrever com a maior precisão possível o acontecimento
narrado pela fonte. Em outro exemplo, verificado no fragmento:
Falecido dr. Olintho de Oliveira formado em medicina fundador de uma faculdade. Ele foi tão
importante para a medicina que uma escola teve como dedicatória seu nome na Escola Estadual
de E. F. Olintho de Oliveira. Ele promoveu uma propaganda sobre as crianças e meios de
protegê-las48 (aluna, 11 anos; aluna, 11 anos; aluna, 11 anos).
2.3 Aprender História a partir das noções de patrimônio cultural e patrimônio escolar
48
Faleceu ontem no Rio de Janeiro o professor Olintho de Oliveira, Correio do Povo, 23 mai. 1956, p. 10 e 16.
49
Desde o século XVI objetos e edifícios antigos mereceram a atenção de renascentistas e antiquários, seja por
seu valor artístico, servindo de modelo ou mesmo como curiosidade, em atividades que podem ser consideradas
precursoras da Arqueologia. No entanto, apenas no século XIX, vinculada com a centralidade que o documento
assumiu na escrita da história e da consequente preocupação em preservar documentos e arquivos, a cultura
material adquiriria o status de fonte histórica, inclusive com a intensificação de empreendimentos arqueológicos
para a coleta e divulgação de artefatos e edifícios (Funari, 2008:84-85).
Francisco Ramos ao pensar a educação histórica através dos objetos indica como ponto
de partida os “objetos geradores” definidos como aqueles “significativos para os alunos, ou
participantes de determinado grupo” (Ramos, 2004:32). O autor estende para a sala de aula a
possibilidade de uma pedagogia dos objetos, enquanto pensa o ensino de história no espaço
museológico. Seguindo Ramos, a intenção é pensar o “objeto gerador”, no caso deste trabalho
o espaço físico da escola, como matéria-prima para a reflexão histórica e discussão do processo
de patrimonialização do espaço escolar. A comparação entre objetos produzidos no passado
com outros do presente pode configurar-se no ponto de partida para a construção de uma noção
de historicidade ao chamar a atenção para o seu ciclo de vida: nascimento, morte e
transformação. E, ainda, oferecer subsídio para a meditação sobre o trabalho humano na criação
destes artefatos e como se dá, em ocasiões distintas, seus usos (Ramos, 2004:35-36). Para os
objetivos deste trabalho a noção de “ciclo de vida” é importante para pensar os usos da
edificação mais antiga da escola e o seu percurso até tornar-se alvo de inventário pela
municipalidade de Porto Alegre.
50
Chuva, 2012:157 e 161. Ver também Souza, 2013.
uma divisão artificial entre materialidade e imaterialidade que chancela uma política de
distribuição não paritária dos recursos (Chuva, 2012:151, 160 e 162).
o que um conjunto social considera como cultura própria, que sustenta sua identidade e o
diferencia de outros grupos – não abarca apenas os monumentos históricos, o desenho
urbanístico e outros bens físicos; a experiência vivida também se condensa em linguagens,
conhecimentos, tradições imateriais, modos de usar os bens e os espaços físicos. [Canclini,
1994:99]
51
Nestor Canclini identifica quatro paradigmas nos processos de patrimonialização dos bens. O primeiro é o
tradicionalismo substancialista, quando os bens históricos adquirem valor em si, o patrimônio é definido pela
excepcionalidade e por uma visão a-histórica. Já o viés mercantilista está fundamentado no valor econômico que
os bens possuem ou possam adquirir e no favorecimento ou não do avanço material. A perspectiva conservacionista
e monumentalista, segundo o autor, está baseada no papel central do Estado para o resgate, a preservação e a
custódia de bens históricos, sem, no entanto, promover o debate sobre as possíveis contradições destas escolhas
patrimoniais. E, por último, o paradigma participacionista procura relacionar preservação e necessidades de
determinada sociedade, privilegiando as demandas do presente, estimulando o debate democrático e incluindo
entre os bens que podem ser considerados patrimônio os costumes e as crenças. Assim como, procura interrogar
sobre os usos dos bens, os critérios de restauração e de recepção do público para o qual são destinados. (Canclini,
1994:103-105).
promoção, a partir dos “produtos” da aula de história, de um debate sobre as necessidades de
preservação/reformulação do espaço escolar orientado pela perspectiva de seus usos sociais.
52
Nos estudos em História da Educação as definições de cultura escolar mais referidas são tributárias dos estudos
de Jean-Claude Forquin, André Chervel, Dominique Julia e do próprio António Viñao Frago. Forquin compreende
a cultura escolar como fruto de uma seleção composta pelo cruzamento de diversos saberes, os quais não integram
esta mesma cultura de forma pura. Por sua vez, Julia, Chervel e Frago partem do pressuposto de que existe uma
construção cultural própria do sistema escolar. Dominique Julia aponta que a cultura escolar, como conjunto de
normas e práticas que viabilizam a transmissão e incorporação de conhecimentos específicos está relacionada a
finalidades que podem variar em diferentes épocas. André Chervel interpreta o sistema escolar considerando a
configuração das disciplinas escolares como produtos de um saber específico que emerge do funcionamento
institucional baseado na circularidade cultural entre escola e sociedade. E, por fim, António Frago define como
“culturas escolares” todas as manifestações práticas ocorridas no interior das escolas envolvendo alunos,
professores, normas e teorias. Ainda, numa perspectiva histórica, prefere admitir a existência de “culturas
escolares”, cujas especificidades podem ser verificadas pelo método comparativo. Para uma síntese mais
aprofundada do debate sobre a cultura escolar como categoria de análise ver Faria Filho et. al., 2004.
A despeito da densidade teórica existente em torno das noções de patrimônio cultural e
escolar, essa exposição tratará também do percurso para construção de um conceito, mais ou
menos complexo, de patrimônio com os alunos e as alunas protagonistas no debate sobre o
tema. Objetivando a inserção dos estudantes na discussão para além da conceituação proposta
no manual didático, os jovens pesquisadores foram provocados a pensar as escolhas implicadas
no uso da definição patrimônio histórico e artístico ou na opção pela expressão patrimônio
cultural. Esse movimento exploratório ocorreu a partir de pesquisa realizada em fontes
disponíveis na internet consultadas livremente pelos estudantes e carregou como objetivo o
apontamento das aproximações e particularidades dos conceitos.
A primeira passagem que informa os resultados da busca realizada pelos alunos indica
que patrimônio histórico é o
conjunto de bens que contam a história de uma geração [e] faz parte do patrimônio histórico”,
enquanto patrimônio cultural configura o “conjunto de bens materiais e imateriais, que contam
a história de um povo através de seus costumes, que faz parte do patrimônio histórico/artístico
(aluna, 11 anos; aluno, 14 anos; aluna, 11 anos).
a preservação do patrimônio histórico teve início como atividade sistemática no século XIX,
após a Revolução Francesa e a Revolução Industrial, inicialmente para restaurar os monumentos
e edifícios históricos destruídos nas guerras. (aluno, 11 anos; aluna, 11 anos; aluna, 11 anos).
Mesmo quando o texto procura estabelecer uma comparação que podemos conceber
como mais complexa entre as noções de patrimônio, como no excerto
[…] a diferença entre patrimônio cultural e histórico é que o patrimônio cultural tem um
conjunto de bens materiais e imateriais que contam a história de um povo através de seus
costumes, tais como: a comida típica, religião e outras. Já o patrimônio histórico conta a história
de uma geração, através da arquitetura, vestes, acessórios e utensílios, armas e ferramentas
(aluno, 12 anos; aluna, 11 anos; aluna, 12 anos).
53
Uma síntese da trajetória da noção de patrimônio no país foi brevemente indicada nas páginas 49 e 50 desta
seção. Ainda é pertinente recuperar que no Brasil o registro de bens culturais imateriais é recente (estabelecido
pelo Decreto nº 3.551, de agosto de 2000), assim como a definição das dimensões do patrimônio imaterial como:
“celebrações, saberes, formas de expressão e lugares expressivos das diferentes identidades conformadoras da
diversidade cultural do país”, da construção de um Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e da realização de
“inventários” como prática preliminar de salvaguarda (Martins, 2012:302). Destaque em itálico da autora.
Agregado ao termo “cultural” cabe bens materiais e imateriais, porém, nos exemplos
apenas são mencionadas manifestações imateriais, “modos de fazer”. Além disso, enquanto o
patrimônio cultural pode alcançar um “povo”, por sua vez, seu duplo histórico pode rememorar
ou “contar” os feitos de uma “geração”.
A partir dos trabalhos realizados pelos alunos e alunas foi inserido na aula de história
um texto que procurou discutir as aproximações, os limites e as implicações da utilização das
expressões patrimônio histórico e artístico ou patrimônio cultural. Trazendo no título uma
interrogação: “Patrimônio Histórico e Artístico ou Patrimônio Cultural?” (Apêndice D), a
síntese didática preparada para aula de história apresenta um breve histórico do conceito de
patrimônio para o Brasil, especialmente a definição proposta pelo Decreto-lei de 1937 e no
artigo 216 da Constituição Federal de 1988.54
o conjunto de bens móveis e imóveis existentes no País e cuja conservação seja de interesse
público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu
excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico. [Decreto-lei nº 25, de
30 de novembro de 1937]
De outra parte, a Constituição Federal de 1988 define que o patrimônio cultural abriga
os bens “de natureza material e imaterial, considerados individualmente ou em conjunto,
54
Decreto assinado pelo presidente da República Getúlio Vargas e pelo Ministro da Educação e Saúde Pública
Gustavo Capanema tem como objeto a organização e a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional.
BRASIL. Presidência da República. Decreto-lei nº 25, de 30 de novembro de 1937. Disponível em:
https://goo.gl/Z42cW0. Acesso em: 8 abr. 2016; BRASIL. Presidência da República. Constituição da República
Federativa do Brasil. Brasília, 5 de outubro de 1988. Disponível em: https://goo.gl/iHHm9t. Acesso em: 8 abr.
2016.
portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da
sociedade brasileira”. Nessa redefinição estão as formas de expressão; os modos de criar, fazer
e viver; as criações científicas, artísticas e tecnológicas; as obras, objetos, documentos,
edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; os conjuntos
urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico,
ecológico e científico.
55
A categoria patrimônio cultural da humanidade é instituída na Convenção da Unesco Relativa à Proteção do
Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, em 1972. Segundo Ana Luiza Martins, o fórum reforçou a classificação
dos monumentos históricos por seu caráter excepcional também em âmbito internacional. (Martins, 2012:285-
286).
Na sequência, a última parte da aula foi reservada para uma breve apresentação do
Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa (MCSHJC), a partir de pesquisa realizada
previamente sobre espaços culturais como museus, memoriais e arquivos sediados na cidade, a
função social destas instituições e suas principais atribuições. Especificamente sobre o Museu
Hipólito José da Costa56 foram abordadas informações como localização, fundação,
composição do acervo e as atividades e ações oferecidas pela instituição. O próximo encontro
foi destinado à saída de campo.
56
O Museu está vinculado à Secretaria de Estado da Cultura do Rio Grande do Sul, foi fundado em 10 de setembro
de 1974 com o objetivo de pesquisar, recolher, classificar e conservar acervos das diversas áreas da comunicação
social; e comunicar através da exposição de bens culturais locais e nacionais. Abriga acervo constituído por jornais,
revistas, publicidade e propaganda, televisão e vídeo, cinema, rádio, fonografia e fotografia. Possui áreas
expositivas, auditório e salas de pesquisa.
encerramento da visita, os profissionais do museu executaram, com voz e violão, canções que
podem ser interpretadas à luz da relação das sociedades com o tempo, bem como do papel da
história e da memória na trajetória de homens e mulheres.57
A seguir serão discutidos os trabalhos dos alunos e das alunas com o acervo fotográfico
disponibilizado no museu. A exposição seguirá a organização dos grupos na oficina e as
temáticas propostas pelos orientadores da atividade.
Era uma vez uma rua que não havia nada. Certo dia começaram a construir casas, lares,
comércios, bancas e foi fundada uma cidade que se chamava Porto Alegre. Depois de um tempo
57
Foram compartilhadas as canções “Tempos modernos”, composição de Lulu Santos (1982) e “O tempo não
para”, composta por Arnaldo Brandão e Cazuza (1988).
começaram a criar carroças, uma espécie de quarto com cavalos, depois criaram relógios,
também criaram os chapéus, relógios de bolso, ternos, vestidos, sapatos, sandálias. Antigamente
as ruas eram um pouco maiores do que as de hoje e tinham uma arquitetura diferente,
começaram a criar bandas musicais, tipos de músicas pop, rock, punk, pagode, samba, rap, hip-
hop, reggae, eletrônica e finalmente funk. (Grupo “Ruas”).
Quando interpretadas as imagens do “Rio Guaíba”, e sua relação com o espaço urbano,
a história composta está centrada nas consequências da interação entre os habitantes da cidade
e o lago, como exemplificado na passagem:
Antigamente as pessoas usavam o rio para lavar roupas, beber a água, tomar banho e outras coisas. Mais
para frente as pessoas começaram a fazer esportes como nadar, andar de barco etc.
Pescadores começaram a poluir, os habitantes começaram a não ir ao rio por conta da poluição, os peixes
começaram a ir embora e morrer.
Depois começou o tempo das usinas e navios que acabaram poluindo mais ainda por causa do óleo e da
fumaça. (Grupo “Rio”)
A relação da cidade com as águas que a circundam é mediada pela degradação causada
pelo uso intensivo e pouco responsável dos recursos naturais. O passado expresso na utilização
do termo “antigamente” é representado como momento em que a relação entre homem e
natureza mostra-se equilibrada e sustentável. Em oposição, a parte final do enredo problematiza
circunstâncias do presente, como o debate acerca das questões ambientais. Ainda é possível
destacar que a contaminação das águas é atribuída primeiro aos “pescadores” e depois
representada pela intensificação da exploração destrutiva do lago pelos habitantes da cidade,
materializada na ação de “usinas e navios”.
Em 1920, imigrantes vão para POA em busca de trabalho e melhores condições de vida, muito
pobres, salário baixo decidem fazer um protesto em frente à Prefeitura, com isso o governo
decide construir o Mercado Público para gerar mais empregos aos imigrantes. (Grupo
“Mercado”)
O Mercado surge na paisagem da urbe como resposta da demanda por postos de trabalho
e melhores condições de vida para os “imigrantes” recentemente chegados à cidade. E o Paço
Municipal, registrado em uma das imagens, também é destacado no conjunto que compõe o
“centro histórico” – região a partir da qual se desenvolveu o espaço urbano de Porto Alegre.
De volta à escola, a avaliação da visita ao MCSHJC foi realizada no próximo encontro
depois da saída (Apêndice F). A partir de um painel com os registros fotográficos do grupo no
espaço do Museu, alunos e alunas foram convidados a comentar os momentos da atividade.
Além da referência ao calor, realmente a manhã foi escaldante, estava muito viva na memória
recente dos integrantes das duas turmas a elaboração a partir dos registros fotográficos e as
canções compartilhadas no encerramento da experiência. O ato de transpor o espaço físico da
escola e adentrar o museu, lugar de revigoramento da ação educativa a partir de lógicas, tempos
e objetos específicos, aproximou os estudantes, através da reflexão teórica, das práticas de
análise e da divulgação de resultados, da linguagem fotográfica como “uma representação do
mundo que varia de acordo com os códigos culturais de quem a produz” (Borges, 2011:80) e
dos olhares que a ela são lançados por diferentes grupos sociais em distintas épocas, situações
e projetos.
A primeira seção procura relatar o contato dos estudantes pesquisadores com o acervo
fotográfico da instituição escolar. Por tratar-se da primeira interação com as possíveis fontes
para a história, o objetivo inicial foi direcionar o olhar curioso dos estudantes para a
potencialidade do material avaliado, sem investir, neste momento, na compreensão mais ampla
sobre os documentos iconográficos. O caminho metodológico escolhido e comunicado nesta
seção buscou colocar em evidência a importância dos registros e suas condições de produção,
bem como investir na formulação de critérios para a catalogação do acervo imagético.
A terceira seção tem como objetivo apresentar o projeto gráfico construído para
divulgação da pesquisa. Inicialmente são informados os pressupostos teóricos e metodológicos,
bem como a escolha do suporte para a organização do material selecionado. Na parte final são
dispostas telas para comunicar uma visão de conjunto de cada segmento da exposição, assim
como são reproduzidas as imagens individualmente e acompanhadas dos elementos textuais e
gráficos que compõem a estrutura.
58
O acervo fotográfico reúne cerca de 340 fotografias, com dimensões variadas, impressas em cores ou preto e
branco. As imagens estão distribuídas em oito álbuns e um envelope tamanho A4. Todo o material estava
acondicionado no banco do livro da escola, em estante utilizada também para a organização das obras disponíveis
para empréstimo aos estudantes da instituição.
Figura 6. Conhecendo o acervo fotográfico da escola
59
A divisão interna do acervo fotográfico foi estabelecida em: “álbum A”, “álbum azul”, “álbum B”, “álbum C”,
“álbum castelo/igreja”, “álbum flor”, “álbum montanha/paisagem”, “álbum vermelho” e “envelope A4”.
possível estabelecer uma característica descritiva clara na capa dos álbuns, a opção foi
identificá-los utilizando uma letra do alfabeto. Também foi construída uma numeração
sequencial crescente para as páginas dos álbuns, estabelecendo uma lógica interna a cada
conjunto documental. Para facilitar a compreensão dos estudantes, considerando que eram
iniciantes nos procedimentos em acervos, foi utilizada uma fita adesiva removível para indicar
as marcações na capa e nas páginas.
A seleção das imagens que poderiam compor a exposição foi precedida pela retomada
das fichas de pesquisas produzidas para análise dos acervos de documentos escritos e do
material fotográfico (Apêndice C; Apêndice E) e pela exibição de um episódio do Programa
60
O acervo fotográfico conta com 340 imagens distribuídas em: “álbum A” – 34 fotografias; “álbum azul” – 133
fotografias; “álbum B” – 15 fotografias; “álbum C” – 22 fotografias; “álbum castelo/igreja” – 28 fotografias;
“álbum flor” – 25 fotografias; “álbum montanha/paisagem” – 27 fotografias; “álbum vermelho” – 31 fotografias;
e “envelope A4” – 25 fotografias. E aproximadamente 100 registros digitalizados.
61
Petersen; Lovato, 2013:295. Destaque em itálico das autoras.
Profissão Repórter62 que tratava do cotidiano de fotógrafos vinculados ao fotojornalismo. No
episódio exibido em 2 de agosto de 2011 a produção jornalística abordou o dia a dia do trabalho
de profissionais da fotografia, desde os que trabalham clicando celebridades (os paparazzi),
passando pelos bastidores do cotidiano dos fotojornalistas que acompanham os registros
policiais e viajando com um fotógrafo dedicado ao registro da natureza em lugares inóspitos. A
metodologia adotada procurou pôr em evidência o caráter testemunhal que a fotografia adquiriu
ao longo do século XX. Com o aprimoramento tecnológico, os registros fotográficos adquirem
valor de prova no fotojornalismo, bem como em áreas como a Sociologia e a Antropologia são
desenvolvidas técnicas para sua utilização. No caso da história, mesmo que pelo menos desde
1920 as imagens figurassem nos livros didáticos e nos museus da área, a fotografia não foi
atingida por cuidados de descrição e conservação específicos, antes, pelo contrário, manteve-
se como documento complementar as fontes textuais, como registro periférico (Lima; Carvalho,
2012:35 e 39).
Cada estudante recebeu a tarefa de escolher uma fotografia que dialogasse com o
processo de patrimonialização do espaço escolar, a partir do papel do “casarão” na constituição
da escola e das vivências da comunidade atendida. Dialogando com a premissa de que “na
história, tudo começa com gesto de pôr à parte, de reunir, de transformar em ‘documentos’
certos objetos distribuídos de outro modo”,63 como propõe Michel de Certeau em passagem
citada por Jacques Le Goff. Dos 41 alunos e alunas pesquisadores 27 efetuaram a seleção e
descrição das fotografias. Entre os que não realizaram a escolha e a análise da foto, alguns não
concluíram a tarefa ou não estavam presentes no encontro e, ainda, outros foram transferidos
da unidade escolar durante o desenvolvimento do trabalho. Como não foi imposta restrição, em
alguns casos a mesma imagem foi escolhida por estudantes de turmas distintas, o que explica a
não correspondência entre o número total de alunos e alunas pesquisadores e de imagens
selecionadas.
62
Profissão Repórter é um programa jornalístico semanal, produzido e exibido pela Rede Globo de televisão.
Disponível em: https://goo.gl/OrLX1w. Acesso em: 15 abr. 2016.
63
Certeau, 1974 apud Le Goff, 2003:533.
Abertura da Diretora fazendo abertura
Sem
22 Aluna, 11 anos “Azul” 9A 1 semana da semana “Olintihiana” na
data
“olinthiana” frente do casarão.
A imagem mostra uma festa
23 Aluno, 11 anos “Vermelho” 3 2 1981 Quermesse ocorrendo na escola no ano
de 1981.
Fonte: Apêndice G – Descrição das imagens selecionadas no acervo fotográfico, 2016:156-157.
Fonte: “O Secretário da Educação conversando com algumas mulheres sobre a escola, na sala da
diretora, e a diretora ouvindo ele falar” (aluna, 11 anos).64
A imagem anterior foi selecionada como exemplo da percepção dos alunos e das alunas
pesquisadores com relação às fotografias analisadas. Foi lançada mão de diferentes estratégias
para decodificar o registro em questão. A identificação de um dos personagens como
“Secretário da Educação” dialoga com o título da foto inserido no álbum, enquanto a dedução
de que uma das mulheres da imagem ocupe o cargo de diretora da escola provavelmente esteja
relacionada com a percepção da inscrição na porta da sala. A análise a partir de elementos que
compõem a imagem, bem como a inclusão de informações que remetem a disposição da
fotografia no conjunto do álbum e a possibilidade de formular hipóteses sobre a cena, como a
que propõe tratar-se do registro de uma “conversa” entre os personagens, pode indicar a
aquisição de habilidades analíticas de reconhecimento e contextualização pelos estudantes.
64
Fonte: Álbum "Montanha/Paisagem”, foto 1, 1983:13. Acervo da E.E.E.F. Professor Olintho de Oliveira.
Figura 10. Homenagem ao expedicionário
65
Fonte: Álbum "Montanha/Paisagem”, p. 3, foto 2, 1982. Acervo da E.E.E.F. Professor Olintho de Oliveira.
Figura 11. Chá para as alunas concorrentes à rainha da Primavera da escola
Fonte: “As concorrentes à Rainha da Primavera tomando chá no casarão” (aluna, 11 anos).66
66
Fonte: Álbum “Azul”, foto 1, sem data, p. 8A. Acervo da E.E.E.F. Professor Olintho de Oliveira.
aparecem de forma indireta” (Karnal; Tatsch, 2012:17). Além disso, mostrou-se imprescindível
considerar como característica fundamental do acervo consultado a fragmentação expressa na
variedade temática, temporal e nas lacunas no conjunto dos álbuns pesquisados, bem como na
organização interna de cada divisor do montante das fontes disponíveis. Em outros termos, o
percurso da investigação demonstrou a importância de observar as condições de produção de
potenciais fontes para a história de modo geral, e dos registros iconográficos em especial.
Para oferecer outra mirada aos envolvidos nas atividades de pesquisa, depois da
apresentação, no encontro subsequente, foram distribuídas para aos alunos e alunas cópias
impressas das imagens e recolocadas as questões discutidas anteriormente. Também foi
retomada com as turmas, como possibilidade, a ideia, já referida neste trabalho, da investigação
do ciclo de vida do espaço físico da escola, considerando as características fundamentais, usos,
usuários e transformações físicas ocorridas no “casarão”.67 No reencontro entre a reflexão sobre
os objetivos da pesquisa e as fontes selecionadas para comunicar o resultado da investigação
foi possível rediscutir o caminho percorrido e sinalizar a necessidade de retorno ao acervo, bem
como a possibilidade de produzir registros para compor a narrativa sobre o ciclo de vida da
edificação mais antiga do espaço escolar.
67
Cf. já discutido na introdução e na seção 2.3 deste trabalho.
(Anexo B) foi redefinida a estratégia da investigação. O primeiro passo foi investigar entre os
membros da comunidade escolar possíveis registros fotográficos que pudessem ser
incorporados ao projeto de pesquisa. Posteriormente foi realizada a produção de imagens pelos
alunos e alunas participantes da investigação. E, por fim, também foram reavaliadas as fotos
escolhidas no acervo escolar.
A pesquisa desencadeada para localizar outras fontes, para além do acervo já conhecido
e guardado na escola, permitiu visualizar com maior precisão a concretização do problema de
pesquisa construído para orientar a investigação. Ao mesmo tempo, a investida possibilitou
ampliar o acervo fotográfico da escola e trouxe a discussão sobre a necessidade de uma política
institucional para a preservação e a divulgação dos registros que documentam a trajetória da
unidade escolar e da comunidade por ela atendida.
3.3 O projeto expográfico como suporte para a divulgação de pesquisa histórica no ensino fundamental
É sob essa perspectiva que o projeto de exposição procurou construir, por exemplo, a
percepção do que foi digno de registro no espaço escolar, como celebrações pátrias,
mobilizações festivas internas, atividades educativas ao ar livre, a presença de autoridades e
momentos de confraternização da comunidade atendida pela instituição. Além disso, ao
registrar e divulgar a “rotina” de pesquisa, a exposição busca provocar o efeito que consiga
comunicar que as fotografias podem assumir distintas posições na constituição do
conhecimento histórico, entre as quais, destaca-se a de construção legada ao futuro.
68
Lima e Carvalho (2012:49) recuperam que os retratos e as narrativas dos álbuns de família são constituídos a
partir de uma lógica que privilegia componentes afetivos e a transmissão de códigos para a conduta social.
A primeira parte da exposição, tempo de morar, discute o uso residencial da edificação
assobradada que compõe o conjunto arquitetônico da escola, agrega a reprodução de imagens
internas do “casarão” e fragmentos ampliados de fontes que descrevem a dimensão do espaço
físico, transações de compra, venda ou doação e identificam os proprietários do prédio. No
segundo grupo de imagens, identificado como tempo de aprender e trabalhar, a mirada está
voltada para a ocupação da casa como unidade escolar e a elaboração dos registros de
cerimônias e festividades como representação das atividades escolares, quando eventos e
acontecimentos específicos são conectores, produzidos deliberadamente ou não, para
comunicar determinado olhar sobre o passado. O terceiro espaço, apresentado sob o título tempo
fechado, registra a situação atual da edificação e está centrado na exposição de registros internos
e externos da casa interditada. A última subdivisão, tempo de narrar a história, comunica,
através de registros fotográficos e fragmentos de textos dos estudantes, o caminho percorrido
pela investigação divulgada e a ficha técnica da exposição.
Para avaliar o potencial do projeto expográfico na disciplina História foram adotados dois
procedimentos. O primeiro procurou aferir o conhecimento adquirido pelos alunos e as alunas
envolvidos na pesquisa a partir de instrumento escrito individual, realizado no final do bimestre letivo
(Apêndice H). Também foram utilizadas as anotações que o professor realizou durante o processo de
investigação no decorrer do primeiro quarto do ano letivo de 2016.92 A seguir serão analisadas
algumas das respostas dos estudantes no enfretamento de questões que discutiam os objetos de análise
da história, a noção de fonte histórica, a narrativa como mediação entre passado e o conhecimento
histórico e a noção de patrimônio cultural e seus desdobramentos como possibilidade para a educação
histórica.
80%
70,3%
70% estuda acidentes
históricos e geográficos
60%
92
Em 2016, o primeiro bimestre letivo esteve compreendido entre 29 de fevereiro e 13 de maio. Neste intervalo ocorreram
28 aulas da disciplina (das 30 previstas), distribuídas em 3 encontros semanais com duração de 50 minutos cada.
Gráfico 5. Identificação de fontes históricas classificadas como escritas
90%
78,4%
80% Pinturas, utensílios
domésticos e certidões de
70%
nascimento.
60%
Revistas, livros e
50% vestimentas.
40%
Cartões-postais, fósseis e
30% lendas.
20%
10,8%
5,4% 5,4% Diários, jornais e leis.
10%
0%
Sobre fontes históricas escritas
De acordo com os dados acima, quando solicitado que potenciais fontes históricas escritas
fossem indicadas, a maioria significativa dos respondentes (78,4%) assinalou a alternativa correta.
No entanto, também merece destaque o percentual de estudantes (10,8%) que escolheu a alternativa
que mesclava elementos classificados como documentos escritos com outros vinculados ao conceito
de cultura material.
50%
45% 43%
40% Cultura material
35%
35%
30% Textual
25%
20% Visual
15% 11%
10% 8% Mídia interativa
5% 3%
0% Oral
Sobre fontes orais, a memória e a escrita da
história
60% 56,8%
50%
40% Sequência A
Sequência B
30%
Sequência C
21,6%
20% Sequência D
50%
40%
material
30% 27%
natural
imaterial
20%
13,5%
histórico
10% 5,4%
0%
Sobre patrimônio cultural e a divisão entre material, imaterial
e natural
Na mesma direção indica o estudo realizado por Margarida Oliveira e Itamar Freitas, que
analisam as propostas curriculares produzidas para os anos finais do ensino fundamental, entre os
anos 2007 e 2012, em 18 estados do país. Entre os dados recolhidos na pesquisa da documentação
oficial, o estudo aferiu que as habilidades de compreender, identificar, interpretar, comparar, conhecer
e reconhecer juntas representam a metade da expectativa relativa aos conteúdos. O que, ainda segundo
93
Para os anos iniciais do ensino fundamental (primeiro e segundo ciclos) já é referenciado como “patrimônio
sociocultural” e sua valorização está vinculado à possibilidade de convivência democrática. Interessantemente é proposta
como metologia um estudo comparativo reunindo diversos aspectos entre as três capitais brasileiras (Salvador, Rio de
Janeiro e Brasília), bem como, para o período de dominação portuguesa, suas relações com Lisboa. BRASIL. Parâmetros
Curriculares Nacionais: história, geografia, 1997, p. 33 e 50. Nos anos finais do fundamental o conhecimento e a
valorização, lastreados na observância de critérios éticos, do “patrimônio sociocultural brasileiro” além de integrar “os
objetivos do ensino fundamental”, também figura como um dos “objetivos gerais da história”. BRASIL. Parâmetros
Curriculares Nacionais: História, 1998, p. 7 e 43. Ainda, com relação ao ensino médio, entre os “conhecimentos de
História” desejáveis para a etapa está a compreensão da contribuição da história para as “novas gerações” ou, em outros
termos, no papel disciplinar que a história possui no combate da “amnésia social”. Abordar a constituição do “patrimônio
cultural” e, consequentemente, as práticas de seleção do patrimônio a ser preservado é posto como fundamento para
problematizar os “vínculos que cada geração estabelece com outras gerações, das raízes culturais e históricas que
caracterizam a sociedade humana”. BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: ensino médio: ciências humanas e
suas tecnologias, 1999, p. 26-27.
os autores, é preocupante na medida em que não está no horizonte do processo de aprendizagem o
desenvolvimento de habilidades mais complexas, como “avaliar” e “criar” (Oliveira; Freitas,
2012:273 e 282). Mesmo que a interrogação que contrapunha a materialidade e a imaterialidade do
patrimônio cultural pudesse ser resolvida com o reconhecimento de suas especificidades, boa parte
dos alunos e das alunas não conseguiu solucionar a questão. Resultado esse que pode ser relacionado
a descontextualização da temática no currículo e a insuficiência das habilidades desenvolvidas no
âmbito da escola em relação ao conhecimento histórico.
4. Considerações finais
Este trabalho procurou refletir sobre o ofício do historiador na educação básica, através da análise do
processo de patrimonialização do espaço escolar e da elaboração de um projeto expográfico por
alunos e alunas do 6º ano do ensino fundamental na Escola Estadual Professor Olintho de Oliveira.
Para tanto, considerou a materialidade das instituições formais de educação como possibilidade de
atuação da História, enquanto área de conhecimento que proporciona diferentes leituras do mundo. E
que a condição material dos objetos, a partir da reflexão sobre a cultura material escolar, pode
revigorar o aprendizado em história, assim como a pedagogia do objeto, através do pressuposto do
“objeto gerador”, pode ser uma importante ferramenta metodológica para o ensino de história ao
estimular reflexões sobre questões inerentes ao ofício do historiador, tais como: a materialidade da
história, os usos sociais do patrimônio, a historicidade dos objetos e a relação entre tempo cronológico
e tempo histórico. Desta forma, para destacar o ciclo de vida da edificação com maior
representatividade no espaço escolar, seus distintos usos e que características lhes são atribuídas para
fundamentá-lo como patrimônio, a pesquisa no acervo documental e iconográfico da escola foi
simultaneamente recurso metodológico e questão mobilizadora para a produção de conhecimento
histórico no ensino fundamental.
No trabalho com o acervo de imagens em sala de aula foi possível verificar que a maioria dos
estudantes conseguiu compreender e seguir a metodologia de pesquisa proposta, embora, em alguns
casos, pelo volume de registros a serem analisados não tenha sido catalogado todo material
disponível. Mesmo assim, a atividade conseguiu proporcionar uma reflexão sobre a necessidade de
construir caminhos de pesquisa, para que os possíveis retornos ao acervo sejam ordenados e
conscientes e não fruto de escolhas aleatórias. Nesta direção, o encaminhamento da pesquisa indicou
a questão do controle do historiador sobre as potenciais fontes para a história, reiterando a importância
da crítica interna e externa do documento. Além disso, mostrou-se imprescindível considerar como
característica fundamental do acervo consultado a fragmentação expressa na variedade temática,
temporal e nas lacunas no conjunto dos álbuns pesquisados, bem como na organização interna de
cada divisor do montante das fontes disponíveis. Em outros termos, o percurso da investigação
demonstrou a importância de observar as condições de produção de potenciais fontes como os
registros iconográficos.
Mesmo que por período respeitável legitimada no currículo mínimo da escola, a História
necessita de um trabalho preliminar de apresentação de seus processos de produção, de seus objetivos
disciplinares e contribuição para a área das ciências humanas. Não se trata, porém, de uma intervenção
pedagógica para a introdução ao método historiográfico nos moldes da especialização científica, mas
de apresentar a identidade cognitiva da disciplina e de revisitar conceitos, noções e processos basilares
para a compreensão da trajetória dos grupos sociais. Para além de uma postura que privilegia a
memorização de eventos e acontecimentos, o que é parte do processo de aprendizagem, também é
possível e salutar trabalhar para que o contexto escolar seja um espaço de reflexão sobre os
procedimentos da História. Neste sentido, embora extremamente profícuo e gratificante nesta etapa
da formação escolar dos alunos e das alunas, a discussão sobre ofício do historiador e os
procedimentos próprios ao conhecimento histórico não deve manter-se concentrada no 6º ano do
94
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), 1996; BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais:
História, 1998; BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: ensino médio – ciências humanas e suas tecnologias, 1999;
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2015.
95
As coleções aprovadas pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) para os anos finais do ensino fundamental
(2008, 2011 e 2017), com maior ou menor espaço e com mais de uma perspectiva, trazem entre seus conteúdos a discussão
sobre o patrimônio cultural já nas primeiras unidades das obras destinadas ao 6º ano. BRASIL. Guia de livros didáticos
PNLD 2008: História, 2007. BRASIL. Guia de livros didáticos: PNLD 2011: História, 2010; BRASIL. PNLD 2017:
história – Ensino fundamental anos finais, 2016.
ensino fundamental, mas, antes, como inclusive preconiza a proposta em debate da Base Nacional
Comum Curricular, seja um eixo presente em todos os anos da educação básica.
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Arquivo Histórico de Porto Alegre Moysés Vellinho.
Pintado por alunos. Zero Hora, 24 de novembro de 1974. Acervo da Escola Estadual de Ensino
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VIANNA, Gonçalves. Olinto de Oliveira. Correio do Povo, 24 mai. 1956. Acervo do
Arquivo Histórico de Porto Alegre Moysés Vellinho.
4. Álbuns fotográficos, pinturas e filmes
Álbum “A”, com 34 imagens. Acervo da E.E.E.F. Professor Olintho de Oliveira.
Álbum “azul”, com 133 imagens. Acervo da E.E.E.F. Professor Olintho de Oliveira.
Álbum “B”, 15 imagens. Acervo da E.E.E.F. Professor Olintho de Oliveira.
Álbum “C”, com 22 imagens. Acervo da E.E.E.F. Professor Olintho de Oliveira.
Álbum “castelo/igreja”, com 28 imagens. Acervo da E.E.E.F. Professor Olintho de Oliveira.
Álbum “flor”, com 25 imagens. Acervo da E.E.E.F. Professor Olintho de Oliveira.
Álbum “montanha/paisagem”, com 27 imagens. Acervo da E.E.E.F. Professor Olintho de Oliveira.
Álbum “vermelho”, com 31 imagens. Acervo da E.E.E.F. Professor Olintho de Oliveira.
Envelope (tamanho A4), com 25 imagens. Acervo da E.E.E.F. Professor Olintho de Oliveira.
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sobre tela, 270x357cm, de Victor Meirelles. Disponível em: https://goo.gl/JQy817 Acesso em: 11
fev. 2016.
NARRADORES DE JAVÉ. Direção: Eliane Caffé. Intérpretes: José Dumont, Gero Camilo, Rui
Resende, Luci Pereira, Nélson Dantas e Nélson Xavier. Roteiro: Eliane Caffé e Luis Alberto de
Abreu. Música: DJ Dolores. Brasil, Riofilme, 2003.
PROFISSÃO REPÓRTER. Direção: Ali Kamel e Silvia Faria. Produção e apresentação: Caco
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Anexos
Tipo de fonte:
( ) certidão ( ) carta ( ) testamento ( ) livro ( x ) jornal ( ) revista
( ) processo ( ) ofício ( ) memorando ( ) comunicado ( ) listas ( ) ata
( ) diário oficial ( ) imagem ( ) pintura ( ) fotografia ( ) entrevista ( ) objetos
Data: 23/05/1956 Localização: Acervo AHPAMV
Tipo de fonte:
( ) certidão ( ) carta ( ) testamento ( ) livro ( x ) jornal ( ) revista
( ) processo ( ) ofício ( ) memorando ( ) comunicado ( ) listas ( ) ata
( ) diário oficial ( ) imagem ( ) pintura ( ) fotografia ( ) entrevista ( ) objetos
Tipo de fonte:
( ) certidão ( ) carta ( ) testamento ( ) livro ( x ) jornal ( ) revista
( ) processo ( ) ofício ( ) memorando ( ) comunicado ( ) listas ( ) ata
( ) diário oficial ( ) imagem ( ) pintura ( ) fotografia ( ) entrevista ( ) objetos
Localização: Acervo EEEF Professor Olintho de
Data: 01/09/2010
Oliveira
Tipo de fonte:
( ) certidão ( ) carta ( ) testamento ( ) livro ( x ) jornal ( ) revista
( ) processo ( ) ofício ( ) memorando ( ) comunicado ( ) listas ( ) ata
( ) diário oficial ( ) imagem ( ) pintura ( ) fotografia ( ) entrevista ( ) objetos
Data: 23/05/1956 Localização: Acervo AHPAMV
Tipo de fonte:
( ) certidão ( ) carta ( ) testamento ( ) livro ( x ) jornal ( ) revista
( ) processo ( ) ofício ( ) memorando ( ) comunicado ( ) listas ( ) ata
( ) diário oficial ( ) imagem ( ) pintura ( ) fotografia ( ) entrevista ( ) objetos
Data: 25/05/1956 Localização: Acervo AHPAMV
Tipo de fonte:
( ) certidão ( ) carta ( ) testamento ( ) livro ( x ) jornal ( ) revista
( ) processo ( ) ofício ( ) memorando ( ) comunicado ( ) listas ( ) ata
( ) diário oficial ( ) imagem ( ) pintura ( ) fotografia ( ) entrevista ( ) objetos
Data: 1962 Localização: Acervo AHPAMV
Tipo de fonte:
( ) certidão ( ) carta ( ) testamento ( ) livro ( x ) jornal ( ) revista
( ) processo ( ) ofício ( ) memorando ( ) comunicado ( ) listas ( ) ata
( ) diário oficial ( ) imagem ( ) pintura ( ) fotografia ( ) entrevista ( ) objetos
Localização: Acervo EEEF Professor Olintho de
Data: 24/01/1974
Oliveira
Tipo de fonte:
( ) certidão ( ) carta ( ) testamento ( ) livro ( x ) jornal ( ) revista
( ) processo ( ) ofício ( ) memorando ( ) comunicado ( ) listas ( ) ata
( ) diário oficial ( ) imagem ( ) pintura ( ) fotografia ( ) entrevista ( ) objetos
Data: 24/05/1956 Localização: Acervo AHPAMV
Tipo de fonte:
( ) certidão ( ) carta ( ) testamento ( ) livro ( x ) jornal ( ) revista
( ) processo ( ) ofício ( ) memorando ( ) comunicado ( ) listas ( ) ata
( ) diário oficial ( ) imagem ( ) pintura ( ) fotografia ( ) entrevista ( ) objetos
Localização: Arquivo Registro de Imóveis 2ª Zona de
Data: 05/04/1944
Porto Alegre
Tipo de fonte:
( x ) certidão ( ) carta ( ) testamento ( ) livro ( ) jornal ( ) revista
( ) processo ( ) ofício ( ) memorando ( ) comunicado ( ) listas ( ) ata
( ) diário oficial ( ) imagem ( ) pintura ( ) fotografia ( ) entrevista ( ) objetos
Localização: Arquivo Registro de Imóveis 2ª Zona de
Data: 24/04/1945
Porto Alegre
Tipo de fonte:
( x ) certidão ( ) carta ( ) testamento ( ) livro ( ) jornal ( ) revista
( ) processo ( ) ofício ( ) memorando ( ) comunicado ( ) listas ( ) ata
( ) diário oficial ( ) imagem ( ) pintura ( ) fotografia ( ) entrevista ( ) objetos
Localização: Arquivo Registro de Imóveis 2ª Zona de
Data: 27/06/1969
Porto Alegre
Tipo de fonte:
( x ) certidão ( ) carta ( ) testamento ( ) livro ( ) jornal ( ) revista
( ) processo ( ) ofício ( ) memorando ( ) comunicado ( ) listas ( ) ata
( ) diário oficial ( ) imagem ( ) pintura ( ) fotografia ( ) entrevista ( ) objetos
Localização: Arquivo Registro de Imóveis 2ª Zona de
Data: 28/02/1983
Porto Alegre
Tipo de fonte:
( x ) certidão ( ) carta ( ) testamento ( ) livro ( ) jornal ( ) revista
( ) processo ( ) ofício ( ) memorando ( ) comunicado ( ) listas ( ) ata
( ) diário oficial ( ) imagem ( ) pintura ( ) fotografia ( ) entrevista ( ) objetos
Responda as questões a seguir baseando-se na história da sua vida. Tire conclusões a partir
das suas respostas.
a) Em sua história aparecem outros personagens além de você? Quem? Por quê?
b) Se estes outros personagens que aparecem em seu texto fossem escrever a sua história, ela
seria igual? Por quê?
d) Você escreveu sua história utilizando a memória. Mas se precisasse escrevê-la de maneira
bem detalhada, que outros recursos poderia utilizar?
g) Alguns fatos de sua vida apareceriam nas histórias pessoais de outras pessoas? Por quê?
h) Para explicar os acontecimentos de sua vida você precisou localizá-los no tempo e no espaço?
Por quê?
i) Você acredita que depois de lerem a sua história as pessoas podem te conhecer e entender
melhor? Por quê?
Bom trabalho!
Apêndice B – Síntese textual redigida pelo professor
Apêndice C – Ficha de pesquisa (I) utilizada na investigação do acervo documental
FICHA DE PESQUISA
Título: Data:
Localização:
Tipo de fonte:
( ) certidão ( ) carta ( ) testamento ( ) livro ( ) jornal ( ) revista
( ) processo ( ) ofício ( ) memorando ( ) comunicado ( ) listas ( ) ata
( ) diário oficial ( ) imagem ( ) pintura ( ) fotografia ( ) entrevista ( ) objetos
DESCRIÇÃO DO DOCUMENTO
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Nome:______________________________________________________________
AVALIAÇÃO DE HISTÓRIA
C – estuda os acontecimentos do passado dos homens, utilizando-se dos vestígios que a humanidade deixou para
facilitar a compreensão do presente.
2) Sobre os diferentes tipos de fontes históricas, relacione a primeira coluna com a segunda:
A – 2, 4, 1, 3 B – 4, 2, 3, 1 C – 1, 3, 2, 4 D – 3, 1, 4, 2 E – 2, 4, 3, 1
3) De acordo com a divisão tradicional da História, a evolução cronológica correta dos períodos históricos é
2 – História Pessoal ( ) é o relato de uma história vivida por sociedades humanas ao longo do tempo.
A – 1, 2, 3 B – 2, 3, 1 C – 3, 2, 1 D – 1, 3, 2 E – 2, 1, 3
5) Existem bens que são importantes para a cultura de um povo, sendo considerados seu patrimônio cultural. O
samba é um dos mais fortes símbolos da cultura afro-brasileira. Esse gênero musical tem suas raízes nas danças e
músicas criadas pelos escravos africanos que chegaram ao Brasil a partir do século XVI. Em 2005, o samba de
roda do Recôncavo Baiano foi declarado patrimônio cultural __ __ __ __ __ __ __ __ __ da Humanidade pela
Unesco.
6) A divisão tradicional da história classifica como “Pré-história” todo o período anterior à invenção da escrita
(4000 a.C). O termo “pré-histórico” pode ser entendido de maneira preconceituosa, pois parte da ideia de que os
povos que não conheciam a escrita não faziam história, eram “atrasados” ou “não civilizados”. Entretanto,
atualmente, os pesquisadores reconhecem que todos os povos têm história.
Considerando o texto acima, qual opção abaixo explica como os historiadores investigam o passado das sociedades
que não dominam a escrita?
B – através do relato dos sobreviventes das sociedades ágrafas formadas antes de 4000 a.C.
C – investigando, principalmente, a cultural material destes grupos para reconstruir seus hábitos.
7) Os calendários estão relacionados à cultura de cada povo, a uma época e a um lugar. Geralmente, os calendários
iniciam com um acontecimento considerado importante. Ou seja, calendários são criações culturais e não existem
desde sempre. Relacione a primeira coluna com a segunda e preencha a sequência correta.
1 – Calendário Judaico ( ) Baseado no ciclo solar e tem como referência o nascimento de Jesus Cristo.
2 –Calendário Chinês ( ) Baseado no ciclo lunar, inicia-se com a fuga de Maomé para Medina, em 622.
3 – Calendário Cristão ( ) Baseado no ciclo lunar, parte da criação do mundo conforme a Bíblia.
4 – Calendário Islâmico ( ) Baseado no ciclo lunar, inicia-se em 2697 a.C., ano do patriarca Huang-ti.
A – 4, 3, 2, 1 B – 1, 2, 3, 4 C – 2, 1, 4, 3 D – 3, 4, 2, 1 E – nenhuma
8) Para organizar as tarefas diárias os seres humanos criaram unidades de medida do tempo. Essas unidades de
medida também auxiliam o historiador a compreender e estabelecer a duração de diversos acontecimentos. Sobre
o tema, assinale a resposta correta:
9) Dentre as opções abaixo, qual delas apresenta apenas exemplos de fontes escritas?
Os idosos
Envelhecer é uma grande vitória. Significa estar vivendo há muito tempo, já ter passado por várias
experiências e testemunhado inúmeros acontecimentos. Conviver com os idosos é um privilégio, pois temos a
possibilidade de partilhar toda essa memória, esse conhecimento acumulado sobre o mundo.
Para a história, os idosos significam uma oportunidade única para recuperar informações sobre o passado.
Mais do que isso, é a chance de preservar testemunhos e experiências de sujeitos que, em sua memória, nunca
tiveram a oportunidade de registrar seu modo de vida, sua história.
Ao trabalhar com o relato de pessoas idosas, o historiador estará utilizando uma fonte:
A – Cultura material
B – Textual
C – Visual
D – Mídia interativa
E – Oral
11) Sobre periodização, assinale apenas a RESPOSTA CORRETA nas alternativas abaixo:
Autorizo_____________________________________________________ da turma_______
a ir ao Museu da Comunicação Hipólito José da Costa, acompanhado(a) de seu professor de
História para visitar o espaço de exposição da instituição e participar da oficina “A escrita da
luz”, durante o horário de aula.
Dia: 15 de abril de 2016 (sexta-feira)
Entrada franca
RECOMENDAÇÕES
É imprescindível o retorno da autorização assinada para que o(a) aluno(a) possa sair da escola.
O(a) aluno(a) deve vestir o uniforme da escola e calçado confortável.
Levar documento, se possível, com foto.
Levar bloco e caneta ou lápis para anotações. Não há espaço para alimentação no museu.
__________________________________________
ASSINATURA DO(A) RESPONSÁVEL
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----------
Autorizo_____________________________________________________ da turma_______
a ir ao Museu da Comunicação Hipólito José da Costa, acompanhado(a) de seu professor de
História para visitar o espaço de exposição da instituição e participar da oficina “A escrita da
luz”, durante o horário de aula.
Dia: 15 de abril de 2016 (sexta-feira)
Entrada franca
RECOMENDAÇÕES
É imprescindível o retorno da autorização assinada para que o(a) aluno(a) possa sair da escola.
O(a) aluno(a) deve vestir o uniforme da escola e calçado confortável.
Levar documento, se possível, com foto.
Levar bloco e caneta ou lápis para anotações. Não há espaço para alimentação no museu.
__________________________________________
ASSINATURA DO(A) RESPONSÁVEL
Identidades (in)visíveis:
Indígenas em contexto urbano e o ensino de história na região metropolitana do
Rio de Janeiro
PL – Projeto de Lei
TI – Terra Indígena
Introdução
Considerações finais
Referências
Nos meus primeiros anos de magistério, em meados dos anos 2000, um menino de olhos
puxados, pele morena, calado e com muita dificuldade de leitura e escrita me chamou a atenção.
Os colegas o apelidaram de Japa pelo formato dos olhos. Apesar de achar estranho um menino
com essas características em uma escola pública da Baixada Fluminense, acreditei nesta
descendência, já que aparentemente o menino não se incomodava com o apelido. No entanto,
ele me causava um incômodo que não sabia de onde vinha. Pensava que talvez fosse a timidez
que não permitia um diálogo para entendê-lo, a dificuldade de aprendizado ou ainda a
descendência japonesa, incomum nas escolas públicas de São João de Meriti. No final do ano,
vi sua mãe indo buscá-lo e ficou claro para mim que não se tratava de um menino com ancestrais
orientais, mas muito provavelmente indígena. Aquela situação me deixou intrigada, mas não
tive a oportunidade de confirmar minha suspeita no ano seguinte, pois ele deixou de ser meu
aluno.
Achei a possível presença de um aluno indígena na minha sala de aula curioso. Sempre
gostei de estudar a temática indígena. Tive a sorte de encontrar professores na graduação que
tentaram incluir as questões indígenas entre os conteúdos de suas disciplinas, algo incomum até
para os dias de hoje. O primeiro livro que ganhei na graduação foi justamente “Negros da
Terra”, de John Manuel de Monteiro, um dos historiadores contemporâneos preocupados em
trazer um novo olhar para a história indígena. Minha monografia, apresentada no final da
graduação, tratava da resistência indígena nas correspondências do missionário da Companhia
de Jesus, José de Anchieta.
Quando comecei a dar aulas para os ensinos fundamental e médio em escolas públicas
da Baixada Fluminense, em 2005, e posteriormente da cidade do Rio de Janeiro, procurei
trabalhar a temática indígena de maneira diferenciada daquela que se apresentava nos livros
didáticos. Nestes, essas populações eram apresentadas de forma genérica, além de serem
tratadas como inocentes vítimas do sistema colonial, desaparecendo da história depois do início
da colonização. O protagonismo dos indígenas não fazia parte da história do Brasil nos
materiais didáticos. Eu acreditava no potencial da temática para tratar da questão das diferenças,
pois sentia diariamente que esta era um ponto fundamental para ser trabalhado nas escolas.
Todas as salas de aula em que lecionei eram heterogêneas, compostas por alunos com interesses,
identidades, fenótipos, histórias de vida, capacidades e dificuldades tão diversos, capazes de
deixar qualquer profissional perdido. As diferenças nas escolas em que trabalhei sempre foram
tratadas como um empecilho para a aprendizagem dos alunos. Casos de preconceito, racismo,
machismo, homofobia, bullying e até assédio moral (casos em que quem discriminava eram os
próprios funcionários da escola) muitas vezes eram tão comuns (e ainda são) que chegavam à
beira da naturalização.
Assim, para descobrir a proximidade dos alunos das populações indígenas na unidade
escolar em que trabalho, distribuí um questionário para eles, em que perguntava se tinham
antepassados indígenas, se estes antepassados eram seus pais, avós, bisavós, ou gerações mais
antigas e se conheciam algum indígena. Fiz este questionário em todas as turmas do segundo
segmento do ensino fundamental da Escola Municipal Presidente Costa e Silva, localizada no
bairro Parque Capivari, segundo distrito do município. Os resultados foram surpreendentes:
ALUNOS QUANTIDADE %
Descendentes de gerações
19 14
mais antigas
Outros96 2 1,4
Não se consideraram
66 48,9
descendentes indígenas
Resolvi então fazer o mesmo questionário em uma única turma da Escola Municipal
Maria Clara Machado, onde estava fazendo complementação de carga horária, localizada na
região do Pantanal, também no segundo distrito de Duque de Caxias, mas distante da Escola
96
Trata-se de um caso em que o padrasto era indígena e o outro de uma tia em que a linhagem indígena não era a
mesma da aluna.
Municipal Presidente Costa e Silva. Queria ter uma noção se esta era uma realidade específica
do Parque Capivari ou não. Os números me surpreenderam novamente:
ALUNOS QUANTIDADE %
Filhos de indígenas 0 0
TOTAL 29 100
Em ambas as escolas, havia aqueles que declararam ter vizinhos, amigos e conhecidos
indígenas. Apesar de não entrar em um estudo estatístico sobre a presença de indígenas nas
escolas de Duque de Caxias, esses números, associados aos dados estatísticos do IBGE, já
foram mais do que suficientes para contrariar minha primeira hipótese de que os indígenas
estavam distantes do convívio dos alunos do município. Também fizeram repensar as minhas
práticas em sala de aula, que desconsiderava essas presenças e a sensibilidade do tema.
Para construir um material didático sobre a temática indígena que considerasse essas
populações, procurei descobrir quem eram esses indígenas que viviam no município e um pouco
de suas realidades e demandas. Busquei, primeiramente, conversar com os alunos que
declararam ser filhos ou netos de indígenas e descobri que muitos desses pais e avós migraram
de aldeias para as cidades, morando na região metropolitana do Rio de Janeiro. Tentei
entrevistar esses pais e avós, no entanto, não obtive sucesso na intenção, pois eles não quiseram
falar. Fui entendendo aos poucos a recusa, quando os próprios alunos afirmaram que seus
parentes não gostavam de falar sobre o assunto. As leituras posteriores sobre indígenas em
contexto urbano, um tema relativamente novo de pesquisa na história, na educação e na
antropologia, mas não uma realidade nova no Brasil e muito menos no continente americano,
me fizeram compreender que se tornar invisível pode ser uma estratégia de sobrevivência em
um contexto extremamente hostil às diferenças.
Desta forma, procurei outros meios de encontrar os indígenas da região. Não sabia
exatamente o que esperar dessas conversas, mas tinha total convicção de que o material didático
específico para Duque de Caxias tinha de partir de um diálogo com essas populações. Sendo
assim, esse diálogo começou pelo Instituto dos Saberes dos Povos Originários, Aldeia
Jacutinga, um desdobramento da Aldeia Maracanã, mas especificamente pelo contato que tive
com Marize Vieira de Oliveira, uma indígena guarani mbyá, professora de história da rede
municipal de Duque de Caxias e do Estado do Rio de Janeiro. Por intermédio dela, conheci
outros indígenas e grupos que atuam na região metropolitana do Rio de Janeiro e participei de
vários eventos realizados por eles na região, que buscam dar visibilidade às populações
indígenas que vivem em contexto urbano, divulgando as diversas culturas indígenas existentes
nessas cidades e lutando por direitos.
Por isso, atendendo a um “dever de memória” em relação a esses grupos, decidi criar
uma exposição itinerante que possa transitar facilmente pelas escolas da região metropolitana
do Rio de Janeiro. Ela é composta de cinco banners, com o título “Os indígenas e as cidades”.
A exposição possui imagens, gráficos e textos que tentam desconstruir o estereótipo que liga os
indígenas diretamente às florestas e exclui a possibilidade de frequentarem e habitarem outros
espaços. Também tenta mostrar que as transformações culturais e a apropriação de códigos não
indígenas não significam a perda das identidades.
Além da exposição, foi elaborado um caderno de atividades que traz exercícios tendo
como base fontes históricas, textos historiográficos, gráficos, vídeos e imagens, contemplando
diversas temporalidades. Eles visam auxiliar o professor de história a incluir reflexões sobre os
indígenas em contexto urbano junto a outros conteúdos e não de maneira descontextualizada e
pontual. As atividades tentam trazer reflexões que ponham em cheque paradigmas
eurocêntricos utilizados para pensar a alteridade.
Para iniciar uma reflexão sobre a população indígena na atualidade, voltarei à clássica metáfora
das estátuas de mármore e de murta do padre Antônio Vieira, apropriada por Eduardo Viveiros
de Castro (2002) para entender a inconstância da alma selvagem. Segundo o missionário, as
estátuas de mármore são difíceis de construir, mas, uma vez prontas, são fixas, firmes, quase
imutáveis; já as de murta são fáceis de serem moldadas, mas exigem constantes cuidados para
que não se deformem. Enquanto uns povos são dificilmente convertidos por serem como
mármore, mas quando aceitam a conversão não retomam as crenças anteriores, outros são como
murta, aparentemente dóceis e receptíveis à transformação, mas facilmente se transformam e
mudam de forma. A metáfora foi usada para a compreensão do que entendiam como
inconstância indígena. A documentação deixada pelos missionários retrata tanto a facilidade
com que muitos indígenas se convertiam ao cristianismo quanto para retomarem ao que os
padres chamavam de maus costumes.
Uma compreensão da cultura dos povos como quase imutável, assim como o mármore,
e de que as mudanças culturais são como rachaduras e deformações na essência de um grupo
que podem levar ao seu fim, torna impossível o entendimento da alteridade em uma perspectiva
histórica. Segundo Viveiros de Castro,
Nossa ideia corrente de cultura projeta uma paisagem antropológica povoada de estátuas de
mármore, não de murta: museu clássico antes que jardim barroco. Entendemos que toda a
sociedade tende a preservar no seu próprio ser, e que a cultura é a forma reflexiva deste ser;
pensamos que é necessária uma pressão violenta, maciça, para que ela se deforme e transforme.
Mas, sobretudo, cremos que o ser de uma sociedade é seu preservar: a memória e a tradição são
o mármore identitário de que é feito a cultura. Estimamos, por fim, que uma vez convertidas em
outras que si mesmas, as sociedades que perderam sua tradição não têm mais volta. [Castro,
2002:195]
97
“Outro pensamento”, “dupla crítica” e “pensamento liminar” são conceitos explicados por Walter Mignolo
(2003), sendo os dois primeiros criados pelo filósofo marroquino Khatibi e o último pelo próprio Mignolo.
principais elementos para se pensar as unidades étnicas. Isto significa que as características
culturais que apontam a diferença entre grupos podem mudar, a organização dos grupos pode
mudar, podem existir processos de mestiçagens, mas, mesmo assim, a identidade étnica pode
permanecer, mantendo suas fronteiras baseadas em critérios próprios.
Os diversos povos indígenas que habitam hoje o país passaram por transformações
culturais como todos os povos do mundo. Muitas transformações tiveram a marca da extrema
violência, da subjugação e do desrespeito vivenciados com a chegada dos invasores europeus,
e, apesar disso, passados séculos, continuam afirmando as suas identidades étnicas, construídas
e reconstruídas nas diversas vezes em que sentiram necessidade.
No mundo atual, não é possível negar o desequilíbrio das forças entre o colonizador e o
colonizado, a globalização e as tradições locais. No entanto, o resultado dessas relações
desiguais não é a perda das identidades e culturas tradicionais, nem o seu inverso. As tradições
são ressignificadas, reinventadas, quando não criadas com base na situação histórica do
momento. Mesmo em situações extremas, como a experiência da escravidão, diversos grupos
foram capazes de dar novos significados à cultura imposta (Hall, 2013). Podemos exemplificar,
com os estudos de Stuart Hall (2013) sobre a identidade caribenha, na Grã-Bretanha. A
existência desta identidade compartilhada por pessoas oriundas de povos distintos, mas que
compartilhavam de algumas experiências em comum, como a de terem origem em localidades
vizinhas e a vivência da diáspora, só foi possível devido aquele contexto específico. Por mais
que estes grupos busquem na tradição alguns elos identitários, ela é sempre reinventada e
ressignificada a partir dos diversos presentes em que foi evocada. Estas tantas transformações
tornam quase impossível encontrar uma matriz primeira e principal de uma manifestação
cultural.
É exatamente pela origem essencialista do conceito de identidade que Stuart Hall (2014)
afirma que ele deve operar sob rasura, pois, apesar de todas as problemáticas que seu uso impõe,
ainda não existe um conceito que o poderia substituir satisfatoriamente. Ao tratar da
identificação, conceito também problemático, mas que nesse trabalho considerou preferível,
afirmou que:
A compreensão dos indígenas como povos primitivos, que possuem costumes iguais,
como a vivência na floresta, a nudez, a ingenuidade ou a selvageria, se encaixa em paradigmas
eurocêntricos e da compreensão de cultura e identidade essencializadas. No senso comum, o
indígena só pode ser identificado como tal, caso siga os estereótipos atribuídos a ele. Esta chave
interpretativa nega a historicidade desses povos, deixando-os paralisados no tempo e no espaço,
ou seja, nas florestas americanas do século XVI. As transformações são entendidas como perda
da identidade, o que consequentemente dificulta a compreensão destes povos no presente e da
validade social das novas demandas desses sujeitos. Este é um dos motivos que torna urgente
um novo olhar para a temática indígena nas escolas.
A palavra índio foi usada pelo colonizador para identificar as diversas populações que viviam
no território americano. Entre povos completamente diferentes, como os nômades caçadores e
coletores e os pertencentes aos impérios pré-colombianos, como incas e astecas, a identidade
atribuída pelo colonizador englobava todos os povos. No entanto, os colonizadores não só
identificaram as diferenças desses povos como se aproveitaram das rivalidades existentes entre
alguns deles, aliando-se a um grupo para combater outro, por exemplo.
Os povos originários da América antes da chegada dos europeus não viam laços de
identificação que pudessem se entender como unidade. Eles eram milhares de povos com
nomes, línguas e costumes próprios que foram se transformando e modificando ao longo do
tempo. Do contato entre os diferentes povos, as fronteiras étnicas foram criadas, alargadas,
diminuídas, transformadas, mudadas ou fragmentadas ao longo de suas trajetórias.
A identidade indígena elaborada pelo colonizador ora foi apropriada, ora rejeitada. Na
América portuguesa, os indígenas que se transferiram para as aldeias estabelecidas pelos
colonizadores se apropriaram de tal identificação, atribuindo um novo sentido para ela,
conseguindo com isso, batalhar por direitos nesta nova condição: de índio aldeado, cristão e
súdito do rei português. Fenômeno parecido parece ter ocorrido a partir de 1970.
Munduruku (2012) afirma que, até a década de 1950, este termo era desprezado pelos
povos indígenas brasileiros, pois carregava uma ideia distorcida do que eles seriam. No entanto,
com o surgimento do Movimento Indígena, na década de 1970, o termo “índio” foi apropriado
e ressignificado politicamente por algumas lideranças indígenas para a conquista de direitos.
Antes disso, cada comunidade defendia seus interesses isoladamente. Os primeiros líderes deste
movimento “perceberam que a apropriação de códigos impostos era de fundamental
importância para afirmar a diferença e lutar pelos interesses, não mais de um único povo, mas
de todos os povos brasileiros.” (Munduruku, 2012:45). A partir de então, sem abandonar suas
identidades étnicas de origem, muitos desses povos passaram a adotar também a identidade
indígena, tanto na aproximação e na criação de laços com outros povos indígenas, os quais
passaram a identificar como parentes, assim como na convivência com o restante da população.
Ressalta-se que na atualidade, muitos preferem não ser identificados como índios, mas sim pela
sua identidade étnica.
Durante a Ditadura Militar, o Plano de Integração Nacional (PIN) lançado pelo governo
tentou acelerar uma antiga e contínua política de assimilação indígena à sociedade nacional,
moldada naquele momento pela ideia de desenvolvimento do “Milagre Brasileiro”. Para isso, o
governo tentou absorver a mão de obra indígena da Amazônia na tentativa de promover uma
integração nacional. O fato gerou algumas reações da sociedade civil solidária aos índios, entre
elas a ação do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) que reuniu pela primeira vez, em 1974,
um grupo de lideranças indígenas que iniciou o Movimento Indígena. (Munduruku, 2012:40,
41).
Naquela época, os indígenas estavam sob a tutela da Funai, órgão responsável por tutelar
a vida daqueles povos. Pautados na ideia de assimilação dos índios, a instituição geriu as
reservas indígenas a partir de interesses que divergiam daqueles dos indígenas. Apesar da
coerção da Funai, que tentou reprimir os encontros das lideranças, entre 1974 a 1984, houve 57
assembleias indígenas que discutiram a questão das terras, o enfrentamento de políticas para
saúde, educação e outras necessidades e, por fim, a necessidade de rompimento do isolamento
das várias comunidades, o que permitia o reconhecimento de necessidades semelhantes e a
construção de laços de solidariedade (Brighenti, 2015). Das reuniões das lideranças indígenas,
foi criada, na década de 1980, a União Nacional Indígena (UNI), cuja atuação foi fundamental
para a aprovação de leis que beneficiassem os povos indígenas.
O Capítulo VIII, “Dos Índios”, da Constituição Federal de 1988 foi responsável pelo
rompimento com medidas de assimilação e integração do índio à sociedade, que tiveram uma
longa duração. Os artigos 231 e 232 deste capítulo passaram a reconhecer o direito à diferença
e o protagonismo indígena na defesa de seus interesses:
Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e
tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à
União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em
juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos
do processo. (BRASIL. Constituição Federal de 1988)
O então governador Sérgio Cabral chegou a afirmar: “Eles não estão lá desde 1506 ou
1906. O terreno foi invadido em 1996. É inconcebível chamar aquilo de aldeia indígena”
(Magalhães, 2013). Em uma matéria intitulada “No Maracanã, o milagre da multiplicação dos
índios”, a revista Veja despejou todo o seu preconceito e a ignorância não só no título como no
início da matéria, tentando ironizar o fato de os indígenas usarem tênis de uma marca famosa e
mascarem chicletes. A reportagem ainda cita o parecer do desembargador Marcus Abraham,
que, após uma única hora de visita na Aldeia Maracanã, conseguiu a proeza de verificar quem
eram os indígenas que lá moravam, quantos eram e ainda classificar o espaço. Segundo a
revista, o desembargador observou que naquela aldeia não havia crianças, unidades familiares
e unidade tribal e que “os índios lá presentes são de diferentes etnias, originários de diversas
tribos, com as quais mantêm permanente contato”, o que fez com que a revista concluísse que
o espaço “não é uma aldeia e nem uma tribo” (Ritto; Prado, 2013).
Mas antes mesmo da questão ganhar a grande proporção gerada com as proximidades
da Copa do Mundo e a necessidade de dar um direcionamento nas obras da parte externa do
estádio, esse discurso já era presente. Ao dar uma declaração sobre as comemorações do
primeiro aniversário da ocupação do prédio em outubro de 2007, o superintendente do
Ministério da Agricultura no Rio de Janeiro, órgão proprietário do imóvel na época, Pedro
Cabral da Silva afirmou ao jornal O Globo que achava “que os índios deviam ficar na aldeia.
Índio urbano perde o sentido.” (Maia, 2007)
Não foi pequeno o questionamento da legitimidade da presença dos indígenas na cidade,
pois o entendimento geral era de que o lugar do índio é na floresta, bem afastado da
“civilização”, assim como não foram poucas as dúvidas sobre a identidade dos ocupantes do
museu, visto que usavam roupas, celulares e outros objetos e tinham costumes usualmente
considerados não indígenas. No entanto, a grande desinformação e preconceito da maioria da
população justificam-se em parte pela invisibilidade dada pela historiografia e acompanhada
pelo ensino de história que apagou a participação dos indígenas da história do Brasil.
Participando apenas do início da colonização, as narrativas históricas sumiram completamente
com essas populações no decorrer do tempo. O mesmo processo acontece com as narrativas das
histórias de grande parte dos municípios, onde costuma-se mencionar o nome dos grupos
indígenas que viviam no local antes da vinda dos colonizadores, que expulsaram ou dizimaram
os primeiros povoadores, iniciando a história da localidade sem a presença dos habitantes
originários.
As reflexões sobre os indígenas que vivem e convivem no contexto urbano são recentes
na antropologia e na historiografia. Na primeira área disciplinar, o interesse pelo tema começou
há pouco mais de uma década. Antes só havia um trabalho de Roberto Cardoso de Oliveira, no
final da década de 1960, sobre os Terenas nas cidades de Mato Grosso e quatro dissertações na
década de 1980, a maioria escrita por orientandos do consagrado autor (Nunes, 2010:11). Na
história, desde a década de 1990, autores da chamada Nova História Indígena apesar de não
terem como foco principal a presença de indígenas nos espaços urbanos, têm abordado essa
realidade desde a construção dos primeiros núcleos urbanos da América Portuguesa.
Outro dado curioso é que os assentamentos urbanos mais antigos da América estão longe
de ser o inca, o maia ou o asteca. Podemos citar a cidade de Caral, no Peru, até agora
considerada a cidade mais antiga das Américas. Arqueólogos acreditam que os assentamentos
urbanos da região datam do ano 3.000 a.C. ao 2.000 a.C., ou seja, são contemporâneos da
Mesopotâmia e do Egito antigo e anterior em cerca de 2.500 anos dos maias (Chady, 2003).
Após Caral, tantas outras cidades surgiram, mas o viés eurocêntrico do ensino de história no
Brasil concentra-se em outras partes do mundo, valorizando o legado cultural de povos distantes
e invisibilizando o dos mais próximos. Destaca-se, no entanto, que algumas coleções do Plano
Nacional do Livro Didático de 2017, como o Projeto Mosaico (Vicentino; Vicentino, 2015),
estão contemplando alguns desses povos americanos que possuíam assentamentos urbanos,
como o chimú, o teochiuacano e o olmeca.
A proposta assimilacionista foi a grande inovação de Pombal em relação às leis anteriores. Seu
objetivo era transformar as aldeias em vilas e lugares portugueses, e os índios aldeados em
vassalos do Rei, sem distinção alguma em relação aos demais. [Almeida, 2010:108]
O não reconhecimento das identidades indígenas nas cidades é facilmente percebido nos
dias de hoje nas falas das principais mídias e dos governantes, como vimos no caso da ocupação
do antigo Museu do Índio, no Maracanã. Tornados invisíveis, a missão de reverter este processo
tem se mostrado bastante difícil. Casos de violência contra índios não param de acontecer, mas
apenas pouquíssimos chamam atenção da grande mídia.
Santos (2009:23) acredita que a invisibilidade de alguns grupos sociais faz parte de um
pensamento abissal, no qual o pensamento moderno ocidental se estrutura. Através de um
sistema de distinções visíveis e invisíveis, estabelece linhas que dividem a realidade social em
dois universos: o “deste lado da linha” e o “do outro lado da linha”. Segundo suas palavras:
A divisão é tal que o “outro lado da linha” desapareceu enquanto realidade, torna-se inexistente,
e é mesmo produzido como inexistente. Inexistência significa não existir sob qualquer forma de
ser relevante ou compreensível. Tudo aquilo que é produzido como inexistente é excluído de
forma radical porque permanece de forma exterior ao universo que a própria concepção aceite
de inclusão considera como sendo o Outro. A característica fundamental do pensamento abissal
é a impossibilidade da copresença dos dois lados da linha. Este lado da linha só prevalece na
medida em que esgota o campo da realidade relevante. Para além dela há apenas inexistência,
invisibilidade e ausência não dialética. [Santos, 2009:23]
Além do caso do bebê kaingang degolado, em que tão cruel quanto crime foram o
silêncio da mídia e a falta de comoção nacional, outros ocorrem cotidianamente. Um caso de
assassinato de indígenas na cidade aconteceu em Belo Horizonte, onde um morador de rua
indígena foi espancado até a morte. O caso, quase seguido ao do menino Vitor, teve uma
repercussão menor ainda. Dois crimes brutais que só repercutiram entre os indígenas e as
poucas pessoas preocupadas com a situação dessas populações. Na cidade de Duque de Caxias/
RJ, a oca do Instituto dos Saberes dos Povos Originários, Aldeia Jacutinga foi incendiada duas
vezes no mesmo ano (Guilherme, 2015). As suspeitas apontam que o autor do segundo incêndio
era aluno de uma escola próxima, motivado por intolerância religiosa. O caso sequer foi tratado
na mídia regional.
Nas entrevistas que realizei junto aos indígenas e nas conversas com os alunos
descendentes indígenas, especialmente na cidade de Duque de Caxias, foi possível perceber que
enquanto alguns preferem esconder a identidade indígena para garantir o mínimo de sanidade
frente à enxurrada de preconceitos que o ato de assumir gera, outros, que a assumem
publicamente, têm a identidade negada por grande parte da população, quando não são acusados
de oportunistas. Apesar de a Secretaria Municipal de Cultura da cidade promover ações para
dar visibilidade a essas populações no município, como a organização do seminário “Nós
Somos Indígenas e Não Somos Invisíveis”, realizado em uma das praças mais movimentadas
da cidade no dia 26 de junho de 2015, vemos que em outros momentos o poder público age no
sentido oposto, o da invisibilização.
No entanto, assim como Nunes (2010), acredito que a criação de tipologias indígenas
pode gerar conceitos pautados em uma ideia cristalizada de cultura. Segundo esse autor, várias
situações explicam a presença de indígenas nas cidades na atualidade. Algumas Terras
Indígenas (TIs) viram as cidades crescerem no seu interior, como é o caso da cidade de Águas
Belas/PE, dentro da TI Fulni-ô. Outras viram o crescimento urbano nos seus arredores, como o
caso da cidade de Benjamin Constant/AM, ao lado da terra dos tikunas. Ainda temos casos de
cidades que aglutinam indígenas de uma área determinada, como São Gabriel da
Cachoeira/AM, ou ainda as grandes metrópoles que convergem indígenas de diferentes regiões,
como a região metropolitana de São Paulo e do Rio de Janeiro (Nunes, 2010:19). As
possibilidades não param por aí. Além dos indígenas que estão há gerações nas cidades, ainda
existem aquelas pessoas que assumiram a identidade indígena depois de mais velhos, por
motivos variados. Afinal, como vimos, a identidade é sempre criada, recriada e apropriada de
acordo com a situação histórica do presente. Este é o caso, por exemplo, de Marize Vieira de
Oliveira uma importante liderança da Aldeia Maracanã e da Aldeia Jacutinga.
Ao utilizarmos o ponto de vista indígena, por exemplo, é possível questionar sobre quem
é o verdadeiro “índio isolado”. Muitos indígenas que moram nas cidades migraram para esses
espaços para procurar melhores condições de vida. Sozinhos ou apenas com a companhia de
seus familiares, sofrendo diversas formas de preconceito e violência da população não indígena,
sem condições de retornarem periodicamente para suas comunidades, muitos optam por
esconder suas identidades. Muitas vezes também não conseguem transmitir o sentimento de
identificação de grupo para os seus filhos, pois, vivendo em um mundo onde a identidade
indígena é compreendida como sinal de inferioridade e sem terem o contraponto que seria
possibilitado pelo conhecimento e convivência com o seu grupo, não se entendem como
indígenas. Já os povos que são considerados isolados vivem em uma comunidade unida por
laços de identidade e optam pela distância da população não indígena. Possuem a solidariedade
do grupo em que vivem e conseguem reproduzir, recriar e ressignificar suas tradições sem
temerem represálias daqueles que vivem ao seu lado.
De acordo com os três últimos Censos do IBGE, a população indígena está crescendo
de maneira extraordinária. No entanto, entre 2000 e 2010, a população indígena urbana teve um
pequeno decréscimo. No Censo de 1991, a população indígena total era de 294.131; a que vivia
na zona rural chegou a 223.105 pessoas, enquanto na zona urbana a 71.026. Em 2000, a
população aumentou para 734.127; sendo 350.829 na zona rural e 383.298 na zona urbana. Por
fim, em 2010, a população indígena aumentou para 817.963 indígenas; 502.783 na zona rural
e 315.180 na zona urbana.
O censo de 1890 foi o último que contabilizou a população cabocla, sendo também
contabilizadas as categorias branco, preto e pardo. Nos anos de 1900 e 1920, o quesito cor ou
raça não foi contabilizado. Em 1940, o item cor voltou, mas apenas com os itens pretos, brancos
e amarelos, sendo os indígenas completamente apagados. A categoria pardo foi acrescida para
identificar aqueles que declararam outras coisas. Em 1950, foram contabilizados apenas os
pretos, brancos, pardos e amarelos. Nesses dois censos, foram verificadas as línguas faladas, o
que abriu uma pequena brecha de visibilidade aos indígenas que ainda falavam suas línguas.
Em 1960, a categoria índio foi acrescida, porém apenas para os que viviam nos aldeamentos ou
nos postos indígenas. Em 1970, a categoria cor ou raça não foi contabilizada, voltando em 1980
com os itens branco, preto, pardo e amarelo (IBGE, 2010).
Em 1991, a categoria índio foi acrescida aos outros itens, levando em consideração a
autodeclaração. Barreto (2010:40) ressalta que neste censo só foram recenseados nativos
aldeados que viviam em postos indígenas da Funai, missões religiosas e poucas regiões urbanas.
Assim, podemos concluir que o aumento populacional dos indígenas de 149,6% apresentado
entre 1991 e 2000 deveu-se também ao aprimoramento do Censo, que começou a ter outra
compreensão sobre as populações indígenas, jogando luz para populações antes completamente
invisíveis.
Por uma série de fatores, a obtenção de informações sobre a identidade indígena é complexa. A
depender do contexto, membros de uma dada etnia podem ter receio de manifestar sua
identidade, seja por preconceito e discriminação, ou mesmo negar o pertencimento étnico
possivelmente devido às experiências vividas anteriormente. O intenso processo de
miscigenação no Brasil pode também contribuir, no caso dos indígenas, para uma não
evidenciação de filiação étnica indígena. Portanto, investigar, de um ponto de vista demográfico,
conjuntos de indivíduos com um dado recorte étnico indígena consiste num processo complexo.
[IBGE, 2010:52]
Além dos problemas apontados pelo próprio IBGE, há outro facilmente verificável na
metodologia do último recenseamento. Segundo o relatório, foi realizado um censo
experimental nas TIs, em que se observou que indígenas de uma mesma família se
autoclassificavam de formas diferenciadas e por isso acabavam por não responder aos itens
sobre o grupo étnico e a língua falada, restritos a quem se declarava indígena. Tentando resolver
98
Apesar de o Censo 2010 apontar 274 línguas faladas, não há consenso entre pesquisadores sobre o número exato
de línguas indígenas faladas no Brasil, que variam de acordo com a metodologia empregada na pesquisa.
essa questão, apenas nas TIs, incluiu-se o questionamento se a pessoa se considerava indígena
para os que não se declaravam indígenas no item cor ou raça. Então, das 817.963 pessoas que
se declararam indígenas foram acrescidas 78.954 pessoas que não se consideraram indígenas
no quesito cor ou raça, mas se consideravam indígenas, como podemos observar na tabela 3.
O Censo de 2010 apontou uma pequena redução da população indígena que vive em
regiões urbanas em relação ao de 2000. Barreto (2014:102) destaca algumas possíveis causas:
a presença de um discurso hegemônico que impele o indivíduo a não afirmar sua identidade; o
êxodo da cidade para a aldeia especialmente em um momento em que surge a necessidade de
reivindicações de espaços do grupo; a carência de lugares de passagem, que permitam, por
exemplo, a fixação de indígenas das aldeias nas cidades para a formação escolar/acadêmica; a
fuga da violência social e física das cidades; as poucas oportunidades de emprego e a
desvalorização do artesanato indígena. Acrescentaríamos as lacunas deixadas pelo próprio
censo, como a citada anteriormente, e a constatação de que a identidade está sempre em
construção, o que possibilita que indivíduos que se consideravam indígenas em 2000 não se
considerassem mais em 2010 e vice-versa.
De acordo com o Censo do IBGE de 2010, o Estado do Rio de Janeiro possui 15.849 indígenas.
Desses, apenas 450 indígenas habitam as três únicas TIs do Estado, que se localizam nas cidades
de Angra dos Reis (TI Guarani do Bracuí, com 298 indígenas) e de Paraty (TI Guarani
Araponga, com 19 indígenas, e TI Paraty Mirim, com 133 indígenas). O restante mora nas zonas
rurais e urbanas do Estado. Alguns grupos, como os guaranis de Maricá e os pataxós de Paraty,
vêm reivindicando o direito à terra nestes respectivos municípios. No entanto, a grande maioria
vive nas áreas urbanas das cidades da região metropolitana do Rio de Janeiro:
Habitantes
Habitantes indígenas
indígenas nas
Município nas áreas urbanas Total
áreas rurais
Nilópolis 87 0 87
Seropédica 79 24 103
Japeri 55 0 55
Cachoeiras de Macacu 39 0 39
Rio Bonito 26 11 37
Paracambi 29 0 29
Guapimirim 26 0 26
Tanguá 06 0 06
Mesmo sabendo que o número da população indígena que vive em contexto urbano pode
ser bem maior do que o apresentado pelo Censo, estes números não deixam de ser importantes
para dar visibilidade a essas populações. Deve-se ressaltar que muitos indígenas realmente
preferem ficar invisíveis, o que é compreensível, visto a dimensão dos preconceitos que sofrem
quando assumem essa identidade publicamente. No decorrer desta pesquisa, em que procurei
conversar com alguns indígenas da região metropolitana do Rio de Janeiro para tentar
compreender quem são, suas dificuldades e suas opiniões sobre como a temática indígena
deveria ser tratada no ensino de história, encontrei algumas barreiras para entrar em contato
com eles. A maioria, principalmente dos que vivem realmente isolados, sem a companhia de
outros indígenas nos lugares onde moram com quem poderiam compartilhar suas tradições,
suas dificuldades e angústias, preferiu não falar. Dos que falaram, poucos tiveram uma boa
receptividade inicial, mas ela foi melhorando à medida que tiveram referência sobre mim por
pessoas em que confiavam ou quando foram me conhecendo melhor e compreendendo as
minhas intenções.
No entanto, existem grupos que buscam exatamente a visibilidade, acreditando que
somente a partir dela poderão combater preconceitos e garantir políticas públicas que os
beneficiem. Este é o caso dos indígenas da Associação Indígena Aldeia Maracanã. Em 2006,
um grupo denominado na época Movimento Tamoio e posteriormente Instituto Tamoio dos
Povos Originários iniciou um processo que possibilitou a visibilidade dos indígenas na cidade
do Rio de Janeiro ao ocuparem o Antigo Museu do Índio. O prédio foi construído pelo Duque
de Saxe em 1862 e anos mais tarde doado ao SPI, sendo utilizado como Museu do Índio entre
1962 e 1977, que posteriormente foi transferido para o bairro de Botafogo.
A ocupação foi organizada por um grupo multiétnico de indígenas que já vivia na região
e que viu no prédio a possibilidade de criar um centro de referência das culturas indígenas e
posteriormente uma universidade indígena, além de organizar de forma mais sistemática um
projeto educativo que visava à valorização dessas culturas e à desconstrução de preconceitos.
Durante o período da ocupação, os indígenas promoveram uma série de atividades no espaço,
como palestras, contação de histórias, apresentação de danças, venda de artesanatos, entre
outras.
A tentativa de expulsão dos indígenas do prédio, iniciada em 2012 e concretizada em
2013, deu grande visibilidade ao movimento. Apesar de não possuírem mais o espaço e das
dissidências entre aqueles que buscaram a reocupação do museu e os que aceitaram negociar
com o Governo do Estado, os indígenas continuam lutando por visibilidade e promovendo ações
educativas, políticas e culturais. Entre as conquistas recentes mais importantes está a criação
do Conselho Estadual dos Direitos Indígenas em 2016.
Em 2013, foi criado o Instituto dos Saberes dos Povos Originários, Aldeia Jacutinga, na
cidade vizinha ao Rio de Janeiro, Duque de Caxias. O Instituto, que nasceu de um
desdobramento da Aldeia Maracanã, foi idealizado por indígenas pertencentes ao Instituto
Tamoio do Povos Originários ligados à cidade de Duque de Caxias, como Ana Paula Moura,
Carmel Puri e Marize Vieira de Oliveira, que conseguiram um espaço localizado no bairro São
Bento, junto à Fundação Educacional de Duque de Caxias (Feuduc). Os objetivos da Aldeia
Jacutinga são bem próximos aos da Aldeia Maracanã, visando estruturar um projeto educativo
que valorize e dê visibilidade às culturas indígenas no município e descontrua preconceitos.
Mesmo em um curto tempo de existência, o grupo já executou importantes ações, como a
realização de um seminário em uma área central da cidade, a praça Roberto Silveira, no bairro
Vinte e Cinco de Agosto, e uma manifestação contra a PEC 215 na praça do Pacificador, no
Centro, ambas realizadas em 2015. Em 2016, conseguiram realizar um seminário com
palestrantes indígenas no mês abril na Feuduc, uma faculdade que forma professores no
município, concretizando um dos objetivos do grupo.
Outro desdobramento das Aldeias Maracanã e Jacutinga é o grupo Sementes da Terra,
nascido de um grupo de indígenas que sentiram a necessidade de reflorestar o espaço urbano,
especialmente com plantas nativas, algumas muito utilizadas por diversos povos indígenas,
como o urucum e o jenipapo. O grupo realiza ações como troca de sementes, doação de mudas
e palestras de conscientização ambiental, não se restringindo apenas à ação de indígenas.
Podemos citar ainda outros grupos, como o Mães da Maré, ONG organizada por Twry
Pataxó, que ensina a confecção de artesanatos com materiais recicláveis para mulheres do
Complexo da Maré. Além de ajudar na geração de renda dessas pessoas, a ONG dá visibilidade
aos indígenas em uma comunidade onde vivem, pelo menos, 800 indígenas (Carvalho, 2014).
No bairro de Santa Cruz da Serra, em Duque de Caxias, existe um projeto missionário
evangélico conhecido como Missão Tikuna, em que indígenas tikunas do Amazonas são
trazidos para terem a formação religiosa e estudarem nas faculdades da região.
Apesar do protagonismo dos indígenas na elaboração de ações que os auxiliem a
sobreviver nas cidades, os relatos de preconceito e discriminação não são pequenos. Situações
que demonstram ser urgente a criação de ações educativas nas escolas e fora delas que
combatam à violência sofrida pelas populações indígenas.
A temática indígena sempre esteve presente nos currículos escolares brasileiros. Nos dias atuais,
ainda é possível ver crianças nas ruas saindo de suas escolas no dia 19 de abril com o rosto
pintado e com adereços de penas, em homenagem ao que muitos professores das escolas
básicas, especialmente os da educação infantil e do primeiro segmento do ensino fundamental,
entendem como índio. Isto demonstra que, mesmo por um dia, a temática ainda é trabalhada
nas escolas brasileiras.
No entanto, em 2008, o então presidente Luís Inácio Lula da Silva sancionou a Lei nº
11.645, que tornou, a partir daquela data, obrigatório o ensino da história e das culturas
indígenas em todos os estabelecimentos de ensino básico do país. Esta alterou a Lei nº
10.639/03, que incluiu a história e a cultura da África e dos afrodescendentes nos currículos
escolares. Por ser uma lei que tornou obrigatório o ensino de um conteúdo que já é ensinado,
faz-se necessário uma reflexão do sentido desta lei. Circe Bittencourt (2013:102), por exemplo,
ao fazer uma análise da produção didática em relação à temática indígena desde o século XIX
até o início do século XXI, percebendo a manutenção da temática indígena em um conjunto
disperso de conteúdos, acredita que a lei se relaciona aos esforços de determinados setores da
sociedade para superar um imaginário étnico racial que privilegia a ideologia do
branqueamento.
Com o advento dos Estados Nacionais, no século XIX, existiu um grande esforço por
parte destas instituições para criar uma identidade comum a todos os diversos povos que viviam
dentro do território do Estado: a identidade nacional. A história da nação e o seu ensino tiveram
um papel importante neste contexto. No Brasil, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
(IHGB) foi a instituição responsável por escrever a história da nação que fosse capaz de criar
uma identidade única que se sobrepujasse à diversidade dos povos do território brasileiro. Uma
história nacionalista, que exaltava a colonização portuguesa, diminuindo, desvalorizando e
apagando o protagonismo das populações nativas e negras. O paradigma eurocêntrico e
evolucionista que deu o tom da escrita da história por muito tempo inviabilizou tanto a
compreensão da agência indígena na história do Brasil no passado, e ainda dificulta o
entendimento dessas populações no presente (Oliveira, 2010:28).
Os conteúdos ensinados nas escolas visavam, naquela época, à formação das elites e
estavam em sintonia com o que era produzido no IHGB. Os primeiros conteúdos e objetivos
referentes à temática indígena se baseavam, sobretudo, na obra de Francisco Adolfo Varnhagen
“História Geral do Brasil”, autor que tinha o entendimento sobre os povos indígenas de que
“tais povos na infância não há história: há só etnografia” (Varnhagen, 1853:108). A recém-
criada história do Brasil e a história contada nas escolas passaram a se iniciar com a chegada
dos portugueses, os transmissores de civilização, cabendo aos indígenas apenas um papel no
início da colonização.
Circe Bittencourt (2013) destaca que, ao contrário do que se imagina, a produção
didática referente à temática indígena sempre esteve ligada à historiografia acadêmica, pois o
desconhecimento do tema e a difusão da ideia de seu desaparecimento acompanharam
historiadores e autores de livros didáticos. Durante a monarquia, por exemplo, o famoso
compêndio de Joaquim Manuel de Macedo se apropriou do pensamento de Varnhagen sobre os
índios e utilizou o tema para fazer a distinção entre o selvagem (índio) e o civilizado (europeu).
Apesar de os autores de manuais didáticos seguidores de Varnhagen considerarem os índios
bárbaros e que, por não terem se submetido ao trabalho escravo, deixaram de contribuir para a
história do Brasil, esses autores consideraram algumas contribuições dos indígenas para a
sociedade que até hoje são repetidas na escola, como o hábito de tomar banho.
A dicotomia entre índios e não índios que marca grande parte das narrativas históricas
do período colonial, sejam elas historiográficas ou não, é uma abordagem que nega a
possibilidade de mestiçagens e a complexidade das fronteiras, sobreposições, criação e
recriação das identidades. Também ajudou a construir uma imagem cristalizada dos indígenas,
centrada apenas nos chamados “índios bravos”, classificação comum nos documentos
históricos dos povos nativos que resistiram à colonização, através das lutas armadas (Oliveira,
2009:32-33).
Oliveira (2009) afirma que os indígenas só estiveram presentes nas narrativas históricas
em eventos “memoráveis” para o colonizador, ou seja, quando atrapalharam a rotina da
colonização. Na documentação, os indígenas que se inseriram no sistema colonial foram
compreendidos como pacificados, o que foi entendido pela historiografia como assimilados.
Isto invisibilizou a existência das múltiplas identidades das populações nativas convivendo no
mundo colonial. Ao criticar a historiografia por uma interpretação errônea do termo pacificação
dos índios, o autor afirma a necessidade de se romper com um formalismo jurídico na
interpretação das fontes, que entende o Estado como o produto de um contrato social que resulta
de um consenso de seus integrantes. Ao abandonar este formalismo, é possível entender que a
pacificação dos índios só tem sentido no ponto de vista do colonizador e que revela mais um
estado jurídico administrativo (o fim de conflitos armados) que uma descrição sociológica. A
pacificação não só pouco diz sobre a realidade indígena, como indica apenas uma dupla saída
para aqueles povos: se submeterem ou resistirem (Oliveira, 2009:29-30). Esta interpretação
impede a compreensão de que os indígenas estavam inseridos no sistema colonial, seja se
apropriando e reformulando as identidades atribuídas pelo colonizador, quanto criando e
recriando as suas próprias identidades que os diferenciavam de outros grupos.
Na atualidade, é possível perceber mudanças nos livros didáticos que estão se
aproximando dos estudos antropológicos e de historiadores que trazem um novo olhar sobre a
temática indígena. Além disso, conta-se com a presença de uma iconografia renovada que
contrasta com alguns estereótipos (Bittencourt, 2013). Medeiros (2008) cita algumas
perspectivas positivas, como a aproximação com a arqueologia e com a historiografia associada
à antropologia. Um exemplo é a aparição de capítulos que mostram a complexidade e a riqueza
de outros povos originários antes dos primeiros contatos com os europeus, além de incas, maias
e astecas. Também tem aparecido o ponto de vista de outros personagens e a apropriação de
uma nova interpretação do conceito de cultura.
Apesar dessas alterações, é possível perceber a existência de uma permanência no que
se refere ao apagamento dos indígenas da história, especialmente após o início da colonização,
e a manutenção de alguns estigmas e preconceitos no ensino de história. É preciso destacar que
os historiadores que têm se debruçado sobre a temática indígena estão dando outras
interpretações às fontes, revelando a presença desses povos não só fazendo a resistência nos
sertões como também participando ativamente da dinâmica da sociedade colonial e brasileira.
Entre eles, destacamos os estudos de Monteiro (1994), que redimensiona a escravidão indígena
em São Paulo, antes negligenciada pela historiografia, ressaltando o trabalho dessas populações
como fundamental na dinâmica interna colonial. Diversos outros trabalhos entre livros, artigos,
dissertações e teses têm alterado a compreensão sobre os indígenas na historiografia e
lentamente no ensino de história. Eles se pautam em uma aproximação com a antropologia, se
utilizando de novas concepções sobre os conceitos de identidade e cultura.
A escolha do que ensinar e não ensinar não é um processo simples nem consensual. Jean Claude
Forquin (1992) afirma que a herança cultural perpetuada na escola é seletiva, contendo
esquecimentos e reinterpretações. O currículo nada mais é do que seleções no interior da
cultura, que passam por conflitos dependendo de fatores políticos, ideológicos e sociais das
épocas e sociedades em que foi construído (Forquin, 1992:29-31). Além disso, existe uma
diferença entre o currículo formal, que é o prescrito pelas autoridades, o currículo real, que é
efetivamente usado pelo professor em sala de aula, e, por fim, o que é efetivamente aprendido
pelos alunos (Forquin, 1992:32). Um conteúdo que se torna obrigatório muitas vezes nem chega
ao conhecimento do professor; quando chega, sempre passa pela interpretação do profissional,
que irá decidir se ensinará ou não aquele conteúdo, podendo, inclusive, dar um sentido
completamente contrário do imaginado pelos elaboradores do currículo. Da mesma forma, o
aluno pode aprender ou não um conteúdo ou ainda dar um sentido completamente distinto do
que foi ensinado pelo professor.
Ivor Goodson (1997) acrescenta que o currículo não é um dado neutro, mas uma
construção social que se define, redefine e negocia em vários níveis e arenas (Goodson,
1997:18). Crítico de uma ideia vigente entre os anos de 1960 e 1970 de que o currículo é o que
se passa em sala de aula, o autor entende que ele é um “testemunho público e visível das
racionalidades escolhidas e da retórica legitimadora das práticas escolares” (Goodson,1997:20)
e geralmente fixa parâmetros para a sala de aula. Goodson enfatiza o caráter simbólico e prático
do currículo, pois ele é o lugar onde as intenções educativas são comunicadas e legitimadas e
possibilita a distribuição de recursos e benefícios.
André Chervel (1990) chama a atenção para as finalidades de uma disciplina escolar.
Segundo o autor, a opinião comum de que as disciplinas escolares são transmissoras de
conhecimentos produzidos fora da escola e que os desvios existentes entre as disciplinas
escolares e as ciências de referência ocorrem por causa da necessidade de vulgarização para o
público jovem, reduz as disciplinas a mera metodologia. Ele acredita que a escola não se define
pela transmissão de saberes e que as disciplinas escolares são criações espontâneas e originais
do sistema escolar. Para fazer tal afirmação, ele traz o exemplo da história do ensino da
gramática, que foi criada na escola e para a escola. Diferente do ensino superior, onde as práticas
e finalidades do ensino coincidem, não havendo a necessidade de adaptação para o público, as
disciplinas escolares misturam o conteúdo cultural e a formação do espírito (Chervel,
1990:181). A sua função seria, então, “colocar um conteúdo de instrução a serviço de uma
finalidade educativa” (Chervel, 1990:188). Porém, o autor observa que nem sempre as
finalidades ficam inscritas em textos e nem sempre as que estão inscritas são reais. Por isso
separa as finalidades de objetivo, que se referem aos textos oficiais, e as finalidades reais, apesar
de apontar que muitas vezes, elas se misturam.
Sem querer negar que a lei propicia uma visibilidade importante para a questão indígena,
é necessário ressaltar que sua redação está pautada nos preconceitos e estereótipos que deveria
combater. Segundo a lei:
Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados,
torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena.
§ 1o O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e
da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos
étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos
indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da
sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política,
pertinentes à história do Brasil. [Brasil, 2008]
Cumpre destacar a visão cultural das comunidades indígenas antigas, cuja formação
fundamentava-se nas áreas de economia, saúde e educação, com a prática de crenças e costumes
tradicionais, a partir dos 3 anos de idade, com os próprios pais, e ao completar 7 anos, concluíam
a etapa da formação pelos pajés. Aos 20 anos, a formação curricular era concluída na área da
economia, saúde e educação, nos conhecimentos científicos da diversidade biológica, sem a
necessidade de estudar a teoria, na escola. Festejavam as crenças e costumes tradicionais, com
muita fartura de caça e pesca, gozando de muita saúde, harmonia e felicidade, em seus lares.
Sendo assim, contamos com a compreensão dos nobres Pares, à aprovação do presente projeto
de lei, que objetiva à preservação da cultura indígena, como garantia à identidade do povo
indígena e da população brasileira. [Brasil, 2003]
É importante ressaltar que mesmo problemática, a lei é uma importante conquista dos
indígenas. Ela se insere nas diversas conquistas legais dos movimentos sociais indígenas,
iniciadas a partir da Constituição de 1988, em que estes povos conseguiram, ao menos na lei, o
direito à diferença. O artigo 231 da Constituição Federal, ao contrário das legislações anteriores
que previam a gradual assimilação das populações indígenas à sociedade nacional e
consequentemente o fim das suas identidades étnicas, garantiu o reconhecimento da
“organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as
terras que tradicionalmente ocupam” (Brasil, 1988). A Constituição também garantiu, através
do artigo 210, que os indígenas pudessem utilizar suas línguas maternas e processos próprios
de aprendizagem.
A Lei nº 9.394/96 (LDB) reafirmou o uso das línguas maternas, cabendo à União
desenvolver programas para a educação bilíngue, assim como assegurou todas as garantias de
educação estabelecidas por lei aos indígenas, como merenda e transporte. No que diz respeito
ao ensino da temática indígena em escolas não indígenas, afirmou, pelo artigo 26, que o ensino
de história do Brasil deverá considerar as contribuições das diferentes matrizes que fazem parte
da construção do povo brasileiro, especialmente as indígenas, africanas e europeias.
Entre o final da década de 1990 e a primeira década deste novo milênio, outras ações
foram promovidas, especialmente no que se relacionava à educação escolar indígena. Entre
elas, a criação das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Escolar Indígena, a criação
da categoria escola indígena, e o polêmico Referencial Curricular Nacional Para as Escolas
Indígenas (RCNET) em 1999. A polêmica se deu por conta de uma desconsideração das
diversidades étnicas (Bonin, 2008).
Naquele período, mas em outro contexto, voltado para a criação de uma diretriz nacional
comum para os currículos escolares, foram lançados os Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCNs). Em 1997 foi publicado o de primeira a quarta séries; em 1998, o de quinta a oitava
série; em 1999, o do ensino médio; em 2002, o PCN mais, que trazia algumas complementações
ao do ensino médio. A valorização da diversidade e o respeito às diferenças dão um tom
importante aos parâmetros. Em relação ao ensino médio, destacam a importância do ensino de
história na formação das identidades:
Para o terceiro ciclo, que no regime seriado corresponde o quarto, quinto e sexto anos,99
os parâmetros propõem o eixo história das relações sociais, da cultura e do trabalho. Para o
quarto ciclo, que corresponde o sétimo, oitavo e nono anos, o eixo história das representações
e das relações de poder.
Para cada eixo temático, o PCN oferece alguns subtemas e apresenta algumas sugestões
de conteúdos. Aqueles diretamente relacionado com os povos indígenas no terceiro ciclo do
ensino fundamental abordam os estudos dos primeiros seres humanos das Américas, suas
representações artísticas e seus mitos, o olhar do europeu sobre esses povos, a escravização, o
trabalho e a resistência indígena, a escravidão e a servidão entre os povos indígenas, o trabalho
entre os povos indígenas na atualidade e a divisão do trabalho em sociedades indígenas
específicas no presente e no passado. No quarto ciclo, as únicas referências às sociedades
indígenas no Brasil são os confrontos entre europeus e populações indígenas no território
brasileiro, como a Guerra dos Bárbaros, a Confederação Cariri e a Confederação dos Tamoios,
e as lutas dos povos indígenas na atualidade pela preservação de seus territórios.
Sobre as Américas, o PCN sugere as expansões e guerras dos povos incas e astecas, os
confrontos entre europeus e indígenas na América Espanhola, a subjugação das etnias e culturas
dos povos nativos e as revoltas zapatistas. Nas referências bibliográficas sobre indígenas,
existem apenas dois livros sobre a temática indígena, um da Comissão Pró-Índio e outro de
Tzvetan Todorov.
99
No regime seriado da época, correspondia a terceira, quarta e quinta série.
ainda eram pequenas na década de 1990, época em que os PCNs foram produzidos, e que o
respeito e a valorização da diferença são os pontos altos do documento no que se refere aos
indígenas.
Os PCNs também incluíram temas transversais que deveriam ser trabalhados por todas
as disciplinas ao longo dos anos de escolaridade, entre os quais ética, saúde, meio ambiente,
orientação sexual e pluralidade cultural. Sobre este último, Hebe Mattos (2007:126) destaca a
ênfase na tolerância, na convivência e no respeito entre práticas culturais diferenciadas um
ponto muito positivo. O documento parte de um reconhecimento da pluralidade da população
brasileira, afirmando que esta deve ser conhecida e valorizada. Afirma que, mesmo que o Brasil
seja um país heterogêneo, o preconceito e os estereótipos são questões comuns enfrentadas por
vários grupos, inclusive na sala de aula, criticando a ideia da democracia racial difundida nas
escolas, que na prática encobre o racismo. Entendendo o espaço escolar como um lugar da
diferença, o não enfrentamento destas questões nas escolas, que se omitem e silenciam este
grave problema, apontam que a temática da pluralidade cultural oferece a possibilidade de os
alunos se reconhecerem como brasileiros, assim como pertencentes a outros grupos culturais, o
que favorece a autoestima e a autodefesa em situações discriminatórias.
Medidas de caráter educacional deverão ser tomadas entre todos os setores da comunidade
nacional, particularmente entre os que se mantêm em contato mais direto com os povos
interessados, com o objetivo de eliminar preconceitos que possam ter em relação a esses povos.
Para esse fim, esforços deverão ser envidados para garantir que livros de história e outros
materiais didáticos apresentem relatos equitativos, precisos e informativos das sociedades e
culturas desses povos. [OIT, 2011:37]
Em 2008, foi publicada a já citada Lei nº 11.645/08, que, alterando a Lei nº 10.639,
incluiu o ensino da história e da cultura indígena nas escolas do ensino básico. Em 2012, foram
publicadas as novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena na
Educação Básica, que pela primeira vez teve uma indígena entre os seus relatores. Este
documento reafirmou o protagonismo indígena, a necessidade de formação de professores
indígenas, a flexibilização do currículo e do calendário escolar para atender às necessidades de
cada comunidade, o ensino bilíngue (ou multilíngue) visando à preservação das línguas
originais, entre outros aspectos (Brasil, 2012). Apesar de tratar apenas da escola indígena, o
texto das Diretrizes fala da situação de indígenas estudando em escolas não indígenas,
pontuando a importância da Lei nº 11.645/08:
Tais estudantes também precisam ter garantido o direito de expressão de suas diferenças étnico-
culturais, de valorização de seus modos tradicionais de conhecimento, crenças, memórias e
demais formas de expressão de suas diferenças. Para tanto, as escolas não indígenas devem
desenvolver estratégias pedagógicas com o objetivo de promover e valorizar a diversidade
cultural, tendo em vista a presença de “diversos outros” na escola. Uma das estratégias
ancoradas na legislação educacional vigente diz respeito à inserção da temática indígena nos
currículos das escolas públicas e privadas de Educação Básica. Os conteúdos referentes a esta
temática “serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de
educação artística e de literatura e história brasileiras”, nos termos do art. 26-A da LDB com a
redação dada pela Lei n° 11.645/2008. [Brasil, 2012:381]
[…] incluir a temática da Lei nº 11.645 neste Plano faz justiça às lutas dos movimentos negros
no Brasil que desde há muito alertam a sociedade brasileira para o que, infelizmente existe e
não é reconhecido: há racismo em nossa sociedade e ele deve ser combatido firmemente, seja
qual for o grupo que sofra discriminação e preconceito. [Brasil/MEC, 2009:17]
O que vemos neste contexto é que, desde 1988, muitas ações, mesmo que insuficientes,
foram feitas voltadas para a educação escolar indígena, mas nos documentos oficiais são raras
as menções sobre os indígenas que estudam em escolas não indígenas. Considerando as duas
diretrizes citadas, uma exclusiva sobre a educação escolar indígena, que pensa uma escola
específica nessas comunidades e outra em que o título se propõe a debater as relações étnico-
raciais nas escolas da educação básica e não trata da presença de indígenas e seus descendentes
na sociedade brasileira, é possível perceber a permanência do estereótipo do indígena que vive
isolado do restante da sociedade nacional. Elas também contêm um ranço da política de
assimilação, que vigorou por muito tempo, a qual entende que os indígenas que convivem com
o restante da população nacional, em um processo natural da evolução, deixam de ser índios ou
estão em num processo de deixar de ser, o que torna desnecessária qualquer política educacional
voltada para indígenas que não estão nas aldeias.
Apesar da pouca importância dada ao ensino das histórias e culturas indígenas na escola, mesmo
após a implementação da Lei nº 11.645/08, não é tão recente a preocupação com a sua
modificação entre alguns professores e pesquisadores sensíveis à temática, visando à
valorização e ao respeito aos povos originários. Em 1987, Aracy Lopes Silva organizou o livro
“A temática indígena na sala de aula: subsídios para professores”, um material voltado para a
atualização de professores, contendo 253 páginas e dividido em duas partes: a primeira dedicada
a uma crítica à forma como os livros didáticos e livros de literatura tratavam a temática indígena
e a segunda sobre as sociedades indígenas e as relações de contato, além de trazer possibilidades
de abordagens em sala de aula.
Em 1995, em parceria com o MEC, a autora, junto com Luís Donizete Benzi Grupioni,
organizou uma nova versão chamada “A temática indígena na escola: novos subsídios para
professores de 1º e 2º graus”. Tendo os mesmos objetivos do anterior, o livro traz mais
informações, contendo 575 páginas divididas em vinte artigos separados por temas, escritos por
importantes autores que estudam os povos indígenas, como João Pacheco de Oliveira, John
Manuel Monteiro, Manuela Carneiro da Cunha, Berta Ribeiro, Roque de Barros Laraia e outros.
Os temas tratam as sociedades indígenas nos cenários político e jurídico brasileiro e
internacional, na história, na cultura e na literatura brasileira e abordam a questão de suas
línguas e culturas. Por fim, o livro apresenta recursos didáticos para professores. Segundo os
organizadores, a questão que une todos os artigos é a afirmação da possibilidade de vivência na
diferença e a análise das condições necessárias para isso. (SILVA; GRUPIONI, 1995:15).
Ainda anteriormente a 2008, ano em que o ensino da história e das culturas indígenas
passou a ser obrigatório no ensino básico, podemos destacar alguns trabalhos preocupados com
o ensino da temática indígena. Lançado em 2003, o livro Ensino de História: conceitos,
temáticas e metodologia, organizado por Martha Abreu e Raquel Soihet (2009), que tem como
objetivo fornecer subsídios conceituais a professores de história para a implementação dos
Parâmetros Curriculares Nacionais, traz dois capítulos escritos por Maria Regina Celestino de
Almeida e Cecília Azevedo sobre identidades plurais e étnicas enfatizando a questão indígena.
Em 2007, Iara Tatiana Bonin apresentou sua tese “E por falar em povos indígenas – narrativas
que contam em práticas pedagógicas”, que faz uma análise das narrativas dos estudantes de
licenciatura de Porto Alegre, alunos recém-saídos do ensino básico e futuros professores que
ensinariam temas sobre os indígenas nas escolas do ensino básico. Também nesta época foram
publicados alguns artigos em revistas ou em anais de congressos que tratam da temática
indígena nos livros didáticos, como os de Grupioni (1996), Mota e Rodrigues (1999), Oliveira
(2003) e Coelho (2007).
No mesmo ano, foi publicado o livro de Collet, Russo e Paladino (2014), Quebrando
preconceitos: subsídios para o ensino das culturas e histórias dos povos indígenas, que tenta
desconstruir alguns preconceitos comuns em relação aos indígenas, como a ideia de que eles
estão acabando, de que vivem nus na floresta, que são preguiçosos e primitivos, entre outros. O
livro traz ainda algumas atividades ao final de cada capítulo, com materiais de fácil acesso pela
internet para serem aplicados em sala de aula. Em 2015, foi publicado o livro Ensino (d)e
história indígena, organizado por Wittmann (2015), que contém capítulos com temas variados
sobre a história indígena, escritos por historiadores pertencentes a Nova História Indígena100.
Este livro também possui ao final de cada capítulo algumas propostas de atividades em sala de
aula com o uso de fontes históricas.
Apesar das diferenças entre os livros, todos entendem que a revisão do ensino da
temática indígena nas escolas é urgente e importante para a superação de preconceitos e
violências sofridas pelas populações indígenas e para possibilitar um diálogo intercultural
100
Segundo Luísa Wittmann (2005), a Nova História Indígena é uma corrente historiográfica que tenta superar
uma interpretação pautada na dominação e que reconhece, nos seus trabalhos, o protagonismo e a agência indígena.
pautado no respeito pela diferença entre índios e não índios. Collet, Paladino e Russo vão além
na defesa da implementação do ensino da história e das culturas indígenas na escola, afirmando
que as situações graves de violência e discriminação vividas pelas populações indígenas na
atualidade dizem respeito a todos, pois se referem à “intolerância ao diferente, à manutenção
de ideologias (evolucionistas, integracionistas, racistas) que deveriam estar superadas em um
estado dito democrático” (Palladino; Collet; Russo, 2014:9).
Além desses livros, no período após a Lei nº 11.645/08, foram publicados muitos artigos
em revistas, anais ou como capítulos de livros sobre o ensino de história, além de terem sido
defendidas algumas teses e dissertações sobre o tema. Uma parte considerável desses trabalhos
se refere aos índios nos livros didáticos, e podemos destacar os trabalhos de Bittencourt (2013)
e Coelho (2009). Em 2012, a Revista História Hoje da ANPUH realizou um dossiê intitulado
“Ensino de História Indígena”, que traz uma série de artigos sobre educação escolar indígena,
ensino da história indígena nas escolas e história indígena.
Em geral, esses artigos defendem a ideia de que uma nova forma de abordar os indígenas
na escola, pautada no protagonismo dessas populações e na valorização da diferença, pode
ajudar a reparar os danos sofridos por essas populações, vítimas da invisibilidade, do
preconceito, da discriminação e da violência. Poderíamos falar que tentam defender um “dever
de memória”, apesar de, em geral, os autores não se referirem ao conceito. Nesses textos, é
questionada a maneira tradicional como os índios são tratados na escola, especialmente no
ensino de história por servir como disseminador de preconceitos geradores de discriminação e
violência em relação aos povos indígenas. Os autores denunciam que os povos originários são
tratados ora como bárbaros e selvagens, ora como pessoas inocentes e vítimas incapazes de
lutarem pelos seus direitos. Também criticam que os índios somem do ensino de história após
os estudos do início da colonização, prendendo-os sempre ao passado e levando a crer que estão
deixando de existir.
Na atualidade, existe uma demanda dos povos indígenas pelo combate à discriminação e ao
preconceito. A escola deveria ser um espaço privilegiado para romper com estereótipos e
promover uma educação intercultural pautada no respeito à diferença. A Lei nº 11.645/08 é uma
resposta a esta demanda. Ela é um chamado ao “dever de memória”, uma evocação, uma
valorização e um reconhecimento de memórias vinculadas às experiências históricas
traumáticas, como a tomada de terras, a escravização, a violência e o extermínio dos povos
indígenas, e também às suas lutas e resistências, ao protagonismo destes grupos ou indivíduos
e às suas tradições na busca da validação social de direitos já adquiridos e para a conquistas de
novos.
No caso do Brasil, Heymann (2006) afirma que a expressão “dever de memória” não
apareceu muito, apesar de a memória ter sido acionada em alguns casos, mas não mobilizando
os mesmos sentidos, desdobramentos e sentimentos que na França. Ela cita o caso das vítimas
da ditadura que conquistaram alguns direitos, como o reconhecimento da responsabilidade do
Estado sobre as mortes e o desaparecimento de pessoas que se opuseram ao regime. Outro
exemplo em que as memórias têm sido acionadas é o caso das políticas de reparação social que,
ao contrário do debate em torno das vítimas da ditadura, têm suscitado grandes debates na
sociedade, especialmente em relação aos afrodescendentes. A memória tem sido usada como
uma tentativa de reconhecimento e reparação, que pode ser exemplificada na conquista de
terras, como no caso das populações quilombolas, nas leis de cotas raciais e na Lei nº 10.639/03,
que tornou obrigatório o ensino da história e das culturas da África e dos afrodescendentes. A
autora acredita que a questão dos afrodescendentes tomou maiores proporções do que a das
vítimas da ditadura porque a população negra no Brasil continua sofrendo violências, apesar do
contexto diferente, e por propor medidas que podem modificar o futuro da população, inclusive
a dos opressores, pois passa a ideia de que toda a sociedade tem uma dívida com essas
populações (Heymann, 2006:25-26).
Em outro artigo, em coautoria com Arruti (Heymann; Arruti, 2012), retomou a discussão
sobre o dever de memória no Brasil, incluindo reflexões sobre as populações indígenas. Os
autores citam alguns eventos que mobilizaram essas memórias de violência e opressão sofridas
pelos indígenas, como a Missa da Terra sem Males em 1979, dedicada “à memória, remorso,
denúncia e compromisso” da Igreja Católica em relação aos indígenas, que foi, na realidade,
uma resposta do Conselho Indigenista Missionário às celebrações do ano anterior, considerado
o ano dos mártires da causa indígena, homenageando três missionários jesuítas ligado às
missões guarani no Rio Grande do Sul. Outro exemplo, mais recente, foi um movimento
paralelo às comemorações dos 500 anos do descobrimento, em 2000, chamado “Brasil, outros
quinhentos…”, liderado pelos movimentos indígenas, negros e populares que tematizaram as
memórias ligadas à opressão.
Portanto, as memórias indígenas são elementos importantes a serem tratados nas salas
de aula por serem um fator que oferece o sentimento de continuidade e de coerência de um
grupo, um elemento importante do sentimento de identidade (POLLACK, 1992:204). A
memória é a identidade em ação, ao mesmo tempo em que é reativada e transformada pelas
demandas identitárias. O “dever de memória” é também uma possibilidade do não
esquecimento e do reconhecimento da alteridade e dos seus direitos. Dar voz e visibilidade aos
indígenas e reconhecer as suas memórias é um direito dessas populações.
Por mais que haja aproximações entre a memória e a história, elas não se equivalem. Dominick
Lacapra aponta que no passado recente havia duas tendências entre os historiadores:
En el pasado reciente, otros historiadores han opuesto angustiosamente historia y memoria o,
por el contrario, las han aproximado, sino confundido avidamente. En una primera instancia, la
memoria resulta crucial pues es aquello contra lo cual debe definirse la historia, para bien o para
mal. Em resumen, la memoria se convierte em la antítesis o lo “outro” de la historia. Em segunda
instancia, la importancia de la memoria se basa em su supuesta posición como fundamento o
esencia de la historia. Por lo tanto se entiende a la memoria como lo mismo que la historia o al
menos como su matriz y musa. [Lacapra, 2009:29-30]
Pierre Nora, por exemplo, é um dos autores que compreende que a missão da história é
se diferenciar da memória. Segundo o autor, a aceleração da história percebida no século XX
provocou o distanciamento entre a memória e a história. A primeira é sem passado, verdadeira,
inconsciente e intocada das sociedades primitivas; a segunda é a forma como nossa sociedade
lida com o passado, uma operação intelectual, reconstrução problemática e incompleta de um
tempo acabado que não volta mais (Nora, 1981:8). Por nossa sociedade ser fadada ao
esquecimento, visto as rápidas mudanças, nasce a sensação de que a memória não é espontânea,
de que é preciso guardar, comemorar para não esquecer, pois a lembrança não é um processo
natural. É para buscar sinais de reconhecimento e de pertencimento em uma sociedade que
tende a reconhecer indivíduos iguais que se buscam os lugares de memória (Nora, 1981:13).
A memória evidentemente, não é idêntica à história, mas também não pode ser
considerada o seu oposto, contrapõe Lacapra (2009). A memória pode ser uma fonte preciosa
para o historiador, não em relação à comprovação de fatos empíricos, mas para a recepção da
angústia das pessoas. Exemplo disso era a ideia aterrorizante, dominante entre as vítimas do
Holocausto, de que os nazistas fabricavam sabão com os corpos dos judeus. (Lacapra, 2009:33).
Quando a história perde contato com a memória é porque se ocupa de temas mortos, que não
atraem interesse. Uma suplementa a outra em uma interação questionadora que nunca chega a
uma totalização ou fim absoluto:
Ao diferenciar a história e a memória, David Lowenthal (1998) não nega seus momentos
de aproximação e até de justaposições, em que se torna difícil separá-las. Toda a nossa
consciência do passado está fundada na memória. Porém, toda vez que utilizamos o
conhecimento da memória, ela nos força a selecionar, destilar, distorcer, transformar o passado
e adequá-lo às nossas exigências do presente, o que a torna sempre uma construção do presente.
Nossas memórias sempre são maleáveis e flexíveis, sendo alteradas toda vez que algo é
apreendido subsequencialmente. Novas experiências moldam nossas lembranças, assim como
o simples fato de lembrar ou de narrar um acontecimento as modificam. Lembrar significa
também esquecer, pois somente o esquecimento permite ordenar e classificar os
acontecimentos, dando uma ordem ao caos.
A função primordial da memória não seria preservar o passado, e sim adaptá-lo para
“enriquecer e manipular o presente” (Lowenthal, 1998:101). Uma das demandas que o presente
exige da memória é a construção da identidade. Relembrar é crucial para a identidade, já que a
memória das experiências passadas nos liga a nossos selves anteriores por mais diferentes que
tenhamos nos tornados (Lowenthal, 1998:83). A história se distingue da memória não só na
forma como o passado é adquirido e corroborado como também pela forma como é transmitido
e preservado. A história, ao contrário da memória que é contingente, baseia-se em fatos
empíricos, que se podem rejeitar por outras concepções do passado, está sempre aberta a
revisões que reinterpretam o passado pelos acontecimentos e ideias subsequentes de forma
consciente, ao contrário da memória que apesar de estar sempre sendo revista, o faz de maneira
inconsciente. (Lowentthal, 1998:109-110)
A memória interfere no aprendizado, na relação que o aluno faz de suas lembranças com
o que está sendo ensinado, assim como no seu sentimento de pertencimento. É um elemento
fundamental da construção das identidades, as quais, por sua vez, moldam a forma como os
indivíduos incorporam aspectos do passado, fazendo suas escolhas do que lembrar e do que
esquecer (Candau, 2014:19). É por meio da memória que as pessoas captam, compreendem e
ordenam a realidade e a si mesmo em uma continuidade, dando-lhe um sentido temporal que
organiza o passado a partir do presente e das projeções do futuro (Candau, 2014:60-63). O
professor de história, especialmente em escolas em que a construção e o reconhecimento das
identidades estão em jogo, não podem ignorar a sua importância.
[…] repensar a história e seu ensino, nesses termos, pode nos ajudar a refazer nossa humanidade
esgarçada, tornando o passado não o lugar seguro para as respostas que nos angustiam, mas a
fonte […] para a nossa ação no mundo. E com isso talvez contribuir para que assumamos nossas
responsabilidades, não para com o futuro, que é segredo, mas para com o presente, que é a vida
que temos a partilhar com outros homens para sermos, como eles, humanos. [Guimarães,
2009:50]
Fernandes (2012) acredita que o recurso ao “dever de memória” deve vir acompanhado
de um “dever de história”, pois o primeiro sozinho pode não mobilizar reflexões para o agir no
mundo, deixando de ser uma “engrenagem politizada das relações sociais, de ser oportunidade
de visibilidade para as alteridades, para se transformar em um fúnebre prestar de contas que se
encerra ali” (Fernandes, 2012:93). O “dever de memória” associado ao “dever de história” pode
ser uma importante arma para descolonizar o pensamento e permitir novas perspectivas.
3. Proposta de implementação da Lei nº 11.645/08
O produto resultante desta pesquisa é composto por uma exposição e um caderno de atividades.
Seu objetivo é cumprir a Lei nº 11.645/08, que torna obrigatório o ensino da história e da cultura
indígena em todas as escolas do ensino básico do território brasileiro. Ele é uma tentativa de
colocar em prática as reflexões teóricas realizadas durante o Mestrado Profissional em Ensino
de História e levá-lo a outras unidades escolares.
No entanto, ele está longe de abranger o ensino das culturas e da história indígena no
ensino de história em um aspecto mais geral. Dentro da temática indígena, uma diretriz comum
foi selecionada, pensando especificamente na realidade da região metropolitana do Rio de
Janeiro: a presença de indígenas em contexto urbano, que, inclusive, frequentam as escolas, e
são invisibilizados e sofrem preconceitos e discriminações quando têm suas identidades
reveladas. Também parte da ideia de que o histórico de preconceito, violência e opressão dos
povos indígenas deixou marcas nessas populações, sendo também responsáveis por deixarem
essa população na condição da mais desfavorecida do ponto de vista econômico, habitacional,
educacional e dos indicadores de saúde, como aponta o Censo 2010 (IBGE, 2010:52). Por isso,
políticas de reparação devem ser feitas para que essas populações consigam melhores condições
de vida dentro das perspectivas escolhidas por elas próprias.
A exposição e o caderno de atividades tentam dar visibilidade a essas pessoas que estão
nas cidades e legitimar a sua presença no espaço urbano, visto que geralmente esta possibilidade
não é entendida por muitos. A concepção estereotipada dos indígenas que os congelam em
algumas características culturais, que nem mesmo no século XVI eram comuns a todos os
povos, dificulta a compreensão de que possam estar pelas ruas, vestidos com roupas ocidentais,
sem adornos, morando em casas e utilizando as modernidades do mundo contemporâneo. Ela
também leva a crer que os indígenas que lutam por direitos dentro das cidades são oportunistas,
pois os direitos deveriam se restringir aos “verdadeiros povos da floresta”.
Também buscam levantar importantes reflexões na escola acerca das alteridades. Pensar
as relações entre os diferentes pode ser um valioso instrumento para que os alunos reflitam
sobre suas identidades e a dos outros e mobilizem essas reflexões para a vida prática, pautados
na tolerância e no respeito à diferença.
Esta linha vem sendo utilizada na educação escolar indígena. Os indígenas têm
ressignificado a escola, já que antes era uma instituição que visava à integração dessas
populações, impondo um único conhecimento como válido e reconhecido e tentando, à força,
fazer com que os indígenas abandonassem suas línguas, seus modos de vida e suas tradições.
No entendimento de vários povos, a escola indígena tem uma dimensão política, em que se
instrumentaliza para lutar por direitos a partir da lógica da sociedade não indígena (BONIN,
2012). Por isso, tenta-se equacionar as necessidades específicas de suas comunidades com a
aprendizagem do conhecimento do mundo não indígena necessário para transitar nele e para se
apropriar de conhecimentos que possam ser ressignificados e utilizados em benefício próprio.
O currículo e o calendário dessas escolas são específicos, de acordo com a necessidade de cada
comunidade. Os professores devem ser prioritariamente indígenas e o ensino é bilíngue, onde
são utilizadas as línguas maternas e também é ensinada a língua portuguesa. Os materiais
pedagógicos, assim como as práticas pedagógicas, devem corresponder às demandas
específicas das comunidades.
Esta escola específica não vem sendo construída sem dificuldades. Bonin (2012) aponta
entre elas, a criação de um currículo diferenciado que atenda às necessidades dos indígenas, a
problemática da comunicação através da escrita em comunidades que utilizam e valorizam a
oralidade, a superação de antigas práticas integracionistas das antigas escolas para índios e a
escassez de recursos.
Um dos depoimentos de uma mulher gavião, mãe de um menino de sete anos é muito
forte, pois traz o retrato da vivência diária de muitos alunos indígenas nas escolas não indígenas:
[…] os coleguinhas ficam rindo dele. De vez em quando ele vem para casa chorando. E diz que
a mãe de fulano disse que o coleguinha batia nele e falava que era porque ele era índio, porque
índio tinha que ficar na aldeia, índio era bicho. […] Eu acho que se o professor falasse mais de
índio […]. Eu acho que na escola eles falam muito pouco. Eles cuidam da maioria, mas como
na sala dele só tem ele de índio, acho que é por isso. [Santos; Secchi, 2013:60]
O despreparo das escolas para receberem as populações indígenas é gritante. Outro
exemplo de preconceito e discriminação aconteceu no Mato Grosso do Sul em 2013. Segundo
a denúncia do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), indígenas guaranis-kaiowá foram
expulsos da sala de aula. Joel Aquino, uma liderança daquele povo, contou que:
Disseram pros nossos estudantes que eles não deviam estudar ali […], que se eles continuassem
estudando o ano todo iam encher a sala e a escola de terra, porque temos “pés sujos”. E “chulé”,
que as indígenas femininas tem aquele cheiro de mulher. O diretor colocou o grupo do lado de
fora da sala de aula, enquanto o professor continuou dando aula para os não indígenas. Às vezes
o professor ia lá fora passar alguma atividade para os indígenas. […] Depois disso, nossos
estudantes não querem mais frequentar a escola por motivo de vergonha, tamanha a situação
humilhante que passaram. [Sposati, 2013]
Para responder ao problema da invisibilidade dos indígenas nas cidades, optei por criar uma
exposição itinerante em forma de cinco banners, para que pudessem ser facilmente
transportados de uma escola para outra, versando sobre a temática indígena nas cidades da
região metropolitana do Rio de Janeiro. Entre outros fatores, a opção por uma exposição deveu-
se à possibilidade de movimentar a escola e atingir mais pessoas, não se limitando apenas aos
alunos de uma ou algumas turmas específicas e professores de história, mas sim a toda
comunidade escolar: alunos, professores, diretores, orientadores, funcionários e responsáveis.
A ideia da exposição, que inicialmente foi pensada apenas para a cidade de Duque de
Caxias, onde leciono, surgiu após o seminário “Somos indígenas e não somos invisíveis”,
realizado em 2015 pelo Instituto dos Saberes dos Povos Originários, Aldeia Jacutinga, na praça
Roberto Silveira. O título deste seminário dizia muito sobre o que aqueles indígenas queriam:
a visibilidade que lhes garantisse o reconhecimento de suas identidades indígenas na cidade de
Duque de Caxias. Este reconhecimento pelo restante da sociedade ajudaria na construção de
políticas públicas específicas para essa população.
Os indígenas com quem conversei em sua maioria estão ligados à Aldeia Maracanã e ao
Instituto dos Saberes dos Povos Originários, Aldeia Jacutinga. Procurei conversar com outros
não vinculados a essas instituições, mas tive grandes dificuldades. A procura principal por esses
indígenas foi por intermédio dos meus alunos da Escola Municipal Presidente Costa e Silva e
da Escola Municipal Maria Clara Machado, ambas localizadas no segundo distrito do município
de Duque de Caxias. Em atividades anteriores, alguns alunos haviam declarado possuir pais,
avós ou bisavós indígenas. Alguns relataram também que tinham vizinhos, amigos e outros
conhecidos indígenas. Procurei contato com essas pessoas, mas apenas uma demostrou
interesse em conversar, porém, por ser uma pessoa que viajava muito, não foi possível. O
restante se recusou a falar. Um dos meus alunos tentou justificar a recusa de seu avô dizendo
que ele não gostava de ser índio e por isso não gostava de falar sobre o assunto. Também
afirmou que seu avô já teve brigas sérias por causa de “brincadeiras” preconceituosas.
Os museus podem ser muito úteis para os indígenas que sofreram processo de deculturação
violenta, ações contra seus valores, suas tecnologias, seus conhecimentos. O museu é um
instrumento poderoso para inculcar e reforçar demarcações identitárias, recusando o preconceito
e a invisibilidade com que tais coletividades são tratadas em outros contextos. Neste sentido, é
um aliado fundamental, importante na luta por direitos especiais e modos de vida que sejam
mais adequados aos indígenas. [Oliveira, 2007:97]
A exposição foi dividida em cinco banners de 120cm por 90 cm. O tamanho seguiu as
orientações de um painel acadêmico, devido especialmente às minhas limitações técnicas, pois
muitas imagens ficariam com a resolução ruim caso fossem muito ampliadas.
O primeiro banner é uma apresentação do tema, e traz um breve texto sobre os indígenas
no contexto urbano e os objetivos da exposição. Também contém agradecimentos a pessoas que
ajudaram ativamente na construção dos banners e algumas referências bibliográficas. Todos os
banners possuem nas margens superiores e inferiores o grafismo de Carmel Puri, indígena que
vive desde criança na região metropolitana do Rio de Janeiro e que cedeu prontamente sua arte
para a divulgação do grafismo puri.
O último banner tenta retratar os momentos em que recriam e divulgam suas identidades
nas cidades, fazendo pintura corporal, apresentando suas músicas, danças, realizando oficinas
e vendendo artesanato. Contém um box com o nome das etnias de alguns dos indígenas que
vivem na região metropolitana do Rio de Janeiro, indicando a origem desses povos e o número
de indígenas dessas etnias de acordo com o Instituo Socioambiental (ISA). O objetivo do
banner é mostrar algumas manifestações culturais indígenas e a diversidade dos povos
existentes na região.
Além da exposição, foi criado um caderno de atividades que dialoga com ela, complementando
a temática dos indígenas nos contextos urbanos e utilizando algumas informações trabalhadas
na exposição. O caderno de atividades, contudo, tenta ir além, trazendo outras questões sobre a
temática, sendo possível a utilização de suas atividades sem a exposição. A criação das
atividades foi pensada pela crença de que projetos pontuais dentro das atividades escolares
diárias são importantes para dar visibilidade e trazer reflexões sobre um tema específico, mas,
se não forem inseridos e contextualizados junto a outros temas ensinados, podem ser entendidos
como apêndice ou curiosidade, e não um tema sensível e importante gerador de reflexões para
o rompimento da colonialidade. Dessa maneira, o caderno de atividades tenta se colocar entre
o dever de memória e o dever de história.
Ao optar por atividades com fontes que gerem reflexões e debates a partir de perguntas
feitas a elas, tentei fugir de uma concepção tradicional do ensino de história. O método em que
professor escolhe determinada corrente historiográfica sobre determinado assunto, resume os
conteúdos de acordo com a capacidade de compreensão da turma, transpõe esse conteúdo
geralmente através de uma aula expositiva e aplica uma prova, por meio da qual mede o que o
aluno aprendeu sobre o assunto, por muitas vezes não contribui para criar um novo olhar para
as diferenças e desigualdades sociais. Esta metodologia de ensino, a qual Jörn Rüsen nomeia
de didática da cópia, concebe a didática como algo exterior à história, ocupando-se apenas com
a aplicação e a intermediação do saber acadêmico. A única adaptação seria a capacidade do
destinatário, já que esta mediação feita pelo professor prevê a inalteração dos conteúdos e
formas de produção científica. Rüsen considera esta externalização e funcionalização da
didática uma concepção estreita por banir “fatores determinantes do processo cognitivo da
história” que seriam, segundo o autor, “a geração de problemas históricos a partir das carências
de orientação da vida prática, a relação da formatação historiográfica ao seu público e,
sobretudo, as funções de orientação prática do saber histórico”. (Rüsen, 2011:89-90).
O projeto do Conselho Nacional de Pesquisa dos Estados Unidos How People Learn
(HPL), traz interessantes revelações sobre o aprendizado histórico. De acordo com os resultados
de suas pesquisas,
Os alunos vão para as salas de aula com “pré-conceitos” sobre como funciona o mundo. Se suas
compreensões iniciais não são levadas em conta, podem falhar em entender novos conceitos e
as informações que lhes são ensinadas ou podem aprendê-los para uma prova, mas revertem
para seus pré-conceitos fora da sala de aula. [Donavan; Bransford; Pellegrino; 1999, apud Lee,
2006:137]
Ao partir das análises de Rüsen e do HPL em diálogo com a minha experiência no
magistério, acredito que uma concepção ampliada de didática da história, baseada nos trabalhos
de autores como Jörn Rüsen, Klaus Bergmann e K. E. Jeismann, na Alemanha, e de vários
outros que desenvolveram pesquisas a partir destes autores, possa ajudar a responder a um dever
de memória que esteja associado ao dever de história.
Logo, as atividades têm como inspiração o conceito de didática da história trazida por
autores como Jörn Rüsen, Klaus Bergmann e K.E. Jeismann e de outros que desenvolveram
suas pesquisas a partir desses autores. Esta nova compreensão de didática da história surgiu da
ideia de que ela não se reduz à mera metodologia do ensino, não se limita ao ensino de história
escolar, não é independente das ciências históricas e possui um caráter disciplinar próprio
(Saddi, 2012:212- 213).
O autor constrói uma tipologia das narrativas históricas, pelas quais é possível perceber
os modelos de orientação temporal da consciência histórica. A narrativa tradicional é a que
coloca as origens como explicação para os modelos de vida do presente, unindo o passado e o
presente em uma continuidade imóvel, dando um sentido de eternidade. A narrativa exemplar
é a “mestra da vida” que procura regras gerais de conduta, buscando a validade dessas regras
em tempos e espaços diferentes. A narrativa crítica é a que problematiza os modos de vida do
presente, buscando a alteração das continuidades dadas, negando sempre as narrativas
tradicionais e as regras de conduta. Por fim, a narrativa genética é a que compreende as
transformações temporais da vida, buscando sempre a apropriação de modos mais adequados
para o próprio sujeito de acordo com as mudanças do seu tempo (Rüsen, 2011:98-103).
Somente quando a história deixar de ser aprendida como mera absorção de um bloco de
conhecimentos positivos e surgir diretamente das respostas as perguntas que se façam ao acervo
de conhecimentos acumulados, é que poderá ela ser apropriada produtivamente pelo
aprendizado histórico e se tornar fator de determinação cultural da vida prática humana. [Rüsen,
2011:44]
A atividade 7, “Os índios civilizados de Debret”, propõe que os alunos analisem uma
prancha de Jean-Baptiste Debret intitulada “Caboclos ou Índios Civilizados” e um texto do
autor sobre os indígenas da Aldeia de São Lourenço no século XIX. As perguntas ajudam a
pensar sobre as identidades em situação de contato e a problematização do conceito de
civilização.
Este caderno de atividades, além de reunir materiais que poderão ser utilizados pelos
professores em sala de aula, possibilita uma atualização. Os comentários de cada atividade
contêm uma contextualização com informações sobre as temáticas abordadas que irão ajudá-
los a construir um conhecimento sobre o assunto caso estejam desatualizados. Não é incomum
encontrarmos professores desinformados sobre a temática indígena, especialmente no que
concerne à presença no contexto urbano. É importante ressaltar que existem excelentes
materiais de atualização para o professor sobre o assunto em circulação. No entanto, apostei no
pragmatismo deste caderno de atividades que associa atividades elaboradas para alunos a uma
oportunidade de o professor se apropriar do tema e atualizar seus conhecimentos. A grande
maioria dos profissionais da educação possui uma carga horária em sala de aula muito grande,
assim como o número de alunos, o que dificulta que tenha tempo para dar conta de atender às
exigências burocráticas das instituições de ensino, elaborar aulas, e contemplar as demandas
dos alunos.
Considerações finais
A maioria da sociedade brasileira possui uma visão estereotipada dos indígenas, associando-os
à natureza, à nudez, à ingenuidade (ou ferocidade) e à infantilidade. Esses estereótipos, somados
a uma visão cristalizada de cultura que compreende que todas as mudanças culturais passadas
por estes povos significam a sua aculturação e o abandono de suas identidades étnicas, fazem
com que muitas pessoas não entendam a presença de indígenas convivendo com o restante da
população no meio urbano, apropriando-se e ressignificando códigos culturais externos a seus
grupos para conseguir circular, conviver, adquirir novos conhecimentos e negociar direitos
neste espaço.
Evidentemente, apenas tornar as diferenças visíveis pode não ser o suficiente para criar
novas reflexões sobre a alteridade, mais especificamente para o caso das identidades e das
sociedades indígenas. As diferenças, pensadas a partir de modelos explicativos eurocêntricos,
serão sempre compreendidas dentro de uma cadeia classificatória, identificadas a partir de
níveis de inferioridade. No entanto, só se torna uma questão pertinente para a sociedade aquilo
que é entendido como existente.
Referências
Os indígenas e as cidades
Caderno de Atividades
Apresentação 03
………………………………..…………………………………………………….…….
Atividade 1 Diagnóstico/Índios do 06
Brasil…………………………………………………………
Atividade 2 Demografia 08
indígena…………………………………………………………………….
Atividade 3 Cidades 12
ameríndias………………………………………………………………………
Atividade 4 Indígenas no Rio de Janeiro 15
colonial………………………………………………
Atividade 5 Viagens indígenas ao Velho 18
Atividade 6 Mundo………………………………………………..
Povos indígenas e escolarização 21
…………………..……………………………
Atividade 7 Os índios civilizados de 24
Debret……………………………………………………..
Atividade 8 O deputado 27
Atividade 9 indígena…………………………………………………………………….
Da integração ao direito à diferença 30
Referências ……………………………………………… 33
………………………………..……………………………………………………………..
Apresentação
Acreditamos que uma maneira de ajudar a modificar este quadro é tirar o aluno
do papel de receptor de conteúdos e colocá-lo como produtor de conhecimento. Analisar
fontes históricas, criar situações problema para que ele resolva, permitir que entre em
contato e entenda diferentes modelos de interpretação da história são tentativas
interessantes de provocar um deslocamento do olhar para que o aluno encontre outros
modelos explicativos para situações em que os velhos não apresentem respostas
satisfatórias. Afinal, a forma com que o aluno entende e lida com o passado o orienta para
a compreensão do mundo em que vive e para o seu agir no mundo. Se a chave
interpretativa do aluno se pautar em um paradigma moderno e eurocêntrico, ele nunca
entenderá a alteridade e procurará sempre hierarquizar a diferença em níveis de
inferioridade.
Todas as atividades propostas neste caderno partem de um texto-base, que poderá
ser um texto historiográfico, uma fonte histórica escrita ou iconográfica, gráficos, vídeos,
entre outros, e de algumas questões que tentam problematizá-lo. Essas atividades tentam
desnaturalizar a ideia que cristaliza os índios no passado e os colocam como portadores
de uma cultura única e fixa. Para isso, elas abarcam diversas temporalidades: da América
pré-colombiana até épocas mais recentes.
Por fim, ressaltamos que a temática indígena pode ser sensível para alguns alunos
por possuírem essa identidade. Sugerimos, por isto, a realização do diagnóstico da
atividade 1 mesmo que o professor resolva não a utilizar completamente em sala de aula.
Não ignore a possibilidade de haver indígenas ou seus filhos e netos na sala de aula.
Especialmente nas cidades, essas populações são invisibilizadas e muitas vezes preferem
ficar assim, temendo o preconceito e a violência. As atividades foram especialmente
pensadas nesses alunos ao trazer questões sobre indígenas em contexto urbano e o
protagonismo desses povos. No entanto, mesmo em espaços em que essas identidades
não se encontram presentes, e mesmo se considerarmos a remota possibilidade de um
aluno nunca encontrar um indígena na sua vida, o ensino desse tema é uma excelente
oportunidade de exercitar a compreensão da alteridade.
Esperamos que estas atividades ajudem no longo e árduo trabalho dos professores
na tentativa de romper estereótipos e preconceitos. Desejamos que sejam mais uma
estratégia para possibilitar a superação de interpretações do mundo que não entendam a
alteridade e que criem condições para que os alunos indígenas saiam da escola com a
autoestima fortalecida.
(Caso tenha respondido Não ou Não sei na questão 1, pule para a questão 3.)
5) O que você sabe sobre os povos indígenas brasileiros? Já ouviu falar alguma coisa
sobre a história deles? Como eles vivem hoje em dia?
b) Quais opiniões erradas ou preconceituosas foram ditas pelas pessoas que não eram
indígenas? Converse com seus colegas e professores sobre o assunto.
Pesquisa
Em grupo, escolha um povo indígena e faça uma pesquisa sobre ele. Informe quantos são,
a(s) língua(s) que falam, a localização das suas terras, se elas já foram demarcadas pelo
governo, os principais problemas enfrentados por esse povo e algumas curiosidades que
você encontrar.
Orientações para o professor
A imagem que boa parte dos brasileiros possui dos povos indígenas é repleta de
estereótipos e preconceitos. Muitos acreditam que eles fazem parte de um único povo,
que possuem os mesmos costumes, crenças, língua. Também existe a ideia de que são
povos atrasados e que, gradativamente, através do contato com a civilização, irão perder
suas culturas e deixar de ser índios integrando-se ao restante da população.
Em primeiro lugar, devemos lembrar que o nome “índio” foi dado pelo
colonizador para nomear os diversos povos que viviam na América. Cada povo tinha um
nome, uma maneira de pensar e de se relacionar com o mundo específico. Hoje em dia,
continuamos a chamar de índios os povos que se identificam como descendentes desses
diversos povos originários da América. Muitos deles assumiram e ressignificaram a
identidade indígena dada pelo colonizador, o que possibilitou a criação de laços de
solidariedade entre grupos que se diferem em vários aspectos, mas que possuem em
comum a descendência dos primeiros povos americanos e a história de violência e
opressão vivida pelo contato com o colonizador europeu.
O filme sugerido faz parte de um projeto chamado “Vídeo nas Aldeias”, em que
os próprios indígenas produzem filmes sobre suas comunidades. Ele tenta rebater os mais
diversos preconceitos e estereótipos presentes no imaginário da população brasileira,
através da fala dos próprios indígenas.
Referências
BERGAMASCHI. Maria Aparecida (org.). Povos indígenas & Educação. Porto Alegre:
Mediação, 2008.
Demografia indígena
a) Explique o que ocorreu com o total da população indígena no Brasil entre 1991 e 2010.
b) Explique o que ocorreu com a população indígena urbana no Brasil entre 1991 e 2010.
c) Explique o que ocorreu com a população indígena rural no Brasil entre 1991 e 2010.
a) Segundo o gráfico, qual é a região que possui o maior número de indígenas vivendo
em áreas rurais?
b) E qual a região que possui o maior número de indígenas vivendo em áreas urbanas?
c) Existem mais indígenas vivendo em áreas rurais ou urbanas na região em que você
vive?
OBS.: Foram consideradas terras indígenas pelo censo 2010 “aquelas que estavam na
situação fundiária de declarada, homologada, regularizada e em processo de aquisição
como reserva indígena até a data de 31 de dezembro de 2010, ano de realização do censo
demográfico”.
Fonte: IBGE. Censo Demogáfico 2010: Características gerais dos indígenas, resultados do
universo. Disponível em:
<http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/95/cd_2010_indigenas_universo.pdf>.
a) Qual foi o problema encontrado pelo IBGE para quantificar a população indígena?
Pesquisa
Faça uma investigação sobre a população indígena que vive no estado em que você mora.
Pesquise se existem terras indígenas demarcadas ou em processo de demarcação e quais
são os grupos étnicos destes povos. Não se esqueça de abordar os indígenas que vivem
em contexto urbano, apontando as cidades com o maior número de indígenas. Também
verifique, pelo censo do IBGE, se existem índios vivendo na sua cidade. Se for possível,
descubra mais informações sobre eles.
Há ainda outro fator que está por trás do aumento da população indígena apontado
pelo IBGE. Apesar de a pesquisa oferecer importantes informações sobre as populações
indígenas, as quais devem ser consideradas para a elaboração de políticas públicas para
esses grupos, a metodologia de identificação dessas populações apresenta lacunas que
deixam invisíveis parte dessas identidades. No censo de 1991, por exemplo, só foram
contabilizados nativos aldeados que viviam em postos indígenas da Funai, missões
religiosas e poucas regiões urbanas, o que nos leva a entender que o aumento populacional
dos indígenas de 149,6% apresentado entre 1991 e 2000 deveu-se também ao
aprimoramento do censo. Além disso, o próprio IBGE apontou algumas dificuldades para
identificar os indígenas pelo país, como consta no texto-base. Sendo assim, podemos nos
questionar se algumas pessoas que moram fora das terras indígenas e que não se
identificaram como indígena no item cor ou raça do censo poderiam se considerar
indígenas.
NUNES. Eduardo Soares. Aldeias urbanas ou cidades indígenas? Reflexões sobre índios
e cidades. Espaço Ameríndio, Porto Alegre, vol. 4, n. 1, jan./jun. 2010, p. 9-30.
Cidades Ameríndias
Paisagem 1
Paisagem 2
2) Todos as paisagens são ruínas de cidades construídas por povos americanos que
viveram no continente há muitos séculos.
a) Atualmente, é comum a ideia de que só existem indígenas vivendo nas florestas e que
eles deixam de ser indígenas quando passam a ocupar as cidades. Com base nas imagens
anteriores, explique por que esse tipo de pensamento é incorreto.
b) Em um debate com seu professor e seus colegas de classe, procure outros argumentos
que desconstruam a ideia de que indígenas não podem viver em cidades.
Pesquisa
Proposta 1: Escolha uma cidade pré-colombiana e faça uma breve pesquisa sobre ela. Não
deixe de informar sua localização e a época em que surgiu. Cite o nome de outras cidades
e impérios do mundo que foram contemporâneos à cidade escolhida.
Proposta 2: Escolha uma cidade brasileira atual em que a maioria de seus habitantes seja
indígena. Faça uma breve pesquisa, informando sua localização, a porcentagem de
moradores indígenas, as etnias desses povos e outras curiosidades que chamar sua
atenção.
A atividade tenta possibilitar a construção de argumentos que refutem a ideia que associa
os indígenas às florestas, deslegitimando sua presença nas cidades. O aluno deve chegar
ao argumento de que os espaços urbanos não são invenções europeias e de que em tempos
remotos muitos povos de outras partes do mundo, como os da América, também
construíram complexos urbanos.
As imagens da cidade 1 mostram os templos da cidade de Teotihuacán,
provavelmente a maior cidade pré-colombiana do México, que floresceu por volta do ano
100 a.C., chegando a ter mais de 100 mil habitantes em seus tempos áureos. As imagens
da cidade 2 são as ruínas da fortaleza de Pucará de Tilcara, localizada na província de
Jujuy na Argentina, que foi habitada por diversos povos ao longo dos anos. A ocupação
inicial da cidade deu-se por volta do ano 1100 e 1300.
Nesta atividade, é importante estar atento às falas e aos argumentos criados pelos
alunos sobre a presença dos indígenas nas cidades, pois podem estar balizadas por ideias
preconceituosas e paradigmas evolucionistas. Essas formas de pensar podem levá-los a
acreditar que as diferenças entre os povos indígenas se explicam por estes estarem em
diferentes estágios de evolução. É necessário ouvir e intervir nos momentos em que essas
ideias aparecerem.
Referências
NUNES. Eduardo Soares. Aldeias urbanas ou cidades indígenas? Reflexões sobre índios e
cidades. Espaço Ameríndio. Porto Alegre, vol. 4, n. 1, jan./jun. 2010, p. 9-30.
ZABURLÍN, María Amalia. Historia de ocupación del Pucará de Tilcara (Jujuy, Argentina).
Intersecciones en antropología, vol. 10, n. 1, 2009, p. 89-103.
Atividade 4
1) Leia:
“Todas as fortalezas, que se acham no Rio de Janeiro, sendo esta praça ao presente a mais
fortificada por arte, que se acha nas conquistas, foram feitas por índios de Cabo Frio e S. Barnabé
e outras aldeias (…). Estes mesmos abriram o Caminho Grande, que vai do Rio de Janeiro para
Minas até o Rio Paraibuna, em tanta vitalidade do Estado e do reino. Estes os que conduziram
todos os materiais e instrumentos para a Casa de Fundição, que S. Majestade mandou fabricar na
província de Minas. Estes, finalmente os que trabalharam o aqueduto pelo qual se pôs a Água da
Carioca na cidade do Rio de Janeiro.”
Fonte: Carta de Pde Plácido Nunes ao vice-rei, 1738. In: FREIRE, José Ribamar Bessa e MALHEIROS,
Márcia. Rio de Janeiro: UERJ, 2009, p. 91.
b) A fonte fala de importantes serviços prestados pelos índios aldeados ao rei de Portugal.
Quais serviços foram esses?
c) É comum haver pessoas que acreditam que os índios são preguiçosos e avessos ao
trabalho. As informações trazidas neste documento confirmam esta visão? Justifique.
“ Por ocasião da invasão holandesa, Vieira, referindo-se aos cuidados de defesa no Rio de Janeiro,
informou que Martim Sá mandou ‘fortificar em primeiro lugar o recebimento da praia e para isso
pediu aos nossos padres ajuda de índios’. (…) O reitor mandou ainda ‘entrincheirar a testada do
Colégio e ajuntar grande número de arcos e flechas para no conflito acudir e prover os que
estivessem faltos de armas’”
Fonte: ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Metamorfoses Indígenas: identidade e cultura nas aldeias
coloniais do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003.
a) Segundo o texto, quais pessoas seriam utilizadas para ajudar na defesa do Rio de
Janeiro?
b) Qual arma é citada para ajudar aqueles que estivessem sem armas? Qual é a origem
deste armamento?
3) O texto a seguir trata de uma reivindicação de um índio aldeado em 1741:
“Miguel Duarte, índio do Cabelo Corredio, dizia ‘ele por si, e como procurador de todos mais
índios aldeados no distrito da Capitania do Rio de Janeiro e das mais capitanias anexas àquele
governo, como leais vassalos de V.M., estão sempre prontos para o seu real serviço, tanto nas
obras que se façam na cidade, como pelas mais capitanias’ e pelos exaustivos serviços que fazem
com prejuízo de suas mulheres ou filhos que ficam nas aldeias sem ter quem sustente, e por só
lhes pagarem dois vinténs por dia, alguma farinha e peixe salgado, por não terem outra renda nem
amparo a não ser a grandeza de Vossa Majestade, pede ‘que por sua real clemência faça a mercê
mandar acrescentar-lhes o soldo’. O parecer do Conselho foi favorável a que lhes dessem, além
da ração, um tostão por dia.”
Fonte: ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Metamorfoses Indígenas: identidade e cultura nas aldeias
coloniais do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003.
c) Considerando que o tostão equivalia em média a cinco vinténs, é possível afirmar que
a solicitação do índio foi atendida?
4) Após a leitura das fontes, escreva um parágrafo sobre a importância dos indígenas
aldeados para a cidade do Rio de Janeiro no século XVIII.
Referências
Atividade 5
Texto 1:
Imaginemos a cena. Sexta feira, 12 de abril de 1613, uma pequena multidão se acotovelava na
entrada do faubourg SaintHonoré a espera de uma centena de padres capuchinhos do convento da
Paris. Na animação da rua, formara-se uma barulhenta procissão que, cantando, se aproximou das
portas do dito convento. Aí, a aguardava um grupo de nobres desejosos de demonstrar seu
entusiasmo face ao que era considerado uma “santa e feliz conquista”. Mas não só. Estavam todos
igualmente curiosos de conhecer “esses pobres selvagens revestidos de suas mais belas
plumagens, maracas à mão”. A aglomeração, nessas alturas, era tão volumosa que o cortejo teve
dificuldade em penetrar na igreja. Uma fila de padres tentava isolar o grupo de estrangeiros
seminus dos aristocratas, sobretudo, "princesas, damas e outras pessoas de mérito" que se
espremiam, na ponta dos pés, tentando enxergar melhor os embaixadores do Novo Mundo. Foi o
assunto social da semana. Três dias depois, os tupinambás, já vestidos à francesa, foram se
encontrar com a rainha, Maria de Médicis, no palácio do Louvre. Em frente à sua alteza,
executaram uma dança sem grandes movimentos, ritmada apenas por instrumentos,
provavelmente chocalhos, contendo, no entender de um observador, "pregos". Enquanto os
companheiros exibiam seus dotes musicais, o índio Itapucu fez um discurso em sua língua natal,
pedindo ao rei para enviar ao Maranhão mais profetas referia-se aos padres capuchinhos – e outros
tantos grandes guerreiros, prometendo fidelidade aos seus amigos “papagaios amarelos” – como
eram chamados os franceses (…) O rei Luís XIII, um menino de temperamento secreto e tímido,
visivelmente emocionado, prometeu tratá-los como aos seus próprios súditos enquanto a rainha
lhes garantia ajuda e defesa.
Fonte: PRIORE, Mary del. Os tupinambás e os papagaios amarelos ou as relações entre o Brasil e a França
nos séculos XVI e XVII. Hist. Ensino, Londrina, vol. 6, out. 2000, p. 11-32.
b) Segundo o texto, como foi a recepção dos indígenas tupinambás pelos franceses?
d) Crie uma hipótese que explique o tratamento dado pelos franceses aos tupinambás e
debata com sua turma e seu professor.
e) Qual deve ter sido a opinião dos tupinambás sobre a França? Debata com seu professor
e seus colegas.
Texto 2:
Quando nossas caravelas tiveram de partir para a Espanha, reunimos em nosso acampamento mil
e seiscentas pessoas, machos e fêmeas desses índios, dos quais embarcamos em nossas caravelas,
a 17 de fevereiro de 1495, quinhentas e cinquenta almas entre os melhores machos e fêmeas (…).
Mas quando atingimos as águas que cercam a Espanha, uns duzentos dos índios morreram, creio
que por causa do ar ao qual não estavam habituados, mais frio do que o deles. Foram jogados no
mar (…). Desembarcamos todos os escravos, a metade deles doente.”
Fonte: TODOROV, Tzvetan. A conquista da América: a questão do outro. São Paulo: Martins Fontes,
2010, p. 65 e 66.
3) O texto seguinte é o trecho de uma carta do padre Manoel da Nóbrega para o Provincial
de Portugal em 1552, justificando o envio de duas crianças indígenas para Portugal.
Texto 3:
… para aprenderem lá virtudes um anno e algum pouco de latim, para se ordenarem quando
tiverem idade, e folgará El-Rei muito de os ver, por serem primicias dessa terra.
Fonte: FRANCO. Afonso Arinos de Melo. O índio brasileiro e a Revolução Francesa. Rio de Janeiro:
José Olympio Editora, 1976, p. 49.
b) Podemos afirmar que as viagens de indígenas à Europa, nos séculos XV e XVI, tinham
sempre as mesmas motivações? Justifique.
As atividades têm como objetivo fazer com que os alunos identifiquem a circulação de
indígenas pelo mundo entre os séculos XV e XVII e algumas relações estabelecidas entre
indígenas e europeus nesta época, que nem sempre se pautaram na subordinação dos
primeiros. As fontes apontam que, desde os primeiros contatos, indígenas de diversos
povos viajaram para a Europa em diferentes condições. Os textos selecionados apontam
três condições distintas de ocorrência dessas viagens. O primeiro trata de uma missão
diplomática, o segundo da escravização de indígenas e o terceiro de uma forma de
“apadrinhamento”. Apesar da existência de poucos estudos sobre o tema, as três viagens
citadas não foram exceções.
A opção por explorar melhor o primeiro texto se relaciona com uma escolha por
valorizar eventos em que os indígenas não são apresentados na condição de submissão.
Os tupinambás citados foram do Maranhão para a França em 1613, em tempos em que os
franceses desejavam criar a França Equinocial. Eles deixavam intérpretes no Brasil, que
aprendiam a língua, os costumes e valores indígenas. Algumas vezes, levavam esses
indígenas para a Europa para que conhecessem o outro lado do mundo, aquele de que os
estrangeiros falavam. Apesar de alguns autores apontarem a qualidade dos franceses em
dar um tratamento mais humanos aos índios, é importante ressaltar que a diplomacia
francesa se pautava pelo interesse em fortalecer as relações comerciais com essas
populações.
Referências
Atividade 6
“… Miguel Pinto Carneiro estava, em 1773, estudando a leitura e a escrita na escola Veríssimo
Xavier Vieira. Outro índio, Cristóvão da Costa Freire, se encontrava, em 1774, (…) aprendendo
música. Para Cristóvão também foi ordenado que fosse concedido todo o necessário para
prosseguir nos estudos.(…)
Fonte: GARCIA, Elisa Frühauf. Diversas formas de ser índio: políticas indígenas e políticas indigenistas
no extremo sul da América Portuguesa. 2007, 329 f. Tese de doutorado em História – Departamento de
História, Universidade Federal Fluminense, Niterói. 2007, p. 157-158.
Texto 2:
Quero ajudar meu povo, diz índia aprovada em medicina em duas federais
Moradora da aldeia Te’yi Kuê, nos arredores de Caarapó (a 274 quilômetros de Campo Grande),
Dara Ramires Lemes, 19, tem motivos de sobra para comemorar: a guarani-kaiowá foi aprovada
em medicina em duas universidades públicas, a UFScar (Universidade Federal de São Carlos) e
a UFSM (Universidade Federal de Santa Maria).
Nas duas instituições, Dara ficou em primeiro lugar entre os candidatos que disputavam
uma vaga pelo sistema de cotas. Decidiu pela universidade gaúcha, onde eram 121 candidatos
para apenas duas vagas.
Desde os sete anos, ela sonha em ser médica para cuidar de seu povo. “Esse é um dos
meus objetivos, ajudar minha comunidade, mas também pretendo trabalhar em outros lugares.
Montar um consultório, quem sabe”, diz a estudante, que vai morar no alojamento da
universidade.
Fonte: http://vestibular.uol.com.br/noticias/redacao/2015/01/29/quero-ajudar-meu-povo-diz-india-
aprovada-em-medicina-em-duas-federais.htm, acesso em 1º de abril de 2016.
a) Os textos mostram indígenas frequentando espaços tradicionalmente considerados não
indígenas. Que espaços são esses?
b) A partir da leitura dos dois textos, é possível afirmar que a presença dos indígenas
nesses espaços é uma novidade no Brasil? Justifique.
Texto 3:
e) O que você pensa sobre o assunto? Debata com seu professor e seus colegas.
Referências
BERGAMASCHI. Maria Aparecida (org.). Povos indígenas & Educação. Porto Alegre:
Mediação, 2008.
GARCIA, Elisa Frühauf. Diversas formas de ser índio: políticas indígenas e políticas
indigenistas no extremo sul da América Portuguesa. 2007, 329 f. Tese de doutorado em História
– Departamento de História, Universidade Federal Fluminense, Niterói. 2007.
Atividade 7
1) A pintura abaixo foi feita pelo pintor Jean-Baptiste Debret, que esteve no Brasil entre
1816 e 1831, trazido pela Corte Portuguesa para criar uma Academia de Belas Artes.
Naquele período, o autor fez várias obras do que viu pelo país. A prancha a seguir se
intitula “Caboclos ou índios civilizados”. Descreva a imagem:
2) A imagem que você descreveu retrata índios da Aldeia de São Lourenço, onde fica a
cidade de Niterói/RJ, a primeira aldeia indígena criada pelos colonizadores no Rio de
Janeiro, no século XVI, para abrigar os índios aliados. Sobre seus moradores, Debret
afirmou que viviam:
(…) de sua indústria, cerâmica de barro e diferentes espécies de esteiras feitas de caniços, que
exportam para o Rio de Janeiro. Esses caboclos dedicam-se igualmente com êxito, à navegação;
alguns mesmo habitam com suas famílias o arsenal da marinha, empregando-se especialmente no
serviço das canoas particulares do Imperador do Brasil. Quem visite, sucessivamente, todas as
cabanas de São Lourenço encontra, ainda hoje, a conservação interessante dos usos e costumes
particulares, que distinguiam as diferentes tribos selvagens, fundadoras dessa aldeia, por ocasião
de sua primitiva reunião.
Fonte: ALMEIDA. Maria Regina Celestino de. Índios mestiços e selvagens civilizados de Debret: reflexões
sobre relações interétnicas e mestiçagens. Varia História, Belo Horizonte, vol. 25, nº 41, p. 85-106,
jan./jun. 2009, p. 90.
b) Podemos afirmar que esses indígenas eram isolados, viviam longe do restante da
sociedade e sem a influência dela? Justifique.
A prancha e o texto de Debret sobre os índios de São Lourenço trazem uma oportunidade
para que os alunos percebam que, mesmo em contato constante com o mundo não
indígena por quase três séculos, os moradores da Aldeia de São Lourenço ainda se
identificavam e eram identificados como indígenas no início do século XIX. O autor dá
indícios de que a convivência com outros povos e a apropriação de seus costumes não
apagaram sequer as identidades étnicas dos diferentes grupos indígenas que viviam na
Aldeia de São Lourenço, pois, segundo o autor, era possível aos visitantes observar os
“usos e costumes particulares, que distinguiam as diferentes tribos selvagens fundadoras
dessa aldeia”.
Trabalhar com esta atividade exige certo cuidado devido ao uso do conceito de
civilização utilizado por Debret para classificar o índio flecheiro. As classificações
selvagem e civilizado faziam parte dos modelos explicativos europeus, que se baseavam
em uma visão eurocêntrica do mundo. Ao classificar um índio nu, demonstrando
habilidades nada europeias, como civilizado, a intensão do autor não era reconhecer a
legitimidade da diferença. Muito pelo contrário, ele se utilizou dessa classificação por se
tratar dos índios da Aldeia de São Lourenço, os quais ele considerava mestiços, que
viviam em contato com a população não indígena e que sabiam utilizar muitos códigos
culturais ocidentais. Debret explica que a classificação desses índios como caboclos era
pelo fato de serem índios batizados.
ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Índios mestiços e selvagens civilizados de Debret:
reflexões sobre relações interétnicas e mestiçagens. Varia História, Belo Horizonte, vol. 25, nº
41, jan./jun. 2009, p. 85-106.
ELIAS, N. O processo civilizador: uma história dos costumes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,
1994, vol. I.
_______. O processo civilizador: formação do Estado e Civilização. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Ed., 1993, vol. II.
FREIRE, José Ribamar Bessa; MALHEIROS, Márcia Fernanda. Aldeamentos indígenas no Rio
de Janeiro. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2009.
Atividade 8
O deputado indígena
Mário Juruna foi eleito deputado federal pelo Rio de Janeiro em 1982. Foi o único
deputado indígena até os dias de hoje. Seu mandato foi de 1983 a 1987. A matéria do
Jornal do Brasil a seguir, descreve o dia em que o deputado ouviu as reivindicações de
alunos na sala do então governador Leonel Brizola. Leia trechos da reportagem e depois
responda:
Como se fosse ele o Governador, o cacique e Deputado federal Mário Juruna, valendo-se da
ausência de Leonel Brizola, ontem, no Palácio Guanabara, assumiu por duas horas o Governo do
Estado: ocupou o Salão Verde privativo e, sentado à mesa de reuniões (…) Como doublé de
Brizola, ele recebeu uma comissão de estudantes (…)
Num elegante conjunto jeans azul, bolsa a tiracolo e óculos de grau, o Deputado e cacique
Mário Juruna chegou de manhã ao Palácio Guanabara e ficou desapontado ao saber que o
Governador, ontem, não compareceria. (…) O Deputado conversava com assessores do Governo
quando foi interpelado por um grupo aflito. Eram alunos e professores do Colégio Estadual
Fernando Antônio Raja Gabaglia, em Campo Grande, que em comitiva aguardavam para falar
com o Governador. Eles explicaram (…) que lá estavam para cobrar do Governador uma
promessa que ele fizera durante sua campanha eleitoral: participação democrática das categorias
nas escolhas de seus líderes. Por isso, eles queriam escolher o novo diretor do colégio ou pedir a
volta de Edir [o antigo diretor] (…).
Juruna ouviu atentamente os estudantes e tomou a decisão. Primeiro pediu (…) que
chamassem o Secretário Cibilis Viana para atender os alunos e, como este não atendeu ao
chamado, irritado, ele pediu aos estudantes que o seguissem. Passos largos, evocando sua
autoridade e força de cacique, ele invadiu a sala do chefe de gabinete do Governador, Danilo
Groff, e sob os olhares atônitos dos assessores, convidou a todos a entrarem no Salão Verde,
privativo do Governador Leonel Brizola. (…)
– Quero que você acredite no que eles estão falando. Quero que você assuma um
compromisso com esses alunos. Não precisa de papel nenhum – disse Juruna a Dinamérico, que
não teve outra alternativa senão a de convidar uma comissão de estudantes a comparecer, mais
tarde, ao seu gabinete, e de prometer que os levaria à presença da Secretária Yara Vargas.
Aplaudido pelos estudantes, o Deputado deixou satisfeito o salão, mas não havia acabado
ainda o seu outro comando executivo. Os estudantes estavam com outro problema: haviam saído
muito cedo de Campo Grande e, como já eram 14h, todos estavam com fome e muitos não tinham
(sic) dinheiro para almoçar na rua (…) O Deputado, mais uma vez, resolveu a questão. Pediu ao
assessor Jesus do Nascimento que deixasse “os meninos comer de graça no restaurante do
Palácio”.
– Quero trabalhar assim pelo povo carioca. Índio tem que mostrar que não quer apito,
quer é Poder. Podemos ensinar e fazer muita coisa para gente branca. Se os brancos seguissem o
exemplo dos índios, o Brasil não estava na situação que está. (…)
Fonte:
<https://news.google.com/newspapers?nid=0qX8s2k1IRwC&dat=19830805&printsec=frontpage&hl =pt-
BR>.
1) Qual foi a postura do deputado Mário Juruna diante da reivindicação dos estudantes?
3) Você acha que as ações do deputado Juruna em relação aos estudantes foram corretas?
Justifique.
4) A partir da leitura dos fatos narrados pelo Jornal do Brasil, é possível afirmar que
Juruna realmente assumiu o Governo do Estado do Rio de Janeiro, como diz o jornal?
Todas as decisões tomadas pelo deputado indígena só poderiam ser tomadas pelo
governador?
5) “Podemos ensinar e fazer muita coisa para gente branca.” O que você pensa sobre essa
afirmação do deputado Mário Juruna? Debata com seu professor e seus colegas.
6) Até os dias de hoje, os povos indígenas não conseguiram eleger outro deputado federal.
Porém, será que a eleição de candidatos indígenas é a única saída para esses povos
conquistarem direitos? Veja o vídeo “Parlamento Indígena – Grito 5, Índio Cidadão?” e
debata essa questão com seu professor e seus colegas.
7) Faça uma pesquisa sobre Mário Juruna. Descubra a qual povo ele pertencia, suas
motivações para entrar na vida política, suas lutas, e quais preconceitos que ele sofreu.
A matéria do Jornal do Brasil tenta diminuir a ação do indígena que utilizou a sala
do governador sem autorização prévia tentando atender às reivindicações de alguns
estudantes. A transgressão, que possivelmente passaria despercebida caso fosse realizada
por qualquer outro aliado do então governador Leonel Brizola, foi utilizada pelo jornal
para demonstrar uma possível incompreensão das regras do mundo político, dando a
entender que Juruna se compreendia com os mesmos poderes políticos do governador.
Matérias como essa não só deslegitimaram, como ridicularizaram a ação política do
deputado, que não conseguiu se reeleger nas eleições de 1986. Juruna morreu em julho
de 2002 completamente desamparado pela sociedade.
Referência
Art. 1º. Esta Lei regula a situação jurídica dos índios ou silvícolas e das comunidades indígenas,
com o propósito de preservar a sua cultura e integrá-los, progressiva e harmoniosamente, à
comunhão nacional.
Art. 7º. Os índios e as comunidades indígenas ainda não integrados à comunhão nacional ficam
sujeitos ao regime tutelar estabelecido nesta Lei.
Fonte: BRASIL, Lei nº 6.001 de 19 de dezembro de 1973. Dispõe sobre o Estatuto do Índio.
a) Quais são suas impressões sobre o Estatuto do Índio? Será que ele era benéfico para as
populações indígenas? Justifique.
b) Dois dos princípios básicos do Estatuto do Índio são a integração e a tutela. O que eles
significam? Discuta com seus colegas e com seu professor sobre o significado desses dois
princípios.
Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e
tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à
União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo
em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do
processo.
b) Em sua opinião, qual lei atende melhor às demandas dos povos indígenas? Justifique.
c) Pense e responda: por que o termo silvícola, utilizado no Estatuto do Índio, não é mais
utilizado na Constituição de 1988 para se referir à população indígena?
Os objetivos das atividades são a comparação entre o Estatuto do Índio e os artigos 231 e
232 da Constituição Federal de 1988 e a identificação da participação indígena na
construção da nova Carta. Os alunos devem reconhecer e conceituar os princípios da
integração/assimilação e da tutela na lei de 1973 e o reconhecimento da alteridade e do
protagonismo indígena na Constituição de 1988.
A construção dessa nova lei teve a participação intensa dos povos indígenas, que
participaram das Comissões da Assembleia Constituinte, discutiram e apresentaram
propostas que defendiam seus interesses. No entanto, a aprovação de leis que
beneficiassem os povos indígenas não foi fácil, mas foi o resultado de muita luta e
insistência, como pode ser visto no vídeo do exercício 3. Sugerimos que o termo
aculturação, utilizado em muitas falas do vídeo, seja problematizado e contextualizado
pelo professor.
Referências
WITTMANN, Luisa Tombini (org.). Ensino (d)e História Indígena. Belo Horizonte: Autêntica,
2015.
Referências
BERGAMASCHI. Maria Aparecida (org.). Povos indígenas & Educação. Porto Alegre:
Mediação, 2008.
______. Didática da História: uma leitura teórica sobre a História na prática. Revista de
História Regional, vol. 15, n. 2, 2010, p. 264-278. Disponível em:
<http://www.revistas2.uepg.br/index.php/rhr/article/view/2380/1875>.
COELHO. Mauro César. A história, o índio e o livro didático: apontamentos para uma
reflexão sobre o saber histórico escolar. In: ROCHA, H. et. al. A história na escola:
autores, livros e leitura. Rio de Janeiro: FGV, p. 263-280, 2009.
ELIAS, N. O processo civilizador: uma história dos costumes. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed., vol. I, 1994.
FUNARI, Pedro Paulo e PIÑON, Ana. A temática indígena na escola: subsídios para
professores. São Paulo: Contexto, 2014.
GARCIA, Elisa Frühauf. Diversas formas de ser índio: políticas indígenas e políticas
indigenistas no extremo sul da América Portuguesa. 2007, 329 f. Tese de doutorado em
História – Departamento de História, Universidade Federal Fluminense, Niterói. 2007.
MATTOS, Ilmar Rohloff de. “Mas não somente assim!” Leitores, autores, aulas como
texto e ensino e aprendizagem de História. In: Revista Tempo, vol. 11, n. 21, 2007, p. 5-
16.
MONTEIRO, Ana Maria. Ensino de História: entre história e memória. Disponível em:
<http://www.ufrrj.br/graduacao/prodocencia/publicacoes/pesquisa-pratica-
educacional/artigos/artigo1.pdf>. Acesso em: 8 nov. 2015.
MONTEIRO. John Manuel. Negros da Terra: índios e bandeirantes nas origens de São
Paulo. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
NUNES. Eduardo Soares. Aldeias urbanas ou cidades indígenas? Reflexões sobre índios
e cidades. Espaço Ameríndio, Porto Alegre, vol. 4, n. 1, jan./jun. 2010, p. 9-30.
WITTMANN, Luisa Tombini (org.). Ensino (d)e História Indígena. Belo Horizonte:
Autêntica, 2015.
Exposição itinerante