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Copyright © 2023 Fabiolla Falconi Vieira, Leandro Balejos Pereira, Thais Elisa Silva da Silveira

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1a edição: 2023

Preparação de originais e revisão: Michele Mitie Sudoh


Capa: Estúdio 513

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Mario Henrique Simonsen/FGV

Vieira, Fabiolla Falconi


Prêmio ProfHistória 2014 [recurso eletrônico] / Fabiolla Falconi Vieira,
Leandro Balejos Pereira, Thais Elisa Silva da Silveira . - Rio de Janeiro :
FGV Editora, 2023.
1 recurso online (400 p.) : ePub.

Dados eletrônicos.
Inclui bibliografia.
ISBN: 978-65-5652-247-0

1. História – Estudo e ensino – Teses – Brasil. I. Pereira, Leandro


Balejos. II. Silveira, Thais Elisa Silva da. III. Fundação Getulio Vargas.
IV. Título.

CDD – 907

Elaborada por Márcia Nunes Bacha – CRB-7/4403


Sumário

Apresentação
Cristina Meneguello

O samba pede passagem: o uso de sambas-enredo no ensino de História


Fabiolla Falconi Vieira

Ensino de história e o ofício do historiador: a investigação do processo de patrimonialização do


espaço físico da Escola Estadual Professor Olintho de Oliveira (Porto Alegre/RS) com alunos e
alunas do 6º ano do ensino fundamental
Leandro Balejos Pereira

Identidades (in)visíveis: indígenas em contexto urbano e o ensino de história na região


metropolitana do Rio de Janeiro
Thais Elisa Silva da Silveira
Apresentação

Cristina Meneguello1

O Mestrado Profissional em Ensino de História – ProfHistoria – nasceu com uma série de


especificidades que o tornam único, tanto no cenário dos mestrados profissionais quanto no do ensino
de História. Deslocando a pesquisa sobre a Educação Básica de seu lugar costumeiro junto às
disciplinas de licenciatura ou apenas nas faculdades de Educação, a proposta localiza a reflexão sobre
o ensino de história junto aos Departamentos de História das IES, em nível de pós-graduação. Com a
atuação colaborativa entre docentes dos departamentos de história, de educação e docentes que atuam
em colégios de aplicação, o Mestrado volta-se a professores em atividade, para que possam refletir
sobre suas experiências reais em sala de aula. Ainda, seleciona seus alunos a partir de uma prova
nacional, cujos conteúdos abordam teoria e metodologia da história, mas também a dimensão prática
da relação ensino-aprendizagem. No ProfHistoria, o projeto de pesquisa, que faz parte dos pré-
requisitos para admissão na quase totalidade dos programas de pós-graduação, é desenvolvido pelos
mestrandos após o seu ingresso, em conjunto com os docentes, colegas e orientação. Isso dá aos
ingressantes a oportunidade de desenvolvimento de suas propostas que dificilmente teriam se
tivessem que, por conta própria, refletir e desenvolver um tema de pesquisa e escrever um projeto
dentro de suas rotinas de docência e afastados da universidade há algum tempo. Levantamentos
realizados pela Comissão Acadêmica Nacional (CAN) indicam que grande parte dos mestrandos
graduou-se há mais de 5 ou 10 anos, por vezes em instituições que não possuem tradição de pesquisa
e/ou pós-graduação.
Dada a relevância da proposta e seus bons resultados, o ProfHistoria foi se aperfeiçoando: a
grade curricular da turma 2014 foi redimensionada para a realidade de estudo e trabalho dos
mestrandos a partir da turma 2016. Novas disciplinas foram criadas, a partir da sugestão dos núcleos
e aprovação após análise e, por meio de credenciamentos anuais, novos docentes passaram a lecionar
no ProfHistoria. Desse modo, o Programa conheceu uma equilibrada ampliação. Concebido ao longo
do ano de 2013 e definitivamente implementado com o ingresso da primeira turma em 2014,
composta por 12 Instituições de Ensino Superior (IES), a rede ampliou-se nacionalmente no ano de
2016 para 27 instituições associadas e, em 2019, para 39 instituições, que reúnem mais de 500
docentes e milhares de estudantes.
A última especificidade do ProfHistoria que cumpre comentar, e que tem imediata relação
com este livro, é a dissertação que resulta da pesquisa dos professores mestrandos. Composta de uma

1
Professora do Departamento de História da Unicamp, membro da Comissão Acadêmica Nacional do ProfHistória (CAN)
(2018-2020) e coordenadora do Profhistória Unicamp (2016-2020).
parte de reflexão teórica, atualização bibliográfica e análise metodológica, a maior parte dos trabalhos
traz uma dimensão propositiva, aplicável nas salas de aula. Isso permite que as dissertações não
apenas desvelem o panorama do ensino de história em prática nas salas de aula, mas sirvam de
inspiração para as atividades de outros professores, em diferentes regiões do país. As dissertações
ficam disponíveis no Portal Educapes (educapes.capes.gov.br)2, no portal do ProfHistoria e nos
repositórios das IES participantes.
Desse modo, o Prêmio ProfHistoria de Dissertação, criado no ano de 2018, visa destacar,
conforme estabelece o edital, “a qualidade da reflexão teórico-metodológica e da pesquisa realizada,
a clareza e precisão da escrita, a originalidade do trabalho e sua relevância para o desenvolvimento
da área de ensino de história, do ponto de vista científico, cultural, social e de inovação”. Em 2018,
cada IES indicou uma dissertação, escolhida a partir da análise da Comissão Acadêmica Local, para
ser analisada por uma banca de especialistas. Para a turma de 2014, foram indicadas 11 dissertações,
analisadas por uma banca presidida por mim, como membro da CAN; por Luciana Quillet Heymann
(UNIRIO) e por Margarida Maria Dias de Oliveira (UFRN), às quais expresso os agradecimentos
pela generosidade e cuidado com que leram e analisaram as dissertações indicadas.
A Comissão observou a qualidade do debate teórico-metodológico, a originalidade dos temas
e a reflexão sobre a experiência em sala de aula e a possibilidade de os resultados finais serem
adaptados e utilizados por outros professores da Educação Básica, em suas próprias realidades, tendo
premiado os seguintes trabalhos: O samba pede passagem: o uso de sambas-enredo no ensino de
História, de Fabiolla Falconi Vieira (UFSC), orientada pelos profs. drs. Nestor Habkost e Mônica
Martins da Silva; Ensino de história e o ofício do historiador: a investigação do processo de
patrimonialização do espaço físico da Escola Estadual Professor Olintho de Oliveira (Porto
Alegre/RS) com alunos e alunas do 6º ano do ensino fundamental, de Leandro Balejos Pereira
(UFRGS), orientado pela profa. dra. Mara Cristina de Matos Rodrigues; e Identidades (in)visíveis:
indígenas em contexto urbano e o ensino de história na região metropolitana do Rio de Janeiro, de
Thais Elisa Silva da Silveira (UERJ) orientada pela profa. dra. Márcia de Almeida Gonçalves. Essas
três dissertações estão publicadas do presente volume. A Comissão concedeu, ainda, menções
honrosas aos trabalhos Usos e possibilidades do podcast no ensino de História, de Raone Ferreira de
Souza (UFRJ, orientado por Ana Maria Ferreira da Costa Monteiro); Vozes, corpos e saberes do
Maciço: memórias e histórias de vida das populações de origem africana em territórios do Maciço
do Morro da Cruz/Florianópolis, de Karla Andrezza Vieira Vargas (UDESC, orientada pela profa.
dra. Nucia Alexandra Silva de Oliveira) e à dissertação Maré de cidadania: uma experiência
pedagógica com alunos da escola pública no Museu da Maré, de Benilson Mario Iecker Sancho
(UFF, orientado por Everardo Paiva de Andrade).

2
O portal volta-se a possibilitar o acesso aos materiais educacionais produzidos nos cursos ofertados no âmbito do Sistema
Universidade Aberta do Brasil – UAB
O trabalho de Fabíola Fallconi Vieira, a partir de dois sambas-enredo da escola de samba Os
Protegidos da Princesa, sobre o Contestado, e da Escola de Samba Embaixada Copa Lord, sobre o
centro da cidade de Florianópolis, propõe uma sequência didática que problematiza as narrativas
históricas apresentadas. A partir da análise dos sambas, em múltiplas dimensões, apresenta todo o
material utilizado para a argumentação e um Diário de Experimentações, utilizado pelos alunos ao
longo do processo. O resultado final reflete o entrecruzamento entre narrativas oficiais e apropriações
da história, a partir de uma realidade conhecida pelos alunos e da confluência de fontes históricas em
diferentes suportes (escritas, orais e musicais).
A dissertação de Leandro Balejos Pereira situa-se no campo dos processos de
patrimonialização do espaço escolar, no encontro entre patrimônio cultural e patrimônio educativo.
Esse olhar, que se volta para dentro da própria escola como cultura material e lugar de memória,
permitiu aos alunos de 6º ano lidarem com diferentes documentos e fontes históricas ao lidarem com
o acervo documental e iconográfico da escola, culminando em uma exposição com base no próprio
acervo da instituição e na reflexão sobre os limites da produção de documentos e da memorialização.
Por fim, o trabalho de Thais Elisa Silva da Silveira propõe um material didático a ser
implementado em escolas da região metropolitana do Rio de Janeiro, em observância à Lei nº
11.645/08, que modificou a Lei nº 10.639 de 2003, incluindo a obrigatoriedade do ensino da história
e cultura indígenas no ensino básico no Brasil. Baseada na importante – embora invisibilizada –
população indígena do Rio de Janeiro, a dissertação propõe uma reflexão sobre os indígenas em
contexto urbano e sobre as potencialidades do ensino de história para propiciar uma educação e uma
vivência interculturais.
A leitura desses resultados da primeira turma do Mestrado Profissional em Ensino de História
é, certamente, uma inspiração para professores da educação básica e superior, pelo que trazem de
reflexão sobre o fazer em sala de aula. Do mesmo modo, atestam a originalidade e a qualidade do
ProfHistoria como projeto nacional, em suas possíveis contribuições para a valorização docente e
para um ensino de história inclusivo e de qualidade.
O samba pede passagem:
O uso dos sambas-enredo no ensino de história

Fabiolla Falconi Vieira


A minha família – mãe, pai, irmãs, cunhados, sobrinhas e sobrinho –, por toda
dedicação, carinho e paciência nessa caminhada. E aos meus alunos e alunas,
por toda troca de conhecimento ao longo desse processo.

“Mentes são dotadas de virtudes e poder


Basta abrir as portas, verá florescer
Um mundo, onde a magia forma os ideais
E o saber, não se difere por camadas sociais
É hora de reflexão
E consciência em cada coração”

G.R.C.E.S. Leandro de Itaquera, 1999


Lista de abreviaturas e siglas

Capes – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CD – Compact Disc

LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Liesf – Liga das Escolas de Samba de Florianópolis

PNE – Plano Nacional de Educação

ProfHistoria – Mestrado Profissional em Ensino de História

Udesc – Universidade do Estado de Santa Catarina

UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina


Sumário

Introdução

1. Analisando o objeto de estudo e sua relação com o ensino de História


1.1 Do Rio a Floripa: o surgimento das escolas de samba Os Protegidos da Princesa e
Embaixada Copa Lord
1.2 O uso dos sambas-enredos como fonte histórica

2. A metodologia de ensino com sambas-enredo em sala de aula


2.1 Os eixos e as atividades que compõem a proposta metodológica
2.2 Os documentos escolhidos como fonte para metodologia.

Considerações finais
Referências
Apêndices
Introdução

Durante os últimos cinco anos em que estou lecionando, em turmas de ensino


fundamental e médio, na rede pública de Ensino de Santa Catarina, percebi o quanto a
música faz parte da vida dos jovens estudantes e o quanto ela pode ser utilizada em sala
de aula para tratar de diversos temas. Por outro lado, minha proximidade com uma das
escolas de samba de Florianópolis e, por consequência, com sambas-enredo de diversos
locais do Brasil, me fez perceber como é recorrente o uso de temas históricos por escolas
de samba, o que me instigou a pensar se seria possível refletir acerca do uso desses sambas
para o ensino de história em sala de aula, como objeto de estudo no Mestrado Profissional
em Ensino de História – ProfHistória. A partir desse questionamento, busquei criar uma
metodologia de ensino que possa ser utilizada em sala de aula, nas mais diversas faixas
etárias que compreendem o ensino básico. Essa proposta não busca apresentar um modelo
fechado de metodologia, mas sim algumas questões relevantes para nortear o uso didático
de sambas-enredo no ensino de história e sugerir uma entre tantas outras metodologias
possíveis para o tema. Intencionalmente, destaco alguns pontos relevantes ao mesmo
tempo em que deixo a cargo dos professores ou professoras que se utilizarão deste
trabalho a decisão de utilizá-lo integralmente, questioná-lo, e até mesmo modificá-lo em
função dos interesses pedagógicos inerentes a cada turma em que será utilizado.

Meu interesse pelo samba-enredo e pelas escolas de samba vai além do mero papel
de espectadora e ouvinte de sambas. Frequento a Escola de Samba Os Protegidos da
Princesa desde 2009, um ano antes de meu ingresso na docência. Entrei na escola de
samba como ritmista da bateria e, desde então, passei a incorporar outros segmentos3 da
escola. Em 2014, me tornei diretora do departamento cultural, onde realizo uma pesquisa
sobre a história da escola que envolve registros orais, pesquisas em jornais e a
documentação já existente. Neste ano de 2015, fui eleita conselheira da escola para
integrar o grupo do conselho constituído por mais 59 pessoas. Tenho uma afinidade muito
grande com a escola e com o universo do carnaval, principalmente com os sambas-enredo.
Sou de fato uma apaixonada pelo carnaval e por seu universo musical, o que me levou a
prestar mais atenção nos sambas-enredo e em suas letras com temas históricos.

3
Os principais segmentos de uma escola de samba são: a velha-guarda, composta por participantes mais antigos
da escola; a bateria, composta por ritmistas; a diretoria, que administra a escola; e, por fim, a harmonia, que cuida
para que o desfile saia conforme o planejado nos ensaios e desfile.
Na história, “tudo começa com o gesto de separar, de reunir, de transformar em
‘documentos’ certos objetos distribuídos de outra maneira” (Certeau, 1982:72). Pensando
como Certeau, o primeiro trabalho do historiador é reunir suas fontes. Esse ato, por si só,
já constitui uma escolha, que não se dá aleatoriamente sem a interferência do próprio
historiador. Toda fonte selecionada vai corresponder ao interesse do historiador, no
momento em que a escolhe, além, é claro, de representar o interesse de quem a produziu
e de quem a guardou para a posteridade. Nesse sentido, as fontes selecionadas para este
trabalho também têm sua intencionalidade. Quando decidi trabalhar com sambas-enredo
já sabia que seria necessário fazer um recorte temporal e possivelmente um recorte
temático. A princípio, cogitei utilizar todas as escolas de samba de Florianópolis, que
somam um total de seis, e pretendia não me ater a nenhum samba-enredo específico. Logo
percebi que não seria possível realizar um trabalho dessa forma e tive que realizar um
recorte específico, para o necessário aprofundamento das questões levantadas, como toda
pesquisa histórica faz.

Para a proposta de pesquisa desenvolvida no ProfHistória, escolhi trabalhar com


sambas produzidos no ano de 2012, por duas das escolas mais antigas de Florianópolis,
Os Protegidos da Princesa e a Embaixada Copa Lord, por perceber uma proximidade na
maioria de seus sambas com temas históricos. Além disso, a escolha dos sambas deu-se
de maneira a contemplar um universo histórico mais próximo aos alunos de Florianópolis.
No primeiro caso, uma escolha de abrangência macro-histórica, tratando da história de
Santa Catarina, no caso da Guerra do Contestado, e no segundo caso, uma escolha de
abrangência micro-histórica que retrata a história de Florianópolis, no caso a rua Felipe
Schimdt e sua interação com a cidade. A escolha de sambas produzidos no ano de 2012
ocorreu pelo reconhecimento da relevância dos temas escolhidos pelas duas escolas. Em
2012 comemorou-se o centenário do conflito de Irani, importante batalha ocorrida na
Guerra do Contestado, por isso a escolha do tema pela escola de samba Os Protegidos da
Princesa. No samba apresentado pela escola, não somente o conflito de Irani é trabalhado,
mas todo o processo relativo à guerra em si, a subjetividade das relações religiosas
envolvidas no conflito e a referência a uma identidade do povo catarinense. Nesse mesmo
ano, a Escola Copa Lord decidiu trabalhar com o tema acerca de uma das mais famosas
ruas de Florianópolis, a Felipe Schmidt, retratando sua transformação urbana e os
acontecimentos considerados importantes para a cidade que estavam, de alguma forma,
atrelados à região onde a rua se situa. Além disso, o samba também reforça alguns
aspectos da identidade construída mais recentemente acerca de Florianópolis como
capital catarinense e “Ilha da Magia”.

Observam-se, nos sambas dessas agremiações, narrativas históricas construídas


pelas próprias escolas por meio de um enredo criado por pessoas designadas para esse
objetivo. Para a construção dos enredos, são realizadas pesquisas que constroem uma
narrativa possível de ser apresentada em um desfile através da plasticidade definida para
a representação do samba na avenida, que deve seguir o enredo apresentado pela escola.
Na construção desse enredo, podem participar pessoas ligadas à escola ou não. Por
exemplo, o enredo da escola Os Protegidos da Princesa foi feito pela pesquisadora
autônoma Marta Gonzaga, que após anos recolhendo recortes de jornais e informações
acerca da Guerra do Contestado, compartilhou com a escola sua pesquisa e escreveu o
enredo possível de ir para a avenida. No caso da Embaixada Copa Lord, o enredo foi
apresentado por um integrante da escola conhecido como Edu Aguiar, que já fez parte de
sua diretoria, é compositor de sambas e criou diversos enredos utilizados pela escola.

Partindo dessas narrativas históricas, presentes em diversos sambas-enredo, fiz


alguns usos desse gênero musical em sala de aula, ao longo do período em que tenho
lecionado. Normalmente, eu escolhia um samba que tratava de um tema histórico com o
qual eu já estivesse trabalhando em sala de aula. Levava para os alunos ouvirem, sem ter
a letra em mãos, e questionava-os acerca do que ouviam, do que o samba falava, se eles
conseguiam pensar em algo que estudamos. Em seguida, entregava a letra do samba, e
íamos explorando a narrativa proposta na música por meio de perguntas, tais como: Quais
palavras não conhecemos? O que o samba diz? É possível contar uma história por meio
de um samba, sobre o quê? Porém, desde que ingressei no ProfHistória, meus
questionamentos sobre a utilização dos sambas foram aumentando devido às discussões
acerca do ensino de história apresentadas no curso.

A proposta que apresento neste trabalho é o desenvolvimento de uma metodologia


de ensino de história com os sambas-enredo que poderá ser utilizada para diversas faixas
etárias da educação básica, levando em conta o que a legislação vigente, sobre essas
séries, como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB, as Diretrizes Curriculares
Nacionais – DCNs, e o Plano Nacional da Educação – PNE nos colocam. Essas leis
trazem como fundamento maior o direito à educação e servem como um parâmetro
nacional para a educação básica. As Diretrizes Curriculares Nacionais colocam-nos que
o ensino fundamental deve ser constituído “pelas experiências escolares que se
desdobram em torno do conhecimento, permeadas pelas relações sociais, buscando
articular vivências e saberes” (Brasil, 2013:132). Nesse sentido, a proposta metodológica
que apresento neste trabalho visa aproximar os alunos de experiências culturais existentes
em sua cidade ao mesmo tempo em que propõe que esse trabalho seja constituído por
meio da pesquisa com fontes históricas.

Minha proposta é avançar em relação a trabalhos já existentes com sambas-enredo.


Na maioria das vezes, os professores e pesquisadores se propõem a trabalhar somente a
letra do samba-enredo em sala de aula, para construção do conhecimento escolar.
Também busco construir o conhecimento histórico escolar a partir da análise dos sambas-
enredo. Porém, além de apresentar aos alunos letra e melodia – como alguns autores já
vêm fazendo –, mostrarei um conjunto de materiais didáticos composto por diversas
fontes, sugeridas ao professor, na metodologia de ensino com samba-enredo, deixando-o
livre para ir além do proposto e integrar novas atividades e fontes ao material sugerido.
Assim, indicarei ao professor, na metodologia proposta, o áudio do samba-enredo, a letra,
imagens das alegorias dos desfiles, trechos de entrevistas feitas com um dos compositores
de cada samba-enredo, recortes de jornais que tratam dos sambas, a sinopse do enredo
apresentada por cada escola. Essa metodologia prevê um percurso metodológico de
pesquisa em diversas fontes históricas, incluindo os sambas-enredo que serão utilizados.
Nesse percurso, o professor será o principal interlocutor, pois é ele que vai apresentar aos
alunos os materiais que serão utilizados, assim como guiá-los na construção de reflexões
acerca do material apresentado, cujo objetivo principal é estimular a construção de
conhecimentos históricos em sala de aula. Os alunos, por sua vez, serão agentes dessa
pesquisa ao poderem analisar diretamente as fontes; e, em diversos momentos, eles se
tornarão os interlocutores através das respostas que encontrarão no cruzamento das fontes
a cada questão apresentada. Cada uma dessas fontes tem relevância nesse trabalho por,
em conjunto, criarem a possibilidade de interpretação histórica acerca das escolas de
samba, do momento de criação dos sambas (ou seja, 2012), e dos temas apresentados
pelas escolas de samba.

Apesar do campo de ensino de História estar configurado desde os anos 1980,


contribuindo para o grande avanço dos debates na área de história, o que se presencia
ainda nos dias de hoje na sala de aula é, muitas vezes, mera reprodução do discurso
historiográfico ou do livro didático escolhido pela escola, sem enfatizar a construção do
próprio pensamento histórico e das fontes históricas utilizadas para contruir tais discursos.
Uma série de fatores contribui ainda para essa reprodução de “conteúdos”, que vai desde
a falta de qualificação profissional oferecida por estados e municípios carga horária de
trabalho excessiva (em torno de 28 a 40 aulas por semana) –, até a má remuneração e falta
de planejamento escolar. No entanto, este trabalho não visa discutir tais problemas
inerentes ao ensino básico no Brasil, mas tenta contribuir para que professores utilizem a
pesquisa e o uso das fontes históricas como um meio de ensinar história em sala de aula.
Por isso, torna-se tão relevante a utilização de fontes históricas no ensino de história, pois,
além de ir ao encontro das discussões nacionais acerca do ensino de história, que tomam
força desde a década de 1980, o uso de fontes históricas contribui para um ensino mais
dinâmico, descentralizando o ensino da figura do professor e tornando os alunos em
pesquisadores e sujeitos no processo de construção da história. Daí a relevância em
efetivar a investigação histórica como eixo norteador dessa metodologia de ensino, pois,
à medida em que os alunos investigam os acontecimentos históricos, utilizando fontes
históricas diversas, eles estão cada vez mais aptos a interpretar documentos (sejam eles
de que espécie for) e a desenvolver o senso crítico de análise, ao mesmo tempo em que
formam um sentimento de pertencimento à própria história. Além disso, o trabalho com
as fontes possibilita ensinar aos alunos, quando esses leem e interpretam as fontes por
meio de perguntas, levantamentos de hipóteses e construções de versões acerca das
narrativas históricas, também experimentando os procedimentos de trabalho do
historiador e as possíveis formas de construir narrativas históricas.

Dessa forma, essa metodologia de trabalho pode, ao utilizar e discutir as fontes


históricas, aproximar os alunos da história local por meio dos sambas-enredo por
trabalhar com temáticas que, apesar de serem locais, nem sempre estão próximas aos
alunos. Esses temas quase nunca aparecem nos livros didáticos usados pelas escolas, pois
os livros, em sua maioria, apresentam narrativas mais amplas, geralmente distantes dos
alunos por não serem relacionadas a acontecimentos locais. Além disso, este trabalho visa
também aproximar os alunos de experiências culturais singulares como existem nas
Escolas de Samba em Florianópolis.

Penso que por meio das narrativas carnavalescas, especialmente os sambas-enredos


que são o foco deste trabalho, o ensino de história pode ser construido por outras
perspectivas, não somente através do livro didático e da mediação do professor em relação
aos conteúdos já cristalizados, mas também por intermédio da pesquisa em fontes
históricas e da construção do conhecimento histórico escolar em conjunto com o professor
de história. Entendendo que a escola de samba e os seus discursos têm relações profundas
com a sociedade na qual ela se situa e com as narrativas de seu tempo, os sambas em
questão agenciam determinadas visões de mundo que devem ser lidas, compreendidas e
problematizadas.

O samba, por si só, já constitui uma linguagem utilizada em diversas pesquisas na


área da história e da linguística, por exemplo. As temáticas do samba e carnaval, de forma
mais abrangente, têm sido recorrentemente objeto de estudo no campo de História,
especialmente em trabalhos que se vinculam à História Cultural. Porém, o samba-enredo,
em específico, apesar de possuir diversos trabalhos na área da linguística, e na área de
história, ainda é pouco discutido no ensino de história. Nas pesquisas realizadas no banco
de teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Capes, e no
mecanismo de busca do Google Acadêmico, encontrei três trabalhos no campo do ensino
de história que abordavam o uso didático do samba-enredo em sala de aula. No primeiro
deles, uma dissertação de mestrado, a autora Cattani (2008) utiliza os sambas do ano
2000, do Rio de Janeiro, em sala de aula em uma pesquisa de comparação de letras de
samba-enredo – mostrando quais sambas possuem uma visão mais tradicional da história,
e quais inovam na abordagem de um mesmo tema. No segundo trabalho, um artigo
apresentado em simpósio temático, Silva e Burity (2014) trabalham com a comparação
de dois sambas-enredo do Rio de Janeiro acerca dos olhares sobre os sujeitos escravizados
no Brasil. No terceiro trabalho encontrado, o autor Lucindo (2015) relata o uso de sambas-
enredo para a construção do conhecimento histórico escolar acerca da cultura
afrobrasileira, propondo uma análise do samba-enredo em sala de aula que leve em conta
não somente a letra dos sambas, mas também autoria, música, contexto, ideologias etc.
Minha abordagem metodológica se distancia das duas primeiras apresentadas, levando
em conta que a escolha recai sobre sambas de Florianópolis, e suas narrativas acerca de
temáticas históricas. E se aproxima, ao menos em alguns quesitos, da última proposta na
medida em que vai analisar também, além da letra do samba, a autoria e o contexto de
produção do mesmo.

Para a construção da metodologia de ensino levo em consideração que sambas são


linguagens narrativas pautadas por um texto que é a sinopse do enredo, em que seu
processo de concepção “envolve um constante diálogo com o texto fonte” para satisfazer
com riqueza poética e melódica o tema do desfile (Barbosa, 2008:164). Também está
imbricada de toda uma performatividade e plasticidade que lhe são próprias, e que apesar
de não serem utilizadas neste trabalho como meio para a pesquisa em sala de aula, vale
ressaltar que são aspectos que podem ser utilizados em um projeto futuro por meio do
qual o professor de História pode criar um trabalho interdisciplinar em conjunto com as
disciplinas de artes e português, dentre outras possibilidades.

No campo do ensino de História, tomo como aporte conceitual as concepções


trabalhadas por Ana Maria Monteiro (2007), cujas pesquisas repensam os saberes que
envolvem a construção do conhecimento escolar. Assim, a autora defende que
“professores e alunos são sujeitos, portadores de visões de mundo e interesses
diferenciados, que estabelecem relações entre si com múltiplas possibilidades de
apropriação e interpretação”, e não são meramente reprodutores e assimiladores de
conhecimento científico produzido pela academia (Monteiro, 2007:82). É nesse sentido
que esta pesquisa trabalha, reconhecendo que o ensino é uma via de mão dupla e na sala
de aula não há uma simples reprodução dos conteúdos acadêmicos, mas um processo de
construção de um conhecimento singular constituído a partir das finalidades especificas
da sala de aula. Para tanto, toma como objeto de estudos e análises dois sambas-enredo
produzidos em Florianópolis, com o intuito não só de aproximar os alunos de uma
realidade mais próxima, como também de instigar a produção de conhecimento histórico
escolar por meio de fontes palpáveis aos alunos e do incentivo à pesquisa histórica como
princípio norteador do ensino. Assim, a proposta deste trabalho não é ser meramente uma
reprodução do conhecimento acadêmico, mas sim propor a construção de um
conhecimento histórico escolar através da análise de fontes históricas, utilizando recursos
didáticos como a interpretação, problematização e construção de reflexões a partir dos
materiais selecionados (textos, imagens, músicas etc.).

Cabe ressaltar aqui que este trabalho não tem a pretensão de ser uma pesquisa
aprofundada sobre sambas-enredo, visto que esse tema já é bem explorado por diversas
pesquisas acadêmicas. O intuito é se apropriar de pesquisas já existentes na área da
música, da história e do ensino, utilizando-as para a construção de uma metodologia de
ensino que contribua para problematização do uso dos sambas-enredo em sala de aula
como fontes de pesquisa. Também ressalto o caráter múltiplo dessa metodologia que
poderá ser aplicada com alunos de diferentes faixas etárias da educação básica, justamente
por se constituir em um exercício intelectual em que o professor responsável pela
disciplina poderá adaptá-lo de acordo com as características da turma e das necessidades
específicas do seu planejamento. Ou seja, o que apresento neste trabalho é uma proposta
metodológica para uso de sambas-enredo em sala de aula, mas que traz uma gama de
possibilidades de escolhas que o próprio professor, ao utilizá-la, fará de acordo com suas
preferências e necessidades.

Voltado ao ensino de História do ensino básico, este trabalho está de acordo com a
proposta do curso Mestrado Profissional em Ensino de História porque se propõe a
discutir as narrativas históricas formadas através da música, em um gênero específico que
é o samba-enredo, e seu diálogo com a sala de aula por meio de análises de fontes
históricas, atendendo à linha de pesquisa Linguagens e Narrativas Históricas: Produção e
Difusão, à qual este trabalho se vincula. Além disso, oferece uma metodologia de trabalho
com samba-enredo em sala de aula, como fonte e também como linguagem, dialogando
tanto com os professores de História que podem vir a utilizar esse material, quanto com
alunos da Educação Básica. Essa metodologia de trabalho com sambas-enredo pretende
explorar sua dimensão como linguagem singular, e também como fonte histórica para
construir, por meio de determinadas estratégias de pesquisa, o conhecimento histórico
acerca das escolas de samba, suas localidades e práticas referentes ao universo do
carnaval de Florianópolis. Essa metodologia é apresentada na forma de atividades
didáticas, presentes no Guia do Professor, que foi elaborado como produto final deste
trabalho.

Esse guia está divido em três eixos principais: I) Analisando fontes musicais:
apresentação dos sambas-enredo, no qual apresento duas propostas de atividades, para
serem desenvolvidas com os alunos, a partir da análise musical e melódica do samba; II)
Conhecendo o lugar social da construção dos sambas, em que apresento duas propostas
de atividades, para serem desenvolvidas com os alunos, a partir da análise do lugar social
onde o samba é construído; III) Os usos do passado: as versões históricas contadas através
dos sambas-enredo, no qual apresento três atividades. A primeira é específica sobre o
samba do Contestado e visa discutir qual versão histórica ele apresenta acerca da guerra;
a segunda é específica sobre o samba da Felipe Schmidt e visa discutir as representações
de sociabilidades vivenciadas na rua em questão e no seu entorno e sua relação com os
mecanismos de sociabilidade vivenciados pelos alunos atualmente; e a terceira atividade
cabe aos dois sambas e visa construir coletivamente um enredo e um samba-enredo com
algum tema histórico escolhido pelos próprios alunos ou sugerido pelo professor, num
esforço de, através de uma pesquisa histórica realizada pelos alunos, construir uma versão
histórica possível de ser apresentada em uma avenida. Compondo as fontes presentes no
trabalho, tem-se: no Eixo I, áudio dos dois sambas-enredo (Os Protegidos da Princesa e
da Embaixada Copa Lord, ambos de 2012); as letras dos dois sambas-enredo; ficha de
análise de fontes musicais. No Eixo II, breve história das duas Escolas de Samba (Os
Protegidos da Princesa e a Embaixada Copa Lord); recorte de jornal; duas imagens da rua
Felipe Schmidt, uma de 1920 e outra de 2008; ficha de análise de fontes escritas; ficha de
análise de fontes iconográficas; duas entrevistas orais, uma com o compositor Willian
Tadeu, da Escola Os Protegidos da Princesa, e outra com o compositor Edu Aguiar, da
Escola Embaixada Copa Lord; ficha de análise de fonte oral. No Eixo III, letra dos dois
sambas-enredo; logomarca dos dois enredos de 2012, sobre a Guerra do Contestado e
sobre a rua Felipe Schmidt; quatro imagens do desfile de cada uma das escolas,
contemplando a comissão de frente, o carro abre-alas (primeiro carro alegórico), o
segundo e o terceiro carros alegóricos; recorte da historiografia sobre a Guerra do
Contestado; recorte da historiografia sobre as práticas de sociabilidade realizadas na rua
e no entorno dela; ficha de análise de fontes iconográficas; ficha de análise de
historiografia.

Para concluir o conjunto de materiais descrito anteriormente, realizamos um longo


processo que vai desde a escolha dos sambas-enredo, passando pela escolha dos materiais
para compor as fontes históricas, até a confecção, escrita e visual, dos materiais finais que
compõem o Guia do Professor, as Fontes Históricas e o Diário de Experimentações. O
processo de escolha das fontes não é tarefa muito simples, levando em conta que devemos
fazer escolhas e optar por um material em detrimento do outro. A escolha das fontes que
seriam utilizadas foi feita conforme realizava-se a análise dos sambas-enredo e descobria-
se quais ligações eram possíveis de serem feitas com a história local, além de levar em
conta que fontes seriam possíveis para realizar uma pesquisa acerca dos sujeitos que
elaboraram os sambas, seus locais de fala, e as representações acerca do tema inseridas
no samba-enredo.

Dessa forma, após escolher quais fontes eram possíveis de ser levadas para a sala
de aula, foi necessário realizar uma extensa pesquisa para recortar, dentre tantas fontes
possíveis, quais iram compor esse material didático. Foram realizadas pesquisas nas
próprias Escolas de Samba, onde conversei com diversos componentes da Escola em
busca de informações sobre ela, além da entrevista oral realizada com um dos
compositores do samba-enredo de 2012, de cada uma das Escolas. Realizou-se, também,
uma extensa pesquisa nos meios eletrônicos e nas bibliotecas, da Universidade Federal
de Santa Catarina (UFSC) e da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) para
buscar pesquisas já realizadas acerca da história, do funcionamento e das relações sociais
presentes nessas instituições. Também foi feita uma pesquisa no jornal O Estado de Santa
Catarina, que está disponível na Biblioteca Pública do Estado de Santa Catarina, buscando
encontrar algumas resportagens acerca das transformações urbanas ocorridas durante o
século XX em Florianópolis. De igual importância, foi o levantamento sobre os trabalhos
acadêmicos que abordavam os temas pertinentes aos sambas-enredo, para ser feito um
recorte dessa historiografia e ser levado para a sala de aula. Além disso, foi necessário
fazer um levantamento fotográfico do desfile, o que acabou se tornando uma das tarefas
mais difíceis, por não ter encontrado as fontes esperadas. Outra tarefa que requer tempo
também, e que depende da disponibilidade de outras pessoas, é a entrevista oral, que optei
por realizar somente com dois compositores, justamente pela mão de obra despendida
para o feito.

Como mencionado, essas tarefas são bastante trabalhosas, requerem tempo e um


esforço intelecutal para pensar como serão utilizadas cada umas dessas fontes. Porém, faz
parte do trabalho do historiador e do professor de história que se disponibilizar a trabalhar
com fontes realizar esse levantamento para poder escolher as fontes que darão suporte
aos seus questionamentos. Por vezes enfrentei diversas dificuldades nesse processo,
como: os adiamentos das entrevistas orais, por parte dos compositores e por minha parte,
quando não se chegava a um acordo nos horários para o encontro da entrevista; os jornais
que encontrei interditados na Biblioteca Pública, e que me impossibilitaram rever fontes
que eu já havia selecionado previamente; a dificuldade de achar os materiais acerca dos
desfiles de 2012, sobre a Embaixada Copa Lord, quando não encontrava nenhuma
fotografia do desfile, nem nas redes sociais, nem nas reportagens midiáticas do período,
nem com os componentes da Escola; e sobre Os Protegidos da Princesa, não encontrava
informações sobre o enredo da Escola, sobre os nomes das alas e carros alegóricos, e
pouco sobre sua trajetória histórica. Tive que mobilizar muitas amizades que me passaram
contatos e mais contatos para que chegasse a alguém que poderia me disponibilizar os
materiais. Portanto, a construção desse material passou por um processo de pesquisa e
caminhos que nem sempre apresentavam uma saída, mas que apresentavam pistas para
seguir e, se possível – pois, várias vezes, dependi da disponibilidade e vontade das pessoas
em contribuir com a pesquisa –, conseguir as fontes. É importante ressaltar que todas as
fontes apresentadas são escolhas arbitrárias, feitas a partir da disponibilidade das fontes
e dos caminhos que a análise dos sambas-enredo me levaram a percorrer, assim como o
material construído apresenta uma, dentre inúmeras possibilidades, de construção do
conhecimento histórico através do uso de fontes históricas em sala de aula.

Dessa forma, este trabalho está dividido em dois capítulos. O primeiro deles
discutirá o samba-enredo e as escolas de samba como objetos de análise deste trabalho,
articulando as discussões acerca do gênero musical com o ensino de história e os usos das
fontes históricas como ferramenta de trabalho na educação básica. No segundo capítulo,
apresento uma discussão acerca da construção da metodologia para a qual se propõe este
trabalho, ou seja, a metodologia sobre ensino de história com sambas-enredo. Junto com
esse trabalho será entregue, em versão impressa, um guia para o professor, contendo a
metodologia de ensino a ser aplicada em sala de aula; o Diário de Experimentações,
destinado aos alunos, e as fontes escolhidas para trabalhar nas atividades, em versão
digital, no CD anexo ao Guia do Professor e no Google Drive.4 As fontes escolhidas para
desenvolver a metodologia serão disponibilizadas impressas (exceto o áudio dos sambas)
e em versão digital no Google Drive, distribuídas de acordo com os eixos temáticos a
serem trabalhados a partir do guia do professor.

1. Analisando o objeto de estudos e sua relação como o ensino de História

1.1 Do Rio a Floripa: o surgimento das escolas de samba Os Protegidos da Princesa e


Embaixada Copa Lord

Raymundo (2011), em seu trabalho sobre o samba-enredo no Brasil, ressalta uma


caracteristica marcante do carnaval como momento de inversão festiva da rotina. Essa
inversão, segundo ele, teria chegado ao Brasil com os portugueses em forma de entrudo
(brincadeira agressiva em que se jogava líquidos malcheirosos nas pessoas), juntando-se
às danças praticadas pelo povo afrobrasileiro no Brasil, como o Congo, que eram cortejos
encenados e compostos por um enredo. Em fins do século XIX e início do XX, o entrudo
seria trocado por um carnaval mais “civilizado”, fazendo jus às mudanças
modernizadoras que ocorriam no Rio de Janeiro nessa época. Surgiram assim, as grandes
sociedades carnavalescas formadas pela elite carioca e os espaços de intersecção entre a
sociedade marginalizada e essa elite: eram os ranchos, os blocos e os cordões. Ambos

4
https://drive.google.com/open?id=0BxP3QbLsQ3kwUzVxbU9KOFM5dTA.
tiveram importância na criação das escolas de samba do Rio de Janeiro nas primeiras
décadas do século XX. Entretanto, a maioria dos estudos aponta que a criação das escolas
de samba se deu não só pela “evolução” dessas formas de experiência do carnaval, mas
também em função do momento histórico pelo qual passava o Rio de Janeiro.

Assim, os ideais higienistas, progressistas e de civilização cunhados pela elite


brasileira bucavam estabelecer que tipo de civilização pretendia-se para o país: a
civilização capitalista industrial europeia. Essa civilização chocava-se com as
manifestações culturais das classes mais pobres, não só em relação a músicas e festas,
mas também em relação aos hábitos cotidianos, estilos de moradias, higiene, formas de
tratamento alternativo das doenças etc. Tudo passa a ser combatido pela elite brasileira
como forma de alcançar a civilização almejada. Porém, como nos coloca Fenerick (2002),
esse embate ocorria, mas não era estritamente fechado, especialmente no campo musical,
em que o autor vai destacar que a relação de membros das classes médias e elite brasileira
com membros das classes mais baixas não era algo inédito das primeiras décadas do
século XX, visto que já ocorria no campo musical desde o século XVIII. Um espaço
apresentado pelo autor como local de circulação dessas classes sociais e troca de saberes
musicais é o bairro da Lapa, no Rio de Janeiro, bairro boêmio que “concentrava vários
cabarés, salões, restaurantes, livrarias, cafés e botiquins” e abrigava literatos, músicos,
artistas e jornalistas num “panorama de realidades e espaços mesclados” (Fenerick,
2002:18-19).

Dos fluxos migratórios que surgiram no país após a abolição da escravidão e o


advento da república, os negros baianos que chegam ao Rio de Janeiro destacam-se no
desenvolvimento do samba como gênero musical, pois tornam-se referência nesse
processo. Dentro das casas de Mães de Santos, organizadas em torno do candomblé, que
eram referências para grupos negros que habitavam principalmente as periferias da
cidade, vão surgir as festas de samba, intimamente ligadas à religião de matriz africana,
ao ritmo e à cosmovisão das sociedades tradicionais africanas.

Outra questão importante ressaltada por Fenerick (2002) é o fato de que durante a
década de 1920, “o termo ‘samba’ ainda não definia um ritmo preciso e diferenciado dos
demais”, sendo que um dos significados atribuídos ao termo seria “música feita por
Pixinguinha e Donga”, compositores cariocas que devido ao significado atribuído ao
termo “samba” passaram a ser considerados “sambistas” (Fenerick, 2002:21). Após os
anos 1930 o termo passa a corresponder a um ritmo mais balançado, “conhecido como
‘samba do Estácio’” e vai se definindo como gênero musical tal como é atualmente
(Fenerick, 2002:21, 88). E é somente ao longo da década de 1930 e 1940, junto à
consolidação do Estado Varguista, que o samba vai se consolidando como música popular
brasileira, no sentido de ser escolhido e reconhecido como tradição brasileira dentro do
projeto de Vargas do que seria o nacional. Nesse contexto, o advento dos meios de
comunicação em massa, especialmente o rádio, “passam a assumir uma importância
relevante no sentido de divulgar a tradição nacional escolhida, datada e costurada”
(Fenerick, 2002:53). Além disso, os meios de comunicação de massa e a escolha do samba
como referência à cultura nacional vão abrir possibilidade de projeção internacional do
Brasil, “ao menos para alguns músicos desse momento” (Fenerick, 2002:65).

O samba, na figura de alguns compositores, durante a década de 1920, passava a


ocupar cada vez mais espaço no carnaval carioca. E, em fins da década de 1920, começa
a aparecer o que seria o princípio das Escolas de Samba cariocas, na figura da Deixa Falar,
fundada em agosto de 1928, que recebe o título de Escola de Samba “por ter sido fundada
pelos sambistas considerados professores do novo tipo de samba” (Cabral apud Fenerick,
2002:107). A partir dela, diversas outras Escolas vão surgir compondo o carnaval carioca
conhecido atualmente. Em Florianópolis, o processo de surgimento das escolas de samba
se deu algumas décadas após o seu aparecimento no Rio de Janeiro.

No início do século XX, em um contexto de reformas urbanas, a população que


vivia no centro da cidade de Florianópolis, nos locais destinados a trabalhadores,
marinheiros, mineradores etc. vai ser retirada do centro e empurrada para os morros da
capital que foram destinados como moradia desses grupos. Esse processo de urbanização
aumentou a segregação social. Assim, pobres, negros e populações subalternas passaram
a residir na região dos morros em volta do centro da cidade. Segundo Santos (2009:310),
em seu levantamento geográfico urbano, feito acerca de Florianópolis, “os pobres e tudo
que envolvia a pobreza na cidade, passou a ser considerado o problema, o atraso, a sujeira,
a doença para o ‘progresso, a modernidade e a ordem’”.

É durante as décadas de 1910 e 1920 que Florianópolis vai sofrer uma série de
reformas urbanas e sanitárias que introduziram novas formas de convívio urbano e
acentuou as diferenças sociais existentes na cidade. Segundo Costa, a teoria dos miasmas
– que considerava o ar e a água veiculos doentios – e a teoria pasteuriana dos germes –
criada na década de 1870, que desmistificava a teoria dos miasmas e definia que as
doenças eram transmitidas por germes infectados – “fundamentaram as campanhas de
eliminição, no Brasil, das favelas e cortiços” (Costa, 2011:187). Apesar de Florianópolis
não participar, ao mesmo tempo, dos processos ocorridos em outras capitais como Rio de
Janeiro e São Paulo, que ocorreram a partir das décadas de 1870 até início do século XX,
a cidade sofreu um processo parecido. As ideias de modernização urbanística e de
higienização da cidade chegaram a Florianópolis com a mesma força e trouxeram a ideia
de progresso e civilização que deveria ser implantada na cidade como parte de um
processo modernizador. Ainda citando Costa (2011:196), nos jornais da época “expõe-se
claramente a preocupação com a remodelação do espaço central da cidade de
Florianópolis, com o objetivo de afastar a ideia de uma cidade colonial e atrasada”. Assim,
toda a população trabalhadora e pobre que morava no centro da cidade vai ser deslocada
e empurrada para os morros do centro da cidade.

Segundo Tramonte (1996:86), será fundado em Florianópolis, por determinação do


Ministério da Marinha, o 5º Distrito Naval, o que fez com que aumentasse a circulação
de marinheiros do Rio de Janeiro e Norte do país na ilha de Santa Catarina. Nos arredores
da atual rua Major Costa era onde os marinheiros mais se aglomeravam e acabaram por
transformar esse local em reduto do samba. Como as viagens para o Rio eram dificeis,
pois eram feitas de navio e levava vários dias para ocorrer, os marinheiros aproveitaram
suas experiências com o carnaval do Rio e fomentaram a criação de escolas de samba
junto aos moradores dos morros no entorno do centro da capital.

É nesses locais, os morros no entorno do centro de Florianópolis, que vão surgir,


em momentos distintos, as primeiras escolas de samba de Florianópolis. A primeira delas
surge em 1948, nos arredores da atual rua Major Costa – mais tarde a escola é identificada
como pertencente ao morro do Mocotó –, por iniciativa de um grupo de amigos do qual
faziam parte o marinheiro Boaventura Libânio da Silva, Walmor Nascimento, Benjamin
João da Silva, Benjamin João Pereira, Irio Rosa, Valdir Taboa e Silvio Serafim (Ramos
apud Henrique; Carlson, 2015:14). Recebendo o nome de Os Protegidos da Princesa, em
homenagem à princesa Isabel, que assinou a abolição da escravidão, a escola é a mais
antiga de Florianópolis e a que guarda mais títulos no Brasil5. Segundo a revista Nós
somos a resistência do samba (2011), da própria escola, criada em 2011 para divulgar os
trabalhos realizados nela, mas que não apresentou outras edições, a mesma “buscou

5
A Escola de Samba Os Protegidos da Princesa apresenta, em sua história e na bandeira da agremiação, que traz
o número de estrelas referente ao número de títulos conquistados, a soma de 26 títulos desde sua criação em 18
de outubro de 1948; ficando na frente de Escolas como a Portela, do Rio de Janeiro, que possuí 21 títulos e a
Mangueira, também do Rio de Janeiro, que possuí 18 títulos.
representar na avenida fatos históricos, personagens e temas que refletiam épocas, não
apenas da cultura catarinense, como também da cultura brasileira”. Assim, já passaram
na avenida sambas que homenagearam Florianópolis, poetas catarinenses, esportistas
catarinenses, figuras consagradas como Zininho6, e até mesmo personagens políticos e
temas sobre imigração, guerras, cultura folclórica etc.

A Embaixada Copa Lord, formada em 1955 em outro morro conhecido da capital,


o morro da Caixa, também é fundada por um grupo de amigos do qual faziam parte
Abelardo Henrique Blumemberg, Jorge Fermiano Costa, Valdomiro José da Silva e
Juventino João Machado. Segundo Blumemberg (2005:15-16), foi em 22 de janeiro de
1955 quando ele, juntamente com um grupo de amigos, em um bar, após um jogo de
futebol, entoando sambas, decidiram criar a escola de samba Copa Lord; pois ele
“lamentava a pobreza do carnaval ilhéu, somente comemorado pelas sociedades
carnavalescas de carros de mutação, mas sem movimentos de alegres blocos ou escolas
de samba”. O primeiro nome sugerido, ainda segundo o autor e fundador da escola de
samba, foi Garotos do Ritmo, com o qual ele não concordou, por já ultrapassarem a faixa
etária de garotos. Lembrando-se de uma expressão que ouvira diversas vezes, que
significava “viver numa boa”, sugeriu-a como nome da escola. E assim tornou-se
Embaixada Copa Lord, que significa viver numa boa nessa embaixada.

Existem diversos trabalhos acerca das escolas de samba de Florianópolis. Além do


trabalho de Cristiana Tramonte (1996), citado anteriormente, há o livro escrito por
Blumemberg, fundador da Copa Lord, que conta a história da escola através de suas
lembranças pessoais. Acerca da escola de samba Os Protegidos da Princesa, não se
encontra nenhum livro contando a história da própria escola. No entanto, encontram-se
diversos trabalhos acadêmicos acerca das agremiações de Florianópolis, nem sempre na
área de história, mas que trazem um panorama geral sobre a constituição dessas escolas
de samba em nossa cidade, como o de Leite (2013) que discute a criação dos enredos e
sambas-enredo em Florianópolis, entre as décadas de 1970 e 1990; Bezerra (2010), que
trabalha com a criação dos sambas-enredo na escola de samba Os Protegidos da Princesa;
Bueno (2008), que apresenta um panorama das relações entre escolas de samba e poder
público durante a construção da passarela do samba em Florianópolis; e Pinheiro (2014)

6
O poeta Zininho nasceu em Biguaçu, em 1929, viveu sua vida nessa localidade da Grande Florianópolis e
destacou-se por produzir mais de cem músicas, variando desde marchinhas até samba-canção. Entre as músicas
de destaque, encontram-se “A Rosa e o Jasmin”, “Princesinha da Ilha” e “Rancho de Amor à Ilha”, escolhido,
em 1965, em um concurso, como hino oficial do município de Florianópolis.
que, trabalhando com a memória da velha guarda da Embaixada Copa Lord, apresenta
um trabalho sobre a constituição da memória dessa entidade acerca das mudanças
musicais, sociais e da relação com outras escolas de samba chamadas de coirmãs, para
citar alguns trabalhos. Além disso, há livros que tratam somente da cronologia do carnaval
de Florianópolis, como o de Átila Ramos (1997), que não apresenta uma análise histórica
ou nem mesmo uma narrativa histórica acerca do Carnaval.

1.2 O uso dos sambas-enredos como fontes históricas

Este trabalho está ancorado em duas perspectivas acerca da história. A primeira está
amparada em Paul Veyne (1998), que considera a história como uma narrativa de eventos.
Para tanto, ele conclui que o papel do historiador na construção da história é o de trabalhar
com indícios, não reproduzindo o que de fato aconteceu, mas representando o passado
por meio de documentos e vestígios deixados pelos homens do passado (e presente).
Nesse sentido, o uso do documento em sala de aula, com uma visão crítica, como propõem
Pereira e Seffner (2008), pode contribuir para que o aluno compreenda os sentidos da
história, percebendo-a como uma construção e não como detentora da verdade. Da mesma
forma, Schmidt e Cainelli (2009:117), que também propõem o uso de documentos em
sala de aula, podem contribuir para a criação de uma metodologia de ensino, já que
sugerem que o professor deve seguir alguns passos para que a investigação histórica de
documentos seja realizada. As autoras propõem, também, que o professor “amplie sua
própria concepção e o uso do próprio documento”, não se restringindo somente ao
documento escrito, mas abrindo a possibilidade de uso de outros documentos, como
sonoros, iconográficos, orais etc. Assim, os sambas e as fontes, com que trabalharei em
conjunto, são vestígios da história, possíveis de serem utilizados em sala de aula na
construção do conhecimento histórico escolar como nos propõe Ana Maria Monteiro
(2007). Esse conhecimento, segundo a autora, se dá de diversas formas (aproximação aos
alunos, compreensão por parte dos alunos, o trabalho com a memória etc.) e não está
desvinculado dos saberes acadêmicos, na medida em que esses saberes também são
referência para os saberes escolares. Porém, como afirma a autora, os saberes acadêmicos
não são as únicas referências, pois o conhecimento escolar estabelece diálogo com
diversos outros discursos e narrativas acerca do passado, que são veiculados nas escolas
e nas relações dos sujeitos envolvidos no processo fora do espaço escolar. Nesse sentido,
o uso dos sambas-enredo em sala de aula dialoga com a tese da autora, pois são aqueles
constituídos de uma narrativa histórica, que não a acadêmica, mas que pode ser utilizada
em sala de aula como fonte de pesquisa como meio de problematização de narrativas
sobre o passado.

Outra questão importante para este trabalho é a definição de documento que se


utilizará tanto na pesquisa para realização deste trabalho, quanto na metodologia a ser
empregada em sala de aula com os sambas-enredo. Para isso, tomo a definição de Jacques
Le Goff como um amparo:

O documento é monumento. Resulta do esforço das sociedades históricas para impor ao


futuro – voluntária ou involuntariamente – determinada imagem de si próprias. No limite,
não existe um documento-verdade. Todo documento é mentira. Cabe ao historiador não
fazer o papel de ingênuo. Os medievalistas, que tanto trabalharam para construir uma
crítica – sempre útil, decerto – do falso, devem superar essa problemática, porque
qualquer documento é, ao mesmo tempo, verdadeiro – incluindo talvez sobretudo os
falsos – e falso, porque um monumento é em primeiro lugar uma roupagem, uma
aparência enganadora, uma montagem. É preciso começar por desmontar, desestruturar
esta construção e analisar as condições de produção dos documentos-monumentos. [Le
Goff, 2003:537-538]

Assim como aponta Le Goff, todo documento é uma construção histórica, feita por
alguém, em algum momento, para ser deixado à posteridade. Portanto, pode-se concordar
com Hermeto (2012), quando ela fala que, para Le Goff, “potencialmente, o documento
seria toda e qualquer produção humana, já que todas informam sobre o modo de vida e a
inserção social de quem as produziu” (p. 25). A autora ainda ressalta que devemos nos
atentar para um elemento fundamental da definição de Le Goff: que para o narrador
transformar uma produção cultural em “documento-monumento”, não basta ser crítico e
problematizador, ele precisar ser histórico, ou seja, as perguntas lançadas para as fontes
devem sempre informar sobre os homens e suas relações com o tempo (HERMETO,
2012:26). Nesse sentido, a análise dos sambas-enredo partirá deste princípio: da relação
entre homens e tempo. O samba foi produzido por compositores, dentro de uma escola de
samba e para uma escola de samba, em determinado momento e contexto histórico. A
partir disso, lançar-se-á um olhar crítico para as fontes.

Todas as fontes históricas, utilizadas ou não pelos historiadores, são produtos do


seu tempo e carregam uma intencionalidade na forma como foram preservadas. As fontes
históricas privilegiadas, a partir de meados do século XIX, eram os documentos escritos
e oficiais e eram vistas como expressão de verdades. Esta concepção, ligada à escola
metódica, acreditava que era possível reconstruir os acontecimentos do passado, tal como
eles haviam ocorrido, a partir da comprovação dos documentos. A partir de 1930, com a
influência da escola dos Analles, a concepção de documento histórico vai ser modificada,
implicando no recohecimento da construção da fonte histórica pelo historiador por meio
de suas perguntas. Na segunda metade do século XX, a Nova História se configura a partir
da valorização de novas fontes, problemas e abordagens em suas pesquisas, concebendo
a literatura, as imagens, a cultura material, dentre outras fontes, como meios legítimos
para se refletir sobre o passado de forma mais ampla e plural.

Como parte desse contexto, no Brasil, a partir da década de 1980, emerge uma nova
concepção de ensino de história, tornando-se possível perceber “uma ampliação dos
objetos de estudo, dos temas, dos problemas e das fontes históricas utilizadas em sala de
aula” (GUIMARÃES, 2003:36). Diversos autores discutem a utilização de documentos e
da pesquisa histórica no ensino de história.

Circe Bittencourt (2008) e Guimarães (2003) discutem os usos e potencialidades


das fontes históricas em sala de aula e da produção do conhecimento histórico escolar
através da pesquisa. Assim, Guimarães (2003:122) nos traz proposições acerca de como
realizar a pesquisa histórica em sala de aula para que o conhecimento histórico seja
produzido também pelo aluno. Segundo a autora, “o aluno assume um outro papel no
processo de ensino aprendizagem: deixa de ser submisso, passando a exercer um papel
ativo”, construindo através da pesquisa histórica o conhecimento histórico escolar em
conjunto com o professor. Nesse sentido, tanto Circe Bittencourt como Guimarães
sugerem o uso de novas fontes no ensino de história, dentre as quais pode-se considerar
a música que emerge como fonte e linguagem com grande potencial para a história na
sala de aula.

Marcos Napolitano (2005), apesar de não discutir a relação entre música e ensino
de história, traz uma relação importante sobre a pesquisa histórica e a música. Nos seus
estudos, o samba-enredo pode ser enquadrado numa categoria mais ampla denominada
de “música popular”. Essa denominação, ao contrário do que se pensa, não é antônima da
“música erudita”, mas sim um híbrido de diferentes elementos culturais de diversas
classes sociais, etnias e regiões diferentes. Assim, o autor ressalta que a música popular
também ajuda a pensar a sociedade e a história. E, nesse sentido, ele delimita aquilo que
chamamos de música popular hoje, na qual se pode incluir o samba-enredo. Assim, diz
ele:

Aquilo que hoje chamamos de música popular, em seu sentido amplo, e particularmente,
o que chamamos de “canção” é um produto do século XX. Ao menos sua forma
“fonográfica” […] adaptada a um mercado urbano e intimamente ligada à busca de
excitação corporal (música para dançar) e emocional (música para chorar, de dor ou
alegria…). A música popular reuniu uma série de elementos musicais, poéticos e
performáticos da música erudita […], da música “folclórica” […]. Sua gênese, no final
do século XIX e início do século XX, está intimamente ligada à urbanização e ao
surgimento das classes populares e médias urbanas. Esta nova estrutura socioeconômica,
produto do capitalismo monopolista, fez com que o interesse por um tipo de música,
intimamente ligada à vida cultural e ao lazer urbanos, aumentasse. [Napolitano, 2012:11-
12]

Pode-se observar na colocação do autor, que a música popular está intimamente


ligada ao processo histórico de urbanização e desenvolvimento tecnológico industrial no
Brasil. Assim, o samba-enredo, dentro dessa categoria de música popular, pode ser
pensado a partir de sua adaptação à busca pela excitação corporal e emocional, tão bem
colocadas pelo autor. Porque, desde sua criação, em meados da década de 1920/1930, ele
sofre adaptações para dar conta do enredo proposto pela escola de samba, mas, acima de
tudo, ele visa conquistar o público que assiste ao desfile e os jurados que o julgam.

Também o autor vai ressaltar três momentos cruciais na formação da música


popular brasileira: 1920/1930 com a consolidação do samba; 1959/68 com a mudança do
lugar social do conceito de música popular brasileira dentro da perspectiva de
engajamento de uma cultura política; final dos anos de 1940 e meados dos anos de 1950
com a invenção do conceito de “velha-guarda” e “era do ouro”. Entre esses momentos, o
que mais interessa a este trabalho é a consolidação do samba como gênero nacional. Dessa
forma, “as mudanças ocorridas no samba, entre 1917 e 1930, não dizem respeito apenas
a aspectos musicais strictu sensu. Foram mudanças coreográficas, sociais, político-
culturais. As clivagens são amplas e abrangentes e acompanham as mudanças na própria
história sociocultural brasileira […]” (Napolitano, 2005:51).

Hermeto (2012) vai dar um salto no que diz respeito a utilização da música como
fonte histórica em sala de aula. Trabalhando com canção popular, a autora, propõe uma
intervenção que não se limita à utilização da letra da música. Ela trabalha com um modelo
de sequência de ensino que prevê uma problematização inicial, um desenvolvimento da
narrativa do ensino, a aplicação de novos conhecimentos e reflexão sobre o que foi
apreendido. Assim, para cada etapa, utiliza-se da música para a análise e a mediação do
professor na construção do conhecimento. As fontes devem ser interrogadas “tanto no
que se refere aos seus aspectos históricos mais gerais, quanto no que tange ao problema
que está sendo investigado” (Hermeto, 2012:29-30). Para análise de cada documento
utilizado, tanto a música como os documentos auxiliares para a sua interpretação,
Hermeto destaca cinco dimensões do documento: material, descritiva, explicativa,
dialógica e sensível, que serão utilizadas neste trabalho para o desenvolvimento da
metodologia apresentada no segundo capítulo.

Ainda no campo histórico, os sambas-enredo como fontes de pesquisa no ensino de


história são pouco trabalhados. Alguns trabalhos na área de ensino de história podem ser
encontrados como, por exemplo, o da autora Cattani (2008), sobre sambas do Rio de
Janeiro do ano 2000, em uma perspectiva de comparação entre sambas que tratam da
historiografia mais tradicional e sambas que tratam da historiografia mais crítica. Assim,
a autora demonstra em seu trabalho como foi a experiência de utilizar esse método
comparativo de sambas-enredo. Com uma proposta semelhante, Silva e Burity (2014)
trabalham com a comparação de dois sambas-enredo do Rio de Janeiro acerca dos olhares
sobre os sujeitos escravizados no Brasil. Os autores buscam mudar a visão dos alunos
sobre as desigualdades e preconceitos com a propulação afrodescente no Brasil, através
da comparação de dois sambas-enredos do Rio de Janeiro, e a mediação do professor de
história. Analisaram-se os sambas junto aos alunos, mostrando a eles as distintas visões
acerca da participação dos afrodescendentes em dois acontecimentos históricos retratados
pelos sambas: a proclamação da República e a abolição da escravidão. Além disso, a
análise feita em sala de aula buscou mostrar aos alunos como a indústria cultural se
apropria de determinados discursos, invisibilizando os negros no papel da construção
histórica do Brasil como nação.

Outro trabalho interessante é de Lucindo (2015), sobre o uso de sambas-enredo para


a construção do conhecimento histórico escolar acerca da cultura afrobrasileira. O autor
propõe uma análise do samba-enredo em sala de aula que leve em conta não somente a
letra dos sambas, mas também autoria, música, contexto, ideologias etc. Ele sugere que
os alunos criem hipóteses acerca da personagem trabalhada no samba, após ouvir o
samba-enredo, levando em conta melodia e letra. Também sugere que as letras acerca de
temas específicos podem ajudar a compreender a contrução da identidade da escola ou
bairro onde o aluno foi criado. Para ambas as sugestões, o papel do professor seria o de
mediador e informador de alguns acontecimentos do passado, cruzando as letras e
melodias dos sambas, estabelecendo, assim, caminhos para a construção do conhecimento
histórico. Meu trabalho se assemelha ao do autor, na medida em que também procura
trabalhar, além da letra do samba-enredo, o contexto, a autoria, as ideologias presentes
nas letras, dentre outros aspectos que explicitarei posteriormente. No entanto, o autor não
deixa claro se utiliza de outras fontes históricas ou não. Nesse sentido, me distancio de
sua proposta, visto que apresentarei uma série de fontes históricas, selecionadas
previamente e que, juntamente com a letra e melodia, auxiliarão na construção do
conhecimento histórico escolar. Assim, não tabalharei somente com a apresentação do
samba e sua melodia e a mediação do professor, mas sim com a apresentação de diversas
fontes que, sendo cruzadas, possibilitam a construção do conhecimento histórico escolar.

Como não é possível levar a uma sala de aula a experiência do carnaval por
completo, pois é necessário que se viva a festa para experenciá-la, usarei um fragmento
dessa experiência, que é o samba-enredo, para aproximar os alunos do mundo
carnavalesco, despertando o interesse pela pesquisa histórica por meio da análise do
samba como fonte histórica e o cruzamento com outras fontes (fotografia, jornais e fontes
orais) que falam do carnaval, da escola de samba e do tema abordado pelo samba.

Existem várias denominações do que seria o samba-enredo. Cada área, como a


música, a linguística etc., possui uma definição específica. Na enciclopédia musical, a
definição mais comum é esta que segue:

Samba-enredo: s.m. Modalidade de samba criado por compositores componentes de


escolas de samba do Rio de Janeiro, a partir de inícios da década de 1930, cuja letra deve
compreender o resumo poético do tema histórico, folclórico, literário, biográfico ou
mesmo de criação livre, que for escolhido para enredo ou assunto da apresentação da
escola de samba em seu desfile-espetáculo diante do público […]. [Enciclopédia da
Música Brasileira, 2000:215]

Assim, o samba-enredo é aquele criado pelos compositores de Escolas de Samba, a


partir da década de 1930, no Rio de Janeiro. Porém, Bezerra (2010) acredita que essa
definição é um pouco simplória em relação ao universo no qual o samba-enredo está
inserido. O autor nos fala da complexidade que é a criação do samba-enredo, a partir da
perspectiva musical, a qual abrange todo o universo carnavalesco, ou seja, o samba é
gerado “a partir de um processo composicional que cumpre sua função maior ao compor
um universo multiartístico denominado por Desfile das Escolas de Samba no Brasil”
(Bezerra, 2010:15). Nesse universo multiartístico de que fala o autor, o samba-enredo é
marcado pela obrigatoriedade de apresentar um conteúdo verbal acerca da temática
escolhida por cada agremiação.

O samba-enredo é uma composição, coletiva ou não, que envolve várias etapas


atreladas à construção do desfile como um todo. Primeiramente, a escola de samba
escolhe um tema específico para apresentar como desfile na avenida. Em seguida, ao
menos como ocorre em Florianópolis, a sinopse do enredo é divulgada e os compositores
que desejam fazer parte do concurso de samba-enredo podem iniciar a produção do seu
samba. A partir da sinopse do enredo, os sambas são construídos pelos compositores, que
geralmente participam do concurso de sambas-enredo promovido pela Escola. Quando
um samba é escolhido pela agremiação, ele pode ou não sofrer algumas alterações de
acordo com o desejo da escola. Após essa etapa, o samba está concluído e é realizada a
sua gravação oficial. Até 2014, os sambas escolhidos pelas agremiações eram gravados
pela própria escola de samba, em estúdios próprios ou alugados. A partir de 2014, a Liga
das Escolas de Samba de Florianópolis (LIESF) começou a realizar a gravação de todas
as escolas, reunidas em um único CD.

Neste trabalho, o samba-enredo será considerado, através desse processo de


construção, como um material de linguagem específica, que abarca todo esse universo
carnavalesco. Para isso, dialogo com alguns trabalhos realizados na área da musicologia,
como o de Bezerra (2010), já apresentado anteriormente. Na área da linguística, dialogo
com Barbosa (2009), que nos dirá quais elementos da intertextualidade permeiam a
produção dos sambas-enredo. A autora define, citando Barros e Fiorin (apud BARBOSA,
2009:165), que a intertextualidade é “um processo de incorporação de um texto em outro,
seja para produzir o sentido incorporado, seja para transformá-lo”, como ocorre nos
sambas-enredo.

1.1.1 O samba de Os Protegidos da Princesa: Contestado, 100 anos da insurreição xucra

Ê caboclo ê

Faz da sua vida uma oração ao criador

A luz sagrada é a espada


Como o santo monge ensinou

Caboclo rezava com fé

Mostrando que divina é à força de cada fiel

Fazer da terra seu pedaço lá do céu

Mas um dia chegou a dor

Pelos trilhos da ambição

A fumaça nos ares corta campos e lares

Parecia o mal na forma de um dragão

Era o sangue na mata, a revolta crescia

Contestado em guerra, uma voz resistia

A bela "rosa" guia cada sonhador

Visões de amor

Salve a “resistência”!

Por liberdade em seu chão

A força da tirania

Não mata a raiz da libertação

Ah, se esta terra fosse minha…

Reinaria o amor

E hoje o oeste do estado

É poema encantado, a chama ficou

Valeu a esperança, os sonhos não foram em vão!

Se alguém duvidar, em cada disputa

Verá que um filho teu não foge à luta!


Canta, princesa guerreira!

Valente, altaneira e sempre a lutar

Canta, princesa guerreira!

Levanta a bandeira pro povo sambar.7

Esse samba foi produzido para o carnaval de 2012, em parceria formada pelos
compositores Willian Tadeu,8 Fred Inspiração,9 Conrado Laurindo,10 Ricardo Abrahan.11
Por meio dele, a escola homenageou os cem anos da Guerra do Contestado, escolhendo
dar voz e vida às pessoas que vivenciaram a guerra. Assim, o compositor Willian Tadeu
nos relata em entrevista como se deu a escolha do tema:

[…] a escolha do tema é uma coisa muito difícil. Essa pergunta, todo mundo e a imprensa
costumam fazer muito essa pergunta. […] as pessoas levam pro presidente [os temas], pra
algum diretor, pra alguém que faça parte do comando da Escola, pra que façam as suas
propostas chegarem [à Escola]. E aí vai dele [o presidente] definir e como ela vai decidir.
[…] Esse enredo de 2012 era de autoria da Marta Gonzaga. […] há muitos anos ela já era
apaixonada pela história do Contestado. E era uma pesquisa não acadêmica, autodidata,
digamos assim. [Ela] Gostava de ler, de ir nos lugares para conhecer. E por ser 100 anos
da Guerra do Contestado, ela resolveu apresentar essa proposta na Protegidos, e até onde

7
Letra do samba-enredo da Escola de Samba Os Protegidos da Princesa, retirado do site
https://letras.mus.br/protegidos-da-princesa/contestado-100-anos-da-insurreicao-xucra/. Os grifos foram feitos
por nós, marcando os dois principais refrãos do samba.
8
Willian Tadeu Melcher Jankovisk Leite é compositor de sambas-enredo, atuando na Escola de Samba Os
Protegidos da Princesa, desde 2008, e desenvolvendo enredos e criações para o carnaval, desde 2015, sempre na
mesma escola. Já compôs e venceu sambas em diversos carnavais do Brasil, como Porto Alegre, Manaus, Vitória
e São Paulo. É mestrando em História na Universidade Estadual de Santa Catarina – UDESC, atuando nas
pesquisas sobre narrativas das Escolas de Samba de Florianópolis.
9
Frederico Freire de Lima Neibert Ferreira é compositor de sambas-enredo, atuando na Escola de Samba Os
Protegidos da Princesa, desde 2008. Possui sambas-enredo em outras Escolas do Brasil, nas cidades de Porto
Alegre, São Francisco do Sul, Biguaçu, Passo Fundo, entre outras. É Mestre em Música (Etnomusicologia), pela
Universidade Estadual de Santa Catarina – UDESC, e atua como professor de diversas disciplinas da área na
Casa da Cultura de Joinville e na Escola do Teatro Bolshoi no Brasil, onde acumula a função de pianista e
professor.
10
Conrado Laurindo é compositor de sambas-enredo, atuando na Escola de Samba Os Protegidos da Princesa,
desde 2008, e na Escola de Samba Acadêmicos do Sul da Ilha, na qual é fundador e conselheiro. Iniciou
compondo sambas para a Escola de Samba Consulado do Samba, e desde então já possui sambas-enredo em
diversos locais do país: no total são 58 sambas espalhados pelo Brasil. É formado em Administração pela
Faculdade Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina - CESUSC, e possui especialização em Planejamento
e Gerenciamento Estratégico pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
11
Ricardo Ávila Abraham é compositor de sambas-enredo, vinculado à Escola de Samba Os Protegidos da
Princesa, desde 2008. Além disso, é membro do Conselho Deliberativo da Escola e integrante da bateria da
Escola. Já compôs para outras Escolas do grupo de acesso de Florianópolis e para agremiações de Porto Alegre
e Passo Fundo, no Rio Grande do Sul. Também atuou como jurado do carnaval de Concórdia de Santa Catarina,
no ano de 2015. É formado em Direito, pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, atuando na área
de advocacia.
eu sei, aconteceu aquilo que eu te falei, que na ocasião encantou o presidente. […] ela
mandou essa proposta e as pessoas se encantaram pela ideia, com uma certa facilidade
até. Um tema que cativou as pessoas. [Tadeu, 2015]

Segundo a sinopse do enredo, construída por Martha Gonzaga (2011), a escola iria
recriar na avenida “o universo da época de um episódio bélico de sangrentos combates
entre a população cabocla, os poderes estadual e federal dos estados do Paraná e Santa
Catarina, no começo do século XX” (Nós somos a resistência do samba, 2011:12). Porém,
ao nos relatar sobre o processo de composição do samba a partir do enredo, Willian Tadeu
chama a nossa atenção para o fato de que mesmo seguindo a sinopse do enredo, “você
[quem compõe o samba] tem que achar um caminho que sensibilize pessoas” (Tadeu,
2015). Dessa forma, a linguagem que o samba-enredo apresenta, além de ter como
objetivo retratar a história contada pela sinopse do enredo em avenida, busca apresentar
uma “narrativa palatável pro público” e despertar nas pessoas uma empatia pelo enredo
apresentado (Tadeu, 2015). Por essa razão, a escolha por uma narrativa mais sensível em
relação a Guerra do Contestado; pois, se a narrativa não despertar “a sensibilidade das
pessoas pra Guerra do Contestado” e se for “muito dura, muito factual” e “enumerar
personagens”, não se tornará agradável ao público (Tadeu, 2015).

Ainda em relação à forma como a Escola decide retratar a Guerra do Contestado, o


compositor nos coloca:

Eu lembro que quando a gente tava compondo, tinha uma coisa que sempre me vinha à
cabeça: a gente não tá contando a história da Guerra do Contestado, a gente tá contando
a história das pessoas que viveram a Guerra do Contestado. […] [O samba] não trata a
guerra de uma maneira fria, ele lembra que tinha pessoas vivendo aquela guerra. Como
diz meu professor Paulino, que eu tive na UDESC, […] “é que nós temos que lembrar
que estamos contando as histórias dos mortos e nós temos que respeitar os mortos”. Então
aquele samba foi muito isso. Respeitar a dor que aquelas pessoas viveram e tentar traduzir
de alguma maneira no samba. [Tadeu, 2015]

Através da fala do compositor, fica visível a escolha tomada pela Escola para
retratar a Guerra do Contestado. Busca-se dar ênfase às pessoas que participaram do
conflito, nesse caso os caboclos, como mostra a própria letra do samba. É uma escolha
deliberada, enfatiza a vida desse caboclo, sua religiosidade e sua relação com a terra, em
detrimento de outros aspectos da guerra, para tornar a narrativa mais sensível e plausível
ao público, na visão do compositor. Além disso, ao escolherem retratar o cotidiano das
pessoas que vivenciaram a guerra, é como se através dos relatos e reportagens, presentes
na pesquisa da autora do enredo, fosse possível transportar o sentimento dessas pessoas
para a avenida.

O episódio da Guerra do Contestado é relativamente conhecido pela sociedade


brasileira e ensinado na maioria das escolas do Brasil, visto que é um conteúdo presente
nos livros didáticos como uma das revoltas mais populares que sucederam no início da
República, juntamente com o conflito de Canudos, ocorrido algumas décadas antes. A
Guerra do Contestado aconteceu entre os anos de 1912 e 1916, envolvendo os moradores
da região oeste de Santa Catarina, especialmente Taquaruçu, Irani, Caraguatá, que faziam
divisa com o Paraná, e os poderes estaduais e federais.

É possível perceber, na letra do samba, a aproximação da vida dos caboclos, a


presença da crença no divino e no místico, trabalhando em torno da presença da
religiosidade em todo o conflito. O samba também vai retratar a ideia da luta pela terra,
associando-a à liberdade, e o conflito gerado pela presença das empresas de construção
da ferrovia. De fato, a Escola de Samba vai se apropriar de alguns marcos históricos em
relação a Guerra do Contestado, abordando-os em seu samba-enredo. Porém, não se pode
esquecer que a própria Escola, como mencionado anteriormente através da fala do
compositor Willian Tadeu, busca apresentar uma narrativa palpável ao público e
sensibilizá-lo através da narrativa apresentada, não se prendendo à narrativa histórica
acadêmica ou oficial em relação à guerra. Para isso, a Escola vai se utilizar de recursos
narrativos como a poesia, o uso de versos e metáforas.

Assim, na primeira estrofe do samba, a figura do caboclo vai aparecer como


principal personagem da narrativa criada pela Escola, sendo evocado já no começo do
samba (Ê caboclo ê/ Faz da sua vida uma oração ao criador). Também será associada a
vida dos caboclos aos ensinamentos sagrados deixados pelos monges presentes em
diversos momentos do conflito (A luz sagrada é a espada/ Como o santo monge ensinou),
e a luta em relação à terra (Caboclo rezava com fé/ Mostrando que divina é a força de
cada fiel/ Fazer da terra seu pedaço lá do céu), e ao conflito criado com o aparecimento
da estrada de ferro associada à figura de um dragão (Mas um dia chegou a dor/ Pelos
trilhos da ambição/ A fumaça nos ares corta campos e lares/ Parecia o mal na forma de
um dragão).
Paulo Pinheiro Machado (2001), ao descrever, em seus estudos, a Guerra do
Contestado, confirma que o movimento “iniciou-se como um fenômeno religioso de
exaltação milenar com fortes características messiânicas, mantendo basicamente essas
características místicas, com maior ou menor intensidade, até sua liquidação final”.
Porém, o autor nos chama a atenção para não tornarmos a guerra “tão uniforme e
homogênea”, caindo em classificações tipológicas desenvolvidas pela sociologia das
religiões, que reduz o movimento a questões messiânicas e místicas. Segundo o autor,
“paralelamente ao discurso religioso”, os

sertanejos acabaram demonstrando, tanto por discursos como por atos, que
desenvolveram uma nítida consciência das condições sociais e políticas de sua
marginalização, de que se tratava de uma guerra entre ricos e pobres, que lutavam contra
o governo que defendia os interesses dos endinheirados, dos “Coronéis” e dos
estrangeiros. [Machado, 2001:6]

Dessa forma, é possível perceber que o samba-enredo apresentado faz uma escolha
ao retratar a parte do movimento relacionada à crença religiosa. Apesar de retratar
também o conflito em relação à terra e a presença da empresa Brasil Railway, construtora
da estrada de ferro na região, não apresenta elementos que corroborem a questão
apresentada acima e não enfatizando a questão social de luta de classes. Ao que parece, a
luta de classes não é um elemento que mobiliza a sensibilidade do público, nem dá conta
de retratar a história das pessoas que vivenciaram a guerra, talvez porque se a narrativa
fosse construída em função da luta de classes – apresentada no trecho anterior –, não seria
possível uma abordagem tal como foi feita no samba. Isso deixaria de lado o elemento
mítico que a religiosidade dos sertanejos apresenta e tiraria o caráter quase divino
atribuído à presença dos monges, das virgens, das crenças e do resultado da guerra
proposto no samba, que apresenta o oeste do estado como um resquício dessa esperança
de alcançar o paraíso, ainda que através da guerra.

O primeiro refrão, apresentado no samba, tenta recriar a tensão presente nos


conflitos da guerra (Era o sangue na mata/ A revolta crescia/ Contestado em guerra/ Uma
voz resistia), ao mesmo tempo em que evoca novamente a presença do mítico e da
religiosidade, na figura das “virgens santas”, aparecendo como uma espécie de salvação
aos caboclos (A bela “rosa” guia a cada sonhador/ Visões de amor).

Em certa medida, o primeiro refrão dialoga com o Combate de Caraguatá,


considerado um dos mais ferozes da guerra, vencido pelos “pelados” (caboclos) e
“considerado pela memória local o principal feito de Maria Rosa” (a virgem que conduzia
os “Pares de França”, grupo de destaque entre os sertanejos que defendiam os redutos)
(Machado, 2001:226). Assim, Machado (2001) descreve o conflito dizendo que no
combate de Caraguatá:

As forças militares do exército e do Regimento de Segurança de Santa Catarina,


reforçados por vaqueanos civis, sob o comando do Ten. Cel. Gameiro, tentaram investir
contra Caraguatá em 9 de março de 1914. A própria aproximação da força oficial foi
cercada por um conjunto de dificuldades. Alguns dos civis que serviam como vaqueanos,
apontando os caminhos em direção do reduto, foram acusados posteriormente de bombear
(espionar) para os “fanáticos” e dirigirem os soldados para os locais previamente
planejados de emboscadas. Durante a refrega, os sertanejos empregaram todos os seus
ardis de lutadores do mato. Uma coluna de sertanejos vestidos com roupas de mulheres
distraía os soldados, enquanto vários franco-atiradores, escondidos em ocos de imbuias e
em galhos elevados de araucária, dizimavam a coluna militar. No momento seguinte,
houve combate corpo-a-corpo, com os caboclos demonstrando mais habilidades com seus
facões de aço ou de madeira de guamirim, do que as longas baionetas caladas nos fuzis
mauser dos praças. Soldados eram atraídos por determinados caminhos dentro da mata e
emboscados em locais sem saída, cheios de espinheiros de inhapindaí. A certa altura, os
“pelados” envolveram a retaguarda e atacaram o hospital de sangue do exército,
improvisado numa clareira. As forças do governo tiveram 24 mortos, 21 feridos e 3
extraviados. Contaram entre os sertanejos 37 mortos, mas não conseguiram entrar no
reduto. [Machado, 2001:226-227]

Observa-se que há forte influência desse conflito na construção do primeiro refrão,


em que aparece claramente a figura da virgem Maria Rosa (A Bela “rosa” guia a cada
sonhador) e a presença de elementos que caracterizam o conflito descrito anteriormente
como a alusão à mata e a dupla alusão ao sangue, em relação aos mortos no combate e
possivelmente ao ataque ao hospital de sangue do exército (Era o sangue na mata/ A
revolta crescia).

A segunda estrofe do samba-enredo parece se preocupar em descrever a questão da


terra presente no conflito (Ah se essa terra fosse minha…/ Reinaria o amor). Além de
fazer alusão à resistência dos caboclos em relação à permanência na terra – ainda que
simbólica, já que várias vezes ocorreu o deslocamento dos caboclos e a formação de
redutos em diversos locais – (Salve a resistência/ Por liberdade em seu chão), e a
resistência em relação às forças militares estaduais e federais (A força da tirania não mata
raiz da libertação), estabelece uma ponte com o presente, enaltecendo o oeste do estado
de Santa Catarina como um local de herança da bravura e luta empreendida pelos caboclos
(E hoje o oeste do estado é poema encantado/ A chama ficou).

Ainda que o samba mencione a questão da terra presente na luta dos caboclos, opta
por não mencionar a questão da propriedade da terra que passa a ser transformada em
capital, em meados do século XIX, com a aprovação da Lei de Terras, em 1850, que
estabelecia a compra como única forma de acesso à terra. Dessa forma, na região do
Contestado, localizada no planalto de Santa Catarina e caracterizada como região de
fronteira, com “forte presença de camponeses nacionais, agregados e posseiros”, estes
sentirão também “o forte, e muitas vezes violento, efeito da transformação da terra em
capital, na mesma medida em que destinavam parte de sua produção ao mercado e
também eram homens livres” (Machado, 2001:11).

O final da segunda estrofe e o terceiro refrão representam, ao que parece, a “vitória”


de Santa Catarina na questão das terras contestadas na região tanto pelo estado de Santa
Catarina, quanto pelo estado do Paraná. Assim, o samba representa o fim da guerra como
algo positivo em relação à construção do oeste de Santa Catarina (Valeu a esperança, os
sonhos não foram em vão!), e exalta os caboclos como “filhos” daquela região (Se alguém
duvidar, em cada disputa/ Verá que um filho teu não foge à luta!)

O último refrão constitui-se da exaltação à própria escola, presente em todos os


sambas-enredo como característica marcante de identificação da Escola, mesclada a
aspectos do próprio enredo. Assim, o samba reverencia a Escola, dizendo “Canta,
Princesa guerreira! Valente, altaneira e sempre a lutar”, no qual a palavra “Princesa” faz
alusão ao nome da Escola Os Protegidos da Princesa, e os adjetivos enaltecem a Escola,
ao mesmo tempo em que se identificam com a questão da guerra. E, concluindo, “Canta,
Princesa guerreira! Levanta a bandeira pro povo sambar”, em que a presença da palavra
bandeira faz alusão ao pavilhão12 da Escola.

Nas palavras do compositor Willian Tadeu, o “percurso entre o caboclo, a chegada


do grande dragão de ferro, todo o conflito, o massacre, e aí depois o oeste renascendo e
aquela ideia que a chama cabocla permanece viva até hoje, no oeste do estado […] que o
samba faz […] é muito eficiente para uma história e emocionar as pessoas” (Tadeu, 2015).

12
O pavilhão é o símbolo máximo da Escola de Samba, representado através de uma bandeira que possuí as cores
e o brasão da Escola, e, geralmente, a quantidade de títulos que ela possui.
Nesse sentido, é importante lembrar que a Escola de Samba, como já mencionado,
não tem a pretensão de contar ou retratar uma verdade histórica, nem mesmo se prender
à historiografia oficial ou acadêmica, embora por vezes as informações apresentadas
coincidam com alguns elementos historiográficos, revelando que eles fazem escolhas e
que as narrativas apresentadas não são neutras. Mas, ainda assim, tais elementos podem
ser utilizados, através de uma metodologia de ensino, como fonte histórica, que além de
apresentar uma versão histórica sobre algum tema específico, traz consigo a bagagem
cultural e a sabedoria de toda uma instituição já consolidada em nossa sociedade. Assim,
essa versão, apresentada pela Escola, tem um grande potencial para abordar a história do
Contestado, ainda que precise ser problematizada por quem a utiliza, justamente por
apresentar seja uma narrativa “eficiente” para contar uma história, seja aspectos
relevantes do cotidiano e do imaginário dos sertanejos que participaram da guerra.

1.2.2 O samba da Embaixada Copa Lord: O ponto é chic, a Felipe Schmidt é charme, Floripa é
show

Ponto chic é um mundo de recordações

Abraçando o passado e o presente

Histórias douradas de tempos que não voltam mais

Curtindo um jogo de cartas e dominó

Sem pressa de ver a vida passar

Fofoca não pode faltar, senadinho plenário popular

Rua bela abraça o progresso com tua alegria

Agitando desejo e fantasia

Na arte de vender e de comprar

Na esquina da saudade o aroma está no ar

Aos carnavais do passado eu vou

Quantas lembranças essa rua me traz

Sou copa lord eu sou meu samba tá em cartaz


Felipe Schmidt teu charme é demais

Floripa musa da poesia inspira a cantar

O rancho de amor à ilha em harmonia

Com a brisa que vem lá do mar

Onde o luar se veste de magia

E as bruxas soltas com seu caldeirão

Essa terra tem mistérios oh divina sedução

E o lindo sol da manha encanta o meu despertar

Num simples gesto de amor e liberdade

Abençoando a quem sabe te amar

Paixão no coração dessa cidade

Quem vem lá

É a comunidade guerreira

Valente e faceira a comemorar

Floripa é show é de arrepiar.13

Esse samba foi produzido também para o carnaval de 2012, pelos compositores
Celinho da Copa Lord,14 Edu Aguiar,15 Mará,16 Tom Tom.17 O tema escolhido pela escola

13
Letra do samba-enredo da Escola de Samba Embaixada Copa Lord, retirado do site
http://wp.clicrbs.com.br/tamborim/2011/11/28/copa-lord-ouca-o-samba-
2012/?topo=67,2,18,,,67&status=encerrado. Os grifos foram feitos por nós, marcando os dois principais refrões
da letra.
14
Gilson Célio Veloso é compositor de sambas desde 1978, tendo composto 19 sambas para a Escola de Samba
Embaixada Copa Lord, entre eles o Hino da Velha-guarda da Escola.
15
Edu da Silva Aguiar é compositor desde os treze anos de idade, tendo ingressado na Embaixada Copa
Lord no ano de 1982, a convite da agremiação. A partir de 1985, começou uma parceria com Gilson Célio
Veloso (Celinho da Copa Lord), construindo e emplacando vários sambas notas dez, como o de 2012, que
fala da história da Rua Felipe Schimdt e sua relação com Florianópolis. No ano de 1984, inicia a construção
de diversos enredos para a mesma Escola, consagrando seu nome no carnaval de Florianópolis.
16
Ilsom Candido da Silva é compositor de sambas-enredo, natural de Florianópolis e filho do compositor
da Beija-Flor de Nilópolis Wilson Bombeiro. Já compôs sambas para a Embaixada Copa Lord e Unidos da
Coloninha. Atualmente, atua na Escola de Samba Dascuia.
17
Ailtom Domingos é compositor da Escola de Samba Embaixada Copa Lord (não encontramos outras
informações acerca do compositor).
de samba procura tratar de eventos, locais e práticas sociais que ocorreram na rua Felipe
Schmidt e seus arredores, ao longo dos seus anos de existência, e foi escolhido, segundo
o criador do enredo, Edu Aguiar, como “forma de exaltar o que Florianópolis tem de mais
belo, trazendo à tona algumas lembranças acerca do seu passado” (Aguiar, 2011). Assim,
em entrevista, ele nos relata em relação à escolha do tema feito pela Escola para o ano de
2012:

Ela se viu voltada pelo momento de identificação pela própria cidade. Da cidade com a
própria Embaixada Copa Lord. Que foi feito um levantamento e desse levantamento, 64%
da pesquisa as pessoas tinham uma forte interação pela Embaixada Copa Lord. E pelo
meu contato com o pessoal do Ponto Chic e com pessoas ligadas à cultura da cidade,
também sendo simpatizantes da Copa Lord. Levando essa história pra eles e focando essas
três palavras: chique, charme e show. Ficou um prato feito pra aquilo que já tava sendo
feito pela mídia em termo de divulgação da cidade como venda de produto turístico.
[Aguiar, 2016]

Dessa forma, torna-se evidente que a escolha do tema para o enredo seguiu uma
tendência percebida pelos componentes da própria Escola em relação ao momento
histórico do tempo presente vivido por Florianópolis: a promoção da capital do estado
como local turístico. Assis (2000), falando sobre esse processo de construção de
Florianópolis como capital turística, nos coloca que:

O discurso que formou a atual imagem sobre a Ilha de Santa Catarina aparece
timidamente nos anos 50 e é apropriado pelos dirigentes políticos desde a década de 60.
Nos anos 70, há um grande empenho para construir a “Florianópolis Turística” – baseado
em seus atrativos naturais – sufocando por definitivo a “Florianópolis Provinciana”. O
objetivo primordial dessa transformação era a busca por visitantes para engordar as
finanças do município. [Assis, 2000:4-5]

O samba construído pela Escola de Samba Embaixada Copa Lord reproduz essa
construção social, problematizada pela autora, que exalta Florianópolis como capital
turística do Estado de Santa Catarina e corrobora o empenho dos governantes,
especialmente através da mídia, de difundir essa ideia. E mesmo com a sacralização
dessas imagens ao longo do tempo, a autora propõe que seja realizada uma
problematização em relação a essa sacralização, demonstrando que a possível vocação
para o turismo não é algo natural e inerente a Florianópolis, e sim a apropriação de alguns
discursos que evidenciaram algumas características com potenciais de exploração – como
a questão ambiental, apresentada pela autora.

Além dessa questão de apropriação do discurso turístico para a construção do


samba, a letra vai apresentar algumas representações existentes em torno da rua Felipe
Schmidt, de seu entorno e de Florianópolis. Assim, na primeira estrofe apresenta-se como
personagem principal o café Ponto Chic (Ponto chic é um mundo de recordações), que
apesar de atualmente não se configurar mais como um local “famoso” para práticas
sociais, devido às transformações ocorridas ao longo dos anos e seu “encolhimento” a
mero ponto de café na esquina entre as ruas Felipe Schmidt e Trajano, é exaltado no
samba como local de memória (Abraçando o passado e o presente/ Histórias douradas de
tempos que não voltam mais) dessas práticas (Curtindo um jogo de cartas e dominó/ Sem
pressa de ver a vida passar/ Fofoca não pode faltar, senadinho plenário popular).
Apresentando as diferentes práticas de sociabilidade existentes em Florianópolis em
relação à presença do café Ponto Chic, no centro da cidade, a autora Souza nos coloca
que desde quando foi criado, em 1948, o café transformou-se em “um tradicional ponto
de encontro e sociabilidade da cidade de Florianópolis” (Souza, 2013:17). “A abertura
desses novos espaços estava de acordo com as transformações e remodelação da cidade
de Florianópolis”, nas primeiras décadas do século XX, sendo tais espaços associados a
práticas sociais mais modernas e mais saudáveis de divertimento, atendendo a uma ideia
de aburguesamento e civilidade da sociedade como um todo (Souza, 2013:19-20). Assim,
aparecem em seu trabalho evidências, mostradas através da história oral, de redes de
sociabilidade criadas a partir do café, que se configura como local de encontro de
políticos, pessoas de influência e pessoas “comuns” que buscavam ver outras pessoas e
serem vistas (Souza, 2013:28-29). Além dessas características sociais, a primeira parte do
samba apresenta a imagem da rua associada ao comércio e ao progresso (Rua bela abraça
o progresso com tua alegria/ Agitando desejo e fantasia/ Na arte de vender e de comprar/
Na esquina da saudade o aroma está no ar) corroborando a ideia de modernidade que
circulava nas páginas de jornal, construindo “não só o urbano e moderno, como os
espaços de sociabilidade” (Souza, 2013:26).

No primeiro refrão apresentado no samba, a Escola aproveita para fazer uma citação
ao carnaval (Aos carnavais do passado eu vou/ Quantas lembranças essa rua me traz), e a
si mesma (Sou Copa Lord eu sou meu samba tá em cartaz/ Felipe Schmidt teu charme é
demais), inserindo a própria Escola na narrativa relativa ao passado.
No segundo refrão, percebe-se o uso de diversos elementos já cristalizados no
imaginário social ilhéu e nos discursos turísticos em relação a Ilha de Santa Catarina.
Assim, o samba evoca Floripa como uma musa da poesia, que traz inspiração para cantar
(Floripa musa da poesia inspira a cantar). Depois vai mencionar o Rancho de Amor à Ilha,
música composta por Zininho e escolhida como hino oficial de Florianópolis, em 1965
(O rancho de amor à ilha em harmonia/ Com a brisa que vem lá do mar/ Onde o luar se
veste de magia). A evocação da figura das bruxas da Ilha de Santa Catarina também se
fará presente nesta estrofe do samba (E as bruxas soltas com seu caldeirão), contribuindo
também com o discurso construído acerca da mitologia presente nesta ilha e reforçando
a ideia de Ilha da Magia, tão consolidada no discurso turístico de promoção da Ilha (Essa
terra tem mistérios oh divina sedução). Sempre utilizando recursos poéticos, próprios à
linguagem musical dos sambas-enredo, o final desta estrofe exalta a paixão por
Florianópolis, mobilizando elementos da natureza como “o lindo sol da manhã” (E o lindo
sol da manhã encanta o meu despertar/ Num simples gesto de amor e liberdade/
Abençoando a quem sabe te amar/ Paixão no coração dessa cidade).

Como mencionado na análise do samba anterior, o último refrão é utilizado para


exaltar a própria Escola, destacando aspectos referentes a si e aos aspectos do seu próprio
enredo. Assim, o samba reverencia a Escola, dizendo “Quem vem lá? É a comunidade
guerreira! Valente e faceira a comemorar”, no qual a palavra guerreira faz alusão à bateria
da Escola, conhecida como “guerreira”, e ao mesmo tempo caracteriza a comunidade
como um grupo social formado por pessoas lutadoras. E, concluindo o samba, retorna ao
tema do enredo, exaltando novamente a cidade ao dizer que “Floripa é show é de
arrepiar”.

Nas palavras do compositor Edu Aguiar, a evocação a “Floripa é charme, Floripa é


show”, estabelece a sequência do enredo, que vem de inspiração “em cima do grande
chavão que foi chamado pelo Celinho na chamada da Escola na passarela”, em que este
diz que a Escola “é chique, é charme, é show”, associando o “chique com o Ponto Chic”,
o “charme com a Felipe Schmidt, como marco do centro da cidade, e o show a essa Ilha
que estava sendo vendida nessa concepção turística” (Aguiar, 2016).

Nesse sentido, é importante lembrar novamente a falta de pretensão da Escola em


contar e retratar uma versão histórica igual às versões da historiografia oficial. Em
contrapartida, é possível observar que a letra expressa um regime de verdades da própria
escola. Isto é, no caso deste samba da Copa Lord, fica evidente a mobilização do discurso
em torno da promoção de Florianópolis como cidade turística. E, utilizando recursos
poéticos cabíveis ao samba-enredo, o compositor Edu Aguiar vai lembrar que é necessário
construir uma história que não fique pesada, tendo “que romancear”, “criar uma
linguagem gostosa de ser lida poeticamente” (Aguiar, 2016).

A partir da análise das duas letras dos sambas-enredo apresentados, é possível


perceber as narrativas históricas mobilizadas pela própria Escola e pelos autores dos
sambas-enredo. Fica nítida a intenção de cada autor, à medida em que cada um deles
explicita em suas falas quais recursos e discursos utilizaram para a construção do samba.
Assim, enquanto o samba do Contestado busca contar a vida das pessoas que participaram
da guerra, sensibilizando e emocionando o público através da narrativa, o samba da Filipe
Schmidt busca aproveitar o momento histórico vivenciado por Florianópolis, em relação
à promoção do turismo, e resolve exaltar o que, na visão do compositor, há de belo e
histórico na rua e no seu entorno, o centro.

Dessa forma, através da análise de um conjunto de fontes históricas e da inter-


relação entre elas, propomos o uso dessas narrativas no ensino de História, como intuito
de contribuir para a sua compreensão. Assim, o próximo capítulo visa apresentar a
metodologia de ensino de História proposta neste trabalho e a construção do material
didático proposto, como seu produto final.

2. Uma metodologia de ensino de História com sambas-enredo: o trabalho


com fontes em sala de aula

Como todo trabalho começa de algum ponto de partida, com este não seria diferente. Para
a construção da proposta de metodologia de ensino de História, tal como definido como
eixo central para o presente trabalho, foi necessário fazer escolhas acerca de quais
sambas-enredo seriam utilizados. Essa escolha não se deu aleatoriamente, como
explicitado no capítulo anterior, mas seguiu alguns critérios que são relevantes para o
próprio ensino de história. O primeiro critério que utilizei foi escolher um samba que
tratasse de algum tema ou processo histórico. E é claro que existem diversos sambas que
preenchem esse critério, nos mais diversos locais do país. Daí, segui, como meu segundo
critério, a escolha de um samba local, ou seja, que tivesse sido produzido por uma das
escolas de samba de Florianópolis. Por fim, optei por sambas que pudessem apresentar
um panorama macro e microrregionais, de forma a explorar contextos que direta ou
indiretamente contribuíssem para a concepção de processos históricos.

Assim, a escolha dos sambas restringiu-se a dois exemplos, não só por


contemplarem esses critérios, mas também por questões práticas da construção do
trabalho em si – era necessário pensar no tempo do curso e no tempo necessário para que
a pesquisa fosse concluída. Um samba, da escola Os Protegidos da Princesa, que retrata
o centenário da Guerra do Contestado em Santa Catarina; o outro samba, da escola Copa
Lord, que trata de um ponto famoso em Florianópolis, a rua Felipe Schmidt, e as suas
relações com acontecimentos considerados importantes para a cidade, como o processo
de urbanização, a novembrada e diversos pontos históricos e turísticos.

A partir da definição dos sambas, iniciou-se uma investigação histórica acerca das
escolas de samba e de seus sambas de 2012. Essa investigação pautou-se em pesquisas
acerca da história da escola, do conteúdo dos sambas-enredo, seu tema propriamente dito
(Contestado/ História de Florianópolis). Além disso, foi realizada uma entrevista oral com
um compositor de cada escola, foram selecionadas fotos e logomarcas dos desfiles e
recortes da historiografia acerca do tema que será abordado em cada samba. Assim, minha
pesquisa ficou restrita aos dois sambas escolhidos, mas a proposta desenvolvida neste
capítulo visa demonstrar como a metodologia proposta pode ser utilizada para uso desses
e também de outros sambas-enredo.

Para a criação dessa metodologia de ensino, dialogo basicamente com os


ensinamentos de Hermeto (2012) acerca do ensino da história através das canções
populares brasileiras, ressaltando as especificidades presentes no samba-enredo.

A autora destaca cinco dimensões importantes que devem ser consideradas ao


analisar as canções populares. A primeira delas é a dimensão material, que se refere à
relação entre o suporte em que se encontra a narrativa histórica e o tipo de linguagem em
que ela se encontra. No caso deste trabalho, o suporte seria o arquivo em mp3 e a
linguagem específica de samba-enredo entre melodia/letra/ritmo, que devem ser
analisados, buscando compreender como o autor utiliza o suporte para comunicar suas
ideias (Hermeto, 2012:144). Outra, a dimensão descritiva, refere-se ao tema e ao objeto
da narrativa, identificando o tema do texto e os processos históricos aos quais se refere,
quem são os sujeitos da ação e em que tempo essa ação se deu, refletindo a composição
letra/melodia (Hermeto, 2012:145). Em terceiro lugar, a dimensão explicativa, que se
refere à abordagem do tema na narrativa, ou seja, à compreensão de qual é o lugar social
da produção do texto (autor, contexto, procedimentos metodológicos), de qual versão
histórica é apresentada e à criação de explicações para o tema, utilizando conceitos
históricos (Hermeto, 2012:146). Uma outra dimensão apresentada pela autora é a
dialógica, que trata das referências com as quais o texto dialoga, analisando quais fontes
foram utilizadas para a construção do texto e quais referências culturais foram utilizadas
na construção da narrativa histórica. Além disso, deve-se dialogar com textos e fontes de
outra natureza que confrontem ou corroborem a versão histórica criada no texto (Hermeto,
2012:147). E a última dimensão trabalhada pela autora, diz respeito ao mundo sensível,
ou seja, a quais sentimentos se expressam na voz do cantor e a quais sentimentos e
sensações o documento pretende causar no seu público. Para chegar a essas dimensões, a
autora esclarece que todo documento é portador de “uma narrativa histórica”, que informa
“sobre determinado contexto, por meio da construção e da veiculação de representações
sociais”. Assim, deve-se pensar o documento como “entidade composta por diferentes
dimensões”, ou seja, diferentes elementos que constituem sua totalidade, podendo ser
observados e analisados separadamente, mas que somente em “conjunto constroem a
identidade do documento” (Hermeto, 2012:141-142).

Dialogando com Bittencourt (2008), Hermeto vai esclarecer que o uso da música
como documento se dá na perspectiva proposta pela autora, que coloca que os
documentos não são produzidos originalmente na concepção de saberes escolares, mas,
que através do ato educativo, “são apropriados com finalidade didática” (Hermeto,
2012:141). Assim, o samba-enredo, neste trabalho, é usado nessa perspectiva, como
documento não produzido para o saber escolar, mas que pode ser apropriado pelo
professor com finalidade didática. Para isso, é necessário estabelecer alguns métodos que
deem conta de analisar esses documentos, de forma crítica, dialogando com os princípios
metodológicos do campo da história. E é isso que Hermeto (2012) faz: ela cria as
dimensões apresentadas acima, como forma de explorar a música como fonte histórica de
linguagem específica, considerando-a como objeto de um determinado tempo, que
mobiliza discursos específicos e sensibilidades em quem a ouve.

Dessa forma, elaborei o produto final deste mestrado, composto por um conjunto
de materiais que forma a proposta metodológica de ensino de história através de sambas-
enredo e que contém: um guia de professor, um conjunto de 23 fontes históricas e um
diário de experimentações para uso dos alunos.
2.1 O guia do professor: eixos e atividades que compõem a proposta metodológica

O guia do professor foi divido em três eixos principais, inspirados em dois projetos já
existentes, o primeiro deles é “Caixa da História: Magé”, produzido pelo grupo de
pesquisa “História de São Gonçalo: memória e identidade”, da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro, criado em 2007.18 O material contém um conjunto de atividades
elaboradas a partir de vestígios documentais relacionados ao patrimônio histórico da
própria cidade e busca contribuir para a reflexão acerca das vivências passadas de
indivíduos e da coletividade, além de contribuir para a constituição do patrimônio local e
para a reelaboração de memórias relacionadas à cidade. Além desse projeto, também me
inspirei em “A Aventura do Documento” projeto desenvolvido pelo Laboratório de
Patrimônio Cultural – LABPAC, da Universidade Estadual de Santa Catarina19, que
oferece oficinas de história contemporânea através da análise de diferentes tipos de
documento, dando ênfase às questões relacionadas ao patrimônio cultural, ainda em
andamento. E para compor a metodologia, além dos dois projetos, foi adaptada a
metodologia proposta por Hermeto (2012), para se trabalhar com a canção no ensino de
História, em relação às especificidades dos sambas-enredo.

18
Caixa da História foi elaborado por Helenice Aparecida Bastos Rocha, Luís Reznik, Marcelo de Souza
Magalhães, Márcia de Almeida Gonçalves e Rui Aniceto Nascimento Fernandes, componentes do Grupo de
Pesquisa História de São Gonçalo: memória e identidade, vinculado à Faculdade de Formação de Professores da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FFP/UERJ). O Grupo produziu duas Caixas, uma para o Município
de São Gonçalo e outra para o Município de Magé, ambos localizados no Estado do Rio de Janeiro. Ambas as
caixas apresentam propostas estruturadas em forma de atividades, construídas a partir de vestígios documentais
referenciados ao patrimônio histórico, formal e informal da localidade, como o próprio grupo descreve em
documento explicativo acerca do produto. Nas caixas apresentadas, estão presentes materiais diversos como
pranchas fotográficas, compact disk, papéis, folhetos, livretos, fac-símile de jornal, além de fichas de
apresentação do material e de proposição do que deve ser feito para a análise do mesmo. Após a produção da
Caixa da História do Município de São Gonçalo em 2006, o grupo entrou em contato com a Secretaria Municipal
de Educação, a fim de distribuí-las para as escolas da rede. Firmou-se então uma parceria para viabilizar a
realização de oficinas sobre o uso da metodologia proposta na Caixa da História com os professores do primeiro
e do segundo segmentos do ensino fundamental, visando a disseminação da proposta de ensino. (Rocha, Helenice
A. B; Reznik, Luís; Magalhães, Marcelo de S.; Gonçalves, Márcia de A.; Fernandes, Rui A. N. Caixa de História:
memória e patrimônio cultural. Texto não publicado, sem data)
19
O projeto foi coordenado pela professora dra. Janice Gonçalves e elaborado em conjunto com os bolsistas e
colaboradores do projeto ao longo de sua execução. Surgiu em 2003, tendo sido suspenso por dois períodos (julho
de 2004 e julho de 2006), e não está mais em andamento atualmente. Como um projeto de extensão, tinha como
principal objetivo discutir e propor formas e procedimentos de utilização de documentos no ensino de História,
propondo inicialmente a elaboração de “caixas pedagógicas” contendo reproduções e transcrições de documentos
(com ênfase em documentos de arquivo de acervos públicos) ou mesmo “originais” (no caso de documentos que
nascem múltiplos, como cartazes, folhetos de divulgação etc.). A proposta traz também, acompanhando os
documentos, textos que informem sobre seu contexto e indiquem sugestões de atividades em sala de aula, no
formato de oficinas. As caixas pedagógicas são disponibilizadas através de empréstimo para professores das
escolas da rede pública existentes no município de Florianópolis, que, na devolução do material, podem informar
sobre os problemas e aspectos positivos observados em sua utilização, oferecendo sugestões de aperfeiçoamento.
Além disso, são oferecidas algumas informações no site do projeto, como indicações de bibliografia acerca das
relações entre História e Documento e algumas oficinas disponíveis on-line. Disponível em:
<http://www.labpac.faed.udesc.br/aventura.htm>.
A proposta de ensino-aprendizagem, com a mediação de diversos documentos
selecionados para a metodologia de ensino apresentada, leva em conta algumas premissas
importantes para o Ensino de História, que correspondem às discussões teóricas
relacionadas ao ensino, promovidas no Brasil a partir da década de 1980, que visam
ampliar os objetos de estudo, os temas, os problemas e as fontes históricas utilizadas em
sala de aula. Além disso, pauta-se nas finalidades do Ensino de História, e da
aprendizagem como um todo, apresentadas na legislação vigente acerca do Ensino
Fundamental e Médio do país.

Levando em conta que o ensino-aprendizagem de História requer a apropriação de


uma linguagem específica, pautada na construção da história pelo oficio do historiador
profissional e dos métodos históricos utilizados por ele, faz-se necessário aprender as
operações intelectuais que compreendem a construção desse discurso. Nesse sentido,
oferece-se ao aluno a oportunidade de ser protagonista no ensino e a de aprender as
operações que conduzem a esta escrita da história através da análise de documentos, da
descoberta de fatos históricos e da reconstrução de narrativas históricas.

A escolha da metodologia em forma de Eixos e das atividades didáticas pauta-se na


concepção de uma organização de ações coerente por meio das quais o aluno possa
desenvolver algumas habilidades propostas nos Parâmetros Curriculares Nacionais para
o Ensino de História, na educação básica. Assim, conforme esse documento, os alunos do
Ensino Fundamental devem desenvolver habilidades cognitivas e procedimentais a partir
da leitura, escrita, pesquisa e também por meio da capacidade de relacionar e produzir
narrativas, dentro das propostas de atividades que estimulem o desenvolvimento de
habilidades como “posicionar-se de maneira critica, responsável e construtiva nas
diferentes situações sociais”, “perceber-se integrante, dependente e agente transformador
do ambiente”, “utilizar as diferentes linguagens – verbal, musical, matemática, gráfica,
plástica e corporal – como meio para produzir, expressar e comunicar suas ideias” (Brasil,
1998). Ainda segundo o documento, os alunos do Ensino Médio devem também
desenvolver a consciência crítica e criativa, sendo “capazes de gerar respostas adequadas
a problemas atuais e a situações novas” (Brasil, 2000).

Por último, as atividades demandam a interpretação através da leitura e da escrita,


realizando um diálogo com as competências relacionadas nas matrizes curriculares da
Língua Portuguesa, pouco trabalhadas fora dessa disciplina, mas extremamente
importantes no ofício do historiador e na construção de narrativas históricas. Assim, as
atividades propostas requerem o desenvolvimento de procedimentos de leitura, de textos
e fontes em variados suportes, e a compreensão e elaboração de textos de diferentes
tipologias textuais, como a descrição e a dissertação, bem como de diversos gêneros
literários, como o conto e a crônica, e também do enredo e da linguagem musical,
dialogando com outras áreas de ensino, especialmente com as disciplinas de português,
artes e música, presentes no currículo da educação básica.

2.1.1 Eixo I: analisando fontes musicais – apresentação dos sambas-enredo

O Eixo I compreende um primeiro momento de aproximação entre os alunos e a


linguagem musical apresentada pelo samba-enredo. Assim, ele divide-se em duas
atividades. A primeira corresponde a uma experiência sensorial em relação ao samba. E
a segunda corresponde a uma proposta de análise descritiva da letra do samba-enredo,
com o auxílio da ficha de análise, que será apresentada posteriormente. A primeira
atividade propõe uma experiência sensorial em relação ao samba-enredo, fazendo com
que os alunos ouçam o samba, observem e discutam com o professor quais as suas
percepções sonoras em relação aos instrumentos utilizados nas baterias de Escolas de
Samba e os sentimentos que a melodia lhes mobiliza. Para tanto, se faz necessária uma
reflexão baseada na proposta de Hermeto (2012) em relação à dimensão sensível que pode
ser explorada na análise das canções. Assim, a autora descreve essa dimensão como uma
“identificação dos sentimentos e afetos que mobilizam a produção e recepção” da canção,
“dando a perceber a história como um conjunto de ações que se produzem no seio das
relações sociais, marcadas por interesses e paixões dos sujeitos reais” (Hermeto,
2012:148). Levando em conta que a produção musical envolve uma carga emocional e
gera no ouvinte um impacto emocional, a autora propõe a identificação desses elementos
como forma de percepção das relações sociais complexas, existentes em nossa sociedade.

Corroborando a ideia de que a música mobiliza sentimentos nos sujeitos e pode ser
um material possível de compreender as relações sociais complexas, o autor Swanwick,
professor de educação musical na Universidade de Londres, explora, em seu estudo, as
dimensões psicológicas e sociológicas da experiência musical e suas implicações para a
educação em uma sociedade pluralista, enfatizando a importância da música no
desenvolvimento da mente. Ainda que explore a educação musical e proponha novas
abordagens no currículo do ensino de música na Inglaterra, e não trate a música como um
documento histórico, como propõe esta metodologia, o estudo do autor vai contribuir para
este trabalho no sentido de oferecer suporte ao uso da música no ensino de História e
reconhecê-la como evidência da necessidade humana de “fazer e interpretar o mundo
através de processos simbólicos compartilhados” e da importância da experiência musical
“à maturação, educação e desenvolvimento de pessoas jovens” dentro de uma sociedade
pluralista e multicultural (Swanwick, 2014:16-17). Assim, iniciar com a sensibilização,
pressupõe partir dos sentimentos que a música provoca no aluno e ter essa experiência
sensorial como referência inicial. Para tanto, parte-se do pressuposto que integra os
debates sobre o conhecimento escolar: isto é, de que partir da realidade dos alunos, das
suas próprias percepções, e reconhecer que ele é um sujeito ativo no mundo, com cultura
e modo de vida singular, é um passo importante para compreender as singularidades do
processo de escolarização.

A segunda atividade deste eixo propõe a análise propriamente dita da letra do


samba-enredo, buscando identificar os processos históricos aos quais se refere o samba-
enredo, os sujeitos da ação proposta no samba, o tempo em que essa ação ocorre e as
relações entre esses elementos na narrativa histórica em questão (Hermeto, 2012:145).
Esse exame será feito através de uma ficha de análise de samba-enredo, apresentada mais
adiante neste trabalho, e prevê a anotação das conclusões no diário de experimentações,
para ser utilizado mais tarde na comparação com outras fontes, trabalhadas em outros
eixos, e para auxiliar no processo de confecção da proposta final contida no terceiro eixo
desta metodologia.

2.1.2 Eixo II: conhecendo o lugar social da construção dos sambas

O Eixo II compreende a relação entre a identificação dos agentes produtores do samba-


enredo, as Escolas de Samba e os compositores, e seu lugar social dentro da sociedade na
qual estão inseridos. Assim, apresenta duas propostas de atividades. A primeira visa
compreender o processo de formação das Escolas de Samba de Florianópolis,
relacionando-o ao processo de urbanização e desenvolvimento da cidade. A segunda
atividade propõe a compreensão do processo de construção dos sambas-enredo,
analisando quem os produziu, de que forma produziu, e com qual intenção, reconhecendo
o samba como um produto de uma construção social, marcado pelas escolhas de seus
produtores e pelo período histórico em que foi produzido.

Para tal reflexão, utiliza-se a proposta de Hermeto (2012) no que diz respeito à
dimensão explicativa apresentada pela autora, que visa perceber a existência de um lugar
social de produção da narrativa, identificando que alguém escreve o samba em relação ao
seu contexto, e cria uma dada interpretação para o tema escolhido.

Para a primeira atividade, utiliza-se a análise de três fontes distintas: duas


fotografias da rua Felipe Schmidt, uma de 1920 e outra de 2008; um recorte de jornal
tratando do processo de transformação urbana ocorrido em Florianópolis; e um breve
histórico da formação das duas Escolas de Samba, Os Protegidos da Princesa e a
Embaixada Copa Lord. A partir da análise dessas fontes e da mediação do professor,
propõe-se a criação de uma crônica que aborde os processos de transformação urbana
ocorridos em Florianópolis e sua relação com a criação das primeiras Escolas de Samba
de Florianópolis.

A crônica, a partir do século XIX, apresenta-se como uma narrativa literária


intimamente ligada ao pessoal. Ela é escrita na primeira pessoa do singular e o narrador
coloca-se na narrativa, descrevendo acontecimentos vividos por ele próprio, usando-se da
subjetividade para compô-la e refletindo acerca da vida social, da política, dos costumes
e do cotidiano da sociedade. A ideia de desenvolver esse gênero literário é fazer com que
o aluno se coloque no lugar de um sujeito histórico que vivenciou esses processos em
Florianópolis, nas décadas iniciais do século XX, até os dias atuais. Trabalhando com um
recurso literário que envolve o desenvolvimento de habilidades de leitura, síntese,
imaginação e elaboração da escrita, a proposta de construção dessa crônica, não visa
somente construir uma narrativa imaginativa, mas desenvolvê-la a partir de alguns marcos
temporais e espaciais, tendo as fontes históricas como referência.

2.1.3 Eixo III: os usos do passado – as versões históricas contadas através dos sambas-enredo

O Eixo III vai abordar as versões históricas criadas pelos sambas-enredo acerca do
passado que ele mobiliza. Assim, apresenta três atividades diferentes. A primeira trata do
samba da Escola de Samba Os Protegidos da Princesa a respeito da Guerra do Contestado,
que ocorreu no estado de Santa Catarina. A segunda trata do samba da Escola de Samba
Embaixada Copa Lord sobre acontecimentos que ocorreram na rua Felipe Schmidt e seu
entorno, no centro da cidade de Florianópolis. E a terceira atividade possível de ser
aplicada para ambos os sambas conclui a proposta didática e estimula os alunos a criarem
um enredo com tema histórico e um samba-enredo baseado nesse enredo, possível de ser
apresentado na avenida.
Nas duas atividades, referentes à versão histórica retratada pelos sambas, dialoga-
se com os estudos acerca da cultura histórica, desenvolvidos principalmente pelo autor
Jörn Rüsen (2009). E também com os estudos acerca dos usos do passado no ensino de
História, apresentados pela autora Helenice Rocha (2014), que discute a diversidade de
produtos que evocam o passado, como filmes, músicas, novelas, jogos, revistas etc., e a
forma como os professores se apropriam desses produtos para utilizá-los em sala de aula.

O conceito de cultura histórica apresentada por Rüsen (2009), e outros autores,


apresenta uma nova maneira de compreender a relação que determinado grupo mantém
com seu passado. Segundo Marcos, essa cultura histórica visa uma análise mais
abrangente do que a historiografia, e propõe “rastrear todos os estratos e processos da
consciência histórica social, prestando atenção nos agentes que a criam, nos meios pelos
quais são difundidos, as representações que divulga e a recepção criada pelo público”
(Marcos, 2009. Tradução nossa). Assim, Rüsen define a cultura histórica como:

A esfera ou parte da percepção, da interpretação, da orientação e do estabelecimento de


uma finalidade, que toma o tempo como fator determinante da vida humana. O tempo é
experimentado e interpretado, e a atividade e o sofrimento humano são orientados de
acordo com a passagem do tempo, e os seus efeitos são identificados de acordo com sua
extensão temporal. Porém, não é qualquer interpretação do tempo que é história, ou
melhor dizendo, produz história. […] a cultura histórica se refere portanto a uma maneira
particular de abordar interpretativamente o tempo, precisamente aquela que resulta em
algo como ‘história’ enquanto conteúdo da experiência, produto da interpretação, medida
de orientação e determinação da finalidade. [Rüsen, 2009:6. Tradução nossa]

Assim, a cultura histórica se expressa através das narrativas criadas por aqueles que
se mobilizam a falar do passado, constituindo os produtos – filmes, novelas, jogos, livros
de ficção, músicas etc. – nos quais os usos do passado se apresentam.

Dialogando com Rüsen, Helenice Rocha explica que o autor propõe a existência
das dimensões estética, política e cognitiva no interior da cultura histórica. Assim ela nos
coloca:

Na dimensão estética, temos as realizações artísticas como novelas e dramas históricos.


Na dimensão política, a história (ou a memória) seria usada para alcançar o consentimento
na legitimação de dominações e no estabelecimento de identidades nacionais. A dimensão
cognitiva seria o campo do conhecimento histórico estruturado, amparado pelas regras do
ofício e rigor na produção do conhecimento. Essas dimensões se comunicam e interferem
umas sobre as outras […]. [Rocha, 2014:36]

Assim, os usos do passado, expressos através das narrativas produzidas na


dimensão estética, oferecem diferentes elementos de representação histórica, que pouco
dependem da história produzida pelos historiadores. Dessa maneira,

os usos sociais do passado, apelando à história ou à memória, para fins de entretenimento,


busca de erudição, conhecimento ou como argumentação social, são constitutivos da
cultura histórica, expressos em produtos diferenciados, realizados por agentes diversos
para diferentes públicos. [Rocha, 2014:38]

Os sambas-enredos, utilizados neste trabalho, pertencem a essa dimensão estética


apresentada por Rüsen e dialogada por Rocha, pois fazem uso social do passado com o
intuito de mobilizar um determinado tipo de interpretação histórica. Reconhecendo isso,
propõe-se uma forma de utilizar essa representação que nem sempre dialoga com a
história produzida por historiadores, mas que atinge um público grande que participa
direta ou indiretamente do carnaval. Essa proposta utiliza o método de pesquisa histórica
para tratar o samba-enredo como uma fonte histórica produzida por sujeitos históricos,
em determinado momento histórico, com o objetivo de transmitir esteticamente na
avenida um tema histórico escolhido pela Escola de Samba. A intenção é utilizar essa
linguagem para fins de entretenimento, buscando construir com os alunos saberes
históricos, através da investigação histórica, capaz de produzir conhecimento histórico
que não se limite ao senso comum, mas dialogue com o conhecimento científico.

Também dialogamos neste Eixo com a dimensão explicativa apresentada por


Hermeto (2012), no que diz respeito a uma segunda parte dessa dimensão, na qual se
busca entender qual é a versão histórica apresentada para o tema. Assim, essa dimensão
ajuda a construir estratégias que ampliam a noção de historicidade da narrativa
apresentada, identificando os elementos que a compõem e que explicam como a “ação
dos homens no tempo” está representada (Hermeto, 2012:146). Dessa forma, o uso de
fontes históricas de outra natureza (fotografias, recortes de jornais, historiografia etc.) que
dialoguem com a narrativa apresentada, proporcionam um meio de criar explicações para
o tema abordado, utilizando conceitos históricos.

Como proposta final de todo o percurso metodológico, apresentamos neste Eixo a


última atividade que visa construir uma nova narrativa acerca do mesmo tema já
abordado, ou de outros temas históricos de preferência dos alunos ou sugeridos pelo
professor. Assim, propõe-se a criação de um enredo, refazendo o percurso apresentado
até o momento, ou seja, utilizando a pesquisa histórica como método para a construção
dessa narrativa. Após a criação do enredo, propõe-se a finalização do trabalho com a
criação de um samba-enredo que dê conta dos elementos apresentados no enredo. Esse
percurso sugere a interação entre algumas disciplinas do currículo, como Português, que
poderá auxiliar nos recursos linguísticos; Artes, que poderá auxiliar na construção da
plasticidade do enredo e do samba-enredo, criando figurinos e alegorias possíveis de ser
apresentados na avenida; e a disciplina de Música – quando houver na escola – que pode
auxiliar na criação de arranjos melódicos para o samba-enredo.

2.2 Os documentos escolhidos como fonte para metodologia

Cada Eixo, apresentado anteriormente, explicita a maneira como a metodologia de ensino


foi construída para ser utilizada nas aulas de História. Para essa construção, foi necessário
definir um conjunto de fontes históricas que seriam utilizadas ao longo do processo de
ensino-aprendizagem, para alcançar o objetivo dessa metodologia que é a utilização dos
sambas-enredo como fonte para o ensino de História. Assim, apresenta-se, a seguir, todas
as fontes que foram selecionadas e as metodologias específicas utilizadas para a análise
de cada uma delas.

2.2.1 Fonte musical: o áudio dos sambas-enredo

A primeira fonte a ser trabalhada na metodologia é o áudio dos sambas-enredo. Ele


aparece na dimensão do sensível, que, por sua vez, diferentemente da proposta de
Hermeto, que a coloca ao final, é deslocada para o início de nossa metodologia, no Eixo
I, destinado a análise de fontes musicais. Propõe-se no trabalho que ele seja ouvido e
explorado pelo professor e pelos alunos sonoramente, a fim de estimular uma percepção
sensível da sonoridade existente nos sambas-enredo, desenvolvida através da bateria das
Escolas de Samba. Para tanto, é necessário que o professor dialogue com os alunos acerca
do que é uma bateria de Escola de Samba, quais instrumentos a compõem e qual o papel
de cada um deles na parte sonora da confecção do samba. Como nem todo professor
conhece ou tem proximidade com Escolas de Samba e suas baterias, ou mesmo com
musicalidade, sugiro no material didático a leitura e o diálogo com o autor André Felipe
Marcelino e seu livro Ritmos e batucadas, que descreve todos os elementos que compõem
uma bateria de Escola de Samba, especialmente a composição das baterias das Escolas
de Florianópolis.

Assim, dentre os principais instrumentos apresentados por Marcelino (2015), estão:

 os Surdos, que são apresentados como os instrumentos mais graves das baterias,
e divididos em três tipos: surdo de primeira, que tem o papel de realizar a primeira
marcação da bateria; o surdo de segunda, que realiza a segunda marcação, ou seja,
ele responde ao surdo de primeira; e o surdo de terceira, que se caracteriza por
reforçar a marcação do surdo de primeira e realizar sonoridades que permeiam a
marcação dos dois surdos anteriores, é ele o responsável pelo “balanço” da bateria
(Marcelino, 2015:49-53);

 o Repinique, que junto às caixas e aos surdos, formam os instrumentos pesados


da bateria. Dentre esses, o repinique se caracteriza como o mais agudo. Ele faz a
chamada para os demais instrumentos entrarem no ritmo, ditando o andamento da
bateria. Além disso, dá apoio aos surdos (Marcelino, 2015:54-55);

 as Caixas, que também compõem os instrumentos pesados da bateria e estão


divididas em três grupos, com formatos diferentes: caixa de 14” (polegadas),
geralmente utilizada como caixa de baixo, tocada ao nível da cintura; caixa de 12”
x 8”, geralmente utilizada como caixa de cima, tocada ao nível do peito e apoiada
no braço, mas pode ser usada também como caixa de baixo por algumas escolas;
e o tarol de 12” x 4”, pouco utilizado pelas Escolas de Samba de Florianópolis.
Cada uma das caixas possui uma “levada” diferente e uma afinação específica, a
critério do mestre da bateria. Em geral, a afinação da caixa de cima é mais aguda.
As caixas são os instrumentos mais numerosos dentro de uma Escola de Samba.
E, na maioria das vezes, são elas quem dão identidade às baterias, através de seus
ritmos (Marcelino, 2015:56-57);

 o Chocalho, que faz parte dos instrumentos mais leves da bateria, junto com o
tamborim e a cuíca, vem posicionado na frente da bateria, como os outros dois
instrumentos. Possui um som bem destacado e agudo e é tocado com um
movimento básico para a frente e outro para trás. Acompanha a subdivisão das
caixas e repiniques, ajudando a sustentar o ritmo, aparece geralmente nos refrões
e descansa na estrofe que antecede o refrão principal. O chocalho mais comum é
feito de madeira ou metal, contendo várias fileiras de platinelas fixadas. A
Protegidos da Princesa é a única escola que utiliza outro tipo de chocalho, além
desse descrito anteriormente: o chocalho balão, que é tocado por um único ritmista
e faz uma levada específica com acentos contrários aos dos chocalhos tradicionais
(Marcelino, 2015:59-61);

 o Tamborim, que é um instrumento leve e se apresenta nas primeiras fileiras da


bateria, executa um grande número de levadas combinadas, conhecidas como
desenhos rítmicos, fazendo uma espécie de arranjo solo no samba-enredo. Além
dos desenhos, apresenta uma levada básica tradicional conhecida como 3x1(três
por um) que é padrão nas baterias (Marcelino, 2015:62-63);

 a Cuíca, que é um dos instrumentos mais tradicionais das baterias. ela aparece na
primeira fileira e permite diversas variações na levada (Marcelino, 2015:64);

Há outros instrumentos, além dos já citados anteriormente, que aparecem nas


Escolas de Samba de Florianópolis. Entre eles estão: o agogô, composto por duas, três ou
quatro campânulas de metal e tocado com uma baqueta de madeira, que pode ser tocado
com uma levada básica ou fazendo desenhos rítmicos específicos para cada parte do
samba; os pratos são tocados por apenas um ritmista, que realiza acentos no contratempo
ou em momentos específicos do samba; o xequerê, composto por uma cabaça e diversas
miçangas, geralmente tocado por um único ritmista, que realiza diversas levadas baseadas
nas subdivisões que tentam acompanhar os chocalhos, caixas e tamborins; a frigideira,
preferencialmente feita de metal, possui o som muito agudo e utiliza a levada 1x1 (um
por um); o atabaque, instrumento utilizado nos cultos de candomblé e umbanda e nas
rodas de capoeira, geralmente é utilizado pelas Escolas de Samba como instrumento
diferencial de acordo com o enredo (Marcelino, 2015:65-71)20.

Além da discussão teórica e da apresentação rítmica em partituras, o autor também


disponibiliza um CD com os sons produzidos por cada instrumento. Essa descrição dos
instrumentos musicais presentes nas baterias das Escolas de Samba aparece no guia do
professor, elaborado por este trabalho. Assim, mesmo que o professor não possua acesso
ao livro do autor, é possível identificar os instrumentos e suas funções através desta breve
descrição e procurar áudios dos instrumentos na internet, por exemplo, para ser
apresentado aos alunos.

20
Para conhecer os sons apresentados pelo autor, pode-se visitar o site criado pelo mesmo no link
http://www.ritmosebatucadas.com.br/.
2.2.2 Fonte musical: a letra dos sambas-enredo

Trata-se de uma fonte escrita, propriamente dita, mas que será analisada neste trabalho
como fonte musical, em função da sua dimensão melódica que acompanha a construção
dessa forma de escrita. Assim, a letra é sempre pensada em relação à melodia e vice-
versa. Procura-se identificar o narrador/produtor do texto, o tema, a estrutura do texto,
mas também se busca identificar os instrumentos que compõem o arranjo, tentando
relacioná-los à intenção do autor ao abordar um tipo de sonoridade e não outro.
Abrangendo a dimensão descritiva proposta por Hermeto, essa análise apresenta-se no
Eixo I da proposta, destinado à análise de fontes musicais.

Assim, apresentam-se neste trabalho as duas letras a seguir, que correspondem aos
sambas escolhidos para a metodologia de ensino.

Figura 1. Fonte 3: letra do samba-enredo Contestado, 100 anos da Insurreição


Xucra
Fonte: LETRAS. Letra do samba-enredo da Escola de Samba Os Protegidos da Princesa.
Disponível em: <https://letras.mus.br/protegidos-da-princesa/contestado-100-anos-da-
insurreicao-xucra/>. Acesso em: 20 jan. 2015.

Figura 2. Fonte 4: letra do Samba-enredo O ponto é chic, a Felipe Schmidt é


charme, Floripa é show

Fonte: TAMBORIM. Copa Lord: ouça o samba 2012. Reportagem publicada em 28 nov. 2011.
Disponível em: <http://wp.clicrbs.com.br/tamborim/2011/11/28/copa-lord-ouca-o-samba-
2012/?topo=67,2,18,,,67&status=encerrado>. Acesso em: 20 jan. 2015.

Para a análise das letras dos sambas-enredo, criou-se uma ficha de análise de
samba-enredo que abarcasse os elementos mais importantes da análise dessa linguagem
específica, buscando identificar os elementos descritos acima: título, autor, ano de
produção, estrutura do texto, tema abordado, temporalidade presente no texto, processos
históricos representados pelo samba e os sujeitos da ação no samba-enredo, para que o
aluno, com o intermédio do professor, tenha elementos suficientes para relacioná-los à
produção da melodia e possa compreender quais construções acerca do passado esses
sambas apresentam. Dessa forma, apresenta-se a seguir a ficha de análise de samba-
enredo.

Figura 3. Ficha de análise de samba-enredo

Fonte: Produção da própria autora, 2016.

Pensando no samba-enredo como um subgênero musical de linguagem específica,


o autor Raymundo (2011) historiciza o samba-enredo como gênero épico brasileiro.
Assim, ele nos relata que o samba-enredo constitui-se “em um determinado contexto
político e cultural – o regime nacionalista do Estado Novo, intensificado com a Segunda
Guerra Mundial, e o nacionalismo artístico do Brasil em busca de identidade(s)
unificadora(s)”. Segundo o autor, com a obrigatoriedade de trabalhar temas nacionais, “os
compositores das escolas de samba tiveram de criar um gênero literário-musical onde a
relação com a História fosse central” (Raymundo, 2011:37). Esse gênero criado segue
uma característica da narrativa épica, mostrando os elementos principais dessa narrativa:
o propósito, que apresenta o tema e a dimensão histórica assumida pelo enredo, além da
afirmação do propósito e de elementos simbólicos relacionados a Escola; a invocação do
tema histórico; o In medias res (que significa “no meio das coisas”), que é um recurso
literário no qual a narrativa começa no meio da história, e segundo Raymundo (2011), é
quando o autor do samba-enredo vai ao passado e retorna ao presente; e a enumeração,
que apresenta, recorrentemente no samba, símbolos referentes à própria Escola, como as
cores, o nome da bateria ou alguma palavra que referencie a própria Escola.

Assim, partindo desses elementos específicos presentes nos sambas-enredo e


cruzando com as propostas de Miriam Hermeto para a análise da canção, elaborou-se a
ficha apresentada acima para contribuir com a análise do samba-enredo.

2.2.3 Breve histórico sobre as Escolas de Samba

É de extrema importância apresentar aos alunos um breve histórico sobre as escolas de


samba que escreveram os sambas-enredo escolhidos pelo professor, pois nem todos os
alunos conhecem esse meio cultural, e poucos alunos conhecem um pouco da trajetória
de cada escola de samba de Florianópolis ou de outros locais do Brasil. Além do mais, a
apresentação das escolas de samba corroboram a terceira dimensão apresentada por
Hermeto (2012), que consiste em compreender o lugar social da produção do samba,
presente no Eixo II do guia do professor. Para isso, o próprio professor pode preparar o
material, como eu o fiz, ou pode levar os alunos para a sala de informática (quando
existente e disponível na escola) para realizar a pesquisa. Em geral, os sites das Escolas
de Samba, especialmente as do Rio de Janeiro, já contêm um pouco de suas histórias.
Aqui em Florianópolis, as Escolas de Samba não têm muito a prática de organizar seus
sites em torno de suas histórias, porém pode-se pesquisar em blogs ou sites alternativos,
ou até mesmo em trabalhos acadêmicos, os históricos de algumas Escolas.

O breve histórico, apresentado na fonte a seguir, da Escola de Samba Os Protegidos


da Princesa, foi retirado da revista criada pela própria escola de samba e acrescido de
informações constantes do site da escola, como os títulos de 2014 e 2015 que não
constavam na revista, por ela ter sido publicada em 2011.

Figura 4. Fonte 5: breve histórico da Escola de Samba Os Protegidos da Princesa


Fonte: Produção da própria autora, 201521.

O breve histórico apresentado na fonte a seguir, da Escola de Samba Embaixada


Copa Lord, foi retirado do material produzido pela Escola para a apresentação do enredo
de 2012.

Figura 5. Fonte 6: breve histórico da Escola de Samba Embaixada Copa Lord

21
Esse breve histórico foi produzido a partir das informações encontradas na revista da própria Escola, Nós somos
a resistência do samba, produzida em 2011. Também lhe foram acrescentadas as informações referentes aos
títulos adquiridos após 2011, encontradas no site da própria Escola. Disponível em: <www.protegidos.com.br>.
Fonte: Produção da própria autora, 2015.22

Acredito ser importante utilizar como fonte uma narrativa acerca da história das
Escolas de Samba, produzida por elas mesmas. Existem algumas contradições sobre as
datas e fatos que compõem a sua fundação, porém há certo consenso nessa versão
apresentada por elas, quase como um mito fundador das próprias entidades. Além disso,
através dessas histórias, pode-se dar visibilidade aos locais onde as Escolas se
constituíram e mobilizaram uma identidade, ou seja, os morros da Caixa e do Mocotó,
espaços que por vezes são negligenciados na história de Florianópolis. Assim, abre-se a
possibilidade, também, de dar visibilidade aos sujeitos que moram nesses locais, que
participam ativamente da Escola e que não vivem somente do samba, mas possuem uma
vida, uma rotina, um trabalho além do universo carnavalesco. É possível refletir a partir
da história de Florianópolis sobre como as populações pobres foram retiradas do centro
da cidade, no início do século XX, e passaram a ocupar esses espaços nos morros,
construindo as comunidades presentes atualmente ali.

22
Esse breve histórico foi produzido através das informações encontradas no material que compõe o enredo
oficial do carnaval de 2012, da própria Escola, cedidos a mim pelo compositor e autor do enredo, Edu Aguiar.
2.2.4 Fonte escrita: recorte de jornal

O recorte de jornal apresentado como fonte neste trabalho é considerado uma fonte
escrita, mais especificamente uma fonte impressa. E como tal, possui particularidades na
análise que não devem ser desconsideradas. Assim, além do recorte de jornal apresentado
como fonte, criou-se também uma Ficha de Análise de Fonte Escrita, que procura dar
conta das especificidades da fonte e proporcionar uma análise acerca da reportagem sobre
as transformações urbanas ocorridas na cidade de Florianópolis ao longo do século XX,
para que o aluno, mediado pelo professor, consiga estabelecer um diálogo com as outras
fontes propostas na atividade em que ela aparece.

Assim, o recorte de jornal colocado a seguir se encontra no Eixo II do guia do


professor, no qual se procura trabalhar com a dimensão explicativa, buscando
compreender o local social da produção do samba-enredo.

Figura 6. Fonte 7: recorte de jornal do século XX


Fonte: Jornal O Estado. Florianópolis: O Estado Ltda., 1915-2008.

Para viabilizar a análise da fonte impressa, o recorte de jornal, pautou-se nas


possibilidades metodológicas apresentadas por Tania Regina de Luca (2008) em artigo
escrito para composição do livro intitulado Fontes Históricas. A autora chama a atenção
para a variedade de fontes impressas existentes na atualidade e as possibilidades de
pesquisa, deixando claro que não é possível apresentar uma única metodologia que dê
conta de tantas especificidades. Porém, ela apresenta alguns pontos importantes que
devem ser considerados durante a análise. O primeiro, segundo ela, é localizar a fonte em
uma instituição de pesquisa e verificar as condições de consulta. Depois de escolhida a
fonte, ela apresenta uma listagem de procedimentos que servem como inspiração para
análise (Luca, 2008:142). De acordo com a especificidade deste trabalho e a proposta
metodológica que envolve a fonte impressa, escolhemos alguns itens relevantes para
construir a análise da fonte. Assim, seguem os procedimentos que adotamos, baseados na
sugestão da autora:

Encontrar as fontes;

 Atentar para as características de ordem material (periodicidade,


impressão; papel, uso/ausência de iconografia e de publicidade);

 Assenhorar-se da forma de organização interna do conteúdo;

 Identificar os principais colaboradores;

 Identificar o público a que se destina;

 Analisar todo o material de acordo com a problemática escolhida.


(Luca, 2008:142)

Dessa forma, criou-se uma ficha de análise de fontes escritas que abarque os
elementos mais importantes da análise, buscando identificar o autor, ano de publicação,
editor, acervo a que pertence, tipo de publicação, suporte, título da notícia, tema abordado,
sujeitos da ação, local de produção e o público a quem era destinado essa publicação (no
caso o jornal como um todo), para que o aluno, com o intermédio do professor, tenha
elementos suficientes para relacionar essa produção com as outras fontes apresentadas na
atividade e possa compreender os processos de transformação urbana que ocorrem na
cidade e sua relação com a formação das Escolas de Samba de Florianópolis. Dessa
forma, apresenta-se a seguir a ficha de análise de fontes escritas.

Figura 7. Ficha de análise de fontes escritas


Fonte: Produção da própria autora, 2016.

2.2.5 Fontes iconográficas: imagens da rua Felipe Schmidt, logomarca dos enredos de 2012 e
imagens dos desfiles de 2012

As fontes iconográficas, presentes neste trabalho, são variadas e compõem três tipos
diferentes: as imagens da Rua Felipe Schmidt; as logomarcas dos enredos de 2012 das
duas Escolas de Samba; as imagens dos desfiles das duas Escolas de samba, do ano de
2012. Cada uma dessas iconografias será utilizada em momentos diferentes da proposta
metodológica, com propósitos distintos. O único elemento que será utilizado igualmente
em todas elas é a Ficha de Análise Iconográfica, produzida para dar conta de questões
pertinentes à análise de imagens. Ainda que a própria fotografia seja também uma
representação do momento do desfile, captada através de quem fotografa a cena, essas
fontes podem ser utilizadas para trazer fragmentos do desfile para a sala de aula e
problematizar, através da análise iconográfica, quais representações as Escolas
apresentaram na avenida através de suas alegorias. Já as imagens da Rua Felipe Schmidt
mostram perspectivas da mesma rua em momentos históricos distintos, um em 1920, e
outro em 2008, demonstrando, visualmente, as mudanças ocorridas no centro da cidade
de Florianópolis, ao longo do processo de urbanização da mesma.

Dessa forma, as primeiras iconografias utilizadas na proposta são duas imagens da


Rua Felipe Schmidt, uma da década de 1920, e outra do ano de 2008, que, analisadas
separadamente, num primeiro momento, através da Ficha de Análise, serão comparadas
posteriormente para percepção das transformações na paisagem urbana da cidade de
Florianópolis ao longo dos séculos XX e XXI. Ambas aparecem no Eixo II da proposta,
no qual se procura relacionar o surgimento das Escolas de Samba de Florianópolis com
as modificações urbanas ocorridas nas primeiras décadas do século XX.

Figura 8. Fonte 8: fotografia da rua Felipe Schmidt na década de 1920

Fonte: Rua Felipe Schmidt durante a década de 1920. Florianópolis, década de 1920. Fotografia.
Acervo: Casa da Memória.

Figura 9. Fonte 9: fotografia da rua Felipe Schmidt no ano de 2008


Fonte: VIEIRA, Fabiolla Falconi. Rua Felipe Schmidt em 2008. Florianópolis, 2008. Fotografia.
Acervo: Fabiolla Falconi Vieira.

A próxima iconografia utilizada na proposta é a logomarca do enredo do carnaval


de 2012 de cada uma das Escolas de Samba apresentadas. Essa fonte aparece no Eixo III
da proposta, tanto na atividade V – relacionada ao samba do Contestado, como na
atividade V – relacionada ao samba da Rua Felipe Schmidt. A análise dessa fonte também
se dará através da Ficha de Análise Iconográfica, buscando identificar de que forma a
Escola escolhe representar seu enredo em diversos anúncios e meios de comunicação, já
que a logomarca é utilizada toda vez que se menciona o enredo em alguma mídia, e até
mesmo na confecção dos materiais divulgadores do enredo proposto para aquele ano.

Figura 10. Fonte 12: logomarca do enredo de 2012, da Escola de Samba Os


Protegidos da Princesa
Fonte: OS PROTEGIDOS DA PRINCESA. Logomarca de Lançamento do Enredo de 2012.
Disponível em: <http://wp.clicrbs.com.br/tamborim/2011/07/31/protegidos-da-princesa-
divulgada-a-logomarca-do-enredo/?topo=67,2,18,,,67&status=encerrado>. Acesso em: 30 fev.
2016.

Figura 11. Fonte 13: logomarca do enredo de 2012, da Escola de Samba


Embaixada Copa Lord
Fonte: EMBAIXADA COPA LORD. Logomarca oficial do enredo do carnaval 2012. Disponível
no acervo pessoal de Edu Aguiar. Florianópolis, 2011.

E as últimas fontes iconográficas utilizadas na proposta são as fotografias dos


desfiles de ambas as Escolas de Samba, no ano de 2012. Essas imagens aparecem no Eixo
III da proposta, tanto na atividade V – relacionada ao samba do Contestado –, como na
atividade V – relacionada ao samba da Rua Felipe Schmidt. A análise dessa fonte também
se dará através da Ficha de Análise Iconográfica, buscando identificar de que forma a
Escola escolhe representar plasticamente os elementos do enredo e do samba-enredo na
avenida.

Figura 12. Fonte 14: fotografia da comissão de frente da Escola de Samba Os


Protegidos da Princesa
Fonte: COMISSÃO de Frente: Monge João Maria Agostinho. Os Protegidos da Princesa, Desfile
2012. Fotografia. Acervo: Raphael Soares.

Figura 13. Fonte 15: fotografia do carro abre-alas da Escola de Samba Os


Protegidos da Princesa

Fonte: FILHO, Evaldo Silva. Carro Abre Alas: Os primeiros donos da terra e a natureza. Os
Protegidos da Princesa: Desfile 2012. Fotografia. Acervo: Liga das Escolas de Samba de
Florianópolis.

Figura 14. Fonte 16: fotografia do segundo carro alegórico da Escola de Samba Os
Protegidos da Princesa
Fonte: SEGUNDO Carro Alegórico: Pelos trilhos da ambição… O dragão do Contestado. Os
Protegidos da Princesa: Desfile, 2012. Fotografia. Acervo: Raphael Soares.

Figura 15. Fonte 17: fotografia do terceiro carro alegórico da Escola de Samba Os
Protegidos da Princesa
Fonte: TERCEIRO Carro Alegórico: Verá que um filho teu não foge à luta! A esperança no oeste
catarinense. Os Protegidos da Princesa: Desfile 2012. Fotografia. Acervo: Raphael Soares.

Figura 16. Fonte 19: fotografia da comissão de frente da Escola de Samba


Embaixada Copa Lord

Fonte: F4 FOTOGRAFIAS & SOLUÇÕES FOTOGRÁFICAS. Comissão de Frente: Retratos do


tempo- abraçando o passado e o presente. Embaixada Copa Lord: Desfile 2012. Fotografia.
Acervo: Liga das Escolas de Samba de Florianópolis.

Figura 17. Fonte 20: fotografia do carro abre-alas da Escola de Samba Embaixada
Copa Lord
Fonte: KUERTEN, Guto. Carro Abre-Alas: Ponto Chic- O aroma está no ar, que cafezinho
gostoso. Embaixada Copa Lord: Desfile de 2012. Acervo: Diário Catarinense.

Figura 18. Fonte 21: fotografia do segundo carro alegórico da Escola de Samba
Embaixada Copa Lord
Fonte: KUERTEN, Guto. Segundo Carro Alegórico: Felipe Schmidt- marco zero, rua principal
que faz pulsar o coração da cidade. Embaixada Copa Lord: Desfile 2012. Fotografia. Acervo:
Diário Catarinense.

Figura 19. Fonte 22: fotografia do terceiro carro alegórico da Escola de Samba
Embaixada Copa Lord

Fonte: KUERTEN, Guto. Terceiro Carro Alegórico: A grande parada da diversidade. Embaixada
Copa Lord: Desfile 2012. Fotografia. Acervo: Diário Catarinense.

Para análise das fontes iconográficas, especialmente as fotografias, pautou-se nos


estudos desenvolvidos pelo fotógrafo e historiador Boris Kossoy (2012). Considerando a
fotografia como um resíduo do passado e uma fonte histórica aberta a diversas
interpretações, o autor ressalta que a fotografia nos traz apenas informações visuais de
um fragmento de determinado fato, selecionado estética e ideologicamente. Cabe ao
pesquisador compreender a imagem fotográfica enquanto informação descontínua do
passado, utilizando métodos e princípios de investigação das fontes, segundo a
abordagem sociocultural. Assim, o artefato fotográfico “é caracterizado e percebido, pois,
pelo conjunto de materiais e técnicas que lhe configuram externamente enquanto objeto
físico e, pela imagem que o individualiza, o objeto-imagem, partes de um todo indivisível
que integram o documento como tal” (Kossoy, 2012:48). Para realizar a análise
fotográfica, o autor propõe uma metodologia que abrange dois eixos: 1) a procedência e
trajetória do documento fotográfico; 2) a análise técnica e iconográfica da imagem.

O primeiro momento, que diz respeito à procedência e trajetória da imagem,


abrange a pesquisa da própria procedência do documento. Assim, deve-se registrar a
época e o lugar do achado no momento em que a fonte se apresenta ao pesquisador, e a
investigação da origem da fonte quanto ao tempo e ao lugar de onde procede a fotografia
(Kossoy, 2012:78). O segundo momento, que diz respeito à análise técnica e iconográfica
da imagem, visa reunir dados sobre o assunto, o fotógrafo e a tecnologia utilizada na
confecção da imagem. As duas análises, técnica e iconográficas, são feitas em conjunto e
não separadamente, pois o cruzamento dos dados é que dará suporte à compreensão da
imagem como produto de um determinado lugar e época (Kossoy, 2012:81). Para a
proposta desta metodologia de ensino e a construção da ficha de análise descrita a seguir,
será realizada uma adaptação da proposta metodológica, levando em consideração o
ambiente escolar e o tempo previsto para a atividade e a pesquisa histórica. Assim,
buscaram-se destacar da fotografia alguns elementos relevantes para a análise da fonte e
seu cruzamento com as outras fontes propostas na metodologia. Dentre as sugestões
apresentadas pelo autor para a análise fotográfica e iconográfica, utilizamos as seguintes
informações: 1) a identificação – nomes, títulos e demais elementos de identificação do
documento; 2) Localização do documento – acervo a que pertence; 3) Tema apresentado
na imagem – objetos, ações e paisagens que aparecem; 4) Informações referentes à
tecnologia – a reprodução é colorida ou preto e branco. Somaram-se a esses elementos o
questionamento sobre o motivo de produção da imagem e para quem a imagem foi
produzida.

Partindo dessa premissa, criou-se uma ficha de análise de fontes iconográficas que
abarcasse os principais elementos de análise, buscando identificar: o autor, ano de
produção da imagem, acervo a que pertence, tipo de produção, local de produção, motivo
da produção, para quem foi produzida; além da descrição da imagem – se é colorida ou
em preto e branco, quais os elementos observados nela – atitudes, gestos ou ações, e que
tipo de efeito o conjunto desses elementos produz na imagem. Tudo isso para que o aluno,
com o intermédio do professor, tenha recursos suficientes para relacionar essa produção
com as outras fontes apresentadas na atividade e possa também identificar as
representações históricas criadas pela Escola de Samba acerca do tema histórico
escolhido por ela para desfilar na avenida. Dessa forma, apresenta-se a seguir a ficha de
análise de fontes iconográficas.

Figura 20. Ficha de análise de fontes iconográficas


Fonte: Produzida pela própria autora, 2016.

2.2.6 Fontes orais: trechos da entrevista com um dos compositores do samba-enredo

As fontes orais, utilizadas para a confecção deste trabalho, estão amparadas nos preceitos
da História Oral, que estabelece conceitos e diretrizes de como realizar entrevistas orais
e proceder com o tratamento das fontes produzidas a partir das entrevistas.

De acordo com a proposta metodológica referente à História Oral, apresentada pela


autora Alberti (2008), em artigo elaborado para o livro Fontes Históricas, realizaram-se
as entrevistas apresentadas neste trabalho e a ficha de análise de fontes orais. Assim, a
autora divide o trabalho de produção de fontes orais em três momentos: preparação das
entrevistas, realização e tratamento.

A preparação das entrevistas deve ser realizada a partir de um projeto de pesquisa


que defina quais os objetivos da entrevista, quem será entrevistado, quantas pessoas serão
entrevistadas e que tipo de entrevista será realizada (Alberti, 2008:172). Desta forma,
foram escolhidas duas pessoas para a entrevista, cujo foco era a elaboração da
metodologia de ensino com sambas-enredo no ensino de História. Realizaram-se duas
entrevistas orais, uma com o compositor Willian Tadeu, da Escola de Samba Os
Protegidos da Princesa, e outra com o compositor Edu Aguiar, da Escola de Samba
Embaixada Copa Lord.
Em seguida, “elabora-se o roteiro geral de entrevistas, que servirá de base para os
roteiros individuais dos entrevistados” (Alberti, 2008:176). Então, elaborou-se um termo
de consentimento (Apêndice 1), contendo informações acerca da pesquisa desenvolvida
e das intenções da utilização das entrevistas para elaboração da mesma, e organizou-se
previamente um roteiro de entrevista (Apêndice 2), contendo questionamentos relevantes
para nortear a entrevista oral em torno de três eixos principais: 1) a relação e o
envolvimento do compositor com a Escola de Samba, que busca compreender qual a
participação do entrevistado na entidade através de alguns questionamentos, como:
quando teve o primeiro contato com a Escola? Sua participação fica restrita a composição
de sambas? Participa de outras Escolas de Samba? Como funciona uma Escola de Samba?
O que mais gosta no envolvimento com a Escola? Quais desafios? Qual sua relação com
outros participantes? etc.; 2) a relação entre a Escola de Samba e o Carnaval, que vai
abarcar questionamentos sobre a preparação da Escola para o Carnaval, respondendo a
questões, como: quanto tempo a Escola leva para preparar um Carnaval? Como funciona
a Escola no período anterior e posterior ao mês de desfile na avenida? De que forma é
escolhido o tema para o próximo Carnaval? Quem decide qual tema será utilizado? De
que forma se relacionam enredo e samba-enredo? Como é composto um samba-enredo?
Como é escolhido o samba-enredo que vai para avenida? Como funciona a escolha dos
elementos artísticos que serão levados à avenida? Quem escolhe esses elementos? Como
ocorre a relação tema/samba-enredo/adereços e fantasias? etc.; 3) sobre o samba-enredo
de 2012, questões acerca das escolhas feitas em relação ao Carnaval de 2012, tais como:
de que forma a Escola escolheu o tema para o ano de 2012? De que forma o samba-enredo
foi elaborado? O samba teve a repercussão esperada na avenida? Foi representado
esteticamente como imaginado pelos compositores?

A partir da elaboração do roteiro, marcou-se a entrevista, esclarecendo como seria


o procedimento e quais os objetivos da pesquisa, seguindo a metodologia proposta por
Alberti (2008). A entrevista foi realizada em local e horário escolhidos pelos
entrevistados, de acordo com suas disponibilidades, gravando a conversa em áudio, como
proposto na metodologia da História Oral. Foi realizada a transcrição das duas entrevistas
e apresentada novamente aos entrevistados, para que estes analisassem a transcrição e
autorizassem o uso das informações na elaboração deste trabalho. Após o consentimento
dos entrevistados, realizaram-se a leitura e análise das entrevistas a fim de selecionar os
trechos que seriam utilizados na confecção do material didático a ser usado na
metodologia de ensino proposta.

As fontes orais podem apresentar um grande potencial no ensino de História, na


medida em que se constituem de relatos deixados por pessoas, e não somente documentos
oficiais, e fazem o aluno perceber que a história é constituída de sujeitos reais, e não
somente de textos lidos em sala de aula. Nesse sentido, o professor pode explorar essa
dimensão “real” da participação dos sujeitos na construção da história, através desses
relatos. E no caso da análise dos sambas, e se desejar, pode instigar os alunos a produzir
entrevistas orais com pessoas próximas a eles, seguindo o mesmo método apresentado.
Este trabalho não vai propor que os alunos realizem entrevistas orais, devido à
complexidade do processo e ao tempo despendido para tal.

Assim, os documentos a seguir (Figura 21 e 22) mostram os trechos extraídos das


entrevistas realizadas, tais como mencionados pelos entrevistados. Optou-se pela
transcrição literal da fala dos entrevistados e foram selecionados basicamente dois trechos
da entrevista: um sobre a forma como é realizada a escolha dos enredos na Escola de
Samba, e outro sobre a forma como o samba-enredo é composto. Ambos os trechos
escolhidos foram pensados e selecionados com o propósito de atender à proposta didática
apresentada aos professores no guia do professor. Caso a escolha do professor em relação
à utilização da entrevista oral como fonte em sala de aula atenda a outro propósito, pode-
se e deve-se selecionar outros trechos presentes nas entrevistas disponibilizadas através
do Google Drive.23

Figura 21. Fonte 10: entrevista oral com o compositor Willian Tadeu, da Escola de
Samba Os Protegidos da Princesa

23
https://drive.google.com/open?id=0BxP3QbLsQ3kwUzVxbU9KOFM5dTA.
Fonte: TADEU, Willian. O samba pede passagem: o uso de sambas-enredo no ensino de história.
Florianópolis, 2015. Entrevista realizada por Fabiolla Falconi Vieira.

Figura 22. Fonte 11: entrevista oral com o compositor Edu Aguiar, da Escola de
Samba Embaixada Copa Lord
Fonte: AGUIAR, Edu. O samba pede passagem: o uso de sambas-enredo no ensino de história.
Florianópolis, 2016. Entrevista realizada por Fabiolla Falconi Vieira.

Para análise das fontes orais, criou-se uma ficha de análise que abarcou os principais
elementos de análise, buscando identificar o entrevistado e sua relação com a Escola de
Samba, ano de realização da entrevista, local de realização, analisando de que forma o
entrevistado descreve os processos de escolha do enredo, realizado pela Escola, e de que
forma é feita a composição do samba-enredo, realizado pelos compositores. Dessa forma,
apresenta-se a seguir a ficha de análise de entrevistas orais.

Figura 23. Ficha de análise de entrevista oral


Fonte: produzida pela própria autora, 2016.

2.2.7 Fontes historiográficas: trechos da historiografia acerca dos temas “Guerra do Contestado”
e “Rua Felipe Schmidt”

As fontes historiográficas presentes neste trabalho, como o próprio título informa, são
trechos da historiografia acadêmica pertinentes aos temas abordados pelos dois sambas-
enredo escolhidos, a Guerra do Contestado e a rua Felipe Schmidt. Tal como realizado
com as entrevistas orais, foi feito um recorte de um trecho sobre cada assunto, para que
os alunos, mediados pelo professor, possam realizar análises relacionando a historiografia
oficial ao tema abordado pelo samba.

Assim, é possível observar, no material didático, que existe uma atividade


específica para cada tema. Enquanto o tema sobre a Guerra do Contestado apresenta uma
proposta de análise comparativa entre a forma como a historiografia retrata a guerra e a
forma como o samba-enredo a retrata, o samba que aborda a rua Felipe Schmidt apresenta
uma outra proposta de análise, na qual busca identificar, através das narrativas
historiográficas, os processos de sociabilidade que ocorriam na rua em questão e no seu
entorno, além de comparar com a narrativa apresentada no samba e perceber rupturas e
permanências nas práticas de sociabilidade realizadas pelos estudantes, atualmente, no
mesmo local. Há uma possibilidade de explorar as duas imagens presentes na atividade
IV, que representam momentos diferentes da rua Felipe Schmidt, em 1920 e em 2008, em
conjunto com a análise das narrativas acerca da rua, ou seja, o professor pode fazer usos
dessas imagens também na atividade V, quando serão analisadas as representações da rua
através do samba e da historiografia.

A seguir seguem os recortes selecionados para cada tema:

Figura 24. Fonte 18: trecho da historiografia sobre a Guerra do Contestado

Fonte: MACHADO, Paulo Pinheiro. Um estudo sobre as origens sociais e a formação política das
lideranças sertanejas do Contestado, 1912-1916. Campinas, 2001. xvi, 498 p. Tese (Doutorado)
– Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Departamento
de História. Disponível em: <http://www.tede.ufsc.br/teses/UNICAMP0147-T.pdf>. Acesso em:
19 set. 2016.

Figura 25. Fonte 23: trecho da historiografia sobre as práticas de sociabilidade


realizadas na rua Felipe Schmidt e em seu entorno
Fontes: SOUZA, Isabella Cristina de. Ponto Chic, um ponto de encontro: a trajetória do café
senadinho na sociabilidade urbana de Florianópolis. TCC (graduação) – Curso de História, Centro
de Filosofia e de Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2013.
VIEIRA, Alexandre Sardá. Sessão das moças: sociabilidades por escrito. Cordis: Revista
Eletrônica de história social da cidade. São Paulo, vol. 1, n. 6, p. 5-27, jan. 2011. Disponível em:
<http://revistas.pucsp.br/index.php/cordis/article/view/10306/7993>. Acesso em: 16 set. 2016.

A historiografia é construída através de um método científico. O que a torna tão


singular em relação às outras fontes históricas são os profissionais formados para realizar
uma pesquisa histórica e construir uma narrativa acerca dessa pesquisa, com o uso de
fontes históricas. Assim, a narrativa historiográfica apresenta sempre as fontes que foram
utilizadas para a pesquisa, além de relacioná-las com pesquisas já existentes no meio
acadêmico, e de usar um método cientifico específico para tratamento e análise das fontes.
Nesse sentido, é muito importante que os alunos tenham contato com esse tipo de fonte,
uma vez que, através dela, eles podem ter contato com o conhecimento cientifico e pensar
a construção da história a partir da profissão do historiador e dos usos que este faz das
fontes históricas.
Para análise das fontes historiográficas, criou-se uma ficha de análise de fontes
historiográficas que proporcionasse uma identificação dos principais elementos textuais,
como a identificação do autor da obra, título, editor, ano de publicação, tema histórico
abordado, uma análise textual que apresente os processos históricos discutidos pelo autor,
os sujeitos apresentados pelo autor e suas ações em relação à temática. Dessa forma,
apresenta-se a seguir a ficha de análise de fontes historiográficas.

Figura 26. Ficha de análise de fontes historiográficas

Fonte: produzida pela própria autora, 2016.

A partir da análise da fonte historiográfica, o professor pode explorar as qualidades


do método cientifico de análise e de construção da narrativa, apresentando uma forma
científica de produzir história. Ao comparar essa fonte com a construção narrativa
apresentada pelos sambas-enredo, o professor pode mobilizar as diferentes formas de
narrativa histórica presentes em nossa sociedade. O objetivo aqui não é provar qual das
fontes é mais verdadeira, mas sim mostrar que existem diferentes formas de utilizar a
narrativa histórica, com diferentes propósitos. Assim, enquanto os sambas-enredo são
construídos a partir de uma narrativa, criada exclusivamente para apresentar uma história
na avenida e sensibilizar a plateia para a aceitação do espetáculo promovido pela Escola,
a historiografia preocupa-se em realizar uma narrativa, em linguagem acadêmica, que dê
conta de responder aos questionamentos feitos pelo pesquisador/historiador as fontes
históricas.
Considerações finais

Este trabalho apresentou como proposta principal a reflexão acerca do desenvolvimento


de uma metodologia de Ensino de História por meio do uso de sambas-enredo pautada
nas discussões acerca do uso de fontes históricas em sala de aula.

A partir das problematizações acerca das fontes históricas, que este trabalho foi
elaborado. Considerando o samba-enredo como um objeto de estudo, e compreendendo
que ele é construído socialmente em um determinado momento histórico, por um grupo
específico, para um grupo específico, propomos sua análise através da relação dele,
enquanto objeto, com outras fontes históricas – fotografias, recortes de jornais,
historiografia, breve história das Escolas. Assim, possibilitando aos professores e alunos
a construção do conhecimento histórico em conjunto. Partiu-se da análise de dois sambas-
enredo como exemplo, para formular a proposta que pode ser utilizada com outros
sambas, ou até mesmo ser modificada pelo professor se ele assim preferir.

Em princípio, o material final apresentaria uma proposta com diversos sambas-


enredo de Florianópolis, onde os alunos produziriam, através da pesquisa histórica, um
novo samba-enredo. Porém, ao longo do caminho, foram realizadas escolhas, em relação
aos sambas, para que fosse viável propor uma metodologia. Também, com o tempo essa
metodologia foi ganhando forma, já que em princípio não se havia pensado em propostas
de atividades. Foi analisando outros materiais já disponíveis, que elaborei o trabalho final.
O percurso para elaboração, como já mencionado, foi longo e exigiu muita pesquisa, mas
também se tornou prazeroso e satisfatório na medida em que o material didático foi
tomando forma.

Todos sabem o quanto é difícil e sobrecarregada a vida de professor no Brasil,


porém não devemos desanimar e nem deixar de dar uma aula de qualidade por causa
disso. Assim, acredito que um caminho possível foi apresentado ao longo dessas páginas
e no material didático que compõe este trabalho. Saliento que dar aulas através da
pesquisa histórica, mostrando ao aluno como é construída a história, e fazendo ele se
tornar protagonista dessa construção, é um caminho bem interessante para começarmos a
mudança no ensino. Não é uma proposta nova, mas ainda é pouco utilizada pela maioria
dos professores. Além de se tornar mais atrativa para os alunos, ao que me parece, torna
as aulas mais dinâmicas. Ainda é um desafio ao professor, pois não é tarefa fácil de ser
aplicada em sala de aula, em função da quantidade de alunos em cada sala, mas acredito
que conforme os alunos vão se interessando pela proposta, ela vai se concretizando. Por
isso, o potencial desse material, pois através dele é possível de iniciar essa tarefa de
ensinar através da análise de fontes históricas e melhorar o ensino de História nas escolas.
Mesmo que o professor decida não utilizar todo o material, ou utilizar outros sambas, ou
nem utilizar os sambas, ele pode, através desse material, usar algumas fontes, ou as fichas
de análise, ou as propostas de atividades e reformulá-las para aplicar a outros materiais.

O material apresentado como fonte final, converge com a proposta deste Mestrado
Profissional em Ensino de História e com a linha de pesquisa Linguagens e Narrativas
Históricas: Produção e Difusão, a qual está vinculado, pois ele apresenta como
peculiaridade o samba-enredo como uma linguagem que produz narrativas históricas e é
difundida pelas Escolas de Samba de Florianópolis. Assim, o material didático vai
trabalhar esses sambas-enredo como fontes históricas específicas, produtoras de saberes
e difusoras de narrativas históricas. Pensando no samba como fonte, optou-se não
trabalhar ele isoladamente, mas correlacionando-o com outras fontes que pudessem
auxiliar na construção de conhecimento histórico escolar. O samba-enredo, por conter
uma linguagem musical especifica, na medida em que conta uma história, torna-se um
atrativo para as aulas de história e um caminho para abordar conteúdos históricos que são
trabalhados no currículo escolar. Além disso, através dos sambas-enredo, podem-se
discutir aspectos culturais de nossa sociedade, como o Carnaval, festa já presente em
nosso calendário, e diversos outros temas como a história de Florianópolis, discutindo
urbanização, a formação dos morros e o deslocamento das populações pobres do centro
da cidade, e atualmente, o contexto das comunidades onde as Escolas estão inseridas, a
produção de saberes dessas Escolas de Samba e os sujeitos que compõe essas Escolas.

Esse trabalho, não buscou problematizar os estudos já vigentes acerca da construção


social do samba e do samba-enredo como subcategoria desse gênero musical, mas
apropriou-se desses estudos para problematizar o samba-enredo como fonte histórica, e
contribuir na elaboração do material didático apresentado. Também, não foi pretensão
deste trabalho apresentar uma proposta metodológica “fechada”, mas sim um caminho
possível de como trabalhar o samba-enredo, em conjunto com outras fontes históricas,
em sala de aula. Considerando o samba-enredo como produto de um universo cultural
muito rico, constata-se ao longo do trabalho que o samba-enredo apresenta uma versão
histórica do tema escolhido pela Escola de Samba, dentre tantas outras versões existentes
em nossa sociedade acerca do mesmo tema. E que este tema pode convergir ou não com
versões acadêmicas acerca da História, mas que assim como qualquer produto cultural
ele representa uma narrativa histórica construída a partir do tempo presente e com um
objetivo bem específico: apresentar ao público uma narrativa (histórica, ou não)
compreensível, que mobilize o sentimento das pessoas presentes no desfile na avenida.

Assim, o material final apresentado neste trabalho constitui-se como um convite


aberto aos professores para aventurar-se no universo da pesquisa histórica e levá-la a sala
de aula como proposta metodológica de ensino.

Referências

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Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998.
Apêndice

GUIA PARA O PROFESSOR – Sambas enredo em sala

Clique aqui para acessar o arquivo.


Ensino de História e o ofício do historiador:
A investigação do processo de patrimonialização do espaço físico da Escola
Estadual Professor Olintho de Oliveira (Porto Alegre/RS) com alunos e alunas
do 6º ano do ensino fundamental

Leandro Balejos Pereira


Aos meninos e às meninas das salas, do pátio, da cozinha, do
afeto e das estripulias.

As imagens descem como folhas


No chão da sala
Folhas que o luar acende
Folhas que o vento espalha

Eu plantado no alto em mim


Contemplo a ilusão da casa
As imagens descem como folhas
Enquanto falo

[…]

As imagens se acumulam
Rolam no pó da sala
São pequenas folhas secas
Folhas de pura prata

Eu plantado no alto em mim


Contemplo a ilusão da casa
As imagens se acumulam
Rolam enquanto falo

[…]

As imagens enchem tudo


Vivem do ar da sala
São montanhas secas
São montanhas enluaradas

Eu plantado no alto em mim


Contemplo a ilusão da casa
As imagens enchem tudo
Vivem enquanto falo

Eu sei
O tempo é o meu lugar
O tempo é minha casa
A casa é onde quero estar
Eu sei

A Ilusão da Casa, Vitor Ramil. Tambong, 2000.


Lista de abreviaturas e siglas

BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento

Bird – Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento

Capes – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

EPAHC – Equipe do Patrimônio Histórico e Cultural do Município de Porto Alegre

Fies – Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior

Ideb – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica

LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação

MCSHJC – Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa

MEC – Ministério da Educação

NEP – Núcleo de Educação e Pesquisa do Museu de Comunicação Social Hipólito José


da Costa

PDE – Plano de Desenvolvimento da Educação

ProUni – Programa Universidade para Todos

Reuni – Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades


Federais

SAEB – Sistema de Avaliação da Educação Básica

Unesco – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura


Sumário

1. Introdução

2 Conhecendo a turma e preparando a construção do projeto de exposição

2.1 Narrar a vida e formular um conceito preliminar para a história

2.2 O historiador e suas fontes: esboçando uma noção de fonte histórica

2.3 Aprender história a partir das noções de patrimônio cultural e patrimônio escolar

2.4 Ir ao museu: a fotografia como fonte na ação educativa “a escrita da luz”

3 O percurso de construção do projeto de exposição

3.1 Conhecer o acervo fotográfico da escola e formular uma metodologia de pesquisa

3.2 Espaço escolar: lugar de seleção e produção de fontes históricas

3.3 O projeto expográfico como suporte para a divulgação de pesquisa histórica no


ensino fundamental

3.4 Avaliando noções e conceitos adquiridos pelos estudantes do ensino fundamental

4 Considerações finais

Fontes

Referências

Anexos

Anexo A – Exemplos das fontes escritas analisadas em sala de aula

Anexo B – Amostra das imagens selecionadas no acervo fotográfico da escola

Apêndices

Apêndice A – Questões sobre a história de vida dos alunos e das alunas

Apêndice B – Síntese textual redigida pelo professor

Apêndice C – Ficha de pesquisa (I) utilizada na investigação do acervo documental

Apêndice D – Produção textual discutindo o conceito de patrimônio cultural


Apêndice E – Ficha de pesquisa (II) utilizada na catalogação do acervo fotográfico

Apêndice F – Registros fotográficos da visitação ao MCSHJC

Apêndice G – Descrição das imagens selecionadas no acervo fotográfico

Apêndice H – Avaliação escrita sobre os temas discutidos no 1º bimestre de 2016

Apêndice I – Autorização dos responsáveis para atividade fora da escola


1. Introdução

Durante o Mestrado Profissional em Ensino de História, como produto das disciplinas cursadas,
foram enumerados diversos assuntos e temas de pesquisa que procuravam refletir sobre a
complexidade e a incompletude inerentes ao ato de ensinar, e o desafio de pensar estratégias
capazes de dialogar com formulações curriculares que precisam dar conta da educação dos
sujeitos para além do conhecimento histórico. Destas construções e implosões temáticas
permaneceu a curiosidade, latente e desestabilizadora, sobre a possibilidade do ensino da
história através do patrimônio escolar; e o enfrentamento do problema da fonte na história
ensinada na educação básica.

O trabalho aqui apresentado assume a relação entre história e memória como um dos
desafios disciplinares da História no âmbito escolar e pretende refletir sobre o ofício do
historiador a partir da investigação do processo de patrimonialização do espaço escolar. Desta
forma reconhece a materialidade das instituições formais de educação como possibilidade de
atuação da História, enquanto disciplina que proporciona diferentes leituras do mundo,
inclusive a reflexão sobre a memória e a cultura material. A pesquisa aponta como objetivo
fundamental verificar quais as possibilidades de ensinar e aprender história nos anos finais do
ensino fundamental investigando o processo de patrimonialização do espaço escolar e investe
na construção de noções de documento e fontes para a história, na narrativa como mediação
entre o passado e o conhecimento histórico, bem como na noção de patrimônio cultural e seus
desdobramentos enquanto possibilidade para a educação histórica.

Entre as peculiaridades do curso de mestrado está, além da docência como pré-requisito


de ingresso, a possibilidade de construir e defender uma proposta de intervenção pedagógica.
Assim, corroborando com estas duas condições, além de discutir teoricamente o problema
anunciado e avaliar os resultados da pesquisa, este trabalho de conclusão apresenta, descreve e
avalia um projeto de exposição em execução no ambiente escolar com autoria coletiva dos
alunos e alunas do 6º ano do ensino fundamental. A exposição reúne imagens e excertos de
fontes selecionados em atividades de aula constituídas a partir de documentos do acervo da
escola, além de registros fotográficos e textos produzidos pelos estudantes.

A elaboração do projeto de exposição, enquanto materialização das reflexões


desencadeadas nas aulas de História pelos discentes e também pelo docente está inserida na
experiência vivida na Escola Professor Olintho de Oliveira,1 sediada na rua da República, 635,
no bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre. Fundada há mais de meio século, a escola apresenta
três conjuntos arquitetônicos de alvenaria: dois inaugurados no final da década de 1970; e o
terceiro cuja construção é de 1919, portanto, anterior ao início das atividades da instituição
ainda como grupo escolar ocorrido em março de 1956.2 A edificação mais antiga foi interditada
em agosto de 2012, por problemas estruturais.3 Na ocasião, o prédio abrigava os setores
administrativos e a biblioteca da escola, da qual parte do acervo ainda está na construção
fechada.

Figura 1. Área da Escola Estadual Professor Olintho de Oliveira4

Fonte: Google Maps, novembro de 2016.

1
Instituição da Rede Estadual de Educação do Rio Grande do Sul. A unidade escolar oferece ensino fundamental,
atendendo no corrente ano letivo 361 estudantes, conforme Relatório de distribuição de matrículas do ensino
fundamental (9 anos) calendário 2016. Os alunos e as alunas atendidos provêm, predominantemente, das regiões
centro e sul de Porto Alegre. O quadro de recursos humanos da unidade escolar conta com 28 docentes e 6
funcionárias. A estrutura física compreende oito salas de aula, uma sala de audiovisual e laboratório de informática,
banco do livro (sem espaço destinado à leitura), refeitório, quadra de esportes e área para recreação.
2
Decreto assinado pelo governador Ildo Meneghetti e pelo secretário de Educação e Cultura Liberato Salzano
Vieira da Cunha que tem como objeto a criação de um Grupo Escolar, situado à rua José do Patrocínio, 954, em
Porto Alegre. RIO GRANDE DO SUL. Decreto Nº 6.945, de 16 de março de 1956. Publicado no Diário Oficial
do Estado do Rio Grande do Sul, 17 de março de 1956, p. 1. Disponível em: http://corag.rs.gov.br/doe.
3
O auto de interdição avaliou que a estrutura apresentava “risco iminente de colapso” e recomendou a “retirada
das pessoas” e do mobiliário do prédio. RIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Obras Públicas, Irrigação e
Desenvolvimento Urbano. 1ª Coordenadoria Regional de Obras Públicas. Auto de Interdição, 8 de agosto de 2012.
4
Assinalados em azul os dois prédios construídos na década de 1970. Marcado em rosa, o sobrado construído em
1919 e interditado em 2012.
Desde a interdição o espaço passou a ser caracterizado como “lugar proibido”. Para além
das orientações de segurança que justificam a não permanência no prédio, o “casarão”, como é
chamado, tornou-se personagem central nos discursos de professores e estudantes sobre o
“passado do Olintho”; embora muito pouco se saiba sobre o local, ele é conector entre o passado
e o presente da comunidade escolar. Embasa uma percepção romantizada do passado ao ativar
na memória, especialmente de professores, “flashes” de um tempo de ordem e relevância social,
ao mesmo tempo em que materializa a percepção de um presente desgastado, de um espaço
escolar outrora sólido e hoje marcado pelo aparecimento de “rachaduras”. Este processo
reafirma, como propõe Ulpiano Meneses, que a tradição não é um conjunto de valores
definitivamente consolidado, mas, antes, uma construção sempre exposta aos meandros da
dinâmica social. Ou seja, a memória é elaborada no presente e pela solicitação do presente, e
compõe um processo retrospectivo.5

Corriqueiramente a memória é atrelada a processos de retenção e de armazenamento e


nem sempre suas estratégias de seleção e descarte merecem a devida atenção. Por esse ângulo,
outro elemento fundamental na memória da comunidade escolar sobre o “casarão” são os
relatos envolvendo o processo de tombamento do prédio como patrimônio cultural da cidade.
A edificação, construída em 1919, tornou-se um espaço ambivalente na medida em que lastreia
uma memória “positiva” sobre a comunidade que deve ser preservada e, simultaneamente,
obstaculiza a possibilidade de refletir sobre as consequências de um presente material
interditado.

Em consulta aos documentos da Equipe do Patrimônio Histórico e Cultural do


Município de Porto Alegre foi possível verificar que os membros da comunidade escolar
elaboraram um discurso sobre o tombamento do prédio que não é sustentado pela
documentação, na qual está registrado que a edificação foi alvo de um inventário pelo órgão
municipal.6 De acordo com a definição da EPAHC, o tombamento age seguindo o critério da

5
Ao argumentar em favor da fronteira que separa a memória e história, embora sem ignorar os pontos de interseção
entre ambas, Meneses enfatiza a necessidade de vigilância para que os procedimentos de gestão da memória não
contaminem a história, colocando a memória como objeto a ser tratado pela história e não como alternativa ao
conhecimento histórico e tampouco da “História como duplo científico da memória”, preservando ao historiador
a função da crítica (Meneses, 1992:13-14 e 23).
6
Na listagem de bens tombados em Porto Alegre o imóvel aparece como inventariado e classificado como
estruturação. Bens Tombados e Inventariados em Porto Alegre, 2013, p. 85. E no relatório de imóveis
inventariados na municipalidade, a classificação estruturação é explicitada como a que determina as edificações
“que tomadas individualmente ou integrando conjuntos, se constituem em elementos significativos ou
representativos para a preservação da paisagem cultural do Município. São edificações que devem ser preservadas,
não podem ser destruídas ou descaracterizadas”. Inventário do Patrimônio Cultural de Bens Imóveis de Porto
Alegre, 2014, p. 2.
“excepcionalidade” para a preservação de edificações, enquanto o inventário tem foco na
preservação das características arquitetônicas de edificações de interesse “sociocultural”, que
configuram espaços de referência para a memória coletiva e estruturam a paisagem e a
ambiência da cidade. Definição esta que, mesmo instituindo a necessidade da caracterização
arquitetônica e vedando a destruição do prédio, não interdita a possibilidade de melhorias e
readequações necessárias ao uso social da construção.

Tomando em conta estas considerações, propõe-se que alunos e alunas do 6º do ensino


fundamental possam refletir sobre o ofício do historiador na investigação da patrimonialização
do prédio mais antigo do conjunto arquitetônico da Escola Professor Olintho de Oliveira,
destacando o ciclo de vida da edificação, seus distintos usos e que características lhes são
atribuídas para fundamentá-lo como patrimônio. Para este objetivo a pesquisa no acervo
documental e iconográfico da escola será simultaneamente recurso metodológico e questão
mobilizadora para a produção de conhecimento histórico no ensino fundamental.

***

A trajetória do ensino de história dialoga com o processo de constituição da disciplina e da


formulação da legislação para garantir o oferecimento regular do ensino básico no país. A
década de 1980 marca no caminho do ensino de história no Brasil momento importante, quando
estavam na pauta dos governos estaduais, que à época passavam novamente a ser eleitos, os
currículos estabelecidos pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 19717. As críticas ao
ensino proposto na lei tiveram dois desdobramentos importantes: o primeiro foi a iniciativa por
parte das Secretarias de Educação de construir uma proposta alternativa e, o que pode ser até
mais significativo, considerar a representação dos docentes na discussão no novo modelo; e o
segundo movimento destacado foi o papel assumido pela União, a partir da LDB de 1996, em
revisar os currículos existentes e orientar a formatação de novas propostas para a educação
básica e o ensino superior em todo o território nacional. Neste cenário, um conjunto importante
de documentos oficiais é produzido para regular a escola básica (Magalhães, 2006:53).

Em meados de 1990, a produção dos documentos passa pela Semana Nacional de


Educação (1993) e pela publicação do Plano Decenal de Educação para Todos (1993-2003),
documento que discutia o incentivo, e àquela altura a meta de universalização, para uma

7
Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971, que tinha como objeto estabelecer diretrizes e bases para o ensino de 1° e
2º graus.
educação orientada pelos “princípios da equidade e da qualidade”. Dialogando com a
Constituição de 1988, os preceitos do Plano Decenal serão reforçados pela nova LDB8 e, entre
1997 e 2002, pelos Parâmetros Curriculares Nacionais publicados pelo Ministério da Educação.
Não há consenso sobre a relação entre as políticas realizadas pelo MEC durante os dois
mandatos do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Para Marcelo Magalhães, a pasta que à
época era comandada por Paulo Renato Souza recebeu elogios pela implantação de
determinados aspectos da política educacional, mas também foi alvo da acusação de representar
o alinhamento brasileiro, especialmente durante os mandatos de Cardoso, com a agenda
proposta por organismos internacionais como a Unesco, o BID e o Bird (Magalhães, 2006:54).
A diretriz educacional dos mandatos de Fernando Cardoso priorizou a expansão do ensino
fundamental, oferecido pelo setor público, e da educação superior com opção pelo incentivo
estatal ao setor privado. Ao final da década do Partido da Social Democracia Brasileira e seus
aliados no poder, o Brasil tinha avançado na universalização do ensino fundamental, mas a
precariedade seguia marcando a educação infantil e a política de investimento no setor privado
mostrava seus limites. Do ponto de vista da qualidade do serviço educacional oferecido, os
instrumentos de avaliação como o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e o Exame
Nacional de Cursos Superiores, ambos criados pelo executivo federal, atestavam a insuficiência
do sistema e a acentuação de desigualdades regionais históricas (Abreu, 2010:131-132).

O primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006), no plano educacional,


começa com a demanda de maior atenção para a educação infantil, ao ensino médio e à
educação superior. O primeiro governo de Lula, apesar da instabilidade materializada na
constante substituição dos ministros responsáveis pela pasta da educação no início da gestão,
conseguiu forjar a atuação do MEC em todos os níveis de ensino, com novos critérios para a
redistribuição dos recursos na educação básica, nova orientação para a expansão do ensino
universitário e investimento no ensino profissional e tecnológico integrados aos níveis médio e
superior. O documento fundador da política educacional no segundo mandato de Lula foi o
Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), iniciativa do executivo lançada em 2007. O
Plano defendia a implantação de uma visão articulada entre níveis e modalidades de ensino e

8
A Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, reafirma
os princípios do conjunto regulatório produzido pela União, como, por exemplo, quando no seu Artigo 26 reitera
que “Os currículos de ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada,
em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características
regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela”.
atribuiu ao MEC a responsabilidade de agir em prol da igualdade na educação nacional (Abreu,
2010:133-134 e 136).

Do ponto de vista da formulação de política educacional de Estado, o PDE investiu na


institucionalização de um conjunto de medidas para garantir a continuidade de políticas
públicas de escolarização. Na educação básica foi criado o Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica (Ideb) e instituído um piso nacional para os profissionais do magistério do
ensino básico, garantindo um patamar mínimo de remuneração. No ensino universitário foi
apresentado o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades
Federais (Reuni) visando aumentar a oferta de vagas nas instituições públicas. Enquanto no
setor privado foi mantido o Programa Universidade para Todos (ProUni) e expandido o Fundo
de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies). Também foi entregue à Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) a tarefa de cooperar com estados e
municípios na formação inicial e continuada dos profissionais do magistério. Por fim, a
educação profissional e tecnológica teve sua rede expandida e modernizada oferecendo cursos
de nível médio e graduação (Abreu, 2010:136-139).

Quando enfocados os resultados das políticas educacionais em oito anos de Governo


Lula, é possível constatar o aumento exponencial do orçamento do Ministério da Educação, a
ampliação significativa da rede de educação tecnológica e da oferta de vagas para o ensino
superior público, bem como a expansão das bolsas do ProUni e dos contratos de financiamento
estudantil pelo Fies. Na relação entre a aplicação de recursos e o crescimento da qualidade da
educação básica, os índices de alfabetização cresceram, embora o ensino médio continue
configurando o ponto final da escolarização da maioria dos estudantes brasileiros e onde é
possível identificar desigualdades regionais, étnicas e entre as áreas urbana e rural (Abreu,
2010:140-142).

Finalmente, no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff (2011-2014), além da


continuidade de uma “visão sistêmica da educação” com a manutenção de investimentos em
todos os níveis e modalidades de ensino, o Ministério da Educação e o Conselho Nacional de
Educação publicaram as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica (2013),
documento concebido com o objetivo de atualizar a legislação vigente, trazendo medidas como
a inclusão do ensino de nove anos e a obrigatoriedade de oferta gratuita de ensino dos quatro
aos dezessete anos de idade.9

No contexto das políticas públicas para a educação, os Parâmetros Curriculares


Nacionais (PCN) foram concebidos com o objetivo de auxiliar na orientação do processo em
curso. No entanto, passaram a balizar desde a produção de material didático até a formulação
dos critérios de avaliação do sistema de ensino brasileiro, o que, provavelmente, evidencia o
esforço governamental na implantação de fato dos parâmetros como referencial no processo de
escolarização em todo o país. Como ainda assinala Marcelo Magalhães, referindo-se
especialmente ao ensino de história, os parâmetros retiram os Estudos Sociais do currículo e
promovem o retorno da História e da Geografia, propondo que as primeiras noções sobre as
especificidades dessas disciplinas já deveriam compor os dois ciclos iniciais de escolarização e
construídas no trabalho por eixos temáticos.10 O autor também refere que a opção pela
organização dos conteúdos nesta diretriz representou filiação a uma concepção curricular não
hegemônica entre os especialistas da área, quando da formulação dos documentos (Magalhães,
2006:60).

Analisando os Parâmetros Curriculares Nacionais para História é possível inferir que


para os primeiros dois ciclos do ensino fundamental é delegada à disciplina função de promover
uma “contribuição específica ao desenvolvimento dos alunos como sujeitos conscientes,
capazes de entender a história como conhecimento, como experiência e prática de cidadania”11.
Ou seja, a recomendação vincula o ensino de história à construção de um pleno exercício da
cidadania, considerando o entendimento da memória e da identidade como direitos de cidadania
ou passando pelo compromisso de uma construção social plural. Neste contexto, a disciplina
História aparece como “guardiã” das relações entre presente e passado, compreendidas como
fundamentais na formatação de identidades individuais e coletivas dos sujeitos inseridos nos
espaços formais e informais de educação.

O patrimônio cultural é um dos objetivos gerais do ensino fundamental merecendo


destaque no texto dos Parâmetros Curriculares Nacionais como instrumento para o

9
BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais
da Educação Básica, 2013, p. 6.
10
Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino fundamental dividem o processo de ensino-aprendizagem
em quatro ciclos, no interior dos quais os conteúdos são organizados por eixos temáticos. Para detalhamento do 1º
e 2º ciclos e os eixos temáticos “História Local do Cotidiano” e “História das organizações populacionais”, ver:
BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: história, geografia. Vol. 1, 1997, p. 49-74. Para as particularidades
do 3º e 4º ciclos e dos eixos “História das relações sociais, da cultura e do trabalho” e “História das representações
e das relações de poder”, ver: BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: História, 1998, p. 53-76.
11
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental. Vol. 1, 1997, p. 25.
conhecimento e a valorização da pluralidade sociocultural brasileira.12 Da mesma forma, nos
parâmetros para o ensino médio, a relação entre história e memória constitui-se em
compromisso disciplinar.13 Embora seja entregue à disciplina a tarefa de livrar as novas
gerações da “amnésia social” como garantia para a configuração de identidades individuais e
coletivas, como pontua Francisco Ramos, as recomendações do MEC não discutem com
profundidade a complexa relação instituída entre história e memória (Ramos, 2010:406-407).
A apreciação centrada no patrimônio que imprime apenas a marca de grupos sociais
dominantes, uma providência da pesquisa histórica, confunde-se com a proposição balizada no
“direito à memória” de “resgate” do patrimônio de grupos identitários não representados.
Situação esta que coloca a disciplina História como agente protetora de garantias, antes de
exercer o trabalho de crítica da memória e discutir os usos do passado.

É na definição da escola básica como instituição que possui, entre outras atribuições, o
dever de garantir espaço para a formação identitária de crianças e adolescentes e a preparação
para o exercício da cidadania que o debate sobre o patrimônio cultural e a educação para o
patrimônio será considerada pelos sistemas de ensino. Serão verificadas iniciativas para
promover a patrimonialização da própria instituição escolar em diálogo com reflexões no
âmbito da pesquisa universitária sobre a temática. No início da década de 1990, o pesquisador
espanhol António Viñao Frago diagnosticava que a dimensão espacial da atividade humana de
modo geral, e da educativa em particular, era uma questão não estudada a fundo e de modo
sistemático.14

No entanto, o tópico apresentado por Frago, mesmo de forma minoritária, já era


discutido no campo da História da Educação espanhola.15 Com relação ao enfrentamento do
tema no Brasil, Maria Cristina Menezes ao apresentar o dossiê “Cultura escolar e cultura

12
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental. Vol. 1, 1997, p. 25.
13
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: ensino médio: ciências humanas e suas tecnologias, 1999, p. 26-
27.
14
Antes de arrolar os trabalhos que compunham o dossiê da Revista Historia de la Educación, editada pela
Universidade de Salamanca, Frago apresentou três razões para a investida tímida dos historiadores da educação
espanhóis na questão da materialidade do espaço escolar, quais sejam: a concentração dos trabalhos do campo na
discussão do pensamento pedagógico; a dificuldade de integração entre diferentes áreas do conhecimento sobre o
assunto como medicina, arquitetura, pedagogia e políticas de administração; e, por fim, a concentração das
temáticas de pesquisa da História da Educação nas contingências disciplinares do ensino superior (Frago, 1993:11-
13).
15
Entre os trabalhos listados pelo autor, destaco: “Escuela u espacio: testimonios y textos”, de León Esteban Mateo
e Ramón López Martín; e “La arquitectura como programa”, de Agustín Escolano Benito, ambos de cunho mais
teórico e geral. Entre os estudos que discutem temas mais específicos merecem destaque: “Utilización de parques
y jardines como espacios educativos alternativos en Madrid (1900-1931), de María del Mar del Pozo Andrés; e
“Arquitectura escolar en Berlín a comienzos del siglo XX: currículum oculto y género”, de Helga Schmidt-
Thomsen e Christa Kersting, que trata da relação entre arquitetura escolar, currículo e gênero.
material escolar: entre arquivos e museus” evidencia-o como um instrumento de sistematização
das discussões no campo da História da Educação sobre objetos e temas de estudo que, nas
palavras da autora, eram até “então considerados inéditos, senão malditos”, como a memória e
sua relação com a história e o espaço educativo como lugar de memória (Menezes, 2005:14).
Também Carmem Gil, Dóris Almeida e Rosa Fátima de Souza reconhecem que no Brasil a
discussão do patrimônio escolar é recente, remontando às últimas décadas, como fruto do
alargamento teórico-metodológico da História da Educação com interesse renovado pela
instituição escolar e com variedade de objetos de pesquisa.16

O debate sobre o patrimônio escolar, a cultura material escolar ou o espaço escolar,


termos utilizados pela bibliografia, está, prioritariamente, no campo da História da Educação e
na sua interface com os procedimentos teórico-metodológicos da História Cultural. O alcance
do levantamento realizado permitiu identificar a multiplicidade de enfoques, temáticas e objetos
de pesquisa. De outra parte, também foi possível acessar permanências nas discussões, tais
como: o consenso da necessidade de elaboração de instrumentos para salvaguardar, catalogar e
oferecer os suportes adequados ao patrimônio escolar que sofre a ação indomável do tempo; a
aposta na cooperação entre instituições de ensino superior e unidades escolares para a criação
e manutenção de acervos; o debate sobre onde devem ser construídos estes acervos: se na escola
ou em centros de documentação destinados ao manejo do patrimônio escolar; a relação entre
preservação, educação e configuração de identidades individuais e coletivas; as proposições de
que as práticas escolares são orientadas por costumes e modos de vivência singulares e capazes
de produzir culturas escolares; e a materialidade do espaço da escola como possível indício
deste arranjo cultural específico.

A bibliografia sobre o tema do patrimônio escolar, mesmo no campo da História da


Educação, é difusa e forjada em diálogos multidisciplinares. O alcance do levantamento
apresentado aqui foi delimitado por termos de busca capazes de selecionar os trabalhos que
relacionam patrimônio escolar e os afazeres da disciplina História na educação básica. Ao invés
de uma apresentação cronológica ou temática, considerando a variedade de perspectivas e
objetos estudados, a opção foi organizar o material a partir das aproximações e distanciamentos
das análises em relação ao papel do ensino de História no processo de patrimonialização da
instituição escolar.

16
Gil; Almeida, 2013:126; Souza, 2013:203.
O primeiro conjunto de trabalhos levantados, apesar de reconhecer o potencial educativo
do patrimônio escolar, preocupa-se centralmente com a garantia de preservação dos bens
patrimoniais escolares como fontes para a pesquisa científica ou institucional. A preservação
dialoga diretamente com a percepção da escola como lugar de memória e com a importância da
manutenção desta memória para garantir as construções identitárias da comunidade escolar17.
E, quando são evocadas possibilidades temáticas para o trabalho em sala de aula, as apostas
giram em torno da história local ou da reconstrução da história e da memória, quase como
sinônimos, da instituição ou da comunidade escolar (Gonçalves, 2006; Mogarro, 2006).

Embora também partindo da preservação como pressuposto e da instituição escolar


como lugar de memória, António Vinão Frago procura problematizar a capacidade do sistema
educativo de dirigir a transmissão das memórias individual, social e institucional, considerando
a mudança nos suportes e nos ritmos de transmissão. Essas mudanças, segundo o autor
espanhol, implicam novas relações e interações tanto com a história, como com o patrimônio
em geral e, de modo específico, com a educação institucional ou formal (Frago, 2010:33).
Aproximando-se de Frago no que diz respeito à necessidade de manter, estudar e difundir o
patrimônio escolar como constituinte de valores identitários comuns de determinado grupo,
Augustín Escolano Benito apontará para a pertinência dos “viejos objetos de la escuela” como
“objetos-huella que cuentan cosas relevantes” (Benito, 2010:18). É com essa concepção de
objeto-rastro, que toma emprestada de Pier Paolo Sacchetto, que o autor entenderá a cultura
material da escola como indício para o desvelamento de significados implícitos nas
materialidades escolares, na construção de sentidos interpretativos e no desenvolvimento de
uma nova sensibilidade histórica capaz de aproximar a interpretação das diferenças geracionais,
de gênero e sociais.

Diferentemente dos trabalhos até aqui apresentados, Francisco Ramos, Carmem Gil e
Dóris Almeida oferecem uma perspectiva na qual o próprio conceito de patrimônio existe como
tensão nos usos do passado pelo presente e, antes de ser essencialmente puro e positivo, é
resultado de disputas das mais variadas gêneses. Deste modo, a memória e seus lugares não
edificam unanimidades e, ao invés de ser defendidas, passam a ser debatidas. Por sua vez, a
disciplina História, ao “assumir o compromisso com a pluralidade cultural”, faz emergir um
espaço instável e capaz de perceber os conflitos em torno do que fazer com o passado ou do
que o passado pode fazer para ausentar o presente. O que, como assinala Ramos, leva o ensino

17
Menezes, 2005; Menezes; Moraes, 2006; Horta, 2000; Souza, 2013; Oriá, 2013.
de História à recusa de tornar-se ensino de memória. E, antes de realizar um “inventário das
diferenças” para a valorização da diversidade, cabe à disciplina “interrogar sobre as relações de
poder que residem nas produções de sentido para o pretérito, destacando conexões entre casos
mais particulares com situações mais gerais”.18

Neste entendimento, tão importante e urgente quanto a preservação, a organização e a


guarda adequada da documentação da escola, é identificar o potencial educativo do patrimônio
escolar como fonte para ensinar história. A proposição aponta, novamente, para uma relação
entre história e memória mediada pelo ensino no trato do patrimônio. Para além de construções
identitárias, o patrimônio escolar mantido passa a ser mais uma fonte possível de ser acessada
e interrogada (Gil, 2012).

Trata-se de tomar o patrimônio cultural, de modo geral, e o patrimônio escolar,


particularmente, como possibilidade para educar a partir da dúvida, da problematização da
estabilidade e do investimento no dissenso e na desarmonia; investir menos em uma
conscientização que apenas defenda valores de preservação e mais no questionamento como
princípio orientador na discussão de sacralizações e esquecimentos, ou seja, mirar as escolhas,
seus agentes e conflitos. Especificamente com relação à arquitetura da escola, Carmem Gil e
Dóris Almeida observam as diferentes possibilidades de leitura que os prédios escolares podem
proporcionar como indício do exercício do poder de regimes políticos e/ou políticas de Estado
para a educação.19 E, além disso, do espaço de estudo ou de trabalho como “rastro” para a
formulação de hipóteses pertinentes ao ensino de história. É a partir das proposições
desestabilizadoras de Ramos, Gil e Almeida que foi pensado este trabalho. Não se trata de
negligenciar a importância dos movimentos para salvaguardar a cultura material escolar, porém,
este processo, geralmente conflitivo, pode oferecer valiosos subsídios para o trabalho em sala
de aula.

A interpretação segundo a qual a investigação da patrimonialização do espaço da escola


pode qualificar a aprendizagem de alunos e de alunas do ensino fundamental coloca a questão

18
Ramos, 2010:399 e 409. Também nesta direção segue o argumento de Rebeca Gontijo em artigo que examina a
trajetória do termo “diversidade” relacionado às questões étnicas durante a história do Brasil. Do século XIX até
a percepção sobre a diferença nos Parâmetros Curriculares Nacionais, a diversidade esteve ligada ao mal da
mestiçagem e às tentativas de embranquecimento, passando pela valorização do mestiço como expressão da
autenticidade brasileira até figurar nos parâmetros como patrimônio sociocultural. Na atualidade, a escola passa a
ser um espaço privilegiado para o estudo da pluralidade, para a efetivação de uma “cultura de paz” e marcado pelo
“respeito mútuo” e pela “solidariedade”. Neste cenário, o reconhecimento parece passar necessariamente pela
afirmação das diferenças e a oposição entre grupos sociais pode afastar a possibilidade de compartilhamento
coletivo de determinados parâmetros. Gontijo, 2009, passim.
19
Gil; Almeida, 2013. Ver também: Gil; Possamai, 2014.
da utilização das fontes nas aulas de história.20 É corrente que entre as justificativas para o uso
de documentos que tornar-se-ão fontes na educação básica esteja a possibilidade de
proporcionar agência histórica na formação dos sujeitos que aprendem. Assim, como utopia,
também é possível encontrar uma oferta de formação cidadã que, idealmente, deve ir além da
aula. O caminho de trabalho escolhido procura dialogar com a percepção de que as fontes para
história na educação básica possam “criar e recriar o que somos, dando sentido original para o
ensino de história, em conexão com a identidade dos alunos, situados em um determinado
contexto histórico, que necessita ser entendido” (Pereira; Seffner, 2008:116). Investindo na
compreensão de que o ofício do historiador é produzir um discurso sobre um passado ordenado
pela linguagem, quando a seleção de fontes, o método e a teoria são condições e estão
condicionados ao presente. Procura-se assim afastamento da utilização dos documentos como
legitimadores de determinada narrativa do docente, da mesma forma de uma perspectiva em
que o relato seja submisso à fonte. O que se procura sugerir é a discussão na sala de aula do
ofício do historiador como um trabalho complexo, de mediação entre o documento como uma
engenharia de seu tempo, no qual não reside verdade, mas, antes, um esforço de transmissão de
uma imagem de si mesma por determinada sociedade para as gerações futuras.

2. Conhecendo a turma e preparando a construção do projeto de exposição

A primeira parte desta exposição tem por objetivo apresentar os alunos e as alunas que
integraram o trabalho desenvolvido nas aulas de história e narrar os antecedentes da construção
de um projeto expográfico como possibilidade de ensino para a história. O texto está organizado
em quatro seções, as quais buscam contextualizar e analisar os procedimentos didáticos que
compuseram a intervenção pedagógica apresentada nesta investigação.

Na primeira seção é apresentado um mapeamento de determinadas características dos


alunos e das alunas matriculados nas duas turmas do 6º ano do ensino fundamental, através da
análise dos dados oferecidos pela escola, via sistema informatizado da Secretaria da Educação
do Estado do Rio Grande do Sul e pela coleta de informações junto às regentes de classe do 5º
ano. Os dados recolhidos permitiram estabelecer a média de idade, a distribuição por sexo, o
local de residência e a trajetória escolar dos estudantes. Posteriormente, ainda no mesmo

20
Um bom exemplo da atenção para a utilização de fontes no ensino de história escolar, para além das volumosas
publicações em eventos destinados à área da educação e ao ensino de história, é o Caderno pedagógico de história
PIBID/UFRGS (2013). Fruto da experiência no Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência, a
compilação ilustra a multiplicidade de linguagens utilizadas pelos discentes em formação no trabalho desenvolvido
na educação básica (Meinerz et. al., 2013:10-17).
segmento, é analisado um exercício de escrita autobiográfica realizado pelos alunos e alunas,
com o objetivo de compor um instrumento de investigação qualitativa sobre os estudantes
pesquisadores e estabelecer parâmetros preliminares de reflexão sobre o processo de pesquisa
e de escrita da história, quando a vida dos envolvidos no desenvolvimento da aprendizagem foi
o ponto de partida.

A segunda seção é dedicada ao relato da inserção de potenciais fontes históricas na aula,


quando foram classificados e cotejados documentos escritos, registros iconográficos, relatos
orais e cultura material. Em seguida é apresentado o trabalho de descrição e análise realizado
pelos estudantes a partir do manuseio da documentação escrita que compõe o acervo da escola.
O conjunto documental abordava dados biográficos de Olintho de Oliveira, que empresta seu
nome para a unidade educacional, certidões de registro imobiliário do prédio mais antigo do
conjunto arquitetônico e a trajetória da instituição, desde a criação como grupo escolar até
tornar-se escola estadual de ensino fundamental.

A terceira parte do texto procura comunicar a discussão teórica em torno das noções de
patrimônio cultural e patrimônio escolar, através da leitura de autores como Francisco Ramos,
Márcia Chuva, Nestor Canclini, Rosa Fátima de Souza e António Viñao Frago. A construção
textual também trata do percurso para a formulação de um conceito, mais ou menos complexo,
de patrimônio com os alunos e as alunas como protagonistas no debate sobre o tema.
Objetivando a inserção dos estudantes na discussão para além da conceituação proposta no livro
didático, os jovens pesquisadores foram estimulados a pensar as escolhas implicadas no uso da
definição patrimônio histórico e artístico ou na opção pela expressão patrimônio cultural. Esse
movimento exploratório ocorreu a partir de pesquisa realizada em fontes disponíveis na Internet
e tinha como objetivo o apontamento das aproximações e particularidades dos conceitos.

Finalmente, na quarta seção é narrada a visita ao Museu de Comunicação Social


Hipólito José da Costa. Na ocasião, as turmas foram convidadas a observar as características
arquitetônicas e a representatividade da edificação do museu na paisagem da cidade, puderam
visitar os espaços de exposição da instituição e participaram da oficina “A escrita da luz”,
proposta que proporcionou aos estudantes outro olhar sobre a fotografia, oferecendo reflexão
sobre o processo de construção, os elementos que são oferecidos para análise do passado e como
as imagens podem figurar como fonte histórica.
2.1 Narrar a vida e formular um conceito preliminar para a história

No início do corrente ano letivo foram reunidas informações para o mapeamento de


determinadas características dos alunos e das alunas matriculados nas duas turmas do 6º ano do
ensino fundamental. Este levantamento preliminar partiu da coleta e análise dos dados
oferecidos pela escola, via sistema informatizado da Secretaria da Educação, e de informações
prestadas pelas regentes de classe do 5º ano. Os dados recolhidos permitiram estabelecer a
média de idade, a distribuição por sexo, o local de residência e a trajetória escolar dos
estudantes.

Em abril de 2016, os alunos e as alunas das duas turmas juntas apresentavam em média
12 anos de idade. Se enfocada a turma “A” a média demonstrou ligeiro recuo para 11 anos e 9
meses, enquanto a turma “B” mantinha 12 anos. Na relação entre média de idade e sexo, nas
duas turmas as meninas tinham em média 11 anos e 9 meses e os meninos 12 anos. E quando
proposta a mesma relação para as turmas separadamente, na turma “A” meninas e meninos
compunham 11 anos e 9 meses de idade, já na turma “B” a média de idade das meninas era
menor (de 11 anos e 6 meses) em relação aos meninos (12 anos).21

Gráfico 1. Distribuição por sexo dos alunos e das alunas

Fonte: Secretaria da Educação do Rio Grande do Sul, 2016.

A distribuição por sexo dos alunos e das alunas participantes da pesquisa, de acordo
com os dados do gráfico anterior, evidencia o equilíbrio no percentual de meninos e de meninas
nas duas turmas, embora com predominância para os meninos. Quando analisada a turma “A”

21
Cf. dados compilados a partir do Relatório de matrícula da Secretaria da Educação do Rio Grande do Sul, 2016.
a tendência de igualdade entre sexos permanece, enquanto na turma “B” o percentual de
meninos supera o de meninas.

Gráfico 2. Alunos e alunas residentes por região territorial de Porto Alegre

Fonte: Secretaria da Educação do Rio Grande do Sul, 2016.

A distribuição dos estudantes, segundo a divisão por regiões territoriais de Porto


Alegre,22 demonstra que, considerando o 6º ano do ensino fundamental, a comunidade escolar
reside majoritariamente na região “centro” da cidade, seguida em percentual pelas regiões “sul”
e “leste”. Além disso, também é possível inferir que entre os estudantes matriculados no nesta
etapa do ensino fundamental todos residem na Capital. No detalhando das informações sobre a
residência dos estudantes por localidade (gráfico 3) predominam os bairros Centro Histórico e
Cidade Baixa, respectivamente. Fora da região territorial “centro”, a maior parcela dos
estudantes atendidos no 6º ano reside nos bairros Santa Tereza (região “sul”) e Rubem Berta
(região “norte”).

22
A divisão da cidade de Porto Alegre em “Regiões Territoriais” foi estabelecida para viabilizar o fluxo de
informações de infraestrutura, saneamento básico e aspectos ambientais com o objetivo de facilitar ações
emergenciais do Centro Integrado de Comando (CEIC), o mapeamento e o planejamento da necessidade de
expansão de equipamentos e serviços, considerando o crescimento da municipalidade ao longo do tempo. Mais
informações sobre os critérios utilizados para a configuração das regiões territoriais e dados sobre a cidade estão
disponíveis em: https://goo.gl/IBsKes. Acesso em: 21 de jan. 2016.
Gráfico 3. Alunos e alunas residentes por bairro de Porto Alegre

Fonte: Secretaria da Educação do Rio Grande do Sul, 2016.

Quando examinada a trajetória escolar dos alunos e das alunas foi possível verificar que
majoritariamente sempre foram atendidos pela rede pública do Estado do Rio Grande do Sul
(65,9%), enquanto 34,1% frequentaram instituições de ensino que não estão vinculadas ao
magistério estadual. Entre os estudantes atendidos por outras redes de ensino, 50% estiveram
vinculados a escolas da rede privada, foram atendidos por redes municipais 35,7% e para 14,3%
não constam informações na documentação consultada. Além da maior parte dos alunos e das
alunas terem mantido vínculo de no mínimo seis anos exclusivamente com escolas estaduais, a
maioria significativa frequenta a Escola Professor Olintho de Oliveira desde o primeiro ano do
ensino fundamental.

A consulta aos dados sobre a composição das turmas quanto ao sexo e a idade, o local
de residência e o vínculo de alunos e alunas com as redes de educação formal permitiu construir
uma caracterização geral dos estudantes participantes das aulas de história no 6º ano do ensino
fundamental. Os alunos e as alunas possuem em média 12 anos de idade, persiste o equilíbrio
entre meninos e meninas, todos são residentes em Porto Alegre, morando prioritariamente na
região “centro” da cidade, especificamente nos bairros Centro Histórico e Cidade Baixa.
Majoritariamente sempre foram atendidos pela rede pública estadual e a maioria significativa
possui vínculo com a escola Professor Olintho de Oliveira desde o primeiro ano do ensino
fundamental.
Depois de recolhidas informações nos documentos oficiais sobre os estudantes, o
primeiro movimento disciplinar proposto foi um exercício ensaístico e autobiográfico. Cada
integrante das turmas recebeu uma folha pautada e a recomendação de escrever, no mínimo,
vinte e cinco linhas para narrar uma história autobiográfica. O título e a estrutura narrativa do
texto foram deixados a critério de cada autor/autora. Esta aproximação inicial tinha dois
objetivos principais: compor um instrumento de investigação qualitativa sobre alunos e alunas
pesquisadores e estabelecer parâmetros preliminares de reflexão sobre o processo de pesquisa
e de escrita da história, quando a vida dos envolvidos no processo de aprendizagem foi o ponto
de partida.

Ao final da primeira semana as produções textuais foram devolvidas a seus autores


juntamente com questões interrogando o processo de escrita de cada um/a (Apêndice A).
Novamente observando “suas histórias”, alunos e alunas foram instigados a pensar nas questões
propostas e registrar suas conclusões por escrito. A retomada dos textos objetivou aprofundar
noções de pesquisa e escrita de narrativas históricas, a partir de indagações organizadas em
quatro eixos: a) o conjunto de personagens que compuseram o enredo de cada história e a
possibilidade de distintos pontos de vista sobre os acontecimentos narrados; b) a memória, uma
operação seletiva, como fonte principal acionada para a composição da narrativa e a
possibilidade da utilização de outros recursos e fontes para a investigação do passado; c) a
relação entre a escrita da história e a localização dos acontecimentos no tempo e no espaço e,
consequentemente, o caráter também social de uma escrita pessoal; e d) a diferença entre a
representação narrativa do passado, a partir da seleção de elementos para constituí-la, e o desejo
de comunicar toda a complexidade da existência de uma pessoa.

Quadro 1. Respostas dos estudantes ao questionário (bloco I)

Bloco I – O conjunto de personagens que compuseram o enredo de cada história e a possibilidade de distintos
pontos de vista sobre os acontecimentos narrados.
Sim Não Não respondeu
a) Em sua história aparecem outros personagens
além de você? Quem? Por quê? 63,4% 7,3% 29,3%
b) Se estes outros personagens que aparecem em
seu texto fossem escrever a sua história, ela 12,2% 58,5% 29,3%
seria igual? Por quê?
Fonte: Questionário elaborado pelo autor, 2016.
Nas respostas da primeira questão do Bloco I, destacaram-se as referências ao que
alunos e alunas consideram sua família nuclear, com todos os arranjos que o uso da expressão
precisa ter em conta atualmente. Com significativa vantagem a referência familiar é feminina.
São as mulheres, na condição de mães, irmãs ou avós que merecem recordação e prestígio na
trama da existência dos estudantes respondentes da pesquisa.

Quando foi abordado o protagonismo dos personagens que compuseram as histórias, a


maior parte dos alunos e alunas reconheceu em suas respostas a possibilidade de que a escrita
da história, inclusive de suas histórias, aceita diferentes versões. Além disso, na perspectiva dos
estudantes, os personagens biologicamente “mais velhos” saberiam operar melhor com a
memória, cuja aparece com caráter cumulativo e sem mediações. Não há porque desconfiar da
memória. As passagens “[…] Porque elas [as personagens] teriam mais coisas [a dizer] que eu
não me lembro” (aluno, 11 anos) e “sim porque eles já conhecia [sic] minha vida eles convivem
comigo23” (aluna, 12 anos) ilustram a confiança dos estudantes no papel assertivo e
tranquilizador da memória acumulada ao longo de uma vida.

Quadro 2. Respostas dos estudantes ao questionário (bloco I)

Bloco I – O conjunto de personagens que compuseram o enredo de cada história e a possibilidade de distintos
pontos de vista sobre os acontecimentos narrados.
A do(a) A do(a) Não
Ambas Nenhuma
autor(a) personagem respondeu
c) Qual destas histórias estaria
certa? Por quê? 41,5% 14,6% 7,3% 2,4% 34,1%
Fonte: Questionário elaborado pelo autor, 2016.

No entanto, a despeito da confiança na capacidade de recordação dos familiares “mais


velhos”, as respostas da questão C denotam, predominantemente, que na percepção dos autores
e das autoras apenas estes poderiam narrar sobre si mesmos. Há uma relação direta e inequívoca
entre a possibilidade de falar sobre si e garantir a apuração precisa dos fatos. Os excertos “A
minha, porque as pessoas não me conhece [sic] direito por isso” (aluna, 11 anos), “A minha,
por que eu sei que, [sic] foi um fato da minha vida” (aluna, 12 anos) e “A minha, por que eu
contei minha própria história” (aluna, 12 anos) informam a tendência predominante nas
respostas de uma hierarquização das narrativas baseada no critério da autoria. Também

23
Durante este texto optou-se por manter grafia e sintaxe originais dos excertos que compõem a exposição. As
possíveis incorreções de ortografia e/ou concordância serão indicadas com a expressão [sic]. Também, a autoria
das passagens inseridas na exposição preserva nomes e características pessoais de seus autores ou autoras,
identificando-os apenas por sexo e idade, respectivamente.
merecem destaque outras duas referências: “Tudo na minha história tá certa [sic]” (aluno, 15
anos) que expõe a confiança na correspondência entre o texto autobiográfico e a veracidade e,
em contrapartida, “A minha porque eu tive criatividade” (aluna, 11 anos), onde o argumento
central é uma suposta capacidade criativa da autora como fiadora de uma versão mais
qualificada sobre sua própria existência.

Quadro 3. Respostas dos estudantes ao questionário (bloco II)

Bloco II – a memória, uma operação seletiva, como fonte principal acionada para a composição da narrativa e
a possibilidade da utilização de outros recursos para a investigação do passado.

d) Você escreveu sua história utilizando a Sim Não Não respondeu


memória? E se precisasse escrevê-la com outros
recursos, quais utilizaria? 68,3% 2,4% 29,3%

Classificou Não classificou


e) Classifique estes recursos em documentos
escritos, orais, visuais e/ou cultura material.
36,6% 63,4%
Fonte: Questionário elaborado pelo autor, 2016.

A memória figura como recurso principal na formulação das narrativas produzidas pelos
respondentes. De outra parte, foi significativo o percentual de estudantes que não respondeu ao
questionamento. O que corrobora a dificuldade de conceber outras fontes para a escrita da
história foi a referência constante ao papel memorialístico dos familiares de mais idade para
dirimir dúvidas e superar lacunas nos relatos. Respostas como “eu iria pedir informação para
meu pai e minha mãe, ou também iria pensar no que me disseram antes” (aluna, 11 anos) e
“conversando com uma pessoa mais velha e documentos” (aluna, 11 anos) formaram uma
tendência onde a memória novamente apareceu como prova. A análise dos dados pode indicar
a pertinência da proposição de Fabiana Almeida e Sonia Miranda de que atualmente o discurso
da memória é pouco problematizado na escola. Essa situação coloca para a disciplina História
o desafio de reestabelecer o diálogo escolar entre memória e história, onde as operações da
primeira configuram elementos importantes na formação do conhecimento histórico e a
problematização da distinção dos dois campos auxilia na constituição de pensamento crítico
sobre as tradições que compõem a sociedade (Almeida; Miranda, 2012:267).

Em contraponto, outros dois conjuntos de possibilidades apareceram com vigor. O


primeiro mesclando a memória com outro tipo de fonte, como explicita o fragmento: “fotos e
também meus pais para contarem a história melhor” (aluno, 13 anos). O segundo investindo no
potencial de “[…] antigos diários que escondi no poso [sic]” (aluna, 11 anos) ou, ainda,
voltando o olhar para a investigação da “minha casa e os passeio [sic] que ia” (aluno, 11 anos).
As duas passagens mereceram destaque por destoarem do padrão de respostas e apresentarem
uma percepção mais ampla das possibilidades de construção das narrativas autobiográficas. Por
outro lado, uma proposição sensorial também apareceu nas manifestações, quando estar
“olhando, lembrando” (aluno, 11 anos) e consultando “o passado” (aluna, 11 anos) configura
uma boa medida para a escrita de histórias autobiográficas

Quadro 4. Respostas dos estudantes ao questionário (bloco III)

Bloco III – a relação entre a escrita da história e a localização dos acontecimentos no tempo e no espaço e,
consequentemente, o caráter também social de uma escrita pessoal.
Sim Não Não respondeu
f) Você escreveu seu texto em ordem cronológica?
Por quê? 29,3% 41,5% 29,3%
g) Alguns fatos de sua vida apareceriam nas
histórias pessoais de outras pessoas? Por quê? 43,9% 26,8% 29,3%
h) Para explicar os acontecimentos de sua vida
você precisou localizá-los no tempo e no 51,2% 19,5% 29,3%
espaço? Por quê?
Fonte: Questionário elaborado pelo autor, 2016.

Maioria significativa dos estudantes afirmou que não organizou sua escrita
cronologicamente ou não respondeu a indagação. No entanto, analisando mais detidamente os
escritos foi possível identificar uma quebra de continuidade entre a percepção dos autores sobre
a organização de seus textos e de como efetivamente estruturaram suas produções. Embora seja
possível admitir que as respostas demonstrem um processo pouco consciente de escrita, de outra
parte, é necessário considerar a possibilidade de que os respondentes não tivessem clareza sobre
do significado de uma exposição cronológica. Da mesma forma, quanto ao caráter social de
seus escritos a maioria dos estudantes reconheceu que a narrativa possibilitava a interlocução
com outras histórias e vidas. Novamente foi expressivo o percentual de não respondentes para
a questão o que pode indicar dificuldade interpretativa em relação ao tema, ou mesmo uma
percepção ainda pouco complexa sobre os diferentes grupos sociais nos quais os sujeitos
estabelecem relações durante a vida.

Adiante, serão apresentadas algumas passagens para explicitar a argumentação sobre o


papel atribuído pelos estudantes à percepção do tempo e do espaço em suas produções. Parte
das exposições, como a que inicia com “minha vida começa a [sic] 12 anos atrás. Numa tarde
de inverno 7 de julho de 2004, eu nasci aqui em POA” (aluna, 11 anos) foi bastante precisa ao
informar com riqueza de detalhes, data e local de nascimento. Outra referência importante pode
ser observada nos excertos “aos meus 7 anos eu tinha começado a ler e escrever. Eu não gosto
muito de brincar de boneca, o meu negócio é esporte” (aluna, 11 anos) e “quando eu tinha 6
anos eu entrei na escola, no 1º ano, escola legal e grande, cheia de coisas, tipo: quadra, sala de
aula, pracinha, casarão, refeitório e pátio” (aluno, 11 anos), quando, de maneira implícita ou
explícita, o espaço escolar está no centro da interpretação de alunos e alunas sobre suas vidas.

Outra construção narrativa interessante encontrada nos textos foi a que, ao propor uma
escrita retrospectiva, expôs um enredo onde os autores observaram suas vidas de uma posição
externa como, por exemplo, em: “[…] a minha vida foi muito legal, quando eu era criança eu
era muito bonita, fofinha e eu gostava bastante de fazer amizade. Eu era muito engraçada e eu
brincava bastante e depois quando eu cresci eu fiquei diferente” (aluna, 12 anos) ou “[…] tenho
11 anos e minha vida foi assim” e “essa foi a minha vida” (aluno, 11 anos). Nas três passagens
anteriores é possível identificar que os autores optaram, conscientemente ou não, por diferenciar
o tempo da escrita do presente e operaram com a noção de “infância” como sinônimo para
passado. No trecho “era uma vez uma moça que estava trabalhando e ela estava grávida. Quando
ela estava caminhando lá perto do serviço, a bolsa dela rompeu e ela foi sozinha para o hospital”
(aluna, 11 anos), o uso da terceira pessoa do singular para narrar o próprio nascimento foi outro
recurso utilizado na tentativa de distanciar-se da cena, de emprestar uma “cor distinta” ao que
“passou”. Também merece destaque a referência ao estudo do passado como uma viagem, como
explícito no trecho “hoje eu estou aqui contando minha história. Eu vou agora voltar a um bom
tempo atrás” (aluno, 11 anos). Nesta proposição, a narrativa de uma vida implica
discursivamente em um deslocamento do presente para o passado. Ambas as categorias,
presente e passado, apresentam-se suficientemente sólidas para garantir um caminho de ida e
de retorno.

Aproximadamente metade dos alunos e alunas respondeu afirmativamente quanto ao


potencial explicativo da inserção temporal e espacial de seus relatos. Considerando que os
estudantes possuem em média pouco mais de uma década de vida, a referência aos anos foi
frequente e conectou os fatos que mereciam ser relatados segundo a perspectiva dos autores.
Por sua vez, a cidade e a unidade escolar foram os espaços mais citados como palcos dos
episódios centrais do enredo da existência de cada aluno ou aluna. As respostas fortalecem a
perspectiva de uma alfabetização processual dos alunos e o argumento apresentado por Dilma
Scaldaferri, quando tenta identificar quais as possibilidades de apreensão das temporalidades
por alunos da educação básica. Associando-se a perspectiva sócio-histórica, construída a partir
dos estudos realizados por Vygotsky, a autora reafirma que o pensar historicamente é o ponto
final da descontextualização dos alunos. E pensar na lógica do conhecimento histórico significa
desenvolver a capacidade de perceber de modo relacional tempo pessoal (subjetivo) e tempo
social (objetivo), internalizando procedimentos como ordenação, sucessão, duração e
simultaneidade para construir generalizações (Scaldaferri, 2008:55-56).

Quadro 5. Respostas dos estudantes ao questionário (bloco IV)

Bloco IV – a diferença entre a representação narrativa do passado, a partir da seleção de elementos para
constituí-la, e o desejo de comunicar toda a complexidade da existência de uma pessoa.
i) Você acredita que depois de lerem Não respondeu ou não
Sim Não
a sua história, as pessoas podem te justificou
conhecer e entender melhor? Por
51,2% 19,5% 29,3%
quê?
Fonte: Questionário elaborado pelo autor, 2016.

No último bloco de questões, quando perguntados se acreditavam que suas narrativas


pudessem apresentá-los suficientemente a seus leitores a ponto destes os conhecerem melhor,
pouco mais de 50% respondeu afirmativamente, cerca de 20% não demonstrou crer nesta
possibilidade e quase 30% não respondeu a questão ou justificou sua escolha.

Em análise preliminar deste esforço de escrita das turmas foi possível identificar
elementos comuns nos textos. Todos os alunos ou alunas presentes realizaram a tarefa,
inicialmente alguns com maior dificuldade, mas de modo geral as narrativas mostraram-se ricas
em detalhes. Um questionamento constante durante a atividade foi o destino que o relato
tomaria, se seria compartilhado com o grupo ou permaneceria apenas sob o exame do professor.
Como uma forma de “tranquilizar” os autores lhes foi garantido que o texto apenas seria
acessado pelo docente. Acordo totalmente respeitado.

De modo geral, as elaborações textuais foram constituídas a partir do ano como


referência temporal,24 apresentando características próprias da oralidade e estruturadas desde
um conjunto de “flashes”. Outro recurso comum em boa parte das produções recebidas foi a
utilização de histórias contadas por familiares ou responsáveis sobre os primeiros anos de vida.
O ingresso na escola também foi muito recordado, talvez pela situação de escrita ou mesmo
pela presença significativa da instrução escolar nos primeiros anos de existência dos estudantes.

24
Mesmo a década, como convenção de medida temporal, ficou distante dos relatos. O que, de certa forma, pode
ser compreendido pela idade de alunos e alunas que somadas compunham média de 12 anos em abril de 2016.
A tendência percebida nos trabalhos analisados permite afirmar que os estudantes
admitiram a possibilidade de múltiplos pontos de vista em uma mesma narrativa, no entanto
reservaram para si, como autores, o monopólio da versão mais fidedigna. A maior parte dos
trabalhos também reconheceu a importância dos personagens para a narrativa e sua relevância,
inclusive, enquanto fonte. A respeito da utilização de outros recursos e fontes para a
investigação de sua história de vida, os estudantes não identificaram possibilidades além da sua
própria memória e a de familiares. Em relação à localização dos acontecimentos no espaço, a
cidade, de residência e/ou nascimento, e a instituição escolar aparecem como referência espacial
central. A escola também é o marco temporal predominante na escrita, identificado como um
momento em que ocorre uma aceleração da vida. Por fim, majoritariamente os estudantes
expuseram que é possível através da história dar conta da complexidade que marca a existência
de uma pessoa. No caso das respostas negativas, o argumento predominante esteve relacionado
com o fato de que a seleção dos elementos que constituíram seus enredos, em detrimento de
outros, impediu a compreensão de uma vida por inteiro.

A escrita autobiográfica dos estudantes e a análise das respostas ao questionário


aplicado foram retomadas na discussão que visou construir uma conceituação inicial para a
escrita da história. Para tanto, a metodologia foi a aula expositiva estruturada a partir de quatro
definições prévias: o termo “história” foi utilizado incialmente pelas culturas antigas
mediterrânicas com o sentido de investigar e registrar acontecimentos do presente; a história
ocupa-se do estudo dos acontecimentos que marcaram a trajetória dos grupos sociais no tempo;
estuda mudanças e permanências que marcaram a existência de homens e mulheres; e a história
é uma forma de investigação orientada por conceitos a partir dos vestígios deixados por aqueles
ou aquelas que participaram, testemunharam ou registraram acontecimentos.

Ao expor aos alunos e às alunas definições amplas, mas ao mesmo tempo complexas,
sobre a produção e os objetivos do conhecimento histórico, procurou-se deslocar o debate da
escrita autobiográfica para o papel e os diversos sentidos que narrativas históricas assumem em
uma determinada coletividade. Além disso, e não menos importante, foi a possiblidade de
aproximação dos integrantes das turmas com noções, tais como: “investigação”,
“acontecimento”, “mudança”, “permanência” e “vestígio”, que compõem o vocabulário básico
da produção e da escrita da história. Considerando as raras manifestações orais, o debate
centrado em proposições teóricas mais complexas inicialmente pareceu intimidar os estudantes.
A conversa ganhou maior adesão quando o professor estabeleceu um exemplo para cada
definição de história propostas, possibilitando perceber que foi comum nas duas turmas a
presença de uma compreensão do conhecimento histórico como centrado no sujeito. Tal
percepção, quando confrontada pelo docente, obtinha como resposta uma perspectiva
subjetivista, onde a ação humana na história era justificada pela possibilidade do exercício do
livre arbítrio.

Helenice Rocha, ao analisar o desempenho dos alunos do 5º ano, último antes do seu
ingresso nos anos finais ensino fundamental, das redes pública e privada, a partir de números
do Sistema de Avaliação do Ensino Básico (Saeb, 2005), observou que três quartos dos alunos
da rede pública encontravam-se nos níveis de não alfabetizados, alfabetizados precariamente
ou no nível de leitura rudimentar. Significativamente 90% dos estudantes avaliados não
alcançaram o nível de leitura e escrita considerado adequado para o prosseguimento dos estudos
nas séries finais do ensino fundamental (Rocha, 2010:124). A situação coloca a questão de
como ensinar História, disciplina que prescinde de domínio mínimo de leitura e escrita, para os
alunos da educação básica.

A disciplina História não está imune à cultura escrita como referência ocidental de
racionalidade, utilizando-se da escrita como campo de saber. Seguindo Michel de Certeau,
Helenice Rocha definirá “a história [como] uma operação sobre o discurso”. O que coloca a
necessidade do domínio da leitura e da escrita, da capacidade de hierarquizar informações na
referência a eventos e processos descontextualizados. Estas especificidades da narrativa
histórica precisam ser consideradas no enfrentamento dos alunos e das alunas com a escrita da
história, pois torna a leitura um procedimento específico desta área de conhecimento. Logo, o
aprendizado em história não prescinde apenas de habilidades de leitura e escrita, mas também
da compreensão da narrativa histórica como forma de organização específica do discurso sobre
o tempo. Nesse sentido, os estudantes necessitam das competências da leitura e da escrita para
participar, a seu modo, no processo de interpretação inerente ao conhecimento histórico,
inclusive na história escolar (Rocha, 2010:128-129).

Os planos de aula apresentados até aqui foram organizados como preparação para o
debate sobre fontes históricas e o protagonismo do historiador como mediador especializado
entre o passado e sua representação narrativa: a história. No entanto, com o transcorrer das
atividades e na análise da produção escrita das turmas, optou-se por retomar a relação entre a
escrita da história e a vivência do tempo pelas sociedades humanas. Através da apresentação de
imagens e da construção de relógios de areia (ampulhetas) foram retomadas as formas
rudimentares de medida do tempo cronológico em diferentes sociedades. Também a revisão
dos movimentos de rotação e de translação possibilitou introduzir o debate sobre os períodos
curtos. E, partindo do calendário cristão, discutir períodos longos, como: século, milênio e era
(Apêndice B). A primeira consideração sobre a retomada destas noções foi a pouca
familiaridade das turmas com a expressão dos séculos em algarismos romanos, bem como a
“naturalização” do calendário cristão como ferramenta inequívoca para a organização do tempo
social. Antes de investir na problematização de que não “é o tempo que passa: o que passa é a
vida dos homens e de suas sociedades, sendo o tempo o parâmetro que mede este transcurso e
esta duração” (Petersen; Lovato, 2013:231) e suas implicações para o conhecimento histórico,
optou-se por revisar as convenções e ferramentas desenvolvidas para mensurar o tempo.

Na mesma direção, para esquematizar a discussão sobre temporalidades foi utilizada


uma linha do tempo como ferramenta de aprendizagem para abordar o calendário enquanto
artefato cultural, colocando em paralelo os calendários cristão, judaico, muçulmano, chinês e
maia. A utilização da linha do tempo como recurso didático não pressupõe adesão a uma
compreensão metódica do conhecimento histórico, marcada pela distribuição contínua,
homogênea e por uma relação de causalidade entre acontecimentos precedentes e sucessivos.
Desta forma, tem-se em conta que “ainda que demarcar o processo histórico com algumas datas
divisórias seja metodologicamente útil, o procedimento não dá conta das várias dimensões que
o tempo social possui” (Petersen; Lovato, 2013:232) e que o conhecimento histórico obedece a
“ritmos” e “passos” singulares. No entanto, através do método comparativo, o debate proposto
na aula de história mirava a visualização reflexiva dos calendários como artefatos relacionados
à cultura de cada povo, a uma época e a um lugar, ou seja, como criações culturais e não recursos
naturais.

2.2 O historiador e suas fontes: esboçando uma noção de fonte histórica

A retomada da discussão sobre a constituição de fontes históricas ocorreu com uma nova
avaliação dos escritos pessoais de alunos e alunas, através da leitura de alguns excertos25 na
aula de história. A seleção das passagens procurou oferecer exemplos que pudessem estabelecer
respostas para três questionamentos próprios do método histórico: Quem agiu? Quando
aconteceu a ação? E onde ocorreu a ação? Depois de refletir sobre a historicidade de suas
narrativas, os estudantes foram convidados a investigar, à luz das questões apresentadas, uma

25
A escolha de excertos da produção textual autobiográfica dos estudantes para leitura em sala de aula procurou
manter o anonimato de seus autores ou autoras, preservando a relação de confiança entre os integrantes das turmas
e o docente.
passagem do material didático que introduz o contato entre indígenas e europeus em terras do
continente americano:

Em 22 de abril de 1500 chegavam ao Brasil 13 caravelas portuguesas lideradas por Pedro


Álvares Cabral. À primeira vista, eles acreditavam tratar-se de um grande monte, e chamaram-
no de Monte Pascoal. No dia 26 de abril, foi celebrada a primeira missa no Brasil. [Braick,
2011:26]

A partir do trecho que destaca a chegada portuguesa no atual território brasileiro foi
proposto aos estudantes analisar quais os sujeitos da ação, a temporalidade e o espaço
informado pelo fragmento. Os portugueses, representados na figura de Pedro Álvares Cabral,
foram identificados como os sujeitos da ação, assim como, a partir das datas oferecidas no texto
fora possível localizar a cena em um intervalo de quatro dias, desde a chegada até a realização
da primeira celebração religiosa. No entanto, o local onde ocorre a cena motivou debate nos
grupos permitindo a reflexão sobre o espaço como “uma construção social. Tal como em
relação ao tempo, a distorção que frequentemente se produz é conceber o espaço como um
dado, obscurecendo assim a presença de uma operação social que produz a construção e a
representação do espaço”.26 Ainda que, segundo Petersen e Lovato, a questão do espaço não
tenha merecido a atenção desejável no trabalho dos historiadores, a problematização do “Brasil”
como espaço construído socialmente já no século XV revelou-se muito profícua na aula de
história no ensino fundamental.

Os documentos27 foram inseridos na aula divididos em quatro grupos: registros escritos,


iconográficos, relatos orais e cultura material. Foram relacionados exemplos de documentos em
cada um dos grupos, entre os quais um foi escolhido para ser discutido mais detalhadamente.
Entre os registros escritos um trecho da Carta de Pero Vaz de Caminha28; entre os iconográficos
a tela Primeira Missa no Brasil,29 de Victor Meirelles; para os relatos orais foi reproduzida uma
situação de entrevista retirada do filme Narradores de Javé;30 e para cultura material foram

26
Petersen; Lovato, 2013:239. Destaque em itálico das autoras.
27
Será utilizado o termo documento ou documentos, e suas variantes, tais como: documentação e registros
documentais, em uma perspectiva que procura enfatizar que a “transformação” do documento em fonte histórica
pressupõe o trabalho de questionamento do historiador, conforme definem Sílvia Petersen e Bárbara Lovato,
2013:296. A diferença é sutil, ponderam as autoras, contudo importante.
28
BRASIL. Ministério da Cultura. Fundação Biblioteca Nacional. Departamento Nacional do Livro. A carta de
Pero Vaz de Caminha. Transcrição disponível em https://goo.gl/g7bnj2. Acesso em: 10 mar. 2016.
29
BRASIL. Instituto Brasileiro de Museus (Ibram). Primeira Missa no Brasil (1858-1860). Óleo sobre tela, 270 x
357 cm, de Victor Meirelles. Disponível em https://goo.gl/uZafR3. Acesso em: 10 mar. de 2016.
30
No trecho selecionado Antonio Biá registra a história do herói Indalécio. Ao sugerir adaptações na história, Biá
também é seu protagonista mesmo em uma posição de escuta. Outro aspecto importante no fragmento é a distância
entre oralidade e escrita. NARRADORES DE JAVE. Riofilme, 2003.
selecionados objetos já utilizados no cotidiano escolar, como mimeógrafo e sineta. Nesta
primeira aproximação entre os estudantes pesquisadores e os elementos constituintes da
investigação em história operou-se com a noção de fonte histórica como “aquilo que coloca o
historiador diretamente em contato com o seu problema. Ela é precisamente o material através
do qual o historiador examina ou analisa uma sociedade humana no tempo”.31 Esta matéria-
prima, como indício do passado, “refere-se a manuscritos, livros impressos, prédios, mobília,
paisagem (como modificada pela exploração humana), bem como a muitos tipos diferentes de
imagens: pinturas, estátuas, gravuras, fotografias” (Burke, 2004:16).

Seguida da visualização de cópias digitais da documentação e do manuseio dos objetos,


foram propostas as seguintes questões: qualquer vestígio é fonte histórica independentemente
do trabalho e da seleção do(a) historiador(a)? Os vestígios necessitam das questões formuladas
pelo(a) historiador(a) para tornar-se fonte histórica? As duas proposições apresentam-se, à
primeira vista de maneira bastante simples, porém estão no centro de um debate complexo e no
qual figuram diversas posições que resultam, por sua vez, em intrincadas formulações teórico-
metodológicas sobre a produção do conhecimento histórico. No entanto, um consenso sobre a
temática das fontes é o abandono de uma concepção de documento tributária do que Jacques
Le Goff denomina como “a ilusão positivista” que “via no documento uma prova de boa-fé,
desde que fosse autêntico” (Le Goff, 2003:535).32 Desta forma, como apontam Leandro Karnal
e Flavia Tatsch, a concepção metódica de documento privilegiava a heurística documental, ou
seja, a busca, a seleção, a crítica e a classificação dos documentos são eleitas como as
preocupações do historiador (Karnal; Tatsch, 2012:14).

O alargamento do conteúdo do termo documento, segundo Le Goff, foi produzido nos


anos 1960 e mereceu ser chamado de revolução documental (Le Goff, 2003:531). Na ocasião,
a Escola dos Annales colaborou para a redefinição da noção de fonte ao propor também a
ampliação do objeto do historiador para tudo que fosse humano. O que, consequentemente,
também ampliou a tipologia das fontes necessárias ao trabalho historiográfico. Tão importante
quanto a problematização do campo de atuação do historiador e das fontes que poderia lançar
mão, está a compreensão na crítica documental de que:

31
Uma fonte histórica, segundo José Barros, possui, pelo menos, duas funções: a de permitir acesso aos fatos
históricos que o historiador pretende reconstruir ou interpretar e na condição de “testemunho” ou “discurso” de
uma época a ser investigada pelo profissional de história. (Barros, 2015:63). Ainda, Pedro Paulo Funari recupera
que a noção de fonte, como depósito abundante de informações a ser analisado pelo historiador, dialoga com o
cientificismo do século XIX e a preocupação da época com a “descoberta dos fatos verdadeiros”, (Funari,
2008:85).
32
Para posições semelhantes ver também: Barros, 2015:64; Petersen; Lovato, 2013:294; Karnal; Tatsch, 2012:13.
O documento não é qualquer coisa que fica por conta do passado, é um produto da sociedade
que o fabricou segundo as relações de forças que aí detinham o poder. Só a análise do documento
enquanto monumento permite à memória coletiva recuperá-lo e ao historiador usá-lo
cientificamente, isto é, com pleno conhecimento de causa. [Le Goff, 2003:535-36]33

Deste modo, inspirado nas considerações de Michel Foucault em A Arqueologia do


saber, Jacques Le Goff constrói uma definição na qual o documento é transformado em
monumento quando utilizado pelo poder para impor, voluntariamente ou não, uma imagem de
si para o futuro. Logo, cabe ao historiador criticá-lo para além da sua condição de “falso” ou
“verdadeiro”, haja vista que, nesta perspectiva, a crítica quanto à “veracidade” da fonte continua
sendo uma providência útil, porém não possui o estatuto de interditar a utilização do documento
como matéria-prima da elaboração do conhecimento histórico. Portanto, a tarefa historiográfica
consiste em desmontar, desestruturar o documento e verificar as condições em que foi
produzido.

É notório que uma discussão mais aprofundada sobre concepções de documento e fonte
histórica se apresenta de maneira subterrânea nos objetivos disciplinares da história no âmbito
escolar. Não obstante, uma das possibilidades que este trabalho pretende indicar é que já na
escola os estudantes sejam animados a refletir sobre o conhecimento histórico como algo que
também possui historicidade e do trabalho realizado por historiadores, como grupo social
especializado na formulação e na mediação de múltiplas representações sobre o passado. Para
tanto, procurou-se mediar o debate a partir de uma concepção na qual “nem o sujeito nem o
objeto apresentam o domínio total da mensagem no diálogo que dizemos chamar-se História”
(Karnal; Tatsch, 2012:13), reiterando o aspecto de construção permanente do conhecimento
histórico.

Depois de um momento de aproximação e “explosão” de ideias, as turmas foram


divididas em grupos de até seis integrantes para manusear fotocópias de documentos escritos
na sala de aula. Foram oferecidos recortes de jornais, certidões de imóveis e exemplares do
Diário Oficial do Estado do Rio Grande do Sul (Anexo A). A documentação abordava dados
biográficos de Olintho de Oliveira, que empresta seu nome para a unidade educacional,
certidões de registro imobiliário do prédio mais antigo do conjunto arquitetônico da escola e a

33
Para uma perspectiva na qual fonte e história são consideradas enquanto produtos discursivos produzidos pelo
historiador sobre os vestígios do passado, ver: Jenkins, 2011:82. Sobre o caráter textual e discursivo das fontes
históricas e as implicações para a historiografia, ver: Falcon, 2011:164 e 169.
trajetória da instituição, desde a criação como grupo escolar até tornar-se escola estadual de
ensino fundamental.

A metodologia de trabalho mostrou-se pouco eficaz já no primeiro encontro da semana.


Desde a organização dos alunos e das alunas em grupos na primeira turma até a pouca
concentração na análise do material, o ambiente da atividade coletiva manteve-se barulhento,
desorganizado e propício para a dispersão. A distribuição de apenas dois exemplares
documentais para cada grupo de cinco ou seis estudantes dificultou a interação de todos do
grupo com o material. Mesmo que o objetivo da atividade fosse proporcionar um contato
preliminar entre registro documental e jovens pesquisadores, os questionamentos levantados, e
a falta destes, bem como a pouca concentração indicaram a necessidade de readequação do
método.

Na mesma semana outra dinâmica foi proposta, quando o trabalho com a documentação
foi realizado em duplas e focado na construção de impressões coletivas sobre o material
analisado. Foram manuscritos na lousa das salas de aula três orientações durante o processo de
leitura: fazer perguntas para o documento; ler mais de uma vez, sempre; e refletir sobre o que
“diz” a documentação. Depois que alunos e alunas efetuaram a leitura das fontes e foram
estimulados a propor hipóteses sobre o material recebido, a lousa foi dividida para a distribuição
das potenciais fontes de acordo com o conteúdo abordado. Ao final da atividade, os estudantes
propuseram a divisão dos documentos em três grupos temáticos: compra e venda do “casarão”,
criação e alteração do nome da escola e notícias sobre o personagem Olintho de Oliveira.

Na semana subsequente as turmas foram desafiadas a novamente manusear a


documentação juntada em pesquisa preliminar efetuada pelo professor e preencher um guia de
pesquisa (Apêndice C). Todos os estudantes presentes, com maior ou menor dificuldade,
conseguiram realizar a tarefa. O trabalho solicitou que fosse informado o tipo de registro
analisado, o acervo ao qual pertencia, a datação do documento e uma breve descrição do assunto
tratado. Com a maior interação com o material disponível para a análise e a separação temática
das fontes realizada no encontro anterior, também surgiram as primeiras hipóteses da relação
existente entre o conjunto documental estudado e o espaço escolar.

Na descrição das fontes foi possível identificar um padrão, permitindo a inclusão dos
alunos e alunas pesquisadores em dois grupos. No primeiro grupo o trabalho com a
documentação resultou em descrições a partir da cópia de trechos dos documentos consultados,
portanto, sem apresentar texto autoral dos alunos. Enquanto no segundo grupo foi possível
identificar construções descritivas que partiram de texto próprio dos agentes da análise,
incluindo, em alguns casos, a formulação de hipóteses preliminares sobre o potencial
explicativo de exemplares específicos no conjunto da documentação.

A seguir será discutido o conteúdo das fichas de pesquisa preenchidas pelos alunos e
pelas alunas pesquisadores. A primeira passagem que merece destaque registra a transmissão
por herança do imóvel mais antigo do conjunto edificado da escola:

No livro na página 58 do serviço registral imobiliário do teor nº 17.451 do dia 5 de abril de 1944
da propriedade do dr. Israel Baptista o terreno dele tem a largura de 21,48m e a extensão de
13,24m com dr. Tibúrcio. O tenente-coronel Candido Alves do transmitente: herança de José
Baptista partilha do valor de CR$ 70.000,0034 (aluno, 11 anos; aluno, 11 anos; aluno, 11 anos)

O excerto serve como exemplo da interação dos estudantes com os documentos, quando
mesmo defrontados com a aridez de uma certidão imobiliária conseguiram estabelecer os
personagens e a motivação da transação.

Sobre o mesmo tema, analisando fonte da transferência de propriedade do sobrado por


venda ou herança, outro grupo de alunos identificou o teor do documento: “Fala sobre a venda
do casarão é o registro de imóveis e a carta de sentença. O casarão era de José Baptista”35 (aluna,
11 anos; aluno, 11 anos; aluna, 12 anos), informação que é mais detalhada na descrição “Essa
certidão fala sobre registro de imóveis. Prédio da rua República nº 635 extensão de 21,48m.
Bairro: Cidade Baixa. Proprietário: o Estado do Rio Grande do Sul. Incluídos [ilegível] do
prédio com propriedade que é ou foi de José Baptista Soares da Silveira e Souza”36 (aluna, 13
anos).

Também merece destaque as descrições nas quais é possível perceber maior riqueza de
detalhes, como: “O casarão fica na rua República nº 635 bairro cidade baixa. O casarão
assobrado [sic] era fora do alinhamento da rua. Tem uma escritura de doação no 20º tabelionato.

34
A certidão com a transcrição da folha 58 do livro “3L/1” do Serviço Registral Imobiliário trata da transmissão
de imóvel situado à Rua da República, 635, de José Baptista Soares da Silveira Souza Filho para Cypriana Baptista
de Mesquita, como herança do primeiro estabelecida em partilha de 1909. PORTO ALEGRE. Registro de Imóveis
da 2ª Zona. Certidão, Porto Alegre, 5 de abril de 1944.
35
A certidão com a transcrição da folha 294 do livro “3-CP/2” do Serviço Registral Imobiliário trata da transmissão
de imóvel de José Baptista Canabarro e Ligia Silveira Canabarro para o Estado do Rio Grande do Sul, com a
finalidade de cumprimento de carta de sentença do 2º Cartório dos Feitos da Fazenda Pública em 7/5/1969. PORTO
ALEGRE. Registro de Imóveis da 2ª Zona. Certidão, Porto Alegre, 27 de junho de 1969.
36
Cf. Registro de Imóveis da 2ª Zona. Certidão, Porto Alegre, 27 de junho de 1969.
Matrícula 58.290”37 (aluna, 11 anos; aluno, 11 anos; aluna, 12 anos), que destaca o não
alinhamento do terreno à rua e a característica assobradada da construção. Bem como, o registro
do momento da medição do terreno: “Eles no dia 17/03/1982 mediram os terrenos pra vê onde
se localiza, quantos metros tem”38 (aluno, 11 anos; aluno, 11 anos; aluno, 12 anos), enfatizando
a informação do documento que indica os procedimentos para sua formulação.

Finalmente, a tentativa melhor desenvolvida de construção textual a partir da análise


documental pode ser expressa no excerto “[…] o primeiro proprietário [e] que foi passado de
geração em geração até ficar com o estado [sic] que permanece com ele até hoje. E é graças ao
Estado que temos a escola Olintho de Oliveira”39 (aluno, 11 anos). A elaboração textual tenta
indicar a passagem do tempo no uso do termo “geração” e também explicita que a aquisição do
imóvel pelo poder estatal implicou na alteração de seus usos.

Quando os alunos pesquisadores se defrontaram com a tarefa de descrever as decisões


do Governo do Estado ou da Secretaria da Educação do Rio Grande do Sul publicadas no Diário
Oficial do RS, o padrão foi a cópia literal do conteúdo da fonte, embora alguns estudantes
tenham construído textos descritivos com marca pessoal. As decisões selecionadas informam a
trajetória da unidade escolar incluindo decretos e portarias que tratam da criação, das alterações
de nome e de “status” da escola no sistema de ensino estadual. O fragmento: “O governador do
estado do RS decreta: criar um grupo escolar de 5ª entrância e 2ª categoria a rua José do
Patrocínio nº 954 nessa capital”40 (aluna, 12 anos; aluno, 13 anos) é um exemplo do ato de
seleção dos alunos ao manejar o documento que estabeleceu a criação do grupo escolar, hoje
escola de ensino fundamental.

O mesmo procedimento de seleção também pode ser observado no decreto que


estabelece a denominação do grupo escolar “[…] governador do estado do RS decreta: é
denominado ‘Professor Olintho de Oliveira’ o grupo escolar à rua José do Patrocínio nº 954”41

37
A certidão com a transcrição da folha 1 do livro 2, matrícula 58.290, do Serviço Registral Imobiliário atesta a
transferência por doação de imóvel do Estado do Rio Grande do Sul para o Município de Porto Alegre. PORTO
ALEGRE. Registro de Imóveis da 2ª Zona. Certidão, Porto Alegre, 28 de fevereiro de 1983.
38
Cf. Registro de Imóveis da 2ª Zona. Certidão, Porto Alegre, 27 de junho de 1969.
39
Cf. Registro de Imóveis da 2ª Zona. Certidão, Porto Alegre, 27 de junho de 1969.
40
Decreto assinado pelo Governador Ildo Meneghetti e pelo Secretário de Educação e Cultura Liberato Salzano
Vieira da Cunha que tem como objeto a criação de um Grupo Escolar, situado à rua José do Patrocínio, 954, em
Porto Alegre. RIO GRANDE DO SUL. Decreto Nº 6945, de 16 de março de 1956. Publicado no Diário Oficial do
Estado do Rio Grande do Sul, 17 de março de 1956, p.01. Disponível em: http://corag.rs.gov.br/doe.
41
Decreto assinado pelo Presidente da Assembleia Legislativa, no exercício do cargo de governador do Estado,
Alberto Hoffmann e pelo secretário de Educação e Cultura Ariosto Jaeger que nomeia o Grupo Escolar, situado à
rua José do Patrocínio, 954, de “Professor Olintho de Oliveira”. A homenagem ocorreu pouco mais de um ano da
passagem do médico dedicado à especialidade pediátrica. RIO GRANDE DO SUL. Decreto Nº 8348, de 13 de
(aluna, 12 anos; aluno, 13 anos) e na decisão da Secretaria da Educação que unificou o grupo
com uma unidade ginasial: “O secretário do Estado da Educação unifica o grupo escolar
Professor Olintho de Oliveira e cria o ginásio Sir Winston Churchill”42 (aluno, 13 anos; aluna,
12 anos). Não há nos dois casos citados marcas de uma tentativa de reescrita do conteúdo da
fonte analisada, porém, os elementos descritos denotam a capacidade de leitura em
desenvolvimento pelos estudantes.

Embora predominante, a cópia literal de trechos das decisões publicadas no Diário do


Estado não foi o único recurso utilizado pelos jovens pesquisadores. No trecho: “Esse
documento fala sobre o decreto e seu artigo 1, que fala sobre um grupo escolar de 5ª entrância
e 2ª categoria à rua José do Patrocínio nº 954 nesta capital. No artigo 1 é denominado Professor
Olintho de Oliveira o grupo escolar à rua José do Patrocínio”,43 (aluno, 12 anos). Da mesma
forma no fragmento: “Fala sobre o decreto que altera a lotação numérica de professores de
unidades primárias. Unidade escolar rua da República. A alteração no decreto aconteceu em 12
de março de 1956, na escola Olintho de Oliveira”,44 (aluno, 14 anos). As passagens são
resultado do esforço de síntese dos alunos pesquisadores ao analisar o conteúdo da
documentação. Além disso, o termo “fala” remete também a uma postura de “escuta” daquilo
que o documento informa, em uma atitude de investigação a partir dos registros documentais.

Ao analisar a cobertura da imprensa sobre o falecimento de Olintho de Oliveira, as


descrições produzidas pelos alunos e pelas alunas mantêm duas características já identificadas:
a reprodução de parte da fonte e a tentativa de descrição a partir de construções textuais com
marca pessoal. No trecho “dr. Olímpio Olinto de Oliveira […], a homenagem justa a uma das

dezembro de 1957. Publicado no Diário Oficial do Estado do Rio Grande do Sul, de 18 de dezembro de 1957:39.
Disponível em: http://corag.rs.gov.br/doe.
42
A Portaria assinada pelo secretário da Educação Substituto Plácido Steffen tem por objeto a unificação do Grupo
Escolar Professor Olintho de Oliveira e do Ginásio Estadual Sir. Winston Churchill sob o nome de Escola Estadual
de 1º Grau Professor Olintho de Oliveira. RIO GRANDE DO SUL. Portaria nº 174.848, de 8 de abril de 1980.
Publicada no Diário Oficial do Estado do Rio Grande do Sul, de 14 de abril de 1980:1. Disponível em:
http://corag.rs.gov.br/doe.
43
Cf. RIO GRANDE DO SUL. Decreto nº 8.348, de 13 de dezembro de 1957. Publicado no Diário Oficial do
Estado do Rio Grande do Sul, de 18 de dezembro de 1957:39. Disponível em: http://corag.rs.gov.br/doe.
44
Decreto assinado pelo governador Ildo Meneghetii e pelo secretário de Educação e Cultura Liberato Salzano
Vieira da Cunha que altera a lotação numérica de professores de unidades escolares do Estado. O Grupo Escolar,
situado à rua da República, 635, conta na relação anexa com 25 professores. O decreto estabelece ainda que nas
unidades escolares não relacionadas estava mantida a lotação numérica de professores definida pelo Decreto nº
4881, de 22 de fevereiro de 1954. RIO GRANDE DO SUL. Decreto Nº 6943, de 13 de março de 1956. Publicado
no Diário Oficial do Estado do Rio Grande do Sul, de 16 de março de 1956, p. 002. Disponível em:
http://corag.rs.gov.br/doe. A distribuição dos professores foi estabelecida pelo Decreto nº 1.192, de 5 de abril de
1950, que tem como objeto a regulamentação do ingresso e do reingresso no magistério primário do Estado e
define em seu artigo 13 que: “Tomar-se-á em conta, na designação da escola, quando possível, a zona de residência
do professor, respeitados, exceto em casos previstos neste decreto, os quadros de classificação e de vagas de
primeiro estágio, mencionados nos artigos 6º e 7º.”
maiores expressões da Medicina brasileira, significa para nós recordar dias já distantes da
segunda década do século, quando nos reunimos no porão da sua casa da rua de S. Antônio
(morávamos ao lado)45” (aluna, 11 anos; aluna, 11 anos; aluna, 11 anos), a opção foi copiar
parte do texto laudatório sobre o médico. O que se repete no fragmento:

[…] Era o ilustre Riograndense uma das grandes expressões da medicina brasileira – Fundador
da Faculdade de medicina desta capital, campanhas de higiene, pediatra em favor da infância o
seu devotamento pela medicina infantil vinha desde o curso acadêmico como um dos discípulos
prediletos do grande especialista professor Moncorvo46 (aluna, 11 anos).

Uma característica enfatizada frequentemente nas publicações post mortem do


personagem foi sua atenção aos cuidados com a infância. Essa temática, predominante no
material analisado, também mereceu destaque por parte dos estudantes ao analisar os registros.

Ainda no mesmo tema, o noticioso sobre o falecimento de Olinto, a passagem: “Na


página 16, foi feita uma homenagem ao professor Olinto de Oliveira pelo seu falecimento e
todos os seus alunos se juntaram para criar essa grande homenagem a ele. Ele morreu quinta-
feira, 24 de maio de 1956”47 (aluna, 13 anos; aluna, 12 anos; aluno, 11 anos) é um exemplo no

45
Na seção “Vultos da Pátria”, Antônio Almeida traça o perfil biográfico do “Professor Dr. Olímpio Olinto de
Oliveira”. Como argumento inicial o autor enfatiza que escreve a partir de uma relação de convivência com o
personagem, através da contemporaneidade e proximidade que possuía dos filhos do biografado. O texto apresenta
dados da vida privada, da formação e da atuação profissional do personagem, quase sempre em tom laudatório.
Olímpio de Oliveira teria sido o segundo de oito irmãos, teria nascido em 5/1/1865-66 e falecido a 22/5/1956.
Realizou estudos no Rio de Janeiro, quando se especializou em pediatria, e retornou ao Estado onde clinicou e
lecionou. Casou-se na capital em 21/5/1889 e foi pai de sete filhos. Titular da cátedra de Clínica Pediátrica da
Faculdade de Medicina, em 1917, por ocasião do falecimento do dr. Luis Masson, postulou a titularidade da cátedra
de Clínica Médica, pedido que foi indeferido com a entrega da vaga ao professor dr. Aurélio de Lima Py. A
negativa fez com que Olinto de Oliveira renunciasse ao posto que ocupava e mudasse para o Rio de Janeiro, onde
instalou consultório e dirigiu o Departamento Nacional da Criança. Almeida, Antônio da Rocha. Dr. Olímpio
Olinto de Oliveira, Correio do Povo, sem data.
46
O texto enfatiza a vida profissional de Olintho de Oliveira, com especial atenção ao trabalho realizado pelo
pediatra, professor e colaborador do Jornal Correio do Povo no cuidado com a infância. É na dedicação ao trato
das crianças que Olintho galgou postos na administração pública na Capital Federal, travando disputas
especialmente com Martagão Gesteira acerca das políticas destinada à infância, e conquistou a maioria das
honrarias recebidas. Além disso, mereceu destaque a atuação do médico em atividades relacionadas à arte e às
letras, como fundador, ao lado de outros, da Academia Rio-grandense de Letras. Faleceu ontem no Rio de Janeiro
o professor Olintho de Oliveira, Correio do Povo, 23 de mai. de 1956, p. 10 e 16. Para mais da disputa entre
Olintho de Oliveira e Martagão Gesteira em torno da Divisão de Amparo à Maternidade e à Infância (DAMI) e do
Instituto de Puericultura, ver: Medeiros, Helber Renato Feydit de. O passado e o presente da puericultura através
da história do Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira. In: Anais. XXVI Simpósio Nacional de
História – ANPUH. São Paulo, jul. 2011.
47
Escrito por um médico, ex-aluno e amigo, segundo apresentação do próprio autor, a coluna enfatiza o trabalho
precursor de Olintho de Oliveira na área da pediatria. Durante o texto fica bastante evidente a relação próxima
entre autor e homenageado, mesmo que ao citar a renúncia de Oliveira a titularidade da cátedra de Clínica
Pediátrica da Faculdade de Medicina, o autor apenas tenha feito referência breve a aposentadoria do mestre, sem
esclarecer suas circunstâncias. Logo depois Raul Moreira prossegue citando o convite que recebeu de Sarmento
Leite para concorrer ao cargo deixado pelo mestre, que passou a ocupar como substituto até 1930 e depois de
forma efetiva. Moreira, Raul. Olinto de Oliveira. Correio do Povo, Porto Alegre, 25 mai. 1956, p. 16.
qual os alunos pesquisadores organizam a descrição a partir da localização da informação “na
página 16” destacando as homenagens que teria recebido o falecido e os dados sobre sua morte:
“Ele morreu quinta-feira, 24 de maio de 1956”, reiterando o que podemos interpretar como
preocupação dos estudantes em descrever com a maior precisão possível o acontecimento
narrado pela fonte. Em outro exemplo, verificado no fragmento:

Falecido dr. Olintho de Oliveira formado em medicina fundador de uma faculdade. Ele foi tão
importante para a medicina que uma escola teve como dedicatória seu nome na Escola Estadual
de E. F. Olintho de Oliveira. Ele promoveu uma propaganda sobre as crianças e meios de
protegê-las48 (aluna, 11 anos; aluna, 11 anos; aluna, 11 anos).

Na passagem, a relevância social da trajetória do médico e professor é analisada a partir


da homenagem que lhe foi rendida ao dar-lhe o nome de uma instituição escolar. Tal percepção
é indício da clareza que alunos e alunas possuem dos mecanismos de reconhecimento social e
do papel das unidades escolares, como espaço privilegiado para a perpetuação de memórias
positivas sobre os personagens que as identificam.

2.3 Aprender História a partir das noções de patrimônio cultural e patrimônio escolar

Ao propor a reflexão o sobre o ofício do historiador a partir da investigação do processo de


patrimonialização do espaço escolar, e considerar esta investigação como possibilidade de
ensino e aprendizado na disciplina História para alunos e alunas dos anos finais do ensino
fundamental, procura-se dialogar com a concepção pedagógica na qual “o objeto é tratado como
indício de traços culturais que serão interpretados no contexto da exposição do museu ou na
sala de aula” (Ramos, 2004:22). O objetivo é refletir a partir e com a cultura material
compreendida como tudo que é feito ou utilizado pelo homem49 e considerada como uma das
dimensões da experiência social. E, além disso, oferecer instrumentos para que os estudantes
compreendam o “ciclo de vida” de um prédio, os vários usos de uma edificação, como a
patrimonialização do espaço passa a compor a memória e que posição pode ocupar na projeção
de futuro da comunidade escolar.

48
Faleceu ontem no Rio de Janeiro o professor Olintho de Oliveira, Correio do Povo, 23 mai. 1956, p. 10 e 16.
49
Desde o século XVI objetos e edifícios antigos mereceram a atenção de renascentistas e antiquários, seja por
seu valor artístico, servindo de modelo ou mesmo como curiosidade, em atividades que podem ser consideradas
precursoras da Arqueologia. No entanto, apenas no século XIX, vinculada com a centralidade que o documento
assumiu na escrita da história e da consequente preocupação em preservar documentos e arquivos, a cultura
material adquiriria o status de fonte histórica, inclusive com a intensificação de empreendimentos arqueológicos
para a coleta e divulgação de artefatos e edifícios (Funari, 2008:84-85).
Francisco Ramos ao pensar a educação histórica através dos objetos indica como ponto
de partida os “objetos geradores” definidos como aqueles “significativos para os alunos, ou
participantes de determinado grupo” (Ramos, 2004:32). O autor estende para a sala de aula a
possibilidade de uma pedagogia dos objetos, enquanto pensa o ensino de história no espaço
museológico. Seguindo Ramos, a intenção é pensar o “objeto gerador”, no caso deste trabalho
o espaço físico da escola, como matéria-prima para a reflexão histórica e discussão do processo
de patrimonialização do espaço escolar. A comparação entre objetos produzidos no passado
com outros do presente pode configurar-se no ponto de partida para a construção de uma noção
de historicidade ao chamar a atenção para o seu ciclo de vida: nascimento, morte e
transformação. E, ainda, oferecer subsídio para a meditação sobre o trabalho humano na criação
destes artefatos e como se dá, em ocasiões distintas, seus usos (Ramos, 2004:35-36). Para os
objetivos deste trabalho a noção de “ciclo de vida” é importante para pensar os usos da
edificação mais antiga da escola e o seu percurso até tornar-se alvo de inventário pela
municipalidade de Porto Alegre.

Considerando que a edificação investigada figura na relação de construções


inventariadas pelo poder municipal, para este texto impõe-se o debate sobre o que merece ou
não o status de patrimônio cultural. No caso brasileiro, a trajetória das discussões sobre o tema
levou à formulação que dividiu a noção de patrimônio cultural entre material e imaterial. Márcia
Chuva, ao retomar a historicidade do conceito, aponta a contradição do processo: ao mesmo
tempo em que a figura de Mário de Andrade – considerado pioneiro ao embretar-se nos confins
do país para recolher amostragens do que seria uma cultura brasileira – é ainda referenciada nos
órgãos responsáveis pelas políticas públicas da área, sua “concepção integral da cultura” não
prevaleceu como consenso.

Na reconfiguração da ideia de nação centrada no fortalecimento dos recortes identitários


foi possível ampliar a noção de patrimônio e a consequente inclusão de novos objetos, bens e
práticas como concorrentes ao posto de patrimônio cultural. Retomando as proposições de
Andrade, tentou-se atribuir um valor nacional às manifestações culturais “passíveis de registro”
e orientar uma identidade cultural brasileira que possui como esteio a diversidade.50 Entre idas
e vindas, os campos do patrimônio e do folclore apenas recentemente se reencontraram no
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), mas mantendo, segundo Chuva,

50
Chuva, 2012:157 e 161. Ver também Souza, 2013.
uma divisão artificial entre materialidade e imaterialidade que chancela uma política de
distribuição não paritária dos recursos (Chuva, 2012:151, 160 e 162).

A construção do problema desta pesquisa dialoga com a noção de patrimônio em que a


cultura material torna-se um bem cultural a partir da atribuição de valores pelos homens,
portanto não possuindo valor permanente intrínseco ao objeto (Chuva, 2012:163). Para tanto,
parte-se do conceito oferecido por Nestor Canclini para patrimônio cultural:

o que um conjunto social considera como cultura própria, que sustenta sua identidade e o
diferencia de outros grupos – não abarca apenas os monumentos históricos, o desenho
urbanístico e outros bens físicos; a experiência vivida também se condensa em linguagens,
conhecimentos, tradições imateriais, modos de usar os bens e os espaços físicos. [Canclini,
1994:99]

A conceituação apresentada pelo antropólogo argentino é importante para este trabalho


na medida em que reconhece os usos dos espaços como passíveis de patrimonialização. E,
mesmo que a tipologia de nosso objeto, por se tratar de uma construção de alvenaria, tenha sido
hegemônica na definição do que é considerado patrimônio no Brasil, o estudo da
patrimonialização do espaço escolar pode contribuir no debate sobre os critérios que tornam ou
não um bem cultural de determinado grupo representativo a ponto de ser atingido por políticas
públicas.

O desafio está em discutir o pressuposto identitário – necessariamente associado ao


processo de patrimonialização do espaço escolar – ultrapassando o viés preservacionista e
debatendo “os usos sociais do patrimônio”, entre os quais emerge a sua potencialidade para o
ensino de história. Tal tarefa não deve perder de vista o patrimônio cultural como entrecruzado
por disputas econômicas, políticas e simbólicas. Assim, através do que Canclini denomina
paradigma “participacionista”,51 entre os possíveis desdobramentos da investigação está a

51
Nestor Canclini identifica quatro paradigmas nos processos de patrimonialização dos bens. O primeiro é o
tradicionalismo substancialista, quando os bens históricos adquirem valor em si, o patrimônio é definido pela
excepcionalidade e por uma visão a-histórica. Já o viés mercantilista está fundamentado no valor econômico que
os bens possuem ou possam adquirir e no favorecimento ou não do avanço material. A perspectiva conservacionista
e monumentalista, segundo o autor, está baseada no papel central do Estado para o resgate, a preservação e a
custódia de bens históricos, sem, no entanto, promover o debate sobre as possíveis contradições destas escolhas
patrimoniais. E, por último, o paradigma participacionista procura relacionar preservação e necessidades de
determinada sociedade, privilegiando as demandas do presente, estimulando o debate democrático e incluindo
entre os bens que podem ser considerados patrimônio os costumes e as crenças. Assim como, procura interrogar
sobre os usos dos bens, os critérios de restauração e de recepção do público para o qual são destinados. (Canclini,
1994:103-105).
promoção, a partir dos “produtos” da aula de história, de um debate sobre as necessidades de
preservação/reformulação do espaço escolar orientado pela perspectiva de seus usos sociais.

O espaço físico ou a arquitetura é um dos elementos que compõem o patrimônio da


instituição escolar. Rosa Fátima de Souza, ao problematizar o uso do termo “patrimônio
escolar” no singular, apresenta outras expressões do que denomina campo da preservação
educacional, como: patrimônio histórico-educativo e patrimônio educativo, este último
encontrado especialmente nas publicações em língua espanhola. Apesar da utilização do
vocábulo no plural potencialmente abrigar bens materiais, imateriais e suas especificidades
internas (tombamento dos edifícios; acervo documental, museológico e bibliográfico; modos
de fazer e praticar o ensino), neste trabalho será mantida a grafia no singular, acompanhando a
autora na percepção de que assim é possível dialogar com a noção de patrimônio cultural, sem
perder de vista a multiplicidade de objetos e processos definidos pela expressão (Souza,
2013:211). E, além disso, a utilização do qualificativo “escolar” pode cumprir adequadamente
o objetivo de colocar a escola e suas particularidades em evidência.

Para pensar especificamente a arquitetura dos espaços de instrução formal como


possibilidade de investigação na educação básica, procura-se considerar, como indica António
Viñao Frago, que os objetos não falam por si e de que sua conservação e catalogação não nos
levam além da construção de crônicas e cronologias dos acontecimentos. Existe, portanto, a
necessidade de associação entre o espaço físico e as especificidades da unidade de ensino
demarcadas pela noção de culturas escolares.52 Neste caso, entre as alternativas para conhecer
com maior profundidade o que mobiliza a pesquisa está a reconstrução do ciclo de vida do
objeto, o que para o espaço físico da escola pressupõe estudar sua proposta de construção, seus
usos e seus usuários. E ainda os critérios que provavelmente orientaram e orientam a existência
do lugar (Frago, 2012:12).

52
Nos estudos em História da Educação as definições de cultura escolar mais referidas são tributárias dos estudos
de Jean-Claude Forquin, André Chervel, Dominique Julia e do próprio António Viñao Frago. Forquin compreende
a cultura escolar como fruto de uma seleção composta pelo cruzamento de diversos saberes, os quais não integram
esta mesma cultura de forma pura. Por sua vez, Julia, Chervel e Frago partem do pressuposto de que existe uma
construção cultural própria do sistema escolar. Dominique Julia aponta que a cultura escolar, como conjunto de
normas e práticas que viabilizam a transmissão e incorporação de conhecimentos específicos está relacionada a
finalidades que podem variar em diferentes épocas. André Chervel interpreta o sistema escolar considerando a
configuração das disciplinas escolares como produtos de um saber específico que emerge do funcionamento
institucional baseado na circularidade cultural entre escola e sociedade. E, por fim, António Frago define como
“culturas escolares” todas as manifestações práticas ocorridas no interior das escolas envolvendo alunos,
professores, normas e teorias. Ainda, numa perspectiva histórica, prefere admitir a existência de “culturas
escolares”, cujas especificidades podem ser verificadas pelo método comparativo. Para uma síntese mais
aprofundada do debate sobre a cultura escolar como categoria de análise ver Faria Filho et. al., 2004.
A despeito da densidade teórica existente em torno das noções de patrimônio cultural e
escolar, essa exposição tratará também do percurso para construção de um conceito, mais ou
menos complexo, de patrimônio com os alunos e as alunas protagonistas no debate sobre o
tema. Objetivando a inserção dos estudantes na discussão para além da conceituação proposta
no manual didático, os jovens pesquisadores foram provocados a pensar as escolhas implicadas
no uso da definição patrimônio histórico e artístico ou na opção pela expressão patrimônio
cultural. Esse movimento exploratório ocorreu a partir de pesquisa realizada em fontes
disponíveis na internet consultadas livremente pelos estudantes e carregou como objetivo o
apontamento das aproximações e particularidades dos conceitos.

Os excertos escolhidos para demonstrar a primeiras impressões construídas pelas turmas


sobre patrimônio podem ser elencados sob três perspectivas predominantes. A primeira
investida dos alunos pesquisadores procurou localizar a “origem” do conceito para depois
propor uma definição. No segundo conjunto de trabalhos a noção de patrimônio histórico e
artístico surgiu como sinônimo de patrimônio material, enquanto, por sua vez, patrimônio
cultural apareceu ligado essencialmente à imaterialidade. Por fim, a terceira vertente conseguiu
localizar uma noção mais abrangente do que pode ser considerado patrimônio cultural.

A primeira passagem que informa os resultados da busca realizada pelos alunos indica
que patrimônio histórico é o

conjunto de bens que contam a história de uma geração [e] faz parte do patrimônio histórico”,
enquanto patrimônio cultural configura o “conjunto de bens materiais e imateriais, que contam
a história de um povo através de seus costumes, que faz parte do patrimônio histórico/artístico
(aluna, 11 anos; aluno, 14 anos; aluna, 11 anos).

Embora com amplitudes distintas, a relação entre patrimônio e história “revelada”


aparece nas duas definições sob o “guarda-chuva” da noção de patrimônio histórico e artístico,
que engloba os bens significativos para uma geração ou mesmo um povo. Outro recurso
utilizado foi pontuar a origem das atividades preservacionistas ao apontar que

a preservação do patrimônio histórico teve início como atividade sistemática no século XIX,
após a Revolução Francesa e a Revolução Industrial, inicialmente para restaurar os monumentos
e edifícios históricos destruídos nas guerras. (aluno, 11 anos; aluna, 11 anos; aluna, 11 anos).

Mesmo que não tenha sido tratado conceitualmente do patrimônio, a passagem é


representativa da relação que os alunos construíram com a disciplina História, quando o
distanciamento temporal de uma ideia ou acontecimento pode adquirir força explicativa por si
mesma.

Na segunda perspectiva, em maior ou menor medida, a noção de patrimônio histórico e


artístico surgiu como sinônimo de materialidade, opondo-se a uma suposta imaterialidade
intrínseca ao patrimônio cultural. Na definição de patrimônio histórico como “conjunto de fatos,
documentos, edifícios, e objetos que compõem a história do Brasil […]” e, por outro lado, de
patrimônio cultural onde encontram abrigo “tradições, costumes, objetos, práticas alimentares”
(aluno, 11 anos; aluno, 11 anos; aluno, 11 anos) há uma oposição intransponível entre a
concepção hegemônica no Brasil sobre o tema do patrimônio até início dos anos 2000 e o
registro de outras formas de manifestação cultural.53

Ainda não é desprezível a inclusão do pressuposto identitário para o qual servem de


prova os “objetos que compõem a história do Brasil”. E, em uma construção com mais detalhes,
mas com a mesma oposição entre material e imaterial, patrimônio histórico consistiria no
“conjunto de bens que contam a história de uma geração através de sua arquitetura, vestes,
acessórios, mobílias, utensílios, armas, ferramentas, meios de transporte, obras de arte,
documento”, enquanto patrimônio cultural pode ser compreendido como “o conjunto de bens
materiais e/ou imateriais que conta a história de um povo através de seus costumes, comidas
típicas, religiões, lendas, contos, danças, linguagens, superstições, rituais e festas” (aluno, 11
anos; aluno, 11 anos).

Mesmo quando o texto procura estabelecer uma comparação que podemos conceber
como mais complexa entre as noções de patrimônio, como no excerto

[…] a diferença entre patrimônio cultural e histórico é que o patrimônio cultural tem um
conjunto de bens materiais e imateriais que contam a história de um povo através de seus
costumes, tais como: a comida típica, religião e outras. Já o patrimônio histórico conta a história
de uma geração, através da arquitetura, vestes, acessórios e utensílios, armas e ferramentas
(aluno, 12 anos; aluna, 11 anos; aluna, 12 anos).

53
Uma síntese da trajetória da noção de patrimônio no país foi brevemente indicada nas páginas 49 e 50 desta
seção. Ainda é pertinente recuperar que no Brasil o registro de bens culturais imateriais é recente (estabelecido
pelo Decreto nº 3.551, de agosto de 2000), assim como a definição das dimensões do patrimônio imaterial como:
“celebrações, saberes, formas de expressão e lugares expressivos das diferentes identidades conformadoras da
diversidade cultural do país”, da construção de um Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e da realização de
“inventários” como prática preliminar de salvaguarda (Martins, 2012:302). Destaque em itálico da autora.
Agregado ao termo “cultural” cabe bens materiais e imateriais, porém, nos exemplos
apenas são mencionadas manifestações imateriais, “modos de fazer”. Além disso, enquanto o
patrimônio cultural pode alcançar um “povo”, por sua vez, seu duplo histórico pode rememorar
ou “contar” os feitos de uma “geração”.

No terceiro grupo de trabalhos foram apresentadas definições mais abrangentes e


desenvolvidas para os conceitos e suas variações. O patrimônio cultural “de uma nação, de uma
região ou de uma comunidade é composto de todas as expressões materiais e espirituais que lhe
constituem, incluindo o meio ambiente natural” e, mais especificamente, pode ser entendido
como os “bens materiais e/ou imateriais, que contam a história de um povo através de seus
costumes. Através do patrimônio cultural é possível conscientizar os indivíduos adequando-os
à sua própria história”, (aluno, 12 anos; aluna, 13 anos; aluno 15 anos). Além do encontro entre
materialidade e imaterialidade no conceito, o patrimônio é apontado como ferramenta de
problematização da identidade para indivíduos de determinado grupo.

A partir dos trabalhos realizados pelos alunos e alunas foi inserido na aula de história
um texto que procurou discutir as aproximações, os limites e as implicações da utilização das
expressões patrimônio histórico e artístico ou patrimônio cultural. Trazendo no título uma
interrogação: “Patrimônio Histórico e Artístico ou Patrimônio Cultural?” (Apêndice D), a
síntese didática preparada para aula de história apresenta um breve histórico do conceito de
patrimônio para o Brasil, especialmente a definição proposta pelo Decreto-lei de 1937 e no
artigo 216 da Constituição Federal de 1988.54

Enquanto a lei de 1937 estabelecia como patrimônio

o conjunto de bens móveis e imóveis existentes no País e cuja conservação seja de interesse
público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu
excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico. [Decreto-lei nº 25, de
30 de novembro de 1937]

De outra parte, a Constituição Federal de 1988 define que o patrimônio cultural abriga
os bens “de natureza material e imaterial, considerados individualmente ou em conjunto,

54
Decreto assinado pelo presidente da República Getúlio Vargas e pelo Ministro da Educação e Saúde Pública
Gustavo Capanema tem como objeto a organização e a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional.
BRASIL. Presidência da República. Decreto-lei nº 25, de 30 de novembro de 1937. Disponível em:
https://goo.gl/Z42cW0. Acesso em: 8 abr. 2016; BRASIL. Presidência da República. Constituição da República
Federativa do Brasil. Brasília, 5 de outubro de 1988. Disponível em: https://goo.gl/iHHm9t. Acesso em: 8 abr.
2016.
portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da
sociedade brasileira”. Nessa redefinição estão as formas de expressão; os modos de criar, fazer
e viver; as criações científicas, artísticas e tecnológicas; as obras, objetos, documentos,
edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; os conjuntos
urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico,
ecológico e científico.

Também foi apresentado aos estudantes um breve histórico do Instituto do Patrimônio


Histórico e Artístico Nacional (Iphan), órgão estatal responsável pela regulação, fiscalização e
gestão do patrimônio cultural brasileiro. Ainda, uma breve classificação dos bens culturais de
acordo com a divisão em material, imaterial, arqueológico e patrimônio da humanidade55
ocupou a segunda parte do texto. Mereceu maior espaço e atenção a pertinência da
diferenciação entre bens culturais materiais e imateriais, dialogando com a posição de
intersecção que a intervenção pedagógica proposta ocupou nas aulas de história. Embora
partindo da fisionomia física da instituição como desencadeadora do processo de
patrimonialização do espaço escolar, a percepção do potencial educativo dos modos de usar os
bens e os espaços dialoga fortemente com as mais variadas formas de manifestação e vivências
que a escola abriga.

2.4 Ir ao museu: a fotografia como fonte na ação educativa “A escrita da luz”

Entre os procedimentos preparatórios para a intervenção pedagógica estava visitar uma


instituição cultural, que foi introduzida no prosseguimento da discussão sobre patrimônio. O
plano de aula discutiu conceituações gerais de patrimônio familiar e patrimônio cultural, além
da divisão em bens materiais, imateriais e naturais. Neste encontro as turmas foram estimuladas
a refletir sobre processos de patrimonialização a partir do espaço escolar enfrentando três
questões: o que podemos considerar patrimônio na nossa escola? Será que identificar o que a
comunidade escolar registrou como importante nos permite conhecê-la com maior
profundidade? E o que é importante para nós: alunos/as, professores/as e funcionários/as da
escola?

55
A categoria patrimônio cultural da humanidade é instituída na Convenção da Unesco Relativa à Proteção do
Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, em 1972. Segundo Ana Luiza Martins, o fórum reforçou a classificação
dos monumentos históricos por seu caráter excepcional também em âmbito internacional. (Martins, 2012:285-
286).
Na sequência, a última parte da aula foi reservada para uma breve apresentação do
Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa (MCSHJC), a partir de pesquisa realizada
previamente sobre espaços culturais como museus, memoriais e arquivos sediados na cidade, a
função social destas instituições e suas principais atribuições. Especificamente sobre o Museu
Hipólito José da Costa56 foram abordadas informações como localização, fundação,
composição do acervo e as atividades e ações oferecidas pela instituição. O próximo encontro
foi destinado à saída de campo.

A visita ao MCSHJC ocorreu durante toda a manhã, incluindo os deslocamentos de ida


e retorno para a escola. Os 30 estudantes, dos 41 que integram as turmas, foram recebidos pelos
técnicos em assuntos culturais do Núcleo de Educação e Pesquisa (NEP) do museu. As
atividades ocorreram em três momentos: exposição das características arquitetônicas e da
representatividade da edificação do museu na paisagem da cidade, desde uma mirada da parte
externa (a partir da rua dos Andradas). A visitação dos espaços de exposição da instituição, com
especial atenção para uma reprodução fotográfica de Porto Alegre no século XIX em imagem
capturada a partir das águas do lago Guaíba. A atividade seguiu com a participação dos
estudantes na oficina “A escrita da luz”, proposta cujo principal objetivo é proporcionar a seus
participantes outro olhar sobre a fotografia, oferecendo reflexão sobre o processo de construção,
os elementos que são oferecidos para análise do passado e como as fotografias podem ser
utilizadas como fonte histórica.

A dinâmica de trabalho na oficina foi organizada a partir da divisão dos estudantes em


grupos no espaço de exposição do museu e da distribuição de um conjunto de fotos em caixas
identificadas com as temáticas “Ruas”, “Praça”, “Rio” e “Mercado”. Cada grupo também
recebeu folhas, tamanho A4, para a redação de um enredo a partir das imagens recebidas, sob
a orientação dos integrantes do NEP e dos docentes responsáveis pelas turmas na saída a campo.
Como desfecho para a oficina cada grupo detalhou oralmente sua produção textual a partir da
análise dos registros iconográficos. Por fim, o produto da atividade ocupou o espaço do
MCSHJC e os trabalhos passaram a figurar ao lado das exposições permanentes da instituição,
acentuando, pela possibilidade de alcançar os visitantes do museu, uma percepção dos alunos e
das alunas autores sobre a divulgação e a recepção do resultado do trabalho realizado. Para o

56
O Museu está vinculado à Secretaria de Estado da Cultura do Rio Grande do Sul, foi fundado em 10 de setembro
de 1974 com o objetivo de pesquisar, recolher, classificar e conservar acervos das diversas áreas da comunicação
social; e comunicar através da exposição de bens culturais locais e nacionais. Abriga acervo constituído por jornais,
revistas, publicidade e propaganda, televisão e vídeo, cinema, rádio, fonografia e fotografia. Possui áreas
expositivas, auditório e salas de pesquisa.
encerramento da visita, os profissionais do museu executaram, com voz e violão, canções que
podem ser interpretadas à luz da relação das sociedades com o tempo, bem como do papel da
história e da memória na trajetória de homens e mulheres.57

A seguir serão discutidos os trabalhos dos alunos e das alunas com o acervo fotográfico
disponibilizado no museu. A exposição seguirá a organização dos grupos na oficina e as
temáticas propostas pelos orientadores da atividade.

Figura 2. Registro da exposição “Ruas”

Fonte: “Ruas”. Foto do autor, 2016.

O primeiro enredo imaginado vinculou as imagens das ruas de Porto Alegre ao


nascimento da própria cidade, como indica o excerto:

Era uma vez uma rua que não havia nada. Certo dia começaram a construir casas, lares,
comércios, bancas e foi fundada uma cidade que se chamava Porto Alegre. Depois de um tempo

57
Foram compartilhadas as canções “Tempos modernos”, composição de Lulu Santos (1982) e “O tempo não
para”, composta por Arnaldo Brandão e Cazuza (1988).
começaram a criar carroças, uma espécie de quarto com cavalos, depois criaram relógios,
também criaram os chapéus, relógios de bolso, ternos, vestidos, sapatos, sandálias. Antigamente
as ruas eram um pouco maiores do que as de hoje e tinham uma arquitetura diferente,
começaram a criar bandas musicais, tipos de músicas pop, rock, punk, pagode, samba, rap, hip-
hop, reggae, eletrônica e finalmente funk. (Grupo “Ruas”).

Se no primeiro momento a atenção dos estudantes esteve voltada para o “movimento”


da cidade representado pela ênfase nos meios de transporte e pela descrição dos acessórios e
vestuário dos ocupantes da rua como espaço público, também merece destaque a percepção das
características das vias públicas “um pouco maiores do que as de hoje”, da comparação entre
os traços arquitetônicos da época com a contemporaneidade e a ênfase na música como criação
humana capaz de conectar os homens no tempo. O desafio de contar uma história a partir da
imagem permitiu aos autores “brincar” com diferentes temporalidades, mas, de outra parte, não
escapou ao olhar dos estudantes o potencial explicativo da captura fotográfica.

Figura 3. Registro da exposição “Praça”

Fonte: “Praça”. Foto do autor, 2016.


O grupo que ficou encarregado de trabalhar com o material da caixa com imagens de
praças de Porto Alegre enfatizou os espaços como cenários de uma história de crime, encontro
conjugal e celebração da infância:

Era uma vez uma mulher chamada Elisabete…


Ela estava na praça sozinha, à noite, porém um homem puxou uma arma, mas um soldado estava
passando por ali à noite, prendeu o meliante.
Quando chegaram na delegacia o homem foi preso.
Depois de um mês ela voltou a frequentar a praça, mas um homem passou e convidou para tomar
um café, desde então foi crescendo um grande amor e tiveram um filho.
No primeiro aniversário [do filho] comemoraram em outra praça. (Grupo “Praça”)
Prioritariamente a praça é representada como local onde os habitantes da cidade se
encontram e onde são constituídas tramas diversas. O apontamento de uma situação de violência
pode indicar a conexão entre o passado e a percepção do presente da cidade. Da mesma forma
que o encontro amoroso da protagonista, Elisabete, e a comemoração do aniversário de seu filho
também em uma praça indicam uma perspectiva de futuro positiva, de esperança, de aposta em
um “final feliz” onde a família nuclear merece destaque.

Figura 4. Registro da exposição “Rio”


Fonte: “Rio”. Foto do autor, 2016.

Quando interpretadas as imagens do “Rio Guaíba”, e sua relação com o espaço urbano,
a história composta está centrada nas consequências da interação entre os habitantes da cidade
e o lago, como exemplificado na passagem:

Antigamente as pessoas usavam o rio para lavar roupas, beber a água, tomar banho e outras coisas. Mais
para frente as pessoas começaram a fazer esportes como nadar, andar de barco etc.
Pescadores começaram a poluir, os habitantes começaram a não ir ao rio por conta da poluição, os peixes
começaram a ir embora e morrer.
Depois começou o tempo das usinas e navios que acabaram poluindo mais ainda por causa do óleo e da
fumaça. (Grupo “Rio”)

A relação da cidade com as águas que a circundam é mediada pela degradação causada
pelo uso intensivo e pouco responsável dos recursos naturais. O passado expresso na utilização
do termo “antigamente” é representado como momento em que a relação entre homem e
natureza mostra-se equilibrada e sustentável. Em oposição, a parte final do enredo problematiza
circunstâncias do presente, como o debate acerca das questões ambientais. Ainda é possível
destacar que a contaminação das águas é atribuída primeiro aos “pescadores” e depois
representada pela intensificação da exploração destrutiva do lago pelos habitantes da cidade,
materializada na ação de “usinas e navios”.

Figura 5. Registro da exposição “Mercado”

Fonte: “Mercado”. Foto do autor, 2016.

Finalmente, o conjunto de imagens que mostram o Mercado Público de Porto Alegre é


relacionado, em uma construção textual bastante curiosa, as más condições de existência de
trabalhadores imigrantes na década de 20 do século passado, como exemplificado na passagem:

Em 1920, imigrantes vão para POA em busca de trabalho e melhores condições de vida, muito
pobres, salário baixo decidem fazer um protesto em frente à Prefeitura, com isso o governo
decide construir o Mercado Público para gerar mais empregos aos imigrantes. (Grupo
“Mercado”)

O Mercado surge na paisagem da urbe como resposta da demanda por postos de trabalho
e melhores condições de vida para os “imigrantes” recentemente chegados à cidade. E o Paço
Municipal, registrado em uma das imagens, também é destacado no conjunto que compõe o
“centro histórico” – região a partir da qual se desenvolveu o espaço urbano de Porto Alegre.
De volta à escola, a avaliação da visita ao MCSHJC foi realizada no próximo encontro
depois da saída (Apêndice F). A partir de um painel com os registros fotográficos do grupo no
espaço do Museu, alunos e alunas foram convidados a comentar os momentos da atividade.
Além da referência ao calor, realmente a manhã foi escaldante, estava muito viva na memória
recente dos integrantes das duas turmas a elaboração a partir dos registros fotográficos e as
canções compartilhadas no encerramento da experiência. O ato de transpor o espaço físico da
escola e adentrar o museu, lugar de revigoramento da ação educativa a partir de lógicas, tempos
e objetos específicos, aproximou os estudantes, através da reflexão teórica, das práticas de
análise e da divulgação de resultados, da linguagem fotográfica como “uma representação do
mundo que varia de acordo com os códigos culturais de quem a produz” (Borges, 2011:80) e
dos olhares que a ela são lançados por diferentes grupos sociais em distintas épocas, situações
e projetos.

3. O percurso de construção do projeto de exposição

A segunda parte deste trabalho foi dedicada a informar os procedimentos e conceitos


mobilizados para construção do projeto de exposição a partir da reflexão sobre o ofício do
historiador e a patrimonialização do espaço escolar, que propõe como objetivos fundamentais
vivenciar e refletir sobre o aprendizado que a disciplina História pode oferecer aos estudantes
do ensino fundamental. Deste modo, a elaboração da exposição está inserida em um processo
mais amplo de educação histórica, ou seja, é meio pelo qual os alunos e as alunas elaboram e
reelaboram percepções sobre a escola, seja através de seus aspectos físicos ou subjetivos. Esta
porção da exposição também está dividida em quatro seções que serão apresentadas a seguir.

A primeira seção procura relatar o contato dos estudantes pesquisadores com o acervo
fotográfico da instituição escolar. Por tratar-se da primeira interação com as possíveis fontes
para a história, o objetivo inicial foi direcionar o olhar curioso dos estudantes para a
potencialidade do material avaliado, sem investir, neste momento, na compreensão mais ampla
sobre os documentos iconográficos. O caminho metodológico escolhido e comunicado nesta
seção buscou colocar em evidência a importância dos registros e suas condições de produção,
bem como investir na formulação de critérios para a catalogação do acervo imagético.

Na segunda seção são expostos os procedimentos executados na seleção das imagens


para integrar a proposta de exposição e a definição de como os resultados da pesquisa seriam
divulgados. O texto procura descrever e analisar as imagens escolhidas pelos estudantes,
considerando o papel do “casarão” na constituição das vivências da comunidade escolar. Além
disso, nesta parte também são descritas e justificadas as readequações efetuadas no trabalho de
pesquisa desenvolvido nas aulas de história.

A terceira seção tem como objetivo apresentar o projeto gráfico construído para
divulgação da pesquisa. Inicialmente são informados os pressupostos teóricos e metodológicos,
bem como a escolha do suporte para a organização do material selecionado. Na parte final são
dispostas telas para comunicar uma visão de conjunto de cada segmento da exposição, assim
como são reproduzidas as imagens individualmente e acompanhadas dos elementos textuais e
gráficos que compõem a estrutura.

Na última seção tem lugar a avaliação do potencial do projeto expográfico na disciplina


História. São detalhados os instrumentos avaliativos aplicados e analisadas algumas das
respostas dos estudantes no enfrentamento de questões que discutiam os objetos de análise da
história, a noção de documento e fonte para a história, a narrativa como mediação entre o
passado e o conhecimento histórico, bem como a noção de patrimônio cultural e seus
desdobramentos enquanto possibilidade para a educação histórica.

3.1 Conhecer o acervo fotográfico da escola e formular uma metodologia de pesquisa

A construção do projeto de exposição, ao refletir sobre o ofício do historiador a partir da


investigação do processo de patrimonialização do espaço escolar, está inserida em um processo
educacional mais amplo, ou seja, é meio pelo qual os alunos e as alunas elaboram e mesmo
reelaboram percepções sobre a escola como espaço de formação e instituição social.
Consequentemente também é construída uma maneira particular de vivenciar o currículo
estabelecido que, segundo Ivor Goodson, é resultado de lutas precedentes a sua existência e
estabelece parâmetros anteriores à prática pedagógica (Goodson, 2008:20-21). E que a
construção curricular, ao revelar percepções sobre homens e mulheres, sobre a sociedade e
sobre o conhecimento não é formulação neutra, quando o modelo pedagógico é produto de uma
relação não estática entre a prática da escola e a comunidade.

A proposição desta experiência foi construída desde as particularidades cognitivas e


epistemológicas da história como disciplina escolar, as quais dialogam, mas possuem
especificidades em relação ao debate especializado do ensino e da pesquisa em espaços voltados
para a formação profissional de pesquisadores e professores. O primeiro movimento para
estabelecer um diálogo entre as particularidades da constituição do conhecimento histórico e as
tarefas disciplinares da História para a formulação do projeto de exposição foi a construção de
uma metodologia de pesquisa, partindo das impressões dos alunos e das alunas sobre o acervo
de documentos disponíveis.58

Para o manuseio da documentação, as imagens foram distribuídas entre as duas turmas


do 6º ano. Na primeira aula os estudantes foram divididos em grupos ou duplas e puderam
manejar todo o material disponível. Os álbuns circularam pela sala de aula e estivem ao alcance
de todos os integrantes das duas turmas. Enquanto os alunos “descobriam” as imagens, o
professor percorreu os grupos, observou a interação dos estudantes com as fotos e alertou para
a questão, grafada no quadro, “o que essas fotografias nos permitem imaginar sobre a nossa
escola em outros tempos?” Nesta primeira aproximação entre alunos, acervo e a questão
proposta, o objetivo foi direcionar o olhar curioso dos estudantes para a potencialidade do
material avaliado, sem investir na compreensão mais ampla sobre os documentos iconográficos.
Inclusive, para chamar atenção da importância dos registros, como frutos de condições de
produção específicas e únicas, e proporcionar ludicidade ao contato com as fotos, cada aluno
ou aluna recebeu um par de luvas de látex para garantir a preservação da fonte e minimizar os
efeitos do contato com os álbuns empoeirados.

58
O acervo fotográfico reúne cerca de 340 fotografias, com dimensões variadas, impressas em cores ou preto e
branco. As imagens estão distribuídas em oito álbuns e um envelope tamanho A4. Todo o material estava
acondicionado no banco do livro da escola, em estante utilizada também para a organização das obras disponíveis
para empréstimo aos estudantes da instituição.
Figura 6. Conhecendo o acervo fotográfico da escola

Fonte: foto e edição do autor, 2016.

No segundo encontro da semana, com duração de 50 minutos, foi mantida a divisão da


aula precedente e cada grupo de alunos e alunas recebeu um álbum do acervo escolar para
definição de uma metodologia de identificação das imagens. Depois de verificado que os álbuns
não possuíam títulos, ficou estabelecido que a indicação não deveria interferir de maneira
permanente no acervo e, a partir disso, que cada conjunto fotográfico seria identificado pelos
aspectos que compunham sua capa: cor, formato ou figuras.59 Nas ocasiões em que não foi

59
A divisão interna do acervo fotográfico foi estabelecida em: “álbum A”, “álbum azul”, “álbum B”, “álbum C”,
“álbum castelo/igreja”, “álbum flor”, “álbum montanha/paisagem”, “álbum vermelho” e “envelope A4”.
possível estabelecer uma característica descritiva clara na capa dos álbuns, a opção foi
identificá-los utilizando uma letra do alfabeto. Também foi construída uma numeração
sequencial crescente para as páginas dos álbuns, estabelecendo uma lógica interna a cada
conjunto documental. Para facilitar a compreensão dos estudantes, considerando que eram
iniciantes nos procedimentos em acervos, foi utilizada uma fita adesiva removível para indicar
as marcações na capa e nas páginas.

Figura 7. Álbuns fotográficos do acervo da Escola Professor Olintho de Oliveira

Fonte: foto e edição do autor, 2016.

Superada a nomeação dos álbuns, a seguir procurou-se instituir um conjunto de ações a


todos os grupos de trabalho na identificação e registro das imagens consultadas durante a
pesquisa. Procedimento estranho aos estudantes do ensino fundamental foi necessário que o
professor efetuasse uma breve explanação sobre a importância da preservação da integridade
da documentação em consulta e da necessidade, não menos importante, de informar os
“receptores” da pesquisa em curso quais arquivos foram investigados e a sua localização com
a maior precisão possível. A conversa esteve centrada na explicação de que para a escrita da
história não é possível regressar ao passado, no entanto, um trabalho que tem por objetivo
estabelecer a historicidade de um fato, acontecimento, evento, objeto ou espaço deve revelar
com o maior número de detalhes possíveis o caminho percorrido para a construção da
interpretação apresentada na pesquisa.

Depois de discutida a pertinência da indicação dos documentos como necessária para a


efetivação do método histórico, por sugestão dos estudantes, ficou estabelecido que as fotos
fossem identificadas da parte superior para a parte inferior e da esquerda para a direita (quando
fosse o caso de mais de duas imagens) nas páginas dos álbuns, e de que as fotografias do
envelope e dos álbuns A, B e C fossem numeradas individualmente sempre em ordem crescente.
Com a metodologia de consulta das fontes debatida, foi apresentada aos alunos e alunas uma
ficha de pesquisa (Apêndice E) contemplando espaço para identificação do álbum ou envelope,
do número correspondente a cada foto analisada (seguindo a metodologia definida), colunas
para inclusão do ano e do título da imagem e espaço para uma breve descrição da fonte. Em
contato com a ficha, duas questões apareceram com maior intensidade entre os estudantes. A
primeira foi como lidar com as lacunas na identificação das fontes, as quais não permitiam o
preenchimento completo da ficha de pesquisa. Já a segunda esteve vinculada ao receio de
expressar textualmente o que indicava o documento iconográfico. Para discutir essas questões
o docente coordenou intervalos no trabalho para a reflexão e indicações sobre as dúvidas com
toda a turma a partir de imagens escolhidas pelos grupos. Também é importante destacar que a
dificuldade mais frequente dos alunos e das alunas pesquisadores foi a construção de uma
metodologia de pesquisa com critérios claros. Como a importância de estabelecer uma visão
geral de todo o acervo analisado e, apenas depois, também com critérios explicitados, efetuar a
seleção das imagens que poderiam responder a questão da pesquisa. Aliás, dificuldade esta
comum a quem trabalha na elaboração de conhecimento histórico.

Figura 8. Detalhes da metodologia adotada durante a pesquisa no acervo escolar


Fonte: Foto 1 – Homenagem Mascaranhas de Morais; Foto 2 – Dia da criança, 1983. Álbum
“flor”:2. Acervo da E.E.E.F. Professor Olintho de Oliveira.
Concluído o trabalho de identificação do acervo, atividade realizada em grupos,
preliminarmente foi possível verificar que a maioria dos estudantes conseguiu compreender e
seguir a metodologia de pesquisa proposta, embora, em alguns casos pelo volume do material
a ser analisado não tenham catalogado todas as fotos do álbum60. No entanto, ficou ensejada
nos estudantes a percepção de que é necessário construir caminhos de pesquisa para que os
possíveis retornos ao acervo sejam ordenados e conscientes e não fruto de escolhas aleatórias.

3.2 Espaço escolar: lugar de seleção e produção de fontes históricas

O projeto de exposição foi pensado a partir do processo de patrimonialização do espaço escolar


e como fio condutor da investigação esteve o conjunto de impressões de alunos e de alunas do
ensino fundamental sobre o “casarão” – enquanto prédio mais antigo e preponderante na
paisagem arquitetônica da escola. Para tanto, os estudantes participantes da pesquisa, que foi
desenvolvida como atividade do currículo da disciplina História, efetuaram reflexões sobre
patrimônio cultural, a constituição de diferentes fontes históricas, bem como sobre o trabalho
do historiador na constituição de métodos, na análise e na divulgação do conhecimento
histórico. Por vezes, é preciso demarcar, que esta proposta mostrou-se bastante árida tanto para
alunos e alunas quanto para o professor, que reconstituía técnicas e efetuava novas leituras sobre
os limites da sua prática educativa e dos desdobramentos das tarefas da disciplina que
ministrava para a ação dos indivíduos no espaço escolar. Em algumas situações o currículo, na
definição já mencionada neste trabalho, cumprindo o papel de garantir o “ritmo” da rotina
escolar foi um entrave para o desenvolvimento do projeto. O tempo social que orienta a
existência no espaço escolar produz seus próprios marcadores e demandas. Nesta perspectiva,
na “aceleração” do cotidiano, se preciso for, a reflexão sobre o conhecimento torna-se prática
subversiva. A seguir, serão expostos os procedimentos executados na seleção das imagens que
assumiriam a condição de “testemunhos potenciais”61 no projeto de exposição e a definição de
como os resultados da pesquisa seriam divulgados.

A seleção das imagens que poderiam compor a exposição foi precedida pela retomada
das fichas de pesquisas produzidas para análise dos acervos de documentos escritos e do
material fotográfico (Apêndice C; Apêndice E) e pela exibição de um episódio do Programa

60
O acervo fotográfico conta com 340 imagens distribuídas em: “álbum A” – 34 fotografias; “álbum azul” – 133
fotografias; “álbum B” – 15 fotografias; “álbum C” – 22 fotografias; “álbum castelo/igreja” – 28 fotografias;
“álbum flor” – 25 fotografias; “álbum montanha/paisagem” – 27 fotografias; “álbum vermelho” – 31 fotografias;
e “envelope A4” – 25 fotografias. E aproximadamente 100 registros digitalizados.
61
Petersen; Lovato, 2013:295. Destaque em itálico das autoras.
Profissão Repórter62 que tratava do cotidiano de fotógrafos vinculados ao fotojornalismo. No
episódio exibido em 2 de agosto de 2011 a produção jornalística abordou o dia a dia do trabalho
de profissionais da fotografia, desde os que trabalham clicando celebridades (os paparazzi),
passando pelos bastidores do cotidiano dos fotojornalistas que acompanham os registros
policiais e viajando com um fotógrafo dedicado ao registro da natureza em lugares inóspitos. A
metodologia adotada procurou pôr em evidência o caráter testemunhal que a fotografia adquiriu
ao longo do século XX. Com o aprimoramento tecnológico, os registros fotográficos adquirem
valor de prova no fotojornalismo, bem como em áreas como a Sociologia e a Antropologia são
desenvolvidas técnicas para sua utilização. No caso da história, mesmo que pelo menos desde
1920 as imagens figurassem nos livros didáticos e nos museus da área, a fotografia não foi
atingida por cuidados de descrição e conservação específicos, antes, pelo contrário, manteve-
se como documento complementar as fontes textuais, como registro periférico (Lima; Carvalho,
2012:35 e 39).

Cada estudante recebeu a tarefa de escolher uma fotografia que dialogasse com o
processo de patrimonialização do espaço escolar, a partir do papel do “casarão” na constituição
da escola e das vivências da comunidade atendida. Dialogando com a premissa de que “na
história, tudo começa com gesto de pôr à parte, de reunir, de transformar em ‘documentos’
certos objetos distribuídos de outro modo”,63 como propõe Michel de Certeau em passagem
citada por Jacques Le Goff. Dos 41 alunos e alunas pesquisadores 27 efetuaram a seleção e
descrição das fotografias. Entre os que não realizaram a escolha e a análise da foto, alguns não
concluíram a tarefa ou não estavam presentes no encontro e, ainda, outros foram transferidos
da unidade escolar durante o desenvolvimento do trabalho. Como não foi imposta restrição, em
alguns casos a mesma imagem foi escolhida por estudantes de turmas distintas, o que explica a
não correspondência entre o número total de alunos e alunas pesquisadores e de imagens
selecionadas.

Quadro 6. Imagens selecionadas no acervo fotográfico da escola – Turma A

PESQUISA NO ACERVO FOTOGRÁFICO


Pesquisador(a) Álbum Página Foto Data Título Descrição
Presidente do O presidente do CPM fez
Sem
20 Aluna, 11 anos “Azul” 4B 1 CPM (abrigo) feijoada no casarão para as
data
feijoada pessoas.

62
Profissão Repórter é um programa jornalístico semanal, produzido e exibido pela Rede Globo de televisão.
Disponível em: https://goo.gl/OrLX1w. Acesso em: 15 abr. 2016.
63
Certeau, 1974 apud Le Goff, 2003:533.
Abertura da Diretora fazendo abertura
Sem
22 Aluna, 11 anos “Azul” 9A 1 semana da semana “Olintihiana” na
data
“olinthiana” frente do casarão.
A imagem mostra uma festa
23 Aluno, 11 anos “Vermelho” 3 2 1981 Quermesse ocorrendo na escola no ano
de 1981.
Fonte: Apêndice G – Descrição das imagens selecionadas no acervo fotográfico, 2016:156-157.

Os dados apresentados no quadro 6 ilustram o registro da pesquisa desencadeada pela


turma A no acervo fotográfico da escola, quando foram identificadas e descritas imagens
escolhidas pelos estudantes. Ao analisar o material conjuntamente é possível intuir sobre o fato
de alunos e alunas terem compreendido a necessidade de recolher todas as informações
disponíveis nos registros iconográficos para contextualizá-las e compreendê-las no problema
de investigação proposto. As imagens, na condição de fontes para a história, também precisam
ser criticadas pela investigação e encaradas “como um documento, como uma construção
cultural, cuja confecção e difusão têm uma história que não pode ser desconhecida pela análise
histórica” (Borges, 2011:81).

De outra parte, ao destacar a coluna “descrição” fica evidente a dificuldade dos


estudantes em estabelecer relações mais amplas entre a imagem analisada e as vivências da
comunidade escolar em determinada época. Situação que, todavia, não deve ofuscar a
disposição descritiva dos jovens pesquisadores ao enfrentar o acervo, considerando, como
pondera Peter Burke, que a contextualização, no caso de fotografias, é muitas vezes dificultada
pelo não acesso a identidade dos fotógrafos e mesmo pela retirada das imagens do conjunto no
qual e para o qual foram produzidas (Burke, 2004:27).

Quadro 7. Imagens selecionadas no acervo fotográfico da escola – Turma B

PESQUISA NO ACERVO FOTOGRÁFICO


Pesquisador(a) Álbum Página Foto Data Título Descrição
Chá para as As concorrentes da
alunas Rainha da Primavera
Sem concorrentes a tomando chá no casarão.
36 Aluna, 11 anos "Azul" 8A 1
data rainha da
Primavera da
escola.
Dia da criança Eles estão comemorando
37 Aluna, 13 anos "Flor" 2 2 1983 o dia da criança no pátio
da escola.
Festival da Vários alunos vendo
"Montanha / criatividade apresentação de outros
40 Aluno, 14 anos 2 2 1982
Paisagem" alunos com o casarão ao
fundo.
Fonte: Apêndice G – Descrição das imagens selecionadas no acervo fotográfico, 2016:156-157.

Parte da sistematização apresentada no quadro anterior reúne o registro da análise do


acervo realizada pela turma B, reforçando o padrão já identificado no outro grupo do 6º ano do
ensino fundamental. Na observação do professor, corroborada pelos dados compilados, não
foram percebidos indícios de que os estudantes tiveram dificuldade significativa para colocar
em prática a metodologia de pesquisa previamente discutida e exercitada na sala de aula.

Figura 9. Visita do Secretário da Educação

Fonte: “O Secretário da Educação conversando com algumas mulheres sobre a escola, na sala da
diretora, e a diretora ouvindo ele falar” (aluna, 11 anos).64

A imagem anterior foi selecionada como exemplo da percepção dos alunos e das alunas
pesquisadores com relação às fotografias analisadas. Foi lançada mão de diferentes estratégias
para decodificar o registro em questão. A identificação de um dos personagens como
“Secretário da Educação” dialoga com o título da foto inserido no álbum, enquanto a dedução
de que uma das mulheres da imagem ocupe o cargo de diretora da escola provavelmente esteja
relacionada com a percepção da inscrição na porta da sala. A análise a partir de elementos que
compõem a imagem, bem como a inclusão de informações que remetem a disposição da
fotografia no conjunto do álbum e a possibilidade de formular hipóteses sobre a cena, como a
que propõe tratar-se do registro de uma “conversa” entre os personagens, pode indicar a
aquisição de habilidades analíticas de reconhecimento e contextualização pelos estudantes.

64
Fonte: Álbum "Montanha/Paisagem”, foto 1, 1983:13. Acervo da E.E.E.F. Professor Olintho de Oliveira.
Figura 10. Homenagem ao expedicionário

Fonte: “Soldados e alunos homenageando os


expedicionários com o casarão ao fundo” (aluno, 12
anos).65

Neste segundo registro novamente a leitura é realizada a partir de elementos


propriamente da imagem e complementada pelas informações que o título “Homenagem ao
expedicionário” oferecia. É a identificação do registro e a observação de outras fotografias nas
páginas anteriores e subsequentes do álbum que permite, por exemplo, a conclusão de que os
adultos em cena eram “soldados” em trajes próprios para cerimônias. No entanto, ao contrário
da descrição da imagem anterior, o aluno pesquisador prioriza a descrição do registro
fotográfico e explora pelo menos dois planos da imagem: o acontecimento em foco e a paisagem
ao fundo.

65
Fonte: Álbum "Montanha/Paisagem”, p. 3, foto 2, 1982. Acervo da E.E.E.F. Professor Olintho de Oliveira.
Figura 11. Chá para as alunas concorrentes à rainha da Primavera da escola

Fonte: “As concorrentes à Rainha da Primavera tomando chá no casarão” (aluna, 11 anos).66

No terceiro exemplo, anterior, ao contrário das duas demonstrações precedentes, a


análise reproduz com alterações na redação o título da imagem. Não fica claro em que medida
a descrição é mediada pelo “olhar” da aluna ou indica o privilégio das informações textuais em
relação às imagéticas. Não há referência a nenhum dos elementos que compõem a cena além
do qualificativo “concorrentes à Rainha da Primavera” referindo-se às personagens clicadas.

Embora a incursão dos estudantes do ponto de vista metodológico tenha sido


satisfatória, mesmo considerando a dificuldade em ordenar cognitivamente as fontes analisadas
com maior retidão no acervo fotográfico, o conjunto de imagens selecionadas foi marcado pela
fragmentação temática. O primeiro ponto a ser destacado foi o questionamento sobre a
possibilidade de que professor e estudantes não tenham investido suficientemente na
demarcação do problema de pesquisa. No entanto, o encaminhamento da pesquisa fez recordar,
como pontuam Leandro Karnal e Flavia Tatsch, que o “documento histórico é raramente ‘dócil’,
‘aberto’ ou ‘fácil’ […] o método que, à força de esforços titânicos, deve extrair coisas que só

66
Fonte: Álbum “Azul”, foto 1, sem data, p. 8A. Acervo da E.E.E.F. Professor Olintho de Oliveira.
aparecem de forma indireta” (Karnal; Tatsch, 2012:17). Além disso, mostrou-se imprescindível
considerar como característica fundamental do acervo consultado a fragmentação expressa na
variedade temática, temporal e nas lacunas no conjunto dos álbuns pesquisados, bem como na
organização interna de cada divisor do montante das fontes disponíveis. Em outros termos, o
percurso da investigação demonstrou a importância de observar as condições de produção de
potenciais fontes para a história de modo geral, e dos registros iconográficos em especial.

Superada a etapa de seleção do material iconográfico para compor a exposição, passou-


se para avaliação do potencial explicativo e estético das fotografias. Todas as imagens foram
digitalizadas e reapresentadas para as duas turmas, através de slides projetados no quadro
branco da sala de aula. Cada imagem estava acompanhada do nome do aluno ou da aluna que
efetivou a análise e da descrição redigida para a apresentação da fonte. Todas as fotos foram
visualizadas e comentadas na tentativa de avaliar coletivamente se a fase de seleção poderia ser
dada como concluída. Em um primeiro momento, com a visualização sequencial das fontes, os
alunos e as alunas majoritariamente identificaram que seria bastante difícil estabelecer
temáticas (ou narrativa) devido à heterogeneidade do material. No entanto, aos defensores da
viabilidade de que era possível organizar uma exposição lógica a partir do material recolhido
até aquele momento foi dada oportunidade de defender seus pontos de vista.

Para oferecer outra mirada aos envolvidos nas atividades de pesquisa, depois da
apresentação, no encontro subsequente, foram distribuídas para aos alunos e alunas cópias
impressas das imagens e recolocadas as questões discutidas anteriormente. Também foi
retomada com as turmas, como possibilidade, a ideia, já referida neste trabalho, da investigação
do ciclo de vida do espaço físico da escola, considerando as características fundamentais, usos,
usuários e transformações físicas ocorridas no “casarão”.67 No reencontro entre a reflexão sobre
os objetivos da pesquisa e as fontes selecionadas para comunicar o resultado da investigação
foi possível rediscutir o caminho percorrido e sinalizar a necessidade de retorno ao acervo, bem
como a possibilidade de produzir registros para compor a narrativa sobre o ciclo de vida da
edificação mais antiga do espaço escolar.

A investigação realizada no acervo fotográfico da escola permitiu uma percepção mais


madura dos estudantes e do professor na reorientação do trabalho coletivo e, consequentemente,
em uma postura mais atenta em relação às lacunas que o percurso de pesquisa tinha evidenciado.
Partindo do debate desencadeado em sala de aula e da seleção das fotografias já realizada

67
Cf. já discutido na introdução e na seção 2.3 deste trabalho.
(Anexo B) foi redefinida a estratégia da investigação. O primeiro passo foi investigar entre os
membros da comunidade escolar possíveis registros fotográficos que pudessem ser
incorporados ao projeto de pesquisa. Posteriormente foi realizada a produção de imagens pelos
alunos e alunas participantes da investigação. E, por fim, também foram reavaliadas as fotos
escolhidas no acervo escolar.

Na produção de imagens sobre a edificação, os estudantes pesquisadores foram


orientados a refletir sobre o processo de registro e o papel da autoria em capturas que podem
vir a tornarem-se objeto de análise, a partir dos métodos próprios do conhecimento histórico.
Da mesma forma, a atividade procurou estimular os alunos e as alunas a considerar os elementos
que orientam a construção de uma determinada narrativa sobre o passado, inclusive o ato de
produzir um registro fotográfico com objetivo previamente definido. O ensaio procurou ensejar
nos estudantes a reflexão de que “a fotografia é a um só tempo cristalização e interrupção de
ideias e temporalidade” (Borges, 2011:85) e que configura uma entre outras possibilidades de
representação da realidade. Acompanhar os alunos e as alunas pesquisadores na produção de
registros permitiu abrir debates sobre as condições de produção das imagens.

Na investigação junto à comunidade escolar foram utilizadas diversas estratégias: os


estudantes procuraram questionar seus familiares sobre a existência de registros fotográficos
efetuados na escola, considerando como característica da instituição atender mais de uma
geração da mesma família e manter alunos e alunas durante todo o ensino fundamental (do
primeiro ao nono ano). Também a apresentação de imagens “antigas” foi inserida como tarefa
da gincana em comemoração ao aniversário da instituição, celebração realizada anualmente na
primeira semana do mês de abril. Ao professor coube indagar outros docentes mais longevos
na comunidade sobre seus arquivos pessoais e possíveis contatos para acesso a registros da
escola. Foram recebidas, identificadas e digitalizadas 20 imagens no dia de apresentação da
“tarefa” da gincana e cerca de 150 registros digitais produzidos após o fechamento do
“casarão”.

A pesquisa desencadeada para localizar outras fontes, para além do acervo já conhecido
e guardado na escola, permitiu visualizar com maior precisão a concretização do problema de
pesquisa construído para orientar a investigação. Ao mesmo tempo, a investida possibilitou
ampliar o acervo fotográfico da escola e trouxe a discussão sobre a necessidade de uma política
institucional para a preservação e a divulgação dos registros que documentam a trajetória da
unidade escolar e da comunidade por ela atendida.
3.3 O projeto expográfico como suporte para a divulgação de pesquisa histórica no ensino fundamental

O projeto de exposição sintetiza o percurso pelo qual estudantes e professor procuraram


construir sobre o ofício do historiador através da reflexão sobre a patrimonialização do espaço
escolar, como “entrada” viável e profícua para a produção de conhecimento histórico no ensino
fundamental. Sua elaboração está inserida em um processo que pretendeu proporcionar aos
estudantes oportunidade de elaborar e reelaborar percepções sobre a escola como espaço de
formação e sociabilidade. Além disso, a proposição desta experiência foi construída a partir do
protagonismo dos alunos e das alunas pesquisadores na reflexão sobre as questões que orientam
a produção do conhecimento histórico.

A divulgação da pesquisa privilegiará os registros fotográficos selecionados no trabalho


com o acervo da escola, bem como aqueles produzidos pelos estudantes que protagonizaram a
pesquisa. A comunicação da investigação ocorrerá através da construção de um mural de
pranchetas. Corriqueiramente utilizadas como suporte portátil para desenhos nas áreas da
engenharia e da arquitetura e em relatórios escolares, as pranchetas também são utilizadas
atualmente como objetos de decoração, desde uma perspectiva que investe no reaproveitamento
de materiais destinados ao descarte. Essa opção considera além do aproveitamento de um item
que compõem o material escolar, a familiaridade dos estudantes com a estrutura e a mobilidade
que permite que a exposição seja instalada em diferentes espaços da escola.

A exposição foi projetada em quatro segmentos identificados pelo uso do termo


“tempos”, aqui pensando como metáfora espacial capaz de dialogar com as categorias de
“espaço de experiência” e “horizonte de expectativa” propostas por Reinhart Koselleck.
Segundo este autor, estas categorias não são opostas, mas, antes, “indicam maneiras desiguais
de ser” e da tensão que geram “pode ser deduzido algo como o tempo histórico”. E, como
formulações não estáticas, a experiência e a expectativa podem modificar-se com o “correr do
tempo”, o que nos permitiu deduzir que necessitam de espaço de movimento (Koselleck,
2006:310, 312-313). O envolvimento dos estudantes na aula de história, realizando o ensaio de
pesquisa proposto, pode também ser indiciário sobre o quanto a sedimentação de diferentes
expectativas tornadas experiências na materialidade da escola foi capaz de constituir-se como
tensão entre “espaço de experiência” e “horizonte de expectativa” na ação dos integrantes da
comunidade escolar.

Os critérios de seleção dos materiais para compor o projeto de exposição procuram


atender a duas questões de ordem distintas: a) a materialidade do objeto que desencadeou a
investigação; e b) as características do conjunto documental analisado (a disposição no acervo,
a possibilidade de contextualização e as condições de produção). A característica material da
edificação que figurou como fio condutor do problema de pesquisa definiu pelo investimento
na possibilidade metodológica de reconstrução do ciclo de vida do objeto, o que para o prédio
mais antigo da escola pressupôs considerar sua construção, os distintos usos do espaço e que
tipo de registros fotográficos foram elaborados sobre a casa. A iconografia, em particular as
fotografias, como assinala Ana Luiza Martins, figuraram como principal fonte de informação
para os historiadores dedicados as questões do patrimônio cultural, pelo menos desde o século
XIX (Martins, 2012:296).

Quanto à tipologia do acervo utilizado na investigação, tanto a documentação textual


quanto os conjuntos de imagens apresentaram-se dispersos e acondicionados de forma
improvisada. Especificamente o acervo fotográfico mostrou-se de difícil tratamento, com
composição que apresentou narrativa semelhante aos álbuns familiares68 e a ausência de uma
lógica de arquivamento e registro que inviabilizou, na maioria dos casos, a identificação dos
autores e, por consequência, interditou a reconstrução das condições de produção do registro.
Desta forma, a opção foi concentrar a pesquisa na análise das cenas e personagens registrados,
orientada pela definição na qual

a imagem fotográfica é fixa. (…) Informa sobre os cenários, as personagens e os acontecimentos


de uma determinada cultura material. (…) É fragmento congelado e datado. Como outras
imagens, ela também pressupõe um jogo de inclusão e exclusão. É escolha, como tal, não apenas
constitui uma representação do real, como também integra um sistema simbólico pautado por
códigos oriundos da cultura que os produz. (Borges, 2011:82-83)

É sob essa perspectiva que o projeto de exposição procurou construir, por exemplo, a
percepção do que foi digno de registro no espaço escolar, como celebrações pátrias,
mobilizações festivas internas, atividades educativas ao ar livre, a presença de autoridades e
momentos de confraternização da comunidade atendida pela instituição. Além disso, ao
registrar e divulgar a “rotina” de pesquisa, a exposição busca provocar o efeito que consiga
comunicar que as fotografias podem assumir distintas posições na constituição do
conhecimento histórico, entre as quais, destaca-se a de construção legada ao futuro.

68
Lima e Carvalho (2012:49) recuperam que os retratos e as narrativas dos álbuns de família são constituídos a
partir de uma lógica que privilegia componentes afetivos e a transmissão de códigos para a conduta social.
A primeira parte da exposição, tempo de morar, discute o uso residencial da edificação
assobradada que compõe o conjunto arquitetônico da escola, agrega a reprodução de imagens
internas do “casarão” e fragmentos ampliados de fontes que descrevem a dimensão do espaço
físico, transações de compra, venda ou doação e identificam os proprietários do prédio. No
segundo grupo de imagens, identificado como tempo de aprender e trabalhar, a mirada está
voltada para a ocupação da casa como unidade escolar e a elaboração dos registros de
cerimônias e festividades como representação das atividades escolares, quando eventos e
acontecimentos específicos são conectores, produzidos deliberadamente ou não, para
comunicar determinado olhar sobre o passado. O terceiro espaço, apresentado sob o título tempo
fechado, registra a situação atual da edificação e está centrado na exposição de registros internos
e externos da casa interditada. A última subdivisão, tempo de narrar a história, comunica,
através de registros fotográficos e fragmentos de textos dos estudantes, o caminho percorrido
pela investigação divulgada e a ficha técnica da exposição.

A seguir será apresentado o projeto gráfico construído para divulgação da pesquisa. As


telas estão organizadas inicialmente para mostrar uma visão de conjunto de cada segmento e
depois, individualmente, cada fotografia é reproduzida acompanhada dos elementos textuais e
gráficos que compõem a estrutura.
3.4 Avaliando noções e conceitos adquiridos pelos estudantes do ensino fundamental

Para avaliar o potencial do projeto expográfico na disciplina História foram adotados dois
procedimentos. O primeiro procurou aferir o conhecimento adquirido pelos alunos e as alunas
envolvidos na pesquisa a partir de instrumento escrito individual, realizado no final do bimestre letivo
(Apêndice H). Também foram utilizadas as anotações que o professor realizou durante o processo de
investigação no decorrer do primeiro quarto do ano letivo de 2016.92 A seguir serão analisadas
algumas das respostas dos estudantes no enfretamento de questões que discutiam os objetos de análise
da história, a noção de fonte histórica, a narrativa como mediação entre passado e o conhecimento
histórico e a noção de patrimônio cultural e seus desdobramentos como possibilidade para a educação
histórica.

Gráfico 4. Definição do objeto da história

80%
70,3%
70% estuda acidentes
históricos e geográficos
60%

50% estuda a causalidade dos


fenômenos físicos e
40% sociais
estuda os
30%
acontecimentos do
18,9% passado dos homens...
20%
8,1% se fundamenta
10% unicamente em
2,7%
documentos escritos.
0%
Sobre o objeto da ciência histórica

Fonte: avaliação da disciplina realizada no primeiro bimestre de 2016.

A primeira questão apresentada aos alunos e alunas pesquisadores foi o objeto do


conhecimento histórico, através de definições amplas sobre os fenômenos que merecem a atenção
dos historiadores e que figuram no currículo escolar. Observando o gráfico anterior é possível aferir
que a maioria dos estudantes (70,3%) conseguiu identificar que a história “estuda os acontecimentos
do passado, utilizando-se dos vestígios que homens e mulheres deixaram para facilitar a compreensão
do presente”. Também percentualmente significativa foi a relação entre História e Geografia (18,9%)
estabelecida na resposta dos estudantes, bem como a menção da exclusividade dos documentos
escritos (8,1%) como fonte para a história.

92
Em 2016, o primeiro bimestre letivo esteve compreendido entre 29 de fevereiro e 13 de maio. Neste intervalo ocorreram
28 aulas da disciplina (das 30 previstas), distribuídas em 3 encontros semanais com duração de 50 minutos cada.
Gráfico 5. Identificação de fontes históricas classificadas como escritas

90%
78,4%
80% Pinturas, utensílios
domésticos e certidões de
70%
nascimento.
60%
Revistas, livros e
50% vestimentas.

40%
Cartões-postais, fósseis e
30% lendas.
20%
10,8%
5,4% 5,4% Diários, jornais e leis.
10%
0%
Sobre fontes históricas escritas

Fonte: avaliação da disciplina realizada no primeiro bimestre de 2016.

De acordo com os dados acima, quando solicitado que potenciais fontes históricas escritas
fossem indicadas, a maioria significativa dos respondentes (78,4%) assinalou a alternativa correta.
No entanto, também merece destaque o percentual de estudantes (10,8%) que escolheu a alternativa
que mesclava elementos classificados como documentos escritos com outros vinculados ao conceito
de cultura material.

Gráfico 6. A elaboração e a especificidade das fontes orais

50%
45% 43%
40% Cultura material
35%
35%
30% Textual
25%
20% Visual
15% 11%
10% 8% Mídia interativa
5% 3%
0% Oral
Sobre fontes orais, a memória e a escrita da
história

Fonte: avaliação da disciplina realizada no primeiro bimestre de 2016.

Quando proposta a análise da especificidade do testemunho como fonte para a escrita da


história, estabelecendo uma relação entre o envelhecimento, a memória e a narrativa histórica, a
maioria dos alunos e alunas (43%) conseguiu identificar as características das fontes orais. Embora
seja importante considerar que percentual significativo dos respondentes (35%) atribuiu aos relatos
orais à constituição de construções textuais, confundindo a especificidade da fonte com o suporte
utilizado para incluí-la na avaliação.

Gráfico 7. Narrativas ficcional, pessoal e histórica

60% 56,8%

50%

40% Sequência A
Sequência B
30%
Sequência C
21,6%
20% Sequência D

10,8% 10,8% Sequência E


10%
0,0%
0%
Sobre os diferentes tipos de narrativas

Fonte: avaliação da disciplina realizada no primeiro bimestre de 2016.

Sobre as características gerais de diferentes construções narrativas, a maioria dos estudantes


(56,8%) obteve êxito ao identificar “história pessoal” como marcada pela experiência de vida, quando
os documentos produzidos ao longo de uma vida são vestígios para a elaboração de histórias. Também
a “narrativa histórica” foi relacionada ao registro do que é vivido por sociedades humanas ao longo
do tempo. E, por fim, reconheceram que uma “narrativa ficcional” indica imaginação derivada da
capacidade criativa de determinado autor ou grupo de autores. De outra parte, a segunda sequência
mais escolhida (21,6%) acentua uma compreensão de que a narrativa histórica constitui-se
prioritariamente a partir do registro da experiência de sujeitos individuais, em detrimento do estudo
de processos coletivos mais amplos. A rigor, a importância dos personagens como agentes históricos
propulsores de atividades sociais pode ser considerada uma evidência, no entanto, não é prudente
ignorar que os limites da ação dos sujeitos individuais, em determinadas situações, “são fixados pelo
jogo contraditório das relações sociais consideradas em seu conjunto” (Petersen; Lovato, 2013:255).
Da mesma forma que não parece adequado avaliar as construções dos estudantes da educação básica
em paralelo com o debate que problematiza a relação entre sujeito e estrutura nas ciências sociais.

Gráfico 8. O patrimônio cultural e suas especificidades


60%
54,1%

50%

40%
material
30% 27%
natural
imaterial
20%
13,5%
histórico
10% 5,4%

0%
Sobre patrimônio cultural e a divisão entre material, imaterial
e natural

Fonte: avaliação da disciplina realizada no primeiro bimestre de 2016.

Quando problematizada a diferenciação entre materialidade e imaterialidade como


subdivisões da noção de patrimônio cultural, mais da metade dos estudantes (54,1%) relacionou o
samba de roda do Recôncavo Baiano, exemplo oferecido, com a dimensão histórica do patrimônio
cultural, porém, sem enfatizar a característica imaterial do bem cultural em questão. Essa dificuldade
dos estudantes em analisar a questão da memória e os temas a ela relacionados, como o patrimônio,
pode estar relacionada com a presença de uma concepção do conhecimento histórico que ainda
privilegia uma “narrativa acontecimental e absoluta”, onde a definição de história e de memória é
tópica, secundarizada (Almeida; Miranda, 2012:270). O que, de certa forma, ainda representa um
descompasso entre a prática escolar e os paramentos nacionais para a educação básica.93

Na mesma direção indica o estudo realizado por Margarida Oliveira e Itamar Freitas, que
analisam as propostas curriculares produzidas para os anos finais do ensino fundamental, entre os
anos 2007 e 2012, em 18 estados do país. Entre os dados recolhidos na pesquisa da documentação
oficial, o estudo aferiu que as habilidades de compreender, identificar, interpretar, comparar, conhecer
e reconhecer juntas representam a metade da expectativa relativa aos conteúdos. O que, ainda segundo

93
Para os anos iniciais do ensino fundamental (primeiro e segundo ciclos) já é referenciado como “patrimônio
sociocultural” e sua valorização está vinculado à possibilidade de convivência democrática. Interessantemente é proposta
como metologia um estudo comparativo reunindo diversos aspectos entre as três capitais brasileiras (Salvador, Rio de
Janeiro e Brasília), bem como, para o período de dominação portuguesa, suas relações com Lisboa. BRASIL. Parâmetros
Curriculares Nacionais: história, geografia, 1997, p. 33 e 50. Nos anos finais do fundamental o conhecimento e a
valorização, lastreados na observância de critérios éticos, do “patrimônio sociocultural brasileiro” além de integrar “os
objetivos do ensino fundamental”, também figura como um dos “objetivos gerais da história”. BRASIL. Parâmetros
Curriculares Nacionais: História, 1998, p. 7 e 43. Ainda, com relação ao ensino médio, entre os “conhecimentos de
História” desejáveis para a etapa está a compreensão da contribuição da história para as “novas gerações” ou, em outros
termos, no papel disciplinar que a história possui no combate da “amnésia social”. Abordar a constituição do “patrimônio
cultural” e, consequentemente, as práticas de seleção do patrimônio a ser preservado é posto como fundamento para
problematizar os “vínculos que cada geração estabelece com outras gerações, das raízes culturais e históricas que
caracterizam a sociedade humana”. BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: ensino médio: ciências humanas e
suas tecnologias, 1999, p. 26-27.
os autores, é preocupante na medida em que não está no horizonte do processo de aprendizagem o
desenvolvimento de habilidades mais complexas, como “avaliar” e “criar” (Oliveira; Freitas,
2012:273 e 282). Mesmo que a interrogação que contrapunha a materialidade e a imaterialidade do
patrimônio cultural pudesse ser resolvida com o reconhecimento de suas especificidades, boa parte
dos alunos e das alunas não conseguiu solucionar a questão. Resultado esse que pode ser relacionado
a descontextualização da temática no currículo e a insuficiência das habilidades desenvolvidas no
âmbito da escola em relação ao conhecimento histórico.

4. Considerações finais

Este trabalho procurou refletir sobre o ofício do historiador na educação básica, através da análise do
processo de patrimonialização do espaço escolar e da elaboração de um projeto expográfico por
alunos e alunas do 6º ano do ensino fundamental na Escola Estadual Professor Olintho de Oliveira.
Para tanto, considerou a materialidade das instituições formais de educação como possibilidade de
atuação da História, enquanto área de conhecimento que proporciona diferentes leituras do mundo. E
que a condição material dos objetos, a partir da reflexão sobre a cultura material escolar, pode
revigorar o aprendizado em história, assim como a pedagogia do objeto, através do pressuposto do
“objeto gerador”, pode ser uma importante ferramenta metodológica para o ensino de história ao
estimular reflexões sobre questões inerentes ao ofício do historiador, tais como: a materialidade da
história, os usos sociais do patrimônio, a historicidade dos objetos e a relação entre tempo cronológico
e tempo histórico. Desta forma, para destacar o ciclo de vida da edificação com maior
representatividade no espaço escolar, seus distintos usos e que características lhes são atribuídas para
fundamentá-lo como patrimônio, a pesquisa no acervo documental e iconográfico da escola foi
simultaneamente recurso metodológico e questão mobilizadora para a produção de conhecimento
histórico no ensino fundamental.

Na descrição e análise dos procedimentos de preparação da elaboração do projeto de


exposição foi possível verificar que os estudantes do 6º ano do ensino fundamental manifestaram
sobre a narrativa histórica uma compreensão em que são admitidos múltiplos pontos de vista,
reconheceram a dimensão social da escrita da história e o espaço escolar como referência de tempo e
espaço para seus relatos autobiográficos. Quando se procurou expandir as noções de documento e de
fonte para a história no contato das turmas com o acervo escolar, os resultados indicaram que parte
dos alunos e alunas descreveu as fontes a partir da cópia de trechos dos documentos consultados.
Enquanto, em alguns casos, puderam ser identificadas construções descritivas que partiram de texto
autoral dos agentes da análise, incluindo, por vezes, a formulação de hipóteses preliminares sobre o
potencial explicativo da fonte no conjunto da documentação. Evidenciando que o esforço de
apresentar o material junto com perguntas, pode ser uma metodologia interessante para a
compreensão das fontes não apenas como pistas do passado, mas como vestígios questionados pelo
historiador.

No trabalho com o acervo de imagens em sala de aula foi possível verificar que a maioria dos
estudantes conseguiu compreender e seguir a metodologia de pesquisa proposta, embora, em alguns
casos, pelo volume de registros a serem analisados não tenha sido catalogado todo material
disponível. Mesmo assim, a atividade conseguiu proporcionar uma reflexão sobre a necessidade de
construir caminhos de pesquisa, para que os possíveis retornos ao acervo sejam ordenados e
conscientes e não fruto de escolhas aleatórias. Nesta direção, o encaminhamento da pesquisa indicou
a questão do controle do historiador sobre as potenciais fontes para a história, reiterando a importância
da crítica interna e externa do documento. Além disso, mostrou-se imprescindível considerar como
característica fundamental do acervo consultado a fragmentação expressa na variedade temática,
temporal e nas lacunas no conjunto dos álbuns pesquisados, bem como na organização interna de
cada divisor do montante das fontes disponíveis. Em outros termos, o percurso da investigação
demonstrou a importância de observar as condições de produção de potenciais fontes como os
registros iconográficos.

A partir da aplicação de um instrumento de avaliação escrito foi possível identificar as noções


e conceitos melhor assimilados pelos alunos e alunas pesquisadores, bem como indicar os pontos não
alcançados plenamente pela aula de história. A maioria dos estudantes conseguiu identificar, a seu
modo, as relações entre o presente e o passado como objeto do conhecimento histórico, a importância
dos vestígios como potenciais fontes históricas e a relação entre a produção do conhecimento em
história e as demandas do presente. Também em relação à noção de fonte, compreendendo a
classificação e a identificação das especificidades de cada tipo de documento, os estudantes obtiveram
bom desempenho ao reconhecer e comparar fontes escritas e iconográficas, os testemunhos orais e a
cultura material.

Sobre diferentes construções narrativas, a maioria dos estudantes envolvidos na pesquisa


reconheceu as características próprias de histórias de vida, narrativas ficcionais e construções próprias
do conhecimento histórico. Neste ponto, também merecem destaque na avaliação os dados que
informam que parte dos estudantes compreende a narrativa histórica como resultado da narrativização
da experiência pessoal, em detrimento do estudo de processos coletivos mais amplos. Uma das
investigações que podem ser desenvolvidas sobre o tema a partir desta indicação é justamente os
aspectos que orientam a transição entre o ensino fundamental I e II especificamente no campo do
conhecimento histórico. Mesmo considerando que a legislação educacional reitera em diversas
publicações o caráter unitário e progressivo da educação básica,94 as passagens do 5º para o 6º do
ensino fundamental, bem como o ingresso no ensino médio são momentos de transição na trajetória
escolar de crianças e adolescentes. Não apenas pelo trabalho em áreas do conhecimento, o que já deve
ocorrer nos primeiros anos de escolarização, mas, especialmente, pela intensificação da
disciplinarização da vida escolar dos estudantes definitivamente inseridos na especialização de
diferentes campos do conhecimento científico e nas demandas próprias da escola.

Com relação à diferenciação entre materialidade e imaterialidade como dimensões separadas


na política patrimonial brasileira, mais da metade dos alunos e das alunas relacionou o exemplo
oferecido com a dimensão histórica do patrimônio, porém, sem enfatizar a característica imaterial do
bem cultural. Essa dificuldade dos estudantes em analisar a questão da memória e os temas a ela
relacionados, como patrimônio e suas especificidades, pode estar relacionada ainda com a presença
reduzida do debate na educação básica, enfatizando a descontextualização da temática no currículo e
a insuficiência das habilidades desenvolvidas no âmbito da escola sobre a complexa relação entre
memória e a elaboração do conhecimento histórico. Embora, o acesso aos critérios e aos materiais
didáticos disponibilizados especificamente para os anos finais do ensino fundamental indique que o
tema do patrimônio cultural está presente, seja com a definição proposta aqui ou com a utilização
termos correlatos.95

Mesmo que por período respeitável legitimada no currículo mínimo da escola, a História
necessita de um trabalho preliminar de apresentação de seus processos de produção, de seus objetivos
disciplinares e contribuição para a área das ciências humanas. Não se trata, porém, de uma intervenção
pedagógica para a introdução ao método historiográfico nos moldes da especialização científica, mas
de apresentar a identidade cognitiva da disciplina e de revisitar conceitos, noções e processos basilares
para a compreensão da trajetória dos grupos sociais. Para além de uma postura que privilegia a
memorização de eventos e acontecimentos, o que é parte do processo de aprendizagem, também é
possível e salutar trabalhar para que o contexto escolar seja um espaço de reflexão sobre os
procedimentos da História. Neste sentido, embora extremamente profícuo e gratificante nesta etapa
da formação escolar dos alunos e das alunas, a discussão sobre ofício do historiador e os
procedimentos próprios ao conhecimento histórico não deve manter-se concentrada no 6º ano do

94
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), 1996; BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais:
História, 1998; BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: ensino médio – ciências humanas e suas tecnologias, 1999;
BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação, 2013; BRASIL. Base Nacional Comum Curricular,
2015.
95
As coleções aprovadas pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) para os anos finais do ensino fundamental
(2008, 2011 e 2017), com maior ou menor espaço e com mais de uma perspectiva, trazem entre seus conteúdos a discussão
sobre o patrimônio cultural já nas primeiras unidades das obras destinadas ao 6º ano. BRASIL. Guia de livros didáticos
PNLD 2008: História, 2007. BRASIL. Guia de livros didáticos: PNLD 2011: História, 2010; BRASIL. PNLD 2017:
história – Ensino fundamental anos finais, 2016.
ensino fundamental, mas, antes, como inclusive preconiza a proposta em debate da Base Nacional
Comum Curricular, seja um eixo presente em todos os anos da educação básica.

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2. Transcrição

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Álbum “flor”, com 25 imagens. Acervo da E.E.E.F. Professor Olintho de Oliveira.
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Envelope (tamanho A4), com 25 imagens. Acervo da E.E.E.F. Professor Olintho de Oliveira.
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Resende, Luci Pereira, Nélson Dantas e Nélson Xavier. Roteiro: Eliane Caffé e Luis Alberto de
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2013. Caderno pedagógico de história PIBID/UFRGS.
MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. A história, cativa da memória? Para um mapeamento da memória
no campo das Ciências Sociais. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, São Paulo, n. 34, 1992,
p. 9-24.
______. Fotografia como documento – Robert Capa e o miliciano abatido na Espanha: sugestões para
um estudo histórico. Tempo, Rio de Janeiro, n.14, 2002, p. 131-151.
MENEZES, Maria Cristina; MORAES, Carmen Sylvia Vidigal. Preservação do Patrimônio Histórico
Institucional: a importância dos acervos escolares no estudo da institutição. In: VI Congresso Luso
Brasileiro de História da Educação. Percursos e desafios da pesquisa e do ensino em História da
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MENEZES, Maria Cristina. A escola e sua materialidade: o desafio do trabalho e a necessidade da
interlocução. Pro-posições, Campinas, vol. 16, n. 1, jan./abr. 2005, p. 13-17.
MOGARRO, Maria João. Arquivo e Educação: A construção da memória educativa. Sísifo. Revista
de Ciências da Educação, 1, 2006, p. 71-84.
OLIVEIRA, Margarida; FREITAS. Itamar. Currículos de História e expectativas de aprendizagem
para os anos finais do ensino fundamental no Brasil (2007-2012). Revista História Hoje, vol. 1, nº 1,
2012, p. 269-304.
ORIÁ, Ricardo. Memória e ensino de História. In: BITTENCOURT, Circe (org.). O saber histórico
na sala de aula. 9ª ed. São Paulo: Contexto, 2004, p. 128-148.
PEREIRA, Nilton Mullet; SEFFNER, Fernando. O que pode o ensino de história? Sobre o uso de
fontes na sala de aula. Anos 90, Porto Alegre, vol. 15, nº 28, 2008, p. 113-12.
PETERSEN, Sílvia Regina Ferraz; LOVATO, Bárbara Hartung. Introdução ao estudo da História:
temas e textos. Porto Alegre, Edição do autor, 2013.
RAMOS, Francisco Régis Lopes. A danação do objeto: o museu no ensino de História. Chapecó:
Argos, 2004.
______. Uma questão de tempo: os usos da memória nas aulas de História. Cadernos CEDES, vol.
30, 2010, p. 397-411.
ROCHA, Helenice Aparecida Bastos. A escrita como condição para o ensino e a aprendizagem de
história. In: Revista Brasileira de História. São Paulo, vol. 30, nº 60, 2010, p. 121-142.
SCALDAFERRI, Dilma Mallard. Concepções de tempo e ensino de história. In: História & Ensino,
Londrina, vol. 14, 2008, p. 53-70.
SOUZA, Rosa Fátima de. Preservação do Patrimônio Histórico Escolar no Brasil: notas para um
debate. Revista Linhas, Florianópolis, vol. 14, n. 26, jan./jun. 2013, p. 199-221.
Anexos

Anexo A – Exemplos das fontes escritas analisadas em sala de aula

Localização: Acervo EEEF Professor Olintho de


Data: sem data
Oliveira

Tipo de fonte:
( ) certidão ( ) carta ( ) testamento ( ) livro ( x ) jornal ( ) revista
( ) processo ( ) ofício ( ) memorando ( ) comunicado ( ) listas ( ) ata
( ) diário oficial ( ) imagem ( ) pintura ( ) fotografia ( ) entrevista ( ) objetos
Data: 23/05/1956 Localização: Acervo AHPAMV

Tipo de fonte:
( ) certidão ( ) carta ( ) testamento ( ) livro ( x ) jornal ( ) revista
( ) processo ( ) ofício ( ) memorando ( ) comunicado ( ) listas ( ) ata
( ) diário oficial ( ) imagem ( ) pintura ( ) fotografia ( ) entrevista ( ) objetos

Localização: Acervo EEEF Professor Olintho de


Data: sem data
Oliveira
Tipo de fonte:
( ) certidão ( ) carta ( ) testamento ( ) livro ( x ) jornal ( ) revista
( ) processo ( ) ofício ( ) memorando ( ) comunicado ( ) listas ( ) ata
( ) diário oficial ( ) imagem ( ) pintura ( ) fotografia ( ) entrevista ( ) objetos

Localização: Acervo EEEF Professor Olintho de


Data: julho de 2009
Oliveira

Tipo de fonte:
( ) certidão ( ) carta ( ) testamento ( ) livro ( x ) jornal ( ) revista
( ) processo ( ) ofício ( ) memorando ( ) comunicado ( ) listas ( ) ata
( ) diário oficial ( ) imagem ( ) pintura ( ) fotografia ( ) entrevista ( ) objetos
Localização: Acervo EEEF Professor Olintho de
Data: 01/09/2010
Oliveira

Tipo de fonte:
( ) certidão ( ) carta ( ) testamento ( ) livro ( x ) jornal ( ) revista
( ) processo ( ) ofício ( ) memorando ( ) comunicado ( ) listas ( ) ata
( ) diário oficial ( ) imagem ( ) pintura ( ) fotografia ( ) entrevista ( ) objetos
Data: 23/05/1956 Localização: Acervo AHPAMV

Tipo de fonte:
( ) certidão ( ) carta ( ) testamento ( ) livro ( x ) jornal ( ) revista
( ) processo ( ) ofício ( ) memorando ( ) comunicado ( ) listas ( ) ata
( ) diário oficial ( ) imagem ( ) pintura ( ) fotografia ( ) entrevista ( ) objetos
Data: 25/05/1956 Localização: Acervo AHPAMV

Tipo de fonte:
( ) certidão ( ) carta ( ) testamento ( ) livro ( x ) jornal ( ) revista
( ) processo ( ) ofício ( ) memorando ( ) comunicado ( ) listas ( ) ata
( ) diário oficial ( ) imagem ( ) pintura ( ) fotografia ( ) entrevista ( ) objetos
Data: 1962 Localização: Acervo AHPAMV

Tipo de fonte:
( ) certidão ( ) carta ( ) testamento ( ) livro ( x ) jornal ( ) revista
( ) processo ( ) ofício ( ) memorando ( ) comunicado ( ) listas ( ) ata
( ) diário oficial ( ) imagem ( ) pintura ( ) fotografia ( ) entrevista ( ) objetos
Localização: Acervo EEEF Professor Olintho de
Data: 24/01/1974
Oliveira

Tipo de fonte:
( ) certidão ( ) carta ( ) testamento ( ) livro ( x ) jornal ( ) revista
( ) processo ( ) ofício ( ) memorando ( ) comunicado ( ) listas ( ) ata
( ) diário oficial ( ) imagem ( ) pintura ( ) fotografia ( ) entrevista ( ) objetos
Data: 24/05/1956 Localização: Acervo AHPAMV

Tipo de fonte:
( ) certidão ( ) carta ( ) testamento ( ) livro ( x ) jornal ( ) revista
( ) processo ( ) ofício ( ) memorando ( ) comunicado ( ) listas ( ) ata
( ) diário oficial ( ) imagem ( ) pintura ( ) fotografia ( ) entrevista ( ) objetos
Localização: Arquivo Registro de Imóveis 2ª Zona de
Data: 05/04/1944
Porto Alegre

Tipo de fonte:
( x ) certidão ( ) carta ( ) testamento ( ) livro ( ) jornal ( ) revista
( ) processo ( ) ofício ( ) memorando ( ) comunicado ( ) listas ( ) ata
( ) diário oficial ( ) imagem ( ) pintura ( ) fotografia ( ) entrevista ( ) objetos
Localização: Arquivo Registro de Imóveis 2ª Zona de
Data: 24/04/1945
Porto Alegre

Tipo de fonte:
( x ) certidão ( ) carta ( ) testamento ( ) livro ( ) jornal ( ) revista
( ) processo ( ) ofício ( ) memorando ( ) comunicado ( ) listas ( ) ata
( ) diário oficial ( ) imagem ( ) pintura ( ) fotografia ( ) entrevista ( ) objetos
Localização: Arquivo Registro de Imóveis 2ª Zona de
Data: 27/06/1969
Porto Alegre

Tipo de fonte:
( x ) certidão ( ) carta ( ) testamento ( ) livro ( ) jornal ( ) revista
( ) processo ( ) ofício ( ) memorando ( ) comunicado ( ) listas ( ) ata
( ) diário oficial ( ) imagem ( ) pintura ( ) fotografia ( ) entrevista ( ) objetos
Localização: Arquivo Registro de Imóveis 2ª Zona de
Data: 28/02/1983
Porto Alegre

Tipo de fonte:
( x ) certidão ( ) carta ( ) testamento ( ) livro ( ) jornal ( ) revista
( ) processo ( ) ofício ( ) memorando ( ) comunicado ( ) listas ( ) ata
( ) diário oficial ( ) imagem ( ) pintura ( ) fotografia ( ) entrevista ( ) objetos

Localização: Acervo EEEF Professor Olintho de


Data: 08/08/2012
Oliveira
Tipo de fonte:
( ) certidão ( ) carta ( ) testamento ( ) livro ( ) jornal ( ) revista
( x ) processo ( ) ofício ( ) memorando ( ) comunicado ( ) listas ( ) ata
( ) diário oficial ( ) imagem ( ) pintura ( ) fotografia ( ) entrevista ( ) objetos
Anexo B – Amostra das imagens selecionadas no acervo fotográfico da escola
Apêndices

Apêndice A – Questões sobre a história de vida dos alunos e das alunas

E.E.E. FUNDAMENTAL PROFESSOR OLINTHO DE OLIVEIRA


Disciplina: História
Prof. Leandro
Bimestre/ano: 1º/2016

Responda as questões a seguir baseando-se na história da sua vida. Tire conclusões a partir
das suas respostas.

a) Em sua história aparecem outros personagens além de você? Quem? Por quê?

b) Se estes outros personagens que aparecem em seu texto fossem escrever a sua história, ela
seria igual? Por quê?

c) Qual destas histórias estaria certa? Por quê?

d) Você escreveu sua história utilizando a memória. Mas se precisasse escrevê-la de maneira
bem detalhada, que outros recursos poderia utilizar?

e) Classifique estes recursos em documentos escritos, orais, visuais ou e vestígios.

f) Você escreveu seu texto em ordem cronológica? Por quê?

g) Alguns fatos de sua vida apareceriam nas histórias pessoais de outras pessoas? Por quê?

h) Para explicar os acontecimentos de sua vida você precisou localizá-los no tempo e no espaço?
Por quê?

i) Você acredita que depois de lerem a sua história as pessoas podem te conhecer e entender
melhor? Por quê?

Bom trabalho!
Apêndice B – Síntese textual redigida pelo professor
Apêndice C – Ficha de pesquisa (I) utilizada na investigação do acervo documental

FICHA DE PESQUISA
Título: Data:
Localização:
Tipo de fonte:
( ) certidão ( ) carta ( ) testamento ( ) livro ( ) jornal ( ) revista
( ) processo ( ) ofício ( ) memorando ( ) comunicado ( ) listas ( ) ata
( ) diário oficial ( ) imagem ( ) pintura ( ) fotografia ( ) entrevista ( ) objetos

DESCRIÇÃO DO DOCUMENTO
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________

DADOS DO(A) PESQUISADOR(A)

Nome:______________________________________________________________

Turma:________________________________ Data da pesquisa: ____ / ____ / ___


Apêndice D – Produção textual discutindo o conceito de patrimônio cultural
Apêndice E – Ficha de pesquisa (II) utilizada na catalogação do acervo fotográfico
Apêndice F – Registros fotográficos da visitação ao MCSHJC
Apêndice G – Descrição das imagens selecionadas no acervo fotográfico
Apêndice H – Avaliação escrita sobre os temas discutidos no 1º bimestre de 2016

E. E. E. FUND. PROFESSOR OLINTHO DE OLIVEIRA


Rua da República, 635, Cidade Baixa, Porto Alegre/RS – CEP: 90050-321. Fone: (51)
32283674.
Prof. Leandro Disciplina: História Bimestre: 1º
Aluno(a): ____________________________________________________________________
Turma: _____________ Data: _____/_____/__________ Aproveitamento: __________

AVALIAÇÃO DE HISTÓRIA

1) Escolha a afirmativa correta sobre a ciência histórica e insira na grade de respostas:

A – estuda os acidentes históricos e geográficos do planeta Terra.

B – estuda a causalidade dos fenômenos físicos e sociais com base no empirismo.

C – estuda os acontecimentos do passado dos homens, utilizando-se dos vestígios que a humanidade deixou para
facilitar a compreensão do presente.

D – se fundamenta unicamente em documentos escritos.

E – estuda os acontecimentos presentes para prever o futuro da humanidade.

2) Sobre os diferentes tipos de fontes históricas, relacione a primeira coluna com a segunda:

1 – Documentos escritos ( ) Restos de moradia, fósseis humanos, objetos de uso doméstico.

2 – Cultura material ( ) Entrevistas, relatos, gravações.

3 – Registros iconográficos ( ) Diários, testamentos, cartas.

4 – Fontes orais ( ) Desenhos, pinturas, fotos.

Qual a sequência correta?

A – 2, 4, 1, 3 B – 4, 2, 3, 1 C – 1, 3, 2, 4 D – 3, 1, 4, 2 E – 2, 4, 3, 1

3) De acordo com a divisão tradicional da História, a evolução cronológica correta dos períodos históricos é

A – Pré-História, Idade Antiga, Idade Contemporânea, Idade Média e Idade Moderna.

B – Idade Antiga, Idade Média, Idade Moderna e Idade Contemporânea.

C – Pré-História, Idade Antiga, Idade Média, Idade Moderna e Idade Contemporânea.

D – Idade Contemporânea, Idade Moderna, Idade Antiga e Idade Média.


E – Pré-História, Idade Moderna, Idade Média, Idade Contemporânea e Idade Antiga.

4) Sobre os diferentes tipos de narrativas, relacione a primeira coluna com a segunda:

( ) é experiência de vida. Todos os documentos que produzimos ao longo da


1 – Narrativa ficcional
nossa vida, ajudam a contar nossa história.

2 – História Pessoal ( ) é o relato de uma história vivida por sociedades humanas ao longo do tempo.

( ) é uma história em que um autor cria no mundo da imaginação. É uma história


3 – Narrativa Histórica
narrada por um narrador e vivida por seus personagens.

Qual a sequência correta?

A – 1, 2, 3 B – 2, 3, 1 C – 3, 2, 1 D – 1, 3, 2 E – 2, 1, 3

5) Existem bens que são importantes para a cultura de um povo, sendo considerados seu patrimônio cultural. O
samba é um dos mais fortes símbolos da cultura afro-brasileira. Esse gênero musical tem suas raízes nas danças e
músicas criadas pelos escravos africanos que chegaram ao Brasil a partir do século XVI. Em 2005, o samba de
roda do Recôncavo Baiano foi declarado patrimônio cultural __ __ __ __ __ __ __ __ __ da Humanidade pela
Unesco.

Qual termo(s) completa(m) a lacuna?

A – material B – natural C – familiar D – imaterial E – histórico

6) A divisão tradicional da história classifica como “Pré-história” todo o período anterior à invenção da escrita
(4000 a.C). O termo “pré-histórico” pode ser entendido de maneira preconceituosa, pois parte da ideia de que os
povos que não conheciam a escrita não faziam história, eram “atrasados” ou “não civilizados”. Entretanto,
atualmente, os pesquisadores reconhecem que todos os povos têm história.

Considerando o texto acima, qual opção abaixo explica como os historiadores investigam o passado das sociedades
que não dominam a escrita?

A – através da análise de documentos escritos preservados.

B – através do relato dos sobreviventes das sociedades ágrafas formadas antes de 4000 a.C.

C – investigando, principalmente, a cultural material destes grupos para reconstruir seus hábitos.

D – utilizando os registros fotográficos como prova da existência destas sociedades humanas.

E – construindo narrativas ficcionais sobre o passado dos grupos sociais se escrita.

7) Os calendários estão relacionados à cultura de cada povo, a uma época e a um lugar. Geralmente, os calendários
iniciam com um acontecimento considerado importante. Ou seja, calendários são criações culturais e não existem
desde sempre. Relacione a primeira coluna com a segunda e preencha a sequência correta.
1 – Calendário Judaico ( ) Baseado no ciclo solar e tem como referência o nascimento de Jesus Cristo.

2 –Calendário Chinês ( ) Baseado no ciclo lunar, inicia-se com a fuga de Maomé para Medina, em 622.

3 – Calendário Cristão ( ) Baseado no ciclo lunar, parte da criação do mundo conforme a Bíblia.

4 – Calendário Islâmico ( ) Baseado no ciclo lunar, inicia-se em 2697 a.C., ano do patriarca Huang-ti.

Qual a sequência correta?

A – 4, 3, 2, 1 B – 1, 2, 3, 4 C – 2, 1, 4, 3 D – 3, 4, 2, 1 E – nenhuma

8) Para organizar as tarefas diárias os seres humanos criaram unidades de medida do tempo. Essas unidades de
medida também auxiliam o historiador a compreender e estabelecer a duração de diversos acontecimentos. Sobre
o tema, assinale a resposta correta:

A – hora, dia e século são considerados períodos curtos.

B – ano, milênio e mês podem ser considerados períodos longos.

C – milênio, século e década configuram períodos longos.

D – dia, mês e ano configuram períodos longos.

E – década, século e milênio constituem períodos curtos.

9) Dentre as opções abaixo, qual delas apresenta apenas exemplos de fontes escritas?

A – Pinturas, utensílios domésticos e certidões de nascimento.

B – Revistas, livros e vestimentas.

C – Brinquedos, documentos e móveis.

D – Cartões-postais, fósseis e lendas.

E – Diários, jornais e leis.

10) Leia atentamente o texto abaixo e assinale a alternativa correta.

Os idosos

Envelhecer é uma grande vitória. Significa estar vivendo há muito tempo, já ter passado por várias
experiências e testemunhado inúmeros acontecimentos. Conviver com os idosos é um privilégio, pois temos a
possibilidade de partilhar toda essa memória, esse conhecimento acumulado sobre o mundo.

Para a história, os idosos significam uma oportunidade única para recuperar informações sobre o passado.
Mais do que isso, é a chance de preservar testemunhos e experiências de sujeitos que, em sua memória, nunca
tiveram a oportunidade de registrar seu modo de vida, sua história.

Ao trabalhar com o relato de pessoas idosas, o historiador estará utilizando uma fonte:
A – Cultura material

B – Textual

C – Visual

D – Mídia interativa

E – Oral

11) Sobre periodização, assinale apenas a RESPOSTA CORRETA nas alternativas abaixo:

A – O ano 2012 faz parte da primeira década de século XXI.

B – As siglas a.C. e d.C. distinguem os períodos anteriores e posteriores ao nascimento de Cristo,


respectivamente.

C – O século XX começou no ano 1900.

D – Os anos 1800 e 1801 pertencem ao século XIX.

E – O terceiro milênio d.C. começou em 2000.


Apêndice I – Autorização dos responsáveis para atividade fora da escola

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL


SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO
E.E.E.F. PROFESSOR OLINTHO DE OLIVEIRA
RUA DA REPÚBLICA, 635 – FONE: 3228-3674

Autorizo_____________________________________________________ da turma_______
a ir ao Museu da Comunicação Hipólito José da Costa, acompanhado(a) de seu professor de
História para visitar o espaço de exposição da instituição e participar da oficina “A escrita da
luz”, durante o horário de aula.
Dia: 15 de abril de 2016 (sexta-feira)
Entrada franca

RECOMENDAÇÕES
É imprescindível o retorno da autorização assinada para que o(a) aluno(a) possa sair da escola.
O(a) aluno(a) deve vestir o uniforme da escola e calçado confortável.
Levar documento, se possível, com foto.
Levar bloco e caneta ou lápis para anotações. Não há espaço para alimentação no museu.

__________________________________________
ASSINATURA DO(A) RESPONSÁVEL

-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------
----------

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL


SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO
E.E.E.F. PROFESSOR OLINTHO DE OLIVEIRA
RUA DA REPÚBLICA, 635 – FONE: 3228-3674

Autorizo_____________________________________________________ da turma_______
a ir ao Museu da Comunicação Hipólito José da Costa, acompanhado(a) de seu professor de
História para visitar o espaço de exposição da instituição e participar da oficina “A escrita da
luz”, durante o horário de aula.
Dia: 15 de abril de 2016 (sexta-feira)
Entrada franca

RECOMENDAÇÕES
É imprescindível o retorno da autorização assinada para que o(a) aluno(a) possa sair da escola.
O(a) aluno(a) deve vestir o uniforme da escola e calçado confortável.
Levar documento, se possível, com foto.
Levar bloco e caneta ou lápis para anotações. Não há espaço para alimentação no museu.

__________________________________________
ASSINATURA DO(A) RESPONSÁVEL
Identidades (in)visíveis:
Indígenas em contexto urbano e o ensino de história na região metropolitana do
Rio de Janeiro

Thais Elisa Silva da Silveira


Aos meus ancestrais. Ao meu tataravô, que, apesar do apelido
Caboclo, era Puri de sangue e coração. À minha bisavó Laurinda
Arruda. Aos meus ex, atuais e futuros alunos, especialmente aos
indígenas e descendentes. À Lívia, para quem desejo um mundo mais
tolerante.
Lista de abreviaturas e siglas

ANC – Assembleia Nacional Constituinte

Cimi – Conselho Indigenista Missionário

Conab – Companhia Nacional de Abastecimento

Feuduc – Fundação Educacional de Duque de Caxias

Funai – Fundação Nacional do Índio

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IHGB – Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro

ISA – Instituto Socioambiental

LDB – Lei de Diretrizes e Base

MEC – Ministério da Educação

OIT – Organização Internacional do Trabalho

ONG – Organização Não Governamental

PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais

PEC – Proposta de Emenda Constitucional

PIN – Plano de Integração Nacional

PL – Projeto de Lei

PT/SP – Partido dos Trabalhadores / São Paulo

RCNET – Referencial Curricular Nacional Para as Escolas Indígenas

Secad – Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade

Seppir – Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial

SPI – Serviço de Proteção ao Índio

TI – Terra Indígena

UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Unesco – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

UNI – União Nacional Indígena


Sumário

Introdução

1. Das diversas formas de ser índio no Brasil

1.1 Reflexões sobre cultura, colonialidade e identidade

1.2 Ressignificações da palavra índio

1.3 Os indígenas e as cidades

1.4 Os indígenas na região metropolitana do Rio de Janeiro

2. Legislação, currículo e a temática indígena

2.1 Currículo e a temática indígena

2.2 Reflexões sobre a temática indígena no ensino/aprendizagem de história

2.3 O “dever de memória” e a temática indígena

2.4 Entre a memória e a história

3. Proposta de implementação da Lei nº 11.645/08

3.1 Visibilidade como primeiro passo para uma educação intercultural

3.2 A exposição itinerante

3.3 As atividades didáticas

Considerações finais

Referências

Apêndice A – Caderno de Atividades

Apêndice B – Exposição Itinerante


Introdução

Nos meus primeiros anos de magistério, em meados dos anos 2000, um menino de olhos
puxados, pele morena, calado e com muita dificuldade de leitura e escrita me chamou a atenção.
Os colegas o apelidaram de Japa pelo formato dos olhos. Apesar de achar estranho um menino
com essas características em uma escola pública da Baixada Fluminense, acreditei nesta
descendência, já que aparentemente o menino não se incomodava com o apelido. No entanto,
ele me causava um incômodo que não sabia de onde vinha. Pensava que talvez fosse a timidez
que não permitia um diálogo para entendê-lo, a dificuldade de aprendizado ou ainda a
descendência japonesa, incomum nas escolas públicas de São João de Meriti. No final do ano,
vi sua mãe indo buscá-lo e ficou claro para mim que não se tratava de um menino com ancestrais
orientais, mas muito provavelmente indígena. Aquela situação me deixou intrigada, mas não
tive a oportunidade de confirmar minha suspeita no ano seguinte, pois ele deixou de ser meu
aluno.

Achei a possível presença de um aluno indígena na minha sala de aula curioso. Sempre
gostei de estudar a temática indígena. Tive a sorte de encontrar professores na graduação que
tentaram incluir as questões indígenas entre os conteúdos de suas disciplinas, algo incomum até
para os dias de hoje. O primeiro livro que ganhei na graduação foi justamente “Negros da
Terra”, de John Manuel de Monteiro, um dos historiadores contemporâneos preocupados em
trazer um novo olhar para a história indígena. Minha monografia, apresentada no final da
graduação, tratava da resistência indígena nas correspondências do missionário da Companhia
de Jesus, José de Anchieta.

Quando comecei a dar aulas para os ensinos fundamental e médio em escolas públicas
da Baixada Fluminense, em 2005, e posteriormente da cidade do Rio de Janeiro, procurei
trabalhar a temática indígena de maneira diferenciada daquela que se apresentava nos livros
didáticos. Nestes, essas populações eram apresentadas de forma genérica, além de serem
tratadas como inocentes vítimas do sistema colonial, desaparecendo da história depois do início
da colonização. O protagonismo dos indígenas não fazia parte da história do Brasil nos
materiais didáticos. Eu acreditava no potencial da temática para tratar da questão das diferenças,
pois sentia diariamente que esta era um ponto fundamental para ser trabalhado nas escolas.
Todas as salas de aula em que lecionei eram heterogêneas, compostas por alunos com interesses,
identidades, fenótipos, histórias de vida, capacidades e dificuldades tão diversos, capazes de
deixar qualquer profissional perdido. As diferenças nas escolas em que trabalhei sempre foram
tratadas como um empecilho para a aprendizagem dos alunos. Casos de preconceito, racismo,
machismo, homofobia, bullying e até assédio moral (casos em que quem discriminava eram os
próprios funcionários da escola) muitas vezes eram tão comuns (e ainda são) que chegavam à
beira da naturalização.

A temática indígena sempre me pareceu uma possibilidade de repensar as diferenças.


Sempre realizei atividades em que os alunos falavam sobre as populações indígenas. Apesar de
suas falas estarem povoadas de preconceitos e estereótipos, as concepções sobre os indígenas
nunca eram iguais e cada um tentava defender seu ponto de vista, gerando, muitas vezes,
debates acalorados. Eles discutiam se os indígenas andavam todos nus ou não, se moravam em
ocas ou casas de alvenaria, se ainda caçavam para sobreviver, se todos eram iguais ou não, se
podiam usar tecnologias não indígenas ou se isto fazia com que deixassem de ser indígenas.
Enquanto eles iam falando, eu ia anotando tudo o que falavam e no fim da aula trazia
argumentos que se opunham às falas deles, tentando desconstruir a imagem que tinham dessas
populações. No entanto, ao permitir que os alunos expusessem suas percepções e seus
preconceitos, eu acreditava que naquele momento estávamos debatendo sobre povos distantes
e que aquelas falas não afetariam ninguém que estivesse na sala de aula.

Ao iniciar o Mestrado Profissional em Ensino de História em 2014, pensei em somar


minhas leituras e reflexões sobre a história indígena e o ensino desse conteúdo nas escolas à
minha prática docente. Minha intenção era produzir um material didático para implementação
da Lei nº 11.645/08, que torna obrigatório o ensino da história e das culturas indígenas em todas
as escolas do ensino básico brasileiras, partindo da especificidade da cidade de Duque de
Caxias, cidade da Baixada Fluminense onde leciono hoje em dia. Minha hipótese era que o
professor deveria levar em conta a realidade da região em que leciona para trabalhar a temática
indígena em sala de aula. Acreditava que existiam três possibilidades que poderiam ser
encontradas nas escolas, as quais deveriam diferenciar a atuação do professor. A primeira era o
ensino da história indígena nas escolas indígenas, a segunda era este ensino em regiões onde há
a interação entre índios e não índios e, por fim, nas escolas onde as identidades indígenas não
fazem parte da realidade dos alunos.

Eu entendia que a cidade de Duque de Caxias se encaixava na última possibilidade. No


entanto, sempre que fazia essa afirmação, a imagem do meu ex-aluno de olhos puxados (ou
amendoados) e de sua mãe, que nada tinha de oriental, voltava à minha mente. Por isso, resolvi
pesquisar o Censo do IBGE de 2010 e, para minha surpresa, descobri que Duque de Caxias
tinha 865 indígenas autodeclarados. Este número me fez reconsiderar a ideia de que as
identidades indígenas estavam distantes das salas de aula das escolas públicas, assim como me
fez pensar na possibilidade de ter tido alunos indígenas sem que eu soubesse.

Assim, para descobrir a proximidade dos alunos das populações indígenas na unidade
escolar em que trabalho, distribuí um questionário para eles, em que perguntava se tinham
antepassados indígenas, se estes antepassados eram seus pais, avós, bisavós, ou gerações mais
antigas e se conheciam algum indígena. Fiz este questionário em todas as turmas do segundo
segmento do ensino fundamental da Escola Municipal Presidente Costa e Silva, localizada no
bairro Parque Capivari, segundo distrito do município. Os resultados foram surpreendentes:

Tabela 1. Alunos do segundo segmento do ensino fundamental descendentes indígenas


na Escola Municipal Presidente Costa e Silva em 2015

ALUNOS QUANTIDADE %

Descendentes indígenas 69 51,1

Filhos de indígenas 3 2,2

Netos de indígenas 17 12,6

Bisnetos de indígenas 25 18,5

Descendentes de gerações
19 14
mais antigas

Outros96 2 1,4

Não responderam 3 2,2

Não se consideraram
66 48,9
descendentes indígenas

TOTAL 135 100

Resolvi então fazer o mesmo questionário em uma única turma da Escola Municipal
Maria Clara Machado, onde estava fazendo complementação de carga horária, localizada na
região do Pantanal, também no segundo distrito de Duque de Caxias, mas distante da Escola

96
Trata-se de um caso em que o padrasto era indígena e o outro de uma tia em que a linhagem indígena não era a
mesma da aluna.
Municipal Presidente Costa e Silva. Queria ter uma noção se esta era uma realidade específica
do Parque Capivari ou não. Os números me surpreenderam novamente:

Tabela 2. Alunos descendentes indígenas da turma 701 da Escola Municipal Maria


Clara Machado em 2015

ALUNOS QUANTIDADE %

Descendentes indígenas 24 82,7

Filhos de indígenas 0 0

Netos de indígenas 8 27,5

Bisnetos de indígenas 5 17,3

Descendentes de gerações mais antigas 11 37,9

Não responderam 1 3,4

Não se consideraram descendentes


indígenas 5
17,3

TOTAL 29 100

Em ambas as escolas, havia aqueles que declararam ter vizinhos, amigos e conhecidos
indígenas. Apesar de não entrar em um estudo estatístico sobre a presença de indígenas nas
escolas de Duque de Caxias, esses números, associados aos dados estatísticos do IBGE, já
foram mais do que suficientes para contrariar minha primeira hipótese de que os indígenas
estavam distantes do convívio dos alunos do município. Também fizeram repensar as minhas
práticas em sala de aula, que desconsiderava essas presenças e a sensibilidade do tema.

Para construir um material didático sobre a temática indígena que considerasse essas
populações, procurei descobrir quem eram esses indígenas que viviam no município e um pouco
de suas realidades e demandas. Busquei, primeiramente, conversar com os alunos que
declararam ser filhos ou netos de indígenas e descobri que muitos desses pais e avós migraram
de aldeias para as cidades, morando na região metropolitana do Rio de Janeiro. Tentei
entrevistar esses pais e avós, no entanto, não obtive sucesso na intenção, pois eles não quiseram
falar. Fui entendendo aos poucos a recusa, quando os próprios alunos afirmaram que seus
parentes não gostavam de falar sobre o assunto. As leituras posteriores sobre indígenas em
contexto urbano, um tema relativamente novo de pesquisa na história, na educação e na
antropologia, mas não uma realidade nova no Brasil e muito menos no continente americano,
me fizeram compreender que se tornar invisível pode ser uma estratégia de sobrevivência em
um contexto extremamente hostil às diferenças.

Desta forma, procurei outros meios de encontrar os indígenas da região. Não sabia
exatamente o que esperar dessas conversas, mas tinha total convicção de que o material didático
específico para Duque de Caxias tinha de partir de um diálogo com essas populações. Sendo
assim, esse diálogo começou pelo Instituto dos Saberes dos Povos Originários, Aldeia
Jacutinga, um desdobramento da Aldeia Maracanã, mas especificamente pelo contato que tive
com Marize Vieira de Oliveira, uma indígena guarani mbyá, professora de história da rede
municipal de Duque de Caxias e do Estado do Rio de Janeiro. Por intermédio dela, conheci
outros indígenas e grupos que atuam na região metropolitana do Rio de Janeiro e participei de
vários eventos realizados por eles na região, que buscam dar visibilidade às populações
indígenas que vivem em contexto urbano, divulgando as diversas culturas indígenas existentes
nessas cidades e lutando por direitos.

Uma das maiores demandas desses grupos é a visibilidade. Desvinculados de muitos


estereótipos atribuídos aos indígenas pela população em geral, como viver na floresta, andar
nus e com adereços de penas, morar em ocas e dormir em redes, os indígenas que vivem nas
cidades são compreendidos como aculturados ou integrados, sendo desconsideradas suas
necessidades específicas. Quando tentam reivindicar direitos a partir das suas identidades
étnicas, são logo deslegitimados por estarem na cidade e por conseguirem dialogar utilizando
códigos não indígenas, muitas vezes se expondo a diversas formas de violência.

Por isso, atendendo a um “dever de memória” em relação a esses grupos, decidi criar
uma exposição itinerante que possa transitar facilmente pelas escolas da região metropolitana
do Rio de Janeiro. Ela é composta de cinco banners, com o título “Os indígenas e as cidades”.
A exposição possui imagens, gráficos e textos que tentam desconstruir o estereótipo que liga os
indígenas diretamente às florestas e exclui a possibilidade de frequentarem e habitarem outros
espaços. Também tenta mostrar que as transformações culturais e a apropriação de códigos não
indígenas não significam a perda das identidades.
Além da exposição, foi elaborado um caderno de atividades que traz exercícios tendo
como base fontes históricas, textos historiográficos, gráficos, vídeos e imagens, contemplando
diversas temporalidades. Eles visam auxiliar o professor de história a incluir reflexões sobre os
indígenas em contexto urbano junto a outros conteúdos e não de maneira descontextualizada e
pontual. As atividades tentam trazer reflexões que ponham em cheque paradigmas
eurocêntricos utilizados para pensar a alteridade.

O produto final deste mestrado profissional também é composto de uma parte


dissertativa. No capítulo 1, é feita uma discussão sobre as populações indígenas atuais,
especialmente as que vivem em contexto urbano na região metropolitana do Rio de Janeiro, e
sua invisibilidade. No capítulo 2, é feita uma localização da criação da Lei nº 11.645/08 junto
a outras conquistas legais dos povos indígenas na área da educação e uma problematização da
inclusão da temática indígena no ensino de história. No capítulo 3, detalho e justifico minhas
opções teóricas e metodológicas para a criação da exposição e das atividades didáticas,
acreditando que um diálogo intercultural equitativo é urgente nas escolas públicas e que a
visibilidade das populações indígenas é o ponto de partida para isso.

1. Das diversas formas de ser índio no Brasil

1.1 Reflexões sobre cultura, colonialidade e identidade

Para iniciar uma reflexão sobre a população indígena na atualidade, voltarei à clássica metáfora
das estátuas de mármore e de murta do padre Antônio Vieira, apropriada por Eduardo Viveiros
de Castro (2002) para entender a inconstância da alma selvagem. Segundo o missionário, as
estátuas de mármore são difíceis de construir, mas, uma vez prontas, são fixas, firmes, quase
imutáveis; já as de murta são fáceis de serem moldadas, mas exigem constantes cuidados para
que não se deformem. Enquanto uns povos são dificilmente convertidos por serem como
mármore, mas quando aceitam a conversão não retomam as crenças anteriores, outros são como
murta, aparentemente dóceis e receptíveis à transformação, mas facilmente se transformam e
mudam de forma. A metáfora foi usada para a compreensão do que entendiam como
inconstância indígena. A documentação deixada pelos missionários retrata tanto a facilidade
com que muitos indígenas se convertiam ao cristianismo quanto para retomarem ao que os
padres chamavam de maus costumes.
Uma compreensão da cultura dos povos como quase imutável, assim como o mármore,
e de que as mudanças culturais são como rachaduras e deformações na essência de um grupo
que podem levar ao seu fim, torna impossível o entendimento da alteridade em uma perspectiva
histórica. Segundo Viveiros de Castro,
Nossa ideia corrente de cultura projeta uma paisagem antropológica povoada de estátuas de
mármore, não de murta: museu clássico antes que jardim barroco. Entendemos que toda a
sociedade tende a preservar no seu próprio ser, e que a cultura é a forma reflexiva deste ser;
pensamos que é necessária uma pressão violenta, maciça, para que ela se deforme e transforme.
Mas, sobretudo, cremos que o ser de uma sociedade é seu preservar: a memória e a tradição são
o mármore identitário de que é feito a cultura. Estimamos, por fim, que uma vez convertidas em
outras que si mesmas, as sociedades que perderam sua tradição não têm mais volta. [Castro,
2002:195]

Os modelos explicativos utilizados pela sociedade em geral para entender a população


indígena dificultam a compreensão da legitimidade da diferença e das transformações culturais
pelas quais estes povos passaram ao longo de cinco séculos. É muito comum um tipo de
pensamento que entende que cada povo possui uma cultura que o caracteriza e o diferencia dos
outros. A partir desta lógica, acredita-se também que esta cultura é o pilar definidor da
identidade. Quando a cultura se modifica, por motivos diversos, estes povos se tornam estátuas
de mármore deformadas ou quebradas, perdendo para sempre a estrutura do que os definiam.
Também não é incomum pensamentos pautados no evolucionismo, que parte do princípio de
que todos os povos passam por uma evolução natural e que a civilização ocidental europeia é o
que há no topo dessa evolução. Todos os outros povos estão em estágios de evolução
diferenciados, mais próximos ou mais distantes do modelo de desenvolvimento ocidental. Os
povos indígenas, nesta perspectiva, estão nos primeiros estágios da evolução, possuindo um
modo de ser e de viver similar ao dos primeiros seres humanos e por isso são chamados de
primitivos, ora recebendo um olhar sobre sua pureza e sua docilidade, ora sobre a selvageria e
a barbárie. Acredita-se também que o contato entre povos em diferentes estágios de evolução
leva à aculturação dos povos de níveis inferiores, que abandonam suas culturas primitivas para
acessarem o desenvolvimento oferecido pela outra. A aculturação levada ao extremo acarreta a
assimilação de um povo pelo outro, gerando o fim do grupo assimilado.
Parte deste raciocínio se fundamenta em um paradigma de colonialidade, responsável
por classificar as sociedades a partir de uma visão eurocêntrica do mundo que naturaliza o
conhecimento ocidental como única forma válida de saber, assim como as experiências,
identidades e relações históricas colonialistas, inferiorizando qualquer manifestação social,
política, econômica e cultural diferente dos padrões modernos europeus, como nos explica
Quijano (2009):

a colonialidade é um dos elementos constituitivos e específicos do padrão mundial do poder


capitalista. Sustenta-se na imposição de uma classificação racial/étnica da população do mundo
como pedra angular do referido padrão de poder e opera em cada um dos planos, meios e
dimensões, materiais e subjectivos, da existência social quotidiana e da escala societal.
[Quijano, 2009:73]

A colonialidade naturaliza a superposição do pensamento moderno ocidental, criando


um paradigma que nega ou hierarquiza concepções e sociedades diferentes das europeias, como
as indígenas, classificando-as como tradicionais (em contraposição à modernidade europeia) e
fundamentando cientificamente essa classificação em conceitos que desvalorizam e
inferiorizam a diferença (Oliveira; Pinto, 2011).

Repensar as populações indígenas, longe de interpretações que operam a partir da


colonialidade, é uma forma de descolonizar nossos pensamentos, de reconhecer a legitimidade
da diferença e criar novos modelos interpretativos. Walter Mignolo (2003), ao refletir sobre os
trabalhos de vários autores que não se balizam pelo paradigma moderno e eurocêntrico, aponta
uma crise deste modelo, o que tem possibilitado o aparecimento de um “outro pensamento”, de
uma “dupla crítica” ou de um “pensamento liminar”97, especialmente no meio acadêmico. Essas
novas concepções só estão sendo possíveis por terem como base dois modelos explicativos
tradicionais das histórias locais das fronteiras do colonialismo, sem, no entanto, se ancorarem
em nenhum deles, como explica Mignolo (2003:102) ao trazer a dupla crítica do pensamento
do filósofo marroquino Khatibi, que ao pensar a partir da sua localidade critica o
fundamentalismo ocidental e islâmico, criando um “outro pensamento”.

Apesar de acreditar que a cultura possa ser um elemento importante da formação da


identidade de um grupo étnico, Frederik Barth (2000) sugere que a definição destes grupos
deveria se deslocar da cultura para as fronteiras. Ao questionar a ideia de que a diversidade
cultural é o resultado do isolamento social e geográfico de grupos distintos, o autor demonstra
que as fronteiras étnicas permanecem mesmo em situações de contato, havendo, inclusive,
situações em que as fronteiras se baseiam exatamente na dicotomia entre dois grupos (Barth,
2000:25-26). Sendo assim, propõe que a autoatribuição e a atribuição pelo grupo sejam os

97
“Outro pensamento”, “dupla crítica” e “pensamento liminar” são conceitos explicados por Walter Mignolo
(2003), sendo os dois primeiros criados pelo filósofo marroquino Khatibi e o último pelo próprio Mignolo.
principais elementos para se pensar as unidades étnicas. Isto significa que as características
culturais que apontam a diferença entre grupos podem mudar, a organização dos grupos pode
mudar, podem existir processos de mestiçagens, mas, mesmo assim, a identidade étnica pode
permanecer, mantendo suas fronteiras baseadas em critérios próprios.

Os diversos povos indígenas que habitam hoje o país passaram por transformações
culturais como todos os povos do mundo. Muitas transformações tiveram a marca da extrema
violência, da subjugação e do desrespeito vivenciados com a chegada dos invasores europeus,
e, apesar disso, passados séculos, continuam afirmando as suas identidades étnicas, construídas
e reconstruídas nas diversas vezes em que sentiram necessidade.

No mundo atual, não é possível negar o desequilíbrio das forças entre o colonizador e o
colonizado, a globalização e as tradições locais. No entanto, o resultado dessas relações
desiguais não é a perda das identidades e culturas tradicionais, nem o seu inverso. As tradições
são ressignificadas, reinventadas, quando não criadas com base na situação histórica do
momento. Mesmo em situações extremas, como a experiência da escravidão, diversos grupos
foram capazes de dar novos significados à cultura imposta (Hall, 2013). Podemos exemplificar,
com os estudos de Stuart Hall (2013) sobre a identidade caribenha, na Grã-Bretanha. A
existência desta identidade compartilhada por pessoas oriundas de povos distintos, mas que
compartilhavam de algumas experiências em comum, como a de terem origem em localidades
vizinhas e a vivência da diáspora, só foi possível devido aquele contexto específico. Por mais
que estes grupos busquem na tradição alguns elos identitários, ela é sempre reinventada e
ressignificada a partir dos diversos presentes em que foi evocada. Estas tantas transformações
tornam quase impossível encontrar uma matriz primeira e principal de uma manifestação
cultural.

Sendo assim, a compreensão iluminista do sujeito centrado e unificado, de uma


identidade que nasce e permanece intocável no decorrer de uma vida, se torna insustentável
quando é colocada em uma perspectiva histórica, pois a partir dela é possível observar as
constantes mudanças, fraturas e reorganizações das identidades de grupo. A globalização e as
rápidas mudanças que ela impõe às sociedades mudaram a compreensão do homem sobre si.
Hoje, a identidade é entendida como móvel, provisória e problemática (Hall, 2014:10-11). Ao
lado da desintegração das identidades nacionais e da homogeneização cultural, apontadas como
dois dos fenômenos mais prováveis da globalização, outros fenômenos podem ser observados,
como o reforço das identidades locais e étnicas e a criação de novas identidades, o que ocorreu
com as populações que viveram a experiência de diáspora e tiveram que recriar suas identidades
em novas terras.

É exatamente pela origem essencialista do conceito de identidade que Stuart Hall (2014)
afirma que ele deve operar sob rasura, pois, apesar de todas as problemáticas que seu uso impõe,
ainda não existe um conceito que o poderia substituir satisfatoriamente. Ao tratar da
identificação, conceito também problemático, mas que nesse trabalho considerou preferível,
afirmou que:

A identificação é, pois, um processo de articulação, uma suturação, uma sobredeterminação, e


não uma subsunção. Há sempre “demasiado” ou “muito pouco” – uma sobredeterminação ou
uma falta, mas nunca um ajuste completo, uma totalidade. Como todas as práticas de
significação, ela está sujeita ao “jogo” da différance. Ela obedece à lógica do mais-que-um. E
uma vez que, como num processo, a identificação opera por meio da différance, ela envolve um
trabalho discursivo, o fechamento e a marcação de fronteiras simbólicas, a produção de “efeitos
fronteiras”. Para consolidar o processo, ela requer aquilo que é deixado de fora – o exterior que
a constitui. [Hall, 2014b:106]

A compreensão dos indígenas como povos primitivos, que possuem costumes iguais,
como a vivência na floresta, a nudez, a ingenuidade ou a selvageria, se encaixa em paradigmas
eurocêntricos e da compreensão de cultura e identidade essencializadas. No senso comum, o
indígena só pode ser identificado como tal, caso siga os estereótipos atribuídos a ele. Esta chave
interpretativa nega a historicidade desses povos, deixando-os paralisados no tempo e no espaço,
ou seja, nas florestas americanas do século XVI. As transformações são entendidas como perda
da identidade, o que consequentemente dificulta a compreensão destes povos no presente e da
validade social das novas demandas desses sujeitos. Este é um dos motivos que torna urgente
um novo olhar para a temática indígena nas escolas.

1.2 Ressignificações da palavra índio

A palavra índio foi usada pelo colonizador para identificar as diversas populações que viviam
no território americano. Entre povos completamente diferentes, como os nômades caçadores e
coletores e os pertencentes aos impérios pré-colombianos, como incas e astecas, a identidade
atribuída pelo colonizador englobava todos os povos. No entanto, os colonizadores não só
identificaram as diferenças desses povos como se aproveitaram das rivalidades existentes entre
alguns deles, aliando-se a um grupo para combater outro, por exemplo.
Os povos originários da América antes da chegada dos europeus não viam laços de
identificação que pudessem se entender como unidade. Eles eram milhares de povos com
nomes, línguas e costumes próprios que foram se transformando e modificando ao longo do
tempo. Do contato entre os diferentes povos, as fronteiras étnicas foram criadas, alargadas,
diminuídas, transformadas, mudadas ou fragmentadas ao longo de suas trajetórias.

A identidade indígena elaborada pelo colonizador ora foi apropriada, ora rejeitada. Na
América portuguesa, os indígenas que se transferiram para as aldeias estabelecidas pelos
colonizadores se apropriaram de tal identificação, atribuindo um novo sentido para ela,
conseguindo com isso, batalhar por direitos nesta nova condição: de índio aldeado, cristão e
súdito do rei português. Fenômeno parecido parece ter ocorrido a partir de 1970.

Munduruku (2012) afirma que, até a década de 1950, este termo era desprezado pelos
povos indígenas brasileiros, pois carregava uma ideia distorcida do que eles seriam. No entanto,
com o surgimento do Movimento Indígena, na década de 1970, o termo “índio” foi apropriado
e ressignificado politicamente por algumas lideranças indígenas para a conquista de direitos.
Antes disso, cada comunidade defendia seus interesses isoladamente. Os primeiros líderes deste
movimento “perceberam que a apropriação de códigos impostos era de fundamental
importância para afirmar a diferença e lutar pelos interesses, não mais de um único povo, mas
de todos os povos brasileiros.” (Munduruku, 2012:45). A partir de então, sem abandonar suas
identidades étnicas de origem, muitos desses povos passaram a adotar também a identidade
indígena, tanto na aproximação e na criação de laços com outros povos indígenas, os quais
passaram a identificar como parentes, assim como na convivência com o restante da população.
Ressalta-se que na atualidade, muitos preferem não ser identificados como índios, mas sim pela
sua identidade étnica.

Durante a Ditadura Militar, o Plano de Integração Nacional (PIN) lançado pelo governo
tentou acelerar uma antiga e contínua política de assimilação indígena à sociedade nacional,
moldada naquele momento pela ideia de desenvolvimento do “Milagre Brasileiro”. Para isso, o
governo tentou absorver a mão de obra indígena da Amazônia na tentativa de promover uma
integração nacional. O fato gerou algumas reações da sociedade civil solidária aos índios, entre
elas a ação do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) que reuniu pela primeira vez, em 1974,
um grupo de lideranças indígenas que iniciou o Movimento Indígena. (Munduruku, 2012:40,
41).
Naquela época, os indígenas estavam sob a tutela da Funai, órgão responsável por tutelar
a vida daqueles povos. Pautados na ideia de assimilação dos índios, a instituição geriu as
reservas indígenas a partir de interesses que divergiam daqueles dos indígenas. Apesar da
coerção da Funai, que tentou reprimir os encontros das lideranças, entre 1974 a 1984, houve 57
assembleias indígenas que discutiram a questão das terras, o enfrentamento de políticas para
saúde, educação e outras necessidades e, por fim, a necessidade de rompimento do isolamento
das várias comunidades, o que permitia o reconhecimento de necessidades semelhantes e a
construção de laços de solidariedade (Brighenti, 2015). Das reuniões das lideranças indígenas,
foi criada, na década de 1980, a União Nacional Indígena (UNI), cuja atuação foi fundamental
para a aprovação de leis que beneficiassem os povos indígenas.

A UNI participou ativamente da Subcomissão dos Negros, Populações Indígenas,


Pessoas Deficientes e Minorias da Assembleia Nacional Constituinte (ANC), instaurada em
1987. Apresentou propostas que defendiam os interesses das diversas populações indígenas,
entre eles o fim da tutela e da integração, e lutou contra as emendas substitutivas que visavam
barrar os avanços que almejavam. Como não possuíam mais representação no legislativo, pois
Mário Juruna não conseguiu se reeleger nas eleições de 1986, os indígenas da UNI fizeram um
longo trabalho de sensibilização e de pressão dos parlamentares, por meio de diversas reuniões,
para o atendimento de suas demandas. As falas eficientes na ANC, como as do Cacique Raoni
e de Aílton Krenak, ajudaram nas conquistas de uma legislação que atendesse às suas
necessidades (Lacerda, 2007).

O Capítulo VIII, “Dos Índios”, da Constituição Federal de 1988 foi responsável pelo
rompimento com medidas de assimilação e integração do índio à sociedade, que tiveram uma
longa duração. Os artigos 231 e 232 deste capítulo passaram a reconhecer o direito à diferença
e o protagonismo indígena na defesa de seus interesses:

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e
tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à
União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em
juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos
do processo. (BRASIL. Constituição Federal de 1988)

Posteriormente, os indígenas conquistaram mais direitos, como a educação escolar


bilíngue e diferenciada. No entanto, a luta pela validação dos direitos e pelas conquistas de
novos, além da resistência contra retrocessos, como a Proposta de Emenda Constitucional
(PEC) 215, que transfere para o legislativo a competência de demarcação das terras indígenas,
continua.

1.3 Os indígenas e as cidades

A ocupação do antigo prédio do Museu do Índio ao lado do estádio do Maracanã, na cidade do


Rio de Janeiro, por indígenas de várias etnias em 2006 e, mais especificamente, o processo de
desocupação e a tentativa de demolição do prédio iniciados em 2012, deram grande visibilidade
ao que muitos entenderam como uma novidade: a presença de índios na cidade. Imbuídos da
necessidade de demolir o prédio para a concretização de projetos de reforma do estádio que
sediaria a Copa do Mundo em 2014 e as Olimpíadas em 2016 e de retirar os indígenas daquele
espaço, os representantes do governo do Estado do Rio de Janeiro e a grande mídia não
pouparam argumentos pejorativos, preconceituosos e discriminatórios na tentativa de expulsar
os indígenas daquele espaço.

O então governador Sérgio Cabral chegou a afirmar: “Eles não estão lá desde 1506 ou
1906. O terreno foi invadido em 1996. É inconcebível chamar aquilo de aldeia indígena”
(Magalhães, 2013). Em uma matéria intitulada “No Maracanã, o milagre da multiplicação dos
índios”, a revista Veja despejou todo o seu preconceito e a ignorância não só no título como no
início da matéria, tentando ironizar o fato de os indígenas usarem tênis de uma marca famosa e
mascarem chicletes. A reportagem ainda cita o parecer do desembargador Marcus Abraham,
que, após uma única hora de visita na Aldeia Maracanã, conseguiu a proeza de verificar quem
eram os indígenas que lá moravam, quantos eram e ainda classificar o espaço. Segundo a
revista, o desembargador observou que naquela aldeia não havia crianças, unidades familiares
e unidade tribal e que “os índios lá presentes são de diferentes etnias, originários de diversas
tribos, com as quais mantêm permanente contato”, o que fez com que a revista concluísse que
o espaço “não é uma aldeia e nem uma tribo” (Ritto; Prado, 2013).

Mas antes mesmo da questão ganhar a grande proporção gerada com as proximidades
da Copa do Mundo e a necessidade de dar um direcionamento nas obras da parte externa do
estádio, esse discurso já era presente. Ao dar uma declaração sobre as comemorações do
primeiro aniversário da ocupação do prédio em outubro de 2007, o superintendente do
Ministério da Agricultura no Rio de Janeiro, órgão proprietário do imóvel na época, Pedro
Cabral da Silva afirmou ao jornal O Globo que achava “que os índios deviam ficar na aldeia.
Índio urbano perde o sentido.” (Maia, 2007)
Não foi pequeno o questionamento da legitimidade da presença dos indígenas na cidade,
pois o entendimento geral era de que o lugar do índio é na floresta, bem afastado da
“civilização”, assim como não foram poucas as dúvidas sobre a identidade dos ocupantes do
museu, visto que usavam roupas, celulares e outros objetos e tinham costumes usualmente
considerados não indígenas. No entanto, a grande desinformação e preconceito da maioria da
população justificam-se em parte pela invisibilidade dada pela historiografia e acompanhada
pelo ensino de história que apagou a participação dos indígenas da história do Brasil.
Participando apenas do início da colonização, as narrativas históricas sumiram completamente
com essas populações no decorrer do tempo. O mesmo processo acontece com as narrativas das
histórias de grande parte dos municípios, onde costuma-se mencionar o nome dos grupos
indígenas que viviam no local antes da vinda dos colonizadores, que expulsaram ou dizimaram
os primeiros povoadores, iniciando a história da localidade sem a presença dos habitantes
originários.

As reflexões sobre os indígenas que vivem e convivem no contexto urbano são recentes
na antropologia e na historiografia. Na primeira área disciplinar, o interesse pelo tema começou
há pouco mais de uma década. Antes só havia um trabalho de Roberto Cardoso de Oliveira, no
final da década de 1960, sobre os Terenas nas cidades de Mato Grosso e quatro dissertações na
década de 1980, a maioria escrita por orientandos do consagrado autor (Nunes, 2010:11). Na
história, desde a década de 1990, autores da chamada Nova História Indígena apesar de não
terem como foco principal a presença de indígenas nos espaços urbanos, têm abordado essa
realidade desde a construção dos primeiros núcleos urbanos da América Portuguesa.

Mas se sairmos do espaço onde hoje é o território brasileiro e adentrarmos o continente


americano, veremos que a presença de indígenas em cidades é bem anterior aos primeiros
contatos com as populações europeias. Apropriando-se do conceito de cidade utilizado por
Chady (2003), e considerando os diversos sítios arqueológicos desses espaços espalhados na
América, não é difícil concluir que as cidades também são espaços indígenas, mesmo na época
pré-colombiana:

Definimos como ciudad al asentamiento de cierta extensión, construido siguiendo un


ordenamiento espacial, donde reside una población de tamaño apreciable y se realizan
actividades diversas y adicionales a la directa producción de alimentos, es decir, de gobierno,
religiosas, administrativas, manufactureras y comerciales, además de las propiamente
residenciales. Diversidad funcional y social que quedará plasmada en la variabilidad
arquitectónica y en la diferenciación de los contenidos culturales. [Chady, 2003:329]
No entanto, os livros didáticos do sexto ano, série em que a grande parte das escolas e
dos livros didáticos trabalha a antiguidade da Mesopotâmia, do Egito, da Grécia, de Roma, e,
mais recentemente, até da China e da Índia, em geral não abordam as civilizações antigas da
América, apesar de geralmente, retratarem a riqueza de algumas culturas pré-colombianas,
como a marajoara. Evidentemente, o ensino dessas culturas é importante, entretanto a redução
a esses povos não abala muito os estereótipos que associa o indígena à floresta.

O estudo dos povos incas, maias e astecas, conteúdos já estabelecidos no ensino de


história, em geral só ocorre anteriormente ao ensino da conquista espanhola. Não
coincidentemente são os povos indígenas que mais têm suas identidades étnicas respeitadas nos
livros didáticos. Raramente a nomenclatura índio ou indígena é usada para se referir a esses
povos, o que não leva o aluno a romper com a ideia de que o espaço indígena é exclusivamente
a floresta.

Outro dado curioso é que os assentamentos urbanos mais antigos da América estão longe
de ser o inca, o maia ou o asteca. Podemos citar a cidade de Caral, no Peru, até agora
considerada a cidade mais antiga das Américas. Arqueólogos acreditam que os assentamentos
urbanos da região datam do ano 3.000 a.C. ao 2.000 a.C., ou seja, são contemporâneos da
Mesopotâmia e do Egito antigo e anterior em cerca de 2.500 anos dos maias (Chady, 2003).
Após Caral, tantas outras cidades surgiram, mas o viés eurocêntrico do ensino de história no
Brasil concentra-se em outras partes do mundo, valorizando o legado cultural de povos distantes
e invisibilizando o dos mais próximos. Destaca-se, no entanto, que algumas coleções do Plano
Nacional do Livro Didático de 2017, como o Projeto Mosaico (Vicentino; Vicentino, 2015),
estão contemplando alguns desses povos americanos que possuíam assentamentos urbanos,
como o chimú, o teochiuacano e o olmeca.

Voltando ao Brasil, os indígenas foram fundamentais para a construção e a defesa dos


primeiros núcleos de povoamento criados pelos colonizadores. No Rio de Janeiro, a mão de
obra utilizada nas obras públicas em grande parte do período colonial foi a dos indígenas dos
aldeamentos próximos, como os de São Lourenço e de São Barnabé. Construíram fortalezas e
lutaram contra as investidas estrangeiras e contra indígenas de outras regiões. Conscientes de
sua importância, mesmo em uma situação subalterna, souberam usar a dependência dos colonos
para negociar direitos e melhorias de condições de vida. No Império, os viajantes descreveram
e pintaram a presença dos indígenas nas cidades. As caboclas lavadeiras de Jean-Baptiste
Debret retratam as indígenas que se dedicavam a esse ofício no centro da Corte.
Contudo, uma política de assimilação dos povos indígenas, iniciada pela política pombalina no
século XVIII, iniciou uma invisibilização dos povos indígenas. Segundo Almeida:

A proposta assimilacionista foi a grande inovação de Pombal em relação às leis anteriores. Seu
objetivo era transformar as aldeias em vilas e lugares portugueses, e os índios aldeados em
vassalos do Rei, sem distinção alguma em relação aos demais. [Almeida, 2010:108]

Confundidos com o restante da população, os indígenas perderiam os parcos direitos


que esta identidade lhes permitia. No século XIX, os índios que conviviam com a população
não indígena, batizados e que falavam português passaram a ser denominados caboclos, o que
demonstrava uma tentativa de classificar essa população, afastando-a dos considerados índios
bravos e aproximando-a do restante da população do Império. No século XX, os indígenas
parecem ter sido invisibilizados de vez, especialmente no que se refere à sua presença nos
espaços urbanos. Podemos exemplificar essa invisibilização, com os recenseamentos do século
passado. Em alguns nem sequer foi contabilizada a população indígena.

Os indígenas que conviviam no contexto urbano foram tachados de aculturados, ou seja,


entendidos como índios que perderam todas as suas características culturais específicas
responsáveis pela formação da sua identidade. A compreensão era que, destituído de sua cultura
tradicional, responsável pela formação da identidade indígena, e já tendo assimilado os códigos
culturais não indígenas, o índio já estaria integrado ao restante da população, não necessitando
de direitos específicos. As identidades étnicas dos diversos povos indígenas e mesmo a
identidade índio só eram reconhecidas aos povos da floresta que viviam distantes do restante
da população, seja no interior das florestas ou nas reservas sob a administração do SPI ou, mais
tarde, da Funai, órgãos responsáveis por colocar em prática a política de assimilação dessas
populações no século XX.

O não reconhecimento das identidades indígenas nas cidades é facilmente percebido nos
dias de hoje nas falas das principais mídias e dos governantes, como vimos no caso da ocupação
do antigo Museu do Índio, no Maracanã. Tornados invisíveis, a missão de reverter este processo
tem se mostrado bastante difícil. Casos de violência contra índios não param de acontecer, mas
apenas pouquíssimos chamam atenção da grande mídia.

Santos (2009:23) acredita que a invisibilidade de alguns grupos sociais faz parte de um
pensamento abissal, no qual o pensamento moderno ocidental se estrutura. Através de um
sistema de distinções visíveis e invisíveis, estabelece linhas que dividem a realidade social em
dois universos: o “deste lado da linha” e o “do outro lado da linha”. Segundo suas palavras:
A divisão é tal que o “outro lado da linha” desapareceu enquanto realidade, torna-se inexistente,
e é mesmo produzido como inexistente. Inexistência significa não existir sob qualquer forma de
ser relevante ou compreensível. Tudo aquilo que é produzido como inexistente é excluído de
forma radical porque permanece de forma exterior ao universo que a própria concepção aceite
de inclusão considera como sendo o Outro. A característica fundamental do pensamento abissal
é a impossibilidade da copresença dos dois lados da linha. Este lado da linha só prevalece na
medida em que esgota o campo da realidade relevante. Para além dela há apenas inexistência,
invisibilidade e ausência não dialética. [Santos, 2009:23]

Estando do lado de lá da linha abissal, os indígenas se tornam invisíveis, considerados


inexistentes. E se não existem, não há necessidade de formulações de políticas públicas que
ajudem essas populações e reparem os danos sofridos pela violência secular pela qual passaram.
Esta situação dificulta não só a criação de políticas voltadas para eles, como legitima as que
ferem gravemente seus direitos. Se os indígenas inexistem ou estão em vias de deixar de existir,
o debate em torno de suas demandas passa a ser irrelevante para a sociedade.

Para exemplificar, vários projetos estão em tramitação no Congresso Nacional com o


objetivo de usurpar direitos conquistados pelos indígenas, entre os mais graves a está PEC 215,
que transfere a competência de demarcar terras indígenas da União para o Congresso Nacional.
Nenhum desses projetos comove a população em geral, seja na defesa dos índios ou dos
latifundiários, a não ser os grupos que estão diretamente envolvidos. Os guarani-kaiowá passam
atualmente por uma verdadeira guerra por suas terras e pela sobrevivência. Vários indígenas
foram assassinados em apenas um ano. Segundo José Ribamar Bessa Freire (2015) “se índios
são assassinados sistematicamente nos últimos cinco séculos, isso é tão corriqueiro que deixou
de ser notícia (…)”. Enquanto isso, os lucros do agronegócio batem recordes (PAPP; Chiara,
2016), e a visibilidade da violência contra os grupos indígenas que desejam reocupar suas terras,
usurpadas pelos grandes produtores, é mínima.

No contexto urbano a situação só se agrava. Podemos citar inúmeros casos em que a


invisibilidade e o preconceito encobrem situações extremas de violência experimentada pelos
indígenas no contexto urbano. Um dos casos mais chocantes nos últimos tempos certamente foi
o de Vitor Pinto, um bebê kaingang de dois anos, assassinado com requintes de crueldade no
litoral de Santa Catarina no final de 2015. Segundo o relato da mãe da criança, um rapaz veio
fazer carinho no seu filho enquanto ela o amamentava na rodoviária de Imbituba-SC no seu
colo. Quando o bebê levantou a cabeça para olhar e sorrir, teve o seu pescoço cortado pelo rapaz
(CIMI, 2016). Apesar da barbaridade do caso, ele só teve grande repercussão na mídia local,
não despertando interesse da grande mídia nem a comoção da população nacional.

Além do caso do bebê kaingang degolado, em que tão cruel quanto crime foram o
silêncio da mídia e a falta de comoção nacional, outros ocorrem cotidianamente. Um caso de
assassinato de indígenas na cidade aconteceu em Belo Horizonte, onde um morador de rua
indígena foi espancado até a morte. O caso, quase seguido ao do menino Vitor, teve uma
repercussão menor ainda. Dois crimes brutais que só repercutiram entre os indígenas e as
poucas pessoas preocupadas com a situação dessas populações. Na cidade de Duque de Caxias/
RJ, a oca do Instituto dos Saberes dos Povos Originários, Aldeia Jacutinga foi incendiada duas
vezes no mesmo ano (Guilherme, 2015). As suspeitas apontam que o autor do segundo incêndio
era aluno de uma escola próxima, motivado por intolerância religiosa. O caso sequer foi tratado
na mídia regional.

Nas entrevistas que realizei junto aos indígenas e nas conversas com os alunos
descendentes indígenas, especialmente na cidade de Duque de Caxias, foi possível perceber que
enquanto alguns preferem esconder a identidade indígena para garantir o mínimo de sanidade
frente à enxurrada de preconceitos que o ato de assumir gera, outros, que a assumem
publicamente, têm a identidade negada por grande parte da população, quando não são acusados
de oportunistas. Apesar de a Secretaria Municipal de Cultura da cidade promover ações para
dar visibilidade a essas populações no município, como a organização do seminário “Nós
Somos Indígenas e Não Somos Invisíveis”, realizado em uma das praças mais movimentadas
da cidade no dia 26 de junho de 2015, vemos que em outros momentos o poder público age no
sentido oposto, o da invisibilização.

O relatório anual de ações do Departamento de Segurança Alimentar e Nutricional


Sustentável do município de Duque de Caxias demonstra mais um exemplo de como as políticas
públicas são negadas aos índios que vivem em contexto urbano por motivos preconceituosos e
relacionados à ideia de integração. Segundo o documento, membros do departamento fizeram
uma visita à Missão Tikuna, uma missão religiosa evangélica que traz alguns tikunas para sua
formação religiosa e acadêmica, a fim de cumprir a Diretriz 4 do Plano Nacional de Segurança
Alimentar e Nutricional, que visa promover ações para comunidades tradicionais, como as
indígenas e quilombolas. Sem entrar no mérito da necessidade ou não de tais ações na Missão
Tikuna, a justificativa para negar a implementação de tais políticas públicas é um significativo
exemplo da ignorância e do preconceito. Baseado na ideia de aculturação e de integração, o
relatório concluiu:
Não mantêm seus costumes indígenas aqui. Apenas participam esporadicamente de atividades
festivas no Dia do Índio, quando convidados. (…) Os Ticunas estão integrados com o modo de
vida da população caxiense, sendo assim, os objetivos da diretriz 4 do Plano Nacional de SAN
não se aplicam a esse grupo de indígenas. [Duque de Caxias, 2014:40]

Em dissertação que reflete sobre o preconceito e a resistência dos indígenas urbanos no


Estado do Rio de Janeiro, Barreto (2014) propõe uma tipologia dos indígenas a partir da sua
ocupação do espaço. Assim, considera que os indígenas isolados são aqueles que não vivem em
contato com outros povos ou evitam ter. Os aldeados são aqueles que vivem nas aldeias, mas
têm contato constante com a população não indígena. Os indígenas em trânsito são os que estão
em contato com a cidade, seja para estudos, trabalho, ou para a defesa dos interesses do seu
povo, mas que sempre retornam para suas aldeias. Por fim, os indígenas urbanos são aqueles
que já estão há gerações na cidade. (Barreto, 2014:89).

No entanto, assim como Nunes (2010), acredito que a criação de tipologias indígenas
pode gerar conceitos pautados em uma ideia cristalizada de cultura. Segundo esse autor, várias
situações explicam a presença de indígenas nas cidades na atualidade. Algumas Terras
Indígenas (TIs) viram as cidades crescerem no seu interior, como é o caso da cidade de Águas
Belas/PE, dentro da TI Fulni-ô. Outras viram o crescimento urbano nos seus arredores, como o
caso da cidade de Benjamin Constant/AM, ao lado da terra dos tikunas. Ainda temos casos de
cidades que aglutinam indígenas de uma área determinada, como São Gabriel da
Cachoeira/AM, ou ainda as grandes metrópoles que convergem indígenas de diferentes regiões,
como a região metropolitana de São Paulo e do Rio de Janeiro (Nunes, 2010:19). As
possibilidades não param por aí. Além dos indígenas que estão há gerações nas cidades, ainda
existem aquelas pessoas que assumiram a identidade indígena depois de mais velhos, por
motivos variados. Afinal, como vimos, a identidade é sempre criada, recriada e apropriada de
acordo com a situação histórica do presente. Este é o caso, por exemplo, de Marize Vieira de
Oliveira uma importante liderança da Aldeia Maracanã e da Aldeia Jacutinga.

A diversidade dos casos que envolvem indígenas em contexto urbano demonstra a


necessidade de pensar na especificidade de cada situação de inserção dos índios na cidade.
Nunes alerta que devemos considerar a “sociocosmologia específica dos indígenas e, dentro de
uma ‘estrutura geral’, a sua noção de territorialidade” (Nunes, 2010:19). Nunes (2010)
exemplifica com o caso dos guaranis etnografados por Alexandra Barbosa da Silva em 2007,
no Mato Grosso. Ela lembra que os guaranis raramente se distribuem em espaços restritos,
morando em aldeias, fazendas, beira de estradas e cidades. Esses diferentes espaços compõem
para os guaranis um mesmo território, o que torna inapropriado falar em migração se pensarmos
dentro da ótica destes indígenas. Ressalta-se também que a movimentação deste povo neste
território segue uma lógica guarani: a da família extensa (ou produção de parentesco).

Se motivos diferentes levam os indígenas a estar nas cidades e o fato de estarem na


cidade tem significações diversas para cada caso, torna-se mais apropriado não nos referirmos
a esses indígenas como urbanos e, sim, apontarmos a condição de estar no contexto urbano,
quando isto for um dado relevante. Além disso, é interessante ressaltar que a urbanidade é um
modo de vida independente de estar na cidade, apesar de se originar nela. A partir desta ideia,
é possível distinguir, então, duas dimensões do conceito de cidade: como um espaço físico e
como um locus de modo de existência específico (Nunes, 2010:20).

Ao utilizarmos o ponto de vista indígena, por exemplo, é possível questionar sobre quem
é o verdadeiro “índio isolado”. Muitos indígenas que moram nas cidades migraram para esses
espaços para procurar melhores condições de vida. Sozinhos ou apenas com a companhia de
seus familiares, sofrendo diversas formas de preconceito e violência da população não indígena,
sem condições de retornarem periodicamente para suas comunidades, muitos optam por
esconder suas identidades. Muitas vezes também não conseguem transmitir o sentimento de
identificação de grupo para os seus filhos, pois, vivendo em um mundo onde a identidade
indígena é compreendida como sinal de inferioridade e sem terem o contraponto que seria
possibilitado pelo conhecimento e convivência com o seu grupo, não se entendem como
indígenas. Já os povos que são considerados isolados vivem em uma comunidade unida por
laços de identidade e optam pela distância da população não indígena. Possuem a solidariedade
do grupo em que vivem e conseguem reproduzir, recriar e ressignificar suas tradições sem
temerem represálias daqueles que vivem ao seu lado.

De acordo com os três últimos Censos do IBGE, a população indígena está crescendo
de maneira extraordinária. No entanto, entre 2000 e 2010, a população indígena urbana teve um
pequeno decréscimo. No Censo de 1991, a população indígena total era de 294.131; a que vivia
na zona rural chegou a 223.105 pessoas, enquanto na zona urbana a 71.026. Em 2000, a
população aumentou para 734.127; sendo 350.829 na zona rural e 383.298 na zona urbana. Por
fim, em 2010, a população indígena aumentou para 817.963 indígenas; 502.783 na zona rural
e 315.180 na zona urbana.

Poderíamos apontar como fatores do aumento populacional não só o crescimento natural


como, especialmente, um lento processo de saída da invisibilidade. Os movimentos conhecidos
como etnogênese ou emergência étnica são exemplos dessa saída. Povos que por vários
motivos, como a discriminação e a tentativa de tirar-lhes o direito à terra, não eram identificados
como indígenas ou preferiam não se identificar desta maneira no passado. Com a criação de um
ambiente relativamente favorável, passaram a recriar e reelaborar suas identidades étnicas
buscando a restituição de seus direitos. Este é o caso de muitos índios do Nordeste, como os
pankararus, kariris-xocós e fulni-ôs e muitos outros.

No entanto, não podemos compreender os números dos recenseamentos como


indicadores de verdades absolutas. Ao traçarmos um histórico dos números da população
indígena através desses levantamentos, veremos que muitas lacunas foram deixadas por eles,
inclusive o do Censo de 2010. O primeiro recenseamento do Brasil ocorreu em 1872. Foi
aplicado aos homens livres, que preenchiam um questionário que poderia ser corrigido pelo
inspetor responsável. O quesito raça abrangeu as categorias branco, preto, pardo e caboclo. O
gentio, os índios bravos dos sertões, não foi contabilizado. A categoria caboclo provavelmente
se referiu ao índio considerado civilizado e fluente em língua portuguesa (Barreto, 2014:34).
Sobre a utilização da categoria pardo, que foi utilizada para a população mestiça, Barreto (2014)
acredita que fazia parte de um discurso que visava diminuir a população negra e indígena da
população nacional. Os caboclos totalizaram 387.234. Se considerarmos que parte da população
classificada como parda se entendia como indígena, a possibilidade de o número de indígenas
convivendo junto ao restante da sociedade imperial ser bem maior que a apontada pelo censo é
muito grande.

O censo de 1890 foi o último que contabilizou a população cabocla, sendo também
contabilizadas as categorias branco, preto e pardo. Nos anos de 1900 e 1920, o quesito cor ou
raça não foi contabilizado. Em 1940, o item cor voltou, mas apenas com os itens pretos, brancos
e amarelos, sendo os indígenas completamente apagados. A categoria pardo foi acrescida para
identificar aqueles que declararam outras coisas. Em 1950, foram contabilizados apenas os
pretos, brancos, pardos e amarelos. Nesses dois censos, foram verificadas as línguas faladas, o
que abriu uma pequena brecha de visibilidade aos indígenas que ainda falavam suas línguas.
Em 1960, a categoria índio foi acrescida, porém apenas para os que viviam nos aldeamentos ou
nos postos indígenas. Em 1970, a categoria cor ou raça não foi contabilizada, voltando em 1980
com os itens branco, preto, pardo e amarelo (IBGE, 2010).

Em 1991, a categoria índio foi acrescida aos outros itens, levando em consideração a
autodeclaração. Barreto (2010:40) ressalta que neste censo só foram recenseados nativos
aldeados que viviam em postos indígenas da Funai, missões religiosas e poucas regiões urbanas.
Assim, podemos concluir que o aumento populacional dos indígenas de 149,6% apresentado
entre 1991 e 2000 deveu-se também ao aprimoramento do Censo, que começou a ter outra
compreensão sobre as populações indígenas, jogando luz para populações antes completamente
invisíveis.

O Censo de 2010 apresentou algumas novidades. Foram acrescidas a investigação étnica


e as línguas faladas. Foram computadas 305 etnias no território brasileiro, sendo que 16,4% dos
indígenas declararam não saber o nome da sua etnia. Estes casos, em sua maioria, aconteceram
fora das TIs, o que pode indicar que a identidade índio está sendo ressignificada no Brasil como
a identidade afro-brasileira, considerando o aspecto do não reconhecimento de uma identidade
étnica, mas de uma identidade criada a partir de situações históricas em comum, cujas
consequências se refletem ainda na atualidade. No caso dos indígenas, a descendência dos
povos originários e no dos afro-brasileiros, a migração forçada e a experiência da escravidão.
Em relação às línguas, foram contabilizadas 274 línguas indígenas faladas98 como primeira ou
segunda utilizada, porém foram excluídas as línguas indígenas estrangeiras como o aymara e o
quéchua.

No entanto, o próprio relatório do Censo sobre as características gerais dos indígenas de


2010 apontam a complexidade dos números informados:

Por uma série de fatores, a obtenção de informações sobre a identidade indígena é complexa. A
depender do contexto, membros de uma dada etnia podem ter receio de manifestar sua
identidade, seja por preconceito e discriminação, ou mesmo negar o pertencimento étnico
possivelmente devido às experiências vividas anteriormente. O intenso processo de
miscigenação no Brasil pode também contribuir, no caso dos indígenas, para uma não
evidenciação de filiação étnica indígena. Portanto, investigar, de um ponto de vista demográfico,
conjuntos de indivíduos com um dado recorte étnico indígena consiste num processo complexo.
[IBGE, 2010:52]

Além dos problemas apontados pelo próprio IBGE, há outro facilmente verificável na
metodologia do último recenseamento. Segundo o relatório, foi realizado um censo
experimental nas TIs, em que se observou que indígenas de uma mesma família se
autoclassificavam de formas diferenciadas e por isso acabavam por não responder aos itens
sobre o grupo étnico e a língua falada, restritos a quem se declarava indígena. Tentando resolver

98
Apesar de o Censo 2010 apontar 274 línguas faladas, não há consenso entre pesquisadores sobre o número exato
de línguas indígenas faladas no Brasil, que variam de acordo com a metodologia empregada na pesquisa.
essa questão, apenas nas TIs, incluiu-se o questionamento se a pessoa se considerava indígena
para os que não se declaravam indígenas no item cor ou raça. Então, das 817.963 pessoas que
se declararam indígenas foram acrescidas 78.954 pessoas que não se consideraram indígenas
no quesito cor ou raça, mas se consideravam indígenas, como podemos observar na tabela 3.

Tabela 3. População indígena e distribuição percentual, por localização do domicílio e


condição de indígena, segundo as Grandes Regiões – 2010

Entre as pessoas que não se declararam, mas se consideravam indígenas, 22%


declararam ser brancas; 8,2% pretas; 1,6% amarelas e 67,5% pardas (IBGE, 2010:58). Se
consideramos que esses casos aconteceram em 15,2% dos moradores das TIs, devemos levar
em consideração a grande probabilidade de existirem pessoas, fora das TIs, que se declararam
de outras cores ou raças que não a indígena, mas que também se consideram indígenas.

O Censo de 2010 apontou uma pequena redução da população indígena que vive em
regiões urbanas em relação ao de 2000. Barreto (2014:102) destaca algumas possíveis causas:
a presença de um discurso hegemônico que impele o indivíduo a não afirmar sua identidade; o
êxodo da cidade para a aldeia especialmente em um momento em que surge a necessidade de
reivindicações de espaços do grupo; a carência de lugares de passagem, que permitam, por
exemplo, a fixação de indígenas das aldeias nas cidades para a formação escolar/acadêmica; a
fuga da violência social e física das cidades; as poucas oportunidades de emprego e a
desvalorização do artesanato indígena. Acrescentaríamos as lacunas deixadas pelo próprio
censo, como a citada anteriormente, e a constatação de que a identidade está sempre em
construção, o que possibilita que indivíduos que se consideravam indígenas em 2000 não se
considerassem mais em 2010 e vice-versa.

1.4 Os indígenas na região metropolitana do Rio de Janeiro

De acordo com o Censo do IBGE de 2010, o Estado do Rio de Janeiro possui 15.849 indígenas.
Desses, apenas 450 indígenas habitam as três únicas TIs do Estado, que se localizam nas cidades
de Angra dos Reis (TI Guarani do Bracuí, com 298 indígenas) e de Paraty (TI Guarani
Araponga, com 19 indígenas, e TI Paraty Mirim, com 133 indígenas). O restante mora nas zonas
rurais e urbanas do Estado. Alguns grupos, como os guaranis de Maricá e os pataxós de Paraty,
vêm reivindicando o direito à terra nestes respectivos municípios. No entanto, a grande maioria
vive nas áreas urbanas das cidades da região metropolitana do Rio de Janeiro:

Tabela 4. População indígena na Região Metropolitana do Rio de Janeiro

POPULAÇÃO INDÍGENA NA REGIÃO METROPOLITNA DO RIO DE JANEIRO


DE ACORDO COM O CENSO DE 2010

Habitantes
Habitantes indígenas
indígenas nas
Município nas áreas urbanas Total
áreas rurais

Rio de Janeiro 6.764 0 6.764

São Gonçalo 906 0 906

Duque de Caxias 860 5 865

Nova Iguaçu 738 9 747

Niterói 655 0 655

São João de Meriti 408 0 408

Belford Roxo 316 0 316

Magé 228 12 240

Itaboraí 205 4 209

Mesquita 150 0 150


Itaguaí 149 0 149

Maricá 140 0 140

Queimados 106 0 106

Nilópolis 87 0 87

Seropédica 79 24 103

Japeri 55 0 55

Cachoeiras de Macacu 39 0 39

Rio Bonito 26 11 37

Paracambi 29 0 29

Guapimirim 26 0 26

Tanguá 06 0 06

TOTAL 11.972 65 12.037

Fonte: IBGE. Censo Demográfico 2010.

Mesmo sabendo que o número da população indígena que vive em contexto urbano pode
ser bem maior do que o apresentado pelo Censo, estes números não deixam de ser importantes
para dar visibilidade a essas populações. Deve-se ressaltar que muitos indígenas realmente
preferem ficar invisíveis, o que é compreensível, visto a dimensão dos preconceitos que sofrem
quando assumem essa identidade publicamente. No decorrer desta pesquisa, em que procurei
conversar com alguns indígenas da região metropolitana do Rio de Janeiro para tentar
compreender quem são, suas dificuldades e suas opiniões sobre como a temática indígena
deveria ser tratada no ensino de história, encontrei algumas barreiras para entrar em contato
com eles. A maioria, principalmente dos que vivem realmente isolados, sem a companhia de
outros indígenas nos lugares onde moram com quem poderiam compartilhar suas tradições,
suas dificuldades e angústias, preferiu não falar. Dos que falaram, poucos tiveram uma boa
receptividade inicial, mas ela foi melhorando à medida que tiveram referência sobre mim por
pessoas em que confiavam ou quando foram me conhecendo melhor e compreendendo as
minhas intenções.
No entanto, existem grupos que buscam exatamente a visibilidade, acreditando que
somente a partir dela poderão combater preconceitos e garantir políticas públicas que os
beneficiem. Este é o caso dos indígenas da Associação Indígena Aldeia Maracanã. Em 2006,
um grupo denominado na época Movimento Tamoio e posteriormente Instituto Tamoio dos
Povos Originários iniciou um processo que possibilitou a visibilidade dos indígenas na cidade
do Rio de Janeiro ao ocuparem o Antigo Museu do Índio. O prédio foi construído pelo Duque
de Saxe em 1862 e anos mais tarde doado ao SPI, sendo utilizado como Museu do Índio entre
1962 e 1977, que posteriormente foi transferido para o bairro de Botafogo.
A ocupação foi organizada por um grupo multiétnico de indígenas que já vivia na região
e que viu no prédio a possibilidade de criar um centro de referência das culturas indígenas e
posteriormente uma universidade indígena, além de organizar de forma mais sistemática um
projeto educativo que visava à valorização dessas culturas e à desconstrução de preconceitos.
Durante o período da ocupação, os indígenas promoveram uma série de atividades no espaço,
como palestras, contação de histórias, apresentação de danças, venda de artesanatos, entre
outras.
A tentativa de expulsão dos indígenas do prédio, iniciada em 2012 e concretizada em
2013, deu grande visibilidade ao movimento. Apesar de não possuírem mais o espaço e das
dissidências entre aqueles que buscaram a reocupação do museu e os que aceitaram negociar
com o Governo do Estado, os indígenas continuam lutando por visibilidade e promovendo ações
educativas, políticas e culturais. Entre as conquistas recentes mais importantes está a criação
do Conselho Estadual dos Direitos Indígenas em 2016.
Em 2013, foi criado o Instituto dos Saberes dos Povos Originários, Aldeia Jacutinga, na
cidade vizinha ao Rio de Janeiro, Duque de Caxias. O Instituto, que nasceu de um
desdobramento da Aldeia Maracanã, foi idealizado por indígenas pertencentes ao Instituto
Tamoio do Povos Originários ligados à cidade de Duque de Caxias, como Ana Paula Moura,
Carmel Puri e Marize Vieira de Oliveira, que conseguiram um espaço localizado no bairro São
Bento, junto à Fundação Educacional de Duque de Caxias (Feuduc). Os objetivos da Aldeia
Jacutinga são bem próximos aos da Aldeia Maracanã, visando estruturar um projeto educativo
que valorize e dê visibilidade às culturas indígenas no município e descontrua preconceitos.
Mesmo em um curto tempo de existência, o grupo já executou importantes ações, como a
realização de um seminário em uma área central da cidade, a praça Roberto Silveira, no bairro
Vinte e Cinco de Agosto, e uma manifestação contra a PEC 215 na praça do Pacificador, no
Centro, ambas realizadas em 2015. Em 2016, conseguiram realizar um seminário com
palestrantes indígenas no mês abril na Feuduc, uma faculdade que forma professores no
município, concretizando um dos objetivos do grupo.
Outro desdobramento das Aldeias Maracanã e Jacutinga é o grupo Sementes da Terra,
nascido de um grupo de indígenas que sentiram a necessidade de reflorestar o espaço urbano,
especialmente com plantas nativas, algumas muito utilizadas por diversos povos indígenas,
como o urucum e o jenipapo. O grupo realiza ações como troca de sementes, doação de mudas
e palestras de conscientização ambiental, não se restringindo apenas à ação de indígenas.
Podemos citar ainda outros grupos, como o Mães da Maré, ONG organizada por Twry
Pataxó, que ensina a confecção de artesanatos com materiais recicláveis para mulheres do
Complexo da Maré. Além de ajudar na geração de renda dessas pessoas, a ONG dá visibilidade
aos indígenas em uma comunidade onde vivem, pelo menos, 800 indígenas (Carvalho, 2014).
No bairro de Santa Cruz da Serra, em Duque de Caxias, existe um projeto missionário
evangélico conhecido como Missão Tikuna, em que indígenas tikunas do Amazonas são
trazidos para terem a formação religiosa e estudarem nas faculdades da região.
Apesar do protagonismo dos indígenas na elaboração de ações que os auxiliem a
sobreviver nas cidades, os relatos de preconceito e discriminação não são pequenos. Situações
que demonstram ser urgente a criação de ações educativas nas escolas e fora delas que
combatam à violência sofrida pelas populações indígenas.

2. Legislação, currículo e a temática indígena

A temática indígena sempre esteve presente nos currículos escolares brasileiros. Nos dias atuais,
ainda é possível ver crianças nas ruas saindo de suas escolas no dia 19 de abril com o rosto
pintado e com adereços de penas, em homenagem ao que muitos professores das escolas
básicas, especialmente os da educação infantil e do primeiro segmento do ensino fundamental,
entendem como índio. Isto demonstra que, mesmo por um dia, a temática ainda é trabalhada
nas escolas brasileiras.
No entanto, em 2008, o então presidente Luís Inácio Lula da Silva sancionou a Lei nº
11.645, que tornou, a partir daquela data, obrigatório o ensino da história e das culturas
indígenas em todos os estabelecimentos de ensino básico do país. Esta alterou a Lei nº
10.639/03, que incluiu a história e a cultura da África e dos afrodescendentes nos currículos
escolares. Por ser uma lei que tornou obrigatório o ensino de um conteúdo que já é ensinado,
faz-se necessário uma reflexão do sentido desta lei. Circe Bittencourt (2013:102), por exemplo,
ao fazer uma análise da produção didática em relação à temática indígena desde o século XIX
até o início do século XXI, percebendo a manutenção da temática indígena em um conjunto
disperso de conteúdos, acredita que a lei se relaciona aos esforços de determinados setores da
sociedade para superar um imaginário étnico racial que privilegia a ideologia do
branqueamento.
Com o advento dos Estados Nacionais, no século XIX, existiu um grande esforço por
parte destas instituições para criar uma identidade comum a todos os diversos povos que viviam
dentro do território do Estado: a identidade nacional. A história da nação e o seu ensino tiveram
um papel importante neste contexto. No Brasil, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
(IHGB) foi a instituição responsável por escrever a história da nação que fosse capaz de criar
uma identidade única que se sobrepujasse à diversidade dos povos do território brasileiro. Uma
história nacionalista, que exaltava a colonização portuguesa, diminuindo, desvalorizando e
apagando o protagonismo das populações nativas e negras. O paradigma eurocêntrico e
evolucionista que deu o tom da escrita da história por muito tempo inviabilizou tanto a
compreensão da agência indígena na história do Brasil no passado, e ainda dificulta o
entendimento dessas populações no presente (Oliveira, 2010:28).
Os conteúdos ensinados nas escolas visavam, naquela época, à formação das elites e
estavam em sintonia com o que era produzido no IHGB. Os primeiros conteúdos e objetivos
referentes à temática indígena se baseavam, sobretudo, na obra de Francisco Adolfo Varnhagen
“História Geral do Brasil”, autor que tinha o entendimento sobre os povos indígenas de que
“tais povos na infância não há história: há só etnografia” (Varnhagen, 1853:108). A recém-
criada história do Brasil e a história contada nas escolas passaram a se iniciar com a chegada
dos portugueses, os transmissores de civilização, cabendo aos indígenas apenas um papel no
início da colonização.
Circe Bittencourt (2013) destaca que, ao contrário do que se imagina, a produção
didática referente à temática indígena sempre esteve ligada à historiografia acadêmica, pois o
desconhecimento do tema e a difusão da ideia de seu desaparecimento acompanharam
historiadores e autores de livros didáticos. Durante a monarquia, por exemplo, o famoso
compêndio de Joaquim Manuel de Macedo se apropriou do pensamento de Varnhagen sobre os
índios e utilizou o tema para fazer a distinção entre o selvagem (índio) e o civilizado (europeu).
Apesar de os autores de manuais didáticos seguidores de Varnhagen considerarem os índios
bárbaros e que, por não terem se submetido ao trabalho escravo, deixaram de contribuir para a
história do Brasil, esses autores consideraram algumas contribuições dos indígenas para a
sociedade que até hoje são repetidas na escola, como o hábito de tomar banho.
A dicotomia entre índios e não índios que marca grande parte das narrativas históricas
do período colonial, sejam elas historiográficas ou não, é uma abordagem que nega a
possibilidade de mestiçagens e a complexidade das fronteiras, sobreposições, criação e
recriação das identidades. Também ajudou a construir uma imagem cristalizada dos indígenas,
centrada apenas nos chamados “índios bravos”, classificação comum nos documentos
históricos dos povos nativos que resistiram à colonização, através das lutas armadas (Oliveira,
2009:32-33).
Oliveira (2009) afirma que os indígenas só estiveram presentes nas narrativas históricas
em eventos “memoráveis” para o colonizador, ou seja, quando atrapalharam a rotina da
colonização. Na documentação, os indígenas que se inseriram no sistema colonial foram
compreendidos como pacificados, o que foi entendido pela historiografia como assimilados.
Isto invisibilizou a existência das múltiplas identidades das populações nativas convivendo no
mundo colonial. Ao criticar a historiografia por uma interpretação errônea do termo pacificação
dos índios, o autor afirma a necessidade de se romper com um formalismo jurídico na
interpretação das fontes, que entende o Estado como o produto de um contrato social que resulta
de um consenso de seus integrantes. Ao abandonar este formalismo, é possível entender que a
pacificação dos índios só tem sentido no ponto de vista do colonizador e que revela mais um
estado jurídico administrativo (o fim de conflitos armados) que uma descrição sociológica. A
pacificação não só pouco diz sobre a realidade indígena, como indica apenas uma dupla saída
para aqueles povos: se submeterem ou resistirem (Oliveira, 2009:29-30). Esta interpretação
impede a compreensão de que os indígenas estavam inseridos no sistema colonial, seja se
apropriando e reformulando as identidades atribuídas pelo colonizador, quanto criando e
recriando as suas próprias identidades que os diferenciavam de outros grupos.
Na atualidade, é possível perceber mudanças nos livros didáticos que estão se
aproximando dos estudos antropológicos e de historiadores que trazem um novo olhar sobre a
temática indígena. Além disso, conta-se com a presença de uma iconografia renovada que
contrasta com alguns estereótipos (Bittencourt, 2013). Medeiros (2008) cita algumas
perspectivas positivas, como a aproximação com a arqueologia e com a historiografia associada
à antropologia. Um exemplo é a aparição de capítulos que mostram a complexidade e a riqueza
de outros povos originários antes dos primeiros contatos com os europeus, além de incas, maias
e astecas. Também tem aparecido o ponto de vista de outros personagens e a apropriação de
uma nova interpretação do conceito de cultura.
Apesar dessas alterações, é possível perceber a existência de uma permanência no que
se refere ao apagamento dos indígenas da história, especialmente após o início da colonização,
e a manutenção de alguns estigmas e preconceitos no ensino de história. É preciso destacar que
os historiadores que têm se debruçado sobre a temática indígena estão dando outras
interpretações às fontes, revelando a presença desses povos não só fazendo a resistência nos
sertões como também participando ativamente da dinâmica da sociedade colonial e brasileira.
Entre eles, destacamos os estudos de Monteiro (1994), que redimensiona a escravidão indígena
em São Paulo, antes negligenciada pela historiografia, ressaltando o trabalho dessas populações
como fundamental na dinâmica interna colonial. Diversos outros trabalhos entre livros, artigos,
dissertações e teses têm alterado a compreensão sobre os indígenas na historiografia e
lentamente no ensino de história. Eles se pautam em uma aproximação com a antropologia, se
utilizando de novas concepções sobre os conceitos de identidade e cultura.

2.1 Currículo e temática indígena

A escolha do que ensinar e não ensinar não é um processo simples nem consensual. Jean Claude
Forquin (1992) afirma que a herança cultural perpetuada na escola é seletiva, contendo
esquecimentos e reinterpretações. O currículo nada mais é do que seleções no interior da
cultura, que passam por conflitos dependendo de fatores políticos, ideológicos e sociais das
épocas e sociedades em que foi construído (Forquin, 1992:29-31). Além disso, existe uma
diferença entre o currículo formal, que é o prescrito pelas autoridades, o currículo real, que é
efetivamente usado pelo professor em sala de aula, e, por fim, o que é efetivamente aprendido
pelos alunos (Forquin, 1992:32). Um conteúdo que se torna obrigatório muitas vezes nem chega
ao conhecimento do professor; quando chega, sempre passa pela interpretação do profissional,
que irá decidir se ensinará ou não aquele conteúdo, podendo, inclusive, dar um sentido
completamente contrário do imaginado pelos elaboradores do currículo. Da mesma forma, o
aluno pode aprender ou não um conteúdo ou ainda dar um sentido completamente distinto do
que foi ensinado pelo professor.

Ivor Goodson (1997) acrescenta que o currículo não é um dado neutro, mas uma
construção social que se define, redefine e negocia em vários níveis e arenas (Goodson,
1997:18). Crítico de uma ideia vigente entre os anos de 1960 e 1970 de que o currículo é o que
se passa em sala de aula, o autor entende que ele é um “testemunho público e visível das
racionalidades escolhidas e da retórica legitimadora das práticas escolares” (Goodson,1997:20)
e geralmente fixa parâmetros para a sala de aula. Goodson enfatiza o caráter simbólico e prático
do currículo, pois ele é o lugar onde as intenções educativas são comunicadas e legitimadas e
possibilita a distribuição de recursos e benefícios.

Ao analisar a implementação da temática indígena no currículo à luz desses dois autores,


é possível, em primeiro lugar, questionar se a Lei nº 11.645/08 traz necessariamente alguma
mudança no que é efetivamente ensinado em sala de aula e no aprendizado dos alunos sobre as
sociedades indígenas. Também leva a pensar que a seleção deste “novo tema” surgiu de um
processo de negociação das populações indígenas em diversas esferas e grupos e que a lei pode
ser um agente legitimador do conteúdo dado em sala de aula na busca de atender às demandas
indígenas.

André Chervel (1990) chama a atenção para as finalidades de uma disciplina escolar.
Segundo o autor, a opinião comum de que as disciplinas escolares são transmissoras de
conhecimentos produzidos fora da escola e que os desvios existentes entre as disciplinas
escolares e as ciências de referência ocorrem por causa da necessidade de vulgarização para o
público jovem, reduz as disciplinas a mera metodologia. Ele acredita que a escola não se define
pela transmissão de saberes e que as disciplinas escolares são criações espontâneas e originais
do sistema escolar. Para fazer tal afirmação, ele traz o exemplo da história do ensino da
gramática, que foi criada na escola e para a escola. Diferente do ensino superior, onde as práticas
e finalidades do ensino coincidem, não havendo a necessidade de adaptação para o público, as
disciplinas escolares misturam o conteúdo cultural e a formação do espírito (Chervel,
1990:181). A sua função seria, então, “colocar um conteúdo de instrução a serviço de uma
finalidade educativa” (Chervel, 1990:188). Porém, o autor observa que nem sempre as
finalidades ficam inscritas em textos e nem sempre as que estão inscritas são reais. Por isso
separa as finalidades de objetivo, que se referem aos textos oficiais, e as finalidades reais, apesar
de apontar que muitas vezes, elas se misturam.

Sendo assim, é questionável acreditar que as finalidades reais da obrigatoriedade da


temática indígena estão de acordo com as finalidades de objetivo, como por exemplo as de
valorização e respeito às culturas indígenas e de formação e reforço de identidades. André
Chervel (1990:190) nos dá mais um dado importante, ao afirmar que, muitas vezes, as
finalidades não chegam aos docentes, pois elas vêm de uma longa tradição que eles acabam por
repetir.

Sem querer negar que a lei propicia uma visibilidade importante para a questão indígena,
é necessário ressaltar que sua redação está pautada nos preconceitos e estereótipos que deveria
combater. Segundo a lei:

Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados,
torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena.
§ 1o O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e
da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos
étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos
indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da
sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política,
pertinentes à história do Brasil. [Brasil, 2008]

A compreensão de que afro-brasileiros e indígenas são dois grupos étnicos é


simplificadora, pois desconsidera a diversidade no interior destes grupos. O uso da palavra
cultura no singular é um outro problema, pois além de voltar à questão da generalização, a partir
do momento em que propõe estudar estes povos em uma perspectiva histórica, dá a entender
que a cultura é estática, compreensão que nega aos grupos étnicos sua historicidade, a
possibilidade e direito de transformação, deixando-os congelados no tempo. Além disso, ao
privilegiar pontos da “história e da cultura que caracterizam a formação da população
brasileira”, o texto tende a homogeneizar a sociedade brasileira, negligenciando as diferenças,
as desigualdades e os conflitos que fazem parte dela.

Se voltarmos ao projeto de Lei nº PL 433/03, que resultou na Lei nº 11.645/08, de autoria


da deputada federal Mariângela Duarte (PT/SP), veremos a contradição do texto que visa
atender a uma demanda indígena, mas reproduz, em certa medida, uma visão simplificadora
das identidades destes povos. Ao tentar defender a cultura indígena e a necessidade da sua
preservação, a autora faz uma grande generalização dos povos indígenas ao descrever seus
costumes:

Cumpre destacar a visão cultural das comunidades indígenas antigas, cuja formação
fundamentava-se nas áreas de economia, saúde e educação, com a prática de crenças e costumes
tradicionais, a partir dos 3 anos de idade, com os próprios pais, e ao completar 7 anos, concluíam
a etapa da formação pelos pajés. Aos 20 anos, a formação curricular era concluída na área da
economia, saúde e educação, nos conhecimentos científicos da diversidade biológica, sem a
necessidade de estudar a teoria, na escola. Festejavam as crenças e costumes tradicionais, com
muita fartura de caça e pesca, gozando de muita saúde, harmonia e felicidade, em seus lares.
Sendo assim, contamos com a compreensão dos nobres Pares, à aprovação do presente projeto
de lei, que objetiva à preservação da cultura indígena, como garantia à identidade do povo
indígena e da população brasileira. [Brasil, 2003]

É importante ressaltar que mesmo problemática, a lei é uma importante conquista dos
indígenas. Ela se insere nas diversas conquistas legais dos movimentos sociais indígenas,
iniciadas a partir da Constituição de 1988, em que estes povos conseguiram, ao menos na lei, o
direito à diferença. O artigo 231 da Constituição Federal, ao contrário das legislações anteriores
que previam a gradual assimilação das populações indígenas à sociedade nacional e
consequentemente o fim das suas identidades étnicas, garantiu o reconhecimento da
“organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as
terras que tradicionalmente ocupam” (Brasil, 1988). A Constituição também garantiu, através
do artigo 210, que os indígenas pudessem utilizar suas línguas maternas e processos próprios
de aprendizagem.

A partir da aprovação da atual Constituição, muitas ações foram realizadas no campo


educacional, mas voltadas especialmente para a educação escolar indígena, apesar de também
terem sido feitas algumas para a questão indígena em escolas não indígenas. Podemos destacar,
inicialmente, a transferência de responsabilidade da educação indígena da Funai para o MEC;
o abandono do princípio de integração, passando a reconhecer a diversidade; a criação de
Núcleos de Educação Escolar Indígena nas secretarias estaduais de educação e a criação de um
Comitê Nacional de Educação Escolar Indígena, incluindo entre os membros representantes
desses povos. Em 1993, foram criadas as primeiras Diretrizes para a Política Nacional de
Educação Escolar Indígena. Por meio dessas ações, tentavam promover políticas pautadas no
respeito à diferença, na interculturalidade e na autonomia, dando prioridade à formação de
professores indígenas, à flexibilização de currículos, práticas pedagógicas e calendários e à
utilização das línguas maternas (Bonin, 2008).

A Lei nº 9.394/96 (LDB) reafirmou o uso das línguas maternas, cabendo à União
desenvolver programas para a educação bilíngue, assim como assegurou todas as garantias de
educação estabelecidas por lei aos indígenas, como merenda e transporte. No que diz respeito
ao ensino da temática indígena em escolas não indígenas, afirmou, pelo artigo 26, que o ensino
de história do Brasil deverá considerar as contribuições das diferentes matrizes que fazem parte
da construção do povo brasileiro, especialmente as indígenas, africanas e europeias.

Entre o final da década de 1990 e a primeira década deste novo milênio, outras ações
foram promovidas, especialmente no que se relacionava à educação escolar indígena. Entre
elas, a criação das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Escolar Indígena, a criação
da categoria escola indígena, e o polêmico Referencial Curricular Nacional Para as Escolas
Indígenas (RCNET) em 1999. A polêmica se deu por conta de uma desconsideração das
diversidades étnicas (Bonin, 2008).
Naquele período, mas em outro contexto, voltado para a criação de uma diretriz nacional
comum para os currículos escolares, foram lançados os Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCNs). Em 1997 foi publicado o de primeira a quarta séries; em 1998, o de quinta a oitava
série; em 1999, o do ensino médio; em 2002, o PCN mais, que trazia algumas complementações
ao do ensino médio. A valorização da diversidade e o respeito às diferenças dão um tom
importante aos parâmetros. Em relação ao ensino médio, destacam a importância do ensino de
história na formação das identidades:

O ensino de História pode desempenhar um papel importante na configuração da identidade, ao


incorporar a reflexão sobre a atuação do indivíduo nas suas relações pessoais com o grupo de
convívio, suas afetividades, sua participação no coletivo e suas atitudes de compromisso com
classes, grupos sociais, culturas, valores e com gerações do passado e do futuro.
[Brasil/MEC,1999:22]

Em relação ao ensino de história no segundo segmento do ensino fundamental, eles


chamam a atenção para a construção das noções de diferença, semelhança, transformação e
permanência para a orientação das ações dos alunos, inclusive quanto à construção das
identidades:

O domínio das noções de diferença, semelhança, transformação e permanência possibilita ao


aluno estabelecer relações e, no processo de distinção e análise, adquirir novos domínios
cognitivos e aumentar o seu conhecimento sobre si mesmo, seu grupo, sua região, seu país, o
mundo e outras formas de viver e outras práticas sociais, culturais, políticas e econômicas
construídas por diferentes povos. As atividades escolares com essas noções também evidenciam
para o aluno as dimensões da História entendida como conhecimento, experiência e prática
social. Contribui, assim, para desenvolver sua formação intelectual, para fortalecer seus laços
de identidade com o presente e com gerações passadas e para orientar suas atitudes como
cidadão no mundo de hoje [Brasil/MEC, 1998:36].

Entre os objetivos do ensino de história no ensino fundamental, alguns dialogam


diretamente com as questões indígenas, como o conhecimento e o respeito aos diferentes grupos
sociais e a valorização da diversidade social. Em relação aos conteúdos, é importante ressaltar
que os parâmetros, reconhecendo a autonomia do professor, incentivam que este profissional
parta sempre de um diagnóstico das suas turmas para pautar suas escolhas do que será dado em
sala de aula. Por isso não fixam um currículo mínimo por série, mas apontam eixos temáticos
para cada ciclo de escolaridade, que devem nortear as escolhas do professor. No entanto,
apontam algumas sugestões de conteúdo.

Para o terceiro ciclo, que no regime seriado corresponde o quarto, quinto e sexto anos,99
os parâmetros propõem o eixo história das relações sociais, da cultura e do trabalho. Para o
quarto ciclo, que corresponde o sétimo, oitavo e nono anos, o eixo história das representações
e das relações de poder.

Para cada eixo temático, o PCN oferece alguns subtemas e apresenta algumas sugestões
de conteúdos. Aqueles diretamente relacionado com os povos indígenas no terceiro ciclo do
ensino fundamental abordam os estudos dos primeiros seres humanos das Américas, suas
representações artísticas e seus mitos, o olhar do europeu sobre esses povos, a escravização, o
trabalho e a resistência indígena, a escravidão e a servidão entre os povos indígenas, o trabalho
entre os povos indígenas na atualidade e a divisão do trabalho em sociedades indígenas
específicas no presente e no passado. No quarto ciclo, as únicas referências às sociedades
indígenas no Brasil são os confrontos entre europeus e populações indígenas no território
brasileiro, como a Guerra dos Bárbaros, a Confederação Cariri e a Confederação dos Tamoios,
e as lutas dos povos indígenas na atualidade pela preservação de seus territórios.

Sobre as Américas, o PCN sugere as expansões e guerras dos povos incas e astecas, os
confrontos entre europeus e indígenas na América Espanhola, a subjugação das etnias e culturas
dos povos nativos e as revoltas zapatistas. Nas referências bibliográficas sobre indígenas,
existem apenas dois livros sobre a temática indígena, um da Comissão Pró-Índio e outro de
Tzvetan Todorov.

As sugestões de conteúdo do ensino de história no ensino fundamental pouco


contribuíram para uma mudança no olhar que se tinha sobre os povos indígenas. Apesar de
ressaltarem e valorizarem a diversidade dos povos antes da chegada dos europeus e citarem os
movimentos de resistência no período colonial, eles colocam os indígenas como subjugados e
os apagam da história, só retornando a eles na atualidade na luta pela preservação da terra,
dando a entender que os índios do presente são remanescentes dos povos originários e que não
participaram dos contatos e agressões dos não índios, o que explica a sua sobrevivência.
Ficaram congelados no tempo, escondidos nas florestas, e por isso desaparecem nos séculos
XVIII e XIX, só reaparecendo no final do século XX em uma luta nova na defesa de suas terras.
No entanto, devemos ressaltar que as pesquisas que enfatizavam o protagonismo indígena,

99
No regime seriado da época, correspondia a terceira, quarta e quinta série.
ainda eram pequenas na década de 1990, época em que os PCNs foram produzidos, e que o
respeito e a valorização da diferença são os pontos altos do documento no que se refere aos
indígenas.

Os PCNs também incluíram temas transversais que deveriam ser trabalhados por todas
as disciplinas ao longo dos anos de escolaridade, entre os quais ética, saúde, meio ambiente,
orientação sexual e pluralidade cultural. Sobre este último, Hebe Mattos (2007:126) destaca a
ênfase na tolerância, na convivência e no respeito entre práticas culturais diferenciadas um
ponto muito positivo. O documento parte de um reconhecimento da pluralidade da população
brasileira, afirmando que esta deve ser conhecida e valorizada. Afirma que, mesmo que o Brasil
seja um país heterogêneo, o preconceito e os estereótipos são questões comuns enfrentadas por
vários grupos, inclusive na sala de aula, criticando a ideia da democracia racial difundida nas
escolas, que na prática encobre o racismo. Entendendo o espaço escolar como um lugar da
diferença, o não enfrentamento destas questões nas escolas, que se omitem e silenciam este
grave problema, apontam que a temática da pluralidade cultural oferece a possibilidade de os
alunos se reconhecerem como brasileiros, assim como pertencentes a outros grupos culturais, o
que favorece a autoestima e a autodefesa em situações discriminatórias.

Apesar dessas contribuições dos PCNs, especialmente a do tema transversal pluralidade


cultural que ajuda na reflexão, na criação e na legitimação de práticas favoráveis aos povos
indígenas, o texto apresenta alguns problemas. Embora se refira à cultura como um processo
dinâmico e de transformação, utiliza-se do conceito de aculturação ao tratar da relação entre
índios e não índios, negando aos indígenas a possibilidade de mudar, de se transformar sem
perder a identidade. Ao se referir ao conceito de etnia, afirma-se que este é um termo que
substitui a ideia de raça, diferenciando-se desta por estar associada à especificidade cultural
(Brasil, 1998:132), contrariando estudos antropológicos que deslocam a identidade étnica da
cultura para as fronteiras.

Em 2003, o Brasil ratificou a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho


(OIT). Entre os vários artigos que visam dar direitos aos povos indígenas, destacamos o artigo
31, que se refere ao ensino da temática indígena:

Medidas de caráter educacional deverão ser tomadas entre todos os setores da comunidade
nacional, particularmente entre os que se mantêm em contato mais direto com os povos
interessados, com o objetivo de eliminar preconceitos que possam ter em relação a esses povos.
Para esse fim, esforços deverão ser envidados para garantir que livros de história e outros
materiais didáticos apresentem relatos equitativos, precisos e informativos das sociedades e
culturas desses povos. [OIT, 2011:37]

Em 2008, foi publicada a já citada Lei nº 11.645/08, que, alterando a Lei nº 10.639,
incluiu o ensino da história e da cultura indígena nas escolas do ensino básico. Em 2012, foram
publicadas as novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena na
Educação Básica, que pela primeira vez teve uma indígena entre os seus relatores. Este
documento reafirmou o protagonismo indígena, a necessidade de formação de professores
indígenas, a flexibilização do currículo e do calendário escolar para atender às necessidades de
cada comunidade, o ensino bilíngue (ou multilíngue) visando à preservação das línguas
originais, entre outros aspectos (Brasil, 2012). Apesar de tratar apenas da escola indígena, o
texto das Diretrizes fala da situação de indígenas estudando em escolas não indígenas,
pontuando a importância da Lei nº 11.645/08:

Tais estudantes também precisam ter garantido o direito de expressão de suas diferenças étnico-
culturais, de valorização de seus modos tradicionais de conhecimento, crenças, memórias e
demais formas de expressão de suas diferenças. Para tanto, as escolas não indígenas devem
desenvolver estratégias pedagógicas com o objetivo de promover e valorizar a diversidade
cultural, tendo em vista a presença de “diversos outros” na escola. Uma das estratégias
ancoradas na legislação educacional vigente diz respeito à inserção da temática indígena nos
currículos das escolas públicas e privadas de Educação Básica. Os conteúdos referentes a esta
temática “serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de
educação artística e de literatura e história brasileiras”, nos termos do art. 26-A da LDB com a
redação dada pela Lei n° 11.645/2008. [Brasil, 2012:381]

Em 2013, foi acrescentada à LDB, como um dos princípios da educação básica, a


consideração com a diversidade étnico-racial, pela Lei nº 12.796/13. Apesar de ser uma lei
importante no que se refere ao enfrentamento dos preconceitos existentes em relação aos povos
indígenas, é necessário salientar que, mesmo antes dessa lei, já existia um documento que
tratava da questão: as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-
Raciais e para o Ensino da História e Cultura Afro-brasileira e Africana, texto que apaga a
problemática indígena. Ele simplifica o debate sobre as relações étnico-raciais, reduzindo-as
apenas para aquelas entre negros e brancos. Evidentemente, não podemos deixar de datá-lo,
pois foi criado no ano de 2004 com a finalidade de regulamentar a Lei nº 10.639/03. No entanto,
mesmo tendo este propósito, o documento corrobora a invisibilidade dos povos indígenas ao
assumir em seu título que é um documento oficial para o tratamento da educação étnico-racial
nas escolas e tratar apenas a questão dos negros.

Em 2009, o MEC lançou o Plano de Implementação das Diretrizes Curriculares


Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura
Afro-brasileira, um documento de orientação para os sistemas de ensino para a implementação
das leis nº 10.639/03 e 11.645/08. Segundo o próprio texto do Plano, ele surgiu após uma
avaliação da implementação da Lei nº 10.639/2003, promovida pelo MEC em parceria com a
Unesco em novembro de 2007, que resultou em um Grupo de Trabalho Interministerial para
elaborar uma base que resultasse no Plano. Apesar de mencionar a então recém-criada Lei nº
11.645/08, assumindo o dever de tratar da temática indígena nas escolas, já que não existia (e
não existe até hoje) regulamentação desta lei, o documento situa a questão indígena como um
apêndice nas suas metas e possui muitas afirmações problemáticas. Na sua apresentação,
assinada pelo então ministro da educação Fernando Haddad (PT/SP), e por Edson Santos
(PT/RJ) deputado federal e militante do movimento negro, o texto afirma que, segundo o IBGE,
“49,4% da população brasileira se auto declarou da cor raça branca, 7,4% preta, 42,3% parda e
0,8% de outra cor ou raça”. (BRASIL/MEC, 2009:3). Segundo os autores, a população negra
é formada pelos negros e pardos e sequer mencionam os indígenas, relegando-os a “outra cor
ou raça”. Outro problema é a identificação de pardos como negros, uma negação de que muitos
dos que se declaram pardos possam ser descendentes dos povos indígenas, mas que não se
identificam como tal, ou mesmo indígenas que se declararam de outra cor. Entendo essa
afirmação como grave, pois invisibiliza os descendentes indígenas que, assim como a população
negra que não se declara preta, também necessitam de ações afirmativas por serem descendentes
dos diversos povos originários e não por estarem confundidos e invisibilizados entre a
população negra.

A apresentação da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade


(Secad) e da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) aponta que a
decisão de incluir a Lei nº 11.645/08 foi complexa, considerando a falta de uma regulamentação
desta lei. A decisão por incluí-la se baseou nos debates do Conselho Nacional de Educação,
afirmando que “o tema do racismo e do preconceito que atinge mais forte e amplamente a
população negra, também se volta contra outras formas de diversidade” (BRASIL/MEC,
2009:16), sendo este o motivo da menção à Lei nº 11.645/08. Evidentemente, é possível
entender a complexidade da inclusão de uma temática que não foi debatida no grupo de trabalho
responsável pela elaboração do Plano, mas entendo que deveriam justificar a falta das outras
diversidades em uma diretriz curricular nacional que visa à educação para as relações étnico-
raciais de um país pluriétnico, contextualizando a criação dessas diretrizes e ressaltando as
lacunas deixadas por elas. Também parece descabido a comparação entre o sofrimento entre
grupos que possuem um histórico de violência e opressão, afirmando que os danos de um grupo
foram maiores que os do outro. O que esta afirmação demonstra é que a violência sofrida no
passado e no presente é mais visível para um grupo do que para outros e que em muitos
momentos os movimentos negros, por ignorância ou não, se utilizam dessa invisibilidade
politicamente para legitimar suas demandas.

O texto ainda apaga o protagonismo dos movimentos indígenas, exaltando os


movimentos negros por permitir o debate na sociedade sobre o preconceito:

[…] incluir a temática da Lei nº 11.645 neste Plano faz justiça às lutas dos movimentos negros
no Brasil que desde há muito alertam a sociedade brasileira para o que, infelizmente existe e
não é reconhecido: há racismo em nossa sociedade e ele deve ser combatido firmemente, seja
qual for o grupo que sofra discriminação e preconceito. [Brasil/MEC, 2009:17]

O que vemos neste contexto é que, desde 1988, muitas ações, mesmo que insuficientes,
foram feitas voltadas para a educação escolar indígena, mas nos documentos oficiais são raras
as menções sobre os indígenas que estudam em escolas não indígenas. Considerando as duas
diretrizes citadas, uma exclusiva sobre a educação escolar indígena, que pensa uma escola
específica nessas comunidades e outra em que o título se propõe a debater as relações étnico-
raciais nas escolas da educação básica e não trata da presença de indígenas e seus descendentes
na sociedade brasileira, é possível perceber a permanência do estereótipo do indígena que vive
isolado do restante da sociedade nacional. Elas também contêm um ranço da política de
assimilação, que vigorou por muito tempo, a qual entende que os indígenas que convivem com
o restante da população nacional, em um processo natural da evolução, deixam de ser índios ou
estão em num processo de deixar de ser, o que torna desnecessária qualquer política educacional
voltada para indígenas que não estão nas aldeias.

Considerando as leis e os currículos como agentes legitimadores das ações dos


professores e de políticas públicas, a quase inexistência de considerações sobre indígenas
convivendo com não índios sem ser sobre o viés das guerras ou da aculturação no ensino de
história e a ínfima reflexão sobre essas pessoas nas Diretrizes para a Educação Básica são outras
formas de invisibilizar essas identidades. A desconsideração da presença de índios ou de seus
filhos e netos nas escolas e a falta de ações que promovam o fortalecimento de suas identidades
são extremamente prejudiciais a essas pessoas.

2.2 Reflexões sobre a temática indígena no ensino/aprendizagem de história

Apesar da pouca importância dada ao ensino das histórias e culturas indígenas na escola, mesmo
após a implementação da Lei nº 11.645/08, não é tão recente a preocupação com a sua
modificação entre alguns professores e pesquisadores sensíveis à temática, visando à
valorização e ao respeito aos povos originários. Em 1987, Aracy Lopes Silva organizou o livro
“A temática indígena na sala de aula: subsídios para professores”, um material voltado para a
atualização de professores, contendo 253 páginas e dividido em duas partes: a primeira dedicada
a uma crítica à forma como os livros didáticos e livros de literatura tratavam a temática indígena
e a segunda sobre as sociedades indígenas e as relações de contato, além de trazer possibilidades
de abordagens em sala de aula.

Em 1995, em parceria com o MEC, a autora, junto com Luís Donizete Benzi Grupioni,
organizou uma nova versão chamada “A temática indígena na escola: novos subsídios para
professores de 1º e 2º graus”. Tendo os mesmos objetivos do anterior, o livro traz mais
informações, contendo 575 páginas divididas em vinte artigos separados por temas, escritos por
importantes autores que estudam os povos indígenas, como João Pacheco de Oliveira, John
Manuel Monteiro, Manuela Carneiro da Cunha, Berta Ribeiro, Roque de Barros Laraia e outros.
Os temas tratam as sociedades indígenas nos cenários político e jurídico brasileiro e
internacional, na história, na cultura e na literatura brasileira e abordam a questão de suas
línguas e culturas. Por fim, o livro apresenta recursos didáticos para professores. Segundo os
organizadores, a questão que une todos os artigos é a afirmação da possibilidade de vivência na
diferença e a análise das condições necessárias para isso. (SILVA; GRUPIONI, 1995:15).

Ainda anteriormente a 2008, ano em que o ensino da história e das culturas indígenas
passou a ser obrigatório no ensino básico, podemos destacar alguns trabalhos preocupados com
o ensino da temática indígena. Lançado em 2003, o livro Ensino de História: conceitos,
temáticas e metodologia, organizado por Martha Abreu e Raquel Soihet (2009), que tem como
objetivo fornecer subsídios conceituais a professores de história para a implementação dos
Parâmetros Curriculares Nacionais, traz dois capítulos escritos por Maria Regina Celestino de
Almeida e Cecília Azevedo sobre identidades plurais e étnicas enfatizando a questão indígena.
Em 2007, Iara Tatiana Bonin apresentou sua tese “E por falar em povos indígenas – narrativas
que contam em práticas pedagógicas”, que faz uma análise das narrativas dos estudantes de
licenciatura de Porto Alegre, alunos recém-saídos do ensino básico e futuros professores que
ensinariam temas sobre os indígenas nas escolas do ensino básico. Também nesta época foram
publicados alguns artigos em revistas ou em anais de congressos que tratam da temática
indígena nos livros didáticos, como os de Grupioni (1996), Mota e Rodrigues (1999), Oliveira
(2003) e Coelho (2007).

A Lei nº 11.645/08 favoreceu o aumento das publicações sobre a temática indígena.


Entre 2008 e 2015, alguns livros foram lançados com o objetivo de se tornarem subsídios para
professores do ensino básico para a implementação da lei. Já em 2008, Bergamaschi, Zen e
Xavier, professoras da Faculdade de Educação da UFRGS, organizaram a primeira edição do
livro Povos indígenas e educação (2008), que traz uma série de capítulos que tratam da
educação escolar indígena, do ensino da temática indígena em escolas não indígenas e da
legislação referente ao assunto. Em 2012, Adriano Toledo Paiva lançou o interessante livro A
história indígena em sala de aula, que tenta, ao mesmo tempo, atualizar os professores e propor
atividades pautadas em fontes primárias, especialmente sobre indígenas em Minas Gerais. Em
2014, foi publicado o livro de Funari e Piñon, A temática indígena na escola, que trata da
história indígena tendo como foco a educação indígena e o olhar das escolas não indígenas
sobre estes povos.

No mesmo ano, foi publicado o livro de Collet, Russo e Paladino (2014), Quebrando
preconceitos: subsídios para o ensino das culturas e histórias dos povos indígenas, que tenta
desconstruir alguns preconceitos comuns em relação aos indígenas, como a ideia de que eles
estão acabando, de que vivem nus na floresta, que são preguiçosos e primitivos, entre outros. O
livro traz ainda algumas atividades ao final de cada capítulo, com materiais de fácil acesso pela
internet para serem aplicados em sala de aula. Em 2015, foi publicado o livro Ensino (d)e
história indígena, organizado por Wittmann (2015), que contém capítulos com temas variados
sobre a história indígena, escritos por historiadores pertencentes a Nova História Indígena100.
Este livro também possui ao final de cada capítulo algumas propostas de atividades em sala de
aula com o uso de fontes históricas.

Apesar das diferenças entre os livros, todos entendem que a revisão do ensino da
temática indígena nas escolas é urgente e importante para a superação de preconceitos e
violências sofridas pelas populações indígenas e para possibilitar um diálogo intercultural

100
Segundo Luísa Wittmann (2005), a Nova História Indígena é uma corrente historiográfica que tenta superar
uma interpretação pautada na dominação e que reconhece, nos seus trabalhos, o protagonismo e a agência indígena.
pautado no respeito pela diferença entre índios e não índios. Collet, Paladino e Russo vão além
na defesa da implementação do ensino da história e das culturas indígenas na escola, afirmando
que as situações graves de violência e discriminação vividas pelas populações indígenas na
atualidade dizem respeito a todos, pois se referem à “intolerância ao diferente, à manutenção
de ideologias (evolucionistas, integracionistas, racistas) que deveriam estar superadas em um
estado dito democrático” (Palladino; Collet; Russo, 2014:9).

Além desses livros, no período após a Lei nº 11.645/08, foram publicados muitos artigos
em revistas, anais ou como capítulos de livros sobre o ensino de história, além de terem sido
defendidas algumas teses e dissertações sobre o tema. Uma parte considerável desses trabalhos
se refere aos índios nos livros didáticos, e podemos destacar os trabalhos de Bittencourt (2013)
e Coelho (2009). Em 2012, a Revista História Hoje da ANPUH realizou um dossiê intitulado
“Ensino de História Indígena”, que traz uma série de artigos sobre educação escolar indígena,
ensino da história indígena nas escolas e história indígena.

Em geral, esses artigos defendem a ideia de que uma nova forma de abordar os indígenas
na escola, pautada no protagonismo dessas populações e na valorização da diferença, pode
ajudar a reparar os danos sofridos por essas populações, vítimas da invisibilidade, do
preconceito, da discriminação e da violência. Poderíamos falar que tentam defender um “dever
de memória”, apesar de, em geral, os autores não se referirem ao conceito. Nesses textos, é
questionada a maneira tradicional como os índios são tratados na escola, especialmente no
ensino de história por servir como disseminador de preconceitos geradores de discriminação e
violência em relação aos povos indígenas. Os autores denunciam que os povos originários são
tratados ora como bárbaros e selvagens, ora como pessoas inocentes e vítimas incapazes de
lutarem pelos seus direitos. Também criticam que os índios somem do ensino de história após
os estudos do início da colonização, prendendo-os sempre ao passado e levando a crer que estão
deixando de existir.

Este é inclusive o pensamento de alguns indígenas. Edson Machado de Brito (2009),


indígena kaiapó e doutor em educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
entende o ensino de história como ponto de partida da viabilização da educação escolar indígena
e da promoção do respeito à diferença no combate à discriminação aos indígenas nas escolas
não indígenas. O autor compreende a Lei nº 11.645/08 como um esforço de reconhecimento e
uma possibilidade de fomentar um diálogo intercultural, de dar às populações não indígenas o
acesso aos saberes dos povos tradicionais, além de favorecer a revisão da história nacional,
eliminando preconceitos na academia, nas escolas e nos livros didáticos.
2.3 O “dever de memória” e a temática indígena

Na atualidade, existe uma demanda dos povos indígenas pelo combate à discriminação e ao
preconceito. A escola deveria ser um espaço privilegiado para romper com estereótipos e
promover uma educação intercultural pautada no respeito à diferença. A Lei nº 11.645/08 é uma
resposta a esta demanda. Ela é um chamado ao “dever de memória”, uma evocação, uma
valorização e um reconhecimento de memórias vinculadas às experiências históricas
traumáticas, como a tomada de terras, a escravização, a violência e o extermínio dos povos
indígenas, e também às suas lutas e resistências, ao protagonismo destes grupos ou indivíduos
e às suas tradições na busca da validação social de direitos já adquiridos e para a conquistas de
novos.

O conceito de “dever de memória” surgiu na década de 1970, na França remetendo-se a


uma “ideia de que memórias de sofrimento e opressão geram obrigações, por parte do Estado e
da sociedade civil, em relação às comunidades portadoras dessas memórias” (Heymann,
2006:4). Desde aquela época, naquele país, grupos que se sentiam de alguma forma
prejudicados por experiências históricas passadas têm evocado essas memórias para conseguir
direitos. Este foi o caso dos judeus, descendentes das vítimas do Holocausto, que moveram
várias ações não só para levar ao conhecimento do público em geral suas memórias, como para
levar ao tribunal criminosos nazistas. O dever de memória ligado ao genocídio judeu se
transformou em um modelo de ação para que outros grupos afirmassem suas memórias que
denunciavam a violência ou a discriminação. Várias leis memoriais foram criadas na França,
como a Lei Gayssot, de 2001, que reconheceu publicamente o genocídio armênio em 1915; a
lei de 21 de maio do mesmo ano, que reconheceu o tráfico de escravo e a escravidão iniciados
no século XV como crimes contra a humanidade; e a lei de 23 de fevereiro de 2005, que
reconheceu a nacionalidade francesa aos repatriados após as guerras de independência. Os
debates sobre o dever de memória na França tiveram grandes repercussões midiáticas e geraram
várias polêmicas, como no caso das duas últimas leis. No primeiro caso, quando historiadores
passaram a questionar o caráter inconteste das memórias acionadas por estes grupos, após terem
aberto uma queixa sobre o historiador Olivier Pétré-Grenouilleau que negou que o tráfico de
escravos era um crime contra humanidade e, no segundo, quando houve uma reação de grupos
que também vivem na França, mas que carregavam uma memória negativa da colonização
francesa (Heymann, 2006).
Ao refletir sobre as demandas sociais e a história do tempo presente, Marieta Ferreira
mostra como o “dever de memória” transformou a memória em valor, em “religião laica”, um
empreendimento de reivindicações identitárias das minorias, onde há a preocupação com a
vitimização desses grupos, tornando essas memórias capazes de garantir direitos. Há assim,
segundo ela, uma pressão sobre os historiadores que, por sua vez, chamam a atenção para a
função crítica da história diante da memória (Ferreira, 2012:112).

No caso do Brasil, Heymann (2006) afirma que a expressão “dever de memória” não
apareceu muito, apesar de a memória ter sido acionada em alguns casos, mas não mobilizando
os mesmos sentidos, desdobramentos e sentimentos que na França. Ela cita o caso das vítimas
da ditadura que conquistaram alguns direitos, como o reconhecimento da responsabilidade do
Estado sobre as mortes e o desaparecimento de pessoas que se opuseram ao regime. Outro
exemplo em que as memórias têm sido acionadas é o caso das políticas de reparação social que,
ao contrário do debate em torno das vítimas da ditadura, têm suscitado grandes debates na
sociedade, especialmente em relação aos afrodescendentes. A memória tem sido usada como
uma tentativa de reconhecimento e reparação, que pode ser exemplificada na conquista de
terras, como no caso das populações quilombolas, nas leis de cotas raciais e na Lei nº 10.639/03,
que tornou obrigatório o ensino da história e das culturas da África e dos afrodescendentes. A
autora acredita que a questão dos afrodescendentes tomou maiores proporções do que a das
vítimas da ditadura porque a população negra no Brasil continua sofrendo violências, apesar do
contexto diferente, e por propor medidas que podem modificar o futuro da população, inclusive
a dos opressores, pois passa a ideia de que toda a sociedade tem uma dívida com essas
populações (Heymann, 2006:25-26).

O argumento de Heymann, no artigo escrito em 2006, não se sustenta se pensarmos nos


indígenas, grupos que, assim como os afrodescendentes, também têm evocado memórias
vinculadas a opressão, violência, genocídio, preconceito e discriminação do passado que
perduram no presente, tentando conquistar uma reparação aos danos sofridos e reconhecimento.
No entanto, estão longe de ganhar a mesma visibilidade do que o outro grupo. Sendo assim, a
permanência da violência e do sofrimento e as propostas que podem modificar a sociedade no
presente não podem ser entendidas como fatores que dão visibilidade e aumentam as proporções
das reivindicações sobre o “dever de memória”.

Em outro artigo, em coautoria com Arruti (Heymann; Arruti, 2012), retomou a discussão
sobre o dever de memória no Brasil, incluindo reflexões sobre as populações indígenas. Os
autores citam alguns eventos que mobilizaram essas memórias de violência e opressão sofridas
pelos indígenas, como a Missa da Terra sem Males em 1979, dedicada “à memória, remorso,
denúncia e compromisso” da Igreja Católica em relação aos indígenas, que foi, na realidade,
uma resposta do Conselho Indigenista Missionário às celebrações do ano anterior, considerado
o ano dos mártires da causa indígena, homenageando três missionários jesuítas ligado às
missões guarani no Rio Grande do Sul. Outro exemplo, mais recente, foi um movimento
paralelo às comemorações dos 500 anos do descobrimento, em 2000, chamado “Brasil, outros
quinhentos…”, liderado pelos movimentos indígenas, negros e populares que tematizaram as
memórias ligadas à opressão.

O “dever de memória” deveria ser um ponto de maior reflexão no ensino de história,


especialmente em relação à temática indígena, onde a presença destas populações é
invisibilizada e a necessidade de reparação é urgente. Não é possível mais fechar os olhos para
a presença de indígenas e seus descendentes dentro das escolas brasileiras. Funari e Piñon
(2014) divulgaram o resultado de uma pesquisa junto a alunos de escolas do Rio de Janeiro,
Niterói, Campinas e Natal. Eles verificaram que 12% dos alunos entrevistados afirmaram
possuir parentes indígenas, dado que, segundos os autores, não devem ser subestimados,
considerando que o resultado revela números de uma população indígena bem maior do que o
Censo de 2010 (0,4%). Os autores questionam, inclusive, a disparidade entre a valorização e o
reconhecimento da ancestralidade africana e indígena, acreditando que a principal resposta para
essa diferença tem relação com a imagem do índio na floresta desconectado da sociedade
nacional, que é diferente da dos negros, que, mesmo escravizados, viviam inseridos nesta
sociedade (Funari; Piñon, 2014:110).

Portanto, as memórias indígenas são elementos importantes a serem tratados nas salas
de aula por serem um fator que oferece o sentimento de continuidade e de coerência de um
grupo, um elemento importante do sentimento de identidade (POLLACK, 1992:204). A
memória é a identidade em ação, ao mesmo tempo em que é reativada e transformada pelas
demandas identitárias. O “dever de memória” é também uma possibilidade do não
esquecimento e do reconhecimento da alteridade e dos seus direitos. Dar voz e visibilidade aos
indígenas e reconhecer as suas memórias é um direito dessas populações.

2.4 Entre a memória e a história

Por mais que haja aproximações entre a memória e a história, elas não se equivalem. Dominick
Lacapra aponta que no passado recente havia duas tendências entre os historiadores:
En el pasado reciente, otros historiadores han opuesto angustiosamente historia y memoria o,
por el contrario, las han aproximado, sino confundido avidamente. En una primera instancia, la
memoria resulta crucial pues es aquello contra lo cual debe definirse la historia, para bien o para
mal. Em resumen, la memoria se convierte em la antítesis o lo “outro” de la historia. Em segunda
instancia, la importancia de la memoria se basa em su supuesta posición como fundamento o
esencia de la historia. Por lo tanto se entiende a la memoria como lo mismo que la historia o al
menos como su matriz y musa. [Lacapra, 2009:29-30]

Pierre Nora, por exemplo, é um dos autores que compreende que a missão da história é
se diferenciar da memória. Segundo o autor, a aceleração da história percebida no século XX
provocou o distanciamento entre a memória e a história. A primeira é sem passado, verdadeira,
inconsciente e intocada das sociedades primitivas; a segunda é a forma como nossa sociedade
lida com o passado, uma operação intelectual, reconstrução problemática e incompleta de um
tempo acabado que não volta mais (Nora, 1981:8). Por nossa sociedade ser fadada ao
esquecimento, visto as rápidas mudanças, nasce a sensação de que a memória não é espontânea,
de que é preciso guardar, comemorar para não esquecer, pois a lembrança não é um processo
natural. É para buscar sinais de reconhecimento e de pertencimento em uma sociedade que
tende a reconhecer indivíduos iguais que se buscam os lugares de memória (Nora, 1981:13).
A memória evidentemente, não é idêntica à história, mas também não pode ser
considerada o seu oposto, contrapõe Lacapra (2009). A memória pode ser uma fonte preciosa
para o historiador, não em relação à comprovação de fatos empíricos, mas para a recepção da
angústia das pessoas. Exemplo disso era a ideia aterrorizante, dominante entre as vítimas do
Holocausto, de que os nazistas fabricavam sabão com os corpos dos judeus. (Lacapra, 2009:33).
Quando a história perde contato com a memória é porque se ocupa de temas mortos, que não
atraem interesse. Uma suplementa a outra em uma interação questionadora que nunca chega a
uma totalização ou fim absoluto:

La historia puede no capturar nunca algunos elementos de la memoria: el sentimiento de una


experiencia, la intensidad de la alegria o del sufrimiento, la cualidad do que lo sucede. Pero la
historia comprende elementos que no se agotan com la memoria, como los factores
demográficos, ecológicos y econômicos. Lo que tal vez es más importante es que pone a prueba
la memoria e idealmente lleva al surgimiento de una memoria más exacta y a uma evaluación
más clara de lo que es o no facticio en la rememoración. [Lacapra, 2009:34]

Ao diferenciar a história e a memória, David Lowenthal (1998) não nega seus momentos
de aproximação e até de justaposições, em que se torna difícil separá-las. Toda a nossa
consciência do passado está fundada na memória. Porém, toda vez que utilizamos o
conhecimento da memória, ela nos força a selecionar, destilar, distorcer, transformar o passado
e adequá-lo às nossas exigências do presente, o que a torna sempre uma construção do presente.
Nossas memórias sempre são maleáveis e flexíveis, sendo alteradas toda vez que algo é
apreendido subsequencialmente. Novas experiências moldam nossas lembranças, assim como
o simples fato de lembrar ou de narrar um acontecimento as modificam. Lembrar significa
também esquecer, pois somente o esquecimento permite ordenar e classificar os
acontecimentos, dando uma ordem ao caos.

A função primordial da memória não seria preservar o passado, e sim adaptá-lo para
“enriquecer e manipular o presente” (Lowenthal, 1998:101). Uma das demandas que o presente
exige da memória é a construção da identidade. Relembrar é crucial para a identidade, já que a
memória das experiências passadas nos liga a nossos selves anteriores por mais diferentes que
tenhamos nos tornados (Lowenthal, 1998:83). A história se distingue da memória não só na
forma como o passado é adquirido e corroborado como também pela forma como é transmitido
e preservado. A história, ao contrário da memória que é contingente, baseia-se em fatos
empíricos, que se podem rejeitar por outras concepções do passado, está sempre aberta a
revisões que reinterpretam o passado pelos acontecimentos e ideias subsequentes de forma
consciente, ao contrário da memória que apesar de estar sempre sendo revista, o faz de maneira
inconsciente. (Lowentthal, 1998:109-110)

Ulpiano Menezes (1992) acredita que a memória é um processo permanente de


construção e reconstrução que se dá no presente para responder a questões do presente. No
entanto, o autor distância mais a memória da história. Segundo ele, a memória não dá conta do
passado, especialmente porque o conhecimento exige estranhamento e distanciamento.
“Somente a história e a consciência histórica podem introduzir a necessária descontinuidade
entre o passado e o presente”, afirma (Menezes, 1992:12).

A memória interfere no aprendizado, na relação que o aluno faz de suas lembranças com
o que está sendo ensinado, assim como no seu sentimento de pertencimento. É um elemento
fundamental da construção das identidades, as quais, por sua vez, moldam a forma como os
indivíduos incorporam aspectos do passado, fazendo suas escolhas do que lembrar e do que
esquecer (Candau, 2014:19). É por meio da memória que as pessoas captam, compreendem e
ordenam a realidade e a si mesmo em uma continuidade, dando-lhe um sentido temporal que
organiza o passado a partir do presente e das projeções do futuro (Candau, 2014:60-63). O
professor de história, especialmente em escolas em que a construção e o reconhecimento das
identidades estão em jogo, não podem ignorar a sua importância.

A memória deve ser complementada e enriquecida pela história, possibilitando um


deslocamento e uma abertura para a compreensão da alteridade. O ensino de história,
principalmente no que se refere a temas sensíveis, como o indígena, deve ficar no “‘lugar de
fronteira’ entre história e memória, pois nessa fronteira será possível revemos, ampliamos,
ressignificamos e referendamos representações sobre o passado no presente, contribuindo para
a construção de identidades sociais ” (Monteiro, 2009-10:22).

Compreender que o professor não deve se limitar à memória e se aproximar das


contribuições da história exige certo cuidado. Por muito tempo, a historiografia, com seu viés
colonialista, silenciou e invisibilizou os indígenas, negou o seu protagonismo e a sua
historicidade, colaborando com a formação de uma identidade nacional que apagava as
diferenças e com políticas de assimilação dos índios, que tinham como objetivo o fim dessas
populações. A história da qual propomos nos aproximar é a que permite aos alunos um exercício
de deslocamento (Fernandes, 2012), uma possibilidade de chegar ao “limite do pensável”, as
diferenças e exceções às regularidades, que tragam à tona o impensável, o incompreensível
(Certeau, 2015:87) e que abram espaços para novas reflexões, novos paradigmas. Uma história
que nunca deixe de questionar a práxis e a finalidade do ofício do historiador e do professor e
que não abandone a sua responsabilidade diante do presente, nos termos da ponderação de
Manoel Salgado Guimarães:

[…] repensar a história e seu ensino, nesses termos, pode nos ajudar a refazer nossa humanidade
esgarçada, tornando o passado não o lugar seguro para as respostas que nos angustiam, mas a
fonte […] para a nossa ação no mundo. E com isso talvez contribuir para que assumamos nossas
responsabilidades, não para com o futuro, que é segredo, mas para com o presente, que é a vida
que temos a partilhar com outros homens para sermos, como eles, humanos. [Guimarães,
2009:50]

Fernandes (2012) acredita que o recurso ao “dever de memória” deve vir acompanhado
de um “dever de história”, pois o primeiro sozinho pode não mobilizar reflexões para o agir no
mundo, deixando de ser uma “engrenagem politizada das relações sociais, de ser oportunidade
de visibilidade para as alteridades, para se transformar em um fúnebre prestar de contas que se
encerra ali” (Fernandes, 2012:93). O “dever de memória” associado ao “dever de história” pode
ser uma importante arma para descolonizar o pensamento e permitir novas perspectivas.
3. Proposta de implementação da Lei nº 11.645/08

O produto resultante desta pesquisa é composto por uma exposição e um caderno de atividades.
Seu objetivo é cumprir a Lei nº 11.645/08, que torna obrigatório o ensino da história e da cultura
indígena em todas as escolas do ensino básico do território brasileiro. Ele é uma tentativa de
colocar em prática as reflexões teóricas realizadas durante o Mestrado Profissional em Ensino
de História e levá-lo a outras unidades escolares.

No entanto, ele está longe de abranger o ensino das culturas e da história indígena no
ensino de história em um aspecto mais geral. Dentro da temática indígena, uma diretriz comum
foi selecionada, pensando especificamente na realidade da região metropolitana do Rio de
Janeiro: a presença de indígenas em contexto urbano, que, inclusive, frequentam as escolas, e
são invisibilizados e sofrem preconceitos e discriminações quando têm suas identidades
reveladas. Também parte da ideia de que o histórico de preconceito, violência e opressão dos
povos indígenas deixou marcas nessas populações, sendo também responsáveis por deixarem
essa população na condição da mais desfavorecida do ponto de vista econômico, habitacional,
educacional e dos indicadores de saúde, como aponta o Censo 2010 (IBGE, 2010:52). Por isso,
políticas de reparação devem ser feitas para que essas populações consigam melhores condições
de vida dentro das perspectivas escolhidas por elas próprias.

A exposição e o caderno de atividades tentam dar visibilidade a essas pessoas que estão
nas cidades e legitimar a sua presença no espaço urbano, visto que geralmente esta possibilidade
não é entendida por muitos. A concepção estereotipada dos indígenas que os congelam em
algumas características culturais, que nem mesmo no século XVI eram comuns a todos os
povos, dificulta a compreensão de que possam estar pelas ruas, vestidos com roupas ocidentais,
sem adornos, morando em casas e utilizando as modernidades do mundo contemporâneo. Ela
também leva a crer que os indígenas que lutam por direitos dentro das cidades são oportunistas,
pois os direitos deveriam se restringir aos “verdadeiros povos da floresta”.

Também buscam levantar importantes reflexões na escola acerca das alteridades. Pensar
as relações entre os diferentes pode ser um valioso instrumento para que os alunos reflitam
sobre suas identidades e a dos outros e mobilizem essas reflexões para a vida prática, pautados
na tolerância e no respeito à diferença.

3.1 Visibilidade como primeiro passo para uma educação intercultural


A interculturalidade é uma linha do campo da educação que se apoia no reconhecimento da
diversidade e da necessidade da troca entre os saberes das múltiplas identidades dentro da
sociedade. Paladino e Czarny (2012) apontam que ela tem sido reconhecida por alguns
estudiosos como instrumento de empoderamento de grupos minoritários, acreditando que o
conhecimento específico de um povo, associado aos saberes dos povos com os quais convivem,
permite que essas minorias consigam caminhar e lutar em benefício próprio.

Esta linha vem sendo utilizada na educação escolar indígena. Os indígenas têm
ressignificado a escola, já que antes era uma instituição que visava à integração dessas
populações, impondo um único conhecimento como válido e reconhecido e tentando, à força,
fazer com que os indígenas abandonassem suas línguas, seus modos de vida e suas tradições.
No entendimento de vários povos, a escola indígena tem uma dimensão política, em que se
instrumentaliza para lutar por direitos a partir da lógica da sociedade não indígena (BONIN,
2012). Por isso, tenta-se equacionar as necessidades específicas de suas comunidades com a
aprendizagem do conhecimento do mundo não indígena necessário para transitar nele e para se
apropriar de conhecimentos que possam ser ressignificados e utilizados em benefício próprio.
O currículo e o calendário dessas escolas são específicos, de acordo com a necessidade de cada
comunidade. Os professores devem ser prioritariamente indígenas e o ensino é bilíngue, onde
são utilizadas as línguas maternas e também é ensinada a língua portuguesa. Os materiais
pedagógicos, assim como as práticas pedagógicas, devem corresponder às demandas
específicas das comunidades.

Esta escola específica não vem sendo construída sem dificuldades. Bonin (2012) aponta
entre elas, a criação de um currículo diferenciado que atenda às necessidades dos indígenas, a
problemática da comunicação através da escrita em comunidades que utilizam e valorizam a
oralidade, a superação de antigas práticas integracionistas das antigas escolas para índios e a
escassez de recursos.

Já nas escolas não indígenas, propostas interculturais abertas ao diálogo com as


populações indígenas e seus saberes são muito pequenas. Ao analisarem as práticas educativas
de algumas escolas públicas de Porto Alegre/RS, Bergamaschi e Gomes (2012) concluem que,
mesmo conhecendo a Lei nº 11.645/08, os professores mostram-se mal informados em relação
à temática indígena. No entanto, as autoras trazem alguns exemplos que mostram que a
educação intercultural fora das escolas específicas é possível. Entre os projetos citados por elas
está o “Fazendo cerâmica como nossos avós”, no qual foram promovidas oficinas de cerâmica
com kaingangs que viviam nas proximidades de Porto Alegre. O projeto promoveu o contato
semanal entre os alunos da escola e os kaingangs. Na avaliação das autoras, o projeto permitiu
aos kaingangs retomarem uma prática ancestral que estava desaparecendo por não terem mais
facilidade de acesso ao barro e motivar uma economia sustentável, como também permitiu aos
alunos reconhecerem suas ancestralidades e lidar com a diferença.

A negação da interculturalidade nas escolas, a perpetuação do ensino de um só


conhecimento e cultura e a deslegitimação e invisibilização de outros conhecimentos e culturas
podem ter um efeito devastador para identidades não reconhecidas ou entendidas como
inferiores. No caso dos indígenas, Santos e Secchi (2013) fizeram uma análise dos resultados
da omissão de políticas públicas voltadas para a educação multicultural nas escolas públicas
urbanas não indígenas de Ji-Paraná/RO. A cidade recebeu muitos migrantes gavião-ikolen e
arara-karo desde a década de 1940 em busca de melhores condições de vida. Ao procurarem
esses indígenas nas escolas da cidade, perceberam que os funcionários dessas instituições
desconheciam, apenas suspeitavam, quando não negavam essas identidades, por considerar que
não eram “puros”. Os autores observaram que nem sempre os familiares declaravam ser
indígenas, assim como muitos alunos negavam a identidade como estratégia para escapar do
preconceito.

Citando Bessa Freire, os autores apontam também as responsabilidades dos professores


e das escolas que adotam um padrão hegemônico de cultura e silenciam as diferenças entre os
alunos (Santos; Secchi, 2013:60). Muitos alunos indígenas da região preferem assumir a
identidade boliviana para diminuir a discriminação, o que pode gerar a negação do
pertencimento por omissão ou por fuga de sua condição objetiva. A discriminação contínua na
infância, segundo Cardoso de Oliveira, é responsável pela criação de uma consciência negativa
de si que dificilmente se transforma em uma identidade positiva capaz de ajudar o indivíduo
(Oliveira, apud Santos; Secchi, 2013:63).

Um dos depoimentos de uma mulher gavião, mãe de um menino de sete anos é muito
forte, pois traz o retrato da vivência diária de muitos alunos indígenas nas escolas não indígenas:

[…] os coleguinhas ficam rindo dele. De vez em quando ele vem para casa chorando. E diz que
a mãe de fulano disse que o coleguinha batia nele e falava que era porque ele era índio, porque
índio tinha que ficar na aldeia, índio era bicho. […] Eu acho que se o professor falasse mais de
índio […]. Eu acho que na escola eles falam muito pouco. Eles cuidam da maioria, mas como
na sala dele só tem ele de índio, acho que é por isso. [Santos; Secchi, 2013:60]
O despreparo das escolas para receberem as populações indígenas é gritante. Outro
exemplo de preconceito e discriminação aconteceu no Mato Grosso do Sul em 2013. Segundo
a denúncia do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), indígenas guaranis-kaiowá foram
expulsos da sala de aula. Joel Aquino, uma liderança daquele povo, contou que:

Disseram pros nossos estudantes que eles não deviam estudar ali […], que se eles continuassem
estudando o ano todo iam encher a sala e a escola de terra, porque temos “pés sujos”. E “chulé”,
que as indígenas femininas tem aquele cheiro de mulher. O diretor colocou o grupo do lado de
fora da sala de aula, enquanto o professor continuou dando aula para os não indígenas. Às vezes
o professor ia lá fora passar alguma atividade para os indígenas. […] Depois disso, nossos
estudantes não querem mais frequentar a escola por motivo de vergonha, tamanha a situação
humilhante que passaram. [Sposati, 2013]

Casos como esses revelam a necessidade de implementação de práticas interculturais


que tentem promover um diálogo respeitoso entre as diferentes identidades dentro da escola,
sejam elas étnicas, regionais, de gênero ou outras.

Reduzir a interculturalidade apenas à questão étnica é um problema. Por isso, dialogar


com epistemologias políticas e críticas dentro de um modelo educativo intercultural é
necessário para levar ao questionamento de um projeto de modernidade/colonialidade que
muito tem contribuído para a manutenção de uma ordem hierárquica que possui no seu topo o
homem branco e europeu. Questionamentos que permitem uma prática educativa intercultural
crítica que ultrapasse a simples inclusão dos excluídos ou a criação de projetos
descontextualizados e pontuais que mantenham práticas cotidianas pautadas no paradigma da
colonialidade [Palanino; Czarny, 2012].

Um dos pontos-chave do produto final é dar visibilidade e legitimidade aos indígenas


que vivem em contexto urbano. Enquanto essas populações continuarem do outro lado da linha
abissal, elas continuarão invisíveis, entendidas como inexistentes. E não há diálogo possível
com indivíduos que não existem. Não há como atender a demandas de grupos afônicos. Não é
possível sensibilizar professores para a urgência de implementação da Lei nº 11.645/08
enquanto acreditarem que as populações indígenas estão distantes das escolas. Evidentemente,
a visibilidade não garante a adoção de práticas interculturais, especialmente as críticas, que
ultrapassem o discurso da tolerância, visem romper com paradigmas modernos e eurocêntricos
e promovam políticas de combate às desigualdades.
3.2 A exposição itinerante

Para responder ao problema da invisibilidade dos indígenas nas cidades, optei por criar uma
exposição itinerante em forma de cinco banners, para que pudessem ser facilmente
transportados de uma escola para outra, versando sobre a temática indígena nas cidades da
região metropolitana do Rio de Janeiro. Entre outros fatores, a opção por uma exposição deveu-
se à possibilidade de movimentar a escola e atingir mais pessoas, não se limitando apenas aos
alunos de uma ou algumas turmas específicas e professores de história, mas sim a toda
comunidade escolar: alunos, professores, diretores, orientadores, funcionários e responsáveis.

A ideia da exposição, que inicialmente foi pensada apenas para a cidade de Duque de
Caxias, onde leciono, surgiu após o seminário “Somos indígenas e não somos invisíveis”,
realizado em 2015 pelo Instituto dos Saberes dos Povos Originários, Aldeia Jacutinga, na praça
Roberto Silveira. O título deste seminário dizia muito sobre o que aqueles indígenas queriam:
a visibilidade que lhes garantisse o reconhecimento de suas identidades indígenas na cidade de
Duque de Caxias. Este reconhecimento pelo restante da sociedade ajudaria na construção de
políticas públicas específicas para essa população.

Para realizar a exposição, busquei o diálogo com alguns indígenas, tentando


compreender algumas demandas daquelas pessoas que poderiam ser atendidas por meio da
exposição, além de conseguir a colaboração com o empréstimo de fotografias de acervos
pessoais, a utilização de suas imagens, o uso dos seus grafismos e especialmente ouvindo suas
sugestões. Por mais que o resultado final desta exposição seja uma tradução de todas as minhas
leituras sobre os indígenas, das conversas e vivências com eles, não perdi de vista suas
orientações, sugestões e correções. Afinal, o objetivo principal desta parte do trabalho é
responder a um “dever de memória”. A necessidade de reparação reivindicada pelos indígenas
incide em diversas áreas, sendo uma delas a do ensino de história, já que no passado construiu-
se uma narrativa ensinada como a única válida e verdadeira e que inferiorizava e depois apagava
essas populações da história do Brasil.

Os indígenas com quem conversei em sua maioria estão ligados à Aldeia Maracanã e ao
Instituto dos Saberes dos Povos Originários, Aldeia Jacutinga. Procurei conversar com outros
não vinculados a essas instituições, mas tive grandes dificuldades. A procura principal por esses
indígenas foi por intermédio dos meus alunos da Escola Municipal Presidente Costa e Silva e
da Escola Municipal Maria Clara Machado, ambas localizadas no segundo distrito do município
de Duque de Caxias. Em atividades anteriores, alguns alunos haviam declarado possuir pais,
avós ou bisavós indígenas. Alguns relataram também que tinham vizinhos, amigos e outros
conhecidos indígenas. Procurei contato com essas pessoas, mas apenas uma demostrou
interesse em conversar, porém, por ser uma pessoa que viajava muito, não foi possível. O
restante se recusou a falar. Um dos meus alunos tentou justificar a recusa de seu avô dizendo
que ele não gostava de ser índio e por isso não gostava de falar sobre o assunto. Também
afirmou que seu avô já teve brigas sérias por causa de “brincadeiras” preconceituosas.

Compreendendo a necessidade dessas pessoas de manterem suas identidades escondidas


por medo da violência e do preconceito que o ato de as assumir pode acarretar, preferi não
insistir. No entanto, a exposição tenta exatamente intervir nessa realidade, buscando dar
visibilidade à existência dessas identidades, tentando criar um ambiente mais favorável de
respeito, valorização e legitimação dos indígenas que vivem no contexto urbano. Sendo assim,
a exposição pretende atingir aos não indígenas, trazendo informações sobre os indígenas que
vivem perto deles, permitindo um olhar menos estereotipado e preconceituoso sobre essas
pessoas. Mas também pretende alcançar os indígenas. O desejo é que a exposição possa
contribuir para reconstruírem suas identidades a partir de parâmetros positivos, para o seu
empoderamento, para conseguirem o reconhecimento social necessário para conquistar direitos.

Já há algum tempo, indígenas têm percebido o poder da criação de espaços de memória


das culturas indígenas para auxílio de causas próprias. Um dos primeiros exemplos é o Museu
Magüta, organizado pelos tikunas na cidade de Benjamin Constant, Amazonas. Na época em
que foi criado, no final da década de 1980, os tikunas passavam por violentas disputas por terras.
Houve grande mobilização dos indígenas na formação do acervo. Freire (2009) destaca que um
dos motivos do empenho era a necessidade dos tikunas de serem reconhecidos pelo restante da
sociedade como índios para garantirem o direito à terra, já que suas identidades étnicas eram
muitas vezes escondidas por eles ou negadas pela sociedade. Inaugurado em 1991, o museu
ajudou a pacificar os ânimos na região, criando um novo olhar positivo sobre as populações
indígenas no município.

Oliveira também destaca que as exposições etnográficas podem se tornar importantes


aliadas dos indígenas caso se distanciem de sua antiga concepção classificatória e de
valorização seletiva de algumas produções indígenas em detrimento de outras, o que pode ser
utilizada politicamente para uma recusa ao reconhecimento de algumas coletividades.

Os museus podem ser muito úteis para os indígenas que sofreram processo de deculturação
violenta, ações contra seus valores, suas tecnologias, seus conhecimentos. O museu é um
instrumento poderoso para inculcar e reforçar demarcações identitárias, recusando o preconceito
e a invisibilidade com que tais coletividades são tratadas em outros contextos. Neste sentido, é
um aliado fundamental, importante na luta por direitos especiais e modos de vida que sejam
mais adequados aos indígenas. [Oliveira, 2007:97]

As imagens da exposição itinerante foram recolhidas do meu próprio acervo pessoal, do


acervo de pesquisadores, dos próprios indígenas e de fotografias com licença para reutilização
em bancos de imagens da internet, como o Flicker e o Wikimedia Commons. Um dos grandes
desafios foi criar uma nova narrativa a partir da recontextualização de imagens de diferentes
origens e contextos que, somadas a pequenos textos escritos, gráficos e informações, dessem
conta de questionar uma concepção cristalizada dos indígenas que impede que muitas pessoas
os compreendam no espaço urbano. Além disso, foi necessário dar conta do movimento, das
transformações e ressignificações dos povos indígenas a partir de imagens estáticas e de textos
e informações curtas e superar limitações técnicas.

A exposição foi dividida em cinco banners de 120cm por 90 cm. O tamanho seguiu as
orientações de um painel acadêmico, devido especialmente às minhas limitações técnicas, pois
muitas imagens ficariam com a resolução ruim caso fossem muito ampliadas.

O primeiro banner é uma apresentação do tema, e traz um breve texto sobre os indígenas
no contexto urbano e os objetivos da exposição. Também contém agradecimentos a pessoas que
ajudaram ativamente na construção dos banners e algumas referências bibliográficas. Todos os
banners possuem nas margens superiores e inferiores o grafismo de Carmel Puri, indígena que
vive desde criança na região metropolitana do Rio de Janeiro e que cedeu prontamente sua arte
para a divulgação do grafismo puri.

O segundo banner tem como subtítulo “Indígenas em contexto urbano no passado e no


presente”. Nele é construída uma narrativa junto às imagens mostrando que a presença de
indígenas em cidades não é uma novidade. Escolhi iniciar com imagens de cidades ameríndias,
de países diferentes, construídas antes da chegada dos europeus. Depois, é citada a importância
dos indígenas na construção e proteção das primeiras cidades da América portuguesa, trazendo
a imagem do aqueduto da Carioca, construído com a mão de obra indígena. Seguindo, mostro
a presença dos indígenas na cidade do Rio de Janeiro, no século XIX, a partir de duas obras de
Jean-Baptiste Debret. No final, trato do Movimento Indígena e de Mário Juruna, primeiro
deputado indígena. Encerro com os artigos 231 e 232 da Constituição Federal de 1988. No box
ao lado, trago informações sobre os indígenas nas cidades na atualidade, através de gráficos e
informações oferecidas pelo censo do IBGE de 2010. O objetivo, além de trazer informações
sobre as populações indígenas que vivem em contexto urbano no presente, é contrapor o
argumento de que a floresta é o único espaço legítimo dos índios, mostrando a presença dessas
populações em cidades em diversas temporalidades.

O terceiro banner se intitula “Organizações Indígenas” e trabalha três grupos


multiétnicos que atuam na região metropolitana do Rio de Janeiro, entre eles a Aldeia
Maracanã, o Instituto dos Saberes dos Povos Originários – Aldeia Jacutinga e o Sementes da
Terra. A opção por esses três grupos foi feita pela relevância e pela facilidade de contato e de
materiais sobre os respectivos grupos. O objetivo deste painel é que as pessoas, especialmente
os indígenas e seus descendentes, conheçam estes grupos preocupados com a luta pelos direitos
indígenas na cidade e reconstrução as identidades nas cidades. A ideia é que tenham alguma
referência caso sintam a necessidade de procurar outros indígenas na região.

O quarto banner é chamado de “Cotidiano na Região Metropolitana do Rio de Janeiro.”


O objetivo dele é dar visibilidade aos indígenas em momentos e lugares em que suas identidades
não são facilmente reconhecíveis. Também tenta mostrar que a apropriação de códigos culturais
de outras sociedades não faz com que deixem de ser indígenas. Sendo assim, o banner apresenta
imagens de dois espaços ligados à história dos povos originários, mas que não são relacionados
pela sociedade em geral com a população indígena: os Arcos da Lapa, um importante cenário
turístico da cidade do Rio de Janeiro, e a imagem do Sambaqui Sernambetiba, localizado na
cidade de Guapimirim. Também contém um box com a toponímia de alguns lugares da região,
em que foi utilizado o estudo de J. Romão da Silva (1966) para as traduções das nomenclaturas
indígenas. Apresenta ainda a imagem do cotidiano de alguns indígenas nas cidades, no trabalho,
praticando esportes, passeando, realizando palestras.

O último banner tenta retratar os momentos em que recriam e divulgam suas identidades
nas cidades, fazendo pintura corporal, apresentando suas músicas, danças, realizando oficinas
e vendendo artesanato. Contém um box com o nome das etnias de alguns dos indígenas que
vivem na região metropolitana do Rio de Janeiro, indicando a origem desses povos e o número
de indígenas dessas etnias de acordo com o Instituo Socioambiental (ISA). O objetivo do
banner é mostrar algumas manifestações culturais indígenas e a diversidade dos povos
existentes na região.

Como um dos objetivos é valorizar os povos indígenas e ajudar na construção de uma


identidade positiva desses povos que forem ver a exposição, optei por não colocar imagens que
tratam da violência e da opressão, exceto o caso do incêndio da oca da Aldeia Jacutinga. Por
mais que seja uma realidade muito forte dessas populações, acreditei que fosse válido priorizar
conteúdos que valorizassem os povos indígenas e o seu protagonismo nos espaços urbanos.

A partir da exposição, acredito ser possível problematizar alguns pontos centrais. O


primeiro, voltado principalmente para os não indígenas, é questionar a imagem estereotipada
dos indígenas ligados estritamente à natureza e a possibilidade de mudanças sem a perda das
identidades. Este questionamento pode trazer reflexões que permitam a visibilidade e a
legitimação dos indígenas na cidade e o rompimento de alguns preconceitos que permitam o
iniciar de um diálogo respeitoso entre essas populações. Outro ponto, agora voltado para os
indígenas, é que a exposição pode ser apropriada para a criação de uma visibilidade necessária
para a conquista de direitos e, especialmente, para os indígenas que vivem “isolados” na cidade,
sem o contato necessário com seu grupo para fortalecer sua identidade e construir uma imagem
positiva de si mesmo em um ambiente hostil, mostrar que não estão sós e iniciar a criação de
um ambiente favorável para saírem da invisibilidade.

3.3 As atividades didáticas

Além da exposição, foi criado um caderno de atividades que dialoga com ela, complementando
a temática dos indígenas nos contextos urbanos e utilizando algumas informações trabalhadas
na exposição. O caderno de atividades, contudo, tenta ir além, trazendo outras questões sobre a
temática, sendo possível a utilização de suas atividades sem a exposição. A criação das
atividades foi pensada pela crença de que projetos pontuais dentro das atividades escolares
diárias são importantes para dar visibilidade e trazer reflexões sobre um tema específico, mas,
se não forem inseridos e contextualizados junto a outros temas ensinados, podem ser entendidos
como apêndice ou curiosidade, e não um tema sensível e importante gerador de reflexões para
o rompimento da colonialidade. Dessa maneira, o caderno de atividades tenta se colocar entre
o dever de memória e o dever de história.

Considerando que, em geral, os currículos de história optam por uma sequência


cronológica, as atividades contemplam várias temporalidades para que os professores possam
utilizá-las nos diferentes anos de escolaridade de acordo com a época em que estiverem
trabalhando. Portanto, o conjunto do caderno foi planejado para o professor selecionar as
atividades nos momentos em que considerar cabíveis e não para o aluno utilizar de uma vez só.
Todas as nove atividades propostas partem de um texto base, que pode ser um texto
historiográfico, uma fonte histórica escrita ou iconográfica, gráficos, vídeos, entre outros, e de
algumas questões que tentam problematizá-lo. Considerando também a possibilidade de
algumas atividades necessitarem de contextualização, pois alguns temas referentes a indígenas
não são usualmente ensinados nem nas escolas nem nas universidades, foi acrescentado ao final
de cada atividade um pequeno texto sobre elas, contendo algumas informações sobre o assunto
tratado e referências bibliográficas.

Ao optar por atividades com fontes que gerem reflexões e debates a partir de perguntas
feitas a elas, tentei fugir de uma concepção tradicional do ensino de história. O método em que
professor escolhe determinada corrente historiográfica sobre determinado assunto, resume os
conteúdos de acordo com a capacidade de compreensão da turma, transpõe esse conteúdo
geralmente através de uma aula expositiva e aplica uma prova, por meio da qual mede o que o
aluno aprendeu sobre o assunto, por muitas vezes não contribui para criar um novo olhar para
as diferenças e desigualdades sociais. Esta metodologia de ensino, a qual Jörn Rüsen nomeia
de didática da cópia, concebe a didática como algo exterior à história, ocupando-se apenas com
a aplicação e a intermediação do saber acadêmico. A única adaptação seria a capacidade do
destinatário, já que esta mediação feita pelo professor prevê a inalteração dos conteúdos e
formas de produção científica. Rüsen considera esta externalização e funcionalização da
didática uma concepção estreita por banir “fatores determinantes do processo cognitivo da
história” que seriam, segundo o autor, “a geração de problemas históricos a partir das carências
de orientação da vida prática, a relação da formatação historiográfica ao seu público e,
sobretudo, as funções de orientação prática do saber histórico”. (Rüsen, 2011:89-90).

O projeto do Conselho Nacional de Pesquisa dos Estados Unidos How People Learn
(HPL), traz interessantes revelações sobre o aprendizado histórico. De acordo com os resultados
de suas pesquisas,

Os alunos vão para as salas de aula com “pré-conceitos” sobre como funciona o mundo. Se suas
compreensões iniciais não são levadas em conta, podem falhar em entender novos conceitos e
as informações que lhes são ensinadas ou podem aprendê-los para uma prova, mas revertem
para seus pré-conceitos fora da sala de aula. [Donavan; Bransford; Pellegrino; 1999, apud Lee,
2006:137]
Ao partir das análises de Rüsen e do HPL em diálogo com a minha experiência no
magistério, acredito que uma concepção ampliada de didática da história, baseada nos trabalhos
de autores como Jörn Rüsen, Klaus Bergmann e K. E. Jeismann, na Alemanha, e de vários
outros que desenvolveram pesquisas a partir destes autores, possa ajudar a responder a um dever
de memória que esteja associado ao dever de história.

Logo, as atividades têm como inspiração o conceito de didática da história trazida por
autores como Jörn Rüsen, Klaus Bergmann e K.E. Jeismann e de outros que desenvolveram
suas pesquisas a partir desses autores. Esta nova compreensão de didática da história surgiu da
ideia de que ela não se reduz à mera metodologia do ensino, não se limita ao ensino de história
escolar, não é independente das ciências históricas e possui um caráter disciplinar próprio
(Saddi, 2012:212- 213).

A didática da história, nesta perspectiva, tem a preocupação com a formação, o conteúdo e os


efeitos da consciência histórica num dado contexto sócio-histórico (Jeismann, 1977). Ela tem
por tarefa investigar descritivo-empiricamente, a consciência histórica e regulá-la didático-
normativamente pois essa consciência é um fator essencial da autoidentidade humana é um
pressuposto insubstanciável para uma práxis social dirigida racionalmente. [Bergmann,1989-
90:29-30]

A consciência histórica é, segundo Jeismann (1977:12, apud Saddi, 2012), um conjunto


de diferentes ideias e atitudes perante o passado. Rüsen (2010) afirma que ela é o elo entre a
teoria da história e a didática da história por ser o ponto de partida de ambas. É uma operação
cognitiva em que os seres humanos experimentam o passado para entender o presente e projetar
o futuro. Este processo mental é expresso na narrativa histórica, onde a experiência temporal
ganha um sentido de orientação (Rüsen, 2011:36-37).

O autor constrói uma tipologia das narrativas históricas, pelas quais é possível perceber
os modelos de orientação temporal da consciência histórica. A narrativa tradicional é a que
coloca as origens como explicação para os modelos de vida do presente, unindo o passado e o
presente em uma continuidade imóvel, dando um sentido de eternidade. A narrativa exemplar
é a “mestra da vida” que procura regras gerais de conduta, buscando a validade dessas regras
em tempos e espaços diferentes. A narrativa crítica é a que problematiza os modos de vida do
presente, buscando a alteração das continuidades dadas, negando sempre as narrativas
tradicionais e as regras de conduta. Por fim, a narrativa genética é a que compreende as
transformações temporais da vida, buscando sempre a apropriação de modos mais adequados
para o próprio sujeito de acordo com as mudanças do seu tempo (Rüsen, 2011:98-103).

A consciência histórica não é uma função exclusiva do ensino de história. Os alunos já


trazem uma consciência histórica que dialoga com o que é ensinado em sala de aula. A tipologia
de Rüsen é interessante para pensar sobre a forma como os alunos pensam a história, expressa
nas suas narrativas, podendo, assim, ser mobilizada para a apropriação de novos conceitos que
um novo olhar à temática indígena exige. Ao tratar da aprendizagem histórica, o autor reforça
que, para que ela não se limite a conteúdos que não resultarão em nenhuma possibilidade de
recriação de sentido, ela deve se iniciar a partir das carências de orientação do presente:

Somente quando a história deixar de ser aprendida como mera absorção de um bloco de
conhecimentos positivos e surgir diretamente das respostas as perguntas que se façam ao acervo
de conhecimentos acumulados, é que poderá ela ser apropriada produtivamente pelo
aprendizado histórico e se tornar fator de determinação cultural da vida prática humana. [Rüsen,
2011:44]

A aprendizagem histórica é dinâmica, pois a pessoa que aprende é ao mesmo tempo


transformada, o conhecimento consciente de um fato é capaz de se transformar em um dado
objetivo que orienta o indivíduo para fora (ação no mundo) e para dentro (construção de
identidades) (RÜSEN, 2011:82).

Segundo Rüsen, a aprendizagem histórica se faz através de três operações: experiência,


interpretação e orientação. Na primeira operação, a consciência histórica fica ocupada com o
aumento da experiência, ou seja, com a aquisição de conteúdos. Para que isto aconteça, é
necessário que a consciência esteja aberta a novas experiências, pois a história trata da
diferença. Os principais estímulos a esta abertura, segundo o autor, não é o fascínio que algum
tema possa despertar em uma pessoa, mas principalmente os problemas de orientação temporal.
Na segunda operação, a consciência histórica fica ocupada com a competência histórica para
encontrar significado. O aumento da experiência se transforma em uma alteração produtiva do
modelo ou padrão que o indivíduo usa para interpretação e que irá integrar diferentes tipos de
conhecimentos do passado em um todo, onde os fatos históricos ganharão um sentido histórico.
Na última operação, o conhecimento adquirido, organizado dentro de um modelo amplo de
sentido, se volta para a organização da vida prática, tanto no que se refere à ação intencional
que é orientada pelas “perspectivas de futuro sustentadas pela experiência”, quanto pela
autoconceituação do sujeito, que se compreende e se expressa nas mudanças temporais de sua
vida (Rüsen, 2011:85-89).

Mais do que o ensino de novos conteúdos, o caderno de atividades apresenta exercícios


reflexivos que tentam questionar modelos interpretativos da história pautados na colonialidade
e possibilitar uma abertura para a compreensão da alteridade e para o diálogo equitativo com
as diferenças, permitindo a construção de novos pensamentos. Em outras palavras, um exercitar
da consciência histórica para o desenvolvimento de uma competência narrativa mais adequada
para pensar as diferenças e agir no mundo. Para isto, é tentado tirar o aluno do papel de receptor
de novos saberes para o de construtor de conhecimento.

A atividade 1, “ Diagnóstico – Os índios do Brasil”, traz uma oportunidade de traçar um


diagnóstico dos conhecimentos prévios dos alunos sobre os povos indígenas e auxiliar o
professor a descobrir se existem indígenas ou descendentes dentro das suas salas de aula.
Através das respostas dos alunos, o professor poderá identificar o quanto a temática é sensível
em uma sala de aula caso descubra que ela faz parte da identidade de alguns alunos. Também
poderá ajudar a descobrir alguns estereótipos e chaves explicativas utilizadas pelos alunos para
entender as diferentes populações indígenas. Respostas, por exemplo, que afirmam que os
indígenas desaparecerão porque estão perdendo seus costumes e ficarão como o restante da
sociedade demonstram uma chave evolucionista da história que deve ser problematizada pelo
professor. Após o diagnóstico, propõe-se que os alunos assistam ao vídeo “Índios do Brasil 1:
Quem são eles?”, do projeto vídeo nas aldeias. Nele, pessoas não indígenas de várias partes do
Brasil expõem suas concepções sobre as populações indígenas e estes, de diversas etnias, falam
sobre como se veem, questionando uma série de estereótipos partilhados pelos não indígenas.
A atividade pede para que comparem as respostas que os alunos deram nas primeiras perguntas
sobre os indígenas no diagnóstico, com as falas dos próprios indígenas no vídeo. Dependendo
do que o aluno respondeu, abre-se a possibilidade de repensar suas preconcepções sobre os
indígenas. Também é sugerida uma pesquisa em grupo para que eles apresentem informações
sobre diferentes etnias indígenas.

A atividade 2, “Demografia indígena”, traz uma tabela em que se compara o número da


população indígena total, urbana e rural nos censos de 1991, 2000 e 2010, um gráfico da
população indígena rural e urbana por região e um texto do IBGE que trata das dificuldades
encontradas no recenseamento da população indígena. As atividades possibilitam que os alunos
analisem os números dos censos recentes do IBGE e ainda problematizem esses números,
através do texto do próprio órgão e os questionem como informações absolutas.
A atividade 3, “Cidades ameríndias”, traz imagens de duas cidades antigas da América
e tem como objetivo estimular o aluno a questionar a ideia que associa diretamente os indígenas
à floresta ao observar que a existência de cidades no continente americano é anterior à chegada
dos europeus. A escolha de Teochiuacan e de Pucará del Tilcara deveu-se ao fato de serem
menos conhecidas que outras, como Machu Pichu, além da facilidade em encontrar imagens
sem restrição de uso.

A atividade 4, “Indígenas no Rio de Janeiro colonial”, traz três fontes históricas e


perguntas que permitem que os alunos apontem a importância dos indígenas para a construção
e a proteção da cidade do Rio de Janeiro no período colonial. Também leva o aluno a pensar
sobre a inserção dos indígenas na sociedade colonial e no seu protagonismo na conquista de
direitos.

A atividade 5, “Viagens indígenas ao Velho Mundo”, inicia-se com um texto da Mary


del Priore sobre uma viagem de indígenas tupinambás até a França no século XVI. O texto narra
não só uma calorosa recepção dos tupinambás pelos franceses como também apresenta relações
amistosas entre o rei francês e os indígenas. As questões referentes a esse texto ajudam os
alunos a perceberem e analisarem essas relações que são muito diferentes das imagens que
muitos possuem das relações dos indígenas com os europeus no século XVI. Os outros textos
são fontes que também falam sobre viagens de indígenas para a Europa, porém sob condições
bem diferentes das narradas no primeiro texto. As atividades propõem uma comparação dessas
condições.

A atividade 6, “Povos indígenas e escolarização”, traz um trecho da tese de Elisa F.


Garcia sobre a presença de indígenas das missões do Rio Grande em escolas da capital no século
XVIII e duas reportagens atuais sobre indígenas nas universidades. As atividades convidam os
alunos a refletirem sobre a presença de indígenas nas instituições de ensino e sobre o
preconceito.

A atividade 7, “Os índios civilizados de Debret”, propõe que os alunos analisem uma
prancha de Jean-Baptiste Debret intitulada “Caboclos ou Índios Civilizados” e um texto do
autor sobre os indígenas da Aldeia de São Lourenço no século XIX. As perguntas ajudam a
pensar sobre as identidades em situação de contato e a problematização do conceito de
civilização.

A atividade 8, “O deputado indígena”, traz uma reportagem do Jornal do Brasil


ridicularizando uma ação do deputado Mário Juruna, ao usar uma sala de uso restrito do
governador para atender manifestantes de uma escola estadual do Rio de Janeiro. A escolha
desta matéria específica entre diversas outras com o mesmo objetivo no período em que Juruna
foi deputado foi uma tentativa de criar uma empatia dos alunos com o deputado e possibilitar
um olhar diferente do dado pela matéria, questionando os argumentos preconceituosos
utilizados pelo jornal. Esta atividade também propõe uma análise do vídeo “Parlamento
Indígena – Grito 5, Índio Cidadão?” para pensar o protagonismo indígena nas últimas décadas.

A atividade 9, “Da integração ao direito à diferença”, propõe uma comparação entre o


Estatuto do Índio, de 1973 e os artigos 231 e 232 da Constituição de 1988. As atividades
estimulam reflexões sobre a integração, a tutela e o direito à diferença. Além disso, traz o vídeo
“Institucionais – Direitos Indígenas na Constituinte”, permitindo uma análise do protagonismo
dos indígenas na elaboração da atual Carta Constitucional brasileira.

Na apresentação do material ao professor, é ressaltada a importância do professor em


sala de aula, pois ele é o profissional que na vivência diária consegue captar as demandas e as
dificuldades de seus alunos. Logo, é sugerido que ele analise o material a partir da realidade do
seu público e condições de trabalho, e adapte as atividades da forma em que acreditar que terá
maior alcance.

Este caderno de atividades, além de reunir materiais que poderão ser utilizados pelos
professores em sala de aula, possibilita uma atualização. Os comentários de cada atividade
contêm uma contextualização com informações sobre as temáticas abordadas que irão ajudá-
los a construir um conhecimento sobre o assunto caso estejam desatualizados. Não é incomum
encontrarmos professores desinformados sobre a temática indígena, especialmente no que
concerne à presença no contexto urbano. É importante ressaltar que existem excelentes
materiais de atualização para o professor sobre o assunto em circulação. No entanto, apostei no
pragmatismo deste caderno de atividades que associa atividades elaboradas para alunos a uma
oportunidade de o professor se apropriar do tema e atualizar seus conhecimentos. A grande
maioria dos profissionais da educação possui uma carga horária em sala de aula muito grande,
assim como o número de alunos, o que dificulta que tenha tempo para dar conta de atender às
exigências burocráticas das instituições de ensino, elaborar aulas, e contemplar as demandas
dos alunos.

Considerações finais
A maioria da sociedade brasileira possui uma visão estereotipada dos indígenas, associando-os
à natureza, à nudez, à ingenuidade (ou ferocidade) e à infantilidade. Esses estereótipos, somados
a uma visão cristalizada de cultura que compreende que todas as mudanças culturais passadas
por estes povos significam a sua aculturação e o abandono de suas identidades étnicas, fazem
com que muitas pessoas não entendam a presença de indígenas convivendo com o restante da
população no meio urbano, apropriando-se e ressignificando códigos culturais externos a seus
grupos para conseguir circular, conviver, adquirir novos conhecimentos e negociar direitos
neste espaço.

Entendidos como estátuas de mármores paradas no tempo e no espaço, sem condições


de se conservarem intactas perante a ação do tempo, a sociedade em geral nega aos indígenas
o atributo característico de todo ser humano: a capacidade de se transformar de acordo com as
necessidades do presente. Assim, os considerados existentes são colocados como distantes,
vestígios dos longínquos sertões do século XVI que sobrevivem ainda no século XXI. São como
objetos museológicos vivos, escondidos no interior das florestas. Negada a capacidade de
transformação, os indígenas que vivem em contexto urbanos são tornados inexistentes. As
tentativas de visibilidade, daqueles corajosos que se assumem e se tornam vulneráveis a várias
formas de preconceito nem sempre são entendidos a partir da identidade que evocam. Por não
corresponderem aos estereótipos que lhes são atribuídos, eles são entendidos como aculturados,
descendentes, caboclos, quando não oportunistas que reivindicam direitos que não lhes são
devidos.

Invisíveis, ou mesmo inexistentes, torna-se impossível reivindicar políticas públicas que


atendam às suas necessidades específicas. Mesmo quando elas estão respaldadas por lei, como
a Lei nº 11.645/08, não são entendidas como importantes e urgentes. Preocupados com temas
“universais”, dando excessiva ênfase à formação para o trabalho e direcionando seus alunos
para um único caminho, os professores por vezes colocam a construção da cidadania, das
identidades e o respeito à diferença como temas secundários, ignorando completamente a
diversidade presente nas salas de aula, suas demandas e seus conhecimentos. O que é
lamentável em um país como o Brasil, onde as diferenças estão diretamente ligadas às
desigualdades que, em muitos casos, ferem a dignidade do ser humano. A diminuição das
desigualdades não será possível se os grupos desfavorecidos não se entenderem como
detentores de direitos e se empoderarem para sair das sombras e reivindicá-los. As escolas, em
especial as públicas, são locais de encontro das diferenças. Seriam ambientes ricos, que
poderiam permitir, a partir delas mesmas, importantes trocas e reflexões sobre a alteridade. Sem
conseguir dar conta das múltiplas diferenças e identidades que convivem dentro do espaço
escolar, a escola dificilmente conseguirá instrumentalizar seus alunos para lidar com as
diferenças.

Evidentemente, apenas tornar as diferenças visíveis pode não ser o suficiente para criar
novas reflexões sobre a alteridade, mais especificamente para o caso das identidades e das
sociedades indígenas. As diferenças, pensadas a partir de modelos explicativos eurocêntricos,
serão sempre compreendidas dentro de uma cadeia classificatória, identificadas a partir de
níveis de inferioridade. No entanto, só se torna uma questão pertinente para a sociedade aquilo
que é entendido como existente.

Portanto, a proposta didática pedagógica originária do Mestrado Profissional em Ensino


de História surgiu das minhas reflexões a partir da minha atuação como professora de história
na cidade do Rio de Janeiro e na Baixada Fluminense, especialmente da Escola Municipal
Presidente Costa e Silva, em Duque de Caxias, onde leciono atualmente. Surgiu também das
leituras, reflexões e sugestões decorrentes das atividades e disciplinas desse mestrado
profissional e do diálogo com alguns indígenas e seus descendentes que vivem na região
metropolitana do Rio de Janeiro. A exposição itinerante e as atividades didáticas propostas
foram criadas com o objetivo de dar visibilidade aos indígenas em contexto urbano e
instrumentalizar alunos e professores para o iniciar de um diálogo intercultural dentro das
escolas. Na fronteira da memória, elemento fundamental para a construção das identidades, e
da história, um exercício de deslocamento que possibilita novas reflexões sobre o passado,
oferecendo novas possibilidades para o agir no mundo, o produto final apresentado pretende
ajudar na criação de um ambiente favorável para o ressurgimento das vozes indígenas e para a
reflexão sobre a alteridade a partir dos indígenas que estão no contexto urbano.

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Apêndices

Apêndice A: Caderno de atividades


UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
FACULDADE DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS

Os indígenas e as cidades

Caderno de Atividades

Thais Elisa Silva da Silveira


Sumário

Apresentação 03
………………………………..…………………………………………………….…….
Atividade 1 Diagnóstico/Índios do 06
Brasil…………………………………………………………
Atividade 2 Demografia 08
indígena…………………………………………………………………….
Atividade 3 Cidades 12
ameríndias………………………………………………………………………
Atividade 4 Indígenas no Rio de Janeiro 15
colonial………………………………………………
Atividade 5 Viagens indígenas ao Velho 18
Atividade 6 Mundo………………………………………………..
Povos indígenas e escolarização 21
…………………..……………………………
Atividade 7 Os índios civilizados de 24
Debret……………………………………………………..
Atividade 8 O deputado 27
Atividade 9 indígena…………………………………………………………………….
Da integração ao direito à diferença 30
Referências ……………………………………………… 33
………………………………..……………………………………………………………..
Apresentação

Caros professores e professoras,

As atividades didáticas encontradas neste material tratam especialmente da


temática dos indígenas em contexto urbano e do protagonismo destes povos na defesa de
seus interesses. Elas visam desconstruir uma série de concepções preconceituosas sobre
os indígenas que ainda predominam na sociedade brasileira. São pequenas contribuições
para que professores de história possam implementar a Lei nº 11.645/08 nos diversos anos
de escolaridade, sem esgotar as diversas possibilidades de uso da temática indígena de
forma relevante em sala de aula.

Desde o surgimento da história como disciplina escolar no século XIX, o ensino


da história dos povos indígenas tem sido carregado de preconceitos e estereótipos que
causam muitos prejuízos às populações indígenas e a seus descendentes. Infelizmente,
apesar de ser possível observar mudanças nos livros didáticos atuais, que contêm
iconografias renovadas, mostram a diversidade de povos e incluem capítulos sobre os
povos originários antes da chegada dos europeus, elas não têm sido suficientes para
romper preconceitos e quebrar paradigmas eurocêntricos que entendem os indígenas
como inferiores. Ao fazer uma análise detalhada desses materiais, é possível perceber
que, em geral, os estudos sobre os povos indígenas praticamente param no início da
colonização e muito raramente aparecem novamente em outros períodos. O silenciamento
em torno da história dos indígenas no ensino de história dá a entender que deixaram de
existir, que nunca se inseriram na sociedade colonial e brasileira, seja resistindo, seja
colaborando, negociando, sobrevivendo, se transformando e modificando o mundo em
que vivem. A sensação, para quem lê esses materiais, é de que os indígenas foram
vencidos, dizimados pelo colonizador ou, então, que foram aculturados, restando
atualmente apenas alguns poucos povos que se esconderam nas florestas, mantendo suas
culturas intactas, mas que em breve deixarão de existir.

No entanto, contrariando as teorias pessimistas sobre o desaparecimento dos


indígenas, o censo do IBGE de 2010 apontou o crescimento dessas populações e
reconheceu a presença desses povos não só isolada nas florestas, como nos espaços
urbanos, convivendo diariamente com a população não indígena, sem que esta perceba.
Em algumas regiões do Brasil, como a Sudeste, existem mais indígenas vivendo nas
cidades do que em aldeias.
Devemos ressaltar que não é incomum existirem alunos indígenas ou
descendentes diretos dessas populações nas escolas, assim como é comum que as escolas
não os reconheçam como tal. Muitas vezes, por extrema ignorância, educadores negam a
identidade dessas pessoas por elas não corresponderem aos estereótipos tradicionalmente
atribuídos aos índios. Além disso, as imagens distorcidas, estereotipadas e pejorativas dos
indígenas ensinadas em sala de aula podem afetar negativamente a compreensão que esses
alunos possuem de si mesmos e de suas famílias, gerando sérios problemas para suas
vidas.

É extremamente urgente repensar o currículo e modificar a forma como ensinamos


a história indígena. Entretanto, quebrar estereótipos seculares e fazer com que os alunos
tenham outro olhar sobre as populações indígenas não é uma tarefa fácil. A utilização de
um modelo tradicional do ensino de história onde o professor escolhe determinada
corrente historiográfica sobre certo assunto, resume os conteúdos de acordo com a
capacidade de compreensão da turma, transpõe esse conteúdo geralmente através de uma
aula expositiva e aplica uma prova para medir o que o aluno aprendeu sobre o assunto,
tem limites. Muitos professores já devem ter se deparado com situações em que ensinam
um conteúdo visando à desconstrução de preconceitos, mas em suas avaliações
verificaram que vários alunos repetiram concepções usuais do senso comum, cheias de
estereótipos, contrariando o que foi ensinado. Também já devem ter observado casos em
que os alunos dão respostas positivas em relação à compreensão do conteúdo, mas não
mobilizam esses conhecimentos na sua vida prática.

Acreditamos que uma maneira de ajudar a modificar este quadro é tirar o aluno
do papel de receptor de conteúdos e colocá-lo como produtor de conhecimento. Analisar
fontes históricas, criar situações problema para que ele resolva, permitir que entre em
contato e entenda diferentes modelos de interpretação da história são tentativas
interessantes de provocar um deslocamento do olhar para que o aluno encontre outros
modelos explicativos para situações em que os velhos não apresentem respostas
satisfatórias. Afinal, a forma com que o aluno entende e lida com o passado o orienta para
a compreensão do mundo em que vive e para o seu agir no mundo. Se a chave
interpretativa do aluno se pautar em um paradigma moderno e eurocêntrico, ele nunca
entenderá a alteridade e procurará sempre hierarquizar a diferença em níveis de
inferioridade.
Todas as atividades propostas neste caderno partem de um texto-base, que poderá
ser um texto historiográfico, uma fonte histórica escrita ou iconográfica, gráficos, vídeos,
entre outros, e de algumas questões que tentam problematizá-lo. Essas atividades tentam
desnaturalizar a ideia que cristaliza os índios no passado e os colocam como portadores
de uma cultura única e fixa. Para isso, elas abarcam diversas temporalidades: da América
pré-colombiana até épocas mais recentes.

Recomendamos que as atividades não sejam trabalhadas em um único momento,


mas que cada uma delas seja integrada aos outros conteúdos programados pelo professor
no decorrer do ano. Afinal, elas ressaltam exatamente a convivência das populações
indígenas com a sociedade colonial, imperial e republicana e o seu protagonismo nestas
sociedades.

Considerando a possibilidade de que algumas atividades necessitem de


explicações prévias de conteúdo, pois alguns temas referentes aos indígenas não são
usualmente ensinados nem nas escolas nem nas universidades, foi acrescentada uma
pequena contextualização das atividades. No final de cada uma delas existe um pequeno
texto com algumas informações sobre o assunto tratado e referências bibliográficas.

É importante ressaltar a importância do trabalho dos professores durante a


realização das atividades. Eles devem observar os preconceitos e estereótipos
mobilizados pelos alunos para pensar os povos indígenas e questioná-los, oferecendo
dados que confrontem esses modelos interpretativos. Além disso, ao entrar em contato
com as atividades didáticas, esse profissional deve verificar se elas estão adequadas a seu
público, aceitando o material total ou parcialmente, rejeitando-o, adaptando-o ou criando
novas questões a partir dos textos-base.

Por fim, ressaltamos que a temática indígena pode ser sensível para alguns alunos
por possuírem essa identidade. Sugerimos, por isto, a realização do diagnóstico da
atividade 1 mesmo que o professor resolva não a utilizar completamente em sala de aula.
Não ignore a possibilidade de haver indígenas ou seus filhos e netos na sala de aula.
Especialmente nas cidades, essas populações são invisibilizadas e muitas vezes preferem
ficar assim, temendo o preconceito e a violência. As atividades foram especialmente
pensadas nesses alunos ao trazer questões sobre indígenas em contexto urbano e o
protagonismo desses povos. No entanto, mesmo em espaços em que essas identidades
não se encontram presentes, e mesmo se considerarmos a remota possibilidade de um
aluno nunca encontrar um indígena na sua vida, o ensino desse tema é uma excelente
oportunidade de exercitar a compreensão da alteridade.

Esperamos que estas atividades ajudem no longo e árduo trabalho dos professores
na tentativa de romper estereótipos e preconceitos. Desejamos que sejam mais uma
estratégia para possibilitar a superação de interpretações do mundo que não entendam a
alteridade e que criem condições para que os alunos indígenas saiam da escola com a
autoestima fortalecida.

Boa sorte nesta tarefa!


Atividade 1

Diagnóstico/Os índios do Brasil

1) Você possui antepassados indígenas?

( ) Sim ( ) Não ( ) Não sei

(Caso tenha respondido Não ou Não sei na questão 1, pule para a questão 3.)

2) Quem são seus antepassados indígenas?

( ) pai/mãe ( ) avô/avó ( ) bisavós ( ) antepassados mais antigos

3) Você conhece algum indígena?

( ) Sim ( ) Não ( ) Não sei

4) Existem indígenas na cidade em que você mora?

( ) Sim ( ) Não ( ) Não sei

5) O que você sabe sobre os povos indígenas brasileiros? Já ouviu falar alguma coisa
sobre a história deles? Como eles vivem hoje em dia?

6) O que você imagina que acontecerá com os indígenas no futuro?

7) Assista ao vídeo “Índios no Brasil 1: Quem são eles?”, disponível no site:


http://www.videonasaldeias.org.br/2009/video.php?c=83.

a) Os depoimentos dos indígenas mudaram ou confirmaram o que você pensava sobre


esses povos? Explique.

b) Quais opiniões erradas ou preconceituosas foram ditas pelas pessoas que não eram
indígenas? Converse com seus colegas e professores sobre o assunto.

Pesquisa

Em grupo, escolha um povo indígena e faça uma pesquisa sobre ele. Informe quantos são,
a(s) língua(s) que falam, a localização das suas terras, se elas já foram demarcadas pelo
governo, os principais problemas enfrentados por esse povo e algumas curiosidades que
você encontrar.
Orientações para o professor

Esta atividade é uma oportunidade de fazer um diagnóstico dos conhecimentos prévios


dos alunos sobre os povos indígenas e descobrir a delicadeza da temática, especialmente
se houver alunos indígenas e descendentes próximos em sala de aula. A partir das
respostas dos alunos, a intervenção do professor pode se tornar mais eficiente na
construção das identidades e no combate a preconceitos.

A imagem que boa parte dos brasileiros possui dos povos indígenas é repleta de
estereótipos e preconceitos. Muitos acreditam que eles fazem parte de um único povo,
que possuem os mesmos costumes, crenças, língua. Também existe a ideia de que são
povos atrasados e que, gradativamente, através do contato com a civilização, irão perder
suas culturas e deixar de ser índios integrando-se ao restante da população.

Em primeiro lugar, devemos lembrar que o nome “índio” foi dado pelo
colonizador para nomear os diversos povos que viviam na América. Cada povo tinha um
nome, uma maneira de pensar e de se relacionar com o mundo específico. Hoje em dia,
continuamos a chamar de índios os povos que se identificam como descendentes desses
diversos povos originários da América. Muitos deles assumiram e ressignificaram a
identidade indígena dada pelo colonizador, o que possibilitou a criação de laços de
solidariedade entre grupos que se diferem em vários aspectos, mas que possuem em
comum a descendência dos primeiros povos americanos e a história de violência e
opressão vivida pelo contato com o colonizador europeu.

No entanto, o fato de muitos se identificarem como índios não significa que


abandonaram suas identidades étnicas. Como diz a música, são “Pataxós, Xavantes,
Cariris, Yanomamis, Tupis, Guaranis…” cada povo possui especificidades que os
diferenciam. Há cerca de 817.962 índios vivendo no Brasil pertencentes a, pelo menos,
305 grupos étnicos. A diversidade é tão grande que existem, ao menos, 274 línguas
faladas na atualidade por esses povos apenas no território nacional, segundo o Censo do
IBGE.

Além disso, a antropologia e a história vêm desconstruindo a ideia de que a cultura


é fixa, imutável e principal definidora da identidade de um povo. Todos os povos mudam
por várias circunstâncias, entre elas, o contato com povos diferentes. Eles criam, recriam,
adaptam e abandonam elementos culturais para responder de maneira satisfatória às suas
demandas do presente. Assim como nós não deixamos de ser brasileiros por não termos
mais os mesmos costumes do século XIX ou por nos apropriarmos de elementos culturais
de outros povos, também não é a mudança das características culturais comumente
atribuídas aos indígenas que faz com que percam as suas identidades étnicas. A partir
desta nova forma de pensar a cultura e as identidades, o elemento utilizado para definir a
identidade étnica de uma pessoa é a autoatribuição e a atribuição pelo grupo ao qual ela
pertence.

O filme sugerido faz parte de um projeto chamado “Vídeo nas Aldeias”, em que
os próprios indígenas produzem filmes sobre suas comunidades. Ele tenta rebater os mais
diversos preconceitos e estereótipos presentes no imaginário da população brasileira,
através da fala dos próprios indígenas.

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outras variações antropológicas. Rio de Janeiro: Contraponto, 2000, p. 25-67.

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2014.
Atividade 2

Demografia indígena

1) Observe a tabela e depois responda:

1991 2000 2010

TOTAL 146.815.790 169.872.856 190.755.799

Não indígena 145.986.780 167.932.053 189.931.228

Indígena 294.131 734.127 817.963

Urbana 110.996.829 137.925.238 160.925.792

Não indígena 110.494.732 136.620.255 160.605.299

Indígena 71.026 383.298 315.180

Rural 35.818.961 31.947.618 29.830.007

Não indígena 35.492.049 31.311.798 29.325.929

Indígena 223.105 350.829 502.783


Fonte: IBGE. Censo Demográfico 1991/2010.

a) Explique o que ocorreu com o total da população indígena no Brasil entre 1991 e 2010.

b) Explique o que ocorreu com a população indígena urbana no Brasil entre 1991 e 2010.

c) Explique o que ocorreu com a população indígena rural no Brasil entre 1991 e 2010.

2) Observe o gráfico e depois responda:


Fonte: Funai. http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no-brasil/quem-sao?start=3#>.

a) Segundo o gráfico, qual é a região que possui o maior número de indígenas vivendo
em áreas rurais?

b) E qual a região que possui o maior número de indígenas vivendo em áreas urbanas?

c) Existem mais indígenas vivendo em áreas rurais ou urbanas na região em que você
vive?

3) O texto a seguir é um trecho da análise dos resultados do recenseamento da população


indígena em 2010 feita pelo IBGE. Leia com atenção.

Por uma série de fatores, a obtenção de informações sobre a identidade indígena é


complexa. A depender do contexto, membros de uma dada etnia podem ter receio de
manifestar sua identidade, seja por preconceito e discriminação, ou mesmo negar o
pertencimento étnico possivelmente devido às experiências vividas anteriormente. O
intenso processo de miscigenação no Brasil pode também contribuir, no caso dos
indígenas, para uma não evidenciação de filiação étnica indígena. Portanto, investigar, de
um ponto de vista demográfico, conjuntos de indivíduos com um dado recorte étnico
indígena consiste num processo complexo. (…)

Em muitas situações, pessoas de uma mesma família de indígenas se classificavam


em diferentes categorias, relacionando, principalmente, com a cor da pele e, sendo assim,
essas pessoas deixaram de responder aos quesitos referentes à etnia e à língua falada. De
modo a contornar esse aspecto e minimizar a subenumeração, incluiu-se uma pergunta de
controle dentro das terras indígenas para aquelas pessoas que no quesito cor ou raça
não se declarassem como indígenas. Para essas pessoas, era indagado se ela se
considerava indígena, esperando-se que a explicitação da dimensão étnica indígena
contribuísse para reduzir a subenumeração.

OBS.: Foram consideradas terras indígenas pelo censo 2010 “aquelas que estavam na
situação fundiária de declarada, homologada, regularizada e em processo de aquisição
como reserva indígena até a data de 31 de dezembro de 2010, ano de realização do censo
demográfico”.

Fonte: IBGE. Censo Demogáfico 2010: Características gerais dos indígenas, resultados do
universo. Disponível em:
<http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/95/cd_2010_indigenas_universo.pdf>.

a) Qual foi o problema encontrado pelo IBGE para quantificar a população indígena?

b) Como o IBGE resolveu o problema?

c) Pense: Podemos considerar que os números apresentados pelo IBGE conseguiram


identificar toda a população indígena que vive no Brasil? Debata com seu professor e seus
colegas.

Pesquisa

Faça uma investigação sobre a população indígena que vive no estado em que você mora.
Pesquise se existem terras indígenas demarcadas ou em processo de demarcação e quais
são os grupos étnicos destes povos. Não se esqueça de abordar os indígenas que vivem
em contexto urbano, apontando as cidades com o maior número de indígenas. Também
verifique, pelo censo do IBGE, se existem índios vivendo na sua cidade. Se for possível,
descubra mais informações sobre eles.

Orientações para o professor

A atividade oferece ao aluno a oportunidade de analisar alguns dados demográficos das


populações indígenas do Brasil. Ao contrário de previsões pessimistas que acreditavam
que os indígenas deixariam de existir, o que vemos na atualidade é o aumento dessa
população. As causas são várias, como, o aumento da natalidade e da expectativa de vida,
e um fenômeno recente, conhecido, entre outros nomes, como etnogênese ou emergência
étnica. Nesse fenômeno, povos que, por vários motivos, como a discriminação e a
tentativa de tirar-lhes o direito à terra, não eram identificados ou preferiam não se
identificar como indígenas, após a criação de um ambiente relativamente favorável,
passaram a recriar e reelaborar suas identidades étnicas, buscando a restituição de seus
direitos. Este é o caso de muitos índios do Nordeste, como os Pankararus, Xocós, Fulni-
ôs e outros.

Há ainda outro fator que está por trás do aumento da população indígena apontado
pelo IBGE. Apesar de a pesquisa oferecer importantes informações sobre as populações
indígenas, as quais devem ser consideradas para a elaboração de políticas públicas para
esses grupos, a metodologia de identificação dessas populações apresenta lacunas que
deixam invisíveis parte dessas identidades. No censo de 1991, por exemplo, só foram
contabilizados nativos aldeados que viviam em postos indígenas da Funai, missões
religiosas e poucas regiões urbanas, o que nos leva a entender que o aumento populacional
dos indígenas de 149,6% apresentado entre 1991 e 2000 deveu-se também ao
aprimoramento do censo. Além disso, o próprio IBGE apontou algumas dificuldades para
identificar os indígenas pelo país, como consta no texto-base. Sendo assim, podemos nos
questionar se algumas pessoas que moram fora das terras indígenas e que não se
identificaram como indígena no item cor ou raça do censo poderiam se considerar
indígenas.

Os dados estatísticos têm possibilitado dar maior visibilidade à população


indígena que vive em contexto urbano. Segundo os números do IBGE, nas regiões
Nordeste e Sudeste, a quantidade de indígenas que vive em cidades ultrapassou a que vive
nas áreas rurais. É importante ressaltar que a presença destas populações nas áreas
urbanas não é um fenômeno recente, os indígenas sempre estiveram presentes nestes
espaços. Na atualidade, vários motivos explicam esta presença nas cidades. Muitos
migram temporariamente ou definitivamente para estes espaços para trabalhar ou para
estudar, ou ainda movidos por motivos próprios de suas culturas. Também existem casos
em que as cidades cresceram ao lado de terras indígenas ou mesmo dentro de territórios
tradicionalmente ocupados por eles, o que torna comum a convivência entre índios e não
índios dentro desses espaços.
Referências

IBGE. Censo Demográfico 2010: Características gerais dos indígenas, resultados do


universo. Disponível em:
<http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/95/cd_2010_indigenas_universo.p
df>.

NUNES. Eduardo Soares. Aldeias urbanas ou cidades indígenas? Reflexões sobre índios
e cidades. Espaço Ameríndio, Porto Alegre, vol. 4, n. 1, jan./jun. 2010, p. 9-30.

OLIVEIRA, Uma etnologia dos “índios misturados’? Situação colonial, territorialização


e fluxos culturais. In: A viagem da volta: etnicidade, política e reelaboração cultural.
(org.). 2. ed., Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria, 2004.
Atividade 3

Cidades Ameríndias

1) Observe e descreva as seguintes paisagens:

Paisagem 1

Oscar Palma, 2008.

Ricardo David Sanchez Guerrieri, 2007.

Paisagem 2

Chris Atto, 2013.


Christian Ostrosky, 2007.

2) Todos as paisagens são ruínas de cidades construídas por povos americanos que
viveram no continente há muitos séculos.

a) Atualmente, é comum a ideia de que só existem indígenas vivendo nas florestas e que
eles deixam de ser indígenas quando passam a ocupar as cidades. Com base nas imagens
anteriores, explique por que esse tipo de pensamento é incorreto.

b) Em um debate com seu professor e seus colegas de classe, procure outros argumentos
que desconstruam a ideia de que indígenas não podem viver em cidades.

Pesquisa

Proposta 1: Escolha uma cidade pré-colombiana e faça uma breve pesquisa sobre ela. Não
deixe de informar sua localização e a época em que surgiu. Cite o nome de outras cidades
e impérios do mundo que foram contemporâneos à cidade escolhida.

Proposta 2: Escolha uma cidade brasileira atual em que a maioria de seus habitantes seja
indígena. Faça uma breve pesquisa, informando sua localização, a porcentagem de
moradores indígenas, as etnias desses povos e outras curiosidades que chamar sua
atenção.

Orientações para o professor

A atividade tenta possibilitar a construção de argumentos que refutem a ideia que associa
os indígenas às florestas, deslegitimando sua presença nas cidades. O aluno deve chegar
ao argumento de que os espaços urbanos não são invenções europeias e de que em tempos
remotos muitos povos de outras partes do mundo, como os da América, também
construíram complexos urbanos.
As imagens da cidade 1 mostram os templos da cidade de Teotihuacán,
provavelmente a maior cidade pré-colombiana do México, que floresceu por volta do ano
100 a.C., chegando a ter mais de 100 mil habitantes em seus tempos áureos. As imagens
da cidade 2 são as ruínas da fortaleza de Pucará de Tilcara, localizada na província de
Jujuy na Argentina, que foi habitada por diversos povos ao longo dos anos. A ocupação
inicial da cidade deu-se por volta do ano 1100 e 1300.

Foram oferecidas duas propostas de pesquisa que propiciam um aprofundamento


das reflexões dos alunos sobre as cidades indígenas. A proposta 1 possibilita que os alunos
conheçam algumas cidades ameríndias e reconheçam a sua antiguidade. Já a proposta 2
permite o reconhecimento de que existem cidades brasileiras na atualidade que podem ser
chamadas de indígenas, já que a maioria dos habitantes assim se identifica. Este é o caso,
por exemplo, das cidades de Uiramutã, em Roraima, de Marcação, na Paraíba e de São
Gabriel da Cachoeira, no Amazonas.

Nesta atividade, é importante estar atento às falas e aos argumentos criados pelos
alunos sobre a presença dos indígenas nas cidades, pois podem estar balizadas por ideias
preconceituosas e paradigmas evolucionistas. Essas formas de pensar podem levá-los a
acreditar que as diferenças entre os povos indígenas se explicam por estes estarem em
diferentes estágios de evolução. É necessário ouvir e intervir nos momentos em que essas
ideias aparecerem.

Referências

BERNARDES, Andréa Gonçalves Moreira. Urbanismo mesoamericano pré‐colombiano:


Teotihuacán. Brasília, UnB, 2008. Dissertação de mestrado em Arquitetura e Urbanismo –
PPGFAU, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de Brasília, 2008.

NUNES. Eduardo Soares. Aldeias urbanas ou cidades indígenas? Reflexões sobre índios e
cidades. Espaço Ameríndio. Porto Alegre, vol. 4, n. 1, jan./jun. 2010, p. 9-30.

ZABURLÍN, María Amalia. Historia de ocupación del Pucará de Tilcara (Jujuy, Argentina).
Intersecciones en antropología, vol. 10, n. 1, 2009, p. 89-103.
Atividade 4

Indígenas no Rio de Janeiro colonial

1) Leia:

“Todas as fortalezas, que se acham no Rio de Janeiro, sendo esta praça ao presente a mais
fortificada por arte, que se acha nas conquistas, foram feitas por índios de Cabo Frio e S. Barnabé
e outras aldeias (…). Estes mesmos abriram o Caminho Grande, que vai do Rio de Janeiro para
Minas até o Rio Paraibuna, em tanta vitalidade do Estado e do reino. Estes os que conduziram
todos os materiais e instrumentos para a Casa de Fundição, que S. Majestade mandou fabricar na
província de Minas. Estes, finalmente os que trabalharam o aqueduto pelo qual se pôs a Água da
Carioca na cidade do Rio de Janeiro.”

Fonte: Carta de Pde Plácido Nunes ao vice-rei, 1738. In: FREIRE, José Ribamar Bessa e MALHEIROS,
Márcia. Rio de Janeiro: UERJ, 2009, p. 91.

a) Identifique o autor e a data em que o documento foi escrito.

b) A fonte fala de importantes serviços prestados pelos índios aldeados ao rei de Portugal.
Quais serviços foram esses?

c) É comum haver pessoas que acreditam que os índios são preguiçosos e avessos ao
trabalho. As informações trazidas neste documento confirmam esta visão? Justifique.

2) O texto a seguir trata da preocupação com possíveis invasões estrangeiras no Rio de


Janeiro, no século XVII. Leia e depois responda às questões propostas:

“ Por ocasião da invasão holandesa, Vieira, referindo-se aos cuidados de defesa no Rio de Janeiro,
informou que Martim Sá mandou ‘fortificar em primeiro lugar o recebimento da praia e para isso
pediu aos nossos padres ajuda de índios’. (…) O reitor mandou ainda ‘entrincheirar a testada do
Colégio e ajuntar grande número de arcos e flechas para no conflito acudir e prover os que
estivessem faltos de armas’”

Fonte: ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Metamorfoses Indígenas: identidade e cultura nas aldeias
coloniais do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003.

a) Segundo o texto, quais pessoas seriam utilizadas para ajudar na defesa do Rio de
Janeiro?

b) Qual arma é citada para ajudar aqueles que estivessem sem armas? Qual é a origem
deste armamento?
3) O texto a seguir trata de uma reivindicação de um índio aldeado em 1741:

“Miguel Duarte, índio do Cabelo Corredio, dizia ‘ele por si, e como procurador de todos mais
índios aldeados no distrito da Capitania do Rio de Janeiro e das mais capitanias anexas àquele
governo, como leais vassalos de V.M., estão sempre prontos para o seu real serviço, tanto nas
obras que se façam na cidade, como pelas mais capitanias’ e pelos exaustivos serviços que fazem
com prejuízo de suas mulheres ou filhos que ficam nas aldeias sem ter quem sustente, e por só
lhes pagarem dois vinténs por dia, alguma farinha e peixe salgado, por não terem outra renda nem
amparo a não ser a grandeza de Vossa Majestade, pede ‘que por sua real clemência faça a mercê
mandar acrescentar-lhes o soldo’. O parecer do Conselho foi favorável a que lhes dessem, além
da ração, um tostão por dia.”

Fonte: ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Metamorfoses Indígenas: identidade e cultura nas aldeias
coloniais do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003.

a) Qual foi a reivindicação do índio Miguel Duarte?

b) Qual foi a justificativa do índio para fazer essa reivindicação?

c) Considerando que o tostão equivalia em média a cinco vinténs, é possível afirmar que
a solicitação do índio foi atendida?

4) Após a leitura das fontes, escreva um parágrafo sobre a importância dos indígenas
aldeados para a cidade do Rio de Janeiro no século XVIII.

Orientações para o professor

A atividade oferece aos alunos a possibilidade de reconhecer, através da leitura e da


interpretação das fontes, a presença dos indígenas na construção e na proteção da cidade
do Rio de Janeiro. As fontes se contrapõem a duas ideias erradas que ainda persistem na
atualidade: a de que o índio é preguiçoso e a associação da vida indígena às florestas, o
que exclui a possibilidade de haver indígenas não só convivendo com o restante da
população no espaço urbano, como de terem sido elementos fundamentais na formação
da cidade do Rio de Janeiro nos seus primeiros séculos.

É importante ressaltar que os textos tratam apenas de indígenas das aldeias


estabelecidas pelos colonizadores. Através dos descimentos, os indígenas eram
convencidos a deixar os sertões e a se estabelecer em um espaço delimitado próximos aos
núcleos portugueses, administrados na maioria das vezes por missionários da Companhia
de Jesus, apesar de terem existido aldeias sob administração de outras ordens religiosas
ou particulares.

Esses aldeamentos tinham significados diversos para os múltiplos atores


envolvidos. Se por um lado eram espaços que possibilitavam a transformação dos índios
em cristãos, súditos do rei, além de garantir a soberania e o acesso à mão de obra, por
outro lado, para os indígenas eram uma possibilidade de sobrevivência, um mal menor
em um momento em que as guerras e o risco de escravização ameaçavam a existência de
vários grupos.

Na cidade do Rio de Janeiro, os indígenas de aldeias próximas, como a de São


Lourenço (Niterói), São Barnabé (Itaboraí, Rio Bonito), São Pedro (Cabo Frio) e São
Francisco Xavier de Itinga (Itaguaí), foram utilizados em obras públicas e na defesa da
cidade. Os índios recebiam por esses trabalhos, e por mais que o valor pago fosse
pequeno, eles faziam questão de receber. Mesmo em condições desfavoráveis, onde eram
obrigados a abandonar vários aspectos das suas culturas, os indígenas assumiram uma
nova identidade – a de índios aldeados – e buscaram compreender a lógica do sistema
colonial, aprendendo a negociar utilizando os códigos do colonizador, conseguindo,
assim, diminuir suas perdas.

Referências

ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Metamorfoses indígenas: identidade e cultura


nas aldeias coloniais do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003.

FERNANDES, Eunícia Barros Barcelos. Fortalezas humanas: indígenas no Rio de


Janeiro do XVI e XVII. Revista Ultramares, vol. 1, n. 5, jan./jul. 2014.

FREIRE, José Ribamar Bessa; MALHEIROS, Márcia Fernanda. Aldeamentos


indígenas no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2009.

Atividade 5

Viagens indígenas ao Velho Mundo

1) Leia o texto e depois responda:

Texto 1:
Imaginemos a cena. Sexta feira, 12 de abril de 1613, uma pequena multidão se acotovelava na
entrada do faubourg SaintHonoré a espera de uma centena de padres capuchinhos do convento da
Paris. Na animação da rua, formara-se uma barulhenta procissão que, cantando, se aproximou das
portas do dito convento. Aí, a aguardava um grupo de nobres desejosos de demonstrar seu
entusiasmo face ao que era considerado uma “santa e feliz conquista”. Mas não só. Estavam todos
igualmente curiosos de conhecer “esses pobres selvagens revestidos de suas mais belas
plumagens, maracas à mão”. A aglomeração, nessas alturas, era tão volumosa que o cortejo teve
dificuldade em penetrar na igreja. Uma fila de padres tentava isolar o grupo de estrangeiros
seminus dos aristocratas, sobretudo, "princesas, damas e outras pessoas de mérito" que se
espremiam, na ponta dos pés, tentando enxergar melhor os embaixadores do Novo Mundo. Foi o
assunto social da semana. Três dias depois, os tupinambás, já vestidos à francesa, foram se
encontrar com a rainha, Maria de Médicis, no palácio do Louvre. Em frente à sua alteza,
executaram uma dança sem grandes movimentos, ritmada apenas por instrumentos,
provavelmente chocalhos, contendo, no entender de um observador, "pregos". Enquanto os
companheiros exibiam seus dotes musicais, o índio Itapucu fez um discurso em sua língua natal,
pedindo ao rei para enviar ao Maranhão mais profetas referia-se aos padres capuchinhos – e outros
tantos grandes guerreiros, prometendo fidelidade aos seus amigos “papagaios amarelos” – como
eram chamados os franceses (…) O rei Luís XIII, um menino de temperamento secreto e tímido,
visivelmente emocionado, prometeu tratá-los como aos seus próprios súditos enquanto a rainha
lhes garantia ajuda e defesa.

Fonte: PRIORE, Mary del. Os tupinambás e os papagaios amarelos ou as relações entre o Brasil e a França
nos séculos XVI e XVII. Hist. Ensino, Londrina, vol. 6, out. 2000, p. 11-32.

a) Quando e onde se passa a história narrada?

b) Segundo o texto, como foi a recepção dos indígenas tupinambás pelos franceses?

c) Quais foram as promessas dos reis franceses aos tupinambás?

d) Crie uma hipótese que explique o tratamento dado pelos franceses aos tupinambás e
debata com sua turma e seu professor.

e) Qual deve ter sido a opinião dos tupinambás sobre a França? Debata com seu professor
e seus colegas.

2) O texto abaixo é um relato de Michele de Cuneo, membro da segunda expedição de


Cristóvão Colombo à América. Leia com atenção:

Texto 2:
Quando nossas caravelas tiveram de partir para a Espanha, reunimos em nosso acampamento mil
e seiscentas pessoas, machos e fêmeas desses índios, dos quais embarcamos em nossas caravelas,
a 17 de fevereiro de 1495, quinhentas e cinquenta almas entre os melhores machos e fêmeas (…).
Mas quando atingimos as águas que cercam a Espanha, uns duzentos dos índios morreram, creio
que por causa do ar ao qual não estavam habituados, mais frio do que o deles. Foram jogados no
mar (…). Desembarcamos todos os escravos, a metade deles doente.”

Fonte: TODOROV, Tzvetan. A conquista da América: a questão do outro. São Paulo: Martins Fontes,
2010, p. 65 e 66.

a) Qual era o motivo da viagem dos indígenas à Europa no texto 2?

3) O texto seguinte é o trecho de uma carta do padre Manoel da Nóbrega para o Provincial
de Portugal em 1552, justificando o envio de duas crianças indígenas para Portugal.

Texto 3:

… para aprenderem lá virtudes um anno e algum pouco de latim, para se ordenarem quando
tiverem idade, e folgará El-Rei muito de os ver, por serem primicias dessa terra.

Fonte: FRANCO. Afonso Arinos de Melo. O índio brasileiro e a Revolução Francesa. Rio de Janeiro:
José Olympio Editora, 1976, p. 49.

a) Qual foi o objetivo do envio das crianças indígenas à Europa?

b) Podemos afirmar que as viagens de indígenas à Europa, nos séculos XV e XVI, tinham
sempre as mesmas motivações? Justifique.

Orientações para o professor

As atividades têm como objetivo fazer com que os alunos identifiquem a circulação de
indígenas pelo mundo entre os séculos XV e XVII e algumas relações estabelecidas entre
indígenas e europeus nesta época, que nem sempre se pautaram na subordinação dos
primeiros. As fontes apontam que, desde os primeiros contatos, indígenas de diversos
povos viajaram para a Europa em diferentes condições. Os textos selecionados apontam
três condições distintas de ocorrência dessas viagens. O primeiro trata de uma missão
diplomática, o segundo da escravização de indígenas e o terceiro de uma forma de
“apadrinhamento”. Apesar da existência de poucos estudos sobre o tema, as três viagens
citadas não foram exceções.
A opção por explorar melhor o primeiro texto se relaciona com uma escolha por
valorizar eventos em que os indígenas não são apresentados na condição de submissão.
Os tupinambás citados foram do Maranhão para a França em 1613, em tempos em que os
franceses desejavam criar a França Equinocial. Eles deixavam intérpretes no Brasil, que
aprendiam a língua, os costumes e valores indígenas. Algumas vezes, levavam esses
indígenas para a Europa para que conhecessem o outro lado do mundo, aquele de que os
estrangeiros falavam. Apesar de alguns autores apontarem a qualidade dos franceses em
dar um tratamento mais humanos aos índios, é importante ressaltar que a diplomacia
francesa se pautava pelo interesse em fortalecer as relações comerciais com essas
populações.

As outras fontes tratam de outras viagens de indígenas à Europa, reflexos das


relações de dominação as quais os indígenas foram submetidos. Os textos 2 e 3 são
exemplos das relações desiguais estabelecidas entre os povos dos dois continentes.
Mesmo considerando que os povos originários foram capazes de negociar condições
melhores, não é possível negar a desigualdade de forças dessas relações sociais.

Referências

FRANCO. Afonso Arinos de Melo. O índio brasileiro e a Revolução Francesa. Rio de


Janeiro: José Olympio Editora, 1976.

PERRONE-MOISÉS, Beatriz. O mito do bom francês: imagens positivas das relações


entre colonizadores franceses e povos ameríndios no Brasil e no Canadá. São Paulo,
Instituto de Estudos Avançados-USP, 2014. Disponível em:
http://www.iea.usp.br/publicacoes/textos/perronemoisesbomfrances.pdf.

PRIORE, Mary del. Os tupinambás e os papagaios amarelos ou as relações entre o Brasil


e a França nos séculos XVI e XVII. Hist. Ensino, Londrina, vol. 6, out. 2000, p. 11-32.

TODOROV, Tzvetan. A conquista da América: a questão do outro. São Paulo: Martins


Fontes, 2010.

Atividade 6

Povos indígenas e escolarização

1) Leia os textos e depois responda:


Texto 1:

“… Miguel Pinto Carneiro estava, em 1773, estudando a leitura e a escrita na escola Veríssimo
Xavier Vieira. Outro índio, Cristóvão da Costa Freire, se encontrava, em 1774, (…) aprendendo
música. Para Cristóvão também foi ordenado que fosse concedido todo o necessário para
prosseguir nos estudos.(…)

Também se encontravam na capital [Rio de Janeiro] os índios do Rio Grande Pascoal


Baylão e Nicolau da Costa. Ambos estavam praticando a ‘ arte da cirurgia’ no hospital militar.”

Fonte: GARCIA, Elisa Frühauf. Diversas formas de ser índio: políticas indígenas e políticas indigenistas
no extremo sul da América Portuguesa. 2007, 329 f. Tese de doutorado em História – Departamento de
História, Universidade Federal Fluminense, Niterói. 2007, p. 157-158.

Texto 2:

Quero ajudar meu povo, diz índia aprovada em medicina em duas federais

Por Celso Brejano, do UOL em Campo Grande (MS), 29/1/2015.

Moradora da aldeia Te’yi Kuê, nos arredores de Caarapó (a 274 quilômetros de Campo Grande),
Dara Ramires Lemes, 19, tem motivos de sobra para comemorar: a guarani-kaiowá foi aprovada
em medicina em duas universidades públicas, a UFScar (Universidade Federal de São Carlos) e
a UFSM (Universidade Federal de Santa Maria).

Nas duas instituições, Dara ficou em primeiro lugar entre os candidatos que disputavam
uma vaga pelo sistema de cotas. Decidiu pela universidade gaúcha, onde eram 121 candidatos
para apenas duas vagas.

Desde os sete anos, ela sonha em ser médica para cuidar de seu povo. “Esse é um dos
meus objetivos, ajudar minha comunidade, mas também pretendo trabalhar em outros lugares.
Montar um consultório, quem sabe”, diz a estudante, que vai morar no alojamento da
universidade.

Filha de uma professora e de um comerciante, a indígena foi alfabetizada aos 4 anos e


estudou o ensino fundamental e o médio em escolas públicas na aldeia onde vivem cerca de 5.000
índios. A região, assim como outras reservas indígenas do sul de MS, enfrenta sérios problemas,
como altas taxas de homicídio, suicídio e disputas de terra entre índios e fazendeiros.

Fonte: http://vestibular.uol.com.br/noticias/redacao/2015/01/29/quero-ajudar-meu-povo-diz-india-
aprovada-em-medicina-em-duas-federais.htm, acesso em 1º de abril de 2016.
a) Os textos mostram indígenas frequentando espaços tradicionalmente considerados não
indígenas. Que espaços são esses?

b) A partir da leitura dos dois textos, é possível afirmar que a presença dos indígenas
nesses espaços é uma novidade no Brasil? Justifique.

Texto 3:

Indígena Kaingang cotista é espancado na UFRGS

Por Carlos Henrique Latuff, 23 de março de 2016.

Na madrugada de sábado, dia 19, o estudante de veterinária Nerlei Fidelis, indígena


Caingangue e cotista da UFRGS, foi agredido por um grupo de rapazes que, segundo testemunhas,
seriam estudantes de engenharia daquela universidade e mais um estudante da PUCRS. A
agressão se deu diante da moradia estudantil da UFRGS, no centro de Porto Alegre.

Segundo Nerlei, tudo aconteceu quando o grupo de rapazes começou a provocá-lo


dizendo “o que estes indígenas estão fazendo aí”, o que gerou uma discussão e em seguida as
agressões. Imagens da câmera de segurança da moradia mostram Nerlei, acompanhado de seu
sobrinho, Catãi, sendo brutalmente espancado a socos e chutes, mesmo caído.

Por se tratar de um indígena, Nerlei foi encaminhado a Superintendência Regional da


Polícia Federal no RS pelo advogado Onir Araujo, onde prestou queixa. Segundo Onir, é crescente
a onda de violência racista praticada contra cotistas negros, indígenas e africanos. O Conselho
Indigenista Missionário também acompanha o caso.

Fonte: http://racismoambiental.net.br/?p=203975, acesso em 1º de abril de 2016.

a) O texto trata de um fato ocorrido com um indígena na Universidade Federal do Rio


Grande do Sul. Que fato foi esse?

b) Quando esse fato ocorreu?

c) O fato é o retrato de um grave problema sofrido pelas populações indígenas no Brasil.


Que problema é esse?

d) Você já presenciou, vivenciou ou ouviu falar de fatos parecidos com o descrito no


texto? Como foi?

e) O que você pensa sobre o assunto? Debata com seu professor e seus colegas.

Orientações para o professor


O objetivo da atividade é que o aluno identifique a presença de indígenas nas escolas não
específicas para índios, tanto no passado quanto no presente. Além disso, tenta promover
um debate sobre o preconceito contra a população indígena. O texto 1 foi retirado da tese
de Elisa F. Garcia, onde verificou a presença de indígenas guaranis das missões do Rio
Grande em escolas do Rio de Janeiro para se formarem. A autora mostra que, mesmo em
situação desvantajosa, os guaranis se inseriam no mundo colonial na condição de índio
aldeado e conseguiam negociar algumas vantagens. Ao irem para a capital, foram dadas
a eles condições para que pudessem estudar, moradia e vestimentas. Na atualidade, apesar
da existência de escolas específicas para indígenas, não é incomum encontrá-los nos
bancos das instituições de ensino básico ou superior. Em geral, buscam a escola para
aprenderem os códigos não indígenas e se apropriarem deles da forma que lhes forem
convenientes.

Referências

BERGAMASCHI. Maria Aparecida (org.). Povos indígenas & Educação. Porto Alegre:
Mediação, 2008.

GARCIA, Elisa Frühauf. Diversas formas de ser índio: políticas indígenas e políticas
indigenistas no extremo sul da América Portuguesa. 2007, 329 f. Tese de doutorado em História
– Departamento de História, Universidade Federal Fluminense, Niterói. 2007.

Atividade 7

Os índios civilizados de Debret

1) A pintura abaixo foi feita pelo pintor Jean-Baptiste Debret, que esteve no Brasil entre
1816 e 1831, trazido pela Corte Portuguesa para criar uma Academia de Belas Artes.
Naquele período, o autor fez várias obras do que viu pelo país. A prancha a seguir se
intitula “Caboclos ou índios civilizados”. Descreva a imagem:
2) A imagem que você descreveu retrata índios da Aldeia de São Lourenço, onde fica a
cidade de Niterói/RJ, a primeira aldeia indígena criada pelos colonizadores no Rio de
Janeiro, no século XVI, para abrigar os índios aliados. Sobre seus moradores, Debret
afirmou que viviam:

(…) de sua indústria, cerâmica de barro e diferentes espécies de esteiras feitas de caniços, que
exportam para o Rio de Janeiro. Esses caboclos dedicam-se igualmente com êxito, à navegação;
alguns mesmo habitam com suas famílias o arsenal da marinha, empregando-se especialmente no
serviço das canoas particulares do Imperador do Brasil. Quem visite, sucessivamente, todas as
cabanas de São Lourenço encontra, ainda hoje, a conservação interessante dos usos e costumes
particulares, que distinguiam as diferentes tribos selvagens, fundadoras dessa aldeia, por ocasião
de sua primitiva reunião.

Fonte: ALMEIDA. Maria Regina Celestino de. Índios mestiços e selvagens civilizados de Debret: reflexões
sobre relações interétnicas e mestiçagens. Varia História, Belo Horizonte, vol. 25, nº 41, p. 85-106,
jan./jun. 2009, p. 90.

a) Cite as atividades exercidas pelos índios de São Lourenço descritas no texto.

b) Podemos afirmar que esses indígenas eram isolados, viviam longe do restante da
sociedade e sem a influência dela? Justifique.

c) A utilização da palavra “civilizados” no título da prancha, parte de uma ideia


preconceituosa e eurocêntrica que entende que todos os povos do mundo passam por
estágios de evolução. Por que será que o autor intitulou a imagem de um índio flecheiro
como “Caboclos ou índios civilizados”? Debata com seu professor e seus colegas.
Orientações para o professor

A prancha e o texto de Debret sobre os índios de São Lourenço trazem uma oportunidade
para que os alunos percebam que, mesmo em contato constante com o mundo não
indígena por quase três séculos, os moradores da Aldeia de São Lourenço ainda se
identificavam e eram identificados como indígenas no início do século XIX. O autor dá
indícios de que a convivência com outros povos e a apropriação de seus costumes não
apagaram sequer as identidades étnicas dos diferentes grupos indígenas que viviam na
Aldeia de São Lourenço, pois, segundo o autor, era possível aos visitantes observar os
“usos e costumes particulares, que distinguiam as diferentes tribos selvagens fundadoras
dessa aldeia”.

A Aldeia de São Lourenço foi estabelecida em 1568 pelos missionários jesuítas


com o objetivo de abrigar os índios temiminós que ajudaram os portugueses na conquista
da Guanabara. Nos anos que se sucederam, a aldeia recebeu diversos indígenas de várias
nações através de descimentos. Seus moradores se apropriaram do nome “índio” dado
pelo colonizador e ressignificaram a nomenclatura pejorativa e preconceituosa para
conquistar direitos.

Trabalhar com esta atividade exige certo cuidado devido ao uso do conceito de
civilização utilizado por Debret para classificar o índio flecheiro. As classificações
selvagem e civilizado faziam parte dos modelos explicativos europeus, que se baseavam
em uma visão eurocêntrica do mundo. Ao classificar um índio nu, demonstrando
habilidades nada europeias, como civilizado, a intensão do autor não era reconhecer a
legitimidade da diferença. Muito pelo contrário, ele se utilizou dessa classificação por se
tratar dos índios da Aldeia de São Lourenço, os quais ele considerava mestiços, que
viviam em contato com a população não indígena e que sabiam utilizar muitos códigos
culturais ocidentais. Debret explica que a classificação desses índios como caboclos era
pelo fato de serem índios batizados.

No entanto, o mais importante no debate proposto na questão 2, letra c, não é


aproximar o debate em sala de aula das interpretações historiográficas sobre as intenções
de Debret. O objetivo é que o aluno crie uma hipótese, com base nas informações
oferecidas no exercício, sobre a intenção do autor e que o professor consiga, através de
um debate, datar a ideia de civilização utilizada por Debret e problematizar o seu uso nos
dias atuais.
Referências

ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Índios mestiços e selvagens civilizados de Debret:
reflexões sobre relações interétnicas e mestiçagens. Varia História, Belo Horizonte, vol. 25, nº
41, jan./jun. 2009, p. 85-106.

ELIAS, N. O processo civilizador: uma história dos costumes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,
1994, vol. I.

_______. O processo civilizador: formação do Estado e Civilização. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Ed., 1993, vol. II.

FREIRE, José Ribamar Bessa; MALHEIROS, Márcia Fernanda. Aldeamentos indígenas no Rio
de Janeiro. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2009.
Atividade 8

O deputado indígena

Mário Juruna foi eleito deputado federal pelo Rio de Janeiro em 1982. Foi o único
deputado indígena até os dias de hoje. Seu mandato foi de 1983 a 1987. A matéria do
Jornal do Brasil a seguir, descreve o dia em que o deputado ouviu as reivindicações de
alunos na sala do então governador Leonel Brizola. Leia trechos da reportagem e depois
responda:

Juruna “assume o Poder” por 2 horas e dá audiência

Por Tânia Rodrigues – JB, 5/8/1983

Como se fosse ele o Governador, o cacique e Deputado federal Mário Juruna, valendo-se da
ausência de Leonel Brizola, ontem, no Palácio Guanabara, assumiu por duas horas o Governo do
Estado: ocupou o Salão Verde privativo e, sentado à mesa de reuniões (…) Como doublé de
Brizola, ele recebeu uma comissão de estudantes (…)

Num elegante conjunto jeans azul, bolsa a tiracolo e óculos de grau, o Deputado e cacique
Mário Juruna chegou de manhã ao Palácio Guanabara e ficou desapontado ao saber que o
Governador, ontem, não compareceria. (…) O Deputado conversava com assessores do Governo
quando foi interpelado por um grupo aflito. Eram alunos e professores do Colégio Estadual
Fernando Antônio Raja Gabaglia, em Campo Grande, que em comitiva aguardavam para falar
com o Governador. Eles explicaram (…) que lá estavam para cobrar do Governador uma
promessa que ele fizera durante sua campanha eleitoral: participação democrática das categorias
nas escolhas de seus líderes. Por isso, eles queriam escolher o novo diretor do colégio ou pedir a
volta de Edir [o antigo diretor] (…).

Juruna ouviu atentamente os estudantes e tomou a decisão. Primeiro pediu (…) que
chamassem o Secretário Cibilis Viana para atender os alunos e, como este não atendeu ao
chamado, irritado, ele pediu aos estudantes que o seguissem. Passos largos, evocando sua
autoridade e força de cacique, ele invadiu a sala do chefe de gabinete do Governador, Danilo
Groff, e sob os olhares atônitos dos assessores, convidou a todos a entrarem no Salão Verde,
privativo do Governador Leonel Brizola. (…)

O clima começou a esquentar, quando os estudantes, irritados pediram ao deputado que


explicasse ao diretor a situação, e Dinamérico [Pombo, diretor-geral de Educação do Estado]
insistia em dizer que só os atenderia “mediante a entrega de um documento explicando suas
reivindicações”.

– Quero que você acredite no que eles estão falando. Quero que você assuma um
compromisso com esses alunos. Não precisa de papel nenhum – disse Juruna a Dinamérico, que
não teve outra alternativa senão a de convidar uma comissão de estudantes a comparecer, mais
tarde, ao seu gabinete, e de prometer que os levaria à presença da Secretária Yara Vargas.

Aplaudido pelos estudantes, o Deputado deixou satisfeito o salão, mas não havia acabado
ainda o seu outro comando executivo. Os estudantes estavam com outro problema: haviam saído
muito cedo de Campo Grande e, como já eram 14h, todos estavam com fome e muitos não tinham
(sic) dinheiro para almoçar na rua (…) O Deputado, mais uma vez, resolveu a questão. Pediu ao
assessor Jesus do Nascimento que deixasse “os meninos comer de graça no restaurante do
Palácio”.

– Quero trabalhar assim pelo povo carioca. Índio tem que mostrar que não quer apito,
quer é Poder. Podemos ensinar e fazer muita coisa para gente branca. Se os brancos seguissem o
exemplo dos índios, o Brasil não estava na situação que está. (…)

Fonte:
<https://news.google.com/newspapers?nid=0qX8s2k1IRwC&dat=19830805&printsec=frontpage&hl =pt-
BR>.

1) Qual foi a postura do deputado Mário Juruna diante da reivindicação dos estudantes?

2) Ao descrever os fatos, o jornal demonstra um estranhamento em relação a algumas


atitudes do deputado indígena. Que atitudes foram essas?

3) Você acha que as ações do deputado Juruna em relação aos estudantes foram corretas?
Justifique.

4) A partir da leitura dos fatos narrados pelo Jornal do Brasil, é possível afirmar que
Juruna realmente assumiu o Governo do Estado do Rio de Janeiro, como diz o jornal?
Todas as decisões tomadas pelo deputado indígena só poderiam ser tomadas pelo
governador?

5) “Podemos ensinar e fazer muita coisa para gente branca.” O que você pensa sobre essa
afirmação do deputado Mário Juruna? Debata com seu professor e seus colegas.

6) Até os dias de hoje, os povos indígenas não conseguiram eleger outro deputado federal.
Porém, será que a eleição de candidatos indígenas é a única saída para esses povos
conquistarem direitos? Veja o vídeo “Parlamento Indígena – Grito 5, Índio Cidadão?” e
debata essa questão com seu professor e seus colegas.

Vídeo disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=MezGEdlGcOI.

7) Faça uma pesquisa sobre Mário Juruna. Descubra a qual povo ele pertencia, suas
motivações para entrar na vida política, suas lutas, e quais preconceitos que ele sofreu.

Orientações para o professor

O objetivo da atividade é que os alunos consigam perceber, na matéria do Jornal do


Brasil, elementos que demonstram o preconceito em relação ao deputado indígena e que
tentam deslegitimar a sua ação no Palácio Guanabara. Mário Juruna começou a ganhar
destaque na mídia na década de 1970, com sua luta pela terra do seu povo xavante e de
outros povos indígenas. Ficou famoso por gravar suas conversas com os agentes do
Estado, conseguindo revelar nacionalmente as falsas promessas da Funai. Naquela época
seu discurso era usado pela mídia para subverter a censura da ditadura militar, que
utilizava a sua fala para criticar o sistema.

No entanto, esse tratamento mudou com o grande prestígio alcançado pelo


indígena junto às populações mais pobres, o que resultou na sua eleição para deputado
federal pelo Estado do Rio de Janeiro pelo PDT. No novo cenário político alavancado
pela abertura política, a atuação de Juruna passou a incomodar as elites da sociedade
brasileira. Uma campanha difamatória começou desde então, ridicularizando as atitudes
e, especialmente, a fala do indígena, que não usava as regras gramaticais da língua
portuguesa vigentes na época.

A matéria do Jornal do Brasil tenta diminuir a ação do indígena que utilizou a sala
do governador sem autorização prévia tentando atender às reivindicações de alguns
estudantes. A transgressão, que possivelmente passaria despercebida caso fosse realizada
por qualquer outro aliado do então governador Leonel Brizola, foi utilizada pelo jornal
para demonstrar uma possível incompreensão das regras do mundo político, dando a
entender que Juruna se compreendia com os mesmos poderes políticos do governador.
Matérias como essa não só deslegitimaram, como ridicularizaram a ação política do
deputado, que não conseguiu se reeleger nas eleições de 1986. Juruna morreu em julho
de 2002 completamente desamparado pela sociedade.
Referência

GRAHAN, Laura R. Citando Mario Juruna: imaginário linguístico e a transformação da


voz indígena na imprensa brasileira. Mana, vol. 17 n. 2, p. 271-312, Rio de Janeiro, 2011.
Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-
93132011000200002&lng=en&nrm=iso&tlng=pt.
Atividade 9

Da integração ao direito à diferença


1) O texto a seguir reproduz dois artigos da Lei nº 6.001 de 1973, conhecida como Estatuto do
Índio. Leia atentamente e depois responda às questões propostas:

Art. 1º. Esta Lei regula a situação jurídica dos índios ou silvícolas e das comunidades indígenas,
com o propósito de preservar a sua cultura e integrá-los, progressiva e harmoniosamente, à
comunhão nacional.

Art. 7º. Os índios e as comunidades indígenas ainda não integrados à comunhão nacional ficam
sujeitos ao regime tutelar estabelecido nesta Lei.

Fonte: BRASIL, Lei nº 6.001 de 19 de dezembro de 1973. Dispõe sobre o Estatuto do Índio.

a) Quais são suas impressões sobre o Estatuto do Índio? Será que ele era benéfico para as
populações indígenas? Justifique.

b) Dois dos princípios básicos do Estatuto do Índio são a integração e a tutela. O que eles
significam? Discuta com seus colegas e com seu professor sobre o significado desses dois
princípios.

2) O próximo texto reproduz um trecho do Capítulo VII – Dos Índios, da Constituição


Federal de 1988. Leia com atenção e depois responda às questões propostas:

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e
tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à
União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo
em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do
processo.

Fonte: BRASIL. Constituição Federal de 1988.

a) Compare as duas leis. Podemos encontrar os mesmos princípios no Estatuto do Índio


de 1973 e nos artigos 231 e 232 da Constituição Federal? Justifique.

b) Em sua opinião, qual lei atende melhor às demandas dos povos indígenas? Justifique.
c) Pense e responda: por que o termo silvícola, utilizado no Estatuto do Índio, não é mais
utilizado na Constituição de 1988 para se referir à população indígena?

d) Assista ao vídeo “Institucionais – Direitos Indígenas na Constituinte”, da TV Senado,


disponível em https://www.youtube.com/watch?v=L42V7OA2dOU, e escreva uma
redação com o tema “A participação indígena na Assembleia Constituinte”.

Orientações para o professor

Os objetivos das atividades são a comparação entre o Estatuto do Índio e os artigos 231 e
232 da Constituição Federal de 1988 e a identificação da participação indígena na
construção da nova Carta. Os alunos devem reconhecer e conceituar os princípios da
integração/assimilação e da tutela na lei de 1973 e o reconhecimento da alteridade e do
protagonismo indígena na Constituição de 1988.

Antes da atual Constituição, as leis e políticas voltadas para os indígenas visavam


à integração desses povos à sociedade nacional. Este princípio se baseia em uma
concepção eurocêntrica e de progresso, que entende que todos os seres humanos passam
progressivamente por estágios de evolução, sendo a civilização ocidental europeia o
estágio mais alto dessa evolução. Os indígenas eram compreendidos como pessoas
pertencentes a uma cultura primitiva e inferior, sendo dever do Estado protegê-los e
ajudá-los nessa progressiva evolução natural até se igualarem e misturarem ao restante da
população nacional. Isso justificava a tutela. O Estatuto do Índio previa que indígenas em
contato com o restante da população que tinham apropriado aspectos da cultura não
indígena e tinham o domínio da língua portuguesa fossem integrados e emancipados, o
que na prática retirava direitos constitucionais dados a eles, como a posse e o usufruto
coletivo da terra.

A Constituição de 1988 apresenta uma concepção completamente diferente do


Estatuto do Índio. Ela afirma a legitimidade da diferença, ao reconhecer a organização
social, os costumes, as línguas e as crenças. Não apontando qualquer proposta para a
integração do índio, a presença desses povos fora das florestas deixou de ser
compreendida como assimilação ou perda da identidade antiga. A atual lei também
reconhece que os indígenas são capazes de lutar pelos seus direitos.

A construção dessa nova lei teve a participação intensa dos povos indígenas, que
participaram das Comissões da Assembleia Constituinte, discutiram e apresentaram
propostas que defendiam seus interesses. No entanto, a aprovação de leis que
beneficiassem os povos indígenas não foi fácil, mas foi o resultado de muita luta e
insistência, como pode ser visto no vídeo do exercício 3. Sugerimos que o termo
aculturação, utilizado em muitas falas do vídeo, seja problematizado e contextualizado
pelo professor.

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Apêndice B

Exposição itinerante

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