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Copyright © 2023 Elisângela Coelho Da Silva, Roberta Marcelino Veloso, Paulo José

Assumpção dos Santos

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1a edição: 2023

Preparação de originais e revisão: Michele Mitie Sudoh


Capa: Estúdio 513

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Mario Henrique Simonsen/FGV

Silva, Elisângela da Silva


Prêmio ProfHistória 2016 [recurso eletrônico] / Elisângela Coelho da
Silva, Roberta Marcelino Veloso, Paulo José Assumpção dos Santos. -
Rio de Janeiro : FGV Editora, 2023.
1 recurso online (396 p.) : ePub.

Dados eletrônicos.
Inclui bibliografia.
ISBN: 978-65-5652-246-3

1. História – Estudo e ensino – Teses – Brasil. I. Veloso, Roberta


Marcelino. II. Santos, Paulo José Assumpção dos. III. Fundação Getulio
Vargas. IV. Título.

CDD – 907

Elaborada por Márcia Nunes Bacha – CRB-7/4403


Sumário

Apresentação
Isabel Cristina Martins Guillen

A história da África na escola, construindo olhares “outros”: as contribuições do manual


do professor do livro didático de história do Ensino Médio
Elisângela Coelho Da Silva

Imagens de uma escrava rebelde: quadrinhos, raça e gênero no ensino de história


Roberta Marcelino Veloso

Ensino de história para alunos surdos em classes inclusivas: práticas e propostas


Paulo José Assumpção dos Santos
Apresentação

Isabel Cristina Martins Guillen1

Ao instituir o Prêmio Dissertação do ProfHistória, a Comissão Acadêmica Nacional


pensou, naturalmente, em reconhecer as melhores dissertações defendidas no programa
em um determinado ano. Mas também teve como objetivo tornar público o trabalho que
o Mestrado Profissional em Ensino de História vem desenvolvendo em todo o país, nas
instituições associadas. Apresentar, portanto, as dissertações vencedoras do II Prêmio
Dissertação do ProfHistória — Turma 2016 tem esse duplo objetivo: reconhecer a
excelência das dissertações vencedoras bem como possibilitar ao público especializado e
interessado em ensino de história a oportunidade de conhecer o trabalho que vem sendo
realizado. Faço esta apresentação como coordenadora da comissão de avaliação do
prêmio, realizado em 2019, de acordo com edital publicado pela rede do ProfHistória
naquele ano. O prêmio foi concedido pela segunda vez em 2019, e contempla os
estudantes da turma de 2016 que defenderam suas dissertações em 2018.
Mas antes de mais nada é preciso descrever brevemente o ProfHistória.2 Trata-se
de um Programa de Pós-Graduação profissional organizado em rede nacional, composto
predominantemente de universidades públicas estaduais e federais, que tem por objetivo
explícito a formação continuada de professores de história, como uma das políticas
públicas incentivadas e financiadas pela Capes no âmbito do Programa de Mestrado
Profissional para Professores da Educação Básica (ProEB). O ProfHistória tem como sede
âncora a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e começou a funcionar em 2014
com 12 instituições de ensino superior, para em seguida ir gradativamente ampliando a
rede: em 2016 com 27 instituições associadas e em 2019 contamos com 39 instituições,
conferindo à rede do ProfHistória abrangência nacional. Na atualidade, contamos com um
quadro docente de mais de 500 professores, e até o final de 2019 foram concluídas 435
dissertações, todas elas com um caráter propositivo voltado a pensar o ensino de história,
a propor e incentivar novas metodologias e abordagens, bem como a analisar o campo do
ensino de história como campo de pesquisa. Nesse sentido, o ProfHistória oportuniza aos

1
Membro da comissão acadêmica nacional do ProfHistória (CAN) e professora do Departamento de
História da UFPE.
2
Para maiores informações, ver website do programa: https://profhistoria.ufrj.br/. Acesso em: 21 ago. 2020.
professores da educação básica uma reflexão acurada sobre sua própria prática, tornando-
a objeto de análise e pesquisa.
Mais do que simplesmente divulgar as dissertações, esta apresentação objetiva
salientar a qualidade dos trabalhos escolhidos, não só os premiados, mas todos os
selecionados pelas instituições associadas participantes da rede do ProfHistória. A
escolha, ainda que pautada pelos critérios definidos no edital, não foi fácil, dada a
qualidade dos trabalhos apresentados, e que sinalizam para a diversidade de temas
abordados, para as inovações quanto às abordagens para se pensar e propor ações para o
ensino de história, bem como apontam a excelência dos enfoques teórico-metodológicos
que orientaram as discussões.
Conforme indicado no edital, as instituições associadas selecionaram entre as
dissertações defendidas em 2018 a que consideraram a melhor. Ao todo, a rede apresentou
para o Prêmio 22 dissertações, todas analisadas por uma comissão formada para tal fim e
que selecionou as seis melhores. A premiação, como que para consagrar o processo, foi
realizada no I Congresso Nacional do ProfHistória — A Pesquisa em Ensino de História
e a Formação de Professores no contexto do ProfHistória, realizado em Salvador, em
outubro do mesmo ano, quando os participantes puderam ouvir, em uma mesa-redonda,
os premiados nas duas edições.3 Aos três primeiros colocados ofereceu-se um valor para
compra de livros e a publicação dos trabalhos em e-book, enquanto para as três menções
honrosas, ofereceu-se valor para compra de livros.
A comissão avaliadora foi composta por mim, como representante da Comissão
Acadêmica Nacional do ProfHistória, e por Flávia Eloisa Caimi (UPF), Mauro Cezar
Coelho (UFPA), Antônio Simplício de Almeida Neto (Unifesp), Miriam Hermeto de Sá
Motta (UFMG), Marlon Jeison Salomon (UFG) e Ana Maria Ferreira da Costa Monteiro
(UFRJ). Os critérios de premiação, dispostos no edital, consideraram “a qualidade da
reflexão teórico-metodológica e da pesquisa realizada, a clareza e precisão da escrita, a
originalidade do trabalho e sua relevância para o desenvolvimento da área de ensino de
história, do ponto de vista científico, cultural, social e de inovação”. Além desses critérios,
a comissão destacou, em todos os trabalhos, a qualidade do debate teórico-metodológico,
a originalidade dos temas, a reflexão sobre a experiência em sala de aula e a possibilidade

3
A programação do congresso pode ser vista em: www.even3.com.br/congressonacionalprofhistoria/.
Já os anais do congresso foram publicados em:
www.even3.com.br/anais/congressonacionalprofhistoria/. Acesso em: 21 ago. 2020.
de os resultados finais serem adaptados e utilizados por outros professores da educação
básica, em suas próprias realidades, conforme publicado na ata final.
Para o Prêmio da Turma de 2016, após análise da comissão avaliadora, foram
considerados vencedores, em ordem de classificação, as dissertações de Elisângela Coelho
Da Silva, da UFPE, intitulada A história da África na escola, construindo olhares
“outros”: as contribuições do manual do professor do livro didático de história do Ensino
Médio, orientada pela dra. Marta Margarida de Andrade Lima; Roberta Marcelino Veloso,
da Unicamp, intitulada Imagens de uma escrava rebelde: quadrinhos, raça e gênero no
ensino de história, orientada pela dra. Luana Saturnino Tvardovskas; e Paulo José
Assumpção dos Santos, da UFRJ, intitulada Ensino de história para alunos surdos em
classes inclusivas: práticas e propostas, orientada pelo dr. Silvio de Almeida Carvalho
Filho e co-orientada pela dra. Celeste Azulay Kelman.
As menções honrosas foram concedidas às dissertações de Carolina Corbellini
Rovaris, da Udesc, intitulada Narrativas sobre a diáspora africana no ensino de história:
trajetória de africanos em Desterro/SC, no século XIX, orientada pela dra. Cláudia
Mortari; Éder Dias do Nascimento, da Unespar, intitulada A metodologia webquest na
aula de história, orientada pelo dr. Fábio André Hahn e coorientada pelo dr. Jorge
Pagliarini Junior; Antônia Maria Rodrigues Brioso, da UFPA, intitulada Projeto
cartografia da cultura afro-brasileira da EAUFPA: uma didática da história em interface
com a pedagogia decolonial, orientada pela dra. Eliane Cristina Soares Charlet.
Todas essas dissertações estão disponíveis no portal eduCapes destinado a fornecer
aos professores acesso aos materiais educacionais produzidos nos cursos ofertados no
âmbito do Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB).4
A dissertação de Elisângela Coelho da Silva, A história da África na escola,
construindo olhares “outros”: as contribuições do manual do professor do livro didático
de história do Ensino Médio, se propõe a discutir o “tratamento das orientações teórico-
metodológicas relativas à educação das relações étnico-raciais presentes nos manuais do
professor de livros didáticos de história do Ensino Médio”. Além da dissertação analítica,
Elisângela apresentou como Material de Apoio Didático para o(a) professor(a) de história
do Ensino Médio, um Caderno de Leituras, intitulado As imagens da África em discussão:
invenção e reinvenções, no qual busca problematizar “a construção de imagens sobre a
África e os africanos, compartilhando sugestões de leituras sobre a cultura e história

4
Para acesso ao eduCapes: https://educapes.capes.gov.br/. Acesso em: 21 ago. 2020.
africana e orientações teórico-metodológicas para o trabalho em sala de aula”. Neste
caderno de leitura os professores e professoras encontrarão uma discussão sobre como
pensar historicamente a construção de imagens sobre a África, apresentando ao mesmo
tempo indicações bibliográficas e orientações teórico-metodológicas para o trabalho com
a temática da educação das relações étnico-raciais relacionadas com a história e cultura
africana.
Trata-se de uma abordagem não usual quando se pensa em trabalhos que analisam
livros didáticos, pois o mais comum é esses trabalhos contemplarem os livros destinados
aos estudantes. Elisângela aborda criteriosamente os assim chamados “manuais” para os
professores, e os toma como objeto de análise e discussão. Além de análise acurada dos
manuais selecionados e do PNLD, a dissertação de Elisângela Coelho se detém a analisar
a legislação antirracista no Brasil e suas relações com o ensino de história, e o faz numa
perspectiva teórico-metodológica pós-colonial.
Ainda na mesma perspectiva, a dissertação de Roberta Marcelino Veloso,
intitulada Imagens de uma escrava rebelde: quadrinhos, raça e gênero no ensino de
história, também tem como objetivo discutir a história dos afrodescendentes no Brasil,
abordando um perfil biográfico. Baseando-se no trabalho da historiadora Sandra
Lauderdale Graham, que publicou o livro Caetana diz não: histórias de mulheres da
sociedade escravista brasileira, Roberta Marcelino Veloso constrói material didático em
quadrinhos, destinado a estudantes do Ensino Médio, apresentando a trajetória de Caetana,
jovem escravizada que em meados do século XIX recusou o casamento imposto por seu
proprietário. Por meio desta história tão peculiar, a dissertação cria oportunidades para
abordar em sala de aula questões sobre gênero, patriarcado e cultura escravista no Brasil
do século XIX. Segundo a autora,

a complexidade histórica e a imprevisibilidade do caso nos aproximam dos domínios


fascinantes da multiplicidade e dinamicidade que o estudo do passado comporta. A
reconstituição da trajetória de Caetana, a composição do cenário da fazenda Rio Claro, as
“pistas” sugeridas pela documentação analisada por Graham possibilitam o contato com
alguns fragmentos do passado e com uma narrativa absolutamente envolvente. Essa
dimensão interessante e provocativa é muitas vezes deixada para um segundo plano,
sucumbindo ante abordagens que privilegiam o estudo de fatos, tanto nos livros quanto
nas aulas, que acabam por reproduzir muitas vezes visões estanques e generalizadas do
conhecimento histórico e que podem ter como resultado o desinteresse e o afastamento
dos estudantes. As “Caetanas” de nossa história dissipam-se diante das grandes guerras,
generais, aspectos “políticos” e teorias econômicas. [Graham, 2005]

A estratégia de abordar essa história por meio dos quadrinhos permitiu


elaborar ou contribuir para construir “personagens complexos, com questões envolvendo
a subjetividade humana” comumente negligenciadas em muitas perspectivas do ensino de
história. A história em quadrinhos permitiu à autora apresentar a trajetória pessoal de
Caetana, jovem mulher escravizada, e dessa forma criar oportunidades de compreender
esse período da história de outras perspectivas.
A dissertação de Paulo José Assumpção dos Santos, intitulada Ensino de história
para alunos surdos em classes inclusivas: práticas e propostas, tem como objeto o ensino
de história para alunos surdos incluídos. Paulo José Assumpção Santos, antes de iniciar a
pesquisa no ProfHistória, foi professor por mais de uma década para alunos surdos
incluídos em escolas do Ensino Médio e Fundamental. Sua dissertação é o resultado de
uma série de inquietações e questões que o levaram a elaborar tanto uma discussão teórico-
metodológica sobre o ensino para surdos incluídos bem como a elaborar um livreto com
uma série de propostas para o ensino de história pensando a inclusão de alunos surdos. As
questões norteadoras de sua dissertação são mais do que inquietantes, são fundamentais
quando se trata de pensar o ensino inclusivo:

como lhes ensinamos sem um conhecimento prévio a respeito de suas peculiaridades, das
abordagens didáticas mais adequadas a serem utilizadas no trabalho com eles e de noções
básicas de Libras? Como ensinar uma disciplina que ainda se apoia fundamentalmente em
narrativas orais e em textos escritos para sujeitos usuários de uma língua distinta e que
apresentam dificuldades na compreensão da Língua Portuguesa? Como os surdos leem o
mundo a partir dos sentidos que não a audição, quais recursos e estratégias podem ser
utilizados capazes de mobilizar a aquisição de conhecimentos? Há especificidades no
ensino de História que poderiam facilitar a aprendizagem dos alunos surdos incluídos?
Quais as formas adequadas de mediação? Como fazer com que possam se tornar alunos
ativos e protagonistas nas classes inclusivas? Incluir a presença surda no estudo da
trajetória humana poderia tornar a disciplina História mais atrativa para o aluno surdo e
contribuir para a valorização deste grupo? De que maneira deve se dar a relação com o
intérprete de Libras e outros profissionais da escola que também atuam junto aos alunos
surdos? Existem sinais para todos os conceitos de História? Diante das necessárias
adaptações, dos conteúdos às estratégias, passando pelo ritmo impresso à aula e
culminando com o uso de avaliações diferenciadas, como ficam, nas turmas inclusivas, os
alunos ouvintes? [Introdução]

Nesse sentido, sua dissertação é movida pelo interesse não apenas em discutir o
ensino inclusivo, mas tem motivações pragmáticas ao elaborar o “Caderno de orientações
e sugestões para o ensino de história em classes inclusivas com alunos surdos”, que
contém, conforme assinala na sua introdução,

informações, recursos e estratégias que possam dar a estes educandos mais autonomia e
protagonismo em sala de aula. Tornar mais acessível o ensino de História pode
instrumentalizar os alunos surdos com uma gama de conhecimentos que a barreira
linguística os impede de adquirir fora da escola, além de concorrer na elaboração de uma
consciência histórica sobre si e sobre o grupo do qual fazem parte.

O leitor terá a oportunidade de observar que as dissertações premiadas oferecem,


em particular aos colegas professores, mas também ao público interessado nas questões
étnico-raciais, uma rica discussão sobre a história da África e dos afrodescendentes no
Brasil, atentos à necessidade de efetivamente contribuir para a implantação da Lei no
11.645, de 10 março de 2008, na Educação Básica, bem como a preocupação com as
políticas públicas e educacionais de inclusão.
As dissertações vencedoras e que fazem parte deste volume também sinalizam,
não apenas o compromisso do ProfHistória com essas questões, mas acima de tudo como
esse compromisso tem sido incorporado na prática do ensino pelos professores e
professoras, cientes da necessidade de se apropriarem e produzirem conhecimento que dê
conta de pensar as contribuições do ensino de história não apenas nas políticas públicas
de inclusão e de promoção da igualdade racial, mas acima de tudo na promoção de um
ensino que busca não só a excelência, mas a igualdade de tratamento dos sujeitos.
Para finalizar esta breve apresentação, gostaria de agradecer aos membros da
comissão de avaliação pelo trabalho solícito e crítico, pela disponibilidade e presteza com
que leram tantas dissertações em curto espaço de tempo. É um tipo de generosidade que
precisa ser reconhecida. Não poderia também deixar de agradecer à Comissão Acadêmica
Nacional, ao me indicar como membro da comissão, pela oportunidade de conhecer os
trabalhos apresentados pelas instituições associadas e assim conhecer melhor a rede do
ProfHistória e a dimensão propositiva que as dissertações apresentam. Depois deste
trabalho de análise tenho a certeza que, ao nosso modo, o ProfHistória vem fazendo
alguma diferença na melhoria da qualidade do ensino de história, nos desafios colocados
para a formação de professores e para a educação no mundo contemporâneo. Acredito que
fazemos todos os dias, nas salas de aula, um ensino de história mais crítico, comprometido
e envolvente.

Referência

GRAHAM, Sandra Lauderdale. Caetana diz não: histórias de mulheres da sociedade


escravista brasileira. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2005.
A história da África na escola, construindo olhares “outros”
As contribuições do manual do professor do livro didático de história do
Ensino Médio

Elisângela Coêlho da Silva


Dedico este trabalho a dois Luiz,
Luiz Inácio Lula da Silva e
Luiz Humberto Coelho da Silva Santos.
O primeiro, espalhando generosidade em forma de oportunidades,
fez deste país um lugar melhor.
A ele agradeço, já na maturidade, a matrícula na Universidade Federal.
O segundo, chamado Luiz em homenagem ao primeiro, chegou a nossa família em meio
ao meu processo de estudos e escrita.
Em parte me surpreendeu, era muito cedo para ter um sobrinho/neto.
E com a generosidade de seu sorriso, me fez querer ser uma pessoa melhor.
A eles desejo o encontro com a generosidade humana.

Enquanto os leões não tiverem seus


historiadores, a história das caçadas
glorificará os feitos dos caçadores.
(Provérbio Yorùbá)
Lista de siglas

ANL Associação Nacional das Livrarias


BNCC Base Nacional Comum Curricular
Capes Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CNE/CP Conselho Nacional de Educação/Conselho Pleno
EJA Educação de Jovens e Adultos
FNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
IFES Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo
LD Livro Didático
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MEC Ministério da Educação
MP Manual do Professor
PBA Programa Brasil Alfabetizado
PCN Parâmetros Curriculares Nacionais
PNBE Programa Nacional de Bibliotecas Escolares
PNLD Programa Nacional do Livro Didático
PNLEM Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio
Prouni Programa Universidade para Todos
Reuni Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das
Universidades Federais
Secad Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade
Secadi Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão
SEDH Secretaria de Direitos Humanos
Seppir Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial
SPM Secretaria de Política para Mulheres
Sumário

1. Introdução

2. A legislação antirracista: contextualização e problematizações


2.1 A racialização como construção histórica
2.2 A legislação antirracista como conquista
2.3 Legislação antirracista, os desafios para a escrita didática da história
2.3 Legislação antirracista, os desafios da implementação

3. Legislação antirracista e políticas de implementação: do PNLD ao Manual do


Professor
3.1 PNLD: Programa Nacional do Livro Didático
3.2 O PNLD como política de avaliação do livro didático
3.3 Os editais do PNLD e a legislação antirracista
3.4 Os editais do PNLD e as especificidades do Manual do Professor

4. O Manual do Professor: objeto e fonte de pesquisa


4.1 O Manual do Professor como objeto de pesquisa
4.2 Construindo os caminhos da pesquisa: seleção e análise em manuais do professor

5. Considerações finais: da reflexão teórico-metodológica à proposição didática

Referências

Apêndice A: Legislação antirracista


Apêndice B: Editais do PNLD
Apêndice C: Manuais do professor
1. Introdução

Esta dissertação objetivou analisar, nas orientações teórico-metodológicas para o trabalho


com a cultura e história da África em manuais do professor de livros didáticos de coleções
aprovadas e selecionadas por professores de história do Ensino Médio no PNLD 2015,
contribuições para construção de posturas históricas e pedagógicas no sentido de
“desestruturar perspectivas históricas eurocêntricas, etnocêntricas, monocausais e
cronológico-lineares” (Brasil, 2013c:51) como proposto no respectivo edital.
Entendendo o Programa Nacional do Livro Didático1 (PNLD) e,
consequentemente, seus editais como parte das políticas para implementação da legislação
antirracista que busca, conforme suas diretrizes curriculares, a “reeducação das relações
entre negros e brancos, o que aqui estamos designando como relações étnico-raciais”
(Brasil, 2004a:5), caminho para a construção de uma sociedade antirracista.
Consideramos que o que está proposto nas Diretrizes Curriculares Nacionais para
a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-
Brasileira e Africana,2 e, portanto, nos critérios do PNLD, provoca mais que a mera
inclusão de novos conteúdos curriculares e modificações nos livros didáticos. Implicando
questionar e desmistificar os processos de racialização, ou seja, construção cultural em
torno do conceito de raça, para classificação e hierarquização de seres humanos e suas
bases histórica e cultural eurocêntricas, instituídas no processo de dominação colonial da
América no século XVI e expandidas mundialmente a partir do século XVII (Quijano,
2005). Discussão que buscamos contemplar ao longo da dissertação.
A mobilização pela construção de uma educação antirracista esteve entre as
preocupações e ações das organizações negras desde o início da República brasileira,
passando a ocupar o lugar de destaque entre as bandeiras de luta de educadores,
intelectuais, pesquisadores e ativistas do movimento negro nas décadas finais do século
XX. Gomes Júnior (2010) analisando encontros, pesquisas e publicações sobre a temática

1
Nomenclatura modificada pelo Decreto no 9.099, de 18 de julho de 2017, unificando as ações de aquisição
e distribuição de livros didáticos e literários, anteriormente contempladas pelo Programa Nacional do Livro
Didático (PNLD) e pelo Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), lhe atribuiu nova nomenclatura,
intitulando-o Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD)
(http://portal.mec.gov.br/pnld/apresentacao). Manteremos nesta dissertação a nomenclatura com a qual
iniciamos a pesquisa, como referência às caraterísticas do programa no período aqui analisado.
2
Conjunto formado pelos textos da Lei no 10.639/2003, da Resolução CNE/CP no 01/2004, do Parecer
CNE/CP no 03/2004 e da Lei no 11.645/2008” (Brasil, 2013a:19).
do negro e educação na década de 1980, destaca nos debates travados no momento a
preocupação com a tríade: conteúdo, livro didático e professor.3
No intermédio entre esses três elementos, elegemos como objeto e, ao mesmo
tempo, fonte de pesquisa o Manual do Professor do livro didático de História do Ensino
Médio. Requisito obrigatório do livro didático, destinado exclusivamente ao professor, o
Manual do Professor é compreendido como instrumento que mediatiza as abordagens
teórico-metodológicas da escrita didática da história, a formação continuada de professores
e as práticas de sala de aula.
O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) como uma política de Estado cujo
objetivo precípuo é a avaliação dos livros destinados a todas as escolas do país e que, de
certa forma, orienta o trabalho docente estabelece, em seus editais e chamadas públicas,
critérios e exigências em relação ao trato das questões das relações étnico-raciais e ao
ensino de história e cultura africana, afro-brasileira e indígena nos livros didáticos da
Educação Básica. Como destaca Conceição (2015:29) “essa política de avaliação,
sobretudo a partir de 2003, vem a cada edital, alargando seus critérios e exigências em
relação à questão”. Podemos nos questionar: tal conjunto de mecanismos tem conseguido
garantir mudanças significativas e reconfigurações dos pressupostos que embasam as
abordagens e orientações sobre o ensino de história da África, nos manuais do professor
do livro didático de História do Ensino Médio?
Para responder ao questionamento, investigamos em manuais do professor de livros
didáticos de história do Ensino Médio, aprovados no PNLD 2015, as orientações teórico-
metodológicas e sugestões de atividades e materiais de leitura para alunos e professores
referentes aos conteúdos relacionados com a temática da educação das relações étnico-
raciais, e especialmente a cultura e história da África, em diálogo com a perspectiva teórica
e política-educacional dos estudos pós-coloniais latino-americanos e da constituição dos
saberes históricos escolares.
Compreendemos o saber escolar, como saber específico, caracterizado por
processos de didatização, nos quais “o professor é elemento fundamental tanto na
interpretação que fornece a esse conhecimento proposto como nos métodos que utiliza e
sua transmissão, com os meios de comunicação que dispõe” (Bittencourt, 2008:16). Os
saberes escolares associam os conhecimentos e conteúdos das ciências de referência,
processos culturais e as ações dos sujeitos no interior da escola e desta forma ressignificam

3
A formação do professor aparece em destaque, considerada tão importante quanto as revisões do currículo
e dos livros didáticos (Gomes Júnior, 2010).
os saberes de referência e acabam por se constituírem como saberes específicos e
caraterísticos da cultura escolar (Lima, M. 2013; Monteiro, 2010).
Consideramos que as abordagens e orientações sobre o ensino de história da África
nos manuais do professor podem contribuir para a construção de novos saberes históricos
escolares sobre a África e os africanos, embasando a atuação do professor em sala de aula,
e favorecendo a transformação do saber a ser ensinado em saber ensinado (Bittencourt,
2008) sobre história da África.
Em suas determinações, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das
Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana
afirmam que

a obrigatoriedade de inclusão de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana nos


currículos da Educação Básica trata-se de decisão política, com fortes repercussões
pedagógicas, inclusive na formação de professores […] não se trata de mudar um foco
etnocêntrico marcadamente de raiz europeia por um africano, mas de ampliar o foco dos
currículos escolares para a diversidade cultural, racial, social e econômica brasileira […]
provoca bem mais do que inclusão de novos conteúdos, exige que se repensem relações
étnico-raciais, sociais, pedagógicas, procedimentos de ensino, condições oferecidas para
aprendizagem, objetivos tácitos e explícitos da educação oferecida pelas escolas. [Brasil,
2004:8, grifos nossos]

Para além das exigências indicadas, incluiríamos a busca de novas epistemologias.


Epistemologias “outras”. Pois como apontam as referidas diretrizes, o combate à nossa
mentalidade racista e discriminadora passa pela superação do etnocentrismo europeu.
O etnocentrismo está na base de toda uma construção teórica de sustentação e
justificação do racismo. Como combater o racismo e a discriminação dele advinda sem
combater, questionar, desnaturalizar toda uma construção teórica na qual o racismo está
ancorado? O desafio que a legislação antirracista nos coloca, como educadores e
educadoras, passa pelo combate a uma geopolítica do conhecimento que estabelece como
válidos apenas os conhecimentos, discursos e epistemologias europeias. Negando,
ocultando, silenciando todas as outras formas de pensamento, conhecimentos. Os
conhecimentos “outros”, as epistemologias “outras”.
Dessa forma, em nossa pesquisa usamos como lentes teóricas os estudos pós-
coloniais latino-americanos, e de modo especial os estudos e discussões dos autores do
grupo de pesquisa Modernidade/Colonialidade como Walter Mignolo (2005, 2008, 2011),
Edgardo Lander (2005), Aníbal Quijano (2005), Arturo Escobar (2003), Nelson
Maldonado-Torres (2007) e Catherine Walsh (2008, 2009) em torno da colonialidade do
poder, do saber, do ser e da mãe natureza, que representam uma crítica consistente e
inovadora ao eurocentrismo, como perspectiva de conhecimento, e ao legado colonialista
(Conceição, 2015). Busca-se uma abordagem na perspectiva dos silenciados,
desqualificados, subalternizados (Ferreira, 2013), e valorizando o diálogo intercultural, a
partir da interculturalidade crítica (Walsh, 2008, 2009). Entendo a interculturalidade
“como princípio que orienta pensamentos, ações e novos enfoques epistêmicos […]
concebida, nessa perspectiva, como processo e como projeto político” (Oliveira e Candau,
2010:25).
As determinações da legislação antirracista para a educação surgem como resposta
à seleção cultural do currículo eurocentrado e à negação, silenciamento e exclusão de
outras história e epistemologias. O que nos leva ao diálogo com as teorias curriculares que
discutem a racialização do currículo, o papel da linguagem, a construção de significados e
das práticas discursivas na construção e naturalização da realidade social. Pensando o
conceito de raça, a partir de um processo histórico e discursivo de construção da diferença,
refletindo sobre a construção e naturalização da diferença como construção linguística e
discursiva mediadas por relações de poder. Em sintonia com as teorias pós-colonialistas
do currículo e sua análise da representação como construção da imagem do outro que
envolve a produção de subjetividades permeadas por relações de poder.
Como afirma Tomaz Tadeu da Silva (2013:127), “diferentemente das concepções
psicologistas de representação, a análise pós-colonial adota uma concepção materialista de
representação, na qual se focaliza o significante, e não a imagem mental, a ideia, o
significado” preocupando-se, portanto, com os meios materiais para a construção da
imagem do outro, os mecanismos da sua representação textual e imagética fundamentais
para a construção da identidade do outro e da nossa própria identidade. Neste sentido
buscamos pensar a construção histórica das imagens sobre a África e os africanos,
evidenciando as “complexas conexões entre saber, subjetividade e poder estabelecidas no
contínuo processo da história de dominação colonial” (Silva, 2013:127).
Busca-se problematizar a construção social da raça e dos processos de racialização
que embasam os discursos racistas em relação a africanos e, consequentemente, afro-
brasileiros, compreendendo o racismo para além de atitudes individuais, tomando-o como
fenômeno com bases institucionais, históricas e discursivas.
A percepção do racismo como fenômeno estrutural acompanha a tomada de
consciência e construção identitária da autora como mulher e professora negra, que não
guardando memórias de experiências pessoais com preconceito e discriminação racial
enquanto criança e ao longo da trajetória escolar, foi como professora que veio a perceber
a escola como espaço de manifestações racistas. Foi uma experiência marcante perceber
que alunos e alunas negras, ao exibirem sua inegável descendência africana, eram tratados
de forma diferenciada em relação aos(às) alunos(as) considerados(as) brancos(as).
Da perplexidade à ação, muito cedo percebemos a necessidade de bases teóricas
como instrumentalização para o trabalho educativo de combate ao racismo institucional,
de acordo com o qual episódios de forte e marcante discriminação racial seguiam ignorados
por muitos, passando facilmente despercebidos, sem intervenções, sem reflexões.
Aprendemos ao longo de duas décadas e meia de exercício de magistério que a
educação das relações étnico-raciais passa pela sensibilização, pela disputa e visibilização
de questões, reflexões coletivas e construção de sentimentos novos, inspiradores de novas
ações. Aprendemos que precisamos de parcerias não só com os(as) alunos(as), esses
sempre mais abertos às nossas discussões, mas também com os demais colegas
profissionais da escola, e principalmente com os(as) colegas professores(as).
Se o que está proposto em nossa legislação antirracista requer a construção de
novas formas de pensar e novas práticas pedagógicas, essa discussão precisa ser efetivada
por meio das políticas de formação do professor. Sendo o PNLD parte das políticas
públicas que buscam garantir a implementação da legislação antirracista e o Manual do
Professor do livro didático suporte para formação continuada do professor, pretendemos
averiguar em que medida as orientações teórico-metodológicas, as leituras e materiais
didáticos sugeridos e disponibilizados pelo Manual do Professor têm contribuído no
sentido de problematizar visões e versões históricas etnocêntricas, homogeneizantes e/ou
hierarquizantes de culturas e povos e quais caminhos percorre para a construção de
posturas e práticas pedagógicas mais plurais e interculturais.
A partir do diálogo entre a problemática e o referencial teórico da pesquisa,
definimos como objetivos específicos:
I- Historicizar e contextualizar a implantação da legislação antirracista no campo
da educação, analisando os desafios dessas políticas públicas para a produção
da escrita da história escolar e a formação de professoras e professores;
II- Destacar contribuições teórico-metodológicas dos estudos pós-coloniais para
questionamento e desnaturalização das perspectivas históricas eurocêntricas,
etnocêntricas, monocausais e cronológico-lineares, que serviram de base para
a criação, justificação e sustentação dos discursos racializados;
III- Analisar no Manual do Professor do livro didático de história do Ensino Médio,
das coleções selecionadas, as estratégias pedagógicas e atividades sugeridas
para ampliar as possibilidades do trabalho com a temática étnico-racial, e
especialmente com a cultura e história africana por meio de leituras, materiais
e projetos pedagógicos propostos;
IV- Construir no formato de Material de Apoio Didático para o(a) professor(a) de
história do Ensino Médio um Caderno de Leituras, intitulado As imagens da
África em discussão: invenção e reinvenções, buscando contribuir para pensar
historicamente a construção de imagens sobre a África, apresentando uma
perspectiva africana dessa construção. Além de sugerir e comentar referenciais
bibliográficos com orientações teórico-metodológicas para o trabalho com a
temática da educação das relações étnico-raciais relacionadas com história e
cultura africana.
A partir dos objetivos estabelecidos, e buscando o diálogo entre eles, organizamos
o resultado da pesquisa em três capítulos.
No capítulo intitulado “A legislação antirracista: contextualização e
problematizações”, partimos do processo colonialista do século XVI e sua escravidão
racializada para a compreensão da construção da percepção da cor negra enquanto estigma,
estigma da cor, que sobrevive ao fim do colonialismo e do escravismo. Buscamos
contextualizar e problematizar a construção das estruturas econômicas, políticas e culturais
responsáveis pela manutenção e naturalização das relações sociais racializadas que
caracterizam o pós-Abolição e a República no Brasil, bem como os processos de luta e
mobilização da população negra na construção da conjuntura que tornou possível a
promulgação de uma legislação antirracista voltada para a educação. Para em seguida
refletirmos sobre os significados da legislação e suas diretrizes curriculares e os desafios
das políticas públicas relacionadas com sua implementação.
No capítulo intitulado “Legislação antirracista e políticas de implementação: do
PNLD ao Manual do Professor”, buscamos analisar o Programa Nacional do Livro
Didático (PNLD) compreendendo-o como uma política pública que associa políticas de
avaliação, compra e distribuição de material didático qualificado e a formação continuada
de professores(as) por meio de suas especificações em editais das características e
finalidades do Manual do Professor entendido como “instrumento de complementação
didático-pedagógica e atualização para o docente” (Brasil, 2013c:42).
Destacando o PNLD entre as políticas de implementação da legislação antirracista
ao incluir entre as especificações de seus editais como critérios eliminatórios a obediência
às determinações da referida legislação, buscamos analisar ao longo de diferentes edições
do PNLD a evolução das especificações em relação à legislação antirracista e ao Manual
do Professor para identificar as contribuições, os desafios e as possibilidades representadas
pelo PNLD e suas avaliações tanto do livro didático de história do Ensino Médio quanto
do Manual do Professor.
O capítulo intitulado “O Manual do Professor: objeto e fonte de pesquisa”
corresponde à descrição dos caminhos da pesquisa. Procuramos caracterizar o Manual do
Professor levando em conta sua relação intrínseca com o livro didático e as especificações
dos editais ao longo de sucessivas edições do PNLD. Buscamos apresentar o panorama
nacional das pesquisas relacionadas com o Manual do Professor e, a partir disso, localizar
a presente pesquisa. Em seguida, esclarecemos os critérios de seleção de três entre 19
coleções de livros didáticos de história do Ensino Médio aprovadas no PNLD 2015 e
apresentamos o processo de análise dos manuais do professor selecionados, do qual
resultou a descrição da organização dos manuais, o quadro explicativo das orientações
teórico-metodológicas para o trabalho com a cultura e história da África e a análise geral
de cada uma das coleções de manuais do professor analisadas.
Nas “Considerações finais” apresentamos, em primeiro lugar, uma visão geral,
sobre os avanços e limites atuais, apontando a perspectiva africana como caminho possível
para a superação das ausências e incorporação das emergências4 representadas pelas vozes
e perspectivas africanas tanto na escrita didática da história quanto nas orientações teórico-
metodológicas do Manual do Professor.
Em seguida, como a parte propositiva deste trabalho, exigência que caracteriza o
programa de Mestrado Profissional em Ensino de História (ProfHistória), apresentamos o
Caderno de Leituras, discutindo a história da construção de imagens sobre a África e os
africanos e socializando sugestões de leituras sobre a cultura e história africana e
orientações teórico-metodológicas para o trabalho em sala de aula.

4
Aqui ausência é entendida como invisibilização, ocultamento e subalternização, e emergência pensada
como alternativas diante das possibilidades concretas, como proposto por Boaventura de Souza Santos (2004,
2007, 2010a).
2. A legislação antirracista: contextualização e problematizações

Ao longo deste capítulo discutiremos a racialização como construção histórica, utilizando


como lentes teóricas os estudos pós-coloniais latino-americanos que apontam a matriz
colonial do racismo e a manutenção de seus pressupostos, que sobrevivem ao fim do
colonialismo, nas relações mundiais e no sistema internacional de poder que marcam, por
exemplo, as relações de dominação e exploração do Norte sobre o Sul na atualidade. Numa
visão global que amplia a perspectiva do marxismo e da teoria pós-colonial anglo-saxônica
(Castro-Gómez, 2005), questionando o padrão eurocêntrico, caracterizado pela
monocultura e homogeneização e marcado pelas relações de poder construídas na
modernidade.
Compreendendo a escravidão racializada que marca a colonização brasileira como
parte da formação de um novo sistema de poder mundial, organizado a partir da
colonização europeia na América e tendo como base a classificação e hierarquização da
população mundial a partir da ideia de raça (Quijano, 2005), cujas consequências nefastas
para as populações negra e indígena do país sobrevivem ao fim do colonialismo e da
escravidão, buscamos historicizar as disputas e mobilizações em torno da educação da
população negra brasileira.
O resgate dos processos de exclusão e abandono protagonizados pelo Estado e de
resistência, organização e mobilização protagonizados pelo movimento negro em prol da
temática da educação nos permite contextualizar a aprovação e implementação da
legislação antirracista, compreendendo-a como uma conquista.
E finalmente buscamos refletir sobre os significados, possibilidades e desafios para
nossa escrita didática da história, sobretudo no que se refere à história da África e dos
africanos, e os desafios que se apresentam em torno dos processos de implementação da
legislação antirracista e da educação das relações étnico-raciais em nosso país.

2.1 A racialização como construção histórica

Para os afrodescendentes e indígenas em nosso país, a luta por reconhecimento e


valorização de sua história e identidade étnica passa pela desconstrução da ideia de raça
relacionada COM A classificação e hierarquização da população mundial. Para o sociólogo
peruano Aníbal Quijano (2005), trata-se de uma construção mental associada à experiência
da dominação colonial da América a partir do século XVI e que a partir do século XVIII
teria se expandido mundialmente.

A ideia de raça, em seu sentido moderno, não tem história conhecida antes da América.
Talvez se tenha originado como referência às diferenças fenotípicas entre conquistadores
e conquistados, mas o que importa é que desde muito cedo foi construída como referência
a supostas estruturas biológicas diferenciais entre esses grupos. [Quijano, 2005:107]

Com a colonização da América surge a ideia de raça em seu sentido moderno,


associada a um padrão de poder marcado por processos de racialização, classificação das
populações em raças e racionalização, processo de controle do saber, do trabalho e de seus
recursos e produtos (Ferreira, 2013). Ou seja, a partir da colonização da América ocorre a
elaboração teórica da ideia de raça como naturalização das relações de dominação entre
europeus e não europeus, convertendo-se “no primeiro critério fundamental para a
distribuição da população mundial nos níveis, lugares e papéis na estrutura de poder da
nova sociedade. Em outras palavras, no modo básico de classificação social universal da
população mundial” (Quijano, 2005:108).
Na América colonial foram produzidas identidades sociais antes não existentes,
como índios, negros e mestiços. E “as novas identidades históricas produzidas sobre a ideia
de raça foram associadas à natureza dos papÉis e lugares na nova estrutura global de
controle do trabalho” (Quijano, 2005:108), definindo o lugar que os distintos grupos
passam a ocupar na divisão do trabalho, cabendo aos europeus o trabalho assalariado, aos
indígenas a servidão e aos negros a escravidão.
No contexto do colonialismo do século XVI, com a criação de tais identidades, os
habitantes da África, apesar de toda a diversidade ética e cultural do continente, passam A
ser identificados a partir de uma identidade racializada e homogeneizadora: negro.
Identidade que na associação entre classificação racial e divisão de trabalho transforma o
negro em escravo. A partir daí, como destaca José D’Assunção Barros (2009:44)
“estaremos diante de um novo sistema escravista que abarca uma extensão oceânica,
apresenta muito mais intensidade comercial e vai se nutrir de escravos trazidos
exclusivamente da África”. Trata-se de uma escravidão racializada, modelo que se
diferencia dos anteriores, visto que nele “um indivíduo não está escravo, ele é escravo”
(Barros, 2009:34, grifos do autor), porque a cor da pele passa a se constituir como critério
socialmente selecionado para diferenciar seres humanos livres e escravizados.

Toda a violência maior do modelo de estratificação social típico do Brasil Colonial esteve
alicerçada neste deslocamento, nesta transformação de uma contradição em contrariedade,
nesta estratégia social imobilizadora que transmuta uma circunstância em essência.
[Barros, 2009:34]

Consequentemente associada à escravidão moderna, a percepção social da cor


negra tornou-se um estigma que passou a acompanhar não só o liberto, como os seus
descendentes. E, dessa forma, mesmo no período pós-colonial,

a percepção de uma diferenciação “racial” entre negros e brancos continuou contudo a


fazer parte das percepções sociais mais significativas. A cor, na realidade brasileira pós-
colonial, passou então a constituir uma diferença que habita o plano da essencialidade
social e política. [Barros, 2009:51]

A partir da ideia de raça foram criadas e hierarquizadas identidades sociais (índio,


negro, mestiço, branco) e identidades geográficas (classificadas de acordo com a suposta
posição racial de seus habitantes) que permanecem vivas no imaginário social
contemporâneo. Essa continuidade do padrão de hierarquização e classificação das
populações baseadas no conceito de raça constitui o que Quijano (2005) chama de
colonialidade do poder.
Na América colonial racializada conviveram articuladas todas as formas de
controle e exploração do trabalho (escravidão, servidão, pequena produção, reciprocidade
e assalariamento) e de controle da produção-apropriação-distribuição de produtos e em
função do mercado mundial. Unindo os dois elementos, raça e divisão do trabalho, em
torno da colonialidade do poder. A partir do século XVIII e da expansão mundial da
dominação colonial, o mesmo critério de classificação racial foi imposto a toda A
população mundial em escala global com a inclusão de novas identidades históricas e
sociais: amarelos e azeitonados.
Foi a partir da colonização da América que a Europa, transformada em centro do
mundo capitalista, além do controle do mercado mundial, pôde impor seu domínio colonial
sobre todas as regiões e populações do planeta incorporadas ao sistema-mundo e seu
padrão de poder. E

como parte do novo padrão de poder mundial, a Europa também concentrou sob sua
hegemonia o controle de todas as formas de controle da subjetividade, da cultura, e em
especial do conhecimento, da produção do conhecimento. [Quijano, 2005:110]

Para Quijano (2005:114), “a colonialidade do poder desempenhará um papel de


primeira ordem nessa elaboração eurocêntrica da modernidade”. E a partir dela os europeus
se apresentam como os exclusivos portadores, construtores e protagonistas da
modernidade. O autor chama a atenção para o fato de os europeus terem sido “capazes de
difundir e estabelecer essa perspectiva histórica como hegemônica dentro do novo
universo intersubjetivo do padrão mundial de poder” (Quijano, 2005:112). Para tanto, cada
um dos âmbitos da existência social passa a estar sob a hegemonia de uma instituição
produzida dentro do processo de formação e desenvolvimento do atual padrão de poder:

Assim, no controle do trabalho, de seus recursos e de seus produtos, está a empresa


capitalista; no controle do sexo, de seus recursos e produtos, a família burguesa; no
controle da autoridade, seus recursos e produtos, o Estado-nação; no controle da
intersubjetividade, o eurocentrismo. [Quijano, 2005:113, grifos nossos]

E a relação de interdependência entre essas instituições constitui um sistema, o


primeiro no qual o seu padrão de poder cobre a totalidade da população do planeta, o
primeiro sistema-mundo global. Sua origem está na conquista da América e no sistema
colonial, sistema-mundo colonial. É ele que vai permitir a elaboração intelectual da
modernidade como fenômeno europeu, “essa é a mentira do conceito de modernidade”
(Quijano, 2005:114).
A relação entre os conceitos de modernidade e colonialidade marca as teorizações
do grupo de pesquisa Modernidade/Colonialidade.5 O que o grupo define como
modernidade europeia se caracteriza pela construção de sua “centralidade”, relegando à
periferia todas as outras culturas. O termo colonialidade se refere ao padrão de poder

5
Grupo de caráter heterogêneo e transdisciplinar formado por intelectuais da América Latina, destacando-
se entre eles: o filósofo argentino Enrique Dussel, o sociólogo peruano Aníbal Quijano, o semiólogo e teórico
cultural argentino-norteamericano Walter Mignolo, o sociólogo porto-riquenho Ramón Grosfoguel, a
lingüista norte-americana Catherine Walsh, o filósofo porto-riquenho Nelson Maldonado Torres.
estabelecido pelo colonialismo e que “se relaciona à forma como o trabalho, o
conhecimento, a autoridade e as relações intersubjetivas se articulam entre si através do
mercado capitalista mundial e da ideia de raça” (Maldonado-Torres, 2007:131).
A articulação entre os dois conceitos define o principal postulado do grupo: “a
colonialidade é constitutiva da modernidade, e não derivada” (Mignolo, 2005:36). Ou seja,
modernidade não existe sem colonialidade. A “centralidade” europeia, baseada nas
relações hierarquizadas com os outros povos do planeta, só foi possível após a conquista,
dominação e exploração desses outros povos. Elas representam as duas fases de uma
mesma moeda: “a configuração da modernidade na Europa e da colonialidade no resto do
mundo” (Mignolo, 2005:36).
Para estes autores, relacionados com os estudos pós-coloniais latino-americanos, a
colonialidade representa a parte simbólica e subjetiva do colonialismo, relacionada com a
subalternização de seres, saberes, epistemologias e representações de mundo, e que
sobrevive ao fim do colonialismo. Nelson Maldonado-Torres (2007) diferencia
colonialismo e colonialidade afirmando que

Colonialidad no significa lo mismo que colonialismo. Colonialismo denota una relación


política y económica, en la cual la soberanía de un pueblo reside en el poder de otro
pueblo o nación, lo que constituye a tal nación en un imperio. Distinto de esta idea, la
colonialidad se refiere a un padrón de poder que emergió como resultado del colonialismo
moderno, pero que en vez de estar limitado a una relación formal de poder entre dos
pueblos o naciones, más bien se refiere a la forma como el trabajo, el conocimiento, la
autoridade y las relaciones intersubjetivas se articulan entre sí, a través del mercado
capitalista mundial y de la idea de raza. Así, pues, aunque el colonialismo precede a la
colonialidad, la colonialidad sobrevive al colonialismo. La misma se mantiene viva en
manuales de aprendizaje, en el criterio para el buen trabajo académico, en la cultura, el
sentido común, en la auto-imagen de los pueblos, en las aspiraciones de los sujetos, y en
tantos otros aspectos de nuestra experiencia moderna. En un sentido, respiramos la
colonialidad en la modernidad cotidianamente. [Maldonado-Torres, 2007:131]

A colonialidade apresenta-se teorizada nos estudos pós-coloniais latino-


americanos a partir de seus diferentes e complementares aspectos. Posto que a
colonialidade do poder, relacionada com construção e manutenção de hierarquias e
desigualdades sociais, está associada à colonialidade do saber, relacionada com o
etnocentrismo europeu como imposição de racionalidades, conhecimentos e
epistemologias europeias e sua busca por homogeneização cultural, a partir de padrões
eurocêntricos.
A colonialidade do saber pode ser “entendida como a repressão de outras formas
de produção de conhecimento não europeias, que nega o legado intelectual e histórico de
povos indígenas e africanos, reduzindo-os, por sua vez, à categoria de primitivos e
irracionais, pois pertencem a ‘outra raça’” (Oliveira e Candau, 2010:20). Opera com a
colonialidade do ser, por meio da inferiorização, subalternização e desumanização do
outro (Walsh, 2008), a quem se nega o estatuto de humanidade. Esse outro, o diferente,
destituído de sua humanidade, torna-se alvo de processos de violência, exploração e
genocídio.
A colonialidade do ser impacta negativamente a formação das identidades não
hegemônicas, como negros e indígenas. Podendo levar à dificuldade de aceitação de suas
próprias características étnicas, quando se encontram subalternizadas. Em uma espécie de
negação de si mesmo no plano individual que dificulta ou impede a organização, ação e
mobilização como grupo, contribuindo assim para a manutenção das diferenças raciais.
E, por fim, temos a colonialidade da mãe-natureza, “que encontra sua base na
divisão binária natureza/sociedade, descartando o mágico-espiritual-social, a relação
milenarista entre mundos biofísicos, humanos e espirituais, incluindo o dos ancestrais, e
que dá sustento aos sistemas integrais de vida e a humanidade mesma” (Walsh, 2008:138).
Relaciona-se com a subalternização da natureza e também dos povos campesinos e seus
saberes, modos de vida e conhecimentos.
Os estudos pós-coloniais latino-americanos apontam os referidos aspectos da
colonialidade como características da formação dos Estados nacionais construídos na
América, pois a perspectiva eurocêntrica que orientou essa formação levou a elite
branca/criolla a perceber seus interesses associados aos da elite branca europeia e norte-
americana. Essas elites “rompem com o colonialismo, mas não com a colonialidade. E
afirmam sua ‘americanidade’ sem deixar de ser europeus e, ao mesmo tempo, demarcam
sua diferença em relação aos ameríndios e aos afro-americanos” (Quental, 2012:69),
consideradas identidades subalternas, excluídas de processos político-administrativos e
sujeitas a processos de genocídios, escravidão, segregação e exclusões sociais.
No caso brasileiro, o fim do colonialismo coincide com a constituição de um Estado
nacional e uma monarquia que mantiveram a escravidão racializada como pilar de
sustentação. Se a monarquia brasileira não sobrevive ao fim do escravismo, a construção
da República será marcada pelo esforço intelectual e político da elite para a manutenção
da diferenciação racial como característica nacional.
Iniciamos a República como uma nação reconhecidamente mestiça, uma
“sociedade de raças cruzadas” (Romero apud Schwarcz, 1993:11) e, no contexto que
corresponde ao pós-Abolição no Brasil, raça é um conceito experimentado e
constantemente negociado por nossas elites estando sua discussão associada aos critérios
de cidadania. Lilia Moritz Schwarcz (1993, 2006) nos chama atenção não só para a
acolhida entusiasta de modelos evolucionistas e social-darwinistas por parte dos nossos
estabelecimentos científicos de ensino e pesquisa (museus etnográficos, faculdades de
direito e medicina e os institutos históricos e geográficos) no final do século XIX, mas,
especialmente, para a seleção, negociação e originalidade na adoção desses modelos
externos. Pois se os modelos adotados serviam para justificar cientificamente as
hierarquias construídas em nossa sociedade, por outro lado, sua interpretação negativa e
pessimista da mestiçagem inviabilizava um projeto nacional.

É na brecha desse paradoxo — no qual reside a contradição entre a aceitação da existência


de diferenças inatas e o elogio do cruzamento — que se acha a saída original encontrada
por esses homens de ciência, que acomodaram modelos cujas decorrências teóricas eram
originalmente diversas. Do darwinismo social adotou-se o suposto da diferença entre as
raças e sua natural hierarquia, sem que se problematizassem as implicações negativas da
miscigenação. Das máximas do evolucionismo social sublinhou-se a noção de que as raças
humanas não permaneciam estacionadas, mas em constante evolução e “aperfeiçoamento”,
obliterando-se a ideia de que a humanidade era uma. Buscavam-se, portanto, em teorias
formalmente excludentes, usos e decorrências inusitados e paralelos, transformando
modelos de difícil aceitação local em teorias de sucesso. [Schwarcz, 1993:18]

As construções teóricas que marcaram o pós-Abolição no Brasil estiveram


relacionadas com a introdução seletiva das teorias raciais no país e a negociação do
conceito de raça, por meio da seleção de autores evolucionistas e darwinistas sociais, como
o conde de Gobineau (Schwarcz, 2006), que defendeu a imigração europeia para o Brasil
para substituição à população negra, indígena e mestiça, fadada ao desaparecimento. No
artigo “O Brasil de 1873, segundo Gobineau” publicado em 1874, “postula a inferioridade
biológica do negro e do índio em relação ao branco, assim como apresenta a miscigenação
como algo negativo, na medida em que os mestiços constituiriam uma raça em processo
de degeneração” (Rocha, 2004:19).
Postulados como os de Gobineau inspiraram as soluções racistas apontadas pelos
“homens de ciência” do Brasil, notadamente aqueles reunidos nas faculdades de medicina
e direito do país. Os métodos eugênicos e de contenção e separação da população
defendidos pelas faculdades baiana e carioca de medicina, com destaque para as ideias do
médico Nina Rodrigues, e o branqueamento evolutivo e darwiniano ou externamente
motivado — via imigração europeia — defendido pelas faculdades pernambucana e
paulista de direito, com destaque para as ideias de Silvio Romero (Schwarcz, 2006),
caracterizam o teor racial da ciência produzida no país.
Diante nosso caráter mestiço, Silvio Romero apontava “um branqueamento
evolutivo e darwiniano ou externamente motivado — via a imigração europeia branca —,
nosso futuro e solução” (Schwarcz, 2006:26). Projeto implementado pela elite e o governo
paulista com os projetos de imigração de mão de obra europeia.
Na obra Mestiçagem, crime e degenerescência, o médico Nina Rodrigues, ao
analisar casos de alienação, estabelece uma relação direta entre cruzamento racial e
loucura. Suas ideias refletem o pessimismo do racismo brasileiro em sua condenação à
mestiçagem. Advogando a inferioridade de negros e mestiços, defendia a existência de
códigos penais diferenciados para negros e brancos. Sob sua liderança, a faculdade baiana
de medicina busca inspiração na escola de criminologia italiana para destacar um perfil de
criminosos, associado aos mestiços e negros como prova de degeneração e
enfraquecimento da raça.
Desta forma “os exemplos de embriaguez, alienação, epilepsia, violência ou
amoralidade passavam a comprovar os modelos darwinistas sociais em sua condenação do
cruzamento, em seu alerta à ‘imperfeição da hereditariedade mista’” (Schwarcz, 2006:27).
Em nome de tais conclusões, o Código Penal era criticado ao apregoar a igualdade legal:
“O código penal está errado, vê crime e não criminoso […]. Não pode ser admissível em
absoluto a igualdade de direitos, sem que haja ao mesmo tempo, igualdade na evolução”
(Gazeta Médica da Bahia apud Schwarcz, 2006:27).
Já as pesquisas da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro estiveram mais
relacionadas com a questão da higiene pública e o combate das grandes epidemias ligadas
às doenças contagiosas, como a tuberculose, e das doenças tropicais. Sem dissociá-las da
questão racial ao considerar que as doenças teriam vindo da África e que a miscigenação
seria a fonte de nosso enfraquecimento biológico (Schwarcz, 2006). Assim, no início do
século XX, a questão da higiene passa a ser vinculada a fatores como pobreza e populações
mestiças e negras, e nossos “homens de ciência” passam a defender métodos eugênicos de
contenção e separação dessas populações em projetos cada vez mais agressivos e
autoritários.
As orientações dos “homens de ciência” marcam a ação do Estado brasileiro,
caracterizada, de um lado, pelo fomento à imigração europeia e à ideologia do
branqueamento, e, do outro, pela política genocida de contenção, separação e abandono da
população de negros e mestiços, a transformação dos problemas e lutas sociais decorrentes
da mesma em caso de polícia e “a eliminação física dos ditos marginais, bem como de
pessoas negras ‘confundidas’ com marginais pela polícia” (Silva, 2009:20).
No pós-Abolição no Brasil o discurso científico esteve associado a processos de
seleção e negociação de teorias raciais que sustentaram e justificaram teoricamente
políticas eugenistas, de higienização e de branqueamento da população em uma sociedade
marcada pelo uso da raça como critério de estruturação das relações sociais e por
desigualdades ocupacionais e educacionais entre brancos e não brancos (Hasenbalg, 2005).
A perspectiva representada pelos estudos pós-coloniais latino-americanos destaca
o papel do discurso científico da modernidade, que ancorado nas noções de raça e cultura
e operando com identidades opostas e conceitos binários6 na construção dos critérios
científicos para a representação do outro, naturaliza e justifica as desigualdades
construídas seja na organização do sistema-mundo moderno-colonial, com a
hierarquização de povos e regiões do planeta, seja na organização dos Estados nacionais e
sua noção de cidadania homogênea e excludente, em torno do sujeito privilegiado no
projeto da modernidade, ou seja, o

homem, branco, pai de família, católico, proprietário, letrado e heterossexual. Os


indivíduos que não cumpram com estes requisitos (mulheres, empregados, loucos,
analfabetos, negros, hereges, escravos, índios, homossexuais, dissidentes) ficarão de fora
da “cidade letrada”, reclusos no âmbito da ilegalidade, submetidos ao castigo e à terapia
por parte da mesma lei que os exclui. [Castro-Gómez, 2005:81-82]

Para Castro-Gómez (2005), coube à ciência a construção dos discursos


hegemônicos em torno da educação da população e o estabelecimento dos critérios
científicos para as políticas e as instituições estatais (escola, hospitais, prisões) ligadas à

6
Barbárie-civilização, centro-periferia, mito-ciência, atraso-progresso, racional-irracional.
necessidade de disciplinamento e orientação para o trabalho. É possível identificar no caso
brasileiro a associação descrita pelo autor entre controle da produção de conhecimento e
controle e disciplinarização de populações. Pois aqui também temos o discurso científico
legitimando a organização e as práticas das instituições de segregação, controle,
disciplinamento, higienização e educação da população, como hospitais, hospícios,7
prisões e escolas.8
Entre os aspectos originais de nossa peculiar e seletiva leitura de teorias raciais está
a aceitação das diferenças e hierarquias raciais, por um lado, e, por outro, certa positivação
da ideia da mestiçagem que se torna mais evidente na década de 1930 a partir da obra
Casa-grande & senzala, de Gilberto Freyre, publicada em 1933. Para Lilia Moritz
Schwarcz,

Se a análise de Freyre é emblemática, porque qualificava positivamente a sociedade


senhorial e via a miscigenação apenas por seu lado mais positivo e cordial —
desconhecendo ou pouco destacando a violência inerente a esse sistema —, contudo
revelava temas fundamentais. […] Nesse sentido, a obra de G. Freyre não teria sido aceita
exclusivamente pelo que não dizia. Ao contrário, sua popularidade vem da afirmação de
que a questão racial é fundamental entre nós e que é preciso que levemos a sério a
singularidade de nosso processo de socialização e de formação. [Schwarcz, 2006:33]

Como outros antes de si, Freyre acaba por destacar a miscigenação como marca
local. Sua obra seria responsável por oferecer sistematização e status científico ao mito da
democracia racial. Embora, como pontua Silva (2015), o autor não tenha formulado o
conceito, nem usado a expressão em seu livro.
Na sociedade brasileira do pós-Abolição, caracterizada pelo antagonismo racial,
construções teóricas como o mito da democracia racial foram utilizadas como “forma de
confundir e escamotear até para o próprio negro, a sua situação de discriminado e
marginalizado” (Silva, 2009:20), o que serviu para ocultar o nosso racismo estrutural e a

7
Neste sentido, Daniela Arbex, no livro Holocausto brasileiro (Arbex, 2013), nos aponta como modelo
exemplar, o Colônia, o maior hospício do Brasil, localizado em Barbacena (MG), fundado em 1903 e no qual
entre as décadas de 1930 e 1980 milhares de pessoas sem diagnóstico de doença mental (epiléticos,
prostitutas, alcoólatras, homossexuais, mulheres confinadas pelos maridos, meninas grávidas por patrões,
moças que perderam a virgindade, entre outros indesejáveis) foram internadas à força; muitas chegavam em
trens, destinados a recolhê-las, e lá foram torturadas, violentadas e mortas. Para a autora, na Colônia ocorreu
um holocausto praticado pelo Estado, com a conivência de médicos, funcionários e da população, que
contabilizou por volta de 60 mil mortes.
8
Sobre o papel disciplinar da instituição escolar, indicamos a leitura de Arqueologia de la escuela (Varela e
Alvarez-Uria, 1991).
situação de desvantagem em que foram colocados os afrodescendentes como fruto do
tratamento desigual em termos econômicos, sociais e culturais que se estende ao longo da
República brasileira.
Florestan Fernandes, nos anos 1950, critica a obra de Gilberto Freyre por construir
uma visão idílica de nossas relações étnico-raciais. No entanto, ao buscar na degradação
pela escravidão, na anomia social, na pauperização e na integração deficiente (fatores do
passado, resquícios da escravidão) a explicação para a dificuldade de integração do negro
na nova sociedade (Rocha, 2004), construirá seu próprio mito, o mito da anomia social.
Apenas no final da década 1970, Carlos Hasenbalg, no livro Discriminação e
desigualdades raciais no Brasil, relacionará desigualdade social entre brancos e negros no
Brasil e práticas de racismo e discriminação no pós-Abolição. Ao firmar que “os princípios
mais importantes da ideologia da democracia racial são a ausência de preconceito e
discriminação racial no Brasil e, consequentemente, a existência de oportunidades
econômicas e sociais iguais para negros e brancos” (Hasenbalg, 2005:251), o que
contribuiu para a desmobilização do negro e a legitimação das desigualdades raciais no
país. Além do impacto no campo acadêmico, a obra obteve grande repercussão entre os
militantes negros por denunciar a existência do racismo estrutural e combater o mito da
democracia.
No entanto, apesar das denúncias e questionamentos que remontam à década de
1970, o mito da democracia racial persiste no imaginário nacional imbricado ao nosso
racismo peculiar, o “racismo à brasileira” (Silva, 2009), espécie de racismo envergonhado
e que se afirma pela própria negação, à medida que oculta seus mecanismos diretos de ação
e ao mesmo tempo produz a subalternização dos sujeitos racializados e de suas
epistemologias, pela articulação dos diferentes aspectos da colonialidade citados
anteriormente.9
Em suas lutas e mobilizações, os povos indígenas e afrodescendentes têm se
contraposto à colonialidade em seus diferentes aspectos. No campo da educação, da busca
por superar as interdições e seletividade nos espaços de conhecimento no final do século
XIX e início do século XX à exigência de inclusão da história da África, dos
afrodescendentes e indígenas no currículo escolar, foram suas lutas, mobilizações e
proposições que ajudaram a construir a conjuntura que tornou possível a aprovação e
implementação de uma legislação antirracista no país.

9
Colonialidade do poder, do saber, do ser e da mãe-natureza.
2.2 A legislação antirracista como conquista

Luiz Alberto Oliveira Gonçalves e Petronilha Beatriz Gonçalves Silva (2000) apontam a
exclusão e o abandono como eixos estruturadores da educação da população negra
brasileira.
Destacam-se no final do século XIX as escolas noturnas dedicadas ao preparo de
adultos para o trabalho, que representaram “uma estratégia de desenvolvimento da
instrução pública, tendo em seu bojo poderosos mecanismos de exclusão, baseados em
critérios de classe (excluíam-se abertamente os cativos) e de raça (excluíam-se também os
negros em geral, mesmo que fossem livres e libertos)” (Gonçalves e Silva, 2000:136), e os
embates que precederam a Lei do Ventre Livre de modo que no ato de sua aprovação ela
isentava senhores de “qualquer responsabilidade quanto à instrução das crianças nascidas
livres de mulheres escravas” (Fonseca apud Gonçalves e Silva, 2000:137), facultando-lhes
o direito de explorar o trabalho das mesmas até os 21 anos de idade.
Desta forma, embora a lei garantisse a educação das crianças negras e livres
entregues ao Estado mediante indenização, a maioria dos senhores preferiu a sua
exploração como mão de obra, diante da passividade e omissão do Estado (Gonçalves e
Silva, 2000).
Na primeira metade do século XX o destaque ficou para a atuação de movimentos
negros como a Frente Negra Brasileira (FNB), em São Paulo, e o Teatro Experimental do
Negro (TEN), no Rio de Janeiro.
De modo geral, a população negra adentra o século XX relegada ao abandono e
neste contexto surgem os primeiros movimentos de protestos, criando, já no início da
República, suas próprias organizações (entidades ou sociedades negras), “cujo objetivo era
aumentar sua capacidade de ação na sociedade para combater a discriminação racial e criar
mecanismos de valorização da raça negra. Entre as reivindicações, destaca-se o direito à
educação” (Gonçalves e Silva, 2000:139). E diante da ausência de uma política
educacional para a população negra, por parte do Estado republicano, as entidades negras
assumiram para si a tarefa, passando a oferecer iniciativas educacionais próprias. Neste
sentido, a experiência educacional mais completa foi empreendida pela Frente Negra
Brasileira, interrompida na Ditadura Vargas com o fechamento da entidade.
A importância atribuída à educação pelo movimento negro no início da República
está retratada nos jornais da imprensa negra paulista, dos anos 1920 e 1930, como O
Alfinete, O Kosmos, A Voz da Raça e o Clarim D’Alvorada, entre outros. Neles a educação
é apontada como instrumento de ascensão social, os pais são incentivados a encaminharem
os filhos à escola e os adultos a se alfabetizarem. Os referidos jornais buscavam realizar
um trabalho de convencimento da importância da leitura e escrita, devendo-se em prol
delas se abrir mão de horas de lazer e descanso do trabalho (Gonçalves e Silva, 2000).
No entanto, apesar das críticas em torno da falta de apoio do governo ao trabalho
educativo das entidades negras e ao tratamento dado aos alunos e alunas negras nos
estabelecimentos de ensino oficiais, a educação aparece como obrigação das famílias e não
como um dever do Estado. Gonçalves e Silva (2000:146) explicam que “a ação dos
movimentos negros se constituía muito mais na autonomia do que na tutela. Pouco se
esperava do Estado, porque se desconfiava dele”.
No governo Vargas, à medida que vai se consolidando o Estado Nacional, o
movimento negro vai adquirindo características nacionais. Após a queda da Ditadura
Vargas, sob a liderança de Abdias Nascimento, o Teatro Experimental do Negro (TEN)
desempenha papel importante na mobilização nacional dos negros em torno da
Constituinte de 1946. Entretanto, o Manifesto à Nação Brasileira com as proposições das
lideranças negras a serem integradas no texto constitucional não encontrou apoio
parlamentar e até a União Nacional dos Estudantes (UNE) “retirou seu apoio inicial,
acusando o trabalho de defesa dos afro-brasileiros de racismo ao inverso” (Gonçalves e
Silva, 2000:148).
Instigados mais uma vez a assumirem por si sós a defesa dos interesses da
população negra, os movimentos negros retomam o combate ao racismo. Porém, o projeto
político do TEN aponta a educação como direito dos cidadãos e indiscutivelmente dever
do Estado. Seus idealizadores criticaram o modelo paulista afirmando que assumir para si
a tarefa da educação dos negros apenas contribuía para manter o isolamento dessa
população.
A década de 1950 será marcada pela busca de alianças com setores progressistas
da sociedade. No meio acadêmico, a aproximação entre pesquisadores como Guerreiro
Ramos, Roger Bastide e Florestan Fernandes, entre outros, e as organizações negras
resultou em trabalhos que inauguram a crítica à realidade nacional. Na imprensa negra o
combate aos preconceitos raciais se dará em torno do tema da negritude e das ideias de
pensadores negros como Aimé Cesaire e Léopold Senghor.
A atuação do movimento negro no início da segunda metade do século XX é
marcada pelo combate à tese da democracia racial e o questionamento das concepções
acadêmicas que buscavam explicar as desigualdades raciais pela via da infraestrutura
econômica, e a criação do Movimento Negro Unificado (MNU) em 1978. No Programa de
Ação do MNU, aprovado em 1982,

Entre as estratégias de luta, propunha-se uma mudança radical nos currículos, visando a
eliminação de preconceitos e estereótipos em relação aos negros e à cultura afro-brasileira
na formação de professores com o intuito de comprometê-los no combate ao racismo na
sala de aula. Enfatiza-se a necessidade de aumentar o acesso dos negros em todos os níveis
educacionais e de criar, sob a forma de bolsas, condições de permanência das crianças e
dos jovens negros no sistema de ensino. [Programa de Ação apud Gonçalves e Silva,
2000:151]

A mobilização para inclusão nos currículos brasileiros da História da África e do


negro no Brasil, reivindicação da Frente Negra Brasileira nos anos 1930, é retomada pelo
MNU. Isso se dá em um período marcado por experiências de educação comunitária,
especialmente no Rio de Janeiro, vinculadas às escolas de samba e em Salvador, ligadas
aos blocos afros e afoxés.
A temática da educação se fortalece na década de 1980, marcada por “um amplo
debate sobre a importância de um currículo escolar que refletisse a diversidade étnico-
racial da sociedade brasileira” (BRASIL, 2013a:7). Nos debates do momento, Gomes
Júnior (2010) destaca a preocupação com a tríade: conteúdo, livro didático e professor. A
História aparece como a disciplina que mais preocupa o movimento negro que reivindica
a inclusão de História da África e dos afro-brasileiros como conteúdo escolar, questiona o
livro didático enquanto transmissor de estereótipos e preconceitos e a formação do
professor, considerada tão importante quanto às revisões de currículos e livros didáticos.
O autor defende que

os anos de 1980 foram muito importantes na construção de propostas e princípios que


viessem a levantar a bandeira da identidade negra no espaço educacional e em outros
espaços que antecedem à escola. Este debate já como amadurecimento de décadas
anteriores será o pontapé para novas conquistas nas décadas posteriores, o que não quer
dizer que a realidade posterior seja perfeita. [Gomes Júnior, 2010:152]
Para Gonçalves e Silva (2000:155), o movimento negro passou a década de 1980
“envolvido com as questões da democratização do ensino” e entre seus protagonistas
destaca-se o feminismo negro. O movimento dos docentes das escolas públicas (marcado
pela predominância feminina) é apontado como o grande aliado do movimento de
mulheres negras.
A década de 1990, por sua vez, será marcada pelas discussões em torno da
diversidade cultural e do acesso da população negra ao Ensino Superior e pela criação de
núcleos e centros de estudos afro, afro-orientais e afro-brasileiros em diversas
universidades do país.
Do rico processo que associou uma reivindicação histórica, forte mobilização
coletiva no final do século XX e uma conjuntura favorável construída no início do século
XXI, surge a Lei no 10.639/2003 alterando a Lei no 9.394/1996 que estabelece as diretrizes
e bases da educação nacional, para incluir a obrigatoriedade da temática “História e Cultura
Afro-Brasileira” no currículo oficial das redes de ensino. A partir dela, o conteúdo
programático inclui o estudo da história da África e dos africanos, as mobilizações e
reivindicações da população negra no Brasil, a cultura negra brasileira e o resgate da
participação de africanos e afrodescendentes nas áreas social, econômica e política na
história do Brasil.
A Lei no 10.639/2003 surge como fruto de mobilizações históricas do movimento
negro e do contexto histórico do final do século XX e início do século XXI, marcado por
acontecimentos como a redemocratização do país que possibilitou a rearticulação e o
fortalecimento dos diversos movimentos sociais, entre eles o movimento negro; a
promulgação da Constituição Federal de 1988, caracterizada pela perspectiva do estado
democrático de direito, que reconheceu a existência no país de problemas de discriminação
racial, étnica e de gênero; a Marcha Zumbi dos Palmares contra o Racismo, pela
Cidadania e a Vida realizada em 1995 e o documento elaborado por seus organizadores
denunciando a situação do negro brasileiro e sugerindo políticas de superação do racismo
e das desigualdades raciais no Brasil; o Seminário Internacional Multiculturalismo e
Racismo: o papel da ação afirmativa nos estados democráticos contemporâneos, realizado
pelo Ministério da Justiça em 1996; a 3a Conferência Mundial contra o Racismo, a
Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, de Durban em 2001, e a
eleição de um governo de centro-esquerda em 2002 (Silva, Ferreira e Silva, 2013),
desencadeando cada um desses acontecimentos importantes desdobramentos que
culminaram em várias ações governamentais, entre elas, a promulgação da referida Lei e
outros marcos legais como as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das
Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana
(Parecer CNE/CP no 03/2004 e a Resolução CNE/CP no 01/2004, respectivamente) e a Lei
no 11.645/2008 que torna obrigatória a temática “História e Cultura Afro-Brasileira e
Indígena” no currículo oficial da rede de ensino.
Com dois vetos e um texto sintético, a Lei no 10.639/2003 não especifica ou
regulamenta o trabalho com a temática da história e cultura africana e afro-brasileira, o que
ficou a cargo do Parecer CNE/CP no 03/2004 que estabelece as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e
Cultura Afro-Brasileira e Africana, referendadas pela Resolução CNE/CP no 01/2004. Em
seu texto introdutório, as referidas diretrizes são apontadas como resposta no campo da
educação à demanda da população afrodescendente por políticas de reparação e
reconhecimento. De acordo com o referido parecer, essas

políticas de reparações e de reconhecimento formarão programas de ações afirmativas, isto


é, conjuntos de ações políticas dirigidas à correção de desigualdades raciais e sociais,
orientadas para oferta de tratamento diferenciado com vistas a corrigir desvantagens e
marginalização criadas e mantidas por estrutura social excludente e discriminatória.
[Brasil, 2004a:4]

Discutindo a questão em sua dissertação de mestrado, a professora Elyneide


Campos de Souza Ribeiro aponta a legislação, por um lado, como uma “política pública
de ação afirmativa, compreendida como medida de reparação que visa reconhecer,
promover e valorizar o legado histórico e cultural da população negra brasileira” (Ribeiro,
2016:28). E, por outro, como política universal ou valorativa, por não se restringir aos
afrodescendentes, por dizer respeito a toda a população brasileira e por seu caráter
permanente, enquanto “as políticas afirmativas, por sua vez, seriam medidas específicas
para a população afro-brasileira (ou a outro grupo social que se queira atingir diretamente),
de caráter temporário e formuladas com vistas a combater os resultados de uma
discriminação histórica” (Jaccoud e Beghin apud Ribeiro, 2016:29). Acreditamos que ela
pode ser pensada nas duas perspectivas e no diálogo entre ambas.
Concordamos com a autora ao afirmar que
a lei por si só, não garante que suas determinações sejam cumpridas no espaço escolar,
mas contribui para que se crie um espaço de discussão sobre a existência do racismo e da
discriminação no contexto escolar que se manifesta de diversas formas, inclusive por meio
do currículo. [Ribeiro, 2016:31]

A legislação antirracista não constitui o ponto de chegada, mas representa a


conquista de novas e outras possibilidades ao longo da caminhada. As Leis nos
10.639/2003 e 11.645/2008 surgem como atendimento às demandas sociais da população
negra e indígena e como reconhecimento por parte dos agentes do Estado de desigualdades
historicamente estabelecidas, em uma história nacional construída a partir da violação do
direito à dignidade humana desses povos, que têm suas histórias marcadas por escravidão,
genocídio, segregações e exclusões sociais (Miranda, 2017).
Aqui retomamos o pensamento de Aníbal Quijano (2005), que, ao considerar a
colonialidade do poder, baseada na ideia de raça, fator básico na questão nacional dos
países latino-americanos, questiona pensamentos teóricos e revolucionários que pensem
apenas pelo viés econômico ao afirmar que as “classes sociais” na América Latina têm
“cor” (Quijano, 2005:126). Consideramos suas reflexões fundamentais para a
compreensão das medidas afirmativas e valorativas no campo da educação como combate
à herança colonial racializada, compreendendo raça como uma realidade social, ligada a
uma forma de classificação social de certos grupos sociais, embora não corresponda a
nenhuma realidade natural.
A construção da racialização está relacionada com interesses específicos de grupos
hegemônicos e por isso Guimarães (2009:12) defende que “cada racismo só pode ser
compreendido a partir de sua própria história”, tornando-se fundamental conhecer não só
a matriz colonial do racismo, como também as características específicas do racismo
brasileiro e da formação da identidade nacional, especialmente no pós-Abolição. Em
relação ao continente africano, consideramos indispensável a construção de uma história
das imagens sobre a África construídas no Ocidente, assim como seu contraponto
representado por uma história da África contada a partir de uma perspectiva africana.
Neste sentido, as referidas leis, ao proporem o conhecimento da história e cultura
africana, afro-brasileira e indígena, abrem uma fissura na colonialidade do saber, que
marca o currículo eurocentrado, e apontam para a possibilidade de entrarmos no complexo
nível da colonialidade do ser, impactando as subjetividades e identidades de pessoas
negras e brancas (Oliveira, 2011), por meio de uma educação que garanta a cada brasileiro
e brasileira, independentemente de seu pertencimento étnico, cultural, social ou religioso,
conhecer as histórias e contribuições de todos os grupos que compõem a nossa sociedade.

2.3 Legislação antirracista, os desafios para a escrita didática da história

A partir da Lei no 10.639/2003 o conteúdo programático da Educação Básica deve incluir


o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra
brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo
negro nas áreas social, econômica e política pertencente à história do Brasil (Brasil, 2003).
No entanto, pesquisas realizadas após a sanção da referida lei apontam para os desafios do
que está proposto.
Raynette Castelo Branco analisou o negro nos livros didáticos de história do Brasil
para o Ensino Fundamental utilizados por professores de escolas da rede pública estadual
da cidade de Recife, selecionados entre as coleções mais adotadas no PNLD 2003. Em
relação a décadas anteriores, identifica avanços na narrativa do período escravista,
superando a dissimilação de sofrimentos e humilhações que davam sustentação à tese da
escravidão amena e da Abolição, narrada agora a partir da análise crítica das leis
abolicionistas. No entanto, faz uma análise crítica da narrativa escolar do pós-Abolição.
Segundo a autora,

os avanços constatados em relação à narrativa dos períodos colonial e imperial não se


verificam no que se refere à República […] O negro brasileiro, após a República, saiu das
páginas do livro didático e recolheu-se ao silêncio que lhe tem sido imposto. [Branco,
2010:117]

Kátia Regis, em sua tese de doutorado, pesquisou 29 trabalhos (teses e dissertações)


sobre as relações étnico-raciais e o currículo escolar, desenvolvidos em programas de pós-
graduação stricto sensu em educação entre 1987 e 2006 e conclui, a partir da
sistematização e análise das pesquisas sobre a presença do negro na história do Brasil e no
livro didático, que “é constante a abordagem sobre o negro como escravizado, no passado
e a partir de uma perspectiva de que a participação dos negros na construção da sociedade
brasileira se resume a pequenas contribuições” (Regis, 2012:49). Destaca nas pesquisas a
crítica ao currículo eurocêntrico vigente e que “o ensino da História e Cultura dos africanos
e dos negros brasileiros, quando é realizado, ocorre, em geral, através de ações pontuais
e/ou isoladas” (Regis, 2012:58) e à margem do currículo.
Em relação aos currículos, sentencia a autora: “eles são seletivos, têm sido
predominantemente eurocêntricos e omitem e/ou distorcem a história e cultura africana e
dos negros brasileiros” (Regis, 2012:46). E sobre a aprendizagem dos alunos(as), as
pesquisas analisadas apontaram que “geralmente, os conhecimentos que os alunos
possuem sobre a temática limitam-se ao período da escravidão” (Regis, 2012:51, grifo
nosso).
Em sua tese de doutorado, Conceição (2015), analisando práticas e expressões de
racialização em livros didáticos de história da segunda metade do século XX e anteriores
à legislação antirracista, afirma que, em sua quase totalidade,

a escravidão constitui o processo histórico angular, devidamente dimensionado e


diacronicamente referenciado, marcado por vários desdobramentos — neste caso em
relação ao tema do tráfico, das condições e tipos de trabalho escravo, das formas de
organização e resistência à escravidão e do processo abolicionista […]. Esses
desdobramentos compuseram o conteúdo principal, tanto da escrita quanto da imagética,
constituindo, por conseguinte, duas dimensões estruturantes das abordagens sobre o tema.
Como também da singularidade dos discursos a respeito. Portanto, a possibilidade de
construir entendimentos sobre o pós-escravismo no contexto do século XX, ficou
absolutamente esvaziada. [Conceição, 2015:69, grifos nossos]

As referidas pesquisas indicam a questão do pós-abolição como problema


historiográfico. Conceição (2015) aponta a temática como ausente na literatura escolar
produzida até a primeira metade da década de 1990. Para a literatura escolar produzida
após a legislação antirracista, entre os principais desafios, está a aproximação com a
historiografia recente sobre o pós-Abolição no Brasil. Na perspectiva de desvelar e analisar
os processos de extermínio, contenção e exclusão das populações negra e indígena,
associados a políticas eugenistas, higienistas e de branqueamento da população, via
imigração europeia, como políticas de Estado, do Estado republicano brasileiro, baseadas
no nosso peculiar modelo de racismo, o racismo à brasileira, associado ao mito da
democracia racial, por um lado, e por outro, apontar arranjos, protagonismos e processos
de mobilizações e conquistas das populações negra e indígena ao longo da República.
Se a escrita da história dos afro-brasileiros nos livros didáticos de história ainda
tem a escravidão como dimensão estruturante, o que nos diz esta escrita sobre a África e
os africanos? Em relação à história da África, Anderson Oliva (2007a) destaca a
desinformação e o silêncio perturbador. E questiona nosso processo de afastamento em
relação ao continente africano, apesar de ele estar relacionado com a ancestralidade de
importante contingente de nossa população. Construímos uma distância ao ponto em que
“a memória africana foi gradualmente excluída da vida do brasileiro comum” (Oliva,
2007b:4-5) sendo substituída por silêncios e esquecimentos. E “o silêncio diz muita coisa:
historicamente o continente é visto invariavelmente como o fornecedor de escravos”
(Pantoja apud Oliva, 2007a:245). O estudo da história da África ficou relegado e abriu
espaço para o distanciamento, o desconhecimento, os preconceitos e as visões
estereotipadas de uma África homogeneizada e essencializada.
Lucilene Reginaldo,10 doutora em história e professora da área de estudos africanos
e história da África da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), destaca que o
século XIX marca o início da construção desse distanciamento e processo de
desinformação no Brasil, quando o registro das variadas categorias étnicas, ou seja, das
diversas nações de origens dos escravizados brasileiros, registro das muitas Áfricas no
Brasil, abundantes nas documentações e registros (documentos do tráfico, registros
eclesiásticos, processos crimes e processos cíveis) dos séculos XVII e XVIII, tornam-se
cada vez mais raros.
Destacando que os próprios cativos se identificavam como distintos, a partir de
suas identidades de origem, e assim se organizavam em irmandades, grupos de trabalhos
e até rebeliões, como a Revolta dos Malês, na Bahia, do início do século XIX, afirma que
essa diversidade vai desaparecendo dos registros à medida que os africanos serão apagados
em sua diversidade, passando a serem conhecidos apenas como escravos e negros,
categorias homogêneas e racializadas e a própria África passa a ser também identificada
como una, homogênea, racializada e local de origem dos escravizados.
Consequentemente, como considera Oliva (2007a:11), nossas imagens da África
estão relacionadas com “um conjunto cristalizado/fossilizado de estereótipos e
informações superficiais”. A naturalização e reprodução constante de visões distorcidas e
simplificadas da África têm contribuído para a continuidade de uma representação

10
Videoaula do curso EAD História da África e História dos Índios em Sala de Aula — Escola de Extensão
da Unicamp (Extemcamp). Uma África racializada. Disponível em:
www.youtube.com/watch?v=e3AiKFRNn7g. Acesso em: 10 jun. 2018.
racializada dos africanos e afrodescendentes com impactos para a construção de uma
identidade afrodescendente.

Os estudos sobre o imaginário da população brasileira, em relação à História da África,


têm demonstrado que muitas pessoas veem a África como uma região exótica, selvagem,
de pessoas miseráveis e desumanas que se destroem em sucessivas guerras ou doenças
devastadoras. Esse olhar depreciativo sobre a África não permite que os afro-brasileiros
encontrem prazer em sua africanidade, contribuindo para a negação de sua identidade
étnico-racial. [Ribeiro, 2016:41]

Para além do papel desempenhado pelas construções teóricas do eurocentrismo


como justificativas do colonialismo e constitutivas da colonialidade, precisamos nos
debruçar sobre os mecanismos que têm garantido a naturalização e a reprodução de
discursos e representações negativas da África e dos africanos na atualidade, como as
imagens e narrativas produzidas nos meios de comunicação de massa,11 por exemplo, e a
omissão da educação no espaço escolar e seus recursos, como o livro didático, na
construção de uma imagem diferenciada sobre a África.
Em relação aos currículos e livros didáticos de história, contata-se que até meados
dos anos de 1990 a presença de temáticas relacionadas com os estudos da história da África
eram insignificantes. A África aparecia de forma secundária e ligada aos acontecimentos
da história da Europa, como a expansão marítima dos séculos XV e XVI, o tráfico de
escravos, os processos de imperialismo, colonialismo e descolonização (Oliva, 2007a;
Silva, 2016), e o viés eurocêntrico utilizado contribuía para reprodução de silenciamentos,
estereótipos e distorções. A partir da segunda metade da década de 1990, a dinâmica da
reprodução passa a ser confrontada por novas interpretações em relação à temática,
destacando-se nesse movimento o papel das novas produções historiográficas e das
políticas públicas no campo da educação.
De acordo com Oliva (2007a), desde a década 1990 tem crescido o número de
pesquisadores dedicados aos estudos africanos nas trincheiras acadêmicas, porém, sem a
devida repercussão tanto no meio universitário quanto nas salas de aula da Educação
Básica pela falta de conexão entre pesquisa acadêmica, formação de professores e os
conteúdos apresentados em livros didáticos escolares.

11
Em sua tese de doutorado, Oliva (2007) analisa as representações da África veiculadas pela revista Visão
em Portugal (1993-2006) e a revista Veja (1991-2006) no Brasil.
Em relação ao papel da legislação na reconfiguração da temática, o autor destaca,
após a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), os Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCNs) em 1996 e os PCNs da área de história em 1998, o aparecimento dos primeiros
livros didáticos de história com capítulos específicos sobre história da África. Considera
que o recorte superficial e pouco indicativo sobre conteúdos relacionados à história da
África na legislação será modificado pela Lei no 10.639/2003 e as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e
Cultura Afro-Brasileira e Africana (Brasil, 2004a) que trazem a descrição pontual de
objetos e temas a serem tratados na abordagem da história da África em sala de aula.
Apesar de questionar a vinculação do estudo da história africana ao estudo da
história dos afrodescendentes,12 e a separação entre história e cultura com a indicação de
tópicos específicos, reconhece as referidas indicações como avanço para uma abordagem
adequada da história da África em sala de aula. Destaca ainda de forma positiva a
referência, nas Diretrizes, à inclusão da temática em diversos cursos superiores no país,
para além dos cursos didáticos voltados ao ensino e aprendizagem da história e cultura
africana e afro-brasileira. Medidas que consideramos fundamentais para superarmos, em
relação à história da África, os silenciamentos e as “informações desinformadas” que
reproduzem os estereótipos em torno do continente e seus habitantes.

Se continuarmos a reproduzir essas leituras distorcidas, é muito provável que o imaginário


de nossas futuras gerações sobre a África não sofra modificações significativas. Neste caso,
o papel das escolas e dos manuais escolares é de fundamental importância […] se não
mudarmos os textos explicativos acerca da História da África, tal tarefa se tornará
praticamente impossível de ser bem-sucedida. [Oliva, 2007a:196, grifo nosso]

Concordamos com Carlos Moore Wedderburn (2005) ao afirmar que a


obrigatoriedade do ensino da história da África nos impõe uma tarefa de grande
envergadura que deve levar em conta a problemática epistemológica, metodológica e
didática em relação à África.
No campo epistemológico, destaca a impressionante singularidade africana
exigindo uma abordagem complexa diante de sua diversidade e variedade geográfica,
étnica e cultural, propondo como porta de entrada para o ensino de história da África a

12
O autor defende para o estudo da história da África “uma abordagem acerca da trajetória do continente,
em seu próprio eixo espaço-temporal” (Oliva, 2007a:210).
África como berço da humanidade. A África como berço único da humanidade, palco dos
processos interligados de hominização e sapienização, lugar a partir do qual se efetuou o
povoamento do planeta e berço das primeiras civilizações agrossedentárias e
agroburocráticas do mundo.
Outra singularidade a ser destacada é o fato de a África corresponder ao local das
mais prolongadas e devastadoras invasões, alvo da escravidão racializada e tráficos
negreiros transoceânicos, alvo dos mitos raciológicos, terminologias depreciativas e
história obscurecida pela racialização.
No campo metodológico, diante de suas singularidades, propõe “uma abordagem
transversal, transdisciplinar e de longa duração, baseada em uma dupla diacronicidade, a
saber: a) diacronicidade intracontinental, e b) diacronicidade extracontinental”
(Wedderburn, 2005:141). Em contraposição às abordagens eurocêntricas, o estudo da
África deve levar em conta suas próprias estruturas e inter-relações continentais e
extracontinentais. E sugere o confronto e o cruzamento das metodologias utilizadas por
historiadores africanos, como Joseph Ki-Zerbo, Cheikh Anta Diop, Elikia M’Bokolo e
outros menos conhecidos no Brasil, como Boubakar Barry, J. F. A. Ajayi. Sekene Mody
Cissoko, Théophile Obenga e Pathé Diagne. Pois,

apesar de divergirem entre si em muitos aspectos, eles convergem o suficiente nas áreas
fundamentais para que seus trabalhos forneçam os elementos necessários para uma
epistemologia comum. Portanto, a definição dos pontos de convergência entre esses
diversos autores permite-nos conceber uma nova base metodológica suficientemente
abrangente e flexível para enxergar as realidades do continente na sua totalidade
geográfica. [Wedderburn, 2005:144]

Ao analisar a problemática didática em relação ao ensino de história da África,


destaca o problema das fontes, o cuidado com as fontes bibliográficas que inspiram a
produção de materiais didáticos, reconhecendo que durante boa parte do século XX a
produção historiográfica sobre a África “esteve inquestionavelmente monopolizada por
africanistas europeus, americanos e árabes, majoritariamente imbuídos de uma visão
fundamentalmente essencialista e raciológica” (Wedderburn, 2005:158). Propõe, assim
como a professora Lucilene Reginaldo, uma aproximação da produção historiográfica e
literária que desde os anos 1950 do século XX enfatiza a desconstrução das imagens fixas,
essencializadas e racializadas a partir de uma perspectiva africana.
Neste sentido, destacamos o esforço representado pela Coleção História Geral da
África, obra produzida e publicada em oito volumes com patrocínio da Unesco, sob a
direção de um Comitê Científico Internacional formado por 39 intelectuais, dos quais dois
terços eram africanos. Pensada, construída e anunciada como referência de uma história
da África vista de seu interior.
O tratamento metodológico da obra busca responder aos desafios específicos da
historiografia da África, representando inclusão de novas fontes, revisão de métodos e
abordagens teóricas inovadoras, buscando contribuir para a produção de novos e outros
materiais sobre a temática da história africana. Na “Introdução geral”, do primeiro volume
da coleção, “Metodologia e pré-história da África”, o editor Ki-Zerbo aponta quatro
grandes princípios para uma historiografia da África: interdisciplinaridade, perspectiva
africana, visão da África em seu conjunto e perspectiva cultural em detrimento do factual
e do destaque aos atores e influências externas.
A Coleção História Geral da África apresenta-se como referência para uma escrita
da história da África que se contrapõe ao denominado pensamento eurocêntrico-colonial
(Lander, 2005), que caracteriza os dois aspectos fundacionais e essenciais da formação das
disciplinas científicas ocidentais:

Em primeiro lugar está a suposição da existência de um metarrelato universal que leva a


todas as culturas e a todos os povos do primitivo e tradicional até o moderno. […] A
sociedade liberal, como norma universal, assinala o único futuro possível de todas as outras
culturas e povos. Aqueles que não conseguirem incorporar-se a esta marcha inexorável da
história estão destinados a desaparecer. Em segundo lugar, e precisamente pelo caráter
universal da experiência histórica europeia, as formas do conhecimento desenvolvidas para
a compreensão dessa sociedade se converteram nas únicas formas válidas, objetivas e
universais de conhecimento. […] Estes conhecimentos convertem-se, assim, nos padrões
a partir dos quais se podem analisar e detectar as carências, os atrasos, os freios e impactos
perversos que se dão como produto do primitivo ou o tradicional em todas as outras
sociedades. [Lander, 2005:13, grifo do autor]

Nesta perspectiva o desafio proposto para uma escrita didática da história


ultrapassa a mera inclusão de novas temáticas e conteúdos. Questiona a perspectiva
eurocêntrica e monocultural de nossas narrativas históricas em busca de uma perspectiva
intercultural que inclua outras epistemologias.
A partir da legislação antirracista, o desafio é a construção de narrativas e
abordagens da história da África nos livros didáticos de história que produzam
conhecimento e valorização, eliminando maniqueísmos, simplificações, superficialidades,
folclorizações, subalternizações. Estamos desafiados à construção de narrativas e
explicações históricas outras, que construam outras representações e imaginários sobre a
África.

2.3 Legislação antirracista, os desafios da implementação

Consideramos que a sanção, regulamentação e os processos de implementação das Leis nos


10.639/2003 e 11.645/2008 representam atendimento às mobilizações e reivindicações das
organizações do movimento negro e dos povos indígenas no Brasil, respectivamente. Ao
reivindicarem a inclusão no currículo escolar de conteúdos relacionados com a África,
africanos, afrodescendentes e indígenas, os ativistas, pesquisadores e educadores negros e
indígenas questionaram a herança colonial de uma história eurocêntrica e universal em
uma história nacional marcada de modo geral por narrativas que “celebram os mitos da
origem nacional, confirmam o privilégio das identidades dominantes e tratam as
identidades dominadas como exóticas ou folclóricas” (Silva apud Ribeiro, 2016:40).
Em suas reivindicações, os movimentos negro e indígena questionaram, na
historiografia, na escrita didática da história e no currículo escolar, as distorções e os
silenciamentos em relação aos negros e indígenas e denunciaram a contribuição de tais
práticas para a permanência e persistência do racismo e das discriminações étnico-raciais
em nossa sociedade. Questionaram, portanto, a colonialidade do saber, em sua relação
com a colonialidade do ser e seus efeitos nefastos sobre as identidades negras e indígenas,
produzindo inferiorização, desmobilização e contribuindo para a manutenção da
colonialidade do poder.
A referida legislação, como conquista dos movimentos sociais, abre espaço nas
políticas curriculares para a inclusão de saberes historicamente silenciados e
subalternizados, ao incluir a obrigatoriedade da temática relacionada não só com a história,
mas também a cultura de afro-brasileiros e indígenas e, portanto, suas formas de ser, de
viver e de se relacionar com a sociedade e a natureza, seus saberes, suas epistemologias.
Contestando, pois, a geopolítica do conhecimento relacionada com a centralidade
assumida pela Europa como único lócus válido de enunciação e a imposição de padrões
eurocêntricos por meio do silenciamento, rejeição, negação e inferiorização das outras
formas de conhecimentos.
A geopolítica do conhecimento moderna estabelece como válidos apenas os
conhecimentos, discursos e epistemologias europeias. Ao incluir os saberes dos indígenas
e afrodescendentes no currículo, a legislação antirracista propõe o deslocamento da
geopolítica do conhecimento, buscando outros lócus de enunciação, a partir das vozes dos
afro-brasileiros e indígenas que representam conhecimentos invisibilizados e
subalternizados que dialogando com os conhecimentos eurocêntricos fazem emergir
lógicas e formas de pensar não eurocêntricas.
Concordamos com Regis (2012) ao apontar que o processo de implementação da
legislação antirracista apresenta desafios para alterações curriculares muito além do
simples acréscimo de conteúdos, entre eles, a formação inicial e continuada dos(as)
educadores(as), que possibilite a problematização das particularidades das relações étnico-
raciais no Brasil e da construção histórica das desigualdades entre brancos e não brancos
no Brasil, a discussão sobre a seletividade dos currículos e a perspectiva eurocêntrica que
os vem embasando, além da aquisição de novos conhecimentos sobre a história e cultura
dos africanos, afro-brasileiros e indígenas.
Nilma Lino Gomes (2012) defende que o conjunto formado pela Lei no
10.639/2003,13 o Parecer do CNE/CP no 03/2004 e a Resolução CNE/CP no 01/2004

viabiliza avanços na efetivação de direitos sociais educacionais e implica o


reconhecimento da necessidade de superação de imaginários, representações sociais,
discursos e práticas racistas na educação escolar. Representa também um passo a mais no
processo de superação do racismo e de seus efeitos nefastos, seja na política educacional
mais ampla, seja na organização e no funcionamento da educação escolar, seja nos
currículos da formação inicial e continuada de professores(as), seja nas práticas
pedagógicas e nas relações sociais na escola. [Gomes, 2012:8]

A despeito do que afirma a autora, a pesquisa Práticas pedagógicas de trabalho


com relações étnico-raciais na escola na perspectiva da Lei no 10.639/200314 (Gomes,

13
A autora faz referência especificamente à Lei no 10.639/2003; preferimos a expressão legislação
antirracista, considerando também a Lei no 11.645/2008.
14
Gomes (2012) esclarece que o art. 26-A da Lei de Diretrizes e Bases (LDB), incluído pela Lei no
10.639/2003, sofreu alteração de redação dada pela Lei no 11.645/2008 com a inclusão da história e cultura
da população indígena. Todavia, o artigo 79-B, também incluído pela Lei no 10.639/2003, manteve-se
2012), apoiada e financiada pelo Ministério da Educação/Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi) e pela representação da
Unesco no Brasil, e que buscou “identificar, mapear e analisar as iniciativas desenvolvidas
pelas redes públicas de ensino e as práticas pedagógicas realizadas por escolas pertencentes
a essas redes na perspectiva da Lei no 10.639/2003” (Gomes, 2012:7), indica-nos que o
reconhecimento da necessidade de superação do racismo não garante as ferramentas
mentais para o exercício de seu combate, uma vez que as visões e práticas racistas estão
muitas vezes naturalizadas. Se a atual legislação tem fomentado nas escolas novas
experiências de trabalho com a temática e referendado com caráter legal os trabalhos que
vinham sendo realizados, a referida pesquisa apontou alguns(algumas) educadores(as) e
escolas que se autodefiniram

como realizadores de práticas pedagógicas na perspectiva da Lei, mas que, no cotidiano da


instituição escolar, agem em desacordo com princípios e orientações firmados nos
dispositivos legais. Isso sem contar as iniciativas descontínuas, fundadas em concepções
estereotipadas e racistas sobre a África e os afro-brasileiros, envoltas do discurso da
democracia racial e da boa vontade. [Gomes, 2012:15-16]

Como resultado das discussões com alunos(as), a pesquisa nos aponta que

o trabalho envolvendo a Educação das Relações Étnico-Raciais tem conseguido alertá-los,


sensibilizá-los, informá-los sobre a dimensão ética do racismo, do preconceito e da
discriminação racial, mas lhes oferece pouco conhecimento conceitual sobre a África e sua
inter-relação com as questões afro-brasileiras. [Gomes e Jesus, 2013:31]

Portanto, embora as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das


Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana
afirmem que a escola e seus professores(as) “têm que desfazer mentalidade racista e
discriminadora secular, superando o etnocentrismo europeu, reestruturando relações
étnico-raciais e sociais, desalienando processos pedagógicos” (Brasil, 2004:6), podemos

inalterado. Isso significa que ambas as alterações continuam válidas e em vigor. A pesquisa desenvolvida se
refere especificamente à implementação da história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas da
Educação Básica do país, regulamentada pela Resolução CNE/CP no 01/2004 e pelo Parecer CNE/CP no
03/2004.
concluir, como nos aponta Oliva (2007a:212), que “entre a prescrição legal e a vivência
no campo do real, a trajetória a ser percorrida é longa e cheia de obstáculos”.
As referidas diretrizes afirmam que “a educação das relações étnico-raciais impõe
aprendizagens entre brancos e negros, trocas de conhecimentos, quebra de desconfianças,
projeto conjunto para construção de uma sociedade justa, igual, equânime” (Brasil,
2004a:8). Nesse sentido, para Oliveira e Candau (2010:33), a legislação antirracista
“associa nação democrática com o reconhecimento de uma sociedade multicultural e
pluriétnica, com o objetivo de educar na pluralidade para a interculturalidade e a
valorização das identidades”.
Na perspectiva dos estudos pós-coloniais latino-americanos, corroborada pelos
autores, a interculturalidade é pensada a partir do movimento indígena latino-americano
que entende a interculturalidade “como la posibilidad de diálogo entre las culturas. Es un
proyecto político que trasciende lo educativo para pensar en la construcción de
sociedades diferentes […] en otro ordenamiento social” (Consejo Regional Indígena de
Cauca apud Walsh, 2010:75).
Denominada interculturalidade crítica (Tubino, 2012; Walsh, 2008, 2009, 2010),
ela busca superar o denominado multiculturalismo neoliberal ou interculturalismo
funcional, surgido na Europa como discurso ligado aos programas de educação alternativa
para imigrantes vindos das antigas colônias e, na América, aos programas de educação
bilíngues que buscam incorporar a diferença ao mesmo tempo que neutralizam e esvaziam
seu significado efetivo em sentido integracionista em nome do controle dos conflitos
étnicos, da conservação da ordem e estabilidade social sem alterar os eixos da
colonialidade e mantendo a centralidade do pensamento eurocêntrico.
Encarado nos discursos oficiais dos Estados nacionais como novo enfoque
pedagógico e no discurso acadêmico como princípio normativo da convivência social,
baseada na política da tolerância, o multiculturalismo neoliberal ou interculturalismo
funcional postula a necessidade de diálogo e reconhecimento intercultural sem levar em
conta as desigualdades e exclusões econômicas e sociais, as relações de poder e os
desníveis culturais internos (Tubino, 2012). Promove ações de discriminação positivas e
educação compensatória, paliativas e profundamente paternalistas, que não promove
inclusão cidadã posto que suas medidas e ações unilaterais aparecem como concessão de
cima para baixo.
O modelo é considerado funcional justamente porque não questiona as regras do
jogo da colonialidade e favorece sua reprodução. E desta forma promove a inclusão da
diferença dentro da ordem nacional excludente e racializada. Como não busca transformar
as estruturas sociais, assegura o controle e o domínio do poder hegemônico nacional e os
interesses do capitalismo global.
Tubino (2012) destaca o trabalho com estratégias de intervenção e soluções
programáticas unilaterais como uma limitação, por considerar que

el problema de la discriminación étnica y cultural no es un problema exclusivo de los


discriminados. La discriminación es una relación de a dos. Atacar la discriminación en
sus causas involucra por lo tanto un trabajo intenso y sistemático de educación
intercultural no sólo con los sectores discriminados sino también con los sectores
hegemónicos y discriminadores de la sociedad. “Interculturalidad sí, pero para todos” es
por ello uma necesidad impostergable si queremos recomponer el tejido social y cultural
de nuestras sociedades estructuralmente segmentadas. [Tubino, 2012:4]

A perspectiva intercultural tem como base de sua problematização não a


diversidade ou diferença, mas a estrutura histórica e sociopolítica colonial e racializada,
objetivando a transformação de estruturas, instituições e relações sociais. E adquire um
caráter crítico porque introduz a problematização da dimensão de poder que envolve a
construção de sua subalternização. Mais que um enfoque pedagógico, trata-se de projeto
político, social, ético e epistêmico de saberes e conhecimentos. Nesse sentido, a educação
torna-se espaço central na mobilização pela construção do projeto intercultural que inclui
sistemas de pensamentos outros e dimensões epistemológicas outras, relacionados a uma
nova ética de convivência ligada a um projeto mais democrático de sociedade e de Estado.
A construção de projetos e ações educacionais em uma perspectiva intercultural constitui
um dos desafios à implementação do proposto em nossa legislação antirracista a qual
orienta uma educação das relações étnico-raciais como questionamento de nossas
estruturas racializadas, do mito da democracia racial e da ideologia do branqueamento
como processos estruturantes e constituintes de nossa formação histórica e social,
buscando a superação do eurocentrismo, a desalienação de processos pedagógicos e o
diálogo com o movimento negro15 (Brasil, 2004a). E

15
As diretrizes datam do ano de 2004 e foram construídas como regulamentação da Lei no 10.639/2003 que
trata da obrigatoriedade da temática história e cultura afro-brasileira na Educação Básica. Acreditamos que
por isso as organizações indígenas não estejam aqui citadas, embora a menção aos povos indígenas apareça
em outros momentos do texto. A obrigatoriedade da história e cultura indígena foi conquistada com a Lei no
11.645, de 10 de março de 2008.
os sujeitos para esta tarefa, segundo a legislação e os agentes do Estado, são os docentes
que devem incorporar uma perspectiva de reconhecimento da diferença racial na história
brasileira, adotar práticas de valorização da luta antirracista, desconstruir o mito da
democracia racial e incorporar uma nova perspectiva historiográfica que considere os
africanos e seus descendentes no Brasil, como sujeitos históricos em oposição ao
estabelecido por longos anos de formação histórica e historiográfica. [Oliveira, 2011:11]

Desafio com implicações para a prática de ensino e formação docente que passam
pelo questionamento da geopolítica do conhecimento, o qual orientou a formação e orienta
a prática da maioria de nossos(as) professores(as), pois, como destaca o autor, “até
recentemente, a grande maioria dos professores de História teve, em geral, em sua
formação inicial, uma perspectiva teórica marcadamente hegemonizada por um olhar
eurocêntrico e monocultural” (Oliveira, 2011:1). Sobre os cursos de formação docente,
licenciaturas e cursos de pedagogia, Gomes (2011) destaca a manutenção da estrutura
curricular de caráter disciplinar e gradeado e, portanto, fechada a esta e outras temáticas
sociais. Lamentando que

O caráter conservador dos currículos acaba por expulsar qualquer discussão que pontue a
diversidade cultural e étnico-racial na formação do(a) educador(a). Assim, o estudo das
questões indígena, racial e de gênero, as experiências de educação do campo, os estudos
que focalizam a juventude, os ciclos da vida e os processos educacionais não escolares
deixam de fazer parte da formação inicial de professores(as) ou ocupam um lugar
secundário nesse processo. [Gomes, 2011:43]

Não podendo desconsiderar o trabalho do crescente grupo de pesquisadores(as) que


têm buscado construir, a partir das trincheiras acadêmicas, perspectivas outras, podemos
afirmar que este esforço não teve ainda a repercussão devida no meio acadêmico ainda
marcado pela geopolítica do conhecimento e racionalidade modernas, que elegem o
conhecimento científico como o único legítimo.
Em suas determinações, a referida legislação problematiza a seleção cultural do
currículo eurocentrado e a negação, silenciamento e exclusão de outras histórias e
epistemologias, não apenas na Educação Básica. Suas proposições questionam e desafiam
a colonialidade do saber na academia como espaço de produção das ciências humanas e
sociais e seus desdobramentos na formação de docentes que impactam a construção dos
saberes escolares.
Em relação ao proposto nas diretrizes curriculares, buscando inspiração nas
reflexões do sociólogo Boaventura de Souza Santos (2004, 2007, 2010a) em torno da
sociologia das ausências e das emergências, consideramos necessária a inclusão, nos
espaços de formação docente e no espaço escolar, dos saberes e ações educativas
produzidas pelos movimentos sociais.
Santos (2007) critica a racionalidade moderna ocidental que se reivindica como
forma única de racionalidade via imposição autoritária como totalidade e imposição de
homogeneidade que têm significado violência, destruição e silenciamentos. E chama
atenção para a diversidade de experiências sociais em todo o mundo não contempladas
pela ciência ou filosofia ocidental. Reconhece essas experiências como riqueza social
desperdiçada. Para combater tal desperdício, tornando visíveis as iniciativas e movimentos
alternativos, dando-lhes credibilidade, afirma que não adianta recorrer à ciência social tal
como a conhecemos, sendo necessário um modelo diferente de racionalidade que emerge
dos movimentos sociais.
Propondo, assim, uma sociologia das ausências e das emergências. Ao falar sobre
uma sociologia das ausências, o autor se refere à ausência como construção no sentido da
invisibilização, ocultamento e subalternização. Para o referido autor, “la no existência es
produzida siempre que una cierta entidade es descalificada y considerada invisible, no
inteligible o desechable. No hay por eso una sola manera de produzir ausência, sino
varias. Lo que las une es una misma racionalidade monocultural” (Santos, 2010a:22).
Como crítica à racionalidade monocultural, enumera cinco lógicas ou modos de
produção da não existência: (I) monocultura do saber e do rigor do saber, de acordo com
a qual a ciência moderna transforma-se em critério único de verdade; (II) a monocultura
do tempo linear; (III) a lógica da classificação social, que se assenta na monocultura que
naturaliza as diferenças e hierarquias a partir de classificações como a racial e a sexual;
(IV) a lógica da escala dominante, por imposição do universal e global; (V) lógica
produtivista que se assenta na monocultura dos critérios de produtividade capitalista
(SANTOS, 2007:90-92).
Para superação da não existência, propõe uma sociologia das ausências, cujo
objetivo é revelar a diversidade e multiplicidade de práticas sociais e fazê-las creditáveis
em contraposição à credibilidade exclusiva das práticas hegemônicas, tornando-as objetos
de disputas políticas. A sociologia das ausências nos permite a diversificação dos saberes
e o reconhecimento de diferentes práticas e atores sociais.
Como contraponto à racionalidade monocultural, propõe uma sociologia das
emergências que “consiste en la investigación de las alternativas que caben en el horizonte
de las possibilidades concretas” (Santos, 2010a:25), perspectiva que anima esta pesquisa.
A sociologia das ausências trata das alternativas disponíveis (experiências sociais), já a
sociologia das emergências trata das alternativas possíveis (expectativas sociais). Juntas,
fazem referência à multiplicação e diversificação das experiências disponíveis e possíveis
(Santos, 2007).
No campo da educação, Walsh (2009) nos propõe a interculturalidade como
ferramenta pedagógica que põe em questionamento contínuo a racialização,
subalternização, inferiorização e seus padrões de poder. E, utilizando as categorias de
Boaventura de Souza Santos, defende como parte do projeto intercultural o
questionamento das ausências das epistemologias e saberes silenciados e a prática
pedagógica a partir das emergências das experiências dos movimentos sociais, colocando
em xeque o caráter homogeneizador da escola e suas clássicas pedagogias eurocentradas,
ao abrir espaço para intenso diálogo com as pedagogias dos movimentos sociais.
Neste sentido, Nilma Lino Gomes (2011) propõe a construção de uma pedagogia
das ausências como estratégia de visibilização dos movimentos sociais e de seus saberes,
e das emergências, a partir das “alternativas pedagógicas já existentes nas práticas sociais
e políticas dos movimentos sociais, das diversas ações coletivas e sua articulação com o
espaço escolar” (Gomes, 2011:46-47). Podemos refletir sobre o caráter polêmico da
proposição a partir das tensões e negociações durante a construção do texto da própria
legislação, como expresso em um dos vetos à Lei no 10.639/2003:

Art. 79-A (VETADO) Os cursos de capacitação para professores deverão contar com a
participação de entidades do movimento afro-brasileiro, das universidades e de outras
instituições de pesquisa pertinentes à matéria.
Razões do veto:
O art. 79-A, acrescido pelo projeto à Lei no 9.394, de 1996, preceitua que os cursos de
capacitação para professores deverão contar com a participação de entidades do
movimento afro-brasileiro, das universidades e de outras instituições de pesquisa
pertinentes à matéria. Verifica-se que a Lei no 9.394, de 1996, não disciplina e nem
tampouco faz menção, em nenhum de seus artigos, a cursos de capacitação para
professores. O art. 79-A, portanto, estaria a romper a unidade de conteúdo da citada lei e,
consequentemente, estaria contrariando norma de interesse público da Lei Complementar
no 95, de 26 de fevereiro de 1998, segundo a qual a lei não conterá matéria estranha a seu
objeto. (art. 7o, inciso II). [Brasil, 2003]

Posteriormente, as diretrizes curriculares que regulamentaram a referida lei


posicionam-se no campo das possibilidades, apelando à autonomia dos estabelecimentos
educacionais.

A autonomia dos estabelecimentos de ensino para compor os projetos pedagógicos, no


cumprimento do exigido pelo Art. 26A da Lei 9394/1996, permite que se valham da
colaboração das comunidades a que a escola serve, do apoio direto ou indireto de
estudiosos e do Movimento Negro, com os quais estabelecerão canais de comunicação,
encontrarão formas próprias de incluir nas vivências promovidas pela escola, inclusive em
conteúdos de disciplinas, as temáticas em questão. [Brasil, 2004a:8]

Ao tornar obrigatória a inclusão de conteúdos relacionados com história e cultura


afro-brasileira e indígena, a legislação antirracista

questiona um dos campos de maior disputa político-ideológica na área educacional — o


currículo oficial. É por meio dele que se escolhem as prioridades do que será ou não
ensinado na escola, por isso houve uma naturalização de seus conteúdos como uma
representação da verdade. [Sanchez apud Ribeiro, 2016:31]

A estrutura do Estado brasileiro na qual estão inseridos os agentes da legislação


representa outro polo de tensão, além de disputas e negociações em torno de suas
determinações. A ação destes agentes responde pelos encaminhamentos para
implementação da legislação por parte do Estado e do Ministério da Educação, com
destaque para as políticas de formação continuada de professores(as) e produção e
distribuição de materiais didáticos e paradidáticos que contemplem a demanda da temática
da educação das relações étnico-raciais.16 Trata-se de ações e intencionalidades de agentes
que, atuando por dentro da estrutura de Estado e na ausência de uma correlação de forças
que lhes seja favorável, desafiam a colonialidade do poder.

16
O texto de introdução do Plano nacional de implementação das diretrizes curriculares nacionais para
educação das relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana (Brasil,
2013a:9-19) busca descrever as ações desenvolvidas pelos agentes das leis no âmbito do Ministério da
Educação como indutor das políticas de implementação da legislação antirracista.
Também as bases filosóficas e pedagógicas das diretrizes da referida legislação
tencionam o campo da colonialidade do ser e da mãe-natureza ao defender
reconhecimento e valorização da diversidade e fortalecimento das identidades e direitos de
afrodescendentes e indígenas, o que inclui a valorização dos diferentes aspectos de sua
cultura e o direito às terras indígenas e quilombolas. Podemos considerar que as diversas
tensões produzidas estão relacionadas, por um lado, com o questionamento das
características estruturais de nosso Estado nacional construído e organizado a partir da
perspectiva de extermínio e exclusão das populações indígena e negra e construção de uma
identidade nacional homogeneizada a partir da imposição da língua, cultura e história de
matriz europeia. E, por outro, à emergência das reivindicações dos movimentos negros e
indígenas em busca de outros modelos de Estado e cidadania. Incluí-las no espaço escolar
como propõem as diretrizes curriculares da legislação antirracista deve significar mais que
mudanças nos conteúdos, mudanças nas regras do jogo (Mignolo, 2006), na perspectiva de
construção de práticas político-pedagógicas de educação e de projetos de sociedade numa
perspectiva intercultural.
No entanto, Walsh (2009) alerta-nos que práticas e projetos interculturais não estão
dados, são processos, e sua construção representa possibilidades de enfrentamentos e
combates ao discurso racializado e monocultural da modernidade ocidental por meio de
“pedagogías que se esfuercen por transgredir, desplazar e incidir em la negación
ontológica, epistémica y cosmogónica-espiritual que há sido — y es — estratégia, fin y
resultado del poder de la colonialidad” (Walsh, 2009:141). Nessa perspectiva a autora
dialoga com o pensamento de Paulo Freire e Frantz Fanon em busca de contribuições.
Destaca na pedagogia crítica de Paulo Freire a integração do questionamento,
análise crítica e ação social transformadora pela politização do ato pedagógico, o educar e
educar-se como ato político, numa relação teoria-prática para intervenção político-
pedagógica que associa o movimento reflexão-ação-reflexão e a rebeldia como práxis
político-pedagógica ligada às mobilizações dos oprimidos e subalternizados, dos
movimentos sociais, e o destaque para a humanização da prática pedagógica incorporando
a dimensão da ética, da amorosidade e afetividade no diálogo crítico e respeitoso para com
o outro.
Ao dialogar com os dois autores, Walsh (2009) destaca em comum no pensamento
de Freire e Fanon a preocupação com a desumanização, resultante dos processos de
opressão.
Tanto para Freire como para Fanon, el processo de humanización requiere ser consciente
de la posibilidad de existência y actuar responsablemente y concientemente sobre — y
siempre em contra — de las estructuras y condiciones sociales que pretenden nagar su
posibilidad. La humanización y liberación individual requiere la humanización y
liberación social, lo que implica la conexión entre lo subjetivo y lo objetivo; es decir, entre
lo interiorizado de la deshumanización y el reconhecimento de las estructuras y
consdiciones sociales que hacen esta deshumanización. [Walsh, 2009:146]

A autora afirma que, para Paulo Freire e Frantz Fanon, projetos de desumanização
e humanização estão enraizados em realidades e contextos concretos. No entanto, enquanto
para Freire a humanização e desumanização estão relacionadas com seres humanos
incompletos e conscientes de sua incompletude, Fanon associa a desumanização ao
processo de colonização e a humanização ao processo de descolonização. Este associa a
desumanização ao colonialismo, entrelaçando capitalismo, eurocentrismo, colonialidade
do poder, desumanização, racismo e racialização. Esta perspectiva estrutural encontra-se
incompleta no pensamento de Freire (Walsh, 2009), marcado pela influência do marxismo
e a centralidade de um pensamento marcado por bases eurocêntricas.17
Walsh (2009) analisa e dialoga com o pensamento dos dois autores a partir de suas
similitudes e diferenças, buscando suas contribuições para pensar uma pedagogia
decolonial. As contribuições de Freire e Fanon captadas pela autora apontam para
processos de (des)aprendizagem, (re)invenção, intervenção e ação necessários à
construção de projetos pedagógicos interculturais.
A perspectiva intercultural representa, por um lado, um dos caminhos para
cumprimento do que está proposto no Plano nacional de implementação das diretrizes
curriculares nacionais para a educação das relações étnico-raciais e para o ensino de
história e cultura afro-brasileira e africana (Brasil, 2004a) e, por outro, uma opção
político-pedagógica por parte dos docentes no combate ao racismo e à racialização
responsáveis pela exclusão, subalternização e exploração de indivíduos e grupos sociais.
Consideramos, no entanto, que

os saberes acadêmicos dos professores, transformados em saberes escolares, se mostram


pouco eficazes para a transformação deste quadro, sendo preciso descolonizar o saber

17
A autora destaca a evolução do pensamento de Freire da Pedagogia do oprimido à Pedagogia da
esperança, e desta à Pedagogia da indignação, num movimento de autocrítica incorporando contribuições
do pensamento de Fanon sobre a existência racializada.
questionando os padrões impostos e pensando caminhos alternativos com base em saberes
que valorizam a diversidade e a problematizam sob outras matrizes, as quais
costumeiramente não nos são disponibilizadas. [Santos, 2016:83]

Nesse sentido, ganham importância os processos de sensibilização, formação e


autonomia de professores e professoras. Apesar de termos percorrido mais de uma década
de legislação antirracista na educação, consideramos que ainda estamos em processo de
sensibilização de professores, definição e aperfeiçoamento de políticas de formação inicial
e continuada e de produção de materiais didáticos e paradidáticos, elementos importantes
para garantia de cumprimento da legislação.

3. Legislação antirracista e políticas de implementação: do PNLD ao Manual


do Professor

Neste capítulo, destacando entre os desafios para a implementação da legislação


antirracista a construção de políticas de materiais didáticos e formação de profissionais da
educação que contemplem suas problemáticas, buscamos analisar o papel, as
contribuições, os desafios e as possibilidades representadas pelo PNLD e suas avaliações
tanto do livro didático de história do Ensino Médio quanto do Manual do Professor, este
último objeto de nossa pesquisa.
O Plano nacional de implementação das diretrizes curriculares nacionais para
educação das relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira
e africana (Brasil, 2013a), em publicação que coincidiu com os 10 anos de sanção da Lei
no 10.639/2003, enfatiza o papel indutor do Ministério da Educação (MEC), destacando a
criação em 2004 da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade
(Secad), posteriormente denominada Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização,
Diversidade e Inclusão (Secadi), e sua parceria com a Secretaria Especial de Políticas de
Promoção da Igualdade Racial (Seppir). Depois Secretaria de Políticas de Promoção da
Igualdade Racial, a Secretaria de Política para Mulheres (SPM) e a Secretaria de Direitos
Humanos (Sedh), na “conjugação de esforços em todo o país para implementação de
políticas públicas de combate à desigualdade” (Brasil, 2013a:10).
O texto destaca entre as ações do MEC a instituição do Plano nacional de
implementação das diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações étnico-
raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana, por meio da
homologação do Parecer CNE/CP no 03/2004 e da Resolução CNE/CP no 01/2004; as
políticas para ampliação e criação de ações afirmativas “voltadas para a promoção do
acesso e permanência à educação superior” (Brasil, 2013a:11), entre elas o Programa
Universidade para Todos (Prouni),18 somado ao Programa de Apoio a Planos de
Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) para ampliação do número
de vagas e ao programa Conexões de Saberes, ligado às Pró-Reitorias de Extensão das Ifes,
para garantia de permanência de alunos(as) de origem popular; ações na área das políticas
relacionadas com a formação de professores(as), como a promoção de cursos de formação,
encontros, seminários e publicações como os livros Superando o racismo na escola
(Munanga, 2005), Orientações e ações para a educação das relações étnico-raciais
(Brasil, 2006) e Práticas pedagógicas de trabalho com relações étnico-raciais na escola
na perspectiva da Lei no 10.639/03 (Gomes, 2012).
Tendo como objetivo central cumprir e institucionalizar a implementação do Plano
nacional de implementação das diretrizes curriculares nacionais para a educação das
relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana
(Brasil, 2013a), o referido plano apresenta seis eixos estratégicos,

a saber: 1) Fortalecimento do marco legal; 2) Política de formação para gestores(as) e


profissionais de educação; 3) Política de material didático e paradidático; 4) Gestão
democrática e mecanismos de participação social; 5) Avaliação e monitoramento; 6)
Condições institucionais. [Brasil, 2013a: 21]

E como destaca o próprio texto:

Os eixos 2 e 3, política de formação para gestores(as) e profissionais de educação e política


de material didático e paradidático, respectivamente, constituem as principais ações
operacionais do Plano, devidamente articuladas à revisão da política curricular, para
garantir qualidade e continuidade no processo de implementação. [Brasil, 2013a:21]

Tais eixos incluem o Decreto no 6755/2009, que institui a Política Nacional de


Formação Inicial e Continuada de Profissionais da Educação e os programas de seleção,
compra e distribuição de materiais didáticos e paradidáticos, como o Programa Nacional

18
O programa oferece bolsas de estudos, dirigidas aos estudantes egressos do Ensino Médio da rede pública
ou da rede particular na condição de bolsistas integrais, com renda per capita familiar máxima de três salários
mínimos (Brasil, 2013a).
do Livro Didático (PNLD), o Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio
(PNLEM) e o Programa Nacional de Bibliotecas Escolares (PNBE).
E é exatamente na posição de uma política pública, na interseção entre as políticas
de avaliação, compra e distribuição de material didático qualificado e de formação
continuada de professores(as) para o trabalho com a temática da educação das relações
étnico-raciais, oferecendo “instrumento de complementação didático-pedagógica e
atualização para o docente” (Brasil, 2013c:42), que nos interessamos pelo Programa
Nacional do Livro Didático (PNLD) e buscamos analisar no Manual do Professor de livros
didáticos de história do Ensino Médio aprovados no PNLD 2015, portanto, posterior ao
Plano nacional de implementação das diretrizes curriculares nacionais para educação
das relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana,
o tratamento das questões relativas à educação das relações étnico-raciais nas orientações
teórico-metodológicas elaboradas, como contribuição para desconstrução da visão
etnocêntrica e monocultural das narrativas eurocêntricas e cronológico-lineares,
favorecendo narrativas outras e modelos outros de abordagens e práticas pedagógicas.

3.1 PNLD: Programa Nacional do Livro Didático

Nossa pesquisa busca analisar na política de avaliação, compra e distribuição de material


didático qualificado representado pelo Programa Nacional do Livro Didático, o PNLD, a
contribuição representada pelas orientações teórico-metodológicas, sugestões de
atividades, leituras e materiais para o trabalho com a temática da educação das relações
étnico-raciais presentes no Manual do Professor para a formação continuada dos docentes,
contribuindo para sua sensibilização, fundamentação teórica e autonomia no trato da
temática.
O Manual do Professor, nosso objeto de análise, é parte destinada exclusivamente
ao professor ou professora, no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), uma política
relacionada com a “necessidade de o governo federal do Brasil comprar livros didáticos
com comprovada qualidade (técnica e pedagógica) para distribuição aos alunos das escolas
públicas (redes federal, estaduais e municipais) de todo país” (Oliveira, 2017:58). Fruto de
quase 90 anos de políticas públicas para o livro didático, por parte do Estado brasileiro,
que desde a década de 1930 realiza análise e distribuição de material didático, em
programas com diferentes formatos e nomenclaturas,19 o PNLD em seu formato atual nasce
em meio ao processo de redemocratização do Brasil na década de 1980, sendo implantado
na década de 1990 e transformado em política pública de Estado no ano de 2010.
O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) foi criado no ano de 1985, pelo
Decreto no 91.542, “substituindo as políticas públicas sobre manuais escolares que lhe
precederam” (Stamatto e Caimi, 2016:223) com objetivo de garantir distribuição gratuita
de obras didáticas de qualidade escolhidas pelos professores das escolas públicas. Tem
como marco legal a Constituição Federal (1988), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional LDB (1996) e os Parâmetros Curriculares Nacionais PCNs, e sem um currículo
obrigatório. Na falta de uma Base Nacional Comum Curricular (BNCC), coube ao mercado
editorial definir os conteúdos curriculares a partir de sua interpretação dos campos
disciplinares (Rocha, 2017).
Em 1996 tem início a avaliação pedagógica das obras didáticas (PNLD 1997) e a
publicação do Guia de Livros Didáticos. Em sua primeira edição destinada às séries iniciais
do Ensino Fundamental, a área de história estava contemplada em estudos sociais (Bezerra,
2017; Stamatto e Caimi, 2016).
A edição de 2004 do PNLD aponta as características atuais do programa,
estabelecendo, entre outras medidas, a separação das coleções de história e geografia e a
inclusão gradativa e seletiva de livros didáticos para o Ensino Médio com a criação do
Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM). O processo
avaliativo de livros didáticos de história para o Ensino Médio tem nesse momento caráter
especial e o ano de 2007 corresponde à publicação do primeiro edital (PNLEM 2007).20
Em 2012 o PNLEM foi integrado ao PNLD em 2012, “formando um só programa de
aquisição e avaliação de obras didáticas do ensino fundamental e médio” (Stamatto e
Caimi, 2016:223).
Para Stamatto e Caimi (2016), a transparência e o respeito à legislação vigente
marcam as modificações ocorridas na política de aquisição e distribuição de obras
didáticas, a partir da institucionalização do PNLD, uma vez que

19
Sobre as políticas de livros didáticos e processos de avaliação anteriores ao PNLD, ver Stamatto e Caimi
(2016), Oliveira e Freitas (2013), Silva (2017) e Filgueiras (2017).
20
Informações acerca da especificidade do primeiro processo avaliativo do Ensino Médio estão disponíveis
no seguinte endereço eletrônico no portal do MEC:
http://portal.mec.gov.br/component/content/article?id=13608. Acesso em: 1 o jul. 2018.
a forma de estabelecer e divulgar requisitos para a análise dos livros didáticos é feita via a
publicação de Editais que contemplam os critérios pelos quais são feitas as avaliações.
Nesse processo, é significativa a garantia ao respeito à legislação em vigor, principalmente
no que se refere aos documentos curriculares e normas para o sistema escolar. Ficam
explicitadas por quais legislações os autores e editores devem se orientar para a elaboração
e produção de manuais escolares, além dos critérios específicos por área. [Stamatto e
Caimi, 2016:234]

Em meio à modificação e evoluções do PNLD, Silva (2017:101) destaca o Decreto


no 7.084/2010 “como importante marco regulatório” das políticas voltadas para o livro
didático. O decreto se propõe a regulamentar os programas de materiais didáticos no
âmbito do MEC, objetivando “prover as escolas de educação básica pública […] obras
didáticas, pedagógicas e literárias, bem como de outros materiais de apoio à prática
educativa, de forma sistemática, regular e gratuita” (art. 1o). O autor considera que sua
regulamentação estava voltada, em grande parte, para o Programa do Livro Didático
(PNLD) e o Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE),21 consolidando assim os
processos e práticas das políticas públicas relacionadas com o livro didático e
acrescentando a essas políticas elementos novos. Contribuiu, dessa forma, para a
perspectiva de permanência e continuidade dos programas, atribuindo-lhes caráter de
política de Estado ao criar uma base jurídica permanente.
Antes do Decreto no 7.084/2010,

a regulamentação e o funcionamento do PNLD se davam, basicamente, por meio de editais


lançados a cada ano, de portarias ministeriais e resoluções do FNDE. Todos esses
instrumentos continuam sendo editados anualmente e a cada ação do programa. No
entanto, alguns de seus elementos e fundamentos foram incorporados ao decreto em
análise, o que corrobora a perspectiva de esse ato normativo contribuir na consolidação de
processos e práticas vigentes no programa, como afirmado anteriormente. [Silva,
2017:114]

21
O Decreto no 9.099, de 18 de julho de 2017, ao unificar as ações de aquisição e distribuição de livros
didáticos e literários, anteriormente contempladas pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e pelo
Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), atribuiu nova nomenclatura, intitulando-o Programa
Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) (http://portal.mec.gov.br/pnld/apresentacao).
Ao longo dos anos, o PNLD veio não apenas se consolidando como também
ampliando sua cobertura atingindo progressivamente todas as etapas da Educação Básica
e, no caso do Ensino Médio, todas as disciplinas da grade nacional.
Deste modo, o PNLD, “que regulamenta o processo de avaliação, seleção,
aquisição e distribuição dos livros didáticos no Brasil” (Ferreira, 2015:31), abrangendo os
anos iniciais e finais do Ensino Fundamental, o Ensino Médio, a Educação de Jovens e
Adultos (EJA) e o Programa Brasil Alfabetizado (PBA), transformou o Estado brasileiro
em seu maior comprador, atuando como provedor e regulador do mercado editorial de
livros didáticos no país (Silva, 2017; Cassiano, 2017).22
Somados, os investimentos nas três modalidades do programa PNLD 2017 (PNLD,
PNLD EJA, PNLD Alfabetização na Idade Certa) correspondem ao valor de R$ 1,47
bilhão, conforme a tabela 1. Como destaca Cassiano (2017:86), “tais dados possibilitam
compreender por que nenhum segmento no setor do livro tem um universo tão grande de
leitores certeiros e regulares, como é o caso dos didáticos constituindo-se, portanto, em
privilegiado campo de disputa das maiores editoras do país”.23 E transformam o livro
didático em um dos principais recursos disponíveis nas escolas da Educação Básica.

Tabela 1
Dados estatísticos
PNLD 2017, PNLD EJA 2017 e PNLD Alfabetização na Idade Certa24
Atendimento Escolas Alunos Exemplares Valores (R$)

Beneficiadas Beneficiados

Ensino Fundamental: 96.632 12.347.961 39.524.100 319.236.959,79

1o ao 5o ano

Ensino Fundamental: 49.702 10.238.539 79.266.538 639.501.256,49

6o ao 9o ano

PNLD Subtotal: 111.668 22586.500 118740638 958.738.216,28

22
Cassiano (2017) analisa o peso do livro didático no mercado de livros do país e do PNLD transformando
o governo brasileiro em seu maior comprador, bem como a influência da entrada de editoras estrangeiras no
país e a formação de grandes grupos no segmento dos livros didáticos.
23
Cassiano (2013) analisa a história e trajetória das editoras, a reconfiguração do setor nos anos 2000 e a
formação dos grandes grupos no segmento dos livros didáticos.
24
Dados disponíveis do site do FNDE no endereço: www.fnde.gov.br/programas/programas-do-livro/livro-
didatico/dados-estatisticos. Acesso em: 1o jul. 2018.
2017 Ensino Fundamental

Ensino Médio: 20.228 6.830.011 33.611.125 337.172.553,45

1a a 3a Série

Total do PNLD 2017 117.690 29.416.511 152.351.763 1.295.910.769,73

Atendimento Escolas Alunos Exemplares Valores (R$)

Beneficiadas Beneficiados

Ensino Fundamental: 18.659 652.133 1.162.758 13.704.305,24

1o ao 5o ano

Ensino Fundamental: 16.440 1.279.495 2.763.257 36.985.416,85

6o ao 9o ano

PNLD Subtotal: 26.296 1.931.628 3.926.015 50.689.722,09

EJA Ensino Fundamental

2017 Ensino Médio: 6.045 786.898 1.066.371 19.902.032,46

1a a 3a Série

Total do PNLD 29.431 2.718.526 4.992.386 70.591.754,55

EJA 2017

PNLD Livros Acervos Escolas Alunos Valores (R$)

2017 Beneficiadas Beneficiados

Alfabetiza 19.941.134 583.504 95.133 7.491.173 102.743.001,32


ção

na

Idade
Certa25

TOTAL Valores (R$)

1.469.245.525,60

Fonte: Dados disponíveis do site do FNDE no endereço: www.fnde.gov.br/programas/programas-do-


livro/livro-didatico/dados-estatisticos. Acesso em: 1o jul. 2018

25
Atendendo Turmas do 1o, 2o e 3o ano do Ensino Fundamental.
Podemos comparar os dados estatísticos do PNLD 2017 que apontam no ano de
2016 a compra e distribuição de 177,2 milhões de livros didáticos com um investimento
financeiro da ordem de R$ 1,47 bilhão, como vimos anteriormente, com os dados do
relatório Mercado do Livro GfK/ANL,26 realizado em parceria entre a Associação
Nacional de Livrarias (ANL) e o instituto de pesquisas GfK que monitora o mercado de
livros no Brasil e analisar o peso do livro didático no mercado de livros do país.
No primeiro relatório de 2018, a GfK fez uma análise comparativa entre os anos de
2016 e 2017, levando em conta as vendas direto ao consumidor do mercado varejista,
incluindo não só as livrarias como também os supermercados, hipermercados, lojas de
autoatendimento e as de departamentos. O relatório aponta que em 2016 houve uma
comercialização de 54,9 milhões de exemplares com um faturamento de R$ 2,23 bilhões,
ocorrendo uma queda de 1,9% no volume de exemplares vendidos em 2017; o ano fechou
com uma venda de 53,9 milhões de exemplares e um faturamento de R$ 2,27 bilhões. Os
dados apontam os livros didáticos como o tipo de livro mais vendido no país, em média
três vezes mais que outros livros. O PNLD tem contribuído para essa realidade bem como
para a melhoria da qualidade dos livros didáticos através de suas avaliações (técnica e
acadêmica) estabelecendo, através de seus editais, os critérios que devem ser atendidos,
por autores e editoras, para que as coleções participem do Guia do PNLD, podendo ser
selecionadas pelos professores e compradas pelo Governo Federal (Oliveira, 2013).

3.2 O PNLD como política de avaliação do livro didático

O Programa Nacional do Livro Didático tem se constituído como política indutora de


mudanças e qualificação em relação à produção de livros didáticos no país. Reconhecendo
as especificidades que caracterizam esse material confeccionado para uso escolar nas
disciplinas da Educação Básica no país, o programa define por meio de seus editais os
critérios de qualificação das obras. Uma vez que

o Edital contempla um conjunto de especificações técnicas e pedagógicas que indicam


desde a tipologia das obras a serem inscritas, os componentes curriculares, as etapas e

26
Informações e íntegra do relatório disponíveis no endereço:
www.publishnews.com.br/materias/2018/02/02/mercado-ganha-novo-relatorio-que-acompanha-o-varejo-
de-livros-no-pais. Acesso em: 1o jul. 2018.
prazos, as condições de participação das editoras, até as orientações e exigências de ordem
pedagógica que regem a avaliação. [Stamatto e Caimi, 2016: 236]

Embora reconhecendo a existência de políticas de avaliação de livros didáticos


anteriores ao PNLD, Maria Inês Sucupira Stamatto e Flávia Eloisa Caimi (2016) afirmam
que “a política de aquisição e distribuição de obras didáticas modifica-se, paulatinamente,
a partir da institucionalização do PNLD/PNLEM” (Stamatto e Caimi, 2016:234),
ressaltando o papel dos seus editais na garantia de transparência do processo de avaliação
ao estabelecerem e divulgarem os requisitos e critérios das avaliações e explicitarem quais
as legislações a serem observadas e respeitadas por autores e editores na elaboração dos
livros didáticos. Ou seja, como destacam Freitas e Oliveira (2014), os editais garantem

o caráter público de todos os critérios, ou seja, não há regra de avaliação que não seja de
conhecimento prévio dos autores e/ou detentores dos direitos autorais. […] os critérios são
os mesmos para todas as coleções […] as coleções são cuidadosamente avaliadas por
vários sujeitos […] são vários os olhares sobre a coleção, garantindo a revisão constante,
no sentido de minimizar eventuais equívocos. [Freitas e Oliveira, 2014:15]

Para Margarida Maria Dias de Oliveira, como consequência do acúmulo de


experiência e demanda por parte das múltiplas vozes presentes na sua confecção, “os
editais se avolumam em especificações cada vez mais minuciosas, tentando responder aos
problemas detectados durante as avaliações” (Oliveira, 2017:63). Como consequência, as
coleções avaliadas têm apresentado expressivas mudanças ao longo das sucessivas edições
do PNLD em busca de atendimento às exigências e especificações de seus editais (Rocha,
2017), com reflexo na qualidade das obras oferecidas para a escolha dos professores.
Especificamente em relação aos livros didáticos de história, Flávia Eloisa Caimi (2017)
assevera que como resultado das avaliações do PNLD

pode-se visualizar um esforço crescente de minimização de erros conceituais,


anacronismos, simplificações explicativas, entre outras fragilidades dessa natureza que
permeavam os livros antes da avaliação sistemática. Constata-se também a supressão de
situações de estereótipos e preconceitos, além de avanços na atualização de conteúdos e
aperfeiçoamento na produção gráfica e visual dos livros. [Caimi, 2017:41]
No entanto, aponta-nos entre as limitações e fragilidades ainda presentes a
perspectiva eurocêntrica e cronológico-linear que embasa as coleções de livros didáticos
de história e entre os desafios a incorporação de análises históricas em diferentes escalas
espaçotemporais para integração de narrativas históricas não eurocêntricas, relacionadas
com as populações da América, África e Ásia, bem como dos procedimentos de
investigação e problematização histórica.
Para Helenice Rocha (2017), a manutenção de determinadas abordagens canônicas
dos conteúdos em termos de títulos, sujeitos, modelo e desenvolvimento da narrativa e seu
encadeamento nas coleções está relacionada com sua consolidação como tradição. Seu
enfrentamento envolve uma gama de fatores e problemas relacionados com a formação
inicial e continuada de professores; as agências formadoras e produtoras de conhecimentos
novos, como as universidades; o papel do mercado editorial na sua relação com o
Ministério da Educação e o próprio PNLD como política de avaliação (Freitas e Oliveira,
2014).
Margarida Maria Dias de Oliveira, representante da disciplina de história na
Comissão Técnica do PNLD, entre 2004 e 2015, reconhece, mesmo com as avaliações
sistemáticas realizadas pelo programa, uma acomodação de autores e editores a um modelo
de livro didático transformado em padrão. Em relação aos conteúdos, considera a situação
ainda mais grave. Pois

Os autores/editores ampliam gradativamente a massa de conhecimentos sem efetuar os


necessários cortes de conteúdos da primeira edição das obras. O resultado é que ano após
ano, os responsáveis pela produção das coleções vão acrescentando mais e mais
acontecimentos, efetuando mínimos cortes. [Oliveira, 2017:63]

Entre as explicações para este fenômeno, podemos destacar a ausência de um


currículo obrigatório, uma vez que na ausência deste coube ao mercado editorial definir
quais conteúdos deveriam compor as obras didáticas. E interessadas no maior número de
vendas possível, as editoras não costumam apostar em grandes modificações, pois que não
querem correr o risco de no momento da escolha final o professor, não encontrando os
conteúdos com os quais está acostumando ou considera importante, descarte a coleção. Ao
mesmo tempo que buscam acrescentar inovações procurando contemplar outros
professores em busca de material com novas configurações.
O que nos apontam os profissionais dedicados ao estudo do PNLD e suas
implicações na melhoria da qualidade dos livros didáticos oferecidos para a escolha por
parte dos professores (Oliveira, 2017; Freitas e Oliveira, 2014; Rocha, 2017; Caimi, 2017)
é que os problemas identificados vão sendo tratados e sanados a cada novo edital do PNLD
a partir das demandas apresentadas como aperfeiçoamento do processo. Portanto, a cada
avanço, novos desafios são apresentados, suscitando novas pesquisas para produção de
novos conhecimentos.
Flávia Caimi (2017) ressalta que até a década de 1990 as pesquisas sobre livros
didáticos de história concentravam-se, em sua maioria, sobre duas dimensões de análise:
de um lado, o estudo dos conteúdos privilegiados ou ausentes nas obras, de outro, a
denúncia do caráter ideológico do livro didático. Essas pesquisas contribuíram certamente
para os avanços apontados anteriormente. No entanto, surgem novas demandas de pesquisa
e a partir da década de 1990 a autora destaca a ampliação das perspectivas investigativas,
incluindo, por exemplo, o caráter de mercadoria do livro didático, as avaliações do PNLD
e seus impactos sobre a qualidade dos livros didáticos.
Estas novas pesquisas devem contribuir para a compreensão das possibilidades e
limites do PNLD ante o mercado editorial, as expectativas dos(as) professores(as), o
diálogo com a ciência de referência (história) ao estabelecer critérios para seleção de
conteúdos e os obstáculos ao avanço na qualidade do livro didático de história e do Manual
do Professor.

3.3 Os editais do PNLD e a legislação antirracista

Flávia Caimi enfatiza que, como parte do processo de aprimoramento do Programa


Nacional do Livro Didático e no esforço de contribuir para a melhoria da qualidade dos
livros didáticos, “cada edital procura apontar questões novas para serem aprimoradas de
um processo a outro, sistematizando um conjunto de preocupações que vêm sendo
colocadas pelos pesquisadores do campo da história e do ensino de história no Brasil e em
outros países” (Caimi, 2017:38).
Neste sentido, buscamos analisar o percurso das referências à legislação antirracista
e atribuições do Manual do Professor ao longo dos editais relacionados com a avaliação
de livros didáticos de história do Ensino Médio até a edição do PNLD 2015,27 recuperando
algumas edições do PNLD do Ensino Fundamental para necessárias comparações.
Como aponta Conceição (2015), por meio de seus editais o PNLD tem se
constituído como parte das políticas públicas relacionadas com a implementação da
legislação antirracista contribuindo para a adequação do livro didático de história às
exigências das suas diretrizes curriculares, visto que a partir do edital de 2003 a avaliação
da temática da educação das relações étnico-raciais aparece como critério eliminatório.
Nos editais referentes ao PNLD 2007 e PNLEM 2007, respectivamente, a não observância
dos preceitos da Lei no 10.639/2003, do Parecer CNE/CP no 003/ 2004 e da Resolução no
01/2004 constitui critério sumário de eliminação.
Nos referidos editais constaram critérios eliminatórios e critérios de qualificação e,
dessa forma, “nem todos os critérios concorrem para a exclusão, havendo critérios que, se
atendidos, contribuem para distinguir positivamente as obras” (Stamatto e Caimi,
2016:239). O edital do PNLEM 2007 estabelece entre os critérios gerais de qualificação
relacionados com a construção de uma sociedade cidadã que “a obra didática aborde
criticamente as questões de sexo e gênero, de relações étnico-raciais e de classes sociais,
denunciando toda forma de violência na sociedade e promovendo positivamente as
minorias sociais” (Brasil, 2005b:37). Já o edital do PNLD 2007 traz uma descrição mais
detalhada ao afirmar:

Quanto à construção de uma sociedade cidadã, espera-se que o livro didático: […]
4) promova positivamente a imagem de afrodescendentes e descendentes das etnias
indígenas brasileiras, considerando sua participação em diferentes trabalhos e profissões e
espaços de poder;
5) promova positivamente a cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros, dando
visibilidade aos seus valores, tradições, organizações e saberes sociocientíficos;
6) aborde a temática das relações étnico-raciais, do preconceito, da discriminação racial e
da violência correlata, visando à construção de uma sociedade antirracista, justa e
igualitária. [Brasil, 2005a:35]

Entre os critérios eliminatórios específicos do componente curricular história, o


PNLEM 2007 estabelece, em seu edital, a veiculação em textos e/ou ilustrações de
“preconceitos que levem a discriminações de qualquer tipo (origem, etnia, gênero,

27
Editais do PNLEM 2007, PNLD 2012 e PNLD 2015.
religião, idade ou quaisquer outras formas de discriminação)” (Brasil, 2005b:66). Em seus
critérios de qualificação, a temática da educação das relações étnico-raciais e a legislação
antirracista não estão diretamente mencionadas.
Os editais do PNLD 2012 e 2015 trazem apenas critérios eliminatórios, comuns e
específicos, responsáveis pela exclusão das obras em caso de não atendimento. E mantêm
entre os critérios eliminatórios comuns a todas as áreas o respeito à legislação, às diretrizes
e às normas oficiais referentes ao Ensino Médio, entre estas: a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, com as respectivas alterações introduzidas pelas Leis no 10.639/2003,
no 11.645/2008 e no 11.525/2007 e as Resoluções e Pareceres do Conselho Nacional de
Educação, como o Parecer CNE/CP no 003, de 10/3/2004, o Parecer CNE/CP no 14, de
6/6/2012, e a Resolução CNE/CP no 01, de 17/6/2004 (Brasil, 2013c).
Assim como também mantém entre tais critérios eliminatórios a veiculação de
“estereótipos e preconceitos de condição socioeconômica, regional, étnico-racial, de
gênero, de orientação sexual, de idade ou de linguagem, assim como qualquer outra forma
de discriminação ou de violação de direitos” (Brasil, 2013c:40).
E finalmente destacamos que o edital do PNLD 2015 estabelece entre os critérios
eliminatórios específicos para o componente curricular história o desenvolvimento de
“abordagens qualificadas sobre a história e cultura da África, dos afrodescendentes, dos
povos afro-brasileiros e indígenas, em consonância com as leis 10.639/2003 e
11.645/2008” (Brasil, 2013c:55). Ressaltamos que o estabelecimento de exigências como
essa reflete a ação dos agentes da legislação via estrutura do Estado encaminhando as ações
de sua implementação por meio das especificações dos editais do Programa Nacional do
Livro Didático, que respondem, por sua vez, às demandas sociais em torno da temática da
educação das relações étnico-raciais e combate ao racismo, como caminho para a
construção de uma sociedade antirracista.
Concordamos com Marcelo Soares Pereira da Silva (2017) ao reconhecer que o
estabelecimento de normas, diretrizes e orientações, ainda que insuficiente,
constitui passo importante para se fazer avançar a efetivação de determinados direitos e
conquistas que, historicamente, foram (e são) perseguidos pelos setores e segmentos
sociais em qualquer sociedade. A existência de um imperativo legal-normativo em
qualquer campo da vida social coloca, para os formuladores e implementadores de políticas
públicas, demandas e exigências em torno das quais a sociedade poderá empreender, por
meio de políticas públicas, novas lutas, novas reivindicações, novas ações por parte do
Estado. Ainda que grande parte das pessoas não tenha plena consciência e dimensão da
importância da inscrição nos textos legais de direitos, deveres, obrigações, proibições,
possibilidades, esses textos têm grande impacto na vida dessas pessoas, ao mesmo tempo
que constituem importantes instrumentos de luta. [Silva, 2017:103-104]

A exigência presente nos editais do PNLD28 representa a possibilidade de novas


demandas e pesquisas que apontem os caminhos para construção, nos livros didáticos de
história do Ensino Médio, de abordagens qualificadas sobre a história e cultura da África,
dos afrodescendentes, dos povos afro-brasileiros e indígenas.

3.4 Os editais do PNLD e as especificações do Manual do Professor

Avaliando a trajetória do PNLD no período de 2004 a 2015, Margarida Maria Dias de


Oliveira (2017) considera que nesse período o Manual do Professor mudou para melhor,
ampliando as orientações para além da resposta do livro do aluno. Nesse processo, destaca
o edital de 2010 ao apresentar, de forma delineada, a proposta esboçada em edições
anteriores de uma definição mais detalhada das especificidades do Manual do Professor,
configurando-o como material diferenciado do livro didático do aluno com orientações
suplementares que possibilitem à professora ou ao professor reestruturar a proposta do
livro didático em seu processo de autonomia e de acordo com sua realidade escolar.
No edital do PNLEM 2007, o primeiro referente aos manuais para professores do
Ensino Médio, o Manual do Professor aparece como critério geral de qualificação das
obras. Considerando-se fundamental que:
— descreva a estrutura geral da obra, explicitando a articulação pretendida entre suas
partes e/ou unidades e os objetivos específicos de cada uma delas;
— oriente, com formulações claras e precisas, os manejos pretendidos ou desejáveis do
material em sala de aula;
— sugira atividades complementares, como projetos, pesquisas, jogos etc.;
— forneça subsídios para a correção das atividades e exercícios propostos aos alunos;
— discuta o processo de avaliação da aprendizagem e sugira instrumentos, técnicas e
atividades;

28
O edital do PNLD 2018 mantém a referida exigência com a seguinte redação: “será observado se a obra
[…] desenvolve abordagens qualificadas sobre a história e cultura da África, dos afrodescendentes, dos povos
afro-brasileiros e indígenas, em consonância com as leis no 10.639/2003 e no 11.645/2008, tratando esses
sujeitos na sua historicidade e mostrando sua presença na contemporaneidade de forma positiva” (Brasil,
2015:47).
— informe e oriente o professor a respeito de conhecimentos atualizados e/ou
especializados indispensáveis à adequada compreensão de aspectos específicos de uma
determinada atividade ou mesmo de toda a proposta pedagógica da obra. [Brasil, 2005b:37-
38]

Entre os critérios específicos de avaliação das obras referentes ao componente


curricular história, o Manual do Professor, denominado livro do professor, considerado
peça importante no esclarecimento das propostas da obra didática, aparece tanto como
critério eliminatório, devendo “conter orientações que explicitem os pressupostos teóricos,
procurando a coerência entre esses pressupostos e a apresentação dos conteúdos no livro
do aluno, e as atividades propostas” (Brasil, 2005b:66), quanto como critério de
qualificação necessitando

deixar clara a opção teórica e metodológica do autor, fornecer bibliografia diversificada e


outros recursos que contribuam para a formação do professor, e, ainda, trazer orientação
visando à articulação dos conteúdos do livro entre si e com outras áreas de conhecimento.
Deve ainda apresentar potencialidades da obra, variedade de caminhos que podem ser
seguidos a partir dos recursos apresentados nos livros e trazer informações
complementares às legendas das imagens constantes nos livros, incentivando o professor
a iniciar seus trabalhos — como mais uma opção — pelo debate destas. Além disso, é
desejável que estimule o professor a compreender a leitura docente como parte
constitutiva das suas condições de trabalho e que seu local de atuação (cidade, bairro,
sítio) deve e pode ser utilizado como fonte de recursos e materiais didáticos por meio dos
seus museus, arquivos, praças, meio ambiente, e toda a cultura material aí envolvida
(jornais, roupas, objetos etc.). Deve conter proposta e discussão sobre avaliação da
aprendizagem e sugestões de atividades e de leituras para os alunos. [Brasil, 2005b:69,
grifos nossos]

Comparado ao edital referido anteriormente, o edital do PNLD 2010,29 relativo ao


processo de avaliação e seleção de obras didáticas para as séries iniciais do Ensino
Fundamental, conforme evidenciado por Oliveira (2017), amplia as especificações em
relação ao Manual do Professor descritas tanto nos critérios eliminatórios comuns a todas
as áreas quanto nos critérios eliminatórios específicos do componente curricular história

29
Ver no referido edital as especificações sobre o Manual do Professor descritas nos critérios eliminatórios
comuns a todas as áreas (p. 30-31) e nos critérios eliminatórios específicos do componente curricular história
(p. 38-39).
que descrevem o manual do professor como “artefato veiculador de textos escritos e
magnéticos sobre a experiência humana no tempo […] como um conjunto de orientações
sobre o ofício do professor de história […] instrumento importante no esclarecimento das
propostas do livro didático do aluno” (Brasil, 2007:38).
Posteriormente sobre a influência do edital de 2010, o edital do PNLD 2012, o
segundo relacionado com o processo de avaliação e seleção de obras didáticas destinadas
aos alunos do Ensino Médio, estabelece entre critérios eliminatórios comuns a todas as
áreas a observância das caraterísticas e finalidades específicas do Manual do Professor,
determinando:

O manual do professor deve visar, antes de mais nada, a orientar os docentes para um uso
adequado da obra didática, constituindo-se, ainda, num instrumento de complementação
didático-pedagógica e atualização para o docente. Nesse sentido, o manual deve organizar-
se de modo a propiciar ao docente uma efetiva reflexão sobre sua prática. Deve, ainda,
colaborar para que o processo de ensino-aprendizagem acompanhe avanços recentes, tanto
no campo de conhecimento do componente curricular da obra, quanto no da pedagogia e
da didática em geral.
Considerando-se esses princípios, serão excluídas as obras cujos manuais não se
caracterizarem por:
(1) explicitar os objetivos da proposta didático-pedagógica efetivada pela obra e os
pressupostos teórico-metodológicos por ela assumidos;
(2) descrever a organização geral da obra, tanto no conjunto dos volumes quanto na
estruturação interna de cada um deles;
(3) apresentar o uso adequado dos livros, inclusive no que se refere às estratégias e aos
recursos de ensino a serem empregados;
(4) indicar as possibilidades de trabalho interdisciplinar na escola, a partir do componente
curricular abordado no livro;
(5) discutir diferentes formas, possibilidades, recursos e instrumentos de avaliação que o
professor poderá utilizar ao longo do processo de ensino-aprendizagem;
(6) propiciar a reflexão sobre a prática docente, favorecendo sua análise por parte do
professor e sua interação com os demais profissionais da escola;
(7) apresentar textos de aprofundamento e propostas de atividades complementares às do
livro do aluno. [Brasil, 2009:21]

A redação é mantida para os critérios eliminatórios comuns a todas as áreas no


Edital do PNLD 2015, acrescentando ao seu início a afirmação de que “o manual do
professor não poderá ser apenas uma cópia do livro do aluno com os exercícios resolvidos”
(Brasil, 2013c:42).
Em relação aos critérios eliminatórios específicos das obras do componente
história, novamente o Edital do PNLD 2015 mantém a redação do Edital do PNLD 2012,
com os acréscimos destacados a seguir:

Na avaliação das obras do componente curricular História, será observado, ainda, se o


manual do professor:
– contém informações complementares e orientações que possibilitem a condução das
atividades de leitura das imagens, sobretudo, como fontes para o estudo da história,
extrapolando sua utilização como elemento meramente ilustrativo e/ou comprobatório;
– orienta o professor sobre as possibilidades oferecidas para a implantação do ensino de
história da África, da história e cultura afro-brasileira e das nações indígenas, considerando
conteúdos, procedimentos e atitudes;
– orienta o professor a considerar o seu local de atuação como fonte de análise histórica e
como recurso didático, considerando as diferentes condições de acesso e a diversidade
nacional;
– orienta para a percepção e compreensão do espaço construído e vivido pelos cidadãos,
além de toda a cultura material e imaterial aí envolvida;
– oferece orientações sobre princípios, critérios e instrumentos de avaliação,
considerando a especificidade da disciplina História. [Brasil, 2013c:55-56, grifos nossos]

Ressaltamos que os Editais do PNLD analisados e relativos à avaliação e seleção


de obras didáticas (livros didáticos e manuais do professor) para o Ensino Médio atribuem
ao Manual do Professor, levando em conta suas caraterísticas e especificidades, a tarefa de
contribuir para a formação continuada e atualização docente, favorecendo uma abordagem
qualificada da história e cultura da África e dos povos afro-brasileiros e indígenas como
preconizado pela legislação antirracista.
Portanto, buscamos analisar nas orientações teórico-metodológicas para o trabalho
com a cultura e história da África em manuais do professor de livros didáticos de história,
entre as coleções aprovadas e selecionadas por professores de história do Ensino Médio no
PNLD 2015, contribuições no sentido de “desestruturar perspectivas históricas
eurocêntricas, etnocêntricas, monocausais e cronológico-lineares” (Brasil, 2013c:51)
como proposto no respectivo edital.
4. O Manual do Professor: objeto e fonte de pesquisa

Nesta pesquisa, o Manual do Professor do livro didático de história do Ensino Médio, além
de se constituir em nosso objeto de pesquisa, também será nossa fonte, levando em conta
sua natureza, caraterísticas e especificidades. Sua abordagem historiográfica e as
orientações teórico-metodológicas adotadas no tratamento da temática da educação das
relações étnico-raciais e da cultura e história da África, em especial, constituem a base de
nossa análise textual, em diálogo analítico com a perspectiva teórica e político-educacional
dos estudos pós-coloniais latino-americanos e da constituição dos saberes históricos
escolares.
Compreendendo o Manual do Professor como instrumento que mediatiza as
abordagens teórico-metodológicas da história escolar e a formação continuada de
professores, buscamos analisar suas possíveis contribuições como material de apoio
pedagógico e, mais ainda, como suporte importante na formação continuada de professores
e professoras de história do Ensino Médio para o trabalho com a temática da educação das
relações étnico-raciais e cultura e história da África.
Buscamos caracterizar nosso objeto de estudo levando em conta não só suas
especificidades, como também sua relação intrínseca com o livro didático. Analisamos sua
caraterização ao longo de sucessivos editais do PNLD, especialmente os editais referentes
à seleção de coleções de livros didáticos de história do Ensino Médio.
Reconhecendo a consolidação da linha de pesquisa sobre livros didáticos
principalmente nas áreas de educação, linguística e história, buscamos construir um quadro
panorâmico das pesquisas relacionadas com o Manual do Professor no cenário nacional a
partir do levantamento de teses e dissertações publicadas no Catálogo de Teses da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) entre 2004 e 2015,
e a análise desta produção contribuiu para a localização e percepção da relevância desta
pesquisa.
E finalmente apresentamos a trajetória da pesquisa, o caminho que nos levou da
seleção à análise das orientações teórico-metodológicas para o trabalho com a temática da
cultura e história da África em sala de aula nos manuais do professor selecionados,
buscando apontar os desafios deste processo e os resultados construídos.
4.1 O Manual do Professor como objeto de pesquisa

O Manual do Professor é parte integrante dos livros didáticos brasileiros e pré-requisito


para inscrição de coleções no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). O livro
didático, por sua vez, representando a escrita didática da história, constitui uma literatura
específica, relacionada com o espaço escolar e constituinte de um saber também específico,
o saber escolar, caracterizado por processos de didatização.
Como alerta Circe Bittencourt (2008), a escrita didática da história presente no livro
do aluno é parte constitutiva do saber escolar, não devendo ser confundida com o saber
escolar em si, fruto de um processo mais complexo que envolve a ação dos diversos
sujeitos do espaço escolar e sua relação com saberes a serem ensinados e aprendidos e com
a cultura escolar.

O saber a ser ensinado transforma-se em saber ensinado na sala de aula, onde o professor
é elemento fundamental tanto na interpretação que fornece a esse conhecimento proposto
como nos métodos que utiliza e sua transmissão, com os meios de comunicação que dispõe.
Finalmente, para a configuração integral do saber escolar, temos o saber aprendido, ou
seja, o conhecimento incorporado e utilizado pelos alunos de acordo com a vivência de
cada um deles, das condições sociais e das relações estabelecidas no espaço escolar.
[Bittencourt, 2008:16, grifos da autora]

Compete ao Manual do Professor orientar sua ação em sala de aula, parte


fundamental no complexo processo que produz o saber escolar. Se o livro didático contém
o saber a ser ensinado, o Manual do Professor caracteriza-se pelas orientações teórico-
metodológicas para didatização de seu conteúdo que configura a construção dos saberes
escolares.
Para Ayres Charles de Oliveira Nogueira, “o MP nasce da necessidade de se ‘falar
sobre’ o livro didático que é, sobretudo, um recurso para o aluno utilizar em seus estudos”
(Nogueira, 2014:29). O que preconiza o autor é o fato de que o manual tendo o professor
como destinatário direto mantém relação intrínseca com o livro do aluno. Compondo o
livro do professor,30 devendo indicar os pressupostos teórico metodológicos da coleção em

30
Expressão utilizada por Nogueira (2014:29), o livro do professor correspondendo à publicação que agrega
além da parte correspondente ao livro do aluno, outra destinada ao professor. Esta última entendida como
Manual do Professor.
questão, orientar estratégias didático-pedagógicas para o trabalho com o livro didático e
atender outras especificidades determinadas em grande parte pelo PNLD.
De acordo com o edital do PNLD de 2015, que corresponde à edição dos MPs
analisados, entendemos o Manual do Professor como material de apoio ao professorado,
no que se refere à atuação em sala de aula e formação continuada. E dessa forma

o manual do professor não poderá ser apenas uma cópia do livro do aluno com os exercícios
resolvidos e deve visar, antes de mais nada, a orientar os docentes para um uso adequado
da obra didática, constituindo-se, ainda, em instrumento de complementação didático-
pedagógica e atualização para o docente. [Brasil, 2013c:42]

Nesse sentido, o próprio edital define como características do Manual do Professor


explicitar os pressupostos teórico-metodológicos que fundamentam a proposta didático-
pedagógica efetivada pela obra; descrever sua organização geral; apresentar o uso
adequado dos livros (estratégias e recursos de ensino a serem empregados); indicar, a partir
da articulação dos conteúdos entre si e com outros componentes curriculares e áreas do
conhecimento, as possibilidades de trabalho interdisciplinar na escola; discutir formas,
possibilidades, recursos e instrumentos de avaliação ao longo do processo ensino-
aprendizagem; propiciar a reflexão sobre a prática docente, favorecendo sua análise por
parte do professor e sua interação com os demais profissionais da escola; apresentar textos
de aprofundamento e propostas de atividades complementares às do livro do aluno (Brasil,
2013c).
Portanto, embora o MP esteja relacionado com o livro didático, diferencia-se deste
por possuir destinatário e especificidades próprias. No entanto, “não há como falarmos
sobre o MP sem tangenciarmos, pelo menos, o LD, apesar de que o manual constitui, de
fato, nosso objeto de estudo, enquanto que o LD apenas nos fornece aspectos para isso”
(Nogueira, 2014:29-30).
Reconhecemos que, por sua vez, o livro didático constitui produto cultural
complexo, uma vez que sua produção está vinculada a múltiplas possibilidades de
didatização do saber histórico e sua utilização enseja práticas de leitura diversas (Miranda
e Luca, 2004).
Segundo Itamar Freitas,
livro didático é um artefato impresso em papel que veicula imagens e textos em forma
linear e sequencial, panejado, organizado e produzido especificamente para uso em
situações didáticas, envolvendo predominantemente alunos e professores com a função de
transmitir saberes circunscritos a uma disciplina escolar. [Freitas, 2009:12]

Artefato intimamente ligado ao processo de disciplinarização dos saberes escolares,


o livro didático constitui suporte privilegiado das disciplinas escolares (Freitas, 2009).
Com diferentes nomenclaturas ao longo do tempo, o livro didático de História está
intrinsecamente ligado à institucionalização do componente curricular, servindo de guia
programático da disciplina história (Stamatto, 2009).
Como destaca Gasparello (2013:19), “o livro didático surge hoje como um dos
objetos mais analisados em investigações sobre os saberes escolares e as práticas
pedagógicas, bem como em abordagens sobre a constituição histórica das disciplinas
escolares”, constituindo-se como forte linha de pesquisa em áreas como educação,
linguística e história, pelo caráter interdisciplinar e multiplicidade de temas e enfoques
relacionados com “sua produção material e textual, seu conteúdo (disciplinar, simbólico,
ideológico e outros), seu caráter histórico e cultural ligado ao mundo escolar, dentre
outros” (Gasparello, 2013:19).
Em relação ao Manual do Professor, consideramos ainda recente e incipiente a
constituição como objeto de pesquisa. Para construir um quadro panorâmico das pesquisas
desenvolvidas sobre o Manual do Professor no cenário acadêmico brasileiro, realizamos
um levantamento das obras em níveis de mestrado e doutorado no Catálogo de Teses da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), que agrega teses
e dissertações desenvolvidas em instituições de ensino superior brasileiras.
Considerando que o PNLD tem contribuído por meio de seus editais para
caracterização deste objeto didático e que o edital do PNLD 2004 estabelece as
caraterísticas atuais do programa, escolhemos como marcadores temporais os anos de 2004
e 2015, esta última data referente ao PNLD dos manuais analisados. E usamos como termo
de pesquisa, a expressão “manual do professor”. A base de dados consultada publicou no
período 18 trabalhos (14 dissertações e quatro teses) relacionados ao Manual do Professor,
compondo o quadro a seguir.

Quadro 1
Teses e dissertações sobre Manual do Professor (2004-15)
No ANO Título Autor(a) Nível/Instituição

01 2008 Manual do professor de língua NÓBREGA, Mestrado em LINGUAGEM E

portuguesa: da construção do gênero à Geovana Sousa ENSINO/

leitura dos professores Universidade Federal de


Campina Grande

02 2008 No entrecruzamento de políticas de ROCHA, Ana Mestrado em EDUCAÇÃO/

currículo e de formação docente: uma Angelita Costa


Universidade Federal do Rio
análise do manual do professor do livro Neves da de Janeiro
didático de geografia.

03 2008 A importância do manual do professor COSTA, José Mestrado em EDUCAÇÃO

na transposição didática da matemática. Roberto PARA A CIÊNCIA E O


ENSINO DE MATEMÁTICA/

Universidade Estadual de
Maringá

04 2008 Um estudo sobre a concepção de LIMA, Carolina Mestrado em EDUCAÇÃO/

literatura presente no discurso dos Yokota de Paula


Universidade de São Paulo
manuais didáticos (entre os anos de
1970 a 1990)

05 2009 Manual do professor de coleção de FERNANDEZ, Mestrado em ESTUDOS DA

livros didáticos de língua inglesa: Cristina Mott LINGUAGEM/

autonomia ou subsunção? Universidade Estadual de


Londrina

06 2010 Manuais do professor do ensino médio: ALVES, Raabe Mestrado em LETRAS/

imagens discursivas de professor e de Costa


Universidade do Estado do Rio
ensino de ELE (Espanhol / Língua de Janeiro
Estrangeira)

07 2011 O manual didático de ciências na NEVES, Maria Mestrado em EDUCAÇÃO/

organização do trabalho didático na Lucia Paniago


Universidade Federal de Mato
escola contemporânea Lordelo Grosso do Sul

08 2012 O livro didático de alfabetização: o SILVA, Mestrado em EDUCAÇÃO/

manual do professor e sua relação com Cristiana


Universidade Federal de
o fazer pedagógico referente ao ensino Vasconcelos do Pernambuco
de leitura e escrita Amaral e
09 2012 Significações do professor de história AMARAL, Mestrado em EDUCAÇÃO/

para sua ação docente: o livro didático Sandra Regina


Universidade Estadual de
de história e o manual do professor do Rodrigues do Londrina
segundo segmento do Ensino
Fundamental no PNLD 2008

10 2013 Os manuais dos professores dos livros SANTOS, Mestrado Profissional em

didáticos de biologia aprovados no Romualdo José ENSINO DE CIÊNCIAS/

PNLD 2012: a temática ambiental e o dos Universidade Federal de


Itajubá
processo educativo

11 2013 Um olhar no manual didático de LIMA, Ana Mestrado em EDUCAÇÃO/

matemática para o Ensino Médio: Izabel Duarte


Universidade Federal de Mato
proposta de atividades envolvendo as Grosso
tecnologias de informação e
comunicação

12 2014 Manual do professor, muito prazer em NOGUEIRA, Doutorado em ESTUDOS DA

(re)conhecê-lo! Uma análise Ayres Charles LINGUAGEM/

sociorretórica do gênero de Oliveira Universidade Federal do Rio


Grande do Norte

13 2014 A tessitura do gênero textual “manual FERNANDEZ, Doutorado em ESTUDOS DA

do professor de coleções didáticas de Cristina Mott LINGUAGEM/

língua inglesa” nas tramas do PNLD Universidade Estadual de


Londrina

14 2014 Manual do professor: constituição do ANDRADE, Doutorado em LINGUÍSTICA

gênero, recepção e reflexos no ensino e Patricia Ribeiro E LETRAS/

aprendizado de língua materna de Pontifícia Universidade


Católica do Rio Grande do Sul

15 2014 ‘Prezado professor’: prefácios, notas, RIBEIRO, Mestrado em HISTÓRIA


advertências e manual do professor Fabio SOCIAL/

Universidade de São Paulo

16 2015 A compreensão responsiva ativa do LIMA, Mariana Mestrado em LETRAS/

professor de língua inglesa: discursos e Natercia de


Universidade Federal de
pontos de vista docentes sobre noções Pernambuco
teórico-metodológicas contidas no
manual do professor da coleção didática
ENGLISH FOR ALL
17 2015 Biologia experimental, experimentação AZEVEDO, Doutorado em EDUCAÇÃO/

na biologia escolar e o manual do Maicon Jeferson


Universidade Federal
professor de biologia do Biological da Costa Fluminense
Sciences Curriculum Study (BSCS):
estudo de relações sóciohistóricas

18 2015 Processo de coordenação e PAIXAO, Mestrado em LINGUAGENS

subordinação em um manual didático — Ediram de E REPRESENTAÇÕES/

um estudo à luz de Bakhtin e o círculo Souza Universidade Estadual de


Santa Cruz

Fonte: Catálogo de Teses da Capes.31

Conforme o gráfico 1, podemos observar que entre os anos de 2004 e 2007 não
houve publicação de trabalhos sobre a temática, e entre os anos de 2008 e 2015 percebemos
pequenas oscilações e um número ainda reduzido de trabalhos publicados.

Gráfico 1
Quantidade de obras por ano

4 Dissertações

Teses

0
2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015

Fonte: Produção da pesquisa.

31
Disponível em: http://catalogodeteses.capes.gov.br/catalogo-teses/#!/. Acesso em: 9 jul. 2018.
Em levantamento inicial, encontramos pesquisas que elegem como fonte analítica
o manual de diferentes disciplinas como: língua portuguesa, língua inglesa, matemática,
geografia, história, ciências, biologia e alfabetização.
Constatamos que a maioria das dissertações relacionadas com o Manual do
Professor foi produzida em Programas de Pós-Graduação em Educação (sete dissertações),
área que responde por 50% dos trabalhos. Seguida pelas áreas de letras, linguagens e
linguística que juntas respondem por 35,7% dos trabalhos (cinco dissertações). Em
Programa de Pós-Graduação em História encontramos uma dissertação. Em relação às
teses, as pós-graduações nas áreas de linguagens e linguística concentram 75% dos
trabalhos (três teses) e educação responde pelos outros 25% (uma tese).

Gráfico 2
Quantidade de obras por área

6 Dissertações

Teses
5

Fonte: Produção da pesquisa.

Quanto à localização geográfica das produções, destacamos que não foram


encontradas produções na Região Norte. Em relação à produção de dissertações,
observamos uma predominância da Região Sudeste, com seis dissertações (42,8% das
produções), e certo equilíbrio entre as regiões Sul (três dissertações), Nordeste (três
dissertações) e Centro-Oeste (duas dissertações). Em relação à produção de teses,
constatamos a ausência de produções na Região Centro-Oeste e equilíbrio entre as regiões
Nordeste (uma tese), Sudeste (uma tese) e Sul (duas teses).

Gráfico 3
Lugar de produção das obras

Dissertações
6
Teses

0
Nordeste Sul Sudeste Centro-Oeste

Fonte: Produção da pesquisa.

A leitura de resumos32 indicou-nos pelo menos sete trabalhos (38,8% das


pesquisas) estabelecendo alguma relação entre o Manual do Professor e o PNLD. E seis
deles posteriores ao edital do PNLD 2010 que, como destacado anteriormente, marca a
ampliação das especificações relativas ao Manual do Professor no programa nacional de
avaliação e distribuição de livros didáticos.
O que possivelmente indique, ainda que no campo das conjecturas, que a
caracterização das especificidades e atribuições do Manual do Professor, via editais do
PNLD, tem contribuído para percepção deste como objeto de pesquisa. Por outro lado, é
necessário reconhecer que não temos uma linha de pesquisa consolidada em torno deste
objeto de estudo. Na área de história encontramos uma única pesquisa (Mestrado em
História Social/USP) e nenhum trabalho no campo do ensino de história. Assim como

32
Em alguns casos a relação com o PNLD pode ser identificada no título do trabalho.
também não encontramos trabalhos relacionando o Manual do Professor e as temáticas
associadas à educação das relações étnico-raciais.
A partir destas constatações, localizamos nossa pesquisa como uma dissertação
produzida no Mestrado Profissional em Ensino de História (ProfHistória), tendo como
objeto de estudo o Manual do Professor em suas orientações teórico-metodológicas para o
trabalho com a temática da educação das relações étnico-raciais, em especial a cultura e
história da África.
A ausência de pesquisas anteriores obrigou-nos ao desafio de construirmos o
próprio caminho. Um caminho cheio de idas e vindas, e voltas, muitas voltas. Uma
trajetória que nos levou da seleção das coleções e, portanto, dos manuais a serem
analisados à construção de um quadro de análises, buscando, por um lado, contemplar
aquilo que cada coleção de manuais oferecia como espaço de orientação ao(a) professor(a)
e, por outro, a construção de uma estrutura que permitisse a análise comparativa de dados.
Só após esta construção foi possível a coleta e análise segura dos dados.
Obviamente, não caberia nesta dissertação a descrição das voltas necessárias e o
somatório das pedras recolhidas no caminho. Então apresentamos o que construímos como
resultado do trabalho de seleção e análise das orientações teórico-metodológicas para o
trabalho com as temáticas cultura e história da África em manuais do professor em
coleções de livros didáticos de história do Ensino Médio.

4.2 Construindo os caminhos da pesquisa: seleção e análise em manuais do professor

No universo de 19 coleções aprovadas para o componente curricular história do Ensino


Médio, na edição 2015 do PNLD,33 escolhemos analisar as duas coleções de maior e a de
menor escolha por parte do professorado, conforme indicado no site do Fundo Nacional
de Desenvolvimento da Educação (FNDE)34 cujos manuais do professor se constituíram
em fonte e objeto de nossa análise.
De acordo com os dados apontados pelo FNDE, as duas coleções mais distribuídas
para o componente curricular história do Ensino Médio foram, respectivamente, as

33
Edital de Convocação 01/2013. Disponível em: www.fnde.gov.br/programas/livro-didatico/livro-
didatico-editais.
34
Disponível em: www.fnde.gov.br/programas/livro-didatico/livro-didatico-dados-estatísticos.
coleções “História Sociedade & Cidadania”, de Alfredo Boulos Junior, da editora FTD,
com 1.385.76535 exemplares distribuídos, e “História Global: Brasil e Geral”, de Gilberto
Cotrim, da editora Saraiva, com 997.744 exemplares distribuídos. E a coleção menos
distribuída foi “Nova História Integrada”, dos autores João Paulo Mesquita Hidalgo
Ferreira e Luiz Estevam de Oliveira Fernandes, da editora Companhia da Escola, com
66.396 exemplares.

Figura 1
Coleção “História Sociedade & Cidadania”, de Alfredo Boulos Junior, da editora FTD

Figura 2
Coleção “História Global: Brasil e Geral”, de Gilberto Cotrim, da editora Saraiva

35
Somando-se os livros didáticos dos alunos e manuais do professor para a 1a, 2a e 3a séries do Ensino Médio.
Figura 3
Coleção “Nova História Integrada”, dos autores João Paulo Mesquita Hidalgo Ferreira e Luiz
Estevam de Oliveira Fernandes, da editora Companhia da Escola

Para facilitar a identificação e citações das referidas coleções em nosso texto,


enumeramos em ordem decrescente de acordo com o índice de distribuição apontado pelo
FNDE. Desse modo, nomearemos as coleções “História Sociedade & Cidadania”;
“História Global: Brasil e Geral”; e “Nova História Integrada” de Coleção I, II e III,
respectivamente.

Quadro 2
Coleções de manuais do professor selecionadas — PNLD 2015
Ordem por Número de Coleção Autor(es) Editora
distribuição exemplares
distribuídos

Coleção I 1.385.765 História Sociedade e Alfredo Boulos Junior FTD


Cidadania

Coleção II 997.744 História Global: Brasil e Gilberto Cotrim Saraiva


Geral

Coleção III 66.396 Nova História Integrada João Paulo Mesquita Companhia
Hidalgo Ferreira e Luiz da Escola
Estevam de Oliveira
Fernandes

Fonte: site do FNDE.


Nas três coleções selecionadas para análise, o Manual do Professor apresenta duas
partes distintas. A primeira correspondente ao livro do aluno e a segunda é correspondente
às orientações específicas direcionadas ao professor, que caracterizam o Manual do
Professor e seguem os critérios exigidos pelo PNLD.
Apenas na Coleção I optou-se também pela inserção na primeira parte que coincide
com o livro do aluno de algumas orientações, exemplificações, sugestões para o(a)
professor(a), em letra reduzida e coloração em destaque. Deste modo, o que estamos
considerando como Manual do Professor, também nomeado como Manual de Apoio ao
Professor (na Coleção I) em geral, corresponde à parte final do livro, como acréscimo ao
livro do aluno. Possuindo 112 páginas nos três volumes da Coleção I; 112 páginas nos
volumes 1 e 2, e 111 páginas no volume 3 da Coleção II; 94 páginas no volume 1 e 112
páginas nos volumes 2 e 3 da Coleção III.

Quadro 3
Número de páginas do Manual do Professor em cada volume da coleção analisada
Coleção I V. 1 112 páginas Coleção II V. 1 112 páginas Coleção III V. 1 94

V. 2 112 páginas V. 2 112 páginas V. 2 112

V. 3 112 páginas V. 3 111 páginas V. 3 112

Fonte: Produção da pesquisa.

O sumário do Manual do Professor apresenta, nas coleções analisadas, inicialmente


uma listagem de tópicos que buscam demonstrar o atendimento às exigências do edital do
PNLD, em especial, as que se referem às características e finalidades específicas destes
manuais, como a explicitação dos pressupostos teórico-metodológicos e dos objetivos da
proposta didático-pedagógica, a descrição da organização geral da obra, a orientação para
uso adequado dos livros, a indicação de possibilidades de trabalho interdisciplinar e
diferentes formas, possibilidades, recursos e instrumentos de avaliação para uso do
professorado ao longo do processo de ensino-aprendizagem, além de possibilidades de
reflexão sobre a prática docente e apresentação de textos para aprofundamento e propostas
de atividades complementares às do livro do aluno (Brasil, 2013c:42).
Em relação ao cumprimento da legislação antirracista, também como exigência do
edital do PNLD, duas das coleções analisadas apresentam no sumário do Manual do
Professor tópicos específicos que tratam das temáticas africana, afro-brasileira e indígena
e das Leis nos 10639/2003 e 11645/2008.36 Em todas as coleções encerram o sumário as
orientações específicas para o trabalho com o livro do aluno e a bibliografia.
Na impossibilidade de nesta pesquisa analisarmos todos os conteúdos relacionados
com a temática da educação das relações étnico-raciais, partimos especialmente do
levantamento dos conteúdos relacionados à história da África e dos africanos trabalhados
no livro do aluno. Nos três volumes de cada coleção selecionamos os capítulos do Manual
do Professor nos quais analisamos as estratégias pedagógicas utilizadas, os recursos
didáticos e/ou paradidáticos utilizados, as atividades propostas, as sugestões de leituras
complementares para alunos e professores, sugestões de filmes, vídeos, documentários,
sites e páginas na internet e os projetos didáticos propostos para ampliar as possibilidades
do trabalho com a temática.
Na análise do tratamento da temática da educação das relações étnico-raciais e da
história da África e dos africanos no Manual do Professor das coleções selecionadas,
tomamos como base a legislação antirracista, em especial a Lei no 10639/2003, o Parecer
CNE/CP no 003/2004, a Resolução CNE/CP no 01/2004 e os critérios estabelecidos no
edital do PNLD 2015.

4.2.1 A coleção I: História Sociedade & Cidadania

Na coleção I, “História Sociedade & Cidadania”, de Alfredo Boulos Junior, publicado pela
Editora FTD, o Manual do Professor apresenta-se dividido em duas partes, modelo seguido
por todos os manuais selecionados para análise. Na primeira parte correspondente ao livro
do aluno optou-se por inserir em letras menores e com destaque de cor explicações e
orientações para o(a) professor(a) sobre a proposta de reflexão na introdução de cada
capítulo e as respostas das atividades presentes nas seções ao longo dos mesmos, com
exceção das desenvolvidas na seção intitulada “Atividades”, cujas respostas se encontram
na segunda parte do manual. A segunda parte, intitulada Manual de Apoio ao Professor,
apresenta no sumário os seguintes tópicos:
1. Metodologia da história
2. Metodologia de ensino-aprendizagem

36
Das coleções analisadas, a Coleção III foi a única que não trouxe no sumário um tópico específico sobre
as referidas temáticas.
3. Cidadania e movimentos sociais
4. As seções da obra
5. Planejamento, textos e atividades complementares
6. Respostas e comentários das atividades propostas no livro do aluno
7. Bibliografia referenciada

Podemos perceber que esta segunda parte do manual está dividida em uma parte
comum aos três volumes da coleção, correspondendo aos quatro primeiros tópicos,
enquanto os três últimos correspondem à parte diversificada de cada manual, específica
para cada ano escolar e diretamente relacionada com as unidades temáticas e os capítulos
do livro do aluno.
O tópico sobre “Metodologia da história”, apresentando, como subdivisão, os
temas 1.1 “Visão de área”, 1.2 “Correntes historiográficas”, 1.3 “Pressupostos teóricos”,
1.4 “Objetivos para o ensino de história” e 1.5 “Conceitos-chave da área de história”,
destaca os riscos do presenteísmo e do anacronismo nas interpretações históricas e busca
apresentar uma visão da metodologia da produção historiográfica, afirmando que “o
historiador se volta para o passado a partir de questões colocadas pelo presente. Depois de
estabelecer um determinado recorte, ele transforma o tema em problema. A partir daí, trata-
o com base em instrumentos e métodos próprios da História” (Boulos Júnior, 2013:7). Em
sua opção teórica, a obra se define pautada por referenciais da Nova História e da história
social inglesa, com ênfase no conhecimento da história política e do passado público.
O tópico dedicado à “Metodologia de ensino-aprendizagem” discute em sua
subdivisão: 2.1 “O conhecimento histórico escolar” em suas especificidades; 2.2 “A nova
concepção de documento” ampliada pela perspectiva da Nova História; 2.3 “O trabalho
com imagens”, fixas ou em movimento (filmes, vídeos e internet); 2.4 “Um novo
paradigma” de ensino-aprendizagem, marcado pelo trabalho com base no desenvolvimento
de competências e habilidades, pela perspectiva interdisciplinar e pedagogia de projetos;
2.5 “Uma contribuição à adoção de uma perspectiva interdisciplinar”, com orientações
para elaboração de um projeto de trabalho interdisciplinar. E, por fim, 2.6 “Obras sobre
educação e o ensino de história”, apresentando lista de publicações organizada por ordem
alfabética dos sobrenomes dos autores e sem comentários ou esclarecimentos sobre as
obras indicadas.
Em “Cidadania e movimentos sociais” temos como subdivisão 3.1 “A luta pela
inserção da África nos currículos”, destacando o papel do movimento negro e a legislação
antirracista como conquista; 3.2 “Por que estudar a temática afro e a temática indígena?”,
enfatizando a importância da temática para a construção de identidades, o atendimento às
reivindicações dos movimentos indígenas e negros pelo direito à história e a contribuição
“para a educação voltada à tolerância e ao respeito ao ‘outro’” (Boulos Júnior, 2013:7).
Em seguida, o autor realiza uma divisão de tópicos entre a temática afro e a temática
indígena, respectivamente. De modo que temos, relacionados com temática afro, o item
3.3 “A temática afro”, disponibilizando oito textos como suportes para o trabalho com a
temática em sala de aula, e 3.4 “Sugestões de livros, sites e filmes sobre a temática afro”,
apresentando uma lista de 28 títulos sugeridos para a leitura do(a) professor(a) e nove
títulos para leitura por parte dos(as) alunos(as), a indicação comentada de oito sites para
pesquisa sobre a temática e, por fim, a indicação de uma lista de 23 filmes.
Os textos escolhidos (item 3.3) apresentam ao professor(a) um panorama de temas,
discussões acadêmicas, autores(as)/pesquisadores(as) e publicações relacionadas com a
história e cultura africana e afro-brasileira, destacando em suas temáticas a importância da
luta organizada da comunidade negra, a influência da oralidade e cultura africana na
cultura afro-brasileira, a África como local de origem da humanidade e da civilização
ocidental, políticas de educação desenvolvida por organizações e entidades negras, cultura
e religiosidade de origem africana, preconceito racial e ideologia de branqueamento no
Brasil. Porém, a despeito da qualidade dos textos, relacionada com a seleção de autores(as)
entre personalidades, estudiosos, professores e pesquisadores relacionados com a temática
afro, a opção pela perspectiva panorâmica deixou de lado a possibilidade de relacionar as
discussões e temáticas dos referidos textos aos conteúdos apresentados no livro do aluno
e mais diretamente à abordagem da temática afro ao longo da obra.
As sugestões de leituras tanto para professores(as) quanto para alunos(as) (item
3.4) não estão comentadas e aparecem organizadas em ordem alfabética de acordo com o
sobrenome do autor. Assim como não é apresentada sinopse ou comentários dos filmes
indicados. Compondo os tópicos da parte em comum aos três volumes do manual, as
sugestões de livros, sites e filmes, assim como as sugestões de textos para professores, não
aparecem relacionadas com os conteúdos discutidos nas unidades temáticas e capítulos da
obra. E, portanto, desconectadas de estratégias pedagógicas.
Dedicados à temática indígena temos os itens 3.5 “A temática indígena”, que segue
o modelo descrito anteriormente, discutindo conceitos fundamentais para o trabalho com
a temática indígena, a participação indígena no processo de formação do Brasil, a
diversidade e semelhanças entre os indígenas, arte indígena, o indígena na visão da
República e escola indígena como política de Estado para os povos indígenas; 3.6
“Sugestões de livros, sites e filmes sobre a temática indígena”, apresentando 12 títulos para
leitura do(a) professor(a), não fazendo indicação de leituras para o(a) aluno(a), sugerindo
e comentando de forma resumida oito sites para pesquisa e finalmente indicando lista de
13 filmes relacionados com a temática indígena.
“As seções da obra” constitui o tópico que descreve e caracteriza a estrutura do
livro do aluno, organizado em unidades e capítulos, apresentando em sua subdivisão 4.1
“Páginas de abertura das unidades”; 4.2 “Debatendo e concluindo as unidades”; 4.3
“Página de abertura do capítulo”, com função de introduzir a exposição dialogada do
conteúdo a ser trabalhado; 4.4 “Corpo do capítulo”, texto central da narrativa histórica; 4.5
“Seções internas” intercalando ao texto principal boxes intitulados: Para saber mais, Para
refletir e Dialogando; 4.6 “Atividades” distribuídas em quatro seções: “Atividades”, “O
texto como fonte”, “A imagem como fonte” e “Integrando com…”. Os boxes e as seções,
como aponta o próprio autor, constituem pontos importantes e explicitam a metodologia
de ensino-aprendizagem da obra. E, finalmente, 4.7 “Bibliografia consultada e sugestões
de filmes” e 4.8 “Confecção de pequenos vídeos no ensino de história” encerram a parte
da obra referente ao livro do aluno.
Os três últimos tópicos, “5. Planejamento, textos e atividades complementares”, “6.
Respostas e comentários das atividades propostas no livro do aluno” e “7. Bibliografia”,
correspondem à parte diversificada do Manual do Professor e diretamente relacionada com
as unidades temáticas e capítulos do livro do aluno, contendo, portanto, orientações
teórico-metodológicas e sugestões de atividades e leitura para alunos(as) e professores(as),
relacionadas com os conteúdos de história e cultura da África e dos afro-brasileiros
trabalhados ao longo das unidades temáticas e capítulos de cada volume, compondo os
itens de nosso quadro de análise apresentado em seguida.

Quadro 4
Descrição das orientações teórico-metodológicas referentes à temática da cultura e história da
África na Coleção I: “História Sociedade & Cidadania”
Tipificação/Caracterização da Orientação Exemplos

1. Planejamento e O modelo de planejamento indicado “apenas como


Objetivos referência” (Boulos Júnior, 2013:65, MP) para o(a)
professor(a) resume-se à apresentação de quadro contendo
listagem de temas, objetivos e noções/conceitos a serem
trabalhados em cada unidade temática.
Destacamos entre as temáticas abordadas nos objetivos
propostos para cada volume do MP:

V. 1: Compreensão de que todos os seres humanos fazem


parte de uma mesma espécie, as similitudes e
especificidades das civilizações erguidas nas margens do
rio Nilo, relação entre política, arte e religião no Egito, o
papel político das mulheres no Reino Kush, a, diversidade
de povos com culturas complexas na África subsaariana, a
importância das fontes orais para o estudo da história da
África, a história do Império Mali e do Reino de Kush
antes e depois da chegada dos europeus.

V. 2: A complexidade das relações de poder e trabalho nas


sociedades açucareira e mineradora; a trajetória dos
africanos e afrodescendentes no Brasil e seu papel como
sujeitos históricos; a valorização das diferentes formas de
resistência escrava, entre elas a formação de quilombos; o
debate sobre a tese da escravidão “amena”; leitura crítica
das obras de Debret; os limites da cidadania no Brasil
Imperial a partir da Constituição de 1824; a comparação
entre a Conjuração Mineira e a Baiana; a resistência
popular e escrava nas rebeliões regenciais; a pressão
inglesa contra o tráfico; a Lei de Terras e seus
desdobramentos; a questão da mão de obra no Império e a
teoria do branqueamento, a imigração europeia no
Império, as lutas pela abolição e seus principais
protagonistas, as leis abolicionistas e seus limites e o
significado da Lei Áurea.

V. 3: Os conceitos de imperialismo, monopólio,


darwinismo social e racismo, análise crítica do
imperialismo no passado e no presente, o questionamento
da imagem de “passividade e apatia’’ associada ao povo
brasileiro, trabalho com conceito de resistência a partir da
revoltas da Primeira República, repúdio a todas as formas
de discriminação e às políticas imperialistas e racistas,
conceitos de dominação e resistência a partir das lutas pela
independência na África e Ásia, noções de pan-
africanismo, pan-arabismo, negritude, resistência pacífica
e apartheid, possíveis razões das independências na África
e na Ásia e seus desdobramentos na atualidade, análise dos
casos de Gana, Quênia, África-francesa, Argélia, Congo,
Angola, Moçambique e Guiné-Bissau, repúdio ao racismo
e segregação a partir do exemplo do regime do apartheid
na África do Sul

2. Abertura de Seções destinadas à motivação e introdução de temáticas Orientação (p. 257): “Dando continuidade ao
Unidades e estimulando diálogo inicial a partir de questões levantadas. esforço de educadores, africanistas e ativistas para
Capítulos Para o trabalho com as referidas seções, é destinado ao(à) levar as histórias e as culturas africanas pra as salas
professor(a) pequeno texto informativo/explicativo, de aula começaremos este capítulo focando a figura
escrito em cor de destaque e tamanho reduzido da fonte de um griot, personagem encarregado, entre outros
sobre o tema ou personagem que ilustra a abertura do aspectos, de manter vivas a memória e a história do
capítulo. Império do Mali. Preservar e transmitir
conhecimentos da história de seu povo/país eram
funções de uma modalidade de griot, mas havia
Exemplo: Na capa de abertura do vap. 16 na unidade IV também os griots músicos, cantores, recitadores e
do v. 1, com o título: Formações políticas africanas, na p. aqueles que, como este da imagem, exerciam
257, temos a imagem de um casal de noivos do Mali funções sacerdotais”.
recebendo as bênçãos de griot seguida de alguns
questionamentos.

3. Texto Principal Sobre a abordagem do texto principal o MP não traz


nenhuma orientação ou sugestão de trabalho.

4. Box e Seções As orientações para o trabalho com as questões dos box e Orientação ao professor: A Lei no 10.639/2003
seções da obra apresentam ao(à) professor(a) informações torna obrigatório o ensino de história e cultura afro-
sobre a temática trabalhada e orientações para discussões brasileira em todas as escolas brasileiras, públicas e
e resolução das atividades propostas. particulares, do Ensino Fundamental e Médio.
Além disso, essa lei inclui o Dia da Consciência
Negra no calendário escolar (20 de novembro). Já a

Exemplo: No box para refletir: A importância da história Lei no 11.645/2008 acrescenta também a
da África no cap.o 4 da unidade II, p. 75-76 do v. 1, obrigatoriedade do estudo da história e das culturas

apresenta dois textos com a temática África e Brasil de povos indígenas. [Comentar que esta lei estimula

africano, discutindo a importância da história da África o reconhecimento da pluralidade étnico-cultural do

para os brasileiros e a presença africana na cultura do Brasil, ou seja, a percepção do Brasil como um país
Brasil. Entre as questões propostas no livro do aluno, a multicultural e plurirracial].
última relaciona a contemporaneidade entre as referidas
publicações e a promulgação das Leis nos 10639/03 e
11645/08 e questiona: O que dizem essas leis? Use suas
palavras.

5. Atividades A seção Atividades apresenta uma mescla de questões Orientação (MP, v. 2, p. 101):
objetivas e subjetivas. Para as questões objetivas, na quase
a. Os versos dizem respeito a um negócio montado
totalidade dos casos, o MP se resume a indicar a alternativa
na época: conseguir africanos escravizados no
correta. Para as questões subjetivas indica ao professor
litoral africano e vendê-los neste lado do Atlântico.
uma possibilidade de resposta, podendo acrescentar
[Comentar que o tráfico atlântico era um negócio
explicações sobre objetivos da atividade e informação com
muito lucrativo e contava com a participação de
indicações de autores.
europeus, de brasileiros e de parte das lideranças
africanas].

Exemplo: Resposta da Atividade do cap. 6 do v. 2, p. 108, b. Na primeira estrofe a ideia central é a obtenção
questão 1: de escravizados na África. Na segunda, a venda
desses escravizados, com grande lucro, na
Após leitura de texto em versos sobre o comércio de
América. [Como ensina o historiador Luiz Felipe
escravos propõe:
de Alencastro, as relações comerciais e as trocas

a. Identifique a atividade a que se referem esses versos. culturais entre a África e o Brasil, via Atlântico sul,
são decisivas para entendermos a formação do
b. Cada estrofe desenvolve uma ideia central. Identifique Brasil].
essas ideias.
6. Textos e As atividades complementares propostas no MP buscam Orientação (MP, v. 2, p. 101):
Atividades aprofundar, contextualizar e relacionar as temáticas
complementares trabalhadas com as questões do presente. As orientações
buscam indicar ao docente possíveis caminhos para o Resposta pessoal. [O objetivo aqui é incentivar o
desenvolvimento dessas atividades em sala de aula. debate sobre a crescente participação da mulher na
política brasileira. Debater sobre o tema pode
Exemplo: Na unidade II do v. 1 foi discutido o papel das
estimular a reflexão sobre comportamentos
candances, rainhas mãe em Kush, ao se trabalhar as
machistas presentes na sociedade brasileira].
sociedades africanas da região do Nilo. Entre as atividades
complementares da unidade destacamos a atividade 4.
Segundo o historiador J. Ki-Zerbo, a marcante
participação da mulher na política contribuiu para a
estabilidade e longevidade do Reino de Kush. Em sua
opinião, um aumento do número de mulheres em cargos
governamentais pode contribuir para a estabilidade e a
longevidade da República brasileira?

7. Projetos Os manuais desta coleção não oferecem nenhuma sugestão


de projeto na parte relacionada com o livro do aluno.

8. Sugestões de Destacamos que as sugestões de filmes e livros que


vídeos, filmes e aparecem no MP e ao final do livro do aluno não estão
livros. comentadas, assim como as indicações de vídeos ao longo
dos capítulos no livro do aluno não contêm qualquer
orientação de uso por parte do professorado.

Fonte: Boulos Junior, 2013.

O quadro 4 possibilita uma visualização mais detalhada, ainda que sintética, do tipo
de orientação oferecida pelas seções do Manual do Professor diretamente relacionadas com
o trabalho docente com o livro do aluno. Na primeira delas, dedicada às orientações de
planejamento, o texto de introdução afirma que “cabe ao professor ou equipe de história a
decisão sobre o quê e como ensinar após considerar variáveis como função do ensino de
História” (Boulos Júnior, 2013:65, MP), reconhecendo a autonomia de cada docente, o que
consideramos significativo. Porém, o modelo sugerido como referência para o
planejamento do professor não está organizado a partir do trabalho na perspectiva de
construção de competências e habilidades como proposto ao professor no tópico destinado
à metodologia de ensino-aprendizagem.
As orientações para o trabalho com os boxes e seções do livro do aluno, no Manual
do Professor, vêm como acréscimo em letra colorida no próprio box ou seção. Os boxes
“Para saber mais”, “Para refletir” e “Dialogando” e as seções de atividades “O texto como
fonte”, “A imagem como fonte” e “Integrando com…”, distribuídos ao longo de cada
capítulo, discutem a proposta metodológica de ensino-aprendizagem da obra voltada para
a problematização de conteúdos e temáticas via proposição de um conjunto de questões.
As orientações trazem informações atualizadas sobre os conteúdos e sugestões de
direcionamentos para discussão e resolução das atividades propostas. Constituindo-se em
espaços utilizados pelo autor para o contato de alunos(as) e professores(as) com autores de
referência, bibliografia e problemáticas atualizadas sobre a temática.
Nossa análise está baseada nas orientações presentes especialmente nos itens
“Planejamento e objetivos”, “Boxes e seções”, “Atividades” e “Textos e atividades
complementares”. Tendo por base o item “Planejamento e objetivos”, em nosso quadro
destacamos as temáticas e conteúdos contemplados em cada volume da coleção I
considerando que, ao propor objetivos, o Manual do Professor acaba por orientar, não só
certa prioridade de temas e conteúdos a serem trabalhados, como também a perspectiva de
sua abordagem. Dessa forma, analisamos quais os conteúdos e abordagens relacionadas
com a história e cultura africana e afro-brasileira são priorizados pelo autor.
Em relação à história da África, inicialmente, chama-nos atenção a abordagem
tradicional utilizada, pelo autor, para o tema da África como berço da humanidade, local
de origem da espécie humana,37 apesar de ter dedicado a ele um dos textos de apoio à
implementação da Lei no 11.645/2008, no tópico “Cidadania e movimentos sociais”. Como
objetivo para o trabalho com a temática da origem humana, propõe “compreender que os
seres humanos, independentemente de suas caraterísticas, fazem parte de uma mesma
espécie” (Boulos Júnior, 2013:64, MP 1o ano), não destacando sua origem africana.
Ao tratar a história da África na Antiguidade, o autor seleciona as civilizações
egípcia e núbia, orienta ao(a) professor(a) a evidenciar as similitudes e especificidades das
organizações sociais erguidas nas margens do rio Nilo, a relação entre política, arte e
religião no Egito e o papel político das candances no Reino Kush. Em relação ao Egito,
propõe a relativização da afirmação do historiador grego Heródoto segundo a qual o Egito
seria uma dádiva do Nilo, enfatizando, a partir do trabalho com texto do historiador Jaime
Pinsky, a importância do trabalho humano organizado para a construção da sociedade
egípcia.
Nas orientações para o estudo da África entre os séculos VII e XVI, afirma a
importância das fontes orais para o estudo da história africana e, embora sugira a existência
de uma diversidade de povos com culturas complexas na África subsaariana, seleciona a
história do Império Mali e do Reino de Kush. E, ao tratar das referidas organizações sociais

37
Tratada no livro do aluno, no cap. 2 da Unidade 1 do v. 1, apesar de figurar entre as informações do texto
principal e estar representada nos mapas que mostram o deslocamento dos primeiros humanos até a América,
essa informação não mereceu do autor nenhum subtítulo, box ou seção. Assim como também não foi
contemplada em nenhuma das atividades propostas aos alunos.
africanas, usa as expressões “Reinos” e “Impérios”, sem orientar os(as) professores(as)
sobre a necessidade de contextualização do uso desses termos, desconsiderando
características históricas e contextos africanos, não levando em conta, como destaca Oliva
(2007:276),

a existência de estruturas políticas, sociais e econômicas diferenciadas das europeias, o que


causa uma leitura distorcida de suas sociedades […] Não ignoramos a existência de
organizações políticas ou sociais com semelhanças às de outras partes do globo, mas é
preciso que se demonstre e enfatize as singularidades e especificidades africanas. Se havia
algumas sintonias, as diferenças, também, eram evidentes.

Oliva (2007) aponta para possibilidades de aproximação com categorias, como


hegemonia política de Elikia M’Bokolo e sociedades englobantes de Jean-Loup Amselle,
que envolvem relações de poder ligadas mais a mecanismos de trocas comerciais,
pagamentos de tributos, relações de reciprocidade, laços de parentesco e variados graus de
autonomia, que fronteiras fixas e controle centralizado.
Para discutir o período posterior à invasão europeia entre os séculos XVI e XVIII,
destaca as características próprias da escravidão na África e o impacto das invasões
europeias, afirmando que a partir delas “houve uma mudança brusca na dinâmica da
escravidão; a ideia de que a escravidão colonial foi uma ‘continuação’ da que era praticada
na África é equivocada e simplista” (Boulos Júnior, 2013:99, 2o ano).
Ao tratar do imperialismo europeu e a chamada partilha da África no século XIX,
destaca o estudo dos conceitos de imperialismo, monopólio, darwinismo social e racismo.
Usando como exemplo a dominação do Congo Belga, chama atenção para as
consequências da dominação europeia na África, responsável pela “desorganização da vida
econômica e social e o despovoamento de grandes áreas da África Central” (Boulos Júnior,
2013:18, 3o ano).
Salientamos a substituição do termo descolonização, comumente usado nas
abordagens didáticas, por independências, como referência aos processos de
independência das colônias africanas e asiáticas a partir de meados do século XX. As
atividades complementares, propostas no manual, apresentam versões dos processos de
independência que privilegiam tanto os fatores internos quanto os externos, propondo
reflexão e alertando para o fato de que uma razão não exclui a outra. As orientações ao
professor destacam, entre os objetivos do capítulo, o trabalho com o bloco conceitual
dominação/resistência, a partir das lutas de independência na África e na Ásia, além das
noções de pan-africanismo, pan-arabismo, negritude, resistência pacífica e apartheid, este
último contribuindo para estimular atitudes de repúdio ao racismo e segregação racial.

4.2.2 A coleção II: História Global: Brasil e Geral

Na coleção II, “História Global: Brasil e Geral”, de Gilberto Cotrim e Editora Saraiva, o
Manual do Professor vem como anexo ao livro do aluno. O texto de apresentação, “Colega
Professor”, revela a sua divisão em duas partes, uma geral e outra específica de cada
volume da coleção, esta última mais diretamente relacionada como livro do aluno. Em
seguida, o sumário apresenta os seguintes tópicos:
1. Pressupostos teórico-metodológicos
2. Avaliação pedagógica
3. Perspectiva interdisciplinar
4. Afrodescendentes, indígenas e cidadania
5. Bibliografia
6. Orientações específicas para o volume
O tópico “Pressupostos teórico-metodológicos” apresenta-se subdividido a partir
dos seguintes temas: 1.1 “Ofício do historiador”, discutindo as especificidades do ofício e
nosso limitado e seletivo conhecimento do passado; 1.2 “A tarefa educacional”, refletindo
sobre sua complexidade a partir dos conceitos de educare e educere; 1.3 “Formas de uso
do livro”, reconhecendo os desafios e circularidade dos processos educativos, bem como
o protagonismo do professor, aponta para múltiplas maneiras de utilização do livro
didático; 1.4 “História e representações”, ressaltando a importância das indagações sobre
as representações do passado.
O item 1.5 “Concepção da obra” explicita as opções da obra ao adotar a perspectiva
da chamada história integrada, apontando a preocupação de contrabalancear na divisão de
temas abordados os conteúdos de base europeia, afirmando que ao longo da coleção “foram
desenvolvidos estudos dos povos africanos, chineses, indianos, mesopotâmicos, hebreus,
fenícios, persas, bizantinos, americanos, islâmicos, e, sobretudo, os estudos pertinentes à
história brasileira” (Cotrim, 2013:296). Reconhecendo a organização cronológico-linear
dos capítulos, aponta que “no entanto, em cada capítulo, por meio de diversas atividades e
nas seções Oficina de História, estimulamos a percepção do aluno para as relações
presente-passado e vice-versa” (Cotrim, 2013:297, grifos do autor). Em relação à
metodologia do ensino-aprendizagem, propõe a mobilização dos conteúdos do educare,
interações recíprocas entre os processos de educare e educere.
O item 1.6 “Estrutura da obra”, apresenta a obra dividida em unidades que agrupam
os capítulos, iniciadas com páginas duplas contendo Imagem, Epígrafe e a seção
Conversando, estabelecendo nexo entre si. Capítulos divididos em seções: Texto
Introdutório, Treinando o olhar, Texto-base, Mapas e iconografia, Glossário, Box
(Documentos, Saiba mais, Em questão, Observando) e as seções Compreendendo e Oficina
de História e ao final de cada volume os Projetos de ação interdisciplinar e Cronologia.
O segundo tópico, “Avaliação pedagógica”, busca responder, de forma articulada
com as seções da obra, aos seguintes questionamentos: 2.1 “Princípios: O que avaliamos?”,
2.1 “Critérios: Como avaliamos?” e 2.3 “Instrumentos: Quando avaliamos?”. Em seguida
temos o tópico “Perspectiva interdisciplinar”, subdividido em 3.1 “Projetos
interdisciplinares em cada volume”, 3.2 “Atividades interdisciplinares em todos os
capítulos” e 3.3 “Recursos interdisciplinares”, este último com orientações, proposições e
sugestões de leituras e vídeos sobre: uso da internet, estudo do espaço social, local de
atuação do professor e memória oral, filme, iconografia, cartografia e literatura (ficção).
Intitulado “Afrodescendentes, indígenas e cidadania”, o quarto tópico é dedicado
às temáticas imbricadas à educação das relações étnico-raciais, subdividido em 4.1
“Áfricas e afrodescendentes”, discutindo desafios diante da Lei no 10.639/2003 e os
princípios que devem nortear a produção de material didático. Apresentando ainda quadro
indicativo dos “pontos em que o estudo da história da cultura da África e dos
afrodescendentes se torna mais evidente nesta coleção” (Cotrim, 2013:323); 4.2 “Os povos
indígenas”, que a partir das políticas fortemente integracionistas do Estado brasileiro ao
longo do século XX discute os avanços representados pela Constituição Federal de 1988 e
a Lei no 11.645/2008. Também traz quadro de estudos da temática indígena ao longo da
coleção e 4.3 “Cidadania”, apresentada como construção, articula, entre outras coisas,
educação e mobilização da sociedade.
Diferentemente da coleção anterior, o tópico não apresentou indicações de leitura,
filme, vídeo e outros materiais relacionados com as temáticas contempladas nas Leis nos
10.639/2003 e 11.645/2008. No entanto, esclarece o autor que, “além dos conteúdos que
os livros da coleção já trazem, incluímos neste Manual do Professor sugestões de textos e
de atividades que contemplem essas novas exigências, que serão encontradas na parte
específica correspondente a cada volume da coleção” (Cotrim, 2013:325).
E, finalmente, a “Bibliografia” e “Orientações específicas para o volume”, este
último correspondendo à parte diversificada de cada manual e relacionada com o trabalho
com o livro do aluno.

Quadro 5
Descrição das orientações teórico-metodológicas referentes à temática da cultura e história da
África na Coleção II: “História Global: Brasil e Geral”
Tipificação/Caracterização da Orientação Exemplos

1. Objetivos da Unidade Este tópico indica alguns objetivos relacionados Orientação (MP, v. 1, p. 361):
com a temática da unidade.
— Entender a divisão do Império Romano e o
estabelecimento do Império Bizantino.

— Conhecer as civilizações que viveram na África e


na Arábia da Antiguidade.
Exemplo: Os Objetivos indicados para o trabalho
com a Unidade 5: Bizâncio, Islã e Povos — Compreender que a África é um continente com
africanos, do v. 1. imensa diversidade étnica e cultural.

— Compreender como as culturas árabe e africana se


espalharam pelo mundo.

2. Contextualizando o No livro do aluno as unidades agrupam os Orientação (MP, v.1, p. 361):


Tema capítulos por temáticas e são iniciadas com
Até bem pouco tempo, o estudo da história se
página dupla, contendo Imagem, Epígrafe e a
resumia, basicamente, à história dos povos da Europa.
seção Conversando estabelecendo o nexo entre
Hoje, entretanto, a situação é diferente e os
elas e reflexão sobre os temas tratados. No MP o
historiadores perceberam que outras civilizações
tópico “Contextualizando o tema” explicita o
também precisam ser analisadas. Esta unidade aborda
sentido da organização da unidade, buscando
a história das civilizações da África e do Oriente,
contextualizar, relacionar, comentar e orientar o
incluindo o Império Romano do Oriente. […]
trabalho com cada um dos capítulos da unidade.
O capítulo 13 tem como tema central os povos
africanos e sua diversidade étnica e cultural. A
tendência do senso comum é tratar a África como se
fosse um “país”, onde haveria apenas uma cultura, um
único povo e uma única forma de organização social.
Para combater essa visão preconceituosa, explore
com os alunos o texto de Alberto da Costa e Silva
(página 165), em que a multiplicidade existente no
continente africano torna-se explícita.

De modo geral, a unidade 5 pode trazer ao aluno a


capacidade de analisar criticamente a visão da
Exemplo: Trechos da seção “Contextualizando historiografia tradicional ligada apenas à história da
o tema” referente à Unidade 5: Bizâncio, Islão e Europa. É esperado que o aluno perceba que, na
Povos africanos, do v, 1, iniciada nas páginas realidade, há uma diversidade grande de civilizações
138-139 do livro do aluno. com distintas religiões, culturas e formas sociais.
3. Textos de Apresenta trechos e resumos de textos (sempre Orientação (MP, v. 1, p. 328):
Aprofundamento e com indicação das referências) relacionados com
O texto a seguir pode ser utilizado como
Temas para Reflexão o conteúdo de um dos capítulos da unidade
aprofundamento do item Fontes históricas, estudado
temática, com contextualização, comentários,
na página 12 do livro do aluno.
explicações e informações sobre seu conteúdo e
indicação de temas para reflexão. Nos estudos africanos, há uma grande discussão sobre
o papel das fontes escritas e das não escritas. O texto
do historiador Boubacar Barry, da Universidade
Cheikh Anta Diop, em Dacar (Senegal), remete a essa
discussão. Na África ocidental, a tradição oral
manteve-se forte apesar da influência muçulmana, a
partir do século XVII, e de sua ênfase no
desenvolvimento da escrita e da leitura. Se possível,
compartilhe esse texto com os alunos e debata com
eles os temas de reflexão sugeridos.

Texto: África: a fixação das tradições orais

BARRY, Boubacar. Senegâmbia: o desafio da


história regional. Rio de Janeiro: Centro de Estudos
Afro-Asiáticos, 2001. p. 13-14.

Temas para reflexão

Exemplo: A sugestão de Textos de Com base na leitura do texto, podemos debater os


aprofundamento e temas para reflexão da seguintes assuntos:
Unidade 1: Refletindo sobre História do v. 1 da
— A coexistência das tradições oral e escrita na
coleção
África ocidental islâmica.

— A construção do saber histórico por meio da


escrita e da oralidade.

— A difusão de preceitos religiosos por meio da


tradição oral e da tradição escrita.

4. Treinando o olhar Orienta a discussão de atividade localizada na Orientação (MP, Volume 1, p. 344):
página de abertura dos capítulos, apresentando
sempre uma expressão artística e questões
interpretativas e reflexivas. Relacionando temas A esfinge de Gizé é do tipo androsfinge, ou seja,
tratados no capítulo. apresenta uma cabeça humana, mais precisamente
uma cabeça de faraó. Esse fato é indicado pelo
Exemplo: Na abertura do Cap. 6: África:
toucado característico das vestimentas dos faraós.
Egípcios e Reino de Cuxe do v.1, p. 66, temos a
Esse toucado, chamado nemes, possuía abas laterais,
imagem da Esfinge de Gizé com o seguinte
geralmente listradas. Cobria toda a cabeça do faraó se
questionamento:
estendendo até abaixo dos ombros. Na parte de cima,
1.As esfinges são figuras míticas com o corpo de deixando-se sobre a testa, a imagem de uma serpente
leão e a cabeça de outra criatura: Caso a cabeça representava uma deusa do Baixo Egito.
da esfinge seja de uma ovelha, é chamada de
criosfinge, se a cabeça for de um ser humano,
trata-se de uma androsfinge; no caso de uma
cabeça de falcão, o nome é hierocosfinge. A
esfinge de Gizé é de que tipo?
5. Boxes Os boxes “Saiba mais”, “Em questão”, Orientação (MP, v. 2, p. 338):
“Documento” e “Observando”, acrescidos e
1 Como milhões de africanos foram desterrados e
relacionados com o texto-base complementando
escravizados, a população africana não apresentou
ou contrapondo questões, trabalham com textos,
crescimento até o século XIX, quando cessou o
iconografia e mapas, por exemplo. Buscando
tráfico negreiro.
estimular a interpretação crítica e reflexão sobre a
produção do conhecimento histórico. As 2 Seria interessante que os alunos refletissem a
orientações do MP apresentam possibilidade de respeito da imagem construída por países europeus a
resposta e em alguns casos comentários e respeito do continente africano: uma região inferior,
orientações para a discussão e resolução das sujeita a questionamentos a respeito da ausência ou
atividades propostas. não de alma nos indivíduos de sua população. Os
alunos podem também refletir a respeito dos milhões
de africanos retirados de seu continente a fim de
Exemplo: No box Em questão: Comércio servir como escravos em outras regiões. Segundo o
hediondo no Capítulo 4 do v. 2, na p. 41, é texto do capítulo, foram transportados para a América
apresentado texto do historiador africano Joseph de 10 a 20 milhões de africanos do século XVI ao
Ki-Zerbo sobre o impacto do tráfico negreiro na século XIX.
África com as seguintes questões:

1 Com base nas informações apresentadas pelo


historiador Joseph Ki-Zerbo, escreva um breve
parágrafo sobre as consequências do tráfico de
escravos para a demografia africana.

Debata com seus colegas possíveis argumentos


para demonstrar a seguinte frase, retirada do
texto: “Se ignorarmos o que se passou com o
tráfico negreiro, não compreenderemos nada da
África”.

6. Seções As seções Compreendendo e Oficina de História Orientação (MP, v. 2, p. 194):


trazem as atividades propostas no livro do aluno,
contendo questões subjetivas e mescla de
objetivas e subjetivas, respectivamente, devendo Resposta pessoal, em parte. Espera-se que o aluno
instigar o aluno a debater, pesquisar, articular observe em alguma medida que ainda persiste a noção
temas abordados, comparar problemáticas e se de superioridade cultural e de direito/dever dos países
posicionar sobre questões contemporâneas. No ocidentais, principalmente nas potências do norte, em
MP é indicada para as questões objetivas apenas relação às demais regiões e culturas do planeta. Basta
a alternativa correta. Para as subjetivas uma lembrar a invasão do Iraque pelas forças
possibilidade de resposta pessoal com acréscimos estadunidenses e seus aliados. A noção de “missão
de comentários ou apenas a expressão “Resposta civilizadora” também pode assumir, atualmente,
pessoal”. outras formas, como a imposição de padrões
culturais, sobretudo quando se trata de práticas e
valores que atingem direitos humanos (a mutilação
Exemplo: Oficina de História, Cap. 16 Expansão sexual de mulheres em algumas sociedades islâmicas,
do Imperialismo, v. 2, p. 194, questão 3: por exemplo), e de consumo — o que significa
controle econômico —, sob o pretexto de melhorar a
3. A chamada “missão civilizadora”, que
qualidade de vida das pessoas que moram em países
justificou ideologicamente o neocolonialismo,
considerados “mais atrasados”.
desapareceu? Existiram novas formas de
“missões civilizadoras”? Debata essa questão
com os colegas e escreva suas conclusões a
respeito.

7. Projetos de Ação A obra sugere dois projetos de ação


Interdisciplinar interdisciplinar para cada volume, um por
semestre, buscando articular os conteúdos
trabalhados, e indicando: contextualização do
tema, propostas de ação, dicas de pesquisa (sites,
filmes etc.) e sugestão de organização e
apresentação dos trabalhos.

O MP apresenta objetivos e lista de temas


relacionados com oo projeto por capítulo. E neste
formato os eixos temáticos sugeridos não
contemplam diretamente a temática das relações
étnico-raciais ou a história e cultura africana,
afro-brasileira e indígena.

8. Material de pesquisa A indicação se encontra ao final do capítulo no


sugerido para o livro do aluno, no item “Para saber mais” na seção
capítulo Oficina de História com sugestões comentadas de
sites, livros e filmes.

Fonte: Cotrim, 2013.

Os três primeiros itens (1. Objetivos da unidade, 2. Contextualizando o tema e 3.


Textos de aprofundamento e temas para reflexão) estão relacionados com as unidades
temáticas que agrupam os conteúdos de cada volume da coleção. “Objetivos da unidade”,
com um foco mais geral, trouxe poucos objetivos relacionados com a cultura e história
africana. Por outro lado, os “Textos de aprofundamento” apresentam aos(às)
professores(as) temáticas de relações étnico-raciais e da cultura e história africana e afro-
brasileira, incluindo historiadores africanos entre os autores selecionados e apresentando,
portanto, uma perspectiva africana sobre algumas temáticas a serem estudadas.
O Manual do Professor destaca que os conteúdos de história e cultura afro-
brasileira e africana nos livros didáticos de história, antes da Lei no 10.639/2003, apareciam
muitas vezes “carregados de negatividade e limitados à escravidão e ao domínio sofrido
por pelos africanos e seus descendentes, no Brasil e em outros lugares da América”
(Cotrim, 2013: v. 1, p. 322). Apresentando a história da África como restrita à diáspora
africana, ao colonialismo do século XIX e às independências dos países do continente no
século XX e marcada por uma perspectiva eurocêntrica.
Sendo a citada Lei uma conquista das pressões democráticas, em especial dos
movimentos negros, reconhece, no entanto, que sua implantação exige o esforço de muitos
agentes ligados a esse processo, como “professores, bibliotecários, administradores
escolares, autores e editores de livros didáticos” (Cotrim, 2013: v. 1, p. 322), que devem
estar atentos e incorporar no trato das questões étnico-raciais as discussões e diretrizes
sobre o tema da história e cultura afro-brasileira e africana. E destaca especificamente oito
princípios norteadores elencados por Rosa M. Rocha:
1. A questão racial deve ser um conteúdo multidisciplinar, debatido durante todo o ano
letivo;
2. Deve-se reconhecer e valorizar as contribuições reais do povo negro à nação
brasileira;
3. Estabelecer uma conexão entre as situações de diversidade com a vida cotidiana nas
salas de aula;
4. Combater as posturas etnocêntricas para a desconstrução de estereótipos e
preconceitos atribuídos ao grupo negro;
5. Incorporar à história dos negros, a cultura, a situação de sua marginalização e seus
reflexos ao conteúdo do currículo escolar;
6. Extinguir o uso de material pedagógico contendo imagens estereotipadas do negro,
com repúdio às atitudes preconceituosas e discriminatórias;
7. Dar maior atenção à expressão verbal escolar cotidiana;
8. Construir coletivamente alternativas pedagógicas com suporte de recursos didáticos
adequados. [Rocha apud Cotrim, 2013: v. 1, p. 323]

Destaca ainda ao longo da coleção a existência de sugestões de trabalho a partir de


conteúdos dos capítulos e das unidades temáticas, com objetivos de combater o preconceito
e valorizar a diversidade.
Por meio das orientações e atividades propostas pelo Manual do Professor, buscou-
se associar de forma mais explícita o trabalho com história e cultura africana e conteúdos
tradicionais como fontes históricas conforme exemplificação indicada no quadro anterior.
Em relação aos conteúdos específicos sobre cultura e história africana, observamos
que no capítulo sobre a origem humana o subtítulo “África, nossas origens” é enfatizado
pela afirmação do historiador africano Joseph Ki-Zerbo de que “só a África registra a
presença de todas as etapas da evolução rumo ao humano, dos Australopithecus ao Homo
erectus e aos primeiros sapiens, em diversas linhas evolutivas” (Cotrim, 2013: v. 1, p. 27).
No entanto, destacamos que a problemática da África como berço da humanidade,
apesar do potencial para discussão e questionamento das teorias raciais, não está
diretamente contemplada, por exemplo, nos objetivos da unidade e nem nas propostas de
atividades do capítulo. O texto-base e até os “Textos de aprofundamento” sobre o tema,
privilegiando informações baseadas em estudos genéticos, acabam por contribuir com uma
naturalização do consenso sobre as origens africanas dos seres humanos e o ocultamento
das pesquisas/contribuições dos historiadores, cientistas e pesquisadores africanos como
Cheikh Anta Diop neste processo.
Na Antiguidade africana, a coleção destaca o Egito antigo e o Reino de Cuxe, este
último com o subtítulo “Uma civilização ao sul do rio Nilo”. Embora o texto-base
apresente o Egito antigo como “uma das regiões do Crescente Fértil” (Cotrim, 2013: v. 1,
p. 67), as orientações dos “Textos de aprofundamento” da unidade problematizam, entre
outras questões, a associação do Egito antigo, localizado no Norte da África, ao Oriente
Médio, as semelhanças dos antigos egípcios com o restante do continente, “embora isso
costume ser menos enfatizado” (Cotrim, 2013: v. 1, p. 340), e as teses do historiador
senegalês Cheikh Anta Diop sobre a origem negra dos antigos egípcios e a anterioridade
das civilizações africanas.
O capítulo dedicado aos povos africanos no período anterior ao século XV destaca
a diversidade africana e sua imensa pluralidade de organizações sociais. A opção de estudo,
entretanto, recaiu sobre os Reinos de Gana, do Mali e do Congo.
Sobre a história da África entre os séculos XVI e XVIII, destacamos que, apesar da
abordagem tradicional do texto-base, o Manual do Professor nos “Textos de
aprofundamento” discute a escravidão na África e sua diferença em relação à empresa
moderna estabelecida a partir da expansão marítimo-comercial europeia e a “visão
difundida a respeito da inexistência de um poder centralizado na África antes da
colonização europeia” (Cotrim, 2013: v. 1, p. 384). No capítulo dedicado à temática da
escravidão e resistência, discute-se o tráfico negreiro de árabes e de europeus, em relação
a este último, os interesses triangulares entre África, Europa e América; a diversidade de
origens dos africanos que chegaram ao Brasil, com destaque para os bantos e sudaneses, e
o impacto do tráfico negreiro na África a partir da perspectiva do historiador africano
Joseph Ki-Zerbo.
Destacamos no capítulo dedicado à “Expansão do Imperialismo” as discussões e
problematizações em torno do discurso racial e da “missão civilizadora”. Permitindo uma
análise crítica das justificativas ideológicas da dominação colonial no continente africano,
bem como da resistência africana.
E ,finalmente, em relação à abordagem dos processos de independência na África
no século XX, apesar de manter a tradicional divisão do capítulo entre os processos da
África e Ásia, avança ao discutir no box “Em questão: Luta pela emancipação” (Cotrim,
2013: v. 3, p. 150) o termo descolonização do ponto de vista dos africanos e asiáticos,
como retomada, reanimação e reconquista, e destacar como subtítulos do capítulo as
expressões: Causas das Independências, Independências na Ásia e Independências na
África, sublinhando os respectivos desdobramentos pós-coloniais. Embora mantendo tanto
no livro do aluno quanto no manual do professor os dois termos, fazendo-se uso ora do
termo descolonização, ora do termo independência.

4.2.3 A coleção III: Nova História Integrada

Na coleção III, “Nova História Integrada”, com autoria de João Paulo Mesquita Hidalgo
Ferreira e Luiz Estevam de Oliveira Fernandes, da Editora Companhia da Escola, o Manual
do Professor também concentra todas as orientações na segunda parte, como anexo ao livro
do aluno e intitulada Manual do Professor, com o seguinte sumário:
Apresentação
Introdução
1. A história, os historiadores e o método
2. Educação e cidadania
3. Metodologias de ensino-aprendizagem
4. Trabalhando com fontes históricas
5. Avaliação
6. Para saber mais
7. Bibliografia
Conteúdo programático da coleção
Projeto gráfico-editorial da coleção
Unidades e capítulos
À exceção das unidades e capítulos específicos de cada volume, os demais tópicos
correspondem à parte comum aos três volumes da coleção. Após a “Apresentação” e a
“Introdução”, o tópico “A história, os historiadores e o método” anuncia a opção teórica
da obra pela história cultural, sem rejeição de outras perspectivas e modelos teóricos como
a história francesa dos Annales, a vertente neomarxista inglesa e a história das
mentalidades, e, do ponto de vista metodológico, a opção pela história integrada, que
permite, “ao falar da África, por exemplo, mostrar as ligações políticas, comerciais,
culturais e de poder, do continente com outras regiões do globo, em diversos momentos
históricos” (Ferreira e Fernandes, 2013:285).
O tópico “Educação e cidadania” apresenta aos(às) professores(as) uma obra
didática com objetivo de auxiliar a atividade pedagógica, oferecendo uma visão de história
que incorpora a historiografia recente trazendo propostas diversificadas de atividades. A
discussão em torno de “Metodologias de ensino-aprendizagem” toma por base documentos
que tratam da educação na sociedade globalizada, para indicar como princípios adotados,
“o respeito à diferença, à diversidade, o espírito democrático, a tolerância e a solidariedade,
sem perder de vista referências universais da cultura, dos problemas e da História dos
homens” (Ferreira e Fernandes, 2013:288) e a valorização de processos de ensino-
aprendizagem em busca do preparo do educando para o exercício da autonomia, adotando
a metodologia da problematização e análise crítica da realidade.
“Trabalhando com fontes históricas” alerta para os riscos do anacronismo, a
historicidade das fontes, a subjetividade do campo histórico e orienta para o trabalho com
documentos e a leitura de imagens fixas e em movimento (cinema) em sala de aula. Em
“Avaliação” o manual orienta a busca de práticas avaliativas mais efetivas em sala de aula,
substituição da avaliação classificatória pela avaliação diagnóstica, buscando identificar as
necessidades do aluno e as intervenções necessárias, e propõe como estratégias de
avaliação: análise do empenho e da participação do(a) aluno(a) nas atividades propostas,
análise de suas produções e autoavaliação.
O tópico “Para saber mais” indica ao docente como sugestão de leitura 10 livros
que discutem as temáticas da história, educação e cidadania, com sinopse apresentando a
abordagem do(a) autor(a) sobre a referida temática e lista, sem expressar comentários, 10
sites/endereços eletrônicos para consulta. Em seguida apresenta a “Bibliografia”, do
“Conteúdo programático” e do “Projeto gráfico-editorial da coleção”. A descrição desse
último explicita a proposta metodológica da obra indicando intencionalidade das seções
presentes em cada capítulo e ao final de cada unidade temática do livro do aluno.
Nesse sentido, destacamos a indicação em cada capítulo de uma página de abertura,
destinada à abordagem diagnóstica dos conhecimentos do aluno, as seções “Falando
nisso”, apresentando discussões de teóricos e especialistas sobre o conteúdo trabalhado;
“Vozes do passado”, trabalhando com documentos históricos; “Estudo de caso”, buscando
comparação de visões e análise de situações específicas; “Seções mistas”, unindo duas das
seções anteriores. E ao final as seções “Você aprendeu”, com sistematização dos conteúdos
trabalhados; “Para saber mais”, com indicação de livros, filmes e sites da internet;
“Questões”, contendo questões de revisão e aprofundamento, em grande parte, extraídas
de processos seletivos realizados no país.
Ao final de cada unidade temática temos a seção “Amarrando as pontas”,
abordando conceitos e habilidades da disciplina, nos tópicos “Onde estamos”, discutindo
a noção de tempo-espaço e conceitos de sincronia e diacronia; “Outros lugares, outros
tempos”, as noções de continuidades e/ou rupturas entre o passado e o presente e, portanto,
da história como processo; “Fios da memória”, a memória e sua relação com a história;
“Nós e os outros”, refletindo sobre alteridade, identidade, conflitos e negociações e “Ser
ou não ser”, sobre aspectos relativos à cidadania e ética.
Como a coleção não apresenta no manual do professor tópico específico sobre as
orientações da legislação antirracista, as orientações teórico-metodológicas e sugestões de
atividades e leituras para alunos(as) e professores(as) relacionadas com os conteúdos de
história e cultura da África e dos afro-brasileiros estão diretamente relacionadas com as
orientações para trabalhar com os capítulos e unidades temáticas que contemplem os
referidos conteúdos ao longo de cada volume da coleção. Nesse sentido, compõem o
quadro de análise das orientações os seguintes itens: “Objetivos e problematizações”,
“Abertura”, “Perguntas sobre imagens”, “Leituras e atividades”, “Projeto”, “Material de
pesquisa”, “Respostas das questões” e “Amarrando as pontas”.

Quadro 6
Descrição das orientações teórico-metodológicas referentes à temática da cultura e história da
África na Coleção III: Nova História Integrada
Tipificação/Caracterização da Orientação Exemplos

1. Objetivos Para cada capítulo, o texto inicial Orientação (MP, v. 2, p. 392):


apresenta os objetivos propostos pelos
e problematizações Os objetivos deste capítulo são mostrar como o
autores, orienta a problematização e em
nacionalismo e a Segunda Revolução Industrial
alguns capítulos oferece leituras
impulsionaram, juntamente com as justificativas do
complementares.
mito da superioridade racial, a ação neocolonialista. A
respeito do darwinismo social é preciso ter muito
cuidado ao expor os preconceitos e as teorias racistas,
uma vez que deve ficar claro que se tratava de noções
construídas pelo homem branco para justificar sua
posição de dominador, e não de verdades históricas,
certamente.

O crescimento dos interesses imperialistas europeus


criaria situações extremas, como a posse de uma
colônia, o Congo Belga, nas mãos de uma única pessoa,
o rei da Bélgica, Leopoldo II. Essa situação e a invasão
e a exploração promovidas pelos governos europeus
sobre o território africano como um todo seriam alvo de
críticas e resistências. Esse é um ponto que deveria ser
mais enfatizado com os alunos, uma vez que
normalmente o processo imperialista é descrito do
ponto de vista eurocêntrico.

Exemplo: Para o trabalho com o cap. 19,


O imperialismo, do livro do aluno no v. 2,
nas p. 266 a 277.

2. Abertura Orientação de abordagem para as Orientação (MP, v. 1, p. 366):


problematizações propostas na página de
O objetivo deste capítulo, de maneira análoga ao de
abertura, podendo apresentar leituras
indígenas, é mostrar aos alunos elementos para compor
complementares.
uma história da África plural e longe dos estereótipos
sobre o continente. As mesmas ressalvas do capítulo
anterior são feitas aqui também: é preciso contornar
preconceito com conhecimento.

Além disso, o ensino de história afro-brasileira tornou-


se obrigatório por lei (Lei no 10.639, de 9 de janeiro de
2003, que altera a Lei 9.394, de 20 de dezembro de
1996, que estabelece as diretrizes e as bases da
educação nacional, para incluir no currículo oficial da
rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História
e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras providências).
Como estudar a história afro-brasileira sem entender as
matrizes africanas da equação? Logo, neste capítulo,
histórias africanas, da antiguidade à modernidade. Nos
anos posteriores, a história desse continente será
retomada para o estudo mais contemporâneo.

Exemplo: Orientação para trabalho com


Abertura do cap 17, Uma história da
África, v. 1, p. 249:

3. Perguntas sobre as imagens Orientação de abordagem para trabalho Orientação (MP, v. 1, p. 366):
com as imagens utilizadas ao longo do
Lembramos que algumas das ilustrações trazem
capítulo, identificando a problematização
pequenos questionamentos e problematizações, cujas
e apresentando subsídios teóricos.
respostas subjetivadas pelos alunos podem servir para
o processo avaliativo contínuo. Incentivamos o
professor a levantar questões sobre outras que achar
necessário. Isso faz com que os alunos percebam que
não só o texto escrito é fonte para se fazer história.

Sobre a imagem do Portulano, perguntamos “nele,


vemos a idealização de elementos naturais africanos,
castelos, mas não há a presença humana. Você
consegue imaginar por quê?”. A resposta esperada,
como a do mapa de abertura do capítulo, diz respeito à
ideia de mostrar a África como terra virgem, selvagem,
à espera da civilização portuguesa, no caso. Dessa
forma, cria-se um discurso imagético que legitima as
pretensões europeias sobre o continente.
Exemplo: Cap. 17, Uma história da
África, v. 1, p. 249 a 264.

4. Leituras e atividades Orienta a resolução das questões propostas Orientação (MP, v. 2, p. 395):
a partir das leituras das seções “Falando
Resposta esperada:
nisso”, “Vozes do passado” e “Estudo de
caso”. É importante que os alunos percebam nos trechos
apresentados que a “missão civilizatória” alegada pelos
Exemplo: Questão propostas na seção
europeus não era desejada pelas lideranças africanas,
“Vozes do passado”, Reações africanas ao
que demonstraram claramente aversão ao invasor
imperialismo europeu no cap. 19 do v. 2,
estrangeiro em seus países. As justificativas europeias
na p. 270.
para a prática imperialista, portanto, não eram aceitas
Após a apresentação de trechos de facilmente nos territórios invadidos e, pelo contrário,
depoimentos de quatro lideranças houve diversas tentativas de evitar a invasão e,
africanas a respeito do imperialismo posteriormente, de expulsar os colonizadores europeus
europeu no continente. de suas áreas.

Atividade:

Com base na visão dessas lideranças,


redija um texto mostrando o ponto de vista
africano comparado à missão civilizatória
propagada pelos países europeus para
justificar o imperialismo.

5. Projeto Orientações para elaboração e execução de Orientação (MP, v. 1, p. 312):


projeto interdisciplinar sobre temática
Egiptomania
referente ao conteúdo do capítulo.
A egiptomania se caracteriza por uma explosão de
interesses, por diversos setores sociais, elementos que
retomam a cultura egípcia como vestimentas,
arquitetura e alimentação. […]

O objetivo do projeto é perceber como o Egito


permanece no imaginário popular e a resposta esperada,
apesar de poder surpreender, é a que contenha a ideia
do Egito como uma “civilização” misteriosa, associada
ao ocultismo e a especulações fantásticas e imaginosas.

A dinâmica pode ser a seguinte: divida a classe em


grupos e peça um levantamento inicial de associações
modernas com o Egito, feitas no Brasil, em período
recente. Analise os resultados e incumba os grupos de
pesquisar os porquês das associações e comparar as
respostas obtidas com o que foi aprendido em sala de
aula. As conclusões deverão ser entregues ao professor
na forma de um pequeno dossiê que contenha a
descrição do objeto estudado, a pesquisa realizada e as
conclusões do grupo. No dia da entrega dos trabalhos
corrigidos, o professor poderá expor as conclusões ou
pedir que os grupos o façam e comparar com a premissa
do projeto.

Exemplo: Para o cap. 3, A Antiguidade


Oriental: Mesopotâmia e Egito, v. 1, p. 30
a 44:

6. Material de pesquisa Apresenta indicações, algumas vezes Orientação (MP, v. 1, p. 367-368):


sugerido para o capítulo comentadas, de bibliografia, sites e filmes
Bibliografia
para ampliação e aprofundamento do
conteúdo trabalhado. MOKHTAR, G. História veral da África, Volume II: A
África antiga. São Paulo: Ática, 1983.

THORTON, John. A África e os africanos na formação


do mundo Atlântico, 1400-1800. São Paulo: Campus,
2003.

Sites

— www.mavicanet.com/directory/por/10405,html —
lista de links. História da África país por país.

— http://revistasankofa.googlepages.com/ — Revista
do Núcleo de Estudos de África, Colonialidade e
Cultura Política (NEACP) do Departamento de História
(FFLCH/USP).

— http://cafehistoria,ing,com/group/historiadaafrica
— site de discussão sobre temas de história da África.

Exemplo: Para o trabalho com o cap. 17, —


Uma história da África, v. 1, p. 249 a 264. www.historianet.com.br/conteúdo/default.aspx?codigo
=499

— Sobre ensino de história da África.

7. Respostas das questões A seção “Questões”, ao final de cada Orientação (MP, v. 1, p. 368):
capítulo, propõe uma mescla de questões
objetivas e subjetivas divididas entre
“Revendo o capítulo” e a) Além de organizar feitorias para garantir a posse da
“Aprofundamento”. O MP apresenta região, os europeus estavam interessados,
orientação de atividades indicando a principalmente, em adquirir escravos para utilizar como
alternativa correta para as questões mão de obra nas colônias.
objetivas e apontando uma possibilidade
de resposta para as questões subjetivas.
b) Assim como em outros casos, como na América pré-
colombiana, historicamente é complicado utilizarmos
Exemplo: Questão 4 de Aprofundamento conceitos europeus para entender a história da África,
do cap. 17, Uma história da África, v. 1, p. uma vez que eles não podem ser entendidos da mesma
264. forma que a usada no caso europeu, já que são
realidades políticas, sociais e culturais diferentes. Por
4. A maior parte das informações que
exemplo, quando falamos em impérios africanos, logo
temos sobre o continente africano entre os
partimos e pensamos em exemplos mais próximos da
séculos XV e XVI foi elaborada a partir
cultura europeia, como o Império Romano. Porém, é
dos relatos de viajantes europeus que
preciso saber que esses impérios africanos tinham
percorreram a região naquela época. Esses
especificidades e variações diferentes das do modelo
documentos são muito influenciados pela
europeu.
visão que os europeus tinham dos
africanos e também pelos interesses em
relação à África. Partindo desses
pressupostos, responda às questões:

a) Quais os interesses europeus entre os


séculos XV e XVI?

b) Qual o principal problema de usarmos


conceitos europeus para a analisar a
história do continente africano?

8. Amarrando as pontas Seção ao final de cada unidade temática, Orientação (MP, v. 1, p. 323):
subdividida em “Onde estamos”, “Outros
1. A intenção é questionar o modelo evolutivo de matriz
lugares, outros tempos”, “Fios da
vitoriana tão comum em materiais de divulgação e com
memória”, “Nós e os outros”, propondo
isso repensar a neutralidade do discurso científico. A
revisão e integração dos conteúdos
pele do homem vai embranquecendo, como se, à
trabalhados e com orientação para
medida que fosse evoluindo, fosse se aproximando do
abordagem, resposta das atividades
caucasoide, do europeu. Essa matriz foi criada nas
propostas e em alguns casos apresentando
academias europeias do início do século XX e utilizada
leituras complementares.
sem muitos questionamentos até meados do século XX.
Expressa um racismo trajado de cientificidade.

2. Esse é outro problema do modelo clássico da


evolução: sempre o parâmetro é masculino. Os mesmos
preconceitos do século XIX e início do XX sobre a
inferioridade de outras “raças” que não a caucasoide
eram aplicados à mulher:

“Alguns afirmam ter sido este [século XIX] o ponto mais baixo
dos poderes e oportunidades das mulheres e outros recusam a
promover a imagem de um século sombrio e triste, austero e
opressivo para elas, considerando essa visão equivocada ou
Exemplo: Atividade proposta na seção simplista. É verdade que esse século popularizou o ideal de

“Nós e os outros”, unidade 1, v. 1, na p. mulher restrita à esfera doméstica, limitada ao cuidado do lar e
da família, maximizou o imaginário da segregação racial dos
101.
espaços público e privado, reforçou concepções tradicionais da

Esquemas de evolução humana inferioridade feminina, negou às mulheres muitos direitos e


impôs obstáculos à sua independência. Por outro lado, ampliou
1. O que acontece com a cor da pele do possibilidades e, entre outras coisas, viu florescer o feminismo
homem à medida que ele aparece e a ação das mulheres em diversos movimentos sociais”.

evoluindo? Você consegue imaginar o


porquê?
(PINSKY, Carla Bessanezi; PEDRO, Joana Maria. Igualdade e
2. Faça uma pequena pesquisa na internet especificidade. In: PINSKY, Jaime et al. História da cidadania. São
Paulo: Contexto, 2003. p. 256-266.)
ou em enciclopédias e livros consultando o
verbete “evolução humana”. É certo que
você encontrará muitos esquemas como o
anterior. Quantos mostram a evolução de
um hominídeo fêmea até chegar a uma
mulher moderna? Por que você supõe que
isso aconteça?

Após a exposição da tipificação da organização das orientações propostas no


manual do professor, destacamos no item “Objetivos e problematizações”, a opção dos
autores da coleção III por apresentar apenas objetivos centrais relacionados com a
problematização escolhida para o conteúdo e a temática de cada capítulo, ao invés de
buscar listar amplas possibilidades de objetivos a serem trabalhados ao longo do mesmo.
Pela priorização em grande parte dos capítulos de uma abordagem inicial voltada para
conteúdos, conceitos e problematizações mais tradicionais, essa parte das orientações
pouco informa sobre a abordagem dos autores em relação às temáticas étnico-raciais.
Aspectos e problematizações que consideramos importantes no estudo da temática,
algumas vezes não aparecendo nessa abordagem inicial, estão presentes em outros tópicos
de orientação. Portanto, nossa análise se baseia na junção das orientações presentes
especialmente nos itens “Objetivos e problematizações”, “Leituras e atividades”,
“Respostas das questões” e “Amarrando as pontas”, o que possibilita uma análise mais
qualificada.
Ao analisarmos as orientações relacionadas com a história da África, destacamos
que no capítulo destinado ao estudo do surgimento da espécie humana, a África, como
berço da humanidade, não está contemplada nas orientações para as problematizações
centrais do capítulo, sendo discutida e problematizada na seção “Estudo de caso” onde, a
partir do texto intitulado “Adão era africano”, entre outros questionamentos, é solicitada a
explicação da sentença afirmando que Adão era africano e que somos todos irmãos. O
manual orienta ao(a) professor(a) como resposta esperada que, “como todos descendemos
desse pequeno grupo na África, desses ‘Adões e Evas’ genéticos, seríamos todos
aparentados, irmãos” (Ferreira e Fernandes, 2013: v. 1, p. 308), fazendo uma junção entre
criacionismo e evolucionismo, não avançando nas orientações sobre as diferentes leituras
sobre a temática e não aproveitando o potencial da informação como contraposição aos
pressupostos da racialização.
Por sua vez, o Egito ainda aparece relacionado com o Crescente Fértil, dividindo o
capítulo com a Mesopotâmia, compondo a Antiguidade Oriental, expressão que, mesmo
problematizada, nomeia o capítulo, “por força da tradição” (Ferreira e Fernandes, 2013: v.
1, p. 308), assumem os autores. O Egito antigo: uma “dádiva do Nilo”, subtítulo que inicia
a história do Egito no capítulo, aparentemente também se sustenta na força da tradição,
visto que sua afirmação é questionada nas atividades propostas aos alunos e o manual
orienta o professor para o protagonismo dos egípcios como sujeitos históricos na criação
da civilização egípcia.
Para o capítulo destinado ao estudo da história e cultura africanas anteriores ao
século XV e à expansão marítima europeia, é orientado ao(a) professor(a) “mostrar aos
alunos elementos para compor uma história da África plural e longe dos estereótipos sobre
o continente” (Ferreira e Fernandes, 2013: v. 1, p. 366), destacando-se a diversidade
africana e fugindo “dos esquemas tradicionais que falam de África na pré-história e só a
retomam no período da escravidão ou da partilha da África” (Ferreira e Fernandes, 2013:
v. 1, p. 366). Apesar dessas afirmações e desconsiderando a possibilidade de estudar a
África na perspectiva de suas diversidades e singularidades, a opção dos autores foi pelo
estudo dos chamados “Reinos” de Kush, Axum e Núbia e “Impérios” de Gana e Mali. Mais
uma vez, apesar de fazerem uso delas, problematizam a utilização das expressões “reinos”
e “impérios” no estudo de povos não europeus, orientando o(a) professor(a) que “esses são
todos termos criados para explicar a tradição política europeia e, muitas vezes, não se
aplicam a outras realidades políticas, sociais e culturais” (Ferreira e Fernandes, 2013: v. 1,
p. 367).
Na análise do período posterior às invasões europeias, entre os séculos XVI e
XVIII, encontramos orientações para trabalho com conceito de escravidão e caracterização
da escravidão na África, comparando-a com a escravidão na antiguidade europeia e na
modernidade, além da reflexão sobre as consequências do tráfico transatlântico para as
sociedades africanas.
Para a discussão sobre o imperialismo europeu e a partilha da África no século
XIX, destacam entre os fatores que impulsionaram a ação imperialista: o nacionalismo, a
Segunda Revolução Industrial e as justificativas do mito da superioridade racial. E dessa
forma apenas fatores exógenos ao continente africano são elencados. Ressaltando-se o
cuidado ao se discutir o darwinismo social, de expor preconceitos e teorias raciais como
construções que serviram aos interesses do branco dominador e não representando
verdades históricas, e enfatizando-se as críticas e resistências dos africanos, “uma vez que
normalmente o processo imperialista é descrito a partir do ponto de vista eurocêntrico”
(Ferreira e Fernandes, 2013: v. 2, p. 392). Destacamos, no entanto, que no livro do aluno
as vozes africanas, suas críticas e resistências estão expostas nas seções ao longo do
capítulo, que mantém, no texto central, a narrativa eurocêntrica.
Apesar dos processos de independência das colônias africanas e asiáticas na
primeira metade do século XX ainda receberem o título de descolonização asiática e
africana, no Manual do Professor as orientações em muito se aproximam do que foi
proposto na coleção I, visto que também sugerem o trabalho com os conceitos de
dominação/resistência, a partir das guerras de independência nos dois continentes, e de
desobediência civil e não violência, retomados e ressignificados no contexto africano e
asiático, e o estudo do regime do apartheid, na África do Sul, tendo “por objetivo estimular
atitudes de repúdio ao racismo e à segregação racial” (Ferreira e Fernandes, 2013: v. 3, p.
356). Porém avançam em relação às discussões do período pós-colonial ao
problematizarem o conceito de “fronteiras artificiais” e sua utilização para justificar a
pobreza e subdesenvolvimento do continente africano, orientando o(a) professor(a) de que

as fronteiras africanas foram, em grande parte, herdadas, de fato, do colonialismo, porém


a implantação das fronteiras coloniais resultou quer de acordos com chefes políticos
africanos que tinham uma região sob seu domínio, quer da luta colonialista contra os povos
de diversas regiões que não queriam estabelecer os acordos que a eles se impunham. A
consolidação da imagem de um continente espoliado, vítima das atrocidades colonialistas,
recortado pela ambição europeia, numa historiografia mais tradicional, serviu, antes, para
criar a ideia de um colono passivo, vítima, incapaz das inúmeras práticas de resistência ao
processo de dominação sobre o continente. [Ferreira e Fernandes, 2013: v. 3, p. 358]

Compondo as orientações do manual correspondente ao volume 3 da coleção, a


proposição anterior avança e, de certa forma, contradiz a orientação do manual do volume
2 para o trabalho com mapas da divisão política e étnica da África, respectivamente,
quando, a partir da comparação, é solicitada a análise de consequências das diferenças
entre a divisão política e étnica na África. Os autores não só operaram com a ideia da
construção das fronteiras artificiais a partir unicamente de interesses europeus, como o
referido manual indica que como consequência “há um grande número de conflitos étnicos
que geram guerras civis no continente, alimentando ainda mais algumas mazelas que
assolam partes da região, como o grande número de epidemias, a miséria, o desemprego e
a fome” (Ferreira e Fernandes, 2013: v. 2, p. 400), o que nos aponta, ainda, o peso das
imagens consolidadas em torno do continente africano e daquilo que os autores chamam
de historiografia tradicional em sua narrativa didática.
Retomando os itens escolhidos para análise das orientações, ressaltamos como
positivo o esforço de oferecer ao(à) professor(a) sugestões de material de pesquisa
incluindo leitura, sites e filmes, relacionados com os conteúdos e temáticas de cada
capítulo da obra. Em relação ao item “Projetos” presente nas orientações de trabalho com
todos os capítulos dos três volumes da coleção, nesse universo encontramos cinco
propostas de projetos relacionados com a temática da educação das relações étnico-raciais
propondo atividades voltadas para problematização, contextualização e reflexão sobre o
imaginário popular construído em torno do Egito e da África, respectivamente; o
significado e as consequências do processo da abolição da escravatura no Brasil para a
população negra; a construção social e a naturalização da divisão do mundo em “raças” e
combate a diferentes formas de intolerância e preconceito relacionadas com as
discriminações étnicas, estereótipos sociais, preconceitos regionais ou estigmas sexuais.

5. Considerações finais: da reflexão teórico-metodológica à proposição


didática

A partir das análises realizadas sobre as orientações do Manual do Professor para o


trabalho com a temática da educação das relações étnico-raciais e cultura e história da
África, em especial, nas coleções de livros didáticos de história do Ensino Médio,
aprovadas no PNLD 2015, destacamos algumas observações: em primeiro lugar,
consideramos que ocorreram avanços no trato de conteúdos e temáticas sobre a cultura e
História da África, além da busca de construção de nexos com a história do Brasil e dos
afro-brasileiros.
Avanços, em grande parte, relacionados com a necessidade de cumprimento das
exigências da legislação antirracista e, especialmente, dos editais do PNLD, que têm
ampliado, a cada edição, as exigências e especificações não só em relação ao cumprimento
das Leis nos 10.639/200338 e 11645/200839 e do Plano nacional de implementação das as
diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações étnico-raciais e para o
ensino de história e cultura afro-brasileira e africana (Parecer CNE/CP no 003, de
10/3/2004, e a Resolução CNE/CP no 01, de 17/6/2004), como também em relação às
caraterísticas e atribuições do Manual do Professor.
Ressaltamos que o edital do PNLD 2015 estabelece entre os critérios eliminatórios
específicos para o componente curricular história observar se a obra “desenvolve
abordagens qualificadas sobre a história e cultura da África, dos afrodescendentes, dos
povos afro-brasileiros e indígenas, em consonância com as leis 10.639/2003 e
11.645/2008” (Brasil, 2013:55) e se o Manual do Professor “orienta o professor sobre as
possibilidades oferecidas para a implantação do ensino de História da África, da história e
cultura afro-brasileira e das nações indígenas, considerando conteúdos, procedimentos e
atitudes” (Brasil, 2013:56).
A análise do livro do professor (Nogueira, 2014) corrobora análises anteriores
sobre livros didáticos de história e políticas de avaliação, indicando que, de modo geral, as
coleções pouco se diferenciam em termos de estrutura curricular, organização editorial
projeto gráfico e abordagem metodológica (Caimi, 2017).
Em relação aos conteúdos, verifica-se uma ampliação sem cortes (Freitas e
Oliveira, 2014), representada pela inclusão de cada vez mais conteúdos com uma visão
simplificada e tratamento didático superficial (Valls, 2014). Diante da consolidação de um
modelo de narrativa principal, uma série de seções tem buscado responder às diferentes
exigências dos editais do PNLD (Freitas e Oliveira, 2014), em relação aos capítulos, seus
títulos e subtítulos respondem por uma tradição curricular em torno de marcos, períodos e
povos (Rocha, 2017).
Entendemos que, a despeito das mudanças identificadas nas especificações dos
editais do PNLD, a definição e/ou seleção de conteúdos representa uma questão

38
“Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação
nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática ‘História e Cultura
Afro-Brasileira’.”
39
“Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003,
que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino
a obrigatoriedade da temática ‘História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena’.”
problemática, “especialmente em algumas áreas de conhecimento em que não há consenso
social sobre o que deve ser ensinado e aprendido” (Rocha, 2017:16), pois a elaboração do
edital do PNLD 2015 ocorreu mediante a ausência de um currículo nacional obrigatório
como orientação para a elaboração dos livros didáticos.

Sem um currículo obrigatório, o MEC cumpriu seu papel em um Estado democrático


abrindo canais de diálogo com as editoras para busca de consenso em torno dos pontos
fulcrais a serem atendidos — o que se concretiza nos editais. Coube à esfera editorial
interpretar os campos disciplinares para definirem o que permaneceria nas obras — por
conta da tradição — ou o que deveria ser introduzido de novo como conteúdo, bem como
as orientações pedagógicas, pela sua referência no campo específico de conhecimento.
[Rocha, 2017:16]

Para Flávia Caimi, na ausência de um currículo oficial, ou seja, de um currículo


prescrito, no Brasil “o livro didático (e também, os sistemas apostilados, portanto, o
mercado editorial) tem assumido o papel de currículo editado” (Caimi, 2017:38, grifo da
autora).
Nas coleções analisadas, com algumas variações em relação ao modelo de
abordagem, os conteúdos sobre a história da África e sua distribuição nas três séries do
Ensino Médio praticamente não sofrem alteração, o que acaba por confirmar a existência
de um currículo comum, um currículo editado,40 nas coleções de livros didáticos de
história do Ensino Médio.
De modo que o primeiro volume de cada coleção dedica um ou dois capítulos aos
povos africanos, contemplando a Civilização Egípcia e os chamados “Reinos” de Kush,
Axum, de Gana, do Mali e do Congo. O segundo volume dedica um capítulo à temática da
escravidão e tráfico negreiro, contemplando discussões sobre escravidão na África, o
imperialismo europeu e a chamada partilha da África, abrangendo as justificativas
ideológicas e motivações do imperialismo europeu, a Conferência de Berlim, a conquista
da África e a resistência africana. O terceiro volume dedica um capítulo aos processos de
independência dos países africanos após a Segunda Guerra Mundial. Com apenas duas
exceções: uma coleção em que a temática da escravidão é tratada no último capítulo do

40
Utilizamos a expressão da professora Flávia Caimi (2017) como referência ao papel desempenhado pelo
conteúdo do livro didático e sistemas apostilados na ausência de um currículo oficial/prescrito, ou seja, na
ausência de uma Base Nacional Comum Curricular (BNCC), como ocorrido até o referido edital do PNLD.
primeiro volume41 e outra que traz o imperialismo no primeiro capítulo do terceiro
volume.42
Percebemos na seleção de conteúdos descrita anteriormente as influências das
orientações e prescrições do Plano nacional de implementação das diretrizes curriculares
nacionais para a educação das relações étnico-raciais e para o ensino de história e
cultura afro-brasileira e africana (Brasil, 2004a). Que em suas determinações estabelece:

Em História da África, tratada em perspectiva positiva, não só de denúncia da miséria e


discriminações que atingem o continente, nos tópicos pertinentes se fará articuladamente
com a história dos afrodescendentes no Brasil e serão abordados temas relativos: — ao
papel dos anciãos e dos griots como guardiões da memória histórica; — à história da
ancestralidade e religiosidade africana; — aos núbios e aos egípcios, como civilizações
que contribuíram decisivamente para o desenvolvimento da humanidade; — às civilizações
e organizações políticas pré-coloniais, como os reinos do Mali, do Congo e do Zimbabwe;
— ao tráfico e à escravidão do ponto de vista dos escravizados; — ao papel de europeus,
de asiáticos e também de africanos no tráfico; — à ocupação colonial na perspectiva dos
africanos; — às lutas pela independência política dos países africanos. [Brasil, 2004a:12,
grifos nossos]

Anderson Oliva (2007a) destaca até meados da década de 1990 a marcante ausência
de capítulos sobre a África nos livros didáticos de história e, consequentemente, o papel
das referidas diretrizes para avanços nesse sentido, uma vez que trazem descrição pontual
de objetos e temas a serem tratados na abordagem da história da África em sala de aula.
Como o autor, reconhecemos a importância das indicações, orientações e
prescrições das referidas diretrizes curriculares. Salientamos, no entanto, os limites de suas
especificações em relação à história da África quando ao tratar da história da África
anterior às invasões europeias acaba por destacar o estudo dos reinos do Mali, do Congo e
do Zimbabwe, certamente sob influência dos conceitos e postulados historiográficos da
chamada corrente do afrocentrismo, que defende a importância do estudo das grandes
civilizações africanas, fazendo uso de padrões, categorias ou modelos historiográficos
eurocêntricos, buscando na África elementos sofisticados e formas de organizações sociais
consideradas avançadas.

41
A Coleção “Nova História Integrada” de João Paulo Mesquita Hidalgo Ferreira e Luiz Estevam de Oliveira
Fernandes.
42
A Coleção “História Sociedade &Cidadania” de Alfredo Boulos Júnior.
Não desconsideramos a importância do estudo e abordagem de tais organizações
sociais africanas e o papel que desempenharam no combate ao postulado racista da África
sem história; questionamos, porém, a abordagem que busca combater o modelo racista e
eurocêntrico usando epistemologias e referências europeias e eurocêntricas,
desconsiderando as especificidades e singularidades africanas e suas sociedades de
expressão política ou de ressonância civilizacional de menor visibilidade (Oliva, 2007a).
Como resultado da influência das prescrições das diretrizes curriculares da
legislação antirracista e dos editais do PNLD sobre o que estamos considerando o currículo
editado do Ensino Médio, identificamos a inclusão de capítulos destinados à história da
África em todos os volumes das referidas coleções, o que pode ser considerado um aspecto
positivo. Porém, concordamos com Kátia Regis (2012) ao apontar que o processo de
implementação da legislação antirracista apresenta desafios para alterações curriculares
muito além do acréscimo de conteúdos.
Se as referidas diretrizes orientam o combate ao eurocentrismo, percebemos que
esta proposição ainda não foi capaz de redefinir, por exemplo, o espaço dedicado à história
da África, ainda posicionada entre os últimos capítulos do livro didático de história do
Ensino Médio e dividindo capítulos com a história da Ásia. A perspectiva eurocêntrica
domina a narrativa histórica do livro didático, o que explica certas permanências como o
fato dea história da África aparecer relacionada com os eventos da história europeia, como
expansão marítima, colonizações, imperialismo e descolonização; a recorrente divisão de
um mesmo capítulo para a história da África e da Ásia; o Egito aparecendo, em parte das
coleções, ainda relacionado com o chamado Crescente Fértil e à Antiguidade Oriental, e o
uso de termos e conceitos eurocêntricos para estudo de contextos e realidades africanas.
Para além da inclusão de conteúdos da história da África em todos os volumes das
coleções analisadas, destacamos entre os avanços identificados a inserção de discussões
acadêmicas e de recentes contribuições da historiografia, com a incorporação de alguns
autores africanos e novas versões e interpretações sobre as temáticas relacionadas com o
continente nas orientações do Manual do Professor. No livro do aluno, no entanto, essas
inovações ocorrem principalmente por meio de recursos de acréscimos ao texto em
formato de seções, textos extras e propostas de atividades, mas sem grandes modificações
na narrativa principal.
Nas orientações aos professores para o trabalho com a temática, percebemos um
avanço no sentido de aproximar os professores de autores, publicações e algumas
discussões acadêmicas em relação à temática das relações étnico-raciais pela oferta no
Manual do Professor de leituras e sugestões de textos, publicações e materiais didáticos.
Como exemplo, citamos a ampliação do leque de questões discutidas no trabalho com a
temática da escravidão.
Os manuais analisados discutem o conceito de escravidão, a existência e
caracterização da escravidão na África, estabelecem comparação entre escravidão na
Antiguidade Ocidental, na África e a escravidão moderna. Orientam o professor para o fato
de que “com a chegada dos europeus na África, houve uma mudança brusca na dinâmica
da escravidão; a ideia de que a escravidão colonial foi uma ‘continuação’ da que era
praticada na África é equivocada e simplista” (Boulos, 2013:99). A escravidão atlântica é
tratada como comércio triangular, envolvendo interesses de europeus, brasileiros e
africanos. São apontadas causas para a adoção da escravidão negra nas Américas:

A alta lucratividade do tráfico de africanos. […]. A habilidade dos africanos em funções


como mestre de açúcar, purgador, ferreiro, caldeireiro etc. Os portugueses já tinham se
utilizado dos seus serviços nos engenhos da Ilha da Madeira, Cabo Verde e Açores. A
escassez de indígenas (por morte ou fuga) nas áreas açucareiras. [Boulos, MP, vol. 2,
2013:102]

Assim como consequências da escravidão atlântica para o continente africano:

Dentre as principais consequências do tráfico de escravos para a África podemos destacar


o despovoamento de várias regiões diante da emigração forçada de milhões de africanos,
o desnível tecnológico e econômico se comparado a outros continentes e a inserção do
continente no processo de acumulação de riquezas da época mercantilista [Ferreira e
Fernandes, MP, vol. 1, 2013:368].

Os avanços encontrados favorecem, em alguns tópicos, abordagens mais


qualificadas em torno da cultura e história da África contribuindo, de certo modo, para
questionamentos e problematizações em torno da perspectiva eurocêntrica. No entanto,
ainda não redefinindo o tratamento dado à África e aos africanos em relação à história da
humanidade.
Destacamos como exemplo a abordagem dada ao tema da África como berço da
humanidade. Neste sentido, os trabalhos de historiadores, cientistas e pesquisadores
africanos continuam silenciados. O trabalho de intelectuais africanos do porte de Cheikh
Anta Diop é negligenciado ao se tratar de temas como a origem africana da humanidade
ou a civilização egípcia, temas nos quais o trabalho do autor contestou toda uma tradição
da perspectiva ocidental. Na escrita didática da história, a polêmica de suas descobertas é
substituída por consensos do tipo: “Os cientistas concordam quanto à origem africana do
Homo sapiens sapiens” (Boulos, vol. 1, 2013:33), o que omite toda uma contribuição
africana, mesmo na única coleção que oferece no manual do professor texto de apoio com
referência ao trabalho do polímata africano afirmando que

durante muito tempo acreditou-se que o berço da humanidade fosse a Europa, mas em
meados do século XX o investigador Cheikh Anta Diop publicou uma série de pesquisas
em que mostrou ser a África o nascedouro da humanidade e da civilização ocidental.
Pesquisas posteriores corroboraram esses pressupostos. [Arnaut e Lopes apud Boulos,
2013:38, MP]

O que o texto diz, mas o Manual do Professor não problematiza, é que o consenso
apresentado não decorre da aceitação e reconhecimento imediato dos estudos realizados
por Diop, mas do fato de as pesquisas posteriores, inclusive no campo da genética,
confirmarem as pesquisas pioneiras do historiador africano. Neste e em outros casos,
omite-se a contribuição africana ao mesmo tempo que as construções eurocêntricas
ocidentais não são discutidas, questionadas ou problematizadas.
Também identificamos nas orientações teórico-metodológicas, apresentadas nos
MPs analisados, a não problematização da construção histórica de imagens negativas em
relação à África e aos africanos. Se a ciência europeia já afirmou a Europa como o berço
da humanidade ocidental, também já negou à África um lugar na história, a exemplo do
filósofo alemão Friedrich Hegel (1770-1831) que afirmou que: “A África não é uma parte
histórica do mundo […] Aquilo que entendemos precisamente como África é o espírito a-
histórico, o espírito não desenvolvido, ainda envolto em condições de natural” (Hegel apud
Silva, 2010:23).
Toda uma discussão teórica em torno de uma invenção da África (Mudimbe, 2013),
a partir do olhar e interpretação eurocêntrica, é ignorada nas discussões do MP, ainda muito
pontuais e restritas às temáticas referentes ao que apresentamos como currículo editado
(Caimi, 2017).
Desconsidera ainda, ao se tratar da África contemporânea, as análises de autores
africanos como Achille Mbembe, que ao discutir a macroestrutura das sociedades africanas
relaciona fatores internos e externos para explicar a realidade contemporânea do
continente, desnudando no que chamou de pós-colônia a influência da globalização, das
forças de mercado e dos pressupostos do neoliberalismo na África. Aponta tais fatores
externos como constitutivos do que chamou “necropolítica” ou “política da morte”
(Mbembe, 2011) como referência aos “regimes de dominação marcados pela violência
extrema, engendrada no período da colonização” (Macedo, 2016:328). A continuidade e
renovação de modelos de exploração em relação ao continente africano é uma discussão
ainda não incorporada nos manuais do professor.
Portanto, apesar dos avanços identificados, ainda não podemos anunciar um
deslocamento da perspectiva eurocêntrica que, como afirmamos anteriormente, ainda
orienta a própria narrativa da história escolar e a organização e distribuição de unidades e
capítulos nos livros didáticos. Os avanços não são suficientes para romper com a
perspectiva eurocêntrica que caracteriza a ciência histórica da Europa no século XIX, com
a construção de um tempo linear e evolutivo, no qual a própria Europa representa a etapa
mais avançada de desenvolvimento cognitivo, tecnológico e social. Nega a
contemporaneidade de outras formas de pensar e estar no mundo, vistas desde então como
arcaicas, atrasadas e inferiores em relação ao modelo da Europa (Castro-Gómez e
Grosfoguel, 2007). Nesse contexto, as ciências sociais, as humanidades se constituíram
instrumentos fundamentais na produção e legitimação de gramáticas que implicavam a
subalternização da África e dos africanos (Chizenga e Cabral, 2016), revestindo de caráter
científico a produção do discurso e da retórica ocidental sobre a África como justificativa
para ações imperialistas/colonialistas.
Consideramos que questionar mais diretamente o que estamos conceituando como
a invenção da África (Mudimbe, 2013), em referência à produção de discursos científicos
eurocêntricos marcados pela racialização e interesses de dominação, constitui passo inicial
no sentido de sensibilizar professores para a necessidade de problematizar a construção de
imagens negativas em relação à África e aos africanos, e desconstruí-las em processo de
reinvenção.
A obrigatoriedade do ensino de história e cultura africana, a partir da legislação
antirracista, responde por intencionalidades que buscam, para além da inclusão de novos
conteúdos curriculares e modificações no livro didático, o questionamento da racialização,
da construção cultural em torno do conceito de raça, para classificação e hierarquização de
seres humanos; a problematização da perspectiva histórica cronológica linear e evolutiva
que tem a Europa como modelo referencial; pôr em xeque a perspectiva monocultural,
homogeneizante e eurocêntrica dos nossos discursos científicos e explicações históricas,
acarretando a necessidade de construção de novos diálogos com outras histórias, outras
formas de pensar, outras racionalidades, outros pressupostos, outras epistemologias.
No caso da história da África, sugerimos uma maior aproximação com a
perspectiva africana presente na “Coleção História Geral da África” que orienta, diante das
especificidades da história da África, a postura metodológica a ser utilizada, apontando
quatro grandes princípios para uma historiografia da África: Interdisciplinaridade, diante
da necessidade de combinação de fontes devido à complexidade, características e
particularidades da realidade africana; Perspectiva africana, em uma história vista a partir
do “polo africano”; Visão da África em seu conjunto e como totalidade que engloba
diferentes povos e regiões, e Perspectiva cultural ao privilegiar a história das ideias e das
civilizações, as instituições, as estruturas em detrimento de uma história meramente
factual, que destaca em demasia as influências e os fatores externos.
Os princípios que orientam a “Coleção História Geral da África” apresentam para
os produtores dos livros didáticos e o currículo editado a possibilidade de incorporação de
novas temáticas e conteúdos, que questionam ausências e apontam emergências na busca
de caminhos e perspectivas de mudanças no sentido da desconstrução de narrativas
eurocêntricas e cronológico-lineares, contribuindo para uma reconfiguração do ensino da
história da África.
Por fim, paralelamente ao processo de análise dos manuais, encaminhávamos a
produção da parte propositiva do trabalho, exigência que caracteriza o Mestrado
Profissional em Ensino de História. A análise de manuais de professores significou, de
cara, uma opção pela produção de material pedagógico que dialogasse com o(a)
professor(a) de história do Ensino Médio. O que produzir? Para responder a essa pergunta
o caminho foi pensar o que tínhamos para partilhar com os(as) colegas, como contribuição
para o estudo da temática escolhida.
Resolvemos partilhar aquilo que nos permitiu embasar a prática diária para além
da sensibilidade com a temática das relações étnico-raciais, que todos nós, negros e negras,
trazemos não apenas em nosso tom de pele ou tipo de cabelo, mas principalmente na alma.
Aquilo que nos possibilitou intervir de forma construtiva/educativa a partir de práticas e
situações de discriminação no ambiente escolar. Ah, quantas histórias teríamos a contar!
Da imobilidade angustiante às ações de intervenção, construímos um caminho no
qual cada leitura, cada estudo, cada novo conceito fundamentado representou um passo
importante. E nesse caminhar compreendemos a importância das parcerias, dos
companheirismos e de conquistar cada companheiro(a) de trabalho para a caminhada, que
só nos leva longe se for coletiva e compartilhada.
Resolvemos partilhar nossas leituras, construir um caderno de leituras. Mas que
leituras partilhar? Que temáticas trabalhar? Propomo-nos a uma tarefa tão grandiosa, que
não caberia no tempo desta pesquisa. Foi necessário pensar a delimitação, o foco, a
temática de nosso caderno. Estas refletes as opções, posições e compreensões da própria
autora.
Na ausência de um referencial de análises sobre a temática das questões étnico-
raciais em manuais de professor, análises da temática em livros didáticos de certo modo
nos serviram de guia.
Neste sentido, destacamos o artigo de Fúlvia Rosemberg (2003), “Racismo em
livros didáticos brasileiros e seu combate: uma revisão da literatura”, que revisou a
produção brasileira sobre expressões de racismo em livros didáticos. Do panorama
construído destacamos os seguintes pontos: nas pesquisas e estudos abordando o discurso
racista em livros didáticos faz-se referência, exclusivamente, a negros e indígenas;
preferência por livros didáticos do Ensino Fundamental, privilegiando-se os livros de
história com análises do texto e das ilustrações e rara articulação com sua circulação e
recepção por parte de professores e alunos. Afirmando-se entre as conclusões do
panorama:

Além da necessidade de aprofundamento teórico conceitual indispensável à constituição


de um campo de estudos, notamos algumas lacunas nesse conjunto de textos: ausência de
diálogo com o campo de estudos das relações raciais no Brasil; pouca preocupação com o
tratamento dado à História da África, disciplina reivindicada pelo movimento negro para
integrar o currículo escolar; pouca atenção dada ao vocábulo racial “nativo”, usado nos
livros didáticos. [Rosemberg, 2003:131, grifo nosso]

A afirmação de certa ausência de pesquisas sobre o tratamento da história da África


corroborou a delimitação desta temática como foco de análise nas orientações dos manuais
do professor, bem como do nosso “Caderno de Leituras”.
Fazendo referência à Lei no 10.639/2003, que estabelece a obrigatoriedade do
estudo da história da África e dos africanos, Luiz Fernandes de Oliveira afirma há “certa
intencionalidade de reinterpretar e ressignificar a História e as relações étnico-raciais no
Brasil pela via dos currículos da educação básica” (Oliveira, 2011:1), envolvendo, destaca
o autor, investimentos na formação docente e problematização das referências teóricas e
pedagógicas dos cursos superiores (graduações e licenciaturas), marcados pela perspectiva
eurocêntrica e monocultural.
Compreendemos que a partir de sua regulação43 a referida lei propõe
reconhecimento, releitura e reconfiguração da história da África, o que não significa trocar
o foco eurocêntrico por um foco afrocêntrico, mas ampliar o foco dos currículos. Como
Oliveira (2011), consideramos os(as) professores(as) sujeitos privilegiados para esta
tarefa. É com este sujeito que nossa proposição dialoga. Construímos no formato de
Material de Apoio Didático para o(a) professo(a)/a de história do Ensino Médio um
“Caderno de Leituras”, intitulado “As imagens da ÁFRICA em discussão: invenção e
reinvenções”, propondo pensar historicamente a construção de imagens sobre a África,
buscando sensibilizar o(a) professor(a) para a necessidade de aproximações de uma
perspectiva africana nos estudos dos temas da cultura e história da África, dos africanos e
dos afrodescendentes.
Reconhecendo que o currículo editado sobre a cultura e história da África nas
coleções de livros didáticos de história do Ensino Médio analisadas certamente constitui a
base do trabalho de professores(as) com a temática em sala de aula, dedicamos a segunda
parte do “Caderno de Leituras” à indicação de sugestões de leituras tanto para orientações
teórico-metodológicas quanto para o trabalho com os conteúdos de história da África
apresentados em cada volume das referidas coleções.

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Apêndice A: Legislação antirracista

BRASIL. Casa Civil. Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei no 9.394, de 20
de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para
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2017.

Apêndice B: Editais do PNLD

BRASIL. MEC. FNDE. SEB. Edital de Convocação 01/2013 — CGPLI. Edital de


convocação para o processo de inscrição e avaliação de obras didáticas para o Programa
Nacional do Livro Didático PNLD 2015. Brasília: MEC; FNDE, 2013.
____. MEC. FNDE. SEB. Edital de Convocação 01/2013 −CGPLI. Edital de Convocação
para o Processo de Inscrição e Avaliação de Obras Didáticas para o Programa Nacional do
Livro Didático PNLD 2015. Brasília: MEC; FNDE, 2013c
____. MEC. FNDE. SEB. Edital de convocação 04/2015 — CGPLI. Edital de Convocação
para o Processo de Inscrição e Avaliação de Obras Didáticas para o Programa Nacional do
Livro Didático PNLD 2018. Brasília: MEC; FNDE, 2015.
____. MEC. FNDE. SEB. Edital de Convocação para Inscrição no Processo de Avaliação
e Seleção de Obras Didáticas para o Programa Nacional do Livro Didático - PNLD 2010.
Brasília: MEC; FNDE, 2007.
____. MEC. FNDE. SEB. Edital de Convocação para Inscrição no Processo de Avaliação
e Seleção de Obras Didáticas a serem incluídas no catálogo do Programa Nacional do
Livro para o Ensino Médio — PNLEM/2007. Brasília: MEC; FNDE, 2007b.
____. MEC. FNDE. SEB. Edital de convocação para inscrição no processo de avaliação
e seleção de obras didáticas a serem incluídas no guia de livros didáticos de 1a a 4a Série
do PNLD/2007. Brasília: MEC; FNDE, 2005a.
____. MEC. FNDE. SEB. Edital de convocação para inscrição no processo de avaliação
e seleção de obras didáticas para o Programa Nacional do Livro Didático — PNLD 2010.
Brasília: MEC; FNDE, 2007.
____. MEC. FNDE. SEB. Edital de convocação para inscrição no processo de avaliação
e seleção de obras didáticas para o Programa Nacional do Livro Didático — PNLD 2012
— Ensino Médio. Brasília: MEC; FNDE, 2009.
____. MEC. FNDE. SEB. Programa Nacional do Livro Didático — PNLD 2015. Coleções
mais distribuídas por componente curricular. Disponível em:
www.fnde.gov.br/programas/livro-didatico/livro-didatico-dados-estatísticos. Acesso em:
31 maio 2017.
Apêndice C: Manuais do professor

BOULOS JÚNIOR, Alfredo. História sociedade e cidadania. 1o ano. São Paulo: FTD,
2013.
____. História sociedade e cidadania. 2o ano. São Paulo: FTD, 2013.
____. História sociedade e cidadania. 3o ano. São Paulo: FTD, 2013.
COTRIM, Gilberto. História global: Brasil e geral — 1. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
____. História global: Brasil e geral — 2. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
____. História global: Brasil e geral — 3. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
FERREIRA, João Paulo Mesquita Hidalgo; FERNANDES, Luiz Estevam de Oliveira.
Nova história integrada. 1a série, volume 1, Ensino Médio, História, manual do professor.
3. ed. Campinas, SP: Companhia da Escola, 2013.
____. Nova história integrada. 2a série, volume 2, Ensino Médio, História, manual do
professor. 3. ed. Campinas, SP: Companhia da Escola, 2013.
____. Nova história integrada. 3a série, volume 3, Ensino Médio, História, manual do
professor. 3. ed. Campinas, SP: Companhia da Escola, 2013.
Anexos

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Imagens de uma escrava rebelde
Quadrinhos, raça e gênero no ensino de história

Roberta Marcelino Veloso


Para meus pais, por não cederem diante da injustiça e do horror.
Para meus alunos, por me permitirem acreditar no amanhã.
À memória de minha avó Alice, cuja doce lembrança persiste nos meus dias.

Mesmo na noite mais triste


em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.
Manuel Alegre
Sumário

Introdução

1. Quadrinhos, estudos feministas e ensino de história


1.1 Quadrinhos e educação: conflitos e aproximações
1.2 Adaptando: questões técnicas e teóricas
1.3 Onde estão as mulheres nos quadrinhos?
1.4 A representação das mulheres negras e a sala de aula

2. O universo de Caetana
2.1 Família escrava e casamento
2.2 Mulheres, gênero e escravidão

3. Caetana na escola
3.1 Experiência e escolhas na elaboração de Caetana
3.2 Estrutura do material
3.3 Reflexões sobre a experiência com o material didático
3.4 Experiência prática com as atividades

Considerações finais
Referências
Fontes
Anexos
Introdução

A nossa escrevivência não pode ser lida


como história de ninar para os da Casa-Grande,
e sim para incomodá-los em seus sonos injustos.
Conceição Evaristo

Em meados do século XIX, em uma fazenda de café localizada no Vale do Paraíba, uma
jovem escrava chamada Caetana recusou de forma enfática o casamento imposto por seu
proprietário. Embora o casamento tenha sido realizado pela Igreja, a escrava afirmava ter
“repugnância pelo matrimônio” e jamais permitiu sua consumação pelo escravo Custódio.
Diante da obstinada recusa, Tolosa, proprietário de ambos os escravos, iniciou uma
interferência pela anulação do matrimônio. O caso, bastante curioso e um tanto
improvável, foi magistralmente apresentado e analisado pela historiadora Sandra
Lauderdale Graham (2005) em Caetana diz não — histórias de mulheres da sociedade
escravista brasileira.
Graham é doutora em história pela Universidade do Texas e mestre em sociologia
pela Universidade de Cornell, sendo professora aposentada da Universidade de Texas, em
Austin. A obra Caetana says no: women’s stories from a Brazilian slave society foi
publicada pela Cambridge University Press em 2002. O livro ganhou uma tradução pela
Companhia das Letras em 2005, já mencionada. Essa editora publicou também Proteção
e obediência: criadas e seus patrões no Rio de Janeiro, 1860-1910, da mesma autora.
Segundo Graham, seu trabalho teve início com uma viagem pelo Vale do Paraíba
e Vassouras, no Sudeste brasileiro, no final dos anos de 1970, onde se deparou com parte
da documentação que reuniu e traduziu. Foi com seus alunos que a autora ensaiou e
debateu sua interpretação sobre a petição de Caetana. No fim dos anos de 1990, Graham
se dedicou a sistematizar e escrever a obra, retornando aos arquivos no Rio de Janeiro (o
processo de Caetana estava no Arquivo da Cúria), Salvador e Santo Antônio de Paraibuna.
O episódio estudado por Graham destoa de diversas maneiras da estrutura
social então vigente. A recusa da escrava suscita diversas questões sobre gênero,
patriarcado e cultura escravista no Brasil do século XIX, abrangendo um rico repertório
de problemáticas possíveis de serem abordadas em sala de aula. O protagonismo de uma
escrava que enfrenta a sociedade patriarcal permite-nos observar aspectos diferenciados
dessa mesma sociedade, aspectos frequentemente negligenciados pelas visões que se
cristalizaram a respeito dela e que costumam aparecer nos materiais didáticos.
A complexidade histórica e a imprevisibilidade do caso nos aproximam dos
domínios fascinantes da multiplicidade e dinamicidade que o estudo do passado comporta.
A reconstituição da trajetória de Caetana, a composição do cenário da fazenda Rio Claro,
as “pistas” sugeridas pela documentação analisada por Graham possibilitam o contato com
alguns fragmentos do passado e com uma narrativa absolutamente envolvente. Essa
dimensão interessante e provocativa é muitas vezes deixada para um segundo plano,
sucumbindo ante abordagens que privilegiam o estudo de fatos, tanto nos livros quanto
nas aulas, que acabam por reproduzir muitas vezes visões estanques e generalizadas do
conhecimento histórico e que podem ter como resultado o desinteresse e o afastamento
dos estudantes. As “Caetanas” de nossa história dissipam-se diante das grandes guerras,
generais, aspectos “políticos” e teorias econômicas.
No cotidiano escolar, as dificuldades de inovação e aproximação do conteúdo à
realidade dos alunos sempre se colocaram de forma marcante, elemento reiterado pela
experiência docente minha e de demais colegas. É infindável o esforço para que a história
não pareça, aos olhos dos estudantes, um amontoado de datas com pouco sentido ou
impacto real em suas trajetórias ou modo de vidas. Como contornar a impessoalidade e o
distanciamento das aulas sem que isso signifique seu esvaziamento de sentido crítico?
A aproximação do universo dos quadrinhos foi, para mim, um caminho possível
diante dessas inquietações. A constatação de que as histórias em quadrinhos continham
um panorama muito mais complexo que os famosos gibis da Turma da Mônica ou o
mundo dos super-heróis abriu uma gama de possibilidades didáticas para minhas aulas. A
construção de personagens complexos, com questões envolvendo a subjetividade humana
apresentadas a partir de outra perspectiva, foi um dos elementos que identifiquei em
determinado perfil de obras.
Poucos relatos foram tão arrebatadores pra mim quanto Maus, de Art Spielgman
(2009). O autor parte de uma ideia aparentemente simples: relatar em narrativa gráfica a
experiência do pai do autor com os personagens representados por animais. A partir de
uma narrativa não linear, Spielgman apresenta de forma mesclada as conversas com o pai
e as memórias do período que esteve em um campo de concentração. Foi com a leitura de
seu texto que eu puder perceber que os quadrinhos possuíam um potencial altamente
mobilizador, porque podiam, com a sensibilidade do desenho e a força da palavra,
comover. Mais que a comoção, os quadrinhos podiam falar de valores humanos essenciais
e princípios, criar pontes e aproximações que eu jamais poderia esquematizar na lousa.
É possível observar, nos últimos anos, um interesse crescente por parte de
pesquisadores e professores em relação a outras linguagens que possibilitam a construção
do conhecimento histórico: filmes, quadrinhos, recursos multimídia e interativos, entre
outros. A ascensão desse campo de interesse é sugestiva da demanda da escola por
alternativas e suplementos aos métodos ditos tradicionais, como o livro didático e a aula
expositiva. Esses meios colocam novas possibilidades em relação à apropriação de
diferentes linguagens da cultura contemporânea para pensar historicamente, tendo em
vista tratar-se de um meio de comunicação em massa, capaz de portar concepções de
história. Desse modo, pode-se considerar que contribuem para a construção e
disseminação do conhecimento histórico.
Nesse sentido, esse trabalho propõe o desafio de, utilizando os quadrinhos, levar
para a sala de aula a trajetória da jovem escrava Caetana. A partir de uma abordagem
experimental, confeccionei uma adaptação para quadrinhos voltada para o Ensino Médio
e desenvolvi uma reflexão teórica e crítica sobre esse processo, que apresento nas páginas
seguintes.
Além do fascínio pela imprevisibilidade da trajetória de Caetana, outras questões
foram centrais em sua escolha: a necessidade e importância de levar para o âmbito escolar
a história das mulheres a partir de uma perspectiva de gênero e raça. Nesse sentido, a
possibilidade de construir espaços para essas questões dentro do ambiente escolar, fugindo
das abordagens estereotipadas, me motivou de forma decisiva na escolha do objeto. Foi
fundamental, também, o perfil do Mestrado Profissional em Ensino de História
(ProfHistória) que, ao propor a elaboração de um produto que seja utilizado em sala de
aula, me incentivou a pensar novos formatos e suportes para essas questões.
A introdução dos debates sobre a história das mulheres e as questões de gênero no
contexto escolar esbarram em diversas dificuldades, sobretudo aquelas referentes aos
métodos e conteúdos, marcados por abordagens bastante tradicionais. Os recursos
utilizados ainda são, de modo geral, livros didáticos. Os materiais trazem em sua maioria
questões de gênero e a história das mulheres são predominantemente relegadas a
“apêndices” e “boxes”, ou seja, marginalizadas diante da história “oficial”, que segue
ainda uma cristalizada divisão entre aspectos econômicos, políticos e sociais.
Além da marginalização a um espaço secundário dentro dos materiais didáticos, o
movimento que defende a deliberada exclusão das questões de gênero do debate escolar
tem se fortalecido nos últimos anos. Travestidos no combate ao indefinido conceito de
“ideologia de gênero”, os projetos que propõem uma suposta “Escola sem partido”
angariam um número crescente de adeptos.
Nesse sentido, defendo aqui o uso de todos os mecanismos possíveis para
combatermos o avanço de projetos que negam o debate dessas questões e ignoram a
inconstitucionalidade dessa proibição no ambiente escolar. Considero a educação o
caminho mais efetivo para a solidificação real de valores de igualdade de gênero e
liberação feminina, diante uma sociedade patriarcal e misógina.
Refletindo sobre como combater as opressões de raça, classe e gênero — que se
engendram entre si e enquadram nossas vidas —, Patrícia Hill Collins (2015:16) alerta
para a importância de pensarmos na relação entre elas, de uma forma não hierarquizada,
como caminho para o desenvolvimento de novas formas de pensamento e ação para
combatê-las. A autora propõe que sejam criadas categorias de análise que as articulem,
pois só assim atenderemos à urgência que é a luta contra essas opressões, que formam um
pano de fundo estrutural complexo e marcante no contexto escolar. Segundo Collins,

Um componente essencial dessa responsabilidade se refere a desenvolver empatia pelas


experiências de pessoas e grupos diferentes de nós mesmos. A empatia começa com um
interesse nos fatos das vidas das outras pessoas, como indivíduos e como grupos. Se você
se importa comigo, você deveria querer saber não apenas os detalhes da minha biografia
pessoal, mas também como raça, classe e gênero como categorias de análise criaram o
fundo institucional e simbólico para minha biografia individual. [Collins, 2015:37]

Diante desse quadro, considero que a trajetória de Caetana pode exercer um papel
fundamental na criação dessa empatia. Em seu contexto, Caetana esteve em uma posição
com a qual os alunos dificilmente se deparam em livros didáticos: uma escrava que estava
combatendo e lutando contra as determinações que lhe eram impostas como mulher, em
uma sociedade patriarcal.
As mudanças relativas às subjetividades femininas e a maior disseminação das
lutas pela igualdade de gênero são perceptíveis na sociedade como um todo e no ambiente
escolar de forma particular. Nesse processo, a internet tem tido um papel importante, na
medida em que possibilita amplas mobilizações além de incentivar o primeiro contato de
mulheres com o feminismo. Em 2015 ganhou força o movimento que ficou conhecido
como “primavera das mulheres”, o qual consistia em amplas mobilizações em prol de
causas feministas a partir de ações online. Um exemplo desse movimento no Brasil foi a
criação e rápida disseminação da hashtag #primeiroassedio, que abriu novos debates e
perspectivas sobre o tema (Santini, Terra e Almeida, 2016:148-164).
As mudanças testemunhadas nas salas de aulas fazem parte de um processo mais
amplo que se manifesta também, em diferente grau, na academia. Se hoje em dia uma
história “sem as mulheres” parece impossível, Michelle Perrot (2007) nos lembra em
Minha história das mulheres que há mais ou menos 30 anos a historiografia apontava
caminhos bastante distintos.
O silêncio das mulheres manifestava-se principalmente no nível do relato, de modo
que escrever essa história é sair do silêncio em que elas foram confinadas. Perrot apresenta
um rico e vivo itinerário sobre a constituição desse crescente campo de estudos.
Considerando o longo período de silenciamento e ausência das mulheres como ocupantes
da categoria de sujeitos históricos, são perceptíveis os desdobramentos e reverberações
desse processo no que se refere ao ensino e à sala de aula.
Com base nessas ponderações, esta pesquisa está dividida em dois núcleos:
primeiramente, a elaboração de reflexões a respeito das relações entre quadrinhos,
feminismo e ensino de história, enquanto o segundo núcleo traz a produção da história em
quadrinhos, roteirizada e desenhada por mim.
Considero importante pontuar que este trabalho se debruça criticamente sobre um
amplo histórico de representações de mulheres negras a partir de critérios absolutamente
racistas, no intuito de combatê-los. Não é difícil identificar um padrão nas representações
— numa perspectiva masculina e branca — nas quais as mulheres negras são tidas como
portadoras de uma sexualidade exacerbada ou de uma estética e intelecto que as
aproximam de animais, de modo a inseri-las insistentemente na esfera do risível ou mesmo
do grotesco (Oliveira Neto, 2015:65-85). Assim, destaco meu compromisso nesse trabalho
no que se refere à ruptura com esse tipo de representação, afinada com os movimentos
feministas negros.
Considerando que os eixos temáticos centrais do trabalho buscam articular
quadrinhos, ensino de história e escravidão no século XIX, procurei suporte na
bibliografia fundamental pertinente a esses temas. Para a conceituação básica do campo
da nona arte, os trabalhos teóricos de Will Eisner e Scott McCloud foram fundamentais,
na medida em que possibilitaram solidificar a base das definições relativas ao universo
dos quadrinhos. No que se refere à aproximação entre narrativas gráficas e educação, as
reflexões de Waldomiro Vergueiro, Ângela Ramo, Túlio Vilela, Selma de Fátima
Bonifácio e Djota Carvalho me inspiraram a pensar nas potencialidades desse recurso.
Como localizo meu produto final como um quadrinho feminista, os trabalhos de
Luana Tvardovskas me permitiram pensá-lo dentro de um espectro que rompa com os
padrões normativos de representação do masculino. Para tal, me baseei também em
reflexões do feminismo negro propostas por Patricia Hill Collins, Sueli Carneiro e bell
hooks. Também as ponderações de Margareth Rago me incentivam refletir sobre como as
produções culturais podem contribuir para a construção de uma cultura filógina, isto é,
amiga das mulheres.
Adaptar uma obra historiográfica da complexidade e riqueza de Caetana requer,
especialmente da perspectiva gráfica, um sólido suporte iconográfico. Apresento também
neste trabalho as referências que foram fundamentais para a elaboração do cenário
ambientado do Vale do Paraíba oitocentista, tanto no que se refere à paisagem natural,
vestuário e arquitetura das fazendas de café quanto em outros aspectos que podem
aproximar o aluno do universo de Caetana.
Por fim, destaco que desenvolvi este trabalho mirando a perspectiva de contribuir
para a construção de deslocamentos dentro do espaço escolar, buscando incluí-lo num
processo de crítica a uma história única1 sobre a escravidão, marcada por escravas
passivas e destituídas de agência.
A seguir, no “Capítulo 1: Quadrinhos, ensino e feminismo”, abordo a perspectiva
teórica dos temas que são centrais neste trabalho. Busco contextualizar brevemente a
relação entre quadrinhos e sala de aula, pontuando a resistência inicial de educadores, a
posterior aproximação entre ambos, sistematizando em seguida os principais aspectos
pedagógicos destacados no uso desse recurso em sala de aula. Em um segundo momento,
elenco as especificidades da linguagem dos quadrinhos e as questões que foram
consideradas no processo de transposição de um texto historiográfico para uma narrativa
gráfica. Por fim, busco justificar o motivo pelo qual essa abordagem se pretende feminista,
a partir da demonstração da ausência de vozes femininas nos quadrinhos nacionais, além
da ênfase na importância da representatividade de mulheres negras nesse campo.
No “Capítulo 2: O universo de Caetana” apresento os textos que foram
confeccionados como apoio para os professores no trabalho com os quadrinhos em sala
de aula. Os textos apresentados nesse capítulo compõem o “Caderno do Professor” do

1
O conceito de História única é apresentado por Chimamanda Adichie no TED. Disponível em:
www.youtube.com/watch?v=D9Ihs241zeg. Acesso em: 2 nov. 2017.
material que acompanha esta dissertação. A partir de algumas questões centrais da
adaptação, amparada pela bibliografia pertinente sobre escravidão no século XIX,
proponho uma reflexão a partir do diálogo com autores como Robert Slenes, Ricardo
Pirola, João José Reis e Sandra Sofia Machado Koutsoukos. Para pensar sobre a questão
do matrimônio e da família escrava, eixo fundamental da obra, aporto-me em Na senzala,
uma flor, de Robert Slenes.
Por fim, no “Capítulo 3: Caetana na sala de aula” buscarei relatar e refletir
criticamente sobre minha experiência com o desenvolvimento de atividades com
quadrinhos, produto dessa investigação, na sala de aula. Pretendo, assim, tecer uma breve
avaliação sobre os aspectos observados no trabalho desenvolvido com os alunos, bem
como a recepção da narrativa de Caetana, a fim de que este trabalho possa ser multiplicado
para professores e professoras interessados em desenvolver tais questões em suas salas de
aula.

1. Quadrinhos, estudos feministas e ensino de História

1.1 Quadrinhos e educação: conflitos e aproximações

A proximidade entre as histórias em quadrinhos (HQs) e a sala de aula é recente e resulta


de um processo conflituoso, marcado por uma forte resistência no que se refere à sua
utilização no espaço escolar. Embora as possibilidades pedagógicas das HQs sejam agora
reconhecidas por uma tímida bibliografia, de modo geral, seu espaço ainda é reduzido,
tanto nas salas de aula quanto na academia. A introdução tardia das HQs nos espaços
acadêmicos e pedagógicos pode ser entendida como um reflexo do processo de
marginalização que acompanhou os quadrinhos desde seu surgimento, em meados do
século XIX.
É amplo o debate sobre a origem das histórias em quadrinhos. O professor suíço
Rudolph Töpffer produzia uma “literatura em estampas” desde meados de 1827, sendo
citado por historiadores dos quadrinhos como Álvaro de Moya e McLoud como o mais
antigo. No entanto, segundo Moya (1996:9), seu trabalho foi inspirado por gravuras do
inglês William Hogarth.
Já para Gubern, o comic surgiu no final do século XIX na Alemanha, a partir de
Max und Moritz de Wilhein Busch. As historietas de Busch possuíam um traço muito
próximo do cartum como hoje é conhecido e eram publicadas nos chamados “jornais para
rir” da Alemanha, que além das historietas publicavam também as estampas inglesas que
influenciaram Töpffer (Gubern, 1979 apud Oliveira Neto, 2015:12).
No fim desse século, as narrativas sequenciais despontaram também nos Estados
Unidos, ambiente propício para sua transformação em um produto de consumo massivo.
Inicialmente as histórias eram publicadas em páginas dominicais, com caráter
predominantemente cômico.2 Alguns anos depois, as histórias passaram a ser publicadas
diariamente em tiras, com a inclusão de mais personagens e uma maior diversificação na
temática (Barbosa, Rama e Vergueiro, 2006:10).
Em meados do século XX, popularizaram-se nos Estados Unidos as histórias de
aventura, abandonando o traço caricatural para assumir representações mais realistas. A
disseminação dos quadrinhos também passou por uma alteração importante, pois eles
ganharam sua versão independente dos jornais, as publicações periódicas conhecidas
como comic books (ou gibis, no Brasil). A Segunda Guerra Mundial intensificou ainda
mais esse cenário, momento em que os personagens passaram a representar oposição aos
inimigos dos americanos no conflito e tornaram-se extremamente populares, resultando
em uma ampliação significativa na tiragem das revistas. Após o fim do conflito, novos
gêneros surgiram nas revistas em quadrinhos, entre eles histórias de terror e suspense
(Barbosa, Rama e Vergueiro, 2006:11).
A ampliação da inserção social dos quadrinhos e sua consolidação como meio de
comunicação de massa enfrentou ampla desconfiança e resistência por parte de alguns
setores da população. Na década de 1950, o psiquiatra alemão Fredric Wertham iniciou
uma campanha que apontava os supostos malefícios trazidos pelos quadrinhos aos

2
No caso brasileiro, as charges de humor também tiveram espaço significativo no século XIX. A imprensa
ilustrada de humor teve seu apogeu na segunda metade desse século, em parte devido à liberdade que o
imperador d. Pedro II concedeu aos jornais e revistas do período. No trabalho Ângelo Agostini e a charge
no crepúsculo imperial — apontamentos preliminares acerca da Questão Abolicionista, Vinícius Liebel
(2015) analisa o papel social dos chargistas na sociedade oitocentista. Segundo o autor, “Neste período, a
imprensa ilustrada de humor teve seu apogeu, tratando dos mais variados assuntos e expondo opiniões e
críticas diversas. Os chargistas e artistas que nelas publicavam seus desenhos passaram a ser formadores de
opinião pública em um sentido até então pouco observado no país. A popularidade de seus desenhos garantia
a penetração de suas ideias na sociedade, e as representações constituintes de seus trabalhos se tornavam,
rapidamente, parte do imaginário da época. O fato de se tratar de elementos essencialmente pictóricos faz
com que as charges tenham uma importância ímpar nessa sociedade, pois incluía no debate, em certa
medida, os iletrados e os analfabetos, parte nada desconsiderável da sociedade do período. Sobre o assunto,
Joaquim Nabuco chegou a declarar que a Revista Illustrada era a “bíblia da abolição daqueles que não
sabiam ler”.
adolescentes norte-americanos. O psiquiatra passou a ministrar palestras, oficinas, dar
entrevistas, onde apresentava relatos de sua experiência em clínica e de suas pesquisas
supostamente científicas que visavam demonstrar que jovens que liam quadrinhos
estavam mais propensos a possuir desvios comportamentais. Suas observações foram
publicadas em 1954 no livro A sedução dos inocentes, sucesso de vendas nos Estados
Unidos. A obra de Wertham reverberou na sociedade norte-americana, que assistiu a
diversos segmentos sociais se organizando para “vigiar” os quadrinhos e evitar que eles
disseminassem valores indesejáveis e contribuíssem para a formação de cidadãos
inadequados.
O ápice do movimento de “observação” dos quadrinhos foi a criação do “Comics
Code” pela Association of Comics Magazine, que se transformou em um selo afixado em
cada comic book que tinha a qualidade interna assegurada. Essa foi a forma encontrada
pelas editoras norte-americanas de apaziguar a desconfiança da classe média branca de
seu país, preocupada com o zelo dos valores morais e religiosos conservadores.
No Brasil, as críticas aos quadrinhos seguiam essa mesma linha argumentativa e
também despontaram de forma intensa. Um acordo entre as maiores editoras da época,
Editora Abril, Rio Gráfica e Editora, Editora Brasil-América e Diários Associados
(responsável pela revista O Cruzeiro), representadas por Victor Civita, Roberto Marinho,
Adolfo Aizen e Assis Chateaubriand, resultou na elaboração de um “Código de Ética”.
Alguns exemplos estão mencionados a seguir:

1. As histórias em quadrinhos devem ser um instrumento de educação, formação moral,


propaganda dos bons sentimentos e exaltação das virtudes sociais e individuais.
2. Não devendo sobrecarregar a mente das crianças como se fossem um prolongamento
do currículo escolar, elas devem, ao contrário, contribuir para a higiene mental e o
divertimento dos leitores juvenis e da juventude.
3. É necessário o maior cuidado para evitar que as histórias em quadrinhos, descumprindo
a sua missão, influenciem perniciosamente a juventude ou deem motivos a exageros da
imaginação da infância e da juventude.
[…]
6. Os princípios democráticos e as autoridades constituídas devem ser prestigiadas, jamais
sendo apresentados de maneira simpática ou lisonjeira os tiranos e inimigos do regime e
da liberdade. [Ramos e Vergueiro, 2009:10]
Ramos e Vergueiro ressaltam que o resultado mais imediato da criação do Código
de Ética e da caçada promovida aos quadrinhos foi a pasteurização das histórias, que
passaram a ter conteúdos e formatos muito semelhantes, bem como o afastamento das
HQs do espaço acadêmico. As concepções de que os quadrinhos geravam “preguiça
mental” ou afastavam os alunos da “boa literatura”, muito presentes na segunda metade
do século XIX, fazia com que educadores repelissem sua presença nas salas de aula
(Ramos e Vergueiro, 2009:11). Essa relação conflituosa entre quadrinhos e educação
apareceu em episódios como o protesto contra os quadrinhos feito pela Associação
Brasileira de Educadores (ABE) em 1928 pois eles “incutiam hábitos estrangeiros nas
crianças” (Carvalho, 2006:23).
Desse modo, entender a resistência da sociedade à disseminação dos quadrinhos
nos ajuda a refletir sobre sua reduzida e tardia inserção tanto como objeto de pesquisa
acadêmica quanto sua aceitação como possibilidade didática com finalidade pedagógica.
É evidente que a intensa campanha que denunciava os supostos aspectos prejudiciais dos
quadrinhos teve reflexos diretos na sua aceitação dentro do ambiente escolar.
A aceitação dos quadrinhos de modo geral se intensificou a partir da década de
1960, quando figuras de destaques na intelectualidade europeia declararam seu apreço
pelo gênero. Desse modo, os europeus descobriram os quadrinhos e desde então eles
invadiram as universidades, os livros ditos “sérios”, os museus, entre outros espaços.
Nessa década foi criada a Giff Wiff, primeira revista especializada em quadrinhos,
marcando a mudança da postura diante das HQs. Ainda nesse contexto foi realizado em
1965 o Primeiro Congresso sobre Comics, organizado pela Universidade de Roma
(Bonifacio, 2005:20).
No Brasil, a partir da década de 1940, a editora Brasil-América passou a publicar
inicialmente clássicos da literatura mundial, como Os três mosqueteiros e O morro dos
ventos uivantes, e, finalmente, na década de 1950, clássicos da literatura brasileira, como
O Guarani e Iracema, de José de Alencar, Gabriela cravo e canela, de Jorge Amado, e A
moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo foram publicados. Autores prestigiados como
José Lins do Rego fizeram o prefácio para essas publicações, que atingiram êxito editorial,
o que indica o reconhecimento, por uma parcela da intelectualidade nacional, do seu
potencial (Bonifacio, 2005:22). Reforçando essa concepção, alguns trabalhos científicos
feitos para a Unesco tentavam estabelecer relações entre os quadrinhos e seus potenciais
pedagógicos, abrindo espaço para a aproximação entre esses universos. Segundo Barbosa,
Rama e Vergueiro (2006:16):
De certa maneira, entendeu-se que grande parte da resistência que existia em relação a
elas, principalmente por parte de pais e educadores, era desprovida de fundamento,
sustentada muito mais em afirmações preconceituosas em relação a um meio sobre o qual,
na realidade, se tinha muito pouco conhecimento. A partir daí, ficou mais fácil para as
histórias em quadrinhos […] serem encaradas em sua especificidade narrativa, analisadas
sob uma ótica própria e mais positiva. Isto também, é claro, favoreceu a aproximação das
histórias em quadrinhos das práticas pedagógicas.

Enfrentar o combate imposto aos quadrinhos foi parte fundamental do processo de


aproximação com as salas de aula e as práticas pedagógicas. 3 No Brasil, ao longo das
décadas de 1960 e 1970 as tirinhas passaram a aparecer nos livros didáticos com maior
frequência e a partir de 1980 seu uso se consolidou.
Além das reflexões propostas dentro da academia, o processo de maior aceitação
dos quadrinhos no espaço escolar contou com um incentivo formal a partir da Lei no
9394/1996 de Diretrizes de Base (LDB) de 1996, que trazia determinações gerais que
orientavam o uso de diferentes meios e linguagens em sala de aula com o intuito de
diversificar a prática escolar:

Item II do art. 3o da lei diz que a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a
cultura, o pensamento, a arte e o saber “é uma das bases do ensino”.
Item II do parágrafo 1o do art. 36 registra, de forma mais explícita, que, entre as diretrizes
para o currículo do ensino médio, está o conhecimento de “formas contemporâneas de
linguagem”. [Barbosa, Rama e Vergueiro, 2006:17]

Outro marco de expansão do uso de quadrinhos na educação pública foi sua


inclusão no Programa Nacional da Biblioteca Escolar (PNBE), criado em 1997 e que
compra obras de diferentes editoras e as distribui às bibliotecas de escolas de Ensino
Fundamental e Médio. O programa tem como objetivo estimular o hábito à leitura e

3
Em História e(m) quadrinhos, Selma de Fátima Bonifacio (2005) apresenta uma interessante discussão
sobre a resistência relativa aos quadrinhos nos espaços educacionais. A autora pontua que essa resistência é
advinda de uma linha demarcatória que divide as experiências culturais entre representações da elite e as
práticas advindas das camadas populares, ou de uma “cultura de excelência” em oposição a uma “cultura
menor”, que não seria considerada verdadeira cultura. Diante desse panorama, considera que ainda
predomina de forma significativa uma determinada concepção segundo a qual caberia à escola transmitir
aos indivíduos a cultura “superior”, repelindo assim a dita cultura de massas, na qual se inserem os
quadrinhos.
permitir o acesso dos estudantes à cultura universal. Desde que foi criado em 1997, o
programa selecionou exclusivamente obras literárias até 2006, quando passou a incluir
quadrinhos em suas seleções. No ano de 2006, dos 225 títulos selecionados pelo governo,
10 eram quadrinhos, ou seja, 4,5% do total, segundo dados de Ramos e Vergueiro
(2009:12).
Ramos e Vergueiro realizaram uma análise sobre as obras selecionadas pelo PNBE
entre 2006 e 2009, e, apesar de reconhecerem como significativa a introdução e ampliação
da presença de narrativas gráficas nas listas de obras, os autores diagnosticaram que a
concepção presente na seleção não considera os quadrinhos como uma linguagem
autônoma, mas partem da interpretação de que são um gênero literário. De acordo com
eles:

Dizer que os quadrinhos são literatura evidencia duas posturas. A primeira é que se busca
um rótulo social e academicamente prestigiado — o de literatura — para justificar a
presença dos quadrinhos na escola e, possivelmente, na lista do PNBE. A outra indica o
desconhecimento da área dos quadrinhos, que soma poucos estudos acadêmicos, embora
já em número suficiente para afirmar que literatura é literatura e quadrinhos são
quadrinhos. [Ramos e Vergueiro (2009:37]

Apesar dos limites elencados pelos autores, o estímulo “oficial”, a partir de


programas governamentais voltados para a educação pública que incentivam a leitura de
quadrinhos, são sintomáticos do reconhecimento dos potenciais pedagógicos do uso desse
recurso.
Além de propor o questionamento sobre o que favoreceu essa aproximação, a
bibliografia sobre a temática investigou também experiências pedagógicas e seus
resultados. Vergueiro e Ramos elencam alguns motivos que levam as narrativas gráficas
a ter um bom desempenho no contexto escolar, destacando: a ampla aceitação dos
quadrinhos pelos estudantes — alunos se identificam com os ícones da cultura de massa;
alto nível de informação nos quadrinhos; enriquecimento das possibilidades de
comunicação pela familiaridade com os quadrinhos, auxílio no desenvolvimento do hábito
de leitura; enriquecimento do vocabulário; caráter elíptico da linguagem quadrinística
obriga o leitor a pensar e imaginar; amplas possibilidades de uso em qualquer nível escolar
e com qualquer temática. Além desses diversos pontos listados pelos autores, também são
destacadas as características pragmáticas do aproveitamento dos quadrinhos na escola: a
acessibilidade e o baixo custo, especialmente quando comparados com outros produtos da
indústria cultural (Ramos e Vergueiro 2009:21).
A partir do reconhecimento das HQs como um elemento didático, é sensível o
aumento da presença das narrativas gráficas em ambientes escolares e nos debates
acadêmicos nos últimos anos. Diante desse quadro, proponho a partir daqui uma reflexão
sobre as especificidades dessa relação no que se refere à disciplina história.
É crescente o interesse e os trabalhos que investigam as possibilidades de uso de
recursos diversos tais como cinema, quadrinhos e fotografias e suas aproximações com o
ensino de História. Não busco aqui fornecer uma metodologia fechada e definitiva para o
uso de HQs em aulas de história; no entanto, conforme pontuam autores, algumas
sugestões são recomendadas para o trabalho em sala de aula. Entender os quadrinhos como
um simples suporte no conteúdo significa desperdiçar parte significativa de seu potencial
como material portador de discurso histórico. No artigo “Os quadrinhos na aula de
História”, Vilela menciona algumas possibilidades no que se refere aos possíveis enfoques
de HQs histórias, tais como:

Para ilustrar ou fornecer uma ideia de aspectos da vida social de comunidades do passado.
[…]
Para serem lidos e estudados como registros da época que foram produzidos. […]
Para serem utilizados como ponto de partida de discussões de conceitos importantes para
a História […]. [Vilela, 2009:105]

Ramos e Vergueiro (2009:27) alertam que os quadrinhos não devem ser


considerados “receitas milagrosas e infalíveis” para tornar as aulas mais dinâmicas e
atrativas para os alunos. Diante das possibilidades de uso de quadrinhos, especificamente
no ensino de história, vale ressaltar que estes não se propõem como substitutos do texto
historiográfico ou do documento histórico no processo de formação de aluno. Tampouco
se caracterizam como um “pretexto” para o estudo da disciplina, na medida em que se
constituem como um documento em si, sendo portadores de uma narrativa e capazes de
articular elementos fundamentais para o estudo da história, tais como a noção de tempo e
de memória (Bonifacio, 2005:22).
Seu uso deve ser feito, como ressalta Vilela, a partir da mediação e orientação do
professor, que tem um papel fundamental no que se refere à escolha e filtro do material
adequado para determinada faixa etária. O autor também busca sistematizar alguns
procedimentos para a leitura de quadrinhos, enfatizando a necessidade de um
direcionamento por parte do professor, sugerindo que questões básicas devem ser
colocadas para a leitura de um quadrinho como documento histórico, sendo elas: quem
é(são) o(s) autor(es), quando e onde foi produzido, por quem fala, a quem se destina e
qual é sua finalidade (Vilela, 2009:115).
Além desses aspectos mais pragmáticos sobre o desenvolvimento de atividade com
quadrinhos em aulas de história, há também reflexões de caráter teórico relacionando as
narrativas gráficas com a disseminação do conhecimento histórico. Em História e(m)
quadrinhos, Selma de Fátima Bonifácio (2005:39) lembra que essas ponderações não são
inéditas na historiografia. A autora retoma o trabalho de alguns historiadores que se
dedicaram à investigação da participação dos quadrinhos no processo de construção do
conhecimento histórico, tais como Marc Ferro e Michel Vovelle.
Na historiografia brasileira, ainda na década de 1980, começam a aparecer no meio
acadêmico relatos sobre a utilização de HQs no espaço escolar. Desde então, diversos
trabalhos apresentam experiências sobre investigações do uso desse recurso,
contemplando suas possibilidades e limitações.
Ao constatar a dificuldade dos métodos de ensino tradicionais em despertar
interesse pela disciplina, a professora Ana Raquel Marques da Cunha Martins Portugal
(2015:201-210) apresentou uma experiência desenvolvida no núcleo de ensino História e
Quadrinhos. O grupo que compõe o núcleo buscou analisar e discutir os quadrinhos como
fonte histórica a partir da aplicação de teorias pedagógicas em quatro escolas no município
de Franca, no estado de São Paulo, em turmas de sétima e oitava séries. O projeto teve
como objetivo, segundo Portugal (2015:203), “Fazer os estudantes compreenderem
fenômenos históricos em quaisquer esferas presentes em seu cotidiano e também para
facilitar e organizar o ensino com o uso das HQs e fazer com que os discentes possam
entender a história em todas as suas esferas”.
O grupo constatou a dificuldade dos educandos de relacionar a matéria de história
a seu próprio cotidiano, e apontaram os quadrinhos como um recurso para suprir esse
abismo criado pela educação tradicional. A execução das atividades foi dividida em três
fases. Na primeira etapa foram apresentados quadrinhos que faziam referência direta ao
fato histórico estudado, no caso, a relativização do “grito da independência” do Brasil.
Com o uso de três obras distintas — Da Colônia ao Império: um Brasil para inglês ver e
latifundiário nenhum botar defeito, de autoria da Lilia Moritz Schwarcz e Miguel Paiva
(1983), História do Brasil em quadrinhos, de Edson Rossatto (2008), e História do Brasil
para principiantes, de Carlos Eduardo Novaes e César Lobo (1997) —, buscaram
demonstrar aos alunos como o mesmo fato histórico é passível de interpretações distintas.
Na segunda etapa, foram usados quadrinhos que não faziam referência direta a um
fato histórico, mas que aludiam a uma temática, no caso, o nacionalismo. Foram
selecionadas as obras Comuna, escrita por Tardi, Dez na área, um na banheira e nenhum
no gol, organizada por Orlando Pedroso, com 11 histórias da autoria de Samuel Casal,
Spacca, Lelis, Allan Sieber, Custódio, Maringoni, Caco Galhardo, Leonardo, Fábio
Zimbres, Osvaldo Pavanelli e Emílio Damiani, Fábio Moon e Gabriel Bá, e o Complô: a
história secreta dos Protocolos do sábio de Sião, escrita por Will Eisner. Essa fase
também contemplou uma aula debate a partir das obras Fagin: o judeu, de Will Eisner
(2005) e Palestina: na faixa de Gaza, de Joe Sacco. O objetivo dessa fase era demonstrar
como a concepção do nacionalismo é construída e usada no decorrer do tempo. Portugal
destacou a efetividade dessa atividade, considerando que os alunos se envolveram de
forma muito intensa, mobilizados pelos argumentos nacionalistas apresentados nas obras.
Por fim, a última fase consistiu no uso de quadrinhos que não fizessem alusão
diretamente a um conteúdo da disciplina, com o objetivo de incentivar o estudo do material
como um documento histórico em si. Buscando abordar a questão da homossexualidade,
foram selecionadas as obras Ghotan City contra o crime (2003) e os Jovens vingadores
(2005).
Para concluir a atividade, o grupo responsável pelo desenvolvimento do projeto
realizou, ao final do período letivo, uma avaliação com os alunos para investigar as
impressões sobre o método aplicado no decorrer do ano e constataram uma aceitação
majoritariamente positiva. Além da contrapartida dos estudantes, o grupo observou ao
longo do projeto alguns aspectos que foram determinantes no sucesso das atividades,
como o melhor desempenho das atividades nas turmas onde o trabalho foi desenvolvido
com periodicidade regular.
Nesse sentido, o projeto coordenado por Portugal e aqui apresentado brevemente
se soma a diversos outros relatos de experiências em salas de aula e que apontam para a
efetividade dos quadrinhos como parte da construção de um ensino crítico e difusão do
conhecimento histórico. No caso desse trabalho em específico, é interessante destacar que
ele apresenta uma gama variada de possibilidades dos usos de diversos tipos de quadrinhos
em sala de aula, tendo em vista que as obras selecionadas pelos autores não eram todas
exclusivamente de características históricas.
Por fim, acrescento como um último aspecto para a reflexão sobre o uso de
histórias em quadrinhos em sala de aula um elemento que constatei a partir da minha
experiência com o uso desse recurso em minhas aulas. Trata-se do que considero o
“potencial afetivo” que o formato comporta. Refiro-me à ampla capacidade mobilizadora
que algumas obras possuem diante do contexto escolar, rompendo com o distanciamento
entre os estudantes e o conteúdo estudado a partir dos livros didáticos “tradicionais”.
Destaco esse aspecto em quadrinhos como Maus, de Art Spielgman, e Gen: pés
descalços, de Keiji Nakazawa, ambos ambientados no contexto da Segunda Guerra
Mundial. No caso de Maus, a perspectiva narrativa adotada é a do próprio autor, que relata
os contatos e as histórias do pai, sobrevivente de um campo de concentração nazista.
Também a partir da perspectiva autobiográfica, Gen é narrado pela ótica de um garoto que
perde parte da família com a bomba de Hiroshima.
Trata-se de duas obras extremamente tocantes e que apresentam visões distintas
sobre o Holocausto e a Segunda Guerra Mundial, a partir de uma visão humana e
complexa que se afasta de generalizações. Esse tipo de quadrinho revela-se muito
mobilizador, especialmente quando comparado com obras que somente “ilustram” fatos
históricos, de modo que é perceptível o maior envolvimento dos estudantes em atividades
com as primeiras.
A maior participação dos alunos está relacionada com o aspecto poético dessas
obras, na medida em que por meio do desenho provocam reflexões e emoções, localizadas
no campo da sensibilidade e dificilmente explicadas a partir da racionalidade.
Tvardovskas nos lembra que a arte é fluída, na medida em que capta e transmite emoções
de seu próprio tempo. Segundo a autora, o campo artístico pode ser um espaço de escape
das amarras da razão, expressando aspectos e intenções mais sutis (Tvardovksas,
2008:31). Endossando esse entendimento e considerando a arte como espaço para o
sensível e para a imaginação, Telles afirma:

É no entroncamento de inúmeras veredas, onde os fios de várias disciplinas se cruzam,


enrolam, desenrolam que as criações culturais adquirem todas as suas significações e que
o imaginário não corre o risco de ser trancado numa análise racionalista imóvel ou
instrumental que asfixiaria sua pregnância numa lógica mecanicista e linear do social.
[Telles, 2008, apud Tvardovskas, 2013]
Desse modo, acredito que além de todas as possibilidades pedagógicas já
mencionadas, o recurso sequencial narrativo tem um forte potencial para mobilizar afetos
no processo de aprendizagem, aspecto fundamental dessa relação, conforme investigado
por diversos trabalhos (Arte na educação, 2010). Nesse sentido, a arte possibilita o acesso
ao campo do sensível, um espaço potencialmente mobilizador e que dificilmente seria
atingido a partir dos métodos ditos tradicionais.

1.2 Adaptando: questões técnicas e teóricas

Abordarei aqui algumas questões técnicas presentes na confecção de uma adaptação em


quadrinhos e também reflexões teóricas relativas a esse processo. A arte sequencial é uma
forma de expressão singular que se tornou bastante popular em todo o mundo. Diante de
uma profunda investigação sobre a linguagem com a qual trabalha, Scott McCloud
(1995:9) definiu os quadrinhos como “imagens pictóricas e outras justapostas em
sequências deliberadas destinadas a transmitir imagens, informações e/ou a produzir uma
resposta no espectador”
A disposição híbrida de figuras e palavras, usadas para narrar uma ideia, confere
aos quadrinhos uma estética singular. É fato que durante muitos anos a arte sequencial
não foi considerada possibilidade de análise acadêmica, e apenas seus elementos isolados
— como o desenho e a criação escrita — receberam algum espaço dentro deste meio.
Como precursoras do cinema, só recentemente as narrativas em quadros passaram a
ocupar ao seu lado a viabilidade e a relevância como objeto de pesquisa, o que criou
condições propícias para a expansão do gênero como um todo. Esse processo foi
acompanhado pelo amadurecimento das temáticas tratadas e pela construção de
personagens mais desenvolvidos, além de um maior reconhecimento recebido por elas no
universo cultural como um todo.
A singularidade da estética da arte sequencial como veículo de expressão artística
foi analisada extensamente em obras fundamentais sobre a temática, como Quadrinhos e
arte sequencial, de Will Eisner. O autor realiza uma compilação de cursos ministrados por
ele, nos quais busca desvendar os elementos e parâmetros dessa forma artística, abordando
os princípios de sua estruturação, ao constatar que esteve ao longo de sua carreira “lidando
com um veículo que exigia mais habilidades e intelecto do que eu e meus contemporâneos
imaginávamos” (Eisner, 2015).
Não pretendo neste texto retomar todos os princípios técnicos que norteiam a
roteirização e o desenho de narrativas gráficas. Destacarei somente questões relativas à
adaptação da linguagem devido à especificidade desse trabalho, que tem como proposta a
confecção de uma HQ com finalidades didáticas a partir de um texto historiográfico. Nesse
sentido, alguns aspectos são fundamentais para atingir os objetivos pedagógicos propostos
por essa adaptação.
Segundo Eisner, a comunicação das histórias em quadrinhos utiliza-se de uma
“linguagem” que possibilita uma experiência visual comum ao criador e ao público, sendo
esperado dos leitores uma fácil compreensão da mistura imagem-palavra e da tradicional
decodificação do texto. O autor lembra que os quadrinhos empregam uma série de
imagens repetitivas e de símbolos reconhecíveis, configurando uma linguagem — ou uma
forma literária. Desse modo, a aplicação disciplinada cria uma “gramática” específica na
qual se destaca o fato de as imagens serem compreendidas em uma sequência. Segundo
Eisner (2015:98),

A função fundamental da arte dos quadrinhos (tira ou revista), que é comunicar ideias e/ou
histórias por meio de palavras e figuras, envolve o movimento de certas imagens (tais
como pessoas e coisas) no espaço. Para lidar com a captura ou encapsulamento desses
eventos no fluxo da narrativa, eles devem ser decompostos em segmentos sequenciados.
Esses segmentos são chamados quadrinhos.

O formato e a veiculação dos quadrinhos também se modificaram ao longo do


tempo. As primeiras revistas, publicadas durante a década de 1930, continham uma
compilação aleatória de obras curtas. Atualmente, o surgimento das graphic novels
(novelas gráficas)4 apresenta histórias mais extensas e destaca a centralidade dos
parâmetros de sua estrutura.

4
Cabe aqui destacar algumas especificidades relativas à terminologia usada em obras de arte sequencial.
Não há um consenso sobre a utilização dos termos comics, quadrinhos e graphic novels, e alguns autores
apontam, inclusive, para a falta de necessidade de enfatizar distinções desse tipo, como McCloud. Will
Eisner, no entanto, emprega os termos quadrinhos e graphic novels em momentos e com significados
distintos. Segundo o autor, “Em meados do século XX, os artistas sequenciais se voltaram para obras longas,
genericamente chamadas de graphic novels (um termo que pode abarcar tanto livros de não ficção como
obras genuinamente romanescas)”. De modo geral, observa-se nas graphic novels algumas diferenças em
relação aos quadrinhos, sendo elas: o lançamento de forma contínua (não seriada, como geralmente acontece
com quadrinhos e tirinhas), uma preocupação maior com o desenvolvimento gráfico e estético, e a
possibilidade do desenvolvimento de personagens mais complexas do ponto de vista psicológico. Ver Eisner
(2015).
Dentro de sua estrutura peculiar e considerando a organização dos elementos nas
páginas, Bibe Luyten (1987:88) ressalta ser importante que as produções didáticas
mantenham o equilíbrio e proporcionalidade no que se refere ao uso de texto e de imagem.
A autora ressalta equívocos bastante recorrentes nesse tipo de produção, quando ocorre o
uso excessivo de textos ou de imagens. A tentativa de contemplar aspectos de “toda a
história”, incluindo na narrativa de forma literal o maior número de informações possíveis,
tem como resultado uma obra cansativa e rígida, dificultando assim a leveza e a dinâmica
que são características do formato.
A ponderação de Bibe-Luyten sobre o desejado equilíbrio entre texto e imagens
pode ser facilmente observada em quadrinhos que possuem temática histórica ou
pretensões didáticas, sendo importante também considerar como um fator o público-alvo
da produção.
Para exemplificar essa ponderação, tomarei como exemplo as obras Cumbe, de
Marcelo D’Salette, As barbas do imperador, de Lilia Moritz Schwarcz e Spacca, Da
Colônia ao Império: um Brasil para inglês ver e latifundiário nenhum botar defeito,
ilustrado pelo cartunista Miguel Paiva, e Cai o Império: República vou ver!, ilustrado pelo
cartunista Angeli, ambos também em coautoria de Lilia Moritz Schwarcz. Na imagem
anterior, temos um trecho de As barbas do imperador (Schwarcz, 2014) sobre a Guerra
do Paraguai. A obra apresenta episódios marcantes da vida do imperador,
contextualizando-os em meio aos acontecimentos políticos e sociais do Segundo Reinado,
apresentando as principais questões do período bem como as peculiaridades do monarca,
entusiasta da ciência, das artes e da fotografia. Essa página foi selecionada justamente
para exemplificar a presença predominante do texto, que aparece muitas vezes de forma
literal e ocupa o papel central, restando ao desenho apenas a função de ilustrá-lo. Podemos
observar ainda que as explicações historiográficas sobre a Guerra do Paraguai são
acompanhadas pelas imagens caricaturadas de Solano López, de modo que reproduzem
uma estrutura textual característica de livros didáticos. Vale destacar que esse aspecto não
está presente na obra como um todo, que no geral apresenta um equilíbrio harmônico entre
texto e imagem. Conforme alerta Bibe-Luyten, nesse caso, a fluidez e dinâmica
características do formato encontram-se comprometidas.
Outro exemplo usado para observamos a relação entre escrita e imagem pontuada
pela autora é a série “Redescobrindo o Brasil”, lançada pela editora Brasiliense em dois
volumes: Da Colônia ao Império: um Brasil para inglês ver e latifundiário nenhum botar
defeito (1982), ilustrado pelo cartunista Miguel Paiva, e Cai o Império: República vou
ver! (Angeli, 1991).
Trata-se de séries bastante elogiadas, consideradas pioneiras, pois mesclaram de
forma eficiente didatismo e bom humor, dialogando com visões historiográficas da década
de 1980, época de sua produção, ainda que essas reflexões já tenham sido aprofundadas
pela historiografia mais recente. Foram tidas como inovadoras na demonstração da
possibilidade do uso de quadrinhos para a difusão do conhecimento histórico produzido
pela academia, contribuindo para “difusão de uma História mais crítica, mais reflexiva;
não uma ‘História dos heróis’; idealizada e superficial” (Vilela, 2009:105).
Conforme podemos observar na imagem anterior, trata-se de um estilo de
quadrinhos bastante literal, a partir da ilustração de alguns conceitos históricos. Ainda
assim, os desenhos são simples e a leitura é dinâmica e fluída, tendo como resultado uma
proporcionalidade equilibrada entre desenho e escrita, com exceção da parte final do
quadrinho onde a autora busca fazer um breve panorama historiográfico.5
Por fim, na imagem seguinte, é possível observar uma página de Cumbe, de
Marcelo D’Salete (2014), lançada pela editora Veneta. Essa obra é formada por três curtas
histórias sobre o período escravista, mostrando episódios de revoltas, traços da cultura
escrava e relações no contexto de escravidão.

Figura 1
Página de Cumbe

5
Acrescento aqui uma ponderação sobre a problemática representação gráfica dos escravos nessa série. O
desenho de Angeli segue uma tendência identificada por Chinen Nobuyoshi (2013), autor da tese O papel
do negro e o negro no papel — representação e representatividade dos afrodescendentes nos quadrinhos
brasileiros, que ao analisar diversas representações de negros em quadrinhos, identificou a permanência de
um padrão exagerado e homogeneizador. O perfil de representação do qual se aproxima o desenho de
Angeli, afirma Chinen, é proveniente dos minstrels americanos, artistas brancos que para se apresentarem
como negros pintavam o rosto e faziam outras caracterizações exageradas.
Cumbe destoa das outras duas páginas apresentadas, pois o autor opta por uma
representação que praticamente dispensa o uso da escrita em detrimento dos elementos da
sequência gráfica. Em várias páginas da obra a narrativa é constituída somente pelo
encadeamento da sequência de imagens.
As ponderações de Bibe-Luyten revelam-se fundamentais especialmente quando
se trata de obras com perfil didático, tendo em vista que, além do equilíbrio entre imagem
e texto, é necessário considerar a adequação ou não da linguagem usada na obra tendo em
conta a série com que se pretende trabalhar. A incompreensão dos quadrinhos e das
atividades propostas por fatores como a inadequação à faixa etária — muito infantilizada
ou muito complexa e até mesmo denunciando explicitamente violências — pode ter como
resultado a resistência ou desestímulo em relação a esse tipo de material. No caso da HQ
Caetana diz não, a adaptação tem como público-alvo alunos do Ensino Médio, o que foi
considerado não só na linguagem utilizada, mas na própria temática e questões abordadas
na obra.

A adaptação de um texto historiográfico para o formato de quadrinhos representa


uma alteração significativa no que se refere ao suporte. O conhecimento histórico, ao ser
quadrinizado, esbarra em diversos aspectos que envolvem a já mencionada adaptação da
forma para uma linguagem que combina texto e imagem, a transposição da linearidade
dos textos tradicionais de materiais didáticos e a criação de novas relações entre o sujeito
do conhecimento e o material (Bonifacio, 2005:49). Trata-se de um formato que demanda
a mobilização de habilidades específicas. Segundo Eisner (2015:2):

As histórias em quadrinhos apresentam uma sobreposição de palavra e imagem, e, assim,


é preciso que o leitor exerça as suas habilidades interpretativas visuais e verbais. As
regências da arte (por exemplo, perspectiva, simetria e pincelada) e as regências da
literatura (por exemplo, gramática, enredo, sintaxe) supõem-se mutuamente. A leitura da
história em quadrinhos é um ato de percepção estética e de esforço intelectual.

Além de algumas questões técnicas da roteirização e da leitura do quadrinho,


destaco ainda aspectos teóricos relativos à adaptação para quadrinhos da obra de Graham,
que não se propõe absoluta, embora refletida e verossimilhante. A partir da documentação
apresentada pela autora, foi elaborado um roteiro que comporte espaço da ficcionalização
dentro do campo possível. Ao se apropriar de uma linguagem da cultura contemporânea e
propor sua articulação para pensar historicamente, é fundamental considerarmos que o
produto final será portador de representações históricas construídas em diálogo com
aquelas presentes nos materiais didáticos, na documentação histórica, no aporte
bibliográfico da historiografia sobre a temática e nas séries fotográficas produzidas no
período. No capítulo 2, desenvolverei uma reflexão sobre o uso das fontes nesse trabalho,
evocando o trabalho de Sandra Koutsoukos (2010) sobre o contexto de produção das
fotografias de escravos.
Ainda considerando as especificidades dessa adaptação, ressalto que os próprios
aspectos do texto no qual ela se baseia, bem como a forma como a trajetória de Caetana
foi investigada por Graham abrangem um campo profícuo de investigação sobre a própria
construção do conhecimento histórico com os alunos. De acordo com Graham (2005:11):

Nenhuma das histórias nos foi deixada por completo e nenhuma delas é contada pelas
próprias protagonistas. São histórias recuperadas, coletadas e reunidas a partir de fontes
originalmente registradas e guardadas por razões muito diferentes e particulares. Os
documentos centrais são uma petição eclesiástica de anulação de um casamento que
consiste em duzentas páginas manuscritas e um testamento de onze páginas.

As particularidades das fontes utilizadas, sua escassez e sua seletividade fazem


com que a própria construção da narrativa seja um campo possível de ser explorado não
só para a produção de HQs como para sua utilização em sala de aula na medida em que
permite problematizar as escolhas feitas na composição do quadrinho. O que o roteiro
ressaltou? Quais aspectos foram excluídos? Quais os limites entre a ficção a história?
Essas são algumas questões que perpassaram a roteirização e construção do quadrinho e
poderão fazer parte das discussões com os alunos. Considerando a parcialidade e a
limitação das fontes, a própria autora afirma que algumas respostas sejam imaginadas
como possibilidades históricas. Segundo Graham (2005:13),

Não obstante, embora nos possibilitem uma aproximação das zonas privadas de escolha e
ação que estavam tão seguramente ancoradas na compreensão pública, e por mais sorte
que tenhamos em ter acesso a elas, essas fontes são, por sua natureza, implacavelmente
silenciosas sobre as questões mais profundas e perturbadoras da motivação. Por que
Caetana rejeitou o casamento ou como ela pensou que podia evitar ser esposa, isso não
interessava aos juízes eclesiásticos […] Temos que nos contentar, não com conclusões
claramente persuasivas, mas com o processo incerto de juntar possibilidades
historicamente fundadas, mas ambíguas, algo mais próximo da arqueologia do que da
biografia completa. Essas são histórias pequenas sobre eventos vistos de perto, tão perto
quando se poderia chegar.

Vale destacar que a adaptação em quadrinhos de Caetana diz não: história de


mulheres da sociedade escravista brasileira não tem como objetivo “ilustrar” a história
como “realmente aconteceu”, mas sim fornecer um material que suscite uma discussão
capaz de levantar problemas e hipóteses a respeito da sociedade escravista brasileira.
Considerando os aspectos das narrativas gráficas, bem como as questões relativas à
adaptação de um texto historiográfico para a linguagem dos quadrinhos, opto por uma
livre adaptação que comporte espaço para uma ficcionalização informada em hipóteses
historicamente plausíveis.
Para tal, mobilizo o conceito abordado por Tania Navarro Swain (2014) em
“Histórias feministas, história do possível”, no qual a historiadora ressalta aspectos
excludentes da produção historiográfica, marcada pela desconsideração por parte dos
historiadores de contextos que julgaram impossíveis, tendo em vista que estes não
interessavam aos regimes de verdade do presente.
Segundo a autora, o forte imaginário androcêntrico impediu aos historiadores
vislumbrarem perspectivas que escapassem ao imaginário hegemônico ou que rompessem
com as naturalizadas relações de dominação estabelecidas pelo masculino. Nesse
processo, a multiplicidade, que deveria ser uma premissa básica da milenar existência
humana, foi negada, sobretudo às mulheres. Para abarcar esses aspectos que foram
menosprezados pela historiografia tradicional, a autora desenvolve o conceito de “história
do possível”. Segundo ela:

O que proponho é a história do possível, daquilo que ficou oculto pela ideologia patriarcal
que nos faz crer em uma diferença sexual hierárquica existente desde o princípio dos
tempos. A história do possível é aquela do que aconteceu, deixou vestígios materiais e
simbólicos, no entanto foi ignorada, foi considerada impossível. Os historiadores,
enclausurados em um imaginário androcêntrico, não conseguem pensar e nem ver aquilo
que se abre à pesquisa, um mundo onde o feminino atuava como sujeito político e de ação.
[Swain, 2014]

Navarro-Swain ressalta que o conhecimento histórico é resultante das condições


de possibilidades de sua investigação, ou seja, compreende os valores e significações de
seu elaborador, evidenciado desde as escolhas dos sujeitos até as problematizações
levantadas. A autora destaca ainda “uma eterna repetição da superioridade masculina em
todos os domínios e a expulsão das mulheres da história e da memória social” (Swain,
2014).
No processo de construção e disseminação do conhecimento histórico, a autora
exemplifica diversas situações que apontam para lógicas de organização que escapam ao
modelo de subjugação binária do feminino pelo masculino. Um exemplo apontado por ela
são as imagens presentes na serra da Capivara, no Piauí, que segundo a responsável pelas
escavações, foram produzidas por sociedades nas quais possivelmente não existia a
divisão sexual do trabalho, sendo marcadas pelo compartilhamento entre mulheres e
homens das mesmas atividades.
Ainda nesse sentido, Navarro-Swain pontua os relatos marcados pelo espanto de
colonizadores diante da liberdade das mulheres nas sociedades indígenas encontradas no
Brasil, nas quais as mulheres escolhiam seus parceiros e se separavam deles segundo sua
própria vontade. A autora lista ainda diversas sociedades que contrariaram a já pressuposta
subjugação das mulheres pelos homens.
Esse processo de exclusão pode ser verificado de forma disseminada no contexto
escolar, com o qual dialoga o presente trabalho. Narrativas que rompam com essa lógica
argumentativa são sistematicamente desconsideradas tanto nos materiais didáticos quanto
nas aulas de história, nos quais prevalecem a reprodução de pressupostos androcêntricos.
As explicações contidas nos livros didáticos reproduzem o padrão das relações de
dominação e as problematizações relacionadas com gênero são colocadas de forma
paralela, aparecendo geralmente em um “box” apartado do restante do conteúdo.
Portanto, a partir do conceito de “história do possível” proposto por Navarro
Swain, considero que a trajetória de Caetana destaca-se por ser contrária à predominância
de narrativas de subjugação feminina, na medida em que a ação da jovem se contrapõe
frontalmente à construção da imagem da escrava irremediavelmente sujeita a seu senhor,
dominada e diminuída, esvaziada de possibilidades de atuação como sujeito político. É
possível entender a obstinação de Caetana como uma postura geralmente oculta diante dos
discursos predominantes sobre as relações escravistas, sendo esse tipo de ação considerada
impossível ou mesmo colocada no campo imaginário ou como exceção.
Por fim, embora a proposta deste trabalho seja a realização de uma livre adaptação
de um texto a partir de sua alteração para um novo formato, considero profícuas para a
reflexão as considerações feitas por Marie-France Dépêche (2000:159) sobre o ato de
traduzir:

Partindo-se do princípio que a construção de qualquer sistema de signos representa um


ato político e que as línguas naturais se produzem em uma sociedade hierarquizada a partir
do masculino, a tradução torna-se o palco de debates feministas que se inserem no quadro
crítico à hegemonia patriarcal excludente do pensamento ocidental. Portanto, os
problemas encontrados na tradução revelam-se muito menos de origem linguística —
como se pensou até uns trinta anos atrás — e muito mais de natureza cultural.

Embora, como já mencionado, a adaptação proposta aqui não seja estritamente


uma tradução, acredito que a chave interpretativa proposta por Dépêche atenta para a
importância de considerar os sentidos políticos inerentes a um processo como esse.
Conforme demonstrado pela autora, é ingênuo o papel de transparência e neutralidade
atribuído historicamente às traduções.
Esse tipo de processo sugere, nos lembra Navarro-Swain (2011:13-14), maneiras
de elaboração discursiva, sendo argumentações e narrações as principais delas, já que
constituem e veiculam representações sobre as pessoas e a sociedade. Nesse sentido,
imagens e textos integram a maneira de se perceber o mundo e são uma forma de
construção social da realidade.

1.3 Onde estão as mulheres nos quadrinhos?

As produções culturais e midiáticas como o cinema, a literatura e os quadrinhos foram


marcadas por muito tempo pela hegemonia masculina, um predomínio que teve reflexos
diretos na representação das mulheres nesses meios. Nas obras publicadas pelas principais
editoras brasileiras, dos 1.245 personagens relevantes para as histórias, apenas 471 eram
femininos (Dalcastagne, 2012, apud BOFF, 2014:63). Diante desse panorama, não é
surpreendente constatar que as mulheres ocuparam um lugar secundário tanto no que se
refere ao protagonismo nas histórias quanto na produção de quadrinhos.6
No artigo “A mulher e as histórias em quadrinhos: sua produção e retratação no
Ocidente e no Oriente”, Sônia Bibe Luyten (2017) traça um panorama histórico das
representações femininas nas histórias em quadrinhos no Brasil. Iniciando sua análise pela
revista O Tico-Tico, que circulou por meio século a partir de 1905, Luyten destaca que as
personagens femininas eram coadjuvantes, sendo crianças ou negras. Algumas décadas
depois, surgem as heroínas dos quadrinhos, representadas por mulheres com o corpo

6
A participação de mulheres no universo dos quadrinhos tem crescido significativamente, bem como sua
organização. A formação do coletivo “Lady Comics” é um exemplo disso. Trata-se de um grupo auto-
organizado de mulheres que buscam incentivar, promover e divulgar quadrinhos independentes produzidos
por mulheres, a partir da organização de um site, revista, encontros, oficinas, entre outras atividades.
sexualizado, como Mirza, a mulher vampiro (Eugênio Colonese), representando o gênero
de revistas de terror.

Figura 2
Capa de Mirza, a mulher vampiro

De acordo com Luyten, segue-se um grande vazio na representação feminina


durante a década de 1970. Enquanto no contexto internacional o período é marcado pela
aparição de mulheres heroínas como Barbarella (Jean-Claude Forest) e Valentina (Guido
Crepax), no Brasil o período não apresenta uma produção intensa protagonizada por
mulheres.
Se nos quadrinhos de terror predominam as representações sexualizadas das
mulheres, o mesmo não acontece nas obras de gênero humorístico, nas quais as
representações apresentam distorções, estereótipos e exageros. Essas mudanças foram
analisadas por Ediliane Boff (2014) em De Maria a Madalena: representações femininas
nas histórias em quadrinhos. A autora realiza uma extensa análise de personagens
femininas em quadrinhos nacionais e internacionais, dividida a partir da perspectiva de
autores masculinos, autoras femininas e da autora transgênero Laerte. Boff parte do
diálogo com o conceito de mística feminina de Betty Friedan para identificar os
estereótipos e as identidades representadas nessas obras.
No Brasil, as protagonistas femininas de humor foram desenhadas por artistas
homens, e diversas dessas personagens, criadas nas décadas de 1980 e 1990, se destacaram
e permanecem ainda hoje sendo reimpressas. Entre elas, temos Rê Bordosa, Mara-Tara,
As Skrotinhas (criadas por Angeli); Aline (criada por Adão Iturrusgarai) e Dona Marta
(criada por Glauco) (Boff, 2014:127).
Segundo Boff, as histórias presentes na revista Chiclete com Banana7 apresentam
uma crítica ao pensamento que determina quais devem ser os papéis comportamentais da
mulher ou do homem, trazendo uma sátira ao paternalismo e ao machismo a partir do
questionamento da imagem da mulher tradicional.

Figura 3
Rê Bordosa de Angeli. Boff destaca na personagem uma representação pouco usual da
mulher: deitada em uma banheira, fumando e olhando revista nas quais homens aparecem nus

O perfil das representações femininas nas histórias em quadrinhos também foi


analisado por Nádia Senna (1999) em Deusas de papel: a trajetória feminina na HQ do
Ocidente. A autora busca identificar os principais arquétipos femininos presentes nas
HQs, fornecendo um amplo quadro que mapeia os estereótipos associados à representação
das mulheres, sendo eles: mães, meninas, namoradas, sedutoras, vilãs, super-heroínas,
irreverentes e contemporâneas.

7
A Chiclete com Banana foi uma das revistas em quadrinhos de maior sucesso no país, editada por Toninho
Mendes e pela Circo Editoral. Os artistas mencionados fizeram parte dessa revista.
Senna, assim como Luyten, pontua que a ausência do discurso feminista nos
quadrinhos até meados dos anos 1960 é reflexo do fato de os quadrinhos serem
inicialmente uma criação masculina e voltada para esse público. Esse quadro começou a
ser revertido com a ascensão das HQs consideradas undergrounds e com o surgimento de
personagens como Mafalda, criada em 1962 pelo desenhista argentino Quino.
O panorama traçado pelas autoras citadas tem se modificado bastante, processo
incentivado pela disseminação das webcomics e pela expansão das produções
independentes e autobiográficas. Nos anos 2000, a iraniana Marjani Satrapi publicou a
obra Persépolis, na qual relata sua infância vivida no contexto da Revolução Iraniana. No
contexto americano, destaca-se a autora Alison Bechdel, autora de Fun Home e Você é
minha mãe?, obras que relatam seu convívio com os pais e as complexas questões
perpassadas por sua homossexualidade.8 Essas duas autoras demonstram a ampliação dos
grupos representados nos quadrinhos e a ruptura com os estereótipos tradicionais,
passando por questões complexas da subjetividade humana que não eram contempladas
por produções mais antigas.
Considerando o histórico de representações femininas no mundo dos quadrinhos,
a escolha da personagem Caetana busca dialogar com essa ausência de vozes femininas
que escapam dos modelos aos quais as mulheres nas HQs estiveram geralmente atreladas.
Assim, tendo em vista a proeminência de narrativas masculinas ou de personagens
femininas estereotipadas, a adaptação da trajetória de Caetana pretende contribuir na
ampliação do ainda escasso quadro de narrativas protagonizadas por mulheres negras.
Nesse sentido, destaco o recente lançamento de Carolina, graphic novel, de
Sirlene Barbosa e João Pinheiro (2016), obra biográfica de Carolina de Jesus, escritora
internacionalmente reconhecida e moradora da favela do Canindé na Zona Norte de São
Paulo. A adaptação da vida de Carolina em HQ é um exemplo de construção de
personagem que consegue romper com as recorrências observadas por Luyten e Senna no
que se refere à representação de figuras femininas. Carolina de Jesus, a protagonista, não
é apresentada como uma heroína, de modo que a obra enfatiza como as duras condições
materiais e as dificuldades enfrentadas por mulheres em uma sociedade machista e racista
colocaram-se de forma brutal em sua existência e trajetória como escritora.

8
Bechdel (2012, 2013). Bechdel criou em sua tira Dykes to watch out for o chamado “Teste de Bechdel”,
que sugere submeter as produções culturais aos seguintes questionamentos: há pelo menos duas mulheres
com nomes? Essas mulheres conversam entre si? Há assuntos entre elas que não se referem aos homens? O
teste saiu da ficção e hoje é utilizado não só em produções cinematográficas, mas também em outras mídias.
Além da relevância e dos significados da escolha de uma escrava negra como
personagem central do trabalho, considero pertinente que a obra de Graham forneça
diversas possibilidades relativas às temáticas tão urgentes no contexto escolar,
considerando as recentes polêmicas sobre as discussões de gênero nas escolas.9
O viés proposto por essa adaptação escolhe ressaltar a centralidade das questões
de gênero e raciais que perpassam minha análise da trajetória da personagem principal,
Caetana. Busco, ao relatar uma história de insubordinação feminina no contexto de uma
sociedade patriarcal, possibilitar em sala de aula o acesso a narrativas que rompam com o
padrão masculino de representação. Além disso, trata-se de ressaltar a apresentação de
uma narrativa feminina em um contexto escravista, que não seja marcada exclusivamente
pela violência, contribuindo para a ampliação das percepções por parte dos alunos, na
medida em que podem tomar contato com aspectos que geralmente escapam aos materiais
didáticos “tradicionais”, como a subjetividade.10
É fundamental destacar aqui que não pretendo, em nenhuma medida, amenizar a
escravidão ou construir uma imagem de uma escravidão “branda”. Desassociar a figura
de Caetana de relações exclusivamente violentas é também instituir essa figura de
humanidade, enfatizando que mesmo dentro de um sistema marcado pela subjugação
havia espaço para a resistência e criação, se contrapondo, assim, à tônica predominante
sobre as imagens do período apresentadas nos livros didáticos.
Diversos trabalhos endossam essa construção desses espaços de resistência. Em
Mulheres, raça e classe Angela Davis (2016) retoma no contexto norte-americano
diversas trajetórias de escravas que protagonizaram casos de resistência que envolviam

9
Refiro-me aqui ao avanço de movimentos que pressionam por leis municipais que proíbam a suposta
“Ideologia de Gênero” nas escolas.
10
O feminismo acrescentou contribuições fundamentais às reflexões sobre as formas de subjetivação
feminina, a partir do respaldo foucaultiano. A autora Margaret McLaren sugere que as noções de práticas
de si de Foucault podem ser aplicadas a práticas feministas contemporâneas, destacando que essas práticas
contribuem para a formação de um sujeito ético e referem-se à relação de subjetivação. McLaren retoma as
reflexões de Foucault sobre como a escrita de si contribui para o processo de subjetivação e constituição do
eu. A autora busca ressaltar seus aspectos relacionais, ao afirmar que “nossos autoentendimentos e
identidades sempre se desenvolvem em contextos culturais e históricos, por isso a transformação de si
implica uma crítica de condições e normas sociais histórias, bem como atuais” (MCLaren, 2016:199). A
partir da chave proposta por Foucault, McLaren busca analisar o processo de conscientização,
especificamente em grupos feministas de mulheres, como uma prática feminista do eu.
Seguindo as ponderações de McLaren, é possível adensarmos as reflexões relativas às questões da
subjetividade a partir da proposta de trabalhar casos como o de Caetana em sala de aula. O caso de Caetana
nos permite pensar como essa escrava se subjetivou a partir da recusa ao casamento, considerando que para
ela a concepção de liberdade estava associada à negação do matrimônio. Nesse sentido, trata-se de um caso
sintomático para, no contexto escolar, refletir sobre como mesmo dentro de sistemas violentos opressores
há a possibilidade da construção de subjetividade, encontrando espaço dentro de um sistema cujas
instituições conformam processos de sujeição em uma sociedade racista e patriarcal.
ações mais sutis do que revoltas, fugas e sabotagens. Davis menciona um caso em
Natchez, Louisiana, onde uma escrava comandou uma “escola noturna”, na qual lecionava
a seu povo, tornando centenas de escravos aptos a ler e escrever. A autora ressalta:

Essa era uma das grandes ironias do sistema escravagista: por meio da submissão das
mulheres à exploração mais cruel possível, exploração esta que não fazia distinção de
sexo, criavam-se as bases sobre as quais as mulheres negras não apenas afirmavam sua
condição de igualdade em suas relações sociais, como também expressavam essa
igualdade em atos de resistência. [Davis, 2016]

Assim como o caso mencionado por Davis, a trajetória de Caetana evidencia que
se de um lado o sistema oprime e violenta, na contrapartida essa escrava engendrou dentro
desse mesmo sistema seu espaço de resistência, da forma que fazia sentido para ela, e, por
uma conjunção de fatores históricos e peculiaridades de sua vida, conseguiu recusar a
obrigação matrimonial. No capítulo 2 refletirei sobre a conjuntura histórica, bem como
sobre as redes de dominação e negociação que possibilitaram a recusa de Caetana ao
matrimônio.
O intuito de endossar a produção de narrativas femininas não é, como alerta
Margareth Rago (2009), vitimizar mais uma vez as mulheres, nem mesmo construir
figuras históricas idealizadas de forma ingênua. Pelo contrário, trata-se de permitir que as
múltiplas narrativas não sejam ofuscadas pelas narrativas pretensamente universais,
excludentes e estigmatizadoras.
É preciso considerar que as representações femininas nos quadrinhos, como
demonstrado por Senna ao categorizar os arquétipos, são definidas sobretudo a partir da
crença em uma essência humana que define qualidades e comportamentos pretensamente
biológicos. Os trabalhos de Judith Butler e Joan Scott foram fundamentais no processo de
desconstrução da naturalidade das categorias de gênero e sexo.
A definição de Scott sobre o conceito de gênero considera duas proposições
fundamentais: “(1) o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseadas nas
diferenças percebidas entre os sexos e (2) o gênero é uma forma primária de dar
significado às relações de poder” (Scott, 1995:86). Butler endossa essa concepção ao
afirmar que, contrariamente ao que defendiam as teorias feministas, o gênero também é
um fenômeno inconstante e contextual, que não denota, portanto, um ser substantivo.
Segundo a autora, o conceito passa por um “um ponto relativo de convergência entre
conjuntos específicos de relações, cultural e historicamente convergentes” (Butler,
2014:29).
As ponderações de Navarro Swain (2011) também nos possibilitam refletir sobre
as representações femininas nos quadrinhos, na medida em que a autora considera que a
construção do feminino ocorre pelos discursos que compõem o patriarcado, de modo que
as mulheres se tornam inteligíveis aos homens, sob a forma de imagens ligadas ao privado,
ao lar, e por vezes à sedução, ao casamento e à maternidade.
Considerando a análise das personagens feitas por Luyten e Senna, e a partir dos
conceitos de Swain, Butler e Scott, é possível observar que as concepções essencialistas
sobre as mulheres foram marcantes na construção de parte significativa das personagens
femininas. Nesse sentido, a representação de Caetana rompe com esse perfil ao propor a
reflexão sobre as relações de dominação e resistência dentro do sistema escravista, bem
como o jogo ambíguo de comportamentos que dele decorre.

1.4 A representação das mulheres negras e a sala de aula

No processo de construção da personagem Caetana, especialmente no que se refere à sua


representação gráfica, um dos eixos centrais foi o compromisso e o cuidado em não
reproduzir ou endossar estereótipos recorrentes nas representações de negros.

Figura 4
Roberta Veloso, Caetana. Aquarela sobre papel, 2017
Considerando a ausência de fotografias de Caetana na documentação disponível
sobre o caso, a composição gráfica e a caracterização das personagens foi feita a partir da
minha livre criação, processo no qual me baseei em referências diversas de séries
fotográficas do século XIX, com destaque para as fotografias de Marc Ferrez, João
Goston, Christiano Jr. e Alberto Henschel.11

Figura 5
João Goston. Vendedora c. 1870. Salvador (BA)/Acervo IMS

11
As fotografias utilizadas como referências para a composição das personagens encontram-se disponíveis
no acervo digital Brasiliana Fotográfica, que pode ser consultado em: http://brasilianafotografica.bn.br.
Figura 6
Marc Ferrez. Negra da Bahia, c. 1885. Salvador (BA)/Acervo IMS
A seguir, analiso alguns exemplos de estereótipos atrelados às mulheres negras
que busco desmontar em minha representação de Caetana. Considerando esses
apontamentos, pretendo ponderar em que medida é possível uma narrativa gráfica
contribuir para a produção de rupturas e deslocamentos no imaginário social a partir da
chave proposta pela crítica do feminismo. Ou seja, quais escolhas estéticas e
comportamentais feitas na representação dessa personagem negra são mais profícuas no
que se refere à busca de liberação das formas de sujeição impostas historicamente às
mulheres (Rago, 2002).
A representação dos negros em geral foi tema de investigação do trabalho de
Noyoshi Chinen (2013) em O papel do negro e o negro no papel — representação e
representatividade dos afrodescendentes nos quadrinhos brasileiros. O pesquisador fez
uma ampla retomada da iconografia, passando desde as primeiras representações de
viajantes como Frans Post e Eckhout no século XVII até o percurso dentro da própria
história dos quadrinhos no Brasil. Segundo o autor, o humor gráfico teve forte influência
no surgimento das primeiras narrativas, que teve como marco fundador a publicação de
Nhô Quim de Angelo Agostini em 1869. Chinen constatou que na trajetória dos
quadrinhos foram recorrentes as representações caricaturadas que partiam de traços
exagerados e revelavam concepções racistas fortes na sociedade brasileira.
Conforme nos lembra Chinen, a revista brasileira O Tico-Tico, lançada em 1905,
é considerada a primeira a contar com a publicação regular de quadrinhos voltados para o
público infantil. Nessa revista, em 1907 estreou o personagem Giby, desenhado por J.
Carlos (1884-1950) e presente na história do menino branco Juquinha. Giby possuía todas
as características estereotipadas que marcaram praticamente a totalidade das
representações posteriores: rosto com lábios grossos, os olhos saltados e as orelhas
proeminentes. Seus braços eram desproporcionalmente longos e o corpo esguio.
Segundo Chinen, esse tipo de representação denota evidente influência das charges
americanas, nas quais as imagens dos negros eram baseadas nos minstrels, os cantores e
atores brancos com o rosto pintado de preto, prática conhecida como blackface. Vários
personagens afrodescendentes apresentaram essa mesma configuração gráfica,
perpetuando um estereótipo que vigorou durante décadas, sendo alterado somente na
segunda metade do século XIX (Chinenn, 2013:51). Chinen afirma:
Em meados do século XIX, a imagem dos menestréis também começou a ser veiculada
regularmente na mídia impressa em traços mais simplificados ou exagerados. Por essa
época, praticamente toda representação gráfica de afro-americanos possuía um viés
racista, uma construção que objetivava reforçar a superioridade do branco sobre o negro
(HARRIS, 2003, p. 53). [Chinen, 2013:48]

Figura 7
Personagem Giby, de J. Carlos

Ao tratar especificamente da representação de mulheres, Chinen demonstra que as


principais personagens negras em meados do século XX são crianças. No caso dos
quadrinhos nacionais, o autor evoca a revista O Tico-Tico, na ocasião do surgimento na
década de 1930 de uma de suas séries de maior sucesso, as aventuras do trio Reco-Reco,
Bolão e Azeitona. Assim como Azeitona, a personagem Maria Fumaça também foi criada
por Luiz Sá, sendo sua série publicada na revista Cirandinha, no início da década de 1950.
Essa duas personagens reproduzem a representação descrita por Chinen.

Figura 8
Personagens Azeitona (1930) e Maria Fumaça (1950), ambas de Luiz Sá
Sobre a personagem Maria Fumaça, Oliveira Neto (2006) afirma:

Além do biótipo e do nome, Maria Fumaça, que associava a pele negra à fuligem, o
comportamento da empregada doméstica adolescente também operava para lhe dar um
aspecto caricato, já que “o humor da série se calcava muito na ingenuidade e na ignorância
de Maria” (Chinen, 2013, p. 127), “apresentada como uma pessoa pouco inteligente que
comete gafes e interpreta de maneira enviesada as ordens do patrão” (Vergueiro, 2005, p.
177-78).
Destaquei aqui as representações que foram influenciadas por um estereótipo
bastante forte nos desenhos e que traziam aspectos desumanizadores e animalescos em
seus traços. No entanto, conforme Chinen aponta, as últimas décadas foram marcadas por
uma ampliação e diversificação muito intensa na produção de quadrinhos, de modo que
diversas HQs recentes rompem com esse quadro.
Além da representação das mulheres negras nos quadrinhos, é importante
atentarmos também para as imagens relativas à escravidão que permearam o imaginário
social, as artes e a literatura. No que se refere à historiografia, a construção da imagem
dos escravizados, especialmente das mulheres, foi marcada por imagens associadas à
devassidão. Em Na senzala, uma flor Robert Slenes (2011) demonstra que essas imagens,
encontradas hoje em materiais didáticos, são reverberações dos relatos de viajantes do
século XIX, que descreveram essa população. De acordo com Slenes (2011:144):

Os demais autores, no entanto, não deixam lugar para dúvidas. Junto com alguns outros
observadores da época, criaram a imagem de devassidão que marcou até recentemente o
comportamento sexual e a vida familiar dos escravos na maioria dos livros de história.

Slenes ressalta que os viajantes produziram esses relatos a partir de imagens


prévias, que foram determinantes e podem ser observadas de forma marcante. Segundo o
autor, é preciso considerar a existência de uma imagem deformada do próprio negro,
produzida por um racismo extremado do qual dificilmente o viajante europeu ou mesmo
o brasileiro bem-nascido conseguiria fugir (Slenes, 2011:145).
A força dessas imagens, relatadas e representadas por viajantes europeus,
reverberaram também na literatura. O autor reforça sua análise a partir de várias obras
oitocentistas, como Lucinda — a mucama, um dos romances que integram “As vítimas-
algozes”, de Joaquim Manoel de Macedo, publicado em 1869. De acordo com o Slenes,

O livro é um tratado antiescravista, cujo tema é a influência maléfica da escravidão no


seio da família branca. Ao descrever como a moça Cândida (a pureza) é corrompida por
sua mucama escrava, e sua concepção de como uma menina honesta deve ser educada. A
mulher cativa “abandonada aos desprezos da escravidão, crescendo no meio da prática dos
vícios mais escandalosos e repugnantes, desde a infância, desde a primeira infância
testemunhando torpezas de luxúria, e ouvindo a eloquência lodosa da palavra sem freio,
fica pervertida muito antes de ter consciência de sua perversão”. [Slenes, 2011:147]
A associação da mulher negra à devassidão e à sexualidade exacerbada persiste
mesmo em obras mais recentes. Uma recente adaptação para quadrinhos da obra Casa-
grande e senzala de Gilberto Freyre recebeu críticas enfáticas do movimento negro pela
representação estética das mulheres negras. De acordo com o artigo da militante Ana Paula
Maravalho (s.d.),

O livro em quadrinhos traduz, em imagens de uma plasticidade inatacável, aquilo que a


obra original deixa a cargo do leitor imaginar: índias e negras nuas, oferecendo a opulência
de seus dotes físicos a portugueses devidamente vestidos, absolvidos de toda a culpa por
ceder às tentações; crianças negras — sempre referidas no livro como “moleques” ou
“crias”, ao contrário das crianças brancas, que merecem o tratamento de “meninos” —
sendo montadas como se fosse cavalo por crianças brancas, ao lado do texto que louva “a
participação do escravo na vida sexual e de família do brasileiro”.

Ainda sobre as representações das mulheres negras, Sônia Roncador destaca o


“mito da mãe preta”, que seria equivalente à ideia da “mammy” na cultura norte-
americana.12 Segundo a autora, em relação à ama de leite e de criação, em particular,
devido ao contato íntimo com os filhos dos senhores, ela assumia o “lugar privilegiado da
agente da corrupção brasileira”. Na literatura oitocentista essa figura conviveu com a
imagem da mais ameaçadora escrava doméstica, já que era “vítima e algoz” (Roncador,
2008).
Reverberações desses elementos podem ser verificados também em produções
artísticas brasileiras, como é o caso da construção da personagem Tia Nastácia da obra
Sítio do Pica-Pau Amarelo, de Monteiro Lobato. De acordo com Lajolo (1998), a restrição
da personagem sempre ao espaço da cozinha tornou-se um emblema de seu confinamento
e de sua desqualificação social.
É evidente que esse histórico de representações, marcado pela permanência de
estereótipos e violência, se manifesta nos mais diversos espaços sociais, de modo que os
desdobramentos dessa construção histórica perpassam o ambiente escolar. No artigo
“Mulheres em movimento”, Sueli Carneiro aponta que, além da violência sexual e

12
Em Mulheres, raça e classe, Angela Davis apresenta a imagem típica da escrava como trabalhadora
doméstica — cozinheira, arrumadeira ou “mammy”, na “casa grande”, mencionando diversas produções
artísticas norte-americanas nas quais essa figura é evocada.
doméstica, há uma forma específica de violência que é responsável por constranger o
direito à imagem ou a uma representação positiva da mulher negra. Segundo a autora:

Esses são os efeitos da hegemonia da “branquitude” no imaginário social e nas relações


sociais concretas. É uma violência invisível que contrai saldos negativos para a
subjetividade das mulheres negras, resvalando na afetividade e sexualidade destas. Tal
dimensão da violência racial e as particularidades que ela assume em relação às mulheres
dos grupos raciais não-hegemônicos vem despertando análises cuidadosas e recriação de
práticas que se mostram capazes de construir outros referenciais. [Carneiro, 2003]

Esse processo é endossado pelos meios de comunicação que são em grande parte
responsáveis pela naturalização e perpetuação do racismo e do sexismo, na medida em
que a mídia reproduz, cria e cristaliza estereótipos que prejudicam fortemente a afirmação
da identidade racial e o valor social desse grupo. A autora destaca estudos que constatam
a presença minoritária de mulheres negras nas mídias e enfatiza a importância, diante das
implicações dessas imagens, de “mecanismos capazes de promover deslocamentos para a
afirmação positiva desse segmento” (Carneiro, 2003:125).
Nesse sentido, insiro a adaptação de Caetana aqui como uma possibilidade de
romper com essas representações, e, conforme sugerido por Carneiro, contribuir na
construção de outros referenciais. Ou seja, anseio que essa narrativa ambientada no Brasil
escravista oitocentista possibilite deslocamentos no que se refere às imagens
tradicionalmente associadas à escravidão e às escravas, marcadas pela predominância de
elementos de sujeição e violência. Segundo Tvardovskas (2013:4):

Enquanto parte de um processo de transformação cultural vivenciado ao longo do século


XX em diferentes regiões do mundo, em que as identidades sexuais são questionadas, os
espaços do poder político são abalados e as vozes de culturas marginalizadas sublevam-
se, essas poéticas visuais destacam-se por suas críticas à violência material e simbólica de
gênero e pelos novos modos de constituição das subjetividades que anunciam. Desenham-
se, assim, outras configurações de pensamento e de linguagem por meio da arte com
proposições feministas: fundamentados em registros do corporal, da autobiografia e da
memória, artistas contemporâneas desconstroem as composições metafísicas e
essencialistas que buscam delimitar o que é “uma mulher”, expondo suas autoexpressões
em chaves múltiplas e nômades.
Segundo a autora, algumas práticas artísticas e culturais comportam uma crítica à
centralidade do masculino e às violências simbólicas, enfatizando a importância da
desconstrução de formas de pensamento hierárquicas e excludentes, a partir da
transformação dos conhecimentos de si e do mundo Tvardovskas, 2008:15).
Nesse sentido, acredito no potencial de práticas artísticas e culturais como parte do
processo de deslocamento ao contribuir para a multiplicidade de narrativas, aproximando-
nos de outros discursos. Proponho que o resultado desse trabalho possa contribuir, ainda
que modestamente, como parte desse movimento.

2. O universo de Caetana

Nesse capítulo, com a finalidade de oferecer uma melhor apreensão aos educadores que
utilizem a presente adaptação em quadrinhos da obra de Graham, adensarei as principais
questões abordadas pela autora e também pela bibliografia pesquisada para a produção da
narrativa gráfica. Nesse sentido, pretendo ampliar questões centrais que fornecem suporte
ao quadrinho.
As páginas seguintes também são reproduzidas no “Caderno do Professor”,
presente no livro que acompanha essa dissertação.

2.1 Família escrava e casamento

As pesquisas sobre a família escrava apresentaram significativas mudanças nos últimos


tempos. Desde a abolição, os estudos que traziam representações da vida nas senzalas
eram marcados pela ideia de promiscuidade sexual, uniões conjugais instáveis e filhos
crescendo sem a presença paterna, como demonstrou criticamente no Brasil Robert Slenes
(2011:37). Apresentando nuances variadas sobre a questão, autores como Gilberto Freyre,
Caio Prado Júnior e Florestan Fernandes debruçaram-se sobre o tema.
A predominância de análises que destacam o caráter anômico da família escrava
perpetuou-se nos trabalhos posteriores, de modo que, segundo Slenes (2011:36), “a
mesma historiografia que, nas décadas de 1960 e 1970, enterrou de vez a noção de uma
escravidão brasileira ‘branda’ ou ‘benigna’, também deixou o escravizado sem mesmo a
capacidade de almejar a formação de famílias estáveis, muito menos defendê-las.”
A partir desse período, as influências da obra de E. P. Thompson sobre a formação
e a agência da classe operária inglesa, assim como as tendências do estudo da
historiografia norte-americana, estimularam o processo de revisão na historiografia sobre
a família cativa no Brasil. Paralelamente ao desenvolvimento de estudos sobre escravidão
nos Estados Unidos, nos dois casos foram recorrentes as críticas às tradicionais ideias de
instabilidade, ilegitimidade e promiscuidade nas relações entre a população cativa
(Dicionário da escravidão e liberdade, 2018:255).
Na década de 1980, os estudos sobre a família escrava expandiram-se a partir de
avanços na história demográfica e social, apresentando novas possibilidades de análises.
Essa expansão foi motivada também por diversos debates sobre o passado escravista e a
conjuntura social contemporânea, bem como pelas problematizações propostas pelos
movimentos sociais negros sobre a atuação e o protagonismo das populações africanas e
afrodescendentes. Diante desse quadro, as pesquisas nas décadas seguintes passaram por
diversas renovações (Dicionário da escravidão e liberdade, 2018:226). Segundo Isabel
Cristina Ferreira dos Reis:

A abundância das pesquisas realizadas nas duas décadas seguintes revelou que, a despeito
dos obstáculos à constituição da família escrava, ela não só existiu, como, com muita
frequência, pôde experimentar uma certa estabilidade no tempo. Ela se constituiu como
uma instituição importante para os escravizados e, muitas vezes, para os proprietários.
Houve quem argumentasse que a família escrava teria funcionado como um elemento
estrutural de adaptação ao escravismo. Contudo, é possível também verificar que nem
sempre o parentesco escravo favoreceu a pacificação dos conflitos no interior das relações
escravistas, os quais costumavam aflorar sempre que as relações familiares eram
ameaçadas pelo poder senhorial. [Dicionário da escravidão e liberdade, 2018:226]

Os novos estudos não buscam fornecer uma visão que ameniza os horrores da
escravidão, mas sim propõem restaurar a “historicidade” do escravismo, ou seja, entendê-
lo enquanto sistema construído por agentes sociais múltiplos, tanto senhores quanto
escravos (Slenes, 2011:54).
Nesse processo de renovação da historiografia sobre a escravidão oitocentista
insere-se a pesquisa de Caetana diz não — histórias de mulheres da sociedade escravista
brasileira realizada ao longo da década de 1990 por Sandra Lauderdale Graham (2005).
A historiadora teve como fontes fundamentais uma petição eclesiástica de anulação de
casamento de duzentas páginas manuscritas e um testamento de 11 páginas. Além disso,
Graham recorreu a fontes secundárias como outros testamentos, inventários post-mortem
(contêm uma listagem detalhada de todos os bens), junto com processos.

Anomia e família escrava

Conforme mencionado, persistiu durante muito tempo na produção historiográfica a ideia


de “anomia” relativa aos cativos, que consiste na ausência de normas ou nexos sociais que
possibilitassem a mobilização e resistência desses contra seus opressores e o sistema
escravista.
Na obra Na senzala uma flor — esperanças e recordações na formação da família
escrava, Robert Slenes apresenta uma análise de casos da região de Campinas que se
contrapõem de forma contundente a essa concepção. No episódio ao qual o título da obra
de Slenes faz alusão, o viajante francês Charles Ribeyrolles afirma que “nos cubículos dos
negros, jamais uma flor: é que lá não existem esperanças nem recordações” (Ribeyrolles,
1859, Apud Slenes, 2011:139). A argumentação de Slenes busca desconstruir esse tipo de
visão, recorrente nos relatos desses viajantes e endossada pela historiografia até meados
da década de 1970, período no qual era enfatizada a “imoralidade” do escravo nas relações
sexuais e a “inexistência de família” entre os cativos (Slenes, 2011:144). Nesse sentido, o
trabalho representa uma contraposição às imagens reproduzidas e endossadas pela maioria
dos livros de história, resultantes da interferência de preconceitos culturais bem como de
estereótipos negativos referentes ao caráter do negro e à cultura africana, sobretudo no
século XIX.
O autor retoma também a relevância das fontes demográficas nas pesquisas mais
recentes sobre a família cativa no Brasil e sistematiza as constatações gerais que
apareceram em sua análise, sendo elas: índices de casamento razoavelmente altos de
mulheres escravas em propriedades médias e grandes; muitos laços de parentesco
“simples” (entre cônjuges e entre pai/mãe e filhos, apesar do desequilíbrio numérico entre
homens e mulheres); a constituição de famílias (inclusive extensas, incorporando pessoas
não aparentadas) interessava aos escravos como parte de uma estratégia de sobrevivência
dentro do cativeiro. No que se refere à compreensão dos possíveis significados da
formação de famílias dentro do sistema escravista, Slenes analisa casos específicos de
histórias de casamentos em Campinas:
Não há dúvida de que a família cativa forjada nesse embate teve uma certa utilidade para
os senhores — como se depreende, aliás, das duas histórias contadas. No mínimo, a
formação de uma família transformava o cativo e seus parentes em ‘reféns’. Deixava-os
mais vulneráveis às medidas disciplinares do senhor (por exemplo, à venda como punição)
e elevava-lhes o custo da fuga, que afastava o fugitivo de seus entes queridos e levantava
para estes o espectro de possíveis represálias senhoriais. Nesse sentido, a relativa
estabilidade das propriedades maiores certamente não traduz a “bondade” do proprietário
ou a “benignidade” do regime. Ao contrário, ao abrir um espaço para o escravo criar uma
“vida” dentro do cativeiro, a estabilidade torna mais terrível ainda a ameaça de uma
eventual separação de parentes por venda. Além disso, ela incita à concorrência por
recursos na construção de um “cotidiano” e de um “futuro”, contribuindo, portanto, para
a criação de tensões no meio dos escravos, com eventuais repercussões políticas. [Slenes,
2011:137]

Slenes argumenta, portanto, que o matrimônio, ao possibilitar que o escravo “crie


uma vida” dentro do cativeiro, faz com que o estabelecimento desses laços sirva também
para tornar a possibilidade de separação — seja por venda, seja por fuga — ainda mais
temível e terrível. No caso de Caetana, Graham acrescenta outros elementos que
demonstravam os interesses motivadores da imposição do casamento por Tolosa. Segundo
seu depoimento, o proprietário de Rio Claro afirmou para Caetana que ela iria se casar
“porque de maneira nenhuma queria ter em casa, e menos no interior dela para servir suas
filhas, escravas solteiras” (Graham, 2005:55), pois tendo em vista que ela estava
empregada nesse serviço de mucama, continuou ele, era preciso “casar com seu parceiro”
Custódio. Ou seja, a posição de destaque na criação de suas filhas mulheres, especialmente
após a morte de sua esposa, foi certamente um ponto central nessa determinação, já que o
casamento da escrava doméstica seria um bom exemplo para suas filhas jovens e
influenciáveis, de cuja criação ela participava de forma tão determinante. Aqui, portanto,
a obra de Lauderdale incorpora a dimensão do gênero, permitindo a discussão sobre a
moralidade e o que significava socialmente uma escrava solteira dentro do espaço
doméstico no século XIX.
Além disso, Graham sustenta que também a posição de viúvo de Tolosa foi um
dos fatores que contribuíram para que o fazendeiro impusesse o casamento à jovem
escrava. O fato de viver na mesma casa com uma escrava após a morte da esposa, sem
nenhuma parenta no comando, certamente suscitaria boatos na vila que o capitão, de
elevado prestígio social, desejaria evitar.
É preciso considerar que o estímulo por parte dos proprietários de escravos à
realização do matrimônio exigia esforços consideráveis por parte do senhor, como a
mobilização de recursos, além de eventualmente acarretar a perda de algumas horas de
trabalho dos cativos. Ainda assim, ao analisar a região de Campinas, Slenes verifica que
os senhores grandes e médios não só apoiavam, mas também incentivavam o casamento
religioso de seus escravos, sendo a maioria deles celebrados na cidade. Diante desse
quadro, o autor defende:

A hipótese mais provável, portanto, é de que o interesse dos donos no casamento escravo
se tenha traduzido numa política de encorajar os cativos a procurarem uniões formais,
deixando a escolha aos casais, mas reservando ao senhor o direito “paternalista” de
sugerir, persuadir, pressionar e, finalmente, aprovar ou vetar os nomes escolhidos. [Slenes,
2011:102]

Além da dimensão do casamento como um mecanismo de controle por parte dos


proprietários de escravos, Slenes desenvolve uma análise sobre as motivações dos cativos
no casamento, abordando as vantagens de ordem emocional e psicológica provenientes
dele, as possibilidades de organização da vida com base em uma “gramática” africana e
as implicações do matrimônio na economia e cultura doméstica dos escravos.
O casamento como possibilidade de companhia para suportar os males da
escravidão foi explorado no roteiro de Caetana em quadrinhos. Na tentativa de
convencimento de Jacintha, tia de Caetana, ela argumenta à sobrinha que, em sua
experiência pessoal, a união com Alexandre lhe assegurou algum conforto e segurança e
que, portanto, o casamento era uma forma de proteção dentro do contexto violento.
Considerando que a maioria dos escravos que chegou no Sudeste do Brasil entre
meados do século XVIII e XIX veio da região da atual Angola e do chamado Congo-
Norte, vale destacar que essas sociedades africanas “se estruturavam em torno da família
concebida como linhagem, isto é, como um grupo de parentesco que traça sua origem a
partir de ancestrais comuns” (Slenes, 2011:151). Em vista disso, o autor sugere que os
africanos trazidos ao Sudeste do Brasil, embora separados de suas sociedades originárias,
lutaram e buscaram organizar suas vidas a partir da chamada gramática da família-
linhagem, de modo que o matrimônio era uma possibilidade de rearranjo das relações
nesses moldes.
Por fim, destaco aqui as implicações na economia e cultura doméstica dos escravos
apresentadas por Slenes como vantagens perceptíveis por parte dos escravos no que se
refere à formação de famílias no cativeiro. Os relatos de viajantes analisados pelo autor
evidenciam as diferenças nas habitações dos solteiros em relação às pessoas casadas.

Há indícios de que dentro do precário ‘acordo’ que os escravos extraíram de seus senhores,
o casar-se significava ganhar maior controle sobre o espaço da “moradia”. Embora os
relatos do século XIX registrem uma certa variedade na arquitetura das senzalas nas
regiões da grande lavoura, eles também deixam entrever que as experiências de casados e
solteiros eram bastantes diferentes. [Slenes, 2011:158]

A partir dos relatos, é possível concluir que de modo geral os escravos solteiros
habitavam barracões ou cubículos em pavilhões, enquanto os casais moravam em
construções separadas, tais como barracos ou cabanas individuais. Segundo o relato de
Emílio Giglioli, visitante de uma fazenda no Vale do Paraíba em 1865, os escravos
casados possuíam uma habitação separada enquanto os outros viviam de forma conjunta.
A possibilidade de uma habitação separada também é aventada por Graham.
Segundo a autora, é possível concluir que alguns escravos de Tolosa viviam em choças
individuais, ainda que a construção delas fosse grosseira. Dessa forma, na fazenda Rio
Claro o matrimônio era uma forma de os escravos terem acesso à terra e ao cultivo de
alguns alimentos, bem como um espaço para dormir separado da senzala coletiva e do
olhar vigilante do feitor (Graham, 2005:61).
O caso de Luísa Jacintha e Alexandre é sintomático no que se refere a essa
possibilidade. A liberta e seu marido escravo viviam nas terras da fazenda Rio Claro em
uma habitação separada, demonstrando, também, a ampliação desse núcleo familiar, afinal
introduziu não escravos no círculo de parentescos, como era o caso do cunhado de
Caetana, João Ribeiro.

Recusa e anulação do casamento


A historiografia recente já considera que a realização de matrimônios escravos não era
uma excepcionalidade. No entanto, apesar da recorrência de casamentos, poucas pessoas
solicitavam a nulidade do casamento, sendo mais recorrente o pedido de “divórcio”
quando os casais queriam terminar o casamento. A anulação era um processo raro e
demorado e o caso de Caetana foi o único identificado por Graham envolvendo escravos.
Há muitas peculiaridades no caso de Caetana, pois a despeito de qualquer possível
vantagem que o matrimônio pudesse representar, a escrava não aceitou em nenhum
momento a imposição deste. Sua recusa dividiu-se em dois momentos. Inicialmente, ela
não aceitou as ordens de Tolosa de aceitar um marido, e sua madrinha Luísa Jacintha foi
convocada a interpelar a situação. De acordo com o depoimento de Tolosa, ele afirma que
“lhe deu ampla liberdade para que escolhesse um dos outros escravos solteiros que
serviam na casa”, e Caetana não considerou a oferta pois não queria casar de modo algum
e, de acordo com seu advogado, ela estava “reduzida à dura necessidade de obedecer
unicamente por temor de graves castigos e males duradouros”.
No momento posterior à cerimônia, a luta de Caetana ocorreu no espaço
doméstico, já que ela saiu da casa da mãe para viver com Custódio na casa dos padrinhos,
para a qual retornava diariamente após o trabalho na casa-grande. Segundo os
depoimentos, Caetana não consentiu que Custódio a tocasse, e este foi reclamar para sua
sogra e para o cunhado que ela “nem quisera por modo algum consumar o matrimônio”.
Diante dessa recusa, Alexandre, o tio de Caetana, assegurou que “havia de surrá-la se ela
não se sujeitasse ao marido”, o que fez com que a jovem escrava corresse desesperada
para a casa-grande.
Após o casamento ser feito “aos olhos de Deus”, só havia uma forma de voltar
atrás: pedir a anulação perante um tribunal eclesiástico. O processo começou na cidade de
São Paulo. Caetana foi citada como querelante, Custódio como réu pro forma, e dois
advogados foram designados para representá-los no tribunal, já que esse era o
procedimento usual em casos que envolviam pessoas que não eram consideradas
legalmente adultas, como filhos menores, deficientes mentais e escravos. Para o
prosseguimento do caso, o tribunal precisava da permissão de Tolosa, que a concedeu no
final do verão em fevereiro de 1836, menos de quatro meses após o casamento.
É fundamental pontuarmos aqui a diferenciação entre os conceitos de divórcio e
anulação em voga em meados do século XIX, determinações que estavam pautadas pelo
Concílio de Trento de 1563. O divórcio poderia ser solicitado à Igreja brasileira em caso
de casamentos já consumados em que tivesse ocorrido uma das seguintes situações:
adultério, abandono do casamento por parte de um dos cônjuges ou lesão ao outro de
forma grave (se um dos cônjuges apresentasse risco de morte). Já a anulação era pedida
em casos em que o casamento não havia sido consumado com o acréscimo das seguintes
circunstâncias: se um dos cônjuges fosse impotente e incapaz de produzir filhos; se um
dos cônjuges já fosse casado ou decidisse desistir do casamento para se dedicar à vida
religiosa; se ambos fossem parentes de sangue. Nesses casos, o casamento seria anulado
e ambos estariam livres para se casar como se fosse a primeira vez (Graham, 2011:91).
No processo, Caetana aparece como querelante e Custódio como réu, pois a Igreja
não aceitava o pedido de anulação sem dar ao outro a oportunidade de defesa do
casamento. Embora ele não tivesse sido acusado ou tivesse prendido Caetana, o processo
configurou-se dessa forma e a Igreja nomeou um “defensor do matrimônio” para o caso,
enquanto Tolosa figurou como testemunha.
O pedido de anulação foi negado nas duas instâncias nas quais tramitou, tanto na
Diocese de São Paulo quanto no Tribunal da Relação metropolitana, em Salvador, na
Bahia. Embora o processo de nulidade tenha sido recusado formalmente pela Igreja
católica, diante da postura de Caetana e do empenho de Tolosa com a causa, ainda assim
é bastante provável que na prática o casamento tenha sido desfeito, sendo possível que
Caetana tivesse vivido os anos seguintes na fazenda Rio Claro como solteira.

2.2 Mulheres, gênero e escravidão

História das mulheres e estudos de gênero

Se hoje em dia uma história “sem as mulheres” parece impossível, Michelle Perrot (2007)
nos lembra em Minha história das mulheres que há mais ou menos 30 anos a historiografia
apontava caminhos bastante distintos. A inclusão de aspectos relativos às subjetividades
femininas e a maior disseminação das lutas pela igualdade de gênero são perceptíveis na
sociedade como um todo e impactaram também a produção do conhecimento histórico.
O silêncio das mulheres manifestava-se principalmente no nível do relato, de modo
que escrever essa história é sair do silêncio em que elas foram confinadas. Como
compreender a perspectiva masculina e patriarcal tão marcante nas produções
historiográficas e em parte significativa dos materiais didáticos? A preferência pelos
relatos históricos que priorizam o mundo público, espaço do qual as mulheres muitas
vezes estiveram excluídas, assim como os poucos vestígios materiais diretos que foram
deixados pelas mulheres, nos ajudam a entender esse quadro.
Perrot apresenta em sua obra um rico e vivo itinerário sobre a constituição desse
crescente campo de estudos. Considerando o longo período de silenciamento e ausência
das mulheres ocupando a categoria de sujeitos históricos, a autora mapeia os aspectos que
contribuíram para o alargamento desse campo, já que as últimas décadas foram marcadas
por um avanço significativo na investigação histórica das experiências, vidas e
expectativas das mulheres.
O surgimento de uma história das mulheres ocorreu na Grã-Bretanha e nos Estados
Unidos nos anos 1960 e na década seguinte na França. A categoria “mulher” começou a
aparecer como alvo de estudos em trabalhos de ciências humanas e na história em
particular por diversos fatores, sendo eles de ordem científica — a aproximação da história
e da antropologia —, mas também sociológica — ampliação da presença de mulheres nas
universidades — e política — o advento do movimento feminista (Graham, 2005:17).
Esse processo de alargamento das possibilidades de olhares sobre o passado teve
como ponto crucial a inclusão da categoria de gênero, que apontou novos caminhos para
essas reflexões.
Os estudos de gênero foram impulsionados pelo fortalecimento do movimento
feminista nos anos 1960 e passaram a questionar os papéis historicamente atribuídos, os
quais normatizavam e estabeleciam o que era ser mulher ou ser homem. Ou seja, essa
categoria busca desnaturalizar as identidades sexuais imutáveis e postular sua dimensão
relacional, diversificando assim os estudos desde a introdução desse conceito. Tratava-se
de compreender a historicidade das construções acerca dos sexos, mostrando que não há
fundamentos biológicos para a manutenção de lugares sociais femininos e masculinos.
A crítica feminista atuou na desnaturalização de identidades fixas e demonstrou
como a construção de um sujeito que representava a mulher foi resultado de uma
imposição de diversos discursos — da medicina, do direito, de instituições etc. — que
expressavam visões masculinas. Nesse sentido, propõe-se a abandonar o sujeito como
ponto de partida e considerá-lo como efeito de diversas relações sociais, sexuais, étnicas,
bem como das determinações culturais.
Vale destacar que a crítica ao padrão masculino do homem universal estende-se
também à figura da “mulher”. Conforme nos lembra Swain (2002), a crença inicial da
existência de uma identidade única pertencente as “mulheres” foi substituída pela certeza
da existência de múltiplas identidades.
Considerando que as mulheres não são portadoras de uma essência biológica,
Margareth Rago (2008) defende que olhar para trajetórias femininas é uma forma de ter
contato com diversos modos singulares de se colocar no mundo, criativos e resistentes.
No artigo “A coragem feminina da verdade: mulheres na ditadura militar no Brasil”, Rago
(2015) focaliza a trajetória de mulheres que participaram da resistência à Ditadura e da
luta em defesa dos direitos das mulheres e apresenta situações nas quais essas mulheres,
mesmo diante de situações de risco, proferiram discursos da verdade que lhes eram
próprios. Os caminhos percorridos por mulheres apontam para a presença de um
nomadismo constante nos modos de existência femininos, escapando com maestria de
discursos normatizadores e misóginos, “vivendo constantes desterritorializações
subjetivas, desenvolvem enorme potencial de transformação e de invenção de novos
espaços pessoais, subjetivos e coletivos” (Rago, 2008).
Esta desconstrução do sujeito e das identidades é teorizada por Rosi Braidotti a
partir do conceito de identidade nômade, que está associado à necessidade de criar
resistência a toda e qualquer visão não unificada do sujeito, que cria identidades
hegemônicas (Braidotti, 2002:9). Ao propor uma “nomadização” das identidades, a autora
sugere a desestabilização delas, visando desconstruir seu caráter hegemônico. Nesse
sentido, ao considerar a interação de diversos aspectos como constituintes das
subjetividades, a noção de Braidotti busca contemplar a simultaneidade na ocorrência de
muitos deles, de modo que a subjetividade nômade “tem a ver com a simultaneidade de
identidades complexas e multidimensionadas”.
O processo de crítica ao sujeito e nomadização das identidades impactou de forma
decisiva também o campo das artes, já que práticas artísticas comportam uma crítica ao
masculino universal e podem romper com formas de pensamento pretensamente
hegemônicas e excludentes. Ao longo do século XX, as produções artísticas passavam por
um processo de transformação cultural que dialogava e expressava diretamente o
questionamento crescente das identidades sexuais em vários setores e partes do mundo.
De modo geral, os questionamentos e críticas propostos pelos feminismos impactaram de
forma decisiva as artes, espaço no qual as questões de gênero reverberaram intensamente.
No artigo “Aproximações feministas ao arquivo fotográfico nas poéticas de
Rosana Paulino e Rosângela Rennó”, Tvardovskas (2018) investiga os usos feministas do
meio fotográfico buscando enfatizar a materialidade das produções de artistas
contemporâneas. A autora nos lembra que a história das mulheres dificilmente pode ser
mapeada e reconhecida nos arquivos tradicionais, já que de modo geral eles selecionam
elementos do mundo público e de trajetórias heroificadas. As poéticas de Rennó e Paulino
têm como ponto crucial a apropriação de objetos do cotidiano, do mundo privado e de
fotografias, manipulando-os e ressignificando-os.
Nesse sentido, o artigo de Tvardovskas propõe buscar novos significados para a
produção artística feminista dessas artistas, localizando-as em um processo mais amplo
de “trabalho de memória”, na medida em que reivindicam uma “transformação nas
práticas do olhar e da memória, explicitando as táticas sociais de apagamento do feminino,
e indicando que essa mirada, ao adquirir, voz, visão e poder, impacta a cultura”
(Tvardovskas, 2018).
Tendo em conta os desdobramentos desse processo de crítica ao sujeito e
introdução da categoria de gênero no caso dos estudos sobre a escravidão negra no Brasil,
durante muito tempo a historiografia mais tradicional considerou a experiência do
cativeiro como universal e negligenciou as particularidades do gênero. Essa tendência tem
sido alterada nos últimos tempos e as pesquisas mais recentes já incorporam esse conceito,
o que permite interpretar o passado a partir de sua complexidade. Segundo Maria Izilda
S. Mattos (1998):

A incorporação do gênero, como categoria de análise na historiografia, tem procurado


destacar as diferenças a partir do reconhecimento de que a realidade histórica é social e
culturalmente constituída, tornando-se um pressuposto do pesquisador que procura
incorporar essa categoria, permitindo perceber a existência de processos históricos
diferentes e simultâneos, bem como abrir um leque de possibilidades de focos de análise.

Dada a complexidade e a sobreposição dessas relações, diversos agentes sociais


passaram a apontar, entre eles o feminismo negro, que não era possível considerar que as
mulheres tinham suas experiências determinadas somente pelo gênero, denunciando os
problemas decorrentes da universalização da categoria “mulher” e a necessidade de
considerar um repertório muito diverso de identidades.
A partir dessa ponderação, as chamadas teorias interseccionais propuseram refletir
as relações cruzadas entre gênero, raça e classe, entre outros fatores que constituem cada
sujeito. Conforme nos lembra Patricia Hill Collins (2015), a relação entre essas categorias
não deve ser estabelecida por meio da hierarquização, assim como não é possível
considerar que determinado eixo de opressão é a raiz de todos os outros, já que as relações
não se articulam a partir de uma simples sobreposição entre os padrões de dominação.
Segundo Biroli e Miguel (2015),

Do mesmo modo, uma análise das relações de gênero que não problematize o modo como
as desigualdades de classe e de raça conformam o gênero, posicionando diferentemente
as mulheres nas relações de poder e estabelecendo hierarquias entre elas, pode colaborar
para suspender a validade de experiências e interesses de muitas mulheres. Seu potencial
analítico assim como seu potencial transformador são, portanto, reduzidos.

A noção de interseccionalidade aparece já mobilizada em diversos estudos que


buscam entrelaçar essas categorias, evitando assim explicações que atribuem somente a
uma categoria a motivação e justificativa de desigualdades sociais complexas. As teorias
interseccionais entendem as opressões como múltiplas e têm um papel fundamental não
só no processo de construção e compreensão do conhecimento histórico, mas também na
construção de formas de combatê-las no espaço escolar.

Mundo do trabalho, casamento e família

A reflexão sobre a escravidão e as relações de gênero no Brasil coloca como central as


experiências de mulheres africanas e suas descendentes no mundo do trabalho. Algumas
situações específicas na sociedade escravista estavam restritas às mulheres: somente elas
poderiam “reproduzir naturalmente” a escravidão, atuavam em funções específicas no
pequeno comércio e exerciam majoritariamente os papéis no âmbito doméstico. No
entanto, diante do sistema patriarcal e das relações de poder baseadas no gênero, de modo
geral as escravas foram sempre menos valorizadas em relação aos homens cativos (Reis,
2017).
O jogo de poderes estruturado na sociedade escravista possibilitou não só a
manutenção desse sistema, mas também a perpetuação de uma estrutura do patriarcalismo
e das hierarquias de gênero. Segundo Reis, o masculino e o feminino também podem ser
relacionados simbolicamente com as representações de poder na escravidão, sendo os
senhores associados à virilidade e os escravos, de modo geral, inferiorizados, feminizados
(Reis, 2017:22). Segundo a autora:
Como “as estruturas hierárquicas baseiam-se em compreensões generalizadas da relação
pretensamente natural entre homem e mulher” (SCOTT, 1996, p.14), a autoridade dos
senhores deve ser garantida, o poder deve ser emanado do senhor e o padrão deve ser
mantido, apesar de existirem mulheres e homens proprietários de status social, cores e
etnias distintas. Na escravidão, há uma interlocução entre gênero, etnia/cor e condição, os
jogos de poder se estabelecem utilizando todos esses conceitos, sendo que,
simbolicamente, a distinção masculino/feminino remete também a poder/submissão,
branco/negro, senhor/escavo. [Reis, 2017:23]

Considerando tal estrutura patriarcal, a inserção no mundo do trabalho das


mulheres escravas — e também as livres e libertas empobrecidas — ocorria especialmente
por meio das atividades domésticas. Diversas funções eram desempenhadas
majoritariamente por mulheres, como era o caso das mucamas, responsabilizadas pelos
cuidados fundamentais da casa e dos filhos. Essa atividade era desempenhada por Caetana,
que cuidava das filhas de Tolosa e teve um papel fundamental na criação das crianças
especialmente após a morte de dona Ana Joaquina. É possível que essa proximidade e
intimidade sejam fatores que fizeram com que Tolosa se preocupasse especialmente com
o casamento da mucama, pois segundo ele mesmo afirma, não era adequado que a escrava
que cuidava de suas filhas fosse solteira, já que tinha grande influência sobre elas.
Ocupar o espaço doméstico apresentava ambiguidades: se, por um lado, as
escravas estavam suscetíveis aos ataques de raiva, humilhação, violência sexual e
vigilância constante; por outro, tinham acesso a alguns tipos de privilégios, como uma
melhor alimentação, vestuário e, eventualmente, a alforria. A violência nesse espaço era
habitual, embora combinada com uma maior possibilidade de atuação e manobra.
Segundo Graham (1992:50),

Às mucamas designavam tarefas que as aproximavam intimamente de suas patroas. Uma


mucama negra deveria acompanhar a patroa em suas saídas ou agir como companhia
confiável enquanto sua patroa se banhava no mar. As empregadas que trabalhavam como
acompanhantes de senhoras de idade as ajudavam a movimentar-se ou, talvez mais
importante, ouviam pacientemente suas memórias. Outras desincumbiam-se de tarefas
como mandar um recado, comprar um par de brincos ou trazer para casa uma peça da
fazenda. […] O serviço de uma mucama incluía pentear os cabelos de sua patroa, lavar e
passar suas roupas mais finas ou fazer plissados caprichosos em estilo francês, chamados
tuyauté.
Ainda dentro do espaço doméstico, algumas escravas desempenhavam o papel de
ama de leite, atividade que impactou de forma muito profunda e determinante os corpos e
a maternidade das mulheres escravizadas no Brasil. Em meados do século XIX,
predominou a crença de que diante da fragilidade das mulheres brancas era preferível
atribuir o aleitamento de seus bebês às cativas, mulheres negras e africanas consideradas
robustas e com abundante leite disponível, de modo que a atividade tornou-se recorrente
e amplamente ofertada nos jornais (Dicionário da escravidão e liberdade, 2018:100).
As complexas relações de intimidade inerentes a essa presença eram
constantemente marcadas por violência e tensão. Na ausência de uma escrava que pudesse
desempenhar essa função, recorria-se ao aluguel, prática bastante lucrativa para os
intermediários desse processo. Nessas situações, o contato entre a ama e a criança ocorria
enquanto durasse a amamentação, caso não ocorresse nenhum imprevisto como a fuga, a
falta de leite ou o descontentamento com os serviços prestados.
Diante das diversas adversidades decorrentes desse trabalho, uma das mais
traumáticas era o desaparecimento de seus próprios bebês. Pesquisas que investigaram
anúncios publicados em jornais cariocas ao longo do século XIX revelam que cerca de
90% dessas publicações não faziam nenhuma menção à existência do bebê da escrava,
usando expressões como “sem cria”, e “também vende-se cria”, “aluga-se com o filho ou
sem ele”. Segundo Lorena Féres da Silva Telles, separar as mães dos bebês fazia parte de
“uma estratégia dos senhores interessados em aumentar seus ganhos, pois as famílias
locatárias estiveram dispostas a pagar o triplo pelos serviços temporários e exclusivos da
ama sem o bebê” (Dicionário da escravidão e liberdade, 2018:103)
A atuação das amas de leite tornou-se mais procurada especialmente a partir de
1850 com a abolição do tráfico, quando ocorre um processo de “especulação” sobre o leite
e os serviços das amas, resultado da diminuição do número de escravas urbanas. Havia
muito debate sobre o uso das de amas de leite: alguns médicos acreditavam que as
mulheres livres não eram ideais para essa função, pois estariam, segundo eles, mais
interessadas no dinheiro e esconderiam caso tivessem algum problema de saúde; outros
criticavam os hábitos de “perversão moral” das escravas e não aprovavam que
amamentassem os bebês, denotando o fortíssimo racismo nos discursos da época
(Koutsoukos, 2010:165).
Para além das funções propriamente ditas, os trabalhos desempenhados por
mulheres aludiam também às fronteiras entre o espaço público e o privado, a delimitação
da divisão entre a casa e a rua. Em Proteção e obediência — criadas e seus patrões no
Rio de Janeiro 1860-1910, Sandra Lauderdale Graham reflete sobre as relações de
trabalho no espaço urbano nesse período, marcado pela gradativa substituição da mão de
obra escrava pela livre. Durante esse processo, Graham (1992:30) demonstra a existência
de uma oposição entre a casa e a rua, manifestada não só na arquitetura das casas, mas
também na convicção de que se tratava de esferas sociais amplamente diferentes, sendo
exigido portanto das mulheres especificamente um comportamento público apropriado.
Segundo a autora, até metade do século XIX, as mulheres de boa posição social só
saiam às ruas acompanhadas das criadas, além de contar também eventualmente com a
segurança da liteira com cortinas. Entre as criadas existia a distinção entre aquelas que
“conhecem as ruas” e às quais eram imposta a condição de “não sair à rua”, trabalhando
somente ”portas adentro” Graham, 1992:31). As famílias que buscavam manter
demarcadas as fronteiras entre o espaço doméstico e as forças da rua encontravam
dificuldade nesse processo já que muitas vezes precisavam trazer criados que pertenciam
ao mundo “desordenado” das ruas para dentro de seus lares. O trabalho de cozinheiras,
amas de leite e mucamas pertencia ao domínio dos trabalhos portas adentro e fazia com
que essas mulheres participassem ativamente da vida diária do senhor e da senhora.
Não só no ambiente doméstico atuavam as escravas. Na obra Quotidiano e poder
em São Paulo no século XIX, Maria Odila Dias apresenta a resistência das mulheres ao
sistema e a criação de estratégias de sobrevivência no espaço urbano. Nesse contexto,
brancas pobres, escravas e forras eram responsáveis pelo comércio menos prestigiado dos
gêneros alimentícios, vendendo hortaliças, toucinho e fumo.
Era também no espaço das cidades que atuavam as negras de tabuleiros,
comerciantes ambulantes presentes nas ruas das cidades brasileiras. A atividade do
comércio ambulante foi majoritariamente desempenhada pelas mulheres desde o Brasil
colonial, especialmente com o advento da mineração no século XVIII. Nessa sociedade,
as negras de tabuleiro eram responsáveis por levar seus quitutes aos locais mais isolados
e assegurar assim o abastecimento da região das minas. Sendo muitas dessas mulheres
forras, representavam um panorama de inserção e criação de uma estrutura que
possibilitasse um certo posicionamento na hierarquia social, além de ser uma atividade
que possibilitava a manutenção de costumes africanos. Segundo Odila Dias (1995:158),

Na costa ocidental da África, o pequeno comércio era prática essencialmente feminina;


atravessar e revender gêneros alimentícios de primeira necessidade garantia às mulheres
papéis sociais importantes. Nesta esfera própria, adquiriam autonomia com relação aos
homens e, se não prestígio, certamente um papel econômico de provedoras e
organizadoras da circulação dos gêneros alimentícios. Este comércio, além da
funcionalidade econômica, tinha também um sentido social e religioso, estreitando os
laços comunitários e chegando a relacionar-se com o próprio culto tribal dos ancestrais.

As especificidades decorrentes do gênero nessa sociedade não estavam restritas


somente ao mundo do trabalho e às funções exercidas pelas cativas. As relações de poder
nessa sociedade patriarcal influenciavam também a formação de famílias, as
particularidades das opressões e violências. O texto 1 deste material, “Família escrava e
casamento”, aborda essa temática.

Caetana nas salas de aula

Para além dos impactos da categoria gênero nos estudos escravistas, é importante
refletirmos, como educadores, sobre as questões relativas ao trabalho em sala de aula com
a trajetória de Caetana — a representação de uma mulher negra no ambiente escolar.
Os materiais didáticos com os quais os alunos têm contato ao longo de toda a sua
trajetória escolar, bem como as imagens neles contidas, são determinantes nas concepções
que esses estudantes terão sobre determinados grupos sociais e inclusive sobre si mesmos,
já que fazem parte do processo de constituição de suas identidades. Nesse sentido, é
fundamental analisarmos o que está sendo abordado em salas de aula, questionando e
problematizando os métodos e os materiais utilizados. Os impactos causados pelo contato
com uma série de representações de determinado grupo social, etnia ou figura histórica
são muito profundos. Os discursos presentes nesses materiais estabelecem algumas
representações que são entendidas pelos alunos como reproduções de “verdades”, já que
foram supostamente definidas no âmbito das ciências.
As representações com as quais os estudantes têm contato, bem como a forma e os
meios pelos quais são apresentados a algo, resultam em determinadas concepções, ainda
que elas não estejam explicitadas. Podemos citar como exemplo o caso de representações
de escravizadas no Brasil: a presença de imagens e textos nos quais essas mulheres
aparecem associadas somente às violências decorrentes da escravidão passa aos estudantes
a mensagem que essas mulheres não ocupavam outros espaços, como o da resistência e o
da criação. Ou seja, embora o material não afirme diretamente isso, a ausência de outras
representações é responsável por veicular determinada concepção sobre aquelas mulheres.
A produção de identidades, a construção de determinadas concepções e mesmo a
constituição dos sujeitos não são um processo definitivo e único, mas sim contínuo e com
um papel importante da repetição. Soma-se a isso a legitimidade que é atribuída aos
materiais escolares, ou seja, as imagens veiculadas por eles muitas vezes são lidas como
verdade pelos alunos, sendo importante a problematização desses aspectos em sala de
aula, com o nível de profundidade adequado à faixa etária.
O ensino de história no Brasil é amplamente baseado em livros didáticos
elaborados por e para grupos determinados de pessoas, contribuindo assim na posição
privilegiada de determinados agentes em detrimento de outros. Nos últimos anos muitos
avanços foram realizados nesse sentido, já que os livros passaram a incluir sujeitos até
então pouco visíveis, além de as concepções de determinados grupos — como africanos
trazidos como escravos e indígenas — passarem por uma ampliação e revisão crítica
importante. Esse processo encontra-se amparado pela legislação vigente, pois conforme o
art. 16 das Diretrizes Curriculares Nacionais,13 temas como sexualidade e gênero devem
permear o desenvolvimento dos conteúdos da base nacional comum e da parte
diversificada do currículo. O mesmo artigo prevê a “produção e a disseminação de
materiais subsidiários ao trabalho docente, que contribuam para a eliminação de
discriminações, racismo, sexismo, homofobia e outros preconceitos”. Devido ao impacto
dessa construção, autores defendem a importância de conhecer quais são os signos
enunciados e repetidos continuamente nos materiais imagéticos dos livros.
Essas produções culturais veiculam discursos que compõem o que podemos
chamar de “imaginário social”. Esse conceito é utilizado por Susane Rodrigues de Oliveira
(2006:22), que ao revisitar a documentação e a produção historiográfica sobre os incas,
afirma que “produziram e produzem efeitos de sentidos a serem compreendidos nas
condições em que apareceram e nas de hoje”. Ao se utilizar do referencial teórico de
“imaginário social”, a autora nos lembra que este é inteligível a partir dos discursos que
resultam na formação de representações coletivas. Segundo a autora:

13
Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=13448-diretrizes-
curiculares-nacionais-2013-pdf&Itemid=30192.
os documentos, as fontes, as pistas, as marcas, os vestígios, são fragmentos que não
possuem uma verdade inerente, pronta para ser desvelada pelo/a pesquisador/a. Ao
transformar indícios em dados de pesquisa, o/a historiador produz um discurso, uma
narrativa que constitui uma leitura do passado. [Oliveira, 2006:22]

Considerando que o trabalho dos historiadores e historiadoras resulta na produção


de discursos, nós como professoras de história selecionamos e veiculamos esses discursos
no espaço escolar, ou seja, participamos de sua construção. É fundamental, portanto, a
consciência desse processo, já que privilegiar determinados conteúdos em detrimento de
outros, exibir determinados filmes e apresentar determinados materiais representam,
eventualmente, o reforço de concepções muitas vezes excludentes, racistas, machistas e
homofóbicas.
Interessada em entender como as representações femininas em livros didáticos14
impactam e contribuem na composição de identidades dos estudantes, Eliane Goulart Mac
Ginity afirma:

As mulheres representam pouco mais de 10% do total de imagens de homens, num total
de 65 para 601 respectivamente. As figuras dos dois sexos juntos (283) possuem dois
aspectos, permite o aparecimento de um número maior de mulheres, ao mesmo tempo,
porém, aumenta ainda mais a presença masculina nos livros. Esses números aliados aos
conteúdos das imagens, reforçam o protagonismo masculino e o que se espera para
homens e mulheres. [Ginity, 2015]

Ao tornar o formato da trajetória de Caetana mais acessível nas salas de aula,


busquei contribuir para as mudanças pelas quais os materiais didáticos têm passado
recentemente, representando concepções de uma história mais plural e diversificada, na
qual os sujeitos históricos, especialmente as mulheres, resistem e criam estratégias para
lidar com as opressões às quais são submetidos. Considerando a imprevisibilidade dessa
história, Caetana em quadrinhos pode possibilitar deslocamentos e desconstruções de
concepções prévias dos alunos: imaginavam que uma escrava poderia ser querelante em
um processo judicial? Já tinham refletido sobre a formação de famílias escravas?
Esperavam que Caetana conseguiria uma aliança estratégica com o próprio senhor que a

14
A autora analisou nove coleções de livros das 19 disponíveis no Programa Nacional do Livro Didático
para Ensino Médio (PNLEM) de 2015.
obrigou casar? Essas e outras questões podem fazer parte das aulas e potencializar esse
material como constituinte de novas representações.
Com a confecção dessa adaptação busquei endossar a produção de narrativas
femininas e aumentar sua presença no espaço escolar, utilizando para tal o recurso da
narrativa gráfica combinada com textos e atividades que contribuam para a construção de
representações distintas das tradicionalmente associadas às escravas. Não pretendo,
contudo, conforme nos alerta Margareth Rago, vitimizar mais uma vez as mulheres, nem
mesmo construir figuras históricas idealizadas de forma ingênua. Pelo contrário, trata-se
de permitir que as múltiplas narrativas não sejam ofuscadas pelas narrativas
pretensamente universais, excludentes e estigmatizadoras (Rago, 2009).
Defendo ainda a relevância da intensificação de expressões artísticas, culturais
e midiáticas que tragam representações de mulheres negras como sujeitos políticos e de
ação e apresentem outros modos de existência. Afinal, conforme nos lembra Rago, a luta
contra a violência que sofrem as mulheres não se reduz a enfrentar situações palpáveis
como o estupro, a violência doméstica e a inferiorização das mulheres, mas também passa
pelo enfrentamento no plano simbólico e no imaginário social das formas misóginas e
sexistas de pensar, que se manifestam em produções artísticas e produzem regimes de
verdade autoritários e excludentes.

3. Caetana na escola

3.1 Experiência e escolhas na elaboração de Caetana

Nos capítulos anteriores apresentei reflexões sobre as potencialidades pedagógicas do uso


de HQs, as representações de mulheres nas mesmas e expus as reflexões centrais aos
professores para amparar o trabalho com o material. Neste capítulo, apresento algumas
questões que balizaram as escolhas e a organização da estrutura de Caetana, além de
relatar minha experiência de exercício prático com o material em sala de aula durante o
ano de 2018.
Minha atuação como professora teve início no ano de 2011, no cursinho popular
Dandara dos Palmares, localizado na cidade de Campinas (SP). A participação na criação
desse projeto de educação popular, com o qual mantive vínculo por seis anos
consecutivos, foi fundamental na minha trajetória como educadora e na formação de
minhas concepções relativas à importância da educação popular. No ano de 2014 passei a
lecionar em curso pré-vestibular na rede particular e, a partir de 2016, também no Ensino
Médio na mesma instituição.
Como minha experiência inicial em sala de aula restringiu-se ao contexto de
preparação para os vestibulares, a possibilidade de trabalho com o Ensino Médio abriu-
me novas perspectivas e uma reinvenção da minha atuação nesse espaço. A oportunidade
de abordar os conteúdos com maior tempo disponível, a menor pressão das provas, o uso
de outros recursos pedagógicos e o contato mais próximo com os educandos foram alguns
dos elementos com os quais me deparei e que foram significativos no desenvolvimento do
Mestrado profissional em Ensino de História (ProfHistória) na Unicamp.
Essa nova etapa da minha atuação profissional, além das citadas novas
possibilidades, colocou-me também diversos desafios, especialmente no que se refere à
busca e desenvolvimento de materiais, planos de aula e propostas de atividades que fossem
ao mesmo tempo atrativas para os alunos e portadoras de um senso crítico que estimulasse
vivências antirracistas e antissexistas.
O uso de história em quadrinhos em sala de aula, conforme mencionado
anteriormente, tem se apresentado como um recurso pedagógico potente e significativo.
Esses materiais, muito mais que servirem de “pretexto” para o estudo da disciplina, devem
ser analisados considerando sua historicidade e narrativas próprias. Nesse sentido, torna-
se fundamental, conforme já destacado por Vilela (2009:115) e Ramos e Vergueiro
(2009:27), a mediação do professor nesse processo, que atua filtrando e selecionando o
material adequado para determinada faixa etária, além de direcionar a leitura da obra.
Em minha experiência utilizando quadrinhos de temática histórica em sala de aula,
esbarrei inicialmente em questões práticas referentes à reprodução e tempo hábil para o
trabalho em sala de aula. As graphic novels são em sua maioria extensas e disponíveis
somente na versão impressa, o que causava dupla dificuldade: primeiramente, os alunos
nem sempre tinham acesso ao livro e, devido ao tamanho das obras, seu uso integral em
sala consumia muitas aulas de determinada disciplina. Considerando tais dificuldades,
busquei confeccionar uma adaptação que não fosse demasiada extensa e que, além disso,
pudesse ser reproduzida por meio da impressão ou online.
Além das dificuldades técnicas e práticas, o uso de quadrinhos na escola colocou-
me desafios relativos à sua abordagem, já que o trabalho com esses materiais demanda a
elaboração de atividades e de orientações específicas para os alunos. Caso essa preparação
não seja feita, a HQ pode parecer desarticulada em meio ao cronograma de aulas, como
um anexo complementar que somente ilustra o tema estudado, ou ainda, a história como
“realmente aconteceu”. Busquei construir um material que desse suporte para a elaboração
de planos de aula e atividades por professores, considerando a importância desse espaço
criativo para a prática docente.
Diante das questões apresentadas, vale ressaltar que não pretendo estancar as
possibilidades de trabalho com o material, mas sim sugerir alguns caminhos e reflexões
iniciais que sirvam de subsídios iniciais para expansão e proposição de novas formas de
abordagens.

3.2 Estrutura do material

O material que acompanha essa dissertação segue a seguinte estrutura: apresentação, os


quadrinhos, texto e dados sobre a fazenda Rio Claro, texto sobre os personagens,
informações sobre o processo de anulação do matrimônio, debates sobre escravidão e
gênero, um glossário, uma cronologia, sugestões de atividades para sala de aula e,
finalmente, o caderno do professor. Os textos posteriores aos quadrinhos são direcionados
para a leitura dos alunos e trabalho em sala de aula e, a parte final, direcionada
especificamente aos professores.
Os textos sobre a fazenda, os personagens de Caetana e o processo de anulação
foram elaborados com base nas informações pesquisadas por Sandra Lauderdale Graham.
Busquei com esses textos complementares historicizar mais amplamente o universo
histórico, cultural, social e subjetivo no qual Caetana se insere, aprofundando aspectos
que não são tratados na HQ e possibilitando assim uma contextualização histórica mais
abrangente da trajetória da jovem escrava.
O quadrinho aponta alguns elementos sobre o espaço dessa história, a fazenda Rio
Claro, localizada em Santo Antônio de Paraibuna. no Vale do Paraíba. A fazenda aparece
como cenário de todo o quadrinho, e sua produção é o tema da conversa entre Chichorro
e Tolosa. No texto complementar que sucede o quadrinho, apresentei alguns elementos do
amplo levantamento de Graham sobre a fazenda e optei por colocar alguns dados para que
os estudantes tivessem noção mais concreta da pujança econômica da propriedade naquele
contexto; por exemplo, o que era possível fazer com a renda anual que a fazenda gerava a
Tolosa.
A apresentação dos personagens permite que os estudantes sanem dúvidas e
curiosidades que não são contempladas pelo quadrinho, já que a curta extensão da HQ fez
com que fosse inviável o desenvolvimento mais aprofundado de determinados
personagens, ainda que estes tenham grande relevância no caso de Caetana.
O texto “A anulação” aborda a anulação do casamento, fornecendo elementos
adicionais para o entendimento do funcionamento de um processo eclesiástico no século
XIX. Considerei que as minúcias do aspecto burocratizado e técnico desse trâmite
dificultavam a adaptação para a versão em narrativa gráfica, linguagem caracterizada
justamente por sua fluidez ao combinar imagens e palavras. Por essa razão, fiz a opção de
encerrar o quadrinho não com diálogos entre as autoridades participantes do processo, mas
sim com uma imagem interna da casa vazia e a breve descrição das deliberações do
tribunal. Ou seja, o texto permite o aprofundamento de um processo que aparece somente
mencionado de forma sugerida na HQ, na cena inicial no tribunal montado na casa de
Tolosa e na conclusão.
A argumentação do advogado de defesa do matrimônio é a base de uma das
atividades, que tem como propósito apresentar as desigualdades no tratamento da justiça
eclesiástica no processo de Caetana, bem como problematizar as questões de gênero e raça
nesse episódio. Sugiro ainda que o mesmo texto pode ser usado como ponto de partida
para a elaboração de uma atividade de encenação do tribunal eclesiástico, na qual os
alunos poderiam construir, com base no material, a argumentação do advogado “defensor
do matrimônio” e a do advogado de Caetana.
Destaco o texto “Escravidão e gênero” como fundamental para o trabalho com o
quadrinho Caetana em sala de aula. Sobre essa temática especificamente, considero
pertinente dedicar aqui maior atenção devido às recentes polêmicas envolvendo gênero e
ensino. Defendo que a abordagem de questões de gênero faz parte do importante processo
de criação de espaços de vivência na escola que contribuam no combate às diversas formas
de preconceito e discriminação, assim como à violência contra as mulheres e demais
minorias. A educação apresenta papel decisivo no enfrentamento da ordem patriarcal, na
medida em que fortalece instrumentos para sua superação e construção de uma situação
de maior igualdade.
Embora o modelo escolar hegemônico não favoreça ou enfatize as possibilidades
de transformação, ele comporta também a possibilidade de criação de espaços resistência.
Conforme nos lembra Guacira Louro (2014:58), a escola delimita espaços, utiliza
símbolos e estabelece o que cada um pode (ou não) fazer, apontando os modelos e,
consequentemente, gerando o não reconhecimento de alguns nestes. A escola apresenta
um papel importante na disseminação e cristalização de determinadas desigualdades
sociais e as relações de poder nesse espaço podem reforçar processos de exclusões
baseados em identidade de gêneros e sexualidade. Mesmo diante desse quadro, a autora
enfatiza que devemos “examinar formas possivelmente mais efetivas de intervir nos atuais
arranjos das relações de gênero e sexuais (especialmente no espaço escolar), de modo a
buscar maior igualdade entre os sujeitos” (Louro, 2014:118).
Os intensos debates gerados sobre a presença da temática de gênero no espaço
escolar são motivados especialmente pelo avanço de movimentos conservadores que
defendem a deliberada exclusão dessas questões. Inseridos no combate ao indefinido
conceito de “ideologia de gênero”, os projetos que propõem uma escola livre de
“doutrinação ideológica” angariam diversos adeptos. Um exemplo desta iniciativa é o
projeto de Lei no 867/2015, de autoria do deputado Izalci Lucas, que defende a inclusão
do “Programa Escola sem Partido”15 nas diretrizes e bases da educação nacional. O projeto
busca combater uma suposta contaminação político-ideológica das escolas brasileiras,
além de assegurar aos pais o direito de que seus filhos recebam “educação moral que esteja
de acordo com suas próprias convicções”.
Tal proposta delineia-se claramente em um movimento conservador que busca
barrar o avanço de concepções progressistas no espaço escolar. Não sendo possível
considerar que a produção de conhecimento e a ciência sejam espaços da neutralidade,
vale ressaltar a importância e o necessário comprometimento com a construção de uma
educação não sexista e antirracista. Essa concepção está amparada pelo art. 206 da
Constituição Federal de 1988,16 que prevê que o ensino deve ser ministrado com base na
liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, além do pluralismo de
ideias e de concepções pedagógicas. Nesse sentido, considero a problematização dos
impactos de gênero na escravidão oitocentista como uma das contribuições mais
significativas desse material em sala de aula, pois soma-se às iniciativas de enfrentamento
ao retrocesso proposto por projetos como esse.
Considerando o contexto de disputas referentes a essa temática, no texto
“Escravidão e gênero” busco sensibilizar os alunos para o fenômeno do surgimento da
história das mulheres, atentando-os para uma longa ausência dessas vozes na escrita da

15
Disponível em: www.camara.gov.br/sileg/integras/1317168.pdf. Acesso em: 1 o nov. 2018.
16
Disponível em: www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/con1988_12.07.2016/art_206_.asp.
Acesso em: 1o nov. 2018.
história. Proponho aqui um interessante exercício de sensibilização para essa questão, que
pode ser realizado antes da leitura do texto e consiste em pedir aos estudantes que citem
mulheres “da história”. Nas vezes em que apliquei esse breve exercício, os próprios
estudantes demonstraram surpresa e estarrecimento com os pouquíssimos nomes
lembrados por eles: princesa Isabel, Joana D’arc e Carlota Joaquina são os nomes mais
mencionados. A partir dessa situação, é rápida a constatação dos estudantes de que a
história foi, durante muito tempo, a história da vida e dos homens públicos. Ou seja, o
exercício faz, no mínimo, que os estudantes desconfiem de um processo de apagamento e
silenciamento na historiografia oficial do qual as trajetórias de mulheres foram alvo.
A partir da sensibilização dessa questão, Caetana busca ressaltar que a história
também se fez em atos cotidianos de resistência e reinvenção que nem sempre aparecem
nos livros. O texto de apoio apresenta também as especificidades das vivências das
mulheres na sociedade escravista, apontando os papéis desempenhados especificamente
por elas, bem como as violências às quais eram submetidas e as formas de insubmissão, o
que amplia a compreensão sobre a contribuição das mulheres de origem africana e a
cultura histórica da sociedade brasileira.
O “Glossário” apresenta algumas palavras relativas ao universo da escravidão
oitocentista e foi elaborado a partir da primeira aplicação de Caetana em sala de aula,
considerando as dúvidas dos estudantes durante a leitura dos quadrinhos e dos textos
complementares. Uma proposta de atividade pode envolver a expansão do glossário,
elaborando a definição de outros termos que suscitarem dúvidas ou sugeridos pelo
professor, na criação de um dicionário conceitual.
Por fim, a cronologia possibilita a localização da trajetória de Caetana e da fazenda
Rio Claro tendo como panorama o macrocontexto econômico do Brasil e considerando a
tradicional divisão e marcos cronológicos presentes nos materiais didáticos. Sugiro aqui
que o professor aponte aos estudantes as múltiplas dimensões da história, de modo que
enquanto corre a suposta “história oficial”, com a qual os estudantes já estão habituados a
se deparar nos livros, as pessoas viveram e resistiram em suas dimensões particulares e
locais, sendo esses processos entrelaçados e demonstrando a complexidade do
conhecimento histórico.
Proponho, a partir de incômodos relativos à prática docente, romper uma
involuntária hierarquização da história “dos grandes feitos” contra a história da dimensão
biográfica. Neste sentido, ao silenciarmos o papel de trajetórias nas aulas de história,
acabamos reforçando a ideia de que existe uma grande narrativa histórica nacional e
“verdadeira”, enquanto casos como o de Caetana, por exemplo, estariam relegados a um
status inferior e invalidados no espaço escolar. Essa hierarquização é incoerente com a
natureza do saber histórico, já que os diversos níveis de análise permitem outras leituras
e abordagens, que desaparecem em escalas ampliadas e gerais.
A parte final do material é formada por textos de apoio para professores, nos quais
busquei contemplar, com base na historiografia recente, algumas temáticas fundamentais
em Caetana, tais como a formação da família escrava e as questões de gênero. No processo
de elaboração desse material, considerei dados sobre a realidade social da maioria dos
docentes da disciplina história, oferecidas pelo Estudo exploratório sobre o professor
brasileiro,17 realizado com base no Censo escolar da Educação Básica 2007.
O estudo apresentou algumas constatações tais como: o perfil predominantemente
feminino dos profissionais se modifica à medida que se caminha da educação infantil para
o Ensino Médio e para a Educação Profissional (nesses níveis a maioria dos professores
são homens), e no caso da disciplina história especificamente, 68,4% dos docentes
possuem nível superior completo e 64,7% dos docentes possuem curso de formação
equivalente à disciplina que lecionam.
Além das altas cargas de aulas — muitas vezes em mais de uma escola —,
considerei também que os dados fornecidos pelos estudos apontam a presença de uma
parcela significativa dos professores que não concluíram o nível superior ou que não
possuem formação especificamente na área de história. Por essas razões, os textos
pretendem contemplar esse panorama diverso de realidades no que se refere à adequação
da linguagem, concisão e aprofundamento. Meu objetivo é que o material possa atingir
também professores e professoras que estão afastados do meio acadêmico há muitos anos
ou que não tiveram uma formação específica nessa área, de acordo com os propósitos
gerais do ProfHistória de promover a expansão da produção em pesquisas didáticas.
Nesse sentido, os apontamentos e conceitos gerais são apresentados no texto de
modo que possam contribuir para a preparação da aula com os quadrinhos, além de
indicarem novas possibilidades de aprofundamento. Para tal, há no final do material para
professores uma lista de sugestões bibliográficas sobre as temáticas abordadas.

3.3 Reflexões sobre a experiência com o material didático

17
Esse estudo encontra-se disponível no portal do MEC e pode ser acessado em:
http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/estudoprofessor.pdf. Acesso em: 18 out. 2018.
Descreverei aqui como se deu na prática o uso do quadrinho Caetana em sala de aula,
bem como as reflexões que permearam o processo de elaboração de cada uma das
atividades. Ao longo da confecção do material e finalizada a versão final, apresentei-a —
em estágios diferentes do processo de desenvolvimento — aos alunos do 2o ano do Ensino
Médio da Escola Estadual Prof. “Joaquim Ferreira Lima”, em Campinas (SP).
A escola localiza-se na Vila 31 de Março, situada na região leste da cidade de
Campinas. As aulas são oferecidas para estudantes do Ensino Fundamental I e II, além do
Ensino Médio, nos períodos da manhã e da tarde, e aproximadamente 400 alunos da região
frequentam as aulas regularmente.
Meu vínculo com a escola teve início em março de 2018, quando comecei a
oferecer voluntariamente um curso de desenho no contraturno das aulas, aberto aos
estudantes maiores de 14 anos e frequentado regularmente por aproximadamente cinco
alunos. A partir desse primeiro contato, tive a possibilidade oferecida pelo professor
regular de história de realizar as atividades de Caetana com os alunos do 2o ano do Ensino
Médio.
Meu primeiro encontro com os alunos ocorreu em abril de 2018, momento no qual
o quadrinho ainda estava em processo de produção. A turma conta com 18 alunos
matriculados, embora as aulas sejam frequentadas com regularidade por
aproximadamente 15, dos quais a maioria é do sexo masculino. Nesse primeiro encontro
eu contei sobre minha trajetória no Mestrado Profissional e meu contato com o desenho
para os estudantes. Além disso, fiz uma apresentação da obra de Sandra Lauderdale
Graham, destacando elementos de sua pesquisa sobre o casamento de Caetana, que estava
sendo adaptado para quadrinhos.
Alguns alunos da turma já me conheciam, pois são frequentadores do curso de
desenho que ofereço na escola. Conduzi a aula como convidada do professor regular da
disciplina de história e os alunos mostraram-se bastante receptivos e interessados,
especialmente no desenho e no processo de criação. Realizei uma sondagem inicial
questionando se eles gostavam de quadrinhos e qual tipo, e alguns dos presentes
conheciam graphic novels ambientadas na Segunda Guerra Mundial — trabalharam nas
aulas de história trechos de Maus (Spiegelman, 2009) e Gen: pés descalços (Nakazawa,
2004) — e, fora do espaço escolar, o contato se restringia às histórias da Turma da Mônica
ou de super-heróis.
Após essa investigação inicial sobre a familiaridade dos estudantes com o formato,
realizei uma breve exposição sobre a linguagem dos quadrinhos, enfatizando tratar-se de
uma combinação entre texto e imagem que deve funcionar de forma clara e fluída. Para
exemplificar, mostrei algumas imagens de páginas de quadrinhos variados que possuíam
muito texto — poluídas visualmente e com uma leitura pouco dinâmica — e também
páginas que possuíam passagens de um quadro para outro que apresentavam um salto
temporal ou um aspecto implícito, somente sugerido ao leitor.
Após a exposição, distribui cópias de Caetana — ainda em uma versão inicial e
incompleta — para os estudantes e pedi que fizessem uma leitura atenta considerando os
aspectos que tinham sido elencados. Enfatizei que se tratava da primeira vez que o
quadrinho estava sendo apresentado e que, portanto, era muito importante para o projeto
que eles fizessem uma leitura crítica e apontassem o que não estava claro. Essa etapa da
aplicação foi fundamental para a reflexão sobre o prosseguimento do desenvolvimento do
projeto, pois as considerações feitas pelos alunos foram muito pertinentes e determinantes
na reorganização dos diálogos e alteração de desenhos, reforçando ligações pouco claras
entre os quadros e melhorando os encadeamentos.
A segunda experiência em sala de aula com o quadrinho Caetana ocorreu em
setembro de 2018, na mesma sala descrita anteriormente, com a presença de 14 alunos.
Nessa ocasião a HQ já estava completa, os textos de apoio eram parciais (não havia ainda
o texto “Escravidão e gênero”) e havia uma primeira proposta de atividades — que foi
substituída posteriormente.
Como os alunos já conheciam o processo de produção do quadrinho, iniciei a
abordagem propondo uma atividade de sondagem a partir da seguinte reflexão: “Como
você imagina que era a vida de uma escrava no século XIX?”. Após exporem suas opiniões
oralmente, pedi que registrassem por escrito. Vale ressaltar aqui que, conforme
informaram-me os estudantes e o professor, o conteúdo sobre escravidão no século XIX
ainda não tinha sido abordado em aula. Transcrevo abaixo algumas das respostas dos
alunos:

Eu imagino que a vida de uma escrava no Brasil era triste. Ela servia sem direito nenhum,
cuidava da casa e até mesmo dos filhos de seu senhor. [J, 16 anos]
A vida de uma escrava no século XIX não era nada boa pois elas faziam as mesmas coisas
que os homens, tinham que cuidar da casa e se quisesse fazer algo por vontade própria era
punida. [G, 15 anos]

É de conhecimento de todos que a vida das escravas não era muito boa. Ela era totalmente
explorada, tanto para fazer coisas da casa ou até sexualmente. Além disso ela não tinha
nenhum direito como mulher escrava, quando ela fazia algo que era proibido ela era
punida. [A, 16 anos]

Ela vivia numa casinha bem ruinzinha ou até mesmo junto com outras escravas. Ela
habitava sempre no mesmo lugar e uma das principais atividades era cuidar da casa ou era
de trabalhar como escrava. Elas queriam poder ter direitos e poder ter uma vida própria e
poder ter sua própria vontade e as expectativas nem sempre eram altas. [B, 15 anos]

Uma escrava no século XIX vivia presa na casa de Barões, fazendo serviços sem parar
como, por exemplo, fazer a comida, cuidar da casa etc. Ela não tinha nenhum direito e sua
expectativa era morrer de trabalhar e ter esperanças de ser liberta. [D, 17 anos]

A vida era ruim, pois ela não podia lutar pelos seus direitos, ela não tinha vontade de nada
pois era judiada depois que vira escravo a vida vira um inferno se você é escravo sua
geração também é (filho de peixe é peixinho) não tinha direito de vida (liberdade para
todos). [R, 16 anos]

Basicamente ela fazia todas as atividades de casa, ela não tinha nenhum direito ou
expectativa de vida. [R, 15 anos]

É interesse observar que, de modo geral, os aspectos mais recorrentes nas respostas
foram: a ausência de direitos, obrigações relativas aos trabalhos domésticos, a falta de
vontade própria e expectativas. Esses elementos reafirmam a presença de algumas
concepções associadas previamente à escravidão, e, nesse caso, especificamente às
escravas, destacando-se o conceito de anomia. De modo geral, no debate realizado e nas
respostas dos alunos, as escravas aparecem em um papel de passividade, não ocupando
lugares de resistência ou de protagonismo. Vale ressaltar ainda que entre as respostas
apresentadas uma aluna mencionou a exploração sexual, enquanto a maioria enfatizou a
ausência de “vontades” e direitos.
Após a atividade introdutória e a leitura da HQ, os alunos realizaram também
alguns exercícios propostos. Na principal atividade dessa primeira versão, a expectativa
era a compreensão dos estudantes das possibilidades do casamento escravo como
estratégia dos próprios cativos, permitindo, por exemplo, determinadas vantagens
materiais. Para tal, apresentei três documentos no exercício: um texto que descrevia as
diferentes senzalas, um desenho de Jacintha na frente de sua choça e uma fotografia de
uma senzala compartilhada retirada do Brasiliana Fotográfica.
No entanto, ao aplicar essa atividade percebi que o objetivo pedagógico inicial não
foi atingido, pois os alunos se detinham em aspectos muito pontuais das imagens e,
contrariando minhas expectativas, não mencionaram a possibilidade de uma habitação
mais privativa como decorrência do casamento. De modo geral, avalio que a principal
dificuldade e falha ao elaborar essas propostas iniciais de atividade foi não estabelecer
com suficiente clareza quais conceitos e habilidades o aluno deveria mobilizar para a
resolução daqueles exercícios.

3.4 Experiência prática com as atividades

Diante das dificuldades apresentadas na primeira proposta de atividade, busquei elaborar


as novas versões que comportassem de forma mais objetiva e clara quais aspectos e
habilidades eu pretendia que fossem mobilizados, ou ainda, qual caminho de
aprendizagem eu esperava que fosse percorrido. Como base teórica para o
desenvolvimento dessas atividades, mirei a perspectiva da construção de práticas e
vivências amparadas na pedagogia feminista18 e embasada em educadoras feministas
como Guacira Lopes Louro e bell hooks.
A importância de criar espaços plurais no ambiente escolar, já mencionada
anteriormente, é defendida por Louro ao destacar a importância de construir práticas
educacionais que intervenham nos atuais arranjos das relações de gênero e sexuais, que
de modo geral apresentam um formato excludente e normatizador. Refletindo sobre as
possibilidades efetivas e concretas de ruptura no cotidiano escolar, a autora afirma:

18
As pedagogias feministas não são um método fechado, mas sim formas de se pensar os processos de ensino
e aprendizagem que valorizam a pluralidade. Essas práticas pedagógicas indicam como central a resistência
à hierarquia, a experiência vivida como um recurso de aprendizagem e a busca por uma aprendizagem que
seja verdadeiramente transformadora, de modo que os envolvidos tenham pensamentos e convicções
abalados. Louro (2014).
A ambição pode ser “apenas” subverter os arranjos tradicionais de gênero na sala de aula:
inventando formas novas de dividir os grupos para os jogos ou para os trabalhos;
promovendo discussões sobre as representações encontradas nos livros didáticos ou nos
jornais, revistas e filmes consumidos pelas/os estudantes; produzindo novos textos, não
sexistas e não racistas; investigando os grupos e os sujeitos ausentes nos relatos da História
oficial, nos textos literários, nos “modelos” familiares; acolhendo no interior da sala de
aula as culturas juvenis, especialmente em suas construções sobre gênero, sexualidade,
etnia, etc. Aparentemente circunscritas ou limitadas a práticas escolares particulares, essas
ações podem contribuir para perturbar certezas, para ensinar a crítica e a autocrítica (um
dos legados mais significativos do feminismo), para desalojar as hierarquias. [Louro,
2014:124]

Nesse sentido, além de promover o contato com sujeitos ausentes do discurso


oficial por meio do quadrinho, busquei elaborar atividades que convidassem os estudantes
a explorar determinados aspectos que possibilitassem deslocamentos e desconstruções,
abalando concepções prévias que aparecem, como já apresentado anteriormente,
frequentemente associadas ao imaginário relacionado com a escravidão.
O terceiro contato com os estudantes ocorreu em outubro de 2018. Com a mesma
turma do segundo ano do Ensino Médio, apliquei as atividades que são apresentadas no
livro que acompanha essa dissertação em um total de quatro aulas na mesma semana.
Como a leitura de Caetana já tinha sido realizada no encontro anterior, solicitei que os
estudantes fizessem pequenos grupos de três a quatro alunos para reler o quadrinho e o
material, em um primeiro momento enquanto eu circulava pela sala para tirar dúvidas
sobre eles.
No primeiro bloco de atividades denominado “Família escrava e casamento”
proponho inicialmente realizar uma sondagem da percepção inicial dos estudantes sobre
o quadrinho — solicitando que eles destaquem os pontos que mais chamaram a atenção e,
posteriormente, façam uma contraposição entre a concepção que tinham anteriormente da
vida dos escravos no Brasil e as possíveis mudanças após a leitura de Caetana. Uma
possibilidade para essa atividade inicial é que o professor antes da leitura do quadrinho
elenque na lousa algumas das ideias associadas à vida dos escravizados.
A maioria dos estudantes declarou na primeira questão que os elementos que mais
chamaram atenção no caso de Caetana foram sua postura firme e decidida, aparecendo as
seguintes expressões: “guerreira que não se levou pelos ideais da época”, “mesmo que ela
fosse uma escrava ainda era humana e tinha sentimentos”, “uma mulher de pulso firme
que não aceita que outros tomem decisões por ela”, além de mencionarem também “o fato
do dono de Caetana se importar tanto com ela e ela não querer de jeito nenhum o
casamento”.
Destaco que na segunda questão a maioria afirmou que o quadrinho Caetana
mudou sua visão sobre a vida dos escravos no Brasil pois não sabiam que os escravos
poderiam se casar e que pudessem solicitar o divórcio, exemplificado na resposta de um
estudante ao afirmar que “nunca imaginaria que eles podiam se ‘revoltar’ e pedir um
divórcio para um casamento arranjado por seu senhor”. Além do casamento, alguns
estudantes mencionaram que desconheciam as especificidades das funções dos escravos
(tropeiros, mucamas etc.) e a hierarquização dentro da fazenda (alguns ocupavam cargos
de maior confiança e proximidade dos senhores), e mencionaram também o
desconhecimento sobre a participação dos escravos no julgamento. Tal mudança na
perspectiva permite-nos concluir que o material alcançou as conclusões almejadas.
A segunda parte dessa atividade consiste em analisar e contrapor um documento
histórico à trajetória de Caetana. O documento apresentado aos alunos é o relato do
viajante francês Charles Ribeyrolles, autor de uma descrição da vida dos escravos como
“sem esperança e nem recordações”. A proposta consiste em, a partir de trechos de
Caetana, justificar se a visão do viajante contraposta ao quadrinho é reforçada ou
contrariada. A apresentação de conceitos como etnocentrismo e alteridade pode
certamente contribuir para a compreensão mais apurada do exercício.
Na atividade sobre o texto de Ribeyrolles, optei por deixar os estudantes
responderem às questões sem o meu direcionamento. Aproximadamente metade dos
alunos compreendeu a visão de Ribeyrolles e a maioria deles apresentou dificuldade em
realizar a contraposição à trajetória de Caetana. A minoria dos estudantes apontou que a
descrição do viajante era contrariada pela HQ, e vários afirmaram que foi reforçada pois
nos dois casos os escravos são obrigados a “fazer coisas contra a vontade”.
Considero que as dificuldades relacionadas com essa atividade e a discrepância
nas respostas dos estudantes decorrem principalmente das dificuldades de interpretação
do texto escrito. Tal situação poderia ser contornada a partir da leitura do texto junto com
os alunos e do debate “frase a frase” do relato de Ribeyrolles, construindo uma
interpretação conjunta como alternativa didática. Embora a compreensão do quadrinho
tenha sido satisfatória, ao propor a comparação com outro documento histórico, os
estudantes apresentaram maiores dificuldades, o que pode ser resultante da pouca
familiaridade no trabalho com as fontes.
O segundo bloco de atividades — “Caetana diz não: por quê? — As motivações
da recusa” — instiga o aluno a pensar historicamente nas possibilidades que motivaram o
“não” de Caetana e também a refletir sobre o conceito de anacronismo e a construção do
conhecimento histórico, entendendo-o como parte de um processo fluído e fragmentário.
Os exercícios propostos nesse bloco orientam a retomada de quais foram os
argumentos mobilizados por Jacintha para convencer Caetana e quais eram as vantagens
do casamento, tanto para os proprietários quanto para os cativos. Por fim, o exercício final
apresenta uma tabela com algumas hipóteses sobre a motivação da recusa e o conceito de
anacronismo, sugerindo a identificação pelos estudantes de quais apresentam maior ou
menos plausabilidade e quais são anacrônicas, além de ser convidado a criar uma hipótese
própria. É recomendado que essas questões sejam respondidas após a leitura dos textos
complementares, e optei por montar na lousa com os alunos uma linha do tempo que
colocasse alguns marcos temporais históricos, incluindo os sugeridos pelas hipóteses das
atividades.
Os estudantes demonstraram uma boa compreensão da argumentação de Jacintha
ao tentar convencer Caetana a aceitar o matrimônio, assim como as motivações e
vantagens do casamento entre escravos para os proprietários e cativos, e a maioria
apresentou respostas esperadas. Em relação à atividade 3, que mobiliza o conceito de
anacronismo, optei por complementar o texto com uma explicação mais detalhada
acompanhada da menção de outros exemplos.
Em relação à análise de hipóteses, parte significativa dos estudantes considerou
que a hipótese mais improvável historicamente era a Hipótese 4: “Caetana pretendia partir
para a África para buscar suas raízes. O casamento dificultaria esse plano”. A maioria dos
estudantes argumentou que não havia no quadrinho nenhuma menção a essa ideia e alguns
apontaram que Caetana era crioula, nascida na própria fazenda Rio Claro, sendo portanto
improvável que planejasse viajar para o continente africano. Alguns estudantes
consideraram como improvável também a Hipótese 3: “Caetana professava a religião
protestante, portanto achava inadmissível ser obrigada a casar-se na Igreja Católica”,
justificando que a recusa de Caetana não tinha “nada a ver com religião”.
No questionamento sobre quais das hipóteses é anacrônica, a maioria dos
estudantes apontou a Hipótese 5: “Caetana sabia dos debates sobre a abolição e preferia
aguardar a Lei Áurea antes de se casar”, justificando que não era possível a escrava saber
sobre uma lei que seria feita meio século após o momento em que se passa a história.
Por fim, sobre a hipótese considerada historicamente mais plausível, as respostas
dividiram-se entre a Hipótese 2: “Caetana não queria se casar pois o matrimônio estava
associado à maternidade. A jovem escrava não queria ser mãe”, e a Hipótese 1: “Caetana
teve contato ao longo de sua vida na fazenda Rio Claro com freiras. Ela tinha intenção de
seguir a vida religiosa, por isso não queria casar”. Sobre a escolha dessas hipóteses, vale
destacar que a Hipótese 1 sobre o contato de Caetana com a vida religiosa é aventada pela
própria Graham em sua obra. Já a escolha pelos estudantes da hipótese que menciona a
maternidade possivelmente relaciona-se com a apresentação das amas de leite no material,
tendo em vista que essa temática despertou muito interesse durante sua leitura.
Considero que o desempenho dos estudantes nessa atividade demonstra um
satisfatório nível de compreensão da HQ e uma boa contextualização dela, ainda que essa
turma não tenha estudado escravidão. Atribuo os resultados profícuos dessa atividade à
elaboração coletiva da linha do tempo na lousa.
O bloco III — “Gênero e raça no Brasil escravista” — propõe uma reflexão sobre
as implicações das questões de gênero e raça no processo de anulação do casamento de
Caetana, a partir da apresentação da argumentação utilizada pelo advogado “defensor do
matrimônio”. Pretende-se com essa atividade que os estudantes percebam que Caetana
estava inserida em uma estrutura de relações de poderes e de discursos que faziam com
que seu testemunho e versão sobre o casamento, por exemplo, fossem entendidos como
socialmente menos confiáveis e legítimos devido ao fato de tratar-se de uma mulher negra
e escrava. O último item da atividade sugere uma pesquisa externa, na qual o estudante
aponte algum caso contemporâneo que demonstre a imparcialidade da justiça ou a
interferência de aspectos como gênero e raça no processo.
Na execução dessa atividade, direcionei a leitura do texto sobre a argumentação
do advogado defensor do matrimônio pois, considerando as dificuldades de leitura com o
texto de Ribeyrolles, julguei que esse excerto apresentava um vocabulário ainda mais
complexo. Tratou-se de fato de um texto de difícil compreensão, e muitas dúvidas nas
expressões foram levantadas, como nos termos “presumir”, “coagir”, “consórcio”,
“pundonor”, “tálamo” e “lascivas”. A leitura conjunta e a resolução das dúvidas foram
fundamentais para o desempenho da atividade, pois a interpretação desse texto foi
considerada de um grau elevado de dificuldade pelos estudantes, de modo que parece
pouco viável que essa atividade seja realizada sem o direcionamento do professor.
Realizada a leitura, os estudantes demonstraram pelas respostas compreender a
diferença de legitimidade dos depoimentos perante a justiça eclesiástica do período, e
afirmaram que tal situação era “esperada devido ao racismo da época”. A questão 3 desse
bloco solicita a realização de uma pesquisa de um caso que justifique a pergunta “Podemos
afirmar que nos dias atuais aspectos como gênero e raça interferem nas ações jurídicas?”.
Como a atividade foi realiza em sala de aula e não havia possibilidade de consulta a fontes
externas, os alunos responderam sem mencionar um caso específico, e a maioria das
respostas defendeu que os aspectos que interferem atualmente nas questões jurídicas são
raça e classe social.
Por fim, o bloco IV — “O método do historiador” — retoma o método da
construção de biografias e, nesse caso especificamente, uma biografia coletiva de escravos
que participaram de uma revolta em Campinas, na obra Senzala insurgente. malungos,
parentes e rebeldes nas fazendas de Campinas (1832), de Ricardo Pirola (2011). Essa
atividade distingue-se das demais por apresentar um texto introdutório mais extenso e um
formato que se assemelha a um infográfico com determinado nível de interatividade. Na
realização dessa atividade, os estudantes demonstraram de imediato interesse e
curiosidade pela temática, especialmente por se tratar de um caso ocorrido na cidade de
Campinas.
Considerando as especificidades do formato desse exercício, solicitei aos alunos
que organizassem as carteiras em forma de ferradura para que pudéssemos realizar a
leitura coletivamente e debater sobre as possibilidades indicadas pelo infográfico. Após a
leitura do texto sobre a revolta, abordei alguns aspectos sobre como eles imaginavam que
era feita uma pesquisa histórica e quais fontes poderiam ser usadas.
O acompanhamento do infográfico suscitou diversas dúvidas sobre as fontes
históricas, sendo necessário explicar as mencionadas. Embora o texto e a própria atividade
apresentem algumas definições, o exercício certamente será mais bem aproveitado se
realizado após uma introdução expositiva geral, com a apresentação de alguns tipos de
documentos históricos para que os estudantes estejam minimamente familiarizados. No
caso da turma em que o apliquei, alguns alunos contribuíram com conceitos que tinham
sido abordados nas aulas iniciais da disciplina, no primeiro ano do Ensino Médio.
A condução pelo professor dessa atividade é importante principalmente devido à
presença de termos que são pouco ou desconhecidos pelos alunos, tais como registros
eclesiásticos, processo-crime, inventário post-mortem etc. A maior parte do exercício foi
realizada oralmente, assumindo um formato de debate. Essa proposta de exercício
apresenta um significativo potencial para ser expandida, sendo possível levar um
documento fac-símile de cada categoria ou realizar uma visita ao arquivo para que os
alunos tenham a oportunidade de observar esses documentos pessoalmente.
Considero ainda que essa atividade permite a problematização fundamental sobre
o quadrinho Caetana ser entendido pelos alunos como um documento histórico, que tem
sua historicidade e também é portador de discursos históricos e não da “verdade sobre o
que realmente aconteceu”.
As propostas de atividades elaboradas, assim como todo o material, buscam
contribuir e propor reflexões que contribuam para a construção de práticas escolares
antirracistas e antissexistas, reforçando assim a construção de espaços e vivências mais
plurais e tolerantes.
A construção do conhecimento pode ocorrer de formas outras que não somente a
“entrega do conteúdo” como responsabilidade de uma única pessoa, mas sim a partir de
um processo coletivo (Louro, 2014:118). Nesse sentido, considero que o trabalho com
Caetana em sala de aula, a partir da leitura e discussão conjunta e da aproximação com as
temáticas abordadas, possibilita uma prática menos verticalizada e que certamente
favorece a aproximação entre professores e educandos.

Considerações finais

A pesquisa que desenvolvi no Mestrado Profissional em Ensino de História nasceu do


encontro da minha atividade docente com a afinidade pelo desenho. As especificidades do
ProfHistória viabilizaram a confecção de um trabalho que explorou uma das interessantes
possibilidades do trabalho docente: o processo criativo de atividades e materiais didáticos.
Objetivei o desenvolvimento de um material enfatizando uma narrativa feminina
que rompesse com concepções hegemônicas sobre a escravidão, reverberadas ainda com
alguma frequência nos materiais didáticos e presentes no imaginário dos estudantes. Falar
“não” acarretou um risco real e efetivo para Caetana, tanto da expulsão de casa quanto da
punição física, ameaças feitas pelo proprietário e pelo próprio tio. Ao utilizar a arte para
contar essa história, busquei sensibilizar os alunos para a potência das experiências de
criação e reconstrução diante das inúmeras violências que permeiam nossas existências.
Diante de tantas vozes e possibilidades, a escolha por Caetana não foi fácil nem
óbvia: selecionar uma narrativa feminina significou também abnegar tantas outras, ainda
que o presente trabalho dialogue com um processo muito mais amplo, marcado por
silenciamentos e ausências. Tal opção se vincula, no entanto, com questões que me
sensibilizam profundamente e estão presentes de forma inerente no cotidiano escolar, isto
é, as marcas profundas de séculos de escravidão e os nefastos impactos do racismo
estrutural. A discussão deste ponto urge nas salas de aulas, nas quais práticas excludentes
e estigmatizadoras apresentam-se ainda de forma naturalizada e cotidiana.
Não posso deixar de mencionar também, como elemento dessa escolha, os recentes
ataques que vêm sendo feitos em relação à presença da temática de gênero no espaço
escolar, em nome de um suposto combate à doutrinação e à “ideologia de gênero”. É o
momento de reafirmarmos a relevância da presença dessa temática nas salas de aula, tendo
em vista a importância dessa categoria no entendimento dos processos históricos e o
espaço de liberdade e pluralidade que deve caracterizar a escola.
Adaptar para quadrinhos a inspiradora trajetória de Caetana foi a forma que
encontrei de contribuir na construção de práticas e vivências no espaço escolar mais
plurais e acolhedoras, como parte de um processo importante de avanço na busca pela
igualdade de gêneros e no combate às opressões de raça. Busquei realizar essa adaptação
de forma cuidadosa, dedicando especial atenção à contraposição das tradicionais
representações de mulheres em histórias em quadrinhos, especialmente das mulheres
negras.
O desenvolvimento da pesquisa, norteado também pelas experimentações feitas
em sala de aula ao longo do ano, resultou em inúmeras contribuições para minha prática
docente. Esse processo de criação foi permeado — como lhe é próprio e desejado — por
diversos questionamentos e inquietações que busquei contemplar, considerando as
limitações do tempo disponível para o desenvolvimento da pesquisa.
É importante reconhecer as limitações que a experiência prática das atividades em
uma única turma apresenta. Trata-se de um processo difícil o mapeamento efetivo dos
impactos que a leitura do quadrinho e a realização das atividades tiveram ou possam vir a
ter nos estudantes. No entanto, mesmo diante dessas limitações, cabe a nós, professoras e
professores, promovermos espaços de enfrentamento às diversas opressões engendradas
socialmente e construir junto com os estudantes estratégias para tal.
Espero que as aulas com o material evitem a restrita apresentação do conteúdo
histórico da maneira tradicional e vertical entre docentes e estudantes, colocando na
centralidade da construção do conhecimento a leitura coletiva e o debate em torno das
temáticas propostas por Caetana. Tal método de trabalho é fundamental por representar
uma alternativa à concepção da figura da professora como a autoridade e única fonte de
transmissão de conhecimento.
Evidentemente, essa pesquisa não é um trabalho que se esgota ou que se encerra
aqui. Certamente a experiência didática prática de Caetana em outros contextos, por
exemplo, com meus próprios alunos, apresentará novas e imprevisíveis perspectivas,
assim como outras abordagens serão elaboradas por demais docentes que tiverem contato
com o material. Considero ainda muito profícua a futura criação de um canal para que
possamos compartilhar nossas experiências e sugestões sobre ele.
Espero que esse trabalho, por meio das reflexões propostas e pela arte, faça com
que o encontro de professores e estudantes com Caetana seja sensível e transformador. E
que nos permita, conforme defendido por bell hooks (2017), que mesmo diante de todas
as limitações, as salas de aulas possam se manter como um campo de possibilidades, onde
possamos continuar trabalhando pela liberdade.

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ACERVO Brasiliana Fotográfica Digital. Disponível em:
http://brasilianafotografica.bn.br/.
Anexos

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Ensino de história para alunos surdos em classes
inclusivas: práticas e propostas

Paulo José Assumpção dos Santos


Sumário

Introdução

1. O surdo, a inclusão e o ensino de história


1.1 Surdez e inclusão
1.2 As pesquisas sobre o ensino de história para alunos surdos

2. Desafios do ensino de história para alunos surdos em uma escola inclusiva


2.1 Um uso da história oral
2.2 Santa Luzia: que escola é essa?
2.3 A inclusão de alunos surdos na E. M. Santa Luzia
2.4 Desafios do ensino de história para alunos surdos em classes inclusivas

3. Enfrentando os desafios
3.1 Lendo imagens nas aulas de história
3.2 A construção de materiais acessíveis de história

4. Caderno de orientações e sugestões para o ensino de história em classes


inclusivas com alunos surdos
4.1 Apresentação
4.2 Quem é o (aluno) surdo?
4.3 Uma breve história dos surdos
4.4 Diretrizes para o trabalho com alunos surdos
4.5 Compartilhando estratégias diferenciadas de ensino e avaliação
4.6 Publicações sobre ensino de História para alunos surdos
4.7 Referências do caderno

Considerações finais
Referências
Lista de siglas e abreviaturas

AEE Atendimento Educacional Especializado


ASL Língua de Sinais Americana
Capes Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CEP Comitê de Ética em Pesquisa
CFCH Centro de Filosofia e Ciências Humanas
CNS Conselho Nacional de Saúde
Conedu Congresso Nacional de Educação
D.A. Deficiente Auditivo
dB Decibéis
E. M. Escola Municipal
EaD Ensino à distância
EJA Educação de Jovens e Adultos
Emef Escola Municipal de Ensino Fundamental
Enem Exame Nacional do Ensino Médio
ES Espírito Santo
FCEE Faculdade Catarinense de Educação Especial
Feneis Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos
Feuduc Fundação Educacional de Duque de Caxias
GEPeSS Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Surdez
HQ História em quadrinhos
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
Ideb Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
IDH Índice de Desenvolvimento Humano
Inep Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira
Ines Instituto Nacional de Educação de Surdos
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
Libras Língua Brasileira de Sinais
LS Língua de sinais
MA Maranhão
MBA Master of Business Administration
MEC Ministério da Educação
MDB Movimento Democrático Brasileiro
ONU Organização das Nações Unidas
PIB Produto Interno Bruto
PNBE Programa Nacional Biblioteca da Escola
PNLD Programa Nacional do Livro Didático
PPGED Programa de Pós-Graduação em Educação
PPGEH Programa de Pós-Graduação em Ensino de História
PPP Projeto Político Pedagógico
ProfHistória Mestrado Profissional em Ensino de História
RCLE Registro de Consentimento Livre e Esclarecido
RJ Rio de Janeiro
RN Rio Grande do Norte
SME Secretaria Municipal de Educação
Senac Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
SRM Sala de Recursos Multifuncionais
TILSP Tradutor Intérprete de Língua de Sinais e Portuguesa
TCC Trabalho de Conclusão de Curso
UEPB Universidade Estadual da Paraíba
Uerj Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Ufes Universidade Federal do Espírito Santo
UFF Universidade Federal Fluminense
UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro
UFRRJ Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Unigranrio Universidade do Grande Rio
Unirio Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
Unisal Centro Universitário Salesiano de São Paulo
USP Universidade de São Paulo
UTFPR Universidade Tecnológica Federal do Paraná
UVA Universidade Veiga de Almeida
WFD World Federation of the Deaf (Federação Mundial dos Surdos)
Aos companheiros de ofício e aos nossos
alunos surdos. Na esperança de que, a
partir da escola, possamos contribuir para
a construção de uma sociedade mais
inclusiva.

Para João Paulo, minha melhor produção.


Agora já podemos brincar.

Mesmo considerando os limites sociais e o histórico


civilizatório excludentes, é possível pensar na
possibilidade de uma sociedade onde haja lugar para
a escola e a educação inclusivas para educandos com
deficiência, tendo em vista que esses desejam
realizar sua humanidade e, para tal, necessitam viver
experiências com diferentes subjetividades e na qual
(tomara!). em um futuro breve capaz de mudar a
História, os indivíduos não sejam separados uns dos
outros e de si mesmos, seja na escola ou em qualquer
outra instância social. Os professores, por
intermédio do ensino de História, têm um papel
central nesse movimento cultural contemporâneo.
(Valdelúcia Alves da Costa)
Introdução

O presente trabalho foi concebido a partir de experiências, angústias e


reflexões que, desde 2006, acompanham minha trajetória como professor de
alunos surdos incluídos, ou seja, estudando junto aos ouvintes1 em uma classe
comum de ensino. Naquele ano, acumulando uma experiência de quase uma
década no magistério público, trabalhando com turmas do segundo segmento
do Ensino Fundamental e do Ensino Regular Noturno, fui aprovado para uma
segunda matrícula como professor de história em Duque de Caxias, cidade da
Baixada Fluminense, no estado do Rio de Janeiro, escolhendo para lecionar a
Escola Municipal Santa Luzia, polo na educação de surdos naquele município.
Essa última informação, até então, por mim desconhecida.
À semelhança do ciclo de vida profissional do professor, proposto por
Huberman (2000), procuro entender meu percurso como docente de alunos
surdos, dividindo-o em quatro fases: o susto, a luta, a acomodação e a
retomada. A fase do susto é breve. Tem início em meu primeiro dia na E. M.
Santa Luzia, quando fui comunicado por colegas professores que iria trabalhar
com duas turmas com alunos surdos incluídos, uma do sexto e a outra do
sétimo ano de escolaridade. A princípio, julguei a informação como uma
espécie de trote. Afinal, era novato na escola. Parecia corroborar minha
suposição o fato de que nem a Secretaria Municipal de Educação de Duque de
Caxias (SME/Duque de Caxias) e nem a direção da escola me informaram a
respeito da presença dos surdos na unidade escolar. Logo constatei tratar-se
de uma verdade.
Sem nenhuma formação específica — que contava com uma
licenciatura em história, pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ), na qual a grade curricular ignorava a Educação Especial, e uma
especialização em história contemporânea, pela Universidade Federal
Fluminense (UFF) —, além da falta de experiência ou suporte teórico na lida
com educandos surdos, me veio a inevitável pergunta: “E agora, o que fazer?”

1
Nos estudos relacionados à surdez, o termo “ouvinte” é utilizado para designar aqueles que
não são surdos.
Posteriormente, descobriria, por meio dos relatos de diversos professores,
alguns entrevistados na pesquisa da qual resulta a presente dissertação, que
este misto de assombro e dúvida não foi uma reação particular, mas sempre
ressurge em cada colega que se vê pela primeira vez diante de uma turma com
alunos (surdos) incluídos.
Até aquele ponto da minha vida, meus conhecimentos e contatos com
surdos eram parcos. Limitavam-se a lembranças de personagens de programas
e filmes vistos na televisão durante a infância. O Abel, interpretado por Tony
Ramos na novela Sol de verão, exibida pela Rede Globo, entre 1982 e 1983,
para o qual torcíamos por um final feliz no qual falasse. Os parceiros mudos
do herói Zorro e dos filmes de aventura protagonizados por Burt Lancaster na
década de 1950, ambos dramaturgicamente servindo como alívio cômico. Já
na idade adulta e no mundo real, vez ou outra era abordado por um surdo nas
praças de alimentação dos shopping centers, onde pediam esmola em troca de
um cartão com o alfabeto da Língua Brasileira de Sinais (Libras). Assim, se
formaram meus (pre)conceitos a respeito dos surdos: deficientes, incompletos,
burlescos e dignos de pena.
Não à toa o pânico e a sensação de incompetência ao cruzar o limiar
daquela sala de aula do sexto ano e me deparar com meus primeiros alunos
surdos. Ignorá-los? Para mim não era opção. Tinham o direito de aprender
como os demais, os ouvintes. Incomodava-me ver aquela parcela da turma
alheia ao que era ensinado. Assim, passei à fase da luta. Procurei informações
de como lecionar para aqueles sujeitos junto aos colegas mais experientes e
aos professores que atuavam mais próximos desses alunos, como os docentes
das classes especiais2 e os da Sala de Recursos.3 Naquele mesmo ano de 2006,
frequentei o curso de Libras, oferecido pela SME/Duque de Caxias nas
dependências da E. M. Santa Luzia. Valendo-me de saberes práticos
(Monteiro, 2010:167), calcados muito mais na experimentação do que em

2
As classes especiais são turmas que atendem exclusivamente a alunos com deficiência. Cada
classe é formada por alunos com um mesmo tipo de deficiência. Assim, há a classe dos surdos,
a classe dos deficientes intelectuais etc. Atualmente, têm a finalidade de introduzir esses
discentes na escola e prepará-los para uma posterior inclusão nas classes regulares (Pletsch,
2012).
3
A Sala de Recursos ou Sala de Recursos Multifuncional (SRM) é um espaço da escola,
provido de materiais didáticos diferenciados, onde é oferecido o Atendimento Educacional
Especializado (AEE) aos alunos com deficiência, no contraturno àquele no qual estão
incluídos em classes regulares. Funciona como um suporte a esta inclusão (Brasil, 2009).
conhecimentos de origem científico-acadêmica, adaptei estratégias de ensino,
materiais e avaliações, alguns dos quais serão apresentados mais adiante.
Os intérpretes de Libras, profissionais com quem eu passaria a dividir
a “minha” sala de aula, também muito auxiliaram ao me indicar o que é mais
adequado no ensino de alunos surdos. Isto quando podia contar com a
presença de tais profissionais, uma vez que, em consequência de uma frágil
situação funcional, que pouco mudou nesses últimos anos, diversos intérpretes
se demitiram, em busca de melhores oportunidades, ou foram demitidos. Sua
substituição geralmente demora a ser feita, acarretando grave prejuízo à
aprendizagem dos discentes surdos, que ficam sem acesso a uma série de
conteúdos e informações. Situação que sempre provocou em mim angústia e
exasperação.
Por outro lado, em um dos momentos com intérpretes, por volta de
2007, chegamos inclusive a trabalhar de uma forma próxima à codocência.4
Por iniciativa deles, nós, professores, lhes antecipávamos os conteúdos e
conceitos que seriam abordados em sala para que eles fossem pesquisados
com antecedência. Dessa forma, os intérpretes preparavam-se melhor para as
aulas e, assim, ofereciam uma interpretação muito mais próxima ao que os
docentes ensinavam. Foi um tempo muito profícuo, no qual até mesmo
combinados de sinais em Libras específicos foram criados para uso nas aulas
das diferentes disciplinas que compõem o segundo segmento do Ensino
Fundamental na escola. A despeito do trabalho desenvolvido, por razões
burocrático-administrativas, a prefeitura de Duque de Caxias não renovou o
contrato desse grupo, substituindo-o por outros intérpretes. Indignados, eu e
outros membros da comunidade escolar nos mobilizamos para reverter tal
decisão junto à SME, sem sucesso. No último dia daqueles intérpretes na
escola, fui surpreendido com uma bela carta de despedida (imagem 1), a qual
me permito divulgar aqui por muito me orgulhar, cujas palavras indicavam,
na avaliação de um daqueles profissionais, que eu realizava práticas
apropriadas junto aos alunos surdos.

4
A codocência ocorre quando o professor docente e o intérprete de Libras se tornam
corresponsáveis pela aula, trabalhando juntos desde o planejamento até sua execução (Costa
e Kelman, 2018).
Imagem 1
Carta de despedida do intérprete Luiz Eduardo A. Ferreira (2007)

Fonte: acervo do autor.

Os novos intérpretes, com o tempo, revelaram-se tão competentes


quanto seus colegas que os antecederam. No entanto, não prosseguimos com
o trabalho em conjunto conforme fizemos com o grupo anterior. A partir
daquele momento, passamos na escola por um período de presença mais
estável desses profissionais, o que, no decorrer do tempo, acabou produzindo
em mim uma certa acomodação. Veio a terceira fase. Parecia serem suficientes
a presença dos intérpretes em sala e as adaptações já realizadas para que a
aprendizagem dos surdos ocorresse. Além disso, desanimaram-me os novos
grupos de alunos surdos, que se mostravam menos interessados do que aqueles
com quem trabalhei nos primeiros anos; a falta de continuidade no curso de
Libras,5 o que me levou a abandoná-lo e, consequentemente, a esquecer uma
série de sinais; e a constatação de que as ações em prol de uma efetiva inclusão
de alunos surdos eram iniciativas individuais deste ou daquele profissional e
não da escola ou da rede como um todo. Faltava apoio e valorização.
O ano de 2015 marcou uma nova fase em meu trabalho com alunos
surdos incluídos: a retomada. Visando a oferta de atendimento com
perspectiva bilíngue Libras/língua portuguesa (Garrutti-Lourenço, 2017) na
E. M. Santa Luzia, ocorreu a inclusão da disciplina Libras na grade curricular
do segundo segmento do Ensino Fundamental. Ao longo daquele ano, o corpo
docente da unidade de ensino desenvolveu o projeto “Libras: que língua é
essa?”. No âmbito desse projeto, produzi, em conjunto com as professoras da
Sala de Recursos, os assistentes educacionais de Libras6 e os próprios alunos,
materiais bilíngues para o ensino e avaliação de conteúdos da disciplina
história. Considero a realização de um vídeo contendo um resumo em Libras
apresentado por um aluno surdo e estudantes ouvintes, com ambos sendo
responsáveis por cada etapa do trabalho, aprendendo e ensinando uns aos
outros, o mais próximo do que consegui alcançar como uma escola de fato
inclusiva para todos.
Incentivado por colegas para que apresentasse estas práticas para além
dos muros da escola e buscando um aporte teórico-reflexivo a elas, considerei
interessante ingressar no Mestrado Profissional em Ensino de História
(ProfHistória), cuja proposta de incentivar a reflexão do fazer docente e
produzir dispositivos didáticos inovadores na Educação Básica atendia ao que
procurava em termos de formação continuada e reinserção na vida acadêmica.

5
A cada ano, o programa do curso retornava aos mesmos conteúdos iniciais.
6
Assistentes educacionais de Libras são profissionais surdos que auxiliam os alunos com
surdez, além de servir como modelo de referência (Almeida, 2014:68). No município de
Duque de Caxias são contratados pela prefeitura, devendo ser proficientes em Libras e ter
como formação mínima o Ensino Médio.
Desta forma, em 2016, apresentei minha intenção de pesquisar o ensino de
história para alunos surdos incluídos ao colegiado do Programa de Pós-
Graduação em Ensino de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(PPGEH/UFRJ), vinculado ao ProfHistória, do qual me tornei mestrando.
Posteriormente, em 2017, já sob influência dos estudos realizados, retomei o
curso de Libras, desta vez, no Instituto Nacional de Educação de Surdos
(Ines). Também passei a integrar o Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Surdez
(GEPeSS), da Faculdade de Educação da UFRJ, a fim de trocar experiências
e aprofundar conhecimentos relacionados com o meu, a partir de então, objeto
de pesquisa.
O ensino de história para alunos surdos, sobretudo quando esses
sujeitos se encontram incluídos em classes regulares, é permeado por uma
série de questões: como lhes ensinamos sem um conhecimento prévio a
respeito de suas peculiaridades, das abordagens didáticas mais adequadas a
serem utilizadas no trabalho com eles e de noções básicas de Libras? Como
ensinar uma disciplina que ainda se apoia fundamentalmente em narrativas
orais e em textos escritos para sujeitos usuários de uma língua distinta e que
apresentam dificuldades na compreensão da língua portuguesa? Como os
surdos leem o mundo a partir dos sentidos que não a audição, quais recursos
e estratégias podem ser utilizados capazes de mobilizar a aquisição de
conhecimentos? Há especificidades no ensino de história que poderiam
facilitar a aprendizagem dos alunos surdos incluídos? Quais as formas
adequadas de mediação? Como fazer com que possam se tornar alunos ativos
e protagonistas nas classes inclusivas? Incluir a presença surda no estudo da
trajetória humana poderia tornar a disciplina história mais atrativa para o aluno
surdo e contribuir para a valorização deste grupo? De que maneira deve se dar
a relação com o intérprete de Libras e outros profissionais da escola que
também atuam junto aos alunos surdos? Existem sinais para todos os conceitos
de história? Diante das necessárias adaptações, dos conteúdos às estratégias,
passando pelo ritmo impresso à aula e culminando com o uso de avaliações
diferenciadas, como ficam, nas turmas inclusivas, os alunos ouvintes?
A pesquisa que desenvolvo decorre em grande parte de minha
inquietude diante dessas indagações e da forma como ocorre a inclusão escolar
de alunos surdos. Inclusão que, contraditoriamente, se revela excludente, na
forma como os surdos são, não raro, relegados a uma mera condição de
espectadores alheios e passivos às aulas, quando muito, meros copistas.
Situação que não é exclusiva de um professor ou de uma disciplina ou unidade
escolar, haja vista o tema proposto para a redação do Exame Nacional do
Ensino Médio (Enem), em sua última edição (2017): “Desafios para a
formação educacional de surdos no Brasil”. Imagino o desafio dos candidatos
para discorrer sobre uma questão tão importante, porém pouco debatida em
nossa sociedade. Não à toa, a quantidade menor de notas máximas em redação
na comparação com a edição anterior do exame e 6,5% dos candidatos terem
recebido nota zero, e, destes, 5,01% fugiram do tema proposto, um aumento
de 542% em relação ao Enem de 2016 (Luiz, 2018). Agora, imagine o meu
desafio e de meus colegas em lidar na prática e cotidianamente com essa
questão.
A fim de investigar a problemática aqui levantada, além do estudo da
bibliografia especializada, optei por pesquisar as práticas de ensino de história
para alunos surdos incluídos na escola onde atuo, a já referida E. M. Santa
Luzia. Essa unidade escolar está localizada no Parque Equitativa, bairro do
Terceiro Distrito de Duque de Caxias, distante 22 km do centro daquele
município e 40 km da cidade do Rio de Janeiro, donde é possível afirmar que
se encontra na periferia da periferia (imagem 2). Acredito que, partindo da
investigação dessa escola, tida como referencial no ensino de surdos, possa
inferir como ocorre o ensino para esses discentes incluídos em outras escolas
públicas, verificando as relações entre teorias e práticas, promovendo
reflexões a respeito do fazer docente e identificando atividades didáticas bem-
sucedidas que possam ser replicadas em realidades similares.

Imagem 2
Localização da Escola Municipal Santa Luzia
Fonte: Google. O bairro de Campo Grande, na cidade do Rio de Janeiro, aparece destacado
por ser onde reside o autor desta dissertação e professor da unidade escolar em questão.

A base empírica de onde parte a análise da presente dissertação são os


depoimentos dos docentes do ensino de história que atuam ou atuaram na E.
M. Santa Luzia, entre os quais me incluo, e que constituem testemunhos
bastante confiáveis (Sarlo, 2007:21), fontes privilegiadas de um currículo, não
apenas prescrito, mas vivido. São os enfrentamentos (ou não enfrentamentos)
desses professores a um desafio hercúleo que pretendo revelar. Esforços
empreendidos individualmente ou em parceria com outros profissionais da
unidade escolar. Quase sempre realizados de maneira experimental, sem,
necessariamente, amparar-se na literatura especializada.
O trabalho acadêmico que realizo propõe, a partir das falas de
professores, identificar os elementos que, nas suas percepções, dificultam a
inclusão de alunos surdos. Faço esse levantamento dos entraves para subsidiar
o debate a respeito dos problemas que envolvem a inclusão. Não para rechaçá-
la, mas para que seus defeitos não permaneçam encobertos por uma ingênua
máscara de boas intenções. Nessa perspectiva, reflito sobre as dificuldades
apontadas, com base nas pesquisas relacionadas com o ensino para alunos
surdos, particularizando o ensino de história, e procuro apontar possibilidades
de superação, a partir de um diálogo entre os caminhos indicados pela
produção acadêmica e a análise das experiências docentes. O intuito principal
foi chegar a um produto final que possa servir como suporte didático aos
professores. Produto que seja capaz de trazer à superfície boas práticas, muitas
vezes não registradas ou deixadas para trás no fluxo das atividades escolares.
Embora a proposta aqui apresentada esteja calcada na narrativa de
professores e o produto final seja diretamente destinado a eles, acredito que a
importância maior da realização da pesquisa empreendida é promover uma
possibilidade de ensino de qualidade aos alunos surdos incluídos (e aos seus
colegas ouvintes também), procurando conferir a estes sujeitos um direito que
lhe é assegurado por acordos internacionais7 e pela legislação nacional8
(Novaes, 2014:64-75). Pretendo, com o resultado desta pesquisa, prestar
minha contribuição para tirar o aluno surdo de uma condição de invisibilidade
na escola inclusiva (Kelman e Buzar, 2012), uma vez que irei compartilhar
informações, recursos e estratégias que possam dar a esses educandos mais
autonomia e protagonismo em sala de aula. Tornar mais acessível o ensino de
história pode instrumentalizar os alunos surdos com uma gama de
conhecimentos que a barreira linguística os impede de adquirir fora da escola,
além de concorrer na elaboração de uma consciência histórica sobre si e sobre
o grupo do qual fazem parte.
Minha pesquisa encontra ainda sua justifica ao abordar uma temática
pouco explorada por pesquisadores da área de história e até mesmo do ensino
de história, conforme constatei na realização da revisão bibliográfica e
corroborado por outros estudos (Mattos, 2016:16; Oliveira, Eiras e Kelman,
2018). O levantamento feito, que inclui produções não indicadas em pesquisas
anteriores, amplia a bibliografia sobre a relação ensino de história/surdez e
será apresentado na forma de seu atual estado da arte. Acredito ainda que a
mais importante singularidade do trabalho que ora apresento repouse no
produto final, nem tanto pelo ineditismo,9 mas por ser construído “de baixo

7
Declaração de Salamanca. Sobre princípios, políticas e práticas na área das necessidades
educativas especiais (1994); Convenção Interamericana para a Eliminação de todas as formas
de Discriminação contra a Pessoa Portadora de Deficiência (1999).
8
Constituição da República Federativa do Brasil (1988); Política Nacional para Integração da
Pessoa Portadora de Deficiência (1999); Lei de Diretrizes e Bases da Educação (1996); Lei
no 10.436, de 24/4/2002 (“Lei de Libras”); Decreto no 5.626, de 22/12/2005.
9
Há uma dissertação, de Mara Rúbia Pinto de Almeida, para o Mestrado Profissional em
História (não confundir com o Mestrado Profissional em Ensino de História), da Universidade
Federal de Goiás, que, embora não discorra sobre o ensino de história para alunos surdos,
apresenta como produto final um guia de orientação para o professor que atua com alunos
surdos em classes regulares, independentemente de sua disciplina, no qual enfatiza o uso da
Libras em sala de aula, trazendo ainda, sob o formato de perguntas e respostas, uma síntese
para cima”, ou seja, a partir das práticas de ensino realizadas em uma escola
pública da periferia e em diálogo com a produção acadêmica. Dessa forma,
pretendo contribuir tanto para a prática docente como para futuras pesquisas
relacionadas com a temática. Aqui efetiva-se concretamente a ação de um
professor-pesquisador, enfrentando positivamente todas as suas condições
precárias de trabalho e de formação específica para o ensino de história para
surdos em turmas inclusivas, objetivando dar a esses o melhor que
situacionalmente pode ser dado.
À vista disso, o trabalho aqui apresentado tem como objetivo principal
oferecer um produto didático que possa servir como suporte aos professores
de história que atuam em turmas com alunos surdos incluídos, a fim de
promover uma inclusão mais efetiva dos alunos surdos. São objetivos
específicos desta pesquisa: contribuir para as reflexões a respeito do ensino de
história para alunos surdos incluídos em classes regulares; empreender um
levantamento das pesquisas realizadas no Brasil a respeito desse ensino;
historicizar e caracterizar as práticas de ensino de história nas turmas
inclusivas do segundo segmento do Ensino Fundamental em uma escola
pública da periferia do Rio de Janeiro, identificando problemas, sucessos e
fracassos no processo ensino-aprendizagem da referida disciplina.
O texto desta dissertação está organizado em quatro capítulos. O
primeiro, intitulado “O surdo, a inclusão e o ensino de história”, de caráter
mais teórico, introduz o leitor, talvez neófito em estudos relacionados com os
surdos, no tema central do presente trabalho. Apoiando-me em Caimi (2015),
parto da premissa de que o professor de história, para ensinar, precisa entender
quem são seus alunos e de que formas pode contribuir para que aprendam. O
que se torna ainda mais urgente quando seus discentes são surdos, dadas as
especificidades desses sujeitos. Assim, inicio o capítulo com uma
apresentação dos conceitos relacionados com a surdez e a inclusão por mim
utilizados. Na sequência, realizo uma revisão bibliográfica das produções
acadêmico-científicas referentes ao ensino de história para alunos surdos,
levantamento inédito nos estudos acerca dessa temática no Brasil. Além de
oferecerem propostas metodológicas, constituíram-se no principal arcabouço

de informações básicas a respeito do aluno surdo e alguns procedimentos didáticos (Almeida,


2017:96-116).
teórico da presente dissertação. É sobretudo com elas que dialogo na análise
dos dados empíricos e demais reflexões aqui realizadas.
O segundo capítulo, “Desafios do ensino de história para alunos surdos
em uma escola inclusiva”, traz os resultados das entrevistas feitas com os
professores de história da Escola Municipal Santa Luzia. Antes, porém,
apresento o desenho metodológico empregado para a construção de fontes a
partir dos depoimentos de professores, com base na história oral (Alberti,
2013; Ferreira e Amado, 2006). Em seguida, servindo-me da mesma, de
informações obtidas em estudos já realizados sobre o ensino para surdos em
Duque de Caxias (Corrêa et al., 2002; Almeida, 2014; Calixto e Ribeiro, 2016)
e em documentos produzidos no âmbito escolar, como o Planejamento
Político Pedagógico (PPP), realizo uma caracterização da Escola Municipal
Santa Luzia e um breve histórico da inclusão de surdos naquela unidade
escolar. Por fim, discorro sobre os desafios já prenunciados no título do
capítulo, selecionados a partir de eixos temáticos (Minayo, 2010:208)
revelados pela análise das fontes orais produzidas, entre os quais: formação
docente, contato inicial com educandos surdos, relacionamento com os
intérpretes de Libras, estratégias didáticas, relação entre concepção de prática
de ensino de história, livro didático, inclusão da história dos surdos aos
conteúdos, recursos visuais e humanos.
No terceiro capítulo, “Enfrentando os desafios”, apresento algumas
ações pedagógicas que venho desenvolvendo em minha trajetória como
professor de classes inclusivas com alunos surdos. São elas: um roteiro
imagético, no qual a exposição de conteúdos é feita a partir da leitura de
imagens; e a produção de materiais bilíngues (Libras/língua portuguesa)
destinados ao ensino e à avaliação de alunos surdos. Os recursos e estratégias
empreendidos são relatados e refletidos à luz da bibliografia especializada,
relacionando-se às duas vertentes metodológicas sobre as quais fundamenta-
se o ensino para os referidos discentes: a pedagogia visual e o bilinguismo.
Atrevo-me a compartilhar minhas práticas por acreditar que possam servir de
inspiração e estímulo a outros professores. Dessa forma, contribuindo para o
enfrentamento dos desafios do ensino de história para estudantes surdos
incluídos, anteriormente identificados.
As teorias e metodologias propostas por especialistas e as demandas,
sugestões e experiências dos docentes da escola objeto da presente pesquisa
subsidiam o produto final que ofereço. Trata-se do “Caderno de orientações e
sugestões para o ensino de história em classes inclusivas com alunos surdos”,
apresentado no quarto capítulo e como um material à parte, com diagramação
diferenciada, anexado à dissertação. Pretendo ainda disponibilizá-lo em meio
eletrônico, como um arquivo digital em PDF. Opto por esse formato
entendendo que facilitará a divulgação do caderno e o acesso aos links nele
indicados. Contudo, nada impede que seja impresso, caso os leitores assim
desejem.
No caderno, utilizo-me de uma linguagem um tanto distinta daquela
empregada no texto das demais partes da dissertação, procurando direcionar-
me mais diretamente ao público-alvo do produto: professores ou futuros
professores de história do segundo segmento do Ensino Fundamental. Desta
forma, minha escrita pretende ser o mais objetiva possível e empática com tais
leitores. Por essa razão, algumas normas mais apropriadas a textos acadêmicos
são evitadas. Donde é possível perceber, por exemplo, um quantitativo menor
de notas de referência e explicativas.
O capítulo/caderno foi dividido em sete seções: “Apresentação”, na
qual expresso as motivações que levaram à criação desse dispositivo didático;
“Quem é o (aluno) surdo?”, onde procuro apresentar esses sujeitos, definindo
conceitos-chave relacionados com a surdez, fundamentais para que o docente
possa desenvolver seu trabalho a partir do conhecimento das singularidades
de tais educandos; “Uma breve história dos surdos”, no qual disponibilizo
alguns dados que tanto complementam a seção anterior como permitem uma
aproximação da possibilidade de inclusão da história dos surdos aos conteúdos
curriculares de nossa disciplina; “Diretrizes para o trabalho com alunos
surdos”, abrindo o setor do caderno mais direcionado à prática docente, aqui
ofereço, na forma de tópicos, uma série de orientações para o trabalho do
professor em classes inclusivas com alunos surdos; “Compartilhando
estratégias diferenciadas de ensino e avaliação”, por sua vez, subdividida em
“Roteiro Imagético”, “Resumo bilíngue (Língua Brasileira de Sinais/língua
portuguesa)” e “Avaliações acessíveis”, onde são (re)apresentadas
experiências pedagógicas no ensino de história que possibilitam o acesso dos
discentes surdos aos conteúdos, à participação e às avaliações, bem como
buscam ser abrangentes também aos ouvintes, além de apresentarem potencial
para serem replicadas em outros contextos inclusivos; “Publicações sobre
ensino de história para alunos surdos”, setor em que elenco os mais relevantes
desses estudos, cada qual acompanhado por um resumo e sua localização na
internet para consulta dos interessados; todos os demais títulos referentes ao
tema encontrados em minha pesquisa constam no primeiro item da última
seção “Referências do caderno”, na qual figuram ainda outras leituras que
fundamentam as informações contidas no produto. Ainda nesse último item,
disponibilizo alguns endereços eletrônicos que creio sejam úteis ao professor
de história que atua junto a educandos surdos.

1. O surdo, a inclusão e o ensino de história

De acordo com o Censo Escolar, levantamento de dados anual a respeito da


Educação no Brasil, o número de alunos com deficiência matriculados em
classes comuns das escolas regulares, entre os quais estão classificados os
surdos,10 saltou de 44 mil para 897 mil, ou seja, mais de 2.000%, no período
compreendido entre 1998 e 2017 (Brasil, 2018). Embora, desde 2012, tenha
se registrado um decréscimo no número de matrículas de alunos denominados
como surdos, eles ainda estão, em sua maioria, incluídos nas turmas das
escolas regulares (Pinho e Mariani, 2017). Considerando o atual contexto
educacional inclusivo no Brasil, estabelecido e amparado por uma série de
políticas públicas e leis, como a Constituição Federal (Brasil, 1988), a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) (Brasil, 1996), o Plano
Nacional de Educação (PNE) (Brasil, 2014) e o Estatuto da Pessoa com
Deficiência (Brasil, 2015), o professor, independentemente do segmento de
ensino em que atua, da sua disciplina, formação ou mesmo de seu desejo, cedo
ou tarde terá que lidar com alunos surdos e/ou com deficiência(s) em suas
turmas. Portanto, não pode deixar de se apropriar, ainda que minimamente, de

10
Segundo definições do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira (Inep), organizador do recenseamento.
conhecimentos relacionados com as peculiaridades desses discentes, seja por
meios próprios, seja pelas redes de ensino, por meio da oferta de formação
continuada.
No contexto da pesquisa que resulta na presente dissertação,
entrevistei os professores de história da Escola Municipal Santa Luzia, polo e
referência na educação de surdos no município de Duque de Caxias (RJ), na
qual esses discentes são incluídos em classes regulares de ensino. Ao serem
indagados a respeito de quem é o surdo, assim responderam:

Profa. Leandra —11 Ai, pergunta difícil. [risos do entrevistador] Eu sei que
tem vários graus, né? Tem pessoa que ouve muito pouco, pessoa que usa
aparelho, tem o surdo que tem… como se fala? Quando a pessoa consegue
vocalizar…
Entrevistador — Oralizado.
Prof.ª Leandra — O surdo oralizado, […] ele consegue compreender você a
partir da observação e tem o pessoal que é mais desenvolvido em Libras. Mas
eu acho que as duas coisas acontecem. Acho que… Eu penso que não dá pra
pessoa só ser desenvolvida em Libras e não ter nenhuma habilidade que a
gente pode chamar de leitura labial. Leigamente falando. Acho que acaba
desenvolvendo as duas coisas ao mesmo tempo. E que existem várias
gradações. Mas fora isso… […] A ignorância é completa. [risos]

Profa. Amélia — Acho que é não ouvir. Por exemplo, eu tive, quando eu era
garota, minha mãe, a minha avó tinha um vizinho que chamavam ele de
“mudinho”. Ele era mudo. E surdo, lógico, porque você é mudo porque você
é surdo [sic]. Você não desenvolve a fala porque você não ouve. E ele era o
“mudinho”. Foi o primeiro surdo que tive contato na minha vida. Mas ele pra
mim, eu sempre ouvi dizer que o “mudinho”, ele era mudo porque ele era
surdo, então ele não ouvia, como ele não ouvia, ele não podia reproduzir,
então ele não falava.

Profa. Regina — Olha, eu não sei, não sei como definir isso… é… eu não
consigo me colocar muito no lugar do surdo. Não consigo me colocar muito

11
Os nomes dos entrevistados são fictícios, atendendo à solicitação de anonimato expressa
por uma das professoras e às normas e procedimentos éticos para pesquisa com seres humanos
determinados pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS). Esse e outros aspectos da
metodologia aqui utilizada serão melhor explicados no próximo capítulo.
no lugar do surdo, não. Eu acho que é você ter uma dificuldade e ter que se
adaptar a uma dificuldade dentro da sociedade, que é a única coisa que eu
consigo proferir em relação. […] Eu vejo só como uma pessoa um pouco
diferente das outras, entendeu? Porque… a deficiência é um termo muito…
não sei… mar… que eu acho que ele… ele é um estigma. A… a palavra
deficiência, ela cria um estigma na pessoa. Então […], eu vejo ele como um
dife… como uma pessoa diferente, que tem uma dificuldade. Assim como eu
tenho as minhas. Assim como eu tenho as minhas. Agora, a questão da
deficiência em si, eu acho que ela é um estigma mesmo. E eu prefiro até não
tratar, tratá-lo assim… as pessoas: “Ah, é deficiente”. Não, ele tem uma
diferença ou um problema cognitivo ou o que seja, mas a deficiência assim
fica meio, meio rotulado.

Prof. Inácio — [silêncio do entrevistado] Paulo, agora você fez uma pergunta
bem capciosa mesmo. [riso]

As palavras e expressões destacadas na transcrição das falas dos


professores, assim como suas pausas, silêncios e esforços para concatenar o
raciocínio revelam dificuldades e insegurança para definirem uma parcela
reduzida, porém significativa, de seu alunado. Ainda que em seu conteúdo as
respostas possam conter informações pertinentes, percebe-se que parecem ser
fundamentadas em observações do cotidiano escolar, memórias e “achismos”,
do que em conhecimento acadêmico, indicando lacunas na formação docente.
Neste sentido, a frase “leigamente falando”, da professora Leandra, é
sintomática. Retomarei mais adiante e com mais vagar essa questão e os
depoimentos de meus colegas. Por enquanto, eles já evidenciam algo
preocupante, uma vez que se requer para com os discentes surdos uma atenção
diferenciada, a qual passa, em primeiro lugar, pela necessidade de serem
devidamente compreendidos.
Parafraseando a educadora Flávia Caimi (2015), para ensinar história
ao aluno surdo é preciso entender de ensinar, de história e de surdos. A partir
de sua frase original,12 a autora pretende destacar que nenhum desses
elementos sozinhos é suficiente para conduzir a docência no ensino de

12
“Para ensinar História a João é preciso entender de ensinar, de História e de João” (Caimi,
2015:111).
história. Ou seja, não basta o professor ser uma enciclopédia humana,
profundo conhecedor de uma série de fatos e conceitos históricos. Ele deve
saber quem é o seu aluno, como ele aprende e o que pode fazer para que ocorra
essa aprendizagem. Neste sentido, Caimi elenca os três saberes que seriam
necessários ao professor:

1) os saberes a ensinar, circunscritos na própria história, na historiografia,


na epistemologia da história, dentre outros; 2) os saberes para ensinar, que
dizem respeito, por exemplo, à docência, ao currículo, à didática, à cultura
escolar; 3) os saberes do aprender, que se referem ao aluno, aos mecanismos
da cognição, à formação do pensamento histórico etc. [Caimi, 2015:105,
grifos da autora]

Na presente abordagem sobre o ensino de história para alunos surdos


não me ocuparei, por ora, dos saberes a ensinar. Embora, mais adiante, ensaie
uma pequena provocação a respeito da possibilidade de inclusão da história
dos surdos aos conteúdos que ensinamos. Aqui, neste capítulo, trato dos
saberes do aprender, procurando definir quem é o (educando) surdo e o
contexto da inclusão escolar no qual está inserido, e dos saberes para ensinar,
inventariando as estratégias didáticas propostas por aqueles que pesquisam a
educação de surdos na área de história por meio de uma revisão bibliográfica
dessa temática. Sem desprezo pelo que oferecem outros campos do
conhecimento, sobretudo a educação, porém respeitando os limites impostos
à viabilidade de minha pesquisa e compartilhando a concepção das pesquisas
em ensino de história como lugares de fronteira (Monteiro e Penna, 2011),
onde já há um diálogo entre disciplinas.

1.1 Surdez e inclusão

De acordo com o Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e


Estatística (IBGE), mais de 9,7 milhões de brasileiros, algo em torno de 5%
da população, são pessoas com surdez (Brasil, 2010), que pode ser definida
como
uma privação sensorial que interfere diretamente na comunicação, alterando
a qualidade da relação que o indivíduo estabelece com o meio. Ela pode ter
sérias implicações para o desenvolvimento de uma criança, conforme o grau
da perda auditiva que as mesmas apresentem. [Gomes, 2006:17]

A privação sensorial a que se refere a autora é a perda da audição, que


pode ser total, o “não ouvir” da resposta da professora Amélia, conforme
transcrito anteriormente, ou parcial. Neste caso, pode ocorrer em apenas um
ouvido ou variar de acordo com a parte do aparelho auditivo onde ocorre a
privação da captação/decodificação das ondas sonoras e o nível de decibéis
(dB) identificado pela pessoa, como suspeita outra de nossas entrevistadas, a
professora Leandra, ao falar em “graus” de surdez, que são quatro, conforme
o quadro a seguir.

Quadro 1

Graus de surdez

Denominação Sensibilidade auditiva Não ouve

Sons suaves e a fala em


Leve 21-40 dB
ambientes ruidosos

Fala,13 latido, bebê


Moderada 41-70 dB chorando, aspirador de

Severa 71-90 dB Toque do telefone

Sons muito altos, como


Profunda Acima de 90 dB caminhão e turbina de
avião

Fontes: Oliveira (2012:4); www.direitodeouvir.com.br/blog/graus-perda-auditiva.

A surdez pode ocorrer por diversas causas — genéticas, infecciosas,


mecânicas, tóxicas, má alimentação, doenças —, em diferentes fases da vida

13
A partir desse grau, a fala começa a se tornar incompreensível.
— da gestação à velhice (Oliveira, 2012:1-3). Portanto, há indivíduos que já
nascem surdos e outros que se tornam surdos. Via de regra, em todos os casos
não possuem comprometimento dos órgãos e mecanismos responsáveis pela
fala. Daí ser incorreto referir-se aos surdos como surdos-mudos, mudos ou
mudinhos. Este último termo é popularmente usado como alcunha para
indivíduos com surdez, ver a memória recuperada na tentativa de definir a
surdez pela professora Amélia. A designação “mudinho” também era
comumente empregada pelos alunos ouvintes da E. M. Santa Luzia, foco
inicial da presente pesquisa, ao se referirem aos seus colegas surdos.
Considerando a importância do sentido da audição, sobretudo para o
desenvolvimento da linguagem (Gomes, 2006:13), não restam dúvidas quanto
às dificuldades que as pessoas com surdez encontram em suas interações
sociais. No entanto, é possível ao surdo acessar o mundo por sentidos
alternativos à audição, destacando-se a visão (Oliveira, 2012:1). Pode se
depreender, portanto, que o grau de limitações colocado ao surdo não é
determinado exclusivamente pelo biológico, mas também por fatores sociais,
como ambientes familiares onde pouco se estimula o desenvolvimento
cognitivo e até afetivo destes sujeitos; falta de preparo das instituições de
ensino e de seus profissionais para atendê-los; mercado de trabalho segregador
no qual as vagas a eles destinadas ainda são em funções subalternas; crenças
do senso comum que associam surdez à deficiência intelectual e as de fundo
religioso, no qual são estigmatizados como expiadores de algum pecado.
Há dois conjuntos de concepções acerca da surdez: a clínico-
terapêutica e a socioantropológica (Oliveira, 2012:77-79). Na visão clínico-
terapêutica, historicamente predominante, a diminuição/perda da audição é
enfatizada. Aqui impõe-se o viés da deficiência. O indivíduo com surdez,
denominado deficiente auditivo, é visto como um ser incompleto. Tratado
como um doente, precisaria de cura. E a cura, ou seja, aquilo que lhe
aproximaria de um padrão de normalidade, seria a aquisição da fala. Neste
sentido, precisam recorrer à medicina e à educação, cabendo aos profissionais
da área da saúde oferecer tratamentos fonoaudiológicos, aparelhos auditivos e
implantes cocleares; e, aos professores, por meio de uma abordagem oralista,
a alfabetização utilizando a fonética das línguas faladas. O que, não raro,
revela-se uma quimera, frustrando os surdos, seus familiares e educadores.
Ainda de acordo com essa concepção, o cognitivo é severamente afetado pela
surdez, o que serviu de justificativa para o fracasso escolar de alunos surdos e
para a associação da privação da audição à deficiência intelectual.
Os estudos realizados a partir das últimas décadas do século passado
por pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento, como psicólogos,
linguistas, neurologistas e pedagogos, entre os quais destacam-se William
Stokoe (1960),14 Oliver Sacks (2005), Carlos Skliar (2016) e Gladis Perlin
(2016), contribuíram para a concepção de um novo olhar e,
consequentemente, uma nova atitude para com o surdo. Nesta perspectiva,
denominada socioantropológica, da qual se aproxima a definição da
professora entrevistada Regina, o surdo é entendido para além da deficiência.
Aqui, a surdez não é concebida como déficit, mas como diferença. De fato, o
foco deixa de ser a perda auditiva e passa à forma como o surdo naturalmente
se expressa: o uso de uma língua de sinais, no caso do Brasil, a Língua
Brasileira de Sinais (Libras). O uso dessa língua visual-espacial permite aos
surdos não só interagir socialmente, mas estabelece entre eles um elo, fator
constituinte de uma identidade.
Skliar (2016) e Perlin (2016) vão além, ao pluralizar a identidade
surda. O primeiro, procurando afastar-se de contrastes binários comumente
associados às questões relacionadas com a surdez (ouvinte × surdo, maioria ×
minoria, oralidade × língua de sinais), ressalta que também perpassam pelos
surdos outras identidades, de fundo étnico, social e de gênero (Skliar,
2016:22). Enquanto Perlin, utilizando características como o momento da vida
em que os sujeitos se tornaram surdos, autorreconhecimento, uso de língua de
sinais, integração com comunidades surdas e relação com a cultura
hegemônica dos ouvintes, identifica pelo menos cinco identidades: surda,
surda híbrida, surda de transição, incompleta e flutuante15 (Perlin, 2016:62-

14
Destaco este autor a partir das referências feitas por Oliver Sacks, que considera os estudos
de Stokoe, na década de 1960, sobre a Língua de Sinais Americana (ASL) uma ruptura na
patologização dos surdos, abrindo caminho para a perspectiva socioantropológica (Sacks,
2005:155).
15
As identidades surdas são assim definidas pela autora: identidades surdas — “os surdos que
fazem uso com experiência visual propriamente dita” (Perlin, 2016:63); identidades surdas
híbridas — “os surdos que nasceram ouvintes, e que com o tempo se tornaram surdos” (Perlin,
2016:64); identidades surdas de transição — “surdos que foram mantidos sob o cativeiro da
hegemônica experiência ouvinte que passam para a comunidade surda” (Perlin, 2016:64);
identidade surda incompleta — “surdos que vivem sob uma ideologia ouvintista latente que
67). Outra categorização ainda é possível: surdos que nascem surdos, surdos
que ficaram surdos, surdos filhos de pais ouvintes, surdos filhos de pais surdos
(Perlin, 2016:67). Destaco as colocações destes autores para demonstrar o
quanto é complexa a definição de surdo e que não é possível pensar nesses
sujeitos como uma categoria homogênea. Logo, faz-se necessário um olhar
mais acurado do educador às especificidades de cada aluno surdo, a partir do
qual serão elaboradas, conduzidas e avaliadas suas práticas didáticas.
O uso por parte dos surdos de uma língua própria (a língua de sinais);
o reconhecimento de uma história em comum, marcada pelo preconceito e
pela opressão ouvinte e a resistência a ela; além da identificação como
membros de uma coletividade específica permitem que reconheçamos a
existência de uma cultura surda. Strobel a define como

o jeito de o sujeito surdo entender o mundo e modificá-lo a fim de torná-lo


acessível e habitável ajustando-os com as suas percepções visuais, que
contribuem para a definição das identidades surdas e das ‘almas’ das
comunidades surdas. Isto significa que abrange a língua, as ideias, as crenças,
os costumes e os hábitos de povo surdo. [Strobel, 2008:59]

Um exemplo interessante de manifestação da cultura surda é o humor


surdo. Em suas séries de tiras de quadrinhos In Deaf Culture e That Deaf Guy,
o cartunista surdo norte-americano Matt Daigle retrata com bom-humor uma
série de situações vivenciadas pelos surdos, incluindo seus percalços em uma
sociedade marcadamente voltada para a maioria ouvinte. Em In Deaf Culture,
um quadrinho mostra personagens explorando uma caverna, na qual fazem
uma descoberta surpreendente a respeito de pinturas rupestres (imagem 3). A
piada soa incompreensível aos ouvintes. Nela, é possível ver, entre as pinturas,
uma mão que sinaliza o “I.L.Y.”, sinal para “Eu te amo” (I Love You, em
inglês), apenas reconhecido por surdos (ou conhecedores das línguas de
sinais). Uma imagem com grande potencial para ser explorada por professores
de história. É possível conjecturar uma cena em sala de aula, na qual o aluno
surdo reconheça o sinal de sua língua e se coloque intrigado como tal aparição

trabalha para socializar os surdos de maneira compatível com a cultura dominante” (Perlin,
2016:64); identidades surdas flutuantes — “surdos vivem e se manifestam a partir da
hegemonia dos ouvintes” (Perlin, 2016:65).
na pré-história (ainda que de modo imaginário). Sem dúvida o aluno ouvinte
também estaria intrigado, mas duplamente: com a novidade trazida por seu
colega surdo e com a possibilidade de haver surdos em uma época remota.
Mobilizaríamos, assim, uma série de conteúdos conceituais e até atitudinais:
pré-história, pinturas rupestres, língua de sinais, cultura surda, alteridade,
empatia e a presença surda na história.

Imagem 3
Tira em quadrinhos In Deaf Culture, de Matt Daigle

Fonte: https://culturasurda.files.wordpress.com/2011/12/in-deaf-culture.jpg?w=682. Acesso


em: 23 nov. 2017. Tradução da legenda: “Veja, é um sinal de ILY!”.

Quanto à inclusão, é “compreendida de forma genérica como a


educação de crianças e jovens com deficiências em contextos regulares de
ensino” (Coelho, 2015:94). No entanto, seu sentido é muito mais amplo.
Herdeira das lutas das chamadas minorias por inclusão social, a partir da
segunda metade do século XX (Coelho, 2015:62), seu redimensionamento no
âmbito escolar deu-se, no Brasil, por ação do Estado, tendo como marco
legislativo a Constituição de 1988, que estabelece “igualdade de condições
para o acesso e permanência na escola” (Brasil, 1988: art. 206, § I). Estando,
assim, intimamente ligada à promoção da universalização da Educação Básica
em nosso país nas últimas décadas (Delou, 2016).
Desta maneira, se estabeleceu no Brasil um modelo de escola que se
pretende inclusivo, no sentido de garantir o acesso, a permanência de
segmentos da sociedade que dela estiveram historicamente alijados e a
aprendizagem dos mesmos, notadamente, as pessoas com algum tipo de
deficiência física ou mental. Em tese, o objetivo principal dessa inclusão seria
retirar esses educandos de guetos, como as chamadas escolas especiais, e
inseri-los em um ambiente onde se socializariam com os demais. Neste espaço
inclusivo, a partir de uma visão de educação para a cidadania, uma nova lição
se aprenderia: a do convívio com o diferente. Para além das boas intenções e
utopias, o cotidiano da inclusão escolar revela-se problemático e desafiador.
A Declaração de Salamanca, documento basilar que resultou da
Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais, realizada
pela Organização das Nações Unidas (ONU) naquela cidade espanhola, em
1994, estabeleceu diretrizes para a Educação Especial, visando o
estabelecimento de políticas públicas de inclusão. Em relação aos educandos
surdos, assim orienta:

Políticas educacionais deveriam levar em total consideração as diferenças e


situações individuais. A importância da linguagem de signos como meio de
comunicação entre os surdos, por exemplo, deveria ser reconhecida e
provisão deveria ser feita no sentido de garantir que todas as pessoas surdas
tenham acesso à educação em sua língua nacional de signos. Devido às
necessidades particulares de comunicação dos surdos e das pessoas
surdas/cegas, a educação deles pode ser mais adequadamente provida em
escolas especiais ou classes especiais e unidades em escolas regulares.
[ONU, 1998]

Embora seja considerada paradigma na Educação Inclusiva, a


Declaração de Salamanca não recomenda a inclusão escolar de alunos surdos,
considerando a especificidade linguística destes sujeitos. No entanto, tal
recomendação não é seguida pelas políticas públicas educacionais brasileiras.
Uma razão importante parece estar na necessidade de investimento implícita
no texto reproduzido, tanto para prover a educação em língua de sinais (leia-
se: formação e contratação de professores qualificados e intérpretes) como
para a abertura de escolas especiais ou de novas turmas nas já existentes. No
cenário atual, a orientação da Declaração tornaria, por exemplo, inviável o
acesso ao ensino para os alunos surdos da E. M. Santa Luzia, uma vez que são
moradores de bairros do terceiro e quarto distritos de Duque de Caxias, em
geral, egressos de famílias de baixa renda, e a única escola especial pública
voltada para eles na região metropolitana do Rio de Janeiro é o Ines, a
quilômetros de distância de suas residências.
Apesar de ainda persistir o debate acerca de qual modelo de escola —
especial ou inclusiva — seria o mais adequado aos alunos surdos, mobilizando
professores, pesquisadores e fóruns de discussão, os surdos já estão incluídos
nas escolas regulares brasileiras; talvez se faça mais urgente discutir em que
condições ocorre a inclusão e como é possível otimizá-la.
Considerando a questão, Kelman (2011:186) faz referência a um
estudo no qual jovens estudantes surdos afirmam aprender mais na escola
inclusiva e concorda, com ressalvas, que o grande mérito da inclusão é a
convivência com a diversidade (Kelman, 2011:188). No entanto, a questão da
aprendizagem destes sujeitos acaba sendo incipiente, por diversas razões,
entre as quais: a formação deficitária dos profissionais que atuam diretamente
com os surdos — professores e intérpretes — e problemas relacionados com
a contratação e a permanência destes últimos nas classes inclusivas, como
ocorre nas escolas públicas dos municípios de Duque de Caxias e do Rio de
Janeiro.16 A autora enfatiza que incluir os alunos surdos em turmas comuns
ou regulares é apenas o início do processo de inclusão. Para que este se efetive,
a escola precisa ter profissionais capacitados, recursos adaptados e produção
de conhecimento teórico a partir da experiência. E faz um alerta:

Se o aluno é colocado na classe regular, sem demonstrar habilidades para


acompanhar os trabalhos propostos, sem ter uma língua estruturada e sem
que a escola ofereça estratégias de flexibilização, quer de profissionais, quer

16
No caso desse último município, como se constata por reportagem “Falta de intérprete de
Libras deixa alunos sem aprender na rede municipal”, exibida na edição de 5 de julho de 2017
do telejornal RJTV — 1a Edição, da Rede Globo. Disponível em: http://g1.globo.com/rio-de-
janeiro/rjtv-1edicao/videos/t/edicoes/v/falta-de-interprete-de-libras-deixa-alunos-sem-
aprender-na-rede-municipal/5986609/. Acesso em: 31 jul. 2017.
de currículo, a inclusão pode se tornar um mecanismo perverso. [Kelman,
2011:189]

1.2 As pesquisas sobre o ensino de história para alunos surdos

O que pode a disciplina história oferecer à promoção da inclusão


escolar de alunos surdos? Se a partir da segunda metade do século XX, a
história, como área do conhecimento, incorporou novos métodos e objetos,
incluindo cada vez mais o estudo de grupos sociais marginalizados, essa
mesma abertura pouco se verifica em relação à história ensinada em nossas
escolas. Neste sentido, Verri e Alegro (2006:98) afirmaram que a
historiografia quer incluir, mas o ensino de história não sabe incluir. No Brasil,
embora seu quantitativo venha se ampliando nos últimos anos, os trabalhos
dedicados ao ensino de história para alunos surdos ainda são poucos, conforme
pude constatar em minha investigação, sendo corroborado por Pereira e Poker
(2012:77), Tezolin e Cavalcante (2014:1), Mattos (2016:16) e Azevedo e
Mattos (2017:114-115). Confirmam ainda tal constatação os dados coletados
por membros do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Surdez da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (GEPeSS/UFRJ), que não localizaram nenhum
artigo referente ao ensino de história para surdos entre os trabalhos
apresentados nas últimas edições do Congresso Brasileiro de Educação
Especial e do Congresso Brasileiro Multidisciplinar em Educação Especial
(Oliveira, Eiras e Kelman, 2018), eventos referenciais na área da educação
para a qual se voltam.
Não obstante a maior parte da pesquisa tenha sido realizada pela
internet, consultei também o acervo de bibliotecas físicas, como a do Instituto
Nacional de Educação de Surdos (Ines) e do Centro de Filosofia e Ciências
Humanas (CFCH) da UFRJ. Entre os endereços eletrônicos, procurei por
títulos no Google Acadêmico (Google Scholar), no banco de teses e
dissertações da fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (Capes) e nos portais de periódicos Scielo e do Ines. Nesses
ambientes virtuais, as buscas foram realizadas utilizando os descritores
“ensino de história” e “surdos/surdez”. Contribuíram ainda para a localização
das publicações as referências bibliográficas dos próprios textos encontrados
e informações fornecidas nos currículos da Plataforma Lattes de seus autores.
Na pesquisa realizada, identifiquei a existência de 24 produções
acadêmico-científicas que versam sobre o ensino de história para alunos
surdos: uma monografia, 14 artigos, três comunicações, um resumo
expandido, um trabalho de conclusão de curso (TCC) e três dissertações
(quadro 2). Dos títulos levantados, não tive acesso apenas à monografia de
Bernardelli (2000) e à dissertação de Perales (2018). Nenhuma tese foi
encontrada. Também não há nenhum livro dedicado à temática, o que deixa a
existência de uma obra de referência no assunto como uma premente tarefa a
ser empreendida.

Quadro 2

Produções sobre ensino de história para alunos surdos

ANO TÍTULO AUTORIA TIPO

2000 Experiência no ensino de história Rosy M. C. Bernardelli Monografia


para alunos surdos

2001 O início do trabalho de história na Tania Maria Elias Artigo


a
5 série

2003 Reflexões de uma professora de Mônica Ugrinowitsch Artigo


história sobre o desenvolvimento
linguístico em alunos surdos e
ouvintes

2005 Reflexões sobre o ensino de Lia Cazumi Yokoyama Comunicação


história para alunos surdos

2006 Anotações sobre o processo de Célia Regina Verri & Artigo


ensino e aprendizagem de história Regina Célia Alegro
para alunos surdos

2007 História silenciosa Danielle Sanches Artigo

2009 A exclusão do incluído: a busca Vanda Sarmento Borges Artigo


pelo equilíbrio Mesquita; Ana Cristina
Oliveira da Silva; Crislane
Azevedo; Maria Inês
Sucupira Stamatto

2009 Ensino de história para alunos de Gabriele Vieira Neves Artigo


Ensino Médio: desafios e
possibilidades

2012 O ensino de história para surdos: Carlos Cesar Almeida Artigo


análise da situação de escolas Furquim Pereira &
especiais e de escolas regulares Rosimar Bortolini Poker

2014 A construção dos conceitos de Berenice Silva Artigo


identidade e história: um estudo
com imagens com alunos do sexto
ano do Colégio Estadual do
Instituto de Educação de Surdos
— Iles

2014 Ensino de história: uma prática Heloísa Tamiris Oliveira Artigo


inclusiva para alunas e alunos com Tezolin & Simone
deficiência auditiva no município Joaquim Cavalcante
de Guarabira/PB

2014 O ensino de história para as alunas Heloísa Tamiris Oliveira TCC


e alunos com deficiência auditiva Tezolin
no município de Guarabira (PB):
uma experiência inclusiva (?)

2015 Cultura e educação Alex Sandrelanio dos Dissertação


sociocomunitária: uma perspectiva Santos Pereira
para o ensino de história e surdez

2016 Desafios do professor de história Heloisa Lima Perales Artigo


com aluno surdo

2016 Sinais do tempo: construção de Camilla Oliveira Mattos Dissertação


significados de tempo histórico
para alunos surdos em uma
perspectiva de letramento histórico
em Libras
2017 À margem da historiografia e sem Ernesto Padovani Netto Artigo
acesso às aulas de história: cultura
e identidade surda na luta pelas
conquistas de direitos

2017 Ensino de história, oralidade, Ernesto Padovani Netto Comunicação


alteridade e surdez

2017 Ensino de história para alunos Patrícia Bastos de Artigo


surdos: a construção de Azevedo & Camilla
conhecimento histórico a partir de Oliveira Mattos
sequências didáticas

2017 Ensino de história para surdos: Carlos Cesar Almeida Artigo


práticas educacionais em escola Furquim Pereira
pública de educação bilíngue

2017 História em silêncio: as Guilherme Brenner Artigo


dificuldades a percorrer no ofício Oliveira Gregorio; Diogo
do professor de história no ensino de Souza Cecilio; Ester
de alunos surdos em Itaboraí Vitória Basilio Anchieta

2017 O ensino de história em Libras e Tatiane Sá; André Melo; Artigo


sua viabilidade Marcos Lamoço; Raíssa
Souza

2018 Desafios do ensino de história para Paulo José Assumpção dos Comunicação
alunos surdos em classes Santos
inclusivas

2018 O ensino de história para alunos Ana Gabriela da Silva Resumo expandido
surdos: uma experiência de escola Vieira
bilíngue na cidade de Pelotas-RS

2018 Práticas pedagógicas do professor Heloisa Lima Perales Dissertação


de história de Ensino Médio em
turma regular com a presença de
aluno surdo

A partir de informações apresentadas pelos autores nas publicações ou


em seus currículos, pude constatar que, com exceção de Anchieta, Gregorio,
Perales, Poker e Sá, todos possuem formação acadêmica em história17 e a
maioria atua ou já atuou em algum momento de sua carreira na Educação
Básica. Sete dos trabalhos são relatos de experiências dos próprios autores que
as utilizam como ponto de partida para o desenvolvimento de seus
argumentos. Desses estudos, apenas dois se referem a escolas regulares
inclusivas; os demais, apresentam práticas ocorridas em escolas especiais para
alunos surdos.
Os títulos encontrados foram produzidos em um espaço de tempo
inferior a 20 anos. Não é possível descartar a existência de outros trabalhos
relacionados com o tema realizados antes do ano 2000, entre outras razões por
reconhecermos os limites da pesquisa feita predominantemente pela rede
mundial de computadores, não incluindo, portanto, publicações não
disponibilizadas por esse meio. Por outro lado, a concentração de estudos
sobre o ensino de história para surdos nos últimos 18 anos pode estar
relacionada com a promulgação da Lei no 10.436, de 2002, popularmente
conhecida como Lei de Libras, e a sua regulamentação pelo Decreto no 5.626,
de 2005, em conformidade com o que suspeitam Azevedo e Mattos
(2017:114). A legislação, ao reconhecer a Libras como língua oficial e
natural18 dos surdos e determinar ações que permitam acessibilidade a esses
sujeitos, presta sua contribuição ao lhes dar mais visibilidade social e
promover sua plena cidadania. Neste sentido, os trabalhos aqui apresentados
ecoam as políticas públicas, oferecendo propostas de como tornar mais
acessível o ensino de história.
No entanto, os dados indicam que a questão surda ainda está distante
das preocupações que mobilizam as produções acadêmicas na área de história,
uma vez que, até o momento, contamos com um quantitativo extremamente
baixo entre monografias e dissertações, tendo estas últimas sido defendidas
apenas bem recentemente. Sem contar que ainda não foi concluída nenhuma

17
Ainda incompleta para André Melo, Diogo de Souza Cecilio, Marcos Lamoço e Raíssa
Souza, graduandos em história pela Universidade Federal Fluminense (UFF), segundo
informações apresentadas em seus respectivos textos (Gregorio, Cecilio e Anchieta,
2017:302; Sá et al., 2017:384).
18
O conceito “língua natural” é consagrado nos estudos sobre a surdez. Não deve ser
entendida como se já nascesse com o indivíduo, mas sim no sentido de que é aquela utilizada
pelos surdos em suas interações sociais (Harrison, 2014:29).
pesquisa em nível de doutorado relacionada com o ensino de história para
surdos. Também chama a atenção o fato de que, entre os 18 autores aos quais
tivemos acesso a seus currículos, somente cinco deles prosseguem estudando
o tema aqui abordado.19 E não se trata de esgotamento do assunto, uma vez
que os próprios textos apontam para diversas questões que necessitam ser
aprofundadas ou exploradas em futuras pesquisas (Pereira e Poker, 2012:77;
Azevedo e Mattos, 2017:131).
O aparente distanciamento dos pesquisadores da academia em relação
ao ensino de história para alunos surdos é inversamente proporcional ao
interesse demonstrado por sua contraparte que atua na Educação Básica, seja
na escola regular inclusiva seja na escola especial, conforme as informações
supracitadas que os relacionam com a maioria entre os autores dedicados à
temática. O interesse desses professores-pesquisadores, entre os quais me
incluo, está relacionado com a inquietação dos que atuam naquele segmento
educacional, onde a complexidade da Educação Especial e da inclusão escolar
deixa de ser uma abstração teórica e faz parte de um cotidiano que causa
angústia por seus múltiplos desafios.
Desta forma, vejo com grande alento a produção realizada no âmbito
do Mestrado Profissional em Ensino de História (ProfHistória), no qual
desenvolvi a presente pesquisa. Apesar de ser um jovem programa (iniciou em
2014), o ProfHistória, que possui núcleos em 27 universidades, já contabiliza
pelo menos cinco pesquisas a respeito da temática. Além da minha, há uma
dissertação defendida pela professora Camilla Oliveira Mattos (2016) na
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), sobre a qual tratarei
mais adiante; outra, do professor Ernesto Padovani Netto (2017b), da
Universidade Federal do Pará (UFPA), intitulada Ensino para diferentes
sujeitos: o acesso de alunos surdos às aulas de História, e mais dois trabalhos
em fase inicial, dos mestrandos Paulo Roberto Martins da Silva, também da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e Tuanny Dantas Lameirão,
da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Assim, o
ProfHistória vem cumprindo seu papel de estabelecer uma ponte entre as
práticas e saberes da escola e a universidade, sensibilizando o meio acadêmico

19
Há que se descontar o fato de que oito desses 18 autores são referenciados por terem
orientado as pesquisas realizadas. O que não chega a desabonar a avaliação feita.
de história com as questões mobilizadas pelas especificidades e necessidades
dos discentes surdos.
O levantamento bibliográfico a respeito do ensino de história para
alunos surdos empreendido, aqui apresentado na forma do atual estado da arte
dessa temática, serviu como eixo basilar do quadro teórico da presente
dissertação. À luz de tais estudos, realizei as análises das entrevistas feitas
com professores de história, as quais subsidiam uma caracterização da
inclusão escolar de educandos surdos, com foco nas aulas dessa disciplina. Tal
diagnóstico também pôde ser realizado a partir da comparação com contextos
similares relatados por alguns dos autores. Do mesmo modo, o exame dos
textos identificados contribuiu para uma reflexão de minha prática docente,
possibilitando a reelaboração de experiências pedagógicas, assim oferecidas
como propostas de estratégicas didáticas. Ainda, em diálogo com a empiria,
conferem aporte ao “Caderno de orientações e sugestões para o ensino de
história em classes inclusivas com alunos surdos”, produto final dessa
pesquisa. Por fim, a revisão bibliográfica tem a pretensão de ser um referencial
para professores que pretendem se apropriar de métodos e teorias relacionadas
com o ensino de história para surdos e àqueles que queiram somar
contribuições às pesquisas nesse campo.
Os dois artigos mais antigos do levantamento são relatos de
experiências de suas autoras, Elias (2001) e Ugrinowitsch (2003), professoras
de história, em turmas de escolas especiais formadas exclusivamente por
alunos surdos. Foram publicados na revista Arqueiro, um dos periódicos
editados pelo Ines.20 Esse instituto é a primeira escola para surdos criada no
Brasil, fundada em 1857, no governo de d. Pedro II, por iniciativa de Ernest
Huet, professor francês surdo (Rocha, 2007). Originalmente batizado como
Imperial Instituto dos Surdos-Mudos, o Ines se tornou uma instituição
referencial na educação de surdos no Brasil. Muito mais do que uma escola, é
um espaço de fomento a pesquisas relacionadas com a educação de surdos,
seja por meio dos fóruns e congressos que promove, seja pelas revistas que

20
Além da revista Arqueiro, o Ines ainda publica os periódicos Espaço, no qual são
divulgados artigos de caráter acadêmico-científico, e Forum, de perfil semelhante ao anterior,
porém com foco em temas de debate público sobre a educação de surdos. Todos disponíveis
na forma impressa e online. Neste último caso, podendo ser acessados pelo site da instituição
(www.ines.gov.br/publicacoes).
publica. Caso da Arqueiro, que tem como pauta principal a divulgação de
práticas pedagógicas, sendo seu público-alvo professores e outros
profissionais da educação que atuam com alunos surdos. Portanto, não causa
surpresa o fato de o Ines figurar como ponta de lança nos estudos acerca do
ensino de uma disciplina específica, a história, voltado para aqueles discentes.
O artigo de Elias (2001), especialista na área de “deficiência
auditiva”,21 relata sucintamente o trabalho que realizou em turmas de quinta
série (atualmente, sexto ano do Ensino Fundamental) na abordagem de três
conceitos introdutórios aos estudos históricos: sociedade, cultura e história.
De acordo com a descrição, a aula foi desenvolvida em três etapas. Na
primeira, a professora fez uso da Libras para apresentar os conceitos de
sociedade e cultura, procurando construir significados para eles a partir do
diálogo com os alunos, que expunham suas vivências (Elias, 2001:23). Na
segunda, utilizou de imagens extraídas de revistas, previamente pesquisadas
pelos alunos, para tratar das diferenças sociais, culturais e temporais,
buscando, desta maneira, levar à aprendizagem a partir da exploração da
visualidade e da curiosidade demonstrada pelos alunos (Elias, 2001:23-24).
Na etapa conclusiva, as imagens foram coladas pelos alunos em seus cadernos,
legendadas com frases curtas e simples, para servir de referência aos
conteúdos, uma vez que não era adotado livro didático. No ano seguinte, o
trabalho foi finalizado com a produção de cartazes, fixados no mural da sala
de aula (Elias, 2001:24).
Embora não apresente quais são as suas bases teórico-metodológicos,
por ser um texto de caráter mais descritivo do que analítico, o artigo de Elias
consegue indicar caminhos metodológicos apropriados para o trabalho do
professor de história em classes com alunos surdos, como o uso de imagens
para a construção do conhecimento histórico, e destaca cuidados especiais que
esses docentes devem ter, entre os quais sintetizar os textos escritos a fim de
que sejam mais acessíveis aos alunos e explicar até mesmo o que parece óbvio
(Elias, 2001:24), uma vez que o acesso dos surdos às informações fora da
escola muitas vezes é limitado (Sacks, 2005:71). Essas questões seriam
tratadas com mais propriedade pelos trabalhos relativos à temática

21
O termo aparece no texto quando faz referência à formação da autora (Elias, 2001:23).
posteriormente produzidos, o que não retira a relevância do artigo, espécie de
oásis no então deserto de referências pedagógicas específicas para o professor
de história que lecionava para surdos.
Mais elaborado como texto acadêmico do que o artigo de Elias (2001),
as “Reflexões de uma professora de história sobre o desenvolvimento
linguístico em alunos surdos e ouvintes” foram feitas a partir da experiência
de Ugrinowitsch (2003) como docente de uma rede privada de ensino
confessional (católica), atuando em duas escolas da mesma, sendo uma de
ensino regular e a outra de Educação Especial para surdos, o Instituto Santa
Terezinha, localizado em São Paulo (Ugrinowitsch, 2003:31). Ao se referir a
alunos surdos e ouvintes, a autora o faz para tecer comparações. Portanto, não
se trata ainda de uma publicação a respeito da Educação Inclusiva. A
preocupação que mobiliza a autora é outra: o fracasso escolar. De ambos, uma
vez que observa altos índices de reprovações ou aprovações automáticas
despejando analfabetos funcionais no mercado de trabalho. Em se tratando
dos surdos, esta situação era imputada à deficiência auditiva, o que só
contribuía para estigmatizar ainda mais esses sujeitos.
Permeiam o artigo de Ugrinowitsch duas importantes mudanças no
contexto da educação de surdos no Brasil. A primeira são as consequências da
já referenciada promulgação da Lei no 10.436 (Brasil, 2002). A outra, anterior,
relaciona-se à substituição do paradigma metodológico na educação escolar
de surdos. Desde que esse ensino foi sistematizado, a partir do século XVIII,
os pedagogos se dividiram em duas correntes: aqueles que defendiam o uso
das línguas de sinais como meio mais adequado para ensinar os surdos, e os
oralistas, defensores da ideia de que o fim da educação de surdos deveria ser
a aquisição da fala, de modo que pudessem se integrar à sociedade. No final
do século XIX, o oralismo se impôs, tornando-se o modelo educacional por
excelência nas escolas para surdos. A reabilitação das línguas de sinais, a
partir da década de 1960, e as críticas ao oralismo abriram espaço para outros
modelos pedagógicos, entre os quais a comunicação total22 e o bilinguismo
(Sacks, 2005; Oliveira, 2012).

22
Idealizada em 1968, por Roy Holcomb, a comunicação total é uma metodologia que utiliza
diferentes modalidades de comunicação na educação de surdos (daí seu nome). Se, por um
lado, trouxe de volta o uso da língua de sinais no processo educacional daqueles sujeitos, por
outro, permaneceu enfatizando a oralização (Oliveira, 2012:57-59; Kelman, 2015:149-150).
Parece ser consenso entre os educadores que o bilinguismo é a forma
mais apropriada de promover o ensino-aprendizagem de alunos surdos. De
acordo com essa proposta, a principal língua (L1) utilizada no processo
educativo deve ser a de sinais, no caso brasileiro, Libras (Oliveira, 2012:65).
Desta forma, faz-se, literalmente, conhecer pelos sinais, significado
etimológico de “ensinar” (Chervel, 1990:192). No bilinguismo, a língua
portuguesa torna-se secundária (L2), mas não desprezada, uma vez que será
utilizada pelos surdos para a leitura e produção escrita, ressaltando que
também é a língua majoritária da sociedade ouvinte na qual o surdo está
inserido e onde precisa interagir. O uso da Libras como L1 no ensino ainda
respeita a singularidade do surdo, sua cultura e identidade (Sanches, 2007).
O Instituto Santa Terezinha, escola para surdos onde trabalhava a
professora Ugrinowitsch, uma das mais tradicionais instituições de ensino
voltadas para surdos no Brasil,23 tornou-se bilíngue (Libras/língua portuguesa)
a partir da última década do século XX, abolindo então o modelo oralista.24
Neste contexto de transição, pelo qual o Ines também passava (timing perfeito
para a publicação do artigo em um de seus periódicos), avaliando suas
experiências docentes, a autora propõe um novo olhar à produção escrita dos
alunos surdos. Entendendo que a língua portuguesa é a segunda língua destes
discentes, por eles utilizada nos procedimentos de escrita, cabe ao professor
tolerância linguística, enfatizando a compreensão dos conteúdos ensinados e
não o uso correto das normas gramaticais. A autora sugere que os eventuais
erros nesse sentido devem ser sinalizados, porém com o objetivo de indicar
caminhos para o melhor desenvolvimento da habilidade da escrita. Concerne
ainda ao professor, desde que conhecedor da língua de sinais (o que não é o
caso da maioria dos docentes, como a própria autora admite), auxiliar os
educandos na tarefa de escrever em língua portuguesa aquilo que eles
aprenderam em Libras.
O primeiro trabalho a abordar o ensino de história para alunos surdos
em um contexto de inclusão foi a comunicação “Reflexões sobre o ensino de

23
O Instituto Santa Terezinha foi a primeira escola para surdos da rede privada no estado de
São Paulo.
24
Essas e outras informações sobre o Instituto Santa Terezinha podem ser encontradas no site
da escola. Disponível em: www.institutosantateresinha.org.br/quem-somos. Acesso em: 10
fev. 2018.
história para alunos surdos” (Yokoyama, 2005). Dirigindo-se aos
participantes do XXIII Simpósio Nacional de História (2005), a autora propõe
que os estudos realizados pelos pesquisadores da área de história na docência
para surdos deveriam deixar de ser pautados por questões linguísticas,
divergindo da maioria das investigações oriundas da área da educação, e se
voltar para a análise e o desenvolvimento de métodos e técnicas específicos
de nossa disciplina. Desta forma, Yokoyama fazia uma dupla reivindicação:
primeiro, por produções a respeito do ensino de história para alunos surdos,
uma vez que eram quase inexistentes, e, segundo, que elas fossem encampadas
pelos professores-pesquisadores de história, mais gabaritados, em detrimento
daqueles de outras áreas, por dominarem saberes e práticas próprios da
matéria.
A partir de sua experiência como intérprete de Libras e professora de
alunos surdocegos25 e com deficiências múltiplas, a autora, pós-graduada em
Educação Especial, afirma a necessidade de o professor ser sensível aos seus
alunos surdos, procurando estabelecer com eles uma relação de empatia e
direcionar seu fazer docente ao atendimento de suas singularidades. Neste
sentido, faz-se necessário um trabalho diferenciado, do qual a autora destaca
o uso de imagens, de recursos audiovisuais, além da participação do intérprete.
Mais do que indicar estratégias e profissionais envolvidos no processo ensino-
aprendizagem de alunos surdos, Yokoyama aponta os cuidados que devem ser
observados em cada um desses três pilares, como a utilização moderada de
imagens sob o risco de se criar uma cacofonia visual, a necessidade de
legendas nos filmes trabalhados com os alunos surdos e a definição mais
precisa dos papéis de intérpretes e professores quando ambos dividem a sala
de aula. Com apenas uma citação em pesquisas sobre o ensino de história para
alunos surdos, as formulações da autora merecem ser melhor exploradas.
Por outro lado, “Anotações sobre o processo de ensino e aprendizagem
de história para alunos surdos” (Verri e Alegro, 2006) e “Ensino de história
para alunos de Ensino Médio: desafios e possibilidades” (Neves, 2009)
tornaram-se referenciais, figurando em diversas pesquisas a respeito do ensino
de história para alunos surdos. Conforme enunciado anteriormente, Verri e

25
O texto em questão não aborda a surdocegueira, que, até onde alcançou a minha pesquisa,
permanece sem estudos na área do ensino de história.
Alegro (2006) apontam uma contradição entre a historiografia e o ensino de
história. Enquanto aquela, nas últimas décadas, tem procurado incluir
diferentes grupos ao estudo da trajetória humana, as práticas do ensino de
história parecem não conseguir dar conta dos novos sujeitos incluídos na
escola regular, como os surdos. O que pode ser explicado, entre diversos
fatores, pela formação deficitária do professor e pelo fato de o aluno surdo não
ser pensado em sua diferença (Verri e Alegro, 2006:98). Nesse sentido, as
autoras, apoiadas na teoria da aprendizagem significativa, de Ausubel, Novak
e Hanesian (1980), insistem na importância de o professor compreender como
aprendem os alunos surdos, o que interfere em sua aprendizagem e como
ajudar para que entendam melhor (Verri e Alegro, 2006:100).
A pesquisa empreendida por Verri e Alegro torna-se seminal em sua
temática ao focar os próprios sujeitos da aprendizagem, os alunos surdos,
“ouvindo-os” a fim de revelar quais são os elementos que entravam ou
facilitam o aprender nas aulas de história. Para tanto, as autoras realizam, por
meio de um questionário, entrevistas com dois educandos surdos incluídos em
turmas do Ensino Médio de uma escola da rede pública de ensino do estado
do Paraná, adaptando questões originalmente idealizadas por Nadai e
Bittencourt (1988). Tendo por base a análise das respostas dadas, Verri e
Alegro indicam diretrizes para os docentes de história que atuam com alunos
surdos adequadas às singularidades e necessidades desses discentes. Assim,
como sujeitos diferentes requerem que com eles sejam empregadas
metodologias pedagógicas diferenciadas; se suas estruturas cognitivas são
organizadas pelo visual, imagens, estáticas ou em movimento, devem ser
utilizadas nas práticas dos docentes; assim como é bem-vindo o uso de textos
resumidos e em forma direta, aliado à tolerância linguística em relação à
produção escrita dos discentes (já apontada por Ugrinowitsch), uma vez que
apresentam dificuldades no domínio do português, concebido como sua
segunda língua, entre outras diretivas. Nenhuma delas, no entanto, se refere a
um elemento-chave na educação para surdos: o intérprete de Libras.
Por sua vez, o artigo de Neves (2009), apresentado no IX Congresso
Nacional de Educação — Educere/III Encontro Sul Brasileiro de
Psicopedagogia (2009), traz um relato e análise das experiências da autora
como estagiária e, posteriormente, professora contratada de uma escola
estadual de Educação Especial localizada no município de Caxias do Sul (RS).
O texto se inicia com duas contextualizações. A primeira, referente à língua
de sinais e aos modelos educacionais historicamente estabelecidos (oralismo,
comunicação total, bilinguismo), importantes questões envolvidas na
educação de surdos. A outra, uma caracterização do espaço escolar lócus do
trabalho apresentado. Em seguida, Neves discorre sobre suas práticas docentes
com alunos surdos e projetos, então, ainda em desenvolvimento com esses
mesmos discentes. Esse modelo textual passaria a ser adotado como padrão
das produções em ensino de história para surdos que versam sobre
experiências pedagógicas, do qual os capítulos iniciais da presente dissertação
se aproximam.
De acordo com Neves (2009), lecionar para alunos surdos obriga o
professor de história a se confrontar com um duplo desafio: o de dominar uma
língua que não é sua e o de buscar estratégias didáticas que possam mobilizar
o interesse e a participação do aluno surdo. Considerando que a autora atuou
em uma escola especial, onde os discentes surdos estudavam apenas com seus
pares surdos, acredito que tais desafios se potencializam na escola regular
inclusiva. Se na primeira não há como ignorar os surdos, pois são os únicos
alunos, na outra o analfabetismo em Libras da maioria dos docentes pode ser
utilizado como justificativa para negligenciar a minoria surda. Além disso, as
metodologias empregadas devem servir a todos os alunos, surdos e ouvintes
(geralmente, são voltadas para esses), e precisam buscar a interação entre os
dois grupos.
Neves relaciona suas práticas e reflete sobre elas considerando-as
respostas bem-sucedidas aos desafios interpostos, bem como possibilidades
para um fazer diferenciado do professor de história com alunos surdos em
outros contextos. Incluindo os ambientes inclusivos. Entre as atividades
desenvolvidas e apresentadas pela autora, destacam-se o uso de sentidos
alternativos à audição para promover o aprendizado (ela explora o tato e a
visão com objetos de outros tempos e culturas levados à sala de aula e até
mesmo o paladar, com uma degustação de chá ao abordar a Civilização
Chinesa); a monitoria exercida por alunos surdos que auxiliavam os colegas
que apresentavam mais dificuldades em aprender; a criação do blog “Sinais
da História”,26 com participação dos educandos para estimular sua produção
escrita e promover a interação professor-aluno e aluno-aluno pela internet.
Neves ainda realizou avaliações em Libras, que eram gravadas e,
posteriormente, utilizadas como material para estudo dos alunos em língua de
sinais.
Seguindo a trilha deixada por Neves, outros trabalhos apresentaram as
experiências pedagógicas de seus autores nas aulas de história em classes
especiais ou inclusivas com alunos surdos: “A construção dos conceitos de
identidade e história: um estudo com imagens com alunos do sexto ano do
Colégio Estadual do Instituto de Educação de Surdos — Iles” (Silva, 2014),
produto da participação de sua autora em um curso de formação continuada
oferecido pela Secretaria de Educação do Estado do Paraná, para a qual então
lecionava; e “Ensino de história para surdos: práticas educacionais em escola
pública de educação bilíngue”27 (Pereira, 2017a), sobre a aplicação de uma
sequência didática embasada pelo bilinguismo e voltada para turmas do
sétimo ano do Ensino Fundamental de uma unidade de ensino para surdos do
município de São Paulo (SP), ocorrida em 2013.
Ainda entre os relatos de experiências dos autores-professores, merece
destaque o artigo “História silenciosa” (Sanches, 2007). O texto foi escrito
para a extinta Revista de História da Biblioteca Nacional, periódico de
divulgação histórica distribuído para as escolas públicas brasileiras pelo
Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), do Ministério da Educação
(MEC), que assim prestou sua contribuição para dar visibilidade aos
professores/leitores a respeito da questão da inclusão escolar de surdos. De
fato, foi um dos primeiros textos que me introduziram nos estudos referentes
a essa temática.
Sanches se alinha com a concepção socioantropológica da surdez,
defendendo o bilinguismo, donde destaca a importância do papel do intérprete
de Libras na sala de aula e defende o sócio-interacionismo como a abordagem
pedagógica por excelência para levar ao conhecimento dos conceitos
históricos. Partindo de sua prática, também apresenta propostas de estratégias

26
A autora não informou o endereço do blog. Tentei localizá-lo, por meio de sites de busca.
Encontrei apenas uma página homônima.
27
O mesmo texto pode ser encontrado em: Pereira (2017b).
específicas para o trabalho com estes alunos, em sua maioria, explorando o
sentido da visão, como dramatizações filmadas, produção de linhas do tempo
e exibições contextualizadas de filmes históricos. A autora ainda sugere que
tais estratégias podem ser facilitadoras da aprendizagem não somente para os
surdos como também para os ouvintes, conforme identificado em minha
própria atividade docente.
Quase uma década depois do texto de Ugrinowitsch (2003), com a
publicação do artigo “O ensino de história para surdos: análise da situação de
escolas especiais e de escolas regulares” (Pereira e Poker, 2012), a temática
do ensino de história para alunos surdos voltou a figurar em um periódico do
Ines, a revista Espaço, referencial na educação de surdos. Desta feita, de forma
mais amadurecida, valendo-se das contribuições de Verri e Alegro (2006),
Sanches (2007) e Neves (2009). Pereira e Poker realizam sua análise a partir
do ponto de vista dos educadores, seara pela qual também trilhou minha
pesquisa, diferenciando-se quanto ao método (lá foram aplicados
questionários, aqui utilizo a história oral) e ao estudo de natureza comparativa.
No artigo em questão, os autores confrontam as formas como ocorre o ensino
de história para surdos em escolas especiais e escolas regulares (inclusivas)
do município de São Paulo com o objetivo de verificar as dificuldades do
professor em ensinar e do aluno em aprender. Sem tomar a defesa deste ou
daquele modelo, os autores concluem que em ambos o ensino de história para
surdos ainda é insatisfatório. Enquanto nas escolas especiais falta aos
professores (pedagogos especialistas em educação de deficientes da
audiocomunicação, como citados no texto) domínio de métodos e conteúdos
específicos da história, na escola regular falta uma didática docente que
permita ao surdo acessar esses mesmos conteúdos (Pereira e Poker, 2012:77).
No entanto, Pereira e Poker acreditam na possibilidade de superação
dos problemas observados, por meio da realização e publicação de novas
pesquisas a respeito do ensino de história para alunos surdos, sugerindo
estudos específicos:

Trabalhos envolvendo sondagens sobre a aprendizagem da Disciplina de


História pelos alunos com surdez. Outro segmento que também carece de
estudos é a questão da ausência de Sinais Específicos de História em Libras.
Além de pesquisas sobre produções de materiais pedagógicos na área da
História para surdos, que resultem em publicações editoriais, a fim de auxiliar
os professores que lecionam para tal público. [Pereirae Poker, 2012:77]

Atendendo ou não ao chamado de Pereira e Poker, nos últimos seis


anos se verifica um aumento considerável na realização de pesquisas sobre a
temática aqui discutida. Data justamente desse período a primeira dissertação
que tem como objeto o ensino de história para alunos surdos: Cultura e
educação sociocomunitária: uma perspectiva para o ensino de história e
surdez (Pereira, 2015), defendida no Centro Universitário Salesiano de São
Paulo (Unisal). Entendendo o professor de história como um promotor de
mudanças e que seu ofício não deve se restringir ao espaço da sala de aula,
Pereira entrega um trabalho sui generis, em nada semelhante às produções
anteriores (ou posteriores) acerca de seu tema, não apresentando análises das
práticas docentes ou propostas de estratégias didáticas, ignorando
completamente a bibliografia já produzida a respeito. Por meio da pesquisa-
ação, o autor investiga a inclusão de surdos em uma unidade escolar de ensino
regular onde atua, na cidade de Madre de Deus (BA), e sua relação com a
cultura surda local, promovendo projetos que buscam dar mais visibilidade
àqueles sujeitos por meio da integração escola-comunidade. Entre as ações
realizadas destacam-se as “aulas de campo” de história, nas quais os alunos
(surdos e ouvintes) conheceram a associação (não oficializada) de surdos da
região, e a produção pelos discentes de registros das atividades feitas, com o
propósito de criação de documentos que possam subsidiar a memória da
presença surda na escola.
A segunda dissertação sobre o ensino de história para alunos surdos
vem do ProfHistória, como já citado. Trata-se de Sinais do tempo: construção
de significados de tempo histórico para alunos surdos em uma perspectiva de
letramento histórico em Libras (Mattos, 2016). Filha de surdo, com quem
iniciou suas reflexões acerca da aprendizagem de pessoas com surdez, a autora
propõe uma abordagem de ensino para surdos a partir do letramento em
história, mobilizando a Libras e conhecimentos prévios desses alunos,
advindos da cultura surda, a fim de levar ao aprendizado significativo de
conteúdos e conceitos da disciplina. Para tanto, ela seleciona um recorte
específico, mas de grande importância para a construção do conhecimento
histórico: a noção de temporalidade. Seu produto final é uma proposta de
sequências didáticas, nas quais aborda aquele conceito-chave por meio de
imagens, textos com elas relacionados e uma série de questões, que vão da
utilização de outras fontes imagéticas a atividades de campo (Mattos,
2016:99-121). Embora direcionada à escola especial para surdos
(referenciando-se no Ines), acredito que a proposta, com as devidas
adaptações, pode ser utilizada em classes inclusivas.
A dissertação de Mattos representa uma importante referência ao
trabalho por mim desenvolvido. Tanto por seu pioneirismo dentro do
ProfHistória como por sua revisão bibliográfica, que serviu de base para
aquela que empreendi, sendo expandida com a localização e produção
posterior de outros trabalhos, constituindo-se no estado da arte aqui
apresentado. Posteriormente, foi editada e publicada na forma de artigo,
escrito em parceria com a professora dra. Patrícia Bastos de Azevedo, da
UFRRJ, que fora orientadora de mestrado da autora, recebendo o título Ensino
de história para alunos surdos: a construção de conhecimento histórico a
partir de sequências didáticas (Azevedo e Mattos, 2017).
Outro pesquisador do ProfHistória, Padovani Netto oferece uma
reflexão de extrema relevância em sua comunicação “Ensino de história,
oralidade, alteridade e surdez”, apresentada no Terceiro Simpósio Eletrônico
Internacional de Ensino de História,28 em 2017. Nela, o autor discute a questão
do distanciamento entre a história ensinada e o interesse dos alunos, em
particular dos surdos. Para Padovani Netto, a disciplina história atravessa um
momento de crise por ainda se manter atrelada a um modelo ultrapassado,
baseado na leitura e exposição oral de conteúdos, portanto, inadequado aos
discentes surdos, além de estar desconectada das vivências e interesses do
alunado. Para atender às demandas das novas gerações e grupos que passaram
a fazer parte da escola regular, como os surdos, seria preciso repensar e
modificar a forma como a história vem sendo ensinada (Padovani Netto,
2017c:97-98).

28
O evento pode ser acessado em: www.simpohis2017.blogspot.com.br. Contudo, os
trabalhos sobre ensino de história e história do ensino foram reunidos no e-book Um pé de
história, disponível em:
https://drive.google.com/open?id=0B8GOZKHdcSXjV05OT21fc19aOFk.
Padovani Netto apresenta suas considerações tendo como referências
autoras especialistas no estudo do ensino da história, entre as quais Monteiro
(2010), Nadai (1992-1993) e Rocha (2012), diferenciando-se dos demais
trabalhos sobre a mesma temática, que se apoiam sobretudo em pesquisas
oriundas do campo da educação (em um sentido mais amplo ou nos recortes
da Educação Especial e investigações a respeito da surdez). Apoiado em
Rocha, o autor ainda aponta que a maior dificuldade para o surdo aprender
história estaria na desconexão entre o estudado e o vivido (Padovani Netto,
2017c:98). Assim, mais do que a ausência ou a diminuição de um sentido
(físico, sensorial) estaria a falta de um sentido (significativo) daquilo que é
ensinado. O autor chama a atenção para o fato de que o aluno surdo não se
reconhece naquilo que o professor de história lhe ensina e que a falta de
conhecimento a respeito do surdo pelos ouvintes pode ser um fator de exclusão
(Padovani Netto, 2017c:98-99). Nesse sentido, seus argumentos podem
fundamentar a necessidade de inclusão da história dos surdos aos conteúdos
programáticos da disciplina história, como um meio de estabelecer vínculos
identitários e promover empatia.
Em seu artigo “À margem da historiografia e sem acesso às aulas de
história: cultura e identidade surda na luta pelas conquistas de direitos”,
também de 2017, Padovani Neto retoma questões discutidas no texto anterior,
a partir do viés da inclusão/exclusão de grupos sociais historicamente
marginalizados, com foco nos surdos. O autor reforça a tese de que as práticas
docentes tradicionais no ensino de história, baseadas na aula expositiva, são
um fator de exclusão do aluno surdo, que pode se dar também pela
incompreensão dos docentes (e demais membros da comunidade escolar) em
relação à identidade surda. Indica ser fundamental o reconhecimento da
mesma e de sua pluralidade a fim de que o ensino para esses sujeitos seja capaz
de atender às heterogeneidades que existem na própria diversidade surda. O
autor ainda presta uma contribuição ao conhecimento a respeito da história
dos surdos traçando a trajetória dos movimentos sociais desse grupo no Brasil.
“Desafios do professor de história com aluno surdo” (Perales, 2016),
artigo apresentado na terceira edição do Congresso Nacional de Educação
(Conedu), em 2016, traz o desenho de um projeto de pesquisa relacionado com
o ensino de história para alunos surdos. Esse trabalho destaca-se por insinuar
caminhos metodológicos para pesquisas referentes à temática (entrevistas,
narrativas autobiográficas e observação colaborativa) e, sobretudo, por sua
revisão bibliográfica. Perales divide as obras levantadas em três grupos: as
que se referem ao ensino de história, os estudos a respeito de metodologias
aplicadas à educação de surdos e os textos acerca do ensino de disciplinas para
esses discentes em classes regulares. Apesar de indicar importantes
referências para subsidiar a prática de professores e a fundamentação teórica
de futuras pesquisas, causa estranheza a autora ignorar as produções já
realizadas no ensino de história para surdos, não as incluindo em seu
levantamento. Os resultados da pesquisa de Perales foram apresentados na
dissertação intitulada Práticas pedagógicas do professor de história de Ensino
Médio em turma regular com a presença de aluno surdo, defendida no
Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte (PPGED/UFRN), em junho de 2018.29
Entre as pesquisas aqui inventariadas, encontram-se quatro produções
de graduandos de história. Considero-as bem-vindas por demonstrar que o
debate envolvendo o ensino de história para alunos surdos e a inclusão escolar
desses sujeitos já vem mobilizando os futuros professores, apesar de os textos
apresentarem problemas quanto à escrita em si e à fundamentação teórica.
Nesse último caso, o que pode ser a razão para as autoras de “A exclusão do
incluído: a busca pelo equilíbrio” (Mesquita et al., 2009) e “O ensino de
história para as alunas e alunos com deficiência auditiva no município de
Guarabira (PB): uma experiência inclusiva(?)”30 (Tezolin, 2014), na
contramão dos demais estudos, adotarem, sem explicações, a denominação
“deficientes auditivos” para se referirem aos surdos? Uma delas chega a usar,
por diversas vezes, a inapropriada denominação “auditivos”. Em ambos os
casos, utilizando-se de entrevistas com professores, intérpretes e alunos

29
De acordo com notícia publicada no site do Programa de Pós-graduação em Educação da
UFRN. Disponível em:
https://sigaa.ufrn.br/sigaa/public/programa/noticias_desc.jsf?lc=pt_BR&id=363&noticia=13
0712185. Acesso em: 28 jun. 2018. A informação foi confirmada por Perales, em contato por
e-mail.
30
O texto “Ensino de história: uma prática inclusiva para alunas e alunos com deficiência
auditiva no município de Guarabira/PB” (Tezolin e Cavalcante, 2014) é uma versão reduzida
desse trabalho de conclusão de curso, escrito por Tezolin em parceria com sua orientadora
para apresentação no I Congresso Nacional de Educação (Conedu), realizado na cidade de
Campina Grande, em 2014.
(surdos e ouvintes), as pesquisas apresentam como resultado um quadro
bastante desolador da inclusão de alunos surdos em escolas públicas
nordestinas, no qual professores se mostram incapacitados para lidar com
esses discentes, intérpretes realizam tarefas que seriam dos docentes e
educandos ouvintes reclamam do tempo perdido com tarefas que se
destinariam aos seus colegas com surdez. Os dados levantados pelas autoras
ganham maior relevância ao pensarmos na possibilidade de se estabelecer
comparações com o que se verifica em escolas inclusivas de outras
localidades.
Em julho de 2017, a Universidade Federal Fluminense (UFF), realizou
a I Jornada Científica e Tecnológica de Língua Brasileira de Sinais, que
contou com a apresentação de trabalhos produzidos por professores,
graduandos e pós-graduandos de diversos cursos universitários. Na área de
ensino de história, o evento contou com duas produções: “História em
silêncio: as dificuldades a percorrer no ofício do professor de história no
ensino de alunos surdos em Itaboraí” (Gregorio, Cecilio e Anchieta, 2017) e
“O ensino de história em Libras e sua viabilidade” (Sá et al., 2017). Destaque
para esse último, no qual os autores pesquisam no Dicionário da Língua
Brasileira de Sinais, do Ines, e nos aplicativos de tradução Libras/língua
portuguesa ProDeaf e Hand Talk, sinais em Libras para conceitos
relacionados com um conteúdo específico da disciplina história. O resultado
revela a ausência de diversos deles e a necessidade não só de criação dos
mesmos, como também da realização de estudos que resultem na produção de
glossários ou sinalários em Libras para a área de história, como já haviam
indicado Pereira e Poker (2012:77).
Neste sentido, convém relevar que, embora quase sempre
desconhecidos por professores e até intérpretes de Libras, há glossários e
sinalários de história disponíveis na internet, em canais do YouTube, como o
do Instituto Phala.31 Tem sido frequente o desenvolvimento de trabalhos
acadêmicos voltados para a criação de sinais para áreas específicas do

31
Instituição sem fins-lucrativos, criada na região de Campinas, interior de São Paulo, que
oferece cursos e serviços voltados à acessibilidade surda. Possui um canal no YouTube, no
qual sinalários de história podem ser visualizados. Disponíveis em:
www.youtube.com/watch?v=wXH8WBGvRy0 e
www.youtube.com/watch?v=HIWAL4kVsGE. Esse último exclusivo para história do Brasil.
conhecimento com o objetivo de torná-las mais acessíveis aos sujeitos surdos
(Albres, 2014:137; Barral, Pinto-Silva e Rumjanek, 2017:110-111; Stumpf e
Martins, 2017). Desconheço o equivalente deste tipo de produção no campo
da história. Conforme mencionado anteriormente, na E. M. Santa Luzia, em
2007, um grupo de intérpretes chegou a criar alguns sinais para uso na escola
junto aos nossos alunos surdos, a partir de uma lista de conceitos previamente
apresentadas pelos professores das disciplinas que compõem o segundo
segmento do Ensino Fundamental. Todavia, os sinais criados não foram
registrados e também não houve continuidade a este trabalho com a saída dos
referidos profissionais.
Completam o rol de produções acadêmico-científicas sobre o ensino
de história para alunos surdos localizadas em minha pesquisa dois trabalhos
recentes: “O ensino de História para alunos surdos: uma experiência de escola
bilíngue na cidade de Pelotas-RS” (VIEIRA, 2018) e “Desafios do ensino de
história para alunos surdos em classes inclusivas”, de minha autoria (Santos,
2018). O primeiro é um estudo de caso, embrião de uma pesquisa maior a ser
desenvolvida pela autora, no qual uma professora de história e geografia de
escola filantrópica para surdos relata, por meio de uma entrevista, sua
experiência e considerações a respeito de sua atividade docente junto àqueles
educandos. Se não apresenta novidades, em termos de didática e metodologia,
as informações do texto também podem ser utilizadas para a composição de
um diagnóstico mais amplo da inclusão escolar de alunos surdos.
Quanto à publicação que escrevi, refere-se a uma comunicação
apresentada na quarta edição do Simpósio Eletrônico Internacional de Ensino
de História, realizada em abril de 2018. Nela, parto do tema proposto na
redação da edição 2017 do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) —
“Desafios para a formação educacional de surdos no Brasil” — para realizar
uma síntese daquilo que considero entraves ao ensino de história para alunos
surdos no âmbito das escolas inclusivas. Para tanto, amparo-me na empiria e
na bibliografia investigada para a presente dissertação. No próximo capítulo,
retomo essa questão, desta vez, mais detidamente e assentado em uma
realidade específica: a de uma escola municipal localizada na periferia do Rio
de Janeiro, considerada polo e referência na educação de surdos.
2. Desafios do ensino de história para alunos surdos em
uma escola inclusiva

Uma vez definidos dois conceitos fundamentais para esse trabalho — surdo e
inclusão —, além de identificado o que analisam e prescrevem os estudos
relacionados ao ensino de história para aqueles sujeitos, o presente texto volta-
se para como tal ensino é realizado em uma realidade específica: a de uma
escola pública da Baixada Fluminense (RJ). Iniciarei apresentando uma das
metodologias utilizadas na pesquisa, a história oral, que permitiu revelar o que
fazem e o que pensam os professores de história daquela escola quanto ao
ensino de alunos surdos. Em seguida, farei uma caracterização da unidade
escolar em questão e como se deu a gênese do processo de inclusão de alunos
surdos naquele espaço. O texto prossegue com uma análise dos eixos
temáticos levantados a partir dos depoimentos dos educadores entrevistados,
a saber: formação docente inicial e continuada; recepção na escola inclusiva;
necessidade de informações prévias; relação com os intérpretes de Libras;
didática empregada e sua pertinência; relação entre concepção de ensino de
história e práticas com os educandos surdos; adequabilidade do livro didático;
inclusão da história dos surdos aos conteúdos curriculares; e uso de adaptações
pedagógicas e recursos diferenciados. Tais temas se constituem em desafios
aos professores de história que atuam em classes regulares com alunos surdos
e justificam a necessidade do “Caderno de orientações e sugestões para o
ensino de história em classes inclusivas com alunos surdos”, o qual apresento
como produto final dessa dissertação.

2.1 Um uso da história oral

A fim de investigar os problemas que mobilizaram a realização deste trabalho,


optei por desenvolver uma pesquisa do tipo qualitativo.
Segundo esta perspectiva, um fenômeno pode ser melhor compreendido no
contexto em que ocorre e do qual é parte, devendo ser analisado numa
perspectiva integrada. Para tanto, o pesquisador vai a campo buscando
“captar” o fenômeno em estudo a partir da perspectiva das pessoas nele
envolvidas, considerando todos os pontos de vista relevantes. Vários tipos de
dados são coletados e analisados para que se entenda a dinâmica do
fenômeno. [Godoy, 1995:21]

Com o propósito de realizar a coleta de dados para análise, utilizei a


história oral como um dos principais instrumentais metodológicos. Existe um
debate a respeito da natureza da história oral. Seria apenas uma técnica, uma
metodologia ou mesmo uma disciplina? Compartilho da posição de Ferreira e
Amado (2006:xii), que afirmam:

Em nosso entender, a história oral, como todas as metodologias, apenas


estabelece e ordena procedimentos de trabalho — tais como os diversos tipos
de entrevista e as implicações de cada um deles para a pesquisa, as várias
possibilidades de transcrição de depoimentos, suas vantagens e
desvantagens, as diferentes maneiras de o historiador relacionar-se com seus
entrevistados e as influências disso sobre seu trabalho —, funcionando como
ponte entre teoria e prática. [Ferreira e Amado, 2006:xvi]

Considerando que são as questões e os objetivos de uma pesquisa que


apontam o método mais adequado para sua realização (Alberti, 2013:38),
minha opção metodológica se justifica pela necessidade de registrar as
experiências dos professores de história que lecionam para alunos surdos
incluídos nas classes regulares de uma escola polo na educação desses
discentes, a Escola Municipal Santa Luzia, localizada no município de Duque
de Caxias (RJ). Embora o fazer docente também envolva o registro escrito de
suas atividades (por exemplo, o que é feito nos diários de classe), quase
sempre, por conta de diferentes demandas, não ficam registrados de forma
escrita todos os detalhes das práticas realizadas e, tampouco, os sentimentos e
opiniões dos professores acerca do que foi feito. É, pois, no sentido de
produzir subsídios para minha pesquisa e recuperar o não registrado que fiz
uso da história oral.
Realizei entrevistas com os professores que atuaram na E. M. Santa
Luzia no período compreendido pelo desenvolvimento de minha pesquisa,
entre os anos de 2016 e 2017. Os entrevistados, em nomes fictícios, conforme
determinado pelas normas e procedimentos éticos para pesquisas com seres
humanos em Ciências Humanas e Sociais do Conselho Nacional de Saúde
(CNS) (Brasil, 2016), são caracterizados no quadro 3.

Quadro 3

Sujeitos da pesquisa

Entrevistado(a) Formação Trajetória Docente

Amélia Mestre em história antiga e Trabalhou por mais de duas


medieval, pela Universidade décadas como docente e
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ, coordenadora somente em
1991); pós-graduada em ação escolas da rede privada que
educativa e cultural em museus, atendem a alunos das classes alta
pela Universidade Federal do e media-alta de Vitória (ES) e do
Estado do Rio de Janeiro (Unirio, Rio de Janeiro. Durante um ano,
1985) e graduada em história, pela na década de 1980, lecionando
Universidade Federal do Espírito no Colégio da Imaculada
Santo (Ufes, 1981). Conceição (RJ), teve a sua
primeira experiência como
professora de uma aluna surda.
Por um breve período, foi
professora do Ensino Superior,
na Universidade do Grande Rio
(Unigranrio, 2007-08). Ingressou
no magistério da rede pública em
2016, no município de Duque de
Caxias, sendo lotada na E. M.
Santa Luzia, onde atuou em uma
classe do 6o ano de escolaridade
com um aluno surdo incluído.
Deixou a escola no encerramento
daquele ano letivo.
Inácio Graduado em história, pela Egresso da área da saúde, iniciou
Universidade do Estado do Rio de sua carreira no magistério no ano
Janeiro (Uerj, 1992); participou de de 1993, atuando, inicialmente,
cursos de extensão em História em escola da rede privada. É
Antiga, no Real Gabinete professor da rede municipal de
Português de Leitura, e história do ensino de Duque de Caxias há 25
Brasil, na Universidade Santa anos, lecionando na E. M. Santa
Úrsula (década de 1980). Chegou Luzia desde 1998. Trabalhava
a frequentar o curso de Língua exclusivamente na Educação de
Brasileira de Sinais (Libras), Jovens e Adultos (EJA), que
oferecido pela Secretaria funciona no turno da noite na E.
Municipal de Educação de Duque M. Santa Luzia, onde
de Caxias (SME/Duque de acompanhou o início da inclusão
Caxias) à comunidade escolar na de alunos surdos em classes
E. M. Santa Luzia, mas não o regulares daquela modalidade de
concluiu. ensino. Nos últimos anos,
também vem trabalhando com
turmas do segundo segmento do
Ensino Fundamental, no turno da
tarde, algumas delas com alunos
surdos incluídos. Acumula
experiência profissional em
outras redes de ensino (estado e
município do Rio de Janeiro).

Leandra Pós-graduada (especialização) em Iniciou a carreira no magistério


história do Brasil Colônia, pela atuando em cursos de pré-
Universidade Federal Fluminense vestibular comunitários. É
(UFF, 2003), filosofia antiga e professora de história das redes
medieval (Faculdade São Bento, públicas de ensino do estado do
2010) e filosofia moderna e Rio de Janeiro e do município de
contemporânea (Faculdade São Duque de Caxias, desde 2007.
Bento, 2012); graduada em Trabalhou na E. M. Santa Luzia
história, também pela UFF (2001). entre os anos 2015 e 2017. Não
Participou de um curso de chegou a lecionar em classes
extensão sobre a história da inclusivas com alunos surdos.
Baixada Fluminense, oferecido Sua inclusão no rol dos
pelo Centro de Referência entrevistados justifica-se pela
Patrimonial e Histórico de Duque possibilidade de identificar
de Caxias (2008), e de encontros concepções prévias, expectativas
de formação continuada na área da e apreensões da docente em
Educação Especial oferecidos pela relação ao ensino daqueles
SME/Duque de Caxias. sujeitos.
Atualmente é mestranda do
ProfHistória, novamente pela
UFF.

Regina Pós-graduada em história social Iniciou sua carreira no magistério


do Brasil, pela Fundação tão logo concluiu sua graduação,
Educacional de Duque de Caxias em 1995, ingressando na rede
(Feuduc, 1995) e graduada em pública de ensino do município
Estudos Sociais (Feuduc, 1994). do Rio de Janeiro, onde, desde
Possui MBA em gestão escolar, 2012, exerce a função de diretora
pelo Serviço Nacional de de unidade escolar. Foi
Aprendizagem Comercial (Senac, convocada para lecionar na rede
2008) e pela Universidade Veiga estadual de ensino do Rio de
de Almeida (UVA, 2009). Janeiro, em 1997, pedindo
Participou de um curso de exoneração no ano seguinte para
pedagogia em Cuba (1999) e de assumir vaga como professora na
oficinas de inclusão de deficientes rede pública de Duque de Caxias,
intelectuais, oferecidas pela sendo designada para atuar na E.
Secretaria Municipal de Educação M. Santa Luzia. Acompanhou o
do Rio de Janeiro, na primeira processo de inclusão de alunos
década dos anos 2000. Frequentou surdos em classes regulares na
por um tempo o curso de Libras escola, atuando nas mesmas,
oferecido pela SME/Duque de desde o seu início, em 2001.
Caxias nas dependências da E. M.
Santa Luzia, mas não o concluiu.

Antecipando-me a possíveis críticas pelo fato de os entrevistados


serem meus colegas de trabalho, pessoas as quais já conhecia previamente e
com quem mantenho contatos frequentes, no sentido de comprometimento de
uma suposta objetividade da pesquisa, dada a proximidade entre sujeito-
pesquisador e objeto-pesquisado, cabe afirmar que, em ciências humanas, toda
pesquisa é permeada de subjetividade (González Rey, 2010). Neste sentido,
postulo que:

Uma entrevista será sempre produto de uma situação singular, a relação entre
entrevistado e entrevistador, estabelecida de acordo com a imagem que se
fazem de si mesmo e do outro, sendo o conhecimento prévio entre ambos
[…] mais um entre os muitos dados sobre os quais cada um constrói estas
imagens. [Alberti, 2013:169]

Avalio também essa proximidade como positiva para a realização das


entrevistas, uma vez que se constituiu em um elemento capaz de deixar os
depoentes mais à vontade. Não sendo necessário, no dizer popular, “quebrar
o gelo”, que poderia, ainda que em um primeiro momento, inibir a fala dos
testemunhos, dificultando a fluência de ideias e informações. No entanto,
reconhecendo os limites à proximidade, redobrei os cuidados quanto às
minhas intervenções (uma vez que me encontrava em uma situação mais
favorável ao impulso de debater opiniões, o que não deveria fazer para não
direcionar as respostas) e procurei tomar o distanciamento necessário para
fazer as devidas críticas aos dados coletados.
As entrevistas foram realizadas entre os meses de outubro e dezembro
de 2017, nas dependências da E. M. Santa Luzia, com os depoimentos
registrados em áudio, por meio de um gravador portátil. Ocorreram de acordo
com o formato diretivo, definido por Alberti como aquele que é feito à
semelhança de um diálogo, dando a maior liberdade para o entrevistado
expressar suas opiniões, procurando o entrevistador não induzir as respostas
(Alberti, 2013:212). Segui esse modelo, pautado pelo roteiro geral (apêndice
A), composto por uma série de tópicos a partir dos quais foram feitas as
perguntas quando da realização das entrevistas. Tal roteiro foi elaborado a
partir da problemática levantada pelo projeto de pesquisa, em diálogo com as
questões suscitadas pela bibliografia, especialmente aquelas mais
especificamente relacionadas com o ensino de história para alunos surdos.
Os arquivos orais obtidos com as entrevistas efetuadas foram por mim
transcritos posteriormente, com o emprego do aplicativo oTranscribe, que
possibilita a transcrição em uma única interface, sem o inconveniente da
alternância entre o editor de texto e o reprodutor de áudio.32 Os depoimentos
transcritos mantêm-se fiéis às falas dos entrevistados, seguindo procedimentos
próprios à metodologia da história oral (Alberti, 2013:381-384; Tourtier-
Bonazzi, 2006:239-241). Foram produzidos quatro documentos de texto, um
para cada entrevistado, que se encontram por mim arquivados. A essas
informações adicionam-se observações acerca do processo das entrevistas,
tais como reações dos depoentes, suas expressões corporais e eventuais
interrupções, registradas por escrito durante a realização dos depoimentos.
Esses dados adicionais também foram considerados quando da análise das
gravações.
Examinei as narrativas contidas nos depoimentos coletados à luz da
análise temática de conteúdo (Minayo, 2010:208-211). Essa técnica para
análise de dados desenvolve-se em três etapas, denominadas pré-análise,
exploração do material e tratamento dos resultados obtidos e interpretação. Na
primeira, realizei uma leitura exaustiva dos dados conseguidos na pesquisa
empírica, no caso, as transcrições das entrevistas realizadas, dialogando com
os objetivos, os conceitos e as teorias estabelecidos no projeto de pesquisa. A
partir daí, verifiquei a pertinência das informações, realizando a seleção e
organização do corpus que seria analisado. Na etapa seguinte, os textos foram
recortados em unidades temáticas, algumas das quais já enunciadas no roteiro
das entrevistas, nas quais os dados foram agrupados e analisados. Por fim,
estes foram interpretados com base nos estudos sobre a educação e inclusão
escolar de alunos surdos indicados nas referências bibliográficas, sobretudo
aqueles relacionados com o ensino de história.
Além da bibliografia, os dados obtidos, ao ser analisados, também
foram confrontados pelos documentos oficiais produzidos pela Secretaria
Municipal de Educação de Duque de Caxias (SME/Duque de Caxias) e pela
E. M. Santa Luzia que fazem alguma referência à educação de surdos. São
eles: da SME, dada a dificuldade de acesso à sua documentação, apenas as
Diretrizes de atendimento da Educação Especial de Duque de Caxias
(Prefeitura Municipal de Duque de Caxias, 2014), localizado em meu acervo
pessoal; da escola, o Projeto Político Pedagógico (Prefeitura Municipal de

32
O aplicativo pode ser acessado em: otranscribe.com.
Duque de Caxias, 2017); Integração escolar do aluno surdo (Prefeitura
Municipal de Duque de Caxias, s.d); Aos professores regentes da Escola
Santa Luzia, conjunto de sugestões didáticas (Prefeitura Municipal de Duque
de Caxias, [2007?]) e Orientações aos professores de alunos surdos
(Prefeitura Municipal de Duque de Caxias, 2013). Exceto pelo PPP, todos fora
de circulação na unidade escolar.
Cabe ainda registrar que a opção pela história oral me direcionou a
submeter o projeto de pesquisa do qual resulta essa dissertação ao Comitê de
Ética em Pesquisa do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (CEP/CFCH/UFRJ), por se tratar de
uma investigação que envolve seres humanos, conforme resoluções do CNS,
do Ministério da Saúde (Brasil, 2012, 2016). Estando de acordo com as
normas e os procedimentos éticos tanto no que tange aos cuidados inerentes à
metodologia da história oral quanto no que determinam as resoluções do CNS,
tais como os devidos esclarecimentos aos entrevistados acerca da natureza da
pesquisa, o respeito à confidencialidade e privacidade dos participantes da
pesquisa e a assinatura do Registro de Consentimento Livre e Esclarecido
(RCLE) (apêndice B), o projeto foi aprovado pelo CEP/CFCH/UFRJ, em 5 de
outubro de 2016, conforme o parecer número 2.316.578 (anexo A).

2.2 Santa Luzia: que escola é essa?

A Escola Municipal Santa Luzia está localizada no Parque Equitativa, bairro


do Terceiro Distrito do município de Duque de Caxias, uma das cidades da
Baixada Fluminense, periferia da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. De
acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
Duque de Caxias possui uma população estimada em 890.997 habitantes,
sendo o oitavo município mais populoso do estado. Encontra-se entre as 20
cidades com o maior Produto Interno Bruto (PIB) do país, o que não se reflete
na qualidade de vida da sua população, uma vez que ocupa a 1.578a posição
no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do IBGE.33

33
Os dados podem ser acessados em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rj/duque-de-
caxias/panorama.
Em termos educacionais, está entre as cidades com a pior taxa de
escolarização, tanto no país como no estado, e — mais grave — na
microrregião onde se encontra. Em 2015, o Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica (Ideb), avaliado e divulgado pelo Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), para as séries finais
(6o ao 9o ano de escolaridade) foi de 3,4, abaixo da meta (3,7), o que faz de
Duque de Caxias o 86o entre os 92 municípios do Rio de Janeiro no referido
indicador.34 Não temos dúvida de que esse fraco desempenho decorre dos
baixos investimentos feitos pela prefeitura daquele município na área da
educação, facilmente identificado pelas precárias condições estruturais de
uma parcela significativa de suas 175 escolas (Cruz, 2016; Quatro…, 2016;
Balanço Geral RJ, 2018). Além disso, desde 2016, o cumprimento dos anos
letivos vem sendo comprometido devido a diversas paralisações e greves dos
professores, em resposta aos constantes atrasos e parcelamento de seus
salários e à aprovação pelos vereadores, em agosto de 2017, de um pacote de
medidas proposto pelo prefeito Washington Reis (MDB) que, entre outras
coisas, cortou e reduziu gratificações e elevou de 11% para 14% a
contribuição previdenciária dos servidores (Gelani, 2017), resultando em uma
drástica perda salarial e consequente desvalorização (e desmotivação) dos
profissionais da educação.
Com a inclusão escolar, toda escola da rede municipal de educação de
Duque de Caxias é obrigada a matricular alunos surdos. No entanto, a fim de
atendê-los mais adequadamente, o município possui três escolas-polo de
ensino para surdos: a Escola Municipal Professora Olga Teixeira de Oliveira,
localizada no 1o Distrito; a Escola Municipal Professor Walter Russo de
Souza,35 no 2o Distrito; e a Escola Municipal Santa Luzia (Calixto e Ribeiro,
2016). Essa última unidade de ensino recebe discentes surdos não somente de
bairros do distrito onde se localiza, mas também daqueles a ele adjacentes (2o
e 4o). No ano de 2017, tinha 40 alunos surdos matriculados. Considerando o

34
Na Escola Municipal Santa Luzia, o índice para a mesma etapa foi de 4,2, ou seja, acima
do obtido pela rede como um todo. Conforme informações disponíveis em:
http://ideb.inep.gov.br/resultado/resultado/resultado.seam?cid=1201243 e
http://ideb.inep.gov.br/resultado/resultado/resultado.seam?cid=1201417.
35
Essa escola é considerada polo de transição, ou seja, prepara os alunos surdos para posterior
transferência a um dos outros polos.
total de 754 estudantes na escola, 5,3% eram surdos, proporção muito
semelhante ao que se verifica na população brasileira.36
Em termos de organização, a E. M. Santa Luzia funciona em três
turnos, cada qual voltado para um segmento específico da Educação Básica:
Ensino Fundamental I (1o ao 5o ano de escolaridade), pela manhã; Ensino
Fundamental II (6o ao 9o ano de escolaridade), à tarde; e Educação de Jovens
e Adultos (EJA), à noite. Há ainda, nos dois turnos diurnos, turmas das
chamadas classes especiais, nas quais são atendidos, separadamente, de
acordo com suas especificidades, alunos com deficiência física e/ou
intelectual, transtornos e síndromes, além dos surdos (até o 5o ano de
escolaridade).
A partir do 6o ano, os alunos surdos são incluídos nas classes regulares.
No segundo segmento do Ensino Fundamental, que vai até o 9o ano, os
referidos discentes são agrupados em uma turma de cada ano de escolaridade,
devendo ser acompanhados por um intérprete de Língua Brasileira de Sinais
(Libras). Em conformidade com a legislação (Brasil, 2009, 2011), a fim de
prestar assistência às necessidades especiais desses alunos e aos seus docentes,
a escola conta ainda com o Atendimento Educacional Especializado (AEE),
cujas professoras responsáveis são especialistas em Educação Especial. O
atendimento aos alunos é feito em contraturno na Sala de Recursos
Multifuncionais (SRM).
Quanto ao espaço e à estrutura física (imagens 4 a 11), a escola
funciona, desde 1986, em um prédio que abrigou um colégio da rede privada,
posteriormente ampliado. Possui 14 salas de aula, quadra, refeitório,
banheiros, secretaria, sala dos professores, sala da equipe diretiva, sala de
leitura, sala de informática, entre outras dependências. Nem todas em
condições de uso, sobretudo devido a infiltrações. Há anos a unidade escolar
aguarda obras de reparos e reformas da parte da prefeitura de Duque de
Caxias, como tantas outras da rede pública de ensino daquele município.
Apesar de ser polo não somente na educação de surdos, mas também de alunos
com as mais diversas deficiências, incluindo as físicas, o espaço da escola se
apresenta pouco acessível, portanto, em desacordo ao já determinado pela

36
De acordo com o Censo 2010, do IBGE, 9,7 milhões de brasileiros são surdos,
correspondendo a 4,6% da população. (Apesar…, 2016).
legislação (Brasil, 2000, 2001). Entre as exceções, uma rampa entre os dois
corredores principais (que se encontram em níveis diferentes) e um banheiro
adaptado para cadeirantes e pessoas com dificuldades motoras. Em relação
aos surdos, há sinalizações em língua de sinais e as salas das classes especiais
de surdos possuem ambiente com quadros, tabelas e ilustrações diversas que
auxiliam na aquisição de informações e no aprendizado. Em contrapartida, as
salas das classes regulares, que abrigam turmas do 6o ao 9o ano com alunos
surdos incluídos, são desprovidas de recursos tecnológicos e visuais. Neves
destaca que “estes e outros aspectos são muito importantes de serem
observados pelos professores, pois influenciam direta ou indiretamente o
processo de aprendizagem dos alunos” (Neves, 2009:7906).

Imagem 4
Fachada da Escola Municipal Santa Luzia

Fonte: Acervo do autor. Na imagem, não há nada que identifique sua especificidade como
polo em Educação Especial e ensino de surdos. Outubro, 2017.

Imagem 5
Corredor principal da E. M. Santa Luzia
Fonte: Acervo do autor.

Imagem 6
Rampa de acesso e corredor da segunda ala da E. M. Santa Luzia

Imagem 5 - Corredor principal da E. M. Santa Luzia. À direita, salas de aula e banheiros dos alunos. À
esquerda, refeitório, cozinha e rampa de acesso para outra ala da edificação. Ao fundo, a Sala de Leitura.
Fonte: Acervo do autor.
Outubro, 2017. Fonte: acervo do autor.

Imagem 7
Quadra da E. M. Santa Luzia

Fonte: Acervo do autor.

Imagem 8
Sala de aula da classe especial de alunos surdos

Imagem 67 - Rampa
Quadra deda acesso
E. M. Santa
e corredor
Luzia. da
Neste
segunda
local, ala
alémdadas
E. M.
aulas
Santa
de Luzia.
Educação
À direita
Física,
e ao
são
fundo,
realizados
salas
eventos
de aula,
e festividades
incluindo asdadeescola,
recursos
emegeral,
das classes
abertosespeciais,
à Comunidade
que, há
Escolar.
algunsEmanos,
setembro
eram separadas
de 2017, serviu
do
Fonte:
de Acervo
restante
palco da
parado autor.
escola
uma apresentação
por um pequeno de teatro
muro. bimodal
À esquerda,
(encenação
acesso àemquadra.
LínguaAPortuguesa
rampa existe e Libras),
há cercavista
de dez
na
anos, em substituição a umaFonte:
imagem. escada, e é uma
acervo das poucasMárcia
da professora adaptações doRodrigues.
Cristina espaço escolar com vistas à
acessibilidade. Outubro, 2017. Fonte: acervo do autor.

Imagem 9
Imagem 8 - Sala de aula da classe especial de alunos surdos. Considerando que a visão é o principal
sentido utilizado pelos surdos para acessar informações, as paredes da sala trazem tabelas, quadro de
regras, alfabetário ilustrados e com caracteres que remetem a sinais da Libras, entre outros recursos
visuais. Outubro, 2017. Fonte: acervo do autor.
Sala de aula de uma classe regular com alunos surdos incluídos

Fonte: Acervo do autor.

Imagem 10
Detalhe da porta de entrada da sala de aula vista na imagem anterior

Imagem 9 - Sala de aula de uma classe regular com alunos surdos incluídos. Na comparação com a
imagem anterior, nota-se a ausência de recursos visuais no ambiente, como mapas, tabelas e imagens
diversas que poderiam facilitar a aprendizagem de alunos surdos (e ouvintes). Outubro, 2017. Fonte:
acervo do autor.

Fonte: acervo do autor. Na imagem se vê um cartaz indicativo das turmas que nela
estudavam, utilizando caracteres em língua portuguesa e em Libras. Esboço de preocupação
com a presença de alunos surdos, em uma escola que se pretende bilíngue, não observado no
interior da sala. Out. 2017.

Imagem 11
Sala de aula com goteiras, infiltrações e queda de fragmentos do teto

Fonte: acervo do autor. Retrato de problemas estruturais que põem em risco a comunidade
escolar e interferem na qualidade do ensino. Fev. 2018.

2.3 A inclusão de alunos surdos na E. M. Santa Luzia

A Escola Municipal Santa Luzia surgiu no final da década de 1950, na


paróquia de mesmo nome, a partir da iniciativa de Yara de Souza Borges,
professora oriunda da classe média da Tijuca (Zona Norte da cidade do Rio
de Janeiro), que intentava alfabetizar as crianças daquela região de Duque de
Caxias, tendo se mudado para esse município. À época, a população era
carente de recursos financeiros e assistência do poder público (realidade não
tão distante da atual). Portanto, a escola tem sua gênese ligada a um esforço
de inclusão de membros de uma comunidade que não tinham acesso à
escolarização.
De acordo com informações contidas no histórico da E. M. Santa
Luzia,37 a escola, municipalizada em 1963, teria recebido seu primeiro aluno
surdo em 1990. Ainda segundo o documento, os profissionais, desprovidos de
preparo e recursos específicos para oferecer um ensino compatível à
especificidade do educando, receberam, naquele momento, apoio técnico da
Secretaria Municipal de Educação de Duque de Caxias (SME/Duque de
Caxias). A partir dessa experiência, já no ano seguinte, foram abertas na
unidade de ensino as chamadas classes especiais, turmas que reuniam em um
mesmo espaço alunos com as mais diferentes deficiências. Uma vez que os
surdos eram vistos por esse viés, também eram alocados em tais classes, nas
quais estudavam junto com autistas, deficientes físicos, alunos com Síndrome
de Down, entre outros. Inseridos em um mesmo bojo, o que desconsiderava
as especificidades desses alunos, eles ainda eram apartados fisicamente dos
demais, ditos normais, com suas salas separadas das outras por um pequeno,
mas significativo, muro. Isolamento também verificado na E. M. Olga
Teixeira, de acordo com o depoimento da professora Regina, que lá estudou,
quando a unidade se chamava Colégio Municipal Marechal Castelo Branco.
Em suas recordações, lembra-se da presença de surdos na escola, na década
de 1980. Contudo, mantinha com eles um contato apenas visual, já que aqueles
alunos estudavam em um prédio anexo, separados dos demais alunos.
Em 1999, influenciada pela perspectiva socioantropológica da surdez,
cujo marco na rede municipal de Duque de Caxias foi a palestra proferida por
um de seus mais importantes representantes, o professor Carlos Skliar, a
equipe responsável pela Educação Especial na SME sugeriu o estabelecimento
das escolas Olga Teixeira e Santa Luzia, que contavam com um expressivo

37
O histórico da E. M. Santa Luzia pode ser encontrada no Projeto Político Pedagógico da
escola (Prefeitura Municipal de Duque de Caxias, 2017:3-8).
número de alunos surdos matriculados, como polos de educação desses
discentes.38 O propósito era reuni-los em espaços onde recebessem um
atendimento diferenciado e pudessem aprender junto com seus pares,
desenvolvendo assim o uso da língua de sinais e estimulando vínculos
identitários (Almeida, 2014:61). Nesse novo contexto, no ano 2000, foi criada
na E. M. Santa Luzia a primeira classe exclusiva para surdos, com alunos do
primeiro segmento do Ensino Fundamental, e, no ano seguinte, a escola teve
seu primeiro aluno D.A. (deficiente auditivo, como aparecia nos registros da
época), Davi Mendes, incluído em uma classe regular do segundo segmento,
no caso, uma turma da 5a série (atual sexto ano de escolaridade). Fato esse que
gerou apreensão entre os professores, ainda duvidosos quanto aos possíveis
benefícios pedagógicos da inclusão de surdos em classes regulares (Corrêa et
al., 2002:8-9). Uma das professoras entrevistadas para a presente pesquisa, já
atuando na escola Santa Luzia naquele momento, assim descreve a situação:

Eu acompanhei, mas eu fiquei na plateia. [pausa] Entendeu? Eu fiquei na


plateia. Eu assisti o processo. Eu não participei do processo. Que foi também
um processo meio excludente [fala entre risos]. Então, de um grupo querendo
a questão dos surdos aqui… não que eu não quisesse o surdo, mas […] o
restante não foi muito que incluído nessa […] se você for entrevistar as outras
pessoas, não sei se elas se sentiram assim. Eu sei que eu fui um espectador.
[…] Claro que haviam pessoas que não concordavam com o aluno dentro de
uma escola que ninguém sabia lidar com aquilo. Então, em alguns Conselhos
de Classe, muitas pessoas colocavam […] o que é que vai fazer com ele?
Igual a gente… aquela mesma angústia que você tem, né, em relação ao
deficiente intelectual. Você não sabe muito bem o que fazer com ele. […]
Entendeu? Algumas pessoas, […] sendo contra a situação do surdo. Porque
não tinha suporte, não tinha nada, nada, nada. Era o cara dentro da sala de
aula. E alguém… tentando com alguém que […] conhecesse Libras, pra
poder […] lidar com aquele aluno. A direção, houve um apoio da direção que
a coisa acontecesse, entendeu? Tanto é que depois a escola virou até um polo.
[Profa. Regina]

38
Questionando profissionais mais antigos da escola, fui informado de que a efetivação da
escola como polo de educação para surdos ocorreu posteriormente. Não consegui outras
fontes que corroborassem essa informação e indicassem com precisão o momento e o
documento do estabelecimento do referido status.
O depoimento revela que a inclusão de alunos surdos em classes
regulares na E. M. Santa Luzia ocorreu sem o envolvimento prévio dos
professores, notadamente aqueles que atuariam diretamente com aqueles
educandos. Faltaram esclarecimentos, debates e planejamento a fim de que os
docentes estivessem mais bem preparados para atuar junto aos referidos
educandos incluídos. Faltou ainda o que a entrevistada chama de suporte, uma
vez que, inicialmente, os professores — e também o aluno — contavam
basicamente com a assistência da professora Ilma Gonçalves dos Santos,
especialista em Educação Especial, então responsável pela Sala de Recursos
Multifuncionais (SRM)39 e uma das poucas profissionais da escola que fazia
uso da Língua Brasileira de Sinais (Libras). Em outro trecho de seu relato, a
depoente assim resume como se dava o trabalho cotidiano com o aluno
incluído: “Você chamava pra poder ela [Ilma] intermediar essa situação. Pra
explicar o que era pra ser feito… Porque no restante do que você fazia, ele [o
aluno] se virava ou às vezes pedia pra sair pra poder ir lá atrás dela. Era isso
que acontecia” (Profa. Regina).
Tal situação relatada caracteriza um contexto muito mais próximo da
integração do que da inclusão escolar, embora fosse dessa última forma
denominado. Os termos muitas vezes confundem-se e podem parecer
sinônimos, mas referem-se a contextos educacionais distintos. A integração
precede historicamente a inclusão, com as primeiras iniciativas de inserção de
alunos com deficiência na escola regular. Além disso, difere-se dela por
imputar a adaptação ao aluno (Guijarro, 2005). No caso descrito, Davi
precisava “se virar” e “correr atrás” de auxílio para poder aprender. Em um
ambiente de fato inclusivo é a escola e sua comunidade que precisam se
adaptar às necessidades especiais de seus educandos.
A chegada de um intérprete de Libras, contratado pela SME, aconteceu
somente no decorrer daquele ano letivo. Imprescindível diante da presença de
estudantes surdos, sobretudo em contexto de inclusão, a permanência dos
intérpretes na E. M. Santa Luzia não tem sido uma constante. Professoras

39
As Salas de Recursos Multifuncionais ou, como são mais referenciadas nas escolas,
simplesmente Salas de Recursos, são “ambientes dotados de equipamentos, mobiliários e
materiais didáticos e pedagógicos para a oferta do atendimento educacional especializado”
aos alunos surdos ou com deficiência (Brasil, 2011).
lotadas há algumas décadas na escola relataram um episódio de mobilização
dos alunos surdos que participaram, em 2005, de uma passeata, junto aos
educadores, reivindicando justamente por intérpretes, uma vez que a escola se
encontrava sem esses profissionais. Eu mesmo, docente da unidade há 12
anos, passei por diversos momentos nos quais não pude contar com a presença
deles em sala de aula. Em 2017, das quatro turmas com alunos surdos
incluídos no segundo segmento do Ensino Fundamental, apenas uma delas
permaneceu com intérprete do início ao fim daquele ano letivo. Contribui para
esta instabilidade a precária situação funcional dos intérpretes na prefeitura
municipal de Duque de Caxias, na qual são contratados por curtos períodos de
tempo, percebendo um salário pouco atrativo para o árduo ofício exercido em
sala de aula.
Ainda que pontuada por problemas crônicos, a presença surda na E.
M. Santa Luzia tornou-se, no transcorrer do tempo, uma marca da escola. Esta,
por sua vez, acabou por estabelecer-se como uma referência no ensino para
alunos surdos em Duque de Caxias, devido a seu status de polo educacional e
ao empenho, nem sempre coletivo, de seus profissionais. Nos últimos anos,
gestores, docentes e outros membros da unidade têm promovido uma série de
ações intentando dar mais visibilidade aos alunos surdos e qualificar a
inclusão desses sujeitos. Entre as ações estão o I Encontro de Educação de
Surdos, ocorrido em 2009; a inserção da disciplina Libras na grade curricular
do segundo segmento do Ensino Fundamental, desde 2015; o projeto “Libras:
Que língua é essa?”, norteador das atividades da escola naquele mesmo ano;
e a Semana de Surdos, realizada anualmente, desde 2013, na qual são
oferecidas palestras sobre a questão da surdez e atividades recreativas para os
alunos surdos.

2.4 Desafios do ensino de história para alunos surdos em classes inclusivas

A sala dos professores da E. M. Santa Luzia, em particular, durante o horário


do recreio das turmas do segundo segmento do Ensino Fundamental, costuma
ser extremamente ruidosa. Falamos muito e sobre os mais variados assuntos:
da atual situação política nacional às queixas sobre as classes agitadas e… o
barulho por elas produzido. Entre essas conversas, realizamos muitas trocas
sobre nossas práticas docentes. No entanto, essa troca não se dá entre os
professores de história. Apesar de nos relacionarmos muito bem, alguns até
mantendo laços de amizade bastante estreitos, somos silenciosos sobre o que
desenvolvemos em sala de aula, como se temerosos por revelar nossas falhas
ou se estivéssemos travando uma competição velada. As equipes diretivas que
já passaram pela escola tampouco estimularam devidamente esse câmbio nos
espaços das atividades escolares apropriados, como Grupos de Estudos e
Conselhos de Classe. Trabalhando na E. M. Santa Luzia há mais de uma
década, a primeira vez em que ouvi meus colegas falarem a respeito do
trabalho com os alunos surdos foi durante as entrevistas que me concederam
para a pesquisa cujos resultados aqui apresento.
Entre as mais de seis horas de depoimentos, um desafio primordial se
destaca na fala de meus colegas: a formação inicial. Embora já tenha se
tornado clichê nos estudos relacionados à Educação Inclusiva, insisto na
questão, valendo-me de Verri e Alegro que propõem: “É urgente a reflexão
acerca da formação de professores na licenciatura em História, em vista da sua
preparação para o atendimento a alunos com necessidades educacionais
especiais, que têm a inclusão escolar como direito” (Verri e Alegro, 2006:112)
Mais de uma década depois, a reflexão ainda não foi devidamente feita no
campo do ensino de história.
Considerando o currículo acadêmico (quadro 3), não restam dúvidas
de que os professores de história que atuam ou atuaram na E. M. Santa Luzia
são altamente qualificados para o seu trabalho. No entanto, eles não se sentem
preparados para ensinar a alunos surdos. Nenhum deles possui formação
específica na área da Educação Especial, campo do conhecimento no qual
tradicionalmente estão reunidos os estudos sobre a educação de surdos,40 ou
tiveram em seus cursos de graduação disciplinas que abordassem a questão.
Característica similar à identificada por Pereira e Poker (2012:74) ao
estudarem os professores que lecionam história para alunos surdos incluídos
em classes regulares das Escolas Municipais de Ensino Fundamental (EMEF)

40
A partir da reivindicação de autores que se dedicam à surdez, em uma visão
socioantropológica, entre os quais se destaca Carlos Skliar, há uma tendência para o
deslocamento das pesquisas sobre esta temática para um campo específico denominado
estudos surdos (Skliar, 2016).
da cidade de São Paulo. Há que se considerar, no entanto, que os docentes
aqui pesquisados realizaram suas graduações em um período que vai do final
da década de 1970 ao início do atual século, portanto, sob currículos datados,
ainda não afetados pelas recentes políticas públicas em prol da inclusão, cujo
marco em relação à educação de surdos é o Decreto no 5.626 (Brasil, 2005),
que incluiu o ensino de Libras na grade curricular dos cursos de licenciatura.
Mas cautela! A geração dos professores, como os da E. M. Santa Luzia,
com déficit na formação inicial no que se refere à educação de surdos está
longe de ser página virada. Apesar do que determina a legislação, a disciplina
Libras ainda não é oferecida em todas as licenciaturas. Heloísa Tezolin,
licenciada em história pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), no ano
de 2014, reclama da ausência dessa disciplina em sua formação acadêmica
(Tezolin, 2014:14). Além disso, cursar um semestre de Libras, como a
disciplina figura nos currículos das licenciaturas, não torna o futuro professor
proficiente naquela língua. Ainda que fosse, se conhecer a história, enquanto
fatos, conceitos e historiografia, não basta para ensiná-la (Caimi, 2015:112),
ter o conhecimento de Libras também não garante que o professor está apto a
ensinar história para alunos surdos. Ele precisa de uma formação que o
instrumentalize com conhecimentos teórico-metodológicos relacionados com
a surdez. Algo que os cursos de licenciatura continuam deixando a desejar,
conforme pude constatar ao verificar as atuais grades curriculares das três
principais universidades públicas do estado do Rio de Janeiro:41 Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(Uerj) e Universidade Federal Fluminense (UFF). Além de Libras, somente a
Uerj e a UFRJ oferecem alguma disciplina obrigatória voltada às questões da
Educação Especial e da Educação Inclusiva.42
Desta forma, desprovidos de conhecimentos prévios a respeito das
peculiaridades dos surdos e das abordagens didáticas mais adequadas a serem
utilizadas com eles, nós, professores, chegamos às turmas nas quais esses
educandos estão presentes. O que já compromete a qualidade da inclusão, uma

41
De acordo com o ranking do jornal Folha de S.Paulo, disponível em:
http://ruf.folha.uol.com.br/2017/. Acesso em: 12 abr. 2018.
42
As disciplinas são “Fundamentos da Educação Especial”, na UFRJ, e “Prática Pedagógica
em Educação Inclusiva”, na Uerj, curiosamente, no campus Maracanã e não em São Gonçalo,
destinado à formação de professores.
vez que a capacitação docente para atuar com alunos incluídos é um de seus
pré-requisitos (Kelman, 2011:189).
Não parece justo imputarmos às universidades toda a responsabilidade
pela formação deficitária dos professores no que tange à educação de surdos
ou outros alunos incluídos. Afinal, podem as licenciaturas ir além da
sensibilização dos graduandos, futuros docentes, quanto aos desafios do
trabalho com tais educandos? Disciplinas específicas para tratar de cada
“deficiência” não comprometeriam a viabilidade desses cursos, tornando-os
extremamente longos? Parcerias entre as instituições de Ensino Superior e as
redes de ensino da Educação Básica, públicas ou privadas, na oferta de cursos
de especialização para docentes que atuam (ou potencialmente atuarão) em
classes inclusivas talvez possam ser a direção mais apropriada. Contudo, ainda
está em um horizonte de expectativas.
Em nosso espaço de experiências, a formação continuada e dentro da
carga horária de trabalho do professor nem sempre é oferecida pelas redes de
ensino. No município de Duque de Caxias, fora eventos esporádicos, a
capacitação para o ensino de alunos surdos limita-se à oferta do curso de
Libras, cuja descontinuidade e horário pouco flexível acabam desestimulando
os interessados. Na E. M. Santa Luzia, três dos cinco professores de história
iniciaram esse curso. Nenhum terminou. Mesmo as iniciativas organizadas
pela própria escola, como a Semana de Surdos, não contemplam todos os
professores, pois ocorrem simultâneas às aulas e/ou, segundo reclamações dos
entrevistados, não são devidamente divulgadas. Esses docentes também não
demonstram iniciativa em obter e/ou ampliar o conhecimento acerca do ensino
para surdos. Todos reconheceram desconhecer as pesquisas que são realizadas
nessa área. Compreensível se considerarmos que estudos requerem tempo e
gastos financeiros, dos quais esses professores nem sempre dispõem.
O primeiro contato com alunos surdos foi outro tema tratado pelos
participantes das entrevistas. Inácio e Regina já estavam na escola quando teve
início a inclusão de surdos nas turmas regulares, conforme apresentado no
item anterior. Já Leandra e Amélia foram surpreendidas com a presença surda
na E. M. Santa Luzia. A primeira, andando pelos corredores da escola,
começou a observar pessoas fazendo uso de linguagem de sinais, enquanto a
outra professora assim narrou:
Então começaram as aulas […]. Na terceira semana, eu entro em sala, tinham
duas moças na minha sala. […] Mulheres, né? Eu olhei aquilo, não entendi
nada. Entrei, dei bom dia, fui pra mesa, fiz chamada, levantei pra começar a
dar aula. No que eu levanto pra começar a dar aula, uma dessas meninas […]
se levanta e começa. A fazer sinal. Aí eu olhei aquilo e falei assim: “Ué, que
que tá acontecendo aqui?” […] Aí, naquele momento, eu descobri que eu
tinha um aluno surdo. Que até então eu não sabia que eu tinha um aluno
surdo. Aí, quando eu soube que eu tinha um aluno surdo, eu fiquei sabendo
que a escola era referencial de surdo. Então, naquele dia, foi grandes
emoções, né? Tive duas notícias: que eu tinha um aluno surdo e que a escola
era uma escola referencial de surdos. E aí eu comecei… Agora, você imagina,
eu não tinha nenhum tipo de experiência… [Profa. Amélia]

Por meio dessa narrativa é possível elencar uma série de problemas


envolvendo a inclusão de alunos surdos. Além da inexperiência e ignorância
docente em relação aos seus discentes, há a omissão da Secretaria de Educação
e da equipe diretiva da escola quanto à informação de que a professora
atenderia a uma clientela com necessidades bastante específicas; a ausência
de um intérprete de Libras por três semanas de aula; e o fato de a professora
não ter percebido a presença do aluno surdo em sala durante todo aquele
tempo. Nesse caso, sem a informação da equipe diretiva e evidências de sua
surdez (na aparência, um surdo em nada difere de um ouvinte), o aluno, talvez
confundido com um tímido, acabou sendo invisibilizado (Kelman e Buzar,
2012), excluído das aulas de história e, provavelmente, das demais disciplinas.
Por quase um mês!
O fato de a professora não ter sido informada a respeito dos alunos
surdos repetiu uma situação vivenciada anteriormente por mim e por Leandra.
Amélia relata fato semelhante ocorrido com uma amiga professora em uma
escola de Brasília. Seja por esquecimento, má-fé ou naturalização do contexto
dito inclusivo, essa recepção sem informação desrespeita o profissional
recém-chegado e seus educandos, ambos, paradoxalmente, excluídos na
inclusão.
O professor precisa ser previamente informado para que possa,
primeiramente, optar se deseja ou não lecionar naquela unidade baseado em
suas características. Não me refiro a uma fuga, tampouco a encorajo,
entretanto é preciso considerar que há docentes que não se sentem dispostos
ou à vontade para lecionar em classes inclusivas (Mesquita et al., 2009:43).
Em caso de permanência na escola, deve receber diretrizes a respeito das
especificidades requeridas pelo trabalho em classes inclusivas a fim de que
possa ter condições básicas para iniciar seu planejamento e realizar suas aulas
considerando peculiaridades do alunado. Mais do que isso, precisa ser
acolhido e sensibilizado quanto aos desafios e potencialidades do ensinar
história para alunos surdos. Nesta perspectiva, Amélia e Leandra sugerem:

Ele tem que ter informação, gente! Se não, não é um trabalho sério. […] Se
a Prefeitura Municipal de Duque de Caxias quer manter o Santa Luzia como
uma escola referencial de surdo, todo professor que aqui quisesse trabalhar,
deveria ter uma iniciação a Libras. Primeiro ponto. Segundo ponto, cursos
periodicamente de aperfeiçoamento em Libras e em alunos com deficiência
auditiva. Por que, cara, como é que eu vou trabalhar com uma deficiência se
eu nem sei o que é que é? [Profa. Amélia]

Sentar e conversar com você: ó, você tá sendo recebida numa escola que é
polo de inclusão de surdos; funciona assim; vou te passar esse, esse e esse
conceito. Logo pra você saber como é que a coisa funciona. Acho que deveria
ter […] um cuidado de acolhimento. […] Nem que fosse um papelzinho, né?
Tipo: olha, já que você tá vindo trabalhar aqui, tem essas quatro, cinco folhas
aqui, dá uma lida, vê se, né, se tiver alguma dúvida, pergunta pra mim ou
pergunta pro fulano. [Profa. Leandra]

O “papelzinho” sugerido por Leandra, ou seja, um material contendo


informações iniciais voltadas ao acolhimento do professor que irá trabalhar
em turmas com estudantes surdos inspira a criação do “Caderno de orientações
e sugestões para o ensino de história em classes inclusivas com alunos
surdos”, produto final da presente pesquisa que será pormenorizado mais
adiante. No entanto, a escola já possui pelo menos três documentos,
produzidos em momentos distintos por sua equipe pedagógica, com o
propósito de orientar os docentes a respeito das especificidades do trabalho
com discentes surdos (Prefeitura Municipal de Duque de Caxias, [200-?],
[2007?], 2013). Ao invés de ser retomados a cada início de ano letivo ou
quando da chegada de um novo profissional, acabaram negligenciados pela
dinâmica da escola. Sequer constam em seu PPP, documento norteador das
ações daquela instituição (Prefeitura Municipal de Duque de Caxias, 2017).
Note, apesar da condição de escola polo no atendimento de alunos surdos.
De volta ao relato de Amélia a respeito de sua “descoberta” como
professora de aluno surdo, a chegada da intérprete de Libras com quase um
mês de aulas já realizado causa estarrecimento e não se configura em situação
pontual ou local. Naquela ocasião, os então gestores da SME/Duque de Caxias
alegaram ser desnecessária a presença de intérpretes nas primeiras semanas de
aula, já que costumam ser dedicadas pelos professores à recepção e avaliação
diagnóstica das turmas. Como se os surdos não precisassem ser recepcionados
e entendidos como parte daquele grupo! Em 2017 e 2018, reportagens do
telejornal RJ1, da Rede Globo, denunciaram a carência de intérpretes nas
redes municipais de educação do Rio de Janeiro e de Duque de Caxias (RJ1,
2017, 2018). Ao estudar a inclusão de um aluno surdo em uma turma do 8o
ano de escolaridade em uma escola pública de Natal (RN) e seu impacto nas
aulas de história, Mesquita e outras autoras (2009) também não registram a
presença de intérprete. O que se torna um importante entrave (o mais
importante, atrevo-me a afirmar) ao ensino para alunos surdos, considerando
que os intérpretes são, utilizando termo da professora Regina, o principal
suporte ao docente que trabalha com aqueles educandos.
Na E. M. Santa Luzia, apesar dea escola se pretender bilíngue língua
portuguesa/Libras, sobretudo a partir da inclusão da disciplina Libras na grade
curricular do segundo segmento do Ensino Fundamental, em 2015, quando
também tivemos o projeto “Libras: que língua é essa?”, como gerador de
nossas atividades, a proposta do bilinguismo ainda está longe de se efetivar
dentro e fora das nossas salas de aula, muito semelhante à colocação de
Oliveira:

A Libras deve ser o idioma oficial e transitar livremente pela instituição


escolar, sendo realmente o mediador de todas as relações do processo. Vale
ressaltar, também, que a maioria das escolas no Brasil, que definiu seu
trabalho pautado no bilinguismo, são ainda propostas de educação bilíngue
e não efetivamente bilíngues, devido principalmente à falta de formação de
professores proficientes nas duas línguas e ao número reduzido de
profissionais surdos envolvidos no processo. [Oliveira, 2012:68, grifos da
autora]

São poucos os professores da E. M. Santa Luzia proficientes em


Libras. Na área de história, não há nenhum. Situação na qual me incluo. Mais
um aspecto no qual não nos diferenciamos da maioria das escolas regulares
inclusivas, nas quais a falta de um domínio mínimo de vocabulário em Libras
pelos docentes mal permite um diálogo com alunos surdos (Rodrigues e
Meireles, 2017:164). Desta forma, só nos resta recorrer aos intérpretes de
Libras, como intermediários no processo ensino-aprendizagem. Em geral,
estabelecendo com esses profissionais uma relação de bidocência, na qual
ambos dividem o mesmo espaço da sala de aula, porém com pouca interação
(Costa e Kelman, 2018). Relação essa também marcada por dependência,
confusão de papéis, receios e tensões.
Analfabetos em Libras, como define Leandra, acabamos por delegar
aos intérpretes a tarefa de ensinar aos alunos surdos, como se depreende dos
depoimentos dados pelos professores da E. M. Santa Luzia. Ainda que
duvidemos da capacidade de tais profissionais em transmitir corretamente os
conteúdos da nossa disciplina — afinal não têm a formação na mesma —,
acreditamos ou preferimos acreditar que os discentes devem estar aprendendo,
mesmo que minimamente. Encastelados em nossa zona de conforto, repletos
de uma infinidade de demandas, com algumas exceções, permanecemos
fazendo o que sempre fizemos em nossas aulas, ignorando a presença surda
porque alguém em nossa sala de aula já dá conta deles. Cenário que desmorona
quando da ausência desse outro alguém. Aí, lembramos novamente de que há
alunos surdos em nossa aula e nos angustiamos por não saber como ensinar
para eles.
Além da troca de papéis, na qual o intérprete se torna o professor dos
alunos surdos, inclusive em questões disciplinares, como relata Inácio ao
contar que a responsável pela interpretação em Libras “dava duro” nos seus
discentes, a presença de um outro profissional em sala de aula nem sempre se
dá de modo pacífico. Os professores entrevistados apontam desconfianças e
atritos. Amélia teme que os intérpretes possam expor situações problemáticas
ocorridas em sala de aula. Regina faz referência ao relacionamento
tumultuado que teve com um intérprete, considerado por ela alguém de
postura arrogante. Profissional com quem também tive algumas diferenças
devido a pontos de vista pedagógicos divergentes. Não à toa, em seu
Planejamento Político Pedagógico, a E. M. Santa Luzia tem, entre seus
anexos, um documento denominado Orientação para o trabalho de
intérpretes (Prefeitura Municipal de Duque de Caxias, 2017:37), cujos itens
estabelecem atribuições e normas de conduta ética para esses profissionais.
Contudo, há que se indagar: se tais diretrizes são necessárias, por que não a
estender aos docentes e demais funcionários da escola? Estaria aí oculta uma
subalternização dos intérpretes?
Por outro lado, a relação professor-intérprete pode ocorrer em outras
bases, a da codocência, na qual ambos atuam efetivamente juntos, do
planejamento à realização das aulas.

O trabalho compartilhado entre dois profissionais envolvidos e


comprometidos poderá trazer avanços qualitativos no processo de ensino e
aprendizagem dos alunos surdos. A interação mais próxima entre professor
regente e tradutor intérprete ou entre professor regente e professor intérprete
contribuirá mais significativamente na construção de conhecimentos dos
alunos surdos. [Costa e Kelman, 2018]

O que de certa forma ensaiamos entre os anos de 2006 e 2007, embora


não lembrado por Regina e Inácio, quando o grupo de intérpretes nos
solicitava um planejamento prévio das aulas a fim de que pudessem estar
melhor preparados para a interpretação e que sinais de conceitos não
existentes em Libras pudessem ser combinados para uso na escola. A exemplo
do que é feito por Neves em sua experiência como docente em escola para
surdos no Rio Grande do Sul (Neves, 2009:7908-7909). Aqueles intérpretes,
em parceria com as professoras da SRM da E. M. Santa Luzia, elaboraram
ainda um documento com sugestões didáticas para o ensino de alunos surdos
nas disciplinas ciências, história, língua portuguesa e matemática, divididas
em três categorias: resumo analítico, recursos visuais e provas diferenciadas
(Prefeitura Municipal de Duque de Caxias, [2007?]). Anexo ao texto, um
quadro exemplificando as sugestões por disciplina (imagem 12). Para história,
recomendavam abordagens que sintetizam informações e exploram a
visualidade, como quadros comparativos e mapas. Embora não tenham
consultado os professores, elaboraram tais recomendações baseando-se em
sua experiência na educação de surdos, conforme informam na apresentação
da carta.

Imagem 12
Sugestões pedagógicas para o trabalho com alunos surdos

Fonte: acervo do autor. Elaborada pelas professoras do Atendimento Educacional


Especializado (AEE) e intérpretes de Libras da E. M. Santa Luzia. Cerca de 2007.

Tal material, em muito influenciou meu trabalho. Era então um


iniciante na educação de alunos surdos e ávido por informações a respeito. Tal
influência chega ao dispositivo didático proposto nessa dissertação. Não
obstante sua relevância, o documento acabou esquecido na sequência de
atividades e de documentação da E. M. Santa Luzia, como os demais a esse
mesmo respeito. Foi recentemente recuperado, em meus arquivos pessoais, na
busca de fontes para a presente pesquisa. Quanto ao grupo de intérpretes que
o elaborou, a despeito do importante trabalho desenvolvido e sem consulta à
escola, foi sumariamente substituído por outro pela SME/Duque de Caxias.
Seus colegas, ao longo do tempo, mostraram igual competência, porém não
deram, ou melhor, não demos, como membros de uma mesma coletividade e
corresponsáveis pelo ensino de alunos incluídos, continuidade à iniciativa dos
intérpretes precedentes.
Esquecendo ou ignorando orientações já produzidas no seio da escola,
os professores da E. M. Santa Luzia, de acordo com seus próprios
depoimentos, seguem realizando um trabalho em turmas com alunos surdos
incluídos pouco ou nada diverso daquele que fazem nas demais classes. Suas
aulas permanecem centradas na exposição oral de conteúdos e
leitura/realização de atividades escritas do livro didático, o que Yokoyama
(2005:4) denomina “comportamento teórico-metodológico oral auditivo”.
Tais práticas tradicionais obstaculizam ou, até mesmo, impossibilitam o
acesso dos alunos surdos ao conhecimento da disciplina, uma vez que
dependem dos conteúdos que lhes são transmitidos pelo intérprete (quando
este se faz presente) — não raro tão leigo quanto os discentes —, além das
dificuldades que esses mesmos educandos apresentam quanto às habilidades
de leitura e escrita em português, considerada sua segunda língua
(Ugrinowitsch, 2003). Há que se considerar ainda o quanto acabam sendo
desinteressantes para o alunado como um todo, geração acostumada a acessar
informações por meios mais dinâmicos e atrativos (Sibilia, 2012; Caimi,
2014).
Além de ser um habitus do professor de história (Monteiro, 2010:6),
ao qual tais práticas já estão arraigadas, como explicar a insistência dos
docentes em permanecer nesse lugar-comum de seu ofício ante a
singularidade de uma parcela de seus alunos? Insensibilidade? Não é o que
demonstram em suas falas e atitudes no cotidiano da escola. Presenciei a
acalorada recepção à Amélia feita por seu ex-aluno surdo quando do retorno
dela à E. M. Santa Luzia para a realização da entrevista. O afeto do discente
parecia responder ao carinho e atenção da professora para com ele. Por outro
lado, se não são insensíveis à pessoa do aluno surdo, o são quanto às
necessidades dele, devido ao desconhecimento da complexidade da surdez.
Entendem que os surdos não possuem comprometimentos cognitivos, ou seja,
são plenamente capazes de aprender. O que é correto, mas não para todos os
surdos, assim como não o é para todos os ouvintes. Reduzem o problema do
surdo ao não ouvir, cuja solução se personifica na presença do intérprete em
sala de aula. No entanto, e quando não há intérprete? E os alunos surdos que
não dominam Libras? Sim, eles existem! Afastados da comunidade surda, só
começam a tomar contato com essa língua na escola. Assim, a falta de um
melhor entendimento dos docentes a respeito de seus alunos surdos e, por
tabela, a ausência de uma didática mais apropriada a esses sujeitos acabam os
excluindo daquilo que é ensinado (Padovani, 2017c).
Quando perguntados a respeito da importância do ensino de história,
os professores, em consonância com as atuais perspectivas para essa disciplina
(Brasil, 1998; Monteiro, 2010; Caimi, 2015; Azevedo e Mattos, 2017), foram
unânimes em apontar seu papel como um elemento fundamental para a
formação do senso crítico e da consciência cidadã dos alunos. Porém, não
parecem perceber que esse discurso não se afina com suas práticas docentes
em relação aos discentes surdos. Pautadas no comportamento teórico-
metodológico oral auditivo, tais práticas inibem a participação daqueles
educandos, muitas vezes reduzidos ao papel de meros copistas. Há aqui uma
ilusão. Como o surdo copia as matérias apresentadas e responde corretamente,
por escrito, a questionários com respostas memorizadas, o professor acredita
que conseguiu ensinar. O que não quer dizer que o aluno aprendeu. Desta
forma, sem que seus conteúdos se tornem significativos, o ensino de história
deixa de cumprir seu papel de instrumentalizar os sujeitos surdos para o
exercício da cidadania.
Neste sentido, também não presta contribuição aquele que é o principal
recurso pedagógico utilizado pelos professores de história: o livro didático. A
coleção escolhida pelos professores da E. M. Santa Luzia, pelo Programa
Nacional do Livro Didático (PNLD) 2017, sem considerar os alunos surdos,
como os próprios docentes afirmaram nas entrevistas, foi Projeto mosaico
(Vicentino e Vicentino, 2015). Apesar de riquíssima em imagens, que podem
ser exploradas com vistas aos educandos surdos, os quatro volumes que a
compõem não trazem nenhuma abordagem a respeito das pessoas surdas,
deixando aos alunos-leitores a impressão de que aqueles sujeitos não existiram
na história (aqui entendida como trajetória humana). O que também foi
detectado pela pesquisa de Tezolin (2014:21), indicando que não se trata de
uma característica restrita a uma coleção didática.
A ausência dos surdos no currículo escolar de história pode estar
relacionada com aquilo que Pollak (1989:4) chama de silenciamento de
memória. Não o silêncio da ausência de verbalização oral. Mas um silêncio
imposto por uma memória coletiva, que alimenta e se alimenta da história.
Memória dos ouvintes, dos grupos dominantes, que desqualificaram aqueles
que fugiam de uma suposta normalidade. Enquadrados pela memória (Pollak,
1989:4) como vítimas, amaldiçoados, dignos apenas de piedade. Assim são
apresentados os surdos nas poucas referências históricas públicas com eles
relacionadas.
Perguntados sobre a possibilidade de inclusão da história dos surdos
aos conteúdos de nossa disciplina, os professores entrevistados, em sua
maioria, se colocaram refratários à ideia. Exceto Leandra. Essa professora,
que ainda não havia atuado em classe inclusiva com alunos surdos, elucubrou
possibilidades de trabalho com seus alunos do Ensino Médio, todos ouvintes,
de forma a sensibilizá-los em relação aos surdos. Os demais depoentes
apresentaram como principal argumento o desconhecimento da história dos
surdos. Todos citaram Beethoven como o único vulto histórico surdo. Inácio
e Regina argumentaram ainda que seria desinteressante para a maioria
ouvinte. Para ele, caso fosse ensinada, deveria ser feito em separado para os
surdos. Para ela, a abordagem poderia resultar em uma “ode ao surdo”. Amélia
não reconhece a relevância de personagens históricos surdos e não os entende
como grupo social. Apesar da compreensível dificuldade quanto à falta de
informações dos docentes a respeito do assunto, observa-se a incorporação da
narrativa histórica da hegemônica cultura ouvintista (Skliar, 2016). Observo
ainda uma resistência a tratar de algo não contemplado pelo currículo
tradicional. Por fim, noto mais uma contradição no discurso sobre o ensino de
história: como é possível formar cidadãos críticos para os quais é negado o
acesso ao passado de seu grupo? Entendo que se faz necessária uma
sensibilização dos docentes em relação à existência de uma cultura e história
surda, a fim de que, ao se assenhorarem da questão, possam decidir com
propriedade a pertinência de levá-la à sala de aula.
De modo geral, os professores da E. M. Santa Luzia não demonstram
contrariedade quanto à possibilidade de buscar estratégias de ensino
diferenciadas ou realizar adaptações em seu trabalho, como o docente
entrevistado por Mesquita e outros autores que se ressentia por não poder
desenvolver atividades diversificadas com sua turma, referindo-se a um
projeto baseado em músicas, devido à presença de um aluno surdo (Mesquita
et al., 2009:43). Quando, na realidade, o exercício da docência com alunos
surdos impele-nos a diversificar nossas práticas em sala de aula, lançando mão
de dramatizações (Sanches, 2007), do uso de diferentes sentidos (Neves,
2009) e até mesmo da música, que ainda não figura em trabalhos relacionados
como ensino de história mas já é objeto de estudo no campo da Educação
(Brito e Kelman, 2018). Meus colegas, por seu turno, reconhecem a
importância da utilização de estratégias distintas no ensino para alunos surdos.
Destacam, por exemplo, o uso de imagens, o que os deixa em consonância
com as indicações dos pesquisadores sobre a temática (Yokoyama, 2005;
Verri e Alegro, 2006; Sanches, 2007; Neves, 2009). Contudo, desconhecendo
tais estudos, não sabem exatamente o que e como fazer.
Quanto à utilização de recursos pedagógicos voltados ao aluno surdo,
Amélia ignora quais seriam e Inácio cita o uso de filmes em sala de aula.
Segundo o professor, tal atividade proporciona aos surdos um momento em
que se sentem iguais aos ouvintes na possibilidade de aprender. Entretanto,
assim como Regina, aponta dificuldades para realizá-la, que vão da escassez
de aparelhos para a reprodução de filmes, acarretando uma espécie de disputa
por seu uso, até o desaparecimento de pequenos itens, como cabos e
benjamins, inviabilizando a atividade. Uma realidade bem distinta das escolas
especiais para surdos, como o Instituto Nacional de Educação de Surdos
(Ines), onde pude verificar a existência de pelo menos uma TV e um
computador em cada sala de aula. Ou da unidade escolar de Educação Especial
descrita por Neves (2009:7905), na qual os alunos estudam em espaços com
“murais grandes para contemplar as necessidades visuais dos surdos”. Um
contraste com a sala de aula das classes inclusivas da E. M. Santa Luzia,
despidas de quaisquer recursos tecnológicos e imagéticos, não planejadas para
o educando surdo (imagem 9). Situação que revela ainda a falta de
investimento do poder público, crucial para a qualidade da Educação
Inclusiva.
Regina cita ainda os recursos humanos, que seriam os profissionais da
escola responsáveis por prestar apoio ao professor docente no ensino para
alunos surdos, não somente os já referenciados intérpretes, mas as professoras
do AEE, às quais alega recorrer quando da elaboração de suas avaliações.
Peças-chave na Educação Inclusiva, por fornecerem aporte teórico-
metodológico em relação à educação de alunos com necessidades especiais,
muitas vezes estão distanciadas do professor docente. Seja porque esse não as
procura, seja porque o caminho inverso não é feito, seja porque a escola, por
falhas na gestão, deixa de realizar um trabalho em equipe. Amélia sentiu falta
dessa assistência, afirmando só ter sido informada a respeito da existência do
AEE e da Sala de Recursos Multifuncional (SRM) muito posteriormente à sua
chegada, durante um Conselho de Classe. Até então, supunha, baseando-se em
sua experiência profissional nas instituições de ensino da rede privada, que a
SRM fosse o espaço da escola destinado aos recursos tecnológicos (o que na
E. M. Santa Luzia corresponde à Sala de Informática) e não um espaço para
atendimento dos alunos incluídos, entre os quais, os surdos.
A esses desafios juntam-se outros. Em um contexto de escola
inclusiva, não recebemos somente alunos surdos. Muitas vezes, em uma
mesma turma, há autistas, deficientes físicos, alunos com Síndrome de Down,
entre outros. Colocando, assim, diante do professor uma multiplicidade de
necessidades especiais para as quais nem sempre foi devidamente capacitado
e/ou consegue dar conta em sua prática. A situação se torna ainda mais
complexa quando algumas especificidades acabam por requerer estratégias
divergentes (Delou, 2016:10). É possível, por exemplo, planejarmos uma aula
capaz de contemplar alunos surdos e cegos? Além disso, os professores de
história que atuam no segundo segmento recebem, no mínimo, quatro turmas,
o que pode se multiplicar, caso trabalhem em mais de uma rede ou façam aulas
extras. Mais turmas, mais planejamentos, menos qualidade (Neves,
2009:7909). Fora as demandas específicas da disciplina, como se manter
atualizado quanto à historiografia e despertar em uma geração tão conectada
ao presente o interesse pelo passado.
Diante de um quadro tão desolador, no qual a inclusão escolar de
alunos surdos na escola regular parece revelar-se como uma farsa, uma falácia,
não é difícil decretar seu fracasso, cruzar os braços para ações diferenciadas e
alegar que o melhor lugar para aqueles educandos é a escola especial. No
entanto, prefiro lançar um outro olhar para a Educação Inclusiva, ciente de
suas dificuldades, mas ainda confiante em suas possibilidades, algumas das
quais apontadas pelas experiências pedagógicas que, mesmo em meio às
adversidades, conseguimos desenvolver com alunos surdos na E. M. Santa
Luzia, as quais serão apresentadas no próximo capítulo.

3. Enfrentando os desafios

Se, por um lado, as entrevistas realizadas com os professores de história da


Escola Municipal Santa Luzia possibilitaram revelar desafios do ensino dessa
disciplina para alunos surdos em uma escola inclusiva, por outro, malograram
quanto ao objetivo de identificar, entre meus colegas, metodologias e
estratégias pedagógicas diferenciadas que pudessem ser compartilhadas no
caderno de orientações e sugestões, proposto como produto da pesquisa que
empreendi. Todos os entrevistados que já lecionaram para surdos foram
categóricos em afirmar que não produziram nenhum trabalho distinto voltado
ao atendimento desses discentes. A professora Amélia chegou a lamentar por
não ter feito algo nesse sentido, enquanto Regina avaliou sua experiência
docente com estudantes surdos como um fracasso. Nem tanto!
Os depoimentos dos professores acabaram evidenciando a prática de
ações pontuais que podem favorecer a aprendizagem de alunos surdos. Mesmo
que os docentes não se deem conta disso. Amélia, referindo-se a uma
experiência anterior como professora de uma aluna surda oralizada,43 diz que
procurava explicar falando pausadamente e direcionando-se sempre à
discente, possibilitando que ela fizesse leitura labial. Já Inácio conta que gosta
de exibir filmes nas turmas com surdos, pois entende que esse é um meio de

43
Surdos oralizados são aqueles que conseguem se comunicar oralmente e/ou entendem a fala
por meio de leitura labial ou por algum resquício de capacidade auditiva (Rodrigues,
2015:119).
transmitir conhecimento histórico acessível a todos os alunos. Regina, por sua
vez, mostra sensibilidade ao afirmar que procura perceber pelas expressões
faciais dos alunos surdos se eles compreenderam uma explicação realizada.
Também alegou que submete os testes e provas que aplica às professoras do
Atendimento Educacional Especializado (AEE), a fim de obter orientações
quanto à adequabilidade das questões propostas àqueles educandos. Ainda em
relação às avaliações, diante da dificuldade em compreender o que seus
discentes surdos responderam por escrito, a professora demonstra tolerância
linguística. Com a intermediação do intérprete, procura verificar se ocorreu
aprendizagem interpelando os alunos a respeito das respostas dadas, de modo
que melhor as esclareçam por meio da língua de sinais.
Flexibilizar a didática é importante, mas o ensino de história para
alunos surdos exige mais. Urge a adoção ou criação de métodos que
considerem as especificidades e as necessidades desses educandos,
possibilitando-lhes protagonismo nas aulas e aprendizagem significativa.
Uma vez que meus colegas não destacaram atividades pedagógicas que
tenham elaborado para o trabalho com discentes surdos, permito-me
apresentar aqui aquelas que venho desenvolvendo em minha trajetória de mais
de uma década como professor de classes inclusivas. Na condição de produtor
de saberes (Monteiro, 2010:168), acredito que preciso registrar e compartilhar
práticas docentes por mim produzidas, a fim de que elas possam servir de
inspiração e estímulo a outros professores. Dessa forma, enfrentando e
contribuindo para o enfrentamento dos desafios do ensino de história para
estudantes surdos incluídos.
As experiências pedagógicas aqui relatadas e retomadas no “Caderno
de orientações e sugestões para o ensino de história em classes inclusivas com
alunos surdos” relacionam-se às duas vertentes metodológicas sobre as quais
fundamenta-se o ensino para os referidos discentes: a pedagogia visual e o
bilinguismo (Almeida, 2013:3627). A pedagogia visual concerne ao emprego
de recursos visuais como suporte à construção de conhecimento junto aos
educandos surdos (Almeida, 2013:3627). Essa abordagem considera a
importância da visão para as pessoas surdas, a qual pode ser mensurada pela
forma como, em 1912, George W. Veditz, ex-presidente da Associação
Nacional dos Surdos dos Estados Unidos, as denominou: “o povo do olho”
(Lebedeff, 2017:228). Já o bilinguismo refere-se ao uso de duas línguas no
contexto e nos processos educacionais escolares daqueles discentes. A saber,
a língua de sinais utilizada pelos estudantes surdos (no Brasil, Libras) e a
língua oral da sociedade majoritária (em nosso caso, o português). Nesse
modelo pedagógico, a língua de sinais tem primazia no processo ensino-
aprendizagem. Por meio dela são ensinados os conteúdos e os alunos surdos
tem acesso à outra língua, mais voltada ao desenvolvimento das habilidades
de leitura e escrita.

3.1 Lendo imagens nas aulas de história

A aula de história é eminentemente narrativa (Albuquerque Júnior, 2016).


Valendo-se dos saberes acadêmicos, os professores dessa disciplina tecem
enredos repletos de personagens, lugares, conflitos e conceitos intentando
conduzir os alunos a uma espécie de viagem no tempo, na qual se deslocam
em um constante vaivém entre o presente e o passado. Ouvintes, em sua
maioria,44 esses docentes utilizam a oralidade como meio para expor aquilo
que narram. Em turmas com alunos surdos, esse habitus (Monteiro, 2010:6)
torna-se um problema, uma vez que compromete a aprendizagem dos
referidos educandos, podendo inclusive inviabilizá-la. Mesmo o trabalho dos
intérpretes de Libras é insuficiente, pois a metodologia empregada pelo
professor não respeita a singularidade surda.
Os sujeitos surdos experimentam o mundo de uma forma distinta, na
qual a visão é o sentido predominante. Skliar define a vivência surda como
aquela onde “todos os mecanismos de processamento da informação, e todas
as formas de compreender o universo em seu entorno, se constroem como
experiência visual” (Skliar, 2016:28). Tal característica basilar é reconhecida
pela legislação brasileira. No Decreto no 5.626/2005, que regulamenta a “Lei

44
Professores surdos atuando na Educação Básica em escolas regulares ainda são uma
raridade. Em 2017, na rede municipal de educação de São Paulo, maior metrópole do Brasil,
havia apenas quatro docentes surdos, conforme a reportagem “Após enfrentar preconceito,
surdo vira professor de História em São Paulo”. Disponível em:
www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/08/1909651-apos-enfrentar-preconceito-surdo-vira-
professor-de-historia-em-sao-paulo.shtml. Acesso em: 2 jul. 2018.
de Libras” (Brasil, 2002), “considera-se pessoa surda aquela que, por ter perda
auditiva, compreende e interage com o mundo por meio de experiências
visuais” (Brasil, 2005). Nesta perspectiva, Lebedeff chama a atenção para a
necessidade de a visualidade fundamentar “propostas educacionais para
surdos” (Lebedeff, 2017:230). Verri e Alegro (2006:105) reforçam essa
posição ao afirmar que “se o som e a fala são determinantes para o ouvinte;
para o surdo, a imagem é que melhor permite seu aprendizado”. Entre os
estudos relacionados com o ensino de história para surdos, é unânime a defesa
de metodologias que incorporam o uso de imagens, uma vez que elas facilitam
a cognição, potencializando o aprendizado desses sujeitos. E não somente
deles, como se depreende do que sugere o MEC:

desenhos/ilustrações/fotografias — poderão ser aliados importantes, pois


trazem, concretamente, a referência ao tema que se apresenta. Toda a pista
visual pictográfica enriquece o conteúdo e estimula o hemisfério cerebral não
linguístico, tornando-se um recurso precioso de memorização para todos os
alunos. [Brasil, 2006:75]

Ensinar a ler imagens como se ensina a ler textos escritos pode ser um
meio interessante de o professor de história levar seus alunos surdos a
acessarem conteúdos de modo significativo. “Uma imagem pode evocar a
compreensão de vários elementos de um determinado tempo histórico e, nesse
sentido, evocar significados sem a presença de qualquer texto escrito”
(Lacerda, Santos e Caetano, 2014:187). Contudo, tal tarefa não é tão simples
quanto possa parecer, conforme adverte Lilia Schwarcz (2004:423):

Há qualquer coisa de previsível, mas também de misterioso no ato de analisar


imagens. Por um lado, tudo parece fácil, já que não há quem não possa “ver”
e assim admirar uma obra de arte. Mas da mesma maneira como se deixam
compreender de imediato, essas mesmas obras carregam lá seus segredos,
genealogias e historicidades que pedem calma e cuidado: mais do que apenas
“olhar”, quem sabe seja bom começar a “ler” imagens.

Essa autora aponta que ler uma imagem vai além do que os olhos veem.
Como um mistério a ser desvendado, é preciso saber qual é sua natureza, quem
a fez, por qual motivo, o que quer nos dizer… Transformada em desafio, a
leitura de imagens pode ser instigante para o aluno, levando-o a se interessar
pela história. Sacks (2005:71) nos fala da dificuldade dos surdos quanto à
aquisição de informações prévias. Essas seriam fundamentais para a
construção do conhecimento na escola, uma vez que muitos pertencem a
famílias ouvintes que desconhecem a língua de sinais e a própria mídia nem
sempre fornece conteúdo acessível. Assim, embora seja tarefa difícil para o
aluno surdo contextualizar uma imagem a partir de informações prévias, nada
o impede de formular hipóteses sobre ela. Desta forma, o professor de história
pode promover uma participação mais efetiva de seus alunos surdos,
utilizando métodos semelhantes aos dos pesquisadores da história.
A primeira estratégia didática que desenvolvi buscando conciliar as
narrativas de um professor de história com a proeminência da visualidade dos
estudantes surdos denomino Roteiro Imagético. Criado em 2012, foi então
concebido sem uma reflexão teórica aprofundada, embora permeado pelo que
eu conhecia a respeito dos surdos e da educação desses sujeitos. Naquele
momento, meus saberes para ensinar tais alunos limitavam-se à participação
como ouvinte em um ciclo de palestras sobre a surdez,45 à leitura de Sacks
(2005) e Sanches (2007), aos documentos produzidos pela escola (Prefeitura
Municipal de Duque de Caxias, [200-?], [2007?]) e ao que aprendi com os
intérpretes de Libras e as professoras do AEE. No mais, tratava-se da resposta
que encontrei a uma demanda situacional, a exemplo das indicações de
Monteiro (2010:173) em relação aos fundamentos dos saberes práticos de
professores.
A origem do Roteiro Imagético está relacionada com a necessidade de
desenvolver um recurso diferenciado no qual pudesse usar imagens sobre um
tema específico como condutoras da exposição dos conteúdos. Já entendendo,
àquela época, que, se ao estudante surdo faltava (total ou parcialmente) a
audição, explorar a visão, como sentido alternativo, poderia ser o mais
adequado ao ensino daqueles estudantes. Estava familiarizado em meu fazer
docente com o emprego de imagens estáticas ou em movimento mesmo antes

45
Promovido pela Secretaria Municipal de Educação de Duque de Caxias para professores
docentes e especialistas da rede de educação do município, com encontros mensais, realizados
entre agosto e dezembro de 2017.
de ser professor de alunos surdos. Sempre as considerei recursos capazes de
facilitar a aprendizagem histórica, sobretudo por sua capacidade de tornar
visíveis aos alunos tempos (ou concepções de tempos) distantes daquele onde
vivem(os), muitas vezes insondáveis quando restritos à narrativa
exclusivamente oral e abstrata do professor.
Nas primeiras tentativas de abordagem dos conteúdos tendo como
ponto de partida uma série de imagens, organizei pastas digitais contendo
pinturas, gravuras, trechos de histórias em quadrinhos, charges, entre outras,
sobre temas como o iluminismo e o processo de emancipação política do
Brasil. Entretanto, esbarrava em dificuldades técnicas de projetá-las para
minhas turmas. Ora um projetor já estava em uso por outro professor, ora um
aparelho encontrava-se quebrado, ora um cabo faltava… Conforme também
apontaram meus colegas professores em suas entrevistas. Diante dos entraves,
não descartei a estratégia. Pensei em manter a proposta, porém utilizando as
imagens contidas nos livros didáticos. Contudo, novo problema: não havia um
quantitativo de livros suficientes para todos os alunos. Com o livro abortado,
finalmente optei por imprimir as séries de imagens em folhas no formato A4,
fotocopiá-las e distribuí-las para os alunos. Assim, na persistência e valendo-
me dos recursos possíveis, materializou-se o Roteiro Imagético. Importante
frisar que não se trata aqui da defesa de mais um “jeitinho” que mascara a falta
de investimento dos gestores, em especial, os da esfera pública. Trata-se de
viabilizar um trabalho diante de condições adversas, para as quais devemos,
em paralelo, nos mobilizar cobrando, de quem é devido, por sua superação.
O roteiro, em sua versão original, reunia oito imagens referentes à
Segunda Guerra Mundial (imagem 13), conteúdo curricular do nono ano de
escolaridade. As imagens foram agrupadas de duas em duas, sem muita
preocupação com a apresentação gráfica. Eram, em sua maioria, fotografias,
selecionadas em pesquisas feitas na internet. A escolha deu-se para tentar
traçar uma espécie de resumo visual do conteúdo. Assim, procurei imagens
que representassem de modo mais evidente possível as principais fases e
eventos daquele conflito. O roteiro servia como guia da exposição de
conteúdos e dialogava com um esquema-resumo em texto previamente
apresentado às turmas. Os esquemas-resumos já estavam incorporados aos
recursos por mim utilizados no trabalho em classes com alunos surdos. Foram
elaborados a partir de orientações dadas — novamente — pelos intérpretes a
respeito da necessidade de apresentar as matérias aos surdos em textos
concisos e esquemáticos, devido à dificuldade dos referidos discentes quanto
à compreensão textual em língua portuguesa.

Imagem 13
Roteiro Imagético: Segunda Guerra Mundial (1ª versão) — 2012
Fonte: acervo do autor.
Em 2017, baseando-me em novas leituras e reflexões realizadas no
contexto do Mestrado Profissional em Ensino de História, o roteiro foi
reelaborado, recebendo assim um aporte teórico. É essa segunda versão que
segue aqui detalhada (imagem 14). As modificações começam pela
apresentação gráfica, mais bem definida, assemelhando-se a uma história em
quadrinhos (HQ) ou arte sequencial. Tal opção não é meramente estética, mas
se ampara em uma tentativa de aproximação com os alunos, surdos e ouvintes.
Importante lembrar que trato de classes inclusivas e que as estratégias
planejadas devem contemplar todos os educandos. Sibilia (2012) e Caimi
(2014) chamam a atenção para a necessidade da escola e, particularmente, no
caso da segunda autora, das aulas de história se aproximarem da nova geração
de alunos, mais afeita aos ambientes virtuais e aos produtos midiáticos que
consomem. Assim, o formato HQ busca seduzir o aluno por meio de uma
linguagem que lhes é familiar. Ressaltando que os quadrinhos também são de
mais fácil assimilação pelos surdos, em função de seu forte apelo visual.

Imagem 14
Roteiro Imagético: Segunda Guerra Mundial (2a versão) — 2017
Fonte: acervo do autor.
Como pistas que precisam ser decifradas a fim de chegarmos a uma
visão de conjunto, assim é a proposta do Roteiro Imagético. Ele inverte o uso
tradicional das imagens na aula de história, na qual costumam ser apresentadas
para ilustrar, exemplificar ou comprovar a fala do professor e os textos
utilizados. As imagens deixam assim de ser um ponto de chegada para tornar-
se a partida. A aula é construída a partir de sua leitura. E essa leitura, em uma
outra inversão, parte das informações fornecidas pelos alunos, da descrição
que fazem das imagens e dos conhecimentos prévios, alicerces da construção
da aprendizagem significativa (Verri e Alegro, 2006:100). Imagens e alunos,
surdos ou ouvintes, elevam-se, assim, à condição de protagonistas da aula.
A proposta de leitura do Roteiro Imagético é feita em três níveis,
partindo de conceitos de Didi-Huberman (2005). O primeiro nível é o do
visível, ou seja, daquilo alcançado pelo sentido da visão. É a etapa da
descrição. O momento em que os alunos são convidados a descrever o que
veem em cada imagem apresentada no roteiro. Uma por vez. Como os surdos
costumam ser exímios observadores (Barral, Pinto-Silva e Rumjanek,
2017:117), esta parte inicial da estratégia estimula a participação desses
alunos, retirados assim de uma condição de passividade à qual são relegados
em metodologias centradas exclusivamente na exposição oral dos professores.
Ainda nessa etapa, os estudantes costumam trazer seus conhecimentos prévios
relacionados com a imagem observada. Dessa forma, o roteiro também busca
explorar o potencial dos alunos que pertencem à geração Homo zappiens
(Caimi, 2014:167), os quais têm virtualmente acesso a uma gama de
informações e carregam uma série de saberes oriundos de outras naturezas,
que não a escolar/acadêmica, como o cinema, a televisão, a internet
(particularmente, as redes sociais). Nesse caso, ressalva aos surdos, para os
quais nem sempre tais conteúdos encontram-se acessíveis.
Importante destacar que o intérprete de Libras tem um papel
fundamental no processo de leitura do Roteiro Imagético, mediando e, dessa
forma, viabilizando a participação dos alunos surdos. Nesse caso, a fim de que
esteja mais bem preparado para a atividade, o intérprete deve conhecer
previamente o roteiro e como o professor pretende explorá-lo. Preocupando-
se ainda com a acessibilidade dos estudantes surdos, a versão reformulada do
roteiro apresenta legendas bilingues, com caracteres em Libras 46 e em língua
portuguesa. No lugar da datilologia,47 o ideal seria utilizar sinais específicos
para os termos e conceitos empregados em pequenas janelas, a exemplo do
que vemos em alguns comerciais e programas televisivos. Entretanto, além de
não haver sinais para designar diversos conceitos históricos (Sá et al., 2017),
poderia ocorrer um comprometimento da visualização tanto dos termos
sinalizados, que ficariam pequenos demais, como das próprias imagens, que
teriam áreas encobertas pela janelinha. Excesso de informações visuais, ao
invés de ajudar, pode atrapalhar o processo de aprendizagem (Yokoyama,
2005:3-4). Ainda assim, a legendagem, na forma como apresentada na
segunda versão do Roteiro Imagético da Segunda Guerra Mundial, se justifica
como uma ferramenta capaz de permitir aos alunos surdos localizar
temporalmente e nomear os fatos ou conceitos a ser aprendidos por meio das
imagens.
A leitura do Roteiro Imagético prossegue em um segundo nível, o do
legível. De acordo com Didi-Huberman (2005:20-21), trata-se da
traduzibilidade da história representada pela imagem. Em outras palavras, do
que ela trata: qual é seu tema, quando e onde se passa, o que está acontecendo.
Seguindo o roteiro proposto, é o momento no qual dou acabamento às falas
iniciais dos alunos utilizando saberes acadêmicos. Aqui faço a exposição dos
fatos ou conceitos evocados pelas imagens, abordando também o contexto de
sua produção. A exemplo do que empreendem Schwarcz (2004) e Naves
(1996) ao analisarem, respectivamente, fotografias do Segundo Reinado e a
obra de Jean-Baptiste Debret. Desta forma, esclareço aos alunos que imagens
são produtos de um tempo específico, diferente do nosso, e que carregam em
si uma série de intencionalidades. Algumas conhecemos por intermédio de
outras fontes de natureza distinta. Outras desapareceram no tempo e apenas
podemos presumir. O que conduz à etapa seguinte.
O último nível de leitura é o do virtual. Entendo que Didi-Huberman
(2005:26) o trata como aquilo que não se apresenta como visível ou facilmente
legível na imagem, porém que nela existe como potência. Poderíamos dizer

46
Utilizei a fonte LIBRAS2002, disponível em: https://culturasurda.net/2015/02/19/fonte-
libras/. Acesso em: 14 jul. 2018.
47
Soletração em língua de sinais (Oliveira, 2012:81).
que são as possíveis leituras feitas a partir das imagens, sobre elas mas também
para além delas. Tal ideia se aplica ao Roteiro Imagético como uma devolução
da “voz” aos alunos. É o momento de instigá-los a respeito do que as imagens
podem revelar além do visível e do legível. Que sentimentos elas despertam?
Quais são as possíveis relações que podemos estabelecer entre elas e outras
imagens? Que rupturas e semelhanças podem nos revelar na comparação com
o presente?
Uma vez definida como se dá a leitura do Roteiro Imagético de um
modo mais amplo, apresento algumas possibilidades de abordagem mais
pormenorizadas para cada uma das imagens que o compõe. Elas foram obtidas
e selecionadas a partir dos mesmos critérios do roteiro original, conforme
explicitado anteriormente. A montagem das imagens no atual roteiro segue
uma ordem cronológica. Esta simplicidade, contrastante com a abordagem de
leitura proposta, se justifica pela necessidade de trabalhar com os surdos “os
conteúdos fundamentais e […] ideias, conceitos, proposições-chave” (Verri e
Alegro, 2006:107).

A primeira linha do roteiro traz uma charge sobre o Eixo Roma-


Berlim-Tóquio48 e uma ilustração da estratégia militar conhecida como
Blitzkrieg.49 Não entrarei nos pormenores do conteúdo, apenas em possíveis
questões às quais as imagens podem conduzir. A charge exemplifica a
diversidade de tipos de imagens presentes no relato. Temos uma ilustração,

48
Disponível em: http://mautexjrhistory.blogspot.com/2014/04/segunda-guerra-mundial-em-
charges.html. Acesso em: 29 maio 2017.
49
Disponível em: https://i0.wp.com/segundaguerra.net/wp-
content/uploads/2009/04/blitzkrieg1.jpg. Acesso em: 29 maio 2017.
um mapa, três fotografias, uma capa de revista em quadrinhos, um fotograma,
um emblema e um quadrinho de uma HQ. Em duas delas realizei edições. Na
imagem das crianças em Auschwitz (segunda linha) coloquei um filtro
azulado e na última reuni uma fotografia e o quadrinho. Tal diversidade
permite leituras diferenciadas e particularizadas para cada imagem, sempre
levando em consideração a sua tipologia. Assim como se faz necessário
ensinar os alunos a reconhecer gêneros literários (Lodi, 2014:176), é preciso
também os instruir no sentido de que sejam capazes de identificar tipos de
imagens e saber interpretá-las. No caso da charge, por exemplo, na qual os
líderes do Eixo Roma-Berlim-Tóquio50 partilham o mundo, cabe explicar que
se trata de uma peça de humor a respeito de uma situação política, a qual
permite uma reflexão, considerando o contexto da guerra: ela teria sido feita
por qual lado da contenda? Por qual possível motivo?
A imagem da Blitzkrieg foi retirada da capa de um videogame
homônimo. Em conjunto com a que lhe antecede, remetem, respectivamente
aos fatores e ao início da Segunda Guerra Mundial. Sua escolha, além de ser
bastante detalhista quanto aos aspectos bélicos do conflito, também se deu a
partir da possibilidade de estabelecer uma conexão com os alunos, muitos dos
quais fãs de videogame. Mais do que chamar a atenção deles, esta
familiaridade abre espaço para que tragam seus saberes prévios para a sala de
aula. A imagem permite ainda que se coloque a questão da importância do
estudo da história, uma vez que elementos dos games baseados em guerras
reais, como o visual e o enredo, costumam ser frutos de pesquisa histórica.
Além disso, tem-se uma ótima oportunidade para um debate a respeito da
violência nos jogos e do fascínio de muitos jovens por armamentos.

50
Como o roteiro proposto insere-se em uma sequência de conteúdos programáticos, as
imagens das lideranças do Eixo já foram apresentadas aos alunos na unidade anterior (o
totalitarismo do período entreguerras), possibilitando, assim, serem reconhecidas em suas
caricaturas.
Na segunda linha do roteiro, as imagens apresentadas são um mapa
mostrando o expansionismo militar do Eixo51 e crianças no campo de
concentração de Auschwitz.52 Sobre o mapa, cabe destacar que possibilita aos
alunos localizarem os territórios envolvidos na Segunda Guerra Mundial. Em
parceria com o intérprete, sinais dos países participantes do conflito podem
ser apresentados à turma. No roteiro, esta imagem dá continuidade a uma
narrativa a respeito da primeira fase da guerra (1939-42), iniciada com a
leitura das anteriores. Mostra o avanço das forças do Eixo e confere uma
dimensão de internacionalidade à contenda, embora o mapa tenha deixado a
América de fora. Por ainda não estar efetivamente na guerra? Um
questionamento a ser colocado.
Consideramos a imagem a seguir, das crianças em Auschwitz, central
no roteiro. Em primeiro lugar, a partir dela é tratado o conceito de holocausto.
Em segundo, por meio da imagem estabelecemos um link com o conteúdo
anteriormente trabalhado na série, o nazifascismo. Verri e Alegro (2006:109)
apontam para a necessidade de o aluno surdo aprender conceitos novos a partir
de sua relação com os anteriores e com a afetividade. A opção por mostrar
crianças (percebe-se também adolescentes) e o filtro azulado aplicado à

51
Disponível em: https://image.slidesharecdn.com/i2guerramundial-acaminhodaguerra-
120131162343-phpapp02/95/i-2-guerra-mundial-a-caminho-da-guerra-9-728.jpg. Acesso
em: 29 maio 2017.
52
Disponível em: https://ogimg.infoglobo.com.br/sociedade/21222974-897-
b42/FT1086A/420/Criancas-no-campo-de-concentracao-de-Auschwitz-durante-a-guerra.jpg.
Acesso em: 29 maio 2017.
imagem não são mero capricho. A ideia é gerar empatia ao trazer as vítimas
da guerra que tinham idade aproximada aos alunos (e se eu fosse um deles?).53
Já o filtro remete à cor símbolo do chamado Orgulho Surdo. O azul era
a cor das faixas que identificavam pessoas com deficiência na Alemanha
nazista, entre as quais os surdos (Gonçalves, 2016), posteriormente apropriada
pelos movimentos surdos para representá-los e às suas lutas. Aplicada à cena
do holocausto, a cor procura evocar a história dos surdos por meio do episódio
retratado. A proposta é incluir esse grupo no conteúdo curricular da disciplina
história. Defendo que é preciso revelar o protagonismo surdo na trajetória
humana. Lembrar que Beethoven e Thomas Edison eram surdos. Não para
recuperar a velha história positivista dos grandes vultos, mas para mostrar
referências para os surdos, positivar sua participação na história. É preciso
também levar para a sala de aula o Orgulho Surdo e o Poder Surdo sobre os
quais nos fala Sacks (2005:164). Conscientizar de que os direitos surdos,
como o reconhecimento oficial da Libras e a educação bilíngue, não foram
benesses, mas fruto da mobilização da comunidade surda.54
Albuquerque Júnior nos lembra de que, nas últimas décadas, ao trazer
à superfície os grupos marginalizados, podemos concluir que a história
propiciou inclusão. Neste sentido, a respeito do papel da história e — por que
não? — do ensino da história, o autor afirma: “Nos dias de hoje, [a História]
tem o compromisso de identificar, descrever, compreender e explicar a
alteridade, não para desfazê-la ou anulá-la, mas para proclamar o direito de
sua existência e o necessário respeito que a ela devemos devotar”
(Albuquerque Júnior, 2012:33).
Assim, a incorporação do surdo ao currículo da história pode significar
um passo importante na inclusão escolar e social destes sujeitos. Suas
repercussões vão do despertar do interesse deles pela disciplina à elevação de
sua autoestima, passando pelo reforço no sentimento de identidade. Ao ver os
surdos na história, os alunos ouvintes, por sua vez, terão a oportunidade de
perceber aqueles de uma outra maneira. Valoriza-se a alteridade e o ensino da

53
No roteiro original, a imagem que remetia ao holocausto era uma fotografia de Anne Frank.
Embora gerasse empatia entre os alunos, foi substituída por uma imagem de referência visual
mais direta ao conteúdo abordado.
54
A comunidade surda é formada pelos surdos e pelos ouvintes usuários de língua de sinais
que com eles compartilham experiências (Albres, 2010).
história cumpre seu papel de, como processo formativo, mudar as pessoas
(Verri e Alegro, 2006:112).
Reconheço a complexidade de tal tarefa, tendo em vista que a história
dos surdos permanece ignorada pelos conteúdos curriculares oficiais da
disciplina (Brasil, 2017), pelos livros didáticos e pela ausência de materiais a
respeito nas escolas. Cabe assim ao professor promover essa inclusão de
conteúdos e construí-la em sala de aula. Não é necessário elaborar toda uma
unidade específica. A versão do Roteiro Imagético aqui apresentada e a que
segue no produto dessa dissertação apontam para a sugestão de, sempre que
possível, incorporar a história dos surdos como parte dos conteúdos
consagrados da disciplina. Lembrando que essa história não está apartada do
percurso da humanidade.

A terceira linha do Roteiro Imagético trata de questões relacionadas


com segunda fase da guerra, marcada pela ofensiva dos Aliados, na qual se
destacaram a entrada dos EUA e do Brasil no conflito e o evento conhecido
como Dia D. Cada um desses fatos representado por uma imagem. A entrada
dos EUA, pela capa da edição n. 1 da revista em quadrinhos do Capitão
América.55 Sua seleção foi motivada por critérios semelhantes ao da imagem
do game Blitzkrieg, ambas relacionadas com a cultura dos nerds/geeks, grupo
que já foi hostilizado no espaço escolar, mas que hoje, em um contexto de
amplo uso de artefatos tecnológicos e difusão de conhecimentos de origem
midiática, aos quais estão associados, é valorizado (Bicca e Cunha, 2013), dele

55
Disponível em: https://static.comicvine.com/uploads/scale_large/11/117763/2677627-
captainamericacomics01.jpg. Acesso em: 29 maio 2017.
fazendo parte alguns de nossos alunos. O que nos lembra que a inclusão
escolar não está limitada aos alunos (ditos) com deficiência, mas deve passar
também pela necessidade da escola se inovar/renovar, a fim de dialogar com
a diversidade de identidades e culturas que abriga.
A imagem seguinte,56 aparentemente uma fotografia do Dia D, é, na
verdade, um fotograma extraído do filme O resgate do soldado Ryan.57 A
partir dela é possível discutir com os alunos a questão de que as imagens nem
sempre são um espelho do real, mas sim sua representação. Embora baseando-
se em fotografias do evento, o fotograma em questão é uma releitura do
evento. Outra questão importante que aqui se coloca é a de que imagens
também não são somente um produto da realidade, mas elas podem também
produzir realidades (Schwarcz, 2004:396.). Além de algumas fotografias, os
chamados filmes históricos, sobretudo eles, como O resgate do soldado Ryan,
ao alcançar um público extremamente amplo, conseguem imprimir na
memória coletiva sua própria versão da história.
Por remeterem direta ou indiretamente a filmes que abordam a
Segunda Guerra Mundial, respectivamente, o já citado O resgate do soldado
Ryan e a aventura Capitão América: o primeiro vingador,58 podem ser lidas
em diálogo com eles, previamente exibidos em sala de aula. O uso de
diferentes meios e modos de comunicação para transmitir conhecimento aos
educandos surdos, denominado comunicação multimodal (Kelman,
2011:192), também possibilita a ocorrência de aprendizagem significativa por
eles.
A linha se completa com o detalhe do uniforme utilizado pelos
combatentes da Força Expedicionária Brasileira (FEB),59 no qual se destaca
seu emblema. Sua escolha se deu num sentido de, novamente, aproximar o
conteúdo do aluno. No caso, a participação brasileira na guerra. Além disso,
ela permite abordar a questão da historicidade das imagens. A insígnia usada
pelos “pracinhas” bem o demonstra, por sua gênese e trajetória (de uma

56
Disponível em: https://basilfilm.files.wordpress.com/2013/01/saving_private_ryan.jpg.
Acesso em: 29 maio 2017.
57
SAVING private Ryan. Direção: Steven Spielberg. EUA, 1998.
58
CAPITAIN America: the first avenger. Direção: Joe Johnston. EUA, 2011.
59
Disponível em: www.usmilitariaforum.com/forums/index.php?/topic/260978-brazilian-
expeditionary-force-wwii-repro-uniform/. Acesso em: 20 jul. 2018.
expressão popular na época da Segunda Guerra Mundial60 até o uniforme dos
combatentes brasileiros). Interessante indicar para os alunos que os sinais de
Libras — também imagens! — igualmente possuem uma história, que bem
merece uma investigação. Algumas mais facilmente identificáveis por meio
da iconicidade do sinal (Albres, 2014:83), remetendo à aparência ou a fatos
relacionados com o que denominam. Como exemplo, o sinal de “abril”, que
lembra uma forca. Evocando dessa forma o personagem histórico Tiradentes,
morto no dia 21 daquele mês.

A última linha do roteiro traz duas imagens a respeito do fim da guerra.


Cada uma representando os dois marcos deste desfecho. A primeira mostra o
hasteamento da bandeira soviética no Reichstag, em uma Berlim destruída,61
e a segunda, uma montagem, trata do término do conflito no Japão, com a
explosão da bomba atômica e suas consequências. A fotografia dos soviéticos
no Reichstag reforça a questão levantada no fotograma de O resgate do
soldado Ryan sobre o quão enganosa pode ser uma imagem. Nem sempre elas
são o que parecem. No caso, parece tratar-se de um registro histórico. Ledo
engano. Trata-se de uma foto posada (Sontag, 2003:49). Como aquelas que
tiramos em nossa intimidade. A partir de sua leitura, cabe um importante
debate a respeito das supostas verdades que são veiculadas pelas redes sociais

60
Com a deflagração da Segunda Guerra Mundial, havia uma descrença na população
brasileira a respeito de um então possível envolvimento brasileiro no conflito, o que levou ao
surgimento da frase: “Mais fácil uma cobra fumar que o Brasil entrar na guerra”. Também
atribuída ao presidente Getúlio Vargas (Vieira, 2016).
61
Disponível em:
https://upload.wikimedia.org/wikipedia/pt/1/14/Reichstag_flag_original.jpg. Acesso em: 29
maio 2017.
e mídias diversas. Extremamente pertinentes em tempos de fake news, às quais
os surdos estão muito mais expostos, uma vez que, dados os obstáculos
linguísticos, seu acesso às informações é limitado (Azevedo e Mattos,
2017:114).
O roteiro se encerra com uma imagem dupla, reunindo uma fotografia
da explosão da bomba atômica em Nagasaki62 e um quadrinho63 extraído de
um dos volumes da série em mangá64 Gen — pés descalços (Nakasawa, 2011),
que trata da história de um menino japonês vítima do ataque atômico a
Hiroshima. A montagem provoca uma reflexão a respeito da guerra e de suas
consequências. É possível indagar a respeito do que o fotógrafo, um soldado
americano a bordo de um avião, pode ter pensado ou sentido a respeito do
sofrimento dos japoneses que estavam no solo. Neste sentido, a imagem do
mangá parece ser reveladora e dialoga com as crianças em Auschwitz. A partir
de uma sugestão de Albuquerque Júnior (2016:40-41), para o qual as
narrativas do professor sobre episódios violentos da história devem ser
pedagogicamente impactantes, estas imagens são propositalmente chocantes.
O intuito é sensibilizar os alunos quanto aos horrores da guerra. O objetivo é
levar a uma reflexão sobre o Outro. Do Outro distante no tempo e no espaço
ao Outro ali, ao seu lado, na sala de aula. No caso da guerra, os Outros podem
ser os japoneses, vitimados pela bomba atômica lançada pelos norte-
americanos. Em sala, os Outros podem ser os surdos, não raro
incompreendidos e discriminados por seus colegas (e professores) ouvintes.
No “Caderno de orientações e sugestões para o ensino de história em
classes inclusivas com alunos surdos” será apresentada uma nova versão do
Roteiro Imagético, cuja proposta vem amadurecendo a partir das respostas
obtidas por seu uso em sala de aula, bem como pela reflexão teórica
possibilitada pelos estudos empreendidos ao longo de minha pesquisa. Dessa
forma, optei por ser mais econômico nas legendas, considerando o
comprometimento ao processo de aprendizagem que o excesso de

62
Disponível em: http://brasilescola.uol.com.br/upload/conteudo/images/detonacao-bomba-
plutonio-lancada-em-nagasaki-em-9-agosto-1945-56a37bc1182ab.jpg. Acesso em: 29 maio
2017.
63
Disponível em: www.gabibarbosa.com/wp-content/uploads/2012/09/gen-pes-descalcos-
21.jpg. Acesso em: 29 maio 2017.
64
Estilo de história em quadrinhos criado no Japão e muito popular entre os jovens.
informações visuais pode acarretar. Outra mudança foi temática. A opção pelo
Segundo Reinado se deu para estender a estratégia a outras unidades de
conteúdos e pela possibilidade de incorporar, de modo mais orgânico, a
história dos surdos aos conteúdos da disciplina. Data daquele período histórico
a criação do Ines, referência na educação de surdos no Brasil.

3.2 A construção de materiais acessíveis de história

Em 2015, visando a oferta de atendimento com perspectiva bilíngue


(Libras/língua portuguesa), ocorreu a inclusão da disciplina Libras na grade
curricular do segundo segmento do Ensino Fundamental na Escola Municipal
Santa Luzia. Para acompanhar e fundamentar junto à Comunidade Escolar o
acréscimo dessa matéria, ao longo daquele ano, o corpo docente da unidade
de ensino desenvolveu o projeto “Libras: que língua é essa?”. Como
culminância do referido projeto, desafiei meus alunos ouvintes do nono ano
de escolaridade a produzir um vídeo em Libras, legendado em língua
portuguesa, que abordasse conceitos relacionados como conteúdo Segunda
Guerra Mundial. Ainda no âmbito do projeto, em parceria com a professora
do AEE e os assistentes educacionais de Libras, elaboramos dois modelos de
instrumentos de avaliação bilíngue para a disciplina história.
O Decreto no 5.626, de 2005, que regulamenta a Lei no 10.436, de 2002
(ambos documentos capitais quanto aos direitos da pessoa surda no Brasil), ao
se referir à avaliação dos surdos nos diferentes níveis educacionais, em seu
art. 14, determina como deveres das instituições de ensino:

VI — adotar mecanismos de avaliação coerentes com aprendizado de


segunda língua, na correção das provas escritas, valorizando o aspecto
semântico e reconhecendo a singularidade linguística manifestada no aspecto
formal da Língua Portuguesa;
VII — desenvolver e adotar mecanismos alternativos para a avaliação de
conhecimentos expressos em Libras, desde que devidamente registrados em
vídeo ou em outros meios eletrônicos e tecnológicos. [Brasil, 2005]
O primeiro inciso trata das avaliações escritas, como testes e provas,
comumente utilizadas pelos professores de história. Para ser mais preciso,
estabelece a tolerância linguística (Verri e Alegro, 2006:105) como princípio
norteador da correção de tais instrumentos. Nesse caso, o docente deve ser
sensível às dificuldades dos alunos surdos quanto ao desenvolvimento de
habilidades escritas em uma língua oral, adotando critérios de correção
diferenciados para esses discentes. Critérios tais que priorizem a verificação
da ocorrência de aprendizagem, sem deter-se em um rigoroso exame do
emprego correto de regras gramaticais (Ugrinowitsch, 2003). Como feito pela
professora Regina e anteriormente relatado.
Contudo, antes de chegar às respostas, é preciso formular questões e
modelos de avaliação acessíveis aos educandos surdos. Neste sentido, nas
Orientações aos professores de alunos surdos (Prefeitura Municipal de Duque
de Caxias, 2013), elaboradas pela equipe pedagógica da E. M. Santa Luzia,
dois de seus oito itens referem-se à avaliação e propõem:

1. Dar ao aluno surdo a oportunidade de fazer em algum período do ano letivo


provas em LIBRAS.
[…]
3. Elaborar instrumentos de avaliação que utilizem recursos visuais como
mapas, imagens etc. para desenvolver a sua autonomia. [Prefeitura Municipal
de Duque de Caxias, 2013]

Em outro documento da escola, produzido pelas professoras do AEE e


intérpretes, a respeito dos instrumentos escritos de avaliação, sugere-se que

os professores podem utilizar uma gama variada de recursos, tais como


desenhos, relacione as colunas, complete, v ou f, etc. Ao invés de textos
longos, os surdos compreenderão melhor o que está sendo cobrado na prova
se o professor conjugar figuras ou tabelas com textos mais concisos.
[Prefeitura Municipal de Duque de Caxias, [2007?], grifos do documento]

Em minha trajetória como professor de alunos surdos incluídos,


procurando pautar-me por essas orientações e em atenção à experiência visual
desses educandos, venho elaborando testes e provas nos quais as perguntas
feitas partem de imagens ou a elas estão associadas. O objetivo é, por meio
dos recursos visuais, facilitar a compreensão dos educandos quanto ao que
está sendo questionado. Importante ressaltar que não basta encher o
instrumento de avaliação com imagens acreditando que será suficiente para
que os discentes surdos compreendam as questões. É necessário que elas já
tenham sido estudadas nas aulas e interpretadas em Libras. Nesse caso, dando
prosseguimento e avaliando estratégias que se apoiam na visualidade, como o
Roteiro Imagético apresentado no item anterior desse capítulo.
Também utilizo bastante questões objetivas, como múltipla escolha,
relacionar colunas e “verdadeiro ou falso”, as quais consideram a dificuldade
dos alunos surdos quanto ao uso do português, sua segunda língua. Seguindo
esse mesmo raciocínio, os enunciados e as alternativas das questões são
formados por frases curtas e diretas. Em caso de avaliações com textos mais
longos, encaminho os mesmos para que seu vocabulário seja previamente
conhecido pelos estudantes surdos durante o atendimento que recebem pelas
professoras do AEE. Profissionais para as quais também remeto de antemão
todos os testes e provas que elaboro destinados às turmas com educandos
surdos, a fim de que se verifique sua pertinência quanto às particularidades e
possibilidades do seu público-alvo.
Mesmo com tais cuidados, em minha prática, observei que os alunos
surdos costumavam demonstrar insegurança quando submetidos às avaliações
escritas. Sobretudo por essas serem apresentadas em uma língua que pouco
dominam: o português. Acabam, assim, recorrendo constantemente aos
intérpretes de Libras, os quais se veem obrigados a empreender um enorme
esforço a fim de atender às solicitações de mais de um estudante ao mesmo
tempo. Diante desse problema, planejei e produzi, em conjunto com a
professora Simone D’Avila Almeida, do AEE, e os assistentes educacionais
de Libras, Augusto Machado e Bruno Baptista, um vídeo-teste e uma vídeo-
prova nos quais as informações e questões de tais instrumentos são
apresentadas em Libras, visando possibilitar maior autonomia dos discentes
surdos na realização desses instrumentos avaliativos. Atendendo também ao
que é determinado pela legislação supracitada.
Os modelos de avaliação foram produzidos no segundo bimestre de
2015 e destinavam-se a uma turma do oitavo ano do Ensino Fundamental. A
fim de que melhor se compreenda a descrição aqui feita, sugiro a visualização
dos vídeos, que podem ser acessados pelo YouTube.65 Para a produção do
teste, encaminhei à professora do AEE as questões e as imagens que seriam
utilizadas. Essas últimas obtidas na internet e previamente analisadas em sala
de aula no contexto da exposição dos conteúdos com elas relacionados, no
caso, o iluminismo. O vídeo foi gravado na Sala de Recursos da escola, tendo
como responsável pela sinalização em língua de sinais o assistente
educacional de Libras, Augusto Machado.66
No vídeo-teste, o assistente encontra-se sentado, de onde sinaliza em
Libras as informações e questões, que também aparecem legendadas em
língua portuguesa. São oito perguntas, sendo três delas objetivas. Algumas
têm como referência imagens, que aparecem exibidas na tela de um notebook
localizado em uma mesa ao lado do assistente, obedecendo à mesma lógica
anteriormente apresentada quanto à importância do uso de recursos visuais em
avaliações escritas para estudantes surdos. Seriam elas elementos facilitadores
da compreensão desses discentes.
A avaliação pronta foi aplicada em data agendada, sendo acompanhada
pela professora do AEE. Não havia material escrito, nem intermediação do
intérprete. Como se tratava de uma classe inclusiva, toda a turma, surdos e
ouvintes, realizou a avaliação. À semelhança dos tradicionais testes orais,
porém em língua de sinais, um por vez, os alunos foram chamados à mesa do
professor e responderam às questões, exibidas por meio de um notebook. Os
ouvintes apresentaram suas respostas oralmente, enquanto os surdos por meio
da Libras. Em consonância com o que determina a lei (Brasil, 2005), as
respostas dos alunos surdos foram gravadas para posterior verificação por
mim e pela professora do AEE. Importante registrar que os bons resultados
obtidos pelos alunos que se submeteram à avaliação não se verificaram
somente entre os surdos. Alunos ouvintes tiveram desempenho superior do
que os obtidos em instrumentos tradicionais de avaliação, corroborando a

65
Disponíveis em: www.youtube.com/channel/UCIof6LRf4YPGzmU-5kMKqxw.
66
Augusto foi um de meus primeiros alunos surdos na E. M. Santa Luzia. Formou-se em
pedagogia bilíngue pelo Ines. Atualmente, trabalha como mediador de Libras no Centro
Cultural Banco do Brasil (CCBB), do Rio de Janeiro, e pretende candidatar-se ao curso de
Mestrado Profissional em Diversidade e Inclusão da Universidade Federal Fluminense (UFF).
constatação de que as adaptações exigidas pela Educação Inclusiva podem
gerar benefícios para todos os alunos (Guijarro, 2005:8).
Em relação à vídeo-prova, a produção foi semelhante à do teste,
mobilizando, além de mim, novamente a professora Simone D’Avila e um
assistente educacional de Libras, dessa vez, Bruno Baptista,67 sendo os dois
últimos responsáveis pela filmagem, tradução e interpretação do material. No
entanto, a proposta apresentava um importante diferencial. Desta vez, o vídeo
teve a função de suporte, em Libras, a uma avaliação escrita. Guardando
similaridade e antecipando o que seria feito no Exame Nacional do Ensino
Médio (Enem), a partir de 2017, no qual as instruções e questões foram
apresentadas em língua de sinais.
A prova foi dividida em duas partes. A primeira conta com quatro
perguntas interpretativas a respeito de uma pintura, Tiradentes esquartejado,68
cuja leitura fora feita anteriormente, em aula, quando da abordagem do
conteúdo Conjuração Mineira. A segunda tem seis questões de múltipla
escolha sobre conteúdos diversos, como iluminismo e a Independência das
Treze Colônias. Não houve intervenção do intérprete. No vídeo, todas são
sinalizadas em Libras, seguidas por suas respectivas legendas em português,
as quais reproduzindo o texto escrito da avaliação.
Esse instrumento foi aplicado durante a semana de provas organizada
pela escola, sendo realizado pela mesma turma do oitavo ano que já havia feito
o teste em Libras. Para a projeção foi instalado um aparelho Datashow na sala
de aula. A versão em vídeo da prova foi exibida duas vezes. Embora o
intérprete estivesse presente em sala de aula, sua intervenção foi pouco
requisitada pelos alunos surdos, atingindo-se assim o objetivo de possibilitar
mais autonomia a esses educandos quando submetidos a avaliações. Além de,
em conjunto com o vídeo-teste, contribuir para diversificar os instrumentos
utilizados para avaliar alunos em classes inclusivas.

67
Bruno, também surdo, participou do Projeto Surdos, do Instituto de Bioquímica Médica da
UFRJ (sobre o qual ver: Barral, Pinto-Silvae Rumjanek, 2017). Atua como mediador de
Libras no Museu do Amanhã (Rio de Janeiro).
68
MELO, Pedro Américo de Figueiredo e. Tiradentes esquartejado. 1893. Disponível em:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Tiradentes_esquartejado_(Pedro_Américo). Acesso em: 20 jul.
2018.
Ao final do ano letivo de 2015, como culminância do projeto “Libras:
que língua é essa?”, a E. M. Santa Luzia organizou uma mostra de trabalhos
onde foram apresentadas as produções desenvolvidas pelas turmas da escola
a respeito da temática, cada qual sob a orientação de um professor. Pelos
corredores da unidade escolar e salas temáticas exibiram-se cartazes e vídeos.
Entre esses destacaram-se um sinalário com conceitos de geografia em Libras
e uma série de curtas-metragens com a dramatização de contos de fada em
língua de sinais. Todos realizados por alunos surdos e ouvintes.
Para a ocasião, fui incumbido de orientar uma turma do nono ano de
escolaridade, formada exclusivamente por alunos ouvintes. Esses discentes
produziram e exibiram um vídeo no qual apresentam em Libras, com legendas
em português, um resumo de uma unidade referente ao conteúdo programático
do nono ano de escolaridade. No caso, a Segunda Guerra Mundial. Tal
material também pode ser visualizado pelo YouTube.69 Mais uma vez, contei
com o apoio do AEE. Dessa feita, na pessoa da professora Joseane Trugilho
Candido. Por considerarmos importante ter a presença e a referência de um
aluno surdo, convidamos o estudante Michel Vaz, da Etapa IV70 da Educação
de Jovens e Adultos (EJA), que funciona no turno da noite da escola Santa
Luzia.
Mesmo que praticamente não os tenha como protagonistas, o Resumo
Bilíngue, como passei a denominá-lo, destina-se aos estudantes surdos, como
um apoio ao estudo da história. Compreendo que um projeto escolar não pode
limitar-se à exposição de trabalhos em uma culminância; desta forma, a
proposta de criação do Resumo Bilíngue da Segunda Guerra Mundial
pretendeu ser também uma contribuição à produção de materiais com
conteúdo de história acessíveis aos estudantes surdos, posto que há uma
escassez dessas ferramentas pedagógicas. Entre as poucas referências
disponíveis estão alguns episódios das séries A vida em Libras e Aula de
Libras,71 da TV Ines, e as videoaulas dos canais homônimos História em

69
O vídeo está disponível em: www.youtube.com/watch?time_continue=10&v=9kn3-r45ltg.
70
A Etapa IV da EJA corresponde ao oitavo e nono anos das séries regulares do Ensino
Fundamental.
71
Os endereços eletrônicos dos materiais com conteúdo de história aqui citados encontram-
se nas referências do “Caderno de orientações e sugestões para o ensino de história com alunos
surdos”.
Libras, recentemente lançados no YouTube. O primeiro, da professora Karina
Werlingue, apresenta conteúdos de história em Libras e língua portuguesa,
seguindo a tradicional abordagem linear, em vídeos lançados semanalmente,
desde fevereiro de 2018. O segundo, do professor Ernesto Padovani Netto,
lançado em abril de 2018, opta pelo recorte temático dos conteúdos históricos
e é mais um produto final de pesquisa realizada no âmbito do ProfHistória.
Todas as etapas da produção do Resumo Bilíngue — filmagem,
edição, legendagem — foram feitas pelos alunos, cabendo a mim o papel de
mediador. Apenas o texto que serviu de base para as informações apresentadas
teve por origem um resumo escrito por mim, originalmente elaborado como
suporte à exposição da matéria Segunda Guerra Mundial. Nele, procurei
sintetizar, na forma de tópicos e em frases curtas, informações fundamentais
a respeito do assunto, formato de texto recomendado para tornar os dados e
conceitos mais acessíveis aos alunos surdos (Verri e Alegro, 2006:111). E aos
ouvintes também!
Para a tradução em língua de sinais, fez-se fundamental o
envolvimento da professora do AEE. Junto a ela, os alunos aprenderam o
vocabulário em Libras necessário à apresentação do resumo, bem como
(re)construíram, de acordo com as normas dessa língua, as frases empregadas.
Aqui, bem como na produção das avaliações em vídeo, ensaiamos um ensino
colaborativo (Vilaronga e Mendes, 2014), no qual o professor docente e o
AEE planejam, executam e somam seus saberes distintos contribuindo para a
construção de uma escola efetivamente inclusiva. Especialista em Educação
Especial e responsável por um acompanhamento mais particularizado dos
alunos surdos, o AEE torna-se o parceiro ideal do professor docente, em geral,
leigo quanto às especificidades de seus educandos surdos, ao oferecer-lhe
conhecimentos teóricos e também pessoais acerca desses discentes. Portanto,
se o AEE é capaz de consertar alguma deficiência, como costuma ser
erroneamente entendido, essa seria a do professor que não adapta sua prática
às necessidades de uma classe inclusiva com alunos surdos.
Além dos conteúdos da disciplina história, o Resumo Bilíngue
estimulou a aprendizagem de Libras. Tanto pelos estudantes surdos (o
participante da atividade e os que posterirormente assistiram ao vídeo), com a
ampliação de seu vocabulário, como pelos ouvintes. Esses, ao sinalizar,
acabam se colocando no lugar de seus colegas surdos, vivenciando, ainda que
por breves instantes, a experiência de se comunicar de uma outra forma. Desta
forma, acredito que o resumo contribuiu para ampliar possibilidades de
compreensão e interação entre os sujeitos da Educação Inclusiva. Não à toa, a
alcunha “mudinho”, outrora comumente utilizada na E. M. Santa Luzia pelos
alunos ouvintes ao se referirem aos seus colegas surdos, pouco tem sido
proferida.
Muito contribui para essa nova realidade e o sucesso da atividade
desenvolvida a oferta de Libras como matéria da grade curricular dos alunos.
Cuja relevância também foi indicada pela professora Regina em seu relato. Os
alunos ouvintes apresentaram uma considerável habilidade para o uso da
língua de sinais, uma vez que já tinham contato com ela. Se pretendemos uma
escola bilíngue, é fundamental que todos os seus membros façam uso dessas
duas línguas. Mais do que isso, a escola inclusiva bilíngue carrega a potência
de uma inclusão mais ampla. Ao tratar da importância de ensinar Libras aos
ouvintes, Rodrigues e Meireles (2017:170) chamam a atenção para o fato de
que, assim instrumentalizados, podem tornar-se cidadãos formadores de uma
sociedade mais inclusiva para os sujeitos surdos.
Planejados para serem os primeiros de uma série de materiais bilíngues
destinados ao ensino de história para alunos surdos, avaliações e resumo aqui
apresentados ainda não tiveram continuidade. Tampouco foram replicados
pelos colegas de outras disciplinas, como também intencionava. As iniciativas
foram individuais. Após o término do projeto, a escola não o abraçou
coletivamente. Com os espaços de encontro e formação de professores, como
Grupos de Estudos, acabaram sendo utilizados para a reposição de greves e
paralisações, faltaram oportunidades de ampliar a divulgação do que foi
realizado. O descumprimento da parte do poder pública da chamada “Lei do
1/3” (Brasil, 2008), que destina uma parcela da carga horária dos profissionais
da educação para atividades de planejamento, inviabiliza o tempo demandado
para a elaboração dos referidos produtos, bem como os encontros entre os
profissionais neles envolvidos (docentes, AEE, assistentes educacionais de
Libras, intérpretes).
Para que essas sementes de inclusão germinem em outros espaços
inclusivos, refaço suas propostas, compartilhando-as no “Caderno de
orientações e sugestões para o ensino de história em classes inclusivas” que
segue apresentado no próximo capítulo.

4. Caderno de orientações e sugestões para o ensino de


história em classes inclusivas com alunos surdos72

A inclusão é um sonho possível!


(Maria Teresa Eglér Mantoan)

4.1 Apresentação

“Somos notavelmente ignorantes a respeito da surdez” (Sacks, 200515). A


sentença do neurologista Oliver Sacks, espécie de paráfrase do paradoxo
socrático “só sei que nada sei”, exprime o pensamento de professores
ouvintes, sem formação específica para o trabalho em classes inclusivas, ao se
deparar com uma turma na qual alunos surdos integram o quadro dos
discentes, a exemplo do que ocorreu comigo, com os docentes entrevistados
na pesquisa que resultou na criação deste produto didático e, provavelmente,
com você, colega professor. Longe de levar a um imobilismo fatalista, essa
constatação pode e deve ser o primeiro movimento em direção ao
conhecimento das especificidades dos alunos surdos e ao desenvolvimento de
ações pedagógicas diferenciadas capazes de levar à aprendizagem desses
sujeitos. Neste sentido, o presente caderno pretende oferecer um contributo.
Antes que você torça o nariz, pensando “lá vem mais um trabalho
acadêmico que nada tem a ver com a realidade da sala de aula”, permita-me a
apresentação. Esse caderno que você tem em mãos (ou na tela de algum
dispositivo) foi concebido por um professor da Educação Básica há 20 anos,
a partir de seus estudos e práticas como docente de alunos surdos, iniciada em
2006. Naquele ano, eu acumulava quase uma década atuando no magistério,
sempre em escolas da rede pública de ensino. Minha primeira experiência com

72
O conteúdo deste capítulo também será apresentado, na íntegra e com diagramação
diferenciada, como um material anexo à dissertação, para ser usado independente dessa, daí
ter sido mantida aqui a denominação “Caderno”.
discentes surdos não foi por opção, tampouco foi precedida por qualquer
(in)formação específica a respeito daquele grupo e de suas necessidades
educacionais. De repente, lá estava eu, diante daqueles educandos, tomado
pela angústia de não saber como proceder com eles. Relatos de colegas de
profissão revelam terem passado por situação semelhante. E se, naquela
ocasião, tivéssemos recebido algum informativo a respeito do ensino para
surdos, nos sentiríamos menos ignorantes e impotentes? Surgiu assim um
primeiro lampejo para a criação deste caderno.
Nos últimos anos, movimentos sociais e políticas públicas, respaldadas
pela legislação, vêm preconizando a educação escolar para todos em unidades
das redes regulares públicas ou privadas de ensino. Nesse contexto, as
matrículas de surdos nas escolas comuns já superam as registradas nas escolas
especiais (Pinho e Mariani, 2017). Dadas as necessidades educacionais
específicas desses estudantes, que devem envolver, entre outras coisas,
metodologias de ensino e recursos humanos e tecnológicos diferenciados,
governantes, gestores escolares e educadores se defrontam com uma série de
desafios. Não à toa, a questão ter se tornado tema da redação do Exame
Nacional do Ensino Médio (Enem), em 2017.73 Entre tais desafios, destacam-
se: a formação acadêmica dos professores, na qual questões conceituais e
pedagógicas a respeito das especificidades dos sujeitos surdos ainda não são
devidamente contempladas; a persistência de práticas docentes assentadas na
oralidade e em atividades que envolvem a habilidade lectoescrita, o que
dificulta o acesso daqueles discentes ao conhecimento histórico; e o risco da
invisibilidade dos referidos educandos, não raro negligenciados ou vistos
como de responsabilidade do intérprete de Libras, situação potencializada pela
ausência da história das pessoas surdas nos livros didáticos e conteúdos
curriculares da disciplina.
A fim de investigar essa problemática e aperfeiçoar a prática docente,
minha e de meus colegas, desenvolvi uma pesquisa no âmbito do Programa
de Pós-Graduação em Ensino de História da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (PPGEH/UFRJ), vinculado ao Mestrado Profissional em Ensino de
História (ProfHistória). O estudo contou com financiamento da Coordenação

73
O tema da redação foi “Desafios para a formação educacional de surdos no Brasil”.
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e foi orientado por
professores das áreas do conhecimento nele envolvidas: Silvio de Almeida
Carvalho Filho, do Instituto de História da UFRJ, e Celeste Azulay Kelman,
da Faculdade de Educação da mesma universidade, onde coordena o Grupo
de Estudos e Pesquisas sobre Surdez (GEPeSS), do qual sou membro. Mais
do que condensar a dissertação, este caderno ambiciona prover professores ou
futuros professores de história com informações básicas e sugestões que
possam auxiliá-los no trabalho com alunos surdos, particularmente, aqueles
incluídos em turmas regulares, uma vez que o estudo realizado assinalou a
necessidade desse tipo de suporte.
Não tenho a intenção e tampouco a pretensão de oferecer respostas a
todos os problemas relacionados ao ensino de história para alunos surdos ou
preencher as lacunas de uma formação (inicial ou continuada) deficitária. Da
mesma forma que a matrícula de um aluno surdo em uma escola regular não
deve ser confundida com a inclusão, sendo apenas o seu início, o “Caderno de
orientações e sugestões…” deve ser entendido como um material de
sensibilização e apoio inicial aos docentes. A partir dele, recomenda-se que
outras pesquisas e fontes de informação sejam consultadas. Bem como
esperamos que o professor, motivado pelas experiências aqui descritas, realize
as suas próprias. Nesse sentido, o presente dispositivo didático também não
pode ser encarado como um rígido manual que precisa ser literalmente
seguido. Apesar das similaridades, cada escola é única, assim como são únicos
seus profissionais, suas turmas e cada um de seus alunos, sejam eles surdos ou
ouvintes. Portanto, o que oferecemos é flexível o suficiente para todas as
adaptações e adições que se fizerem necessárias. Importante ressaltar ainda
que, embora pensado para o professor de história que atua (ou atuará) em
turmas do segundo segmento do Ensino Fundamental, nada impede que este
caderno seja utilizado por professores de outras disciplinas ou etapas de
ensino. Evidentemente adequando-o às suas especificidades. Até porque a
aula de história não pode ser uma ilha. As práticas inclusivas, para que bem-
sucedidas, precisam necessariamente mobilizar a escola como um todo.

4.2 Quem é o (aluno) surdo?


Recuso-me a ser considerada
excepcional, deficiente. Não sou. Sou
surda. Para mim, a língua de sinais
corresponde à minha voz, meus olhos
são meus ouvidos. Sinceramente nada
me falta. É a sociedade que me torna
excepcional.
(Emmanuelle Laborit, atriz surda)

Em primeiro lugar, ele é o seu aluno. E, como tal, você precisa entendê-lo.
Suponho que deva estar ansioso pela apresentação de metodologias e técnicas
de ensino. Professores, sobretudo os que atuam na Educação Básica, tendem
a ser pragmáticos. Contudo, precisamos nos deter alguns instantes em
considerações a respeito da pessoa surda. Afinal, para ensinar história não
basta apenas dominar os conteúdos curriculares da disciplina, é necessário ao
professor saber quem são os seus alunos e como eles aprendem para, a partir
daí, empregar os métodos mais adequados à aprendizagem desses educandos.
Sejam eles surdos ou não. No caso dos primeiros, entender quem são faz-se
ainda mais imprescindível por pelo menos duas razões. Em primeiro lugar,
por termos uma formação pedagógica (ainda) deficiente quanto à oferta de
subsídios à educação de surdos, quando muito restrita ao ensino da Língua
Brasileira de Sinais (Libras). Em segundo, por sermos majoritariamente
ouvintes, distantes da experiência surda de estar no mundo, portanto cegos
quanto às suas reais necessidades. Um olhar menos atento e a incompreensão
daqueles a quem a aula se destina podem comprometer o direcionamento do
trabalho do professor, resultando, por exemplo, na indiferença de uma didática
alheia à diversidade de uma turma ou na piedosa aprovação porque “coitado,
ele é deficiente”.
Ao tratarmos de alunos surdos, antes de tudo, cabem explicações sobre
a surdez. Trata-se da ausência ou perda da audição. Ela pode ser total ou
parcial, nesse caso, variando em graus (leve, moderada, severa, profunda), que
dependem da capacidade do indivíduo em ouvir determinados níveis de
decibéis. Algumas pessoas nascem surdas, por fatores hereditários ou
problemas na gestação. Outras tornam-se surdas em diferentes momentos da
vida, devido a acidentes, doenças ou envelhecimento. Logo, qualquer um pode
vir a ser surdo, incluindo eu e você (pensamento perturbador que nos obriga
ainda mais a nos colocarmos no lugar do outro). É de suma importância
ressaltar que, do ponto de vista biológico, a surdez não acarreta
comprometimentos cognitivos aos indivíduos. Além disso, mesmo sem um
sentido, o surdo tem outros quatro para interagir com o mundo e aprender.
Existem diversas denominações para se referir às pessoas com surdez:
surdo, deficiente auditivo, surdo-mudo, mudo, mudinho. Nem todas
apropriadas. Descartemos logo as três últimas. Surdos não são mudos. Na
maioria dos casos, se trata de indivíduos que não possuem comprometimento
em seu aparelho fonador. Portanto, possuem a capacidade para emitir sons,
inclusive a voz. Basta uma visita ao Instituto Nacional de Educação de Surdos
(Ines), no Rio de Janeiro, para conferir que se trata de um ambiente tão ruidoso
quanto o pátio de qualquer outra escola na hora do recreio. O termo deficiente
auditivo, comumente utilizado na área da saúde, costuma ser atribuído às
pessoas com perda auditiva de leve a severa (nesse caso, surdo seria aquele
com perda profunda). Também é usado por algumas redes de ensino para
designar seus alunos com surdez. A mídia hegemônica costuma fazer o
mesmo, quando os referencia. Nesse caso, talvez buscando uma designação
supostamente mais politicamente correta. O problema com esse epíteto é que
mantém o surdo no espectro da deficiência. O que a comunidade surda rejeita
fortemente.
Assim, professor, fique à vontade para se referir aos seus alunos surdos
valendo-se da denominação surdo, como faço aqui. Diverso do que algumas
pessoas pensam, não se trata de um termo pejorativo. Mudinho pode ser
fofinho, mas esse sim é depreciativo! O uso do termo surdo é uma escolha
política de um grupo para a forma como seus membros preferem ser
designados. Ele é fruto de uma concepção contemporânea sobre a pessoa
surda, plasmada, desde as últimas décadas do século passado, a partir de
estudos acadêmicos de distintas áreas do conhecimento e da própria
mobilização dos surdos. Por tal viés, esses sujeitos deixam de ser reduzidos à
surdez e a uma ideia de incompletude e anormalidade. Hoje, os surdos se
entendem e são entendidos não como deficientes, mas como diferentes.
Linguisticamente diferentes, porquanto usuários de uma língua de sinais (LS),
de modalidade gestual-visual, que lhes permite expressar-se, trocar
informações e relacionar-se socialmente. Deste modo, sob a ótica da
diferença, a tarefa maior do professor de alunos surdos não é superar
incapacidades, mas despertar potencialidades.
Sobre as línguas de sinais, essas ilustres desconhecidas para a maior
parte dos professores que atuam com alunos surdos, recaem muitos mitos. Vou
desfazer alguns. Primeiramente, não se trata de mera pantomima. Embora de
modalidade diferente das orais, elas são línguas, não linguagem. Tampouco
são suas versões sinalizadas. Possuem gramática própria e são capazes de
expressar do concreto ao abstrato. Como venho denominando-as no plural, já
é possível perceber que não se trata de uma, universal, mas de várias,
correspondendo aproximadamente a uma por país. Embora, uma língua de
sinais possa ser usada em mais de um país, como a Língua de Sinais
Americana (ASL), com usuários nos Estados Unidos e no Canadá. Ou um
mesmo país possa ter mais de uma delas. É o caso do Brasil. A língua de sinais
utilizada pela maioria dos surdos e oficialmente reconhecida chama-se Língua
Brasileira de Sinais (Libras) (Brasil, 2002). No entanto, há ainda a Língua de
Sinais Kaapor Brasileira, da etnia indígena urubu-kaapor, habitante do
Maranhão (MA).
A instrução em língua de sinais e o uso de estratégias e recursos visuais
são apontados pelos estudiosos como as formas mais apropriadas de promover
a aprendizagem dos alunos surdos. No primeiro caso, justifica-se por ser a LS
a língua natural daqueles discentes. Ainda nesse sentido, defende-se a
proposta de educação bilíngue, na qual os conteúdos devem ser ministrados
em Libras, o que, por sua vez, possibilitará a aquisição da língua portuguesa,
utilizada sobretudo para a leitura e produção escrita. Quanto ao uso da
visualidade, considera-se que o sentido mais utilizado pelos surdos para
acessar a realidade é a visão. Donde se explica a afirmação de que esses
sujeitos “ouvem com os olhos”. Nessa perspectiva, se faz bem-vinda a
utilização de imagens estáticas ou em movimento nas aulas de história, tanto
para fins de exposição de conteúdos como para avaliação, conforme
apresentarei mais adiante.
Ainda sobre o ensino para surdos, você não está só, professor. Ou não
deveria estar. Por determinação legal (Brasil, 2011), a escola precisa contar
com o Atendimento Educacional Especializado (AEE), sob os cuidados de um
especialista em Educação Especial, o qual poderá orientá-lo em seu trabalho
com os alunos surdos. Enquanto isso, na sua sala de aula deverá haver outro
profissional a acompanhá-lo: o tradutor intérprete de língua de sinais e
portuguesa (Tilsp), que aqui denominaremos apenas intérprete, como
conhecido no âmbito escolar. Por mais que alguns docentes se sintam
desconfortáveis com essa presença, ela é fundamental. Sobretudo por
viabilizar a própria aula para aqueles educandos, uma vez que somos, na
maioria, analfabetos em Libras. Pontes entre nós, professores docentes, e os
intérpretes precisam ser estabelecidas em prol do aluno, como o planejamento
conjunto das aulas. Mas é preciso distinguir os papéis de cada um. O intérprete
não é o professor dos surdos e você dos ouvintes. Cabe a ele traduzir
conteúdos e informações para a língua de sinais e intermediar a conversação
entre os alunos surdos e ouvintes e entre os primeiros e seus professores. Aos
docentes cabe ensinar, incentivar a participação, esclarecer dúvidas… enfim,
ser… professor. Não somente dos alunos, mas de toda a classe, o que inclui
os surdos. Voltando ao começo, nunca se esqueça: o surdo é seu aluno.
Para mais esclarecimentos, recomendo a leitura de quatro obras
introdutórias à questão da surdez: 1) Fundamentos históricos, legais e
biológicos da surdez, de Liliane Assumpção Oliveira, apresenta o tema de
uma forma bastante didática e possui uma versão no formato de videoaula; 2)
Tenho um aluno surdo, e agora?, coletânea vencedora do Prêmio Jabuti de
literatura, organizada por Cristina Broglia Feitosa de Lacerda e Lara Ferreira
dos Santos, reúne artigos que exploram de modo claro e dinâmico informações
básicas a respeito dos surdos e, em particular, da Língua Brasileira de Sinais;
3) Libras? Que língua é essa?, de Audrei Gesser, no qual a autora desfaz uma
série de mitos lançando mão do formato de perguntas e respostas, 4) O já
clássico Vendo vozes, de Oliver Sacks, cujo maior mérito é sensibilizar os
leitores — ouvintes — para um olhar acerca dos surdos que ultrapassa o
estigma da deficiência. Sugiro ainda que reserve um tempinho para assistir ao
documentário Sou surda e não sabia, que possibilita uma melhor compreensão
acerca dos surdos a partir da biografia e da perspectiva de uma surda.74

4.3 Uma breve história dos surdos

Temos uma história para contar,


tivemos uma luta pelos nossos direitos,
pelos nossos valores, pela questão da
língua de sinais, da cultura surda.
Então, ouvintes, que vocês abracem os
surdos!
(Luciane Rangel Rodrigues, professora
surda)

Ao entendermos os surdos pelo viés da diferença e não da deficiência, nós,


professores, precisamos considerá-los sujeitos possuidores de identidade(s) e
cultura próprias, caracterizadas por uma forma singular de ler o mundo e com
ele interagir, na qual o sentido da visão ocupa um lugar privilegiado.
Denominados “povo do olho” (Lebedeff, 2017:228), possuem uma belíssima
história marcada pelo preconceito, por reconhecimento, recuos e conquistas.
Desconhecida por professores e alunos, incluindo os próprios surdos, desvelá-
la constitui-se, para os docentes, mais uma ação no sentido de compreender
melhor o educando surdo, além de instrumentalizá-los para uma possível
incorporação dessa história aos conteúdos programáticos. Acredito que
introduzir tal elemento nas aulas de história implicará maior interesse dos
estudantes surdos pela disciplina, valorização de sua cultura e positivação da
identidade surda para todos os discentes. Visando uma apropriação inicial da
história surda, apresento a seguir um quadro contendo alguns de seus marcos
mais significativos.
Os dados contidos no quadro baseiam-se nas informações apresentadas
nos livros Breve história dos surdos no mundo e em Portugal, de Paulo Vaz
de Carvalho (publicado em Portugal); Fundamentos históricos, legais e

74
Disponível no YouTube: www.youtube.com/watch?v=Vw364_Oi4xc.
biológicos da surdez, de Liliane Assumpção Oliveira; O Ines e a educação de
surdos no Brasil, de Solange Rocha; Vendo vozes, de Oliver Sacks; na tese
Surdos: vestígios culturais não registrados na história, da doutora surda Karin
Lilian Strobel; e em Para uma cronologia da educação dos surdos,
organizada por Eduardo Cabral. Todos indicados aos professores que desejam
se apropriar da história dos surdos, ampliar seus conhecimentos a respeito dela
e levá-la para a sala de aula.

Quadro 4

Marcos da história dos surdos

Período Fatos

Embora não se trate propriamente da presença surda nesse período, cujos vestígios
Pré-História não permitem identificá-la, evidências indicam que o uso de uma linguagem
gestual pode ter sido a primeira forma de comunicação entre os hominídeos.

Há registros de infanticídio de surdos entre chineses, espartanos e gauleses. Para


os hebreus, a surdez era vista como castigo divino e dessemelhança com Deus,
implicando segregação social. No Egito e na Pérsia, por outro lado, os surdos eram
venerados, identificados como interlocutores dos deuses por utilizarem uma
“linguagem misteriosa”. Na Grécia, apesar de Sócrates (século IV a.C.)
reconhecer a língua de sinais como forma aceitável de comunicação, os surdos
Antiguidade
eram entendidos como incapazes de aprender, dada a concepção aristotélica de
que a educação só podia ser obtida pela audição. Com o advento do cristianismo
(a partir do século I), mesmo tidos como filhos de Deus, mantiveram-se os
estigmas, reforçados pela crença de que aos surdos estaria interditada a salvação
da alma, uma vez que seriam incapazes de ouvir a pregação e confessar os seus
pecados.

Com base no Código Justiniano (534), os direitos civis dos surdos foram
limitados. A exclusão social recaía sobretudo entre os congênitos e os que não
falavam. Monges católicos de ordens que praticavam o voto de silêncio se
Idade Média comunicavam por línguas de sinais, que eram registradas. Posteriormente, o padre
espanhol Juan Pablo Bonet (1573-1633) utilizou tais registros para educar surdos.
É desse período a primeira referência a um educador, o bispo inglês John Beverley
(700), que teria ensinado um surdo a falar.
A partir do contexto do Renascimento (séculos XIV-XVI), a surdez foi repensada,
abrindo-se possibilidades de acesso das pessoas surdas à educação e a alguns
direitos. O intelectual italiano Girolamo Cardano (1501-76) teorizou que a surdez
não era uma condição mental e a aprendizagem poderia se dar por meios que não
a fala e a audição. Na Espanha, o monge Pedro Ponce de Léon (1520-84) fundou
a Escola para Surdos de Madri, na qual utilizava um alfabeto manual para ensinar.
Idade Moderna No entanto, a instituição era restrita aos filhos dos nobres. Não à toa. Naquele
mesmo país, em 1575, o jurista Lasso entendeu que aos surdos deveriam ser
assegurados direitos hereditários, que lhes eram vedados, desde que aprendessem
a falar. Em 1680, George Dalgarno, intelectual inglês, apresentou teorias para o
ensino de surdos por meio da sinalização gestual, já defendida como a linguagem
natural para aqueles sujeitos por seu conterrâneo, o médico John Bulwer (1606-
56).

Em 1760, sob influência de preceitos iluministas, sobretudo a importância dada à


educação na formação dos indivíduos e cidadãos, o abade Charles-Michel de
l’Épée criou a primeira escola pública para surdos, na qual se ensinava por meio
da língua de sinais e coletivamente: o Instituto Nacional de Surdos-Mudos de
Paris (atual Instituto Nacional de Jovens Surdos de Paris). Até o final do século,
passou a ter seu quadro de professores composto majoritariamente por surdos. Em
Século XVIII
1778, Samuel Heinicke, educador alemão, criou uma escola em Leipzig para
ensinar surdos de acordo com o método oralista, no qual deveriam aprender a
falar. Essas duas instituições e suas respectivas metodologias de ensino passariam
a ser paradigmáticas na educação de surdos. Em 1779, o francês Pierre Desloges
tornou-se o primeiro autor surdo a publicar um livro, no qual defende o uso da
língua de sinais.

Marcado pelo intenso debate entre os métodos francês (uso da língua de sinais) e
alemão (oralista) na educação de surdos. Discípulos do Instituto Nacional de
Surdos-Mudos de Paris se tornaram corresponsáveis pela criação de escolas para
surdos em outros países, como nos EUA e no Brasil, onde, em 1857, foi fundado
o Imperial Instituto de Surdos-Mudos (atual Instituto Nacional de Educação de
Século XIX Surdos — Ines). A língua de sinais francesa utilizada no instituto influenciou o
surgimento da Língua Brasileira de Sinais (Libras). Anteriormente, em 1821, foi
criada uma escola experimental para surdos e ouvintes, na Baviera, com apoio
intensivo aos primeiros, mas que teve suas atividades encerradas em 1854, sob a
alegação de ser prejudicial aos segundos. Próximo ao final do século, em 1880,
foi realizado o II Congresso Internacional sobre a Educação de Surdos, em Milão,
no qual o método oralista foi considerado o mais adequado às pessoas surdas. Suas
resoluções balizaram a educação de surdos nas décadas seguintes, com a
progressiva proscrição das línguas de sinais nas escolas para surdos e implicando
um forçoso enquadramento desses indivíduos a padrões de “normalidade” tão em
voga no período.

Mesmo com a imposição do oralismo nas escolas para surdos, onde os alunos
chegavam a ter suas mãos amarradas para não sinalizar, as línguas de sinais eram
praticadas secretamente, como uma forma de resistência surda. Na Alemanha,
durante o regime nazista (1933-45), embora poupados dos campos de extermínio,
surdos foram submetidos a procedimentos de esterilização. Sofreram ainda
segregação social, obrigados a portar faixas azuis para se identificar como
deficientes. A cor foi posteriormente adotada pelos surdos para simbolizá-los e às
suas lutas. Após a Segunda Guerra Mundial, intensificou-se a mobilização surda
por seus direitos linguísticos e culturais. Neste sentido, em 1951, foi fundada a
Século XX
Federação Mundial de Surdos (World Federation of the Deaf — WFD), à qual
filia-se a Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (Feneis), que
desde a década de 1980 é referência na defesa de políticas em prol da comunidade
surda no Brasil. Reabilitadas a partir dos estudos de William Stokoe (1960), as
línguas de sinais voltam a ser empregadas na educação de surdos, por meio de
práticas de ensino bilíngues. No final do século, por força dos movimentos pela
inclusão social e educacional das pessoas com deficiência, foram adotadas
políticas públicas e ações que resultaram na ampliação da acessibilidade para os
surdos.

No Brasil, foi sancionada a Lei no 10.436, de 2002, que reconhece oficialmente a


Libras, regulamentada pelo Decreto no 5.626, de 2005. Em 2011, atos do
Movimento Surdo em Favor da Educação e Cultura Surda reivindicaram por
escolas bilíngues, forçando a inclusão dessa pauta no atual Plano Nacional de
Educação (2014-24). Mais recentemente, em 2017, o Exame Nacional do Ensino
Século XXI
Médio (Enem) foi realizado com o uso de vídeo-prova para os candidatos surdos,
na qual as informações e as perguntas foram apresentadas em Libras. O exame
ainda trouxe como tema da redação “Desafios para a formação educacional de
surdos no Brasil”, debate que se fez oportuno em um contexto de empoderamento
desses sujeitos. A luta continua…
4.4 Diretrizes para o trabalho com alunos surdos

1) Aprenda e use Libras. Surdos aprendem melhor em um contexto de


educação bilíngue, no qual a língua de instrução é a de sinais. No entanto,
poucos professores são proficientes em Libras. Além disso, em classes
inclusivas, é pouco viável ao docente lecionar em duas línguas
concomitantemente. Ainda assim, permanece a importância de o
professor que tem alunos surdos fazer uso da língua de sinais. Mesmo que
não a utilize para expor conteúdos, o docente permanece sendo o
profissional mais adequado para atender às solicitações de
esclarecimentos dos alunos surdos. Isso sem contar que também é uma
forma de estabelecer uma relação empática com eles. Surdos se mostram
mais interessados quando percebem que seu professor conhece Libras.
Além dos cursos presenciais oferecidos por instituições como o Ines, no
Rio de Janeiro, e a Feneis, em várias cidades brasileiras, é possível
aprender Libras na modalidade ensino à distância (EaD). Para ampliar o
vocabulário e conhecer sinais específicos da disciplina história, há
dicionários online, e sinalários ou glossários, que podem ser visualizados
pelo YouTube. Nesta mesma linha, foi desenvolvido o aplicativo
Sinalário disciplinar em Libras, que também apresenta sinais próprios à
nossa matéria. Em situações excepcionais, pode se recorrer às tecnologias
assistivas, entre as quais o Hand Talk e o ProDeaf, que possibilitam a
tradução da língua portuguesa para Libras;
2) Inclua o aluno surdo desde o planejamento. Em classes inclusivas, ao
realizar seu planejamento, seja ele de curso, de unidade ou de aula, o
professor precisa considerar a presença de alunos surdos e programar
ações que contemplem as especificidades desses discentes. Nele devem
constar metodologias e estratégias pedagógicas diversificadas, avaliações
adaptadas e, em relação os conteúdos, podem ser incorporados elementos
da história dos surdos ao currículo da disciplina. É recomendável que
professores regentes, intérpretes e professores do AEE planejem
conjuntamente. Caso tal planejamento se mostre inviável na realidade da
escola, o professor deve ao menos procurar disponibilizar seu plano com
antecedência, de modo que o intérprete possa se familiarizar com os
assuntos e buscar os sinais pertinentes. O que também possibilita ao AEE
oferecer uma orientação mais adequada à realização das atividades
planejadas;
3) Pesquise sobre os surdos e o ensino (de história) para esses sujeitos. O
sucesso do trabalho com alunos surdos depende, em grande medida, do
conhecimento docente acerca desses educandos. Estudar sobre os surdos
e como ensinar para eles é fundamental. Sobretudo quando uma parcela
significativa dos professores alega não saber como dar aula para tais
discentes. As referências bibliográficas apresentadas ao final do presente
caderno são sugeridas como ponto de partida. Na internet, há diversos
artigos disponíveis para leitura sobre a temática. Por serem mais concisos
do que outras produções acadêmicas, mantendo-se balizados por
pesquisas científicas, são ideais para serem estudados por professores em
sua rotina sempre repleta de tarefas. É possível ainda buscar informações
junto aos professores do AEE, especialistas em Educação Especial; aos
intérpretes, que costumam ser bons conhecedores da cultura surda; e aos
colegas mais experientes;
4) Utilize estratégias e recursos pedagógicos diversificados. Aulas
fundamentadas exclusivamente na exposição oral de conteúdos não são
adequadas aos alunos surdos. A atuação do intérprete de Libras apenas
minimiza o problema. É preciso que o professor faça uso de estratégias e
recursos diversificados, sobretudo os que empregam elementos visuais,
para que possa suscitar a aprendizagem significativa daqueles discentes.
Recomendam-se abordagens que explorem possibilidades de se extrair
informações de recursos imagéticos; apresentação de textos com
informações sintetizadas; utilização de linhas do tempo, quadros sinóticos
e comparativos, mapas conceituais; o emprego de outros sentidos e
sensibilidades, como a expressão corporal e o contato com fontes
históricas materiais; aulas de campo, que possibilitem experiências
concretas com lugares de memória. Vídeos e filmes também são bem-
vindos, por já serem familiares às práticas do professor de história e
devido à sua linguagem muito semelhante à forma como os surdos leem
a língua de sinais. No entanto, requerem cuidados, uma vez que os surdos
precisam ficar atentos às imagens, às legendas e ao intérprete
simultaneamente;
5) Promova a participação e a integração de TODOS os alunos. O professor
não pode esquecer da presença dos alunos surdos em sala, relegando-os
aos cuidados do intérprete. É preciso constantemente inquirir sobre suas
opiniões, provocá-los aos debates, verificar se estão com dúvidas,
incentivá-los. Mais ainda, deve estimular a integração entre surdos e
ouvintes, misturando-os, por exemplo, em atividades de grupo. Cabe
frisar que, embora as ações aqui sugeridas tenham sido mobilizadas por
uma preocupação com os educandos surdos, elas não são necessariamente
exclusivas a eles, sendo capazes também de contemplar os demais. Se a
classe é inclusiva, as atividades realizadas devem ser possíveis para todos
os discentes. Diversos estudos já concluíram que uma pedagogia
diversificada para surdos também produz bons resultados para os ouvintes
que com eles estudam. Costumo dizer que nem tudo o que é bom para o
aluno ouvinte é para o surdo, mas tudo o que é válido para o surdo também
o é para o ouvinte;
6) Redobre os cuidados com a didática. Lembra daquelas aulas da
licenciatura que ensinavam como o professor deve se portar em sala de
aula e você, talvez, considerasse enfadonhas? Hora de retomá-las. A
presença surda exige cuidados redobrados nesse sentido. Parece
bobagem, mas pode comprometer seriamente a aprendizagem desses
alunos. Assim, o professor não pode falar enquanto escreve, pois o surdo
perderá a explicação. Cada atividade deve ser realizada a seu tempo, pois
a simultaneidade é difícil para o surdo. Se o aluno surdo estiver realizando
uma cópia, deve-se aguardar que ele termine para iniciar a exposição dos
conteúdos. É preciso respeitar o ritmo diferenciado. Em um debate, por
exemplo, enquanto os ouvintes já tiverem iniciado seus argumentos, os
surdos ainda estarão recebendo a questão lançada pelo intérprete. Voltar-
se para esses alunos no ato de explicar também é importante, até para que
eles se sintam participantes da aula como os demais. Porém, não é
necessário gritar ou falar muito pausadamente, achando que aprenderão
dessa maneira. Alto ou baixo, o som da sua voz pode ser inaudível para
eles. E, embora alguns alunos possam entender o professor fazendo
leitura labial, é um mito a ideia de que todos os surdos possuem tal
habilidade;
7) Lembre do aluno surdo na escolha do livro didático. Material didático
mais utilizado pelo professor de história, o livro didático não costuma ser
escolhido levando-se em consideração os alunos surdos. De fato, não se
trata de um dos recursos mais adequados ao trabalho com esses
educandos, uma vez que seus textos são de difícil acesso àqueles
estudantes que apresentam muitas dificuldades na compreensão da
leitura. Contudo, as coleções atuais possuem um forte apelo visual, com
imagens de diversos tipos, mapas, linhas do tempo, entre outros
elementos que podem ser explorados por professores no ensino para
alunos surdos;
8) Tenha respeito linguístico. O fraco domínio da língua portuguesa por
estudantes surdos, em função de problemas para sua aquisição, torna a
atividade da escrita uma tarefa dificultosa para eles. Levando isso em
consideração, mais do que exigir uma correção gramatical à redação
daqueles alunos, os professores de história, afeitos à produção textual,
devem procurar verificar se tal escrita, por mais desconexa que possa
parecer, contém algo que demonstre a ocorrência de aprendizado. Arguir
o aluno surdo sobre o que escreveu é o que se indica. Erros gramaticais
podem e devem ser apontados, mas no sentido de que sejam reelaborados
pelos discentes. Convém ainda alertar que o professor precisa ser
cuidadoso com o vocabulário e as sentenças que utiliza. Expressões
idiomáticas e metáforas em português podem ser errônea e literalmente
entendidas pelos surdos;
9) Compartilhe experiências. As práticas docentes com alunos surdos,
sobretudo as inovadoras, não podem ficar restritas à sala de aula. A fim
de instrumentalizar e inspirar outros professores, essas experiências
didáticas precisam ser trocadas entre os profissionais da escola — nos
planejamentos coletivos, em Conselhos de Classe ou em Grupos/Centros
de Estudo — e para além dela — na forma de projetos de pós-graduação,
publicação em periódicos acadêmicos, apresentação em eventos
educacionais e, menos formalmente, aproveitando o potencial da internet,
por meio de blogues, redes sociais e canais de vídeo;
10) Milite pela inclusão. As ações docentes aqui elencadas podem ser
inviabilizadas caso não encontrem na escola recursos humanos e
materiais a elas necessários. Quantos planejamentos de aula não foram
frustrados devido à ausência de intérpretes ou de um mero cabo de vídeo!
Faz-se necessário cobrar das Secretarias de Educação e reivindicar o
suporte que a elas compete para a efetivação da inclusão, como
contratação de intérpretes, promoção de formação continuada, tempos
reservados ao planejamento e à troca entre docentes dentro da carga
horária de trabalho e aquisição/confecção de materiais pedagógicos
específicos.

4.5 Compartilhando estratégias diferenciadas de ensino e avaliação

Ainda que incluídos nas classes comuns, os alunos surdos correm o risco de
ser excluídos, caso, além do desamparo de recursos humanos e materiais, cuja
provisão compete a gestores das escolas e redes de ensino, não contem com o
uso de ações pedagógicas docentes, visando ao atendimento de suas
especificidades e necessidades. Nesse sentido, seguem três sugestões de
estratégias voltadas ao ensino e à avaliação em turmas com educandos surdos
incluídos. Lembrando que, nesse contexto de inclusão, também consideram os
alunos ouvintes. Todas são originárias de minha prática docente, refletidas a
partir da pesquisa e estudos relacionados com a educação de surdos, sob este
novo prisma sendo aqui compartilhadas. Como não são receitas que precisam
ser seguidas à risca para que o bolo não desande, você, professor, tem carta
branca para retirar ou adicionar o que julgar necessário ao reproduzir o que
segue sugerido. Portanto, use e abuse.

4.5.1 Roteiro Imagético

Objetivos:
● Explorar o uso de imagens como meio de conduzir a aula de história,
considerando a proeminência do sentido da visão pelos sujeitos surdos;
● Ensinar os alunos, surdos e ouvintes, a ler imagens, identificando seus
diferentes tipos e possibilidades de interpretação;
● Desenvolver um material prático para o professor, capaz de ser
alternativo às eventuais dificuldades quanto ao uso de recursos visuais
tecnológicos;
● Promover o protagonismo dos sujeitos surdos, tanto pela participação
desses alunos no modelo de aula proposto como por revelar a presença
surda na história.
Descrição: O Roteiro Imagético (imagem 15) é um material simples,
apresentado em folha de papel, fotocopiado e distribuído a cada aluno.75 Nele
é apresentada uma série de imagens a respeito de uma unidade ou conteúdo
conceitual específico. A leitura dessas imagens conduzirá a narrativa da aula.
Tal leitura pode ser feita em três etapas. Na primeira, os alunos são convidados
a descrever as imagens, incentivando-se, assim, a sua participação,
particularmente dos surdos, exímios observadores. Na segunda, o professor
toma a palavra para, partindo das descrições feitas pelos alunos, explicar o
tipo de cada imagem (são usados diversos tipos no roteiro: gravuras, pinturas,
fotografias, charges, entre outros), o contexto em que foram elaboradas, a
relação com conteúdos anteriores e os conceitos ou fatos que podem ser delas
extraídos. Por fim, é possível ainda empreender debates a respeito de temas
diversos que possam ser suscitados nas etapas anteriores, concorrendo o
roteiro para a formação de uma consciência histórica e cidadã dos alunos. Em
todas as etapas, é imprescindível a ação do intérprete, uma vez que a ele caberá
intermediar a interação entre surdos e ouvintes e a interpretação do exposto
pelo professor.

Imagem 15
Roteiro Imagético: Segundo Reinado (2018)

75
Caso a sua escola disponha de recursos tecnológicos, como computador e Datashow, e você
puder fazer uso deles, é possível apresentar o roteiro projetando-o para a turma. Essa forma
de exibição permite, por exemplo, a abordagem de detalhes das imagens por meio de sua
ampliação. No entanto, a necessidade de reduzir a iluminação do ambiente pode dificultar o
trabalho do intérprete.
Fonte: Acervo do autor.
Procedimentos: Antes de confeccionar o roteiro, o professor precisa
planejá-lo, considerando a narrativa e as discussões que pretende desenvolver
junto a seus alunos. Caso faça uso do livro didático, seu conteúdo pode servir
como referência, servindo assim o roteiro como um facilitador da
compreensão do texto pelos discentes surdos. É recomendável que o
planejamento seja feito em conjunto com o intérprete. Em seguida, as imagens
que irão compor o roteiro devem ser selecionadas, a partir de recortes
temáticos e possibilidades de sensibilização dos alunos. A internet oferece
uma infinidade de possibilidades para a pesquisa iconográfica. Recomendo
que se evitem imagens demasiadamente simbólicas ou que necessitem de
muitas referências para serem compreendidas, pois os surdos têm mais
dificuldades para compreender o abstrato, além de carecerem de muitas
informações prévias, dado estar imersos em uma cultura voltada para o
ouvinte. Quanto à montagem do roteiro, pode ser feita em um programa editor
de texto, como o Word. Após o trabalho em classe, sugiro que o material seja
recolhido para posterior reutilização em outras turmas ou anos letivos.

Para fins de exemplo, utilizo como tema o Segundo Reinado, que faz
parte do currículo da disciplina proposto para o oitavo ano de escolaridade. A
escolha se deve à oportunidade de incorporar a história dos surdos aos
conteúdos. Optei por apresentar os sinais e caracteres em Libras apenas no
título, devido à exiguidade do espaço e para evitar excesso de informações no
roteiro. Os sinais apresentados foram pesquisados na internet,76 sendo por
mim reproduzidos e registrados em fotografias. A leitura das imagens já pode
ser iniciada com a interpretação dos sinais referentes ao conceito histórico,
nos quais a configuração de mão em forma de coroa indica a monarquia, que

76
Localizados no Sinalário da história do Brasil, do Instituto Phala. Disponível em:
www.youtube.com/watch?v=HIWAL4kVsGE. Acesso em: 30 maio 2018.
desce sobre o sinal do número ordinal “2o”, e o movimento para o lado remete
à passagem do tempo (ideia de período). Os caracteres em Língua Brasileira
de Sinais foram obtidos com o uso da fonte Libras 2016.77 Ao longo do roteiro,
no entanto, inseri palavras-chave em algumas imagens, de modo a facilitar o
aprendizado dos alunos a partir da associação entre o visual e o nome ou
conceito com ele relacionado.

O roteiro para o Segundo Reinado foi dividido em quatro eixos,


configurados nas linhas de imagens, cada qual abordando um subtema. Deste
modo, na primeira linha, a proposta é utilizar as imagens para tratar da
biografia de d. Pedro II e da política em seu governo. Há uma sequência de
imagens do imperador, com datas a elas correspondentes, procurando
demarcar a passagem do tempo daquele período (ideia reforçada pelas setas).
A ilustração do jovem d. Pedro II,78 que abre a sequência, pretende estabelecer
empatia com os alunos (como seria para um adolescente ser governante de um
país?). Na imagem seguinte,79 o cenário (parlamento) e os personagens
(família real e políticos), destacados nesse recorte da pintura original, uma vez
identificados, devem conduzir a explicações sobre monarquia,
parlamentarismo e os partidos do período. A foto do velho imperador80 alude

77
Esta fonte foi desenvolvida por estudantes da Universidade Tecnológica Federal do Paraná
(UTFPR). Além dela, existem pelo menos duas outras que reproduzem o alfabeto e os
números em Língua Brasileira de Sinais: LIBRAS2002 e Libras Kidmais. Todas podem ser
localizadas e baixadas pela internet.
78
D. Pedro II, empereur du Brésil. Disponível em:
https://docs.ufpr.br/~lgeraldo/brasil2imagensC.html. Acesso em: 30 maio 2018.
79
MELO, Pedro Américo de Figueiredo e. D. Pedro II na abertura da Assembleia Geral.
1872. Disponível em: https://artsandculture.google.com/asset/d-pedro-ii-na-abertura-da-
assembl%C3%A9ia-geral/vQGCISrYzwgNeA?hl=PT-BR. Acesso em:08 jul. 2018.
80
WALERY, Lucien. 1887. Emperor Pedro II of Brazil. 1887. Disponível em:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Pedro_II_of_Brazil_1887.jpg. Acesso em: 8 jul. 2018.
ao fim do Segundo Reinado e à invenção da fotografia, no século XIX.
Importante frisar que a diversidade de tipos de imagens e possibilidades
distintas de interpretação devem ser tratadas com os estudantes. Pode soar
exaustivo demais. Entretanto, a ideia é a de que o roteiro seja aplicado em
todas as unidades de conteúdos. Assim, ao chegar a este ponto da matéria, os
estudantes já estariam familiarizados com a tipologia das imagens e suas
respectivas possibilidades de leitura.

Na segunda linha, os assuntos são a economia e a sociedade do


Segundo Reinado. Buscando proximidade com algo familiar aos alunos, o que
facilita a aprendizagem, a seção se abre com a foto de uma xícara de café,81
principal produto brasileiro daquele período. Mas o aluno sabe de onde vem
aquela bebida? Ou melhor, de onde vinha? Quem trabalhava para que o café
chegasse às mesas das pessoas? Como trabalhava? A quem o produto
enriquecia? A descrição dos estudantes às duas fotografias do período que se
seguem, que retratam, respectivamente, a lavoura cafeeira82 e um barão de
café à frente de seus escravos,83 oferecem pistas a essas questões, conduzindo
à abordagem acerca das formas de trabalho e das relações sociais existentes
então no Brasil. É possível, no diálogo com o presente, estimular os alunos a
discutir a respeito de temas como a exploração e o preconceito, nesse último
caso, inclusive em relação aos surdos.

81
Sem título. Disponível em: www.removermanchas.net/como-tirar-manchas-cafe/. Acesso
em: 30 maio 2018.
82
FERREZ, Marc. Escravos na colheita do café. 1882. Disponível em:
www.horadopovo.com.br/2016/09Set/3477-21-09-2016/P8/pag8a.htm. Acesso em: 30 maio
2018.
83
AZEVEDO, Militão de. Senhor e seus escravos. 1860. Disponível em:
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Senhor_e_seus_escravos_(Militao_de_Azevedo).j
pg. Acesso em: 30 maio 2018.
A terceira linha abre espaço para a história dos surdos, por meio da
criação do Ines, que ocorreu durante o Segundo Reinado. As imagens
selecionadas são uma fotografia atual da fachada da instituição84 e um detalhe
de uma das páginas do primeiro dicionário de língua de sinais criado no
Brasil.85 A foto do Ines, embora atual, mostra uma arquitetura facilmente
identificada pelos alunos como pertencente a uma época pretérita, enquanto o
recorte do dicionário possibilita trazer para a sala de aula a origem da Libras
(a língua e seus sinais também têm uma história) e como eram educados os
surdos no passado. Conteúdos de extrema importância para o fortalecimento
da identidade e autoestima surda, além de estimularem um olhar de seus
colegas ouvintes que seja marcado pela alteridade. Vale destacar que a
inclusão da história dos surdos ao currículo da disciplina pode ser feita por
meio de inserções aos conteúdos tradicionais, como ocorre aqui. Sem a
necessidade de criação de uma unidade específica para tratar do assunto.

84
Instituto Nacional de Educação de Surdos. 2015. Fotografia de divulgação. Disponível em:
https://plus.google.com/photos/photo/112238398999734950514/6112716876710060978.
Acesso em: 30 maio 2018.
85
GAMA, José Flausino da. Iconographia dos signaes dos surdos-mudos. Rio de Janeiro:
Typographia Universal de E. & H. Laemmert, 1875. p. 8.
A última linha de imagens corresponde à política externa do Segundo
Reinado, enfocando na Guerra do Paraguai e em suas consequências, partindo
de um detalhe da Trinchera de Curupaytí, pintura de Cándido López,86 e de
uma charge de Angelo Agostini87 (o soldado negro que volta para casa e se
depara com a permanência da escravidão). Para além de conteúdos factuais ou
conceituais com elas relacionados, a seleção justifica-se sobretudo por seu
potencial em despertar sensibilidades nos discentes quanto aos horrores da
guerra e da escravidão. Por meio da pintura de López, é possível provocar na
turma uma discussão a respeito do conceito de deficiência, uma vez que o
pintor, deficiente físico (perdeu uma mão na guerra), conseguiu retratar o
conflito com uma impressionante riqueza de detalhes. Característica essa que
pode ser explorada na leitura da imagem pelos alunos surdos. A última
imagem é de leitura mais complexa por sua ironia — a qual deve ser
explicitada pelos alunos. O drama da escravidão, aqui retomado, pode ser
abordado a partir da descrição de detalhes da charge, como a expressão do
soldado e a cena que provoca sua reação. Como em uma obra de suspense, é
possível deixar a temática suscitada pela imagem em aberto, de modo a
despertar a curiosidade dos alunos para o conteúdo programático seguinte: a
Abolição.

86
LÓPEZ, Cándido. Trinchera de Curupaytí. 1893. Disponível em:
https://es.wikipedia.org/wiki/C%C3%A1ndido_L%C3%B3pez_(pintor)#/media/File:C%C3
%A1ndido_Lopez_-_Trinchera_de_Curupayt%C3%AD_-
_Google_Art_Project_(497159).jpg. Acesso em: 23 jul. 2018.
87
AGOSTINI, Angelo. De volta do Paraguai. Cheio de glória, coberto de louros, depois de
ter derramado seu sangue em defesa da pátria e libertado um povo da escravidão, o voluntário
volta ao seu país natal para ver sua mãe amarrada a um tronco horrível de realidade!… A vida
fluminense, a. 3, n. 128, 11 jun. 1870. Disponível em:
http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_periodicos/vida_fluminense/vida_fluminense_187
0/128.pdf. Acesso em: 30 maio 2018.
4.5.2 Resumo bilíngue (Língua Brasileira de Sinais/língua portuguesa)

Imagem 16
Aluno ouvinte apresentando conteúdo em Libras

Fonte: Acervo do autor. Frame do vídeo Resumo bilíngue da Segunda Guerra Mundial.
2015.

Objetivos:
● Produzir em sala de aula material bilíngue Libras/língua portuguesa
com conteúdo de história, assim propiciando aos educandos surdos
acessibilidade ao conhecimento histórico;
● Estimular a aprendizagem de Libras pelos alunos ouvintes, ampliando
as possibilidades de interação entre esses sujeitos e os surdos dentro e
fora do ambiente escolar;
● Promover a participação e autonomia dos alunos, surdos e ouvintes,
alçando-os à condição de coautores das aulas de história;
● Estabelecer parcerias entre o professor docente de história e os demais
profissionais envolvidos na educação de alunos surdos, entre os quais
os professores do AEE, de Libras e os intérpretes de língua de sinais.
Descrição: Trata-se de um vídeo apresentado em Libras, com legendas
em português, onde se expõe um resumo de conteúdo curricular específico de
história. A produção do material, incluindo pesquisa, roteiro, filmagem,
edição e legendagem, fica a cargo dos alunos, surdos e ouvintes, cabendo ao
professor o papel de mediador da atividade. Professores do AEE e/ou de
Libras e intérpretes auxiliam no planejamento e prestam suporte quanto ao
vocabulário e uso apropriado da língua de sinais. Para fins de exemplo,
disponibilizo na internet o Resumo bilíngue da Segunda Guerra Mundial, que
produzi, em 2015, coletivamente com alunos e uma professora do AEE da
Escola Municipal Santa Luzia (Duque de Caxias, RJ). O vídeo pode ser
acessado em: www.youtube.com/watch?time_continue=10&v=9kn3-r45ltg.
Procedimentos: Como a produção do vídeo envolve uma série de
etapas e atividades, é possível desenvolver o trabalho com toda a turma. No
entanto, como as classes do segundo segmento do Ensino Fundamental
costumam ter um quantitativo elevado de alunos, sugiro que seja feita uma
divisão em grupos. Cada qual fica responsável por um tema ou subtema. Nesse
caso, é importante que o professor fique atento à formação dos grupos e atue
no sentido de evitar que os alunos surdos incluídos se concentrem (ou acabem
concentrados) em apenas um deles. Embora esses discentes possam sentir-se
mais à vontade em estar junto com seus pares, faz-se necessário promover a
interação entre os diferentes alunos.
Definidos os grupos e/ou as tarefas de cada um, a primeira etapa da
atividade envolve a elaboração, por escrito, de um resumo do conteúdo a ser
abordado. Como base para a produção textual, os alunos, autores do roteiro,
podem utilizar o próprio livro didático, embora possam (e devam) se valer de
outras fontes. O roteiro deve condensar, em tópicos, frases curtas, ou no
formato de perguntas e respostas objetivas, informações fundamentais a
respeito do conteúdo abordado. Dessa forma, dados e conceitos tornam-se
mais acessíveis aos alunos surdos. E aos ouvintes também!
Na etapa seguinte, o resumo é traduzido para a língua de sinais,
buscando-se o suporte dos professores do AEE, de Libras e dos intérpretes.
Junto a eles, os alunos aprenderão os sinais a serem empregados e
reconstruirão as frases de acordo com a estrutura gramatical da Língua
Brasileira de Sinais. O que vale também para os surdos, uma vez que além de
terem a oportunidade de expandir o vocabulário, nem todos dominam
plenamente a língua de sinais (não raro, só têm contato com ela no ambiente
escolar). Por outro lado, os alunos surdos mais fluentes em Libras terão a
oportunidade de ensiná-la aos demais estudantes. E até ao professor, em uma
feliz inversão de papéis. Caso a sua escola não conte com os profissionais
relacionados, não desanime! Ainda é possível viabilizar a criação do Resumo
Bilíngue, pesquisando os sinais em dicionários, sinalários e glossários
Libras/língua portuguesa disponíveis na internet.88
As etapas finais são mais técnicas, envolvendo filmagem, edição e
legendagem do vídeo. Para a filmagem, os alunos podem fazer uso de (seus
próprios) smartphones. Recomendo que as frases sejam gravadas uma por vez,
constituindo-se em arquivos distintos de vídeo. Os mesmos serão reunidos na
edição, compondo assim o resumo visual. Para essa ação e a inserção das
legendas em português, devem ser empregados aplicativos ou programas
editores de vídeo, como o Windows movie maker e o YouTube video editor.
Na edição, podem ser agregadas imagens relacionadas com os conteúdos,
previamente selecionadas em pesquisa, de modo que ilustrem as informações
e, pela associação visual, sejam facilitadoras da construção do conhecimento
pelos alunos.
Possibilidades: O Resumo Bilíngue admite uma série de usos pelo
professor de história. Pode ser estratégia didática ao promover a pesquisa de
conteúdos e sinais. Pode ser um instrumento de avaliação da aprendizagem de
uma unidade curricular. Uma vez pronto, pode compor um banco de resumos
bilíngues para posterior utilização, seja para introduzir ou finalizar a
exposição de conteúdos, seja para facilitar o entendimento dos textos do livro
didático, seja como material de estudo para os alunos. Nesse sentido, deve ser
disponibilizado para outros professores da escola ou para um público mais
amplo, por meio de plataformas apropriadas na internet, como em blogues,
sites, redes sociais ou canais de vídeo.

4.5.3 Avaliações acessíveis

Imagem 17
Assistente educacional interpretando questão de avaliação em vídeo

88
Ver referências no item 1 da seção “Diretrizes para o trabalho com alunos surdos” deste
caderno.
Fonte: Acervo do autor. Frame do Vídeo-teste sobre o iluminismo. 2015.

Objetivos:
● Garantir aos alunos surdos seu direito legal a ser avaliados por meio
de critérios e instrumentos que respeitem sua diferença linguística;
● Proporcionar aos estudantes surdos mais autonomia na realização das
avaliações, sem a necessidade da intermediação constante do
intérprete de Libras;
● Oferecer a alunos surdos e ouvintes instrumentos de avaliação
diversificados, capazes de contemplar as diferentes aptidões dos
educandos.
Avaliações escritas: Entre os instrumentos de avaliação mais
utilizados pelos professores estão os testes e as provas escritas. Para esses
recomendam-se, no caso de turmas com alunos surdos, o uso de questões
objetivas, como múltipla escolha, relacionar colunas e “verdadeiro ou falso”.
Lembre-se: é preciso considerar a dificuldade desses discentes quanto ao uso
do português, sua segunda língua. Seguindo esse mesmo raciocínio,
enunciados e alternativas das questões devem ser formados por frases curtas
e diretas. É ideal que as perguntas sejam feitas a partir de imagens ou a elas
estejam associadas, facilitando assim a compreensão dos educandos quanto ao
que está sendo questionado. Ressaltando que as imagens só serão
compreendidas se já tiverem sido abordadas nas aulas pelo professor. Em caso
de a avaliação possuir textos, convém que o vocabulário deles seja trabalhado
previamente com os alunos, de preferência junto ao professor do AEE. Se o
docente optar por questões dissertativas, deve adotar critérios de correção
diferenciados para os surdos, que se pautem mais em verificar a ocorrência de
aprendizagem pelo aluno do que se o texto foi construído de acordo com as
regras gramaticais da língua portuguesa. Na dúvida, peça ao educando surdo
que lhe explique sua resposta em Libras.
Vídeo-teste: Consiste em um conjunto de questões sobre um conteúdo
específico de história apresentadas em Libras, com legendas em língua
portuguesa e imagens a elas associadas. Uma alternativa às avaliações
escritas. Contudo, semelhantemente a elas, não são restritas aos alunos surdos,
sendo realizadas também pelos ouvintes. Para a produção do vídeo-teste, as
questões elaboradas pelo professor, sozinho ou, preferencialmente, em
parceria com o AEE, devem atender aos mesmos princípios daquelas
destinadas às avaliações escritas. Uma vez feitas, devem ser encaminhadas ao
profissional que irá interpretá-las em Libras: o intérprete ou o assistente
educacional de Libras.89 Caso o professor tenha conhecimento da língua de
sinais (ou não conte com o suporte de outros profissionais), poderá interpretar
as questões também, embora não seja o ideal. Após a gravação, que pode ser
feita por meio de câmeras fotográficas, filmadoras ou mesmo smartphones, o
arquivo em vídeo produzido deve ser editado para o acréscimo das legendas e
de imagens que poderão facilitar a concatenação das respostas.
Uma vez pronto o vídeo-teste, em data agendada, será realizada a
avaliação. Proponho que um por vez, os alunos, surdos e ouvintes, sejam
chamados à mesa do professor para responderam às questões do teste, que
podem ser exibidas por meio de um notebook ou do próprio aparelho celular
do professor. Os ouvintes respondem oralmente, enquanto os surdos por meio
da Libras. As respostas dos alunos surdos precisam ser gravadas para posterior
verificação pelo docente. Importante registrar que, em minha experiência,
encontrei pouca resistência dos estudantes ouvintes a esse modelo de
avaliação, por meio da qual têm obtido bons resultados, corroborando a
constatação de que as adaptações exigidas pela Educação Inclusiva podem
gerar benefícios para todos os alunos.

89
Sobre o assistente educacional de Libras, ver nota 6.
Vídeo-prova: Trata-se de um suporte à prova escrita, tornando-a mais
acessível aos estudantes surdos. De fato, é uma versão em vídeo da prova, com
suas instruções e questões apresentadas em Libras, a exemplo daquela
utilizada no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), a partir de 2017. A
produção da vídeo-prova em muito se assemelha à do vídeo-teste: a avaliação
em seu formato escrito é elaborada (seguindo as orientações anteriormente
indicadas para esse instrumento), encaminhada a quem a interpretará em
Libras, filmada e editada. Quando da sua aplicação, proponho que o vídeo seja
projetado em sala de aula, quantas vezes se fizer necessário à compreensão do
aluno surdo acerca do que é solicitado. Um modelo de vídeo-prova, bem como
do vídeo-teste, ambos produzidos junto à professora do AEE e aos assistentes
educacionais de Libras da Escola Municipal Santa Luzia, em 2015, estão
disponíveis na internet, podendo ser visualizados pelo seguinte endereço:
www.youtube.com/channel/UCIof6LRf4YPGzmU-5kMKqxw.

4.6 Publicações sobre ensino de história para alunos surdos

Para aprofundamento das questões relacionadas com o ensino de história para


alunos surdos, sugiro a leitura das produções acadêmico-científicas
específicas sobre a temática. Em minha pesquisa, identifiquei 24 delas. São
artigos, monografias, dissertações e outros textos, que seguem listados nas
referências deste caderno. Quase todos podem ser encontrados na internet.
Nesta sessão, destaco os cinco trabalhos que considero mais relevantes em
termos de contribuição às práticas docentes. Embora parte deles se refira a
experiências pedagógicas em escolas especiais para surdos ou para o Ensino
Médio, podem ser adaptados ao trabalho nas classes inclusivas da segunda
etapa do Ensino Fundamental. As indicações seguem, em ordem alfabética,
com um breve resumo das propostas metodológicas de seus autores e o
endereço eletrônico para sua localização.
● Anotações sobre o processo de ensino e aprendizagem de história
para alunos surdos (2006)
o Autoras: Célia Regina Verri e Regina Célia Alegro
o Sobre: Analisando questionários apresentados a alunos surdos,
as autoras indicam estratégias didáticas que podem viabilizar a
aprendizagem significativa desses sujeitos, entre as quais o uso
de imagens e recursos visuais, a tolerância linguística, o ritmo
diferenciado das aulas, a seleção de conteúdos fundamentais, a
construção de conteúdos novos a partir de anteriores, entre
outros.
o Onde encontrar:
http://periodicos.uesb.br/index.php/praxis/article/view/382.

● Ensino de história para alunos de Ensino Médio: desafios e


possibilidades (2009)
o Autora: Gabriele Vieira Neves
o Sobre: A autora reflete sobre suas práticas, entre as quais
destacam-se o uso de sentidos alternativos à audição para
promover o aprendizado; a monitoria de alunos surdos; a
criação de um blog para estimular a produção escrita e a
interação; e avaliações em Libras, posteriormente, utilizadas
como material para estudo dos alunos em língua de sinais.
o Onde encontrar:
http://educere.bruc.com.br/arquivo/pdf2009/3526_1960.pdf.

● Ensino de história para alunos surdos: a construção de conhecimento


histórico a partir de sequências didáticas (2017)
o Autoras: Camilla Oliveira Mattos e Patrícia Bastos de Azevedo
o Sobre: Síntese da dissertação defendida por Mattos no
ProfHistória (2016), pioneira no estudo da temática no âmbito
desse mestrado. A autora e sua orientadora propõem
sequências didáticas pautadas na proposta do letramento em
história, mobilizando a Libras e conhecimentos prévios desses
alunos, advindos da cultura surda, a fim de levar ao
aprendizado significativo de um conceito-chave da disciplina:
o tempo.
o Onde encontrar:
www.revistas.udesc.br/index.php/percursos/article/view/1984
724618382017112.

● História silenciosa (2007)


o Autora: Danielle Sanches
o Sobre: Outra professora que também parte de sua prática para
apresentar propostas de estratégias específicas para o trabalho
com alunos surdos, como dramatizações filmadas, produção de
linhas do tempo e exibições contextualizadas de filmes
históricos. A autora ainda sugere que tais estratégias podem ser
facilitadoras da aprendizagem não somente para os surdos
como também para os ouvintes.
o Onde encontrar: www.inclusive.org.br/arquivos/308.

● Reflexões sobre o ensino de história para alunos surdos (2005)


o Autora: Lia Cazumi Yokoyama
o Sobre: A autora defende a necessidade de o professor ser
sensível aos alunos surdos, direcionando seu fazer ao
atendimento da singularidade dos mesmos. Neste sentido, faz-
se necessário um trabalho diferenciado, para o qual destaca o
uso de imagens, de recursos audiovisuais e do papel do
intérprete de Libras, indicando cuidados que devem ser
observados em cada um desses três pilares.
o Onde encontrar: https://anais.anpuh.org/?p=18631.

4.7 Referências do caderno

4.7.1 Ensino de história para alunos surdos

AZEVEDO, Patrícia Bastos de; MATTOS, Camila Oliveira. Ensino de


história para alunos surdos: a construção de conhecimento histórico a partir
de sequências didáticas. Revista Per Cursos, Florianópolis, v. 18, n. 38, p.
112-133, set./dez. 2017.
BERNARDELLI, Rosy M. C. Experiência no ensino de história para alunos
surdos. 2000. Monografia (especialização em ensino de história) —
Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2000.
ELIAS, Tania Maria. O início do trabalho de história na 5a série. Arqueiro,
Rio de Janeiro, v. 3, p. 23-24, jan./jun. 2001.
GREGORIO, Guilherme Brenner Oliveira; CECILIO, Diogo de Souza;
ANCHIETA, Ester Vitória Basilio. História em silêncio: as dificuldades a
percorrer no ofício do professor de história no ensino de alunos surdos em
Itaboraí. In: FRANCISCO, Gildete da Silva Amorim Mendes; SÁ, Tatiane
Militão de (Org.). Língua Brasileira de Sinais: produzindo conhecimento e
integrando saberes. Rio de Janeiro: UFF, 2017. p. 302-317.
MATTOS, Camila Oliveira. Sinais do tempo: construção de significados de
tempo histórico para alunos surdos em uma perspectiva de letramento
histórico em Libras. Dissertação (mestrado profissional em ensino de história)
— Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal Rural do
Rio de Janeiro, 2016.
MESQUITA, Vanda Sarmento Borges et al. A exclusão do incluído: a busca
pelo equilíbrio. Fazendo História,, a. 2, n. 3, p. 39-47, 2009.
NEVES, Gabriele Vieira. Ensino de história para alunos de Ensino Médio:
desafios e possibilidades. In: CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO
— EDUCERE III, 9, 2009, Curitiba. Anais… Curitiba: PUCPR, 2009. p.
7903-7912.
PADOVANI NETTO, Ernesto. À margem da historiografia e sem acesso às
aulas de história: cultura e identidade surda na luta pelas conquistas de
direitos. História e Diversidade, Cárceres, v. 9, n. 1, p. 126-143, 2017.
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al. (Org.). Um pé de história: estudos sobre aprendizagem histórica. Rio de
Janeiro; União da Vitória: Edição Especial Ebook Laphis; Sobre Ontens,
2017. p. 97-99.
PERALES, Heloisa Lima. Desafios do professor de História com aluno surdo.
In: CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO — CONEDU, 3., 2016,
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turma regular com a presença de aluno surdo. 2018. 170 f. Dissertação
(Mestrado em Educação) – Centro de Educação, Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, Natal, 2018.
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sociocomunitária: uma perspectiva para o ensino de história e surdez.
Dissertação (mestrado em educação) — Centro Universitário Salesiano de São
Paulo, Americana, 2015.
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Básica Revista, —v. 3, n. 1, p. 129-140, 2017.
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da situação de escolas especiais e de escolas regulares. Espaço, Rio de Janeiro,
n. 38, p. 73-78, jul./dez. 2012.
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saberes. Rio de Janeiro: UFF, 2017. p. 384-397.
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alunos surdos em classes inclusivas. In: BUENO, André et al. (Org.).
Aprendizagens históricas: gêneros e etnicidades. União da Vitória; Rio de
Janeiro: Laphis; Edições especiais Sobre Ontens, 2018. p. 176-181. Ebook.
Disponível em: www.revistasobreontens.site. Acesso em: 23 abr. 2018.
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estudo com imagens com alunos do sexto ano do Colégio Estadual do Instituto
de Educação de Surdos — Iles. In: PARANÁ. Secretaria de Estado da
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escola pública paranaense. Curitiba: Seed/PR, 2012. v. 1. (Cadernos PDE).
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nov. 2017.
TEZOLIN, Heloísa Tamiris Oliveira. O ensino de história para as alunas e
alunos com deficiência auditiva no município de Guarabira (PB): uma
experiência inclusiva (?).Trabalho de conclusão de curso (licenciatura em
história) — Departamento de História, Universidade Estadual da Paraíba,
Guarabira, 2014.
____; CAVALCANTE, Simone Joaquim. Ensino de história: uma prática
inclusiva para alunas e alunos com deficiência auditiva no município de
Guarabira/PB. In: CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO —
CONEDU, 1., 2014, Campina Grande. Anais eletrônicos… Campina Grande:
Realize, 2014. v. 1. Disponível em:
www.editorarealize.com.br/revistas/conedu/trabalhos/Modalidade_1datahora
_13_08_2014_18_04_50_idinscrito_33019_44a25ebdbb7f8edc42eb9eb38de
67faa.pdf. Acesso em: 20 abr. 2018.
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desenvolvimento linguístico em alunos surdos e ouvintes. Arqueiro, Rio de
Janeiro, v. 7, p. 31-39, jan./jun. 2003.
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experiência de escola bilíngue na cidade de Pelotas — RS. In: NUNES,
Francivaldo; KETTLE, Wesley (Org.). Desafios do ensino de história e
prática docente. Pará de Minas: VirtualBooks, 2018. p. 99-105.
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surdos. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 23., 2005, Londrina.
Anais do XXIII Simpósio Nacional de História — História: guerra e paz.
Londrina: Anpuh, 2005. CD-ROM.

4.7.2 Outras referências bibliográficas

ALBRES, Neiva de Aquino. Surdos & inclusão educacional. Rio de Janeiro:


Arara Azul, 2010.
ALMEIDA, Mara Rúbia Pinto de. Guia de orientação para professores da sala
regular de ensino: o aluno surdo e a Libras. In: ____. Narrativas de sujeitos
surdos: relatos sinalizados de uma trajetória. Dissertação (mestrado
profissional em história) — Unidade Acadêmica Especial de História e
Ciências Sociais, Universidade Federal de Goiás, Catalão, 2017. p. 96-116.
Produto final.
ALMEIDA, Simone D’Avila. Atendimento educacional especializado:
análise das concepções de bilinguismo por profissionais da Escola Municipal
Santa Luzia em Duque de Caxias/RJ. Dissertação (mestrado em educação) —
Instituto de Educação e Instituto Multidisciplinar, Universidade Federal Rural
do Rio de Janeiro, Nova Iguaçu, 2014.
BARRAL, Julia; PINTO-SILVA, Flavio Eduardo; RUMJANEK, Vivian M.
Vendo e aprendendo. In: LEBEDEFF, Tatiana Bolivar (Org.). Letramento
visual e surdez. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2017. p. 95-127.
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desenvolvendo competências para o atendimento às necessidades
educacionais especiais de alunos surdos. 2. ed. Brasília: MEC/Seesp, 2006.
CABRAL, Eduardo. Para uma cronologia da educação dos surdos. Revista de
Comunicação, Porto, n. 3, p. 35-53, 2005.
CARVALHO, Paulo Vaz de. Breve história dos surdos no mundo. Lisboa:
Surd’Universo, 2007.
GESSER, Audrei. Libras? Que língua é essa? Crenças e preconceitos em
torno da língua de sinais e da realidade surda. São Paulo: Parábola, 2009.
KELMAN, Celeste Azulay. O educando surdo na escola. In: MACIEL, Diva
Albuquerque; BARBATO, Silviane. Desenvolvimento humano, educação e
inclusão social. 2. ed. rev. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2015. p.
144-157.
____. Significação e aprendizagem do aluno surdo. In: MARTINEZ,
Albertina Mitjáns-Martinez; TACCA, Maria Carmen (Org.). Possibilidades
de aprendizagem: ações pedagógicas para alunos com dificuldades e
deficiências. Campinas: Alínea, 2011. v. 1, p. 173-206.
____; BUZAR, Edeilce Aparecida Santos. A (in)visibilidade do aluno surdo
em classes inclusivas: discussões e reflexões. Espaço, Rio de Janeiro, n. 37,
p. 4-13, jan./jun. 2012.
HARRISON, Kathryn Marie Pacheco. Libras: apresentando a língua e suas
características. In: LACERDA, Cristina Broglia Feitosa de; SANTOS, Lara
Ferreira dos (Orgs.) Tenho um aluno surdo, e agora? Introdução à Libras e
educação de surdos. São Carlos: EdUFSCar, 2014. p. 27-36.
LACERDA, Cristina Broglia Feitosa de; CAETANO, Juliana Fonseca.
Estratégias metodológicas para o ensino de alunos surdos. In: LACERDA,
Cristina Broglia Feitosa de; SANTOS, Lara Ferreira dos. (Org.). Tenho um
aluno surdo, e agora? Introdução à Libras e educação de surdos. São Carlos:
EdUFSCar, 2014. p. 185-200.
____; SANTOS, Lara Ferreira dos (Org.) Tenho um aluno surdo, e agora?
Introdução à Libras e educação de surdos. São Carlos: EdUFSCar, 2014.
LEBEDEFF, Tatiana Bolivar (Org.). Letramento visual e surdez. Rio de
Janeiro: Wak Editora, 2017. p. 226-251.
MONTEIRO, Ana Maria Ferreira da Costa. Professores de história: entre
saberes e práticas. 2. ed. Rio de Janeiro: Mauad X, 2010.
OLIVEIRA, Liliane Assumpção. Fundamentos históricos, legais e biológicos
da surdez. Curitiba: Iesde Brasil S. A., 2012.
PINHO, Angela; MARIANI, Daniel. Redução de ‘novos surdos’ e evasão
explicam tema da redação do Enem. Folha de S.Paulo, 10 nov. 2017.
Educação. Disponível em:
www1.folha.uol.com.br/educacao/2017/11/1934293-reducao-de-novos-
surdos-e-evasao-explicam-tema-da-redacao-do-enem.shtml. Acesso em: 8
jun. 2018.
ROCHA, Solange. O INES e a educação de surdos no Brasil: aspectos da
trajetória do Instituto Nacional de Educação de Surdos em seu percurso de
150 anos. Rio de Janeiro: Ines, 2007. CD-ROM.
SACKS, Oliver. Vendo vozes: uma viagem ao mundo dos surdos. São Paulo:
Companhia das Letras, 2005.
STROBEL, Karin Lilian. Surdos: vestígios culturais não registrados na
história. Tese (doutorado em educação) — Universidade Federal de Santa
Catarina, Florianópolis, 2008.

4.7.3 Fontes e documentos legais

BRASIL. Decreto no 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei


no 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de
Sinais — Libras, e o art. 18 da Lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000.
Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-
2006/2005/decreto/d5626.htm. Acesso em: 19 abr. 2018.
____. Decreto no 7.611, de 17 de novembro de 2011. Dispõe sobre a educação
especial, o atendimento educacional especializado e dá outras providências.
Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-
2014/2011/Decreto/D7611.htm#art11. Acesso em: 30 mar. 2018.
____. Lei no 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira
de Sinais — Libras e dá outras providências. Disponível em:
www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10436.htm. Acesso em: 19 abr.
2018.
____. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização, Diversidade e Inclusão. Política Nacional de Educação
Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, 2008. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/politica.pdf. Acesso em: 24 abr.
2018.
PREFEITURA MUNICIPAL DE DUQUE DE CAXIAS. Secretaria
Municipal de Educação. Escola Municipal Santa Luzia. Aos professores
regentes da Escola Santa Luzia. [Sugestões didáticas para professores de
alunos surdos]. Duque de Caxias, [2007?]. Mimeografado.
____. Secretaria Municipal de Educação. Escola Municipal Santa Luzia.
Integração escolar do aluno surdo. Duque de Caxias, [200-?]. Mimeografado.
____. Secretaria Municipal de Educação. Escola Municipal Santa Luzia.
Orientações aos professores de alunos surdos. Duque de Caxias, 2013.
Mimeografado.

4.7.4 Aplicativos, páginas e vídeos na internet

A vida em Libras/Aula de Libras. Séries de programas produzidos pela TV


Ines em que são apresentados sinais de Libras de forma contextualizada. Há
episódios que abordam a história do Brasil e a história dos surdos. Disponíveis
em: http://tvines.ines.gov.br/?page_id=14 e
http://tvines.org.br/?page_id=11431. Acesso em: 20 jul. 2018.
Cultura surda. Além de compartilhar produções culturais de/sobre surdos, o
blog apresenta artigos a respeito de identidade, cultura e história surda. Uma
das seções disponibiliza fontes em Libras para download. Disponível em:
https://culturasurda.net/. Acesso em: 20 jul. 2018.
Língua Brasileira de Sinais — EAD. Curso de Libras online organizado pela
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São
Paulo (USP). Disponível em:
https://eaulas.usp.br/portal/course.action?course=6085. Acesso em: 20 jul.
2018.
DICIONÁRIO da Língua Brasileira de Sinais V3 — 2011. Possibilita
visualizar a sinalização e configuração de mãos em Libras das palavras
solicitadas na busca. Disponível em:
www.acessibilidadebrasil.org.br/libras_3/. Acesso em: 20 jul. 2018.
Glossário história. Produzido pelo Centro de Capacitação de Profissionais da
Educação e de Atendimento às Pessoas com Surdez da Faculdade Catarinense
de Educação Especial (CAS/FCEE), traz sinais relacionados ao ensino de
história. Disponível em: www.youtube.com/watch?v=pMPUO89BSOI. Acesso
em: 20 jul. 2018.
História em Libras. Há dois canais homônimos no YouTube. Ambos
apresentam conteúdos de história em Libras. O primeiro segue a tradicional
abordagem linear, enquanto o segundo, produto final do ProfHistória, opta
pelo recorte temático. Disponíveis, respectivamente, em:
www.youtube.com/channel/UCwtNyZ8vhEPcKaVEEq8DvQA e
www.youtube.com/channel/UC4Cto15Iwbs2tln_CWgsPiA. Acesso em: 20
jul. 2018.
Hand Talk/Pro Deaf. Aplicativos tradutores de língua portuguesa para Libras.
Podem ser baixados pela App Store e pelo Google Play, para instalação em
smartphones e tablets que utilizam os sistemas IOS e Android,
respectivamente.
Sinalário de história e de história do Brasil. Vídeos do Instituto Phala nos
quais são apresentados sinais em Libras referentes a termos e conceitos de
história. Disponíveis em: www.youtube.com/watch?v=wXH8WBGvRy0 e
www.youtube.com/watch?v=HIWAL4kVsGE. Acesso em: 20 jul. 2018.
Sinalário disciplinar em Libras. Outro aplicativo para tablets e smartphones.
Desenvolvido pela Secretaria de Educação do Estado do Paraná, apresenta
sinais em Libras para as disciplinas da Educação Básica, entre as quais
história. Também disponível na App Store e no Google Play.

Considerações finais

Ao retomar o olhar para a minha trajetória docente, percebo que uma outra
divisão é possível. O antes e o depois do trabalho com alunos surdos. Atuar
com esses sujeitos me obrigou a (re)construir práticas docentes, estreitou laços
com outros profissionais da escola, ampliou meu repertório de saberes, mudou
positivamente a visão que tinha a respeito da Educação Inclusiva e estimulou
o retorno à universidade como um professor-pesquisador. Nessa posição,
empreendi o trabalho que aqui se “conclui”. Nele, distanciei-me de uma visão
que associa educandos surdos à deficiência. Ao me alinhar à perspectiva
socioantropológica acerca dessas pessoas, a qual supera o estigma da
limitação dos surdos, procurei defini-los sob uma ótica nem sempre conhecida
pelos colegas de ofício. Nada de deficiente auditivo, surdo-mudo, mudo ou
mudinho. São surdos, com orgulho. Não podem ser reduzidos à surdez. Trata-
se de indivíduos com língua, identidade e cultura próprias. Diferentes, sim,
mas linguisticamente e pela percepção de mundo onde se privilegia o sentido
da visão. A partir dessa constatação, em respeito a tal condição singular, é que
devem se pautar métodos, estratégias, didáticas, avaliações e todo o
instrumental pedagógico que o professor pode mobilizar para mediar a
construção da aprendizagem por esses educandos.
Limitada pode ser a escola inclusiva, quando se entende que seu fim
se resume em matricular surdos, cegos, autistas, superdotados, índios,
vulneráveis sociais… A matrícula é apenas o início do desafio da inclusão,
que requer transformações no sentido de se adequar a esses discentes nela
inseridos e não o contrário. Também não é só socialização. De fato, aprender
a conviver com as diferenças, percebendo a escola como um microcosmo da
sociedade, pode ser um dos grandes objetivos da inclusão. Mas se requer mais.
Assim como os demais, os incluídos têm direito à educação de qualidade.
Desta maneira, precisam ser levados a aprender significativamente e devem
ser alçados à condição de coprotagonistas das aulas. Os ganhos com a
diversidade pedagógica que daí advém acabam contemplando todos os alunos.
Em busca de possibilidades para potencializar a inclusão de alunos
surdos nas aulas de história, realizei uma pesquisa que conseguiu levantar 24
produções acadêmico-científicas a respeito do ensino dessa disciplina para os
referidos discentes. Uma parte significativa desses trabalhos apresenta alguns
métodos apropriados ao processo ensino-aprendizagem de educandos surdos,
em sua maioria pautados nas experiências de seus professores-autores ou por
eles observados. Sua leitura constituiu-se em importante subsídio teórico às
análises feitas nesta dissertação. Em outros trabalhos, são abordados estudos
de casos, os quais, mesmo tratando de realidades específicas, analisados e em
comparação, permitem traçar um panorama das práticas de ensino de história
para surdos, notadamente em escolas inclusivas.
Com base na bibliografia e na análise temática dos depoimentos
concedidos pelos professores de história da Escola Municipal Santa Luzia,
unidade inclusiva e polo de educação de surdos no município de Duque de
Caxias (Rio de Janeiro, Brasil), pude identificar uma série de desafios ao
ensino de nossa disciplina para alunos surdos incluídos em classes regulares:
a formação inicial datada e deficitária, na qual questões conceituais e
pedagógicas a respeito das especificidades da surdez ainda estão ausentes; a
oferta de formação continuada pelas redes de ensino inexistente ou fora da
carga horária do professor; as poucas pesquisas sobre ensino de história para
alunos surdos e o desconhecimento das existentes por parte dos docentes; a
falta de um acolhimento e suporte informativo aos professores que iniciam seu
trabalho com os discentes surdos; a relação professor docente-intérprete de
Libras marcada por dependência, confusão de papéis e tensões (considerando
que haja a presença desses últimos profissionais); o analfabetismo da maior
parte dos professores de história em Libras; a distância entre a concepção de
ensino de história e as práticas do professor; a invisibilidade do aluno surdo,
acentuada pela ausência da história das pessoas com surdez dos livros
didáticos e conteúdos curriculares da disciplina; a falta de recursos didáticos
tecnológicos e/ou as dificuldades encontradas para deles se fazer uso; o pouco
intercâmbio entre docentes e entre esses e os professores especialistas do
Atendimento Educacional Especializado (AEE).
Os desafios elencados assustam e podem até intimidar aqueles que
venham a lecionar para alunos surdos. No entanto, aqui são apresentados a fim
de que, uma vez detectados, possam ser devidamente enfrentados.
Enfrentamentos que não cabem somente aos professores. Os cursos
universitários, particularmente de história, precisam incentivar pesquisas e
incluir em suas grades curriculares disciplinas voltadas a discussões teórico-
metodológicas a respeito do ensino para sujeitos surdos. Gestores das escolas
e redes de ensino devem propiciar tempo e espaços para a formação
continuada de seus profissionais, bem como investir em recursos materiais e
humanos que possibilitem a inclusão escolar com a qualidade que lhe é
implícita. Quanto aos docentes, precisam ser sensíveis aos alunos surdos, se
apropriando das questões referentes à surdez, realizando as adaptações
necessárias ao fazer docente que a presença surda exige e compartilhando
aquelas já feitas.
Nesse sentido, ofereço um suporte ao professor, o “Caderno de
orientações e sugestões para o ensino de história em classes inclusivas com
alunos surdos”. Nele, procuro esclarecer, sensibilizar e orientar os docentes.
Não tenho a ingenuidade ou presunção de acreditar que esse material é capaz
de resolver os problemas que envolvem a inclusão de alunos surdos. Até
porque diversos deles não são de responsabilidade dos docentes e precisam
ser superados justamente para viabilizar a ação desses profissionais. O
caderno pretende oportunizar ao professor a possibilidade de ver os surdos
com outros olhos que não os da piedade ou do descrédito. As estratégias de
ensino e avaliação diferenciadas, originárias da prática docente, são
compartilhadas com o intuito de que a inclusão de alunos surdos possa ser
encarada como possível, mesmo em meio às adversidades. Por não ser
hermético, suas sugestões podem se desdobrar em diferentes outras
possibilidades. Espero poder contar com o retorno dos usos do caderno de
modo a expandi-lo futuramente. Há lacunas que reconheço necessitam ser
preenchidas, como a adição de um glossário com sinais em Libras de conceitos
fundamentais de história, o que não foi possível realizar agora dado o escopo
do trabalho empreendido, já que precisei dar conta de diversas frentes de
pesquisa.
Realizar o presente trabalho abriu a possibilidade de refletir sobre
minha prática docente, inventar ou reinventar experiências didáticas efetuadas
e aprofundar meus estudos sobre a questão, tornando-me um profissional mais
bem capacitado para lidar com alunos surdos incluídos. O mesmo parece valer
para os professores de história que aqui foram entrevistados, como revelaram
em seus depoimentos. Na ocasião, lamentaram por não ter métodos
diferenciados para apresentar, mas sentiram-se inspirados a refletir a respeito
de suas ações com os referidos educandos. Mais recentemente, em conversa
com um desses colegas, ele revelou estar introduzindo vídeos com legendas
em Libras como recurso didático em suas turmas com alunos surdos. Espero
que, por meio desta dissertação e de seu respectivo produto didático, outros
professores sejam igualmente sensibilizados e transformem suas práticas em
consonância com o que a inclusão de alunos surdos exige.
Deficientes seremos nós, enquanto permanecermos ignorantes e
indiferentes às demandas de nossos alunos surdos.

Referências
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2013.
ALBRES, Neiva de Aquino. A construção dos sinais e sua mobilidade
específica. In: LACERDA, Cristina Broglia Feitosa de; SANTOS, Lara
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educação de surdos. São Carlos: EdUFSCar, 2014. p. 81-98.
____. Estudo léxico da Libras: uma história a ser registrada. In: LACERDA,
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aluno surdo, e agora? Introdução à Libras e educação de surdos. São Carlos:
EdUFSCar, 2014. p. 127-148.
____. Surdos & inclusão educacional. Rio de Janeiro: Arara Azul, 2010.
ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. Fazer defeitos nas memórias:
para que servem o ensino e a escrita da história? In: GONÇALVES, Marcia;
ROCHA, Helenice; REZNIK, Luis; MONTEIRO, Ana Maria (Org.). Qual o
valor da história hoje? Rio de Janeiro: FGV, 2012. p. 21-39.
____. Regimes de historicidade: como se alimentar de narrativas temporais
através do ensino de história. In: GABRIEL, Carmen Teresa; MONTEIRO,
Ana Maria; MARTINS, Marcus Leonardo Bomfim (Org.) Narrativas do Rio
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sinalizados de uma trajetória. Dissertação (mestrado profissional em história)
— Unidade Acadêmica Especial de História e Ciências Sociais, Universidade
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ALMEIDA, Simone D’Avila. A utilização da pedagogia visual no ensino de
alunos surdos: uma análise do processo de formação de conceitos científicos.
In: ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PESQUISADORES
EM EDUCAÇÃO ESPECIAL. 8., 2013, Londrina. Anais eletrônicos…
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Anexo

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