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Revista História Hoje

História 2.0: ensino a


distância, redes sociais e
recursos educacionais abertos

ANPUH - Brasil


DIRETORIA DA ANPUH NACIONAL – BIÊNIO 2013-2015


Presidente: Rodrigo Patto Sá Motta – UFMG
Vice-Presidente: Tania Regina de Luca – UNESP
Secretário Geral: Angelo Aparecido Priori – UEM
1a Secretária: Gabriela Pellegrino Soares – USP
2o Secretário: Carlos Augusto Lima Ferreira – UEFS
1a Tesoureira: Marluza Harres – UNISINOS
2a Tesoureira: Dulce Oliveira Amarante dos Santos – UFG
Editor da Revista Brasileira de História: Alexandre Fortes – UFRRJ
Editor da Revista História Hoje: Mauro Cezar Coelho – UFPA

Conselho Consultivo • ANPUH - Brasil


Altemar da Costa Muniz – ANPUH-CE
Áurea da Paz Pinheiro – ANPUH-PI
Braz Batista Vas – ANPUH-TO
Carlos Alberto de Oliveira – ANPUH-BA
Célia Costa Cardoso – ANPUH-SE
Célia Cristina da Silva Tavares – ANPUH-RJ
Elio Chaves Flores – ANPUH-PB
Hélio Sochodolak – ANPUH-PR
Hideraldo Lima da Costa – ANPUH-AM
Jaime de Almeida – ANPUH-DF
João Batista Bitencourt – ANPUH-MA
Julio Cesar Bentivoglio – ANPUH-ES
Lourival Andrade Júnior – ANPUH-RN
Luís Augusto Ebling Farinatti – ANPUH-RS
Luzia Margareth Rago – ANPUH-SP
Marcília Gama da Silva – ANPUH-PE
Maria da Conceição Silva – ANPUH-GO
Maria de Nazaré dos Santos Sarges – ANPUH-PA
Maria Teresa Santos Cunha – ANPUH-SC
Neimar Machado de Sousa – ANPUH-MS
Ronaldo Pereira de Jesus – ANPUH-MG
Sérgio Onofre Seixas de Araújo – ANPUH-AL
Thereza Martha Borges Presotti Guimarães – ANPUH-MT

Representante da ANPUH/Brasil no
Conselho Nacional de Arquivos (CONARQ)
Titular: Ismênia de Lima Martins – UFF
Suplente: Tânia Maria Tavares Bessone da Cruz Ferreira – UERJ
Correspondência: ANPUH – Av. Prof. Lineu Prestes, 338 – Cidade Universitária.
CEP 05508-000 – São Paulo – SP
Fone/Fax: (11) 3091-3047 – e-mail: secretaria@anpuh.org
Revisão: Armando Olivetti
Diagramação: Flavio Peralta (Estúdio O.L.M.)


Revista História Hoje

História 2.0: ensino a


distância, redes sociais e
recursos educacionais abertos


Revista História Hoje vol. 3 no 5, issn 1806-3993 • Biênio: agosto de 2013 a julho de 2015
Editor Responsável
Mauro Cezar Coelho – UFPA
Conselho Editorial da RHHJ
Carlos Augusto Lima Ferreira – UEFS
Circe Maria Fernandes Bittencourt – USP
Dilton Cândido Santos Maynard – UFSE
Gil Ventura – UFES
Helenice Rocha – UERJ
Josenildo de Jesus Pereira – UFMA
Keila Grinberg – UniRio
Luis Fernando Cerri – UEPG
Margarida Maria Dias de Oliveira – UFRN
Maria Aparecida Bergamaschi – UFRGS
Maria Bernadete Ramos Flores – UFSC
Maria da Conceição Silva – UFGO
Patrícia Maria Melo Sampaio – UFAM
Renilson Rosa Ribeiro – UFMT
Conselho consultivo da RHHJ
Ana Livia Bomfim Vieira – ANPUH-MA
Antonio Jacó Brand – ANPUH-MS
Carla Mary da Silva Oliveira – ANPUH-PB
Chrislene Carvalho dos Santos – ANPUH-CE
Claudira do Socorro Cirino Cardoso – ANPUH-RS
Cristiano Pereira Alencar Arrais – ANPUH-GO
Franciane Gama Lacerda – ANPUH-PA
James Roberto Silva – ANPUH-AM
Janete Ruiz de Macedo – ANPUH-BA
José Antonio Vasconcelos – ANPUH-SP
Laurindo Mékie Pereira – ANPUH-MG
Marcelo Balaban – ANPUH-DF
Marcos Silva – ANPUH-SE
Osvaldo Batista Acioly Maciel – ANPUH-AL
Sandra Paschoal Leite de Camargo Guedes – ANPUH-SC
Yonissa Marmitt Wadi – ANPUH-PR
Secretário da RHHJ
Vinícius Zúniga Melo – UFPA
Endereço na Web: http://rhhj.anpuh.org/ojs/index.php/RHHJ/index
Email: rhhjsecretaria@anpuh.org e rhhjeditor@anpuh.org
A Revista História Hoje publica artigos relacionados à temática de História e Ensino com a
finalidade de promover a divulgação de reflexões, projetos e experiências nesta área e também criar
um espaço institucional de debate relativo aos campos de trabalho dos profissionais de História.


Sumário

Apresentação 7
Mauro Cezar Coelho – Editor

Dossiê: História 2.0: ensino a distância, redes sociais e recursos


educacionais abertos

Apresentação • Dossiê 15
Maria Renata da Cruz Duran e Verena Alberti

A licenciatura em história da Universidade Aberta de Portugal:


do ensino a distância tradicional ao e-learning 23
Maria Isabel da Conceição João

Educação online colaborativa: implicações teórico-metodológicas


de uma nova modalidade de ensino e aprendizagem 43
Bruno José Betti Galasso e Denise Trento

Como promover pesquisa em EAD? Experiências do


curso de licenciatura em história da UniRio 61
Mariana Muaze e Marcelo Magalhães

Sistema UAB: a visão dos coordenadores


de polos de apoio presenciais da região Sul 75
Monica Pagel Eidelwein, Dilce Eclai de Vargas Gil Vicente
e Maria Renata da Cruz Duran

Professores de história em uma experiência de formação


inicial a distância: os significados e os limites da profissionalização 99
Maria Cláudia Cardoso Ferreira

Ação Educativa a Distância: relato de uma prática com


professores no Arquivo Público do Estado de São Paulo 125
Andresa Cristina Oliver Barbosa, Carla Janaína Pereira de Freitas
e Stanley Plácido da Rosa Silva

Para além da virtualização: a educação a distância


e a revolução comunicacional no mundo contemporâneo 147
Ana Raquel Abelha Cavenaghi e Richard Gonçalves André


Faça aqui o seu login: os historiadores,


os computadores e as redes sociais online 165
Bruno Leal Pastor de Carvalho

Recursos Educacionais Abertos: uma


análise a partir do livro didático de história 189
Tel Amiel

Entrevista
Entrevista: Celso José da Costa 209
Maria Renata da Cruz Duran e Verena Alberti

Falando de História Hoje


Arranhando o iceberg: um olhar sobre os cursos de História
através do Censo da Educação Superior no Brasil (2001-2012) 275
Paulo Eduardo Dias de Mello

E-storia
Pesquisa TIC Educação e os desafios para o uso das
tecnologias nas escolas de ensino fundamental e médio no Brasil 293
Alexandre Fernandes Barbosa, Camila Garroux e Fabio Senne

História Hoje na sala de aula


A prática de ensino na formação do professor de História no Brasil 301
Angela Ribeiro Ferreira

Resenha
Repensando a práxis educacional: breve olhar
sobre os recursos educacionais abertos 323
Danilo Meira Leite e José Amilton Latanza


Apresentação

O presente número traz a primeira proposta encaminhada à Revista His-


tória Hoje por meio de edital publicado no último ano para submissão de dos-
siês. Ela foi muito bem recebida pelo conselho editorial. As expectativas for-
muladas pela proposta inicialmente avaliada, no entanto, não anunciavam a
profundidade das reflexões apresentadas nos diversos artigos que compõem
esta edição. As organizadoras Maria Renata da Cruz Duran e Verena Alberti
são responsáveis pelo Dossiê, pelo artigo de Paulo Eduardo Dias de Mello, pu-
blicado na seção Falando de História Hoje, pela seção E-Storia, pelo artigo
de Alexandre Barbosa, Camila Garroux e Fabio Senne, publicado na seção
História Hoje na Sala de Aula e, finalmente, pela resenha aqui publicada. To-
dos esses artigos emprestam uma feliz unidade a este número.
O Dossiê “História 2.0: ensino a distância, redes sociais e recursos edu-
cacionais abertos”, ao tratar da experiência da Educação a Distância e da ofer-
ta de formação em História por meio dessa modalidade, suscita reflexões im-
portantes para a área, para o campo do Ensino e para o campo da História. Os
artigos discutem temas a serem considerados na Educação a Distância, envol-
vendo ordens diversas, como autoria, texto, procedimentos didáticos, estrutura
dos sistemas de ensino, planejamento e colaboração, entre outras. As contri-
buições dos autores convidados pelas organizadoras pautam, então, um rol de
questões a serem enfrentadas por educadores de todas as áreas.
Nesse sentido, os artigos presentes neste número contribuem para a refle-
xão sobre uma questão fundamental. Ao se debruçarem sobre uma modalidade
de ensino, percebendo as suas particularidades e os desafios que ela impõe à
formação de historiadores professores, oferecem elementos para que se proble-
matizem as especificidades da história ensinada, tanto nos processos de forma-
ção de historiadores professores quanto nos processos de formação de crianças

Junho de 2014 7
Apresentação

e adolescentes. Tomados em conjunto, eles fundamentam a ideia de que a for-


mação em história (assim como a história ensinada) exige o investimento con-
tínuo no aprimoramento dos processos pedagógicos e o quanto as especifici-
dades da Educação a Distância permitem a reflexão sobre procedimentos há
muito consolidados na educação presencial, especialmente os processos adota-
dos para a construção das competências e habilidades exigidas pelo ofício.
Além disso, o Dossiê evoca a discussão sobre a modalidade como uma
estratégia para dar conta da enorme carência de professores qualificados, dian-
te do imenso componente de professores leigos que ainda permanecem nas
redes de ensino. Nesse sentido, a modalidade se insere no âmbito das políticas
públicas voltadas para a melhoria das condições de oferta do ensino. Mais uma
vez, o Dossiê ultrapassa seus objetivos iniciais, pois acaba (ainda que não seja
seu objetivo) por dimensionar uma questão que merece atenção: a formação
de professores não se constitui e não pode se constituir num apêndice da for-
mação em nível superior, em qualquer área do conhecimento, mas numa exi-
gência necessária à concretização de direitos constitucionais, uma vez que ali-
menta as redes de ensino de professores para a Educação Básica.
Diante disso, os artigos encaminhados por Maria Renata Duran e Verena
Alberti, tanto para o Dossiê quanto para as demais seções da revista, contri-
buem para a reflexão sobre algumas das críticas direcionadas à Educação a Dis-
tância. Eles demonstram que muitas delas estão embasadas na assunção da
educação presencial como parâmetro absoluto para a oferta de educação, em
qualquer nível de ensino. Os artigos permitem, todavia, que se perceba a im-
portância da modalidade não apenas em razão das dimensões continentais do
país e da, ainda, diminuta oferta de vagas para a educação presencial, e do im-
perativo de garantir o direito à educação a parcelas cada vez mais ampliadas da
população, mas, também, da necessidade de incorporação das linguagens das
Tecnologias de Informação e Comunicação nos processos de ensino e apren-
dizagem em todos os níveis de ensino e em todas as modalidades de oferta.
O número 5 da Revista História Hoje é premiado com a belíssima entre-
vista concedida pelo professor Celso José da Costa. Mais uma vez, temos o
testemunho de um dos autores da implantação de uma política de enorme
impacto para o sistema educacional no país. Tal como no número anterior, no
qual o entrevistado abordou a instalação do processo avaliativo no Programa

8 Revista História Hoje, vol. 3, no 5


Apresentação

Nacional do Livro Didático, agora podemos acompanhar a implantação da


Educação a Distância. Agora, da mesma forma, a entrevista é indispensável.
São igualmente importantes os textos de Paulo Eduardo Dias de Mello e
de Angela Ribeiro Ferreira. O primeiro apresenta um panorama da oferta de
cursos de história no Brasil da última década. Os dados compilados e a reflexão
encaminhada pelo autor ajudam a desconstruir alguns mitos e oferecem pontos
importantes para aqueles preocupados com a formação do historiador, qual-
quer que seja a modalidade. O segundo texto conduz uma discussão das mais
importantes sobre os cursos de formação de professores, ao problematizar as
formas como a prática de ensino é conformada nos cursos de licenciatura em
história. Mais que apontar tendências, o artigo de Angela Ribeiro Ferreira en-
seja a reflexão sobre as compreensões da área acerca da formação do professor
de história e sobre o lugar dos saberes pedagógicos nessa formação.
Mais uma vez, agradeço ao conselho editorial o fundamental apoio e o
compromisso reiteradamente reforçado para com a revista. Para nós é uma
satisfação oferecer ao público mais um número da Revista História Hoje.
Aproveitamos o lançamento para convocar, mais uma vez, os interessados nas
diversas interfaces que conectam Ensino e História a participarem das edições
futuras.
Muito obrigado a todos,
Boa leitura,

Mauro Cezar Coelho


Editor

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11

Apresentação

Dossiê: História 2.0: ensino a distância, redes


sociais e recursos educacionais abertos
Maria Renata da Cruz Duran*
Verena Alberti**

O relatório da OECD (Organisation for Economic Co-operation and De-


velopment) para o ano de 2011 (OECD, 2010) sobre o ensino superior no Bra-
sil estabelece a qualificação de profissionais da educação como meta central
para os próximos anos. No cumprimento dessa meta, espera-se incrementar a
economia nacional fornecendo subsídios para a qualificação esperada no mer-
cado de trabalho, sobretudo por meio do uso das novas tecnologias digitais de
informação e comunicação, as chamadas TDICs.
Paralelamente, o Relatório Unesco sobre ciência 2010 também aponta o
caminho da qualificação docente como demanda sine qua non para o incre-
mento do país, assinalando que “a criação de valor depende cada vez mais de
um uso melhor do conhecimento”, o que implicaria “novas tecnologias de
produtos e processos domesticamente desenvolvidas, ou a reutilização e modos
inovadores de combinar conhecimentos desenvolvidos em outros lugares”
(Unesco, 2010, p.6).

* Doutora e mestre em história social e da cultura pela Unesp/Franca, pós-doutora em políticas


públicas para formação docente pela Faculdade de Educação/USP. Professora adjunta de história
moderna e contemporânea na Universidade Estadual de Londrina; co-líder do grupo de pesquisa
Formação docente e uso de TIC (CNPq). mariarenataduran@gmail.com
** Historiadora, mestre em antropologia social, doutora em teoria da literatura e pós-doutora em
ensino de história. Pesquisadora no Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea
do Brasil (CPDOC) da Fundação Getulio Vargas. Bolsista Pibid-Capes, coordenadora institucional
do Pibid-FGV 2013, licenciatura em história. verena.alberti@fgv.br

Revista História Hoje, v. 3, nº 5, p. 13-22 - 2014


13
Apresentação • Dossiê

Localmente, o Plano Nacional de Educação 2011-2020 (Brasil, 2010) tra-


balha em prol de metas como a de elevar a taxa de matrícula na educação su-
perior para 50% e a taxa líquida para 33% da população de 18 a 24 anos, e a de
ampliar, gradualmente, o número de matrículas na pós-graduação (inclusive
stricto sensu), bem como o fomento, a consolidação e a institucionalização da
oferta de estágio, da mobilidade estudantil e docente e da elaboração de pro-
grama de composição de acervo digital de referências bibliográficas para os
cursos de graduação.
A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (Ca-
pes), que, desde a Lei nº 11.502, de 11 de julho de 2007, foi incumbida da for-
mação inicial e continuada de professores para a educação básica, protagoniza
um processo de indução da equiparação do prestígio da formação de cientistas
à formação de professores. Nesse quadro se vale do apoio da Diretoria de Edu-
cação Básica (DEB) e da Diretoria de Educação a Distância (DED) (Preto,
2006). Na DED, o sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB) articula mais
de noventa instituições de ensino superior a cerca de seiscentos polos de apoio
presencial espalhados por todo o país, em prol do atendimento de mais de 200
mil estudantes de cursos de licenciatura na modalidade de ensino a distância
(EAD), frente que contribui para a disseminação do uso de TDIC no ensino
superior.
Nas escolas, o ProInfo-MEC, projeto de alfabetização informática e inclu-
são digital, completou 15 anos de criação em 2013, e o Pró-Licenciatura, pro-
grama de formação docente na modalidade semipresencial, completa 7 anos
em 2014. Esses programas federais são acompanhados por uma série de ini-
ciativas estaduais no campo da formação/preparação docente para uso de
TDIC nas salas de aula. Entre os mais conhecidos, podemos citar o Projeto
Pedagogia Cidadã, do estado de São Paulo (Bello, 2012).
Muitos são os projetos, mas qual a sua qualidade? No dilema entre a in-
serção das TDIC nos currículos formativos de docentes e sua execução com
qualidade situa-se a problemática ora apresentada. Não é recente ou desconhe-
cida a tese de que a educação formal se divide entre um ensino técnico e outro
teórico, que, assim como a divisão entre uma cultura erudita e outra popular,
a educação formal está relacionada com um disciplinamento do conhecimento
(Burke, 1989). Durante a Idade Moderna, os ideais de uma instrução pura e
desinteressada prestigiaram os conhecimentos filosóficos como importantes

14 Revista História Hoje, vol. 3, no 5


Apresentação • Dossiê

distintivos sociais (Burke, 2010). Todavia, regimes de poder e discursos de


verdade atuaram numa fragmentação cada vez maior das áreas de saber, su-
postamente em prol de uma especialização capaz de otimizar o chamado avan-
ço da ciência (Foucault, 2002; Kuhn, 2003). Nesse quadro, o estudo e o ensino
técnico estiveram vinculados a uma ideia de desenvolvimento profissional vol-
tado para o mercado de trabalho, de interesses individualizados e, por conse-
guinte, a um tipo de ensino limitado do ponto de vista sociointelectual (Cox;
Schwartzman, 2009).
Paradoxalmente, a tecnologia grassou no universo da pesquisa ocidental
como uma das grandes promessas no incremento do conhecimento. Esse mo-
vimento, que ocorreu sobretudo na época contemporânea, ganhou força com
o desenvolvimento de redes comunicacionais virtuais (Castells, 1999). Terri-
tório de inovação povoado por pessoas oriundas das mais diversas áreas, a
internet é configurada, entre outros elementos, pela publicação de saberes
afiançados na crença da exatidão da máquina. O ritual social a que essa revo-
lução se submete, como diria Tocqueville ([1856]2009), segue uma liturgia já
conhecida por nós: quanto maior e mais qualificado o público leitor, maior o
prestígio do autor e de suas teorias; quanto mais eficiente (em termos de su-
cesso profissional dos discentes) o curso ministrado, mais importante a insti-
tuição de ensino. A manutenção de tais parâmetros, entretanto, é questionável
no mundo virtual, isso porque grassa ali uma cultura de massas sem raízes
memoriais, de caráter imediatista e representação instantânea – até o mo-
mento, uma das principais pilastras da educação ocidental (Boto, 1996). Num
mundo em que o registro é confiado à máquina, a memória humana é despres-
tigiada como ferramenta e objetivo de saber e, afinal de contas, o que é posto
em seu lugar? Como verificar a importância, a confiabilidade e a validade dos
saberes gerados num universo virtual? Até que ponto novas habilidades cog-
nitivas serão geradas com a dispensa de outras, incutidas pelo avanço da tec-
nologia? Eis as questões que se apresentam para o público geral. Para o histo-
riador, contudo, o problema é outro. Se estamos tratando de um
reposicionamento da importância da memória mediante novas relações espa-
ço-temporais, estamos lidando com a coluna vertebral de nossa área de saber:
a relação entre o tempo e o homem.
Para o professor emérito da Sorbonne Antonio Rodríguez de Las Heras,
o uso da tecnologia faz parte das ações historiográfica e docente há muito

Junho de 2014 15
Maria Renata da
Apresentação • Dossiê
Cruz Duran*Verena Alberti

tempo. Prova disso é a maneira como nosso discurso é moldado pelos suportes
de leitura e pelas ferramentas de busca e sistematização de fontes para
pesquisa.1
Discutir o uso das TDIC no ensino da história e em modalidades de en-
sino em que seu uso é mais premente nos parece, portanto, tema crucial para
delinear o perfil profissional de nossa área, bem como para empoderá-lo em
face de uma política que exige cada vez mais qualificações para a manutenção
no mercado de trabalho.
Nesses termos, enfrentar a questão é a nossa estratégia. Longe de oferecer
resistências em relação ao fantasma da perda do poder disciplinar, gerando um
afastamento daquele que poderia constituir um potente dispositivo educacio-
nal (Morin, 2004), esperamos nos apropriar desse ambiente de que já somos
habitantes, destacando um panorama dos usos, espaços e recursos que a cul-
tura digital oferece para o ensino de história.
A ideia deste dossiê surgiu em outubro de 2013, durante o VII Seminário
de Pesquisa do Programa de Pós-Graduação em História Social da Universi-
dade Estadual de Londrina. Conversando sobre preocupações e interesses co-
muns, decidimos, na ocasião, propor a temática da educação (ou ensino) a
distância, EAD, para a Revista História Hoje da Anpuh, e ficamos depois muito
contentes ao saber que a proposta havia sido aprovada.
Individualmente tínhamos tido contatos e investimentos diferentes com
a EAD. Verena Alberti havia estudado os cuidados necessários na disponibi-
lização de recursos didáticos para o ensino de história na internet;2 estava fa-
zendo o curso de que trata o artigo “Ação Educativa a Distância: relato de uma
prática com professores no Arquivo Público do Estado de São Paulo”, publi-
cado neste dossiê, e tinha orientado a tese de Maria Cláudia Cardoso Ferreira,
objeto do artigo “Professores de história em uma experiência de formação ini-
cial a distância: os significados e os limites da profissionalização”, também pu-
blicado aqui. Maria Renata Duran trabalhou como consultora educacional para
a Unesco na área de formação docente e uso de tecnologias de informação e
comunicação e realizou pós-doutorado na Universidade de São Paulo em torno
da formação docente com uso de tecnologias na América Latina. Participa do
Laboratório de Novas Tecnologias Educacionais da Universidade Federal Flu-
minense (Lante-UFF) e de diversas pesquisas sobre o assunto, entre elas a que

16 Revista História Hoje, vol. 3, no 5


Apresentação • Dossiê

deu origem ao artigo “Sistema UAB: a visão dos coordenadores de polos de


apoio presenciais da região Sul” deste dossiê.
Somos ambas historiadoras e professoras e pensamos que a EAD, nas suas
diversas aplicações, se tornou uma realidade no Brasil e no mundo. Sem dúvi-
da, muitas das ressalvas e críticas que se fazem a essa modalidade de ensino
são procedentes e, por isso mesmo, consideramos que, como tudo o que que-
remos fazer bem-feito, ela exige muitos cuidados e estudos. Uma amostra deles
e das potencialidades e limites da EAD está publicada nos artigos que o leitor
encontra a seguir. Somos gratas a seus autores, que concordaram gentilmente
e competentemente em participar dessa empreitada e responderam pronta-
mente a nossas dúvidas e demandas de revisão.
Curiosamente, foi a distância que conseguimos dar cabo de nossa tarefa.
Depois de nossas conversas em Londrina, só nos encontramos presencialmente
uma vez, em março de 2014, no Rio de Janeiro, no Centro de Pesquisa e Do-
cumentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação
Getulio Vargas, onde gravamos a entrevista com Celso José da Costa, que par-
ticipou diretamente da criação da Universidade Aberta do Brasil (UAB), em
2005. A entrevista foi gravada em áudio e vídeo, e sua versão integral está dis-
ponível para consulta no CPDOC.
Neste dossiê ficam claras duas trilhas: ambiente educacional e práticas de
ensino, esta representada pela EAD. Na trilha da EAD, campo em que o uso
de TDIC foi mais amplamente disseminado na formação inicial docente, nos
permitimos sondar o ambiente daqueles colegas que fizeram do polo um es-
paço de conexão, do Moodle seu campus universitário e do tutor seu principal
parceiro de aprendizagem. Transitando nesse universo poderemos compreen-
der melhor a proposição de novos itinerários formativos, posturas profissio-
nais e recursos didáticos. Arriscamos dizer que o fruto desse ensino a distância
será uma relação discente-docente distinta, em que o uso de TDIC em sala de
aula será tão naturalizado como o dos livros, lousa e giz e, portanto, deixará de
ser o elemento central na discussão sobre o tipo de ensino que queremos para
as gerações futuras. Aliás, nesse debate, “a tecnologia é então social antes de
ser técnica” (Deleuze, 1988, p.49), e os valores decorrentes desse novo ambien-
te educacional é que passarão a integrar um dos nós dessa teia.
Para tal, a trilha tem início com o texto “A licenciatura em história da Uni-
versidade Aberta de Portugal: do ensino a distância tradicional ao e-learning”,

Junho de 2014 17
Apresentação • Dossiê

de Maria Isabel da Conceição João (Universidade Aberta de Portugal). Nesse


texto, a historiadora portuguesa analisa a experiência de coordenar um curso
de graduação em história na modalidade de ensino a distância que já dura mais
de 20 anos.
Bruno José Betti Galasso e Denise Trento (USP), no trabalho intitulado
“Educação online colaborativa: implicações teórico-metodológicas de uma no-
va modalidade de ensino e aprendizagem”, problematizam a bibliografia que
define o ensino a distância, suas vertentes e principais referências mundiais,
consolidando a noção polissêmica do campo, suas transformações internas,
bem como a tendência atual a uma convergência do ensino presencial com o
ensino a distância.
No artigo “Como promover pesquisa em EAD? Experiências do curso de
licenciatura em história da UniRio”, Mariana Muaze e Marcelo Magalhães
compartilham sua experiência como docentes e coordenadores, entre 2009 e
2013, de um dos cursos de história na modalidade EAD mais antigos do Brasil:
o curso ofertado pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Uni-
Rio). Nesse artigo, a experiência do trabalho cooperativo, via consórcio Cederj,
pode ser avaliada conforme uma visão historiográfica.
No artigo “Sistema UAB: a visão dos coordenadores de polos de apoio
presenciais da região Sul”, Monica Pagel Eidelwein (UAB), Dilce Eclai de Var-
gas Gil Vicente (UAB) e Maria Renata da Cruz Duran (UEL) apresentam uma
especificidade do EAD brasileiro, semipresencial por lei, que são os polos de
apoio presencial. O sistema UAB é abordado conforme uma descrição do perfil
dos polos de apoio presenciais do sistema que constitui a maior política pública
de formação docente com uso de TDIC no país.
Maria Cláudia Cardoso Ferreira (UFPI) contribuiu com o artigo “Profes-
sores de história em uma experiência de formação inicial a distância: os signi-
ficados e os limites da profissionalização”, analisando a trajetória de formação
de professoras leigas que lecionavam história para a educação básica em escolas
públicas dos estados do Ceará, Bahia, Sergipe e Maranhão e que, entre 2006 e
2010, cursaram licenciatura em história a distância, via Pró-Licenciatura, pro-
grama de formação docente do Ministério da Educação.
Andresa Cristina Oliver Barbosa, Carla Janaína Pereira de Freitas e Stan-
ley Plácido da Rosa Silva, do Núcleo de Ação Educativa do Arquivo Público
do Estado de São Paulo, redigiram o artigo “Ação Educativa a Distância: relato

18 Revista História Hoje, vol. 3, no 5


Apresentação • Dossiê

de uma prática com professores no Arquivo Público do Estado de São Paulo”.


Nesse trabalho, as ações formativas do Arquivo direcionadas aos professores
de ciências humanas dos ensinos fundamental e médio, a partir do curso “O(s)
uso(s) de documentos de Arquivo na sala de aula” na modalidade EAD esti-
veram em foco a fim de dar a conhecer o potencial dessa modalidade na for-
mação em arquivos permanentes do país.
Ana Raquel Abelha Cavenaghi e Richard Gonçalves André, professores
da UEL, no artigo “Para além da virtualização: a educação a distância e a re-
volução comunicacional no mundo contemporâneo”, discutiram a construção
teórica do campo da educação a distância na historiografia contemporânea,
considerando a centralidade da figura do tutor como uma de suas prerrogati-
vas e o espaço virtual como ambiente ainda por ser explorado também no
campo investigativo.
Por fim, registramos alguns trechos da entrevista realizada com Celso José
da Costa, pioneiro no EAD brasileiro. Matemático brasileiro, criador da Su-
perfície Costa, é professor titular da Universidade Federal Fluminense (UFF),
onde dirige o Instituto de Matemática e Estatística. Na década de 1990, junto
a Carlos Biewscholwsky, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
foi um dos fundadores do Consórcio Cederj que hoje reúne instituições de
ensino superior do estado do Rio de Janeiro em torno do EAD. Além disso, de
2005 a 2011 atuou como diretor de Ensino a Distância na Capes, liderando a
criação do programa Universidade Aberta do Brasil.
Na trilha dos ambientes educacionais, reservamos espaço para uma dis-
cussão sobre as redes sociais e os recursos educacionais abertos (REA). Abri-
mos essa trilha com Bruno Leal, fundador da maior rede social de história do
país, o Café História, que passa em revista o comportamento dos nossos his-
toriadores na rede, bem como algumas de suas visões sobre a importância do
uso da internet para a vitalidade da área, destacando, na história digital, um
dos ramos de pesquisa historiográfica ainda pouco explorado no país.
No artigo “Recursos Educacionais Abertos: uma análise a partir do livro
didático de história”, do pesquisador da Unicamp Tel Amiel, podemos encon-
trar um diagnóstico da compra e venda dos livros didáticos tradicionais em
história via Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), uma definição dos
recursos educacionais abertos, bem como um posicionamento sobre o que
significa uma internet livre no que diz respeito à educação.

Junho de 2014 19
Apresentação • Dossiê

Como nosso leitor irá constatar, essa discussão é aqui tão seminal quanto
se apresenta no meio universitário. Embora o SciELO (www.scielo.br), um dos
maiores repositórios digitais de cunho acadêmico da América Latina, tenha
sido criado no Brasil, são poucos os pesquisadores brasileiros de nível univer-
sitário cientes do papel dos repositórios digitais e dos recursos educacionais
abertos como disseminadores do conhecimento científico e de uma proposta
de educação aberta, ou seja, sem barreiras legais ou operacionais para o trân-
sito do conhecimento.
No campo da história, algum alento nos é dado pela presença de Robert
Darnton à frente da biblioteca de Harvard. Nesse espaço, o historiador dos
livros e das leituras iluministas propõe um novo modelo de publicação univer-
sitário – o modelo Harvard –, segundo o qual toda obra produzida em âmbito
universitário é automaticamente publicada com licença aberta e se coloca dis-
ponível a todos os estudantes na rede. Se encontramos tudo no Google, por
que devemos nos preocupar com isso? Darnton responde: porque “estamos
num momento crucial e precisamos ter o controle de nossos recursos cultu-
rais”.3 No Brasil, o Arquivo Nacional e a Biblioteca Nacional tomaram a dian-
teira num processo de digitalização que foi acompanhado por importantes
instituições como o CPDOC/FGV e a Biblioteca Brasiliana. Não obstante, a
área ainda carece de uma discussão sobre a legalidade e a interoperabilidade
do que se encontra em rede, caso contrário corremos o risco de ver nosso aces-
so à informação limitado por nosso poder aquisitivo: programas que só são
acessados mediante sistemas operacionais de custo elevado, aplicativos gratui-
tos acessíveis apenas com a apresentação de dados de cartão de crédito, repro-
dução de imagens limitada ao uso caseiro etc.
Danilo Meira, graduando em história na Universidade Estadual de Lon-
drina (UEL), e José Amilton Latanza, graduado em história na mesma univer-
sidade, complementam essa primeira trilha apresentando uma resenha do livro
Recursos educacionais abertos: práticas colaborativas e políticas públicas.
Tão integrada ao cotidiano quanto os smartphones à realidade brasileira
(Cetic, 2013), a internet e seus recursos para além dos muros da escola, mas ainda
no universo educacional, é o tema de nossa primeira trilha. Nela, uma discussão
sobre redes sociais e recursos educacionais abertos nos aguarda e tem como pon-
tapé inicial o texto “Pesquisa TIC Educação e os desafios para o uso das tecno-
logias nas escolas de ensino fundamental e médio no Brasil”, de Alexandre

20 Revista História Hoje, vol. 3, no 5


Apresentação • Dossiê

Fernandes Barbosa, Camila Garroux e Fabio Senne, do Centro de Pesquisas de


Tecnologias da Informação e da Comunicação no Brasil (­ CETIC.Br).
Antes de encerrar esta apresentação, gostaríamos de agradecer o impres-
cindível apoio de Mauro Cezar Coelho, editor da Revista História Hoje, que
acompanhou com interesse sempre renovado os passos que eram dados. Ao
concluir este trabalho, sabemos que há mais lacunas do que espaços preenchi-
dos. Mas o resultado permite notar, a distância, a criação de uma teia de
conhecimentos.

REFERÊNCIAS

ALBERTI, Verena. Proposta de material didático para a história das relações étnico-
-raciais. Revista História Hoje, São Paulo: Anpuh/Brasil, v.1, n.1, p.61-88, 2012.
Disponível em: http://rhhj.anpuh.org/ojs/index.php/RHHJ/issue/view/novaserie.
BELLO, I. M.; BUENO, Belmira Oliveira. Programas especiais de formação superior
de professores no Brasil: a universitarização do magistério em questão. Archivos
Analíticos de Políticas Educativas / Education Policy Analysis Archives, v.20,
p.1/20-22, 2012.
BOTO, Carlota. A Escola do Homem Novo: entre o Iluminismo e a Revolução France-
sa. São Paulo: Ed. Unesp, 1996.
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Companhia das Letras, 1989. (Título original: Popular culture in early modern Eu-
rope).
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Moderna, 2010.
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
CETIC. TIC Educação 2012: Pesquisa sobre o Uso das Tecnologias de Informação e
Comunicação nas Escolas Brasileiras. São Paulo: Comitê Gestor da Internet no
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COX, Cristián; SCHWARTZMAN, Simon. Políticas educativas y cohesion social en
América Latina. Santiago: Uqbar, 2009.
DELEUZE, Gilles. Foucault. Trad. Claudia Sant’Anna Martins. Rev. Renato Janine
Ribeiro. São Paulo: Brasiliense, 1988.
FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

Junho de 2014 21
Apresentação • Dossiê

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2003.
LAS HERAS, Antonio Rodríguez de. El libro digital. Disponível em: http://vimeo.
com/57156755; Acesso em: 12 nov. 2013.
LÉVY, Pierre. A nova relação com o saber. In: _______. Educação e cybercultura. Dis-
ponível em: www.sescsp.org.br/sesc/images/upload/conferencias/29.rtf; Acesso
em: set. 2009.
MORIN, Edgar. A religação dos saberes: o desafio do séculoXXI. São Paulo: Bertrand
Brasil, 2004.
OECD. Work on education 2010-2011. Paris, 2010.
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Liinc em Revista, v.2, n.1, p.8-21, mar. 2006. Disponível em: www.ibict.br/liinc;
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TOCQUEVILLE, Alexis. O Antigo Regime e a revolução. [1856]. São Paulo: Martins
Fontes, 2009.
UNESCO. Relatório UNESCO sobre ciência 2010. Brasília, 2010.

NOTAS
1
LAS HERAS, s.d. Ainda nesta trilha, pode-se ler: LÉVY, s.d.
2
Sobre o assunto, Verena Alberti escreveu alguns artigos, entre eles ALBERTI, 2012.
3
Disponível em: www.revistadehistoria.com.br/secao/entrevista/robert-darnton.

Apresentação recebida em 30 de maio de 2014. Aprovada em 27 de junho de 2014.

22 Revista História Hoje, vol. 3, no 5


A licenciatura em história da Universidade
Aberta de Portugal: do ensino a distância
tradicional ao e-learning
The undergraduate degree in history of the Open University of
Portugal: from the traditional distance teaching to the e-learning
Maria Isabel da Conceição João*

Resumo Abstract
O artigo analisa a experiência da Uni- The article analyzes the experience of
versidade Aberta de Portugal, que com- Open University of Portugal that com-
pletou 25 anos de existência em 2013. pleted 25 years of existence in 2013.
Fundada com o objetivo de desenvolver Founded with the purpose of develop-
a formação da população adulta portu- ing the education level of Portuguese
guesa em nível superior, tem realizado a adult population, the OUP has accom-
sua missão em várias áreas, com parti- plished its mission in several areas, with
cular destaque para o âmbito das huma- particular attention to the scope of Hu-
nidades e das ciências sociais. Por isso, manities and Social Sciences. So, in ret-
passa em retrospetiva a evolução em rospective it examines the evolution of
termos curriculares e de modalidade de curricula and the teaching mode pre-
ensino do curso de história, um dos sented in the course of History, one of
mais antigos da instituição. Em termos oldest of the institution. In pedagogical
pedagógicos, a mudança foi profunda terms, the change was profound be-
entre a modalidade do ensino a distân- tween the first generation distance
cia da primeira geração, ou tradicional, teaching mode, or traditional approach,
e o atual regime de e-learning com re- and the current e-learning system using
curso à plataforma Moodle. Procura-se the Moodle platform. The article seeks
analisar essas alterações e as suas impli- to analyze these changes and their im-
cações no papel dos docentes e dos estu- plications on the role of teachers and
dantes no processo de ensino/aprendi- students in the teaching/learning pro-
zagem. cess.
Palavras-chave: História; ensino a dis- Keywords: History; distance teaching;
tância; e-learning. e-learning.

* Universidade Aberta de Portugal. maria.joao@uab.pt

Revista História Hoje, v. 3, nº 5, p. 23-41 - 2014


Maria Isabel da Conceição João

Já são longos os anos de atividade docente. Os primeiros anos foram no


ensino secundário, que é uma escola de formação importante para qualquer
professor. Depois veio o ensino superior, no quadro da formação de professo-
res em didática da história. E só mais tarde surgiu o ensino no curso de história
da Universidade Aberta (UAb). O projeto era aliciante: possibilitar a milhares
de portugueses que não tiveram a oportunidade de estudar no tempo próprio
da juventude a oportunidade para fazer um curso universitário e obter uma
formação superior. Por isso, a tarefa foi abraçada com entusiasmo, com espí-
rito de missão. E, em curto lapso de tempo, somente em pouco mais de duas
décadas, foi possível assistir a uma profunda transformação da modalidade do
ensino na UAb. Passou-se de um ensino a distância de primeira geração ou
tradicional para aquilo que já tem sido designado como a terceira geração do
ensino a distância, em resultado do uso de ferramentas poderosas como a Web
2.0 e as plataformas digitais. A história contada a seguir traça esse percurso e
procura refletir sobre ele. O ponto de observação é de alguém implicado que
não se escusa a um olhar crítico, mas não deixa de apontar os benefícios.

A Universidade Aberta: criação e lugar


no sistema educativo português

A Universidade Aberta (UAb) foi criada em 1988 como universidade pú-


blica de ensino a distância e é até hoje a única existente em Portugal. O objetivo
central da sua criação consiste em elevar o nível de formação da população
ativa portuguesa, realmente bastante inferior às percentagens de outros países
europeus de referência. A universidade destina-se, por isso, a candidatos maio-
res de 21 anos, a maior parte dos quais inseridos no mercado de trabalho e que
gozam do estatuto jurídico de trabalhadores-estudantes, contemplado no Có-
digo do Trabalho.
A universidade é, por conseguinte, uma instituição vocacionada para can-
didatos adultos que têm como base de formação o ensino secundário (11 a 12
anos de escolaridade) ou a frequência do ensino superior. Uma parte dos can-
didatos já frequentou este nível de ensino, mas não conseguiu concluir o curso
e pede a transferência de instituição ou o reingresso no sistema educativo. Há
ainda os candidatos que entram pelo regime especial de acesso para os maiores
de 23 anos, completados até 31 de dezembro do ano imediatamente anterior

24 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


A licenciatura em história da Universidade Aberta de Portugal

à realização das provas públicas que atestam a sua capacidade para frequentar
o nível de ensino superior, as quais são da responsabilidade das próprias ins-
tituições de ensino superior. Para todos eles, a principal vantagem apontada
para se candidatar à Universidade Aberta consiste em não terem de deslocar-se
para assistir a aulas presenciais e o regime de ensino possibilitar uma grande
flexibilidade de horários, o que lhes permite conciliar a realização do curso
com a vida profissional e familiar e com a gestão dos tempos de lazer.
Para se compreender o lugar da UAb no sistema de ensino superior por-
tuguês é importante saber que não ministra somente cursos de licenciatura ou
também designados por cursos do 1º ciclo de estudos. A sua ação estende-se
ao nível dos mestrados (2º ciclo) e doutoramentos (3ºciclo). A atribuição destes
graus acadêmicos requer que os cursos tenham sido objeto de uma aprovação
prévia por parte da Agência Nacional de Avaliação e Acreditação do Ensino
Superior (A3ES). Além disso, dada a sua vocação de instituição de ensino su-
perior dirigida para a formação ao longo da vida, a UAb ainda faculta cursos
certificados, que não conferem grau acadêmico, com diversos níveis de exi-
gência e tempo de duração. Dado que a língua de ensino é o português, a UAb
acolhe os portugueses da diáspora e estudantes dos países lusófonos nos seus
cursos (brasileiros, timorenses e africanos), estando presente em cerca de meia
centena de países.
Inicialmente, a UAb adotou uma modalidade de ensino a distância de tipo
“industrial” (Amante, 2011), no nível da licenciatura. O docente responsável
tinha de elaborar o programa da unidade curricular e preparar um conjunto
de materiais de estudo em diversos formatos – scripto, áudio e vídeo – que
eram a base de trabalho dos estudantes para adquirir os conhecimentos que
lhes permitiriam realizar uma prova de exame presencial. As obras editadas
pela UAb obedeciam a requisitos didático-pedagógicos definidos, com o ob-
jetivo de facilitar a autoaprendizagem dos alunos, e tinham caraterísticas grá-
ficas tipificadas que as tornavam facilmente reconhecíveis no mercado nacio-
nal. Quando não havia uma obra especialmente feita para as disciplinas, os
docentes tinham de escolher uma obra disponível no mercado em língua por-
tuguesa e preparar um caderno de apoio, com a definição dos objetivos, as
atividades formativas e as orientações necessárias para ajudar os alunos no
processo de aprendizagem independente. Os estudantes podiam ainda, dentro
de horários estabelecidos, contactar os docentes pelo telefone para o esclare-

Junho de 2014 25
Maria Isabel da Conceição João

cimento de dúvidas e explicações, bem como por carta ou por correio eletrô-
nico, logo que este meio de comunicação se tornou acessível.
Em 2006, a UAb entrou num processo de reforma profunda em duas fren-
tes: por um lado, a reformulação do desenho curricular dos cursos lecionados,
em resultado da aplicação da chamada reforma de Bolonha1 no sistema de en-
sino superior em Portugal; por outro lado, a introdução de um regime de ensino
a distância com recurso à plataforma Moodle que é o acrônimo de Modular
Object-Oriented Dynamic Learning. A transformação em curso implicava re-
pensar globalmente a orientação científico-pedagógica dos cursos, o papel dos
professores e também dos alunos no processo de ensino-aprendizagem.
Em termos muito gerais, pretendia-se passar de uma modalidade de en-
sino baseada na transmissão de conhecimentos por via dos materiais disponi-
bilizados aos estudantes – que, de certo modo, substituíam a aula magistral e
o manual ou “sebenta” do ensino presencial – por um modelo assente no de-
senvolvimento de competências e no estímulo à pesquisa por parte dos estu-
dantes, numa lógica dinâmica de aprender a aprender, apoiada no domínio de
ferramentas de literacia digital capazes de propiciar a inclusão na sociedade da
informação e do conhecimento atual. Para o efeito, um grupo de professores
da UAb desenvolveu um modelo pedagógico virtual em que se procurou com-
paginar esse propósito genérico com os recursos humanos e materiais existen-
tes na universidade (Pereira, 2007). Simultaneamente, foram realizados pro-
gramas de formação dos professores da UAb com recurso à plataforma
Moodle, ou seja, no ambiente virtual onde depois teriam de desenvolver os
seus próprios cursos e as unidades curriculares pelas quais iriam ser respon-
sáveis. O objetivo era claro: levar os docentes a usar essa ferramenta de ensino/
aprendizagem, propiciando-lhes as competências básicas indispensáveis, no
âmbito técnico-pedagógico, para poderem eles próprios preparar e orientar os
seus cursos. Desse modo foi possível reunir as condições para que os cursos de
licenciatura começassem a ser lecionados em regime de e-learning, no ano le-
tivo de 2007-2008.

O curso de história: do primeiro curso à reforma de Bolonha

A área científica de história foi das primeiras a dispor de cursos formais


de licenciatura na Universidade Aberta (UAb), para a via do ensino ou para

26 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


A licenciatura em história da Universidade Aberta de Portugal

outras saídas profissionais. Destacou-se, então, como um grupo disciplinar


com elevada procura por parte de candidatos que se matriculavam no ensino
superior pela primeira vez ou que pretendiam concluir a formação encetada
noutra fase da sua vida. Também atraía pessoas que desejavam reconverter a
sua formação, em busca de outras atividades e carreiras profissionais, ou que
simplesmente estavam interessadas em aprender história. Nalguns casos, já
dispunham de um curso superior noutro ramo do saber e tinham entrado na
fase da aposentação. Tratava-se, portanto, de um público adulto e heterogéneo,
com diferentes motivações para frequentar a UAb. Os cursos começaram a ser
lecionados no ano letivo 1993-1994 e os primeiros licenciados obtiveram o
diploma em 1997.
O plano de estudos organizava-se de forma tradicional, contemplando os
períodos cronológicos da Pré-História à Idade Contemporânea e a divisão em
disciplinas do âmbito da economia e sociedade e do domínio político e insti-
tucional.2 Possuía ainda uma forte componente de história de Portugal, com
oito disciplinas anuais e mais duas semestrais, para somente seis de história
geral, a que se juntavam duas unidades de geografia de Portugal. O número
total de créditos necessários para obter a licenciatura era de 240, de acordo
com o sistema adotado pela Associação Europeia de Universidades de Ensino
a Distância (EADTU). Cada unidade de crédito estimava-se que devia corres-
ponder a 22 horas de ocupação do estudante em tarefas letivas, designadamen-
te de estudo, recepção de programas mediatizados e realização de trabalhos
obrigatórios. Ora, nesse plano de estudos, o peso total das unidades curricula-
res dedicadas a Portugal era de 46% e somente de 25% para as de história geral.
Os restantes 29% correspondiam a unidades curriculares opcionais que os es-
tudantes podiam escolher de entre o leque em oferta na universidade, de acor-
do com os seus interesses, ou a ações de formação realizadas em instituições
de ensino superior que podiam ser creditadas no curriculum do estudante, a
seu pedido, por um júri nomeado para o efeito. As disciplinas opcionais ti-
nham, por conseguinte, um peso significativo nesse plano curricular e era con-
cedida alguma liberdade aos estudantes no desenho dos seus curricula, através
dessas escolhas.
Os cursos da via ensino associavam história e português e unidades cur-
riculares de pedagogia e didática da história, para estar de acordo com as exi-
gências do Ministério da Educação. Havia também um curso especificamente

Junho de 2014 27
Maria Isabel da Conceição João

de história, para o nível do 3º ciclo do ensino básico e para o ensino secundário,


que se distinguia do outro pelas unidades curriculares obrigatórias no domínio
didático-pedagógico.3 Esses cursos tiveram papel importante na formação de
professores do ensino básico e secundário que lecionavam há vários anos sem
terem o grau de licenciatura, isto é, com uma habilitação incompleta face aos
requisitos do sistema educativo moderno.
Essa experiência inicial foi inegavelmente muito importante e possibilitou
a edição de manuais universitários de história e de coleções de videogramas
que foram usados também por outras instituições de ensino superior em Por-
tugal. A modalidade de ensino ainda era a da primeira fase do ensino a distân-
cia, muito centrada na transmissão de conhecimentos através da distribuição
dos materiais de estudo. Procurava-se, através das antologias de documentos,
levar os estudantes a tomar contato com as fontes históricas. Além disso, as
atividades formativas disponibilizadas nos manuais, nos cadernos de apoio e
em testes, especificamente realizados com o objetivo de os alunos desenvolve-
rem os conhecimentos e treinarem para os exames, orientavam o estudo dos
alunos para aquilo que era considerado essencial em termos de domínio dos
conteúdos científicos.
Do ponto de vista do plano curricular, era notória a falta de unidades cur-
riculares obrigatórias do âmbito da cultura e das artes, o que os estudantes
tinham a possibilidade de colmatar inscrevendo-se em disciplinas opcionais
em oferta noutros cursos de humanidades da universidade. Também constituía
uma lacuna importante a falta de unidades curriculares do âmbito da teoria e
da metodologia da história. Podia ainda criticar-se o caráter lusocêntrico do
plano curricular que, todavia, era bem visto por muitos dos candidatos e estu-
dantes nacionais. Funcionava como um fator de atração dos candidatos pelo
curso da UAb, em comparação com outros em oferta no sistema de ensino
universitário português.
Quanto ao modelo de ensino, a evolução das modalidades do ensino a
distância com a introdução do ensino assistido por computador, cujas primei-
ras experiências já remontavam aos anos 1950, e a grande mudança propor-
cionada pelo desenvolvimento da rede de alcance mundial (World Wide Web)
ditaram a necessidade de repensá-lo, de forma global. Os dirigentes da UAb
tomaram consciência da urgência de uma mudança do modelo, não só por
causa da evolução dos meios tecnológicos, mas também porque era necessário

28 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


A licenciatura em história da Universidade Aberta de Portugal

dar resposta às exigências da reforma de Bolonha que vinha colocar a tônica


no desenvolvimento das competências dos estudantes. Tudo se conjugava para
que a universidade tivesse de mudar se queria sobreviver no novo contexto
tecnológico e educativo, do início do século XXI.
Primeiro, foi preciso fazer a reformulação do plano curricular do curso
de licenciatura em história, que passava a ter 180 ECTS, acrônimo de European
Credit Transfer and Accumulation System, e a organizar-se em unidades cur-
riculares semestrais. Considerando que cada unidade de crédito corresponde
a 26 horas de trabalho do estudante no novo sistema, o total necessário para
concluir o curso é de 4.680 horas (contra as 5.280 horas estimadas para o curso
anterior). O plano de estudos passa a contemplar um maior, com 120 ECTS,
e um menor opcional, com 60 ECTS. Em cada semestre, o estudante pode
inscrever-se em cinco unidades curriculares, de acordo com o plano de estudos
do curso. Nesse aspecto, foi introduzida maior rigidez na organização curri-
cular em relação ao plano antigo, obrigando os estudantes a respeitar uma se-
quência cronológica e temática predefinida.
O maior contempla unidades curriculares da área científica da história e
dos estudos do patrimônio, respetivamente 75% e 5% dos ECTS. Os restantes
20% podem ser obtidos através da escolha de unidades curriculares opcionais
no domínio das línguas estrangeiras, das tecnologias da informação e comu-
nicação ou da geografia. Na proposta inicial havia um leque de cinco menores
de entre os quais os estudantes podiam selecionar o que queriam realizar, a
saber: Artes e Patrimônio; Cultura e Religião; História de Portugal; Presença
Portuguesa no Mundo; Língua, Literatura e Cultura Portuguesas. Contudo,
dificuldades de diversa ordem obrigaram a reduzir a oferta efetiva aos dois
primeiros menores que os estudantes escolhem em alternativa. As unidades
curriculares de história geral e de Portugal aparecem equilibradas no plano de
estudos, tendo sido introduzidas a Problemática do Conhecimento Histórico
e as Teorias e Correntes Historiográficas. Nos menores, há seis unidades espe-
cíficas obrigatórias e as restantes quatro podem ser escolhidas de um conjunto
mais amplo de opcionais. Assim, o plano curricular procurou certo equilíbrio
entre as unidades obrigatórias e as opcionais, para dar alguma liberdade de
escolha aos estudantes no desenho do curriculum pessoal. Além disso, os me-
nores propiciam a introdução de um campo temático mais especializado que,

Junho de 2014 29
Maria Isabel da Conceição João

posteriormente, pode ser continuado nos níveis do 2º e do 3º ciclo de


estudos.
Entre as várias mudanças resultantes da reforma de Bolonha destaca-se a
exigência de certa padronização na definição dos objetivos gerais dos ciclos de
estudos (conhecimentos, aptidões e competências). Para o efeito foram reali-
zados estudos em nível europeu e estabelecidos os chamados descritores de
Dublin, que identificam os resultados que se espera alcançar em termos de
qualificação dos diplomados nos vários ciclos de estudos.4 Tendo em atenção
esses parâmetros, o grupo de história da UAb definiu os seguintes objetivos/
competências:
• Capacidade de construir uma visão racional sólida e crítica do passado
das sociedades, de modo a compreender o passado de per se, de melhor
compreender o presente e de, através desse conhecimento, exercer, ca-
bal e ativamente, a cidadania;
• Capacidade de sistematizar os conhecimentos adquiridos sobre os acon-
tecimentos e os processos históricos numa perspetiva diacrônica e/ou
sincrônica;
• Capacidade de aplicar, de forma interpretativa, os conhecimentos ad-
quiridos referentes às várias dimensões da atividade humana;
• Capacidade de compreender e relacionar fatos históricos e/ou modelos
explicativos, recorrendo a vários tipos de fontes e de instrumentos de
análise e à convocação de outros saberes;
• Capacidade de problematizar as dinâmicas inerentes aos processos his-
tóricos de forma crítica, criativa e independente, sendo capaz inclusive
de sugerir respostas válidas, cientificamente fundamentadas;
• Capacidade de interiorizar que o conhecimento histórico está em con-
tínuo processo de construção e que as distintas propostas historiográ-
ficas constituem valências e visões de abordagem científica.5
Como se constata, a definição é feita em termos de capacidades a desen-
volver e não tanto de conhecimentos a adquirir pelos estudantes, sabendo-se
que as competências não podem ser desencarnadas dos conteúdos da aprendi-
zagem. O que se pretende é que o diplomado em história desenvolva capacida-
des cognitivas, metodológicas, tecnológicas, linguísticas e de interação social e
cooperação que possam ser empregadas em diferentes contextos profissionais

30 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


A licenciatura em história da Universidade Aberta de Portugal

e no nível mais amplo do exercício da própria cidadania. Nesse sentido, noutro


ponto refere-se como objetivo do ciclo de estudos fomentar um “espírito de
tolerância e compreensão face à diversidade cultural e aos problemas do mundo
que seja a base de uma cidadania informada e consciente”.6

A evolução da modalidade de ensino no curso de história

A modalidade de ensino a distância que era praticada na UAb não favo-


recia o desenvolvimento das capacidades indicadas. A maioria dos alunos de-
senvolvia um trabalho solitário e independente. Adquiria conhecimentos sobre
a história com base nos materiais disponibilizados pelos docentes responsáveis
pelas unidades curriculares e através da realização das atividades de treina-
mento. O contacto com as fontes e o trabalho de pesquisa permanecia como
uma atividade limitada, sugerida pelos professores pontualmente para deter-
minados tópicos do programa das disciplinas. Contudo, como a avaliação se
centrava no exame e na elaboração de respostas a perguntas que testavam os
conhecimentos adquiridos, não havia espaço nem estímulo para realmente
desenvolver esse tipo de competências. Tornava-se, por conseguinte, impres-
cindível mudar o modelo pedagógico.
O primeiro aspecto a salientar foi o recurso a uma ferramenta nova para
a comunicação com os estudantes: a plataforma Moodle. Já referimos que os
professores tiveram de receber formação para a poder utilizar do ponto de vista
técnico e, sobretudo, pedagógico. Os estudantes, pelo seu lado, também têm
de se familiarizar com o uso da plataforma, e passou a fazer parte do seu per-
curso escolar a realização de um módulo de ambientação de duas semanas,
ministrado no início de cada curso. A UAb tem recorrido a um corpo de tu-
tores especialmente treinados para fazer essa ambientação de milhares de es-
tudantes. Nela os alunos aprendem a utilizar aquele meio informático, a inte-
ragir uns com os outros e com o professor no ambiente virtual e, em especial,
a comportar-se de acordo com regras simples de civilidade e clareza facilita-
doras da comunicação na comunidade virtual de aprendizagem.
Na verdade, a diferença mais imediata em relação ao modelo anterior é
que o estudante deixa de estar sozinho e pode se comunicar com os seus pares.
A UAb organiza os alunos do 1º ciclo de estudos em turmas virtuais com um
máximo de sessenta elementos. A forma de comunicação privilegiada é

Junho de 2014 31
Maria Isabel da Conceição João

a assíncrona, realizada através dos fóruns. O número de fóruns depende do


critério do professor e da forma como pretende dinamizar as relações no am-
biente de aprendizagem. Pode criar somente um fórum geral, onde decorrem
todas as interações ao longo do semestre; um fórum geral, mediado pelo pro-
fessor ou o tutor, e um fórum para uso exclusivo dos alunos; ou vários fóruns
organizados de acordo com as temáticas de estudo ou com as atividades que
pretende realizar no período letivo. O fórum é central no modelo pedagógico
da UAb, porque através dele desenvolve-se a interação vertical, professor-es-
tudantes, ou horizontal, estudantes-estudantes, e estabelece-se o diálogo que
permite aprender em conjunto. O processo é, por conseguinte, multidirecional
e os professores beneficiam-se também de muita informação que é carreada
para a aula virtual pelos estudantes, do confronto com as questões e problemas
que colocam e da expertise de alguns deles em meios informáticos.
Todo o processo se inicia muito antes do começo do semestre, com a pla-
nificação, a seleção e a preparação dos materiais de estudo e de trabalho para
os estudantes desenvolverem as atividades formativas e a elaboração da matriz
da unidade curricular que é replicada para constituir as várias turmas virtuais,
caso seja necessário. O Plano da Unidade Curricular (PUC) é um instrumento
fundamental no desenho da orientação científico-pedagógica que se pretende
imprimir na disciplina e como guião para a atividade dos alunos. Nele podem
encontrar: a caraterização geral da unidade curricular, as competências que se
pretende que desenvolvam, o roteiro dos conteúdos organizado de forma te-
mática, as metodologias de ensino, os recursos bibliográficos e de outro tipo
disponíveis, com destaque para os que são acessíveis através da Web, a forma
de avaliação e um plano mensal detalhado das atividades que se espera que
realizem.
O planejamento é muito exigente num sistema de ensino a distância e, em
especial, num regime de e-learning, por várias razões: i) a importância de pre-
parar com antecedência todos os materiais científico-pedagógicos indispensá-
veis para o curso, textos e documentos, vídeos, recursos da Web etc.; ii) a ne-
cessidade de propor aos estudantes um plano de trabalho devidamente
organizado em função dos objetivos que se pretende atingir, com as atividades
que devem ser realizadas ao longo do curso e do tempo em que este irá decor-
rer; iii) o interesse de o próprio docente ter um roteiro definido para organizar
a sua ação pedagógica e para seguir um rumo claro, também conhecido dos

32 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


A licenciatura em história da Universidade Aberta de Portugal

Figura 1 – PUC na Plataforma da UAb, onde são discriminados: objetivos/competên-


cias, conteúdos, metodologia de ensino, recursos, forma de avaliação e plano de traba-
lho semestral

estudantes. A orientação pedagógica da UAb e a prática docente na área da


história tem sido diretiva, no sentido em que há um programa bem definido
em termos de objetivos e conteúdos e um planejamento rigoroso do processo
de ensino/aprendizagem, cujo instrumento é o PUC já referido.
Ainda no contexto do planejamento e da preparação do curso insere-se a
elaboração da matriz da unidade curricular, geralmente organizada por temas
do programa e por semanas de trabalho dos estudantes. Procura-se, desse mo-
do, segmentar as matérias, de modo que haja uma atividade progressiva e sis-
tematizada de aprendizagem. Por isso, para cada tema e semana de trabalho
são definidos os objetivos, os conteúdos, fornecidos os materiais de estudo e
dadas as indicações necessárias para que os estudantes possam desenvolver o
seu trabalho de forma autônoma, sem prejuízo de colocarem questões no fó-
rum e de interagirem com o docente e com os colegas. Podem esclarecer dú-
vidas, apresentar ideias, trazer informação e resultados da sua pesquisa pessoal
para a turma virtual. O professor estimula essas interações e a participação dos
estudantes colocando questões e incentivando-os a utilizar a Web como ferra-
menta de aprendizagem.

Junho de 2014 33
Maria Isabel da Conceição João

As atividades formativas que o professor propõe para cada item do pro-


grama, em função dos objetivos que se pretende alcançar, são muito impor-
tantes para orientar o trabalho dos estudantes. A principal atividade consiste
na leitura da bibliografia indicada, com o intuito de responder a um conjunto
de perguntas que permitem ao estudante perceber se conseguiu compreender
o que leu e assimilar os conteúdos. São fornecidas na semana seguinte as orien-
tações de resposta às perguntas da semana anterior, de modo que os alunos
podem avaliar se as suas respostas estavam corretas. Assim, primeiro pede-se
que os alunos façam o seu próprio processo individual de aprendizagem e, de-
pois, fornecem-se as indicações necessárias para que possam averiguar se estão
na direção certa. Não se trata de fazer um resumo das matérias pelo docente,
mas de dar indicações gerais sobre a forma como deviam responder, remeten-
do por vezes novamente os estudantes para os textos e para a sua releitura.
Uma componente importante desse processo de ensino/aprendizagem
passa pelo contacto com os documentos históricos e pela abertura para a pes-
quisa de fontes primárias e de informação. Dado que a disponibilidade de
tempo desses estudantes é limitada e muitos se encontram em locais onde não
têm acesso a bibliotecas e arquivos, a Web passa a funcionar como um meio
privilegiado para desenvolverem esse trabalho. Ao longo do percurso são pro-
postas atividades que requerem a consulta de documentos em linha, especial-
mente os facultados por arquivos públicos e privados, por centros de estudos
e estabelecimentos de ensino superior. A panóplia de fontes históricas dispo-
nível é, naturalmente, variável consoante as épocas, mas a sua expansão tem
sido exponencial nos últimos anos. No âmbito da história contemporânea da
Europa ou de Portugal, que temos lecionado, é possível dispor de um acervo
muito rico de documentação escrita e videográfica, que tem permitido uma
maior aproximação do objeto de estudo e a realização de trabalhos de análise
e interpretação de fontes de diversa índole: imprensa, estatísticas, discursos
políticos, textos jurídicos, fotografias, documentários e filmes etc. Nalguns ca-
sos, na ausência de fontes acessíveis pela Web, o docente digitaliza os docu-
mentos e coloca os ficheiros na plataforma ou na “nuvem” (Dropbox, Skydrive,
Google Drive ou outras).
O computador e a Web funcionam, assim, como instrumentos de trabalho
nesse processo de ensino/aprendizagem e como meio privilegiado de informa-
ção e comunicação. Desse modo, os estudantes desenvolvem as competências

34 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


A licenciatura em história da Universidade Aberta de Portugal

para a utilização dos meios eletrônicos, seja para estudar, para comunicar ou
para trabalhar individualmente ou em grupo. Ao mesmo tempo, adquirem
formação de nível superior na área científica da história e em áreas afins que
integram o plano curricular do curso. Continua a haver uma orientação bas-
tante tradicional, nesse aspecto, que privilegia os conteúdos considerados fun-
damentais, numa linha de abordagem cronológica por grandes épocas histó-
ricas. Isto pode constatar-se na estrutura do maior, com a divisão em
Pré-História, História Antiga (Pré-Clássica e Clássica), Medieval, Moderna e
Contemporânea, mas também nas unidades curriculares que integram os me-
nores, as quais combinam os diferentes períodos temporais com uma organi-
zação mais temática. A opção programática é claramente conservadora, mas a
integração das tecnologias digitais permitiu abrir os horizontes, enriquecer os
conteúdos e os materiais de estudo e de trabalho, dada a acessibilidade de bi-
bliografias e de documentos históricos através da Web. Além disso, permitiu
a estudantes com pouco tempo para estudar e com dificuldade no acesso aos
suportes físicos do conhecimento ter uma janela aberta para extraordinários
repositórios digitais em contínuo e franco crescimento.
Nesse sentido, é inegável a vantagem dessa modalidade de ensino em re-
lação às primeiras fases do ensino a distância, o que tem sido geralmente
­reconhecido pela sociedade. Já não é possível conceber o ensino hoje sem o
recurso aos meios informáticos e à internet. Contudo, a sua utilização continua
a ser feita maioritariamente no quadro de uma pedagogia tradicional, como
coadjuvante do professor para disponibilizar textos, documentos, enunciados
de provas, exercícios etc. Como suporte de ensino a distância são muito utili-
zados os videogramas, numa perspetiva que vem substituir a aula magistral
presencial. A UAb distancia-se desse tipo de uso das tecnologias digitais, pro-
curando, através dos fóruns e da criação de comunidades virtuais de aprendi-
zagem, criar ambientes mais ricos de comunicação e de troca de ideias e de
experiências entre os estudantes. O professor assume-se como facilitador e
orientador do processo de ensino/aprendizagem: planifica o semestre letivo,
propõe a distribuição dos tempos de estudo e de trabalho, fornece as indicações
bibliográficas, os textos e documentos necessários, organiza as atividades for-
mativas, esclarece dúvidas, explica as matérias, por escrito ou usando recursos
como o Skype ou o Colibri, mas, sobretudo, cria as condições para que os alu-
nos possam desenvolver pesquisas, reunir e selecionar informação, analisar e

Junho de 2014 35
Maria Isabel da Conceição João

interpretar documentos históricos e desenvolver trabalhos de iniciação


historiográfica.
De acordo com o grupo de trabalho da área de história do programa Tu-
ning Educational Structures in Europe, os estudantes que completam o 1º ciclo
de estudos devem ser capazes de “apresentar e completar um trabalho em for-
ma oral ou escrita, de acordo com as regras da disciplina, um trabalho de in-
vestigação de média dimensão, onde se comprova a sua habilidade para ma-
nejar informação bibliográfica e fontes primárias, assim como a sua capacidade
para servir-se delas para abordar um problema historiográfico” (Grupo del
Area Temática de Historia, 2003, p.178). No ensino a distância de primeira
geração era muito difícil desenvolver essas competências, dada a limitação dos
meios de comunicação e a rigidez imposta pelo pacote de materiais que eram
fornecidos ao aluno para estudar. No regime de e-learning é possível ao aluno
não só desenvolver competências de pesquisa, usando a Web como recurso,
mas também aprender a formular os problemas e a resolvê-los recorrendo às
fontes primárias e secundárias disponíveis. No seio da comunidade virtual de
aprendizagem, os estudantes podem beneficiar-se da entreajuda dos colegas e
da orientação do docente para desenvolver os trabalhos acadêmicos.
A criação de um ambiente de aprendizagem rico depende da forma como
são estimulados a curiosidade dos estudantes, o espírito interrogativo e ques-
tionador, o interesse pelos problemas históricos em análise, a comunicação e
as interações no contexto da turma virtual. A experiência do ensino presencial
não é muito diferente nesse aspecto, visto que qualquer professor sabe que as
turmas são todas diferentes e que se geram dinâmicas que são facilitadoras ou,
pelo contrário, que podem prejudicar o processo de ensino/aprendizagem. No
nível virtual, num contexto com outras regras e potencialidades, também é
essencial criar dinâmicas de grupo suscetíveis de proporcionar bons resultados.
A aprendizagem colaborativa entre os grupos de alunos, com a troca de infor-
mação, de bibliografia, de apontamentos e de trabalhos, é potenciada pelo uso
da plataforma e dos fóruns. Mas mais importante do que isso é a troca de ideias
e de conhecimentos que se pode realizar através desse meio de comunicação.
Apesar do importante progresso que o regime de e-learning constitui para
a comunidade académica da UAb, o paradigma dominante no 1º ciclo de es-
tudos ainda continua a ser o da transmissão dos conhecimentos e do consumo
de informação. Tal fato decorre do próprio modelo pedagógico adotado nesse

36 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


A licenciatura em história da Universidade Aberta de Portugal

ciclo de estudos e das limitações impostas pela disponibilidade dos recursos


docentes e do corpo de tutores que apoiam a lecionação. A criação de contex-
tos de aprendizagem mais envolventes e capazes de proporcionar um uso das
tecnologias numa perspetiva construtivista do conhecimento, mais colabora-
tiva e interativa, requer uma ratio professor/alunos mais baixa, uma maior
flexibilidade dos programas das unidades curriculares, um acompanhamento
mais personalizado e metodologias diferenciadas de trabalho com os grupos
de estudantes. Estes têm de aprender a assumir a atitude ativa de quem busca
e constrói conhecimento, por oposição à atitude passiva de quem se limita a
receber. O próprio docente tem de estar preparado para abrir caminhos e para
incentivar a arte de pensar, para além do papel tradicional de fornecedor de
conteúdos e de materiais de estudo. Alguns passos têm sido dados nessa dire-
ção, mas ainda estamos longe, neste ciclo de estudos, do que é preconizado por
Seymour Papert:

the real point I want to make is that this split between the informational and the
constructional sides of digital technology happens to run parallel with a split
between two sides of learning which could be called informational learning (or
learning by being told) and constructional learning (or learning by doing and
making.) This parallelism has a mischievous consequence: School traditionally
emphasizes the informational side of learning and this biases it to focus on the
informational side of digital technologies which further reinforces the informa-
tional side of learning. And all this would be fine except that it is the constructio-
nal side of the digital technology that has the more revolutionary and hard to
accept consequences for Education ... Whether it is Dewey in the USA or Mon-
tessori in Italy or Piaget in Switzerland or Vigotsky in Russia, they all agree that
learning would be better if it were more experiential and less didactic. (Papert,
2001, p.66-67)7

Uma real dificuldade no estabelecimento da comunidade virtual de apren-


dizagem prende-se com a gestão do tempo de cada um dos seus membros. O
ritmo de aprendizagem e a disponibilidade de cada um é muito diversificada,
pelo que se torna difícil conjugar as atividades para haver uma dinâmica co-
mum. O fato de a comunicação ser assíncrona é inevitável nesse regime de
ensino, dado que há estudantes em vários continentes e com horários profis-
sionais díspares. Porém, os estudantes precisam ter alguma assiduidade nos

Junho de 2014 37
Maria Isabel da Conceição João

fóruns e estar disponíveis para intervir nos debates e para participar nas ativi-
dades, o que nem sempre acontece. Por isso, é muito variável o rendimento
das turmas e o seu funcionamento com vista a um processo de aprendizagem
mais colaborativo.
A forma de avaliação estabelecida pelo modelo pedagógico virtual da UAb
contempla a necessidade da realização de dois a três trabalhos por semestre,
de acordo com um calendário previamente definido e articulado entre as uni-
dades curriculares pelas coordenações dos cursos. No caso do curso de história,
pretende-se que esses trabalhos coloquem os estudantes perante tarefas inte-
lectuais de diverso tipo: fazer a recensão de uma obra, elaborar uma curta bio-
grafia, discutir um problema historiográfico, tratar um tema ou acontecimento
histórico delimitado, apresentar uma bibliografia comentada etc. Tais traba-
lhos concorrem para desenvolver competências no domínio da investigação e
várias capacidades, nomeadamente de leitura, de pensamento crítico, de sele-
ção de informação, de análise e interpretação dos textos e documentos, de sín-
tese e de escrita. A comunicação escrita é privilegiada nesse modelo de ensino
e a oralidade está praticamente ausente. É uma das limitações importantes dele
que só poderá ser colmatada com o recurso ao blended-learning ou às ferra-
mentas eletrônicas já existentes. De qualquer modo, a componente prática e
de investigação faz parte integrante do processo de avaliação dos estudantes
que conduz à certificação da formação obtida no 1º ciclo de estudos em histó-
ria, na UAb.
Os trabalhos tomam a designação de e-fólios. São individuais e enviados
por via eletrônica. Usa-se para o efeito uma ferramenta da Moodle que permite
fazer o upload dos ficheiros. Nessa mesma ferramenta, o docente pode fazer o
comentário ao trabalho e registar a classificação. É trabalhoso e moroso o pro-
cesso de correção dos trabalhos e, sobretudo, a elaboração do feedback indivi-
dualizado sobre os aspetos positivos e os negativos que é preciso corrigir no
futuro. Porém, é uma parte essencial das tarefas dos docentes e dos tutores.
Uma questão muito discutida a propósito dos e-fólios foi o problema das có-
pias e da autoria dos trabalhos apresentados. O problema também se coloca
no ensino presencial e os seus contornos não parecem ser muito diferentes do
ensino a distância. As universidades têm vindo a desenvolver ferramentas para
detectar as cópias digitais, e a UAb também facultou aos docentes um instru-
mento de trabalho para esse efeito. Não temos estudos sistemáticos sobre esse

38 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


A licenciatura em história da Universidade Aberta de Portugal

problema no curso de história, mas tudo aponta para que é um fenômeno


limitado.
Os resultados dos e-fólios valem 40% da classificação final da unidade
curricular, isto é, oito em vinte valores (a escala portuguesa é de 0 a 20). No
final do semestre, todos os estudantes são submetidos a uma prova presencial
(p-fólio), realizada em locais de exames especialmente contratados pela UAb,
em Portugal e no estrangeiro, com vigilância. A prova tem um peso de 60% no
total da classificação, ou seja, 12 valores. De qualquer modo, ela é determinante
para a aprovação ou reprovação na disciplina. Os docentes são responsáveis
pelo tipo de prova e, em geral, no curso de história preferem-se as provas para
a elaboração de respostas pelos alunos, mais ou menos desenvolvidas con-
soante a pergunta. As provas de resposta objetiva (escolha múltipla, associação,
completamento) não colhem a simpatia dos historiadores. Por isso, o tipo de
desempenho avaliado prende-se com os conhecimentos, a capacidade de aná-
lise e de síntese, de interpretação, de argumentar sobre um assunto, de cons-
truir um discurso lógico, articulado e revelador de domínio dos conteúdos
programáticos.
Em jeito de conclusão, é importante salientar que, com apenas duas dé-
cadas de existência, o curso de história da Universidade Aberta sofreu uma
profunda mudança. O impulso para tal veio do exterior e foi a consequência
da aplicação da reforma de Bolonha em Portugal e da evolução tecnológica que
ditou o fim da modalidade de ensino a distância tradicional. Por um lado,
renovaram-se os objetivos formativos e o plano de estudos do curso e, por ou-
tro, introduziu-se o regime de e-learning com o recurso a uma plataforma. O
modelo pedagógico virtual adotado tem permitido desenvolver um processo
de ensino/aprendizagem mais dinâmico e interativo do que no passado, apesar
de o paradigma dominante ainda ser baseado numa lógica de transmissão de
conhecimentos e de consumo de informação. Contudo, a direção para o ensino
do futuro vem sendo traçada através do uso da Web como ferramenta para os
estudantes serem cada vez mais construtores do seu conhecimento, de uma
forma autônoma e colaborativa com os seus pares. O professor assume o papel
de guia e de facilitador das aprendizagens, mas não de única autoridade num
processo em que se podem multiplicar as fontes de informação, confrontar as
visões e, sobretudo, aprender a pensar e a separar o trigo do joio.

Junho de 2014 39
Maria Isabel da Conceição João

REFERÊNCIAS

AMANTE, Lúcia. Formação de professores a distância: a experiência da Universidade


Aberta de Portugal. Revista Percursos, Florianópolis, v.12, n.1, p.9-26, jan.-jun.
2011.
GRUPO DEL AREA TEMÁTICA DE HISTORIA: Puntos comunes de referencia para
los cursos y currículos de Historia. In: GONZALEZ, Julia; WAGENAAR, Roberto
(Ed.) Tuning Educational Structures in Europe. Informe final. Fase Uno. Bilbao:
Universidad de Deusto y Universidad de Groning, 2003.
PAPERT, S. Change and Resistance to Change in Education. Taking a Deeper Look at
Why School Hasn’t Changed. In: _______. Novo Conhecimento, Nova Aprendiza-
gem. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001. p.66-67.
PEREIRA, Alda et al. Modelo pedagógico virtual da Universidade Aberta. Para uma
Universidade do futuro. Lisboa: Universidade Aberta, 2007. Disponível em:
https://repositorioaberto.uab.pt/bitstream/10400.2/1295/1/Modelo%20
Pedagogico%20Virtual.pdf; Acesso em: 11 maio 2014.
PORTUGAL. MINISTÉRIO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE PORTUGAL. Dire-
ção Geral do Ensino Superior. http://www.dges.mctes.pt/DGES/pt/Estudantes/
Processo+de+Bolonha/Processo+de+Bolonha/; Acesso em: 27 jun. 2014.

NOTAS
1
Segundo informacões do site da Direção Geral do Ensino Superior do Ministério da Ciên-
cia e Tecnologia de Portugal, o processo de Bolonha teve início oficial em 1999, com a de-
claração que leva o nome dessa cidade italiana: “a ideia base é de, salvaguardadas as espe-
cificidades nacionais, dever ser possível a um estudante de qualquer estabelecimento de
ensino superior iniciar a sua formação acadêmica, continuar os seus estudos, concluir a
sua formação superior e obter um diploma europeu reconhecido em qualquer universida-
de de qualquer Estado-membro [da comunidade europeia]”. Atualmente, o processo ali-
nha os cursos (currículo e funcionamento) de instituições de 45 países europeus, com o
objetivo de levar a Europa a um espaço comum de “ciência e de ensino superior, com ca-
pacidade de atração à escala europeia e intercontinental”. (PORTUGAL, s.d.). Mais infor-
mações nos sites: www.bologna-bergen2005.no e http://europa.eu.int/comm/education/
index_en.html. (Nota de Maria Renata Duran, organizadora do dossiê).
2
Despacho nº 10/ 342/2000. Regulamento do curso de História, Diário da República, II
série, nº 116, 19 de maio de 2000, p. 8702.
3
Despacho nº 17 511/98. Regulamento das licenciaturas em ensino, Diário da República, II
série, nº 233, 9-10-1998, p. 14272-14273.
4
Veja uma síntese da questão dos descritores de Dublin no sítio da Direção Geral do Ensi-

40 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


A licenciatura em história da Universidade Aberta de Portugal

no Superior de Portugal. Disponível em: http://www.dges.mctes.pt/DGES/pt/Estudantes/


Processo+de+Bolonha/Objectivos/Descritores+Dublin/; Acesso em 7 maio 2014.
5
ACEF/1213/13462 – Guião para a auto-avaliação do 1º ciclo de História da Universidade
Aberta, 2012, ponto 6.1.1, Objectivos de aprendizagem (conhecimentos, aptidões e compe-
tências) a desenvolver pelos estudantes. p.42.
6
Ibidem, ponto 1.1. Objectivos gerais definidos para o ciclo de estudos, p.16.
7
“O argumento principal que quero defender é que a divisão entre os lados informativos e
construtivos da tecnologia digital acabam ocorrendo em paralelo à divisão entre os dois
lados da aprendizagem, que podem ser chamados de aprendizado informativo (ou apren-
dizado pela via da instrução) e aprendizado construtivo (ou aprendizado pela via do fazer
e do realizar). Este paralelismo produz uma consequência perigosa: a tradicional ênfase da
escola no lado informativo do aprendizado enviesa seu foco para o lado informativo das
tecnologias digitais, o que, por sua vez, reforça o lado informativo do aprendizado. Tudo
isto seria ótimo, caso não fosse o lado construtivo da tecnologia digital que possuísse as
mais revolucionárias e difíceis de aceitar consequências para a Educação. Seja Dewye, nos
Estados Unidos; ou Montessori, na Itália; ou Piaget, na Suíça, ou ainda Vigotsky, na Rús-
sia, todos concordam em que o aprendizado seria melhor se fosse mais experimental e
menos didático” (trad. Breno B. Magalhães).

Artigo recebido em 30 de maio de 2014. Aprovado em 27 de junho de 2014.

Junho de 2014 41
Educação online colaborativa: implicações
teórico-metodológicas de uma nova
modalidade de ensino e aprendizagem
Online Collaborative Education: Theoretical and methodological
implications of a new mode of teaching and learning
Bruno José Betti Galasso*
Denise Trento Rebello de Souza**

Resumo Abstract
O artigo problematiza alguns elementos The paper seeks to problematize some
básicos da educação online. Considera of the basic elements of online educa-
que a vida nas sociedades contemporâ- tion. It recognizes that life in contempo-
rary societies is permeated by Digital
neas é atravessada pelas Tecnologias Di-
Information and Communication
gitais de Comunicação e Informação
Technologies (DICT) and that, there-
(TDIC) e que, portanto, a educação se
fore, education would benefit from in-
beneficiaria desse suporte na revisão de
cluding these new supports in a revision
seu modo de operar. Parte de pesquisa
of its manner of operating. It departs
concluída recentemente sobre educação from a recently concluded study on on-
online para apresentar alguns dos ele- line education, and introduces some of
mentos essenciais dessa modalidade de the essential elements of this modality
ensino, tais como trabalho colaborativo, of teaching, such as collaborative work-
interação, virtualização e hipermídia, ing, interaction, virtualization and hy-
bem como para refletir sobre caracterís- permedia, whilst reflecting upon the
ticas e sobre o lugar docente na educa- characteristics of online education and
ção online. upon the role of teachers in it.
Palavras-chave: educação online; traba- Keywords: online education; collabora-
lho colaborativo; hipermídia. tive work; hipermidia.

Na contemporaneidade, as revoluções tecnológicas engendram-se em to-


dos os domínios da atividade humana, de modo que tecnologia e sociedade

*Doutor em Educação. Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo (USP). brunogalasso@


uol.com.br
**Departamento de Filosofia da Educação e Ciências da Educação, Faculdade de Educação,
Universidade de São Paulo (USP). dtrento@uol.com.br

Revista História Hoje, v. 3, nº 5, p. 43-60 - 2014


Bruno José Betti Galasso e Denise Trento Rebello de Souza

precisam ser concebidas necessariamente em suas imbricações. Com o cres-


cente desenvolvimento tecnológico experimentado nas últimas duas décadas,
a quantidade de informação e de conhecimento, assim como as tecnologias
que os viabilizaram, possibilitaram a emergência de métodos, conteúdos e for-
mas de interação alternativos àqueles tradicionalmente praticados no âmbito
educacional.
Nesse contexto, as tecnologias modernas vêm se caracterizando por uma
dinâmica que afeta o modo de produzir e partilhar informações e conhecimen-
to, bem como a própria constituição dos indivíduos, sua subjetividade e seu
modo de relacionar-se com os outros e com o mundo.
No final do século passado, quando se vislumbrava o futuro transformado
pelas Tecnologias Digitais de Comunicação e Informação (TDIC), Toffler
(1990, p.44) ponderava que, por mais de três séculos, as nações industrializadas
travaram uma luta política em torno da distribuição da riqueza, procurando
estabelecer hierarquias. Mas, “seja qual for a distância que separa os ricos dos
pobres, um abismo ainda maior separa os ignorantes dos instruídos”. Apesar
de todas as iniquidades de renda e riqueza, a disputa por posições de prestígio
e poder vem se transformando também em um embate por distribuição e aces-
so ao conhecimento. Nessa nova ordem, não há como se proteger contra o
abuso do poder se não tivermos a noção de como e para quem flui o direcio-
namento de informações contínuas caracterizado pelo ciberespaço.
Nesse sentido, a tarefa do educador ocorre num contexto social em que
as transformações tecnológicas recentes trazem novos cenários e novos modos
de relação que se impõem e que não podem ser ignorados. A realidade social
compreende sistemas educacionais, mas também diversos outros sistemas que
influenciam a educação e dela sofrem influência. Essa permeabilidade entre
instituições de ensino e sociedade está na origem das complexas relações entre
essas instâncias, fazendo que na escola se desenvolvam processos sociais e cul-
turais diversos: reprodução, resistência, negociação, apropriação e transfor-
mação, entre outros.1 Assim, no âmbito desses processos se formam relações
em que a diversidade de opiniões, ideias e formas de se compreender e signi-
ficar o mundo se fazem presentes.
Diante desse cenário de transformações, sociedade e educação veem-se
frente a inúmeros desafios para garantirem a formação de cidadãos conscientes
e críticos, que tenham fortalecida a capacidade de reflexão e de participação

44 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Educação online colaborativa: implicações teórico-metodológicas

nos processos culturais, sociais e econômicos das sociedades em que vivem.


Essas não são tarefas simples, pois demandam, entre outras coisas, a redefini-
ção do papel da escola bem como negociações no estabelecimento das políticas
públicas que venham ao encontro da promoção de uma educação escolar aces-
sível a um maior número de pessoas, se possível com ganhos em qualidade.
Considerando que este país é de vastas proporções, com regiões bastante dife-
renciadas econômica e culturalmente, a educação a distância apresenta-se co-
mo uma alternativa complementar − é importante dizer − que oferece vanta-
gens não desprezíveis. No entanto, essa modalidade de ensino ainda é
implementada com ressalvas e dúvidas em relação a vários aspectos, desde
técnicos e pedagógicos, até políticos e ideológicos (Keegan, 1996).
Ensinar, como afirma Freire (2011, p.96), requer apreensão da realidade.
Nossa capacidade de ensinar decorre da nossa capacidade de aprender, e o
aprendizado não ocorre apenas para a nossa adaptação, mas, sobretudo, para
que possamos intervir na realidade de modo a transformá-la. E como a edu-
cação é uma forma de intervenção no mundo, requer também levar em con-
sideração e respeitar os saberes dos alunos constituídos na prática comunitária
e cotidiana.
Por isso, é importante notar que os hábitos, costumes e práticas cotidianas
do educando vêm sendo redesenhados pelo uso das novas tecnologias. Fora
do espaço escolar, o educando utiliza a linguagem em aparelhos celulares, com-
putadores, redes sociais, blogs, twitter, jogos online, ambientes virtuais de
aprendizagem, aplicativos etc.2 A interação do indivíduo com a sociedade, en-
tão, é mediada pelas TDIC, cujos signos constituintes da linguagem são pre-
dominantes no cotidiano do aluno, ocorrendo de forma rápida e frequente.
Além disso, a interação do aluno com as TDIC implica a apropriação de
diversos modelos de linguagem, visual e/ou audiovisual, leitura e/ou escrita, já
pertencentes ao processo histórico-cultural do educando. A adoção desses mo-
delos por parte da educação tenderia a evitar o conflito entre os modos de
aprender no espaço escolar ou fora dele minimizando dificuldades de apren-
dizagem nesse processo. Mas a apropriação de soluções recorrentes no passa-
do, ou até em países tecnologicamente mais desenvolvidos, também pode ser
ardilosa ao apresentar defasagem ou inadequação. Além disso, a adesão às
tecnologias de informação e de comunicação na educação online não pode vir
desacompanhada de uma nova perspectiva dos conceitos de comunicação,

Junho de 2014 45
Bruno José Betti Galasso e Denise Trento Rebello de Souza

interação, colaboração e virtualização. As tecnologias digitais e midiáticas mais


recentes continuam a transformar os conceitos e a compreensão da realidade
e das relações com o saber, acarretando grandes desafios na busca da inovação
pedagógica e na construção de uma educação online que leve em conta possi-
bilidades e limitações da virtualidade.
No que diz respeito à educação online, o país vem enfrentando sérios pro-
blemas, como a descontinuidade da legislação, das políticas públicas e de fi-
nanciamentos; a utilização de modelos inadequados de ensino; o alto custo dos
sofisticados equipamentos importados e de softwares; a escassez de material
disponível na rede em língua portuguesa; a pouca experiência de ponta, e a
escassez de profissionais com experiência para criar e operar a educação online
(Litto, 2006).
Mesmo assim, essa modalidade de ensino tem apresentado novos elemen-
tos significativos nos processos de ensino e de aprendizagem. Trata-se de um
modelo que pode ser vivenciado e exercitado tanto como uma forma de ensino
como para potencializar situações de aprendizagem mediadas por encontros
presenciais (b-learning) e totalmente a distância ou híbridos (como é o caso
dos semipresenciais), quando os encontros presenciais podem ser combinados
com encontros mediados por algum tipo de tecnologia.
Domingues (1997) aponta para uma “integração da mente humana com
as mentes de silício” e também para o fato de que a sensibilidade humana, nos
últimos tempos, está se formulando em ambientes tecnologizados. Assim, a
educação online surge acompanhando o contexto em que a instituição de en-
sino, o educador e o educando estão inseridos, levando-se em consideração
que não apenas o ambiente, mas também a capacidade humana de processar
informações a partir da máquina encontram-se em transformação.
Em ambientes virtuais de aprendizagem, caracterizados pela simulação
ou pela disposição de objetos e ações como no real, o estudante é virtualmente
capaz de estar em um ou vários pontos (nós) do ciberespaço, lendo ou vendo
notícias e informações, fazendo trabalhos em grupo, jogando e visitando mu-
seus, entre outras atividades. Com isso, o estudante pode estar em vários pon-
tos de uma rede ao mesmo tempo, sendo essa rede a representação não somen-
te de lugares físicos e territoriais distintos, mas também a (re)apresentação de
outros sujeitos (múltiplos).

46 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Educação online colaborativa: implicações teórico-metodológicas

A interação e a troca estabelecidas pelo estudante, bem como a simulação


e a locação de sua existência nesses ambientes são marcadas por dispositivos
semióticos que contribuem para a (in)formação. Dispositivos visualmente dis-
tribuídos em uma interface hipertextual Web, que propicia e admite o erro
como condição necessária à construção de autorias em processos de produção/
difusão da informação, conhecimento e aprendizagem.
Assim, na educação online, o estudante é convidado a um deslocamento
de papéis assinalado por escolhas múltiplas em que pode assumir várias carac-
terísticas de uma identidade ou “identificações sucessivas”, tendendo para o
afastamento cada vez maior do papel de espectador passivo, e assumindo ca-
racterísticas como marcas reais de uma personalidade (Medeiros, 2000).
Para Molina (2007, p.42) os predicados de “participativa” e “colaborativa”
dizem respeito a uma ciência educativa crítica, para a qual vêm caminhando
as práticas, os entendimentos e os valores educativos. A participação do aluno
lhe fornece a possibilidade de experimentar sensações que perpassam a ideia
de efemeridade, espacialidade e temporalidade. Em um ambiente virtual cola-
borativo, percebe-se o aluno no comando de seu próprio aparelho de apren-
dizagem, com o professor e os colegas ao lado, em uma estrutura de poder
horizontal, prontos para auxiliar, incentivar e colaborar quando necessário.

O traço colaborativo do ensino online

Alguns autores defendem uma autêntica revolução ou mudança paradig-


mática com a utilização do modelo de educação online. Harasim (2000, p.47)
aponta que o trabalho em rede e a convergência do campo de comunicação
com o da informática transformaram-se nos motores de uma nova forma de
educação, que nos conduz a uma nova estrutura, denominada de aprendizagem
em rede. Nesse panorama, ressalta-se a importância de um ensino online cola-
borativo: “É necessário ter presente que a colaboração deve ser fomentada e
construída, razão pela qual é fundamental uma análise criteriosa das aplicações
que serão empregadas, de forma a utilizar, prioritariamente aquelas que pro-
movam a colaboração”.
Assim, percebe-se que as premissas que sustentavam outros modelos de
formação anterior estão agora postas em causa por meio da EaD. Ou seja, as
funções do professor, dos conteúdos, da própria tecnologia, assim como a

Junho de 2014 47
Bruno José Betti Galasso e Denise Trento Rebello de Souza

forma de acesso à formação e a maneira como os adultos aprendem estão se


modificando.
Esse novo paradigma assenta, também, na formação em rede, que apre-
senta como capital a possibilidade de aprender com os outros, através do in-
tercâmbio de experiências e práticas. A educação online distingue-se paradig-
maticamente de quase todos os processos que a antecederam, pois representa
uma ecologia de aprendizagem: “Não se trata de mais um complemento, mas
de uma tecnologia que está transformando nossas instituições de ensino e a
forma como teorizamos e praticamos a educação” (Garrison; Anderson, 2005,
p.169).
Nesse sentido, a educação online não pode ser confundida com uma en-
tregadora de dados informacionais, pois é responsável pela construção da con-
cepção compartilhada, de modo coordenado e singular. Trata-se de um pro-
cesso em que os alunos interagem, compartilham e edificam o aprendizado
mutuamente, por meio da construção conjunta do conhecimento, respeitando
a iniciativa própria de cada aluno. O aprendizado que ocorre no ambiente on-
line dispensa hierarquias e, ao contrário, se alicerça no esforço coordenado em
busca de um objetivo comum.
Vale assinalar, também, que a educação online dá valor ao processo de
aprendizagem coletiva, e evolui de forma mais qualitativa do que quantitativa,
pois aproxima os alunos e os incentiva ao compromisso, à responsabilidade
com os colegas e a determinadas ações perante o grupo, além do compartilha-
mento de autoridade e compromisso mútuo. Para isso, os agentes do ensino
devem coordenar esforços, e manterem-se conectados de forma sincronizada.
O trabalho conjunto e a ajuda mútua estimulam “a iniciativa, a atenção aos
pormenores, e o empenho na atividade ... os colegas mais capazes podem fa-
cilitar a aprendizagem dos mais fracos sem serem prejudicados com isso”
(Neuman; Roskos, 1997, p.17).
Dessa forma, a utilização das TDIC na educação online resulta na redefi-
nição do que é ensinar e aprender colaborativamente. Atualmente, com as
tecnologias colaborativas, se dá a interação entre pessoas através de redes de
comunicação, potencializando os processos de educação. O quadro a seguir
resume a evolução da tecnologia educacional nos últimos tempos.

48 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Educação online colaborativa: implicações teórico-metodológicas

Figura 1 – Evolução das tecnologias e sua relação com a aprendizagem

Partindo das “tecnologias transmissivas”, associadas à transmissão e dis-


tribuição de conteúdos, nas primeiras fases da formação a distância, evoluiu-se
para tecnologias mais interativas, que permitiam algum tipo de interação com
o conteúdo por meio da máquina. Atualmente, com as “tecnologias colabora-
tivas”, prioriza-se a interação entre pessoas através de redes de comunicação,
emulando os processos de comunicação.
Com o advento das “tecnologias colaborativas”, que se caracterizam pelo
estabelecimento de altos níveis de interação comunicacional entre os interve-
nientes nos processos de formação, criam-se condições para a transformação
dos processos formativos de acordo com um novo modelo mental, no qual é
possível combinar independência, autonomia e colaboração.
Essa evolução tecnológica, ou seja, a transformação das tecnologias da
comunicação em tecnologias da colaboração, não tem apenas a virtude de pos-
sibilitar a emergência de uma aprendizagem ativa, mas é também um incita-
mento para ir além da aprendizagem individual e para inscrever uma nova
forma de aprendizagem em comunidade. Contudo, é necessário avançar das
“tecnologias colaborativas” para a utilização colaborativa das tecnologias. A
colaboração não é uma propriedade das tecnologias, mas estas podem fornecer
a infraestrutura necessária para o estabelecimento de relações sociais e de tra-
balho, potencializando a colaboração.

Junho de 2014 49
Bruno José Betti Galasso e Denise Trento Rebello de Souza

Os ambientes virtuais educativos cada vez mais vêm valorizando a cola-


boração, que tem sido vista não apenas como uma importante estratégia pe-
dagógica, mas como uma filosofia do ciberespaço.
A convergência da colaboração com o potencial inovador das tecnologias
parece conduzir à criação de novos espaços, com possibilidades mais alargadas
de comunicação, de interação, de relacionamento social e de trabalho colabo-
rativo, associado a novas formas de aprendizagem e formação. Independente-
mente de se tratar de uma evolução, de uma revolução ou de apenas mais um
modelo de educação, o que aparenta é que dispomos, atualmente, da oportu-
nidade de aprender mais, diferente e de forma diversificada.
Para o professor do ensino online, o fator colaboração contribui rompen-
do com a cultura de isolamento impregnada em outros modelos de educação.
Cabe ao docente online ter vivência estratégica de colaboração, bem como re-
fletir sobre as teorias metodológicas adequadas e projetos didáticos próprios
para serem aplicados nos ambientes online colaborativos. As propostas edu-
cacionais, quando são dinâmicas e ativas, colaboram para que tanto docente
quanto alunos experimentem outros modos de ensinar e aprender. As ativida-
des colaborativas desenvolvidas nos ambientes virtuais de aprendizagem re-
querem, assim, a participação de todos os agentes do ensino. A articulação
entre professor e aluno deve ser permanente, pois são eles os membros ativos
da aprendizagem colaborativa, compartilhando experiências, pesquisas e des-
cobertas na construção do conhecimento.

O processo de interação na educação online

Na educação online, o engajamento e a participação entre os agentes do


ensino e o conteúdo do curso ocorrem por meio da interação mediada pela
tecnologia digital. Essa troca tem a finalidade de melhorar ou mudar o am-
biente dos estudantes em relação aos objetivos educacionais, construindo co-
nhecimentos e ampliando a compreensão do conteúdo ministrado. “É indis-
cutível o fato de que a internet, no contexto educacional, é uma importante
difusora da educação online por sua diversidade de ferramentas de interação”
(Ogliari; Souza, 2012, p.4).
Mas, para concretizar a interação no intuito de construção do conheci-
mento, é necessário que o curso tenha uma proposta objetiva e clara, e que o

50 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Educação online colaborativa: implicações teórico-metodológicas

docente seja um profissional apto à promoção e troca de ideias. Conforme


pesquisa recentemente concluída, o papel do professor não pode ser descuida-
do, dada sua importância, tanto no modelo presencial quanto no online, po-
dendo ser até mais central e oneroso neste último do que no modelo anterior
(Galasso, 2013, p.169).
Nesse sentido, os instrumentos de comunicação se transformam em ins-
trumentos simbólicos de mediação, por meio dos quais o sujeito constrói seu
raciocínio, dinamiza múltiplas habilidades e potencializa suas linguagens. Essa
dimensão é alcançada através da experiência interativa no grupo, do compo-
nente humano e de seu processo de mediação.
Ferramentas como o fórum e os chats, apropriadas para a interação entre
seus usuários, devem ser bem exploradas pelo curso online, e os alunos incen-
tivados a usá-las para discussões e trocas de ideias. Aí se tem a mediação fun-
damental do professor. É preciso criar uma cultura educacional que destaque
a interação na aprendizagem virtual. “Consideramos que a reflexão sobre esse
tipo de atividade é fundamental para que possamos propor situações cada vez
mais enriquecedoras e desafiadoras” (Torricelli; Correa, 2012, p.9).
Em ambientes virtuais de aprendizagem, a promoção da interação do alu-
no nas discussões é essencial para a aprendizagem. Por isso, faz-se importante
que a instrução baseada na internet e no design da plataforma de ensino inclu-
am explicitamente a interação no contexto social, uma vez que o processo de
aprendizagem ocorre dentro de uma estrutura social.
Assim, é possível afirmar que a interação aluno-aluno é essencial para a
educação online, pautada na colaboração. Os estudantes geralmente conside-
ram a interação com seus pares muito valiosa e motivadora. O conceito de
interação como a troca de informações e ideias, acrescido do diálogo que ocor-
re entre os alunos no curso online “contribui imensamente para uma visão
centrada no aluno, focando o aprender e proporcionando a oportunidade para
a negociação social do significado e da construção de conhecimentos entre os
alunos” (Gunwardena; Mcisaac, 2004, p.362).
Cada estudante tem de construir seu conhecimento também por meio da
interação com o conteúdo, acomodando novas informações àquelas previamente
existentes no esquema cognitivo. Dessa forma, o papel do professor é apoiar e
ajudar cada aluno na maneira como ele interage com o conteúdo, o que implica
uma atenção mais personalizada. Para Moore (1991, p.2), a interação entre o

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Bruno José Betti Galasso e Denise Trento Rebello de Souza

aluno e o conteúdo é uma característica essencial da educação. Sem ela não pode
haver educação, uma vez que é o processo intelectual da interação com o con-
teúdo que resulta em mudanças na compreensão do aluno, na perspectiva, ou
nas estruturas cognitivas da mente do aprendiz.
Outro fator que influencia positivamente as interações online é o feedback,
ou retroalimentação, que pode ser informativo e/ou corretivo. Esses tipos de
comentários referem-se à informação que permite aos alunos avaliar a quali-
dade do seu desempenho e corrigir erros. Por isso, além de informativo ou
corretivo, o feedback deve ser oportuno e preciso para evitar equívocos.
O feedback informativo inclui respostas e esclarecimentos às questões re-
lacionadas com a logística do curso, às questões técnicas, ou o diálogo sobre
as atividades do curso. Já o feedback corretivo ou de avaliação é muitas vezes
considerado o tipo mais comum de feedback. Esse comentário procura dotar
os alunos com informações sobre a correção de suas respostas mediante a in-
tervenção do professor (Grooms, 2000, p.49).

Hipermídia e a arquitetura da informação

A colaboração, a interação e a boa utilização das ferramentas digitais são


características próprias do contexto da hipermídia. Esse instrumento de co-
municação, que reside no ambiente online, integrando ou mesclando textos,
imagens, sons e vídeos, em processo de interação com o usuário, abre-se “para
a experiência plena do pensamento e da imaginação, como um processo vivo
que se modifica sem cessar, que se adapta em função do contexto e, enfim, joga
com os dados disponíveis” (Machado, 2001, p.109).
Dá-se o nome de hipermídia aos sistemas de representação de conheci-
mento nos quais a informação e seus diversos elementos são articulados de
diferentes modos, pois os usuários do sistema possuem diferentes expectativas.
Pela hipermídia navega-se por meio de links, que conduzem a descobertas de
ligações conceituais entre os temas, que se encontram em sessões que se rela-
cionam entre si.
Caminhando pela hipermídia, no ambiente online, o estudante pode tra-
çar seu itinerário e decidir a forma como irá percorrê-lo, mesmo que as pos-
sibilidades sejam predeterminadas. A não linearidade traduz o modo de pensar

52 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Educação online colaborativa: implicações teórico-metodológicas

do ser humano. A hipermídia é um instrumento que permite àquele que o


arquiteta inventar mundos e regras para a contribuição de seu enredo.

A hipermídia na educação possibilita criar ambientes de aprendizagem atraentes


e motivadores. A combinação de mídias auxilia na educação, pois prende a aten-
ção, entusiasma, entretém e ensina com maior eficiência, porque transmite as
informações de várias formas, estimulando diversos sentidos ao mesmo tempo.
Nisso reside o poder da informação multimidiática, em que a carga informativa
é significantemente maior, os apelos sensoriais são multiplicados e isso faz com
que a atenção e o interesse do aluno sejam mantidos, promovendo a retenção da
informação e facilitando a aprendizagem. (Braglia, 2012, p.42)

Na educação online, a plataforma de aprendizagem deve apresentar-se ao


usuário de forma simples, interativa e transparente, tendo, portanto, a capaci-
dade de funcionar em segundo plano (como respaldo) e revelar os conteúdos,
as mensagens e a interação entre os usuários do ambiente virtual.
Nesse contexto, a integração de hipermídias a ambientes virtuais de
aprendizagem adota contextos semântico-cognitivos que se apoiam em estru-
turas de expectativa e dependem dos atos de significação. Isto é, a linguagem
passa a ser vista de modo diferenciado e o pensamento é mapeado por domí-
nios de conceitos distintos, estruturado por esquemas de imagem. Trata-se de
um contexto que conta com fatores conjunturais e pragmáticos e, com isso, dá
margem ao processo de criação de significados.
São muitas e variadas as consequências, em termos educativos, que advêm
das particularidades apresentadas por esses sistemas, na medida em que pro-
porcionam a criação de ambientes de aprendizagem com os quais o aprendiz
pode interagir diretamente. Tal perspectiva do contexto educacional faz que o
ensino online se torne multirreferencial, favorecendo pesquisas e análises dos
fenômenos a serem estudados nas diversas matérias, bem como a identificação
e a análise das ocorrências do dia a dia.
As novas opções de ligação à escala mundial, através de modos nunca an-
tes alcançados, proporcionam ambientes com oportunidades únicas de apren-
dizagem, pois o espaço considerado como distância física entre o aluno e o
professor, entre dois alunos, ou entre um aluno e a fonte de recursos deixa de
ser um obstáculo à aprendizagem.

Junho de 2014 53
Bruno José Betti Galasso e Denise Trento Rebello de Souza

A hipermídia desenhada para ambientes virtuais de aprendizagem valo-


riza a metodologia centrada no aluno, exigindo ambientes online amplos, que
forneçam ao aluno a sensação de espaço e de lugar para se trabalhar. Esses
ambientes devem ser acolhedores como locais próprios para habitar um indi-
víduo ou uma comunidade de aprendizagem. Essa perspectiva construtivista
gera um ambiente de aprendizagem apropriado para o trabalho em conjunto,
onde os alunos possam se apoiar uns aos outros quando usam uma variedade
de ferramentas e recursos de informação na perseguição de metas de aprendi-
zagem e em atividades de resolução de problemas.
A plataforma de ensino online necessita, então, caracterizar-se em um
espaço que funciona como uma interface uniforme de um sistema de informa-
ção distribuída, na qual os materiais que são objetos de aprendizagem podem
ser pesquisados e mostrados de uma forma fácil e intuitiva.
Nesse sentido, faz-se necessário desenvolver um novo olhar sobre am-
bientes interativos mediados por computadores para buscar uma melhor qua-
lidade dos recursos hipermidiáticos na educação. De acordo com Melo et al.
(2009, p.21-22), “esses ambientes só podem auxiliar no processo de construção
do conhecimento se, por trás de sua implementação, existir um profundo co-
nhecimento da comunicação humana”. Pouco adianta recursos informáticos
sofisticados, “se o aluno de cursos online, por exemplo, se sente preso e com
sérias dificuldades de interagir, tirar dúvidas com seus tutores”.
Desse modo, os ambientes online de educação podem constituir-se em
espaços educativos flexíveis, que são ao mesmo tempo fontes de informação e
de comunicação, proporcionando aos professores e estudantes condições para
interagirem em sincronia ou assincronicamente, de forma bidirecional ou mul-
tidirecional, em uma sala de aula virtual. As tecnologias de suporte aos am-
bientes online constituem uma plataforma de ensino e aprendizagem que uni-
formiza o acesso a todos os serviços disponíveis, criando no usuário a visão de
um sistema de informação universal.
Com a arquitetura da informação empregada no desenvolvimento de pla-
taformas de gestão de aprendizagem, como, por exemplo, o WebCT, o Black-
board e o Moodle, que permitem a gestão, a localização e o acompanhamento
dos trabalhos desenvolvidos pelos alunos, a Web tornou-se um meta-ambiente
universal de aprendizagem.

54 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Educação online colaborativa: implicações teórico-metodológicas

O conectivismo

O conectivismo é uma teoria de aprendizagem que, se aplicada adequa-


damente, tem potencial para melhorar significativamente a educação online
por meio da revisão das perspectivas de ensino, gerando uma mudança maior
no processo de educação centrado no estudante. A teoria permite aos profes-
sores reduzirem o controle de conteúdo do curso de maneira positiva, ou seja,
desviando o foco da tradicional aula expositiva e proporcionando aos estudan-
tes a iniciativa de localizar, apresentar e entender o sentido do conhecimento
relevante. Assim, quando o conhecimento deixa de estar centrado em especia-
listas (professor), o conteúdo e as conversas passam a ser contínuos, e a apren-
dizagem pode atingir todos os participantes da aula, incluindo o professor.
Baseado em suas pesquisas para desenvolver essa nova teoria, Siemens
(2003) aponta que as teorias de aprendizagem existentes não levam em conta
a natureza mutável da aprendizagem e dos alunos, devida à influência dos
avanços tecnológicos. Dessa forma, o conectivismo surge como a integração
de princípios explorados pelo caos, redes e teorias da complexidade e auto-
-organização. O autor descreve o aprender online como “confuso, caótico, so-
cial, colaborativo e conectado a outras atividades e interesses. A educação for-
mal, ao contrário... [é] artificial e estruturada” (Siemens, 2003). Em seu
trabalho “Conectivismo: uma teoria de aprendizagem para a era digital”, Sie-
mens (2004, p.145) descreve os seguintes princípios do conectivismo:
• A aprendizagem e o conhecimento estão apoiados na diversidade de
opiniões.
• A aprendizagem online é um processo de conectar nós especializados
com fontes de informação.
• A aprendizagem pode residir em dispositivos não-humanos (o que po-
de ter dois significados: ferramentas tecnológicas que viabilizam o pro-
cesso de ensino-aprendizagem para humanos, ou dispositivos tecnoló-
gicos que, por meio da memorização, podem “aprender” e, assim,
redirecionar suas atividades/procedimentos).
• Cultivar e manter conexões é necessário para facilitar a aprendizagem
contínua. A habilidade de enxergar conexões entre áreas, ideias e con-
ceitos é uma habilidade fundamental. A circulação (conhecimento pre-

Junho de 2014 55
Bruno José Betti Galasso e Denise Trento Rebello de Souza

ciso e atual) é a meta de todas as atividades de aprendizagem conecti-


vistas.
• Tomar decisões é por si só um processo de aprendizagem. Escolher o
que aprender e o significado das informações que chegam envolve um
processo que sempre deverá ser visto através das lentes de uma reali-
dade em mudança. Uma resposta certa agora pode ser errada amanhã
devido a alterações no clima de informações que afetam a decisão.
De acordo com a teoria conectivista, a aprendizagem é considerada um
processo no qual o papel da troca de informações organizadas em redes e
apoiadas por ferramentas eletrônicas torna-se cada vez mais significativo.
Aprender se torna um eterno e contínuo sistema de atividades incorporadas a
outras atividades na rede.
A motivação para ganhar e contextualizar informação se torna mais forte
se a pesquisa e a avaliação acontecem em cooperação na Web. Assim, o conhe-
cimento coletivo, uma vez mais, se torna uma fonte de conhecimento indivi-
dual. Conforme aumenta o número de atividades cooperativas, redes sociais
tornam-se palco de troca informal de conhecimentos e “comunidades de prá-
tica” se desenvolvem. Além das questões de “como” e “o que” aprender, agora
temos a questão do “onde aprender”.
Por isso, os educadores que trabalham com modelos online têm aplicado
o conectivismo em ensino e aprendizagem muito antes do surgimento da teo-
ria formal conectivista. Nesse contexto, a Web ajuda a construir um tecido rico
que combina os pequenos esforços de muitos com os grandes esforços de pou-
cos. Ao enriquecer a diversidade de informações e conhecimentos disponíveis,
permite que a cultura e a sensibilidade de uma região se modifiquem. De fato,
sua mensagem é que a aprendizagem pode e deve estar acontecendo em todos
os lugares – uma ecologia de aprendizagem. Ao mesmo tempo, um novo sis-
tema autocatalítico começa a surgir, reforçando e alargando as competências
essenciais de uma região, determinada pela apropriação do capital também na
educação.
Portanto, faz-se possível afirmar que o conectivismo apresenta compo-
nentes de uma ecologia de aprendizado dinâmica e viva: informal e não estru-
turada. Assim, o sistema educacional não deveria definir a aprendizagem e a
discussão antes do acontecimento (momento do ensino-aprendizagem) em si.
Ao invés disso, o sistema deveria ser suficientemente flexível para permitir aos

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Educação online colaborativa: implicações teórico-metodológicas

participantes criarem as discussões necessárias de acordo com suas necessida-


des. Para criar uma ecologia de compartilhamento de conhecimentos, os par-
ticipantes precisam ver um ambiente em evolução consistente, baseado na
confiança e no contato social elevado (face a face ou online), necessário para
fomentar, igualmente, um sentimento de confiança e conforto.

Alguns apontamentos baseados em pesquisa

Para finalizar este artigo, apresentam-se algumas reflexões baseadas em


pesquisa de doutorado recentemente concluída, que tomou como objeto um
curso em modalidade online em nível de formação superior.3 Privilegiam-se
as análises e implicações relativas ao papel docente nessa modalidade de
ensino.
Dos resultados dessa investigação, cuja principal questão dizia respeito à
possibilidade de o ensino online atender as necessidades atuais da educação e
fornecer ao estudante o estímulo necessário ao processo de aprendizagem, o
que se pôde abstrair foi que existem algumas premissas fundamentais para o
êxito dessa modalidade educacional. Entre as principais, estão os recursos que
o ambiente virtual do curso oferece, bem como a interação e a colaboração
entre os alunos e o papel desempenhado pelo professor nesse ambiente. Esses
elementos constituem o alicerce da educação online, pois é por meio deles que
ocorre a ação educativa.
A pesquisa aponta que a grande preocupação da educação online envolve
o professor, considerando sua conduta, seu preparo, sua disponibilidade e sua
participação na aprendizagem do aluno. Além disso, aparecem outros elemen-
tos específicos do papel docente nesse modelo de aprendizagem, como a ha-
bilidade com a tecnologia do curso, a agilidade nas respostas em tempo real
ou assíncrono, o retorno às tarefas elaboradas pelos alunos nos fóruns e a ca-
pacidade de incentivar o aluno a participar das discussões e pesquisas. Esses
apontamentos tangem à interação efetiva professor-aluno, na qual se revela a
importância da mediação, indicando que o papel do professor é tão importante
nesse modelo de ensino como na educação presencial, podendo ser até mais
central e oneroso do que o papel do professor no ensino tradicional.
Interessante destacar que a pesquisa demonstrou que a interação online
entre os estudantes no âmbito do curso trouxe ganhos quanto ao sentimento

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Bruno José Betti Galasso e Denise Trento Rebello de Souza

de presença social, o que favoreceu o estabelecimento de uma comunidade de


partilha bem como a construção coletiva de conhecimentos. Assim, há indícios
fortes de que o ensino online é capaz de realçar a importância do aluno, para
si próprio, fazendo que ele se sinta presente socialmente e parte de um todo, e
atue com noção de cidadania para o grupo, colaborando com a formação de
uma comunidade virtual de aprendizagem.
Ocorre, de fato, um panorama de colaboração alicerçado pelas redes na
educação online. No entanto, a recente utilização dos ambientes virtuais na
educação indica que não é por meio da inovação de uma ferramenta que a uti-
lização massiva passa a permear a sociedade, mas a partir do momento em que
a população se torna capaz de assimilar a tecnologia durante o uso cotidiano.
Por isso, faz-se necessário o desenvolvimento de estratégias pedagógicas com
o intuito de ampliar o letramento digital dos estudantes, para que a tecnologia
seja uma interface virtualizada de novas possibilidades comunicacionais e edu-
cativas. Nesse sentido, o trabalho ratificou a integração multimídia da educa-
ção online como um elemento singular dessa modalidade de ensino, capaz de
construir grupos por meio da conversação “muitos para muitos”.
Vale a pena concluir destacando que o sentimento de pertencer e de ser
acolhido num grupo constitui necessidade humana e requer cuidados para que
seja possibilitado em qualquer modalidade de ensino. A educação online pos-
sibilita uma nova forma de construir coletivamente, de maneira multimídia e
colaborativa. O professor, por meio das tecnologias digitais, é quem exerce a
função de mediador, ao provocar os alunos a colaborarem na solução de tarefas
de interesse comum e ao facilitar a interação com ele e com os pares. Isso ocor-
rendo num ambiente digital, onde há um claro deslocamento dos agentes de
ensino para as questões a serem discutidas em que se criam resoluções coletivas
em um imenso hipertexto, pautado em vários sistemas de proximidade que
coexistem para constituir formas contemporâneas de ensinar e de aprender.

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NOTAS
1
Permeabilidade é uma noção trazida por Elsie Rockwell (2005) ao apresentar sua concep-
ção de escola.
2
Ver A. T. Salatino (2014, p.198), interessante trabalho de pesquisa sobre como adolescen-
tes e jovens das camadas populares constroem sua experiência escolar em um contexto
cotidiano marcado pela disseminação de aparelhos tecnológicos.
3
Trata-se da disciplina de Tecnologia Educativa (60h/a) do curso de mestrado e doutora-
mento em Ciências da Educação da Universidade do Minho que, criado em 1982, conta
com as seguintes áreas de especialização: Análise e Organização de Ensino, Ensino das
ciências da Natureza e Ensino da Língua Portuguesa. Mais detalhes sobre a disciplina e
esse estudo de caso estão disponíveis no capítulo 3 da tese de doutorado do presente autor
(GALASSO, 2013).

Artigo recebido em 30 de maio de 2014. Aprovado em 27 de junho de 2014.

60 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Como promover pesquisa em EAD?
Experiências do curso de licenciatura
em história da UniRio
How to promote academic research in
distance learning? The UniRio undergraduate
history course experiences
Mariana Muaze*
Marcelo Magalhães**

Resumo Abstract
O presente artigo tem por objetivo apre- This article presents the structure of the
sentar a estrutura da licenciatura semi- undergraduate history course, offered as
presencial em história da Universidade distance learning program, by Federal
Federal do Estado do Rio de Janeiro University of the State of Rio de Janeiro
(UniRio) e os projetos em desenvolvi- (UniRio). It also aims to explain differ-
mento no âmbito do ensino, da pesqui- ent research projects that involve dis-
sa e da extensão, apresentados por pro- tance learning students. As teachers
fessores ligados ao curso e ao Programa who worked directly in the coordina-
de Pós-Graduação em História. Como tion of this course between 2009 and
docentes que atuaram diretamente na 2013, our intention is to share experi-
coordenação do referido curso entre ences and contribute minimally to over-
2009 e 2013, nossa intenção é comparti- come the main challenges on the de-
lhar experiências, de modo a contribuir, ployment of distance learning within
minimamente, para a superação de de- the public university in Brazil.
safios comuns à implantação da pesqui- Keywords: teacher training; teaching
sa no ensino semipresencial no âmbito history; distance learning.
da universidade pública no Brasil.
Palavras-chave: formação de professores;
ensino de história; ensino a distância.

*Departamento de História, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio).


mamuaze@gmail.com
**Departamento de História, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio).
marcelosmagalhaes@gmail.com

Revista História Hoje, v. 3, nº 5, p. 61-73 - 2014


Mariana Muaze e Marcelo Magalhães

Criação e estruturação do curso 1

O curso de licenciatura em história da UniRio foi criado em 14 de maio


de 2008, buscando atender às políticas de inclusão e expansão das universida-
des públicas propostas pelo Ministério da Educação (MEC).2 Em fevereiro de
2009, o curso começou a funcionar com recursos do segundo edital da Uni-
versidade Aberta do Brasil (UAB), de 18 de outubro de 2006, e da Fundação
Centro de Ciências e de Educação Superior a Distância do Estado do Rio de
Janeiro (Fundação Cecierj).3
A graduação semipresencial em história foi pensada contendo uma grade
curricular próxima à do curso de licenciatura presencial e tendo por objetivo
principal formar professores capacitados para atuarem no ensino fundamental
e médio das redes públicas e privadas das regiões circunvizinhas aos polos es-
truturados. O esforço direciona-se para a formação de um professor de história
que busque a integração entre ensino e pesquisa em sua prática docente e seja
capaz de dialogar com os campos da educação patrimonial e das políticas de
preservação e gestão do patrimônio histórico e cultural local. Tal preocupação
estava diretamente relacionada tanto com a escolha dos polos para o funcio-
namento do curso, quanto com a proposta de iniciação científica que se queria
fomentar.
Duque de Caxias, Piraí, Resende, Cantagalo e Miguel Pereira foram os
municípios escolhidos para o funcionamento do curso, por possuírem impor-
tantes acervos históricos e culturais, tais como arquivos, museus e centros de
memória, muitos dos quais ainda pouco explorados ou em estado de conser-
vação bastante precário. Nossa intenção é a de que alunos e egressos do curso
possam se valer das potencialidades históricas da chamada região da Bacia do
Vale do Paraíba Fluminense, onde os cinco polos estão localizados, para, no
exercício do magistério e da prática profissional, refletirem e atuarem na pre-
servação da “memória do lugar” e na recuperação da “história local”, promo-
vendo uma maior interação entre a escola básica e os acervos históricos e
culturais.4
Em termos de acesso, o curso seguiu as regulamentações do Cederj. Todos
os cursos de graduação semipresencial oferecidos selecionam seus novos alu-
nos por meio do concurso de seleção pública do Cederj, realizado em duas
edições anuais. A distribuição da oferta de vagas é informada por cada curso

62 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Como promover pesquisa em EAD? Experiências do curso de licenciatura em história da UniRio

periodicamente de acordo com as regras vigentes na universidade de origem.


No caso do curso de história, as vagas obedecem ao seguinte quantitativo: 20%
para professores das redes públicas de ensino federal, estadual e municipal;
22% para candidatos que fizeram o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem);5
20% para professores inscritos no Plano Nacional de Formação de Professores
da Educação Básica (Parfor), e o percentual restante aberto para ampla con-
corrência. Entre 2009 e 2010 foram oferecidas quarenta vagas por semestre
para cada um dos cinco polos, totalizando quatrocentas vagas ao ano. Desde
2011, esse número sofreu alteração para 250 vagas semestrais, passando a haver
cinquenta novos alunos em cada polo.
No que compete à infraestrutura administrativa, o curso semipresencial
de licenciatura em história também segue as prerrogativas do consórcio Cederj.
Há um coordenador de curso, um vice-coordenador de curso e um coordena-
dor de tutoria, que trabalham em consonância com a equipe de secretaria, a
qual, lotada na UniRio, mantém todos os documentos relativos ao curso e à
vida acadêmica de alunos e professores. As secretarias dos polos auxiliam os
cursos nas matrículas dos alunos nas disciplinas oferecidas a cada semestre, na
distribuição e realização das provas, no encaminhamento de documentos para
a secretaria geral do curso na UniRio e na distribuição dos espaços e horários
para tutorias presenciais e atividades acadêmicas nos polos. Cada polo contém
uma direção e uma equipe de secretaria próprias, que auxiliam todos os cursos
das diferentes universidades participantes do consórcio ali lotados.
É função do coordenador de curso acompanhar e avaliar as atividades
acadêmicas tendo em vista o desenvolvimento e o aperfeiçoamento do Projeto
Pedagógico do Curso (PPC). Para tanto, esse profissional participa das ativi-
dades propostas no âmbito do consórcio Cederj e da UniRio; realiza o plane-
jamento e o desenvolvimento das atividades de seleção e capacitação dos pro-
fissionais envolvidos no curso (tutores presenciais, tutores a distância,
coordenadores de curso, conteudistas); elabora, em conjunto com o corpo
docente do curso, o sistema de avaliação do aluno; participa dos fóruns virtuais
e presenciais da área de atuação, tais como o Ambiente de Trabalho da UAB
(Atuab) e o Colegiado de Coordenadores de Curso do consórcio Cederj; acom-
panha os processos seletivos do vestibular Cederj e o registro acadêmico dos
alunos ingressantes via secretaria geral e verifica in loco o bom andamento do
curso, através de visitas periódicas aos cinco polos. No que compete à equipe

Junho de 2014 63
Mariana Muaze e Marcelo Magalhães

de profissionais, o coordenador do curso acompanha e supervisiona as ativi-


dades dos tutores (presenciais e a distância), dos coordenadores de disciplina,
do coordenador de tutoria, e dos tutores-coordenadores que atuam nos
polos.
Para cada disciplina até o quarto período do curso, existe uma equipe for-
mada por um coordenador de disciplina, um tutor a distância (podendo variar
para dois em disciplinas com mais de 180 alunos) e cinco tutores presenciais
(um por polo).6 Nos semestres posteriores, as equipes são compostas somente
pelo coordenador de disciplina e pelo tutor a distância, não sendo mais ofere-
cida tutoria presencial nos polos. Ambas as formas de tutoria trabalham em
equipe e em consonância com os coordenadores das disciplinas, que realizam
reuniões periódicas para o planejamento das atividades acadêmicas na plata-
forma e nos polos.
Ao se matricularem, semestralmente, via plataforma, nas disciplinas es-
colhidas, os alunos recebem material impresso referente a elas e são convidados
a participarem das tutorias presenciais semanais nos polos onde estão lotados,
a acompanharem as aulas e a interagirem com tutores e coordenadores da dis-
ciplina por meio de fóruns, debates e exercícios existentes na plataforma Moo-
dle.7 Em termos de avaliação, os cursos consorciados devem seguir o calendário
único estipulado pelo Cederj, onde estão fixadas as avaliações presenciais obri-
gatórias (APs), realizadas duas vezes por semestre para cada disciplina, e as
atividades a distância entregues via plataforma (resenhas bibliográficas, ficha-
mentos, fóruns, trabalhos de campo e demais atividades estipuladas pelos coor-
denadores de disciplina). Caso o aluno não atinja a média 6,0 necessária para
aprovação, ele deverá realizar a avaliação presencial 3 (AP3) da disciplina e
alcançar 5,0 como grau mínimo para êxito.
O corpo docente do curso de licenciatura semipresencial em história da
UniRio é formado, em sua maioria, pelos mesmos professores que atuam na
graduação e na pós-graduação presenciais. Quando há impossibilidade de que
isso ocorra, outros professores de instituições públicas de ensino podem par-
ticipar. Entre os coordenadores que ministram as disciplinas do curso de his-
tória, mais de 95% são doutores, em regime de 40 horas e dedicação exclusiva
nas universidades públicas em que atuam, o que configura uma excelente qua-
lidade acadêmica pelos padrões do MEC. Em 2011, ano em que o formulário
para reconhecimento do curso foi preenchido, sabe-se que, das 25 disciplinas

64 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Como promover pesquisa em EAD? Experiências do curso de licenciatura em história da UniRio

em funcionamento, somente sete possuíam coordenadores externos à institui-


ção de origem.8

Iniciativas para a implementação de iniciação científica


no curso de licenciatura em história da UniRio

A importância da pesquisa para alunos dos cursos de graduação é bastante


conhecida. A experiência demostra que aqueles que vivenciam a investigação
científica, bem como as atividades de extensão e monitoria, são capazes de de-
senvolver um conhecimento acadêmico aprofundado e buscar, mais facilmen-
te, uma inserção profissional qualificada depois de formados. Mas, se a política
de distribuição de bolsas de iniciação científica, extensão e monitoria para
alunos presenciais pode ser considerada satisfatória nos dias de hoje, o mesmo
não pode ser dito da educação semipresencial. Pensados como alunos traba-
lhadores, esses discentes permanecem invisíveis à maioria das políticas de dis-
tribuição de bolsas tanto nas universidades públicas que aderiram à modali-
dade, quanto nas agências de fomento.
Tomando por base a experiência carioca no âmbito do Cederj, sabemos
que, no ano de 2014, temos 26 mil alunos matriculados nos 12 cursos superiores
oferecidos pelas sete universidades públicas do consórcio.9 Desses alunos, me-
nos de 1% está incluído em projetos de pesquisa, extensão ou monitoria como
bolsistas. Várias são as justificativas destacadas por professores e gestores para
essa realidade: a complexidade de orientar alunos semipresenciais na prática
da pesquisa; a dificuldade em selecionar bolsistas semipresenciais, já que muitos
alunos são trabalhadores, o que é um impeditivo à concessão de bolsas; a im-
possibilidade de fazer o controle das horas de trabalho e o acompanhamento
da qualidade da produção a distância. Sem dúvida nenhuma, as questões sus-
citadas são importantes e colocam desafios de ordem prática na implementação
de programas de pesquisa, ensino e extensão à nova modalidade de ensino.
Todavia, não enfrentá-los é aceitar que existem categorias diferenciadas de edu-
cação pública superior no Brasil. É não oferecer a esses alunos os mesmos di-
reitos adquiridos por seus colegas de universidade. Enfim, é prescindir de uma
formação de qualidade no âmbito da modalidade semipresencial.
Com a intenção de fomentar a pesquisa científica entre os alunos do en-
sino semipresencial, desde 2010, a coordenação da licenciatura em história a

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Mariana Muaze e Marcelo Magalhães

distância da UniRio buscou uma vinculação dos discentes às linhas de pesquisa


do Programa de Pós-Graduação em História (PPGH) e da Escola de História,
através de duas frentes principais: 1) incentivo à inserção dos alunos semipre-
senciais nas pesquisas individuais dos professores da UniRio em igualdade de
condições com alunos presenciais; 2) a criação de projetos de pesquisa e ex-
tensão, sob a coordenação de professores do corpo docente, a serem realizados
nas municipalidades onde os polos se encontram e em parceria com prefeituras
e instituições locais. A seguir, vamos explicitar melhor como cada uma dessas
frentes se estruturou e quais os resultados alcançados até o momento.
No primeiro caso, discussões no âmbito do colegiado da Escola de Histó-
ria levaram à decisão de que, quando os projetos de pesquisa dos professores
permitissem, seria feita uma divulgação, na plataforma Moodle, para que os
alunos do curso de história semipresencial interessados pudessem participar
das seleções e concorrer a uma vaga como bolsista de iniciação científica ou
extensão, como ocorre com os alunos da graduação presencial. A ressalva de
“quando os projetos de pesquisa dos professores permitissem” foi colocada
pelo fato de que, dependendo do tema e do tipo de abordagem trabalhada, os
arquivos a serem consultados estavam na cidade do Rio de Janeiro, o que tor-
naria o deslocamento um impeditivo importante para a maioria dos alunos
que moram em municípios distantes da capital, tanto pelo custo das passagens,
quanto pelo tempo de trajeto.
Para dimensionar essas experiências nos baseamos no documento de Re-
conhecimento do Curso de Licenciatura em História, enviado ao MEC em 11
de novembro de 2011. Na ocasião, das 25 disciplinas em funcionamento, 18
coordenadores pertenciam ao corpo docente da UniRio e três deles integraram,
aos seus projetos de pesquisa, alunos bolsistas da educação semipresencial.10
Nos três casos, os professores consideraram a experiência bem-sucedida e des-
tacaram que o material a ser trabalhado pelo aluno estava digitalizado, dispo-
nível em bibliotecas online ou localizado em arquivos nas proximidades dos
polos e/ou lugares de moradia. Uma das professoras participantes enfatizou a
importância do auxílio transporte, concedido pela prefeitura de Areal (RJ) a
moradores do município que realizassem atividades acadêmicas ligadas ao
ensino superior em outras cidades. Segundo ela, os altos valores cobrados pelas
passagens intermunicipais superavam ao largo aqueles pagos aos bolsistas de
iniciação científica. A fala aponta uma dificuldade relevante a ser considerada

66 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Como promover pesquisa em EAD? Experiências do curso de licenciatura em história da UniRio

no planejamento de políticas públicas (no âmbito da universidade e das agên-


cias de fomento) voltadas para a implantação de bolsas de ensino, pesquisa e
extensão no âmbito da educação semipresencial.11
A segunda frente voltada para a inclusão de alunos de história da moda-
lidade semipresencial em atividades de pesquisa foi pensada como ação cole-
tiva, incluindo professores, alunos e tutores. A proximidade espacial com os
locais de moradia dos alunos, bem como o estabelecimento de parcerias com
as prefeituras e as instituições de arquivo e patrimônio regionais, foram con-
sideradas essenciais para o bom andamento dos esforços propostos. Entre 2010
e 2014, foram implementados três projetos envolvendo um total de 13 alunos
bolsistas com fomentos da Coordenação de Educação a Distância (Cead) da
UniRio (edital Território & Trabalho) e da Pró-Reitoria de Extensão (edital
Pró-Ex). A elaboração desses projetos envolveu dez professores da UniRio,
todos coordenadores de disciplinas semipresenciais, e cinco tutores (presen-
ciais e a distância). Com o objetivo de fomentar a estruturação material nos
polos e instituições parceiras para a implementação dos trabalhos, dois coor-
denadores de disciplina concorreram aos editais “Apoio a Núcleos Emergentes
de Pesquisa” (Pronem, 2011) e “Auxílio a Instituições” (APQ-4, 2012) da Fun-
dação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro (Faperj).
A seguir, apresentamos mais detalhadamente cada um dos três projetos e
as suas especificidades em termos de implementação e trabalho.

Centro de Memória, Pesquisa e Documentação de Cantagalo


(CMPD-Cantagalo)
A ideia de criar um centro destinado a organizar, conservar e manter acervos
documentais (físicos e virtuais) e bibliográficos relativos à história local surgiu da
demanda de alunos e tutores presenciais do polo Cantagalo no ano de 2010. Des-
de então, uma equipe de professores se mobilizou com o intuito de desenvolver
projetos com vistas a atuar para a preservação de acervos relativos à história da
serra fluminense. Com o significado especial de servir como laboratório de prá-
tica de pesquisa em história para os alunos e a comunidade externa, a iniciativa
passou a contar com o apoio da prefeitura municipal, principalmente das secre-
tarias de Educação e Cultura. Como forma de treinar mão de obra para o manu-
seio especializado de documentação histórica, dois tutores participaram do curso
de preservação e restauração de documentos da Fundação Biblioteca Nacional.
Com o mesmo intuito, também foi organizado um workshop com especialistas do

Junho de 2014 67
Mariana Muaze e Marcelo Magalhães

Centro de Memória de Macaé. Em 2012, o professor Anderson Oliveira recebeu


recursos do edital APQ-4 Faperj, com o projeto “Centro de Memória, Pesquisa e
Documentação de Cantagalo (CMPD-Cantagalo) e a preservação da memória
local através das fontes eclesiásticas (séculos XVIII e XIX)”, possibilitando a com-
pra de equipamentos e materiais de consumo para a realização dos trabalhos de
higienização, catalogação e digitalização de documentos, a serem realizados pelos
alunos do curso. Os acervos locais escolhidos foram a Paróquia do Santíssimo
Sacramento e a Paróquia de Santa Rita de Cássia, que, sob a guarda da Matriz do
Santíssimo Sacramento, reúnem documentos oriundos dos séculos XVIII e XIX,
além do arquivo da Igreja Luterana de Nova Friburgo. A escolha desse material se
deveu a sua raridade e ao avançado estado de deterioração dos documentos, além
de sua relevância para as temáticas estudadas pelos professores envolvidos.

O Vale do Paraíba no século XIX e nas primeiras


décadas da República
Esse projeto foi elaborado pelo professor Ricardo Salles, em conjunto com parti-
cipantes do Núcleo de Documentação, História e Memória (Numem) da UniRio,
da Fundação Casa Rui Barbosa e da Universidade Federal Fluminense (UFF),
com o objetivo de concorrer ao edital Pronem-Faperj. Utilizando as redes de pes-
quisa já constituídas pelo grupo de pesquisa interinstitucional “O Vale do Paraíba
e a Segunda Escravidão”, buscou-se constituir uma infraestrutura de conheci-
mento histórico, cultural e patrimonial na região do Médio Vale do Paraíba, ten-
do como locus de trabalho o Arquivo Histórico de Piraí. Como primeiros proce-
dimentos de trabalho, estipularam-se as tarefas de higienização e digitalização
dos inventários post-mortem, seguidas da inserção das informações coletadas em
um banco de dados contendo descritores utilizados em pesquisas anteriores para
Vassouras e Bananal, que dão visibilidade às condições de vida material e à escra-
varia nas fazendas da região. Dessa forma, seria possível analisar uma massa de
documentação de forma comparativa (Piraí, Vassouras e Bananal), nos termos
quantitativos e qualitativos da informação.

Memória e Patrimônio: conhecendo as coleções Ticunas


do Museu Nacional
Coordenado pela professora Márcia Chuva, esse projeto concorreu ao edital
Pró-Ex da UniRio, com o intuito de receber duas bolsas de extensão para alunos
do curso de história semipresencial do polo Caxias, que haviam demonstrado

68 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Como promover pesquisa em EAD? Experiências do curso de licenciatura em história da UniRio

interesse em se envolverem com projetos de pesquisa sobre a temática patrimo-


nial. Unindo os temas de reflexão da professora e de tutores do curso, foi pro-
posta uma releitura das coleções Ticunas do Museu Nacional, situado no Rio de
Janeiro, por meio de uma reflexão sobre o colonialismo. Sob esse enfoque, desta-
cava-se a constituição das coleções selecionadas dentro do próprio Museu e a
importância da participação dos índios nas decisões sobre o tratamento e a ex-
posição dessas peças na atualidade. Como condição, foi feita uma parceria com
o Setor de Etnologia e Etnografia do Museu Nacional (SEE/MN), e propostas as
seguintes tarefas para os bolsistas: recepção de públicos escolares como media-
dores culturais junto às coleções etnográficas do Museu Nacional, acompanha-
mento das visitas dos grupos Ticunas às coleções Ticunas do Museu Nacional e
apoio na preparação da exposição “Índios, os primeiros brasileiros”, apresentada
na Reunião de Antropologia do Mercosul, realizada em Córdoba, Argentina, em
julho de 2013.

Os projetos empreendidos até o momento são bastante diferentes entre


si, pois possuem enfoques temáticos, localização, composição profissional, ins-
tituições parceiras e organização de trabalho distintos. O mesmo ocorre no que
concerne às iniciativas de implementação da pesquisa. No primeiro e terceiro
casos, foram as demandas de alunos e tutores que incentivaram professores a
procurarem editais que pudessem suprir tais pedidos e, ao mesmo tempo, se
adequassem a seus temas de estudo. No segundo caso, a demanda partiu dos
professores, que, através de redes acadêmicas e de pesquisa, formalizaram uma
parceria com o Arquivo Histórico de Piraí e buscaram alunos do curso semi-
presencial, primeiramente, como voluntários e, posteriormente, como bolsis-
tas. É importante atentar também para o fato de que, diferentemente dos pro-
jetos 1 e 3, que reuniram, cada um, alunos de um mesmo polo, a experiência
no Arquivo Histórico de Piraí reúne alunos dos polos de Miguel Pereira, Piraí,
Resende e Duque de Caxias. Além disso, enquanto nos projetos 1 e 3 a orien-
tação local das pesquisas é feita por tutores presenciais e a distância, no caso
do projeto 2 essa atividade recai sobre o diretor do Arquivo de Piraí, sr. José
Maria, que capacita e direciona os trabalhos de alunos voluntários e
bolsistas.
As experiências aqui relatadas, por mais que apresentem diferenças entre
si, permitem lançar alguns pontos para reflexão. Em primeiro lugar, elas apon-
tam para a consolidação de parcerias, entre a universidade, prefeituras e

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Mariana Muaze e Marcelo Magalhães

instituições locais, como elemento chave para a implementação de trabalhos


profícuos no âmbito da pesquisa em cursos de graduação semipresencial. Em
Cantagalo, a aproximação com a prefeitura proporcionou, entre outras coisas,
um maior espaço físico para o CMPD que funciona no polo. Nos projetos de
Piraí e Duque de Caxias, o Arquivo Histórico de Piraí e o Museu Nacional não
só concederam espaço físico para a execução das atividades, mas envolveram
pesquisadores e funcionários qualificados que capacitaram e orientaram os
alunos presencialmente em seus locais de trabalho. Portanto, é inegável que
essas instituições, por intermédio de seus profissionais, têm uma atuação fun-
damental na execução dos projetos desenvolvidos e nos “modos de fazer pes-
quisa” aprendidos por nossos alunos. Quando bem orquestradas com a coor-
denação do projeto e sua equipe, essas colaborações institucionais são capazes
de prover equipamentos especializados através de editais de fomento; capacitar
alunos para a pesquisa; melhorar a preservação e o acondicionamento de acer-
vos documentais; aproximar a universidade das comunidades onde os polos
estão localizados, e fornecer maior conhecimento sobre a “história do lugar”
e a “história da região”, entre outros ganhos.
O segundo ponto que cabe ressaltar é o papel da coordenação do curso
para a implementação desses projetos de pesquisa e parcerias. Apesar de, nos
exemplos aqui citados, a coordenação do curso de história ter atuado como
mediadora entre tutores, alunos e professores, no sentido de encaminhar as
demandas por atividades de pesquisa nos polos e incentivar a criação de pro-
jetos, essa é uma atribuição que deveria ter uma coordenação própria. Essa
proposição se justifica não só pela centralidade da pesquisa no ensino univer-
sitário, mas também por envolver múltiplas funções, tais como: elaboração de
projetos acadêmicos; participação, implementação e prestação de contas de
editais públicos; parcerias com prefeituras e instituições de ensino, pesquisa,
arquivo e patrimônio locais, e acompanhamento de um grande número de
alunos, voluntários, tutores, professores e pesquisadores de instituições par-
ceiras. A sobreposição dessas tarefas às outras atividades desenvolvidas pela
coordenação de curso é, sem dúvida nenhuma, um limitador da expansão de
projetos de pesquisa para além dos que já estão sendo executados.
Em terceiro lugar, é importante mencionar a criação de um edital piloto,
voltado para a concessão de bolsas de pesquisa para alunos de cursos semipre-
senciais, elaborado pela Cead da UniRio. Lançado em dezembro de 2012, o

70 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Como promover pesquisa em EAD? Experiências do curso de licenciatura em história da UniRio

edital “Território & Trabalho: ensino, pesquisa e extensão” contemplou alunos


matriculados nas graduações de história, matemática, pedagogia e turismo.12
No caso do curso de história, foram recebidas 11 cotas através do projeto “O
Vale do Paraíba em fontes primárias: pesquisa, ensino e extensão” que foram
distribuídas da seguinte forma: sete para o CMPD-Cantagalo (2013, 2014) e
quatro para o Arquivo Histórico de Piraí (2014). Essas bolsas de pesquisa fo-
ram fundamentais para a aceleração das atividades propostas nos projetos já
descritos, que, até o momento mencionado, estavam sendo executados somen-
te por alunos voluntários.
Para concluir, gostaríamos de atentar para um quarto e último aspecto. A
implementação de bolsas de pesquisa para alunos do ensino semipresencial
traz ganhos acadêmicos claros (já explicitados neste artigo), mas também cria
urgências no âmbito da gestão universitária e das agências de fomento. Como
prover recursos para um contínuo aumento da pesquisa na modalidade semi-
presencial? É possível haver remuneração específica para os tutores que se en-
volvem em projetos e orientam pesquisas nos polos em que atuam? Ao incluir
uma nova modalidade de ensino, as Jornadas de Iniciação Científica, a Semana
de Integração Acadêmica (SIA), bem como outros eventos importantes, podem
manter as mesmas regras de participação? Como cobrar presença obrigatória
em vários dias, se a universidade não viabiliza a permanência na cidade do Rio
de Janeiro dos alunos de polos distantes? A presença total obrigatória pode
continuar sendo condição para a manutenção da bolsa de pesquisa? Questões
como essas demonstram que muito ainda há para ser pensado, planejado e
executado para que possamos dar igualdade de condições para alunos presen-
ciais e semipresenciais.
As iniciativas apresentadas neste artigo demonstram que é possível fazer
pesquisa de qualidade no ensino semipresencial e respondem a dúvidas e des-
crenças que persistem sobre a educação a distância (EAD) no meio acadêmico
e fora dele. Contudo, a própria defesa da necessidade de se realizar pesquisa
em curso semipresencial é em si um contrassenso, já que a pesquisa científica
de ponta é uma das funções primeiras da universidade. Para que a universidade
continue cumprindo bem seus objetivos, não deveríamos contar somente com
a “inventividade” de professores, tutores e alunos. Políticas de incentivo à pes-
quisa são urgentes se quisermos que a boa qualidade do ensino semipresencial
oferecido não se reduza ao discurso.

Junho de 2014 71
Mariana Muaze e Marcelo Magalhães

NOTAS
1
Os autores atuaram na licenciatura em história semipresencial da UniRio, como coorde-
nadora de curso e vice-coordenador de curso/coordenador de material didático, respecti-
vamente, entre 2009 e 2013.
2
A criação do curso semipresencial se deu no âmbito da 20ª Reunião do Colegiado da Es-
cola de História e foi reconhecida pela resolução interna da UniRio no 2.981, de 18 de de-
zembro de 2008.
3
A Fundação Cecierj foi criada no âmbito estadual pela Lei Complementar nº 103, de 18
de março de 2002. De acordo com o Art. 2º dessa lei, a instituição tem por objetivo ofere-
cer: “I. educação superior, gratuita e de qualidade, na modalidade a distância para o con-
junto da sociedade fluminense; II. divulgação científica para o conjunto da sociedade flu-
minense; III. formação continuada de professores de ensino fundamental, médio e
superior”. Para a realização do primeiro desses objetivos, foi criado o Consórcio Cederj,
que oferece infraestrutura às instituições de ensino superior (IES) consorciadas e opera
atualmente com 14 cursos de graduação, distribuídos por 33 polos, em todo o estado. As
IES consorciadas são: Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca
(Cefet), Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf), Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Universidade Federal Fluminense (UFF), Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ)
e UniRio. Para saber sobre o funcionamento da Fundação Cecierj e do consórcio Cederj,
consultar: http://cederj.edu.br/fundacao/.
4
A estrutura curricular do curso prevê a consecução de um total de 3.410 horas para sua
integralização, a serem cumpridas em, no mínimo, 8 semestres e, no máximo, 12. Esse total
está dividido em: 2.400 horas de disciplinas/atividades obrigatórias, 240 horas em discipli-
nas/atividades optativas, 200 horas em atividades complementares, 420 horas em estágios
supervisionados e 150 horas de trabalho de final de curso. Além disso, as disciplinas são
pensadas a partir de cinco linhas principais: História e Ciências Sociais, História e Socieda-
de, Teoria e Metodologia, Região e Patrimônio, e Educação. Consultar: Projeto Político
Pedagógico do Curso de Licenciatura semipresencial em História. Escola de História, CCH,
UniRio, 2009.
5
A partir do segundo semestre de 2010, a nota obtida no Enem foi incluída entre as formas
de acesso aos cursos das universidades consorciadas ao Cederj – Fundação Cecierj. Para
concorrer à vaga, o candidato deve informar seu número de inscrição no Enem mediante
formulário de inscrição no vestibular Cederj. Aqueles que obtiverem nota suficiente são dis-
pensados da realização do exame Cederj e estão aptos a realizar a matrícula na universidade.
6
As seleções para coordenador de disciplina, tutores presenciais e tutores a distância ocor-
rem por meio de seleção pública, sendo os dois primeiros pelo edital da Coordenação de
Educação a Distância (Cead) da UniRio e o último, por edital lançado pelo consórcio Cederj.
7
No atendimento ao discente, o curso atua em várias frentes: 1) Em termos dos procedi-
mentos do curso, o aluno conta com uma secretaria para atendimento, que funciona dia-

72 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Como promover pesquisa em EAD? Experiências do curso de licenciatura em história da UniRio

riamente de 9h00 às 18h00 no prédio da Coordenação de Educação a Distância (Cead) na


UniRio. Além disso, existem as secretarias dos polos, que atuam em consonância com o
Cederj e com a UniRio para o atendimento e o esclarecimento dos alunos. 2) Em termos
acadêmicos, o aluno conta com várias formas de atendimento ao discente através da plata-
forma Cederj (mínimo de 10 horas de tutoria a distância semanal por disciplina), que con-
tém diferentes ferramentas didáticas, tais como webtutoria, e-mail, aulas e materiais extras,
sala de conferência, sala de tutoria etc. Entre essas horas, 6 são dedicadas ao atendimento
0800, no qual o tutor oferece auxílio na sala de tutoria. Além disso, o aluno conta com toda
a estrutura das tutorias presenciais realizadas por disciplina nos polos (vinte disciplinas de
história, de duas horas cada por semana) e com o plantão semanal de 15 horas do tutor
coordenador oferecido no polo onde o aluno está lotado.
8
Um relatório pormenorizado do funcionamento do curso de licenciatura em história se-
mipresencial da UniRio pode ser encontrado no Formulário de Reconhecimento do Cur-
so, enviado ao Ministério da Educação em novembro de 2011.
9
Disponível em: http://cederj.edu.br/fundacao/.
10
Os professores que, na ocasião, envolveram alunos semipresenciais em seus projetos de
pesquisa foram Anderson José de Oliveira, Leila Bianchi e Mariana Muaze.
11
Os participantes responderam questões comuns, enviadas como questionário pelos au-
tores, para a elaboração deste artigo.
12
Consultar: http://www4.unirio.br/cead/territorioetrabalho/edital.pdf.

Artigo recebido em 30 de maio de 2014. Aprovado em 27 de junho de 2014.

Junho de 2014 73
Sistema UAB: a visão dos coordenadores
de polos de apoio presenciais da região Sul
UAB system: the view of presence
support coordinators in the South region
Monica Pagel Eidelwein*
Dilce Eclai de Vargas Gil Vicente**
Maria Renata da Cruz Duran***

Resumo Abstract
O sistema Universidade Aberta do Bra- The Brazil Open University system is
sil (UAB) é composto pelo esforço das composed by the efforts of institutions
instituições de ensino superior, do go- of higher education, the federal govern-
verno federal (representado pela Coor- ment (represented by the Coordination
denação de Aperfeiçoamento de Pessoal for the Improvement of Higher Educa-
de Ensino Superior, Capes) e dos muni- tion, Capes) and municipalities and
cípios e estados, que cumprem a função states, which fulfill the function of cre-
de criar e manter os chamados polos de ating and maintaining facility centers,
apoio presencial. Num modelo de ensi- which are called presence support poles.
no a distância como o brasileiro, em que In a distance education model such as
a modalidade é semipresencial, os polos the Brazilian, in which the modality is
de apoio presencial representam o locus semi-presencial, presence support poles
desse tipo de formação docente. A par- represent the locus of this type of teach-
tir da visão dos coordenadores de polos er education. According to the point of
de apoio presenciais da região Sul, ten- view of pole coordinators of South re-
tamos dar uma ideia do que seja esse gion, we tried to give an overview of this
sistema, qual sua contribuição e quais system, its contribution and dilemmas.
seus dilemas. Keywords: public policy for teacher
Palavras-chave: políticas públicas de training; Open University system in
formação de professores; sistema Uni- Brazil (UAB); evaluation of UAB poles.
versidade Aberta do Brasil (UAB); ava-
liação de polos UAB.

*Coordenadora do Polo da Universidade Aberta em Novo Hamburgo (RS). monicapagel@yahoo.


com.br
**Coordenadora do Polo Universitário Santo Antônio (RS). dilcee@gmail.com
***Professora adjunta de História Moderna e Contemporânea, Universidade Estadual de Londrina
(www.uel.br). mariarenataduran@gmail.com

Revista História Hoje, v. 3, nº 5, p. 75-97 - 2014


Monica Pagel Eidelwein, Dilce Eclai de Vargas Gil Vicente e Maria Renata da Cruz Duran

Conforme dados do Censo de Ensino a Distância (EAD) 2013, realizado


pela Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed, 2013), 34,6% dos
cursos EAD autorizados em 2012 foram na área de ciências humanas. Desta-
que-se que essa também foi a segunda área de maior aumento na oferta de
disciplinas EAD em cursos presenciais, totalizando 1.200 novas disciplinas
cadastradas na modalidade.1 O Censo ainda aponta o Ensino de Jovens e Adul-
tos (EJA) como um dos principais nichos de desenvolvimento da EAD e man-
tém uma postura otimista em relação à expansão da modalidade no país. Se-
gundo dados colhidos no site do sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB)
da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes),
atualmente, de um total de 104 instituições de ensino superior (IES) consor-
ciadas, 17 universidades brasileiras ofertam o curso de graduação em história
na modalidade EAD, via sistema UAB. Isso representa a abertura de cerca de
680 vagas anuais para estudantes de história nessa modalidade. É fato que os
números não apontam nem uma ampliação galopante, nem uma maioria re-
lativa da modalidade, ainda assim, o crescimento constante, a ampliação do
número de disciplinas EAD nos cursos presenciais e a pressão social pelo re-
conhecimento da internet como um ambiente de aprendizado configuram al-
gumas das principais justificativas para que o profissional da área de história
dedique algo de sua atenção ao tema. Nesse ensejo, sugerimos focar essa aten-
ção nas políticas públicas de indução e fomento da EAD, cuja dianteira é re-
presentada pelo sistema UAB.

O Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB) teve seu ato inaugural em de-
zembro de 2005, quando foi lançado um edital da Secretaria de Educação a Dis-
tância (SEED/MEC), em que se convidavam, de um lado, prefeituras municipais
e governos de estado a oferecerem propostas para sediarem polos de apoio pre-
sencial e, de outro, instituições públicas de ensino superior a oferecerem propos-
tas de cursos superiores na modalidade a distância. Na formulação do edital, es-
tavam traçadas as principais linhas da cooperação federativa pretendida: os
municípios e estados teriam como incumbência preparar e manter a infraestru-
tura de polos de apoio presencial, as IES ficariam responsáveis pela produção e
execução dos cursos e pela matrícula dos estudantes e o MEC deveria custear
integralmente o esforço acadêmico das instituições de ensino, inclusive com
oferta de bolsas para professores e tutores.2

76 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Sistema UAB: a visão dos coordenadores de polos de apoio presenciais da região Sul

Num modelo de ensino a distância como o brasileiro, em que a modali-


dade é semipresencial, ou seja, os encontros presenciais são obrigatórios em
cerca de 30% da formação (avaliações e apresentações de curso/disciplina, além
de estágios), os polos de apoio presencial representam o locus desse tipo de
formação docente. Todavia, pouco se sabe acerca desse novo território educa-
cional: quem trabalha nos polos de apoio presencial? Qual o organograma
administrativo e como se ascende a ele? Qual o perfil do seu espaço físico? É
uma escola, uma secretaria de educação ou um campus universitário avançado?
Qual é o tipo de relacionamento que os formadores de formadores, no caso,
as universidades, estabelecem com esses polos? Muitas são as questões que
circundam esse espaço, que foi batizado por Fernando Haddad como “casa do
professor”,3 e delas emerge o traçado da pesquisa ora apresentada.
A pesquisa que se apresenta neste artigo teve como mote a análise que os
coordenadores de polos da região Sul fizeram de dois processos avaliativos pe-
los quais esses espaços passaram.4 O primeiro ocorreu em 2010 e foi implemen-
tado pela Secretaria de Educação a Distância do Ministério da Educação (SEED/
MEC), e o segundo, em 2011, pela Diretoria de Educação a Distância (DED) da
Capes (Costa; Duran, 2012, p.290-292). O resultado desses processos avaliati-
vos, que suspenderam o funcionamento de cerca de 10% dos polos de apoio
presencial e colocaram de sobreaviso cerca de 20% deles (foram emitidos pare-
ceres com solicitações de melhorias e estabelecidos cronogramas de cumpri-
mento dessas ações), serviu como estopim para um debate sobre os tipos de
polos de apoio presencial existentes, suas demandas e carências (ibidem, p.290).
No âmbito desse debate, desenhamos nossa pesquisa com alguns vetores.
Primeiro foi necessário estabelecer um recorte espaço-temporal. Estabelece-
mos os anos de 2006-2011, duração da primeira gestão da DED-Capes, lidera-
da pelo professor Celso José da Costa, como nosso intervalo temporal. Nesse
período, o sistema instaurou cerca de 90% dos polos e cursos hoje existentes.
Depois, reconhecemos nas regiões Nordeste e Sul a maior proporção de polos
por municípios do período, e na região Norte, a maior adequação aos objetivos
estabelecidos pela legislação pertinente (capitalização e interiorização do en-
sino, conforme Decreto nº 5.800/MEC).5
Estabelecido nosso recorte espaço-temporal, urgia traçar um perfil dos
profissionais que atuam nesses espaços. Para isso, trabalhamos no desenvolvi-
mento de pesquisas semiestruturadas acerca da formação docente e da trajetória

Junho de 2014 77
Monica Pagel Eidelwein, Dilce Eclai de Vargas Gil Vicente e Maria Renata da Cruz Duran

profissional dos coordenadores de polos (Novoa, 1998). Num segundo mo-


mento, submetemos à análise daqueles coordenadores os instrumentos de ava-
liação SEED-MEC e DED-Capes via ambiente Moodle. Nessa dimensão de
nossa investigação, a etnografia de Bueno (2007) e a netnografia de Mamede-
-Neves (2005) forneceram nosso suporte metodológico. Por fim, implementa-
mos um processo que chamamos de “visitas cruzadas”. Nelas, os coordenadores
de polos de cada região se organizaram, de maneira eletiva, por pares. Cada
dupla deveria simular uma visita avaliativa de maneira recíproca e, na sequên-
cia, postar, via Moodle, seu instrumento de avaliação preenchido para discus-
são, bem como um relatório sobre a experiência de estar no lugar do avaliador
e do avaliado. Mais do que definir um perfil dos profissionais da área e de seu
comportamento na rede (ambiente da EAD por excelência), essa etapa da pes-
quisa previa algum tipo de conscientização da ação e do processo avaliativo,
tendo por base os pressupostos da pesquisa-ação (Miranda; Resende, 2006).
Para mais, o resultado desse trabalho nos permitiu identificar como as avalia-
ções oficiais vêm sendo realizadas no âmbito da EAD e quais são os seus efeitos
nos municípios atendidos pela UAB.

A formação docente na região Sul e a chegada da uab

A região Sul compreende os estados do Paraná, Santa Catarina e Rio


Grande do Sul e é considerada a menor das cinco regiões brasileiras. Conforme
o Censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), sua
população é de 27.384.815 e ocupa a terceira posição populacional no país. Nos
três estados, o ensino fundamental foi universalizado e o ensino médio está em
processo de expansão.
Em 2001, ingressaram 1.043.308 estudantes no ensino superior no Brasil
e, em 2010, o número de ingressantes passou a 2.182.229, de acordo com dados
do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
(Inep).6 O Censo da Educação Superior de 2000 iniciou a coleta de dados sobre
cursos a distância relatando a ocorrência de apenas três cursos na região, todos
em instituições públicas, totalizando 3.110 ingressantes. Em 2010, foram ofer-
tados 229 cursos em instituições públicas e privadas, com um total de 163.447
novos ingressantes.7 Destarte, o aumento de discentes na modalidade foi imen-
so, mas sua proporção em relação ao ensino presencial ainda é muito baixa.

78 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Sistema UAB: a visão dos coordenadores de polos de apoio presenciais da região Sul

Não obstante, as universidades públicas deram prioridade para a formação


docente em sua expansão no campo.
Atualmente, várias são as ações no sentido de incentivar a formação do-
cente na região, a maioria delas direcionada à formação continuada e muitas
na modalidade EAD. Em entrevista realizada por e-mail em fevereiro de 2012,
Silvio Rocha, diretor pedagógico da Secretaria de Educação do Estado do Rio
Grande do Sul, destacou, entre as ações: a) o programa Novo Ensino Médio
(Departamento Pedagógico – SEDUC – 2011), necessário devido à reestrutu-
ração curricular desse nível de ensino; b) o programa Formação sobre Progres-
são Continuada na Alfabetização e Letramento dos Alunos do 1º ao 3º anos do
Ensino Fundamental, direcionado a todos os setores da educação básica e en-
volvendo professores dos 3 primeiros anos do ensino fundamental, coordena-
dores pedagógicos e gestores, e c) as parcerias com universidades, buscando a
formação inicial para professores da Rede Estadual de Educação, com o obje-
tivo de formar em 4 anos 100% desses profissionais em licenciaturas.
No estado de Santa Catarina também podem ser destacadas várias ações
relativas às políticas públicas de formação dos professores, de acordo com in-
formações fornecidas pela Secretaria Estadual de Educação:

para facilitar o planejamento estratégico para a oferta de cursos de formação


inicial e continuada criamos, e ainda está em fase experimental, o programa SC
Formação. É um sistema de gestão da formação inicial e continuada da rede pú-
blica de ensino de Santa Catarina. O sistema objetiva facilitar o diagnóstico das
demandas de formação inicial e continuada dos profissionais da educação da
rede pública de ensino de Santa Catarina.8

No estado do Paraná, uma atualização dos programas da Secretaria Esta-


dual de Educação (SEED) está em curso; todavia, ainda não foram publicados
dados pertinentes, mesmo que se saiba da continuidade do Programa de De-
senvolvimento Educacional (PDE), que desenvolve boa parte de suas ativida-
des via Moodle.
Muitas ações também foram implementadas pelos municípios da região.9
Nesse quadro, o sistema UAB, que conta com a adesão de 14 IES da região Sul
(13 até 2011), reforçou a política regional contribuindo para uma maior capi-
larização da formação docente em nível universitário. A Tabela 1 mostra dados
de interiorização do ensino superior na região Sul, através do sistema da UAB:

Junho de 2014 79
Monica Pagel Eidelwein, Dilce Eclai de Vargas Gil Vicente e Maria Renata da Cruz Duran

Tabela 1 – Número de municípios e de Polos de Apoio Presencial da


Universidade Aberta do Brasil na Região Sul
Estado Município Polos UAB % Polos/Brasil
Rio Grande do Sul 496 39 ativos 7,87
Santa Catarina 293 36 ativos 12,29
Paraná 399 47 ativos 11,78
Fonte: IBGE Censo 2010. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/estadosat/perfil.
php?sigla=rs; e SisUAB. Disponível em: http://uab.capes.gov.br/sisuab/ConsultaPolos.ac-
tion; Acessos em: 10 jan. 2012.

É nos cursos de licenciatura que está o maior número de matrículas da


EAD na região Sul, com cerca de 48% das matrículas, de acordo com o Censo
da Educação Superior (2010). Não obstante, dos 17 cursos de graduação em
história do sistema, cinco estão na região – atrás, apenas, da região Nordeste,
onde estão alojados oito cursos de graduação em história nessa modalidade,
conforme os dados do site oficial da UAB-Capes. Outra das especificidades da
modalidade a distância na região Sul é que, embora a região Sudeste ofertasse,
em 2010, um maior número de cursos, totalizando 391 nessa modalidade (se-
guida pela região Sul, com 229 cursos), foi no Sul que ocorreu a maior quan-
tidade de matrículas na modalidade, com 397.891 matriculados em 2010, ul-
trapassando a região Sudeste, com 297.273 matriculados (Censo Educação
Superior, 2010). Nesse sentido, caso a proporção se mantenha, é possível infe-
rir que um número considerável de historiadores da região seja formado na
modalidade EAD.
Aliás, qual é o perfil do estudante dessa modalidade? Na região Sul, quanto
à idade dos alunos, nos cursos presenciais, a média é de 26 anos e, nos cursos a
distância, 33 anos. Esses dados mostram que os cursos a distância atendem a
um público com idade mais avançada, possibilitando inferir que a opção pela
modalidade a distância proporciona o acesso à educação superior para aqueles
que não tiveram oportunidade de ingressar na idade adequada nesse nível de
ensino, ou ainda, para aqueles que já estão no mercado de trabalho. Além disso,
a EAD atende, sobretudo, a professores ou aspirantes à carreira docente. Assim,
outro dado a destacar diz respeito ao perfil do professor da região. O estudo
exploratório sobre o professor brasileiro com base nos resultados do Censo Es-
colar da Educação Básica de 200710 aponta para um grupo de professores cuja

80 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Sistema UAB: a visão dos coordenadores de polos de apoio presenciais da região Sul

maioria é do sexo feminino, na faixa etária de 40 anos, atuando prioritariamente


em uma única escola da rede urbana municipal. Este, conforme nossas inves-
tigações, é também o quadro que configura a demanda do sistema UAB.
Vale dizer que, segundo o mesmo estudo (Inep, 2009), a principal carência
na formação de professores da região Sul está situada nas áreas de artes e das
ciências naturais, como física e química. Comparando-se os dados do Censo
do Professor11 com as ofertas de curso UAB, obteremos a Tabela 2:

Tabela 2 – Comparativo entre as demandas do Censo e a oferta UAB


Oferta pelo Sistema UAB
Demanda
do Censo Curso Polos que
Estado Instituição
ofertado ofertam o curso
Artes/RS PR Unicentro Artes 5
Física/PR PR UEM Física 6
Física/SC SC UFSC Física 8
Física/RS RS UFSM Física 8
Química/RS/SC/PR 0 0 Química 0
Fonte: dados do SisUAB disponíveis em http://uab.capes.gov.br/sisuab/ConsultaArticula-
coes.action; Acesso em: 24 jan. 2012. Na primeira linha da tabela, estão corretas as nota-
ções “RS” e “PR”; há mesmo uma incongruência entre a demanda do Censo do Professor e
a oferta pelo sistema UAB.

O que se pode notar, portanto, é que, embora se procure provocar um


diálogo entre universidades e mantenedores de polos, isto é, municípios e es-
tados, sobre a oferta de cursos mais coerentes com as necessidades regionais,
nem sempre isso acontece.
Isso também nos leva a refletir sobre outro ponto: qual a contribuição de
projetos como o sistema UAB em regiões como a que estamos estudando? Ora,
a região Sul já possui políticas públicas estaduais e municipais para seus do-
centes, muitas delas em parceria com as IES locais, entretanto, nem sempre
essa formação ocorre mediante uma relação sólida entre governos e IES. Em
alguns casos, as IES apresentam programas alternativos para a formação do-
cente, que nem sempre fazem parte de um projeto nacional, e, por isso, são
distintos de um padrão tradicional, sendo, algumas vezes, considerados como
limitados ou inferiores do ponto de vista da qualidade.

Junho de 2014 81
Monica Pagel Eidelwein, Dilce Eclai de Vargas Gil Vicente e Maria Renata da Cruz Duran

A volatilidade dos programas estaduais e municipais é outro empecilho


para a qualidade da oferta. Como a universidade é um ambiente de decisões
colegiadas, a absorção de projetos e programas externos ou em regime de par-
ceria é lenta. Essa falta de sincronia entre os tempos da universidade e das po-
líticas públicas de formação docente impede, do ponto de vista da universida-
de, que tais projetos sejam integrados ao organograma interno conforme o
princípio do mérito e da qualidade que rege essas instituições. Internamente,
as universidades passam a atender a tais demandas com os recursos humanos
de discentes de pós-graduação, docentes em início ou fim de carreira, enfim,
sem a presença daquele que seria considerado seu time de primeira linha (que
opta por investir em programas de longo prazo, em que sua carreira profissio-
nal possa se fortalecer).
Com a UAB e, pouco a pouco, sua institucionalização, configurada, entre
outros, pelo reconhecimento da carga horária docente nesse campo, a forma-
ção docente passa a ser considerada como uma linha permanente de atuação
dentro das universidades, e isso nos leva a crer numa melhoria gradual da qua-
lidade da oferta, uma vez que a UAB passa a constituir um chamariz para pes-
quisadores e professores de peso nas universidades.
Para a efetivação desse sistema faz-se necessária, portanto, a organização
das IES para a oferta de cursos na modalidade a distância e a criação, bem co-
mo a qualificação, de polos de apoio presencial com coordenadores e tutores
presenciais. A fim de refletir sobre a melhor qualificação desses polos passamos
a um estudo acurado do perfil do coordenador de polo da região Sul e suas
demandas.

O coordenador de polo da região Sul e suas demandas

Ao entrevistar os coordenadores de polos UAB da região Sul, encontra-


mos professoras, em sua maioria na faixa de 40 anos, e com alguma experiência
na área de gestão escolar.12 Elas foram escolhidas para trabalhar nos polos pela
equipe DED-Capes com base na indicação dos mantenedores (que podem ser
prefeituras municipais e governos estaduais) através de lista tríplice, para im-
plantar e coordenar polos de apoio presencial. Na entrevista semiestruturada,
os coordenadores da região Sul revelaram sua opinião sobre a importância da
UAB em cada município sede e na região de abrangência dos seus polos,

82 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Sistema UAB: a visão dos coordenadores de polos de apoio presenciais da região Sul

principalmente no acesso ao ensino superior. Muitos depoimentos de alunos


foram rememorados de forma emocionada:

Sábado eu tive uma aula inaugural com 91 alunos do curso de pedagogia e,


olhando para plateia, vi pelo menos oito mulheres que fizeram o magistério co-
migo e só agora vieram fazer o curso de pedagogia. Quanto tempo já passou,
quantas pessoas foram excluídas do processo... Tenho um aluno de matemática
que mora a 40 km, na zona rural. Esse menino, para falar no celular, precisa su-
bir em uma árvore, pois é o único ponto que dá acesso ao sinal. Para realizar as
tarefas, ele anda 8 km e vai até uma escola que tem computadores, além de ir ao
polo todas as terças e quintas. Esse aluno, no segundo ano do curso, já passou no
concurso do IBGE. Hoje, outros como ele, vindos do interior, do sítio, foram
contratados pelo estado do Paraná e estão trabalhando. (coordenadora polo
Ibaiti, PR, 2011)13

Assim, o que se pode notar é uma relação afetiva de muitos coordenadores


de polos com a atividade realizada no âmbito do sistema, o que, entre outras
coisas, denota seu comprometimento com tal tarefa. Nas entrevistas, os coor-
denadores da região Sul também se revelaram professores com experiência em
gestão da educação, lideranças atuantes em projetos educacionais inovadores
e na formação de professores municipais e estaduais, características que foram
decisivas para a indicação desses profissionais para a função de coordenadores
de polos. Poucos, porém, possuíam experiência e conhecimento em educação
a distância.
Na gestão diária dos polos, foram destacadas dificuldades como: falta de
acesso ao Moodle dos cursos de algumas instituições; falta de autonomia para
organizar a equipe de trabalho (muitos coordenadores, sem contar com a co-
laboração de funcionários de apoio, tentam dar conta de toda a demanda de
trabalho); dificuldade em lidar com as orientações diferentes de cada institui-
ção no que se refere à atuação e ao cumprimento de carga horária dos tutores
(as instituições não estão acostumadas a trabalhar em conjunto) e dificuldades
com a falta de orçamento direto para o polo.
Avanços foram percebidos, como a organização da documentação legal
pelos polos (Lei de Criação dos Polos, Regimento Interno e Plano de Gestão)
e a conquista de recursos para sua manutenção, como mencionado neste
depoimento:

Junho de 2014 83
Monica Pagel Eidelwein, Dilce Eclai de Vargas Gil Vicente e Maria Renata da Cruz Duran

Nosso polo tem os documentos legais com todas as obrigações do mantenedor...


Ganhei um fundo de gestão para pequenas despesas do polo, como as escolas
têm. (coordenadora polo Pato Branco, PR, 2011)

Quanto à formação dos coordenadores de polo, 73% possuem pós-gra-


duação lato sensu e formação específica em educação. A titulação desses coor-
denadores dos polos aponta para a importância do investimento realizado na
formação continuada, especialmente em educação a distância, o que nos faz
valorizar iniciativas como a da Universidade Federal de Pelotas (RS), que ofer-
tou a Especialização em Gestão de Polos para os coordenadores da região Sul,
no sistema UAB.
Os coordenadores de polo reclamam da falta de formação continuada em
educação a distância, mas já afirmam trazer uma bagagem em gestão da edu-
cação. Muitos deles destacam que a participação nos eventos realizados nos
polos é de grande valia para essa formação, assim como as reuniões do Fórum
Nacional de Coordenadores UAB e a manutenção do Ambiente de Trabalho
UAB, o Atuab, da Diretoria de Educação a Distância da Capes.14
No que tange às atribuições do coordenador do polo, encontram-se entre
as principais: acompanhar e coordenar as atividades docentes, discentes e ad-
ministrativas do polo; garantir às atividades da UAB a prioridade de uso da
infraestrutura do polo; acompanhar as atividades de ensino, presenciais e a
distância; zelar pela infraestrutura do polo; articular, com as Instituições Pú-
blicas de Ensino Superior (Ipes), a distribuição e o uso das instalações do polo
para a realização das atividades dos diversos cursos; organizar, com as Ipes,
calendário acadêmico e administrativo que regulamente as atividades dos alu-
nos naquelas instalações; articular-se com o mantenedor com o objetivo de
prover as necessidades materiais, de pessoal e de ampliação do polo, e receber
e prestar informações aos avaliadores externos do MEC.
Para os coordenadores, a gestão de um polo passa pelo domínio de um
rol de conhecimentos que fazem parte de um cenário novo para o educador
brasileiro. É fundamental afinar os conhecimentos e criar mecanismos capazes
de propiciar o planejamento, a organização e a capacitação da direção e do
controle das atividades desenvolvidas. De acordo com Silva et al. (2010), os
coordenadores dos Polos de Apoio Presencial da UAB devem receber forma-
ção para atuar na gestão do polo em diferentes dimensões – gestão estratégica,

84 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Sistema UAB: a visão dos coordenadores de polos de apoio presenciais da região Sul

gestão de projetos, gestão de infraestrutura, gestão de equipe e gestão de pro-


cessos –, visando alcançar uma uniformidade de ações e resultados.
O papel do coordenador, nesse paradigma de gestão, é articular a partici-
pação, criar oportunidades de aprendizagem, promover as ideias e projetos e
inserir o polo no contexto do campo e da cidade. Quando os coordenadores
foram questionados, na entrevista, sobre características indispensáveis à fun-
ção, afirmaram que experiência docente e em gestão da educação e conheci-
mentos em educação a distância e em informática são fundamentais.
Segundo eles, se o polo fosse apenas um local para a realização de momen-
tos presenciais de um curso que só acontece no ambiente virtual, bastariam uma
sala de aula, banheiro limpo e alguém para abri-lo e fechá-lo. Mas, quando se
entende que o curso acontece no ambiente virtual e no polo, este passa a ser um
local de encontro permanente e os tutores presenciais e o coordenador do polo
são responsáveis, com as IES, pela articulação dos estudantes e pelo sucesso do
curso. Nessa perspectiva, o coordenador de polo deve ser alguém que entenda
a modalidade de ensino, com experiência em gestão da educação e conheci-
mentos de Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs) aplicadas à
educação, e que faça do polo não somente um ambiente físico, mas um ambien-
te pedagógico. A partir da análise das entrevistas, percebemos que, apesar de
os coordenadores compreenderem a necessidade de todos esses conhecimentos,
muitos ainda não correspondem ao perfil defendido.

Avaliação de polos

A implantação dos polos UAB foi acompanhada por avaliações realizadas


pelas IES, pela SEED-MEC, pela DED-Capes e pelo Inep.15 De todas elas, a
avaliação realizada pela SEED-MEC, em 2010, foi a mais polêmica, como se
observa neste testemunho:

O polo de Santo Antônio da Patrulha foi avaliado com nota máxima, porém re-
gistros equivocados prejudicaram o polo, como, por exemplo, dizer que a biblio-
teca funciona junto com a secretaria, sendo que a avaliadora visitou a biblioteca
em ambiente específico, organizada e até com consulta online sobre a disponibi-
lidade de materiais. O prejuízo para o polo veio logo, pois a ausência de ambien-

Junho de 2014 85
Monica Pagel Eidelwein, Dilce Eclai de Vargas Gil Vicente e Maria Renata da Cruz Duran

te específico bloqueia o cadastro de novos cursos. (coordenadora Polo Santo


Antônio da Patrulha, RS, 2012)

Participaram de nossa pesquisa cinco coordenadores de polos do Rio


Grande do Sul, sete coordenadores de polos de Santa Catarina e dez coorde-
nadores de polos do Paraná, totalizando 22 polos, cujos coordenadores reali-
zaram visitas cruzadas de avaliação e uma reflexão sobre o instrumento de
avaliação. Os 22 polos atendem 10.647 alunos; 18 são mantidos pelas prefeitu-
ras municipais e dois, pelos estados; dois não informaram quais eram os
mantenedores.16
Os cursos ofertados nesses polos priorizam a formação inicial e conti-
nuada de professores, e aproximadamente 50% desses municípios utilizam a
internet do programa Banda Larga na Escola somada a um link mantido pelas
prefeituras. Percebe-se, ainda, que os recursos de informática estão atendidos
na maioria dos polos, porém, há outros com falta de equipamentos em quan-
tidade adequada ao número de estudantes.
Quanto à infraestrutura (espaço físico, internet e horário de funciona-
mento), muitos polos foram avaliados como satisfatórios. Todavia, a avaliação
mostrou que, apesar de a maioria das bibliotecas estar organizada, em funcio-
namento e com acervo básico adequado, as instalações poderiam ser melho-
radas. Além de uma análise dos laboratórios de informática e de áreas especí-
ficas, como física e química, esse aspecto constituiu a parte mais importante,
ou de maior valor (em termos de nota final) do processo avaliativo oficial. Em
segundo lugar, figurou a existência e a carga horária dos recursos humanos do
polo, sem, no entanto, haver, no questionário que orientava a avaliação, itens
relativos à ocupação pedagógica desses funcionários.
Os coordenadores de polos apontaram pontos críticos da avaliação, du-
rante a pesquisa. Segundo eles, a avaliação não contemplou características es-
pecíficas da região, dos cursos ofertados, da agenda cultural e pedagógica local
e da ciberinfraestrutura que porventura os polos tenham desenvolvido. Para
alguns, a aplicação ou o empenho pedagógico nos polos não mereceram a aten-
ção devida. Nesse caso os coordenadores de polos foram entendidos como
zeladores de prédios, sendo desconsiderados os usos pedagógicos desses espa-
ços; segundo eles, o polo representa, sim, o locus da formação universitária
docente.

86 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Sistema UAB: a visão dos coordenadores de polos de apoio presenciais da região Sul

Infelizmente, não pudemos comparar as notas conferidas mutuamente


pelos coordenadores de polos com as notas das avaliações oficiais, porque mui-
tos polos ficaram sem nota final na nossa pesquisa-ação. Isso mostra a dificul-
dade do avaliador em sintetizar a avaliação e atribuir uma nota, mas também
pode ser explicado pelo possível constrangimento dos coordenadores em atri-
buir notas aos colegas de trabalho. Apesar disso, a questão mais importante foi
o entendimento do significado da avaliação por parte desses coordenadores.
Para eles, ela não deve se limitar a observar a infraestrutura e o funcionamento
do polo. Ao contrário, avaliar o polo significa olhar para as diferentes dimen-
sões que são necessárias na formação através da educação a distância. Isso sig-
nifica contemplar, além da infraestrutura, a interação, o papel dos diferentes
atores envolvidos (tutor, professor, aluno, coordenador de curso, coordenador
de polo), as tecnologias e a proposta pedagógica do curso. “A avaliação não se
reduz a contar cadeiras e medir salas; é necessário considerar o que acontece
dentro dessas salas”, (coordenadora do polo de Novo Hamburgo, RS, 2012).
Por conseguinte, nos pareceu imprescindível problematizar esta temática.

Uma netnografia17 na modalidade ead

Para aprofundar as reflexões sobre as avaliações oficiais analisamos tam-


bém os fóruns de discussão do ambiente Moodle criados especialmente para
esta pesquisa pelo Laboratório de Novas Tecnologias Educacionais da Univer-
sidade Federal Fluminense (Lante-UFF). Nesse ambiente, os coordenadores
de polos da região Sul destacaram que a avaliação tem sido entendida, em
muitas situações, apenas como um meio pelo qual são constatadas as deficiên-
cias e, por isso, acaba sendo utilizada para “rankeamento” do polo e não como
um meio para a qualificação do trabalho que ali é realizado. De acordo com o
coordenador do polo de Criciúma (SC), “o avaliador deve ter o conhecimento
do porquê de estar avaliando, qual a finalidade da avaliação, e não com um
tom ameaçador ou até punitivo ao polo”. Nesse mesmo sentido, o coordenador
do polo de Sapiranga (RS) escreveu que “a avaliação deve ser algo periódico e
que aponte, sobretudo, caminhos a se percorrer”. Além disso, os coordena-
dores apontaram que nem sempre os critérios da avaliação são claros e conhe-
cidos previamente. Como afirmou a coordenadora do polo de Chapecó (SC),
em 2012, “o instrumento de avaliação de polos deve ser sucinto, objetivo e

Junho de 2014 87
Monica Pagel Eidelwein, Dilce Eclai de Vargas Gil Vicente e Maria Renata da Cruz Duran

claro, com questões dentro dos pré-requisitos propostos para a implantação


de polos pelo MEC-Capes”.
Segundo os coordenadores, a falta de um consenso – entre os avaliadores
– sobre o que é um polo de apoio presencial leva a equívocos na avaliação.
Muitos avaliadores acabam entendendo o polo como o local responsável ape-
nas por executar as demandas das universidades e dos mantenedores, refor-
çando, assim, uma hierarquização das funções e desconsiderando que o polo
é também um local de produção de saberes. Se não se tem a dimensão do que
ocorre nesse espaço, os atores nele envolvidos acabam se tornando invisíveis,
havendo um silenciamento de suas vozes. De acordo com uma das coordena-
doras do polo “o conhecimento que o avaliador tem da realidade da EAD e do
sistema UAB é fundamental para que se faça uma análise do polo de forma
mais justa” (coordenadora do polo de Santa Vitória do Palmar, RS, 2012). Nes-
se sentido, houve recomendações de que o avaliador tivesse conhecimento de
avaliações que o próprio polo costuma fazer:

Penso que uma avaliação deva vir de dentro para fora; temos plenas condições
de avaliar o polo, somos parte fundamental, queremos o melhor para o nosso
polo. Se ele não está bem e precisa melhorar, seremos os primeiros a apontar is-
so! (coordenador do polo Sapiranga, RS, 2012)

Além disso, em algumas situações, a avaliação do polo é desvinculada da


avaliação dos diversos segmentos que o compõem e, por isso, não abrange a
complexidade do sistema como um todo. Nesse sentido, uma das coordena-
doras sugeriu:

O avaliador deveria receber no mínimo o histórico do município em que está


inserido o polo, suas deficiências, pontos fortes e fracos, no que tange a infraes-
trutura, o envolvimento das IES, do mantenedor, para que não fique somente
uma avaliação superficial para preencher mero procedimento burocrático.
(coordenadora do polo Araranguá, SC, 2012)

A complexidade desse sistema também é enfocada nesta fala:

O ideal seria o avaliador conhecer a história do polo, o mantenedor do municí-


pio, a clientela, o trabalho e a contribuição dos coordenadores, tutores e a im-
portância que estes têm para os alunos que frequentam cursos na modalidade

88 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Sistema UAB: a visão dos coordenadores de polos de apoio presenciais da região Sul

EAD, pois esse espaço é considerado como “braço” de apoio das IES. (coordena-
dora do polo Astorga, PR, 2012)

Foram lembrados casos de desarticulação da avaliação. Por exemplo,


quando alguns coordenadores foram questionados sobre a existência de labo-
ratórios de física ou química, mesmo não havendo cursos nessas áreas, o polo
foi avaliado como insuficiente nesse quesito, por não possuir determinados
laboratórios. Em outros casos, mesmo havendo o curso, mas, tendo a IES ofer-
tante entendido que esse espaço não seria necessário, pois o projeto pedagógico
não previa a sua utilização, e sim simulações realizadas no ambiente virtual, o
polo também foi avaliado de maneira insatisfatória. Noutros polos ainda se
destacou a utilização de espaços da comunidade ou da universidade em mo-
mentos pontuais, de aulas práticas, inclusive avaliando como positiva a expe-
riência da ida dos alunos esporadicamente à IES (com vistas à integração ao
ambiente acadêmico) ou às escolas locais (com vistas à aproximação do am-
biente profissional), mas, também nesses casos, as avaliações oficiais foram
negativas.18 Para os coordenadores,

O fato é que fomos altamente prejudicados em itens que constavam no formulá-


rio e que não tínhamos... Tipo: conceito 1 (precário) em biblioteca, laboratórios,
sobretudo de biologia, química... Nem possuímos esses cursos! É complicado!
(coordenador do polo Sapiranga, RS, 2012)

Desse modo, entende-se que a exigência de espaços deve estar em acordo


com o número de instituições, de cursos ofertados e de alunos e ainda de acor-
do com o projeto pedagógico dos cursos. Para os coordenadores, deve-se dis-
cutir, antes da oferta dos cursos, as necessidades estruturais, de acordo com a
proposta, para a modalidade a distância, analisando-se as reais possibilidades
de o mantenedor garantir aquela infraestrutura. Como alguns coordenadores
assinalam, nem sempre os municípios têm condições de despender cerca de
200 mil reais em um laboratório de química, por exemplo. Assim, critica-se a
ideia de uma determinação prévia de espaços desvinculada das reais possibili-
dades e necessidades apresentadas e destaca-se a importância de instrumentos
e de parâmetros de avaliação flexíveis, o que não significa a inexistência deles,
apenas uma maior capacidade de diálogo das partes envolvidas na formação
docente. Todas essas críticas corroboram a impressão de que a articulação

Junho de 2014 89
Monica Pagel Eidelwein, Dilce Eclai de Vargas Gil Vicente e Maria Renata da Cruz Duran

polos + IES + governo federal é desigual e de que, no jogo das políticas públicas
combinadas, todos ainda têm muito a aprender.
Segundo os coordenadores, para que a avaliação de polos possa contribuir
com a qualificação desses espaços, é necessária uma reflexão também por parte
dos outros envolvidos nessa parceria. Quando um polo tem sua nota reduzida,
a responsabilidade, de um lado, também é das IES, que nem sempre atuam de
maneira integrada, informativa e/ou democrática com os polos, e, de outro,
do governo federal, que muitas vezes multiplica regras gerais sem atentar para
a realidade local ou mesmo para a contradição de algumas de suas recomen-
dações. Nesse sentido, a presença de um representante do mantenedor do polo
e também da universidade no momento da avaliação é fundamental, pois,
quando se avalia o polo, necessariamente se avaliam os segmentos que o
compõem.
Quanto à atuação do profissional que realiza a avaliação do polo, os coor-
denadores salientaram que nem sempre ele está preparado para realizar essa
atividade, tendo uma postura inadequada. Constataram algumas práticas que
prejudicam a avaliação e que indicam a necessidade de um investimento na
formação desse profissional. Mencionaram que algumas vezes o avaliador não
comunica com antecedência a sua vinda ao polo e não se apresenta formal-
mente. Além disso, o pouco tempo de permanência no polo e o relatório muito
extenso fazem que o avaliador se ocupe majoritariamente da formalidade do
preenchimento do documento e tenha uma visão muito restrita, de aspectos
pontuais, ocasionando, em alguns casos, generalizações por vezes equivocadas
e uma visão parcial. Muitas vezes o avaliador desconhece as especificidades do
polo dentro da perspectiva da UAB e não conhece a educação a distância, uti-
lizando a educação presencial como referência. Finalmente, ainda de acordo
com os coordenadores, cada avaliador interpreta de maneira diferente as ques-
tões do instrumento de avaliação, ficando o resultado da avaliação vinculado
à subjetividade de cada avaliador.
A pesquisa apontou, portanto, a necessidade de o avaliador emancipar-se
do modelo de espaço da própria universidade, seja de cursos presenciais ou a
distância, para pensar os polos como espaços peculiares, que ofertam cursos
com características diferenciadas, de diversas universidades, e cujos mantene-
dores são estados ou municípios, também com condições diferenciadas.

90 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Sistema UAB: a visão dos coordenadores de polos de apoio presenciais da região Sul

Nesse sentido, para os coordenadores, discutir a avaliação dos polos tor-


na-se pauta urgente para a educação, quando se pensa em qualificá-la. Primei-
ro, por haver pouca produção acadêmico-científica que trate desse tema; de-
pois, pela urgência de qualificar a própria avaliação para que sirva de indicador
de direção para os polos, possibilitando, com isso, consolidar a oferta de cursos
com maior qualidade. Por essas razões, a proposta de um mestrado direciona-
do para tal público é cabível e necessária. Não apenas porque muitos coorde-
nadores de polos padecem da falta de conhecimentos amplos sobre a univer-
sidade, seu funcionamento e importância, mas também porque tanto os polos
como as IES seriam incitados a produzir conhecimentos sobre o assunto.

Considerações finais

No artigo ora apresentado foi exposta uma pesquisa sobre o sistema UAB.
Política pública de formação docente na modalidade de ensino a distância, o
sistema UAB articulava, em 2011, esforços de 92 instituições públicas de ensino
superior, do governo federal (Capes) e de cerca de seiscentas mantenedores de
polos de apoio presenciais, que, representados por governos municipais e es-
taduais, se dispõem a criar e manter espaços de formação para docentes de
ensino básico e médio da rede pública de instrução. No recorte ora apresenta-
do, foram reunidos alguns dos principais indicadores do perfil dos coordena-
dores de polos da região Sul, da gestão implementada nesses espaços e da ma-
neira como eles veem a avaliação de seu trabalho. Espera-se, com a revisão aqui
exposta, ter fornecido um panorama geral do que seja o sistema UAB, sua
complexidade, implicações, limites e potenciais. Bem como dos polos de apoio
presenciais, que, em nossa mirada, constituem uma das singularidades da EAD
latino-americana. Destaque-se que não há pares dos mesmos em sistemas co-
mo os da Open University, no Reino Unido, ou da Universidad Nacional de
Educación a Distancia (Uned), na Espanha, grandes baluartes da EAD mun-
dial, embora haja Centros Zonais no projeto Enlaces do Chile. Essa singulari-
dade, obviamente, tem como pano de fundo nossas dificuldades tanto de co-
nexão em rede quanto de inclusão digital de nossa população e, por fim, mas
não menos importante, as limitações financeiras de nossos docentes ao acesso
de equipamentos que envolvam a tecnologia.

Junho de 2014 91
Monica Pagel Eidelwein, Dilce Eclai de Vargas Gil Vicente e Maria Renata da Cruz Duran

Todas essas dificuldades, entretanto, têm se amainado nos últimos 10


anos, como se pode notar nas pesquisas do CETIC.Br (TIC Educação 2013), e
o acesso à internet entre a população escolar chega a alcançar um patamar de
94% de usuários, cada vez mais via dispositivos móveis. Nesse cenário, a inter-
net não se configura apenas como uma ferramenta de instrução democrática
e passível de uso massivo, mas também como um elemento instrucional que
ultrapassou os muros do laboratório de informática e que, assim como os li-
vros, precisa estar presente, de maneira orientada, em sala de aula. Com os
dispositivos em mãos, os futuros professores de história devem ter em mente
que um de seus maiores desafios é resistir à flanerie virtual quando se trata de
estudar na rede. Para isso, é imprescindível que os formadores de formadores
(nesse caso, professores universitários, e eis um dos ganhos da UAB) saibam
conduzir essa leitura que, diferente da leitura de um livro, é aberta, fragmen-
tada e sensorial, ou seja, o docente deve indicar as direções, mas o caminho é
do discente, que precisa aprender a aprender nesse ambiente. Das universida-
des, essa orientação é feita diretamente via computadores; dos polos, essa ação
é presencial e, muitas vezes, ainda representa o esteio de segurança que esse
discente, sempre atemorizado pela tecnologia dos filmes de ficção científica
(que em filmes como 2001, uma odisseia no espaço, chegam a atentar contra a
vida humana), terá para efetivar seu processo de inclusão digital. Para mais,
espera-se ter destacado, no modelo compartilhado de poder do sistema UAB,
a emergência de um novo paradigma de formação docente, em que as univer-
sidades vão até comunidades distantes e atuam, sistematicamente, em parceria
com forças municipais, estaduais e federais, o que nos garante, se não a con-
firmação de antigas competências, a renovação desses laços, bem como a re-
troalimentação do sistema universitário, seja no que diz respeito ao modo
como a universidade é vista pela sociedade (mais próxima, mais móvel, mais
inclusiva, mais dinâmica), seja no que diz respeito ao modo como a universi-
dade se constrói internamente (diversificando seu público e suas modalidades
de atendimento).

REFERÊNCIAS

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NOTAS

1
ABED, 2013. Cabe observar que o Art. 80 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), regulamenta a modalidade a distân-
cia no Brasil. Nele se pode verificar que a modalidade depende de 30% de momentos pre-
senciais, especialmente dedicados a avaliações. Assim, quando se trata de EAD para gra-
duação no Brasil, se está sempre falando de uma modalidade semipresencial. Em tempo,
conforme legislação vigente (Portaria nº 4.059, do Ministério da Educação, de 10 de de-
zembro de 2004), até 20% dos cursos presenciais podem ter disciplinas semipresenciais.

94 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Sistema UAB: a visão dos coordenadores de polos de apoio presenciais da região Sul

Não obstante, disciplinas a distância/semipresenciais em cursos presenciais não tornam


esse curso a distância ou semipresencial.
2
COSTA; DURAN, 2012, p.276-277. Ver também COSTA, 2007.
3
Ibidem, p.302.
4
Desde junho de 2011 tem sido realizado um trabalho de pesquisa sobre o sistema Univer-
sidade Aberta do Brasil por um grupo de investigadores liderado por Maria Renata da
Cruz Duran (UEL), Tel Amiel (Unicamp) e Celso Costa (UFF, coordenador geral). O tra-
balho conta com um cronograma de três fases: polos de apoio presencial, núcleos de edu-
cação a distância e recursos educacionais abertos. Entre 2011 e 2013, a primeira etapa foi
realizada e teve como principal resultado uma tipologia dos polos de apoio presencial.
Nessa etapa, 68 coordenadores de polos de apoio presencial estiveram em contato com
o grupo de pesquisa “Formação de professores e novas tecnologias de informação e comu-
nicação”, vinculado ao Laboratório de Tecnologias Educacionais/UFF. Essa etapa teve co-
mo foco as regiões Norte, Nordeste e Sul. Nossas pesquisas foram realizadas a partir de
entrevistas, nas quais a trajetória profissional dos entrevistados e o perfil de gestão dos
polos teve destaque. Depois, por meio de visitas cruzadas, pares regionais foram estabele-
cidos e uma simulação de avaliação mútua foi executada. Conforme a participação de dois
representantes de cada região, foram sistematizados e consolidados os dados auferidos
nesta pesquisa. Todo o processo foi monitorado via Moodle e o que se apresenta no mo-
mento é uma síntese desse esforço colaborativo cujo objetivo era, primeiro, materializar
um conhecimento sobre os polos UAB e, segundo, fomentar um debate mais amplo e
aprofundado sobre as avaliações oficiais entre os coordenadores de polos UAB e os partí-
cipes do sistema UAB como um todo. O ambiente Moodle usado nesta pesquisa ainda não
foi aberto porque segue em uso nas etapas referentes ao estudo dos núcleos de educação a
distância e da produção dos recursos educacionais abertos. Todavia, há vários substra-
tos de nossas sondagens já publicados, bem como o relatório interno em que compilamos
nossas fontes. Além dos trabalhos mencionados ao longo deste texto, podemos relacio-
nar: COSTA; DURAN; MASSARO; AMIEL, 2012, e o recente AMIEL; DURAN; COSTA,
2014, ou ainda DURAN; COSTA; AMIEL, 2014. Em todas essas publicações, nosso leitor
poderá dar-se conta da metodologia por nós adotada, bem como das contas colhidas – ain-
da que também possa estar certo de que dentro em pouco abriremos amplo acesso ao am-
biente virtual Moodle que utilizamos para levantá-las.
5
Ver também: COSTA (et al.), 2012, e COSTA (et al.), 2013.
6
Disponíveis em http://portal.inep.gov.br/superior-censosuperior-sinopse.
7
BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, Censo da Educação Superior 2010. Ver tam-
bém: http://portal.inep.gov.br/superior-censosuperior-sinopse.
8
Informações fornecidas por e-mail, ao grupo de pesquisa, pela sra. Ismênia de Fátima
Vieira, técnica da Diretoria do Ensino Superior da Secretaria Estadual de Educação de
Santa Catarina, em 2012.
9
Com a Lei Municipal nº 3.884/2001, por exemplo, o município de Santo Antônio da Pa-

Junho de 2014 95
Monica Pagel Eidelwein, Dilce Eclai de Vargas Gil Vicente e Maria Renata da Cruz Duran

trulha (RS) se responsabilizou por 50% dos custos da formação inicial do professor. Outra
ação do município que teve grande repercussão na formação dos professores foi o convê-
nio entre as prefeituras de Santo Antônio da Patrulha e de Cará com a Universidade Fede-
ral do Rio Grande, em 2004, visando a formação em licenciatura em pedagogia para cem
professores. Em 2006, com a implantação do Polo de Apoio Presencial da Universidade
Aberta do Brasil, a formação continuada passou a ser o foco da política local. Em nossa
pesquisa, outros 26 municípios estiveram em foco, contribuindo com informações sobre a
formação de professores. Os resultados podem ser observados nas diversas publicações do
grupo de pesquisa, bem como seu extrato final, ainda no prelo, previsto para publicação
em novembro de 2014.
10
BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2009.
11
BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇAO. Censo do Professor.
12
Segundo a Resolução CD/FNDE nº 26, de 5 de junho de 2009, o coordenador de polo
deve ser professor da rede pública, graduado e com, no mínimo, 3 anos em magistério na
educação básica ou superior. Constatou-se que 91% dos coordenadores possui pelo menos
4 anos de experiência docente e pelo menos 2 anos de experiência administrativa. Ver
­http://www.capes.gov.br/educacao-a-distancia/atuab. Em toda a pesquisa contamos com a
participação de 68 coordenadores de polos das regiões Norte, Nordeste e Sul, o que, em
2010, representava 12% do universo de polos ativos do sistema. Todos eles foram selecio-
nados de acordo com os seguintes critérios: integrantes do sistema UAB desde o primeiro
ou o segundo edital (de cerca de quatro chamadas) de adesão, que passaram pelos dois
processos avaliativos ocorridos até 2011 e nestes alcançaram, entre os cinco níveis de qua-
lificação, notas consideradas medianas, melhor dizendo, aqueles que não obtiveram o nível
máximo, nem foram desqualificados por falta de infraestrutura. Num primeiro momento,
nosso projeto de pesquisa lhes foi apresentado para adesão ou não. Como passo seguinte,
providências de sistematização da pesquisa foram implementadas e uma agenda de entre-
vistas foi estabelecida. Todas as 27 entrevistas com coordenadores da região Sul foram
realizadas na mesma data, 17 de novembro de 2011, pelos três coordenadores da pesquisa:
Celso José da Costa, Maria Renata da Cruz Duran e Tel Amiel.
13
Quatro fóruns foram criados no ambiente Moodle para esse fim. O primeiro serviu para
uma apresentação geral dos coordenadores, bem como para o registro de suas expectativas
em relação à pesquisa. O segundo propunha uma discussão sobre os instrumentos de ava-
liação do MEC e da Capes, antes dos processos de visitas cruzadas. O terceiro propunha
uma discussão sobre o preenchimento dos relatórios de visitas cruzadas e o modo como
elas ocorreram – a ferramenta “envio de tarefas” foi utilizada para recebimento dos relató-
rios preenchidos. Um último fórum foi utilizado para levantar as opiniões dos participan-
tes sobre os métodos de condução da pesquisa, bem como sobre o que se “ganhou” com
ela. Todos esses fóruns, com duração de 15 a 20 dias de interação cada, foram tutorados
por Maria Renata da Cruz Duran e Tatiana Massaro, que também se ocupou do mural de
avisos e de um fórum específico sobre problemas e questões procedimentais da pesquisa.
Destaque-se que cada uma das regiões foi atendida em separado. Os dados aqui auferidos

96 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Sistema UAB: a visão dos coordenadores de polos de apoio presenciais da região Sul

dizem respeito apenas à região Sul; a análise dos dados das demais regiões pode ser consul-
tada em DURAN; COSTA; AMIEL; EIDELWEIN, 2013.
14
Ver http://www.capes.gov.br/educacao-a-distancia/atuab.
15
Inicialmente cada instituição ofertante de curso fez a avaliação dos seus polos. Posterior-
mente, foi realizada avaliação pela Comissão Nacional de Qualificação de Polos da DED-
-Capes, com o objetivo de qualificar o polo e apontar melhorias. Em abril e maio de 2010,
a SEED-MEC realizou nova avaliação a fim de atribuir nota aos polos, ao mesmo tempo
em que impediu a expansão de alguns. O Inep também efetuou sondagens nesses polos,
mas seu impacto foi minimizado, uma vez que os polos estavam resguardados pelo proces-
so de credenciamento experimental.
16
Participaram da pesquisa os coordenadores de polos dos municípios discriminados a
seguir. Do Paraná: Foz do Iguaçu, Astorga, Ibaiti, Jacarezinho, Diamante do Norte, Para-
naguá, Itambé, Pato Branco, Cruzeiro do Oeste e Engenheiro Beltrão. De Santa Catarina:
Braço do Norte, Indaial, São Miguel do Oeste, Chapecó, Araranguá, Laguna e Criciúma.
Do Rio Grande do Sul: Sobradinho, Novo Hamburgo, Santo Antônio da Patrulha, Santa
Vitória do Palmar e Quaraí.
17
Segundo KOZINETS (2002, p.2), a netnografia é uma nova metodologia de pesquisa
qualitativa que se adapta às técnicas de pesquisa etnográficas para o estudo das culturas e
das comunidades emergentes através da comunicação mediada por computador. Ver tam-
bém DURAN; COSTA; AMIEL; EIDELWEIN, 2013.
18
A coordenadora do polo de Quaraí (RS) relatou um exemplo no qual os alunos do curso
de física foram à universidade, avaliando o resultado da experiência como excelente. Para
ela, as aulas de laboratórios podem ser ofertadas nas IES, pois “a ida dos alunos até a uni-
versidade desperta a curiosidade e eleva a autoestima dos acadêmicos, pois conhecem a
instituição a que estão vinculados, oportunizando a vivência com alunos do presencial”
(Coordenadora de Quaraí/RS, 2012. In: COSTA; DURAN; AMIEL; MASSARO, 2012).

Artigo recebido em 30 de maio de 2014. Aprovado em 27 de junho de 2014.

Junho de 2014 97
Professores de história em uma experiência de
formação inicial a distância: os significados
e os limites da profissionalização
History teachers in an experience of learning at distance:
the meanings and limits of the professional development
Maria Cláudia Cardoso Ferreira*

Resumo Abstract
O artigo analisa uma experiência de for- The article analyzes the experience of
mação a distância (Pró-licenciatura) distance training (Pró-licenciatura) ad-
destinada a professores leigos que atua- dressed to lay teachers who acted as his-
vam como professores de história no tory teachers in the Brazilian Northeast.
Nordeste brasileiro. Mediante análise de Through the analysis of interviews,
entrevistas, de questionários e das inte- questionnaires and interactions held on
rações no fórum de debates online do the online forum of the course we in-
curso objetivou-se compreender, da tended to understand, under the per-
perspectiva dos saberes docentes, o pro- spective of teacher’s knowledge, the
cesso de fazer-se professor de história. process of becoming a history teacher. It
Com isso foi possível elucidar aspectos was then possible to elucidate some as-
das políticas de qualificação profissional pects involved in the politics of profes-
dos professores da educação básica em sional qualification of teachers, both
geral, e de história, em particular, bem from basic education in general and his-
como constatar que a educação a dis- tory teachers in particular. It was also
tância pode significar uma possibilidade possible to note that distance education
real de formação superior, oportunizan- can mean a real possibility of higher
do mobilidade social e inclusão digital e education, providing opportunities for
rompendo barreiras de acesso às Tecno- social mobility and digital inclusion,
logias Digitais de Informação e Comu- breaking barriers of access to TDICs es-
nicação (TDICs), especialmente para pecially for teachers with exhaustive
professoras com exaustiva jornada de working day and many years of experi-
trabalho e muitos anos de profissão. ence.
Palavras-chave: ensino a distância; li- Keywords: Distance education; teacher
cenciatura em história; formação de training in history; teacher training.
professores.

**Departamento de Geografia e História, Universidade Federal do Piauí (UFPI). mariacardoso2@


gmail.com

Revista História Hoje, v. 3, nº 5, p. 99-124 - 2014


Maria Cláudia Cardoso Ferreira

Há algumas décadas a combinação de diferentes variáveis vem influen-


ciando a procura pela carreira do magistério como profissão. No Brasil e em
outros países tem sido um desafio contratar e reter professores no exercício da
profissão (ver Moon, 2008). Os ínfimos salários que obrigam o profissional a
atuar com carga horária extensa, os problemas de violência direta e simbólica
sofridos em algumas instituições, o baixo prestígio social decorrente das re-
presentações negativas sobre a profissão, além dos problemas intrínsecos às
políticas de formação de professores contribuem para a pouca procura pelos
cursos de licenciatura e pedagogia ou, quando ocorre a matrícula, para uma
expressiva evasão.
Esses problemas acabam repercutindo na sala de aula, espaço no qual os
professores deveriam estar. Quando eles não estão, é comum que os gestores
brasileiros resolvam a situação de duas maneiras: suspensão das aulas até que
se empregue outro professor ou contratação de mão de obra sem qualificação
suficiente ou adequada. A primeira medida não agrada à população, expõe os
gestores e, de imediato, pode afastar os eleitores. Já o emprego de professores
leigos tem servido, ao longo de décadas, como paliativo em muitas situações,
seja na escola pública, seja na particular.
Dados de 2003, analisados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (Inep) em uma publicação de 2007, informam
que, nas séries finais do ensino fundamental, 26,21% dos cargos eram ocupa-
dos por professores leigos. Esse conjunto era constituído por professores que
fizeram ou o chamado curso normal ou apenas o ensino médio, ou ainda por
aqueles que tinham uma faculdade, mas não eram licenciados. Cerca de 180
mil profissionais atuavam nas séries do ensino fundamental, do 1º ao 9º ano,
sem a formação exigida. Já no ensino médio havia 54 mil docentes sem a qua-
lificação pertinente, ou seja, 14,74% dos professores atuantes no país não eram
licenciados. Essa percentagem aumenta se considerarmos apenas os dados do
Nordeste, onde 44,07% dos professores não tinham licenciatura em 2003 (Bra-
sil/CNE/CEB, 2007).
Vale destacar que esses números não especificam os cursos, o que sugere
haver distorções – por exemplo, profissionais licenciados formados em história
que atuam também como professores de filosofia e sociologia, e pedagogos
lecionando geografia, história, matemática etc. Como essa prática é muito

100 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Professores de história em uma experiência de formação inicial a distância

comum, constata-se que faltariam muito mais professores caso fosse proibido
lecionar fora da área de formação. A maioria das estatísticas geralmente só
conta quantos alunos estão sem professor ou com professores não licenciados,
deixando de lado as distorções, ou seja, quantos alunos estão com um profes-
sor na sala de aula que não tem a formação específica para ministrar determi-
nada disciplina. Segundo o mesmo relatório faltavam hipoteticamente 19.937
professores de história na primeira década do milênio, já que a demanda era
de 94.603 profissionais, mas apenas 74.666 concluíram a licenciatura entre
1990 e 2001 (Brasil/CNE/CEB, 2007).
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional aprovada em 1996 re-
flete as orientações da Declaração Mundial sobre Educação Para Todos, apro-
vada em Jomtien, Tailândia, no ano de 1990, e ratificada pelo Estado brasileiro,
que assumiu, entre outros, o compromisso da universalização do acesso ao
ensino fundamental. Com o Marco de Ação de Dakar, assinado em 2000, du-
rante o Fórum Mundial de Educação, outras metas foram estabelecidas. A de-
manda por mais professores e por uma educação de qualidade reflete o pro-
cesso de democratização que vivemos nas últimas décadas.1
Tanto nas proposições de 1990 quanto nas de 2000, o trabalho do profes-
sor é colocado em posição crucial para o alcance da qualidade do ensino pú-
blico.2 O documento de Dakar estabeleceu que os países se comprometessem
com metas e estratégias, sendo uma delas “elevar o status, o moral e o profis-
sionalismo dos professores”, colocando-os no lugar de atores essenciais, de-
fensores e catalizadores da mudança, devendo por isso ser respeitados e ade-
quadamente remunerados. O documento propugna ainda oferecer formação
de professores permanente, aberta e a distância, promover a participação dos
docentes nas esferas locais e nacionais nas decisões que envolvem a educação,
criar ações bem definidas e imaginativas para atrair e reter os bons professores
conscientes do seu papel em uma “economia emergente, baseada no conheci-
mento e conduzida pela tecnologia” e capazes de usar as novas Tecnologias de
Informação e Comunicação para atingir os objetivos da Educação para Todos
(Unesco/Dakar, 2001). O texto de Dakar tem um anexo composto de metas a
serem cumpridas pelos países americanos, com vistas a melhorar a qualidade
da educação básica, as quais incluem os docentes. De acordo com o documen-
to, é preciso

Junho de 2014 101


Maria Cláudia Cardoso Ferreira

recuperar o valor social e profissional dos docentes como atores insubstituíveis


dos processos educativos de qualidade, mediante estabelecimento de políticas
ajustadas de qualificação, melhora das condições de trabalho e remuneração e
incentivos para a sua constante superação. (Unesco/Dakar, 2001, p.33)

Este artigo apresenta parte das análises e apontamentos apresentados em


minha tese de doutorado (Ferreira, 2013) realizada no Programa de Pós-Gra-
duação em História, Política e Bens Culturais do Centro de Pesquisa e Docu-
mentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getulio Vargas
(CPDOC/FGV). A pesquisa investigou um curso de licenciatura em história a
distância, coordenado pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de
Janeiro e pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), entre 2006 e
2011. O curso se destinava a professores leigos, funcionários públicos, que le-
cionavam história havia pelo menos um ano, nos estados da Bahia, Ceará, Ma-
ranhão e Sergipe. O curso foi financiado pelo Ministério da Educação (MEC)
através do Programa Pró-Licenciatura Fase II, no bojo das políticas públicas
de qualificação docente.
A questão principal da pesquisa foi investigar os saberes e práticas docen-
tes mobilizados no âmbito da formação de professores de história com a obri-
gatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira após a Lei
10.639/2003, que tornou obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasi-
leira nas escolas do país. Combinando a noção de saberes docentes, conforme
as proposições de Tardif (2010) e Monteiro (2007), com a de trajetórias, anco-
rada em Bourdieu (1996), busquei analisar o percurso formativo dos profis-
sionais no decorrer dos anos de existência do curso (Tardif, 2010; Monteiro,
2007; Bourdieu, 1996). Nessa lógica, trabalhei com o que Paim (2007) deno-
mina processo de fazer-se professor (Paim, 2007). Essa argumentação assinala
que devemos considerar, na formação, as experiências do antes e do durante,
a memória, a história aberta, o fazer-se sujeito de um processo de formação
que ocorre ao longo da vida.
Vali-me de fontes de diferentes procedências para realizar a pesquisa.
Trabalhei com os documentos institucionais do curso e das políticas públicas
em análise e com os registros escritos (postagens) de alunos e professores no
ambiente de aprendizagem virtual. Além disso, analisei dados gerados por en-
trevistas presenciais e questionários enviados por e-mail realizados no ano de
2012.

102 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Professores de história em uma experiência de formação inicial a distância

Neste trabalho primeiramente apresento a experiência do consórcio PUC/


Uerj, com destaque para a sua inserção no âmbito das políticas públicas de
formação docente. No segundo momento, busquei caracterizar e contextuali-
zar o processo de desenvolvimento profissional dessa experiência, com foco
na peculiaridade do ensino a distância, assinalando seus limites e possibilida-
des, através das vozes dos próprios profissionais envolvidos com a formação.

Pró-Licenciatura II: o percurso de um


programa de formação inicial em serviço

O consentimento para o funcionamento da formação superior (inicial e


continuada) na modalidade de educação a distância consta no texto da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996.3 Com o Plano Nacional de
Educação, em 2001, essa modalidade de ensino passou a ser proposta pelos
gestores públicos como uma saída para resolver o histórico deficit de profes-
sores no país.4 Caberia aos gestores da Secretaria de Educação a Distância (SE-
ED),5 criada em maio de 1996, desenhar as ações em conjunto com a Secretaria
de Educação Básica (SEB) e com a colaboração das secretarias de Educação
Especial (SEESP) e de Educação Superior (SESu). As instituições de ensino
superior (IES) públicas foram conclamadas a entrar no empreendimento, as-
sim como, num primeiro momento, as organizações de ensino superior, be-
neficentes e confessionais – caso da Pontifícia Universidade Católica do Rio
de Janeiro (PUC-Rio). Quatro programas de formação específicos para pro-
fessores foram gestados no MEC: a Rede Nacional de Formação Continuada
de Professores da Educação Básica, o Pró-Letramento, o Pró-Licenciatura e a
Universidade Aberta do Brasil (UAB).6
O Programa de Formação Inicial para Professores dos Ensinos Funda-
mental e Médio – Pró-Licenciatura constituiu-se num programa do Ministério
da Educação cujo objetivo era ofertar cursos de licenciatura na modalidade a
distância para municípios com maior carência de professores ou com um gran-
de número de professores leigos.
O programa teve duas fases. O Pró-Licenciatura I foi instituído pela cha-
mada pública SEED/MEC nº 01/2004, com início no mesmo ano e atenção
voltada aos egressos do ensino médio, sensibilizados para exercer a profissão
de professor, com atenção às áreas de pedagogia, matemática, física, química

Junho de 2014 103


Maria Cláudia Cardoso Ferreira

e biologia. O Pró-licenciatura II foi instituído pela Resolução FNDE nº 34/2005


e teve início em 2006. Ele esteve direcionado aos professores leigos, incluindo
nessa denominação tanto aqueles que não tinham qualquer formação superior
como os que tinham uma licenciatura, mas lecionavam fora da sua formação.
Em números absolutos, o programa disponibilizou 29.585 vagas, com 18 cur-
sos para a fase I e 28 para a fase II. O Pró-Licenciatura não lançou mais editais
e sua estrutura foi incorporada, paulatinamente, ao sistema UAB, à medida
que este se institucionalizava no ano de 2006.

A licenciatura em história a distância


do consórcio PUC-Rio/Uerj

Em novembro de 2006, o Departamento de História da PUC-Rio iniciava


as aulas de sua primeira experiência de ensino de graduação totalmente a dis-
tância, com a licenciatura em história. O consórcio PUC-Rio/Uerj foi pioneiro
também para o MEC, pois, para todas as outras propostas aprovadas, o vesti-
bular estava marcado para o início de 2007. Por isso, o curso acabou servindo
como um experimento de gestão, bem como dos modos de ensinar e aprender
frente a uma modalidade de ensino ainda nova tanto para docentes e coorde-
nadores do consórcio quanto para os fomentadores da política.
Após um processo seletivo que constou de um exame de redação e conhe-
cimentos gerais, iniciaram-se as turmas dos estados da Bahia, Maranhão e
Sergipe. Já as atividades no estado do Ceará se iniciaram um pouco depois, em
março de 2007. No total foram 1.003 professores-alunos matriculados. Os exa-
mes de acesso foram realizados nos estados dos pretendentes sob a responsa-
bilidade de instituições locais de gestão da educação. No estado da Bahia, o
Instituto Anísio Teixeira (IAT) cuidou do vestibular, assim como da análise
dos documentos necessários à matrícula dos alunos, e proporcionou toda a
estrutura física do curso ao longo dos anos de formação. No Ceará, as inscri-
ções foram administradas pela União Nacional dos Dirigentes Municipais de
Educação (Undime),7 que contatou as secretarias municipais de Educação e
fez as inscrições dos alunos. No Maranhão e em Sergipe, as secretarias esta-
duais de Educação responderam pelas inscrições e estruturas locais. Todos os
documentos dos candidatos foram remetidos ao Departamento de História da
PUC-Rio, que viabilizou a matrícula na instituição.

104 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Professores de história em uma experiência de formação inicial a distância

O curso de licenciatura em história a distância esteve sob a coordenação


geral do próprio diretor do Departamento de História, na época, o professor
Luís Reznik. O suporte à direção vinha da coordenação acadêmica, da coorde-
nação de tutores, que respondia por sessenta professores tutores a distância, e
da secretaria geral do curso, sob a responsabilidade de um funcionário do De-
partamento de História e de uma bolsista de pós-graduação.
Para o curso acontecer, além das coordenações citadas, funcionava outra
estrutura mais operacional. Ela começou com os professores autores, respon-
sáveis por escrever os textos das 53 disciplinas. A maioria dos professores do
grupo se constituiu de professores da PUC-Rio (28) e da Uerj (14), com alguns
deles participando da elaboração de duas disciplinas. Do total de 49 professo-
res, oito tinham mestrado na época, quatro eram doutorandos, e todo o res-
tante se constituía de doutores.
Na sequência estavam os professores formadores, cuja responsabilidade
era auxiliar os professores tutores presenciais e a distância na compreensão das
aulas-texto, trabalhadas no ambiente virtual de ensino-aprendizagem deno-
minado AulaNet, bem como mediar o contato com a coordenação geral. Por
fim, no contato direto com os professores cursistas estavam os tutores presen-
ciais e a distância. Havia um tutor para cada polo, somando 18 professores
tutores presenciais. Os tutores a distância formavam uma equipe composta de
aproximadamente sessenta professores. Os professores tutores a distância tra-
balharam, ao longo dos anos, com diversas disciplinas e em diferentes turmas
e estados.
Cabia ao professor tutor presencial dar toda assistência ao aluno no polo,
orientando-o nas tarefas, auxiliando-o no uso da internet, na consulta ao acer-
vo da biblioteca etc., além de monitorar suas tarefas a fim de qualificar a apren-
dizagem. Já o professor tutor a distância mediava a aprendizagem da disciplina
no decorrer do semestre, com a responsabilidade de interceder na relação alu-
no-texto, cobrar e corrigir as tarefas virtuais e criticar a participação, incenti-
vando intervenções com mais consistência teórica e qualidade acadêmica.
A PUC-Rio fez a matrícula de 1.003 alunos. Destes, 656 estavam diplo-
mados em fevereiro de 2012 e outros 109 aguardavam diploma porque havia
algum tipo de pendência para sua emissão. A maioria do grupo terminou a
licenciatura no final de 2010. A cerimônia de formatura aconteceu na cidade
do Rio de Janeiro e contou com a presença de mais de trezentos formandos.

Junho de 2014 105


Maria Cláudia Cardoso Ferreira

No estado de Sergipe foram 68 formados; no Maranhão, 174; no Ceará, 228,


e, na Bahia, o número chegou a 295 concluintes, resultando, portanto, na soma
de 765 professores que deixaram de ser leigos no ensino de história.
Desse grupo que chegou ao final, aproximadamente 86% eram mulheres
na faixa etária entre 40 e 50 anos no ano de conclusão do curso. Quanto ao
grau de escolaridade tratava-se da primeira graduação de uma maioria de mu-
lheres que tinha habilitação para lecionar somente nas séries iniciais da edu-
cação básica (educação infantil e fundamental I), pois se formaram no curso
de magistério. Considerando a idade média dessas professoras, é possível in-
ferir que elas fizeram o curso do magistério nas décadas de 1970 ou 1980, por-
tanto, no contexto das reformas educacionais que buscaram acelerar a profis-
sionalização dos professores como meio de cobrir a demanda resultante do
aumento das matrículas.8 Entre os graduados, a maioria era formada em pe-
dagogia, mas havia professores formados em biologia e filosofia, por exemplo,
lecionando história.

O empreendimento nos estados

As etapas presenciais do curso ocorriam nos Polos Municipais de Apoio


Presencial, que eram a base do curso de licenciatura nos estados. Os polos es-
tavam equipados com biblioteca, laboratórios de informática e salas de reu-
nião, e alguns, com auditório. Nos polos aconteceram as aulas inaugurais, as
capacitações para o uso da internet e da metodologia do ambiente de aprendi-
zagem adotado pelo curso. O aluno podia ir ao polo caso precisasse usar a in-
ternet, realizar reuniões de grupo, estudos dirigidos, com ou sem acompanha-
mento do tutor, e usar a biblioteca. Nesses espaços também ocorreram as
provas semestrais e as apresentações das monografias de final de curso. Os
Polos Municipais de Apoio Presencial listados na Tabela 1 tiveram sua estru-
tura logística mantida pelo município em que se localizavam, e os recursos
humanos e materiais foram gerenciados pelas IES. Atualmente todos os polos
do programa Pró-Licenciatura foram incorporados ao sistema UAB.

106 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Professores de história em uma experiência de formação inicial a distância

Tabela 1 – Polos Municipais de Apoio Presencial – número de turmas

Sergipe Ceará Bahia Maranhão

Aracaju Crato (2) Guanambi (4) São Luís (4)


(3 turmas) Itapipoca (2) Salvador (3) Barra do Corda (2)
Tianguá (2) Juazeiro (1) Bacabal (2)
Jaguaribe (2) Teixeira de Freitas (1) Imperatriz (2)
Aracati (2) Feira de Santana (2)
Fortaleza (1) Barreiras (1)
Jequié (2)

Fonte: Dados disponibilizados pela coordenação do curso de licenciatura em história a


distância.

O ambiente virtual de ensino e aprendizagem do curso

Como se tratava de um curso a distância, todo o conteúdo do curso de


licenciatura em história foi adaptado para o já mencionado ambiente virtual
de ensino-aprendizagem AulaNet por um conjunto de profissionais que cons-
titui a equipe de design didático da Coordenação Central de Educação a Dis-
tância (CCEAD) da PUC-Rio. Coube à equipe a “criação da interface, rotei-
rização e implementação do conteúdo no ambiente Web” (Roque; Castro,
2009, p.3).
O AulaNet foi configurado para o curso com os seguintes recursos: o pla-
no de aula, onde estavam disponíveis os conteúdos; o contato com docente, que
permitia a interação direta tutor-cursista; a lista de discussão, que viabilizava
o envio de mensagens para toda a turma, incluindo o tutor; o fórum de debates,
ambiente virtual separado por disciplina, que permitia as discussões sobre os
conteúdos trabalhados nas aulas; a documentação, ambiente em que eram alo-
cados textos extras e alguma legislação, ou ainda documentos históricos dos
quais porventura o cursista deveria tomar conhecimento para apreender com
mais propriedade o tema estudado, e a bibliografia e webliografia, que indicava
livros, textos e sites para pesquisa (Campos; Roque; Fioroti, 2008).

Junho de 2014 107


Maria Cláudia Cardoso Ferreira

As perspectivas e os significados da
profissionalização em história

Durante minha pesquisa, direcionei, aos diferentes sujeitos envolvidos


com a formação, entre outras questões, algumas que buscavam elucidar os va-
lores e as práticas educativas que se dão no ambiente de aprendizado do ensino
a distância, bem como perceber as representações que essa modalidade de en-
sino tinha no cenário da profissionalização em história. Outro objetivo da
pesquisa foi trazer à tona os questionamentos que porventura inquietaram
meus interlocutores e, além disso, compreender o que significou a formação
superior, em particular, e a formação em história para os professores
cursistas.
Seis cursistas responderam ao chamado da pesquisa, sendo todas mulhe-
res. Dos professores tutores a distância e presenciais obtive, entre questionários
por e-mail e entrevistas, nove retornos. Também entrevistei o secretário do
curso, Cláudio Santiago, e o professor Leonardo Affonso Miranda Pereira, au-
tor, com a professora Ynaê Lopes dos Santos, da disciplina História da África,
objeto principal do meu estudo na tese.9
Todas as seis professoras cursistas afirmaram que o curso trouxe benefí-
cios econômicos, profissionais e pessoais, apesar de todas usarem os vocábulos
“dificuldade”, “difícil” e “sacrifício” para qualificar os anos de realização do
curso. Uma respondente relatou ter priorizado sempre a formação em história
e deu como exemplo a ocasião de internação da filha de 7 anos, quando, mes-
mo estando ali para acompanhá-la, não deixou de levar os módulos do curso
para estudar no hospital (Questionário por e-mail, cursista, polo de Salvador,
Bahia, 20 abr. 2012). Outras duas cursistas abordaram a dificuldade de conci-
liar o estudo, o trabalho e a vida de dona de casa. Outra relatou ter tido inú-
meros conflitos no casamento, culminando em separação.
Das seis professoras, quatro eram formadas em pedagogia, uma em filo-
sofia, e uma tinha a habilitação do magistério, nível ensino médio. No grupo
das pedagogas, duas tinham pós-graduação. Conquistar o reconhecimento
profissional e salário compatível com o trabalho desempenhado aparece como
o principal objetivo da formação para as professoras cursistas investigadas.
Especialmente para quem estava em vias de se aposentar, a oportunidade do
curso foi muito bem-vinda, pois garantia um aumento da renda. A busca por

108 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Professores de história em uma experiência de formação inicial a distância

uma especialização também apareceu como um dos motivos, já que, do grupo


que tinha curso superior completo, a maioria era graduada em pedagogia, o
que, na realidade de trabalho vivida por essas pessoas, significava muitas vezes
lecionar várias disciplinas diferentes, ou seja, ser um professor polivalente, o
que tornava o trabalho ainda mais extenuante por ser necessário elaborar di-
ferentes planos de aula e lidar com conteúdos diversos.
Segundo a tutora presencial do polo de Teixeira de Freitas (BA), as pro-
fessoras almejavam “ter segurança dentro da instituição e saber que teriam sua
carga horária completa de história”. Para a professora Andréa Queiroz, tutora
a distância do polo de Aracaju, a licenciatura em história significava que, além
da melhoria salarial, os professores “com o diploma poderiam se dedicar ape-
nas a esta disciplina ... muitos lecionavam outras disciplinas além de história
(alguns davam aula de matemática e ciências)” (Questionário, tutora a distân-
cia, polo de Aracaju, Sergipe, 2 jul. 2013).
O depoimento desta cursista revela um percurso que, podemos supor, não
é incomum para muitos dos professores:

Comecei a lecionar no ano de 1987 para turmas de 1ª à 4ª série do ensino funda-


mental e, com o passar do tempo, atuei nas turmas seguintes e até no ensino
médio regular e magistério. No percurso docente ministrei várias disciplinas, co-
mo língua portuguesa, matemática, educação moral e cívica, educação para o lar,
ciências, didática, redação, metodologia da língua portuguesa, educação religiosa,
geografia e, mais recentemente, história. (Questionário por e-mail, cursista, polo
de Guanambi, Bahia, 29 mar. 2012)

As condições para o exercício do magistério no país revelam-se ainda mais


complexas ao analisarmos o relato seguinte. São trajetórias de professoras que
começaram a lecionar sem ao menos ter um curso de formação de
professores:

Iniciei minha carreira na rede municipal de ensino. Como na época só havia es-
tudado até a 3ª série, trabalhava com alfabetização. Hoje tenho a oportunidade de
ver alguns desses antigos alunos formados em direito, administração e outros.
Somente no ano de 1982, quando ingressei na rede estadual, é que comecei a
trabalhar a disciplina história no ensino fundamental menor (1ª a 4ª série). A
partir do ano 2000 fui designada para trabalhar a disciplina história de 5ª a 8ª

Junho de 2014 109


Maria Cláudia Cardoso Ferreira

série na escola em que atuo. (Questionário por e-mail, cursista, polo de Bacabal,
Maranhão, 17 mar. 2012)

Essa professora já era licenciada em filosofia quando começou o curso de


licenciatura em história. Ela não informou quando fez a sua primeira licencia-
tura, mas é bastante reveladora a constatação de que essa profissional lecionou
história por tanto tempo nas redes municipal e estadual sem a formação
pertinente.
As cursistas disseram que, com o curso, passaram a lecionar de outra ma-
neira, a estranhar os textos que antes liam com naturalidade e a considerar
outras falas e outros lugares nas narrativas que faziam. Se o aumento salarial
era a motivação inicial, com o desenvolvimento da formação, a oportunidade
de potencializar o trabalho na sala de aula parece surgir como uma conquista
importante. Segundo uma professora de Salvador, por exemplo, “uma das coi-
sas que aprendi na licenciatura foi desenvolver no aluno seu senso crítico e sua
importância como agente histórico” (Questionário por e-mail, cursista, polo
de Salvador, Bahia, 20 abr. 2012). No mesmo sentido, a docente da cidade de
Guanambi destacou as especificidades dos saberes concernentes ao ensino de
história em seu questionário:

repensando no “meu antes” e o “depois”, notei que deixei a desejar no meu ensino
de história por conta da falta de habilidades específicas. Certamente, sinto-me
mais segura hoje e capaz de discutir as questões sobre história, principalmente
saber criticar e compreender os contextos em que foram produzidos os livros
didáticos, entre outros assuntos. (Questionário por e-mail, cursista, polo de Gua-
nambi, Bahia, 29 mar. 2012)

No aspecto profissional, esses saberes apreendidos deram significado ao


trabalho docente. A mesma professora relata ter, ao término do curso,

maior embasamento teórico e prático (na hora da produção monográfica) e con-


dições de ensinar história com maior qualidade. Possuir capacidade de entender
a construção da história ao longo dos tempos e dos homens no seu contexto de
convivências. (ibidem)

Na avaliação dos professores tutores, guardadas as singularidades dessa


modalidade de formação e considerando-a na sua totalidade, os alunos os

110 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Professores de história em uma experiência de formação inicial a distância

surpreenderam e superaram as expectativas iniciais. Segundo o professor tutor


presencial Francisco Gleison da Costa Monteiro,

muitos professores começaram a notar a educação, a metodologia e, principal-


mente, o ensino de história de forma diferente do habitual. Digo, da estrutura
positivista que estudamos nos livros didáticos de história e da forma como os
alunos a tomam – disciplina como chata e cansativa. Conseguiram romper com
os paradigmas tradicionais da história. (Questionário por e-mail, polo de Tian-
guá, Ceará, 2 out. 2012)

Análises em consonância com essa tiveram duas professoras tutoras a


distância, que trabalharam com diferentes disciplinas ao longo do curso. Em
seus depoimentos essas professoras não se furtaram de apontar as limitações
presentes na modalidade de ensino a distância quando comparado ao presen-
cial, no entanto, conseguiram identificar ganhos na formação, ou seja, carac-
terizar o processo de formação dos professores-leigos, o processo de aprender
a ensinar história. Vejamos:

Eles sentiram muita diferença do que é de fato história que a gente passa. Que
não é essa história do livro decorada. Aprenderam [a] dar a visão do conquista-
dor, do conquistado, então ampliaram a forma de trabalhar. Melhorou. Começa-
ram a trabalhar com documentos, que dá para levar para a sala de aula, imagens.
(Entrevista, tutora a distância, polo de Aracati, Ceará, 18 set. 2012)

Eu acho que eles aprenderam a lidar melhor com a informática e com essa co-
brança de leituras de graduação, mesmo porque tinha uma quantidade de leitu-
ras. Então eu acho que, na maioria dos casos, o que me fica assim, apesar de o
curso já estar distante... Eu acho que foi um ganho para eles. Eu acho que, longe
do que deveria ser, mas eu acho que foi válido. Eles evoluíram em aspectos bási-
cos, o contato com a informática, com a rede, com a leitura de textos acadêmicos,
que eles não tinham. Com a escrita em ter [que] realizar resenha, trabalhos de
textos acadêmicos. Eu acho que eles evoluíram. Muito diferente do que se exige
de uma graduação presencial nas grandes universidades brasileiras. (Entrevista,
tutora a distância, polo de Aracaju, Sergipe, 13 set. 2012)

A tutora a distância do Polo de Aracati destacou a confiança que esses


profissionais foram adquirindo com o decorrer dos anos, especialmente para

Junho de 2014 111


Maria Cláudia Cardoso Ferreira

pensar a própria aula e deixar de ser apenas seguidores de um manual didático.


Para a tutora de Aracaju foi significativa a aprendizagem em Tecnologias Di-
gitais de Informação e Comunicação (TDICs) e a necessidade da escrita que a
formação impunha. Nas disciplinas “tutoria”, que foram cinco ao longo do
curso, os professores cursistas foram apresentados às regras da escrita e da
pesquisa acadêmica. Essa tutora a distância participou de diversas disciplinas
ao longo dos 4 anos de formação em história e pôde acompanhar o crescimen-
to acadêmico do grupo.
Cláudia Miranda (2009) alerta para o lugar de subalternidade conferido
às mulheres na sociedade, traduzido, inclusive, nas relações que se dão na es-
cola pública entre professoras não leitoras oriundas de setores médios e em-
pobrecidos e seus alunos também subalternizados. Nessa experiência de pro-
fissionalização em história devemos considerar, além dessa peculiaridade, as
dificuldades que professoras e professores têm de escrever, ou seja, de elaborar
textos autorais para serem usados nas aulas.
As representações em torno da PUC-Rio e da Uerj parecem ter aumenta-
do a credibilidade do projeto e potencializado o senso de responsabilidade dos
cursistas. Segundo a tutora a distância do polo de Aracaju, o fato de o curso
estar vinculado às duas universidades “era (motivo) de muito orgulho para
eles. Eu cheguei a dar um curso presencial em Salvador e, assim, o orgulho pra
eles... Estive na formatura, o orgulho para eles de ter um diploma da PUC e da
Uerj era o máximo” (Entrevista, tutora a distância, polo de Aracaju, Sergipe,
13 set. 2012). Em seus relatos, professores tutores presenciais e a distância ar-
gumentam também que a eficácia se deveu à postura da coordenação geral do
curso em manter o mesmo nível de cobrança do início ao final da formação.
Os cursistas começaram então a se disciplinar. No final “todos sonhavam em
concluir o curso e colar grau na PUC, conhecer o Rio de Janeiro” (Questioná-
rio por e-mail, Francisco Gleison da Costa Monteiro, tutor presencial, polo de
Tianguá, Ceará, 2 out. 2012). Do mesmo modo, para o secretário do curso, “a
PUC era como se estivessem na Nasa. Nem a faculdade pública do estado era
vista como mais importante do que a PUC. Essa visão também se deve às no-
velas, pois muitas locações são feitas na PUC, como o filme Tropa de Elite em
que as cenas do professor universitário foram feitas na PUC” (Entrevista, Cláu-
dio Santiago, 8 mar. 2012).

112 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Professores de história em uma experiência de formação inicial a distância

Outro fator a conferir crédito ao empreendimento foi o vínculo direto do


professor Ilmar Rohloff de Mattos com o curso. Autor de vários livros e com
consolidada trajetória profissional nos diferentes níveis de ensino, o professor
Ilmar Mattos esteve na coordenação acadêmica, foi um dos docentes-autores
e ministrou a conferência na aula inaugural do estado da Bahia. Ele deu chan-
cela ao projeto, pois, para os docentes, representa competência e credibilidade
no meio dos profissionais de história.
Contudo, essa não parecia ser a regra em outros cursos de formação a
distância em vigor no período. Apesar de a SEED estabelecer que só autorizaria
projetos que envolvessem o quadro acadêmico efetivo da instituição, o moni-
toramento do biênio 2006-2008 realizado pelo Tribunal de Contas da União
(TCU) constatou, pelo menos em relação ao sistema UAB, a oposição entre o
ensino a distância e o ensino presencial. Na época foi destacado que faltava
regulamentar as atribuições e o funcionamento do sistema, pois, no geral, o
curso a distância ficava como uma ação periférica na instituição proponente
(cf. Brasil/TCU, 2009).
A razão de o trabalho ser pago via bolsa e não poder computar como carga
horária na instituição, nem como atividade acadêmica, apareceu, no relatório
do TCU, como um problema que influenciava a participação e a aceitação do
ensino a distância nas instituições. A contratação de professores tutores extra-
quadros também contribuía para essa situação. Conforme o documento, havia
pouca interação entre os professores tutores e os efetivos, pois se tratava de
profissionais que, em regra, até então não se conheciam, não conheciam a ins-
tituição onde passavam a trabalhar temporariamente e acabavam disputando
espaço com os efetivos.10

As Tecnologias Digitais de Informação


e Comunicação (TDICs) e a formação

Muitos alunos do curso examinado na minha pesquisa eram totalmente


leigos na lida com as tecnologias digitais de informação e comunicação, neces-
sitando da ajuda de terceiros, geralmente dos filhos, para acessar e-mails, in-
teragir nos fóruns, salvar e imprimir aulas, documentos, orientações. Uma
solução foi organizar treinamentos nos polos explicando detalhadamente o

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Maria Cláudia Cardoso Ferreira

uso do ambiente de ensino-aprendizagem, ou seja, familiarizando os alunos


com a modalidade de ensino e o design didático próprio do AulaNet.
Posteriormente, todos os cursistas receberam um CD explicando passo a
passo como lidar com a educação a distância, ou seja, um tutorial específico
sobre o curso de licenciatura que eles estavam iniciando. Em decorrência des-
sas ações, tutores presenciais e a distância que colaboraram na pesquisa ates-
tam que, aos poucos, os cursistas foram desenvolvendo habilidades para lidar
com as TDICs. Muitos passaram a “ver esse instrumento novo como um de-
safio, que era necessário vencer essas dificuldades (Questionário, tutora pre-
sencial, polo de Teixeira de Freitas, Bahia, 16 set. 2012). A professora Andréa
Queiroz avalia que, por volta do “terceiro período, [os alunos cursistas] já es-
tavam inteirados e criaram uma rotina de estudos” (Questionário, tutora a
distância, polo de Aracaju, Sergipe, 2 jul. 2013).
Outro professor disse que foi necessário fazer um deslocamento, no sen-
tido de se desfazer das formas tradicionais de conceber a aprendizagem, para
poder lecionar no ensino a distância: “O desafio era transformar a questão que
se apresentava em uma boa oportunidade de ensino” (Entrevista, tutor a dis-
tância, polo de Bacabal, Maranhão, 4 out. 2012).
Desse modo, compreende-se que a experiência resultou em dois processos
de aprendizagem: os professores leigos se tornaram formalmente professores
de história, e também houve uma espécie de letramento em TDICs. Há con-
vergência no argumento da tutora a distância e no do tutor presencial:

Eu acho que, nesse sentido, o curso evoluiu de uma maneira muito boa e, para
eles, foi fundamental. Eles de fato se alfabetizaram nessa linguagem da informá-
tica, eles saíram alfabetizados nisso. Eu acho que eles aprenderam a lidar melhor
com a informática. (Entrevista, tutora a distância, polo de Aracaju, Sergipe, 13
set. 2012)

Muitos professores-cursistas, grande maioria, não tinham contato algum com o


uso do computador e internet. Somente tinham acesso a essas ferramentas nas
próprias escolas e nas secretarias municipais de Educação. Apenas uns 30% ti-
nham computador em casa interligado à internet ... As principais dificuldades
eram no momento de envio das tarefas, pois não memorizavam as formas de
anexação dos arquivos. Atrelado a isso estava o problema do acesso à internet e
da própria disponibilidade dela, pois, quando conseguiam, [a internet] nos seus

114 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Professores de história em uma experiência de formação inicial a distância

municípios era lenta e isso causava desestímulos. (Questionário respondido por


Francisco Gleison da Costa Monteiro, tutor presencial, polo de Tianguá, Ceará, 2
out. 2012)

É possível afirmar que a principal razão das evasões no curso foi a não
adaptação ao ensino a distância. Um primeiro exame mostrou, como já foi
dito, que aqueles que perseveraram foram os que conseguiram romper a bar-
reira inicial de operar com as TDICs. Além disso, era necessário conscientizar-
-se de que, nessa modalidade de ensino, boa parte do sucesso do empreendi-
mento depende, sobretudo, da capacidade de gerir o seu próprio tempo, já que
não existe uma rotina rígida preestabelecida que determine a presença em um
dado lugar por um número determinado de horas. Em outras palavras, o de-
sempenho satisfatório do aprendizado exige, nessa modalidade de educação,
uma autogestão do tempo realista e diária.
Uma professora cursista que já conhecia a modalidade de ensino a distân-
cia afirmou que, no geral, é necessário ter “disponibilidade e boa vontade para
realizar todas as etapas solicitadas pelos professores virtuais”. Segundo ela, “no
começo foi um pouco difícil conciliar, pois era muita coisa ao mesmo tempo,
muitas disciplinas, e a maior dificuldade foi a falta de um professor presencial
para tirar as dúvidas” (Questionário por e-mail, cursista, polo de Teixeira de
Freitas, Bahia, 28 mar. 2012).
A qualidade do serviço de internet oferecido nos polos foi um problema
apontado pela coordenação central do curso, identificado pelos cursistas e
também pelos tutores presenciais e a distância, assim como sinalizado no re-
latório de monitoramento do TCU. A questão da qualidade da internet era
uma unanimidade em termos de dificuldade. Em geral, o serviço ou era disca-
do ou era com sinal de rádio. Os alunos não conseguiam se comunicar ou,
quando conseguiam, a conexão era muito lenta.
Constata-se que, apesar de as TDICs aproximarem os cidadãos do Estado,
elas precisam ser mais desenvolvidas, faltam investimentos na estrutura ma-
terial para essa modalidade de ensino, e os recursos humanos muitas vezes não
alcançam o desenvolvimento técnico, ou então não fazem o investimento ne-
cessário para viabilizar esse tipo de ensino.
É fundamental que todos os profissionais envolvidos no planejamento da
ação tenham em mente que acessar os conteúdos e oportunizar condições para

Junho de 2014 115


Maria Cláudia Cardoso Ferreira

que os cursistas enviem os trabalhos com rapidez é condição necessária para


o adequado encaminhamento do projeto. Para minimizar o problema da in-
ternet, a coordenação criou outros mecanismos de aproximação, como uma
linha telefônica gratuita.
Na formação presencial se aposta muito na relação professor-aluno para
o efetivo êxito da aprendizagem, já que a interação ocorre preferencialmente
na sala de aula. No ensino a distância, uma satisfatória relação professor-aluno
também é imprescindível, mas são necessários diversos outros canais capazes
de promover interação e comunicação. É preciso que os gestores tenham cla-
reza da necessidade de proporcionar um vínculo efetivo entre o curso e o aluno
para que ele acredite no projeto, apesar da distância física.

Sobre os limites da formação

Analisei a dinâmica de aprendizagem dos professores cursistas no am-


biente de aprendizagem virtual por meio do fórum de debates da disciplina
História da África. Os cursistas deveriam interagir com o professor tutor a
distância e com os seus colegas de classe a partir de uma questão problemati-
zadora apresentada ao final de cada aula-texto. Essa metodologia foi comum
a todas as outras disciplinas do curso de licenciatura em história examinado
em minha pesquisa. A disciplina História da África apresentou seis questões
problematizadoras. Os 765 cursistas postaram 5.866 mensagens no fórum de
debates dessa disciplina.
Um dos componentes da avaliação era essa participação online. No final
do semestre, o sistema gerava um relatório de cada aluno, informando quantas
vezes ele havia entrado no fórum de debates da disciplina no qual estava ins-
crito. Ao lado dessa quantificação, cabia ao tutor avaliar a qualidade das par-
ticipações no fórum de debates, considerando, além das respostas dos cursis-
tas às questões problematizadoras, também a interação com os outros colegas
de turma e com o seu próprio tutor. Ou seja, para ser bem avaliado, o cursista
deveria participar constantemente do fórum de debates, postando as suas res-
postas, refazendo-as caso não alcançasse os objetivos da aula e comentando
os registros dos colegas de turma para que, assim, houvesse uma dinamização
com a circulação de ideias e de impressões sobre os textos, o que consequen-

116 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Professores de história em uma experiência de formação inicial a distância

temente promoveria um ambiente de aprendizagem cooperativo e colabora-


tivo (Moran, 2003).
Uma análise qualitativa do fórum mostrou algumas características desse
grupo de cursistas na aprendizagem via formação a distância. Foi possível
identificar recorrências nas estratégias de participação. Era comum interagir
no fórum de debates postando breves resumos da aula-texto. Alguns postaram
bons resumos, mas, ainda que fossem bons, isso não significava responder a
tarefa do fórum. Outros cursistas recortavam da aula-texto algumas frases,
montavam um pequeno texto e postavam como resposta. Outros usavam al-
gumas frases do próprio texto da questão-problema do fórum de debates da
aula para responder a tarefa, ou seja, tratavam de escrever diferentemente a
mesma coisa, de transformar o que era uma pergunta em resposta. Alguns ela-
boravam respostas genéricas e, assim, acreditavam estar contribuindo com o
fórum de debates.
Provocada a tecer considerações sobre a aprendizagem nessa experiência
de formação, a tutora de um polo do estado do Ceará que trabalhou com di-
versas disciplinas ponderou que, no Ceará,

a participação ficou maior nos fóruns porque eles já me conheciam também e


então já chegavam com mais intimidade no segundo semestre. Aí falavam mais,
respondiam mais as perguntas, porque a gente começa a provocar quando as res-
postas são muito simples, né? “Tô respondendo para ganhar meu ponto de fó-
rum”, mas não chegou nem perto da reflexão que a gente queria, e a gente joga
um pouquinho mais. Aí eles retornavam para tentar desenvolver mais, então tem
um crescimento nesse sentido. (Entrevista, tutora a distância, polo de Aracati, 18
set. 2012)

A reflexão da tutora informa o jeito de aprender dos cursistas do seu polo


e revela uma questão de suma importância, que é a atuação do tutor no pro-
cesso de aprendizagem. Esse profissional precisa estabelecer uma sintonia, um
vínculo com seus alunos, condição relevante no processo de aprendizagem e
de perseverança de muitos nessa modalidade de ensino. Segundo Rumble
(2003, p.72) “há alta correlação entre demora na correção de trabalhos e aban-
dono dos cursos”, por exemplo (Rumble, 2003). Essa constatação revela o papel
crucial do tutor para o sucesso dessa modalidade de formação.

Junho de 2014 117


Maria Cláudia Cardoso Ferreira

Pude constatar também respostas idênticas postadas por cursistas de tur-


mas diferentes, mas do mesmo Polo Municipal de Apoio Presencial. Essa prá-
tica também foi citada na entrevista de uma tutora a distância que trabalhou
com turmas de Sergipe. Segundo ela, “nos polos, as pessoas se encontravam,
tinha algum colega que não havia feito a tarefa, aí eles dividiam a tarefa. Isso
aconteceu. Mas isso acontece também no presencial” (Entrevista, tutora a dis-
tância, polo de Aracaju, 13 set. 2012).
As situações de interação cotidianas identificadas nessa experiência de
formação, todavia, são também comuns no ensino presencial, como pontuou
a professora Andréa Queiroz:

De um modo geral, os que enfrentavam problemas na aprendizagem, seja na


Bahia ou em outros estados (lecionei em todos), não diferiam muito das questões
dos meus alunos do ensino presencial (também sou professora do curso de histó-
ria de outra universidade particular). Eram trabalhadores que enfrentavam exte-
nuantes jornadas para se dedicarem à empreitada de estudar novamente. (Ques-
tionário por e-mail, tutora a distância, polo de Aracaju, 2 jul. 2013)

Os cursistas se encontravam quinzenalmente nos polos e também podiam


usar o espaço a qualquer hora para estudar, pesquisar e responder as tarefas
no laboratório de informática. Para os cursistas que não tinham computador,
o que deveria ser feito no decorrer dos dias acabava acumulado e era feito so-
mente no Polo Municipal de Apoio Presencial. Aqueles que tinham uma carga
horária de trabalho muito grande também não tinham tempo disponível de
fazer as leituras e responder as tarefas. O momento para estudar os conteúdos
acumulados acabava se dando apenas nesses encontros quinzenais, quando se
tinha a oportunidade de ler, discutir com os colegas, receber orientação do
tutor presencial etc. Esse momento, todavia, servia para que alguns cursistas
trocassem tarefas, que depois seriam postadas nas suas respectivas turmas.
As tarefas direcionadas aos cursistas no final das aulas demandavam que
eles relacionassem leituras e documentos, que comparassem experiências his-
tóricas, que chegassem às conclusões a partir de reflexões que também preci-
savam ser coletivas, ou seja, era necessário participar do fórum para elaborar
e reelaborar o que se tornaria a sua resposta. Dessa maneira se promoveria a
aprendizagem de todos. Em postagem direcionada a uma turma do polo de

118 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Professores de história em uma experiência de formação inicial a distância

Imperatriz, Maranhão, a tutora a distância revela que muitas vezes os cursistas


tiveram dificuldades para compreender os textos:

Concordo contigo: esta aula é muito difícil! São muitos detalhes apresentados
num espaço curto. E a questão do fórum exige uma leitura muito cuidadosa da
aula. A melhor estratégia é fichar a aula para poder “digeri-la” bem.

Não sei como você fez, mas o resultado está muito bom! Espero que seus colegas
leiam a sua resposta e se sintam mais confiantes para trilhar seus caminhos. (Fó-
rum de debates, tutora a distância, polo de Imperatriz, Maranhão, 7 out. 2010)

Foi possível constatar também que a internet se revelou um espaço de


pesquisa recorrente para os cursistas, o que revela certo domínio das TDICs,
pois saber manipular as ferramentas da internet para ter acesso ao conheci-
mento acadêmico se constituiu como condição fundamental ao sucesso da
formação. Os professores-autores disponibilizaram, no final das aulas-texto,
uma bibliografia complementar, e quase todos os textos podiam ser encontra-
dos nos sites de instituições acadêmicas confiáveis. Contudo, os cursistas re-
correram muito a blogs temáticos, páginas de busca e à página da enciclopédia
online Wikipédia, que disponibiliza gratuitamente uma infinidade de dados
elaborados por colaboradores anônimos. A prática de copiar trechos inteiros
de um texto lido foi comum.
A internet de fato se revelou o modo mais fácil de ter acesso ao conheci-
mento para muitas pessoas, incluindo os professores. Contudo, professores e
historiadores não podem tomar as leituras feitas nesses e em outros veículos
de divulgação do conhecimento como verdades infalíveis. A prática de con-
frontar as informações é indispensável e faz parte do ofício.
Os livros didáticos também foram muito citados pelos cursistas no fórum
de debates da disciplina. Os cursistas postaram trechos inteiros de livros didá-
ticos sem qualquer questionamento ou análise. Era apenas mais uma informa-
ção a contribuir com o fórum. Novamente, essa prática revela que poucos cur-
sistas tiveram o cuidado de elaborar uma tarefa autoral. A despeito dos diversos
estudos críticos sobre os manuais didáticos, é possível verificar que eles ainda
constituem um dos principais recursos de informação para professores.
Nas situações em que os cursistas postavam simples resumos das aulas ou
respostas generalistas, constatei que alguns tutores chamavam a atenção dos

Junho de 2014 119


Maria Cláudia Cardoso Ferreira

alunos para que voltassem ao fórum e contribuíssem de modo coerente, res-


pondendo com propriedade a questão problematizadora da aula estudada. Pas-
sado um tempo, os cursistas retornavam ao fórum de debates com novas con-
tribuições, algumas reelaboradas, mas outras que se resumiam a trechos de
textos lidos em outras fontes sobre o conteúdo da aula em destaque.

Considerações finais

De início, o curso de licenciatura em história significou para muitas pro-


fessoras um aumento da já exaustiva jornada de trabalho. Tratava-se de uma
formação em serviço com uma bolsa auxílio no valor de 100 reais que não iria
fazê-las deixar de trabalhar em algum turno. Essas mulheres tiveram então que
abrir mão dos eventos de família e dos grupos de sociabilidade para realizar o
projeto da licenciatura.
Nesse tipo de investimento longo, o apoio dos familiares é muito impor-
tante, porque significa a aprovação do projeto. Em muitas ocasiões foram os
filhos dessas professoras, alguns deles também na universidade, que começa-
ram a auxiliá-las no uso da internet, ensinando-as a usar o correio eletrônico,
a fazer download das tarefas e textos, a postar mensagens etc. Por meio dessa
experiência de curso de licenciatura em história temos uma ideia de como se
encontra a realidade de trabalho e de desenvolvimento profissional dos pro-
fessores no país.
Constatou-se que essa política de formação em serviço atingiu um con-
junto de professores, ou melhor, professoras, com uma longa, porém precária
trajetória de trabalho por conta de uma formação inexistente ou inadequada
às atividades intelectuais e laborativas que desempenhavam, algumas havia
décadas.
Políticas públicas de formação inicial (para a profissionalização) e conti-
nuada (para a atualização) de professores são imperativas. Iniciativas de de-
senvolvimento profissional geridas por várias instituições precisam estar co-
nectadas no sentido de haver o mínimo de ruído na comunicação para que as
fragilidades da estrutura concebida não afetem o beneficiário da política. Do
mesmo modo, é preciso que o projeto em toda a sua vigência inspire confiança
e represente substantiva mudança na vida dos sujeitos diretamente afetados
pela política (ver Rumble, 2003, p.72).

120 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Professores de história em uma experiência de formação inicial a distância

O relatório de monitoramento dos programas Pró-Licenciatura e UAB


elaborado pelo TCU chegou à conclusão de que a baixa oferta de tutores pre-
senciais, a inadequação do horário de atendimento do tutor ao cursista nos
polos e as dificuldades na interação com os tutores a distância foram problemas
comuns à maioria dos cursistas atendidos por essa modalidade de ensino entre
os anos de 2006 e 2008, pelo menos. De acordo com esse mesmo relatório, na
avaliação dos tutores a distância, foi mais complicado lidar com a falta de es-
trutura das IES, o atraso das bolsas e o treinamento insuficiente para o ensino
na modalidade a distância. Já os tutores presenciais apontaram a dificuldade de
acesso à internet, a estrutura nos polos e a falta de microcomputadores para
trabalhar como os principais problemas (ver Brasil/TCU, 2009, p.67).
No caso do curso em destaque neste estudo, os problemas apresentados
aqui ocorreram, mas não inviabilizaram a formação. O comprometimento dos
profissionais, combinado à credibilidade das instituições proponentes, mais as
expectativas futuras de ganho econômico e reconhecimento social vislumbra-
das pelos professores cursistas deram a tônica do empreendimento. Portanto,
se essa experiência de desenvolvimento profissional voltada para uma maioria
de mulheres com muitos anos de docência teve limitações em razão da falta de
experiência das várias instâncias envolvidas com o ensino a distância e com o
uso das TDICs, e também por questões pessoais dos beneficiários diretos da
política, ainda assim ela significou um largo passo à frente para centenas de
profissionais que alcançaram ganho econômico, melhores condições de traba-
lho, reconhecimento social e realização pessoal. Como declarou uma profes-
sora-cursista do polo de Salvador, “os docentes precisam estudar enquanto
lecionam. Porque desta forma eles conhecem, refletem, aplicam e mudam suas
concepções” (Questionário por e-mail, cursista, polo de Salvador, Bahia, 25
mar. 2012).

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NOTAS

1
Sobre a expansão das matrículas no ensino fundamental, ver OLIVEIRA, 2007.
2
Uma análise sobre o papel crucial que os documentos citados atribuem ao trabalho do

Junho de 2014 123


Maria Cláudia Cardoso Ferreira

professor no alcance da qualidade educacional pode ser vista em RABELO; MENDES SE-
GUNDO; JIMENEZ, 2009.
3
Uma análise sobre a legislação que regula a EAD pode ser encontrada em SALVUCCI;
LISBOA; MENDES, 2012. Sobre as modalidades de formação a distância ofertadas ao en-
sino superior ver MORÁN, 2009.
4
Uma reflexão sobre o aumento dos cursos superiores, voltados quase todos à formação de
professores e controlados majoritariamente pela iniciativa privada está em GIOLO, 2008.
5
Atualmente, a formação inicial e continuada dos docentes está sob a responsabilidade da
Diretoria da Educação Básica (DEB), que é subordinada à Coordenação de Aperfeiçoa-
mento de Pessoal de Nível Superior (Capes). A Capes também responde por outras políti-
cas de formação de docentes em exercício da profissão, como o Plano Nacional de Forma-
ção de Professores da Educação Básica (Parfor) e o sistema Universidade Aberta do Brasil
(UAB). Ver COSTA; DURAN, 2012.
6
A Rede Nacional de Formação Continuada de Professores (Rede) foi criada em 2004 e é
destinada aos professores da educação básica das escolas públicas. O Pró-Letramento foi
criado em 2005, com a função de apoiar a ação pedagógica (áreas de linguagem e matemá-
tica) dos professores que atuam nos anos iniciais do ensino fundamental, funcionando em
parceria com a Rede, os estados e os municípios.
7
A Undime é uma entidade nacional sem fins lucrativos que congrega os dirigentes muni-
cipais de educação. Ela existe desde 1986, com sede em Brasília. A instituição indica mem-
bro para o Conselho Nacional de Educação e participa dos processos de discussão, formu-
lação e implementação de políticas nacionais de educação. Fonte: http://undime.org.br/
institucional/o-que-e-a-undime/; Acesso em: 9 mar. 2012.
8
Cf. Capítulo 1 de minha tese, FERREIRA, 2013.
9
Nem todos meus interlocutores autorizaram a divulgação de seus nomes em minha pes-
quisa, razão pela qual algumas vezes aparecem aqui com nomes, e outras, não.
Ver BRASIL/TCU, 2009, p.59. Uma reflexão sobre gestão da formação de professores em
10

EAD está em CERNY, 2009.

Artigo recebido em 30 de maio de 2014. Aprovado em 27 de junho de 2014.

124 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Ação Educativa a Distância:
relato de uma prática com professores no
Arquivo Público do Estado de São Paulo
Education service in distance education mode: report of a
practice with teachers at São Paulo State Public Archives
Andresa Cristina Oliver Barbosa*
Carla Janaína Pereira de Freitas**
Stanley Plácido da Rosa Silva***

Resumo Abstract
O artigo tem como objetivo analisar as The paper aims to analyze the actions
ações direcionadas aos professores de directed to teachers of humanities of el-
ciências humanas dos ensinos funda- ementary, middle and high schools,
mental e médio a partir do curso “O(s) from the course “The use of archival
uso(s) de documentos de Arquivo na sa- documents in the classroom” delivered
la de aula” na modalidade EAD, ofereci- in distance education mode and offered
do pelo Núcleo de Ação Educativa do by the Education Service of São Paulo
Arquivo Público do Estado de São Paulo State Public Archives. As we understand
(Apesp). Entendendo-o como uma ação it as a pioneer action in public archives
pioneira em arquivos públicos do país, of the country, we will initially discuss
discutiremos inicialmente como conce- how we conceive such institutions, as
bemos tais instituições, bem como os well as the theoretical and methodologi-
pressupostos teóricos e metodológicos cal assumptions that support the course.
que embasam o curso. Após uma refle- In that sense, after considering the role
xão sobre o papel dos arquivos na socie- of archives in society and their possible
dade e suas possíveis contribuições para contributions to education, we will ana-
a educação, analisaremos o primeiro lyze the first course in distance educa-
curso em EAD oferecido ao público ex- tion offered to the external public, which
terno, no segundo semestre de 2013. took place in the second half of 2013.
Palavras-chave: ação educativa em ar- Keywords: education service in archives;
quivos; oficinas pedagógicas; educação a pedagogical workshops; distance educa-
distância. tion.

* Diretora do Núcleo de Ação Educativa do Arquivo Público do Estado de São Paulo. andresa.
oliver@hotmail.com
** Núcleo de Ação Educativa do Arquivo Público do Estado de São Paulo. car_jana@hotmail.com
*** Núcleo de Ação Educativa do Arquivo Público do Estado de São Paulo. stanleyplacido@hotmail.com

Revista História Hoje, v. 3, nº 5, p. 125-146 - 2014


Andresa Cristina Oliver Barbosa, Carla Janaína Pereira de Freitas e Stanley Plácido da Rosa Silva

Desde o ano de 2008, o Arquivo Público do Estado de São Paulo (Apesp)


vem desenvolvendo sistematicamente ações de caráter educativo e cultural que
objetivam a aproximação da instituição com a sociedade. Entre essas ações,
destaca-se o trabalho do Núcleo de Ação Educativa (NAE), que tem como uma
de suas atribuições garantir o diálogo com instituições educacionais por meio
de oficinas pedagógicas para professores e alunos da educação básica e supe-
rior. Neste artigo, abordaremos a experiência do curso “O(s) uso(s) de docu-
mentos de Arquivo na sala de aula – modalidade EAD”, voltado especialmente
para professores de história e demais disciplinas da área de ciências humanas
da educação básica.
Realizada na modalidade presencial desde 2008 – nesse caso, para alunos
de graduação –, a atividade consiste em promover o debate sobre as possibili-
dades de trabalho, a partir de atividades práticas e discussões metodológicas
sobre o uso de fontes documentais em sala de aula. No caso da modalidade de
ensino a distância (EAD), essa experiência vem sendo realizada desde 2013,
contando com a sua 3ª edição (1º semestre de 2014), a primeira das quais foi
um piloto realizado com os servidores do Apesp.
A proposta de oferecer cursos para professores por meio do EAD tem co-
mo objetivo fortalecer ações que convirjam para a democratização da institui-
ção e do acesso aos documentos sob sua guarda. Outro aspecto importante é
o alcance da ferramenta tecnológica do EAD, que possibilita que os cursos
oferecidos pelo Apesp cheguem não somente ao público da cidade de São Pau-
lo, mas ao interior do estado e também a outras regiões do Brasil.

Arquivo e sua relação com a sociedade: um breve histórico 1

Podemos entender o processo de aproximação entre Arquivo2 e sociedade


a partir de dois marcos que influenciaram diretamente o conceito de Arquivo:
a Revolução Francesa (1789) e a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). O pri-
meiro propiciou a abertura dos Arquivos para um público preocupado com a
construção de uma história nacional, e o segundo pautou-se por garantir os
direitos individuais e coletivos – entre eles o direito à informação, dando aos
Arquivos um novo status. Ambos os casos reforçaram a ideia de que as insti-
tuições arquivísticas precisam ir além do servir exclusivamente ao Estado ou
à sua administração.

126 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Ação Educativa a Distância: relato de uma prática

No Brasil, a pauta do direito à informação só se tornou formulação legal


na Constituição Federal Brasileira de 1988,3 com a mobilização da sociedade
na luta pela redemocratização do país e pelo “direito a ter direito” (Paoli, 1989).
Nesse sentido, a abertura dos Arquivos é forjada em meio às transforma-
ções políticas do país, marcadas pela reivindicação da sociedade pelo fim do
regime ditatorial e pelo restabelecimento da democracia, cujos objetivos nor-
tearam os ideais para a constituição da nação e das leis que a regem. Conjun-
tamente a essa luta, o direito à informação e ao passado é proposto enquanto
dimensão básica da cidadania, exigindo o desenvolvimento de estratégias para
a extroversão dos Arquivos.
Assim, os direitos à informação e à memória passam a ser garantidos por
meio dos incisos XIX e XXXIII do Artigo 5º, Título II, Capítulo I, que trata Dos
Direitos e Deveres Individuais e Coletivos:

XIV – É assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fon-


te, quando necessário ao exercício profissional;
...
XXXIII – Todos têm direito de receber dos órgãos públicos informações de seu
interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no pra-
zo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja im-
prescindível à segurança da sociedade e do Estado.

Já no §2 do Artigo 216, Capítulo III, referente às questões ligadas à edu-


cação, à cultura e ao desporto, preconiza-se a responsabilidade da administra-
ção pública na gestão da documentação governamental e nas providências para
franquear sua consulta a todos os cidadãos. A inclusão desse parágrafo foi
fundamental na época, tendo em vista que até aquele momento não existiam
leis específicas sobre a política nacional de Arquivos que garantissem a dispo-
nibilização e o acesso aos documentos produzidos pelas diversas administra-
ções públicas.
É importante indicar que, com a criação da Lei de Arquivos em 1991 (Bra-
sil, Lei 8.159), as instituições arquivísticas ganharam maior legitimidade quan-
to ao seu papel cultural junto à sociedade – ao menos é o que propõe a Lei. Os
acervos sob guarda dos Arquivos passam a ser entendidos tanto como instru-
mentos de apoio para o desenvolvimento da cultura quanto para servir à ad-
ministração, às questões científicas e aos fins comprobatórios.

Junho de 2014 127


Andresa Cristina Oliver Barbosa, Carla Janaína Pereira de Freitas e Stanley Plácido da Rosa Silva

No campo teórico e legal, as ações educativas e de difusão nos Arquivos


estão plenamente justificadas e asseguradas. No entanto, no campo da gestão
de recursos e nas práticas de Arquivo, o investimento em ações desse tipo ainda
tem um caminho longo para trilhar. Grande parte dos Arquivos públicos en-
frenta questões de falta de recursos, instalações precárias e invisibilidade frente
aos dirigentes. Compreendendo a conjuntura precária vivida pela maioria,
somada à priorização – mesmo entre as instituições de melhor condição – das
ações de tratamento documental dos arquivos permanentes, pouco sobra para
investir em programas e projetos que envolvam a aproximação da sociedade e
da escola – em particular – ao patrimônio documental.
Embora reconhecida a importância das atividades de difusão educativa e
cultural nas instituições arquivísticas, elas ainda são tratadas como ações se-
cundárias em relação à função principal dos Arquivos. Bellotto (2007, p.227)
afirma que os Arquivos públicos existem primordialmente para recolher, cus-
todiar, preservar e organizar documentos produzidos pelo governo, e que as
ações de difusão (editorial, cultural e educativa), embora secundárias, é que
fomentam os contornos sociais da instituição. Porém, compreendemos que as
ações de difusão cultural e educativa nos Arquivos devem ocupar um lugar
entre as suas atividades primordiais:

É por meio da difusão que é dada visibilidade às fontes, antecipando ao público a


riqueza documental de um Arquivo. Sua importância está em chamar a atenção
para o que está guardado, em dar publicidade ao que já é público, mas que muitos
não conhecem; em construir, através do conhecimento desse patrimônio, a noção
do seu valor. (Barbosa; Silva, 2012)

Quando tratamos dos Arquivos como campo em potencial para a educa-


ção – desprendendo-nos da visão clássica de que seriam instituições voltadas
exclusivamente para o serviço da investigação científica e da administração
pública –, percebemos que eles ainda ocupam um tímido espaço dentro das
discussões e das práticas arquivísticas no Brasil. Em países como França, In-
glaterra e Irlanda, essa concepção – Arquivo e educação – é discutida desde a
década de 1950, quando foi tema da primeira conferência internacional da
“Table Ronde des Archives”, em 1954. Naquele momento, entendia-se por
“Serviço Educativo” as atividades voltadas predominantemente ao atendimen-
to do público escolar e, em menor escala, aos demais cidadãos. Sendo assim,

128 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Ação Educativa a Distância: relato de uma prática

El Servicio Educativo nace con el objetivo fundamentalmente pedagógico, con la


finalidad de ofrecer a los alumnos de enseñanza primaria y secundaria un con-
tacto directo con los documentos. Por otra parte, su implantacion se ve beneficia-
da por la evolución de los métodos pedagógicos que intentan potenciar la obser-
vación y la experimentación del alumno, contrariamente de la clásica enseñanza
empeñada en convertir al estudiante en un mero receptor pasivo de conocimien-
tos, y también por el formidable desarollo experimentado por la historia local.
(Alberch; Boadas, 1991, p.94)

A partir de então, a abertura dos Arquivos aos públicos escolares ganhou


destaque nas políticas institucionais, como foi o caso da França. Em 1950, foi
criado o primeiro “Serviço Educativo” nos Archives Nacionales, tendo como
referência as práticas já existentes em museus. Em 30 anos, esse tipo de ativi-
dade difundiu-se por toda a França, alcançando ótimos resultados.
Se, no âmbito internacional, a relação entre Arquivo e educação é conse-
quência de uma realidade originada no pós-guerra, no Brasil, o reconhecimen-
to do papel educacional e pedagógico das instituições arquivísticas é bem re-
cente. Localizadas a partir do final da década de 1980, as discussões referentes
às reformas curriculares empreendidas em âmbito nacional – gestadas em
meio à conjuntura da redemocratização brasileira – potencializaram a ideia de
os Arquivos dialogarem com a educação. Outro fator que vem contribuindo
para o fortalecimento dessa concepção é a aproximação dos Arquivos com as
discussões acerca da educação para o patrimônio, disseminadas nas instituições
museológicas.
Diferentemente de uma biblioteca, que é um órgão colecionador que reúne
artificialmente suas unidades pelo seu conteúdo (assunto), os Arquivos públicos
são instituições custeadoras de documentos originais produzidos pela adminis-
tração pública e sua organização é norteada segundo sua origem e função, ou
seja, a lógica da pesquisa é um processo mais complexo, tornando-se uma tarefa,
muitas vezes, árdua. Várias questões podem ser trabalhadas a partir dessa
constatação. Uma delas é a necessidade de se iniciar uma discussão acerca da
produção de instrumentos de acesso e pesquisa, como guias de acervo, inventá-
rios e catálogos mais democráticos e que dialoguem com toda a sociedade.

Ao contrário das bibliotecas ou, até mesmo, dos museus, o acervo de um arqui-
vo, pela sua natureza e por seu grande volume, é arranjado de acordo com o

Junho de 2014 129


Andresa Cristina Oliver Barbosa, Carla Janaína Pereira de Freitas e Stanley Plácido da Rosa Silva

princípio da proveniência, que busca valorizar, em primeiro lugar, a memória da


lógica administrativa da produção dos documentos. Assim, pela própria nature-
za da documentação arquivística e da forma como é organizada, os estudantes
convivem com algumas dificuldades para acessar a informação, que não se clas-
sifica por assunto, modo de consulta a que estão acostumados. (Ribeiro; Santos;
Hermeto, 2010)

Eis aqui um dos desafios do trabalho de difusão cultural e educativa:


transformar a documentação histórica dos Arquivos em produtos que dialo-
guem com o público escolar e a sociedade em geral, de forma a promover a sua
ampla democratização. Assim, conceber as instituições arquivísticas como es-
paços que vão além da guarda de documentos para servir à administração, aos
fins comprobatórios e ao uso da academia é um dos desafios colocados aos
Arquivos desde o final do século XX.
Nesse sentido, o Núcleo de Ação Educativa (NAE) do Apesp tem como
função precípua promover a interlocução entre o Arquivo e a sociedade em
geral, com foco nos graduandos e nos alunos e professores da educação básica.
Por meio de cursos, oficinas, palestras, exposições e outras atividades variadas,
busca difundir o acervo e o nome da instituição para esses setores da sociedade,
conforme define o Decreto Estadual nº 54.276 de 2009:

Artigo 20 – O Centro de Difusão e Apoio à Pesquisa tem as seguintes atribuições:


...
III – por meio do Núcleo de Ação Educativa:
a) elaborar programas de ação educativa com vista a aproximar a Unidade do
Arquivo Público do Estado de instituições educacionais e da sociedade em
geral;
b) desenvolver materiais de apoio pedagógico a partir de documentos do
acervo;
c) promover oficinas de qualificação de professores e de outros profissionais da
memória;
d) proporcionar visitas monitoradas a estudantes e a professores de institui-
ções de ensino. (grifos nossos)

A experiência que relatamos neste artigo converge, assim, com as atribui-


ções do NAE elencadas no referido decreto e reforça, de forma prática, o elo
entre Arquivo e educação.

130 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Ação Educativa a Distância: relato de uma prática

Pressupostos teórico-metodológicos do curso

Por meio de discussões metodológicas e atividades práticas de análise de


documentos, procuramos estabelecer um espaço de elaboração didática con-
junta com os professores-alunos do curso. A prática didática, nesse caso, pode
ser compreendida de duas maneiras. A primeira, considerando-se o sentido
mais amplo da didática, refere-se às relações estabelecidas entre Arquivo, so-
ciedade, memória e educação, que se espera consolidar no espaço escolar, le-
vando o patrimônio documental e as questões que o envolvem a extrapolar os
limites do espaço institucional arquivístico.
O segundo aspecto essencial da prática didática da oficina parte da pre-
missa de que o conhecimento histórico e o conhecimento próprio das demais
disciplinas das ciências humanas são produzidos no espaço escolar, e não ape-
nas reproduzidos nele. A partir desse entendimento, o professor não é visto
como mero caudatário das pesquisas e produções acadêmicas, e os alunos co-
mo receptores passivos de conhecimento. Ao contrário, ambos são compreen-
didos como partícipes da produção do saber.4
Ao mesmo tempo, compreende-se que o conhecimento acadêmico e a
esfera escolar da produção do saber histórico dialogam, ainda que de maneira
desigual. Sendo assim, o conteúdo da oficina é composto tanto por discussões
teóricas acerca dos objetos, problemáticas e metodologias próprias da discipli-
na quanto por elaborações sobre a prática didática dela.
O centro de nossa abordagem é a utilização de documentos de Arquivo
na educação básica, conforme deixa claro o próprio título do curso. Esse não
é um tema novo, já que desde as primeiras décadas do século XX verifica-se a
utilização de documentos em livros didáticos. Contudo, nesse período, os do-
cumentos eram utilizados majoritariamente para ilustrar o texto; não havia
preocupação em contextualizá-los ou abordar o processo de sua produção, pois
serviam apenas para confirmar o conteúdo ensinado (Caimi, 2008). Recente-
mente, as políticas educacionais apontam em outro sentido e redefinem o pa-
pel a ser desempenhado pelas fontes documentais no espaço escolar. O docu-
mento passa a ser objeto de problematizações e estudos que visam apreender
o seu processo de produção, as suas relações com a sociedade produtora e os
indícios de situações que, a partir deles, podem ser interpretadas.

Junho de 2014 131


Andresa Cristina Oliver Barbosa, Carla Janaína Pereira de Freitas e Stanley Plácido da Rosa Silva

A pesquisa adquire uma dimensão essencial no processo de aprendizagem


da história, pois, ao compreender certos aspectos de sua produção, o aluno as-
sume um papel ativo na construção do conhecimento histórico. Não se trata, é
claro, de almejar que o estudante domine todo o arcabouço do fazer historio-
gráfico, mas permitir que ele identifique as marcas de produção da narrativa,
suas relações com o presente e as metodologias próprias de sua elaboração.5
Tais diretrizes sobre a utilização de documentos em sala de aula podem
ser observadas em diferentes instrumentos orientadores de políticas educacio-
nais para o ensino fundamental e médio, como nos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCNs) e na matriz de referência do Exame Nacional do Ensino
Médio (Enem), por exemplo. Nessa última, na área das ciências humanas e
suas tecnologias, verificamos as seguintes habilidades desejadas:

Competência de área 1 – Compreender os elementos culturais que constituem as


identidades.
H1 – Interpretar historicamente e/ou geograficamente fontes documentais acerca
de aspectos da cultura.
H2 – Analisar a produção da memória pelas sociedades humanas.
H3 – Associar as manifestações culturais do presente aos seus processos históricos.
H4 – Comparar pontos de vista expressos em diferentes fontes sobre determinado
aspecto da cultura.
H5 – Identificar as manifestações ou representações da diversidade do patrimô-
nio cultural e artístico em diferentes sociedades. (Brasil/MEC, Edital n o 1,
2013)

Sendo assim, por meio do documento, o aluno pode, com a mediação do


professor, questionar, confrontar informações divergentes, interpretar detalhes
e, principalmente, refletir e elaborar sínteses sobre problemáticas históricas.
Vislumbra-se, dessa maneira, a possibilidade de promover a desnaturalização
da memória e da identidade, apresentando condições de uma apropriação
consciente delas por parte dos estudantes.
Essas transformações na concepção do ensino de história, entre outras,
ocorreram de forma imbricada, porém não de maneira subordinada, com as
mudanças na própria compreensão da história. Nas primeiras décadas do sé-
culo XX, o surgimento da Escola dos Annales, na França, impulsionou novas
abordagens para o campo da história e fomentou a ampliação da noção de

132 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Ação Educativa a Distância: relato de uma prática

documento, que deixa de ser apenas o papel escrito e passa a abranger outras
possibilidades. A grande mudança na concepção de história a partir dessa cor-
rente historiográfica foi a primazia da história-problema. Também se altera o
tratamento dado ao documento e a sua crítica. Ele passa a ser definido pelas
interrogações da pesquisa e, para além da determinação de sua autenticidade
– que exerceu grande importância até o século XIX –, interessava aos funda-
dores dos Annales uma crítica em profundidade da noção de documento.
O documento não era mais um vestígio, mas sim um produto do passado,
mais especificamente, produto de uma cultura. Assim, a análise de documentos
passa a considerar a história como um discurso em litígio, uma disputa pela
hegemonia entre grupos de interesses divergentes. Por isso, para Le Goff
(2003), todo documento deve ser criticado enquanto monumento, pois não
existe um documento neutro. As condições históricas de sua produção tor-
nam-se essenciais para compreendê-lo e para apreender a representação que
as sociedades históricas desejaram imprimir de si próprias nos documentos.
Assim, partindo das discussões do campo teórico e didático da história
acima expostos, o curso foi organizado em seis unidades temáticas, acrescidas
de uma unidade específica para a elaboração do trabalho final. Cada uma delas
contou com atividades avaliativas compostas por questões objetivas ou disser-
tativas acerca da bibliografia proposta. O curso contou também com o fórum
avaliativo “Arquivo, Patrimônio e Ensino”, no qual foram desenvolvidos de-
bates em torno dos temas anunciados no seu título.
Foram realizados dois encontros presenciais, totalizando 10 horas. O pri-
meiro contemplou uma visita monitorada às dependências do Apesp, orienta-
ções sobre o uso da plataforma Moodle e esclarecimentos sobre os instrumentos
avaliativos do curso e respostas a dúvidas específicas dos participantes. O últi-
mo encontro presencial concentrou-se na apresentação dos trabalhos finais.
Nas três primeiras unidades da oficina tecemos discussões em conjunto
com os professores-alunos sobre conceitos como história, patrimônio, docu-
mento e educação. Elas ocorreram a partir da leitura de bibliografia indicada,
de textos de apoio e da visualização de vídeos, e se concretizaram, principal-
mente, por meio do fórum.
Nas três unidades subsequentes, priorizamos as atividades prático-meto-
dológicas de análise de documentos. Optamos pela divisão dessas unidades em
função da especificidade dos documentos a serem abordados, organizando-os

Junho de 2014 133


Andresa Cristina Oliver Barbosa, Carla Janaína Pereira de Freitas e Stanley Plácido da Rosa Silva

em iconográficos e cartográficos, textuais e periódicos devido às particulari-


dades que cada um deles apresenta. Há ainda nessas unidades a leitura obri-
gatória de bibliografia específica; contudo, o centro da proposta não é o debate
teórico das ideias e conceitos abordados neles, mas sim a elaboração de um
roteiro de análise de cada um dos tipos documentais apontados acima, volta-
dos para a educação básica. Pretendia-se, com tais unidades, que o professor-
-aluno se familiarizasse com a metodologia própria de análise de diferentes
tipos documentais, inseridos na concepção mais geral acerca da necessidade
de problematizar os documentos como monumentos.
Além das atividades e unidades descritas até aqui, faz parte do processo
formativo da oficina e constitui elemento fundamental para a aprovação dos
participantes a elaboração de uma sequência didática como trabalho final. Ela
deve ser feita individualmente e contemplar necessariamente propostas de aná-
lise de documentos de arquivo.6
Como observa Rocha (2009), os avanços metodológicos conquistados pelo
ensino de história nas últimas décadas, inclusive no que tange à utilização de
documentos como alternativa à exposição do professor no acesso ao conheci-
mento histórico escolar, são importantes. No entanto, não devemos perder de
vista a preocupação com a estruturação da aula, para que as novas práticas
metodológicas não sejam aplicadas de maneira isolada. Nesse sentido, a autora
destaca as atividades permanentes, os projetos e as sequências didáticas como
diferentes propostas de organização de unidades de ensino, considerando a
integração dos conteúdos e objetivos ao longo das aulas.
Optamos pela sequência didática como trabalho final da oficina por ela
envolver necessariamente a organização de propostas didáticas articuladas e
promover uma continuidade entre elas. Além disso, vislumbramos nessa forma
de organização de conteúdos específicos a possibilidade de contemplar com
coerência a utilização de diversificadas fontes em torno de objetivos determi-
nados. Nessa proposta, a sequência didática deverá partir de um “problema”,
ou seja, deve problematizar situações com o intuito de demonstrar a historici-
dade das interpretações, além de estabelecer relações entre a sociedade do pre-
sente e o passado.
A partir de um roteiro para elaboração de sequência didática, desenvol-
vido pela equipe do NAE, os participantes realizam o trabalho final com temas
abertos, de livre escolha. Os documentos que deverão compor

134 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Ação Educativa a Distância: relato de uma prática

parte das atividades didáticas podem ser consultados em variadas instituições


arquivísticas, como os arquivos da região de atuação do professor. Caso o par-
ticipante encontre dificuldades para ter acesso aos acervos locais, poderá uti-
lizar os “kits pedagógicos” disponibilizados no Ambiente Virtual de Aprendi-
zagem (AVA), que consistem em coleções de reproduções digitais de
documentos do acervo Apesp. Esses kits estão organizados em torno de cinco
temáticas, a saber, Anistia, Criminalidade, Imigração, Propaganda e Rio Tietê,
e são formados por diferentes tipos documentais.
Considerando que a proposta de realização de um trabalho final não tem
função meramente avaliativa, mas principalmente formativa, os professores-
-tutores do curso acompanham as diversas etapas de elaboração das sequências
didáticas e enviam devolutivas sobre o andamento dos trabalhos de cada aluno,
ao menos em três momentos diferentes antes da finalização destes. Esse pro-
cesso culmina na apresentação das sequências didáticas pelos participantes
durante o último encontro presencial do curso.
Mais do que avaliar as habilidades oratórias dos alunos, o que desejáva-
mos e pudemos presenciar foi o compartilhamento de experiências em torno
da documentação utilizada, dos caminhos escolhidos e percorridos, das opções
que foram abandonadas, enfim, das soluções encontradas na elaboração das
sequências didáticas e dos resultados alcançados por cada um.

Relatando a primeira experiência

O curso na modalidade Ensino a Distância (EAD) demandou do NAE um


considerável tempo em sua preparação e na capacitação de sua equipe. Primei-
ramente, tratou-se de realizar cursos de diversas temáticas no sentido de “ex-
perimentar” os formatos variados de cursos livres que se aproximassem do
formato de nossa proposta. A partir dessa experiência, analisamos quais estra-
tégias seriam factíveis, levando-se em consideração a carga horária, a temática
e o público-alvo esboçados para essa primeira experiência do Apesp.
Em um segundo momento, tratamos de nos capacitar para, de fato, ofertar
o curso. Depois de alguns cursos sobre como utilizar o AVA (Ambiente Virtual
de Aprendizagem), trabalhamos na adaptação do curso oferecido no formato
presencial às especificidades inerentes à modalidade EAD. Pela sua praticidade

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Andresa Cristina Oliver Barbosa, Carla Janaína Pereira de Freitas e Stanley Plácido da Rosa Silva

e viabilidade, a escolha recaiu sobre a Plataforma Moodle, amplamente utilizada


pelas universidades públicas do país.
Assim, antes de ofertá-lo ao público externo, foi realizado um curso-piloto
com funcionários e estagiários do Apesp no primeiro semestre de 2013, com
o objetivo de verificar a confiabilidade/usabilidade do Moodle e as questões
pedagógicas mais gerais, como carga de leitura, tempo de realização do curso
e tempo para realização das tarefas, entre outros aspectos.7 O curso-piloto teve
início com 21 participantes, oriundos de diversas áreas acadêmicas como his-
tória, filosofia, letras, geografia, pedagogia, psicologia e biblioteconomia, entre
outras. Destes, nove concluíram o curso e fizeram sugestões a partir de um
questionário avaliativo.
Com base nesse piloto, algumas alterações e adequações foram realizadas
para melhor compatibilizar o conteúdo do curso às possibilidades de interação
e estratégias de aprendizagem que o AVA permite, já que estamos tratando de
propiciar a interação dos participantes; ampliar o acesso a informações conti-
nuamente atualizadas; favorecer a mediação pedagógica em processos síncro-
nos ou assíncronos; e criar espaços para representação do pensamento e pro-
dução de conhecimento (Almeida, 2005).
Nesse sentido, destacam-se as seguintes modificações: ampliou-se o tem-
po de duração de cada uma das seis unidades do curso de 7 para 10 dias, redu-
ziu-se de duas para apenas uma a quantidade de fóruns avaliativos, ampliou-se
a carga total de 40 para 50 horas, foi incluída a temática cartográfica no curso,
outrora inexistente, e houve a instalação de um fórum não avaliativo específico
para o esclarecimento de dúvidas em relação ao trabalho final.
Entre 1º de setembro e 10 de novembro de 2013, foi realizado o primeiro
curso “O(s) uso(s) de documentos de Arquivo na sala de aula” na modalidade
EAD. Depois de uma divulgação realizada por meio de banners no site do
Apesp, da Escola de Formação e Aperfeiçoamento de Professores Paulo Renato
Costa Souza da Secretaria Estadual de Educação (EFAP/SEE) e da Secretaria
de Educação do Estado de São Paulo, complementados pelo envio de e-mails
a diversas instituições de ensino superior, ensino básico, pesquisadores e inte-
ressados no trabalho desenvolvido pelo NAE, foram recebidas 1.524 inscrições
para um total de oitenta vagas.
O público-alvo era de graduados em história ou nas demais áreas das ciên-
cias humanas que estivessem em efetivo exercício nas redes públicas ou

136 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Ação Educativa a Distância: relato de uma prática

particular de ensino, nas disciplinas de sua formação ou em áreas correlatas.


Também poderiam se inscrever profissionais ligados a Arquivos, museus e con-
gêneres. Dos 1.524 inscritos, 1.109 eram profissionais de escolas públicas esta-
duais,8 158 de públicas federais ou municipais, 88 de particulares e 72 de insti-
tuições arquivísticas, museológicas ou afins. Algumas das inscrições (97) não se
encaixavam no perfil do público-alvo, as quais foram classificadas como
“Outros”.
A quantidade de inscritos foi 19,05 vezes superior ao número de vagas
ofertadas (80).9 Em vista disso, foram acionados cuidadosamente os critérios
de seleção publicados no edital: número de inscrições para cada rede de ensino;
prioridade para os que residiam fora da capital paulista; maior tempo de for-
mação e, por fim, a idade. Dessa maneira, acrescidos três participantes à parte
do processo seletivo realizado,10 o curso teve início com 83 matriculados divi-
didos entre professores da rede pública estadual (41), rede pública federal e
municipal (23), rede particular de ensino (11) e profissionais de Arquivos,
museus e afins (8).
No que se refere ao perfil geográfico dos inscritos, estes eram provenientes
de 283 municípios diferentes, com a esperada predominância das cidades pau-
listas com maior número de habitantes, como se pode observar na Tabela 1.
Conforme anunciado no edital de abertura de inscrições, o critério geográfico
era preponderante na seleção dos candidatos.

Tabela 1 – Quantidade de inscritos – 20 municípios


com maior número de inscritos
Município UF Inscritos Município UF Inscritos
São Paulo SP 430 Ribeirão Preto SP 18
Guarulhos SP 67 Mogi das Cruzes SP 16
Campinas SP 34 Taubaté SP 16
Osasco SP 31 Franca SP 15
São José dos Campos SP 28 Mauá SP 14
São Bernardo do Campo SP 24 Suzano SP 14
Sorocaba SP 24 Taboão da Serra SP 13
Bauru SP 21 Piracicaba SP 12
Santo André SP 21 Rio Claro SP 12
Limeira SP 19 Rio de Janeiro RJ 12
Fonte: Apesp, 2013.

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Andresa Cristina Oliver Barbosa, Carla Janaína Pereira de Freitas e Stanley Plácido da Rosa Silva

Diante da enorme procura verificada, a preferência recaiu sobre os 1.094


inscritos não residentes na capital paulista, e nenhum dos 430 inscritos da ci-
dade foi matriculado. Do total de inscritos, 121 se declararam residentes em
outros estados. Assim, o curso selecionou candidatos de 59 municípios dife-
rentes, dos quais sete candidatos de cinco municípios fora de São Paulo.
Em relação à formação acadêmica, a maioria dos inscritos declarou ser da
área de história. No entanto, os profissionais de pedagogia, geografia, ciências
sociais, letras e filosofia também compuseram de forma significativa o número
de inscritos. Candidatos que não especificaram a formação, assim como aque-
les que não se enquadravam no público-alvo (Outros), compuseram o restante
dos inscritos.

Tabela 2 – Perfil inscritos x matriculados por área de formação


Área de Formação Inscritos % Matriculados %
História 976 64,04 59 71,10
Pedagogia 128 8,40 4 4,82
Geografia 110 7,22 5 6,02
Outros * 88 5,77 5 6,02
Ciências Sociais 76 4,99 3 3,61
Letras 75 4,92 3 3,61
Filosofia 46 3,02 4 4,82
Não especificado 25 1,64 0 0,00
Total 1.524 100,00 83 100,00
Fonte: Apesp, 2013.
* Nesta categoria ficaram tanto os profissionais de áreas conexas, como artes, bibliotecono-
mia e arquivologia, que suscitam a possibilidade de serem incluídos no rol de inscrições di-
retas, como profissionais de áreas bem distintas do público-alvo do curso, tais como educa-
ção física, ciências biológicas e comunicação social.

A predominância da área de história – tanto entre os inscritos como entre


os matriculados – era algo previsto, haja vista as unidades temáticas do curso
e a própria relação do Arquivo Público com profissionais desse perfil. Todavia,
ter mais de 30% de inscritos que se declararam de outras áreas é observado, de

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Ação Educativa a Distância: relato de uma prática

maneira geral, como algo positivo, pois significa, em nossa percepção, que o
Apesp é cada vez mais “Público” e não apenas “Histórico”.
No que concerne ao tempo de graduação dos candidatos, isto é, há quanto
tempo são graduados nas respectivas áreas de atuação, considerando-se a in-
dicada pelos candidatos no ato da inscrição,11 obtivemos um grande número
de inscritos com formação da década de 1990 em diante, com destaque para a
década de 2001-2010, o que demonstra que mesmo os graduados com forma-
ção recente continuam buscando algum tipo de formação continuada.

Tabela 3 – Perfil inscritos x matriculados por ano de graduação


Ano de graduação Inscritos % Matriculados %
1961-1970 3 0,2 1 1,2
1971-1980 8 0,54 0 0
1981-1990 118 7,96 26 30,12
1991-2000 332 22,39 34 42,17
2001-2010 717 48,35 22 26,51
2011-2013 305 20,56 0 0
Total 1.483 *
100 83 100
Fonte: Apesp, 2013.
* Foram desconsiderados 41 candidatos que não preencheram o formulário de inscrição
corretamente.

Como indicado na Tabela, o peso atribuído ao ano de conclusão do curso


de graduação como critério de seleção levou os candidatos mais jovens na car-
reira a obterem um quantitativo proporcionalmente menor de vagas em rela-
ção ao percentual de inscritos. Não obstante, analisando as Tabelas 2 e 3, po-
demos afirmar que não houve grandes distorções entre o percentual de
inscritos e o de matriculados nos quesitos “tempo de graduação” e “área de
formação”, o que indica que os critérios de seleção, grosso modo, contemplam
de forma satisfatória a demanda pelas vagas do curso.
Entre os 83 matriculados no curso, 43 cumpriram as exigências acadê-
micas e de frequência, e concluíram-no com êxito.12 Solicitou-se aos con-
cluintes que avaliassem o curso a partir de um questionário objetivo que, em
seus últimos tópicos, abria a possibilidade de o cursista apontar os pontos
fortes e eventuais oportunidades de melhoria para a oficina. A avaliação não

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Andresa Cristina Oliver Barbosa, Carla Janaína Pereira de Freitas e Stanley Plácido da Rosa Silva

era obrigatória e, dos 43, 38 concordaram em fazê-la. No primeiro item, “As-


pectos gerais do curso” – que abarcou as questões não pedagógicas do curso
(ver Tabela 4) –, apenas a divulgação obteve índice de satisfação – Bom ou
Excelente – inferior a 80%, com os demais itens superando facilmente esse
percentual.
Tendo isso em vista, de forma a melhorar esse aspecto nas edições seguin-
tes, atualizamos o nosso mailing, apresentamos o projeto com mais antecedên-
cia à EFAP/SEE-SP e obtivemos a homologação do curso pela Secretaria Mu-
nicipal de Educação de São Paulo (SME/SP), de modo que ele fosse publicado
também no Diário Oficial da Cidade de São Paulo. Ampliamos assim a divul-
gação no âmbito da capital paulista e introduzimos um elemento motivador
para que esses professores também buscassem nosso curso como uma opção
de formação continuada, visto que, depois dessa edição, os candidatos da ca-
pital também passaram a ter um percentual mínimo de vagas para
matrícula.13

Tabela 4 – Aspectos Gerais do Curso (%)


Item Analisado Excelente Bom Regular Ruim
Divulgação 45 34 21 0

Inscrição 68 29 3 0

Critérios de seleção 53 44 3 0

Carga horária 42 47 11 0

Instalações 97 3 0 0

Material de apoio 89 11 0 0

Periodicidade das avaliações 41 46 13 0

Fonte: Apesp, 2013.

Os cursistas avaliaram também o AVA. Três aspectos, referentes à am-


bientação, à organização e à facilidade de uso foram avaliados, e nenhum deles
obteve percentual inferior a 90% de aprovação, mesmo com a informação
transmitida nos encontros presenciais de que muitos professores-alunos esta-
vam realizando um curso a distância pela primeira vez, como pode ser obser-
vado na Tabela 5.

140 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Ação Educativa a Distância: relato de uma prática

Tabela 5 – Ambiente Virtual de Aprendizagem (%)


Item Analisado Excelente Bom Regular Ruim
Ambientação ao AVA 66 29 5 0
Organização das informações
68 29 3 0
e atividades
Facilidade de utilização 45 45 10 0
Fonte: Apesp, 2013.

O terceiro ponto avaliado esteve relacionado ao que denominamos “Aspectos


pedagógicos gerais”, onde questões como a temática e a pertinência do curso, as-
sim como a atuação dos professores e do monitor14 foram avaliados. Os resultados
foram excelentes, visto que nenhum dos itens obteve a menção “Regular” e, mais
que isso, tanto a temática do curso como a atuação dos professores obtiveram 97%
de “Excelente”, cabendo mencionar que a atuação do monitor também obteve
ótima avaliação, com 95% dos cursistas considerando sua atuação excelente.

Tabela 6 – Aspectos Pedagógicos Gerais do Curso (%)


Item Analisado Excelente Bom Regular Ruim
Temática / Proposta do curso 97 3 0 0
Adequação aos objetivos do curso 92 8 0 0
Grau de profundidade do curso 79 21 0 0
Atuação dos Professores 97 3 0 0
Critérios de Avaliação 68 32 0 0
Atuação do Monitor 95 5 0 0
Fonte: Apesp, 2013.

Aspecto importante de nossa oficina, a exigência de uma sequência didá-


tica como trabalho final também foi avaliada, assim como as tarefas relaciona-
das à sua construção. Novamente, obtivemos um ótimo resultado com 95% de
avaliações como “Excelente”. Já no concernente ao encontro final, às devolu-
tivas das atividades e à pertinência do trabalho final para o curso, mais de 80%
consideraram esses itens excelentes, resultado pouco superior ao alcançado
pela “orientação para a realização das tarefas”. A única questão abaixo dos 80%

Junho de 2014 141


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foi a referente aos prazos para a elaboração para o trabalho final, aspecto que
mereceu a atenção da equipe e foi reformulado para as edições subsequentes.

Tabela 7 – Avaliação Final / Sequência Didática (%)


Item Analisado Excelente Bom Regular Ruim
Pertinência quanto à proposta do curso 95 5 0 0
Prazo para a realização das tarefas 39 37 24 0
Orientação para a realização das tarefas 79 18 3 0
Devolutiva (feedback) das tarefas 89 11 0 0
Encontro Presencial Final 82 18 0 0
Fonte: Apesp, 2013.

Levando em consideração o público-alvo do curso, pedimos que os parti-


cipantes avaliassem os resultados da oficina na prática/compreensão do traba-
lho com documentos de Arquivos em sala de aula. Todos os aspectos foram
bem avaliados, com quatro deles superando a marca de 90% de excelência; des-
tes, destacaram-se a contribuição em utilizar fontes diversas em sala de aula e
a possibilidade de aplicação dos conhecimentos no trabalho, o que significa que
os conteúdos e metodologias desenvolvidos não estão descolados da realidade
desses profissionais, sendo possível uma aplicação concreta em sala de aula ou
em espaços museológicos, arquivísticos e afins (Primeira oficina EAD..., 2013).

Tabela 8 – Resultados do Curso para os Participantes (%)


Item Analisado Excelente Bom Regular Ruim

Conhecer as atribuições do Apesp 89 11 0 0


Conhecimentos sobre análise de documentos 89 11 0 0
Utilizar fontes diversas em sala de aula 95 5 0 0
Possibilidade de aplicação dos conhecimentos
95 5 0 0
no trabalho
Intenção de aplicar no trabalho o que aprendeu
92 8 0 0
na oficina
Probabilidade de melhorar seu desempenho
92 8 0 0
no trabalho
Fonte: Apesp, 2013.

142 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Ação Educativa a Distância: relato de uma prática

No espaço reservado para que os participantes elencassem de forma discur-


siva os pontos fortes do curso ou as oportunidades de melhoria, destacaram-se
como aspectos positivos a qualidade do corpo docente, as devolutivas (feedbacks)
das atividades, além de elogios à bibliografia e ao material de apoio, com algumas
menções também à infraestrutura do Apesp e à sua localização.15 Quanto às opor-
tunidades de melhoria, foram mencionadas a questão da duração do curso, que
inicialmente será elevada em 20%, passando de 50 para 60 horas, e dos prazos
para finalização das atividades que, na medida do possível, foram readequados.

Considerações finais

Hoje, quando falamos de políticas públicas que envolvem o universo de


instituições arquivísticas, se faz necessário refletir para além da proteção física
do patrimônio documental. Ao lado das ações de gestão dos documentos e de
preservação – fundamentais para a construção da memória e da história –, as-
sim como da eficiência administrativa, estratégias comprometidas com a di-
fusão do acervo permanente devem ser consideradas atividades primordiais
dentro da instituição.
Se concebermos os Arquivos como espaços em diálogo com a sociedade
e, em especial, com o público escolar, contribuiremos para a construção de um
Arquivo mais democrático. A proposta do curso em EAD, em consonância
com as atribuições do Apesp, é uma iniciativa que vai nesse sentido, permitin-
do que o Arquivo alcance públicos de diferentes regiões do Brasil.
Assim, ao discutir teórica e metodologicamente as fontes documentais
dentro da sala de aula, o curso abre espaço para compartilhar experiências em
torno da documentação arquivística. Por meio de suas atividades didáticas,
promove o debate sobre as diversas possibilidades de trabalho com fontes do-
cumentais no âmbito da educação básica, valoriza o papel do professor como
produtor do conhecimento e, mais importante, é um instrumento eficaz de
difusão do patrimônio histórico-documental.

REFERÊNCIAS

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arquivos públicos e privados e dá outras providências. Brasília, 8 de janeiro de
1991. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8159.htm; Aces-
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CAIMI, Flávia E. Fontes históricas na sala de aula: uma possibilidade de produção do
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CERRI, Luis F. Ensino de história e concepções historiográficas. Espaço Plural, ano X,
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PAOLI, Maria C. Trabalhadores e Cidadania: experiências do mundo público na his-
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144 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


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Disponível em: http://www.arquivoestado.sp.gov.br/noticia_ver.php?id=479;


Acesso em: 13 dez. 2013.
RIBEIRO, Raphael R.; SANTOS, Alessandra S.; HERMETO, Miriam. A Coleção “His-
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SÃO PAULO (Estado). Decreto nº 54.276, de 27 de abril de 2009. Reorganiza a Uni-
dade do Arquivo Público do Estado, da Casa Civil, e dá providências correlatas.
Disponível em: http://www.arquivoestado.sp.gov.br/pdfs/Decreto%20n.55.276.
pdf; Acesso em: 8 mar. 2014.

NOTAS

1
As reflexões desse tópico foram elaboradas, com acréscimos e supressões, a partir da disser-
tação de mestrado de um dos autores deste artigo, desenvolvida com auxílio de bolsa da Co-
ordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Cf. BARBOSA, 2013.
2
Utilizamos a palavra “Arquivo” grafada com a primeira letra maiúscula quando nos refe-
rimos às instituições arquivísticas, e “arquivo” com a primeira letra minúscula quando
abordamos conjuntos documentais.
3
A Constituição de 1988 é a primeira lei na história do Brasil a tratar do acesso, pelos cida-
dãos, aos documentos produzidos pelas administrações públicas. Também é inovadora,
diante das constituições anteriores, ao incumbir à administração pública a gestão de seus
documentos e o provimento do seu acesso.
4
Para saber mais sobre as concepções teóricas acerca do ensino de história, ver: CERRI, 2009.
5
Nesse sentido, ver: ROCHA, 2010.
6
As produções finais dos cursistas estão disponíveis em: http://www.arquivoestado.sp.gov.
br/difusao/oficina_pedagogica.php.
7
A elaboração do curso-piloto contou também com a colaboração da servidora Vânia Ne-
lize Ventura.
8
O alto número de inscritos das escolas públicas estaduais se explica, em parte, pelo apoio
na divulgação que obtivemos da EFAP e da SEE/SP, oriundo da autorização/reconheci-

Junho de 2014 145


Andresa Cristina Oliver Barbosa, Carla Janaína Pereira de Freitas e Stanley Plácido da Rosa Silva

mento dela para fins de evolução funcional dos professores, a qual foi concedida pela Por-
taria da EFAP de 19 ago. 2013 e publicada na página 27 do caderno Executivo I do Diário
Oficial do Estado de São Paulo (D.O.E.) do dia 20 ago. 2013. Já a homologação do curso,
validando-o de fato para sua utilização na evolução funcional dos professores pertencentes
aos quadros dessa secretaria, ocorreu através da Portaria da EFAP de 5 fev. 2014, publicada
na página 42 do D.O.E. de 6 fev. 2014.
9
Inicialmente, estavam previstas setenta vagas. Com o elevado número de inscritos, foram
disponibilizadas mais dez vagas. Nesse sentido, se considerássemos apenas o número ini-
cial, a demanda seria de 21,77, um resultado excelente se levarmos em conta tratar-se de
um curso com carga horária de 50 horas.
10
Em virtude de uma parceria entre o Apesp e a Fundação Arquivo e Memória de Santos
(FAMS), dois funcionários desta instituição participaram do curso sem que, no entanto,
fossem retiradas vagas dos candidatos inscritos em cada um dos perfis supracitados. Foi
incluído também um professor da rede estadual que, por problemas técnicos, não teve sua
documentação conferida por nossa equipe, de modo que o curso foi iniciado com 83 ma-
triculados.
11
Alguns candidatos possuíam dupla ou tripla titulação. Para este artigo e para o próprio
processo seletivo do curso foi considerada apenas a primeira formação indicada, despre-
zando-se as segundas ou terceiras graduações. Da mesma forma, a indicação de cursos de
pós-graduação lato ou stricto sensu foram ignoradas durante a seleção.
12
O percentual de concluintes (53%) ficou dentro do esperado por nossa equipe. A média
de concluintes nas edições anteriores do curso, ocorridas na modalidade presencial, foi de
64%. Assim, considerando as peculiaridades da modalidade EAD, havíamos projetado, pa-
ra a primeira edição oferecida ao público externo, algo entre 45% e 60% como expectativa
de concluintes.
13
Com a homologação, o curso poderá ser utilizado, também, para a evolução funcional no
âmbito da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, contemplando, dessa forma, os
professores vinculados a essa rede de ensino.
14
Esclarecimentos de questões não pedagógicas como dificuldades no uso da plataforma,
prazos de entrega do trabalho e dificuldades na postagem das tarefas, somadas ao envio de
avisos gerais, foram concebidas como atividades de monitoria, função que foi desempe-
nhada pelo estagiário do NAE, Felipe Landim Ribeiro Mendes.
15
Tendo em vista que os participantes não residiam na capital, o fato de o Apesp estar lo-
calizado ao lado de uma estação da linha Azul do Metrô de São Paulo e, ao mesmo tempo,
ao lado de uma rodoviária intermunicipal/interestadual justifica as menções à localização
que facilitam o deslocamento daqueles que não conhecem bem a cidade de São Paulo.

Artigo recebido em 30 de maio de 2014. Aprovado em 27 de junho de 2014.

146 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Para além da virtualização: a educação a
distância e a revolução comunicacional
no mundo contemporâneo
Beyond virtualization: distance education and
communication revolution in the contemporary world
Ana Raquel Abelha Cavenaghi*
Richard Gonçalves André**

Resumo Abstract

O artigo tem por objetivo sugerir que a The paper intends to suggest that the
educação a distância (EAD) é parte de distance education (DE) is part of a
um paradigma comunicacional em pro- communication paradigm in structur-
cesso de estruturação no mundo con- ing process in the contemporary world.
temporâneo. Ela deve, portanto, ser It is highlighted that it must, therefore,
pensada a partir de elementos mais ou be considered from more or less spe-
menos específicos e irredutíveis às cific elements irreducible to questions
questões apresentadas pela educação presented by regular education. As it is
presencial. Como se trata de fenômeno a recent historical phenomenon, the
historicamente recente, as proposições current theoretical propositions seem
teóricas atuais parecem insuficientes insufficient to understand the issue.
para compreender a questão. Mesmo Even so, we utilize, in this text, some
assim, utilizam-se, neste texto, certos constructs related especially to the con-
constructos voltados especialmente pa- cepts of language and media conver-
ra os conceitos de linguagem e conver- gence, as well as the concept of para-
gência de mídias, bem como o conceito digm. The discussions point to the
de paradigma. É necessário pensar a need to think DE considering its spe-
EAD considerando sua natureza especí- cific nature: the role of subject of
fica, apresentando, em primeiro lugar, knowledge, emphasizing the triadic ac-
o papel dos sujeitos do conhecimento, tion of professors, tutors and students

*Doutoranda em Educação, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Departamento de


Letras Estrangeiras Modernas da Universidade Estadual de Londrina (UEL). anaracavenaghi@
hotmail.com
**Departamento de História, Universidade Estadual de Londrina (UEL). richard_historia@hotmail.
com

Revista História Hoje, v. 3, nº 5, p. 147-163 - 2014


Ana Raquel Abelha Cavenaghi e Richard Gonçalves André

ressaltando a atuação triádica de pro- and stressing their process of autono-


fessores, tutores e alunos e enfatizando my; though generated in a new com-
o processo de autonomia destes; em se- municational paradigm, DE must pre-
gundo lugar, embora gerada num novo serve the time to maturation of the
paradigma comunicacional, a EAD de- ideas in the construction of knowledge,
ve resguardar o tempo para maturação even in a world marked by acceleration
das ideias na construção do conheci- of informational flow.
mento, mesmo num mundo de acelera- Keywords: distance education; para-
ção na circulação informacional. digm; communication.
Palavras-chave: educação a distância;
paradigma; comunicação.

Como sugere o pesquisador espanhol Jesús Martín-Barbero (2008), no


mundo contemporâneo, especialmente a partir do final do século XX, os sa-
beres passaram a circular de forma diferenciada quando comparados aos co-
nhecimentos de natureza logocêntrica. Os dados disponíveis na Internet, que
podem transcender a linguagem verbal, são interligados por uma rede de hi-
perlinks fragmentados e descentralizados que remetem o usuário a diferentes
locais do universo virtual, como blogs, sites e redes sociais. Os dados são po-
tencialmente acessados por diferentes dispositivos, tais como laptops, desktops,
smartphones, tablets e videogames, entre outros, podendo ser salvos em mídias
físicas, como hard discs e pendrives, ou mesmo armazenados nas “nuvens” e
visualizados por streaming, sistema que dispensa o salvamento de arquivos
fisicamente, transmitindo seus conteúdos em tempo real (ver, por exemplo,
serviços como o Dropbox e o One Drive; no caso de filmes, o Netflix e, em
relação aos games, o Steam e a Gaikai) (André, 2013). Trata-se de um variado
repertório de novos conceitos e instrumentos que marcam essa revolução co-
municacional, o que se manifesta, principal mas não unicamente, na digitali-
zação e virtualização informativa em contraposição aos artefatos de cunho
analógico, que não dispensam o suporte material. Eles não desapareceram, na
medida em que, para ilustrar, os ebooks não necessariamente substituíram os
livros em papel. De qualquer forma, na atualidade, a profunda alteração nos
modos de produção, circulação e consumo do saber perpassa diferentes di-
mensões da sociedade.
As variadas formas da chamada educação a distância (EAD), desde os te-
lecursos aos cursos online desenvolvidos, sobretudo, pela plataforma Moodle,

148 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Para além da virtualização: a educação a distância e a revolução comunicacional

parecem fazer parte da revolução comunicacional indicada, uma vez que pres-
supõem repensar a educação formal por intermédio de novas linguagens e
mídias, tendo como uma de suas manifestações a virtualidade. Considerando
essas questões, o presente artigo propõe um exercício de compreensão no to-
cante às correlações entre a EAD e o contexto comunicativo em foco, chaman-
do a atenção para a necessidade de redimensionar os elementos da EAD a
partir das demandas desse novo paradigma comunicacional e, também, edu-
cacional. Por isso, no decorrer desta reflexão, sugere-se que, mais que “trans-
plantar” os postulados da educação presencial para a EAD, é necessário pro-
blematizá-los e pensá-los de acordo com as novas questões em jogo.

Por que abordar o evidente?

A revolução comunicacional em foco perpassa diferentes facetas do coti-


diano, de forma que parece impossível um indivíduo viver à margem dela em
pelo menos algumas de suas dimensões. Responder e-mails, processar transa-
ções bancárias ou mesmo fazer um pedido num restaurante, aspectos mais ou
menos comuns na sociedade atual, envolvem a operacionalização de uma rede
de dados e dispositivos conectados ao fenômeno em questão, de forma a torná-
-lo evidente no dia a dia. Contudo, do ponto de vista epistemológico, essa evi-
dência constitui um primeiro paradoxo, já que muitos pesquisadores parecem
ignorá-la, rejeitando as novas mídias de diferentes formas, seja concebendo-as
como fontes de corrupção do sujeito e responsáveis pelas mazelas sociais, seja
apropriando-as de forma insuficiente aos campos do saber (André, 2013).
Os historiadores têm quase sistematicamente ignorado a discussão, que
tem sido relegada a um presente demasiadamente imediato para fazer parte de
suas reflexões, como se os elementos da chamada história do tempo presente
não fossem parte de seu território de preocupações (Chauveau; Tétart, 1999).
Os sociólogos, por sua vez, foram pioneiros ao lidar com os objetos midiáticos,
lembrando as contribuições dos intelectuais ligados à Escola de Frankfurt, co-
mo Theodor Adorno (1986). Entretanto, a abordagem da indústria cultural,
que compreende a mídia como subproduto cultural voltado para a alienação
das massas, parece limitada diante da complexidade do fenômeno, a ponto de
o semioticista italiano Umberto Eco (1993) denominar perspectivas teóricas
do gênero como “apocalípticas”.

Junho de 2014 149


Ana Raquel Abelha Cavenaghi e Richard Gonçalves André

Uma exceção a essa lacuna na produção de conhecimento é o campo da


comunicação e da semiótica, que tem buscado compreender o fenômeno co-
municacional para além da perspectiva apocalíptica, integrando-a ao universo
de reflexão. Além de Eco, é possível ressaltar os trabalhos de Lucia Santaella e
Winfried Nöth (2008), que, fundamentados, principalmente, nos conceitos
propostos pelo semioticista norte-americano Charles Sanders Peirce, enfatizam
a multiplicidade de linguagens que perpassam o mundo contemporâneo. A
linguagem, da perspectiva dos autores em foco, transcenderia as estruturas
verbais e orais, que, não obstante importantes, compõem apenas uma de suas
dimensões. Os fenômenos linguísticos englobariam, de acordo com Santaella
(2005), três matrizes, envolvendo o som, a imagem e o verbo. Além disso, mais
que compreendê-las separadamente, seria necessário, atualmente, perceber
suas relações transversais, porquanto a virtualidade envolva interfaces linguís-
ticas que não podem ser ignoradas, como observam Santaella e Nöth (2008),
o que será denominado, a partir daqui, convergência das mídias. Basta pensar,
por exemplo, nos jogos eletrônicos que demandam a atenção do gamer aos
aspectos gráficos, sonoros e verbais, isso para não falar da interatividade que
constitui um dos eixos principais da revolução comunicacional que com-
preende o objeto do presente artigo. Isso possui implicações importantes para
a EAD, como será discutido adiante.
Outro conceito importante para lidar com o fenômeno em questão é o
termo paradigma, cunhado pelo filósofo da ciência norte-americano Thomas
Kuhn (1998). Compreende-se, pelo constructo teórico, um conjunto de pos-
tulados e, portanto, pressupostos comuns que norteiam a construção de de-
terminados campos do saber, que desempenham o papel de modelo ou matriz
para sua elaboração. Afirma-se, no presente artigo, que a Educação a Distância
(EAD) está inserida numa revolução comunicacional na medida em que o que
parece estar em jogo não é apenas uma transição do analógico para o digital,
do presencial para o virtual, mas a estruturação de uma modalidade educativa
formal fundamentada num paradigma diferenciado, não necessariamente cal-
cado no esquema cartesiano-newtoniano que tem orientado a educação nos
últimos séculos, como observa Martín-Barbero (2008). Postulados clássicos,
como o reducionismo científico e o império da palavra sobre os diferentes ti-
pos de linguagem, não são pertinentes para fazer jus à complexidade inerente
à EAD, demandando-se um alargamento das fronteiras teóricas. De qualquer

150 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Para além da virtualização: a educação a distância e a revolução comunicacional

modo, não se ignora que, tal como a EAD insere-se no contexto histórico de
uma revolução comunicacional, esta se liga, de forma mais ampla, à estrutu-
ração de um paradigma que, malgrado não consolidado, vem se desenvolvendo
desde, pelo menos, os postulados da física quântica no século XX, que proble-
matizaram as relações entre sujeito e objeto no processo de construção do co-
nhecimento científico (cf. Köche, 1997; Capra, 2002; Santos, 1988).
Nesse sentido, parte dos debates em torno da EAD, pelo menos no senso
comum, tem se desenvolvido a partir de um falso problema, que compara qua-
litativamente esta à educação presencial. Não cabe saber qual seria a melhor,
visto que isso não acrescenta nada à reflexão propriamente dita. Apesar das
perspectivas apocalípticas, a EAD provavelmente permanecerá ao longo do
tempo, a menos que as mídias e os dispositivos contemporâneos se tornem
obsoletos. Isso demanda discussões que contribuam para sua compreensão
como fenômeno transdisciplinar e para a melhoria de seu processo organiza-
cional e de concepções teórico-metodológicas. Paralelamente, a virtualização
das instituições de ensino e aprendizagem aparentemente não acabará com a
educação presencial (mesmo porque elas podem ser desenvolvidas no interior
de uma mesma instituição), assim como a leitura de e-books não eliminou as
tradicionais práticas de leitura. Apesar de ambas poderem trocar experiências,
repensando a si próprias de forma salutar, há questões específicas que remetem
à compreensão dessas dimensões pedagógicas no interior de seus respectivos
paradigmas comunicacionais.

Questões de paradigma

Nos últimos dois séculos, a educação presencial tem sido desenvolvida a


partir do paradigma newtoniano-cartesiano, como observa Martín-Barbero
(2008). Em primeiro lugar, pode-se ressaltar a ênfase na razão, convertida em
epicentro ontológico segundo a máxima do filósofo francês René Descartes
“penso, logo existo”. Na sociedade ocidental, o principal índice da racionali-
dade tem sido a palavra escrita, a ponto de ela ter sido transformada no parâ-
metro clássico que dividiria as sociedades históricas, dotadas de escrita, daque-
las a-históricas ou ágrafas (Moniot, 1995), que se baseariam apenas em sua
materialidade, reduzida à condição supostamente primitiva de fetichismo
(Droogan, 2013). Isso levou a escola a enfatizar o papel do verbo como matriz

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Ana Raquel Abelha Cavenaghi e Richard Gonçalves André

do conhecimento científico, seja no que se relaciona ao discurso do professor


(não coincidentemente o agente do conhecimento na educação tradicional,
como critica Paulo Freire, 2000), seja no tocante ao papel do livro como reci-
piente quase sagrado do saber. Não é casual que, no quadro de disciplinas es-
colares, as disciplinas de peso têm sido português e matemática (lembrando
outro traço do paradigma clássico, a linguagem objetiva e, portanto, matemá-
tica), ao passo que as artes, incluindo-se genericamente a música e as expres-
sões visuais, lutam para ganhar espaço institucional (ver, no caso da música,
as reflexões de Silvia Cristina Gonçalves Moreira, 2012). Aliás, de forma este-
reotipada, o aluno “rebelde” é aquele que desenha e que toca, não aquele que
escreve e calcula. As universidades, sobretudo as licenciaturas, pouco muda-
ram em relação ao eixo centrado no texto escrito, sendo as outras linguagens
consideradas secundárias em relação ao universo logocêntrico. Desenho seria
coisa do design e o som pertenceria à esfera da música, que, diga-se de passa-
gem, não se encaixariam na matriz clássica das ciências “duras”.
Outro elemento relacionado ao paradigma cartesiano-newtoniano diz res-
peito ao reducionismo científico, que postula a divisão do objeto de pesquisa
em partes, fracionadas das mais simples às complexas. No universo educacio-
nal, isso implicou a multiplicação de disciplinas que versam sobre diferentes
campos do saber, mas que não necessariamente dialogam entre si de forma
transversal. Embora, na educação básica, os Parâmetros Curriculares Nacio-
nais (Brasil, 1998), desde a década de 1990, tenham enfatizado a necessidade
de pensar certas questões, como a ecologia e a sexualidade, sob uma abordagem
inter, multi e transdisciplinar, ou seja, compreendendo-as transversalmente,
as barreiras institucionais e, mais que isso, paradigmáticas, têm dificultado a
efetivação dessa abordagem sob múltiplos focos. No mundo acadêmico, salvo
exceções, o quadro não tem sido diferente. Somente para citar o caso da his-
tória, a necessidade de pensá-la interdisciplinarmente, como enfatizado por
intelectuais como o historiador francês Fernand Braudel, isso para não falar
dos pioneiros da Escola dos Annales como Lucien Febvre e Marc Bloch (ver
Braudel, 1982; Burke, 2000), tem esbarrado no que parece constituir um fe-
chamento do campo, ensimesmado na definição do que seria ou não histórico,
ignorando outras áreas do conhecimento como a semiótica e a psicanálise,
relegadas ao limbo epistemológico sob a alcunha ligeira e simplista de a-his-
toricidade. Não é coincidência, nesse sentido, que o fenômeno em foco no

152 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Para além da virtualização: a educação a distância e a revolução comunicacional

presente artigo encontre lugar periférico nas reflexões históricas. Além disso,
as próprias coerções inerentes aos concursos públicos para professor univer-
sitário, geralmente exigindo como critérios a formação numa única área, difi-
cultam institucionalmente a práxis interdisciplinar.
Entretanto, como apontado, o paradigma cartesiano-newtoniano tem
apresentado, desde o início do século XX, indícios de insuficiência para expli-
car os problemas do mundo contemporâneo, que são de natureza complexa e
resistem às tentativas de explicação de cunho reducionista. A revolução comu-
nicacional em foco parece constituir um desses objetos complexos, sendo a
EAD parte desse processo histórico, demandando um exercício de reflexão.
Em primeiro lugar, o primado da palavra em relação às outras linguagens é
problematizado, na medida em que a imagem, o som, a corporeidade e, atre-
lada a esses fatores, a interatividade ganham destaque nas mídias contempo-
râneas. É preciso atinar para a correlação entre essas formas de expressão, não
as isolando nem atribuindo primazia a alguma delas. Os jogos eletrônicos e as
redes sociais têm operado com essa noção de mídias convergentes, constituin-
do, atualmente, saberes que antecedem a entrada dos indivíduos nas institui-
ções de ensino, vários deles “nativos” da era digital. Ironicamente, as escolas e
as universidades têm como base a noção cartesiana, racionalista e logocêntrica
que, de forma crescente, parece gerar desinteresse por parte dos alunos, mais
afeitos a subirem virtualmente em torres renascentistas em games como
Assassin’s Creed (publicado pela Ubisoft) que a lerem materiais didáticos de
história, em que textos ocupam papel central e as imagens, lugar periférico
(mesmo em edições graficamente modernas, mas pedagogicamente
conservadoras).
Não se pretende aqui afirmar que as plataformas da EAD devam repro-
duzir os jogos eletrônicos e as redes sociais. Afinal, embora informalmente
eduquem (malgrado o que esteja em pauta não seja a qualidade em si da edu-
cação), porquanto gerem um processo de apropriação (Chartier, 2001) e pos-
sível reflexão (Silva, 2009), trata-se de produtos do mundo contemporâneo
perpassados de outras funções, entre as quais é possível citar o mercado e o
entretenimento (André, 2013). No entanto, a convergência midiática compar-
tilhada com essas produções, que também constituem manifestações da revo-
lução comunicacional, não deve ser ignorada. Nesse sentido, é necessária cau-
tela para não transformar as plataformas da EAD numa mera virtualização dos

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Ana Raquel Abelha Cavenaghi e Richard Gonçalves André

procedimentos da educação presencial (Brasil, 2007): a pluralidade e as inter-


faces linguísticas, mais que o primado do verbo, devem perpassar transversal-
mente a EAD, dialogando com os elementos do novo paradigma educacional,
e não reproduzindo sob fachada moderna os ranços do tradicional, como o
fazem parte dos livros didáticos. A EAD, portanto, deve lançar mão das dife-
rentes matrizes linguísticas, incluindo-se a corporeidade e a interatividade,
correlacionando-as num todo mais ou menos coerente.
Correlacionada à questão anterior, pode-se ressaltar a transversalidade
das formas de saber na atualidade que põe em xeque a divisão não comunican-
te de disciplinas. Embora tradicionalmente os conhecimentos prévios sejam
importantes, como ressalta o educador brasileiro Paulo Freire (2000), na era
digital eles são fundamentais para pensar a construção do conhecimento. De
acordo com Martín-Barbero (2008), o livro deixou de ser o único eixo do saber
na contemporaneidade, uma vez que o indivíduo produz conhecimentos por
intermédio de diferentes canais, das wikis aos blogs, utilizando dispositivos ou
gadgets como smartphones e tablets. Ao entrar em sala de aula, entretanto, os
alunos lidam com disciplinas fragmentadas e não comunicantes (e, às vezes,
com professores que não dialogam entre si por diferentes razões), tornando o
aprendizado desinteressante quando comparado à possibilidade de fluidez do
universo virtual, mesmo porque parece haver uma rejeição da mídia como su-
posta fonte de corrupção dos indivíduos. A EAD, pensada a partir das especi-
ficidades do novo paradigma comunicacional, pode ser estruturada sem ne-
cessariamente recair nas implicações do reducionismo científico e disciplinar.
As próprias plataformas educacionais, explorando um sistema de hiperlinks
que descentralizem os materiais didáticos, podem desempenhar papel impor-
tante, demonstrando como os dispositivos tecnológicos em foco, pensando em
termos de dispositivos e aplicativos, assumem a função de agentes, paralela-
mente aos sujeitos humanos, no processo de construção do conhecimento,
como propõem autores como o sociólogo e antropólogo francês Bruno Latour
(1993, citado em Droogan, 2013).

Desafios da EAD

Os dois elementos apontados – a convergência de mídias e a transversali-


dade de saberes – constituem características do novo paradigma comunicacional

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Para além da virtualização: a educação a distância e a revolução comunicacional

em foco, que transcende a questão da virtualização e da digitalização, assentan-


do-se sobre uma matriz de construção do conhecimento em processo de estru-
turação e que, ainda não “solidificada”, talvez possa apenas ser intuída pelos
observadores contemporâneos, segundo Antonio Fatorelli (2006), no tocante à
fotografia digital. De qualquer forma, a EAD, que teve respaldo legal na Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394 de 20 dez. 1996), parece
ser uma modalidade de ensino gestada a partir dessa nova matriz epistemológi-
ca, não devendo apenas reproduzir o ensino presencial ou seus problemas por
diferentes maneiras, mas pensar diferentes aspectos de acordo com as demandas
do mundo atual. Tendo em vista a especificidade irredutível aos traços do para-
digma cartesiano-newtoniano que tem caracterizado em diferentes níveis a edu-
cação presencial nos últimos séculos, serão sugeridos alguns desafios com os
quais a EAD precisa lidar para sua consolidação.
Um dos primeiros desafios em jogo é a questão dos sujeitos do conheci-
mento na EAD. Um dos pilares da modernidade no Ocidente tem sido o indi-
víduo, concebido como gênio criador ou mônada independente da sociedade
que historicamente o cerceia, o que tem sido questionado, sob diferentes pers-
pectivas teóricas, por autores como Norbert Elias (1995) e Pierre Bourdieu
(1998), que ressaltam a historicidade do sujeito ao reinseri-lo nos fios da so-
ciedade. De qualquer modo, em esfera educacional, o papel demiúrgico do
indivíduo foi durante muito tempo atribuído ao professor, entendido como
sujeito do conhecimento (amparado, por sua vez, pela autoridade da palavra
falada e escrita), tornando os alunos os receptáculos do saber. A crítica a essa
postura não é nova: Freire (2000), denominando-a “educação bancária”, ati-
nando para a metáfora segundo a qual o docente depositaria os saberes no
educando, ressalta que, mesmo possuindo autoridade (que não deve ser con-
fundida com autoritarismo), o professor seria um dos agentes do conhecimen-
to ao construí-lo com os alunos, que não seriam objetos passivos, mas agentes
ativos na medida em que possuiriam conhecimentos prévios que não poderiam
ser ignorados.
Embora as proposições de Freire possam ser aplicadas à educação presencial,
o que é novo na EAD é o fato de essas relações serem necessariamente maximi-
zadas, bem como a introdução de novos sujeitos do conhecimento, que, presen-
cialmente, aparecem apenas de forma germinal: os tutores. A figura do professor
permanece importante, uma vez que é o responsável pelo planejamento e a

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Ana Raquel Abelha Cavenaghi e Richard Gonçalves André

organização da disciplina como um todo, pensando nos conteúdos e nos métodos


para desenvolvê-la. Entretanto, de forma direta, ele aparece menos considerando
sua prática na educação presencial, em que as aulas devem ser ministradas rigo-
rosamente a cada encontro. De maneira geral, na EAD, são poucas as aulas ex-
positivas gravadas ou reproduzidas em tempo real. Nesse sentido, a autonomia
do educando torna-se essencial, não apenas realizando as atividades prescritas e
organizando seus estudos, mas buscando outros elementos que auxiliem na cons-
trução do conhecimento (Preti, 1996).
Na educação presencial também se espera que os discentes desenvolvam
autonomia ao longo do processo pedagógico. No entanto, se isso não ocorrer,
aparentemente, o andamento das disciplinas não é comprometido, na medida
em que esse desenvolvimento pode ser simulado, mas sem uma construção
qualitativa do conhecimento. Na EAD, a simulação se torna mais difícil, uma
vez que a demanda pela autonomia do aluno exige que ele gerencie, por meio
da autodisciplina, seu envolvimento com os cursos. Afinal, o professor não se
encontra presencialmente em sua casa, cobrando sua participação a cada mo-
mento.1 Entretanto, considerando que a cultura da autonomia educativa é pou-
co desenvolvida na sociedade brasileira, tendo em vista que alunos e professo-
res continuam sendo formados em contextos educacionais de cunho
tradicional, um problema comum nos cursos a distância tem sido a falta de
comprometimento dos discentes, o que se torna explícito em sua não partici-
pação nos fóruns, avaliações e outras atividades, redundando em uma espécie
de fracasso escolar virtual.
Diante disso, paradoxalmente, os bodes-expiatórios para a situação têm
sido os instrumentos digitais, como a plataforma Moodle, que seria desinte-
ressante, complicada e mesmo esteticamente desagradável quando comparada,
por exemplo, ao Facebook ou ao Twitter. Embora as plataformas possam e
devam ainda ser aperfeiçoadas (como de resto acontece com qualquer instru-
mento em era digital, dos aplicativos às redes sociais), deve-se questionar se o
problema realmente reside nos meios de acesso ou, pelo contrário, na falta de
autonomia e interesse por parte dos alunos, que não têm, de forma geral, gran-
des problemas para lidar com softwares e hardwares mais ou menos complexos,
mas que encontram uma série de empecilhos diante das plataformas educa-
cionais. Ou seja, a ênfase recai sobre o sujeito, e não apenas sobre os meios
materiais e imateriais de produção cultural, embora eles desempenhem papel

156 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Para além da virtualização: a educação a distância e a revolução comunicacional

importante. No entanto, o processo de estruturação de uma cultura da auto-


nomia é relativamente longo, demandando o reconhecimento da importância
do engajamento individual independentemente da presença de autoridades do
saber dotadas de mecanismos de cobrança, geralmente calcados em recom-
pensas e punições.
Portanto, na EAD parece haver um rebalanceamento dos papéis dos su-
jeitos educacionais, seja do aluno ou do professor, enfatizando a questão da
autonomia como eixo para a construção do conhecimento. Como ressaltado,
entretanto, a função do tutor, segundo Silveira (2005), é fundamental na es-
trutura de relações da EAD, compondo um trinômio paralelamente à atuação
do docente e do discente. Uma vez que a EAD é voltada para um público nu-
mericamente sem precedentes do ponto de vista da educação presencial, sendo
um dos elementos que a aproximam do paradigma comunicacional discutido
ao longo do presente artigo, o trabalho dos tutores torna-se imprescindível,
desempenhando a função de mediador entre professores e alunos, tendo em
vista que os primeiros não têm possibilidade de se relacionar diretamente com
os últimos. Sem o ofício da tutoria, geralmente atuando em polos de ensino
regionalizados, a EAD na escala em que é desenvolvida em diversas universi-
dades brasileiras sequer seria possível.
Constituiria equívoco, porém, considerar o tutor apenas um reprodutor
para o educando do conhecimento produzido pelo docente, o que significaria
recair nas implicações da educação bancária, embora em diferente roupagem.
Em primeiro lugar, porque as diferentes teorias da recepção têm ressaltado que
o significado de um texto (concebido em sentido lato, aproximando-se da no-
ção semiológica de linguagem) não se encontra apenas nele, codificado por
intermédio de uma série de signos e suas relações sintáticas, mas é criado na
relação que o leitor e, de forma mais ampla, o interpretante estabelece com essa
estrutura sígnica (Silva, 2009). Nesse sentido, os tutores, tais como professores
e alunos, seriam também sujeitos do conhecimento ao interpretarem lingua-
gens e reconstruí-las, permitindo, por sua vez, novas interpretações e recons-
truções por parte dos discentes, inserindo o processo num círculo virtualmente
infinito de semiose. Em segundo lugar, embora haja certo esforço na EAD por
uma padronização de métodos e técnicas de ensino, o tutor acaba desenvol-
vendo, ao longo de sua relação com professores e alunos, formas mais ou

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Ana Raquel Abelha Cavenaghi e Richard Gonçalves André

menos específicas de lidar com o público em foco, porquanto a educação possa


ser a distância, mas os sujeitos envolvidos sejam profundamente humanos.
Não obstante o papel importante desempenhado pelo tutor, sua situação
profissional ainda não se encontra clara nas universidades públicas brasileiras.
Enquanto os professores fazem parte de uma carreira docente mais ou menos
bem estabelecida, o tutor, geralmente, é um bolsista que exerce a função ao
longo de determinado período, o que se assemelha a um contrato de trabalho,
embora não seja isso de fato. O problema gera certa instabilidade e rotatividade
no quadro de tutores, dificultando a consolidação de competências necessárias
para o andamento adequado dos cursos a distância, demandando contínuas
capacitações, geralmente com público diferenciado. A questão profissional é
um indício da falta de clareza, na atualidade, em relação às novas exigências
da EAD, de modo que as estruturas profissionais e mesmo jurídicas não têm
acompanhado no mesmo ritmo as mudanças comunicacionais e educacionais
inerentes à sociedade contemporânea. Isso não é exclusividade da EAD, reme-
tendo às dificuldades diante das especificidades do novo paradigma comuni-
cacional: as próprias discussões sobre o Marco Civil da Internet, que busca
regulamentar garantias, direitos e deveres ligados à web, são um sintoma dessa
defasagem, recordando que o acesso a ela, em nível público, ocorre desde a
década de 1990, havendo, portanto, certo descompasso entre as diferentes ins-
tâncias sociais.
Outro desafio relacionado à EAD diz respeito ao tempo de maturação
para a construção do conhecimento. Nos últimos anos, de forma crescente, os
meios comunicacionais têm se tornado cada vez mais velozes. Mesmo os jor-
nais editados e impressos diariamente tornaram-se demasiadamente lentos
diante da dinamicidade por meio da qual as informações circulam no mundo
contemporâneo, obrigando editores a buscar novas formas de pensar a im-
prensa escrita, embora, como afirmado, o formato papel não tenha necessa-
riamente desaparecido. Além disso, as redes sociais e os blogs têm demonstra-
do, de diferentes formas, certo poder de mobilização social mais ou menos
inesperado pelos observadores contemporâneos: basta lembrar o papel desem-
penhado pelos usuários em mecanismos como o Facebook, o Twitter e os blogs
nas manifestações que perpassaram diferentes cidades brasileiras em 2013, isso
para não falar de fenômenos como os chamados “rolezinhos”, em que são
agendados encontros em massa em certas localidades, como shoppings. O que

158 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Para além da virtualização: a educação a distância e a revolução comunicacional

está em jogo aqui não é a legitimidade dos eventos, mas o poder de mobiliza-
ção das redes sociais, sem as quais, talvez, a dimensão desses movimentos seria
impensável.
Apesar da velocidade na circulação das informações, cabe questionar as
relações entre dinamicidade de leitura e construção do conhecimento. Mal-
grado o poder de mobilização das redes sociais no tocante aos fenômenos so-
ciais contemporâneos, isso não necessariamente se correlaciona à reflexão e à
maturação das ideias, transformando-as em conhecimentos mais elaborados.
Um dos traços da produção de saberes em era analógica é o tempo relativa-
mente longo para a maturação das reflexões. Contudo, a aceleração da socie-
dade contemporânea tem acompanhado o ritmo industrial de produção e con-
sumo, o que trouxe implicações para a elaboração de conhecimentos, como,
por exemplo, as demandas de produção no atual universo acadêmico.2 De
qualquer forma, voltando ao caso das redes sociais, o próprio Facebook é mui-
to sintomático: o fluxo de dados na barra inicial de rolagem é extremamente
rápido, o que varia de acordo com os contatos que o usuário possui, sendo
difícil encontrar um texto ultrapassado... isto é, com alguns minutos de defa-
sagem. Ele não é necessariamente um repositório de informações (como, em
contraste, as bibliotecas digitais e outras bases de dados online), mas um siste-
ma incessantemente retroalimentado pelos usuários que se situa num presente
sempre muito imediato.
Com isso, não se pretende descartar a importância das redes sociais, mes-
mo porque aqueles que as conceberam, bem como seus usuários (que desem-
penham o papel de coautores na web 2.0, marcada pela interatividade), não
têm a intenção de transformá-las num repositório que permitiria necessaria-
mente a reflexão de ideias. O objetivo aqui, pensando nos desafios da EAD, é
compreender que, não obstante as plataformas educativas possuam correlações
com as redes sociais (como a conexão informativa por intermédio de hiperlinks
e as mídias convergentes), na medida em que são gestadas no interior do mes-
mo paradigma comunicacional, elas não precisam necessariamente incorporar
todos seus elementos de forma acrítica. Apesar da virtualização, uma das con-
dições sine qua non para a construção do conhecimento continua sendo o
tempo para a maturação das reflexões, que devem ser a base para a produção
de um saber que não seja demasiadamente superficial, resvalando em leituras
simplistas dos objetos de pesquisa.

Junho de 2014 159


Ana Raquel Abelha Cavenaghi e Richard Gonçalves André

Epílogo

De forma geral, ao longo deste artigo, pretendeu-se apenas sugerir, em


tom ensaístico, que a EAD se insere num paradigma comunicacional que
transcende as questões apresentadas pelo clássico modelo de conhecimento,
que tem trazido uma série de implicações para a educação. O chamado para-
digma newtoniano-cartesiano, pensado como matriz para a estruturação das
reflexões educacionais nos últimos séculos, tem sustentado questões como o
império do verbo sobre as outras formas de linguagem, relegadas ao papel de
ilustração ou complemento da palavra, bem como um modelo pedagógico
fragmentado em disciplinas não comunicantes que são incapazes de responder
minimamente aos problemas complexos do mundo contemporâneo.
Nesse sentido, a EAD, para além de uma virtualização dos processos edu-
cativos presenciais, parece constituir traço de um novo paradigma comunica-
cional, inserido, por sua vez, num modelo epistemológico que vem apresen-
tando seus primeiros indícios desde o início do século XX. Entre as questões
importantes, pode-se ressaltar a necessidade de pensar as mídias convergentes,
que descentralizaria o papel da linguagem verbal, integrando-a numa plurali-
dade de linguagens correlacionando a imagem, o som e mesmo a corporeidade,
pensando-as a partir da interatividade que caracteriza os fenômenos comuni-
cacionais do século XXI. Além disso, deve-se lembrar a transversalidade dos
saberes no mundo contemporâneo, conectados por uma série de hiperlinks
numa rede acessada por diferentes dispositivos.
Considerando a natureza específica da EAD, as questões e os desafios por
ela enfrentados também são diferenciados, não devendo necessariamente ser
pensados na perspectiva da educação presencial, não cabendo, portanto, com-
pará-las do ponto de vista qualitativo. Dois problemas-chave foram aqui elen-
cados: em primeiro lugar, a descentralização da figura do professor como agen-
te pedagógico, devendo-se pensar na relação triádica desempenhada pelo
docente, pelo tutor e pelo aluno, cada qual desempenhando papel em que a
autonomia ocupa lugar de destaque; em segundo lugar, o tempo de maturação
das ideias para a construção do conhecimento, recordando que, mesmo inse-
rida no novo modelo comunicacional, a EAD deve preservá-lo para não re-
dundar em conhecimentos superficiais e simplistas em torno dos complexos
objetos do mundo contemporâneo.

160 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Para além da virtualização: a educação a distância e a revolução comunicacional

Este artigo não pretende ser conclusivo, mesmo porque o fenômeno em


foco é historicamente recente, apresentando elementos que, não obstante o
esforço de compreensão, podem ser apenas intuídos, como chama a atenção
Fatorelli (2006). Portanto, abre-se espaço para o equívoco e para a incerteza
que, como já afirmava o filósofo da ciência Karl Popper (1972), fazem parte da
lógica da produção do conhecimento.

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abr. 2014.

NOTAS
1
Contudo, é válido ressaltar que, no Brasil, o Ministério da Educação e Cultura (MEC) a
partir do Decreto nº 5.622 de 19 de dezembro de 2005, exige que os cursos de EAD não
sejam totalmente virtuais, de forma que certas atividades devem ser realizadas em polos
presenciais, como avaliações, estágios, defesas de trabalhos de conclusão de cursos e labo-
ratórios de ensino.
2
Isso tem gerado reações, como o movimento alemão denominado slow science, que afir-
ma a necessidade de a ciência ser elaborada a partir de um tempo de maturação das ideias.
Cf. THE SLOW science manifesto, 2010.

Artigo recebido em 30 de maio de 2014. Aprovado em 27 de junho de 2014.

Junho de 2014 163


Faça aqui o seu login: os historiadores, os
computadores e as redes sociais online
Enter your password: historians,
computers and social networks
Bruno Leal Pastor de Carvalho*

Resumo Abstract
Há alguns anos, os computadores e, Over the last years, online social net-
mais recentemente, as redes sociais onli- works  became a global phenomenon
ne emergiram como um fenômeno so- with enormous social, economic and
cial, político e cultural extremamente political relevance, impacting many
importante de nosso tempo, com refle- professions and intellectual activities.
xos nas mais diversas atividades profis- The paper has two objectives: to discuss
sionais e intelectuais. O artigo tem o ob- the relationship between the historian
jetivo de pensar a relação entre o and those online social networks, and,
historiador e os computadores, o histo- in a general perspective, to discuss the
riador e as redes sociais na internet, em relationship between historians and the
especial o caso da rede social Café Histó- new communication technologies, with
ria. Espera-se, assim, compreender me- Cafe Historia online network as a case
lhor os pontos de contato das novas tec- study.
nologias da comunicação com a história. Keywords: digital history; internet; so-
Palavras-chave: história digital; internet; cial networks.
redes sociais.

Clique aqui para entrar: computadores,


história, historiadores

Nos últimos 30 anos, o rápido desenvolvimento do computador e da in-


ternet, combinado com outros avanços tecnológicos, sobretudo no campo das
telecomunicações, teve um impacto substancial em praticamente todos os ra-
mos da indústria, nas mais distintas atividades profissionais e, como não se

*Doutorando do Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Rio


de Janeiro (PPGHIS/UFRJ), professor-tutor do curso EAD de história da Universidade Federal
do Estado do Rio de Janeiro (UniRio), bolsista-pesquisador do CNPq. Fundador e Editor da Rede
Social Café História (http://cafehistoria.ning.com). brunoleal2003@gmail.com

Revista História Hoje, v. 3, nº 5, p. 165-188 - 2014


Bruno Leal Pastor de Carvalho

trata apenas de uma transformação técnica, mas sobretudo filosófica e com-


portamental, na maneira como as pessoas se comunicam e experimentam a
realidade. Isso já foi suficientemente notado por filósofos, sociólogos e estu-
diosos da comunicação, que, nas últimas décadas, vêm se debruçando cada vez
mais sobre as chamadas “novas mídias” (cf. Castells, 1999; Lévy, 2007). Mas e
o campo da história? Como ele atravessou essas transformações? Como os his-
toriadores, cujo ofício combina os anseios do presente com a investigação do
passado, relacionaram-se com as inovações tecnológicas surgidas após o fim
da Segunda Guerra Mundial?
Foi em princípios da década de 1960 que os computadores atravessaram
pela primeira vez de forma relevante o caminho dos historiadores e da história.
Nessa época, além dos complexos militares, as universidades eram praticamen-
te os únicos espaços onde era possível ter acesso a computadores. Eles eram
máquinas enormes, ocupando salas, às vezes, andares inteiros. Diferiam total-
mente dos computadores de hoje: na sua utilização, em seu custo, na operação
e na configuração. A grande novidade do computador de então estava em sua
inédita capacidade de fazer operações matemáticas complexas em um curto
espaço de tempo. Daí o interesse das universidades: eles passaram a ser im-
prescindíveis para as ciências naturais. Não se estranha, nesse sentido, que até
hoje salas de computadores sejam chamadas de “laboratórios”. Porém, não
foram físicos e biólogos os únicos a se aproveitarem do poder de cálculo do
computador. Os historiadores também. Aquela nova tecnologia logo se tornou
um dos elementos centrais da chamada história quantitativa, uma modalidade
historiográfica interessada nas grandes séries de dados históricos. Segundo José
D’Assunção Barros,

O que a História Quantitativa pretende observar da realidade está atravessado


pela noção do “número”, da “quantidade”, de valores a serem medidos. As técnicas
a serem utilizadas pela abordagem quantitativa serão estatísticas, ou baseadas na
síntese de dados através de gráficos diversos e de curvas de variação a serem ob-
servadas de acordo com eixos de abscissas e coordenadas. Algumas análises
quantitativas mais sofisticadas poderão utilizar logaritmos, recursos matemáticos
mais avançados como integrais e derivadas. O computador será, neste caso, de
uma ajuda inestimável.1

166 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


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Os computadores da época, cujo poder de processamento era muito su-


perior ao de seus antecessores, permitiram que fosse analisado, processado e
cruzado um volume de dados impensável para um simples mortal: listas de
nomes, séries de preços, censos demográficos, registros de emigração, certidões
de nascimentos e várias outras séries que permitiram traçar tendências, curvas
e padrões sobre uma determinada realidade macro-histórica. Isso era uma
mudança e tanto. Não só o volume de informação tratado era maior, mas po-
dia-se agora avaliar um período de tempo mais longo e comparar dados de
outras localidades. O computador fazia toda a parte matemática, liberando o
historiador, como se acreditava, para as análises subjetivas. De acordo com
François Furet, tratava-se de “preencher as lacunas da contabilidade nacional
passada para eliminar-se o arbitrário” (Furet, s.d., p.59). Durante algum tempo,
os historiadores, principalmente da área econômica, se viram completamente
encantados por essa forma de fazer história. A história quantitativa foi um
marco na tradição dos Annales.
Além dos franceses, os historiadores americanos, nesse mesmo período,
também se apropriaram amplamente do computador como ferramenta de tra-
balho. Em 1962, foi criado, no âmbito da Universidade de Michigan, em Ann
Arbor, o Inter-University Consortium for Political and Social Research, o mais
antigo centro de treinamento na área de história e computação (Figueiredo,
1997). E 4 anos depois ocorreu outra novidade: foi criada, também nos Estados
Unidos, a Association for Computer and the Humanities (ACH) (Oliveira,
2005). O que mais se produziu naqueles anos, tanto na Europa quanto nos Es-
tados Unidos, foram gráficos, tabelas e bancos de dados.2 Era como se a história
pudesse ser quantificada, e que tal exercício de contagem ajudasse a construir
uma imagem mais aprimorada, precisa e totalizante do passado sobre o qual
se interrogava.
Com o tempo, as promessas da história quantitativa foram duramente
criticadas. Essa crítica começou ainda nos anos 1970, dentro do próprio mo-
vimento dos Annales, e expandiu-se nos anos 1980, quando outras correntes
historiográficas apresentaram modos de fazer história que se pretendiam tão
ou mais legítimos do que a metodologia mediada pelo computador. Em geral,
os questionamentos sublinhavam que essa história numérica (Cliometria) le-
vava a uma redução de muitas dimensões históricas, além de equívocos gera-
dos por uma leitura demasiadamente matemática do passado (Furet, 1971).

Junho de 2014 167


Bruno Leal Pastor de Carvalho

De acordo com François Dosse, o encantamento causado pela história quan-


titativa tinha por base um discurso neopositivista que fetichizava o computa-
dor (Dosse, 2001, p.123). Essa crença exagerada na máquina pode ser exem-
plificada na frase, dita à época pelo famoso historiador francês Emmanuel Le
Roy Ladurie: “O historiador de amanhã será programador ou não será” (La-
durie, 1968). Sobre Ladurie, Dosse fez uma dura crítica:

Ele apresenta o historiador transformado em minerador a levar para a superfície


um material que deverá ser tratado pelos especialistas das ciências humanas. Não
é possível descrever melhor a (de)missão do historiador, sua relegação a um pa-
pel de mão de obra que trabalha por subempreitada. O historiador deve contar e
recortar, tanto as quantidades de trigo produzidas quanto os nascimentos, o nú-
mero de invocações à Nossa Senhora nos testamentos, o número de roubos co-
metidos em um determinado lugar: “Em última análise ... não há senão história
quantificável”. Esse entusiasmo pelo computador, oráculo dos tempos modernos,
nasceu da desconstrução e acentua ainda mais a propensão ao estilhaçamento, à
serialização, pois, embora se possam contar séries, não se podem contar sínteses.
Outro efeito é privilegiar os fenômenos repetíveis, à longa duração, às permanên-
cias, e descentrar o homem como sujeito coletivo da história, massa que resista à
quantificação. (Dosse, 2001, p.123)

Apesar das críticas formuladas à história quantitativa, o uso do compu-


tador propriamente dito já tinha feito adeptos fiéis e nunca chegou a esmorecer
por completo. Entre 1972 e 1982, a Universidade de Maryland, nos Estados
Unidos, fez a primeira experiência de integração entre o currículo de história
e computação (Figueiredo, 1997). Testes semelhantes a esse aconteceram na
Europa. A ideia por trás dessas disciplinas era tornar o pesquisador apto para
trabalhar com o computador.
Outro importante sinal desse flerte entre a história e o computador foi a
proliferação das associações. Em 1986, sublinha José Cláudio Alves de Oliveira,
surgiu a Association for History and Computing (AHC), na Inglaterra, que,
destacando-se na criação de eventos, periódicos e cursos, acabou por inspirar
o surgimento de tantas outras com o mesmo perfil. No início dos anos 1990,
“vinte e cinco países tinham suas próprias organizações [de história e compu-
tação] nacionais” (Oliveira, 2005).

168 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


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No final dos anos 1990, é possível notar uma mudança de rumo impor-
tante. Até então, o computador tinha sido visto como um instrumento auxiliar
da pesquisa histórica, um facilitador. Uma ferramenta fantástica, sem dúvida,
mas ainda assim apenas um equipamento. Na virada do milênio, no entanto,
o computador e as demais novas tecnologias que o acompanhavam, da telefo-
nia móvel aos dispositivos de mão, mas principalmente a internet, evidencia-
ram que havia muito mais coisa em jogo. A questão extrapolava o campo da
pesquisa. Ensino, divulgação e metodologia também deveriam ser incluídos
nesse “pacote”.
Esse momento ao qual nos referimos coincide com a emergência de um
campo de estudos que vem sendo chamado por muitos de história digital. Os
americanos foram pioneiros. Entre 1997 e 1998, os historiadores William G.
Thomas e Ed Ayers fundaram o Virginia Center for Digital History (VCDH),
vinculado à Universidade de Virgínia, Estados Unidos. Eles explicam que, no
âmbito desse centro, davam aulas em um seminário de pós-graduação intitu-
lado Digital History of the Civil War, onde tratavam quase que exclusivamente
de fontes da guerra civil americana digitalizadas (Cohen, 2008). Era só o co-
meço. Nos anos seguintes, o conceito digital history começou a ser usado em
outros contextos, empregado por outros pesquisadores, deixando de se referir
apenas à digitalização de fontes históricas para abarcar as novas perspectivas
no ensino (principalmente a distância), na elaboração de aplicativos, na cons-
trução de softwares educativos e de plataformas de divulgação da história, entre
outras aplicações. Não existe ainda hoje um consenso sobre a definição de his-
tória digital. A definição de William G. Thomas é, no entanto, uma boa tenta-
tiva nesse sentido:

Digital history is an approach to examining and representing the past that works
with the new communication technologies of the computer, the Internet ne-
twork, and software systems. On one level, digital history is an open arena of
scholarly production and communication, encompassing the development of
new course materials and scholarly data collections. On another, it is a methodo-
logical approach framed by the hipertextual power of these technologies to make,
define, query, and annotate associations in the human record of the past. To do
digital history, then, is to create a framework, ontology, through the technology
for people to experience, read, and follow an argument about a historical pro-

Junho de 2014 169


Bruno Leal Pastor de Carvalho

blem. Digital history scholarship also encourages readers to investigate and form
interpretive associations of their own. (ibidem)3

Atualmente, há muitas outras definições e perspectivas correntes para


história digital. Na Itália, por exemplo, os italianos preferem falar em storio-
grafia digitale.4 Além disso, há ainda os que enxergam a história digital como
uma espécie de sub-ramo da história pública, campo de estudos surgido nos
anos 1970 e hoje bem consolidado em países como Austrália, Estados Unidos,
Canadá, Alemanha, China, Irlanda, Índia, Nova Zelândia e, nos últimos anos,
Brasil. De uma forma geral, ainda se discute se a história digital é movimento,
campo, área ou metodologia. E, dada a fluidez de quase tudo o que é inerente
à cibercultura, é perfeitamente normal que essas definições sejam ainda flu-
tuantes e inexatas.

Computadores, Brasil, historiadores

É difícil hoje falar em uma historiografia brasileira consolidada sobre a


relação entre história e computador, entre história e tecnologia. Há, não obs-
tante, trabalhos e experiências no país que merecem ser mencionados. Uma
das experiências mais antigas e importantes foi realizada pelas historiadoras
Altiva Pilatti Balhana e Cecília Maria Westphalen, da Universidade Federal do
Paraná (UFPR), ainda na década de 1960. Em setembro de 1969, a universida-
de paranaense havia instalado o seu Centro de Computação Eletrônica. Para
Balhana e Westphalen, bastante entusiasmadas com a proposta da história
quantitativa, aquela era a oportunidade ideal para aproveitar “o emprego de
computadores no processamento de evidências históricas” (Balhana; Westpha-
len, 1973, p.641-644). Em 1970, as duas pesquisadoras começaram a usar o
computador instalado no centro, um IBM 1130, tido como um dos mais avan-
çados da época, em dois projetos do Departamento de História: um sobre na-
vios e mercadorias no porto de Paranaguá, outro sobre história demográfica
do Paraná. Dois anos depois, em julho de 1972, elas apresentaram uma comu-
nicação expondo os resultados alcançados. Nessa comunicação, publicada pos-
teriormente na Revista de História da Universidade de São Paulo (USP), as
historiadoras falaram não apenas das tabelas e estudos comparativos que pu-
deram realizar mediante o processamento de centenas de séries de dados

170 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


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históricos, de entradas e saídas de embarcações a registros de batizados, mas


fizeram uma defesa apaixonada da história quantitativa e do uso dos compu-
tadores em pesquisa historiográficas. Para elas, o uso do computador possibi-
litava um “extraordinário alcance” e uma “observação microscópica de macro-
-corpus”, o que permitiria “libertar o historiador de seus julgamentos intuitivos
e limitados pelos seus quadros de referência”. É interessante, por sinal, subli-
nhar a crítica que Balhana e Westphalen, duas historiadoras importantes da
época, com trabalhos de relevo em história do Brasil, teceram sobre os histo-
riadores contemporâneos a elas. De acordo com as duas professoras, a área de
história, por mais que a história quantitativa tivesse avançado, ainda era refra-
tária ao uso de novas tecnologias e às metodologias decorrentes destas.

Os historiadores justamente se acham em retardamento em relação aos demais


cientistas sociais. Esse atraso tem tido como consequência que cientistas políticos,
economistas, demógrafos, sociólogos e outros, têm produzido História quantitati-
va, enquanto os historiadores de ofício ainda relutam em praticá-la e mesmo acei-
tá-la, arraigados que se encontram sobretudo a preconceitos relativos à própria
natureza da ciência histórica ... a maior dificuldade encontrada para o seu empre-
go, dificuldade aliás de quase todos os historiadores que, até aqui, de modo geral,
não possuem suficiente formação matemática e estatística, reside na elaboração de
programas para o computador ... Este é o problema fundamental a ser resolvido,
pois o historiador do futuro “sera programmeur ou ne sera pas”. (ibidem)

Em 1979, Ciro Flamarion Cardoso e Héctor Pérez Brignoli publicaram


um capítulo intitulado “O uso da computação em história”, no livro Os méto-
dos da história (Cardoso; Brignoli, 1979). E, nos anos 1980, a Sociedade Bra-
sileira de Pesquisas Históricas (SBPH) e a Revista de Demografia Histórica
também chegaram a publicar artigos sobre o tema.
Mas foi somente nos anos 1990 que a tecnologia dos computadores se
tornou mais presente na agenda dos historiadores brasileiros. O papel da Uni-
versidade Federal de Santa Catarina (UFSC), nesse sentido, é bastante impor-
tante. Em 1991, foi fundada em Florianópolis, no âmbito do curso de pós-
graduação em história daquela universidade, a Associação Brasileira de
História e Computação (ABHC). Como aponta Oliveira, a ABHC, como outras
associações nacionais daquele tipo, tinha como funções “promover conferên-
cias anuais, organizar cursos específicos sobre história e computação e criar

Junho de 2014 171


Bruno Leal Pastor de Carvalho

grupos de historiadores dedicados a pesquisas, à formação de profissionais na


área, ao desenvolvimento de softwares específicos para historiadores, e à orga-
nização de base de dados para a difusão de bibliografias e fontes documentais”
(Oliveira, 2005). E foi exatamente isso o que aconteceu: a associação organizou
encontros, publicou artigos e chegou até mesmo a implantar, conforme aponta
Luciano Figueiredo, uma linha de pesquisa sobre história e informática (Fi-
gueiredo, 1997).
A produção bibliográfica sobre “história e computadores” não chegou a
deslanchar. Mas teve os seus momentos na década de 1990. Em 1990, Guilher-
me Pereira das Neves publicou o artigo “O sonho de Comenius: o uso de mi-
crocomputadores em uma pesquisa de história social” (Neves, 1990, p.208-
214). Em 1994, a revista do CPDOC/FGV, Estudos Históricos, publicou o artigo
de Charles Dollar, “Tecnologias da informação digitalizada e pesquisa acadê-
mica nas ciências humanas: o papel crucial da arquivologia” (Dollar, 1994).
Em 1997, um capítulo do livro Domínios da história, organizado pelos histo-
riadores Ronaldo Vainfas e Ciro Flamarion Cardoso, da Universidade Federal
Fluminense (UFF), foi dedicado à relação historiador-computador. Escrito por
Luciano R. Figueiredo, “História e informática: o uso do computador” tinha o
objetivo, segundo o autor, de “estabelecer uma aproximação inicial entre o
historiador e o uso do computador”, bem como apresentar “as vantagens que
a informática traz ao longo das rotinas de trabalho do pesquisador e do pro-
fessor de história” (Figueiredo, 1997).
Somente nos primeiros anos da década de 2000 os trabalhos se tornam
mais abundantes. Foram artigos, comunicações, teses, dissertações e monogra-
fias que trabalham principalmente com ensino de história e a pesquisa histo-
riográfica à luz das mídias digitais.5 O uso das novas tecnologias pelos historia-
dores foi contemplado em comunicações, palestras e oficinas oferecidas no I
Simpósio Internacional de História Pública, realizado na Universidade de São
Paulo (USP), em 2012. Nesse mesmo ano, foi criada ainda a Associação de Hu-
manidades Digitais e um segundo volume do livro organizado por Vainfas e
Flamarion foi lançado, intitulado Novos domínios da história, que dedicou uma
vez mais um capítulo completo ao diálogo entre a história e a informática, es-
crito por Célia Cristina da Silva Tavares (2012). Nos encontros regionais de
história realizados pela Associação Nacional de História (Anpuh), tem sido
possível perceber também o destaque que o tema vem ganhando, caso do

172 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


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simpósio temático “A história online: produção e divulgação do conhecimento


histórico na internet”, que teve lugar no XIX Encontro Regional de História da
Anpuh/MG, na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), em julho de 2014.
Nos últimos 5 anos, essa expansão da chamada “cibercultura” tem apon-
tado para um dos fenômenos políticos, sociais e econômicos mais importantes
da história da internet: a explosão das redes sociais online.

As redes sociais e os historiadores

Segundo dados da We are Social, agência multinacional especializada em


pesquisas de mídias sociais, 26% da população mundial (ou 74% das pessoas
com acesso a internet) participavam, em janeiro de 2014, de alguma rede social
online.6 O Brasil se destaca. O país, que possui 49% de sua população conectada
à internet,7 é o segundo país com o maior número de usuários no Facebook
– maior rede social do mundo, com 1,4 bilhão de usuários: 65 milhões de pes-
soas, ficando atrás apenas dos Estados Unidos (Arno, 2013). A vice-liderança
levou a revista americana Forbes a publicar em 2013 um artigo intitulado “The
Future of Social Media? Forget about the U.S., Look to Brazil” (Homes, 2013).
O Brasil é ainda o terceiro país latino-americano que mais acessa o Facebook
em celulares ou tablets.8 Se os brasileiros que participam da rede social criada
por Mark Zuckerberg formassem um “novo país”, este seria o vigésimo país
em população no mundo.
Para o historiador, as redes sociais na internet são valiosas de várias for-
mas. Em primeiro lugar, elas são fontes de pesquisa histórica totalmente ino-
vadoras. Uma espécie de “documento virtual”. Não é difícil entender isso.
Grande parte das manifestações sociais e políticas na atualidade, por exemplo,
antes de chegarem às ruas, passam por redes como o Twitter, o Facebook, o
Youtube ou o Orkut. É nesses espaços, em grande medida, que acontece a po-
lítica e o engajamento social nos dias de hoje, além de serem essas redes lugares
privilegiados para a formação da opinião pública. Como será possível, por
exemplo, aos historiadores do futuro (e, por que não, já do presente) com-
preender as manifestações de 2013 na Praça Tahrir, no Cairo, ou as manifes-
tações populares que se espalharam por todo o Brasil em julho de 2013, sem
levar em conta tudo o que foi publicado nessas redes? Ou como abordar o
problema do crescimento do neonazismo no mundo sem passar pelos sites e

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Bruno Leal Pastor de Carvalho

comunidades neonazistas e negacionistas? As redes sociais não explicam todos


esses fenômenos, mas certamente são parte fundamental para se entender sua
forma e sua natureza dinâmica.
Em segundo lugar, redes sociais na internet funcionam como importantes
plataformas de divulgação de história. Muitos historiadores, já atentos a esse
uso das redes, se utilizam de seus perfis para divulgar seminários, conferências,
artigos e projetos em história. É o caso do professor Carlos Fico, da Universi-
dade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que, além de transmitir videoconfe-
rências ao vivo e gravadas, comenta aspectos da história contemporânea bra-
sileira em seu blog, o “Brasil Recente” (www.brasilrecente.com/), e em seus
perfis em redes sociais. O mesmo ocorre também no plano institucional. Mui-
tos programas de pós-graduação, arquivos, museus, bibliotecas, faculdades,
memoriais e institutos já perceberam a importância de manterem perfis em
redes sociais na internet. É através desses canais que essas instituições vão tra-
var o contato com o grosso de seu público, principalmente os mais jovens.
Universidades tradicionais, como Harvard e a Brown University, além de cen-
tros de pesquisa de excelência, exemplo do Instituto de Tecnologia de Massa-
chusetts (MIT), já oferecem boa parte de suas aulas e cursos, gratuitamente,
em plataformas virtuais próprias. A tecnologia, nesse sentido, tem permitido
superar grandes barreiras geográficas e financeiras. Atualmente, não é preciso
necessariamente viajar para acompanhar palestras e conferências de especia-
listas, organizadas por instituições geográfica e economicamente distantes. A
transmissão virtual, em tempo real, não raro com possibilidade para interven-
ções, tem globalizado experiências e quebrado antigos paradigmas de acesso
aos principais centros produtores de conhecimento do mundo.
Outro exemplo da importância das redes sociais para os historiadores é a
maneira como os debates e querelas historiográficos se dão atualmente. As
redes representam um espaço político e de construção de sentidos sobre a his-
tória. Para ilustrar esse item, podemos tomar um episódio ocorrido em março
de 2014. O professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), Ronaldo
Vainfas, publicou um texto em seu perfil no Facebook sobre as efemérides em
torno dos 50 anos do golpe civil-militar de 1964, que estavam em seu ápice
naquele mês. Esse texto nos interessa aqui já em sua apresentação: “Pensei em
fazer um artigo pro O Globo, na página dos editoriais, mas o espaço seria mí-
nimo e o número de leitores mais reduzido do que os do Facebook”. Para

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Vainfas, ainda que seu número de leitores seja pequeno, o Facebook é visto
como um espaço de crítica política e historiográfica mais relevante, abrangente
e de maior alcance do que um jornal quase centenário e de circulação nacional.
Esse juízo de valor por si só já é digno de destaque. Mas a consequência da
publicação do texto de Vainfas nos revela aspectos ainda mais interessantes.
Em pouco tempo, o “desabafo” do historiador mostrou que o poder de uma
rede social como o Facebook pode ser tudo, exceto limitado. Seu texto fez uma
dura crítica a artistas, ex-militantes e até mesmo a pesquisadores que escrevem
sobre o tema. “O que a maioria dos pesquisadores produz hoje sobre o golpe
de 64 é de embrulhar o estômago de historiadores comprometidos com o ofí-
cio, e não com ideologias ou mitologias interesseiras e interessadas.” Polêmica,
a publicação rapidamente se difundiu pela internet. O post de Vainfas, até a
finalização deste artigo, registrava 108 comentários, 293 curtidas e 162 com-
partilhamentos.9 Não há como auferir com exatidão o número de pessoas que
visualizaram essa publicação, haja vista que o Facebook não disponibiliza os
dados de visualização gerados por perfis individuais. Mas tomando como pa-
râmetro a página da rede social Café História no Facebook (administrada pelo
autor do presente artigo e que oferece estatísticas oficiais de visualização), posts
publicados no mesmo período (março de 2014) e que receberam interações
semelhantes ao post de Vainfas (comentários, compartilhamentos e curtidas),
é possível dizer que o texto foi exibido para um público estimado entre 12 mil
e 18 mil pessoas. Isso sem mencionar todos os casos de replicação indireta do
texto no Facebook. A página “Historien Acadêmica”, por exemplo, adminis-
trada pelo Colegiado de História da Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE), republicou o texto de Vainfas em um novo post, o qual, até o encer-
ramento deste artigo tinha alcançado outros 30 comentários, 79 curtidas e 82
compartilhamentos. Alguns dias depois, vieram as primeiras réplicas, o que
tornou o texto de Vainfas ainda mais conhecido. Uma delas, da historiadora
Carolina Silveira Bauer, professora de história da Universidade Federal de Pe-
lotas (UFPel), intitulada “O comprometimento com o ofício do historiador”,
foi publicada na revista virtual Carta Maior (Bauer, 2014), veículo de grande
circulação no meio digital, e acabou indicada ou mesmo reproduzida em redes
sociais, blogs, fóruns, grupos de e-mail e outros sites. Se, na década de 1980, a
chamada “querela dos historiadores” alemães (Historikerstreit), de grande im-
portância para os estudos do Holocausto, se deu nos jornais alemães, hoje, em

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Bruno Leal Pastor de Carvalho

países como o Brasil, é impensável ignorar a potência de redes sociais como o


Facebook nessas disputas. Tanto quanto os jornais, redes sociais online são
espaços públicos legítimos de atuação dos historiadores.
Dentro da relação história/redes sociais e historiadores/redes sociais, será
relatada, no próximo item, uma experiência à frente da qual estive nos últimos
6 anos: a rede social online Café História. O Café é atualmente a maior, ou uma
das maiores redes sociais de história na internet, participando de sua estrutura
virtual mais de 230 mil pessoas, a maioria com formação e atuação profissional
em história. Falar do Café História como caso de estudo nos interessa não só
por sua abrangência, mas porque ele tem sido um verdadeiro laboratório de
estudos sobre história digital e história em redes sociais, compreendendo as
três dimensões que acredito terem sido impactadas pelas novas mídias: ensino,
pesquisa e divulgação. Vejamos, então, como surgiu, por que foi criado, como
funciona e quem participa dessa rede. Como se trata de um projeto desenvol-
vido pelo autor deste artigo, o texto a seguir encontra-se em primeira pessoa.

Café História: uma rede social para historiadores

O Café História (http://cafehistoria.ning.com) é uma rede social online de


história projetada e lançada por mim, Bruno Leal Pastor de Carvalho, no dia
18 de janeiro de 2008. A rede, voltada para estudantes, professores e pesquisa-
dores em história, mas também aberta ao grande público, independentemente
de formação profissional, foi construída a partir de um site chamado Ning,
palavra que, em chinês, significa “paz”. Trata-se de uma plataforma online
fundada em outubro de 2005, em Palo Alto, Califórnia, por uma destacada
personalidade da internet, o cientista da computação Marc Andreessen, de-
senvolvedor do mais famoso navegador de internet dos anos 1990, o Netscape
Navigator. Em linhas gerais, a plataforma Ning permite que qualquer pessoa,
mesmo sem nenhum conhecimento de programação, crie a sua própria rede
social na internet.
A ideia de criar o Café História originou-se de uma preocupação pessoal
e profissional que eu vinha perseguindo havia alguns anos: combinar minhas
duas áreas de formação, história e comunicação, em um único espaço virtual.
Havia uma lacuna enorme em se tratando de divulgação de história na Internet.
Sites específicos para esse fim ou não existiam ou eram severamente limitados

176 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


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em termos de ferramentas e propostas. Além disso, a própria comunicação en-


tre os pesquisadores da área carecia, a meu ver, de uma plataforma online cen-
tralizada, dinâmica e de simples navegação. Estes foram (e são até hoje) os dois
principais objetivos do Café História: promover a interação entre historiadores
e divulgar a história para o grande público.
Uma vez definidos os objetivos do Café História e a plataforma onde eu
o construiria, deparei com os seguintes desafios: qual deveria ser o formato
dessa rede? Que aspectos ela deveria privilegiar? Que parâmetros técnicos e
editoriais eu deveria utilizar para assegurar a realização de meus objetivos?
Para responder a essas perguntas, realizei o mapeamento e a análise de diversos
sites, grupos, comunidades, blogs e outros projetos online já existentes no cam-
po da história. Nessa investigação acabei constatando que produtos dessa na-
tureza não só eram reduzidos e limitados do ponto de vista comunicacional,
como também havia uma separação injustificada entre as opções ali existentes:
de um lado, estavam páginas que apenas divulgavam conteúdos; de outro, pá-
ginas unicamente sociais, isto é, que funcionavam apenas como espaços de
discussão. São nichos legítimos, sem dúvida alguma. Mas minha ideia, com o
Café História, era fugir desse esquematismo excessivo, não fazer nem uma
coisa nem outra, mas sim cruzar essas duas perspectivas. Sem essa dupla efe-
tividade eu não poderia contemplar os objetivos da rede. Tendo isso em mente,
o Café História nasceu com uma estrutura híbrida na web. É um misto de rede
social com portal de conteúdos.
Em termos técnicos, esse perfil híbrido do Café História significou repen-
sar, inovar e subverter a estrutura que o Ning oferecia. Explico. Todas as redes
construídas na plataforma possuem uma identidade bem semelhante. São dis-
ponibilizadas aos criadores estruturas modulares padrão, abastecidas pelos
participantes da rede: fóruns, vídeos, fotos, bate-papo, grupos (subcomunida-
des), blogs e páginas pessoais. Cada estrutura modular dessas, que corresponde
a uma ferramenta social, pode ocupar um lugar diferente na página principal.
Nada é fixo. O criador da rede escolhe, inclusive, se usará todas ou apenas al-
gumas. É como uma sala de estar: o dono da casa pode, de tempos em tempos,
mudar a configuração do ambiente. Trocar o sofá de lugar com a estante ou a
mesa de centro com o revisteiro. A flexibilidade da plataforma, porém, acaba
aí. Em termos práticos, isso me permitiria apenas atingir um objetivo: o de
criar um espaço de trocas e interações entre historiadores. Para escapar desse

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Bruno Leal Pastor de Carvalho

modelo pouco maleável e assegurar também a criação de um espaço de dispo-


nibilização de conteúdo próprio, espalhei várias caixas de textos pela página
principal. Tradicionalmente, esse tipo de módulo é usado no Ning para que os
criadores das redes divulguem avisos e notícias curtas aos participantes. No
Café História, utilizei esse recurso de forma diferente. Esses módulos me ser-
viram para divulgar os conteúdos originais da rede, aqueles produzidos pela
administração. Cada caixa de texto virou uma seção específica: resenhas de
livros, resenhas de filmes, artigos, matérias e entrevistas.
Antes do lançamento oficial, o Café História ainda demandou muito traba-
lho: produção dos primeiros conteúdos, desenho da parte gráfica (do cabeçalho
aos ícones), escolha do nome,10 das cores e das fontes, aplicação de um projeto-
-piloto e, finalmente, a ampla divulgação da rede para o grande público, o que foi
feito através de flyers, boca a boca e internet. Em pouco tempo, a rede se revelou
bem-sucedida. Em apenas uma semana trezentas pessoas já haviam se cadastrado
no Café História. Quem se cadastra pode comentar todos os conteúdos da rede,
adicionar fotos, vídeos, criar fóruns, publicar mensagens de blogs e enviar men-
sagens para outros membros da rede. Quem não se cadastra, pode acessar a tota-
lidade da rede, ler todos os seus conteúdos. Mas não pode interagir.
Em 6 anos, o Café História alcançou um crescimento significativo para um
projeto sem recursos financeiros ou equipe de trabalho própria. Os números
de monitoramento, registrados através da ferramenta Google Analytics, nos
ajudam a ter a dimensão do seu tamanho. São cerca de 7 milhões de visitantes
únicos, entre janeiro de 2008 e janeiro de 2014, e cerca de 20 milhões de páginas
da rede acessadas. Entre 4 mil e 8 mil pessoas acessam a rede por dia. São pes-
soas oriundas de mais de quatrocentas cidades brasileiras e do exterior. Em
média, cada pessoa acessa três páginas do Café História e permanece na rede
por aproximadamente 3 minutos. Esses números, é importante frisar, possuem
ainda uma função estratégica para o gerenciamento da rede: é a partir da leitura
e da análise desses gráficos, tabelas e relatórios que tomo as principais decisões.
Tais métricas me informam que conteúdos fazem mais sucesso, em que regiões
do Brasil o Café História possui maior e menor penetração, que páginas pos-
suem maior rejeição ou quais são os participantes com perfis de lideranças.
Além dos números fornecidos pelo Google Analytics, aqueles registrados
no próprio Café História dão conta do tamanho da rede. Em maio de 2014,
época de elaboração deste texto, o Café apresentava a seguinte configuração:

178 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


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56.295 membros cadastrados, 996 grupos de estudos criados, 1.412 fóruns de


discussão, 2.872 vídeos, 7.935 fotos e 15.734 postagens de blog. No que diz res-
peito ao conteúdo original, isto é, produzido pela própria administração da
rede ou por seus colaboradores, já são mais de cem os textos publicados, entre
artigos, reportagens, entrevistas e resenhas.
Mas não são apenas os números que atestam o êxito do projeto. O envol-
vimento original dos usuários com a rede também. O caso de Renata Araújo
Machado, professora de história da Escola Estadual Hosana Salles, localizada
no município de Cachoeiro de Itapemirim, no Espírito Santo, ilustra bem esse
ponto. A escola atende a alunos da zona urbana e da zona rural nos ensinos
fundamental e médio e na Educação de Jovens e Adultos (EJA). Em 2013, Ma-
chado criou um grupo de estudos no Café História chamado “Escola Prof.ª
Hosana Salles”. Todos os alunos foram inscritos no Café História e, em segui-
da, no grupo, que se definia da seguinte forma:

Grupo para discussão de temas que envolvem os conteúdos curriculares das dis-
ciplinas ministradas por esta unidade de ensino. Também é um espaço aberto
para os membros do Café História que desejarem contribuir para o desenvolvi-
mento dos nossos alunos.11

No grupo, a professora criou fóruns que abordavam conteúdos de sala de


aula, além de fóruns sobre atividades escolares diversas, como passeios e via-
gens. Outros docentes da escola, que lecionavam diferentes disciplinas, tam-
bém acabaram participando do projeto, fazendo da inclusão e da interdiscipli-
naridade suas grandes marcas. Vale destacar ainda que, nesses fóruns, os
alunos da escola discutem os conteúdos vistos em sala não só entre si, mas
também com outros participantes da rede, evidenciando que a história não é
um conhecimento compartimentalizado pelo/do currículo escolar, mas algo
vibrante, que interessa às pessoas em geral, um conhecimento que gera deba-
tes, polêmicas, discordâncias, enfim, algo que nunca se dá por terminado. O
grupo “Escola Prof.ª Hosana Salles” chegou a ser objeto de uma matéria da
Secretaria de Educação do Governo do Estado do Espírito Santo sobre inova-
ção educacional. Oficialmente, o projeto chamava-se “Tecnologia do conhe-
cimento: integrando história e informática” (Gazoni, s.d.).
Essa experiência é apenas um exemplo de uso democrático e criativo da
rede. Há uma série de outros grupos interessantes, entre os quais destaco:

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Bruno Leal Pastor de Carvalho

“Concursos, vagas e oportunidades de pesquisa”, criado com o intuito de com-


partilhar oportunidades de trabalho para pesquisadores e professores de his-
tória; “Palestras, cursos e oportunidades”, onde os membros divulgam eventos
em história e onde ficam sabendo de outros que estão acontecendo naquele
momento, e “Regulamentação do historiador”, grupo onde os participantes
acompanham as últimas novidades referentes à regulamentação da profissão
de historiador. São quase mil grupos ativos hoje na rede. De forma parecida,
mas não igual, funcionam os fóruns e blogs que existem dentro da rede. Os
primeiros, geralmente discutindo assuntos históricos em voga, enquanto o se-
gundo é um espaço mais livre, onde o participante publica o que deseja, desde
poesias até artigos.
O Café História é um organismo vivo, uma rede social online que, apesar
de apresentar características de portal de conteúdo, como vimos, depende fun-
damentalmente da força dos usuários, das milhares de pessoas que o acessam
e colaboram produzindo conteúdo e interagindo. É um ambiente dinâmica e
altamente ramificado. Enquanto alguns grupos se encontram sempre muito
movimentados, outros não chegam a se desenvolver plenamente ou apresen-
tam fluxos intermitentes. O mesmo acontece com fóruns. Um debate, por
exemplo, sobre história do futebol, pode estar condicionado à realização pe-
riódica de um campeonato importante, como a Copa do Mundo, voltando a
ser ativo de tempos em tempos e não de forma contínua.
Há 3 anos, em 2011, na tentativa de compreender melhor esse leitor/par-
ticipante do Café História, disponibilizei através da ferramenta Google Docs
uma pesquisa de público voluntária. O questionário foi respondido por 807
pessoas, espontaneamente. Alguns resultados encontram-se nesta tabela:
Faixa etária
38% mais de 40 anos
22% entre 30 e 39 anos
20% entre 19 e 24 anos
16% entre 25 e 29 anos
3% menos de 18 anos
Gênero
54% gênero masculino
46% gênero feminino

180 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


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Escolaridade
30% nível superior incompleto
27% nível superior completo
18% especialização
9% mestrado
3% doutorado
13% outra formação
Conteúdo que quer ver mais na rede
45% história contemporânea no Café História
21% história medieval no Café História
20% história moderna no Café História
14% história antiga no Café História
Curso universitário
40% já haviam cursado a faculdade de história
29% estavam cursando a faculdade de história
21% haviam cursado outra faculdade
10% não possuíam curso universitário

Com uma rede tão ampla e heterogênea, todos os dias a caixa de e-mails
do Café História recebe dezenas de mensagens. Muitas poderíamos classificar
como inusitadas. São pessoas procurando por parentes, amigos, solicitando
pesquisas, alunos que pedem orientação acadêmica, ajuda em provas, pedidos
de bibliografia e pedidos de avaliação de obras de arte, entre outras. De muitas
formas, o Café História acabou se tornando uma referência para profissionais
de história, inclusive para questões que extrapolam o escopo original da rede.
A atualização do Café História é feita uma vez por semana pela adminis-
tração. Vários pesquisadores e professores universitários colaboram com a
rede, seja dando entrevistas ou fornecendo artigos exclusivos, o que reforça a
vocação colaborativa da plataforma. Quanto à mediação, o volume de trabalho
é grande. Conteúdos adicionados pelos participantes passam diariamente por
uma filtragem prévia. É impossível (e desnecessário) fazer uma triagem com-
pleta de tudo o que sobe ao Café. Mas existe um controle parcial. Fóruns, gru-
pos, fotos e vídeos necessitam autorização antes de serem publicados. Da mes-
ma maneira, novos participantes também precisam ser liberados, após o

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Bruno Leal Pastor de Carvalho

cadastro na rede. Tais medidas existem para preservar a coerência da rede e


oferecer segurança aos seus participantes. Sem ela, a rede fica suscetível a pu-
blicação de conteúdos impróprios ou ofensivos, e também a ataques de perfis
maliciosos (spammers).
Como qualquer rede social online o Café História também enfrenta obs-
táculos. Discussões que começam acadêmicas, mas acabam envolvendo ata-
ques pessoais, por exemplo, acabam acontecendo de tempos em tempos. Como
a rede é muito grande, a colaboração dos próprios participantes tem sido fun-
damental para realizar esse aspecto do trabalho de moderação, alertando a
administração da rede, sempre que necessário, para essas áreas de conflito. Há
ainda a atuação dos chamados trolls, pessoas que agem como provocadores em
ambientes virtuais, inflamadores de discussões, além de links maliciosos, que
podem levar a sites ofensivos ou que contenham vírus.
O Café História passou nos últimos anos por diversas mudanças: mudou
as cores, ganhou novas seções, diversificou suas ferramentas. A mudança mais
importante, porém, se deu na concepção da estrutura da rede. Ele continua
sendo uma rede social construída na plataforma Ning. Esse é o seu núcleo. Mas
a ideia do Café História enquanto rede foi ampliada. Em maio de 2014, a rede
compreendia também um perfil no Twitter, com mais de 17 mil seguidores, e
outro no Facebook, que já ultrapassa 230 mil curtidas. Além disso, o Café His-
tória possui um canal próprio no Youtube, o “Café História TV”, superando a
marca dos 2.700 inscritos. Por fim, o Café História também tem feito parcerias
com universidades, editoras, produtoras e programas de pós-graduação em
história. Foram realizadas, com essas instâncias, palestras, concursos, estraté-
gias de divulgação de eventos, oficinas, minicursos, conferências e laboratórios
sobre variados assuntos.

Clique aqui para sair (Conclusão)

Durante muito tempo, as redes sociais foram tomadas apenas como novas
formas de entretenimento ou, em não poucas ocasiões, como puro voyeurismo.
Hoje, no entanto, elas não podem ser classificadas unicamente sob esse ponto
de vista. Redes sociais são recursos valiosos para praticamente todas as ativi-
dades profissionais. O caso do Café História é um exemplo recente das poten-
cialidades da internet para os historiadores. Pensar nas redes sociais online é,

182 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


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em uma perspectiva mais ampla, pensar nas possibilidades que as novas mídias
oferecem à história. A chamada história digital, que hoje busca sua legitimação,
é um terreno a ser explorado nas três dimensões aqui apontadas: ensino, di-
vulgação e pesquisa. A educação a distância, a digitalização de acervos histó-
ricos, os avançados algoritmos matemáticos empregados em buscas documen-
tais, plataformas de compartilhamento de dados e informações, o universo da
programação, dos aplicativos, tudo isso é um terreno ainda pouco percorrido
pelo profissional de história. Não necessariamente precisamos ser historiado-
res-programadores, como disse Emmanuel Le Roy Ladurie. Mas é preciso estar
atento às novas competências e habilidades que podem ser úteis no fazer
história.
É evidente que há enormes desafios dentro desse campo. Novas tecnolo-
gias possuem um lado intimidador, que mexe com relações de poder há muito
estabelecidas e arraigadas em todos os círculos profissionais, inclusive na his-
tória. Em 1997, já explicava o filósofo Pierre Levy, ao comentar sobre a
cibercultura:

Para o indivíduo cujos métodos de trabalho foram subitamente alterados, para


determinada profissão tocada bruscamente por uma revolução tecnológica que
torna obsoletos seus conhecimentos e savoir-faire tradicionais (tipógrafo, bancá-
rio, piloto de avião) – ou mesmo a existência de sua profissão –, para as classes
sociais ou regiões do mundo que não participam da efervescência da criação,
produção e apropriação lúdica dos novos instrumentos digitais, para todos esses
a evolução técnica parece ser a manifestação de um “outro” ameaçador. Para dizer
a verdade, cada um de nós se encontra em maior ou menor grau nesse estado de
desapossamento. A aceleração é tão forte e tão generalizada que até mesmo os
mais “ligados” encontram-se, em graus diversos, ultrapassados pela mudança, já
que ninguém pode participar ativamente da criação das transformações do con-
junto de especialidades técnicas, nem mesmo seguir essas transformações de per-
to. (Lévy, 2010, p.27-28)

O ofício do historiador não sofreu nenhum abalo estrutural por conta das
novas tecnologias. E nem corre o risco se extinguir-se. Nada perto disso. Por
outro lado, parece ponto pacífico inferir que, por conta das novas possibilidades
oferecidas pelas tecnologias, a atuação do historiador está passando por uma
transformação significativa. É preciso entender esse momento. A universidade,

Junho de 2014 183


Bruno Leal Pastor de Carvalho

nesse sentido, possui mais uma vez papel fundamental. É fundamental que os
cursos de história, por exemplo, ofereçam disciplinas, eletivas ou obrigatórias,
voltadas para divulgação científica, história digital ou história pública. Essas
disciplinas são hoje essenciais para se pensar, dentro do curso de história, a
elaboração de projetos, princípios de administração, noções de design gráfico
(principalmente o chamado o design thinking),12 mídias sociais, programação,
internet e comunicação social de uma forma geral.
Não podemos fazer das tecnologias uma opção messiânica, como por ve-
zes se fez na história quantitativa. Mas rechaçar ou diminuir a tecnologia, co-
mo não raro também se fez, é ignorar uma realidade concreta que pode ajudar
no desenvolvimento de vários campos.
Por fim, o “centro de gravidade” da internet pode sofrer descolamentos e
as redes sociais online, hoje tão festejadas, podem deixar de atrair tanto inte-
resse. Trata-se de um campo altamente volátil. Mas o que mais vale daquilo
que foi escrito aqui é o registro histórico de um momento de transformação
para a história e para os historiadores. De uma forma mais ampla, o que esta-
mos aqui discutindo é a maneira como nos relacionamos com a tecnologia, a
forma como esta nos faz repensar e redimensionar nossa atuação profissional.
Redes sociais na internet, assim, são também uma metáfora, um contexto, um
pretexto. Algo só possível porque já aprendemos uma lição valiosa: antes de
serem redes de computadores, redes sociais são redes formadas por pessoas.

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NOTAS
1
BARROS, 2012. História serial e história quantitativa, por vezes, são tomadas como sinô-
nimos, mas há uma diferença entre ambas. Segundo José D’Assunção Barros, “História
Serial refere-se ao determinado tipo de fontes – homogêneas, do mesmo tipo, referentes a
um período coerente com o problema a ser examinado … Já a História Quantitativa deve
ser definida por um outro cenário: o seu campo de observação”.
2
Cf. SHORTER, 1975; MARRIOTT, 1979; THERNSTROM, 1967, p.73; LADURIE, 1979;
BULLOUGH, 1966, v.1, p.61-64; SWIERENGA, 1974; DOLLAR, 1969; PROWN, 1966;
RHOADS, 1969, p.209-213; LADURIE, 1974; LÉGARÉ; LAROSE; ROY, 1973; ROBINET,
1970, p.219-223; DAUBEZE; PERROT, 1972; FROGER, 1968.
3
“História digital é uma abordagem para examinar e representar o passado que lida com as
novas tecnologias comunicacionais do computador, com a rede mundial de computadores
e com os sistemas de software. Por um lado, a história digital caracteriza-se por ser uma
arena aberta para a produção do conhecimento escolar e para a comunicação, pois abrange
o desenvolvimento de novos materiais para cursos e de coleções de dados do conhecimen-
to escolar. Por outro lado, configura-se como uma abordagem metodológica moldada pelo
poder hipertextual das referidas tecnologias de formular, definir, questionar e tomar nota
das associações no registro humano do passado. Produzir história digital é, então, criar
uma moldura, ontologia, por meio da tecnologia, para que as pessoas possam experimen-
tar, ler e acompanhar um argumento acerca de um problema histórico. O ensino da histó-
ria digital encoraja, igualmente, os leitores a investigar e a formular suas próprias associa-
ções interpretativas” (trad. Breno B. Magalhães).
4
Sobre isso, ver: LUCCHESI, 2013.
5
O volume de trabalhos é tão vasto que seria impossível citar todos neste espaço. Entre os
autores desta “nova safra” estão Anita Lucchesi, Dilton Cândido Santos Maynard, Camila
Guimarães Dantas, Célia Cristina da Silva Tavares, Leandro Coelho de Aguiar e Ricardo
Pimenta, entre outros.
6
Ver: http://wearesocial.net/blog/2014/01/social-digital-mobile-worldwide-2014; Acesso
em: 9 abr. 2014.
7
Ibidem.
8
USO do Facebook em celular beira 60%. O Estado de S. Paulo, Caderno Link. Disponível
em: http://blogs.estadao.com.br/link/quase-60-usam-facebook-em-aparelho-movel/;
Acesso em: 8 abr. 2014.

Junho de 2014 187


Bruno Leal Pastor de Carvalho

9
Ver publicação no perfil de Ronaldo Vainfas no Facebook, 23 mar. 2014: www.facebook.
com/rvainfas; Acesso em: 3 abr. 2014.
10
O café é uma bebida universalmente conhecida e apreciada. Sua pronúncia é pratica-
mente a mesma em quase todas as línguas e ainda é sinônimo de cafeteria, espaço agrega-
dor e de ponto de encontro para pessoas. Da Ásia à Europa, passando pelas Américas, a
imagem do café inspira a troca de ideias, a conversa. Um lugar certamente tradicional, mas
que é, hoje, ao mesmo tempo, modernizado, como nos cybercafés. Além disso, para os
historiadores o café remete a um dos ciclos econômicos mais importantes da história do
Brasil. Essas são as justificativas do nome Café História.
11
Ver: http://cafehistoria.ning.com/group/escolaprofhosanasalles; Acesso em: 8 abr. 2014.
12
O chamado design thinking é um conceito/metodologia em design bastante utilizado
atualmente. Ele parte do princípio de que o design possui uma função social no mundo. Tal
concepção vai além da fabricação de objetos. O design thinking é uma forma de conceber a
gestão da informação e de se pensar os mais diversos projetos. Esse conceito tem sido uti-
lizado em múltiplos contextos, desde a distribuição de água potável até o desenvolvimento
de setores de comunicação em ambientes institucionais. No campo da história, o design
thinking pode ser muito útil para o desenvolvimento de sistemas de informação em âmbito
acadêmico e na elaboração de campanhas de divulgação de eventos e pesquisas. Sobre o
tema, ver: BROWN, 2008, p.84.

Artigo recebido em 30 de maio de 2014. Aprovado em 27 de junho de 2014.

188 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Recursos Educacionais Abertos: uma análise a
partir do livro didático de história
Open Educational Resources: An analysis
from the perspective of the History textbook
Tel Amiel*

Resumo Abstract
O artigo busca analisar o papel dos re- The article analyses the role played by
cursos educacionais no ensino básico, educational resources in basic educa-
com enfoque na área de história. Inicia- tion, with a focus on History. We begin
mos com uma investigação sobre o livro with an analysis of the didactic book,
didático, complementando a análise particularly the PNLD (National Plan
com dados do Plano Nacional do Livro for Educational Books, in free transla-
Didático (PNLD), dada sua ubiquidade. tion), given its ubiquity. We present a
Apresentamos uma perspectiva baseada perspective based on Open Educational
em recursos educacionais abertos Resources, which aims to rethink both
(REA), que busca repensar tanto os re- the product and the processes of pro-
sultados quanto os processos de produ- duction, use and reuse of educational
ção, uso e reuso de recursos didáticos. resources.
Palavras-chave: ensino de história; re- Keywords: teaching of history; open
cursos educacionais abertos (REA); li- educational resources (OER); educatio-
vro didático. nal books.

O ensino de história, assim como sua disciplina, segue em constante trans-


formação. Busca-se cada vez mais a distância em relação a um modelo centra-
do em grandes narrativas, fatos e eventos selecionados, para currículos que
permitam abordar o conhecimento histórico de maneira variada, aberta e crí-
tica (Laville, 1999). Disputas quanto ao currículo, bem como críticas quanto
ao desinteresse e o limitado conhecimento dos alunos foram responsáveis por
um questionamento metodológico na área a partir da década de 1980 (Yarema,
2002; Fitzgerald, 1983). Esses mesmos questionamentos afetaram a formação

*Núcleo de Informática Aplicada a Educação (Nied/Unicamp), Universidade Estadual de


Campinas. tamiel@unicamp.br

Revista História Hoje, v. 3, nº 5, p. 189-205 - 2014


Tel Amiel

de professores de história no Brasil, culminando, inclusive, no rearranjo dos


currículos das formações iniciais, configurados especialmente na inserção das
disciplinas de ensino de história moderna, antiga e contemporânea, entre ou-
tras, nos anos 2000 (Fonseca, 2003). Com essas mudanças buscou-se, sobretu-
do, lutar contra a dissociação entre ensino e pesquisa, do professor e pesqui-
sador. Atualmente, especialistas concordam que, para ensinar história de
maneira crítica e aberta a interpretações, são necessários professores capazes
de ir além da transmissão de conhecimentos (Magalhães, 2006; Ferreira; Fran-
co, 2008), aliando pesquisa e docência com maestria, bem como uma visão
sagaz e atenta aos questionamentos éticos da sociedade contemporânea.
No cotidiano, essas mudanças implicam práticas diferentes das usuais. Se
antes a meta era seguir à risca uma orientação curricular e transmitir conhe-
cimentos históricos de relevância, agora busca-se “formar indivíduos autôno-
mos e críticos e levá-los a desenvolver as capacidades intelectuais e afetivas
adequadas, fazendo com que trabalhem com conteúdos históricos abertos e
variados” (Laville, 1999, p.137). Características dessa corrente de pensamento
incluem a valorização do protagonismo e a participação dos alunos, visando
dar maior visibilidade ao processo e ao produto do aprendizado, e a prioriza-
ção de um questionamento crítico quanto ao conhecimento registrado e eru-
dito, tido muitas vezes como dado (Ravitch, 1983).
Apesar de suas especificidades na área de história, esse movimento está
alinhado a questionamentos mais amplos sobre a organização do ensino. Tra-
ta-se, para usar uma metáfora muito cara aos historiadores bem como aos es-
tudiosos de política educacional, de um “pêndulo”, que ora oscila para um
modelo progressivo e aberto de educação, ora para um modelo que pede ênfase
em habilidades básicas para a vida, tais como o conhecimento lógico e o estudo
da língua pátria, configurados nas disciplinas de “matemática e português”
(Ravitch, 1983). O pêndulo, ao menos para os educadores, parece se encontrar
no lado que valoriza uma visão crítica da história que possa incorporar, mas
ir além, de uma didática centrada em palestras dadas por professores aliadas a
leituras sequenciais dos livros didáticos.
Partindo dessa motivação buscamos, neste artigo, contrastar a produção
e o uso do livro didático no ensino básico com práticas baseadas no conceito
de recursos educacionais abertos (REA). Para ilustrar esse contraste, fazemos
uso de dados do PNLD, particularmente da área de história.

190 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Recursos Educacionais Abertos: uma análise a partir do livro didático de história

Livros didáticos e práticas pedagógicas

A proeminência do livro didático impresso pode ser evidenciada pela


grandiosidade do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Programas
regionais também investem na produção e na distribuição de cadernos e livros
didáticos todos os anos.
Programas federais e regionais de distribuição de livros didáticos e para-
didáticos têm o mérito de providenciar bons recursos de maneira quase uni-
versal aos alunos do ensino básico. No entanto, a agressividade na conquista
desse mercado levou a uma grande concentração de editoras na produção de
livros didáticos como um todo. Uma importante consequência da concentra-
ção e fusão nesse mercado é um reduzido número de “vozes” no mercado de
produção de livros didáticos (Benkler, 2005) e, por consequência, na variedade
de opções e perspectivas oferecidas aos professores para trabalho em sala de
aula. O medo é que a produção de recursos didáticos fique cada vez mais na
mão de poucos grandes conglomerados.
Em contrapartida, Miranda e Luca (2004), ao discutirem o processo de
seleção de livros de história para o PNLD, argumentam que essa concentração
não tem levado necessariamente a uma unanimidade de modelos e perspecti-
vas nas coleções avaliadas. Um olhar sobre as matrizes de avaliação de coleções
de história dos Guias para professores do PNLD aponta para uma real diver-
sidade de combinação de ênfases e abordagens.1 Nem ao menos podemos dizer
que o número de coleções tem diminuído substancialmente. Em 2007 foram
30 coleções avaliadas2 (de 12 selos); em 2010, foram 32 (de 13 selos), e em 2013,
35 (de 16 selos). Usamos a terminologia “selos” e “selos editoriais” por reco-
nhecer que algumas “editoras” no PNLD são de uma mesma empresa.
Mesmo considerando fusões e aquisições, o número de editoras das quais
o Ministério da Educação (MEC) efetivamente compra livros didáticos tem
crescido, ou seja, temos mais participantes (Gráfico 1, criado pelo autor). Co-
mo analisar essas duas posições aparentemente em conflito?
A dominância de alguns poucos grupos na produção dos livros didáticos
no Brasil é visível por outras lentes. Apresentamos a seguir os dados relacio-
nados ao volume de compra de livros na série histórica de 2005-2013 no PNLD
para ensino fundamental e médio. Identificamos todas as editoras com vendas

Junho de 2014 191


Tel Amiel

Gráfico 1 – Número de selos editoriais contratados por ano, no PNLD


(FNDE, 2014)

totais acima 10 milhões de livros (entre 2005-2013), aglutinando em “Outras”


as editoras com vendas abaixo desse número (Gráfico 2, criado pelo autor).

Gráfico 2 – Porcentagem de unidades compradas por ano3

Os dados apontam para uma predominância de cinco selos editoriais no


PNLD, com pequenas oscilações entre os anos de 2005-2013, e uma crescente (mas
pequena) participação de outras editoras no mercado entre 2011 e 2013. Os mes-
mos dados indicam que, em 2013, 81,5% dos livros didáticos foram adquiridos de
apenas cinco selos editoriais (Moderna, FTD, Saraiva e Ática/Scipione).

192 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Recursos Educacionais Abertos: uma análise a partir do livro didático de história

Uma análise das 35 coleções de história negociadas para os anos iniciais


do PNLD 2013 (Gráfico 3, criado pelo autor) apresenta resultados similares:
de cada quatro livros comprados, três (75,56%) vieram de somente quatro
conglomerados (Ática/Scipione, Moderna, FTD e Saraiva), seguindo a tendên-
cia dos dados globais (Gráfico 2).

Gráfico 3 – Porcentagem de livros comprados (unidades)


no PNLD 2013 para história4

Para além das editoras, quando analisamos as coleções negociadas para


os anos iniciais do ensino fundamental em história (Gráfico 4, criado pelo au-
tor), notamos também notável concentração, uma vez que três coleções res-
pondem por aproximadamente metade (49,15%) das compras.

Gráfico 4 – Livros adquiridos em unidades,


no PNLD 2103 para história

Junho de 2014 193


Tel Amiel

Essa breve análise indica que, apesar de um maior número de editoras


participantes no PNLD e de uma variedade de perspectivas e metodologias na
construção dos livros oferecidos aos professores para escolha, temos grande
concentração em algumas poucas coleções e grupos editoriais quando consi-
deramos os livros efetivamente negociados. Isso não nos leva a qualquer pon-
deração quanto à qualidade dos recursos, que, vale lembrar, são pré-avaliados
e, posteriormente, selecionados pelos próprios professores. A intenção ao apre-
sentar esses dados é demonstrar que podemos ir além: diante de um país tão
complexo e de escolas tão diversas, e de livros didáticos tão caros ao ensino
básico, podemos não somente diversificar recursos, mas também priorizar o
engajamento de docentes e alunos no processo.
Se uma das metas do ensino de história é um entendimento crítico de
perspectivas, narrativas e poder, o livro didático como texto proporciona um
ótimo estudo de caso. Não deixa de ser irônico, portanto, que os “princípios e
critérios de avaliação para o componente curricular História” do edital do
PNLD 2014 realcem a necessidade de um livro que contribua para um enten-
dimento da produção do conhecimento:

Nesse sentido, é fundamental a diferenciação entre a vivência desses processos e a


forma de produção de conhecimento sobre eles, ou seja, a compreensão do proces-
so histórico e da produção de conhecimento sobre o mesmo. (FNDE, 2014, p.56)

Para que se possa entender como se dá a construção do conhecimento, é


importante construir conhecimento. Para tanto, sugere-se que o material di-
dático precisa ser mais aberto – que não seja somente um convite à construção
e reflexão, mas ele mesmo possa ser utilizado como base para construir novos
recursos.
Muito além de uma referência, o livro didático oferece uma estrutura cur-
ricular alinhada a diretrizes educacionais teórico-políticas e de avaliação edu-
cacional. Ademais, tem sido utilizado para auxiliar na formação continuada dos
docentes, o que se evidencia na crescente proeminência dos cadernos de apoio
para professores (Silva, 2012). O livro pode oferecer uma sequência estruturada,
além de claras orientações para que o docente faça a mediação entre o livro e
seus alunos, o que Miranda e Luca (2004) chamam de um “currículo semiela-
borado” (p.134). Isso certamente não configura consequência de alguma função
ou característica natural do livro didático como mídia. Discutindo o mercado

194 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Recursos Educacionais Abertos: uma análise a partir do livro didático de história

editorial e o livro de história, Silva (2012) aponta uma relação cíclica entre a
precária condição da formação e do trabalho dos professores, de um lado, e o
uso acrítico do livro didático, de outro, como fio condutor para o ensino.
É reconhecida a dependência dos professores e alunos em relação ao uso
de livros didáticos impressos (Zancheta Junior, 2008; Carneiro; Santos; Mol,
2005). Porém, como ressaltam Megid Neto e Fracalanza (2003):

Professores e professoras da educação básica têm recusado cada vez mais adotar
fielmente os manuais didáticos postos no mercado, na forma como concebidos e
disseminados por autores e editoras. Fazem constantemente adaptações das cole-
ções, tentando moldá-las à sua realidade escolar e às suas convicções pedagógicas.

Apesar de sua ubiquidade, não podemos então concluir que exista uma
homogeneidade de práticas nem uma relação linear entre um modelo didático
engendrado pelo livro e a didática por parte dos professores:

Apesar de acreditarmos ser o livro didático um elemento prescritivo-chave do cur-


rículo, e daí a importância de estudá-lo, vale lembrar que o seu uso, que se concre-
tiza na prática da sala de aula, dá-se com sujeitos específicos, em dadas condições
sócio-históricas e ao lado de outros recursos (a lousa e o giz, por exemplo), tendo
então esse uso a potência de subverter o prescrito, mas o faz valendo-se do próprio
material, isto é, de uma condição objetiva que está dada. (Cassiano, 2004)

A inquietação com o modelo do livro didático é real. No entanto, é im-


portante reconhecer que muitos docentes não fazem somente uso do livro co-
mo material de apoio e referência no ensino. Em todas as áreas do conheci-
mento, docentes buscam maneiras e materiais alternativos que se alinhem aos
objetivos, contextos, métodos e práticas pedagógicas.
Não à toa há crescente atenção na promoção de outros tipos de recursos
educacionais por parte de programas governamentais como o PNLD. Como
ressalta Santana (2012):

Os próprios editais de compra de material didático pelo governo, nas recentes


versões do Programa Nacional de Livro Didático – PNLD 2014 e PNLD Campo
2013 –, incluem a compra de conteúdos digitais na perspectiva do consumo. Os
editais encomendam pacotes fechados que os professores e alunos possam utili-
zar nas escolas – sem a possibilidade de adaptação, alteração, melhoria, adequa-

Junho de 2014 195


Tel Amiel

ção a realidades locais, incentivo à produção docente e discente – e chamam estes


pacotes de “objetos educacionais”.

O interesse na disponibilização de recursos digitais nos moldes expostos


é uma tentativa de expandir (e atualizar) o recurso didático para um contem-
porâneo “digital”. No entanto, considerando seu papel de proeminência na
organização da prática didática, é relevante notar a limitada articulação que
existe entre providenciar recursos fechados para uso e práticas didáticas que
priorizem a construção de conhecimento.
Mesmo críticos do PNLD ressaltam que o modelo de avaliação estabele-
cido nos anos 1990 pelo PNLD ajudou a melhorar a qualidade dos livros didá-
ticos produzidos pelas editoras, com maior rigor e critérios transparentes. É
justamente pelo empenho expendido para a produção e a distribuição de livros
didáticos de qualidade que o poder público deveria fazer um grande esforço
para que pudéssemos ir além de recursos que acabam por ser utilizados, em
grande parte, de maneira prescritiva.
Existem estratégias concretas que poderiam ser adotadas para aprimorar
e flexibilizar o modelo de compra de livros didáticos (Rossini; Gonzalez, 2012).
Limitações relacionadas a compra e gestão da propriedade intelectual fazem
que o governo tenha acesso somente às unidades impressas dos livros, e ainda
arque com os custos de distribuição. O conteúdo, por sua vez, continua com-
pletamente trancado sob o selo de “todos os direitos reservados”, não permi-
tindo seu total aproveitamento e adaptação às necessidades diversas.

Recursos educacionais abertos

Um cenário de reúso criativo dos recursos pode parecer complexo quando


falamos de livros impressos e papel. No entanto, com a popularização do aces-
so a mídias digitais e a internet, cresce o número de bens não-rivais, em outras
palavras, recursos que podem ser utilizados por várias pessoas sem custo adi-
cional – ou com custo de reprodução marginal. É por isso que um livro digital
pode ser considerado (ao menos em termos de reprodução) um bem não-rival.
O livro impresso pode ser lido somente por uma pessoa por vez. É um bem
rival e de uso individual – se eu estou lendo, você não pode ler (a não ser que
fiquemos os dois desconfortáveis). Para que possamos compartilhar

196 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Recursos Educacionais Abertos: uma análise a partir do livro didático de história

esse recurso é necessário que uma cópia do livro seja feita. Isso acarreta custos
monetários, de locomoção e de tempo (além de provavelmente infringir direi-
tos autorais). O mesmo não acontece com um livro digital – o custo de repro-
dução é marginal; basta que o leitor tenha acesso a um dispositivo que permite
a leitura e o material pode ser acessado simultaneamente por mais de uma
pessoa. Paralelamente, se o livro digital estiver licenciado de maneira aberta, é
possível reduzir ou eliminar problemas com o direito de reprodução. Adicio-
nalmente, se estiver em um formato aberto, fornece ao leitor inúmeras possi-
bilidades criativas, como a modificação do trabalho (remix) e o compartilha-
mento (Simon; Vieira, 2008).
Para além dos “objetos educacionais” criados especificamente para o
PNLD (como já vimos), é importante lembrar que os livros impressos nascem
digitalmente. São um agregado de imagens e textos digitais, que poderiam ser
disponibilizados abertamente para uso criativo, adaptação e remix.5 A dispo-
nibilidade desses recursos, aliada a novos modelos de compra e incentivos,
pode fomentar novas maneiras de pensar, inclusive, a produção e a impressão
dos livros didáticos.
Essas iniciativas apontam para um maior alinhamento entre os recursos
educacionais e as práticas didáticas emergentes que priorizam a construção do
conhecimento. No que tange ao material didático, essa é uma área de estudo
conhecida como recursos educacionais abertos (REA). O movimento REA tem
como objetivo fomentar a produção e a disseminação de conteúdo educacional
com liberdade de uso, reúso e adaptação. Estes temas levantam questões rela-
tivas a direitos autorais, redução de custos e novos modelos econômicos e
competências com tecnologia, entre outros. Os REA podem ser definidos
como:

materiais de ensino, aprendizado, e pesquisa em qualquer suporte ou mídia que


estão sob domínio público, ou estão licenciados de maneira aberta, permitindo
que sejam utilizados ou adaptados por terceiros. O uso de formatos técnicos
abertos facilita o acesso e reúso potencial dos recursos publicados digitalmente.
Recursos Educacionais Abertos podem incluir cursos completos, partes de cur-
sos, módulos, livros didáticos, artigos de pesquisa, vídeos, testes, software, e qual-
quer outra ferramenta, material ou técnica que possa apoiar o acesso ao conheci-
mento.6

Junho de 2014 197


Tel Amiel

No movimento REA, a discussão em torno de abertura tem como enfoque


duas áreas: a abertura legal e a abertura técnica. A primeira diz respeito à fle-
xibilidade das condições para o uso diretamente ligadas ao direito autoral e às
licenças de uso. O objetivo é permitir que usuários possam ir além de simples-
mente visualizar ou fazer uso dos recursos. Outras permissões podem incluir
baixar (download), postar em outros sites (blog, rede social), incorporar a outro
recurso ou documento (trabalho, site de projeto) e modificar o material (alterar
componentes, tradução, customização), entre outros. O segundo requerimen-
to, a abertura técnica, está focado no uso de padrões reconhecidos e formatos
abertos. De maneira sucinta, isso significa que se busca criar arquivos em for-
matos que possam ser abertos/editados pelo maior número de pessoas possível.
Nesse sentido é mais provável que um colega possa abrir e modificar uma
apresentação criada no formato ODP (um padrão aberto, utilizado por, entre
outros, o LibreOffice e o Apache OpenOffice) do que no formato PPT (utili-
zado pelo Microsoft PowerPoint).
Quanto maiores forem as restrições legais, menores serão as atividades
criativas disponíveis aos usuários finais. Estudos apontam que os portais e re-
positórios brasileiros ainda apresentam muitas limitações quanto à abertura
de seus recursos, seja pela disponibilização de recursos com “todos direitos
reservados”, seja pelo uso de outras licenças restritivas ou ainda pela falta de
clareza nos termos de uso dos recursos disponíveis (Amiel; Santos, 2013; Ros-
sini, 2010, p.75). Nesse âmbito, a contribuição das licenças Creative Commons
tem sido ímpar. Estas permitem que o autor de uma obra (como um professor)
defina o grau de abertura do recurso criado seguindo um padrão internacional
de licenças. Em outras palavras, o autor pode definir quais liberdades ou ati-
vidades permitem que terceiros façam com o seu recurso, como a criação de
obras derivadas, um remix, ou uso comercial, entre outras.
A existência de recursos digitais pode fomentar práticas diferentes das que
estamos acostumados a identificar com o uso do livro didático. Mais do que
um “material”, podemos pensar em REA como um ciclo virtuoso. Iniciamos
com algum planejamento ou demanda. Segue uma busca por recursos. Assu-
mimos aqui que essa busca pode começar pelo, mas vai além do livro didático
aliado ao uso “prescritivo” discutido acima, reconhecendo que as práticas e
escolhas feitas por professores com relação a recursos didáticos utilizados são
dependentes de fatores que vão muito além das restrições aqui apontadas. Em

198 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Recursos Educacionais Abertos: uma análise a partir do livro didático de história

um segundo momento, relacionamos os recursos encontrados com outros re-


cursos existentes. O processo relacional é em si um processo de criação; ao
fazê-lo certamente adicionamos elementos originais, portanto criamos ou pro-
duzimos um novo recurso. Ao associar os recursos de um livro com um recorte
de uma revista, um anexo criado pelo professor, ou algum material audiovisual,
estamos efetivamente criando algo novo. O último passo, compartilhar, é o
menos comum e mais trabalhoso. Somente com o compartilhamento desses
recursos é que conseguimos fechar o círculo virtuoso da criação. Ao compar-
tilharmos os recursos propiciamos oportunidades para que outros os utilizem,
para novamente buscar, relacionar e criar (Shneiderman, 2002).
O compartilhamento não é uma atividade trivial. Depende de tempo, re-
cursos e incentivos que nem sempre estão disponíveis aos professores tanto no
ensino fundamental como no superior. No entanto, esse compartilhamento de
recursos pode ser facilitado e torna-se potencialmente mais abrangente com o
uso da internet e de software. É imperativo portanto incluir a discussão sobre
recursos didáticos nas recorrentes discussões sobre compras de equipamentos
(laptops, tablets) e acesso a internet nas escolas.
Adicionamos a esse ciclo outra consideração. Professores (ou editores)
preparam o percurso didático incluindo uma série de recursos. Essa proposta
é baseada em experiência prévia ou no imaginário do que constitui a melhor
maneira de ensinar certo grupo de alunos. Acontece que as escolhas às vezes
falham, os recursos podem não ser apropriados, e o que assumimos ao dese-
nhar um momento de ensino-aprendizagem pode estar redondamente fora do
que é necessário. Um professor dependente de um único livro didático sequen-
cial e imutável terá dificuldade de se adaptar quando ocorrer incompatibilida-
de entre o cenário imaginado/planejado e o efetivo. Um bom professor tem a
capacidade de fazer uso de múltiplos recursos e adaptá-los. Muda-se a estra-
tégia, mudam-se os recursos. Recursos educacionais abertos podem em muito
contribuir nesse sentido. O mesmo cenário pode ser imaginado para um
aprendizado em um curso online. Se somente um grupo de recursos está dis-
ponível e eles são incompatíveis, por qualquer razão, com o contexto de apren-
dizagem (exemplos equivocados, dados desatualizados, linguagem inacessível
etc.), o recurso é de pouca valia. A redundância de recursos e a possibilidade
de modificá-los multiplica as possibilidades (Amiel, 2011; Hill; Hannafin,
2001). A capacidade de interagir mais profundamente com recursos é particu-

Junho de 2014 199


Tel Amiel

larmente interessante no contexto de um ensino que busca analisar criticamen-


te a construção do conhecimento e narrativas dominantes.
As atividades de produção, comuns no dia a dia de professores, raramente
são pensadas como valiosas em si. O planejamento de uma unidade de ensino,
atividade fundamental, raramente é pensado como um recurso educacional
que tem valor intrínseco e pode ser compartilhado (e de utilidade) para outros
professores. Fotos, vídeos, poesias, histórias, ou outros elementos criados em
salas de aula, quando pensados como elementos a serem compartilhados, ga-
nham nova importância. Precisamos fomentar uma atitude pedagógica que
conceba os processos de produção escolar como parte de um círculo virtuoso
de busca, criação, relacionamento e compartilhamento tanto para professores
em serviço quanto para professores em formação.
Recursos simples disponíveis na internet, como fotos e textos, não apre-
sentam grandes barreiras técnicas no uso e reúso por parte de professores. Há
na escola uma “bagagem expressiva de experiência midiática” (Zancheta Ju-
nior, 2008, p.151) a ser explorada. Os recursos de maior complexidade, como
simulações, vídeos, exemplos de aulas, atividades e planos para atividades,
entre outros, sofrem maiores complicações para uso e adaptação. Apesar, ou
por causa da quantidade crescente desses recursos, é necessário que o professor
saiba identificar, avaliar e desenvolver recursos de maior sofisticação, que sa-
tisfaçam as necessidades e os contextos de seu ambiente escolar. Esse ciclo de
investigação e produção permite ao professor entender os procedimentos téc-
nicos envolvidos no processo, desmistificando-os e ao mesmo tempo permi-
tindo uma reflexão sobre o conhecimento e sua materialização no recurso
didático. Para além dessas considerações, é sempre válido relembrar que a
variedade de contextos e a dimensão continental do Brasil podem ser utilizadas
para alavancar essas estratégias:

Para atender as demandas específicas de cada local ou região, os recursos do


PNLD poderiam ser canalizados para apoiar a produção da ampla gama de ma-
teriais alternativos, nas próprias unidades escolares, nas universidades, nos cen-
tros pedagógicos das secretarias de educação municipais e estaduais, nos museus
e centros de ciências. (Megid Neto; Fracalanza, p.156)

A produção e o uso de materiais didáticos adequados às transformações


assinaladas ao longo deste texto dependem de um esforço duplo que envolve

200 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Recursos Educacionais Abertos: uma análise a partir do livro didático de história

a experimentação e a formação de maneira sinestésica: experimentar na ma-


neira de formar, exercício para o qual nem todas as universidades (incluindo
aí os discentes) estão preparados (Heras, 2004).
Experiências já existem no Brasil e no exterior para orientar novos mo-
delos de produção e disseminação de recursos didáticos, inclusive com a par-
ticipação de editoras, quando agregam valor ao processo. Alternativas podem
incluir a construção dos livros por professores ou atores locais, impressão des-
centralizada ou por demanda, disponibilização dos livros em formato aberto
e com licenciamento livre, entre outros.7 Já é portanto possível e desejável ex-
perimentar com projetos de pequena e larga escala, reconhecendo os méritos
de programas como o PNLD e partindo de suas limitações para conseguir
maior engajamento e participação de todos os atores escolares na construção
e no compartilhamento de seus recursos.

Considerações finais

Ainda temos pouco conhecimento sobre a relação entre professores e o


uso de recursos didáticos. Os estudos sobre o livro didático têm apresentado
críticas sobre a qualidade e adequação do seu conteúdo,

no entanto, se conhece muito pouco sobre o cotidiano desse recurso na sala de


aula e sobre concepções de professores e alunos a respeito do mesmo. Portanto,
faz-se necessário o desenvolvimento de mais pesquisas que se ocupem dos seus
usuários, pois, no Brasil, esses trabalhos ainda são muito inexpressivos. (Carnei-
ro; Santos; Mol, 2005)

Zancheta Junior (2008) ressalta a necessidade de promover estudos que se


aproximem do contexto de trabalho do professor, sugerindo que, “para que a
escola possa desenvolver suas próprias práticas, em termos de trabalho com a
mídia, é importante mapear a experiência midiática ali existente” (p.152). Em
um cenário de franca transformação no universo dos recursos didáticos, faz-se
necessário investigar a relação dos docentes com esses recursos e todo o ecos-
sistema necessário para seu uso efetivo in loco. Precisamos de maior entendi-
mento sobre as atividades desenvolvidas por professores em escolas, com um

Junho de 2014 201


Tel Amiel

olhar especial para o papel dos recursos didáticos, e a rede de influências (ins-
titucionais, pessoais etc.) que contribui para o desencadeamento dessas ações.
Com o crescimento da disponibilidade de recursos impressos e digitais, é
evidente que, para muitos, o livro didático será, cada vez mais, “mais um” bom
recurso. Ao mesmo tempo, veremos um crescimento na produção e dissemi-
nação de recursos por parte de professores e alunos, bem como pessoas e ins-
tituições não tradicionalmente associadas ao ensino. Não é sensato imaginar
que professores e alunos vão simplesmente ignorar essas alternativas. É im-
portante alinhar um ensino crítico, aberto e participativo com esse cenário
emergente. A participação dos professores e alunos no ciclo dos recursos edu-
cacionais abertos pode em muito contribuir para esses objetivos.

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NOTAS
1
O ano de 2013 não conta com uma análise mais detalhada; utiliza uma divisão mais su-
cinta das categorias de coleções. Para uma análise mais detalhada confira os Guias anterio-
res em: http://www.fnde.gov.br/programas/livro-didatico/guia-do-livro/guias-anteriores.
2
O Guia de livros do PNLD/História de 2007 informa que 31 coleções foram avaliadas, no
entanto, somente trinta aparecem efetivamente no Guia.
3
FNDE, 2014. Tratando-se de uma série histórica, optei por não apontar as fusões e asso-
ciações nos selos (como Ática/Scipione) nesse gráfico, considerando também que o merca-
do editorial brasileiro se encontra em pleno processo de fusões e aquisições.
4
Dados compilados pelo autor com base no Guia de livros didáticos da área de história
(anos iniciais), e valores de negociação por título em 2013 (anos iniciais), disponíveis no
site do PNLD. (http://www.fnde.gov.br/programas/livro-didatico/livro-didatico-dados-
-estatisticos). IBEP/Base editorial estão separadas, já que o edital foi lançado em 2011 e a
fusão foi posterior. Os dados brutos são disponibilizados no site do PNLD somente em
formato PDF. Os dados utilizados nessa pesquisa foram filtrados manualmente e estão
disponíveis em formato aberto em: http://www.educacaoaberta.org/wiki.

204 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Recursos Educacionais Abertos: uma análise a partir do livro didático de história

5
Vale ressaltar que os editores dos livros devem deter “os direitos patrimoniais sobre todos
os textos, ilustrações, fotografias e demais trabalhos intelectuais abrangidos pela legislação
autoral brasileira, que compõem a coleção” (Anexo XII, Edital PNLD 2014), o que só faci-
litaria o processo de liberação dos recursos com uma licença e formatos livres.
6
Tradução colaborativa feita de UNESCO/COL, 2011.
7
No Brasil, vale ressaltar o conhecido Projeto Folhas: DARCIE; HUTNER, 2012, p.235-
238. No exterior, um modelo de grande interesse é o Siyavula (http://www.siyavula.com;
África do Sul).

Artigo recebido em 30 de maio de 2014. Aprovado em 27 de junho de 2014.

Junho de 2014 205


Entrevista – Celso José da Costa
Verena Alberti*
Maria Renata da Cruz Duran**
Transcrição: Maria Izabel Cruz Bitar 1

Celso José da Costa


Matemático, graduado (1976) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
mestre (1977) e doutor (1982) pelo Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa). Sua
área de pesquisa é geometria diferencial, em especial a teoria das superfícies mínimas.
Em 1982 descobriu as equações de uma superfície mínima que leva o nome de Superfí-
cie Costa. Professor titular da Universidade Federal Fluminense (UFF), onde dirige o
Instituto de Matemática e Estatística, em 2000, junto com Carlos Bielschowsky, da Uni-
versidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), foi um dos fundadores do Consórcio Ce-
derj, que hoje reúne instituições de ensino superior do estado do Rio de Janeiro em tor-
no da educação a distância. De abril a novembro de 2006, atuou como relator da
comissão de avaliação do I Edital de implementação da Universidade Aberta do Brasil
(UAB) e, em julho do ano seguinte, assumiu o cargo de coordenador geral da UAB, que
acumulou, a partir de fevereiro de 2008, com a função de diretor de Educação a Distân-
cia (DED) da Capes. Nesta entrevista, que foi gravada no Centro de Pesquisa e Docu-
mentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getulio Vargas
(FGV) no dia 28 de março de 2014, Celso Costa falou sobre sua formação escolar no
interior do Paraná, suas descobertas na matemática e seu engajamento, a partir de 2000,
no ensino a distância. A transcrição bruta, de mais de 80 páginas, foi revista pelo entre-
vistado e editada, para se adequar a esta publicação. O leitor que quiser consultar a gra-
vação de 3h15min, na íntegra, pode assistir a ela na Sala de Consulta do CPDOC (infor-
mações em http://cpdoc.fgv.br/sobre/servicos).

*Historiadora, mestre em antropologia social, doutora em teoria da literatura e pós-doutora em


ensino de história. Pesquisadora no Centro de Pesquisa e Documentação de História
Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getulio Vargas e professora na Escola Alemã
Corcovado, Rio de Janeiro, RJ. Bolsista Pibid-Capes, coordenadora institucional do Pibid-FGV
2013, licenciatura em história. verena.alberti@fgv.br
**Doutora e mestre em história social e da cultura pela Unesp/Franca, pós-doutora em políticas
públicas para formação docente pela Faculdade de Educação/USP. Professora adjunta de história
moderna e contemporânea na Universidade Estadual de Londrina (www.uel.br); co-líder do grupo
de pesquisa Formação docente e uso de TIC, cadastrado no CNPq. mariarenataduran@gmail.com

Revista História Hoje, v. 3, nº 5, p. 209-272 - 2014


Verena Alberti e Maria Renata da Cruz Duran

V.A. – Professor Celso, antes de a gente entrar especificamente na sua


experiência de ensino a distância, nós combinamos de conversar um pouco
sobre sua trajetória de vida e formação. Então: quando o senhor nasceu,
onde, como era a família? E eu queria saber um pouco sobre o interesse por
matemática.
O sotaque não denuncia, mas sou paranaense. Nasci dia 7 de abril de
1949 – quer dizer, estou quase fazendo aniversário –, numa fazenda do inte-
rior do Paraná chamada Fazenda Ribeirão do Engano.

V.A. – Do Engano?! Olha que interessante!


Se vocês procurarem no mapa do Paraná, não encontrarão, porque, real-
mente, é um lugarejo muito remoto. E foi lá que eu passei minha infância.
Depois, meus pais começaram a mudar para cidadezinhas melhores...

V.A. – E ela fica perto de quê? Para a gente localizar no mapa.


Fica no município de Congonhinhas.

V.A. – Esse já tem no mapa?


Esse já tem no mapa, o município de Congonhinhas, que, depois, um
pouco mais à frente, com a educação a distância, pode voltar à minha história:
ajudei a fundar aí um polo de ensino a distância. Mas eu nasci nessa Fazenda
do Ribeirão do Engano, onde vivi até os 4 anos, e depois fui morar em um ou-
tro patrimônio, que é como se denominam as pequenas aglomerações urba-
nas no Paraná. Fui morar no Patrimônio do Dez...

V.A. – Não entendi o que é esse patrimônio.


Um patrimônio é um pequeno lugarejo. São pequenos bairros próximos
da cidade. Eles chamam de patrimônio. Num patrimônio, regra geral, não
tem nem delegacia, nem autoridade constituída. Em Londrina, por exemplo,
tem o Patrimônio Regina, o Patrimônio Imperatriz... Esse Patrimônio do Dez
era um patrimônio muito pequeno, nos domínios do município de Congo-
nhinhas, mas longe da cidade. Esse antigo patrimônio é agora uma cidade mi-
núscula com o novo nome de Santo Antônio do Paraíso.

210 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Entrevista – Celso José da Costa

V.A. – Deixa só eu fazer uma pergunta: seus pais eram fazendeiros? Como
era? Você nasceu nessa fazenda...
Não. Meus avós eram fazendeiros, naquela época lá, e meus pais traba-
lhavam na terra, e tinham pouquíssima instrução, quer dizer, nunca real-
mente tiveram desenvoltura na escrita, mal assinavam o nome e faziam ape-
nas contas elementares. Eram semianalfabetos, mas tinham um pensamento
fixo de que os filhos teriam que estudar. Então, a família, em função desse
objetivo, teve uma movimentação migratória em direção a lugares que ofere-
cessem melhores condições para os filhos estudarem.

V.A. – E os irmãos... Os filhos eram quantos?


São cinco filhos. Eu sou o primogênito. No entanto, nessa época da in-
fância a que estou me reportando, só existia eu e um outro irmãozinho, 2 anos
mais novo. Depois do Patrimônio do Dez, mudamos para Jundiaí do Sul, que
é outra cidadezinha da região muito pequena, na época com cerca de 15 mil
habitantes – cidade que, mesmo hoje, ainda continua na faixa dos 20 mil ha-
bitantes. Foi aí que comecei meus estudos da escola primária.

V.A. – E os pais, sempre como agricultores, nesses lugares?


Sim, como agricultores, mas exercendo também outras atividades para
ganhar a vida. Meu pai era muito empreendedor. Mas não era uma pessoa
muito organizada, não perseverava muito num empreendimento e já mudava
para outra coisa.

V.A. – Por exemplo?


Durante uma época da vida, ele tinha um caminhão, em que trabalhava
com transporte de madeira; noutra época, teve uma máquina de beneficiar
arroz; noutra época, uma ferraria, em que ele construía essas pequenas má-
quinas manuais de plantar feijão; em duas épocas distintas teve serrarias; de-
pois, um bar, onde inclusive explorava jogos; depois alugou uma olaria; de-
pois alugou um posto de gasolina e, depois, um pouco mais à frente na vida
dele, também teve uma tourada; depois, um circo...

Junho de 2014 211


Verena Alberti e Maria Renata da Cruz Duran

V.A. – Olha!
...onde eu tive oportunidade de atuar. Com meus 16 anos, atuei em
um esquete lá no circo. Era uma cena de picadeiro, onde eu representava
um playboy, contracenando com o palhaço Sapeca e com uma outra moça,
de nome Barbina. A encrenca formada é que eu tinha beijado a moça na
praça pública e, por isso, ou seria preso ou devia pagar uma multa para o
delegado, que era o palhaço. O delegado irritado me cobrava uma multa
de 25 cruzeiros e eu lhe entregava uma nota de 50 em pagamento para me
livrar da prisão. E aí o palhaço mexe exaustivamente nos quase 20 bolsos
de sua roupa espalhafatosa, fingindo procurar um troco, e termina a cena
me dizendo: “Olha, não tem troco. Então, beija de novo a moça aí que fica
tudo certo.” [risos]

V.A. – Ou seja, a gente pode dizer que é uma infância e uma juventude
muito diversificada, não é?
Exato. No entanto, as bruscas mudanças de atividades de meu pai gera-
vam muita instabilidade; a família passou por muitas dificuldades econômi-
cas, o que também foi uma marca de minha infância e adolescência. Por
exemplo, nessa cidade de Jundiaí do Sul – e foi ali que eu comecei o ensino
primário e fiz parte do ginasial –, nessa cidade, moramos 6 anos em sete casas
diferentes. Há uns vinte e poucos anos atrás, voltei para Jundiaí do Sul, ten-
tando mapear as casas onde vivi, e consegui mapear cinco das casas sobrevi-
ventes. Entre elas, aquela onde funcionava o bar, a casa do posto de gasolina e
aquela casa do momento em que trabalhamos com olaria. Mas também traba-
lhava-se na fazenda do meu avô, porque, quando a situação econômica ficava
muito preta, sempre tinha o socorro da fazenda, e meu pai ia para lá plantar
feijão, algodão, arroz e apurava algum dinheiro com a venda. Inclusive, no
ano em que estudava a segunda série do ginásio, eu morei sozinho em Jundiaí
do Sul, na casa de uma tia, porque meu pai, numa crise econômica, voltou pa-
ra a fazenda do meu avô com a família...

212 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Entrevista – Celso José da Costa

V.A. – Com os irmãos, com todo mundo?


E fiquei com a minha tia em Jundiaí do Sul. E nessa época eu já começara
a trabalhar, também. Eu trabalhava numa serraria, fazendo pichação de tacos
que se usam para fazer esses assoalhos de madeira. Era uma serraria grande
em Jundiaí do Sul, e que mandava madeira beneficiada para São Paulo. Esse
trabalho me dava uma pequena condição financeira e me permitia também
ajudar a minha família.

V.A. – O que é pichação de tacos?


Para o taco grudar num chão preparado com cimento, de um lado da
madeira você coloca uma pasta de piche quente e, depois, faz aderir unifor-
memente a essa face uma camada fina de pedregulhos bem miúdos. Depois,
esses tacos são aplicados num chão, por exemplo, de uma sala de um aparta-
mento em construção, previamente nivelado com uma camada de cimento
fresco. A face com pedregulho do taco adere firmemente ao cimento, forman-
do assoalhos de madeira em belas formas de mosaicos.

V.A. – Não devia ser muito salubre, esse trabalho.


De fato, o trabalho era um pouco insalubre. Mas, depois de um certo
tempo fui até promovido, trabalhava de classificar os vários tipos de madeiras
semibeneficiadas que serviriam para construir os tacos. Lembro muito desse
tempo quando ouço uma música cantada pela Marisa Monte, que fala de vá-
rios tipos de madeira: cabiúna, cabriúva, pau-d’alho...
Bem, isso aconteceu nessa cidade em que estudei o primário e iniciei o
ginásio. Até a segunda série do ginásio em Jundiaí do Sul, tive alguns percal-
ços: eu repeti duas vezes; uma vez, a primeira série, e outra, a segunda série.
Não lembro em que disciplinas repeti na primeira série. Na segunda série,
creio que repeti um pouco porque fiquei sozinho na cidade, vivendo em casa
de minha tia, e aí comecei a entrar num quadro em que eu dormia muito, vi-
via dormindo. Acho que foi um jeito de...

V.A. – De esquecer.
De evadir pela preguiça, talvez. E aí a família ficou toda preocupada e me
levaram em muitos médicos, para saber o que era aquele negócio do

Junho de 2014 213


Verena Alberti e Maria Renata da Cruz Duran

sono. Isso me fazia faltar às aulas e, nas que ia, dormia. Mas nenhum médico
encontrou nada. Aí me levaram num curandeiro que vivia em outra fazenda,
vizinha da fazenda do meu avô. Esse curandeiro era um sujeito reputadíssimo
por ter resolvido muitos problemas. Até contavam que ele era um sujeito que
caminhava em cima da água. Era o Antônio Moreira, um sujeito que tinha es-
se lado mágico. E eu ia procurar a cura com o Antônio Moreira. Isso aconte-
ceu durante minhas férias. Fui à casa do Antônio Moreira durante uma série
de quartas-feiras, que era o dia de poder, para que ele pudesse fazer os benzi-
mentos. E ele fez os benzimentos e eu fiquei...

V.A. – Ficou bom.


Eu fiquei bom. Ou a fase passou; de qualquer maneira, voltei à
normalidade.

V.A. – Isso você tinha quantos anos?


Eu tinha pouco mais de 11 anos. São muitas as histórias, realmente, que
ocorreram naquela época. Tive uma infância com a liberdade do interior da-
quele tempo. Minha avó era uma figura ímpar. Tinha forte ascendência índia,
que transparecia nos traços de seu rosto, e era muito autoritária. Ela, de algu-
ma maneira, mandava em toda a família. Atualmente, eu tenho mais de ses-
senta primos, apenas pelo lado paterno. Minha avó teve dez filhos sobrevi-
ventes de um total de 15, e cada filho também teve, em média, seis filhos. No
total, lado paterno e materno, tenho mais de cem primos de primeiro grau.
Por isso, as férias na fazenda eram muito divertidas.

V.A. – Movimentadas.
Diversão, mas também, os castigos. Um deles, que minha avó passava,
era pedir para o bando de primos e primas irem buscar água no rio para en-
cher os tambores. A casa da fazenda ficava num alto e o poço no terreiro era
pobre de água. Como o rio era um pouco longe, para render o trabalho, ela
entregava um balde ou vasilha para cada um ir buscar água no rio, sem pou-
par nenhum neto. Note que, se um neto fazia alguma arte, ela mesma... e não
pedia licença para o pai ou a mãe, ela mesma fazia as correções. Além disso,

214 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Entrevista – Celso José da Costa

precavida, ela batia naquele faltoso e em todos os outros primos, para nin-
guém falar de ninguém. [riso]
Bem, daí, com um pouco mais de 12 anos, eu fui para Santo Antônio da
Platina, uma cidade próxima, maior, com mais recursos.

V.A. – Que é onde você concluiu então o ginásio?


É onde eu concluí o ginásio e também fiz todo o científico. Na época, o
científico correspondia ao ensino médio de hoje. Agora, quanto à matemáti-
ca, minha identificação com essa disciplina aconteceu muito cedo em minha
vida. Já na época em que terminava o primário em Jundiaí do Sul, meu de-
sempenho em matemática mostrava uma habilidade distinguida. Por exem-
plo, por aquela época, foi aberto um curso normal técnico em Jundiaí do Sul,
e os futuros alunos teriam que passar num exame de acesso. Lembro que mi-
nha mãe me pediu para ensinar uma vizinha, de nome Alvarina, a operar com
frações e outros assuntos que meu nível alcançava. De certo modo, reconheço
já na infância minhas primeiras atividades embrionárias de professor, a ativi-
dade de ensinar algo a alguém. Isso foi um pouco antes da mudança para San-
to Antônio da Platina e eu contava então com menos de 12 anos.
Santo Antônio da Platina já é uma cidade grande: naquela época tinha 50
mil habitantes; hoje, deve ter cerca de 100 mil habitantes, mais ou menos. E
em Santo Antônio da Platina, na altura do terceiro ano do ginásio, me desta-
quei fortemente em matemática. Tanto é que eu embaraçava muito meus pro-
fessores. Porque tinha uma precariedade lá.
Por exemplo, o meu professor de matemática na terceira série era um su-
jeito chamado Tanko, José Nicolau Tanko. O Tanko, na verdade, era formado
em odontologia e dava aula de matemática e possuía muitas deficiências co-
mo professor. Mas era o que tínhamos disponível então. Ele passava apuros
comigo, porque eu lia outros livros e resolvia, muitas vezes, antes dele as con-
tas mais complexas daquele nível. Nas demonstrações eu o ajudava a encon-
trar o bom caminho.

V.A. – E o acesso a esses livros? Era a biblioteca da escola?


Era a biblioteca da escola. Então, aí já comecei um pouco a despontar. E,
quando chegou na quarta série do ginásio, eu tive um professor excelente, que
era o Oswaldo Giovanetti. O Oswaldo Giovanetti era de uma família que

Junho de 2014 215


Verena Alberti e Maria Renata da Cruz Duran

possuía propriedades rurais no município – era uma pessoa de classe média


alta. Depois de breve ausência para fazer o curso de engenharia civil da Uni-
versidade Federal do Paraná, em Curitiba, ele retornou a Santo Antônio da
Platina e passou a dar aula de matemática no colégio. Então, era um professor
com excelente formação matemática. Por outro lado, era um professor muito
enérgico, os alunos não faziam bagunça durante suas aulas. Sabia impor dis-
ciplina. Durante todo o tempo em que ele deu aula para mim, durante 3 anos
– na quarta série, na primeira e na segunda séries do científico –, em uma úni-
ca ocasião presenciei ele se indispor com um aluno e colocá-lo para fora da
sala. Foi um trauma, essa situação. Mas geralmente ele chegava, dava a aula
com um ritual elegante que me agradava, a classe mantinha um silêncio res-
peitoso e participava da aula. Era, para mim, a melhor aula.
E esse professor desempenhou um papel importante para o meu engaja-
mento com a matemática. Ele me chamou para perto, me convidava, aos do-
mingos, para ir na casa dele, servia chá e, de certo modo, me recebia com um
carinho especial. Entre um chá e uns biscoitos, me franqueava sua biblioteca.
Com isso pude ler outros autores escrevendo matemática.

M.D. – Ele foi embora? Por isso que parou de te dar aula?
Não. Ele parou de dar aula... Eu só fiquei sabendo por que ele parou de
dar aula mais de 20 anos depois. Eu o visitei em sua casa. Foi na mesma época
em que passei em Jundiaí do Sul, tentando rever as sete casas em que tinha
morado.

V.A. – A gente pode saber por que ele parou de dar aula?
Eu volto a esse assunto mais tarde, certo? Ele deu aula até a segunda série
do científico e eu tinha que estudar a terceira série. Só que, em Santo Antônio
da Platina, naquela época, não tinha sido ainda implantada a terceira série. Os
alunos, ao concluírem a segunda série, para continuar os estudos, deveriam ir
para Jacarezinho, que era uma cidade maior, 60 quilômetros distante, onde
tinha faculdades particulares. Acontece que houve um movimento entre o
pessoal que estudava a segunda série para tentar fazer uma terceira, e conse-
guimos! Houve até uma votação para definir se as aulas da terceira série se-
riam durante o dia ou durante a noite. Votei para ser de noite, já que eu traba-
lhava durante o dia, Porque, em todo esse périplo, mudando de lugar e

216 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Entrevista – Celso José da Costa

trabalhando desde cedo, já tinha exercido muitos ofícios – em um momento


trabalhava numa olaria, noutro, numa serraria –, inclusive naquele fim de ano
de criação da primeira turma do terceiro científico, eu estava trabalhando co-
mo servente de pedreiro.
Mas aí venceu a turma que queria de manhã. Para mim foi uma coisa
que, aparentemente, levaria à dificuldade, mas não, foi até bom, porque aí co-
mecei a dar aula particular de matemática. E chegou um momento em que eu
tinha mais ou menos vinte alunos. Já não era mais aula particular, era uma
aula coletiva. Era de um outro colégio que tinha lá, porque o pessoal estava
com dificuldade em matemática, na tábua de logaritmos, e eu dava aula real-
mente para esse grupo de vinte de uma vez só.

V.A. – Então, de manhã você ia para terceiro ano do científico e de tarde


dava essa aula para...
Não. Eu dava a aula às sete horas da manhã. Nessa época, o José Nicolau
Tanko era o diretor do colégio, o Colégio Estadual Rio Branco, de Santo An-
tônio da Platina, onde cursei parte do ginásio e fiz todo meu científico. E ele
me confiava a chave do colégio. Quer dizer, eu entrava às sete horas, antes de
todo mundo, dava uma aula de 50 minutos, uma hora, para todos aqueles
meus vinte alunos e, depois, ia para minha aula normal.
E nesse terceiro científico, o interessante foi que, de algum modo, eu fiz
uma amizade muito forte, também, com uma professora de biologia chamada
Loide.

V.A. – Esse era o prenome dela?


Sim, mas não me lembro de seu sobrenome. A Loide era professora de
biologia, mas ainda não tinha formação superior e desejava fazer um curso
superior de biologia em Jacarezinho. E ela me solicitou aulas particulares de
matemática para os fins de semana. Então, eu era professor de matemática da
minha professora de biologia, que era uma excelente professora, organizadís-
sima. Também era uma moça bonita, magrinha e de feições delicadas. E eu
dava aula para a Loide aos sábados ou domingos, e ela me recebia em sua casa.
Era uma casa de classe média bem arrumada e bonita, situada numa região
nobre da cidade, onde morava o pessoal...

Junho de 2014 217


Verena Alberti e Maria Renata da Cruz Duran

V.A. – Abastado.
Abastado. E, durante as aulas de matemática, a professora Loide me ser-
via chás e me regalava com biscoitos, pães. Ela, também, de vez em quando,
fazia um pequeno intervalo, porque a aula era a tarde toda do sábado ou do
domingo, e ela ia ao piano, tocava algumas músicas, e depois voltava a estu-
dar. Quer dizer, para mim era divertido aquilo. E eu tinha, nessa época, 17
anos e era uma pessoa muito tímida, não conversava quase com ninguém, era
muito fechado. Me dedicava muito à matemática e estudava também outras
disciplinas, porque eu não sabia exatamente o que queria fazer. Matemática
era uma força, mas eu tinha dúvidas se por esse caminho resolveria meus pro-
blemas de penúria econômica. Por isso, estudava tudo e tive uma alta perfor-
mance no terceiro ano, porque eu tinha como objetivo ganhar o prêmio de
primeiro lugar; então, me dediquei a tudo: à física; à biologia; à matemática,
evidentemente. Em todas as provas de matemática que existiram na terceira
série do científico, tirei nota dez. Teve uma prova até que foi anulada, eu me
lembro disso, e, naquela jactância de adolescente, adorei terem anulado a pro-
va porque eu teria a oportunidade de tirar mais um dez. [risos] Entendeu co-
mo é o negócio? E foi assim que tirei o primeiro lugar, deixando para trás al-
guns fortes candidatos: o Lucas, que era muito forte em português; o Nelson
Reginato, que era o máximo em geografia. Mas consegui de algum modo me
destacar e tirei em primeiro lugar.
Tinha também um ótimo professor de português, chamado José Niquel-
son. Esse professor de português era uma figura emblemática na cidade, por-
que ele era o ponta-esquerda do time da cidade. Era muito bom de ponta-es-
querda e, além disso, era paraquedista. Ele saltava de paraquedas. E incentivou
muito as pessoas. Ele tinha um conhecimento de português muito incrível,
porque ele representava na sala. Quando falava uma oração aditiva... Eu já es-
queci um pouco dessas coisas. “Maria escorregou e caiu.” Então ele fazia toda
a cena lá na frente: escorregava e caía, também.

V.A. – Pode-se dizer que o colégio, apesar de no interior, era muito bom,
não é?
Era um colégio público muito bom. E o Niquelson incentivou os alunos a
participarem de um contraturno, num local fora do colégio, onde ele mantinha

218 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Entrevista – Celso José da Costa

uma academia, à moda grega. Então, com os alunos que se dispuseram, ele for-
mou uma academia, em que discutia filosofia. O aluno, ao ingressar na acade-
mia, recebia outro nome. Recebi o nome de Anaxágoras. Fiquei um pouco frus-
trado, queria ser Sócrates. Mas o professor tinha outros preferidos e, ademais,
eu não tinha brilhantismo oral. Outro aluno, o Luisinho, recebeu o nome de
Sócrates. O sujeito era bom: ele discursava, sob a orientação do Niquelson, nos
eventos que tinha lá na escola.

V.A. – Isso foi em que ano, mais ou menos?


No ano de 1965. O Niquelson foi meu professor na quarta série do giná-
sio. No científico eu não tive o Niquelson; no científico tive um professor cha-
mado Israel, que era excelente também. Mas, naquela época, o Niquelson teve
problemas com o movimento político brasileiro, porque...

V.A. – Pois é, aqui já tinha tido nosso famoso golpe, que estamos “desco-
memorando” neste ano...
Exatamente. O Niquelson foi taxado de subversivo e comunista e teve
que abandonar a escola e ir para Curitiba. Depois fui informado que ele se
tornou professor da Escola Técnica Federal, hoje Universidade Tecnológica
do Paraná. Uns 5 ou 6 anos depois, quando eu já estava estudando em Curiti-
ba, visitei o Niquelson na Escola Técnica. Gostei muito de ter revisto o Ni-
quelson. Ele continuava pulando de paraquedas e aquela coisa toda. Mas, co-
mo disse, no terceiro ano, o meu professor de português foi o Israel.

V.A. – Eu queria saber se você vai contar para a gente por que o Oswaldo
Giovanetti não deu aula no terceiro ano.
Exatamente. A questão toda é que meu professor, o Oswaldo Giovanetti,
realmente não quis dar aula para nós, no terceiro ano, e colocou o Antônio
para dar aula. O Antônio – não recordo seu nome completo – era muito afe-
tuoso, dedicado, mas não tinha domínio do conteúdo. Mas eu já tinha desen-
volvido uma autonomia tal que não me atrapalharia um professor que não
tivesse conhecimento da disciplina. Já estava estudando sozinho. E evidente-
mente continuei com meus contatos com o Oswaldo Giovanetti. Tanto é que,

Junho de 2014 219


Verena Alberti e Maria Renata da Cruz Duran

quando eu estava no terceiro ano científico, resolvi três problemas que tinha
num livro, na literatura lá, e que eram tremendos desafios.
Foi nessa época que eu comecei a ter essa capacidade distinguida de
um cientista, que é a persistência, que é você não desistir nos seus primeiros
fracassos, e que resolver um problema de matemática não é uma coisa que
você resolve na hora – você tem que pensar, você tem que esquecer, você
tem que dormir e depois voltar a ele. Então, isso eu pratiquei, com esses
problemas que apareceram lá. E aí, numa certa noite em que eu estava estu-
dando – era um sábado –, minha mãe costurando... Porque ela costurava,
lavava roupa, para poder ganhar a vida também; meu pai fazendo outros
ofícios. Eu estava estudando na minha mesa e, de repente, dei um pulo
imenso, porque tinha resolvido um dos problemas. Minha mãe achou que
eu estava passando mal.

V.A. – Já ia levar você de novo para o Antônio Moreira para saber o que
estava acontecendo. [riso]
Exatamente. Mas falei: “Não, mãe, tudo bem, é que eu resolvi um proble-
ma aqui”. Recordando agora essa história, eu me lembro de vários sustos que
os cientistas tiveram, quando chegaram realmente à solução de uma coisa que
há tanto é procurada, que é o caso, por exemplo, do empuxo de Arquimedes:
Arquimedes, quando descobriu a lei do empuxo, lá na antiga Grécia, no sécu-
lo IV a.C. ou III...

V.A. – É esse que falou “Eureka!”?


“Eureka!”, e saiu nu pela rua de Siracusa. Quer dizer, evidentemente eu
não saí da minha casa pulando pela avenida, porque já era de madrugada,
nem tinha sentido sair, mas mal fui dormir e acordei, porque eu estava bas-
tante emocionado com a situação, e resolvi o problema de outra maneira e fui
para a praça continuar meus estudos, porque tinha o outro problema, ainda.
Eu era um personagem na cidade, porque as pessoas sabiam que eu gostava de
matemática e era muito bom em matemática e que eu era rival dos professo-
res, aquela coisa. Então, quando eu estava estudando na praça, certamente, as
pessoas sabiam que tinha um sujeito estudando matemática lá na praça. Nessa
praça eu resolvi o outro problema, também.

220 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Entrevista – Celso José da Costa

Bom, aí teve a segunda-feira e, no intervalo, correu a notícia de que o


Oswaldo Giovanetti queria falar comigo. Fui na sala de professores conversar
com o Oswaldo Giovanetti. Ele veio, emocionado, dizendo para mim que ti-
nha resolvido um dos problemas, e fui um pouco generoso e disse: “Olha,
também, eu resolvi o outro. Que legal!”. Mas eu já tinha resolvido os dois.
Mas aí, para encerrar esse episódio lá de Santo Antônio da Platina, onde
eu terminei o meu científico e tirei o primeiro lugar, houve a cerimônia de
formatura. E uma família mambembe, porque, enquanto eu estava lá... Fiz o
discurso. Tive que tomar remédio até, para me tranquilizar, mas fiz o discur-
so, escrevi o discurso e, na plateia, estavam meu pai, meu avô e mais um pri-
mo meu. Porque, no caminhão do meu avô, estava a mudança da família.
Quer dizer, a família estava numa situação tão precária em Santo Antônio da
Platina que tinha que mudar para a fazenda. Então eles estavam ali só espe-
rando o meu discurso, o meu diploma, para a gente pegar o caminho da fa-
zenda. Meu avô se espantou com a minha capacidade de falar. Mas, na hora
do prêmio, tive uma decepção, porque veio uma caixinha muito pequenini-
nha, assim, e falei: “O que pode, de valioso, conter uma caixinha dessas aqui?”.
Mas peguei a caixinha e fui abrir. Quando abri a caixinha, era um cheque. E
era... Naquela época era muito dinheiro. E um bilhete: “Para você ir para
Curitiba”, assinado: “professores do colégio”.

V.A. – Ah, é? Que emoção!


E aí peguei aquele dinheiro, dei a metade para o meu pai e fiquei com a
outra metade. Fui para Curitiba. Porque o meu destino, até aquele momento,
era ir para Jacarezinho.

V.A. – Fazer a faculdade lá de matemática que tinha.


É. E depois fiquei sabendo que quem fez a coleta de dinheiro com os pro-
fessores foi a Loide, a minha professora de biologia, que fez a coleta e fez o
cheque e me deu. O José Nicolau Tanko, que era o diretor, me chamou para a
casa dele. Ele falou assim: “Olha, eu tenho aqui algumas roupas, você leva esse
casaco, porque lá é frio, você leva...”. Fez um primeiro guarda-roupinha, tam-
bém. E fui para Curitiba estudar engenharia. Então, cheguei e, 2 meses depois,
teve o vestibular. Tive uma alta performance e passei na engenharia.

Junho de 2014 221


Verena Alberti e Maria Renata da Cruz Duran

V.A. – Isso foi em que ano?


Foi no ano de 1969. Eu passei em engenharia. E, com isso, também, já
comecei a me preparar para morar na Casa do Estudante. Porque a Casa do
Estudante, um dos critérios decisivos para você entrar lá era a pobreza. Se vo-
cê for pobre, você entra. Evidentemente não tinha nenhuma dificuldade em
preencher esse requisito, então, entrei na Casa do Estudante. E, quando eu
morava em Santo Antônio da Platina e dava aula particular, o prefeito da ci-
dade, que era um médico, tinha dois filhos que estavam se preparando para
fazer vestibular de medicina, também em Curitiba, e eles me pediram aula
particular de matemática. Me lembro que, na Páscoa, num certo momento,
um carro parou na rua, eu estava passando, saltou a mulher do prefeito e me
deu uns bombons. Então eu já era uma pessoa referenciada na cidade. Sendo
que, no ano anterior, eu tinha trabalhado na construção da clínica desse
prefeito...

V.A. – Como ajudante de pedreiro?


Como ajudante de pedreiro. E aí o que acontece é que esse prefeito fez
passar na prefeitura uma lei lá em que eles pagariam para mim a Casa do Es-
tudante. Então pagaram a Casa do Estudante para mim, lá em Curitiba.
E aí comecei a fazer engenharia, mas a engenharia não era assim real-
mente... Eu gostava de matemática; não gostava de engenharia. As aulas, por
exemplo, de construções e de resistência de materiais me desagradavam. Num
certo momento lá, resolvi sair de uma aula e ir para o cursinho, porque eu
queria fazer vestibular de medicina. Eu já estava no segundo ano de engenha-
ria e queria mudar minha vida e ir para medicina, numa intenção de resolver
minha situação econômica e também ganhar um pouco de reputação – achei
que, como médico, eu teria mais reputação. Então fui na direção disso: fiz um
superintensivo lá no Curso Barddal. Eu tinha também um interesse em me
transformar num professor do cursinho, porque daí também me daria di-
nheiro. E aí tem também um detalhe muito interessante nisso. É que, no cur-
sinho Barddal, também dava aula de português o Paulo Leminski. Então, fui
amigo do Paulo Leminski, e saímos para beber cerveja em várias situações.
Eu me lembro de um papo tão incrível que tive com o Leminski. Porque
foi o seguinte: a gente começou a discutir sobre astrologia... Porque ele era um

222 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Entrevista – Celso José da Costa

pouco, assim, interessado nas coisas heterodoxas. Falei: “Mas, Leminski, as-
trologia?!”. Eu era um matemático. E nesse momento eu estava dando aula de
física no cursinho – porque matemática já estava preenchido, peguei a física.
E aí falei: “Leminski, mas a astrologia não tem realmente consistência cientí-
fica. Eu acho que, no máximo, o que a astrologia serve é para as conversas de
manutenção entre as pessoas, as relações humanas e sociais”. Aí ele olhou pa-
ra mim e falou assim: “E você acha isso pouco?” [risos] Foi essa a história do
Leminski. Bom, aí eu dava aula de física no cursinho, e passei no vestibular de
medicina, realmente, em terceiro lugar...

V.A. – Se tornou colega dos filhos do prefeito.


Não, eles estudavam na particular e eu passei para a Universidade Fede-
ral do Paraná e morava na Casa do Estudante. E aí, nesse momento, eu era
estudante de medicina e de engenharia, porque eu não tinha desistido do cur-
so de engenharia. Então, lá na Casa do Estudante, de certo modo, eu era uma
celebridade, porque estudava medicina e engenharia, os cursos mais
disputados.

M.D. – Mas e a matemática?


Eu ainda continuava com a matemática da engenharia. Mas, num certo
sentido, aquilo também não estava me satisfazendo. Em medicina, por exem-
plo, eu não conseguia ver os tecidos das aulas de histologia. Microscópio não
era o meu negócio; meu negócio era uma abstração matemática. E aí foi que,
num certo momento, até um pouco de rompante, resolvi parar com a medici-
na e com a engenharia. Eu queria fazer física na USP [Universidade de São
Paulo]. Então saí com meu amigo, o Armando Raggio, que tinha entrado co-
migo na medicina e também resolveu desistir da medicina, porque era uma
droga, e ir comigo, nós dois, para a USP, fazer física nuclear.

V.A. – Isso foi em que ano?


Isso foi no ano de 1973. Só que o Armando voltou atrás e terminou o
curso de medicina, depois foi secretário de Saúde no Paraná. Mas eu também
não fui para a USP, peguei outro rumo. Quer dizer, quando desisti de medici-
na e de engenharia, perdi também a bolsa lá do interior. Meus pais ficaram

Junho de 2014 223


Verena Alberti e Maria Renata da Cruz Duran

doidos. A família toda: “Ah, o Celso não vai dar em nada desse jeito”, a minha
avó lá pontificou. [risos] E aí eu realmente passei a não fazer nada. Quer dizer,
do ponto de vista acadêmico normal. Eu era professor do cursinho, tinha meu
dinheiro, já estava...

V.A. – Mas em Curitiba, ainda?


Em Curitiba, fiquei em Curitiba. E foi aí que surgiu um grupo de estudos
de matemática, liderado por um professor que era mestre em matemática pelo
Impa [Instituto de Matemática Pura e Aplicada, situado no Rio de Janeiro] e
estava lá formando um grupo de alunos para estudar matemática. Eu e mais
um colega meu, que era professor de matemática do Curso Barddal, nós entra-
mos nesse grupo. Então, quando cheguei lá, por exemplo, para me apresentar
para esse professor, que se chama Celso Carnieri – era também um Celso –, no
primeiro dia em que eu me apresentei, senti que ele não levou muita fé na mi-
nha figura. Porque, naquele momento, também, eu estava com o cabelo aqui
pelo ombro, com uma calça toda colorida, uma coisa bem...
Aí o Celso Carnieri pegou e me deu um livro que tinha sido escrito por
um professor sobre cálculo em variedades, uma coisa desse tipo. Ele falou as-
sim: “Olha, a turma já fez uma primeira reunião, a gente está já no segundo
capítulo”. Aí fui para o fim de semana e peguei o livro. Mas, na verdade, li o
livro assim... zum! E cheguei no próximo encontro com tudo lido e já resolvi-
dos os problemas. Aí o sujeito percebeu que eu tinha uma força. E aí foi que...
O grupo dele aplicava para fazer estudos de verão nas várias universidades
brasileiras, porque tinha as escolas de matemática de verão. E o Ricardo, que
era um estudante que depois se transformou num físico, ele aplicou para a
Universidade de Brasília e aplicou para o Impa e ganhou nos dois lugares, só
que ele já tinha vindo ao Impa no ano anterior, então, queria conhecer Brasília
e desistiu do Impa. Aí o Celso Carnieri falou assim: “Não escreva sua desistên-
cia, não. Eu levo o Celso e apresento lá, e o Celso vai no lugar do Ricardo”.

V.A. – E digo que o Celso é o Ricardo.


Exato. [risos] Então viajei num ônibus para vir para o Impa, e o Celso Car-
nieri chegou e me apresentou aqui para o pessoal. Falou assim: “Aqui está o Cel-
so. Ele vem fazer o Verão”. E o Verão é muito curto, porque tem o Carnaval até.
As aulas são intensivas e, geralmente, um aluno de Verão pega uma disciplina e

224 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Entrevista – Celso José da Costa

se dedica àquela disciplina intensamente. Eu resolvi logo fazer três disciplinas:


álgebra linear, álgebra e introdução à análise. Fiz três disciplinas e fui aprovado
com o grau A+, que é o máximo, nas três disciplinas. Em introdução à análise,
inclusive, meu professor foi o Elon Lages Lima, que é um grande educador da
matemática. E, com isso, chamei muito a atenção do Manfredo Perdigão do
Carmo, que tinha sido orientador de mestrado do Celso Carnieri, e do Lindol-
pho de Carvalho Dias, que trabalha aqui inclusive, na FGV [Fundação Getulio
Vargas], que era diretor do Impa. E eles perguntaram o que eu estava fazendo
em Curitiba, qual era a minha ocupação em Curitiba. Falei: “Sou professor de
cursinho, mas não estou fazendo nada neste momento”. Aí falaram assim: “En-
tão, faz o seguinte: volta para lá e se inscreva num curso de matemática, e aí a
gente vai tentar transferir você para a UFRJ [Universidade Federal do Rio de Ja-
neiro] o ano que vem, e você vem aqui para o Impa fazer mestrado”.
E aí foi que eu voltei para Curitiba. Levei um livro de topologia geral do
Elon para estudar, um livro bastante enciclopédico; durante o ano, estudei
naquele livro e resolvi todos os exercícios. Mas, chegando lá, já tinha passado
a época de fazer matemática na Federal, então entrei na Católica. Durante o
dia, eu dava aula no cursinho e, à noite, tinha aula na Católica.

V.A. – Mas aí era paga.


Não. Eu consegui uma bolsa, também. Estudei todo aquele ano e depois
vim para o Rio de Janeiro, no início de 1975, para a UFRJ.

V.A. – Você pediu transferência para a UFRJ?


É. E, ao mesmo tempo, comecei a fazer o mestrado no Impa. Então acu-
mulei esses dois estudos de tal maneira que, em 2 anos e meio, eu terminei o
mestrado e terminei também os créditos lá da UFRJ. Então teve uma simulta-
neidade aí que me fez recuperar um pouco aquele tempo perdido lá atrás,
aqueles 2 anos que eu repeti no ginásio e a desistência dos cursos de engenha-
ria e medicina.

V.A. – Aí sua avó já achou que, não, o Celso podia dar alguma coisa.
Matemática, não é? E foi daí que eu fiz o meu mestrado no Impa, que ter-
minei em...

Junho de 2014 225


Verena Alberti e Maria Renata da Cruz Duran

V.A. – Em 1977, está aqui no seu Lattes.2


Em 1977, e emendei num doutorado. Aí, nesse doutorado, fiquei em dú-
vida sobre a área que eu escolheria. As áreas principais do Impa eram siste-
mas dinâmicos e geometria. Mas eu estudei muito a topologia algébrica. Na
época, eu e o Felipe Acker éramos os alunos mais destacados. O Felipe Acker
morava em Santa Teresa e sua mãe era juíza da vara trabalhista. Meus “As”
continuaram, em todas as disciplinas que eu fazia, e me interessei por topolo-
gia algébrica. Mas a topologia algébrica tinha pouca densidade no Impa; olhei
para sistemas dinâmicos também, que era a área mais famosa, mas também
não me identifiquei muito com sistemas dinâmicos. Terminei me identifican-
do muito com geometria e comecei a estudar geometria. Num certo mo-
mento, o Manfredo Perdigão do Carmo, que é considerado o pai da geome-
tria diferencial brasileira – é ainda um professor emérito do Impa e atualmente
tem... O Manfredo é de 1927; então, ele está com 87 anos. O Manfredo sempre
me acompanhou, durante a época em que eu estive no Impa e, quando come-
cei a procurar um problema para resolver, para a minha tese de doutorado,
ele me deu a Conjectura de Hopf para resolver. A Conjectura de Hopf é uma
conjectura sobre curvaturas, um problema aberto na geometria há 50 anos.
As pessoas tentavam mundialmente resolver a Conjectura de Hopf, e o Man-
fredo – evidentemente, confiando um pouco na minha capacidade – me deu
a Conjectura de Hopf para resolver. Aí fiquei mais ou menos uns 6 meses ou
uns 9 meses pensando na Conjectura de Hopf, não saí do lugar, e achei que eu
tinha que caminhar para outra saída. E aí foi que comecei a pesquisar por
conta própria e caí numa teoria muito desenvolvida nas décadas de 1920 e
1930 por dois matemáticos franceses, Tannery e Molk, que estudaram a cha-
mada teoria das funções elípticas.3 De certo modo, ela estava um pouco es-
quecida, essa teoria, e eu a estudei porque via que ela poderia ser aplicada pa-
ra resolver um problema de geometria, que era o problema das superfícies
mínimas.

V.A. – Que é a sua especialidade.


Que é a minha especialidade. Aí eu me afastei um pouco do Manfredo,
porque o Manfredo estava também nas suas especialidades, e meu diálogo
com ele ficou prejudicado por essa minha mudança de rumos. Eu tinha pouca

226 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Entrevista – Celso José da Costa

gente para conversar, mas tinha um matemático lá no Impa chamado Karl-


-Otto Stöhr. O Karl-Otto é um dos matemáticos mais cultos que existe no Im-
pa – está ainda no Impa. Ele tinha uma relativa deficiência: era gago. E, saben-
do que ele conhecia a teoria das funções elípticas, eu precisava conversar com
ele. E foi muito interessante quando me apresentei, porque eu estava entran-
do no banheiro e ele estava no banheiro. Então, aproveitei aquele momento e
fiz uma pergunta. Ele se entusiasmou e a gente começou a conversar – evi-
dentemente ele, com alguma dificuldade, mas se soltou. E o nosso papo no
banheiro durou mais ou menos uma hora e meia. As pessoas entravam e
saíam, e a gente conversando no banheiro. Era uma oportunidade, não é? E aí
foi que, através das funções elípticas, consegui resolver, na área das superfí-
cies mínimas, um problema em matemática, que, na época que eu resolvi, ti-
nha completado 206 anos de existência. Vários especialistas mundiais esta-
vam procurando resolver esse problema, que eu resolvi e, com isso, nasceu a
superfície Costa, que recebe meu nome atualmente.

V.A. – Que está aqui no seu Lattes, que eu vi.


Os únicos exemplos conhecidos até aquela época eram: o plano, que as
pessoas conhecem; o catenoide, que, se você pensar numa usina nuclear, é
um cilindro, mas é um cilindro que vai abrindo em ambas as direções, e tem
o helicoide, que são as escadas helicoidais, e que também modela a molécula
do DNA. A quarta superfície foi a superfície Costa. O plano é uma coisa que
já vem desde Euclides, podemos dizer que desde o século IV a.C. O catenoi-
de surgiu com Euler, em 1764, um matemático suíço, um dos mais brilhan-
tes...4 E o helicoide foi descoberto por Meusnier, que é um matemático
francês.5

V.A. – E qual é o formato dessa superfície Costa?


Forma e topologia são palavras praticamente sinônimas. Ela tem um mo-
delo topológico que seria uma espécie de câmara de ar – sabe essa câmara de
ar dos antigos pneus? –, com três buracos. Se fizer três buracos numa câmara
de ar e expandir ela no espaço, ela tem a forma topológica de um toro menos
três pontos.

Junho de 2014 227


Verena Alberti e Maria Renata da Cruz Duran

V.A. – Toro?
A câmara de ar é chamada de toro. De todo modo, acessando, no Google,
“Costa surface”...

V.A. – Dá para ver a imagem.


Pode-se ver a imagem.

M.D. – Teve até um concurso de esculturas em gelo nos Estados Unidos,


não foi?
Foi, de escultura em gelo de superfície de curvatura negativa, e o Fergu-
son, que é um escultor, junto com sua equipe, resolveram competir e fazer a
superfície Costa em um bloco de seis toneladas de gelo, em 1999.6 Ele ganhou
o primeiro lugar com essa superfície. O verão derreteu tudo, mas existem, na
internet, as figuras das várias superfícies que competiram. Durou uma sema-
na, e tem todo o desenvolvimento dessa construção: serrotes, pás, aquelas coi-
sas. Também tem um hospital para vida selvagem na Austrália em que eles
resolveram colocar uma superfície Costa no teto, como elemento decorativo.7
O desenho dela foi feito por um matemático americano. Em 1985 surgiu o
primeiro desenho. Eu escrevi essas equações no final de 1982.

M.D. – Como é mesmo o nome daqueles caras da computação que desen-


volveram o desenho?
O James Hoffman, que foi o sujeito que fez uma programação bastante
original que conseguiu desenhar a superfície Costa.

M.D. – Porque a questão é que ela apresenta outras dimensões, além da


terceira dimensão, não é?
Como ela tem as coordenadas em cima de um toro, é um problema difí-
cil para você poder fazer o desenho. Quando as coordenadas são num plano,
não tem problema nenhum de você fazer a integral – porque é um problema
de integração. E dois matemáticos, o David Hoffman e o William Meeks, con-
seguiram provar que essa superfície realmente era a superfície procurada.
Porque eu dei as equações, fiz um desenho num guardanapo dizendo que a
superfície era daquela maneira, e que depois o computador confirmou, mas a

228 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Entrevista – Celso José da Costa

confirmação de que realmente ela era a grande descoberta surgiu em 1985.


Quer dizer, passei 3 anos aguardando a notícia de que eu tinha certeza.
Mas, na verdade, quando terminei a minha tese e entreguei a tese para a
banca lá no Impa, eu tive uma espécie de evasão da matemática. Eu evadi 3
anos da matemática. Comprei um sitiozinho em Macaé, no estado do Rio, fui
plantar bananas e feijão. Dava aula na UFF [Universidade Federal Fluminen-
se] – nessa época, já era professor da UFF –, mas dava aula terça, quarta e
quinta, e ia aos fins de semana para lá. Aí teve um congresso de geometria di-
ferencial na USP e me convidaram para ir para o congresso. De manhã cedo,
reunindo especialistas mundiais da área da geometria das superfícies míni-
mas, o Marcos Dajczer, que era um matemático do Impa, chegou: “Celso, vo-
cê já sabe que provaram que a sua superfície é mergulhada?”. Porque era a
grande pergunta.

V.A. – Mergulhada?!
Mergulhada no espaço tridimensional. Isso significa que a superfície não
possui autointersecções. E falei assim: “Eu já sabia, Marcos”. E ao mesmo
tempo, pensei assim comigo: “Tomara que não tenha outras. Tomara que ela
seja a única”. É um pensamento meio mesquinho, não é? Mas aí eu cheguei
nesse congresso e passei a ser uma celebridade no congresso: todo mundo
queria conversar comigo, qual era a minha técnica. Aquele problema resolvia
uma dúvida de 206 anos; vários matemáticos... Weierstrass;8 Yau, o chinês
que está lá nos Estados Unidos, que é um dos maiores geômetras da atuali-
dade...9 Ele tinha inclusive anunciado, num certo momento, que não existia
essa superfície, mas depois percebeu que estava errado. O William Meeks, que
visitou o Impa, aqui, num certo momento, reuniu todo mundo e mostrou lá
que ele tinha provado a existência da superfície, e depois também estava
errado...
Eu, inclusive, na minha tese de doutorado, num certo momento, refazen-
do as contas... Na inauguração do Impa lá no Jardim Botânico, na festa de
inauguração, tinha os uísques, os vinhos, eu, bebendo, o Karl-Otto chegou
para mim e falou: “Celso, aquela integral que você fez, aquele sinal negativo
lá, não é aquela convenção”. Eu percebi que realmente estava errada, também,
a minha primeira aproximação. Aí saí lá do Jardim Botânico, fui até a Petro-
bras, e deveria pegar o bondinho para ir para a minha casa em Santa Teresa,

Junho de 2014 229


Verena Alberti e Maria Renata da Cruz Duran

que fica lá perto do Morro dos Prazeres, mas resolvi fazer aquele caminho a
pé, porque eu tinha que resolver o problema que tinha surgido...

V.A. – Do sinal negativo.


Daquele sinal negativo. Foi um transe. Quer dizer, acabou para mim a
festa. Eu saí da festa e fui para a minha casa andando – tipo assim, quatro qui-
lômetros. E, realmente, não consegui resolver. Fiquei de madrugada ainda um
pouco lá, mas tive que dormir porque não resolvi. Só que, no outro dia – tal-
vez, o descanso –, aproximei, consegui resolver. Aí ficou tudo muito mais fá-
cil. Resolvi dois outros problemas, inclusive, depois. Aí cheguei para o Karl-
-Otto no outro dia e falei: “Karl-Otto, está aqui. Aquilo lá não é um problema
tão sério. E também tem mais dois subprodutos aqui”.
Em função disso, também, consegui uma bolsa do CNPq [Conselho Na-
cional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico] para ir para a França.
Fiquei 3 anos na França, logo depois. E foi muito emocionante também, por-
que, quando cheguei na França e fui para o Institut des Hautes Études Scien-
tifiques (IHES), que é um instituto muito peculiar da matemática francesa... É
um instituto onde não tem professores permanentes, além de um grupo de
cinco. E tem professores visitantes, como eu fui naquela época. E os professo-
res permanentes eram o Mikhail Gromov, que é um matemático russo ex-
traordinário; o René Thom, que é um matemático francês, ganhador da me-
dalha Fields,10 que também é extraordinário; o Dennis Sullivan, que é um
matemático americano, também outro expoente da matemática, e o Marcel
Berger, que era o diretor do IHES nessa época, um matemático francês. E,
quando cheguei no salão de chá do IHES, tinha uma reprodução da minha
superfície lá, pendurada na parede – tinha acabado de surgir a imagem com-
putacional –, com o meu nome. Então isso foi realmente uma grande emoção
que eu tive.
Em todo ambiente de matemática, tem um salão de chá. No Impa tem
um salão de chá, tem café às 3 horas da tarde, para você travar conhecimento,
fazer perguntas e até realmente discutir sobre matemática. Coisa que eu fazia
pouco. Porque, se você chegar para um aluno ou para um professor, e per-
guntar do problema dele, acabou o seu café, porque ele vai começar a falar e
contar da sua tese e você não vai seguir mais, porque está tão preparado e tão
longe, na senda dele... Porque matemática é um pouco isso, é uma espécie de

230 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Entrevista – Celso José da Costa

labirinto em que você tem que descobrir uma saída. E esse sujeito já está tão
experto nesse labirinto dele que você já não consegue mais seguir. Então, você
não faça essa pergunta. Pergunte sobre o último filme a que ele assistiu, sobre
as suas preferências de esporte...
Em matemática, você quer chegar em algum lugar, então você faz todo
um caminho mental e vai mapeando os pontos difíceis. E, muitas vezes, fala:
“Bom, têm três pontos difíceis aqui que aí realmente eu vou ter que dedicar
a minha energia...”. Porque a força, na matemática, ela se mede por duas va-
riáveis. A principal variável é a velocidade. Tem que ter velocidade. Todo
mundo pode chegar nos lugares, mas aí é a questão do tempo. E outra é a
capacidade de diagnosticar os pontos fundamentais daquele caminho seu. E
algumas vezes você inclusive faz esse percurso, mapeia os pontos funda-
mentais, mas você sabe que aqueles pontos fundamentais, você vai
demoli-los.
Eu, por exemplo, depois que descobri a superfície Costa, pensei, num
certo momento, que tinha resolvido uma certa Conjectura de Calabi, que
era um problema de 100 anos também, e aí pensei comigo assim: “Puxa, eu
vou anunciar essa Conjectura de Calabi num congresso. Vou dar um nome-
zinho mixo para isso aí, para ninguém perceber, e, na hora que chegar lá,
vou falar ‘Eu resolvi a conjectura de Calabi!’”. E aí você fica feliz. Daí, de re-
pente, você vai resolver aquele nó e você percebe que aquele nó é muito di-
fícil. Você não resolveu a Conjectura de Calabi. Aí você tenta salvar um
pouquinho. Se não é a Conjectura de Calabi, que seja uma coisa menorzi-
nha, não é? E continua insistindo. Mas, daqui a pouco, realmente, você per-
cebe que você não tem nada. É o desespero. Você estava lá em cima na sua
euforia e você foi para o fundo do poço, porque você não tem nada ali, não
resolveu nada. Bom, então é um pouco a história da minha fase em matemá-
tica, que eu poderia dizer.

V.A. – Que continua.


Continua. Dirigi a pós-graduação de matemática, escrevi muitos outros
resultados de matemática, que saíram depois da superfície Costa. Mas, a par-
tir do ano 2000 mais ou menos, eu dei uma certa guinada e passei a me inte-
ressar muito pela questão da formação de professores, educação a distância e
também a divulgação da matemática.

Junho de 2014 231


Verena Alberti e Maria Renata da Cruz Duran

V.A. – Por que foi isso?


Acho que é muito difícil você ter uma explicação sobre por que você re-
solve mudar de rumos. Algumas vezes eu tentei até explicar pela minha insta-
bilidade das sete casas lá de Jundiaí do Sul, procurar outros caminhos...

M.D. – Porque, no meio de tudo, você também teve dois filhos, casou, não é?
É, tem toda essa mudança. E entrei numa universidade, que é a Federal
Fluminense. E como eu fui uma pessoa que trabalhou em muitos ofícios des-
de muito pequeno... E também comprei um pequeno sítio perto de Macaé, e
comecei a trabalhar no sítio. Meus pais mudaram aqui para São Gonçalo.
Quer dizer, na verdade, meus pais sempre me acompanharam. Eu, como pri-
mogênito, fui arrastando a família: arrastei a família para Curitiba...

V.A. – Mas os irmãos também vieram?


Vieram. Menos uma irmã, que ficou em São Paulo. É uma bailarina, a
minha irmã, então ela ficou em São Paulo. Mas, atualmente, ela está no Rio
também.
Então é uma coisa interessante. E, de algum modo, a gente fica onde tem
mais prazer, também, e feedback. Então, a matemática passou a não me dar
tanto prazer quanto eu desejaria. Porque, na verdade, em função também des-
sas minhas saídas do tipo medicina, engenharia e filosofia... Porque, naquele
ano em que fiquei sem estudar nada, lá em Curitiba, na verdade eu me dedi-
quei muito à filosofia. Então, estudei muita filosofia, li muita literatura. Então,
de alguma maneira, eu tenho um espírito um pouco mais cosmopolita. Acho
que geralmente os cientistas ficam num canal muito bem definido. Eles con-
seguem preservar uma curiosidade infantil, que eu diria, no bom sentido, um
certo canal de conhecimento, e aí conseguem uma concentração máxima na-
quilo, com o seu talento, que eu creio que é um talento inato. A matemática é
um talento que você tem ou você não tem. Você pode não desenvolver, mas
você tem ou você não tem. Assim como outros talentos distintos, como a mú-
sica, por exemplo, ou como a pintura. Eu acho que, em termos de precocida-
de, por exemplo, talvez a música seja mais precoce do que a matemática, mas
a matemática é muito precoce também. Sei lá, com 8 ou 9 anos, você pode sa-
ber se a pessoa vai ser forte.

232 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Entrevista – Celso José da Costa

Num certo momento, aqui na UFF, eu trabalhei com alunos excepcio-


nais. É um Projeto Jovens Talentos da Faperj [Fundação de Amparo à Pesqui-
sa do Estado do Rio de Janeiro] que surgiu, mas daí, do Jovens Talentos, deri-
vou para um projeto próprio meu em que passei a trabalhar com alguns
alunos. Trabalhei com um aluno muito forte em matemática chamado Carlos.
Depois de um certo tempo, eu estava ensinando coisas já de mestrado para o
Carlos. E era um aluno do Colégio Laplace, de Niterói, da primeira série do
ensino médio. Eu também contava minha história para o Carlos e aí, num
certo momento, inclusive dei a ele o problema que eu resolvi, e o Carlos de-
morou uns 3 ou 4 dias, mas me trouxe a solução. Um dia, chegou muito inco-
modado e falou para mim assim: “Professor, acho que eu vou fazer telecomu-
nicações na UFRJ; não vou fazer matemática”. Falei: “Carlos, você pode fazer
o que você quiser”. Porque a matemática é, de certo modo, estruturante. Se
você tem paciência e se você tem determinação, você pode também dominar
a biologia, você pode dominar a geografia... Quer dizer, acho que a matemáti-
ca tem uma certa estruturação que é uma coisa de base. E aí comecei a traba-
lhar com esses alunos excepcionais e também me tornei o coordenador da
pós-graduação em matemática da UFF. É nesse momento que entra um pou-
co o cenário da educação a distância.

V.A. – Como é que entrou?


O cenário da educação a distância foi que eu estava como coordenador
da pós-graduação em matemática da UFF e fui convidado pelo Instituto de
Física da UFRJ para fazer uma palestra sobre a minha superfície. E o pessoal
fala que a palestra foi muito apreciada. Tanto é que as pessoas geralmente fi-
cavam 50 minutos, o tempo normal de uma palestra, e a minha palestra du-
rou quase 2 horas lá, porque as pessoas perguntaram e fui falando as coisas, e
entrei um pouco na senda pessoal também, o que animou um pouquinho
mais o negócio.
Aí, depois de 20 minutos de início da palestra, apareceu lá na plateia um
amigo que eu não via há muito tempo, que é o Carlos Bielschowsky.11 Desde
os anos 1980 eu conheço o Carlos Bielschowsky, portanto, passados mais de
30 anos. Só que, na verdade, naquela época, eu era mais amigo do irmão dele,
que é o Roberto Bielschowsky, que é matemático também e, atualmente, é
professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Então ele

Junho de 2014 233


Verena Alberti e Maria Renata da Cruz Duran

apareceu lá na minha palestra na UFRJ e sentou lá. “Oi, Celsinho, tudo bem?”
Ele é Carlinhos e me chama de Celsinho. E aí, depois que terminou a palestra,
aquela coisa, falou assim: “Olha, eu queria conversar contigo. Na próxima se-
mana, vou lá na Escola de Engenharia da UFF, será que a gente não poderia
tomar um cafezinho, depois do meu encontro lá?”. Falei: “Ah, ótimo, vamos
tomar esse cafezinho!”. “Porque tem um projeto que eu quero te contar, que
está começando aqui no estado do Rio de Janeiro.”
E aí foi que eu fui tomar o cafezinho com o Carlinhos e o cafezinho um
pouco que mudou meus rumos. Porque ele chegou: “Olha, tem aqui um pro-
jeto que está sendo iniciado na Secretaria de Ciência e Tecnologia pelo Wan-
derley de Souza...”. O Wanderley de Souza foi um colaborador do Darcy Ri-
beiro na fundação da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf).
Aliás, ele foi o primeiro reitor lá.12 E o Wanderley de Souza trouxe um pouco
a ideia do Darcy Ribeiro,13 que era uma ideia de fazer uma universidade aber-
ta usando a metodologia a distância, mas pegando a competência de várias
universidades. Formar uma rede. O Darcy pensava numa rede nacional, mas
o Wanderley de Souza trouxe um pouco essa ideia para fazer uma rede aqui
no estado do Rio de Janeiro, e convidou primeiro o Adilson Gonçalves, um
matemático da UFRJ. O professor Adilson é que mapeou onde seriam os po-
los dessa universidade aqui no estado do Rio de Janeiro. Mas o Adilson, por
uma questão pessoal, resolveu ir para a Uenf, para ser reitor da Uenf.14 E, com
isso, o Carlos Bielschowsky, que tinha feito um trabalho de avaliação muito
importante também, na UFRJ, no âmbito do programa Paiub, Programa de
Avaliação Institucional das Universidades Brasileiras, foi convidado pelo
Wanderley de Souza, que é um professor da biofísica da UFRJ – o Carlinhos é
professor do Instituto de Química, apesar de ser físico –, e me convidou para
ajudar nesse projeto de constituição do Consórcio Cederj.15 Isso foi no início
do ano 2000.

V.A. – O café foi no início do ano 2000?


Foi no início do ano 2000. E aí aquela proposta me entusiasmou, porque,
de algum modo, eu poderia resolver no atacado uma coisa que eu estava re-
solvendo no varejo, que eram aqueles alunos excepcionais que eu pegava. En-
tão imaginei, por exemplo, quantos alunos que estão aqui no interior do esta-
do do Rio de Janeiro que somem pelo ralo e que sabem matemática – eu

234 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Entrevista – Celso José da Costa

estava no foco da matemática – e pensei que essa oportunidade que iria para
esses alunos do interior, de alguma maneira, resgataria uma dificuldade social
que eu tive, que foi a dificuldade de ser um certo peregrino. Porque comecei
lá em Jundiaí do Sul, depois fui para Santo Antônio da Platina, depois fui para
Curitiba e depois vim para o Rio de Janeiro, para poder estudar, fazer minha
formação. Então, a ideia seria que pudesse levar essa formação até onde essas
pessoas estão vivendo, sem essa necessidade desse deslocamento e inclusive
resgatando pessoas que, de outro modo, não poderiam fazer esse deslocamen-
to que eu fiz. Quer dizer, eu fiz esse deslocamento porque recebi aquele che-
quezinho; porque, de alguma maneira, apareceram as pessoas certas no lugar
certo para me ajudar, também. Então eu achava que essa oportunidade era
muito boa. E me lembrava até de uma frase do Brizola. A frase do Brizola é a
seguinte: “O cavalo passou arreado, monte. De repente, ele não vai passar
mais”. Porque tudo são oportunidades que ocorrem, não é? E comecei a tra-
balhar então com o Carlos Bielschowsky. E logo, pela nossa amizade, tam-
bém, e pela nossa cooperação e pelo meu entusiasmo pelo projeto, eu me tor-
nei o vice-coordenador do projeto no estado.

V.A. – Já em 2000?
Já em 2000, quando fui vice-coordenador do nascente Consórcio Cederj,
que foi assinado no primeiro semestre, em uma cerimônia no palácio do go-
verno – foi assinado o protocolo entre o governo do estado e os seis reitores
das universidades públicas do estado.16

M.D. – Mas qual foi o papel de vocês, para juntar essas universidades? Vocês
tinham em vista juntar todas já? Ou foi uma consequência?
A ideia inicial era que a gente pudesse juntar as seis universidades públi-
cas do estado do Rio de Janeiro para a constituição de um consórcio junto
com o governo do estado. As universidades públicas eram: a Uenf, a Federal
Rural, a Federal do Rio de Janeiro, a UFF, a Uerj e a UniRio. São seis univer-
sidades. E a originalidade desse consórcio e a força dele no processo de arti-
culação é que foram mapeadas as competências nessas universidades, para
que você tenha um alto mérito, do ponto de vista científico. Então, por que a
matemática ficou por conta da UFF? Porque, de alguma maneira, eu tinha
uma liderança natural na Universidade Federal Fluminense, na área

Junho de 2014 235


Verena Alberti e Maria Renata da Cruz Duran

da matemática. Então, a matemática foi para a UFF. Enquanto a química foi


para a Universidade Federal do Rio de Janeiro, porque lá o Antonio Chaer17
poderia ser o líder na área de química. O Chaer é um dos fundadores da quí-
mica inorgânica aqui no país. Enquanto a biologia foi para a Uenf, porque lá
tinha o professor Wilmar, também, que era uma das referências na biologia
nacional e internacional.18 A física também foi para a UFRJ, porque tinha o
Felipe Canto, que era um físico de renome.19
E houve um envolvimento da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(Uerj) na área da pedagogia, que era uma das áreas mais difíceis, do ponto de
vista de você conseguir um consenso na qualidade desse processo educacional a
distância. Porque evidentemente as reações eram muito fortes, do ponto de vista
dessa modalidade, que não vinha sendo praticada no país. Quer dizer, houve um
primeiro curso, em 1996, na Universidade Federal de Mato Grosso, que, em
cooperação com uma universidade canadense, ofereceu um curso de pedagogia
para os professores da rede. Tinha também um movimento UniRede que estava
surgindo, para tentar articular uma rede brasileira para a educação a distância.20
Mas, de algum modo, era tudo muito nascente e havia uma resistência
muito forte nas universidades aqui do estado do Rio de Janeiro em adotar
realmente essa metodologia. As críticas eram de toda natureza: a crítica da
qualidade, a de que o professor perderia seu papel, porque os alunos aprende-
riam sozinhos... Era uma crítica também do desconhecimento e uma crítica
que tirava os professores da sua zona de conforto, porque você teria que tra-
balhar em equipe, teria a tecnologia envolvida no processo. Então, a ideia de
pegar lideranças científicas de prestígio nas universidades era uma maneira
de você conseguir realmente fazer essa adesão.

M.D. – Mas a EAD era uma coisa meio nova. Como é que vocês estrutura-
ram o modelo pedagógico da EAD, tendo em vista essa perspectiva científica?
Exatamente. Porque aí, no caso, o Consórcio Cederj unindo essas uni-
versidades, ele faz uma cooperação muito original. A Universidade Federal
Fluminense é responsável pelo curso de licenciatura em matemática, que co-
meçou em novembro de 2001. Em novembro de 2001, esse curso de gradua-
ção é oferecido à população do estado do Rio de Janeiro e se transforma no
primeiro curso aberto de graduação a distância do país. Porque existiu aquela
ação pioneira da Federal de Mato Grosso, mas era dedicada a professores da

236 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Entrevista – Celso José da Costa

rede. Então nós abrimos um vestibular para o estado do Rio de Janeiro em


quatro polos, porque a metodologia previa a existência de polos de atendi-
mento aos estudantes no interior do estado.

V.A. – Onde são esses polos?


Os quatro polos no estado do Rio de Janeiro em que se iniciou o curso de
matemática foram Três Rios, Itaperuna, Paracambi e São Fidélis. Dois muni-
cípios um pouco aqui no sul e dois municípios no norte. Então foi lançado o
curso de matemática, que goza desse pioneirismo, desse ponto de vista. Em
novembro de 2001 começou a turma. E foi feito também um vestibular de
biologia, mas o curso não começou porque houve um problema técnico em
relação ao início desse curso. Era um curso pela Uenf e pela UFRJ.

V.A. – Qual foi o problema técnico?


O problema técnico foi um problema de equipe, e os materiais não esta-
vam prontos, também.

V.A. – Mas não foi de tecnologia.


Não. Foi um problema de...

V.A. – Foi de estruturação mesmo, interna.


Nesse movimento de estruturação do Consórcio Cederj, conforme eu esta-
va falando, a matemática ficou com a UFF, a física ficou com a UFRJ e a pedago-
gia ficou com a Uerj. Então, no curso de matemática da UFF, todas as discipli-
nas de física são dadas pela UFRJ, são corrigidas pelos professores, e eles só nos
dão a nota, porque nós terceirizamos a física para a UFRJ, enquanto a parte pe-
dagógica, a disciplina de pedagogia, é dada pela Uerj. Terceirizamos também.

M.D. – É um curso híbrido mesmo, não é?


É híbrido. Nós damos a parte de matemática e damos o diploma para o
aluno: o aluno é um aluno da UFF. Agora, o curso de física da UFRJ também
tem a parte de matemática, que é dada pela UFF. A UFRJ terceirizou a mate-
mática para a UFF e terceirizou a pedagogia para a Uerj, também. E toda a
matemática do Consórcio Cederj é dada pela UFF. Quer dizer, era dada pela

Junho de 2014 237


Verena Alberti e Maria Renata da Cruz Duran

UFF, porque aí também entrou a UniRio como parceira, depois de um certo


tempo, depois de uns 5 anos.

V.A. – A UniRio dá história também?


A UniRio está com história também.

M.D. – A história, a frente dela é pela UniRio. E aí as matérias pedagógicas


também são da Uerj. E ela é uma história patrimonial. É uma coisa bem inte-
ressante, porque é aquela proposta: “Bom, a gente tem seis cursos de história
públicos no Rio, federais, estaduais e tal. O que esse curso vai trazer de diferen-
te?”. Daí eles fizeram essa proposta mais patrimonial.
Certo. Aí a questão toda foi que esse consórcio provocou um envolvi-
mento muito forte dessas instituições, e isso deu uma certa credibilidade, por
causa das referências científicas das áreas que foram chamadas para colabo-
rar. E a gente tinha consciência de que existia um movimento político e um
movimento acadêmico que caminhavam ali de maneira desproporcional.
Porque, no início, o movimento político é muito forte e ele chega a ser deter-
minante no processo. Por que foi feito o vestibular de biologia? Porque era
preciso inclusive garantir esse consórcio, uma vez que... Logo em seguida, em
abril de 2002, houve a desincompatibilização do governo. Era o Garotinho
que era o governador do estado do Rio de Janeiro nessa época, e o Garotinho
se candidatou a presidente da República e aí deixou o governo para a Benedita
da Silva.21 Quer dizer, isso é uma instabilidade no processo. O político fica
muito açodado, porque ele quer fazer as coisas, porque o tempo está vencen-
do, e atropela um pouco o acadêmico. Essa segurança nas referências científi-
cas foi o que permitiu a solidez acadêmica do processo. Mas aí entra a Bene-
dita da Silva e ela inclusive desconhece o consórcio. O Wanderley de Souza,
que era um secretário nomeado pelo Garotinho, teve que sair; o Carlos Biels-
chowsky, também, ele estava muito visível e teve que sair, e fiquei à frente do
consórcio, no governo Benedita, durante...

V.A. – Tiveram que sair por quê?


Porque, numa mudança do governo, são todos cargos comissionados,
então, há uma disposição desses cargos para o novo governo e há uma

238 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Entrevista – Celso José da Costa

mudança. Eu fiquei no consórcio, à frente do consórcio, tentando, no caso,


virar presidente do consórcio. Porque, quando saiu o governo Garotinho,
passou uma lei na Assembleia transformando o Consórcio Cederj em uma
fundação com 120 cargos. Então, nesse momento, em que foi determinado
também que o Ricardo Vieiralves, que é o atual reitor da Uerj, fosse o secretá-
rio de Ciência e Tecnologia, no lugar do Wanderley – ele é um quadro do PT
–, o Ricardo Vieiralves começou a montar a estrutura do consórcio em função
dessa nova fundação, que estava vinculada à Secretaria de Ciência e Tecnolo-
gia.22 E aí houve uma dificuldade inicial, quer dizer, as pessoas que trabalha-
vam no Consórcio Cederj – e devia ter mais ou menos umas sessenta pessoas
terceirizadas trabalhando nos vários setores do Consórcio Cederj – elas passa-
ram a não receber pagamento. Começamos a fazer, por exemplo, uma rotati-
vidade, em que as pessoas trabalhavam um dia e não trabalhavam no outro,
porque não tinha dinheiro para pagar a passagem para chegar até o consórcio.
Então, houve um momento muito crítico no consórcio, de uns 4 meses mais
ou menos, em que as pessoas ficaram... E o curso de matemática já tinha co-
meçado. Quer dizer, isso foi uma das fortalezas também do processo: já tinha
um compromisso com as prefeituras, com o estado.

M.D. – Mas, Celso, se as universidades montavam os cursos, por que pre-


cisava do consórcio? Qual é o papel do consórcio?
Veja só, o que a educação a distância introduz de novidade no processo
educacional? Introduz a questão operacional. Por isso que as universidades
têm um núcleo de educação a distância. Quer dizer, o núcleo de educação a
distância representa o braço operacional de um curso a distância. Porque, co-
mo o processo pedagógico tem como referência os polos, é preciso você arti-
cular todos esses polos; é preciso entregar prova nos polos; é preciso fazer a
conexão desses polos, através da internet, com uma plataforma, para que os
alunos possam se autorreferenciar nessa plataforma; é preciso construir ma-
teriais didáticos diferenciados, dialógicos, para que os estudantes possam ter
autonomia de estudos e, para construir esses materiais pedagógicos, é preciso
uma equipe multidisciplinar, uma equipe de ilustradores, pessoas preocupa-
das com a linguagem, porque tem que ser uma linguagem direta – não pode
ser uma linguagem indireta, no processo. Quer dizer, tem que promover a au-
tonomia de estudos do aluno através do material didático.

Junho de 2014 239


Verena Alberti e Maria Renata da Cruz Duran

Grandes teóricos da educação a distância, como, por exemplo, o Otto Pe-


ters, da FernUniversität da Alemanha,23 ele coloca os três pilares da educação
a distância como sendo a estrutura, a interatividade e a autonomia do estu-
dante. O que ele considera a estrutura? Estrutura é o curso a distância estar de
tal modo estruturado que ele não tenha surpresas no seu desenvolvimento.
Por exemplo, você tem que ter os materiais já preparados e entregues para o
aluno muito antes de o curso começar; você tem que ter uma plataforma que
está rodando muito bem e de fácil usabilidade; esse material tem que ser dia-
lógico, também, para comunicar com o estudante; as datas das tutorias de
atendimento, tanto presenciais, no polo, quanto a distância, a partir da uni-
versidade, têm que estar com os horários todos muito bem definidos, para
que o estudante em dificuldade no seu material didático possa fazer esse aces-
so; as datas das provas têm que estar definidas de uma vez por todas, num ca-
lendário muito bem elaborado. Não pode mudar a data da prova. Por quê?
Porque, sei lá, nós temos um estudante de Macaé, por exemplo, no polo de
Macaé, que é um embarcado da Petrobras, então, ele trabalha 15 dias no mar
e 15 dias na terra. Como sabe o calendário, ele já programa para ir para o mar
quando não tem prova, por exemplo. Então, se você mudar uma prova, é um
desastre na educação a distância. A educação a distância tem essa coisa um
pouco rígida, que é a estrutura. A estrutura é como você colocar uma nave em
direção a Marte: essa nave não pode apresentar surpresa, senão ela explode.
No máximo, o astronauta pode sair para consertar um parafuso. Mas isso é no
máximo.

M.D. – E também tem uma coisa da política internacional de liberação,


por exemplo, dos materiais, a licença. Acho que o Cederj é um dos primeiros que
estabelece os seus materiais de acordo com a licença Creative Commons,24 tor-
nando o conhecimento que é produzido no âmbito do Cederj aberto.
Isso. Quer dizer, isso é um dos benefícios que o consórcio Cederj traz pa-
ra a comunidade nacional e internacional, que é a liberação dos seus materiais
através de uma licença Creative Commons, em que todo mundo pode usar
esse material. Isso aí foi uma coisa que já começou no início do consórcio.
Primeiro foi liberado para as instituições públicas que quisessem fazer educa-
ção a distância e pudessem usar o material do Cederj. Aí o material do Cederj
foi usado na Federal do Pará, foi usado na Federal de Ouro Preto,

240 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Entrevista – Celso José da Costa

que iniciaram o seu processo. Porque é muito difícil você ter o material. A
matemática conseguiu esses materiais para começar precocemente o curso
sob muito sacrifício, evidentemente. A biologia já não conseguiu e, por isso,
ela começou em agosto de 2002.

V.A. – Mas eu queria retomar a pergunta da Maria Renata: por que é


necessário fazer o consórcio?
É evidente que um trabalho em rede é um trabalho que se autofortalece.
Uma universidade em si, ela poderia começar seus cursos a distância. Eviden-
temente teria que fazer um núcleo de educação a distância, que cuidaria da
parte operacional e logística e da produção de materiais. Quer dizer, o Con-
sórcio Cederj, na Fundação Cecierj,25 é um consórcio em que ele é como se
fosse um supernúcleo de educação a distância. Então, ele operacionaliza todo
o processo: tem a equipe multidisciplinar, que, junto com os professores, pro-
duz os materiais; há a entrega de prova nos polos, por exemplo; há uma plata-
forma que é para todas as universidades; estabelece um sistema de tutoria, e
evidentemente ele financia. A parte do financiamento é fundamental, é oxigê-
nio. Então, o governo do estado passa a ser o financiador do sistema.

M.D. – Capta e presta contas desse recurso.


Desse recurso.

M.D. – De uma certa maneira, então, ele otimiza o trabalho: em vez de você
ter seis núcleos de educação a distância, você tem um grande que otimiza a
viabilização organizacional dessa EAD.
Exatamente. Tanto é que os núcleos de educação a distância das univer-
sidades aqui do estado do Rio de Janeiro têm um papel que é um papel um
pouco secundário; eles têm uma situação luxuosa até, porque tem o Cederj
que faz o grande movimento, e aí podem se dedicar a outros projetos.

M.D. – O Cederj tem também um papel de uma espécie de diplomacia


educacional, digamos assim? Porque, por exemplo... Tudo bem, teoricamente, é
muito bacana você imaginar um consórcio em que a UFRJ dá a parte de física
e a UFF dá a parte de matemática. Mas a gente lida com paixões, não é? Então,
até que ponto você consegue equilibrar as universidades e os interesses dentro

Junho de 2014 241


Verena Alberti e Maria Renata da Cruz Duran

das universidades em prol de um consórcio? Quais são as barreiras para efetivar


isso, no âmbito do consórcio?
Eu acho que, para superar essas barreiras, é preciso, primeiro, muito en-
tusiasmo e muita capacidade de articulação, e fazer as jogadas certas. Quer
dizer, acho que o entusiasmo sempre foi um elemento fundamental do Con-
sórcio Cederj. As equipes que visitam o Consórcio Cederj, procurando apren-
der um pouco e de alguma maneira se inspirar na experiência do Cederj, sem-
pre relatam o entusiasmo das equipes que trabalharam. São muito
entusiasmadas realmente. É evidente que esse entusiasmo vem das lideranças.
Eu estive à frente, com o Carlos Bielschowsky, do Consórcio Cederj até o iní-
cio de 2006 e, de algum modo, também tinha esse papel de ajudar na constru-
ção dessa identidade do Cederj, que é uma identidade realmente muito moti-
vadora. Outra coisa foi apostar, por exemplo, nas lideranças científicas de
cada universidade, para poder fazer essa articulação. Porque essas lideranças
científicas têm um diálogo privilegiado com o reitor, e o reitor é a figura que
realmente vai dar a sustentação. Tanto é que esse consórcio tem um Conselho
Superior, formado pelos reitores das universidades e por uma representação
da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, SBPC, uma representa-
ção da Academia Brasileira de Ciências e uma representação do governo do
estado, também. Então você tem um Conselho Superior, que, evidentemente,
dá os grandes rumos; depois, você tem um Conselho de Estratégias Acadêmi-
cas, que são os pró-reitores de graduação das universidades, que ali se reúnem
para definir vestibular, definir regras. Porque, veja, cada universidade tem
uma regra: uma aprova com cinco, outra aprova com seis, outra, com sete.
Então, têm que se formar diretrizes comuns a todas as universidades, do pon-
to de vista da legitimação do processo.

M.D. – Mas o Cederj também cumpre um papel de... Por exemplo, você não
tem previsto, no organograma da universidade pública brasileira, a contratação
de um designer instrucional, tem?
Não. Mas isso porque essa questão de você produzir materiais especial-
mente para a metodologia é uma questão nova, que não se coloca no curso
presencial. Aliás, a Open University,26 que surgiu em 1969 na Inglaterra, é um
divisor de águas nesse processo, porque a partir dali estabeleceu-se a

242 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Entrevista – Celso José da Costa

necessidade de você, ao produzir o material, ter o professor, que é o sujeito


que tem o conteúdo, e você ter uma equipe que vai, de alguma maneira, fazer
com que esse material esteja bem preparado e tenha uma linguagem dialógica
em que o estudante possa ouvir a voz do professor. Porque é como se fosse
uma aula; quer dizer, estabelece um diálogo direto com o aluno. Inclusive,
brincando, ali no Cederj, a gente tinha o prêmio Yokada. O prêmio Yokada
era o prêmio daquele professor que fosse o mais indireto possível, ao apresen-
tar sua proposta de conteúdo para a equipe que vai trabalhar o material dele.27
Porque professor é um pouco isso, não é? Ele quer chegar em algum lugar,
mas faz um rodeio imenso para chegar naquele lugar. Aí a equipe multidisci-
plinar chega para o professor: “Não, professor, mas por que o senhor não vai
direto ao assunto e depois explica?”. Diz aonde você quer chegar e depois vo-
cê coloca quais são as estratégias para chegar até ali. E também falar para o
professor: “Olha, você primeiro dá umas pílulas aí do conhecimento e depois
passa uma atividade para fixar esse conhecimento”. É um pouco isso: o aluno
estuda um pouco, depois faz umas atividades para fixar aquele conteúdo, vai
na geladeira, abre, toma uma aguinha, e depois volta de novo...
E isso aí provoca muita tensão, porque ali no Cederj, com essa equipe
multidisciplinar que ajuda o professor, muitas vezes tem um choque, porque
o professor: “Não, você está interferindo inclusive na minha cátedra aqui, em
relação a essa disciplina”. Então é um movimento realmente diferente do co-
tidiano da universidade; provoca um desconforto, e o professor, de algum
modo, tem que trabalhar em cooperação com os outros professores. Essa é
uma das atitudes que a educação a distância provoca no meio acadêmico.

M.D. – O que é difícil, porque a gente aprende a trabalhar sozinho.


Trabalhar sozinho. Quer dizer, o pessoal da matemática não conversa
com o pessoal da física, que não conversa com o pessoal de pedagogia. Mas
ali, não, ali tem que ser todo mundo junto.

M.D. – É a Open University que é a referência do Cederj?


Não. A Open é um divisor de águas do ponto de vista realmente da me-
todologia da educação a distância, na produção de materiais, mas o Cederj
tem um espelho mais adequado na Uned [Universidad Nacional de Educaci-
ón a Distancia], da Espanha.28 No início do Cederj, fizemos uma cooperação,

Junho de 2014 243


Verena Alberti e Maria Renata da Cruz Duran

inclusive, com a Uned. Na época, no ano de 2001, o modelo de material im-


presso da Uned, por exemplo, era muito forte, porque as dificuldades tecno-
lógicas da época eram mais importantes do que agora. A Uned se virtualizou
muito a partir do ano 2000 e, atualmente, já tem muitos materiais em outras
mídias, mas ela tinha um material impresso muito forte, na época. Você tem
os polos, que são estruturas que vão receber o aluno para poder fazer suas ta-
refas cotidianas e que estão longe do centro irradiador. Porque você tem um
centro irradiador onde está a coordenação do curso, onde estão os professo-
res que têm um diálogo mais forte com os tutores a distância, que estão na
universidade, que atendem por telefone e pela internet aos estudantes, e, lá no
polo, você tem uma infraestrutura, também, de laboratório de computadores,
de laboratórios pedagógicos, e tem também os tutores presenciais, que aju-
dam os estudantes nas suas tarefas cotidianas. Então esse modelo da Uned é
um modelo que foi adotado no Cederj.
É evidente que o sistema de rede – um sistema onde você tem as univer-
sidades públicas presenciais realizando a educação a distância e nesse modelo
consorciado – é totalmente original. Porque a Uned é uma universidade a dis-
tância: os professores não praticam o ensino presencial. Enquanto nós, aqui,
praticamos o ensino presencial e o ensino a distância, na universidade, um
modelo híbrido original no mundo, eu creio. Não sei se outros exemplos sur-
giram depois do ano 2000. Quer dizer, é um modelo realmente original e com
toda a força.
Eu citei o Otto Peters, que coloca a estrutura como sendo um pilar do
EAD, mas eu não me alonguei no outro pilar, que é a interatividade, que é
realmente o diálogo de todo o povo que está na educação a distância: o tutor
conversando muito com o professor, conversando muito com o aluno; o
coordenador do polo, também, que é a autoridade máxima lá do polo, é mui-
to ativo também dentro desse processo. Quer dizer, a interatividade é um ne-
gócio realmente fundamental para que você tenha qualidade nos processos.
Coisa que, no curso presencial, muitas vezes, você não tem, porque o profes-
sor está um pouco distante do aluno. A educação presencial e a educação a
distância têm realmente uma diferença, porque a educação a distância, em
vista da sua estrutura e da sua interatividade, é como se fosse uma vitrine
aberta em que você vê tudo: você sabe a qualidade da prova que é aplicada,
você sabe realmente a qualidade dos materiais que são oferecidos...

244 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Entrevista – Celso José da Costa

M.D. – Abriu a caixa-preta.


Abriu a caixa-preta. O professor tem que realmente dar todo o material
didático, porque são 20 semanas de estudo: na primeira semana ele vai estu-
dar isto aqui; na segunda semana, isto aqui; na terceira semana, isto; depois
tem uma prova. Essas provas são presenciais lá no polo e equivalem, no caso
do Cederj, de maneira geral, a 80% da nota. O aluno tem que fazer essa prova
lá no polo, com a carteira de identidade em cima da mesa, e essa prova depois
é corrigida na universidade. Então, isso dá a credibilidade da autoria, que é
um dos grandes fantasmas da educação a distância. “A educação a distância
vai vender diploma.” Não é assim. Quer dizer, não deve ser assim – porque
existe a atividade mercantil, tanto na educação a distância, como na educação
presencial.

M.D. – Os modelos de educação a distância da UAB e do Cederj utilizam


polos de apoio presencial. Qual é a importância do polo? Por que manter o polo,
na EAD brasileira?
Bem, para um curso de graduação, que é um curso de longa duração –
porque são 4 anos e, algumas vezes, 5 anos até –, é fundamental você ter um
locus onde o aluno possa fazer suas tarefas. E, nos casos de cursos que têm a
atividade de laboratório, é fundamental que o aluno possa ter um local onde
faça suas experiências. Eu imagino um aluno, por exemplo, de biologia: ele
teria que ter um laboratório de biologia para fazer seus experimentos, suas
reações. É evidente que tem a simulação. Quer dizer, você poderia também
fazer coisas através de uma simulação pela internet, por exemplo, mas é evi-
dente que a gente sabe das dificuldades de você produzir materiais de quali-
dade para se fazer essas simulações e ainda acrescente-se a questão de baixa
conexão de internet, quando se pensa em atingir localidades distantes em
nosso país.
Então o polo passa a ser uma referência institucional, uma estrutura des-
centralizada da universidade – é como se a universidade tivesse um braço
avançado naquele local –, e está interiorizando o ensino superior público. É
como se fosse uma pequena universidade, um campus avançado da universi-
dade, porque ele tem, no caso do Cederj, um diretor de polo, que é responsá-
vel, administrativamente e academicamente, por todas as atividades; tem os

Junho de 2014 245


Verena Alberti e Maria Renata da Cruz Duran

laboratórios – é essencial um laboratório de informática, onde o aluno possa


ter acesso à internet e possa fazer suas tarefas do curso; tem os tutores presen-
ciais, que são aqueles tutores especializados que vão atender o aluno, em ho-
rários fixados, nas várias disciplinas e dentro de uma programação que é esta-
belecida pela direção do curso. O curso é que estabelece que o aluno tem que
vencer certas etapas, num tempo bem determinado, e que vai ter a ajuda do
tutor presencial, que vai estar lá no polo fazendo essas atividades. No caso de
carreiras que necessitam de laboratórios, também tem os laboratórios. No ca-
so do curso de física do Cederj, o aluno, na disciplina de introdução às ciên-
cias físicas, que é muito experimental, ele tem que fazer, de sete experiências
que estão propostas, pelo menos cinco lá no polo, para poder, no caso, ter a
aprovação na disciplina. O polo passa a ser um elemento que vai garantir a
qualidade desse processo.
É evidente que, em um curso de extensão que dura 60 horas, em que,
muitas vezes, você já atinge profissionais mais experientes, você poderia fa-
zer um curso totalmente a distância, por exemplo. A metodologia a distân-
cia é um grande guarda-chuva que abriga várias possibilidades de estrutura-
ção da parte presencial e da parte a distância. Quer dizer, você pode ter um
curso totalmente a distância. Aí não seria recomendado para uma gradua-
ção. É muito difícil fazer uma graduação totalmente a distância e ter quali-
dade nesse processo. A não ser que você tivesse grandes facilidades de co-
municação. Porque, do ponto de vista da filosofia, a tecnologia é um meio.
O fim é você atingir o estudante, que é o centro do processo. Quais são as
facilidades tecnológicas que o estudante tem? Então, em vista dessas facili-
dades, você desenha o curso. A Uned era com material impresso, no início,
e também a Open University, em 1969. Por quê? Porque realmente você ti-
nha uma situação de rede muito precária ainda, naquela época. O Brasil ain-
da é precário, na questão das redes. E, quando você fala no país todo e sai
um pouco do estado do Rio de Janeiro – onde as dificuldades também exis-
tem –, as dificuldades de conexão e internet são importantes. Por exemplo,
no Norte do país, a conexão é por satélite; então, quando tem um tempo
muito nublado, a conexão não funciona, e a gente sabe que chove muito na
região Norte – o tempo nublado passa quase a ser mais a regra do que a
exceção.

246 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Entrevista – Celso José da Costa

M.D. – Mas aí tem uma justificativa para ter os polos nesses pontos distan-
tes. Mas qual a justificativa, por exemplo, para se ter um polo nas regiões metro-
politanas? Por exemplo, para um polo em Colombo, a 80 quilômetros de Curitiba,
ou em Novo Hamburgo, perto de Porto Alegre, ou mesmo em Duque de Caxias?
Certo. Essa pergunta é muito boa porque nos possibilita identificar um
problema candente e atual que preocupa muito os políticos, que é a questão
da mobilidade urbana. A gente sabe que todos os movimentos sociais fortes
que surgiram no país nos últimos tempos nasceram na questão da mobilidade
urbana. Foi um movimento, inclusive, bastante disperso, mas com esse foco,
que é a questão da mobilidade urbana. Quer dizer, a gente sabe que um aluno,
por exemplo, da Universidade Federal Fluminense que mora em Nova Igua-
çu, ele demora duas horas e meia para chegar até a universidade – muitas ve-
zes, ele é um aluno trabalhador, também – e, para voltar, é outro tanto. Então,
a educação a distância vai até o estudante, e não o estudante vem até o local. É
por isso que, do ponto de vista da localização, esses polos são muito impor-
tantes também nas regiões metropolitanas. Recentemente, eu fui até São Pau-
lo, convidado pelo prefeito Haddad,29 para participar da cerimônia de inaugu-
ração de 18 polos na cidade de São Paulo. Quer dizer, na região metropolitana
de São Paulo foram colocados 18 polos, e mais 14 estão sendo preparados.
Serão 32 polos no total, em São Paulo, onde a UFF está participando com cur-
sos. Então eu creio que toda a égide que rege a educação a distância é a égide
do acesso a essa educação. E evidentemente esse acesso se dá colocando polos
lá nos interiores longínquos, assim como colocando polos também na região
metropolitana, para atender à crise da mobilidade urbana e também atender
ao aluno ou aluna trabalhadora.
Só para dar um exemplo: nós temos um polo aqui do Consórcio Cederj
que é um polo ali na própria Uerj. No campus Maracanã da Uerj, nós temos
um polo em que tem um curso de pedagogia. A procura desse curso de peda-
gogia da Uerj na modalidade a distância é cinco vezes superior à procura para
o mesmo curso presencial. Por que isso? Porque os alunos que vão fazer esse
curso geralmente são alunos que estão trabalhando já, que precisam, no caso,
dessa metodologia diferenciada, que cai muito bem para seu emprego de tem-
po. A gente tem também outros polos: aqui em Caxias tem um e foi inaugura-
do recentemente um polo na Rocinha.

Junho de 2014 247


Verena Alberti e Maria Renata da Cruz Duran

V.A. – Então, já há muito mais polos do que os quatro de que você falou
– Três Rios, Itaperuna, Paracambi e São Fidélis.
Esses foram os polos em que se iniciou o curso de matemática, lá no ano
de 2001. Hoje em dia são mais de trinta polos do Consórcio Cederj no estado
do Rio. E o último polo inaugurado do consórcio foi um polo na Rocinha.
Após a política de pacificação, fundou-se um polo na Rocinha. E, neste mo-
mento, está se referenciando um local para construir um polo do Cederj no
Morro do Alemão. São ações que o governo do estado vem tomando para que
possa suprir essa necessidade de educação superior para as populações que
mais necessitam, e vencendo exatamente essa crise da mobilidade urbana no
processo.

M.D. – Na universidade, a EAD acaba tendo um impacto também de oxi-


genação, da maneira como se dava aula. Como é esse movimento? O que a EAD
traz de volta para a universidade?
A universidade tem um benefício grande, também, ao entrar num pro-
cesso inovador como esse, de fazer curso na modalidade a distância. Porque,
primeiro, é a questão de os professores aprenderem a trabalhar em equipe.
Um professor da educação a distância é como se fosse um regente de uma or-
questra – essa orquestra é formada por tutores, é formada por pessoas que
ajudam no processo operacional da educação a distância –, e ele produz os
materiais também, e esses materiais vão ser a sua voz junto aos estudantes lá,
porque não vai dar a aula presencial. A gente diz que um bom material didá-
tico a distância é dialógico: o aluno tem que escutar a voz do professor naque-
le material.

M.D. – E não é de um tipo só; é escrito, vídeo...


Exatamente. É o material escrito, o material de vídeo, são simulações, ob-
jetos de aprendizagem, tudo isso é importante. Você dá ao estudante opções
flexíveis.

V.A. – O que são objetos de aprendizagem?


Objetos de aprendizagem, por exemplo, em física, são pequenas simula-
ções em que o aluno aprende a detectar o problema da queda livre dos corpos,

248 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Entrevista – Celso José da Costa

aprende como funciona a resistência de uma mola... De um certo modo, o ob-


jeto de aprendizagem substitui um pouco as experiências de laboratório. É
uma simulação.

M.D. – Em história também existe. Por exemplo, a Federal da Bahia tem


um objeto de aprendizagem que se chama Tríade, que é um game sobre a
Revolução Francesa. Então você escolhe entre os personagens da aristocracia ou
os revolucionários. E aí são quatro etapas, que são as etapas que correspondem
àquela cronologia do Georges Lefebvre. É um negócio interessante.

V.A. – Então são objetos virtuais, na verdade.


São objetos virtuais. E o benefício também que a EAD traz para a univer-
sidade, além desse aprendizado de trabalho em equipe, é o benefício de atua-
lização tecnológica, porque a gente sabe que a universidade passa a ser um
certo reduto de atraso na questão da introdução das tecnologias digitais. A
gente vê, por exemplo, que o setor bancário está totalmente digitalizado.
Quem pensaria, há 25 anos, que hoje você entraria num restaurante, tiraria o
seu cartão e seria descontado na sua conta remotamente, lá no banco? Seria
realmente ficção científica, você pensar, 25 anos atrás, que isso poderia acon-
tecer. E o Brasil é muito desenvolvido nessa questão da tecnologia bancária,
por exemplo. E em outros setores: o setor de comércio eletrônico, também,
está totalmente avançado nesse ponto.

V.A. – A Receita Federal.


A Receita Federal, a votação eletrônica... Quer dizer, o Brasil não tem fi-
cado atrás, realmente, nesse movimento de introdução de novas tecnologias
nos processos. No entanto, a universidade passa a ser um reduto reacionário
em relação a isso, porque o professor, de certo modo, é muito conservador.
Quer dizer, a instituição universitária é conservadora. Para você mudar um
percurso acadêmico, você tem que aprovar no departamento; depois, aprovar
no colegiado do instituto; depois, aprovar no conselho acadêmico e, depois,
vai para um conselho altamente político, que é o conselho universitário. Então
é realmente uma via-crúcis. Nós sentimos muito o peso dessa morosidade,
quando tentamos aprovar o curso de matemática a distância na Universidade

Junho de 2014 249


Verena Alberti e Maria Renata da Cruz Duran

Federal Fluminense. Por exemplo, a Faculdade de Educação da UFF se posi-


cionou totalmente contra a educação a distância – e ela tem um peso, também,
no conselho universitário. Foi muito complicado, realmente, ter esse carimbo
da universidade. É lógico que isso aí não é de todo nocivo, porque essa imobi-
lidade da universidade, de algum modo, é uma garantia também da qualidade,
de que processos, quando têm qualidade, possam sobreviver também nessa
via-crúcis.

M.D. – Que ela não é um campo de aventureiros.


Não é um campo de aventureiros, não é? Então, essa questão da educa-
ção a distância, dentro das universidades, ajuda realmente a uma atualização
dos processos de ensino, usando a tecnologia que a modalidade permite. E
mesmo o MEC [Ministério da Educação] tem apontado nessa direção, crian-
do atitudes facilitadoras. Por exemplo, foi aprovado que 20% da educação
presencial das universidades pode ser feito a distância, desde que aprovado
nos colegiados. Quer dizer, isso aí introduz uma cunha no processo, de tal
maneira que você pode realmente virtualizar parte dos cursos presenciais. É
uma chancela. Então eu creio que os benefícios são muitos. E as resistências
são, algumas vezes, difíceis de entender.
Por exemplo, o setor de história da Universidade Federal Fluminense foi
contra a educação a distância, também. Eles não queriam um curso a distân-
cia. Nós tentamos fazer um curso de licenciatura em história, lá pelo ano de
2003... Para falar também um pouquinho dos fracassos, além de todo o suces-
so. Tentamos fazer um curso de história na UFF, mas os estudantes de histó-
ria foram contra o curso, lá no conselho universitário. Quer dizer, não dá para
entender como é que um estudante que está aqui com água gelada, ar-condi-
cionado e direção hidráulica, estudando presencialmente na universidade, se-
ja contra que uma pessoa lá do interior de Itaperuna possa ter acesso a um
curso de história da Federal Fluminense, que é nota 7 na Capes [Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior] – quer dizer, é um curso de
alta qualidade. Mas não. Fizeram passeatas dizendo que não podia, porque is-
so aí seria, no caso, você cair em qualidade e oferecer um produto requentado
para os estudantes lá do interior. Quando não. Muitas vezes... Por exemplo,
eu posso dizer muito sobre o curso EAD de matemática na UFF; ele é até mais
difícil do que o curso presencial, porque as tarefas que são colocadas – e pode

250 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Entrevista – Celso José da Costa

olhar as provas... E o fato de que realmente o programa é cumprido... Não es-


tou querendo dizer que, no ensino presencial, os programas não são cumpri-
dos, mas são caixas-pretas. E a gente sabe que tem uns poucos professores, o
que não prejudica a qualidade como um todo, mas que realmente não fazem
todo o processo.

M.D. – Mas a questão não é tanto comparar se uma ou outra é melhor.


Talvez, um dos desafios da EAD seja mais como juntar essas coisas, não?
É como juntar. Mas eu acho que, num primeiro momento, naturalmente
surge a necessidade de você comparar, para você mostrar que a qualidade...
Quer dizer, como auferir a qualidade na educação a distância? Você aufere a
qualidade a partir da performance dos profissionais formados no mercado e
também dos processos de avaliação dos próprios cursos, que são feitos pelo
MEC. Do ponto de vista da avaliação dos cursos pelo MEC, a gente tem al-
guns cursos a distância, inclusive, com melhor performance do que os cursos
presenciais na mesma área. Então, desse ponto de vista, eu digo que existe um
empate técnico: a educação a distância não é de qualidade inferior à da educa-
ção presencial. Do ponto de vista dos profissionais, a gente também tem múl-
tiplos exemplos de profissionais que tiveram uma performance extraordiná-
ria. Em concursos aqui do estado do Rio de Janeiro para professores, a gente
teve um aluno de EAD de matemática da Universidade Federal Fluminense
que foi o primeiro colocado – não na área de matemática, em todas as áreas
ele foi o primeiro colocado. A UFF distribui comendas para os alunos que
têm o melhor coeficiente de rendimento. No ano de 2012, no curso de admi-
nistração, o aluno que teve o maior rendimento foi um aluno a distância. Ga-
nhou de todos da área de administração. Alunos que saem do curso de mate-
mática a distância da Universidade Federal Fluminense fazem mestrado e
doutorado na área de matemática aplicada no Impa; outros estão na Uni-
camp... Há todo um levantamento que se faz dos alunos egressos, em que a
gente vê realmente a qualidade do curso a distância e que ele está cumprindo
o seu papel.

M.D. – Mas há uma tendência para a convergência entre as modalidades.


Há uma tendência para a convergência, exatamente. E eu acho que o mo-
delo brasileiro, que é um modelo híbrido, em que a universidade pratica o

Junho de 2014 251


Verena Alberti e Maria Renata da Cruz Duran

ensino presencial e o ensino a distância, é um laboratório que facilitará essa


convergência.

V.A. – Você falou: “O modelo brasileiro é um modelo híbrido”. Ou seja, o


modelo brasileiro foi sendo expandido a partir da experiência pioneira do
Cederj? Você estava falando de equipes que visitam o Cederj e ficam entusias-
madas. Como é que foi isso de sair daqui do Rio de Janeiro e passar a ser brasi-
leiro, digamos?
Eu comecei a me envolver com a questão da educação a distância em âm-
bito nacional no final do governo Fernando Henrique Cardoso,30 quando a
Secretaria de Educação a Distância solicitou a alguns especialistas que fossem
até o MEC para traçar referenciais de qualidade para a educação a distância.
Eu fui convidado para fazer parte dessa equipe no último ano do governo Fer-
nando Henrique, e o Carlos Bielschowsky e algumas outras pessoas também
foram convidadas, em âmbito nacional. Era uma equipe de mais ou menos
cinco ou seis pessoas. Nesse momento, se estabeleceram os Referenciais de
Qualidade para a Educação a Distância, um documento da Secretaria de Edu-
cação a Distância do MEC.31 Eles diziam sobre o modelo de educação a distân-
cia que seria adequado para o nosso país, sobre a necessidade da tutoria, sobre
a necessidade de materiais impressos e digitais, sobre a necessidade de uma
plataforma, sobre a necessidade de polos de apoio presencial, sobre a estrutura
que esses polos deveriam ter. Então, os referenciais de qualidade não são ele-
mentos obrigatórios para se estabelecer um processo de educação a distância,
mas são os indicadores que, inclusive, vão orientar as equipes que vão julgar.
Porque nós sabemos que, a partir da LDB [Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, de 1996], para se fazer educação a distância no país, tem
que ser credenciado pelo MEC. Quer dizer, a instituição tem que credenciar
realmente a sua instituição para a modalidade – tanto privada quanto pública.
Desse ponto de vista, a LDB flexibiliza a autonomia da universidade. A uni-
versidade não tem autonomia para lançar um curso a distância; ela tem que
primeiro ser credenciada pelo MEC. Depois de credenciada e autorizado um
curso, aí, sim, a universidade tem autonomia de lançar outros cursos. Mas, se
a universidade quer lançar um curso a distância e quer ser credenciada pelo
MEC, ela deve montar seu projeto e apresentar ao MEC, e esse projeto tem
que dialogar com os referenciais de qualidade, porque senão as equipes que

252 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Entrevista – Celso José da Costa

vão analisar falam “Esse projeto não tem qualidade”, e isso pode prejudicar o
andamento. Uma vez que você apresenta o projeto ao MEC, as equipes vão
avaliar esse projeto, inclusive com visitas in loco; depois, isso vai para o Con-
selho Nacional de Educação, que, numa reunião plenária, aprova ou desapro-
va o projeto e, depois, uma vez aprovado, vai para a homologação do minis-
tro. Homologado o projeto, a universidade é credenciada. Então, eu tive a
oportunidade de participar dessa equipe que lançou os primeiros Referenciais
de Qualidade da Educação a Distância.
Depois, no ano de 2005, o governo federal, a partir de uma iniciativa do
ministro Fernando Haddad e tendo o Ronaldo Mota como secretário de Edu-
cação a Distância,32 lançou um edital estabelecendo as principais linhas de de-
senvolvimento do sistema Universidade Aberta do Brasil. Foi um momento
muito importante, porque surge uma política nacional em relação à questão
da educação a distância. E o Ronaldo Mota, inclusive, visitou o Cederj, aqui,
no momento em que se estava escrevendo o edital, e ele fez uma viagem, em
que estava eu, o Carlos Bielschowsky e ele, e fomos ao polo de Paracambi, pa-
ra ele conhecer. Então, muito do que foi feito nesse edital foi resultado um
pouco dessa nossa conversa, porque ele esteve aqui no estado do Rio de Janei-
ro vendo o movimento do Cederj. E aí esse edital foi lançado, estabelecendo a
estrutura federativa da Universidade Aberta.33
A Universidade Aberta é constituída de três pilares. O primeiro pilar é o
pilar federal, que tem como principal missão fomentar, quer dizer, financiar
todo o sistema, induzir um processo de educação a distância e avaliar, tam-
bém, esse processo. Então, essa seria a missão federal, enquanto o outro peda-
ço seria das universidades públicas. As universidades públicas mais os institu-
tos federais de educação ficariam com a parte acadêmica: a proposição de
cursos e a diplomação dos alunos. Enquanto o terceiro pilar seria o pilar dos
polos. Esses polos ficariam sob a responsabilidade dos governos municipais e
dos governos estaduais. Então poderia ter polos municipais e polos estaduais.
Esse edital foi lançado, conclamando então os prefeitos e os governadores
a candidatarem polos e também solicitando às universidades e aos institutos
federais que apresentassem projetos de curso, para serem, no caso, implemen-
tados a partir de um financiamento federal. Ele teve uma adesão extraordiná-
ria. Os números não estão muito frescos na cabeça, mas teve mais de mil pedi-
dos de polos, no Brasil, sendo que o nosso país tem cerca de 5 mil e poucos

Junho de 2014 253


Verena Alberti e Maria Renata da Cruz Duran

municípios. Quer dizer, a gente teve, realmente, 20% dos municípios pedindo
polos. Do ponto de vista da universidade, quarenta e poucas universidades
também fizeram pedidos, e institutos federais também. Então tinha, real-
mente, um material riquíssimo e complexo para ser avaliado, do ponto de vista
de se iniciar o processo de implantação do sistema Universidade Aberta.
Foi aí que, em 2006, eu fui convidado pelo Ronaldo Mota para participar
da comissão que selecionaria os polos e selecionaria as universidades. Nessa
comissão também estava o Teatini Clímaco, que é, atualmente, o diretor da
Universidade Aberta do Brasil.34 Quer dizer, eu e o Teatini fizemos parte de
uma comissão de mais ou menos oito pessoas, trabalhando no MEC, num lu-
gar que nós apelidamos graciosamente de Catacumba, que, na verdade, era
uma sala desativada lá do MEC, no anexo, num porão, com um ar-condicio-
nado complicado pra caramba. Teve um certo momento em que metade da
equipe ficou doente.

M.D. – Teve até uma professora que desistiu, não é?


Desistiu; a professora Nara Pimentel. Ela pegou uma bactéria no ar-con-
dicionado. Quer dizer, como é que a equipe trabalhava? Ficava uma semana lá
e outra semana na sua base, respirando. [risos] Acho que, na semana em que
eu não fiquei lá, deu algum problema lá, o negócio contaminou mais e deu
uma baixa geral na equipe. Metade ficou doente. Bom, eu, felizmente, não es-
tava nesse grupo de risco. Mas aí trabalhamos intensamente, durante quase 3
meses, nessa avaliação minuciosa de todos os projetos que eram apresenta-
dos, tanto de implantação de polo quanto de cursos das universidades. E tive
a felicidade de ser o relator dessa comissão. Então comecei meu envolvimento
nacional a partir dessa comissão e sendo relator. Aí decidimos que, de manei-
ra geral, os cursos estavam bons, quer dizer, aprovamos os cursos das univer-
sidades. Pedimos muitos reparos, evidentemente. Os polos, dos mil e tantos
polos, a gente pôde selecionar cerca de duzentos e poucos, nesse primeiro
movimento. E era emocionante, realmente, a solicitação de polo pelas prefei-
turas, porque era um movimento ímpar. É aquele cavalo arreado que passou
de novo, não é? O prefeito muitas vezes não tinha nem projeto, porque ele
não sabia como fazer projeto de um polo. Imagina! O prefeito tinha que apre-
sentar o projeto de um polo. Tem que ter o laboratório, tem que ter a sala de
tutoria... Ele não sabia. Existia uma cartilha; foi feita uma cartilha.

254 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Entrevista – Celso José da Costa

Mas foi tudo muito rápido, também. Porque... Sabe como são os movimentos
políticos, não é? Então tinha, por exemplo, prefeito que fazia uma solicitação
emocional de participar do projeto, tipo assim: “Nós precisamos realmente,
porque, aqui, o destino dos nossos cidadãos termina, porque ele não pode,
não tem condições de ir para frente para estudar. Então, por favor...” – escre-
via em letras grandes – “nós merecemos um polo”. Coisas muito emocionan-
tes. Realmente, foi uma experiência de conhecimento da nossa realidade mui-
to importante também para a comissão. Então eu fui relator dessa comissão,
em 2006, e começaram os cursos da Universidade Aberta. Os cursos começa-
ram mais ou menos em agosto, e aí o governo estava mudando, porque teria
eleição presidencial, e o Lula foi reconduzido ao processo. E aí, nesse mo-
mento, o ministro Haddad, que estava ocupando lá a cadeira, me chamou pa-
ra conversar. Ele me perguntou se eu gostaria de colaborar no ministério e,
principalmente, nessa área da educação a distância; o que eu gostaria de fazer.
Quer dizer, teria algumas posições lá. Eu disse para ele que gostaria de condu-
zir a Universidade Aberta. Aí ele realmente falou assim: “Olha, eu ainda não
estou confirmado” – porque o Lula tinha acabado de ser reeleito –, “mas, se o
barbudo me confirmar, você também está confirmado” – uma coisa desse ti-
po. E aí foi o que aconteceu: fui para Brasília, em 2007, para dirigir a Univer-
sidade Aberta e traçar sua estrutura.

M.D. – Ela ficou um tempo no MEC, não ficou?


Ficou, exatamente.

V.A. – No MEC? Mas não na salinha, na Catacumba...


Na Catacumba? Não.

M.D. – Te deram uma sala melhor.


Aí a Universidade Aberta ficou dentro do MEC, na Secretaria de Educação
a Distância, como uma coordenação. Passei a ser um coordenador. E também,
logo depois da minha ida ao MEC, mais ou menos uns 3 meses depois, o Carlos
Bielschowsky foi convidado para ser secretário de Educação a Distância. Por-
que até o momento eu estava com o Ronaldo Mota. Aí, a gente refez a dupla
aqui do Cederj. O convite que me foi feito para dirigir a Universidade Aberta e

Junho de 2014 255


Verena Alberti e Maria Renata da Cruz Duran

o convite também para o Carlos Bielschowsky ser o secretário de Educação a


Distância evidentemente foram lastreados nas experiências aqui do Rio de Ja-
neiro. E, com isso, a gente pôde, no caso, estruturar a Universidade Aberta.
Porque, nesse momento, existia todo um movimento de aprovar uma lei no
Congresso Nacional ampliando as competências da Capes, para que ela cuidas-
se também da educação básica. E é evidente que a Capes é a menina dos olhos.
A Capes é, realmente, uma das iniciativas que ajudaram muito o desenvolvi-
mento nacional. Se a gente for imaginar coisas, por exemplo, que deram muito
certo no Brasil, certamente a gente inclui a Capes como uma das coisas funda-
mentais para o desenvolvimento nacional. E tem outras: a Embrapa, por exem-
plo, foi também uma das coisas fundamentais para que a gente pudesse desen-
volver o agronegócio e a nossa capacidade de exportação de alimentos.
Bom, então, junto com o Carlos Bielschowsky lá na Secretaria de Educa-
ção a Distância, a gente começou a pensar na estrutura da Universidade Aberta
– eu, mais focado, e, evidentemente, ele, com outros projetos, também, dentro
da secretaria. E estruturamos acompanhando o processo de legitimação no
Congresso Nacional. Porque, uma vez que legitimasse o processo da Capes, a
Universidade Aberta já passava para a Capes. Então nós estruturamos a Uni-
versidade Aberta como uma diretoria da Capes: teria uma Diretoria de Educa-
ção a Distância, dentro da Capes, que cuidaria da Universidade Aberta do Bra-
sil. Até então a Capes tinha três diretorias apenas: a Diretoria de Administração;
a Diretoria de Programas, que cuidava do fomento às pós-graduações, e a Dire-
toria de Avaliação, que cuidava da avaliação da pós-graduação. Eram três dire-
torias. Então, fundaram-se na Capes mais duas diretorias: a Diretoria de Edu-
cação a Distância, em que eu passei a ser o titular, e a Diretoria de Educação
Presencial, que fomentava também a formação de professores presenciais.

M.D. – Acho que tem de Relações Internacionais, também.


Ah, tem. Exatamente.35

M.D. – Porque uma das coisas deles é esse fomento a um trânsito interna-
cional.
V.A. – Aqui no seu Lattes está dizendo que você ocupou o cargo de diretor
de Educação a Distância da Capes a partir de fevereiro de 2008.

256 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Entrevista – Celso José da Costa

Exatamente, foi quando a UAB foi transferida da SEED [Secretaria de


Educação a Distância do MEC] para a Capes. Fiquei na Capes até fevereiro de
2011, quando voltei para a UFF. Estruturamos a Universidade Aberta, na Ca-
pes, numa direção e quatro coordenações: uma coordenação que cuidaria da
articulação acadêmica com as instituições, para poder fazer os cursos funcio-
narem; outra coordenação que cuidaria da questão dos polos; uma coordena-
ção que cuidaria do financiamento dos cursos, e outra que cuidaria da tecno-
logia, da conexão, dessas coisas. Então eram quatro: universidade, polo,
financiamento e tecnologia.
Também pensamos na questão de estruturar o sistema Universidade
Aberta com um contrapeso. O que seria esse contrapeso? É evidente que, num
certo movimento político, você funda as raízes de um processo, mas, depois,
a garantia dele tem que ser dada pela comunidade. Por que não foi possível
desativar o Cederj, apesar da instabilidade política ocasional lá no início? Por-
que já tinha um curso, já tinha alunos, já tinha prefeitos, já tinha universidade
envolvida. Então, nesse sentido, o que nós criamos no sistema Universidade
Aberta foi um conjunto de fóruns. Por exemplo, o Fórum Nacional dos Coor-
denadores UAB. Isso é uma coisa que já nasceu com o sistema Universidade
Aberta, em que cada universidade é representada pelo reitor. Mas o reitor é
uma pessoa muito ocupada, então ele delega isso aí para um personagem ou
para um professor chamado coordenador UAB da instituição. Por exemplo, a
Universidade Federal do Rio de Janeiro tem um coordenador UAB, que é a
professora Masako Masuda. Ela representa o reitor junto ao sistema nacional,
inclusive do ponto de vista financeiro, porque ela é a ordenadora de despesas
do recurso que vem para a universidade fazer seus cursos. Então o sistema,
que começou com quarenta e poucas instituições, começou com quarenta e
poucos coordenadores UAB, também. Esses coordenadores UAB elegem um
presidente. Evidentemente, uma vez eleito esse presidente, isso é publicado
no Diário Oficial, através do presidente da Capes, reconhecendo esse fórum.
E esse fórum cria grupos de trabalho – o grupo de trabalho do financiamento,
o grupo de trabalho da qualidade dos cursos... – e, com isso, estabelece um
diálogo com a diretoria, num contraponto, realmente, para você garantir o
processo, do ponto de vista de que todos os lados são espelhados nessa
interlocução.

Junho de 2014 257


Verena Alberti e Maria Renata da Cruz Duran

Criamos também os fóruns de área. Os fóruns de áreas são aqueles fó-


runs que reúnem os coordenadores de curso. Porque, dentro da universidade,
você tem o coordenador UAB, que é a cabeça; depois, você tem os coordena-
dores de curso: o coordenador do curso de matemática, de biologia... Então,
criamos o Fórum da Área da Matemática, que agrega todos os coordenadores
de matemática de todas as instituições envolvidas... A Universidade Aberta
começou com uns vinte cursos de matemática, por exemplo, porque a Uni-
versidade Estadual de Ponta Grossa oferece um curso de matemática e a UFF
também. Então, cria-se um Fórum da Área de Matemática. E esse fórum é im-
portante porque ele vai compartilhar materiais: a UFF fez um material, a Es-
tadual de Ponta Grossa pode usar esse material. Ou vice-versa. Tem-se tam-
bém o Fórum da Biologia etc. Então existe outro conjunto de fóruns, que vão,
no caso, retroalimentar o processo qualitativo da Universidade Aberta.
Depois, tem também cinco outros fóruns, que são os fóruns dos coorde-
nadores de polo das cinco regiões brasileiras. Por exemplo, na região Sul, te-
mos lá o estado do Paraná, de Santa Catarina, Rio Grande do Sul, e um con-
junto de polos que atualmente podem montar a uns 150. Então, essa região
tem um fórum que são os coordenadores de polo e mais os coordenadores
UAB das instituições que oferecem curso nesse polo. Forma-se um fórum ali
e esse fórum tem reuniões anuais para discutir os grandes problemas, a ques-
tão da avaliação do polo, como é que se qualifica um polo etc.
Então, esses fóruns, que passam a ter uma existência fora da Diretoria de
Educação a Distância, realmente criam um conjunto de demandantes e de se-
res que pensam o processo, que ajudam o MEC e a Universidade Aberta a fa-
zer andar esse processo tão complexo. Evidentemente o grupo que está penan-
do lá dentro, que é o diretor de Educação a Distância... Tem o diretor, tem os
quatro coordenadores, que se ocupam dos vários setores da Universidade
Aberta, e um grupo que não chega a sessenta pessoas no total, para comandar
um sistema tão complexo, que, no primeiro ano, por exemplo, investiu cerca
de 300 milhões. Atualmente, já deve estar investindo na faixa de 800 milhões.

M.D. – E em termos de alunos, de 2007 a 2011, você vai de zero a quantos


alunos?
Nós conseguimos atingir a marca de seiscentos polos da Universidade
Aberta e cerca de 200 mil alunos que estavam inscritos no sistema.

258 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Entrevista – Celso José da Costa

M.D. – E quantas instituições de ensino superior?


Cerca de noventa instituições, entre universidades federais, universida-
des estaduais e institutos federais de educação. Esses polos, espalhados em to-
do o território nacional, alguns em regiões de dificílimo acesso, como é o ca-
so, por exemplo, do polo de São Gabriel da Cachoeira...

M.D. – É um polo famoso.


É o famoso polo que fica lá na tríplice fronteira – Colômbia, Venezuela e
Brasil – e que é na mata, realmente. Quer dizer, para você chegar lá, é uma se-
mana de barco, ou senão pega um daqueles aviões de passar medo, que você
sobrevoa e cai lá no polo. Cai, não, aterrissa no polo. Inclusive, São Gabriel da
Cachoeira é uma região riquíssima, do ponto de vista linguístico. Parece que
lá se falam mais de dez línguas distintas.

M.D. – Acho que são 28 línguas oficiais.


Vinte e oito línguas oficiais, imagina! Então é muito interessante. É uma
população indígena. E lá tem um curso de licenciatura em biologia. Quer di-
zer, biologia, mata, tudo muito próprio para as vocações do local. Então, esses
polos estão aí espalhados: o polo de Quixadá...

V.A. – E a seleção das pessoas que trabalham nos polos, como é feita?
Aí tem alguns desafios e algumas contradições do sistema. Um polo é
montado pelo prefeito. Então, dentro do edital que inaugurou a Universidade
Aberta, o prefeito seria responsável por tudo do polo: pela infraestrutura, pelo
pessoal... Mas é evidente que o prefeito não tem como missão institucional fo-
mentar a educação superior. Quer dizer, o município fomenta a educação fun-
damental; o estado está com o ensino médio e com o ensino superior, e o gover-
no federal está com o ensino superior. No entanto, o prefeito foi chamado a
colaborar no processo, financiando a educação superior. Então, logo o MEC se
apercebeu disso... Inclusive, foi uma das coisas que eu disse ao Ronaldo Mota
num congresso aqui no Rio de Janeiro. Primeiramente, os prefeitos pagariam o
tutor presencial lá. Aí eu fiz uma conta para o Ronaldo Mota ver que pagar os
tutores presenciais não era grande investimento, em vista dos recursos que se-
riam disponibilizados para a Universidade Aberta. Então, com essa conversa,

Junho de 2014 259


Verena Alberti e Maria Renata da Cruz Duran

ele já mudou, fazendo com que o governo federal pagasse os tutores presenciais
também. E o governo federal passou a arcar também com o primeiro laborató-
rio, a primeira biblioteca. E paga uma bolsa para o coordenador do polo, tam-
bém. Isso dá uma certa autonomia de interferência política.

M.D. – Mas o coordenador do polo, por exemplo, são três currículos sele-
cionados...
V.A. – Como assim, três currículos?

M.D. – O prefeito seleciona três currículos, envia para a Capes, e aí a Capes,


junto com as instituições, define quem vai ser o selecionado para pegar uma
bolsa. Em geral são professores da rede municipal que já têm uma experiência
com... Uma das pesquisas que a gente já fez – não é, Celso? – foi sobre esse perfil
do coordenador de polo. Foi engraçado porque nós encontramos, pesquisando
setenta polos da Região Norte, Nordeste e Sul, mulheres de 30 a 50 anos que já
tinham ocupado alguma posição de liderança, como secretarias municipais, ou
que já tinham uma certa experiência com projetos inovadores – então, o pessoal
que desenvolve coisas diferentes, digamos assim, dentro do município –, todas
graduadas e a maioria com pelo menos uma especialização – algumas mestres
e uma ou duas doutoras. Nos polos, elas foram um pouco responsáveis também
pela seleção da equipe multidisciplinar, que, em geral, também é retirada ou
indicada a partir dos professores da rede. Então são os professores que um pouco
contribuem para montar essa estrutura administrativa daquilo que o Haddad
chamava de Casa do Professor.
Exato.

M.D. – Ele usava essa expressão: “Essa, então, vai ser a Casa do Professor”.
A ideia de ser um centro de formação. Porque a UAB atende mais formação
docente, não é, Celso?
Isso é uma questão também importante, porque a Universidade Aberta
surge vocacionada para a formação de professores, que é um grande deficit
nacional, é um grande desafio. Aliás, a educação básica é, realmente, um dos
desafios mais importantes da nação – o sistema de saúde também, e agora
vem a mobilidade também, mas, realmente, a educação básica é um gargalo

260 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Entrevista – Celso José da Costa

fundamental. E a gente vê, por exemplo, que nós temos um contingente de 2


milhões de professores na educação básica pública e, desses 2 milhões, a gente
tem cerca de 600 mil sem graduação.

M.D. – Esse era o dado em 2007, que justificava o lançamento do decreto.


Exatamente. O lançamento do decreto se justificava dessa maneira. E o
desafio ainda é mais impressionante, porque a gente tem um contingente de
estudantes... O Brasil tem 200 milhões de habitantes, por aí. Desses 200 mi-
lhões, quase 20%, quer dizer, 5 milhões, são estudantes da educação básica.
Então é um dado. De cada cinco habitantes, um é estudante da educação bá-
sica. E agora, quando você pega esse contingente, por exemplo, de 5 ou 6 mi-
lhões, é mais da metade do Bolsa Família. Quer dizer, é um desafio. O que é o
Bolsa Família? O Bolsa Família é uma bolsa que é dada para a mãe, geralmen-
te, mas ela tem que ter o filho na escola. O que cria um desafio impressionan-
te para o professor, porque, muitas vezes, essa criança está desmotivada, ali na
escola básica, mas ela tem que ter a caderneta de presença em dia, senão não
recebe o Bolsa Família também. Quer dizer, realmente, é decifra-me ou te de-
voro, a educação básica brasileira.
E o ministro Haddad, a grande contribuição dele para esse problema foi
exatamente abrir essa caixa-preta. A partir do ministro, a gente passa a parti-
cipar do Pisa, o Programa Internacional de Avaliação de Alunos, por exem-
plo. Tem muitos países que não participam do Pisa porque não querem lavar
a roupa suja no Pisa. “Seremos os últimos colocados? Não tem problema. Va-
mos entrar no Pisa.” Quer dizer, a educação básica tem todos esses proble-
mas? Tem. Mas vamos deixar isso aberto para todos. Porque evidentemente
não é um problema do governo; é um problema da sociedade. E aí surge a
Universidade Aberta como sendo uma contribuição importante para ajudar
nesse processo. A formação de professores passa a ser realmente o
carro-chefe.
Mas, também, a gente tem um problema de gestão. Quer dizer, a adminis-
tração pública é um problema, também, no país. A gente sabe a dificuldade que
nós temos ao lidar com a falta de qualificação dos funcionários que trabalham
na universidade. Eu sou diretor, atualmente, do Instituto de Matemática e Esta-
tística da UFF, que é um instituto que tem 160 professores, um instituto impor-
tante, e um conjunto de funcionários com que a gente tem muita dificuldade, do

Junho de 2014 261


Verena Alberti e Maria Renata da Cruz Duran

ponto de vista da formação. Então, a administração pública passa a ser também


uma vertente de colaboração que a Universidade Aberta oferece para a socieda-
de na questão da formação: o bacharelado em administração pública, a especia-
lização em gestão pública municipal e em gestão da saúde.36
Eu acho que isso aí também nos leva à questão do futuro da Universida-
de Aberta. De certo modo, a Universidade Aberta começa realmente com es-
ses cursos de formação de professores, tentando resolver esse deficit tremen-
do que a gente tem na questão da formação de professores. Em seguida, a
questão da administração pública, que passa a ser um braço importante, tam-
bém, de formação. E o passo à frente é aprofundar a formação de professores,
com mestrados stricto sensu, que é, realmente, um dos grandes desafios da
Capes. Porque a Capes é um garante de qualidade da pós-graduação. E como
garantir uma pós-graduação stricto sensu de qualidade a distância? A Capes
teve experiências passadas traumáticas em relação a isso. A Universidade Fe-
deral de Santa Catarina, há uns 20 anos, lançou um mestrado a distância que
se desconfigurou, do ponto de vista do controle da qualidade. Tinha um pro-
fessor orientando, sei lá, quarenta ou cinquenta teses, e aí realmente compli-
cou a situação...

V.A. – Em que área foi?


Acho que foi na área de engenharia de produção. Então, a Capes fechou
esse mestrado. E aí está sendo lento esse processo de amadurecimento da
questão qualitativa. Mas, quando eu estava como diretor da Educação a Dis-
tância da Capes, pude dar uma contribuição na minha área, que foi exata-
mente formatar e colocar em produção um mestrado profissional em mate-
mática, dedicado a professores da rede. É o chamado ProfMat.

V.A. – Agora tem o ProfHistória, também.


Tem o ProfHistória... Tem vários Profs. Mas esse primeiro Prof foi criado
em matemática. Eu interagi com a Sociedade Brasileira de Matemática, com
meu amigo Hilário Alencar da Silva.37 E, como vice-presidente, outro amigo, o
Marcelo Viana, do Impa.38 O Hilário é inclusive especialista da área de geome-
tria, que é a minha área. O Marcelo Viana é da área de sistemas dinâmicos do
Impa. E aí, através da Sociedade Brasileira de Matemática, a gente formulou o
ProfMat. E o ProfMat foi muito importante porque começou com 2 mil vagas

262 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Entrevista – Celso José da Costa

e a participação de quase cinquenta universidades, cada uma pegando 25 alu-


nos ou trinta alunos. Os alunos, que são professores da rede pública que pas-
sam a estudar esse mestrado, recebem uma bolsa. O ministro Haddad inclusi-
ve assinou uma portaria diferenciada. Porque, para o mestrado profissional, a
Capes não oferece bolsa nem o CNPq – só oferece para os mestrados stricto
sensu e doutorados –, mas, no caso do ProfMat, se era professor da rede, ele
mereceria essa bolsa. Então passou esse pessoal a ser bolsista.

V.A. – Que é uma bolsa igual à de mestrado acadêmico normal?


Igual à de mestrado acadêmico normal. Então, o ProfMat surgiu com um
desenho muito especial, porque era um desenho em que a Sociedade Brasilei-
ra de Matemática ficaria responsável pela coordenação nacional, e a prova de
acesso, de seleção dos professores que participarão dos cursos, é feita nacio-
nalmente, também. O primeiro coordenador do ProfMat foi exatamente o
professor Elon Lages Lima, meu professor antigo. O Elon atualmente tem 86
anos; é um ano mais novo que o Manfredo do Carmo, que é de 1927. O Elon
foi chamado a prestar essa contribuição como articulador, como um padri-
nho, e foi colocado um professor da Unicamp para fazer o processo
operacional.
E aí teve um episódio muito interessante. Houve uma grande discussão,
na Capes, de que o curso era muito conteudista, pegava muito no conteúdo e
esquecia da formação cidadã, aquela discussão terrível que sempre acontece.
Aí esse professor, que era o coordenador operacional, trouxe para o Elon ver
qual era a prova que aplicaria para os professores terem acesso. O Elon olhou
a prova e falou assim: “Olha, essa prova aí, se o professor passar nessa prova,
nós já damos o título para ele”. [risos]

V.A. – Não precisa fazer o mestrado.


Porque é aquela cabeça do professor que está na pesquisa e não percebe a
realidade da escola.

V.A. – Mas esse ProfMat também era a distância?


Ele é semipresencial, é a distância. Nós temos o ProfMat ali da UFF: os
professores têm aula aos sábados e tem muitas tarefas que eles têm que

Junho de 2014 263


Verena Alberti e Maria Renata da Cruz Duran

cumprir remotamente. Existe uma plataforma, e eles também acessam a


plataforma.

M.D. – Porque, na verdade, toda a EAD brasileira... o modelo é semipre-


sencial.
É semipresencial. Inclusive, a necessidade do polo é estabelecida por um
decreto do MEC. Tem que ter polo. Não é credenciada para a educação a dis-
tância uma instituição que queira fazer a educação a distância sem polo.
No ProfMat, o material é feito também centralmente e distribuído para
todas as instituições, e as instituições que aderem ao processo fazem a parte
acadêmica, o ensino e o aprendizado dos estudantes. Depois de 1 ano de cur-
so, há um exame de qualificação, que é feito nacionalmente, também. Então,
a Sociedade Brasileira de Matemática propõe esse exame e o aluno, para ter
acesso à segunda fase, tem que passar nesse exame. Quer dizer, isso aí vai ga-
rantindo a qualidade do processo. O grande desafio do ProfMat agora é inte-
riorizar e flexibilizar mais essa questão da parte presencial e da parte a distân-
cia. Há uma necessidade também de ajustar a questão de financiamento,
porque há uma certa dificuldade de financiar, em relação aos ProfMat, por-
que eles têm um pé na Universidade Aberta, mas também têm um pé em ou-
tras diretorias da Capes.
E outro movimento também importante do sistema Universidade Aberta
é o movimento de internacionalização, principalmente em relação à dívida
africana. Eu vejo que o Brasil tem uma dívida africana, em relação aos países
aqui do sul. E, em função disso, a Capes também abriu cursos de universida-
des brasileiras – cursos a distância – em Moçambique. Foram abertos quatro
cursos lá de educação a distância – evidentemente, com cooperação das uni-
versidades locais. O curso de licenciatura em matemática da UFF, que está já
no terceiro ano, vai formar os alunos agora e está se preparando para lançar
uma nova turma; a UniRio está fazendo um curso de pedagogia lá; a Univer-
sidade Federal de Goiás está fazendo um curso de biologia, e a Universidade
Federal de Juiz de Fora está fazendo o curso de bacharelado em administração
pública. Então, essa é a colaboração internacional da Universidade Aberta.
De maneira geral, eu vejo que o grande desafio da Universidade Aberta e
da metodologia a distância é você garantir a escala com qualidade. Porque o
deficit educacional brasileiro é impressionante. A gente vê que menos de 20%

264 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Entrevista – Celso José da Costa

dos jovens de 18 a 24 anos estão comprometidos com o curso superior. Sem


falar na questão do ensino médio, também: a evasão. Quer dizer, é um funil,
não é? É evidente que são deficiências que vêm da escola básica e das dificul-
dades do ensino médio. O MEC, atualmente, está muito preocupado com a
questão do ensino médio, está centrando bastante força na questão de você
criar um ensino médio inovador, que é um dos programas que o MEC está
atualmente levando à frente com as universidades públicas – a UFF também
está participando.
Então, o sistema Universidade Aberta, que pretendia, no seu desenho, já
desde o início, ter mil polos no território nacional... E o nome diz muito: um
polo significa que ele atende a população do município e atende também a
população dos municípios vizinhos. Se cada polo atender o seu município se-
de e também quatro outros municípios na vizinhança, mil polos atenderiam
todas as cidades brasileiras. E aí tem também uma contradição, porque algu-
mas vezes o prefeito não entende: ele está financiando o polo dele, no entanto,
tem eleitores dos outros municípios estudando ali no polo. Tem que ter uma
certa generosidade, e algumas vezes alguns prefeitos pensam pequeno, acham
que têm que atender seu público, não realmente atender também para fora.
Porque tudo retroage, não é? Ele não entende isso, muitas vezes.

M.D. – E também fomenta uma espécie de colaboração que ainda não está
muito clara no Brasil.
Exatamente. Quer dizer, eu acho que os mil polos e a totalidade das ins-
tituições públicas participando do processo são a meta, e a meta seria atingir
um milhão de estudantes. O que não é uma meta arrojada. Se considerarmos
mil polos com a média de mil estudantes em cada polo, é uma média modesta
até, porque a gente tem polos que comportam 4 mil estudantes, como é o polo
de Volta Redonda, por exemplo. Então, isso aí significaria que a gente teria,
através da metodologia a distância, do sistema Universidade Aberta do Brasil
e do compromisso das instituições públicas, dobrado a capacidade do sistema
brasileiro, com um investimento que corresponderia a um acréscimo de 30%
só. Quer dizer, se hoje há um financiamento na educação, se você botar 30% a
mais desse financiamento, você consegue dobrar, pelo sistema Universidade
Aberta do Brasil. Mas isso aí só é justificável, do ponto de vista social, se tiver

Junho de 2014 265


Verena Alberti e Maria Renata da Cruz Duran

qualidade, não é? Então é preciso você ter uma escala de dobrar, mas também
precisa ter um controle dessa qualidade, para que o processo seja meritório.
E evidentemente outro dos grandes benefícios desse processo é ter aberto
as portas da universidade para a educação básica e para o interior do país. As
universidades viviam muito isoladas da sociedade, de maneira geral. Existiam
alguns processos de extensão, Uerj de Portas Abertas, naqueles momentos es-
peciais, assim, mas não tinha realmente um contato profundo com a socieda-
de e, principalmente, com o interior do país. Então, as universidades abrem as
portas. Se alguma justificativa tem para a palavra aberta do sistema Universi-
dade Aberta do Brasil é exatamente ter aberto as portas. Porque não é uma
educação que não exige pré-requisitos para acesso; no sistema Universidade
Aberta, você exige que o sujeito tenha o ensino médio para poder acessar um
curso. Então, esse aberta talvez seja das portas, que estão abertas aí para aten-
der à sociedade. Esse é um grande benefício, também: a universidade tomar
consciência de que o papel de formação de professores é um papel que tem
que estar ligado com o chão da escola.
Aí, outro grande desafio dentro das universidades é você fazer uma re-
forma das licenciaturas, porque as licenciaturas estão muito fechadas em si
mesmas, sem olhar essa realidade, que é a necessidade de um processo de en-
sino e aprendizagem que tem que se atualizar, porque a realidade brasileira é
uma realidade muito diferente do tempo em que esses projetos foram pensa-
dos. Quer dizer, meu curso de matemática lá da Universidade Federal Flumi-
nense é um curso que foi pensado para um Brasil que já não é mais o mesmo,
para uma escola que já não é mais a mesma. Então, muitos desafios, mas mui-
to entusiasmo, também, para poder realizar.

V.A. – Muito bom. Quando o Carlos Bielschowsky chamou você para tomar
um café, você estava dando uma palestra lá no Instituto de Física da UFRJ, não é?
Isso.

V.A. – E aí o que você acha que o Carlos viu nesse momento? Pensou assim:
“Esse é um bom quadro”? Ele falou para você por que o chamou?
Tem uma frase de que eu gosto muito, do Wanderley de Souza. Teve a
posse dos novos membros da Academia Brasileira de Ciências. Faço parte da
Academia Brasileira de Ciências desde 1998 ou 1999, eu acho. E fui nessa

266 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Entrevista – Celso José da Costa

posse, e o Wanderley de Souza, que é também acadêmico, estava lá e falou:


“Oi, Celso! O que você está fazendo aqui?” – brincando, não é? Eu, na verda-
de, fui nessa posse porque queria encontrar alguns reitores, continuar nosso
processo de articulação, vender o peixe para as pessoas. Aí falei: “Olha, Wan-
derley, estou me lembrando da história do Godard no Festival de Cannes”.39
Porque o Godard nunca ia ao Festival de Cannes. E, num certo momento, ele
foi ao Festival de Cannes. Então os jornalistas todos foram lá perguntar para
o Godard: “Godard, o que mudou? Você veio para o Festival de Cannes?”. E
falou assim: “É, sim, eu vim, mas vim aqui para cobrar a dívida de alguns pro-
dutores”. Então, eu estava ali também cobrando algumas dívidas.
Eu acho que as coisas são feitas também muito pela amizade. E, se existe
uma competência instalada para que a amizade não possa ser turvada pelas
deficiências pessoais, acho que é o melhor dos mundos. O Carlos Bielscho-
wsky é uma das pessoas mais impressionantes que eu vi em termos de perfor-
mance de gestão. Junto com outras pessoas que também me impressionaram
muito, como o próprio Wanderley de Souza, o ministro Haddad... Então, de
algum modo, o Carlos Bielschowsky, apesar de a gente estar há muito tempo
separado, ele sabia da minha história em matemática e sabia que as portas da
universidade estariam abertas se ele conseguisse me convencer a me envolver
pelo processo na matemática, assim como, depois, a gente começou a envol-
ver outras pessoas também nesse processo.

M.D. – Um pouco você acha que ele escolheu você pelo seu prestígio acadê-
mico?
Pelo prestígio acadêmico. Como ele era um sujeito que vinha da área de
avaliação, sabia que o prestígio acadêmico era importante para você abrir as
portas da universidade.

M.D. – Porque é a medida de cálculo. A indexação da universidade é o


mérito, não é?
É o mérito. É a questão, por exemplo, da pesquisa. Uma coisa que realça e
que coloca em evidência uma instituição é sua capacidade de pesquisa. Ela so-
brevive na história através da sua capacidade de pesquisa. E isso é um dos ho-
rizontes que se apresenta também para a Universidade Aberta, que é exata-
mente você desenvolver o processo de pesquisa. Porque, no primeiro

Junho de 2014 267


Verena Alberti e Maria Renata da Cruz Duran

momento, nós tivemos essa estruturação; agora, o próximo momento, que está
na mão do Teatini Clímaco, que é o diretor que está na posição que eu ocupa-
va anteriormente, é um processo de consolidação. Quer dizer, aí é preciso con-
solidar: consolidar institucionalmente a educação a distância nas universida-
des; consolidar qualitativamente os polos, num processo de convencimento
dos prefeitos e da comunidade de tudo isso aí. Então, o momento da Universi-
dade Aberta é um momento de consolidação.
Acho que fiquei devendo só a questão do meu encontro com meu profes-
sor de matemática...

V.A. – O Oswaldo. Eu estava aqui vendo: está faltando responder.


Então, aconteceu o seguinte: nessa minha viagem nostálgica visitando os
cantos onde vivi na minha infância e na minha adolescência, passei lá mape-
ando as minhas sete casas em Jundiaí do Sul, sentei no banco lá da praça, e fui
também para Santo Antônio da Platina, para encontrar meus professores, fa-
zer uma visita.

V.A. – Quando você fez essa volta ao passado?


Foi logo depois que voltei da França. Voltei da França em 1989 e, em
1991, fiz essa visita nostálgica ao interior do Paraná. E aí visitei o Oswaldo
Giovanetti, meu professor. Chegando lá, comecei a contar para ele sobre mi-
nha pesquisa em matemática, e aí comecei a explicar a superfície Costa para
ele, como se ele fosse meu par. Mas evidentemente os conhecimentos dele de
matemática não eram suficientes para alcançar realmente em profundidade o
que eu tinha feito. Mas, de alguma maneira, consegui contar para ele um pou-
co a história da superfície Costa. Depois que saí daquela reunião com ele, fi-
quei: “Puxa! Realmente, acho que peguei um pouco pesado” – no caso, em
relação à expectativa que eu tinha de ele entender realmente como é que foi
aquela semente, e que, no fundo, ele foi responsável por ter cultivado em mim
a disciplina.
E aí ele falou por que não quis ser meu professor no terceiro ano científi-
co: porque tinha insegurança em relação à matéria. Olha só! Ele sempre tinha
dado aula no primeiro e no segundo anos, e tinha insegurança em relação à
matéria que seria estudada na terceira série; por isso não foi meu professor.
Eu lamentei muito que a decisão dele tenha sido por essa parte, porque,

268 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Entrevista – Celso José da Costa

certamente, ele seria dez vezes melhor do que o professor que nós tivemos,
mesmo com as dificuldades que ele podia ter.

NOTAS
1
O professor Celso Costa e Maria Renata Duran fizeram a revisão da transcrição; edição e
notas: Verena Alberti.
2
Currículo da Plataforma Lattes, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq), disponível em http://lattes.cnpq.br/.
3
Jules Molk (1857-1914) e Jules Tannery (1848-1910).
4
Leonhard Euler (1707-1783).
5
Jean Baptiste Meusnier (1754-1793).
6
Trata-se do 9th Breckenridge (Colo.) International Snow Sculpture Championships, de
1999, vencido pelo escultor norte-americano Helaman Ferguson (1940) e sua equipe. Dis-
ponível em: http://stanwagon.com/snow/breck1999/index.html; Acesso em: 14 jun. 2014.
7
Australian Wildlife Health  Centre. Disponível em: http://architectureau.com/articles/
australian-wildlife-health-centre/; Acesso em: 14 jun. 2014.
8
Karl Weierstrass, matemático alemão (1815-1897).
9
Shing-Tung Yau (1949).
10
Prêmio quadrianual atribuído pela União Internacional de Matemática.
11
Carlos Eduardo Bielschowsky, graduado (1977) e mestre (1980) em física pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro e doutor em física pelo Centro Brasileiro de Pes-
quisas Físicas (1984), é professor da UFRJ. Atuou desde o início da carreira, até 2011, na
área de química, com ênfase em físico-química. Foi coordenador do Cederj de 1989 a 1997
e secretário de Educação a Distância do MEC de junho de 2007 a dezembro de 2010. Em
janeiro de 2011 voltou a ocupar a presidência da Fundação Centro de Ciências e Educação
Superior a Distância do Estado do Rio de Janeiro (Cecierj)/Consórcio Cederj. Disponível
em: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4783215A6; Acesso em:
14 jun. 2014.
12
O biofísico Wanderley de Souza (1951) foi reitor da Uenf de 16 ago. 1993 a 8 fev. 1995 e
secretário de Estado de Ciência e Tecnologia, no Rio de Janeiro, de 1999 a 2002, durante o
governo de Anthony Garotinho. Disponível em: http://www.uenf.br/portal/index.php/br/
institucional/galeria-ex-reitores.html e http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualiza-
cv.do?id=K4787926A9; Acesso em: 14 jun. 2014.
13
O antropólogo Darcy Ribeiro (1922-1997) foi reitor da Universidade de Brasília (1961-
1962), ministro da Educação (1962-1963) e chefe do Gabinete Civil da Presidência da Repú-
blica (1963-1964), durante o governo de João Goulart. Após o fim da ditadura militar, du-
rante o primeiro governo Leonel Brizola, no Rio de Janeiro (1983-1987), foi vice-governador

Junho de 2014 269


Verena Alberti e Maria Renata da Cruz Duran

e secretário estadual de Ciência e Cultura, além de coordenar o Programa Especial de Edu-


cação, cuja principal meta era a implantação dos Centros Integrados de Educação Pública
(CIEPs). Entre 1991 e 1997, foi senador pelo Rio de Janeiro, envolvendo-se particularmente
com a elaboração da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), promul-
gada em 1996. Durante o segundo governo de Leonel Brizola no estado do Rio (1991-1994)
licenciou-se do Senado entre 1991 e 1992 para assumir a secretaria estadual de Projetos
Especiais de Educação do governo fluminense, cujo principal objetivo era promover a reto-
mada da implantação dos CIEPs. Nesse período também coordenou criação da Universida-
de Estadual do Norte Fluminense (Uenf), no município de Campos. Ver seu verbete no
Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro do CPDOC-FGV, disponível em http://www.fgv.
br/cpdoc/busca, e sua biografia na página da Fundação Darcy Ribeiro, http://www.fundar.
org.br/; Acesso em: 14 jun. 2014.
14
Adilson Gonçalves foi reitor da Uenf de janeiro a julho de 1999. Disponível em: http://
www.uenf.br/portal/index.php/br/institucional/galeria-ex-reitores.html; Acesso em: 14 jun.
2014.
15
O Consórcio Cederj foi criado em 2000. Atualmente ele reúne sete instituições públicas
de ensino superior no estado do Rio de Janeiro: Centro Federal de Educação Tecnológica
Celso Suckow da Fonseca (Cefet), Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ri-
beiro (Uenf), Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Universidade Federal Flu-
minense (UFF), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Federal Ru-
ral do Rio de Janeiro (UFRRJ) e Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio).
De acordo com a página da instituição, o objetivo do consórcio é “levar educação superior,
gratuita e de qualidade a todo o Estado do Rio de Janeiro”. Disponível em: http://cederj.edu.
br/cederj/sobre/; Acesso em: 14 jun. 2014.
16
As seis universidades públicas eram a Uenf, a Uerj, a UFF, a UFRJ, a UFRRJ e a UniRio.
Segundo informação do professor Celso Costa, fornecida em momento posterior, o Cefet
juntou-se ao consórcio em 2011.
17
Marco Antonio Chaer do Nascimento. Disponível em: http://buscatextual.cnpq.br/busca-
textual/visualizacv.do?id=K4727440U6; Acesso em: 14 jun. 2014.
18
Wilmar Dias da Silva. Disponível em: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualiza-
cv.do?id=K4788975Z3; Acesso em: 14 jun. 2014.
19
Luiz Felipe Alvahydo de Ulhoa Canto. Disponível em: http://buscatextual.cnpq.br/busca-
textual/visualizacv.do?id=K4721445A6; Acesso em: 14 jun. 2014.
20
De acordo com sua página, a UniRede “foi um consórcio interuniversitário criado em
dezembro de 1999 com o nome de Universidade Virtual Pública do Brasil”, com o objetivo
de “dar início a uma luta por uma política de Estado visando a democratização do acesso ao
ensino superior público, gratuito e de qualidade e o processo colaborativo na produção de
materiais didáticos e na oferta nacional de cursos de graduação e pós-graduação”. Disponí-
vel em: http://www.aunirede.org.br/portal/; Acesso em: 14 jun. 2014.
21
Anthony Garotinho foi governador do estado do Rio de Janeiro de janeiro de 1999 a abril

270 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Entrevista – Celso José da Costa

de 2002, quando foi substituído pela vice-governadora Benedita da Silva, que completou o
mandato até janeiro de 2003.
22
Ricardo Vieiralves de Castro foi secretário de Estado de Ciência e Tecnologia, no Rio de
Janeiro, de abril a dezembro de 2002 e tornou-se reitor da Uerj em 2008. Disponível em:
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?metodo=apresentar&id=K478074
1H0; Acesso em: 14 jun. 2014.
23
A Universidade a Distância de Hagen, FernUniversität Hagen, foi fundada em 1974. Otto
Peters foi seu reitor nos dez primeiros anos de existência. Disponível em: http://ifbm.fernu-
ni-hagen.de/struktur/emeriti/otto-peters/view?set_language=en; Acesso em: 14 jun. 2014.
24
De acordo com sua página, a Creative Commons é uma “organização sem fins lucrativos
que permite o compatilhamento e o uso de criatividade e conhecimento por meio de ferra-
mentas legalmente livres” (tradução livre). Disponível em: http://creativecommons.org/
about; Acesso em: 14 jun. 2014.
25
Fundação Cecierj, Centro de Ciências e Educação Superior a Distância do Estado do Rio
de Janeiro, órgão vinculado à Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia. Disponível em:
http://cederj.edu.br/fundacao/fundacao-cecierj-consorcio-cederj/.
26
A The Open University é uma universidade de ensino a distância, fundada em 1969 e
mantida pelo governo do Reino Unido. Disponível em: http://www.open.ac.uk/; Acesso em:
14 jun. 2014.
27
Em momento posterior à entrevista, o professor Celso Costa explicou que se tratava de
um nome fictício japonês, escolhido porque o japonês é uma língua difícil de entender, para
os que não a conhecem.
28
Uned, criada em 1972. Disponível em: http://portal.uned.es.
29
Fernando Haddad assumiu o cargo de prefeito da cidade de São Paulo em janeiro de 2013.
Graduado em direito (1985), mestre em economia (1990) e doutor em filosofia (1996), sem-
pre pela USP, é professor do Departamento de Ciência Política da mesma universidade. Foi
assessor especial do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (2003), na gestão de
Guido Mantega (2003-2004), secretário executivo do Ministério da Educação (2004), na
gestão de Tarso Genro (2004-2005), e Ministro da Educação (2005-2012). Disponível em:
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?metodo=apresentar&id=K478226
3J1; Acesso em: 14 jun. 2014.
30
Fernando Henrique Cardoso presidiu o país em dois mandatos consecutivos: 1995-1999
e 1999-2002.
31
De acordo com a página do MEC, “A primeira versão dos referenciais de qualidade para
educação a distância foi elaborada em 2003. No entanto, dada a necessidade de atualização
do documento anterior, tendo em vista a dinâmica do setor e a renovação da legislação,
uma comissão de especialistas foi composta para sugerir mudanças no documento, em
2007”. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=art
icle&id=12777%3Areferenciais-de-qualidade-para-ead&catid=193%3Aseed-educacao-a-
-distancia&Itemid=865; Acesso em: 14 jun. 2014. A versão de agosto de 2007 está disponí-

Junho de 2014 271


Verena Alberti e Maria Renata da Cruz Duran

vel em http://portal.mec.gov.br/seed/arquivos/pdf/legislacao/refead1.pdf; Acesso em: 14


jun. 2014.
32
Ronaldo Mota foi secretário Nacional de Educação a Distância do MEC de março de 2005
a abril de 2007, na gestão de Fernando Haddad (2005-2012). Disponível em: http://busca-
textual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?metodo=apresentar&id=K4787073Z5; Acesso
em: 14 jun. 2014.
33
O primeiro edital de seleção de “Polos Municipais de Apoio Presencial e de Cursos Supe-
riores de Instituições Federais de Ensino Superior na Modalidade de Educação a Distância
para o ‘Sistema Universidade Aberta do Brasil- UAB’”, de 16/12/2005, está disponível em
http://portal.mec.gov.br/seed/arquivos/pdf/edital_dou.pdf; Acesso em: 14 jun. 2014.
34
João Carlos Teatini de Souza Clímaco é engenheiro civil pela Universidade Federal de
Goiás (1971), mestre em engenharia civil pela Coordenação dos Programas da Pós-Gradua-
ção em Engenharia (Coppe) da UFRJ (1975) e doutor em engenharia estrutural pela Polyte-
chnic of Central London, hoje University of Westminster (1990). Professor da Universida-
de de Brasília desde 1974, foi secretário de Educação a Distância (2003-04) e coordenador
geral de Supervisão em Educação a Distância (out/2008 jan/2009), no MEC, e, em fevereiro
de 2009, assumiu o cargo de diretor de Educação Básica Presencial da Capes, de acordo com
seu currículo disponível na Plataforma Lattes. Disponível em: http://buscatextual.cnpq.br/
buscatextual/visualizacv.do?id=K4781214J6; Acesso em: 14 jun. 2014. De acordo com a pá-
gina da Capes, é atualmente o titular da Diretoria de Educação a Distância (DED). Disponí-
vel em: http://www.capes.gov.br/acessoainformacao/institucional; Acesso em: 14 jun. 2014.
35
Fazem parte, atualmente, da Capes as seguintes diretorias: de Gestão (DGES), de Tecno-
logia e de Informação (DTI), de Programas e Bolsas no País (DPB), de Avaliação (DAV), de
Relações Internacionais (DRI), de Formação de Professores da Educação Básica (DEB) e de
Educação a Distância (DED). Disponível em: http://www.capes.gov.br/acessoainformacao/
institucional; Acesso em: 14 jun. 2014.
36
Depois de gravada a entrevista, o professor Celso Costa acrescentou que a UAB oferece
quatro cursos no âmbito do Programa Nacional de Administração Pública (PNAP): um
bacharelado em administração pública e três cursos de especialização – em gestão pública,
gestão pública municipal e gestão da saúde.
37
Hilário Alencar da Silva, professor da Universidade Federal de Alagoas e presidente da
Sociedade Brasileira de Matemática (SBM) de 2009 a 2013, é coordenador Acadêmico Na-
cional do ProfMat. Disponível em: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.
do?id=K4786697D3; Acesso em: 14 jun. 2014.
38
Marcelo Miranda Viana da Silva, pesquisador titular no Impa e vice-presidente da SBM a
partir de 2009, foi um dos idealizadores do ProfMat. Disponível em: http://buscatextual.
cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4793910D1; Acesso em: 14 jun. 2014.
39
Jean-Luc Godard (1930), cineasta franco-suíço.

Entrevista recebida em 30 de maio de 2014. Aprovada em 27 de junho de 2014.

272 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Arranhando o iceberg: um olhar sobre os
cursos de História através do Censo da
Educação Superior no Brasil (2001-2012)
Scratching the iceberg: a look at the history courses through
the Census of Higher Education in Brazil (2001-2012)
Paulo Eduardo Dias de Mello*

Resumo Abstract
O artigo apresenta e analisa um conjun- This paper presents and analyzes a da-
to de dados sobre os cursos de Forma- taset on courses for History Teachers in
ção de Professores de História, na mo- classroom mode and distance educa-
dalidade presencial e educação a tion, and History Bachelor in Brazil
distância, e História Bacharelado no (2001-2012) drawn from the Census of
Brasil (2001 a 2012) elaborados a partir Higher Education conducted by the
do Censo da Educação Superior reali- National Institute of Educational Stud-
zado pelo Instituto Nacional de Estudos ies Teixeira (Inep). Are presented and
e Pesquisas Educacionais Anísio Teixei- discussed data on trends in the number
ra (Inep). São apresentados e discutidos of courses and the enrollment period,
dados sobre evolução do número de seeking to understand the characteris-
cursos e das matrículas no período, bus- tics and dynamics of supply of courses,
cando entender as características e a di- scaling forms of participation of the
nâmica da oferta de cursos, dimensio- government and the private sector. The
nando as formas de participação do study shows the growth in the supply of
poder público e do setor privado. O es- history courses in the country, in par-
tudo aponta o crescimento da oferta de ticular courses for History Teachers in
cursos de História no país, em particu- distance mode, and indicates a sharp
lar dos cursos de Formação de Professo- division between the participating pub-
res na modalidade a distância, e indica lic and private sectors, both in the form
uma divisão nítida da participação entre of academic organization, as the mode
o setor privado e público, tanto na for- of supply.
ma de organização acadêmica, quanto Keywords: Higher Education; Bachelor
na modalidade de oferta. of History; distance education.
Palavras-chave: ensino superior; licen-
ciatura em História; educação a distân-
cia (EAD).

*Doutor em Educação, professor do Departamento de História da Universidade Estadual de Ponta


Grossa, PR (UEPG). paulodemello04@gmail.com

Revista História Hoje, v. 3, nº 5, p. 275-290 - 2014


Paulo Eduardo Dias de Mello

As estatísticas educacionais usualmente são vistas sob suspeitas. Questio-


na-se a forma como os dados são coletados, indaga-se sobre os critérios que
presidem a formulação de indicadores, duvida-se dos números e resultados
apresentados. Este simples artigo não busca questionar procedimentos e os
números nesse sentido crítico. Nosso objetivo é mais modesto. Tomando os
dados fornecidos pelo Censo da Educação Superior1 elaborado pelo Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), lança-
mos um olhar para o período de 2001 a 2012, e focamos no último triênio, para
perceber mudanças e tendências que os números indicam terem ocorrido ou
estarem ocorrendo nos cursos de História existentes no Brasil, sejam eles de
Bacharelado ou de Formação de Professores, na modalidade presencial ou a
distância (Educação a Distância – EAD).
Afinal, nestes últimos 12 anos o que tem acontecido com a oferta de cur-
sos de História no Brasil? O número de cursos cresceu em todas suas formas
e modalidades? Como tem sido a distribuição de cursos entre o Bacharelado e
a Formação de Professores? Como tem se comportado a oferta de cursos de
História na modalidade de Educação a Distância? Qual tem sido a participação
do setor público e do setor privado na oferta de cursos de História? Onde estão
matriculados os estudantes de História? Qual a proporção de cursos ofertados
em Universidades e Faculdades? Qual curso concentra o maior número de
matrículas? Qual deles possui a maior e a menor média de alunos por turma?
Será que os dados do Censo da Educação Superior permitem perceber algumas
tendências para o futuro dos cursos de História?
Mais que prospectar o futuro dos cursos de História, este breve estudo
procura verificar o que pode ser traduzido por alguns indicadores do Censo
da Educação Superior num olhar retrospectivo sobre os últimos 12 anos. Trata-
-se, portanto de um estudo quantitativo, apoiado em conjunto de tabelas cons-
truídas2 a partir dos dados do Censo da Educação Superior elaborado pelo
Inep. Não se trata, portanto, de um trabalho bibliográfico, mas, básica e sim-
plesmente, um estudo que apresenta análises e discussões a partir de um con-
junto de dados empíricos extraídos do Censo. O trabalho inicia por uma apre-
sentação e análise dos números sobre os cursos de História no Brasil: Cursos
de Formação de Professores de História (Presencial); cursos de Formação de
Professores de História (EAD), e cursos de História (Bacharelado), conside-
rando as variáveis organização acadêmica (Universidades, Centros

276 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Tabela 1 – Número de cursos de Formação
de Professores de História (presencial)
por Organização Acadêmica e Categoria Administrativa, Brasil 2001-2012

Junho de 2014
Centros
Universidades Faculdades IF e Cefet
Universitários Total
Ano
Geral
F E M P Total F E M P Total F E M P Total F E M P Total
2001 49 98 3 58 208 - - - 21 21 - 5 13 47 65 - - - - - 294
2002 50 124 4 53 231 - - - 23 23 - 5 14 58 77 - - - - - 331
2003 47 154 6 59 266 - - - 28 28 - 5 15 72 92 - - - - - 386
2004 43 184 4 70 301 - - - 36 36 - 6 16 70 92 - - - - - 429
2005 32 152 3 42 229 - - - 29 29 - 6 12 67 85 3 - - - 3 346
2006 48 176 4 85 313 - - - 47 47 - 7 17 87 111 - - - - - 471
2007 51 138 3 87 279 - - - 48 48 - 4 18 97 119 - - - - - 446
2008 49 148 3 91 291 - - - 51 51 - 4 17 105 126 - - - - - 468
2009 37 92 5 80 214 - - 1 41 42 - 2 13 96 111 - - - - - 367
2010 95 114 3 99 311 - - - 51 51 - 3 16 88 107 1 - - - 1 470
2011 96 108 8 97 309 - - - 51 51 - 4 16 82 102 1 - - - 1 463
2012 100 139 13 89 341 - - 1 48 49 - 4 18 88 110 1 - - - 1 501
Legenda: IF: Institutos Federais; Cefet: Centros de Educação Tecnológica. Fonte: MEC/Inep/Deaes. Elaboração dos autores.

277
Arranhando o iceberg: um olhar sobre os cursos de História
Paulo Eduardo Dias de Mello

Universitários, Faculdades e Institutos Federais – IF, e Centros de Educação


Tecnológica – Cefet) e a categoria administrativa (Públicas – federais, estaduais
e municipais; ou Privadas).
Na seção seguinte discutimos o número de matriculados tendo em con-
sideração as mesmas variáveis e estabelecendo comparações entre os diferentes
cursos. Por fim, apresentamos uma síntese das considerações e observações
acerca dos números levantados.

Cursos de História: Formação de Professores e Bacharelado

Os dados da Tabela 1 indicam um crescimento no total dos cursos presen-


ciais de Formação de Professores de História, na modalidade de oferta presen-
cial, ao longo do período de 2001-2012. Em 12 anos saímos de 294 cursos, em
2001, para 501, em 2012. Esse crescimento representou um incremento de
70,5% no total de cursos presenciais de Licenciatura em História nas diversas
instituições superiores.
Considerando, no entanto, apenas a organização acadêmica, podemos
observar que os cursos oferecidos em Universidades foram os que mais cres-
ceram em números absolutos, saindo de 208, em 2001, para 341, em 2012, o
que representa um acréscimo de 133 cursos. Esse crescimento deve-se a uma
atuação concomitante da União, que fez crescer em 100% os cursos de Licen-
ciatura em História nas Universidades Federais; dos Estados, responsáveis por
um crescimento médio de 42% nas Universidades Estaduais; dos municípios,
que cresceram em 300%; e da iniciativa privada, responsável por um incremen-
to de 49%. Coube à União, no entanto, o maior crescimento em número ab-
soluto, especialmente a partir de 2010, quando o número de universidades
federais ofertando o curso de Formação de Professores de História pratica-
mente dobrou. Em 2012, são mais 51 universidades federais ofertando o curso
de Licenciatura em História em relação ao que vinha se mantendo em média
até o ano de 2009.
Podemos observar, contudo, que esse processo de ampliação da oferta de
cursos presenciais de Formação de Professores de História não é contínuo,
sofrendo algumas oscilações ao longo do período, se considerarmos tanto a
organização acadêmica quanto a categoria administrativa. Observando, por
exemplo, os cursos oferecidos por Universidades, podemos verificar ao menos

278 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Arranhando o iceberg: um olhar sobre os cursos de História

três fases: uma primeira, entre 2001 e 2004/2006, de grande expansão no nú-
mero de cursos, seguida por outra fase, entre 2007/2009, de retração no núme-
ro de cursos, e a fase atual, entre 2010 e 2012, de nova expansão, com um pico
de oferta em 2012, com 314 cursos. Como dissemos, enquanto a União incre-
menta o número de cursos a partir de 2010, os estados, que atingiram um pico
de 184 cursos em 2004, viram esse número decrescer até 92 cursos em 2009,
ou seja, uma redução de 50%, quando então volta a recuperar-se até atingir a
oferta atual de 139 cursos.
Em 2012, considerando a organização acadêmica, como estão distribuídos
os cursos de Formação de Professores de História? Os dados revelam que 20%
dos cursos estão situados em Universidades Federais, 28% em Universidades
Estaduais, 2,6% em Universidades Municipais, 0,1% em Centros Universitários
municipais, 18% em Universidades Privadas, 9,6% em Centros Universitários
Privados, 1% em Faculdades Estaduais, 3,6% em Faculdades Municipais, 17%
em Faculdades Privadas e apenas 0,1% em IF e Cefet. Portanto, as Universida-
des e Centros Universitários são responsáveis por 78,3% dos cursos presenciais
de Formação de Professores de História, enquanto as Faculdades ficam com
21,6%. Os dados revelam que, em 2001, tínhamos 77,9% dos cursos localizados
em Universidades e Centros Universitários, e 22,1% localizados em Faculda-
des. Portanto, comparativamente, temos em 2012 a mesma proporção de 12
anos atrás, com as universidades predominando em termos de organização
acadêmica.
Do ponto de vista da participação dos setores público e privado na oferta
de cursos presenciais para a Formação de Professores de História, os dados da
Tabela 1 indicam que as instituições públicas representavam, em 2012, 55,4%
da oferta, enquanto as privadas perfaziam 44,6%. Se compararmos, proporcio-
nalmente, os dados de 2012 com os do início dos anos 2000, o que podemos
dizer sobre o comportamento do setor público na oferta de cursos presenciais
para Formação de Professores de História? Os dados indicam que, em 2001, o
setor público respondia por 57,14% dos cursos presenciais de Formação de
Professores de História, e o setor privado, por 42,86%. Portanto, considerando
o período de 12 anos a participação do setor público diminuiu em apenas
1,74% em relação ao setor privado – o que parece indicar um equilíbrio estável,
ao longo do período, na oferta de cursos presenciais para a Formação de Pro-
fessores de História entre a iniciativa privada e o setor público.

Junho de 2014 279


Paulo Eduardo Dias de Mello

Os dados da Tabela 1 permitem constatar, portanto, que temos hoje uma


oferta maior de cursos presenciais de Formação de Professores de História no
país, do que tínhamos 12 anos atrás. Não dispomos de dados sobre sua distri-
buição regional, mas é certo que se ampliaram as oportunidades de ingresso
em cursos presenciais de Formação de Professores de História tanto em insti-
tuições universitárias públicas federais, estaduais ou até municipais, que cons-
tituem mais da metade dos cursos existentes no país, quanto em instituições
privadas. Quando observamos o crescimento relativo do número de cursos
percebemos que a iniciativa privada também ampliou sua oferta, seja nas uni-
versidades, centros universitários ou nas faculdades, tendo registrado um au-
mento de 99 cursos, passando de 126 no início dos anos 2000 para 226 cursos
em 2012. O que representa um aumento de apenas 1,74% quando comparado
com o crescimento registrado pelas instituições públicas. Portanto, uma maior
oferta de cursos presenciais de Licenciatura de História não significa dizer
maior e expressivo crescimento proporcional da oferta por parte do setor pú-
blico em relação ao privado. Os números indicam, na realidade, certo equilí-
brio constante entre participação pública e privada.
Outra modalidade de oferta de Cursos para Formação de professores de
História que pode ser observada no Censo 2013 é de Educação a Distância
(EAD).

Tabela 2 – Total de Cursos para


Formação de Professores de História – EAD (2012)
Pública
Total Privada
Federal Estadual Municipal
30 4 7 1 18
Fonte: MEC/Inep/Deaes. Elaboração dos autores.

Os dados da Tabela 2 indicam que tínhamos no país, em 2012, um total


de trinta cursos para Formação de Professores de História, na modalidade
EAD, dos quais 18 (60%) eram da iniciativa privada e 12 (40%) de instituições
públicas. Na EAD ocorre, portanto, uma inversão do que vimos nos cursos
presenciais, com maior domínio do setor privado em relação ao público na
oferta de cursos. A Tabela 3 revela, no entanto, que do ponto de vista da or-
ganização acadêmica as universidades são as maiores responsáveis por esse

280 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Arranhando o iceberg: um olhar sobre os cursos de História

tipo de oferta, com 24 instituições (80%) no total, oferecendo cursos EAD,


sendo 50% delas privadas e 50% públicas, o que indica um equilíbrio de oferta
entre os setores quando consideramos a organização acadêmica. Apenas 20%
dos cursos EAD são ofertados por outros tipos de instituições de ensino su-
perior. Outro aspecto a ser sublinhado é que a participação da EAD na oferta
global de cursos para Formação de Professores de História é ainda pequena.
Somando-se os cursos presenciais e EAD (531), essa modalidade representa
apenas 5,6% dos cursos.

Tabela 3 – Total de Universidades que ofertam Cursos para


Formação de Professores de História – EAD. Brasil, 2012
Pública
Total Privada
Federal Estadual Municipal
24 4 7 1 12
Fonte: MEC/Inep/Deaes. Elaboração dos autores.

A Tabela 4 traz os dados sobre os cursos de História (Bacharelado), por


categoria administrativa, entre 2010 e 2012.

Tabela 4 – Total de Cursos de História (Bacharelado),


por Categoria Administrativa. Brasil, 2010-2012
Pública Total
Ano Total Privada
Federal Estadual Municipal Pública
2010 62 35 07 0 42 20
2011 66 39 06 0 45 21
2012 71 48 05 0 53 18
Fonte: MEC/Inep/Deaes. Elaboração dos autores.

O número total de cursos de História (Bacharelado), em 2012, é de 71, sen-


do 53 (75%) no setor público e 18 (25%) no setor privado. A União é respon-
sável pela oferta de 75% dos cursos existentes em instituições públicas, cabendo
aos estados 25%. Ao longo do triênio observa-se um crescimento dos cursos
nas instituições federais, correspondente à criação de 13 cursos e equivalente
a um aumento de 37%, e um decréscimo de 10% nos cursos ofertados por

Junho de 2014 281


Paulo Eduardo Dias de Mello

instituições privadas e 30% nos estados. As instituições municipais não ofer-


taram cursos de História (Bacharelado) no período.
Considerando a totalidade dos cursos de História, somando-se o Bachare-
lado e os de Formação de Professores de História, nas modalidades presencial
e EAD, em 2012 temos o total de 602 cursos. A distribuição dos cursos, em
2012, é esta: 71 (12%) são cursos de Bacharelado; 30 (5%) são cursos de For-
mação de Professores, na modalidade EAD; e 501 (83%) são cursos presenciais
de Formação de Professores. O setor público participa com a oferta de 57%
dos cursos, enquanto o setor privado tem 43%.

Cursos de História: a distribuição desigual das matrículas

As Tabelas 1 a 4 permitem observar qual tem sido a oferta total de cursos


de Formação de Professores de História no Brasil e Bacharelado nos últimos
12 anos, dimensionar a participação do setor público e privado, verificar qual
forma de organização acadêmica é predominante e a modalidade mais ofertada
(presencial ou EAD). Esses dados, entretanto, não nos permitem dimensionar
qual curso, modalidade, organização acadêmica e setor (público ou privado)
concentra a maioria dos estudantes de História. Para sabermos isso apresen-
tamos a seguir uma série de tabelas sobre a distribuição das matrículas nos
cursos de História.
A Tabela 5 nos fornece os dados sobre o número de matriculados nos cur-
sos de Formação de Professores de História, na modalidade presencial, identifi-
cando a organização acadêmica e a categoria administrativa, no período entre
2001 e 2012.
Os dados da Tabela 5 permitem uma caracterização dos cursos presenciais
de Formação de Professores de História. Em 2012, tínhamos 57.097 estudantes
matriculados em cursos presenciais para Formação de Professores de História
no Brasil. A maioria deles, 43.795 (76,7%), matriculados em universidades,
3.787 (6,6%) em Centros Universitários, 9.366 (16,4%) em Faculdades e apenas
148 (0,25%) em IF e Cefet. O setor público respondia por 37.751 (66,1%) das
matrículas, das quais a União era responsável por 16.503 (28,9%), os estados
por 18.766 (32,9%), os municípios por 2.382 (4,1%), enquanto o setor privado
era responsável por 19.346 (33,9%) matrículas. Portanto, em 2012, os 55,4%
dos cursos presenciais para Formação de Professores de História oferecidos

282 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Tabela 5 – Número de Matrículas nos cursos de Formação de Professores de História (presencial)
por Organização Acadêmica e Categoria Administrativa, Brasil 2001-2012

Junho de 2014
Universidades Centros Universitários Faculdades IF e Cefet
Total
Ano
Geral
Fed Est Mun Priv Total F E M Priv Total F Est Mun Priv Total Fed E M P Total

2001 5.401 12.748 196 7.161 25.506 - - - 3.097 3.097 - 988 2.934 6.645 10.567 - - - - - 39.170

2002 5.780 15.286 412 7.419 28.897 - - - 3.748 3.748 - 1.038 2.960 7.767 11.765 - - - - - 44.410

2003 6.571 16.626 719 7.754 31.670 - - - 4.592 4.592 - 1.069 3.064 8.909 13.072 - - - - - 49.304

2004 6.113 16.388 524 9.194 32.219 - - - 4.518 4.518 - 1.203 3.092 8.302 12.597 - - - - - 49.334

2005 3.357 12.689 277 3.588 19.911 - - - 2.789 2.789 - 1.096 2.538 6.451 10.085 405 - - - 405 33.190

2006 5.573 16.860 556 11.369 34.358 - - - 4.951 4.951 - 1.272 3.261 9.455 13.988 - - - - - 53.297

2007 5.930 16.107 418 10.998 33.453 - - - 5.186 5.186 - 602 3.323 9.661 13.586 - - - - - 52.225

2008 5.799 14.870 380 9.880 30.929 - - - 5.089 5.089 - 597 3.140 8.859 12.596 - - - - - 48.614

2009 6.726 13.481 243 8.078 28.528 - - 1 4.174 4.175 - 259 2.299 7.485 10.043 - - - - - 42.746

2010 16.013 17.315 255 10.242 43.825 - - - 4.730 4.730 - 359 2.395 7.198 9.952 78 - - - 78 58.585

2011 17.115 17.400 318 9.349 44.182 - - - 3.915 3.915 - 398 1.987 6.970 9.355 125 - - - 125 57.578

2012 16.455 18.379 469 8.493 43.795 - - 18 3.769 3.787 - 387 1.895 7.084 9.366 148 - - - 148 57.097

Legenda: IF: Institutos Federais; Cefet: Centros de Educação Tecnológica. Fonte: MEC/Inep/Deaes. Elaboração dos autores.

283
Arranhando o iceberg: um olhar sobre os cursos de História
Paulo Eduardo Dias de Mello

pelas instituições públicas concentravam 66,1% das matrículas. Ou seja, os 276


cursos públicos possuíam 37.751 matriculados, perfazendo uma média de 137
alunos por curso. No setor privado tínhamos 19.346 matriculados em 225 cur-
sos, com uma média de 86 alunos por curso, isto é, uma média 37% inferior à
do setor público. Em síntese, podemos dizer que em 2012 tínhamos 7 em cada
10 estudantes que frequentavam cursos presenciais para Formação de Professo-
res de História matriculados em instituições públicas, provavelmente em turmas
que não excediam 50 alunos.
A evolução do número de matrículas nos cursos presenciais de Formação
de Professores de História revela uma forte expansão nas universidades federais
que, acompanhando a ampliação do número de cursos ofertados, salta de 6.726
matriculados em 2009, para 16.013 em 2010, atingindo um pico de 17.115 alu-
nos em 2011, praticamente equiparando-se em apenas um ano ao número de
matriculados nas universidades estaduais. Esse processo parece estar associado
à expansão da educação superior promovida pelo governo federal através do
Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades
Federais (Reuni), instituído pelo Decreto nº 6.096, em abril de 2007. Ainda que
possua um número absoluto pequeno, também é notável o crescimento das
universidades municipais que atinge um pico de matriculados em 2003, com
709 estudantes, saindo de 196 em 2001. Nessas universidades, desde 2009 tam-
bém se pode observar certa recuperação do número de matriculados. Note-se,
entretanto, a contínua queda das matrículas nas faculdades públicas estaduais
e municipais.
A evolução das matrículas nos cursos presenciais para Formação de Pro-
fessores de História do setor privado tem sofrido várias oscilações, tendo saído
de 16.903 em 2001 para 19.346 em 2012, perfazendo um crescimento de 14,5%
no número de matriculados. Os últimos 3 anos do Censo – 2010, 2011 e 2012
–, revelam, no entanto, que em todas as organizações acadêmicas privadas tem
havido pequeno decréscimo no número de matriculados, talvez indicando uma
tendência de queda. Mas, ao contrário do que se poderia imaginar, a ampliação
da oferta de cursos na rede pública não parece ter implicado uma redução de
matrículas na rede privada. Na realidade, parece haver um processo de equi-
líbrio entre o número de matrículas das redes pública e privada. O Programa
Universidade para Todos (Prouni), do Ministério da Educação, criado pelo
Governo Federal em 2004,3 que concede bolsas de estudo integrais e parciais

284 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Arranhando o iceberg: um olhar sobre os cursos de História

(50%) em instituições privadas de ensino superior, em cursos de graduação e


sequenciais de formação específica a estudantes brasileiros sem diploma de
nível superior, pode ser um dos responsáveis por esse processo de equilíbrio
nas matrículas.
As Tabelas 6 e 7 trazem a quantidade de matrículas em cursos para For-
mação de Professores de História na modalidade presencial e EAD, por cate-
goria administrativa, para os anos de 2010, 2011 e 2012. Isso nos permite ava-
liar como se distribui a matrícula pelas modalidades de oferta de cursos de
Formação de Professores de História, dimensionar a participação do setor
público (União, estados, Distrito Federal e municípios) e privado, e avaliar as
tendências do triênio.

Tabela 6 – Matrículas no curso de Formação de Professores de História –


Presencial – por categoria administrativa (2010, 2011 e 2012)
Pública Total
Ano Total Privada
Federal Estadual Municipal Pública
2010 58.585 16.091 17.674 2.650 36.415 22.170
2011 57.578 17.241 17.798 2.305 37.344 20.234
2012 57.097 16.603 18.766 2.382 37.751 19.346
Fonte: MEC/Inep/Deaes. Elaboração dos autores.

Tabela 7 – Matrículas no curso de Formação de Professores


de História – EAD – por categoria administrativa (2010, 2011 e 2012)
Pública Total
Ano Total Privada
Federal Estadual Municipal Pública
2010 17.919 1.809 960 6 2.775 15.144
2011 18.436 2.663 1.078 16 3.757 14.679
2012 20.251 2.444 1.298 20 3.762 16.489
Fonte: MEC/Inep/Deaes. Elaboração dos autores.

Somando-se a totalidade das matrículas em cursos para a Formação de


Professores de História presenciais e EAD temos, em 2012, 77.348 estudantes.
A participação da EAD corresponde a 26,18% desse

Junho de 2014 285


Paulo Eduardo Dias de Mello

total de matrículas, enquanto os cursos presenciais possuem 73,82%. Ou seja,


enquanto 501 cursos presenciais de Formação de Professores de História de-
têm 73,82% das matrículas, apenas 30 cursos EAD acolhem 26,18% das ma-
trículas. Portanto, atualmente, um em cada quatro estudantes matriculados
em cursos para Formação de Professores de História no Brasil estão matricu-
lados em cursos EAD. Vale frisar que, se considerarmos apenas as matrículas
em EAD, tínhamos, em 2012, 81,4% dos estudantes matriculados em institui-
ções privadas.
Os dados indicam que a média de alunos por curso na EAD, em 2012, le-
vando em conta a categoria administrativa, é de 314 estudantes por curso nas
instituições públicas, e 916 nas instituições privadas, portanto, as instituições
particulares possuem um número três vezes superior. Quando comparamos a
média de alunos por curso na EAD com a dos cursos presenciais, temos nas
instituições públicas uma média de 137 estudantes nos cursos presenciais ver-
sus 314 nos cursos EAD, e nas instituições privadas uma média de 86 estudan-
tes nos presenciais versus 916 nos EAD. Nas instituições privadas, portanto, a
média de alunos por curso EAD é 11 vezes superior à dos cursos presenciais,
identificando uma opção por parte dessas instituições por promover a expan-
são dos cursos para Formação de Professores de História na modalidade EAD,
mantendo estável a oferta presencial, para a qual obtêm recursos provenientes
do Prouni.
A comparação entre os totais das matrículas em Cursos presenciais e
EAD, independentemente da categoria administrativa, revela que, no triênio
2010-2012, enquanto a formação presencial sofreu ligeira diminuição de 1.488
matrículas, correspondente a 2,6%, a EAD obteve um crescimento de 2.332
matriculados, equivalente a 11,5%. No triênio, o crescimento da matrícula na
EAD é, portanto, 4 vezes superior à presencial. Enquanto nos cursos presenciais
quem puxa a queda são as instituições municipais e as privadas, nos cursos
EAD a elevação do número de matrículas é comum a todas as instituições pú-
blicas e privadas.
Os dados da Tabela 8 trazem o total de matrículas nos cursos de História
(Bacharelado), entre 2010 e 2012, por categoria administrativa. Nesse caso, é
importante sublinhar que não há registro no Censo da Educação Superior da
oferta de cursos de História (Bacharelado) na modalidade EAD.

286 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Arranhando o iceberg: um olhar sobre os cursos de História

Tabela 8 – Matrículas no curso de História (Bacharelado) –


Presencial – por categoria administrativa (2010, 2011 e 2012)
Pública Total
Ano Total Privada
Federal Estadual Municipal Pública
2010 8.351 4.666 1.911 0 6.577 1.774
2011 9.326 5.445 1.992 0 7.437 1.889
2012 9.187 5.935 1.755 0 7.690 1.497
Fonte: MEC/Inep/Deaes. Elaboração dos autores.

Considerando a distribuição das matrículas entre o setor público e o pri-


vado nos cursos de História (Bacharelado), podemos verificar que havia, em
2012, um total de 9.187 matrículas, das quais 5.595 (65%) eram em Instituições
Federais, 1.755 em Instituições Estaduais (19%) e 1.497 (16%) em Instituições
Privadas. As públicas detinham, portanto, 84% das matrículas dos cursos de
Bacharelado em História. No triênio, nenhuma instituição municipal oferecia
cursos de Bacharelado em História. Observando a evolução do número de ma-
trículas no triênio, podemos verificar um discreto crescimento das matrículas
no setor público, constante nas instituições federais e oscilante nas estaduais.
As instituições privadas também indicam um comportamento instável dos
números, com uma queda do número de matrículas em 2012.
Se tomarmos a totalidade das matrículas em cursos de História (Bachare-
lado, Formação de Professores de História – Presencial e EAD) em instituições
públicas e privadas, em 2012, tínhamos 86.535 estudantes matriculados. Desse
total, 49.203 (57%) estavam matriculados em instituições públicas e 37.332
(43%) em instituições privadas. Do ponto de vista dos cursos, as matrículas
estavam assim distribuídas: 10,6% no Bacharelado; 23,4% em cursos EAD de
Formação de Professores de História, e 66% em cursos presenciais de Forma-
ção de Professores de História. As Instituições Privadas possuíam 16% do total
das matrículas do Bacharelado, 33,9% dos cursos presenciais de Formação de
Professores de História e 81,4% dos cursos EAD. Fica evidente, portanto, a forte
presença do setor privado na EAD. O setor público, por sua vez, possuía em
2012 84% do total das matrículas do Bacharelado, 66,1% dos cursos presenciais
de Formação de Professores de História e apenas 18,6% dos cursos EAD. O
setor público, portanto, domina o Bacharelado. Nos cursos presenciais de

Junho de 2014 287


Paulo Eduardo Dias de Mello

Formação de Professores de História prevalece certo equilíbrio na oferta entre


o poder público e a iniciativa privada.

Algumas constatações e considerações finais

Podemos constatar que os números do Censo da Educação Superior re-


velam um crescimento significativo dos cursos de Formação de Professores de
História nos últimos 12 anos no Brasil, que corresponde à criação de 207 novos
cursos, ou seja, um crescimento de 70%. Mas verificamos que esse crescimento
não foi contínuo, apresentando ciclos de ampliação e retração da oferta de
cursos. Também pudemos verificar que o aumento no número absoluto de
cursos de Formação de Professores, ao longo de 12 anos, praticamente não
alterou a forma como se distribuía a participação dos setores público e privado
na oferta desses cursos. Os cursos de História (Bacharelado) também apresen-
tam um crescimento. No triênio 2010-2012, cresce em 9 o número de cursos.
As matrículas acompanham o processo. Nos cursos presenciais de For-
mação de Professores de História, por exemplo, o número de estudantes ma-
triculados salta de 39.170 em 2001 para 57.097 em 2012, crescimento de 45,7%.
Por sua vez, o crescimento das matrículas em cursos de Formação de Profes-
sores EAD, considerando apenas o triênio 2010-2012, é quatro vezes superior
ao dos cursos presenciais. Percebe-se uma presença crescente de matriculados
nos cursos de Formação de Professores de História na modalidade EAD. Em
2012, tínhamos um em cada quatro estudantes matriculados em cursos para
Formação de Professores de História no Brasil frequentando cursos na moda-
lidade EAD, a maioria em instituições privadas.
As condições de oferta dos cursos presenciais e EAD são bastante distin-
tas. Se em 2012, sete em cada dez estudantes que frequentavam cursos presen-
ciais para Formação de Professores de História estavam matriculados em ins-
tituições públicas, em cursos que não excediam, em média, 137 alunos; nos
cursos EAD, oito em cada dez alunos frequentavam instituições privadas, em
cursos que possuíam em média 916 alunos.
O curso de História (Bacharelado) também apresenta um crescimento nas
matrículas, impulsionado pelas instituições federais. Todavia, ao que parece,
o Bacharelado fica imune ao avanço do EAD. O Censo da Educação Superior
não registra nenhum curso de História (Bacharelado) EAD.

288 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Arranhando o iceberg: um olhar sobre os cursos de História

Estas constatações trazem novas indagações como desafio. Cabe ao poder


público ampliar sua participação na Formação de Professores de História?
Qual deve ser o arranjo entre as esferas municipal, estadual e federal para que,
eventualmente, isso ocorra? Devemos ampliar o número de matrículas aumen-
tando o número de vagas e de ingressantes nas instituições públicas? Qual deve
ser a participação das instituições privadas na Formação de Professores de
História? A EAD deve ser mantida e ampliada como forma de atender a For-
mação de Professores de História? Deve haver cursos de História (Bacharela-
do) na modalidade EAD? Qual deve ser a participação das instituições públicas
na oferta de cursos de História na modalidade EAD?
Finalizamos com uma breve explicação sobre o título deste estudo. Após
a extração dos dados do Censo da Educação Superior sobre os cursos de His-
tória no Brasil e a análise dos números, ficou a sensação de que este breve es-
tudo apenas arranhava a superfície de um iceberg. Os dados do Censo da Edu-
cação Superior trazem muitos outros elementos que podem ser objeto de
questionamentos – por exemplo, a relação entre vagas e matriculados, e o nú-
mero de concluintes, que não tratamos aqui. É preciso, portanto, aprofundar
os estudos investigando essas e outras questões que permitem entender quais
são os desafios atuais e perscrutar para onde vão os cursos de História no Bra-
sil, e se me permitem o recorte, para onde vai a Formação de Professores de
História. Ainda mais, quando, paradoxalmente, vemos ampliar-se a oferta de
cursos de Formação de Professores de História, ao mesmo tempo em que as-
sistimos a um processo de atrofiamento do espaço da disciplina no currículo
da Educação Básica.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Educação. Reestruturação e Expansão das Universidades Fede-


rais. Reuni. Diretrizes Gerais. Brasília, 2007.
_______. Decreto nº 5.493, de 18 de julho de 2005. Disponível em: www.planalto.gov.br/
ccivil_03/_ato2004-2006/2005/Decreto/D5493.htm#art19; Acesso em: 20 jun. 2014.
INEP. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Censo
da educação superior: 2011 – resumo técnico. Brasília, 2013.
_______. Censo da Educação Superior (1995-2012). Microdados. Disponível em:
­http://portal.inep.gov.br/basica-levantamentos-acessar; Acesso em: 18 jun. 2014.

Junho de 2014 289


Paulo Eduardo Dias de Mello

NOTAS
1
Segundo o Inep, o Censo da Educação Superior reúne informações sobre as instituições de
ensino superior, seus cursos de graduação presencial ou a distância, cursos sequenciais, vagas
oferecidas, inscrições, matrículas, ingressantes e concluintes, além de informações sobre do-
centes, nas diferentes formas de organização acadêmica e categoria administrativa.
2
As tabelas apresentadas neste estudo foram elaboradas por Fabiane Robl, especialista em
Educação Superior, doutoranda em Educação na Universidade de São Paulo (USP).
3
O Prouni foi regulamentado pelo Decreto nº 5.493, de 18 de julho de 2005.

Artigo recebido em 20 de junho de 2014. Aprovado em 27 de junho de 2014.

290 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Pesquisa TIC Educação e os desafios para
o uso das tecnologias nas escolas de
ensino fundamental e médio no Brasil
ICT Education Research and challenges for the use of
technology in elementary and secondary education in Brazil
Alexandre Fernandes Barbosa*
Camila Garroux**
Fabio Senne***

Atores do sistema escolar e gestores públicos responsáveis pelas políticas


públicas na área da educação têm grande expectativa quanto aos resultados
da utilização das novas tecnologias digitais, em particular computador e in-
ternet, como instrumentos pedagógicos, vislumbrando impactos significativos
na melhoria da qualidade do ensino. A internet tem o potencial de democra-
tizar o acesso à informação, facilitar a geração e a publicação de conteúdo e
fomentar a construção colaborativa do conhecimento, e vem, cada vez mais,
possibilitando a criação de redes sociais virtuais. Para que a comunidade es-
colar usufrua de tais potencialidades, conhecer os desafios de acesso, uso e
apropriação dessas ferramentas é fundamental no processo de repensar a
educação.
Cada vez mais, as investigações sobre o tema indicam que não é suficiente
investir apenas na infraestrutura que garante o acesso a tais tecnologias. A in-
tegração das tecnologias às práticas pedagógicas depende de fatores que vão
além do acesso, envolvendo aspectos relacionados às capacidades e habilidades
que permitem uma efetiva apropriação dessas ferramentas em uma dimensão
mais aprofundada.
Medir e acompanhar, por meio de pesquisas especializadas, a expansão
da internet e seu uso nas escolas brasileiras de áreas urbanas é uma das

*Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br).


alexandre@nic.br.
**Mestranda em ciências sociais pela PUC-SP. Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento
da Sociedade da Informação (Cetic.br). camila@nic.br.
***Mestre em comunicação pela UnB. Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da
Sociedade da Informação (Cetic.br). fsenne@nic.br.

Revista História Hoje, v. 3, nº 5, p.293-297 - 2014


Alexandre Fernandes Barbosa, Camila Garroux e Fabio Senne

iniciativas do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) por meio do seu


Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Infor-
mação (Cetic.br). O Cetic.br é responsável pela produção de indicadores e es-
tatísticas sobre a disponibilidade das tecnologias de informação e comunicação
(TIC) no Brasil; em particular, o acesso e o uso de computador, internet e dis-
positivos móveis, incluindo o seu uso nas escolas públicas e privadas no Brasil.
A geração regular desses dados é fundamental para o processo de elaboração
e monitoramento de políticas públicas de TIC e um importante insumo para
a produção de pesquisas acadêmicas.
O Cetic.br realiza regularmente as seguintes pesquisas sobre o acesso e
uso das TIC no Brasil: “TIC Domicílios: o acesso e uso das TIC nos domicílios
e por indivíduos”; “TIC Empresas: adoção das TIC nas empresas brasileiras”;
“TIC Educação: acesso às TIC nas escolas e uso em práticas pedagógicas”; “TIC
Kids Online: riscos e oportunidades online para crianças e adolescentes”; “TIC
Saúde: disponibilidade e adoção por estabelecimentos e profissionais de saú-
de”; “TIC Organizações Sem Fins Lucrativos: adoção das TIC por organizações
não governamentais”; “TIC Governo Eletrônico: serviços públicos eletrônicos
no país”; “TIC Provedores: infraestrutura de acesso à internet no Brasil”; “TIC
Centros Públicos de Acesso: políticas de inclusão digital em telecentros e
lan-houses”.

A pesquisa TIC Educação

A grande maioria das escolas brasileiras em áreas urbanas já possui, de


alguma forma, acesso a computadores e à internet, mas persiste o desafio de
incorporar esses recursos à rotina pedagógica. Desde 2010, a pesquisa TIC
Educação investiga o uso das TIC em escolas públicas e privadas de áreas ur-
banas em todas as regiões do Brasil. São entrevistados professores, alunos, di-
retores e coordenadores pedagógicos com o intuito de conhecer a infraestru-
tura existente e os usos das tecnologias nas atividades pedagógicas. A pesquisa
conta com o apoio institucional do Ministério da Educação, da Organização
das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), do Con-
selho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e da União Nacional dos
Dirigentes Municipais de Educação (Undime), além de especialistas no tema

294 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Pesquisa TIC Educação e os desafios para o uso das tecnologias

vinculados a organizações não governamentais e a importantes centros


acadêmicos.

Desafios para o uso e a apropriação


das TIC nas escolas brasileiras

Segundo a pesquisa TIC Educação 2012 (CGI.br, 2013), quase a totalidade


das escolas públicas na área urbana possui computador (99%), e todas as es-
colas que possuíam computador declararam ter ao menos um computador de
mesa (100%). Observa-se também um crescimento significativo na proporção
de escolas públicas que possuem computador portátil: enquanto em 2010 cerca
de metade delas possuíam esse tipo de equipamento (49%), em 2012 a propor-
ção cresceu para 74%. Em 2012, os tablets estavam presentes em apenas 2%
das escolas públicas.
Um aspecto importante que deve ser tratado pelas políticas de tecnologia
nas escolas é o debate acerca do local de instalação dos computadores no am-
biente da escola. Grande parte das instituições públicas de ensino tem seus
computadores instalados no laboratório de informática (84%). Já nas salas de
aula – onde se concentra a maior parte da rotina de ensino-aprendizagem entre
aluno e professor – a presença de computadores ainda é escassa: apenas 7%
das escolas possuem esse recurso instalado em suas salas de aula.
Apesar do avanço na posse de computador portátil e da presença expres-
siva de computadores de mesa nas escolas públicas, os desafios no plano da
infraestrutura ficam mais evidentes quando se avalia o número de equipamen-
tos efetivamente disponíveis para uso em relação ao número de alunos por
turma. A pesquisa mostra que o número médio de computadores em funcio-
namento está abaixo da quantidade média de alunos por turma. Em média, as
escolas públicas brasileiras possuem 22 computadores de mesa, dos quais 19
estão em funcionamento. Ao constatar que no ensino médio, por exemplo, há
em média 35 alunos por turma, o número de computadores se mostra insufi-
ciente para atender às necessidades dos diferentes níveis de ensino. Em 2012,
a razão era de 23 alunos para cada computador nas escolas públicas.
O acesso à internet está presente em 89% das escolas públicas brasileiras
com computador, independentemente do local de instalação. A maior parte
dos computadores instalados em diversos locais da escola tem acesso à internet

Junho de 2014 295


Alexandre Fernandes Barbosa, Camila Garroux e Fabio Senne

– são 94% dos computadores instalados no laboratório e 93% dos computa-


dores localizados na sala do coordenador ou do diretor.
Contudo, a velocidade de conexão à internet ainda é um desafio para
grande parte das escolas brasileiras. A maioria das escolas tem sua velocidade
de conexão concentrada em até 2 megabits, representando 68% das institui-
ções, enquanto 32% das escolas apresentaram conexão de até 1 megabit – que
podem limitar o uso das TIC em atividades como assistir a vídeos e outros
aplicativos.
Além do número insuficiente de computadores por aluno e de limitações
quanto à velocidade de conexão à internet, o aspecto da manutenção dos equi-
pamentos também emerge como um ponto importante da infraestrutura de
TIC nas escolas. Para 85% dos diretores, a ausência de suporte técnico dificulta
a integração das tecnologias à prática docente.
Quanto ao acesso por parte dos atores escolares, embora o professor esteja
mais conectado do que a média dos cidadãos brasileiros (92% possuem acesso
à internet no seu domicílio) e seja um usuário assíduo (84% acessam a rede
diariamente), há um grande desafio para as políticas públicas no sentido de
trabalhar a formação dos professores para o uso pedagógico das TIC – debate
que tem tido destaque em fóruns nacionais e internacionais acerca do tema.
Considerando a perspectiva dos coordenadores pedagógicos das escolas pú-
blicas, 85% desses educadores afirmam que melhorar as habilidades e compe-
tências técnicas dos docentes no uso das tecnologias com objetivo pedagógico
deve ser a principal prioridade da escola.
No Brasil, o tema TIC na formação inicial docente e a integração de TIC
ao currículo do professor é algo ainda incipiente. De acordo com os docentes,
menos da metade dos professores da rede pública cursaram alguma disciplina
específica sobre computador e internet durante a sua graduação (44%). Esse
indicador apresenta ainda uma variação considerável em relação à faixa etária,
reforçando o quão recente é a inserção do tema TIC à grade curricular docente.
Entre os professores de 46 anos ou mais, por exemplo, 66% não cursaram uma
disciplina específica relacionada à TIC na sua graduação.
Quando observado o uso das tecnologias em atividades de aula, a aplica-
ção das tecnologias ao ensino-aprendizagem bem como a produção de con-
teúdo por professores e alunos na internet ainda são ações incipientes. O uso
do computador e da internet nas aulas é bastante instrumental, ou seja,

296 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Pesquisa TIC Educação e os desafios para o uso das tecnologias

direcionado para o ensino das funções básicas e técnicas das tecnologias, sem
maior integração aos conteúdos pertinentes ao currículo da educação básica.
Isso porque a atividade que conta com maior uso das TIC é “ensinar a usar o
computador e internet”, segundo a declaração de 62% dos docentes de insti-
tuições públicas de ensino.
Os dados da pesquisa TIC Educação, portanto, permitem uma análise
ampla da incorporação das TIC no ambiente da escola e, consequentemente,
oferecem diversos insumos para a implementação e a avaliação de políticas
públicas no setor. Os resultados completos e a publicação em PDF estão dis-
poníveis em www.cetic.br.

REFERÊNCIA

COMITÊ GESTOR DA INTERNET NO BRASIL – CGI.br. Pesquisa sobre o uso das


tecnologias de informação e comunicação nas escolas brasileiras – TIC Educação
2012. Coord. Alexandre F. Barbosa. São Paulo, 2013. Disponível em: http://www.
cetic.br/publicacoes/2012/tic-educacao-2012.pdf; Acesso em: 5 maio 2014.

Artigo recebido em 30 de maio de 2014. Aprovado em 27 de junho de 2014.

Junho de 2014 297


A Prática de Ensino na formação
do professor de História no Brasil1
The Practice of Teaching in teacher
education in Brazil History
Angela Ribeiro Ferreira*

Resumo Abstract
O artigo apresenta um panorama sobre This paper presents a sight about the
a organização da prática de ensino nas teaching practice organization used by
licenciaturas em História nas universi- major in History at Brazilian Federal
dades públicas federais e estaduais bra- and State public universities, going
sileiras, a partir da educação compara- through an educational comparison.
da. A amostra é composta de 73 PPC The sample is made of 73 DPP (Degree
(Projetos Pedagógicos de Curso), que Pedagogic Projects), corresponding to
correspondem a 96 cursos, em todas as 96 courses, all around the country. In
regiões do país. Na amostra encontra- the sample we found a variety of ap-
mos uma diversidade de abordagem e proaches and interpretations about the
interpretação sobre o formato da Práti- shape of the Teaching Practice as a Cur-
ca como Componente Curricular riculum Compound. Some Majors have
(PCC). Alguns cursos organizaram a organized the Teaching Practice in a
Prática de Ensino em forma de discipli- specific subject, others moved an
nas específicas, outros alocaram a carga amount of the needed classtime as a
horária com uma parte em disciplinas part of a specific subject and the left
específicas e outra parte diluída na gra- time is diluted in all the subjects. Some
de. Outros cursos diluíram as 400 horas others graduations solved the 400 hours
nas disciplinas já existentes na grade ou of Teaching Practice on the pre-exis-
fizeram uma mistura entre pesquisa co- tents subjects, or built a mash up be-
mo PCC, pedagógicas como PCC, carga tween research as DPP, pedagogical
horária diluída. Os PPC apresentam va- subjects as DPP, diluted classtime. The
riedade também nas temáticas e preo- DPP present aswell variety on ap-
cupações abordadas. proached themes and worries.
Palavras-chave: prática de ensino; forma- Keywords: teaching practice; teachers
ção de professores; ensino de história. education; History teaching.

*Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). angelaribeirof@gmail.com

Revista História Hoje, v. 3, nº 5, p. 301-320 - 2014


Angela Ribeiro Ferreira

Os currículos de formação de professores no Brasil sofreram algumas al-


terações nos últimos anos, em especial com a Resolução2 do CNE/CP 2, de 19
de fevereiro de 2002, que obrigou todos os cursos a incluírem 400 horas de
Estágio Supervisionado e 400 horas de Prática como Componente Curricular
em suas grades. Essa obrigatoriedade levou todos os cursos a reformularem
seus currículos, entretanto, a interpretação da Resolução, nas diferentes insti-
tuições públicas brasileiras, é bastante diversa. Este artigo é uma tentativa de
mapear essas interpretações da Resolução e conhecer como está organizada e
quais as preocupações expressas na prática de ensino nos cursos de licenciatura
em História no Brasil. O mapeamento é feito a partir dos Projetos Pedagógicos
dos Cursos, na perspectiva da educação comparada.
Os cursos atribuem denominações distintas ao campo da prática de ensino
em seus Projetos Pedagógicos: Prática como Componente Curricular; Prática de
Ensino; Atividades Práticas Curriculares; Prática Curricular Contínua; Prática
Pedagógica do Componente Curricular. Mas as diferenças não estão apenas nas
denominações, estão também no entendimento sobre a melhor forma de orga-
nizar a relação teoria/prática no currículo de formação de professores.
Alguns cursos têm projetos bastante específicos sobre a organização das
400 horas obrigatórias da Prática como Componente Curricular (PCC) e expli-
cam o funcionamento da prática no currículo de forma detalhada, apresentando
as concepções de formação que embasam a definição da PCC. São formatos da
PCC que preveem articulações (ensino e pesquisa, teoria e prática) mais efetivas
na formação dos acadêmicos. É o caso do PPC da UFU com seu “Projeto Inte-
grado de Prática Educativa” – PIPE, caso da UFTM com as “Atividades Práticas
Curriculares” – APC, caso da UEPG com a articulação horizontal e vertical do
currículo a partir das Oficinas de História e Práticas de Ensino, caso da UFRR
que tem a função de coordenação de PCC. Entretanto, na maioria dos Projetos
Pedagógicos mal se descreve como serão organizadas as 400 horas.

Organização da Prática de Ensino

Aqui trabalhamos com 38 universidades federais, 23 universidades esta-


duais e 73 Projetos Pedagógicos, que correspondem a 96 cursos.3 Dedicamos
atenção à organização da carga horária de Prática como Componente Curri-
cular. Quando a Prática é organizada em formato de disciplinas específicas,
analisamos as ementas, os conteúdos mais frequentes nas disciplinas de PCC

302 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


A Prática de Ensino na formação do professor de História no Brasil

e a perspectiva de organização da disciplina. São cursos com uma carga horária


total que varia de 2.800 a 3.660 horas e com duração de 4 a 5 anos.
As instituições federais analisadas aqui são:
Quadro 1 – Universidades Federais da amostra
Universidade Região do país Modalidade de Ensino
UFSM Sul Lic./Bach. integrados
UFPEL Sul Licenciatura
UFRGS Sul Licenciatura + Bach.
Unipampa Sul Licenciatura
UFSC Sul Lic./Bach. integrados
UFFS – Chapecó Sul Licenciatura
UFFS – Erechim Sul Licenciatura
UFPR Sul Lic./Bach. integrados + Bach.
UNB Centro-Oeste Licenciatura
UFG – Goiânia Centro-Oeste Lic./Bach. integrados
UFG – Catalão Centro-Oeste Lic./Bach. integrados
UFMT – Cuiabá Centro-Oeste Licenciatura
UFMT – Rondonópolis Centro-Oeste Licenciatura
UFMS – Três Lagoas Centro-Oeste Licenciatura
UFMS – Aquidauana Centro-Oeste Licenciatura
UFMS – Pantanal Centro-Oeste Licenciatura
UFGD Centro-Oeste Licenciatura
UFMG Sudeste Lic./Bach. integrados + Bach.
UFU – Uberlândia Sudeste Lic./Bach. integrados
UFU – Ituiutaba Sudeste Lic./Bach. integrados
UFJF Sudeste Licenciatura + Bach.
Unifal Sudeste Licenciatura
UFSJ Sudeste Licenciatura
UFTM Sudeste Licenciatura
UFVJM Sudeste Licenciatura
Unifesp Sudeste Lic/Bach. integrados
Continua na pág. seguinte

Junho de 2014 303


Angela Ribeiro Ferreira
Continuação

UniRio Sudeste Licenciatura


UFRJ Sudeste Licenciatura + Bach.
UFRRJ – Nova Iguaçu Sudeste Licenciatura
Ufes Sudeste Licenciatura
UFS Nordeste Licenciatura
Ufal Nordeste Licenciatura
UFPB Nordeste Licenciatura
UFBA Nordeste Licenciatura + Bach.
UFRB Nordeste Licenciatura
UFRN – Natal Nordeste Licenciatura + Bach.
UFRN – Caicó Nordeste Lic./Bach. integrados
UFC Nordeste Licenciatura
UFPI Nordeste Licenciatura
Unir Norte Licenciatura
UFT – Araguaína Norte Licenciatura
UFT – Porto Nacional Norte Licenciatura
UFRR Norte Lic./Bach. integrados
Ufac Norte Licenciatura
Unifap Norte Licenciatura
UFPA Norte Licenciatura
Fonte: Projetos Pedagógicos dos Cursos.

Entre as instituições federais da amostra, 11 são universidades com cursos


de licenciatura e bacharelado integrados, ou seja, uma graduação e duas habi-
litações, sendo duas instituições com turmas de licenciatura e bacharelado in-
tegrado e mais uma turma de bacharelado; cinco universidades com cursos
distintos de licenciatura e de bacharelado, e 27 universidades com cursos de
licenciatura.
As instituições estaduais analisadas são:

304 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


A Prática de Ensino na formação do professor de História no Brasil

Quadro 2 – Universidades Estaduais da amostra


Universidade Região do país Modalidade de Ensino
Udesc Sul Licenciatura
UEPG Sul Licenciatura + Bach.
UEL Sul Licenciatura
UEM Sul Licenciatura
Uenp Sul Licenciatura
Unicentro – Irati Sul Licenciatura
Unicentro – Guarapuava Sul Licenciatura
Unioeste Sul Licenciatura
UEG4 Centro-Oeste Licenciatura
Unemat Centro-Oeste Licenciatura
Uems – Amambai Centro-Oeste Licenciatura
Uems – Dourados Centro-Oeste Licenciatura
Unicamp Sudeste Licenciatura + Bach.
Unesp – Assis Sudeste Licenciatura
Uneal Nordeste Licenciatura
Uneb – Alagoinha Nordeste Licenciatura
Uneb – Eunápolis Nordeste Licenciatura
Uesb Nordeste Licenciatura
Uesc Nordeste Licenciatura
Uefs Nordeste Licenciatura
Uern Nordeste Licenciatura
Uespi Nordeste Licenciatura
Uece Nordeste Licenciatura
UERR Norte Licenciatura
UEA Norte Licenciatura
Fonte: Projetos Pedagógicos dos Cursos.

Entre as instituições estaduais da amostra, apenas a UEPG e a Unicamp


oferecem cursos de bacharelado, todas as demais oferecem curso de
licenciatura.

Junho de 2014 305


Angela Ribeiro Ferreira

Nesse universo de cursos é possível encontrar uma diversidade de abor-


dagem e interpretação sobre o formato e a organização da Prática como Com-
ponente Curricular. Nos 73 PPC estudados temos a Prática de Ensino organi-
zada em forma de disciplinas específicas, a carga horária com uma parte em
disciplinas específicas e outra parte diluída na grade, todas as 400 horas dilu-
ídas nas disciplinas já existentes na grade, e uma mistura entre pesquisa como
PCC, pedagógicas como PCC, carga horária diluída. Assim distribuídos:

Quadro 3 – Modelos da PCC adotados em cada universidade


Modelo Universidades Universidades
da PCC Federais Estaduais

UFBA, UFC, Ufes, UFMG,


Disciplinas específicas de UFMS, UFPA, UFRB, Udesc, UEPG, UEL,
ensino de história UFRR, UFTM, UFU, UNB, Uneb, UERR
Unifap

Disciplinas pedagógicas Unicentro – Irati,


UFPI, UFG, UFRGS, UFSJ,
em parte ou em toda a Unioeste, Uesb, Uesc,
UFSM, Unir
carga horária de prática Uefs

Disciplinas específicas + Ufal, UFG, UFGD, UFPEL,


carga horária de prática UFPI, UFPR, UFRGS,
diluída entre as disciplinas UFSC, UFSM, UFVJM,
de conteúdo da grade Unifal, Unifesp

Carga horária diluída na Ufac, UFMT, UFRN, UFS, UEG, Unemat, Uems,
grade UFT, Unipampa Unesp, Uern, UEA
Fonte: Projetos Pedagógicos dos Cursos

Dentro dessa organização temos os Departamentos de História (ou seu


equivalente na instituição) como os responsáveis pela prática de ensino na
maioria dos cursos. Em alguns cursos se divide a tarefa entre Departamentos
de História e Faculdade de Educação (ou afins na instituição) quando as dis-
ciplinas pedagógicas (Fundamentos da Educação, Psicologia, Didática etc.)
foram alocadas na carga horária de PCC.

306 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


A Prática de Ensino na formação do professor de História no Brasil

Entre os cursos que organizaram a prática em forma de disciplinas espe-


cíficas ou aqueles que têm pelo menos uma parte da carga horária em discipli-
nas específicas, podemos destacar uma diversidade de propostas, inclusive com
denominações também diversas. Nessa lista, temos disciplinas que anunciam
serem “Introdutórias” da área de ensino, disciplinas que se intitulam “Ofici-
nas” ou “Laboratórios” que, a princípio, dão a ideia de experimentar a prática
docente, de colocar a mão na massa, e disciplinas com “Prática” no título que
remetem ao fazer, além de outros títulos que não se repetem.

Disciplinas com caráter introdutório, que se propõem a iniciar o debate


sobre o ensino escolar de história:
• Introdução à pratica profissional
• Introdução à Prática e ao Ensino e Pesquisa em História
• Introdução ao Ensino de História
• Projeto Integrador
• Projeto Integrado de Práticas Educativas
• Seminário de Prática de Ensino
• Ensino de História

Disciplinas com caráter de oficina, que propõem ser espaços de produ-


ção didática para a educação básica, além de refletir sobre tal trabalho. Produ-
zir e elaborar são verbos recorrentes nas ementas dessas disciplinas, com ênfase
no fazer:
• Oficina de História
• Oficina de ensino de História (Antiga, Medieval, Moderna, Contemporâ-
nea, Brasil, Regional)
• Oficina de Prática de Ensino
• Oficina de Instrumentos Didáticos

Disciplinas com caráter de laboratório, espaço de experimentação, tro-


cas de experiências didático-pedagógicas:
• Laboratório de Ensino de Teoria e Metodologia da História

Junho de 2014 307


Angela Ribeiro Ferreira

• Laboratório de Ensino de História


• Laboratório de Ensino de História (Antiga, Medieval, Moderna, Contem-
porânea, Brasil, Regional)
• Laboratório de Prática de Ensino
• Laboratório de Pesquisa e Ensino em História

Disciplinas com caráter de transposição do conhecimento, atenção vol-


tada para a didatização do campo de conhecimento, para pensar sobre a pro-
dução e difusão do conhecimento histórico:
• Prática de Ensino de História (Antiga, Medieval, Moderna, Contemporâ-
nea, Brasil, Regional)
• Prática de História
• Prática de História (Antiga, Medieval, Moderna, Contemporânea, Brasil)
• Prática Educativa
• Prática de Ensino e Pesquisa em História
• Análise da Prática de História
• Pesquisa Histórica e Prática Pedagógica
• Teoria e Prática do Ensino de História
• Lugares de memória e o ensino de História
• Educação Patrimonial
• Tópicos de Ensino de História (Antiga, Medieval, Moderna, Contempo-
rânea, Brasil)

Disciplinas com caráter mais pragmático, ensinam metodologias de en-


sino, atividades diretamente ligadas à atividade prática de sala de aula da edu-
cação básica:
• Estratégias de Ensino de História
• Metodologia do Ensino de História
• Didática da História
• Estudos e Desenvolvimento de Projetos
• O saber histórico na sala de aula
• História Regional e Local: Metodologias e Ensino

308 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


A Prática de Ensino na formação do professor de História no Brasil

O fato de as disciplinas pedagógicas (Psicologia da Educação, Didática


Geral, Filosofia/Sociologia/História/Fundamentos da Educação) serem aloca-
das como prática pode ser considerado um problema, podemos interpretá-lo
como um “não quero discutir isso” ou um “deixa essa coisa de prática de en-
sino para a pedagogia”. Quando inserimos a prática de ensino ela não pode ser
pensada como a Didática Geral, na qual independentemente do campo do
conhecimento a forma de ensinar é a mesma. Pelo contrário, as 400 horas são
de prática específica da área, de articulação entre teoria e prática, não de teoria
da educação, mas Teoria da História e Prática Profissional. Sendo assim, en-
tendemos que deve ser trabalhada por professores de História e não pela Pe-
dagogia, conforme argumenta Klaus Bergman (1990, p.34) na defesa de uma
Didática da História:

A Didática da História é indispensável para a Ciência Histórica exatamente por


causa do fato de ela indagar sobre e problematizar este significado e, destarte, se
opor ao perigo de a Ciência Histórica se isolar das necessidades legítimas de uma
orientação histórica daquela sociedade que, em última análise, a sustenta.

Considerando o argumento da não dicotomia teoria e prática, os cursos


que optam por diluir a carga horária de prática nas próprias disciplinas da gra-
de (especialmente nas disciplinas de conteúdo História Antiga, Medieval, Mo-
derna, Contemporânea, Brasil, América e História Regional) parecem, a prin-
cípio, encontrar a melhor alternativa, afinal todos os professores terão de
pensar a formação. Entretanto, se considerarmos ainda a realidade dos cursos,
poderemos questionar se a prática de ensino nesse formato não será relegada
a um segundo plano pela maioria dos professores que não têm conhecimento
e formação nesta área e, na dúvida sobre o que fazer, não chegam a promover
efetivamente a relação entre teoria e prática.
Por sua vez, os cursos que optam por alocar disciplinas de pesquisa e TCC
como PCC não podem ser considerados absurdos, afinal está claro nos currí-
culos que todos querem formar o professor-pesquisador.
Flávia E. Caimi e Ronaldo P. Canabarro (2009) apresentaram uma análise
da organização curricular de trinta cursos de História no Brasil. Entre os ele-
mentos que eles analisam está a prática de ensino, que se organiza, segundo os
autores, da seguinte forma:

Junho de 2014 309


Angela Ribeiro Ferreira

No que diz respeito ao cumprimento das 400 h de prática como componente


curricular verificamos uma interessante variação do número de disciplinas nas
matrizes curriculares, entre três e nove disciplinas relacionadas à formação pe-
dagógica. Tomadas em seu conjunto regional, as matrizes apresentam a seguinte
configuração: 38 disciplinas na Região Norte; 33 na Região Nordeste; 45 na Re-
gião Centro-Oeste; 38 na Região Sudeste; 35 na Região Sul, o que demonstra a
média de 6,3 disciplinas por curso. As disciplinas dessa natureza podem ser clas-
sificadas em três grupos: 1) em número predominante estão as disciplinas clássi-
cas da educação, tais como Didática Geral, Psicologia da Educação, Psicologia da
Aprendizagem, Psicologia do Desenvolvimento, Sociologia da Educação, Filoso-
fia da Educação, Políticas, Estrutura e Funcionamento da Educação Básica, His-
tória da Educação; 2) as didáticas e metodologias específicas, tais como Didática
da História, Prática de Ensino de História, Metodologia do Ensino de História,
Laboratório de Ensino de História, Oficinas de Ensino de História, em diferentes
recortes, como Brasil, Regional, América, contemporânea, etc.; 3) por fim, iden-
tificamos uma tímida presença de disciplinas obrigatórias que poderíamos cate-
gorizar como não-clássicas, por falta de melhor definição, tais como Tópicos de
Educação Especial, Educação Indígena, Tecnologia Aplicada à Educação, Profis-
são Docente, Livro Didático, Memória e Ensino de História. Trata-se de discipli-
nas que parecem querer incorporar discussões mais recentes acerca da história
escolar, dialogando tanto com a história quanto com a educação. (Caimi; Cana-
barro, 2009, p.9)

São reflexões feitas a partir de um trabalho quantitativo, mas que se apro-


ximam muito dos dados levantados no trabalho que se apresenta, ou seja, dis-
ciplinas pedagógicas como prática de ensino, carga horária em disciplinas que
os autores chamam de “clássicas”. Embora todos os cursos estudados (exceto
a UFRJ) já estejam cumprindo a obrigatoriedade das 400 horas de Prática, a
interpretação é bastante variada.

As abordagens e os temas na Prática de Ensino

Os cursos têm autonomia para elaborar seus currículos, elencar discipli-


nas e montar programas de curso, e essa liberdade aparece de forma clara nos
temas propostos nas ementas das disciplinas de prática, que estão na maioria
dos currículos de formação de professores de História. Temos desde temas

310 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


A Prática de Ensino na formação do professor de História no Brasil

recorrentes, bastante debatidos nas pesquisas da área de ensino, como livro


didático, patrimônio histórico e memória, e também temas recentes, caso da
história ambiental, articulada com discussões de patrimônio.
As ementas das disciplinas específicas são bastante diversas. São preo-
cupações sobre o que ensinar, como ensinar, em alguns casos preocupações
com o processo de produção do conhecimento histórico, com os veículos de
difusão do conhecimento. Entre os temas presentes nas ementas estão:

O que ensinar – um rol de temas que podem compor a aprendizagem


docente:
• Memória, lugares de memória, patrimônio, museus, arquivos;
• História do Ensino de História;
• Constituição da História como disciplina;
• História Ambiental e Ensino de História;
• Temas transversais, multiculturalismo, diversidade, direitos humanos, ci-
dadania, democracia;

Como ensinar – abordagens e metodologias disponíveis para ensinar


história:
• Documento histórico, pesquisa histórica, fonte, verdade histórica e ensino
de história;
• O ofício do historiador;
• Acesso ao conhecimento histórico formal e não-formal;
• Conservação, catalogação e arquivamento de documentos;

Produzir história – abordagens sobre o processo de produção do conhe-


cimento histórico:
• Ensino de História Antiga, Medieval, Moderna, Contemporânea, Brasil,
Ensino de História Regional, Ensino de Cultura Africana e Afro-Brasileira,
de Gênero e Indígena;
• Metodologias de Ensino;
• Ensino e aprendizagem da História;

Junho de 2014 311


Angela Ribeiro Ferreira

• O uso das mídias no ensino de história: publicidade, música, história em


quadrinhos, cinema etc.;
• Mediação didática dos conhecimentos acadêmicos para o escolar, ou trans-
posição didática;

Documentos oficiais – estudo da legislação e produção didática


disponíveis:
• Análise de Livros Didáticos, produção de materiais didáticos.
• Legislação (LDB, PCN, Diretrizes Estaduais);
• Políticas Educacionais;
• Currículo;

Profissão docente – a escola e o trabalho do professor:


• Ética na profissão;
• Profissão docente, sindicatos, associações de classe;
• Realidade da escola e o cotidiano do ensino de história na escola.

Muitas ementas de disciplinas de prática de ensino têm características fun-


cionalistas, enfatizam o “fazer”, instrumentalizar o aluno para a produção de ma-
teriais didáticos, de oficinas na educação básica, a utilização do que vários PPC
chamam de “novas linguagens” ou “linguagens alternativas” para o ensino de his-
tória (mídias e fontes históricas). A seguir alguns exemplos5 dessa perspectiva,

Metodologia e Prática de Ensino de História II – Elaboração de projetos de


ensino, textos didáticos para o ensino fundamental. Estudo do processo de ensi-
no- aprendizagem. (PPC-UEL)
Laboratório de Ensino de História VII – Fazer uma discussão sobre os novos
temas presentes nas aulas de História. Elaboração de um projeto de minicurso com
as novas propostas de temas. Apresentação dos minicursos em escolas de nível
médio do município de Eunápolis. (PPC-Uneb – Eunápolis)
Oficina de Prática de Ensino I – Projetos de ensino no campo histórico.
Elaboração de oficinas. Análise de material didático e paradidático em História.
(PPC-UFMS – Aquidauana)
Laboratório de ensino de História II – Práticas pedagógicas: preparação de ma-
teriais didático-pedagógicos e de estratégias para serem aplicadas junto a alunos e

312 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


A Prática de Ensino na formação do professor de História no Brasil

professores do ensino fundamental: cursos, palestras, seminários, oficinas; pre-


paração para o uso de fontes primárias e secundárias, de sons e imagens etc.
(PPC-UFMT – Rondonópolis)

Outras disciplinas estão preocupadas com o processo de mediação didá-


tica, ou seja, o trabalho de didatização dos conteúdos históricos.

Oficina de Ensino de História do Brasil – Levantamento bibliográfico e histo-


riográfico sobre o Brasil. Levantamento e análise de Documentos de História do
Brasil. Levantamento, análise e produção de material didático referente à Histó-
ria do Brasil. Práticas pedagógicas em instituições de ensino, pesquisa e movi-
mentos sociais. (PPC-UFC)
Laboratório de Ensino de História da América – Abordagem de temáticas es-
pecíficas para o ensino do período histórico de referência, de uma perspectiva
historiográfica recente que dinamizem estudos de temas relativos à sociedade, à
cultura, o cotidiano e às instituições político-econômicas. (PPC-Ufes)
Laboratório de Ensino de História Contemporânea – Estudo de um conjunto de
temas relativos à transposição e aplicação das reflexões e leituras desenvolvidas na
disciplina História Contemporânea para o debate nas salas de aula dos Ensinos
Fundamental e Médio. Ênfase especial é dada à apresentação de possibilidades de
intervenção, atividades e projetos a serem desenvolvidos. (PPC-UFRB)

Outro grupo de disciplinas destaca a preocupação em estabelecer as rela-


ções entre a teoria da história e a didática da história, trabalhando com con-
ceitos como consciência histórica, com o processo de construção do conheci-
mento histórico. Essas disciplinas enfatizam a necessidade de o futuro
professor conhecer o processo epistemológico de construção do saber
histórico.

Teoria e Prática do Ensino de História – Reflexões sobre a formação do profis-


sional do ensino de História da Educação Básica através da análise crítica das
relações entre os fundamentos da produção historiográfica, teorias de ensino e
aprendizagem, e a História ensinada. Abordagens sobre a construção do pensa-
mento, conhecimento e consciência histórica e suas articulações em diferentes
contextos e lugares de produção do processo educativo. Reflexões sobre a pes-
quisa de ensino e aprendizagem da História. Identificação das concepções que
orientam as diferentes propostas de ensino de História e as formas de ler, com-

Junho de 2014 313


Angela Ribeiro Ferreira

preender, escrever, viver e fazer História. Fundamentações de práticas formais e


informais de ensino de História junto ao Laboratório de Ensino de História.
(PPC-Ufes)
Oficina de História I – História e necessidades sociais de orientação no tempo.
Pensar historicamente. Identidades e conhecimento histórico. Saberes históricos
e saber histórico escolar. Produção de saberes históricos na ciência e no senso
comum. A pesquisa como princípio do pensamento crítico, criativo e científico.
Indissociabilidade entre ensino, pesquisa e práxis. Prática de investigação sobre
a relação entre conhecimento histórico e as necessidades sociais de orientação
temporal. A constituição da História como disciplina escolar. (PPC-UEPG)
Prática de Ensino e Pesquisa em História: Aspectos Epistemológicos – Enfo-
que nas especificidades do saber histórico acadêmico em sua relação com o saber
histórico escolar a partir da abordagem dos aspectos epistemológicos do pensa-
mento e do conhecimento histórico e aqueles referentes à cultura escolar. Abor-
dar a história do ensino de História no contexto da afirmação da História como
área de conhecimento. O ensino de História como área fundamental da Ciência
Histórica. (PPC-UFMS – Três Lagoas)

Temos ainda ementas que tratam especificamente da aproximação do fu-


turo professor com o seu campo de atuação, a escola, e os problemas que estão
presentes nesse universo de trabalho, a realidade e o funcionamento da escola,
profissionalização docente e as associações de classe e sindicatos.

Prática Educativa I – Profissão Professor: Docência e trabalho – Processos de


profissionalização docente (o educador e o professor de história): identidade
profissional, sindicatos e associações científico-profissionais, ética profissional.
Fundamentos teóricos metodológicos para a realização de atividades de campo
em educação (observação, elaboração de diários, entrevistas, história oral).
(PPC-USFS)

Prática Profissional IV – Realidade da Escola e do ensino de história na educa-


ção formal e na educação não formal. Fundamentações e princípios teórico-me-
todológicos que embasam a estrutura e o funcionamento das escolas e do ensino
de história e do cotidiano pedagógico relacionado ao ensino de História nos
anos finais do Ensino Fundamental e séries do Ensino Médio e em espaços onde
se desenvolvem práticas educativas não formais. (PPC-UERR)

314 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


A Prática de Ensino na formação do professor de História no Brasil

Metodologia do Ensino de História – A formação de professores de História. A


reflexão sobre a atuação do professor em sala de aula. Os métodos de ensino e
conhecimento dos materiais didáticos próprios para o ensino de História em
todos os níveis do ensino fundamental e médio. (PPC-UFPI)

Um elemento presente em vários PPC analisados é a defesa da indissocia-


bilidade entre ensino e pesquisa. Essa defesa se faz pertinente nos cursos que
optam por manter integrado o bacharelado e a licenciatura ou nas licenciaturas
que mantêm a carga horária de pesquisa e TCC, e menos pertinente nos cursos
em que funcionam bacharelado e licenciatura com entradas independentes.
Luis F. Cerri (2006, p.223) trata desse elemento ao apresentar a experiência da
Prática de Ensino na UEPG:

O desafio posto por essas concepções é a formação de um profissional que supe-


re a condição de reprodutor de conhecimento para a condição de co-produtor e
de produtor. Que, portanto inclui a condição do intelectual, do pesquisador.
Não se trata, segundo Paulo Freire, de adicionar adjetivos ao professor, mas de
compreender que ele somente exerce todos os atributos do substantivo professor
ao desenvolver seu trabalho com criação, pesquisa e crítica.

Os trechos dos Projetos Pedagógicos a seguir exemplificam esses


posicionamentos:

A formação do profissional de História se fundamenta no exercício destas práti-


cas. “Pesquisar” e “ensinar” são objetivos caros e indissociáveis ao seu ofício.
(UFSC, p.4)

A prática pedagógica do profissional de história deve ancorar-se na indissociabi-


lidade entre ensino e pesquisa, superando toda e qualquer dicotomia entre o pro-
fissional que pesquisa e o profissional que ensina. (UFC, p.9)

Privilegiando o princípio que norteia as novas diretrizes curriculares, isto é, a


indissociabilidade entre ensino e pesquisa. (UFG, p.5)

O Curso pretende dar uma formação ao jovem professor-pesquisador dentro de


uma perspectiva multidisciplinar, que lhe permita desenvolver aptidões voltadas
para a prática da pesquisa e do ensino. (UFPI, p.3)

Partindo do pressuposto de que pesquisa e ensino são atividades complementares


e indissociáveis, os Laboratórios apresentam aos alunos a possibilidade de traba-

Junho de 2014 315


Angela Ribeiro Ferreira

lhar com as apropriações críticas, na pesquisa e no ensino dos diferentes tipos de


fontes históricas. (Unifesp, p.8)

Outro elemento defendido é a não dicotomia entre teoria e prática, como


mostram os trechos dos projetos pedagógicos:

Uma fórmula saudável de articular teoria e prática será a integração dos Laborató-
rios do Curso de História (são 09 Laboratórios) às atividades de formação da prá-
tica profissional do Historiador: professor, pesquisador e difusor. (UFSC, p.42)

Todo processo de formação docente deve integrar a articulação teoria-prática. As


experiências de pesquisas históricas vivenciadas ao longo da formação possibili-
tam ao estudante perceber que a prática atualiza e interroga a teoria. (UFG, p.6)

O currículo deverá trabalhar com as dimensões de ensino e pesquisa, teoria e prá-


tica, prevendo uma articulação entre os diferentes aspectos na formação do Licen-
ciado em História. (UFPI, p.4)

Consideramos como interligadas e inseparáveis estas duas dimensões do aprendi-


zado e do exercício profissional, sendo impossível neste projeto operar com qual-
quer dicotomia entre “teoria” e “prática”. (UFU, p.5)

O problema desta discussão é que ao designar 400 horas para a Prática


como Componente Curricular, já estamos dissociando a formação, ou seja,
existe um espaço na formação para estudar teoria e conteúdo, e outro para
estudar a prática profissional e a realidade da escola. O discurso da não
dicotomia acaba, na forma como está proposta, em um discurso até certo
ponto incoerente, visto que na tentativa de trazer a prática para os cursos
de formação acabamos por separar em disciplinas específicas. Esse debate
sobre as incoerências na organização curricular baseadas em concepções
que entendem teoria e prática como antagônicas é apresentado por Elisa
Lucarelli (2009, p.76):

La división horaria entre clases teóricas y prácticas; la existencia de docentes res-


ponsables de la enseñanza de la teoría, lós de mayor prestigio y poder institucio-
nal, y de docentes para la enseñanza de la páctica como aspecto más instrumental
de lós contenidos a aprender; son algunas de las consecuencias de estas posicio-
nes frente al conocimiento.

316 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


A Prática de Ensino na formação do professor de História no Brasil

Em um currículo ideal todos os professores formadores deveriam ser res-


ponsáveis pela articulação entre teoria e prática na formação do futuro
professor.
Esses dois elementos (indissociabilidade entre ensino e pesquisa, relação
teoria e prática) presente nos projetos são, na verdade, parte de um discurso
sobre a formação de professores. O fato de aparecerem tais elementos não sig-
nifica necessariamente que todos os cursos (entenda-se cursos como docentes)
concordam e apoiam a inclusão da Prática de Ensino, até porque não referen-
ciam, nos textos dos PPC, de onde, a partir de quais autores, estão falando em
relação teoria e prática, por exemplo. A partir de qual concepção de formação
de professores estão defendendo a articulação teoria e prática? Afinal, sabemos
que podemos utilizar expressões iguais/parecidas para concepções teóricas
distintas.
Sacristán (2002, p.22-23) chama esses discursos de metáforas das pesqui-
sas pedagógicas:

Outra metáfora muito bonita, muito agradável, tem sido a do professor investiga-
dor em aula, do pedagogo europeu L. Stenhouse: o professor como alguém que
indaga, que “busca” em seu próprio âmbito de trabalho. Há outras metáforas, meio
cognitivas, meio políticas, como a do professor intelectual, do professor mediador
do currículo, do professor autônomo, independente, político-crítico...

Sacristán afirma ainda que “a investigação educativa tem se preocupado


com os discursos e não com a realidade que flagra a realidade profissional na
qual trabalham os professores e as suas condições de trabalho” (p.24). A partir
dessa afirmação podemos indagar: será que os discursos de formação do pro-
fessor/pesquisador, “não dicotomia teoria/prática”, entre outros, não são falá-
cia, não ficam no plano do discurso? Em que medida os cursos conseguem,
com a estrutura de que dispõem (corpo docente, estrutura física e material etc.)
dar conta de colocar em prática a planejada formação integral do profissional
da história, defendida nas Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de
História?
Os Projetos utilizam vários conceitos na redação de seus textos (relação
teoria e prática, indissociabilidade ensino e pesquisa, transmissão e transposi-
ção do conhecimento, professor/pesquisador), mas a maioria deles não define
tais conceitos nem aponta a partir de qual referencial teórico está tomando o

Junho de 2014 317


Angela Ribeiro Ferreira

conceito. Aliás, uma grande parte dos PPC não tem referências bibliográficas
ao final dos textos do documento, alguns apenas têm como referência a legis-
lação utilizada.

Considerações finais

Estas considerações ainda são iniciais, mas o que podemos afirmar é que
os cursos estudados já adequaram seus Projetos à nova legislação de formação
de professores. Mesmo apresentando uma grande variedade de interpretações
da legislação, as comissões de elaboração dos currículos dos cursos têm a preo-
cupação de utilizar a linguagem do discurso corrente sobre o tema formação
de professores.
O formato predominante de organização das 400 horas da prática como
componente curricular é o de disciplinas específicas. Embora esse formato pa-
reça, ao primeiro olhar, contraditório com a discussão sobre a relação teoria e
prática na formação dos professores, foi a maneira que os colegiados de curso
encontraram de garantir o debate na formação, visto que existe uma ementa
com temas específicos ligados ao trabalho docente na educação básica.
A distribuição da carga horária entre as disciplinas da grade, ao contrário
da anterior, pode parecer a melhor alternativa para a não dicotomia teoria e
prática, já que todos os professores do curso, ou pelo menos todos os profes-
sores das disciplinas de conteúdo histórico, participariam da formação do fu-
turo professor, trabalhando a prática de ensino em sua área. Entretanto, pen-
sando na realidade dos cursos e na formação acadêmica do corpo docente,
seria ingenuidade pensar que só porque se destinaram 10 ou 15 horas na dis-
ciplina a relação teoria e prática estaria garantida. É mais provável que a carga
horária diluída realmente se dilua, ou seja, “todos e ninguém” sejam respon-
sáveis ao mesmo tempo.
Os cursos que optaram por criar algumas disciplinas e diluir parte da car-
ga horária em um curso de licenciatura ideal talvez pudessem ser vistos como
um formato ideal. Ideal porque estariam garantidos alguns temas caros à for-
mação docente em ementas específicas, e todos os formadores de professores
estariam preocupados com o processo de mediação didática e com a prática
do futuro professor.

318 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


A Prática de Ensino na formação do professor de História no Brasil

Já a opção de alocar as disciplinas pedagógicas na carga horária de prática


parece ser a negação da responsabilidade com a Didática da História, que deve
estar a cargo de professores de história. “O ensino de história nas escolas exige
dos professores uma competência que não coincide com sua especialização em
história” (Rüsen, 2007, p.90) e, por isso, “a didática é a disciplina em que essa
competência específica para a sala de aula, para ensinar, é formulada e refleti-
da”, portanto precisa ser feita por alguém que conhece a ciência da história e
os processos de ensino e aprendizagem da história.
Para além do formato adotado em cada curso, é preciso destacar que na gran-
de maioria dos casos analisados, a carga horária de prática como componente
curricular está sob responsabilidade dos professores dos departamentos de história
ou seu equivalente na instituição. Isso é importante porque, na medida em que os
cursos assumiram que são responsáveis por formar professores, isso pode significar
um início do fim da tão problemática dicotomia teoria e prática, quando a forma-
ção específica (bacharel) era considerada como mais importante.
Isso tem relação direta com outra preocupação presente nos Projetos Pe-
dagógicos dos cursos, a indissociabilidade entre ensino e pesquisa. Não existe
fórmula para isso, mas os cursos têm ensaiado alternativas para unir ensino e
pesquisa, e o espaço da prática de ensino tem sido utilizado também com esta
finalidade, pensar a pesquisa em ensino de história na licenciatura e não ape-
nas a pesquisa histórica.
As ementas refletem essas preocupações quando propõem trabalhar com
o fazer docente, a mediação didática, as relações entre teoria da história e a
didática da história e a aproximação com a realidade da escola.

REFERÊNCIAS

BERGMAN, K. A História na reflexão Didática. Revista Brasileira de História, São


Paulo, v.9, n.19, p.29-42, 1990.
CAIMI, F. E.; CANABARRO R. P. Formação de Professores de História: breves notas
sobre os currículos atuais das licenciaturas. In: ENCONTRO NACIONAL PERS-
PECTIVAS DO ENSINO DE HISTÓRIA, 7. Anais... Uberlândia, MG: Ed. UFU,
2009.
CERRI, L. F. Oficinas de ensino de história: pontes de didática da história na transição
do currículo de formação de professores. Educar, Curitiba: Ed. UFPR, n.27, p.221-
238, 2006.

Junho de 2014 319


Angela Ribeiro Ferreira

COSTA, A. L. Formação de profissionais de história e a prática como componente


curricular. In: ENCONTRO NACIONAL DOS PESQUISADORES DO ENSINO
DE HISTÓRIA, 9. Florianópolis, SC, 18-20 abr. 2011. [Anais eletrônicos].
_______. A formação de profissionais de História: o caso da UFRN (2004-2008). Dis-
sertação (Mestrado em História) – Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa,
2010.
LUCARELLI, E. Teoría y practica en la universidad: la innovación en las aulas. Buenos
Aires: Miño y Dávila, 2009.
RÜSEN, J. História Viva. Teoria da História III: formas e funções do conhecimento
histórico. Trad. Estevão de Rezende Martins. Brasília: Ed. UnB, 2007.
SACRISTAN, J. G. Tendências investigativas na formação de professores. Revista da
Faculdade de Educação da UFG, Goiânia, n.27, p.21-28, 2002.

NOTAS
1
Este texto é parte integrante da pesquisa de doutorado desenvolvida no PPGE-UEPG – PR.
2
Resolução CNE/CP 2, de 19 fev. 2002:
Art. 1º A carga horária dos cursos de Formação de Professores da Educação Básica, em
nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, será efetivada mediante a in-
tegralização de, no mínimo, 2.800 horas, nas quais a articulação teoria-prática garanta, nos
termos dos seus projetos pedagógicos, as seguintes dimensões dos componentes comuns:
I – 400 horas de prática como componente curricular, vivenciadas ao longo do
curso;
II – 400 horas de estágio curricular supervisionado a partir do início da segunda
metade do curso;
III – 1.800 horas de aulas para os conteúdos curriculares de natureza científico-
-cultural;
IV – 200 horas para outras formas de atividades acadêmico-científico-culturais.
3
A diferença entre o número de Projetos Pedagógicos analisados e o número de cursos
resulta de algumas universidades utilizarem o mesmo projeto em vários de seus campi.
4
A UEG tem 12 campi com cursos de História, e em todos eles o curso utiliza o mesmo
projeto pedagógico, portanto, todos os campi oferecem licenciatura.
5
Grifos nossos.

Artigo recebido em 20 de junho de 2014. Aprovado em 27 de junho de 2014.

320 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Repensando a práxis educacional: breve olhar
sobre os recursos educacionais abertos
Rethinking the educational praxis: a brief look about open
educational resources
Danilo Meira Leite*
José Amilton Latanza**

Santana, Bianca; Rossini, Carolina; Pretto, Nelson de Luca (Org.)


Recursos Educacionais Abertos: práticas colaborativas e políticas públicas
Salvador: Ed. UFBA; São Paulo: Casa da Cultura Digital, 2012. 246p.

Onze artigos curtos e cinco entrevistas de autores das mais variadas fren-
tes e formações compõem o livro Recursos Educacionais Abertos: práticas co-
laborativas e políticas públicas, que se apresenta como uma espécie de manual
para o uso de recursos educacionais abertos (REA) em uma educação básica
de qualidade. A publicação está dividida em três partes – reflexões teóricas,
experiências, e depoimentos e entrevistas – e está disponível online no link:
www.livrorea.net.br/livro/home.html. Organizado por Bianca Santana, Caro-
lina Rossini e Nelson de Luca Pretto, o livro parte do pressuposto de que o
ensino básico, tanto quanto o superior, necessita de reformas. Essas reformas
devem ultrapassar as concepções pedagógicas “tradicionais”, ou seja, devem
promover uma reflexão aberta e integradora, atualizando a prática docente em
conformidade com uma sociedade pós-moderna, em que as tecnologias mo-
dificam a interação entre as pessoas no tempo e no espaço e, consequentemen-
te, o modus operandi do aprendizado. A educação aberta constitui elemento
central da obra e se apresenta como um exercício de compreensão da liberdade
da práxis educacional, como uma educação escolar para além dos muros e
grades, na qual o consumidor-aluno se torne um produtor-cidadão.

*Graduando em História, Universidade Estadual de Londrina (UEL), bolsista Pibic-CNPq.


danilomeira7@yahoo.com.br
**Graduado em História, Universidade Estadual de Londrina (UEL), bolsista PDE/Paraná. jalcom@
seed.pr.br

Revista História Hoje, v. 3, nº 5, p. 323-327 - 2014


Danilo Meira Leite e José Amilton Latanza

Tel Amiel, no princípio de seu artigo “Educação aberta: configurando


ambientes, práticas e recursos educacionais” – o primeiro do livro –, questiona
(p.18): “o acesso à escola está crescendo, mas podemos dizer o mesmo do aces-
so à educação?”. Para Amiel, a configuração estrutural da escola não permite
uma prática livre de ensino, o que o autor define como:

Fomentar (ou ter à disposição) por meio de práticas, recursos e ambientes aber-
tos, variadas configurações de ensino e aprendizagem, mesmo quando essas apa-
rentam redundância, reconhecendo a pluralidade de contextos e as possibilida-
des educacionais para o aprendizado ao longo da vida. (p.18-19)

Para Amiel (p.21), com as tecnologias de informação e comunicação


(TIC), a relação ensino-aprendizagem poderia ocorrer de forma muito mais
livre e ampla, pois há grande crescimento de oportunidades de aprendizado,
o que não implica “sepultar as instituições que existem”, mas sim buscar a (des)
construção e o acesso de maneira mais ampla possível a uma educação de qua-
lidade para todos.
Carolina Rossini e Cristiana Gonzalez, coautoras do segundo artigo, in-
titulado “REA: o debate em política pública e as oportunidades para o merca-
do”, fazem uma breve apresentação de suas formas de olhar os REA, discutem
as iniciativas e financiamentos governamentais, comparam o Brasil com outros
países e introduzem o debate sobre modelos de negócios abertos em REA, co-
mo, por exemplo, os mercados editoriais. Segundo as autoras, o “centro do
negócio das editoras é ... o controle sobre o direito autoral dos livros” (p.46).
Esse controle ocorre por meio de contratos de cessão de direitos autorais, que
não raramente lesam o direito dos autores (p.52). O caminho legal em prol da
desarticulação desse monopólio é o tema do artigo.
No artigo intitulado “Educação aberta: histórico, práticas e o contexto dos
recursos educacionais abertos”, Andreia Inamorato dos Santos parte do con-
ceito de educação aberta, discutindo as definições desse conceito e o seu res-
pectivo desenvolvimento e popularização na universidade (p.71). Destarte, a
terminologia da área é seu tema e uma “webografia”, um dos elementos dis-
tintivos do artigo.
O quarto artigo do livro, “Professores-autores em rede”, escrito por Nel-
son de Luca Pretto, consiste num ensaio acerca do tipo de produção docente
no Brasil e seu modus operandi a partir do advento das TIC. Nesse intuito,

324 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Repensando a práxis educacional: breve olhar sobre os recursos educacionais abertos

Pretto tece uma breve história do livro didático, estabelecendo um paralelo


entre os livros didáticos tradicionais, os meios de comunicação e o uso dos
REA voltados à prática educativa. Para o autor, a produção de conhecimentos
deve partir de uma perspectiva multiculturalista que abarque com um olhar
de alteridade o “outro” em rede.
O livro ainda traz uma seção especial, denominada “depoimento e expe-
riência”. Nela, Bianca Santana inicia seu texto (p.133) com a questão da inser-
ção dos materiais digitais (lousa digital e tablets, entre outros) em colégios da
capital do estado de São Paulo, da rede privada e pública de ensino, no ano de
2012. Para a autora, o uso desses recursos é intrínseco à licença que esses ma-
teriais detêm, pois, se estão “sob a frase ‘todos os direitos reservados’, não po-
dem ser utilizados para qualquer finalidade, nem gerar novos usos, ou ser re-
mixados em novos produtos, ou ser distribuídos para ter seu acesso ampliado”
(p.140).
Priscila Gonsales, no artigo “Aberturas e rupturas na formação dos pro-
fessores”, defende a formação continuada dos professores da rede pública e
privada de ensino no uso das TIC e assinala que a experiência de trabalhar por
10 anos no projeto Educared1 (2001-2010) foi muito importante para uma
conscientização sobre o tema (p.143-144). Esse trabalho proporcionou a cria-
ção de outro projeto, voltado igualmente para a área educacional, o Educadi-
gital,2 que visa a capacitação dos educadores em REA, “pois são eles/as quem
detêm o poder de transformação da sua prática em REA” (p.149).
Outro autor da coletânea de artigos, Rafael Reinehr, defende a educação
enquanto autônoma, e o cidadão como um produtor de REA. Para o ativista
político na área da cultura livre, cujo artigo é intitulado “Recursos educacionais
abertos na aprendizagem informal e no autodidatismo”, a busca pelo conhe-
cimento por vias não formais, “desescolarizadas”, libera o discente do sufoca-
mento da criatividade que ocorre dentro dos muros da escola. Reinehr indica
também repositórios digitais para busca e pesquisa de conteúdos e saberes,
além de sites e demais veículos de informação disponíveis para o aprendizado
de forma ampla e aberta (p.158-172). Conclui, com base em Eduardo Galeano,
que as utopias são semelhantes às formulações REA, pois não devemos parar
de sonhar em busca da educação cada vez melhor e de qualidade (p.175).
O artigo “Wikimedia Brasil e recursos educacionais abertos” apresenta a
opinião de Heloisa Pait, Everton Z. Alvarenga e Raul C. Nascimento no intuito

Junho de 2014 325


Danilo Meira Leite e José Amilton Latanza

de difundir uma visão colaborativa e inclusiva de conhecimentos no Brasil


(p.177). Pait (p.180) relembra sua experiência com a ferramenta Moodle, cria-
da pelo australiano Martin Dougiamas, como uma forma de expansão do en-
sino. Alvarenga propõe uma reflexão acerca da rede social Stoa, que envolve
estudantes, professores, funcionários e ex-alunos da Universidade de São Paulo
(USP), com o fim de promover a produção de REA e a cultura colaborativa.
Raul Nascimento busca, por meio da Wikimedia, aproximar o conhecimento
daqueles que não detêm poder aquisitivo para compra de livros a fim de se
enriquecer intelectualmente.
Como se pode notar, mais do que teóricos, os autores do trabalho atuam
como ativistas da causa de uma educação mais aberta, bem como de uma in-
ternet (se não uma cultura) mais livre. O livro, que foi publicado em 2012, está
disponível em formato aberto na rede. Desde seu lançamento, passa por mu-
danças constantes, implementadas à medida que seus leitores enviam reco-
mendações aos autores por meio do site. Nesse espírito, o autor Tel Amiel,
quando inquirido sobre a atualidade do tema e a posição do Brasil em relação
aos demais países quanto à produção de REA, destaca:

Eu não saberia comparar REA, porque o desenvolvimento tem sido rápido no


mundo todo e é difícil saber o que acontece em todo lugar; o que eu diria é que,
no Brasil, estamos começando a ter mais consciência do que é REA, e precisamos
ainda, muito, de sensibilização sobre o tema. Recentemente finalizamos uma fase
1 de um mapa de iniciativas REA no ensino básico na América Latina (www.
mira.org.br). O que identificamos é que há ainda muito pouco que se enquadra-
ria numa definição formal de REA. Precisamos construir mais espaços e recursos
para o ensino básico, em português. No entanto, o que temos visto é que, quando
apresentadas ao conceito, pessoas de todos os tipos de engajamento se interessam
por algum aspecto de REA. Ao mesmo tempo é preciso continuar trabalhando na
construção de esquemas de incentivo e políticas institucionais que valorizem
REA (na ciência aberta, na produção de recursos abertos, nas chamadas de edi-
tais de agências de fomento etc.).3

Nesse ensejo, não será demais assinalar que a educação, assim como os
poemas de Manoel de Barros, é feita de ideações.

326 Revista História Hoje, vol. 3, nº 5


Repensando a práxis educacional: breve olhar sobre os recursos educacionais abertos

NOTAS
1
Projeto de produção de conteúdo e troca de práticas educativas fomentado pela Fundação
Telefônica: www.educared.org/global/educared/queeseducared_br.
2
“O IED é uma organização de direito privado sem fins lucrativos que tem como foco
promover a integração da cultura digital aos diferentes espaços e ambientes educativos de
caráter público, de forma a gerar novas oportunidades de aprendizagem para o desenvol-
vimento pleno do ser humano.” http://educadigital.org.br/site/?page_id=10.
3
E-mail em resposta aos autores da resenha, 10 maio 2014.

Resenha recebida em 30 de maio de 2014. Aprovada em 27 de junho de 2014.

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Instruções para os Colaboradores

Objetivo e política editorial


A Revista História Hoje publica artigos, entrevistas, relatos de pesquisa e experiências de
trabalho na área de História e Ensino.
Todos os textos serão submetidos a dois pareceristas, desde que atendam aos requisitos
mínimos apontados nas normas de apresentação de colaborações. Havendo pareceres con-
trários, recorrer-se-á a um terceiro. O Editor responsável e o Conselho Editorial se reservam
o direito de recusar os artigos que não atenderem às exigências mínimas previstas nas
normas aos colaboradores, sem sequer dar início ao processo de avaliação.
Cabe ao Conselho Editorial a decisão referente à oportunidade da publicação das contri-
buições recebidas.

Normas para a apresentação de colaborações

As colaborações para a Revista História Hoje devem seguir as especificações:


1. Todos os trabalhos devem ser apresentados em duas versões, uma com e outra sem a
identificação do autor; não é necessário enviar cópia impressa. O programa utilizado
deve ser compatível com o Word for Windows. Imagens: 300 dpi.
2. Em uma folha separada devem constar os dados completos do autor (nome completo,
filiação institucional, titulação acadêmica, endereço institucional, telefone com DDD
e e-mail para correspondência). O autor deve também declarar que o texto submetido
é inédito e não se encontra em processo de julgamento em nenhum outro periódico
ou coletânea.
3. Caso o trabalho tenha apoio financeiro de alguma instituição, esta deverá ser mencio-
nada.
4. As traduções devem vir acompanhadas de autorização do autor e do original do texto.
5. Os artigos terão a extensão de 15 a 20 páginas em formato A4, digitadas em fonte
Times New Roman 12, com espaço 1,5. As citações de mais de três linhas deverão ser
feitas em destaque, com fonte 11 e recuo de 2,5 cm. Margens: superior e esquerda: 3,0
cm; inferior e direita: 2,0 cm. Os artigos serão acompanhados do título em inglês,
resumo e abstract de no máximo 10 linhas ou 140 palavras, 3 palavras-chave e 3
keywords.
6. As resenhas poderão ter entre 1.000 e 1.500 palavras. Fontes e margens seguem as
mesmas normas dos artigos. Devem referir-se a livros nacionais publicados no mesmo
ano ou no ano anterior ao da submissão, ou livros estrangeiros publicados nos últimos
quatro anos.

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7. A publicação e os comentários a respeito de documentos inéditos seguirão as normas
especificadas para os artigos.
8. As notas devem ser colocadas no final do texto, não ultrapassando o número de 30.
Serão admitidas notas explicativas, desde que imprescindíveis e limitadas ao menor
número possível. As referências bibliográficas completas deverão ser listadas em or-
dem alfabética, no final do artigo.
9. Normatização das notas cf. NBR 6023:

Livro: SOBRENOME, Nome. Título do livro em itálico: subtítulo. Tradução. Edição. Cida-
de: Editora, ano. nnnp.

Capítulo ou parte de livro: SOBRENOME, Nome. Título do capítulo ou parte do livro. In:
SOBRENOME, Nome. Título do livro em itálico: subtítulo. Tradução. Edição. Cidade: Edi-
tora, ano. p.xxx-yyy.

Artigo em periódico: SOBRENOME, Nome. Título do artigo. Título do periódico em itáli-


co, Cidade: Editora, v.xx, n.xx, p.xxx-yyy, ano.

Trabalho acadêmico: SOBRENOME, Nome. Título em itálico: subtítulo. Dissertação/Tese


(Mestrado/Doutorado em .....) – Unidade, Instituição. Cidade, ano. nnnp.

Texto obtido na internet: SOBRENOME, Nome. Título. Data (se houver). Disponível em:
www..........; Acesso em: dd mmm. ano.

Trabalho apresentado em evento: SOBRENOME, Nome. Título do trabalho. In: NOME


DO EVENTO, número (se houver), ano, Local do evento. Anais... Local: Editora (se hou-
ver), ano. p.xxx-yyy.

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